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ROTEIRO DE AULA
Além disso, tanto a religião quanto a arte fazem parte da cultura humana desde os
primórdios, sendo um diferencial entre seres humanos e animais. Conforme apontado por
Julian Bell, a mera noção de estética não é um diferencial, pois apesar de a maioria dos
animais construírem ninhos, teias ou diques de modo funcional, há muitos casos de
animais que possuem um senso estético, como a atração de muitas espécies de pássaros
Sobre uma forma remota de entalhe figurativo, um torso feminino de cerca de 250
mil anos atrás, do sítio arqueológico de Berekhat Ram, Bell comenta:
Para realizar esse trabalho (...) seria necessário que o autor tivesse na mente
uma imagem clara de algum dos corpos vivos que ele conhecia. Seria
necessário transferir essa imagem, com a ajuda de alguma ferramenta, para o
corpo de uma pedra. Além disso, ele precisaria de algum incentivo para fazer
essa extraordinária asserção: “Que isto se torne aquilo”.
Essa possibilidade proporcionada pelos símbolos de trazer à mente coisas que não
estão lá, como memórias de um passado distante ou projeções de um futuro ainda não
surgido, são noções de tempo de longo prazo e abstração que igualmente caracterizam os
humanos em contraste aos animais. Inclusive, é o uso dos símbolos que possibilita
registrar informações que permitem o acúmulo e a transmissão de aprendizados, e levam
à construção de uma história e ao avanço tecnológico, por exemplo. Tudo isso também é
imprescindível para o desenvolvimento do pensamento religioso e filosófico, afinal a
principal ausência que toca a todos os seres e que leva ao desenvolvimento simbólico da
religião e da filosofia, é justamente a consciência de finitude: o modo como entendemos
a morte e o que ocorre depois dela. Funerais de hominídeos nos quais o corpo é enterrado
em posição fetal implicam em uma simbolização do corpo, que é colocado
intencionalmente nessa posição, e indicam uma crença em algum tipo de pós-vida, uma
vez que o morto é enterrado na mesma posição em que se encontrava ao nascer. Paige
Madison explica que:
Com base nas teses do biólogo Terrence Deacon sobre o ser humano enquanto
espécie simbólica, Paulo Nogueira fundamenta a hipótese de que:
Após essa reflexão sobre o modo como arte e religião possuem origens comuns no
pensamento simbólico, e como tal pensamento é característico do ser humano, passemos
agora a uma reflexão a respeito do que vêm a ser os símbolos.
Símbolos e semiótica
A palavra símbolo vem do grego symbolon, de syn que significa “junto”, “unido”,
e bállō, que significa “jogar” ou “colocar”. A palavra fazia referência a uma espécie de
antigo selo contratual grego, um selo de cerâmica quebrado em dois pedaços, que ficavam
com cada uma das partes interessadas do contrato ou do acordo entre famílias. A peça
simbolizava o contrato, e a junção correta das peças garantia que o acordo era verdadeiro,
genuíno. O sentido de “jogar” de um lado para o outro, também implica na ideia de
substituição de uma coisa por outra.
Mas nos estudos dos símbolos, essa palavra adquiriu uma definição específica como
um dos muitos tipos de signo. O nome da ciência que estuda os signos é semiótica. Essa
ciência já teve muitos nomes: semeiótica, semiologia, semeiologia, todos derivados do
grego seméion, que significa “signo” ou “sinais”, sendo um sinônimo a palavra sēma, raiz
das palavras “semântica” e “semáforo”. De maneira geral, Lucia Santaella explica
semiótica da seguinte maneira:
Ao definir o signo como “algo que está no lugar de algo para alguém”, Peirce
ressalta a relação triádica do processo de significação, ou semiose, que envolve não
apenas o signo (“o veículo que traz para a mente algo de fora”, que ele chama de
representamen) e o objeto ao qual o signo se refere, mas também a mente do intérprete
(o significado gerado na mente do intérprete é um novo signo, chamado de interpretante):
“a foto (representamen) de uma paisagem (objeto) faz com que aquela paisagem chegue
à mente do intérprete e nela produza um efeito que pode ser uma lembrança, uma surpresa,
uma melancolia ou uma frase verbal (o interpretante)” (SANTAELLA, 2017, p. 41).
Metáfora: paralelismo entre dois elementos constitutivos que se resolve com uma
terceira relação. Por exemplo, no Mahavadanasutra lemos “Assim foi, o leão deu seus
passos” (TSAI, 2019, p. 302), e pelo contexto da narrativa, sabemos que o “leão” ao qual
o texto se refere é o menino bodhisattva que vai se tornar o Buddha, descrito no momento
de seu nascimento. Assim, há os três elementos: o leão, o bodhisattva e a relação em
comum entre os dois, por exemplo: a solidão e a singularidade de seu poder (de adentrar
a esfera do inefável) (TSAI, 2019, p. 304), as qualidades de coragem (de falar sobre a
verdade última), indomabilidade (perante o desejo aflitivo), a postura que aspira
dignidade ao caminhar (devido à disciplina moral), e outras relações possíveis de acordo
com o contexto e o ensinamento.
É importante lembrar que essa não é a única definição de símbolo (assim como cada
símbolo não possui um único significado, já que os contextos e as convenções mudam
constantemente). Há muitas outras definições de símbolo, ou pelo menos diferentes
enfoques de acordo com diferentes autores, que servem a diferentes propósitos e,
portanto, são mais ou menos aplicáveis conforme o contexto. Outra conceituação de
símbolo que vale a pena ter em mente é a do filósofo francês Paul Ricoeur (19013-2005).
Para Ricoeur, o símbolo tem três dimensões: cósmica, onírica e poética. A dimensão
cósmica diz respeito às hierofanias e às tentativas primevas de organizar e significar o
cosmos. A dimensão onírica, dos sonhos, é a passagem do cósmico para o psíquico dos
símbolos mais fundamentais da humanidade, que vão além do sujeito e são comuns à
cultura de todo ser humano. A dimensão da imaginação poética do símbolo é o momento
de surgimento da linguagem, e é essencialmente verbal (2013, p. 27-31).
Bibliografia
BELL, Julian. Uma nova história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
DEACON, Terrence W & CASHMAN, Tyrone. (2009). The Role of Symbolic Capacity
in the Origins of Religion. In: Journal for the Study of Religion, Nature and Culture
3.4, p.490-517. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/250015338_The_Role_of_Symbolic_Capaci
ty_in_the_Origins_of_Religion> acesso em 28 de julho de 2020.
HODGSON, Derek e PETTITT, Paul. A Radical New Theory About the Origins of Art.
Sapiens, 30 de maio de 2018. Disponível em:
< https://www.sapiens.org/archaeology/paleolithic-cave-art-animals/>, acesso em 03 de
julho de 2020.
MADISON, Paige. Who First Buried the Dead? Sapiens, 16 de fevereiro de 2018.
Disponível em: < https://www.sapiens.org/culture/hominin-burial/>, acesso em 27 de
julho de 2020.
Classics and Ancient History @ Warwick. Symbolon. The Juror's Token. A digital
story created by Mairi Gkikaki as part of the EU-funded Token Communities in the
Ancient Mediterranean project.
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=2hidgY5VRZ4 >, acesso em 01
de agosto de 2020.