Você está na página 1de 53

IZAIAS RESPLANDES DE SOUSA

O VALE
DO CÓRREGO DA MATA

POXORÉU (MT), 2022


PREFÁCIO
O tempo passa muito depressa. E ele vai dilapidando as nossas lembranças e as
nossas memórias mais queridas. Não adianta a gente dizer que não vai esquecer, porque vai. É bem
curioso o fato de que a gente tem mais facilidade para recordar das coisas mais ruins que
vivenciamos, do que das coisas boas que não gostaríamos de esquecer. Parece que o ruim marca
mais do que o bom. O certo é que, sejam boas ou ruins, as memórias se apagam. E então, venho
tentando fazer um registro sistemático das coisas que eu vivi e que ainda recordo. Esse livreto faz
parte dessa intenção de resgate.
O Vale do Córrego da Mata é a região que vai desde a nascente desse riacho, até a
sua foz com o córrego Barreiro, quando perde o nome. Meu avô Antônio Gomes de Sousa, o Tunico
Sousa, morou durante muitos anos nessas terras, que ficaram assim distribuídas: na divisa com o tio
Sebastião Teodoro de Freitas, o Sebastião Ambroso, ficava a fazenda de meu pai, Marcelino
Argemiro de Sousa, a qual era cortada pelo córrego da Mata, visto que ele ali nascia. Depois de nós,
vinha o tio Josias Gomes de Sousa e o tio João Berocam de Sousa, o tio Beró. Depois deles, vinha a
sede da Fazenda da Mata, a casa de meu avô, que nós simplesmente chamávamos de “fazenda”.
A partir da fazenda, o vale se alargava. E assim, no mesmo nível ficavam as terras de
tio Odílio Carvalho de Sousa (na parte mais próxima da serra da Irara) e tio Irani Gomes de Sousa
(casa que foi de tio-avô João Gomes de Sousa (irmão de meu avô) e, depois de tio Irani, foi de José
Estêvão de Sousa, o Juquinha. Atualmente, essas terras foram vendidas para uns paulistas.
Após as terras de Odílio havia a casa que foi de tio Josias, de tio Itamário e de tio
Lázaro Cainágua. Era uma casa bonita, com rego d’água, monjolo, água na bica, guerobas e pés de
café. Andei muito por ali. E depois dela, vinha uma casinha que foi habitada por tio José de Sousa e
tia Sebastiana. E, seguindo em frente, chegava-se à casa de tio Belmiro Gomes de Sousa, o tio Belo
Sousa.
Na linha paralela, às margens do córrego da Mata, tem até hoje uma casa, onde meu
pai e minha mãe moraram por um tempo quando eram casados. Depois, ali funcionou uma escola,
onde estudei com o professor Abidom Gomes de Sousa, filho de tio Belo. Havia muitos alunos. Em
frente a casa havia um gramado onde jogávamos genipapo verde, no lugar da bola. Quando ele se
esbagaçava todo, pegávamos outro e a disputa continuava. Havia uns alunos que vinham a cavalo,
porque moravam longe. A merenda era trazida de casa e, muitas vezes era a comida trivial do dia a
dia. Eu estudei ali apenas em 1968. Fiz o terceiro ano pela segunda vez. No final de 1968 eu fui
estudar em Alto Araguaia, morando com minha tia Marina Cândida de Sousa. Ali, estudei por dois
anos, no Ginásio Padre Carletti, o colégio salesiano.
Hoje, a casa da escola é utilizada pelos paulistas, donos da terra, como alojamento de
seus funcionários.
Entre o tio Lázaro Cainágua e o tio Belo, também teve uma escola, onde lecionou o
professor Manoel Mota. Eu cheguei ir lá algumas vezes com tia Zulmira. Eu era muito pequeno. A
casa era de palha e as paredes, de pau a pique. Durante o recreio, os alunos tomavam banho numa
grota que passava aos fundos da escola. Nas margens, havia uma moita de bananeiras e, certa vez,
eu fiz ali uma arte. Riscando um palito de fósforo que trouxera de casa, pela primeira vez, coloquei
fogo nas bananeiras.
E aí se chegava ao córrego Barreiro, o qual tem sua própria história e já é caso para
um novo registro.
Espero que a simplicidade do relato não contribua para o seu demérito. Quanto às
falhas e omissões, talvez possamos corrigi-las em edições futuras. Não tenho dúvidas que elas
existem. Como já disse, as memórias se vão e as lembranças são apagadas. Outros podem se
lembrar mais do que eu e também poderão contribuir com esse resgate da trajetória de nossa família
no Vale do Córrego da Mata, no município de Torixoréu, MT.
Desejo aos que se decidirem a apreciar esta obra, uma boa leitura.
Poxoréu, MT, 19 de fevereiro de 2022.
Izaias Resplandes de sousa, o autor.
I – O MIRANTE DO PÉ DA SERRA
Por horas, nossos olhos eram apenas para as plantações de soja, que se perdiam nas
imensas paragens outrora dominadas pela vegetação do cerrado. Finalmente, chegamos a um ponto
de referência da minha infância. Diante de nós, a estrada estava fechada por uma velha porteira, da
qual eu me lembro muito bem.
A porteira podia até não ser a mesma. Mas, para minhas lembranças, ela sempre
esteve bem ali. Lourdes desceu para abri-la. Fiquei observando, de máquina em punho, para
registrar aquela memória de ver a porteira se abrindo para nos mostrar, do lado de lá, o seu velho
álbum de retratos e fotografias, que tantas lembranças já produziu em meu imaginário. E então vi
que a porteira já deveria mesmo ser outra, pois no lugar da “tramela” havia uma corrente e um
fechador moderno, o que era raro haver por ali nos tempos mais antigos.

Após a porteira, seguimos pela estradinha de chão e cascalho avermelhado, por uns
duzentos metros, mais ou menos, chegando ao mirante do pé da serra. A visão que se abriu aos
nossos olhos, para mim, era pura mágica, tal o grau de encantamento que produziu em minha alma.
Quantas vezes eu estivera ali, olhando e apreciando aquele velho pé de serra, onde
meu avô criou seus filhos e onde muitos de nós, seus netos, também nascemos.
Ali de cima dava para visualizar cada uma das antigas moradas, das quais, algumas,
nem os esteios se veem mais. Mas, lá no meio daquela bela paisagem, a velha casa de meu avô
resiste ao passar dos anos, há quase um século. Outrora, ali, era uma mata fechada. E, por isso,
quando meu avô Antônio Gomes de Sousa, que todos conheciam como Tunico Sousa, resolveu
fazer ali a sede de sua fazenda, ele não teve dúvidas de que ali seria a Fazenda da Mata.
Hoje, a mata nativa é quase inexistente, embora mereça elogios o esforço de
reflorestamento feito pelos “paulistas”, que compraram as terras do entorno.
Por conta da legislação, esses paulistas agricultores decidiram deixar como reserva
florestal o vale do Pé da Serra. E assim, apesar de ser apenas uma pequena faixa ciliar em torno do
Córrego da Mata, com certeza, já vale por demais a pena, principalmente, porque é a nossa velha
mata que está sendo restaurada. Segundo os “meninos” do Tiberó (que desde 16 de março de 2020
nos deixou, depois de trabalhar a maior parte de se seus 84 anos de vida no Pé da Serra), os bichos
estão voltando. A nova mata já abriga até mesmo onças pardas.

Ali, do alto do mirante, eu dei um zoom na câmera para ver a casa de vovô com mais
detalhes, apesar de que, cada um deles está bem guardado no “santo dos santos” de meu cérebro. E
então pude ver nitidamente a antiga estradinha de acesso à fazenda. Quantas vezes eu já passei por
ela, fosse a pé, guiando carro de bois, ou mesmo em meu próprio carro, em minhas visitas. É uma
subida apertada e, nessa época de chuvas, costuma brotar água no seu leito, dificultando a subida.

Eu nasci no Pé da Serra,
Pertinho de Pouso Alto.
Seja em paz, ou seja em guerra
No amor por ti não falto.

Eu nasci na sede da Fazenda da Mata, na casa de meus avós Tunico Sousa e Maria
Cândida de Sousa, em 25 de maio de 1958. Pode ser que meu amor por esse lugar decorra dessa
minha filiação. Meu Tio Antônio Carlos Martins de Sousa, o tio Carlinhos, costuma dizer que, para
as novas gerações, a casa da fazenda não passa de uma taperona. Também acho que muitos pensam
assim, mas há quem pense diferente e veja a necessidade de se restaurar a velha casa que, sem
dúvida alguma, é um patrimônio não só da família, mas também do município de Torixoréu.
II – JOÃO GOMES DE SOUSA
E então começamos a descida em direção ao Vale do Córrego da Mata, onde, em um
passado não tão distante, meu avô Tunico Sousa e seus filhos fincaram os alicerces de suas
moradias. E não somente eles, mas também os tios João Gomes de Sousa, Belmiro Gomes de
Sousa, José Carrijo de Sousa e Lázaro Coelho de Figueiredo se estabeleceram no mesmo vale, um
puco mais abaixo, na região do córrego Barreiro e do córrego Água Limpa.
Das águas que nascem nessa região, a cabeceira mais alta é a do Córrego da Mata,
que nasce nas terras que foram do meu pai, Marcelino, o Marcelo. Tem outra que nasce na serra, lá
perto de tio Belo Sousa, que é a do Córrego Barreiro e que recebe o Córrego da Mata, o qual perde
seu nome para ele. Também tem o Córrego Água Limpa, que nasce nas terras de tio Lázaro Coelho
de Figueiredo e que também cai no Barreiro. Quando esses dois se juntam formam o Córrego Boa
Esperança, que vai cair no Rio São Domingos, que depois cai no Araguaia, que cai no Tocantins e
que cai no mar. Então, as nossas terras queridas fazem parte da grande bacia do Tocantins.
Já no começo da descida, mais uma porteira. Passamos por ela e vimos que a estrada,
na parte mais alta é bastante sinuosa. No entanto, depois de algumas curvas, desce em disparada
linear até a antiga casa de tio João Gomes de Sousa, que depois foi de tio Irani, de José Estêvão de
Sousa, o Juquinha e, agora por último, é dos “Paulistas”.
Do tempo de tio João Sousa, eu não me lembro nada. Nem sei se era nascido. De tio
Irani, ali, também me lembro bem pouco. Minhas maiores lembranças são do tempo do Juquinha.
Provavelmente, faço confusão nas lembranças que tenho do morador. Mas, sei que ali teve uma
escola e que eu estudei nela. O mestre era o Professor Antônio Florêncio. Também estive no
casamento da Ivanete do Juquinha com o Sinval do Nicola Alves de Figueiredo. Naquela ocasião,
tomei conta de um bolicho improvisado que meu pai montou ali, com uns caixotes, para vender
cigarros, bala doce e cachaça. Meu pai, o velho e saudoso Marcelino era um bolicheiro nato.
Tio Irani e o Juquinha, permanentemente, tocaram bolichos nessa casa. Ela tinha
várias salas abertas para o pátio e, na parte à direita de quem entra, ficava a cozinha. No quintal,
haviam pés de jabuticaba, daquelas bem docinhas e também outras fruteiras.
Não há como ser otimista. O mato está tomando conta de tudo. Quase não se vê mais
a velha casa. É quase certo que, em breve, a antiga morada do tio João Sousa seguirá o destino das
outras casas vizinhas, como a do tio Belo Sousa, do tio Zé de Sousa, do tio Josias Gomes, do tio
Itamário Carrijo e tio Lázaro Cainágua, do tio Odílio Carvalho, do tio Marçal Ribeiro e do meu pai
Marcelino Argemiro de Sousa. Isso, para falar apenas daquelas casas que eu me lembro. Mas, outras
tantas já devem ter sucumbido a esse destino, conforme traçado pelos novos proprietários.

Cada esteio arrancado,


cada casa abandonada
e esquecida
é um pedaço do passado
e um tempo apagado
de história de nossa vida.
O que Deus fez
por muito tempo ficou
em estado de natureza,
até que chegou sua vez
e também morreu e secou,
perdendo a sua beleza.
III – A FAZENDA DA MATA

Avô Tunico Sousa

Ao chegar em frente a casa de tio João Sousa, outrora também habitada pelo
Juquinha e tio Irani, a estrada faz uma curva de noventa graus em direção à Fazenda da Mata,
margeando o Córrego da Mata.
Seguimos por ela. No percurso havia duas porteiras. Mas, hoje, elas somente são
abertas em situações especiais, para caminhões e máquinas pesadas passarem. Fizeram mata-burros
do lado e, assim, Lourdes, minha zezinha abrideira de porteiras, não precisou descer do carro para
abri-las. Atravessamos o Córrego da Mata, no qual, antigamente, a gente passava por dentro das
águas, mas, agora, tem uma pequena ponte. E pegamos a estradinha de subida para a fazenda,
aquela que avistamos lá do alto do mirante.
Ao terminarmos a subida, avistamos a casa centenária. Meu coração, como sempre
acontece nas vezes em que chego ali, começou a bater mais acelerado ao ver meu berço de
nascimento e de minha infância. Hoje, ela está desgastada pelo tempo, mas ainda me recordo de sua
plenitude, quando era toda pintada de branco, com um lindo barrado azul-celeste. Linda e
maravilhosa! Mas eu ainda a vejo com os mesmos olhos, o mesmo coração e o mesmo amor.
Abaixo das janelas, a casa era pintada de azul-celeste. Nas fotos mais antigas ainda
dá para se perceber a linha divisória das cores. Das janelas para cima era branca. E acho que as
portas não eram pintadas.
Olhando pelo lado do curral vemos seis janelas. As quatro primeiras ficam na sala; as
duas outras, no quarto de meu avô. A janela abaixo do quarto de vovô era a janela da despensa. Ela
se abria para o curral. E, por ali, o leiteiro colocava o leite direto nos baldes que estavam na
despensa, à beira dela. Era ali também que recebíamos a escuma de leite fresco extremamente
deliciosa, ou mesmo um copo de leite in natura, também bastante gostoso.
O curral tinha diversas repartições, como o tronco e o curral para os bezerros. O leite
era tirado no curral maior. E, às vezes, quando estava muito chuvoso e o curral se enchia de lama,
tirava-se o leite no pátio frontal da fazenda. Atualmente há um novo curral e ordenha mecânica.
Também era costume tirar fotos de dentro do curral para se ter a casa aos fundos. As
fotos ficavam mais bonitas. Nós temos uma dessas, com meu pai Marcelino Argemiro de Sousa,
também conhecido como Marcelo (que já não está conosco desde 29 de junho de 2004, quando foi
para o reino de Deus, após 67 anos de vida por aqui) e meu avô Antônio Gomes de Sousa, o Tunico
Sousa (que nos deixou em 09 de abril de 1999, após 95 anos no comando da família). Eles estão no
curral, enquanto os filhos de meu pai se apinham pelas janelas.
Meu pai teve dois casamentos. No primeiro, com minha mãe Maria Resplandes de
Sousa, teve cinco filhos: Eu (Izaias), Antonio, Argemiro, Waldomiro e Vildacy. No segundo, com
minha madrasta Maria Cândida Teodoro, teve dois filhos: Sandoval e Wanderley. E sua esposa
Maria Cândida também teve dois casamentos. No primeiro, com José Teófilo Coelho Filho, teve
seis filhos: Luiza, Lucimar, Luzia, Ediranir, Luecy e Alcir. No total, meu pai ficou com 13 filhos.
Desse treze, três já nos deixaram: Vildacy Resplandes de Sousa (28/07/1964-05/06/1978), Ediranir
de Freitas Coelho (07/09/1957-17/02/2018) e Luiza Coelho de Sousa (04/11/1951-24/02/2021).
Marcelo e seu pai Tunico Sousa

Na frente da casa havia um pátio cercado com lascas de aroeira e uma porteirinha de
entrada. O pátio era ladrilhado com tijolos. Depois, aos poucos, também foram incluídas algumas
pedras em reposição aos tijolos. Ali, também, era um local muito requisitado para se bater fotos.
Atualmente, a cerca de aroeira e o ladrilho de tijolos já não existem mais. O pequeno
pátio tem uma cerca diferente, mas que é funcional e serve aos propósitos da fazenda.
As paredes também vêm sendo, paulatinamente, reformadas, mas, sem a
preocupação de se manter os traços originais. Visa apenas a funcionalidade.
No pátio há duas entradas na casa, uma para a sala e outra para o salão. A porta da
direita e a janela ao lado, dão para a sala; a segunda janela e a porta ao lado, dão acesso ao salão,
sem que se precise passar pela sala. Entre a sala e o salão existe uma porta de comunicação. As duas
janelas da esquerda pertencem ao quarto do salão, que também tem janelas para o terreirão.
Atualmente, a sala foi dividida em dois cômodos, sendo que um deles serve para depósito e o outro
para mais um quarto.
Na parte de cima da casa (porque ela tem dois níveis) ainda ficam o quarto do vovô,
que tem janelas para o curral (e que era um local sagrado, onde os meninos não entravam), um
quarto que tem janelas para o pátio dos fundos e o quarto da escada, cujas janelas dão para o
terreirão.
No quarto que abre suas janelas para os fundos da casa, havia um letreiro vermelho
com os nomes dos filhos de meu pai que haviam nascido ali, eu creio. Tinha o meu nome, o do
Antônio e o do Argemiro, com as nossas respectivas datas de nascimento. Esse letreiro foi apagado
em uma recuperação da parede.
O quarto da escada era ocupado pela tia Zulmira, quando solteira.

Nessas fotos tiradas no pátio de entrada da fazenda, queremos destacar o


piso de tijolos
Por essas duas fotos vemos que piso de tijolos praticamente desapareceu. E já se veem algumas
pedras de reposição. Na foto abaixo, com minha filha Mariza Resplandes a parede já aparece
recuperada.
Nessas duas fotos, já não aparece mais o piso de tijolinho. E também a cerca de aroeira já foi
totalmente substituída. Tive informações de que o tio Osvaldo fez uma reforma no telhado,
substiuindo algumas madeiras. Lourrdes (minha esposa), meus netos Arthur e Davi e Vanessa,
filha de Laiane, neta de tia Leidiomar e tio Osvaldo.
O tio Osvaldo Ribeiro da Costa e sua esposa, a tia Leidiomar Martins de Sousa Costa
são os atuais proprietários do remanescente da Fazenda da Mata. Eles vivem da exploração da
atividade leiteira, fabrico do queijo mussarela e da exploração de galinhas e porcos.
Na medida em que seus recursos permitem, eles vão fazendo pequenas reformas, mas
por questão econômica, eles buscam atender apenas a questão funcional. A recuperação da casa, nos
padrões antigos, certamente seria muito onerosa. E com isso, a casa centenária de Tunico Sousa vai,
aos poucos, adquirindo nova feição, embora a estrutura original ainda permaneça.
A casa da Fazenda da Mata, cuja construção foi encomendada pelo meu avô Tunico
Sousa, em 1924, ao senhor José Belo, considerado então o melhor “carapina” da região, pouco a
pouco, vai desaparecendo. Dos tios, ainda vivos, apenas o tio Osvaldo e a tia Leide ainda vivem no
Pé da Serra, no Vale do Córrego da Mata. Tio Eriovaldo mora em Torixoréu. Tia Agda, tio Carlinhos
e tia Paulina moram em Barra do Garças e tio Luciano mora em Goiânia.
Ainda sobre a velha casa, na sua lateral esquerda, o terreirão permanece, como
também a bica original de aroeira. Mas a Casa do Calabouço e do Monjolo já não mais existem. No
local, os tios fizeram uma piscina, a qual proporciona banhos bem refrescantes com suas águas
parcialmente mornas durante a tarde e bastante frias à noite e na parte da manhã.

A bica praticamente dividia o Calabouço da Casa do Monjolo. À frente da casa, uma outra bica levava água
para a casa. Havia um furo na bica principal, por onde a água fluía para a bica do chão, que hoje foi substituída
por canos de pvc. À frente da Casa do Monjolo está o terreirão. Do outro lado da bica, onde os meninos estão
sentados, tia Zulmira cultivava um jardim, de onde se destacavam lindas flores. Quanto aos meninos,
acreditamos que sejam tio Eriovaldo (de chapéu), tio Eriovan (ao lado esquerdo dele). Os demais não temos
segurança. Creio que o primeiro menino sentado seja o tio Antônio Carlos, o Carlinhos. Veja-se que o ladrilho de
tijolos do terreirão estava em bom estado. Também não sabemos o nome do cachorro.
O terreirão, nos tempos mais antigos, quando meu avô tinha um belo cafezal aos
fundos da casa, na chácara, era utilizado para secar o café. Depois de seco, o café era socado no
pilão do monjolo e torrado em torradeiras manuais, no fogão de lenha da cozinha. A gente ficava
rodando a manivela da torradeira até o café chegar ao ponto e para que não queimasse.

Acima, Gislândia Carvalho torrando o café no fogão de


lenha. Abaixo: Salvador e sua esposa Delfina, eu (Izaias
Resplandes), meu neto Davi e Gislândia. Ao lado, Eva
(irmã de Delfina) e um visitante degustando o café com
petas caseiras. Visita ao Salvador em Pouso Alto, 2022.
A tradição do café torrado à antiga, ainda é mantida em muitas casas do município de
Torixoréu, MT. Na minha última viagem que fiz à região, no início deste ano de 2022, pude fazer
alguns registros. Um deles foi em Pouso Alto, na casa de meu primo Salvador Carvalho de Oliveira.
Ao chegarmos lá, Gislândia, uma das sua filhas, estava torrando o café, que cheirava bem, levando
o aroma por todo o povoado (foto acima).
Conta a tradição da fazenda, que, se faltasse o café e chegasse um visitante, ia-se ao
cafezal, colhia-se uma quantidade de café, secava-se no tacho, socava no pilão, torrava, moía e fazia
o café fresco, o qual era sempre servido com alguma quitanda também feita ali mesmo. O bolo de
polvilho frito era o mais comum. Mas tinha também a brevidade. E quando se conversa com os
mais antigos que trabalharam ali naquele cafezal, o que não faltam são as belas histórias.

Hoje o terreirão está assim. Eu ainda me recordo de tia Zulmira de Jesus Sousa se
reunir comigo, meus irmãos e muitos outros primos aqui nesse terreirão, à noite, para nos contar
histórias fantásticas de reis e príncipes encantados. A gente viajava em suas narrativas.
Há seis janelas na casa, que se abrem para o terreirão. As duas primeiras são do
quarto da sala, as duas do meio são do quarto da escada e as duas do pavilhão de baixo são da
cozinha. A glória dos meninos é passar por essa quinta janela. Ela sai em cima da escada. Aí, a
gente sobe um lance de escada e se senta na janela, ou atravessa por ela.
Os adultos ficam sempre chamando a atenção dos menores que querem passar por
ali, para que tomem cuidado. Mas, como eles passam, todos querem passar.
E aí ocorre uma verdadeira farra na janela.
Aos fundos da cozinha fica hoje a área da piscina e um lavatório em que se usa a
água que vem da serra. Antes vinha somente pelo rego d’água. Agora, também foi canalizada, desde
a mina até a casa. É água pura, mineral. Vovô Tunico se orgulhava em dizer que essa água não
precisava ser filtrada. Que ele havia criado todos os filhos e muitos netos bebendo dela e todos
estavam gozando de boa saúde.
Em 2015, estive na nascente, acompanhado por minha esposa, meu neto Davi, tia
Agda e o primo Renan. Naquele dia, Davi foi montado na égua “Gaúcha”, de tio Osvaldo. E eu a fui
puxando pelo cabresto. Foi emocionante chegar até o local onde a água brota debaixo da pedra. Na
volta, Davi levou o seu primeiro tombo da égua. Ao atravessar uma grota, a égua resolveu saltá-la,
em vez de passar por dentro d’água e ele caiu. Mas, graças a Deus, sem nenhum dano colateral. Foi
só um susto. Davi chamava a égua de “Garrucha”.
Ainda na parte frontal da casa, há uma mangueira também quase centenária. Em
todas as minhas lembranças, ela está lá. Em tempos mais remotos, acima da mangueira ficava o
paiol e um galpão onde se guardava o carro de bois. Nesse prédio, também, já funcionou uma sala
de aulas.

Na Fazenda da Mata, todas as obras tinham múltiplas utilidades. Cada coisa era
usada conforme a necessidade do momento.
No lado direito da casa, na banda do curral, até hoje ainda existe um pequeno terreiro
ladrilhado, o qual era utilizado para se fazer o abate de porcos. Nos meus tempos de criança, o
animal era sapecado com folhas de “gueiroba”, recolhidas ali mesmo na chácara. Hoje, tio Osvaldo
usa um maçarico, com o qual sapeca até os frangos. Coisas da modernidade.

O maçarico de tio Osvaldo

Na parede de fundo da cozinha, ao lado da porta que dá para a área da bica, tinha um
pequeno espelho, onde vovô Tunico se olhava para fazer a barba com sua navalha. Me lembro de
vê-lo fazendo isso várias vezes.

Uns 50 metros abaixo, depois de um grande pé de jabuticabas, ficava a Casa de


Farinha, onde tia-bisavó Senhorinha chegou a morar. Era ali que também se guardava as
ferramentas. Em frente a Casa ficava a grande prensa, onde se comprimia a massa de mandioca
ralada para retirar a água. E essa água era deixada em decantação para que o polvilho se separasse
dela. O polvilho ficava no fundo. Após bem decantado, se derramava a água e se retirava a goma
que era posta para secar. Ainda tem muita gente que faz polvilho dessa forma.

Um pouco mais à frente da Casa de Farinha, ficava a Casa do engenho. Todos os


anos se fazia a moagem da cana colhida no canavial que ficava os fundos da chácara, ao lado do
cafezal. Posteriormente, o canavial foi arrancado e no lugsr foi plantado um bananal. Hoje só
existem ali, alguns resquícios dessas plantações.

Na Casa do Engenho se fazia açúcar de barro, rapaduras e cachaça. O aguardente era


tirado com vários níveis de álcool. E o açúcar, também tinha vários graus de brancura. Tinha as
pedras branquinhas e outras mais escuras. A gente achava o máximo chupar pedras de açúcar. E
rapadura e cachaça, nunca faltava ali na fazenda. Comia-se rapadura com requeijão. Delícia!
Foto tirada na Fazenda da Mata, entre a Casa e o Pé de Jabuticabas, em frente o
Chiqueirão. Tia Zulmira, minha madrasta Maria Cândida com seu filho Alcir, meu pai
Marcelino Argemiro de Sousa e meu avô Tunico Sousa. À frente, eu, Izaias, à esquerda,
Argemiro, Waldomiro e Antonio (meus irmãos).
O chiqueirão foi uma obra feita pelo meu pai Marcelino Argemiro de Sousa, seus
filhos e alguns peões. A cerca era toda de aroeira.

Abaixo da casa de morada e acima da casa de farinha, acima do pé de jabuticabas,


ficava a horta. Até hoje, Tia Leidiomar a cultiva.

Ao lado esquerdo da Casa atual, dentre do Chiqueirão, bem antigamente, havia uma
outra Casa, onde meu avô morou até que a casa atual ficasse pronta. Hoje não há mais resquícios
dessa construção.

Já à direita da Casa, após o curral e a Casa do Engenho fica o bagaceiro., local onde
se jogava o bagaço da cana moída. Ali se plantava batatas que eram colhidas em abundância.

A Casa do tio Marçal e tia Graciana ficava mais abaixo, mais próxima do Córrego da
Mata. Durante muitos anos eles moraram ali. Hoje não há mais indícios dessa casa.

Minha esposa Maria de Lourdes dando os retoques


finais em um frango caipira que será o prato do dia.

Nas fotos, a seguir, mostraremos alguns recortes da parte interna da Casa da Fazenda,
como a cozinha, quartos, a escada, as paredes e as portas.
É de ver que, antigamente, nos tempos de chuva, brotava água na cozinha, porque a
casa ficava em uma encosta. A água saía debaixo do assoalho. Hoje esse problema foi resolvido,
mas eu achava muito interessante aquelas nascentes de água dentro da cozinha.
Dentre o mobiliário da cozinha, o destaque era para o “bancão” e a “banqueta”.
Tia Leidiomar e eu no terreiro da cozinha. Ao fundo,
a porta da despensa e as janelas do quarto no andar de
cima.
Tia Leide com os filhos de tia Marina: Aberaldo, Antônio e
Aparecida dos Anjos, na cozinha da Fazenda da Mata.
Foto do salão, com destaque para a porta e a janela da frente, que dão para o pátio de entrada
e a porta do quarto do salão; as paredes internas que separam o salão da sala e do quarto do
salão são de madeira trabalhada. A pintura das tábuas é de rosa e das vistas é de azul. Nesse
salão havia penduradores para as traias. Hoje, como quase não se usa mais cavalos na
fazenda, o Tio Osvaldo usa o salão para guardar sua moto. Ele vai ao pasto de moto.
Essa é a porta do quarto de meus avós. Daqui, todos os dias,
meu avô chamava a todos que estivessem na casa para se
levantar. Somente depois ele se levantava.
Wanessa, filha de Laiane, neta de tia Leidiomar e Arthur, filho de Fernando,
meu neto. Eles estão no salão. O destaque é para a porta que demanda para a
escada que desce à cozinha. As paredes internas e o assoalho ainda são
originais.
Essa é a janela do salão. Todas as janelas da casa possuem essa
característica. O destaque é para a tramelinha. Muito engenhosa. Essa também é
uma janela original, de 1924.
A casa, agora, já é abastecida por energia elétrica e celular.
Aspectos da cozinha, com destaque para a escada que conduz ao pavimento superior.
É uma escada em ee com seis degraus com corrimão e mais tres degraus (que hoje
são de cimento). Originalmente, todos eram de madeira. A quinta janela, que dá
acesso ao terreirão fica na altura do primeiro degrau da escada.
Essa é a escada original de 1924, que une os dois pavimentos da Casa da Fazenda
da Mata, a qual ainda está em perfeitas condições. O corrimão oferece toda a
segurança para quem estiver subindo ou descendo. Descer ou subir correndo essa
escada já foi uma de minhas diversões favoritas.
Essa é a sexta janela da parte lateral esquerda da casa. Também fica na
cozinha. Na foto, Tia Leidiomar prepara um lanche para os seus visitantes,
o que sempre fez parte da tradição hospitaleira dessa casa. Aqui sempre
foram preparadas e servidas deliciosas quitandas.
A quinta janela da parte lateral esquerda da casa, que se abre
para o terreirão. Nesta vista, do lado de dentro da cozinha,
Wanessa, filha de Laiane e neta de tia Leidioma é o destaque.
Nascente de água da Fazenda da Mata, no pé da
serra da Irara, município de Torixoréu. A água
nasce debaixo das pedras
A aventura de Davi Nascimento Resplandes, filho de Fernando Resplandes e
neto de Izaias Resplandes de Sousa e Maria de Lourdes Resplandes, em 20 de
janeiro de 2015, até as nascentes de água da Fazenda da Mata, no Pé da Serra.

A égua em que Davi está montando tem o nome de “Gaúcha”, mas o Davi a
chamava de “Garrucha”. Nessa época ele ainda tinha apenas 4 anos de idade.
Participaram da aventura: Tia Agda e seu filho Renan, minha esposa Lourdes,
minha filha Mariza, eu e o meu neto Davi. Foi inesquecível.
Vista aérea da Fazenda da Mata, hoje Fazenda OR.
Abaixo, arte com Vô Tunico, Tio Eriovaldo e Izaias
Resplandes de Sousa
Antigo letreiro no
quarto da fazenda onde
nasci. Abaixo: tio
Osvaldo e tia
Leidiomar, os atuais
proprietários da
Fazenda da Mata
IV – JOÃO BEROCAM DE SOUSA

Tio Beró e Tia Tezilda


Saindo da Fazenda da Mata, em minutos a gente chega nas terras de tio João
Berocam de Sousa, mais conhecido como tio Beró, ou mesmo Tiberó.
Tiberó, dos filhos da primeira família de meu avô Tunico Sousa, foi o último a deixar
o Pé da Serra. Ali ele passou quase toda a sua vida, cultivando a sua chácara, tirando o leite de seu
gado, criando porcos e galinhas, cultivando horta... Enfim, fazendo tudo o que era possível fazer.
A gente sempre o encontrava em sua casa. Parecia que ele não saía de lá, nunca, nem
a passeio. Mas, ele saía. Nós é que tínhamos a sorte de sempre encontrar ele e Tia Tezilda ali em sua
fazenda.
A prosa com o tio Beró sempre foi muito agradável. Ele sempre foi uma pessoa
muito bem-humorada e alegre. E contava suas histórias. Ele me deu muitas informações sobre a
nossa família, os mais velhos, me dizendo de onde vieram, como viveram e morreram.
Acho que ele nunca pretendia deixar a fazenda. Mas, a idade chegou e, com ela,
vieram as enfermidades. E o tio teve que se mudar para a cidade. Tia Tezilda faleceu. E, para piorar
a situação, ele sofreu uma queda e fraturou a perna. Depois disso, ele praticamente não andou.
Ficou vários meses de cama e, depois, começou a andar com moletas. E assim foi sua vida, bastante
sofrida nos últimos momentos. Mas, Tiberó foi feliz, pois levou a vida ao seu jeito.
Os filhos dele ainda permaneceram na fazenda, tocando a propriedade. Mas, aos
poucos, todos foram se afastando, em busca de terras maiores, nas quais pudessem desenvolver suas
atividades.

Fotos na Fazenda de Tiberó. Acima: Genes,


Fernando, Douglas, Ilda, ?, Izangela, Ricardo,
Tio Beró e Mariza. Abaixo: Lourdes, Maria,
Rosilene, Titezilda, Tiberó, Ricardinho, Tania
Mara e Izangela.
Fotos na casa de Tiberó: Acima: Rosilene, Tania Mara, Maria Araújo,
Izangela e Genes Marcelino. Abaixo: Genes Marcelino e Waldomiro
Resplandes de Sousa.

Atualmente, nenhum dos filhos de Tiberó está morando na velha fazenda deles. O
primo Valmi Pereira de Sousa está cuidando da propriedade, mas ele não mora nela. Sua residência
fica na Fazenda 14 de Maio, de sua propriedade, a qual não está tão distante.
Casa de Tiberó e Titezilda. Na foto abaixo, Davi
Nascimento Resplandes, meu neto, em foto tirada dos
pastos da Fazenda da Mata mostrando o belo Lago de
Tiberó
Um pouco acima da casa de Tiberó foi construída uma outra casa. Inicialmente,
quem morava ali era o Antônio, depois a Ilda também morou lá. E o José Pereira mais a Luziamária
foram os últimos moradores.

Nessas duas fotos é possível ver a Casa do Ze Pereira. Na foto acima, com o Genes
Marcelino, o Zé Pereira e o Waldomiro Resplandes, ela está bem visível ao fundo. A foto
foi batida de frente da Casa de Tiberó. Na foto panorâmica, dá para se ver a Casa da
Fazenda da Mata, a Casa de Tiberó e a Casa de Zé Pereira.
Vistas da Casa de Tiberó nos tempos áureos

Certamente, gostaríamos de ver esta pequena fazenda se mantendo também, haja


vista que ela guarda um pouco de nossas memórias. Mas sabemos que o tempo nem sempre guarda
os nossos sonhos e desejos. Esperamos que nesse caso seja um exceção. Hoje, a Casa de Tio João
Berocam de Sousa, o Tio Beró, está nas mãos de seu filho Valmi Pereira de Sousa.
IV – JOSIAS GOMES DE SOUSA

Tia Inez e tio Josias (acima) e


Maria de Lourdes Resplandes
(minha esposa) e Ricardo
Resplandes (nosso filho caçula)
Tio Josias vendeu a sua casa para o meu irmão Argemiro Resplandes de Sousa, que
me deu sociedade no negócio. Infelizmente, nós também não conseguimos manter a propriedade e
vendemos para o tio Oracílio.

Essas, talvez sejam as melhores memórias dessa histórica casa, tio Josias
e tia Inez passaram a maior parte de suas vidas, criando seus filhos e
servindo a todos da região. Acima: Waldomiro, Argemiro, seu Erasmo e
Lourdes. E as crianças são: Douglas e Tânia Mara, Izaias, Ricardo,
Fernando, Genes, Izangela e Mariza Resplandes. Abaixo: Izangela,
Ricardo, Tânia e Mariza Resplandes. Fotos de outubro de 1993.
Argemiro Resplandes chegou a morar nessa casa. Inclusive, nessa época, também
tivemos o privilégio de passar um tempo breve com ele aqui. Hoje, só nos resta lamentar termos
vendido essa propriedade, nesse lugar que é tão caro para nós que nascemos e vivemos nessa região
a maior parte de nossa infância. Como disse, os planos do futuro, nem sempre são os nossos.

Acima, o calabouço da casa de tio Josias, com o monjolo, nos


tempos de Argemiro. Foto: Argemiro, ;Waldomiro com os meninos
Genes e Izaias. Fernandinho e seu Erasmo estão tomando banho.
Abaixo, Niusa Moraes de Sousa, filha de tio Josias, visitando as
ruínas da casa.
Hoje restam apenas vestígios dessa grande obra, que cedeu o seu lugar para as
pastagens de gado. E são esses vestígios que também testemunharão para o futuro sobre a
maravilhosa propriedade que existiu aqui.

Arnaldo Gomes de Sousa, visitando as ruínas da casa de tio


Josias, local onde ele passou a sua infância.

Uma de minhas lembranças do tio era o seu grosso cigarro de palha, que sempre
estava chamegando. Seus filhos dizem que ele era muito rígido na disciplina, mas nunca vi o tio
Josias bravo. Pelo contrário, minhas lembranças dele são de uma pessoa extremamente alegre e
feliz.
Depois de muitos anos vivendo com tia Inez, eles se separaram. E assim
permaneceram até o fim de suas vidas. Ambos faleceram em Goiânia, onde estão sepultados.
O rego d’água que abastecia esse monjolo, vinha de um açude no Córrego da Mata,
dentro das terras de meu pai. É provável que esse rego ainda esteja ativo, servindo de fonte de água
para o gado.
Quando nós morávamos no Pé da Serra, era costume sairmos lá de casa no começo
da noite e virmos passear no tio Josias. E aqui, no pátio que havia em frente da casa, cercado de
aroeira, nós brincávamos até altas horas.
Ao lado direito da casa ficavam os currais de aroeira. Coisa preciosa que,
infelizmente, não existem mais. Da janela da sala, a gente podia acompanhar as atividades no
curral.
Ao lado esquerdo, havia um galpão com paiol. E, aos fundos da casa, próximo ao
calabouço, também havia um galpão onde tio Josias guardava coisas velhas que ele ajuntava e que
serviam de socorro para muitas pessoas. Ali se encontrava quase de tudo, de pregos a pilha de
lanterna usada.
O grande quintal era coberto de bananeiras, mangueiras e outras fruteiras. Também
havia uma grande plantação de açafrão, que ainda se mantém, dado a grande resistência dessa
planta.

Açafrão no quintal de tio Josias. Abaixo: Argemiro, Lourdes, Maria,


Ricardo, Douglas, Mariza, Izangela, Tânia, Fernando, Izaias e Genes.
Em frente o Calabouço. O destaque é para o rego dágua à frente.
Nos meus tempos de criança, participei de mutirões para limpar o quintal, roçar os
pastos e limpar o rego d’água da casa de tio Josias.
Quanto à pessoa do tio Josias, não poderia haver melhor pessoa. Era simpaticíssimo.
Gostava de visitar os parentes. E vivia em uma simplicidade, às vezes até meio exagerada. Mas
assim era o tio.
Ele saía do Pé da Serra e ia para Alto Araguaia, Mineiros e Goiânia. Ia de carona,
sem se preocupar com os recursos para a viagem. Chegando ao destino, logo, logo ela arrumava um
carrinho de picolés e sua punha a trabalhar, de sorte que nunca lhe faltava um dinheirinho para as
pequenas necessidades.

Tio Josias Gomes de Sousa


IV – MARCELINO ARGEMIRO DE SOUSA

Meu pai Marcelino Argemiro de Sousa

Nós também moramos no Pé da Serra. A fazenda de meu pai era vizinha do tio Josias
e ficava na extremidade da Fazenda da Mata, na divisa com tio Sebastião Ambroso.
Tivemos duas casas ali naquela fazenda. A primeira, foi um rancho construído pelo
seu Mané Bizuta e ficava quase à margem do Córrego da Mata. Ali, primeiro o seu Bizuta e, depois,
o meu pai Marcelino Argemiro de sousa, o Marcelo, tocaram um pequeno bolicho.
A segunda casa foi construída pelo meu pai um pouco mais acima, em relação à
primeira. A casa ficava no meio de uma ladeira. Ali, meu pai e nós, seus filhos, aplainamos o
terreno para a construção da casa e do terreiro.
Atualmente, não há sequer ruínas de nossas antigas moradias.

Waldomiro, Sandoval, Izaias, Papai Marcelino,


Argemiro e Antônio Resplandes de Sousa

Quando meu irmão Argemiro Resplandes de Sousa e eu compramos essa fazenda, ele
refez a casa na medida do possível e morou uns tempos ali. Depois, quando compramos a fazenda
de tio Josias, ele se mudou para lá.
A casa de meu pai, no entanto, continua bem visível em minhas memórias. Pelo que
me lembro, a casa tinha uma sala comercial em ele, dividida por um balcão. Atrás do balcão,
ficavam as mercadorias e na frente, um espaço para os fregueses. Na sala, em um dos cantos, havia
um filtro de água.
Ao lado direito da sala saía um corredor em direção à cozinha. Havia uma porta na
sala comercial, que se abria para esse corredor. E defronte dela, havia outra porta, que se dava para
o quarto da sala. E, ao final do corredor, havia um pequeno degrau e se chegava à cozinha.
Na parte esquerda da cozinha, ficava a despensa, que também servia de quarto. Eu
dormia ali, junto com meu irmão Antônio. Nesse cômodo havia uma janela que dava para o curral.
Ali era posta a lata que recebia o leite tirado no curral.
O fogão de cimento ficava no lado direito da cozinha. Na parede d
a direita havia uma porta que dava para o terreiro da cozinha, onde ficava a bica d’água, a casa do
monjolo com a tulha e a casa do tear. Minha madrasta era tcelâ e tinha um grande tear. Ela tecia
cobertas de algodão.
A cozinha tinha também uma janela para os fundos.
Saindo da cozinha, na parte de cima, havia mais dois quartos. Para se chegar ao
segundo, tinha que se passar pelo primeiro. Meu pai Marcelo e a minha madrasta Maria Cândida
ocupava o quarto dos fundos. As minhas irmãs Luiza, Luzia e Lueci dormiam no primeiro quarto.
Meu pai Marcelino Argemiro de Sousa e seu neto Ricardo
Resplandes. Foto tirada na casa de meu pai, em Aparecida de
Goiânia, GO.
Os meninos da mamãe, o Lucimar e o Ediranir dormiam no quarto da sala. Acho que
o Alcir dormia no quarto do papai. Ele era bem pequeno. Com o tempo, essa distribuição foi se
modificando. Até porque vieram mais filhos: o Sandoval e o Wanderley. O Argemiro e o Waldomiro
ficavam com a tia Zulmira e o meu avô Tunico Sousa, lá na Casa da Fazenda.

A água que
abastecia a casa, vinha por um
rego d’água desde uma
pindaíba que havia no sopé da
serra da irara. Constantemente,
o gado arrombava esse rego, ao
atravessá-lo e aí nós tínhamos
que ir arrumar.
Eu me lembro de
termos tocado uma roça nessa
pinaíba onde ficava a nossa
nascente de água. Depois dela,
na verdade. Ali havia uma
furna que penetrava no meio da
serra.
Ao redor da
casa, havia um mangueirão
(sem pés de manga) na parte da
frente. Nesse mangueirão havia
um galpão, onde funcionou
uma escola. Não me lembro
quem era o professor. Mas
estudamos ali. Inclusive, eu me
lembro que esse galpão foi
feito duas vezes, porque, por
acidente, meu pai colocou fogo
nele da primeira vez. Ele
aparou as pontas da palhas da
cobertura, fez um monte com
elas e pôs fogo. E o fogo saltou
Meu pai Marcelino Argemiro de Sousa e sua esposa Maria para o galpão e queimou tudo.
Cândida Teodoro, minha madrasta. Eles moraram nas duas Aí, meu pais fez de novo.
casas que houve na Fazenda de meu pai, no Pé da Serra. Aos fundos do
mangueirão, ao lado da casa,
ficam os currais. Me lembro
que havia um curral maior e um curral para os bezerros. Um pouco mais abaixo da Casa do Tear e
do Monjolo, que ficavam no mesmo prédio, ficava o paiol e, perto dele, assim mais para o lado
direito, ficava o chiqueiro dos porcos. Lá na parte mais baixa do quintal, minha madrasta plantava
uma horta.
O quintal era bem grande. O rego d’água atravessava ele na parte de cima. E, teve
uma época que também havia uma horta, cercada de abacaxis, que ficava logo abaixo dele. Aí,
tirava-se um rombo e se levava a água até a horta. Não usávamos regador para molhar a horta.
Havia um pequeno poço que se enchia com a água do rego e aí gente jogava a água nas plantas,
usando um prato velho.
No quintal, plantávamos milho, mandioca. Havia muitas bananeiras plantadas. E meu
pai também plantou café. Mas não me lembro de colhermos café ali. Quando estávamos limpando o
quintal, nós gostávamos quando chegava alguma visita, porque aí, meu pai parava para ir conversar
com a visita e nós ficávamos na bamba.

Meu pai Marcelino e tia Zulmira


Me lembro que meu irmão Ediranir era bom para fazer cavalos com as canas de
milho. Também fazíamos monjolo com miolo de bananeira. Não são muitas as minhas lembranças
daquela casa.
Lembro que certa vez, num final de semana, meu pai estava bolicho, que estava
cheio de fregueses tomando umas e outras, como era o costume naquela época. Então, meu pai me
chamou e mandou que eu fosse pegar um cavalo pra ele. E eu saí para pegar o cavalo, mas depois
de algum tempo caiu a ficha e fiquei pensando sobre qual seria o cavalo a ser pego. Então voltei lá
bolicho. Cheguei na porta e falei alto para o meu pai: “Heim, pai! Qual é o cavalo pra pegar: O
Joaquim Biela ou o antônio Florêncio?” E o povo caiu na gaitada. É que o Joaquim Biela e um filho
de seu Antônio Florêncio estavam lá no bolicho. E nós chamávamos os cavalos daquele jeito,
porque havíamos comprado os animais deles. E então meu pai, saindo pela tangente, me disse:
“pega o baio!” E eu saí com o pessoal ainda rindo da história.
Ainda me lembro de algumas histórias que se passaram nessa casa, mas o que eu
gostaria de lembrar mesmo era da casa, que já não existe mais, a não ser em nossas memórias.
Como eu gostaria de ver tudo ali, do jeito que era! Mas, já disse: o futuro nem sempre está ao nosso
favor. E nele, as coisas seguem como devem seguir.
E assim, nós também seguimos em frente. Mas, volta e meia retornamos lá, para
aplacar a saudade, reabastecer as baterias e voltar de novo ao nosso dia a dia.
Marcelino Argemiro de Sousa, o Marcelo
O AUTOR

IZAIAS RESPLANDES DE SOUSA

Escritor mato-grossense, nasceu no dia 25 de maio de 1958, em Torixoréu, MT. Filho


de Marcelino Argemiro de Sousa e Maria Resplandes de Sousa. É casado com dona Maria de
Lourdes Resplandes, com a qual possui três filhos: Fernando, Mariza e Ricardo Resplandes. É avô
de Davi, Arthur e de Paulo Ricardo.

É sócio-fundador e membro da União Poxorense de Escritores e do Instituto


Histórico e Geográfico de Poxoréu, MT.

***
*

Você também pode gostar