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O Brasil evangélico é mais burro

Com o “terrivelmente evangélico” no STF não há como acreditar que a República possa ser
laica. Difícil alguém discordar disso, ao menos em privado. Os próprios pastores deixaram isso
claro ao comemorar a indicação de Bolsonaro ao STF de uma maneira nada corriqueira. A
primeira-dama chegou mesmo a entrar em contato com entidades ditas divinas no ato, e
passou a pronunciar palavras estranhas. No âmbito folclórico, que eu saiba, nunca é Deus que
se manifesta fazendo falar bobagem, só o Diabo!

O Brasil fica mais burro com essa guinada da população para a religião evangélica. Poderíamos
pensar que isso se deu pela associação dos evangélicos com Bolsonaro. Ele é tosco e ampliou a
estupidez evangélica disseminada pelas igrejas caça-níquel. Mas as coisas não são tão simples.
O que funda a estupidez do Brasil, nesse quesito, é que há um número não mais razoável de
evangélicos em nosso país. São mais de 40 milhões. É quase a população total da Argentina! E
o que fazem essas pessoas em favor do nosso emburrecimento geral?

Simples saber. Basta ver como ensinam a Bíblia para as crianças. As famílias evangélicas criam
as crianças segundo uma forçada leitura literal da Bíblia. Tudo é tomado ao pé-da-letra. Assim,
a criança tende a ficar presa no universo do pensamento mágico e na rigidez mental diante de
preceitos morais esdrúxulos. Tenho relatos e mais relatos de professores que reclamam disso,
apontando as crianças evangélicas como as que possuem mais dificuldade para entender
modelos científicos e hipóteses. Mas isso não é o pior.

O ruim mesmo é que ao mesmo tempo que as crianças evangélicas possuem uma dificuldade
com a metáfora, o seus pais têm uma facilidade com qualquer tipo de frase, a mais metafórica
ou louca possível, se ela vier do pastor. Quando o pastor pede dinheiro, então, mais ele
adquire essa força de poder falar qualquer coisa. Ou seja, se ele impõe a regra da
mercadorização, então ele é reconhecido verdadeiramente como pastor. O capitalismo sabe
fazer religião virar de fato religião!

Nos últimos anos de minha carreira como professor universitário, eu notei bem a situação
difícil para a qual estávamos nos encaminhando. Os estudantes que iriam se formar como
professores apresentavam dificuldades estranhas. A cadeia de razões não lhes fazia sentido, a
cadeia de causas também não. Como chegaram à universidade? Pela memória e subserviência.
Nosso ensino é, ainda, o “ensino bancário”, denunciado por Paulo Freire lá nos anos cinquenta
do século XX: enche-se o aluno de frases, e depois essas frases são sacadas em um exame. O
evangélico pode até se tornar um aparente gênio em um ensino desse tipo, pois ele é o
subserviente maior, sempre pronto a devolver o que lhe é ordenado devolver.

Nessa atividade, o evangélico logo se torna matreiro! Quer logo saber qual é a crença política
do professor, para devolver ao professor também simpatias que lhe garantam nota. Ora,
sabemos que há professores um tanto ideológicos. Sempre dão regalias para o aluno que não
sabe nada, mas que diz o que ele quer ouvir em termos políticos. O evangélico é criado para
ludibriar, mesmo que subconscientemente, algo que o pastor faz bem. É fácil chegar à
universidade, e até terminar o curso, usando dessa prática.

Aliás, essa prática de ludibriar, típica do pastor, e incutida nas nossas crianças
subliminarmente, despontou no cenário nacional público. Foi na sabatina do “terrivelmente
evangélico” no Senado. Ali André Mendonça falou tudo que era necessário falar para ele ser
aprovado. E o fez quase sem mentir, apenas usando de uma retórica que buscava afirmar só
formalmente o que era necessário afirmar.
Uma vez evangélico, o Brasil não vai ser o mesmo. Já não é. O Brasil está emburrecendo. E isso
pode não ter volta.

Paulo Ghiraldelli, 64, filósofo, autor entre outros de A República brasileira: de Deodoro a
Bolslonaro (CEFA Editorial, 2021).

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