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A NOÇÃO DE CAPITAL CULTURAL É ÚTIL PARA SE PENSAR O

BRASIL?1

Ana Maria F. Almeida


UNICAMP

No que diz respeito ao funcionamento da escola brasileira,


atingimos um ponto em que pelo menos duas constatações já alcançaram
o status de obviedade: (1) o Brasil apresenta um panorama de
desigualdade educacional (de tipo escolar) extremamente elevado,
mesmo quando comparado a países com renda per capita próxima (e, em
alguns casos, inferior); (2) a escolarização do pai e da mãe estão entre as
características das famílias que se relacionam significativamente com o
desempenho escolar e que, logo, estão diretamente associadas à
desigualdade educacional2.
O conceito de capital cultural forjado por Pierre Bourdieu é útil
para se compreender essa situação?
Embora a noção de capital cultural tenha se difundido bastante na
sociologia da educação brasileira, a maioria dos autores que a utiliza não
parece ter se preocupado em discutir se nossa sociedade apresenta as
condições necessárias para tornar operacional esse conceito e como deve
funcionar a sua eventual utilização.
É especialmente notável, nessa literatura, a ausência de uma
reflexão sobre as particularidades da organização do nosso sistema de
ensino, principalmente no que diz respeito ao fato de que ele está
estruturado com base numa forte segregação econômica. Se, de saída, os
jovens dos grupos mais privilegiados em termos econômicos estão
destinados a escolas melhor organizadas, melhor equipadas, que dispõem
de professores melhor pagos e, supõe-se, por conseqüência melhor
preparados, o seu melhor desempenho, medido em termos da extensão
da trajetória escolar ou do tipo de diploma obtido ao final desta, não

1 Esse artigo foi escrito no quadro de uma pesquisa sobre os percursos sociais de
estudantes formados pela Unicamp na década de 80 nos cursos de Economia,
Engenharia Elétrica e Medicina, desenvolvida com recursos do CNPq.
2 Trata-se de conclusões apresentadas por estudos produzidos a partir de linhas
de raciocínio variadas. Para uma amostra, ver, entre outros, Souza e Silva
(1996); Barros e Mendonça (1995), Nogueira (1998 e 2000), Portes (2000),
Viana (2000), Almeida (2001), Silva (2003).
significa apenas que aquilo que é considerado como “boa educação” é
distribuído no interior do sistema de ensino em função das condições
econômicas? Se a maior escolarização dos pais e das mães está em
alguma medida associada à sua situação econômica e a fortiori à sua
capacidade de arcar com o custo das altas mensalidades cobradas pelas
“boas” escolas privadas, para que precisamos do conceito de capital
cultural?
Esse artigo tem como objetivo discutir essas questões. O meu
interesse é mostrar que a utilização da noção de capital cultural na análise
da desigualdade educacional no Brasil e sua persistência no tempo
demanda o desenvolvimento de uma série de estudos que ainda são
bastante raros na agenda de pesquisas da sociologia da educação
brasileira. Para isso proponho examinar alguns dos elementos centrais da
noção da capital cultural, confrontando-os ao exame da configuração
particular que define a sociedade brasileira.

1) Capital cultural e estratificação social


No que diz respeito à noção de capital cultural, nunca é demais
lembrar que sua formulação na obra de Bourdieu está estreitamente
ligada a uma problematização da dominação.
Bastante mobilizado nos trabalhos mais centrados sobre o
funcionamento do sistema de ensino, o conceito de capital cultural não
funciona apenas como uma ferramenta para explicar porque as crianças
dos meios desfavorecidos apresentam um pior desempenho na escola.
Mais do que isto, o conceito aparece no interior de um quadro analítico
voltado para explicar de que maneira o pior desempenho escolar desses
grupos serve à estrutura de dominação vigente numa sociedade
específica3.
Essa discussão permite confrontar, claro, tanto o problema dos
diferenciais de desempenho escolar entre jovens de origem social distinta,
quanto o problema da legitimação da ordem social, isto é, o fato de que a
distribuição desigual das riquezas coletivamente produzidas possa ser
3 É importante, portanto, perceber a importância da dimensão política do
argumento bourdieusiano, que não se reduz a verificar os efeitos das diferenças
de desempenho escolar sobre, por exemplo, a renda econômica dos indivíduos.
aceita tanto por aqueles que se beneficiam, quanto pelos que ficam em
desvantagem.

(a) A autonomia da cultura


O espaço social pensado por Bourdieu é um espaço de lutas. A
teoria que construiu para pensar essas lutas supõe a autonomia do
simbólico (Pinto, 1998: 224). A posição social dos indivíduos nesse espaço
não é dada apenas pela dimensão material. Uma outra dimensão,
simbólica, tem força suficiente para complicar a ordenação social dada
pelo pólo material, ora ajustando-se a ela, ora contrapondo-se, ora
interagindo para gerar posições intermediárias de todo tipo.
Falar em autonomização do simbólico equivale a falar de
autonomização da cultura como princípio de diferenciação social. O
raciocínio pode ser exposto em poucas linhas. Num primeiro movimento,
Bourdieu apropria-se explicitamente da herança neo-kantiana e
durkheimiana e conceitua a cultura – ou os “sistemas simbólicos” como
mito, língua, arte, ciência – como instrumento de construção do mundo,
dando inteligibilidade aos objetos e definindo aquilo que é bom ou ruim,
aceitável ou inaceitável, pensável ou impensável (Bourdieu, 1989).
Num segundo movimento, Bourdieu introduz a política no raciocínio,
apoiando-se em Marx para notar que, nas sociedades estratificadas, os
diferentes grupos sociais produzem sistemas simbólicos diversos que,
produto de suas condições de existência, expressam ordenamentos
conflitantes do mundo e, logo, oferecem possibilidades conflitantes de
percepção desse mundo (Bourdieu, op. cit.).
O embate entre sistemas simbólicos é o resultado de
transformações em diferentes esferas sociais que fazem aumentar a
interdependência entre os diferentes grupos e criam as condições para a
unificação do mercado de bens simbólicos. Nessa conjuntura, cuja
demonstração é dada, por exemplo, nos estudos sobre o Béarn (Bourdieu,
2002), o sistema simbólico próprio a alguns grupos pode se tornar
dominante em relação aos outros4.

4 Sobre isso, ver também “A Reprodução” (especialmente p. 43).


A dominância ou, num outro vocabulário, a hegemonia de um
sistema simbólico sobre outro é arbitrária, isto é, trata-se de uma
construção social, dependente do resultado das lutas entre os grupos a
que estão vinculados. Uma determinada língua, uma crença específica, um
estilo ou modo de expressão artística, assim como formas de organização
do conhecimento, entre outros, se tornam dominantes como resultado de
uma luta que mobiliza os diferentes grupos sociais em disputa pela
imposição dos princípios legítimos de percepção do mundo. Essa é a luta
simbólica: aquela na qual se confrontam indivíduos e grupos de indivíduos
pela imposição do princípio de compreensão e ordenamento do mundo
que lhes é mais favorável (pelo simples fato de ser o seu próprio).
Os sistemas simbólicos (cultura) que se tornam dominantes ou
legítimos numa dada configuração social são aqueles construídos e
operados pelos grupos que se encontram em posição dominante. Tais
sistemas simbólicos, construídos pelos dominantes e impostos ao conjunto
da sociedade como princípio de percepção e construção do mundo,
“servem a interesses particulares que tendem a apresentar como
interesses universais, comuns ao conjunto do grupo” (Bourdieu, 1989:
10).
A cultura dominante desempenha, então, funções distintas.
Contribui, ao mesmo tempo para: (i) “a integração real da classe
dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus
membros e distinguindo-os das outras classes)”; (ii) “a integração fictícia
da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa
consciência) das classes dominadas”; (iii) “para a legitimação da ordem
estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias)” e
(iv) para a legitimação dessas distinções” (Bourdieu, op. cit.: 10).

(b) O patrimônio simbólico


O conceito de capital cultural é uma ferramenta para se apreender a
dimensão simbólica da luta entre os diferentes grupos sociais, para
descrevê-la, para definir diferenciais de poder. Pensado na analogia com a
noção marxista de capital, permite que seja contabilizado um outro tipo
de patrimônio, simbólico, que, a partir daí, pode ser pensado como
recurso passível de ser investido na obtenção de outros recursos.
Evidentemente, cada indivíduo ou grupo de indivíduos só vive (ou
sobrevive) em sociedade se dispuser de um patrimônio simbólico que lhe
permita funcionar de forma efetiva como membro dessa sociedade. Não
obstante, a cultura que permite aos membros de uma sociedade
determinada se reconhecer como tal é a mesma cultura que atribui
poderes diferenciados a esses membros em função de vários princípios de
hierarquização como idade, gênero e, claro, posição social, entre outros.
Capital cultural, nesse quadro, tem por referência os diferenciais de
poder imputados às diferenças simbólicas, isto é, às diferenças de
participação na cultura dominante ou legítima.
O primeiro ponto que nos interessa sublinhar diz respeito à
definição de cultura dominante. O que é a cultura dominante? Os mal
entendidos em torno dessa questão são bem conhecidos e não respeitam
fronteiras nacionais. Na seqüência dos estudos produzidos por Bourdieu e
colaboradores, que verificaram e bem descreveram uma série de traços
da cultura dominante ou, mais apropriadamente, da cultura legítima na
França da década de sessenta, ritualizou-se a produção de estudos que
pretendem “ultrapassar” as limitações do conceito de capital cultural. Ao
invés de realizar o importante trabalho de transposição do conceito para a
sociedade em questão, esses estudos apontam as diferenças entre os
traços da cultura dominante local e aqueles identificados por Bourdieu
para a França na década de sessenta como evidência de que a noção de
capital cultural seria datada e/ou imprecisa5.
No entanto, o esquema analítico desenvolvido por Pierre Bourdieu e
colaboradores ao longo de várias décadas pretende funcionar
independentemente do conteúdo concreto que cada sociedade ou cada
grupo atribua a esses sistemas simbólicos em momentos precisos de sua
história6. Não é o conteúdo que transforma um sistema simbólico em

5 Uma excelente discussão dessa questão para o caso da apropriação da noção de


capital cultural no Estados Unidos pode ser encontrada em Lareau e Weininger
(2003). Mais à frente, faço alguns apontamentos sobre o caso brasileiro sem
pretender, no entanto, esgotar a questão.
6 Ver Passeron, 1986, para uma discussão sobre a historicidade do modelo
analítico proposto por ele e Bourdieu em A Reprodução.
dominante: “numa formação social determinada, a cultura legítima, isto é,
a cultura dotada de uma legitimidade dominante, não é outra coisa que o
arbitrário cultural dominante” (Bourdieu et al. 1970: 38). A cultura torna-
se dominante porque é a cultura dos grupos dominantes e não porque
carrega em si algum elemento que a torne superior. Isso pode ser dito
para todas as práticas culturais. Um produto ou uma prática cultural se
torna dominante numa configuração social específica, isto é, numa
sociedade determinada, num momento preciso do tempo, por obra das
relações que os vinculam a um determinado grupo social (Bourdieu, 1984:
xi-xiv)7.

(c) A transmissão do patrimônio


Além de permitir descrever e medir diferenciais de poder simbólico
entre indivíduos e grupos de indivíduos, a noção de capital cultural,
também porque forjada na analogia com o capital econômico, permite
supor a sua transmissão entre gerações. Bourdieu entra, assim, na
discussão sobre a socialização e, nesse quadro, a argumentação é
bastante direta. A socialização é percebida como um processo de
inculcação, pelas gerações mais velhas, da cultura própria ao grupo a que
se destina o indivíduo. Nas diferentes formações sociais, a socialização
supõe uma ação pedagógica, isto é, um trabalho desempenhado por
aqueles em posição de “educar” a criança e conceituado como violência
simbólica, isto é, “imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário
cultural” (Bourdieu, 1970: 19). Nessa visão, “a seleção de significações
que definem objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como
sistema simbólico é arbitrária já que a estrutura e as funções dessa
cultura não podem ser deduzidas de nenhum princípio universal, físico,
biológico ou espiritual, não estando ligada por nenhuma espécie de

7 Nos limites desse artigo, importa sublinhar que a circularidade do argumento se


quebra pelo fato de Bourdieu não supor que a cultura dominante seja um reflexo
automático da posição dos grupos dominantes. Da mesma forma como a
hegemonia desses grupos é o resultado, sempre provisório, de uma certa relação
de forças num momento dado, a hegemonia de suas práticas culturais é também
o resultado de uma luta. A inovação bourdieusiana está em propor que essas
lutas se dão num plano específico, mobilizando especialistas em torno de
questões que não são diretamente retraduzíveis na luta por poder econômico, por
exemplo. Aqui se manifesta com clareza a idéia da autonomia do simbólico. Ver
Miceli (1992b, esp. pp. XII e XIII), para uma excelente discussão da questão.
relação interna à “natureza das coisas” ou a uma “natureza humana” (op.
cit., 1970: 22). O mesmo pode ser dito para a definição de quem detém o
poder arbitrário de imposição do arbitrário cultural: a definição da
autoridade pedagógica legítima não pode ser deduzida de nenhum
princípio universal, mas está diretamente vinculada à hierarquização mais
geral da sociedade em questão. Evidência disto são as variações na
atribuição de autoridade sobre as crianças em diferentes formações
sociais documentadas pelos antropólogos8.
Os processos de socialização, isto é, de transmissão da cultura às
gerações mais novas implicam, assim, a transmissão dos esquemas de
percepção e construção do mundo que são, ao mesmo tempo, princípios
de ordenamento e classificação do mundo. Nas sociedades industrializadas
altamente estratificadas, a invenção razoavelmente recente da escola
única e obrigatória, complexificou tanto os processos de socialização
quanto a própria luta simbólica (Canêdo, 1994).
Por um lado, a escola tornou-se uma agência de socialização com a
qual a família é obrigada a partilhar a educação de seus filhos, perdendo o
poder de definir sozinha tanto o conteúdo dessa transmissão quanto a
forma como ela se dá e os agentes sociais responsáveis por ela. Por outro
lado, percebida como a escola de todos, isto é, transmissora do
“patrimônio cultural” do conjunto da sociedade, mas transmitindo de fato
a cultura dominante, a escola dá a sua contribuição específica para a luta
simbólica, impondo, ao conjunto dos grupos sociais, a cultura de um
grupo social específico como cultura legítima ou, mais precisamente,
aqueles princípios dignos de ser tratados como cultura e, como tal,
transmitidos para as novas gerações.
A diferença de desempenho entre os grupos sociais na escola única,
organizada para tratar a todos em igualdade de condições, torna-se,
portanto, uma consequência lógica dessa forma de definição da cultura
escolar. Entre os estudantes submetidos à ação pedagógica da escola

8 No argumento desenvolvido por Bourdieu e seus colaboradores, e expresso em


diversas passagens de A Reprodução (ver pp. 20-21 e 41-42, por exemplo), a
predominância dada ao grupo familiar nesse processo é evidentemente
decorrente do estado de organização dos cuidados com a criança num momento
da história de um grupo social e não uma lei imutável.
encontram-se aqueles para quem a cultura escolar é a cultura do seu
próprio grupo social, isto é, aquela em que foram imersos desde o
nascimento numa família determinada. Para outros, trata-se de uma
cultura estrangeira ou quase. Como se espera que os dois grupos
apresentem igual domínio dos conteúdos e dos modos de fazer no mesmo
período de tempo, um deles é, evidentemente, mais exigido do que o
outro.
No que diz respeito à possibilidade de fazer funcionar esse
esquema com relação à sociedade brasileira, interessa, em primeiro lugar,
verificar a extensão e amplitude dos processos de unificação simbólica que
permitem e impulsionam essa dimensão das lutas entre os diferentes
grupos sociais. Isso tem sido feito e demonstrado numa série de estudos
sobre a construção da “cultura nacional”, focalizando os campos da
literatura, música, televisão, entre outros (Garcia, 1993; Miceli, 2003;
Oliven, 1992; Ortiz, 1985, 1996; Sorá, 1999; Rivron, 2004).
No que se refere à escola, particularmente, é sabido que a
construção do sistema nacional de ensino se imbricou com a construção
do estado nacional e do cidadão brasileiro. Em que pese a lentidão da
expansão da escolarização para o conjunto da população, a integração
simbólica dessa sociedade foi inegavelmente acelerada com a
industrialização e a rápida urbanização que impulsionou a construção de
um mercado produtor de bens simbólicos (música, arte, televisão, moda,
literatura, etc.) sustentado por um mercado consumidor de amplitude
nacional.
Dois pontos relativos a esse processo são particularmente
importantes. Primeiro, temos aqui um sistema de ensino unificado, isto é,
utilizando uma cultura dominante como instrumento de medida de
competência escolar para o conjunto da sociedade? Em outros termos,
quais as conseqüências do fato de que o sistema tenha por base uma
segregação de base econômica tão marcada, diferenciando de forma tão
radical a experiência escolar de crianças da mesma geração segundo o
seu pertencimento de classe? Segundo, até que ponto as variações na
intensidade da experiência escolar, associadas, por exemplo, ao menor
número de horas passadas na escola (quatro a cinco horas por oposição a
oito na França e a seis nos Estados Unidos, por exemplo) e ao
relativamente pequeno número de anos de escolarização do conjunto da
população ameaçam a força inculcadora da escola?

2) A cultura legítima e a escola brasileira


Como vimos, a noção de capital cultural, para se tornar operacional,
exige dispositivos que arbitrem e definam a cultura de um determinado
grupo como cultura legítima e que se constituam como instância de
validação da posse dessa (ou do pertencimento a essa) cultura, emitindo
indicadores, na forma ou não de certificados, que dão entrada às posições
reservadas àqueles que detêm essa cultura. Nas sociedades
industrializadas contemporâneas, o sistema de ensino tem sido um desses
dispositivos. O sistema de ensino brasileiro funciona nesses termos?
Alguns elementos da organização e funcionamento desse sistema podem
ajudar a melhor compreender essa questão9.

(a) Um sistema de ensino unificado e segmentado


As reformas administrativas que acompanharam o processo de
construção do Estado permitiram a consolidação progressiva de um
sistema, ao mesmo tempo, unificado e segmentado (Schwartzman et al.
1984). A unificação é resultado do controle do Estado sobre os aspectos
mais simbólicos da organização do sistema escolar, como, por exemplo, a
definição dos conteúdos de ensino, a formação dos professores, e as
autorizações para a criação de novos estabelecimentos.
No entanto, qualquer análise dos efeitos da unificação desse
sistema de ensino tem que levar em consideração que a universalização
da escolarização nunca foi alcançada de forma ampla no Brasil, já que
apenas muito recentemente - no início dos anos noventa, segundo os
dados oficiais (MEC/INEP, 2000) - o sistema escolar passou a receber
mais de 90% das crianças entre 7 e 14 anos.
Se essa situação manteve os grupos menos privilegiados afastados
da escola, e os mantém, ainda hoje, afastados das trajetórias de

9 Retomo aqui alguns aspectos de uma discussão já avançados em outros


trabalhos (Almeida, 2000 e 2001).
escolarização de longa duração, ela não impediu que os diplomas se
tornassem cruciais nas estratégias reprodutivas das camadas sociais
médias e superiores no Brasil, já que esses nunca deixaram de estar
associados às possibilidades de acesso às posições dirigentes10.
A diferença do destino escolar reservado às crianças e jovens
pertencentes a esses grupos está diretamente relacionada com a
particular segmentação que estrutura o sistema de ensino brasileiro.
Como se sabe, trata-se de um fenômeno antigo que adquiriu novas
formas com a expansão da escolarização: uma cisão que se efetuou
progressivamente no interior do sistema, por meio principalmente de uma
instrumentalização dos regulamentos vigentes pelos grupos capazes de
interferir na organização da educação nacional. Esse processo gerou
espaços de escolarização que se diferenciam, ao mesmo tempo, em
termos do currículo em vigor (o tipo e modalidades de conhecimentos
trabalhados) e em termos da origem social dos alunos que estão
encarregados de formar.
Essa cisão do sistema de ensino faz com que, no Brasil, as
dimensões econômicas da origem social do aluno tenham um peso
especial na determinação da sua exposição aos conteúdos escolares, se
comparado com outros países onde a universalização e extensão da
escolarização baseou-se mais significativamente na provisão da educação
pública.
Nesse quadro, a escola brasileira deve ser pensada como um
espaço utilizado pelas famílias dos grupos dirigentes, em perfeito controle
sobre a sua reprodução, apenas para obtenção de uma espécie de “verniz”
para consumo interno e deleite próprio, ou como um espaço que contribui,
de fato, para a legitimação da estrutura de dominação?

(b) A autonomia da cultura e a escola brasileira

10Sobre a associação entre o prestígio das profissões liberais e sua condição de


“requisito” para uma carreira de funcionário, ver as análises de Sérgio Buarque
de Holanda (1994) e Raymundo Faoro (1987). Entre os estudos que tratam da
importância atribuída pelos grupos médios e superiores brasileiro à cultura
escolar, ver Owensby (1998) e Wagley (1963) que focalizam o período entre os
anos trinta e sessenta.
A análise da forma de operação da escola brasileira e,
particularmente, da maneira como se dá a seleção dos alunos chamados a
ocupar as posições dirigentes mostra que a ideologia da igualdade de
oportunidades desempenha um papel relevante na produção de diferenças
entre os grupos de alunos submetidos à escola e mesmo entre esses e
aqueles mais afastados da escola. Um elemento é especialmente
significativo: o fato de que se trata de um processo que não utiliza
diretamente as dimensões econômicas ou pessoais para a exclusão ou
inclusão dos alunos no grupo daqueles destinados às trajetórias
escolares/sociais bem sucedidas11.
A unificação do sistema é o elemento que permite a sujeição dessas
trajetórias a critérios exclusivamente escolares, mesmo aceitando-se o
fato de que o idioma escolar traduz, mais ou menos sutilmente, certos
princípios de dominação social, como as diferenças econômicas, sexuais e
étnicas e, mais particularmente, os princípios de dominação dados pelo
diferente posicionamento de cada grupo social nas condições de acesso à
cultura.
A unificação influi nesse processo primordialmente através da
imposição de uma identidade de vocabulário entre os dois segmentos do
sistema, definindo formalmente como idênticos os títulos, os diplomas e
os conteúdos ensinados. Esse dispositivo permite unificar duas realidades
educativas muito diferentes e cria, por conseqüência, as condições
necessárias à imposição do domínio de uma sobre a outra.
A identidade de vocabulário torna possível, por exemplo, a
circulação, entre os dois segmentos, de professores e de projetos
pedagógicos considerados como legítimos. O sentido dessa circulação
obedece, sem dúvida, aos constrangimentos impostos pela disparidade
entre os dois pólos de um sistema onde todas as qualidades são atribuídas
ao segmento do setor privado considerado como de alto nível e todas as
dificuldades e incompetências ao setor público na sua globalidade e a uma
parte importante do setor privado12.

11 A relação não necessária nem suficiente entre capital econômico e sucesso


escolar foi evidenciada empiricamente por Maria Alice Nogueira (2004), em seu
estudo sobre as estratégias educativas de famílias de empresários.
Como conseqüência, o pólo privado considerado de alto nível passa
a ser usado como representação da "boa educação" perseguida como ideal
pelo outro segmento. Através da circulação de projetos pedagógicos e
cursos de treinamento, o que circula de fato são os critérios a partir dos
quais, por um lado, são avaliados e, no mais das vezes, condenados, os
alunos, professores e práticas pedagógicas do segmento considerado de
“baixa qualidade” e, por outro lado, são avaliados e consagrados os
alunos, professores e práticas pedagógicas do segmento considerado de
alta qualidade desse mesmo sistema13.
Dessa maneira, a forte segregação de base financeira que exclui as
crianças e jovens oriundos dos grupos sociais economicamente
desfavorecidos da distribuição dos diplomas mais valorizados -
particularmente os universitários - é operada primordialmente a partir da
imposição de um mesmo conjunto de critérios garantidores, para o
conjunto da sociedade, da competência daqueles agraciados com um
diploma escolar14.
São essas as condições que permitem à idéia da igualdade de
oportunidades funcionar como um fundamento da diferenciação escolar.
Em seguida, dada a convergência entre o sistema ocupacional e o sistema
de ensino, os resultados escolares, construídos por referência a critérios
acadêmicos, acabam por ser percebidos também como indicadores de
competência social.
A operação do conceito de capital cultural pede, portanto, por mais
estudos sobre os critérios de julgamento escolar em vigor no Brasil,

12 Como procurei mostrar em outro artigo (Almeida, 2001), a comunicabilidade


entre os dois segmentos tornou-se ainda maior (ou revestiu-se ainda de um outro
caráter) durante os anos noventa, quando os proprietários e os diretores das
escolas privadas consideradas de alto nível passaram a fazer parte das equipes
estatais de planificação da política educativa pública. Além disso, várias
intervenções do governo federal no ensino fundamental e médio durante a
década de noventa foram formuladas com a assessoria de professores e donos de
escolas privadas paulistanas consideradas de alto nível. Tal foi o caso, por
exemplo, da produção dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
13 Para uma discussão mais precisa dessa questão ver Perosa e Almeida, 1998.
14 A imposição desses critérios expressa-se com maior força através das
operações de avaliação que levam à reprovação dos alunos. A "descoberta" do
peso da reprovação no processo de eliminação escolar da maioria dos alunos
oriundos das camadas mais desfavorecidas veio oportunamente fundamentar
essa hipótese (Ribeiro, 1991).
indicadores que são da cultura considerada legítima. Isso permitiria sair
do impasse entre o reconhecimento da inadequação para o caso brasileiro
dos indicadores usados por Bourdieu e a utilização vazia de sentido da
expressão “capital cultural” sem significado empírico algum.

Uma 'proxy' para a cultura legítima


O programa analítico construído por Bourdieu para compreender as
hierarquias em vigor no espaço social de uma sociedade e sua duração no
tempo pede que o pesquisador invista em identificar, entre os sistemas
simbólicos próprios a cada grupo, aquele que se encontra em posição
dominante, descrevendo suas formas de classificação e nomeação do
mundo, suas retóricas de apresentação e divulgação, seus sistemas de
validação15.
A ausência de estudos que contribuam para precisar o conteúdo
dessa cultura dominante tem dado origem a um mal entendido que não é
apenas brasileiro, como o demostram as dificuldades que sociólogos fora
da França têm para repetir as análises de Bourdieu, os resultados das
análises variando em função do que se toma como capital cultural.
Compreender essa situação pode ser particularmente instrutivo.
Lareau e Weininger (2003) mostram, por exemplo, como, nos
estudos que tomam para análise os Estados Unidos e outros países
europeus que não a França, a apropriação do conceito de capital cultural
implicou sua “conceituação em termos de atitudes e práticas estéticas
prestigiosas ou de classe alta e uma insistência de que fosse diferenciado
dos efeitos da 'habilidade', tanto conceitualmente quanto em termos de
causalidade” (op. cit.: 575).
Em boa parte, isso ocorre porque, na tentativa de operacionalizar o
conceito, os autores acabem utilizando os dados mais disponíveis para
operacionalizar a idéia de capital cultural, renunciando a criar um conjunto
de dados próprio, específico. Num primeiro conjunto de casos, o que está
disponível é a escolarização dos pais e a análise limita-se, portanto, a

15 Importa lembrar que Bourdieu pede também por um investimento na


constituição de uma sociologia da cultura como uma ciência das relações entre as
lutas pela manutenção e transformação do status quo no plano social e as lutas
pela manutenção e transformação da produção cultural, no plano simbólico.
correlacionar escolarização dos pais (em geral do pai) com o desempenho
escolar ou com alguma tomada de posição (escolhas matrimoniais, por
exemplo), sem indagar precisamente de que maneira e por meio de que
mediações esses elementos estão associados.
Quando não se fixa na escolaridade do pai, o argumento geral
baseia-se em informações obtidas por meio da manipulação de bases de
dados que informam sobre graus de proximidade com formas e práticas
culturais específicas, em geral proximidade com o que se convencionou
chamar de alta cultura (geralmente tomada pelo lado das belas-artes).
Nesse caso, os pesquisadores se utilizam de grandes bases já existentes,
montadas com outras finalidades, mas que operam uma discussão sobre a
estratificação das práticas culturais (DiMaggio, 1982; DiMaggio e Mohr,
1985 – as informações nesses dois casos são relativas aos interesses
culturais dos estudantes). Nesses casos, essas medidas são realizadas
embora os autores afirmem todo o tempo que a familiaridade com as
formas mais prestigiosas de manifestação cultural e sua valorização pelo
sistema de ensino são uma idiossincrasia francesa.
A proximidade com a alta cultura não é objeto de uma
investigação substantiva sobre o lugar que ocupam na sociedade em
questão. É curioso notar que esse procedimento contrasta agudamente
com aquele adotado por Bourdieu, que empreendia uma pesada pesquisa
empírica para capturar justamente a maneira como práticas culturais
precisas e a forma de relação estabelecida com tais práticas estavam
associadas a grupos sociais definidos de forma bem definida16. Não é
surpresa, portanto, que os primeiros resultados dessas apropriações do
conceito de capital cultural não tenham confirmado pontos importantes
das análises realizadas por Bourdieu para a França.
Isso foi entendido como indício seja de uma certa imprecisão do
modelo proposto por Bourdieu (que impediria a repetição das análises),
seja da especificidade da sociedade francesa. Esses resultados só
passaram a ser vistos como um possível efeito da maneira como os
indicadores foram construídos a partir de meados da década de noventa.

16 Ver os resultados apresentados em Les héritiers (1964) e La distiction (1979).


Nessa época surgiram os primeiros questionamentos da leitura
feita por esses autores, apontando para o caráter conjuntural do lugar
central atribuído a determinadas formas de cultura na própria idéia
bourdieusiana de cultura legítima. Torna-se mais claro que as práticas
definidas como cultura legítima são assim classificadas como efeito de
uma situação própria do estado de organização das relações sociais (ou,
no vocabulário do autor, dos diferentes campos de atividade) na época em
que a pesquisa foi realizada (Lareau e Weininger, 2003).
Nessa lógica, é possível dizer que, para se fazer de forma
apropriada a transposição da análise, seria necessário encontrar um meio
de se captar o estado de organização específico de cada sociedade num
momento dado para evitar cair na armadilha de tomar as atividades
identificadas, naquela conjuntura específica francesa, como trazendo em
si uma natureza superior ou mais capaz de produzir posicionamentos
privilegiados no espaço social.
Assim, se nos Estados Unidos e Europa parte da dificuldade de
apropriação do conceito de capital cultural decorre do fato de que se fazia
à época uma análise da estratificação das práticas culturais em moldes
muito parecidos com a França, no Brasil nossas dificuldades derivam da
ausência de estudos desse tipo.

Os exames e o privilégio cultural no Brasil


Além de mais estudos sobre as práticas culturais dos grupos
dominantes, uma das possibilidades de encaminhar essa agenda de
pesquisas é interrogar o sistema de ensino para precisar os elementos
definidores da cultura que ele contribui para legitimar, à maneira do que
fez Bourdieu em Les héritiers. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio
de estudos sobre os exames escolares, uma idéia particularmente
produtiva quando aplicada ao estudo do vestibular brasileiro, um dos
principais instrumentos de estruturação do sistema de ensino, em função,
particularmente da sua importância nas estratégias reprodutivas dos
grupos médios e das elites.
A discussão do conteúdo do privilégio cultural por meio de uma
sociologia do exame tal como procurei fazer em outros textos e que
atualizo rapidamente aqui utilizando os dados da Unicamp relativos ao
vestibular 2006 permite reunir alguns elementos de resposta para a
complicada questão de se identificar de forma substantiva o que está em
jogo na associação entre escolarização do pai e da mãe e desempenho
escolar.
O estudo consistiu em identificar a hierarquia das disciplinas
escolares e, mais precisamente, a hierarquia dos conteúdos cobertos pelo
programa do vestibular e em examinar os elementos definidores da boa
prova. Dada a posição privilegiada concedida às provas de redação dos
dois vestibulares mais importantes do estado de São Paulo, indicada pela
distribuição de pontos pelo conjunto das provas e pela sua classificação
como “eliminatórias” (Comvest, 2006), o estudo focalizou os critérios de
correção dessa prova tal como divulgado pela comissão encarregada
(Comvest, 2006).
Assim, para a comissão organizadora dos vestibulares da
Unicamp, a avaliação da boa redação “ não leva em conta apenas o
conhecimento da modalidade culta da língua” (Comvest, 2005: 05).
Procurando “selecionar (...) aquele aluno que, mobilizando sua
experiência de leitura e escrita, estabelece e reorganiza relações de
sentido, interpreta dados e fatos e elabora hipóteses explicativas (...) sem
desconsiderar a complexidade dos fatores envolvidos”, a universidade
valoriza de forma bastante explícita questões de estilo que exprimem não
apenas o domínio do padrão culto da língua brasileira, mas também uma
forma de se relacionar com ela marcada pela naturalidade e
familiaridade17. Registra-se, assim, entre os comentários dos corretores
sobre a redação esperada, a importância dada à “relação de autoria do
candidato com seu projeto de texto, valorizando-se sua experiência prévia
de vida, leitura e reflexão” (Comvest, 2006: 06, grifos meus)18, evitando-
se “reduzir a produção da redação ao preenchimento de expectativas já
pressupostas” (id.: p. 07). Espera-se, assim, dos candidatos uma

17 Repete-se aqui, de maneira bastante clara, os resultados encontrados por


Bourdieu na sua pesquisa sobre os valores do sistema de ensino francês
(Bourdieu, 1992).
18 Cabe notar aqui as implicações do uso do termo “projeto” para se referir à
atividade de escrita, sublinhando-se particularmente a sua vinculação a uma
postura de “autor”.
“elaboração pessoal, reconhecendo e movimentando-se em um panorama
de questões complexas” (id.: p. 07, grifo meu).
A análise dos comentários a quatro redações efetivamente
produzidas durante o exame permite identificar a maneira como essas
categorias são objetivamente manipuladas na avaliação concreta dos
textos produzidos pelos candidatos. Duas dessas redações foram
consideradas “acima da média” (id.: 08-10). Aponta-se, com relação à
primeira, apreciativamente, a maturidade da argumentação e o fato de
que “o texto tem um projeto muito bem elaborado em que há domínio da
autoria” (p. 10, grifos meus). Com relação à segunda, ressalta-se que o
texto “apresenta um domínio do padrão normativo da escrita e um
conjunto lexical amplo e desenvolto” (p. 10, grifo meu). Comenta-se, de
forma positiva, que “a redação propõe uma referência de leitura
interessante” (id.: 12, grifo meu) a obra literária que, por sinal, não
estava incluída na “lista” de livros cuja leitura prévia é exigida19. Ressalta-
se, ainda, a sutileza do autor no aproveitamento do tema (id.: p. 11).
Os comentários às redações consideradas “abaixo da média” são
também instrutivos. Critica-se nestas a não construção de argumentos
próprios (id., p. 12), a precariedade da organização do texto, dando-se
como exemplo, “a falta de hierarquização” e a priorização de “marcações
temporais” (id., p. 12) e, por fim, um “conjunto lexical restrito”, embora
“correto” (id. p. 12). Critica-se o aproveitamento instrumental do tema
(id.: 12) e a falha em conseguir “desenvolver seus comentários de modo a
construir seus próprios argumentos” (id.:12).
Demonstra-se, assim, que entre as principais competências
buscadas nos estudantes está a capacidade de manipular a língua
materna de forma reflexiva e inventiva. Isso está, claro, associado a uma
capacidade de reflexão sobre o mundo e sobre si mesmo. Mais
concretamente, esses critérios de correção revelam uma estruturação da
correção em torno de formas particulares de se apropriar do estoque
cultural comum e que se explicita na oposição criar x executar. Em termos
escolares isso deve se traduzir na valorização de manifestações de
criatividade por parte dos alunos o que muitas vezes é percebido como

19 Trata-se do livro A hora da estrela de Clarice Lispector.


uma capacidade de lidar com conteúdos não banalizados pela rotina
pedagógica.

Considerações finais

Como se vê, não precisamos recorrer às práticas culturais eruditas


para verificar a operacionalidade do conceito de capital cultural no sistema
de ensino.
A despeito da importância da segregação de base econômica, que
reserva espaços escolares muito desestruturados para as crianças e
jovens dos grupos populares, o sistema de ensino brasileiro continua
operando uma classificação dos estudantes em função de sua proximidade
e distância com relação a um estoque cultural específico transformado em
conteúdo escolar.
O estudo das características valorizadas nas redações do
vestibular de uma universidade pública que ocupa o polo dominante do
espaço da educação superior mostra, em primeiro lugar, a inequívoca
valorização de uma das formas da língua (o padrão culto) como língua
legítima20. Em segundo lugar, explicita que a competência no manejo da
língua culta é avaliada de forma muito particular no sistema de avaliação
em vigor. A utilização dos adjetivos listados acima como marcadores de
competência revela com clareza que o uso legítimo da língua, definido
pela familiaridade e pela naturalidade, está associado a “um modo
particular de aquisição” que exige familiarização no longo prazo (Bourdieu,
1992). Não se poderia visualizar com maior clareza a produtividade, na
sociedade brasileira, de se estar imerso, desde a mais tenra idade, na
cultura valorizada pela escola.

Referências
Almeida, Ana Maria F. (2000), “Ultrapassando o pai: herança cultural restrita e
competência escolar”, in Nogueira, Maria Alice et al. (2000).

20Outros estudos deste tipo poderiam mostrar as formas de valorização de


conhecimentos e práticas culturais alheias ao universo da escola, como indica,
neste caso, a produtividade da menção a uma autora cult como Clarice Lispector.
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