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Fevereiro de 2022
Garrett rompe com a divisão do teatro em dois géneros - comédia e tragédia. Na “Memória ao Conservatório Real”, o
próprio Garrett confessa: "Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama; só peço que a não julguem
pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece
da categoria, pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico."
Quer atuando, quer através das falas das outras personagens, Maria está sempre em
cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a peça.
A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna
vítima inocente.
Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
intuitiva e sentimental;
idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias e agoiros;
o culto do nacionalismo, do patriotismo e do sebastianismo;
fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é destemida);
Morre de “vergonha” como vítima inocente.
A catarse (Katársis) - é o efeito da representação trágica, a qual visa purificar os espetadores de paixões
exacerbadas, desmedidas, semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e/ou pela piedade.
A presença do coro: na figura agoirenta do Telmo, que representa o raciocínio frio e a inteligência esclarecida
na análise dos acontecimentos, anunciando a catástrofe, mas sem mudar o curso da ação; na figura do Frei
Jorge; na recitação litúrgica do ofício dos mortos.
Manuel de Sousa Coutinho é um homem justo, que desafia o poder instituído (hybris) e é condenado pelo
destino (ananké) ao aniquilamento.
Há um crescendo trágico - pathos - e no final do 2º ato dá-se a anagnórise - momento de clímax.
Na última cena do Ato Terceiro está a catástrofe - corresponde ao desenlace trágico
Número reduzido de personagens (3 personagens principais ou uma: a família)
Integração da obra na lei das três unidades: unidade de ação, de espaço e de tempo
A unidade de AÇÃO é superiormente conseguida:
• os acontecimentos encadeiam-se, o conflito aumenta progressivamente provocando um sofrimento
cada vez mais atroz;
• a catástrofe é o desenlace esperado;
• a verosimilhança é perfeita.
A unidade de espaço (físico) : Almada (palácios diferentes mas próximos)
Ato I: Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: luxo, grandes janelas sobre o Tejo – felicidade
aparente
Ato II: Palácio de D. João de Portugal: melancólico, austero, pesado, escuro – o peso da fatalidade,
sugerindo já uma desgraça que inexoravelmente se abaterá sobre aquela família, ironicamente
detentora de todas as condições para viver feliz.
Ato III: Parte baixa do palácio de D. João (casarão sem ornato algum) – abandono dos bens deste
mundo. A cruz: elemento conotador de morte e de esperança.
O afunilamento espacial (fechamento e redução do espaço) acompanha o clima trágico da ação. O espaço
acompanha sempre a desgraça que se aproxima, tendo, pois, uma função opressiva, agoirenta, fatal. O próprio
espaço é pressagiador de desgraça. Destaque-se também a importância simbólica dos retratos de Manuel de
Sousa Coutinho (que arde, aquando do incêndio, indiciando a morte (para o mundo) desta personagem) e de
D. João de Portugal que funciona como meio de evocações funestas, quer no princípio do ato II, aquando da
mudança de palácio, quer na ocasião do reconhecimento (anagnórise), no final do mesmo ato.
(ver esquema na página seguinte)
Afunilamento do espaço
Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: moderno, luxuoso, aberto para o exterior: Lisboa
A destacar:
O afunilamento/a condensação do tempo como facto trágicoA passagem da luz à escuridão
O simbolismo do tempo: a sexta-feira fatal: o regresso de D. João de Portugal faz-se no 21º aniversário da
batalha de Alcácer-Quibir (sexta-feira); morte de D. Sebastião (sexta-feira); visão de D. Manuel pela 1ª vez
(sexta-feira)
Ao longo da intriga dramática, há uma atmosfera psicológica do sebastianismo com a crença no regresso do
monarca desaparecido e a crença no regresso da liberdade. Telmo Pais é quem melhor alimenta estas crenças, mas
Maria mostra-se a sua melhor seguidora. Percebe-se também uma atmosfera de superstição, nomeadamente
desenvolvida em redor de D. Madalena.
Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino acompanha todos os
momentos da vida das personagens, apresentando-se como uma força que as arrasta de forma cega para a desgraça. É
ele que não deixa que a felicidade daquela família possa durar muito.
A destacar:
os dois retratos que são particularmente importantes: o de D. Manuel, que arde, aquando do incêndio,
indiciando a morte (para o mundo) desta personagem; o de D. João de Portugal, que funciona como meio de
evocações funestas, quer no princípio do ato II, aquando da mudança de palácio, quer na ocasião do
reconhecimento (anagnórise), no final do mesmo ato.
SIMBOLOGIA
o dia aziago: sexta-feira, fim da tarde e noite (Acto I), sexta-feira, tarde (Acto II), sexta-feira, alta noite (Acto III);
e à sexta-feira D. Madalena casou-se pela primeira vez; à sexta-feira viu Manuel pela primeira vez; à sexta-feira
dá-se o regresso de D. João de Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião, vinte e um anos antes.
O número 21 corresponde a 3 x 7, ou seja, ao nascimento de uma nova realidade (7 anos foi o ciclo da busca de
notícias sobre D. João de Portugal e o descanso após tanta procura); 14 anos foi o tempo de vida com Manuel
de Sousa (2 x 7, o crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de Manuel e como mãe de Maria; 21
anos completa a tríade de 7, apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos
periódicos. O número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar obrigatório
do ciclo da vida), enquanto o 3 indica perfeição; o 21 significa, então, a fatalidade perfeita.
IDEOLOGIA DA OBRA
Na obra Frei Luís de Sousa, ecoam os grandes cânones que estiveram na origem da forma de estar de Garrett
no mundo. A sua luta pela liberdade e pelo patriotismo estão patentes na corajosa decisão de Manuel de Sousa
Coutinho de incendiar a sua própria casa, para que os governadores espanhóis não fizessem dela o seu alojamento.
De facto, o período filipino que se seguiu à derrota portuguesa na Batalha de Alcácer Quibir espelhava o
Portugal conturbado dos anos vinte e trinta do século XIX, onde as forças absolutistas tentavam esmagar o grito de
liberdade de homens entre os quais se encontrava o escritor.
Mas, a ideologia romântica da obra, completa-se com a intenção pedagógica do autor. Se a peça veicula o
amor que o escritor nutria pela sua pátria e o culto que fazia da liberdade, verdadeiro valor que, segundo ele, permitia a
redenção dos povos e o seu percurso em direção ao progresso, esta apresenta um conteúdo moral: na última cena do
drama, uma criança inocente, vítima de uma sociedade dominada por preconceitos desumanos e por ideais efémeros,
morre "de vergonha". Garrett, acreditava que, para educar o seu país, era necessário confrontá-lo com a sua própria
realidade, para que, conscientes das suas virtudes e dos seus erros, os portugueses aprendessem a lição que motivaria a
sua transformação.
LINGUAGEM E ESTILO
Ao contrário da tragédia clássica antiga, a obra Frei Luís de Sousa foi escrita em prosa. Assim, encontramos no texto as
marcas fundamentais do modo de expressão que constitui o diálogo, pelo que as estruturas discursiva e frásica
apresentam as características própria da coloquialidade e da oralidade.
Ao nível da PROSÓDIA
A entoação é, essencialmente, traduzida através dos diferentes tipos de frase; é de salientar a recorrência
dos tipos de frase exclamativo e interrogativo como forma de expressão dos sentimentos que dominam
as personagens.
As suspensões frásicas evidenciam os constrangimentos das personagens, a sua dor, a sua preocupação e
as suas hesitações relativamente a assuntos que as perturbam.
O ritmo frásico e discursivo liga-se claramente ao estado de espírito do sujeito de enunciação.
A pontuação: a ocorrência frequente das reticências e dos pontos de exclamação como sugestão da tensão
emocional e dramática.
ao nível sintático: predominam as frases curtas e/ou inacabadas, que traduzem as hesitações ou a
intensidade das emoções das personagens.
ao nível lexical
a utilização da interjeição e das locuções interjetivas ("Oh", "Meu Deus") como tradutoras da ansiedade e
da angústia das personagens;
as repetições e a carga emotiva que encerram determinados vocábulos: "desgraça", "escárnio", "amor";
a repetição do advérbio de tempo "hoje", que torna mais denso o ambiente trágico;
por vezes, uma palavra substitui uma frase, dado que concentra, de forma expressiva, a trama de
sentimentos que invade uma personagem, numa determinada situação - é o caso do pronome indefinido
"Ninguém", palavra proferida pelo Romeiro.
Bom trabalho!
Profª Isabel Rosa