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O essencial sobre a obra Frei Luís de Sousa

Fevereiro de 2022

Classificação da obra quanto ao género: drama romântico

Garrett rompe com a divisão do teatro em dois géneros - comédia e tragédia. Na “Memória ao Conservatório Real”, o
próprio Garrett confessa: "Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama; só peço que a não julguem
pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece
da categoria, pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico."

Perfil das personagens

Madalena  Angustiada, atormentada, torturada pelo passado: incapaz de viver a felicidade do


(Nobre e honrada presente por impossibilidade de esquecer o passado.
dama)  Dominada pela emotividade : deixa-se arrastar pelos sentimentos (medo, terror, culpa)
e por agouros muito mais do que pela razão.
 Personagem com grande densidade psicológica: revela angústia, apreensão, remorso,
inquietação, intranquilidade, preocupação, amor, medo e horror à solidão.
 Marcada pelo destino: amor fatal.
 Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos.
Manuel de Sousa  Racional e sensato: deixa-se conduzir pela razão que domina os sentimentos.
Coutinho  Corajoso, audaz e decidido.
Nobre: cavaleiro de  Patriota, “um português dos verdadeiros”.
Malta (só os nobres é
 Até à vinda do Romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno.
que ingressavam nessa
ordem religiosa) (I,2 e 4)  Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações: o seu
patriotismo leva-o a incendiar o palácio.
 Após o aparecimento do Romeiro, Manuel de Sousa perde a serenidade e o equilíbrio
clássico que sempre teve e adquire características românticas: a razão deixa de lhe
disciplinar os seus sentimentos, e estes manifestam-se com descontrolada violência.
Exemplos:
- Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha)
-Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”,
“vergonha”, “escárnio”, “desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.)
 Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o
isolamento necessário à escrita
Maria  Precocemente desenvolvida, física e psicologicamente.
 Doente: tuberculose, a doença dos românticos.
 Culto de Camões: evoca constantemente o passado.
 Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente.
 Poderosa intuição e dotada do dom da profecia.
 Marcada pelo Destino: a fatalidade vai atingi-la e destruí-la.
 Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo.

 Quer atuando, quer através das falas das outras personagens, Maria está sempre em
cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a peça.
A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna
vítima inocente.
Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
 intuitiva e sentimental;
 idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias e agoiros;
 o culto do nacionalismo, do patriotismo e do sebastianismo;
 fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é destemida);
 Morre de “vergonha” como vítima inocente.

Telmo  Confidente de D. Madalena.


(escudeiro, sempre  Elo de ligação das duas famílias.
ligado à nobreza)  Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena.
 Desempenha três funções do coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e
profecia.
 escudeiro fiel, leal a seu amo D. João de Portugal acaba por reconhecer que o amor por
Maria se sobrepôs ao amor e à fidelidade a D. João.
O essencial sobre a obra Frei Luís de Sousa
Fevereiro de 2022

D. João de  Imagem da Pátria humilhada e cativa.


Portugal  Ligado à lenda de D. Sebastião.
(Nobre cavaleiro,  Permanentemente em cena (apesar de ausente) através das evocações de Madalena,
combate com o seu das convicções de Telmo, do sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e dos
rei em Alcácer sinais.
Quibir)  Força desencadeadora de toda a energia dramática da peça.
 É NINGUÉM, no final do Ato Segundo, como se toda a sua força simbólica se esgotasse.
(Efetivamente, no final da peça, ninguém se compadece dele como marido ultrajado.)

 D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras


personagens. Simboliza a fatalidade, a força do Destino que atua inexoravelmente
sobre as outras personagens, levando a ação a um desfecho trágico.

Frei Jorge  É confidente e conselheiro sobretudo de D. Manuel.


 À semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos.
 Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam
suavizados por uma perspetiva cristã.

Principais características românticas em Frei Luís de Sousa

 A liberdade de criação (drama);


 A libertação da linguagem que se torna coloquial;
 A mistura de níveis de língua;
 A pontuação expressiva;
 O amor à pátria e o heroísmo de Manuel de Sousa Coutinho ao incendiar a sua casa;
 Crença de Maria e de Telmo no sebastianismo ;
 Crença de Maria e de Madalena em agouros, dias aziagos, superstições;
 O povo como representante da alma nacional, no discurso de Maria e de Manuel
 Maria - figura romântica pela sua sensibilidade doentia e pela sua imaginação aguçada pela tuberculose
(doença romântica), deixando-se levar por visões e pelos sonhos;
 A religião como consoladora de infelizes: o refúgio no convento;
 A crítica às leis da sociedade: Maria insurge-se contra a lei do matrimónio que forçava os pais à separação e
lhos roubava;
 A morte física de Maria.

Características que aproximam Frei Luís de Sousa da tragédia clássica

 Personagens aristocráticas e em número reduzido;


 O desafio (hybris) às instituições e às prepotências humanas:
 o casamento de Madalena com Manuel de Sousa Coutinho (casou sem a certeza absoluta do seu estado
livre e já amava Manuel de Sousa Coutinho quando vivia com o seu primeiro marido);
 o incêndio do palácio por decisão de Manuel de Sousa Coutinho.
 Existência do sofrimento (Pathos): no início, visível em Madalena, acaba por atingir todas as personagens e vai
progressivamente aumentando, até atingir um clímax irresistível e fatalista;
 A fatalidade/ a força do destino (anankê = destino, fatalidade), em latim fatum (fado), o qual atinge uma
família que, pressente-se logo de início, irá ser desonrada e liquidada sem piedade;
 A sensação de impotência, dado que os protagonistas não podem lutar contra essa fatalidade, limitando-se a
aguardar, incapazes e cheios de ansiedade, o desfecho que se afigura cada vez mais funesto;
 O reconhecimento (anagnórisis ou anagnórise): com a identificação/reconhecimento do Romeiro.
 A catástrofe (Katastrophé) vem indiciada desde o início da ação e marca o desenlace fatal em que se consuma
a destruição das personagens: morte física de Maria; morte para o mundo de Madalena e de Manuel; morte
psicológica do Romeiro.
O essencial sobre a obra Frei Luís de Sousa
Fevereiro de 2022

 A catarse (Katársis) - é o efeito da representação trágica, a qual visa purificar os espetadores de paixões
exacerbadas, desmedidas, semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e/ou pela piedade.
 A presença do coro: na figura agoirenta do Telmo, que representa o raciocínio frio e a inteligência esclarecida
na análise dos acontecimentos, anunciando a catástrofe, mas sem mudar o curso da ação; na figura do Frei
Jorge; na recitação litúrgica do ofício dos mortos.

 Manuel de Sousa Coutinho é um homem justo, que desafia o poder instituído (hybris) e é condenado pelo
destino (ananké) ao aniquilamento.
 Há um crescendo trágico - pathos - e no final do 2º ato dá-se a anagnórise - momento de clímax.
 Na última cena do Ato Terceiro está a catástrofe - corresponde ao desenlace trágico
 Número reduzido de personagens (3 personagens principais ou uma: a família)
 Integração da obra na lei das três unidades: unidade de ação, de espaço e de tempo
 A unidade de AÇÃO é superiormente conseguida:
• os acontecimentos encadeiam-se, o conflito aumenta progressivamente provocando um sofrimento
cada vez mais atroz;
• a catástrofe é o desenlace esperado;
• a verosimilhança é perfeita.
 A unidade de espaço (físico) : Almada (palácios diferentes mas próximos)
 Ato I: Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: luxo, grandes janelas sobre o Tejo – felicidade
aparente
 Ato II: Palácio de D. João de Portugal: melancólico, austero, pesado, escuro – o peso da fatalidade,
sugerindo já uma desgraça que inexoravelmente se abaterá sobre aquela família, ironicamente
detentora de todas as condições para viver feliz.
 Ato III: Parte baixa do palácio de D. João (casarão sem ornato algum) – abandono dos bens deste
mundo. A cruz: elemento conotador de morte e de esperança.
 O afunilamento espacial (fechamento e redução do espaço) acompanha o clima trágico da ação. O espaço
acompanha sempre a desgraça que se aproxima, tendo, pois, uma função opressiva, agoirenta, fatal. O próprio
espaço é pressagiador de desgraça. Destaque-se também a importância simbólica dos retratos de Manuel de
Sousa Coutinho (que arde, aquando do incêndio, indiciando a morte (para o mundo) desta personagem) e de
D. João de Portugal que funciona como meio de evocações funestas, quer no princípio do ato II, aquando da
mudança de palácio, quer na ocasião do reconhecimento (anagnórise), no final do mesmo ato.
(ver esquema na página seguinte)

Afunilamento do espaço

Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: moderno, luxuoso, aberto para o exterior: Lisboa

Palácio de D. João de Portugal: salão antigo, melancólico

Sala dos retratos

Parte baixa do palácio de D. João de


Portugal
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 A unidade de tempo : não respeita a duração de 24 horas

Tempo dramático/ tempo da ação Tempo simbólico


(uma semana)
Ato I  Visão de Manuel de Sousa Coutinho pela primeira vez, à sexta-feira
28/07/1599 - Sexta-feira  Batalha de Alcácer-Quibir - 04/08/1578 - Sexta-feira
Fim da tarde e Noite  Casamento com Manuel de Sousa Coutinho: 7 anos depois da batalha - Sexta-feira
Ato II  Regresso de D. João de Portugal no 21º aniversário da batalha - 04/08/1599 - Sexta-
04/08/1599 - Sexta-feira feira
Tarde
Ato III
04/08/1599 - Sexta-feira
Alta noite

A destacar:
 O afunilamento/a condensação do tempo como facto trágicoA passagem da luz à escuridão
 O simbolismo do tempo: a sexta-feira fatal: o regresso de D. João de Portugal faz-se no 21º aniversário da
batalha de Alcácer-Quibir (sexta-feira); morte de D. Sebastião (sexta-feira); visão de D. Manuel pela 1ª vez
(sexta-feira)

A ATMOSFERA: sebastianismo e fatalidade

Ao longo da intriga dramática, há uma atmosfera psicológica do sebastianismo com a crença no regresso do
monarca desaparecido e a crença no regresso da liberdade. Telmo Pais é quem melhor alimenta estas crenças, mas
Maria mostra-se a sua melhor seguidora. Percebe-se também uma atmosfera de superstição, nomeadamente
desenvolvida em redor de D. Madalena.
Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino acompanha todos os
momentos da vida das personagens, apresentando-se como uma força que as arrasta de forma cega para a desgraça. É
ele que não deixa que a felicidade daquela família possa durar muito.
A destacar:
 os dois retratos que são particularmente importantes: o de D. Manuel, que arde, aquando do incêndio,
indiciando a morte (para o mundo) desta personagem; o de D. João de Portugal, que funciona como meio de
evocações funestas, quer no princípio do ato II, aquando da mudança de palácio, quer na ocasião do
reconhecimento (anagnórise), no final do mesmo ato.

SIMBOLOGIA

 o dia aziago: sexta-feira, fim da tarde e noite (Acto I), sexta-feira, tarde (Acto II), sexta-feira, alta noite (Acto III);
e à sexta-feira D. Madalena casou-se pela primeira vez; à sexta-feira viu Manuel pela primeira vez; à sexta-feira
dá-se o regresso de D. João de Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião, vinte e um anos antes.

 A numerologia parece ter sido escolhida intencionalmente:


• Madalena casou 7 anos depois de D. João ter desaparecido na batalha de Alcácer Quibir;
• há 14 anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho;
• a desgraça, com o aparecimento do Romeiro, sucede 21 anos depois da batalha (21= 3 x 7).
 O número 7 é um número primo que se liga ao ciclo lunar (cada fase da Lua dura cerca de sete dias) e ao ciclo
vital (as células humanas renovam-se de sete em sete anos), representa o descanso no fim da criação e pode-
se encontrar em muitas representações da vida, do universo, do homem ou da religião; o número 7 indica o
fim de um ciclo periódico.
 O número 3 é o número da criação e representa o círculo perfeito. Exprime o percurso da vida: nascimento,
crescimento e morte.
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 O número 21 corresponde a 3 x 7, ou seja, ao nascimento de uma nova realidade (7 anos foi o ciclo da busca de
notícias sobre D. João de Portugal e o descanso após tanta procura); 14 anos foi o tempo de vida com Manuel
de Sousa (2 x 7, o crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de Manuel e como mãe de Maria; 21
anos completa a tríade de 7, apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos
periódicos. O número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar obrigatório
do ciclo da vida), enquanto o 3 indica perfeição; o 21 significa, então, a fatalidade perfeita.

IDEOLOGIA DA OBRA
Na obra Frei Luís de Sousa, ecoam os grandes cânones que estiveram na origem da forma de estar de Garrett
no mundo. A sua luta pela liberdade e pelo patriotismo estão patentes na corajosa decisão de Manuel de Sousa
Coutinho de incendiar a sua própria casa, para que os governadores espanhóis não fizessem dela o seu alojamento.
De facto, o período filipino que se seguiu à derrota portuguesa na Batalha de Alcácer Quibir espelhava o
Portugal conturbado dos anos vinte e trinta do século XIX, onde as forças absolutistas tentavam esmagar o grito de
liberdade de homens entre os quais se encontrava o escritor.
Mas, a ideologia romântica da obra, completa-se com a intenção pedagógica do autor. Se a peça veicula o
amor que o escritor nutria pela sua pátria e o culto que fazia da liberdade, verdadeiro valor que, segundo ele, permitia a
redenção dos povos e o seu percurso em direção ao progresso, esta apresenta um conteúdo moral: na última cena do
drama, uma criança inocente, vítima de uma sociedade dominada por preconceitos desumanos e por ideais efémeros,
morre "de vergonha". Garrett, acreditava que, para educar o seu país, era necessário confrontá-lo com a sua própria
realidade, para que, conscientes das suas virtudes e dos seus erros, os portugueses aprendessem a lição que motivaria a
sua transformação.

LINGUAGEM E ESTILO

Ao contrário da tragédia clássica antiga, a obra Frei Luís de Sousa foi escrita em prosa. Assim, encontramos no texto as
marcas fundamentais do modo de expressão que constitui o diálogo, pelo que as estruturas discursiva e frásica
apresentam as características própria da coloquialidade e da oralidade.
 Ao nível da PROSÓDIA
 A entoação é, essencialmente, traduzida através dos diferentes tipos de frase; é de salientar a recorrência
dos tipos de frase exclamativo e interrogativo como forma de expressão dos sentimentos que dominam
as personagens.
 As suspensões frásicas evidenciam os constrangimentos das personagens, a sua dor, a sua preocupação e
as suas hesitações relativamente a assuntos que as perturbam.
 O ritmo frásico e discursivo liga-se claramente ao estado de espírito do sujeito de enunciação.
 A pontuação: a ocorrência frequente das reticências e dos pontos de exclamação como sugestão da tensão
emocional e dramática.

 ao nível sintático: predominam as frases curtas e/ou inacabadas, que traduzem as hesitações ou a
intensidade das emoções das personagens.

 ao nível lexical
 a utilização da interjeição e das locuções interjetivas ("Oh", "Meu Deus") como tradutoras da ansiedade e
da angústia das personagens;
 as repetições e a carga emotiva que encerram determinados vocábulos: "desgraça", "escárnio", "amor";
 a repetição do advérbio de tempo "hoje", que torna mais denso o ambiente trágico;
 por vezes, uma palavra substitui uma frase, dado que concentra, de forma expressiva, a trama de
sentimentos que invade uma personagem, numa determinada situação - é o caso do pronome indefinido
"Ninguém", palavra proferida pelo Romeiro.

 registo de língua : coexistem os registos familiar e cuidado.

Bom trabalho!
Profª Isabel Rosa

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