Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Este texto é uma explanação conceitual, didática e metodológica do fenômeno religioso que
visa causar reflexões sobre cultura e a diversidade, a caracterização do fenômeno religioso e
sua pluralidade de expressões. Pretende-se explorar a temática dentro de duas categorias: uma
analítica e uma segunda categoria nativa. O estudo aqui proposto, acontece em seis partes: a)
A definição de cultura e sistema simbólico; b) Religião como instituição social e sua
influência moral; e) Concepções acerca de rituais e da magia; d) Um panorama das religiões
no Brasil; e) Sincretismo e a intolerância religiosa e por fim e) uma breve descrição do
método acerca do método, pois o texto e usa como reflexão as experiências da atividade de
Estágio de Docência do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), no período de abril à junho de 2019.
INTRODUÇÃO
O fenômeno religioso vem sendo tratado como objeto de análise das ciências sociais
desde autores clássicos como Émile Durkheim, Max Weber, Clifford Geertz, passando por
Marcel Mauss e Roger Bastide ou até mesmo jovens cientistas sociais interessados pelo
assunto. Esta é uma área de pesquisa abrangente e o interesse pelo estudo da religião de
maneira científica propõe a religiosidade como parte integrante da vida social e da cultura
brasileira, sendo assim, esta temática merece atenção por parte dos cientistas sociais e
educadores da área. Apesar de ser um elemento estruturante da sociedade, muitas vezes os
educadores apresentam suas ressalvas no momento de trabalhar este conteúdo em sala de
aula, talvez por não saberem como iniciar a discussão em função das individualidades dos
sujeitos ou por confundir a reflexão sobre as religiões e a sociedade com o ensino religioso.
1
Graduando em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas - RS.
1
Ainda assim, a escola é um espaço laico onde a religião deve ser tratada como assunto da
disciplina de Sociologia.
Antes de prosseguir, o leitor deve ser inteirado de que este texto é uma explanação
conceitual, didática, metodológica e usa como reflexão as experiências da atividade de
Estágio de Docência do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), no período de abril a junho de 2019, logo. A proposta possui caráter pessoal,
sendo uma tentativa de definir um “fio condutor” que seja capaz de explicar elementos do
campo religioso no Brasil e combater opiniões equivocadas acerca da religião, acima de tudo,
causar reflexões sobre à cultura e a diversidade, a caracterização do fenômeno religioso e sua
pluralidade de expressões a fim propor uma contribuição didática-metodológica para a área.
Esta experiência propiciou episódios durante as aulas de sociologia, havendo a constatação
do forte interesse dos educandos em expressar suas ideias e compreender mais acerca do
2
assunto. Portanto uma área de interesse comum neste grupo específico, sendo esta a
inspiração e principal motivação para a realização deste texto que visa disseminar a
compreensão do fenômeno religioso através de uma proposta de ensino.
3
[...]um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporando
símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em forma de
símbolos por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e
desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.
(GEERTZ, 1989, p66)
Para entendermos com mais clareza o fenômeno religioso como elemento da cultura,
o trataremos como sistema simbólico, representação social e mais para frente, como
instituição social. Agora pensemos o conceito de símbolo, entretanto “precisamos decidir
primeiro o que ele deve significar. Não se trata de algo fácil pois, como a ‘cultura’, o
‘símbolo’ vem sendo usado numa ampla gama de coisas, muitas vezes, várias coisas ao
mesmo tempo. (GEERTZ, 1899, p105), nesse sentido nos apoiamos na ideia de que “a
concepção é o significado do símbolo”(Idem). Esta concepção acerca de símbolo, ao
relacionar-se com a religião, expressa algo exterior aos sujeitos e mais do que isso, apresenta
valores maniqueístas frente ao comportamento daqueles que seguem e confirmam sua fé em
determinada religião, aqui verifica-se a existência de categorias coercitivas, o sagrado e o
profano, que “foram pensados pelo espírito humano como gêneros distintos, como dois
mundos que não têm nada em comum” (DURKHEIM, 2003, p212 ). Assim sendo, podemos
entender a religião como um sistema subjetivo que age no mundo material através de seus
significantes e significados, que configuram um tipo de ethos, que por sua vez, possui o poder
de mudar ações através das representações que por sua vez, são simbolizadas. O que se quer
provar é que “a religião é uma coisa eminentemente social” (Idem), ou seja, “as
representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas”
(Idem). A partir do que se entende como religião até aqui, verifica-se a existência de
características que compõe o termo e lhe atribuem sentido na vida social. Tomemos como
4
exemplo sua capacidade de exercer constantemente a coerção social, que a coloca em uma
nova categoria, a de instituição social, e ao classificá-la assim verifica-se a ruptura entre
outras duas categorias, religião e sagrado, no que tange seus significados, pois a religião está
relacionada a manutenção da sagrado, que por sua vez, se manifesta como fonte para as
representações tratadas anteriormente.
Enquanto instituição a religião possui uma dimensão ética que pode ter “a influência
de certas idéias religiosas no desenvolvimento de um espírito econômico, ou o ethos de um
sistema econômico” (WEBER, 2010, p11). Nesse sentido, Weber nos leva a ideia de que o
desenvolvimento da sociedade está diretamente ligado a condutas religiosas e “nesse caso
estamos lidando com a conexão do espírito da moderna vida econômica com a ética racional
da ascese protestante. Assim, tratamos aqui apenas de um lado do encadeamento causal”
(WEBER, 2010, p11). Portanto, ao compararmos Durkheim e Weber, constata-se que a
religião apresenta uma lógica racionalizada da conduta humana, o que possibilita a
construção do ethos citado anteriormente. Esse ethos específico diferencia o que está “certo”
do que está “errado”, de maneira informal, ou o que é sagrado e do que é profano, fator que
determina construções teológicas, mitos e dogmas. Seguindo a teoria weberiana acerca da
religião, pensemos também outros pontos importantes que podem esclarecer mais
profundamente a ética religiosa como umas das muitas partes que configuram a vida social,
pois ao adentrarmos a instituição iremos nos deparar com os dinâmicas e sujeitos
incorporados à prática religiosa - gestores, figuras míticas e crentes.
5
Mas como podemos introduzir o conceito de magia em nossa investigação? Para
realizar tal tarefa, que pode ser complexa, pois assim como definiu Geertz ao tratar de
“cultura” e “símbolo”, a palavra magia pode ser empregada de acordo com as variações
subjetivas dos atores e por consequência erroneamente interpretadas em uma análise menos
profunda, onde “não podemos considerar mágicos os fatos designados como tais, por seus
atores e espectadores. Estes colocavam em pontos de vistas subjetivos, que não são
necessariamente os da ciência. (MAUSS, 2003, p.55). Nesse sentido, afastamos o significado
ou suposição atribuído a magia por seus manipuladores e experimentadores e trabalharemos
em cima do pressuposto de que magia é um efeito psicológico incorporado ao rito. O rito, por
sua vez, é a prática generalizada entre todas as religiões, onde o sagrado e o profano se
encontram, o momento onde os atores podem fazer contato com algo maior que suas
existências. A crença no rito se dá particularmente pela experiência individual dos atores e se
justifica pelo que Mauss chama de pensamento mágico e é esta forma de pensar que legitima
a presença da magia e confirma a fé no sobrenatural. “A força religiosa é o sentimento de
coletividade que inspira seus membros, mas projetado para fora das consciências que o
experimentam”(DURKHEIM, 2003, p211), em outras palavras, a religião só existe e se
mantém porque as pessoas acreditam na sua existência e a legitimam como crença..
6
cruzamento de elementos das diferentes práticas e mitos é um dos argumentos fundantes do
campo religioso brasileiro..
Até aqui foi apresentada uma análise do fenômeno religioso a partir da apropriação
de conceitos que vem tentando desmistificar como se constitui este elemento da cultura de
maneira epistemológica. Entretanto, para falarmos de religião se faz necessário irmos além da
análise conceitual e aproximar a temática à experiência dos sujeitos que compõem uma sala
de aula. Para que sigamos nosso “fio condutor”, passaremos à categorias de análise nativa
que possibilitem explorar conceitos e questões do mundo prático, para isso, comecemos com
uma investigação dos dados do censo do IBGE de 2010, que apontam
7
[...] diante do modesto altar católico erguido contra o muro da senzala, à luz
tremulada das velas, os negros podiam dançar impudentemente suas danças
religiosas e tribais. O branco imaginava que eles dançavam em homenagem
a Virgem ou aos santos; na realidade, a Virgem e os santos não passavam de
disfarces e os passos dos bailados rituais cujo significado escapava aos
senhores, traçavam sobre o chão de terra batida os mitos dos orixás ou dos
voduns[…] (BASTIDE.1989)
Sincretismo Religioso
8
O desenvolvimento de novas religiões no Brasil não se limitou ao aparecimento das
religiões afro-brasileiras, pois as religiões protestantes também tiveram seu espaço para
espalharem-se, significativamente, pelo território nacional. Durante o século XX, ocorreram
as três ondas pentecostais - Pentecostalismo clássico (1906-1940), Pentecostalismo de Cura
Divina (1950-1960) e Neopentecostalismo (1970-1999) - que deram origem a diversas igrejas
dessa designação, suas maiores representantes no Brasil, são a Igreja Assembleia de Deus
(1911), Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), Igreja Universal do Reino de Deus (1977), a
Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (1998).
Tendo em vista que já sabemos sobre as bases religiosas em termos gerais, este campo, no
Brasil apresenta a problemática da intolerância religiosa. Trataremos, sobretudo, os ataques
das religiões evangélicas de base fundamentalista - de ação combativa, que propõe uma
guerra secular do bem contra o mal - as religiões afro-brasileiras.
9
Esse ataque é resultado de vários fatores entre os quais podemos destacar: a
disputa por adeptos de uma mesma origem socioeconômica, o tipo de
cruzada prosestilista pelas igrejas neopentecostais - com grandes
investimentos nos meios de comunicação de massa e o consequente
crescimento dessas denominações, que arregimentaram um número cada vez
maior de "soldados de Jesus" - e, do ponto de vista dos sistema simbólico, o
papel que as entidades afro-brasileiras e suas práticas desempenham na
estrutura ritual dessas igrejas como afirmação de uma cosmologia
maniqueísta (SILVA, 2007, p 9-10)
SISTEMATIZAÇÃO DO CONTEÚDO
Você pode estar se perguntando de que maneira é possível apresentar tantos conceitos
e construir uma aula de sociologia de forma efetiva. Primordialmente, o fenômeno religioso é
um elemento da cultura, logo, é indispensável que a temática seja apresentada aos educandos
somente após serem trabalhados os conceitos de cultura e diversidade para que estabeleça-se
uma conexão entre as áreas de conhecimento. Um fator muito importante ao se trabalhar este
conteúdo é que na própria sala de aula se verifique se há uma diversidade religiosa com o
intuito de explorá-la e dar início a discussão. É interessante a aplicação de um diagnóstico
estruturado com questões que possam aproximar o educador às realidades dos educandos,
para então, definir uma espécie de contrato pedagógico entre as partes. Para o contrato
pedagógico ser fechado é necessário que chegue-se ao consenso de qual metodologia poderá
funcionar com o grupo. Particularmente na experiência em que este conteúdo foi trabalhado,
foi democraticamente deliberado que seria trabalhada uma metodologia expositiva/dialogada,
iniciada por uma breve revisão teórica do conceito de cultura, o que não é regra geral, pois
outras perspectivas didáticas podem ser adotadas. Logo, este texto não se propõe a
10
aprofundar-se em uma discussão pedagógica, mas sim metodológica e sobre conteúdos, pois
a sistematização dos mesmos deu-se pela experiência empírica.
Vamos supor uma situação onde você já conhece o perfil da turma e o contrato
pedagógico foi estabelecido. Nesse momento surge uma outra importante fase da construção
do fazer docente, o replanejamento, pois também supõe-se que seu plano de ensino já foi
deliberado, esta fase incluirá repensar quais as ações futuras serão adotadas para realizar a
aula, ou seja, aproximar a temática do fenômeno religioso as respostas obtidas na
investigação do perfil da turma e no caso da religião, é possível construir questões que
provoquem e estimulem a turma a relatar mais sobre seus cotidianos religiosos, mas
lembre-se que cada sujeito presente na sala é dotado de conhecimentos a partir de suas
experiências, logo, toda cautela é necessária para realização de tais questionamentos em três
sentidos: a) o respeito a subjetividade individual; b) o direito à liberdade religiosa; c) o dever
com a manutenção do estado laico.
Usar exemplos para demonstrar de maneira prática, é uma estratégia importante para
que se possa materializar os conceitos. Você pode pesquisar sobre exemplos conhecidos
através dos veículos de comunicação e outros artigos científicos, entretanto, é essencial
inteirar-se a respeito de dados das religiões, ritos e celebrações que acontecem na sua própria
cidade para que o grupo consiga tipificar os conceitos. Dentre os exemplos, podemos utilizar
as figuras que gerenciam as instituições religiosas (padres, pastores, mães e pais de santo) e
suas figuras míticas (Jesus Cristo e Orixás), as práticas mágicas e corporais presentes nas
giras de santo, nos exorcismos praticados pelos neopentecostais, o sincretismo das práticas
afro-brasileiras apropriados pelas igrejas evangélicas, contar histórias com a do “Santo Pau
do Pau Oco” que é um elemento cultura popular, problematizar casos como o do Chute na
Santa (1995) e entre outros diversos casos que podem ser obtidos em qualquer pesquisa
rápida na internet ou conversando com seus educandos.
11
dentro de uma instituição escolar, atribuindo a disciplina de sociologia o papel de explicá-la
No caso específico do exercício do estágio, as atividades relacionadas a discussão sociológica
do fenômeno religioso revelaram que esta temática configura-se como área de interesse
comum, entre os estudantes do segundo ano do Ensino Médio, o que possibilitou aproveitar
deste grupo seus conhecimentos prévios e tensionar conceitos através de suas experiências e
vivências.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
12
CAMURÇA, Marcelo Ayres. O Brasil Religioso que emerge do censo de 2010:
consolidações, tendências e possibilidades. In Religiões em Movimento: o censo de 2010.
TEIXEIRA, Faustino e MENEZES, Renata (orgs.), Petrópolis: Vozes, 2012, pp.63-87
DA VILA, Martinho. Sincretismo Religioso: Coisas de Deus [2012]. Disponível em:
<https://open.spotify.com/track/0YU83N8d30XUGdPtVVG172?autoplay=true&v=T> .
Acesso:02/12/2019.
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
GEERTZ, Clifford A Religião como Sistema Cultural. Em: A Interpretação das Culturas.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
MAUSS, Marcel. Esboço de uma Teoria Geral da Magia. In Sociologia e Antropologia. 4 ed.
São Paulo: Cosac Naify, 2003.
MENEZES, Renata de Castro. Marcel Maus e a sociologia da religião. In.
Sociologia da Religião: Enfoques Teóricos. 4 ed. São Paulo: Vozes, 2011. pp. 94-124.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010:
População residente por religião. 2010. Disponível em
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?e
dicao=9749&t=destaques> Acesso: 29/09/2019
ORO, I. P. O outro é o demônio: uma análise sociológica do fundamentalismo. São Paulo:
Paulus, 1996.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Intolerância religiosa. Impactos do Neopentecostalismo no
campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
________________________. Concepções religiosas afro-brasileiras e neopentecostais:
uma análise simbólica. REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 150-175, 2005
TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata [et al.]. As Religiões no Brasil:
Continuidades e Rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
13