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INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS, MAGIA E INTOLERÂNCIA: UMA PROPOSTA DE

COMO TRABALHAR RELIGIÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Júnior Henrique Silveira Kerber1

RESUMO

Este texto é uma explanação conceitual, didática e metodológica do fenômeno religioso que
visa causar reflexões sobre cultura e a diversidade, a caracterização do fenômeno religioso e
sua pluralidade de expressões. Pretende-se explorar a temática dentro de duas categorias: uma
analítica e uma segunda categoria nativa. O estudo aqui proposto, acontece em seis partes: a)
A definição de cultura e sistema simbólico; b) Religião como instituição social e sua
influência moral; e) Concepções acerca de rituais e da magia; d) Um panorama das religiões
no Brasil; e) Sincretismo e a intolerância religiosa e por fim e) uma breve descrição do
método acerca do método, pois o texto e usa como reflexão as experiências da atividade de
Estágio de Docência do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), no período de abril à junho de 2019.

PALAVRAS-CHAVE: ​antropologia, cultura, educação, ensino, intolerância religiosa,


religião, sociologia.

INTRODUÇÃO

O fenômeno religioso vem sendo tratado como objeto de análise das ciências sociais
desde autores clássicos como Émile Durkheim, Max Weber, Clifford Geertz, passando por
Marcel Mauss e Roger Bastide ou até mesmo jovens cientistas sociais interessados pelo
assunto. Esta é uma área de pesquisa abrangente e o interesse pelo estudo da religião de
maneira científica propõe a religiosidade como parte integrante da vida social e da cultura
brasileira, sendo assim, esta temática merece atenção por parte dos cientistas sociais e
educadores da área. Apesar de ser um elemento estruturante da sociedade, muitas vezes os
educadores apresentam suas ressalvas no momento de trabalhar este conteúdo em sala de
aula, talvez por não saberem como iniciar a discussão em função das individualidades dos
sujeitos ou por confundir a reflexão sobre as religiões e a sociedade com o ensino religioso.

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Graduando em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas - RS.

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Ainda assim, a escola é um espaço laico onde a religião deve ser tratada como assunto da
disciplina de Sociologia.

O fenômeno religioso perpassa as camadas da sociedade e os diversos espaços da vida


social, molda comportamentos e ideologias, gera lucro, pode ser festiva ou incitar conflitos,
além de gerar diversos significados na estrutura social, logo, possuindo esta grande influência
na sociedade brasileira, tal temática deveria ser mais discutida em nossas instituições de
ensino, mas como? Qual a abordagem? É possível? Podemos refletir o fenômeno religioso
respeitando a todos os indivíduos e o estado laico? Como problematizar a intolerância
religiosa? O objetivo deste artigo é delinear respostas a estas perguntas e trazer uma proposta
de como trabalhar o tema da antropologia da religião em sala de aula.

Pretende-se explorar a temática dentro de duas categorias. Uma analítica, que


pretende analisar um conjunto de fenômenos que façam sentido dentro do corpo da teoria e
uma segunda categoria nativa, que ao contrário da primeira, permite investigar conceitos no
mundo prático. Este estudo acontece em cinco partes: a) A definição de cultura e sistema
simbólico de Geertz b) Religião como instituição social e sua influência moral, trazendo
autores clássicos como Durkheim e Weber; e) As concepções acerca de rituais e da magia
com base em Mauss; d) Um panorama das religiões no Brasil e) Sincretismo na perspectiva
de Roger Bastide e a intolerância religiosa com base em leituras de artigos do antropólogo
brasileiro Vagner Gonçalves da Silva e por fim, e) uma breve descrição acerca do método..

Antes de prosseguir, o leitor deve ser inteirado de que este texto é uma explanação
conceitual, didática, metodológica e usa como reflexão as experiências da atividade de
Estágio de Docência do curso de licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), no período de abril a junho de 2019, logo. A proposta possui caráter pessoal,
sendo uma tentativa de definir um “fio condutor” que seja capaz de explicar elementos do
campo religioso no Brasil e combater opiniões equivocadas acerca da religião, acima de tudo,
causar reflexões sobre à cultura e a diversidade, a caracterização do fenômeno religioso e sua
pluralidade de expressões a fim propor uma contribuição didática-metodológica para a área.
Esta experiência propiciou episódios durante as aulas de sociologia, havendo a constatação
do forte interesse dos educandos em expressar suas ideias e compreender mais acerca do

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assunto. Portanto uma área de interesse comum neste grupo específico, sendo esta a
inspiração e principal motivação para a realização deste texto que visa disseminar a
compreensão do fenômeno religioso através de uma proposta de ensino.

O QUE DIZEM OS CLÁSSICOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS SOBRE A RELIGIÃO?

Um questionamento comum entre muitos estudantes do ensino médio ou até mesmo


dos cursos de ciências sociais, ao se depararem com a temática do fenômeno religioso, talvez
seja “o que a religião tem a ver com a ciência?” Tal questão é vista pelas ciências sociais,
como dois campos de conhecimento bastante próximos e em diversas situações esta relação
pode ser mal interpretada. Pensando em uma proposta de como refletir acerca deste fenômeno
social em sala de aula, primordialmente, façamos um retorno a Durkheim

Sabe-se há muito tempo que os primeiros sistemas de representação que o


homem fez para si do mundo e de si mesmo são de origem religiosa. Não
que a religião não seja uma cosmologia, ao mesmo tempo que uma
especulação sobre o divino. Se a filosofia e as ciências nasceram da religião,
por suas vez, ela começou a ocupar o lugar das ciências e da filosofia. Mas o
que tem sido menos observado é que ela não se limitou a enriquecer de um
certo número de ideias um espírito humano previamente formado, ela
contribuiu para formá-lo a ele próprio. Os homens não lhe devem apenas,
por uma parte notável a matéria de seus conhecimento, mas também a forma
pela qual esses conhecimentos foram elaborados (DURKHEIM, 2003, p98)

Se a religião serviu de base para o surgimento da filosofia e das ciências,


merecidamente tem seu lugar como categoria de análise das Ciências Sociais ao contribuir
para a formação dos sujeitos, seu espírito humano e a formas de conhecimento. Portanto,
sugere-se que possui caráter objetivo em seus movimentos de tentar explicar o mundo e por
consequência agindo de maneira coercitiva. Como um dos principais objetivos deste texto é
defender que a religião é um tema a ser tratado pelas áreas das ciências sociais, vamos
pensá-la como (1) parte da vida social, (2) que interage com a complexidade das mais
distintas sociedades e (3) reconfigura-se no curso da história como um elemento integrante da
dimensão da cultura. Como cultura, entende-se-a neste caso como

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[...]um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporando
símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em forma de
símbolos por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e
desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.
(GEERTZ, 1989, p66)

Logo, trataremos religião como

(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas e


duradouras disposições e motivações para homens através da (3) formulação
de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas
concepções com tal aura de factualidade que (5) as disposições e
motivações parecem singularmente realistas (GEERTZ, 1989, p104-105)

Para entendermos com mais clareza o fenômeno religioso como elemento da cultura,
o trataremos como sistema simbólico, representação social e mais para frente, como
instituição social. Agora pensemos o conceito de símbolo, entretanto “precisamos decidir
primeiro o que ele deve significar. Não se trata de algo fácil pois, como a ‘cultura’, o
‘símbolo’ vem sendo usado numa ampla gama de coisas, muitas vezes, várias coisas ao
mesmo tempo. (GEERTZ, 1899, p105), nesse sentido nos apoiamos na ideia de que “a
concepção é o significado do símbolo”(Idem). Esta concepção acerca de símbolo, ao
relacionar-se com a religião, expressa algo exterior aos sujeitos e mais do que isso, apresenta
valores maniqueístas frente ao comportamento daqueles que seguem e confirmam sua fé em
determinada religião, aqui verifica-se a existência de categorias coercitivas, o sagrado e o
profano, que “foram pensados pelo espírito humano como gêneros distintos, como dois
mundos que não têm nada em comum” (DURKHEIM, 2003, p212 ). Assim sendo, podemos
entender a religião como um sistema subjetivo que age no mundo material através de seus
significantes e significados, que configuram um tipo de ​ethos​, que por sua vez, possui o poder
de mudar ações através das representações que por sua vez, são simbolizadas. O que se quer
provar é que “a religião é uma coisa eminentemente social” (Idem), ou seja, “as
representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas”
(Idem). A partir do que se entende como religião até aqui, verifica-se a existência de
características que compõe o termo e lhe atribuem sentido na vida social. Tomemos como

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exemplo sua capacidade de exercer constantemente a coerção social, que a coloca em uma
nova categoria, a de instituição social, e ​ao classificá-la assim verifica-se a ruptura entre
outras duas categorias, religião e sagrado, no que tange seus significados, pois a religião está
relacionada a manutenção da sagrado, que por sua vez, se manifesta como fonte para as
representações tratadas anteriormente.

Enquanto instituição a religião possui uma dimensão ética que pode ter “a influência
de certas idéias religiosas no desenvolvimento de um espírito econômico, ou o ethos de um
sistema econômico” (WEBER, 2010, p11). Nesse sentido, Weber nos leva a ideia de que o
desenvolvimento da sociedade está diretamente ligado a condutas religiosas e “nesse caso
estamos lidando com a conexão do espírito da moderna vida econômica com a ética racional
da ascese protestante. Assim, tratamos aqui apenas de um lado do encadeamento causal”
(WEBER, 2010, p11). Portanto, ao compararmos Durkheim e Weber, constata-se que a
religião apresenta uma lógica racionalizada da conduta humana, o que possibilita a
construção do ​ethos citado anteriormente. Esse ​ethos específico diferencia o que está “certo”
do que está “errado”, de maneira informal, ou o que é sagrado e do que é profano, fator que
determina construções teológicas, mitos e dogmas. Seguindo a teoria weberiana acerca da
religião, pensemos também outros pontos importantes que podem esclarecer mais
profundamente a ética religiosa como umas das muitas partes que configuram a vida social,
pois ao adentrarmos a instituição iremos nos deparar com os dinâmicas e sujeitos
incorporados à prática religiosa - gestores, figuras míticas e crentes.

Os atores experienciam ações que generalizadamente constituem, o rito. A questão do


ritual não poderia ficar de fora desta abordagem sobre antropologia da religião, pois é
somente através do rito que a religião cumpre com sua proposta de propagação, ou seja, o rito
é o aparelho que fortalece a fé nas forças religiosas, garante a socialização dos sujeitos
através da celebração e confirma a presença da magia no campo religioso, pois

As ações estereotipadas dos rituais mágicos, as caraterísticas especiais


atribuídas coletivamente aos mágicos, a ‘tradição’ das fórmulas, seriam os
sinais da sociedade se fazendo presente na magia. E aquilo que viabiliza a
magia e sua base de sustentação, seria a crença socialmente compartilhada
nos poderes eficazes manipulados pelo mágico (MENEZES, 2011, p110)

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Mas como podemos introduzir o conceito de magia em nossa investigação? Para
realizar tal tarefa, que pode ser complexa, pois assim como definiu Geertz ao tratar de
“cultura” e “símbolo”, a palavra magia pode ser empregada de acordo com as variações
subjetivas dos atores e por consequência erroneamente interpretadas em uma análise menos
profunda, onde “não podemos considerar mágicos os fatos designados como tais, por seus
atores e espectadores. Estes colocavam em pontos de vistas subjetivos, que não são
necessariamente os da ciência. (MAUSS, 2003, p.55). Nesse sentido, afastamos o significado
ou suposição atribuído a magia por seus manipuladores e experimentadores e trabalharemos
em cima do pressuposto de que magia é um efeito psicológico incorporado ao rito. O rito, por
sua vez, é a prática generalizada entre todas as religiões, onde o sagrado e o profano se
encontram, o momento onde os atores podem fazer contato com algo maior que suas
existências. A crença no rito se dá particularmente pela experiência individual dos atores e se
justifica pelo que Mauss chama de pensamento mágico e é esta forma de pensar que legitima
a presença da magia e confirma a fé no sobrenatural. “A força religiosa é o sentimento de
coletividade que inspira seus membros, mas projetado para fora das consciências que o
experimentam”(DURKHEIM, 2003, p211), em outras palavras, a religião só existe e se
mantém porque as pessoas acreditam na sua existência e a legitimam como crença..

UM QUADRO DA PLURALIDADE DAS RELIGIÕES NO BRASIL

Como próximo passo, veremos um pouco sobre a pluralidade cultural do Brasil,


sustentada, em determinados momentos, por valores e crenças religiosas, pois uma breve
reflexão sobre como a sociedade brasileira se constituiu, aponta que influências de matriz
europeia e africana deram origem às mais distintas ramificações religiosas, como por
exemplo, as designações da igreja católica, as religiões protestantes, a umbanda e o
candomblé. Entretanto, o Brasil integra a sociedade conhecida como judaico-cristã ocidental
que é essencialmente, cristã, em virtude da forte influência da Igreja Católica Apostólica
Romana, que é hegemônica do lado do globo em que vivemos. Porém, a partir da vIrada do
século XXI, é perceptível o avanço do pentecostalismo e a valorização das religiões de matriz
africana. Como veremos isso mais adiante, essa mudança tem efeito causal, pois o

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cruzamento de elementos das diferentes práticas e mitos é um dos argumentos fundantes do
campo religioso brasileiro..

Até aqui foi apresentada uma análise do fenômeno religioso a partir da apropriação
de conceitos que vem tentando desmistificar como se constitui este elemento da cultura de
maneira epistemológica. Entretanto, para falarmos de religião se faz necessário irmos além da
análise conceitual e aproximar a temática à experiência dos sujeitos que compõem uma sala
de aula. Para que sigamos nosso “fio condutor”, passaremos à categorias de análise nativa
que possibilitem explorar conceitos e questões do mundo prático, para isso, comecemos com
uma investigação dos dados do censo do IBGE de 2010, que apontam

[...]a continuidade da queda do catolicismo de 73,8% em 2000 para 64,6%


em 2010, ao lado da também continuidade do crescimento evangélico de
15,4% para 22,2%, e, por fim, um também crescimento, mas em ritmo
menor, dos sem religião, de 7,28% para 8%. (CAMURÇA, 2012, p 63)

Entretanto, deve-se levar em consideração os adeptos às religiões de matriz africana


não considerados por Camurça, que somam, 0,3%(IBGE, 2010) da população brasileira
declarada. Estes números, quando problematizados, revelam algumas características
peculiares do campo religioso e apesar, de ​a priori, demonstrarem fronteiras bem delimitadas
entre as escolhas religiosas, este “mapa” pode ser considerado “poroso”, pois para além dos
números substanciais que o movimento de conversão para o protestantismo apresenta,
somente através destas fronteiras pouco delimitadas, que as religiões entraram em contatos
umas com as outras, constituindo o que podem ser consideradas as religiões afro-brasileiras
sincretizadas.

O fenômeno do sincretismo, é antes de mais nada, uma expressão de fé baseada na


resistência. A população africana trazida forçadamente para terras brasileiras, durante o
período escravagista, entre os séculos XVII a XIX, encontrou uma maneira de cultuar seus
elementos sagrados, mesmo em um contextos de evangelização por parte das igrejas cristãs.
Isto se expressou na maneira em que a população africana passou a configurar seus rituais
mágicos, pois

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[...] diante do modesto altar católico erguido contra o muro da senzala, à luz
tremulada das velas, os negros podiam dançar impudentemente suas danças
religiosas e tribais. O branco imaginava que eles dançavam em homenagem
a Virgem ou aos santos; na realidade, a Virgem e os santos não passavam de
disfarces e os passos dos bailados rituais cujo significado escapava aos
senhores, traçavam sobre o chão de terra batida os mitos dos orixás ou dos
voduns[…] (BASTIDE.1989)

As práticas sincretizadas tiveram um papel muito importante na construção de um


novo imaginário religioso no Brasil, pois constituem o mito de religiões como a umbanda e o
candomblé. Estas religiões, apesar de possuírem uma mitologia baseada em entidades
africanas, são consideradas fundamentalmente cristãs, por fazerem referências a elementos
como as figuras da Virgem Maria, Jesus Cristo, o Espírito Santo e os diversos personagens
santificados e o sincretismo, nada mais é do que o cruzamento destas figuras com as
personalidades que compõem o panteão africano, - os Orixás e os Exus. O cruzamento das
entidades espirituais africanas com os santos católicos, é o mais prático exemplo da
cosmologia sincretizada dos cultos de matriz africana.

Sincretismo Religioso

Samba de Martinho da Vila

[...]Êta, povo brasileiro! Miscigenado


Ecumênico e religiosamente sincretizado[...]
Onde está Deus? Em todo lugar!
Olorum, Jeová, Oxalá, Alah, N`Zambi...Jesus!
E o espírito Santo? É Deus!
Salve sincretismo religioso! Salve!
Quem é Omulu, gente? São Lázaro!/Iansã? Santa Bárbara!
Ogum? São Jorge!
Xangô? São Jerônimo!
Oxossi? São Sebastião!
Aioká, Inaê, Kianda, Iemanjá!
Viva Nossa Senhora Aparecida! Padroeira do Brasil![...]

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: O FUNDAMENTALISMO E O COMBATE AO


“DIABO”

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O desenvolvimento de novas religiões no Brasil não se limitou ao aparecimento das
religiões afro-brasileiras, pois as religiões protestantes também tiveram seu espaço para
espalharem-se, significativamente, pelo território nacional. Durante o século XX, ocorreram
as três ondas pentecostais - Pentecostalismo clássico (1906-1940), Pentecostalismo de Cura
Divina (1950-1960) e Neopentecostalismo (1970-1999) - que deram origem a diversas igrejas
dessa designação, suas maiores representantes no Brasil, são a Igreja Assembleia de Deus
(1911), Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), Igreja Universal do Reino de Deus (1977), a
Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e a Igreja Mundial do Poder de Deus (1998).
Tendo em vista que já sabemos sobre as bases religiosas em termos gerais, este campo, no
Brasil apresenta a problemática da intolerância religiosa. Trataremos, sobretudo, os ataques
das religiões evangélicas de base fundamentalista - de ação combativa, que propõe uma
guerra secular do bem contra o mal - as religiões afro-brasileiras.

O neopentecostalismo, em conseqüência da crença de que é preciso eliminar


a presença e a ação do demônio no mundo, tem como característica
classificar as outras denominações religiosas como pouco engajadas nessa
batalha, ou até mesmo como espaços privilegiados da ação dos demônios, os
quais se "disfarçariam" em divindades cultuadas nesses sistemas (SILVA,
2007, p207).

Nas últimas duas décadas tem-se verificado no Brasil uma intensificação do


ataque promovido pelas igrejas neopentecostais contra as religiões
afro-brasileiras. Na verdade, esse ataque, visto por seus agentes como uma
“guerra santa” ou “batalha espiritual” do bem contra o mal (sendo este
representado pelos demônios que se travestem preferencialmente de
divindades do panteão afro-brasileiro para causar malefícios), faz parte, em
diferentes graus, do sistema teológico e doutrinário do pentecostalismo
desde seu surgimento no Brasil no início do século XX (SILVA, 2005,
p151).

Obviamente, existem motivações para tais ações e discursos firmados no


etnocentrismo e intolerância ao que discorda de sua cosmologia, logo, a pergunta é: quais
seriam as motivações sociais para esta “guerra santa” e a escolha do alvo pelos
fundamentalistas?

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Esse ataque é resultado de vários fatores entre os quais podemos destacar: a
disputa por adeptos de uma mesma origem socioeconômica, o tipo de
cruzada prosestilista pelas igrejas neopentecostais - com grandes
investimentos nos meios de comunicação de massa e o consequente
crescimento dessas denominações, que arregimentaram um número cada vez
maior de "soldados de Jesus" - e, do ponto de vista dos sistema simbólico, o
papel que as entidades afro-brasileiras e suas práticas desempenham na
estrutura ritual dessas igrejas como afirmação de uma cosmologia
maniqueísta (SILVA, 2007, p 9-10)

No Brasil, existe uma legislação que contempla a liberdade de expressão e culto


religioso, prevista na Constituição Federal, no “artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a
liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e
garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias” (BRASIL,
1988).

SISTEMATIZAÇÃO DO CONTEÚDO

Você pode estar se perguntando de que maneira é possível apresentar tantos conceitos
e construir uma aula de sociologia de forma efetiva. Primordialmente, o fenômeno religioso é
um elemento da cultura, logo, é indispensável que a temática seja apresentada aos educandos
somente após serem trabalhados os conceitos de cultura e diversidade para que estabeleça-se
uma conexão entre as áreas de conhecimento. Um fator muito importante ao se trabalhar este
conteúdo é que na própria sala de aula se verifique se há uma diversidade religiosa com o
intuito de explorá-la e dar início a discussão. É interessante a aplicação de um diagnóstico
estruturado com questões que possam aproximar o educador às realidades dos educandos,
para então, definir uma espécie de contrato pedagógico entre as partes. Para o contrato
pedagógico ser fechado é necessário que chegue-se ao consenso de qual metodologia poderá
funcionar com o grupo. Particularmente na experiência em que este conteúdo foi trabalhado,
foi democraticamente deliberado que seria trabalhada uma metodologia expositiva/dialogada,
iniciada por uma breve revisão teórica do conceito de cultura, o que não é regra geral, pois
outras perspectivas didáticas podem ser adotadas. Logo, este texto não se propõe a

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aprofundar-se em uma discussão pedagógica, mas sim metodológica e sobre conteúdos, pois
a sistematização dos mesmos deu-se pela experiência empírica.

Vamos supor uma situação onde você já conhece o perfil da turma e o contrato
pedagógico foi estabelecido. Nesse momento surge uma outra importante fase da construção
do fazer docente, o replanejamento, pois também supõe-se que seu plano de ensino já foi
deliberado, esta fase incluirá repensar quais as ações futuras serão adotadas para realizar a
aula, ou seja, aproximar a temática do fenômeno religioso as respostas obtidas na
investigação do perfil da turma e no caso da religião, é possível construir questões que
provoquem e estimulem a turma a relatar mais sobre seus cotidianos religiosos, mas
lembre-se que cada sujeito presente na sala é dotado de conhecimentos a partir de suas
experiências, logo, toda cautela é necessária para realização de tais questionamentos em três
sentidos: a) o respeito a subjetividade individual; b) o direito à liberdade religiosa; c) o dever
com a manutenção do estado laico.

Usar exemplos para demonstrar de maneira prática, é uma estratégia importante para
que se possa materializar os conceitos. Você pode pesquisar sobre exemplos conhecidos
através dos veículos de comunicação e outros artigos científicos, entretanto, é essencial
inteirar-se a respeito de dados das religiões, ritos e celebrações que acontecem na sua própria
cidade para que o grupo consiga tipificar os conceitos. Dentre os exemplos, podemos utilizar
as figuras que gerenciam as instituições religiosas (padres, pastores, mães e pais de santo) e
suas figuras míticas (Jesus Cristo e Orixás), as práticas mágicas e corporais presentes nas
giras de santo, nos exorcismos praticados pelos neopentecostais, o sincretismo das práticas
afro-brasileiras apropriados pelas igrejas evangélicas, contar histórias com a do “Santo Pau
do Pau Oco” que é um elemento cultura popular, problematizar casos como o do Chute na
Santa (1995) e entre outros diversos casos que podem ser obtidos em qualquer pesquisa
rápida na internet ou conversando com seus educandos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A EXPERIÊNCIA DOCENTE

A reflexão acerca do fenômeno religioso apresentada neste artigo, conduz a pensar a


religião como objeto de análise das ciências sociais em uma tentativa de situar a temática

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dentro de uma instituição escolar, atribuindo a disciplina de sociologia o papel de explicá-la
No caso específico do exercício do estágio, as atividades relacionadas a discussão sociológica
do fenômeno religioso revelaram que esta temática configura-se como área de interesse
comum, entre os estudantes do segundo ano do Ensino Médio, o que possibilitou aproveitar
deste grupo seus conhecimentos prévios e tensionar conceitos através de suas experiências e
vivências.

Durante as aulas de estágio sobre o fenômeno religioso, a utilização desta


sistematização, se mostrou eficiente e proveitosa, pois foi responsável por cumprir com
objetivos do planejamento, como o debate e as trocas de conhecimento entre educandos e
educador, além de corroborar para um maior conhecimento sobre o grupo e seu processo de
aprendizado. Problematizar as instituições religiosas é necessário, mas já adianta-se, que não
se quer produzir sujeitos descrentes ou ateus, mas sim pessoas com capacidade de reflexão
sobre o próprio meio e de suas ações, respeitando a laicidade do Estado Democrático
Brasileiro, pois ao considerar estas condições, nada mais é do que separar o que é social e
político do que é religioso.

Contudo, as ciências sociais, têm um papel importantíssimo na compreensão do social


e fortalecimento do respeito à diversidade, sendo assim, o lugar da religião é na disciplina de
sociologia, pois ao contrário da atual disciplina de ensino religioso, que pouco discute o papel
da religião na vida social e suas influências de maneira reflexiva, - na grande maioria dos
casos é uma disciplina que varia nas mãos do corpo docente de qualquer escola pública e não
pensada no contexto escolar - quando trabalhada pelas disciplinas de cunho crítico-reflexivo,
como o caso da antropologia e da sociologia, a discussão torna-se responsável pelo
aprendizado baseado no reflexão e no debate, somente estes são capazes de possibilitar a
propagação das ideias científicas e do senso crítico no meio escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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