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Pais da Igreja – A perseguição na Igreja Primitiva

Assim como já demonstramos nas linhas do tempo anteriores (aulas 12 e 13), ao longo dos
dois primeiros séculos da Era Cristã, o Império Romano contou com quatorze imperadores,
dentre os quais encontramos alguns avaliados tanto na visão política quanto religiosa como
“bons”, outros “maus”. Alguns dos imperadores romanos foram bons para o Império, trazendo
avanços para cidades importantes grandes interferências urbanísticas como as realizadas em
Alexandria, Atenas e Roma, e transformando poderosamente a realidade de outras cidades
como o conjunto de comunidades ao sul do mar da Galiléia, que reunidas sob César Augusto
passaram a ser chamadas de Decápolis, recebendo de Roma investimentos vultuosos para
sua modernização. Olhando sob o ponto de vista religioso, o Império contou com estabilidade
em sentido amplo, porém se olharmos para cada religião em si veremos que a permissividade
romana para com a diferença de religiões não significava permissividade para com a realização
de cultos. Temos então um cenário estranho, pois se para o poder em Roma não havia
problema em manter (e permitir) os reinos praticando suas religiões – como os cultos egípcios,
caldeus, hebreus e mesopotâmicos – vemos total restrição quanto à organização de
comunidades de fé única, que se devotassem a suas divindades, e só a elas. Assim, a Religião
em sentido amplo no Império Romano era permitida, desde que assimilada à ideia greco-
helênica de divinização do homem, com o rei-guerreiro representado no panteão. Temos então
César Augusto, Caio Calígula, Adriano e diversos outros imperadores ordenando que estátuas
suas fossem construídas e colocadas em locais estratégicos de grande circulação, para que
fossem reverenciadas e, em alguns casos, até mesmo adoradas.

Esse posicionamento não causou dificuldades para cultos politeístas, como era o caso com os
povos africanos e idumeus, que apenas necessitavam acrescentar às suas divindades mais
uma à qual era devido um dos poderes sobre Céu e Terra1. Para os hebreus (e posteriormente
os cristãos), porém, o politeísmo não é um auxílio, mas apresenta-se com a mesma barreira
que o impedimento do exercício religioso, pois para ambas as religiões não apenas há um
único Deus verdadeiro, como só a Ele é permitido render honra e glória. Temos, dessa forma, o
cristianismo como religião impossível de convivência pacífica com um Estado que lhe proíbe ou
a admite com ressalvas doutrinárias. A Igreja de Cristo ou é perseguida ou, obrigatoriamente,
compõe o poder político.

Nos primeiros séculos, o Império viveu com uma alternância estranha de guerra e paz para a
Igreja. Muitos imperadores bons para o povo, foram terríveis para a Igreja; já outros que
concederam paz para a Igreja, foram péssimos governantes. É o que diz Davidson:

A história da sorte dos cristãos no Império Romano é complexa. Às vezes,


imperadores que são tradicionalmente considerados “bons”, estiveram à frente do
Império em um momento em que os cristãos tiveram vida difícil, como foi o caso de
Marco Aurélio; enquanto imperadores "maus" concediam aos cristãos um bom grau
de liberdade, como se deu com o filho de Aurélio, Cômodo, que reinou de 180 a 192,

1
No Livro IV de Cidade de Deus, Agostinho ridiculariza a vastidão de falsos deuses admitidos pelo Império Romano.
Para o doutor da Igreja, não apenas os deuses eram falsos, como em espírito eram demônios “[...]os falsos deuses, a
quem rendiam culto público... são os mesmos espíritos imundos e demônios perversos e enganadores”. E não apenas
isso, mas em alguns casos nem mesmo demônios eram adoradores como se fossem deuses, mas elementos que
eram pura e simplesmente elementos da natureza, como planetas, animais e seres humanos, como era o caso dos
césares.

1
sendo um imperador malsucedido em muitos aspectos (e terminou assassinado), mas
ao longo de seu mandato as igrejas desfrutaram de uma relativa calma.2

É um erro, portanto, querer ler a História da Igreja como uma forma de História Geral, sendo
necessário abordar a história religiosa separadamente, conjugando seu desenvolvimento para
com o do Estado, Cultura e demais fatores que compõem a vida humana. Não apenas a Igreja
não prospera em conjunto com a cultura e as cidades, como muitas vezes ocorre o oposto. Em
cenários de guerra a Igreja se multiplica e a doutrina é aprovada no fogo, como diz a célebre
frase de Tertuliano “O sangue dos cristãos é semente”3.

O início da perseguição em Nero


Apesar de Caio Calígula ter sido claramente um anticristo, sua ação é marcada por uma
perseguição ao culto monoteísta (judaico e cristão, portanto), e não necessariamente à Igreja
de Cristo. Dessa forma, ao lermos sobre a História da Igreja, comumente vemos em Nero o
primeiro grande perseguidor pois aqui não estamos falando da perseguição à fé no Único Deus
de Abraão, mas à perseguição ao corpo apostólico e pós-apostólico que recebeu o Evangelho
e foi revestido de poder para proclamá-lo sobre a Terra4.

“A primeira ação significativa tomada pelas autoridades romanas contra os cristãos como alvo
específico ocorreu sob Nero”5, quando no ano de 64 o Imperador ordenou que parte da cidade
fosse destruída, provavelmente para abrir espaço para modificações urbanísticas, e
acidentalmente o fogo se espalhou e atingiu grande parte da capital do Império. Para escapar
da culpa (Nero contava com rejeição altíssima entre a população), o governante anunciou que
o grupo dos que se reuniam sob a fé no Cristo de Nazaré eram os culpados, aproveitando-se
do fato de que os cristãos já eram vistos com maus olhos em um momento onde o Evangelho
era pregado poderosamente pelos apóstolos, e parte das pessoas nas grandes cidades não
estava satisfeita com o surgimento de um novo grupo que desobedecia o culto imperial,
recusando-se a adorar o César e prejudicando não apenas a religião popular, mas também o
turismo e comércio religioso (como no episódio de Paulo em Atenas). Foi sob Nero que Paulo e
Pedro foram martirizados em Roma, e foi nesse tempo que Paulo precisou esclarecer a Igreja
quanto ao comportamento do cristão diante do Estado6.

2
DAVIDSON. I. J. The birth of the church. From Jesus to Constantine. Baker Books. USA, 2004. (tradução nossa).
3
A frase de Tertuliano entrou para a história com uma tradução adaptada para o latim pela Igreja, a saber “Sanguis
Martyrum est semen Ecclesia” – O sangue dos mártires é a semente da Igreja.
4
Mais uma vez é dever nosso anotar: a Igreja de Cristo é a instituição fundada por Jesus, firmada pelos apóstolos e
mantida por homens que preservam a sã doutrina enquanto esperam ansiosamente a volta do Filho de Deus; essa
Igreja não é o próprio Deus, mas o Corpo de co-irmãos de Cristo (cf. Rm 8.29). Apesar de parecer fútil essa
observação, é comum vermos hoje a monopolização do Logos pela ekklesia, como que sendo a mesma maior que seu
Criador. Jamais pode o cristão se esquecer de que Cristo é sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, ou seja,
ele não tem começo nem fim, diferente de seu corpo material que é gerado por Deus na plenitude dos tempos, no
ventre da Santa Virgem (cf. Gl 4.4).
5
Davidson, Op. Cit.
6
Não sendo objeto desse estudo, basta uma nota de rodapé para salientarmos que a leitura de que a teologia paulina
é de submissão ao Estado é falsa. O apóstolo jamais pregou submissão do poder eclesiástico ao poder político, e nem
mesmo do órgão religioso (Igreja) ao órgão administrativo (Governo). Paulo não tinha mentalidade política, e mesmo
sendo cidadão romano e conhecedor profícuo de filosofia grega (o que obviamente incluía a Ética aristotélica), o
apóstolo pensava exclusivamente na Igreja quando falava a seus discípulos, como é o caso clássico de I Tm 2, onde
se lê “Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças, em favor de todas
as pessoas; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com
toda a piedade e dignidade” (grifo nosso). Veja, o objetivo da oração pelos que exercem autoridade, é que a Igreja
tenha paz, e não para que o Estado prospere. Após sua conversão, Paulo não tinha mais a menor vontade de lidar com

2
O senador e historiador romano, Caio Cornélio Tácito (56 –
117?) registrou o governo de Nero em seus escritos e não se
furtou de relatar a crueldade do Imperador para com os cristãos
perseguidos.

“Escárnios de todo tipo foram adicionados às suas mortes.


Cobertos com peles de animais, eles foram dilacerados por
cães e pereceram, ou foram pregados em cruzes, ou
condenados às chamas.” – Tácito, em Anais, 15.

Segundo a maioria dos historiadores, foi justamente no contexto


da perseguição erguida por Nero na ocasião do incêndio, que
Pedro e Paulo foram martirizados em Roma, e de acordo com
Tácito os cristãos eram, à época, considerados um grupo Figura 1 – Imagem da obra "Anais",
deTácito (trecho 15,44), copiado
sectarista do judaísmo, com práticas radicais que os faziam ser provavelmente no século XI
rejeitados inclusive pelos judeus.

A PERSEGUIÇÃO RELATADA POR PEDRO Na primeira epístola de S. Pedro encontramos o


relato direto da fonte que sofreu a perseguição, em conjunto com a Igreja em Roma, por parte
de Nero. Sua carta, dirigida aos “eleitos de Deus, peregrinos dispersos nas regiões do Ponto,
Galácia, Capadócia, província da Ásia e na Bitínia” (1.1), tem como objetivo exortar os irmãos
que, fugindo da perseguição, estavam sofrendo “como cristãos” (4.16). A esses, disse o
apóstolo: “não vos assusteis com a provação que surge entre vós, como fogo ardente, com o
objetivo de provar a vossa fé. Não entendais isso como se algo estranho vos estivesse
acontecendo” (4.12). É essa a compreensão que Pedro tinha da vida cristã em si, uma vida em
terra estrangeira, portanto, desagradável. Para o apóstolo, o filho de Deus em Cristo Jesus
enquanto viver nessa Terra, naturalmente viverá desconfortavelmente pois vive “como
peregrino e estrangeiro” (2.11). Segundo suas próprias palavras, seu martírio foi um sofrimento
“por um período curto de tempo” (5.10), depois do qual seria restaurado em Cristo Jesus para a
eternidade ao lado do Pai.

Plínio, Trajano e a visão romana a respeito dos cristãos


Quando, em Patmos, João recebeu as palavras daquele “que é, que era e que há de vir” (Ap
2.8), de acordo com as Escrituras a mensagem deveria ser dirigida pelo apóstolo, em carta, às
sete igrejas da Ásia (Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia), todas
localizadas onde hoje é a Turquia. Como diz Davidson, “o Apocalipse merece ser lido, pelo
menos em um nível em separado, não tanto como um código de predição dos eventos futuros
no fim da história do mundo, como também um corpo de mensagens políticas para os cristãos
que sofriam no primeiro século”7. Certamente o Apocalipse é um texto escatológico, ou seja,
diz respeito a eventos futuros, mas é necessário ter em mente que o futuro para João não era
apenas o “futuro final”, como também o “futuro imediato” pelo qual as igrejas que ele conhecia

temas que não os de ligação plena com o Evangelho, como ele bem expressa em Fp 3.8. Para concluir, sendo o
objetivo da Igreja receber do Estado apenas tranquilidade para trabalhar em paz, os cristãos não se submetem ao
poder secular, mas atuam conscientes de que antes de serem habitantes da Cidade dos Homens, são pátrios da
Cidade de Deus, e assim jamais se submetem aos poderes desse mundo quando em detrimento da obediência aos
preceitos de Deus, como disseram os apóstolos em At 5 “É necessário que primeiro obedeçamos a Deus, depois às
autoridades humanas”. A Igreja Moderna em grande parte desconhece seu papel no mundo, e entende que Deus
escolhe os governantes seculares assim como bispos e presbíteros, e com esse erro confunde o rebanho e submete a
sã doutrina ao poder legislativo.
7
Op. Cit., p. 196.

3
e se localizavam no berço da Igreja
Católica, passariam nas mãos da besta
que recebeu “o poder, o seu trono e
grande autoridade” do Dragão (Ap 13.2)8.
A perseguição por parte de Nero foi de tal
forma marcante para a Igreja que, mesmo
após sua morte, seu gênio continuou a
alimentar o ódio aos cristãos, quando por
todo o Império, mantinha-se viva a ideia
de que o Imperador de fato não havia
cometido suicídio, mas se retirado para
uma região ao longo do Rio Eufrates. Um
dia, a qualquer momento, Nero voltaria
revivificado para retomar seu trono e
estabelecer um reino ainda mais glorioso9.

Após a derrubada de Jerusalém no ano 70 d.C e a subida de Domiciano ao trono, foi


estabelecido em todo o Império o juramento “pelo gênio do Imperador”10, o que claramente
causou graves problemas não apenas aos cristão como também aos judeus. Domiciano
autointitulava-se “Mestre e Deus”, e obrigava todo habitante no Império a jurar em seu nome e
honra, o que foi claramente um problema de ordem vital para toda a Igreja. Porém no império
de Trajano, que durou de 98 a 117, o culto com o juramento compulsório foi abandonado e a
crise da Igreja foi amenizada, até que Plínio (o Jovem), governador da região da Bitínia na Ásia
Menor, enfrentou uma crise em seu território e decidiu consultar Roma.

Na província governada por Plínio, ao que parece, o cristianismo se espalhou


amplamente não apenas nas cidades, mas também no campo; os templos pagãos
haviam ficado vazios e a carne dos animais sacrificados praticamente não podia ser
vendida, faltavam compradores. Interesses locais foram afetados e representações
foram feitas ao governo local, ao que Plínio ordenou a execução de alguns cristãos
que não eram cidadãos romanos, enviando outros que possuíam cidadania para
Roma, a fim de serem julgados pelo Imperador.11

O governador precisava saber do que se tratava o tal “cristianismo”, e assim ordenou que
fossem presas duas diaconisas da Igrejas, as quais foram torturadas e entregaram ao governo
a descrição de tudo o que se dava nas reuniões dos adoradores do Nazareno. A resposta pode
ser encontrada na descrição enviada por Plínio a Trajano:

8
Uma observação quanto a um ponto do Apocalipse de João que causa confusão a leitores de primeira viagem é
entender que a expressão “Babilônia” (no texto apocalíptico) em referência à cidade de Roma, não remetia ao poder
religioso – esse sequer existia no primeiro século – e sim ao poder político que se assentava no trono e recebia
adoração de seus súditos que diziam “Quem é semelhante à Besta? Quem pode guerrear contra ela?” (13.4).
9
Com o culto estabelecido a Nero depois de sua morte, surgiu a expressão Nero Redivivus, que de acordo com alguns
estudiosos dos manuscritos bíblicos, podem corresponder à marca da besta “666” (Ap 13.16-18), uma vez que no
grego as letras do alfabeto eram utilizadas também como números (o alfabeto grego não era alfanumérico, mas apenas
alfabético).
10
Na mitologia romana, acreditava-se que cada homem possuía um gênio (à semelhança do daemon de Platão), e
assim o gênio do César era não apenas sua imaterialidade, mas também uma espécie de divindade espiritual pela
qual, ao menos uma vez por ano, cada homem e mulher do Império deveria queimar incenso e declarar submissão
espiritual, declarando que o César governava não apenas sua vida material, mas também espiritual.
11
CHADWICK. H. The Penguin History of the Church. The Early Church. Penguin Books. England, 1967.

4
Declararam que a soma total de sua culpa ou erro não era mais do que isso:
reuniam-se regularmente antes do amanhecer em um dia fixo para cantar versos
alternadamente entre si em honra de Cristo, como se fosse ele um deus, e também
para firmar um juramento, não para qualquer propósito criminoso, mas abster-se de
furto, roubo e adultério, não cometer nenhuma quebra de confiança e não negar um
depósito quando chamado para restaurá-lo. Depois dessa cerimônia, era costume
deles se dispersar e reunirem-se mais tarde para compartilhar um certo tipo de
comida comum e inofensiva.12

Enfim, a tal seita dos nazarenos não representava nenhum perigo para a comunidade romana,
e a prisão dos membros da tal ekklesia era totalmente desnecessária. Após a consulta de
Plínio, foi-lhe enviada rapidamente a resposta do Imperador, que não apenas deu a solução
para o problema focal pelo qual passava a região da Bitínia, como também estabeleceu o
procedimento padrão para toda a questão de reunião de habitantes do território imperial:

Você seguiu o caminho correto, meu caro Plínio, ao investigar os casos daqueles
denunciados a você como cristãos. Não é possível estabelecer nenhuma regra
universal que possa ser aplicada como padrão fixo em todos os casos desta natureza.
Nenhuma perseguição deve ser feita relacionada a essa gente; mas se forem
denunciados e considerados culpados por algum crime, devem ser punidos; com esta
ressalva: que quando a parte negar que ele é cristão, e provar que não é, adorando
os deuses, ele será perdoado por sua penitência, mesmo que tenha incorrido
anteriormente em suspeita. Mas as acusações escritas de forma anônima não devem
ser admitidas como prova contra ninguém, pois constituem o pior tipo de precedente
e não estão de acordo com o espírito da época.

A resposta do Imperador, ao mesmo tempo que definiu um alívio para a perseguição irrestrita
que era solicitada por parte da população, instituiu um novo modelo de perseguição que se
tornaria a base para a perseguição dos cristãos dali em diante. Os inimigos da fé cristã
passaram a investigar, na prática dos membros da Igreja, com o objetivo de encontrarem algo
proibido, e assim denunciá-los. Foi daí que surgiram as maiores ilações contra os cristãos
como a acusação de que praticavam canibalismo (comiam a carne e bebiam o sangue de um
dos membros), faziam orgias (homens e mulheres eram vistos se cumprimentando com um
beijo), praticavam sacrifício infantil (corriam boatos de crianças sendo afogadas com a
esperança de um novo nascimento), e a mais corriqueira das acusações, os cristãos pregavam
a desobediência civil pois diziam que havia um único Deus digno de louvor e honra, e esse
Deus não era o César.

Sob Adriano (117-138), não há registros de grandes perseguições com a possível exceção do
martírio de Telésforo, bispo de Roma, sendo apenas com a chegada de Antonino Pio (138-161)
que a Igreja passaria a ver novamente heróis da fé sendo lançados aos leões, como foi o caso
de Policarpo, de Esmirna, e Pápias, de Hierápolis – como vimos anteriormente. Da mesma
forma, perseguições esporádicas aconteceram sob o comando de Marco Aurélio (161-180) e
seu filho, Cômodo (176-192), mas voltariam a assolar a Igreja de forma dura e generalizada
apenas no meio do séc. III, com Décio e Diocleciano.

12
Davidson, Op. Cit., p. 201.

5
Conclusão
Com esse cenário de perseguição religiosa, a Igreja passou a lidar com o problema da
coexistência institucional do Corpo de Cristo em um mundo com poder político também
institucional. O mundo passou a não ser mais um ambiente de indivíduos cuja vida era
composta por economia, política e religião, mas sim um planeta composto por sociedades que
governam seus indivíduos econômica, política e religiosamente. O caminho da Igreja rumo ao
poder político foi inevitável, e o terceiro século foi o palco onde esse encontro foi levado à total
importância: ou a Igreja convertia o Estado, ou o Estado a destruiria.

É nesse cenário que vemos os três primeiros séculos como o tempo necessário para que a
Igreja forjasse seu corpo doutrinário e sua estrutura eclesial. Sendo a Igreja de Roma a de
maior destaque ao longo do mundo ocidental – enquanto as Igrejas da Ásia Menor se
mantinham como centro da produção teológica, juntamente com a Igreja do norte da África –, o
estabelecimento do poder religioso na capital do Império avançou com a demonstração
intelectual de que o cristianismo não apenas era inofensivo para o poder político, como era de
grande poder transformador para a sociedade. Essa defesa pode ser encontrada com
excelência na obra de Atenágoras, de Atenas, quando em 177 escreve ao Imperador Marco
Aurélio com o fim de defender a fé cristã das acusações de incesto, antropofagia e ateísmo.
Seguindo a linha do que havia sido disposto no Didaqué (escrito provavelmente no fim do
primeiro século), o apologista de Atenas foi peça importante no trabalho de exposição
intelectual da fé cristã, trabalho necessário para derrubar as barreiras políticas e sociais que se
levantavam contra o Corpo de Cristo. Sendo a Igreja ordenada a pregar o Evangelho por toda a
Terra, não podia ela estar na clandestinidade ao longo dos séculos. Bastava vencer o último
século de perseguição, passando pela grande tribulação até chegar na Batalha da Ponte
Mílvia.

Fernando Melo
Brasília, 11 de maio de 2022

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