David Petts
Sobre o Autor
Após vários anos no ministério pastoral, o Dr. David Petts serviu como
Director de Mattersey Hall entre 1977 e 2004. Agora, como professor
internacional da Bíblia, realiza seminários e estudos bíblicos e prega em igrejas,
institutos e universidades.
Embora o ministério de David seja transdenominacional, como pastor das
Assembleias de Deus muito do seu ministério tem-se desenvolvido no âmbito do
movimento pentecostal. Serviu como:
www.davidpetts.org
Índice
INTRODUÇÃO
Um milagre extraordinário
CAPÍTULO UM
No Velho Testamento
No Ministério de Jesus
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
O paralítico (5:17-26)
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
Lições sobre cura dadas pelos primeiros discípulos
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
Explicação da Doutrina
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
Cura e Fé
Casos em que o doente tem fé para ser curado
CAPÍTULO CATORZE
Cura como dom espiritual
A natureza dos dons espirituais
CAPÍTULO QUINZE
Cristãos doentes no Novo Testamento
CAPÍTULO DEZASSEIS
Cura Médica
CAPÍTULO DEZASSETE
Cura e sofrimento
O sofrimento faz parte do propósito de Deus para o Seu povo?
O sofrimento no Novo Testamento inclui a doença?
Sofremos porque estamos a viver num universo caído
O próprio Deus entrou no nosso sofrimento
CAPÍTULO DEZOITO
Um sabor a céu
CAPÍTULO VINTE
Os meios de salvação
APÊNDICE
Um milagre extraordinário
Cresci a crer em milagres. Desde os meus mais tenros anos de idade, recordo-
me de me dizerem como uma das minhas tias foi miraculosamente curada em
resposta à oração. Chamava-se May e era surda-muda desde nascença. Quando
tinha cerca de vinte anos, a minha avó levou-a a um culto de cura realizado pelo
evangelista pentecostal George Jeffreys, que lhe impôs as mãos e orou por ela.
A princípio não houve manifestação imediata de cura, mas ao voltarem para
casa para Poplar no East End de Londres, desceram para apanhar o metropolitano.
De repente, com uma expressão de choque no rosto, a tia May levou ambas as mãos
aos ouvidos. Podia ouvir o barulho do comboio a aproximar-se pelo túnel em direcção
ao cais de embarque!
Desde que nasceu até àquele dia, nunca ouvira, mas agora podia ouvir e poucas
semanas depois começava a falar. O meu pai, Stanley Petts, era seu irmão mais novo
e quando, anos mais tarde, me contaram na escola que não havia milagres, ele
apressou-se a recordar-me a cura da tia May. Suponho que é por essa razão que
nunca duvidei do poder de Deus operar milagres e creio com firmeza que devemos
esperar ver hoje milagres. Por isso, sempre tive um interesse especial por milagres
de cura.
Mas a cura de minha tia não é a única razão para esse interesse. Já vi alguns
milagres espantosos de cura no ministério de evangelistas pentecostais como T. L.
Osborn e Reihnardt Bonnke e experimentei também algumas respostas maravilhosas
à oração por cura no meu ministério pessoal, algumas das quais registadas mais
tarde neste livro. Por outro lado, ao fim de muitos anos de ministério pastoral,
tenho visto com alegria homens e mulheres de fé sofrerem doenças que não eram
curadas, mesmo depois de muita oração. E, no entanto, sou pastor de uma
denominação que oficialmente crê na cura e, na verdade, essa cura está disponível
«na expiação».
Talvez seja por isso que quando me sugeriram que fizesse uma pós-graduação
em teologia, decidi que o meu doutoramento seria sobre o tema da cura e da
expiação (1). A minha conclusão foi que embora haja sem dúvida um sentido em que a
cura divina surge em resultado da morte expiatória de Jesus, é apesar de tudo um
erro afirmar que Jesus levou na cruz as nossas doenças no mesmo sentido em que
carregou os nossos pecados.
A minha compreensão de cura em relação à expiação é que a doença no mundo
é um resultado do pecado de Adão. A morte de Cristo na cruz lidou com o pecado de
Adão. Portanto, a morte de Cristo lidou também com a causa da doença.
Consequentemente, os cristãos podem esperar hoje a cura. Mas o resultado final da
vitória de Cristo no Calvário só será consumada quando Ele voltar segunda vez.
Portanto, alguns cristãos podem não ser curados antes da vinda de Jesus. As curas
experimentadas hoje devem ser vistas como a obra do Espírito que é as primícias da
idade vindoura. Esta é a compreensão reflectida neste livro.
Como cristão que crê na Bíblia, estou convencido que o lugar onde procurar as
respostas às nossas perguntas encontra-se na Bíblia. Claro que há mistérios sobre o
sofrimento que não resolveremos deste lado do céu, mas tudo o que Deus quer que
saibamos a Seu respeito aqui é revelado na Bíblia (Deuteronómio 29:29).
Isso, claro, parece muito simples mas de facto há em geral mais do que uma
forma de encarar a verdade e o tema da cura não é excepção. A Bíblia faz algumas
afirmações muito claras sobre o poder e a disponibilidade de Deus em curar, mas
também fala em locais em que Deus envia a doença e descreve casos de pessoas
justas que adoeceram.
Assim, neste livro, tentei responder a algumas dessas perguntas difíceis que
muitos de nós enfrentam. Na Primeira Parte, analisamos a maioria das curas
registadas na Bíblia e procuramos aprender o possível com cada uma delas. Depois,
na Segunda Parte, adoptamos uma abordagem mais teológica e tentamos juntar
algumas das lições que aprendemos na Primeira Parte e, ao fazê-lo, desenvolver uma
doutrina bíblica equilibrada de cura que, assim espero, não só encorajará a fé para a
cura como também oferecerá esperança aos que ainda não foram curados. Por fim,
na Terceira Parte, consideramos abordagens práticas ao ministério dos doentes
hoje.
NOTAS
(1) Petts, David, Healing and the Atonement, Tese de doutoramento
apresentada na Universidade de Nottingham, 1993. A partir de agora referir-me-ei
a ela apenas como Thesis.
PRIMEIRA PARTE
PASSAGENS BÍBLICAS SOBRE CURA
CAPÍTULO UM
A Bíblia revela de modo muito claro que Deus é um Deus sarador. Neste
primeiro capítulo, a nossa abordagem será muito simples Vamos analisar um leque de
passagens bíblicas que mostram que Deus não só é capaz como está disposto a curar
o Seu povo. Isso não significa, naturalmente, que não haja problemas em crer na
cura divina (1), em especial por parte dos que viram um ente querido sofrer ou
morrer apesar das suas orações. Mais tarde, falaremos mais sobre o assunto, mas
por agora, é importante compreender por que razão, se cremos que a Bíblia é a
Palavra de Deus, devemos crer de facto hoje na cura divina. Neste capítulo, iremos
mostrar que a Bíblia revela que Deus é um Deus que cura:
• No Velho Testamento.
• No ministério de Jesus.
• Nos Actos dos Apóstolos
• No ensino da primitiva igreja.
No Velho Testamento
Se ouvires atento a voz do Senhor teu Deus e obrares o que é recto diante de
Seus olhos e inclinares os teus ouvidos aos Seus mandamentos e guardares
todos os Seus estatutos, nenhuma das enfermidades porei sobre ti, que pus
sobre o Egipto, porque eu sou o Senhor que te sara.
Estes versículos mostram-nos claramente não só que Jesus mais não era que
Deus em carne humana, como se queremos saber como Deus é, O veremos na pessoa
de Jesus (cf. João 14:9).
Ora, se concentrarmos a atenção na vida e no ministério do Senhor Jesus,
torna-se claramente evidente que Jesus revela Deus como um Deus que cura.
Consideremos as passagens seguintes:
E ele com a sua palavra expulsou deles os espíritos e curou todos os que
estavam enfermos. (Mateus 8:16).
E grande multidão de povo ... que tinha vindo para o ouvir e serem curados das
suas enfermidades, como também os atormentados dos espíritos imundos; e
eram curados. E toda a multidão procurava tocar-lhe, porque saía dele virtude
e curava todos. (Lucas 6:17-19). (3)
Estas passagens declaram de forma enfática que em muitas ocasiões Jesus
curou todos os doentes e embora houvesse momentos em que Jesus não curou
ninguém presente (e.g. os que se encontravam no tanque de Betesda, em João 5),
certamente nunca recusou curar os que iam a Ele em fé. Mais ainda, é-nos dito que
Ele ordenou aos Seus discípulos que curassem os doentes. Em Mateus 10:1, 7-8,
lemos:
...estes sinais seguirão aos que crerem. Em meu nome expulsarão os demónios...
e porão as mãos sobre os enfermos e os curarão.
Em Actos 1:1, Lucas diz-nos que no Evangelho escreveu sobre tudo o que Jesus
começou a fazer. Isso parece sugerir que em Actos está disposto a falar-nos das
cosias que Jesus continuaria a fazer através dos Seus discípulos, pelo poder do
Espírito Santo. Logo, não é de surpreender que os milagres de cura, tão
proeminentes no ministério de Jesus quando esteve na terra continuem como
principal característica da história de Lucas em Actos.
Em Actos 3:1-9, Pedro e João dirigem-se ao templo à hora da oração quando
um pedinte coxo de nascença lhes pede esmola. Pedro responde:
Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou: Em nome de Jesus
Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda (v. 6).
Senhor... concede aos Teus servos que falem com toda a ousadia a Tua palavra.
Estende a Tua mão para curar e para que se façam sinais e prodígios pelo nome
do Teu santo Filho Jesus.
E a cura continua por todo o livro de Actos. Pedro cura um coxo chamado
Eneias e ressuscita uma mulher chamada Dorcas (9:33-42). Paulo cura um paralítico
em Listra (14:8-10) e é utilizado de uma forma extraordinária na cura de doentes
em Éfeso (19:11-12), ressuscitando Eutico (20:9-12) e curando o doente da ilha de
Malta (28:1-10).
Assim, Deus revelou-Se como um Deus que cura no Velho Testamento, na vida
de Jesus quando esteve na terra e através do ministério dos primeiros discípulos
em Actos dos Apóstolos. Mais ainda, o ensino que se encontra nas epístolas do Novo
Testamento dá força à perspectiva de que se esperava que a cura fosse uma
característica regular da vida da igreja.
Em 1 Coríntios 12:8-19, em que Paulo fala dos dons sobrenaturais dados pelo
Espírito Santo a certos cristãos para o benefício da igreja (5), ele menciona dons de
cura. Mais tarde, discutiremos com mais pormenor esta questão mas por agora é
importante notar que não é sugerido em parte alguma do Novo Testamento que
estes dons estavam destinados a cessar com a morte dos primeiros apóstolos, como
os «cessacionistas» têm sugerido. É claro, a partir de 1 Coríntios 1:7 que Paulo
esperava que estes dons continuassem na igreja até à segunda vinda do Senhor
Jesus e que apenas quando a «perfeição viesse» (1 Coríntios 13:10), tais dons se
tornariam desnecessários. (6)
Resumindo, então, procurámos neste capítulo apresentar uma base bíblica para
se crer na cura divina. De forma muito simples, a Bíblia revela que Deus é um Deus
que cura, tanto no Velho como no Novo Testamento. É o que se vê especialmente na
vida de Jesus e no ministério dos primeiros cristãos. Como Deus não muda, há todas
as razões para crer que Ele ainda hoje cura os doentes e o testemunho de milhões é
que Ele o faz.
No capítulo seguinte, voltaremos ao Velho Testamento e examinaremos com
mais pormenor o que ele tem a dizer sobre este tema importante.
NOTAS
(1) A expressão «cura divina» é em geral assumida como significando cura por
Deus sem o envolvimento de ajuda médica. Por essa razão, cura divina é em geral,
embora nem sempre, miraculosa. Num capítulo posterior, falaremos da forma como
Deus também usa a profissão médica na cura.
(2) Para mais provas da deidade de Cristo, ver Petts, D., You’d Better Believe
It! Mattersey, Mattersey Hall, 2005, pp. 12-13.
(3) Cf. 5:17 – a virtude [o poder] do Senhor estava com ele para curar.
(4) Cf. Lucas 9:1-2, 10:1-9.
(5) Para mais desenvolvimento do tema destes dons sobrenaturais, ver: Petts,
D., Body Builders – Gifts to make God’s people grow. Mattersey, Mattersey, Hall,
2002.
(6) Para uma discussão mais pormenorizada do «cessacionismo», ver Gruden,
W., Are miraculous gifts for today? Leicester, IVP, 1996
(7) Isto não significa que os Cristãos não devam ir ao médico! Num outro
capítulo, consideraremos o que o Novo Testamento tem a dizer sobre os médicos e
os remédios.
CAPÍTULO DOIS
No último capítulo, vimos que em Êxodo 15:26, Deus se revelou como um Deus
que cura. É agora o momento de analisar de modo mais pormenorizado a cura no
Velho Testamento. Neste capítulo, iremos considerar:
Toda a cabeça está enferma e todo o coração fraco. Desde a planta do pé até
à cabeça não há nele coisa sã, senão feridas e inchaços e chagas podres não
espremidas nem ligadas nem nenhuma delas amolecida com óleo.
Israel não estava a sugerir que todo o povo de Deus tinha os corpos cobertos
de chagas! Estava a falar do estado espiritual da nação! E esta é a melhor forma de
compreender a «cura» a que Isaías 53:5 se refere quando lemos:
Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas
iniquidades; o castigo que nos trouxe a paz estava sobre ele e pelas suas
pisaduras fomos sarados.
Embora esta última frase seja frequentemente usada hoje em dia como
promessa de cura divina, é sem dúvida melhor compreendê-la como uma promessa do
perdão dos pecados que se tornaria possível através da morte expiatória de Jesus.
Esta interpretação não só é consistente com a primeira parte do versículo como
também é confirmada em 1 Pedro 2:24, em que o contexto mostra claramente que
Pedro compreendia desse modo o versículo (4).
Por fim, a passagem em 2 Crónicas 7:13-14 é digna de nota. Aqui, Deus diz:
Abordaremos cada uma delas à vez nas secções que se seguem, mas o resumo
da página seguinte pode ser útil.
• Êxodo 15:26
• Deuteronómio 28:1-14, 21-22, 58-63
• Salmo 91:1-16
e possivelmente
• Salmo 103:1-3
que, como veremos, pode ser uma referência para a cura de doença física, mas que
pode ser igualmente um uso metafórico da cura.
Êxodo 15:26
Se ouvires atento a voz do Senhor teu Deus e obrares o que é recto diante
dos Seus olhos e inclinares os teus ouvidos aos Seus mandamentos, nenhuma das
enfermidades porei sobre ti, que pus sobre o Egipto; porque eu sou o Senhor que te
sara.
Esta é uma promessa que Deus fez ao Seu povo pouco depois de o ter
arrancado à escravidão da terra do Egipto. Há três coisas importantes:
1. Há uma condição ligada à promessa de cura. Deus promete curar o Seu povo
se este fizer o que for recto aos Seus olhos.
2. A promessa de Deus é feita especificamente ao Seu próprio povo. Ele não
promete curar os seus inimigos. De facto, este versículo mostra que Ele por
vezes lhes traz doenças (5).
3. A afirmação Eu sou o Senhor que te cura inclui o nome do pacto pelo qual
Deus se revelou a Moisés. Em Êxodo 3:13-14, quando Moisés perguntou a
Deus o Seu nome, o Senhor respondeu que o seu nome é EU SOU O QUE
SOU. Este nome tão especial, YAHWEH, que indica que Deus é o que
sempre foi e sempre será – é eternamente o mesmo – está aqui associado à
afirmação de que Ele cura o Seu povo. Ou seja, é no mínimo uma forte
indicação de que Deus está sempre disposto a curá-los se eles observarem
os Seus mandamentos.
Salmo 41:1-4
Uma vez mais, do Senhor se diz que cura em resposta à confissão do pecado (v.
4). Neste caso, não há sugestão de um milagre instantâneo de cura pois do Senhor
se diz que o sustentará no leito da enfermidade antes de lhe renovar a cama na
doença (v. 3).
Salmo 91:1-16
Salmo 103:1-3
Bendize, ó minha alma, o Senhor e tudo o que há em mim bendiga o Seu santo
nome. Bendize, ó minha alma, o Senhor e não te esqueças de nenhum dos Seus
benefícios. É Ele que perdoa todas as tuas iniquidades e sara todas as tuas
enfermidades.
(Salmo 103:1-3)
Alguns interpretam esta passagem como significando que Deus está tão
disposto a curar todas as nossas doenças, como a perdoar todos os nossos pecados
e pode ser que seja essa a intenção da passagem. Contudo, antes de saltarmos para
esta conclusão, precisamos de considerar os seguintes aspectos:
1. Estritamente falando, os primeiros cinco versículos deste salmo são mais o
testemunho de David do modo como o Senhor lidou com ele do que uma
promessa feita a todos, Contudo, pode ser insensato assumir que são uma
expressão da disponibilidades de Deus abençoar todo o Seu povo dessa
forma,
2. Nestes versículos, David está a falar à sua alma (vv. 1, 2) e as bênçãos a
que se refere podem, portanto, destinar-se a serem compreendidas mais
como bênçãos espirituais do que físicas. Contudo, isso é sem dúvida atribuir
demasiado ao significado da palavra «alma». Provavelmente, é melhor
compreender que David está apenas a falar consigo próprio e a relembrar-
se para não se esquecer das muitas bênçãos que Deus lhe concedeu. Isso
está certamente incluído na cura física (cf. Salmo 41).
3. Mais importante ainda, um outro factor a ser considerado é o uso do
paralelismo na poesia hebraica. Não é como a poesia portuguesa em que não
se usa o ritmo nem há uma métrica consistente. Antes, expressa-se numa
sequência de pensamentos paralelos que veiculam a mesma verdade de uma
forma ligeiramente diferente. Um bom exemplo é o Salmo 1:1, que nos diz
que bem-aventurado o varão que não:
• anda segundo o conselho dos ímpios nem
• se detém no caminho dos pecadores, nem
• se assenta na roda dos escarnecedores.
Estas três linhas usam diferentes palavras para dizerem essencialmente a
mesma coisa. Este instrumento poético é tanto agradável ao ouvido como
serve para acrescentar ênfase à verdade a ser veiculada. É importante ter
em mente este facto ao interpretar os salmos em geral e o Salmo 103:1-3
em particular. Portanto, é possível que não devamos compreender a
afirmação de que o Senhor cura todas as tuas enfermidades como uma
referência à cura corporal, mas antes como uma forma metafórica de dizer
o que o salmista já afirmou, nomeadamente que Ele perdoa todos os teus
pecados.
Portanto, seria insensato insistir que o Salmo 103:3 é uma promessa de cura
divina. Contudo, seria igualmente errado afirmar que não é. As palavras usadas
expressam sem dúvida a verdade, revelada noutros pontos do Velho Testamento,
que Deus cura doenças do Seu povo. Mas precisamos de abordar agora alguns
exemplos de cura no Velho Testamento.
Exemplos de cura no Velho Testamento
Abimeleque
1. A doença é vista como um castigo pelas infracções (mesmo que neste caso
Abimeleque estivesse inconsciente de estar a proceder mal)
2. Foi o Senhor que infligiu a doença.
3. O Senhor curou a doença em resposta à oração quando a iniquidade foi
estancada
Miriam
Naamã
Mas Ezequias, querendo ter a certeza de que esta era mesmo uma palavra do
Senhor, pede um sinal a Isaías de que iria ser curado (v. 8). Isaías pede ao Senhor
que faça com que a sombra do sol recue dez graus no relógio e assim acontece
(Isaías 38:8). Então, Isaías ordena que lhe preparem uma pasta de figos que,
aplicada sobre a chaga, curará Ezequias (v. 7).
Pondo de lado o milagre espantoso do recuo da sombra do sol – algo que é
claramente impossível do ponto de vista humano – esta história é de grande
interesse por várias razões.
1. É digno de nota que a doença de Ezequias não foi provocada por pecado.
2. Parece que a oração sincera pode mudar o coração de Deus.
3. A cura está ligada à revelação profética.
4. Embora Deus diga Eu te curarei, o meio que Ele usa para o fazer parece ser
médico (uma pasta de figos).
Job
A Promessa do Messias
O espírito do Senhor Jeová está sobre mim porque o Senhor me ungiu para
pregar boas novas aos mansos, enviou-me a restaurar os contritos de coração,
a proclamar liberdade aos cativos e a abertura de prisão aos presos, a
apregoar o ano aceitável do Senhor...
Em Lucas 4:18 e seg., Jesus lê esta passagem (11) na sinagoga de Nazaré e,
para espanto de todos, declara:
NOTAS
(1) E.g., quando Jesus disse que os que estão bem não precisam de médico, mas
sim o que estão doentes (Mateus 9:12; Marcos 2:17; Lucas 5:31).
(2) Aqui, a palavra «cura» significa claramente o mesmo que «cura». É a mesma
palavra hebraica rapha. Cf. Oseias14:4 – eu sararei a sua perversão.
(3) Cf. Oseias 5:13;6:1, 11; 11:13.
(4) Lidarei em pormenor com este assunto na Segunda Parte quando chegarmos
a esta passagem tão mal compreendida.
(5) Este é um conceito muito difícil que discutiremos mais tarde. Contudo, vale
a pena notar que no mesmo versículo em que Deus se revela como um Deus que cura,
também mostra que há ocasiões em que envia a doença! Cf. Deuteronómio 32:39, em
que Deus diz eu firo e eu saro.
(6) E.g. 2 Crónicas 7:14. Cf. Isaías 58:8.
(7) Por exemplo, não há qualquer sugestão de que a doença de Naamã tenha
sido o resultado de pecado pessoal, nem se declara que lhe foi infligida pelo Senhor.
(8) É digno de nota que a cura de Abimeleque e de Miriam foi produzida
através do ministério de profetas – Abraão e Moisés.
(9) Uma passagem quase idêntica encontra-se em Isaías 38.
(10) Mais tarde, iremos analisar com algum pormenor o que o Novo Testamento
tem a dizer sobre o uso de meios médicos.
(11) A versão que Lucas cita é a Septuaginta (a tradução grega do Velho
Testamento hebraico). Nesta, a frase proclamar a abertura de prisão aos presos
das trevas surge traduzida como proclamar a recuperação da vista dos cegos.
CAPÍTULO TRÊS
Esta passagem regista a cura de um homem com lepra (vv. 1-4), a cura do servo
do centurião (vv. 5-13) e a cura de muitos incluindo a sogra de Pedro (vv. 14.127).
Abordaremos à vez cada uma destas.
Na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma se o
não vir fazer ao Pai (João 5:19)
Este era o segredo da Sua autoridade e o poder da Sua palavra. Ele viveu em
submissão a Seu Pai e conhecia a vontade do Pai. Por isso, agora pode dizer ao
leproso: Sê limpo! E ele é limpo – imediatamente! Uma palavra (3) do Mestre basta.
Quando Ele ordena, assim se faz. De facto, como veremos ao longo deste capítulo,
Mateus está a enfatizar o poder da palavra de Jesus (cf. vv. 8, 16).
Finalmente, Jesus ordena ao homem:
5
E entrando Jesus em Cafarnaum, chegou junto dele um centurião rogando-lhe
6
e dizendo: «Senhor, o meu criado jaz em casa paralítico e violentamente
atormentado». 7 E Jesus lhe disse: «Eu irei e lhe darei saúde». 8 E o centurião,
respondendo, disse: «Senhor, não sou digno que entres debaixo do meu
telhado, mas diz somente uma palavra e o meu criado sarará. 9 Pois também eu
sou homem sob autoridade e tenho soldados às minhas ordens e digo a este:
“Vai” e ele vai, e a outro “Vem” e ele vem, e ao meu criado “Faz isto” e ele o
faz».
Ao ouvir isto, Jesus ficou admirado com a fé do homem (v. 10) e disse-lhe: Vai!
E como creste te seja feito. E naquela mesma hora o seu criado sarou (v. 13).
Der certa forma, esta passagem ensina-nos lições semelhantes às aprendidas
com a cura do leproso. Notemos de novo:
Isto ilustra de forma maravilhosa a verdade que será mais tarde afirmada
claramente pelo apóstolo Paulo nas suas epístolas aos Gálatas e aos Romanos, de que
não é a nossa nacionalidade ou a nossa linhagem física que agrada a Deus e faz de
nós um dos Seus filhos, mas a nossa fé. Portanto, a cura do criado do centurião
aponta para o fim do Evangelho em que Jesus, tendo morrido pelos pecados do
mundo, comissiona os Seus seguidores a irem e a fazerem discípulos de todas as
nações (Mateus 28:19-20).
E Jesus, entrando em casa de Pedro, viu a sogra deste jazendo com febre. E
tocou-lhe na mão e a febre a deixou; e levantou-se e serviu-os.
No relato de Lucas, lemos que a febre era muita e que Jesus se curvou sobre
ela. Também diz que Jesus repreendeu a febre (Lucas 4:39). A versão de Mateus,
porém, é um pouco mais intensa. Jesus entra, vê a mulher, toca-lhe na mão e ela fica
boa. Ao expressar-se deste modo, Mateus está a enfatizar de novo a autoridade
total de Jesus. O Seu toque, como a Sua palavra, é suficiente. A cura é imediata e
completa. Ela levanta-se e começa a servi-los.
À tarde, ficamos a saber, trouxeram-Lhe muitos endemoninhados e Ele com a
Sua palavra expulsou deles os espíritos e curou todos os que estavam doentes (v.
16). Embora, como veremos mais tarde, haja por vezes uma ligação entre demónios e
doença (4), não há necessidade de assumir que toda a doença seja provocada por
demónios. Mateus 4:24 distingue entre a possessão de demónios e outras aflições e
aqui em 8:16, a forma natural de ler o versículo é compreender que estavam a
ocorrer duas actividades distintas – os demónios estavam a ser expulsos e os
doentes curados.
Aqui, há duas coisas significativas. Primeiro, os demónios eram expulsos com
uma palavra. Basta uma só palavra do Homem com autoridade. Sai! E os demónios
fogem. De novo, Mateus está a enfatizar o poder da palavra de Jesus. Em segundo
lugar, salienta que Jesus curou todos os que estavam doentes. Este é um tema
comum em Mateus (cf. 4:23-24; 9:35). Indubitavelmente, fornece mais evidências
da sua disponibilidade em curar. Assim, em dois curtos versículos, Mateus repete o
tema que já referimos – o poder de Cristo em curar os doentes e a Sua
disponibilidade em o fazer.
Mas no versículo 17, Mateus acrescenta uma outra razão. Jesus cura os
doentes a fim de cumprir o que fora profetizado no Velho Testamento. Jesus é
retratado ao longo de Mateus como o cumprimento de todas as esperanças e ideais
de Israel e Mateus cita com frequência o Velho Testamento para mostrar que
Jesus é Aquele por quem esperavam há tanto tempo.
Mais tarde, iremos considerar com mais pormenor o significado desta citação
quando discutirmos se Jesus carregou as nossas doenças na cruz. Por agora, basta
salientar que Mateus não cita Isaías 53 no contexto da morte expiatória de Jesus,
mas do Seu ministério de cura na Galileia.
Conclusão
NOTAS
(1) Mais tarde, discutiremos com mais pormenor este assunto. Por agora, basta
notar que nem sempre é vontade de Deus curar imediata ou sobrenaturalmente. A
cura pode ocorrer gradualmente através de processos naturais, com, que Deus
dotou os nossos corpos. Por vezes, Deus te um propósito em demorar a cura, mas
em última análise é sempre Sua vontade curar – os corpos ressurrectos que
receberemos quando Jesus voltar de novo não conhecerão a doença (1 Coríntios
15:35-54).
(2) Marcos declara especificamente que Jesus se encheu de compaixão pelo
homem (Marcos 1:41).
(3) No texto grego original aqui, Sê limpo é apenas uma palavra.
(4) E. g. Lucas 13:11, 16.
CAPÍTULO QUATRO
Não devemos entender esta passagem como crítica da profissão médica (3).
Marcos menciona-a apenas para salientar a gravidade do seu problema – não havia
resposta humana!
As diferenças entre eles são também muito claras. Numa perspectiva social,
Jairo usufruía de privilégios maravilhosos que eram negados à mulher. Primeiro, ele
era homem e ela mulher. Se isto parece óbvio, temos de recordar que, no século 21,
em que muitos países têm agora leis que protegem os direitos das mulheres, é difícil
para a maioria apreciar como eram desfavorecidos os direitos das mulheres do 1º
século. Não é necessário discorrer mais sobre o assunto. Basta dizer que em Israel
na altura do Novo Testamento, era uma clara vantagem ser-se homem! É
interessante notar que, mesmo nos relatos do Novo Testamento, Jairo é indicado
pelo nome, mas não a mulher!
A segunda grande diferença entre eles relaciona-se com a vida religiosa da
comunidade que se centrava na sinagoga. Marcos diz-nos que Jairo era um dos
principais da sinagoga, uma posição que impunha um respeito considerável. A mulher,
contudo, teria sido excluída da sinagoga porque, de acordo com a lei levítica, a
condição de que estava a sofrer tornava-se cerimonialmente impura (4). É difícil
imaginar como se deve ter sentido humilhada nessas circunstâncias, em especial à
luz do facto de a sua situação durar há doze anos.
Depois, naturalmente, havia diferenças na sua saúde física e no seu estatuto
financeiro. A mulher estava incuravelmente doente e fora reduzida à pobreza ao
gastar tudo quanto tinha com os médicos, que se revelaram incapazes de a ajudar.
Jairo, por outro lado, embora tivesse uma filha doente, parece ter gozado de boa
saúde e como principal da sinagoga não devia ser um homem pobre.
Por fim, há uma outra diferença marcante entre ambos nesta passagem. Tem a
ver com a forma como Jesus os tratou. Torna-se claro que a fé de Jairo foi testada
(v. 36), enquanto a da mulher foi instantaneamente recompensada (v. 29).,
Falaremos mais sobre isto na secção seguinte, mas é adequado salientar aqui uma
lição muito importante: Deus lida com todos nós de forma individual. Ele raramente
lida com dois casos exactamente da mesma maneira. Ele ama e cuida de cada
indivíduo e sabe o que é melhor para cada. O princípio aplica-se não apenas à cura
mas a toda a nossa vida. Mas agora, devemos considerar em mais pormenor como
foram supridas as suas necessidades.
Tanto Jairo como a mulher vieram a Jesus à procura de cura. Jairo em favor
da filha e a mulher de si própria. Ambos juntaram-se à multidão que rodeava Jesus
(vv. 21-22, 27), embora cada um O abordasse de forma diferente. Jairo rogava-lhe
muito (v. 23).A mulher nem sequer falou. Ela simplesmente tocou no seu vestido (v.
27). Há formas muito diferentes de vir a Jesus, mas o importante é vir. Quer
roguemos muito em oração, quer simplesmente O procuremos em fé, o que conta não
é a forma como vimos, mas a pessoa a quem vamos. Jesus é o único caminho para
Deus (João 14:6) e o único mediador entre Deus e nós (1 Timóteo 2:5). É apenas
n’Ele que todas as nossas necessidades ficam supridas.
É interessante que Marcos nos conta que tanto Jairo como a mulher caíram a
seus pés (vv. 22, 33). Esta podia ser naturalmente apenas uma expressão da
urgência das suas necessidades, mas parece mais provável que Marcos quisesse
levar-nos a compreender quem Jesus de facto é. Ele começa o seu evangelho com as
palavras:
Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Então, Jesus é digno de
adoração e se Jairo e a mulher não compreendiam isso plenamente quando caíram a
Seus pés, Marcos com toda a certeza compreendia e queria que os seus leitores
ficassem também a sabê-lo!
Hoje, parece que muitos correm para Jesus quando o poder sarador de Deus
está em acção, e em geral Ele cura-os graciosamente. Mas se é para Jesus nos
satisfazer ao nível da nossa necessidade mais profunda, temos de reconhecer quem
Ele é e humilhar-nos perante Ele. Como veremos dentro em pouco, há mais do que
cura nesta passagem. Há algo ainda mais importante.
Quando Jesus disse: A tua fé te curou, a palavra grega utilizada para cura é
s z . Discuti-la-emos em pormenor na Segunda Parte, mas o seu significado básico é
salvar. Por consequência, pode significar salvar, curar ou resgatar, dependendo do
contexto em que é usada. Aqui, é claro que, no contexto da cura da mulher, cura é a
tradução mais natural, Contudo, há fortes indicações no mesmo versículo que
Marcos pretende levar-nos a compreender mais do que a cura. A sugestão pode bem
ser que a mulher não fora apenas curada, mas também salva (5).
Por alguma razão Jesus trata-a por Filha. Este é um termo íntimo. Significa
que ela faz parte da família de Deus. A sua condição excluiu-a durante 12 anos da
vida religiosa da comunidade, mas agora ela está incluída, aceite na família de Deus.
Depois, Jesus diz-lhe que vá em paz. Na língua em que Jesus falou, a palavra
teria sido shalom. O seu significado básico no Velho Testamento é perfeição,
plenitude, bem-estar. Pode referir-se à prosperidade material ou saúde física, mas
ser usado também em relação a bem-estar espiritual.
O equivalente no grego do Novo Testamento é eir n . Esta palavra não só
veicula o significado veterotestamentário de shalom, como, ainda mais importante, é
usada para se referir à paz que temos com Deus quando colocamos a nossa
confiança em Cristo como Salvador (Romanos 5:1).
Assim, quando Jesus diz à mulher que vá em paz, pode muito bem-estar a falar
de mais do que da plenitude física e do bem-estar que ela recebeu com a cura. Foi
certamente por essa razão que ela apareceu, mas ao vir a Jesus, ela bem pode ter
recebido algo mais – paz com Deus através da fé em nosso Senhor Jesus Cristo.
Finalmente, Jesus diz-lhe: Sê liberta do teu mal. De novo, o contexto deixa
claro que ela está livre do sofrimento físico. Mas mais do que isso, ela está livre da
necessidade dos médicos que tanto lhe custaram. Ela está livre da exclusão da
sinagoga. Está livre do embaraço que a sua condição sem dúvida lhe produzia. Está
livre da insegurança de tudo quanto a impedia. E se o que discutimos no último
parágrafo estiver correcto, o ministério de Jesus à mulher vai ainda mais longe,
ultrapassando o físico e as suas implicações financeiras, indo além do sociológico e
do psicológico. Atinge as profundezas mais íntimas do seu ser. Ela encontrou a
liberdade espiritual que apenas a salvação pela fé em Cristo pode trazer!
Conclusão
NOTAS
(1) Cf. 2:2; 2:13; 3:7; 3:9; 3:32; 4:1
(2) Ver Marcos 1:29-32, 40-44.
(3) Discutiremos este assunto com mais pormenor na Segunda Parte quando
considerarmos o que a Bíblia tem a dizer sobre o uso de remédios e a profissão
médica.
(4) Levítico 15:23-30.
(5) Claro que não podemos ter a certeza plena, mas como veremos mais à
frente, os escritores do Novo Testamento usaram com frequência exemplos de cura
para ilustrar a mensagem de salvação. Isso não quer dizer que a cura seja parte da
salvação – embora em última análise o seja claramente - antes quer dizer que, no
mínimo, Marcos está a ensinar os princípios da salvação através da cura da mulher.
CAPÍTULO CINCO
• O paralítico (5:17-26)
• A mulher com a coluna curvada (13:10-17)
• Os dez leprosos (17:11-19)
O paralítico (5:17-26)
1. O poder de Deus não estava sempre sobre Jesus para curar os doentes?
2. Se estava, então porque é que Lucas se preocupa em o mencionar?
18 E eis que uns homens transportaram numa cama um homem que estava
paralítico e procuravam fazê-lo entrar e pô-lo diante dele.
19 E não achando por onde o pudessem levar, por causa da, multidão, subiram
ao telhado e por entre as telhas o baixaram com a cama, até ao meio, diante de
Jesus.
20 E vendo ele a fé deles, disse-lhe: Homem, os teus pecados te são
perdoados.
21 E os escribas e os fariseus começaram a arrazoar dizendo: «Quem é este
que diz blasfémias? Quem pode perdoar pecados senão só Deus?»
22 Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos, respondeu e disse-lhes:
«Que arrazoais em vossos corações?
23 Qual é mais fácil? Dizer: “Os teus pecados te são perdoados”; ou dizer:
“Levanta-te e anda?”
24 Ora, para que saibais que o Filho do homem tem poder sobre a terra para
perdoar pecados (disse ao paralítico), a ti te digo: Levanta-te, toma a tua cama
e vai para tua casa.»
25 E levantando-se logo diante deles e tomando a cama em que estava deitado,
foi para sua casa, glorificando a Deus.
Citei na íntegra o relato de Lucas pois é difícil abreviá-lo sem deixar de fora
algo de importante. Os pontos seguintes são dignos de nota:
• Parece que neste caso não é o doente, mas os amigos que tomam a iniciativa
(v. 18). Na verdade, parece ter sido à fé deles (v. 20) que Jesus responde
(3). A este respeito, é semelhante à cura do criado do centurião em Mateus
8. Isto ensina-nos que nem sempre é a fé do doente que é base para a cura.
• O facto de Jesus dizer Os teus pecados te são perdoados, antes de
realizar a cura (v. 20) pode indicar que a doença do homem surgira em
resultado de pecado pessoal – ou até que o homem cria que fosse essa a
razão! É também possível que ao demonstrar a sua autoridade para perdoar
pecados, Jesus esteja a procurar salientar a Sua autoridade messiânica
junto dos fariseus críticos. Contudo, parece muito provável que esteja a
mostrar à audiência que o perdão de pecados é mais importante que a cura
da doença.
• A história demonstra a autoridade de Jesus como Filho do Homem (v. 24),
um título messiânico. Também implica a Sua deidade (4). Os Fariseus tinham
razão ao dizer que apenas Deus tem o direito de perdoar pecados.
Simplesmente não percebiam que Jesus era Deus.
Esta parece ser outra passagem em que Lucas salienta o fracasso dos Judeus
dos dias de Jesus em reconhecê-Lo por aquilo que Ele era. Os nove leprosos judeus
que foram curados e que no entanto não regressaram para agradecer podem ser
considerados símbolo da ingratidão de Israel como um todo, apesar das muitas
bênçãos que Jesus lhes trouxe. Uma lição óbvia desta história é a importância da
gratidão.
Ainda mais evidente, porém, é a importância da fé. É o que se vê no pedido
inicial de misericórdia por parte dos leprosos. Implica no mínimo que criam que
Jesus podia ajudá-los. Mais ainda, a instrução de Jesus, que é dada antes de serem
curados, de que devem ir e apresentar-se ao sacerdote (cf. Mateus 8:4, em que ao
leproso é dito que vá depois de Jesus o ter curado) certamente implica a exigência
de que deviam agir em fé. É apenas na medida em que vão que são purificados (v.
14). Finalmente, a importância da fé é salientada nas últimas palavras de Jesus ao
Samaritano agradecido: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou.
A afirmação de Jesus aqui (5) é idêntica à que Ele disse ao falar com a mulher
cuja hemorragia foi curada quando ela Lhe tocou na capa (Marcos 5:34). Ali,
sugerimos que Marcos pode ter pretendido que compreendêssemos que a mulher
recebeu mais do que cura para o corpo. No mínimo, argumentámos, Marcos estava a
usar um milagre de cura como ilustração da salvação e parece provável que é
também essa a intenção de Lucas na história do leproso agradecido. Contudo, na
Segunda Parte, iremos discutir com mais pormenor em que sentido a cura pode ser
entendida como uma parte da salvação.
Conclusão
• Jesus realizou as suas curas pelo poder do Espírito e guiado pelo Espírito,
de onde provinha a Sua autoridade.
• O perdão dos pecados é mais importante que a cura do corpo.
• Algumas doenças podem ser provocadas por pecado pessoal. Outras podem
ser infligidas por Satanás.
• A fé desempenha um papel importante na cura. É por vezes a fé do doente,
mas pode ser a de amigos. Por vezes, essa fé é testada. Em alguns casos, a
fé nem sequer é mencionada.
• Os milagres de cura podem ser poderosas ilustrações do poder salvador de
Deus. Isto pode indicar que em certo sentido a cura faz parte da salvação.
Mas isso é algo que iremos discutir com mais pormenor na Segunda Parte.
NOTAS
(1) Nos escritos de Lucas, estas três expressões são claramente
intercambiáveis. Para mais discussão deste aspecto, ver Petts, D., The Holy Spirit –
an Introduction, Mattersey, Mattersey Hall, 1998, pp. 65, 125.
(2) Cf. João 5:19 em que Jesus diz que nada faz por si mesmo. Apenas faz o
que o Pai (presumivelmente através do Espírito) Lhe diz para fazer.
(3) Claro que a fé deles podia significar a fé dos cinco – o homem mais os
quatro amigos. Contudo, a forma mais natural de compreender isto é ver a fé
referida como a dos amigos, cuja fé era tão forte que venceu todos os obstáculos –
a multidão, o telhado, etc.
(4) Os Seus milagres não demonstravam a Sua deidade. Ele realizou-os como
homem através do poder do Espírito. Mas a sua reivindicação de ter autoridade
para perdoar os pecados era uma afirmação implícita de deidade que os Fariseus
foram rápidos a reconhecer.
(5) O grego diz: he pistis sou sesoken se, que significa:
A tua fé te curou
Ou literalmente
A tua fé te salvou.
Cf. as seguintes passagens em que se usa a mesma expressão:
Bartimeu - Mateus 10:52, Lucas 18:42
A mulher com a hemorragia – Mateus 9:22, Marcos 5:34; Lucas 8:48
O leproso - Lucas 17:19
Lucas 7:50 – referindo-se ao perdão dos pecados.
CAPÍTULO SEIS
Nenhum dos evangelistas nos conta todos os milagres de cura que Jesus
realizou. Cada escritor, guiado pelo Espírito Santo, seleccionou vários exemplos a
fim de enfatizar algum aspecto da verdade sobre Jesus que sentia ser importante.
Ao analisarmos agora o evangelho de João, é interessante notar que João optou por
registar apenas três dos milagres de cura de Jesus (1), embora deixe muito claro
que Jesus fez muitos mais (2). O seu propósito ao descrevê-los, juntamente com os
outros milagres de que nos fala é para podermos
crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e para que crendo tenhamos vida
através do seu nome (João 20:31).
Assim, o alvo de João em contar estas histórias não é tanto falar-nos como
podemos ser curados, mas capacitar-nos a sermos salvos, crendo no Senhor Jesus
Cristo (cf. João 3:16) (3). Neste capítulo, iremos considerar duas das curas
registadas por João.
e, embora haja muito a aprender sobre a cura em ambos estes relatos, o importante
para João é que eles devem levar-nos à salvação através da fé em Jesus. Isso é de
longe mais importante que a cura dos nossos corpos (4).
Na última secção, analisámos um caso em que havia uma clara ligação entre
doença e pecado pessoal. Agora, consideramos um caso em que não há essa ligação.
Vendo um homem cego de nascença, os discípulos de Jesus perguntam-Lhe: Rabi,
quem pecou; este homem ou os seus pais para que nascesse cego? (v. 2). Esta
pergunta reflecte a convicção pessoal da época de que toda a doença era provocada
pelo pecado. A resposta de Jesus é altamente significativa; Nem este homem nem
os seus pais pecaram, disse Ele (v. 3).
Ao dizer isto, Jesus estava claramente a rejeitar a noção de que toda a
doença é provocada pelo pecado. Contudo, isso não nega a possibilidade de alguns
casos de doença poderem sê-lo, como o relato que acabámos de analisar em João 5
deixa claro. Na verdade é digno de nota que Jesus não diz Claro que não! Nenhuma
doença é provocada pelo pecado. Contudo esta teria sido uma oportunidade perfeita
para o dizer se fosse esse o caso. Nem Jesus salienta a estupidez da pergunta dos
discípulos – como pode a cegueira do homem ter sido causada pelo seu próprio
pecado se ele nasceu cego? Dificilmente poderia ter cometido pecado antes de
nascer (7).
Antes, Jesus opta por revelar um propósito totalmente diferente para a
situação deste homem: Isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na
sua vida (v. 3). Aqui, parece estar a sugerir que Deus permitiu que o homem
nascesse cego para que Jesus realizasse um milagre curando-o, trazendo glória a
Deus. Mas isto levanta um problema imediato. Podemos perguntar como é que um
Deus de amor permite que uma pessoa nasça cega só para que Jesus pudesse
mostrar quão poderoso Deus é, realizando um milagre para O glorificar? Contudo,
encontramos a solução para este problema se recordarmos a intenção de João ao
escrever o seu Evangelho. Ele escreveu-o para que
possais crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e para que, crendo, tenhais
vida em Seu nome (João 20:23).
Por muito difícil que possa parecer, a aflição física nesta vida é relativamente
insignificante comparada com a bênção da vida eterna no céu. Corremos com
frequência o risco de encarar as coisas apenas numa perspectiva do curto prazo, em
vez de as ver como Deus as vê, do ponto de vista da eternidade. É possível que este
homem nunca tivesse encontrado fé em Cristo se não tivesse sido o poderoso
milagre que Jesus operou nele. E quantos mais encontrariam a salvação vindo em fé
a Jesus por causa deste milagre?
Claro que não sabemos a resposta a estas perguntas, mas pelo menos apontam
para uma possível explicação da razão de Deus por vezes permitir o que a nós
parece sofrimento desnecessário. Como veremos depois em mais pormenor, os
problemas relacionados com a cura costumam ser resolvidos quando encarados numa
perspectiva de longo prazo. A Bíblia chega mesmo a sugerir ocasionalmente que o
sofrimento nesta vida tem a sua compensação na vindoura (8)
Os dois versículos seguintes também parecem sublinhar o propósito do milagre
(e portanto da cegueira sem a qual o milagre não poderia ter ocorrido). Jesus diz:
Convém que eu faça as obras daquele que me enviou enquanto é dia; a noite vem
quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo
(João 9:4-5).
Sem entrar numa discussão mais pormenorizada destes versículos, basta dizer
aqui que eles são a primeira indicação entre muitos outros no capítulo (9) que João
incluiu esta história a fim de podermos aprender uma lição espiritual.
Espiritualmente, somos todos cegos de nascença e Jesus é a luz que Deus enviou a
um mundo que está em trevas, a fim de podermos ver. A lição mais importante que o
leitor pode aprender com o capítulo é, portanto, não o que Jesus pode fazer –
embora certamente também ensine isso – mas quem Ele é!
Esta é quase com toda a certeza a intenção dos versículos que se seguem.
Jesus cospe no chão, faz lodo com a saliva e coloca-o nos olhos do homem. Depois,
diz-lhe que se vá lavar no tanque de Siloé. O homem assim faz e regressa a ver (vv.
6-7). A ideia de que Jesus usou a saliva porque se considerava ter propriedades
curativas deve ser rejeitada não só porque tal perspectiva está claramente errada,
como também a cura através de meios naturais dificilmente teria sido um sinal de
quem Jesus era! E a sugestão de o lodo ter sido usado para estimular a fé no cego
deve ser rejeitada por falta de provas.
Muito mais provável e em completa harmonia com o uso joanino de milagres
como sinais para mostrar quem Jesus era é a perspectiva de que estes versículos
são uma alusão a Génesis 2:7, em que Deus fez o homem do pó da terra.
Compreendido deste modo, João está a ensinar que Jesus realizou um milagre
criativo e está a reivindicar aqui, como noutros pontos do evangelho de João, que
não é outro senão o próprio Deus, algo para o qual os Judeus dos seus dias estavam
completamente cegos (cf. vv. 13-41)
Assim, o principal propósito deste milagre é sem dúvida ensinar lições
espirituais sobre a cegueira da humanidade e sobre Jesus que é a luz que pode
libertar-nos das trevas do mundo em que vivemos. Mas isso significa que a passagem
nada nos ensina sobre cura? De modo nenhum. Há pelo menos sete lições que
podemos aprender sobre cura com esta passagem.
Conclusão
Estes dois milagres mostram-nos que as histórias de cura podem ser usadas
como ilustrações poderosas de algo ainda mais importante – a necessidade humana
de salvação. Contudo, também ensinam lições importantes sobre a doença e a cura.
Reparemos que Deus não cura todos em todas as ocasiões. É também claro que,
embora algumas doenças possam ser provocadas por pecado pessoal, nem sempre é
assim. Mais ainda, é evidente que nem sempre é responsabilidade da pessoa doente
aproximar-se de Jesus à procura de cura. Em ambos os casos, foi Jesus quem tomou
a iniciativa. E isso porque Ele sabia em cada caso exactamente o que Deus queria
que Ele fizesse. Se Jesus no Seu ministério de cura não agiu independentemente
então também nós não o devemos fazer.
NOTAS
(1) João 4:46-54; 5:1-15; 9:1-25
(2) João 20:30
(3) É por isso que João se refere sempre aos milagres de Jesus como sinais.
Apontam para quem Ele é.
(4) Para mais informação sobre este assunto importante, ver Capítulo 20.
(5) E.g. Mateus 4:23-24; 8:16; 9:35.
(6) Para uma excelente discussão das diversas perspectivas e uma conclusão
em total harmonia com a minha, ver Carson, D. A., The Gospel according to John,
Leicester, IVP, 1991, pp. 245-6.
(7) Contudo, é possível que a pergunta dos discípulos implicasse a crença,
defendida por alguns Judeus, de que era possível pecar ainda no ventre da mãe. Ver
Carson, op. cit., p. 362.
(8) Ver, por exemplo, Hebreus 11:35. Cf. cap. 17.
(9) Cf. vv. 35-41.
CAPÍTULO SETE
Iremos considerar cada uma delas à vez antes de abordarmos os Actos dos
Apóstolos.
Mateus, Marcos e Lucas registam todos como Jesus deu aos doze apóstolos
autoridade para curarem os doentes (Mateus 10:1-8; Marcos 6:7-12 e Lucas 9:1-6).
O relato de Mateus é o mais pormenorizado, pelo que nos concentraremos nele,
fazendo referência a Marcos e a Lucas apenas quando adequado.
Em Mateus 10:1, lemos que Jesus,
Os versículos 2-4 dão-nos depois uma lista dos nomes dos doze. Os versículos
seguintes (5-42) repetem as instruções que Jesus lhes deu nessa ocasião. Contudo,
os versículos 7-8 são particularmente dignos de nota em relação à cura. Aqui, Jesus
diz:
E Lucas diz:
• Parece não haver limite à autoridade que Jesus lhes deu nesta ocasião.
Mateus 10:1 diz que Jesus lhes deu autoridade para curarem toda a
enfermidade e todo o mal, o que incluía a cura dos leprosos e até mesmo a
ressurreição dos mortos (v. 8). A sua autoridade é tal que não lhes é dito
que orem pelos doentes, mas que os curem.
• Esta autoridade foi dada num momento específico a um grupo específico de
pessoas cujos nomes Mateus menciona (Mateus 10:2-4). Portanto, não
devemos assumir automaticamente que a mesma autoridade nos é dada, a
menos que isso esteja claramente declarado no Novo Testamento (1).
Contudo, a passagem de Lucas 10, em que Jesus envia outros 72 com uma
comissão similar sugere que esta autoridade não estava destinada a limitar-
se apenas aos doze apóstolos.
• Como mais tarde Jesus disse aos Seus discípulos que esperassem pelo
poder do Espírito Santo antes de saírem para irem pregar o evangelho
(Actos 1:4-8), é possível que a autoridade dada nesta ocasião tivesse em
mente apenas a duração do ministério terreno de Jesus. Assim que Jesus
regressou aos céus, os discípulos em Actos realizaram milagres conforme
eram dirigidos pelo Espírito Santo.
• Os doze foram enviados às ovelhas perdidas de Israel (Mateus 10:6).De
facto, Jesus diz-lhes especificamente que, nessa ocasião, não vão aos
Gentios nem aos Samaritanos (v. 5) De novo, isto sugere que a situação aqui
descrita era única. A comissão, como já vimos, é dada num tempo específico
a um grupo específico de pessoas e com um propósito específico -
proclamar o reino de Deus (v. 7) às ovelhas perdidas de Israel, Contudo,
isto não significa necessariamente que nada podemos aprender com esta
passagem. É interessante notar que Paulo, na sua missão aos Gentios
obedece à instrução de Jesus em Mateus 10:14 de sacudir o pó dos pés,
como testemunho contra qualquer que rejeita a mensagem do evangelho (cf.
Actos 13:51).
• Nesta ocasião, Jesus não parece ensinar qualquer metodologia de cura. Por
exemplo, não há instruções para impor as mãos sobre os doentes. Contudo,
Marcos diz-nos que eles ungiram os doentes com óleo (6:13),
presumivelmente seguindo as instruções de Jesus. Mais tarde, este iria
tornar-se um meio regular de cura para o povo de Deus, como veremos
quando considerarmos Tiago 5:14-seg.
• Há uma clara ligação tanto em Mateus como em Lucas entre a cura e o reino
de Deus (2). Lucas diz que Jesus enviou-os a pregar o reino de Deus e a
curar os enfermos (Lucas 9:2, cf. 10:8) e Mateus declara que Jesus disse:
E indo, pregai, dizendo: «É chegado o reino dos céus.» Curai os enfermos,
ressuscitai os mortos (Mateus 10:7-8)
Como já mencionámos, Lucas não só regista o envio dos doze apóstolos como
também nos fala de uma ocasião posterior em que Jesus designou ainda outros
setenta e dois (3) e mandou-os adiante da sua face, de dois em dois a todas as
cidades e lugares aonde ele havia de ir. (Lucas 10:1). Então, depois de lhes dar
instruções muito semelhantes às que já havia dado anteriormente aos doze (vv. 2-
8), diz-lhes que curem os doentes (v. 9). O significado do número (70 ou 72) tem
sido muito discutido, mas não precisamos de nos deter nessa discussão (4). O que é
significativo, porém, é o facto de isto alargar claramente a comissão de cura para lá
dos doze apóstolos. Outros pontos de interesse são, uma vez mais, a ligação entre a
cura e o Reino de Deus (v. 9) e o facto de os discípulos serem enviados dois a dois
(v. 1).
Contudo, ainda mais importante seja a passagem nos versículos 17-20, em que
Lucas nos diz:
E voltaram os setenta com alegria, dizendo: «Senhor, pelo teu nome até os
demónios se nos sujeitam». E disse-lhes: «Eu via Satanás como raio cair do
céu. Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões e toda a força do
inimigo e nada vos fará dano algum. Mas não vos alegreis porque se vos
sujeitam os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos
nos céus».
Já salientámos que a salvação é mais importante que ser-se curado! Mas esta
passagem indica com clareza que a salvação é mais importante que o poder para
curar! Também nos mostra que a autoridade que Jesus deu aos 70 não era menor
que a dada anteriormente aos apóstolos – era autoridade sobre todo o poder do
inimigo. Parece que, em vez de o poder apostólico estar limitado a alguns. Jesus
pretendia que ele fosse alargado a muitos! Mas isso leva-nos muito naturalmente à
passagem de Marcos 16.
Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura. Quem crer e for
baptizado será salvo; mas quem não crer será condenado. E estes sinais
seguirão os que crerem. Em meu nome expulsarão os demónios, falarão novas
línguas, pegarão nas serpentes e se beberem alguma coisa mortífera não lhes
fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos e os curarão.
Conclusão
Estes princípios vêem-se claramente em acção em Actos, que será agora alvo
da nossa atenção.
NOTAS
(1) Marcos 16:15 e seg. pode ser assumido como significando que a autoridade
para curar é dada a todos os crentes. Mais à frente, iremos discutir isso com mais
pormenor.
(2) Mateus usa consistentemente reino dos céus enquanto tanto Marcos como
Lucas usam reino de Deus. Os dois termos são sinónimos.
(3) Alguns manuscritos dizem 70, enquanto outros referem 72.
(4) Morris sugere três possibilidades: (1) o número é simbólico das nações do
mundo (de acordo com a crença judaica) (2) Corresponde ao número de anciãos
nomeados por Moisés (Números 121:16-seg.), (3) Relaciona-se com os 70 membros
do Sinédrio, Morris, Leon, Luke (TNTC), Londres, IVP, 1974, p. 181
(5) Ver, por exemplo, Burton, W. F. P., Signs Following, Londres, AOG, 1949, em
que o autor relaciona o modo como todos estes sinais acompanhavam o ministério da
Missão Evangelística do Congo.
(6) Como Judas traiu Jesus, suicidando-se de seguida, o número dos apóstolos
originais nesta altura estava reduzido a 11.
(7) Cf. a versão de Mateus da Grande Comissão em que os apóstolos deviam
fazer discípulos de todas as nações, ensinando-os a observar tudo quanto o Senhor
ensinara aos apóstolos (Mateus 28:19-20). Já salientámos que Mateus regista como
Jesus ensinara os apóstolos a curar os doentes!
CAPÍTULO OITO
São muitas as referências à cura no livro de Actos (1). Algumas são gerais,
outras específicas. As referências gerais incluem a oração dos discípulos pedindo a
Deus que estenda a Sua mão para curar (4:30), a declaração de que em certa
ocasião todos os doentes foram curados quando a sombra de Pedro passou por eles
(5:14-16), uma descrição do ministério evangelístico de Filipe em Samaria (8:5-8) e
a menção de milagres extraordinários de cura em resultado de as pessoas tocarem
nos lenços que haviam estado em contacto com Paulo (19:11-12).
Os milagres específicos de cura descritos em Actos incluem:
1. Não foram apenas os apóstolos que realizaram milagres (e.g. 6:8; 8:6-8).
2. Muitas das curas registadas ocorreram num contexto evangelístico (ou
tiveram como resultado muitas conversões ao Senhor).
3. Algumas curas foram extraordinárias (e.g. 5:14-16; 19:11-12).
4. As curas não foram os únicos sinais que levaram à conversão de muitos
(e.g., o milagre de línguas no Dia de Pentecostes).
Estes quatro pontos estão todos em harmonia com o que aprendemos no último
capítulo em relação ao ministério dos primeiros discípulos. Consideraremos agora
duas passagens com mais pormenor:
Conclusão
NOTAS
(1) E.g. 3:7-9; 4:30; 5:14-16; 6:8; 8:6-8; 9:33-42; 14:8-10; 19:11-12; 20:9-12;
28:1-10.
(2) Para mais informação sobre o significado de João 20:22, ver Petts, D., The
Holy Spirit – an Introduction., Mattersey, Mattersey Hall, 1998, pp .44-48.
(3) Esta é quase com toda a certeza uma manifestação dos dons de cura a que 1
Coríntios 12:10 se refere e sobre o qual falaremos mais tarde com maior pormenor.
(4) O momento certo é altamente significativo em relação aos milagres de cura.
Como o homem era colocado todos os dias à porta do templo, é muito provável que
Jesus terá passado por ele. Sendo assim, havia um propósito na demora da cura
deste homem, como veremos.
(5) É importante distinguir entre orar pelos doentes e ordenar a sua cura.
Podemos e devemos orar sempre pelos doentes, mas só podemos ordenar a cura
quando Deus nos fala directamente nesse sentido.
(6) N.B. Paulo fixando nele os olhos e vendo que tinha fé para ser curado
(Actos 14:9).
(7) Este ponto não deve ser, contudo, levado demasiado longe. Uma coisa é ter
fé para ser curado. Outra bem diferente é arrepender-se dos pecados e confiar na
morte expiatória de Cristo a fim de ser-se salvo.
(8) Ver Harnack, A., Luke the Physician, Londres, Williams and Norgate, 1907,
p. 148
CAPÍTULO NOVE
Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja e orem sobre
ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o
doente e o Senhor o levantará; e se houver cometido pecados, ser-lhe-ão
perdoados.
Na última secção, Tiago utilizou a vinda do Senhor como uma ameaça para os
ímpios. Mas nesta secção, utiliza-a para encorajar os Cristãos - Tiago chama-lhes
irmãos (v. 7). Diz-lhes para serem pacientes (vv. 7, 8, 10) até à vinda do Senhor (vv.
7, 8). Isto parece ser por estarem a sofrer (v. 10). Mas de que tipo de sofrimento
está Tiago a falar? Talvez esteja a referir-se ao sofrimento infligido pelos ricos
opressores mencionados nos versículos 1.6. O uso da palavra pois (que aqui significa
portanto) no versículo 7 certamente sugere isso.
Contudo, é interessante que Tiago menciona Job como um exemplo de
sofrimento e paciência (vv. 10-11). Tendo em mente o vasto leque de desastres –
incluindo a doença – pelos quais Job passou, parece provável que Tiago estivesse a
pensar em qualquer forma de sofrimento que pudesse surgir no caminho dos
cristãos. Devemos ter isso sempre em mente quando consideramos todo o
significado da passagem sobre cura, a que voltaremos em breve. Antes de o fazer,
contudo, precisamos de considerar o que Tiago quer dizer com aflições quando diz
no versículo 13 Está alguém entre vós aflito?
A palavra grega que Tiago utiliza aqui é o verbo kakopathein que significa
literalmente sofrer alguma coisa má. Esta é também a palavra (2) que ele usa no v.
10 quando fala da paciência face ao sofrimento. O uso aqui da mesma palavra parece
ligar a passagem sobre paciência no sofrimento à passagem contendo a promessa de
cura. Isto confirma o que dissemos na última secção, nomeadamente que a doença
deve ser entendida como incluída no uso que Tiago faz do sofrimento (kakopathia)
em vez de a individualizar (3)
Se esta interpretação estiver correcta, então a promessa de cura para os
doentes no versículo 15 deve ser equilibrado com o ensino sobre a paciência até à
vinda do Senhor, nos versículos 7-12. O versículo 12 estimula quem estiver a sofrer
a orar e quem estiver alegre a cantar louvores. O versículo 14 estimula quem estiver
doente a chamar os anciãos da igreja para orarem por si, ungindo-o com azeite no
nome do Senhor.
Mas se tivermos razão ao dizer que a doença está incluída na compreensão que
Tiago tem do sofrimento, precisamos de explicar a razão de Tiago apresentar
diferentes instruções a quem estiver doente (i.e., chamar os anciãos para orarem,
em vez de ser a pessoa a orar por si). A explicação é que Tiago está provavelmente
a referir-se a alguém que esteja gravemente doente, como se torna claro ao
analisarmos a intenção precisa dos versículos em causa.
A este respeito, sugiro que quatro factores indicam que Tiago tem aqui em
mente alguém que está gravemente doente. São eles:
1. O doente deve chamar os anciãos em vez de ir até eles. Isto poderá indicar
que a pessoa está tão doente que é incapaz de se mover.
2. Os anciãos devem orar sobre a pessoa. Esta é a única vez no Novo
Testamento em que o verbo orar é seguido pela preposição sobre.
Provavelmente sugere que os anciãos estão inclinados sobre a pessoa
enquanto oram, o que poderá indicar que ela esteja deitada.
3. Além disso, a afirmação de que o Senhor o levantará implica claramente que
o doente está deitado (4).
4. Finalmente, o facto de precisar que os anciãos venham e orem aponta para
a possibilidade de o doente estar demasiado enfermo para orar por si.
Assim, concluo que o doente que Tiago tem em mente está gravemente
enfermo e que a exortação para chamar os anciãos para o ungirem e a oração não
devem ser encaradas como aplicação para minorar o sofrimento. Assim, embora a
doença esteja incluída na compreensão que Tiago tem do sofrimento, algumas
doenças são tão graves que levam as pessoas a sentirem-se incapazes de orar por si
mesmas ou, pelo menos, de orarem em fé (5) e que por essa razão devemos chamar
os anciãos. Na realidade, é importante notar que ao doente dos versículos 14-15 não
é exigido que exerça fé – apenas que chame os anciãos da igreja. É responsabilidade
dos anciãos fazerem a oração da fé e ungirem o doente com azeite no nome do
Senhor.
Mas qual o significado do azeite? Muitos comentadores reconhecem que,
embora o azeite seja usado com frequência por razões médicas, o contexto de
Tiago 5 exige que o óleo seja compreendido como tendo um significado religioso (6).
Na verdade, mesmo que Tiago soubesse que o azeite tinha algum valor médico,
dificilmente iria crer que constituía uma panaceia para todas as doenças! Além
disso, Tiago diz-nos que é a oração e não o azeite que curará o doente.
Portanto, é provavelmente melhor concentrar-nos na palavra ungir e não no
termo azeite. Tanto no Velho como no Novo Testamento, a unção está associada
intimamente à acção do Espírito na cura (Isaías 61:1-2; Lucas 4:18-seg.) e, logo, é
razoável compreender a unção com azeite em Tiago 5 como sendo simbólico da
presença e do poder do Espírito Santo. Como tal, pode despertar a fé do doente.
Mas a unção com azeite e a oração da fé não são as únicas coisas que Tiago
menciona nesta passagem, Ele fala da confissão de pecados (vv. 15-16). O
importante a notar aqui é a palavra se – Se houver cometido pecados, ser-lhe-ão
perdoados. Já vimos, tanto no Velho como no Novo Testamento, que a doença pode
por vezes ser o resultado de pecado pessoal. Também já vimos que com muita
frequência não é. A afirmação de Tiago aqui está em completa harmonia com este
ensino. A doença pode ter sido provocada pelo pecado. Se for assim, o pecado deve
ser confessado e depois feita oração pela cura. Mas se o doente não tiver
conhecimento de qualquer pecado que possa estar a impedir a sua cura, a confissão
será claramente inadequada.
Conclusão
CAPÍTULO DEZ
Este esquema, que adaptei de um outro elaborado por Jeffreys (3) mostra
claramente o estado das coisas antes da Queda, a condição do mundo em resultado
da Queda, a diferença produzida pela morte expiatória de Jesus e o estado glorioso
na era vindoura em resultado da vinda de Jesus. São de notar três coisas:
Velho Testamento
Novo Testamento
O Novo Testamento também ensina a mesma coisa. Embora haja casos em que
a doença é atribuída ao pecado pessoal, há também passagens que deixam muito
claro que a ligação não é de modo nenhum inevitável. O perdão dado por Jesus ao
paralítico (Lucas 5:17-seg.) antes de lhe restaurar a saúde pode sugerir uma ligação
entre a sua doença e o seu pecado, como também a exortação ao homem no tanque
de Betesda, Não peques mais para que não te sobrevenha coisa pior (João 5:14).
Mais explicitamente, em Actos, Herodes é atingido com vermes e morre por
causa do seu orgulho (12:21-23) e Elimas é atingido com a cegueira por resistir ao
evangelho (13:11). Aos Coríntios é dito que alguns deles estão doentes em resultado
do seu comportamento na Ceia do Senhor (1 Coríntios 11:30) e Tiago 5:15 sugere
que a doença pode estar ligada ao pecado.
Outras passagens do Novo Testamento, porém, revelam que nem sempre há
uma ligação entre a doença e o pecado pessoal. A passagem de João 9:1-seg.
relativa à cura do cego de nascença indica que, embora a doença fosse vulgarmente
entendida como um resultado de pecado pessoal ou parental (v. 2), Jesus negou esta
assunção no versículo seguinte. Mais ainda, a passagem de Tiago 5:14-seg. que
sugere que a doença pode estar ligada ao pecado também fornece clara evidência
de não ter de ser assim, porque o perdão é prometido ao doente se tiver cometido
pecado (v. 15).
Assim, à semelhança do Velho, o Novo Testamento mostra que a doença é, pelo
menos às vezes, provocada por pecado pessoal. Há também uma clara evidência de
que o pecado pessoal nem sempre é a causa de doença. Com mais frequência, resulta
do facto de estarmos a viver num universo caído. Mas o Novo Testamento também
revela uma outra causa possível - a doença por vezes resulta da actividade de
Satanás.
Para apreciar plenamente o que Paulo quer dizer com isto, precisamos de
compreender quem são os poderes e as autoridades e o significado do seu uso da
palavra triunfo. Em Efésios 6:10-12, é claro que quando Paulo usa a frase poderes e
autoridades desta forma, está a referir-se às forças satânicas que lutam contra
nós, os cristãos. Mas o que quer ele dizer ao afirmar que Cristo triunfou sobre eles
pela cruz?
Ao usar a palavra triunfo, Paulo estava deliberadamente a recordar aos seus
leitores o quadro de uma grande vitória militar. No mundo romano, um triunfo era
uma espécie de moderna decoração militar em que alguém é recompensado quer por
bravura quer por algum grande feito no campo de batalha. Para ajudar a
compreender melhor este facto, imaginemos que César, o imperador romano, soube
que num canto distante do Império uma das tribos se tivesse rebelado contra a sua
autoridade. Então, convoca o seu general mais graduado e dá-lhe instruções para
levar uma legião de soldados a fim de suprimir a rebelião. Concomitantemente, o
general vai e vence a tribo rebelde, fazendo muitos prisioneiros e levando-os de
volta a Roma,
Porém, antes de chegar a Roma, envia um arauto para informar o imperador da
vitória. Ao ouvir a notícia, o imperador decide recompensar o general, com um
triunfo. Proclama um feriado público para que todos os cidadãos de Roma possam
receber o general que regressa. Depois, no dia aprazado, o povo ocupa as ruas da
cidade à espera do regresso do general. Quando ele chega na sua carruagem à
frente da legião, o povo aclama-o e aplaude-o, numa quase adoração do general por
causa da sua grande vitória.
Mas atrás do general e da sua legião vêm os cativos. Foram-lhes arrancadas as
armas e trazem as mãos amarradas e os pés com grilhões. Estão totalmente
subjugados e são obrigados a caminhar com a cabeça baixa, sob um «jugo» simbólico
criado para este propósito (8). Na verdade, foram expostos publicamente. Este é o
quadro que Paulo recorda quando nos diz que pela cruz Jesus desarmou os poderes e
as autoridades e triunfou sobre eles, expondo-os publicamente. Como cidadãos do
céu, não temos nada a recear de um tal inimigo. Antes, espantamo-nos e admiramo-
nos com a vitória poderosa do nosso general que venceu por nós adoramo-lo.
Entendido deste modo, Colossenses 2:15 é uma revelação maravilhosa da vitória que
Cristo obteve na cruz sobre Satanás e todas as suas forças.
Admissivelmente, nenhuma das três passagens que analisámos nesta ligação
está directamente relacionada com a cura dos nossos corpos. Analisando cada
passagem no seu contexto, em lado nenhum a libertação da doença faz parte da
discussão. Apesar de tudo, não há razão para supor que os escritores em questão
compreendessem que a vitória de Cristo sobre Satanás estivesse limitada a áreas
específicas que estivessem a abordar. Se, como parece provável, a sua compreensão
era que a vitória de Cristo foi total. Então estes versículos podem muito bem
indicar uma compreensão mais vasta dessa vitória. Em suma, se alguma doença é
provocada por Satanás e se Jesus triunfou sobre ele na cruz, então Jesus triunfou
também sobre a doença. Satanás e as suas forças não devem ser temidas, mas
enfrentar a nossa resistência na base da vitória que Cristo já ganhou para nós.
Mas como vimos na Primeira Parte, nem todas as doenças vêm de Satanás. Por
vezes, a Bíblia parece indicar que podem vir do próprio Deus. Na próxima e última
secção deste capítulo, iremos responder como tal é possível.
Como vimos no primeiro capítulo deste livro, a Bíblia revela que Deus é um
Deus que cura. Vemos isso tanto no Velho como no Novo Testamento e em particular
no ministério de Jesus que era e é a revelação final de como Deus é. À luz deste
facto, é-nos difícil compreender como é que se pode dizer que por vezes Deus é a
causa da doença. Como vimos no Capítulo Dois, há vários exemplos no Velho
Testamento, incluindo Miriam, Geazi e Uzias e, como já vimos neste capítulo, há
mesmo alguns casos no Novo Testamento. Os pontos seguintes, alguns dos quais
elaborados com mais pormenor no Capítulo Dois, podem de algum modo fornecer
uma explicação em relação a esta difícil questão:
NOTAS
(1) Jeffreys, G., Healing Rays, Loindres, Elim,. 1932, p. 16.
Jeffreys refere-se a Adão como «o primeiro Adão, porque em 1 Coríntios 15,
Paulo designa Cristo como o «último Adão».
(2) Ibid., p. 37.
(3) Ibid., p. 33.
(4) Foi por isso que dei a este livro o título Um Sabor do Céu. Voltaremos a
falar do assunto.
(5) Para mais explicações do ensino de Paulo de que o Espírito Santo nos é dado
agora como um sabor das boas coisas vindouras, ver Capítulo 18.
(6) Tenho plena consciência das perspectivas largamente divergentes
defendidas entre cristãos sobre o tema dos Cristãos e dos demónios. A minha
perspectiva pessoal é que quem está em Cristo não pode exigir exorcismo. Contudo,
o caso em discussão não é de exorcismo e parece obscuro que uma doença num
cristão possa ser provocada pela actividade demoníaca ou não. O que é claro é que
em Cristo temos vitória sobre todo o poder do inimigo. Para mais discussão da
relação entre doença e Satanás, ver Thomas, J. C., The Devil, Disease and
Deliverance, Sheffield, SAP, 1998.
(7) Gustav Aulen chama a atenção para a perspectiva «dramática» da expiação
que vê a morte de Cristo como um drama cósmico em que Deus em Cristo batalha
com os poderes do mal e obtém a vitória sobre eles. Defende que esta era «a ideia
dominante da Expiação durante o primeiro milénio da história cristã», Aulen, G.,
Christus Victor, Londres, SPCK, 1931, pp. 22-23.
(8) A palavra portuguesa subjugar vem de duas palavras latinas sub e jugum. O
jugum era o jugo colocado sobre o gado. Sub significa debaixo de. As pessoas
levadas cativas por Roma eram obrigadas a caminhar sub jugum ou «debaixo do
jugo». Era construído um «jugo» simbólico para este fim, com o recurso a três
lanças colocadas com a forma da letra grega pi – Π. Os cativos eram obrigados a
passar por baixo, o que significava que deviam ser tratados pior do que o gado. Ser-
se «subjugado» deste modo era a maior humilhação conhecida pelos inimigos de
Roma.
CAPÍTULO ONZE
Explicação da Doutrina
A doutrina de que Jesus morreu pelas nossas doenças bem como pelos nossos
pecados provavelmente teve origem no Movimento de Santidade na América por
volta dos finais do século dezanove (2). Foi adoptada pelos primeiros Pentecostais e
faz parte da base da fé de muitas das principais denominações pentecostais dos
nossos dias (3). Também faz parte dos ensinos do Movimento da Fé (4). Na sua
forma mais simples, a doutrina pode definir-se assim:
À primeira vista, este ensino parece muito atraente. Tudo o que temos a fazer
é reivindicar a nossa cura pela fé e seremos curados! Mas a um exame mais atento,
torna-se claro que há grandes dificuldades com ela, tendo sido sugeridas diversas
modificações (6). Mais tarde, iremos considerar mais pormenorizadamente este
aspecto, mas neste capítulo limitar-nos-emos a examinar os dois principais «textos-
base» utilizados em apoio desta doutrina, Mateus 8:17 e 1 Pedro 2:24.
Mateus 8:16-17 diz-nos que Jesus expulsou demónios e curou todos os doentes
a fim de cumprir a profecia de Isaías 53:4, Ele tomou sobre si as nossas
enfermidades e levou as nossas doenças. No início do capítulo, Mateus deu-nos
alguns exemplos específicos do ministério de cura de Jesus – o leproso (vv. 1-4), o
criado do centurião (vv. 5-13), a sogra de Pedro (vv. 14-15). O versículo 16 pode ser
considerado um resumo destas curas e de outras semelhantes que ele realizou
nessa tarde. Depois, no versículo 17, diz-nos que Jesus fez tudo isso para cumprir a
profecia de Isaías 53:4, que ele cita. Mas porque o faz?
A forma mais natural de interpretar o uso que faz deste versículo é
compreender que a citação é uma confirmação de que Jesus estava a cumprir o Seu
papel de curar os doentes de acordo com a profecia sobre o ministério do Messias.
Mas isto levanta questões muito importantes como a razão de Mateus escrever o
seu evangelho e o porquê e como usa as citações do Velho Testamento (7) como a do
versículo 17.
Ora, o facto de Mateus escrever em grande medida para o povo judeu dos seus
dias é altamente relevante para uma compreensão correcta de Mateus 8:17, pois
este é um exemplo entre muitos do modo como Mateus cita o Velho Testamento
para provar que Jesus é o Messias há tanto tempo aguardado, sendo o cumprimento
das profecias veterotestamentárias. Para melhor compreender este facto,
precisamos de considerar agora o seu uso do que tem sido chamadas citações
formulares.
isto foi dito para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta
ou
Este facto sugere fortemente que Mateus não aponta de modo nenhum para o
futuro, para a cruz, e a forma óbvia de ler Mateus 8:17 é compreender que ele está
a dizer que Isaías 53:4 se cumpriu no ministério de cura de Jesus, não na cruz. Mas
isso leva-nos a um outro «texto-base» frequentemente usado para apoiar a doutrina
de que Jesus levou as nossas doenças na cruz – 1 Pedro 2:24.
A última parte de 1 Pedro 2:24 declara pelas Suas pisaduras fostes sarados.
Nesta secção, iremos considerar a razão de ser importante compreender esta
passagem correctamente. Como já mencionei no Capítulo 2, defendo que, neste
versículo, a palavra sarados é usada metaforicamente e não deve ser tomada à letra
aplicada à cura de doenças. Uma simples análise do contexto mostra-nos a validade
desta ideia.
A primeira epístola de Pedro foi escrita numa altura em que a igreja estava a
sofrer perseguição e o seu tema principal poderia ser resumido a: sofrimento agora,
glória futura, Vemos isto em diversas passagens como 1:6-7, 11; 4:12-13, 19; 5:10.
Em ponto nenhum da epístola Pedro discute a doença ou a cura divina. 1 Pedro 2:24
faz parte de uma passagem que encoraja os cristãos a serem submissos aos que se
encontram em autoridade (2:13-3:6). Esta passagem cai naturalmente em três
secções que lidam à vez com:
Pedro diz que como cristãos devemos sujeitar-nos aos que se encontram em
lugares de autoridade para que pelo nosso bom comportamento possamos calar os
que nos acusam (vv. 13-17). Somos livres, mas não devemos usar a nossa liberdade
como desculpa para agir mal porque apesar da nossa liberdade, somos servos de
Deus (v. 16). Assim, sujeitamo-nos aos que estão em autoridade porque estamos
sujeitos a Deus. É por amor ao Senhor que nos devemos sujeitar à autoridade, seja
qual for a forma que esta possa assumir (v. 13).
• Imediatamente antes disto, Pedro disse que Cristo levou os nossos pecados
para que pudéssemos morrer para o pecado e viver para a justiça.
• No versículo 25, usa a conjunção porque, identificando assim a sua «cura»
no versículo 24 com o que ocorreu quando, como ovelhas desgarradas,
regressaram ao pastor (v. 25). O facto de esta conjunção não se encontrar
em Isaías 53:6 pode indicar que Pedro está especialmente a salientar esta
ligação e sugere sem dúvida que a «cura» a que se refere é espiritual (15).
Fostes sarados é indubitavelmente uma referência à conversão dos
escravos.
Mais ainda, procurar compreender a «cura» como física parece ser totalmente
inadequado. Não há referência à cura da doença em lado nenhum da epístola, muito
menos no contexto imediato. A «cura» aqui referida significa claramente uma
plenitude espiritual que resulta de Cristo ter levado os nossos pecados na cruz e o
nosso retorno, como ovelhas, que se haviam desgarrado, ao pastor e guardião das
nossas almas. De facto, a passagem é um encorajamento aos Cristãos para
suportarem o sofrimento, não um meio de escapar a ele.
Conclusão
Neste capítulo, mostrámos que Mateus usa Isaías 53:4 e aplica-a à cura, mas
NÃO à cruz. Pedro cita Isaías 53:5 e aplica-a à cruz mas NÃO à cura física. Isso
significa que nenhum versículo apoia o ensino de que Jesus morreu pelas doenças a
par dos pecados. Contudo, como já sugeri, há um sentido em que a cura pode ser
compreendida como fazendo parte da expiação (16), mas isso não significa que Jesus
morreu pelas nossas doenças como morreu pelos nossos pecados.
De facto, quando levada a um extremo, esta doutrina pode ser muito perigosa.
Por exemplo, se compreendermos, como fazem alguns, que pelas suas pisaduras
fostes sarados (1 Pedro 2:24) significa que a morte de Jesus foi a nossa cura e que,
portanto, não podemos de facto estar doentes porque Jesus já nos curou pela Sua
morte, somos levados a negar que estamos doentes e reivindicar que já estamos
«curados», quando de facto podemos estar gravemente doentes e a necessitar de
tratamento médico. Há mesmo casos de pessoas que morreram prematuramente por
causa desta atitude (17).
É por isso que é extremamente importante compreendermos que pelas suas
pisaduras fostes sarados é, como já demonstrei, uma referência à conversão dos
escravos quando, porque Jesus morreu pelos seus pecados, foram curados das
feridas espirituais que o pecado inflige e retornaram ao Pastor das suas almas.
NOTAS
(1) Petts, David, Healing and the Atonement, Tese de doutoramento,
Nottingham University, 1993.
(2) Ver Dayton, D. W., Theological Roots of Pentecostalism, Grand Rapids,
Zondervan, 1987, pp. 115-141.
(3) Incluem as Assembleias de Deus (Reino Unido, França, EUA) e a Igreja de
Deus (Cleveland, EUA).
(4) Ver, por exemplo, Copeland, G., God’«s Will For You, Fort Worth, KCP,
1972, pp. 126-seg.
Para uma crítica do Movimento da Fé, ver McConnell, D.R., The Proimise of
Health and Wealth, Londres, Hodder and Stoughton, 1990.
(5) Esta é uma definição que adoptei na minha Thesis.
(6) Ver Thesis, pp. 44-54 para alguns exemplos de modificações oferecidos por
outros e pp. 327-370 para a minha modificação pessoal.
(7) Para uma discussão pormenorizada ver Thesis, pp. 102-140.
(8) France, R. T., Matthew, Tyndale NT Commentary, Leicester, IVP, 1985, p.
17. Ver também o artigo de France em Themelios, Vol. 14, Nº 2, 1989, p. 42.
(9) 1:22-23; 2:15; 2:17-18; 2:23; 4:14-16; 8:17; 12:17-21; 21:4-5; 27:9-10 (cf.
também 2:5-6)
(10) Woodford, L.F.W., Divine Healing and the Atonement – a Restatement,
Londres, Victoria Institute, 1956, p. 58
(11) Os que são referidos são oiketai (servos domésticos), muitos dos quais
podiam ser letrados e ocupar posições de responsabilidade na casa. Contudo, eram
pertença dos seus despotes (senhores) e o seu trabalho não era remunerado.
Embora muitos senhores fossem relativamente humanos, o espancamento era vulgar
e constituía o castigo normal das falhas vulgares do escravo.
(12) hupogrammon - «exemplo» - literalmente refere-se ao modelo de escrita
manuscrita a ser copiado por um estudante e depois figurativamente como modelo
de conduta para imitação. Os escravos que sofriam injustamente são assim
encorajados a seguirem passo a passo o exemplo de Cristo esquematizado nos
versículos que se seguem.
(13) Cf. 1 Pedro 4:12-19, em que o mesmo ensino é repetido em relação aos
Cristãos em geral, não apenas para os escravos. O cristão que sofre é visto como
participando nos sofrimentos de Cristo (4:13) e está a sofrer de acordo com a
vontade de Deus (4:19).
(14) Cf. 3:8-18; 4:12-19
(15) Perdão dos pecados também parece ser o sentido claro da «cura» a que
Isaías 53:5 se refere, em que o Servo é trespassado pelas transgressões e
esmagados pelas iniquidades.
(16) Ver pp. 115-120. Ver também Capítulo 18, em que desenvolvi mais este
ponto.
(17) Ver pp. 188-191.
CAPÍTULO DOZE
Se Pedro incluiu a cura em «ser-se salvo» (Actos 4:9) (sesostai, também nota a
mesma palavra duas vezes no versículo 12), não estamos justificados ao
ensinar que a cura física está incluída na salvação ganha por nós pelo Príncipe
da Vida? (2).
Contudo, o facto de a mesma palavra ser usada duas vezes numa passagem não
significa necessariamente que esteja a ser usada com o mesmo significado em
ambas as ocasiões (3). Isto tornar-se-á mais claro à medida que sucintamente
considerarmos o significado e uso da palavra sōzō.
O significado de sōzō
• Salvação do pecado
• Libertação da doença
• Resgate do perigo
Salvação do pecado
Libertação da doença
Resgate do perigo
Exemplos de sōzō usado em relação a grave perigo para a vida física incluem os
relatos de Mateus do acalmar da tempestade em que os discípulos rogaram a
Jesus que os salvasse (Mateus 8:25) e de Pedro a andar sobre as águas quando
faz um pedido similar (Mateus 14:30). No relato em que Jesus sofre o escárnio na
cruz (Mateus 27:40-42; Marcos 15:30-31; Lucas 23:39), é desafiado a salvar-se. É
também usado para denotar a salvação da tripulação e dos passageiros no relato do
naufrágio de Paulo em Actos 27:20, 31, 34 e Hebreus 11:7 refere-se a Noé a
preparar a arca para salvar a sua casa!
Mas que tem tudo isto a ver com a relação entre cura e salvação? Mencionei
todos estes exemplos a fim de salientar um ponto. Se queremos discutir que a cura
faz parte da salvação na base de que sōzō é usado para significar tanto salvar como
curar, então, para sermos logicamente consistentes, temos de defender que
também a libertação do perigo físico faz parte da salvação! É evidente que tal
posição é claramente inaceitável à luz do que o Novo Testamento ensina em relação
aos Cristãos que sofrem perseguições (e.g. 1 Pedro, Romanos 8:35-39; 2 Coríntios
11:23-33).
Como defenderei mais tarde, a cura pode ser entendida como parte da nossa
salvação em sentido supremo (5), mas o facto de a mesma palavra ser usada tanto
para salvar como para curar de modo nenhum o prova. Uma boa ilustração do ponto
que estou a salientar pode ser o uso do sinal SOS quando um navio está com
dificuldades. SOS, claro, corresponde às iniciais de SAVE OUR SOULS [SALVEM
AS NOSSAS ALMAS] mas isso não significa que, ao enviar este sinal, a tripulação e
passageiros estivessem todos a pedir a salvação dos seus pecados! Querem
simplesmente ser resgatados do naufrágio!
Em suma, então, embora o uso de sōzō faça uma ligação linguística entre
libertação da doença e libertação do pecado, isso não significa que a ligação seja
teológica! Argumentar que deve haver uma tal ligação é revelar um grave
incompreensão da natureza da língua! Os escritores do Novo Testamento
simplesmente usaram sōzō sempre que queriam significar «dar segurança» ou
«libertar». Há muitas formas diferentes de conseguir segurança sem estarem
necessariamente relacionadas umas com as outras.
Apesar de tudo, como vimos no caso da cura do cego em João 8, parece
provável que os escritores por vezes aproveitavam-se de casos de libertação física
para ilustrar os princípios de libertação espiritual – como os que estão
espiritualmente «cegos» podem através da fé em Jesus, «ver» (cf. a cura do cego
Bartimeu). Mas dizer isto não é confundir a ilustração com a verdade que ilustra. A
cura pode ilustrar a salvação sem ser parte dela.
Agora, regressando a Actos 4, se aplicarmos estes princípios ao uso que Pedro
faz de sōzō em Actos 4:9-12, compreenderemos que ele está a ilustrar como, à
semelhança de o coxo que foi salvo (i.e. da sua deficiência) pela fé no nome de
Jesus, assim também podemos todos ser salvos (i.e. do nosso pecado), porque não há
outro nome debaixo do céu dado aos homens pelo qual devamos ser salvos! Na
verdade, a salvação não se encontra em mais ninguém! Mas isso não significa que a
cura seja parte da nossa salvação (6)
Dizer que a cura faz parte do evangelho é o mesmo que afirmar que faz parte
da salvação. Como veremos, a cura pode ser compreendida como uma parte do
evangelho (boas novas) sem implicar que precisa de ser necessariamente imediata.
Iremos considerar este aspecto em dois níveis:
NOTAS
(1) sōzō é usada no sentido de ser-se curado ou «ficar são» em Mateus 9:21-
22; Marcos 5:23, 28, 34; 10:52; Lucas 8:36, 48, 50; 17:19; 18:42; João 11:12; Actos
4:9; 14:9; Tiago 5:15.
(2) Parr, J. N., «Divine Healing», Springfield, GPH, 1955, p. 26.
(3) Ver Carson, D. A., «Exegetical Fallacies»¸Grand Rapids, Baker, 1984, p. 62.
Cf. a crítica por Barr do Dicionário Teológico de Kittel.
Barr, J., «The Semantics of Biblical Language», Oxford, OUP, 1961, pp. 206-
262.
(4) Para pormenores do uso de s z no Grego clássico, ver Thesis, p. 207
(5) Ver Capítulo 18. Ver também o esquema da p. 111.
(6) Ao dizer isto, não estou a sugerir que não faz sentido que a cura possa ser
compreendida como parte da salvação. Simplesmente quero dizer que não podemos
reivindicá-la agora da mesma maneira que podemos esperar o perdão imediato dos
nossos pecados. Contudo, Paulo diz-nos que a redenção do corpo é algo de que ainda
estamos à espera (Romanos 8:23). Em certo sentido a nossa salvação só estará
completa quando Jesus regressar, sendo então que todas as promessas de Deus em
termos de cura serão cumpridas. Em sentido lato, portanto, a cura é
indubitavelmente parte da nossa salvação.
(7) Bruce, F. F., Gospel artigo no «New Dictionary of Theology», Leicester,
IVP, 1988, pp. 278-279. N.B. Bruce não inclui o ponto 6. Acrescentei-o porque a
definição do evangelho parece incompleta sem ele.
(8) Em justificação da minha rejeição da perspectiva largamente defendida de
que «cumprir o evangelho» significa que Paulo o pregou em todas as províncias entre
Jerusalém e o Ilírico, ver Thesis, p. 220.
(9) Paulo resume em 1 Coríntios 15:1-4 a mensagem do evangelho que pregou,
dizendo:
Também vos notifico o evangelho que já vos tenho anunciado... que Cristo
morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras e que foi sepultado e que
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.
Os milagres que ele realizou foram um acompanhamento dessa mensagem e
serviram para confirmar a sua verdade.
CAPÍTULO TREZE
Cura e Fé
Ao ler o Novo Testamento não podemos deixar de notar uma ligação muito
óbvia entre a cura e a fé. Como vimos na Primeira Parte, há várias ocasiões em que
Jesus diz; A tua fé te salvou e na sua cidade natal sucedeu que não pôde fazer
qualquer milagre por causa da incredulidade que ali encontrou (Marcos 6:5-6).
À primeira vista, pode parecer que todos podem ser curados, bastando para
isso terem fé suficiente e se uma pessoa não for curada deve ser por lhe faltar fé.
Contudo, ao examinarmos o Novo Testamento com mais cuidado, descobrimos que
de modo nenhum as coisas são assim tão simples. Embora em algumas passagens a
cura pareça estar dependente da fé da pessoa doente, noutras a fé é executada
por um amigo ou familiar do doente. Na realidade, em alguns casos a fé nem sequer
é mencionada!
Neste capítulo, iremos considerar essas passagens em que a fé é mencionada
em ligação com a cura e procuraremos aprender que lições podemos obter dos
exemplos que nos são dados no Novo Testamento. Lidaremos com o tema da
seguinte forma:
Por causa da vossa pouca fé, porque, em verdade vos digo que se tiverdes fé
como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá – e há-
de passar e nada vos será impossível. (Mateus 17:20)
No relato de Marcos, contudo, Jesus diz: Este tipo de demónios só sai pela
oração (Marcos 9:29). Claro que não há contradição porque tanto Mateus como
Marcos incluem pormenores que o outro não apresenta. Talvez a sugestão seja que é
apenas através da oração que recebemos a fé necessária para um tal milagre. Esta
compreensão estaria em completa harmonia com o que já dissemos sobre a
necessidade de se estar sob autoridade. A oração não consiste apenas em falarmos
com Deus. A sua finalidade é ser uma conversa bidireccional! Foi por passar tempo
com Seu Pai que Jesus sabia o que Ele queria que fizesse. E quando temos a certeza
de saber o que Deus quer que façamos, então temos fé!
Mas Marcos também inclui mais do que a conversa entre o pai do rapaz e
Jesus, o que Mateus faz. Em Marcos, o pai diz: Se tu podes fazer alguma coisa, tem
compaixão de nós e ajuda-nos. Jesus respondeu: Se tu podes crer, tudo é possível
ao que crê. E logo o pai do rapaz disse: Creio, Senhor, ajuda a minha incredulidade
(Marcos 9:22-24). Então Jesus expulsou o espírito mau (vv. 25-27).
Então, em tudo isto, que podemos aprender sobre a relação entre fé e cura?
Em Mateus, parece que, se os discípulos tivessem tido fé suficiente – mesmo fé do
tamanho de um grão de mostarda – poderiam ter expulsado o demónio. Em Marcos,
aprendemos que, embora Jesus procure ver se o pai do rapaz tinha fé, realiza o
milagre apesar da sua fé limitada. Talvez o importante não seja quem tem a fé, mas
que haja alguém com ela. Neste caso, era Jesus que, através da Sua comunhão com
o Pai em oração, sabia o que Deus queria que Ele fizesse. Esse conhecimento deu-
Lhe a fé para fazer o que mais ninguém fora capaz.
Já discutimos com algum pormenor a cura do coxo da porta Formosa do
templo (7). Tanto quanto nos interessa, a relação entre fé e cura, Pedro declara em
Actos 3:16 que o homem foi curado pela fé no nome de Jesus. Já vimos que o nome
de Jesus não é uma fórmula mágica pela qual obtemos tudo quanto queremos. Pelo
contrário, refere-se à autoridade de Jesus, pelo que fazer algo em Seu nome
significa fazê-lo com autoridade. Só podemos fazer algo no Seu nome quando
sabemos que temos a Sua autoridade para agir. Pedro foi capaz de curar o coxo pela
fé no nome de Jesus porque ele já sabia que tinha autoridade para tanto – O que
tenho, isso te dou (v. 6). É pequena a sugestão de que o coxo tivesse alguma fé.
Antes de Pedro lhe falar, não estava à espera de cura. Apenas pediu esmola. Claro,
provavelmente necessitou de alguma fé para começar a andar, mas é-nos dito que
foi Pedro quem o ergueu e que os seus pés e artelhos se fortaleceram (v. 7) antes
de começar a caminhar. A partir daqui torna-se claro que a maioria, se não toda a
fé, foi exercitada por Pedro. Nem sempre é adequado dizer aos doentes que para
serem curados têm de ter fé. Por vezes, somos nós quem tem de a ter por eles.
Isto é confirmado na versão de Marcos da Grande Comissão (Marcos 16:15-
seg.), em que Jesus diz: Estes sinais seguirão os que crerem... porão as mãos sobre
os doentes e os curarão. Aqui, é evidente que são os que pregam o evangelho que
devem crer e impor as mãos sobre os doentes. De modo semelhante, em Tiago 5, é a
oração dos anciãos que é a oração oferecida em fé. Não há menção de o doente
precisar de exercitar fé.
Então, do que já vimos até agora torna-se claro que embora a fé esteja
intimamente relacionada com a cura no Novo Testamento, nem sempre é a fé do
doente que faz ocorrer a cura. Nos exemplos que analisámos, é em geral daquele
que traz o pedido que se espera que tenha fé. Pode ser o doente ou os que trazem o
doente. Isso significa que se uma pessoa doente não for curada, não é
necessariamente o resultado da sua falta de fé. Precisamos de ter muita cautela
para não culpar os doentes por falta de fé quando não são curados. Pode ser que a
falha esteja em nós. Na verdade, a manifestação do poder de Deus pode ser
limitada pela incredulidade de toda a comunidade. Mesmo Jesus, quando se dirigiu à
sua cidade natal, não pôde realizar qualquer milagre ali (Marcos 6:5) por causa da
sua falta de fé (Mateus 13:58).
Finalmente, antes de analisarmos alguns princípios gerais que o Novo
Testamento ensina em relação à fé, precisamos de recordar mais uma lição
importante que aprendemos as passagens que acabámos de examinar. Vimos que é
Deus quem cura, não a fé. Embora a fé seja a causa indirecta da cura, é o poder de
Deus a causa directa. Quando o poder sarador de Deus está presente, é a fé que se
apropria dele.
Lições gerais sobre a fé
Há pessoas que têm dificuldade com passagens como esta porque sentem que
se tiverem fé suficiente todos os nossos problemas serão resolvidos, mas essa é
uma visão unilateral da fé. É verdade que por vezes a fé é o meio de escape dos
nossos problemas mas é também o meio de os suportar. Habacuque, o homem a quem
Deus disse pela primeira vez «o justo viverá pela fé» (Habacuque 2:4) certamente
aprendeu esta lição. Descobriu a verdade de que mesmo quando tudo parece contra
nós, é possível pela fé regozijar-nos no Senhor, porque no final da sua profecia, diz
ele:
Que fé espantosa! A fé nem sempre nos livra dos nossos problemas. Por vezes,
liberta-nos neles! Em todas estas coisas, somos mais do que vencedores por aquele
que nos amou (Romanos 8:37). Esta foi a grande lição aprendida por alguns dos
heróis da fé em Hebreus 11. Sim, houve aqueles que pela fé
O versículo 39 diz-nos que todos estes foram louvados pela sua fé. Não apenas
os que escaparam à espada (v. 34), mas os que foram mortos por ela (v. 37). Foram
todos heróis da fé. Mas isso levanta uma questão importante. Quando enfrentamos
um problema, como saber o que fazer? Devemos procurar escapar-lhe ou enfrentá-
lo e suportá-lo?
A resposta a esta questão é que com mais frequência, não temos de saber! A
escolha é feita por nós. As nossas vidas estão nas mãos de Deus e Ele sabe o que é
melhor. Sabemos que em todas as coisas Ele está sempre a trabalhar para o nosso
bem, porque O amamos (Romanos 8:28) e, mais importante ainda, porque Ele nos
ama (vv. 35-39). A nossa fé está no próprio Deus, não no que Ele fará por nós!
Podemos confiar n’Ele por causa do que Ele é, sabendo que nada nos pode separar do
Seu amor. Se realmente confiamos n’Ele, não precisamos de saber o que Ele vai
fazer!
Quando a minha mulher conduz o carro e eu estou no banco do passageiro, não
preciso de questionar as suas acções – Porque estás a acelerar agora? Porque estás
a usar outra mudança? Porque estás a travar? Porque não travas? Como ela é uma
condutora cuidadosa e conscienciosa, posso confiar que me levará ao nosso destino.
E Deus não prometeu levar-nos em segurança ao nosso destino? Com muita
frequência, não precisamos de saber o que fazer no meio dos nossos problemas.
Basta saber que Ele nos fará passar a salvo.
Mas se temos necessidade de saber, Deus é muito capaz de nos dizer. Há
ocasiões em que os nosso problemas são tais que, quer os suportemos, quer
escapemos deles, precisamos de uma palavra do Senhor para nos dar a fé de que
necessitamos. Como Paulo nos diz em Romanos 10:17:
NOTAS
(1) Ver Capítulo 4 e Capítulo 5.
(2) Embora a tradução da Nova Versão Internacional varie ligeiramente, a
frase grega é exactamente a mesma – he pistis sou sesoken se.
(3) Ao chamar Filho de David a Jesus, estavam a usar um título messiânico.
(4) De novo, o Grego é he pistis sou sesoken se.
(5) Ver Capítulo 3.
(6) Ver Capítulo 5.
(7) Ver Capítulo 8.
(8) Para mais ensino sobre este assunto, ver Petts, D., Body Builders - Gifts to
make God’s people grow, Mattersey, Mattersey Hall, 2002, pp, 1286-206.
(9) Para mais ensino sobre todo o tema dos dons espirituais, incluindo a
profecia e a fé, ver: Petts, D.,Body Builders – Gifts to make God’s people grow,
Mattersey, Mattersey Hall, 2002.
CAPÍTULO CATORZE
Nos últimos capítulos, tentei sugerir que ter fé para a cura não é tanto uma
questão de reivindicar uma promessa ou de crer que Jesus morreu tanto pelas
nossas doenças como pelos nossos pecados, como aprender a ouvir o que Deus está a
dizer em cada situação. A fé vem por ouvir Deus. Curar no nome de Jesus significa
agir com a Sua autoridade, porque sabemos que O ouvimos sobre a questão ou,
dizendo de outro modo, quando ministramos aos doentes, precisamos de ser guiados
pelo Espírito Santo.
O papel do Espírito Santo na operação de cura é, portanto, claramente de
grande importância. Assim, neste capítulo, iremos considerar o significado do facto
de Paulo se referir à cura como um dom espiritual (1 Coríntios 12:10), isto é, um dom
dado pelo Espírito Santo. Iremos examinar a natureza e propósito dos dons
espirituais (1) em geral e procurar mostrar que o que aprendemos se aplica à cura
em particular. Também iremos considerar como os dons espirituais podem ser
recebidos e aplicar isso também à cura. Assim, iremos analisar:
Nesta secção, iremos abordar três palavras que Paulo usa para descrever
estes dons, pois isso irá ajudar-nos a compreender de modo mais claro qual a sua
natureza exacta. Ele diz que eles são:
• Dons
• Espirituais
• Manifestações
São dons
1. Não devemos assumir que pelo facto de uma pessoa ser usada no exercício
dos dons espirituais seja mais santa que outros cristãos. Infelizmente, o
oposto é por vezes verdade.
2. Não devemos deixar de procurar os dons espirituais por termos consciência
das nossas falhas pessoais. Claro que devemos procurar levar vidas santas,
mas nunca seremos suficientemente santos para merecer os dons de Deus.
Se Ele foi suficientemente gracioso para nos salvar dos pecados e para nos
baptizar com o Seu Espírito, então certamente não reterá qualquer dom
que nos abençoe ou nos faça uma bênção. Todos os Seus dons provêm da
Sua graça.
O que se aplica aos dons espirituais em geral aplica-se aos dons de cura em
particular. Assim, os que são usados na cura não são necessariamente melhores
cristãos que os que não são. Se queremos que Deus nos use na cura, não devemos
deixar de Lhe pedir, só porque nos sentimos indignos. A cura, como todos os outros
dons desta lista, vem da graça de Deus. Tal como a nossa salvação, não podemos
consegui-lo pelo mérito humano. Contudo, devemos recordar que o Espírito Santo dá
estes dons conforme Ele determina.
Mais ainda, em 1 Coríntios 12:10, a palavra charismata, usada no versículo 4 em
relação aos dons em geral é especificamente repetida em ligação com a cura. E
encontra-se no plural. Não é o dom de cura, mas dons de cura. Quase com toda a
certeza, isso significa que cada cura individual é um dom. Assim, por exemplo, em
Actos 3, Pedro teve um dom de cura para o coxo da porta Formosa do templo. Isto
indica fortemente que as pessoas com estes dons não podem curar à sua vontade,
mas apenas conforme o Espírito Santo determina em cada caso individual. Não se
trata de orar pelo doente mas de curar em nome de Jesus.
São espirituais
Mas os dons indicados em 1 Coríntios 1 não são apenas dons. São dons
espirituais (v. 1). Aqui, Paulo descreve-os como pneumatika. Esta palavra vem do
grego pneuma que significa espírito. São diversas as cambiantes do seu significado,
mas o contexto indica claramente que os dons de que Paulo fala vêm do próprio
Espírito Santo (4). É isso que os distingue dos charismata naturais mencionados
noutros lados. Estes charismata particulares não são naturais. São também
pneumatika. São espirituais.
É também forte a sugestão de serem sobrenaturais. Falar em línguas, por
exemplo, não pode presumivelmente referir-se à capacidade linguística natural. É
antes, como Actos 2 deixa perfeitamente claro, a capacidade de falar uma língua
nunca antes aprendida, através da inspiração sobrenatural do Espírito Santo. Este
ponto é também apoiado por Hebreus 2:4, em que lemos que o próprio Deus
testificou da validade da mensagem do evangelho por sinais, maravilhas e diversos
milagres e dons do Espírito Santo distribuídos segundo a Sua vontade. A menção
dos dons do Espírito a par dos fenómenos sobrenaturais, como sinais e maravilhas e
milagres, indica claramente que os próprios dons são sobrenaturais. Daqui, podemos
aprender mais duas importantes lições:
A cura, como todos os outros dons da lista, vem do Espírito. E é o Espírito que
determina a quem dará os dons. Mas nenhuma doença é demasiado difícil para Deus
curar. Sejam quais forem as circunstâncias naturais, este é um dom sobrenatural. E
Deus pode usar quem Ele escolher na cura. Pedro é descrito como um homem inculto
e vulgar (Actos 4:13). No entanto, guiado pelo Espírito, realizou milagres poderosos.
Smith Wigglesworth, o canalizador de Bradford, era um homem relativamente
inculto, mas Deus usou-o de forma poderosa na cura – chegando mesmo a
ressuscitar mortos.
São manifestações
1. Os dons espirituais não caem dos céus aos trambolhões! Vêm de Deus que
vive dentro de nós. Estão dentro do nosso alcance!
2. Mas se estamos à espera que eles se manifestem, precisamos de nos
manter cheios do Espírito. Para a luz brilhar, é preciso que a electricidade
seja mantida a fluir.
Como é que isto se aplica à cura?
Acções correctas
E, claro, se realmente desejamos algo com zelo, faremos tudo o que pudermos
para o conseguir! Assim, o que podemos fazer para receber os dons espirituais?
Primeiro, Paulo diz-nos que devemos orar. Os que falam línguas são instruídos a orar
pelo dom de interpretação (9) e embora seja apenas um dom específico que está a
ser referido aqui, parece que se a oração é encorajada como meio de obtenção de
um dom, deve ser também adequado orar pelos outros.
Segundo, devemos exercitar a fé. As línguas e a cura por exemplo, são
prometidos aos que crerem (Marcos 16:17, 18) e os que profetizam devem fazê-lo
proporcionalmente à sua fé (Romanos 12:6). Devemos não só pedir os dons em
oração, mas também crer que Deus no-los dará, recordando que a fé sem obras é vã
e que se de facto cremos, iremos agir. Contudo, como vimos no último capítulo, a fé
vem por ouvirmos Deus. Se de facto queremos que Ele nos use no evangelismo ou na
edificação da igreja, devemos desejar os dons, pedir os dons, crer nos dons e
avançar em fé para os usarmos conforme Deus nos guia e nos capacita.
Devemos desejar com zelo que Deus nos use na cura. Devemos orar para que
Ele o faça. Devemos manter-nos cheios do Espírito e esperar que Ele nos guie nos
use. Ao fazê-lo, devemos agir em fé, mesmo que Ele opte por não nos usar
poderosamente na cura (porque esse dom sobrenatural é dado apenas a alguns), não
há razão para não podermos ser usados orando pelos doentes. Devemos ser,
contudo, cautelosos, para não ordenar a sua cura (como Pedro fez em Actos 3, por
exemplo), a menos que tenhamos a certeza de que ouvimos o Senhor nesse sentido.
Mas falaremos mais disto na Terceira Parte.
NOTAS
(1) Para mais ensino pormenorizado, ver Petts, D., Body Builders – Gifts to
make God’s People Grow, Mattersey, Mattersey Hall, 2002, 290pp.
(2) Esta é a forma do plural. O singular é charisma.
(3) Daqui, torna-se evidente que nem todos os charismata são sobrenaturais.
Contudo, parece que os indicados em 1 Coríntios 12:8-10 o são. O contexto sugere-o
e o facto de Paulo também se referir a estes dons particulares como pneumatika (v.
1) pode indicar igualmente isso.
(4) Os dons chamam-se pneumatika porque vêm do próprio Pneuma (Espírito).
Ver também vv. 7-11 que demonstram que os dons vêm do Espírito Santo.
(5) Para mais informação sobre o significado de ser-se cheio com o Espírito,
ver: Petts, D., The Holy Spirit – an Introduction, Mattersey, Mattersey Hall, 1998.
(6) Romanos 15:18-19.
(7) Para uma defesa desta interpretação (apesar dos comentários), consultar
Thesis, p. 220.
(8) 1 Coríntios 12:31; 14:1, 12.
(9) 1 Coríntios 14: 13.
CAPÍTULO QUINZE
No Capítulo Treze, vimos que, embora haja uma íntima ligação entre fé e cura
no Novo Testamento, não podemos concluir automaticamente que se um Cristão não
for curado isso se deve à existência de pecado na sua vida ou à falta de fé
suficiente. As coisas não são assim tão simples. Além disso, esse tipo de ensino
pode levar a extremos perigosos como a recusa em consultar o médico quando se
está gravemente doente. Por exemplo, qualquer doutrina que ensine que Deus nos
garantiu a cura como Cristãos, bastando para isso reivindicá-la pela fé implica que é
desnecessário (e talvez até errado) os Cristãs recorreram à assistência médica
quando doentes (1).
Contudo, esta não é uma posição adoptada pelos escritores do Novo
Testamento que, apesar das muitas curas miraculosas registadas, também fazem
referência a Cristãos doentes e que não receberam imediata cura sobrenatural.
Entre eles, contam-se:
• Paulo
• Trófimo
• Epafrodito
• Timóteo
Em Gálatas 4:13, Paulo diz: E vós sabeis que primeiro vos anunciei o Evangelho,
estando em fraqueza da carne. A expressão grega traduzida por fraqueza é
semelhante, embora não a mesma, que a frase um espinho na carne que ele usa em 2
Coríntios 12:7. Embora à primeira vista seja tentador assumir que estas duas
expressões se referem à mesma coisa, certamente não podemos ter a certeza, pelo
que lidaremos com cada uma delas em separado,
Mas fosse qual fosse a causa da fraqueza de Paulo, os seus efeitos eram
inegavelmente físicos, como o uso da palavra carne neste contexto claramente
indica (5). Qualquer das interpretações encaixa-se no contexto e seria insensato
ser-se dogmático quanto à natureza precisa dessa fraqueza ou doença. Em suma,
não podemos ter a certeza de ser uma doença ou uma fraqueza (ou vice-versa).
Mas isso é importante? É para os que ensinam que Jesus morreu tanto pelas
nossas doenças como pelos nossos pecados e reivindicam pela fé «promessas» como
Mateus 8:17 e 1 Pedro 2:24 (6). Digo isto porque a palavra grega astheneia
(fraqueza ou doença) é usada tanto em Mateus 8:17 como em Gálatas 4:13, pelo que
defender que em Gálatas astheneia se refere a uma fraqueza e não a uma doença
não consegue resolver a dificuldade porque em Mateus 8:17, diz-se que Cristo levou
as nossas astheneias! Assim, se este versículo pode ser usado como os defensores
da doutrina dizem que deve ser usado (7), então podemos perguntar porque razão
Paulo não reivindicou a libertação da sua astheneia. Só podemos assumir que ele
ignorava a doutrina!
1. Satanás está associado à doença na tradição bíblica (Job 2:5; Lucas 13:16)
e não parece desadequado que uma doença seja descrita como um
mensageiro de Satanás.
2. Nem todas as dificuldades que Paulo enfrenta nos capítulos 10-13 têm de
ter sido infligidas através de uma pessoa (9) e, portanto, o espinho não tem
de ser entendido como referido a uma pessoa.
3. Na verdade, é questionável se Paulo teria pedido ao Senhor que o desviasse
dele (12:8) se o espinho se referisse a uma oposição humana (10).
Epafrodito
Trófimo
E a explicação alternativa de que Trófimo pode ter sido curado mais tarde
(com o corolário de nem todas as curas serem instantâneas) (16) não é de facto
melhor. Primeiro, não há afirmação de Trófimo ter sido curado mais tarde e, em
segundo lugar, a defesa de que nem todas as curas são de facto instantâneas
também nada explica. Se a doença já foi realmente levada por Cristo e a cura pode
ser, em consequência, reivindicada imediatamente pela fé (17), não há necessidade
de qualquer cura retardada!
Assim a afirmação sucinta de que Paulo deixou Trófimo doente em Mileto
implica que nem Trófimo nem Paulo exigiram a sua cura. Na verdade, segundo Paulo,
a cura, como outros dons espirituais, é conforme a determinação do próprio Espírito
(1 Coríntios 12:8-11).
Timóteo
Mas agora, tendo analisado os quatro cristãos que adoeceram, embora não por
causa de pecado ou incredulidade, podemos finalmente virar a nossa atenção para
um grupo de cristãos que estiveram doentes por causa do seu pecado – os Coríntios
referidos em 1 Coríntios 11:30.
Os Coríntios
Quando Jesus disse: «Este pão que é partido por vós representa o meu corpo»,
Ele esperava que compreendêssemos que foi no Seu corpo que as chagas cruéis
pelas quais fomos sarados, foram colocadas. Discernir correctamente o Seu
corpo (itálico meu) traz libertação das nossas doenças ao discernirmos que o
Seu sangue derramado removerá os nossos pecados (19).
A Ceia do Senhor não é apenas uma refeição; é a refeição, em que numa mesa
vulgar com um pão e um cálice vulgares proclamam que através da morte de
Cristo eram um corpo, o corpo de Cristo... Aqui, devem «discernir/reconhecer
como distinto» o corpo de Cristo, do qual são todas parte e em quem são todos
dons uns dos outros. Não discernir o corpo desta forma, abusando dos que
pertencem a um estatuto social inferior é incorrer na condenação de Deus (20)
Com quase toda a certeza, Fee está certo nisto. Pelo seu comportamento
indecoroso (descrito nos vv. 17-22), os Coríntios não estavam a discernir o
significado da morte de Cristo, simbolizada nos emblemas da Ceia do Senhor. O pão
da comunhão é no mínimo um lembrete de que o corpo de Cristo foi despedaçado na
cruz e a mensagem da cruz fora a resposta de Paulo às divisões na igreja coríntia no
capítulo de abertura da epístola (1:10-24).
Assim, comportar-se na Ceia do Senhor de uma forma que criava e perpetuava
divisão era não reconhecer o corpo. Se Cristo morrera pela igreja, então o
comportamento dos Coríntios revelava uma grave falta de compreensão relativa
tanto à cruz como à igreja. Ao mesmo tempo, não estavam a discernir o propósito do
corpo despedaçado de Cristo na cruz e a santidade da igreja, o corpo pelo qual Ele
morrera. Entendido deste modo, reconhecer o corpo não tem nada a ver com
compreender que o corpo de Cristo foi despedaçado pelas nossas doenças.
Isto leva-nos à terceira e de longe mais grave dificuldade da perspectiva de
Osborn, que sugere que os Coríntios estavam doentes porque não compreendiam
uma doutrina (que a cura física está incluída na expiação). O contexto deixa
perfeitamente claro que foi o comportamento dos Coríntios, não a sua compreensão
que estava em falta. A doença mencionada no versículo 30 é um resultado da
condenação (v. 29) por um Cristão comer e beber, não reconhecendo o corpo. Esta
condenação vê-se no versículo 32 como uma disciplina da parte do Senhor. A forma
de o evitar (vv. 33-34) é esperarem uns pelos outros e, se alguém estiver com fome,
comer em casa. E isto com o propósito expresso de não vos reunirdes para
condenação.
Estes dois últimos versículos que estão assim claramente ligados ao versículo
29 levam-nos ao tema com o qual a passagem foi introduzida nos versículos 17-22. O
versículo 21 descreve o comportamento indigno dos Coríntios na Ceia do Senhor. É
neste contexto que comer e beber indignamente (v. 27) devem ser seguramente
compreendidos e, de modo semelhante, quem come e bebe para sua própria
condenação, não discernindo o corpo (v. 29).
Em suma, a condenação por não reconhecer o corpo do Senhor era a doença.
Esta condenação podia ser evitada (v. 34), modificando o comportamento indigno na
Ceia do Senhor descrito no versículo 21. Portanto, é a esse comportamento que a
frase não discernindo o corpo deve estar claramente relacionada e a sugestão de
Osborn de que os Coríntios estavam doentes porque não compreendiam que a cura
estava na expiação é totalmente não convincente.
Por fim, é questionável que a interpretação de Osborn, que pressupõe a
doutrina de que Jesus morreu pelas nossas doenças seja apoiada pela evidência
geral do Novo Testamento. É evidente que a doutrina de que Jesus morreu tanto
pelas doenças como pelo pecado não é de modo nenhum explícita em 1 Coríntios
11:29-30. Na verdade, se compreendi correctamente a passagem, nem sequer está
implícita. E, mesmo que aceitemos poder estar implícita nesta passagem, iria
certamente exigir mais evidência e estar explícita noutros pontos. Deve
demonstrar-se pelo menos que a doutrina era compreendida e crida por alguns
cristãos no tempo em que Paulo escreveu aos Coríntios,
Contudo, para convencimento total, deve mostrar-se que a doutrina era
conhecida e crida por Paulo. Claro que os defensores da doutrina crêem que
versículos como Mateus 8:17, 1 Pedro 2:24 apoiam a doutrina, mas já demonstrei
que estes versículos quando sujeitos a uma exegese correcta, não apontam nesse
sentido. Se estiver correcto a este respeito, então não há provas de que tal
doutrina sequer existia ou estava prestes a emergir quando Paulo escreveu 1
Coríntios 11:29 e qualquer interpretação que veja a doutrina implícita neste
versículo deve ser claramente rejeitada.
Mas como é que tudo isto se aplica a nós hoje? Se compreendemos
correctamente que Paulo estava a dizer aos Coríntios que muitos deles estavam
doentes por não manterem um relacionamento correcto com os outros membros do
corpo de Cristo, então sem dívida há aqui um aviso para nós. Claro que não estou a
sugerir que todas as doenças resultam daqui. Nem estou a dizer que um mau
relacionamento provoca sempre doença. Mas se esta era a causa de doença de
muitos dos Coríntios, deve certamente ser possível que seja uma razão para muitas
das doenças hoje.
Por fim, ao dizer isto, não devemos esquecer as lições que aprendemos na
primeira parte deste capítulo. Só porque alguns cristãos adoeçam por causa do seu
pecado, isso não significa que suceda o mesmo a todos. Como já vimos, pessoas
justas como Paulo, Trófimo, Epafrodito e Timóteo por vezes adoeciam e pessoas
justas ainda hoje adoecem.
NOTAS
(1) Ver Thesis, pp. 14-18, 21, 24. Ver capítulos 2, 3 e 7.
(2) Foram sugeridos paludismo, epilepsia e deficiência visual. Ver Nota 10 da p.
271 de Thesis.
(3) E.g. Ridderbos, H. N., The Epistle of Paul to the Churches of Galatia, Grand
Rapids, Eerdmans, 1976, pp. 166-167.
(4) Longenecker, R. N., «Galatians», Dallas, Word, 1990, pp. 190-191
(5) O contexto não permite que carne seja entendida aqui no seu sentido ético.
(6) Ver, por exemplo os meus comentários em relação a Carrie Judd
Montgomery e A. B. Simpson nas pp. 18-24 de Thesis, esp. p. 19. Ver também pp.
34-37.
(7) E.g. Osborn, T. L., Healing the Sick, Tulsa, TLO Evangelistic Association,
1961, p. 48. Cf. Montgomery, C. J., The Prayer of Faith, Londres, Victory, 1930, pp.
41 e 47. Ver a minha discussão de Mateus 8:17 e as razões para rejeitar esta
afirmação, no Capítulo 4 de Thesis, esp. pp. 116-seg.
(8) Martin, R. P., 2 Coríntios, Waco Word, 1986, pp. 413-414.
(9) Ver, por exemplo, 2 Coríntios 11-23 (esp. v. 27)
(10) Martin, op. cit., p. 415.
(11) Ver Nota 29 de Thesis (pp. 273-274).
(12) Hughes, op. cit., p. 442.Ver também Barnett, The Message of 2
Corinthians, Leicester, IVP, 1988, p. 177
(13) Cf. os meus comentários na p. 254 de Thesis.
(14) Simpson e Jeter sugeriram isto. Ver: Simpson, A, B., The Gopel of Healing,
Londres, Morgan & Scott, 1995, pp. 63-64. Jeter, H., By His stripes, Sporingfield,
GPH, 1977, pp. 105-106.
(15) Gee, D., Trophimus I left Sick, Londres, Elim, 1952, p. 12.
(16) De novo, é o que Simpson e Jeter sugerem. Ver nota anterior
(17) Ver, por exemplo, a minha citação de Copeland, nas pp. 1-2 de Thesis,
(18) Como já sugeri, precisamos, como Jesus, de saber o que o Pai está a fazer.
É apenas quando estamos sujeitos à Sua autoridade e ouvimos a Sua voz que
podemos falar com a Sua autoridade e em Seu nome reivindicar ou ordenar a cura.
(19) Osborn, op. cit., p. 155
(20) Fee, G. D., The First Epistle to the Corinthians, Grand Rapids, Eerdmans,
1987, p. 564.
CAPÍTULO DEZASSEIS
Cura Médica
Se essa é a forma de Deus curar, então outros métodos devem ser as formas
do homem e haverá algum risco em repudiar deliberadamente os primeiros em
favor dos últimos... para o filho de Deus obediente e confiante há a forma mais
excelente que a Sua Palavra receitou claramente (1).
E de novo:
Mais ainda, a inclusão por Marcos da afirmação de Jesus de que os sãos não
precisam de médico mas os que estão doentes (Marcos 2:17) sugere fortemente que
a sua atitude para com a profissão médica em geral não era de modo nenhum hostil,
porque embora o dito seja usado para ilustrar uma verdade espiritual e defender o
facto de Jesus comer com os pecadores e publicanos (v. 16), o paralelo teria sido
ofensivo se desaprovasse a profissão médica (9)
Mas a profissão médica é condenada noutras partes do Novo Testamento?
Segundo John Nelson Parr (10), o uso de pharmakeia (traduzido por feitiçaria em
Gálatas 5:20 e Apocalipse 9:21; 18:23; 21:15) certamente indica uma tal condenação.
Parr argumenta que pharmakeia significa de facto «A aplicação ou uso de um
remédio, de um purgante, de um encantamento ou de um veneno» (11). Rejeita a
possibilidade de no Novo Testamento a palavra pode apresentar conotação de
feitiçaria porque acreditava que primariamente significa o uso de drogas e
distingue-se claramente do oculto porque o Novo Testamento usa outras palavras
para se referir à feitiçaria.
Assim, nas passagens referidas não é a feitiçaria (uma vez que para Parr
pharmakeia no Novo Testamento não significa feitiçaria) que é condenada, mas a
prática da medicina! Esta conclusão revela claramente uma grave falha de
compreensão da natureza da língua (12) e não dá espaço à variação do uso de uma
palavra segundo o contexto. Um erro similar actual pode ser assumir que a palavra
«droga» se refere sempre a narcóticos e nunca a um remédio, com base na assunção
falaciosa de que o escritor usaria a palavra «remédio» caso se referisse a um
remédio!
Além disso, é digno de nota que, apesar das contundentes implicações da
compreensão de Parr do significado de pharmakeia nas passagens referidas acima,
ele mais tarde altera a sua posição com o comentário seguinte:
É talvez necessário deixar claro que não condenamos os médicos porque não
vemos que o Salvador os condena e embora nunca recomendasse nem
aconselhasse ninguém a consultá-los, também não proibiu ninguém de o fazer,
nem criticou alguém por o ter feito. Temos de evitar entrar em extremos
fanáticos e não bíblicos (13).
Do que já vimos, não há uma evidência clara quer no Velho quer no Novo
Testamento de uma atitude negativa para com o uso da medicina. De facto, há
indicações de uma atitude positiva. Isto sugere que, como Cristãos, hoje também
devemos ser positivos a este respeito e gratos a Deus pelos avanços da ciência
médica que têm sido feitos desde os tempos bíblicos.
Mas dado que o uso de remédios e da profissão médica é adequado para um
Cristão, a questão surge quanto a saber quando devemos recorrer a ela, tendo em
mente que Deus prometeu curar-nos. A este respeito, é importante perceber que
não se trata de uma questão de Deus ou a medicina. Pode e provavelmente deve ser
uma questão de ambos. Como Cristãos, devemos procurar o Senhor em tudo, pelo
que, ao contrário de Asa, não devemos consultar os médicos e esquecer o Senhor.
Por outro lado, temos de recordar que Deus trabalha tanto através do natural como
do sobrenatural. Parece estultícia pedir a Deus um milagre quando há uma solução
natural simples.
Uma boa ilustração deste princípio é a provisão miraculosa de Deus ao
alimentar os Israelitas quando viajavam pelo deserto. Êxodo 16 revela como Deus
providenciou o «maná« como alimento para o Seu povo. Houve sempre o suficiente
para cada dia e no dia anterior ao sábado havia suficiente para dois dias! E esta
provisão durou ao longo dos quarenta anos que estiveram no deserto.
...até que entraram em terra habitada; comeram maná que chegarem a aos
termos da terra de Canaã (v. 35) (20).
E cessou o maná no dia seguinte, depois que comeram do trigo da terra do ano
antecedente; e os filhos de Israel não tiveram mais maná; porém, no mesmo ano
comeram das novidades da terra de Canaã.
Cura e sofrimento
Um dos aspectos mais difíceis com que temos de lidar ao considerar o poder
sarador de Deus é o mistério do sofrimento. Isto inclui os problemas óbvios que se
levantam quando, apesar de muita oração, pessoas justas adoecerem e por vezes
com grande dor. Mas vai muito mais além. Por exemplo, mesmo quando assumimos a
ideia de que é vontade de Deus curar todas as nossas doenças, porque permite Ele
que alguns Cristãos passem por outras formas de sofrimento, como a perseguição?
Neste capítulo, iremos tentar abordar algumas destas questões e embora
possamos não encontrar uma resposta totalmente satisfatória, podemos pelo menos
examinar algumas passagens bíblicas relevantes que nos indicarão a direcção certa.
Começaremos por perguntar se o sofrimento faz parte do propósito de Deus para o
Seu povo e depois iremos considerar se a doença deve ser incluída na nossa
compreensão de sofrimento. Também iremos examinar as implicações do facto de
estarmos a viver num universo caído. E concluiremos, mostrando como o próprio
Deus entrou no nosso sofrimento.
Como já vimos na última secção, o sofrimento físico pode ser fonte de bênção
espiritual não só para nós mas também para os outros. Um exemplo claro encontra-
se em 2 Coríntios 1:3-11. A partir desta passagem torna-se claro que Paulo
sofreu de muitas dificuldades por amor do evangelho. Enfrentou perigos mortais (v.
10) e esteve sob grande pressão a ponto de chegar a desesperar da vida (v. 8). Mas
o Senhor livrou-o e estava a contar com o facto de que Ele continuaria a livrá-lo em
resposta às orações dos Coríntios (vv. 10-11).
Mas porque razão o Senhor permitiu que Paulo passasse por esta terrível
experiência? A passagem sugere três razões:
1. Que o próprio Paulo pôde ter experimentado o consolo de Deus (vv. 3-4).
2. Que em contrapartida, pôde ter sido capaz de consolar outros (v. 4).
3. Que os sofrimentos de Cristo puderam fluir na sua vida (v. 5).
Mas o Novo Testamento também indica que o sofrimento nesta vida pode
resultar em recompensa na vida vindoura. Hebreus 11:35, por exemplo, ao falar dos
feitos de muitos dos heróis da fé do Velho Testamento, diz que outros foram
torturados e recusaram serem libertos para poderem, ganhar uma melhor
ressurreição. O escritor não clarifica o que quer dizer com isto, mas há aqui
claramente uma forte sugestão de que o sofrimento nesta vida pode produzir um
galardão na próxima. Esta linha de pensamento está em completa harmonia com o
ensino de 1 Pedro e Romanos 8, a que prestaremos agora atenção.
Como mencionei atrás (7), um dos temas principais de 1 Pedro é sofrimento
presente, glória futura. Consideremos as passagens seguintes:
Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo
necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para
que a prova da vossa fé, muito mais preciosa que o ouro que perece e é provado
pelo fogo, se ache em louvor e honra e glória na revelação de Jesus Cristo
(1:6-7). Cf. os sofrimentos de Cristo e a glória que se seguiu (v. 11).
Porque é coisa agradável que alguém, por causa da consciência para com Deus,
sofra agravos, padecendo injustamente. Porque se sofreis, fazendo o bem e o
sofreis, isso é agradável a Deus. (2:19-31).
Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós para vos tentar,
como se coisa estranha vos acontecesse. Mas alegrai-vos no facto de serdes
participantes das aflições de Cristo para que também na revelação da Sua
glória vos regozijeis e alegreis (4:12-13).
Longe de sugerir que Jesus sofreu para que não pudéssemos sofrer, Pedro
está de facto a dizer que como Cristo sofreu, devemos esperar sofrer também.
Cristo deixou-nos um exemplo a seguir (2:21).
E descobrimos que exactamente os mesmos princípios são ensinados em
Romanos 8.Nos versículos 17-18, Paulo diz-nos que partilhamos os Seus
sofrimentos a fim de podermos partilhar a Sua glória e que os nossos sofrimentos
presentes não se comparam com a glória que será manifesta em nós. Mas
voltaremos mais tarde a esta passagem. Por agora, basta concluir esta secção
salientando que foi o próprio Jesus que nos disse: Alegrai-vos quando vos
perseguirem porque, disse Ele, grande é o vosso galardão no céu (Mateus 5:11-12).
Sem dúvida que é por isso que Pedro e João se alegraram porque foram
considerados dignos de sofrerem pelo Seu nome (Actos 5:41).
Por fim e ainda mais sucintamente, vemos que o nosso sofrimento nesta vida
pode produzir benefícios em favor dos outros na vida vindoura. Já considerámos o
caso do cego de nascença de João 9:1-12 e citámos que João registou o milagre da
sua cura com a intenção de capacitar o leitor a crer que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus e que, crendo possais ter vida no Seu nome (João 20:30-31) (8).
Possivelmente, nunca podemos saber quantos milhões foram ganhos para Cristo
através da leitura do evangelho de João mas, se apenas uma pessoa encontrou a
vida eterna por causa da cura do cego de nascença, o seu sofrimento durante alguns
anos na terra foram certamente insignificantes em comparação com o seu galardão
eterno no céu. E a mesma linha de raciocínio pode ser aplicada ao apedrejamento de
Estêvão e à conversão de Paulo e às muitas igrejas que foram fundadas em
resultado do seu ministério ao longo do mundo conhecido de então.
Concluindo esta secção, estabelecemos que o Novo Testamento ensina
claramente que os cristãos devem esperar sofrer nesta vida e que, apesar da dor
física que possa estar envolvida, há benefícios espirituais daí resultantes porque,
sempre que Deus permite que soframos, tem um propósito espiritual superior que
acabará por ser para o nosso bem. Na verdade, se partilharmos os sofrimentos de
Cristo, também partilharemos a Sua glória. Mas o sofrimento de que temos estado a
falar inclui o sofrimento que suportamos quando estamos doentes ou limita-se ao
sofrimento experimentado em tempos de perseguição?
À luz do que já descobrimos na última secção, é claro que os que crêem que a
cura da doença pode ser sempre reivindicada pela fé devem também defender a
necessidade de distinguir cuidadosamente a doença de outras formas de
sofrimento. E isso porque, se o ensino estiver correcto, os cristãos não têm de
ficar doentes, enquanto outras formas de sofrimento, como a perseguição são de
esperar, como acabámos de ver (9).
Nesta secção, irei considerar se o Novo Testamento faz esta distinção e
neste aspecto, será conveniente considerar sucintamente a forma como a palavra
sofrer é paschein e, de acordo com P. H. Davids:
Passemos agora a uma outra passagem que lança luz sobre o problema do
sofrimento – Romanos 8:17-39. Já referimos sucintamente a ela, mas temos agora
de examinar a passagem com mais pormenor. Paulo começa por nos recordar que,
como cristãos, estamos identificados com Cristo e, em resultado disso, há certas
coisas que devemos partilhar com Ele. Partilhamos a Sua herança! Partilhamos a Sua
glória! Também partilhamos os Seus sofrimentos (v. 17). Mas estas nada são em
comparação com a glória que um dia será revelada em nós (v. 18).
Estes sofrimentos que experimentamos são de facto partilhados por toda a
criação que na Queda ficou sujeita à frustração (v. 20) e está consequentemente na
servidão da corrupção (v. 21) e geme como se estivesse com dores de parto (v. 22).
Juntamente com a criação, gememos interiormente (v. 23) esperando ansiosos pela
redenção do corpo. Para o final do capítulo, numa passagem em que Paulo realça a
nossa vitória sobre toda a oposição através do amor de Cristo, alguns destes
sofrimentos são listados rapidamente (vv. 35-36).
Assim, sofremos agora porque vivemos num mundo sofredor. É por isso que os
Cristãos adoecem, tal como todos os outros! Vivemos no mesmo universo caído. Mas
neste sofrimento temos um lembrete maravilhoso de um futuro glorioso! Os nossos
sofrimentos presentes são contrastados com a glória futura. Partilhamos os
sofrimentos de Cristo para podermos partilhar a Sua glória (v. 17). Os nossos
sofrimentos presentes nada são comparados com a glória que se revelará em nós (v.
18).
Na verdade, a própria criação anseia por esta revelação dos filhos de Deus (v.
19) e, como uma mãe expectante, anseia pela sua libertação (v. 22). E nós também,
como cristãos, estamos ansiosamente à espera da nossa adopção como filhos, a
redenção do corpo (v. 23) (17). Paulo descreve isto no versículo 21 como a liberdade
da glória dos filhos de Deus. Assim, embora a passagem tenha a ver com o tema do
sofrimento não é de modo nenhum dominada por ele. Se o Cristão sofre agora - e
certamente sofre, porque vivemos num universo sofredor - há, igualmente certo, um
futuro glorioso.
Mas como reconciliamos tudo isto com as promessas de cura da parte de Deus?
A resposta encontra-se no facto de ainda estarmos à espera da redenção dos
nossos corpos (v. 23) e de, como veremos no capítulo seguinte, todas as promessas
de cura por parte de Deus serem cumpridas quando Jesus voltar de novo.
Entretanto, temos as primícias do Espírito. No capítulo seguinte, discutiremos este
aspecto com mais pormenor e veremos que ao receber o Espírito Santo, provámos
os poderes da era vindoura. É pelo Espírito que recebemos agora dons de cura que
são em si mesmos um antegosto maravilhoso de algo ainda melhor – um tempo em
que não haverá mais sofrimento, dor ou doença. Mas agora, adoecemos porque
vivemos num mundo caído.
Mas tudo isto será justo? Como pode um Deus de amor permitir que os Seus
filhos sofram? Já abordámos naturalmente de algum modo este aspecto ao
responder a esta questão, mas o texto seguinte (18), O Longo Silêncio, é revelador.
NOTAS
(1) Claro que se trata de uma super-simplificação. As bênçãos espirituais nesta
vida podem muito bem ter também impacte na vida vindoura e os que nos beneficiam
podem muito bem beneficiar outros! Na verdade, serão beneficiados.
(2) Ver Capítulo 15.
(3) Cf. os meus comentários a respeito de Job, no Capítulo 2.
(4) Paulo já ensinava aos Coríntios que o propósito das manifestações
poderosas que Deus nos dá nos dons espirituais é que elas sejam para o benefício
dos outros (1 Coríntios 12-14).
(5) Ver Marcos 3:10; 5:29, 34; Lucas 7:21, em que a palavra grega mastis é
traduzida por doença, sofrimento, enfermidade. Claro que a disciplina a que o autor
de Hebreus se refere pode não ser doença, mas o uso da mesma palavra aqui indica
certamente que podia ser.
(6) Pedro diz uma coisa semelhante aos escravos cristãos que sofriam
injustamente (1 Pedro 2:18-21). Cf. Capítulo 11.
(7) Ver capítulo 11.
(8) Ver capítulo 6.
(9) Por exemplo, defende-se por vezes que o espinho de Paulo na carne podia
não ter sido uma doença (na base de que Deus prometeu curar o Seu povo das suas
doenças), mas era provavelmente alguma forma de perseguição que estava a sofrer.
Esta perspectiva coloca claramente a doença numa categoria diferente do
sofrimento.
(10) Davids, P. H., The First Epistle of Peter, Grand Rapids, Eerdmans, 1990, p.
37.
(11) Michaelis, W., artigo paschein im Kittel, G. (ed.) Theologfical Dictionary of
the New Testament, pp. 904-905.
(12) Davids exclui este versículo na base de que a doença é atribuída a um
demónio. Mas isso não é de modo nenhum garantido à luz da visão largamente
defendida de que muitas doenças eram provocadas por demónios. Isto torna-se
claro com o facto de o epiléptico, de quem o demónio foi expulso no caso em
questão, precisar de ajuda, como sugere o uso de therapeuo (cura) no versículo
seguinte.
(13) Mateus 17:15 e Actos 28:5.
(14) Ver. Cap. 15.
(15) Cf. Cap. 9
(16) Davids, op. cit., p. 39, nota de rodapé 59.
(17) A redenção do corpo aqui referida é a transformação que irá ocorrer na
Segunda Vinda de Cristo, quando o mortal for revestido da imortalidade, o
corruptível pela incorrupção (1 Coríntios 15:50-seg.)
(18) Extraído directamente de Stott, J. R. W., The Cross of Christ, Leicester,
IVP, 1986, pp. 336-337. Todo o capítulo de Stott sobre Sofrimento e Glória
merece a pena ser lido, Ibid., pp. 311-337.
Pode consultar a versão portuguesa em
http://gbuproclama.blogspot.com/2007/10/o-longo-silncio.html (N. do T.)
CAPÍTULO DEZOITO
Um sabor a céu
Como espero mostrar na segunda parte deste capítulo, podemos esperar agora
a cura das doenças porque as bênçãos da idade vindoura estão em certa medida
disponíveis aos Cristãos agora através da obra do Espírito. Contudo, a nossa cura
final ocorrerá na Segunda Vinda de Cristo que será acompanhada pela nossa vitória
final sobre a morte, quando recebermos um corpo mortal e imperecível. Os nossos
corpos serão transformados (1 Coríntios 15:51) e as nossas doenças serão todas
curadas.
Mas há pelo menos mais um factor que indica que a cura da doença está
implícita nesta passagem. Tem a ver com as referências a Adão nos versículos 21-22
e 45-49. Os versículos 21-22 são uma referência clara à Queda. Paulo defende que
como a morte veio por um homem (Adão), também através de um homem (Cristo)
veio a ressurreição dos mortos, porque como em Adão todos morreram, assim em
Cristo todos serão vivificados. A compreensão de Paulo da ressurreição dos que
estão «em Cristo» (que mais tarde, nos vv. 50-57 deixa claro ocorrerá na vinda de
Cristo) está assim intimamente ligada à sua compreensão da Queda. A morte veio
através de Adão por causa da Queda. A Vida vem através de Cristo cuja
ressurreição Paulo vê como as primícias da ressurreição dos que estão em Cristo.
Assim, a ressurreição é o antídoto final para todo o sofrimento provocado pela
Queda. E como a doença resultou da Queda, a Segunda Vinda pôr-lhe-á um fim.
Assim, resumamos o que dissemos até agora:
Todas estas coisas fazem parte da nossa experiência com o Espírito e é isto
que Paulo descreve ao usar a palavra primícias. Mas para compreender melhor a
ideia, precisamos de examinar com mais pormenor todo o significado deste termo.
A ideia básica subjacente à palavra primícias é o pensamento de que há algo
mais que se segue. A palavra grega é aparche intimamente associada com a ligação
entre a nossa experiência presente do Espírito e a nossa vida futura no reino de
Deus. O conceito vem do Velho Testamento, em que lemos que as primícias da
colheita deviam ser oferecidas a Deus (Êxodo 23:16, 19; 34:22, 26; Levítico 23:9-
seg.).
É interessante notar que Paulo usa o termo primícias para se referir não só ao
Espírito, mas também a Cristo (1 Coríntios 15:20-23). Paulo ensina-nos que como
Cristo ressuscitou dos mortos, também um dia ressuscitaremos. Tal como os
primeiros frutos da colheita eram oferecidos a Deus em agradecimento por toda a
colheita que se ia seguir, assim Cristo ressuscitou dos mortos como as primícias de
uma ressurreição maior, quando os mortos em Cristo ressuscitarem. A imagem é
particularmente adequada porque o dia em que o produto das primícias era
apresentado ao Senhor era o dia após o Sábado a seguir à Páscoa – o mesmo dia em
que Jesus ressuscitou dos mortos!
Mas qual a relação disto com a ideia do Espírito como primícias? Levítico 23 é-
nos muito útil aqui, pois uma leitura cuidadosa do capítulo sugere que havia de facto
duas ocasiões em que as primícias eram oferecidas ao Senhor. Na primeira, como já
vimos, o produto era apresentado perante o Senhor no dia seguinte ao primeiro
Sábado depois da Páscoa (Levítico 23:11). Na segunda, o produto era oferecido sete
semanas mais tarde, quando dois pães eram colocados na presença do Senhor
(Levítico 23:15-17). Isto ocorria no que se tornou conhecido como a Festa das
Semanas e, mais tarde, como Dia de Pentecostes. É claro que Paulo está a referir-
se a esta segunda oferta das primícias quando se refere em Romanos 8:23 ao
Espírito como primícias.
Em ambos os casos, portanto, a ideia básica subjacente a primícias é a mesma.
As primícias faziam porte da colheita, mas eram também uma garantia e um penhor
de que se lhe seguia mais! Assim, a ressurreição de Jesus fazia parte da nossa
ressurreição e ao mesmo tempo garante-a! E o dom do Espírito é tanto parte da
nossa herança em Cristo (cf. Efésios 1:13-14) como ao mesmo tempo aponta para o
futuro, para o dia em que a herança será nossa em toda a sua plenitude.
Assim, tal como em 1 Coríntios 15:20-seg., a ressurreição de Cristo é a
garantia de que todos os que estão em Cristo ressuscitarão, também aqui em
Romanos 8:23 o Espírito é dado aos Cristãos como a garantia da redenção final do
corpo na Segunda Vinda de Cristo. E o que é verdade do Espírito deve ser pelo
menos indirectamente verdade dos dons do Espírito derramado sobre nós. Se o
próprio Espírito é para o Cristão as primícias da redenção física, então os dons de
cura concedidos pelo Espírito Santo (1 Coríntios 12:9) devem se seguramente
evidência do Espírito da redenção final do corpo.
Em suma, embora no meio do sofrimento presente ainda estejamos à espera da
redenção final do corpo (Romanos 8:23), temos como Cristãos, como penhor dessa
redenção, o Espírito como primícias. Aplicado à cura física, isto sugere que, embora
a libertação final deva esperar pela vinda do Senhor, o Espírito é entretanto dado
como garantia de que essa libertação acabará por vir e como prova ele dá «dons de
cura» (1 Coríntios 12:9) a quem Ele quer!
Contudo, antes de avançar mais é digno de nota que aqui está uma outra forma
de compreender que a cura está na expiação. A cura pode ser encarada como vinda
do Espírito e o dom do Espírito surgindo em resultado da expiação. Que a expiação
é a base sobre a qual o Espírito é dado é bem visível em Gálatas 3:13-14. No seu
contexto, Gálatas 3:14 salienta a extensão das bênçãos de Deus aos Gentios, mas o
versículo indica claramente que a recepção do Espírito é uma parte do propósito de
Deus tornado real pela obra redentora de Cristo na cruz. Mas isso não quer dizer
que Jesus morreu pelas nossas doenças no mesmo sentido que morreu pelos nossos
pecados!
Tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o
qual é o penhor da nossa herança para redenção da possessão de Deus para
louvor da Sua glória. (Efésios 1:13-14).
Mas isso leva-nos ao próximo tema intimamente relacionado, o Espírito como
um selo.
Toda a visão vos é como as palavras de um livro selado que se dá ao que sabe
ler, dizendo: «Ora, lê isto» e ele dirá: «Não posso, porque está selado».
Então, uma das finalidades de um selo é manter alguma coisa secreta – mas não
para sempre! Quando alguém sela uma carta não é sua intenção que a carta nunca
seja aberta. Há sempre um momento certo para o selo ser quebrado. É então que o
segredo é revelado. Ora, como já vimos, Romanos 8:19 diz-nos que toda a criação
está à espera que os filhos de Deus sejam revelados enquanto nós próprios estamos
ansiosamente à espera da nossa adopção como filhos, a redenção dos nossos corpos
(v. 23). E Efésios 4:30 diz que estamos selados com o Espírito Santo para o dia da
redenção.
Isto, juntamente com Efésios 1:13-14, que também fala de sermos selados até
à nossa redenção, liga a nossa experiência presente do Espírito Santo com aquele
dia futuro em que o próprio Senhor descerá do céu e os mortos em Cristo
ressuscitarão e quando nós, os que estivermos vivos e ficarmos até à vinda do
Senhor seremos arrebatados para com eles nos encontrarmos com o Senhor nos
ares (1 Tessalonicenses 4:16-17).
O dia da redenção é o dia em que Jesus voltará. Paulo chama-lhe a redenção
dos nossos corpos (Romanos 8:23) porque é nesse dia que os nossos corpos mortais
se tornarão imortais (1 Coríntios 15:50-seg.) Até agora, o mundo ainda não
compreendeu quem são os Cristãos! Tem sido algo secreto. Mas nesse dia, quando
todo o universo for libertado da servidão da corrupção e levado para a gloriosa
liberdade dos filhos de Deus (Romanos 8:21), então os filhos de Deus serão
revelados a toda a criação. Mas até esse dia e para esse dia, fomos selados com o
Espírito Santo.
Finalmente, precisamos de examinar o uso que Paulo faz tanto de penhor como
de selo em 2 Coríntios 1:22, Aqui, torna-se claro que o dom do Espírito Santo é
agora a nossa garantia do cumprimento de todas as promessas de Deus no futuro.
Em relação ao contexto imediato é digno de nota, primeiro, que, depois das
saudações habituais (vv. 1-2), a epístola abre com uma declaração sobre o
sofrimento cristão e o seu propósito (vv. 3-11). O espaço impede-nos uma exegese
pormenorizada desta secção, mas é indubitavelmente significativo que, como em
Romanos 8:23, a referência de Paulo ao Espírito como as primícias da redenção
vindoura do corpo se insere no contexto do sofrimento cristão, pelo que também
aqui em 2 Coríntios 1;22 o uso que ele faz de penhor e de selo em referência ao
Espírito encontra-se num contexto similar.
Em segundo lugar, é significativo que a obra do Espírito está aqui intimamente
relacionada com a compreensão de Paulo que Cristo é o cumprimento de todas as
promessas de Deus (v. 20). Os versículos 18-22 encontram-se no cerne da secção
(1:12-2:4) em que Paulo está a explicar as razões da mudança dos seus planos de
viagem. A sua insistência (v. 17) de que ele, como mensageiro de Deus, não é de
coração duplo e não se comporta inconsistentemente (que não diz «Sim» e «Não» ao
mesmo tempo) leva-o no versículo 18 a salientar a fidelidade e a consistência do
próprio Deus. A mensagem que ele lhes pregou não foi autocontraditória, pelo que a
mensagem não foi outra senão «o Filho de Deus, Jesus Cristo» (v. 19) e ele não foi
«Sim» e «Não» mas a resposta afirmativa a todas as promessas de Deus (v. 20).
Todas as promessas de Deus encontram o seu cumprimento n’Ele e no «Ámen»
falado pelos cristãos na adoração pública é a afirmação disto pela igreja. E o tema
da fidelidade de Deus continua nos vv. 21-22:
Mas o que nos confirma convosco em Cristo e o que nos ungiu é Deus. O qual
também nos selou e deu o penhor do Espírito nos nossos corações.
Ora, é Deus quem garante a nossa salvação e fá-lo dando-nos o Seu Espírito
que nos unge para o serviço (com os dons carismáticos subsequentes ) e cuja
presença na nossa vida não só nos marca como pertencentes e guardados por
Deus (porque o Espírito é o selo do domínio de Deus em nós), mas também é um
depósito e um antegosto da nossa salvação final.
Assim, numa passagem que abre com o tema do sofrimento cristão (vv. 3-11) e
em que ele confessa que desesperou da própria vida (v. 8), mas confia em Deus que
ressuscita os mortos (v. 10), Paulo encoraja os seus leitores, garantindo-lhes a
fidelidade de Deus (v. 18) às Suas promessas (6) que foram cumpridas em Cristo (v.
20) mas cuja garantia final de cumprimento no que diz respeito à salvação pessoal
deles é o dom do Espírito, cuja presença nas suas vidas é um penhor garantindo o
que está para vir.
A aplicação desta passagem ao tema da cura física é extremamente próxima
do da passagem de Romanos 8 que considerámos mais atrás. Ambas as passagens
reconhecem a realidade do sofrimento cristão e, na minha perspectiva, são
suficientemente latas na sua intenção a ponto de incluir a doença como parte desse
sofrimento. Ambas as passagens relacionam de algum modo o sofrimento cristão
com os sofrimentos de Cristo (Romanos 8:17; 2 Coríntios 1:5) e ambas apontam para
o futuro para a Segunda Vinda como solução derradeira.
Por fim, ambas as passagens encaram a obra do Espírito na vida do Cristão
tanto como um antegosto como uma garantia da vida vindoura. E embora as primícias
sejam o Espírito e não a cura, é o Espírito que garante os dons de cura.
Conclusão
Neste capítulo, mostrámos que Paulo usa as palavras primícias, penhor e selo
no contexto da tensão que reconhece que, ao recebermos o dom do Espírito, como
Cristão já provámos um pouco do poder e da glória da era vindoura e, no entanto,
ainda não recebemos a nossa herança integral. Por isso, temos de esperar o
regresso do Senhor, que trará -consigo a nossa adopção de filhos, a redenção dos
nossos corpos, a glória que será revelada, a manifestação dos filhos de Deus.
Nesse Dia, pelo qual a criação inteira anseia, os mortos serão ressuscitados
incorruptíveis e os que estiverem vivos serão transformados num momento, num
abrir e fechar de olhos ante o som da última trombeta, mas até esse Dia, para o
qual fomos selados, conservados e marcados pelo Espírito, temos o Espírito como a
primeira prestação e uma garantia do que está para vir.
No que diz respeito à cura, então, a cura final ocorre quando Jesus voltar de
novo. Então, todas as promessas de Deus serão finalmente cumpridas, mas
entretanto, temos o Espírito Santo. E o Espírito dá-nos um antegosto maravilhoso
do nosso futuro glorioso através dos dons de cura, que Ele distribui conforme Ele
mesmo determina. A cura é, de facto, apenas um sabor do Céu!
NOTAS
(1) Esta é uma analogia interessante. O parto, embora doloroso, é produtivo.
Produz filhos! Paulo vê a criação como uma parturiente à espera que o filho nasça. O
sofrimento vale bem a pena!
(2) A palavra que Paulo usa aqui é astheneia, que pode ser traduzida por
fraqueza ou doença.
(3) É digno de nota que a Bíblia mão recomenda, naturalmente, a prostituição,
mas reconhece a sua existência. O Velho Testamento é, de facto, muito franco a
respeito dos pecados do povo de Deus.
(4) Petts, D., The Holy Spirit – an Introduction, Mattersey, Mattersey Hall,
1998, pp. 116-119.
(5) Martin, op. cit., p. 28.
(6) Para uma discussão pormenorizada do uso da palavra promessa no Novo
Testamento e dos problemas associados à «reivindicação» das promessas, ver
Apêndice.
TERCEIRA PARTE
A CURA NA PRÁTICA
CAPÍTULO DEZANOVE
A maior parte deste livro tem-se preocupado com a doutrina da cura. Isto é de
importância vital porque o que cremos sobre a cura determina o que faremos na
prática – como oramos pelos doentes, quer no evangelismo, quer no ministério
pastoral. Também irá afectar a nossa atitude para com os que não forem curados.
Neste capítulo, portanto, serão considerados os seguintes tópicos:
Quase tudo quanto dissemos até agora neste livro tem tido com finalidade
traçar uma visão biblicamente equilibrada sobre este tema vital. Nesta fase,
portanto, um rápido resumo parece ser tudo quanto é necessário. Se aquilo que
discutimos até agora estiver correcto, então os princípios esquematizados nos três
parágrafos seguintes podem fornecer uma base doutrinal adequada para ministrar
aos doentes, seja no evangelismo, seja no ministério pastoral.
Deus revelou-se como um Deus que cura tanto no Velho como no Novo
Testamento. Jesus nunca recusou ninguém que Lhe tenha pedido cura e comissionou
a Sua igreja a curar os doentes. As curas devem acompanhar a proclamação do
evangelho com sinais a confirmar a palavra e os cristãos devem esperar a cura
através da unção com azeite e oração dos anciãos. A cura por meios naturais
através da capacidade da profissão médica deve ser também vista como um
benefício fornecido por Deus. Assim, a nossa abordagem à cura deve ser positiva e
não negativa.
Mas temos de evitar ensinos que apresentam a cura de forma tão positiva que
os que não são curados se sentem condenados ou levados a rejeitar a ajuda da
profissão médica. Isto é particularmente relevante quando a cura é apresentada
como paralela ao perdão dos pecados. A cura é uma obra do Espírito Santo e o
importante não é trabalhar com uma fórmula mas ouvir o que Deus está a dizer.
Os que não são curados de imediato devem ser tratados com sensibilidade.
Não devemos levá-los a sentir que devem ter pecado ou que lhes falta fé. Por vezes,
adoecemos porque vivemos num mundo caído. Contudo, a cura que não ocorre de
imediato deve ser esperada com perseverança. A oração deve ser persistente.
Contudo, a própria epístola que nos diz que a oração oferecida em fé curará o
doente também indica que não podemos ter a certeza de que estaremos vivos
amanhã! O importante é saber que os nossos pecados estão perdoados, A cura final
ocorrerá quando o Senhor regressar.
Mas o Senhor pode também usar a cura no nosso evangelismo pessoal. Isso não
quer dizer, claro, que o fará sempre (cf. Filipe e o etíope, em Actos). Um outro
exemplo da minha experiência pessoal pode ilustrar esta ideia.
Certa noite de Verão, num sábado, no meu primeiro pastorado, dirigi-me à
igreja por volta das 21 horas para arranjar uma janela que não abria. Como ainda
havia claridade suficiente, a princípio não acendi as luzes. Contudo, ao fim de alguns
minutos, percebi que precisava de mais luz e liguei o interruptor. Descobri que no
plano de Deus fora o momento certo porque daí a um minuto alguém batia à porta
(4).
Abri-a e à minha frente estava um homem, na casa dos 30 anos, com cerca de 1
metro e oitenta de altura, com lágrimas nos olhos. Reconheci-o porque, embora não
viesse à igreja, a sua avó era uma assistente regular até morrer uns seis meses
antes. Conhecera Billy no funeral e recordava-me do seu nome, Entra, Billy, disse-
lhe. Que se passa? Então, contou-me a sua história.
Fora trabalhar como de costume na sexta-feira de manhã e ficara mais tarde
do que o habitual, fazendo horas extraordinárias. Quando chegou a casa, já de
noite, chamou pela esposa, mas não houve resposta. Como não sabia onde ela se
encontrava, procurou-a pela casa. Descobriu-a no quarto, deitada na cama,
inconsciente, com um frasco vazio de comprimidos a seu lado.
Levou-a de urgência para o hospital, mas os médicos não tinham qualquer
esperança que recuperasse a consciência. No sábado não houve melhoras. Entrara
em coma. Na altura, Billy começou a desesperar. Andava de um lado para o outro em
casa quando de repente reparou numa foto da avó em cima do piano. Ah! Se ela
estivesse viva, poderia orar. Então Billy tentou orar, mas não sabia o que dizer. Por
isso, saltou para a sua moto e dirigiu-se para a nossa igreja. Ao aproximar-se,
pensou que não haveria ninguém lá dentro e preparava-se para se ir embora quando
de repente as luzes se acenderam!
Disse-lhe: Billy, vou dizer-te porque não conseguiste orar. A Bíblia diz que os
ouvidos de Deus não estão surdos para que não possa ouvir, mas os nossos pecados
criaram uma barreira entre nós e Deus. Perguntei-lhe se já tinha aceitado Jesus
como seu Salvador para perdão dos seus pecados e a resposta foi negativa. Quando
lhe perguntei se gostaria de o fazer agora, disse que sim e juntos fizemos a oração
do pecador e Billy foi maravilhosamente salvo.
Então, orámos juntos pela esposa e, ao fazê-lo, dei comigo a dizer: No nome de
Jesus, repreendo o coma e ordeno-lhe que ela recupere a consciência! Passava das
nove e meia da noite. Então, disse a Billy que a esposa ia ficar bem e ele regressou a
casa - mas assim que ele saiu, dei comigo a duvidar: Que lhe vou dizer se a esposa
morrer?
Quando Billy chegou a casa, pensou que não seria capaz de dormir, pelo que se
sentou numa cadeira. Mais tarde, testemunhou que nesse momento viu uma luz
brilhante e experimentou uma sensação de calor a fluir-lhe pelo corpo da ponta dos
cabelos à sola dos pés. A única coisa de que se lembra é que eram 9 da manhã de
domingo. Correu para o hospital para ver como estava a esposa e disseram-lhe que
saíra do coma. Por favor, pediu, pode dizer-me a que horas exactas isso aconteceu?
A enfermeira consultou o processo e respondeu: Foi exactamente às nove e meia da
noite passada. Billy pôde levá-la para casa nessa tarde. Ela também se converteu e
ambos se tornaram membros da nossa igreja.
Esta experiência, a par de outras como a que descrevi na última secção,
ensinou-me como é importante sermos guiados pelo Espírito Santo quando oramos
pelos doentes. Este será o tema principal da nossa secção seguinte. Há certas
questões práticas que temos de considerar, mas estas são relativamente pouco
importantes comparadas com a grande necessidade de ouvir o que Deus tem a dizer
pelo Seu Espírito.
Cura na prática
Como estamos a discutir a cura no contexto do evangelismo, talvez seja
necessário salientar que este não precisa de acontecer num «Culto Evangelístico»
ou numa «Campanha de Cura Divina». Pode dar-se na loja da esquina. A maioria do
evangelismo no Novo Testamento ocorreu no exterior onde os incrédulos estão!
Porque é que com tanta frequência limitamos a nossa expectativa de cura dos
doentes ao que pode acontecer num culto?
Claro que se vamos ter a fé para ver a cura nas ruas é muito importante que
sejamos guiados pelo Espírito. É demasiado fácil confundir a compaixão natural que
sentimos quando vemos alguém que, por exemplo, tem uma grave deficiência, com a
orientação do Espírito para ordenar cura no nome de Jesus! Não imaginamos
profetizar no nome de Jesus sem um verdadeiro sentido de direcção por parte do
Espírito Santo. Então, porque pensar que podemos falar cura no Seu nome sem o
mesmo sentido evidente de orientação divina?
Este paralelo entre cura e profecia é de facto bastante importante. Paulo diz-
nos que a profecia deve ser julgada cuidadosamente (1 Coríntios 14:29) e que
devemos testar tudo e reter o que é bom (1 Tessalonicenses 5:21). E isso porque,
embora os dons de Deus sejam perfeitos, são comunicados através de canais
humanos imperfeitos. Com muita frequência, precisamos da ajuda de outros
cristãos para nos ajudarem a compreender o que o Espírito Santo está a dizer. É
interessante que a maioria das curas realizadas pelos discípulos no Novo
Testamento ocorreu quando eles andavam aos pares (cf. Lucas 10:1) e na minha
perspectiva esta é uma política sensata a seguir hoje. Se não tivermos a certeza do
que o Senhor estiver a dizer, é bom termos outros cristãos para consultar sobre o
assunto.
Intimamente relacionado com isto está a questão da autoridade. Por vezes,
ouvimos pessoas a dizerem: Tomo autoridade sobre esta doença no nome de Jesus!
Isto pode parecer muito impressionante, mas nem é bíblico nem lógico. Não é
bíblico porque na Bíblia a autoridade não é tomada mas dada! Mesmo a autoridade
de Jesus foi-Lhe dada (Mateus 28:19). Não é lógico porque ou temos autoridade ou
não temos. Se a temos, não precisamos de a tomar e se não a temos, não temos o
direito de a tomar! Ela tem de nos ser dada. E só podemos saber que nos foi dada
quando ouvimos Deus sobre a questão (cf. Jesus em João 5:19).
É por isso que é de importância vital manter-nos cheios do Espírito dia a dia
5
( ). Assim que tivermos recebido o dom do Espírito, a Bíblia deixa claro que a
responsabilidade de o manter é nossa. Os Efésios que, depois de crerem, foram
selados com o Espírito Santo (Efésios 1:13), receberam a ordem de manter a
experiência, enchendo-se constantemente com Ele (5:18). De modo semelhante,
Paulo diz a Timóteo:
Lembro-te que despertes o dom de Deus que existe em ti pela imposição das
minhas mãos, porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza e
de amor e de autodisciplina (2 Timóteo 1:6-7)
Por estes versículos, torna-se claro que embora Timóteo tivesse originalmente
recebido o Espírito pela imposição das mãos de Paulo, este não esperava que ele
continuasse a necessitar que lhe ministrassem de contínuo a este respeito. Uma vez
recebido o fogo do Espírito, Timóteo era responsável por mantê-lo a arder.
Assim, é importante sermos cheios com o Espírito e guiados por Ele quando
ministramos aos doentes mas de que forma exacta o fazemos? Marcos 16 deixa
claro que a cura é em geral recebida através da imposição da mãos e esta é a forma
usual de ministrar a cura. Como o contexto de Marcos 16 é evangelístico, este
método é provavelmente mais bem usado quando orarmos pelos incrédulos. (Como
veremos na secção seguinte, os crentes que estiverem doentes devem ser ungidos
com óleo, de acordo com Tiago 5).
Mas importa saber em que parte do corpo do doente se devem impor as mãos?
Em certas circunstâncias, é adequado impô-las na parte afectada. Jesus colocou os
dedos nos ouvidos do surdo (Marcos 7:31-37), mas precisamos de ser
extremamente cautelosos aqui. É fundamental sermos sensíveis ao que é
culturalmente aceitável – e isso pode variar imenso de cultura para cultura! O que é
aceitável num lugar pode causar enorme embaraço num outro! Não há «regras» a
este respeito, mas genericamente falando, aconselharia que se colocassem as mãos
nas costas dos ombros da pessoa ou possivelmente na cabeça. E não há de certeza
necessidade de as abanar ou de as empurrar, como já vi ser feito!
Porém, uma outra questão é: Há problema em ajudar uma pessoa a avançar em
fé? É muito provável que tenha sido o que Pedro estava a fazer em Actos 3:7
quando segurou o coxo pela mão e o ajudou a levantar-se. Contudo, como já vimos, é
muito claro que Pedro estava seguro da autoridade que tinha em curar este homem
e precisamos de ter a certeza de termos ouvido o Senhor ou podemos provocar
graves embaraços, desânimo ou mesmo lesão à pessoa doente. A cura é um dom do
Espírito e todos os dons espirituais devem ser praticados em amor. Isto é muito
evidente quando ministramos aos doentes e qualquer estímulo que lhes possamos
dar para avançarem em fé deve ser com cuidado e consideração.
Neste aspecto, recordo-me de uma mulher de Gloucester por quem orei há
alguns anos. Padecia de osteoartrite e caminhava com grande dificuldade e muito
devagar. Depois da oração, sentimos que o Senhor a tocara e estimulámo-la a dar
alguns passos pela fé. Francamente, parecia não haver quaisquer melhoras, mas
dissemos-lhe que esperasse melhorar um pouco a cada dia.
Um mês depois, o meu amigo que me ajudara a ministrar-lhe, passava pela coxia
do Cardiff City Temple quando uma senhora lhe tocou no braço. Não se lembra de
mim? Perguntou ela. Sou a mulher por quem você e o seu amigo oraram em
Gloucester no mês passado. O meu amigo confessou não a ter reconhecido porque
ela parecia muito mais nova, mas agora via de quem se tratava. Olhe, disse ela, é
uma bênção. O Senhor curou-me completamente, Agora, já consigo lavar a roupa e
passar a ferro e ando sem dores, E pôs-se logo a demonstrar, levantando-se e
andando decidida pela coxia. Por vezes, tudo quanto as pessoas precisam é de um
pouco de encorajamento para avançarem em fé, mas como já indiquei, esta não é
uma metodologia a seguir. Não há regras a este respeito. Temos de ser guiados pelo
Espírito Santo.
O Novo Testamento também fornece diversos exemplos de outros métodos de
cura (e.g., o uso de saliva por Jesus), mas provavelmente não devem ser usadas no
contexto da nossa sociedade actual! Contudo, Ele curou por uma simples ordem sem
a imposição de mãos, como fizeram por vezes os apóstolos. Mais uma vez, o
importante não é seguir uma metodologia mas ser-se guiado pelo Espírito Santo.
Este tipo de abordagem não deixa de modo nenhum espaço para os que
estiverem doentes. Se crerem na doutrina que lhes foi ensinada, percebem que
estão doentes, mas desnecessariamente e compreendem que os outros também os
vêem assim! A dificuldade de viver com a doença é assim complementada com a
frustração de não compreensão porque se está doente quando não tem de estar e,
segundo a doutrina, não precisa de estar. São nestas dificuldades psicológicas que
concentraremos agora a nossa atenção.
Os problemas psicológicos e, consequentemente, pastorais, que surgem nesta
sequência pertencem a três áreas principais. A primeira é a dúvida sobre a fé
pessoal. De acordo com a doutrina, a cura está disponível aos cristãos e deve ser
apropriada pela fé. Se a cura não surge, o cristão doente é levado a concluir que a
sua fé é de algum modo deficiente. Por consequência, enfrenta não apenas o
problema da sua doença física, mas também a uma batalha espiritual por causa da
sua hipotética falta de fé. Por seu turno, isto pode levá-lo a interrogar-se se os
seus pecados foram perdoados e, a par disto, a uma sensação muito real de culpa.
Este sentimento de que a fé pessoal é deficiente é sem dúvida uma questão
extremamente grave, porque se a minha fé é deficiente em relação à cura (que
segundo a doutrina de a cura estar na expiação, pode muito bem ser verdade se não
for curado), então como é que eu sei que a minha fé para a salvação, o perdão dos
meus pecados não é também deficiente? E este não é um ponto meramente
académico. Após mais de 40 anos de ministério nas Assembleias de Deus e depois
de inúmeras conversas com pastores das Assembleias de Deus durante esse
período, descobri que esta questão é sem dúvida a principal área de preocupação
pastoral em relação à doutrina.
Nem tão pouco esta preocupação é recente. Há mais de meio século, o pioneiro
pentecostal Donald Gee escrevia:
Afirmar que a cura para os nossos corpos se baseia numa autoridade idêntica
da cura das nossas almas na obra expiatória de Cristo nosso Salvador pode
envolver graves problemas de fé e confiança pessoais... em que a Cura Divina,
embora «reivindicada» não foi recebida (9).
e:
Parte da infeliz maneira como a fé na Cura Divina por vezes tem sido
sinceramente promulgada... é esta contínua sugestão de que o falhanço em se
ser curado se radica em alguma profunda falha espiritual daquele que está
doente. Esta atitude tem acrescentado sofrimento mental ao sofrimento
físico e em casos extremos transformou a crença na Cura Divina num flagelo e
não num privilégio e num peso e não num alívio (10).
Por causa da crença de que escutar uma «confissão negativa» pode infectar a
fé, não poucos do Movimento da Fé estão dispostos a não acompanhar e muito
menos ouvir os que nas suas igrejas estão gravemente doentes. Basicamente,
as igrejas da Fé têm pouco ou nenhum conceito de cuidados pastorais
prestados a um crente doente crónico ou terminal. Esse crente é evitado,
isolado e ostracizado como se fosse um descrente – que por definição é
precisamente o que ele é ou então não estaria para já doente... Talvez o facto
mais desumano revelado sobre o Movimento da Fé seja este: quando os sues
membros morrem, morrem sozinhos (12).
É claro que esta crítica não é levantada contra os que defendem a doutrina de
que a cura está na expiação, mas especificamente contra o Movimento da Fé.
Apesar de tudo, o perigo é claro. Uma doutrina que de forma tão dogmática afirma
a disponibilidade da cura acabará inevitavelmente por causar problemas aos que não
forem curados e pode, na verdade, se McConnell estiver certo é o que por vezes
fazem, afectar a atitude dos outros em relação a si.
Resumindo então, as doutrinas extremas da cura levam a uma diversidade de
problemas práticos e pastorais. Os que continuam doentes em geral experimentam
dúvidas sobre a sua fé e sobre o perdão dos seus pecados. Isto vem
frequentemente acompanhado por um sentimento de culpa e em alguns casos pode
levar à rejeição do cristianismo. A negação de sintomas e a rejeição da ajuda
médica têm resultado numa saúde muito afectada e, em alguns casos, mesmo morte.
A doutrina tem sido também a causa de tratamento duro dos que se encontram
terminalmente doentes.
Então, como devemos abordar os que permanecem doentes? Em resposta a
esta pergunta, a primeira coisa a dizer é que muitos dos problemas que acabámos de
esquematizar não surgirão se ensinarmos uma doutrina equilibrada de cura, como a
que sugeri ao longo deste livro. Esse ensino inclui o ensino bíblico do sofrimento
sugerido no Capítulo Dezassete e, se adequado, a admissão honesta de que, se a
falta de fé for o problema, o mais provável é que esta é tanto deles como nossa!
O facto de no Novo Testamento verificarmos que por vezes servos de Deus
altamente respeitados adoeceram pode ser também alguma fonte de encorajamento
para os que não forem curados. Ainda mais importante, contudo, é a afirmação de
Paulo em Romanos 8:37-39:
Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores por aquele que nos
amou. Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a
profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus nosso Senhor!
NOTAS
(1) A história integral encontra-se em: Womersley, D. e Garrard, D. (ed.), Into
Africa, Nottingham, New Life Publishing, 2005.
(2) Burton regista como todos os sinais mencionados em Marcos 16:17-seg.
foram usados para levar muitos a Cristo. Ver Burton, W. F. P., Signs Following,.
Londres, AOG, 1949.
(3) Ver Le Perru, P., e Lebel, A. (eds.), Aimé Cizeron, pionnier de l’Océan
Indien, Deerfield, Vida, 1992.
(4) Mais tarde, ele testemunhou que não pararia se não tivesse visto luz quando
se aproximava da igreja.
(5) Para mais sobre o que significa ser-se cheio com o Espírito, ver Petts, D.,
The Holy Spirit – an Introduction, Mattersey, Mattersey Hall, 1998, Caps. 6-7.
(6) Uma vez, usei óleo de máquina (por norma utilizado nas bicicletas) porque
na altura era o que havia. É o chamado Três em Um! De certeza que o fabricante
não fazia ideia de que um dia seria usado com essa finalidade nem do significado do
nome! Mas a oração apresentada em fé fez com que o doente ficasse bom!
(7) Simpson, op. cit., p. 32.
(8) Copeland, G., God’s Will for You, Fort Worth, KCP, 1972, p. 126.
(9) Gee, D., Trophimus I left sick, Londres, Elim, 1952, pp. 21-22.
(10) Ibid., p. 12.
(11) Para um exemplo, ver Barron, B., The Health and Wealth Gospel, Downers
Grove IL, IVP, p. 130.
(12) McConnell, D. R.,A Differenbt Gospel - A Historical and Biblical Analysis
of the Modern Faith Movement, Peabody, Hendricksos, 1988, p. 166.
CAPÍTULO VINTE
A Bíblia deixa muito claro que precisamos de salvação porque todos pecámos e
porque as consequências do pecado são muito graves. Diz-nos como Deus tornou a
salvação de uma forma tão maravilhosa, enviando o Seu Filho Jesus para morrer na
cruz pelos nossos pecados. Tudo o que Ele exige de nós é que nos arrependamos e
creiamos nas boas novas!
Todos pecámos
A Bíblia é muito clara a este respeito. Diz-nos que não há ninguém que não
peque (1 Reis 8:46) e que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus
(Romanos 3:23). De facto, todo o mundo é prisioneiro do pecado (Gálatas 3:22) e se
dissermos que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos (1 João 1:8). De
facto, se formos honestos, não precisamos que a Bíblia nos diga que somos
pecadores. Qual de nós viveu de forma consistente segundo os padrões que nós
próprios estabelecemos, quanto mais os que Deus fixou? E os Seus padrões são
muito mais elevados que os nossos.
As consequências do pecado
Os meios de salvação
Foi por isso que Deus enviou Jesus para morrer na cruz e levar sobre si o
castigo que os nossos pecados mereciam. É apenas ao aceitar o perdão que Ele nos
oferece gratuitamente em Cristo que podemos escapar ao juízo de Deus porque
quem rejeitar o Filho (Jesus) não verá a vida, porque a ira de Deus permanece
sobre ele (João 3:36).
Paulo diz-nos que Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos
ímpios. Mas Deus prova o seu amor para connosco, em que Cristo morreu por nós,
sendo nós ainda pecadores (Romanos 5:6, 8). De facto, esta foi a razão pela qual Ele
veio ao mundo – para salvar os pecadores (1 Timóteo 1:15). E Pedro diz o mesmo por
outras palavras:
Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos para levar-nos a
Deus (1 Pedro 3:18).
Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigénito para que todo
aquele que n’Ele crer não se perca mas tenha a vida eterna (João 3:16).
Pedro declara que todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados
pelo seu nome (Actos 10:43) e Paulo disse aos Romanos que não se envergonhava do
evangelho de Cristo, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que
crê (Romanos 1:16).
Tens a certeza de que quando morreres vais para o céu? Essa segurança é mais
valiosa que qualquer cura física que possas receber. A salvação, o perdão dos teus
pecados e a certeza de um lar no Céu é de longe a cura mais importante de todas.
Se gostarias de a receber agora, eis uma oração que te ajudará. Se a fizeres com
sinceridade, serás salvo.
Senhor Jesus, venho agora a Ti. Admito que sou um pecador e que
preciso do teu perdão. Creio que quando morreste na cruz, levaste
sobre Ti todo o castigo que os meus pecados mereciam. Afasto-me
agora mesmo dos meus pecados. A partir deste dia, viverei para Ti.
Entra na minha vida e sê meu Salvador. Obrigado por morreres por mim.
Obrigado por me salvares. Obrigado pelo dom da vida eterna. Obrigado,
Senhor Jesus.
AMEN.
APÊNDICE
Nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais. Deus a cumpriu a
nós, Seus filhos, ressuscitando Jesus.
Neles habitarei e entre eles andarei e eu serei o seu Deus e eles serão o meu
povo (v. 16, cf. Levítico 26:12).
E eu serei para vós Pai e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor
Todo-poderoso (v. 18, cf. 2 Samuel 7:14).
NOTAS
(1) Schniewind, J. e Friderich, G., artigo επαγγελια in TDNT, ed. G. Kittel, ET
G. W. Bromiley, Grand Rapids, Eerdmans, 1977, Vol. 2, p. 582.
(2) Romanos 4:13, 14, 16, 20, 21; 9:4, 8-9; Gálatas 3:14-29; Efésios 2:12.
(3) Romanos 15;8; 2 Coríntios 1:20.
(4) 2 Coríntios 1:20-22; Gálatas 3:14; Efésios 1:13.
(5) Parágrafo extraído, com pequenas simplificações, de Schniewind, J. e
Friedrich, G., op. cit, pp. 583-584
(6) Romanos 15:8 e 2 Coríntios 6:16-7:1 são claros exemplos do que acabámos
de dizer.
Bibliografia recomendada