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/ n i a i r s
C i c n c i a e j e
O rganização e tradução:
O
editora
unesp
© 2008, 200 9 da tradução brasileira Editora UNESP
G l5 7 c
2.ed.
Galileu, 15 64 -16 4 2
Ciência e fé: cartas de Galileu sobre o acordo do sistema
copernicano com a Bíblia/Galileu Galilei; tradução Carlos
Arthur R. do Nascimento. —2.ed. rev. e ampl. —São Paulo:
Editora UNESP 2009-
I43p.
Inclui bibliograha
ISBN 9 7 8 -8 5 -7 13 9 -9 3 9 -6
I. Religião e ciência. 2. Fé e razão. I. Título.
09-3005- CDD: 2 15
CDU: 279 .2 1
Editora afiliada:
Introdução . 9
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Introdução
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que tal com petição, que costum a tam bém m erecer às vezes o
títu lo cíe virtude, degenere e m ude de nome em afeto criticável;
aíin al m ais danoso àqueles que com ele se revestem do que a
nenhum outro. M as o selo de todo o meu go sto foi ouvi-lo
contar os arrazoados que V R teve ocasião, mercê da suma be-
nignidade de suas A ltezas sereníssim as, de desenvolver na sua
m esa e depois de continuar na sala da Sereníssim a Senhora ,3
presentes também o G rão-duque, a Sereníssim a Arquiduquesa,
os Ilustríssim o s e E xcelentíssim os Senhores D. A ntônio e D.
Paulo G iordano e alguns desses m ui excelentes filósofos. Que
m aior favor pode V. R desejar do que ver Suas A ltezas mesm as
ter satisfação em disco rrer consigo, em apresentar dúvidas,
ouvir as soluções e finalm ente em ficar satisfeitas com as res
postas de Vossa Paternidade?
282 Os porm enores que V. R disse, referidos pelo Sr. A rrighet-
ti, me deram ocasião de voltar a considerar em Ogeral algum
D
as
coisas a respeito de trazer a Sagrada E scritura em discussões
de conclusões naturais; e algum as outras em p articular sobre a
passagem de Josué, proposta-lhe pela G rã-duquesa mãe, como
contradição à m obilidade da Terra e estabilidade do Sol, com
algum a réplica da Sereníssim a A rquiduquesa.
Q uanto à prim eira pergunta genérica da Sereníssim a Senho
ra, parece-m e que fosse proposto com m u itíssim a prudência
por esta e concedido e estab elecid o por V. R que a S agrada
E scritura não pode nunca m entir ou errar, mas serem os seus
decretos de absoluta e inviolável verdade. Só teria acrescentado
que, se bem a E scritura não pode errar, não m enos poderia às
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nunca os lim ites das leis a ela im postas; parece que, aquilo dos
efeitos naturais que, ou a experiência sensível nos põe diante
dos olhos ou as dem onstrações necessárias concluem, não deva,
por conta de nada, ser colocado em dúvida por passagens da
E scritura que tivessem aparência d istin ta nas palavras, posto
que nem todo dito da E scritura está atado a obrigações tão se
veras como todo efeito de N atureza. Pelo contrário, se apenas
pelo que diz respeito ao acom odar-se à capacidade de povos
rudes e incultos, a E scritura não se absteve do obscurecim ento
de seus p rin cip ais dogm as, atrib u in d o até ao pró p rio D eus
condições m uitíssim o longínquas e contrárias à sua essência,
quem quererá su sten tar com segurança que ela, deixando de
lado esta postura, ao falar, ainda que incidentalm ente da Terra,
do S o l ou de o utra criatu ra, tenha escolhido conter-se com
todo rigo r dentro dos lim itad o s e restrito s significados das
palavras? Sobretudo dizendo dessas criaturas coisas m u itíssi
mo distantes da finalidade prim eira dessas Sagradas Letras, até
m esm o coisas tais que, ditas e tran sm itid as com verdade nua
e desvelada, teriam antes prejudicado m ais rápido a intenção
p rim eira, tornando o vulgo m ais reniten te às persuasões dos
artigos concernentes à salvação.
A ssentado isto e sendo adem ais m an ifesto que duas ver
dades não podem nunca co n trad izer-se, é o fício dos sábios
expositores afadigar-se para encontrar os sentidos verdadeiros
das passagens sagradas concordantes com aquelas conclusões
n atu rais, das quais, prim eiro o sen tid o m an ifesto ou as de
m onstrações necessárias nos tiver tornado certos e seguros.
Até mesmo sendo, como disse, que as E scrituras, se bem que
ditadas pelo E spírito Santo, pelas razões aduzidas, adm itam
em m uitas passagens exposições afastadas do som literal e, ade
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desces particulares que soube por outros. M as, bem que desejo
que o Sr. saiba como não se aquietaram as incendidas iras da
queles, embora nem eu nem outros tenhamos feito um m ínim o
movimento ou m ostrado ressentim ento acerca dos insultos com
que fomos, não com m uita caridade, agravados. Pelo contrário,
tendo voltado de Pisa, o mesmo padre que se tinha feito ouvir
naquele ano em conversas particulares deixou pesar de novo a
mão sobre mim. Tendo-lhe chegado, não sei de onde, cópia de
um a carta 7 que escrevi o ano passado ao Padre M atem ático de
Pisa a respeito de citar as autoridades sagradas em discussões
sobre a N atureza e na explicação da passagem de Josué, vão
bradando a respeito e encontrando nela, pelo que dizem, m uitas
heresias e, em suma, abriram um novo campo para me dilacerar.
M as, começo a suspeitar que quem a transcreveu talvez possa ter
m udado inadvertidam ente algum as palavras, posto que não me
foi feito nem sequer o m ínim o aceno de dificuldade por qualquer
outro que tenha visto a referida carta. Esta mudança, unida com
292 um pouco de inclinação para as críticas, pode fazer as coisas apa
recerem m uito diferentes da m inha intenção .8 E porque alguns
destes padres, em particular este mesmo que falou, vieram aqui
para fazer, como julgo, alguma outra tentativa com sua cópia da
m inha citada carta, pareceu-m e não ser fora de propósito enviar
a Vossa Senhoria Reverendíssim a uma cópia desta exatamente
da m aneira como a escrevi. Peço-lhe que me conceda o favor de
lê-la junto com o Pe. Gruenberger ,9 jesuíta, m atem ático insigne e
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do que eu e só por zelo de que aquilo que está por se fazer seja
le ito com toda m or cautela —que, quanto a salvar as aparên
cias, o m esm o Copérnico já tinha antes executado o trabalho
e sa tisfe ito ao que toca aos astrônom os segundo a m aneira
co stu m eira e aceita de P to lo m eu . M as depois, v estin d o -se
com a roupa de filósofo e considerando se tal constituição das
partes do universo podia su b sistir realm ente “na natureza das
co isas” e vendo que não e parecendo-lhe, no entanto, que o
problem a da verdadeira constituição era digno do ser investi-
298 gado, entregou-se à investigação desta constituição. Sabendo
que, se um a disposição de partes fictícias e não verdadeira podia
satisfazer as aparências, isto seria obtido m uito m ais com a dis
posição verdadeira e real e, sim ultaneam ente, ter-se-ia obtido
na filosoíia um conhecim ento tão excelente quanto é conhecer
a verdadeira disposição das partes do m undo. Encontrando-se
ele, graças às observações e aos estudos de m uitos anos, m u itís
sim o inform ado de todos os acidentes particulares observados
nos astros, sem cujo aprendizado m uito d ilig en te e sem cuja
fixação bem ágil na m ente é im possível chegar ao conhecimento
da constituição do mundo, conseguiu, com repetidos estudos e
longas fadigas, aquilo que o tornou depois digno de adm iração
de todos aqueles que o estudam com aplicação para que apro
veitem de seus progressos. D este modo, ao que creio, desejar
convencer de que C opérnico não julgava verdadeira a m obili
dade da Terra, não poderia encontrar assentim ento senão talvez
da parte de quem não o tenha lido, estando todos os seus seis
livros cheios de doutrina dependente cia m obilidade da Terra e
que a explica e confirma. Se ele, na sua dedicatória, compreende
m uito bem e confessa que a posição da m obilidade da Terra era
de m olde a que, se o julgasse tolo pelo conjunto dos homens,
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com cujo juízo diz ele não se preocupar, m uito m ais tolo teria
ele sido se quisesse fazer-se julgar tal por uma opinião in tro
duzida por si, mas não crida inteira e verdadeiram ente.
Ademais, quanto a dizer que os principais autores, que in tro
duziram os excêntricos e os epiciclos, em seguida não os consi
deraram verdadeiros, isto eu jam ais crerei. Tanto menos quanto
é preciso adm iti-los com necessidade absoluta em nossa época,
no-los m ostrando os próprios sentidos. Porque, não sendo o
epiciclo algo outro que um a circunferência descrita pelo m ovi
m ento de um astro que não abarca com esta revolução o globo
terrestre, não vemos nós que quatro de tais circunferências são
descritas por quatro astro s1' em torno de Júpiter? E não é mais
claro que o S o l que V ênus descreve a sua circunferência em
torno deste Sol sem abarcar a Terra e, por conseguinte, forma
um epiciclo? O mesmo acontece também a M ercúrio. Ademais,
sendo o excêntrico uma circunferência que, de fato, circunda a
Terra, mas não a contém no seu centro, porém de um lado, não
há que duvidar que o curso de M arte seja excêntrico à Terra,
vendo-se este ora m ais próxim o e ora m ais afastado, tanto que
299 ora o vemos pequeníssim o e em outra ocasião com superfície
60 vezes maior. Portanto, qualquer que seja sua revolução, ele
circunda a Terra e está num m om ento oito vezes m ais perto
dela do que em outro. De todas estas coisas e de num erosas
outras sem elhantes, os últim os descobrim entos nos têm for
necido experiência sensível, de tal modo que, querer adm itir a
m obilidade da Terra apenas com a concessão e probabilidade
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sem meu conhecim ento, perm itido fazerem -se cópias e ouvin
do eu que ela tin h a chegado às mãos daquele mesmo que do
p ú lp ito 19 me tin h a tão cruelm ente dilacerado e sabendo que
ele a tin h a trazido aqui, julguei acertado que lhe coubesse uma
outra cópia, para podê-la encontrar em qualquer ocasião e, em
particular, por ter aquele e outros teólo gos p artid ário s seus
dissem inado aqui a opinião de que m inha referida carta estava
cheia de heresias. N ão é, pois, meu pensam ento lançar mãos
a um a em presa tão superior a m inhas forças, se bem que não
se deva tam bém deixar de confiar que a Benignidade divina às
vezes se digne inspirar algum raio da sua im ensa sabedoria em
intelectos hum ildes e notadam ente quando, ao menos, estão
adornados de sincero e santo zelo. Além do que, quando se
tratar de harm onizar passagens sagradas com do utrin as n o
vas e nada com uns sobre a N atureza, é necessário ter inteiro
conhecim ento de tais doutrinas, não se podendo harm onizar
duas cordas conjuntam ente, ouvindo apenas uma delas. Se eu
301 soubesse que poderia prom eter algum a coisa da debilidade do
m eu engenho, me p erm itiria 20 ousar dizer que encontro entre
algum as passagens das Sagradas L etras e desta co n stituição
do m undo m uitas harm onias que não me parece que sejam tão
bem consonantes na filosofia com um ente ad m itid a. Ter-me
Vossa Senhoria Reverendíssim a acenado como a passagem do
Salm o 1 8 é das consideradas m ais opostas a esta opinião me
fez refletir de novo sobre ela, reflexão esta que envio a Vossa
Senhoria com tão m enor relutância quanto Vossa Senhoria me
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sair luz e calor do nosso fogo e que o calor passa por todos os
corpos, em bora opacos e solidíssim os, e a luz encontra oposi
ção da solidez e da opacidade, assim também a emanação do Sol
302 é lum inosa e calorífica, e a parte calorífica é a m ais penetrante.
Que, então, o corpo solar seja, como disse, um receptáculo e,
por assim dizer, um arm azenador deste espírito e desta luz, que
recebe “de fo ra”, antes que um p rin cíp io e fonte prim ária da
qual derivem originariam ente, parece-m e que se tem evidente
certeza disso nas Sagradas E scrituras. N estas vemos, antes da
criação do Sol, o esp írito com sua força calorífica e fecunda
“aquecendo as águas 22 ou chocando as ág u as” em vista das fu
turas gerações. Temos, igualm ente, a criação da luz no prim eiro
dia, enquanto que o corpo solar é criado no quarto dia. Donde
podem os afirm ar m u ito v ero ssim ilm en te que este esp írito
fecundante e esta luz difundida por todo o m undo confluem
para unir-se e fortificar-se no corpo solar, por isso colocado
no centro do universo: daí então, tornada m ais esplêndida e
vigorosa, difunde-se de novo.
D esta lu z p rim igên ia e não m uito b rilh an te antes de sua
u n ião e co n flu ên cia no corpo solar, tem os testem u n h o do
Profeta no Salm o 7 3 , v. 1 6 : “Teu é o dia e tua é a noite; Tu fa-
bricaste a aurora e o S o l”. Esta passagem interpreta-se no sen
tido de Deus ter feito, antes do Sol, uma luz sem elhante à da
aurora. Além do mais, no texto hebraico, em lugar de “aurora”
se lê “lu m e”, para sugerir-nos a lu z que foi criada m uito antes
do Sol, bem m ais fraca que a m esm a recebida, fortificada e de
novo difundida pelo corpo solar. A esta sentença m ostra que
alude a opinião de alguns filósofos que creram que o brilho do
2 2 Cf. Gênesis 1 , 2 .
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Carta à Senhora Cristina de Lorena)
Grã-duquesa Mãe de Toscana (1613)
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29 Galileu pensa nas marés que, segundo ele, seriam impossíveis numa
Terra estacionária. As “razões astronômicas” citadas logo em seguida
são principalmente as fases de Vênus, a variação de grandeza e lu
minosidade de Marte, a trajetória seguida pelas manchas solares no
seu deslocamento mensal e a retrogradação dos planetas superiores.
Cf. abaixo, p .328.
30 Trata-se do problema da flutuação dos corpos.
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pelas quais tenham sido proferidas sob tais palavras. Esta dou
trina é de tal modo conhecida e especificada por todos os teó
logos que seria supérfluo apresentar dela algum testemunho.
D aí me parecer que se pode assaz razoavelmente deduzir
que a mesma Sagrada Escritura, todas as vezes que lhe ocorre
pronunciar alguma conclusão natural e especialmente das mais
recônditas e difíceis de serem compreendidas, não tenha aban
donado esta mesma atitude para não acrescentar confusão nas
mentes daquele mesmo povo e torná-lo mais obstinado contra
os dogmas de mais profundo mistério. Porque se, como se dis
se e claramente se percebe, por causa apenas da consideração de
acomodar-se à capacidade popular a Escritura não se absteve de
obscurecer pronunciamentos da maior importância, atribuindo
até ao próprio Deus condições muito afastadas de sua essência
e contrárias a ela, quem pretenderá sustentar com segurança
que a mesma Escritura, posta de lado tal consideração, ao fa
lar ainda que incidentalmente da Terra, da água, do So l ou de
outra criatura, tenha escolhido restringir-se com todo o rigor
dentro dos puros e restritos significados das palavras? M or
mente ao enunciar destas criaturas coisas que em nada concernem
ao desígnio prim ário das próprias Sagradas Escrituras, isto
é, ao culto divino e à salvação das almas, coisas grandemente
afastadas da compreensão do vulgo.
Sendo, portanto, assim, parece-me que, nas discussões de
problemas concernentes à Natureza, não se deveria começar
com a autoridade de passagens das Escrituras, mas com as
experiências sensíveis e com as dem onstrações necessárias.
Porque a Sagrada Escritura e a Natureza, procedendo igual
mente do Verbo divino, aquela como ditado do Espírito Santo
e esta como executante muito obediente das ordens de Deus;
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36 Segundo
O
uma nota marginal de Galileu, tratar-se-ia do Cardeal
Barônio ( 1 5 3 8 - 1 6 0 7 ) .
37 Bento Pereyra (15 3 5 - 1 6 1 0 ). Seu In Genesim..., Roma, 1 5 9 1 -9 5 ,
teve várias edições em Liao e Colônia.
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tra opinião era a coisa mais absurda. O mesmo foi crido por
Aristarco de Sam os, como relata Arquim edes, por Seleuco,
o matemático, por Hicetas, o filósofo, como refere Cícero, e
por muitos outros. Esta opinião foi finalmente desenvolvida e
confirmada com muitas observações e demonstrações por N i-
colau Copérnico. Sêneca, filósofo eminentíssimo, nos adverte
no livro D e C om etis que se deve com grandíssim a diligência
procurar chegar à certeza sobre se é o céu ou a Terra que sofre
a rotação diurna.
Por isso, não seria talvez senão sábio e útil parecer não
acrescentar à Escritura outros artigos sem necessidade, além
dos concernentes à salvação e ao fundamento da Fé, contra cuja
firmeza não há perigo algum de que possa surgir jamais doutri
na válida e eficaz. Se assim é, desordem verdadeiramente seria
aderir à exigência de pessoas que, além de ignorarmos se falam
inspiradas por uma virtude celeste, vemos claramente que nelas
fica a desejar aquela inteligência que seria necessária primeiro
para compreender e depois para redarguir as demonstrações
com as quais as ciências mais sutis procedem na confirmação
de tais conclusões. Direi mesmo mais, se for lícito apresentar
o meu parecer: talvez fosse mais adequado ao decoro e à ma
jestade das Sagradas Escrituras prover para que todo escritor
superficial e vulgar não pudesse, para autorizar suas com
posições, bem frequentemente fundadas sobre vãs fantasias,
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43 Nem Santo Agostinho nem Galileu parecem ter percebido que se trata
da pele de uma tenda. No texto de Santo Agostinho, referido logo em
seguida, aparece a citação do Salmo 10 3,2 onde esta imagem é utilizada.
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determ inar o que se deve crer. V ê-se isto pelo que ele escreve
no fim do 2- livro De Genesi ad literam [C ap2 1 8 ] ao perguntar
se deve se crer que as estrelas são anim adas: “Em bora isto ,
no presente, não possa ser com preendido facilm en te, ju lgo
que, no curso de meus tratados sobre as E scrituras, ocorrerão
lugares m ais oportunos em que, de acordo com os textos de
santa autoridade, nos será p erm itid o , senão m o strar algo de
certo sobre este assunto , pelo m enos crer. Pelo m om ento,45
contentando-nos em observar um a piedosa reserva, nada deve
mos crer apressadam ente sobre este assunto obscuro, no tem or
de que rejeitem os por amor a nosso erro o que a verdade, mais
332 tarde, poderia nos revelar não ser contrário de modo nenhum
aos santos livros do A ntigo e Novo Testam ento”.
A p artir desta e de outras passagens, parece-me, se não me
engano, que a intenção dos Santos Padres é a de que, nas ques
tões concernentes à N atureza e que não são de Fé, prim eiro deve
se considerar se elas são indubitavelm ente dem onstradas ou
conhecidas por experiências sensíveis, ou então se um tal conhe
cim ento e dem onstração podem ser obtidos. O btendo-se este,
que é também um dom de Deus, deve ser aplicado na investiga
ção dos verdadeiros sentidos das Sagradas Letras naquelas pas
sagens que aparentem ente se apresentem soando diversamente.
Os quais serão certam ente entendidos pelos sábios teólogos
juntam ente com as razões pelas quais o Espírito Santo os tenha
querido velar, algum as vezes, sob palavras de significado diverso
para nossa exercitação ou por outra razão recôndita para mim.
Q uanto ao outro ponto, se considerarm os o escopo prim á
rio dessas Sagradas L etras, não creio que terem elas sem pre
45 Esta frase já tinha sido citada por Galileu anteriormente, p.3 10.
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derando que nem tudo o que se pode fazer é sempre útil que
se faça? Já não foram deste parecer os Padres santíssimos; pelo
contrário, conhecendo de quanto prejuízo seria para a Igreja
Católica e quanto iria contra sua finalidade primária querer, a
partir de passagens da Escritura, definir conclusões acerca da
Natureza das quais, ou com experiências ou com demonstra
ções necessárias, se poderia algum dia demonstrar o contrário
do que soam as palavras nuas, não somente se mostraram cir-
cunspectíssimos, mas deixaram, para ensinamento dos outros,
os seguintes preceitos: “ Se, sobre coisas obscuras e m uito
afastadas dos nossos olhos, lemos algo nos livros divinos que
poderia, salva a fé de que estamos imbuídos, apresentar a uns
um sentido e a outros um outro, guardemo-nos bem de nos
pronunciar com tanta precipitação por um destes sentidos, no
temor de que, se a verdade mais bem estudada o derrubar, nos
derrubará com ele. N ão é combater pelo sentido das divinas
Escrituras, mas pelo nosso, querer que nosso sentido seja o
das Escrituras, quando deveríamos, ao contrário, querer que o
sentido das Escrituras fosse o nosso” (Sto. Agostinho, Genesis
ad literam , Lib. I, Cap£ 18 ) . Santo Agostinho acrescenta pou
co depois, para nos ensinar como nenhuma proposição pode
ser contra a Fé se primeiro não foi demonstrado que é falsa,
o seguinte: “ Ela não pode ser considerada em oposição à Fé
enquanto não for refutada de modo certo; se isso tiver lugar,
então é preciso considerar que esta proposição provinha, não da
divina Escritura, mas da ignorância humana” (Genesis ad literam,
Lib. 1, Cap- 1 9 ). Donde se vê como seriam falsos os sentidos
que nós déssemos a passagens da Escritura toda vez que não
concordassem com as verdades demonstradas; e que se deve,
com a ajuda da verdade demonstrada, buscar o sentido seguro
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não pode jam ais, de acordo com a sentença com um dos teó lo
gos, opor-se às experiências m anifestas ou às dem onstrações
necessárias. Se não me engano, que estes tais se refugiem nas
Escrituras para encobrir a sua im possibilidade de compreender,
bem como de refutar as razões contrárias, não deverá ser-lhes
de nenhum proveito, não tendo sido jam ais até aqui tal o p i
nião condenada pela Santa Igreja. N o entanto, se quisessem
proceder com sinceridade, deveriam calar-se, confessando-se
incapazes de poder tratar de sem elhantes assuntos. O u então
deveriam considerar prim eiro que, se está bem no poder deles
d isp u tar acerca da falsidade de um a proposição, não está no
poder deles nem de outros, exceto do Sum o Pontífice ou dos
sagrados C o n cílio s, declarar que uma proposição é errônea.
D epois, com preendendo como é im possível que algum a p ro
posição seja sim ultaneam ente verdadeira e herética, deveriam
ocupar-se daquela parte que m ais lhes diz respeito, isto é, de
m onstrar a falsidade desta; a qual, logo que fosse descoberta,
ou não seria m ais p reciso in te rd iz e r tal proposição porque
ninguém seria partid ário dela; ou o in terdizê-la seria seguro e
sem perigo de escândalo algum .
Por isso, apliquem -se prim eiro estes tais a refutar as razões
de C opérnico e dos outros e deixem depois o condenar sua
opinião como errônea e h erética a quem isto com pete. M as
não esperem que seja de se encontrar, nos circu n sp ecto s e
sap ien tíssim o s Padres e na sabedoria ab so lu ta D aquele que
não pode errar, aquelas resoluções repentinas nas quais eles
próprios às vezes se deixariam precipitar por algum sentim ento
343 ou interesse particular. Porque, sobre estas e outras proposi
ções sem elhantes, que não são diretam ente de Fé, não há n in
guém que duvide que o Sum o Pontífice guarda sempre poder
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351 Considerações sobre a opinião copemicana
I
58 Os três textos publicados por Favaro sob este título não foram
impressos durante a vida de Galileu. Destinavam-se certamente a
fornecer material para reflexão aos teólogos envolvidos na discussão
do sistema de Copérnico, como, em primeiríssimo lugar, o Cardeal
Belarmino. Aliás, o terceiro destes escritos responde, ponto por
ponto, à carta de Berlamino a Foscarini.
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não seja passível de dem onstração, mas que nem m esm o seja
passível de achar lugar na mente de pessoa judiciosa. O outro
conceito que tentam in cu tir é o seguinte. Se bem que esta po
sição tenha sido sustentada por Copérnico ou outros astrôno
mos, isto foi feito “por suposição” e um a vez que ela pôde mais
facilm ente satisfazer às aparências dos m ovim entos celestes e
aos cálculos e côm putos astronôm icos, mas não que os pró
prios que a supuseram a tenham crido verdadeira “de fato” e na
N atureza. Donde concluem que é seguram ente possível proce
der à execução de sua condenação. M as, se não laboro em erro,
este discurso é falaz e d istin to da verdade como posso tornar
m anifesto pelas seguintes considerações. Estas serão somente
gerais e aptas a poderem ser com preendidas sem m uito estudo
352 e fad iga m esm o por quem não seja p ro fun d am en te versado
nas ciências naturais e astronôm icas. Se acaso se apresentar a
ocasião de ter de tratar estes pontos com aqueles que fossem
m u ito exercitados nestes estudos ou, pelo m enos, tivessem
tempo para poderem dedicar-se como requereria a dificuldade
da m atéria, não proporia outra coisa senão a leitura do próprio
livro de Copérnico, da qual e da força de suas dem onstrações se
descortinaria abertam ente quanto sejam verdadeiros ou falsos
os dois conceitos de que falamos.
Que, portanto, a opinião heliocêntrica não deve ser despre
zada como ridícula, dem onstra-o a qualidade dos homens tanto
antigos como m odernos que a sustentaram e a sustentam . Nem
poderá alguém julgá-la ridícula se não considera ridículos e es
túpidos, prim eiro P itágoras com toda a sua escola. Filolau, mes
tre de Platão, o próprio Platão, como testem unha A ristóteles
nos livros Sobre o céu, H eráclides do Ponto e Ecfanto, Aristarco
de Sam os, H icetas, Seleuco, o m atem ático. O próprio Sêneca
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za, eu digo que adm itirei de boa vontade todo este discurso,
contanto que eles ainda se contentem em perm anecer nas suas
próprias concessões, de tal modo que a m obilidade da Terra e a
estabilidade do Sol sejam tão falsas ou verdadeiras na N atureza
quanto os epiciclos e os excêntricos. Façam, portanto, estes
todo o seu esforço para remover a verdadeira e real existência
de tais círculos. Q uando lhes for possível rem ovê-los dem ons
trativam ente da N atureza, de pronto me rendo e lhes concedo
que a m o b ilid ad e da Terra é um grande absurdo. M as se, ao
contrário, se virem obrigados a adm iti-los, confessem também
a m obilidade da Terra e confessem que foram convencidos por
suas próprias contradições.
A este propósito, poderia aduzir m uitas outras coisas. M as,
porque ju lgo que quem não fica persuadido por tudo quanto
disse, tam bém não ficaria por m uitas outras razoes, desejo que
bastem estas. Acrescentarei apenas qual possa ter sido o m o
tivo com cujo apoio alguns podem , com algum a aparência de
verossim ilhança, ter tido a opinião de que o próprio Copérnico
não tenha verdadeiram ente crido na sua hipótese.
Lê-se no verso da folha de rosto do livro de Copérnico certo
prefácio ao leitor, o qual não é do autor, porque fala deste na
terceira pessoa, e não tem assinatura. N este se lê claram ente
que não se deve crer de modo nenhum que C opérnico julgasse
361 verdadeira sua posição, mas que só a arquiteto u e introduziu
em vista dos cálculos dos m ovim entos celestes. Term ina seu
discurso concluindo que tê-la como verdadeira e real seria to li
ce. Conclusão tão resoluta que, quem não lê o que vem depois
e a julga introduzida ao m enos com o consentim ento do autor,
merece algum a desculpa por seu erro. M as deixo que cada um
aprecie por si em que conta se deva ter o parecer de quem qui-
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sesse julgar um livro não lendo deste outra coisa senão um bre
ve prefácio do editor e livreiro. E digo que tal prefácio não pode
ser de outro senão do livreiro para facilitar a venda do livro,
que teria sido considerado por todo o m undo um a fantástica
quim era se não lhe fosse acrescentado tal abrandam ento, uma
vez que o com prador costum a, o m ais das vezes, dar uma lida
em tais prefácios antes de com prar as obras. Que este prefácio
não som ente não seja do autor, mas que tenha sido inserido
sem seu conhecim ento, bem com o sem seu consentim ento,
m an ifestam -no os erros aí literalm en te contidos, os quais o
autor jam ais teria adm itido.
Escreve este prefaciador que não se deve considerar verossí
m il, a não ser por quem fosse de todo ignorante de geom etria
e de ótica, que V ênus tenha um epiciclo tão grande que pos
sa, ora preceder, ora pospor-se ao Sol em 4 0 ° ou m ais, pois
seria necessário que, quando está o m ais alto possível, o seu
diâm etro aparecesse apenas como a quarta parte daquele que
aparece quando está o m ais baixo possível e que o seu corpo
fosse visto, nesta posição, 16 vezes m aior do que naquela. A
estas coisas, diz ele, são contrárias as experiências de todos os
séculos. N estas palavras, vê-se, em prim eiro lugar, que ele não
sabe que V ênus se afasta para cá e para lá do Sol pouco menos
de 4 8 ° e não 4 0 °, como ele diz. Além disso, afirm a que seu
diâm etro deveria aparecer 4 vezes e seu corpo 16 vezes m aior
nesta posição do que naquela. N o que, prim eiro, por falta de
geom etria, ele não com preende que, quando um globo tem o
diâm etro 4 vezes m aior que o de um outro, em conseqüência
o corpo é 6 4 vezes m aior e não 16, com o ele afirm a. De tal
m odo que, se ele julgava absurdo tal epiciclo e queria por isso
declará-lo im possível na N atureza, se tivesse entendido esta
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Roberto Belarmino
a Paulo Antônio Foscarini
Roma, 12 de abril de 1 6 1 5 •
Ao M ui Reverendo Padre M estre Frei Paulo Antônio Foscarini,
Provincial dos C arm elitas da Província da C alábria
M eu mui Reverendo Padre,
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De casa, a 12 de abril de 1 6 1 5 -
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A carta de Galileu à Grã-duquesa
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