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AVISO
NOTA DA AUTORA
SUMÁRIO
Chapter 1 – Sequestrada
Chapter 2 – Vida ou Morte
Chapter 3 – Voto de Confiança
Chapter 4 – Amizade
Chapter 5 – Distância
Chapter 6 – Tiros
Chapter 7 – Teimosia
Chapter 8 – Incidente
Chapter 9 – Aceitação
Chapter 10 – Proteção
Chapter 11 – Dunluth
Chapter 12 – Desaparecimento
Chapter 13 – Conflito
Chapter 14 – Despedida de Solteira
Chapter 15 – Votos
Chapter 16 – Epilogo
Chapter 1 - Sequestrada
Emma
Tudo o que me mantém de pé no momento é puramente a gravidade. Stacy a
enfermeira do turno noturno, me olha com simpatia quando passo pelo posto
de enfermagem para checar alguns prontuários, ainda tenho que checar alguns
pacientes na recuperação - é difícil para quem está de fora perceber, mas nós
médicos mal paramos para respirar durante os plantões, e médicos no início
de carreira com uma dívida enorme em créditos estudantis, temos que
basicamente nos esforçar em dobro, sendo assim atualmente me encontro em
um estado que poderia fazer figuração em The Walking Dead dispensando a
maquiagem.
Gwen, minha melhor amiga, rouba os prontuários das minhas mãos franzindo
o cenho para mim.
– Dê o fora daqui, no mínimo você está aqui a quarenta horas – diz ela
tentando parecer brava.
– Quarenta e oito – eu respondo, mas quem está contando? - O irônico é que
Gwen é tão obcecada como eu, a diferença é que o fato de ela ter uma filha,
só faz essa rotina duplamente mais difícil para ela, apesar de Lila ser a criança
mais linda que eu já vi, e valer plenamente o sacrifício com a mais absoluta
certeza, ser mãe solteira e residente de um programa de cirurgia é desafiar
qualquer lógica, e por mais que eu a ajude, a responsabilidade ainda caí mais
pesadamente nos ombros dela.
– Ok, a Sra. Goshen vai levar Lila em casa?
– Não, hoje é o seu dia de folga, você deveria ter saído as 15:00 e já são 23:40
Emm! Certamente você vai para casa e desmaiar na cama, e Lila vai dormir
na Sra. Goshen hoje.
Gwen e eu dividíamos um apartamento em Midtown, perto o suficiente do
hospital de carro, mas longe o suficiente para conseguirmos pagar, Manhattan
não é uma cidade barata de se viver, e muito menos quando se está criando
uma criança pequena.
Então ela repete.
– Dê o foraaa Emm, agoraa!
Ela estica os braços apontando a direção do vestiário, e quando me vê dando
olhadas cumpridas para a sala de recuperação estreita os olhos e continua
apontando o vestiário, e sendo assim fico sem opção, queria conferir alguns
pacientes, mas Gwen tem a determinação de cão de caça, meu turno
oficialmente acabou por aqui.
Depois de 48 horas de plantão e eu estou aqui me perguntando porque diabos
escolhi a residência cirúrgica como uma opção, ok, talvez eu esteja
exagerando, como dizem por aí “trabalhe com o que você gosta e você não
terá que trabalhar um só dia”, mas a essa altura e no esgotamento em que
estou isso parece como papo furado. Troco de roupa rapidamente, pego as
minhas coisas e me movo em direção a saída, aceno para as pessoas que
encontro pelo caminho, mas parece que só uma parte do meu cérebro está na
tarefa, a outra já está dormindo. Está garoando fininho então, puxo o capuz do
casaco para me proteger, e começo e me mover para fora, pensando que
dormir um dia inteiro a partir de agora já não parece exagero e sim
necessidade, continuo andando em direção ao meu Honda, no extremo do
estacionamento, que agora está vazio e com poucos carros, mas quando
estacionei, não havia nenhuma vaga estava disponível nas proximidades, esse
foi o grande motivo de eu ter que estacionar a essa distância da entrada.
Meu carro um modelo ultrapassado e desgastado, e atualmente a única coisa
que o meu dinheiro pode pagar, me espera solitário no estacionamento
deserto.
Entro e jogo minha mochila no banco do carona, e coloco a chave no contato,
e então quase tenho um infarto ao olhar no espelho retrovisor, ao perceber que
não estou sozinha.
– Mantenha as mãos no volante, e não reaja – disse o cara com uma arma nas
mãos apontando para a minha cabeça.
O estranho é que após o susto inicial, eu me mantenho calma de uma forma
geral para uma vítima de sabe se lá o que está acontecendo, o rosto descoberto
do meu assaltante, deveria me fazer me cagar de medo, já que os caras maus
não querem ser reconhecidos e se são, não há muitas vítimas que ficam vivas
para contar a história, mas o raciocínio lógico abandona o seu corpo na hora
que você precisa e o que entra em cena é basicamente o instinto e o meu ou
estava com defeito, ou então sabia que correr, gritar ou qualquer coisa do tipo
não adiantaria muita coisa, apesar disso tentei…
– Ok! – eu respondi – Eu não tenho dinheiro, comigo, e para falar a verdade
nem no banco, sou uma residente, ganho mal trabalho muito, você sabe como
é, você pode levar o carro e a minha bolsa, porém receio que não tenha mais
que 100 dólares e isso é uma perspectiva otimista! – Já contei da minha
tendência a tagarelar quando nervosa?
– Fique tranquila Doc., o que nós precisamos de você nesse momento é a sua
perícia médica, e depois eu garanto, você está livre para ir – palavra de
escoteiro – disse ele levantando os dois dedos da mão com em um juramento.
– E você alguma vez já foi escoteiro? – Perguntei e no mesmo momento
desejei ter ficado calada.
– Dirija, eu vou te mostrando o caminho, sem gracinhas, e ninguém se
machuca – disse ele com a expressão fechada e cortando qualquer conversa.
E então aqui estamos nós, continuamos rodando por Manhattan e as
instruções do meu captor, parece estar nos levando ao norte, uma grata
surpresa porque eu certamente apostaria em Hell´s Kitchen, o que me mostra
que talvez eu deva parar um pouco de assistir Netflix. Depois de muitos “vire
à direita”, “vire à esquerda” e “continue seguindo reto”, estamos entrando no
East Harlem, mas algumas ruas adiante, ele me mandar parar.
– Desça, devagar Emma, sem gracinhas – diz ele
Eu aceno com a cabeça em concordância.
– Você disse serviços médicos, eu não tenha nada comigo, nem mesmo o
material básico – digo a ele
– Essa parte já foi cuidada ele me responde – e se aproxima de mim,
casualmente com seu casaco grosso, ninguém diria que ele está carregando
uma arma e apontando para mim, enquanto andamos em direção a uma das
Brown Stones da vizinhança.
Sabe eu cresci em um bairro, em que as pessoas tomam conta da vida dos
outros a todo momento, senhoras ficam na janela vigiando o movimento, e
todo mundo sabe da vida de todo mundo, mesmo quando você não quer
realmente saber, minha esperança era conseguir de comunicar com alguém e
que a pessoa chamasse a polícia ou algo assim, porém aqui, nem uma viva
alma estava circulando na rua, e nenhuma cortina das janelas da vizinhança se
movimentou enquanto subíamos a escada em direção a casa.
Meu captor, deu três batidas na porta, e então girou a maçaneta e a abriu, me
mandando entrar com um aceno de cabeça.
E bom o que eu posso dizer com certeza é que tanto o exterior quando o
interior da casa não era nada do que eu estava esperando, a elegância do
mobiliário, desmistificava a imagem padrão dos cativeiros de Hollywood, o
estranho é que eu não sabia se sentia alivio ou ficava assustada.
Fomos adentrando a casa, havia um ruído de rádio, que parecia emitir a
frequência da polícia, seguimos em direção ao som até chegar a cozinha,
havia um homem mais velho sentado lá, com um jornal, eu não pude deixar
de reparar o coldre da arma, que estava visível pela falta do paletó. Ele olhou
para o meu captor rapidamente e seus olhos voltaram ao jornal.
– Eles estão lá embaixo – ele disse e então ele nos dispensou sem um segundo
olhar.
Havia uma porta na extremidade, fomos em direção a ela e descemos a escada
que levava ao porão, estava pouco iluminado e sendo assim, cada passo que
eu dei, agora me encheu de medo, porões definitivamente se encaixavam na
minha ideia de cativeiro. Quando chegamos ao final a pouca luminosidade foi
explicada, todo o cômodo estava envolvido com plástico, havia uma pia em
um canto, mas o plástico tapava todo o resto.
–Você pode se limpar ali Doc. – ele disse para mim.
– Ok, eu disse complacente – tão complacente o possível, já que a arma
continuava apontando para mim.
E então comecei o processo de lavagem cirúrgica, eles estavam bem
equipados, o equipamento não era amador nem improvisado, as torneiras o
sabão a pia, o que meu deu a ideia que tanto quando possível nas
circunstâncias, eles criaram uma sala cirúrgica aqui embaixo, e pelo que eu
sei alguém que assumisse essas despesas, que não eram baratas, era porque
não estava apto a ir a um hospital convencional.
Na lateral pendurado em um gancho havia uniformes cirúrgicos, o jogo
completo, olhei ao meu captor em interrogação. Ele apontou uma porta a
minha esquerda.
– Há um banheiro aí Doc., mas se você quiser pode se trocar aí, eu juro que
não vou olhar – sorriu ele com ironia
– Se você não se importa eu fico com o banheiro – eu disse sem compartilhar
o mesmo humor.
Entrei no banheiro e me troquei rapidamente, eu não queria como dizem por
aí ser pega com a “calças curtas”, então sabendo que não adiantava adiar o
inevitável saí do banheiro.
– Estou pronta – eu disse então.
Meu sequestrador afastou o plástico e com um sinal de cabeça me mandou
entrar.
Como eu imaginava, quem quer que seja o dono disso aqui, gastou um bom
dinheiro equipando esse lugar, a maca cirúrgica e todos os equipamentos
necessários estavam aqui. Deitado na maca havia um corpo, e duas pessoas
trabalhavam no paciente, um deles mais velho por volta dos 50 anos, e o outro
mais jovem por volta de 30.
– Griegori a médica está aqui – o meu sequestrador avisou.
O mais velho se virou e então se aproximou, me deu um aceno com a cabeça,
e começou a falar.
– Ele está estável no momento, fiz o que pude, mas de certa forma o eu pude
fazer é colocar “gazes e esparadrapos” para retirar as balas precisaríamos de
alguém especializado, Mikhail é forte e vai conseguir. As radiografias estão
aí, e vamos dar assistência no que for necessário. Os exames estão aqui, por
favor verifique, eu já vou estar de volta – se os nomes não me dessem
informação suficiente, o sotaque carregado definitivamente entregaria, russos,
provavelmente máfia russa, não tinha como eu ter me fodido mais!
O homem mais jovem continuava monitorando os sinais vitais quando me
aproximei da mesa de apoio para verificar os exames, duas balas na região
torácica e nenhuma atingindo um órgão vital, o perigo maior era a
hemorragia, mas de existisse um Deus, definitivamente ele havia olhado pelo
tal Mikhail essa noite, ironia das ironias.
Quando estava deixando os exames de lado para voltar à mesa de cirurgia, o
homem mais jovem se aproximou de mim.
– Você também está obrigada a estar aqui? – perguntou ele sussurrando
– Não posso dizer que foi voluntário – eu sussurrei de volta
– De qual Hospital você é? Eu sou enfermeiro no Metropolitan, aqui mesmo
nesse bairro – ele diz.
– Eu sou residente no Goldwater – eu disse
Vendo ele de perto a surpresa, ele era bonito, realmente bonito, uma beleza
quase angelical, os cabelos loiros e olhos claros contribuíam para essa, mas
com um toque de masculinidade inigualável.
– Você sabe quem eles são? Bandidos com absoluta certeza, malditos russos e
a coisa mais sábia que podemos fazer é deixar a escória morrer, é um favor
que fazemos a sociedade – ele disse.
Veja bem, eu não discordo dele em um ponto, sim eles são bandidos, mas a
mim não cabe julgar o que alguém merece ou não morrer ou viver, sendo
assim eu faço o meu trabalho e definitivamente eu não posso deixar esse cara
voltar para perto do paciente, e também não posso dizer a verdade aos caras
que me trouxeram aqui, já que isso seria a morte certa do enfermeiro, e eu não
posso ser responsável por isso.
Então quando o cara russo volta eu simplesmente digo a ele.
– Eu não vou operar com ele – digo apontando por enfermeiro – Ele não tem
experiência suficiente e eu quero ele fora da mesa de cirurgia.
Griegori me olha provavelmente achando que eu sou louca. O enfermeiro
começa a sorrir e então diz a ele.
– Eu disse a ela que deveríamos matar o Mikhail – diz ele e continua sorrindo
– Estou supondo que me tirar da mesa de cirurgia é o seu modo de dizer que
discorda, certo doutora? – ele diz.
Olho para ele completamente chocada. E definitivamente eu o classifico como
insano. Se todas as séries e filmes que eu já assisti me ensinaram alguma
coisa à principal delas é não se fode com a máfia, ou você acaba comendo
capim pela raiz.
O enfermeiro insano dá uma gargalhada, e então me diz:
– Acho que isso a fez passar no teste doutora – meu nome é Alex, a propósito
– E eu não sou um enfermeiro, acho que podemos dizer assim que eu faço
parte da “escória” – ele diz comum sorriso nos lábios de quem com certeza
ainda está se divertindo.
Tenho uma insana vontade de chutá-lo, ele me fez pensar que ia morrer bem
aqui na minha frente pelo que havia dito e no final tudo não passava de um
teste estúpido. A prudência, porém, se sobrepõe a raiva e resolvo encerrar a
questão.
– Agora que resolvemos isso, suponho que podemos prosseguir então – eu
digo e me encaminho para a mesa.
Checo os instrumentos, suponho que já que Alex, não é um enfermeiro, meu
único auxilio vai vir de Griegori.
Então olho para o paciente pela primeira vez, e é como levar um soco,
daqueles que tiram todo o ar dos pulmões, se Alex era um anjo com um toque
de masculinidade, Mikhail era a masculinidade em seu estado mais puro, sem
parâmetro de comparação, um deus grego seria a forma mais próxima de
tentar descrever a beleza dele, pode parecer meio fútil até, mas ao olhar para
ele, naquele momento decidi, Mikhail não poderia morrer.
Chapter 3 – Voto de Confiança
Mikhail
Tinham se passado vinte minutos que Emma tinha saído do quarto, tanto
quanto eu estava tentando ser paciente, eu também não conseguia me levantar
por conta própria para ir atrás dela, nas duas vezes que tentei, era como se
lanças em brasas estivessem sendo colocadas nos ferimentos, eu resolvi
esperar ela voltar.
A porta se abriu, mas quem entrou foi Alex – e o filho da mãe como sempre
parecia divertido.
– Olá novamente, da primeira vez, não tive sequer tempo de dar bom dia
efetivamente, já que você parecia ocupado demais, e eu tinha que ir em
perseguição a sua ex-psicopata – disse ele com o sorriso irônico que era sua
marca registrada – Mas devo admitir a minha surpresa, você trabalha rápido
para uma pessoa nas suas condições.
– Corta essa merda Alexei, onde ela está?
– Em casa espero, foram três seguranças para conseguir tirar ela daqui, e de
particularmente quer a minha opinião Mikhail, termine com as suas
namoradas antes de trocá-las por outra, traz muito menos dor de cabeça,
principalmente para mim, que tenho que lidar com essas merdas – disse ele
balançando a cabeça fingindo consternação.
– Alex, eu estou pouco me lixando para onde a Tiffany, está, onde porra a
Emma está? – disse eu perdendo a pouca paciência que me restava.
– Ahh estamos falando da doutora então – disse o filho da puta voltando ao
sorrisinho irônico – Bom ela, foi para a casa, Igor a levou – complementou
ele.
– Você a deixou ir embora – minha voz saiu por entre os dentes que eu
mantinha apertados tentando controlar a raiva.
– Sim, o que foi combinado ontem, você precisava de atendimento médico
por segurança, e o único medico que era confiável o bastante, estava em
Nevada, ele foi chamado, está de volta, Zhenya também está aqui, então o
acordo era liberar a Doutora – ele disse pausadamente como se estivesse
tentando raciocinar com um lunático.
Resolvi relevar, depois resolvia o meu assunto com Emma, tinha coisas mais
urgentes a serem resolvidas agora.
– Alguma novidade – questionei
– Nossos homens estão na rua, procurando informações, até agora não
sabemos de onde essa merda surgiu, e para falar a verdade não sabemos onde
procurar – ele disse seriamente – Parece um serviço muito mal feito, de
última hora, se quer a minha opinião pessoal, e isso de certa forma complica
tudo.
– Como assim? – eu perguntei
– Havia mais de um atirador, atiramos de volta, talvez tenhamos ferido, mas
apesar de você ser o alvo principal, os tiros se espalharam, dois dos nossos
foram feridos de raspão, efetivamente você ficou com o pior.
– E?
– E nenhum dos seus ferimentos foram mortais, sequer atingiram os seus
órgãos vitais, um profissional atiraria para matar, isso supondo que houvesse
algum planejamento sobre isso.
Raciocinei sobre isso, pensando friamente, Alex tinha, razão, foi descuidado,
o que era estranho, não era uma chance em milhão, eventualmente eu estaria
aqui, a segurança ao meu redor era eficiente, mas não imbatível, então porque
arriscar? Até que a resposta veio como um clarão.
– Nikholai! – eu disse seriamente.
– O que tem? – perguntou Alex, tentando compreender.
– Eles não teriam razões para montar uma armadilha às pressas contra mim,
eu moro nessa cidade, eventualmente e com mais preparação, seria mais fácil
do que rápido e descuidado, além do que essa tentativa ia nos levar a
aumentar a segurança o que não faz sentido, não faz sentido se for para mim,
mas faz sentido se for para ele. – A estrutura de Vladmir, protege Nikholai na
Rússia, aqui sua segurança tende a relaxar, mas ainda assim é significativa,
pois ele sempre está acompanhado de seus próprios homens. Porém sua
chegada a cidade nunca é esperada é sempre uma surpresa, então se alguém
nos confundiu, e concluiu que era Nikholai no clube, valia a tentativa, ainda
que descuidada e precipitada de tentar, já que não teriam uma chance parecida
no futuro. – Expliquei meu raciocínio a Alex.
– Então quem te atingiu, esperava que você fosse o Nikholai? Bom isso
explica o descuido é evidente, mas também complica a situação, Nikholai
sendo o substituto de Vladmir, herdou os seus inimigos, e além disso fez os
seus próprios ao longo dos anos – Alex, raciocinou – A infinidade de pessoas
que podem ter alguma coisa a ver com isso é enorme.
– Você os deixou em alerta ontem? Perguntei.
– Sim, e se antes devido a uma solidariedade fraterna, ele já estava a caminho,
agora com certeza ele está vindo para cá! – Respondeu ele.
– Red está segura? – perguntei.
– Definitivamente, a segurança foi dobrada, e ela está sem poder sair do
apartamento, não está feliz obviamente, ainda mais que não contei toda a
verdade, mas se a sua teoria se confirmar, ela não vai ficar feliz por um longo
tempo. Não vejo Nikholai deixando o seu único ponto fraco desprotegido, e a
noção que ele tem de proteção é bem mais restrita que a nossa.
– Ela não pode sair, mais ou menos pode vir até aqui, imagino que dois lances
de elevadores, são seguros os suficientes.
– E vai se arriscar a ser alvo da ira do seu irmão? Alex perguntou.
– Ele é seu irmão também, devo te lembrar. A ira de Nikholai é intensa e se
vai rapidamente, a de Red queima brandamente e é demorada, deixa-la no
escuro só faz isso ser pior, então nesse caso, prefiro enfrentar Nikholai. –
Respondi
– É o seu pescoço meu caro, vou avisar a Iury, imagino que queira tomar o
café da manhã primeiro? – Alex perguntou.
– Sim, porém antes preciso ir ao banheiro, e preciso de ajuda para me levantar
– eu disse.
– Não importa o quanto você me pague, não me paga o suficiente para segurar
as joias da família Mikhail – disse o bastardo sorrindo.
– As minhas “joias” eu mesmo seguro, bastardo, preciso de ajuda para chegar
até lá.
A risada de Alex, ainda ecoava em meus ouvidos depois que ele me ajudou a
chegar até o banheiro. Precisava me recompor, e me preparar, se Nikholai
estava vindo, viria para resolver essa bagunça, e o conhecendo, não iria
descansar enquanto não achasse o culpado, muito merda estava para acontecer
no processo.
Emma
Igor dirigia como se estivesse em uma corrida na NASCAR, ultrapassava,
desviava de carros, costurava o transito como se estivesse sendo seguido, o
que percebi tardiamente, era uma possibilidade real, se o meu maior desejo
antes, era chegar em casa, o maior desejo atual, era chegar viva em casa.
Depois de vários atalhos, que aumentaram o tempo do percurso, eu pude ver o
parque Union Square e então sabia que estávamos chegando. Igor virou à
esquerda e contornou o quarteirão, eu morava em uma rua adjacente a Park
Avenue, em um simpático prédio de tijolinhos vermelhos, de frente para o
Gramercy Park, mas Igor não parou em frente ao prédio, virou à esquerda na
rua lateral que sempre está lotada de caminhões de entrega e dessa vez não foi
diferente.
Igor estacionou um pouco à frente de um dos caminhões e o segurança que
estava no banco da frente desceu e abriu a minha porta, desci um tanto incerta
do que fazer, como nos despedimos de nossos sequestradores? Não existe um
código de etiqueta que te ensine isso. Acenei com a cabeça em direção a Igor
e recebi um aceno de volta. O outro segurança que parecia uma pessoa bem
respeitável (se você não tivesse o conhecimento que sobre o casaco pesado
ele carregava uma arma), me acompanhou até a entrada do prédio, ele olhava
para os lados como se a qualquer momento alguém fosse pular em cima de
nós, o que foi me deixando cada vez mais nervosa à medida que os nossos
passos avançavam, era um trajeto relativamente curto e nesse horário, fora os
entregadores na outra rua quase não havia pedestres passando. Chegamos na
entrada do prédio, eu usei o meu aceno padrão como despedida e subi as
escadas tão rapidamente quanto as minhas pernas permitiam, no patamar
peguei a bolsa e então abri o compartimento interno rezando para que as
minhas chaves estivessem lá, e estavam, por um milagre acertei a chave de
primeiro, o que não ocorre com frequência, e então estava dentro do Hall, me
encostei aliviada a porta como se tivesse corrido uma maratona inteira, e
espiei pela vidro lateral, e pude a ver o segurança já quase na esquina.
Quanto me verei, a Senhora Dawson que morava no térreo, estava parada com
a coleira na mão, como se estivesse pronta para sair e tivesse se distraído com
a sua vizinha meio louca, se comportando irracionalmente, ela me olhava com
curiosidade, e tenho que admitir que pela minha aparência e comportamento
eu realmente parecia estranha aquelas horas. Mas depois de tudo, não queria
dar explicações a ninguém. Então murmurei um bom dia e passei por ela
rapidamente em direção as escadas.
Entrei no apartamento, Lila estava na sala assistindo desenho, e a Sra. Goshen
na cozinha, dei um abraço rápido em Lila, que me devolveu o abraço, e
definitivamente eu perderia se fosse disputar a sua atenção e perguntar sobre a
seu dia para a Peppa Pig, então me poupei do trabalho. Mas não poderia me
desviar da Sra. Goshen com a mesma habilidade que me desviei da Sra.
Dawson, ela tem o instinto de um cão de caça, e um cumprimento não iria
pará-la, mesmo sabendo disso eu tentei.
Aproveitando que ela estava preparando o café-da-manhã de Lila, e estava
distraída, dei um sorriso a cumprimentei e continuei andando em direção ao
meu quarto. Tirei rapidamente as roupas que estava usando peguei uma toalha
e entrei para o banheiro, estava com tempo, mas o trânsito pela manhã é
horrível, já que todos estão indo para o trabalho, e não queria me atrasar.
Tomei um banho rápido, no chuveiro mesmo, mas quente o suficiente para
escaldar a minha pele, é uma das únicas coisas que me relaxa, e depois da
noite de ontem e da manhã de hoje eu precisava muito relaxar, e queria ficar
ali embaixo por muito tempo, mas sabia que não podia ceder à tentação.
Contra a minha total vontade, saí do meu paraíso fumegante, e me enrolei na
toalha, ao sair do banheiro levei um susto, a Sra. Goshen me esperava sentada
na cama, e sua expressão era de jubilo.
– Oh minha querida! – ela disse – Fico tão feliz por você! Já havia perdido as
esperanças é claro, sua vida social era inexistente, mas saber que você
encontrou alguém, e é sério o suficiente para passar a noite fora de casa me
deixa tão feliz! É claro que quando você se casar, vamos sentir a sua falta
aqui, mas você merece a felicidade, e no que depender de mim Gwenevere
não vai demorar muito para encontrar a dela, se é que você me entende –
disse ela piscando para mim com cumplicidade.
E aí está, estava pronta para desiludi-la sobre a minha efervescente vida
social, e o meu “encontro” da outra noite, e o meu casamento eminente
quando ouvi a última frase. Não me entenda mal, a Sra. Goshen, nos ajudou
mais do nós poderíamos agradece-la por toda uma vida, se Gwen e eu
conseguimos nos formar, boa parte dos créditos são devidos a Elizabeth
Goshen, uma senhora aposentada que morava no apartamento ao lado, quando
nos mudamos para cá, mesmo trabalhando o máximo de horas possíveis,
tínhamos que escolher na maioria das vezes entre o almoço e o jantar, então
misteriosamente alimentos apareciam no armário, sempre com a desculpa, de
que “Philip, não tem a mínima noção de quantidade, sempre compra a mais
quando vai ao mercado..” referindo-se ao Sr.Goshen, que eu imagino em toda
a sua vida nunca entrou efetivamente além do estacionamento em mercados,
mas com um bebê em casa e sem dinheiro suficiente para comer, orgulho era
um luxo que não nos permitíamos, além do que alguém confiável para cuidar
de Lila, enquanto estudávamos para as provas finais, era um alento que não
tinha preço, e que se tivesse, nós certamente não poderíamos pagar. Gwen não
tinha ninguém, vinha do sistema de adoção, e qualquer informação sobre a
sua família biológica, havia se perdido há muito tempo, eu era a irmã do meio
de um total de cinco irmãs, e meus pais absolutamente não tinham meios de
me ajudar o suficiente para permitir uma vida confortável, e o pai de Lila,
nunca deu notícias, nem mesmo durante a gravidez, e Gwen evitava falar
sobre o assunto.
Vivíamos no limite, entre a pobreza e a mendicância, mas passamos por isso,
depois da formatura, entramos na residência e o salário melhorou,
equilibrando as nossas contas pudemos pagar a Sra. Goshen, que a muito
contragosto aceitou, e isso porque sabíamos que não podíamos continuar
abusando de sua boa vontade, e consideramos colocar Lila em uma pré-
escola, e sendo assim, ela aceitou receber pagamento. Não estávamos com o
orçamentou folgado, ainda mais que ainda tínhamos empréstimos estudantis a
pagar, e isso somado a todas as outras contas, nos mantinha em um orçamento
restrito, mas nada me faria voltar atrás, Lila era minha afilhada, e eu a amava
tanto quanto se ela fosse minha, e Gwen era minha irmã de alma, mais
parecida comigo que todas as minhas irmãs, nos apoiávamos sempre, e
mesmo com todo o sacrifício valeu a pena cada minuto.
E então voltando a Sra. Goshen, ela era basicamente a mãe que nos adotou
aqui, e como “mãe” acreditava saber o que era melhor para nós, e nossa vida
workaholic era demais para ela, ela acreditava que o amor iria resolver tudo e
de uns tempos para cá tomou como a sua missão pessoal, arrumar um marido
para Gwen e um para mim. Devo confessor vergonhosamente, que eu e Gwen
usamos a nossa profissão como escudo muitas vezes para desmarcar esses
encontros no escuro, mas tanto quanto, não queríamos magoar a Sra Goshen,
fomos a alguns, experiências eu garanto que não pretendo repetir.
Sendo assim, a sua última frase, me tirando do grupo casamenteiro dela, me
deu esperanças, e um ataque de consciência que eu rapidamente silenciei com
lógica, eu não precisava mentir descaradamente, mas também, não precisava
contar a verdade, sendo assim um meio termo, parecia o ideal.
– Oh Sra. Goshen, eu não sei o que dizer… – eu disse um tanto encabulada,
incapaz de desmentir o meu relacionamento de mentirinha.
– Ohh Emma, me chame de Elizabeth, por favor, Beth se preferir. E então –
ela disse animada – Quando vamos conhece-lo?
O que eu não havia previsto obviamente e sendo assim resolvi sair pela
tangente.
– Ahh você, sabe, é ainda muito recente, então ainda vou ver como vai ser….
– Mas você têm que apresenta-lo a sua família, temos que conhece-lo e ver se
ele a trata bem, ele tem que saber que você tem uma família que se preocupa
com você – ela disse me olhando nos olhos com carinho, o que só aumentou a
minha culpa.
– É claro, Elizabeth, e eu agradeço a consideração, mas Lila, está em uma
idade complicada, e não quero introduzir novas pessoas em sua vida, ao não
ser que eu tenha a absoluta certeza que são permanentes, e sendo assim
apresentar um namorado agora, quando tudo ainda é tão recente, não me
parece uma boa ideia.
– Ohh meu Deus, é claro, você tem toda a razão… – ela disse segurando, as
minhas mãos – Mas minha querida, eu quero que saiba, estou tão feliz por
você! – ela disse com os olhos brilhando.
–Obrigada Elizabeth, eu adoraria ficar e conversar mais – menti
descaradamente – Mas estou atrasada e o trânsito pela manhã é terrível –
enfatizei, com uma meia verdade.
Me troquei rapidamente, e menos de cinco minutos depois estava pronta para
sair, passo pela Sra. Goshen, na sala e dou um aceno de despedida.
Lila continuava assistindo desenho, me abaixo pra dar um beijo rápido e dizer
tchau e quando ela me vê sorri.
–Tia Emm! Hoje é quinta-feira. – ela diz parecendo infeliz
– Eu sei princesa! E qual o problema? Respondo calmamente.
– É nossa noite de filme! E o sorvete de chocolate com castanhas acabou – diz
ela parecendo miserável, e ao mesmo tempo com olhinhos esperançosos que
eu tenho certeza que ela aprendeu com o gato de botas.
– Bom, eu acho que posso passar na loja e comprar mais, docinho – eu digo,
sabendo que fui amavelmente manipulada por um mestre de quatro anos
Ela sorri certa de sua vitória, envolve as suas mãos no meu pescoço e me dá
um beijo de despedida. E então volta as aventuras da fenda do biquíni como
se nada tivesse ocorrido.
Saio em direção a porta, colocando um lembrete no meu celular, para lembrar
de passar e comprar o sorvete de chocolate com castanhas. E então desço as
escadas.
O estacionamento do prédio tem saída para a rua lateral, é um espaço no
térreo, cercado pelas construções ao redor, e coberto, existe uma guarita de
segurança que controla o acesso, já que as vagas são alugadas durante o dia, e
são poucos moradores que utilizam, em sua maioria as pessoas que moram
aqui são aposentados e pela proximidade com o centro comercial, gostam de
fazer tudo a pé, das cinquenta vagas existentes, os moradores não ocupam
sequer vinte, e as outras são alugadas para pessoas que trabalham nas
proximidades.
Me aproximo da minha vaga um pouco incrédula sobre o meu carro estar
realmente lá, Clyde o porteiro noturno, não é o que podemos chamar de um
porteiro eficiente, mas também não é cego, e ainda que reconhecesse meu
carro, não reconheceria o motorista, o que seria um excelente motivo para
questionar quem quer que seja que foi o responsável por trazer o carro ontem
à noite, e então me preparo para a possibilidade de ter que gastar uma boa
parte do meu orçamento do mês em um táxi.
Mas para minha surpresa, na minha vaga, onde Alex disse que estaria, está o
meu carro. O alivio desse por mim, não teria que gastar o dinheiro que eu não
tinha em um táxi até o hospital.
Entro no carro, jogo minha bolsa no banco do carona, e dou a partida, paro na
guarita, para que Clyde libere a cancela, ele me reconhece, e chega a sua cara
redonda e sorridente na janela.
– Bom dia Srta. Emma! – ele diz com simpatia – Eu não sabia que você tinha
parentes na cidade, seu primo Franklin passou para deixar o seu carro ontem à
noite. – ele complementa, finalmente me dando a informação de como
conseguiram colocar o meu carro aqui.
Não sei se Clyde presta atenção o suficiente para que sua conversa seja uma
tentativa de pescar informação, por isso mantenho a neutralidade.
– Bom dia Clyde – eu respondo –Sim Frank foi um amor de pessoa ao me
fazer esse favor.
– Realmente, Senhorita Emma, dirigir embriagada não era uma boa opção,
são poucos os jovens com essa responsabilidade hoje em dia. Mas sabe, nunca
é bom exagerar, o alcoolismo é uma doença fácil de se entrar, mais difícil de
sair – diz ele parecendo preocupado.
Sorrio de nervoso, então a história oficial era que eu estava bêbada demais
para dirigir. E o meu porteiro, acredita que eu esteja há um passo do
alcoolismo. Penso se vale a pena dizer que exceto para eventuais taças de
vinho de jantares, basicamente não bebo álcool, e que a minha única droga
diária é café, mas aí teria que reformular toda a história do “meu primo”
Frank e decido que não vale o esforço.
– Até mais Clyde, estou atrasada! – minto descaradamente e aceno
distraidamente na pressa de ir embora.
– Até mais Senhorita Emma – ele me acena de volta, e então estou pegando o
trânsito matutino da Big Apple e começando o meu dia que parece que vai ser
longo.
Mikhail
Alex, o bastardo, me ajudou a ir até o banheiro, fiz minhas necessidades e
definitivamente precisava de um banho, ele me trouxe um filme plástico para
proteger os curativos, e então me ajudou a sentar na bancada no chuveiro, eu
me senti particularmente grato a quem quer que tenha projetado esse lugar por
colocar um chuveiro que parecia ter saído de uma ficção cientifica, e
disparava jatos por todos os lugares, porque eu me sentia completamente
incapaz de me manter sobre as minhas pernas, e preferia ficar uma semana
sem tomar banho a permitir que Alex entrasse aqui e ficasse me segurando
como se eu fosse incapaz, e como um banho de imersão estava fora de
cogitação, agradeci mentalmente de novo a pessoa que projetou o
apartamento, pelo meu apreço pela maldita bancada em que eu estava sentado
agora, tomando banho.
Após terminar, precisei da ajuda de Alex, para voltar para o quarto, ele era
basicamente um apoio para o caso de eu cair, mas insisti em me mover com as
minhas próprias pernas, apesar que eu as sentia como se fosse gelatina. O
filho da mãe jogou uma toalha para mim segurando uma outra, disse com voz
debochada:
– Quer ajuda para secar as suas tranças Rapunzel?
Somente o olhei e me recusei a responder, eu sabia e Nikholai também que a
personalidade extrovertida de Alex, era mais um disfarce do que qualquer
outra coisa, mas às vezes ele enchia a porra do meu saco com essa merda!
Sorte dele, ou azar o meu, tínhamos o mesmo sangue, e não importa o quanto
ele fosse um cuzão do caralho, isso ainda prevalecia.
Ouvimos uma batida na porta.
– Estão todos decentes? Estou entrando – disse a voz melodiosa
E ainda que eu não reconhecesse a voz, só havia uma pessoa com educação
suficiente para bater na porta e perguntar se estávamos “decentes” antes de
entrar, se fosse Zhenya, ela teria entrada sem bater, e quando eu reclamasse
que estava nu, ela diria que não seria nada que ela não houvesse visto antes,
Zhenya, era minha governanta e o mais próximo de uma mãe nós tivemos, já
que para todos os efeitos, erámos órfãos de pai e mãe, ainda que pelo menos
o pai estivesse vivo.
Red entrou carregando uma bandeja com o que eu imaginava ser o meu café
da manhã, e então a colocou do lado do meu corpo
– Você não tem uma roupa? – perguntou ela sorrindo
– Estou coberto pelo lençol, e acabei se sair do banho, quando você invadiu,
então não força Red – eu disse um tanto mal-humorado.
– Você está bem? – ela perguntou preocupada.
– Sabe o que Zhenya sempre diz, vaso ruim não quebra, estou bem e pronto
para a outra – eu disse aliviando o meu mau humor.
Ela colocou ambas as mãos na cintura e então disse tentando parecer brava.
– Porque eu só ouvi sobre isso hoje de manhã, Mikhail?
Se tem uma coisa que eu aprendi ao longo dos anos é que não se pode ganhar
uma discussão conta Red de forma limpa, sendo assim.
– Eu estava desacordado, pergunte a ele – disse apontando para Alex
Ele me olhou estreitando os olhos prometendo retaliação, mas então
Katherina já tinha se virada para ele.
– Alex? – ela disse com interrogação.
– Foi uma bagunça fod…complicada Red, não sabíamos de onde veio o
ataque e a prioridade era, manter Mikhail vivo, e todos seguros, por isso a
ordem de proteção e o motivo de haver tantos seguranças ontem. Além do
quê, só viemos para cá no meio da madrugada, não fazia sentido te acordar, só
para dizer que Mikhail estava dormindo quentinho em sua própria cama –
complementou ele com um toque de ironia.
Red pareceu pensar por um momento, mas Alex era bom com as palavras, no
primeiro argumento, ele sabia que já tinha vencido.
Katherina inclinou a cabeça pensativamente.
– Suponho que isso seja o máximo que vocês vão me dizer de qualquer forma
não é? – disse ela mais como afirmação do que propriamente como uma
pergunta.
Alex somente sorriu e disse a ela:
– Os detalhes sórdidos não valem a pena meu bem.
Ela balançou a cabeça em aceitação, e então perguntou a Alex
– Estão todos bem? – o seu tom, era claro como cristal, e ela estava
especificamente perguntando se Nikholai estava bem.
– Sim Red, todos estão bem, eu levei a pior, e estou bem. – Eu disse para
tranquiliza-la.
O filho da puta do Nikholai não podia pegar a porra de um telefone e dizer
para a sua mulher que estava bem? Eu não sabia o que tinha acontecido entre
eles, mas diante disso e sabendo que ela ia se preocupar, que merda ele estava
pensando?
Mas esses pensamentos eu guardei para mim. Eu não precisava esfregar isso
na cara dela, e pelo seu olhar, ela já se sentia ferida o suficiente pelo silêncio
de Nikholai.
– Onde está Zhenya? –perguntei.
Estava estranhando que até agora ela não apareceu por aqui.
– Ela estava trazendo a sua bandeja quando o telefone tocou, e ela parou para
atender – Katherina disse parecendo um pouco sem graça.
Estranhei a informação Zhenya, só fala o trivial pelo telefone, mesmo com
Nikholai, só tinha uma pessoa com quem ela gastava tempo e.… porra! Claro
Vladmir tinha ligado. Se Nikholai estava preparando uma guerra, com certeza
Vladmir seria informado, e como não aceita bem informações de terceiros,
veio direto a fonte, e ligou para a única pessoa, que não iria se ressentir de
falar com ele.
– Vladmir, eu suponho – eu disse fechando a minha expressão
Red corou, o que só confirmou as minhas suspeitas, o rosto de Alex, também
se fechou como uma tempestade, mas sua expressão relaxada logo estava se
volta, eu não me enganava absolutamente que isso era em meu benefício, mas
a presença de Red, certamente o impediu de dizer o que pensava.
O silêncio embaraçoso permaneceu, nenhum de nós sabia o que dizer Vladmir
era de certa forma uma persona non grata para todos nós, e só a menção do
seu nome era capaz de gerar muita tensão.
Alex, percebendo o desconforto de Red quebrou o silencio
– Mas voltando, ao início, quer dizer que o grande bebê está se sentindo
abandonando porque a mamãe ainda não veio ver como você estava? – O
idiota disse se referindo a Zhenya. – Pode ficar tranquilo, Mikhail, mamãe
pata esteve aqui quando chegou, entrou no quarto e saiu muito rapidamente,
se quer a minha opinião, e depois claro eu soube o porquê – complementou
ele com diversão.
Red, levantou as sobrancelhas em curiosidade e não pode se segurar
– Porque Alex? – Ela perguntou sem disfarçar a curiosidade.
O bastardo riu com gosto e apontando para mim disse.
– Romeu, havia feito uma nova conquista, não estava sozinho na cama.
Imagino que isso tenha desencorajado Zhenya, e feito ela sair rapidamente do
quarto.
Red, me olhou divertida.
– Sério Mikhail? Nessas condições? – questionou ela sorrindo.
A minha vontade de socar o Alex, só aumentou, tudo que eu não precisava
agora, era todo mundo sabendo de Emma, o filho da puta tinha acabado de
garantir isso. Mas por enquanto não poderia expressar o meu
descontentamento socando ele, então guardei para depois, e quando ia
responder fui interrompido pela chegada de Zhenya.
Ela se aproximou da cama e tocou o meu rosto.
– Bom ver que você está bem moy syn – ela disse com carinho – Porque não
está comendo? A medica disse que tem que comer! E a julgar pelo que vi pela
manhã, acredito que vocês estão próximos o suficiente para ela querer o seu
bem nyet? – disse ela, voltando ao seu tom de comando normal.
– Da, Zhenya, estou comendo – eu disse.
Zhenya então olhou ao redor.
– Alex, sei que você tem como hobbie, atormentar, Mikhail, mas Igor está te
esperando para fazer sabe se lá o quê – ela disse, dando a Alex um olhar que
ele não ousasse contestar e completou - Mas tome o seu café da manhã, até
agora tudo o que vi você ingerir foi café, e não ouse me enganar Alex, coma,
senão eu saberei. – ela disse com fingida severidade.
E então virou suas armas para Red.
– Katherina, você não tem malas a fazer?
Red pareceu surpresa.
– Não que eu saiba, eu tenho? – respondeu ela um tanto surpresa, um tanto
divertida.
– Da, você tem – Zhenya confirmou – Estamos indo para os Hamptons hoje à
noite, e como não existe uma previsão de volta, imagino que você queria
preparar a sua bagagem com cuidado – ela disse acenando com as mãos em
dispensa.
Red, era a única mulher a quem Zhenya, dedicava um carinho real, a pose
dela de governanta sisuda, caiu por terra a muito tempo depois de tudo que
Katherina passou, se Zhenya nos via como filhos, ela certamente tinha em
Katherina uma filha.
Katherina por sua vez, sabia quando estava sendo dispensada, e então não se
demorou. Se abaixou próxima a mim e disse:
– Nunca me assuste assim novamente Mikhail, perdi uns bons dez anos de
juventude com o susto – ela disse e me deu um beijo no rosto em despedida,
então se moveu para Zhenya, e também a beijou no rosto e disse – Vou para a
casa começar a fazer as malas, estou convidada para o almoço?
– Da, é claro, sempre Katherina – disse Zhenya com afeto genuíno.
Red sorriu, e então com o último adeus, se retirou do quarto.
E então Zhenya estava sozinha no quarto e pronta a me interrogar.
– E então?
– Então o quê? Me fingi de desentendido
– O que você tem com a médica?
– Não tenho nada com a médica, Zhenya, se Alex disse alguma coisa, ele
estava exagerando, foi uma encenação para me livrar de Tifanny, já que como
você sabe, não é seguro que ninguém fora do círculo de confiança, saiba que
eu fui ferido.
Ela ficou parada me analisando por alguns instantes.
– Alex, não me disse nada, ele tinha algo a dizer? Ela disse desconfiada –
Estou dizendo porque quando vim aqui mais cedo, vocês pareciam mariscos
em uma concha, e isso ninguém me contou, eu vi, e devo dizer estou
surpresa…
– Não interprete dessa maneira Zhenya, ela precisava descansar e eu não
podia ficar só, então foi uma praticidade que ela dormisse em minha cama,
não tente ver significados onde não existem – e para aliviar o tom, eu disse
brincando – Além do que deve ser compreensível, sou um partido bom
demais, o que posso fazer se as mulheres não conseguem manter os mãos
longe de mim.
Zhenya me olhou pensativa, considerando as minhas palavras.
– Pelo seu histórico, sei que não está de gabando em vão Mikhail, e todos
vocês não tem a modéstia como qualidade, porém o que me surpreendeu não
fosse que havia uma mulher agarrada a você como um marisco, como você
mesmo disse, elas não conseguem manter as mãos longe, o que me
surpreendeu é que você a estava abraçando de volta, em total proteção, e isso
para mim é novidade, porque em todos esses anos em que milhares delas
desfilavam por aí, foi uma coisa que você nunca fez, e então eu me pergunto o
que há de diferente nessa? – ela perguntou de forma retorica, e então se
moveu para a porta.
–Tenho alguns preparativos a fazer para a viagem, Nikholai deve ligar a
qualquer momento, para falar com você. – Ela então parou a porta e disse.
–Tente descansar moy mal’chik*, eu volto na hora do almoço, e termine o seu
café da manhã – ela complementou estreitando os olhos.
Após a saída eu ainda pensava em suas palavras “O que tem de diferente
nessa?” Eu também gostaria de ter essa resposta.
*meu menino
Chapter 4 – Amizade
Emma
Cheguei no hospital, com tempo de folga ainda, minha cirurgia estava
prevista para as dez, e ainda não eram nem oito e meia e as rondas não
levariam mais que meia hora, mas como previsibilidade não existe no centro
cirúrgico fui me trocar, e adiantar o que era possível antes da cirurgia.
Gwen surgiu como um fantasma enquanto eu me trocava e me assustou, pois
não percebi os seus passos silenciosos, até que sua voz a denunciou.
– Emma Harris, você realmente achou que eu não iria descobrir – ela disse
estreitando os olhos, e me fazendo pular de susto.
Mentalmente preparei uma defesa muita lógica dos acontecimentos da noite
anterior e argumentos sólidos para explicar, o porquê em nenhuma hipótese
poderíamos chamar a polícia, ou contar para mais alguém.
Mas um fato sobre Gwen, é que ela é adepta aos monólogos, tanto quanto isso
é uma característica irritante, tem suas vantagens também como eu pude
perceber agora.
– Eu sou a sua melhor amiga, não se esconde uma namoro de uma melhor
amiga, aliás por tudo que passamos juntas, sou sua irmã, o que me auto
intitula sua melhor-amiga-irmã, você não pode esconder coisas assim de mim,
tenho que saber quem ele, é, eu e Lila temos que avalia-lo, ver se ele serve,
você não pode se comprometer a sério com um cara que a gente não conhece?
E se ele não for bom o suficiente para você? Quem vai te dizer isso além de
mim?
–Gwen, respira – eu interrompi – E a proposito quem te contou? – era uma
pergunta retorica obviamente só poderia ser a Sra. Goshen – A Sra. Goshen é
rápida devo admitir.
E então pensei por um instante, Gwen era minha irmã, mas honestamente?
Ela iria enlouquecer completamente se soubesse a verdade, e uma mentira
completa seria complicada também, porque então eu teria que conjurar um
namorado sério inexistente do nada, e pesando as minhas opções rapidamente,
cheguei a uma definição, uma meia verdade convincente. Puxei Gwen para
um canto e então comecei.
– Foi uma noite, o que eu não posso chamar de relacionamento sério, eu o
conheci ontem, então dormi com ele, o que posso dizer? Não poderia chegar
em casa e dizer para a mulher que eu considero uma segunda mãe, que havia
dormido com um cara logo depois de conhece-lo, então deixei que ela tirasse
as suas próprias conclusões.
–Você não é assim – Gwen disse – Você não dorme com qualquer um, nunca
teve relacionamentos de uma noite só – ela completou chocada
– Não, nunca tinha tido, mas esse cara, ele simplesmente não é cara que você
para pra pensar, e então diz, bom eu não vou dormir com ele no primeiro
encontro, é o tipo de cara que faz você esquecer o seu nome, no primeiro
beijo, então vamos dizer assim que eu não estava sendo muito lógica, então
podemos dizer assim, que eu me deixei levar pelos acontecimentos.
Gwen pareceu divertida e um tanto preocupada.
– Você usou proteção né? Porque merdas acontecem, e eu melhor que
ninguém sei disso.
– Gwen – eu disse exasperada, eu tomo anticoncepcional lembra? E além
disso sou uma médica, não sou descuidada assim, eu sempre uso proteção. E
não pretendo fazer disso um hábito.
– Bom – ela disse – Homens de um modo geral, não são confiáveis, tem as
palavras doces como mel, mas isso na maioria das vezes é um disfarce – ela
disse, e seus olhos adquiriram um tom saudoso, e tive a impressão que ela
estava pensando no pai de Lila. – Enfim – ela disse mudando a expressão para
um sorriso – se “isso” continuar, ou não, quero que saiba que estou muito
orgulhosa Emm, você transou com alguém, uma transa de uma noite, sem
grandes avaliações ou preparações, isso é um passo importante na vida adulta,
e tanto quanto isso iria chocar todos os nossos amigos e conhecidos
conservadores eu estou realmente orgulhosa, estava realmente preocupada
que teias de aranha fossem se formar e…
– Vai se foder Gwen – eu disse com uma raiva fingida – E eu não sei do que
você está de gabando, já que a sua vida amorosa é tão inexistente quanto a
minha.
– Ahh sim, mais o meu coração foi quebrado, e eu levo um tempo para me
recuperar – ela disse meio divertida, meio consternada.
Eu sabia que o pai de Lila, tinha magoado Gwen, da parte dela era amor, sem
dúvida, da parte dele eu não saberia dizer, e entre criar Lila, e se formar,
ficamos ocupadas o suficiente para ignorar aspectos sociais de nossas vidas.
– Bom, você que se prepare então, tive a leve impressão hoje de manhã, que
já que estou com a minha vida amorosa encaminhada, a Sra. Goshen, vai
pegar sua inexistente vida amorosa como missão, então prepare-se para o que
há por vir.
Gwen pareceu completamente horrorizada.
– Isso é ridículo, você teve um relacionamento de uma noite, isso não conta
como vida amorosa! – ela disse horrorizada.
– Eu sei disso, você sabe disso, ela não sabe disso e nem vai ficar sabendo,
entendeu Gwenevere Hill? Eu salvei a sua pele muitas vezes dos encontros às
escuras promovidos pela Sra. Goshen, agora é o seu turno. – Eu disse com
fingida severidade.
Gwen riu ainda horrorizada.
– Ok, é justo. – Gwen assentiu – De certa forma, vamos negociar esses
termos, afinal se isso não for para a frente, você não vai conseguir fingir ter
um relacionamento por muito tempo – e então ela sorriu – Podemos revezar.
Gwen era impossível, olhei para o relógio, queria ver os meus pacientes, e
tentar adiantar o máximo possível o meu dia, já que teria que passar pra ver
Mikhail ainda hoje.
Então me despedi de Gwen, e quando já estava chegando a porta Gwen
gritou:
–Mas Harris, não vá achando que se livrou de mim, eu quero detalhes dessa
noite com esse deus grego capaz de levar uma santa a pecar, e muitos, muitos
detalhes – ela disse piscando sugestivamente e em seguida dando uma
gargalhada, enquanto se voltava para o seu armário para pegar as suas coisas
Resolvi não estender a polemica, cedo ou tarde teríamos que conversar, e com
a ajuda dos turnos desencontrados eu esperava que fosse tarde…
– Tchau Gwen! – acenei em despedida sem render assunto.
E me movi em direção ao balcão, tinha as rondas a fazer, duas cirurgias
agendadas, e outras que poderiam surgir em emergência, o meu dia estava
mais que cheio o que impedia que eu fosse racionalizar tudo o que tinha
acontecido.
Mikhail
Conversar com o meu irmão gêmeo era sempre o mesmo, Nikholai desde
sempre nunca usou muitas palavras, o seu jeito taciturno e sua aura perigosa o
acompanham desde sempre. Quem não o conhece, pensa que que esses
adjetivos podem se aplicar a mim, mas quando os gêmeos Dragorov são
postos lado a lado, essa diferença é bem explicita. Nikholai não fala, ele
comanda, e usualmente escuta só o necessário, e os “comandos” que ele
rosna, também vem com o estritamente necessário, alguns o chamam de frio,
já disseram até que Nikholai tem mais gelo nas veias que a Sibéria, essas
pessoas claro não o conhecem bem, quando está com raiva, puto o suficiente,
Nikholai é fogo e não gelo, e devo admitir, ele tem um rosto bastante
expressivo quando nesse estado, não que as pessoas que tenham visto essa
expressão em seu rosto continuem por aí, para contar a história.
E ao telefone, com ele agora pouco, pude perceber o fogo queimando na
superfície, Nikholai estava puto, e certamente alguém ia pagar por isso. É
claro que apesar de todo o nosso companheirismo fraterno, isso não era só
sobre mim, e bem a verdade não era sobre ele, os dedos das mãos e pés
somados, não eram suficiente para contar os inimigos de nossa família, e
principalmente os inimigos de Nikholai, já que aparentemente, ele era o
herdeiro presumível de Vladmir, a raiva de Nikholai era sobre Katherina, ele a
manteve bem protegida nesse país, justamente para evitar expô-la ao perigo
imediato que ele vivia na Rússia, se tentaram mata-lo aqui, (ainda que tenham
atingido a mim sem saber) onde ele considerava que ela estava protegida,
então ele sabia que podiam tentar atingi-la também, Katherina era o calcanhar
de Aquiles dele, e aparentemente era a única a desconhecer esse fato. Nós não
sabíamos o que tinha ocorrido entre os dois a cinco anos atrás, e meu querido
irmão não era exatamente alguém a quem você faz perguntas ou troca
confidências, o fato é que Nikholai me pediu que protegesse Katherina, e eu
tenho feito isso por anos, vejo ela sofrer, vejo ele sofrer, e nenhum dos dois
fez nenhum movimento para uma separação definitiva, mas estão separados a
cinco anos, e tanto quanto quero saber que porra aconteceu, também não
posso perguntar a Red, ela definitivamente, não é irascível como Nikholai,
mas geralmente quando o nome dele é citado, seu corpo congela, e se fosse
medo, eu entenderia, mas a expressão que toma conta do seu rosto, é um
misto de amor, dor e uma profunda saudade, que nos faz desviar os olhos,
como se estivéssemos vendo algo muito intimo que não deveríamos ver. E o
pior é que Nikholai tem o mesmo olhar, nas raras vezes que deixa a expressão
de fachada cair. Então nós, ficamos presos entre os dois, basicamente sem
saber o que fazer, Alex e eu somos completamente incapazes e falar qualquer
coisa que pudesse magoar Red, e Nikholai se nega a discutir o assunto,
Zhenya que costuma ter alguma influência sobre todos nós, nos disse que
deixássemos para lá, e que eles teriam que se resolver sozinhos.
Então todos nós fingimos, que nada está acontecendo desde então, e tanto
quanto é possível essa dinâmica tem funcionando bem, ao longo dos anos.
E então voltando a nossa conversa de agora pouco, Nikholai iria começar uma
guerra. E certamente a única pessoa que ele não queria no meio disso e
correndo riscos era Katherina, assim uma verdadeira operação foi montada,
Zhenya e Katherina seriam transferidas para a casa dos Hamptons, que
embora nenhuma delas tivessem ciência do fato, era uma verdadeira fortaleza,
e os melhores homens que tínhamos, iriam fazer a segurança. E então Red
estaria protegida e em total ignorância sobre o que ocorreria, não tinha a
mesma ilusão sobre Zhenya, já que mais cedo ela havia falado com Vladmir
(e particularmente Vladmir não é um assunto que eu queira discutir agora.)
Além disso, eu tinha que considerar a segurança de Emma, ela foi obrigada a
entrar no meu mundo, e pelo andar da carruagem, eu não ia permitir que ela
saísse, e isso era basicamente o equivalente a pintar um alvo em suas costas.
Havia uma equipe nos arredores do hospital, e particularmente no hospital em
que ela trabalhava, havia dois funcionários que também estavam na minha
lista de pagamento, eles eram úteis em caso de necessidade, mas agora
também eram basicamente os meus olhos lá dentro, se houvesse qualquer
indicio de perigo, eles avisariam, e a equipe que mandei, estava próxima o
suficiente para chegar a ela e mantê-la a salvo, e isso claro foi feito a sua
revelia, pelo pouco que a conhecia, dizer a ela que eu a estava vigiando
(mesmo que fosse para mantê-la segura) não iria funcionar. Como dizem por
aí, a ignorância era uma benção.
Emma
Ao final da tarde eu esperei pela exaustão comum, nos finais de turno, mas
misteriosamente, hoje foi um dia tranquilo, as cirurgias programadas correram
bem, e sem nenhum imprevisto que fizesse que eu ficasse presa por mais
tempo em cirurgia. Além disso, nenhum caso de emergência havia chegado
até o momento, o que por si só já era um milagre, já que o nosso hospital é
quem costuma receber os casos de trauma nas proximidades, ainda enrolei um
pouco finalizando os prontuários, para ver se alguma coisa ocorreria e me
deixaria presa aqui, em uma emergência, mas aparentemente todos os
cidadãos nova-iorquinos decidiram ficar em segurança hoje, e nenhum trauma
deu entrada.
Eu não podia mais evitar o inevitável, tinha que ir ver como Mikhail estava, e
não podia esperar um milagre acontecer e me impedir de ir até lá, mas isso era
uma pequena parte indecisa em mim, aquela parte que diz para você não pular
a beira de um precipício, uma pena saber, que se você já se colocou à beira do
precipício, pular é a próxima etapa, e geralmente inevitável, bom eu sei que é
uma analogia ruim, mas acho que é válida, e posso tranquilamente comparar,
suicídio, com envolvimento com a máfia, já que usualmente o resultado é o
mesmo.
Então me dei conta de um problema básico, eu não fazia ideia de como chegar
lá, quer dizer eu reconhecia o Central Park, e sabia que era um prédio muito,
muito caro, mas naquela região existiam muitos prédios que se encaixavam
nessa descrição, entrei no carro e comecei a pesar as minhas opções, a
primeira, eu iria para a casa esquecer que tudo isso aconteceu, peguei o meu
celular, pensei em ligar para o auxílio a lista, e perguntar pelo nome, será que
a atendente aceitaria como endereço “algum lugar entre o Upper East Side e
o Upper West Side”? Não, acho que simplesmente ela cortaria a ligação,
pensando que eu era insana. Tamborilei os dedos no volante tentando pensar,
talvez se eu dirigisse por algumas ruas eu conseguiria reconhecer o edifício?
Não provavelmente isso não daria certo também! Droga estava ficando sem
opções, com o celular em mãos e como uma mania irritante e automática,
deslizei pelos meus contatos era totalmente perda de tempo, procurei por
Alex, e fora Alexandra Thorne, uma colega de trabalho, não havia nenhum
outro Alex, na lista, o que me desapontou de certa forma, automaticamente
continuei rolando a barra, e aí tive uma surpresa “Amazing Alex” não era um
contato que eu reconhecia, eu sequer pensei, e disquei o número, chamou até
cair…Normalmente isso me desanimaria, não sou dessas que ligam
incessantemente, ao não ser em emergências, e no caso, a minha necessidade
de rever Mikhail e saber se ele estava bem, não configurava exatamente uma
emergência. Porém antes que eu pressionasse a tela para rediscar, o meu
celular começou a tocar, “Amazing Alex” piscava na tela, pressionei a tela tão
rápido e com tanta força que por um segundo pensei que teria rachado, mas
nem parei para conferir, levei o telefone ao ouvido e disse com tanta pressa
que a minha voz saiu esganiçada
– Alex? É você?
– Doutora Harris, quem fala é Griegor, o Sr. Dragorov pediu que eu a avisasse
que a rota para o apartamento se encontra salva no seu GPS. A Senhorita
necessita de algo mais? – disse ele com voz metódica e mecanicamente.
– Não – eu disse em um guincho chocado – Obrigada Griegor – tentei
completar com um tom de voz mais normal.
E então a linha ficou muda.
Queria dizer que controladamente, eu liguei o GPS, e procurei com calma a
rota programada, mas isso seria uma mentira total, voei para o GPS, e
desesperadamente apertei os botões e lá estava, como Griegor disse, a rota
para o apartamento, não pude evitar que um sorriso do gato de Chesire,
invadisse o meu rosto! E quando me dei conta disso percebi que eu realmente
estava com problemas.
Saí antes da hora do rush, então o transito estava tranquilo, tão tranquilo
quando possível considerado que ainda é Nova Iorque, enquanto me dirigia
para o apartamento de Mikhail, minha cabeça dava voltas, ao mesmo tempo
que uma parte de mim, queria encerrar essa relação, e eu ficava dizendo a
mim mesma, que já havia feito o que tinha que fazer, uma outra parte de mim
não poderia evitar, eu tinha que vê-lo, tinha que saber que ele estava bem, eu
o conhecia a menos de vinte quatro horas, mas essa necessidade, era muito
real, o que me assustava, eu não era o tipo de pessoa que acredita em amor à
primeira vista, mas a convivência com Gwen e todo o seu misticismo
agregado me afetou, horóscopos, signos, destino, ela basicamente me fez
acreditar em tudo isso, e tanto quanto eu tinha um pé firme na ciência, abri a
minha mente para o inexplicável, e Mikhail, Mikhail era inexplicável, uma
brincadeira do destino, ou o próprio destino quem sabe. Em algum ponto de
consciência eu sabia que desde a primeira vez que eu o vi, eu estava perdida,
mas o meu ceticismo trava uma dura batalha com o meu misticismo sempre,
então eu realmente acreditei, que se eu saísse (viva) dessa experiência, eu
nunca estaria voltando (voluntariamente, inclusive) para a toca do leão, e
voilá, aqui estava eu, dirigindo mansamente, como um cordeiro em sacrifício,
direto para a toca do leão.
Quando entrei na Central Park West, o meu celular começou a tocar, tanto
quanto eu acho uma completa irresponsabilidade, dirigir e falar ao celular,
geralmente ignoro, mas no meu ramo de trabalho, e com o dia anormalmente
tranquilo hoje, achei que o universo estava tentando compensar mandando um
desastre qualquer, que me mandaria de volta ao hospital, considerando então
como uma emergência, atendi.
– Senhorita Harris – diz a voz com um sotaque evidente, que agora eu sabia
ser russo.
– Sim, sou eu – respondi calmamente.
– Peço, que por gentileza, a Senhorita, vire à direita da entrada principal, e
entre pela garagem, a vaga de número três, ao lado do elevador, está
disponível para você.
– Ok – eu disse complemente desconcertada.
– Obrigada, e até logo, Senhorita Harris – disse a voz encerrando a
comunicação
É evidente que estacionar aqui fora seria quase impossível, simplesmente não
existem vagas, e as poucas que existem são disputadas aos tapas pelos
prestadores de serviço da região, então uma vaga de estacionamento, me faria
economizar um bom tempo, rodando o quarteirão na esperança de obter uma
vaga, mas devo admitir que é meio assustador, eu receber essa ligação justo
ao entrar na rua do edifício, é uma sensação meio estranha como se tivesse
sendo observada todo o tempo, e percebo que é uma sensação real, do
contrário, como saberiam que eu estava chegando. Minha mente então me
lembra, que para as pessoas com quem eu estou me envolvendo, vigilância
constante é a única forma de sobreviver, e considerando que Mikhail foi
atacado, isso só deve ter aumentando, o que diminui a minha paranoia por uns
instantes.
Paro em frente ao portão, e como se eu tivesse a varinha do Harry Potter o
portão se abre magicamente a minha chegada. Mas sendo lógica, quem mais
teria um carro com pelo menos dez bons anos de uso, e estaria entrando nesse
prédio, acho que poderíamos dizer com certeza que o meu carro, era o veículo
mais velho(excluindo algum carro clássico reformado que vale milhões), a
entrar nessa garagem, e enquanto me movo para a vaga próximo ao elevador,
essa certeza só se confirma, quando estaciono e saio do carro olhando ao
redor, meu carro comparado aos outros parece um carvoeiro recém saído do
trabalho que foi a um baile no Plaza sem se trocar, quando você o compara
com as pessoas ao redor, ele claramente parece não pertencer aquele lugar,
percebo que isso se reflete em mim também, eu pareço claramente não
pertencer a esse lugar. Minha mente volta ao foco depois de divagar, e me
concentro no que vim fazer aqui, sou uma médica, que vim ver um paciente, e
só, não preciso pertencer a lugar nenhum, e com essa firme nova resolução,
entrei no elevador.
Mikhail
Red havia voltado para o almoço, e permaneceu o resto da tarde, tanto quanto
ela sabia algo estava acontecendo, e estávamos isolados no prédio por
segurança, e já que não podia sair, ela juntou-se a mim, o que basicamente
significava que ela iria fazer uma seleção de filmes de sua
preferência(claramente não a minha) e me obrigar a assistir junto,
normalmente não sou o tipo de pessoa que é “obrigada” a nada, mas Red, é
talvez a única que tenha esse poder, eu a considero minha irmã, o que ela é
por afinidade, mas é mais que isso, Katherina entrou no seleto hall de pessoas
por quem eu levaria um tiro, e depois da noite passada, quando eu realmente
vivenciei a dor de levar um tiro, isso quer dizer muita coisa.
Alex havia voltado, e se juntou a nós, passamos a tarde inteira assistindo
filmes açucarados que eram basicamente os preferidos de Red, como ela
manteve toda a doçura e inocência que ainda fazia os seus olhos se encherem
de lágrimas no desenrolar do drama, eu não sabia, mas ela fez, apesar de sua
história com Nikholai, definitivamente ela ainda acreditava no amor, como?
Eu desconhecia. Nasci, e cresci uma criança um tanto pragmática a respeito
do amor, a minha maturidade não tinha mudado a minha opinião, mas estava
lá, estampado no rosto dela todo o tempo, penso que ela não poderia evitar,
seu rosto era muito transparente e Red nunca havia aprendido esconder as
suas emoções, e eu? Eu era basicamente a lembrança vivida e real do homem
que ela amava, então nesses momentos que ela estava além do controle de
suas emoções, isso transparecia no seu rosto, ela olhava para mim, mas via
Nikholai. Eu lamentava por ela, ter a lembrança de um amor mal resolvido,
deve machucar, ter que conviver com imagem e semelhança do que você
precisa esquecer, deve machucar para caralho. Mas novamente, isso só
poderia ser resolvido pelos dois, tanto quando eu lamentava por ela, também
lamentava pelo meu irmão, ainda que ele não mostrasse isso ao mundo, eu
sabia, que ele estava sofrendo tanto quanto ela.
Alex me vigiava com o canto dos olhos, suas piadas haviam ficado restritas a
parte da manhã, Red brincou sobre isso, e ele justificou dizendo ser cansaço,
era uma justificativa bastante plausível considerando os últimos
acontecimentos, mas eu sabia que era mais que isso, Nikholai estava vindo, e
o estado de espirito taciturno tomou conta de todos nós, muito sangue seria
derramado nos próximos dias, e não importa quanto planejamento exista,
merdas acontecem, e então sempre na proximidades de eventos assim, toda a
equipe alinhava as suas emoções, era sobre viver ou morrer, sobre perder
pessoas, perder amigos em uma guerra que não queríamos lutar. Essa opção
nos foi tirada a muito tempo, éramos que éramos, o sangue que corria em
nossas veias não possibilitava uma saída desse mundo, brincávamos as
margens, sem um envolvimento direto, exceto por Nikholai, que se tornou,
não necessariamente por livre escolha, o herdeiro de Vladmir. Ao termino do
terceiro filme, Red se levantou, Alex se aproximou, mesmo com seu jeito
debochado sabia que sua preocupação era real, eu cheguei muito perto da
morte ontem, e ambos sabíamos disso.
– Como você está – ele perguntou?
– Bem – respondi laconicamente.
– Nunca pensei que fosse eu a dizer isso Mikhail, mas tudo bem se você
precisar de ajuda, e pedir ajuda – acrescentou deixando sair ironia latente –
Ele então levantou os dedos em juramento.
– E juro solenemente que sua masculinidade permanecerá intacta se você se
queixar de dor, ainda mais que levou uma saraivada de tiros e que por algum
milagre fodida só três te acertaram – ele desabafou.
– Alex – eu disse com parcimônia.
E então levantei meus dedos em juramento.
– Sua masculinidade não será afetada, se você disser que está preocupado
com o seu irmão, que aparentemente levou os tiros que eram destinados ao
seu outro irmão, e que basicamente que eu tenho um azar da porra, de ser o
gêmeo do cara que todos querem matar.
– Foda-se – respondeu ele.
Mas seu estado de espirito tinha mudado, a preocupação tinha deixado os seus
olhos, aparentemente se eu podia fazer piada, eu estava bem o suficiente e já
tinha saído do meu leito de morte.
Um bipe soou, Alex levou a mão ao bolso e pegou o celular. Um sorriso se
desenhou no seu rosto, e eu sabia que coisa boa não vinha por aí.
O filho da puta me olhou com os olhos sorrindo de diversão e disse:
– Parece que a Doutora não se assusta facilmente, adivinha quem está de
volta? – e vendo os meus olhos se estreitarem, ele complementou – Sabe
como é, quem costuma sair com as próprias pernas, não costuma voltar por
vontade própria, talvez ela tenha justamente o que precisa para estar nesse
mundo.
– Foda-se Alex! – eu devolvi
– Bom, bom, os ânimos estão alterados por aqui não? – E então dando um
sorriso malicioso, e esfregando as mãos com fingida expectativa ele
completou – Enfim, vou ir receber a nossa hospede, se me dá licença – disse
ele e saiu rapidamente antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
Alex não precisou, desenhar uma explicação a respeito do seu comentário, ele
e Zhenya pareciam ter fundado um clube, que tomava conta da minha vida
amorosa, era como ter voltado a merda do ensino fundamental, risos e
cochichos, dos dois, e além do que envolveram Katherina no meio, o almoço
foi por assim dizer um suplício total, Red foi a única a não pegar no meu pé,
mas o alivio que isso deu, não foi sentido, já que Alex parecia ter dobrado os
esforços para compensar. E agora isso, ele iria recebe-la, e com certeza
continuar com as suas gracinhas. Só esperava que ele não fosse afoito demais
e a assustasse, tudo que eu não precisava é que Emma fugisse de mim. E
quando esse pensamento me bateu não pude evitar a surpresa. Eu queria
Emma por perto!
Emma
Garota de Ipanema, tocava no elevador, enquanto eu tamborilava os dedos na
barra de apoio, era estranho subir no elevador sem a companhia de homens
armados até o dente avaliando o redor como se a qualquer momento fosse
estourar um tiroteio, ao pensar nisso concluo que nesse mundo, é bem
provável que isso aconteça, e eu estar me acostumando a isso é estranho para
caralho! Talvez eu esteja desenvolvendo síndrome de Estocolmo ou algo do
tipo, penso em procurar os sintomas no Google, mas a médica que existe em
mim se recusa! Mas a outra opção também não era viável, ir ao psiquiatra do
hospital e então contar toda a verdade e depois dizer que isso aconteceu a uma
amiga/conhecida, e então ser colocada em uma camisa de força ou algo do
tipo…É vendo por esse lado não ia rolar, e uma parte de mim estava satisfeita,
eu estava muito confortável ao redor de todos eles, e Mikhail, bom é
certamente um pensamento perturbador, mas acho que ele era a principal
razão pela qual eu não estava correndo desesperada ou então fazendo as malas
e voltando correndo para Minesota.
O elevador soou um bipe, que parecia um encerramento de uma sinfonia, e
não o barulho normal dos elevadores de pessoas normais, pessoas ricas eram
realmente estranhas.
Mas nada me preparou para Alex, parecendo muito divertido me esperando na
porta. Engoli a surpresa, e esperei um sentimento de receio talvez vir, mas
simplesmente nada, Alex era como o irmão muito, muito sexy de uma amiga,
daqueles que você lambe com os testa, mas não vai fazer nada a respeito
porque tem uma amizade a manter, e então aproveita o fato dele ser
engraçado, e cria um companheirismo divertido, que acaba virando amizade,
e poderia ser exatamente assim, exceto porque Alex, é o irmão de Mikhail,
exceto porque ele anda armado, exceto porque ele pertence (muito
provavelmente, apesar de ainda tecnicamente ser uma teoria) à máfia russa,
exceto que olhando para Alex sorrir divertido eu esqueço todos os poréns…
– Doutora – diz ele não disfarçando a diversão – Jurava que você não voltaria,
ou então voltaria acompanhada dos federais, e apontaria de um carro preto
qual apartamento, e então a SWAT e toda a cavalaria entraria aqui. –
Completou ele com falsa seriedade.
– O que eu posso dizer Alex, tenho um péssimo senso de direção, ainda uso
GPS, para ir ao trabalho, e já estou lá a seis meses, então isso deve dizer
alguma coisa, não creio que poderia trazer os policiais aqui sem me perder, ao
não ser pela rota que alguém programou no meu carro, e que eu só descobrir à
vinte minutos atrás, e como eu nunca liguei para o FBI, acho que fiquei em
dúvida de como fazer, isso, ou eu estou mentindo para você e nesse momento
estou usando escutas para provar um ponto, e aqueles carros pretos com
aparência sinistra lá embaixo são a cavalaria, a Swat claro já se posicionou no
telhado do prédio ao lado – eu disse fingindo seriedade.
Alex claramente se controlava para não se dobrar e gargalhar, com muito
custo de conteve o suficiente para perguntar.
– É claro, uma equipe fantasticamente eficiente para se organizar em tão
pouco tempo, devo dizer – ele disse balançando a cabeça com fingida
aprovação e deboche – Mas assim sendo, porque você contaria, isso não
estragaria totalmente os planos?
– É estratégico evidente, psicologia reversa, quem seria louco o suficiente
para admitir uma escuta? Você levaria na brincadeira e então contaria todos os
seus planos, tudo parte do plano meu amigo – eu disse piscando com
diversão.
E então comecei a andar em direção ao corredor dos quartos, Alex depois de
minha última resposta estava se dobrando de rir, e então quando estava quase
chegando ao corredor ele me chamou.
– Doutora?
– Sim – eu disse.
Me virei, e vi que ele tinha se recuperado parcialmente do ataque de riso, mas
ainda mantinha as mãos segurando o abdômen. Ele me olhou divertido e
disse:
– Temo que os carros com aparência sinistra sejam nossos, eles contêm a
“cavalaria”, mas novamente, são a nossa cavalaria – completou com os olhos
dançando de malicia.
– Droga! – eu exclamei com raiva fingida – Um detalhe bobo desses, e meu
blefe se foi – Dei de ombros e completei – Mas a SWAT ainda pode estar nos
prédios – e então enquanto Alex, se dobrava em mais um ataque de riso sorri
e fui em direção ao quarto de Mikhail.
Não havia ninguém armado até os dentes no caminho, isso ainda me
impressionava, a cobertura era um o oásis particular, ao que tudo indicava o
que quer que fosse a “atividade” a que eles se dedicavam, ela não chegava a
cobertura.
Abri a porta com cuidado, não queria incomodar um paciente que estava em
recuperação, e foquei na palavra “paciente”, já que havia decidido com
firmeza, que há partir de então Mikhail seria um paciente, como qualquer
outro, e minha preocupação seria estritamente profissional. Não estava
preparada para encontrar os seus olhos fixos em mim assim que abri a porta.
Me paralisei, na falta de outra palavra que explique a razão pelo qual fiquei
parada com a mão ainda segurando a maçaneta e os olhos capturados pelo
olhar dele, paralisia completa era uma boa definição, é como se meu cérebro
tivesse sido apagado, por alguns segundos esqueci totalmente a razão pela
qual estava ali.
Eu queria dizer que rapidamente recuperei o bom senso e reagi, mas isso não
é bem verdade, ficamos instantes ali, instantes que pareceram infinitos, sem
palavras, mas em uma comunicação silenciosa.
Até que cirurgiã em mim se sobressaiu a mulher, e viu que o paciente que
estava em repouso, estava sentado em posição vertical, contrariando minhas
recomendações, e isso foi o que finalmente me tirou do estado de paralisia.
– O que diabos, você está fazendo sentado? – exclamei com perplexidade
– Estava cansado de ficar deitado, doutora, além disso não estou com dor –
disse ele dando de ombros com tranquilidade.
Entrei no quarto com decisão, deixei minha bolsa no móvel aos pés da cama e
me movi para a lateral da cama, e comecei a remover a montanha de
travesseiros que formavam o apoio que o mantinham sentado.
– É evidente que você não está sentindo dor, com a quantidade de analgésicos
que você está tomando, estou surpresa que você esteja sentindo alguma coisa
inclusive – dei uma pausa enquanto seus olhos prendiam os meus novamente
– Mas o repouso não é uma recomendação para te chatear ou te irritar, é o
tempo que o seu corpo precisa para se recuperar – olhei incisivamente – Se
lembra? tiros, cirurgia?
– Vagamente - disse ele com expressão séria, mas os seus olhos estavam
sorrindo.
E então toda o meu distanciamento se foi, os nossos olhares se encontrando, e
tudo aquilo que eu queria esconder transparecia no meu rosto.
– Você passou perto sabia? Um milagre te protegeu do pior, mas ainda assim,
a perda de sangue – e por alguns instantes a minha voz se perdeu - Em vários
momentos eu achei que você não fosse conseguir. – completei a sentença.
Sem que eu me desse conta, nossas mãos estavam unidas, e estávamos
novamente lá, nos comunicando sem palavras, minha garganta estava
apertada, era como se eu me desse conta somente agora do risco que ele
correu, e do que significaria para mim se ele não tivesse conseguido.
Sua voz me interrompeu.
– Eu estou bem Emma, já estou melhor, não sou muito fácil de matar, ao que
parece – disse enquanto apertava a minha mão na sua.
– Bom – eu disse tentando obter algum autocontrole – Eu espero que você
não ponha essa teoria a prova de novo.
O que quer que Mikhail ia dizer se perdeu com a entrada intempestiva de
Alex, eu soltei a sua mão com tal rapidez que não foi possível disfarçar o
movimento, a minha cara de culpada como se estivesse fazendo algo errado e
foi pega no flagra também não ajudou muito. E mesmo que a lógica dissesse
que nesse mesmo dia pela manhã, tínhamos sido pegos em uma situação
(ainda que armada) muito pior, aparentemente segundo os meus preceitos,
estar com o corpo exposta era menos pior que estar com a alma exposta, e
agora pouco, meu coração estava em uma bandeja, e se isso era óbvio para
mim, certamente era óbvio para o Mikhail, e não sei se tão óbvio para o Alex,
que parecia sempre fazer piada de tudo, e agora não foi diferente.
– Meu Deus, vocês não podem ficar cinco minutos sozinhos e se
comportarem.
Os olhos de Mikhail faiscaram, e prometerem retribuição, eu por outro lado
senti as minhas bochechas se aquecerem de vergonha.
Mesmo brincando Alex, passou muito perto da verdade, não, não poderíamos
ficar sozinhos, por motivos óbvios. Mas sem saber o que dizer, fiquei calada,
fui salva por Mikhail, que teve mais presença de espirito que eu para retrucar.
– Você tem um bom motivo para estar aqui, agora Alex – questionou ele com
seriedade e um pouco de impaciência.
– Não mate o mensageiro meu irmão – Alex respondeu – Zhenya me mandou
aqui, ela lamenta não poder oferecer um jantar a você Emma, já que está de
saída, mas quer saber o que você quer como lanche, o que ela faz questão –
enfatizou ele.
– Oh – eu disse desconcertada com o convite, e então recuperando a
capacidade de formar frases completas, me expliquei – Vou ter que desculpar,
mas realmente não posso ficar, tenho um encontro marcado, e não posso me
atrasar, vim só para um visita rápida para checar o estado do Mikhail, e
aparentemente fora estar sentado, quando deveria estar deitado, as
recomendações estão sendo seguidas. Então por favor transmita as minhas
desculpas, mas eu realmente tenho que ir.
Os olhos de Alex, faiscaram de curiosidade e definitivamente com diversão.
– Ah minha querida, que homem cruel nos privaria de tão adorável
companhia, seu compromisso não pode ser desmarcado?
– Infelizmente, a minha companhia cruel tem quatro anos de idade, e
definitivamente ela aprendeu a fazer os olhinhos carentes do gato de botas, e
eu claramente percebo que a minha referência não faz sentido para você, mas
basicamente quer dizer que eu não posso deixa-la na mão, e não me martirizar
com uma culpa terrível depois, e acredite Lila joga duro! – disse e afeto
genuíno que eu nutria por aquela monstrinha transparecia na minha voz.
– Lila é? Interessante – disse ele, e o seu sorriso definitivamente soava como
o gato de Cheshire.
Voltei a minha atenção novamente para Mikhail.
– Amanhã, eu tenho um turno duplo, então vou ligar para checar o seu estado,
no caso de você sentir qualquer sintoma que eu listei, você me avisa
imediatamente, se forem sintomas fortes, direto pro Hospital, devo passar
aqui depois de amanhã na saída do meu turno, e por favor você poderia
manter o repouso e dar tempo ao seu corpo de se recuperar? – implorei
– Dentro da medida do aceitável, vou seguir as recomendações – ele disse, e
então estava segurando as minhas mãos de novo – Até depois de amanhã
Emma.
– Ate lá, Mikhail – consegui me obrigar a responder.
E então a tossida nada discreta de Alex, novamente nos trouxe a realidade,
para evitar fazer um papel ainda mais ridículo e disse:
– Eu tenho mesmo que ir, se cuida Mikhail, e permita que cuidem de você
principalmente – disse soltando a minha mão e indo em direção a porta.
Acenei com a cabeça, e recebi em aceno de volta.
Alex me acompanhava pelo corredor, e suas brincadeiras eram infinitas,
quando chegamos a sala havia uma ruiva parada próxima ao elevador.
Alex se adiantou:
– Red? Sério? Eu dei a minha palavra, isso magoa sabe?! – ele disse, mas seu
tom soava muito afetado para que ele estivesse falando sério.
A ruiva sorriu como se estivesse se desculpando, ela não era uma das Tiffany
´s da vida, era alguém por quem Alex nutria um carinho verdadeiro, e a sua
liberdade ao se locomover me fazia ter certeza que ela era alguém importante
para eles. E bom eu literalmente caí da nuvem, ela parecia uma modelo
internacional, a capa da GQ, Cosmopolitan ou alguma revista do tipo, uma
inspiração para as blogueiras de moda, e apesar de estar vestida casualmente,
era o tipo casual que fazia com que ela parecesse valer um milhão de dólares,
perto dela eu me sentia a cinderela que foi ao baile sem a ajuda da fada
madrinha, ou seja basicamente a gata borralheira, senti as minhas esperanças
do que quer que eu achava que tinha com Mikhail irem para o ralo, não havia
a possibilidade de competição, era mais tipo massacre mesmo! Eu não teria a
mínima chance de competir com ela em questão de aparência.
– Alex, por favor, vou ser rápida, e já estabelecemos que isso não é por vocês,
é por mim, agora xô – disse ela o enxotado com os braços
A minha surpresa foi que Alex a obedeceu, e então saiu em direção a cozinha.
E então a ruiva se virou para mim, estendendo a mão em cumprimento ela
disse:
– Olá, eu sou Katherina, apesar de Alex, e Mikhail me chamarem de Red,
basicamente são os únicos que o fazem.
Seu sorriso era tão aberto que eu simplesmente não podia nem me forçar a
agir com despeito.
– Olá Katherina, eu sou Emma – respondi o cumprimento, e como achei
necessário o complementei – Sou a médica de Mikhail.
Ela balançou a cabeça afirmativamente.
– Sim, foi o que me disseram – e então pareceu hesitar – Sei que parece um
pouco estranho, mas eu preciso saber, você está aqui por livre e espontânea
vontade, porque se não estiver por favor me deixe saber…
Minha cabeça deu um nó, não sabia como responder, e Alex não deu
nenhuma indicação, percebendo a minha hesitação, ela disse:
– Emma, eu os amo, e sei que existe uma parte disso que eles escondem
completamente de mim, mas não sou uma completa ignorante. Então a
pergunta é, você está bem? Você precisa de ajuda.
Então me tranquilizei, Katherina, apesar de não envolvida diretamente, sabia
o que eles faziam, ainda assim minhas palavras foram cuidadosas.
– Bom, Katherina, podemos dizer assim, que a minha participação inicial, não
foi exatamente voluntária, mas hoje, e agora eu vi andando com as minhas
próprias pernas, e vou sair exatamente do mesmo modo. Mas agradeço a
preocupação, de verdade.
Ela pareceu se aliviar bastante com a minha resposta, e então novamente
segurou as minhas mãos.
– Eu te agradeço imensamente pelo que você fez, ainda que
involuntariamente a princípio, Mikhail significa muito para mim.
– Eu tenho certeza que sim – e não sei se consegui disfarçar a dor em minha
voz, e já não podendo lidar com isso me despedi. – Lamento, mas realmente
tenho que ir, já estou atrasada.
E me movi, em direção ao elevador que esperava no andar, estava vazio, e eu
não sabia se tinha ou não que esperar alguém, mas honestamente não estava
disposta, acenei em despedida para Katherina, e por dentro repeti para mim
mesmo que não estava perdendo nada, porque basicamente não me encaixava
naquele lugar.
Ela pareceu ficar confusa com o meu comportamento, até que seus olhos se
iluminaram e ela disse:
– Emma, mais uma vez obrigada por salvar a vida do meu cunhado. Não creio
que possamos um dia pagar o que você fez.
E então enquanto a minha boca de abria em incredulidade total, Katherina
acenava em despedida sorrindo, a porta do elevador se fechou.
Mantive um autocontrole rígido em não iniciar uma dancinha da vitória,
Mikhail era o cunhado de Katherina, ela não era o amor da vida dele, sua
noiva a espera ou algo do tipo, ela era a cunhada, casada com o irmão. Era
inacreditável, tudo que eu achava estar perdido, não estava, encostei minha
cabeça no elevador enquanto minha mente girava em um turbilhão, eu já não
sabia o que pensar, e então por hora resolvi que não iria pensar, iria descer até
o meu carro, dirigir até a mercado comprar o sorvete para Lila, e
definitivamente muito chocolate para mim, porque no momento eu não queria
pensar ou racionalizar nada disso. Essa resolução se tornou libertadora, o que
quer que nós tínhamos eu iria ver aonde vai dar, me desprendi das amarras
que eu mesmo havia colocado, para me manter em uma relação médico-
paciente, não podia mais mentir para mim mesmo, Mikhail, era muito mais
que isso desde o primeiro momento que eu o vi. E eu estava agora disposta a
descobrir aonde isso nos levaria. Foi realmente uma decisão libertadora.
Mikhail
Emma havia saído, e Alex a havia acompanhado, o que basicamente não
durou muito tempo, já que ele voltou muito rápido para o meu gosto,
Katherina estava com ele o que meu deu remotas esperanças que o filho da
puta ia ficar calado, esperanças que acabaram no momento em que ele abriu a
boca.
– Sorte que o homem do encontro de hoje era inexistente não acha? – ele
fingiu pensar por uns instantes e completou – Porque penso que iria sobrar
para mim fazer com que ele sofresse algum incidente no caminho ou algo do
tipo – e então com um sorrisinho malicioso complementou – Mas creio que já
que o encontro é com a criança está tudo ok não é?
Katherina olhava divertida, e eu me recusava a entrar no jogo de Alex, se
percebesse a minha real contrariedade ele não pararia, já que desde sempre,
Alex ignora o que as pessoas normais chamam de “limites”.
Katherina se aproximou de mim, e me deu um beijo no rosto e disse com um
sorriso.
– Até mais estranho! Me disseram que tenho que estar pronta para ir em
quinze minutos, e ainda tenho que voltar ao meu apartamento e pegar a minha
bolsa. Então se virou para Alex, e igualmente com um beijo no rosto se
despediu.
– Até a volta, querido, não o atormente muito, ele ainda não tem como
descontar.
Então já na porta se virou para mim e disse:
– E Mikhail, sei que absolutamente isso não é da minha conta, mas gostei
muito de Emma, e se a minha opinião conta para alguma coisa, acho que
vocês formam um belo par – Red inclinou a cabeça com um sorriso
misterioso – E suponho que as habilidades dela são muito bem-vindas no
ramo de trabalho da família, aquele que eu finjo ignorar, e vocês fingem que
eu ignoro.
E com uma piscadela e um sorriso final, ela tinha ido.
Alex, mantinha o sorriso no rosto, mas suas piadinhas foram evitadas no
momento porque Zhenya logo em seguida da saída de Katherina, entrou com
uma bandeja, que pareceria o suficiente para alimentar, um exército, mas para
ser bem sincero, não era exagero dela, no geral todos nós, erámos muito
ativos, no nosso ramo de trabalho estar pronto era essencial, e muito
atividade, gasta muitas calorias, então todos nós éramos o que chamam por aí
de “bons de garfo”.
O meu desapontamento consistiu que a bandeja basicamente ela para Alex, e
havia um prato de canja, no meio de tudo aquilo que era para mim, não pude
evitar a minha expressão emburrada, que eu tive muito tempo para
aperfeiçoar durantes todos esses anos.
Zhenya, me olhou com condescendência, e então seu olhar se suavizou um
pouco.
– Trinta anos, e quando você está emburrado, usa a mesma expressão de uma
criança de cinco moy syn!
Ela então pegou a bandeja e armou no meu colo, enquanto colocava a canja, e
os utensílios para que eu pudesse comer.
E se sentou do meu lado e disse:
– Já que está inspirado e voltando a sua infância, quer que eu faço um
aviãozinho? – Disse ela em tom de troça.
Alex se dobrou na cadeira com riso, o que fez com que ele engasgasse, já que
devorava os sanduiches como um homem das cavernas, e tinha a boca cheia
no momento do ataque de riso.
–Eu agradeço a oferta, mas vou declinar – eu disse com condescendência
forçada.
Passado a brincadeira, Zhenya voltou à carga.
– Nikholai, chega hoje à noite, e deve dormir aqui.
– Porquê? – eu questionei, entre uma garfada e outra – O apartamento dele
estará vazio.
– E o que eu sei? – respondeu Zhenya – Creio que ele tenha a impressão que
em doze horas a presença de Katherina vai se esvair, então ele poderá conter
as lembranças, ele é um tolo obviamente, sua lembrança está sempre com ele
não importa o quanto ele tente lutar com isso – disse ela com mal disfarçada
ironia.
Tanto quanto Zhenya, nos amava, ela amava Katherina na mesma proporção,
e não entendia a decisão de Nikholai de se afastar, para falar a verdade
nenhum de nós entendia muito bem!
– Vocês dois – disse revezando o olhar entre mim e Alex – Estou velha
demais para grandes emoções, então não importar o que acontecer, estejam
bem quando eu voltar, senão irão se ver comigo!
Alex riu com carinho e disse:
– Compreendido Zhenya, se nós morremos, você nos mata.
Zhenya estreitou os olhos em sua direção! E então confirmou com em aceno
de cabeça.
– Algo do tipo, moy syn, não corram riscos desnecessários, mantenham-se
vigilantes, e tomem cuidado!
O celular de Alex apitou.
– Zhenya – ele disse, –Igor diz que estão prontos para sair
Zhenya me abraçou e sussurrou no meu ouvido
– Cuide-se moy zulot, eu amo você, e não suportaria se algo acontecesse a
você.
Então se levantou e fez a mesma coisa com Alex.
E então ela nos deu um aceno e estava caminhando para a porta.
E isso me aliviou, colocar Zhenya, e Red, em segurança, era a nossa
prioridade máxima. Iriamos entrar em guerra, e a diferença entre perder e
ganhar, estava nos detalhes, em teoria, estariam igualmente seguras aqui, mas
Nikholai não queria Red no meio disso, como ela mesmo disse, ela fingia
ignorância, e nós fingíamos que ela ignorava as nossas atividades, mas deixa-
la aqui no meio disso tudo, era uma proximidade muito grande com a divisão
dos nossos mundos, aqueles que vivíamos, e aqueles que fingíamos viver. E
isso não era possível. “A “ignorância é uma benção…” alguém disse uma vez,
e isso se aplicava para Red.
Emma
Estava andando nas nuvens ao sair do prédio de Mikhail, a resolução de dar
uma chance ao que estava acontecendo entre nós, tirou uma tonelada dos
meus ombros, estava feliz, estava leve por dentro, nem me lembro a última
vez que me senti assim, pura e simplesmente tomada de felicidade genuína,
sem sombras no horizonte.
Passei em um mercado a caminho de casa, e consegui o sorvete de Lila, havia
poucas coisas que eu não faria por ela, e isso não era só sobre a sua
capacidade de imitar a carinha suplicante do gato de botas, Lila era minha
afilhada, e minha família , e esse vínculo não precisava ser de sangue para ter
a força que tem, aliás eu poderia afirmar com certeza, que Gwen era mais a
minha irmã, que as minhas próprias irmãs de sangue, não me entendam mal,
amo minha família, só nunca tivemos a proximidade que eu e Gwen
adquirimos com o tempo, as dificuldades que passamos nos tornaram irmãs,
mais que o sangue que eu compartilhava com a minha família.
Fui direto para casa, esperava conseguir pegar Gwen na saída para o plantão
ainda, e consegui, literalmente na porta, sabia que tínhamos que conversar,
tanto porque contávamos tudo para a outra, tanto porque Gwen era quase o
meu grilo falante, e para falar bem a verdade, eu precisava ser avaliada por
uma fonte neutra quais os sintomas da síndrome de Estocolmo, mas
considerando que demorei a chegar e Gwen estava atrasada (como sempre),
essa conversa seria adiada indefinidamente. Então além dos cumprimentos e
recomendações habituais, não havia muito o que poderíamos falar.
Subi as escadas, sabia que a Sra. Goshen estava lá, e tanto quanto queria
evitar um questionário sobre o meu “novo namorado”, sabia que não poderia
adiar a minha entrada, a Sra. Goshen era da família também, e mesmo quando
eu prefiro evitar a minha família por força maiores, evita-los do outro lado do
país é mais fácil que evitá-los do outro lado do corredor, com isso em mente
entro e vou enfrentar a “fera”.
Entro, e como não há ninguém a vista, resolvo anunciar a minha chegada:
– Olaaá! Alguém em casa?
Duas cabeças surgem simultaneamente, Lila estava no sofá, apesar da
televisão estar desligada por algum milagre, dou a volta e vejo que a milagre
se resume a livros de colorir, e sorrio, a Sra. Goshen esticou a cabeça da
cozinha.
– Olá querida, só estou arrumando algumas coisinhas aqui, e sua cabeça
voltou a sumir.
Eu e Gwen dividimos as tarefas, o que basicamente queria dizer que eram
provavelmente as minhas tarefas que a Sra. Goshen estava fazendo, mas tanto
quanto em várias ocasiões, dissemos a ela que não precisava, e que depois
limparíamos, nunca funcionou, geralmente a casa sempre estava arrumada, e
era sempre a mesma desculpa, ela precisava se manter ocupada, e Lila era
uma criança que não dava trabalho algum. E como não havia realmente nada
que poderíamos fazer em relação a isso deixamos assim, mas tentamos
arrumar a cada inteira pelo menos duas vezes na semana, para não deixar que
a Sra. Goshen se esforce tanto (isso, claro, sem o conhecimento dela).
Lila me olhou, com olhinhos pedintes e disse:
– Você trouxe o meu sorvete?
– Sim, eu trouxe, mas você conhece as regras – eu disse imprimindo uma
seriedade ao meu tom.
– Mas só um pouquinho – ela disse com um ar adorável e totalmente
manipulador.
– Nananinanão Lila! Só após o jantar – eu disse e então me movi para a
cozinha para guardar o que tinha comprado.
Sra. Goshen estava terminando a arrumação, quando entrei.
– E o que você quer para jantar querida? – ela perguntou.
– Hoje vamos sair um pouco do normal Sra. Goshen, em homenagem a nossa
sessão de cinema, creio que podemos, só por hoje, substituir o saudável e
balanceado jantar, por pizza! – eu disse esperando que ela concordasse, tanto
quanto por realmente queria comer pizza, tanto quanto porque era simples,
rápido e fácil de limpar.
A Sra. Goshen sorriu divertida e disse:
– No meu tempo sessões de cinema eram acompanhadas por pipoca!
– Ahh, mas não pense que eu esqueci desse detalhe – eu disse retirando os
itens que havia comprado no mercado da bolsa e complementei – Temos
pipoca, chocolates, balas, chicletes, e por últimos e não menos importante,
sorvete de chocolate com castanhas! – eu disse balançando o pote nas mãos.
– Minha querida, às vezes acho que a expressão “Você é magra de ruim”, foi
cunhada especialmente para vocês – ela disse se referindo a mim, Gwen e
Lila.
Foi impossível segurar a gargalhada, não era a primeira vez que ouvíamos
isso.
– Creio Sra. Goshen que você tenha razão.
E após guardar os itens, peguei o telefone e liguei para pizzaria.
A pizza não demorou a chegar, tanto quanto éramos conhecidas por comer
demais, éramos também conhecidas pelo mau humor associado a fome, tinha
a desconfiança que todos os deliverys que usávamos, nos davam preferência
na fila, tanto quanto por nossa boa gorjeta, tanto quanto porque se demorasse
um pouco mais, ligávamos desesperadamente.
Após o efetivo jantar (pizza), poderíamos passar para as besteiras, e nossa
seleção de filmes para a noite de hoje, devo dizer graças ao meu gosto
apurado estava excelente começaríamos 1º Gremlins, em 2º Os Goonies e em
3º A Fantástica Fábrica de Chocolate.
Tinha sinceras esperanças, que o cansaço após a maratona iria fazer Lila,
dormir à noite inteira, assim poderia chamar a escolha de filmes de
estratégica.
E dito e feito, Lila estava caindo de sono ao final, a peguei no colo e ela
apoiou a sua cabeça nos meus ombros, e a levei para cama.
Sra. Goshen, havia ido para casa na metade do segundo filme, e então
estávamos sós.
Lila, usa seu pijama como uniforme principalmente à noite, então não havia
necessidade de trocá-la, o que foi um alivio, só quem já tentou trocar uma
criança adormecida, e particularmente mal humorada quando acordada sabe
do que estou falando, normalmente Lila sempre pede uma história, mas o
cansaço hoje a fez apagar, puxei os cobertores e a deixei coberta, o que
duraria por alguns minutos antes dela começar a chutar os cobertores, mas era
uma mania que acho que é natural, arrumar os cobertores ao colocar a criança
para dormir. A expressão dela ao dormir era angelical, nem parecia o furacão
infantil quando estava disposta e quando não estava vendo seus desenhos
favoritos, já que aí a sua concentração era total. Dei um beijo de boa noite e
deixei as luzes da cabeceira acesa, elas eram suaves, e permitiriam que Lila
não ficasse assustada no meio da noite, caso ela acordasse, e na opinião da
Sra. Goshen os Gremlins definitivamente iriam causar pesadelos em Lila.
Fui em direção ao meu quarto, a noite mal dormida de ontem, mais o dia
inteiro de trabalho, havia chutado a minha bunda, não era só Lila que estava
desmaiando de sono, mas esse é o problema de se tornar adulto, você não
dorme no sofá e amanhece magicamente na sua cama no outro dia mais, e
depois de uma certa idade, dormir no sofá, é um suicídio para a coluna, e
considerando que amanhã eu teria um plantão duplo, sabia que tinha que
chegar a minha cama. Levei a babá eletrônica para o quarto, Lila já estava
com quatro anos, mas era ainda um excelente recurso, se ela acordasse ou
tivesse um pesadelo, eu a ouviria. E então, sem um pingo de dor na
consciência, desmaiei na minha cama, sem nem mesmo tomar banho ou trocar
de roupa.
Mikhail
Nikholai, surgiu como se tivesse sido conjurado, logo depois que o
helicóptero decolou levando Red e Zhenya para os Hamptons.
Poderia dizer que ainda me surpreendia com a atitude dele, mas isso seria
uma mentira, Nikholai não é alguém a quem você pede explicações por seus
atos, logo não sabíamos o que havia por traz dessa decisão, fato é que mesmo
após cinco anos separados, Nikholai não havia pedido o divórcio, então o
problema entre eles eram muito mais profundo, e tanto quanto eu, Alex, e
Zhenya, queríamos interferir toda vez que tocávamos no assunto, Nikholai se
fechava completamente, e Red simplesmente ficava arrasada, logo
aprendemos a manter o silêncio, no que se referia a ambos.
Ele estava acompanhado de dois de seus homens de maior confiança Kriger e
Serguei, que eram a sombra de Nikholai, desde que Vladmir o nomeou com o
príncipe herdeiro de seu império.
Os passos de Nikholai pareciam triturar o chão que ele pisava, claramente ele
estava puto, e não sem razão, se estávamos certos, a atentado contra mim,
visava ele, eu só era o cara errado com o rosto certo, no lugar errado.
Nikholai nunca foi de usar palavras além do necessário, então ao se sentar,
virou os seus olhos na direção de Alex e perguntou:
– Katherina? – Tanto quanto sabíamos que ele não iria elaborar a pergunta, e
que dentre os seguranças de Red, havia aqueles que lhe informavam sobre ela
todo o tempo, ignoramos esse fato, e Alex respondeu:
– Segura! Zhenya, e ela foram levadas para os Hamptons agora pouco, o
perímetro ao redor da casa já foi estabelecido, e nesse momento é o lugar
mais seguro que elas poderiam estar.
Nikholai assentiu com a cabeça em um movimento brusco, não era nenhuma
novidade para ele de certa forma, já que as ordens para que ela fosse colocada
em segurança, haviam partido dele, mas tanto quanto Nikholai confiava em
seus homens com a sua vida, ele não confiava a vida dela a ninguém.
Sem mais delongas, Alex, espalhou os arquivos que eram resultados de nossa
investigação e Kriger fez o mesmo, com os arquivos que eles trouxeram da
Rússia.
Precisávamos analisar as informações com cuidado, tanto quanto porque os
suspeitos eram muitos, tanto quanto falávamos aqui de matar ou morrer, e
sendo assim não poderia haver erros! Seria sem sombra de dúvida uma noite
muita longa.
Serguei, tirou as garrafas de vodca de uma das malas que trouxeram, bom,
olhando por outro lado, pelo menos não faríamos isso sem um incentivo.
Emma
Lila, dormiu a noite toda como um anjo, aparentemente, ela era realmente
uma de nós em miniatura, e não seria uns poucos gremlins que iriam a
assustar e fazê-la ter pesadelos, quando passei pelo seu quarto, além dos
cobertores chutados (o que já era completamente normal), ela estava
dormindo muito tranquila, a cobri, e dei um beijo de despedida, porque estava
em cima da hora, e sendo bem honesta nunca fui uma pessoa matinal, meu
alarme do celular tinha pelo menos três horários ativados sempre, pela mania
irritante que eu tinha de sempre apertar o soneca, o que quer dizer que eu
colocava geralmente um horário bem mais cedo, um intermediário, e um no
horário que eu deveria acordar, e ainda assim conseguia a proeza de me
atrasar constantemente.
Voltei ao meu quarto, tomei um banho rápido, e troquei de roupa ainda mais
rápido, peguei minha bolsa e me movi para fora.
O cheiro de café me acertou em cheio, sabe aquelas cenas de desenho
animado em que o cheiro conduz a pessoa? Bem próximo disso para mim! Fui
como um torpedo teleguiado atrás do café! A Sra. Goshen estava na cozinha
fazendo massas de cookies (O que me diz que Lila é uma criança de muita
sorte), e pelo cheiro no ar também havia um bolo no forno, e tanto quanto o
cheiro estava divino, eu não era uma pessoa de comer pela manhã, mas eu
definitivamente era uma pessoa que bebia café pela manhã, litros e litros,
acho que era a única coisa que me mantinha de pé e raciocinando durante um
dia.
– Bom dia Sra. Goshen! – eu disse já abrindo o armário e tirando meu copo
térmico.
– Emma! – ela disse com certa desaprovação – Eu não acredito que você vai
sair sem o tomar café da manhã!
Sorri com uma certa culpa.
– Dormi, demais, e estou atrasada! Vai ficar para outro dia Sra. Goshen! –
disse me desculpado enquanto enchia copo com café! – Mas estou levando
café! – eu disse levantando o copo em aceno.
– Você deve saber que a quantidade de café que você consome diariamente
não pode ser normal Emma!
Sorri com uma vergonha agora, tendo estudado medicina, eu sabia que a
minha dieta era péssima, mas não conseguia evitar, então nesse sentido não
havia muito que eu pudesse fazer.
Sabendo que eu estava mais que atrasada e já tendo o meu copo de café, saí
pela tangente.
– Sei que a sua preocupação é sincera, e agradeço muito por você cuidar da
gente assim! Assim que meus horários se tornarem menos loucos, prometo
que vou me esforçar mais em regularizar minha dieta.
– Ohh Emma, você sabe que vocês são a minha família!
Dei um abraço nela, o que serviu também para esconder os meus olhos
marejados.
Por tudo que passamos encontrar a Sra. Goshen, foi praticamente o mesmo
que ganhar na loteria, ela era literalmente uma mãe para todas nós!
Sem mais delongas e antes que eu realmente começasse a chorar, me despedi,
e fui em direção a saída, seria um plantão de quarenta e oito horas, e eu sabia
que não seria fácil.
Mikhail
Passamos a noite inteira analisando as informações, Nikholai tinha um
número tão considerável de inimigos só por ser quem era, que fazia a
quantidade de informações serem insanas. Mas havia um ponto importante,
quem que quer que tenha tentando, esperava ganhar alguma coisa, mesmo que
seja vingança, e isso de certa forma reduziu as opções, e havia também outro
ponto importante quem quer que tenha feito isso, tinha algum poder na
cidade, seja por conseguir a informação, seja por se arriscar a atacar a família
que comandava a operação russa nesse continente.
Chegamos a três nomes, o foco no momento ainda era investigar,
concentraríamos todos os nossos recursos, nos três nomes da lista, tanto
quando todos queríamos acabar com essa merda rápido, sabíamos que não era
assim que funcionava o jogo. A nossa família estava no topo do comando da
máfia, fora da Rússia, e tanto quanto éramos poderosos, essa hegemonia era
mantida, porquê, os “generais” juraram fidelidade a família, e tanto quanto
queríamos resolver isso, atacar um aliado, era atacar a própria carne, e sem a
certeza de quem havia nos traído, não era uma opção jogar com a sorte.
Kriger e Serguei se retiraram, para repassar as novas ordens. E então o humor
de Alex resolveu dar o ar da graça novamente, e como Nikholai não era muito
o tipo que aceitava brincadeiras, Alex voltou a sua carga para mim.
– Então gêmeo do mal… – disse ele com deboche indiferente ao olhar
assassino que Nikholai lançou a ele –Imagino que com os problemas caindo
em cima de você, ninguém teve tempo de te contar da paixonite do gêmeo do
bem… – continuou ele, ignorando agora que eu era quem lançava adagas com
o olhar em sua direção.
Nikholai me olhou um tanto curioso, um tanto divertido, não tínhamos a
mesma ligação de antigamente, e nos afastamos durante os últimos anos, mas
como dizem, sangue é mais espesso que água.
– Paixonite? – ele indagou curiosidade.
– Foda-se Alex! – foi a minha única resposta.
E tanto quanto pessoas normais tem a tendência a se calar nesses momentos,
Alex definitivamente não pegava a indireta.
– Bom, poderíamos dizer, que é um daqueles casos sérios, em que se deve a
vida a pessoa, literalmente no caso.
A expressão de Nikholai se aprofundou em curiosidade. Permaneci quieto,
primeiro porque não queria dar nenhuma satisfação, segundo porque para ser
sincero, não sabia se conseguiria explicar, o que eu estava sentindo, me
confundia completamente.
– Você vai elaborar melhor Alex? Já ao que parece Mikhail perdeu a língua –
Nikholai disse tentando passar seriedade, mas claramente se divertindo.
– Bom, penso que posso fazer um resumo dos fatos, havia uma médica, havia
um cara baleado – disse ele apontando para mim – E então, ela salvou a vida
dele, não que ela tivesse uma escolha realmente pensando bem – ele divagou
– Mas enfim, o que aconteceu nos dias seguintes é o que foi interessante, bom
uma mulher cair de amores, principalmente olhando ao redor – ele disse
agitando os braços em referência a opulência do lugar , não é uma surpresa
em absoluto. Mas o que realmente surpreendeu foi a reação dele a ela.
Nikholai, agora não escondia sua diversão!
– Cala a porra da boca, Alex! – eu disse, mas fui claramente ignorado
novamente.
– Ahh por favor não me entenda mal, Emma é bonita, realmente bonita,
inteligente, bem-humorada, não é difícil entender o interesse de qualquer
pessoa normal, mas Mikhail, é bem, Mikhail, ele troca de mulher como troca
de roupa, e sinceramente o olhar que eu vi no rosto dele, eu nunca tinha visto,
então quando eu digo paixonite, estou aliviando, porque eu realmente acho
que é bem pior!
E o fato que a queimação seguida de ressentimento que eu senti quando ele
elogiava a minha mulher, e que eu me recusava a nomear! Minha mulher?
Porra! Eu realmente estava ferrado. Escondi minha confusão com ironia, e
ressentimento.
– E claro, você, que até onde sei tem um histórico pior que o meu,
reconheceria o “amor “– enfatizei as aspas com as mãos – Ao vê-lo por
alguns minutos! – disse minha voz pingando sarcasmo.
E então vi a expressão de Alex, escorregar, a máscara diária que ele usava, e
dificilmente se livrava escorregou por uns instantes e o que eu vi na sua
expressão me chocou, dor, pura dor que tomou conta dos seus olhos, foi um
instante, mas estava lá, as palavras a seguir me disseram que eu não estava
vendo coisas.
– Creio irmão, que esse seja um mal de família, compartilhamos para além do
sangue, o fato também, de quando nos apaixonamos por alguém, a pessoa se
torna única, talvez seja uma maldição familiar especifica – divagou ele – E
com certeza de alguma forma merecida.
Alex, nunca falou abertamente sobre o passado, isso foi a confirmação mais
próxima que o que quer que tinha acontecido envolvia uma mulher.
Nikholai permaneceu em silencio, tanto quanto porque não era muito falante,
tanto quanto porque a indireta certamente acertou o alvo.
E então Alex, arrematou.
– Porém você está em uma posição mais vantajosa, vendo os erros que foram
cometidos, tem a chance de não repeti-los, talvez o único de nós irmão! – e
então bebeu o resto de sua vodca em um gole só.
O silencio recebeu sua declaração, era próximo da verdade demais para que
houvesse qualquer contestação, erámos todos conscientes de nossas ações, e
as palavras de Alex, ainda pesavam sobre as nossas cabeças.
Já estava amanhecendo e, sendo assim precisaríamos todos de pelo menos
algumas horas do sono, já que os próximos dias seriam decisivos. Com um
aceno de cabeça nos despedimos, e cada um foi para o seu quarto,
precisávamos recarregar, mas tanto quanto o sono estava presente, a cabeça
do todos fervilhava de pensamentos.
Emma
Plantões dobrados são por si só terríveis, quando se fala em residência
cirúrgica essa estatística piora consideravelmente. Usualmente principalmente
atendendo na emergência, noventa por cento dos casos são graves, alguns
pacientes chegam com chances mínimas ao P.S, e tudo que fazemos não
adianta, multiplique isso por várias horas dos mais variados casos, e
gravidades, é desgastante, te esgota, e principalmente te derruba, a parte que
mais me afeta? Falar com as famílias, olhar no olho de alguém e dizer que foi
feito todo o possível, mas a pessoa não sobreviveu, e ver a pessoa desmoronar
na sua frente, é terrível, fazer isso quatro vezes seguidas em um espaço de
quarenta e oito horas, supera o terrível.
Era quase oito da noite quando saí do hospital me arrastando, meu apetite já
tinha ido embora a muito tempo, e mesmo o cansaço que costumava me
abater após plantões assim, não estava chegando, eu estava apática.
Considerei, ir direto para casa, tomar um longo, longo banho, me enrolar no
edredom e dormir até amanhã, mas sabia que tinha que ir ver como Mikhail
estava, e juro solenemente que dessa vez não tinha nada a ver com a minha
estranha vontade de ver ele o tempo todo e de forma nada profissional. Pelo
pouco tempo que passamos juntos percebi que Mikhail poderia ser teimoso o
suficiente para ignorar as recomendações médicas e ficar em repouso, o que o
colocava em um risco maior de infecções e outros problemas, logo ir vê-lo era
uma emergência médica, e essa era provavelmente a única vez que eu diria
isso, e seria verdade. Hoje não era sobre a minha necessidade de mulher, era
sobre o meu dever como médica.
Dirigi para a cobertura no piloto automático, tinha um plano em mente, entrar,
verificar as condições físicas de Mikhail, reforçar as recomendações e sair…
Sem conversar engraçadas com Alex, sem cair sobre o charme de Mikhail,
simplesmente entrar e sair, rapidamente, sem amarras. Hoje eu não era boa
companhia para ninguém, e considerando a minha personalidade sempre fui
daquelas que “lambi as minhas feridas” de forma privada. Sendo assim queria
ficar sozinha, e me recuperar, me dar um tempo de processar tudo o que
aconteceu nessas quarenta e oito horas.
Quando dobrei na esquina e entrei na avenida, liguei para o número que Alex
havia programado no meu celular.
O telefone chamou por duas vezes antes de uma voz responder:
– Portão lateral, mesma vaga de antes – e a comunicação foi encerrada
E basicamente isso, não um oi, como vai, ou nada, instruções claras e
precisas, e então desligaram na minha cara, de novo.
No meu estado emocional conturbado não me atentei que as instruções vieram
antes mesmo de eu falar qualquer coisa, mas no momento? Não racionalizei a
questão, até porque estávamos falando da máfia, e se tinha um grupo que
mantinha as suas costas protegidas, eram eles.
A vaga que usei da outra vez, permanecia vazia, e meu carro continuava
parecendo um penetra em uma festa que não foi convidado. Mas de novo, isso
foi um detalhe com o qual não me importei muito dessa vez.
O elevador estava descendo, então não me dei ao trabalho de pressionar o
botão, se eles sabiam que eu estava aqui, certamente mandariam alguém me
escoltar. E não foi diferente, havia um dos “seguranças” no elevador, o seu
único sinal de reconhecimento foi um leve aceno de cabeça, quando me juntei
a ele no elevador, e então mais nada, a música do elevador elevava a minha
melancolia, particularmente sempre achei músicas de elevador um tanto
melancólicas demais, e isso em conjunto ao meu estado de espirito parecia um
funeral, o que reforçou minha intenção, eu não estava fugindo do que quer
que nós tínhamos, mas essa seria uma visita rápida.
O elevador apitou me tirando dos meus devaneios, o segurança permaneceu
parado, e essa foi a minha deixa para sair.
Parei em seco quando saí do elevador, havia dois seguranças no hall de
entrada, eles tinham uma postura relaxada sentados sobre um móvel que
tenho convicção foi colocado muito mais como decoração do que que
propriamente utilidade, dois pares de olhos escuros me analisaram
rapidamente quando surgi, mas não de deram um segundo olhar,
aparentemente, eu não considerada uma ameaça. Continuei meu caminho,
imagino que os dois sejam um reforço na segurança depois de tudo que
aconteceu.
E quando já ia tomar a direção do quarto, o que vi na sala me chocou.
– Você tem que fodidamente estar brincando comigo?! – Explodi em
indignação.
O par de olhos mais azuis que eu já tinha visto se voltou para mim.
– Sério Mikhail? Fora da cama e bebendo? Em uma recuperação pós-
cirúrgica? Eu sabia que você era teimoso, mas a estupidez é uma novidade! –
Continuei
Bom, eu claramente não tinha nenhum amor à vida, se estava falando assim
com um membro da máfia russa, e se as minhas desconfianças iam por um
caminho certo, ele era muito mais que um membro qualquer, mas a
indignação era bem maior que a prudência nesse caso.
Mikhail ficou lá me olhando divertido, não culpado, não envergonhado, mas
divertido.
Os dois brutamente que estavam no átrio vieram atraídos pelos meus gritos, o
que eu só percebi quando Mikhail, fez em gesto os dispensando com as mãos.
– Você ao menos tem tomados os remédios? – insisti, ainda tentando controlar
o meu temperamento – Porque, não que eu não tenho amor aos desafios, mas
no departamento de fazer milagres ou ressuscitar alguém não é muito a minha
praia.
Mikhail gargalhou.
Que ótimo, ele estava se divertindo com a minha indignação, queria me virar
ir embora, deitar na minha cama e chorar, definitivamente hoje, foi um dia de
merda em tudo.
E então a voz de “Mikhail” me paralisou
– Presumo que você seja a médica – a voz disse com um sotaque russo bem
destacado, que eu tinha certeza que não estava lá antes.
Fechei os olhos em consternação, que ótimo, fiquei aqui um tempão dando
bronca na pessoa errada, já que certamente aquele não era Mikhail, irmão
com certeza, gêmeo idêntico com certeza, ou talvez um clone, mas não, ele
não era quem eu estava pensando.
Revi a minha possibilidade de pegar a minha humilhação, virar as costas e
voltar para o elevador, mas realmente estava preocupada com o estado de
saúde de Mikhail e precisava checa-lo antes de ir, mas primeiro, sabia que
tinha que me desculpar.
– Presumo que você não seja quem eu estou pensando – eu disse, a
consternação e vergonha claras na minha voz – Peço desculpas, pela
explosão.
Os olhos continuavam olhando divertidos.
– Ah por favor, não se sinta mal, não por mim, além do que a bronca, não era
para mim, então me senti ofendido de tudo. – Ele disse piscando os olhos
muito azuis e muito iguais ao de seus irmãos.
– Bom, é o que chamam de uma situação estranha, que vem seguida de um
silencio desconfortável, se você não se importa, vou ver como ele está, e
então vou pegar a minha vergonha e ir para casa – eu disse esperando me
livrar daquela situação o mais rápido possível.
Comecei a me mover em direção ao quarto, quando a voz me parou.
– Nikholai, meu nome é Nikholai, e acho que você não deve esfriar o seu
temperamento ainda Doutora, da última vez que verifiquei, Mikhail estava
indo tomar banho, e sem pedir a ajuda de ninguém, acho que você deve
repetir as palavras que me disse, pediria até para você filmar, mas acredite,
esse momento está claro na minha mente – ele disse com os olhos sorrindo, e
então levantou o copo em um brinde – A sua coragem! – e riu antes de tomar
um gole.
Tanto quanto eu queria responder ao Nikholai, agora que sabia o nome do
irmão gêmeo, o que ele falou foi o que mais me preocupou, o tolo, iria tomar
banho sozinho, depois de todo o sangue que perdeu, e ainda estava em dieta
liquida, poderia desmaiar, cair, bater a cabeça, mil possibilidades passaram
pela minha cabeça enquanto me apressei em direção ao quarto.
O quarto estava vazio, mas a porta do banheiro estava aberta, deixei minha
bolsa no móvel, e fui em direção ao banheiro.
Mikhail se escorava na parede, não como um apoio superficial, mas como se
estivesse se esforçando para não cair “Tolo”, eu pensei, antes de escorregar
para fora dos meus sapatos e abrir o box e entrar de roupa, e apoia-lo.
Ele se virou para mim, os seus olhos tão profundamente azuis prendendo os
meus, e então entendi que só o meu cansaço absoluto me faria confundir ele e
o irmão, não era o olho, até porque os olhos de um azul hipnotizante parecia
comum a ambos, era o olhar, o olhar de Mikhail parecia me perfurar, a
profundidade do olhar dele, tirava meu folego, e qualquer pensamento
racional que eu pudesse ter no momento, estando ali, com os braços em volta
da sua cintura e seus olhos tão presos aos meus, me veio uma certeza tão
grande que eu estava exatamente onde deveria estar.
Eu queria dar uma bronca nele, pelo risco que ele havia corrido, pelo fato de
eu estar completamente encharcada da cabeça aos pés, na tentativa de evitar
que ele caísse, queria seguir o conselho de Nikholai e conjurar minha raiva
novamente para fazer ele perceber o risco que ele correu, e de como isso me
afetou.
Mas então a sua boca desceu sobre a minha, e qualquer pensamento coerente
que eu tinha se esvaiu como se nunca tivesse estado lá.
A urgência do beijo, suas mãos por todo o meu corpo, eu não sabia se era eu
que estavam apoiando o peso dele, ou ele que estava apoiando o meu.
Senti as mãos dele desabotoando as minha camisa, suas mãos desceram e
foram para minha calça, ele já havia desabotoado, e eu desci o feixe e
terminei de tirar, elas estavam molhados e agarraram pra sair, terminei de tirar
e as chutei para o canto, a blusa que estava desabotoada seguiu o mesmo
caminho, então lá estava eu de pé, com uma lingerie que não fazia um bom
trabalho para cobrir alguma coisa, e logo senti as mãos dele desabotoando o
soutien também, e logo suas mãos estavam na barra da minha calcinha, ele
parou por um momento de devorar a minha boca, e seus olhos me pediram
permissão, por um momento não segurei um gargalhada meio engasgada, ao
perceber que estava praticamente nua, e não tinha a mínima intenção de parar
o que começamos, voltei a me perder na sua boca, e ele entendeu como uma
permissão, logo a minha calcinha de juntou ao resto da minha roupa no chão.
Por um minuto a lógica se sobrepujou ao desejo, não poderíamos continuar
aqui, Mikhail certamente não estava em condições de permanecer em pé por
muito tempo, e certamente não poderíamos fazer o que ambos tínhamos em
mente aqui.
Me forcei a desgrudar os meus lábios de dele, o que eu não sei se foi muito
inteligente porque logo em seguida seus lábios desciam pelo meu pescoço, e
suas mãos continuavam a explorar meu corpo, senti seus dedos explorando a
minha boceta e brincando com o meu clitóris, e então de novo estava perdida
em uma onda de desejo tão forte, que não achava que as minhas pernas
fossem me sustentar, ele mal havia me tocado e eu me sentia flutuar, e isso
foi, por incrível que pareça, que clareou a minha mente, precisávamos de uma
cama, onde o risco de uma queda acidental por “fraqueza nas pernas devido a
um tesão absurdo, não nos colocaria em risco”
Não estava me sentindo muito prolixa no momento, então basicamente
murmurei, em um momento que a sua boca deu uma folga ao meu pescoço, e
meus neurônios voltaram a funcionar parcialmente.
– Cama – murmurei em total estado de languidez
Seus olhos escureceram claramente, e sua voz rouca de tesão confirmou
– Cama!
E então nos movemos em direção ao quarto, sem conseguir tirar as mãos um
do outro.
Paramos na lateral da cama, tanto quanto estava inebriada em total prazer,
meu lado racional apitou, Mikhail estava se recuperando de uma cirurgia
grave. Tanto quanto ele fingia estar bem, e estava de pé (totalmente contra
minhas recomendações). A cirurgia era muito recente.
Mas o momento não podia ser interrompido, estávamos além da fase racional
do “não podemos fazer isso nesse estado”, ainda que o meu lado racional me
mandasse parar.
– Deite-se – sussurrei interrompendo os nossos beijos.
Mikhail me olhou seus olhos enevoados em confusão.
– Eu vou estar por cima – senti a necessidade de me explicar.
Vi os seus olhos se transformarem, a expressão sonolenta e enevoada de
desejo deu lugar a um olhar aquecido e definitivamente interessado.
Mikhail não emitiu nenhum protesto, com os olhos grudados aos meus, deitou
de costas e se acomodou.
E se eu já não estivesse molhada o suficiente, ver o seu olhar desejo enquanto
levava a sua mão ao pau, e o acariciava de cima para baixo, mantendo o seu
olhar grudado ao meu, eu definitivamente teria ficado agora.
Me senti como uma criança no natal, sem saber qual presente desembrulhar
primeiro, Mikhail continuava a se acariciar e era uma cena hipnotizante, não
conseguia tirar os meus olhos dele, e quando desci os olhos para o seu pau e
vi surgir uma gota de pré-semen na cabeça, foi uma reação instintiva,
precisava prova-lo. Me inclinei em direção ao seu colo, e lambi a cabecinha
do seu pau, sorvendo o liquido salgado que saia do orifício na ponta. E agora
tenho que confessar uma coisa, chupar sempre me excitou, era algo sobre dar
prazer a alguém, de estar no controle do prazer dessa pessoa, chupar Mikhail,
potencializa cem vezes essa sensação então ainda que eu não me tocasse
sentia a lubrificação molhando minhas pernas, e me preparando pro que viria
a seguir. Fechei os meus olhos e estiquei os meus lábios e tomei o seu pau na
minha boca, era de fato mais sobre o meu prazer de estar chupando, do que da
necessidade de preliminares, sentia ele tão duro na minha boca como se a
qualquer momento fosse explodir. Continuei explorando o seu pau com os
lábios, ele era grande e seria impossível para mim sem muito esforço toma-lo
inteiro na boca, então me limitei a deslizar minha língua ao longo do seu eixo,
alternando com chupadas profundas em que eu engolia até engasgar. Não
tinha a intenção de fazê-lo gozar na minha boca, pelo menos não ainda, era
egoísta o suficiente para admitir que queria senti-lo dentro de mim, me
desculpava mentalmente dizendo que ia ser cuidadosa. E tanto quanto eu
queria montá-lo e senti-lo totalmente dentro de mim, estava tão gostoso senti-
lo assim na minha boca, suas mãos foram para o meu cabelo e o seguraram
com força atraindo a minha atenção, quando abri meus olhos e olhei em sua
direção seus olhos lançavam faíscas na minha direção, entendi que ele estava
no limite, e então sussurrei:
– Camisinhas?
Ele esticou a mão até a gaveta ao lado da cama e pegou um pacote que jogou
ao meu lado. Havia um número considerável, e divertida eu disse.
– Bom, não creio que vamos usar todas.
Ele continuava me olhando profundamente como se conseguisse ver a minha
alma, e disse:
– Ahh Doutora, eu tenha a impressão que serão poucas.
Sua voz rouca, denunciava o tesão, e suas palavras enviaram uma pontada
diretamente na minha virilha que eu já não podia ignorar. Peguei uma
embalagem e rasguei o preservativo, me apoiei de joelhos na cama, e deslizei
a camisinha no seu pau, que estava duro, apontando para cima, inflamando
totalmente o meu desejo. Minha voz saiu rouca de tesão quando eu disse:
– Vamos ter que ir bem devagar devido ao seu estado, mas eu prometo que vai
ser gostoso mesmo assim.
Passei a minha perna por cima do seu corpo, e então o meu corpo estava por
cima dele, apoiei o meu peso sobre os meus joelhos, não querendo
sobrecarregar Mikhail, com o peso do meu corpo em seu estado, seu pau
estava a centímetros da minha vagina, sentia a minha umidade descer pelas
minhas coxas, e então não esperei mais, encaixei a ponta de seu pau na
entrada da minha vagina e desci lentamente, ele era grande e mesmo
lubrificada como eu estava, entrou dolorido, mas era uma dor agridoce,
continuei descendo, e por fim havia encostado no seu colo, seu pau tão dentro
de mim, que me fazia sentir cada centímetro, me esticando de uma forma
deliciosa que eu nem sei explicar.
Comecei a rebolar de leve, com movimentos suaves, senti-lo assim dentro de
mim era tão bom, que eu não conseguia definir o que estava sentindo. Mesmo
com todo cuidado possível, não querendo que ele se machucasse, acelerei os
meus movimentos, contraindo minha vagina ao redor do seu pau, suas mãos
cravaram na minha bunda, seu olhar prendendo o meu, em palavras não ditas,
uma das suas mãos se moveu para o meu clitóris, e então ele começou a
fricciona-lo com movimentos rápidos e precisos, como alguém que
certamente sabia o que estava fazendo, eu não durei muito após isso, a
fricção, e o seu pau tão fundo dentro de mim, me levaram ao limite, eu senti o
orgasmo se formando dentro de mim, num processo quase doloroso, uma
necessidade absurda, e então eu gozei, e a única coisa que me fez perceber
que ele também tinha gozado foi o seu rosnado grutural, que eu confesso
achei sexy demais! E faria algo sobre isso, se não estivesse completamente
esgotada, da melhor forma possível, é claro.
Me apoiei em seu peito incapaz de me mover, e em total estado de languidez e
satisfação, percebendo o meu estado de sonolência eminente, me arrastei até a
lateral, pouco antes de pegar no sono, senti os seus braços me envolverem, e
tive a certeza que não havia outro lugar em que eu queria estar.
Mikhail
Desde que Emma entrou na minha vida, fui tomado por novas perspectivas a
respeito de praticamente tudo. Nunca fui muito paciente em relação a nada,
mas sei que poderia ouvir ela falar sobre qualquer coisa por horas, o riso, e até
mesmo o modo como os seus olhos enrugam nos cantos com a diversão que
ela tenta esconder, detalhes que eu nunca havia prestado atenção antes, me
prendem de uma forma que eu não sei explicar. Fisicamente, ela me atraiu
desde o primeiro instante em que a vi, ouvir a sua voz, me deixava mais duro
que qualquer outra mulher que tive, nua do meu lado, e então ter transado
com ela? A simples lembrança do que acabamos de fazer, já me deixa duro
novamente, nunca havia entendido a noção de sexo espetacular até hoje, até
então era agradável, satisfazia as minhas necessidades, e pronto, mas Emma
as despertava, simplesmente não havia como resistir ao seu apelo, qualquer
controle ou racionalidade desaparecia, quando eu estava ao redor dela, e para
ser sincero, isso me assustava para caralho, não era algo, que eu sabia como,
ou estava disposto a lidar, com a merda prestes a bater no ventilador, como
agora. Nunca fui de me aconchegar a mulher nenhuma, sempre estabeleci
limites em meus relacionamentos, nunca na minha cama, e nunca me
aconchegava no pós-sexo, mas aqui estou eu, velando o sono dela, me
tranquilizando com o fato de que a minha mulher está segura, na minha cama,
nos meus braços, e quando o pensamento me atinge, vem a convicção “minha
mulher”, Emma poderia não estar ciente ainda desses status, mas para todos
os efeitos, e de forma inevitável, ela tinha se tornado a minha mulher.
Adormeci com ela nos meus braços e com esse pensamento enraizado em
minha mente.
Emma
Acordei com uma sensação de satisfação que não sabia explicar, o peso de um
braço me rodeando, avivou na minha memória tudo que havia acontecido, o
edredom jogado sobre nossos corpos, e o corpo dele colado ao meu, me
aquecia na noite fria, e a sensação de languidez do meu corpo satisfeito. Senti
o corpo dele se enrijecer por um momento, e então relaxar por completo e me
estreitar em seus braços, a posição em que estávamos deitados, permitiu que
eu sentisse a sua excitação, sua mão foi para o meio das minhas pernas, e sua
boca roçou meu ouvido, sua barba por fazer, arranhava a minha pele, e sua
mão brincando com o meu clitóris, estava me deixando muito perto de gozar.
Não pude evitar esfregar meus quadris contra a sua ereção em um pedido
mudo.
– O que você quer baby? – Ele me perguntou.
– Mais! – eu disse com a voz rouca traindo o meu desejo.
– A minha menina gananciosa quer o meu pau?
– Sim, por favor! – eu disse quase implorando.
– Peça, peça Emma! – disse com a voz áspera, o que só elevou o meu tesão.
– Por favor, Mikhail?! Me fode…
E eu sequer tive tempo de completar a frase, minhas palavras pareceram o
fogo que se uniu a gasolina, senti sua mão erguer a minha coxa, e então o seu
pau deslizou apertado na minha vagina, quase gozei nesse momento ao sentir
como me esticava e me abria até o limite, se enterrando profundamente dentro
de mim. Ele estocava com força, e sua mão voltou a brincar com o meu
clitóris me deixando muito perto do limite.
Eu não era o tipo que conseguia gozar apenas com penetração, e ao mesmo
tempo, em muitos aspectos era tímida demais para pedir que se
concentrassem no meu clitóris, então não precisar pedir isso, e ainda receber
era o paraíso! Para além disso meu corpo respondia a ele de uma forma que
eu não sabia explicar, tínhamos claramente uma compatibilidade física, mas
era mais que isso, era sobre corpo e alma, e se por um lado isso me assustava
por nunca ter sentido assim antes, por outro me dava uma satisfação enorme
de descobrir que era possível ter esse nível de conexão com alguém de corpo
e alma, só tornava tudo perfeito.
Mikhail
Eu sabia que já estávamos no quarto há muito tempo, e tanto quanto eu queria
estar ali para sempre se ela estivesse comigo, eu sabia que Emma havia
acabado de sair do plantão e precisava jantar. Sua figura adormecida em meus
braços simplesmente minava minhas forças para sair do lugar, eu sentia que
não havia outro lugar em que eu preferia estar. Contemplei a possibilidade de
só pedir que trouxessem alguma refeição ao quarto, mas sabia que teria que
ser mais especifico que isso já que Nikholai estava aqui, e Alex não
demoraria a chegar, e se Nikholai iria respeitar a minha privacidade, Alex não
teria a mesma consideração, então precisava ser bem especifico com eles
sobre o meu quarto ser zona proibida, o que limitava as minhas opções, não
queria ter essa conversa aqui, pelo ramal, correndo o risco de acordar Emma,
então me desvencilhei dos seus braços delicadamente, queria que ela pudesse
descansar, já que tinha planos para o resto na noite.
Vesti uma calça, e saí do quarto, encontrei Mikhail e Alex na sala, e ambos
pareciam divertidos para caralho, e claramente eu era o alvo preferencial dos
dois!
– Vocês não têm o que fazer? Supervisar as buscas? Pegar alguns
conspiradores? Dar fim a essa merda? – eu disse mal-humorado tentando
evitar a enxurrada de piadinhas que estava por vir.
– Na verdade eu até tenho, mas depois que o gêmeo do mal contou que a
doutora estava aí, trancada com você a horas, minha curiosidade foi maior –
Alex respondeu com o sarcasmo que já era característico.
Nikholai, acompanhava tudo com diversão, mas não sentiu a necessidade de
verbalizar isso, então ele permaneceu em silêncio.
Alex como era de se esperar, voltou à carga.
– Posso presumir que era um envolvimento puramente profissional…
evidentemente? – ele disse com deboche.
– Vai se foder Alexei! – eu exclamei com irritação – E nem uma só palavra
sobre isso a ela, e eu estou falando sério!
Minha expressão certamente acompanhou a seriedade das minhas palavras,
pois a jocosidade deixou seu olhar por alguns momentos.
– Jesus fodido! Você realmente pareceu com o gêmeo do mal agora pouco!
Impressionante devo admitir! – ele disse ainda impressionado – Mas não se
preocupe apesar de vocês serem meus alvos preferenciais, eu não levo isso
nem a Red, nem a doutora – ele disse em uma tentativa de tranquilizar.
O olhar que Nikholai dirigiu a ele, em reação a menção de Red poderia
congelar uma montanha.
– Eu retiro o que disse, o gêmeo mal tem muito mais prática, e por isso é
muito mais assustador! E dito isso, vou me retirar, tenho mais três clubes para
visitar hoje, e a ligeira impressão que a merda via explodir a qualquer
momento!
–Tome cuidado Alex, um de nós ferido já basta.
E Nikholai, complementou:
– Leve Yegorchev e Kazarov com você – E quando Alexei, ia negar, ele
complementou – Considere uma ordem se te faz sentir melhor Alexei.
Alex, podia ser um completo palhaço na maior parte do tempo, mas ele sabia
quando o momento pedia que ele levasse a sério, então assentiu em
concordância e se virou em direção a saída.
– Pensei que você já tivesse indo para o seu apartamento?
– Eu vou, mas precisava falar com você antes – Preciso que você revise os
protocolos de segurança, quero uma investigação profunda em cada um dos
homens que nos servem na Costa Leste, se algo não bater, ou parecer
suspeito, resolva!
– Boris já está nisso, e Igor, está atualizando a proteção da Red, nos
Hamptons
– Katherina – ele diz com a voz engrossando em insatisfação. – O nome dela
é Katherina, não Red, Mikhail.
– É um apelido Nikholai, relaxa, convivemos o suficiente, Alex a chama
assim, e acabamos todos por pegar a mania.
– Todos quem? – ele interrogou ainda meia puto.
– Jesus! Eu Alex, e Zhenya! Porra Nikholai, relaxa, você sabe que não
permitiríamos nenhum desrespeito com Red!
– Você gosta da médica? – ele me questionou tirando o foco.
– É complicado! – eu respondi tentando não me comprometer.
–Você faz, se não fizesse ela não estaria aqui, e certamente você não estaria
dando um aviso a ninguém sobre não magoar os sentimentos dela – Ele disse
zombando da minha resposta.
– Foi o que você sentiu quando encontrou Red? – eu questionei, empurrando
seus limites em retaliação.
– Sim. – Ele disse em uma silaba, mas carregado de sentimentos.
Sua confirmação me surpreendeu, e meu silêncio foi a única resposta, então
ele continuou.
– O amor, assume várias formas, não é constante, nem chega sempre ao
felizes para sempre dos contos de fada. A realidade sempre nos bate onde dói,
e nem sempre podemos ter aquilo que queremos, às vezes manter a distância é
a único jeito que pode ser, mesmo que machuque, mesmo que torne a sua vida
uma merda!
Eu pressenti que havia um aviso na sua voz.
– Eu sou quem eu sou, não é algo que posso evitar, não posso mudar o meu
passado e nem o meu presente, e bastou uma única vez para eu me dar conta
de como isso iria afetar ela, eu sei que eu a machuco mantendo distância, me
machuca também, para porra! Se você quer saber, mas ela está viva, está
respirando, e está mais segura aqui, do que eu jamais poderia mantê-la do
meu lado, enquanto eles acreditarem nisso ela ficará bem. E eu posso aceita
isso, posso aceitar que eu não a tenho, mas ela estará respirando aqui,
razoavelmente feliz, a outra opção, eu não posso nem considerar…
– Você está uma posição melhor que a minha, mas ainda assim Mikhail, como
pudemos comprovar com o seu atentando, nada é garantido, então proteja a
sua mulher, porque no nosso mundo é matar ou morrer, e você perder a
mulher que você ama, não é uma coisa da qual você se recupera.
– Eu não sei dizer se é amor, nem sei dizer se um dia eu amei alguém.
– Vladmir crê que existe uma maldição especifica, nessa família, uma mulher,
uma única mulher para toda a vida, a única que vai realmente penetrar nas
defesas.
– Ele claramente não cumpriu a profecia – eu disse enfatizando com dedos em
aspas – Quatro filhos com três mães diferentes e isso pelo que sabemos até
agora.
– Sexo e Amor, são duas coisas diferentes Mikhail, eu não esperava ter que te
ensinar isso a essa altura da sua vida.
– Foda-se Nikholai.
– Ocidentais banalizaram a palavra, “Eu te amo” virou um cumprimento, uma
despedida, é bem mais complexo quando é de verdade, porque não se trata de
palavras e sim de ações.
– Eu não sou dado a atos românticos.
– Nem eu, mas não é disso que eu estou falando e você sabe disso! Você vai
saber distinguir o que está sentindo cedo ou tarde, porque o sentimento irá te
tirar da sua zona de conforto – então ele me observou durante uns instantes –
se é que já não te tirou…
Mesmo que eu não tenha reagido ao que ele disse, eu sabia que ele estava
certo, claro que era mais, claro que tinha me tirado da minha zona de
conforto! Conhecendo o meu mundo e suas implicações minha vontade
primordial era trancar Emma aqui e mantê-la segura, porque o simples
pensamento de alguma coisa ocorrer a ela…Eu sequer conseguia imaginar! E
esse conhecimento me deu a certeza, era algo mais, se era amor? O que
diabos eu sabia sobre amar alguém? Mas considerando a definição melosa e
açucarado do senso comum, eu estava perto para caramba, sem dúvida! Porra!
Eu realmente estava fodido!
Me despedi de Nikholai, e ordenei que o jantar fosse servido em uma hora, e
então voltei ao meu quarto, Emma continuava dormindo sua expressão
despreocupada durante o sono, me dizia que ela estava confortável em estar
aqui, e seja lá qual fosse a razão, isso aquecia algo em mim, que eu nem sabia
existir! Eu não iria categorizar o que eu estava sentindo, mas eu sabia que
Mikhail estava certo em dizer, o que quer que isso fosse, estava enraizado,
Emma pertencia a esse lugar, pertencia a mim… e ao me deitar do lado dela e
envolve-la em meus braços, essa certeza só se tornou mais definitiva.
Emma
Eu abri meus olhos, e dessa vez a sensação de desorientação não me bateu
como da primeira vez, eu sabia bem onde estava, sabia a quem pertencia o,
corpo quente que me envolvia, e eu estava muito, muito confortável aqui,
enlaçada pelos seus braços.
Seu nariz roçou a lateral do meu pescoço, e ele plantou um beijo atrás da
minha orelha o que fez meu corpo arrepiar por inteiro, e obviamente fez eu
perceber que eu não era a única acordada
– Olá – ele me disse com a voz rouca de travesseiro.
– Olá – eu respondi, e então completei – Que horas são?
– Perto das 20:00 – ele me disse – O jantar vai estar aqui a qualquer
momento.
– Tenho que me vestir.
– Eu aprecio a sua nudez – ele disse com a voz divertida.
– Bom eu devolvo o elogio, mas não me imagino, jantando nua.
Me levantei da cama, e fui até o banheiro e minhas roupas eram um
emaranhado molhado e estavam no mesmo lugar que eu as havia jogado.
Havia um roupão, aliás roupões embalados, como se fossem cortesia de um
hotel, (e eu nunca ia me acostumar com isso), então diante da minha falta de
possibilidade eu peguei um.
Quando voltei ao quarto, Mikhail me deu um olhar apreciativo! Que me fez
corar!
– É só um roupão, e muito bem-comportado – eu disse em resposta ao seu
olhar.
– A minha imaginação é vivida, e minha memória fotográfica, além disso eu
gosto do acesso que a sua escolha fornece…
– Não foi realmente uma escolha, minha roupa está emaranhada, toda
molhada, no chão do banheiro!
–Você vai ter que me emprestar um moletom ou algo do tipo, para eu poder ir
para casa.
Seu olhar mostrou contrariedade por alguns segundos, que refletiu na sua voz.
– Você não está indo para casa – e então parecendo perceber a demanda da
sua voz ele suavizou – Eu tenho planos para a noite!
E isso enviou uma mensagem direta para as minhas partes baixas, e eu tive
que manter minhas pernas coladas com a sensação que suas palavras tiveram
sobre o meu corpo! Jesus! Se só ao ouvi-lo dizer que tinhas planos me fazia
molhada dessa forma, eu não tinha muitas esperanças em relação ao resto.
Pensei em dizer a ele que podíamos pular o jantar, mas meu estomago
protestou ao simples pensamento, tanto quanto o meu corpo apreciou tudo o
que tinha acontecido durante toda a tarde, ele estava necessitado de comida,
além do que, se eu tinha entendido bem, nós tínhamos toda a noite pela frente.
– Ok – eu disse concordando com a sua demanda.
–Ok? – ele disse testando as águas.
–Você vai descobrir Mikhail que eu posso ser muito razoável, quando me é
conveniente.
– Eu espero descobrir, muito mais Emma.
E então estava lá, a menção de um futuro em comum, que me fazia sentir uma
adolescente encontrando o primeiro amor, por mais que eu tentasse dizer a
mim mesma, que se tratava se sexo, um relacionamento casual que iria acabar
a qualquer momento, esses momentos me davam uma esperança tola, de que
era real, de que não era só eu que estava me sentindo assim! E tanto quanto
isso me enchia de uma esperança que eu não sabia definir, também me
assustava para caralho!
Mas quaisquer pensamentos que eu pudesse ter foram jogados para escanteio
com a batida na porta.
Mikhail, que estava vestido com uma calça de moletom, que deixava toda a
parte de cima do seu corpo em exibição de moveu para a porta.
Uma empregada de meia idade entrou, empurrando um carrinho de serviço.
Ela se moveu ao longo do quarto, e abriu as cortinas que escondiam uma
porta deslizante, e então empurrou o carrinho para lá.
Mikhail me guiou até a varanda e na falta de outras palavras.
Uau!
A varanda tinha uma vista privilegiada do Central Park e do skyline da
cidade, as luzes, os prédios todos acesos formavam uma vista única, do tipo
que você não se dá conta no dia-a-dia, a beleza da composição era
impressionante, do tipo que você aprecia com calma, e não se cansa de
apreciar.
Perdida em pensamentos ao olhar para a vista da cidade, nem percebi que a
senhora havia terminado de pôr a mesa e se retirava.
Mikhail, a agradeceu com um aceno de cabeça, e ela se foi.
Ele afastou uma cadeira para mim.
E mesmo que eu de roupão e descalça, e totalmente destoando do ambiente ao
redor, e da mesa montada com fina elegância, achei o gesto gentil e
cavalheiresco, e isso quando eu achava que ele não podia me impressionar
mais.
A mesa estava posta, de maneira tão elegante, que eu achava impossível que
tivesse sido arrumada em tão pouco tempo, o cheiro estava divino, e mesmo
que eu fosse suspeita para falar, já que estava faminta, definitivamente era
uma refeição digna de um restaurante estrelado.
Eu nos servi a comida, e Mikhail cuidou da bebida.
E ali estávamos nós, com uma das cidades mais incríveis do mundo aos
nossos pés, comendo uma comida maravilhosa, conversando sobre tudo e
nada ao mesmo tempo, e só parecia certo, parecíamos pertencer a isso,
estarmos juntos, ali nesse momento parecia tão certo.
Depois de jantar nos sentamos nos sofás que compunham a varanda, estava
uma noite cálida o suficiente, para ser confortável permanecer ali fora, e se
fosse o caso havia uma lareira a gás, como eu disse, era perfeito!
Prosseguimos a conversa que tivemos no jantar, nos conhecemos melhor, para
além das informações básicas que tínhamos um do outro, quer dizer, pelo
menos eu tinha informações básicas, e um monte de conjecturas. Então como
um estalo a pergunta surgiu na minha mente.
– Sei que parece uma pergunta estranha, e tudo bem se você não quiser
responder… – comecei dizendo meio insegura.
– Você pode me perguntar o que quiser Emma, apesar de eu nem sempre
poder responder… – ele disse então.
O que a minha mente entendeu como obvio, evidentemente, considerando o
ramo de trabalho da família, havia um lote de coisas que eu não deveria, e
nem poderia saber, mas no caso especifico, a minha curiosidade era mais
pessoal.
– Oh não, não… – eu me atrapalhei – É uma curiosidade pessoal e não
profissional – eu tentei justificar e corei quando percebi os sentidos das
palavras.
Mikhail me olhou divertido, o que me aliviou, divertido era com certeza
melhor que incomodado, ou ofendido.
– Como eu disse Emma, pergunte o que quiser.
E eu me perdi no seu olhar, a intensidade dele, ou não poderia nem definir.
– Emma? – ele chamou a minha atenção já que eu estava divagando.
Eu me forcei a prestar a atenção.
– O sotaque…
Ele me olhou com uma expressão confusa.
– Eu encontrei o seu irmão, no caminho para cá, e devo dizer que foi uma
surpresa em vários sentidos – eu disse enfatizando – Eu pensei que ele fosse
você, e podemos dizer assim que não fiquei muito feliz em vê-lo fora de
repouso, e bebendo, então eu disse isso a ele, ou a você, já que eu pensava
que se tratava de você.
A diversão tomou conta de todo o semblante dele, e ele definitivamente
achava divertido, o que eu considerava um mico.
– Eu queria realmente ter visto isso – ele me disse a diversão clara em sua
voz, já que ele nem fazia questão de disfarçar.
– Estranha escolha de palavras, já que ele disse o mesmo, quando me
informou que você estava tomando banho sem ajuda…
Seus olhos mostravam toda a sua diversão, e me distraíram de forma tão
eficaz, que por alguns momentos eu esqueci completamente o tema da
conversa, era uma sensação visceral, algo que eu nunca tinha sentido antes,
mas somente estar ali, olhando para ele, atingia algo em mim, e eu sentia isso
no meu âmago, talvez fosse verdade o que eles diziam sobre borboletas no
estomago.
Sua voz me trouxe de volta das minhas divagações.
– E a pergunta, era sobre…?
– O sotaque, seu irmão claramente tem um sotaque característico do leste
europeu, e o seu claramente, é puramente americano…
Ele assentiu em concordância.
– Nikholai e eu nascemos na Rússia, mas enquanto ele foi criado lá, eu fui
criado aqui…
Ele disse sucintamente, o que fez a minha mente imediatamente elaborar
cerca de mil perguntas adicionais, mas eu as segurei, se antes a expressão dele
era claramente divertida pelo fato de eu ter confundido os dois, agora a sua
expressão era mais escura, e seja lá qual foi a razão para que eles tenham
crescidos separados, claramente, não era um assunto que gostasse de falar. E
então eu resolvi não insistir.
Voltei para o aconchego dos braços dele, e fiquei em silêncio, permitindo que
ele resguardasse quaisquer pensamentos que ele tivesse, eu sabia que quando
ele se sentisse confortável, ele me diria, eu não tinha pressa, estava justamente
onde eu queria estar, com quem eu queria estar, logo iria simplesmente
aproveitar o momento.
Mikhail
Ficamos um bom tempo na varanda conversando, assuntos triviais, nos
conhecendo melhor, Emma basicamente confirmando as informações do
relatório que eu havia recebido, e eu obviamente fazendo parecer uma
novidade, se eu dissesse que havia uma investigação sobre ela, iria certamente
parecer um psicopata perseguidor, mesmo que o meu “ramo” de trabalho
justificasse o cuidado.
Tanto quanto poderíamos ficar ali indefinidamente, eu sabia que Emma
precisava descansar, e como eu havia dito a ela, eu tinha planos para a noite.
Depois de todo o sexo suado, precisávamos de um banho, e eu tinha planos
para o banho.
– Precisamos tomar banho – eu disse a ela com um sussurro no seu ouvido.
– Definitivamente um banho seria muito bom – ela me respondeu, e então
complementou – E a minha presença certamente vai garantir que você não
extrapole.
– Se a minha memória não falha, eu “extrapolei” essa tarde, e você estava
presente.
Ela corou de um modo delicioso, à minha menção do que ocorreu no banheiro
hoje pela tarde.
A levei pela mão em direção ao banheiro, havia uma parte que ela ainda
desconhecia, a sala de banho.
Seu suspiro surpreso, me disse que ela havia apreciado.
A banheira era enorme e era voltada para uma parede envidraçada que
permitia uma vista da cidade.
– Mikhail é perfeito!
– Os vidros têm uma película que fornece privacidade total – eu sussurrei no
seu ouvido.
– Sim, o que torna duplamente perfeito. Mas…
– Emma – eu protestei.
– Você está se recuperando lembra? Tem pontos que estão em processo de
cura, eu não recomendaria um banho de imersão.
– Sorte a minha que tenho uma médica comigo – eu retruquei de forma
irônica
Ela me olhou tentando esconder a diversão.
– Você é impossível! – ela disse então.
Eu calei qualquer protesto adicional com um beijo, e então ela se derreteu, e
qualquer recomendação médica se perdeu no meio do frenesi.
Me desvencilhei dos seus braços por um minuto, para ligar a água, e então
voltei a saquear a sua boca.
Como eu disse o roupão tinha uma praticidade inata, e ao puxar o cordão, e o
afastar dos ombros dela, ele caiu no chão.
Minha calça rapidamente seguiu o mesmo caminho, então estávamos
completamente nus devorando um ao outro.
Era tão cru, e ao mesmo tempo poderoso que não havia um script a ser
seguido, era simplesmente deixar o desejo tomar o comando, e assim fizemos.
Eventualmente estávamos na banheira, Emma por cima de mim, tomando o
meu pau profundamente, nossas bocas se devorando, minhas mãos passeando
pelo seu corpo perfeito, tomando tudo o que ela quisesse me dar! Seus seios
na altura da minha boca eram uma tentação muito grande para se ignorar! Os
tomei na minha boca, mamando com força, no limite entre a dor e o prazer,
sua bocetinha apertada afundando no meu pau. Porra! Perfeito!
Eu sentia que absolutamente não iria durar muito tempo, Emma parecia seguir
pelo mesmo caminho, seus movimentos já não eram cadenciados, eles eram
quase desesperados, ela queria gozar, e seus instintos mais básicos assumiram
o controle.
Levei minha mão ao seu clitóris, e usei os meus dedos para estimula-la, sua
cavalgada se tornou mais intensa, me dizendo que ela iria gozar a qualquer
momento continuar.
Depois do banho de banheira, que Emma claramente desaconselhava, sendo
bem incisiva quanto a isso, voltamos para a cama, a medicação, somada ao
cansaço dos dias anteriores estava batendo na minha bunda, eu sabia que
estava atingindo ela também, seu trabalho era particularmente cansativo, e se
eu a conhecia bem, pelos últimos dias que passamos juntos, ela ia além do
trivial e exigido, o que basicamente queria dizer que ela com certeza
trabalhava mais que deveria. Não vou dizer que esse sentimento não me
assustava porque eu estaria mentindo, o sentimento de proteção, cuidado,
apego, não era comum para mim, e a intensidade com que esses sentimentos
me atingiam era ainda menos comum. A possessividade era um traço comum
na minha personalidade, mas nunca antes tinha sido dirigida à nenhuma das
mulheres com quem eu me relacionei, eu as mantinha com consideração, fui
criado ainda que de forma tardia, para respeitar as mulheres, e eu as
respeitava, mas meus relacionamentos baseavam-se em uma troca mutua de
interesses, sentimentos, ainda mais nesse nível de intensidade nunca entraram
no quadro. Então estar aqui, olhar para Emma adormecer em meus braços,
aquecia meu peito de uma forma que eu nunca tinha experimentado, ela era
minha, minha para cuidar, minha para amar, minha para proteger. Emma
poderia não estar ciente disso ainda, mas no momento que ela entrou na
minha vida, tudo mudou. E eu tinha uma absoluta certeza, eu estava fodido!
Emma
Eu acordei suavemente na manhã seguinte, do nada, sem o auxílio do
despertador, sem a vontade inata de apertar o “soneca” por pelo menos duas
vezes seguida, chamamos isso popularmente de “acordar por parto natural”, e
eu acredito ser uma das melhores formas de acordar, pelo menos para mim,
que tenho uma séria dificuldade em sair da cama. E devo admitir que sair
dessa cama especifica estava se tornando um pouco mais difícil, eu queria
mais cinco minutinhos, mas por motivos totalmente diferentes, seus braços
estavam ao meu redor, e uma das suas pernas enlaçava o meu corpo, como se
ele não quisesse me deixar ir a lugar algum.
Eu tinha conseguindo evitar qualquer pensamento coerente ontem, estar nos
braços dele, parecia fritar meus neurônios completamente, mas a luz da
manhã, não era possível evitar uma enxurrada de pensamentos, e com eles a
autocomiseração. O que diabos eu tinha feito? Dormir com um paciente era
antiético e sem precedente da minha parte, ter feito isso seguidamente, por
uma tarde inteira só piorava a minha situação. Ainda estar aqui pela manhã,
era certamente persistir no erro.
Me desvencilhei com cuidado dos seus braços, para não acorda-lo e fui em
direção ao banheiro, precisava tomar um banho, e arrumar alguma roupa, e
dar o fora daqui o mais rápido possível.
Entrei no box, e tomei uma chuveirada rápida, queria lavar ele da minha pele,
como se isso fosse possível, como se fosse diminuir um pouco a minha culpa,
por ter quebrado as barreiras da dignidade. Queria que a água tivesse o poder
de lavar um pouco a minha alma, que eu sentia estar negra e manchada pelo
curso das minhas ações. A água escaldante caiu sobre a minha pele, mas eu
não me permitir demorar, ele poderia acordar a qualquer momento, e eu
queria levar a minha vergonha o mais longe possível, antes que isso
acontecesse.
Reparei ao sair do box, que as minhas roupas já não estavam emaranhadas no
piso do banheiro, será ele tinha elfos domésticos ou algo do tipo trabalhando
aqui? Eu me permiti divagar.
Enfim, não teria tempo suficiente de qualquer forma para ir até lá, e pedir que
alguém encontrasse minhas roupas, então considerei que poderia pegar uma
camisa e um moletom emprestados, e dirigir até minha casa para me trocar.
Pronto, era exatamente o que eu iria fazer, sem ter que incomodar ninguém no
processo!
Me enrolei em uma toalha, e me movi em direção ao closet, esperando pegar
emprestado um par de roupa, e sair dali o mais rápido possível.
Quase tive um ataque cardíaco ao dar de cara com Mikhail, escorado
despretensiosamente sob o marco que divide o closet e o quarto, complemente
nu, em toda a sua glória, e com uma expressão sonolenta, que devo admitir só
tornou o conjunto ainda mais charmoso.
Não pude evitar corar a visão dele, mesmo com a culpa espezinhando a minha
mente, eu não era cega caramba.
– Oi – eu disse tentando conter o meu rubor.
– O que você está fazendo fora da cama? – ele disse sem gastar tempo com
cumprimento algum, e parecendo chateado.
– Eu tenho que me trocar, e ir para casa, meu turno começa as oito – eu disse
em resposta, mas sem encara-lo.
– Emma!
– Humm – eu disse monossilábica olhando para os meus pés
– Olhe para mim.
Eu não queria, honestamente enfrentar seus olhos parecia demais para mim,
naquele momento, mas sabia também não ter opção, então me vi encarando
duas piscinas tormentosas de um profundo azul.
– Você quer me dizer o que porra aconteceu, para que você esteja se
esgueirando, e sequer consiga me olhar nos olhos?
– Eu não estou me esgueirando – menti na cara dura – Só preciso ir, porque
tenho um turno e…
– Emma – ele disse em tom de aviso, claramente percebendo a minha mentira.
Olhei em seus olhos, e não pude evitar que os meus se enchessem de
lágrimas.
– Eu nunca fiz isso ok? Não existe um manual para o dia seguinte, então sim,
eu estou um pouco perdida, e sim eu estava me esgueirando. – Eu desabafei
sem conseguir me conter.
– Nunca fez isso o quê? – ele me perguntou confuso – Sexo?
– Bom acho que está um pouco obvio que sexo, é uma coisa que eu já fiz,
inclusive repetidamente ontem quase por todo o dia – eu desabafei, e corei
com o conteúdo das minhas palavras. Ele ainda olhava confuso, como se o
que eu tinha dito não fizesse sentindo algum.
– Eu nunca dormi com um paciente Mikhail. – Eu expliquei então – Isso está
tão fora da linha quanto possível, não foi ético da minha parte, e agora a luz
da manhã, eu posso perceber isso com claridade. – Eu disse transparecendo
toda a vergonha que estava sentindo – Coisa que certamente eu não fiz na
noite passada! – complementei sem poder esconder o rubor que invadiu o
meu rosto face as memórias do que havia acontecido.
Quando o silêncio de prolongou demais, finalmente tomei coragem o
suficiente para erguer o meu rosto, Mikhail continuava escorado na parede,
seu rosto estava virado, escondido em seu braço, o que não me permitia ver a
sua expressão, seus ombros sacudiam, e ele emitia um ruído abafado que eu
não conseguia identificar.
– Mikhail – eu tentei chamar a sua atenção preocupada.
Ele então se virou, e me deu uma visão total do seu rosto, seus olhos tinham
lágrimas, lágrimas de riso!
Ele estava rindo de mim! Eu não poderia pôr a minha indignação em
palavras! Então esperei que meu olhar cortante fizesse isso por mim! E foda-
se ele, eu iria de toalha para a casa, mas me negava a permanecer mais um
minuto sequer ali.
Quando estava passando por ele na porta, pisando duro, e deixando a minha
raiva escoar pelos poros, seu braço me parou em um aperto de aço, que
absolutamente não me machucou, mas que me impediu de prosseguir! Estava
brava o suficiente para tentar me soltar fazendo um escândalo, mas anos em
treinamento em lidar com pessoas, segurou o meu temperamento, eu
simplesmente “congelei”, deu o meu olhar mais frio que o ártico, e me
preparei para dizer as palavras com coerência e clareza o suficiente, deixando
a minha raiva no controle, e evitando que eu explodisse em lágrimas, como
era padrão em todas as minhas discussões.
E fui completamente frustrada, pois ele me girou de volta ao quarto, e se
sento na beirada da cama, e me sentou em seu colo.
– Você não coloca uma pessoa no colo no meio de uma discussão Mikhail!
Pelo amor de Deus! – eu explodi então mostrando toda a minha irritação.
– Nós não estávamos discutindo! – ele disse, a diversão ainda clara em seus
olhos.
– O diabo que não estávamos! Você estava rindo de mim!
–Emma – ele contemporizou – Eu não estava rindo de você, eu estava rindo
do que você disse!
– E qual a maldita diferença?
– Toda a diferença! Você tem que admitir que é hilário, no mínimo
Ao som das suas palavras me contorci em seu colo, tentando escapar do seu
aperto de aço! E fui novamente frustrada.
– Hilário? A minha culpa, pela minha falta de ética é hilária? Muito bom
saber que você considera hilário Sr. Dragorov
E tentei me libertar mais uma vez.
– Sr. Dragorov?! Jesus Emma, e as pessoas dizem que são as ruivas que tem
temperamento! – Ok, isso pode acontecer de duas formas, você pode escutar o
que tenho a dizer, e então fazer o seu próprio julgamento, ou então continuar
se contorcendo no meu colo, e então vamos ter um tipo de conversa
completamente diferente.
Eu congelei quando o significado das suas palavras me atingiu, minha raiva
aparentemente teve um efeito sobre a minha percepção, que me fez ignorar
completamente que eu estava recém-saída de um banho, enrolada em uma
toalha, (com um nó precário) e Mikhail estava completamente nu, não
precisava ter a inteligência de um cientista espacial, para entender o que ele
queria dizer.
Então, dado a sabedoria do seu aviso, e também do fato que eu não queria
repetir os erros da noite anterior, me permiti ficar em silencio, e ouvir o que
ele tinha a dizer, para poder dar o fora dali o mais rápido possível.
Percebendo que tinha a minha atenção, então ele começou:
– Eu te desejei quando eu abri os meus olhos naquela noite, mesmo com o
efeito da anestesia, mesmo com toda a situação, o meu primeiro pensamento
coerente, foi desejar você – ele me olhou nos olhos, e então continuou –
Honestamente? Eu não o tipo de cara que tem relacionamentos, por quem eu
sou, pelo que eu faço, não é o tipo de coisa que se encaixa, mas com você, eu
queria mais, mesmo que uma parte de mim, me dissesse que você merecia
mais, merecia alguém melhor, eu queria você para mim, desde a porra do
primeiro minuto que eu estive consciente da sua presença.
Ele me observou, tentando antever se as suas palavras tinham me atingido.
– Mikhail – eu comecei a interromper
– Calada Emma! Agora você escuta!
Eu assenti em concordância, então ele continuou.
– Talvez a sua memória esteja fraca, ou você só insiste em carregar a culpa do
mundo nas costas, mas deixe eu te lembrar de alguns fatos! O primeiro: Você
não veio voluntariamente para estar situação Emma, ao menos não da
primeira vez! Segundo: Você sentiu a faísca, desde o primeiro momento, eu
sei que você sentiu, e faísca quer dizer atração mutua Emma, simples assim!
E por último o terceiro: Eu entendo as regras que regem o seu trabalho, mas
nada disso se aplica aqui, nada disso se aplica a nós! Então ok, eu entendo as
suas razões, mas não tem nada no seu comportamento que deveria fazer você
se envergonhar Emma, e sendo quem eu sou, e fazendo o que eu faço, eu sei
disso melhor que ninguém!
– Se existe um conflito ético, aqui ele é meu não seu, eu não queria te trazer
para o meu mundo, não queria que nada disso tocasse em você! Mas de
maneira nenhuma eu estou deixando você ir, então vou lidar com isso? Você
entende o que eu estou dizendo Emma?
Eu entendia, ou pelo menos achava que compreendia, e o que eu entendi, me
fez ter “borboletas no estomago” como dizem por aí.
Seus braços mão me prendiam em um aperto de ferro mais, foi gradual
enquanto ele falava, mas o meu corpo foi relaxando completamente, meu
braço estava em volta do seu pescoço e os seus envolviam minha cintura, e
tanto quanto eu tinha tanto o que dizer, era mais forte que eu que o meu corpo
falasse por mim.
A boca dele saqueou a minha, suas mãos foram para o meu cabelo e
mantiveram um aperto firme, sua ereção pressionando a minha bunda, fez
com que meu corpo naturalmente se ajustasse a posição, e eu não pude evitar
me esfregar contra ele.
Sequer percebi que nos movíamos em direção ao banheiro, e quanto
chegamos lá, o meu olhar confuso pedia uma explicação.
– Vamos tomar um banho.
– Mikhail, eu acabei de tomar um banho, e vou me atrasar se…
E então lá estava a sua boca novamente, saqueando a minha, e impedindo que
qualquer pensamento coerente pudesse ser gerado.
– O que você deve saber sobre mim Emma, é que eu sempre, penso em tudo!
E o que quer que ele quis dizer se perdeu no momento, por sua boca desceu
sobre a minha novamente, e qualquer pergunta que eu tivesse sobre o
significado das suas palavras foi esquecida.
Eu devo admitir, existe algo sobre tomar banho junto a alguém que forja uma
intimidade única, quando o banho acaba se estendendo para outras atividades,
melhor ainda, e eu tinha que admitir, Mikhail era muito bom no que fazia, eu
nunca fingi orgasmos, mas devo admitir que na maioria das vezes não era tão
simples chegar lá! Mas ele parecia conhecer o meu corpo melhor que eu, e eu
não podia evitar a reação do meu corpo a ele, claro em um sentindo biológico,
sexo, é sexo, mas eu não sei explicar, ele, o cheiro, o gosto, a explosão de
sentidos, eu nunca havia sentindo isso antes! Era único, e era incrível,
havíamos transado no chuveiro, e agora me olhando no espelho, enquanto eu
secava o cabelo, e Mikhail estava se trocando ao lado, eu não podia tirar a
expressão de satisfação do meu rosto, minha pele ainda formigava do seu
toque, eu podia sentir a minha vagina latejando, com a sensação que ele
esteve dentro de mim! E por Deus eu queria mais, eu queria muito mais!
Sem mais delongas, deixei os meus devaneios de lado, iria me atrasar com
certeza, já que teria que passar e casa e me trocar, mas então entrei no closet,
e Mikhail estava se vestindo, tomei uns segundos admirando o seu corpo, ele
já tinha vestido a calça, e sua camisa estava meio vestida. Meu Deus, eu não
me cansava de olhar para ele, quando finalmente me obriguei a desviar o
olhar.
Ele tinha ataduras cobrindo os ferimentos, que mesmo estando suturados
necessitavam de um curativo, deu vontade de bater na testa e dizer
“Estupida”, é claro que ele precisava das ataduras, e eu em face do que
aconteceu a noite passada, nem sequer me lembrei disso! O que não falava
bem sobre mim como profissional. Vendo o meu olhar sob os curativos, e a
pergunta não verbal na minha expressão, ele sentiu a necessidade de se
explicar:
– O médico esteve aqui – ele disse, e antes que eu caísse na minha rotinha de
autocomiseração, rapidamente ele mudou de assunto – São para você – ele
me disse inclinando a cabeça as suas costas.
Olhando com atenção, vi algumas sacolas sobre o estofado que ficava no
meio do cômodo, e logo reconheci o logo de uma loja famosa.
– Para mim? – eu estranhei.
– Se você for em casa, vai se atrasar! E mesmo que eu tenha uma predileção
especial, quando você usa as minhas camisas, principalmente contra a luz,
achei que você iria achar mais confortável se vestir adequadamente.
– Mikhail você me comprou roupas?
Agora, pelo menos por uma vez, então foi a vez dele ficar sem palavras,
diante da minha pergunta, era quase como se ele estivesse inseguro.
– Não, mas eu mandei que comprassem! Como eu disse antes, Emma, eu
sempre penso em tudo! E a sua presença aqui, era algo que eu queria manter,
logo a consequência, seria o atraso, a solução as roupas.
Eu bem que queria ficar ali, discutindo sobre isso, mas eu sabia que ele
realmente havia me feito um favor! Logo nesse momento ia deixar passar, e
aceitar a gentileza, como o que ela era, uma forma de facilitar o meu dia!
O telefone tocou no quarto e ele saiu para atender, eu aproveitei para ver o
que ele tinha comprado.
As sacolas de cor off White trazia um logo de uma famosa loja de
departamentos, que eu não costumava a frequentar, já que meu orçamento não
me permitia considerando todas as minhas contas, lembro de uma única vez,
na minha formatura, em que fui até lá comprar um vestido! A qualidade das
peças era incomparável, os preços razoáveis até, mas com meu empréstimo
estudantil e as despesas com aluguel, luz, e etc., era impossível para mim ser
frequentadora da loja.
A blusa era de cashmere, o tecido de uma suavidade única, em contato com a
pele, me fez esquecer um pouco a minha irritação por Mikhail comprar roupas
para mim! A calça jeans, era um modelo simples, mas algo me dizia, que a
simplicidade era aparente, no corpo, a forma como ela se modelou ao meu
corpo, trouxe conforto, e elegância, o conforto era normal, mas eu não
associaria propriamente elegância a uma calça jeans, mas sim, me olhando no
espelho, eu parecia elegante, elegante e definitivamente satisfeita, embora eu
soubesse que a satisfação não tinha relação com as roupas…
Ao pensamento disso eu corei…
Meu Deus, se a simples lembrança dos nossos momentos poderia me fazer
corar! Eu certamente tinha mais que “uma queda” por ele! Eu não sabia dizer
se isso era bom ou ruim no momento, todos os meus sentidos pareciam estar
sintonizados nele, eu provavelmente não estava em condições de considerar
nada ou de decidir nada! E como sabiamente dizia a minha Vó, o que não tem
remédio, remediado estava!
Mikhail
Meu telefone tocou, aparentemente nossas investigações tinham dado algum
resultado, havia uma via não oficial de informações no submundo do crime, e
nós a controlávamos, eu sabia que era questão de tempo, estávamos
literalmente caçando quem havia sido responsável pelo ataque, e não
descansaríamos enquanto não encontrássemos.
Um dos nossos, achou uma conexão que poderia levar ao atirador, que por sua
vez levaria ao mandante, e tanto quanto Alex, e Nikholai queriam que eu
ficasse “fora disso”, já que ainda estava me recuperando, isso não era uma
possibilidade para mim, ainda que eu provavelmente não tenha sido o alvo
que eles queria atingir, era eu que tinha levado os tiros, e era a minha família
que eles atacaram! Eu não ficaria sentado na porra do quarto esperando por
notícias! Eu estava indo com eles, sem discussão!
Quando encerrei a ligação, vi Emma parada na porta do closet, ela estava
movendo o seu peso de um pé para o outro, como se estivesse indecisa sobre
o que fazer. Quando percebeu que eu a estava olhando, ela então me disse:
– Eu não queria interromper a sua ligação.
Seu embaraço era evidente, e totalmente desnecessário, e eu poderia ficar
horas ali, só olhando para ela, o sentimento que vinha à tona, era puramente
admiração, e definitivamente não irritação por ter sido interrompido, como
seria o normal no meu modo de reagir, Emma realmente havia mudado algo
fundamental dentro de mim, e diante disso, respondi com a verdade.
– Você nunca atrapalha Emma, nunca!
Ela corou diante da minha resposta, Emma era o que muitos diziam ser “um
livro aberto”, suas emoções eram tão claras no seu rosto que era impossível
olhar para ela e não compreender os seus sentimentos.
As emoções eram tão claras na sua expressão que era impossível de
confundir, como há alguns minutos atrás, quando ela pareceu mortificada por
eu ter comprado roupas para ela, nem queria imaginar o que aconteceria se ela
visse o quarto ao lado, onde o resto das roupas havia sido colocadas, o que
basicamente totalizavam um guarda roupa completo, se ela havia reagido
assim a um par de roupas, não imagino o que ela diria se visse tudo o que eu
mandei comprar. Por hora, por uma questão prática, iria deixar ela na
ignorância sobre o que eu tinha feito, até porquê a minha justificativa se
baseava em que ela pudesse ter tudo necessário para ficar aqui, comigo,
permanentemente, e então eu percebi como isso soava na minha mente, e
como poderia soar assustador para ela, descobrir o quão possessivo eu já me
sentia sobre ela, a ponto de querer que ela se mudasse para cá! Porra eu
realmente estava ferrado! Ou apaixonado, o que em determinado sentido,
poderiam soar como sinônimos um do outro.
Queria ficar aqui e manter Emma comigo, longe de tudo o que acontecia lá
fora, a salvo de qualquer perigo, mas eu sabia que não era uma opção! E sabia
que se eu quisesse estar lá quando eles encontrassem o atirador, eu tinha que
me mover, então sem mais delongas peguei o meu blazer, e estendi a mão
para Emma, e saímos em direção a cozinha. Tomamos um desjejum rápido, e
pelo modo como Emma se comportou com naturalidade, me mostrou que
comer apressadamente antes de sair era o seu modus operante diário! Isso iria
mudar, Zhenya sempre nos atormentou sobre o café da manhã ser uma das
refeições mais importantes do dia, logo não poderia ser saudável para Emma
estar sempre correndo, sem o tempo hábil de se alimentar direito! Eu não iria
permitir que a minha mulher colocasse a sua saúde em risco por conta de algo
tão trivial, o que só aumentava a minha intenção de mantê-la aqui comigo, e a
esse pensamento eu sorri mentalmente! Eu era um planejador nato, e mesmo
que não fosse imediato como era o meu desejo, eu teria Emma comigo, sob a
minha proteção, nos meus braços! Ela era minha porra!
Estávamos no limite do horário para sair, e quanto mais atrasássemos, pior o
trânsito ficaria, então nos movemos em direção ao elevador.
– Eu não estou de plantão hoje, então devo sair as 18:00, se você quiser fazer
algo me liga…
Polida, eu devo admitir, parecia o tipo de conversa normal em um
relacionamento casual cheio de incertezas, mas eu já tinha ultrapassado essa
fase, eu não iria deixar que Emma se afastasse, eu a queria, de preferência
sempre há um cumprimento de um braço, considerando que ela tinha uma
carreira e isso não seria possível, eu seguraria a minha personalidade
possessiva e dominadora, e daria algum espaço a ela, mas de nenhuma
maneira fodida eu estaria permitindo que ela se afastasse de mim.
Eu uni as nossas mãos, mantendo o aperto, então a olhei nos olhos.
– Eu vou te dar uma carona até o hospital.
Ela me olhou desconcertada.
– Mas o meu carro está aqui… – Ela protestou inutilmente – E precisarei dele
para voltar para casa.
Mantive a sua mão na minha, esfregando o dorso com o polegar.
– Eu farei os arranjos para te buscarem na saída do seu plantão – E então
complementei – Se você preferir ir para o apartamento de vocês, eu vou
entender, mas tenho esperança que você, volte para cá!
As palavras que eu queria dizer na verdade, eram o seu “antigo apartamento”,
e dizer que ela viesse para “casa”, mas a minha mente me alertou “cedo
demais” …Então generalizei para não soar como um filho da puta possessivo,
o que eu realmente era, e assustá-la com toda essa merda.
Considerando que estávamos em alerta máximo, além do carro principal,
tínhamos mais dois carros com segurança nos acompanhando, um na
dianteira, e um fechando a retaguarda, mesmo que o carro que estávamos,
oferecesse o que a mais moderno em segurança veicular, os batedores eram a
nossa primeira linha de defesa, e serviam para supostamente nunca ter que
testar a eficiência dos elementos de segurança que o carro oferecia.
Emma apoiou a sua cabeça no meu ombro, e se aconchegou em mim, ela
definitivamente não era uma pessoa “da manhã”, seus olhos fechados, e a
postura de total relaxamento, me diziam que mais um pouco e ela cairia no
sono, em defesa dela, eu poderia dizer que nenhum de nós dormimos muito na
noite passada, e sendo assim seu cansaço era totalmente justificado, mas eu
devia admitir que sentir o corpo dela aconchegado ao meu era uma sensação
boa demais, que eu não conseguiria descrever.
Cheirei os seus cabelos, mesmo não sendo um odor estranho para mim, já que
se tratava de um dos produtos do meu banheiro, era como se a essência dela
se misturasse, e ela cheirasse a Emma, um cheiro único distinguível, viciante
para caralho! Eu poderia ficar ali para sempre, mas sabia que estávamos nos
aproximando do hospital, então a acordei com cuidado, seus olhos
desfocados, demoraram um tempo para se situarem, e quando ela o fez, meus
lábios desceram sobre os delas, tanto quanto porque era o que queria fazer,
tanto quando porque também era uma forma de me despedir, já que
estávamos na avenida que levava, ao hospital, a forma como ela se entregou
ao beijo, levou meu controle ao limite, de forma que eu queria mandar tudo a
merda, e levar ela de volta ao apartamento e para a minha cama, e então não
deixar ela sair de lá tão cedo assim. Mas então eu refreei os meus impulsos,
Emma, era minha, ela consciente disso ou não, ou levaria as coisas devagar, e
não a assustaria assim! E cedo ou tarde a consciência sobre ela me pertencer,
e eu pertencer a ela, iria chegar, eu não precisava me tornar irracional sobre
essa merda, ela não iria a lugar nenhum, porque se no mínimo ela se sentisse
mesmo que uma fração do que eu estava sentindo por ela, eu tinha certeza que
entre nós dois era a coisa real, e eu faria de tudo que estivesse ao meu alcance
para que permanecesse assim.
Emma
“You got me running on sunshine /Você me faz correr na luz do sol
Ain’t no clouds getting in my way /Não tem nuvens no meu caminho
I must be running on Sunshine /Eu devo estar correndo na luz do sol
Ain’t no rain getting in my way /Não tem nuvens no meu caminho…”
Essa música tocava sem parar na minha cabeça desde que ele tinha me
deixado no trabalho, eu me sentia um pouco estupida como uma adolescente
apaixonada, mas simplesmente não podia evitar me sentir assim! Solar, acho
que essa era a palavra, era como se tudo estivesse perfeito no lugar que
deveria estar, como se toda a minha vida eu tivesse esperado por isso, e agora
que tinha chegado lá, a felicidade borbulhava dentro de mim!
E nas semanas que seguiram, o meu comportamento usual, foi sair do
trabalho e ir direto para o apartamento dele, eu já tinha começado a me sentir
muito confortável lá, o que de certa forma me aterrorizava, decepções
passadas me ensinaram a ser mais cautelosa, ir um passo de cada vez, não
atropelar as coisas, viver o momento e coisa e tal, e eu tentava sempre
cumprir essa determinação, não entregar o meu coração em uma bandeja ao
primeiro cara super quente que eu esbarrasse por aí! Mas eu simplesmente
não podia evitar, quando eu estava com ele, qualquer pensamento coerente, ou
reserva em me envolver, sumia como se nunca tivesse estado lá! Nós dois
juntos, parecia tão certo, tão perfeito! Eu não era uma idiota completa, eu
sabia quem ele era, sabia o que ele fazia, mas a imagem que eu tinha de um
mafioso, e o homem que eu conhecia simplesmente não casavam! Pelo tempo
que estávamos juntos, em nenhum momento, ele demonstrou nenhum traço de
agressividade, nenhum resquício sequer de crueldade ou nada parecido!
Percebi o que Katherina quis dizer com a frase “Eles me mantem totalmente
fora disso”, era o que basicamente faziam comigo também, seja lá qual fosse
a área de negócios que eles executavam para a máfia, eles faziam isso de
forma que nem eu, nem Katherina fossemos envolvidas em nada! Por um
lado, isso causava um certo alivio, eu nasci e fui criada em uma pequena
cidade no norte de Minesota, e definitivamente meu único contato com o
mundo do crime era através da televisão, em uma cidade tão pequena quanto
a minha cidade natal, você simplesmente não faria algo errado e conseguiria
manter encoberto, fora que o xerife era meu tio, e pelo menos dois dos
patrulheiros também tinham parentesco com a minha família, o que
basicamente queria dizer que o que a força da lei não soubesse sobre o nosso
comportamento, receberia alguma ajuda de alguém na cidade, e
provavelmente no caso da minha família, explodiria bem no almoço de
domingo, que era uma ocasião sagrada que ninguém poderia faltar( eu juro!
Tentei, incontáveis vezes me livrar).
Pode-se dizer assim que não foi uma coincidência que todas as minhas
aplicações para faculdade foram para outros estados! Eu amava a minha
família, mas preferia dar e receber esse amor em suaves doses homeopáticas
nas férias, até porque se existisse uma ovelha negra na família, essa seria eu!
Minhas irmãs ( e eu tinha quatro) estavam quase todas casadas com exceção
da caçula, que parecia se encaminhar para isso também, eu tinha dois
sobrinhos, e mais um a caminho, eu não as julgo pelas suas escolhas, ir para a
faculdade local, se casar com o namorado do ensino médio, ter um emprego
mediano, uma vida mediana (ok, talvez eu esteja julgando um pouco), mas a
reciproca não é verdadeira, acho que a minha família, principalmente a minha
mãe, não tinha ideia do que fazer comigo, a rainha do baile, basicamente
criou rainhas do baile, eu era a única exceção na minha casa, lembro estava
sempre com o nariz metido nos livros desde que eu tinha idade para guardar
qualquer lembrança, compras, maquiagem e etc., nunca foram muita a minha
coisa, e eu sabia que a minha mãe tinha uma certa dificuldade com isso, sendo
um pouco má, eu tinha absoluta convicção que ela tenha voltado ao hospital
para conferir se não havia acontecido nenhum erro, como uma troca de bebês,
e a sua verdadeira filha, “a barbie princesa” estaria em algum local, com pais
nerds cientistas sofrendo com a incompreensão deles, enfim, como não houve
nenhuma troca, supôs então, que havia sido só uma piada da natureza, e
imagino que a mamãe tenha ficado um pouco desapontada sobre isso!
Minhas divagações foram interrompidas por uma porta batendo, e um
pequeno furacão que entrou correndo na casa, e foi em direção aos quartos
Lila estava em casa, e Deus ela sabia como anunciar a sua presença.
– Tia Emmmm!!! – o grito estridente veio complementando o bater da porta.
– Aqui boneca! – eu respondi claramente consciente que a falta de resposta,
levaria ela a continuar com os gritos.
O tropel de passos correndo em direção a cozinha, e então como uma bala ela
se jogou em mim, em um abraço esmagador.
– Eu senti saudade.
A culpa espezinhou a minha consciência, eu sabia que nas semanas que
passaram, eu tinha gastado o meu tempo com Mikhail, e considerando que
grande parte do meu tempo era gasto no hospital, o que me restava era
basicamente muito pouco, e a minha bonequinha tinha uma rotina regrada,
sendo assim, nas poucas vezes que eu tinha encontrada com ela, eu estava
com pressa, ou ela estava indo dormir.
– Eu senti saudades também boneca! Você tem sido boazinha com a Sra.
Goshen?
Ela assentiu, com a cabeça de forma que as suas tranças balançaram
comicamente para frente e para trás.
E então encostou a sua cabecinha no meu peito, e se manteve agarrada a mim!
Se eu bem conhecia, essa carência ia durar um tempinho, então resolvi
terminar o que eu tinha começado antes de me perder completamente em
pensamentos, eu estava fazendo a lista do supermercado, nós nos apoiávamos
em fast food, e considerando a correria do dia-a-dia, era complicado ter tempo
de fazer tudo, Gwen havia me mandado um sms, pedindo que eu
reabastecesse a geladeira, principalmente por causa de Lila, já que sendo bem
sincera, a nossa alimentação não era lá muito saudável, mas fazíamos um
esforço pela bonequinha.
– O que você tá fazendo Tia Emm? –a vozinha ressoou contra o meu peito.
– Uma lista de compras boneca!
Tenho que abastecer a geladeira, porque não quero a sua barriguinha
roncando de fome – eu disse a ela enquanto fazia cosquinhas na sua barriga.
Ela então começou a prestar atenção no que eu estava fazendo, ela ainda não
estava na idade de alfabetização, mas tinha muita curiosidade em aprender.
– Sorvete de Chocolate – Lila disse de forma muita enfática para uma criança
da sua idade enquanto eu continuava a listar os itens.
– Querida, estou listando só as coisas mais básicas e importante.
– Sorvete de Chocolate – ela repetiu acenando em confirmação.
Eu cedi, sorvete de chocolate era realmente importante, e podia segundo a
teoria das residentes desta casa (no caso nós), ser considerado item de
importância fundamental para a nossa sobrevivência.
Não dava para adiar teria que ir hoje mesmo, alguns itens de necessidade
básica, como café, estavam acabando, e ficar sem café era impossível, fora
que mesmo que eu e Gwen, pulássemos refeições, ou na maioria das vezes
comíamos no hospital, Lila precisava se alimentar de forma saudável.
O tempo esteve chuvoso o dia inteiro, o que dobrava a minha preguiça de sair
de casa, mas pela atual situação da despensa, a saída não era opcional, a Sra.
Goshen, tinha ido visitar uma amiga, o que significava que Lila, estava indo
também, e com o tempo chuvoso tinha que me prevenir, a vesti com uma
roupa mais quente, já que a chuva ajudou a esfriar o tempo, e complementei
com galochas e uma capa de chuva, ela parecia um personagem do episódio
das Cataratas do Niágara, do Pica-Pau, mas definitivamente estava protegida.
Calcei as minhas galochas também, e coloquei um sobretudo impermeável, a
chuva tinha dado uma trégua a notinha e eu esperava ser suficiente, já que não
pretendia demorar muito a voltar.
Os dois quarteirões que separavam meu apartamento do mercado mais
próximo, eu passei segurando firmemente a mão de Lila, tanto quanto eu
permitiria que ela saísse saltitando pelas poças, isso seria na volta, já que não
queria que ela molhasse todo o piso do mercado.
Então ao chegar cumprimentei o Sr.Elliot com um aceno de cabeça, por ser o
mercado mais próximo, era também o nosso mercado preferencial,
principalmente por funcionar por 24 horas, e os nossos horários sempre serem
meio malucos, então erámos quase clientes preferenciais ali, Lila se moveu
em direção ao freezer, prioridades claro, sorvete de chocolate era
fundamental, e eu peguei uma cesta, e então a lista e me movi para as
prateleiras, tentando ser rápida, e mantendo o olhar em Lila que continuava
olhando o freezer, e me dava a leve impressão que não levaríamos só o
sorvete de chocolate.
Estava distraída procurando o chocolate em pó preferido da Gwen, e falando
em voz alta comigo mesmo enquanto procurava o produto, que ela devo dizer,
enfatizou que tinha que ser especificamente aquele, então lá estava eu
– Hershey, Hershey, onde está? – eu dizia em voz alta divagando como uma
demente.
Quando uma mão me estendeu o pote de cor marrom.
Levantei os meus olhos para agradecer ao Sr. Elliot, e dei de cara com
Mikhail.
Definitivamente deixei o choque transparecer no meu rosto, e me senti
incapaz de dizer qualquer coisa.
Ele quebrou o gelo dizendo:
– Você vem sempre aqui?!
Não pude evitar o riso que borbulhou na minha boca. E tentando controla-lo
dei uma resposta.
– Na verdade eu venho, mas a pergunta é, o que você está fazendo por aqui?
– Ah, você sabe passeando pela vizinhança.
– Passeando pela vizinhança? Um pouco longe de casa não? – eu disse, meus
olhos traindo a minha diversão.
– É um lugar interessante, com pessoas interessantes – ele disse tentando
aparentar seriedade, mas com os olhos dançando em diversão.
Quando eu ia retrucar sobre quem seria a pessoa interessante, uma grande
parte de mim rezando para que fosse eu, fomos interrompidos por um
pequeno furacão, que se colocou no meio de nós, e nos braços carregava três
potes de sorvete….
– Lila – comecei em tom de aviso.
– São todos gostosos, tia Emm!
– Sim, e se depender de você, era só o que você comeria!
– Sim, ela concordou, então posso levar os três – ela pediu então com a
carinha mais pidona do mundo.
– Nem pensar - eu disse, exalando tranquilidade - escolha um, e somente um!
Olhei divertida para Mikhail!
E Lila então pareceu perceber, que havia um desconhecido ali, como ela não
tinha absolutamente nenhum osso tímido em todo o seu corpo.
Ela deu a ele o seu melhor sorriso desdentado e disse:
– Oi!
– Oi! – ele respondeu, tentando assimilar o jeito despachado que ela tinha
– Você gosta de sorvete? – ela perguntou ainda usando o seu melhor sorriso
desdentado.
Ele me olhou pedindo socorro, balancei minha cabeça em negativa, Lila era
boa, mas no momento eu estava no papel de tia responsável, então tinha que
manter firme.
– Sim, de vez em quando – a minha sobrancelha levantando, foi o que lhe deu
o sinal, então ele completou – Mas muito de vez em quando.
Ela então voltou a sua carga para mim.
–Tia Emm, contando eu, você a mamãe, precisamos de mais sorvete!
– Vamos fazer o seguinte – tentei contemporizar – Vamos levar um, se acabar,
compramos mais depois, ok?!
Lila sabia quando estava perdendo também, então resolveu não insistir.
Deu um sorriso, para mim, se virou e sorriu para Mikhail também, e então se
virou e voltou correndo de volta aos freezers.
Ele sorriu vendo ela correr em direção aos freezers, Lila, nos tinha na mão
com um sorriso, era tipo um superpoder, sem contar a habilidade de fazer
beicinho para conseguir o que quer, eu só conseguia ser firme, com um
grande esforço.
– É difícil negar alguma coisa a ela, não é? Ele disse pensando em voz alta.
– Sem dúvida, e olha que ela nem fez beicinho hoje, eu diria que ela sabe
quais batalhas lutar! – eu disse entre risos – Janta com a gente? Devo te
tranquilizar dizendo a você que não foi eu que cozinhei… ele me interrompeu
com um beijo, não um beijo faminto que parecia me devorar, mas cálido,
tocando meus lábios com delicadeza, me deixou sem palavras.
Ele prendeu meu olhar de forma que mesmo sem palavras, nos
comunicávamos, a conexão que nós tínhamos era tão visível que dispensava
palavras, eu nunca tinha sentido isso por ninguém, e sinceramente me
assustava para caramba!
Qualquer coisa que íamos dizer um ao outro se perdeu porque Lila se juntou a
nós e abraçava o seu pote de sorvete como se ele fosse um salva-vidas.
Como eu já tinha completado a minha lista, fomos em direção ao caixa, onde
Mikhail e eu tivemos um pequeno embate sobre quem ia pagar, e mesmo com
os meus argumentos muito sensatos (e inteligentes), ele ganhou e pagou a
conta.
O carro dele, acompanhado de outros, provavelmente recheado de caras
enormes com armas estava estacionado a frente, mas nem valia a pena, já que
a distância era muito pequena.
– Podemos ir caminhando? – eu perguntei a ele.
Ele me respondeu com um aceno, e com um olhar enviou um comando aos
seus homens (o que eu realmente achei impressionante.)
Ele levou a pacote de compras, o que na minha opinião era a primeira vez que
ele fazia isso na vida, sua mão livre se entrelaçou com a minha segurando
com firmeza. Para quem olhasse de fora, parecíamos um casal, com uma filha
um pouco louca que começou a pular em poças pelo caminho.
Mikhail voltou o seu olhar para mim, e perguntou?
– Vamos impedi-la?
– Dificilmente – eu respondi – Além do quê, o problema era ela pular na
primeira, o que ela já fez, as próximas só vão complementar o trabalho.
– Então vamos permitir que ela pule em cada poça do caminho até em casa? –
ele disse a incredulidade total escorrendo da sua voz.
Então eu respondi:
– Bom, é como dizem, “Você prefere ser feliz ou ter razão” A expressão de
Mikhail, era absolutamente incrédula o que se refletiu na sua pergunta
seguinte
– E o que isso quer dizer? – Ele perguntou meio curioso, meio divertido.
– Lila, tem alguma coisa com splash’s.
– Splash’s?
– Splash’s molhados, e isso desde que ela era um bebê, sério, podíamos dar
banho e tomar banho ao mesmo tempo, ela adora água, e principalmente
adora splash’s!
Sua expressão ainda era absolutamente incrédula.
– Ok, eu poderia dizer a ela para não pular em cada poça do caminho, ela
faria beicinho como se eu tivesse acabado com toda a alegria do mundo, e
então iria aproveitar a minha distração momentânea e pular em uma poça
qualquer…
– É uma possibilidade – Mikhail concordou.
– Então, sabendo disso, eu não me dou ao trabalho, roupas podem ser lavadas,
ela pode tomar um banho, mas realmente não é uma batalha que pode ser
ganha, de uma forma ou de outra – eu complementei – Sou uma tia dedicada,
se ela faz algo realmente errada a bronca e o castigo vem, mas sério fazer
confusão por algo que saí com agua e sabão não faz muito o meu estilo.
– E eu presumo que o olhar do gato de botas ajude?
– Definitivamente, eu concordei! É quase um superpoder que ela tem.
Seguimos o caminho, falando de tudo e de nada ao mesmo tempo, era tão
doméstico, mas ao mesmo tempo parecia tão certo, se encaixa tão bem no que
éramos!
Próximo ao apartamento, senti o corpo de Mikhail se retesar completamente,
seu olhar se transformou em duas lascas de gelo.
Um dos seguranças que acompanhava o nosso percurso se aproximou.
– Mikhail? – eu perguntei assustada
Seu olhar se virou para mim.
– Algo surgiu, Emma, infelizmente eu não vou poder ficar – ele disse com um
sorriso que tentava me tranquilizar, mas que não chegava aos seus olhos.
– Está tudo bem?
– Claro – ele afirmou novamente, com uma expressão que aparentava ser
tranquila, mas os olhos permaneciam frios – Entre – ele disse passando as
compras para mim, quando chegamos a entrada do meu prédio. Lila
aparentemente tinha cansado de pular na água e veio para mim, colocando a
sua mão na minha, e efetivamente me impedindo de pressionar Mikhail a falar
sobre o que estava acontecendo.
Seus lábios vieram para os meus, em um beijo delicado de despedida, e então
se moveram para a minha testa. Não sei porque, mas ali naquele momento vi
o gesto como um adeus, não como um até logo.
Mas ele permaneceu parado, esperando que entrássemos, e quando me virei,
ele ainda estava lá, estoico, mas sua expressão era diferente, não sei explicar,
parecia quase dolorida. Não tive tempo de analisar por um segundo a
expressão estava em seu rosto, e então ele se virou e entrou no grande carro
preto que aguardava, e havia nos seguido desde o mercado.
Senti um vazio enorme com a saída repentina dele, como se algo estivesse
errado, como se as coisas não fossem ser as mesmas nunca mais! Mal eu sabia
o quão certa eu estava sobre isso!
Mikhail
Havia uma vantagem implícita em ter a segurança reforçada pós o atentado
que eu havia sofrido, no momento que eu me dei conta que Vadim
Kozhevnikov estava nos arredores, não fui o único a notar, um plano de ação
foi traçado rapidamente no momento que eu entrei no carro, metade dos meus
homens ficaram para proteger Emma, caso a nossa empreitada não fosse bem
sucedida, e a outra metade foi a caça! Eu sequer considerava a possibilidade
de que ele poderia escapar, então me envolvi pessoalmente na caçada, mesmo
contra o conselho dos meus homens de confiança! E isso sequer era sobre
mim! Era sobre ela, saber que Emma corria o perigo de ser pega por Vadim,
fez meu sangue ferver, e então congelar, em mais de uma ocasião, eu fui
chamado de “um filho da puta frio”, e quando necessário, eu fazia jus a essa
fama! Vadim Kozhevnikov era um homem morto! Ele havia decretado a
própria pena ao vir atrás da minha mulher.
Minhas mãos estavam lavadas em sangue, a junta dos meus dedos estava
esfolada, e meus ferimentos doíam como merda pelo esforço que fiz em
arrancar informações de Kozhevnikov, tínhamos nosso próprio executar para
lidar com isso, então eu não precisaria lidar com isso pessoalmente, mas
porra! Isso era pessoal, era pessoal para caralho que ele estivesse se
esgueirando sobre a minha mulher, que ela poderia estar em perigo por uma
simples associação comigo Vadim Kozhevnikov era um filho da puta cruel,
ele desfrutava do que fazia, desfrutava de torturar quem quer que fosse, atrás
das informações que o seu chefe precisava. E ver ele perto o suficiente de
Emma, o que ele faria a ela com o intuito de me atingir! Eu sequer conseguia
pensar nisso! Por isso eu, por assim dizer, peguei a tarefa nas minhas próprias
mãos, não era habitual para mim, me encarregar pessoalmente de arrancar
informações, mas foda-se se eu iria permitir que qualquer outra pessoa fizesse
o trabalho, eu tinha que ter certeza, e a única forma de ter certeza era tomando
conta disso pessoalmente!
Tinha levado horas! Ele era um filho da puta duro, mas sua especialidade
estava em estar do outro lado, provocando dor, não a recebendo, ele quebrou,
e então disse o que eu precisava saber, ele tinha ficado reduzido a uma polpa
sanguinolenta, ele sabia desde o começo que não havia possibilidade de sair
vivo disso, o que tinha em cima da mesa, era o quão rápido e o quanto indolor
a morte seria! Ele resistiu, claro que resistiu, vivíamos por um código, a
traição não era aceitável nesse meio, a honra era importante, era
possivelmente a única coisa que de certa forma permanecia intacta no meio
em que vivíamos.
Lavei as mãos e os braços e me olhei no espelho, meus olhos permaneciam
atormentados, eu não era um idiota para saber o risco que eu corri essa noite,
o risco que eu fiz ela correr.
Havia uma ducha na instalação, e eu precisava me limpar, tanto quanto eu não
queria estar coberto de sangue, se tratavam de evidências forenses, e tinham
que ser cuidadas!
Ele estava me seguindo, Emma não havia entrado na equação, eles não
sabiam sobre ela! Me forcei a respirar fundo, ela estava segura! Ela ia ficar
segura, peguei meu celular e chamei Alex.
– Kozhevnikov estava seguindo Emma!
– O executor da família de Vasili? Eu estou a caminho! Isso não faz a porra
do menor sentido.
– Já foi cuidado! E talvez faça todo sentido – Eu disse sombriamente –
Kozhevnikov é um psicopata fodido, mas a sua coleira é apertada, você
imagina ele fazendo algo assim por conta própria?
– Foda-se! Demirodov está por trás de tudo! – Alex então chegou a mesma
conclusão que eu.
– Vasili Demirodov é um homem morto, ele só não sabe disso ainda – Então
eu encerrei a chamada com Alex, eu precisava colocar Nikholai a par de tudo.
Não havia demorado tanto, Vasili, era sobre tudo, arrogante para caralho,
sendo assim, o sumiço de Kozhevnikov que já durava horas, não foi um alerta
para ele, logo tudo que Nikholai precisou fazer foi uma ligação e agendar um
encontro.
Vasili Demirodov com absoluta certeza, não tinha consciência que estava
caminhando direto para a sua morte, se ele soubesse, teria corrido, sua
arrogância o fazia estupido, mas certamente o seu temor a morte era maior
que a sua estupidez, mas essa é coisa com os ratos que atacam por trás, eles
acreditam que sua identidade está protegida por sua covardia em lançar um
desafio direto, ele não considerou que existia um bom motivo para a minha
família reter o poder por tanto tempo em uma organização tão brutal. Nós
fazíamos o que tínhamos que fazer, simples assim, em uma guerra não havia
espaço para civilidade. E ele aprenderia isso do jeito mais difícil.
Ele não demorou muito a quebrar, Vasili tinha se acomodado, herdou o
império do pai, e desde então considerou que seu trabalho estava feito, ele não
recebeu ordens de ninguém, mas todos nós concordamos que considerando a
sua falta de inteligência contumaz, ele não teria a ideia de vir atrás de nós por
conta própria, isso certamente foi soprado em seu ouvido por alguém
suficientemente inteligente para não fazer isso diretamente. Quem quer que
tenha feito isso, se protegeu com a estupidez de Vasili, que era sugestionável
o bastante para sequer perceber o que estava acontecendo. Nikholai tinha um
palpite sobre a identidade da pessoa por trás de tudo, mas sem a confirmação
de Vasili, tudo não passava de um palpite, e nesse mundo não se iniciava uma
guerra por um palpite. Mas tanto quanto sabíamos Andrev Krasnov estava por
trás disso, e mesmo que não tomássemos uma atitude sobre isso, estaríamos
de olhos bem abertos, porque ele certamente não iria parar por aí, ainda que
ele não demonstrasse abertamente o desafio, Nikholai havia matado o seu
primogênito, e mesmo que ele fosse um saco de merda, não era algo que
Krasnov iria esquecer ou perdoar, ele não retaliou na época, porque sabia que
tinha muito a perder, engoliu as desculpas como um remédio amargo, mas
todos sabíamos que isso não era algo que fosse perdoável, desde então
estamos esperando que ele faça um movimento, mas ele tem se mantido à
espreita, como uma cobra peçonhenta, esperando a melhor oportunidade de
dar o bote. Falar com Vladmir a essa altura não iria adiantar, ele poderia até
concordar que Krasnov estava por trás disso, mas sem uma prova concreta ele
não faria nada sobre isso. Matar um membro proeminente do círculo, tinha
consequências, a divisão do seu território, acertar os negócios pendentes, e
principalmente, os outros membros do círculo se sentiria ameaçados,
fazíamos isso a muito tempo para saber que vivíamos constantemente em uma
balança, e a chave consistia em manter o equilíbrio, e não deixar que as coisas
pendessem para um lado ou para o outro, fodido como parecia ser nós éramos,
o júri e o juiz, e não podíamos permitir que sentimentos interferissem no
julgamento, Krasnov iria ficar bem por enquanto, mas esperávamos que isso
não fosse demorar muito a se resolver, até porque Nikholai não era alguém
que ficasse satisfeito em estar com a corda no pescoço. Ele resolveria isso, de
uma forma ou de outra.
Quanto a mim? Eu tinha uma merda das grandes para resolver, Vasili era
jovem e estupido, achava que era imortal ou algo assim, porque nunca
assegurou um substituto na família, até porque considerando a estirpe
familiar, eles seriam os primeiros a tentar cortar a sua garganta durante o
sono. O porquê eu estava irritado com isso? Eu comandava a Costa Leste, o
que basicamente significava que era a minha fodida responsabilidade resolver
os negócios que ele deixou, e tanto quanto a minha família sempre tinha
mantido a sua atuação no limiar entre o legal e o ilegal, Demirodov nunca
tinha tido o mesmo cuidado, o que basicamente significava que cada um dos
seus negócios era ilegal, e essa merda seria minha para resolver. Nikholai iria
embora essa noite, o jato já estava preparado, e para mim, sobrariam dias de
trabalho para desembaraçar toda essa merda, a única coisa boa disso tudo, era
que estando com a mente absolvida por todos os problemas que o fodido me
deixou, eu não teria tempo de pensar nela. Suas mensagens piscavam na tela
como se desafiassem a minha resolução, mas eu me mantive firme, o único
jeito de manter Emma segura, consistia em afasta-la do meu mundo, e
consequentemente de mim, ela sofreria, eu sofreria, mas seria melhor assim,
pelo menos era o que eu iria repetir até acreditar.
Emma
O silencio dele estava me deixando eu pânico, a mensagem que eu tinha
mandando, não foi respondida, eu não era inocente a ponto de não perceber o
perigo que envolvia o mundo em que ele vivia, então estar sem notícias me
deixava muito preocupada sobre o que estava acontecendo, depois de hesitar
muito, resolvi que não iria esperar que ele entrasse em contato, essa história
do “não eu já tenho”, costuma ferrar com as nossas vidas, e nesse caso não foi
muito diferente.
E então eu liguei, a cada toque de chamada, eu sentia o meu coração disparar,
e quando eu achava que a chamada iria cair para a caixa postal, ele finalmente
atendeu.
– Alô – disse sucintamente, com uma frieza incomum.
– Mikhail? Está tudo bem? Você desapareceu.
– Um pouco ocupado, aqui!
– Ocupado o bastante para não me mandar um simples texto e me deixar
ciente disso?
Ele permaneceu em silencio por alguns segundos, em uma pausa que parecer
durar infinitamente na minha cabeça, enquanto meu coração martelava no
meu peito.
– Eu sinto muito Emma, é só que acho melhor assim.
– Melhor assim?! – eu disse soando tão incrédula como eu parecia.
– Eu espero não ter te magoado, não era a minha intenção, é só que não é algo
que eu poderia evitar.
Eu congelei, eu esperava muitas coisas nessa ligação, mas a frieza com que
ele me respondeu, e o fato de que basicamente estava me dando um fora
colossal, sem eu absolutamente entender a razão me desconcertou totalmente.
Eu simplesmente não sabia o que fazer.
– Entendo – eu menti – Vou deixar você voltar as suas coisas então! Adeus –
eu disse a ela e então desliguei o telefone, incapaz de manter o tom de choro
longe da minha voz por mais tempo.
Chapter 5 – Distância
Emma
A última mensagem que enviei piscava na tela, meio que zombando de mim,
existem pessoas que insistem, insistem em saber o porquê o que aconteceu,
sempre fui mais pratica, sempre li os sinais e sempre fui capaz de juntar o
quadro completo, a saída repentina, a secura ao telefone, e agora a falta de
resposta, eram sinais claros para mim. A novidade passou, foi divertido
enquanto durou e adeus! Eu quase podia sentir as palavras saindo da boca
dele! E tanto quanto eu absolutamente não me importei quando outros
relacionamentos foram por esse caminho, dessa vez me derrubou. É como
dizem por aí quando mais alto o patamar alcançado, mais alta é a queda, e era
assim que eu me sentia, toda a felicidade que eu não conseguia conter nos
últimos dias parecia ter se evaporado, uma nuvem negra se projetou sobre a
minha cabeça. Ele foi embora, simples assim, a aventura, affair ou qualquer
coisa do tipo que tínhamos tido, tinha se acabado, e sim estou me sentindo
uma idiota completa por achar que era algo mais, que era de verdade, burra!
Repito a mim mesma mentalmente, já não tenho mais idade para confundir
sexo com amor, e aqui estou eu sofrendo por alguém que provavelmente me
listou como uma Tiffany da vida, uma novidade que perdeu a graça muito
rapidamente. E mesmo sendo quem eu sou, segura de quem eu sou, estou me
sentindo um trapo, Gwen tem me lançado olhares estranhos, mas minha
expressão não é convidativa a perguntas, na verdade estou me sentindo uma
bomba preste a explodir, como se a simples menção dele, me fizesse explodir,
antes em gritos, mas creio que provavelmente seria em lágrimas.
Eu queria me deitar e chorar uma semana até a dor passar, era uma dor física
sabe? Que eu, como uma médica não saberia explicar, meu coração estava
partido, e pela dor no meu peito, parecia ser literalmente. Sabia que não podia
me entregar, sabia que não podia me afundar em autocomiseração e esquecer
as minhas responsabilidades (mesmo que no momento fosse a única coisa que
eu queria). Tomei um banho, existe algo reconfortante de chorar no chuveiro,
é como se as lágrimas fossem lavadas do seu rosto, e ao escorrerem para o
ralo, levassem junto um pouco da dor a elas associadas, poético não? Eu fazia
isso desde que era uma criança, tornando obvio assim que eu era uma criança
estranha, que me tornei uma adulta igualmente estranha. Queria ficar ali
embaixo do chuveiro por horas, a água quente oferecendo o consolo que eu
necessitava, mas sabia que isso não era possível, corações machucados ao não
ser de forma literal, não são uma razão válida para cancelar as três cirurgias
que eu tinha agendadas para hoje. Meus pacientes não tinham nada a ver com
o meu azar patológico no amor. Logo me recompus e saí do chuveiro e
terminei de me arrumar.
Quando saí do quarto Gwen e Lila estavam na sala, debruçadas sobre a mesa
desenhando, eu até queria conversar como uma pessoa normal em um dia
normal, mas sabia que tanto quanto poderia esconder a minha tristeza de
qualquer um, não conseguiria esconder de Gwen, então deixei para sair no
último minuto do quarto, e passei rapidamente pela sala dizendo:
– Amores, estou super-atrasada – e mandei beijos pelo ar enquanto fazia as
minhas pernas andarem o mais rápido possível sem estar correndo.
Gwen me parou.
– Emma! Você está bem? – seus olhos consternados evidenciando a sua
preocupação
E sabe? Esse é o pior tipo de pergunta de todas, você está destrocada por
dentro, querendo morrer, mas quando te perguntam se você está bem? Bem,
qual a sua opção? Ou você diz que sim, ou então derrama as suas entranhas
para pessoa, e acredite, na maioria das vezes que essa pergunta é lançada 1- A
pessoa só quer receber uma resposta positiva e seguir em frente. 2- É uma
reação tão automática simplesmente dizer que sim. E por último e mais
importante 3- Existe aquela sensação que se você começar a desabafar não vai
parar nunca mais. Então a resposta mais comum sensata é dizer.
–Sim, claro! – eu disse forçando um sorriso que não chegava aos meus olhos
inchados – Te vejo mais tarde – eu continuei enquanto completava a minha
fuga.
Esperava um dia cheio, tinha duas cardiotorácicas hoje, e uma geral, cirurgias
complicadas que demandavam minha atenção total, esperava que a minha
equipe entendesse o meu silencio taciturno como concentração para a
cirurgia, e uma vez dentro da sala cirúrgica, estaria no meu ambiente, todos os
problemas desapareceriam, e o meu foco na vida que estaria em minhas mãos
não me deixaria pensar mais em nada.
Mikhail
Eu sabia ter feito o que era preciso, eu sabia que não tinha opção, manter
Emma do meu lado nessas condições era pintar um alvo em sua testa, a
alternativa era prende-la na cobertura, e nunca a deixar sair, era a única forma
que eu sentiria que ela estaria segura. Brinquei com a possibilidade na minha
mente, e antes mesmo de analisar todos os cenários, eu sabia que era
impossível, ela tinha o trabalho, as amizades, a família, eu não podia
simplesmente rouba-la do mundo a manter em uma gaiola dourada, a salvo de
tudo que poderia atingi-la visando me atingir. Terminar com ela, mesmo que
isso estivesse me rasgando por dentro era a única coisa certa a fazer.
Aumentei o número de seguranças ao seu redor, fora que o carro o celular
tinham um GPS ativo, sei que olhando assim, eu parecia um psicopata
perseguidor, mas isso era a respeito da sua segurança, se aquela noite eu não
tivesse visto o executor da família Demirodov, ela estaria muito
provavelmente morta agora, eu era conhecido oficialmente como um
mulherengo contumaz, obvio que uma mudança de comportamento repentina
como essa acenderia um farol, e acendeu, eu a coloquei na mira de todos os
inimigos da família só por ter a importância que tinha para mim. Eu sabia que
minha atitude estava magoando ela, queria ter tempo ou opções de resolver de
uma maneira diferente, mas eu precisava que fosse assim, precisava que eles a
vissem como mais uma de uma lista interminável, e não como a única que
realmente importava, que era o que ela realmente era.
Havia me mantido ocupado, ou pelo menos tentado me manter ocupada, os
negócios de Vasili eram uma bagunça total, e Nikholai tinha peixes maiores
para fritar na Rússia, Alex era meu irmão, e a pessoa que eu mais confiava,
mas também em muitos aspectos ele era um “executor”, burocracia não era o
seu negócio, eu estava a vias de fato de mandar tudo a merda, Vasili não era
só uma pessoa de merda, ele tinha as suas mãos nos negócios mais hediondos
possíveis, coisas que não compactuávamos mesmo que fizéssemos parte da
organização, não tinha outra opção ao não ser fechar esses negócios, e
encerrar suas “rotas”, os carteis estavam expandindo o seu território, e não
encerrar definitivamente os negócios de Vasili, era permitir uma brecha que
eles poderiam assumir, e eu já tinha dores de cabeça demais para lidar com
problemas de carteis tão ao sul da fronteira, e honestamente não era algo com
o qual eu iria querer lidar. Eu sentia falta dela cada segundo do meu dia, e me
vi pegando o telefone inúmeras vezes para dizer a ela o que estava
acontecendo, mas aí eu caia na real, não era um problema que iria ir embora
eventualmente, eu estaria nessa vida para sempre, gostando ou não, era um
legado familiar, sempre haveria inimigos à espreita, sempre haveria perigo
rondando, as coisas eram oito ou oitenta, ou era trazer ela pra debaixo do
cobertor familiar de proteção, e tirar dela tudo aquilo que lhe era comum, ou
deixa-la seguir a sua vida, longe do meu mundo e longe de mim! Mas porra se
essa decisão não estava rasgando o meu peito!
Alex passou pela porta, me distraindo dos meus pensamentos.
– Se aquele fodido estivesse vivo, eu com prazer o mataria de novo, mas
dessa vez levando tempo para apreciar!
– Tão ruim assim?
– Tráfico de mulheres, tinha adolescentes na casa porra! – ele explodiu
Eu trinquei os meus dentes e segurei a minha respiração, me forcei a me
acalmar mesmo que parecia impossível. Vladmir tanto quanto fodido ele era,
nunca atingiu tais extremos, sempre havia estabelecido uma linha que ele
jamais ultrapassava! Tanto que nos últimos anos apesar de ter levado o
negócio lavado em sangue, a direção que foi tomada foi legalizar tudo o que
fosse possível, e aumentar o patrimônio exponencialmente dessa forma!
Acima de tudo ele era esperto o bastante para sentir os ventos soprarem e
mudarem de direção, e ele sabia também que se não tivesse tomada essa
decisão, corria o risco de ver tudo ruir, bastava um tropeço, um azar, e tudo
iria cair. Nós não éramos homens bons, drogas, armas, proteção, sabíamos o
preço que isso cobrava.
– Alex! – eu chamei a sua atenção
– Chame todos! Quero a cabeça todos os envolvidos nessa porra mortos! Sem
exceção Alex!
– Ótimo porra! – Foi a sua única resposta, antes de se virar e ir cumprir as
ordens!
Tanto quanto eu queria tomar parte disso, eu sabia que Alex, daria conta, e
que antes do dia terminar, teríamos um banho de sangue, e que nada disso iria
parar nas manchetes, Alex era muito bom no que fazia. E eu tinha merda para
fazer, a parte política da coisa era a minha responsabilidade, e tanto quanto eu
odiava essa merda eu sabia que era bom nisso! Seria um bater de cabeças
entre as família da Bratva brigando pelo território de Vasili, mas eu iria
resolver, precisamos nos manter fortes, sem abrir brechas, e considerando a
posição da minha família, essa era a minha responsabilidade, eu governava a
Costa Leste, e lidar com essa merda cabia a mim, a única coisa positiva que
eu via nisso é que com tanta merda para lidar, isso desviaria ao menos um
pouco os meus pensamentos dela.
Emma
Eu estava esgotada, literalmente cada cirurgia que eu pude entrar hoje eu
peguei, e na falta delas atendi no P.S, minha dedicação de hoje garantiria sem
dúvida o título de funcionário do mês, quem sabe até do ano, a qualquer um
que estranhasse a minha súbita vontade de trabalhar sem parar nem um
momento, eu sorria e dizia “créditos”, não importa que minha residência já
estava no fim, e meus créditos já estivessem fechados há pelo menos um ano,
era a desculpa que eu dava, e parecia funcionar, já que me deixavam em paz.
Mas eu sabia, sabia que poderia escapar dos meus colegas de trabalho, mas
não conseguiria escapar de Gwen. Ainda assim, uma parte de mim tentou.
Lila “acorda com as galinhas”, logo também vai dormir cedo, minha
esperança residia no fato de que se Gwen, ficou com ela o dia inteiro poderia
estar cansada o suficiente para ter dormido também, já que já se passava das
onze. Entrei muito cuidadosamente em casa, e parece que quando mais
cuidadosa você está tentando ser, mais barulho você faz, o rangido da porta ao
abrir me fez congelar no lugar, esperando que a qualquer momento a porta do
quarto dela se abrisse e ela saísse de lá, quando nenhum barulho soou, soltei a
respiração que eu havia prendido, aparentemente, eu poderia ir chorar minhas
magoas com privacidade. A luz que se se acendeu ao lado do sofá, acabou
com as minhas esperanças, Gwen estava sentada, coberta por uma manta, e
com absoluta certeza de “tocaia” esperando eu voltar. Meus ombros caíram
em derrota, eu amava Gwen de todo coração, ela era mais minha irmã que as
minhas próprias irmãs de sangue, mas honestamente, estava doendo, como
um cirurgião sabe, que limpar uma ferida é um processo, você tem que
machucar a carne para tirar o que está infeccionando, e depois dar tempo para
curar, mas sinceramente? Aplicar esse conceito a vida real é um saco! Você
não quer cutucar a ferida, quer que ela sare sozinha, de forma indolor e
rápida, é claro que isso, principalmente a parte indolor e rápida nunca
acontece, e definitivamente a parte de sarar sozinha não ia rolar também no
que dependesse da determinação de Gwenevere Anderson.
– Precisamos conversar – ela disse com firmeza ostentando o sorriso do gato
de Chesire, que me dizia que sabia exatamente o motivo pelo qual eu estava
entrando tão cuidadosamente em casa!
– Gwen, eu estou exausta, podemos adiar para um outro dia – eu disse
tentando me livrar de uma conversa que eu não queria ter.
– Puxar o band-aid Emma, não é menos doloroso, mas é mais rápido, mais
rápido pra esquecer, mais rápido pra se curar!
Em completa e assumida derrota, fui em direção ao meu quarto onde sabia é
claro que Gwen iria me seguir como uma sombra, meu plano basicamente
consistia em tomar um banho bem demorado, e esperar que ela dormisse
durante o processo de espera, claro que eram esperanças quase vãs, se havia
uma característica que se sobressaia em Gwen era a sua tenacidade.
– Eu vou tomar um banho, e já estou de volta – disse me esquivando do início
do seu questionário.
– Nós vamos! – ela disse parecendo muita animada!
– Bem, se isso não é afirmação estranha – eu disse.
– Lágrimas quentes! – ela disse em resposta.
– Gwen! – eu disse parecendo tão derrotada quanto eu me sentia – Eu inventei
isso, porque no momento parecia uma boa ideia…
– Exatamente, e ajudou muito na época, como você mesma disse a chuva é
ideal, mas como estamos no outono, a está frio, a troca pelo chuveiro
novamente parecia apropriada…
– Eu não quero molhar minhas roupas – eu disse fazendo birra
– Bem, você vai, porque de outra forma pareceria uma outra coisa! – ela disse
visivelmente se divertindo.
E então ela começou a me empurrar em direção ao banheiro. E então lá fomos
nós, tirei meus sapatos e meias, e deixei meu relógio em cima da pia, e me
sentei na banheira.
Gwen se sentou do outro lado de modo, que ambas estavam acomodadas de
frente uma a outra segurando os joelhos dobrados com as mãos.
– Podemos considerar uma evolução, essa banheira é mais espaçosa, e nossos
joelhos não tocam um ao outro, é pelo menos mais confortável.
– O que também quer dizer que você pode abrir seu coração com
tranquilidade de forma que a posição incomoda vá fazer com que isso acabe
rápido.
– Gwen, isso é loucura, foi um término de algo que nem começou, não se
compara a estar gravida, e sozinha, no começo de uma residência cirúrgica,
logo isso não faz nenhum sentido, eu estou bem…
– Eu me lembro, de momentos em que eu estava no limite, Emma, e você viu
isso! Você sabe porque você viu? Porque você se importa, realmente se
importa, é uma via de duas mãos, eu sei que você está no limite, e eu vejo
isso, eu não posso e não vou ficar sem fazer nada, então, o que temos agora
lágrimas quentes, ligue a merda água…
Com tamanho carinho e compreensão, eu liguei a merda da água
– Você se lembra o objetivo original né, paciência e compreensão, enquanto a
amiga no caso agora eu, jorro as minhas lágrimas que serão lavadas e levadas
embora pela água?! Meio poético até eu diria… – continuei divagando.
– Emma, desembucha! – Gwen pressionou.
–Tem esse cara, começamos alguma coisa, não deu certo! Ponto! Vida que
segue.
– Você é cheia de merda! Sou eu, lembra? Você não pode mentir para mim, e
achar que eu vou deixar passar!
– Eu não menti – eu me defendi – Eu fiz um resumo muito prático dos
acontecimentos em geral – continuei…
– Emma! – Gwen pressionou mais uma vez.
– Ok, ok, eu não sei o porquê? Eu não sei o porquê eu estou assim, foram
duas semanas ok, eu conheci alguém, e quer saber eu não acredito nessa
merda de amor à primeira vista, alma gêmea, príncipe encantado e conto de
fadas ou nada do tipo, mas então eu vi ele, e tudo aqui dentro de bagunçou de
uma forma que não explicar, eu me senti uma nerd adolescente idiota
apaixonada pelo capitão do time de futebol, exceto que o capitão do time de
futebol, aparentemente retribuiu o que eu estava sentindo. E então existe
aquela sensação, aquela sensação que aquece o seu peito e diz que você
encontrou, você encontrou a pessoa, a pessoa que você parece ter esperado
por toda a sua vida, o sexo? O sexo é fantástico, mas é mais que isso, é
inexplicável, não só pelo prazer que proporciona, mas por quem está
proporcionando, é como ter ido para uma longa viagem cheias de hotéis
baratos e comida ruim, e de repente se encontrar em casa, com a comida
caseira mais deliciosa do mundo, é confortável, é aconchegante, é especial, é
como encontrar o seu lugar no mundo, e olhar para o lado e se perguntar se
isso é mesmo real, se está mesmo acontecendo, era uma sensação de
felicidade que eu não sabia nem que merecia, mas agradecia a todas as
divindades possíveis por ter sido eu a escolhida pra receber algo assim.
O nó na minha garganta tornava difícil falar, e as lágrimas escorriam do meu
rosto junto com a água que caia do chuveiro, e então eu continuei.
– E então acabou, ele foi embora, sem maiores explicações, sem drama, e eu
fiquei, em um primeiro momento eu me questionei o que eu tinha feito de
errado, e então tenho certeza que o meu feminismo queria me dar um soco na
cara, então eu disse a mim mesmo que não era nada que eu tinha feito, era só
que eu não pertencia ao mundo dele, eu não estava a altura, o que tivemos foi
gratidão, curiosidade ou qualquer coisa do tipo, e acabou pra ele bem mais
rápido do que acabou para mim, e eu fico repetindo para mim mesma todo o
tempo, levanta, e siga em frente, não era para ser, não estava destinado, mas a
dor? A dor está aqui, é física Gwen, e sem nenhuma explicação, até ele eu
nunca achei que um coração partido poderia realmente provocar dores físicas,
mas eis me aqui, posso dizer dói, dói demais, eu durmo mal, eu choro nas
horas mais inapropriadas, e não, eu não estou ok, eu preciso de tempo, mas
para ser honesta? Eu não sei, se o tempo vai curar isso, e isso me assusta pra
caralho!
– Oh querida – disse Gwen enquanto segurava minha mão.
– Eu vou ficar bem, com o tempo, eu sei que eu vou, vou enfiar a cara no
trabalho, vou ocupar a minha mente de tal forma que não vou deixar espaço
para ele.
– E você acha que vai funcionar? – ela me perguntou deixando o seu pesar
transparecer na sua voz.
– Funcionou para você? – eu devolvi a pergunta.
– Não completamente! Eu sei? Idiota né? Eu fui abandonada, ele quebrou
meu coração e me deixou sozinha para reunir os cacos, e eu deveria odiar ele
completamente! Mas as coisas não são tão simples assim…
– Droga Gwen! Eu não tinha percebido!
– Ok! Pode parar, isso é sobre você não sobre mim! E se por um lado não vai
embora completamente, fica mais fácil Emma! Eu juro que fica! Agora eu sei
que você não consegue visualizar isso! Que parece que você está se afogando
nas suas próprias lagrimas, mas eventualmente melhora! Eu juro que melhora!
– Eu espero Gwen, eu espero que você esteja certa! Por nós duas!
– Bom, agora que você me contou o que te machucava, pode ir tratando de me
contar todo o resto que você está guardando.
– Gwen…
–Emma, eu sou a sua pessoa! E você é a minha, se você matar alguém, eu sou
a pessoa que você vai chamar para arrastar o corpo! Nós não temos segredos
lembra?
– Eu poderia mentir, enrolar, mas era Gwen, e ela simplesmente não desistia,
fora que no atual estado em que eu me encontrava, eu não estava exatamente
em condições de resistir a sua insistência, e pensando logicamente, para quem
mais eu poderia contar? E então bom, basicamente eu contei tudo, bom, quase
tudo…
Emma
Gwen me ligou, quando eu estava saindo do plantão, e me perguntou se eu já
estava chegando em casa.
O tom dela, estava estranho, mas ela preferiu não me adiantar o assunto por
telefone! Eu concluí então que não era nada tão grave assim, porque Gwen
tinha uma certa tendência ao desespero, e então se ela não parecia
desesperada ao telefone, deveria ser outra coisa, possivelmente a Sra. Goshen
havia encontrado um novo pretendente, e sendo assim precisávamos formar
um plano.
Quando cheguei em casa, Gwen estava sentada a mesa da cozinha, cercada de
papeis, e com o telefone na orelha, ao me avistar, ela se despediu da pessoa
com quem estava falando e encerrou a ligação.
– Ok, agora você está realmente meio que me assustando! – Eu disse a ela
enquanto largava as minhas chaves e deixava a minha bolsa no sofá – O que
aconteceu Gwen?
– É uma coisa boa na verdade, estranha, mas ainda assim boa, então você
pode ir tirando essa expressão de pânico da cara!
– Droga Gwen! Você realmente me assustou! O que aconteceu?
– Vou tentar resumir, bom, eu estava pagando umas contas, quando percebi
que a parcela do meu empréstimo estudantil, não havia sido descontada,
estranho não é? – aparentemente era uma pergunta retorica, já que ela
prosseguiu – Bancos não esquecem dividas, eles esquecem pagamentos, eles
totalmente esqueceriam pagamentos, mas dividas, não, nem pensar! Então eu
passei a última hora no telefone tentando descobrir o que havia acontecido, e
bom, basicamente não existe mais dívida!
– Gwen isso é impossível, como não poderia existir uma divi… – e então a
realização bateu sobre mim.
– Pois é – Gwen compreendeu a minha pausa como o conhecimento – E
tecnicamente ao não ser que seus pais tenham ganhado na loteria, nós só
conhecemos uma pessoa com dinheiro suficiente para ter quitado os
empréstimos.
– Se minha mãe tivesse ganhado na loteria, acredite em mim, nós saberíamos,
e provavelmente todo o estado de Minesota estaria ciente também…
– Então só resta uma opção – Gwen me disse então.
– Talvez seja um erro do banco, eu vou checar a minha conta…
– Eu já chequei! – Gwen me disse então – Seu empréstimo foi quitado
também!
– Ele pagou não foi?
– Ao não ser que você tenha um Tio excêntrico rico, eu acho que sim…
Eu não sabia o que dizer, existia em mim, uma pontinha de orgulho, que
queria ir até a casa dele e dizer, onde ele podia enfiar o dinheiro! Mas existia
também a meu lado prático que sabia, que a quitação desses empréstimos,
faria uma grande diferença para o meu orçamento e para o de Gwen!
E então me dei conta, nos romances açucarados que eu costumava ler na
adolescência, os mocinhos ricos dispensavam suas amantes com joias,
aparentemente, pagar os meus empréstimos estudantis, e os da minha melhor
amiga era a versão que Mikhail havia encontrado de se “despedir”
– Tem mais – A voz de Gwen interrompeu os meus pensamentos.
– O que mais?
– Uma concessionaria ligou, para marcar a entrega dos carros que pedimos…
–Não pedimos carros!
– Exato! Logo, isso também deve vir dele…
– Ele está pagando Gwen! Para se ver livre de mim! Como um milionário que
quer se livrar da amante desprezada, e está pagando por sua paz de espirito.
– Oh querida! – Ela me disse quase com dor em sua voz, e eu não pude evitar
que as lágrimas enchessem os meus olhos.
– Eu não conseguiria, ir lá e enfrenta-lo, para devolver tudo isso! Não sem
desabar como uma mulher patética desprezada.
– Eu vou! – Gwen me disse então – Eu digo a ele que não aceitaremos nada!
E então a realidade me bateu! Todos os meses lutávamos muito para manter
nossas cabeças na superfície, qualquer despesa extra, era uma complicação
com a qual não podíamos lidar geralmente, e tínhamos que pensar em Lila, a
pobreza deixava pouco espaço para o orgulho
– Na verdade aceitaremos! Ele pagou os empréstimos! Vamos aceitar! Foi a
cirurgia mais cara da minha vida, mas se ele escolheu pagar o preço, então é
com ele – eu disse a ela então, tentando conter o choro que estava entalado na
minha garganta.
– Você tem certeza? – Gwen me perguntou então
– Sim, eu tenho! Mas não o carro, nem mais nada que ele possa ter nos
presenteado e nós ainda não descobrimos sobre isso!
– Você não quer ir? Talvez você se acertem Emma?
– Ele foi embora, sem sequer dizer adeus Gwen! Isso é uma mensagem mais
que clara para mim! O que eu preciso fazer agora é me acostumar que está
tudo acabado! E eu vou, eu sei que eu vou! Eu só não posso lidar com isso
agora!
Mikhail
Uma parte de mim, uma grande parte na verdade, nutria a esperança secreta
que quando Emma descobrisse que eu paguei os empréstimos estudantis, ela
iria me procurar, e então eu não resistiria a ela, toda a minha boa intenção iria
por agua abaixo, e tudo que eu estava segurando iria embora, eu não resistiria
a ela se eu a visse pessoalmente, mais que um pagamento mais que justo pelo
que ela havia feito por mim naquela noite, e por tudo que ela representava na
minha vida, eu ter pagado as dívidas, e comprado um carro, um carro seguro o
bastante para a minha paz de espirito, isso era sobre traze-la até mim, mesmo
que em princípio, isso tenha sido inconsciente.
O que eu certamente não esperava era Gwen, que nesse momento estava na
porta da sede da empresa, esperando autorização para subir e me ver.
Autorização é claro que nem passava por minha cabeça negar. Assim que
autorizei a subida dela, Alex entrou pavoneando na minha sala.
– Você não bate mais ao entrar?
– Usualmente sim, mas o momento pedia rapidez, Gwenevere Smith vai
acabar com você.
– Você poderia me explicar como alguém com metade do meu peso vai acabar
comigo?
– Eu diria que suas habilidades médicas lhe dariam alguma vantagem sobre os
pontos fracos, mas essencialmente eu me refiro a uma batalha verbal! Eu
colocaria todo o meu dinheiro na Dra. Smith.
– E então você veio aqui para garantir a minha segurança, e evitar que isso
aconteça? – Eu debochei.
– Obvio que não! – Ele me disse então – Vim assistir de camarote!
Então ele, se aproximou de um dos sofás no canto da sala, e se apoiou no
encosto, sacando o celular do bolso, e o posicionando em minha direção.
– Que porra Alex! Você não está indo filmar o que acontecer aqui!
– Mas de que outra maneira eu vou manter isso na memória? Tenho certeza
que vai ser épico!
– Alexei! – Eu o repreendi então, com ênfase o suficiente na voz!
– Você não tem graça… – ele me disse então guardando o celular no bolso.
Seu ato foi seguido por uma batida na porta, Jeane, minha assistente
executiva, entrou então, e anunciou a Srta. Gwenevere Smith.
Gwen entrou então, parecendo tão determinada como eu sabia que ela era, ela
ainda vestia o uniforme do hospital, e calçava tênis esportivos, o que
basicamente em nada abalava a sua confiança, mesmo dentro do ostentoso
prédio que abrigava a administração das empresas.
– Gwenevere! – Eu a cumprimentei assumindo o controle da situação.
– Mikhail! – Ela me devolveu com o olhar afiado, aparentemente pelo menos
na presença de Jeane, manteríamos a cordialidade.
Dispensei Jeane, que então se retirou da sala, fechando a porta atrás de si.
Gwen fixou os seus olhos em Alexei, que parecia estar extremamente
satisfeito onde estava, para completar o quadro só faltou ele estar comendo
pipoca, e aguardando os acontecimentos.
– Alexei aparentemente não vai a lugar nenhum, mesmo que isso seja contra a
minha vontade, então eu sugiro que você diga o que veio fazer aqui
Gwenevere.
– Eu ouvi sobre Alexei! Ouvi muitas coisas sobre você também, o que me diz
que você não é absolutamente ignorante da razão de eu estar aqui, então creio
que você pode pular o papo furado e a conversa mole.
Eu sei que era provavelmente a coisa errada a se sentir no momento, mas eu
não podia evitar me sentir divertido! Sempre preferi a honestidade brutal, do
que as mentiras fáceis, e definitivamente Gwenevere era partidária da
honestidade brutal.
– Eu presumo que vocês tenham recebido os meus presentes, então… – eu
disse tentando não me comprometer.
– Na verdade não! – ele me disse então – E esse é justamente o motivo da
minha visita.
– Gwen, o que eu dei a Emma, e a você, não é nada menos que vocês
merecem…
– Eu sei, mas somos mulheres, e tal como é inerente ao nosso sexo, tendemos
a analisar cuidadosamente tudo o que acontece, então Mikhail o que você
achou que Emma ia pensar, quando você logo após cortá-la da sua vida a
encheu de “recompensas – ela continuou o seu monologo, sem me dar espaço
para resposta– Bom, eu te digo então, ela se considerou descartável, como um
bibelô dispensando por um bilionário que se cansou de brincar.
– Porra!
– Humm interessante! – ela disse então, enquanto parecia ver a minha alma.
– Emma está bem Gwenevere?
– Bem? Ela foi deixada por alguém que ela julga estar apaixonada, em
seguida você manda presentes, o que ela considera uma confirmação de que
não passou de uma aventura para você! É obvio que ela não está bem!
Eu me recostei contra a mina mesa, não escondendo a minha desolação! Eu
sabia ter machucado Emma ao desaparecer, mas justifiquei a mim mesmo que
era a melhor coisa a fazer, ter pago os empréstimos, dela e de Gwenevere, era
a minha forma, não só de agradecer, mas também de ajuda-la, pois eu sabia o
quanto ambos estavam lutando para se manter! Nem no pior cenário, eu
imaginaria que essa minha atitude, pioraria as coisas…
– Eu sinto tanto, que sequer consigo colocar em palavras. – Eu disse a ela
transparecendo estar tão desolado, quanto eu me sentia.
Gwenevere me observou por alguns segundos inteiros e então disse:
– Eu acredito em você! É estranho porque a minha intenção ao vir aqui, era
simplesmente te dizer o quão babaca você é por ter quebrado o coração da
minha amiga! Mas tem mais, não é? Ninguém sente esse tipo de tristeza ao
saber que magoou uma ex-amante indesejada. Então tem mais, tem muito
mais sobre isso, não é?
Eu permaneci em silencio! Apesar de uma grande parte de mim, querer gritar
que sim, e despejar toda a verdade! Mas eu sabia melhor, essa não era uma
opção! Não se eu quisesse que Emma continuasse a salvo, protegida do meu
mundo.
Gwen continuou o seu monologo.
– Emma a muito custo, desabafou comigo, mas creio que ela deixou partes
muito importantes de fora, e eu não posso sequer pressiona-la no momento, já
que honestamente tenho medo que ela não aguente a pressão, tanto que ela
não quis vir pessoalmente hoje, por julgar que não iria suportar, e acredite
quando eu digo, Emma Jane Harris é provavelmente a pessoa mais forte que
eu conheço, e também a mais teimosa! E sim, ela está sofrendo,
eventualmente irá ficar bem!
– Eu não posso entrar em detalhes, mas o que eu fiz, foi com o intuito de
deixa-la segura! E só! Nunca foi a minha intenção que Emma sofresse de
qualquer forma! Nunca mesmo!
– Eu acredito em você! Eu sei estranho né? Eu ainda quero chutar a sua bunda
pelo que você fez, mas estando aqui e olhando nos seus olhos eu acredito que
você acha que o que fez foi o melhor para ela. Só que esse é o ponto sobre
uma relação. Você não pode tomar uma decisão que afeta o outro de uma
forma tão forte, sem nem ao menos deixar que ele esteja ciente das opções, ou
do que está acontecendo, e isso foi o que você fez…
– Era um caso de vida ou morte, eu não tive opção! – eu disse a ela então,
revelando muito mais do que queria.
Ela inclinou a cabeça como se estivesse pesando as opções e então disse:
– Não mesmo? Nenhuma outra solução? Nenhuma outra possibilidade?
Enfim, eu acho que não importa, e eu acabei por desviar dos meus objetivos
ao vir aqui: O primeiro deles, você deve ligar para a concessionaria e cancelar
o pedido, eu e Emma concordamos que é extremamente generoso da sua parte
substituir os nossos carros, mas não é necessário, além disso seria doloroso
para ela, dirigir em uma base diária algo que seria um lembrete constante seu,
justamente quando ela precisa entrar em um acordo com si mesmo, para te
esquecer…
Eu não sabia o que dizer, então só acenei em concordância.
– Quanto aos empréstimos estudantis, vamos aceitar o pagamento, tanto
quanto porque eu sequer sei se é possível desfazer algo assim, tanto quanto
somos orgulhosas, somos igualmente pobres e cientes disso, e a quitação
dessa dívida para nós, é um alivio considerável no orçamento, o que nos
permitiria viver muito mais tranquilas em relação ao nosso orçamento mensal.
E dito isso, você não me devia nada Mikhail, absolutamente nada, então estou
mais que grata por ter sido incluída no seu pacote de gratidão, seja lá por
quais forem os seus motivos! Uma mãe solteira não pode ser orgulhosa, esse
tem sido o meu lema nos últimos anos! Então obrigada, obrigada de verdade!
– Eu nunca quis que ela entendesse os presentes como um “pagamento”, eu
nunca pensei que pudesse magoa-la dessa forma, minha intenção era só
ajudar, e no meu mundo isso geralmente envolve dinheiro.
– Sendo pragmática, no meu mundo dinheiro ajuda bastante, mas de novo, eu
sou uma mãe solteira, Emma é mais sensível, mesmo que a maioria dos seus
sentimentos sejam internalizados, porque basicamente essa é quem ela é, o
que ela provavelmente queria de você, não tinha nenhuma relação em como
você poderia usar o seu dinheiro para facilitar a vida dela. Quando ela se doa,
ela se doa por inteiro, e acho que o que basicamente ela, e na verdade quase
todas as mulheres em geral esperar, é reciprocidade. E eu vou parar por aqui,
eu já te dei mais informações que eu deveria, quebrando assim o código
feminino, e o código da irmandade!
Eu acenei novamente em concordância, havia um nó na minha garganta que
não era familiar para mim, as palavras de Gwenevere me rasgaram, e naquele
momento eu imaginava mil maneiras diferentes para ter lidado com tudo o
que aconteceu, mil maneiras que mantinham Emma comigo, mil maneira nas
quais eu não ferrava tudo.
Eu sequer estava prestando atenção quando Alex, disse que acompanharia
Gwenevere até a porta, ou então talvez eu só não me importasse, diante da luz
dos acontecimentos eu tinha percebido o que havia perdido, e era algo
importante demais, algo que havia colorido o meu mundo por algum tempo, e
que em sua ausência fez o meu mundo sombrio e cinzento se aprofundar. Era
como um pensamento “Você só reconhece as trevas, quando vê a luz”, eu
havia encontrado essa luz, eu a havia deixado ir, e tudo o que restava agora
eram as sombras com o qual eu já havia me acostumado, mas que pareciam
pior desde que ela se foi…
Emma
Gwen havia me mandando uma mensagem que ela passaria hoje na sede das
empresas para falar com Mikhail, não sei qual informação me surpreendeu
mais! Que ela iria falar com ele hoje, ou que suas empresas tinham uma sede.
Minha mente sempre imaginou, um galpão suspeito nos subúrbios, ou um
restaurante que serviria como fachada, mas novamente, eu acho que estava
assistindo muita televisão ultimamente, ou então os clássicos, como “O
Poderoso Chefão” e os “Bons Companheiros” estavam me afetando mais do
que eu pensava!
A coisa toda é, quando você não quer pensar em determinado assunto, é como
se o “assunto” criasse tentáculos e se agarrassem ao nosso cérebro, se
recusando a ir embora, e nesse momento eu tentava lutar contra isso, eu já
havia arrumado a casa toda por duas vezes, perseguido cada milímetro de pó
que havia, e mesmo me mantendo em movimento, a minha mente não estava
no trabalho, eu estava super ansiosa, ansiosa por notícias, mesmo que eu
prometesse a mim mesma que não ficaria ligando ou mandando mensagens
para Gwen para uma atualização, o que faria me parecer uma psicopata. Então
eu havia ido lavar roupa, inclusive a roupa de inverno que mantemos
guardada, convenci a mim mesma que aquilo era super necessário naquele
exato momento, era isso eu ligar para Gwen, e eu realmente precisava de uma
distração. E é claro que não funcionou, depois de ligar a máquina, decidi que
persegui-lo online seria menos prejudicial na conjetura total do que ligar para
Gwen e ela ainda estar lá, não era algo que eu estava preparada para enfrentar
sendo bem honesta. Mas uma boa e velha perseguição online, poderia
funcionar para mim.
Ele não tinha nenhuma rede social, tipo nenhuma mesmo, o que não me
surpreendeu totalmente, ele não parecia o tipo, mas Alexei não ter nenhuma
conta seja Facebook, Instagram foi o que realmente me surpreendeu, ele
realmente parecia o tipo que seria aberto a esse tipo de coisa. Mas pensando
bem, havia uma certa lógica no fato de eles se recusarem a manterem
informações desse tipo públicas.
Havia um site oficial do Grupo Dragorov, mas sem informações precisas, o
nome de Mikhail constava como CEO, e havia mais uma lista de nomes que
eu não reconhecia, e para além de um endereço comercial no centro da
cidade, e informações de contato, o website pouco tinha a dizer. E isso era
frustrante para caralho!
Então quando Gwen chegou, eu estava praticamente subindo pelas paredes de
curiosidade. Mas o que ela disse não acrescentava muita coisa, ela me disse
que ele se desculpou pela impressão que causou ao nos presentear, e que disse
que não era sua intenção causar nenhuma mágoa. Eu queria bombardeá-la de
perguntas, queria saber se ele estava acompanhado, se por acaso ela encontrou
alguém chamada Tiffany, se ela parecia feliz, ou se estava sentindo os efeitos
da nossa separação como eu estava, mas não tive coragem! Eu parecer uma
perseguidora na minha cabeça era uma coisa, compartilhar essa realidade com
o mundo, mesmo que o mundo se resumisse a minha melhor amiga, me
parecia um tanto excessivo! Então eu deixei para lá! Talvez fosse isso, nossos
caminhos não se encontravam, foi bom enquanto durou, ou qualquer clichê
parecido com isso! Eu tinha que esquecer ele, pelo bem da minha sanidade
mental!
Chapter 6 – Tiros
Emma
Um dia de cada vez, era o que eu tinha prometido a mim mesma, desde que
ele me deixou! Três meses haviam passado, e eu ainda me arrastava, era como
se eu tivesse que me forçar a fazer as coisas mais básicas, e ainda sim, dia
após dia, esse sentimento não passava! Era como se tudo tivesse ficado cinza,
em um mundo colorido, mas eu mantinha um sorriso colado no rosto, mesmo
que ele não atingisse os meus olhos! Eu enganava as pessoas de um modo
geral, mas claro Gwen não caia na minha atuação! Mas após a nossa conversa
ela não havia pressionado mais, ela sabia que eu tinha o meu tempo, e que não
adiantava apressar, mas eu sentia os seus olhos vigilantes o tempo todo. No
geral, nossa rotina seguia normal. Eu e Gwen tentávamos alternar os nossos
turnos, para não sobrecarregar o Sra. Goshen, e também para Lila não se
sentir abandonada, geralmente eu pegava os plantões diurnos, e Gwen os
noturnos, sendo assim, ela poderia ficar com a Lila, até ela ir para creche, só
que esse arranjo nem sempre era possível, já que o banco de horas variava
muito, e também porque trabalhar na emergência, era diariamente uma
surpresa, nós não sabíamos se seria um plantão tranquilo, seguindo a
programação do dia, ou se algum evento externo alteraria tudo. Acidentes
automobilísticos eram o padrão, mas eventualmente outros eventos
bagunçavam a nossa agenda.
O pager apitou com código azul, o que me dizia que hoje não seria um dia
normal, as informações preliminares falavam de um tiroteio em Little Itália, e
se falava em cerca de quinze feridos quatro deles em estado grave.
Como éramos o centro de trauma, mais próximos receberíamos os feridos, os
mais graves já estavam a caminho e então iniciamos a preparação.
No caminho para receber a ambulância encontrei Gwen
– E eu que pensava que hoje era um dia tranquilo – ela disse se apressando
em colocar o avental cirúrgico.
– Nem me fale, tinha duas histerectomias agendadas, que foram remarcadas –
Eu respondi enquanto a ajudava a amarrar o avental.
– Tiroteio em Little Itália, o que você acha? Máfia? – ela perguntou usando
uma expressão que tentava parecer assustada, mas estava mais pra cômica que
qualquer coisa.
– Eu acho que devemos nos concentrar em suturar e só! E deixar quaisquer
conjecturas para a polícia.
– Você não é divertida! – ela disse fazendo careta.
Ignorei, não tínhamos tempo e na verdade eu nem tinha ânimo para continuar
a brincadeira, em um caso minha mente focava completamente. Nos
movemos junto aos outros residentes para a entrada de ambulâncias.
A primeira vítima chegou, a equipe de Todd, que havia se preparado primeiro,
pegou o caso, pegaríamos a segunda ambulância, ou nos dividiríamos e uma
de nós pegaria a próxima ambulância, o que acabou por se mostrar
desnecessário, já que outras equipes tinham se posicionado ao nosso lado.
Isso é uma coisa clássica entre cirurgiões, a disputa era acirradíssima por cada
cirurgia, não é só sobre completar as horas de experiência, nem só sobre o
aprendizado que vinha dessas horas de prática, honestamente era prazeroso,
desafiador, quase como um vício, você queria sempre mais! Então quase que
literalmente cada cirurgia era disputada a tapa.
O barulho da ambulância me tirou dos meus devaneios.
Nos movemos em antecipação nos preparando para receber a vítima, quando
as portas se abriram e o paramédico desceu e com o auxílio do segundo
paramédico começou a puxar a maca, qualquer pensamento coerente deixou a
minha cabeça, eu sequer escutei a atualização sobre o estado do paciente,
estava em choque porque eu conhecia o paciente.
Começamos a mover a maca para dentro, antes de entrar em cirurgia o
paciente deveria passar por uma tomografia, precisávamos visualizar com
certeza quais órgãos atingidos para antever qual a gravidade do caso,
usualmente quando a paciente estava instável pulávamos essa etapa pois não
havia tempo, como estávamos nos movendo para a tomografia supôs que esse
não era o caso e que ele estava estável, já que o choque de o ter reconhecido
anulou completamente a minha capacidade mental.
Os internos assumiram a tomografia e então Gwen se voltou para mim:
– Emma?
– Eu não posso…- sussurrei ainda em estado de choque.
–Eu sei… – ela disse então com pesar.
–Ele é o irmão dele, o nome dele é Alexei. – eu disse ainda em choque.
Qualquer coisa que Gwen fosse dizer, foi interrompido com a chegada do
médico atendente.
Ele revisou os protocolos, e indagou quem iria entrar na cirurgia, vendo a
minha expressão que não poderia ser descrita como outra coisa senão pânico
Gwen se adiantou.
– Se fosse possível, eu queria ir Johnson – ela disse assumindo o controle –
Estou com um déficit de horas, e Emma já fechou as obrigatórias dela em
cirurgia geral.
Johnson se virou para mim e eu acenei em confirmação! Tanto porque era
verdade, tanto porque operar Alexei, seria pessoal demais.
– Harris! – Johnson me chamou – Estão faltando residentes e ainda falta uma
ambulância, já que Smith, dá conta desse sozinha, você está no caso, Elijah
vai ser o atendente, faça a avaliação do paciente e mande biparem ele, para
ele ir te encontrar na sala cirúrgica.
Ele então se voltou para Gwen:
– Smith, fui listado como atendente para a cirurgia de Todd, Taylor será o seu
atendente, bipe quando subirem para o bloco cirúrgico. Então ele se virou e
saiu, já que Todd já havia subido e a cirurgia deveria estar a ponto de
começar.
Gwen me deu um olhar que dizia claramente que o assunto não havia
acabado, mas ambas sabíamos que não era o momento. Dei um aceno de
cabeça e me movi de volta a entrada para esperar meu paciente chegar.
Fora quatro horas de cirurgia, basicamente eu diria que ainda foi pouco pela
extensão do dano, o paciente estava estável no momento, e então partiria para
uma longa recuperação, informações davam conta que havia mortos, então
podemos dizer que ele havia sido sortudo dentro de uma certa lógica, meu
paciente foi movido para a recuperação cirúrgica e ao passar por lá, eu movi
meus olhos ao redor para tentar obter qualquer informação sobre Alex, o que
foi infrutífero.
Minha expressão de frustação deve ter ficado clara no meu rosto, porque
Gwen se aproximou e disse:
– Ele não está aqui.
– Quem? – Eu perguntei me fazendo de desentendida.
–Alexei, não se faça de boba!
– Eu estava checando o meu paciente Gwen, mas já que você tocou no
assunto, como ele está?
– Os projeteis não atingiram nenhum órgão vital, um transpassou, e o outro
causou uma pequena hemorragia no tórax, mas foi tranquilo de corrigir…
– Eu suponho que sorte seja de família então – eu murmurei inaudívelmente.
– E como aparentemente “dinheiro fala” ele subiu para um quarto privado, e
há um especialista externo avaliando, você acredita nisso? Trouxeram um
médico de fora. – Gwen desabafou, ignorando o meu devaneio…
– O que teoricamente diminui o seu trabalho, então porque você está tão
brava com isso? – Contestei em tom de brincadeira.
– Sei lá, não gosto de ter meu trabalho questionado, eu acho! – ela respondeu
dando de ombros.
Eu queria perguntar mais, queria saber se a família estava aqui, se ele estava
aqui! Mas como isso me renderia um sermão colei minha língua ao céu da
boca, e ignorei a minha vontade…
Me dirigi para o posto de enfermagem, precisava finalizar os prontuários do
dia e então estaria fora dali. Fora da possibilidade de encontrar ele, fora da
possibilidade de ter meu coração esmagado pela simples presença.
Gwen me acompanhou, tanto quanto porque também tinha que terminar os
prontuários dela, tanto quanto por quê queria ficar de olho na minha reação.
Não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso, Gwen era minha irmã de
coração, poderíamos não ter laços sanguíneos, mas isso não nos fazia menos
irmãs que as minha irmãs de sangue, e é claro que ela ia ficar preocupada com
a volta do cara que quebrou meu coração meses atrás, sendo bem honesta eu
estava preocupada também, não sabia como iria reagir ao vê-lo depois de todo
esse tempo, então ignorei esse sentimento, e fui me concentrar nos
prontuários.
Todd apareceu por lá, ele havia encerrado seus prontuários, e estava passando
algumas visitas antes de ir embora no momento que ele virou a esquina e
começou a vir em nossa direção Gwen me deu um olhar eloquente, que eu
resolvi ignorar.
Ele jogou conversa fora tentando achar uma brecha que eu não estava dando
para me chamar para sair, não que ele estivesse puramente encantando pela
minha beleza, eu me achava ordinariamente comum, mas acho que as
sucessivas negativas fizeram parecer um desafio para ele, então a cada
oportunidade que tinha, ele despejava o seu charme em cima de mim. Charme
até então que eu tinha ignorado com sucesso, não que Todd não fosse
interessante dentro de uma padrão considerado convencional, ele era, mas
além do físico, não tínhamos absolutamente nada em comum além da
profissão, e mesmo eu adorando o que eu fazia, eu tinha um limite sobre falar
sobre cirurgias todo o tempo, e eu e ele não tínhamos absolutamente mais
nada em comum, a conversa simplesmente não rendia, não era algo que eu
pudesse explicar, ás vezes eu me perguntava se não estava me auto sabotando,
e comparando Todd e Mikhail, em cenários que exceto por ser o cara que
quebrou o meu coração e foi embora sem uma explicação, Mikhail ganhava
em todos os aspectos, o que era claro, injusto com Todd, mas não era algo que
eu conseguia.
Mikhail
Eu não sabia se era um excesso de azar, ou um excesso de sorte que na nossa
família, dois membros tenham sido atingidos em um tiroteio no espaço de
quatro meses, e em ambos os casos, o caso havia sido grave, mas sem o risco
de morte para os envolvidos.
Alexei continuava a dormir depois da cirurgia, Solokovitch, o nosso médico
em exercício havia vindo examina-lo, e garantir que o atendimento havia sido
satisfatório, e o fez, claramente contra a vontade de cirurgiã que por ironia do
destino, era Gwen, a amiga de Emma, seu olhos lançando faíscas de gelo em
minha direção me disseram que ela não estava feliz com alguém fiscalizando
seu trabalho. Não era uma situação confortável, que eu escolheria por livre e
espontânea vontade, mas Alex quando atingido, não estava na nossa área e
nem acompanhado dos seus homens, em vez de ser levado as nossas
instalações, ele foi trazido para cá! Ironias, das ironias, o hospital em que
Emma trabalhava!
Eu sabia ter tomado a melhor decisão, sabia que ela protegida e longe de meu
mundo era o melhor a fazer, dizia para mim mesmo, que a vigilância sobre ela
era uma mera formalidade, sobre alguém que tinha se aproximado muito da
família, e nem mentindo para mim mesmo conseguia me enganar! Saber que
ela estava aqui, ao meu alcance, era diferente de receber relatórios diários
sobre o que ela fez, com quem ela fez e aonde ela estava, era mais real, era
tangível, o que configurava uma tortura, ter alguém que você quer tanto ao
seu alcance e não poder fazer merda nenhuma sobre isso. Uma das
enfermeiras que estava na minha folha de pagamentos, e era uma das
responsáveis por passar informações sobre Emma me informou que ela estava
em cirurgia quando eu questionei sobre o seu paradeiro! Me perguntei se seria
melhor assim, planejar o desencontro, e não me permitir fraquejar ao vê-la,
uma parte de mim considerava a ideia, a outra queria vê-la, ainda que um
instante, um momento em que eu veria com meus próprios olhos como ela
está, em vez de me basear em relatórios.
Fui distraído por Máximo Giantelli, o capo da Cosa Nostra na Costa Leste,
que veio pessoalmente ao hospital já que o ataque havia sido dirigido as sua
organização, Alex foi pego no meio de tudo por uma infeliz coincidência, mas
nesse mundo coincidências são usualmente ignoradas, e se Giantelli estava
enfrentando um guerra por território, ele não poderia se dar ao luxo de irritar a
família que comandava o Bratva no Ocidente, considerando então que um dos
filhos do principal líder da Bratva na Rússia havia sido ferido no meio de sua
guerra particular, Giantelli estava se desculpando até pelo que não tinha feito,
como era o caso.
Giantelli, não permaneceu muito tempo, afinal, ao notar a minha aparente
frieza e não uma raiva incandescente, e também ao concluir que o ataque foi
direcionado a organização dele, e não ao contrário, considerei que as coisas
estavam resolvidas por si só!
Alex continuava dormindo, segundo Solokovitch, ele continuaria sonolento
das próximas horas. Então por hora deixei o quarto.
Disse a mim mesmo que tudo que queria era pegar um café, que
provavelmente era intragável, na cantina do hospital, não era sobre vê-la, e
ainda assim circulei por corredores intermináveis, mesmo sabendo que
bastava uma descida até o térreo para chegar a cantina.
Não achei nenhum daqueles que estavam na minha folha de pagamento, e que
poderiam me dar a informação que eu queria, e quando já estava de saco cheia
de andar por todo o lugar e não acha-la, parei um dos médicos que mais
parecia ter acabado de sair do ensino médio do que de uma faculdade de
perguntei sobre o seu paradeiro. A juventude aliada a estupidez, fizeram com
que ele me desse a informação sem ao menos questionar o motivo de eu
querer saber, ou pelo qual eu um desconhecido estava andando livremente por
corredores restritos.
Devo admitir que a expressão em meu rosto afugentava os transeuntes, e não
era convidativa a ninguém, e provavelmente isso os inibia de me questionar,
mas se essa displicência com a segurança era normal por aqui, eu teria que
tomar sérias medidas para assegurar que ela não estivesse em perigo.
Virando o corredor que levava ao tal posto de enfermagem, finalmente a
avistei.
E foi como tomar um soco, rever alguém que fazia tão parte de mim, e de
quem tive que me afastar pelas circunstâncias, era aterrador, não conseguia
nem mesmo expressar, e a vontade, que nublava qualquer outro pensamento
de mandar tudo a merda e trazê-la de volta para a minha vida era enorme.
Ela estava sentada preenchendo papelada, o sorriso contido, tão natural a ela,
enquanto ouvia a melhor amiga, tagarelar ao lado, minha atenção estava tão
focada em Emma, que em um primeiro momento não percebi o médico em
pé, em frente a ela, no que parecia ser uma conversa amigável, o sorriso
idiota, os toques no braço, e Emma que sorria com um certo desconforto, que
só quem a conhecia realmente iria perceber, o filho da puta estava cantando a
minha mulher porra!
Dei dois passos em direção a eles, e disposto a tirar o sorriso idiota da cara do
médico mauricinho a socos se fosse preciso, e então ao me dar conta do que
estava fazendo fiquei imóvel. Ela não era minha. Eu tinha decidido assim, e
tanto quanto eu queria ir lá e partir o doutorzinho ao meio, eu não podia fazer
isso, Emma não era minha mulher, eu havia decidido assim. Porra! Dei meia
volta, e voltei por onde eu tinha vindo.
Emma
Depois de um plantão exaustivo, não só pelo trabalho exaustivo, quando por
ter ficado me esgueirando e olhando por cima do ombro todo o tempo, eu
tinha conseguido arduamente evitar qualquer membro da família, Dragorov.
Considerando o meu azar crônico, eu não esperava realmente que a minha
sorte durasse por muito mais tempo, principalmente porque eu era a
responsável, por passar as visitas de pós cirurgia hoje, então isso basicamente
queria dizer que e ao não ser que acontecesse um milagre, hoje não seria
possível, evitar o encontro.
Enquanto me dirigia ao posto de enfermagem, considerei inúmeros desculpas,
e possibilidades para passar a responsabilidade a outra pessoa, e então me
censurei mentalmente por estar sendo ridícula, aquele era o meu hospital, ele
era o intruso, eu não deveria me sentir mal por encontra-lo, e eu não iria
(repeti para mim mesma mentalmente), eu seria friamente cortes, e totalmente
profissional, e os trataria como qualquer outro paciente (continuei repetindo
para mim mesma até acreditar.)
Mesmo repetindo como um mantra que tudo daria certo, sempre fui o tipo de
pessoa que adiava o máximo possível, o que fosse possível de adiar, sendo
assim, coloquei o quarto de Alexei por último na minha lista, os internos que
me acompanhavam, basicamente eram os responsáveis pelo exame clinico, a
minha tarefa consistia em avaliar os procedimentos, e confirmar o
diagnóstico!
Então não podendo mais adiar, nos movemos em direção ao quarto de
Alexei, e enquanto os internos realizavam os exames clínicos, eu respirava
aliviada, Mikhail, não estava lá, os olhos de Alexei estavam sobre mim, me
olhavam com diversão que ele não conseguia disfarçar, mas pelo menos, ele
não havia expressado verbalmente qualquer coisa, e isso me fez suspirar em
alivio absoluto. Os internos foram rápidos em concluir a avaliação, Alexei
continuava com o olhar absolutamente divertido, enquanto eu checava o
prontuário, e atualizada as informações necessárias, dispensei os internos, já
que a tarefa tinha terminado, e tanto quanto eu achava que minha relação com
a família Dragarov tinha terminado (não exatamente por minha escolha), eu
não podia simplesmente fingir que não conhecia o Alexei.
Quando o último interno deixou o quarto, não tive nem a oportunidade de
realizar a minha tentativa de um cumprimento formal e totalmente
profissional, desejando a recuperação antes de Alex interromper:
– Ele não está aqui, não ainda pelo menos, então pode relaxar doutora – ele
disse com o tom jocoso, claramente se divertindo.
– Alexei, bom saber que a sua experiencia de quase morte manteve seu humor
intacto – eu disse rebatendo a altura.
– Ahh doutora! Esse arranhão – disse ele com deboche minimizando o
acontecimento.
– Você quase morreu Alexei, o que sinceramente me deixa em dúvida se
existe um traço família, que demanda muito azar, ou então muita sorte. E que
diabos você estava fazendo em Little Itália?
Ele deu um sorriso que pareceu um pouco triste e então disse:
– Acreditaria se eu dissesse que a minha presença no lugar era uma infeliz
coincidência, e que eu não tive nada a ver com a disputa entre a Cosa Nostra e
a Camorra? – ele me perguntou.
Olhei em direção a porta, o pânico subindo em ondas pelo meu corpo.
– Alexei, porque diabos você me falaria algo assim? Podemos voltar ao ponto
que isso foi um tiroteio convencional, e eu não sei nada sobre isso? – E então
abaixando o meu tom de voz para um sussurro basicamente disse a ele – A
primeira regra sobre a máfia, não é que não se fala sobre isso?
– Na verdade essa é a regra sobre o “clube da luta”, mas próximo o suficiente
Doutora – ele disse ainda sorrindo.
– Enfim, fico feliz que você esteja melhor Alex, sentiria uma imensa falta dos
nossos duelos verbais! – eu disse verdadeiramente, e então complementei –
Eu tenho que ir agora, todas as cirurgias canceladas ontem por conta do
tiroteio foram realocadas para hoje!
E então segurei sua mão na minha e disse a ele:
– Melhoras Alex, e se você sair antes que eu te veja de novo, siga as
recomendações, ou pelo menos parte delas, as partes importantes! – E com
um sorriso conhecedor da inerente teimosia família, me despedi dele, pois
realmente hoje era um dia cheio!
Distraída com as anotações dos prontuários, não percebi uma pessoa vindo na
minha direção, e sendo assim não consegui evitar o choque, o pedido de
desculpas ficou preso a minha boca quando eu vi de quem se tratava.
– Emma – a voz com o timbre um tanto rouco, e o sotaque inconfundível que
atormentava os meus sonhos.
Eu fiquei paralisada, completamente imóvel, é claro que na minha cabeça essa
cena já tinha se passado inúmeras vezes, nos encontrávamos casualmente em
algum lugar, e eu o cumprimentava sem ressentimentos, com uma cortesia
fria e impessoal! Na minha cabeça… Porque quando se torna real, os
sentimentos são muito mais complicados, você não pode evitar que seu
coração bata tão forte que seus batimentos ecoam na sua cabeça, não
consegue evitar que o peito doa, literalmente de saudade, e não pode evitar
que tudo isso aconteça ao mesmo tempo te deixe paralisada, plantada no meio
de um corredor, com os olhos bebendo da figura a sua frente, em uma saudade
extrema.
Me forcei a sair do meu estado, tanto quando porque eu parecia uma idiota
completa, tanta quando porque não queria dar a ele esse gostinho de me ver
nesse estado.
– Olá Mikhail – Me forcei a dizer.
Meus olhos provavelmente refletiam toda a minha confusão interior, e o
estranho era que os dele pareciam sofrer do mesmo mal, disse a mim mesma
que isso era ridículo, ele tinha me deixado, tinha por decisão própria ido
embora, não faria sentido que ele estivesse sofrendo enquanto o coração
quebrado era o meu.
Mas ali estávamos, ambos em silencio, como se ainda que silenciosamente
nos comunicássemos, disse a mim mesmo que isso era ridículo, que eu era
uma sonhadora inveterada que ainda acreditava em finais felizes e príncipes
encantados, mas que deveria a essa altura já saber melhor, e parar de me
iludir. Sendo assim quebrei o silencio:
– Passei pelo quarto de Alex agora a pouco, ele parece estar se recuperando
bem! – eu disse tentando manter as coisas profissionais.
– Existe um ditado que diz que “vaso ruim não quebra”, acho que acaba se
aplicando. Ou simplesmente é uma questão de sorte! – ele disse dando de
ombros.
– O que não é motivo para testar a sorte – eu disse com a preocupação saindo
em ondas da minha voz.
O que eu senti vendo Mikhail em uma maca, eu não podia descrever, mesmo
que ele tenha me dispensado sem qualquer dor na consciência, o que eu sentia
por ele não havia evaporado no ar, e eu sabia qual era o seu ramo de trabalho,
o que já era mais suficiente para causar preocupação, com Alex se ferindo
gravemente, e em circunstâncias muito semelhantes, a preocupação virava
pânico.
Qualquer coisa que eu fosse dizer foi perdida pela sequência de bipes que
saíram do meu pager, com o código que pedia que eu me apresentasse na sala
cirúrgica salva pelo gongo, eu diria, já que estava prestes a derramar o meu
coração ali, e com certeza quando ele me rejeitasse não iria conseguir suportar
a vergonha, sem me alongar mais me despedi:
– Estou sendo esperada – eu disse balançando o pager na mão, para enfatizar
o ponto – Foi bom te ver! – eu complementei, com uma meia verdade meia
mentira.
E então sem esperar uma resposta e com um aceno final de cabeça me movi
em direção ao bloco cirúrgico, quando sua voz me fez parar.
– Você está bem Emma?
Devo dizer que do meu ponto de vista, “você está bem”, é para mim, a pior
pergunta do mundo, usualmente a resposta padrão a essa pergunta é sempre
“estou claro, e você?” que é igualmente respondida com “estou ótimo”,
respostas que quase sempre não condizem com a realidade, mesmo que seu
coração esteja partido, mesmo que nos últimos meses você tenha lutado tanto
para manter a cabeça na superfície, você nunca derrama seu coração por essa
pergunta…
Então eu menti!
– Estou bem Mikhail – eu disse me forçando a dar um sorriso meio amarelo –
Espero que você esteja bem também – eu disse para encerrar a conversa.
E então, para impedir a mim mesma de desmoronar na frente dele, e fazer um
papel ridículo, perguntando o porquê ele me deixou, ou pior, implorando que
ele voltasse para mim! Acenei com a cabeça em despedida, me virei e fui em
direção ao bloco cirúrgico, sem dar a chance de ele dizer qualquer coisa.
Chapter 7 – Teimosia
Emma
– Já fazem três meses – a voz de Gwen interrompeu meus pensamentos.
Em um primeiro momento ia perguntar do que diabos ela estava falando, mas
então ela continuou.
– Três meses inteirinhos que o idiota te deu as costas, então eu não vejo qual
o problema de você aceitar o convite do Todd.
E aí estava, viu? Se tinham alguma coisa em que Gwen era especialista, era
em ir direto ao ponto, e claro a tendência aos monólogos.
– Porque seriamente, você não pode ter caído novamente por ele, foi uma
fatalidade do destino ter encontrado ele de novo! E só, não vamos tirar disso
um grande significado. Além do mais você não pode ter esquecido tudo o que
passou por causa dele. E…
– Gwen – interrompi! Eu sei, eu sei que foi um acaso, eu sei que nada mudou!
Eu não vou mentir para você e dizer que eu não senti nada ao ver ele, mas eu
definitivamente não senti vontade de me encolher em posição fetal e chorar,
como seria há três meses, então relaxa, ok?
– Mesmo? você está ok em ter visto ele?
– Mesmo! Eu estou ok, em ter visto ele, e estou ok que o único motivo pelo
qual eu o vi, era porque ele estava lá pelo irmão! E quanto ao Todd, existe
uma regra lembra? “Onde se ganha o pão, não se come a carne! “Evita muitos
problemas inclusive!
E lá estava o sorriso de gato de Chesire no rosto dela!
– O quê? – eu questionei, já que não me parecia um bom presságio.
– Ele está indo pra LA, a pesquisa dele foi aceita, ele começa em dois meses –
ela disse sem conter a alegria.
– Então qual o ponto? Eu rebati – Você quer que eu me apaixone por um cara
que em dois meses está saindo da cidade?
– Argh – Gwen reagiu expressando seu nojo de um modo físico – Eu não
quero que você se apaixone por ele, Todd é maçante, vocês não durariam
muito tempo! Estou falando de sexo, sexo sem complicações, sexo que relaxa,
sexo que faz esquecer os ex extraordinariamente bonitos que não valem nada!
– ela disse em clara referência ao Mikhail.
– Estou orgulhosa Gwen, grande exemplo para Lila futuramente eu devo
dizer!
– Lila, não vai se interessar por meninos até os trinta pelo menos! – ela
rebateu rindo.
Dei meu melhor olhar que dizia por si só…
– Você não pode me chamar de hipócrita! – Ela disse então.
– Eu não estou chamando você de nada, só estou dando um olhar eloquente, a
interpretação é sua! – eu repliquei rindo.
– Ok, chega! Lila vai namorar depois da faculdade, e graças as maravilhosas
dicas de sua mãe – ela disse apontando pra si mesmo, e de sua madrinha –
disse apontando para mim – Ela vai evitar erros cruciais no que se refere a
relacionamentos em geral. E agora, voltando ao assunto Todd, um jantar, uma
noite agradável, que mal pode fazer?
– Você disse que ele era maçante! – eu a lembrei.
– Para um relacionamento, para uma vida! – ela enfatizou com gestos
dramáticos – Uma noite, deve ser suportável – ela rebateu
– Ok!
– Ok?
– Sim, um jantar, uma noite, e vamos ver como fica!
– E isso não tem nada a ver com dar o troco no idiota?!
– Bom, é evidente que tem, é uma questão de valorização sabe? Se você não
quer, tem quem queira ou alguma coisa do tipo!
– Graças a Deus! – ela exclamou aliviada.
– Sério Gwen?! Graças a Deus? Graças a Deus que eu queira dar o troco?
– Sim Graças a Deus, se você tivesse dito que esqueceu completamente,
depois de tudo o que aconteceu não seria você, “dar o troco” é muito mais
honesto, e o caminho da verdade para esquecer o idiota!
Não pude evitar cair na gargalhada e depois complementei.
– Se for um encontro de merda, eu vou querer muito chocolate, tipo litros de
chocolate, em texturas e sabores, e vou querer o direito sagrado de dizer que é
tudo culpa sua!
– Fechado! Ela concordou muito rapidamente.
E aí estava, aparentemente eu e Todd Eliott tínhamos um encontro, agora eu
tinha que informa-lo disso!
Mikhail
– Ela está em casa? Sozinha? – continuei o interrogatório.
– Você ainda está perseguindo a doutora? veio a voz de Alex, interrompendo
a minha conversa enquanto voltava do banheiro, empurrando a coluna de
soro, o que se não me engano, ele estava proibido de fazer.
– Eu ligo depois Igor – eu disse encerrando a ligação.
– Você não deveria estar de repouso ou algo assim?
– Nessa família não somos partidários a obedecer a ordens médicas, mesmo
quando gostamos da médica em questão! Você não se lembra, ou prefere não
lembrar disso? – o filho da puta disse.
– Vejo que você já recuperou o que você chama de senso de humor Alex, vou
considerar isso um bom sinal.
– O que você vai fazer sobre a Doutora?
– Do que você está falando? Eu respondi fingindo não saber do que se tratava.
– Os culpados pelo seu atentado foram descobertos e punidos O perigo
imediato passou e…
– O perigo nunca passa! – Eu o interrompi
– Você entendeu! – Ele me rebateu – Emma não é igual a Red, Mikhail, ela
não vai se sentar e esperar um milagre, ela vai seguir em frente, o médico é…
– Eles não têm nada! Eu interrompi novamente.
– Ainda! Alex rebateu – Você vai se sentar e esperar isso acontecer? E então
dar um jeito de se livrar de cada um deles? – ele disse adivinhando minhas
intenções – Por quanto tempo Mikhail? Até ser irremediável, até ela conhecer
alguém de quem ela realmente goste e não importa o que você fizer, não
conseguir mudar isso?
– Não é tão simples assim Alex, e você sabe! – Eu me defendi
– Eu sei, mais que você pensa, e é por isso estou te dizendo, você pode fazer
alguma coisa sobre isso agora.
– Você conhece a vida que levamos Alexei, sabe que não é tão simples, não se
trata de ter o que eu quero, se trata de arrasta-la para esse mundo, sem
garantia alguma de poder protege-la caralho! – reagi indignado – Você acha
que se dependesse somente da minha vontade, eu teria deixado ela ir?
– Não, eu não acho! Acho que o que aconteceu com a descoberta
Kozhevnikov, não te permitiu raciocinar naquele momento. Eu conheço a
vida que levamos, mas você tem uma escolha agora, e é justamente por
conhecer o mundo em que vivemos, você pode mantê-la segura, ser quem
você é, pertencer a família que você pertence, te permite isso!
– A família que pertencemos Alexei! – Eu o corrigi então – Mas não é tão
simples assim, nada é tão preto no branco, eu nunca me perdoaria se algo
acontecesse a Emma pelo simples fato dela estar associada a mim, eu prefiro
viver com a falta dela aqui, desde que ela esteja feliz.
– Palavras bonitas para quem agora a pouco estava empatando a vida
sentimental dela Mikhail…
– Ele é um idiota e não a merece, e eles não tem uma vida sentimental… – Eu
mordi a isca.
Alexei somente voltou para a cama, me dando um olhar eloquente que
dispensava palavras adicionais! Eu estava sendo hipócrita, hipócrita para
caralho por acreditar que eu a deixaria em paz, que deixaria ela conhecer
alguém! E tanto quanto eu não queria admitir, Alex estava certo, eu tinha que
arrumar uma maneira, eu iria resolver isso! Tinha de haver um jeito!
Chapter 8 – Incidente
Emma
Os residentes de cirurgia do nosso hospital, faziam um revezamento, entre
especialidade, e uma delas era o pronto socorro, que era basicamente a porta
de entrada de todos os casos cirúrgicos, ali, fazíamos a triagem e em casos
mais graves mandávamos subir para o bloco cirúrgico. Estávamos sem um
dos residentes, Todd, havia ganhado uma bolsa, cujo pré-requisito era
apresentação imediata, ele estava nas nuvens, e eu de certa forma também, eu
não conseguia encarar sexo de uma forma casual o suficiente para ir para a
cama com ele pelo simples motivo de quebrar minha atual abstinência, fiquei
feliz por ele, era um passo importante em relação a carreira, e Todd era
esforçado e merecia a recompensa, a outra parte estava feliz por mim, que
tinha me livrado de um encontro que possivelmente seria constrangedor.
Como Todd se desligou de forma repentina, a ordem era basicamente todas
aos mãos no deck, eu não costumava atender no Pronto Socorro, já que eu
estava próxima de concluir minha residência, e geralmente eram residentes
dos primeiros anos que atendiam, mas uma epidemia de gripe, havia
diminuído os nossos números drasticamente, e mesmo quem estava de folga
estavam sendo chamados, não era um problema realmente, já que em dias
comuns, era raro aparecer casos que demandassem cirurgia imediata, o que
por vezes surgiam era casos de cortes ais graves que exigiam suturas mais
elaboradas, e então era sorte do paciente do ter um cirurgião à disposição, já
que os pontos ficariam perfeitos. Ao trabalhar no pronto socorro nos
deparávamos com vários casos em que era necessário chamar o serviço social,
abuso, negligência, os sinais não eram difíceis de ler, principalmente para um
profissional. E hoje era um desses dias, a mulher que eu estava atendendo,
constava na ficha como tendo vinte e oito anos de idade, mas sua aparência
era envelhecida, desgastada mesmo, como se a vida tivesse levado dela mais
do que ela podia dar, ela tinha uma fratura no antebraço, cuja correção era
cirúrgica, e quando chegou disse ter escorregado e caído, claro dentro de uma
certa lógica isso era possível, mas como eu disse, nós liamos todos os sinais,
dispensei o interno com a desculpa de fazê-lo ir reservar a sala de tomografia,
quando na verdade, ele iria chamar o serviço social, e deixar os seguranças de
pronto aviso, até a polícia chegar.
O marido a acompanhava, e pela expressão dele, e o fato de que ele interferia
em toda e qualquer resposta que ela dava, enquanto eu estava preenchendo o
prontuário, não seria um dos casos fáceis de lidar.
A violência doméstica, era ainda para muitas pessoas um tabu, eles não
entendiam como a pessoa se submetia a tal violência sem fazer nada, nós que
trabalhávamos na área da saúde e infelizmente lidávamos com isso em uma
base cotidiana sabíamos que era muito mais complexo do que parecia a
princípio, primeiro havia o fator psicológico, a violência física normalmente
não era o primeiro estágio, eram anos de abusos psicológicos e a destruição
sistemática da confiança própria, somado a isso, geralmente a vítima possuía
filhos e se sentia a culpada em denunciar o pai das crianças e deixa-la
desamparadas, outro problema era financeiro, os agressores em geral
deixavam suas vítimas dependentes não só psicologicamente mas também
financeiramente, e isso sem contar a falta de apoio familiar, que infelizmente
era comum também. Sendo assim para elas atingir o ponto de ruptura, a ponto
de tomar uma atitude era um caminho considerável para as vítimas de
violência doméstica, que não deveriam ser julgadas e deveriam sim ter o
suporte necessário na reconstrução de sua vida.
Para ganhar tempo, comecei a explicar, que a fratura era caso cirúrgico, e que
o cirurgião ortopédico estava descendo para poder assumir o caso.
Foi o começo da tempestade, o marido insistiu que queria que fosse colocado
gesso, e que era um “ferimento sem importância”.
Eu insisti, que não poderia simplesmente colocar o gesso sem que o osso
tivesse sido alinhado corretamente, pois seria mais prejudicial ainda.
A voz da paciente, pedindo baixinho que o gesso fosse colocado, e que não
estava doendo tanto, foi o que quase me quebrou.
O medo dela era visível em cada poro do corpo, a voz baixa, e a postura de
proteção, era tão natural que ela nem sequer percebia.
Respirei fundo e tratei de recuperar o controle, enquanto a polícia não
chegasse, qualquer atitude impensada minha poderia mais prejudicar a
paciente do que ajuda-la, então voltei a calmamente (tão calmamente quando
possível) argumentar com o marido.
O interno voltou, o seu aceno de cabeça para mim, confirmou que ele já tinha
chamado as autoridades competentes. O que me aliviou profundamente, já
que a postura do marido se tornava mais agressiva a cada minuto que passava.
E então de repente as coisas explodiram.
O marido da paciente que se tornava mais agressivo a cada minuto, percebeu
a postura dos seguranças do hospital, que tinham se colocado à postos
antevendo o problema.
Percebendo a situação em que se encontrava, ele se moveu para cima da sua
mulher com o intuito de leva-la embora.
Sabendo do seu estado, e sabendo que não podia permitir que isso
acontecesse, eu me posicionei na frente dela, impedindo que ele a alcançasse.
O que devo dizer, apesar de corajoso foi muito pouco inteligente da minha
parte.
Vi sua mão subir em direção ao meu rosto, senti a pancada forte na lateral da
cabeça, forte o suficiente para me desequilibrar, caí em direção a mesa de
instrumentos, e bom, aí tudo ficou escuro.
Mikhail
Enquanto eu pegava um café na máquina, que era somente tolerável na
melhor das hipóteses, e eu me ressentia de ter que toma-lo, afinal o cansaço
dos últimos dias estavam me batendo forte, eu sabia que para conseguir
chegar ao fim do dia eu precisava de cafeína, um grupo misto de funcionários
passou correndo pelo mim, tanto quanto eu era normalmente atento a
qualquer incidência anormal, aquilo era um hospital, e equipes correndo para
salvar vidas era o que era considerado normal ali.
Voltei ao quarto, Zhenya, estava mimando Alex, tanto quanto possível já que
ele estava em uma dieta restrita e impossibilitado de fazer várias coisas,
carma era realmente uma vadia.
– Você ao menos vai me deixar ter um gole? – Alex disse meio puto, a falta
de cafeína estava chutando a bunda dele.
– Você está proibido, ordens médicas – Eu disse enquanto soprava meu copo
com um sorriso um tanto irônico.
– Não me lembro de ver você obedecendo ordem médicas – Alex resmungou
contrariado.
A essa informação, Zhenya estreitou os olhos na minha direção, e eu resolvi
sair pela tangente.
– Verdade, mas Zhenya agora está aqui, e vai cuidar que você obedeça – eu
disse, não escondendo a minha diversão.
O meu telefone tocou, interrompendo a minha implicância com ele, era Igor
ligando e ele não tinha por costume ligar ao não ser que fosse importante.
Atendi sem demora, e o que eu ouvi, paralisou cada musculo do meu corpo
por alguns segundos.
E então sem nem conseguir dar uma explicação razoável a Zhenya ou Alex
que me olhavam assustados saí do quarto e fui em direção a emergência que
era onde ele disse que ela estava.
O local estava uma bagunça completa, policiais por todos os lados,
seguranças passavam correndo falando em seus walk talks, mas tudo isso não
me fez sequer piscar, precisava vê-la, precisa ter certeza que ela estava bem.
Uma junta médica a cercava, a sala de atendimento estava fechada, e só foi
possível ver flash quando alguém entrava ou saia da sala, meu contato, me
informou que ela estava desacordada, e sendo imobilizada e levada para uma
tomografia, minha vontade era entrar lá, e descobrir qual o seu real estado,
ficar ali parado com migalhas de informação estava me deixando louco.
Senti o celular vibrar, mas ignorei, naquele momento nada mais importava
realmente.
Gwen, a melhor amiga de Emma saiu da sala, sua postura era derrotada e isso
gelou o meu corpo por inteiro.
Ele sequer reparou em mim parado ali, só ficou em pé apática, e como eu
vigiando a sala.
Minha preocupação com Emma, era maior que o receio de Gwen me mandar
a merda ali mesmo!
Então a abordei, para ter notícias concretas.
– Gwen, como Emma está?
Ela se virou para mim, seu olhar parecendo me atravessar, e não havia nada lá
nem mesmo raiva, o que definitivamente me preocupou e muito.
– Gwen, como Emma está? – eu me senti obrigado a reforçar a pergunta
Isso pareceu tirar ela do estado de choque por um momento e então ela
respondeu.
– Ela está inconsciente, vão levar para a TC, porque quando ela caiu bateu a
cabeça, não sabemos ainda o quão grave é, mas é grave…
Ela então interrompeu o que estava dizendo como se não pudesse aceitar a
possibilidade do que viria a seguir, que Emma estava em risco, um risco
real…
A porta se abriu, e os médicos passaram, empurrando a maca, Emma
continuava desacordada, havia uma máscara de oxigênio cobrindo o rosto
dela, e a expressão taciturna dos médicos e a rapidez com que eles passaram
no corredor, me revelou a gravidade, Emma corria risco de vida porra!
Nos sentamos juntos na sala de espera, Gwen, havia encerrado o seu turno,
mas com certeza não iria a lugar algum, e eu, eu definitivamente não iria sair
de lá enquanto não houvesse a confirmação que ela estava bem! Que toda essa
merda só passou de um fodido pesadelo!
E tanto quanto eu estava preocupado para caralho com Emma, que estava na
tomografia segundo as ultimas noticias, a minha raiva queimava lentamente.
Ele estava morto, simples assim.
Sem segundas chances, ele era uma escória, tanto quanto eu estava do lado
contrário da ordem pública, e nossos negócios envolviam diversas vertentes,
muitas delas ilegais, havia uma linha que não cruzávamos, mulheres e
crianças inocentes não eram machucadas! Não éramos os mocinhos, é claro
que sabíamos que não eram todos dentro dessa organização que respeitavam
esse parâmetro, mas para nós era sagrado! Não machucávamos inocentes, não
explorávamos a fraqueza deles, existia uma linha moral que não
ultrapassávamos e era essa! Pessoas inocentes não eram machucadas por
nenhuma atividade da nossa organização, pelo menos não diretamente! E caso
acontecesse lidaríamos com isso.
Mas Emma, Emma era pessoal para mim, pessoal pra caralho, e o filho da
puta não ia permanecer muito tempo nesse mundo, no que dependesse de
mim! E com os meus homens o caçando pela cidade, isso aconteceria mais
cedo ou mais tarde.
E no momento, mesmo que a raiva queimasse em meu sangue, a minha
prioridade era Emma.
Peguei o meu celular, o dinheiro tinha o poder de fazer com que as coisas
acontecessem, e com Emma em perigo, ela teria o melhor, a porra do melhor
cirurgião que o dinheiro podia comprar!
Quando, o neurocirurgião de Mayo, Dr.Colbert chegou logo em seguida, e
assumiu o caso, Gwen me deu um olhar estranho, que parecia quase como
gratidão, mas tanto quanto eu tinha sido responsável por eles estar ali,
acredite em mim, era em benefício próprio, eu não iria perder Emma, eu
sequer cogitava essa possibilidade!
Fora horas ali esperando por notícias!
Eventualmente, uma enfermeira nos atualizava sobre a cirurgia.
Quando, Dr. Colbert, saiu, nada em sua expressão nos dava uma pista, mas eu
simplesmente me recusava a aceitar qualquer resultado que não fosse
positivo.
– Vocês são a família de Emma Harris?
– Ela é a irmã, e eu sou o noivo – Eu me adiantei a qualquer coisa que Gwen
fosse dizer, o que definitivamente me rendeu um olhar atravessado vindo
dela.
– Ela tinha um hematoma epidural, o coagulo foi removido com sucesso, pela
localização do coagulo, foi possível uma abordagem conservadora, a paciente
está na recuperação cirúrgica agora, e assim que possível será levada ao
quarto.
Gwen questionou alguns detalhes médicos que para mim não eram
compreensíveis e nem relevantes, a sensação esmagadora de completo alivio
quando ele disse que foi um sucesso, ofuscou todo o resto. Emma estava bem!
Ela iria se recuperar, e isso me deixada aliviado para caramba porra!
Emma
Eu ouvi os sons ao meu redor antes de acordar, conversas em um tom mais
baixo, e chamados insistentes pelas enfermeiras. Bem no fundo do meu
cérebro eu sabia onde estava, mas era como se a comunicação das ideias
estivesse letárgica demais para formar a conexão.
Abri meus olhos por um momento, a luz não era ofuscante, mas ainda assim
incomodou, o que me forçou a fechar os olhos novamente.
Meu mau humor inerente, me deu a certeza que eu havia passado por
anestesia, e a visão da recuperação cirúrgica quando abri os olhos me deu a
certeza. Eu esforcei minha mente para tentar lembrar os últimos
acontecimentos, mas era uma página em branco.
O efeito dos anestésicos me bateu, e sono me venceu novamente, e então eu
voltei a dormir, quaisquer pensamentos esquecidos.
Mikhail
Eu era naturalmente um planejador, era uma característica vital para conduzir
os nossos negócios no ocidente, e eu era bom no que fazia, e é claro, que essa
característica fluía por outras áreas da minha vida, e no caso viria bem a
calhar, o que os meus homens descobriram até então, era que o nome do filho
da puta era Fedir Wasylyk, e que ele era um soldado da máfia ucraniana, nada
que um telefonema a Kostyantyn, não resolveria, porque eu o queria morto,
era inconcebível para mim qualquer outro resultado. Ele estava sendo caçado
por toda a cidade, e com a anuência de Kostyantyn ao meu pedido, ele não
teria a proteção da máfia ucraniana, e sendo assim era questão de tempo até
ele ser pego.
Mas como eu disse, eu era um planejador, e eu sabia que Fedir, era uma das
muitas ameaças que poderiam ferir Emma, a morte dele era muita mais uma
retaliação, do que propriamente a proteção a Emma, já que com absoluto
certeza, ela nunca mais estaria desprotegida dessa forma. E então eu tracei um
plano, agora bastava executá-lo.
Gwen, ainda estava no hospital, ela não deixaria Emma, e eu compreendia o
sentimento, então aproveitei a sua presença para pôr as coisas em andamento.
– Eu preciso que você faça as malas – eu disse a ela me sentando ao seu lado
na sala de espera.
– E porquê? – ela me respondeu que o olhar inquisitivo, e com um toque de
raiva no olhar.
– Ele não foi pego ainda, vocês não estão seguras naquele prédio, mas estarão
seguras no meu edifício – eu disse já esperando a negativa dela.
Ela me estudou atentamente durante um tempo, até que se tornou
praticamente desconfortável.
– Gwen? – eu chamei sua atenção.
– Eu estou tentando compreender – ela disse me olhando profundamente – É
que a imagem não se encaixa sabe? Quer dizer, você é o babaca que quebrou
o coração da minha melhor amiga, a quem eu considero uma irmã…
– Não foi bem assim – eu tentei me defender.
Ela balançou a cabeça, me ignorando e continuou a falar.
– Mas você sempre está por perto, quando eu vi os carros parados na rua, em
uma sucessão interminável, eu fiquei curiosa claro, Emma não se deu conta,
afinal, na cabeça dela você a teria descartado, logo porque você estaria
protegendo ela?! Não faz sentido né?!
Eu resolvi permanecer em silêncio, já que negar seria perda de tempo.
– E então, hoje, você traz um neurocirurgião de Mayo, em tempo recorde, o
que envolve muito dinheiro, e provavelmente uma alta dose de
convencimento, e então você fica aqui, e nos raros momentos que eu pude
prestar atenção porquê estava preocupada, estava lá, em todo o seu rosto, você
estava tão ou mais preocupado que eu! E isso definitivamente não parece ser
alguém que não se importa, não é?
Acenei com a cabeça em concordância, tanto quanto, porque já não
importava, tanto quanto porque tudo o que ela tinha falado até então, era a
mais absoluta verdade…
– Então eu só posso presumir, que existe muita mais coisa, que você não está
dizendo, e que provavelmente não disse a ela também…
– Eu queria que ela estivesse a salvo – eu disse as palavras como se elas
estivessem sendo arrancadas de mim – Hoje eu percebi que efetivamente não
funcionou da maneira que eu pensava, então estou mudando os planos.
Ela assentiu como se absorvesse as minhas palavras.
– Você quebrou o coração dela…
Gwen me disse com uma nota de tristeza na voz, e antes que eu abrisse a boca
para me defender, ela complementou.
– Eu não estou te acusando, não dessa vez pelo menos, apesar de ter te rogado
bastante pragas nos três últimos meses, agora é só uma constatação – ela disse
tentando se explicar –Sei que já te disse isso, mas Emma, quem ela é – então
ela deu uma pausa, como se procurasse as palavras certas – Ela achava que
não merecia você, não que você fosse digno de lamber o chão que ela pisava,
e eu sei disso e você também, mas ela não via assim, então quando você foi
embora, quebrou uma coisa fundamental, a confiança dela, e acredite quando
eu digo que você vai ter que ser nada menos que o príncipe encantando para
mudar isso.
– Eu cometi muitos erros, Gwen, e vou corrigi-los.