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02622021 1547
Abstract This article discusses the political re- Resumo O presente artigo problematiza o víncu-
lations between construction of Brazil’s national lo político entre a construção do Sistema Único de
health system (SUS) and communication. Under- Saúde (SUS) e a comunicação. Compreendendo
standing communication as an underdeveloped a comunicação como um campo dos direitos da
field of citizens’ rights in Brazil, it proceeds on cidadania pouco desenvolvido no Brasil, trabalha-
the hypothesis that the democratic formation of mos com a hipótese de que a presença de um oligo-
public opinion regarding the SUS is hindered by pólio midiático no sistema de telecomunicações e
a media oligopoly in the telecommunication and jornalismo constrange a formação democrática de
journalism system. This affects relations between um juízo público sobre o SUS afetando a relação
the forces in dispute over construction of the SUS. de forças que disputam os rumos do sistema. Par-
Drawing on analysis of opinion polls and studies tindo da análise de pesquisas de opinião e de estu-
of Brazilian media coverage of the SUS, it argues dos sobre a cobertura do SUS pela mídia nacional,
that communication is a key political determi- argumentamos que a comunicação consiste em
nant in building a social base in support of the um determinante político central à construção de
SUS and overcoming the impasses identified by uma base social de apoio ao SUS e superação dos
the literature. It concludes that the relationship impasses identificados pela literatura. Concluí-
among communication, politics and democracy mos que a relação entre comunicação, política e
challenges the SUS to dispute the formation of a democracia traz para o SUS o desafio de disputar
public health awareness in the daily lives of Bra- no cotidiano dos cidadãos e cidadãs brasileiros a
zilian citizens, as expressed by Giovanni Berlingu- formação de uma consciência pública sanitária,
er to Brazil’s nascent health sector reform move- conforme colocado por Giovanni Berlinguer ao
ment in the 1970s. nascente movimento da Reforma Sanitária brasi-
Key words Communication, Democracy, Public leira nos anos 1970.
health awareness, SUS Palavras-chave Comunicação, Democracia, Cons-
ciência sanitária, SUS
1
Instituto de Medicina
Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Rua São Francisco Xavier
524 7º andar Bloco D e
E, Maracanã, 20550-900.
Rio de Janeiro RJ Brasil.
ronaldosann@gmail.com
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Santos RT et al.
trabalho e da saúde enquanto direitos públicos democrática, esses grupos debatem, escutam e pro-
e dever estatal, nota-se o contraste do caminho movem apenas a própria voz17 (p. 9). Em oposição
percorrido pela comunicação no país. Apesar da à distribuição da oportunidade ‘de falar’ e ‘ser
disputa travada por Roquette-Pinto, desde os efetivamente ouvido’, vinga o ‘mercado de ideias’
anos 1920, para que a comunicação assumisse e suas assimetrias.
um sentido público, educativo e de cultura – in- Na linguagem do republicanismo, o domínio
clusive central para as questões sanitárias15, pre- privado dos sistemas de comunicação, legitima-
valeceu, sobretudo a partir dos anos 1940, o seu do como propriedade de um circuito reduzido
sentido comercial3. A universalização dos direi- de grandes empresários, configura um sério obs-
tos, amplamente aceita e norteadora das lutas de- táculo para a formação de uma opinião pública
mocráticas, contrasta radicalmente com o que se democrática6. Nesse cenário, os conglomerados
consolidou na área da comunicação. Nesse cam- privados, portadores de um poder assimétrico
po, predominou a tal ponto um sentido privatista de comunicação de perspectivas e de influência
de liberdade que o debate sobre uma legislação nas escolhas públicas, devem ser compreendidos
pública acerca do empresariamento dos meios de como verdadeiros agentes políticos. Constran-
comunicação é, geralmente, enquadrado como gida a pluralidade de perspectivas, a capacidade
agressão incisiva e violação da própria liberdade privilegiada de interferir na democracia possi-
de expressão6. bilita que uma verdadeira militância em torno
Embasa essa acepção a orientação dominante de pautas e agendas específicas seja apresentada
na tradição do liberalismo político que toma a na forma de matérias jornalísticas. Esse hiperdi-
regulação estatal da comunicação como um risco mensionamento de determinadas perspectivas
direto à liberdade civil, particular, de pensar sem favorece ainda o silenciamento e a crítica envie-
constrangimentos, de manifestar o pluralismo de sada a seus oponentes.
perspectivas sem interferências externas16. Nesta Como discutido nesta seção, o conceito de
chave, o próprio conceito de ‘opinião pública’ formação democrática da opinião pública formu-
encontra-se, via de regra, associado a visões uni- la a liberdade de comunicação como uma prática
formizadas, ou opiniões parciais transformadas social que, como tal, está condicionada ao igual
autoritariamente em verdades públicas. Como poder e capacidade de colocá-la em exercício. A
apontam Guimarães e Amorim6, o sentindo in- exemplo de outros direitos de cidadania, como a
dividual da liberdade de comunicação para esse própria saúde, a liberdade de comunicação é, em
cânone liberal se instala em tensão contra a pró- conformidade com a Constituição, reconhecida
pria ideia de republicanização de direitos e deve- como um bem público que ganha a sua plena re-
res simétricos que devem conformar a cidadania. alização individual quando compreendido o seu
A convergência do sentido restrito que a co- valor coletivo, compartilhado, não oligopolizado.
municação alcançou no Brasil com esse paradig- Como exploramos, a distância entre a expressão
ma político liberal é patente. Assentados nessa das ideias e o seu poder de difusão define mesmo
matriz interpretativa, qualquer esforço de de- a sua condição democrática ou a corrupção da
bater publicamente a desconcentração do poder opinião pública. Corrupção essa que pode se ex-
dos meios de comunicação é enquadrado pelos pressar na indução de visões e perspectivas par-
oligopólios de mídia como aventura autoritária e ciais como representação do universal.
opressiva, seja do estado ou de facções políticas. Por se tratar de um momento constitutivo do
Apesar de inconstitucional, a ação política dos poder político, a construção de uma base social
empresários que controlam o sistema tradicional ampliada de apoio ao SUS está inevitavelmente
de mídia para a perpetuação desse oligopólio tem vinculada ao debate público. Nesse sentido, a co-
se mostrado fortemente efetiva. Exemplificam municação comparece como um determinante
essa condição o boicote à I Conferência Nacional político decisivo da construção do sistema públi-
de Comunicação, realizada em 2009; a recusa em co de saúde, e sua democratização pode configu-
debater a vigência do Código Brasileiro de Tele- rar um elemento fundamental do contraponto às
comunicações, de 1960; e os esforços reiterados pressões dos circuitos empresariais da assistência
de veto à regulamentação das normas da legis- privada sobre o sistema político18. Ao nos ocu-
lação complementar para a comunicação social parmos dos processos de formação da opinião
pendentes na Constituição Federal de 198817. pública, os meios de comunicação ganham pleno
Para Lima, [p]reocupados em garantir os incrí- sentido político, cuja democratização se coloca
veis privilégios que conquistaram historicamente como requisito para a construção de um sistema
e numa reafirmação de sua recusa à negociação de saúde fundamentado no interesse público.
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eco em outros trabalhos sobre o tema. Pesquisa de 2014 a 2018, a saúde compareceu como a
realizada por Moraes, Oliveira-Costa e Men- principal prioridade entre os brasileiros. Entre-
donça30 identificou que no ano de 2016, 66% tanto, quando se nota que o contato direto com
das matérias sobre o SUS veiculadas no Correio o SUS favorece uma apreciação mais positiva do
Brasiliense tiveram teor negativo, 19,9% neutras que entre aqueles que forjaram sua opinião por
e apenas 14,1% positivas. A constituição de uma fontes que não a experiência concreta, pode-se
imagem quase que exclusivamente negativa do dizer que a mediação da informação cumpre um
SUS nos meios de comunicação, segundo essas papel importante na construção do juízo público
pesquisas, ocorreria tanto pela predominância sobre o sistema. Nesse processo, a construção da
‘quantitativa’ de notícias negativas sobre o siste- imagem do “SUS problema” se dá pela hipérbole
ma, quanto pela utilização de recursos linguísti- de um fragmento da realidade, complementada
cos que contribuem para a construção da ima- com a lateralização reiterada das suas virtudes.
gem do SUS exclusivamente como problema30-33. O exame mais detalhado das pesquisas de
Esse processo de distorção informacional seria opinião permite constatar também que a maior
perceptível tanto nos jornais de circulação na- rejeição ao SUS está fortemente associada à pro-
cional, quanto naqueles veículos de abrangência gressão de renda, escolaridade e detenção de pla-
regional. no de saúde. A este respeito, o relatório apresen-
Na análise de Silva e Rasera32 acerca dos re- tado pelo CONASS, em 2003, é categórico:
cursos linguísticos e discursivos presente nas ma- Há uma relação inversa, bastante nítida, entre
térias veiculadas no jornal Folha de São Paulo, foi a avaliação positiva do funcionamento do SUS e o
identificado que o termo ‘SUS’, ou ‘Sistema Único grau de escolaridade do entrevistado. Esta aprova-
de Saúde’, se fez consistentemente presente entre ção atinge 64%, entre os analfabetos. Entre os que
as notícias negativas. Por contraste, na maioria têm formação superior, 39%. O mesmo ocorre em
das matérias que faziam referência a melhorias relação à renda: quanto menor a renda, melhor a
nas condições de saúde dos brasileiros ou a pro- avaliação feita sobre o SUS23 (p. 23).
gramas e serviços de excelência a terminologia É importante destacar que a concentração da
não ganhava destaque. Outra estratégia discursi- visão negativa do SUS nos setores sociais médios
va frequente nas matérias da Folha de São Pau- é convergente com a representação depreciativa
lo analisadas pelos autores foi a identificação de que comparece na mídia. Este polo de opinião
que problemas em serviços da rede pública eram política contrasta decisivamente com os setores
abordados como crise generalizada do SUS. Na mais empobrecidos da população, os 75% que
conclusão dos autores, esses mecanismos discur- não têm planos privados de saúde e são, portan-
sivos estão na base da construção do “SUS-pro- to, ‘usuários diretos’ do SUS – que, como vimos,
blema” como imagem forte sobre o sistema32. Se- apresentam maiores índices de avaliação positiva
gundo Oliveira, frequentemente essa imagem do dos serviços do sistema. A abordagem negativa
SUS se encontra associada à suposta ineficiência midiática também tem penetração entre ‘usuá-
do Estado, [à] incompetência das autoridades ou rios diretos’, perceptível quando são chamados a
dos profissionais da área, levando à construção de avaliar o ‘SUS em geral’. Todavia, essa convergên-
uma ordem simbólica pouco reflexiva sobre o cam- cia é sopesada com a percepção experienciada.
po da política de saúde representada pelo SUS³¹ (p. A afinidade entre a abordagem negativa mi-
72). diática e a percepção dos setores médios, com
Como destacam esses trabalhos, isso se torna menor contato com o SUS, projeta a percepção
particularmente problemático quando se iden- de uma parcela da população como opinião geral
tifica que a parcialidade das abordagens críticas dos brasileiros. Ao documentarmos esse viés clas-
ao SUS são acompanhadas por uma tendência sista na abordagem midiática, pode-se afirmar
de valorização da assistência privada30,31. Assim, que ocorre um silenciamento ou lateralização do
se o quadro desenhado pela mídia sobre o SUS apoio público que o sistema conserva. Essa disso-
é mais frequentemente negativo, paralelamente, nância entre avaliações baseadas na experiência
e em sentido oposto, comparecem os serviços direta e a ‘percepção genérica’ tem fundamental
privados, seja de planos ou de prestadores, via de relevância para o entendimento das consequên-
regra, sobrevalorizado. cias políticas que a comunicação impõe à supe-
Como identificado nas pesquisas de opinião ração dos impasses do SUS. Seguindo as pistas
aqui investigadas, os níveis de insatisfação com presentes nas pesquisas de opinião sobre o siste-
a assistência prestada pelo SUS não são despre- ma, pode-se dizer que o déficit democrático da
zíveis. Segundo levantamentos do DataFolha25-28, comunicação vem prejudicando decisivamente o
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delos anteriores. É necessário registrar, no en- Entre os brasileiros, a saúde tem figurado
tanto, que o Reino Unido tem um dos mais bem como preocupação central, o que não indica, ne-
estruturados sistemas públicos de comunicação cessariamente, apoio e confiança junto ao SUS.
do mundo, o que certamente favorece um debate Mesmo a legitimidade alcançada por seus prin-
público mais plural dos seus desafios. cípios de universalidade e gratuidade não se con-
Enquanto dimensão formadora da cidadania, funde com a legitimação do sistema em si, com
o direito à comunicação tem diversos desdobra- a sua defesa pública. Precisamente, segundo pu-
mentos para a construção do direito à saúde. As- demos analisar neste artigo, a crítica reiterada e
sim, considerando que a opinião pública importa parcial ao SUS não se traduz, obrigatoriamente,
para as dinâmicas de implementação, funciona- em rejeição aos seus princípios, mas pode estar
mento institucional e garantia constitucional do servindo à contestação da sua viabilidade.
acesso ao direito, afirmamos que a relação entre Na identidade política do cidadão muitas ve-
comunicação, democracia e legitimação pública zes se encontram latentes a opinião sobre temas
da luta por direitos deve ser colocada ao centro fundamentais para a vida democrática nacional,
das preocupações da Reforma Sanitária brasileira. como o apoio a partidos políticos ou a rejeição a
reformas do estado. Como formulado pela tradi-
ção republicana, a disputa pública pelo sentido
Conclusão das coisas compartilhadas é intrínseca à política,
para a qual importa a comunicação na confor-
Nesse artigo a análise de pesquisas de opinião so- mação e direção de valores. Enquanto objeto da
bre o SUS nos permitiu identificar que existem política, isso implica dizer que a legitimidade
diferenças importantes entre a avaliação baseada da construção de um sistema de saúde público
na utilização do sistema com a avaliação infor- e gratuito ou da comercialização dos serviços de
mada por outras fontes que não a experiência saúde no mercado são construções sociais e his-
concreta. É interessante notar que a avaliação dos tóricas que ocorrem por meio da prática política.
setores populares apresenta convergências com Dependem da construção coletiva de concepções
os resultados alcançados por prestigiados centros de mundo que identifiquem a saúde como bem
de pesquisas da saúde, dentro e fora do Brasil. A comum e direito ou mercadoria a ser acessada
rejeição por aqueles setores que utilizam menos por meio do mercado. Isto acarreta que sua per-
os serviços do SUS é afim à abordagem midiática manência enquanto condição democrática con-
de construção do “SUS problema”32, indicando tém uma disputa sempre aberta à construção e
que quanto mais distante da experiência direta convencimento.
mais se impõe a posição jornalística, e suas visões Como discutimos, a Reforma Sanitária cons-
e interesses específicos. truiu sua fortuna crítica atenta a várias dimen-
No contexto da pandemia da COVID-19, sões que cerceiam a realização do SUS, conser-
análises apontam que esse enquadramento jor- vando, no entanto, um vácuo de reflexões no que
nalístico tradicional sobre o sistema de saúde so- diz respeito à compreensão de que a comunica-
freu impactos com o ascenso do reconhecimento ção é instituinte da construção e conservação
público do SUS como esperança38. Desde junho do poder – da constituição de uma autoridade
de 2020, quando o governo federal passou a di- sanitária. Via de regra, as dimensões da política
ficultar o acesso aos dados sobre os números de são localizadas no âmbito do Estado e suas ins-
mortos e contaminados, a construção do chama- tituições clássicas, como pastas ministeriais e ca-
do Consórcio de Imprensa, constituído pelo sis- sas congressuais, e nos interesses disputados por
tema Globo de comunicações e os jornais Folha movimentos sociais e corporações empresariais.
de São Paulo e Estadão, apresentou-se como por- É recorrentemente comum a essas abordagens o
ta-voz do interesse público. A rarefeita menção entendimento da política como ação exclusiva de
ao fato de que essas informações são produzidas elites e vanguardas políticas. Sem dúvida, as teo-
pelos serviços de vigilância epidemiológica que rias do elitismo democrático que fundamentam
compõem o SUS ilustra mais um capítulo do o argumento da complexidade, da racionalidade
tradicional apagamento e descredibilização do e da escala geográfica como impeditivos à parti-
sistema. Tal enquadramento jornalístico invisibi- cipação e compreensão por parte dos homens e
liza as ações das secretarias de saúde de estados mulheres ordinários na tomada de decisão con-
e municípios na detecção e monitoramentos de tam nesse enquadramento.
novos casos e óbitos, intensificando a própria re- Ao revés dessa ciência política liberal, a tradi-
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