O Enigma de Kaspar Hauser, é um clássico do cinema ocidental com a
direção do alemão Werner Herzog. O filme conta a triste história de Kaspar Hauser que foi privado de uma vida social desde bebê e só teve contato com outras pessoas quando tinha 16 anos. Por conta disso, ele teve consequências na sua formação enquanto ser social, já que ficou privado de um desenvolvimento da linguagem e de uma bagagem cultural. Quando aprendeu a falar, Kaspar, contou que uma pessoa cuidava dele enquanto esteve em um porão, deixando-lhe comida e água, durante anos. Antes do processo amplo de aprendizagem, que só aconteceu depois, ele sabia falar uma única frase: “quero ser um cavaleiro”. O homem que cuidava dele, que ensinou. Um dos pontos interessantes do filme para pensarmos o desenvolvimento humano e a importância da sociedade para construção do humano, é o significado das próprias frases. Para Kaspar, as frases que as outras pessoas falavam, em certa medida, era apenas barulhos, pois ele, em seu dia-a-dia não teve o processo prévio de internalização do significado das palavras e das coisas. A única palavra que ele conhecia era “cavalo”, pois ele tinha um cavalo de brinquedo que durante anos foi o único objeto para brincar, até o senhor que cuidava dele, levar um papel e uma caneta para ensina-lo a ler e escrever seu nome. Somente depois de muito tempo convivendo com uma comunidade, em Nuremberg, é que Hauser passa a entender a relação simbólica e entre os signos e as coisas concretas. Isso porque, um professor resolveu ajudá-lo, e seu filho tratou de iniciar alguns processos de socialização e ensino de coisas a partir da própria materialidade e não de conceitos abstratos. Seu comportamento foi tomado como estranho e “anormal”, o que fez que ele fosse levado ao circo para assumir o posto de uma das anomalias humanas, ao lado de um “índio”, uma criança autista e um anão. Evidenciando, como a sociedade ocidental, tratava tudo o que fugia a regra de “normal”, segundo uma perspectiva racional positivista, que estava em seu auge. Entretanto, o filme traz alguns bons pontos críticos ao que se compreende como normalidade e como tudo que foge a essa regra é normalmente descriminado. Podemos ver essas questões relacionadas à questão religiosa, à critica ao racionalismo e como a sinceridade de Kaspar, em alguns momentos incomoda a sociedade. Em certo momento do filme, religiosos tentam perguntam a percepção que Kaspar tinha sobre Deus, especialmente quando estava no cativeiro. Kaspar responde que não entendeu a pergunta, visto que no cativeiro, não pensava em absolutamente nada e nem conseguia refletir sobre a criação do mundo. Em seguida, ele questiona a teoria criacionista, o que deixa os religiosos ali presente desconfortáveis. Como pode ele questionar a existência de Deus daquela forma? Podemos ver a relação dos religiosos com o Kaspar em outra cena do filme, quando o professor e um padre tentam explicar a Kaspar algumas noções sobre a natureza e Deus, e novamente os dogmas religiosos são questionados. É interessante, como em certo sentido, os questionamentos feito por Kaspar, são os que normalmente crianças fazem e, normalmente, os adultos respondem da mesma forma. Um outro questionamento nessa linha é o sobre qual é a função das mulheres na sociedade, já que ele só via as mulheres fazendo atividades especificas e nunca o que os homens estavam fazendo. Ele afirma que compreendia que a função das mulheres era ficarem sentadas fazendo tricô ou cozinhando. Em seguida, um senhor vai até Kaspar fazer um teste para saber seu nível de desenvolvimento. O senhor faz uma pergunta de dedução lógica e afirmou só ter uma resposta certa para resolver o problema. Porém, mesmo sem dar a resposta esperada, Kaspar consegue resolver o problema da questão, mas sua resposta não é aceita, apenas por não ser a resposta convencional.
Os exemplos citados acima mostram como o filme aborda criticamente a
maneira como a sociedade tratavam e, em certa medida, continuam tratando aquelas pessoas que não se encaixam no padrão de “normalidade social”, independente dos motivos. Isso claramente afeta Kaspar que, mesmo tendo um desenvolvimento significativo, a cada momento do filme mostra mais receio de sair de casa e mais vontade de se isolar do mundo novamente, pois percebe que as pessoas olham e tratam como se ele não fosse um ser humano, mas um animal. O final do filme representa de forma genial a sociedade criticada, pois termina com a cena, em que o Kaspar Hauser passa por uma autópsia que determina uma anomalia em seu cerebelo. Resposta que deixou as autoridades satisfeitas, porque era mais fácil e confortável para eles colocarem a culpa no indivíduo e em uma patologia biológica ,não na falta de socialização e em certa medida, na forma como a sociedade trata os que não se encaixam no padrão de normalidade, que quase sempre é excludente.