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Ethernet Industrial Parte 4: Protocolos industriais

Neste quarto artigo desta série, comentaremos a respeito dos protocolos industriais que
operam sobre a Ethernet Industrial. Veremos que uma arquitetura de rede é modelada
em camadas hierárquicas. Em um destes modelos, o TCP/IP, os protocolos industriais
operam na camada superior. Logo abaixo, temos os protocolos TCP/IP, bastante
disseminados devido a Internet e, na camada inferior, opera a Ethernet, propriamente
dita. EtherNet/IP, PROFInet, Modbus TCP/IP são exemplos de protocolos industriais
disponíveis no mercado e que prometem reproduzir a “Fieldbus War” que ocorreu
durante os trabalhos de padronização de redes industriais do comitê IEC 61158.

Mauro Shirasuna

“Você precisa me dizer quem era aquele engenheiro de vendas, que você comentou no
seu segundo artigo, e que disse que Ethernet Industrial era puro marketing!” Foi o que
me falou “a queima roupa”, o gerente de vendas de uma grande multinacional de
automação durante um almoço com vários colegas de profissionais (os leitores devem
pensar que vivo em almoços de negócios o tempo todo, mas não é verdade). Perguntei,
meio atônito, a razão da pergunta e ele me respondeu: “Quero saber se ele é da minha
companhia! E mais, quero saber se ele é meu subordinado. Se for, vou chamar a sua
atenção!” No início, parecia sério, mas logo percebi um tom de brincadeira na frase.
Respondi que o tal engenheiro de vendas era de outra companhia (e era verdade!) e,
logo em seguida, ouvi uma expressão de alívio. Aí, pude me dedicar ao meu almoço.

Esta e outras manifestações permitem-me supor uma repercussão positiva que esta série
de artigos sobre a Ethernet Industrial está tendo entre os leitores (pelo menos entre os
meus amigos). Mas, vamos ao trabalho. Inicialmente, vamos aprender um pouco sobre o
modelo OSI.

O MODELO OSI

No final da década de 70, a comunicação de dados entre computadores era dominada


por arquiteturas de redes proprietárias de grandes fabricantes (IBM, DEC, etc.) que não
eram compatíveis entre si. A falta de padronização impedia a integração das diferentes
arquiteturas e os clientes se obrigavam a adquirir sempre dos mesmos fabricantes e, os
preços, como conseqüência, eram altos. Em 1977, a ISO (International Standards
Organization), uma organização internacional de normas técnicas, formou um comitê
para desenvolver uma arquitetura-padrão para comunicação de dados.

Como resultado, foi desenvolvido o RM-OSI (Reference Model of Open Systems


Interconnection), ou simplesmente, modelo OSI. Este modelo foi criado para servir de
base para a definição de projetos de padronização da interconexão de sistemas abertos,
tendo sua aprovação como padrão internacional ocorrida em 1983. Como o modelo foi
desenvolvido no âmbito da ISO, é comum encontrar a expressão “modelo OSI da ISO”.
Sim, a grafia das palavras é semelhante e é comum, também, encontrar as expressões
“modelo OSI/ISO”, “modelo ISO/OSI”. Porém, cuidado, não diga “modelo ISO da
OSI” que é completamente errado.

Para lidar com a complexidade dos vários aspectos que devem ser levados em
consideração quando desejamos possibilitar a comunicação entre computadores
(imagine cabos, conectores, placas de rede, tensões elétricas a serem especificadas,
protocolos de comunicação, etc.), a estratégia do modelo OSI foi dividir esta
complexidade em conjuntos de funções chamadas de camadas. A célebre idéia “dividir
para conquistar” é aqui aplicada. Seguem as principais características do modelo OSI:

- O modelo OSI é estruturado em 7 camadas hierárquicas (ver figura 1);

- Cada camada realiza um conjunto de funções distintas e independente das outras;

- Cada camada oferece um serviço, ou seja, um conjunto de funcionalidades, à camada


superior;

- A complexidade é reduzida através de abstrações, isto é, não interessa a uma


determinada camada como os serviços da camada inferior foram implementadas. Só
interessa que os serviços funcionem corretamente.

Figura 1 - Modelo OSI em 7 camadas hierárquicas

Utilizando-se o modelo OSI, o projeto de uma arquitetura da rede se torna mais fácil. O
trabalho fica limitado a implementação de cada uma das camadas que podem ser
desenvolvidas independemente das demais. Além do mais, o trabalho de manutenção é
simplificado. Uma camada pode ser alterada, sem interferir nas demais camadas, desde
que os seus serviços permaneçam os mesmos. As 7 camadas do modelo OSI são
descritas na tabela 1:
Tabela 1 - Camadas do modelo OSI.

AS CAMADAS DO IEEE DENTRO DO MODELO OSI

O IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineers) é uma organização americana


voltada à pesquisa e desenvolvimento da ciência e tecnologia nos campos da engenharia
elétrica, eletrônica e computacional. Suas atividades tiveram início em 1884 através de
sua predecessora a AIEE (American Institute of Electrical Enginners). Posteriormente,
em 1963, uniu-se ao IRE (Institute of Radio Enginners), dando origem a atual
organização.

Faz parte das atividades do IEEE o desenvolvimento de padrões técnicos para a


indústria e, em particular, é bastante conhecida a série de normas para redes locias,
conhecidas como IEEE 802. Esta série limita-se às camadas 1 e 2 do modelo OSI e
descreve a fiação, topologia física, elétrica, e os esquemas de acesso para equipamentos
em rede. A figura 2 representa o modelo OSI e as camadas que são descritas pelo IEEE
802:

Figura 2 - Modelo OSI e as camadas do IEEE 802


Para a camada de Enlace, o IEEE define duas subcamadas: a LLC (Logical Link
Control) e a MAC (Media Access Control). À primeira vista, estas subcamadas, dentro
da camada de Enlace, podem parecer que estejam fora do modelo OSI. Porém, o modelo
OSI é uma recomendação e o objeto do IEEE foi tentar tratar a complexidade da
camada de Enlace subdividindo-a.

A LLC especifica os mecanismos para endereçamento de estações conectadas ao meio e


para controlar a troca de dados entre usuários da rede. A LLC é descrita na norma IEEE
802.2.

A função ao MAC é permitir que dispositivos compartilhem a capacidade de


transmissão de uma rede. Ele controla o acesso ao meio de transmissão de modo a se ter
um uso ordenado e eficiente deste meio. Para quem acompanha esta série de artigos,
deve recordar-se que comentamos sobre a MAC no segundo artigo (Mecatrônica Atual
nº 18) e descrevemos o método de acesso da Ethernet que é o CSMA/CD. Tanto a
subcamada MAC, quanto a camada Física, são tratadas pelas normas:

- IEEE 802.3: Ethernet (CSMA/CD)

- IEEE 802.4: Token Bus

- IEEE 802.5: Token Ring

Na época da edição das normas, Ethernet ainda não era um padrão de facto do mercado
e concorria com Token Bus e Token Ring no ambiente de redes locais. A idéia do IEEE
era que existisse uma subcamada LLC comum a todas as redes locais e a subcamada
MAC fosse diferente de acordo com a tecnologia a ser adotada pelo usuário (Ethernet,
Tokem Bus ou Token Ring). Desta forma, se o usuário pretendesse implementar uma
rede Ethernet, deveria utilizar as normas IEEE 802.2 e 802.3 e, assim sucessivamente,
para Token Bus (IEEE 802.2 e 802.4) e, para Token Ring (IEEE 802.2 e 802.5).

Porém, como vimos nos artigos anteriores, Ethernet prevaleceu sobre todas as demais
tecnologias concorrentes, provocando o abandono das normas IEEE 802.4 e 802.5, e,
hoje, é sinônimo de rede local.

Depois de toda esta explanação, o leitor pode estar pensando: “Muito bem, entendi o
que é o modelo OSI. Vi que a Ethernet é implementada utilizando as normas IEEE
802.2 e 802.3 e ocupa as camadas 1 e 2. Mas, e as demais camadas? O que utilizamos
nas camadas 3, 4, 5, 6 e 7?” Bem, para tanto, temos que explicar o que são os protocolos
TCP/IP.

O MODELO TCP/IP

O termo TCP/IP refere-se a um conjunto de protocolos e, dentro destes, estão os dois


principais protocolos que o constituem: o TCP (Transmission Control Protocol ) e o IP
(Internet Protocol ). O TCP/IP originou-se de um projeto, no início da década de 60,
entre o DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), do Departamento de
Defesa americano, e um grupo de Universidades com o objetivo de desenvolver
tecnologias para que os computadores interligados em uma rede continuassem a se
comunicar mesmo que parte dessa rede não estivesse operacional. O projeto resultou na
criação de uma rede chamada ARPANET que entrou em operação em 1969 constituída,
inicialmente, de quatro nós. Ao final dos anos 70, as máquinas interligadas pela
ARPANET passaram a utilizar a família de protocolos TCP/IP. Em 1983, o DARPA
finalizou a conversão de todos seus computadores e exigiu a implementação do TCP/IP
em todos os computadores que quisessem se conectar à ARPANET, dando origem a
atual Internet.

O modelo OSI foi concebido para que uma nova arquitetura de rede e seus protocolos
fossem concebidos e implementados encima deste modelo de referência. Com o TCP/IP
aconteceu o contrário: os protocolos foram primeiramente implementados e o modelo
veio depois. O modelo TCP/IP é apenas uma descrição dos protocolos existentes e é
baseado em 4 camadas: aplicação, transporte, inter-rede e interface de rede. A figura 3
mostra o modelo TCP/IP comparado ao modelo OSI e a tabela 2 descreve as camadas
do modelo TCP/IP.

Figura 3 - Modelo OSI comparado ao Modelo TCP/IP


Tabela 2 - Camadas do modelo TCP/IP

Quando o modelo OSI foi proposto, em 1983, a indústria já tinha investido no TCP/IP e
não estava disposta a investir novamente em outro modelo. Além do mais, o modelo
OSI traz alguns problemas congênitos: algumas camadas são superdimensionadas,
quase vazias, como as camadas de sessão e apresentação, enquanto as camadas de
enlace e de rede são “pesadas” e cheias de funcionalidades para implementar. Embora
nenhuma rede tenha sido criada em torno de protocolos específicos relacionados ao
OSI, todos citam o modelo OSI por razões históricas e para guiar seu raciocínio quando
analisam uma arquitetura de rede.

Por estas razões, o modelo OSI não se tornou um padrão de facto para fabricantes e
usuários de redes. Essa função foi assumida pelo conjunto de protocolos TCP/IP, que
são os padrões, em torno dos quais, a Internet se desenvolveu. Outras razões para sua
adoção são a simplicidade e rapidez com que os padrões são criados.

Por outro lado, o modelo TCP/IP também apresenta problemas. Como o modelo é uma
descrição dos protocolos existentes, ele não consegue descrever outras pilhas de
protocolos, só o TCP/IP. Outra crítica é a junção das camadas Física e de Enlace do
modelo OSI numa mesma camada, chamada de Interface de Rede.

PROTOCOLOS DA CAMADA DE APLICAÇÃO

Na camada 3 (Transporte) do modelo TCP/IP é utilizado o protocolo TCP ou o UDP (no


próximo artigo explicaremos a diferença entre ambos) e na camada 2 (Inter-Rede) é
usado o protocolo IP. Na camada 1 (Interface de Rede) é empregada a nossa tão
conhecida Ethernet.

Bem, neste ponto, o leitor deve estar pensando: “Quanto rodeio para se chegar na
conclusão que se utiliza o modelo TCP/IP na prática. Na camada 1, utiliza-se a Ethernet,
na camada 2, o protocolo IP, na camada 3, os protocolos TCP ou UDP. Um momento...
e a camada 4 de aplicação?” Utilizam-se protocolos industriais fornecidos por empresas
do mercado. A tabela 3 fornece os principais protocolos da camada de aplicação
disponíveis no mercado:
Tabela 3 - protocolos da camada de aplicação

Porém, aquele leitor mais atento, e que está nos acompanhando desde o primeiro artigo,
com certeza terá a seguinte dúvida em mente: “A Ethernet Industrial não veio
justamente para ser um padrão único? Existem várias soluções para a camada de
aplicação? Bom, deve ser porque todas elas são compatíveis entre si...”. E a resposta
para essa afirmação é: não. Estes protocolos não são compatíveis entre si.

A disputa entre os principais fornecedores de automação, durante os trabalhos de


padronização de redes industriais do comitê IEC 61158, ficou conhecida como
“Fieldbus War”. A verdade é que a disputa continua na Ethernet Industrial e, agora, foi
transferida para a camada de aplicação. Infelizmente, não conseguiu uma padronização
para esta camada de aplicação e as empresas/organizações empenham-se em estabecer
seu produto como padrão de mercado. Como ficará a Ethernet Industrial?

Matéria originalmente publicada na revista Mecatrônica Atual; ano: 4; N° 20 – Fev /


Mar - 2005

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