ASSUMPÇÃO, G.F.P.
Contos e Causos do Zé Mirinha
Glória de Fátima Pinotti de Assumpçãoa*
a
Universidade do Vale do Paraíba, SP, Brasil
*E-mail: gloriapinotti@yahoo.com.br
MOURA, I. Contos e causos do Zé Mirinha. Curitiba:
Comunicare, 2014. 40p.
Resenha
Contos e Causos do Zé Mirinha foi inspirado na vida
de menino do Mestre Zé Mira, figura emblemática da
cultura popular. O livro apresenta momentos marcantes de
sua trajetória sem, contudo, ser biográfico. A trajetória de
José Mira no mundo rural vale paraibano é marcada pelo
tropeirismo e sua atuação como agente cultural. Zé Mira é
conhecido por ser um grande tocador de viola, contador de
causos e de animar rodas de conversa entre amigos. Com
prosa poética e delicada, Contos e Causos do Zé Mirinha nos
remete a um imaginário genuinamente brasileiro encantando
adultos e crianças com todas as cores e sabores das histórias
bem contadas.
Sempre houve na produção literária uma preocupação
em classificar se uma obra é ou não infantil, em respeito
ao público. Embora Contos e Causos do Zé Mirinha
possa se identificar na singeleza do vocabulário e de suas
sentenças, não é nossa preocupação assim classificá-la e,
sim, destacar a contemporaneidade existente no livro, pela
interdisciplinaridade de suas diferentes temáticas, proposta
que se insere nas práticas atuais de qualquer atividade
didática.
Mas esta não é somente a aplicação a que o referido
livro pode nos levar. Nosso conceito de didática transcende
à prática escolar. Justamente por isso vem contribuir, de
modo inequívoco para a sistematização do trabalho não só do
professor, como se torna real também em rodas de leituras
e conversas de amigos da leitura. Aliás, a escritora Itamara
Moura transformou essa prática na cidade onde vive e, hoje,
é comum encontrarmos pessoas que a conhecem e ou que
participam de um dos seus encontros promovidos em parques,
escolas, casas de cultura, casa de particulares, centros culturais
e outros tantos locais que a acolhem pelo amor de ler.
Contos e Causos do Zé Mirinha, sem grandes pretensões
linguísticas com qualquer tema ligado aos estudos da
linguagem, é um convite aos profissionais de atividades
didáticas por uma série de caminhos a serem explorados,
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tanto para uma prática docente tanto quanto para o lazer. Além
disso, há que se destacar que a autora não toma por objeto
o estudo da biografia do personagem Zé Mira. A narrativa é
um causo elaborado a partir do resgate da vida de uma figura
humana emblemática na nossa cultura popular – o violeiro e
contador de causo José Mira, representante do tropeirismo e
mestre da folia de reis.
Por tudo isso, o resultado é, sem dúvida, positivo e de
grande contribuição na atividade didática, o livro merece
mais do que uma leitura e sim o reconhecimento de diferentes
áreas de estudos como algumas possibilidades que citamos
a seguir.
No trabalho com o léxico, por exemplo, estimula a
imaginação com brincadeiras de criar palavras, conhecer
o universo das palavras e para o quê elas servem. Estimula
também o texto oralizado e é possível contar causos sobre
como as palavras nascem, os sons que combinam em língua
portuguesa e os sons que causam estranheza. Diferenciando
as palavras sobre três aspectos: uso arcaico, uso corrente e
neologias e com dicionários de várias épocas, o estímulo é
verificar que algumas palavras figuram e outras não.
Tratando-se de léxico, as possibilidades são ainda
maiores. Por meio de um levantamento das palavras, cujas
características podem ser agrupadas a partir do uso na
linguagem corrente como silhão, garupa, parteira, benzer,
espantalho, matutar, coçar, bocejar, prosear, diferencie as de
uso atual, as de uso obsoleto, as de pouco uso, as palavras
novas. Por fim, pode-se buscar um significado para essas
palavras ou finalizar a atividade criando palavras cuja
fonologia pode ser aceitável. E a conversa didática pode
continuar pedindo-se ao grupo para atribuir um significado
para as palavras criadas, em caso de elas passarem a existir
nos dicionários.
Nas páginas 1, 16, 26 e 27, a linguagem aparece em forma
de gesto e a atividade pode mostrar como o nosso corpo fala.
Estimule a imaginação, criando adivinhações a partir de
gestos. Faça isso de maneira bem alegre, estimule para que os
participantes se movimentem bastante de um lado para outro.
Outra atividade um pouco menos lúdica, que também
pode ser explorada, é a partir da noção de territorialismo:
Rev. Educ., v. 17, n. 23, p. 86-87, 2014

cidade, estado, limite de municípios, região. O livro menciona
o continente africano. A conversa pode fluir muito bem
acompanhando as noções de cidade grande, cidade pequena,
número de habitantes, zona rural e zona urbana. A noção de
territorialidade, uso e ocupação do solo pode ser ampliada
ou substituída para a noção maior de continentes e aspectos
sociais inerentes.
Contos e causos do Zé Mira ainda resgata a “construção
de brinquedos”, prática muito conhecida por adultos e nada
conhecida por crianças. As descrições contidas nas p.12
(animais), p.21 (espantalho), p.29 (folia de reis) é um convite
a união, amizade, imaginação, criatividade entre outras. Se a
opção for construí-los, deixe-os expostos com os nomes dos
seus criadores. Haverá um cantinho que pode ser usado para
a exposição. Crie também uma folia de reis ou simplesmente
converse sobre.
Um trabalho um tanto enriquecedor pode ser feito com
as profissões contador de causos, parteira e médico. A leitura
do livro permite listar profissões que deixaram de existir em
relação às profissões que surgem na velocidade do tempo.
Explore o contexto ou fato desencadeador que gerou, levou
ou proporcionou a criação ou a extinção de uma profissão.
Para disparar essa conversa didática, associe a fatos sociais,
à tecnologia, às comunicações, às ciências, à pesquisa, entre
outros motes.
Rev. Educ., v. 17, n. 23, p. 86-87, 2014
Contos e Causos do Zé Mirinha
Não se pode deixar de mencionar a possibilidade de uma
boa conversa didática com o meio ambiente e a interferência
do homem. Planeje ações de educação ambiental apoiando-se
no contido nas p.20, 22 e 24. Explique o que é a sobrevivência
como lei natural, o respeito pelo sistema e a ação do homem
responsável e o meio ambiente. Explore as formas de vida na
natureza, especialmente a existente próximo de residências,
parques e áreas verdes da sua cidade. Espelhe-se no trato feito
entre a coruja e a águia e responda qual seria o seu pacto com
a natureza.
São inúmeras as possibilidades de atividade que o livro
oferece. Sem se importar com a rigidez de um conteúdo
programático fixado é possível termos longas horas de
conversas didáticas, essas poucas aqui listadas confirmam
isso. Mas se esse for o objetivo maior de quem venha a
acatar essas sugestões, também é possível que rendam muitos
resultados positivos. Certamente elas não têm a pretensão
de que sejam trabalhadas prontamente, mas sim que sejam
tomadas apenas como sugestões do que somos capazes de
fazer enquanto apreciadores de uma boa leitura. Exercitar
a imaginação e praticar a vida merece destaque não só nas
atividades didáticas para o trabalho, apesar de ser esta a que
mais se identifica como didática, mas também didática pela
prática de atuação como seres no meio em que vivemos, a
partir de uma boa conversa em rodas de leitura.
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