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Contradições e políticas de controle

no espaço público de Barcelona:


um olhar sobre a Praça dels Àngels
Contradiction and control policies in the public space
of Barcelona: observation of Plaza dels Àngels

Ana Carla Côrtes de Lira

Resumo Abstract
As Olimpíadas de 1992 representaram um marco The 1992 Olympics were a landmark in the urban
na transformação urbana de Barcelona, projetan- transformation of Barcelona, which, since then,
do-a mundialmente como polo cultural, de entre- has been projected to the world as a cultural,
tenimento e negócios. No processo de conformação entertainment and business pole. In the process of
dessa nova cidade mundial, as diretrizes para a shaping this new world city, the guidelines for the
remodelação e produção do espaço público obede- remodeling and production of public space have
ceram à lógica dos grandes investidores, negligen- followed the logic of large investors, neglecting
ciando a população habitante em detrimento das the population in favor of political and economic
ambições políticas e econômicas. Dentre as inter- ambitions. Among the emblematic interventions
venções emblemáticas desse período, destaca-se o that stand out in this period are the MACBA and
MACBA e sua Praça dels Àngels, no antigo bairro its Plaza dels Angels, in the old quarter, called
do Raval. Tomando essa praça como unidade de Raval. Using this square as a unit of ethnographic
observação etnográfica, o presente artigo tem co- observation, this article aims to illustrate the
mo objetivo ilustrar estratégias e consequências strategies and consequences of political control of
da política de controle do espaço urbano na cidade urban space in the post-Olympic city, and takes as
pós-olímpica e parte da hipótese de ser o poder pú- a hypothesis the action of the government as being
blico o principal promotor do processo de gentrifi- the main promoter of the process of gentrification
cação verificado nesse espaço. seen in this space.
Palavras-chave: Jogos Olímpicos; Barcelona; es- Keywords : Olympic games; Barcelona; public
paço público; políticas de controle; gentrificação. space; control policies; gentrification

Cad. Metrop., São Paulo, v. 13, n. 25, pp. 279-302, jan/jun 2011
Ana Carla Côrtes de Lira

Introdução faz sua característica mais contundente. Im-


possível que o visitante distraído que passeia
pelas ruas estreitas do Raval, ao chegar à Pra-
Localizado no Raval, um bairro historicamen-
ça dels Àngels, não se maravilhe ou no mínimo
te complexo e multicultural, o Museu de Arte
se admire com a súbita abertura de um grande
Contemporânea de Barcelona (MACBA) faz
vazio, um suspiro após um caminho de ruas
parte de um conjunto de intervenções inicia-
estreitas, retas, escuras e intensamente dispu-
das na área Cidade Velha por ocasião dos Jo-
tadas com outros transeuntes que se deslocam
gos Olímpicos de 1992, que integram o imenso
em ritmos e direções variadas. Impossível que
cenário construído para a cidade cosmopolita
seus olhos não se contraiam (especialmente se
que se tornou Barcelona desde então. A Praça
faz um dia de sol) ante a brancura do imenso
dels Àngels, ao invés de espaço de convívio
edifício em cuja base de granito cinza se vê o
social para o bairro, foi claramente concebida
letreiro que diz: “Museu d’Art Contemporani
como um espaço de contemplação da atraente
de Barcelona”… ­
e escultural obra de Richard Meier. Onde antes
se viam ruas escuras, insalubres e inseguras,
abriu-se uma praça dura, sem muitas mais op-
(Ato único sem falas. Cena 1. Entra personagem
ções além do potencial para uma grande zona vestido de turista)
de passagem. No seu entorno, alguns equipa-
mentos culturais garantem um fluxo constante
...Neste momento, o visitante se dá conta
de turistas, estudantes, artistas, esportistas que
de que está diante do MACBA, o famoso edifí-
se misturam aos moradores do bairro. O que
cio que está no guia de viagem que leva em sua
pode acontecer em um espaço como esse?
mochila. Abre o guia e lê: “O MACBA, famoso
Os resultados da leitura etnográfica con-
por suas exposições alternativas é uma obra do
tidos no texto que segue são fruto de trabalhos
arquiteto Richard Meier. No seu entorno sem-
de campo realizados nos meses de março e
pre há jovens barceloneses que praticam ska-
abril de 2009 e em março de 2010.
teboard ou fazem manobras em patins”. 1 Sem
pestanejar, pega sua câmera e começa a regis-
trar tudo o que vê. Como vinha das Ramblas, já
À primeira vista tinha o Museu em seu ângulo perfeito para ser
fotografado. Decide aproximar-se e, ao atraves-
Sim, a Praça dels Àngels é um espaço múlti- sar a Rua dels Àngels, já avista um grupo de
plo e conflituoso. Essa é uma observação já skaters, conforme lhe prometia seu guia: boas
aprofundada e discutida por alguns estudiosos fotos! Buscando um cantinho para descansar
da cidade, como se verá mais adiante, entre um pouco, avista muitas pessoas sentadas em
eles arquitetos, antropólogos e geógrafos. No uns degraus diante do Museu. São bancos?
entanto, não é preciso ser um expert em as- Mesmo sem chegar a uma conclusão, busca um
suntos urbanos para perceber a peculiaridade espaço livre e se acomoda. Enquanto descansa,
desse espaço, onde a reunião de contrastes se observa os grupos de estudantes e turistas que

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saem do MACBA; uma jovem latino-americana seu centro, já esvaziado. Dois policiais saem
que passa com um carrinho de bebê; uma ve- do carro e se aproximam do casal que dorme
lhinha que caminha bem devagar e quase é no chão. Em poucos segundos se distanciam e
derrubada por dois skaters; um homem que o casal deixa a praça levando seus pertences.
joga bola com seus dois filhos. Decide dar uma Tudo muito rápida e calmamente. “Que amá-
verificada nas fotos que acaba de fazer e é sur- vel essa polícia de Barcelona”, pensa. Ao se
preendido por paisagens que ainda não tinha dar conta do tempo que já havia passado ali,
percebido: ao dar um zoom no display da câ- nosso amigo visitante se apressa em seguir ca-
mera, enxerga, num canto da praça, dois mo- minho. Não sem antes passar num restaurante
radores de rua dormindo. Outra foto revela, em ali do lado para comprar uma garrafa de água.
plano de fundo, janelas de casas velhas e varais Admira-se com o preço e lembra que no cami-
de roupas. Só então, através das lentes, se dá nho tinha passado por uma loja de paquistane-
conta da gente que habita ao redor do Museu. ses onde, seguramente, poderia comprá-la por
Seu breve momento de reflexão é interrompido um preço bem mais acessível. Pega de novo o
pela chegada de um carro da polícia. De súbito guia que lhe dá as indicações do seu próximo
os skaters se dispersam enquanto o carro dá destino e segue a passos largos e rápidos em
voltas lentamente pela praça e estaciona no direção ao Bairro Gótico. (Fim da cena 1)

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A narrativa ficcional, porém baseada em


Perspectiva 1: o Poder Público
fatos reais, reúne alguns elementos importan-
tes para a leitura da Praça dels Àngels: a pre-
sença imponente do MACBA, impactando não
apenas a paisagem como a dinâmica cotidiana Políticas públicas rumo a Barcelona, “cidade:
do bairro; a presença dos skaters como parte mundial, global, multicultural, cosmopolita,
já integrante da imagem comercializada desse multiplicada, urbanal…”
espaço, como ponto de atração e, ao mesmo
tempo, conflito; a presença de usuários com Ao pensar em Barcelona, de uma forma geral,
diferentes perfis e motivações; a presença de algumas das referências que vêm logo à men-
um entorno visivelmente contrastante, social te são: a arquitetura de Gaudí, o urbanismo de
e culturalmente, em relação ao que se propõe Cerdà, a arte de Mirò e, talvez antes mesmo, o
um equipamento como o MACBA; e, por fim, a time do Barça. Estes, entre muitos outros, inte-
presença da polícia exercendo a vigilância ne- gram a lista de atrativos que hoje motivam o
cessária à manutenção da ordem nos espaços deslocamento de milhões de turistas e algumas
públicos. centenas de milhares de estudantes e executi-
Tomando esse espaço emblemático de vos por ano. E, entre eles, poucos conhecem os
Barcelona como unidade de observação, o en- bastidores de um fato de importância decisiva
saio que se segue tem como objetivo ilustrar as para o desenvolvimento do cenário urbano
estratégias e consequências da política de con- atual:­os Jogos Olímpicos de 1992.
trole do espaço urbano na cidade pós-olímpica. Conquistar o posto de cidade-sede das
Para tanto, propõe-se abordar o problema des- Olimpíadas de 92 foi uma verdadeira tacada de
de as perspectivas do planejamento (poder pú- mestre do prefeito Pasqual Maragall. As cifras
blico), da criação (arquiteto) e da apropriação bilionárias que a partir de meados da década
dos espaços públicos (usuário). de 80 seriam investidas na cidade eram justo

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o que ele necessitava para pôr em ação o seu contribuição de Hannerz é a ênfase no papel
plano de transformação urbanística e projeção cultural que estes novos polos econômicos
de Barcelona para o mundo. desempenham no cenário mundial, ao serem
Hoje, a capital catalã – que disputa com consideradas como “fontes bastante duráveis
Madri o posto de cidade mais importante do de nova cultura” (Hannerz, 1998). Na sua ca-
país – já figura em listas oficiais das cidades tegorização dos tipos sociais de máxima im-
consideradas globais por especialistas de to- portância na formação das cidades mundiais
do o mundo, a exemplo da Globalization and contemporâneas figuram: trabalhadores de

World Cities Study Group & Network (GaWC). empresas transnacionais, imigrantes de países
O caráter globalizado e híbrido das me- de Terceiro Mundo, pessoas ligadas à arte em
trópoles contemporâneas vem dando margem geral e os turistas. Segundo Hannerz, a cidade
à massificação e proliferação, rótulos que ten- mundial se estrutura para dar suporte às de-
tam dar conta da complexidade desses novos mandas desses personagens, sem os quais não
contextos urbanos. Seria a Barcelona de hoje se sustenta.
uma cidade Global? Mundial? Multiplicada? No seu conceito de cidade multiplicada,
Urbanal? Multicultural? Cosmopolita? Arrisco o geógrafo espanhol Francesc Muñoz acrescen-
assinalar a opção “Todas as alternativas ante- ta ao debate as questões relativas aos desdo-
riores”. Sem a pretensão de esgotar a riqueza bramentos desse mesmo processo sobre a pai-
da discussão em torno dessa “sopa de concei- sagem urbana:
tos” (que, por certo, poderia se estender em
muito mais linhas), limito-me a enfocar apenas O que chamo de cidade multiplicada é o
resultado dessa proliferação de formas
alguns aspectos relevantes para o tema em
urbanas híbridas na qual confluem três
questão. processos simultâneos (...): em primeiro
O termo cidade global, da maneira como lugar, uma nova definição da centralidade
propõe a socióloga holandesa Saskia Sassen, urbana e as funções a ela associadas. Em
relaciona-se, originalmente, com os impactos segundo lugar, uma multiplicação dos flu-
xos e as formas da mobilidade no territó-
gerados pelo processo de globalização da eco-
rio. Finalmente, a aparição de novas ma-
nomia em grandes cidades. Refere-se às metró- neiras de habitar tanto a cidade quanto o
poles que, a partir da década de 70, adquiriram território. (Muñoz, 2008, p. 19)
papéis de destaque nas funções de organiza-
ção e controle sobre a economia global e sobre Já na ideia de cidade urbanal , Muñoz
os fluxos de investimentos em escala planetá- refere-se à exacerbação do consumo e das ati-
ria (Sassen, 1999). vidades relacionadas ao lazer, à cultura e ao tu-
O antropólogo sueco Ulf Hannerz, no rismo global. Em suas palavras, entre os requi-
seu livro Conexões Transnacionais , faz uma sitos básicos à urbanalização estão: a imagem
retrospectiva do conceito de cidade mundial, como primeiro fator da produção de cidade, a
no qual o papel econômico das cidades sem- necessidade de condições suficientes de segu-
pre é visto como impulsionador de uma nova rança urbana e o consumo do espaço urbano
ordem social e territorial. Uma importante em tempo parcial (ibid., p. 67).

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Na visão do antropólogo catalão Joan J. cotidianas­do cidadão comum, especialmente


Pujadas, cosmopolitismo e multiculturalismo se este pertence aos ditos grupos minoritá-
representam duas leituras diferentes do proces- rios. Uma realidade fortemente impactada pela
so de mestiçagem cultural comum às cidades atuação­de um conjunto de agentes voltados
mundiais: à “constituição de Barcelona como um nódulo
simbólico e econômico da globalização dentro
É importante sinalizar que o processo de
mestiçagem cultural na grande cidade é da área euromediterrânea” (ibid., p. 147).
uma realidade única, indivisível, na qual Nesse sentido, um dos principais compo-
intervêm tanto as influências culturais nentes que caracteriza a atuação desses agen-
dos centros hegemônicos como aquelas
tes (associação do poder público com a inicia-
outras influências, muitas vezes rejeitadas
conscientemente pelos cidadãos, apor- tiva privada) é a importância da imagem como
tadas pelas manifestações culturais dos elemento essencial à transformação urbana.
representantes de grupos minoritários. No Desde o fim do regime franquista na Espanha,
entanto, para fins analíticos, vale a pena quando as cidades espanholas passam por
distinguir estes dois tipos de influências:
um processo de ressignificação, a renovação
as primeiras fazem parte daquele tipo
de mestiçagem que chamamos de cos- da imagem da cidade aparece como diretriz
mopolitismo, enquanto para as segundas da política urbana e adquire o valor simbólico
reservaremos o termo multiculturalismo. das mudanças que se passavam na socieda-
(Pujadas, 2003, p. 151)
de. Mais que isto, o urbanismo se converte em
Voltando ao caso de Barcelona e enfo- “instrumento de comunicação dos novos ideais
cando mais especificamente nosso objeto de democráticos” (Muñoz, 2008, p. 151). Tal como
estudos, a Praça dels Àngels, podemos estudá- nas palavras de Pujadas “O poder da imagem
-la desde a ótica de alguns desses conceitos, transmite a imagem do poder” (Pujadas, 2003,
admitindo o caráter emblemático desse espaço p. 153), vemos a imagem urbana refletir as
dentro do processo de transformação urbana aspirações dos que mandam, constantemente
da capital catalã. Um simples passeio pela pra- reinventando uma política de controle urbano
ça, ao observador minimamente atento, ofere- que é tão antiga nas sociedades quanto a pró-
ce um panorama multicolorido em meio a um pria noção de cidade.
cenário branco e cinza, uma pequena mostra Na década de 1980, a política urbana de
da Barcelona pós-olímpica, a cidade cosmopo- Barcelona se orienta no sentido da reabilitação
lita e ao mesmo tempo multicultural, de acordo de moradias no centro histórico como estraté-
com a caracterização de Pujadas. gia de preservação e reconstrução, e da reur-
As dicotomias que marcam a relação cos- banização do espaço público, ações claramente
mopolitismo x multiculturalismo refletem uma inspiradas no discurso de Oriol Bohigas (1986),
realidade urbana composta pela superposição então Secretário de Urbanismo da Prefeitura de
das demandas da “cidade-urbanal” Barcelo- Barcelona. Nesse marco, se estabelece a cria-
na, ditadas pelos setores imobiliário, comercial ção e o início da proliferação das chamadas
e turístico, em detrimento das necessidades praças duras,

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Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

[...] espaços públicos inspirados na ima- ação uma profunda transformação da cidade
gem tradicional da praça, porém utilizan- e promover sua projeção em níveis internacio-
do materiais e superfícies novas junto a
nais. Os dois eixos prioritários do começo da
um mobiliário urbano composto por ele-
década são superpostos pelo investimento em
mentos claramente artificializados (...). As
praças duras aproveitavam a superfície projetos de grande escala, a definição de pon-
existente desenhando espaços públicos tos de interesse a partir das lógicas turística e
com materiais certamente duros em ter- imobiliária e o processo de venda do espaço ur-
mos de percepção urbana: pavimento e
bano ou como propõe Francesc Muñoz, a bran-
metal substituíam a madeira e a grama,
dificación. Segundo Muñoz, a brandificación da
criando uma imagem que continuava
com a decoração de interiores, bares e cidade se refere a
restaurantes que naqueles momentos ca-
racterizavam o cada vez mais conhecido [...] um processo pelo qual os valores e
internacionalmente design local...(Muñoz, atributos das marcas vieram passando
2008, pp. 154-155) do anúncio em suportes diversos a sua
materialização em entornos físicos e es-
paços urbanos concretos, até o ponto de
Assim, neste momento, observa-se o gérmen
configurar um espaço fisicamente des-
da homogeneização estética dos espaços públi-
contínuo que cruza territórios, estados e
cos, a utilização de uma mesma linguagem vi- continentes, mas que mostra uma conti-
sual que conecta e promove a fusão da cidade guidade claríssima dos formatos visuais e
com os espaços de consumo. dos recursos iconográficos que suportam
a brandificación . O resultado inevitável
No que diz respeito à política de reabi-
deste processo é a conversão da própria
litação de moradias no centro histórico, a es-
cidade em uma marca. (Ibid., p. 164)
tratégia adotada segue o velho discurso refor-
mista/higienista do século XIX, reforçado pela Nesse contexto, o espaço público perde
adesão da cidade, em 1986, ao projeto Cidades o protagonismo na pauta das políticas públicas
Saudáveis, promovido pela Organização Mun- e passa à categoria de resquício, de espaço de
dial de Saúde. A insalubridade e a pobreza, ou passagem e de mobilidade, como sinaliza Igna-
seja, a degradação física e social que se faziam si de Solà-Morales: “Um programa de verda-
presentes disseminavam uma péssima reputa- deira construção de espaço público a partir dos
ção, repleta de preconceitos em relação a essa resíduos, dos interstícios e das bordas inacaba-
zona tão importante da cidade. Esse ato culmi- das, abandonadas pelo urbanismo desenvolvi-
na com a declaração do conjunto da Cidade Ve- mentista” (Solà-Morales, 1992).
lha como Área de Reabilitação Integrada (ARI), Em meio às confabulações da cidade
dentro do marco dos PERI (Planos Especiais de mundial em construção, a Cidade Velha se
Reforma Interior) elaborados para diferentes torna um importante ponto de convergência
áreas da cidade. de interesses, sobretudo turísticos. A política
Na segunda metade dos anos 80, a con- de moradias agora se vê impulsionada pe-
firmação do plano de sediar as Olimpíadas de lo já conhecido potencial transformador dos
1992 representou uma oportunidade de pôr em equipamentos culturais inseridos nos centros

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históricos. No seguinte processo de renovação Para a maioria dos atores sociais a prio-
dessa zona da cidade, o bairro do Raval, prin- ridade consistia em escapar do bairro,
antes que tentar modificar as suas condi-
cipal núcleo de confluência da marginalidade
ções de vida ou a sua imagem. A transito-
e prostituição de Barcelona, adquire caráter
riedade e a desvinculação dos moradores
emblemático.­ com relação ao seu entorno social ime-
O velho bairro obreiro foi, desde sempre, diato são, assim, duas das características
o lugar dos estrangeiros, dos imigrantes, um es- distintivas desse conglomerado urbano.
(Ibid., p. 119)
paço marcado pela heterogeneidade:

A superposição de ordens e a heterogenei- No dito período de transformação da ci-


dade da sua população serviram de base dade, a população habitante do bairro se cons-
para a construção de uma imagem perdu-
titui, principalmente, de antigos trabalhadores
rável de desordem social e uma variedade
de respostas mediadas pelos discursos obreiros, imigrantes espanhóis e de outros paí-
morais, científicos ou de reforma social. ses, sobretudo de Marrocos, Filipinas, Paquistão
(Maza, McDonogh e Pujadas, 2005, p. 116) e latino-americanos.
No longo processo de intervenção urba-
De fato, o Raval sempre foi (e continua nística que tem início nos anos 80, em nome da
sendo) o nó social de Barcelona, a vitrine viva melhora das condições de vida no bairro e sob
do multiculturalismo que a cidade cosmopoli- o slogan “Em primeiro lugar estão as pessoas”,
ta insiste em esconder debaixo do tapete, mas o poder público, apoiado pelo capital privado,
que, no entanto, segue escapando pelas bor- promove desapropriações, demolições, reabili-
das. O discurso reformista sanitarista e, sobre- tação de moradias, abertura de praças e, prin-
tudo, moral está presente desde o século XIX, cipalmente, inserção de equipamentos culturais
quando o bairro abriga uma série de fábricas e educacionais. Como parte de uma “cultura
e concentra, em altíssima densidade, um farto de controle, de intervenções urbanísticas e de
contingente de população imigrante e mari- repovoamento humano” (ibid., p. 120), a Pre-
nheiros, por sua proximidade com o porto. Na feitura de Barcelona aposta na gentrificação4
3
zona sul do Raval, a fama de Bairro Chino se do bairro como solução para a transformação
faz emblema desse território foco de degrada- de sua imagem e sua ressignificação no imagi-
ção, desvio moral e vergonha para a sociedade nário urbano.
barcelonesa. As péssimas condições de habita-
bilidade o converteram, ao longo dos tempos, Trata-se de um “contramovimento” so-
em bairro transitório, ou seja, o primeiro ponto cial, que tentou dar resposta a problemas
de estância dos estrangeiros que chegavam pa- reais e às imagens estigmatizadoras que
caracterizam o bairro e que, além disso,
ra viver na cidade. Essa dinâmica trouxe sérias
predeterminou a vida dos seus moradores
consequências do ponto de vista de sua mobili- e induziu às transformações contemporâ-
zação comunitária: neas. (Ibid., p. 120)­

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A política de controle do espaço urbano, Dentro da política de “esponjamento”5


já mencionada na escala da cidade, aqui se vê do Raval, iniciada em fins do século XX, que
reproduzida na escala do bairro e acompanha- inclui a recuperação de moradias, inserção de
da de ações de desmobilização social, disfarça- equipamentos culturais, educacionais e obras
das por meio de slogans e discursos cheios de arquitetônicas e urbanísticas de grande impac-
boa vontade. Apesar disso, não se pode deixar to, a construção do MACBA (inaugurado em
de considerar a existência de uma parcela con- 1995) e da Praça dels Àngels é a intervenção
siderável de população beneficiada pelas inter- que melhor responde às aspirações da cida-
venções promovidas na Cidade Velha, muitos de global. A geração de uma nova dinâmica,
deles, inclusive, habitantes do Raval, a exemplo protagonizada por um novo perfil de usuários
dos pequenos comerciantes. e, principalmente, sua inclusão na rota turís-
tica da cidade, cumprem com o claro objetivo
de aniquilar do Raval, de uma vez por todas,
... E a Praça dels Àngels tem o orgulho de o persistente e generalizado estigma de Bairro
apresentar... O MACBA!
Chino.
[...] Barcelona pode ser exibida em todo Ao confrontar essa dinâmica presente na
o mundo como exemplo de geração de Praça dels Àngels com a dinâmica ocasionada
grandes infraestruturas culturais, com es- pela abertura da Rambla do Raval (outro proje-
sa dupla função de exaltação dos poderes to emblemático do bairro, distante do MACBA
políticos e de acompanhamento rege-
apenas algumas quadras), percebe-se clara-
nerador – tanto no sentido morfológico
como “moral” – de grandes dinâmicas mente os distintos processos de apropriação,
de gentrificação de centros urbanos até diretamente relacionado ao tipo de público a
o momento deteriorados e problemáticos. quem vai direcionada a intervenção. A Ram-
(...) No marco do mencionado PERI da Ci- bla do Raval, construída a partir da demolição
dade Velha se destaca, nessa linha e com
de 62 edifícios, que causou o deslocamento
outras intervenções em outras zonas, o
estabelecimento em meados dos anos 90 de 1.800 moradores, é o resultado da obra de
de um grande cluster cultural no nordeste maior superfície afetada em toda a Cidade Ve-
do Raval, um conjunto de grandes instala- lha. No entanto, ao contrário do que aconteceu
ções culturais, entre as quais se destacam com o MACBA, essa intervenção não propor-
a reutilização da antiga Casa de Carida-
cionou a inserção de um equipamento com a
de para o Centro de Cultura Contempo-
rânea de Barcelona – CCCB – e o Centro função de atração de um novo público. Tudo o
de Estudos e Recursos Culturais – CERC, que se ofereceu foi um calçadão de pedestres
e do que foi o Convento dels Àngels para de dimensões assombrosas em comparação
o estabelecimento do Fomento das Artes com a escala do bairro (58m de largura x 317m
Decorativas – o FAD, mas, sobretudo, a
de comprimento), onde “domina a ideia de
construção do MACBA, o Museu de Arte
Contemporânea de Barcelona... (Delgado, produzir um grande vazio, adornado com pal-
2008) meiras e fileiras de bancos. Em todo o espaço­

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central, apenas se colocou uma fonte e nos dois


Perspectiva 2: o Arquiteto
extremos equipamentos para a coleta de lixo”
(Maza, McDonogh e Pujadas, 2005, p. 125). Ao
O Projeto
seu redor, além de velhas edificações que são
os “restos” da vizinhança destruída, hoje se Tudo começou com uma pergunta de Pas-
podem ver estabelecimentos comerciais, res- qual Maragall, então prefeito de Barcelo-
taurantes e o Hotel Barceló Raval, cujo autor- na: “Que tipo de edifício você gostaria de
referenciado design é tão desprovido de graça construir na cidade?”. “Minha resposta
foi simples”, disse Meier. “Um museu”.
e tão contrastante com o entorno que tem o
Assim nasceu o MABCA.7
potencial de causar um verdadeiro choque no
transeunte.6 Para preencher o vazio de seu no- Ao convidar uma estrela internacional
vo “Frankenstein”, a Prefeitura de Barcelona da arquitetura para fazer um projeto para a
segue, desde 2000, ano de seu nascimento, cidade, seja este qual fosse, Pasqual Maragall
promovendo eventos, feiras, campanhas e todo colocava em ação seu plano de inserir Barcelo-
o tipo de atividades que ajudem a justificar a na na rota do turismo mundial. Não importava
“necessidade” desse espaço para o bairro. O se a marca Richard Meier estaria assinada em
processo de apropriação da Rambla pelos mo- um museu, um teatro, um parque, o importante
radores vem acontecendo de maneira lenta e era tê-la. Diante da afirmação acima, duas das
gradual, mas, ainda que se encontrem crianças muitas perguntas que não se pode deixar de
jogando bola, pessoas mais velhas tomando formular são: se Meier não houvesse escolhi-
sol ou grupos de paquistaneses e marroquinos do projetar um museu, seria convidado para o
sentados nos bancos durante todo o dia, esse MACBA outro célebre arquiteto de fama mun-
parece ser um espaço predestinado à vigilância dial? Em que medida a escolha do arquiteto ou
e à previsibilidade. os méritos da sua obra influem na dinâmica
Como parte da mesma política de con- que se gerou no bairro em virtude do MACBA?
trole, mas com características bem diferentes, Nas descrições que podem ser encontra-
a construção do MACBA trouxe para o seio do das no seu website8 ou em livros publicados
Raval um equipamento/monumento com esfe- com as obras de Meier, os aspectos sempre pre-
ra de alcance urbano, e não apenas de bairro. sentes a respeito do projeto do MACBA são a
Mais que a excelência de abrigar o Museu de transparência, a luminosidade, o uso do branco
Arte Contemporânea de Barcelona, o edifício (característico nas obras do arquiteto), a rela-
assinado pelo célebre arquiteto estadunidense ção interior/ exterior, as rampas de circulação,
Richard Meier se converteu em principal ponto a flexibilidade e multiplicidade de espaços
de visitação turística do Raval. expositivos, o jogo de volumes, os elementos­

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esculturais.­Sobre o contexto urbano, o discurso­ urbano está a exacerbação da obra em detri-


se refere basicamente a suas diretrizes de mento dos habitantes: seja em edificações pe-
situa­ção no terreno e a suas referencias históri- quenas, monumentais ou mesmo numa praça,
cas de bairro industrial no século XIX. o lápis (ou melhor, o mouse) do arquiteto car-
rega a responsabilidade de deixar sua maneira
A natureza dos caminhos e rotas existen- de ver o mundo materializada na cidade. Du-
tes no local é refletida na organização do
rante o processo criativo, para muitos arquite-
edifício, mais notadamente na entrada
principal, que é acompanhada por uma tos, não se faz necessário saber a opinião dos
passagem de pedestres entre o museu que precisarão conviver com a sua criatura,
público Sculpture Garden e uma praça tampouco compreender como ela afetará a
recém-criada na frente do Museu, a ser vida de seu entorno imediato. A seriedade do
conhecida como a Praça dels Àngels. Esse
papel da arquitetura na construção da imagem
caminho se unirá à passagem existente
que atravessa a cidade antiga.9 e da dinâmica urbana parece ser colocada num
plano inferior ao da necessidade de deixar um
No texto acima, Meier justifica a organi- carimbo na paisagem.
zação e a orientação do edifício em virtude dos No entanto, jogar a culpa da proliferação
caminhos preexistentes e sinaliza a criação da do “urbanismo de marca” unicamente nos ar-
Praça dels Àngels como uma área que conec- quitetos seria um equívoco grave e ingênuo. Se
ta o projeto à malha urbana da cidade antiga. a prática hoje é esta, deve-se ao fato de existi-
Em textos encontrados em livros e na internet rem clientes ávidos para contratá-los e, diga-se
sobre essa obra, nenhuma observação concreta de passagem, a qualquer custo. Como bem ob-
sobre a população habitante do bairro foi en- serva Llàtzer Moix, em seu livro Arquitetura Mi-
contrada. Na volumetria do MACBA residem lagrosa (Moix, 2010), recém-lançado na Espa-
referências­a uma antiga fábrica demolida em nha, o efeito Guggenheim na pequena Bilbao
parte do seu terreno, no entanto, os blocos de resultou em uma frenética caça aos “arquitetos
casas residenciais contíguos a ela não merece- estrela” e suas “arquiteturas espetaculares”
ram nenhum tipo de destaque. como alternativas para o futuro das cidades
O fato de que o contexto social do bair- espanholas. Que cidade hoje em dia não sonha
ro não se faz presente no discurso do arquiteto em ter uma obra de Frank Ghery? Ou de Toyo
não significa que ele o ignorasse. Certamente, Ito? Ou de Niemeyer? Ou do próprio Meier?...
Meier conhecia o Raval o suficiente para saber (e tantos outros nomes internacionais).
que tipos de atividades deveriam ser suprimi- O problema neste caso não é especifica-
dos, a pedido de seu cliente. Nesse caso, como mente a assinatura que leva a obra, mas sim a
em muitos outros que se multiplicam nas me- carga ideológica contida nela. Distante do MA-
trópoles, o discurso acompanha as necessida- CBA apenas 1,5km, outro exemplar das grifes
des do contratante e aborda os temas de seu arquitetônicas de Barcelona, porém fruto de di-
interesse. retrizes políticas de outra natureza, parece de-
Entre as diversas críticas que fazem os nunciar a arquitetura em função dos interesses
antropólogos à atuação do arquiteto no espaço­ guiados pelo consumo:

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Ana Carla Côrtes de Lira

A abordagem de Meier para a antiga fá- Voltando uma vez mais à Praça dels Àn-
brica foi diferente da adotada por Enrique gels, na visão de antropólogos,
Miralles, que restaurou o Mercado Santa
Caterina no vizinho bairro Gótico. En- [...] a função estética mais óbvia des-
quanto o projeto de Miralles foi fortemen- se espaço, que poderíamos conside-
te influenciado pelas características da rar como emblemático das práticas de
cidade à sua volta e manteve as paredes contramovimento,­é mostrar o contraste
que circundavam o mercado danificado, entre a luz branca e os espaços amplos
Meier criou uma construção completa- da praça e a escuridão dos elementos a
mente nova no espaço aberto próximo à serem regene­ra­dos no tecido urbano que
Rambla, que é uma área muito frequenta- o rodeia.­ (Maza,­ McDonogh e Pujadas,
da por turistas. (Englert, 2010, p. 56) 2005, p. 123)

Outro importante aspecto a ser conside- Além de servir à função estética acima
rado é que a cidade para qual esses famosos sinalizada e garantir o correto aproveitamen-
arquitetos projetam é a cidade dos transeuntes, to dos melhores ângulos para visualização do
dos turistas, dos commuters, dos territoriantes. edifício, a Praça dels Àngels também tem sua
Segundo Francesc Muñoz “função social”. Servindo às mencionadas prá-
ticas de contramovimento,10 ela surge como
[...]territoriantes são habitantes a tempo uma extensão do museu, uma parte da premis-
parcial, que utilizam o território de manei-
sa do projeto de oferecer distintos ambientes
ras distintas em função do momento do
dia ou do dia da semana e que, graças às para a instalação de exibições, o espaço públi-
melhoras nos transportes e nas telecomu- co pensado para ser programado e gerenciado
nicações podem desempenhar diferentes culturalmente pela administração do MACBA
atividades em diferentes pontos do ter- (mesmo papel assumido pela Prefeitura na
ritório de uma forma cotidiana. (Muñoz,
Rambla do Raval).
2008, p. 2)
Observando por essas óticas, ficam cla-
O termo commuters é usado pelo antropólogo ras, até mesmo óbvias, as escolhas do arquiteto
Pujadas para referir-se aos cidadãos que vivem em termos de desenho. O imenso vazio que ca-
em uma cidade e se deslocam para outra para racteriza a praça se justifica pelas suas funções
trabalhar (Pujadas, 2005, pp. 31-46). Esses per- como espaço de conexão com o traçado do Ra-
sonagens transitórios, porém de presença cons- val, como palco para o MACBA e como espaço
tante no espaço público, são os verdadeiros expositivo multifuncional. A (quase) ausência
habitantes da cidade mundial, como também de mobiliário urbano e completa ausência de
observou Ulf Hannerz em suas classificações. A verde deixam clara a intenção de distingui-la
serviço desse público – e cada vez mais distan- iconograficamente das típicas praças de bairro
tes do cidadão comum – estão as políticas de barcelonesas, como se verá em seguida. Assim,
reabilitações urbanas e os investimentos milio- se alguém alguma vez se perguntou “para
nários em infraestrutura turística e marketing quem se projetou a Praça dels Àngels?”, está
urbano. muito claro, desde o discurso do arquiteto até

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Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

sua materialização, que os moradores, não ape- sentes sobre as cabeças do visitante em todo
nas foram ignorados, como também manifesta- o percurso até chegar à praça, aqui parecem
mente “avisados” de que esta não é uma praça tomar outra dimensão. A mudança de contex-
de bairro. Se é assim, então se faz necessária to os converte em sujeira visual ou no mínimo
uma nova pergunta: “o que aconteceu com o dão a impressão de que estão no lugar erra-
discurso que dizia que as pessoas vêm em pri- do. Contudo, para aqueles com um pouco de
meiro lugar?”. imaginação e sensibilidade artística, podem
parecer uma interessante e original composi-
ção paisagística.­
Elementos físicos e visuais: que sugerem? Em termos de elementos físicos encon-
trados, o que se pode chamar explicitamente
A coexistência de atividades de natureza cul- de mobiliário urbano está associado à acessi-
tural, educacional, de lazer, de consumo e do- bilidade à praça, ou seja, os pontos de estacio-
méstica se reflete visualmente na Praça dels namento de bicicleta e uma estação de Bicing
Àngels, na mesma proporção em que afeta a (sistema de bicicletas públicas de Barcelona).
sua dinâmica. Os dois acessos ao estacionamento subterrâ-
A predominante e imponente presença neo não são exatamente mobiliários, mas estão
do MACBA na paisagem da praça convive com presentes e, por vezes, são usados com a fun-
uma série de outros elementos que ressaltam ção de bancos ou ponto de encontro. Um típi-
o caráter híbrido e múltiplo desse espaço. Uma co banco praça, feito de concreto, solitário, de
vista de 360º a partir do seu centro oferece um costas para um canto do Convento dels Àngels
panorama visual que mistura reminiscências do e distante das zonas por onde passam e per-
Raval do passado – associado à insalubridade, manecem pessoas, parece estar ali apenas para
pobreza e violência – junto a um retrato do questionar a ausência de outros elementos co-
Raval do presente, em constante processo de mo ele. Os degraus diante do MACBA, criados a
remodelação rumo à assepsia (quase) total.11 partir da rampa e da escada de acesso e reves-
O impactante branco do museu contras- tidos com o mesmo pavimento de toda a praça,
ta com o cinza dos edifícios antigos e com as têm dupla função: estética, já que promovem
cores vibrantes das roupas penduradas nas ja- a continuidade visual da base que ressalta o
nelas das casas do entorno. Pinturas artísticas, museu; e, além disso, servem como bancos li-
esculturas, painéis conceituais, anúncios de neares, em perfeita harmonia com a linguagem
exposições e letreiros de containers de con- horizontal do edifício. O uso do material duro
sumo dividem a paisagem com os vestígios e a ausência de equipamentos que produzam
das antigas construções que cederam lugar qualquer tipo de conforto sugerem seu uso por
para o novo. As meias, toalhas e lençóis, pre- um curto período.

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Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

Como se pode perceber, os elementos ção, de passagem e de curta permanência. Para


presentes e ausentes na praça comunicam a ilustrá-lo se pode comparar o discurso visual de
ideologia do projeto. O desenho adotado já con- uma praça de bairro qualquer na área metropo-
tém em si o conceito de espaço de contempla- litana de Barcelona com o da Praça dels Àngels.

Praça de bairro Praça dels Àngels

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Perspectiva 3: o Usuário as horas do dia. Entre eles, pode-se identificar


a existência de um aspecto comum, que sal-
ta às vistas do observador: o movimento. Em
Espaços vazios, múltiplas possibilidade –
outras palavras, observou-se que na praça se
usos e usuários
distinguem claramente grupos de usuários que
Ao contrário da Rambla do Raval, onde a apro- se identificam com outros por suas dinâmicas
priação por parte dos usuários demandou (e comuns de deslocamento, gerando no espaço
ainda demanda) um processo lento de sedu- o que chamo aqui de uma grande “zona de cir-
ção e aproximação, a Praça dels Àngels sofreu culação” e pequenas “zonas de permanência”.
apropriação imediata. Em parte, isso se deve à A zona de circulação é a área central da
sua localização, próxima às Ramblas, e à sua praça, que marca o trajeto dos que vêm da di-
inserção central no traçado do Raval. Por outro, reção da Rua Elisabets, ou seja, das Ramblas e
deve-se ao fato de ela mesma, entendida como seguem em direção à Ronda de Sant Antoni,
extensão do MACBA, ser um ponto de interesse pela Rua Ferlandina. Esse trecho se caracteri-
e consequente visitação. Desde a inauguração za pelo movimento dos que vêm à praça pe-
do Museu, a praça é o espaço onde se refletem las mais variadas motivações: visitar o museu,
a heterogeneidade e os conflitos que permeiam praticar esportes ou simplesmente passar por
sua própria existência. ela. Foi pensado e programado para a circula-
Durante o período de observação, foi ção, admitindo pequenas transgressões, como
detectada uma grande diversidade de usuá- abrigar uma instalação efêmera, com o claro
rios que se revezam na praça de acordo com objetivo de surpreender o transeunte.

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Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

As zonas de permanência são aquelas grupo é usar o espaço da praça como parte do
periféricas à zona de circulação, onde se en- caminho até o seu destino. Para eles, a praça
contram os bancos lineares do MACBA, áreas e as ruas têm a mesma significação, servem
sombreadas ou algum tipo de equipamento ao mesmo propósito. Já os que fazem par-
que, intencional ou improvisadamente, convi- te do grupo dos que permanecem podem ter
de o usuário a parar e ficar por algum tempo, motivações muito diferentes, mas possuem em
seja uma esquina, um mobiliário ou o pátio comum o fato de que, para eles, o espaço da
de um restaurante ou um café. Essas zonas praça oferece alguma coisa que justifica sua
se caracterizam pela concentração de pessoas permanência, por alguns­minutos, horas ou,
por um período qualquer. Algumas delas foram em certos casos, dias.
programadas, outras são fruto da imprevisibili- Abaixo segue uma lista dos tipos de
dade característica dos espaços genuinamente usuá­rios identificados. Cabe ressaltar que a
públicos.­ classificação proposta está sujeita à interpreta-
Desde o ponto de vista dos usuários, ção do observador e que a lista reflete os tipos
levando-se em consideração essa divisão es- mais recorrentes, impactantes, que pressupõem
pacial, pode-se classificá-los, para critério de cuidados específicos ou que oferecem algum
estudo, em dois grupos: os que passam (ou tipo de risco. Além disso, alguns usuários po-
territoriantes) e os que permanecem (ou ha- dem acumular duas ou mais características dos
bitantes). A motivação comum do primeiro tipos propostos.

Os que passam (territoriantes): Os que permanecem (habitantes):


- Pais com filhos - Skaters
- Pessoas com cachorros - Os que observam os skaters
- Idosos - Moradores de rua
- Turistas - Garis
- Skaters - Garçons
- Estudantes - Turistas
- Casais - Crianças brincando
- Grupos escolares - Os que vendem cerveja
- Pessoas em bicicleta - Os que fotografam
- Carros (manutenção/ vigilância) - Os que esperam
- Caminhões (manutenção) - Os que fazem piquenique
- Moradores - Os que tomam sol
- Motociclistas (manutenção/vigilância) - Os que jogam futebol

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Ana Carla Côrtes de Lira

A ordem visual como uma dinâmica composta

Fonte: imagem de Eva Lujan

Na mira do Contramovimento Entre eles, os considerados mais conflitantes são


os skaters e os moradores de rua.
A partir das características do projeto, discuti- A presença de mendigos nos espaços pú-
das anteriormente, pode-se facilmente deduzir o blicos é a prova mais contundente da desigual-
perfil do usuário a quem está direcionado e que, dade social que caracteriza as grandes cidades.
seguramente, atrai: turistas, visitantes do museu, Para o objetivo deste texto, o significado que
grupos de estudantes. Ao considerar a localiza- mais interessa no que diz respeito à aparição
ção da praça no centro do Raval e admitindo-se desses usuários no espaço público está relacio-
sua função de espaço de passagem, também se nado à falta de sentimento de pertencimento
espera a presença constante dos moradores. A por parte dos cidadãos:
convivência desses grupos, programada e con-
sentida por parte do contramovimento, já ofe- Todos sabemos que o vazio social não
rece elementos suficientemente interessantes existe. Se os poderes públicos não conse-
para uma leitura antropológica desse espaço. guem fazer os moradores, os comercian-
No entanto, como se vê na lista apresentada, a tes e as entidades participarem na gover-
nança, na responsabilidade deste espaço
realidade encontrada pede a introdução de ou-
público, outras tramas clandestinas de de-
tros grupos de usuários, imprevistos e indeseja- litivas o preencherão. (Maza, McDonogh e
dos dentro da programação “oficial” da praça. Pujadas, 2005, p. 126)

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Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

Como se viu anteriormente, a Praça dels no charmoso Raval, bairro culturalmente vivo e
Àngels, por um lado, não foi projetada para os de afluência de um público intelectualizado e
habitantes do Raval, ainda que reconheça e ad- artistas, ao mesmo tempo em que convive com
mita sua presença. Por outro, o público a que uma população imigrante estigmatizada pela
vai direcionado o museu e seu entorno ime- marginalidade.
diato se compõe basicamente de pessoas que A presença desse grupo de usuários se
aí têm passagem efêmera e constantemente transformou em uma característica marcante
renovável. Os grupos de turistas, estudantes da praça, de maneira que não apenas sua dinâ-
e visitantes de museus se revezam no espaço mica, como de todo o entorno, viu-se influen-
ao longo do dia, mantendo sua representativi- ciada pelo público que o tema Skate atrai: pra-
dade, porém em incessante renovação. Consi- ticantes ou apenas amantes do esporte, fotó-
derando que o museu tem horário limitado de grafos, jovens em geral. Isso se vê refletido na
funcionamento, que se espera da praça quando presença de diversas lojas de roupas, música,
o MACBA fecha suas portas? Entre os usuários artigos esportivos e outras direcionadas a esse
listados, os únicos que se pode supor que pos- público. Também se pode atribuir ao fenômeno
sam desenvolver o dito sentimento de pertenci- skater à aparição de paquistaneses vendedores
mento ao longo de todo o dia e inclusive à noi- de cerveja e outros tipos de comércio ilegal nas
te, são os moradores de rua e os skaters. Pelo adjacências da praça.
menos na Praça dels Àngels esses dois grupos Devido à natureza “subversiva” e apa-
demonstraram dois pontos em comum: a capa- rentemente arriscada do esporte, à qual se adi-
cidade de convivência entre si e a rejeição por ciona o ruído dos skates e de tudo mais que
parte das políticas de controle. eles atraem, logo começaram a surgir reclama-
Quando se fala em conflitos na Praça ções da vizinhança. Obviamente, o fato de que
do MACBA (como também é conhecida a Pra- as queixas tenham sido escutadas e reproduzi-
ça dels Àngels), o primeiro tema que vem à das através de muitos meios de comunicação
cabeça dos que a conhecem é a presença dos não se deve unicamente ao incômodo que esse
skaters. Uma busca no Google com as palavras grupo de usuários causa aos poucos moradores
Skaters + MACBA, ou nas hemerotecas de jor- que ainda habitam nos arredores da praça. Pa-
nais, oferece uma quantidade enorme de infor- ra o poder público, o que realmente torna insu-
mações sobre a já conhecida briga envolvendo portável a sua presença é reconhecer o caráter
os esportistas e o poder público. incontrolável de tal atividade e seus reflexos.
Algumas das razões pelas quais a Praça Em janeiro de 2006, com a aprovação da
dels Àngels de converteu em point interna- Ordenança Cívica, “os skaters foram incluídos
cional dos skaters: 1) A pavimentação lisa e a na lista dos coletivos incívicos (a quem falta
amplitude do espaço sem obstáculos fixos; 2) civilidade) de Barcelona (...) junto com quem
a existência de desníveis e rampas que, ainda bebe álcool pelas ruas, prostitutas e mendigos,
que não tenham sido pensadas para esse uso, entre outros”.12 Patinar fora das áreas desti-
servem perfeitamente para manobras com dife- nadas a tal atividade se converteu em prática
rentes graus de dificuldade; 3) sua localização passível de pena.

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Ana Carla Côrtes de Lira

A resposta mais recente do poder público Para o urbanismo oficial, espaço público
ficou conhecida como “obras anti skate”,13 que quer dizer outra coisa: um vazio entre
construções que tem que ser preenchido
consistiu na remodelação e remoção de alguns
de forma adequada aos objetivos de pro-
dos degraus onde se executavam as manobras
motores e autoridades que costumam ser
mais famosas e arriscadas. Adicionalmente, os mesmos, por certo. Neste caso, trata-se
introduziu-se a figura constante e irrefutável de uma comarca sobre a qual intervir, um
dos Mossos d’Esquadra (ou alternativamente âmbito que organizar com o propósito de
que se garanta a boa fluidez entre pon-
da Guàrdia Urbana),14 numa incômoda ação
tos, os usos adequados, os significados
de vigilância explícita.15 Aos que insistem em
desejáveis, um espaço asseado e bem
resistir à ofensiva, multa por fazer mau uso do pentea­do que deverá servir para que as
mobiliário urbano e patinar em lugar proibido. construções-negócio ou os edifícios ofi-
Aos suspeitos, o mesmo: ciais frente aos quais se estendem vejam
garantidas a segurança e a previsibilida-
No dia 4 de abril passado (2010) à 1h de. (Delgado, 2007)
da manhã estava cruzando a Praça dels
Àngels de Barcelona sobre meu skate
quando a Guàrdia Urbana fechou o meu
caminho com um furgão e, sem meias pa- Conclusão
lavras, tomaram meu skate e me notifica-
ram. Quando comentei que apenas estava
Desde as diretrizes que nortearam seu sur-
me deslocando e que não estava utilizan-
gimento até a apropriação instantânea por
do mobiliário urbano algum me disseram
que isso eu deveria explicar ao juiz.16 parte de seus usuários, a Praça dels Àngels é
rodeada por conflitos e contradições que não
Segundo o informante, a multa aplicada se limitam a esse espaço, uma vez que são
pelo suposto mau uso do mobiliário da praça características pertencentes à Barcelona pós-
foi de €1.120, enquanto que uma multa por -olímpica. A multiplicidade e heterogeneidade
dirigir embriagado varia de €301 a €600. O aí presentes são apenas um reflexo (concen-
que pode justificar tal disparate? trado) do que acontece na escala de toda a
Para o usuário comum da praça, a pre- cidade.
sença da polícia, mais que sinal de segurança, A cidade mundial, que acolhe uns en-
significa perigo em potencial ou que algo vai quanto esmaga outros, que vende e constrói
mal. Tanto cuidado com a “paz da vizinhan- a imagem de um multiculturalismo asséptico,
ça” conseguiu, de fato, reduzir o número de segue atuando de maneira a mandar para a
skaters na Praça dels Àngels e pouco a pouco periferia­tudo o que não se encaixa em seus
já se vê seu deslocamento para outros pontos novos ideais. Seja o antigo obreiro, parte da
da cidade. Em seu lugar, o carro dos Mossos construção da cidade industrial, ou o jovem
d’Esquadra. Praça vigiada, organizada, esvazia- skater, parte da promoção da cidade cosmopo-
da e devolvida à tutela do MACBA e da Pre- lita, a prática que defende o poder público se
feitura, para que voltem a preenchê-la com os baseia no descarte de tudo o que possa sub-
usuários corretos: missão cumprida. verter a “ordem social”.

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Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

Os espaços públicos, que têm na vigilân- de uma vizinhança composta por muitas cores,
cia e no consumo suas características indispen- raças e línguas, cujas presenças ainda são per-
sáveis, são pensados e executados para um no- mitidas. O bairro, assim como toda a cidade,
vo público, atraído e ao mesmo tempo multipli- segue se movendo e se ajustando ao que ditam
cado pelas transformações da cidade. Os fluxos as políticas de controle.
substituem a densidade, o territoriante substi- No caso da Praça dels Àngels, ironica-
tui o habitante, o pavimento substitui a grama, mente, as mesmas características que repre-
o futebol na rua é transferido para uma quadra sentam a cara do contramovimento, propor-
poliesportiva, a conversa de banco é trocada cionaram a geração de uma dinâmica indese-
por um frapuccino de marca Starbucks. A ar- jada. Em outras palavras, ao recusar a função
quitetura, produzida sob a tutela do Estado, de praça de bairro, configurando-se como
funciona como ferramenta de reafirmação de grande vazio dedicado à passagem e à con-
poder e (por que não?) como suporte de publi- templação, a própria Praça se decretou como
cidade para grandes nomes internacionais que um lugar atrativo para os skaters, moradores
carimbam a paisagem urbana. O desenho urba- de rua, vendedores de cerveja e de drogas. Pa-
no se consolida como instrumento de comuni- ra corrigir a falha anterior, novos investimen-
cação ideológica e de caráter disciplinador.­ tos foram feitos no intento de produzir novos
Pelas ruas do Raval, sobretudo ao norte, limites.
hoje, o perfil do transeunte está associado aos E assim seguirá. Os mecanismos de as-
equipamentos culturais aí instalados (MACBA, sepsia urbana se aperfeiçoarão e seguirão
Centro de Cultura Contemporânea de Barcelo- substituindo os antigos, até que a rebeldia ci-
na – CCCB, Universidade de Barcelona, FAD – dadã seja finalmente domada. Ou, num cená-
Fomento das Artes Decorativas, etc.). A política rio mais otimista, até que os promotores das
de renovação e esponjamento do bairro foram cidades do futuro aceitem e incorporem às suas
eficientes na promoção da gentrificação como práticas o pensamento de que a imprevisibili-
fator transformador da sua má fama. Hoje, o dade e a desordem são características intrínse-
imaginário do Raval, associado à intelectuali- cas à vida das cidades onde ainda se habita de
dade e juventude, convive com a imagem real verdade, como nos “velhos tempos”.

Ana Carla Côrtes de Lira


Arquiteta e urbanista. Mestranda em Antropologia pela Universidad Rovira i Virgili. Tarragona,
Espanha.
acclira@gmail.com

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Ana Carla Côrtes de Lira

Notas
(1) http://www.turismoenfotos.com/items/espana/barcelona/4581_macba-barcelona/

(2) Grupo de pesquisa internacional, com sede em Londres, que, entre outras atividades, promove
investigações sobre os padrões de relações externas de grandes cidades através de análises
comparativas. Divulgam listas com rankings de cidades mundiais de acordo com diversos
critérios de avaliação.

(3) Apesar da palavra “chino”, esse termo nada tem a ver com a concentração de população
chinesa numa determinada áreas da cidade. É frequentemente utilizado para designar bairros
caracterizados pela pobreza e degradação social. Em palavras do dicionário da Real Academia
Española: ”Bairro Chino 1. m. Em algumas populações, bairro em que se concentram os locais
destinados à prostituição e outras atividades de mal viver”.

(4) Neologismo do termo original gentrification, cunhado pela primeira vez pela socióloga britânica
Ruth Glass, em 1964. No seu livro London: aspects of change a autora analisa transformações
imobiliárias ocorridas na época em alguns distritos de Londres e designa como gentrification o
processo de retorno de famílias de classe média aos antigos e desvalorizados bairros centrais
londrinos, que teve como consequência a mudança de perfil social das populações desses
locais. A partir de então, muitos autores se dedicaram a estudar o fenômeno em diferentes
contextos e ampliar a sua abrangência conceitual, mas sempre o relacionando a processos de
transformações urbanas seguidos de substituição de camadas mais baixas da sociedade por
classes mais abastadas. Dentre eles destacam-se Chris Hamnett, Tom Slater e Neil Smith. Muito
embora a palavra gentrificação ainda não conste nos dicionários de língua portuguesa, a opção
pelo uso do termo em sua versão traduzida neste artigo se justifica pela larga apropriação
deste termo por profissionais portugueses e brasileiros das áreas de sociologia, urbanismo,
arquitetura, entre outros, como sinônimo de processos de elitização ou enobrecimento social
decorrentes de obras de renovação urbana e reurbanização de áreas precárias.

(5) Termo frequentemente usado na Espanha para definir as ações voltadas à abertura de vazios
em malhas urbanas de alta densidade, normalmente centros antigos, tidos como insalubres por
suas­ruas estreitas, escuras e populosas.

(6) Uma experiência interessante é visitar o site do Hotel: http://www.barceloraval.com e ser


recebido com o texto “Revive Barcelona desde el Barceló Raval. El Hotel de diseño con las
mejores vistas panorámicas en el corazón de la ciudad”. Mais interessante ainda é observar que
todas as fotos de divulgação se restringem em mostrar o hotel isolado, sem que se veja o seu
entorno, que apenas aparece em ângulos panorâmicos sob a luz romântica de um pôr do sol. Os
textos que se referem ao Raval, levam o mesmo tom nostálgico, irresistível y “cool”. Um luxo.

(7) Edição eletrônica do Jornal El País. Disponível em http://www.elpais.com/fotogaleria/Richard/


Meier/arquitecto/blanco/elpgal/20090505elpepucul_2/Zes/4

(8) http://www.richardmeier.com/

(9) ARCSPACE. Revista eletrônica disponível em: http://www.arcspace.com/architects/meier/macba/


index.html

(10) Em seu texto, Pujadas, Maza y McDonogh, definem os dispositivos de contramovimento como
“uma política de controle da população e da vida pública do bairro. Ibid., p. 130.

300 Cad. Metrop., São Paulo, v. 13, n. 25, pp. 279-302, jan/jun 2011
Contradições e políticas de controle no espaço público de Barcelona

(11) O uso da palavra “quase” aqui se refere ao fato de que, para que o novo Raval se mantenha
com a conotação de bairro cultural, interessante para os jovens “intelectuais” e estudantes,
a componente da aparente desordem no espaço público, ainda que sob rigoroso controle, se
configura “charme” do bairro e adquire a função atrativa.

(12) Jornal El Periódico, de 4 de julho de 2008.

(13) Segundo informações extraídas do jornal La Razón, de 4 de janeiro de 2010 “As obras, financiadas
com fundos do Plano E e dirigidas pelo Fomento da Cidade Velha, custaram 540.000 euros”.

(14) Polícias da Catalunya e de Barcelona, respectivamente.

(15) Diante desse “pacote” de medidas da Prefeitura de Barcelona em busca da solução dos
conflitos na Praça dels Àngels, não se pode deixar concordar com a afirmação de Pujadas, Maza
e McDonogh: “Uma observação mais detida e crítica, porém, nos mostra como os grandes
investimentos em espaços públicos não servem para apaziguar os conflitos sociais explícitos ou
latentes que escondem este enclave metropolitano onde os dispositivos de proteção adotados
são frequentemente rebatidos”.

(16) Disponível em http://rabiaurbana.wordpress.com/tag/hereu/

Referências
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Texto recebido em 20/jun/2009


Texto aprovado em 15/set/2009

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