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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS)


Escola de Biblioteconomia (EB)
Disciplina: Informação, Memória e Documento
Docente: Bianca Rihan Pinheiro Amorim
Discente: Vitória Maria Alves Freitas

Relatório sobre Circuito de Herança Africana

Criado em 13 de maio de 2005, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN)


tem como missão pesquisar, estudar e preservar o patrimônio material e imaterial africano e
afro- brasileiro. Tem como objetivo conservar e proteger com finalidade de valorizar a
memória e identidade cultural, o sítio histórico e arqueológico do Cemitério dos Pretos
Novos, propor reflexões a partir da história do Cemitério dos Pretos Novos, executar projetos
educacionais e culturais e realizar e apoiar pesquisas acadêmicas que contribuam com a
historiografia, arqueologia e com qualquer outra questão ligada à escravidão negra, assim
como os seus desdobramentos.
O projeto Circuito de Herança Africana foi criado pelo IPN – Instituto Pretos Novos em
2016, com o forte propósito de promover e fortalecer a educação patrimonial. Os locais do
circuito são: Largo da Prainha, Morro da Conceição, Pedra do Sal, Jardim Suspenso do
Valongo, Praça dos Estivadores, Docas Dom Pedro II, Cais do Valongo, Praça da Harmonia,
Lazareto, Centro Cultural José Bonifácio, Cemitério dos Pretos Novos. O percurso tem
duração estimada de duas horas 9h/11h, podendo ser de terça-feira a sexta-feira percorrendo
um pouco mais de 2 km, finalizada no Instituto Pretos Novos – IPN.
A cada ponto do Circuito, o guia aproveitava para apresentar o local e sua história. A
primeira parada a ser realizada foi no Largo São Francisco da Prainha. Localizada no bairro
Saúde, um dos menores bairros da cidade do Rio de Janeiro, o Largo São Francisco da
Prainha é um importante ponto de memória social e histórico-cultural das discussões
relacionadas à herança africana. O nome se deu a uma antiga praia daquela região, aterrada
futuramente, e pela igreja situada ali. A presença de casarios antigos permitem com que a
memória das antigas casas de zungu isto é, casas onde vendiam angus e servia de casas de
acolhimento para escravos fugitivos.
A segunda parada do circuito foi na Igreja de São Francisco. A construção original é
datada em 1690, possui o estilo barroco jesuítico. A segunda construção foi feita após a
invasão dos franceses. Está fechada para visitação desde o início da pandemia. No segundo
andar da igreja funcionava uma escola filantrópica, responsável pela educação básica. Ao
lado da igreja, podemos perceber dois tipos de calçamentos: calçamento colonial e
calçamento imperial. Logo mais a frente encontramos a escola Padre Doutor Francisco da
Motta, antiga escola pertencente ao segundo andar da igreja, que atende às crianças do Morro
da Conceição. Ao lado encontramos o Colégio Sonja Kill, responsável pela continuação dos
estudos dos alunos da escola Padre Doutor Francisco da Motta.
A terceira parada foi a Pedra do Sal. Originalmente chamada de Pedra da Prainha,
posteriormente, Pedra do Sal, servia como local de desembarque de carregamentos de sal dos
navios que atracavam no porto. Na pedra, foi entalhada uma escadaria de acesso ao Morro da
Conceição e com o tempo, tornou-se um ponto de encontro de estivadores. Após a Guerra do
Paraguai (1865/70), a região concentrou uma população de negros, sobretudo os baianos.
Região de manifestação religiosa, região de acolhimento e refúgio para os escravizados. O
local possui simpáticos casarios coloridos, ladeados por uma escadaria e a histórica ladeira de
pedra.
A quarta parada foi o Jardim Suspenso do Valongo. Construído no início do século
XX, durante o governo de Pereira Passos, o espaço foi projetado pelo arquiteto-paisagista
Luis Rey e inaugurado em 1906. Concebido como um jardim romântico, destinado ao passeio
da sociedade nos finais de tarde, ele continha terraço, passeios, arborização, combustores de
gás, depósito de água para irrigação, canteiros e grama, jardim rústico, casa do guarda,
depósito de ferramentas e até mesmo uma cascata artificial. Foi planejado para apagar a
memória da região do Valongo e “clarear” o centro da Capital com projetos inspirados nas
cidades europeias.
A quinta parada foi o Cais do Valongo e o Cais da Imperatriz. Redescoberto debaixo
de toneladas de terra durante as obras de reurbanização do Porto Maravilha, o local,
construído em 1811 por determinação do Marquês de Lavradio, era o novo porto onde
desembarcavam os navios negreiros. Na região é possível encontrar duas tentativas de
apagamento da memória do local de desembarque dos negros escravizados. A primeira
tentativa é a construção do Cais da Imperatriz, onde o cais foi remodelado para receber a
Imperatriz Teresa Cristina, noiva do futuro Imperador D. Pedro II, em 1843.
A segunda tentativa foi a Reforma Pereira Passos, onde aterrou o novo cais para dar à
região uma nova memória republicana. Foi uma tentativa de europeização e aburguesamento
da cultura por meio de arquitetura, ideais e costumes. Nesta parada, podemos fazer um link
com o texto “Entre memória e história: a problemática dos lugares” de Pierre Nora, onde o
autor afirma que “há locais de memória porque não há mais meios de memória”. Temos que
aproveitar desse recorte arqueológico para lembrarmos de um passado não tão distante. Para
ele, o fim das ideologias-memórias, como todas aquelas que asseguravam a passagem regular
do passado para o futuro, ou indicavam o que se deveria reter do passado para preparar o
futuro.
A sexta parada foi a Praça da Harmonia, originalmente chamada Praça Coronel
Assunção. Coronel Assunção foi um policial militar que participou na guerra do Paraguai,
tendo sido posteriormente nomeado Comandante Geral do Corpo Militar da Polícia da Corte .
No local onde hoje fica a praça, situava-se o Mercado da Harmonia, criado para atrair parte
da excessiva demanda do Mercado Municipal da Praça XV. O mercado, devido à sua baixa
movimentação, foi se transformando progressivamente em um grande cortiço. Em 1897, o
local foi desapropriado e transformado em trapiche e entreposto. No entanto, a região
continuou invadida por pessoas, tendo protagonizado uma epidemia de peste bubônica em
1900. O prédio que havia no local foi arruinado devido a um incêndio. A praça, cercada por
prédios antigos, possui um coreto em seu centro, que dá uma sensação de cidade pequena ao
local. O logradouro também conta com bancos, mesas para jogos, árvores, jardins e o
Complexo de prédios onde funcionou por quase 130 anos a fábrica do Moinho Fluminense.
A sétima e última parada foi o Cemitério dos Pretos Novos. O denominado Cemitério
dos Pretos Novos funcionou, entre 1769 e 1830, em um dos barracões do antigo mercado
negreiro, localizado no Valongo, faixa do litoral carioca que ia da Prainha à Gamboa. O
barracão era situado na Rua do Cemitério, atual Rua Pedro Ernesto. O cemitério foi criado
por ordem de Luís Melo Silva Mascarenhas, o marquês do Lavradio, então vice-rei do Brasil,
por conta da transferência do porto de desembarque dos escravos do cais da Praça XV para o
Valongo. No mercado negreiro do Valongo, eram "depositados" todos os escravos que
chegavam nas longas viagens dos navios negreiros, denominados como Pretos
Novos.Calcula-se que foram enterrados, no Cemitério dos Pretos Novos, pelo menos entre
20.000 e 30.000 escravos. No museu memorial podemos encontrar o sítio arqueológico do
antigo cemitério, uma exposição permanente com informações atualizadas, sobre as pesquisas
realizadas a partir das investigações arqueológicas, algumas peças encontradas junto aos
fragmentos de ossos, etc.
Ao longo do circuito, podemos fazer conexão com alguns textos utilizados durante as
aulas da disciplina Informação, Memória e Documento. Os textos de Pierre Nora, Jô Gondar
e Maurice Halbwachs permitem pensarmos na memória social e na memória coletiva.Durante
a visita ao Museu Memorial, podemos linkar o texto de Nora com algumas explicações do
guia.
Conforme cita Nora em seu texto,
Os lugares de memória nascem e vivem do
sentimento que não há memória espontânea, que é
preciso criar arquivos, que é preciso manter
aniversários, organizar celebrações, pronunciar
elogios fúnebres, notariar atas, porque essas
operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas
minorias, de uma memória refugiada sobre focos
privilegiados e enciumadamente guardados mas nada
mais faz do que levar as incandescência à verdade de
todos os lugares de memória. p. 13

Por fim, devemos parabenizar a organização, os pesquisadores, os voluntários e os


demais colaboradores que fazem parte do projeto de manter a memória dos povos africanos
viva. Como sugestão, seria necessário que, através das redes sociais, houvesse maiores
divulgações, sejam eles em datas comemorativas como dia 13 de maio e dia 20 de novembro,
do Instituto Pretos Novos e projetos culturais que incluíssem a população mais jovem para
conhecer, promover e disseminar o conhecimento adquirido através dos estudos daquela
região e do cemitério. É necessário que nós, indivíduos da sociedade, façamos parte do
compartilhamento dessas informações para que não esqueçamos a memória, mesmo dolorosa,
do que foi a escravidão e a memória de nossos antepassados.
Referências bibliográficas

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 2006. p. 18-52.


Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4005834/mod_resource/content/1/4881114
6-Maurice-Halbwachs-A-Memoria-Coletiva.pdf

GONDAR, Jô. Cinco proposições sobre memória social. Revista Morpheus: estudos
interdisciplinares em Memória Social, v.9, n.15, p.19-40. 2016. Disponível em:
http://www.seer.unirio.br/index.php/morpheus/article/view/5475. Acesso em: 25
jun. 2022.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Proj. História,
São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993. Disponível em:
http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/12101/8763. Acesso em: 25
jun. 2022.

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