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!

SAMUEL
PARA VOCÊ
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Chester, Tim
ISamuel para você I Tim Chester ; tradução de Daniel
Hubert Kroker. —São Paulo : Vida Nova, 2019.
240 p.

Bibliografia
ISBN 978-85-275-0915-2
Título original: ISamuel for you

1. Bíblia - A.T. - Samuel - Crítica, interpretação, etc. 2. Bíblia


- A.T. - Samuel - Meditação 3. Vida cristã I. Título II. Kroker,
Daniel Hubert

19-0640 CDD 222.43

índice para catálogo sistemático


1. Bíblia - A.T. - Samuel - Crítica, interpretação, etc.
TIM
CHESTER

1 SAMUEL
PARA VOCÊ
Tradução
Daniel Hubert Kroker

‫ים‬
VIDA NOVA
'2014, de Tim Chester/ The Good Book Company
Titulo do original: ISamuel for you,
edição publicada pela T he G ood Book C ompany (Epsom, Surrey, Reino Unido).

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


Sociedade Religiosa Edições Vida Nova
Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020
vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br

1." edição: 2019

Proibida a reprodução por quaisquer meios,


salvo em citações breves, com indicação da fonte.

Impresso no Brasil / Printed in Hrazil

Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram extraídas da Nova Versão
Internacional. As citações com indicação da versão in loco foram traduzidas
diretamente da English Standard Version (ESV), da New International Version
(NIV), da New American Standard Bible (NASB) e da Revised Standard Version
(RSV) e extraídas da Almeida Revista e Corrigida (ARC), da Almeida Revista e
Atualizada (ARA) e da Almeida Século 21 (A21). Todo grifo nas citações bíblicas é
de responsabilidade do autor.

D ireção executiva
Kenneth I.ee Davis

G erência editorial
Fabiano Silveira Medeiros

Edição de texto
Norma Braga
Rosa M. Ferreira

Preparação de texto
Tatiane Souza
Mareia B. Medeiros

R evisão de provas
Josemar de Souza Pinto

Gerência df. produção


Sérgio Siqueira Moura

D iagramação
Luciana Di lorio

A daptação da capa
I.ucas Souto
SUMARIO

Prefácio da série.............................................................. 7
Introdução a 1Samuel..................................................... 9

1. Um rei vindouro 1.1—2.11........................................... 13


2. Um sacerdote e profeta vindouro 2.11—4.1............... 30
3. O peso de glória 4.1— 7.17........................................... 47
4. Um rei como os das nações 7.15—9.27...................... 63
5. O rei Saul 10.1— 12.25...................................................78
6. Adão revisitado 13.1— 15.35.........................................93
7. O rei pastor 16.1-23..................................................... 112
8. Enfrentando gigantes 17.1-58.....................................126
9. Tomando partido 18.1—20.42....................................142
10. Os anos no deserto 21.1—23.25.................................159
11. Períodos de provação 23.26—26.25...........................178
12. Uma palavra da sepultura 27.1 —28.25..................... 195
13. Como caíram os poderosos 29.1—31.13.................. 212

Glossário.......................................................................229
Apêndice 1: Samuel e Salmos.................................... 234
Apêndice 2: Israel na época de lSam uel.................. 237
Bibliografia...................................................................238
PREFACIO DA SÉRIE

Cada volume da série A Palavra de Deus para você o transporta


ao âmago de um livro da Bíblia e aplica as verdades nele con-
tidas ao seu coração.
Os objetivos principais de cada título são:

■ estar centrado na Bíblia;


η glorificar a Cristo;
® ter aplicação relevante;
■ ser lido com facilidade.

Use 1 Samuelpara você'.


... para ler e estudar. Você pode simplesmente percorrê-lo
de capa a capa, lendo ou estudando, como um livro que explica
e investiga os temas, as exortações e os desafios desse trecho
das Escrituras.
... para meditar e se alimentar. Você pode trabalhar o livro
como parte de suas devoções pessoais regulares, ou usá-lo em
conjunto com um sermão ou uma série de estudos bíblicos
na sua igreja. Neste volume, cada capítulo é dividido em duas
seções, com perguntas para reflexão no fim de cada uma delas.
... para ensinar e liderar. Pode usá-lo como recurso no
ensino da Palavra de Deus, tanto no ambiente de um pequeno
grupo quanto em toda a igreja. Você verá que versículos ou
conceitos complicados estão explicados aqui em linguagem
simples, e encontrará temas e ilustrações úteis, acompanhados
de sugestões de aplicação.
Os livros desta série não são comentários. Não pressupõem
um entendimento das línguas originais da Bíblia, nem um alto
nível de conhecimento bíblico. Palavras de uso mais raro, ou
PREFÁCIO da série

que são usadas de maneira diferente na linguagem do dia a dia


da igreja, são marcadas em versalete quando aparecem pela
primeira vez e explicadas em um glossário no fim do volume.
Em geral os substantivos e os adjetivos aparecerão no glossário
no masculino e no singular e os verbos, na forma não flexio-
nada. Nele você também encontrará detalhes de recursos que
poderá utilizar em conjunto com o livro, tanto na vida pessoal
quanto na igreja.
Oramos para que, durante a leitura, você seja impactado
não só pelo conteúdo de cada livro da série, mas pelo livro que
ele está ajudando a expor; e para que você venha a louvar não o
autor desta obra, mas Aquele para o qual ela aponta.

C arl L aferton
Editor da série

8
INTRODUÇÃO A !SAMUEL

Vivemos em uma época em que a liberdade pessoal é talvez o


valor mais elevado de nossa cultura.

“Você não manda em mim.”


“Não imponha seus pontos de vista a mim.”
“O que lhe dá o direito de me dizer o que devo fazer?”

Ou, em outras palavras, quando a história de nossa época


tiver sido escrita, talvez seja resumida como um tempo em que
“cada um fazia o que lhe parecia certo”. Essas palavras poderíam
ser o hino de nossa época. Na verdade, são as últimas palavras do
livro de Juizes (Jz 21.25). Essa atitude não é nova.
Na Bíblia hebraica, diferentemente da Bíblia em nosso idioma
hoje, 1Samuel vem logo após Juizes (Rute pertence aos “Escri-
tos” e, por isso, vem depois). Assim, a última coisa que lemos
antes do início do livro de Samuel na Bíblia hebraica é o último
versículo de Juizes: “Naquela época não havia rei em Israel;
cada um fazia o que lhe parecia certo”.
De muitas maneiras, a história contada em 1 e 2Samuel é a
solução para esse problema. Os livros de 1 e 2Samuel eram ori-
ginariamente um só livro, o livro de Samuel. O livro de Samuel
começa sem rei e termina com rei.
A época em que Israel não tinha rei foi um período de anar-
quia moral. Os últimos capítulos do livro de Juizes proporão-
nam uma leitura sombria. Essas histórias você nunca aprendeu
na escola dominical. Elas são feias e brutais. A vida é assim
quando não há rei algum e cada um faz o que lhe parece certo.
No entanto, a situação é mais ambígua. É verdade que
Israel não tinha rei; mas, fundamentalmente, a razão disso era
INTRODUÇÃO a !Sam uel

que a nação se recusava a reconhecer que Deus era o seu rei.


O Senhor precisava ser o rei de Israel. O verdadeiro problema
não foi a ausência de um rei, mas a ausência de obediência a
Deus como rei.
Essa ambiguidade continua no livro de Samuel. Veremos
que Israel pede um rei e Deus considera tal pedido uma rejei-
ção de seu governo. Conheceremos o governo do primeiro rei,
Saul, e indagaremos se o fato de Israel ter um rei é um grande
avanço. Até mesmo a ascensão do rei Davi na segunda metade
de 1Samuel e seu governo em 2Samuel demonstram ser uma
bênção somente parcial.
Assim, 1Samuel faz com que olhemos para além dessa his-
tória do antigo Israel. Os reis de Israel eram ungidos com óleo,
de modo que cada um deles era conhecido como “o ungido” —
“messias”, em hebraico, ou “cristo”, em grego. Diante do reinado
desastroso de Saul, o rei que Israel pediu, e o reino imperfeito
de Davi, o rei com que Deus abençoou seu povo, nosso olhar
é direcionado para 0 Cristo,
A história dos primeiros o único homem que governa
cristos nos deixa o povo de Deus do modo que
Deus quer. O próprio Deus
ansiando pelo governo
prometeu a Davi que um de
do último Cristo.
seus filhos reinaria sobre o
povo de Deus para sempre (2Sm 7). Portanto, a história dos pri-
meiros cristos nos deixa ansiando pelo governo do último Cristo.
Os temas e ênfases diversos de 1Samuel ficarão claros à
medida que a história se desenvolver e, no último capítulo,
serão relacionados entre si, quando voltaremos à razão de esse
livro ter sido escrito. Mas, ao longo de toda a leitura de 1Samuel,
enxergaremos Jesus Cristo. E enxergar Jesus Cristo em e por
meio de 1Samuel permitirá que o vejamos com cor e textura
novas e que percebamos de modo novo o que significa segui-lo
como Rei em uma época que cultua a liberdade pessoal.
10
INTRODUÇÃO a !Sam uel

D u a s o b s e r v a ç õ e s s o b r e o livro
Quem escreveu os livros de 1 e 2Samuel? A resposta curta é
que não sabemos. Eles foram denominados segundo o nome do
profeta Samuel, mas isso não significa que ele os escreveu. Na
versão grega do Antigo Testamento, eles são chamados de “1 e
2Reinos”. E a morte de Samuel é descrita em lSamuel 25.1,
de modo que ele não podería tê-lo escrito após esse momento.
No entanto, Samuel pode ter sido uma fonte para os livros:
1Crônicas 29.29 fala sobre os “registros históricos do vidente
Samuel”. Os livros provavelmente foram compilados com base
em fontes diferentes.
E que tipo de gênero é o desse livro? Uma descrição útil é
que o livro é uma história pregada. Em outras palavras, é histó-
ria real. Não é uma compilação de parábolas ou fábulas — os
acontecimentos que o livro descreve são reais. Mas é mais do
que um relato de acontecimentos. Em lCrônicas 29.29, lemos:
“Os feitos do rei Davi, desde o início até o fim do seu reinado,
estão escritos nos registros históricos do vidente Samuel, do
profeta Natã e do vidente Gade”. Havia outros anais históri-
eos. O autor de Samuel fez mais do que criar um relato histó-
rico: seus escritos têm um propósito. O que ele registra nunca
é menos do que histórico, mas, ao lermos o que ele escreveu,
estamos fazendo muito mais do que lendo história. O seu
relato nos mostra quem é Deus e como ele governa 0 seu povo;
e o seu relato nos mostra Jesus, o seu Cristo.

II
!SAMUEL ■ CAPITULO 1 VERSÍCULOS 1 2 8 ‫־‬

■ CAPÍTULO 2 VERSÍCULOS 1-11

1. UM REI VINDOURO

Quando você olha para o estado da igreja atual, ou quando


olha para o estado de nossa nação e sua cultura, o que vê? É
difícil evitar a percepção de que em alguns aspectos há uma
crise. Deus não é reconhecido. Seus caminhos não são segui-
dos. Talvez não haja nada de novo nisso. Mas hoje Deus é alvo
de zombaria c oposição. Os novos ateus descrevem a si mes-
mos como “a n t it e íst a s ”. Não têm apenas idéias diferentes,
mas são ativamente anti-Dcus.
Os livros de 1 e 2Samuel eram originariamente um só
livro, o livro de Samuel. Na Bíblia hebraica, eles vêm ime-
diatamente após Juizes 21.25: “Naquela época não havia rei
em Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo”. Esse pode-
ria ser o lema de nossa época: cada um faz o que lhe parece
certo. Você pode inventar a sua própria moralidade. Você pode
decidir por si mesmo o que é certo. Se você ler os últimos
capítulos de Juizes, descobrirá logo que uma cultura que viva
segundo esse sistema é realmente repulsiva. Como viver nesse
tipo de situação?
Quatro vezes no final de Juizes somos informados de
que “[njaquela época não havia rei em Israel” (Jz 17.6; 18.1;
19.1; 21.25). Então ISamuel começa: “Havia certo homem...”
(ISm 1.1) e inevitavelmente indagamos: “É este o homem que
! Samuel 1.1‫־‬28 ; 2.1‫ ־‬11

será rei em Israel?”. Logo fica claro que não é ele. Mas é disso
que trata o livro de Samuel: o homem que será o rei de Israel.
A única outra ocasião em que a expressão “certo homem” é
usada na Bíblia é na introdução à história de Sansão (J z 13.2).
Assim, o autor de Samuel imediatamente nos alerta sobre o
fato de que estamos na época dos juizes (e de fato Samuel e
Sansão podem muito bem ter sido contemporâneos). Esta-
mos esperando por um rei. E por isso que Elcana é introdu-
zido com uma longa genealogia (ISm 1.1). Se você estiver
familiarizado com as histórias de reis de Israel (como prova-
velmente seria o caso dos leitores posteriores no período do
Antigo Testamento), perceberá que isso soa como uma intro-
dução a um rei.
Assim, estamos sendo levados à expectativa de que essa é
a história do rei Elcana. Mas não é isso que obtemos. Temos
a expectativa da história de um rei... e recebemos a histó-
ria muito íntima da aflição particular de uma mulher —
tão particular que, na oração que fez, sua voz nem mesmo
era ouvida.
A história de Ana é estruturada segundo um padrão quias-
mático (chamado assim por causa da letra chi, cuja forma é
como um x), em que o primeiro e o último acontecimentos são
paralelos, o segundo e o penúltimo acontecimentos são parale-
los e assim por diante. No centro da história está o surgimento
de Samuel.

a. Viagem de Elcana e sua família de Ramataim para Siló (1.1-8)


b. Oração de lamento de Ana (v. 9-11)
c. Conversa de Eli e Ana (v. 12-18)
d. Nascimento de Samuel (v. 19-23)
c’. Conversa de Eli e Ana (v. 24-28)
b’. Oração de alegria de Ana (2.1-10)
a’. Retorno de Elcana e sua família de Siló para Ramataim (v. 11)
14
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

A terrív el s it u a ç ã o d e A n a
O texto de ISamuel 1.2 sugere que Ana era a primeira esposa
de Elcana; o versículo 5 diz que ela era o seu primeiro amor.
O nome “Ana” significa “favorecida”. Mas ela é estéril, e,
assim, Elcana toma uma segunda esposa, Penina. Para tornar
as coisas piores para Ana, o nome Penina significa “fértil” e,
em conformidade com o seu nome, Penina tem filhos. Não
ficamos sabendo quantos filhos ela teve, mas o versículo 4 fala
sobre “todos os filhos e filhas dela”. O versículo 2 acentua esse
contraste: “... Penina tinha filhos, Ana, porém, não tinha”.
A esterilidade tinha um significado adicional no Israel do
Antigo Testamento. A promessa de um Salvador a Adão (3.15)
e de descendência a Abraão (Gn 22.17,18) significava que as
pessoas estavam procurando um Salvador que viesse de dentro
de Israel. Sempre que nascia uma criança, surgia a pergunta:
“Será que é este?”. Sem filhos, não havia futuro para o povo de
Deus e fundamentalmente nenhuma esperança para o mundo.
Assim, a esterilidade era uma tragédia pessoal, exatamente
como é hoje. Mas também trazia um sentimento de exclusão
dos propósitos do povo de Deus. O fato de que o interesse
principal de Ana é a participação no futuro do povo de Deus
é talvez reforçado pelo fato de que, ao receber um filho, ela o
devolve a Deus (lSm 1.28).
O versículo 5 é am bíguo . Ele provavelmente significa:
“Embora amasse Ana, ele lhe dava somente uma porção, pois o
S enhor havia fechado o seu ventre” (RSV). Elcana está sendo
escrupulosamente justo. É uma porção por pessoa. Mas isso
significa que Penina recebe várias porções para ela e seus filhos
(v. 4), enquanto Ana recebe somente uma. Isso é justo, mas
acentua a perda de Ana. Todo ano, quando eles vão a Siló para
adorar a Deus, Ana é lembrada mais uma vez de que é estéril
enquanto Penina é fértil. E Penina aproveita a oportunidade,
15
! Sam uel ! . 1‫־‬28 ; 2.1 ‫־‬11

todo ano, para provocar Ana (v. 6). Ela é chamada de “rival” de
Ana. Essa não é urna familia feliz. E isso “acontecia ano após
ano”; vez após vez, Ana sofria: “... chorava e não comia” (v. 7).

A oração d e A na
O ventre de Ana foi fechado. Mas por qué? Porque “o S enhor
havia fechado o seu ventre” (v. 5, RSV). Deus é soberano ,
portanto ele é soberano sobre nosso sofrimento. Quaisquer
que fossem as causas médicas para a esterilidade de Ana, no
fim das contas era o Senhor que havia fechado o seu ventre.
O que fazemos com esse tipo de informação é fundamental.

■ Para Penina, o fato é um pretexto para zombar de


Ana. Elas vêm para adorar a Deus e você pode imagi-
nar Penina dizendo: “Que motivo você tem pra adorar
a Deus? Ana’ significa ‘favorecida’. Então, como foi que
Deus a favoreceu? Fechando o seu ventre!”.
η Para Elcana, o fato é um motivo para se compadecer
de Ana. Ele diz: "... ‘Ana, por que você está chorando?
Por que não come? Por que está triste? Será que eu não
sou melhor para você do que dez filhos?”’ (v. 8). Talvez
Elcana queira que Ana demonstre mais interesse por ele
do que pela esterilidade.
■ Para Ana, o fato a leva a orar. Se Deus fechou o seu
ventre, talvez também 0 abra. No versículo 9, a soberania
de Deus a impele a agir. Até aqui, as coisas acontecem
a Ana. Ela é passiva. Mas agora ela se levanta da mesa e
vai à casa do S enhor para orar (v. 10,11).

O sacerdote Eli vê Ana orando. Os lábios dela estão se


movendo, mas não é possível ouvi-la (v. 12,13). Logo, Eli acha
que ela está embriagada (v. 14). “... ‘Não se trata disso, meu
senhor. Sou uma mulher muito angustiada. Não bebi vinho nem
16
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

bebida fermentada; eu estava derramando minha alma diante do


Senhor . Não julgues tua serva uma mulher vadia; estou orando
aqui até agora por causa de minha grande angústia e tristeza’”
(v. 15,16). Ela não estava embriagada; estava orando.

V e r d a d e ir a o r a ç ã o
Isso é verdadeira oração. H á um tipo de espiritualidade que
afirma que a verdadeira oração é marcada pela quietude e con-
templação. Às vezes, a implicação é que, quanto mais espiritual
você for, mais calmo e sereno será. Não é verdade. A oração de
Ana — que é uma oração, como veremos, a que Deus responde
— nasce de:

b angústia profunda (v. 10);


* choro amargo (v. 10);
» infelicidade (v. 11);
® imensa perturbação (v. 15);
■ grande angústia e tristeza (v. 16).

Se você está experimentando angústia ou amargura, está em


boas condições para orar adequadamente! Talvez sua mente
esteja totalmente dispersa por seus problemas, de modo que
ache difícil se concentrar para orar. Mas na verdade essa precon-
dição produz boa oração. A oração não é uma técnica que preci-
samos dominar. É derramar a alma diante do Senhor (cf. v. 15).
Muitas vezes oramos pouco porque não sentimos necessi-
dade. Pensamos que podemos dar conta de tudo sem Deus e,
assim, as nossas orações acabam sendo uma tarefa a ser cum-
prida, uma opção em um dia muito ocupado. A oração não era
uma opção para Ana. Ela não se levantou da mesa de refeição
por ter percebido que não havia tido o seu tempo de devocional
naquele dia. Sua oração foi o pranto de uma alma angustiada.
17
¡Sam uel ¡ . 1 2 . 1 - 1 1 ;28‫־‬

A imagem principal que Jesus apresenta sobre a oração é de


um filho pedindo ajuda a seu pai. E crianças de três anos não
pedem coisas de modo tranquilo e contemplativo. Elas insis-
tem, gritam, clamam, persis-
As nossas orações tem. H á crianças que são
acabam sendo uma tranquilas. Se uma criança
tarefa a ser cumprida, chorar e ninguém vier acu-
di-la, então ela em algum
uma opção em um dia
momento vai parar de cho-
muito ocupado.
rar. Há orfanatos em que
crianças foram negligenciadas de tal modo que um silêncio
sinistro paira sobre os dormitórios. A questão é esta: o choro
de uma criança é um choro de fé, pois reflete sua convic-
ção de que alguém a ouve e responde. Obviamente, elas tam-
bém são egoístas, e muitas vezes precisamos nos esforçar para
descobrir o que querem, portanto a situação pode ficar tensa.
Mas o choro delas é essencialmente um choro de fé. E o
choro da oração é um choro de fé. Ele nasce da fé em que
Deus é um Pai suficientemente poderoso e suficientemente
amoroso para responder.
O que cria a boa oração? Uma percepção profunda de nossa
necessidade e uma percepção profunda do cuidado de Deus.

C o m o Ir e m p a z
Eli reconhece isso, pois diz: “... ‘Vá cm paz, e que o Deus de
Israel lhe conceda o que você pediu”’ (v. 17). Ana responde:
"... ‘Possa tua serva achar favor aos teus olhos’” (v. 18, NIV).
Lembre-se, o nome “Ana” significa “favorecida”, de modo que
ela está fazendo um trocadilho com seu nome, dizendo de fato:
“Que a favorecida seja favorecida”.
Então Ana come, sinal de que não está mais angustiada. Diz
o texto que “seu rosto já não estava mais abatido” (v. 18). Isso é
realmente notável. Ana ainda não sabe como Deus responderá
18
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

à sua oração. Mas a questão é que ela orou e agora está con-
tente em deixar isso com ele. Ela é um modelo da verdade
expressa em Filipenses 4.6,7: “Não andem ansiosos por coisa
alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de
graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que
excede todo o entendimento, guardará o coração e a mente de
vocês em Cristo Jesus”. Ana apresentou seu pedido ao Senhor.
Agora ela conhece a paz de ter derramado seu coração ao Deus
que conhece todas as coisas e cuida de todo o seu povo.

A r esp o sta d e D eu s
A favorecida é favorecida. Ana fica grávida e dá à luz um
menino (lSm 1.19,20).
Nomes muitas vezes são significativos, especialmente quando
o ato de nomear e o significado do nome são descritos no texto.
Ana não somente dá nome a seu filho, mas explica por quê: “...
‘Eu o pedi ao S enh or ’” (v. 20). O nome “Samuel” na verdade
significa “seu nome é Deus”. Mas a palavra hebraica “pedir”
é sa’al, próxima o suficiente para que a explicação de Ana
do nome dele faça sentido. Samuel é o filho que foi pedido
daquele que é Deus.
Essa ênfase em pedir percorre toda a história. No ver-
sículo 17, Eli diz literalmente “o pedido que você pediu”. De
fato, ele diz: “Que Deus te dê o Samuel que você ‘samuelou’”.
Quando cumpre o seu voto e apresenta Samuel para o serviço
no T abernáculo , Ana diz: ‘“Era este menino que eu pedia, e
o S enhor concedeu-me o pedido. Por isso, agora, eu o dedico
ao S e n h o r . Por toda a sua vida será dedicado ao S enhor ’...”
(v. 27,28). Em hebraico, a palavra “dar”, “dedicar” ou “conce-
der” tem a mesma raiz que a palavra “pedir” (porque “conce-
der” é o que você faz em resposta a alguém que pede). Assim,
há quatro referências a pedir nesses dois versículos. Literal-
mente, o que Ana diz é: “O S enhor concedeu-me o pedido
19
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

que lhe pedi. Por isso, agora, dedico ao S enhor a resposta ao


meu pedido. Por toda a sua vida, ele será dedicado como urna
resposta ao meu pedido ao S enh or ”.
O que o autor está querendo ressaltar é isto: Ana pede e o
Senhor dá. O Senhor fecha o ventre de Ana e o Senhor abre
o ventre de Ana. Deus responde à oração. Obviamente, ele
nem sempre nos dá exatamente o que pedimos. Houve muitas
mulheres estéreis em Israel que não receberam um filho. Mas
ele dá atenção à humilhação de seus servos (cf. v. 11) e res-
ponde às nossas orações em seu amor, sabedoria e poder. Jesus
diz: "... ‘Peçam, e lhes será dado’...” (Lc 11.9). Mas quantas
vezes nós não pedimos. Achamos que podemos depender de
nós mesmos ou achamos que não podemos depender de Deus.
“... Não têm, porque não pedem” (Tg 4.2).
Todavia, há algo mais acontecendo aqui. Há um prenún-
cio da história. Pois saal na verdade está mais próximo ainda
de outro nome hebraico, o nome “Saul”. Saul é o rei a quem
Samuel ungirá, pois o povo
Ana pede e o Senhor
■ “pediu” um rei. Tendo sido
dá. Mas quantas vezes repetida de forma cons-
nós não pedimos. tante no capítulo 1, a pala-
vra não aparece de novo até
1Samuel 8.10, quando os anciãos de Israel pedem um rei. Os
livros de 1 e 2Samuel são dominados por três figuras: Samuel,
Saul e Davi. Samuel é o filho que Ana pediu, e Saul é o rei que
0 povo pediu. Mas quem é Davi?

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. De que maneira a oração de Ana nos encoraja em nossa
oração?
2. H á algum pedido que você precisa apresentar a Deus em
oração para depois ficar em paz?
20
! Sam uel 1.1‫־‬28 ; 2.1-11

3. Há algo que você não pede em oração por achar, no fundo,


que o Senhor não pode dar ou não dará? Será que o exem-
pío de Ana pode motivar você a começar a orar por isso
regularmente e com ousadia?

SEGUNDA PARTE

O S e n h o r c o n fir m a s u a p a la v r a
A história de Ana não é contada para ilustrar a vida cotidiana
ordinária. A mensagem não é que toda mulher sem filhos que
ora receberá um filho. A história de Ana é contada porque ela
aponta para algo maior, algo “extraordinário”.
Quando Ana pede que Deus dê “atenção à humilhação de
tua serva” (1.11), ela está ecoando a linguagem do relaciona-
mento de Deus com Israel durante o Êxodo. Em Êxodo 3.7,
o Senhor diz: "... ‘De fato tenho visto a opressão sobre o meu
povo no Egito’...”. Então, em Êxodo 4.31, lemos: "... Quando
o povo soube que o S enhor decidira vir em seu auxílio, tendo
visto a sua opressão, curvou-se em adoração”.
O nome de Ana significa “favorecida”, mas ela não é favo-
recida. Do mesmo modo, Israel é favorecido (no sentido de ter
sido escolhido por Deus), mas não é favorecido de fato (pois
está vivendo em crise). Em hebraico, a palavra “favor” também
significa “graça”. Na época de Ana, Israel recebeu a graça de
Deus. Mas, nesse momento em sua história, Israel não é favo-
recido. O fim do livro de Juizes mostra que a nação está em
tumulto. Assim como Ana é estéril, Israel é estéril. A nação
não está dando fruto.
Em ISamuel 1.21, chegou o momento novamente de
Elcana e sua família fazerem sacrifícios em Siló — mas, dessa
vez, Ana tem um menininho e, dessa vez, Ana não vai com seu
21
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

marido (v. 22). No versículo 23, Elcana diz: “... ‘Faça o que lhe
parecer melhor. Fique aqui até desmamá-lo; que o S enhor
apenas confirme a palavra dele!’...”. Isso soa estranho. Ana é
a única que fez um voto que ela precisa confirmar. Deus não
disse absolutamente nada. Qual é a palavra do Senhor que
ele cumprirá? Não houve nenhuma menção a uma palavra de
Deus na história. E não pode ser a dádiva de um filho, pois o
filho já foi dado.
A resposta é que a palavra que o Senhor deu é a sua pala-
vra ao seu povo. Deus prometeu abençoar seu povo e torná-lo
uma bênção às nações. O que está acontecendo a Ana faz parte
dessa palavra maior, um sinal dos propósitos maiores de Deus
para seu povo. O versículo 19 diz: “... o S enhor se lembrou...”.
Isso não significa que Deus é esquecido e que subitamente ele
disse a si mesmo: “Ah, sim. Preciso permitir que Ana fique grá-
vida. Eu havia me esquecido!”. “Lembrar-se” tem um signifi-
cado mais específico. Significa Deus atuando de acordo com as
suas promessas da aliança , como ele fez no início da história
do Êxodo (Êx 2.23-25).
E assim Ana volta ao lugar em que havia clamado por um
filho (lSm 1.24). Dessa vez, no entanto, é muito diferente,
pois ela “levou o menino” (v. 24). Ela é a mulher que Eli viu
orando (v. 26,27); agora ela é a mulher a quem Deus concedeu
o pedido (v. 27). Ela não veio em desespero, mas em gratidão e
para dar o seu filho a ele (v. 28).

O c â n t ic o d e A n a
Então há o cântico ou a oração de Ana, em 1Samuel 2.1-10.
Trata-se de um cântico estranho para uma nova mãe cantar.
Com exceção do versículo 5, não é o cântico de uma mulher
que recebeu um filho. “O arco dos fortes é quebrado...” (v. 4).
“... o S enhor julgará até os confins da terra. Ele dará poder a
22
! Sam uel 1.1‫־‬28 ; 2.1-11

seu rei...” (v. 10). Não é assim que eu comporia um cântico para
marcar a chegada de um novo bebê!
Mas nesse cântico as pistas da história de Ana tornam-se
explícitas. A história de Ana é um retrato da história de Israel
— e, de fato, da história da humanidade. Assim como Ana,
somos estéreis e inférteis — no sentido espiritual. Mas o
movimento na história de Ana é de uma mulher estéril para
uma mulher fértil. Vemos Deus gerando vida onde não há
vida. Como Ana, estamos cercados de inimigos. Os inimigos
de Israel eram os filisteus, e eles eram em certo sentido um
retrato dos inimigos que a humanidade enfrenta, os inimigos
do pecado e da morte. Mas o movimento na história de Ana
é o de uma mulher que “sua rival [...] provocava” (1.6) para
uma mulher que pode dizer: “... ‘Minha boca se exalta sobre os
meus inimigos’...” (2.1).
O cântico de Ana é repleto de reversões. Em 1.8, Elcana
pergunta a Ana: “... ‘Por que está triste?’...”. Ou, literalmente:
“Por que o seu coração está triste?”. Agora o cântico de Ana
começa: “... ‘Meu coração exulta’...” (2.1). O chifre na Bíblia
é uma imagem de força. É a imagem de um animal. Imagine
um rinoceronte espetando seu inimigo e depois levantando seu
chifre cheio de sangue como um sinal de vitória. Portanto, Ana
diz, literalmente: “Meu chifre é exaltado”. Ana foi provocada
por sua inimiga (1.6). Agora ela diz: “... ‘Minha boca se exalta
sobre os meus inimigos’...” (2.1). Isso é literalmente: “Minha
boca está aberta contra os meus inimigos” — aberta para se
exaltar em triunfo. Mas talvez (dada a imagem do animal do
chifre no versículo anterior) ela também esteja aberta para
rugir ou até mesmo devorar.
A família de Elcana era um microcosmo de Israel, em
que conviviam os exaltados e os marginalizados, bem como os
orgulhosos e os humildes (ou humilhados). A história de Ana
é a trama dos livros de Samuel em miniatura.
23
! Sam uel 1.1-28; 2.1‫־‬11

O cântico de Ana começa com a palavra “meu”, que é repe-


tida três vezes no versículo 1 na forma de “minha” e “meus”.
Mas, depois disso, o foco se abre para o que acontece no povo
de Deus como um todo. “O S enh or ” é mencionado nove
vezes no cântico. Ele é o agente nesse cântico. Ele é soberano.
O versículo fundamental é o 2: “Não há ninguém santo como
o S e n h o r ; não há outro além de ti; não há rocha alguma
como o nosso Deus” (esse também é o refrão do cântico de
Davi no final de Samuel em 2Sm 22.2,3,32,47; 23.3). E é a
opinião dele que importa, e não a nossa ou a daqueles em volta
de nós (lSm 2.3).
O que o santo Senhor fez por Ana é um retrato e um indi-
cador do que ele fará pelo seu povo. Nos versículos 4-10, Ana
lista uma série de reversões que claramente vão além de sua
experiência pessoal e se
E a opinião de Deus aplicam à experiência do
que importa, povo de Deus como um
e não a nossa. todo.“...‘Pois os alicerces da
terra são do S e n h o r ; sobre
eles estabeleceu o mundo’” (v. 8). Na Criação, Deus transfor-
mou as trevas em luz, o vazio em plenitude e o caos em ordem.
O cântico de Ana serve como a chave para interpretar
a história de 1 e 2Samuel. Nesses versos, ouvimos todos os
temas principais do livro. “... não é pela força que o homem
prevalece’” (v. 9) — veremos que não é o poder humano que
conta, mas 0 poder divino. “O S enhor [...] humilha e exalta”
(v. 7) — a frase estabelece a agenda para o livro. A primeira
vez em que encontramos Saul, somos informados de que “os
mais altos batiam nos seus ombros” (9.2). Mas, no final de
lSamuel, ele está caído no monte Gilboa (31.5,8). O refrão
do lamento de Davi por Saul é: “Como caíram os guerrei-
ros!” (2Sm 1.19,25,27). Em contraste, a primeira vez em que
encontramos Davi ele é descrito como “o caçula” ou o menor
24
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

dos filhos de Jessé (lSm 16.11). No entanto, no fim de sua vida


ele cantará, como Ana canta no inicio de lSamuel:"... ‘Tu me
exaltaste acima dos meus agressores’...” (2Sm 22.49).
A historia de Ana é contada porque ela faz parte de urna
historia maior — a historia da provisão divina de um Salvador.
O filho de Ana, Samuel, restabelecerá o governo de Deus sobre
o seu povo, substituindo o regime corrupto de Hofni e Fineias
(lSm 1.3; 2.12-17). Ele libertará o povo de seus inimigos e o
julgará com justiça (7.2-17).
Talvez Ana seja uma imagem também da igreja em nossa
geração. Somos favorecidos por Deus, mas parecemos estéreis.
Na maior parte do Ocidente, há uma ausência numericamente
significativa de filhos no sentido de convertidos. Em vez de
termos esses filhos, somos ridicularizados por nossos rivais.
Assim, precisamos da história e do cântico de Ana como um
lembrete de que o evangelho triunfará e Deus vindicará 0
seu nome.
Enquanto isso, o que devemos fazer? "... Ana [...], com a
alma amargurada [...] orou ao S enh or ” (1.9,10). Seria mara-
vilhoso se, daqui a séculos, quer neste mundo, quer na eter-
nidade, isso também pudesse ser dito sobre a igreja em nossa
geração. A esterilidade de
m
nossas igrejas e nossa fra- ái# A fraqueza da igreja
queza deveríam nos levar ao m
IífíSt deveria nos levar ao
Senhor em oração angus- Senhor em oração
tiada, e não nos afastar dele angustiada, e não nos
em derrota resignada.
m afastar dele em derrota
Ana termina o seu cân- -

resignada.
tico com estas palavras: “...
‘Ele dará poder a seu rei e exaltará a força [o chifre] do seu
ungido”’ (2.10). Isso talvez não nos impressione como espe-
cialmente notável. Mas na verdade é uma grande surpresa...
pois nesse momento da história não há rei em Israel! O que o
25
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

cântico de Ana diz é isto: “O rei de Deus está vindo e, quando


ele vier, abalará o mundo”. E isso dirige nossa atenção para
o futuro.

O c á n t ic o d e M a r ia
Porém, antes de olharmos para a frente, precisamos olhar para
trás. Ana pôde considerar sua experiência pessoal uma figura
dos propósitos de Deus para seu povo também porque sua
experiência não era nova. Ela não era a primeira mulher esté-
ril a receber um filho. De fato, cada um dos pais fundadores
de Israel (Abraão, Isaque e Jacó) teve uma esposa estéril: Sara
(Gn 15.1-6; 17.17-21; 1 8 . 1 0 2 1 . 1 - 7 ;15‫) ־‬, Rebeca (Gn 25.21)
e Raquel (Gn 29.30,31). Os paralelos com Raquel são espe-
cialmente notáveis. Tanto Raquel como Ana têm uma rival
que consegue ter filhos, mesmo que elas mesmas desfrutem do
amor maior de seu marido (Gn 29.30,31).
Os paralelos não se limitam aos patriarcas. Sansão também
nasce de uma mulher que anteriormente era estéril (Jz 13).
Números 6 faz provisão para um voto “nazireu” especial, que era
formalmente temporário. Mas Sansão será um nazireu perma-
nente e, embora Samuel não seja descrito como um nazireu, ele
também é apresentado como um nazireu permanente (ISm 1.28).
E então, quando olhamos adiante na história bíblica, a outra
pessoa que parece ser um nazireu permanente é João Batista. E ele
também nasce de uma mulher anteriormente estéril (Lc 1.5-25,
57-80). O paralelo entre Ana e I sabel é especialmente signi-
ficativo. Se Isabel é a nova Ana, então João precisa ser o novo
Samuel, que preparou o caminho para Davi. João prepara o
caminho para Jesus, o novo Davi. Jesus é o rei vindouro.
Ao longo de toda a história, Deus dá filhos a mulheres esté-
reis, o que indica que a salvação será realizada somente por
meio de seu poder e graça. Deus promete um povo a Abraão,
e este abençoará todas as nações. Mas, se Abraão não pode ter
26
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

filhos, a promessa não chega a se cumprir. Parece que Deus


cometeu um erro ao escolher o casal errado. No entanto,
Deus escolhe um casal estéril para demonstrar que do início ao
fim sua salvação será realizada por meio de seu poder e graça.
Ele é “o Deus que dá vida aos mortos e chama à existência
coisas que não existem” (Rm 4.17).
Repetidas vezes ele escolhe mulheres estéreis para desem-
penhar um papel fundamental na linhagem do Salvador. Mas,
quando se trata do próprio Salvador, Deus dá um passo além,
pois o Salvador nasce de uma virgem! Essa é a demonstração
suprema de que a salvação vem por meio do poder de Deus.
Assim como Ana, Maria entoa um cântico em resposta
à sua concepção. Uma comparação entre lSamuel 2.1-10 e
Lucas 1.46-55 sugere que o cântico de Maria é um eco deli-
berado do cântico de Ana. Ambas se regozijam na provisão de
Deus, mas a consideram um retrato do que Deus fará pelo seu
povo. Ambas descrevem uma série de reversões semelhantes.
O que aconteceu a Ana é o início da história da ascensão de
Davi ao seu trono. Do mesmo modo, o que aconteceu a Maria
é o início da história da ascensão de Jesus ao seu trono. O Rei
de Deus está vindo; e, quando vier, abalará o mundo.
Ana canta: “O S enhor mata e preserva a vida; ele faz descer
à sepultura e dela resgata. O S enhor é quem dá pobreza e
riqueza; ele humilha e exalta” (ISm 2.6,7). Jesus usa aqueles
que estão mortos no pecado e dá nova vida em seu nome. Jesus
usa aqueles esmagados pela culpa e os levanta para se sentarem
com ele em glória. Ele humilha em juízo aqueles se opõem
orgulhosamente a Deus, mas exalta aqueles que humildemente
admitem sua necessidade.

Q u a l la d o d a h is tó r ia ?
Essa história nos deixa com uma pergunta: “De qual lado da
história você está?”. Há dois reinos na história do mundo: o
27
!Sam uel 1.1-28; 2.1-11

reino deste mundo e o reino do Rei de Deus. E há dois tipos de


pessoas: aqueles que se opõem a Deus ou o ignoram e aqueles
que humilham a si mesmos diante dele. Há uma divisão radical
atravessando a historia. De um lado, estão os moralistas e auto-
confiantes. Do outro, estão os humilhados pelo seu pecado. As
vezes, eles são humilhados pela zombaria deste mundo.
Talvez você tenha feito escolhas relacionadas ao evange-
lho que significam que não pode ter o estilo de vida de seus
vizinhos. Talvez você tenha escolhido dar o seu tempo a servir
outros em vez de satisfazer suas vontades.Talvez tenha servido
em um acampamento infantil em vez de viajar ou como “ pas-
tores de ruas” em vez de ficar dormindo. Talvez você tenha
assumido uma situação pastoral muito desgastante. Talvez
tenha feito escolhas que significam enfrentar hostilidade. Você
fala em nome de Cristo, ainda que isso prejudique sua carreira
ou arruine seu dia. Talvez seja estéril como Ana e tenha esco-
lhido não aceitar um tratamento de fertilidade que acarretaria
a destruição de fetos humanos. A mensagem da história de
Ana e do cântico de Ana é esta: “Vale a pena”.
Samuel Zwemer, o chamado “apóstolo do islã”, perdeu duas
filhas em um período de oito dias. Barclay Buxton, missionário
pioneiro no Japão, também perdeu duas filhas. A certa altura, a
expectativa de vida média de missionários na Africa Ocidental
era de seis meses. Mas ainda assim eles iam, um após o outro,
sabendo que isso significava morte. Valeu a pena? Sim, valeu.
Vale a pena porque o Rei de Deus está vindo e, quando ele
vier, vai virar o mundo de ponta-cabeça. O que é perdido nesta
vida será ganho para a eternidade (Mc 8.34-38). Ana canta:
“... ‘ele humilha e exalta. Levanta do pó o necessitado [...] lhes
dá lugar de honra’...” (lSm 2.7,8). Esse é o seu futuro se você
se humilhar diante de Deus. Seu Rei prometeu: “... ‘todo o
que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado’”
(Lc 14.11).
28
! Sam uel 1.1-28; 2.1 ‫־‬11

Como sabemos? Porque o próprio Jesus preparou o caminho.


Ele “não considerou que a igualdade com Deus era algo a ser
usado para sua própria van-
mr
tagem”. Em vez disso, “assu- Vale a pena porque o
miu a própria natureza de Rei de Deus está vindo
um servo [...] e [...] humi- e, quando ele vier,
lhou-se a si mesmo ao se vai virar o mundo de
tornar obediente até a morte,
ponta-cabeça.
e morte de cruz!” (Fp 2.6-8,
NIV). Na cruz, Jesus desceu à sepultura (ISm 2.6). Ele foi
humilde, foi rebaixado e humilhado (v. 7). Mas Deus 0 vivificou
(v. 6). Deus o levantou da sepultura (v. 6). Deus o assentou em
um “lugar de honra” (v. 8). Jesus foi rebaixado mais do que Ana,
mais do que eu e você jamais poderiamos ser; mas “Deus o exal-
tou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo
nome” (Fp 2.9). Na ascensão de Jesus, Deus deu o primeiro
passo para virar o mundo de ponta-cabeça.
Você precisa ser humilde. Você pode ser rebaixado. E talvez
você até seja humilhado. Mas vale a pena. Sempre.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Qual expressão da oração de Ana encoraja você especial-
mente hoje?
2. Como o seu pecado está humilhando você ou como o
mundo está zombando de você neste exato momento?
3. Em que área de sua vida você precisa se lembrar: Vale a
pena? Como você permitirá que a verdade de que o Rei de
Deus chegou faça diferença para você hoje?

29
!SAMUEL■ CAPITULO 2 VERSÍCULOS 11-36

■ CAPÍTULO 3 VERSÍCULOS 1-21

■ CAPÍTULO 4 VERSÍCULO 1

2. UM SACERDOTE E
PROFETA VINDOURO

Havia uma crise em Israel. Cada um fazia 0 que lhe parecia


certo. Não havia absolutos morais, e o resultado era caos e
desordem. Em resumo, era uma nação arruinada pelo pecado.
Parte da solução de Deus era a provisão de expiação por
meio de sacerdotes e sacrifícios. Se você pecasse — quando
pecava — , podia ir ao Tabernáculo, ou Tenda do Encontro, o
lugar da presença de Deus, e encontrar expiação por meio de
um sacrifício oferecido por um sacerdote.
O problema era que essa crise se estendia diretamente à
casa de Deus. Longe de apontar o caminho de volta para Deus,
os sacerdotes estavam dando o exemplo de como se afastar
de Deus. Em seu cântico, Ana olhou para um tempo em que
os orgulhosos, os arrogantes e os presunçosos seriam derru-
bados (ISm 2.3-5). Tais pessoas, poderiamos pensar, seriam
encontradas entre os inimigos de Israel. Mas, no decorrer do
capítulo 2, o primeiro lugar em que as encontramos é entre os
sacerdotes de Israel em Siló!
Siló foi onde o Tabernáculo foi originariamente estabelecido
(Js 18.1) e era o lugar de assembléias nacionais significativas
!Sam uel 2 . 1 1 4 . 1 ;3.1-21

(Js 18.1-10; 19.51; 21.2). Essa cidade era efetivamente a capi-


tal e o centro religioso nacional. E estava podre.

Os filh o s ím p io s
O versículo 11 de 1 Samuel 2 faz a transição da historia de
Ana para a historia de Eli, com Samuel sendo a ligação entre
elas. A historia da família de Eli começa assim: “Os filhos de
Eli eram ímpios; não se importavam com o S enh or ” (v. 12).
“ímpios” é a tradução da NVI para “filhos de Belial” ou “filhos
da iniquidade”. A expressão “os filhos de” é muitas vezes usada
metaforicamente para indicar o caráter de alguém. Mas “os
filhos de Eli eram filhos da iniquidade” também sugere que Eli
era cúmplice na iniquidade deles.
A primeira ofensa dos sacerdotes é contra o povo (v. 13,14).
Os sacerdotes tinham direito ao peito e à coxa direita dos
sacrifícios (Lv 7.31,32; D t 18.3). Mas Hofni e Fineias estão
explorando o povo ao qual deveriam estar servindo. Mandam
seu servo se apropriar de tudo o que possa pegar com um garfo.
A palavra do versículo 13 traduzida por “prática” ou “costume”
na NIV (bem como na ARC, ARA e A21) é literalmente “jus-
tiça” (tem a mesma raiz que a palavra usada para descrever “os
juizes”). Essa é a justiça de Hofni e Fineias — roubar a comida
que era oferecida para sacrifício.
O versículo 15 de lSamuel2começacom“alémdisso”(ESV).
Havia mais em seus crimes. Por quê? Eles também estavam
maltratando Deus, na verdade roubando-o (v. 15,16). A gor-
dura do animal era a porção do Senhor (Lv 3.3,4,9,10,14-16),
chamada de “as ofertas de comida do S enh or ” e “o pão de seu
Deus” (Lv 21.21,22, ESV). Mas Hofni e Fineias insistiam em
tomar o alimento junto com a gordura ainda nele, roubando a
porção do Senhor — por força, se necessário (lSm 2.16). O
veredito é claro: “O pecado desses jovens era muito grande à
31
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

vista do S e n h o r , pois eles estavam tratando com desprezo a


oferta do S enhor ” (v. 17).
E as coisas ainda pioram. “Eli, já bem idoso, ficou sabendo
de tudo o que seus filhos faziam a todo o Israel e que eles
se deitavam com as mulheres que serviam junto à entrada da
Tenda do Encontro” (v. 22). Hofni e Fineias estão transfor-
mando o Tabernáculo em um bordel.

O p a i c o m p la c e n t e
Eli ouve o que seus filhos estão fazendo e os confronta (v. 22-25).
Mas sua liderança é ineficaz (v. 25). Talvez estejamos tentados
a ter empatia com ele. Afinal de contas, a maioria dos pais
conhece a frustração de lidar com filhos que não ouvem. Mas
Deus lhe pede contas;"... ‘Por que você honra seus filhos mais
do que a mim, deixando-os engordar com as melhores partes
de todas as ofertas feitas por Israel, o meu povo?’” (v. 29). Eli
honrou seus filhos mais do que a Deus. De fato, a implicação
do versículo 29 é que Eli se beneficiava conscientemente dos
crimes deles, também engordando com a gordura do sacri-
fício. Talvez fosse um pai que não conseguia mudar o coração
de seus filhos; mas também era um sumo sacerdote que pode-
ria impedir o trabalho de seus filhos no Tabernáculo. Mas
não impediu.
Em 1.16,Eli acusou Anade ser uma “mulher vadia”(“mulher
sem valor”, A21), literalmente “uma filha da iniquidade” (“filha
de Belial”, ARA). Mas em 2.12 seus próprios filhos são verda-
deiramente “filhos da iniquidade” (“filhos de Belial”, ARA).
Talvez Eli tenha confundido a oração de Ana com embriaguez
simplesmente porque o problema era extremamente comum
em Siló. Eli repreendeu Ana como uma filha da iniquidade,
ainda que ela não fosse, mas se recusava a repreender seus
filhos como filhos da iniquidade, ainda que fossem.
32
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

O ju íz o d a f a m ília
Em seu cântico, Ana canta: “Não falem tão orgulhosamente,
nem saia de suas bocas tal arrogância, pois o S enhor é Deus
sábio; é ele quem julga os atos dos homens” (v. 3). Os atos da
família de Eli estão prestes a ser julgados e encontrados em falta.
Um homem de Deus vai a Eli (v. 27). Ele começa descre-
vendo o que Deus tem feito pela família de Eli:

■ Deus revelou (v. 27). Deus se revelou aos ancestrais dos


membros de sua família. Isso implica que eles sabiam
como viver diante de Deus e que Deus havia iniciado
um relacionamento com eles.
■ Deus escolheu (v. 28). Deus os escolheu para desfrutarem
de todos os privilégios do sacerdócio.
■ Deus deu (v. 28). Deus lhes deu comida suficiente.

Mas a casa de Eli zombou do sacrifício (v. 29). O significado


literal é “chutar os sacrifícios”. Uma versão contemporânea
poderia ser: Fiz tudo isso por vocês e em troca vocês me cospem na
cara. Portanto, Deus diz: “... ‘Honrarei aqueles que mc honram,
mas aqueles que me desprezam serão tratados com desprezo’”
(v. 30). “... de Deus não se zomba...”, diz Paulo em Gálatas 6.7.
A iro nia é que Fineias havia recebido seu nome conforme
um de seus ancestrais na família de A rão e, no entanto, era
totalmente diferente de seu homônimo. Números 25 descreve
como em Sitim, enquanto Moisés estava conduzindo o povo
no deserto, a nação de Moabe veio com um plano para trazer
juízo a Israel. As mulheres de Moabe seduziram os homens de
Israel e depois os convidaram para participar de sua adoração
idólatra. Assim, Deus enviou uma praga ao povo e ordenou
que Moisés executasse os líderes. Mas, até mesmo enquanto o
povo estava chorando pelo seu pecado, um homem trouxe uma
mulher midianita ao acampamento. Logo, o primeiro Fineias,
33
!Sam uel 2.11-36; 3 . 1 4 . 1 ;21‫־‬

um neto de Arão, seguiu-os até sua tenda e atravessou a ambos


com uma lança de uma só vez. Nesse momento, a praga cessou.
O nome “Fineias”, dado a um dos filhos de Eli, traz à lem-
brança essa história. Mas este Fineias é o vilão, e não o herói. O
primeiro Fineias tinha zelo pela honra de Deus e colocou um
fim na fornicação . Consequentemente, Deus prometeu que
a casa de Arão seria um sacerdócio permanente. O segundo
Fineias trata Deus com desprezo (ISm 2.17) e inicia a fornica-
ção. Consequentemente, Deus promete dar um fim a seu ramo
da família de Arão (v. 30-33).
Ao longo dos anos seguintes, os descendentes de Eli morrem
prematuramente (22.9-23) e são finalmente removidos do
sacerdócio por Salomão (lRs 2.26,27). O autor de 1 e 2Reis
descreve tal fato específicamente como um cumprimento da
palavra de Deus a Eli (lRs 2.27). O sinal de que isso acontece-
ria é que Hofni e Fineias morreríam no mesmo dia, que, como
veremos, é o que acontece em lSamuel 4.11,18.
Em seu cântico, Ana canta: “O s que tinham muito, agora
trabalham por comida’...” (2.5). A família de Eli “tem muito”
(2.12-17). Mas eles trabalharão por comida: “Então todo o
que restar da sua família virá e se prostrará perante ele, para
obter uma moeda de prata e um pedaço de pão. É lhe implo-
rará que o ponha em alguma função sacerdotal, para ter o que
comer” (v. 36). Ser sentenciado a roubar “o pão de Deus” (v. 15;
Lv 21.21,22, ESV) é ser forçado a implorar por pão (ISm 2.36).
O cântico de Ana nos deixou a pergunta: “Como Israel
encontrará um rei?”. A primeira resposta é negativa: não por
meio do sacerdócio.

A a sc e n sã o d e Sam uel
Entrelaçados em toda a história estão pequenos fragmentos
sobre a ascensão de Samuel. À primeira vista, isso poderia pare-
cer um uso malfeito das fontes de informação, com diversos
34
!Sam uel 2.11-36; 3 . 1 4 . 1 ;21‫־‬

resumos semelhantes inseridos na historia. Um editor poderia


ter dito ao autor que removesse a repetição desnecessária! Mas,
na verdade, há um movimento engenhoso entre Samuel e os
filhos de Eli.

2 . 11: Samuel ministra

2. 12- 17: A família de Eli


2 . 18- 21 : Samuel ministra
não ministra

2 . 22- 25 : A família de Eli 2 . 26 : Samuel ach a 0


é criticada pelo povo favor do povo

2 . 35 , 36 : Um novo
2 . 27- 34 : A família de
sacerdote servirá para
Eli acab ará
sempre

3 . 1: Samuel ministra

Toda a seção é envolvida por duas declarações-resumo


quase idênticas:

■ 2.11: “... o menino começou a servir o S enhor sob a


direção do sacerdote Eli”.
■ 3.1: “O menino Samuel ministrava perante o S enh or ,
sob a direção de Eli...”.

A única diferença é que em 3.1 Samuel é citado e Eli já não


é descrito como sacerdote. Seu sacerdócio está desacreditado e
se encerrou.
Também é significativo o modo com que Samuel é des-
crito. Três vezes somos informados de que ele ministra, ou
serve, perante o Senhor (2.11,18; 3.1), e o verbo “ministrar”,
ou “servir”, é muitas vezes usado para descrever a atividade de
35
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

sacerdotes. Em 2.20, Eli ora: “... ‘O S enhor dê a você filhos


desta mulher no lugar daquele por quem ela pediu e dedi-
cou ao S enhor ’...”. Ana de fato tem mais cinco filhos (v. 21).
A oração de Eli deixa implícito que eles são dados por Deus
em troca de Samuel, que agora pertence ao Senhor. Em 2.18,
ficamos sabendo que ele veste uma túnica de linho, também
chamada de éfode ou colete sacerdotal , que é o que um
sacerdote veste (v. 28; veja também 22.18).
Samuel também foi descrito como um nazireu. Ana fez o
voto de que dedicaria Samuel ao Senhor, e a sua referência a
ele nunca cortar o cabelo e a barba sugere que ele era um nazi-
reu (1.11). De acordo com Números 6, alguém que fazia o voto
de nazireu não podia beber vinho ou comer uvas, nem cortar
o cabelo ou tocar os mortos. Nisso, eles eram semelhantes ao
sumo sacerdote, que não podia beber vinho no santuário ou
tocar os mortos (Lv 10.9-11; 21.1-3,10,11). O que o sumo
sacerdote não podia fazer no santuário os nazireus não podiam
fazer em nenhum lugar. Em outras palavras, eles tratavam o
mundo todo como um lugar santo, um lugar dedicado a Deus.
Em outras palavras, eles tratavam a totalidade de seu tempo
como santo, e não somente o tempo que passavam no santuário.
Assim, os nazireus eram, em certo sentido, um sacerdócio no
mundo e ao mundo. O seu serviço sagrado ocorria fora do san-
tuário no mundo (muitas vezes assumindo a forma de guerra
santa), enquanto o serviço sagrado dos sacerdotes ocorria no
santuário. Samuel personificaria o chamado de Deus a Israel
para ser um reino de sacerdotes (Éx 19.5,6). Ele é como os
cristãos sob a nova aliança: um reino de sacerdotes servindo a
Deus no mundo e tratando toda a vida como santa.
Samuel era levita, mas não da família de Arão. Assim, ele
era qualificado para servir no templo, mas não para ser sacer-
dote. No entanto, ele é apresentado aqui praticamente como
um sacerdote, como um substituto da família caída de Eli.
36
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

Ele continuaria oferecendo sacrifícios pelo povo (lSm 7.9,10;


10.8; 16.2,3). Os membros da família de Eli são sacerdotes de
Arão, mas eles não agem como sacerdotes. Samuel não é um
sacerdote de Arão, mas ele age como um verdadeiro sacerdote.

Um s a c e r d o t e p a r a s e m p r e
A ascensão de Samuel é um sinal da queda da família de Eli.
Mas também é um sinal de que Deus pode levantar para si
mesmo um sacerdote fora da família de Arão. E isso é preci-
sámente o que Deus promete por meio do homem de Deus
em 2.35: “Levantarei para mim um sacerdote fiel, que agirá
de acordo com o meu coração e o meu pensamento. Edificare!
firmemente a família dele, e ele ministrará sempre perante o
meu rei ungido”.
Talvez haja aqui uma alusão direta a Zadoque e sua famí-
lia sacerdotal, que adquirem legitimidade sob Davi e Salomão
(2Sm 8.17; lRs 1 . 7 , 8 , 3 2 4 . 1 - 4 ;2.26,27 ;34‫)־‬. Mas fu
mentalmente essa é uma alusão a Jesus, que não é da famí-
lia de Arão. Esse era um sacerdócio falho (Hb 7.11), incapaz
de salvar completa e eternamente. Até mesmo os melhores
desse sacerdócio precisavam continuar repetindo os sacrifícios.
Assim, Deus promete um sacerdote vindouro, Jesus.
Jesus é um sacerdote melhor porque é eterno (Hb 7.11-19,
23-25). Seu sacerdócio é baseado em sua ressurreição: "... o
poder de uma vida indestrutível” (Hb 7.16). E Jesus é um sacer-
dote melhor porque é designado diretamente pelo juramento
de Deus (Hb 7.20-22,28). O resultado é que Jesus apresenta
“uma esperança superior” (Hb 7.19) e é “a garantia de uma
aliança superior” (Hb 7.22).
Conforme declara Hebreus 7.26,27: “É de um sumo sacer-
dote como este que precisávamos: santo, inculpável, puro, sepa-
rado dos pecadores, exaltado acima dos céus. Ao contrário dos
outros sumo sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer
37
!Sam uel 2.11-36; 3 . 1 4 . 1 ;21‫־‬

sacrifícios dia após dia, primeiro por seus próprios pecados e,


depois, pelos pecados do povo. E ele o fez uma vez por todas
quando a si mesmo se ofereceu”.
Pense no contraste com a família de Eli. Jesus é santo,
inculpável, puro e separado dos pecadores. Ele não tira algo de
nós, mas “a si mesmo se ofereceu” por nós.
Em lSamuel 2.25, Eli pergunta: “‘Se um homem pecar
contra outro homem, Deus poderá intervir em seu favor;
mas, se pecar contra o S e n h o r , quem intercederá por ele?’...”
(NIV). Se você tem um pecado secreto que não pode contar
a ninguém — e isso significa que você se mantém distante de
Deus —, quem falará por você? Quem intervirá? A resposta
vem dez versículos depois.
Quem falará por Jesus intervirá. Deus levan-
você diante de Deus? tará um sacerdote fiel, que
“é capaz de salvar definitiva-
Jesus falará.
mente aqueles que, por meio
dele, aproximam-se de Deus, pois vive sempre para interceder
por eles” (Hb 7.25).
Que diferença real faz para nós ter um sacerdote para sem-
pre? O texto de ljoão 2.1 diz: “... temos um intercessor junto
ao Pai, Jesus Cristo, 0 Justo”. Essa verdade aparece no fim de
três afirmações cuja falsidade João expôs:

s “Se afirmarmos que temos comunhão com ele, mas


andamos nas trevas...” (ljo 1.6).
® “Se afirmarmos que estamos sem pecado...” (ljo 1.8).
■ “Se afirmarmos que não temos cometido pecado...”
(ljo 1.10).

Por “andar nas trevas”, João quer dizer esconder o nosso


pecado em vez de levá-lo à luz da Palavra de Deus. João expõe
a falsidade de cada uma dessas afirmações. Se escondermos,
38
!Sam uel 2 . 1 1 4 . 1 ;3.1-2

negarmos ou minimizarmos nosso pecado, mentimos, engana-


mos a nós mesmos e fazemos de Deus um mentiroso. Mas a
promessa gloriosa é que podemos levar nosso pecado à luz,pois
temos um sacerdote para sempre. "... o sangue de Jesus [...] nos
purifica de todo pecado” (ljo 1.7). Você e eu temos um sacer-
dote na presença de Deus, e por meio dele somos purificados
e perdoados. “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e
justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda
injustiça” (ljo 1.9). Confessamos com confiança e liberdade
porque temos Jesus como nosso sacerdote.
Ocultar, minimizar ou desculpar seu pecado é viver nas tre-
vas. Mas seu sacerdote o chama para a luz. Não há necessi-
dade alguma de se esconder e necessidade alguma de temer
a exposição. Uma vez que temos um sacerdote para sempre, a
confissão leva ao perdão e à liberdade.

P e r g u n ta s |para reflexão
1. Suas atividades religiosas são feitas para você mesmo, e não
para Deus? De que modo?
2. Considerar Jesus como o seu sumo sacerdote ajuda você a
apreciar mais plenamente o que ele fez e faz por você?
3. De que maneira você precisa pedir que Jesus interceda em
seu favor hoje?

SEGUNDA PARTE

Um p r o fe ta v in d o u r o
A história de um profeta vindouro em lSam uel2.ll—3.1 começa
e termina do mesmo modo: “O menino Samuel ministrava
39
!Sam uel 2 . 1 1 4 . 1 ;21 ‫־‬36 ; 3.1 ‫־‬

perante o S enhor , sob a direção de Eli...”. A historia seguinte


começa e termina de modos absolutamente contrastantes:

‫יי‬ "... naqueles dias raram ente o S enhor falava, e as visões


não eram frequentes” (3.1).
* “E a palavra de Samuel espalhou-se por todo o Israel...”(4.1).

Passamos de uma nação sem palavra à palavra alcançando


todo o Israel. De fato, o autor termina a história com quatro
resumos. Qualquer um deles poderia ter constituído um clí-
max apropriado à história. Mas, para que tenhamos certeza de
que entendemos o que está acontecendo, temos quatro afirma-
ções que, juntas, transmitem a mensagem.

® “... o S enhor [...] fazia com que todas as suas palavras


[de Samuel] se cumprissem” (3.19).
* “Todo o Israel, desde Dã até Berseba, reconhecia que Samuel
estava confirmado como profeta do S enhor ” (3.20).
“O S enhor [...] havia se revelado a Samuel por meio de
sua palavra” (3.21).
* “E a palavra de Samuel espalhou-se por todo o Israel...”(4.1).

A p a la v r a d o S e n h o r é ra ra
Em 3.1, o autor não somente diz que a palavra de Deus era
rara, mas que “as visões não eram frequentes”. Então imediata-
mente, quanto a Eli, ficamos sabendo que seus olhos “estavam
ficando tão fracos que já não conseguia mais enxergar” (v. 2). Eli
não consegue enxergar nem fisicamente nem espiritualmente.
O versículo 3 diz: “A lâmpada de Deus ainda não havia
se apagado...”. Em certo sentido, essa era simplesmente uma
referência ao período do dia. A lâmpada no Tabernáculo deve-
ria ficar acesa durante toda a noite (Ex 27.20,21; Lv 24.1-4).
40
!Sam uel 2.11-36; 3 . 1 4 . 1 ;21‫־‬

Mas é evidente que o autor também tem em mente um signifi-


cado simbólico. Os olhos de Eli estão literalmente “fracos” em
ISamuel 3.2. Agora temos a imagem de uma lâmpada quase
se apagando. A luz que ela lança é fraca. Mas ela ainda não se
extinguiu. Ainda há esperança.
A palavra de Deus é rara, e a luz que ela produz é fraca.
Talvez seja assim que você se sinta quanto à sociedade em que
vive ou até mesmo à sua igreja hoje. O capítulo 3 de ISamuel
nos diz que podemos confiar na palavra de Deus. Deus não
se calará.

A p a la v r a d e D e u s v e m
Os filhos de Eli “não conheciam o S enhor ” (2.12, ESV). Em
3.7, lemos que “Samuel ainda não conhecia o S enhor ”. Mas a
situação deles é muito diferente. Os filhos de Eli têm um pro-
blema moral que os cegou ao conhecimento de Deus. Samuel
está esperando para ser chamado por Deus. Enquanto Eli está
“deitado em seu próprio lugar” (v. 2, ESV), Samuel “estava dei-
tado no santuário do S enh or ” (v. 3), o lugar em que ele minis-
tra perante o Senhor e onde Deus está presente (2.11,18,21;
3.1). O autor também nos lembra de que esse é o local da arca
de D eus (v. 3). A arca continha as tábuas de pedra sobre as
quais a aliança havia sido escrita. Assim, ela atuava como um
lembrete a Deus e ao povo das promessas da aliança que os
unia. O cenário está pronto. Samuel está na presença de Deus
com um lembrete da aliança de Deus.
Samuel ouve o que presumivelmente é uma voz audível
chamando-o. “... ‘Eis-me aqui’...”, ele responde (v. 4, NIV). Ele
pressupõe que Eli o está chamando e, assim, vai até Eli, que
diz: “...‘Não o chamei; volte e deite-se’...” (v. 5). A mesma coisa
acontece pela segunda vez (v. 6). A história está adquirindo um
tom quase cômico.
41
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

Mas, quando isso acontece pela terceira vez, Eli percebe


que Samuel não está simplesmente ouvindo os sons da noite.
Algo significativo está acontecendo: “... Eli percebeu que o
S enhor estava chamando o menino e lhe disse: ‘Vá e deite-se;
se ele chamá‫־‬lo, diga: “Fala, S e n h o r , pois o teu servo está
ouvindo”’...” (v. 8,9).
Samuel então encontra Deus pela quarta vez. Mas dessa
vez parece ser mais do que urna voz. Deus aparece a Samuel.
“O S enhor voltou a chamá-lo como nas outras vezes:
‘Samuel, Samuel!’. Samuel disse: ‘Fala, pois o teu servo está
ouvindo”’ (v. 10).
Dessa vez, Deus repete o nome de Samuel: “Samuel,
Samuel!”. Isso ecoa o modo de Deus chamar Moisés. Deus
o chamou da sarça ardente: “Moisés, Moisés!”. E Moisés res-
pondeu como Samuel respondeu nas primeiras vezes em que
foi chamado: “Eis-me aqui” (Ex 3.4). Deus está chamando
Samuel como chamou Moisés (e como Moisés prometeu que
Deus faria em D t 18.18).
Esse é o chamado de Deus a Samuel para ser o seu pro-
feta. Consequentemente, Samuel é reconhecido como profeta
e começa o seu ministério de levar a palavra de Deus ao povo
de Deus (lSm 3.19-21).
Mas esse chamado também contém uma palavra especí-
fica a Eli (lSm 3.11-14). Deus está prestes a fazer algo que
“fará tinir os ouvidos de todos os que ficarem sabendo” (v. 11).
Ele destruirá a família de Eli (v. 12,13), exatamente como ele
advertiu por meio do “homem de Deus” no capítulo 2. Eli não
repreendia seus filhos, de modo que Samuel precisa repreender
seu pai adotivo (Eli o chama de “meu filho” em 3.16). A pala-
vra de Deus a Samuel termina assim: “... ‘Jamais se fará pro-
piciação pela culpa da família de Eli mediante sacrifício ou
oferta”’ (v. 14). Não é de admirar que Samuel esteja relutante
em passar a mensagem adiante.
42
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

Eli mostrou desprezo pelas ofertas sacrificiais. Mas não há


outro modo de expiação. Rejeitar o sacrifício de Deus é rejeitar
qualquer esperança de sua própria culpa ser expiada. Os sacri-
fícios do Antigo Testamento apontam para o sacrifício de Jesus
na cruz. Assim, do mesmo modo, tratar a cruz com desprezo é
rejeitar qualquer esperança de nossa culpa ser expiada. Como
o autor de Hebreus destaca:

Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que rece-


bemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício
pelos pecados, mas tão somente uma terrível expectativa de
juízo e de fogo intenso que consumirá os inimigos de Deus.
Quem rejeitava a Lei de Moisés morria sem misericórdia pelo
depoimento de duas ou três testemunhas. Quão mais severo
castigo, julgam vocês, merece aquele que pisou aos pés o Filho
de Deus, profanou o sangue da aliança pelo qual ele foi san-
tificado, e insultou o Espírito da graça? Pois conhecemos
aquele que disse: ‫״‬A mim pertence a vingança; eu retribuirei”;
e outra vez: “O Senhor julgará o seu povo”. Terrível coisa é
cair nas mãos do Deus vivo! (Hb 10.26-31).

Não que haja pecados que estão além do escopo da cruz.


Não há pecados grandes demais que a graça de Deus não possa
cobrir no sangue de Cristo. A questão é esta: se você rejeita a
cruz de Cristo, rejeita o único modo de salvação. Se “chutar” o
sacrifício de Cristo, então você não tem mais para onde ir.
Em seguida, “a palavra de Samuel espalhou-se por todo
0 Israel” (ISm 4.1). Mas na verdade não há mais referência
alguma a Samuel no capítulo. Assim, 3.11-14 é a palavra de
Samuel, e o capítulo 4 é a sua palavra se concretizando com
as mortes de Hofni, Finetas e Eli. Isso é a palavra de Samuel
“espalhando-se” pela nação, a evidência de que Samuel é o
43
!Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

profeta de Deus (3.20) à medida que Deus atua para cumprir


a palavra de seu profeta (3.21).

A p a la v r a d e D e u s s e e s p a l h a e
v e m a n ó s h o je
Israel estava em uma crise desesperadora. Não havia governo,
e a casa de Deus estava horrivelmente comprometida. O que
Deus fez? Ele enviou a sua palavra. Ele levantou um profeta.
Deus sempre atua assim para mudar o status quo. Ele envia a
sua palavra. No princípio, Deus criou o mundo por meio de sua
palavra. Ele falou às trevas e houve luz. Ele produziu ordem do
caos e plenitude do vazio por meio de sua palavra. Criou vida
por meio de sua palavra e governou o seu povo por meio de
sua palavra. E continua governando a história por meio de sua
palavra. Ele ainda traz luz por meio de sua palavra. Ele ainda
traz vida por meio de sua palavra. Assim como criou por meio
de sua palavra, ele também recria por meio de sua palavra.
Assim, do que mais precisamos em uma crise? Da Palavra
de Deus. E precisamos de confiança na Palavra de Deus.
Nas crises de sua vida, você precisa da Palavra de Deus. A
Palavra de Deus revigora a alma, torna-nos sábios, restaura a
alegria em nosso coração e traz luz aos nossos olhos (SI 19.7,8).
Precisamos ler continuamente a Bíblia, envolver-nos com a
pregação de nossa igreja, falar a Palavra uns aos outros e lem-
brar o nosso próprio coração da Palavra de Deus. Lembro-me
de haver pastoreado um casal cujo casamento estava em crise.
Quanto mais falávamos, pior ficava. A recriminação e as diver-
gências pareciam somente ser amplificadas com nossa conversa
sobre a situação. Mas, ao orarmos usando a Palavra de Deus, o
coração deles suavizou-se e eles choraram em arrependimento.
De que eles mais precisavam em seu momento de crise? De
que Deus enviasse a sua palavra.
44
!Sam uel 2 . 1 1 4 . 1 ;3.1-2

Da mesma forma, na crise de nossa cultura precisamos da


Palavra de Deus. Nossa esperança não está em uma legislação
que defenda o cristianismo. Ela não virá por meio de métodos
chamativos ou cultos animados que seguem as últimas tendên-
cias. Nunca conseguiremos concorrer com o entretenimento
de Hollywood.
Hoje, já não há um Samuel. Temos um mensageiro maior.
“Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias manei-
ras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nes-
tes últimos dias falou-nos
por meio do Filho, a quem Nossa esperança não
constituiu herdeiro de todas está na legislação, em
as coisas e por meio de quem métodos chamativos
fez o universo” (Hb 1.1,2). ou cultos animados
Jesus é o profeta que veio ; que seguem as últimas
revelar Deus. No passado,
tendências.
diz Hebreus, Deus falou
durante a noite a profetas como Samuel. Agora Deus “falou-nos
por meio do Filho”. Jesus é a palavra de Deus. E vemos Jesus
nas Escrituras: a promessa inspirada pelo Espírito de sua vinda
(no Antigo Testamento) e o relato de sua vinda (no Novo
Testamento).
A mensagem dessa parte de 1Samuel não é que devemos
ter a expectativa de que Deus nos fale do mesmo modo que
falou a Samuel, muito menos exigir que ele o faça. Samuel
estava sendo chamado como um profeta do mesmo tipo que
Moisés. Você e eu não estamos nessa categoria! Não, a mensa-
gem é que Deus falou. E ele nos falou em seu Filho e por meio
de sua Palavra. Ele falou e devemos ouvir. Ele falou e devemos
passar adiante essa palavra.
Se hoje a palavra de Deus é rara, a razão não é que Deus
esteja quieto. Deus falou, de modo bastante audível e claro.
Se hoje a palavra de Deus é rara, a razão é que as pessoas não
45
¡Sam uel 2.11-36; 3.1-21; 4.1

ouvem e os cristãos não falam. A razão é que o povo de Deus


suavizou o que não aprecia ou simplesmente não tem mais cer-
teza de que alguém ouvirá. Paulo advertiu Timóteo: “Pois virá
o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário,
sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos,
segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvi-
dos à verdade, voltando-se para os mitos” (2Tm 4.3,4).
As pessoas sentem coceiras nos ouvidos por qualquer coisa
que não seja a verdade. É muito tentador voltar-se para outras
coisas. Mas esta é a exortação de Paulo a Timóteo e a nós:
“Você, porém, mantenha a cabeça no lugar em todas as situa-
ções, suporte as provações, faça a obra de um evangelista, cum-
pra todas as tarefas do seu ministério” (2Tm 4.5, NIV). Não se
desespere. Mantenha a cabeça no lugar. Não se desvie do curso.
Continue evangelizando. Continue mesmo quando for difícil.
Não satisfaça a coceira nos ouvidos de seus ouvintes. Em vez
disso, fale a palavra de Cristo — a palavra que consegue fazer
os ouvidos tinir! Em uma crise, Deus fala. Em uma crise, pre-
cisamos ouvir e passar adiante o que ele diz.

P e r g u n ta sjp a r a r e íle x a o
1. Quando e por que você fica tentado a perder a confiança no
poder da palavra de Deus?
2. A palavra de Deus é rara porque você não fala? O que você
fará a respeito disso?
3. De que modo a ordem de Deus a Samuel e a ordem de
Paulo a Timóteo tanto inspiram como desafiam você?

46
!SAMUEL - CAPÍTULO 4 VERSÍCULOS 1-22

■ CAPÍTULO 5 VERSÍCULOS 1-12

- CAPÍTULO 6 VERSÍCULOS 1-21

■ CAPÍTULO 7 VERSÍCULOS 1-17

3. O PESO DE GLÓRIA

Alguém estava me contando recentemente que sua avó ama


anjos e tem a casa cheia dê imagens deles. O que isso significa?
Penso que a pessoa obtém todo o conforto de uma realidade
divina sem nenhuma das exigências. É um modo de domesti-
car Deus. (A ironia disso é que, sempre que anjos aparecem na
Bíblia, as pessoas ficam apavoradas!)
Você já chegou a se indagar por que nossa cultura ainda
trata o Natal como um grande evento, mesmo afastando-se
cada vez mais de Deus? Repetindo, a resposta é que um Natal
assim oferece uma versão domesticada de Deus. Gira em torno
do “menino Jesus”. Conseguimos lidar com o bebê na manje-
doura, mas não com o homem na cruz ou com o Senhor em
seu trono celestial.
No século 16, William Tyndale sofreu o martírio por ter
traduzido a Bíblia para 0 inglês. A Igreja Católica havia criado
uma série de rituais de pe n itê n c ia s , missas e indulgências
que controlavam a graça de Deus. Esses rituais haviam domes-
ticado Deus, controlando suas exigências. A tradução da Bíblia
para que todos pudessem lê-la ameaçava o sistema.
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

E você? Como domestica Deus? Uma resposta para mim


é que eu obtenho meus padrões de outros cristãos. O que
faço com meu dinheiro ou tempo, onde vivo e o que digo são
aspectos moldados por outras pessoas, e não pela Palavra de
Deus. Interpreto a vontade de Deus por meio de um filtro
daquilo que parece “fazer sentido”. Domestico Deus. Não levo
Deus a sério.
Queremos que a vida tenha leveza. Mas, se considerar-
mos uma palavra que vem da mesma raiz, “leviano”, certa-
mente estamos nos referindo a alguém que não leva a vida
muito a sério. Em comparação, o termo “pesado” muitas vezes
está associado a algo sério, como quando falamos de uma ideia
de peso, de um coração pesado, de perdas pesadas, de um baque
pesado, associando com isso a gravidade de uma situação.
A Bíblia faz a mesma ligação. Em hebraico, a palavra “gló-
ria” (kabod) tem a mesma raiz que a palavra “pesado” (kebed).
A glória de Deus é o seu peso, a sua substância, a sua gravi-
dade. A glória de Deus é a extensão de seu peso. Obviamente,
Deus não tem um corpo, de modo que não está se referindo
literalmente ao peso dele. Sua glória é a seriedade com que
precisamos interagir com ele.
O que significa o peso da glória de Deus?

V ocê n ã o p o d e u sa r D eu s
Em lSamuel 4.1, os israelitas saem para lutar contra os filis-
teus, nação que descendia dos egípcios (Gn 10.14; lC r 1.12).
Nesse momento em sua história, eles haviam se estabelecido
no litoral da Palestina, em cinco cidades-Estado, tornando-se
com isso a principal ameaça para Israel.
A história não começa bem. Israel é leviano com Deus. Em
lSamuel 4.1,2, Israel vai para a batalha sem Deus... e perde.
O povo se vê desnorteado: “...‘Por que o S enhor deixou que
48
!Sam uel 4.1-22; 5 . 1 7 . 1 - 1 7 ;6.1

os filisteus nos derrotassem?’.‫” ״‬, perguntam . A resposta que


encontram é “buscar a arca da aliança do S enh or ” (v. 3).
A arca era uma caixa ornamentada que continha as duas
tábuas de pedra que Moisés havia trazido do topo do monte
Sinai. Quando faço um contrato com um editor para escrever
um livro, assinamos duas cópias. Fico com uma e eles com
outra, para que cada parte se mantenha fiel ao acordo. Era
assim também no antigo Oriente Médio. Quando alguém
fazia uma aliança ou tratado, cada uma das partes tinha um
registro em pedra, que então guardava no templo de seu deus.
Assim, as duas tábuas de pedra que Moisés trouxe do monte
Sinai são a cópia de Deus e a cópia de Israel da aliança que
Deus fez com o seu povo. E ambos guardam uma cópia em
seu templo — que, nesse caso, é o mesmo lugar, o Tabernáculo.
Assim, a arca é um lembrete a cada um deles de suas obriga-
ções da aliança. Também contém uma amostra do maná, o pão
do céu que Deus havia provido milagrosamente para seu povo
em sua peregrinação no deserto (Êx 16). Dessa forma, a arca é
também um lembrete da provisão de Deus no passado.
Acima de tudo, a arca era um símbolo da presença de Deus,
deixando de ser mencionada na história de Israel após ser colo-
cada no templo. De fato, era o símbolo portátil da presença de
Deus entre seu povo. E depois dá lugar ao templo, símbolo
permanente dessa presença.
A arca deveria permanecer no Tabernáculo. Mas os israe-
litas a levam para o campo de batalha, pois acreditam que, se
colocarem esse símbolo da presença de Deus entre eles, vence-
rão a batalha. Quando a arca chega ao acampamento israelita,
“todos os israelitas gritaram tão alto que o chão estremeceu”
(ISm 4.5). É um modo de tentar usar Deus, forçá-lo a atuar
em seu favor. Não estão levando Deus a sério. Acham que
podem simplesmente atraí-lo para os seus propósitos.
49
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

A ironia é que os filisteus levam Deus a sério. Eles ouvem o


grito e descobrem o que está acontecendo. O resultado é que
eles ficam com medo (v. 6,7). Eles têm uma teologia melhor
que a do povo de Deus. Lembram a história do Êxodo: “Ai de
nós! Quem nos livrará das mãos desses deuses poderosos? São
os deuses que feriram os egípcios com toda espécie de pragas,
no deserto”(v. 8). Eles sabem
Os israelitas ' V que precisarão lutar como
acham que podem
simplesmente atrair ¡¡‫ן‬
H nunca lutaram (v. 9). Há
duas referências ao Êxodo
na história — e ambas vêm
Deus para os seus
propósitos.
s dos filisteus (4.8; 6.6). Eles
lembram. Tenho certeza de
que os israelitas nos poderiam contar as histórias, caso pedisse-
mos. Mas eles não vivem à luz da história. Os filisteus sim, por
isso ficam com medo. Eles se lembram do que Deus pode
fazer. Sabem que Deus é sério.
Em 1Samuel 4.1,2, Israel saiu à batalha sem Deus e per-
deu. Nos versículos 10 e 11, Israel sai à batalha com Deus, e
ainda assim perde. E perde porque, afinal, tentou usar Deus;
e Deus não pode ser usado por nós.
É possível que tratemos Deus como um garçom em um res-
taurante. Você se senta com seus amigos, desfruta de uma boa
refeição, conversa e na maior parte do tempo ignora o garçom.
Então, quando quer alguma coisa, você o chama: “Posso pedir
a sobremesa agora?”; “Você pode me trazer mais água?”; “Pode
me trazer a conta?”. O garçom não se senta à mesa com você.
Ele não faz parte de sua noite. Você somente o chama quando
precisa dele. Podemos tratar Deus assim. Ele não faz parte de
nossa vida. Mas, quando precisamos dele, nós o chamamos
para nos ajudar. Não o levamos a sério.
Não é difícil acabar tratando a Deus desse modo. Podemos
chegar a pensar, talvez inconscientemente, que indo à igreja
50
!Sam uel 4 . 1 1 7 ‫־‬22 ;

todo domingo, lendo a Biblia todo dia e dando uma porção de


nosso salário, estamos fazendo nossa parte para Deus. E nossa
expectativa é que, em troca, Deus nos salve do inferno e nos
socorra de tempos em tempos na vida aqui, assegurando nosso
conforto, ou felicidade, ou qualquer outra coisa em relação à
qual desejemos usá-lo.
Mas a função de Deus não é nos servir. Estamos aqui para
ele. Fomos criados à imagem dele; não devemos criá-lo à nossa
imagem. O mundo não gira em torno de você. Deus precisa
ser o centro. A glória de Deus precisa ser central em sua vida.
Precisamos reconhecer o peso da glória. Precisamos levar Deus
a sério.

V o c ê n ã o p o d e r o u b a r a g ló r ia d e D e u s
A notícia da derrota e da morte de seus filhos chega a Eli
(v. 12-17). E ela o mata: “Quando ele [o mensageiro] mencio-
nou a arca de Deus, Eli caiu da cadeira para trás, ao lado do
portão, quebrou o pescoço, e morreu, pois era velho e pesado.
Ele liderou Israel durante quarenta anos”(v. 18). Sua nora grá-
vida ouve a notícia e entra em trabalho de parto (v. 19,20). Ela
morre ao dar à luz, mas não antes de dar nome a seu filho. Essa
derrota é perpetuada em um nome, “Icabode”, que significa
“Onde está a glória?”. O raciocínio dela é: “A glória se foi de
Israel” (v. 21,22).
A pergunta feita toda vez que essa criança for chamada pelo
nome será: “Onde está a glória?”. A resposta é: “A glória se foi”.
Onde está a glória? Em certo sentido, ela foi roubada pela
família de Eli. A derrota de Israel é um juízo contra a corrup-
ção da família de Eli. Seus filhos abusaram dos sacrifícios e
tiveram relações com mulheres no Tabernáculo, e Eli não deu
um basta nisso. Como Deus advertira antes em 2.30, aque-
les que desprezaram Deus agora estão sendo tratados com
desprezo por Deus. Os sacerdotes não honraram Deus. Eles
51
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

roubaram a glória dele. E é isso que lhes aconteceu. Não se


engane; precisamos levar Deus a sério.
Onde está a glória1
? Em um sentido muito real, está em volta
da cintura de Eli. O texto diz em 4.18: “... [ele] era [...] pesado”.
O autor não precisa nos dizer isso. A história faria sentido sem
■ essa observação. Mas o autor
'
Aqueles que ‫ ן‬BB chama a nossa atenção para
desprezaram Deus 17M ÉÉ o peso de Eli. Lembre-se
agora estão sendo de que peso e glória têm a
tratados com mesma raiz. Onde está a
glória ou o peso? Ela está
desprezo por Deus.
em volta da cintura de Eli.
Em 2.29, Deus havia dito a Eli: “Por que vocês zombam de
meu sacrifício e da oferta que determinei para a minha habi-
tação? Por que você honra seus filhos mais do que a mim, dei-
xando-os engordar com as melhores partes de todas as ofertas feitas
por Israel, o meu povo?”. Quando o povo oferecia um sacrifício
animal, a gordura deveria ser queimada. Depois os sacerdotes
poderiam comer a carne cozida. A gordura pertencia a Deus, e
a carne pertencia aos sacerdotes. Mas os filhos de Eli queriam
um assado suculento, de modo que tiravam a carne antes de
queimar a gordura. A família de Eli engordou com a gordura
que pertencia a Deus.
Por que EU morre? Em parte por ouvir a notícia trágica.
Mas ele também morre por estar pesado demais para se sentar
em uma cadeira. Ele roubou a glória de Deus, o peso de Deus,
e de fato literalmente a colocou em sua cintura. Ana cantou
sobre como o Senhor “pesa” os nossos atos, pois “por ele são as
obras pesadas na balança” (2.3, ARC). Ironicamente, os atos
do pesado Eli não têm peso algum em comparação com o peso
da glória de Deus.
O que precisamos dar a Deus? “Em vista das misericórdias
de Deus [...] ofereçam seus corpos como sacrifício vivo, santo
52
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

e agradável a Deus — esse é o culto verdadeiro e apropriado


de vocês” (Rm 12.1, NIV). O sacrifício que pertence a Deus é
toda a nossa vida. Como roubamos a glória de Deus? Quando
não lhe damos a adoração da nossa vida. Ou quando aceitamos
crédito por aquilo que Deus fez. Ou quando o servimos exte-
riormente, mas fazemos tudo isso por nossa causa; para sermos
reconhecidos, para nos sentirmos bem, para recebermos uma
palavra de elogio. Precisamos reconhecer o peso da glória. Pre-
cisamos levar Deus a sério.

V o c ê n ã o p o d e ter a f e i ç õ e s c o n c o r r e n te s
Onde está a glória? Em 1Samuel 4.22, a mulher de Fineias
diz: "... A glória se foi de Israel, pois a arca de Deus foi
tomada’”. A glória de Deus representada pela arca de Deus
está na cidade filisteia de Asdode (5.1).
O que acontece ali? a mão do S enhor pesou sobre o
povo de Asdode e dos arredores, trazendo devastação sobre
eles e afligindo-os com tumores” (v. 6). A mão do S enhor
pesou sobre eles. O peso da glória do Senhor os esmagou.
Os filisteus colocam a arca no templo de Dagom, o deus
filisteu (v. 2). O objetivo era declarar a superioridade de Dagom
sobre o Deus de Israel. Mas, de manhã, eles encontram a está-
tua de Dagom prostrada diante da arca de Deus (v. 3). Assim,
eles põem o seu deus de pé. Na manhã seguinte, a mesma coisa
acontece novamente — só que dessa vez Dagom está decapi-
tado! A cabeça e as mãos da estátua foram quebradas (v. 4).
O establishment religioso filisteu nunca se esqueceu disso (v. 5).
Diante de Deus todos os outros deuses precisam cair.
Somente Ya h w e h , o Deus de Israel, tem peso. Somente Deus
tem substância. Todos os outros deuses precisam de ajuda para
ser colocados de pé. Quais são os seus deuses? O que concorre
com Deus em seu coração? Você está levando o peso da glória
53
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

de Deus a sério? Diante dele todos os outros deuses precisam


cair. Não adore a eles. Adore o único Deus da glória.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Você está levando Deus a sério? Até que ponto?
2. “A função de Deus não é nos servir. Estamos aqui para
ele.” Quando é mais fácil se esquecer dessa verdade que
nos humilha?
3. Como o episódio do templo de Dagom encoraja você a
continuar seguindo e adorando o Deus da Bíblia?

SEGUNDA PARTE

Gtuem p o d e p e r m a n e c e r firm e?
O povo de Asdode decide enviar a arca à cidade filisteia de
Gate (5.7,8). Será que Gate vai conseguir lidar com o peso da
glória de Deus? Mas também ali Deus envia tumores (v. 9).
Assim, eles enviam a arca à cidade filisteia de Ecrom (v. 10).
Ocorre o mesmo. Querem mandar a arca embora, pois “havia
pânico mortal em toda a cidade; a mão de Deus pesava muito
sobre ela”(v. 11). Ninguém fica sem ser afetado (v. 12). Deus os
está esmagando sob o peso da arca.
Finalmente, após sete meses, os filisteus decidem enviar a
arca de volta a Israel com uma “oferta pela culpa” de cinco
tumores de ouro e cinco ratos de ouro — uma para cada uma
das cidades da Filístia (6.1-6,17,18 — a palavra “tumor” tam-
bém significa “cidade fortificada”). Os filisteus podem ter sido
afetados pela peste bubônica, que causa inchaço dos nodulos
linfáticos e é disseminada por ratos. Isso pode explicar por que
eles devolvem a arca com tumores e ratos de ouro. Os filisteus
54
!Sam uel 4.1-22; 5 . 1 7 . 1 - 1 7 ;6.1-21

apresentam uma oferta pela culpa para retirar a mão pesada de


Deus (v. 3). Eles não conseguem viver com a glória de Deus.
Mas, para se certificarem de que tudo não é uma coincidência,
colocam a arca sobre duas vacas que deram cria. Todo o instinto
dessas vacas deve incliná-las na direção de suas crias. Mas, em vez
disso, elas vão para Israel, levando a arca para casa (v. 7-12).
E todos viveram felizes para sempre.
Ao menos, é o que poderiamos esperar. A arca está de volta
ao seu lugar entre o povo de Deus, e tudo está bem. Os líderes
filisteus observam o avanço da arca e, quando veem que che-
gou em segurança de volta a Israel, vão para casa (v. 13-16).
Tudo está bem. Todo o peso da glória de Deus se retirou da
Filístia e a arca está segura em seu lugar.
Mas esse não é o fim, e o próximo episódio não é um epi-
sódio feliz. “O S e n h o r , contudo, feriu alguns dos homens de
Bete-Semes, matando setenta deles, por terem olhado para
dentro da arca do S e n h o r . O povo chorou por causa do pesado
golpe que o S enhor desferira, e os homens de Bete-Semes
perguntaram: ‘Quem pode permanecer na presença do S enhor ,
esse Deus santo? A quem enviaremos a arca, para que ele se
afaste de nós?’” (v. 19,20, NIV).
Isso não é acidental na história. A narrativa dos capítu-
los 4 a 7 é organizada segundo uma estrutura quiástica, um
modo hebreu comum de organizar uma história em pares
correspondentes como as camadas de uma cebola.

a. Uma batalha em Ebenézer é vencida pelos filisteus (4.1-11)


b. A arca está cativa nas mãos de gentios na Filístia (4.12-22)
c. A arca causa tormento na Filístia (5.1-12)
d. A arca retorna (6.1-18)
c’. A arca causa tormento em Bete-Semes (6.19-21)
b’. A arca está nas mãos de gentios em Quiriate-Jearim (7.1,2)
a’. Uma batalha em Ebenézer é vencida pelos israelitas (7.3-17)
55
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

Em uma estrutura quiástica, o mais importante muitas vezes


está no centro; e no centro dessa história está a volta da arca.
Deus desfere um “pesado golpe”no povo de Bete-Semes (6.19).
Nem tudo está bem. O peso da glória de Deus agora esmaga
o seu próprio povo. A arca era perigosa para os filisteus —
mas é também perigosa para os israelitas.
Por quê? O povo de Bete-Semes comete três erros. Em pri-
meiro lugar, sacrificam vacas quando deveríam ter sacrificado
touros (Lv 1.3). Em segundo lugar, ostentam a arca, colocan-
do-a em uma grande pedra para que todos a vejam, quando
deveríam tê-la coberto (Nm 4.5). Por fim — e decisivamente —,
olham para dentro da arca.
Esse é um momento-chave na história. A queda de Dagom
perante Yahweh é hilária; naturalmente nos deleitamos com o
humor do episódio. Mas o incidente presente nos pega de sur-
presa. Ele nos choca e nos
­­: . ‫׳ ז‬
‫־‬:·i■ torna sóbrios, ou ao menos
Deus é perigoso. Sua ψ
santidade é radioativa. y? essa deveria ser nossa reação.
Não podemos ser levianos
com Deus. Ter Deus entre nós é uma questão de peso. Deus é
perigoso. É como se a sua santidade fosse radioativa.
Há um peso inevitável de glória que exige ser levado a
sério. No começo da história, pensamos que os filisteus são
uma ameaça a Israel. Mas no fim das contas o próprio Deus
também é uma ameaça.
Esse episódio marca o fim do santuário em Siló — pois o
próprio Deus traz destruição ao seu Tabernáculo em Siló. Esse
é o local de sacrifício, o local em que os sacerdotes ministra-
vam, o local em que Deus estava presente. Samuel cresceu na
presença de Deus porque cresceu em Siló (lSm 2.21). Mas
agora o próprio Deus profana Siló por meio dos filisteus. Por
quê? Porque Israel já havia profanado o lugar por meio das
ações dos filhos de Eli (2.12-17). Séculos mais tarde, J erem ias
56
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

advertiría o povo a aprender a lição de Silo: “Portanto, vão


agora a Silo [...] onde primeiro fiz uma habitação em honra
ao meu nome, e vejam o que eu lhe fiz por causa da impiedade
de Israel, o meu povo” (Jr 7.12; veja também 26.1-6). Qual é a
lição de Siló? Não podemos ser levianos com Deus.
O povo de Bete-Semes apresenta esta pergunta: “...‘Quem
pode permanecer na presença do S e n h o r , esse Deus santo?’...”
(ISm 6.20). A arca da presença de Deus não pode ser carre-
gada pelos filisteus ou por Israel. “Onde ela pode permanecer
com segurança?” — eis a pergunta dos israelitas. E essa é a
pergunta que toda a história nos apresenta. Quando o peso da
glória de Deus cai sobre você, quem pode permanecer em pé?
Dagom não consegue — diante da arca do Senhor, ele precisou
ser levantado e depois foi decapitado. Mas agora parece que o
povo de Deus também não pode permanecer diante dele.
O povo de Bete-Semes lida com a arca do mesmo modo
que os filisteus lidaram, enviando-a a outra cidade (6.21—
7.2a). Seria engraçado se não fosse tão sério.
Felizmente, há uma resposta melhor e ela vem da reintro-
dução de Samuel. Samuel não é mencionado nos capítulos 4
a 6. Ele é apresentado a Israel no capítulo 3 como aquele que
traz a palavra do Senhor. E somente quando Samuel lidera
Israel há esperança.

C o m o p e r m a n e c e r fir m e n a p r e s e n ç a d e D e u s
O povo volta a Deus (7.2). Mas Samuel diz que, se esse arre-
pendimento é genuíno, eles devem se livrar de seus deuses
estrangeiros (v. 3). O povo não só confessa seus pecados, mas
também age, livrando-se de seus baalins e astarotes . Passa
a servir “somente ao S enh or ” (v. 4). Isso é verdadeiro arrepen-
dimento. Não são só palavras (6.6). São ações. O povo foge da
tentação. Se você estiver verdadeiramente arrependido, então
fará tudo o que puder para evitar o pecado.
57
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

Tenho visto pessoas que, mesmo expressando tristeza pelo


pecado, recusam-se a fazer o que precisam para evitá-lo. Dizem
que “tudo ficará bem”, “não acontecerá de novo”, “tudo está sob
controle”, “a situação não é tão séria”. A realidade é que estão
arrependidas quanto aos efeitos do pecado, mas ainda querem
se agarrar ao próprio pecado. Precisam sentir o peso da glória
de Deus. O povo de Bete-Semes olha para dentro da arca e
setenta deles morrem! Fuja da tentação. Corra do pecado. Faça
tudo o que puder. Em seu cântico, Ana diz: "... por ele são as
obras pesadas na balança” (2.3, ARC). Seus atos são pesados,
e a medida pela qual são pesados é o peso da glória de Deus.
O verdadeiro arrependimento leva à ação. Mas a adoração
também é importante. Samuel lidera o povo em um ato cole-
tivo de adoração (7.5,6). O derramamento de água não tem
precedente no Antigo Testamento. Talvez tenham inventado
isso. Talvez o relacionassem ao jejum: eles estavam negando
a si mesmos comida e bebida e representaram tal fato simbo-
licamente derramando água no chão perante Deus. A ques-
tão é esta: arrepender-se não é somente afastar-se do pecado.
Isso pode bastar para minha tentativa de ser suficientemente
M bom para Deus. O verda-
Arrepender-se não deiro arrependimento é um
é somente afastar-se movimento para longe do
do pecado. pecado e de volta para Deus.
A reunião, o jejum, a con-
fissão e o derramamento de água tornam o arrependimento
deles focado em Deus.
Pessoas que levam a glória de Deus a sério se arrependem.
E pessoas que levam a glória de Deus a sério podem permane-
cer firmes em sua presença, pois Deus leva sua própria glória
a sério por meio do sacrifício.
A resposta apropriada à ameaça da glória de Deus é o sacri-
fício (v. 7-9). O sacrifício de um animal era uma representação.
58
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

O que simboliza? Há urna pista na historia. Deuteronómio


28.64-68 diz que a maldição suprema da infidelidade à aliança
é o exílio. Mas quem é exilado nessa historia? Deus! As pala-
vras “a gloria se foi”, em lSamuel 4.21,22, são literalmente:
“Deus foi para o exilio”. O salmo 78 recorda essa historia e
descreve a arca como indo para o “cativeiro” (SI 78.61). O povo
merece o juízo do exilio. Mas, em vez disso, é o próprio Deus
que é exilado. Ele toma sobre si o juízo do povo.
Isso aponta para a cruz. O sacrificio de um animal é o sím-
bolo. A cruz é a realidade. Na cruz, o próprio Deus, na pessoa
de seu Filho, experimentou o juízo. Ele experimentou o juízo
do exílio. Ele foi separado de
Deus, seu Pai. Ele tomou
o juízo do exílio sobre si
Deus tomou o juízo do
mesmo para que pudésse- exílio sobre si mesmo
mos ser recebidos em casa. para que pudéssemos
Quem pode permanecer ser recebidos em casa.
em pé? Somente aqueles
cujo pecado foi julgado por meio do sacrifício; somente aque-
les que têm um substituto que assumiu o juízo deles. Romanos
3.23 diz: “pois todos pecaram e estão destituídos da glória de
Deus”. Isso é o que o pecado é — estar destituído da glória de
Deus. É não levar Deus a sério, roubando sua glória, glorifi-
cando a nós mesmos ao adorarmos outros deuses. Deus leva
isso a sério — tão a sério que ele pode nos perdoar somente por
meio do sacrifício. Somente somos “justificados gratuitamente
por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus.
Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a
fé, pelo seu sangue” (3.24,25).
Deus leva sua glória tão a sério que ele mesmo toma o peso
da glória sobre si. Jesus vem como nosso representante e nosso
substituto. O peso da glória de Deus esmagou Jesus a ponto de
a vida sair dele. Ele morreu em meu lugar.
59
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

Nesses capítulos de iSamuel, a derrota de Deus demonstra


ser o meio da vitória. A arca de Deus é levada ao templo de
Dagom como um troféu de vitória e homenagem à superiori-
dade de Dagom. Mas, de manhã, Dagom está caído perante
Deus. A derrota de Deus leva à sua vitória sobre os filisteus.
O mesmo acontece na cruz. O corpo morto de Jesus era o
troféu de vitória de Satanás. Mas, por meio da morte de Cristo, o
poder de Satanás foi destruido. O triunfo de Satanás tornou-se
sua derrota suprema. Jesus saiu vitorioso da tumba e nós sai-
mos junto com ele. No seu cántico, Ana entoou: “[O Senhor]
levanta do pó o necessitado e do monte de cinzas ergue o
pobre; [...] [ele] lhes dá lugar de honra” (2.8). Esse lugar é lite-
raímente “um trono de gloria” ou “um trono de peso”. O que
aconteceu a Ana no capítulo 1 é o que aconteceu a Israel no
capítulo 7; e é o que nos acontece na cruz. Somos levantados
da desonra para a gloria.
"... ‘Quem pode permanecer na presença do S e n h o r , esse
Deus santo?’...” (6.20). Romanos 5.1,2 responde: “Tendo
sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso
Senhor Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela
fé a esta graça na qual agora estamos firmes; e nos gloriamos
na esperança da gloria de Deus”. Por meio da cruz, a gloria de
Deus deixa de ser nosso medo e torna-se nossa esperança. Nós
nos gloriamos na gloria.
Essa seção de 1Samuel começou com uma batalha entre Israel
e os filisteus e termina também com uma batalha. Antes, em
4.5-7, os filisteus ouviram e ficaram com medo. Agora, em 7.7,
são os israelitas que ouvem e ficam com medo. Mas, quando os
filisteus atacam, 0 Senhor troveja do céu. Os filisteus entram
em tamanho pânico que são derrotados (v. 10,11). Em 2.9,10,
Ana prometeu que Deus trovejaria do céu contra aqueles que se
opusessem a ele (veja também 2Sm 22.14). Isso é exatamente o
que acontece em ISamuel 7: Deus troveja do céu para julgar as
60
!Sam uel 4.1-22; 5.1-12; 6.1-21; 7.1-17

nações e libertar seu povo. O resultado é paz (v. 13,14). Enquanto


Samuel está oferecendo sacrificio, Deus propicia a vitória. Essa é
a vitória por meio do sacrificio.

L e v a n ta r n o s s o E b e n é z e r
O arco narrativo passa da tirania (4.1,2) à paz (7.14). Ambos
os extremos desse arco são perpetuados em um nome. O exí-
lio de Deus foi perpetuado no nome “Icabode” (4.21). Agora
a vitória de Deus é perpetuada em outro nome, “Ebenézer”
(7.12). “Ebenézer” era o local da derrota de Israel em 4.1-11.
Agora ele se torna o local de vitória. “Icabode” recebeu esse
nome porque “a gloria se foi de Israel”. Em contraste, “Ebe-
nézer” significa “pedra de ajuda”, e a explicação é: “Até aqui o
S enhor nos ajudou”. Isso funciona como uma promessa da
libertação futura de Deus, se Israel se arrepender de sua idola-
tria e colocar sua fé no sacrificio.
O hino Fonte és tu de toda bênção, de Robert Robinson
(1735-1790),1 contém os versos:

O mcu Ebenézer ergo,


pois Jesus me socorreu
e, por sua graça, um dia
vai levar-mc para o céu.

Nem sempre cantamos esses versos, pois a maioria das


pessoas não conhece a origem do significado de “Ebenézer”.
Mas é daqui que a palavra vem.
Para os cristãos, nosso Ebenézer é a cruz. Na cruz, enxer-
gamos a seriedade do pecado, o peso da glória e a ajuda gene-
rosa de Deus aos pecadores. Erguemos a cruz e dizemos: “Até
aqui o Senhor nos ajudou”. E, se ele nos ajudou dando o seu

1Tradução de Justus Henry Nelson, com adaptação para este livro, Hiná-
rio para o culto cristão (Rio de Janeiro: JUERP, s.d.), hino 17.
61
!Sam uel 4.1-22; 5 . 1 7 . 1 - 1 7 ;6.1-21 ;12‫־‬

próprio Filho, então certamente nos levará em segurança para


casa na glória: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas
o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com
ele, e de graça, todas as coisas?” (Rm 8.32).
Quando você se sentir dominado pelos seus problemas,
ou quando sentir que Deus o abandonou, ou quando se sen-
tir ameaçado pelas circunstâncias da vida, olhe para a cruz.
A cruz é o nosso Ebenézer, a grande declaração de ajuda de
Deus. O modo de realmente levarmos a sério a glória de Deus
é erguendo a cruz.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Reflita sobre a semana que passou. Você tem se arrependido
de verdade dos seus pecados?
2. Você pode permanecer firme diante da glória de Deus por
causa da cruz. Como se sente por saber isso?
3. Você está se sentindo perdido, desesperado, ameaçado ou
abandonado? Como a cruz será seu Ebenézer nessa área da
sua vida?

62
!SAMUEL ■ CAPITULO 7 VERSÍCULOS 15-17

■ CAPÍTULO 8 VERSÍCULOS 1-22

■ CAPÍTULO 9 VERSÍCULOS 1-27

4. UM REI COMO OS
DAS NAÇÕES

Samuel é o último dos juizes a julgar Israel (7.5,15-17). A


história dos juizes é contada como uma série de ciclos repe-
tidos; o pecado é seguido pelo juízo, o juízo é seguido pelo
arrependimento, o arrependimento é seguido pelo livramento
e o livramento é seguido por um período de paz. Deus levanta
um juiz para libertar seu povo e governar sobre ele em paz. O
juiz lidera (ou julga) Israel, trazendo paz durante toda a sua
vida. Mas, quando 0 juiz morre, o povo volta ao seu pecado.
E assim o ciclo começa novamente. O livro de Juizes esboça
esse padrão em Juizes 2.10-19, c esse se torna o padrão para o
resto da narrativa.
A história de ISamuel 4—7 tem o mesmo padrão do livro
de Juizes. O pecado leva ao juízo nos capítulos 4 a 6. Então o
povo se arrepende e Deus levanta Samuel como juiz. “Samuel”,
ficamos sabendo em 7.6, “estava servindo como líder de Israel
em Mispá” (NIV). A palavra “líder” é traduzida por “juiz” no
livro de Juizes. Samuel, o juiz, liberta Israel e, consequente-
mente, os israelitas desfrutam de um período de paz durante
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.1-27

toda a vida dele (lSm 7.13,14). Então “Samuel continuou


como juiz de Israel durante todos os dias de sua vida” (v. 15).
Todavia, 8.1 insere uma interrupção no padrão. Samuel
designa seus filhos como juizes. Ele introduz o sistema de
liderança h er ed itá r io . Antes dessa decisão, houve uma única
vez em que um filho de um juiz se impôs como rei, e isso
acabou em desastre. Abimelequc, o filho bastardo de Gideão,
havia apontado a si mesmo como rei, o que causou uma guerra
civil (Jz 8.28—9.57). No entanto, agora o próprio Samuel é
responsável por nomear seus filhos (lSm 8.1,2).
“Mas os filhos dele não andaram em seus caminhos. Eles
se tornaram gananciosos, aceitavam suborno e pervertiam a
justiça” (v. 3). Receber suborno era claramente proibido em
Deuteronômio 16.18,19. A história de Eli se repete. Eli tinha
dois filhos dissolutos , de modo que Israel é liderado em
lugar deles pelo filho adotivo de Eli. Agora os filhos de Samuel
são dissolutos.
O povo não gosta do que está acontecendo e vai a Samuel
(8.4), expressando suas preocupações: “... ‘Tu já estás idoso, e
teus filhos não andam em teus caminhos’...”. Como alterna-
tiva, os israelitas pedem: ‘escolhe agora um rei para que nos
lidere’...‫( ״‬v. 5).
A expectativa do leitor é que o Senhor introduza um rei, mas,
em vez disso, o pedido surge dos líderes. Um rei é previsto em
textos anteriores (Gn 17.6,16; 35.11; 49.10; Nm 24.7,17-19;
D t 17.14-20). Agora, ao que parece, seria o momento para que
essa previsão se tornasse realidade.
No entanto, tanto Deus quanto Samuel recebem com desa-
provação o pedido por um rei (lSm 8.6,8; 10.17-19; 12.17).
Samuel entende o fato como uma ofensa pessoal. Deus diz:
“... ‘foi a mim que rejeitaram’...” (8.7). Portanto, atendendo ao
que Deus lhe ordena (v. 9), Samuel adverte o povo sobre o que
significará ter um rei (v. 10-18). Contudo, os israelitas dizem:
64
!Sam uel 7.15-17; 8 . 1 2 7 ‫־‬22 ; 9.1

“... ‘Não! Queremos ter um rei. Seremos como todas as outras


nações; um rei nos governará, e sairá à nossa frente para comba-
terem nossas batalhas’” (v. 19,20). Assim, quando Samuel relata
isso a Deus (v. 21), ele lhes dá o que querem: “um rei” (v. 22).
Eles os advertiu; agora permite que o rejeitem.
Isso é estranho. Deus prometeu um rei ao seu povo. O livro
de Juizes mostrou a necessidade que o povo tinha de um rei
(Jz 17.6; 21.25). Agora o
povo pede um rei... e Deus o O povo está pedindo
considera uma rejeição pes-
pelo rei errado, pelos
soai, advertindo 0 povo, por
motivos errados.
meio de Samuel, de que um
rei não será bom para os israelitas. Por quê? Porque o povo está
pedindo pelo rei errado, pelos motivos errados.

Identidade rejeitada
Observe por que o povo pede um rei: "... ‘Tu já estás idoso,
e teus filhos não andam em teus caminhos; escolhe agora
um rei para que nos lidere, à semelhança das outras nações’”
(ISm 8.5). Há uma ausência de lógica nesse pedido. Eles que-
rem resolver o problema do fracasso da liderança hereditária
instalando... a liderança m onárquica hereditária!
Mas a questão real é mais profunda e mais séria do que o
raciocínio ilógico. O povo não está pedindo pelo rei que Deus
prometeu, mas por um rei “à semelhança das outras nações”.
Quando Samuel descreve “quais direitos reivindicará” um
rei desse tipo (v. 9-18), o povo repete insistentemente sua
demanda por um rei: “Seremos como todas as outras nações;
um rei nos governará, e sairá à nossa frente para combater em
nossas batalhas” (v. 20).
Por que eles querem um rei como o têm todas as outras nações?
Porque eles querem que Israel seja uma nação “como todas as
outras nações”. Em essência, eles não querem mais ser Israel.
65
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.1-27

O refrão repetido da Lei de Moisés era: “... sejam santos,


porque eu sou santo” (Lv 11.44,45; 19.2). Tendemos a usar
“santo” para significar “moralmente puro”, o que está certo, pois
um dos aspectos fundamentais do caráter de Deus é sua pureza
moral.Mas também é red u cion ista . Originariamente, a pala-
vra “santo” significava “diferente” ou “separado” ou, poderiamos
dizer, “diferente”. Israel foi chamado para ser “diferente” das
nações, pois foi chamado para ser “como” Deus. Mas agora o
povo quer ser “como” as nações.
Israel era o povo de Deus. No centro de sua aliança com
Deus estava a promessa: “Eu os farei meu povo e serei o Deus
dc vocês...” (Ex 6.7; Jr 31.33). Eles eram um povo especial com
um relacionamento especial com Deus. Eles eram uma nação
santa, separada para Deus. Foram chamados para ser luz para
as outras nações. Em outras palavras, tinham uma identidade
m issional : deveríam ser como Deus a fim de revelarem Deus
às nações.
Agora eles querem ser simplesmente “como todas as
outras nações” (ISm 8.20), o que distorce completamente sua
identidade.

■ Eles deveríam ser uma nação cuja conduta era regida


pela palavra guiadora de Deus. Em vez disso, sua con-
duta é regida pelo que outros povos fazem.
■ Eles deveriam ser diferentes, diversos e santos. Em
vez disso, querem ser iguais, conformar-se, adequar-se.
B Eles deveriam ser luz para as nações, revelando a justiça
do governo de Deus. Mas, em vez de as nações aprende-
rem de Israel, este aprende das nações.

Seu pedido por um rei como todas as outras nações não


somente é uma rejeição da lógica. É uma rejeição da identidade.
66
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.1-27

A igreja: exatamente como todos os outros?


Hoje a igreja é chamada para assumir essa identidade missio-
nal diferente. Pedro usa a linguagem da identidade de Israel
para descrever a identidade da igreja: “Vocês, porém, são gera-
ção eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus,
para anunciar as grandezas daquele que os chamou das tre-
vas para a sua maravilhosa luz” (lPe 2.9). Pedro diz que a igreja
é a herdeira da condição de Israel como o povo especial de
Deus. Somos a sua nação santa:

■ Nós, assim como eles, devemos ser um povo cuja conduta


é regida pela palavra guiadora de Deus. E nós o somos?
■ Nós, assim como eles, devemos ser diferentes, diversos e
santos. E nós o somos?
‫ יי‬Nós, assim como eles, devemos ser luz para as nações,
declarando as grandezas daquele que nos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz. E nós o somos?

Vale a pena refletir sobre como a igreja hoje acha muito


fácil permitir ou até mesmo desejar que nossa conduta seja
regida, nossa identidade seja moldada e nossa mensagem
seja ditada pelas nações ou culturas em torno, e não pelo nosso
Deus. Talvez não queiramos um rei a fim de ser como todos
os outros. Mas queremos ser como eles. Afinal, é atraente, é
popular, é mais confortável. Também é uma rejeição da nossa
identidade e do nosso chamado.

O verdadeiro rei rejeitado


O povo de Israel quer um rei para combater suas batalhas. O
nome “Saul”, que (como veremos) acaba sendo o rei que os
israelitas estão pedindo, está relacionado ao verbo “pedir”. Saul
é o rei que o povo “pediu”. Mas o nome “Samuel” também é
67
!Sam uel 7.15-17; 8 . 1 9 . 1 - 2 7 ;22‫־‬

um trocadilho com o verbo “pedir” (lSm 1.20). Assim, o povo


já tem um líder que foi “pedido”: Samuel.
Na verdade, como Deus mostra, não é Samuel que estão
rejeitando: “... ‘A tenda a tudo o que o povo está lhe pedindo;
não foi a você que rejeitaram; foi a mim que rejeitaram como
rei’” (8.7).
Os acontecimentos do capítulo 8 ocorrem muitos anos
antes dos acontecimentos dos capítulos 4 a 7, tempo sufi-
ciente para Samuel ter ficado velho e ter dois filhos adultos.
No entanto, esses capítulos são colocados juntos para realçar
a ironia do pedido do povo. Nos capítulos 4 a 7, vemos que
o Senhor é capaz, por si só, de derrotar os inimigos de Israel.
Ele não somente conduz o seu povo à vitória; ele dá a vitória
ao seu povo.
E até Samuel desaparece da história nos capítulos 4 a 6.
Embora as vitórias militares sem agência humana se repitam
em 2Reis 6.24— 7.20 e 18.13— 19.37, elas não têm precedente
algum nesse momento da história. Os israelitas têm um rei
para lutar por eles: o Senhor. Agora eles o estão trocando por
um rei humano, como todos os outros.
Antes de condenarmos os israelitas, precisamos nos lembrar
do contexto histórico. Israel é uma confederação inconstante
de tribos. Às vezes, elas se unem para combater um inimigo
comum, lideradas por um “juiz”. Mas também lutam entre si
com quase a mesma frequência. Não há exército oficial nem
estruturas estatais centrais. Elas estão unidas pela adesão à
aliança de Deus, representada em sua adoração comum, mas
essa adesão é frágil, e o santuário central em Siló é uma des-
graça nacional. Então aparecem os filisteus — um Estado bem
organizado e agressivo.
Nesse contexto, “um rei [que] nos governará, e sairá à nossa
frente para combater em nossas batalhas” (lSm 8.20) talvez
soe eminentemente sensato. Mas a realidade é que esse pedido
68
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.1-27

constitui uma rejeição da liderança de Deus. Reflete a incapa-


cidade de confiar no poder dele para salvar seu povo. Deus
resgatou Israel dos filisteus de modo extraordinário (7.10,11) e
lhe deu paz (7.13,14). Mas isso não foi suficiente para o povo.
Não há confiança. Os israelitas querem um rei que eles possam
enxergar, querem viver pelo que veem. Preferem um rei humano
visível a um Rei divino invisível. Viver pela fé é difícil demais.
Mas, como Deus lembra a Samuel, isso não é nada novo.
Deus diz a Samuel: “Assim como fizeram comigo desde o
dia em que os tirei do Egito, até hoje, abandonando-mc e
prestando culto a outros deuses, também estão fazendo com
você” (8.8). Desde o jardim do Éden, a humanidade rejeitou o
governo de Deus. Nós preferimos um rei que tira de nós ao Rei
divino que nos dá. Isso pre-
nuncia o grito, enquanto o Acreditamos que
Filho de Deus está diante
seremos mais livres sem
das pessoas que ele criou:
Deus. Mas acabamos
"... ‘Não temos rei, senão
César’...” (Jo 19.15). O dia
escravizados.
está chegando em que os descendentes dos homens que exi-
gem um rei a Samuel escolherão não somente um rei como as
nações, mas um rei das nações, cm vez dc reconhecer o Filho
de Deus como o seu Rei.
Isso tipifica a humanidade. Rejeitamos Deus como Rei, ainda
que isso signifique escolher a tirania. Acreditamos na mentira
de Satanás de que Deus é um tirano. Acreditamos que seremos
mais livres sem Deus. Mas acabamos escravizados.
Portanto, precisamos perguntar a nós mesmos: “Como é
possível que eu olhe para o que posso ver em vez de confiar em
Deus?”. Talvez você olhe para um indivíduo específico. Tal-
vez ache que precisa da intervenção dele para resgatá-lo.
Talvez busque sua aprovação para se sentir bem. Talvez ache
que um cônjuge o completará.
69
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.1-27

Ou talvez não seja um indivíduo. Talvez você esteja ten-


tando encontrar a identidade em sua carreira ou assegurar o
futuro em seus investimentos. Mas, em cada caso, sua espe-
rança é o que você consegue enxergar. E não é assim que o
povo de Deus deve viver. Pedro diz que nós, cristãos, amamos
e vivemos por aquele que não podemos ver, o Único que pode
salvar. “Mesmo não o tendo visto [a Cristo], vocês o amam; e
apesar de não o verem agora, creem nele e exultam com alegria
indizível e gloriosa, pois vocês estão alcançando o alvo da sua
fé, a salvação das suas almas” (lPe 1.8,9).

Perguntas para reflexão


1. Reflita sobre as três perguntas na página 67. Como elas
desafiam você e sua igreja?
2. Quando é mais difícil viver pela fé em vez de viver pelo que
se pode ver?
3. De que modo o conhecimento da identidade que Deus deu
ao seu povo pode motivar você a viver de maneira diferente,
sob o governo dele?

SEGUNDA PARTE

Um rei que toma e um Rei que se doa


O povo está pedindo “um rei para nos julgar” (ISm 8.5, ESV).
“Juiz” é a mesma palavra usada na descrição dos filhos de
Samuel (veja v. 1). O rei substituirá os filhos de Samuel como
juiz ou líder de Israel. Mas a intenção do autor é que ouçamos
isso como uma acusação em um trocadilho. Israel pede que um
rei julgue os israelitas; e o rei de fato os julgará, no sentido de
que o próprio rei será um juízo sobre Israel.
70
!Sam uel 7.15-17; 8 . 1 9 . 1 - 2 7 ;22‫־‬

Nos versículos 9 e 11, Deus ordena que Samuel “mostre os


caminhos” do rei (ESV) ou diga “quais direitos reivindicará o
rei”. A palavra traduzida por “caminhos” ou “direitos [que] rei-
vindicará”pode significar “costume”, mas normalmente significa
“justiça”. Essa será a justiça do rei. E qual é a justiça do rei vin-
douro? Ela é resumida na palavra “tomar”. Os filhos de Samuel
“tomavam” subornos (v. 3, ESV). Agora Samuel usa quatro vezes
a mesma palavra para advertir que o rei “tomará”. Ele tomará:

* os filhos deles como soldados (v. 11,12);


■ as filhas deles como servas (v. 13);
■ as melhores plantações deles para dá-las aos seus corte-
sãos (v. 14);
■ os servos, gado e jumentos deles para o seu próprio uso
(v. 16).

Além disso, nos versículos 15-17, Samuel adverte que o rei


“tomará um décimo”da colheita e do rebanho deles. Em outras
palavras, ele tomará uma proporção de sua renda em impos-
tos. O rei “tomará”, “tomará”, “tomará”, “tomará”, “tomará” e
“tomará”. O resultado final é que “vocês mesmos se tornarão
escravos dele” (v. 17). Em vez de servir ao Senhor, os israelitas
se tornarão escravos de um rei. Eles estarão, de fato, de volta
ao Egito.
Antes, em Juizes 8, a coroa foi oferecida ao juiz Gideão
após ter derrotado os midianitas. Mas Gideão recusou a coroa,
usando critérios absolutos: ou Gideão lideraria ou Deus lide-
raria (Jz 8.23). No entanto, Gideão deu a um de seus filhos o
nome “Abimeleque”, que significa “filho de um rei”. E, quando
Abimeleque se autoproclama rei, as consequências são desas-
trosas (Jz 8.31; 9.1-57).
No entanto, o autor de Juizes sugere que a razão do caos
moral em Israel era que eles não tinham rei (Jz 17.6; 18.1;
71
!Sam uel 7 . 1 5 2 7 ‫־‬17; 8.1 ‫־‬22 ; 9.1 ‫־‬

19.1; 21.25). Deus havia prometido um rei. Moisés havia pre-


visto um rei. O autor de Juizes percebe a necessidade de um rei.
Mas eles imaginaram um rei muito diferente de um rei como
os das nações que o povo pedia. Deus tinha em mente um
rei que governaria debaixo da regência divina. Deuteronômio
17.14-16 prenuncia e adverte contra o pedido por um rei como
os das nações. Moisés então descreve como um rei em Israel
deve agir (v. 17). Provavelmente, a iniciativa mais importante
de um rei era escrever sua própria cópia da Lei, para que então
governasse sob a regência de Deus por meio da obediência à
palavra da aliança (v. 18-20). O rei precisava estar sujeito
à palavra profética (2Sm 7.1-17; 12.1-14; 24.11-25). Esse
era o critério pelo qual os reis de Israel seriam julgados.
Mas esse não é o tipo de rei que as pessoas pedem. O rei
pedido, como aqueles das nações, tomará, tomará, tomará. Em
contraste, o Rei supremo de Deus, quando vier, dirá: “Pois nem
mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para ser-
vir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45). O ver-
dadeiro Rei não veio para ser servido, mas, sim, para doar-se.
No julgamento de Jesus, Pilatos lhe pergunta se ele é 0 rei
dos judeus (Jo 18.33). Jesus responde: “... Ό meu Reino não
é deste mundo’...” (v. 36). Em outras palavras, ele não é um rei
como os “das outras nações”. Se quisermos um líder do tipo
que todos os outros procuram, Jesus vai nos decepcionar. Se
aprendermos a ansiar por um governante que obedece a Deus
e nos conduz à obediência a Deus (e, de fato, nos dá a sua obe-
diência quando e onde falhamos), vamos gostar imensamente
de ter Jesus como nosso Rei.

A unção do rei
Apesar da nota sinistra com respeito à monarquia em 1Samuel 8,
nos capítulos 9 a 11 o homem destinado a ser esse rei, Saul, é
apresentado sob uma luz positiva. Diferentemente dos filhos
72
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.1-27

de Eli e de Samuel, ele dá ouvidos a seu pai e é obediente. Seu


pai lhc pede que procure algumas jumentas extraviadas, e Saul
obedece (9.3,4). Além disso, ele dá ouvidos à sua nova figura
paterna, Samuel. Tem boa aparência (v. 2), é humilde (v. 21),
não é sedento pelo poder (10.20,21) e é generoso com os opo-
nentes (11.12,13).
Saul se torna rei em quatro etapas:

1. uma unção secreta realizada por Samuel (9.1— 10.1);


2 . uma confirmação pessoal por meio de sinais (10.2-16);
3. uma seleção pública por sorteio (10.17-27);
4 . uma proclamação vitoriosa pelo povo (11.115‫) ־‬.

O capítulo 8 termina com o Senhor dizendo a Samuel:


“... dê-lhes um rei...” (8.22). Samuel envia todos para casa. E
ficamos nessa situação, aguardando o surgimento de um rei.
Assim, quando o capítulo 9 começa, percebemos o que está
vindo: “Havia um homem de Benjamim, rico e influente, cha-
mado Quis, filho de Abiel, neto de Zeror, bisneto de Becorate
e trineto de Afia. Ele tinha um filho chamado Saul, jovem
de boa aparência, sem igual entre os israelitas; os mais altos
batiam nos seus ombros” (9.1,2). Saul será rei.
Mas, fiel a seu estilo, o autor de Samuel primeiro nos leva
em uma direção inesperada. Longe de se portar de um modo
régio, Saul está procurando jumentas extraviadas (v. 3), sem êxito
(v. 4,5). Assim, seu servo sugere que consultem Samuel (v. 6-10).
Acontece que eles somente conseguem achar Samuel com a
ajuda de algumas jovens (v. 11-13) e não o reconhecem quando
0 encontram (v. 14-19). Saul e seu servo procuram Samuel
para que ele lhes “diga” (nagact) o paradeiro de suas jumentas
(v. 6,8,18). Mas, em vez disso, Samuel “dirá” (nagad, v. 19) que
Saul será o rei designado (nagid, v. 16).
73
!Sam uel 7 . 1 5 9 . 1 - 2 7 ;8.1-22 ;17‫־‬

Primeiro, porém, Samuel convida Saul para comer com ele


(v. 19) e o tranquiliza quanto às jumentas extraviadas (v. 20). O
autor descreve com alguns detalhes a participação de Saul nesse
banquete (v. 22-24). Esse fato não é importante para o fluxo
da história — então, por que é incluído? Na verdade, tem ecos
antes e depois na história bíblica. O capítulo 9 de 1Samuel traz
à lembrança o casamento de Isaque. Em Gênesis 24, Abraão
dá a seu servo a incumbência de encontrar uma esposa para
Isaque entre o seu próprio povo. O servo encontra uma mulher
junto ao poço que por acaso é Rebeca, e ela concorda em partir
com ele para ser a esposa de Isaque. Mas primeiro o servo pre-
cisa participar do banquete na casa da família.
Agora Saul encontra algumas mulheres no poço que o
encaminham a um banquete (lSm 9.11-13). Saul vai a um
banquete comparável a uma festa de casamento. Até aqui, essa
história tem paralelos com a história do servo de Abraão. Mas
Saul não se casa com nenhuma das mulheres encontradas
junto ao poço. Mais tarde, em 2Samucl 5.1, quando as tribos
de Israel confirmam Davi como seu rei, elas dizem: “... ‘Somos
sangue do teu sangue’”. “Sangue do teu sangue” é uma
expressão id io m á tic a adequada que capta o que o povo está
dizendo — mas o que foi dito literalmente é: “Somos teu osso
e tua carne” (ESV), o que ecoa a exclamação de Adão ao ver
Eva pela primeira vez: "... ‘Esta, sim, é osso dos meus ossos e
carne da minha carne!’...” (Gn 2.23). Isso sugere que, ao acia-
mar Davi como rei, os israelitas o estão aclamando como o
marido de Israel. O rei de Israel é um marido, e o povo de
Deus é a sua noiva — exatamente como um dia Jesus será o
marido de sua noiva, a igreja. Considerados juntos, esses ecos
sugerem que o banquete é uma celebração da designação de
Saul como o marido real do povo de Deus. Saul demonstrará
ser um marido medíocre do povo de Deus. Mas Jesus, o
Rei supremo do povo de Deus, é o marido que deu sua vida
74
!Sam uel 7.15-17; 8.1-22; 9.127‫־‬

por amor à sua noiva (E f 5.25-27). O detalhe do banquete


é importante!
A refeição, obviamente, não é um banquete de casamento
literal, mas a culminação de uma oferta pacífica (ISm 9.13).
De acordo com Levítico, os participantes de uma oferta pací-
fica comiam a carne após ela
ter sido oferecida a Deus. O rei de Israel é um
Assim como hoje as refei- marido; o povo de
ções muitas vezes são atos
Deus é a sua noiva.
comunitários, essa refeição
era uma representação da paz assegurada por meio do sacrifício.
De acordo com Levítico 7.33,34, a coxa de uma oferta pacífica
pertencia ao sacerdote. Talvez Saul esteja prestes a tornar-se
como um sacerdote, servindo a casa do Senhor. No entanto, a
casa do Senhor que ele servirá não é o edifício (o Tabernáculo),
mas o povo. Os sacerdotes eram ungidos com óleo — e Saul
está prestes a ingressar nesse grupo como um ungido.

A ascensão do rei
Em ISamuel 9.25—10.1, Samuel unge Saul e diz: “...Ό S enhor
o ungiu como líder da herança dele’” (10.1). Samuel tem a preo-
cupação de garantir que seja uma unção secreta, de modo que
ordena aos seus servos que sigam à frente deles (9.27). Saul tam-
bém está preocupado com preservar esse sigilo. Em 10.13-16,
seu tio o pressiona por informações sobre seu tempo com
Samuel, mas Saul se recusa a comentar a unção como rei.
Talvez Saul ainda esteja aprendendo a lidar com seu novo
destino. Mas e quanto a Samuel? Por que esse sigilo? Isso não é
claro. Mas o próximo rei de Israel também será ungido em
segredo (16.13). Quando Deus ordena que Samuel vá ungir
um dos filhos de Jessé como o sucessor de Saul, Samuel objeta:
“... ‘Como poderei ir? Saul saberá disto e me matará”’. Deus
ordena que ele vá sob pretexto de oferecer um sacrifício (16.2).
75
!Sam uel 7 . 1 5 2 7 ‫־‬17; 8.1-22 ; 9.1 ‫־‬

Ao menos nos casos dos dois primeiros reis de Israel, ser


ungido rei e ser aclamado rei publicamente não eram o mesmo
evento. Assim, talvez não nos deva surpreender se o Rei
supremo de Deus é ungido como o Rei sem ser aclamado como
Rei. E isso é exatamente o que acontece. Jesus é ungido pelo
Espírito em seu batismo e o Pai usa a linguagem da realeza
(Le 3.21,22; veja 2Sm 7.14 e SI 2.7). Mas Jesus não é reconhe-
cido como Rei. Em vez disso, ele é desprezado e rejeitado. Sua
aclamação como Rei precisa aguardar.
Os capítulos 9 e 10 de ISamuel contam a historia da “aseen-
são” de Saul ao seu trono. Ele subiu à cidade (9.11), subiu ao
lugar alto no centro da cidade (9.14), subiu para o lugar de
honra à mesa (9.22) e subiu para o terraço de uma casa para
passar a noite (9.25). Isso é significativo. O rei de Israel literal-
mente “ascende” ao trono.
Isso se cumprirá quando Jesus ascender ao céu. Em Daniel
7, Daniel tem uma visão de alguém semelhante a um filho de
homem vindo nas nuvens diante do A ncião de D ias para
receber um reino eterno. “Em minha visão à noite, vi alguém
semelhante a um filho de homem, vindo com as nuvens dos
céus. Ele se aproximou do ancião e foi conduzido à sua pre-
sença. Ele recebeu autoridade, glória e o reino; todos os povos,
nações e homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio
é um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais será
destruído” (Dn 7.13,14).
O que Daniel vê de cima, os discípulos veem de baixo em
Lucas 24 e Atos 1, quando Jesus ascende através das nuvens ao
céu para ser aclamado Rei.
O fato de Saul “subir” para ser ungido é um retrato em
miniatura da verdadeira ascensão. Em Efésios 1.20,21, Paulo
diz que Deus fez Cristo “assentar-se à sua direita, nas regiões
celestiais, muito acima de todo governo e autoridade, poder e
domínio”.Jesus é o Rei supremo, com poder supremo. Mas por
76
!Sam uel 7 . 1 5 2 7 ‫ ־‬17; 8

que Deus fez isso? “Deus colocou todas as coisas debaixo de


seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja”
(v. 22). Jesus ascendeu para ser aclamado Rei para a igreja. Para
nós. Ele governa o curso da história para a igreja.
Isso não significa que nossa vida será sempre fácil. Mas sig-
nifica que Cristo realizará seus propósitos para nós e para nossa
missão. Quais sofrimentos você está experimentando? Quais
desencorajamentos está enfrentando? Quais decepções está
suportando? Talvez você faça
parte de uma igreja pequena Jesus governa o
e indague como impactará curso da história
sua vizinhança. Ou seus es- oara a iareia.
forços para falar às pessoas
sobre Cristo nunca parecem levar a lugar algum. Ou você per-
deu o respeito ou até mesmo o amor de familiares e amigos
por causa de sua fé. Não desista. Cristo governa todas as coisas
para a igreja. Estamos do lado vencedor.

Perguntas para reflexão


1. Você já serviu a algo que lhe prometia dar algumas coisas,
mas que na realidade tirou coisas de você?
2. Quando você pensa que Jesus é o marido real de sua igreja
e você, membro de seu povo, isso o deixa entusiasmado? De
que maneira?
3. Que diferença fará para os seus pensamentos e ações hoje
saber que Jesus governa todas as coisas para a igreja?

77
!SAMUEL ■CAPITULO 10 VERSÍCULOS 1-12

■CAPÍTULO 11 VERSÍCULOS 1-15

■ CAPÍTULO 12 VERSÍCULOS 1-25

5. O REI SAUL

No início do capítulo 10, Samuel unge Saul em segredo:


“Samuel apanhou um jarro de óleo, derramou-o sobre a cabeça
de Saul e o beijou, dizendo: Ό S enhor o ungiu como líder da
herança dele”’(v. 1). Como vimos no capítulo anterior, Saul se
torna rei em quatro etapas, a primeira das quais já examinamos:

1. uma unção secreta realizada por Samuel (9.1— 10.1);


.
2 uma confirmação pessoal por meio de sinais (10.2-16);
3. uma seleção pública por sorteio (10.17-27);
4. uma proclamação vitoriosa pelo povo (11.1-15).

Sinais de confirmação
Imagine que eu bata em sua porta certa noite. Você mc convida
para entrar e me oferece uma bebida. No final da noite, digo-lhe
que tenho uma mensagem de Deus: “Você será o próximo rei
da Grã-Bretanha”. Suspeito que você não acreditaria em mim!
De fato, muito provavelmente questionaria minha sanidade.
Faria sentido você exigir alguma evidência.
Samuel tem um tanto mais de prestígio do que eu! Mas,
ainda assim, é muito para Saul processar. Você ser informado
de que será rei já é extraordinário o suficiente. Mas, a essa
¡Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

altura, tal posição nem mesmo existe! Em 9.20, Samuel faz uma
indagação um tanto c rítica sobre o futuro de Saul: “... Έ a
quem pertencerá tudo o que é precioso em Israel, senão a você
e a toda a família de seu pai?’”. Como acaba ficando evidente,
ele quer dizer que Saul será rei. Saul satisfará o desejo de Israel
por um rei. Saul entende isso no momento? Ou ele simples-
mente pensa que Samuel está sugerindo que ele tem um papel
importante a desempenhar para a nação? Assim, ele responde:
“... ‘Acaso não sou eu um benjamita, da menor das tribos de
Israel, e não é o meu clã o mais insignificante de todos os
clãs da tribo de Benjamim? Por que estás me dizendo tudo
isso?”’ (v. 21). Quando seu tio pergunta a Saul o que ele estava
fazendo, Saul é evasivo, aparentemente relutante em declarar
até mesmo à sua família que foi ungido como rei (v. 13-16).
Para preencher essa lacuna de cred ibilid ad e , Samuel
envia Saul para sua jornada com a promessa de três sinais que
demonstrarão que “Deus está com você” (10.7).

1. Dois homens o encontrarão no túmulo de Raquel para


lhe contar que as jumentas extraviadas estão seguras (v. 2).
2. Três homens o encontrarão em Betel para lhe oferecer
pão (v. 3,4).
3. Um grupo de profetas se reunirá em Gibeá, com quem
Saul profetizará (v. 5,6).

E “todos aqueles sinais se cumpriram naquele dia” (v. 9).


Esses sinais reforçam a ideia de que Saul é rei por meio da
palavra de Deus. É assim que ele se toma rei; e é assim que ele
precisa governar como rei. Este é o sentido do versículo 8: Saul
não deve substituir Samuel, o porta 7voz de Deus, mas reinar
de acordo com as palavras dele.
A geografia aqui é significativa. Gibeá foi onde os gibeoni-
tas violentaram e mataram a concubina de um levita (Jz 19).
79
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

Essa afronta levou as outras onze tribos de Israel a lutar contra


eles e quase exterminá-los (Jz 20 e 21). Talvez a unção de um
benjamita como rei de Israel seja o sinal de que a tribo de
Benjamim foi verdadeiramente restaurada.
Raquel era a esposa predileta de Jacó, e Benjamim era o seu
filho predileto. Uma razão de Benjamim ser favorecido por Jacó
era que Raquel morreu no parto. A referência ao seu túmulo
em 1Samuel 10.2, portanto, é um lembrete dessa história.
Em Gênesis 35.11, Deus promete com respeito a Benja-
mim, o filho de Jacó de quem descende a tribo de Benjamim:
“...‘Eu sou o Deus todo-poderoso; seja prolifero e multiplique-se.
De você procederão uma
m
Judá recebe a ii'.V. nação e uma comunidade de
M
promessa da coroa ψ nações, e reis estarão entre os
somente após ter nm seus descendentes’”. Mas,
m em Gênesis 49.10, Jacó pro-
se oferecido para
substituir Benjamim. BB mete a Judá (mais um de
seus filhos): “O cetro não se
apartará de Judá, nem o bastão de comando de seus descenden-
tes...”. Isso sugere uma transição de uma monarquia benjamita
a uma monarquia liderada pela tribo de Judá, uma transição que
está prestes a ocorrer em 1 e 2 Samuel. Mas talvez o aspecto
decisivo seja que Judá recebe a promessa da coroa somente após
ter se oferecido para substituir Benjamim (Gn 44.18-34).
Assim como Davi, Jesus é da tribo de Judá. O Rei supremo
ascende ao trono porque se oferece como um substituto pelo
seu povo.
O encontro com os profetas é especialmente significativo.
Em lSamuel 10.6, lemos: “O Espírito do S enhor se apossará
de você, e com eles você profetizará, e será um novo homem”.
Samuel descreve os três sinais nos versículos 2-6. Sobre os
primeiros dois, o autor se contenta em simplesmente dizer:
“... todos aqueles sinais se cumpriram naquele dia” (v. 9).
80
!Sam uel 10.1-12; 1 1 .1 1 2 .1 - 2 5 ;15‫־‬

Mas ele descreve mais uma vez o terceiro sinal no versículo


10, acrescentando: “Quando os que já o conheciam viram-no
profetizando com os profetas, perguntaram uns aos outros: Ό
que aconteceu ao filho dc Quis? Saul também está entre os
profetas?’ Um homem daquele lugar respondeu: Έ quem é o
pai deles?’ De modo que isto se tornou um ditado: ‘Saul tam-
bém está entre os profetas?”’ (v. 11,12).
Algo aconteceu ao filho de Quis. Quem é o pai agora?
A resposta é que ele está entre os profetas. A implicação é
que Samuel é agora, em certo sentido, o pai adotivo de Saul.
Assim como os filhos dissolutos de Eli foram substituídos por
Samuel, os filhos dissolutos de Samuel estão sendo substituí-
dos por Saul. Assim como Eli adotou Samuel quase como um
filho, Samuel adota Saul quase como um filho.
Nessa t r a je t ó r ia , para onde essa história se encaminha?
Saul adotará Davi quase como um filho (ainda que seu pró-
prio filho, Jônatas, seja o único filho fiel na narrativa). Saul lhe
dá sua filha em casamento (18.20-27) e, em 24.16, trata Davi
como “meu filho”. Mas o ponto alto é descrito em 2Samuel
7.14, quando Deus diz sobre 0 filho de Davi: “Eu serei seu pai,
e ele será meu filho...”. O próprio Deus adotará o rei de Israel
como seu filho.
No Êxodo, Deus havia chamado Israel de seu filho
(Èx 4.22,23). Agora a identidade de Israel estará concen-
trada no rei davídico. Mas isso se cumprirá de modo supremo
em Jesus. No batismo dele, Deus disse: “...‘Tu és o meu Filho’...”
(Mc 1.11). Jesus é o verdadeiro filho de Davi, o Filho de Deus
por excelência, que governará sobre o povo de Deus para sempre.

Seleção pública
As sortes recaem sobre Saul após Samuel repreender novamente
0 povo por rejeitar a Deus como rei (ISm 10.17-19). A esco-
lha secreta de Deus agora é tornada pública. No capítulo 9,
81
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

jumentas extraviadas levaram Saul a Samuel sob a providên-


cia de Deus. Saul achava que estava numa missão de encon-
trar alguns animais; mas, na verdade, Deus o estava enviando
a Samuel (9.16). De fato, a sugestão do servo de que Samuel
pode lhes dizer “o caminho a seguir” é literalmente “nosso
caminho em que andamos” (9.6). Isso sugere que o servo pensa
que Samuel, mais do que lhes dizer o que fazer a seguir, lhes
dirá o verdadeiro significado de sua estranha jornada. Agora a
providência de Deus se torna novamente visível com o lançar
de sortes apontando para Saul (10.20,21).
Mas, de forma ameaçadora, já antes de seu reino começar,
Saul está perdido! O povo obtém o rei que pediu. E, logo em
seguida, já não consegue encontrá-lo (v. 21) A história come-
çou com uma busca para “encontrar” algumas jumentas extra-
viadas. Agora o próprio rei não pode ser “encontrado”. Assim,
0 povo precisa consultar o Senhor. Os israelitas não confiam
em Deus para libertá-los (v. 19). Mas nem mesmo conseguem
encontrar o seu próprio rei sem a ajuda de Deus (v. 22).
Por que não conseguem encontrar seu rei? Porque o seu
rei “está escondido” (v. 22). Isso dificilmente é um começo
auspicioso para aquele que eles acreditam que “sairá à nossa
frente para combater em nossas batalhas” (8.20)! Mas estão tão
cegos por sua determinação em conseguir um rei que, quando
o encontram, eles o saúdam com as palavras: “... ‘Não há nin-
guém como ele entre todo o povo’...” (10.24).
Antes, em 8.11, Samuel descreveu como seria a justiça do
rei. Em 10.25, a mesma palavra é usada novamente, mas dessa
vez Samuel está declarando como a justiça do rei deve ser. No
capítulo 8, Samuel diz ao povo “quais direitos reivindicará
0 rei”. Mas aqui Samuel escreve “os direitos e obrigações do
reino” (10.25, N IV; cf. também D t 17.18,19).Talvez, agora que
foi encontrado, Saul seja o rei de que o povo de Deus precisa.
82
!Sam uel 10.1-12; 1 1 .1 1 2 .1 - 2 5 ;15‫־‬

Proclamação vitoriosa
O reino de Saul começa em marcha lenta. Ele volta para casa
(lSm 10.26), mas alguns “vadios”(literalmente,“filhos de Belial”
ou “filhos da impiedade”) questionam publicamente suas habi-
lidades e o desprezam; Saul fica quieto (v. 27). O leitor fica na
expectativa de que Saul se mude para um palácio e se veja cer-
cado de uma corte real. No entanto, na próxima vez em que
encontramos Saul, ele está “trazendo o gado do campo” (11.5).
Porém, quando ouve sobre a situação terrível de Jabes-
-Gileade, Saul entra em ação imediatamente. A cidade israe-
lita foi cercada por Naás, rei dos amonitas (v. 1). Ele lhes deu
um ultimato: deixará que façam um tratado de paz somente
se concordarem em que o olho direito de cada um deles seja
arrancado (v. 2). Sua intenção é clara: “humilhar todo o Israel”.
Naás concorda com uma suspensão temporária para averiguar
se qualquer um de Israel virá para defender a cidade e proteger
a honra de Israel (v. 3). Assim que a notícia alcança Gibeá,
parece não haver esperança alguma (v. 4). Mas Saul somente
ouve a notícia ao voltar de seu campo (v. 5). Como o novo rei
de Israel reagirá?
“Quando Saul ouviu isso, o Espírito de Deus apoderou-se
dele, e ele ficou furioso” (v. 6). Saul reúne todo o Israel para
lutar como um só (v. 7,8). Não é de admirar que os habitan-
tes de Jabes-Gileade tenham se alegrado ao ouvir essa notícia
(v. 9). Sua mensagem a Naás dá a entender que se renderão
e talvez desperte nele um falso senso de complacência. Mas
trata-se de uma afirmação ambígua. Eles dizem literalmente:
“Amanhã nós sairemos a vocês” (v. 10). As mesmas palavras
são usadas na expressão que inclui o termo “sair”, que o povo
empregou em seu pedido por “um rei [que] nos governará,
e sairá à nossa frente para combater em nossas batalhas” em
8.20. “Nós sairemos a vocês” poderia soar como uma rendição,
83
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

mas na verdade é urna advertencia de que sairão em batalha.


No dia seguinte, Saul chega como prometido (provavelmente
após uma caminhada durante a noite) e derrota totalmente os
amonitas (v. 11).
Consequentemente, o povo se reúne para “reafirmar o
reino” (v. 14). “Assim, todo o povo foi a Gilgal e proclamou
Saul como rei na presença do S e n h o r . Ali ofereceram sacri-
fícios de comunhão ao S e n h o r , e Saul e todos os israelitas
tiveram momentos de grande alegria” (v. 15).
Saul está sendo erguido, ou exaltado. E é Deus que o está
erguendo ou exaltando. Isso é um cumprimento do cântico de
Ana: Ό S enhor [...] humilha e exalta” (2.7).
Mas também é um presságio do que poderia acontecer.
Em 9.2, lemos sobre Saul que “os mais altos batiam nos seus
ombros” — isso é repetido em 10.23. É a palavra equivalente
a “orgulhosamente” no cântico de Ana: “Não falem tão orgu-
lhosamente” ou favoravelmente sobre si mesmos (2.3). Assim,
apresentar Saul como um homem “alto”é um mau sinal àqueles
que ouviram cuidadosamente o cântico de Ana. Nos capítulos
4 a 7, a questão era peso, ecoando o sentido simbólico do peso
no capítulo 2. Nos capítulos 8 a 17, a questão é altura, ecoando
o sentido simbólico da altura no capítulo 2.
Quando Samuel vê o filho mais velho de Jessé, Eliabe, ele
ouve o seguinte: “... ‘Não considere sua aparência nem sua
altura, pois eu o rejeitei. O S enhor não vê como o homem: o
homem vê a aparência, mas o S enhor vê o coração” (16.7). A
rejeição de Eliabe, apesar de sua altura, deve ser um mau sinal
para o alto Saul. De fato, quando Saul tem seu encontro final
com o espírito de Samuel, lemos: “Na mesma hora Saul caiu
estendido no chão, aterrorizado pelas palavras de Samuel...”
(28.20). Isso é literalmente “caiu com todo o peso no chão”.
Em contraste, o pequeno Davi conquista um gigante de grande
altura (a mesma palavra que está em 9.2). Como o próprio Davi
84
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

expressará ao se aproximar do fim de seu longo reinado: “Salvas


os humildes, mas os teus olhos estão sobre os orgulhosos para os
humilhar. [...]Tu me revestiste de força para a batalha; fizeste
cair aos meus pés os meus adversários” (2Sm 22.28,40).
Nos dias atuais, os cristãos se sentem intimidados com extrema
facilidade. Não fazemos parte do establishment. Não estamos entre
a elite cultural. Talvez nossos
amigos zombem de nossa fé,
e talvez nossa igreja tenha
Nos dias atuais, os
pouca influência em nossa
cristãos se sentem
vizinhança. intimidados com
Somos os mais baixos em extrema facilidade.
nossa cultura. Perspectivas
seculares , humanistas e pluralistas dominam, são exalta-
das na mídia e elevadas ao nível de normas sociais. Assim, é
tentador pensar que estamos do lado errado. Mas a promessa
de ISamuel é “O S enhor [...] humilha e exalta” (lSm 2.7). Isso
não é somente o que Ana canta, mas é o que vemos na narrativa
de ISamuel. E é o que vemos de modo supremo em Jesus. Na
cruz, ele foi rebaixado. De acordo com a aparência externa, Jesus
foi um fracasso. No entanto, “Deus o exaltou à mais alta posição
e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9).
Portanto, “não considere [...] aparência nem [...] altura”.
Deus rejeitou o orgulho da humanidade. Podemos olhar com
os olhos da fé e enxergar o triunfo de Cristo e, nele, o triunfo
de seu povo.

P e r g u n ta s para reflexão
1. Você às vezes se vê rejeitando a liderança de Deus, mas
pedindo a ajuda dele, como Israel faz quando busca Saul?
2. Quando você considera empecilhos, tende a chorar em deses-
pero ou olhar com esperança para o Rei escolhido por Deus?
85
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

3. Quando e por que você se sente intimidado como cristão?


Como a vida, morte e exaltação de Jesus encorajam você?

SEGUNDA PARTE

No banco dos réus


Todos os primeiros sinais são positivos para Saul. Ele é humilde
e não usurpa o reino (ISm 9.21). Ele se recusa a se vingar
daqueles que se opuseram a ele quando isso está ao seu alcance
(11.12,13). O segredo para entender a mudança na vida de Saul
é reconhecer que, no capítulo 11, Saul governa como um juiz.
O capítulo está repleto de alusões ao livro de Juízes:

a O Espirito vem sobre Saul com grande poder (11.6), como


veio sobre os juízes (Jz3.10; 6.34; 11.29; 13.25; 14.6).
5s Gibeá, a cidade natal de Samuel, foi o lugar em Ben-
jamim em que a concubina de um levita foi violentada
e depois cortada em pedaços para ser enviada a todo o
Israel como uma convocação para a batalha (Jz 19—21).
Agora Saul corta um boi em pedaços para enviá-lo a
todo o Israel como uma convocação para a batalha.
B Jabes-Gileade foi a única cidade que se recusou a lutar
contra Benjamim, de modo que ela foi atacada e as suas
virgens, raptadas (Jz 21). Isso havia levado quase à des-
truição de Jabes-Gileade. Mas, em uma estranha revira-
volta, o salvador de Jabes-Gileade virá de Gibeá.
B Até mesmo o número no exército de Saul nos traz à
mente os juízes, específicamente o exército de Gideão:
trezentos mil de Israel e trinta mil de Judá (ISm 11.8)
— ambos são múltiplos dos trezentos de Gideão.
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!Sam uel 10.1-12; 1 1 .1 1 2 .1 - 2 5 ;15‫־‬

■ Bezeque, onde Saul reúne o seu exército, foi o local da


primeira vitória militar em Juizes (Jz 1.4,5).
■ Gilgal, para onde Samuel o leva após a vitória, foi o lugar
em que Josué renovou a aliança em Josué 5.

Assim, em ISamuel 11, Saul é um governante à moda


antiga, mediando a liderança de Deus. Eis como o próprio
Saul o descreve: “... ‘neste dia o S enhor trouxe libertação a
Israel’” (11.13).
Saul não é proclamado rei antes do versículo 15. A derrota
dos amonitas ocorre antes de ele se tornar rei. Deus o levanta
como juiz para resgatar seu povo — exatamente como Deus
havia libertado Israel anteriormente. Mas isso mudará nos
versículos 12-15, com a confirmação de Saul como rei. Esse
fato marca o momento em que ele deixa de ser um juiz, levan-
tado por Deus como uma expressão da liderança de Deus. Nos
capítulos 13 a 15, Saul demonstrará ser um rei de um novo
estilo. Em vez de mediar a liderança de Deus, ele substituirá
a liderança de Deus. Em vez de libertar o povo de Deus, ele
oprimirá o povo de Deus. Em vez de ser exaltado por Deus,
Saul exaltará a si mesmo... somente para ser humilhado por
Deus (31.8; 2Sm 1.19,25,27).

O julgamento de Samuel
A história da nomeação de Saul como rei termina como come-
çou: com um discurso de advertência feito por Samuel. A seção
pode ser estruturada de acordo com um padrão quiástico que
realça esse começo e fim paralelos:

a. Samuel faz um discurso em resposta ao pedido de Israel por


um rei (lSm 8.1-22).
b. Saul é proclamado rei em segredo (9.1— 10.16).
87
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

c. A escolha de Saul como rei é rejeitada pelos “filhos de


Belial” (10.17-27).
d. Saul derrota Naás (11.1-11).
c’. Saul se recusa a se vingar dos “filhos de Belial”(11.12,13).
b’. Saul é aclamado publicamente como rei (11.14,15).
a’. Samuel faz um discurso em resposta ao pedido de Israel por
um rei (12.1-25).

O capítulo 12 é um discurso de despedida. Embora conti-


nue como profeta, Samuel se aposenta como líder militar. Não
é mais chamado de “juiz”. Porém, mais significativamente, o
capítulo 12 é um julgamento. Isso está claro com base na lin-
guagem que Samuel usa em todo o seu discurso: “Aqui estou...”;
“... ‘testemunhem contra mim na presença do S enhor e do
seu ungido’...” (12.3); “...‘O S enhor é testemunha diante de
vocês’...”; “...‘Ele é testemunha”’(v. 5); “...‘vou entrar em julga-
mento com vocês perante o S enhor ’...” (v. 7).
Mas, se isso é um julgamento, quem está no banco dos réus?
O primeiro é Samuel (v. 1-5): “Aqui estou. Se tomei um boi
ou um jumento de alguém, ou se explorei ou oprimi alguém,
ou se das mãos de alguém aceitei suborno, fechando os olhos
para a sua culpa, testemunhem contra mim na presença do
Senhorc do seu ungido. Se algumas dessas coisas pratiquei,
eu farei restituição” (v. 3).
Em 8.16, Samuel, ao falar sobre o futuro rei, advertiu:
“... ‘tomará de vocês para seu uso particular [...] o melhor
do gado’...”. Em contraste, ele mesmo não tomou o gado ou
jumentos. O povo confirma que Samuel não explorou nem
oprimiu ninguém (12.4,5).

Deus versus o povo


O caminho está preparado para que ocorra o real julgamento:
Deus versus o povo. Ao pedir um rei para substituir Deus, o povo
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!Sam uel 10.1-12; 1 1 .1 1 2 .1 - 2 5 ;15‫־‬

de fato acusou Deus de falhar em seu reinado divino. O povo será


vindicado se Deus for condenado. Mas, se Deus for vindicado, o
povo será condenado. É assim que o tribunal hebreu funcionava.
Portanto, Samuel começa: “Agora, pois, fiquem aqui, por-
que vou entrar em julgamento com vocês perante o S enh or ,
com base nos atos justos realizados pelo S enhor em favor de
vocês e dos seus antepassados” (v. 7). Deus resgatou Israel do
Egito e lhe deu a Terra Prometida (v. 6,8). Mas os israelitas se
esqueceram de Deus (v. 9). Em outras palavras, viviam como
se ele não existisse ou como se ele não tivesse importância.
Assim, Deus os julgou, entregando-os aos seus inimigos (v. 9).
Quando clamaram por misericórdia, Deus enviou uma sucessão
de juizes para libertá-los (v. 10,11). Inúmeras vezes Deus
demonstrou ser fiel e capaz de libertar seu povo quando este
buscava sua ajuda. No entanto, apesar da fidelidade de Deus,
quando Naás, o rei dos amonitas, fez ameaças, os israelitas
pediram um rei em lugar de Deus (v. 12). A evidência aponta
para um só veredito: Deus é fiel e Israel é infiel; Deus é vindi-
cado e Israel é condenado. Samuel termina chamando Israel e
seu rei para que obedeçam a Deus (v. 13-15).
Com 0 veredito claro, o juízo é feito. Samuel clama para que
Deus envie trovões e chuva sobre a colheita de trigo (v. 16-18).
O povo fica atemorizado enquanto o veredito é pronun-
ciado (v. 18) e pede para que Samuel interceda em seu favor:
“... ‘pois a todos os nossos pecados acrescentamos o mal de
pedir um rei”’ (v. 19). Cada versículo da resposta de Samuel
está repleto de significado.
Em primeiro lugar, ele diz aos israelitas: "... ‘Não tenham
medo. De fato, vocês fizeram todo esse mal. Contudo, não dei-
xem de seguir o S e n h o r , mas sirvam o S enhor de todo o
coração’” (v. 20).
Israel pecou, e a sentença foi dada. Mas isso não é o fim da
história, pois Deus é gracioso. Ainda há a possibifidade de
89
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

arrependimento. A lógica desse versículo é intrigante. Podería-


mos esperar que ele significasse: “Vocês fizeram todo esse mal;
assim, voltem a Deus”. Mas a lógica parece ser: “Vocês se afas-
taram de Deus para o mal, mas não se afastem de Deus para o
mal”. A razão disso é provavelmente que um reconhecimento
do pecado pode confirmar as pessoas em seu pecado. Talvez
elas achem que não têm esperança alguma. Ou talvez achem
que o pecado alterou sua identidade e isso não pode ser
mudado. “Não há esperança alguma para pessoas como eu” ou
“Não consigo mudar”, pode-

O reconhecimento
l|| riam dizer. Mas Samuel diz:
“Vocês são pecadores, mas
§
do pecado pode 11 não precisam permanecer
m
confirmar as pessoas pecadores. Esse juízo não
em seu pecado se elas precisa confirmá-los como
acharem que náo têm
esperança alguma.
I alguém que ‘deixou de seguir
o Senhor’”.
Em segundo lugar, ele
diz: “Não se desviem, para seguir ídolos inúteis, que de nada
valem nem podem livrá-los, pois são inúteis” (v. 21).
Tendemos a imaginar ídolos como estátuas em templos.
Mas não há menção alguma a imagens ou deuses estrangeiros
nessa história. Assim, quais são os ídolos a respeito dos quais
Samuel adverte? A idolatria de uma estrutura humana, talvez?
Ou a idolatria do autogoverno? Esses ídolos não pertencem à
Antiguidade. Diferentemente de estátuas, que podemos loca-
fizar facilmente em outras épocas e culturas, esses ídolos atra-
vessam todas as divisões culturais e históricas. Isso nos obriga a
perguntar: “Quais são os meus ídolos?”. No versículo 21, Samuel
nos fornece dois critérios para identificar ídolos na nossa vida:

O que você acha que tornaria boa a sua vida?


O que você acha que interrompería a infelicidade em sua vida?
90
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

Para qualquer resposta diferente de “Deus”, o veredito de


Samuel é: “inútil”. Isso não fará bem a você; não impedirá o
mal; não o salvará hoje, muito menos eternamente.
Em terceiro lugar, Samuel diz: “Por causa de seu grande
nome, o S enhor não os rejeitará, pois o S enhor teve pra-
zer em torná-los o seu pró-
pno povo (v. 22). O que | | Samuel nos fornece
motiva as ações de Deus é a c ritério s p a r a identificar
sua paixão pela glória dele. H - , , .,
_‫ץ י‬ í( F & : ídolos na nossa vida.
Ele age por causa de seu
grande nome”. Nós testemunhamos esse fato no Novo Tes-
tamento. O Pai se compraz em seu Filho e ele se compraz
em ver que seu Filho é honrado. O Filho se compraz em dar
glória a seu Pai. O Espírito age para ver tanto o Pai quanto
o Filho glorificados um no outro e um por meio do outro.
E por isso que oramos: “... ‘Santificado [ou honrado] seja o
teu nome’...” (Lc 11.2).
A advertência de juízo na passagem é clara. Mas há uma
base sólida para esperança. O juízo pode vir. Para alguns, será
irrevogável. Mas Deus glorificará o seu nome em um povo de
quem o autor diz: “... ‘teve prazer cm torná-los o seu próprio
povo’” (lSm 12.22). E um dia essa glória e esse povo se esten-
derão até os confins da terra.
Em quarto lugar, Samuel diz ao povo: “E longe de mim
esteja pecar contra o S e n h o r , deixando de orar por vocês.
Também lhes ensinarei o caminho que é bom e direito”(12.23).
Pecamos não somente quando fazemos o que não deve-
mos fazer (um “pecado de comissão”), mas também quando
não fazemos o que devemos fazer (um “pecado de omissão”).
Samuel diz que não orar e não ensinar podem ser pecados.
Em quinto lugar, Samuel exorta seus ouvintes: “Somente
temam o S enhor e sirvam-no fielmente de todo o coração; e
considerem as grandes coisas que ele tem feito por vocês” (v. 24).
91
!Sam uel 10.1-12; 11.1-15; 12.1-25

Esse versículo é fundamental para entender o que significa


ser o povo de Deus. Quem é o povo de Deus? Aqueles que o
servem cheios de fé. Como Paulo deixa claro em Romanos 4 e
Gálatas 3, não é a identidade étnica que define o povo de Deus,
mas a fé ñas “grandes coisas que ele tem feito por nós”. Não são
as nossas ações que nos definem, mas as ações de Deus.
E então, por fim, Samuel profere uma advertência: “Toda-
via, se insistirem em fazer o mal, vocês e o seu rei serão destruí-
dos” (lSm 12.25) ou “varridos da terra” (ESV).
Trata-se de um eco da advertência de Deuteronômio
28.64-68. Deuteronômio 28 lista as maldições que virão sobre
o povo de Deus se ele não for fiel a Deus. A maldição suprema
é a do exílio, ou ser “varrido do mapa”. A designação de um rei
não muda isso, a não ser pelo fato de que agora em diante o
rei terá uma influência decisiva sobre a nação como um todo.
Quando o exílio vier de fato, virá sobre “vocês e o seu rei”.
Mas virá ainda assim. Israel queria um rei para combater suas
batalhas; mas nenhum rei será capaz de defender os israelitas
do juízo de Deus. Exceto um.

P e r g u n ta s para reflexão
1. Com quais ídolos você trava sua maior luta para não cair
em idolatria neste exato momento?
2. Você consegue identificar a promessa falsa desse ídolo e
como ele na verdade não lhe fará bem algum?
3. Como será se você voltar para o Deus vivo e adorar somente
a ele?

92
1SAMUEL■ CAPÍTULO 13 VERSÍCULOS 1-15

■ CAPÍTULO 14 VERSÍCULOS 1-52

■ CAPÍTULO 15 VERSÍCULOS 1-35

6. ADÃO REVISITADO

No meio desses capítulos, há dois versículos que resumem


como o rei Saul “lutou contra os seus inimigos [...] corajosa-
mente [...], libertando Israel das mãos daqueles que os saquea-
vam” (14.47,48). Porém, o interesse do autor não está nos
êxitos de Saul, mas nos seus fracassos.
O rei dos amonitas que Saul derrotou no capítulo 11 se
chama“Naás”,que significa“cobra’o u “serpente”. Após Adão e
Eva terem sucumbido às mentiras da serpente no jardim
do Éden, Deus disse à serpente: “Porei inimizade entre você e
a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este
lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar” (Gn 3.15).
Deus promete que um dos descendentes de Eva esmagará a
serpente e restaurará o que Adão havia perdido.
A princípio, em 1Samuel 11, parece que Saul é o novo Adão
que esmagará a serpente. Mas nos capítulos 13 a 15 ele acaba
repetindo a conduta do antigo Adão. O rei de Deus esmagará a
serpente, como Saul prenunciou em ISamuel 11. Mas esse rei
supremo não é Saul. Saul não é nem o esmagador da ser-
pente nem o redentor da humanidade. Saul é Adão. Saul é
a humanidade.
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

No capítulo 11, Saul governa como um juiz, como vimos


no capítulo anterior. Mas isso muda em 11.12-15, com sua
confirmação pública como rei. Assim, 13.1 nos diz: “Saul tinha
trinta anos de idade quando começou a reinar, e reinou sobre
Israel quarenta e dois anos”. Essa se tornaria a forma comum
de apresentar um rei nos anais da história israelita — uma
afirmação da idade do rei na época da sucessão e da duração
de seu reino. Isso sugere que o versículo 1 marca o real início
do reinado de Saul. Anteriormente, Saul era somente um rei
designado, e ele reinou no estilo de um juiz capacitado por
Deus. Mas daqui em diante Saul governará como rei.
E ele governará como o rei que o povo pediu. Lembre-se
de que “Saul” significa “[aquele que foi] pedido”; assim, ele
se torna o Saul que eles “saularam”. Ele se torna um rei como
os das nações.
Em 8.10-18, Samuel advertiu a respeito das coisas que
um rei tomaria do povo. Isso é precisamente o que Saul faz:
“‫ ״‬. sempre que Saul conhecia um homem forte e corajoso, alis-
tava-o no seu exército” (14.52). Em 8.19,20, o povo repetiu o
pedido por um rei que os conduziría na batalha. Mas, como
acaba acontecendo, é Jônatas que faz isso em 13.3 e 14.1 — e
não Saul.

O reino será arrancado dele


Por meio de Samuel, Deus havia expulsado os filisteus da terra
e dado paz ao povo (7.13,14). Mas agora os filisteus estão
fortes novamente. Assim, Saul escolhe três mil homens para
combater essa ameaça; os restantes são mandados para casa
(13.2). Isso traz à mente o exército de trezentos de Gideão
com os restantes sendo mandados para casa (Jz 7.7,8). Até
aqui, sem problemas.
Jônatas inicia a batalha (ISm 13.3). Esse ataque a um posto
avançado filisteu provoca uma guerra total. Saul convoca suas
94
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

tropas (v. 4). Os filistcus igualmente reúnem seu exército. Deus


prometeu a Abraão que seus descendentes seriam tão numerosos
quanto a areia da praia. O autor usa a mesma expressão no
versículo 5, mas aqui ela é usada contra Israel, para descrever o
exército filisteu. Diante desse vasto exército, os israelitas ficam
apavorados. A maioria se esconde cm cavernas, moitas, bura-
cos e cisternas (v. 6). Alguns abandonam o campo de batalha
completamente."... os soldados que estavam com ele tremiam
de medo” (v. 7).
Parece que Saul tem algum acordo com Samuel. Samuel virá
para oferecer um sacrifício e abençoar o exército. Mas Samuel já
deveria ter chegado havia muito tempo. A maioria dos homens
começa a se dispersar (v. 8). Você pode imaginar Saul exami-
nando o horizonte, perguntando repetidamente se alguém viu
Samuel, observando com terror cada vez mais soldados deser-
tando. No fim, ainda que somente o sacerdote estivesse autori-
zado a oferecer um sacrificio, ele mesmo o oferece (v. 9).
Assim que ele termina de fazê-lo, Samuel chega (v. 10).
“... ‘Você agiu como tolo’...”, diz Samuel (v. 13). Em conse-
quência da impaciência e da desobediência de Saul, o reino
será tomado de sua família (v. 13,14).
Poderiamos estar inclinados a nutrir alguma simpatia por
Saul. Um exército que perde soldados continuamente é uma
perspectiva alarmante. Enquanto isso, a intervenção de Samuel
parece severa e rude. Mas “tolo” tem um significado particular
no Antigo Testamento. Não é simplesmente o equivalente
antigo de chamar alguém de idiota. De acordo com Salmos
14.1: “Diz o tolo em seu coração; ‘Deus não existe’...”. Não se
trata de um ateu, mas de alguém que vive como se Deus não
existisse ou Deus não importasse. O problema de Saul foi que
ele agiu como se Deus não fosse agir. Ele não “obedeceu ao
mandamento do S e n h o r ”, pois não confiava de verdade no
Senhor (ISm 13.13,14).
95
!Sam uel 1 3 . 1 3 5 ‫־‬15; 14.1-52; 15.1‫־‬

Saul está lá com os seiscentos homens que restaram (v. 15).


Esse é o dobro do número que Gideão tinha ao derrotar os
midianitas em Juizes 7. Nós já vimos o autor ecoando a histó-
ria de Gideão em 1Samuel
O problema de Saul íoi 13.2. Agora há mais um eco
de Gideão. Gideão dividiu o
que ele agiu como se
seu exército em três grupos.
Deus não fosse agir.
Mas aqui são os filisteus que
se dividem em três destacamentos (v. 17,18). No capítulo 11,
Saul foi descrito como um novo juiz, capacitado pelo Espírito
de Deus para levar paz ao povo de Deus. Mas agora ele é um
antijuiz. Agora ele reina (ou deixa de reinar) não como o liber-
tador capacitado de Deus, mas como o rei impotente do povo.
Está se repetindo a história de Gideão às avessas.
A impotência de Saul é enfatizada pelo fato de que Israel
não tem arma alguma. Os filisteus haviam usado seu poder para
monopolizar o mercado dos ferreiros (13.19). Israel é obrigado
a pagar valores absurdos para afiar suas ferramentas (v. 20,21).
E, mais importante do que isso, o exército israelita não tem
arma alguma. Em todo o exército, somente Saul e Jônatas
têm uma espada ou lança (v. 22). A situação não é promissora.
Saul tem o sacerdote Aías; mas ele é “filho de Aitube, irmão
de Icabode, filho de Fineias e neto de Eli”(14.3). Isso não é um
bom presságio. A corrupção de Fineias causou derrota (2.12-36);
Icabode recebeu esse nome por ter nascido no dia dessa der-
rota, quando a glória de Deus saiu de Israel (4.21,22). Portanto,
quando Saul convoca a arca (14.18), devemos nos lembrar de
que, na última vez em que isso aconteceu, o resultado foi a der-
rota (4.4). Longe de trazer esperança a Israel, Saul está repe-
tindo os erros dos israelitas.
Ao confrontar Saul em 13.11, Samuel começa com uma
pergunta: “... Ό que você fez?’...”, exatamente como Deus se
dirigiu a Adão em Gênesis 3.9: “... O nde está você?’”. Saul
96
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

responde com justificativas, culpando os homens por irem


embora, os filisteus por chegarem (lSm 13.11,12) e o próprio
Samuel por não comparecer
no prazo combinado (v. 11). Saul nâo é o segundo
Saul é descrito novamente Adão prometido, mas o
como um novo Adão. Mas
antigo Adão revisitado.
esse não é o esmagador da
serpente. É o pecador, o apresentador de justificativas (veja
Gn 3.12). Saul não é o segundo Adão prometido, mas o antigo
Adão revisitado.
O novo começo de Israel com um novo rei desmoronou,
pois a incredulidade e a desobediência subjacentes da huma-
nidade em Adão não mudaram. Precisamos de um rei que
não somente nos resgatará de nossos inimigos, mas tam-
bém de nós mesmos. Precisamos de um rei que pode tomar
nosso pecado e nos libertar de nossa escravidão aos desejos
pecaminosos. Precisamos de um rei que obedeça a Deus em
todas as circunstâncias, até mesmo quando posto sob a pressão
de circunstâncias desfavoráveis. Saul não é esse homem.
Assim, seu reino não permanecerá. Não há como. Em vez
disso, o Senhor o dará a “um homem segundo o seu coração”
(lSm 13.13,14).
O “homem segundo o seu coração” não é uma expressão da
futura piedade do rei. É uma expressão da escolha de Deus. O
teólogo australiano John Woodhouse afirma que isso significa:

... um homem escolhido pelo próprio Deus, um homem a quem


Deus confiou 0 seu coração. Significa o lugar que o homem tem
no coração de Deus, e não o lugar que Deus tem no coração
do homem.1

1JohnWoodhouse, ! S a m u e l: lo o k in g f o r a lea d er (Wheaton: Crossway,


2008), p. 287.
97
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

Anos mais tarde, Davi refletirá sobre o que Dcus fez por ele.
“Por amor de tua palavra e de acordo com tua vontade, reali-
zaste este feito grandioso e o revelaste ao teu servo”(2Sm 7.21).
“De acordo com tua vontade” é literalmente “segundo o teu
coração”— exatamente a mesma expressão usada em lSamuel
13.14. Davi foi exaltado por causa do que estava no coração
de Deus — sua vontade soberana e graciosa. “Saul” significa
“[aquele que foi] pedido”. Ele é o rei que o povo pediu. Ele
é a escolha do povo. E o seu reino acaba em fracasso. Davi
será a escolha de Deus. E dessa dinastia virá o novo Adão, o
esmagador da serpente.

O F ilh o q u e s a lv a
Jônatas nos é apresentado em 13.2, mas não ficamos sabendo
que ele é o filho de Saul até o versículo 16. Mas a esta altura
já sabemos que ele não herdará o trono de Saul. A iro-
nia é que, em uma história de filhos dissolutos, Jônatas é a
brilhante exceção.
Um tema fundamental nos capítulos 13 e 14 é o contraste
entre medo e fé. Saul perde o reino por ter agido com incredu-
lidade. O medo motivou suas ações, de modo que suas ações
foram desobedientes. Jônatas é o oposto: a fé o motiva e con-
duz. Ele irá para o “outro lado” com fé (14.1), enquanto Saul
“estava sentado”, com medo (v. 2).
Jônatas está em desvantagem numérica e precisa subir um
penhasco íngreme. Os dois penhascos se chamam literalmente
“escorregadio” (Bozez) e “espinhento” (Seneh), nomes nada
encoraj adores para alguém que começa uma escalada sob ata-
que (v. 4,5)!
Mas Jônatas age com base na fé. Ele descreve os filisteus
como “ incircuncisos ” (v. 6). Considera essa não somente uma
batalha entre Israel e a Filístia, mas entre o povo da aliança
de Deus e os inimigos de Deus. Ele continua: “... ‘Talvez o
98
!Sam uel 1 3 . 1 3 5 ‫ ־‬15; 14

S enhor aja em nosso favor, pois nada pode impedir o S enhor


de salvar, seja com muitos ou com poucos’”. O “talvez” não
significa que Jônatas questiona a capacidade divina de salvar,
como a segunda metade do versículo deixa claro. Antes, ele está
permitindo que Deus seja Deus. Deus é soberano, e ele salvará
se assim escolher.
A fé que Jônatas tem encontra eco na lealdade de seu
escudeiro (v. 7). Jônatas está convencido de que Deus pode
intervir para lhes dar a vitória. Mas, para determinar se Deus
intervirá nesse caso, ele combina um teste com seu escudeiro.
Se os filisteus os convidarem para subir, eles saberão que Deus
planeja derrotar os filisteus (v. 8-10).
E é o que acontece: os filisteus convidam Jônatas: “...‘Subam
ate aqui e lhes daremos uma lição’...” (v. 12). Assim, Jônatas diz
ao seu escudeiro: “...‘Siga-me; 0 S enhor os entregou nas mãos
de Israel’” (v. 12). Os filisteus convidam Jônatas a subir a fim de
que possam lhe dar uma lição. Mas o fato de Jônatas subir leva
à queda deles (v. 13).
Jônatas mata cerca de vinte homens (v. 14); e isso é suficiente
para fazer com que o exército filisteu entre em pânico, pois
“houve um pânico enviado

i
por Deus” (v. 15, NIV). Saul Jônatas desce ao
vê o exército filisteu “se dis- túmulo antes de voltar
persando” e, assim, passa o
a subir e trazer vitória.
exército em revista para pre-
pará-lo para um ataque (v. 16,17). Os desertores voltam ao com-
bate (v. 20-22), e “o S enhor concedeu vitória a Israel naquele
dia” (v. 23).
A linguagem que o autor usa para narrar o ataque de
Jônatas é extremamente significativa. Ele descreve o terreno
com alguns detalhes. Jônatas precisa descer um penhasco e
subir outro para alcançar o destacamento filisteu. Ou seja,
precisa descer para subir. Ambos os penhascos são descritos
99
!Sam uel 1 3 . 1 3 5 ‫־‬15; 14.1‫־‬52 ; 15.1‫־‬

no versículo 4 como “um penhasco-dente” (essa é a palavra


usada na famosa expressão “olho por olho, dente por dente”
em Ex 21.24). O texto de lSamuel 14.5 é literalmente: “Havia
um dente ao norte, na direção de Micmás, e outro ao sul, na
direção de Geba”. Isso sugere um par de mandíbulas. Quando
avistam Jônatas, os filisteus exclamam: "... os hebreus estão
saindo dos buracos onde estavam escondidos’” (v. 11). Isso
sugere que estão saindo de tumbas. Na NIV, Salmos 141.7 fala
sobre “a boca da sepultura”, e Salmos 49.14 e Proverbios 27.20
descrevem a morte “comendo” suas vítimas. Juntas, essas alu-
sões descrevem Jônatas descendo à sepultura antes de ascender
para trazer vitória ao povo de Deus.

O F ilh o p r e c is a m orrer
Há um anexo à história da batalha de Micmás. Saul obrigou
os homens a não comer nada até a batalha terminar (v. 24).
Enquanto Jônatas considerava que a batalha era para a honra do
Senhor, Saul exclama que ela não terminará até que “eu tenha
me vingado de meus inimigos!” (v. 24). Em consequência desse
juramento insensato, os soldados estavam “exaustos”. É a mesma
palavra traduzida por “muito pressionado” em 13.6. No capí-
tulo 13, o exército estava sendo muito pressionado porque estava
diante de um exército inimigo gigante. Mas agora, no capítulo
14, eles estão muito pressionados por causa de seu próprio rei.
Não é nada fácil lutar de estômago vazio.
Até mesmo quando as tropas encontram mel num bosque,
ninguém ousa comê-lo por causa do juramento (14.25,26).
Jônatas, no entanto, estava longe atacando o destacamento
filisteu quando Saul deu a ordem de não comer; dessa forma,
ele avança e come o mel (v. 27). Até mesmo quando é infor-
mado, continua comendo, rejeitando a ordem de seu pai como
insensata (v. 28-30). Em vez de trazer maldição, como Saul
100
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

afirmou, Jônatas afirma que o mel traz bênção, fazendo os


olhos brilharem (v. 29).
Talvez seguindo o exemplo de Jônatas ou talvez porque a
batalha agora já fora vencida, os israelitas comem parte dos
animais que saquearam (v. 31-35). O juramento insensato de
Saul fez as pessoas ficarem com tanta fome que não espera-
ram para cozinhar a comida apropriadamente (v. 32). Mas Saul
intervém, pois Deus proibiu comer carne com sangue ainda
nela (v. 33-35). O sangue simbolizava a vida, e a vida pertence
a Deus (Lv 17.10-13).
Saul quer continuar perseguindo os filisteus até o amanhe-
cer (ISm 14.36).Todavia, ele é persuadido a primeiro consultar
o Senhor (v. 36). “... Mas naquele dia Deus não lhe respondeu”
(v. 37). Por que não? Samuel havia usado exatamente a mesma
expressão para advertir o povo quando eles pediram um rei.
“Naquele dia, vocês clamarão por causa do rei que vocês mes-
mos escolheram, e o S enhor não os ouvirá”. Em 14.19, Saul
silenciou Deus quando Deus falaria. Agora, no versículo 37,
ele quer que Deus fale quando Deus está em silêncio.
Mas Saul pressupõe que a culpa é de outra pessoa (v. 38).
Assim, ele reúne o povo e diz: ‘“Juro pelo nome do S e n h o r , o
libertador de Israel; mesmo que [a culpa] seja [de] meu filho
Jônatas, ele morrera...” (v. 39). O método do U rim e T u m im
é usado para lançar sortes (em um lembrete do pecado de
Acã em Js 7). Imagine a tensão! E então o lançar sortes aponta
para Saul e Jônatas (ISm 14.40-42).
"... ‘Diga-me o que você fez’...”, pede Saul no versículo 43.
Esse é um eco da pergunta de Samuel a Saul em 13.11. A res-
posta de Jônatas realça o absurdo da situação. “...‘Eu provei um
pouco de mel com a ponta de minha vara. Estou pronto para
morrer’” (v. 43). Mas Saul confirma que Jônatas precisa morrer
(v. 44). Talvez o motivo primário de Saul seja salvar as aparên-
cias, especialmente em face do sarcasmo de Jônatas. Saul há
101
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

pouco impediu que os seus homens comessem o sangue de


animais. Agora ele planeja derramar o sangue de seu próprio
filho. Mas o exército intervém para salvar Jônatas, afirmando
que ele é o herói que libertou Israel (v. 45).
O foco dessa seção é o fracasso de Saul como rei, e esse
tema alcança seu clímax no capítulo 15. Aqui, Jônatas é um
contraste para seu pai. Saul age com medo; Jônatas age com fé.
Assim, Jônatas é um exemplo para nós, e não devemos
ignorar o desafio. Com fé, podemos tentar realizar atos de bra-
vura para Deus. Mas Jônatas
Jesus é aquele que é mais do que um exemplo;
permaneceu de pé ele também aponta para
Jesus, e não devemos igno-
no lugar de Jônatas,
rar a emoção dessa conexão.
cósmicamente e de
Podemos ser corajosos por-
modo cabal. que Jesus conquistou a vitó-
ria descendo até a cruz. Ele passou pela garganta da morte, e a
morte o consumiu. Mas ele ressuscitou novamente para vencer
o pecado e a morte. Em 1Samuel 14, não devemos nos colocar
no lugar de Jônatas; Jesus é aquele que esteve lá, cósmicamente
e de modo cabal. Somos chamados para seguir o Filho, que
nos faz atravessar a morte e nos leva à vida, confiando nele o
suficiente para permanecermos em seus passos.

Perguntas p a r a r e fle x ã o
1. Você consegue pensar em momentos em que o senso comum
se opõe a obedecer a Deus?
2. Como as ações de Jônatas ajudam você a se entusiasmar
com o cjue Jesus fez em seu favor?
3. Como o exemplo de Jônatas impele você a tentar realizar atos
de bravura para Deus? O que você está sendo chamado a fazer?
102
!Sam uel 1 3 . 1 3 5 ‫־‬15; 14

SEGUNDA PARTE

S a u l e o s a m a le q u it a s
Em 14.16-52, o autor resume as vitórias de Saul e de sua famí-
lia. A impressão com que ficamos é que, em muitos aspectos,
Saul foi um rei que teve êxito: ele infligia castigo aos inimigos
de Israel (v. 47). “Lutou corajosamente e derrotou os amale-
quitas...” (v. 48). Os povos que outrora saqueavam o povo de
Deus foram derrotados pelo rei de Deus. Ele confrontou os
filisteus em “guerra acirrada” (v. 52).
No entanto, no capítulo 15, Deus rejeitará Saul como rei.
Portanto, essas vitórias não são descritas detalhadamente por-
que o interesse do autor é outro. Ele quer mostrar por que o
reino de Saul foi tomado dele.
No capítulo 15, Samuel leva uma mensagem de Deus a
Saul. Aqui está a mensagem: Deus punirá os amalequitas por
terem maltratado os israelitas quando escaparam do Egito
(15.1,2; Êx 17.8-16). Saul deve atacá-los e destruir completa-
mente tudo o que lhes pertence: homens, mulheres, crianças e
animais (lSm 15.3).
Para ouvidos modernos, isso dispara um alarme e soa a Um-
peza étnica. Mas o que temos aqui é limpeza ética, e não limpeza
étnica. E um ato de juízo contra o pecado. A destruição virá aos
amalequitas não porque são amalequitas, mas porque são peca-
dores. Em certo sentido, isso deveria nos alarmar. Não porque
é injusto, mas porque é justo; e porque, embora não sejamos
amalequitas, somos pecadores. A destruição deles é um retrato
do que a humanidade merece, e recebe, de Deus. Quando o
juízo vier, não sobrará nada. Nada.
Dessa forma, isso não torna a história nem um pouco menos
alarmante. Pois apresenta um retrato da intenção de Deus
contra todo pecado e, portanto, contra toda a humanidade.
103
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

O destino dos amalequitas não é uma exceção de urna era


passada. Ele aponta para o dia do juízo vindouro. Se tende-
mos a minimizar o juízo divino, talvez seja porque tendemos
a minimizar o pecado humano. E esse era o problema de Saul.

As d e s c u lp a s p a r a o p e c a d o
A vitória de Saul sobre os amalequitas é decisiva (v. 4-9).
E, assim, quando Samuel vai a ele após a batalha, Saul diz:
“... Ό S enhor te abençoe! Eu segui as instruções do S enh or ’”
(v. 13). Parece que Saul foi de fato obediente.
Mas, na verdade, a obediência de Saul não é verdadeira.
Como sabemos? Porque podemos ouvir o balido das ovelhas.
“Samuel, porém, perguntou: ‘Então que balido de ovelhas é
esse que ouço com meus próprios ouvidos? Que mugido de
bois é esse que estou ouvindo?”’ (v. 14). “Como estou ouvindo
sons de animais se todos os animais estão mortos?”
Saul confessa o que fez. Até parece que Saul está verdadei-
ramente arrependido. “‘Pequei. [...] Violei a ordem do S enhor
e as instruções que tu me deste’...” (v. 24).
Mas o arrependimento de Saul não é sincero. Como sabe-
mos? A resposta seguinte de Saul nos revela: “...‘Tive medo
dos soldados e os atendi. Agora eu te imploro, perdoa o meu
pecado e volta comigo, para que eu adore o S en h o r ”’(v. 24,25).
É tudo tão fácil. “Sim, sim, errei. Eu estava sob muita pressão.
Perdoemos e esqueçamos. Vamos deixar isso para trás. Por que
todo esse rebuliço?”
No entanto, o pecado é algo sério; talvez não para Saul, mas
para Deus é. Assim, Saul não pode estabelecer as condi-
ções para o seu perdão; ele não pode exigi-lo. Samuel repete
sua palavra de juízo: “... ‘Não voltarei com você. Você rejeitou a
palavra do S e n h o r , e o S enhor o rejeitou como rei de Israel!”’
(v. 26). “Está ouvindo o que estou dizendo?”, ele parece per-
guntar. “Não percebe a seriedade?” Samuel enxerga a verdade
104
!Sam uel 13.1-15; 1 4 . 1 1 5 . 1 - 3 5 ;52‫־‬

de que o pecado tem sérias consequências ilustrada no rasgar


do seu manto: o reino de Saul será arrancado dele (v. 27,28).
O pecado importa.
Saul profere as palavras certas. Mas elas não são since-
ras. E isso fica ainda mais claro nas suas palavras seguintes:
“... ‘Pequei. Agora, honra-me perante as autoridades do meu
povo e perante Israel; volta comigo, para que eu possa adorar
o S en h o r , o teu Deus’” (v. 30). Qual é sua principal preocupa-
ção? Sua reputação. Ele não está angustiado por causa de seu
pecado, mas se preocupa somente com sua imagem.
Saul pode não estar de fato arrependido ou indignado com
o que fez. Mas Samuel está, e também Deus está (v. 10,11,
34,35). Todo pecado leva a pranto e tristeza. Se não prantear-
mos sobre nosso pecado, Deus pranteará sobre nós.
A evidência final de que nem o arrependimento de Saul
nem sua obediência são verdadeiros é que não geram ação, não
resultam em mudança de vida. Esse é 0 verdadeiro teste. Você
pode proferir as palavras certas. Mas o arrependimento sincero
produz mudança de vida — não uma vida perfeita, mas uma
vida de luta contra o pecado, uma vida de mudança.
Todo o arrependimento de Saul produz somente desculpas.
Vale a pena estudá-las em detalhes, pois é muito fácil as pala-
vras dele se tornarem as nossas.1

1. “Veja 0 que eu fiz (v. 20). Posso ter poupado Agague”,


diz Saul, “mas destruí todo o resto conforme a ordem
que recebi”. Na verdade, Saul está dizendo: “Obediência
parcial é suficiente”. Como é fácil desculpar o pecado
com base na alegação de que não pecamos de outros
modos! “Posso ter me irado com ele na igreja; mas ao
menos fui para a igreja! Sim, eu vi pornô soft na inter-
net. Mas não vi nada pior.” Obediência parcial é igual a
desobediência. Não justifica o erro.
105
!Sam uel 1 3 . 1 1 5 . 1 - 3 5 ;14.1-52 ;15‫־‬

2. “Todos fizeram igual” (v. 15,21). Saul fala sobre o que “os
soldados” fizeram. “Você está implicando comigo, mas
não fui só eu”, poderiamos dizer. “Todo mundo faz a
mesma coisa.” Ou: “Eu sei que fiz algo errado, mas os
outros são piores do que eu”. No entanto, isso não é des-
culpa para o pecado. Imagine que você tenha sido pego
furtando. Você não podería dizer: “Muita gente rouba
coisas de lojas. Há quem use até armas. Assim, eu deve-
ria ser solto”. O argumento não funcionaria em um tri-
bunal, nem funciona com Deus. Ele considera cada um
de nós responsável pelas próprias ações. Não devemos
adotar nossos padrões nem justificar nossas ações com
base em uma comparação com outras pessoas, mas, sim,
com base na palavra de Deus.
3. “Parecia o mais sensato a fazer (v. 15). Matar todos aque-
les animais parecia tamanho desperdício que decidimos
que havia um uso melhor para eles. Certamente você
consegue perceber que essa era a melhor coisa a ser feita
nessas circunstâncias.” Ouvi a história de uma igreja com
uma licença de software para um computador que usava
o software em várias máquinas. Parecia fazer sentido, mas
era roubo. O senso comum não está acima da palavra de
Deus. De fato, é quando a palavra de Deus não “faz sen-
tido” que descobrimos aquilo a que de fato obedecemos e
nos submetemos, os caminhos dele ou os nossos.
4. “Eu fiz isso para Deus (v. 21).Tecnicamente pode ter sido
um pecado, mas os meus motivos eram bons. Eu fiz isso
para Deus.”As pessoas fofocam e então dizem: Achei que
alguém precisava saber. As pessoas ultrapassam o limite
de velocidade a fim de não se atrasar para uma reunião
na igreja. As pessoas exageram a fim de fazer o seu tes-
temunho soar mais impressionante. Tudo “para Deus”.
106
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

Tudo isso é pecado contra ele. Deus não precisa que vio-
lemos suas leis a fim
de que a vontade dele Deus não precisa que
seja feita. violemos suas leis a fim
5. “Eu estava com medo de que a vontade dele
dos outros” (v. 24). seja íeita.
Saul realmente esta-
va com medo? Talvez isso fosse apenas uma desculpa.
Mas, na realidade, não faz diferença. Medo de outros
não é justificativa para o pecado. Jesus expressou isso de
forma muito direta e também brilhante: “Não tenham
medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a
alma. Antes, tenham medo daquele que pode destruir
tanto a alma como o corpo no inferno” (Mt 10.28). O
medo dos outros é uma razão subjacente comum para
o pecado. Tememos a rejeição de outras pessoas e
desejamos sua aceitação. Faremos todo o necessário
para participar do grupo, ser aceitos ou afirmados,
mesmo que nos coloquemos em uma posição em que
tudo o que mereçamos de Deus seja exclusão, rejeição
e condenação.

Também podemos usar essas desculpas quando estamos


pastoreando. Alguém nos conta sobre seu pecado e o mini-
mizamos, repetindo uma dessas desculpas. Não se preocupe,
poderiamos dizer. “Você é uma boa pessoa na maior parte
do tempo”, ou: “Todo mundo faz isso”, ou: “Os seus moti-
vos eram bons”, ou: “Você está fazendo o melhor que pode”,
ou: “Você está cansado... doente... ou sob muita pressão
no momento”.
Achamos que estamos ajudando, mas desculpas não produ-
zem liberdade e perdão verdadeiros. Liberdade e perdão vêm
por meio do arrependimento honesto.
107
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

O p r o b le m a d a b la s f ê m ia
O real problema por trás de todas essas desculpas é que nos
encarregamos de decidir o que é certo e o que é errado, o que
importa e o que não importa. Julgamos os outros por suas que-
das e desculpamos as nossas próprias falhas. Brincamos de ser
Deus. Achamos que somos melhores do que Deus. Agimos
como se fôssemos o juiz do mundo.
Devemos chamar esse comportamento pelo nome: blas-
FÊM1A. As desculpas não tornam nosso pecado melhor; na
verdade, o tornam pior. Não somente pecamos, mas decidi-
mos o que é certo e errado. Não confiamos na palavra de Deus
como verdadeira e boa.
O problema de Saul era sua blasfêmia orgulhosa. Samuel
diz: "... ‘Embora pequeno aos seus próprios olhos, você não se
tornou o líder das tribos de Israel? O S enhor o ungiu como
rei sobre Israel’” (ISm 15.17; veja também v. 1). Mesmo Saul
achava que não era ninguém até que Deus o designasse rei.
Mas agora Saul está cheio de si. Após a batalha, Samuel deseo-
bre que Saul foi para o Carmelo, “onde ergueu um monumento
em sua própria honra” (v. 12). Saul deve tudo o que é à bondade
de Deus, mas pensa que é mais sábio do que Deus, que merece
honra. De fato, pensa que é melhor do que Deus.
Mesmo para nós, ao lermos essa passagem, é tentador julgar
a Deus. É legítimo questionar a instrução de Deus para des-
truir tudo. Podemos oferecer aqui algumas respostas.

a Esse era o juízo de Deus sobre povos em pecado (v. 2),


e Deus trata as pessoas de modo coletivo , tanto na
salvação como no juízo (Rm 5.12-21).
a Isso aconteceu para proteger a pureza de Israel e sua
santidade (ljo 2.13-15).
!Sam uel 13.1-15; 1 4 . 1 1 5 . 1 - 3 5 ;52‫־‬

® Essa é uma amostra do destino que aguarda todos os não


cristãos. Hoje e todos os dias pessoas morrem desprepa-
radas para enfrentar o juízo de Deus e o inferno eterno.

Podemos dar algumas respostas. Porém, no fim das contas,


precisamos nos submeter a Deus. Ele é o Juiz, que julga
pecadores. E isso é o que ele decidiu fazer nessa situação par-
ticular. É uma terrível inversão de papéis se decidirmos que
devemos julgar o Juiz.
Para concluir, ISamuel 15.22,23 acaba nos levando ao cen-
tro da história: "... Por acaso o S enhor tem tanto prazer em
holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua
voz?...” (A21). Usamos nossas desculpas, e tudo se torna cinza
ou ambíguo. Fazemos pouco caso de nosso pecado, seguimos o
movimento da participação na igreja, da leitura da Bíblia e de
outras coisas mais, mas... o que agrada ao Senhor? “Que se
obedeça à sua voz.”
A busca da obediência A busca da obediência
é a medida inconfundível é a medida
da fé (Rm 1.5). O capí-
inconfundível da fé.
tulo 15 de ISamuel começa
com Samuel ordenando que Saul “escute agora a mensagem
do S enh or ” (v. 1). A mesma palavra é usada no versículo 22,
quando Samuel fala sobre “obedecer à sua voz”. Com o verda-
deiro arrependimento, há o desejo de ouvir a palavra de Deus,
e ouvir a fim de obedecer.
Quando não nos arrependemos, nossa voz controla nossa
vida ou somos controlados pela voz de outras pessoas. Mas,
quando nos arrependemos, é a voz de Deus que molda nossa
vida. Este é o teste: estamos dando ouvidos à voz de Deus?
Estamos nos submetendo à sua palavra? Estamos deixando a
palavra de Deus governar nossa vida? Uma pessoa arrependida
é uma pessoa que ouve — uma pessoa que ouve a voz de Deus.
109
!Sam uel 13.1-15; 14.1-52; 15.1-35

Podemos resumir apresentando as seguintes características


do verdadeiro arrependimento:

1. Ojim das desculpas. Nós assumimos corajosamente nossa


culpa e responsabilidade em vez de oferecer desculpas
para o nosso pecado. Quando a fala de alguém sobre
o pecado é entremeada de desculpas, não há verda-
deiro arrependimento.
2. Um movimento para Deus. O arrependimento é voltar
para Deus. E mais do que uma frustração ou vergonha
em relação a si mesmo. E mais do que uma preocupação
com a própria reputação junto aos outros. E um movi-
mento em direção a Deus. Quando alguém fala sobre
sua vergonha ou frustração, mas deixa Deus fora do qua-
dro, não há verdadeiro arrependimento.
3. Um movimento que resulta em ação. O verdadeiro arre-
pendimento leva a uma mudança de vida (2 C 0 7.10-13).
Quando o arrependimento não produz ação, não há ver-
dadeiro arrependimento.

A g ló r ia d e I s r a e l
Samuel descreve a glória de Deus com base em sua coerência:
“Aquele que é a Glória de Israel não mente nem se arrepende,
pois não é homem para se arrepender” (lSm 15.29). Deus é
leal ao seu caráter: não se arrepende. E leal à sua palavra: não
mente. O Deus gracioso é sempre gracioso. O Deus santo
é sempre santo. O Deus amoroso é sempre amoroso. O Deus
fiel sempre cumpre sua palavra.
No entanto, no versículo 11, Deus “se arrepende” de ter tor-
nado Saul rei. Como isso é possível, se ele é o Deus que nunca
se arrepende? Essas palavras parecem contraditórias. Mas a
chave é que Saul mudou, e não Deus. “Aflijo-me por ter posto
Saul como rei, pois ele me abandonou e não cumpriu minhas
instruções” (v. 11, NIV 1984). Saul muda seu caráter e, assim,
110
!Sam uel 1 3 . 1 1 5 . 1 - 3 5 ;14.1-

Deus muda suas ações a fim de ser coerente com seu cará-
ter. Deus não muda de ideia; ele muda sua reação.
Deus não muda. Ele não é temperamental. E coerente. É
fiel. Essa é sua glória e também nossa glória. Deus é a glória de
seu povo. Nossa glória é a fidelidade de Deus.
A coerência de Deus significa que ele julga aqueles que não
se arrependem. Ele sempre julga todo pecado. Mas a coerência
de Deus também significa que ele salva aqueles que se arre-
pendem. Quando nos voltamos para ele, ele mostra miseri-
córdia, pois é isso que prometeu àqueles que se arrependem.
As ações dele mudam não porque ele mudou seu caráter, mas
porque mudamos nossa atitude.
A rejeição de Saul não significa a rejeição do plano de Deus
ou do povo de Deus. Deus será fiel às suas promessas. No capí-
tulo seguinte, veremos que Deus orienta Samuel a ungir um
novo rei — o rei Davi. E um dia o Filho de DaviJesus, resgatará
seu povo dos pecados. A coerência de Deus significa a conde-
nação para os que não se arrependem, pois ele sempre julga jus-
tamente. Mas sua coerência é a esperança — a única esperança
— dos que se arrependem, pois ele é fiel à sua promessa de salvar
por meio da morte de Jesus aqueles que se arrependem.

Perguntas p a r a r e fle x ã o
1. Como você responde à ordem de Deus para exterminar os
amalequitas? Você precisa orar sobre isso e/ou refletir mais
sobre isso?
2. Você consegue identificar as desculpas de Saul para a deso-
bediência dele em sua própria vida? Como?
3. Seu arrependimento inclui as três características identifica-
das na página 110?

111
!SAMUEL ■CAPITULO 16 VERSÍCULOS 1 2 3 ‫־‬

7. O REI PASTOR

Em 1Samuel 8, o povo foi ao profeta Samuel para pedir por


um rei como os reis das nações. Até então, Deus havia liderado
os israelitas por meio de juizes ou líderes ungidos pelo Espírito
que ele levantava para libertar o povo quando necessário. Mas
o povo rejeitou a liderança de Deus; e, ao fazer isso, rejeitou sua
própria identidade — o seu chamado por Deus para ser uma
nação santa, um povo diferente que mostraria o caráter dele ao
mundo. Agora os israelitas querem ser como as nações em vez
de ser uma luz para as nações.
O povo de Israel pede um rei, e o rei que obtém é Saul. Ao
longo dos capítulos 13 a 15, Saul falha terrivelmente três vezes.
Ele é o rei que Israel pediu, mas não o rei de que a nação pre-
cisa. “Nunca mais Samuel viu Saul, até o dia de sua morte, embora
se entristecesse por causa dele porque o S enhor arrependeu-se
de ter estabelecido Saul como rei de Israel” (ISm 15.35).

O novo rei
Então a história dá uma guinada. Há um novo começo, cujos
efeitos sentimos até hoje. “O S enhor disse a Samuel: Até quando
você irá se entristecer por causa de Saul? Eu o rejeitei como rei
de Israel. Encha um chifre com óleo e vá a Belém; eu o enviarei a
Jessé. Escolhi um de seus filhos para fazê-lo rei’” (16.1).
“Vá”, Deus diz a Samuel. O ministério de Deus muitas vezes
é doloroso e repleto de decepções. Mas mais cedo ou mais tarde o
tempo de se entristecer acaba. Chegou o momento de recomeçar.
!Sam uel 16.1-23

Tal atitude, como Samuel percebe, é traição: "... ‘Como


poderei ir? Saul saberá disso e me matara...” (v. 2). Declarar
alguém rei quando o rei atual ainda reina é algo que não aca­
bará bem. As autoridades de Belém talvez percebam que algo
está acontecendo; de fato, é por isso que perguntam se Samuel
vem em paz (v. 4,5). O interessante é que o Senhor encoraja
Samuel a usar uma forma de engano, ainda que não seja uma
mentira direta (Davi empregará a mesma tática em diversas
ocasiões para evitar confronto com Saul). Em vez de convidar
Jessé para uma unção real, Deus aconselha Samuel a convidá-lo
para um simples sacrifício (v. 2,3).
“Quando chegaram, Samuel viu Eliabe e pensou: ‘Com cer-
teza é este que o Senhor quer ungir’” (v. 6). Eliabe é o filho mais
velho e mais alto de Jessé.
Esse tem estofo para ser rei. Declarar alguém rei
Mas o livro de !Samuel quando o rei atual
começou com a história de ainda reina é algo que
uma mulher estéril chamada
não acabará bem.
Ana que era ridicularizada
por sua “rival” (1.5,6) e a quem Deus deu um filho. O cântico
de celebração de Ana estabeleceu o plano de todo o texto de 1
e 2Samuel; a história dela era a grande representação de como
Deus atuaria no capítulo seguinte da história de Israel e na tota-
lidade da história humana. “Não falem tão orgulhosamente [...].
O S enhor [...] humilha e exalta”, cantou ela. “... não é pela força
que o homem prevalece” (2.3,7,9).
A palavra “orgulhosamente” é o termo traduzido também
por “altura”. “Não fique falando de modo tão elevado a res-
peito de si mesmo”, poderiamos dizer. A mesma palavra é
usada em 9.2 para apresentar Saul; descrever “Saul” como um
homem “alto” é um mau sinal para aqueles que ouviram cui-
dadosamente o cântico de Ana. Em 1Samuel 4— 7, a questão
era peso, ecoando o sentido simbólico de peso cm 1Samuel 2.
113
!Sam uel 16.1-23

Em 1Samuel 8— 17, a questão era altura, ecoando o sentido


simbólico de altura em 1Samuel 2.
Assim, não é de surpreender que, quando Samuel viu Eliabe,
tenha ouvido uma voz dizendo: “... ‘Não considere sua apa-
rência, nem sua altura, pois eu o rejeitei’...”. Por quê? “... Ό
S enhor não vê como o homem: o homem vê a aparência,
mas o S enhor vê o coração’” (16.7). Você pode imaginar os
filhos de Jessé enfileirados do maior até o menor. Para Samuel,
é óbvio que o maior será rei. Se não o maior, 0 próximo na
fileira. E assim por diante. Mas eles são rejeitados um por um
(v. 8-10), até Samuel perguntar a Jessé: “... ‘Estes são todos os
filhos que você tem?’...” (v. 11).
Há mais um, diz Jessé. Mas ele é só um menino — Jessé
nem havia pensado em incluí-lo na fila. “... ‘ele está cuidando
das ovelhas’...” (v. 11). E faz sentido concluir que um menino
que pastoreia ovelhas não pode ser rei.
Mas Deus não opera segundo a razão humana. Jessé manda
chamá-lo e “ele veio [...] Então o S enhor disse a Samuel: ‘É
este! Levante-se e unja-o”’ (v. 12). E ele que Samuel unge; e é
sobre ele que o Senhor coloca o seu Espírito (v. 13). Ele é Davi.
E este. Esse menino pastor se tornará o maior rei de Israel do
Antigo Testamento. Trata-se de algo completamente inespe-
rado. E um menino pequeno, de um lugar pequeno. Belém era
uma das menores cidades em Judá até o dia em que Samuel
apareceu com uma novilha e um chifre com óleo. Mas então
ela se tornou a cidade natal de um dos maiores reis de Israel.
Do mesmo modo, faz sentido concluir que nada de
bom pode vir de Nazaré (Jo 1.45,46) ou que um carpinteiro
não pode ser o Messias (Mc 6.3). “... Ele não tinha qualquer
beleza ou majestade que nos atraísse, nada havia em sua apa-
rência para que o desejássemos” (Is 53.2). Essa observação é
feita explícitamente cm Mateus 2.1-8, quando o autor cita
Miqueias 5.2-4:
114
!Sam uel 16.1-23

Mas tu, Belém, da terra de Judá,


de forma alguma és a menor entre as principais cidades de Judá;
pois de ti vira o líder
que, como pastor, conduzirá Israel, o meu povo (Mt 2.6).

No primeiro século, os judeus pressupunham que o seu


rei (ou “Messias”) viria de Jerusalém; e os romanos pressu-
punham que o seu César (ou “Senhor”) viria de Roma. Mas,
mais uma vez, Deus não vê o mundo como as pessoas o veem.
Mais uma vez, um rei improvável viria da insignificante Belém.

E s c o lh e n d o u m rei
Deus orienta Samuel (ISm 16.1) para ir a Jessé, especifi-
cando: “... ‘Escolhi um de seus filhos para fazê-lo rei’”. No
hebraico, a palavra “escolhido” (raah) também pode significar
“ver” ou “olhar”. Ela é repetida sete vezes no capítulo: “escolhi”
(v. 1), “viu” (v. 6), “vê”, “vê” e “vê” (v. 7), “encontrem” (v. 17)
e “conheço” (v. 18). Deus diz: "... ‘Conheço [vi] um filho de
Jessé’...”, pois Deus “vê o coração”. Em 8.5, o povo pediu que
Samuel ungisse um rei “para nós”(ESV). Samuel se refere a ele
como “o vosso rei, que vós mesmos escolhestes para vós” (8.18,
ESV). Agora Deus está como que dizendo: “Providenciei um
rei para mim” (16.1, ESV).
E isso estabelece o princípio de que Deus rebaixa os de
posição elevada e ergue aqueles que estão rebaixados. Obvia-
mente, os que têm “altura” aqui refere-se aos orgulhosos, e
os rebaixados, aos humildes. Mas a altura física de Saul e de
Eliabe simboliza essa verdade. Eliabe é ignorado — e isso não
é fácil quando alguém é alto. Davi é descrito como o “caçula”,
embora a palavra também possa significar “menor” (v. 11). No
último encontro de Saul com Samuel (ou antes, com o espírito
de Samuel), ouviremos, literalmente: “Imediatamente, Saul
caiu com toda a extensão no chão, atemorizado pelas palavras
115
!Sam uel 16.1-23

de Samuel” (28.20). Em contraste, como veremos, o pequeno


Davi conquistará um gigante de grande altura (17.4 — nova-
mente, é a mesma raiz usada em 9.2).
Portanto, 16.7 é um versículo fundamental: “...o homem vê
a aparência, mas o S enhor vê o coração’”. E o que ele está pro-
curando é humildade ou modéstia — ou talvez até mesmo o
rebaixar-se! Isso é o que ele encontra cm Davi. Davi é o caçula.
E, embora tivesse “belos olhos e boa aparência” (v. 12), ele era
provavelmente nesse momento o filho menor.
Samuel precisava designar um rei. Em certo sentido, esse
é um dever que todos nós temos. Precisamos escolher um rei
para governar nossa vida. Quem ou o que terá nossa lealdade
suprema? Pode ser uma pessoa. Pode ser uma ideologia. Podem
ser posses materiais, ou, talvez, nós mesmos — nosso conforto,
poder, orgulho. Muitas coisas podem disputar nossa lealdade.
Mas algo governará nosso coração. Como decidiremos?
“O homem vê a aparência, mas o S enhor vê o coração.”
Escolhemos o que é importante, impressionante, brilhante,
poderoso, agradável. Sempre foi assim. Isso é característico
da conduta humana do jardim do Éden em diante: “Quando
a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era
atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter
discernimento, tomou do seu fruto, comeu-o e 0 deu a seu
marido, que comeu também” (Gn 3.6). Desde então, temos
andado pelo que vemos, e não por fé.
Mas o rei bom não é aquele que é o mais alto. O rei bom é
aquele com um coração humilde. Jesus disse: “Venham a mim,
todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei
descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo c aprendam de mim,
pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão des-
canso para as suas almas” (Mt 11.28,29). “Humilde de cora-
ção”, literalmente, é “rebaixado no coração”. “Submetam-se ao
meu controle”, diz ele, “pois sou humilde e minha liderança
116
¡Sam uel 16.1-23

não é opressiva. É leve. É fácil. Assim encontrarão descanso


para as suas almas”.

O r ei p a s to r
Quando fomos apresentados a Saul, ele havia perdido as
jumentas de seu pai (lSm 9.3). Ele era, por assim dizer, um
pastor fracassado. Quando somos apresentados a Davi, ele está
“cuidando das ovelhas” (16.11). No capítulo seguinte, deseo-
brimos que ele é um ótimo pastor, pois se arrisca para proteger
as ovelhas (17.34-37).
Então Deus faz sua aliança com Davi: “... ‘Eu o tirei das
pastagens, onde você cuidava dos rebanhos, para ser o sobe-
rano de Israel, o meu povo’” (2Sm 7.8; veja também 5.2;
24.17). Quando Davi se torna rei, a descrição de seu traba-
lho não mudou. O que mudou foi seu rebanho. Ele passou do
pastoreio do rebanho de Jessé ao pastoreio do povo de Deus.
Jessé não achava que um menino-pastor pudesse ser escolhido
como rei. Mas, na verdade, Deus chamaria seu rei para ser jus-
tamente um pastor, ainda que estivesse em um trono em vez
de estar no campo.
Em todo o restante do Antigo Testamento, essa imagem de
liderança do tipo pastoreio aparece em destaque. Em Ezequiel 34,
Deus apresenta uma acusação contra os líderes de Israel:"... Ai
dos pastores de Israel que só cuidam de si mesmos! Acaso os
pastores não deveriam cuidar do rebanho?’” (Ez 34.2). Eles
exploraram o rebanho tendo em vista ganhos próprios em vez
de protegê-lo. “As minhas ovelhas vaguearam por todos os
montes e por todas as altas colinas. Foram dispersas por toda a
terra, e ninguém se preocupou com elas nem as procurou” (v. 6)
— portanto, Deus removerá esses falsos pastores. Mas quem
pode substituí-los? Só pode haver uma resposta: “Porei sobre
elas um pastor, o meu servo Davi, e ele cuidará delas; cuidará
117
!Sam uel 16.1-23

delas e será o seu pastor” (v. 23). Deus promete um novo Davi,
o bom Rei-Pastor.
Marcos ecoa Ezequiel 34.6 em sua explicação da alimen-
tação dos cinco mil: “Quando Jesus saiu do barco e viu uma
grande multidão, teve compaixão deles, porque eram como ove-
lhas sempastor...”(M.c 6.34). Jesus é 0 Rei-Pastor. Davi demons-
trou que era um bom pastor, pois estava disposto a arriscar sua
vida pelas ovelhas. Jesus demonstra que ele é o supremo Bom
Pastor, pois dá a vida por suas ovelhas: “Eu sou o bom pastor.
O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10.11).
Aqui está o rei de que precisamos. Israel descobriu, pri-
meiro sob o governo de Saul e depois sob o de Davi, que o rei
que decidimos querer, o rei que escolhemos para nossa vida,
não é o regente certo para nós. Precisamos de alguém que
governará humildemente. Precisamos de alguém que cuidará
de ovelhas que vagueiam, alguém que morrerá para nos prote-
ger. Todos nós precisamos escolher um rei para governar nosso
coração, nossa vida e nosso
Todos nós precisamos futuro. Seguindo uma ten-
escolher um rei para dência natural, escolhemos
Saul. Mas Deus nos dá um
governar nosso
Rei-Pastor, um Davi maior.
coração, nossa vida e
Ser cristão não significa em
nosso futuro. primeiro lugar ter de viver
em submissão a suas regras, mas poder viver sob seu reinado
humilde; trata-se da segurança e alegria de saber que temos
o Rei de que precisamos, escolhido pelo Senhor e dado a nós.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Como você reage a decepções, especialmente no ministé-
rio? Você precisa ouvir as palavras de Deus a Samuel em
16.1 (“vá”) para ser encorajado?
118
!Sam uel 16.1-23

2. Como a imagem de Jesus como seu Pastor o ajuda a gostar


de fazer parte do seu povo?
3. Como você pode ter certeza, hoje, de que considera o rei-
nado de Cristo algo a ser desfrutado, e não suportado? Em
que situações isso será mais difícil?

SEGUNDA PARTE

O reí ungido
“Samuel apanhou o chifre cheio de óleo e o ungiu na presença
de seus irmãos, e, a partir daquele dia, o Espírito do S enhor
apoderou-se de Davi...” (lSm 16.13).
Os reis israelitas não eram coroados com uma coroa, mas
ungidos com óleo. Óleo era derramado sobre sua cabeça.
Assim, o rei era “o ungido”. A palavra hebraica para tal pessoa
é messiah, e a palavra grega é christos. Saul havia sido o ungido.
Agora Davi se torna o ungido — o messias ou o cristo.
Após a morte de Davi, à medida que os reis de Israel
demonstraram ser falsos pastores, cresceu a expectativa de
que vina um novo rei, um novo ungido, um messias. Isso foi
estimulado, como veremos, pela aliança de Deus com Davi,
prometendo que um de seus filhos reinaria para sempre sobre
o povo de Deus. Um novo Davi, um novo messias, viria para
resgatar o povo de Deus.
Essas esperanças e promessas são cumpridas em Jesus.
Jesus é o Cristo. Essa é a descrição de seu trabalho. Em algu-
mas aldeias do País de Gales, em que muitas pessoas tinham
o mesmo sobrenome, elas muitas vezes eram conhecidas por
suas profissões. Você poderia se referir a “James, o Padeiro” ou
“Bob, o Construtor”.Jesus é “Jesus, o Cristo”. Ele é o Ungido, o
Rei sobre o povo de Deus, que nos resgata de nossos inimigos.
119
!Sam uel 16.1-23

O r ei u n g id o p e lo E sp irito
Quando Davi é ungido, lemos que, “a partir daquele dia, o
Espírito do S enhor apoderou-se de Davi”. O significado lite-
ral é: “O Espírito do Senhor o tomou de assalto”. Ao mesmo
tempo, já no versículo seguinte ficamos sabendo: “O Espírito
do S enhor se retirou de Saul...” (v. 14).
A unção com óleo era simbólica, e esses versículos suge-
rem que ela simbolizava uma unção com o Espírito de Deus.
No Antigo Testamento, o Espírito descia sobre pessoas a fim
de capacitá-las para tarefas específicas: liderar, profetizar ou
construir. Tal unção era orientada para tarefas. No caso do rei,
o Espírito lhe fornecia tanto a autoridade quanto a capacidade
para governar. Saul permaneceu o rei ungido de Deus (como
Davi repetidamente, a grande custo, reconhecerá). Mas, sem o
Espírito, sua autoridade e capacidade para governar começam
a se desvanecer.
A retirada do Espírito de Deus não representa a remoção da
salvação de Saul. É difícil discernir se Saul era um crente verda-
deiro (porém perturbado), embora 10.9 diga: “... Deus mudou o
coração de Saul...”. A remoção do Espírito de Deus é a remo-
ção de sua unção para governar, tanto de sua autoridade quanto
de sua capacidade para ser rei sobre o povo de Deus. Mais tarde,
quando Davi peca, ele orará: “Devolve-me a alegria da tua salva-
ção...” (SI 51.12). Ele não está pedindo que Deus restaure sua
salvação, que depende da graça de Deus, mas que restaure a
experiência dessa salvação. No entanto, Davi também ora: "...
nem tires de mim o teu Santo Espírito” (v. 11). Uma vez que
ele não está pedindo uma restauração de sua salvação, sua ora-
ção pelo Espírito deve ser uma oração para que Deus continue
capacitando-o a governar. Com base em sua experiência de pri-
meira mão, a história de Saul, ele sabe 0 que acontece quando
Deus retira sua unção com o Espírito para governar.
120
! Sam uel 16.1‫־‬23

O que está acontecendo em 1Samuel 16, porém, é diferente


em relação a como o Espirito habita em outros líderes israeli-
tas. Sansão era um juiz capacitado pelo Espírito: três vezes nos
é dito que o Espírito se apoderou dele (Jz 14.6,19; 15.14). E
três vezes nos é dito que o Espírito se apoderou de Saul
(lSm 10.6,10; 11.6). Somente urna vez somos informados de
que o Espirito se apodera de Davi, mas eis que faz a diferença:
“... a partir daquele dia, o Espírito do S enhor apoderou-se de
Davi...”. O Espirito por vezes descia sobre Sansão e Saul, para
realizar tarefas de liderança específicas. O Espírito esteve com
Davi “a partir daquele dia”, permitindo que ele liderasse como
o rei ungido de Deus.
Não é somente a unção para liderar que Saul perde. A par-
tir desse momento, seu estado psicológico começa a se dete-
riorar. Deus não somente retira seu Espírito, mas envia um
espírito maligno para atormentar Saul (v. 14). A palavra “mali-
gno” pode implicar tanto “iniquidade” quanto “infelicidade”.
Provavelmente não se trata aqui de um espírito demoníaco,
mas de um espírito (talvez um anjo de juízo) que traz infelici-
dade. Esse é o diagnóstico que os oficiais de Saul lhe oferecem
(v. 14-17). Daqui em diante, Saul torna-se emocionalmente
inconstante e, ao longo da
história, vai ficando cada A partir desse
vez mais paranoico. A solu- momento, o estado
ção proposta — uma forma psicológico de Saul
de terapia musical — faz começa a se deteriorar.
com que Davi ingresse na
corte real, pois ele é muito habilidoso na lira (v. 18-21).
Em contraste com Saul, a unção de Davi com o Espírito
significa que ele logo adquiriu a reputação de ser alguém
com quem o Senhor está presente. Ao sugerir Davi como
alguém que pode acalmar o tormento de Saul, um servo diz:
“... ‘Conheço um filho de Jessé, de Belém, que sabe tocar harpa.
121
!Sam uel 16.1-23

É um guerreiro valente, sabe falar bem, tem boa aparência e o


S enhor está com ele’” (v. 18). O verdadeiro rei não é aquele
que tem uma corte, mas aquele que tem o Senhor.
O texto nos diz que “Saul gostou muito dele, e Davi tor-
nou-se seu escudeiro” (v. 21). “Então Saul enviou a seguinte
mensagem a Jessé: ‘Deixe que Davi continue trabalhando para
mim, pois estou satisfeito com ele’” (v. 22). A música de Davi é
a única coisa que ajuda Saul (v. 23).
Há um sentido muito real no fato de que daqui em diante
Saul adota Davi como seu filho. Mais tarde, Davi se tornará o
genro de Saul. Ele chama Davi de “meu filho” (24.16; 26.17), e
Davi o chama de “meu pai” (24.11). Quando Saul pede: “Pro-
videnciai um homem para mim” em 16.17 (ESV), ele usa a
mesma palavra que Deus utiliza em 16.1: “Providenciei um rei
para mim” (ESV). Saul providencia para si o homem que Deus
providenciou para si.
A medida que a história de Israel se desenvolve, não é
somente um rei, mas toda a instituição da monarquia que
começa a desmoronar, com reis se afastando de Deus. Logo
torna-se evidente que o reinado de Davi é o ápice e que agora
ele entra na história. Mas, três séculos após a morte de Davi,
Isaías promete um novo rei da linhagem de Jessé:

Um ramo surgirá do tronco de Jessé,


e das suas raízes brotará um renovo.
O Espírito do Senhor repousará sobre ele,
o Espírito que dá sabedoria e entendimento,
o Espírito que traz conselho e poder,
o Espírito que dá conhecimento e temor do Senhor .
E ele se inspirará no temor do S enhor.
Não julgará pela aparência,
nem decidirá com base no que ouviu;
mas com retidão julgará os necessitados,
122
!Sam uel 16.1-23

com justiça tomará decisões em favor dos pobres.


Com suas palavras, como se fossem um cajado, ferirá a terra;
com o sopro de sua boca matará os ímpios.
A retidão será a faixa de seu peito,
e a fidelidade o seu cinturão (Is 11.1-5).

O rei será ungido com o Espírito pelo próprio Deus. O


Espírito lhe dará autoridade e capacidade para governar com
justiça e fidelidade. O Espírito lhe dará sabedoria para fazer
juízos justos com base não somente em aparências.
Essa promessa é cumprida em Jesus. “Quando todo o
povo estava sendo batizado, também Jesus o foi. E, enquanto
ele estava orando, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu
sobre ele em forma corpórea, como pomba. Então veio do
céu uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado; em ti me agrado’”
(Lc 3.21,22). As palavras do céu são extraídas da afiança que
Deus fez com Davi em 2Samuel 7.13,14, uma vez que ele está
assentado no trono de Israel: "... ‘eu firmarei o trono dele para
sempre. Eu serei seu pai, e ele será meu filho’...”. Os acontecí-
mentos do batismo de Jesus são uma declaração de que ele é
0 rei davídico, que reinará para sempre sobre o povo de Deus.
Observe que o Espírito desce para ungir Jesus como o Rei
messiânico de Deus. No capítulo seguinte, Lucas descreve
o Espírito como aquele que
capacita e molda o minis- O batismo de Jesus
tério de Jesus: “Jesus, cheio é uma declaração
do Espírito Santo, voltou do de que ele é o rei
Jordão e foi levado pelo davídico.
Espírito ao deserto” (4.1).
“Jesus voltou para a Galileia no poder do Espírito, e por toda
aquela região se espalhou a sua fama” (v. 14). O próprio Jesus,
ao interpretar o que aconteceu, escolhe usar as palavras de
Isaías 61.1,2:
123
!Sam uel !6.1-23

O Espírito do Senhor está sobre mim,


porque ele me ungiu para pregar boas-novas aos pobres.
Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos
e recuperação da vista aos cegos,
para libertar os oprimidos
e proclamar o ano da graça do Senhor
(Lc 4.18,19).

Jesus é o Ungido, 0 Rei messiânico, pois o Espírito o ungiu.

O C risto e s e u s c r is to s
Jesus é o cumprimento único da promessa divina de um rei ungi-
do. Somente ele é o Cristo com “C” maiusculo. Nós não somos.
Mas aqueles que estão em Cristo participam de sua iden-
tidade. Em ljoão 2.18-27, João adverte seus leitores acerca do
anticristo vindouro. Já naquela época ele diz: “... muitos anti-
cristos tem surgido...” (v. 18). O espírito do anticristo já está
atuando naqueles que deixaram a igreja, pois eles negam a ver-
dade sobre Jesus. E, nesse contexto, falando a cristãos, João diz:

■ Mas vocês têm uma unção que procede do Santo, e todos


vocês têm conhecimento (v. 20).
a Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece
em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas,
como a unção dele recebida, que é verdadeira, c não falsa,
os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele
como ele os ensinou (v. 27).

Lembre-se de que a palavra “cristo” significa “ungido”.


Assim, ao advertir seus leitores acerca do “anticristo” e de “mui-
tos anticristos”, João descreve seus leitores como aqueles que
receberam “uma unção”. Eles são “ungidos” — eles são “cristos”
ou, como costumamos expressar, “cristãos”. Este é o paralelo:
124
!Sam uel 16.1-23

® Há um Anticristo vindouro com muitos anticristos com


uma unção que é falsa.
® Há um Cristo vindouro com muitos cristos com uma
unção do Espírito.

Isso significa que todo cristão é um cristo, um ungido,


ungido pelo Espírito para espalhar o reino de Jesus, o Cristo.
Imagine um empregado usando o símbolo ou o uniforme
de sua empresa. Ele age com a autoridade dessa empresa, e sua
conduta influencia a reputação da empresa. Do mesmo modo,
nós somos embaixadores dc
Cristo na terra. O Espírito Nossa tarefa é
Santo é o sinal de que perten- representar Cristo,
cemos a Cristo. Quando fala-
nunca substituí-lo.
mos de Cristo, falamos com
sua autoridade, e o representamos por meio de nossa conduta. Se
fazemos o que é certo, honramos nosso rei. Se fazemos o que é
errado, desacreditamos a reputação dele.
No entanto, não somos o Cristo. Logo, embora em nome de
Cristo amemos os necessitados e contemos a eles o que Cristo
fez, não podemos e não devemos tentar salvá-los. Apontamos
para ele, e não para nós mesmos. Nossa tarefa é representar
Cristo, nunca substituí-lo.

P e r g u n ta s jp a r a r e fle x ã o
1. Como o conhecimento de que Isaías 11 se cumpre e se
cumprirá em Jesus encoraja você hoje?
2. Como considerar-se um “cristo”, um ungido pelo Espírito
para espalhar o reinado de Jesus, o “Cristo”, muda sua visão
do que você faz e diz hoje?
3. “Apontamos para ele, e não para nós mesmos.” Como você
pode fazer isso hoje?
125
!SAMUEL ■CAPITULO 17 VERSÍCULOS 1-58

8. ENFRENTANDO
GIGANTES

Vivemos em um mundo de necessidades gigantescas. Como


você se sente diante dessa realidade? Como responde a ela?
Talvez você seja como Pauline. Pauline quer salvar o mundo.
Os broches de todo tipo de campanhas cobrem sua lapela. Ela
sempre busca estar atualizada a respeito de questões ambien-
tais e questões relacionadas à pobreza. Promove campanhas
contra multinacionais, tenta comprar localmente, calcula a
distância que os produtos percorrem até chegar a sua cidade,
consome orgânicos e busca o comércio justo. Se alguém está
passando necessidade, ela não hesita em ajudar. Abre sua casa,
faz doações e visita os doentes. É exaustiva e está exausta. O
fardo de salvar o mundo a está esmagando aos poucos. Por
mais que faça o possível e o impossível, nunca parece o sufi-
ciente. Em seus momentos de maior honestidade, reconhece
que viver para os outros a está esgotando.
Ou talvez você seja como Sofia. Sofia não tem tempo para
salvar o mundo, mas luta para manter a família unida. O marido
reclama dos filhos, e os filhos reclamam do pai. Ela é a media-
dora, aquela que está sempre tentando promover a paz, procu-
rando deixar todos contentes. Mas,por mais que se esforce, nunca
parece o suficiente. Alguém sempre está gritando com alguém.
Ou talvez você seja como Colin. Colin simplesmente se
isola de tudo. “Não é problema meu”, declara (quando pensa
!Sam uel 17.1-58

sobre o assunto). Sua missão na vida é levar urna vida confor-


tável. Ele se importa com a familia, mas sua preocupação não
vai muito longe. Afinal de contas, o que ele pode fazer em rela-
ção à pobreza mundial e ao aquecimento global? Assim, vive
para si. Trabalha duro e se diverte muito. E é bem-sucedido.
Mas o sucesso demonstrou ser uma pílula amarga. Não importa
quanto ele ganhe, nunca parece o suficiente. Em seus momentos
de maior sinceridade, ele reconhece que viver para si mesmo o
tornou uma pessoa pior.

E n fr e n ta n d o g i g a n t e s
Em ISamuel 17, o povo de Deus enfrenta um problema que
é literalmente gigantesco: os israelitas enfrentam um gigante.
Os israelitas e os filisteus estão posicionados em colinas opos-
tas (v. 1-3). Os filisteus têm um defensor, Golias. “...Tinha dois
metros e noventa centímetros de altura” (v. 4). O homem mais
alto da história recente foi Robert Wadlow, que tinha 2,72
metros. Golias era um pouco maior, mas era um dos últimos
membros de uma raça antiga de homens altos.
Todo dia, Golias lança um desafio pelo vale. Ele convida
Israel a escolher um lutador para um combate representativo
e pessoal. Eles lutarão em nome de seus respectivos exércitos,
e a nação do perdedor ficará sob o domínio da do vencedor
(v. 8-10). Previsivelmente, “ao ouvirem as palavras do filisteu,
Saul e todos os israelitas ficaram atônitos e apavorados” (v. 11).
Essa não é a primeira vez que Israel enfrenta gigantes —
e seu histórico não é lá muito bom. Deus resgatou Israel da
escravidão no Egito e conduziu os israelitas à entrada da Terra
Prometida de Canaã. Em Números 13, Moisés enviou doze
espiões à frente para explorarem a terra. “É uma terra onde
manam leite e mel”, relataram. Mas dez deles concluíram: “...
‘Não podemos atacar aquele povo; é mais forte do que nós’
[...]. ‘A terra para a qual fomos em missão de reconhecimento
127
!Sam uel 17.1-58

devora os que nela vivem. Todos os que vimos são de grande


estatura. Vimos também os gigantes [n e f il in s ], os deseen-
dentes de Enaque, diante de quem parecíamos gafanhotos, a
nós e a eles”’(Nm 13.31-33).
Os outros dois espiões, Calebe e Josué, defenderam que
"... ele [o Se n h o r ] [...] a dará a nós’” (Nm 14.8). Mas o povo
como um todo tinha medo dos gigantes e se recusou a entrar
na terra. Consequentemente, a gloria do Senhor apareceu entre
o povo. Deus disse a Moisés que ele exterminaria os israelitas
e começaria tudo de novo com Moisés. Contudo, Moisés falou
em nome do povo, invocando a Deus para que defendesse sua
reputação e se lembrasse de sua misericórdia. Assim, em vez
disso, Deus declarou que, com exceção de Calebe e Josué, toda
a geração que saiu do Egito morreria no deserto. Ele somente
daria a terra à geração seguinte. De modo que, durante qua-
renta anos, o povo de Israel perambulou no deserto sob o juízo
de Deus enquanto uma geração inteira se extinguía.
Agora, em lSamuel 17, os filisteus tinham invadido grande
parte do territorio israelita. O versículo 1 nos diz especifica-
mente que eles estão em Judá. De fato, anularam a conquista
da terra alcançada sob Josué. E como se estivessem de volta ao
deserto, de volta ao lugar em que Israel foi amedrontado por
gigantes. E um desses gigantes voltou. Quando Josué conquis-
tou os ENAQ.U1NS, estes se mudaram e foram se estabelecer em
Gaza, Gate e Asdode. Gate é a cidade-natal de Golias, por-
tanto ele provavelmente era descendente dos enaquins.
Israel havia temido entrar na terra por causa dos gigantes.
Consequentemente, os israelitas passaram quarenta anos no
deserto. Agora Golias está zombando de Israel toda manhã e
toda tarde, e o faz durante quarenta dias seguidos (v. 16). Qua-
renta anos — quarenta dias: isso não é coincidencia. Saul era
um gigante em Israel (9.2). Mas, sem o Espirito, ele se tornou
como Israel no deserto. Enquanto “os filisteus juntaram suas
128
!Sam uel 17.1-58

forças para a batalha” (voz ativa ), “Saul e os israelitas foram


reunidos” (voz passiva) (17.1,2, ESV). Não há liderança
proativa alguma. Durante quarenta dias, Golias provoca Israel.
Esse é o momento de provação dos israelitas, e novamente eles
falham. Para eles, o gigante é imbatível. Somente vê-lo já os
faz fugir (v. 24).
Mas então Davi entra em cena, como um novo Josué e
um novo Calebe, certo de que o povo de Deus pode derro-
tar gigantes (como os israe-
litas fizeram antes). Os Para Israel, o gigante é
versículos 12-15 explicam
: imbatível. Então Davi
que Davi agora divide seu
tempo entre servir na corte
H entra em cena.
de Saul e apascentar ovelhas em Belém. Nessa última função,
o pai dele o envia com provisões para seus três irmãos mais
velhos, que estão servindo no exército (v. 17-20). Jessé diz que
os irmãos de Davi estão “lutando contra os filisteus” (v. 19);
mas sabemos que eles estão longe disso. Estão em um impasse
tenso, “atônitos e apavorados” (v. 11). Enquanto os exércitos se
posicionam frente a frente (v. 21), Davi deixou suas provisões
com “o responsável pelos suprimentos e correu para a linha de
batalha” (v. 22). Em contraste com Saul, que se escondeu “no
meio da bagagem” (10.22), Davi está pronto para agir.
Enquanto Data está no acampamento, Golias repete seu
desafio, mas dessa vez há uma diferença: “... Davi o ouviu”
(17.23). Assim, Davi pergunta que recompensa será dada ao
homem que aceitar o desafio de Golias (v. 2 5 2 7 ‫)־‬. Quando
seu irmão Eliabe fica sabendo de suas perguntas, repreende
Davi (v. 28). É uma cena bem doméstica. E o Cristo supremo
enfrentaria o mesmo tipo de questionamento daqueles com
quem crescera (Mt 13.55-57). Davi responde com palavras que
lembram muito bem as famílias atuais: “... Ό que fiz agora?
Será que não posso nem mesmo conversar?’” (ISm 17.29).
129
!Sam uel 17.1-58

Assim como aconteceria a Jesus, Davi agora é ridicularizado


por sua própria família (v. 28; Mc 3.20,21). “Veio para o que
era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1.11).
Davi insiste em suas perguntas (lSm 17.30). E a notícia
chega a Saul, que o manda chamar (v. 31). Imagine o alto e no
entanto praticamente derrotado rei com esse menino-pastor
jovem e pequeno diante dele. “Não desanime”, diz o menor dos
homens: “... ‘teu servo irá e lutará com ele’” (v. 32).
Como um aparte, no final do capítulo Saul pergunta ao
comandante do exército: “... ‘Abner, quem é o pai daquele
rapaz?’...” (v. 55). Abner não sabe — mas por que Saul não
reconhece Davi, quando Davi já o serviu (16.17-23)? Na ver-
dade, Saul não pergunta quem Davi é, mas de quem ele é filho
(v. 55-58). A razão disso é que, no versículo 25, Saul diz que dará
a filha dele a qualquer um que conseguir derrotar Golias e que
“isentará” a família desse homem de obrigações tributárias. Nos
versículos 25-31, vemos Davi esclarecendo essa recompensa
com alguns detalhes. Assim, não é o caso de Saul não tê-lo reco-
nhecido. Em vez disso, Saul pergunta sobre a família de Davi
a fim de cumprir seu compromisso de recompensar essa famí-
lia como prometido. Não há indicação alguma, quando Davi se
oferece para seu serviço, de que Saul não o reconhece.
Portanto, Davi pede para tornar-se o representante de
Israel, o defensor da nação contra os inimigos dela. Davi foi
ungido pelo Espírito como o rei de Israel. Agora ele quer ser
designado o defensor de Israel. Se deseja ser o verdadeiro rei
de Israel, então ele precisa enfrentar seu período de provação.
Esse será um tema importante ao longo dos capítulos vindou-
ros. E tudo começa com um gigante.

E sm a g a n d o a ser p e n te
Mas Golias não é simplesmente um gigante. Também é uma
serpente. Embora raramente descreva a armadura de alguém, o
130
!Sam uel 17.1-58

autor mostra interesse na de Golias (v. 5-7). Essa armadura é


importante, não somente por ser mais uma evidência de seu
grande porte. Somos informados de que Golias veste urna “cou-
raça de escamas” (v. 5) — literalmente, apenas “escamas”. Golias
tem escamas. Golias nos é apresentado como uma serpente.
Em 1Samuel 11, Saul enfrentou o amonita Naás— “serpente”
— na batalha. Após ser ungido e antes de ser aclamado como
rei, Saul enfrentou uma serpente. Agora Davi também precisa
enfrentar uma serpente. Trata-se de um teste que demonstrará
que é adequado para o cargo
de rei. (Obviamente, precisa- Golias tem escamas.
mos perguntar por que Saul Golias nos é
não conduzirá seu povo na apresentado como
batalha contra Golias. Esse é
uma serpente.
o rei que os israelitas haviam
desejado; esse é o rei que Saul era no capítulo 11. Mas agora o
Espírito o deixou.)
Em resposta ao ceticismo compreensível de Saul quanto à
capacidade de Davi de lutar com um gigante (17.33), Davi
menciona as vitórias dele sobre animais selvagens (v. 34-37).
Ele recusa a armadura de Saul porque não está acostumado
com ela (v. 38,39). Em vez disso, sai para enfrentar Golias com
as armas de um pastor. Lemos especificamente que ele car-
rega um “alforge de pastor” (v. 40). Davi está indo domar um
animal (v.43).
Nojardim do Éden, Adão deveria ter domínio sobre os animais.
Mas Adão foi derrotado pela serpente. Agora a última mani-
festação (ou representante) da serpente está perante Davi, desa-
fiando o povo de Deus e manejando o poder da morte (v. 44).
No deserto, Israel deveria ter domínio sobre os gigantes.
Mas Israel foi derrotado por seu medo dos gigantes enaquins
e passou quarenta anos no deserto. Agora, após quarenta dias,
um dos descendentes dos enaquins está perante Davi.
131
!Sam uel 17.1-58

E Davi triunfa (v. 48-50). Diferentemente de Adão e de


Israel, Davi demonstra ser fiel. Deus havia dito à serpente em
Gênesis 3.15: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a
sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça,
e você lhe ferirá o calcanhar”. Agora Davi derrota Golias com
uma ferida na cabeça (ISm 17.49).
Davi esmaga a serpente e rebaixa o gigante. “[O S en h o r ]
rebaixa e exalta”, cantou Ana (2.7, ESV). Saul, o rei que é
mais alto do que qualquer outra pessoa, está sendo rebaixado.
Eliabe, o irmão alto, fica desconcertado (16.6,7; 17.28,29).
Quando Samuel ungiu Davi, Deus lhe disse que essa escolha
não dependia de aparência ou altura, mas do coração (16.7).
Agora o homem mais alto na história humana é rebaixado. Ele
cai no chão (17.49). A lição do capítulo 16, segundo a qual não
devemos julgar pela aparência, aplica-se não somente às nossas
escolhas, mas também aos nossos inimigos.
A armadura de Saul revela que ele é um rei como os das nações.
Ele é o rei que o povo pediu, que pudesse proteger os israelitas
de seus inimigos. Mas não consegue protegê-los. O problema
dele é que compartilha da perspectiva de Golias; acredita que o
poder está em armaduras e armas. Em vez disso, o recém-ungido
de Deus enfrenta os inimigos do povo de Deus sem os orna-
mentos de um rei como os das nações.
Porém, há algo mais importante: Davi é o cristo — o pro-
tótipo de Jesus e aquele que aponta para Jesus, o Cristo. Como
vimos, em Lucas 3.21,22 Jesus é ungido pelo Espírito como
o rei designado. Em Lucas 4.1-11, ele vai então ao deserto
para enfrentar a serpente. Esse episódio é Davi e Golias revi-
sitado. E Israel no deserto revisitado. E Adão no jardim revisi-
tado. Jesus é o verdadeiro filho de Davi, o verdadeiro filho de
Abraão e o verdadeiro filho de Adão (3.31,34,38).
O que vemos no vale de Elá é uma versão em miniatura da
vitória de Jesus. Jesus é o verdadeiro Adão, esmagando a serpente
e domando os animais. Jesus é o verdadeiro Israel, confiando
132
! Sam uel 17.1‫־‬58

em Deus, derrotando gigantes e assegurando nossa herança.


Marcos 1.13 diz que Jesus “esteve [no deserto] quarenta dias,
sendo tentado por Satanás. Estava com os animais selvagens, e
os anjos o serviam”. Jesus enfrentou a serpente no deserto e vol-
tou no poder do Espírito (Lc 4.14) para proclamar as boas-novas
de liberdade ao seu povo oprimido (v. 18,19).
Quando enfrentamos a tentação, somos chamados para
seguir o exemplo de Cristo. Devemos responder com fé, e não
com medo. Devemos resistir à serpente. Mas nossa esperança
suprema não está em nossa capacidade de seguir o exemplo de
Jesus. Somente Jesus é constantemente fiel. Acima de tudo, não
seguimos Cristo como o nosso exemplo — antes, confiamos em
Jesus como o nosso Salvador. Ele é Aquele que é fiel, e nós somos
fiéis nele. Quando a tentação vem, buscamos resistir como Jesus.
Mas, quando sucumbimos à tentação (e sucumbiremos), pode-
mos olhar para Jesus. Podemos nos lembrar de que Deus nos
considera fiéis porque estamos em Cristo, Aquele que é fiel.

p a r a r e fle x ã o
1. Você se enxerga como alguém que segue o Cristo que esma-
gou o Diabo e derrotou a morte? Como isso influencia seu
pensamento e suas emoções quanto à sua vida?
2. Como será sua vida se você reagir à tentação e à oposição
com fé, e não com medo?
3. Como você usaria a história de Davi e Golias para explicar
o evangelho de Jesus Cristo a um não cristão?

SEGUNDA PARTE

O n d e n o s a c h a m o s n e s s a h is tó r ia ?
Quando Davi corta a cabeça do gigante (lSm 17.51) e os filis-
teus recuam e fogem, enquanto Israel os persegue e saqueia
133
!Sam uel 17.1-58

(v. 52,53), a pergunta que fica para nós é: O que nós somos
nessa historia?
Talvez seja tentador pensar que somos chamados para
sermos como Davi, indo lutar contra os gigantes que pertur-
bam nossa vida. Essa é uma tentação perigosa. Se a historia
o encoraja a lutar com seu valentão perturbador local, tal-
vez você descubra que 0 resultado o persuadirá a adotar uma
interpretação alternativa!
Deixe-me contar sobre quando conheci o messias. Uma
mulher que estava frequentando nossa igreja apareceu certa
noite à nossa porta com duas crianças pequenas. Ela havia sido
vítima de violência doméstica, e o ex-parceiro tinha saído da
prisão havia pouco tempo. Agora ele a estava perseguindo, e
ela veio a nós para se refugiar. Rápida como um raio, minha
esposa a puxou para dentro da casa e me empurrou para fora.
“Eu cuido dela”, resolveu. “Você cuide dele.” Assim, lá estava
eu minutos depois, fora de casa, descalço, conversando com
um homem grande e nervoso. Como se isso não fosse suficien-
temente perturbador, em nossa conversa ficou claro que ele
achava que era o messias que voltou à terra e que só foi preso
porque estava sendo perseguido. Pela graça de Deus, consegui
acalmá-lo e convencê-lo a ir embora.
Essa foi a única vez em que conheci alguém que afirmava
ser o messias. Mas conheci muito mais pessoas que agiam
como uma figura messiânica, como se fossem o salvador do
mundo, de si mesmos ou da família. De fato, eu mesmo me
comportei assim, muitas vezes. Obviamente, essas pessoas
conseguem fazer muita coisa boa. Porém, mais cedo ou mais
tarde, um complexo de messias esmagará você ou esmagará as
pessoas que o cercam.
A mensagem da Bíblia não é que somos chamados para sal-
var o mundo, mas, sim, que temos um Salvador. A mensagem
de 1Samuel 17 não é que somos chamados para ser como Davi,
mas que temos um Davi.
134
!Sam uel 17.1-58

V o c ê n ã o c o n q u is t o u a v itó r ia
Quem somos na história? A verdade é que muitas vezes somos
como Eliabe. Não confiamos em Cristo para nos livrar da serpente.
Ou talvez sejamos Israel. Imagine-se como um dos solda-
dos israelitas na colina acima do vale de Elá. Por quarenta dias,
Golias tem saído toda manhã e toda noite para zombar de
você, e você se sente impotente. Em algum momento, haverá
um desfecho, e não parece que será bom. Então Davi dá um
passo à frente. A situação não parece boa. Golias anda na dire-
ção dele (v. 41); em comparação com 0 gigante, Davi parece
pequeno demais, “só um rapaz” (v. 42). Gerações antes, os dez
espiões haviam dito que os gigantes de Canaã os faziam pare-
cer como gafanhotos; e hoje Davi novamente parece um gafa-
nhoto. Se isso é tudo o que você tem, então você não tem nada,
com certeza.
Mas então Davi carrega sua atiradeira com a pedra e, num
piscar de olhos, tudo acaba. Golias está estendido no campo
e Davi lhe corta a cabeça com a espada que desembainhou
da cintura do gigante. Na colina oposta, os zombadores filis-
teus silenciam e começam a fugir (v. 51). Então, com os outros
homens de Israel e Judá, você se lança para a frente com um
grito para persegui-los e saquear o acampamento (v. 52,53).
Do mesmo modo, nós, por assim dizer, estamos na colina,
acompanhando o desenrolar da história humana. Lá embaixo
no vale vemos nosso Cristo, Jesus, ingressando na batalha
armado somente com uma viga de madeira presa aos ombros.
Nós o vemos enfrentando a serpente que tiranizou nossa vida,
ao ser pendurado na cruz. Ali está Jesus, como Davi, parecendo
pequeno em comparação com o poder do Império Romano,
parecendo pequeno em comparação com o poder da serpente.
Mas ele ingressa na batalha de forma muito valente. Ele se
confia a Deus.
135
!Sam uel 17.1-58

Nós o vemos dizendo, de fato, o que Davi disse: “Você vem


contra mim com espada, com lança e dardos, com mentiras,
ameaças e acusações, com pecado, lei e morte. Mas eu vou
contra você em nome do Senhor todo-poderoso, a quem você
desafiou. Hoje você talvez fira meu calcanhar, mas o Senhor o
entregará a mim, e eu esmagarei sua cabeça”.
Enquanto olhamos, vemos a derrota se transformar em vitó-
ria quando Jesus irrompe da tumba. A serpente foi derrotada.
A cabeça dela foi esmagada. “O grande dragão foi lançado fora.
Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás, que engana
o mundo todo...”, como João expressa em Apocalipse 12.9.
Nos versículos 4 e 23, Golias é descrito como um “guerreiro”.
John Woodhouse diz:

... a palavra traduzida por “guerreiro” literalmente significa “o


homem intermediário”.1

Golias está entre os filisteus e Israel. E ele literalmente diz


no versículo 8: “... ‘Não sou eu um filisteu Ele é a
personificação da masculinidade filisteia, o verdadeiro filisteu,
o seu representante.
Davi se torna o guerreiro de Israel. Ele é o seu represen-
tante, o seu homem intermediário, o verdadeiro israelita. O
povo havia pedido um rei para lutar pelos israelitas e obteve
Saul. Mas Saul está tão atemorizado quanto os demais. È Davi
que está entre Israel e os seus inimigos. O que está em jogo aqui
não é somente o futuro de Davi, mas o futuro de Israel (v. 8,9).
O resultado de sua batalha será o resultado dos israelitas. Eles
não lutaram; eles observaram. Mas o futuro deles estava sobre
os ombros de Davi quando ele saiu para enfrentar Golias.

1Woodhouse, 1 S a m u el: lo o kin g f o r a lea d er (Wheaton: Crossway, 2008),


p. 305.
136
!Sam uel 17.1-58

Do mesmo modo, na cruz Jesus foi nosso guerreiro, nosso


homem intermediário. Ele
ficou entre nós e o juiz, entre j Jesus foi O noSSO
nós e a morte. O juízo e a | | "homem intermediário
morte caem sobre nós com
força violenta, ameaçando nos destruir. Mas Jesus ficou no
meio. Ele tomou sobre si a plena força da furia deles. Nosso
futuro ficou pendurado em seus ombros quando ele foi pendu-
rado na cruz.
O hino de Robert Robinson (1735-1790) Fonte és tu de toda
bênção contém os versos (infelizmente, muitas vezes alterados
em versões modernas):

Eu, perdido, procurou-me, longe do meu Deus, sem luz; dos


pecados meus lavou-me com seu sangue o bom Jesus.

Jesus interpôs-se entre mim e o juízo de Deus. Assim como


Davi, ele foi escolhido por Deus para ser o homem intermediá-
rio: para derrotar a morte, matá-la e nos dar a vitória.
Saul e os israelitas estão “atônitos e apavorados” por causa
dos escárnios de Golias (v. 11). Mas Davi diz: "... ‘Ninguém
deve ficar com o coração abatido por causa desse filisteu; teu
servo irá e lutará com ele’” (v. 32). Não precisamos ter medo,
pois nosso guerreiro luta em nosso favor. Na noite em que Jesus
nasceu, o anjo disse aos pastores: “... ‘Não tenham medo. Estou
lhes trazendo boas-novas de grande alegria, que são para todo
o povo: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é
Cristo, o Senhor”’ (Lc 2.10,11). A mensagem dos Evangelhos
é: “Não fiquem abatidos, pois o nosso Davi está aqui e veio
para lutar em nosso favor. Ele tomou sobre si o pecado, a morte
e Satanás, e conquistou uma grande vitória”.
E assim chegou o momento de se lançar avante com um
grito e saquear o acampamento de Satanás (lSm 17.52,53).
137
!Sam uel 17.1-58

Ele foi subjugado e amarrado. Chegou o momento de descer


correndo da colina e proclamar a vitória, de chamar aqueles
que outrora pertenciam a Satanás para a liberdade em Jesus
por meio do evangelho.

D e sfr u te d a v itó r ia
Há um chamado à ação nesse capítulo, mas não é um cha-
mado para lutar com gigantes. Jesus é Davi. Nós não somos
o Cristo. Mas, como vimos quando examinamos 1Samuel 16,
somos cristos com c minúsculo. Somos cristãos, palavra que
vem de Cristo, ungidos pelo Espírito para proclamar a vitória
de Cristo. Somos chamados para imitar o Cristo e seguir o
exemplo da fé de Davi.
Saul e os israelitas ficam “atônitos e apavorados” por causa
da zombaria de Golias (17.11). Mas Davi sente-se ofendido
por essa zombaria. Seis vezes no capítulo, vemos que Golias
desafia ou desonra Israel (v. 10,25, duas vezes nos v. 26,36,45).
Quatro dessas menções vêm da boca de Davi. Davi leva extre-
mámente a sério a honra do Senhor. “... ‘Quem é esse filisteu
incircunciso para desafiar os exércitos do Deus vivo?’”, pergunta
ele (v. 26). Golias cometeu blasfêmia, a qual era uma ofensa
capital que demandava morte por apedrejamento. E apedrejar
é precisamente o que Davi vai fazer.
Saul é um rei como os das nações, usando uma armadura
como Golias. Em todo o restante da história, ele nunca está
longe de uma lança — exatamente como Golias. Mas Davi é
um rei sob Deus, dependendo do poder de Deus para a vitória.
Ele marcha contra Golias sem armadura, pois é protegido por
Deus. Ele toma para si a armadura de Golias e coloca as armas
dele “em sua própria tenda” (v. 54) — um sinal de que a vitória
pertence a ele. Mas, em 21.9, descobrimos que a espada de
Golias está no santuário. A certa altura, Davi deu o despojo a
Deus — um sinal de que a vitória pertence ao Senhor.
138
!Sam uel 17.1-58

Talvez o momento fundamental em toda a historia seja o


discurso de Davi a Golias. Vale a pena lê-lo na íntegra: “...‘Você
vem contra mim com espada, com lança e com dardos, mas eu
vou contra você em nome do S enhor dos Exércitos, o Deus
dos exércitos de Israel, a quem você desafiou. Hoje mesmo o
S enh or o entregará nas minhas mãos, eu o matarei e cortarei a
sua cabeça. Hoje mesmo darei os cadáveres do exército filisteu
às aves do céu e aos animais selvagens, e toda a terra saberá que
há Deus em Israel. Todos os que estão aqui saberão que não é
por espada ou por lança que o S enhor concede vitória; pois
a batalha é do S e n h o r , e ele entregará todos vocês em nossas
mãos’” (17.45-47).
Em 2.9, Ana canta: ‘não é pela força que o homem pre-
valece’”. Esse é um dos elementos fundamentais do livro; em
nenhum lugar vemos isso mais claramente do que nessa his-
tória. Davi é valente perante Golias porque ele aprendeu que
“não é pela força que o homem prevalece”. Ele crê que “a bata-
lha é do S enh or ”.
A mesma verdade se aplica aos cristãos. Pois, embora viva-
mos no mundo, não lutamos como o mundo luta. “As armas
com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são
poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argu-
mentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento
de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo
obediente a Cristo” (2C0 10.4,5).
Ao convencer Saul de que “teu servo irá e lutará com ele
[Golias]” (lSm 17.32), Davi descreve como livrou a ovelha
(v. 35) porque “o S enhor [...] me livrou” (v. 37). Agora ele
resgatará Israel, pois Deus resgatará Davi. Davi nos encoraja a
nos lembrar de como Deus nos livrou em nossa história pessoal
e, de forma suprema, por meio da cruz e da ressurreição. É a
mesma lógica que está em Romanos 8.32: “Aquele que não
139
! Sam uel 17.1‫־‬58

poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como
não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?”.
Após a morte de Golias, ainda há uma tarefa a ser realizada
(ISm 17.52). Os homens de Israel e Judá “deram o grito de
guerra” para perseguir os filisteus e saquear seu acampamento
(v. 52,53). Há uma batalha, mas eles lutam sabendo que a ação
decisiva já foi realizada (v. 45-47). Hoje é a mesma coisa. A
vitória decisiva foi conquistada por meio da cruz e da ressurrei-
ção. A serpente está amarrada, e nossa tarefa é saquear seu
acampamento, enquanto proclamamos a vitória de Cristo e
chamamos as pessoas para
A vitória decisiva já se submeterem ao seu reino
foi conquistada. Nossa libertador. Isso é uma bata-
tarefa é saquear o lha. Muitas vezes nos vemos
enfrentando a hostilidade e
acampamento.
a zombaria que Davi enfren-
tou (v. 10,43,44). Mas podemos lutar bravamente, pois a vitó-
ria é nossa em Cristo. Podemos ter fé por causa da fidelidade
do nosso Guerreiro.
Cristo nos diz: “Que ninguém fique abatido por causa
dessa serpente; eu fui e lutei contra ela”. E podemos dizer:
“Não é pela espada ou lança que o Senhor salva; pois a batalha
é do Senhor”.
Portanto, não fomos chamados para ser como Pauline
ou Sofia, esgotando-nos enquanto tentamos em vão salvar o
mundo. Não devemos agir como se tudo dependesse de nós.
Em nosso evangelismo, na vida familiar ou nas causas que
assumimos, talvez achemos que precisamos conquistar a vitó-
ria, que conseguimos carregar o peso do mundo. Porém, mais
cedo ou mais tarde, ele nos esmagará. Ele nos levará a uma
atividade interminável, pois nunca conseguimos fazer o sufi-
ciente para salvar o mundo. Ou isso esmagará aqueles que nos
cercam, ao projetarmos culpa sobre os outros por não salvarem
140
!Sam uel 17.1-58

o mundo junto conosco ou por não aceitarem “ser salvos”


como deveriam.
Mas também não fomos chamados para ser como Colin,
indiferentes às necessidades do mundo. Nosso trabalho é nos
lançar avante em resposta ao triunfo de Cristo, para proclamar
a vitória que ele conquistou. Talvez você seja como o exér-
cito israelita, observando a ação do lado de fora em vez de
se envolver. Chegou o momento de se lançar avante com um
grito e saquear o acampamento de Satanás. Ele foi subjugado
e amarrado. Chegou o momento de descer a colina e procla-
mar a vitória, de chamar aqueles que pertencem a Satanás para
a liberdade em Cristo por meio do evangelho. “A batalha é do
Senhor.” A vitória é de Cristo; e, por meio dele, ela é nossa.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Você realmente vê Jesus como sua única esperança para o
livramento da morte, como Israel via Davi quando ele foi
ao encontro de Golias?
2. Medite sobre a verdade de que Jesus é o nosso “homem
intermediário”. Como isso leva você a louvá-lo e adorá-lo?
3. Você é mais parecido com Pauline, Sofia ou Colin? Como
o conhecimento de que Jesus venceu a batalha liberta e ao
mesmo tempo desafia você?

141
!SAMUEL ■CAPITULO 18 VERSÍCULOS 1-30

VERSÍCULOS 23

VERSÍCULOS 1-42

9. TOMANDO PARTIDO

Urna das coisas que nossa famñia gosta de fazer quando temos
visitantes de outros países é oferecer marmite para eles prova-
rem. Para quem não sabe, marmite é urna pasta de extrato de
levedura para passar no pão. Tem um sabor muito diferente.
Para os não iniciados, a primeira mordida é sempre uma sur-
presa. O slogan revela algo sobre o produto: “Marmite: ou você
ama, ou você odeia!”.
O mesmo se poderia dizer a respeito de Davi nesses capí-
tulos: Davi: ou você o ama, ou você o odeia. E a maioria o ama,
mas nem todos.

A n tig o h e r d e ir o , n o v o h e r d e ir o
Imediatamente após os filisteus terem sido derrotados,“Jónatas”,
filho de Saul, “tornou-se um em espírito com Davi, e Jônatas
o amou como a si próprio” (18.1, NIV). “Um em espirito” é li-
teralmente “costurados um ao outro”. A mesma palavra é usada
para descrever o relacionamento de Jaco com Benjamim, seu
filho predileto. Somos informados de que a vida de Jacó estava
“fortemente ligada à vida do menino” (Gn 44.30, NIV). E o
mesmo acontecerá com Jônatas e Davi. Davi essencialmente
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

se torna parte da família de Saul, bem como de sua corte


(lSm 18.2).
E fácil imaginar que Davi e Jônatas tinham a mesma idade
— mas não tinham. Davi tinha trinta anos quando se tornou
rei (2Sm 5.4). Saul reinou durante quarenta anos (At 13.21).
Portanto, Davi deve ter nascido no décimo ano do reinado de
Saul. Jônatas já estava lutando com Saul durante o terceiro ano
do reinado do seu pai (lSm 13.1; veja nota de rodapé), e um
soldado israelita precisava ter pelo menos vinte anos (Nm 1.3).
Assim, no décimo ano do reinado de Saul, quando Davi nasceu,
Jônatas deveria ter no mínimo 27 anos.
Isso significa que Jônatas é velho o suficiente para ser o pai
de Davi. E Jônatas é da realeza, enquanto Davi é um agricultor
do campo. Anteriormente Jônatas estava destinado ao trono,
ao passo que agora Davi é seu substituto. Jônatas teria muitas
razões para ressentir-se de Davi. E, no entanto, Jônatas ama
Davi como a um irmão mais novo.
O amor entre Jônatas e Davi é tão forte (lSm 18.1,3,4; veja
na página 151 mais observações sobre os v. 3,4) que alguns
sugeriram que entre eles havia um relacionamento homosse-
xual. Mas isso não tem c red ib ilid a d e . A lei de Deus cia-
ramente proibia a prática homossexual (Lv 18.22; 20.13).
O autor de Samuel não hesita em realçar os pecados de Davi,
mas não dá indicação alguma de transgressão no relaciona-
mento deles. Ou ele não tinha conhecimento do pecado, ou
o encobriu — nenhuma dessas coisas é provável, levando em
consideração sua exposição do adultério de Davi com Bate-
Seba em 2Samuel 11 e 12. A insinuação de homossexuali-
dade provavelmente revela mais sobre a sexualização de nossa
cultura do que sobre o relacionamento deles. A realidade é
que homens podem ter uma amizade íntima e afetuosa sem
que se torne sexual, especialmente quando são companheiros
de armas.
143
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

O s s o ld a d o s , a s m u lh e r e s e D a v i
“Fosse qual fosse a missão que Saul lhe desse, Davi era tão
bem-sucedido que Saul lhe deu um posto elevado no exército.
Isso agradou a todas as tropas, bem como aos conselheiros de
Saul” (lSm 18.5, NIV). O exército ama Davi — tanto os sol-
dados rasos quanto os oficiais superiores.
E as mulheres de Israel também o amam. Após Golias
ser morto e os filisteus serem completamente derrotados, en-
quanto os homens do exército voltam triunfantemente com
Saul como seu líder, as mulheres os saúdam “com cânticos e
danças, com tamborins, com músicas alegres e instrumentos
de três cordas. As mulheres dançavam e cantavam: ‘Saul matou
milhares, e Davi, dezenas de milhares”’ (v. 6,7). Vimos como a
ascensão de Saul ao trono incluiu a participação em uma quase
festa de casamento em ISamuel 9. Como rei, ele estava se tor-
nando, por assim dizer, o marido de Israel. Mas é Davi que
agora é reconhecido como o verdadeiro marido do povo de
Deus, protegendo as mulheres de ameaças. Isso aponta incons-
cientemente para Jesus, o Marido supremo, que dá sua vida
pela sua esposa, a igreja (E f 5.22-33).
Em ISamuel 18.16, é “... Davi [...] [que] os conduzia em
suas batalhas”, portanto “todo o Israel e todo o Judá [...] gos-
tavam de Davi...”. Conduzir o povo de Deus em suas batalhas
deveria ser o papel de Saul (9.16), mas agora é Davi que está
fazendo isso e sendo amado por causa disso.
Em poucas palavras, Davi é um sucesso. Faz tudo o que lhe
pedem com grande êxito (18.5), com mais êxito do que qual-
quer outro oficial (v. 30). Mas Davi não é simplesmente
um bom guerreiro. O segredo é que o Senhor está com ele.
“Ele tinha êxito em tudo o que fazia, pois o S enh or estava
com ele” (v. 14; veja também v. 28). Ainda mais significativo
é o versículo 12: “... o S enhor [...] havia abandonado [Saul]
e agora estava com Davi”.
144
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

Um h o m em n ã o a m a D avi
Todos amam Davi... exceto Saul. Quando as mulheres de Israel
cantam:"... ‘Saul matou milhares, e Davi, dezenas de milhares’”
(v. 7), é improvável que seu cântico intencionalmente exalte
Davi acima de Saul. O hebraico muitas vezes junta termos, e
a palavra “milhares” literalmente é “m i rí ades ” (talvez suben-
tendendo que os dois, Saul e Davi, mataram “muitíssimas
pessoas”). Mas, ainda assim, Saul entende o fato como um
menosprezo. Somos informados de que “Saul ficou muito irri-
tado...”. Por quê? Ele ponderou: “...‘A tribuíram a Davi dezenas
de milhares, mas a mim apenas milhares. O que mais lhe falta
senão o reino?”’ (v. 8). Saul está claramente com inveja de Davi
e passa a vigiá-lo de perto (v. 9).
Mas não se trata somente de inveja. Ele também está com
medo — e esse medo cresce ao longo do capítulo. Afinal,
“... o S enhor o havia abandonado e agora estava com Davi”
(v. 12), que “tinha êxito em tudo o que fazia” (v. 14). Seu temor
aumenta ainda mais quando ele vê o amor que sua filha Mical
devotava a Davi (v. 28). Assim, Saul continuou a ser seu ini-
migo pelo resto da vida (v. 29). Não era somente falta de afeto,
mas ódio.
O processo em direção ao ódio começa com a sua ira por
causa do cântico nos versículos 8 e 9. “No dia seguinte, um
espírito maligno mandado por Deus apoderou-se de Saul...”
(v. 10). Ele literalmente o “toma de assalto”, exatamente como
o Espírito de Deus havia se apoderado dele (11.6), mas agora
“apoderou-se de Davi” (16.13). Esse espírito maligno o leva a
“profetizar” em sua casa. “Profetizar” em 1Samuel parece se
referir a mais do que simplesmente proferir a palavra de Deus.
Parece que pode incluir qualquer efeito que resulta de ser
dominado por um espírito (como veremos novamente no capí-
tulo 19). Aqui, implica atirar uma lança em Davi — duas vezes
145
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

(18.11)! A antipatía profundamente arraigada de Saul por


Davi, que talvez seja refreada pela etiq u eta da corte, não é
refreada quando ele está “profetizando”.
Davi se desvia da lança; assim, temendo-o cada vez mais,
Saul o envia para a linha de frente (v. 13). Mas em tudo o
que faz Davi é bem-sucedido, produzindo um amor crescente
de Israel e um medo também crescente em Saul (v. 14-16).
Portanto, Saul cria um plano. “...‘Aqui está a minha filha
mais velha, Merabe. Eu a darei em casamento a você; apenas
sirva-me com bravura e lute as batalhas do S enh or ’. Pois
Saul pensou: ‘Não o matarei.
A inveja é a mãe da Deixo isso para os filisteus!’”
maldade e dá à luz o (v. 17). Em outras palavras,
com a promessa de sua filha,
homicídio.
Saul encoraja Davi a lutar
com ambição imprudente, na esperança de que ele seja morto.
A inveja é a mãe da maldade e dá à luz 0 homicídio.
Davi responde com humildade e se recusa a casar com ela,
afirmando não ser digno de tornar-se genro de Saul (v. 18,19).
O leitor talvez imagine que Davi compreendera as intenções
de Saul, mas o desenvolvimento dos acontecimentos sugere
que se trata de humildade genuína.
Então Saul descobre mais alguém que ama Davi, sua segunda
filha, Mical (v. 20). Dessa forma, Saul ressuscita seu plano (v. 21).
Davi responde com a mesma deferência (v. 22,23), e Saul lhe
apresenta um desafio. Davi pode conquistar o direito à mão
de sua filha obtendo cem prepúcios de cem filisteus (mor-
tos) (v. 24,25). Davi deve “converter” à força cem filisteus incir-
cuncisos cuja presença profana a terra de Deus.
Davi aceita o desafio e tem êxito (v. 26,27). Na verdade, ele
fornece duzentos prepúcios a Saul. O plano de Saul teve um
resultado espetacularmente oposto. Está em uma situação pior
do que quando começou, pois agora Davi faz parte da casa real
146
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

e sua reputação se eleva ainda mais (v. 28-30). Nesse estágio,


Saul vê Davi como um inimigo.

T rês c o n s p ir a ç õ e s d e a s s a s s i n a t o
O capítulo 19 assiste a mais três tentativas de aniquilar
Davi. Nenhuma delas funciona. Na primeira, Jônatas o salva.
Ao tentar apanhar Davi em uma armadilha, Saul ordenou
que seus servos dissessem: “Vê, o rei está satisfeito contigo”
(18.22, ESV). Mas isso é uma mentira. A realidade é que
seu filho, Jônatas, é “quem está muito satisfeito com Davi”
(19.1, ESV). Jônatas adverte Davi de que seu pai está bus-
cando matá-lo (v. 2). Mas ele se dispõe a intervir, proclamando
a inocência de Davi (v. 3,4). Ele mostra diplomaticamente que
é o Senhor que “trouxe grande vitória para todo o Israel” (v. 5).
Por meio da mediação de Jônatas, Saul e Davi se reconciliam e
Davi é restaurado à corte real (v. 6,7).
Mas isso não dura muito. Após mais resultados positivos
de Davi em batalha (v. 8, ARA), a inveja de Saul parece vir à
tona novamente. Mais uma vez, um espírito maligno se apo-
dera de Saul, e novamente ele tenta encravar Davi na parede
com uma lança (v. 9,10, ARA). Davi “feriu” os filisteus no ver-
sículo 8; a mesma palavra é usada duas vezes no versículo 10
para descrever como Saul, em sua tentativa de encravar Davi
na parede, feriu-a com a lança. Saul está tratando Davi como
um inimigo filisteu.
Davi foge para a casa dele. Mas Saul envia homens para
cercarem a casa. No versículo 1, Saul tramou matar Davi,
“Jônatas, porém”, interveio. O padrão agora se repete, mas
dessa vez com Mical. Saul planeja matar Davi, “mas Mical”
intervém (v. 11). Ela organiza a fuga de Davi de uma
janela e ganha tempo para que ele consiga fugir ao esconder
um ídolo em uma cama, para passar a impressão de que Davi
está doente (v. 12-16). Interpelada, ela se defende, afirmando
147
!Sam uel 1 8 . 1 2 0 . 1 - 4 2 ;19.23 ;30‫־‬

que Davi a ameaçou (v. 17). Em ambas as ocasiões, o plano de


Saul foi frustrado por seus próprios filhos.
Por último, Samuel salva Davi. Agora, temendo pela própria
vida, Davi foge para o profeta (v. 18). Mas Saul envia homens
para o capturarem (v. 19,20). Deus governa por meio de sua
palavra. Desse modo, nesse
O rei de Deus e a momento o rei de Deus e a
palavra de Deus se palavra de Deus se enfren-
tam cara a cara. E, quando
enfrentam cara a cara.
isso acontece, sempre há um
só vencedor. A autoridade suprema não está com o rei, mas
com a palavra de Deus.
Assim, quando se aproximam de Davi, os homens de Saul
encontram um grupo de profetas dirigidos por Samuel — e
eles também começam a profetizar (v. 20). O primeiro round.
é da palavra de Deus! A mesma coisa acontece duas vezes mais
(v. 21) — o segundo e terceiro rounds são da palavra de Deus.
Por fim, o próprio Saul vai (v. 22), mas “o Espírito de Deus apo-
derou-se dele, e ele foi andando pelo caminho em transe, até
chegar a Naiote. Despindo-se de suas roupas, também profe-
tizou na presença de Samuel, e, despido, ficou deitado todo
aquele dia e toda aquela noite” (v. 23,24). O quarto round e a
vitória são da palavra de Deus.
Não está exatamente claro o que aconteceu com Saul e seus
profetas. A palavra “profetizar” é muitas vezes usada em rela-
ção a um profeta proferindo uma palavra de Deus. Mas ela
também pode descrever um transe — como vimos nos ver-
sículos 10 e 11, o “profetizar” de Saul envolveu atirar uma lança
em Davi. A implicação é que profetizar envolve ficar sob a
influência de um espírito. Podería ser o Espírito de Deus e
levar a profetizar no sentido de proclamar a palavra de Deus.
Mas também poderia ser uma perda de controle f r e n é t ic a .
Essa perda de controle é o que acontece com Saul.
148
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

No capítulo 10, Saul encontrou um grupo dc profetas e


também começou a profetizar. Aí lemos: “Quando os que já o
conheciam viram-no profetizando com os profetas, pergunta-
ram uns aos outros: ‘O que aconteceu ao filho de Quis? Saul
também está entre os profetas?’” (10.11). Essa era uma excla-
mação de admiração e louvor. Agora algo semelhante acon-
teceu novamente — Saul mais uma vez começou a profetizar
junto com um grupo de profetas. Mas, em vez de capacitá-lo,
seu ato de profetizar o incapacitou, de modo que ele não con-
segue cumprir o seu plano de matar Davi. Novamente "... o
povo diz: ‘Está Saul também entre os profetas?’” (19.24). Mas
essa não é uma exclamação de louvor. Essa é uma exclamação
de escárnio.
Saul está se tornando uma paródia de seu antigo eu. Saul,
o rei pedido dos capítulos 13 a 19, é uma paródia do juiz capa-
citado pelo Espírito dos capítulos 9 a 11. No capítulo 19, Saul
repete sua ascensão ao reinado na forma de paródia. Antes, nos
capítulos 9 a 11, sua ascensão ao reinado aconteceu assim:

1. Ele vai a Ramá (9.6).


2. Ele vai a um poço e pede orientações para achar Samuel
(v. 11).
3. Ele profetiza com um grupo de profetas (10.5,6).
4 . As pessoas admiram-se: “... ‘Saul também está entre os
profetas?”’ (v. 12).
5. O Espírito se apodera de Saul e o investe de autoridade.

A mesma sequência é repetida agora no capítulo 19, mas


em uma forma tragicómica:

1. Saul vai a Ramá (19.22).


2. Ele vai a um poço e pede orientações para achar Samuel
(v. 22).
149
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

3. Ele profetiza com um grupo de profetas (v. 23).


4 . As pessoas zombam: “...‘Está Saul também entre os pro-
fetas?’” (v. 24).
5. O Espirito se apodera de Saul e o despe de suas roupas
(v. 24).

No final do capítulo 19, o rei Saul é urna figura patética e


cômica, deitado despido no chão. E, dessa maneira, Saul não é
capaz de executar seu intento de matar Davi. Davi é salvo por
Samuel — ou melhor, Davi é salvo pelo Deus de Samuel.
Estou curioso para saber se você consegue reconhecer algum
Saul perto de você. Talvez haja alguém em seu local de traba-
Iho que faz todo tipo de manobra por poder e prestígio. Talvez
haja alguém em sua igreja que tem inveja do êxito dos outros.
Talvez haja alguém em sua família cujas inseguranças fazem
com que essa pessoa se compare constantemente com os
outros. Talvez essa pessoa seja você. Confiar em Deus faz toda
a diferença. Se nos gloriamos em Deus, então não precisamos
fazer manobras para alcançar prestígio, nem teremos inveja do
êxito dos outros. Se encontramos nossa identidade em Cristo,
então como somos em comparação com os outros ou o que eles
pensam não importará.

Perguntas p a r a r e fle x ã o
1. A Bíblia encoraja amizades próximas, confiáveis e honestas
entre cristãos do mesmo sexo. Como você poderia cultivar
esse tipo de amizade?
2. Você reconhece algo de Saul em si mesmo? Como o fato
de encontrar sua identidade, segurança e percepção de valor
em seu relacionamento com Jesus mudará seu coração?
3. Há situações em que você está sendo chamado para desobede-
cer corajosamente a uma autoridade a fim de obedecer a Deus?
150
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.142‫־‬

SEGUNDA PARTE

A am eaça
A incerteza que envolve o lugar de Davi na corte real atinge o
ponto culminante no capítulo 20. A atitude negativa de Saul
para com Davi piora, e Davi precisa decidir se é seguro per-
manecer ali. Parece que, inicialmente, Jónatas está cegó para
a extensão do odio do pai (v. 2,3). Jônatas e Davi decidem
então criar um plano para revelar as intenções de Saul (v. 4-7).
A festa da lúa nova era claramente uma festa crucial, à qual os
membros da corte deveriam comparecer. Assim, eles decidem
que Davi deve ausentar-se deliberadamente. Se Saul aceitar a
ausência, isso mostrará que ainda tem boas intenções quanto
a Davi. Porém, se Saul se zangar, a ameaça a Davi será confir-
mada. Se esse plano é para o benefício de Davi ou de Jónatas
é incerto. Talvez sejam ambas as coisas. Davi reafirma sua
inocencia, chamando Jônatas pessoalmente para matá-10 ali
mesmo caso ele seja culpado de ter cometido traição (v. 8,9).
Mas como Davi saberá qual é a reação de Saul (v. 10)?
Os dois vão a um campo, talvez para que ninguém os ouça
(v. 11). Ali, Jónatas pede que Davi faça uma aliança com ele.
Ele se compromete a fazer tudo o que prometeu e proteger
Davi; ele pede que Davi se comprometa com ele com hesed
(“bondade” — v. 12-14, ARA). Então os dois combinam os
detalhes de como Jónatas avisará Davi, por meio de uma rotina
complicada de arco e flecha.
Talvez essa seja uma reiteração da aliança que eles fizeram
em 18.3,4, cujos conteúdos não foram especificados. Davi está
fugindo de Saul, mas o primeiro lugar para o qual ele vai é a
casa do filho de Saul, Jônatas (20.1). Esse é um passo extraor-
dinário. Mas Davi pode confiar em Jônatas por causa da aliança
que fizeram (18.3). Como ele diz: “Mas mostre bondade a seu
151
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

servo, porque fizemos um acordo perante o S en h o r ” (20.8,


NIV). A palavra “bondade” é hesed. Esse termo significa amor
e compaixão, mas ele também tem o sentido de lealdade e
fidelidade, de modo que muitas vezes é traduzido por “amor
inabalável”. Esse é um amor sustentado por um compromisso
de aliança.
O capítulo começa com Davi sob a ameaça da casa de Saul.
Porém, em todo o restante do capítulo, Jônatas reconhece que
na realidade é a casa de Saul que está sob a ameaça de Davi.
Ele percebe que é da vontade de Deus que Davi se torne rei e
triunfe sobre seus inimigos (v. 15). É por isso que ele faz Davi
prometer que poupará os descendentes dele (v. 16,17,23).
Assim, “quando chegou a festa da lua nova, o rei sentou-se
à mesa” (v. 24). Saul vê o lugar vazio de Davi, mas não se
importa com isso. Pressupõe que Davi deve estar cerimonial-
mente impuro (v. 25,26). Mas Davi está ausente novamente
no segundo dia da festa, e dessa vez sua ausência provoca per-
guntas (v. 27). Saul pergunta a Jônatas por que Davi não está lá
e, como combinado, Jônatas diz a seu pai que Dará pediu per-
missão para participar de um sacrificio familiar (v. 28,29). Sua
fala, porém, está carregada de ironia. Ele relata Davi dizendo:
“... ‘Se conto com a sua simpatia, deixe-me ir ver meus ir-
mãos’...” (v. 29). A expressão traduzida por “deixe-me ir” é
traduzida por “escapar” ou “fugir” em 19.10,12,17,18, e tam-
bém por “salvar sua vida” em 19.11. A razão verdadeira para a
ausência de Davi está exatamente ali na desculpa de Jônatas.
A resposta de Saul não deixa espaço para dúvida: “A ira de
Saul se acendeu contra Jônatas, e ele lhe disse: ‘Filho de uma
mulher perversa e rebelde! Será que eu não sei que você tem
apoiado o filho de Jessé para a sua própria vergonha e para ver-
gonha daquela que o deu à luz? Enquanto o filho de Jessé viver,
nem você nem seu reino serão estabelecidos. Agora mande
chamá-lo e traga-o a mim, pois ele deve morrer!’” (20.30,31).
152
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.142‫־‬

Saul se refere duas vezes a Davi como “o filho de Jessé”


(v. 27,30), uma expressão usada para rebaixá-lo. Ele não é capaz
de proferir o nome de Davi e dá a entender, em vez disso, que ele
é o filho de um zé-ninguém (em contraste, talvez, com Jônatas,
o filho de um rei). Em sua ira, ele chama Jônatas de “filho de
uma mulher perversa e rebelde!”. A ironia, obviamente, é que
Jônatas é na verdade o filho de um homem perverso e rebelde...
A expressão “vergonha daquela que o deu à luz” (v. 30) ou “para
a vergonha da nudez de tua mãe” (ESV) normalmente se refere
às genitais de alguém (Gn 9.22; Lv 18.6; 20.17; Ez 16.8). Saul
está usando um linguajar chulo em seu ataque a Jônatas.
Saul está completamente decidido sobre o destino de Davi.
"... ele deve morrer!” (lSm 20.31) significa literalmente ele é
“um filho da morte”. Ele está morto para mim, poderiamos dizer.
Por quê? Porque Saul sabe que, enquanto Davi viver, Jônatas
não reinará (v. 31).

N ã o h á v o lt a
Esse é um momento crucial na narrativa. Em 19.1-7, Jônatas
foi capaz de mediar entre Saul e Davi e, assim, reconciliá-los.
Mas uma mediação não é mais possível. Esse é o momento em
que Jônatas precisa decidir. Saul o acusa de tomar o partido de
Davi (20.30). É hora de decidir.
Jônatas escolhe Davi. “... Ό que ele fez?’” (v. 32) ecoa a
própria pergunta de Davi no versículo 1. Saul responde ati-
rando sua lança contra Jônatas (v. 33), exatamente como havia
feito duas vezes com Davi (18.10,11; 19.9,10). A mensagem é
clara: Jônatas está com Davi, portanto Saul trata Jônatas como
trata Davi.
Conforme prometido,Jônatas realiza sua rotina com o arco e
a flecha a fim de que Davi saiba que está em perigo (20.35-40).
Os dois homens se despedem, chorando (v. 41) — eles não
sabem se algum dia se encontrarão novamente. O capítulo
153
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

termina com Jônatas dizendo a Davi: “...‘Vá em paz’...”(20.42).


Há paz entre Jônatas e Davi. Mas o preço disso é a hostili-
dade entre Jônatas e Saul. O versículo 30 diz que “a ira de
Saul se acendeu contra Jônatas”, e o versículo 34 diz: “Jônatas
levantou-se da mesa muito irado...”. Não havia alternativa.
Não pode haver acomodação alguma. Jônatas precisava esco-
lher entre paz com Davi e paz com seu pai.
Davi é o cristo que aponta para o Cristo. Jesus, o filho
maior de Davi, veio para estar entre nós. Dessa forma, precisa-
mos escolher: não há alternativa. Não pode haver acomodação
alguma. Precisamos escolher, exatamente como Jônatas esco-
lheu. Precisamos escolher entre, de um lado, paz com Cristo
e, de outro, paz com nossa família, paz com nossos amigos,
paz com nossa cultura. Para muitos de nós, essa escolha não
é tão radical quanto foi para Jônatas. Alguns de nós têm pais
cristãos. Mas muitas pessoas em nosso mundo escolhem seguir
Jesus sabendo que sua escolha significará a rejeição pela sua
família. O próprio Jesus disse: “Quem ama seu pai ou sua mãe
mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou
sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37).
Posicionar-se a favor de Jesus pode significar posicionar-se
contra nossa família. Posicionar-se a favor de Jesus sempre
acarretará decisões difíceis.

R e c o n h e c e n d o o rei
Esses capítulos contrastam as atitudes de Saul e Jônatas em
relação a Davi. Saul tem inveja de Davi (lSm 18.8) e descon-
fia de Davi (v. 9). Somos informados repetidamente de que
Saul tem medo de Davi (18.12,15,29). Seu intento assassino
é claro para todos (19.1). Em contraste, Jônatas é “um em
espírito com Davi, e Jônatas o amou como a si próprio” (18.1,
NIV). Ele intervém por Davi e trai seu pai para salvar Davi.
A expressão “um em espírito” é usada por Saul para descrever
154
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

a conspiração em 22.8 e 22.13. A lealdade de Jônatas a Davi


inevitavelmente o coloca em uma trajetória que terminará em
deslealdade ao pai dele.
O relacionamento entre Davi e Jônatas muitas vezes é
entendido como um modelo de amizade. Mas na realidade
é um modelo de discipulado. Jônatas ama Davi como a um
irmão. Mas ele também (o que é mais importante) o reconhece
como rei.
Saul é rejeitado em ISamuel 13. Mas imediatamente um
substituto é apresentado no capítulo 14: Jônatas. Ele demons-
tra ser um sucessor digno. Porém, antes até mesmo de ser apre-
sentado, ele é excluído pelo pecado de seu pai (13.16).
Isso confere um significado maior ao compromisso entre
Jônatas e Davi: “Jônatas tirou o manto que estava vestindo e o
deu a Davi, com sua túnica, e até sua espada, seu arco e seu cin-
turão” (18.4). Jônatas não está simplesmente compartilhando
seu casaco porque Davi
está com frio! Esse ato é m Ip Quando dá seu manto
carregado de significado a Davi, Jônatas
político. Antes, no capí- ■ se despe de seu
tulo 15, ao ser rejeitado im direito de ser rei e o
como rei, Saul agarrou o ■ entrega a Davi.
manto de Samuel e o ras-
gou. Em resposta, Samuel disse: “... Ό S enhor rasgou de você,
hoje, o reino de Israel, e o entregou a alguém que é melhor que
você”’(15.28). Assim, quando dá seu manto a Davi, Jônatas lhe
concede seu reino. Jônatas se despe de seu direito de ser rei e
o entrega a Davi.
Imagine um príncipe entregando a alguém coroa, manto,
espada e cetro. O que você acharia que está acontecendo?
Jônatas dá a Davi sua parafernália régia — todos os símbo-
los visíveis que o teriam marcado como o filho do rei e, por-
tanto, como o sucessor. Ele está reconhecendo que Davi será
155
!Sam uel 18.1-30; 19.23; 20.1-42

o próximo rei, que Davi é o salvador do povo de Deus, que


Davi é o ungido de Deus — e que ele, Jônatas, não é nenhuma
dessas coisas. Isso se torna explícito em 23.17: ‘“Não tenha
medo’, disse ele [Jônatas],‘meu pai não porá as mãos em você.
Você será rei de Israel, eu lhe serei o segundo em comando. Até
meu pai sabe disso”’.
Mas aqui está a ironia extraordinária: ao abrir mão do futuro
de sua família, Jônatas ganha o futuro dela sob a proteção de
Davi. Davi promete preservar a família de Jônatas (20.15-17) e,
como o livro de 2Samuel relata, é isso o que acontece (2Sm 9).
Jônatas não está apenas ou acima de tudo ensinando-nos
sobre como ser um bom amigo. Ele está nos ensinando a ser um
verdadeiro seguidor. Assim como Jônatas, devemos abandonar
nossos supostos direitos de reinar. Precisamos aclamar o des-
cendente de Davi chamado Jesus como nosso Cristo, como o Rei
de Deus. Precisamos ligar nosso futuro ao dele, entregar o con-
trole a ele. Devemos ser como João Batista, que aceitou a reali-
dade com respeito a seu primo mais novo Jesus: “É necessário
que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).
No entanto, por meio desse ato de a u torrenú ncia ,
ganhamos um futuro sob a proteção de Jesus. Jesus declara:
"... ‘Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida,
a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo
evangelho, a salvará” (Mc 8.34,35).
Davi aponta para Jesus, nosso Rei legítimo. Assim, a per-
gunta é: “Sou como Saul ou sou como Jônatas?”.
Saul está determinado a se agarrar ao poder. Mas gradual-
mente ele se torna uma paródia de si mesmo. O poder está
escapando de suas mãos. Ele é incapaz de fazer com que suas
ordens sejam executadas. Você está determinado a se agarrar
ao poder? Está determinado a se manter no comando de sua
vida? Quer tomar decisões livres de interferências?
156
!Sam uel 1 8 . 1 4 2 ‫־‬30 ; 19.

Em contraste, Jônatas reconhece graciosamente o poder de


Davi. Ele abre mão de qualquer reivindicação de autoridade
sobre seu futuro. Ele se satisfaz com a lealdade a Davi, con-
fiando-lhe seu futuro. Deixar Jesus ser o Senhor de sua vida
deixa você satisfeito? Você está submetendo a ele todas as áreas
de sua vida?
Nossa sociedade está se tornando cada vez mais secular e,
no entanto, ainda gostamos imensamente do Natal. Talvez seja
porque ninguém tem medo do “menino Jesus”. Jesus na manje-
doura é seguro — você não precisa escolher amá-lo ou odiá-lo,
pois ele permanece tranquilamente na periferia de sua vida,
por assim dizer, sem interferir. Mas o Cristo ressurreto é uma
questão totalmente diferente. O Cristo que ressuscitou é Rei.
Assim, você precisa decidir se vai se submeter a ele ou não.
Jesus: ou você 0 ama, ou você 0 odeia. No fim das contas, há
uma escolha que você e eu precisamos fazer. Não pode haver
concessão alguma. Escolheremos aquilo que for mais precioso
para nós, ficaremos irados quando isso for ameaçado e nos dis-
poremos a receber a ira de
outros por nossa lealdade. Jesus: ou você o ama,
Nosso futuro se condido- ou você o odeia. Há
nará a essa escolha e nós lhe uma escolha que você
daremos autoridade. Mas
e eu precisamos fazer.
há um só que merece essa
posição de nosso rei, e Deus já escolheu quem é ele. Ele é o
filho maior de Davi, o Messias designado, o Senhor Jesus.

Perguntas p a r a r e fle x ã o
1. Com respeito ao rei Jesus, você é mais como Saul ou é mais
como Jônatas? Explique de que maneira.
2 . O que você precisa abandonar ou correr o risco de abandonar
a fim de tornar Jesus digno de sua lealdade e amor supremos?
157
! Sam uel ! 8.1-30 ; 19.23 ; 20.1 ‫־‬42

3. Lembre-se de que, ao entregar o futuro de sua familia


ao rei de Deus, Jônatas ganhou o futuro déla sob o Rei de
Deus. De que maneira isso pode representar uma segurança
extraordinária para nós como cristãos?

158
1SAMUEL■ CAPÍTULO 21 VERSÍCULOS 1 1 5 ‫־‬

■ CAPÍTULO 22 VERSÍCULOS 1*23

■ CAPÍTULO 23 VERSÍCULOS 1-25

10. OS ANOS NO
DESERTO

Esses capítulos traçam duas trajetórias contrastantes: a ascensão


de Davi e o declínio de Saul. Davi é o epítom e do sucesso. Ele
conduziu Israel a vitórias irrefutáveis. “Tudo o que Saul lhe orde-
nava fazer, Davi fazia com tanta habilidade que Saul lhe deu
um posto elevado no exército...” (18.5). Ele conquistou a mão
em casamento de uma princesa da corte. Ele é, como vimos,
amado por todos, exceto por Saul, que o vê como ameaça e está
tomado de ira e inveja. Em contraste, Saul está se tornando
uma paródia de si mesmo enquanto o poder lhe escapa das
mãos. Tornou-se alvo de piada entre os satíricos da época:
“... ‘Está Saul também entre os profetas?’” (19.24).

U m r e in o s a c e r d o t a l
Mas a piada logo perde a graça e se torna amarga. Davi nunca
é recebido na corte; sua vida está em perigo. Daqui em diante,
viverá fugindo. Foge para Nobe, para onde, após a destruição
de Siló, o Tabernáculo parece ter ido (21.1).
O que vem a seguir é um episódio estranho. Na falta de supri-
mentos, Davi e seus companheiros pedem pão (v. 3). Davi mente
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

ao sacerdote Aimeleque, afirmando: “... ‘O rei me encarregou de


urna certa missão’...” (v. 2). Ele poderia estar se referindo a Deus,
mas Davi deve saber que Aimeleque pensará que ele quer dizer
Saul. O objetivo é provavelmente proteger Aimeleque de retalia-
ções (porém, se essa era a intenção de Davi, acaba não dando certo).
Aimeleque tem somente pão consagrado . Somente sacer-
dotes podiam comê-lo. Mas Aimeleque o oferece a Davi caso
ele e seus homens não tenham tido relações com mulheres
(v. 4-6). De acordo com as leis levíticas , ter relações sexuais
tornava a pessoa cerimonialmente impura. A Bíblia celebra o
sexo dentro do casamento, mas ao que tudo indica a libera-
ção de fluidos corporais, quer sêmen, quer sangue, simbolizava
a morte e, portanto, tornava a pessoa impura. Ainda assim,
é incerto por que Aimeleque insiste nessa regra, ao mesmo
tempo que se dispõe a dar pão a não sacerdotes.
Seja qual for a razão, Jesus se refere a esse incidente e
absolve Davi e Aimeleque (Mt 12.1-8). A Lei do Antigo
Testamento incluía leis relacionadas a casos específicos, mos-
trando como o espírito da Lei se aplicava a situações diferen-
tes. Às vezes, guardar o espírito da Lei envolvia violar a letra da
Lei. Isso não tinha relação alguma com a ética situacional
ou o relativism o , pois o espírito da Lei permanecia sobe-
rano. A misericórdia triunfava sobre o juízo. O próprio Jesus
comenta sobre a história com estas palavras: “Se vocês sou-
bessem o que significam estas palavras: ‘Desejo misericórdia,
não sacrifícios’, não teriam condenado inocentes” (Mt 12.7).
Mas talvez a questão maior seja esta. Embora não possa-
mos ter certeza disso, Aimeleque provavelmente não daria o
pão consagrado à maioria das pessoas. Ele o deu a Davi, pois
Davi era o ungido de Deus. Novamente, esta é a aplicação de
Jesus: “Pois o Filho do homem é Senhor do sábado” (Mt 12.8).
Jesus não está simplesmente argumentando sobre a interpreta-
ção da Lei. Ele está afirmando ser o novo Davi. Um dos sinais
160
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

de que Saul era o ungido de Deus era que “...‘três homens [...]
subindo ao santuário de Deus em Betei’...”lhe ofereceríam pão
(lSm 10.3,4). Agora é Davi que recebe pão do sacerdote.
Israel praticava uma separação muito clara entre as funções
de rei e sacerdote. Davi não é sacerdote, mas será o rei e o repre-
sentante de um reino sacerdotal. No monte Sinai, Deus havia
declarado que Israel era “um reino de sacerdotes e uma nação
santa” (Ex 19.4-6). Por meio de uma vida regulada pela Lei
de Deus, Israel precisava
demonstrar a bondade do Jesus não está
governo de Deus ao mundo. simplesmente
Os israelitas tinham a fun- argumentando sobre
ção sacerdotal de revelar
a interpretação áa Lei.
Deus às nações c levá-las ao
Ele está afirmando
local de expiação, o Taber-
ser o novo Davi.
náculo. Davi estava se tor-
nando o representante desse reino sacerdotal; c, assim, talvez não
devamos nos admirar de ver que ele está sendo tratado como um
sacerdote em alguns aspectos. No deserto, Deus havia provido a
Israel o pão do céu. O Tabernáculo não era o céu, mas era uma
representação do céu (Hb 8.5). Assim, em certo sentido, Davi,
o verdadeiro representante do povo de Deus, recebe pão do céu.
Há outra nota um tanto ambígua na história: “Aconteceu
que um dos servos de Saul estava ali naquele dia, cumprindo
seus deveres diante do S e n h o r ; era 0 edomita Doegue, chefe
dos pastores de Saul” (lSm 21.7). Não é fornecida nenhuma
explicação adicional. Mas essa linha sinaliza uma notícia não
muito boa, especialmente quando se tem em vista que o nome
“Doeg” soa como a palavra hebraica d'g: “preocupação”.

U m liv r a m e n to e s t r a n h o
Com novos suprimentos, Davi então parte para Gate (v. 10).
Trata-se de uma escolha estranha, pois Gate é uma cidade
161
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

filisteia. Além do mais, Davi acabou de adquirir a espada de


Golias (v. 8,9), e Gate era a cidade natal do gigante. Com esse
lembrete extremamente visível de que foi ele quem derrotou os
filisteus, ele busca refugio em uma cidade filisteia. Esse pode
ter sido um movimento tático motivado pelo desespero: fugir
de Saul para encontrar proteção entre os inimigos de Saul.
Mas os filisteus também são inimigos de Davi. O servo de
Aquis, o rei de Gate, descreve Davi como “o rei da terra” e cita
o cântico das mulheres israelitas: “... ‘Saul abateu seus milhares,
e Davi suas dezenas de milhares’”(v. 11). Nesse momento, chamar
Davi de rei é um erro — Saul ainda é rei. Mas isso é um sinal da
mudança no poder. Quando o cântico foi entoado pela primeira
vez, ele era um sinal de que Davi estava substituindo Saul como o
guerreiro de Israel (18.5-16). Agora ele é usado para apoiar a ideia
de que Davi está substituindo Saul como o rei de Israel.
A situação não parece muito boa para Davi — ele está
“com muito medo” (21.12). O texto diz: "... enquanto esteve
com eles...”, ou, conforme a NIV, “ele estava em suas mãos”
(v. 13), o que implica que está preso sob custódia. Assim, Davi
finge estar louco e, consequentemente, Aquis o manda embora
(v. 13-15).
Davi reflete sobre o incidente em dois salmos. O salmo 56
foi escrito “quando os filisteus prenderam Davi em Gate”. Esse
salmo começa com uma descrição da perseguição de Saul:

Tem misericórdia de mim, ó


Deus, pois os homens me pressionam;
o tempo todo me atacam e me oprimem.
Os meus inimigos pressionam-me sem parar;
muitos atacam-me arrogantemente (SI 56.1,2).

O salmo descreve a dor da rejeição e a tristeza do exí-


lio: “Registra, tu mesmo, o meu lamento; recolhe as minhas
162
!Sam uel 2 1 . 1 2 3 . 1 - 2 5 ;22.1-

lágrimas em teu odre...” (v. 8). Qual é a esperança de Davi


nessa situação?

Mas eu, quando estiver com medo, confiarei em ti.


Em Deus, cuja palavra eu louvo,
em Deus eu confio, e não temerei.
Que poderá fazer-me o simples mortal? (v. 3,4)

O refrão é repetido nos versículos 10 e 11. A esperança de


Davi está em Deus. Deus o libertará. O antídoto dele ao medo
é a fé.
O salmo 34 é mais otimista. Esse salmo celebra o livra-
mento de Deus.

Busquei o Senhor, e ele me respondeu;


livrou-me de todos os meus temores.
Os que olham para ele estão radiantes de alegria;
seus rostos jamais mostrarão decepção.
Este pobre homem clamou, e o Senhor o ouviu;
c o libertou de todas as suas tribulações.
O anjo do Senhor é sentinela ao redor
daqueles que o temem, e os livra.
Provem, e vejam como o Senhor é bom.
Como é feliz o homem que nele se refugia!
Temam o Senhor, vocês que são os seus santos,
pois nada falta aos que o temem.
Os leões podem passar necessidade e fome,
mas os que buscam o Senhor de nada têm falta [...]
Os olhos do Senhor voltam-se para os justos
e os seus ouvidos estão atentos ao seu grito de socorro [...]
O Senhor redime a vida dos seus servos;
ninguém que nele se refugia será condenado. (SI 34.4-10,15,22)
163
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

Vale a pena lembrarmos que o livramento descrito nesse


salmo foi alcançado por meio de Davi quando ele deixou a
saliva escorrer por sua barba, como se fosse um louco. O livra-
mento de Deus pode tomar formas estranhas, mas ainda assim
é livramento.
Davi descreve nos salmos 57 e 142 sua experiência na
caverna de Adulão. Em Salmos 142.4, ele diz: "... Não tenho
abrigo seguro...”. Mas imediatamente, no versículo seguinte,
continua dizendo sobre o Senhor: “...Tu és o meu refugio...”.
Isso nos encoraja a pensar sobre todos os momentos em que
somos tentados a dizer: “Não tenho refúgio; Não tenho espe-
rança; Não tenho futuro; Não tenho ninguém”. Essa talvez
seja a nossa experiência, e ela é muito real. Mas há uma rea-
lidade maior, e é para ela que nossa fé olha: “Deus é o meu
refugio; Deus é a minha esperança; Deus é o meu futuro;
Eu tenho Deus”.

U m rei in ju s to e u m a g u e r r a p r o fa n a
Quando descobre o que aconteceu, Saul fica fora de si
(ISm 22.6). Ele percebe que a corte dele não o manteve infor-
mado. O autor novamente realça como sua autoridade está
lhe escapando. Saul era da tribo de Benjamim, e agora apela à
lealdade do clã (v. 7). Sem dúvida alguma, eles devem escolher
Saul, um companheiro benjamita, e não esse “filho de Jessé”
(v. 8), o pretendente ao trono da tribo de Judá.
Então Saul apela ao interesse próprio deles: "... ‘Será que o
filho de Jessé dará a todos vocês terras e vinhas? Será que ele
os fará todos comandantes de mil e comandantes de cem?’”
(v. 7). Isso ecoa a advertência de Samuel cm 8.10-14 — de
que o rei tiraria de alguns e daria a outros a fim de fortalecer
seu poder. O que Samuel previu que o rei faria, Saul agora está
prometendo fazer. Saul está se tornando o tipo de rei injusto,
164
!Sam uel 2 1 . 1 2 3 . 1 - 2 5 ;22.1-

guiado pelos próprios interesses, que Samuel temia. E ainda se


gaba disso!
Os israelitas talvez não traiam Davi, mas Doegue o trai.
Tanto em 21.7 quanto em 22.9, o autor o chama de “Doegue, o
edomita”. Seus antecedentes étnicos importam. Ele é um gen-
tio, e não verdadeiramente um membro do povo de Deus. Os
edomitas eram inimigos históricos de Israel, descendentes de
Esaú (Gn 25.30; 36.9); eles haviam se recusado a deixar os israe-
litas passar pelo seu território após o Êxodo (Nm 20.14-21).
Saul está sentado “com a lança na mão” (ISm 22.6), parecendo
um rei gentio com armadura gentia, e a única pessoa que é leal
a ele é um gentio. Ele se tornou um rei como os das nações —
o rei sobre o qual Deus havia advertido o povo e o rei que, no
entanto, os israelitas pediram.
Doegue descreve a ajuda que Davi recebeu dos sacerdotes
em Nobe (v. 9,10). Em sua ira, Saul ordena a execução deles
(v. 11-16). Ninguém em Israel está disposto a executar esse
crime (v. 17); todavia, “Doegue, o edomita” está (v. 18,19).
Doegue não somente mata o sacerdote — ele mata todos e
destrói tudo o que está conectado com a cidade de Nobe.Tra-
ta-se de uma guerra santa contra os sacerdotes de Deus. Aqui
está a ironia terrível, o sinal da extensão da queda de Saul.
Deus ordenou que Saul conduzisse uma guerra santa contra
os gentios. Agora, em 22.18,19, Saul ordena que um gentio
conduza uma guerra santa contra Deus.
Como se isso não fosse suficientemente ruim, Saul executa
essas duas guerras santas com níveis de zelo muito diferen-
tes e reveladores. Saul não concluiu a guerra santa para a qual
Deus o havia chamado em 15.13-26. Ele poupou o melhor das
ovelhas e do gado, bem como a Agague, o rei dos amalequitas.
Mas agora somente um filho de Aimeleque escapa (22.20-23).
Saul se elevou como o soberano supremo a quem todos
devem lealdade. Elevou-se tanto que se colocou no lugar de
165
!Sam uel 21.1-15; 2 2 . 1 2 3 . 1 - 2 5 ;23‫־‬

Deus — como todos os tiranos fazem. Saul era o cristo. Mas


agora Davi é o cristo, o ungido de Deus, e Saul se tornou o anti-
______________ cristo, no sentido de que se
Saul se elevou e se opõe a Davi, o verdadeiro
colocou no lugar de cristo. E ele é o anticristo
porque veio a personificar o
Deus — como todos os
oposto do que significa ser
tiranos íazem.
um rei em Israel. Saul é um
anticristo conduzindo uma guerra profana.

Urna n o v a c o r te
Apesar de todos os seus esforços assassinos, o poder continua
escapando das mãos de Saul. Ele não tem autoridade alguma
na própria corte. Seus oficiais não lhe contam o que está acon-
tecendo (v. 8) nem executam as suas ordens (v. 17).
Enquanto isso, a autoridade de Davi está em ascensão
até mesmo quando as circunstâncias que enfrenta não são as
melhores. Ele passará os próximos anos às margens da socie-
dade. E um fu gitiv o , nunca está seguro. Meses antes, foi
ungido por Samuel como rei e matou o gigante Golias. Agora
está em território inimigo, fingindo ser louco. No entanto,
começa a reunir em torno de si uma corte real. Enquanto a
família de Saul se afasta de Saul, a de Davi junta-se a Davi
(22.1). Para mantê-la em segurança, ele a estabelece em
Moabe, a terra natal de sua bisavó Rute (v. 3,4). Enquanto Saul
destrói o sacerdócio, Davi fornece um abrigo para o sacerdote
Aimeleque. Saul diz ao sacerdote Aimeleque: “... ‘Com cer-
teza você será morto, Aimeleque, você e toda a família de seu
pai’” (v. 16). Em contraste, Davi diz ao filho sobrevivente de
Aimeleque: “... você estará a salvo comigo’” (v. 23).
Os primordios do reino de Davi estão começando a tomar
forma. “Também juntaram-se a ele todos os que estavam em
dificuldades, os endividados e os descontentes; e ele se tornou
166
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

o líder deles. Havia cerca de quatrocentos homens com ele”


(v. 2). Esse não é o começo mais promissor — os que estão
em dificuldades, os fugitivos e os descontentes. Mas observe
quem está incluído nesse bando perturbado: o rei Davi (v. 1),
o profeta Gade (v. 5) e o sacerdote Abiatar (v. 23). Tanto o
profeta quanto o sacerdote permanecerão com Davi por toda
a sua vida (lC r 29.29). Hostilizado pelo mundo, perseguido
por Saul, formado por rejeitados e, no entanto, centrado em
um rei, em um sacerdote e em um profeta: esse é um Israel
alternativo em formação.
As coisas não seriam muito diferentes para o descendente
maior de Davi. Em Mateus 4, Jesus chama doze discípulos,
a base para um novo Israel. Ele então sobe a um monte para
dar à nova comunidade uma nova lei (Mt 5.1,2), assim como
Moisés havia recebido a Lei no monte Sinai. Mas esse novo
reino começa com pescadores, traidores e terroristas. São os
“pobres em espírito” que recebem o reino do céu (Mt 5.3).
Assim como Davi, Jesus começa com uma equipe heterogê-
nea. Assim como Davi, ele e seu povo serão hostilizados pelo
mundo e prejudicados pelos líderes de Israel. Mas esse grupo
está centrado em um rei, um sacerdote e um profeta — em um
só homem, Jesus. Esse é o povo de Deus.
E esse grupo de marginalizados e rejeitados estenderá o reino
dele aos confins da terra enquanto proclama o nome dele. Essa
tripulação heterogênea vai “virar o mundo de ponta-cabeça”
(At 17.6, ESV).
O mesmo padrão se repetiu em Corinto. Paulo escreveu aos
corintios: “Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram
chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos;
poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento.
Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para enver-
gonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza
para envergonhar o que é forte” (ICo 1.26,27).
167
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

Talvez esse padrão esteja se repetindo na sua igreja. Talvez


você enxergue agora um grupo de pessoas que não são sábias,
influentes ou nobres segundo os padrões humanos. Mas a his-
tória de Davi nos encoraja a considerarmos uns aos outros com
os olhos da fé. Deus nos escolheu com todas as nossas fraque-
zas e imperfeições para enaltecer a graça dele e envergonhar o
orgulho deste mundo.

■ g P W g p n p a r a r e fle x ã o
1. Se tiver tempo, leia em parte ou por inteiro estes salmos: 34,
56,57 e 142. Como eles falam hoje à sua vida?
2. Como você enxerga a si mesmo? Você se reconhece como
alguém que, em dificuldades, dívidas ou quando descon-
tente, voltou-se para Jesus Cristo?
3. Você busca esconder suas fraquezas ou permite que elas
enalteçam a graça de Deus e enfraqueçam o orgulho do
mundo? Como?

SEGUNDA PARTE

O rei d a s m a r g e n s
Jesus cresceu na cidade de Nazaré, na parte norte de Israel,
longe dos centros de poder e riqueza. Durante três anos, ele
não teve casa. “... ‘As raposas têm suas tocas e as aves do céu
têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repou-
sar a cabeça’” (Mt 8.20). Ele enfrentou preconceito e rejeição.
Aqui está o problema: o fato de que Jesus vivia às mar-
gens, de que ele não tinha casa, de que as pessoas o odiavam
— todas essas coisas significavam que ele não tinha aparência
de rei. Precisamos sentir a dissonância entre o que o mundo
168
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

considera um rei (e o que muitos dos profetas previram sobre


o rei) e o estilo de vida daquele a quem chamamos de nosso
Rei. Imagine que você encontra um rapaz de trinta e poucos
anos que dorme em um sofá em urna área deteriorada de urna
cidade provinciana decadente. E ele estica a cabeça para fora
de seu saco de dormir e diz: “Um dia serei o rei da Inglaterra”.
Você pensaria que ele está louco ou usando drogas.
Pois bem, esse é Jesus. Ele é do Norte, a quilómetros de
Jerusalém. Não tem casa, não tem dinheiro, não tem qualifi-
cações. Ele é o filho de um carpinteiro (embora até isso seja
contestado). Seus seguidores são um bando de sujeitos incultos
e humildes.
No entanto, ele afirma ser o rei ungido de Deus, o Cristo
de Deus.
Então ele acaba sendo preso e executado. Ele é morto em
uma cruz, o modo mais vergonhoso de morrer. A crucificação
não era sequer mencionada na companhia de pessoas da classe
alta e culta. Para os judeus, significava ser amaldiçoado por
Deus. Para que serve um rei amaldiçoado e morto?
A expectativa dos judeus era que o Cristo viria e os liberta-
ria das mãos dos romanos. A expectativa deles era que ele viria
de forma gloriosa e poderosa e aniquilaria os inimigos de Deus
da terra de Deus. E o que eles receberam foi Jesus. Quando ele
curou os doentes, acalmou a tempestade e alimentou os famin-
tos, esteve à altura da expectativa. Mas também foi rejeitado,
sofreu e, por fim, foi torturado e executado. Como esse pode
ser o Cristo? Para nós, isso podería não importar tanto assim,
pois temos o benefício da distância histórica e reflexão poste-
rior. Mas, para os discípulos no caminho de Emaús, esse é um
problema insuperável. Eles argumentam:"... ‘nós esperávamos
que era ele que ia trazer a redenção a Israel’...” (Lc 24.21). Nós
esperávamos. Mas agora ele está morto.
169
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

O estranho com quem eles estão falando responde: “...‘Como


vocês custam a entender e como demoram a crer em tudo o
que os profetas falaram! Não devia o Cristo sofrer estas coisas,
para entrar na sua glória?’ E começando por Moisés e todos os
profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas
as Escrituras” (24.25-27).
O estranho era Jesus, ressuscitado dos mortos. Mas observe
o que ele lhes diz: “Vocês deviam saber que o Messias pre-
cisava sofrer”. Os sofrimentos dele são a prova de que ele é
o Messias. Em vez de serem um obstáculo para reconhecer
que ele é o Messias, eles são um sinal de sua identidade régia.
E esses homens já deveríam saber disso o tempo todo, ele diz,
pois é isso que o Antigo Testamento ensina. “Vocês deveriam
saber, pois isso sempre esteve na Bíblia”. No caminho para
Emaús, Jesus mostra aos dois discípulos como a Bíblia fala
sobre o sofrimento do Cristo.
A pergunta é: “A quais Escrituras do Antigo Testamento
Jesus os levou?”. Onde o Antigo Testamento ensina que o
Messias precisa sofrer? Talvez haja uma pista em Gênesis
3.15, que fala sobre a serpente ferindo o calcanhar daquele que
esmagará a cabeça dela. O salmo 22 fala sobre alguém sendo
abandonado por Deus, embora o próprio salmo não se apre-
sente como profético — ele descreve a experiência presente
de um indivíduo. Isaías 53 é uma escolha óbvia. A passagem
fala sobre alguém que assume nossa dor e toma sobre si nosso
sofrimento, alguém que é punido em nosso lugar.
Mas isso inclui todas? Jesus fala sobre “todas as Escrituras”
e “todos os profetas” (Lc 24.27). A Bíblia judaica era dividida
entre profetas anteriores (nossos livros históricos) e profetas
posteriores (nossos livros proféticos). Assim, quando Jesus
fala sobre “todos os profetas”, ele quer dizer tanto os profe-
tas anteriores quanto os posteriores, os livros históricos, bem
170
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

como os livros proféticos. Assim, para onde mais no Antigo


Testamento Jesus foi?
Sugiro que ele foi para !Samuel e os salmos de Davi. Penso
que o raciocínio dele foi mais ou menos assim:
“Como vocês esperavam que o Cristo seria? Pensem sobre
Davi. Afinal de contas, Davi foi o maior rei de Israel. Deus
prometeu que um de seus descendentes reinaria sobre o povo
de Deus para sempre. Deus prometeu um novo Rei Davi, um
Davi maior, que salvaria o povo de Deus. Davi foi o ungido
de Deus, um cristo. Um de seus descendentes seria o Cristo,
Aquele que resgataria o povo de Deus do pecado e da morte.
Assim, Davi é um protótipo do Cristo, o Rei-Salvador. Se
vocês quiserem saber como o Cristo será, então o melhor lugar
para procurar é a vida de Davi”.
Portanto, como Davi chegou ao trono? Passando anos
vivendo às margens, não tendo casa, enfrentando preconceito e
traição. O autor de Samuel passa vinte capítulos descrevendo a
vida de Davi após sua coroação, de 2Samuel 5 em diante. Mas
ele também passa vinte capítulos descrevendo a vida de Davi
antes de sua coroação.
Além do mais, o primeiro livro de salmos foi escrito por Davi
ou sobre ele durante esse período. E são basicamente salmos
de lamentação, que descrevem o sofrimento de Davi enquanto
ele aguarda o reino. E os
autores do Novo Testamen- A história de Davi é a
to (incluindo o próprio Jesus m prova de que Jesus é
quando estava pendurado na
o Cristo sofredor.
cruz) enxergavam nesses sal-
mos uma descrição de Jesus. Os lamentos de Davi eram um pro-
tótipo ou retrato do sofrimento de seu grande sucessor.
A história de Davi em 1Samuel é a prova de que o Cristo
precisava sofrer, a prova de que Jesus é o Cristo sofredor. Se é
assim que o maior rei de Israel chegou ao trono, então nossa
171
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

expectativa deve ser que será assim que o rei supremo de Israel
chegará ao trono. Assim, quando queria demonstrar que Aquele
que fora rejeitado e desprezado era na verdade o verdadeiro Rei
de Deus, a igreja primitiva apontava para esse livro.

O c r is to é tr a íd o
Considere o que acontece a Davi, o cristo, no capítulo 23. Essa
é a história de duas traições.
Davi ouve que a cidade israelita de Queila está sendo ata-
cada pelos filisteus (v. 1). Assim, ele consulta o Senhor. O ver-
sículo 6 acrescenta uma palavra de explicação. Quando Abiatar
fugiu de Doegue e foi até Davi, ele levou consigo o colete sacer-
dotal do sumo sacerdote. O colete sacerdotal continha o Urim
e o Tumim (Êx 28.30; Lv 8.8). Não sabemos como o Urim e
0 Tumim eram, mas eram usados para receber revelação de
Deus. Davi, e não Saul, é agora aquele que tem acesso à orien-
tação de Deus. Desse modo, o Senhor diz a Davi para salvar
a cidade (ISm 23.2). Mas o medo torna os homens de Davi
relutantes. Consequentemente, Davi consulta o Senhor pela
segunda vez, e dessa vez o Senhor promete explícitamente a
vitória (v. 3,4).
Portanto, Davi resgata a cidade (v. 5). Saul havia acabado
de atacar uma cidade israelita (Nobe) por meio de um gen-
tio (Doegue). Em contraste, Davi salva uma cidade israelita
(Queila) atacando inimigos gentios (os filisteus).
Quando ouve falar do que Davi fez, Saul conclui: "... ‘Deus
o entregou nas minhas mãos, pois Davi se aprisionou ao entrar
numa cidade com portas e trancas’” (v. 7). Novamente, há um
contraste com Davi. Davi vai a Queila para derrotar os filisteus;
Saul se apressa para cercar Davi ali (v. 8). Davi tem o colete
sacerdotal e, assim, entende os propósitos de Deus. Saul não
tem o colete sacerdotal e, assim, interpreta mal os propósitos
de Deus. Davi usa o colete sacerdotal para descobrir de Deus
172
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

como o povo de Queila reagirá ao avanço de Saul (v. 9-11).


O Senhor lhe diz que eles o trairão, entregando Davi a Saul.
Assim, ele foge para o deserto (v. 12-14).
Davi vai para o deserto de Zife, mas Saul continua per-
seguindo-o (v. 15). Novamente o povo do local o trai, mas
dessa vez por iniciativa própria (v. 19,20). Outra vez Saul não
entende os propósitos de Deus; quando eles se oferecem para
trair Davi, Saul responde:"... Ό S enh or os abençoe por terem
compaixão de mim”’ e os envia confidencialmente para obte-
rem informações sobre Davi (v. 21-23). Mas é de Davi que
Deus se compadece. Davi ouve sobre o avanço de Saul e foge
para o deserto de Maom (v. 24,25); então, a perseguição de
Saul a Davi é impedida pela notícia de uma invasão filisteia,
exatamente quando ele está “cercando Davi” (v. 26-29).
O salmo 54 foi escrito por Davi “quando os zifeus foram
a Saul e disseram: ‘Acaso Davi não está se escondendo entre
nós?’”. Nesse salmo, ele diz: “Estrangeiros me atacam; homens
cruéis querem matar-me, homens que não sc importam com
Deus” (SI 54.3). O salmo começa com uma oração por ajuda:
“Salva-me, ó Deus, pelo teu nome; defende-me pelo teu poder”
(v. 1). E ele termina, como a história termina, com o livramento
de Deus: “... ele me livrou de todas as minhas angústias, e os
meus olhos contemplaram a derrota dos meus inimigos” (v. 7).
Davi, o cristo, é traído duas vezes. Mas, embora seja rejeitado
pelo povo, não é rejeitado por Deus. Deus o defende. A rejei-
ção de Jesus e a traição dele por Judas talvez pareçam refutar
sua afirmação de que ele é rei. Na verdade, porém, tais fatos
confirmam que ele é o verdadeiro descendente de Davi. Na
cruz, Jesus foi condenado como um impostor e blasfemador.
Morreu sob o título zombeteiro: Rei dosJudeus. Mas, por meio
da ressurreição, Deus o vindicou. Sua ressurreição é a confir-
mação de que ele é “Senhor e Cristo” (At 2.36).
173
!Sam uel 2 1 . 1 2 3 . 1 - 2 5 ;22.1-23 ;15‫־‬

O c r is to n o d e s e r to
“Davi permaneceu nas fortalezas do deserto e ñas colinas do
deserto de Zife...” (lSm 23.14). Em 26.3, Davi ainda está
no deserto: “Saul acampou ao lado da estrada, na colina de
Haquilá, em frente do deserto de Jesimom, mas Davi perma-
neceu no deserto...”. O texto traça um contraste entre Saul e
Davi. Saul, até mesmo em suas manobras táticas, está no seu
campo, “mas” Davi está no deserto. No fim do capítulo 26,
lemos:"... Assim Davi seguiu seu caminho, e Saul voltou para
casa” (v. 25). Isso é muito significativo. Saul vai para casa, mas
Davi não tem casa alguma para onde ir. Somente pode seguir
“seu caminho”. Davi precisa viver no deserto, escondendo-se
em cavernas. Ele não tem casa, exatamente como Jesus.
Às vezes, nos referimos a algum político que está exilado,
alguém que foi marginalizado e cuja carreira não está indo
a lugar algum. Em 1Samuel 23—26, Davi está no deserto
tanto literalmente quanto no sentido m etafórico . Doze das
quinze referências a deserto em 1Samuel estão nesses capítulos
(23.14,15,24,25; 24.1; 25.1,4,14,21; 26.2,3), e os capítulos 24
a 26 iniciam suas respectivas narrativas com uma referência aos
anos de Davi no deserto. Ele é o cristo marginalizado.
Assim, a história contada em lSamuel e refletida no pri-
meiro livro dos salmos desempenhou um papel fundamental na
apologética da igreja primitiva. É a prova de que o Messias
sofredor é o verdadeiro Messias. Longe de fazer com que sua
identidade seja questionada, a traição e a marginalização sofri-
das confirmam Jesus como o verdadeiro sucessor de Davi.
Por que o Cristo precisa sofrer? Jesus poderia ter vindo em
poder e glória, eliminando seus inimigos. O problema é que
por natureza todos nós somos inimigos de Deus. O triunfo
de Jesus teria significado nossa derrota. A vindicação de Jesus
teria significado nosso juízo. Assim, em sua graça, Jesus veio
174
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

de um modo oculto. Os sofrimentos dele criaram a oportuni-


dade para o arrependimento. Porém, mais do que isso, o juízo
ocorreu quando Jesus veio. Mas ocorreu no próprio Jesus, que
morreu em nosso lugar, assumindo o juízo que nós merecemos.
Fomos vindicados nele. Assim, quando ele vier em glória —
como virá — , poderemos desfrutar do reino dele em vez de
enfrentar seu juízo.

N ó s s o fr e m o s c o m o o C risto
Enquanto isso, sofremos com Cristo, como Cristo e por cama
de Cristo. Davi, o cristo, sofreu. Depois, Jesus, o Cristo, sofreu.
E agora aqueles que estão em Cristo podem ter a expecta-
tiva de sofrer. Cristo disse: “Lembrem-se das palavras que eu
lhes disse: Nenhum escravo é maior do que o seu senhor. Se
me perseguiram, também perseguirão vocês. Se obedeceram à
minha palavra, também obedecerão à de vocês. Tratarão assim
vocês por causa do meu nome, pois não conhecem aquele que
me enviou” (Jo 15.20,21).
Se nosso rei é maltratado, também podemos e devemos ter
a expectativa de ser maltratados. Se Davi teve vinte capítulos
antes de receber a glória, então devemos ter a expectativa de
vinte capítulos na nossa vida antes de receber a glória! Há um
momento na história de Atos em que os apóstolos são açoi-
tados, e aí lemos: “Os apóstolos saíram do S in e d r io , alegres
por terem sido considerados dignos de serem humilhados por
causa do Nome” (At 5.41).
Devemos ter a expectativa de sofrer. Mas, quando sofremos,
podemos nos confiar a Deus. Lemos em 1Samuel23.14: “... Dia
após dia Saul o procurava, mas Deus não entregou Davi em
suas mãos”. Davi podia escolher não usar de violência contra
Saul, pois sabia que Deus estabelecería seu reino. Os cristãos
não usam e não devem usar de violência, pois sabemos que
Deus estabelecerá o reino de Cristo.
175
!Sam uel 2 1 . 1 2 5 ‫ ־‬15; 22.1-23 ; 23.1 ‫־‬

Precisamos corrigir nossas expectativas. Demasiadas vezes


achamos que podemos avançar em nossa carreira sem que
nossa fé nos crie embaraços. Demasiadas vezes achamos
que somos capazes de compartilhar nossa fé sem enfrentar
oposição. Demasiadas vezes temos a expectativa de que Deus
resolverá nossos problemas e eliminará nosso sofrimento.
Em outras palavras, demasiadas vezes esperamos glória agora
sem sofrimento.
No entanto, uma coisa que Paulo e Barnabé disseram
para encorajar as novas igrejas que eles haviam plantado foi:
“... Έ necessário que passe-
A promessa de mos por muitas
tribulação não soará para entrarmos no Reino
encoraj adora se sua de Deus’” (At 14.22). Na
vida cristã, as tribulações são
vida é confortável e
uma necessidade, e não uma
pouco comprometida
opção. A promessa de tribu-
com Deus. lação não soará encoraj adora
se sua vida é confortável e pouco comprometida com Deus.
Porém, se você está experimentando tribulação por causa da fé,
torna-se muito tranquilizador descobrir que essa é a vida cristã
normal e que o caminho pela tribulação leva ao reino.
O padrão de sofrimento seguido pela glória que vemos na
vida de Davi e que vemos na cruz e na ressurreição é o nosso
padrão. Há encorajamento no deserto, como veremos no capí-
tulo 11 (lSm 23.16-18), pois Deus está conosco e nos promete
um futuro glorioso. Ainda assim, é o deserto. Há sofrimento
antes da glória.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Como esta seção encorajou você a ver que Jesus realmente
é o Cristo prometido de Deus?
176
!Sam uel 21.1-15; 22.1-23; 23.1-25

2. Você precisa reajustar suas expectativas da vida crista de


algum modo particular?
3. De que maneira você pode se lembrar tanto da realidade do
presente sofrimento quanto da gloria futura que são suas
cm Cristo?

177
1SAMUEL ■ CAPITULO 23 VERSÍCULOS 26-29

■ CAPITULO 24 VERSÍCULOS 1-22

■ CAPÍTULO 25 VERSÍCULOS 1-44

CAPÍTULO 26 VERSÍCULOS 1-25

11. PERÍODOS DE
PROVAÇÃO

Davi está no deserto fugindo de Saul, tendo sido traído por


aqueles que salvou. Agora os dois homens estão em lados
opostos de uma montanha: Saul perseguindo Davi e Davi em
fuga (23.26). Pode ser que as tropas de Saul estivessem avan-
çando pelos dois lados da montanha em um movimento seme-
lhante a uma pinça até serem chamadas para ir embora por
causa de um ataque filisteu. Talvez Davi e Saul estejam dando
voltas na montanha como Tom e Jerry. O principal aqui é que
a montanha os separa.

O S e n h o r é a m in h a r o c h a
A montanha é simplesmente designada de a “rocha” (v. 25).
Quando Davi ouve que Saul está indo em sua direção, ele vai
para a “rocha”. O autor comenta: “... Por isso chamam esse
lugar Selá-Hamalecote”, o que significa “rocha da separação”
(v. 28). Essa rocha protegeu Davi, mantendo-o separado de
seu inimigo.
¡Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

O livro em dois volumes de Samuel começa e termina com


dois cânticos, e ambos os cânticos têm o mesmo refrão:

Não há ninguém santo como o Senhor ;


não há outro além de ti;
não há rocha alguma como o nosso Deus (ISm 2.2).

... O Senhor é a minha rocha, a minha fortaleza


e o meu libertador;
o meu Deus é a minha rocha, em que me refugio (2Sm 22.2,3).

Pois quem é Deus além do Senhor?


E quem é Rocha senão o nosso Deus?
É Deus quem me reveste de força
e torna perfeito o meu caminho (22.32,33).

O S enhor vive! Bendita seja a minha rocha!


Exaltado seja Deus, a Rocha que me salva! (22.47).

Nessa história, Davi é protegido pela rocha que está entre


ele e Saul. Mas no fim da sua vida Davi diz: “... quem é Rocha
senão o nosso Deus?” e "... O S enhor é a minha rocha...”. A
rocha montanhosa é um retrato de Deus, a Rocha. Ao refletir
sobre o período que passou no deserto, e, aliás, sobre toda a sua
vida, ele percebe que Deus desde o início foi como essa rocha.
Deus é a Rocha entre nós e nossos inimigos, entre nós e a
morte. Deus é o nosso refú-
gio em épocas de tribulação. Deus é a Rocha entre
É isso que precisamos nós e nossos inimigos.
lembrar uns aos outros. Isso
é o que Jônatas fez por Davi quando “foi falar com ele [Davi],
em Horesa, e o ajudou a encontrar forças em Deus. ‘Não tenha
medo’, disse ele, ‘meu pai não porá as mãos em você. Você será
179
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

rei de Israel, e eu lhe serei o segundo em comando. Até meu


pai sabe disso’” (ISm 23.16,17).
Pense sobre o significado disso. Saul, com todas as forças à
sua disposição e uma rede de pessoas prontas para informá-lo
sobre Davi (v. 22,23), não consegue achar Davi. Obviamente,
Jônatas tem a vantagem de que Davi quer vê-lo. Mas ele não
pode simplesmente ligar para Davi e combinar um encontro.
Imagine Davi se escondendo nas montanhas. Como você o
encontraria? Jônatas não pode telefonar para ele e marcar uma
reunião. Seria preciso colocar a mochila nas costas e perambu-
lar pela região na esperança de encontrá-lo.
Esse é um grande desafio para o cristão, que às vezes não é
muito assertivo quanto a encorajar os outros. Não há razão
alguma para esse encontro, a não ser o encorajamento de Jônatas
em relação a Davi. Para tal, Jônatas se esforça ao máximo.
Além disso, essa história está entre duas histórias de traição
(v. 7-13; v. 19-24). Em meio à traição, o filho de Saul fornece
conforto a Davi.
Essa também é uma descrição encantadora do que o enco-
rajamento do evangelho abarca. Jônatas não diz simplesmente:
“As coisas não estão tão ruins; Talvez tudo melhore no pró-
ximo mês; Outros passam por situações ainda piores”. Não, ele
“o ajudou a encontrar forças em Deus” (v. 16). O Senhor diz
a Davi: “... ‘estou entregando os filisteus em suas mãos’” (v. 4).
Abiatar vai a Davi com “um colete sacerdotal cm sua mão” (v. 6,
NASB). Saul pensa: “... ‘Deus o entregou nas minhas mãos’...”
(v. 7). Davi pergunta a Deus: “Será que os cidadãos de Queila
me entregarão nas mãos dele?” (v. 11,12, NASB). As mãos
de quem prevalecerão? As dos filisteus? As de Davi? As dos
homens de Queila? As de Saul?
Agora Jônatas vem para fortalecer as mãos de Davi em Deus
(v. 16), assegurando-o de que “as mãos de meu pai não acharão
você” (v. 17, NASB). Jônatas o está ajudando a achar forças
180
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 2 5 . 1 2 6 . 1 - 2 5 ;44‫־‬

em Deus. E o conteúdo específico desse encorajamento é um


lembrete de que o reino de Cristo será estabelecido por Deus.
Esse é o conteúdo do encorajamento de que precisamos,
que nós mesmos devemos estar dispostos a ouvir e compartí-
lhar. Talvez soframos como Cristo, mas podemos achar forças
em Deus porque ele estabelecerá o reino do seu Cristo.

A p r im e ir a p r o v a ç ã o n o d e s e r to
Os capítulos 23 a 26 descrevem Davi no deserto, onde ele
enfrenta três provações.
O bando original de quatrocentos homens que se juntaram
a Davi cresceu para seiscentos (23.13). Mas Saul agora vai atrás
dele com três mil homens escolhidos a dedo de todo o Israel
(24.1,2). Davi e seus homens estão se escondendo no fundo
de uma caverna quando Saul entra para fazer suas necessida-
des (v. 3). Há muitas cavernas no deserto de En-Gedi, mas
Saul escolhe aquela em que Davi está. Davi está no fundo da
caverna com seus homens, que cochicham: “Esta é sua chance.
Deus lhe deu a oportunidade de matar Saul”. Em vez disso,
Davi se arrasta e corta a ponta do manto de Saul (v. 4). (Prova-
velmente Saul o havia tirado para evitar sujá-lo!)
Davi tem a oportunidade de matar Saul; mas resiste. No
entanto, ainda acha que o que fez é errado— ele “sentiu bater-lhe
o coração de remorso” (v. 5), “então disse a seus soldados: ‘Que
o S enhor me livre de fazer tal coisa a meu senhor, de erguer a
mão contra ele, pois é o ungido do S enhor ’” (v. 6).
Por que Davi sente o coração bater de remorso quanto a cor-
tar um pedaço do manto de Saul? A resposta pode ser encon-
trada em trechos anteriores da história em que encontramos
mantos. Quando Deus rejeita Saul no capítulo 15, Saul agarra
o manto de Samuel. Quando ele se rasga, Samuel lhe diz que
o reino dele também será rasgado dele e dado a “um de seus
vizinhos — a alguém que é melhor do que você” (15.28, NIV).
181
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

Depois, em 18.4, Jônatas dá o seu manto a Davi como sinal


de entrega do reino. Em 20.15, Jônatas suplica a Davi: “jamais
deixe de ser leal com a minha família, mesmo quando o
S enhor eliminar da face da terra todos os inimigos de Davi”.
Agora Davi corta a ponta do manto de Saul, cortando
simbolicamente o reino dele. Mas Davi fica com a consciên-
cia pesada porque se recusa a agarrar o reino. Está disposto a
viver às margens até Deus lhe dar o reino. Ele “repreendeu”
ou literalmente “cortou/arrancou” seus homens. Davi cortou/
arrancou um pedaço de seus homens por sugerirem que ele
deveria arrancar o reino de Saul.
Mas Davi desafia Saul. Quando Saul está a uma distân-
cia segura, Davi grita para ele mais ou menos isto: “Veja, eu
podería ter matado você. Aqui está a ponta de seu manto. Aqui
está a prova de que não sou culpado de rebeldia” (v. 8). Ele não
começa acusando Saul diretamente. Em vez disso, sugere que
Saul está sendo mal informado e mal aconselhado (v. 9). Ele
cria um espaço para Saul recuar sem perder a reputação. Então
ele segura na mão a ponta do manto de Saul como prova de
sua inocência. Ele claramente não deseja hostilidade alguma
contra Saul, pois recusou a oportunidade de lhe causar dano
(v. 10,11). Davi descreve a si mesmo com um cão morto ou
uma pulga (v. 14, veja também 26.20). A questão é que Davi
não representa ameaça alguma a Saul.
Davi cita um antigo provérbio: “Dos ímpios vêm coi-
sas ímpias”. Isso significa literalmente: “Dos ímpios saem os
ímpios”. Davi o usa para justificar a recusa para matar Saul
(v. 13) — mas então imediatamente ele repete a palavra “saiu”.
‘“Contra quem saiu o rei de Israel?’...” (v. 14). Na verdade,
Davi está dizendo: “A impiedade sai dos ímpios. O que está
saindo de você, e o que isso mostra que você é?”. Tanto antes
quanto depois de fazer essa pergunta, Davi afirma sua própria
182
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

inocência (v. 10-12,15). Novamente, a insinuação é clara: se a


pessoa culpada nesse conflito não é Davi, então deve ser Saul.
Em resposta às palavras e ações (ou ausência de ações) de
Davi, Saul fica arrependido — ao menos por enquanto. Ele
reconhece que Davi o tratou bem e que ele tratou Davi mal
(v. 16-19). O que é ainda mais significativo, reconhece que
Davi será o próximo rei (v. 20) e, como Jônatas, pede a Davi
que jure não eliminar sua família ou seu nome (v. 21,22).
Nosso provedor de televisão a cabo recentemente nos fome-
ceu um gravador digital, o que nos possibilitou gravar progra-
mas para vê-los mais tarde.
É ótimo, pois podemos Davi teve a
pular as partes entedian- oportunidade de pular
tes. Como gosto de assistir sua vida de sofrimento.
aos destaques esportivos, Mas esse não é o
agora posso pular a análise caminho de Deus e,
e somente assistir à ação.
portanto, não era o dele.
Se você pudesse acelerar
sua vida para pular alguma experiência desagradável, qual seria
ela? Naquela caverna, Davi teve a oportunidade de pular sua
vida de sofrimento para chegar ao trono. Mas esse não é o cami-
nho de Deus. Não era o plano de Deus. Portanto, não era o dele.
Em que situações você desejaria apertar o botão de avançar?
Você não acha que Deus permite que você sofra para ensinar-lhe
uma lição importante ou transformar sua vida de algum modo?
Será que você já não está tentando apertar o botão de
avançar — ou seja, buscando fazer concessões para evitar
situações difíceis? Talvez você não fale sobre Jesus para evi-
tar zombaria. Talvez você deixe de desafiar a conduta de um
amigo cristão porque tem medo da reação dele. Talvez você
pense em fazer concessões no local de trabalho para progredir
na carreira ou fechar um acordo. O problema é que na verdade
você não está apertando o botão “avançar”, e sim o “pausar”.
183
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

Como vimos no capítulo anterior, não podemos pular o sofri-


mento. Esse caminho na realidade não leva à glória. Ele não é
o caminho de Deus para nós ou o plano dele para nós; assim,
não deve ser o nosso caminho ou o nosso objetivo.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Em que situações de sua vida você conheceu do modo mais
claro possível que Cristo é a sua Rocha?
2. Em que situações você sente-se tentado a tirar a justiça das
mãos de Deus e fazê-la com suas próprias mãos? Consegue
aplicar o exemplo e as palavras de Davi para se ajudar a
deixar Deus ser 0 juiz?
3. Que experiência presente você mais gostaria de pular para
“avançar” até a glória eterna? Como poderia obedecer a
Jesus nessa área?

SEGUNDA PARTE
___________________

A segu n d a provação
O capítulo 25 começa com uma breve descrição da morte de
Samuel (v. 1), ainda que ele apareça mais uma vez na história.
Depois a ação volta a Davi.
Davi e seus homens cuidam dos rebanhos de Nabal, um
homem muito rico que também é “rude e mau” (v. 2,3), além de
descendente de Calcbc. Essa última informação é usada para
estabelecer um contraste: Calebe foi um dos dois espiões que
acreditavam que Israel podia capturar a Terra Prometida, ape-
sar do tamanho do povo que vivia ali, pois Deus estava do lado
dos israelitas. Nabal, seu descendente, era totalmente oposto.
184
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

Também somos apresentados à mulher de Nabal, Abigail,


“mulher inteligente e bonita” (v. 3). Nesse momento, o detalhe
parece ser fornecido simplesmente como um contraste com
Nabal, mas na verdade ela demonstrará ser a figura principal
na história.
E a época de tosquiar as ovelhas (v. 4), e Davi envia alguns
de seus homens a Nabal (v. 5,6), pedindo que ele seja generoso
em reconhecimento ao serviço prestado pelo grupo ao prote-
ger os pastores dele (v. 7-9).
O nome “Nabal” significa “insensato” (talvez fosse um ape-
lido). E Nabal, em conformidade com o seu nome, diz: “...‘Quem
é Davi?’...”. “Por que devo dar alguma coisa a esse servo que
fugiu?” (v. 10,11). Nabal está agindo como um edomita, moa-
bita ou amonita, e todos eles foram condenados por não ajudar
o povo de Deus no deserto (Nm 20; D t 23).
Davi o trata com respeito como se fosse seu pai, e se descreve
como “seu filho” (lSm 25.8). Mas Nabal intencionalmente se
refere a ele como “esse filho de Jessé” (v. 10), simultaneamente
dissociando-se de Davi e rebaixando sua família, ao dar a
entender que ele não é de uma família nobre. As prioridades de
Nabal estão claras neste uso repetido do pronome possessivo
em primeira pessoa: “Tomaria eu o meu pão, a minha água e a
minha carne do animal que abati para meus tosquiadores e os
daria a homens que não sei de onde vêm?” (v. 11, ESV).
Quando essa informação chega a Davi, o que ele diz de fato
aos seus homens é: “Ponham suas espadas na cintura. Depois
de tudo o que fizemos por ele, ele pagou o bem com 0 mal. Vou
matá-lo e vamos matar todos os seus homens” (v. 12,13).
Felizmente, Abigail, a esposa de Nabal, ouve o que aconte-
ceu e imediatamente vai atrás de Davi com presentes (v. 14-19).
Ela chega no momento exato: quando ela encontra os homens
de Davi (v. 20), ele está jurando que responderá à ingratidão de
185
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

Nabal por sua proteção (v. 21) matando a ele e a todos os seus
homens (v. 22).
Quando Abigail alcança Davi, ela se prostra (v. 23), suplica
que ele ouça (v. 24) e diz: ‘“Meu senhor, não dês atenção àquele
homem mau, Nabal. Ele é insensato, conforme o significado do
seu nome; e a insensatez o acompanha’...” (v. 25). Em outras
palavras: “Ele é meio imbecil” (não é a primeira esposa a dizer
isso sobre seu marido — nesse caso, o marido o merece). Ela
ilustra o fato de que nossa obrigação de honrar a autoridade
não é absoluta, a não ser que essa autoridade seja absoluta (isto
é, o próprio Deus). Ela chama Davi de “meu senhor” (v. 24),
expressão muitas vezes usada para um marido (lPe 3.6). A leal-
dade dela ao cristo suplanta a
Nossa obrigação de Ms® lealdade ao seu marido.
honrar a autoridade 1 Trata-se de um discurso
não é absoluta, a não extraordinário. Ela ressalta o

ser que essa autoridade fato de que, até agora, Davi
seja absoluta. resistiu à tentação de se vin-
gar com suas próprias mãos
(ISm 25.26). Oferece a Davi os presentes que o marido dela
deveria ter dado (v. 27). Afirma que Deus dará a Davi uma
dinastia duradoura e que Deus o protegerá enquanto viver dessa
forma (v. 28). E diz que a vida dele “será atada no feixe dos que
vivem com o S enhor ” (v. 29, A21). Deus ata os viventes como
um feixe de gravetos, e Davi está atado fortemente no feixe.
O que ela diz, em outras palavras, é: “Deus o tornará rei; por
isso, não se torne rei com sangue nas mãos” (v. 30,31). Davi até
pode pular essa vida de dores, pondo um fim ao preconceito e à
traição que sofreu. Pode até fazer justiça com as próprias mãos.
E será rei. Mas esse não é o caminho de Deus. Se Davi não
aprender misericórdia, que tipo de rei ele se tornará?
Novamente, a realeza é a questão. Somos informados de
que “Nabal [...] estava dando um banquete em casa, como um
186
!Sam uel 2 3 . 2 6 2 6 . 1 - 2 5 ;25.1-

banquete de rei” (v. 36). Nabal age como um rei, mas é um tolo.
Davi age como um tolo, mas é o rei.
A intervenção de Abigail salva a todos (embora não durante
muito tempo, no caso de Nabal). Salva o seu presente marido
de daño e o seu futuro marido de culpa de sangue. Davi louva
a Deus por ela (v. 32) e a abençoa: “Seja você abençoada pelo
seu bom senso e por evitar que eu hoje derrame sangue e me
vingue com minhas próprias mãos” (v. 33). As coisas teriam
sido diferentes se ela não tivesse interferido (v. 34). Ele aceita
os presentes e assegura paz para ela (v. 35).
A história termina com certa dose de humor negro. Naquela
noite, Nabal fica embriagado, de modo que Abigail espera até
de manhã para poder lhe contar o que ela fez quando ele esti-
ver sóbrio. A palavra “sóbrio” no versículo 37 é literalmente “o
vinho havia saído dele”. A palavra hebraica para odre de vinho
é nebel. Temos aí um trocadilho com 0 nome de Nabal —
Nabal é um nebel, um odre de vinho esvaziado. Presumivel-
mente ele urina durante bastante tempo e, enquanto o vinho
sai dele, devemos imaginá-lo murchando como um balão que
é esvaziado. O livro de 1Samuel começa com o cântico de Ana,
no qual ela falou sobre a reversão da sorte vindo para aque-
les “que tinham muito” (2.5). Nabal estava cheio de vinho e
cheio de si mesmo, mas agora está vazio e rebaixado. Quando
Abigail lhe conta o que fez, ele tem um ataque cardíaco e dez
dias depois morre.
Davi toma Abigail como sua esposa (v. 39-42). Uma esposa
“inteligente e bonita” poderia soar como uma boa ideia. Mas
ela não é sua única esposa (v. 43,44). O autor não faz nenhum
comentário aqui sobre a poligamia de Davi, mas Samuel
havia advertido que reis “tomariam” (8.11-18) — e Davi está
“tomando”— esposas para si mesmo. Quando Davi vê a esposa
de outro homem em 2Samuel 11, seu hábito de tomar esposas
demonstrará ser desastroso para sua casa.
187
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

A te r c e ir a p r o v a ç ã o
O capítulo 26 parece uma reexibição do capítulo 24. Os zifeus
traem Davi (26.1, exatamente como em 23.19); mais uma
vez Saul o persegue (26.2-4) — suas lágrimas e palavras em
24.16-21 claramente não significaram nada ou foram efêmeras
— e Davi se vê novamente na posição de matar Saul, sem com-
pletar a ação, enquanto Saul expressa certo grau de remorso.
Dessa vez, Davi encontra Saul e os seus homens dormindo
(26.5). Assim, Davie um de seus homens, Abisai, entram escon-
didos no acampamento de Saul (v. 6,7). Abisai diz: “Deixe-me
cravar uma lança em Saul enquanto ele está dormindo”. Mas
Davi responde: "... ‘Não o mate! Quem pode levantar a mão
contra o ungido do S enhor e permanecer inocente?”’ (v. 8,9).
Davi imagina diversos cenários para o futuro de Saul: uma
morte prematura, uma morte natural ou uma morte em bata-
lha (v. 10). Deus tem muitas opções para alcançar seus propó-
sitos e fazer justiça. Não cabe a Abisai ou a Davi escolher a
opção e buscar forçar a mão de Deus.
Muitas vezes me vejo em oração sugerindo a Deus como
ele poderia, ou até mesmo deveria ou precisaria agir. Mas ele
tem opções que nem cabem na imaginação. E ele sabe qual é a
melhor para realizar seus propósitos (que incluem o meu bem,
como o de seu filho; Rm 8.28). O que importa é a fé de Davi
cm que o Senhor estabelecerá seu reino (ISm 26.11). Mais
uma vez, Davi tem a chance de pular aquele acontecimento
doloroso e ir diretamente até seu reinado. Mas esse não é o
caminho de Deus e, assim, não será o de Davi.
Em vez disso, Davi simplesmente pega a jarra de água e a
lança de Saul, talvez.porque elas representem a capacidade de
Saul de se sustentar c se proteger (v. 12). Ele simbolicamente
desarma Saul.
188
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

Dessa vez, Davi se dirige a Abner, o comandante do exér-


cito de Saul, que deveria ter protegido seu chefe (v. 13,14).
Há um gracejo bem-humorado nos comentários de Davi, mas
também há uma observação séria (v. 15,16). Davi conclui:
"... ‘todos vocês merecem morrer’...”. O texto diz literalmente:
“você são filhos da morte”. Foram as mesmas palavras de Saul
sobre Davi em 20.31. Ou seja, Davi não é um filho da morte,
e sim Abner. Davi está novamente provando que não deseja
provocar dano algum a Saul e, assim, não merece ser chamado
de filho da morte.
A troca de gritos acorda Saul, que reconhece a voz de Davi
(26.17). Pela segunda vez, Davi chama Deus para ser o juiz
entre ele e Saul (v. 18-20; veja 24.14,15). No capítulo 25, Davi
se apressou em julgar, e sua pressa para se vingar ameaçou
torná-lo culpado. Mas agora, dessa vez, Davi se contenta em
deixar a justiça para Deus. Em 25.38, nos é dito que o Senhor
“feriu” Nabal. Agora, em 26.10, Davi usa a mesma palavra para
sugerir que o Senhor pode “ferir” Saul. Davi aprendeu que
Deus fará justiça e, assim, aprendeu que ele, Davi, não precisa
fazer justiça com as próprias mãos, com o consequente risco de
manchar essas mãos de sangue.
Isso não significa que Davi é indiferente à injustiça. Os
salmos clamam a Deus por justiça com uma paixão que às vezes
desconcerta nossa sensibilidade. Mas Davi se recusa a pular
para o juízo. Ele se contenta em deixar Deus ser o juiz.
Paulo recomenda a mesma atitude àqueles que estão em
Cristo: “Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com
Deus a ira, pois está escrito: ‘Minha é a vingança, eu retribui-
rei’, diz o Senhor” (Rm 12.19). Um cristão sabe que Deus fará
justiça. A justiça de Deus foi vista na cruz, e o fato de que o
juízo de Deus está vindo foi demonstrado na ressurreição
(At 17.31). Podemos deixar a justiça confiantemente em suas
189
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

mãos e agir em obediencia, e não por um desejo de sermos


vindicados ou de nos vingarmos.
No capítulo 26, Saul novamente está arrependido e dá sua
bênção a Davi (v. 21,25), admitindo: "... ‘Tenho agido como um
tolo’...” (v. 21). Ele é um tolo como Nabal. Saul é Nabal, e Nabal
é Saul. Mas não Davi: ele é
o homem que poderia ter
Podemos deixar a matado Saul com a própria
justiça confiantemente lança dele (v. 22,23), mas
nas mãos de Deus e m sabe que Deus deseja “a jus-
agir em obediência, tiça e a fidelidade” (v. 23) e
e não por um desejo de m confia em Deus para valo-
nos vingarmos. rizar sua vida e livrá-lo de
toda angústia (v. 24).
Três vezes no deserto Davi foi provado. Toda vez, a per-
gunta foi: “Davi se tornará um tolo que conquista seu reino
por meio de derramamento de sangue?”. E toda vez (embora
na segunda vez tenha sido por pouco), a resposta foi: “Não”.

O C risto e o d e s e r to
A provação de três partes no deserto tem ecos antes e depois
na Bíblia. Adão foi provado. Israel foi provado. De fato, assim
como Davi, Israel foi provado no deserto. Um terço das pala-
vras relacionadas aos termos “bem” e “mal” no Antigo Tes-
tamento aparece em ISamuel 24—26, incluindo afirmações
que as combinam (24.17; 25.15,21). É como se Davi fosse o
novo Adão, novamente diante da árvore do conhecimento do
bem e do mal. O cristo é o representante de Israel, que é o
representante da humanidade, originariamente representada
por Adão. Davi recapitula as histórias de Adão e de Israel.
Ele é provado no deserto, identificando-se desse modo como
aquele que pode representar o povo de Deus. E ele passa
em cada teste. No entanto, tomar Abigail como sua esposa
190
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

produz uma pequena nota de preocupação. Ele passa no teste,


mas não é perfeito.
O que é mais significativo, a história aponta mais adiante
para Jesus. Jesus também foi provado no deserto três vezes
(Lc 4.1-13). Na verdade, as provações são muito semelhantes,
pois envolvem a tentação de pular o sofrimento diretamente
para a glória e tomar o trono sem a dor. Mais tarde, quando
Jesus diz aos seus discípulos que ele precisa sofrer, Pedro
diz: “Não, não faça assim”. E Jesus diz: “... ‘Para trás de mim,
Satanás!’...” (Mc 8.31-33), reconhecendo que por trás das
palavras de Pedro estão as sugestões do diabo.
A questão não é somente que o Cristo sofreria, mas que o
Cristo precisava sofrer. Davi não está simplesmente sofrendo
no deserto. Ele tem a oportunidade de pular esse sofrimento e
não a aproveita. Na verdade, foi por pouco. Ele se apodera do
reino, mesmo que só simbolicamente, cortando o manto de
Saul. Precisa da intervenção de Abigail para evitar chegar ao
trono com sangue nas mãos. Mas, de um modo ou de outro, ele
se recusa a apertar o botão “avançar”. Assim, aponta para Jesus
e os sofrimentos de Jesus.
A tentação de Davi era tornar-se um tolo que se apodera do
reino com derramamento de sangue. Jesus resiste a essa tenta-
ção. Ele chega ao seu reino por meio de derramamento de san-
gue, mas 0 sangue que ele derramou foi o seu próprio. Se Jesus
tivesse pulado diretamente para o reino — como, diferente-
mente de Davi, ele tinha todo o direito de fazer, pois eram suas
todas as credenciais e todo 0 poder —, seu reino teria sido ape-
nas más notícias para nós. A vinda do reino de Deus significa
derramamento de sangue para todos os que são rebeldes contra
o reino — e isso inclui toda a humanidade. Mas, quando o Rei
veio, ele veio primeiro para morrer no lugar de rebeldes. Ele
sofreu a punição que nós merecemos, em nosso lugar, a fim de
191
!Sam uel 23.26-29; 24.1-22; 25.1-44; 26.1-25

que a vinda de seu reino possam ser boas-novas para aqueles


que estão nele.

O C risto s o ír e c o m o n o s
Isso significa que temos um rei que sofreu. Temos um Rei que
é como nós. O autor de Hebreus diz: “Ao levar muitos filhos
à gloria, convinha que Deus, por causa de quem e por meio
de quem tudo existe, tornasse perfeito, mediante o sofrimento,
o autor da salvação deles” (2.10). Isso não significa que Jesus
tinha defeitos e precisou ser purificado e corrigido. Isso sig-
nifica que ele precisava ser capacitado ou qualificado para ser
nosso Salvador. Ele precisava saber como era ser humano,
ser um de nós.
Isso é realmente importante. Jesus não foi diretamente para
sua coroação. Para ser nosso Salvador, ele nem mesmo poderia
ir diretamente de seu batismo para a cruz. Ele precisou expe-
rimentar problemas e dor a fim de que pudesse ter empatia
conosco em nossos problemas e nossa dor.
Nós adoramos a Jesus, e isso é certo. Ele é o nosso Rei e o
nosso Deus. Mas há o risco de acabarmos considerando-o não
humano, ou um super-humano, como se ele tivesse flutuado
ao longo de seus anos na terra, indiferente aos tipos de tensões
e questões que enfrentamos todo dia. Não! Jesus é tão humano
quanto você.
Lembro-me de haver conversado com um amigo que desabafou:
— Só quero alguém que entenda o que estou passando.
Respondí:
— Jesus entende.
Meu amigo rebateu:
— Ele não conta. Foi diferente para ele.
Não é verdade! Não foi diferente para Jesus. Ele era ver-
dadeiramente humano. Passou por problemas reais e sofri-
mento real. Foi desprezado e rejeitado. Não foi compreendido
192
!Sam uel 23.26-29; 2 4 . 1 2 6 . 1 - 2 5 ;25.1-4

e sofreu traição. Teve fome e se sentiu sozinho. Foi ridiculari-


zado e torturado.
"... não temos um sumo sacerdote que não possa compa-
decer-se das nossas fraquezas, mas, sim, alguém que, como
nós, passou por todo tipo de tentação, porém sem pecado”
(Hb 4.15). Esse é Jesus, o Filho de Deus. O próprio Deus
sabe como é ser humano. Ele tem empatia conosco em nossa
fraqueza. Ele sabe como é ser você.
Você poderia argumentar: “Isso foi há dois mil anos. Agora
Jesus está exaltado no céu”. Mas a glorificação dele expandiu
sua capacidade de ter empatia com cada um de nós. Eu tenho
a capacidade de ter empatia com somente poucas pessoas de
cada vez. Meu conhecimento é limitado. Minha presença é
limitada. Meus recursos emocionais são limitados. Mas o
Cristo exaltado tem o poder de ter empatia com cada um de
seu povo, e o Espírito traz a presença dele a cada um de nós.
Ele ainda é tão humano hoje quanto era quando estava aqui na
terra. Ele se lembra do que é experimentar problemas. Mas
agora é capaz de ter empatia com todos nós, não importa o que
estejamos passando ou onde estejamos. Nenhum de nós é
esquecido por ele. Ninguém é negligenciado.
O que isso significa? Significa que você e eu podemos nos
aproximar de um Deus que conhece, entende, ouve e ajuda.
“Assim, aproximemo-nos do trono da graça de Deus com toda
a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrar-
mos graça que nos ajude no
momento da necessidade” Você e eu podemos nos
(Hb 4.16). Você não está aproximar de um Deus
indo a um Rei que não sabe que conhece, entende,
nada de sua vida. Você pode
ouve e ajuda.
conversar com Deus sobre
os seus problemas e sua dor porque ele sabe como é ter pro-
blemas e dor. Quando você está no deserto, essa experiência
193
!Sam uel 2 3 . 2 6 2 5 ‫־‬29 ; 24.1-22 ; 25.1 ‫־‬4 4 ; 26.1 ‫־‬

não pode ser mais do que aquilo que ele experimentou. Uma
vez que ele de fato atravessou o deserto, está apto a ajudar você
a atravessá-lo.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Você às vezes se vê sugerindo a Deus como ele deve agir em
sua vida? Como Davi teria orado em seu lugar?
2. Esta seção mudou sua forma de enxergar Jesus de algum
modo? Como?
3. Elá áreas em sua vida em que você se sente no “deserto” e
sobre as quais precisa conversar com Jesus agora mesmo?

194
!SAMUEL > CAPITULO 27 VERSÍCULSOS 1-12

■ CAPÍTULO 28 VERSÍCULOS 1-25

12. UMA PALAVRA DA


SEPULTURA

Se o capítulo 26 termina com Saul abençoando Davi (26.25),


o 27 já começa com a palavra “contudo”.
A essa altura, Davi sabe que não pode confiar nas palavras
de Saul. Transtornado, diz a si mesmo: “... ‘A lgum dia serei
morto por Saul’...” (27.1). Em 26.10, Davi disse a Abisai que
Saul podería ser morto em batalha; literalmente, “ser varrido”.
Agora, usa a mesma palavra para se referir a seu próprio des-
tino: “... ‘Algum dia serei morto [varrido] por Saul’...” (27.1).
Davi parece vacilar em sua fé em que Deus por fim lhe dará
o reino. O diálogo de Davi consigo mesmo é revelador; o estado
do nosso coração é muitas vezes moldado pelo que dizemos ao
nosso coração. Aqui, o que Davi diz ao seu coração enfraquece
sua confiança em Deus, pois se opõe tanto à palavra de Deus
como à sua experiência com ele. Em contraste, repetidas vezes
nos salmos Davi fala a verdade sobre Deus ao seu coração, e
isso restaura sua fé e esperança. Aqui está um exemplo disso:
“Por que está assim tão triste, ó minha alma? Por que está
assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança
em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu
Deus” (SI 43.5). Essa é uma boa pergunta a ser feita a nós mes-
mos: 0 que estoufalando ao meu coração hoje?
!Sam uel 27.1-12; 28.1-25

E x ila d o
Davi conclui: “... Έ melhor fugir para a terra dos filisteus.
Então Saul desistirá de procurar-me por todo o Israel, e esca-
parei dele’” (lSm 27.1). Assim, ele e seus homens “foram até
Aquis, filho de Maoque, rei de Gate” (v. 2).
Toda a ação nos capítulos 23 a 26 ocorreu no deserto. Agora,
toda a ação que envolve Davi ocorre em território gentio. Davi
está “exilado”. O exílio era a punição suprema pela infidelidade
à aliança. Mas Davi é inocente — o seu exílio é imerecido.
Os filisteus eram descendentes dos egípcios (Gn 10.13,14).
Portanto, talvez em certo sentido Davi esteja voltando ao
Egito (veja 27.8). Ele então será o rei que sai do Egito, um
novo Moisés para libertar seu povo.
Para Davi, 0 exílio não é algo insignificante. No capítulo
anterior, ele disse a Saul: “Agora, que o meu sangue não seja
derramado longe da presença do S enhor ’...” (26.20). Davi
havia experimentado a presença e a orientação de Deus fora
das fronteiras de Israel. Mas ele queria morrer na Terra Pro-
metida. Estava sendo punido pelos pecados de outros. Com
considerável tato, sugeriu onde a culpa verdadeira podia estar:
“... ‘Se o S enhor o instigou contra mim, queira ele aceitar uma
oferta; se, porém, são homens que o fizeram, que sejam amai-
diçoados perante o S enhor !’...” (26.19).
Antes, em 1Samuel 4, o próprio Deus foi para o exílio.
Enquanto os filisteus levavam embora a Arca da Aliança como
despojo, a nora de Eli deu ao filho dela o nome de “Icabode”—
A glóriafoipara 0 exílio (v. 21,22). Deus permitiu que ele mesmo
fosse julgado pela infidelidade da aliança cometida pelo seu
povo. Agora, Deus permite que o rei ungido vá para o exílio
por causa do pecado de outros. Mil anos mais tarde, o Cristo
supremo, o Filho maior de Davi, será exilado de Deus, bra-
dando: “... ‘Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?”’
196
!Sam uel 27.1-12; 28.1-25

(Mc 15.34). Ele será exilado a fim de que possamos voltar para
casa, para Dcus.

L u ta n d o e m fa v o r d e q u e m ?
Davi vai ao rei filisteu, Aquis (1 Sm 27.2-4), que permite a Davi
e seus homens se estabelecerem na cidade de Ziclague (v. 5-7).
Davi conduz ataques contra os inimigos tradicionais do povo
de Deus (v. 8), mas diz a Aquis que está atacando Israel (v. 10).
O autor acrescenta um comentário sobre as áreas em que Davi
está atacando: “... povos que, desde tempos antigos, habitavam
a terra que se estende de Sur até o Egito” (v. 8). Isso sugere que
Davi talvez seja o novo Josué, continuando a tarefa inacabada
de expulsar os cananeus. Em 2Samuel 7.1,11, descobriremos
que Deus dá descanso a Davi de todos os seus inimigos — um
descanso que Josué não conseguiu alcançar (Hb 4.8).
O povo que Davi ataca também poderia ser considerado
inimigo dos filisteus, de modo que em certo nível Davi está
servindo a Aquis. Mas ele está mentindo sobre suas ações.
Para evitar ser descoberto, Davi mata todos, para que nin-
guém possa contar a Aquis o que realmente está acontecendo
(ISm 27.9,11). Consequentemente, Aquis acredita que Davi se
tornou tão odioso para os israelitas que ele realmente mudou de
lado (v. 12). De fato, Aquis torna Davi sua “guarda pessoal
permanente” — literalmente “a guarda de sua cabeça” (28.2).
E extraordinário que um filisteu conceda essa posição a Davi,
quando se leva em conta o que Davi fez à cabeça de um filisteu
em 17.51!
Somos tentados a julgar a moralidade das ações de pes-
soas na narrativa bíblica. Às vezes, os autores bíblicos deixam
claro se as pessoas agem pela fé ou não. Mas muitas vezes eles
descrevem acontecimentos sem acrescentar comentário algum.
Foi errado Davi escapar e pedir proteção a um rei filisteu? Foi
errado Davi mentir ao seu protetor? O interesse do autor está
197
! Samuel 27.1‫־‬12; 28.1 ‫־‬25

em outro lugar, portanto seria insensato tirarmos conclusões


definitivas. As histórias não são apresentadas como contos
morais, à semelhança das fábulas de E sopo . Nelas, o princi-
pal são os propósitos e pro-
As histórias não ■ messas de Deus e como as
são apresentadas pessoas respondem.
como contos morais; l í Em 28.1,2, Davi é des-
mascarado. Aquis pede que
o principal são os
Davi se junte a ele em sua
propósitos e promessas campanha contra Israel. Se
de Deus. Davi recusar, suas alianças
serão reveladas, e a aceitação e a proteção de que ele usufrui desa-
parecerão. Se ele se juntar a Aquis, será forçado a lutar contra seu
próprio povo. Esse é um momento de suspense... Mas, antes de
qualquer resolução, o autor volta nossa atenção para Saul.
Nos capítulos 27 a 31, os acontecimentos se precipitam para
o que provará ser o fim do reinado de Saul. O autor alterna a
ação entre as histórias de Davi e de Saul.
Saul está apavorado por causa do exército filisteu que está
avançando (28.4,5). Ele quer uma palavra de Deus, mas Deus
está quieto. Samuel morrera (v. 3). Saul consulta o Senhor, mas
não obtém resposta alguma (v. 6). Ele não tem o Urim e o
Tumim, que estão com Davi, juntamente com o sacerdote que
sobreviveu ao massacre de Saul (23.6).
E, assim, Saul dá o passo extraordinário de achar e visitar
uma médium (28.7,8). Ele viola as próprias regras (v. 9,10).
Por quê? Para “fazer subir” Samuel (v. 11).

O e n c o n tr o c o m u m a m é d iu m
Qual é sua opinião sobre médiuns e espiritualistas? E sobre
tabuleiros de ouija e sessões espíritas? Talvez seus instintos lhe
digam que é errado brincar com essas coisas. Mas é errado
porque são falsas ou porque são perigosas? As pessoas estão
198
! Sam uel 27.1‫ ־‬12; 28.1 ‫־‬25

sendo enganadas? Ou essas coisas realmente nos conectam


com outro mundo? E isso é bom ou ruim?
Essa não é uma questão de interesse arcano . Muitos hoje
visitam médiuns ou frequentam centros espíritas. Há a infor-
mação de que na Itália, a sede do catolicismo romano, por
exemplo, há mais médiuns do que padres católicos.Talvez você
tenha amigos que visitaram médiuns ou você mesmo o tenha
feito. O que devemos pensar sobre tudo isso?
Você podería dizer: “Eles são charlatões”. Os progressos
científicos indicam que não precisamos recorrer a uma expli-
cação antiquada sobre fenômenos estranhos. Médiuns e espi-
ritualistas são charlatões que fingem comunicar-se com os
mortos para explorar pessoas vulneráveis.
Ou você poderia dizer: “É tudo verdade”. Médiuns e espiri-
tualistas realmente fazem contato com os mortos. Você pode-
ria acreditar que algumas pessoas tornam-se espíritos errantes
quando morrem. Ou que alguns têm “o dom” de se conectar
com o mundo espiritual.
O que a Bíblia diz? Que ambas as posições são parcial-
mente verdadeiras e parcialmente falsas.
Muitos médiuns e espiritualistas são charlatões. Não é
difícil manipular pessoas necessitadas. Você pode fazer muito
com uma pequena quantidade de informação. Pode criar uma
atmosfera em que as pessoas experimentem sensações estra-
nhas. Mágicos profissionais fizeram disso sua carreira, ao pro-
duzir esses tipos de resultado, mas deixam bastante claro que o
que fazem é simplesmente manipulação.
Assim, muitos médiuns e espiritualistas são charlatões. Tal-
vez seja o caso da médium de En-Dor a quem Samuel con-
sulta. Ela parece apavorada quando vê Samuel (28.12), talvez
porque sabe que seu cliente é o rei Saul, conhecido por expul-
sar médiuns. Ou talvez porque aquilo nunca lhe tivesse acon-
tecido antes. Ela faz o seu “abracadabra” normal, mas dessa vez
de fato alguém aparece dos mortos.
199
! Sam uel 27.1‫־‬12; 28.1-25

Assim, alguns são charlatões. Não porque vivemos em um


mundo fechado em que só existe matéria. A Bíblia afirma a
existência de um mundo espiritual. Colossenses 1.16 diz que
todas as coisas foram criadas por Jesus, incluindo “as coisas nos
céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos ou sobe-
ranias, poderes ou autoridades”. De modo que, embora muitos
médiuns e espiritualistas, tabuleiros de ouija e sessões espíritas
sejam falsos, alguns são legítimos.
No entanto, ainda que algumas dessas pessoas ou coisas
possam oferecer um encontro real com o outro mundo, o
encontro não é com os entes queridos que faleceram. O encon-
tro é com demônios. A Bíblia é bastante clara: os mortos não
falam. Eles não assombram este mundo. O que você encontra
é um espírito maligno.
O texto de lCoríntios 10.19,20 diz que os cristãos não
devem participar da adoração pagã, pois por trás dessas coisas
há demônios. E por isso que a Lei de Moisés proibia médiuns
e espiritualistas. “Não recorram aos médiuns, nem busquem a
quem consulta espíritos, pois vocês serão contaminados por
eles. Eu sou o S e n h o r , o Deus de vocês” (Lv 19.31; veja tam-
bém Lv 20.6,27; D t 18.9-14). E por isso que Samuel os expul-
sou da terra (lSm 28.3).
De fato, muitos são charlatões. Mas isso é apenas parte da
verdade, pois há um mundo espiritual paralelo ao mundo que
enxergamos. Às vezes, as pessoas se conectam com o outro
mundo. Porém, isso também é só parte da verdade, porque os
espíritos contactados não são os entes queridos que faleceram,
e sim espíritos malignos.

U m a p a la v r a v in d a d a s e p u ltu r a
Assim, o que acontece em En-Dor? En-Dor é uma das pou-
cas vezes na história em que alguém realmente aparece dos
mortos. A médium enxerga um “ser que sobe do chão” (ou
200
!Sam uel 27.1-12; 28.1-25

seja, “um espírito”) (v. 13) — “um ancião vestindo um manto”


(v. 14). E Saul “ficou sabendo que era Samuel” (v. 14). Deus
permite que isso aconteça. Mas essa não é uma palavra de reno-
vação de confiança (e certamente não tem o objetivo de nos
encorajar a verificar se conseguimos o mesmo com aqueles que
já se foram). É uma palavra de juízo. Deus julga Saul lhe dando
uma palavra da sepultura. Isto c o que Samuel diz:

Por que você me chamou, já que o Senhor se afastou de você


e se tornou seu inimigo? O Senhor fez o que predisse por
meu intermédio: rasgou de suas mãos o reino e o deu a seu
próximo, a Davi. Porque você não obedeceu ao Senhor nem
executou a grande ira dele contra os amalequitas, ele lhe faz
isso hoje. O Senhor entregará você e o povo de Israel nas
mãos dos filisteus, e amanhã você e seus filhos estarão comigo.
O Senhor também entregará o exército de Israel nas mãos
dos filisteus (v. 16-19).

Saul recebe uma palavra. Mas não é uma palavra nova. E


dificilmente é apaziguadora ou encorajadora. Trata-se de uma
repetição, uma intensificação da palavra que ele já recebera.
Samuel é reconhecido pelo manto (v. 14). Por que isso é signi-
ficativo? Porque esse é o manto que, na última vez em que eles
se encontraram, Saul havia rasgado, quando tentou se agarrar
ao seu reino, diante da mensagem de Samuel sobre a rejeição de
Deus (15.27,28). Entrementes, Saul tirara seu manto real (28.8).
Saul visita uma médium para invocar Samuel, chamando-o
de volta dos mortos. Mas o falecido Samuel diz: “Amanhã você
se juntará a mim na sepultura”. Saul, que não tinha comido,
prenuncia os acontecimentos do dia seguinte quando “caiu
estendido no chão” (v. 20). O capítulo termina com a médium
e os homens de Saul insistindo em que ele coma e recupere
suas forças (v. 21-25). Anteriormente, a pergunta havia sido
201
! Sam uel 27.1-12; 28.1 ‫־‬25

apresentada duas vezes: “... ‘Está Saul também entre os profe-


tas?’” (10.11; 19.24). A resposta agora é: “Não, ele está em um
banquete com uma médium”. E essa é a última refeição de
um homem condenado.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. O que você está falando ao seu coração hoje? Isso está for-
talecendo ou enfraquecendo sua confiança em Deus?
2. Como você usaria a ideia do exílio para explicar a mensa-
gem do evangelho?
3. Quais são suas reflexões sobre a visão bíblica de médiuns e
do contato com mortos?

SEGUNDA PARTE

Se você tem um amigo que visita médiuns ou frequenta um


centro espírita, não sei se ele está sendo enganado ou se está
em contato com espíritos malignos. Mas sei que nenhuma
dessas duas coisas é uma boa opção!
Mas há mais uma pergunta que precisamos fazer: “Por que
os médiuns são tão populares? Por que as pessoas vão a eles?
O que oferecem? Piá uma opção melhor?”. Vejamos algumas
pistas que nos ajudam a responder a essas perguntas na história
de Saul e da médium de En-Dor.

D e se sp e r a d o p e la p r e se n ç a d e
a lg u é m q u e p a r tiu
Saul está com medo.“Depois que os filisteus se reuniram,vieram
e acamparam em Suném, enquanto Saul reunia todos os israe-
litas e acampava em Gilboa. Quando Saul viu o acampamento
202
!Sam uel 27.1-12; 28.1-25

filisteu, teve medo; ficou apavorado” (28.4,5). E ele está apavo-


rado por estar diante de um exército filisteu.
Mas Saul já esteve diante de exércitos antes e venceu. O real
problema é enfrentar o exército sozinho. Quando Samuel apa-
rece, ele reclama: “... O s filisteus estão me atacando e Deus
se afastou de mim’...” (v. 15). O que Saul realmente quer é a
presença de Deus. Aí ele conseguiría encarar a batalha com
esperança. Mas ele não tem Deus. Afastou-se muitas vezes, e
agora Deus o julgou, dando-lhe o que ele quer.
Isso acontece muito. As pessoas ignoram Deus e depois
se queixam de que Deus as está ignorando. Se você quer que
Deus deixe você sozinho, tome cuidado. Deus talvez lhe dê o
que você quer; ele talvez o deixe sozinho.
Em vez de se voltar para Deus, Saul se volta para uma
médium a fim de invocar um substituto para Deus. Alguns
consultam médiuns porque acham insuportável viver sem a
pessoa que perderam, pois tornaram essa pessoa alguém tão
central à vida, à identidade e à alegria que, quando a perdem, a
vida parece completamente vazia. Isso não é o mesmo que luto,
que de fato inclui um sentimento de vazio e tristeza, mas, sim,
a convicção estabelecida de que, sem aquele ente querido, não
há sentido ou propósito na vida.
Dessa forma, seja um médium autêntico ou não, essas pessoas
tentarão fazer qualquer coisa para restabelecer um contato.
A Bíblia chama isso de idolatria. Você substituiu Deus por
uma pessoa. Você fez de outro ser humano o centro de sua
vida e a fonte de sua identidade. Mas as pessoas não são Deus.
Não vivem para sempre. No entanto, essa pessoa idolatrada se
tornou tão central que a pessoa idólatra visita um médium para
fazer seu substituto de Deus viver novamente.
Há uma alternativa muito melhor, que é fazer de Deus o
centro de nossa vida, nossa identidade e nossa alegria. Uma
203
! Sam uel 27.1‫־‬12; 28.1-25

vez que ele nunca nos deixa e sempre nos ama, ele sempre está
presente quando nos voltamos para ele com fé.

D e s e s p e r a d o p o r u m a p a la v r a d e
c o n fo r to e e n c o r a j a m e n t o
Por que as pessoas consultam médiuns, frequentam sessões
espíritas ou leem horóscopos? Porque querem uma palavra de
conforto e encorajamento que lhes dê a certeza de que o ente
querido está bem e de que tudo no futuro ficará bem.
É o que acontece com Saul. En-Dor fica do outro lado do
acampamento filisteu. Assim, Saul precisou atravessar e dar a
volta ao território inimigo. Está desesperado por uma palavra
de conforto e encorajamento.
Porém, aqui está o problema: Deus está quieto. “Ele con-
sultou o S enh or , mas este não lhe respondeu nem por sonhos
nem por Urim nem por profetas” (v. 6). O nome Saul significa
“[aquele que foi] pedido” — aqui Saul “saúla” ao Senhor. Mas
ele não recebe o que pede. Deus fica quieto.
Esse é um problema pelo qual Saul é completamente res-
ponsável. O Urim era usado para orientação e guardado no
colete sacerdotal, no peitoral do sumo sacerdote. Mas Saul
matou todos os sacerdotes (22.16-19) — só um escapou, e ele
levou o colete sacerdotal a Davi (22.20; 23.6). É por isso que
Deus não responde a Saul pelo Urim! E Deus não responde
por profetas porque Saul rejeitou a palavra do profeta Samuel,
de modo que Samuel rejeitou Saul (15.35).
Em toda a história, o autor estabelece um contraste entre
Saul e Davi. Davi consultou o Senhor: “ele perguntou ao
S enhor ...” (23.2). Davi literalmente “saulou” ao Senhor. Assim,
ele é o verdadeiro “Saul”, que consulta o Senhor usando o
método que Deus tinha dado ao seu povo — o colete sacerdotal.
Em 22.7,8, Saul se queixou de que ninguém lhe dizia
nada. Em contraste, o próprio Deus diz a Davi o que está
204
! Sam uel 27.1-12; 28.1 ‫־‬25

acontecendo por meio do sacerdote Abiatar e do colete sacer-


dotal (23.6-13). A estrutura da história sugere que 23.6 é uma
ideia central.

a. Davi fica sabendo que os filisteus estão vindo (23.1)


b. Davi consulta o Senhor duas vezes sobre ir a Queila (23.2-4)
c. Davi salva Queila (23.5)
d. Abiatar e o colete sacerdotal (23.6)
c’. Saul ataca Queila (23.7,8)
b’. Davi consulta o Senhor duas vezes sobre deixar Queila
(23.9-12)
a’. Saul fica sabendo que Davi foi embora (23.13)

Saul interpreta errado os fatos e atribui falsamente palavras


e ações a Deus (23.7,21). Mas é a Davi que Deus revela o
que está acontecendo. Saul muitas vezes usa o termo genérico
“Deus”, ao passo que Davi usa o nome da aliança de Deus,
“o S enh or ” — Yahweh (23.1-3,9-12).
Esse contraste é especialmente ressaltado nesses capítulos.
O autor justapõe as histórias de Davi e de Saul, alternando
entre uma e outra. No capítulo 30, Davi consulta o colete
sacerdotal, ao qual ele tem acesso porque o sacerdote Abiatar
está junto com ele. Ao mesmo tempo, Saul está limitado a con-
sultar uma médium.
Por ter rejeitado a palavra de Deus, Saul não mais consegue
ouvir sua voz. Deus está quieto, mas foi porque Saul o silenciou.
Nós já temos uma mensagem de conforto e encorajamento.
E a palavra de Deus. “Quando vos disserem: Consultai os que
consultam os mortos e os feiticeiros, que sussurram e murmu-
ram, respondei: Por acaso um povo não consultará o seu Deus?
Em favor dos vivos se buscarão os mortos?” (Is 8.19, A21). Em
outras palavras, por que consultar pessoas mortas quando você
pode receber uma palavra do Deus vivo?
205
!Sam uel 27.1-12; 28.1-25

O problema não é que Deus não fala, mas que muitas vezes
não queremos ouvir o que ele tem a dizer. Não queremos admi-
tir que precisamos dele e não queremos submeter-lhe nossa
vontade. Queremos conforto sem exigências. Afastamo-nos
do Deus que nos ama e nos jogamos nas mãos de pessoas
que nos exploram ou, pior ainda, nas mãos de demônios que
nos enganam.
Não são só aqueles que consultam médiuns que fazem isso.
Todos nós agimos assim. Só que, em certo sentido, passamos
da alquimia à química.
A alquimia foi a pseudociência que precedeu a química.
Era obcecada por transformar metais básicos em ouro e deseo-
brir 0 elixir da vida eterna. Está associada à magia e ao oeul-
tismo, quando se tentava prever o futuro e controlar vidas.
Hoje, a alquimia foi substituída pela química e outras ciências.
Obviamente, essas ciências trouxeram muitos benefícios. Mas
a ciência também é usada para substituir Deus, descartando-o
de seus discursos e se colocando em seu lugar como soberana
ou salvadora.
A alquimia e a química não são tão diferentes assim quando
são usadas para manipular vidas ou ignorar Deus. Você talvez
não se sinta tentado a consultar um médium, mas talvez bus-
que prever o futuro e con-
A alquimia e a trolar sua vida por meio da
química não são tecnologia, para substituir a
tão diferentes assim confiança em Deus.
Os cristãos não estão imu-
quando são usadas
nes a ignorar e substituir Deus.
para ignorar Deus.
Talvez não consultemos um
médium, mas muitas vezes queremos alguma mensagem extra.
A Bíblia não é suficiente para nós.
Deus se comunica maravilhosamente conosco por meio do
Espírito, que vivifica a Palavra de Deus para nós. O Espírito,
206
!Sam uel 27.1-12; 28.1-25

que falou a palavra de Deus quando pessoas escreveram a Bíblia,


nos fala essa palavra de modo novo quando lemos a Bíblia. Ele
pode nos levar a confessar nossos pecados, conduzir-nos a orar
por alguém em necessidade ou nos instigar a agir. Mas não
devemos sair por aí a buscar nossa própria comunicação direta
com Deus.
Recentemente participei de uma conversa em que dois
cristãos falavam sobre como ansiavam que Deus lhes falasse,
mas achavam difícil discernir o que ele estava dizendo. Em um
momento posterior na mesma conversa, comentaram sobre
não terem lido a Bíblia inteira porque era uma leitura muito
difícil. E não pareciam achar estranho que buscassem uma
palavra de Deus sem ler as palavras de Deus.
Há mais um modo de errar nisso: sair por aí pedindo con-
selhos a todo mundo. Pedir conselhos é ótimo, mas às vezes
continuamos pedindo mesmo quando o correto a fazer está
exposto na Palavra de Deus. Mas preferimos uma palavra dife-
rente e, quanto mais pessoas contactamos, maior é a chance de
ouvirmos aquilo que queremos ouvir.
Ou então afirmamos que a Palavra de Deus é verdadeira,
mas dizemos que não se aplica àquela situação específica.
Poderiamos chamar esse procedimento de “excepcionalismo”.
Isso acontece quando me considero uma exceção ao que
a Palavra de Deus está dizendo. Reconheço que se aplica a
outras pessoas, mas minhas circunstâncias singulares indicam
que não se aplica a mim. “Não posso servir a Deus porque
tenho depressão. Não posso servir a Deus porque minha vida
é bastante ocupada. Não posso servir a Deus porque meus
problemas são muito difíceis.”
A isso, Deus responde: “Não sobreveio a vocês tentação que
não fosse comum aos homens. E Deus é fiel; ele não permi-
tirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar.
207
! Samuel 27.1-12; 28.1 ‫־‬25

Mas, quando forem tentados, ele mesmo lhes providenciará


um escape, para que o possam suportar” (lC o 10.13).

P r e s e n ç a r e a l e p a la v r a r e a l
As pessoas se voltam para médiuns porque estão desesperadas
pela presença de um ente querido ou por uma palavra de con-
forto e encorajamento.
Mas estas são as boas notícias: alguém voltou dos mortos
com uma palavra de conforto e encorajamento. E essa pessoa
é Jesus. Jesus não é um espírito que vem a nós por meio de um
médium. Ele é uma pessoa real que ressuscitou dos mortos.
Pôde ser visto, tocado e ouvido. E é ouvido ainda hoje.
Por que isso importa? Em primeiro lugar, porque Jesus é a
presença de Deus. Jesus descreveu a si mesmo como o templo
(Jo 2.19-22), que era o grande símbolo da presença de Deus
entre o seu povo. Mas era somente um símbolo. A realidade é
Jesus. Jesus é “Emanuel”, Deus conosco. Deus viveu entre nós.
Agora Jesus voltou dos mortos. De acordo com o Evangelho
de Mateus, a última frase proferida por Jesus antes de subir ao
céu foi: “...Έ eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”’
(Mt 28.20). Ele está conosco por meio de seu Espírito.
Não posso levar a você uma mensagem de seu ente que-
rido que partiu. Mas, se você se voltar para Cristo, então Deus
estará com você, sempre,
Ninguém mais nos
deu vida dando sua
própria vida por nós. Iem todo lugar, em todas as
situações — a presença de
um Ente querido. De fato,
Jesus é mais do que um ente
querido. Ele é Aquele que nos ama como ninguém mais. Nin-
guém mais nos deu vida dando sua própria vida por nós.
Cristo está especialmente presente conosco na celebra-
ção da ceia. Quando tomamos a ceia do Senhor, o Espírito
torna o Cristo que ascendeu presente entre nós pela fé. É por
208
! Sam uel 27.1‫ ־‬12; 28.1-25

isso que ela é uma comunhão muito especial. Nós comunga-


mos com Cristo. Comemos com ele. Saul comeu com uma
médium. Você e eu podemos comer com Cristo espiritual-
mente e aguardar com esperança comer com ele fisicamente.
Em segundo lugar, porque Jesus é a palavra de Deus. O pró-
prio Jesus é uma palavra de Deus (Jo 1.1-3), uma declara-
ção do amor de Deus. Deuteronômio 18.9-14 descreve como
o povo de Deus não deve consultar médiuns e espíritas ou
participar de quaisquer outras práticas ocultas semelhan-
tes. “Não permitam que se ache alguém entre vocês [...] que
seja médium, consulte os espíritos ou consulte os mortos”
(Dt 18.10,11). Em vez disso, o que o povo de Deus pode
então fazer? “Levantarei do meio dos seus irmãos um profeta
como você [Moisés]; porei minhas palavras na sua boca, e ele
lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar” (v. 18). Os israelitas não
deviam buscar uma palavra dos mortos, nem precisavam, pois
já tinham a palavra de Deus por meio de Moisés. E Deus pro-
mete um profeta vindouro, como Moisés, mas maior do que
Moisés. Esse profeta é Jesus.
Samuel não é o único profeta que aparece de além da sepul-
tura. Em dado momento na vida de Jesus, ele leva Pedro, Tiago
e João para cima de uma montanha, e ali Jesus é transfigurado
em sua glória celestial — e Moisés c Elias aparecem junto com
ele. Uma voz vem do céu e diz: ‘Este é o meu Filho amado.
Ouçam-no!’” (Mc 9.7). O que é notável é o que a voz não diz.
Sob as circunstâncias, com o Jesus glorificado diante deles,
poderiamos ter a expectativa de que a ordem seria: “Olhem
para ele”. Em vez disso, ela é: “Ouçam-no”.
Não precisamos consultar os mortos. Temos Jesus. Ouçamos
a de.
Agora Jesus voltou dos mortos. E o que ele diz? “... ‘Paz seja
com vocês!”’ (Jo 20.19,26). Ele leva uma palavra de conforto e
209
! Sam uel 27.1‫ ־‬12; 28.1-25

encorajamento. Não importa o que acontecer na nossa vida, há


paz entre nós e Deus.
O momento mais assustador na história de Saul e da
médium não é tanto o momento em que Samuel aparece,
mas quando ele diz a Saul: “... ‘o S en h o r se afastou de você
e se tornou seu inimigo’” (lSm 28.16). Um inimigo filisteu
encheu Saul de medo. Mas isso não é nada comparado a ter
Deus como inimigo. A palavra de Samuel a Saul é “guerra”. O
Senhor entregará Saul e Israel nas mãos dos filisteus (v. 19).
Mas a palavra de Jesus a nós é “paz”. A batalha entre nós e
Deus acabou. Éramos inimi-
A palavra de Jesus
a nós é "paz". I gos de Deus, mas Jesus nos
reconciliou com ele por meio
de sua morte e ressurreição
(Cl 1.22,23). Não importa que outras coisas amemos ou tema-
mos em nossa vida, não há nada melhor do que ter Deus como
nosso amigo e não há nada que possa nos tirar isso. O Senhor
nos libertará por meio da morte e nos levará à sua presença.
A ressurreição de Jesus é o sinal desse futuro. Ele é o primo-
gênito dentre os mortos. Entrementes, a sepultura está quieta.
Somos nós que precisamos falar. Precisamos proclamar a men-
sagem de paz de Cristo e precisamos louvar a Cristo aqui na
terra. Salmos 115.17,18 diz:

Os mortos não louvam o Senhor ,


tampouco nenhum dos que descem ao silêncio;
mas nós bendiremos o S enhor,
desde agora e para sempre!

Talvez, se falássemos mais sobre quem é Deus e o que ele


disse, as pessoas consultassem menos os médiuns e dessem
menos crédito a eles.

210
! Sam uel 27.1‫־‬12; 28.1-25

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Por que é tão maravilhoso quanto desafiador saber que
Jesus é a presença de Deus e o conforto e encorajamento
de Deus?
2. Você consegue lembrar-se de momentos em sua vida em
que ignorou Deus e depois se queixou de que Deus estava
ignorando você?
3. Há alguma pessoa (talvez você mesmo) que você precise
desafiar quanto ao “relacionamento” dela com um ente que-
rido que partiu?

211
1SAMUEL■ CAPÍTULO 29 VERSÍCULOS 1-11

■ CAPÍTULO 30 VERSÍCULOS 1-31

■ CAPÍTULO 31 VERSÍCULOS 1-13

13. COMO CAÍRAM


OS PODEROSOS

Ao longo dos capítulos de 27 a 31 de 1Samuel, a ação alterna


entre Davi e Saul. Os acontecimentos estão acontecendo ao
mesmo tempo. Às vezes, nós os vemos da perspectiva de Davi
e, às vezes, da de Saul. Observamos Saul por último comendo
com uma médium por meio de quem Samuel disse ao rei que
ele tem apenas algumas horas de vida (28.19,24,25). Observa-
mos Davi por último diante da perspectiva de lutar junto aos
filisteus contra seu próprio povo (28.1,2).

O d il e m a d e D a v i
Se Davi permanecer fiel ao rei filisteu, Aquis, estará lutando con-
tra seu próprio povo. Se desertar, estará fazendo isso no meio do
exército filisteu. A resposta dele em 28.2 é ambígua, no mínimo:
“... ‘Então tu saberás o que teu servo é capaz de fazer’...”.
No capítulo 29, a ação volta a Davi. Os filisteus eram um
grupo de cinco cidades-Estado. Quando eles lutavam, as forças
dessas cinco cidades-Estado se uniam para formar um só exér-
cito (29.1). É o que eles fazem quando se reúnem em Afeque.
Mas agora Davi aparece com as forças de Aquis (v. 2). Os outros
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

comandantes ficam atônitos. De modo algum eles lutarão ao


lado de alguém cuja principal reputação é ter matado dezenas
de milhares de filisteus (v. 3-5).
Diante de Davi, Aquis adoça a pílula, afirmando que o con-
sidera “leal”e pessoalmente não encontrou “nada [...] culpável”
no israelita (v. 6,7, A21), mas que eles não poderão guerrear
juntos. A ironia é que Davi não tem sido leal. Ele tem feito
uma coisa (atacar cidades gentias) e tem dito a Aquis que está
fazendo outra (atacar cidades israelitas, 27.8-12).
Em 29.8, Davi mantém o fingimento e simula decepção.
Mas deve ter ficado imensamente aliviado. Precisava escolher
entre trair seu próprio povo e trair o seu hospedeiro filisteu no
meio de um exército filisteu. Deve ter se perguntado muitas
vezes como se livraria desse dilema, e aí os próprios filisteus lhe
forneceram uma saída pronta. Até mesmo agora, as palavras
de Davi são ambíguas: "... ‘Por que não posso ir lutar contra
os inimigos do rei, meu senhor?’” (v. 8). A pergunta é: “Quem
Davi considera o rei, seu senhor?”. Toda indicação até agora
nessa história é que ele permanece leal a Saul. Ou talvez ele
esteja considerando Deus o rei dele. Talvez ele tenha achado
que sua presença no meio do exército filisteu apresentaria uma
oportunidade audaz para um ataque surpresa.
A única referência a Deus nesse capítulo vem de um rei
filisteu (v. 6). Talvez você encontre poucas referências a Deus
na sua vida e talvez até mesmo poucos sinais da atuação dele.
Talvez seja isso que Davi sentiu ao se ver perfilado com
as forças filisteias, indagando como salvaria sua vida. Mas,
olhando para trás, fica claro que Deus estava atuando na vida
de Davi. Há grande chance de que ele esteja fazendo mais na
nossa vida do que agora conseguimos compreender.

O m o tim d e D a v i
Davi e seus homens são mandados embora do campo de bata-
lha pelos filisteus. Mas seus problemas estão só começando.
213
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

Eles voltam para casa para descobrir que os amalequitas ata-


caram sua cidade e “levaram como prisioneiros todos os que lá
estavam: mulheres, os jovens e os idosos. A ninguém mataram,
mas os levaram consigo, quando prosseguiram seu caminho”
(30.1,2). Quando encontram suas casas destruídas e veem que
suas famílias não estão mais lá (v. 3), “Davi e seus soldados
choraram em alta voz até não terem mais forças” (v. 4).
Em sua angústia, os homens de Davi falam sobre apedre-
já-lo (v. 6). Em Êxodo 17.4, Moisés precisou lidar com o povo
querendo apedrejá-lo antes de uma vitória sobre os amalequi-
tas. Agora é a Davi que as pessoas querem apedrejar antes de
uma vitória sobre os amalequitas.
Mas Davi “fortaleceu-se no S enhor , o seu Deus”(lSm 30.6).
No versículo 4, Davi não tinha “mais forças” por causa de sua
tristeza. Mas onde a força de Davi falha, a força de Deus
prevalece. Como encontrar forças no Senhor? O trecho de
23.16,17 fornece uma pista. Ali, usando a mesma expressão,
Jônatas “ajudou [Davi] a encontrar forças em Deus”. Como?
Dizendo: ‘“Não tenha medo [...] meu pai não porá as mãos
em você. Você será rei de Israel, e eu lhe serei o segundo em
comando’...”. Talvez agora Davi diga a mesma coisa a si
mesmo: “Não tenha medo. Deus prometeu lhe dar o reino, e
Deus cumpre suas promessas”.
Os salmos fornecem mais uma pista. Eles muitas vezes
começam com uma expressão honesta de dúvida e desespero,
e então continuam com um sermão ao coração. Encontramos
Davi lembrando a si mesmo de quem é Deus e do que Deus fez.
O resultado é que o medo se transforma em fé e a dor se trans-
forma em louvor. Em 1Samuel 27.1, Davi deixou seu coração
falar e encontrou desespero. Agora Davi fala ao seu coração e
encontra forças. Ele se volta para a palavra de Deus na forma
de instrução vinda do Urim e Tumim no colete sacerdotal
214
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

(30.7). O Senhor ordena que ele persiga os amalequitas e pro-


mete a Davi que ele “conseguirá libertar os prisioneiros” (v. 8).
Assim, Davi vai atrás dos assaltantes amalequitas com seis-
centos homens. Duzentos ficam no caminho, pois estão exaus-
tos demais para continuar (v. 9,10). O restante encontra um
servo egípcio que foi aban-
donado pelos amalequitas e Os salmos muitas vezes
que os leva aos seus antigos começam com dúvida
senhores (v. 11-15). Eles e desespero, e entáo
encontram os amalequitas continuam com um
“comendo, bebendo e feste-
sermão ao coração.
jando” (v. 16). É provável que
estivessem fartos demais e bêbados demais para lutar apropriada-
mente. Certamente nenhum deles consegue escapar (v. 17).
Os amalequitas haviam investido contra Israel logo depois
de os israelitas terem deixado o Egito, atacando os retarda-
tários (Dt 25.17-19; ISm 15.2). Portanto, foram escolhidos
para o juízo de Deus. No capítulo 15, o rei Saul recebeu essa
incumbência, mas não a concluiu. Agora é Davi que a conclui.
Tudo foi recuperado: “Nada faltou...” (30.18-20). Aqueles
que haviam desejado apedrejar Davi agora reconhecem que o
despojo é dele (v. 20). Essa é uma reviravolta completa.
Alguns dos homens de Davi, no entanto, não querem que
uma parte do despojo vá aos duzentos homens que ficaram
no caminho (v. 21,22). Mas Davi demonstra ser um rei gene-
roso que concede dádivas (v. 23-25). Assim como Abraão em
Gênesis 16, ele acredita que a batalha pertence ao Senhor
e, portanto, o despojo também lhe pertence. Em ISamuel
30.23, Davi se refere aos soldados como seus irmãos. Moisés
havia dito que o rei precisava ser alguém “dentre os seus pró-
prios irmãos” e advertiu contra o rei se considerar superior
(Dt 17.15,20). O rei de Deus é exaltado, mas também deve
estar ao lado dos súditos. É o que vemos personificado no
215
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

Rei mais glorioso e, no entanto, mais humilde de todos, que


não se envergonha de chamar seus súditos de irmãos e irmãs
(Hb 2.11,17; Mc 3.33,34).
Samuel havia advertido que o rei tomaria, tomaria, tomaria
(lSm 8.10-18). Mas Davi é um rei que dá, dá, dá. Ele dá aos
homens que lutaram com ele. Ele dá àqueles que ficaram no
caminho. E, em 30.26-31, ele dá aos líderes de Judá, dizendo:
‘Eis um presente para vocês, tirado dos bens dos inimigos
do S e n h o r ’” (v. 26). É um líder generoso.
Davi aponta para Jesus, o Rei que dá, dá, dá aos seus súditos.
Jesus deu a si mesmo pela igreja (Ef 5.25). Ao fazer isso, amar-
rou o homem forte (Satanás) e saqueou sua casa (Mc 3.27). Nós
somos esses bens resgatados,
Jesus é o Rei que dá, e ele nos dá nossa liberdade.
dá, dá aos seus súditos. A ironia é que, sob alguns
aspectos, Davi é como aque-
les homens que ficaram no caminho porque, enquanto isso está
acontecendo, o exército de Israel está lutando com os filisteus.
Davi fica para trás no sentido de que não está envolvido nas
batalhas do povo de Deus. No entanto, é aquele que se bene-
ficiará dessa batalha. Saul será morto, e Davi receberá o reino
como um espólio de guerra.

A q u ed a d e Saul
No capítulo 31 de 1Samuel, a ação volta novamente a Saul, tra-
tando do que provará ser sua última aparição no monte Gilboa.
A história da batalha é contada em um só versículo: “E acon-
teceu que, em combate com os filisteus, os israelitas foram
postos em fuga e muitos caíram mortos no monte Gilboa”
(v. 1). Daqui em diante, o foco está em Saul. Os filisteus o per-
seguem, matando três de seus filhos, incluindo Jônatas (v. 2).
O próprio Saul é fatalmente ferido (v. 3).
216
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

Saul pede que seu escudeiro o mate, pois “senão sofrerei


a vergonha de cair nas mãos desses incircuncisos” (v. 4). Mas
o escudeiro está apavorado demais para faze-lo, por isso Saul
se joga sobre sua própria espada, e depois o escudeiro faz o
mesmo (v. 5). Essa é uma derrota devastadora — o rei e seus
três filhos mortos em uma só batalha (v. 6) —, e os filisteus não
somente derrotam o exército israelita, mas também ocupam as
cidades do vale do rio Jordão e toda a terra ao longo do lado
leste do rio (v. 7).
A referência a “incircunciso(s)” foi usada duas vezes antes
em ISamuel. Jônatas a usa antes de derrotar os filisteus contra
todas as probabilidades (14.6). Davi a usa antes de derrotar
o gigante filisteu (17.26). Mas agora Saul a usa quando está
prestes a ser derrotado pelos filisteus (31.4).
O suicídio de Saul é simbólico. Os filisteus não o remove-
ram do trono. Davi se recusou a fazê-lo. É o próprio Saul que
se mata, pois foi autor de sua queda por infidelidade e desobe-
diência. O suicídio o confirma.
Em ISamuel 17, Davi recusou as armas de Saul, decidindo
depender de Deus. Em seu discurso a Golias, ele rejeita expli-
citamente a necessidade de armas. Agora Saul é morto por
essas mesmas armas. A armadura de Saul é colocada no templo
dos filisteus (31.8-10). Talvez tenha voltado para casa, pois a
atitude de Saul em relação ao poder militar sempre foi filis-
tina. Mas pode ser que esse acontecimento seja um lembrete
de quando a arca foi levada ao templo de Dagom no capí-
tulo 5, apontando para o fato de que Deus pode extrair a vitó-
ria da derrota.
Os homens de Jabes-Gileade se lembram de como Saul
os ajudou em 11.1-11 e, provavelmente correndo algum risco,
recuperaram o corpo de Saul de sua humilhação pública no
muro de Bete-Seã (31.11-13).
217
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

E, assim, o livro termina onde começou, com os filisteus


conquistando uma vitória e a morte do líder de Israel junto
com seus filhos.
Quatro vezes nesse último capítulo, são usadas variações do
verbo “cair”. Os soldados israelitas “caíram mortos no monte
Gilboa” (v. 1). Saul, então, pegou sua própria espada e caiu
sobre ela” (v. 4, NIV). O escudeiro “caiu também sobre sua
espada” (v. 5, NIV). Por fim, os filisteus “encontraram Saul e
seus três filhos caídos no monte Gilboa” (v. 8).

O S e n h o r h u m ilh a e e x a lt a
O livro de ISamuel começa com o cântico de Ana, em que ela
canta:

O Senhor mata c traz à vida;


ele faz descer ao Sheol e dele resgata.
O Senhor é quem torna pobre e torna rico;
ele humilha e exalta (2.6,7, ESV).

O cântico descreve uma série de reversões (v. 3-10a). Na


maioria dos casos, dois lados da reversão são identificados.
Os vereditos deste mundo são revertidos e as condições deste
mundo são alteradas. O livro de Samuel (não se esqueça de
que 1 e 2Samuel originariamente eram um só livro) também
termina com um cântico — o cântico de Davi em 2Samuel 22,
quando ele novamente usa esse tema das reversões. O tema de
sua exaltação atravessa todo o capítulo 22 de 2Samuel, com
reversões aparecendo explícitamente nos versículos 28, 48
e 49: “Salvas os humildes, mas os teus olhos estão sobre os
orgulhosos para os humilhar. [...] Este é o Deus que em meu
favor executa vingança, que sujeita nações ao meu poder, que
me livrou dos meus inimigos. Tu me exaltaste acima dos meus
agressores; de homens violentos me libertaste”.
218
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

As últimas palavras de Davi também usam esse tema. Davi


descreve a si mesmo como “o homem exaltado pelo Altíssimo”
(2Sm 23.1, NIV) ou o “homem que foi exaltado”.
H á um terceiro cântico na metade de Samuel, o lamento
de Davi por Saul em 2Samuel 1. O refrão repetido desse cân-
tico é: “... ‘Como caíram os guerreiros [gigantes/poderosos]!”
(1.19,25,27). Ele usa a linguagem de queda de lSamuel 31.
O tema é reforçado pelas descrições físicas de Saul e de
Davi. O autor não está normalmente interessado em descre-
ver a aparência física das pessoas. Assim, quando ele o faz,
essas descrições devem ser significativas. A primeira vez em
que Saul é apresentado, somos informados de que “os mais
altos batiam nos seus ombros” (9.2). Quando Davi é apresen-
tado, ele é chamado somente de “o caçula”, embora a palavra
também possa significar “menor” (16.11). Saul é literalmente
mais alto do que qualquer um de seus irmãos em Israel, e Davi
é menor do que qualquer um de seus irmãos, ao menos na
família de Jessé. Mas, no final da história, Saul caiu ao chão
(31.4,8). Enquanto isso, Davi se tornou “o homem exaltado
pelo Altíssimo” (2Sm 23.1, NIV).
Portanto, 0 tema dos três cânticos pode ser resumido assim:

lSamuel 2 Deus reverte


2Samuel 1 Os guerreiros poderosos caíram (a família de
Saul)
2Samuel 22 Os humildes foram exaltados (a família de Davi)

Como vimos, a ação desses últimos capítulos alterna entre


Saul e Davi. Há dois reis em Israel com dois reinos, duas cortes
e dois exércitos. Um está em um declínio que terminará com
sua queda em um campo de batalha. O outro está em uma
ascensão que terminará com sua entronização como rei. Quem
você seguiría?
219
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

No mundo hoje há dois reinos — o reino de Cristo e o


reino deste mundo. Muitas vezes o reino de Cristo parece estar
em declínio, especialmente no mundo ocidental. Mas a fé con-
fia nas promessas de Deus. A história de Davi até aqui nos
ensina que o status do mundo não é tudo o que talvez pareça
ser. Aqueles que são exaltados nem sempre são os que têm um
futuro. “O S enhor [...] humilha e exalta” (2.6,7). O reino de
Cristo triunfará. No fim da história, os corais do céu cantarão:
“... Ό reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu
Cristo, e ele reinará para todo o sempre’” (Ap 11.15).
Há dois reinos — o reino de Cristo e o reino deste mundo.
Qual você seguirá?

p a r a r e fle x ã o
1. Olhando para trás na sua vida cristã, você consegue identi-
ficar períodos em que, naquele momento, parecia que Deus
não estava fazendo muita coisa, mas nos quais agora você
consegue perceber que ele estava fazendo grandes coisas?
2. Em momentos de crise, você olha para sua própria força
ou para a do Senhor? Como pode olhar ativamente para
o Senhor?
3. Você seguirá o reino de Cristo? Que evidências sua vida
mostra de sua decisão?

SEGUNDA PARTE

É um exercício intrigante imaginar o livro de Samuel sendo


“publicado”pela primeira vez. Como terá sido acolhido por seus
primeiros leitores e ouvintes? Quais resenhas terá recebido nas
revistas literárias? O que pensaram desse livro o rei e o povo?
220
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

Samuel é urna historia pregada ou urna historia anotada.


Em outras palavras, é uma historia real, mas é mais do que
um relato de acontecimentos. Em lCrônicas 29.29, lemos:
“Os feitos do rei Davi, desde o início até o fim do seu reinado,
estão escritos nos registros históricos do vidente Samuel, do
profeta Natã e do vidente Gade”. Havia outros anais históri-
eos. O autor de Samuel está fazendo mais do que criando uin
relato histórico: está escrevendo com um propósito.
Muitas vezes é sugerido que o livro de Samuel serve para
justificar a dinastia davídica. Por que o maior rei de Israel é o
seu segundo rei? À primeira vista, é possível acusar Davi de
ser um usurpador . Saul é designado rei, mas Davi toma seu
lugar, depondo a dinastia saulita. Assim, segundo essa hipótese,
1 e 2Samuel teriam sido escritos para defender o fundador da
dinastia davídica dessa acusação.
Os indícios combinam bem com essa teoria. Há uma grande
ênfase em Davi honrando a família de Saul, recusando-se a
tomar o poder e esperando que Deus lhe dê o reino.
Mas Saul não é descrito como um vilão típico. Há muito
que deve ser levado em consideração com respeito ao seu dis-
túrbio psicológico. E, mais significativamente, a descrição do
próprio Davi é confusa. Ele é apresentado como um perso-
nagem imperfeito, liderando uma dinastia imperfeita. Vemos
pistas disso em 1Samuel, mas muito mais em 2Samuel 11—20.
Se o livro é simplesmente uma justificação de Davi e da dinas-
tia davídica, qual é a razão da história dc Bate-Seba (caps. 11
e 12)? O livro terminará em 2Samuel 24 com uma história de
fracasso por parte de Davi. A dinastia davídica acaba se mos-
trando imperfeita como a dinastia saulita. Estupro e guerra
civil são o epítome do declínio no fim de Juizes. E ocorrem
também durante o reinado de Davi (2Sm 13; 15—20). Tudo é
mais complexo do que uma polêmica pró-davídica.
221
!Sam uel 29.1-11; 3 0 . 1 3 1 . 1 - 1 3 ;31‫־‬

É importante reconhecer que a trajetória do livro não é de


Saul até Davi, mas de nenhuma monarquia até a monarquia.
O livro não começa em 1Samuel 9 com a unção de Saul. Ele
começa no capítulo 1, sem rei, começa com uma mulher estéril
que fala sobre um rei vindouro (2.10).
Tanto na história como no cânon hebraico, 1 Samuel é
precedido por Juizes 21.25: “Naquela época não havia rei em
Israel; cada um fazia o que lhe parecia certo”. Essa é a situação
de que Samuel trata. Além disso, o livro de Juizes poderia nos
levar a considerar negativamente a monarquia humana. Em
Juizes 8, Gideão age como um rei, e isso traz problemas.
Em Juizes 9, Abimeleque toma a coroa, e isso é um desastre.
No entanto, chegamos ao fim do livro de Samuel com um rei.
Samuel nos apresenta três opções:

1. nenhum governo ou autogoverno (Jz 21.25);


.
2 governo por meio de um rei humano — um rei como os
das nações;
3. o governo de Deus por meio do rei de Deus.

Em 1 e 2Samuel,passamos pelas opções de nenhum governo


a um rei como os das nações até o rei de Deus. A complicação
é que o rei de Deus está constantemente deslizando da opção
3 de volta à opção 2.
Assim, o livro é mais do que uma simples justificação da
monarquia. Também é uma meditação sobre como a monar-
quia deve funcionar. Questiona se a monarquia é de fato posi-
tiva para Israel. A resposta parece ser: “Sim, quando você tem
um rei que governa debaixo do reinado de Deus”. À medida
que e quando os descendentes de Davi seguem o seu bom
exemplo (à medida que ele é bom), então há paz para o povo
de Deus. Davi se torna o critério para avaliar reis futuros.
222
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

Assim, para os seus primeiros leitores, Samuel foi escrito


para enfatizar dois temas:

1. Ofilho de Davi é um rei a ser seguido. Se 1Samuel é uma


“apologia”, defende a noção de um rei que é muito
improvável, que vem das margens — um rei como Davi
(e em última instância como Jesus). A aliança de Deus
com Davi em 2Samuel 7 sela essa condição. Portanto,
Samuel é um chamado para seguir 0 filho de Davi.
2. Davi é um exemplo a ser seguido. O livro exemplifica dois
princípios fundamentais. Em primeiro lugar, Davi ceie-
bra: “Ό S enhor recompensou-me segundo a minha
retidão’...” (2Sm 22.25). A lealdade de Davi na aliança
com Deus é enfatizada repetidamente. Em segundo
lugar, o Senhor “humilha e exalta” (lSm 2.7). Isso é
exemplificado nas reversões repetidas. Assim, Samuel
é um chamado aos filhos subsequentes de Davi e a todo
o Israel para se humilharem diante de Deus, permane-
cerem leais à sua aliança e confiarem nele para livrá-los.

D a v i e a h u m a n id a d e
Quando Deus faz sua aliança com Davi em 2Samuel 7, Davi
responde: “E, como se isso não bastasse para ti, ó Soberano
S e n h o r , também falaste sobre o futuro da família deste teu
servo. E esse decreto, ó Soberano S en h o r , é para um mero ser
humano!” (v. 19, NIV). O final dessa expressão também pode
ser traduzido por: “Esse decreto, ó Soberano S en h o r , é para a
raça humana” (NIV 2011, nota de rodapé), ou : “Isso é instru-
ção para a humanidade, ó S enhor Deus!” (ESV).
O original é literalmente torah ha adam: torá, ou lei ou
aliança, para Adão ou para a humanidade. A palavra adam é o
nome do primeiro homem, mas também é um termo para se
referir à humanidade, pois Adão era seu representante. Deus
223
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

lidou com a humanidade em Adão (como Paulo explica em


Rm 5.12-21). O que Adão fez, ele fez em nosso favor, e o
que Deus fez a Adão é válido para todos nós. Agora Deus
lidará com a humanidade por meio de seu rei. O rei se torna
nosso representante. O futuro da família de Davi é o futuro
da humanidade, e a aliança é como Deus a salvará. O próprio
Deus faz uma aliança ou contrato para salvar a humanidade
por meio do filho de Davi — de fato, Deus faz uma aliança
para adotar a humanidade por meio do filho de Davi. Aque-
les que estão “no” Messias, e não “no” primeiro Adão, serão os
filhos de Deus, exatamente como o Messias é o Filho de Deus.
O foco dos propósitos de Deus vai da humanidade a Israel
chegando ao rei. Mas sempre o propósito é retroceder na outra
direção. O rei leva bênção a Israel, que leva bênção à huma-
nidade. Ou podemos pensar sobre isso como representação.
A humanidade é representada por Adão e depois por Israel.
Em seguida Israel é representado pelo rei da nação.
O clímax desse processo é Jesus, o verdadeiro representante
e o verdadeiro Filho. Ele é o Messias supremo, o verdadeiro
Adão, o verdadeiro Israel, o verdadeiro Davi. Além disso, Adão,
Israel e o descendente de Davi são descritos na Bíblia como o
“filho de Deus”(Lc 3.38; Êx 4.22,23; 2Sm 7.14).
Portanto, Davi é como o novo Adão. Ele é o protótipo da
figura representativa por meio de quem a humanidade será redi-
mida — o rei que restaurará 0 reinado da humanidade que o
antigo Adão abandonou.
Se essa é a verdade sobre Davi, o que dizer de Saul? Saul
é um tipo do primeiro Adão (o representante que falha). Em
lSamuel 11, Saul derrota 0 rei amorreu Naás — “serpente”.
Saul parece que vai tornar-se 0 novo Adão, o prometido
Esmagador da Serpente. Mas em lSamuel 13— 15, ele “falha”;
e suas falhas são acompanhadas de desculpas parecidas com
224
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

as de Adão. Saul acaba mostrando não ser a visitação do novo


Adão, e sim o antigo Adão revisitado.
Como vimos, assim como Saul enfrentou Naás, Davi tarn-
bém enfrenta uma serpente. Golias veste uma couraça de (lite-
raímente) “... escamas de bronze...” (17.5). Presumivelmente,
eram placas de metal sobrepostas que pareciam escamas, mas
a descrição sugere um réptil.
A justificativa de Davi para Davi reafirma
ser capaz de lutar com ele se o domínio da
baseia em seu histórico de humanidade sobre o
derrotar animais (v. 34-37). animal ao derrotar um
Adão deveria dominar sobre
homem parecido com
os animais, mas seu domínio
uma serpente.
foi subvertido pela serpente.
Agora Davi reafirmará o domínio da humanidade sobre o ani-
mal ao derrotar um homem parecido com uma serpente.
E novamente, como vimos, Davi tem um período de pro-
vação no deserto. “Davi permaneceu nas fortalezas do deserto
e nas colinas do deserto de Zife...” (23.14). As três histórias
seguintes começam com um lembrete de que Davi está no
deserto (24.1; 25.1; 26.1,2). Essas três histórias representam
três tentações para Davi de tomar o poder ou agir como um rei
vingativo. E três vezes Davi evita cair em tentação, ainda que
por um triz! Em 24.4, ele corta a ponta do manto de Saul, um
ato que faz “bater-lhe o coração de remorso” (v. 5), porque, na
última vez em que um manto foi rasgado, tal ato simbolizou a
retirada do reino das mãos de Saul (15.27-29). No capítulo 25,
Davi depende de Abigail para guardar seu reino da culpa de
sangue. Abigail explica por que agiu: “‘Quando o S enhor tiver
feito a meu senhor todo o bem que prometeu e tiver nomeado
líder sobre Israel, meu senhor não terá no coração o peso de ter
derramado sangue desnecessariamente, nem de ter feito justiça
com tuas próprias mãos’...” (v. 30,31).
225
!Sam uel 29.1-11; 30.1-31; 31.1-13

Quando Adão caiu, Deus prometeu um novo Adão por


meio de quem ele restauraria a humanidade. Nas promessas a
Abraão, Deus concentrou seus propósitos de salvação em Israel,
nação por meio de quem ele salvaria a humanidade. Com a
ascensão da monarquia em Israel e a aliança com Davi, os pro-
pósitos salvadores de Deus se concentram no rei. O rei se torna
aquele por meio de quem Deus redimirá Israel e, portanto, por
meio de quem ele redimirá o mundo. O rei é o filho de Deus,
que redimirá Israel, o filho de Deus, que redimirá a raça de
Adão, o filho de Deus. Davi é um tipo do segundo Adão. Ele
aponta para Jesus, o Rei messiânico, 0 verdadeiro Israel e o
segundo Adão.

D a v i e o s c r is t ã o s
No Novo Testamento, Jesus é visto repetidamente como o
novo Davi, o sucessor em quem a aliança davídica é cumprida.
Mas, por meio dessa representação, a aliança davídica também
é aplicada aos cristãos — aqueles que estão em Cristo.
Vemos isso, por exemplo, em 2Coríntios 6.1d— 7.1. Paulo
adverte os cristãos: “Não se ponham em jugo desigual com des-
crentes...” (v. 14). “Que acordo há entre o templo de Deus e os
ídolos?...”, pergunta."... Pois somos santuário do Deus vivo...”
(v. 16). E então reforça nossa condição diferente com uma série
de citações do Antigo Testamento. A última citação dele vem
da aliança com Davi em 2Samuel 7.14: “... Como disse Deus:
[...] ‘lhes serei Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas’,
diz o Senhor todo-poderoso. Amados, visto que temos essas
promessas, purifiquemo-nos de tudo o que contamina o corpo
e o espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus”
(2Co 6.16,18—7.1).
O que é notável é como Paulo complementa a citação ori-
ginal. Ele transforma a referência a um filho (singular) em uma
referência a filhos (plural) e acrescenta uma referência a filhas.
226
!Sam uel 29.1-11; 30.1-3!; 31.1-13

Ele muda a promessa de que o rei será o filho de Deus (singular)


para uma promessa de muitos filhos e filhas. A promessa para
o rei se tornou bem explici-
tamente uma promessa para A promessa para o
todo o povo de Deus. rei se tornou uma
Do mesmo modo, o sal- promessa para todo
mo 2 (o próprio salmo cita o povo de Deus.
e desenvolve 2Sm 7.14) é
aplicado à igreja do primeiro século emTiatira: “Àquele que ven-
cer e fizer a minha vontade até 0 fim darei autoridade sobre as
nações. ‘Ele as governará com cetro de ferro e as despedaçará
como a um vaso de barro’. Eu lhe darei a mesma autoridade que
recebi de meu Pai...”(Ap 2.26-28, citando S12.9). Jesus é o Cristo
supremo, de quem o salmo 2 fala e em quem a aliança davídica
é cumprida. Mas ele dá essa autoridade a seu povo, de modo que
reinamos sobre as nações. Nesta era, fazemos isso (como Ap 12.11
deixa claro) por meio de nossa proclamação do evangelho e do
nosso testemunho fiel, mesmo que isso nos custe a vida.
Como vimos, em ljoão 2.18-27 João adverte seus leito-
res a respeito do anticristo vindouro. Entrementes, aqueles
que abandonaram a igreja já são “anticristos”. O espírito do
anticristo já está em ação naqueles que abandonaram a igreja
porque eles negam a verdade sobre Jesus. Nesse contexto, João
diz que seus leitores “têm uma unção que procede do Santo,
e todos vocês têm conhecimento” (v. 20). Lembre-se dc que a
palavra “cristo” ou “messias” significa “Ungido”. Assim, os cris-
tãos são cristos porque temos uma unção real, em contraste
com a falsa unção dos anticristos (v. 27). Há um anticristo vin-
douro, junto com muitos anticristos, com uma unção que é
uma falsificação. E há um Cristo vindouro, com muitos cristos
{cristãos) com uma unção do Espírito.
Assim, as promessas dadas explícitamente a Davi e as pro-
messas implícitas em sua vida apontam tanto para Jesus, o
227
!Sam uel 2 9 . 1 1 3 ‫־‬11; 30.1-31; 31.1‫־‬

Cristo, quanto para todos aqueles que estão em Cristo. Reina-


mos como cristos em Cristo quando estendemos seu reino por
meio da proclamação do evangelho.
Tudo isso é retratado na ascensão e queda do rei Saul, que
parecia o cristo e não era; e nas escolhas, nas lutas e no reinado
do rei Davi, que parecia muito diferente de um cristo e, no
entanto, foi o maior rei de Israel até 0 Cristo, o Senhor Jesus.
Nesse sentido, toda a história do povo de Deus e do mundo,
desde a vinda do primeiro Adão até a volta do segundo Adão, é
apreendida no relato de dois reis que é o livro de lSamuel.Ter-
minamos com um deles tendo caído sobre sua espada e o outro
estando pronto para reinar. Terminamos com um nos mos-
trando a futilidade de desobedecer a Deus e resistir aos seus
propósitos e o outro nos apontando para o Rei mais humilde,
mais sábio e mais amoroso de todos — Jesus de Nazaré.

P e r g u n ta s p a r a r e fle x ã o
1. Como você resumiría a mensagem de 1Samuel em uma
só frase?
2. Como ISamuel mostra quem é Jesus e nos leva a apreciá-lo
e louvá-lo mais?
3. Como você seguirá o exemplo de Davi em sua própria vida?

228
GLOSSÁRIO

acomodação. Concessão.
aliança. Acordo com obrigações entre duas partes,
ambíguo. Indefinido, incerto.
anais. Registros. Nesse caso, isso incluiría os livros de 1 e 2Reis e
1 e 2Crônicas.
Ancião de Dias. Nome de Deus que se refere a sua natureza eterna,
antiteístas. Pessoas ativamente opostas à convicção de que Deus
existe.
apologética. Argumentação racional.
Arão. Irmão de Moisés; o primeiro sacerdote a servir no Taber-
náculo. Os sacerdotes de Israel eram escolhidos dos deseen-
dentes dele (veja Ex 28 e 29).
arca de Deus. Também chamada de Arca da Aliança. Um baú
que continha as tábuas inscritas com os Dez Mandamen-
tos (Êx 25). Era um símbolo da presença de Deus com os
israelitas.
arcano. Secreto, enigmático, de interesse para poucas pessoas ou
entendido por poucas pessoas,
arco narrativo. A trama geral de uma história,
assertivo. Que demonstra segurança em suas palavras,
auspicioso. Que demonstra um sinal de futuro êxito,
autorrenúncia. Autoncgação.
baalins e astarotes. Falsos deuses pagãos que eram adorados
pelos cananeus que viviam em volta de Israel,
blasfêmia. Desrespeito ou zombaria em relação a Deus.
cânon. A coletânea de textos aceitos como a Palavra de Deus.
casa do Senhor. O Tabernáculo.
colete sacerdotal/éfode. Túnica especial usada por sacerdotes
enquanto ministravam no templo (veja Ex 28).
consagrado. Separado como santo.
GLOSSÁRIO

coletivo. Algo feito em grupo.


credibilidade. O direito de alguém de ser considerado digno de
confiança.
críptico/criptografado. De significado obscuro,
descendência. Filhos ou descendentes,
dissoluto. Libertino,
dissonância. Distanciamento,
elixir. Poção mágica.
enaquins. Povo que em certa época viveu no sul da Palestina,
famoso por sua altura e identificado com os nefilins.
epítome. Exemplo perfeito,
estéril. Incapaz de ter filhos.
ética situacional. Ética segundo a qual algo é certo ou errado
conforme a situação ou o contexto particulares,
etiqueta. Conduta cortês.
expiação. Meio de restaurar a amizade com alguém,
expressão idiomática. Expressão com novo significado, diferente
daquele que tem as palavras isoladamente. Por exemplo: “Ele
ficou irado e soltou os cachorros”,
fábulas de Esopo. Compilação de histórias contadas por um grego
antigo, Esopo. A maioria delas tem uma mensagem moral,
fornicação. Sexo fora do casamento,
frenético. Enérgico, furioso,
fugitivo. Alguém escondido para escapar da prisão,
genealogia. Lista de antepassados.
graça. Generosidade imerecida e superabundante. Nesse con-
texto, o privilégio de ser chamado povo de Deus.
hereditário. Passado de pai para filho.
humanista. Cosmovisão segundo a qual a humanidade, e não
algum ser divino ou sobrenatural, tem importância suprema,
incircunciso. Deus ordenou no Antigo Testamento que os
homens dentre seu povo fossem circuncidados para mostrar
fisicamente ao mundo que o conheciam, confiavam nele e
230
GLOSSÁRIO

pertenciam ao povo de Deus (veja Gn 17). Assim, ser incir-


cunciso era sinal de não fazer parte do povo de Deus.
ironia. O oposto do que se esperava que fosse.
Isabel. Mãe de João Batista. Permaneceu sem filhos durante mui-
tos anos até engravidar miraculosamente de João, já estando
idosa (veja Lc 1).
Jeremias. Profeta do Antigo Testamento,
lacuna de credibilidade. Obstáculo à fé.
lançar sortes. Tomar uma decisão baseando-se em um resul-
tado aparentemente aleatório, como o cair de uma moeda. No
entanto, no Antigo Testamento, lançar sortes com o Urim e o
Tumim era um modo dado por Deus de receber sua orientação,
leis levíticas. As leis que Deus deu ao seu povo, relatadas em
Levítico.
lira. Instrumento de cordas que lembra a harpa,
metafórico. Relativo a metáfora, comparação em que um sím-
bolo representa uma verdade mais profunda,
microcosmo. Representação em miniatura dos aspectos de algo
maior.
miríade. Número muito grande.
missional. Algo que transmite ou promove a mensagem de Deus
para não crentes.
monárquico. Relativo ao que tem um rei ou rainha como líder,
nefilins. Gigantes (veja Gn 6.4).
novilha. Vaca nova.
novos ateus. Os que acreditam que não há Deus e que a reli-
gião deve ser ativamente atacada. Entre os mais famosos estão
Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Sam Harris,
parodia. Imitação pobre, às vezes cômica.
"pastor" das ruas. Na Inglaterra alguém que socorre pessoas à
noite, na comunidade, tipicamente na área de clubes e bares
em áreas urbanas.
penitências, missas e indulgências. Rituais no catolicismo romano
que, segundo se acreditava, reduziam o período de punição da
231
G L O S S Á R IO

alma no purgatório após a morte. A penitência envolvia confcs-


sar os pecados ao sacerdote e executar um “ato de penitência”;
missas eram cultos de comunhão sagrada; indulgências eram
doações à igreja.
perfilados. Soldados reunidos para revista,
pluralista. Sistema de crenças que admite mais do que uma res-
posta certa, ou “verdades” contraditórias (veja relativismo),
pseudociência. Algo que parece científico, mas é uma fraude,
reducionista. Exageradamente simplificador.
rei designado. Alguém que foi designado rei, mas ainda não
governa como rei.
relativismo. A ideia de que não há o certo ou o errado absolu-
tos. Em vez disso, o certo e o errado mudam, dependendo da
situação.
Sansão. Líder de Israel durante o período dos juizes, também
nascido de uma mulher infértil (veja Jz 13—16). Geralmente
é lembrado por sua força sobrenatural,
santuário. A parte do Tabernáculo em que a Arca era guardada,
satíricos. Pessoas que usam humor para zombar dos defeitos de
outros.
secular. Atitudes ou atividades sem nenhuma influência religiosa.
Sheol. Palavra hebraica para o submundo, para onde vai a alma
dos mortos.
Sinédrio. Tribunal religioso judaico.
soberano. Quem tem a autoridade suprema ou o governo supremo.
Tabernáculo. Área grande e coberta por uma tenda em que os
israelitas adoravam a Deus e em que sua presença habitava
simbolicamente (veja Ex 26; 40).
teologia. O estudo do que é verdade sobre Deus.
trajetória. Caminho, curso ou padrão.
Urim e Tumim. Usados para receber orientação de Deus e guar-
dados no peitoral do colete sacerdotal ou éfode do sumo sacer-
dote (Êx 28.15-30).
232
G L O S S Á R IO

usurpador. Alguém que toma o poder à força, sem o direito de


fazê-lo.
voz ativa/passiva. Termos gramaticais. Na voz ativa, o sujeito prin-
cipal da oração age. Por exemplo: “O homem [sujeito] comeu
\verbo ativo] dois hambúrgueres”. Na voz passiva, o sujeito da
oração sofre a ação. Por exemplo: “Dois hambúrgueres \sujeito\
foram comidos [verbopassivo] pelo homem”.
Yahweh. O nome pelo qual Deus se revelou a Moisés (Ex 3.13,14).
Literalmente significa: “Eu sou o que sou” ou “Eu serei o que
serei”. A maioria das Bíblias em nossa língua traduz e grafa
esse nome assim: “Senhor ”.

233
APENDICE 1 S am u el e S alm os

Aqui está uma lista de salmos ligados explícitamente à vida


de Davi e aos livros 1 e 2Samuel de acordo com seu título
ou conteúdo.

Salmo 3 Davi íoge de Absalào 2Samuel 15 e 16


Davi recebe um
Salmo 18 livramento da 1Samuel 23—27
perseguição de Saul
Salmo 34 Davi finge estar louco 1Samuel 21
Davi é confrontado
Salmo 51 2Samuel 11 e 12
sobre seu adultério
Davi é traído por
Salmo 52 1Samuel 22
Doegue
Davi é traído pelos
Salmo 54 1Samuel 23
zifeus
Davi é barrado em
Salmo 56 1Samuel 21
Gate pelos filisteus
Davi foge de Saul
Salmo 57 1Samuel 22
para a caverna
Davi foge quando
Salmo 59 Saul envia homens 1Samuel 19
para sua casa
Davi luta contra os
Salmo 60 2Samuel 8— 10
arameus e edomitas
Davi no deserto de
Salmo 63 1Samuel 23 e 24
Judá
APÊNDICE I

A aliança de Deus
Salmo 78 2Samuel 7
com Davi
A aliança de Deus
Salmo 89 2Samuel 7
com Davi
A aliança de Deus
Salmo 132 2Samuel 7
com Davi
Davi foge de Saul
Salmo 142 1Samuel 22
para a cavern a
Davi foge quando
1Samuel 19 Saul envia homens à Salmo 59
sua casa
1Samuel 21 Davi finge estar louco Salmo 34
Davi é barrado em
!Samuel 21 Salmo 56
Gate pelos filisteus
Davi é traído por
1Samuel 22 Salmo 52
Doegue
Davi foge de Saul
1Samuel 22 Salmo 57
para a caverna
Davi foge de Saul
!Samuel 22 Salmo 142
para a caverna
Davi é traído pelos
1Samuel 23 Salmo 54
zifeus
!Samuel 23 Davi vai para o
Salmo 63
e 24 deserto de Judá
1Samuel Davi recebe um
Salmo 18
23—27 livramento de Saul
1Samuel 11 Davi é confrontado
Salmo 51
e 12 sobre seu adultério

235
APÊNDICE 1

2Samuel 15
Davi foge de Absalão Salmo 3
e ló
A aliança de Deus
2Samuel 7 Salmo 78
com Davi
A aliança de Deus
2Samuel 7 Salmo 89
com Davi
A aliança de Deus
2Samuel 7 Salmo 132
com Davi
2Samuel Davi luta contra os
Salmo 60
8— 10 arameus e edomitas

236
APÉNDICE 2 Isra e l n a é p o c a d e !S a m u el

!0 20 30
1_J____ pj____!______ I
20 30 40 km

M AR DA
GÁULEIA
En-dor·

Monte Gilboa a

Bete-Seã ‫י‬

M AR
M E D IT E R R Â N E O Bezeque #
Jabes-Gileade

Afeque ,
• Ebenézer

Mispá
‫ י‬Ramataim ·Silo AMOM
·<
·Gilgal
Betel <
Ecrom* ‫ י‬Micmás
Quiriate-Jearim « »Rama
Bete-Semes · Jebus • Gibeé
Asdode . (Jerusalém) «
·N obe
Vale de Elá ·
A d u lã o · Belém
Gate · MAR MORTO
Queila ·
Floresta de Herete ‫י‬ En-Gedi MOABE
Maom
.1ν ’ Horesa (em Zife) · A Co‫׳‬ma de naquilá

Carmelo
Ziclague ·
BIBLIOGRAFIA

B ergen , Robert D. 1, 2 Samuel. The New American Commen-


tary (Nashville: Broadman, 1996).
B rueggemann , Walter. First and Second Samuel, interpretation
(Louisville: John Knox, 1990).
D avis, Dale Ralph. 1 Samuel: looking on the heart. Focus on the
Bible (Ross-shire: Christian Focus, 2000).
F ir t h , David G. 1 & 2 Samuel.The. Apollos Old Testament (Port
Orchard/Nottingham: Apollos/IVP, 2009).
L eithart , Peter J. A son to me: an exposition of 1 & 2 Samuel
(Moscow, EUA: Canon Press, 2003).
R eid , Andrew. 1 and 2 Samuel: hopefor the helpless (Eastbourne:
Aquila, 2008).
W oodhouse , John. 1 Samuel: looking for a leader. Preach the
Word (Wheaton: Crossway, 2008).

Recomendo de modo especial as obras de Peter Leithart e John


Woodhouse.

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