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AS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS INDEPENDENTES NA ORDEM JURIDICA PORTUGUESA Pelo Prof. Doutor Carlos Blanco de Morais (*) Sumério (**) 1. Nogdo, enquadramento hist6rico-politico ¢ finalismo institutivo, ~ Ll. Caracterizagao. - 1.2. Génese e evolugao. — 1.3. Fundamentos insti- tutivos teleologia. - 2. Delimitagdo conceptual. ~ 2.1. Concepgdes abrangentes e restringentes. - 2.2. Posigio adoptada. - 3. Tipologia elementar. - 3.1. Objecto. ~ 3.2. Natureza juridico-institucional. — 3.3, Natureza das competéncias administrativas exercidas, ~3.4. Desig- nagdo dos titulares, seu estatuto e cessagio de fungdes. 4. Fiscalizagio. 4.1. Da admissibilidade de formas de fiscalizagio politica. ~ 5.2. Do controlo jurisdicional. — 5. O estatuto das autoridades independentes & luz da tipologia das fungdes do Estado e do prinespio da separagao de poderes. (*) Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ¢ da Universi- dade Lusfada — Membro do Conselho Superior da Magistratura. (*) 0 presente trabalho corresponde, com alteragdes, ao artigo —"Le Autoritd Amministrative Independenti nell’ordinamento Portoghese”— publicado na revista ita- liana “Diritto Pubblico Comparato ed Europeo”-Torino-1-2000. ‘As referidas alteragGes resultam, em primeiro lugar, do facto de, tendo mediado cerca de dez meses entre a elaboracdo origindria do texto e a sua publicagdo em Itélia, 0 autor ter modificado pontualmente o recorte de alguns dos critérios de qualificagao das autoridades administrativas independentes. ‘Como consequéncia dessa preciso criteriolégica entendeu-se, no texto em portu- gués que ora se publica, deixar de considerar como instancias independentes, 0 Banco de Portugal e o Defensor do Contribuinte, diversamente do que sucedeu no excurso publicado em idioma italiano. Por outra banda, para além de diversas actualizagées e aditamentos doutrinérios, ei- minou-se da presente versio, ribricas comparatisticas entre 0 Direito portugues ¢ 0 tran- salpino, as quais s6 faziam sentido na versio italiana. 102 CARLOS BLANCO DE MORAIS 1. Nogao, enquadramento histérico-politico e finalismo insti- tutivo. 1.2. Caracterizacao. 1. O despontar das chamadas autoridades independentes e a sua subsequente proliferagdo inscrevem-se num fendémeno de cres- cente desconfianga institucional e societ4ria em relagdo a aptiddo da Administragdo Publica em poder assegurar, de um modo escru- pulosamente imparcial, a tutela de certos bens juridicos ou interes- ses qualificados. Desconfianga que levou o decisor constitucional e o legisla- tivo a criarem determinadas instancias piblicas investidas em fun- ges de consulta, vigilancia e regulagao, cuja estrutura juridica, bem como o estatuto dos seus titulares, foram concebidas de forma a serem relativamente imunes em relagdo a excessos de ingeréncia politica, por parte de governos e de maiorias parlamen- tares comprometidas na aplicagao de programas partidarios. Os érgdos com as caracterfsticas descritas comegaram por constituir um instituto de génese ocasional, destinado a criar encla- ves clausurados, préprios de uma administragdo separada, que, tendo sido originariamente vocacionada para a tutela de certos direitos fundamentais, se expandiu ulteriormente para o campo da fiscalizagao e regulagéo econémica e financeira. Semelhante casufsmo, aliado ao facto de as autoridades insti- tufdas revelarem expressivas dissemelhangas quanto ao respectivo estatuto, modo de designagao de titulares, tipo de competéncias e grau de independéncia em relag&o aos érgdos do poder politico, nao facilitaram a respectiva categorizagao como uma nova espécie, ou um novo modo de ser da Administragao Publica. Tal como se verd, existem determinados érgaos administrati- vos de estrutura hfbrida, cuja catalogac4o como autoridades inde- pendentes, “semi- independentes” (') ou mesmo aut6nomas, varia em conformidade com a heterogeneidade dos critérios utilizados para a sua definigao pelos diversos expoentes jus-publicistas. ()_Equfvoca férmula de GruLIANO AMATO in “Autorité Semi Independenti ed Autorité di Garanzia”-Riv Trim.Dir. Publ-3-1997-p. 645 e Seg. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 103 Trata-se de uma situag&o que se torna complexa em alguns ordenamentos europeus, sobretudo num momento como o pre- sente, em que este tipo de autoridades e outras equiparadas se con- verteram numa moda, e em que o poder politico nao hesita em pro- ceder & respectiva criagdo, sempre que enfrenta certo tipo de dificuldades (”). © caso da proposta do “Centro Portugués de Fundagées”, divulgada no ano de 2001, a qual propée a criagdo de uma autori- dade administrativa independente para proceder ao reconheci- mento dos entes fundacionais, proposta essa que nao seré estranha a crise governamental que envolveu a criagao e extin¢ado da Fun- dagfio para a Prevengao e Seguranga Rodovidria. 2. Ainda assim, existe na doutrina portuguesa (*) uma base relativa de aprecivel consenso sobre os atributos mfnimos que, na generalidade, integram a definigao de “autoridade administrativa independente”, sem prejuizo de, na especialidade, ocorrerem divergéncias sobre a incluso, desta ou daquela instituig&o, no refe- rido sector da administragao. Podemos caracterizar autoridade administrativa indepen- dente, em sentido lato, como toda a instancia de natureza publica criada pela Constituigdo ou pela lei tendo em vista o exercicio pre- dominante da fungdo administrativa, sem que, para esse efeito, 0 mesmo centro de poder ou os seus membros se encontrem sujeitos a vinculos de subordinagdo a qualquer 6rgao. juridico-piblico, ou a interesses organizados que respeitem ao dominio sobre o qual incide a sua actividade. Examinemos alguns destes atributos. 3. Sob um ponto de vista subjectivo estamos perante uma instdncia de natureza piblica, a qual, tanto pode revestir cardcter Cir, LuiGt ARCIDIACONO “Governo, Autorité Independenti e Pubblica Amminis- trazione” in “Le Autorité_Independenti-Dir. SILVANO LABRIOLA-Milano-1999-p. 75. (©) Cir. sobre a caracterizago do conceito de “autoridade administrativa indepen- dente” ou “orgdo independente”, D1oco FREITAS Do AMARAL "Curso de Direito Adminis- trativo”-I-Coimbra-1994-p.300; MARCELO REBELO DE SousA “Ligdes de Direito Adminis- trativo"-I-Lisboa-1999-p. 272 ¢ seg; PAULO OTERO “O Poder de Substituigao em Direito ‘Administrativo-II-1995-p. 722; VITAL Morera “Administrago Auténoma e Associa- ‘Goes Paiblicas”-Coimbra-1997-p. 126 e seg; ¢ Jost Lucas Canposo “Autoridades Admi- nistrativas Independentes e Constituigao”-I-1998-p. 3 ¢ seg ¢ Il-p. 189 € seg (dissertago policopiada de Mestrado ainda inédita). 104 CARLOS BLANCO DE MORAIS personalizado, como pode assumir também, como alids sucede no tempo presente, a natureza de um simples drgdo, de uma pessoa colectiva. Num e noutro caso integram-se, na Administragao Publica, prosseguindo os fins ou as tarefas fundamentais do Estado-Colectividade. A respectiva inclusdo na esfera do Estado-Administracio, com auséncia de sujeigao a poderes de superintendéncia e tutela governamental, permite distinguir as referidas autoridades, em relacdo a outras instancias, como os institutos piiblicos, que se inte- gram na administragdo indirecta. A distingZo das autoridades independentes, quando personali- zadas, relativamente as fundagées publicas (cujo casufsmo consti- tutivo tem sido total (*)), pode revelar-se menos clara, sobretudo em relacdo aquelas fundagées que disponham de poderes de impé- rio face a terceiros, e cujos titulares dos respectivos érgaos de administragdo sejam nomeados por Orgiaos e instancias diversas, gozando de um estatuto de inamovibilidade e irresponsabilidade durante a duragdo do respectivo mandato. Ainda assim, e diversamente das autoridades independentes, as fundagdes piiblicas sao pessoas colectivas de substracto patrimo- nial integrando-se na administragdo indirecta, j4 que, por regra, se encontram sujeitas a vinculos de superintendéncia do govemo (°). E mesmo que tal vinculo nao seja estabelecido, em razio de lei que omita os mesmos poderes de orientagao, as fundagdes em questo estardo pelo menos sujeitas a poderes de tutela do governo. 4. No plano da natureza do acto constitutivo, as autoridades independentes portuguesas sao criadas através de uma norma juri- dico-ptiblica, que poderd revestir natureza constitucional ou legal. O processo de criagao legal passou, alias, partir de 1997, a ficar habilitada por uma norma constitucional expressamente intro- duzida para esse efeito (0 n.° 3 do art. 267° da CRP). (*) Sem prejutzo da perspectiva de criago num futuro préximo, de um denomina- dor jurfdico comum, de acorde com o disposto na alinea u) do art. 165.°, aprovado na Revis8o Constitucional de 1997. ©) Cfr. sobre as fundagies piblicas, CARLOS BLANCO DE Morais “Da Relevancia do Direito Paiblico no Regime Juridico das Fundagdes Privadas”-Estudos Castro Mendes -Lisboa-1995-p. 564. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 105 5. Sob um ponto de vista objectivo as autoridades adminis- trativas independentes sao chamadas ao exercicio da funcdo admi- nistrativa, devendo as atribuigdes que Ihe sio cometidas respeitar ao desempenho exclusivo, ou dominante, da referida actividade juridico-publica. No contexto do exercicio da referida fungao, as instancias tanto podem desempenhar competéncias consultiva e de fiscaliza- ¢Go, como exercer também aquelas que se integram na chamada “administragdo activa”, existindo neste ponto, alguma discrepan- cia doutrindria, j4 que, como se verd, alguns autores circunscrevem a natureza das referidas autoridades, ao desempenho de fungdes integradas neste ultimo tipo de administracao. A administragao activa importa a assumgao pelas autoridades em exame, de poderes deliberativos ou decisérios, dos quais resulte a aprovacdo de pareceres vinculativos, de actos adminis- trativos, ou mesmo de regulamentos dotados de eficdcia externa, € de consequente “jus imperii”. 6. Finalmente, no que concerne a natureza da relagdo juri- dica que a administracao independente estabelece com os 6rgios do poder politico, nomeadamente com os érgdos de soberania, observa-se que a mesma se caracteriza por uma auséncia de vin- culos sujeigdo da primeira em relagdo aos segundos, seja no Ambito do exercicio das suas competéncias, seja quanto ao estatuto dos seus titulares. Isto significa que, em primeiro lugar a administragao em and- lise nao se encontra, tal como se antecipou, subordinada a direcgao hierarquica do Governo (diversamente do que sucede com a admi- nistracao directa). Tao-pouco se encontra sujeita a sua orientagao, ou “indirizzo”, (contrariamente ao que ocorre com a administragao indirecta). E, finalmente, nao se encontra submetida a formas de tutela ou controlo de legitimidade ou mérito (ao invés do que se perfila com a administragao auténoma) (°). Significa, em segundo lugar, que a mesma administraga0 nado responde funcional ou politicamente perante 0 Parlamento (ou (©) Sobre os vinculos ao Governo das variantes tipicas de administragao, vide al d) do art. 199.° da Constituigao. 106 CARLOS BLANCO DE MORAIS qualquer outro 6rgio), ao invés do que sucede com o Governo, na sua qualidade de érgdo superior da Administracao Publica. Daqui desponta a impossibilidade de os Grgaos nela integra- dos poderem ser demitidos ou dissolvidos, por qualquer outra ins- tancia de poder. Significa, também, em terceiro lugar, que 0 processo de designagdo dos respectivos titulares deve respeitar certos requisi- tos pessoais e assegurar, nesse contexto, minimos de idoneidade objectiva para o exercicio do cargo, impondo-se igualmente a garantia da sua inamovibilidade e irresponsabilidade pelas posi- ¢6es ou condutas que assumam no desempenho das suas fungées. 7. Se a auséncia de vinculos de subordinacao directiva e orientativa ante o Governo aproxima a administragao independente da administracao auténoma, existem, ainda assim, pelo menos trés factores que potenciam uma distingdo entre ambas. O primeiro reside no facto de a administragdo auténoma envolver, necessariamente, sujeitos personificados, distintos do Estado-Pessoa, que prosseguem interesses ptiblicos especificos, enquanto a administragdo independente é composta, tanto por Orgdos, como (hipoteticamente) por pessoas colectivas que pros- seguem os fins que respeitam ao Estado-Pessoa ou ao Estado Colectividade. O segundo factor, conceme ao facto de ndo existir um vinculo de tutela governamental sobre uma autoridade independente, con- trariamente ao que sucede com as instancias da administragao auténoma. O terceiro, respeita circunstancia de a administragao inde- pendente nao consistir num auto-governo de interesses organiza- dos, pautado por um nexo de representagdo ou de responsabilidade dos seus titulares face a esses mesmos interesses (7), contraria- mente ao que ocorre com a administragao auténoma. 1.2. Génese e evolugio. 8. As autoridades administrativas independentes surgiram em Portugal no decurso da vigéncia da Constituigao de 1976. (©) Cfr. sobre caracterizagio de administrago autnoma, VITAL. MOREIRA, op. cit. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 107 Tal como tem sucedido com os ordenamentos europeus, em que 0 tratamento da figura pela doutrina e jurisprudéncia se acen- tuou sobretudo nas ultimas duas décadas (°), a sua positivacao jurf- dica e subsequente difusdo no ensino do Direito portugués pode ter-se como relativamente recente. Poderemos, a este propésito sub-distinguir trés perfodos na sua génese, bem como na sua evolucao doutrindria e juridico- -positiva. 9. O primeiro periodo, foi marcado por um tratamento inci- piente da figura em exame. Sem prejufzo de se ter reconhecido a atipicidade do “status” destas autoridades, acabaram as mesmas por ser reconduzidas a uma dimensao avangada da “administragao aut6énoma”. A questio ter sido pela primeira vez abordada com destaque a propésito da “Comissdo Nacional de Eleigdes” (CNE), 6rgéo criado pela Lei n.° 71/78 de 27 de Dezembro, a qual lhe cometeu a competéncia de garantir, no quadro do exercfcio de competéncias administrativas, a regularidade, esclarecimento e isengo dos actos eleitorais. O facto de 0 proprio n.° 2 do art. 1.° da mesma lei qualificar a CNE como um “érgdo independente que funciona junto da Assembleia da Republica”; a circunstancia de os seus membros serem produto de um processo de designagio tripartida (°) pelos 6rgdos de soberania representativos das fungdes legislativa, admi- nistrativa e judicial; e ainda o facto de o n.° | do art. 4.° da mesma lei garantir a independéncia dos mesmos titulares no exercicio das suas fungGes, constituiram dados que geraram algumas perplexida- des jurisprudenciais num sistema administrativo estadual em que, por tradigo, toda a administrago do Estado-Pessoa sempre dependeu, em graus diversos, do Governo. O Tribunal Constitucional, comegou ambiguamente por defi- nir a CNE como um “6rgdo sui generis de administragdo eleito- ral” ('°), reportando-se no quadro de um cimulo difuso, a sua ©) Vivat Morera, op. cit, p. 129. ©) Cir. JORGE MIRANDA “Sobre a Comissio Nacional de Eleig6es” - “O Direito” -ano 124-IN-1992-p. 331. () Ac. do T.C. n.° 165/85 de 24-8. 108 ‘CARLOS BLANCO DE MORAIS “qutonomia ou independéncia”, expressées que implicam neces- sariamente realidades diversas, mas que aquele 6rgio jurisdicional nao diferenciou. J4 em 1989, quando a doutrina jus-administrativista dava pas- sos na singularizagdo da administragéo independente como um sector “a se” da Administragao Publica, o Tribunal Constitucional, como sempre fiel & sua iconografia jurisprudencial pretérita, conti- nuava a referir-se 8 CNE como érgio “auténomo do poder exe- cutivo”, embora, simulténea e contraditoriamente, langasse pontes para as teses emergentes, aludindo a sua natureza de 6rgao “inde- pendente e ndo integrado na organizagao administrativa do Governo”, ("'). Outros 6rgdios com caracteristicas semelhantes a CNE, como foi o caso da “Alta Autoridade para a Comunicagdo Social” foram posteriormente criados por revisao constitucional (1989), enquanto que outros, ainda, foram institu{dos por simples lei ordinaria, levando a doutrina a reflectir sobre a respectiva natureza. 10. Essa reflexao, caracterizada pelo reconhecimento da natu- reza efectivamente independente de um sector da administragao e pela problematizagao constitucional da sua tipicidade, corporizou © segundo periodo da “fermentag’o” do instituto em andlise. Assim, ainda em 1986, Freitas do Amaral ('?), procurando superar a pouco ambiciosa conceptualizagao feita pela jurispru- déncia constitucional (que se quedou, como vimos, pela constata- ¢40 dos atributos de atipicidade e peculiar autonomia das referidas instancias administrativas) acabou por reconhecer-lhes explicita- mente, cardcter independente. As principais caracteristicas prototipicas das autoridades independentes consistiriam, no seu entender, no facto: — de os membros dessas autoridades serem, por regra, eleitos pelo Parlamento ou integrados por titulares designados por entidades privadas; —de as mesmas nio representarem o Governo pese o facto de se incluirem na administragdo central do Estado; (") Ac. n.° 605/89, de 19-12-DR. de 2-5 de 1990-2." Série. (®) FREITAS DO AMARAL “Curso de Direito Administrativo”-I-Coimbra-1986- p. 299. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 109 — de nao deverem obediéncia a qualquer outro 6rgéo; —de os seus titulares serem inamoviveis e irresponsdveis pelas suas opinides e pela tomada de deliberagdes no érgao; — de os referidos 6rgdos nao poderem ser dissolvidos ou demitidos; —e de os seus pareceres serem, por regra, vinculativos. Como exemplos destes 6rgdos, para 14 da CNE, figurariam os entio Conselho Permanente de Concertagao Social e Conselho de Comunicagéo Social. Em 1991, Jorge Miranda, reexaminando a natureza da “Comissdo Nacional de Eleigdes”, entendeu que a CNE, pese nao constituir um 6rgio de soberania ou um érgao constitucional “(...) pode e deve aproximar-se de certos Orgdos constitucionais, como a Alta Autoridade para a Comunicagao Social, 0 Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria Geral da Republica eo Consetho Superior da Defesa Nacional. Tal como estes drgdos, ela surge como um 6rgdo do Estado «a se» ou, mais precisamente, como um érgdo independente da Administragao”. A circunstancia de algumas das instancias assinaladas como independentes pela doutrina anteriormente examinada serem cria- dos pela Constituigdo e de outras serem instituidas pela lei, levou um sector doutrindrio a problematizar, com pertinéncia, a questio da inconstitucionalidade dos segundos ('). ‘Assim, considerou a mesma sensibilidade que a criacdo de 6rgios da administragao independente por lei ordindria deveria resultar, ou de uma habilitagao constitucional expressa, ou da res- pectiva deducdo a partir de disposigao constitucional de onde se pudesse extrair a independéncia de certas reas da actividade admi- nistrativa, em relagao ao Governo. Este “principio da tipicidade constitucional da administra- ¢do independente” justificar-se-ia no pressuposto de que o legisla- dor nao poderia subtrair livremente, sob pena de fraude & Consti- tuigdo, tarefas da Administracao Publica, sujeitas aos poderes de direcgao hierdrquica ou de “indirizzo” por parte do Governo, (®) PAULO OTERO, ult, loc. cit, p. 722-723. HO ‘CARLOS BLANCO DE MORAIS como 6rgao superior da Administracao Piiblica, e proceder 4 sua “desconcentracao total”, conferindo-as a autoridades administra- tivas desvinculadas em relagao ao primeiro e irresponsdveis perante o Parlamento. 11. As dividas sobre esta matéria, que nao chegaram a ser objecto de uma prontincia por parte da Justi¢a Constitucional, con- trariamente ao que sucedeu em outros Estados europeus ('*), aca- baram por ser, bem ou mal, solucionadas pela revisdo constitucio- nal de 1997. Com ela nasceu 0 terceiro periodo de evolugdo das autorida- des independentes, marcado por uma disposigao da Lei Funda- mental que habilitou expressamente o legislador na faculdade de criar este tipo de organismos, passando a pontificar um principio constitucional de “ndo tipicidade” das mesmas autoridades. Assim, 0 n.° 3 do art. 267.° estabeleceu claramente que: “A lei pode criar entidades administrativas independentes”. Os trabalhos preparatérios da reviséo revelam uma discussao n&o muito rica sobre esta matéria, surtindo, ainda assim, da inter- vengao dos deputados que tomaram a palavra em nome das duas maiores formagoes partidérias, que ('5): —os referidos entes seriam “6rgdos” e “servigos” que por regra integrariam a Administragao Directa do Estado, e que ficariam subtrafdos aos poderes de hierarquia e supe- rintendéncia do Governo; — se teria introduzido uma credencial constitucional para a criago por lei parlamentar das referidas “entidades”, como forma de ultrapassar os reparos feitos pela doutrina, em relagdo a constitucionalidade de leis que procediam 4 mesma criagao, sem a habilitagdo devida na Constitui¢ao da Repiiblica. 12. Embora se estime como oportuna a constitucionalizagao de uma autorizagdo destinada a possibilitar a génese legal de auto- () Sobre a mesma questo em Franga, vide PAULO OTERO, ult. loc. cit, p. 723 -nt.108; ¢ VITAL MOREIRA, ult. loc. cit., p. 134, nt.170. (3) Cfr. D.A.R. n.° 104-31 de Julho de 1997, nomeadamente as intervengoes dos deputados Moreira da Silva e José Magalhies. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 111 ridades independentes, cumpre fazer trés objecgGes solucao con- sagrada pela reviséo de 1997. A primeira, de ordem técnica, nao pode deixar de considerar como pouco apropriada a expressdo “entidades independentes”. Na gfria do Direito Publico, uma “entidade” ou “ente”, con- siste numa pessoa colectiva, um sujeito dotado de personalidade juridica, natureza que nao envolve a totalidade das autoridades independentes existentes, as quais, como concedem alids os pré- prios deputados que debateram a revisdo, consistem em “érgdos” e “servigos” da pessoa colectiva “Estado” ('°). Se os artffices da revisdo estimaram que as “entidades admi- nistrativas independentes” constitufam um sin6nimo da figura das “autoridades administrativas independentes” ('7), deveriam ter, para o efeito, utilizado esta tiltima formula, a qual pela sua maior abrangéncia, inclui virtualmente na sua esfera material quer “6rgdos” quer pessoas colectivas. A segunda objeccdo € de ordem politico-legislativa, e censura © facto de se conceder ao legislador uma habilitagdo em branco, ja que a norma constitucional nao referenciou, quer os dominios onde, em abstracto, a instituigdo dessas autoridades poderé ter um minimo de justificago material, quer o fim que preside a activi- dade que desenvolvem. Pode, em consequéncia, 0 legislador parlamentar, em face do desmoronamento do “princfpio da tipicidade” destas autoridades, constelar a Administraco de conselhos de sdbios, carentes de legi- timidade democratica, impermeabilizados ao poder de “indirizzo do Governo”, erigidos a intteis duplicadores da fungao adminis- trativa, e possuidores, segundo algumas opinides, de porgées de poder executivo que exercem 4 margem de critérios mfnimos de unidade de accao administrativa. Permite-se, por outra banda, ao legislador governamental, sobretudo em 4reas de natureza econdmica, criar por decreto-lei toda a espécie de “quangos” travestidos em autoridades indepen- dentes, dirigidos por elementos “inamoviveis” da sua confianga politica, destinados a desempenhar, fora de um quadro de respon- (9) Cfr. Deputado Moreira da Silva, ult .loc. cit. ("?) Dep. José Magalhies. wz CARLOS BLANCO DE MORAIS sabilizagao politica perante o Parlamento, tarefas préprias da Administragao Directa que por conveniéncia sejam cometidas as mesmas instdncias-satélites. Ante a auséncia absoluta de um critério finalistico fundamen- tador da constituigao dessas autoridades, no quadro de uma exi- géncia de necessidade, teria sido, pelo menos, conveniente, que as leis que procedessem a criacdo “ex novo” de instancias desta natu- reza (sobretudo quando dotadas de poderes constitutivos), reves- tissem cardcter reforgado, através da sua aprovagdo por maioria parlamentar qualificada. Isto porque, pese a inexisténcia de uma reserva geral de admi- nistragéo governamental na Constituigdo portuguesa, surge, pelo menos, como agressivo para o principio da separacdo de poderes, que leis desprovidas de um largo consenso parlamentar possam expropriar, sem mais, a esfera material de competéncia do Governo, como 6rgao superior da Administragao (art. 182.° da Constitui- G40), em beneficio de instituigdes imunes a um poder mfnimo de “indirizzo”, e potencialmente blindadas contra formas adequadas de responsabilizagao democritica. Observe-se a este propdésito que durante os trabalhos prepara- t6rios de uma recente e abortada revisdo da Constituigdo italiana, 0 art. 109.° do projecto concebido pela comissdo bicameral (8) habilitava a criagao de autoridades independentes dentro de um conjunto de pressupostos, finalidades e limites, a saber: — as autoridades independentes deveriam ser institufdas por lei (parlamentar); — 0 fim institutivo das mesmas instancias consistiria no exer- cicio de fungdes de garantia e vigilancia em matéria de direitos e liberdades consagrados na Constituigao; — os membros das referidas autoridades seriam eleitos pelo Senado, mediante deliberagdo aprovada por uma maioria qualificada de trés quintos; —a lei constitutiva determinaria a duracio do mandato dos mesmos titulares, os requisitos de elegibilidade e as condi- ges de independéncia. ("®) Cfr. MICHELA MANETTI. “Autorit& Independenti: Tre Significati per Una Cos- tituzionalizzazione”- “Politica del Diritto”-1997-n.° 4-p. 657 € Seg. ‘AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 113 Sem prejuizo da natureza algo redutora das actividades come- tidas as referidas autoridades pelo projecto (as quais sao sobretudo erigidas a 6rgaos de fiscalizagéo e de controlo e nao, concomitan- temente, a estruturas de regulacdo e arbitragem tal como sucede com outras autoridades da mesma natureza j4 h4 muito institufdas em Itdlia) verifica-se ter havido uma forte conscencializagaéo da necessidade limitativa do seu enquadramento. Diversamente, o decisor portugués, numa linha comporta- mental tfpica da quarta reviso constitucional, previu a forma de criagZo de um instituto, sem que tenha assumido qualquer preo- cupacao em o definir e em avaliar a consequencialidade juridico- -polftica e administrativa decorrente dessa mesma criacao. A terceira objecgGo, de natureza competencial, destaca 0 facto de, contrariamente ao propésito manifestado pelos deputa- dos (!°) em erigirem uma reserva de competéncia parlamentar rela- tivamente aos actos legislativos criadores destas autoridades, nao resultou da revistio de 1997 a instituigdo da referida reserva, que- dando-se a criagdo das autoridades administrativas independentes, num universo de poderes legislativos algo controvertido @). Como demonstram certas posigées doutrindrias (*'), a criagao e regime juridico das autoridades administrativas cuja actividade respeite & matéria dos direitos fundamentais inclui-se no 4mbito da reserva relativa de competéncia legislativa da Assembleia da Repiblica (”) (a qual nao preclude a faculdade de o Parlamento conceder ao Governo, uma delegacdo legislativa para 0 efeito). Sobre este ponto, embora se aceite que a insergdo na reserva relativa de competéncia parlamentar ocorra necessariamente com a disciplina de érgdos dotados de competéncias decisérias, que assumam fungées de garante de direitos de liberdade, ou que regu- lamentem e autorizem vertentes do seu modo de exercicio, 0 mesmo j4 no terd necessariamente que suceder com instancias dotadas de poderes puramente consultivos, ou de fiscalizagao pura- mente exortativa. () Cf. D.A.R. nota 15. 21) José Lucas CarDoso, op. cit, p. 364. @) Cfr. al. b) do art. 165.°da CRP. 114 ‘CARLOS BLANCO DE MORAIS Tal sucede porque, da actividade destes uiltimos nio decorrem efeitos constitutivos na proteccdo ou nos termos do exercicio dos referidos direitos. J& nas restantes matérias (nomeadamente em dom{nios econémicos e financeiros), caso ndo exista uma reserva parla- mentar explicita sobre um dominio em particular, a institui¢ao das autoridades independentes quedar-se-4 no dominio de concorrén- cia legislativa alternada entre 0 Govemo ¢ a Assembleia da Repti- blica. Fica igualmente em aberto, a possibilidade te6rica de as assembleias legislativas regionais criarem autoridades independen- tes em matérias de interesse especifico. 1.3. Fundamentos institutivos e teleologia. 13, Em termos gerais, a recente multiplicagéo das autorida- des administrativas independentes na Europa Continental acompa- nhou, uma recente onda de desconfianga da classe politica nela propria, no que tange a efectiva imparcialidade dos titulares que faz eleger para 6rgaos politicos, quando investidos em fungdes relativas a tutela de certas dreas sensiveis que reclamam uma ele- vada taxa de isencao. Ainda assim, semelhante fenédmeno nao dei- xou de assentar em fundamentos de ordem particular que importa examinar. Seguindo algumas linhas de forga que nao se distanciam da excelente elaborac&o que, sobre a matéria, foi gizada por certos expoentes da doutrina italiana (””), consideramos serem predomi- nantemente trés, as razGes que presidiram 4 consolidagao do novo sector da administrag4o ptiblica que se encontra em exame. 14. A primeira razdo prende-se a um fenédmeno que jé tive- mos 0 ensejo de descrever noutra sede (**) e que consiste na parti- darizagao dos cargos dirigentes da Administragao Piiblica e res- pectivas consequéncias na isencao da actividade administrativa. @) Vide o interessante artigo de EUGENIO Di MARCO “Funzione delle Autorité Independenti”-in “Le Autorité (...)” op. cit, p. 112¢ Seg. @)_ CARLOS BLANCO DE MoRAIs “As Leis Reforgadas” Coimbra-1998-p. 980 e Seg. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 115 Num “Estado de Partidos” em que o fenémeno representa- tivo deixou h4 muito de passar pelo binémio eleitor-eleito, para se inserir na triangulagao eleitor-partido-eleito, a escolha da Alta Administragéo passa a ser feita fundamentalmente pelo Governo na base de critérios de confianga polftico-partidéria, e nem a emis- sao de legislagdo-cartaz em matéria de concursos para Certos car- gos dirigentes, como sucedeu em Portugal depois de 1995, logrou contrariar o poder autoreferente dessa légica sinecurial. Uma Alta Administracao partidarizada, clientelar, e nao pro- fissional, ndo apenas se pauta por uma eficdcia probleméatica, que é responsdvel, alids, pelo aumento da componente técnica dos gabinetes ministeriais (obrigados a executar tarefas que competi- riam & mesma administragao), mas também por uma imparciali- dade baga na execugio de certas politicas publicas. Ora, no ambito de certos dominios, como os respeitantes 4 tutela de dimensées especificas de certos direitos fundamentais e até de interesses difusos qualificados, caracterizados pelo cardcter dificilmente repardvel 5) das consequéncias decorrentes da res- pectiva violagao (5), foi sentida a necessidade de se cometer fun- ges de vigilancia, de controlo preventivo e sucessivo, de reco- mendagao, de consulta e de sangao, a instancias nao dependentes do poder politico, e por isso mesmo garantes de uma mais elevada taxa de imparcialidade na respectiva actuagao. Veja-se, sintomaticamente, que o acréscimo deste tipo de autoridades coincidiu historicamente com: —a multiplicacdo de escAndalos graves que abalaram certos sistemas politicos, seja em razdo da promiscuidade crimi- nosa entre interesses ptblicos e particulares (casos italiano e francés), seja em razdo do comprometimento de titulares do poder politico e da administragéo publica ligada 4 segu- tanga, com formas de Tepressao delitual (Espanha); —o reforgo de poderes arbitrais de determinados 6rgaos constitucionais de desempenho ordinariamente protocolar € notarial (caso do Presidente da Reptblica italiana); () fr. Rrra Perez “Autorita Independenti e Tutela dei Diritti”-Riv. Trimm. Dir. Pub.-1997-n.° 3-p. 133. 7) Caso do exercfcio de direitos de natureza eleitoral, do direito de comunicago social, ¢ do direito & obten¢fo de documentos. 116 CARLOS BLANCO DE MORAIS —o fortalecimento do estatuto de independéncia da magis- tratura judicial e da autonomia do Ministério Publico, e o seu crescente poder inquisitivo e até paradoxalmente peda- gogico e injuntivo, em relagéo a uma Administragao Piiblica enfraquecida (Itdlia, Espanha e Portugal); —o protagonismo de certas instancias tripartidas de concer- taco social destinadas a instruir os processos politicos € administrativos de decisao através da participagio de estruturas representativas de sectores econdémicos e sociais da comunidade. 15. Em segundo lugar, as metamorfoses do processo de inte- gragfio comunitéria, associadas A reforma do Estado Social ou assistencial, emulsionaram a criagao de instancias independentes, no dominio econémico. Por um lado, a maré conservadora da década de oitenta deter- minou uma revisao das politicas intervencionistas que até af ponti- ficavam e favoreceu uma légica desreguladora e privatizadora que erigiu, apés os acontecimentos de 1989, o império global da Economia de Mercado. Como salientam certos autores (77) a intervengdo directa dos poderes ptiblicos na economia cedeu lugar a uma presenga publica indirecta, de natureza mais arbitral ¢ tutelar do que directiva, e mais consenténea com a liberdade equilibrada dos agentes do mercado, do que com o programatismo dirigista pre- cedente. O Direito Ptiblico molda-se a esta légica privatisica que reclama a constituigio de agéncias reguladoras e fiscalizadoras de perfil neutral, destinadas a garantir com imparcialidade efectiva, o cumprimento das regras do jogo da economia de mercado, evi- tando distorgdes concorrenciais e formas diversas de abuso de posicao dominante. O processo de integrago comunitéria reforgou esta tendéncia, sobretudo apés a aprovacio do Acto Unico e do Tratado da Uniao @)_SABINO Cassese “Stato e Mercato dopo Privatizzazione e desregulation”-Riv ‘Trimm Dir Pub.-1991-n.° 2-p. 384. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 117 Europeia (78), e as principais referéncias de uma nova ordem econémica concorrencial comegam a passar pela criagdo de érgaos independentes de fiscalizagao e regulagao. Constitufam um paradigma desta concep¢ao, certas “execu- tive agencies” e “independent regulatory comissions” que ha décadas pontificam no Direito Norte-Americano ¢ Anglo-Sax6- nico, bem como em abstracto, a figura do “Ombudsman” sueco. O entusiasmo comunitério pela criagdo de ilhas de peritos impermeabilizadas, tanto quanto possfvel, & acco do poder polf- tico, pode ser encontrada num discurso revelador do ex-Comiss4- tio Mario Monti. Este, numa entrevista caracterizada pela mescla da légica politica ( ou apolitica) do mercado, com a autoreferencialidade tipica da elite tecno-burocratica do funcionalismo comunitério, considerou que a relagiio entre a democracia e as instituigdes téc- nicas independentes do poder politico seria compardvel a um depésito que a politica faria numa conta a prazo, © pela qual asse- guraria com proveito, a cust6dia de valores importantes (”°). De qualquer forma, para j4 nao falar na légica institucional independente do Banco Central Europeu, importa referir que 0 contetido de algumas directivas, vai no sentido de impor aos Esta- dos como obrigacdo de resultado, a criagao de certas autoridades independentes ou auténomas, com competéncia para concretiza- rem directamente normagao comunitéria, sem interposi¢&o neces- sdria do Direito interno (*). 16. Em terceiro lugar emerge a nogao controversa segundo a qual a administragao publica, para cumprir com desideratos de efi- cacia, imparcialidade e auséncia de arbitrio na execucao da lei, () Cfr. ABAGNALE “Autorité Independenti ¢ Tratato de Maastricht”-in “Le auto- rité Independenti nei Sistemi Istituzionale ed Economici"-org. PReDiERr-Firenze-1997- ). 117 e Seg. PINT Gs) Entrevista a0 jomal “La Reppublica” de 27 de Dezembro de 1996-p. 7 convo- cada por FELICE GIUFFRE “Declinio del Parlamento Legislatore e Crescita del Potere @inchiesta: La Soluzione al Probblema delle Autorité Independenti?”-in “Le Autorité (..)"-0p. cit-p. 190. () Cir, PAOLA BILANCIA “Attivité Normativa delle Autrité Independenti ¢ Sis- tema delle Fonti”-in “Le Autorité (...)"op. cit-p. 169 ¢ Seg. 8 CARLOS BLANCO DE MORAIS deveria ser crescentemente afastada da influéncia polftica dos Governos. reforgo das administragdes indirecta, aut6noma e indepen- dente contribuiria para essa (supostamente) desejavel distancia; e a Ultima categoria, em razdo do seu peculiar estatuto, da sua espe- cialidade de fins e ainda da independéncia, do reduzido ntimero e do elevado profissionalismo dos seus titulares, constituiria um factor de racionalizag&o, de celeridade, de qualidade e de neutrali- dade no processo de deciséo administrativa. Importaré, agora, aferir as razGes proximas que estiveram na mente do decisor constitucional portugués quando em 1997 deci- diu constitucionalizar a figura das “entidades independentes”. Nos trabalhos preparatérios da revisdo constitucional de 1997 pouco ou nada foi avangado sobre o finalismo das autoridades administrativas independentes, para além da banalidade de as mes- mas terem sido consideradas um “factor de modernizagdo da Administragao Publica”(?'). Ainda assim, nao deixa de ser possivel destacar, fora do refe- rido processo constitucional, uma pluralidade de objectivos de essencialidade publica, prosseguidos por este tipo de administragao. Examinando 0 escopo dominante dos é6rgdos administrativos j4 criados em Portugal, torna-se possivel decantar dois tipos de finalidade. O primeiro parece consistir na criagéo de um dominio de “poder neutro” na Administragao Publica (7). Neutralidade que, como vimos, é pressuposta por diversos factores, de entre os quais cumpre destacar a sua independéncia estatutéria; a auséncia de vinculagdo administrativa das competén- cias que exercem em relagao aos poderes do Governo, bem como de uma responsabilidade politica explicita ante o Parlamento; e os @) DAR. cit, nota 15. ()_ Sobre a fundamentagtio origindria dos pressupostos de criagfio de poderes neu- trais, vide CARL SCHMITT in “Das Problem der Innerpolitischen Neutralitit der Staates in Verfassungsrechliche Aufstitze”-Berlin-1958-p. 41 ¢ seg. Relativamente a0 fenémeno da “neutralizacio” representado pela administragio independente em diversos ordenamentos europeus ¢ norte-americano, vide José Lucas CARDOSO, op. cit., Vol. I, p. 25 € seg. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 119 critérios de designagao através de uma pluralidade de instituigdes, bem como de inamovibilidade, dos titulares dessas autoridades nos Tespectivos cargos; Neutralidade que busca uma imunizagdo juridica frente & actividade desenvolvida por uma administragao politicamente “parcial” corporizada na acg4o do Governo quando o mesmo da execucio ao seu Programa ; frente ao pontificado de maiorias poli- ticas conjunturais que se sucedem no Parlamento; e frente aos inte- resses especificos de sujeitos e de entidades publicas e particulares que se movem na esfera do objecto das tarefas muitas vezes pros- seguidas pela autoridade independente. Neutralidade, que finalmente assenta na necessidade de insti- tuir um poder estavel e isento que garanta em reas sensiveis, a consecugiio de exigéncias de imparcialidade e regularidade de conduta. Tal pode ser o caso de dominios tais como 0 exercfcio de certos direitos fundamentais, a regulacao ou controlo de determi- nadas actividades econémicas ¢ financeiras e o da vigilancia do exercicio de fungées de certos titulares do poder politico (também eles pautados por uma independéncia funcional). O segundo fim, parece ser 0 da mitica da supressao das insu- ficiéncias da administracao directa do Estado, em termos de cele- ridade e eficiéncia, frente as dificuldades criticas de um modelo assistencialista, enfermo de gigantismo, e dotado de crescente incapacidade para assegurar, eficazmente, a realizagao das suas tarefas prestacionistas (*). 2. Delimitagao conceptual. 2.1. Concepgées abrangentes e restringentes. 17. A definigdo de autoridade administrativa independente avangada supra (1.1.), logra fixar, na generalidade, os atributos ©). Cfr. sobre a problematica da crise do Estado Social e a sémula das propostas da teoria do “Direito Reflexivo” tendo em vista a superagdo da mesma crise através da decomposigao do Estado Administragdo, em orgios ¢ entidades auténomas ¢ independen- tes, legitimadas por formas de democracia directa e participativa, vide CARLOS BLANCO DE Morals “As Leis Reforgadas”-cit-p. 990 e seg. 120 CARLOS BLANCO DE MORAIS positivos de um conceito que, ainda assim, carece, na especiali- dade, de alguma delimitagdo, dado que a doutrina se divide sobre a inclusao ou nao de certas instancias, na referida categoria. Daf que, sem prejufzo de a abertura constitucional do deficiente conceito de “entidade independente” prevista no n.° 3 do art. 267.° da CRP permitir alguma liberdade de conformadora do legislador na sua concretizagao, tal nao deve tolher o espaco util do intér- prete doutrinario, no que concerne a delimitagdéo do mesmo conceito. 18. Uma doutrina de pendor “abrangente”, coloca 0 acento da caracterizacao, na auséncia de sujeigao do érgéo ao poder de outros 6rgaos e no estatuto de irresponsabilidade e inamovibilidade dos seus titulares. Admite também que possam ser qualificados como tal, quer autoridades que integram a administragdo consul- tiva (Conselho Econémico e Social), quer insténcias que perten- cem a administragdo de controlo (Tribunal de Contas), quer 6rgdos que exercem formas de administragao activa ou mista (Comissao Nacional de Eleigdes e Alta Autoridade para a Comunicagéo Social) (*). Outra concepgdo doutrinéria de autoridade independente em sentido amplo, embora de sentido mais restritivo, reconduz a esta categoria de administracao, tanto 6rgaos de natureza constitu- cional (como o Conselho Superior de Defesa Nacional, o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria Geral da Reptiblica ea Alta Autoridade para a Comunicagao Social), como érgdos de natureza meramente legal, como a Comissao Nacional de Elei- goes (**). Ainda assim, nao deixa a mesma sensibilidade doutrindria de fixar um critério positivo com efeitos excludentes, relativamente a certas instncias administrativas. No entender da maioria dos autores que sufragam este enten- dimento, os actos deste tipo de autoridades deveriam deter “eficd- cia vinculativa e publicidade”, 0 que pressupGe a sua integracado (4) Diogo FREITAS Do AMARAL, op, cit-Ed. 1994-p. 300 e seg. (9) JORGE MIRANDAcult. loc. cit, p. 206. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 121 necessdria no universo da administragdo activa, excluindo-se a administragdo puramente consultiva (°°) Outra posigio um pouco mais restritiva reforga os critérios positivos anteriormente expressos, com outros que supdem a necessidade de os titulares dos referidos érgaos nao figurarem como representantes dos interesses por eles regulados ou controla- dos, bem como o imperativo de o 6rgio nao se conformar como uma “auto-administragao” sectorial (*”). Outra ainda, para 14 de acolher o critério da nao representa- gao sectorial, exposto pela doutrina anterior, entende igualmente que uma autoridade independente “forte” nao pode exercer apenas fungGes de consulta ou de controlo da prépria administragéo, mas deve antes de mais, assumir um papel predominante de adminis- tragdo activa (**), traduzida na pratica de actos portadores de eficd- cia externa e vinculante. Pode a mesma construgao ser considerada um meio termo entre a primeira e as duas restantes, j4 que ndo nega a natureza de autoridade independente a instancias consultivas, preferindo antes coloc4-las numa classe diminuida de autoridades “fracas”. No respeito destes critérios, o tiltimo expoente citado da refe- rida doutrina exclui a atribuigdo da qualidade de autoridade inde- (%) JoRGE MIRANDA, cit; e MARCELO REBELODE SOUSA, op. cit, p.273. Este tiltimo autor designa-as como drgdos independentes de vocacdo geral e d4 como exemplos, 0 Provedor de Justiga, o Conselho Econémico e Social, a Comiss&o Nacional de Eleigoes & a Alta Autoridade para a Comunicagio Social. Os critérios de caracterizagao dos mesmos Srgéos nfo se afastam dos que foram esbocados por JORGE MIRANDA, figurando entre os mesmos 0 facto de aprovarem delibe- rages sob a forma de actos administrativos dotados de publicidade, ou de elaborarem pareceres, recomendagées ou directivas, caracterizadas, em regra, pela sua vinculati- vidade. Sobre esta posigo, julga-se, em primeiro lugar, que tanto a Comissio Nacional de Eleigées como a Alta Autoridade para a Comunicagdo Social prosseguem fins especificos ‘em dois dominios de actividade bem delimitados, pelo que dificilmente poderdo ser carac- terizados como érgios de “vocacao geral”. Por outro lado 0 Conselho Econémico e Social ndo é investido em poderes admi- nistrativos caracterizados pela sua vinculatividade externa, razo pela qual se no entende ‘a sua incluso, de acordo com os pressupostos avancados pelo ilustre jus-publicista, na ‘Administraco Independente. ©) VITAL MoREIRA, ult, loc. cit, p. 132. (9) José Lucas CARDOSO, op. cit, II vol., p. 187 € seg. 122 CARLOS BLANCO DE MORAIS pendente ao Procurador Geral da Republica, ao Tribunal de Con- tas, ao Conselho de Fiscalizagao dos Servigos de Informagées e Seguranca”, ao “Conselho Superior da Magistratura ”, ao Conse- tho da Concorréncia, ao Conselho Superior dos Tribunais Admi- nistrativos e Fiscais, e a Comissdo da Carteira Profissional do Jornalista. 2.2. Posiggo adoptada. 19, Na observancia da definigdo avangada supra (1.1.) adop- tamos sobre a delimitag4o do conceito de autoridade administracao independente, uma concepgdo ampla com cabimento na expressao constitucional “entidade administrativa independente”. Considera-se, em primeiro lugar, que 0 contetido indetermi- nado que inere 4 mesma expressao nao é limitado por outros pres- supostos materiais, explicitos ou implfcitos, que nao os de “admi- nistragdo” ou de “independéncia”. Daf que se entenda que a f6rmula “entidade administrativa independente” prevista na Constituigao ndo restringe ou circuns- creve o seu Gmbito aplicativo, aos érgdos independentes que inte- gram a administracdo activa. Por conseguinte, nao existem fundamentos para excluir deste sector da administragao todos os érgaos independentes, que exer- cendo a fungao administrativa (), se restrinjam a tarefas de con- sulta, de vigilancia ou de fiscalizagao. Mas a opcio por esta concep¢ao lata nao significa que, todos os poderes de vocacao neutral ou de garantia que desempenhem a funcgao administrativa possam, adequadamente, ser qualificados como autoridades administrativas independentes. Importa, pois, avangar alguns critérios complementares pre- dominantemente negativos, derivados da concretizagao dos atribu- tos “administrativo” e de “independéncia”, que, nos termos cons- titucionais, assinam a morfologia destas autoridades. ©) A tituto principal. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 123 2.2.1. Primeiro critério negativo: — nao integram a catego- ria das autoridades em estudo, todos os érgaos que, sem prejuizo da sua independéncia estatutdria e competencial, nado desenvolvam competéncias administrativas como tipo predominante de acti- vidade. 20. Bo caso da Procuradoria Geral da Repiblica, que, como 6rgao superior do Ministério Publico (n.° 1 do art. 220.° da CRP) com estatuto independente e natureza constitucional, exerce fun- ges hierdrquicas préprias sobre um dos sectores da magistratura que alguns definem como uma“componente pessoal dos Tribu- nais” (), e que se integra no chamado “poder judicial”. Sem prejuizo de a lei atribuir 8 Procuradoria, no 4mbito do exercicio da funcio administrativa, competéncias préprias da administracio activa (entre outras a elaboragdo de pareceres, alguns dos quais com natureza vinculativa), o facto € que a com- ponente dominante das suas atribuigdes no reveste cardcter admi- nistrativo, néo se podendo, como tal, definir como um 6rgao admi- nistrativo independente. 21. To pouco sao 6rgaos administrativos independentes os Ministros da Repiblica para as regides auténomas da Madeira e dos Agores ( arts. 230.° e 233.° da CRP), que funcionam nesses ter- ritérios, como “comissdrios do Estado” e Srgdos vicariantes do Presidente da Republica. As suas competéncias predominantes, que exercem a tftulo independente, revestem cardcter polftico e nado executivo (*'), enquanto que a sua competéncia administrativa de superintendén- cia sobre a administracdo estadual periférica exprime-se de “forma nfo permanente”, mediante uma autorizagao do Governo, a qual conforma um vinculo a este érgao de soberania que se afigura (®) Goes CANOTILHO e VITAL MOREIRA “Constituiggo da Republica Portuguesa- Anotada”-Coimbra-1993-p. 829 € seg. (*) Sobressaindo entre as mesmas, os poderes de assinatura € veto sobre actos legislativos regulamentares regionais, os poderes de promogo de processos de fiscali- zagio da constitucionalidade e legalidade de leis junto da Justiga Constitucional e a com- peténcia para a nomeago do presidente do governo regional, e dos restantes membros sob proposta do referido presidente. 124 CARLOS BLANCO DE MORAIS como incompativel com os pressupostos de um érgéo administra- tivo independente (‘7) 2.2.2. Segundo critério negativo:— nao sao passiveis de incluso na administracdo independente todos os centros de poder que ndo oferegam garantias de pluralidade institucional ou de largo assentimento representativo no processo de nomeagdo dos respectivos titulares, bem como garantias de inamovibilidade e irresponsabilidade para a maioria dos mesmos, em razao das opi- nides emitidas e deliberagdes tomadas no quadro das fungoes exer- cidas nos referidos 6rgaos. 22. Nao faria na verdade sentido qualificar como indepen- dente um 6rgio cujos membros fossem nomeados na base de crité- rios de confianga polftica apenas por um outro érgdo, mormente de cardcter executivo, pese a existéncia de garantias estatutérias de nao dependéncia juridica em relagdo a este tiltimo 6rgao durante o exercicio da sua actividade. E que, tal permitiria ao Governo ou a sua bancada parlamen- tar, mediante decisio tomada por maioria simples, criar “quangos” dissimulados e constelados de titulares partidariamente vinculados que, sob a capa da neutralidade, desdobrariam tarefas governa- mentais imunizadas ao controlo politico parlamentar ou mesmo ao controlo financeiro do Tribunal de Contas, sendo a responsabili- dade dos mesmos assegurada por uma invis{vel hierarquia partid4- ria de cardcter paralelo. Admite-se, ainda assim, que 0 critério da pluralidade de 6rgios competentes para designar os titulares de uma autoridade independente possa ser derrogado, através da atribuigdo exclusiva dessa competéncia a um 6rgdo representativo, contanto que a deli- beragdo respeitante a designagdéo exprima um largo consenso ou (®) No perfodo anterior & revisfio de 1997, no qualificdmos o Ministro da Repi- blica como um orgéo administrativo independente, mas como um “orgdo constitucional aut6nomo de representaco da soberania do Estado nas regides”, que assumia um estatuto bifrontal, de vigdrio independente do Presidente da Repiiblica para 0 exercicio da fungio politica ¢ de orgéo auténomo no quadro do Governo, no que respeitava ao exercicio de competéncias administrativas. (Cfr. CARLOS BLANCO DE Morals “O Ministro da Reptiblica”-Lisboa-1995-p, 102- -103. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 125 assentimento, expresso nomeadamente através de uma maioria qualificada. 23. Pelas raz6es expostas exclui-se da categoria de 6rgaos independentes o Banco de Portugal j4 que: —o Governador, os vice-governadores ¢ os cinco adminis- tradores do mesmo Banco sao apenas nomeados pelo Governo, reunido em Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finangas (**), revelando pratica gerada desde 1995 relativa 4 sua composi¢ao, um elevado grau de politizagao partidéria; — embora a lei € os tratados institutivos das Comunidades e da Unido Europeia determinem regras sobre a inamovibili- dade e independéncia do Governador e demais administra- dores, salvaguardando de certa forma a sua liberdade de opiniao, prevé ainda assim, a primeira, um conjunto taxa- tivo de fundamentos para a respectiva exoneracdo, em caso de faltas graves no exercicio de fungées, o que debilita as garantias de inamovibilidade; —0o seu relatério, balango e contas anuais carece da ratifica- ¢ao do Ministro das Finangas, o que constitui um vinculo, embora atenuado, de dependéncia face a este. Estamos assim perante um drgdo auténomo que certas cor- rentes italianas j4 examinadas nao hesitariam em qualificar, com o seu léxico sugestivo, de “semi-independente”’. 24. Também excluido fica 0 Defensor do Contribuinte (“), que, sendo nomeado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e pelo Ministro das Finangas, mostra ser susceptivel de gozar de uma estrita confianga politica governamental que prejudica a efec- tiva independéncia do seu titular, sem prejufzo de a lei fixar garan- tias sobre a sua inamovibilidade e irresponsabilidade por opinides expressas no exercicio das suas fungdes. 25. Tao pouco consideramos como 6rgao independente o Conselho Superior de Defesa Nacional (art. 274.° da Consti- (@®) Cfr. n.° 1 do art. 33.°, da Lei n.° 5/98 de 31-1 (#) Cfr. n.2 1 do art. 27.° do Decreto-Lei n.° 158/96, de 3-9 € do art. 7.° do Decreto-Lei n.° 205/97, de 12-8. 126 ‘CARLOS BLANCO DE MORAIS tuigZo) que, nos termos da Constituicao e da lei (“*), para 14 de exercer funcdes consultivas em matéria de Defesa e Forgas Arma- das, pode, na sua composi¢do restrita, praticar actos administrati- vos e regulamentares, com eficdcia externa, sobre importantes matérias. E que, salvo dois deputados eleitos pela Assembleia da Repi- blica, os restantes membros do Conselho sdo-no por ineréncia, encontrando-se larga maioria dos mesmos (e sobretudo os que inte- gram © 6rgao na sua composi¢ao restrita), sujeitos a vinculos de subordinago relativamente a outros Orgaos (no se refere ao exer- cicio de fungdes compreeendidas no objecto de actividade do Con- selho), nao gozando na qualidade de seus membros, de garantias de inamovibilidade ou irresponsabilidade pelas opinides que exprimam ou condutas que assumam no referido 6rgao. Assim, os ministros que o integram (*) encontram-se sujeitos ao poder de coordenagao supra-ordenadora e de orientacao do Pri- meiro-Ministro (al. a) do n.° 1 do art. 201.° da CRP), o qual, por razdes de mérito, pode propor a sua demissdo ao Presidente da Republica, importando referir que tanto o Chefe do Governo como o Chefe de Estado, também integram o Conselho. Outros membros do érgéo, como o Chefe do Estado Maior General das Forgas Armadas e os Chefes dos Estados Maiores dos trés Ramos estado hierarquicamente subordinados ao Ministro da Defesa e ndo gozam de qualquer garantia de inamovibilidade, podendo por razdes de oportunidade ser a todo o tempo demitidos pelo Presidente da Repiiblica, sob proposta do Governo. 26. E, igualmente, o caso da Comissdo de Mercado de Valo- res Mobilidrios, sujeito personalizado respons4vel pela regula- mentacao, supervisio, fiscalizagZo e promogao dos mercados de valores mobilidrios, e actividades que, nos mesmos, sejam exerci- das por diversos agentes, tendo em vista, nomeadamente, a aplica- ao da poupanga em valores mobilidrios, expansao e transparéncia (*) Cf art. 472 dae 29° Lei da Defesa Nacional e das Forgas Armadas, (Lei 29/82, de 11-12, alterada nomeadamente pela Lei n.°111/91 de 13-6 ¢ pela Lei n.° 18/95, de 13-7. (5) Vice-Primeiros Ministros, se os houver, ¢ Ministros da Defesa, Finangas, Negécios Estrangeiros, Seguranca Interna, Plano, Industria, Energia ¢ Transportes ¢ ComunicagGes. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 127 dos mercados, a estabilizago dos pregos que neles se praticam, € a defesa de operadores e investidores contra actividades irregu- lares. (*7) O facto de se tratar de um 6rgio sujeito a formas de tutela ate- nuada do Ministro das Finangas preclude a sua integragéo no hemisfério da administragao independente. E acircunstancia de, entre os mesmos poderes de tutela, figu- rar a faculdade de 0 mesmo Ministro demitir os seus membros, com fundamento em “falta grave no exercicio de fungdes”, debi- lita o respectivo estatuto de independéncia, em termos de irrespon- sabilidade e inamovibilidade. 2.2.3. Terceiro critério negativo:— se um Orgdo que exerce competéncias administrativas sobre um determinado sector, tiver a maioria dos respectivos titulares designados ou condicionados nas suas fungées por destinatdrios do sector que é objecto da mesma administragdo, ndo poderd ser qualificado como uma autoridade administrativa independente, dado que 0 estatuto dos refe- ridos titulares inibe uma actuagao livre do drgdo. 27. Bo caso da “Comissdo da Carteira Profissional de Jor- nalista”, a qual é composta maioritariamente por titulares que representam organizacoes profissionais e empresariais do sector da comunicagio social (#) e também do Conselho Superior dos Tri- bunais Administrativos e Fiscais, 0 qual é composto por uma maioria de juizes, alguns por ineréncia e outros eleitos (*”). 28. Ressalvam-se, todavia, as situagdes relativamente as quais, sendo uma pluralidade de titulares do 6rgao, designados pelos sujeitos integrantes do sector abrangido pela actividade administrativa de um 6rgiio, os mesmos titulares nao constituam, nos termos constitucionais ou legais, uma maioria obrigatéria ou necessdria dos membros do referido érgao. (7) Decreto-Lei n.° 142-A/91, de 10-4, que aprova o Cédigo do Mercado de Valo- res Mobilidrios parcialmente e condicionalmente revogado pelo Decreto-Lei n.° 486/99 de 13-11 (que aprova 0 novo Cédigo). (*) Cf. Decreto-Lei n.° 305/97, de 11-11. () Art. 99.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. 128 CARLOS BLANCO DE MORAIS Como exemplo desta situagao destaca-se 0 Conselho Superior da Magistratura. Até a revistio constitucional de 1997 a composi¢ao do Conse- Iho Superior da Magistratura, como insténcia constitucional com- petente para a gestao de carreiras € exercicio do poder disciplinar sobre os juizes dos tribunais judiciais, pressupunha a existéncia no mesmo 6rgdo de uma maioria de juizes (que em dado tempo che- garam a ser eleitos mediante listas elaboradas por sindicatos de magistrados). Tal facto levou certa doutrina a falar, inspirada numa formula doutrindria italiana, em “autogoverno” (°°) da magistratura, ¢ a classificar 0 Conselho, de “érgdo auténomo”. Depois da revisao de 1997, o art. 218.° da CRP criou pressu- postos para que possa vir existir uma maioria de nao juizes no Conselho. Este facto, bem como a heterogeneidade institucional do processo de designacao, a circunstancia de os juizes vogais serem eleitos e ainda a existéncia de garantias de independéncia estatut- ria conferidas a todos os vogais constituem fundamentos bastantes para a integragao do Conselho Superior da Magistratura de entre os 6rgiios da administragao independente, podendo, por conseguinte, defender-se que cessou no Direito positivo a légica de auto- governo. 3. Tipologia elementar. 29. Delimitado, positiva e negativamente, 0 conceito de “autoridade administrativa independente” cumpriré, no espectro das instancias passfveis de se integrarem nessa espécie de admi- nistragdo, proceder-se a sua tipologia classificatéria, na observan- cia de alguns critérios distintivos de caracter elementar, tais como © respectivo objecto, a sua natureza juridico-institucional,a natu- reza das suas competéncias administrativas, e as formas ttpicas de nomeacdo e de cessagdo de fungées dos titulares. () Gomes CaNoTmLHo e VITAL MOREIRA, op. cit, p. 827 e seg. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 129 3.1. Objecto. 30. As autoridades administrativas independentes, j4 instituf- das no ordenamento portugués, prosseguem trés tipos dominantes de actividade: — ada fiscalizagdo e regulagao de certas actividades publi- cas, ou privadas com relevancia publica, tendo em vista a garantia de direitos fundamentais ou de outros bens jurt- dicos de interesse geral; — ada regulagao executiva, controlo e fiscalizagao de deter- minadas actividades econdmicas e sociais; — ea do controlo, disciplina e gestéo dos titulares de certos Orgaos do poder politico. 3.1.1. Fiscalizagao e regulacdo de actividades piblicas e privadas para a garantia de direitos fundamentais e outros bens de interesse geral. 31. Cumpre destacar, neste plano, as autoridades que se pas- sam a mencionar. a) Comissdo Nacional de Eleigées. 32. Trata-se de um érgio complexo (°'), que, tal como se referiu supra (2.2.), foi instituido logo apés 0 inicio de vigéncia da Constituigdo de 1976 com o objectivo de garantir a regularidade, igualdade e isengo nas campanhas ¢ no processo eleitoral, funcio- nando junto da Assembleia da Republica. b) Provedor de Justiga. 33. Corresponde a figura classica do Ombudsman e constitui uma instituigo vocacionada para a garantia dos direitos funda- mentais dos cidadaos, actuando em fungdo de queixas ¢ petic¢des que Ihe sao remetidas por aqueles, independentemente dos meios contenciosos e graciosos de tutela dos mesmos direitos, previstos na Constituigao e na lei. (*) (') Cf. Lei n.° 71/88, de 24-6. (@). Cfr. art. 23.° da CRP e Lei n.° 9/91 de 9-4. 130 CARLOS BLANCO DE MORAIS 34. Exerce também fungdes nao administrativas, como a res- peitante a iniciativa de fiscalizagao da constitucionalidade e lega- lidade das normas juridicas em processo de controlo abstracto sucessivo. ¢) Alta Autoridade para a Comunicagao Social. 35. Funciona junto da Assembleia da Republica e visa garan- tir os direitos A informacio, liberdade de imprensa, expressdo e confronto das diversas correntes de opiniao, exercicio dos direitos de antena e réplica, bem como velar pela independéncia dos meios de comunicacio social perante o poder politico e econdémico (*). O seu estatuto de independéncia foi reconhecido por um “obiter dictum” do Tribunal Constitucional (*). d) Comissdo Nacional de Objec¢ao de Consciéncia. 36. Orgao criado para decidir os processos destinados a obten- do do estatuto de “objector de consciéncia”, direito fundamental de relevancia constitucional e com concretizagao legal (*), que consiste na faculdade de um cidadao ser isento de um dever juridico deter- minado, por razdes presas as suas convicgdes sobre a matéria. e) Comissao Nacional de Protecgao de Dados. 37. Centro de decisio que, no 4mbito da salvaguarda dos direitos fundamentais conexos a utilizacao da informatica (©), con- trola e fiscaliza o cumprimento das disposigdes legais e regula- mentares em matéria de proteccdo de dados pessoais. Para o efeito, e de entre outras competéncias aprova directrizes sobre regras de seguranga relativas a dados pessoais, quer em arquivo quer em rede de telecomunicacées, fixa condiges para o acesso a informa- Go e autoriza a constituigao e utilizagao de certos tipos de fichei- Tos e bases de dados, contendo referéncias pessoais (°”). ©) Cfr. Lei n.° 43/98 de 6-8. () Cfr. Ac. n.° 505/96, de 20-3. (5) Cfr. Cf. n.° 6 do art. 41.° da CRP e Lei n.° 7/92, de 12-5, alterada pela Lei n.° 138/99 de 28-8. () Cfr. art. 35.° da CRP. () Cf. Lei n.° 67/98 de 26-10. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 131 f) A Comissdo de Acesso aos Documentos Administrativos; 38. Instancia administrativa que aprecia, num plano consul- tivo, reclamagées dos cidadaos, resultantes da recusa aos mesmos, da consulta de um dado documento por parte da Administracao Péblica constitutiva, a qual, detém, todavia, a ultima palavra sobre a questo (**). g) A Comissdo para a Fiscalizagdo do Segredo de Estado. 39. Autoridade administrativa com fungées andlogas as da autoridade anteriormente referida, relativamente a documentos clas- sificados pelos 6rgios competentes como “segredo de Estado” (°°) i) O Conselho de Etica para as Ciéncias da Vida. 40. Orgao vocacionado para se pronunciar sobre decisées publicas ou actividades particulares que respeitem a actividade cientffica, tecnolégica ou médica passfveis de se repercutirem, directa ou reflexamente, sobre direitos “‘absolutos” dos cidadaos, como a vida, integridade pessoal e dignidade genética (®). j) Conselho de Fiscalizagao dos Servicos de Informagées e Seguranca. 41. Estrutura de controlo e supervisdo das actividades dos servigos de seguranca e informaco do Estado, destinado nomea- damente a dar parecer sobre o funcionamento dos referidos servi- gos e verificar se a respectiva conduta destes 6rgaos respeita 0 exercicio dos direitos civis e politicos dos cidadios. (*') 3.2.2. Instancias de consulta e decisdo relativamente a acti- vidades econdmicas e sociais:— O Conselho Econémico e Social. (*) 0 direito de consulta a documentos encontra-se previsto no art. 35.° en.° 2 do art. 268.° da CRP. acto que regula a Comissio em estudo & a Lei n.° 65/93, de 26-6, com alteragies da Lei n.° 8/95, de 29-3 e da Lei n.° 94/99, de 16-7. (©) Chr. Lei n° 6/94, de 7-4. ©) Cfr.a titulo exemplificativo, os direitos previstos nos arts. 24.°, 25.° € n.° 3 do art. 26° da CRP. Vide, também, o Decreto-Lei n.° 14-90, de 22-5. (©) Chr. Lein? 30/84, de 5-9, aterada pela Lei n.° 4/95 de 21-2 ¢ Lei 75-A/91, de 22-7. 132 CARLOS BLANCO DE MORAIS 42. Consiste num érgao de consulta e concertagao do Estado, no dominio das politicas econémicas € sociais, assumindo uma representacdo neo-corporativa (). 3.2.2.3. Autoridades de disciplina e controlo de titulares de 6rgaos do poder: — O Conselho Superior da Magistratura. 43. Trata-se de uma instancia que, para além de fungdes con- sultivas em matéria de legislago aplicavel ao sistema judicial, € competente para decidir sobre a nomeagao, colocagao, transferén- cia, promogao e exercicio do poder disciplinar relativamente aos jufzes dos tribunais judiciais, os quais, nos termos da Constituigéo, so titulares de 6rgdos soberanos e portadores das garantias de ina- movibilidade, independéncia e irresponsabilidade, no desempenho das suas fungées (°). 3.2. Natureza juridico-institucional. 44, Certas inst4ncias independentes, em razio da sua especial importancia para o sistema politico ou sistema econémico-finan- ceiro, sdo criados expressamente pela Constitui¢ao, a qual, em regra, define em termos gerais a sua composi¢ao e atribuigdes, remetendo para a lei, a respectiva densificagao. Como exemplos de drgdos de natureza constitucional temos o Provedor de Justica, o Conselho Econémico e Social, a Alta Autoridade para a Comunicagdo Social e 0 Conselho Superior da Magistratura. 45. Outros érgios, que podemos qualificar como autoridades independentes de tipo comum, resultam de uma mera criagao legal, dependendo a sua configuragao e subsisténcia, da liberdade con- formadora do legislador. Sao autoridades independentes de tipo comum, ou de natu- reza sub-constitucional, a Comissdo Nacional de Eleigées, a Comissdo Nacional de Objecgao de Consciéncia, a Comissio para a Fiscalizagiio do Segredo de Estado, o Conselho de Etica para as Ciéncias da Vida, o Conselho de Fiscalizagao dos Servigos de (*) Cir. art. 92.° da CRP e Lei n.° 108/91 de 17-8, alterada pela Lei n.° 80/98 de 24-11 € pela Lei n.° 128/99, de 20-8. (S) Cf, art. 218.° da CRP e Lei n.° 21/85 de 30-7, com sucessivas alteragdes. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 133 Informagdo e Seguranga, a Comissdo Nacional de Proteccao de Dados e a Comissao de Acesso a Documentos Administrativos. 46. Importa referir que a natureza constitucional das autori- dades pode relevar em termos da limitagdo da densidade regula- dora da lei que as regule, ou que incida sobre matérias da sua esfera de competéncias. Na realidade, se no caso da administragdo auténoma, a qual goza de uma garantia institucional na Lei Fundamental, existe um dom{nio reservado da administrac&o que torna inconstitucional uma lei excessivamente pormenorizada que invada o dominio nuclear dessa mesma reserva ou que lhe retire o sentido util (), por maioria de razéo a mesma proposi¢ao vale para a administra- gao independente de natureza constitucional, dado o seu estatuto de apartamento e auséncia de vinculos em relagao aos Orgaos de poder politico. Por exemplo, os n.* 4 e 5 do art. 39.° da Constituigao deter- minam que a Alta Autoridade para a Comunicagao Social inter- vém, respectivamente, nos processos de licenciamento de estagdes emissoras de radio e de televisdo e na nomeagao e exoneragaio dos directores dos 6rgios de comunicagio social piiblicos, nos termos da lei. Nao seria, portanto legitima a edigao de leis-medida que pro- cedessem directamente ao licenciamento de estagdes emissoras ou A nomeagio de titulares de 6rgaos de comunicagao social publicos, preterindo ou reduzindo a uma expresséo insignificante, a inter- vengao da Alta Autoridade. Diversamente, se for a lei a criar inovatoriamente uma autori- dade independente, a norma legal serd livre para modelar 0 tipo de competéncias que a mesma exerce. Sem embargo, nestes casos, existe um imperativo nao escrito de auto-contengdo do legislador, como pressuposto essencial para a credibilidade do 6rgao como autoridade independente, j4 que 0 atributo independéncia ficaria ferido de morte se o legisla- dor se substituisse ocasionalmente as referidas autoridades, apro- vando leis-medida em matéria da esfera de competéncias destas tiltimas. ()_Cfr. CARLOS BLANCO DE Morals “As Leis Reforgadas”, op. cit, p. 134. 134 ‘CARLOS BLANCO DE MORAIS 3.3. Natureza das competéncias administrativas exercidas. 47. Cumprir4 sub-distinguir aqui, em razao do tipo e da natu- reza das competéncias administrativas de que as diversas instan- cias sao titulares, a existéncia de autoridades independentes de tipo consultivo, autoridades independentes de mera fiscalizagdo e controlo, e autoridades independentes dotadas de poderes de administragdo activa. Na respectiva andlise nao ser feita referéncia 4s competén- cias regimentais e de gest que nao pressuponham a aprovag4o de normas e actos com eficdcia externa. 3.3.1. Natureza consultiva e exortativa. 48. Tém natureza consultiva, o Provedor de Justiga (que dis- pode também da faculdade de formular recomendagées e de promo- ver, fora do universo administrativo, o controlo da constitucionali- dade de normas junto do Tribunal Constitucional); 0 Conselho Econémico e Social (que, para além das faculdades de concertagao social, em seccdo, formula pareceres obrigatérios, embora nao vin- culativos, sobre as propostas das grandes op¢ées dos planos de desenvolvimento econédmico e social); 0 Conselho de Etica para as Ciéncias da Vida; e a Comissdo de Acesso a Documentos Admi- nistrativos. 3.3.2. Autoridades de simples fiscalizagao e controlo, 49. Sado autoridades de fiscalizagaéo e controlo, a Comissdo para a Fiscalizagdo do Segredo de Estado e o Conselho de Fisca- lizagao dos Servigos de Informagdo e Seguranca. 3.3.3. Autoridades, com poderes de administragao activa. 50. Sao autoridades independentes, com poderes de adminis- tragdo activa, todos os érgaéos com competéncias deliberativas ou decisdrias dotadas de vinculatividade e eficdcia externa, as quais podem ser exercidas a titulo exclusivo, ou num quadro misto de cumulagao com competéncias de consulta e fiscalizagao. 51. Virtualmente, todas as instancias administrativas que em razao dos seus poderes decisérios se iré adiante referir como per- AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA 135 tencentes ao sector constitutivo, principal ou “forte” () da admi- nistragaio independente , assumem no plano competencial, natureza mista, em razdo do facto de disporem igualmente, de faculdades de consulta, vigilancia ou controlo. a) Conselho Superior da Magistratura. 52. Cabe ao Conselho, no ambito dos seus poderes de admi- nistragdo activa relativos & gestao das carreiras da magistratura judicial, a colocag&o, transferéncia e promogao dos jufzes de direito. Neste ambito compete-lhe classificar os mesmos magistrados com base em critérios de mérito, atribuindo-lhes, volvida pro- posta da inspecgdo, uma notagdo, a qual releva para a sua promogdo e provimento de vagas nos tribunais, através de concurso curricular. Compete igualmente ao Conselho 0 exercicio do poder admi- nistrativo disciplinar, e a faculdade de autorizar os jufzes a desem- penharem fungdes ptiblicas em comissGes de servigo estranhas & actividade dos tribunais. No campo das competéncias consultivas, cabe ao mesmo 6rgio pronunciar-se, sem cardcter vinculativo, sobre certos diplo- mas legislativos; e no espectro da {fiscalizagdo, deve o Conselho dirigir e orientar as actividades da inspecgao judicial. b) Alta Autoridade para a Comunicagdo Social. 53. No plano decisério, pode este 6rgao, exercer um poder de indirizzo, traduzido na aprovagao de regulamentos, relativamente a matérias das suas atribuigdes; aprovar actos administrativos relati- vos a atribuicdo de autorizagGes e licengas para 0 exercicio de acti- vidades de televisao e radio; exercer actividade arbitral de confli- tos entre os titulares do direito de antena; e promover a aplicagéo de coimas, ou sangées administrativas, aos responsdveis pela vio- lagdo de direitos de que € especial garante. No plano exortativo e consultivo aprova, respectivamente, recomendagoes e formula pareceres em matéria de autorizago do () Expressio adoptada por José Lucas CARDOSO, op. cit., p. 192. 136 CARLOS BLANCO DE MORAIS exercicio da actividade de radiodifusao, nomeagao de directores de 6rgaos informativos pertencentes a entidades puiblicas ¢ licencia- mento de canais privados de televisao. Finalmente, em matéria de fiscalizag@o, supervisiona as empresas de comunicagao social no cumprimento da legalidade. d) Comissdo Nacional de Eleigées. 54. Como érgdo da administragao constitutiva, dispde de faculdades de orientagdo relativas a regularidade, igualdade e transparéncia das eleigdes; procede a distribuic¢ao do tempo de antena entre os partidos outros intervenientes em actos eleitorais ou referenddrios, dispondo para o efeito de competéncia regula- mentar; elabora o mapa dos resultados eleitorais; aprecia recursos de decisdes administrativas relativas a utilizago dos espacos de campanha; e aplica, através do seu presidente, sangdes administra- tivas a candidatos, ou partidos que violem certas regras eleitorais. Como instancia de controlo, desenvolve competéncias relati- vas ao financiamento de campanhas eleitorais. Ecomo orgio de vigilancia dotado de uma componente exor- tativa, aprova recomendagdes em matéria de esclarecimento ¢ desempenho regular dos actos eleitorais. e) Comissdo Nacional de Objecgao de Consciéncia. 55. A esta comissio é cometida uma competéncia adminis- trativa activa de cardcter fundamental, que consiste em verificar, caso a caso, mediante um procedimento determinado, se um dado requerente retine as condigdes concretas de exercicio do direito & objeccao de consciéncia, dispondo o acto administrativo referente ao reconhecimento do mesmo direito, ou a sua denegagiio, de efi- cdcia vinculativa. f) Comissao de Proteccao de Dados. 56. Na qualidade de instGncia deliberativa, compete a esta Comissao a aprovacao de orientages respeitantes a garantia sobre a determinacio do tempo da conservagao de dados pessoais para certas finalidades (podendo emitir directiva para certos sectores de actividade). AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 137 Dispée, igualmente, da competéncia para aprovar actos admi- nistrativos de autorizagdo respeitantes a constituigo e utilizagaéo de certos ficheiros e bancos de dados pessoais, bem como da facul- dade de aplicagao de coimas. J4 na esfera dos seus poderes consultivos e exortativos, cabe- lhe dar parecer sobre a constitui¢ao e manutengao de ficheiros automatizados e bases de dados pessoais nos servigos ptblicos, receber reclamagGes ou petiges. Detém, finalmente, poderes de fiscalizagao e de controlo. 3.4. Designagio dos titulares, seu estatuto e cessagaio de fungdes. 3.4.1. Designagdo. 57. O processo de designagio dos titulares das autoridades independentes reveste uma natureza diversiforme. Pode a mesma designagao decorrer, da ineréncia de fungdes desempenhadas pelos mesmos titulares noutro 6rgéo; por nomea- do ou eleigio efectuada por érgdos do poder politico ou da admi- nistragio; ou ainda através de designacao por sujeitos ou estruturas representativas de certas actividades publicas ou privadas. 58. Por outro lado, enquanto os membros de certas autori- dades independentes sao designadas através de um processo homogéneo, intervindo no mesmo um s6 6rgdo, mediante uma tramitago unitéria, outros sdo-no através de formas mistas ou heterogénicas, que implicam uma intervengao pluri-institucional ou plurisubjectiva, podendo a tramitagao correspondente ser uni- téria ou varidvel em razio da natureza dos titulares designados. 3.4.L.1. Formas de designagdo homogéneas:— por eleigdo parla- mentar. 59. O Provedor de Justica é eleito pela Assembleia da Repti- blica, por maioria de dois tergos dos deputados presentes, desde que superior 4 maioria absoluta dos deputados efectivos (°). (®) Cfraal. i) do art. 163.° da CRP. 138 CARLOS BLANCO DE MORAIS O mesmo processo é requerido para a eleigao dos trés mem- bros do Conselho de Fiscalizagdo dos Servigos de Informagées e Seguranga (°). 3.4.1.2. Formas de designagao heterogéneas. a) Designagdo repartida entre érgdos constitucionais. 60. Os membros da Comissdo Nacional de Eleigées (°) inte- gram uma composi¢io tripartida que procura representar os pode- res do Estado. O presidente, um juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiga, é designado pelo Conselho Superior da Magistratura. Cinco vogais sao eleitos pela Assembleia da Republica, por iniciativa reservada aos cinco maiores grupos parlamentares. Trés vogais, sio designados pelos membros do Governo, res- pectivamente responsdveis pela Administracdo Interna, Negocios Estrangeiros e Comunicagio Social. 61. A Comissdo para a Fiscalizagdo do Segredo de Estado € composta por um juiz da jurisdigao administrativa, designado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ¢ por dois vogais eleitos pela Assembleia da Repiiblica, com 0 estatuto de deputados (um sob proposta do grupo parlamentar do maior par- tido que apoia 0 Governo e outro sob proposta do grupo parla- mentar do maior partido da oposi¢ao (*). 62. A Comissdo Nacional de Protecedo de Dados é integrada por um presidente e dois vogais eleitos pelo Parlamento segundo o sistema de representagao proporcional, por dois vogais nomeados pelo Governo, por um vogal com o estatuto de juiz de direito nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, e um vogal, magistrado do Ministério Piblico, designado pelo Conselho Supe- rior do Ministério Puiblico (”°). ° 2 do art. 7.° da Lei n.° 30/84. ) do art. 2.° da Lei n.° 71/88. do art. 13.° da Lei n.° 6/94, . 25.° da Lei n.° 67/98. ‘AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 139 b) Designagdo repartida entre os érgdos constitucionais, 6rgdos da administragdo ou titulares representativos de determinadas fungées piblicas. 63. A Alta Autoridade para a Comunicagdo Social, a sua pre- sidéncia cabe a um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura. Cinco vogais sao eleitos, segundo método de elei¢ao proporcio- nal, pela Assembleia da Republica, um vogal é nomeado pelo Governo, trés vogais, nomeados respectivamente pelo Conselho Nacional do Consumo, pelos jornalistas com carteira profissional ¢ pelas organizagdes patronais dos érgdos de comunicagao social, sendo © quarto cooptado entre os restantes membros da alta autoridade ". 64. O Conselho Superior da Magistratura é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiga. Compdem-no dois vogais nomeados pelo Presidente da Repi- blica, sete vogais eleitos pela Assembleia da Replica e sete vogais, juizes de direito, eleitos pelos juizes seus pares, de acordo com as proporgdes reservadas a cada categoria e de harmonia com 0 principio da representagao proporcional (?). 65. A Comissdo Nacional de Objecgao de Consciéncia € pre- sidida por um juiz de Direito nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, e composta por um vogal nomeado pelo Provedor de Justiga e outro nomeado pelo Director do Gabinete do Servigo Civico dos Objectores de Consciéncia (cargo superior da adminis- tracaio nomeado pelo Primeiro-Ministro) (”*). c) Designagdo repartida entre os orgdos constitucionais e elementos ou estruturas representativas de actividades piiblicas ou particulares. 66. O Conselho Econémico e Social € presidido por um titu- lar eleito pela Assembleia da Reptiblica, por maioria de dois tergos dos deputados presentes desde que superior & maioria absoluta dos deputados efectivos (”*). (@) Cfr. n.°3 do art. 39.° da CRP e art. 10.° da Lei n.° 43/98. (?) Cfr.art. 218.° da CRP. (©) Cf. n.? 2 do art. 28,° da Lei n.° 7/92. (4) Cfr. al. i) do art. 163.° da CRP. 140 CARLOS BLANCO DE MORAIS Nove vogais sio designados pelo Govemno (75); oito vogais sio nomeados pelas confederagées sindicais; oito vogais pelas confederagoes patronais; dois vogais pelas confederagdes coopera- tivas; dois vogais nomeados pelo Conselho Superior de Ciéncia e Tecnologia; dois vogais nomeados pelas associagdes representati- vas das profissdes liberais; dois vogais eleitos pelas assembleias legislativas das regides aut6nomas dos Agores ¢ Madeira; ito vogais eleitos por estruturas de representacao municipal, um vogal representante das associacdes ambientalistas; um vogal represen- tante das associagdes de consumidores; dois vogais representantes das instituigdes particulares de solidariedade social; um vogal representante das associagdes de famflias; um vogal eleito pelo Conselho de reitores, em representagao das universidades; um yogal representando as associagGes de jovens empresdrios; um representante de cada uma das associagées de mulheres com repre- sentatividade genérica; um representante da Comissao para a Igualdade e os Direitos das Mulheres; dois representantes de orga- nizacdes agricolas de tipo familiar; um representante de organiza- go de defesa da igualdade; dois representantes de organizagGes representativas do sector financeiro e segurador, um representante das organizagdes do sector do turismo; e cinco personalidades de reconhecido mérito, cooptados no plendrio. (’°) 67. A Comissdo de Acesso aos Documentos Administrativos € presidida por um juiz-conselheiro designado pelo Conselho Supe- rior dos Tribunais Administrativos e Fiscais; dois vogais eleitos pela Assembleia da Repiblica com o estatuto de deputados; um vogal, professor de Direito, designado pela Assembleia da Repi- blica; dois vogais nomeados pelo Governo; dois vogais, cada qual nomeado por um dos govemnos das regides autonomas; um vogal nomeado pela Associacao Nacional dos Municipios Portugueses; um vogal, advogado de profissio, nomeado pela Ordem dos Advo- gados; e um vogal nomeado pela Comissio Nacional de Protecgao dos Dados, de entre os seus membros (7). 68. Finalmente 0 Conselho Nacional de Etica para as Cién- cias da Vida, é presidido por um membro nomeado pelo Primeiro- -Ministro. (3) Um dos quais representante do sector empresarial do Estado. (5) Cfr. n° Ido art. 5.° da Lei n° 108/91 com as alteragbes jé referidas. (") Cfr. n.° | do art. 19.° da Lei n.° 65/93. AS AUTORIDADES ADMIN. INDEP. NA ORDEM JUR. PORTUGUESA = 141 Cinco vogais séo nomeados por diversos ministros, seis sio eleitos pela Assembleia da Republica, segundo o sistema propor- cional, e nove séo designados por insténcias diversas, tais como 0 Conselho de reitores das Universidades Portuguesas, as ordens dos médicos e dos advogados, a Academia das Ciéncias de Lisboa, a Comissao da Condig&o Feminina, o Instituto Nacional de Investi- gacio Cientifica, a Junta Nacional de Investigagao Cientffica € Tecnolégica e o Conselho Superior de Medicina Legal (”*). 3.4.2. Estatuto dos titulares e cessagao de fungées. 3.4.2.1. Inamovibilidade, irresponsabilidade e incompatibilidades. 69. Em regra a Constituigao ou a lei estatuem explicitamente disposigdes sobre a inamovibilidade dos titulares das autoridades administrativas independentes e a consequente irresponsabilidade politica ou funcional pelo sentido das suas deliberagdes ou opi- nides emitidas no exercicio das suas fungdes. Tal previsdio ocorre em relacdo aos seguintes drgdos: — Pro- vedor de Justiga, Conselho Superior da Magistratura, Conselho de Fiscalizagao dos Servicos de Informagées, Comissao Nacional de Eleigdes e Alta Autoridade para a Comunicagdo Social. 70. Relativamente a outras autoridades, a inamovibilidade e irresponsabilidade deduzem-se, seja a partir do mandato de dura- do fixa, seja por forga da natureza do estatuto de independéncia da instancia, tal como esta € conformada pela lei. ¥0 caso da Comissdo Nacional de Etica para as Ciéncias da Vida, a Comissdo Nacional de Objeccdo de Consciéncia, a Comis- sdo Para a Fiscalizagao do Segredo de Estado e a Comissao Nacional de Protecgao de Dados. 71. Quanto Comissdo de Acesso aos Documentos Adminis- trativos, embora se encontre implfcita a inamovibilidade, admite- -se 0 termo do cargo dos seus titulares quando cessarem as fungdes para as quais foram designados, em sede dos 6rgaos responsdveis pela sua designagao, o que constitui um elemento de enfraqueci- mento do estatuto de independéncia dos mesmos. (*)_ Cfr. art. 3.° do Decreto-Lei n.° 14/90. 142 CARLOS BLANCO DE MORAIS ‘A mesma debilitagdo ocorre no Conselho Econémico e Social, no qual a inamovibilidade se encontra limitada pela possi- bilidade da perda de mandato dos titulares que deixarem de ser reconhecidos, como tais, pelas estruturas que representem; que sejam representantes de entidades que deixem de participar no Conselho; ou que violem os requisitos de participacao previstos no regimento deste 6rgéo, cumprindo ao seu presidente adoptar as medidas necessérias para a sua substituigao, ou declarar a vacatura dos respectivos cargos. 72. A lei enuncia incompatibilidades de natureza profissional, politica e, em alguns casos, de ordem eleitoral passiva, para a gene- ralidade dos titulares das autoridades independentes que exercam competéncias no quadro da administragao activa, bem como para certos 6rgios consultivos, como é 0 caso do Provedor de Justiga. Procura-se, deste modo, reforcar a componente neutral e a garantia de imparcialidade dos poderes que pelas primeiras auto- ridades so exercidos, assim como a isen¢gao das faculdades de “provedoria” de interesses e direitos. Nio se encontra, contudo, explicitado um regime especifico de incompatibilidades para a grande maioria dos 6rgdos consulti- vos e de fiscalizago, como € 0 caso da Comissdo de Fiscalizagao do Segredo de Estado, Comissdo de Acesso aos Documentos Admi- nistrativos, o Conselho e Fiscalizagao dos Servigos de Informagao e Seguranga, do Conselho Nacional de Etica para as Ciéncias da Vida, do Conselho Econémico e Social, assim como para os titula- res da Comissdo Nacional de Objeccao de Consciéncia. 3.4.2.2, Duragdo do mandato e renovagdo. 73. Todos os mandatos dos titulares tém duracio fixa embora varidvel. A duracio mais curta € de dois anos, respeitando aos titulares da Comissdo de Acesso aos Documentos Administrativos. Segue-se um mandato de trés anos para os membros da Comissdo Nacional de Objecgdo de Consciéncia. A lei prevé para diversos érgaos um mandato de quatro anos, © qual, nas autoridades cujos titulares sao, no todo ou em parte, eleitos pelo Parlamento, tende a coincidir com a durago ordindria

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