Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
[...] é nesse sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente
treinar o educando no desempenho de destrezas. (FREIRE, 2006, p. 14).
[...] já não pode ser o mesmo para todos; não só as classes dominantes tem ideais
muito distintos dos da classe dominada, como ainda tentam fazer com que a massa
laboriosa aceite essa desigualdade de educação como desigualdade imposta pela
natureza das coisas, uma desigualdade, portanto, contra a qual seria loucura rebelar-
se. (PONCE, 1996, p. 36).
[...] Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou
discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele.
Impomo-lhe uma ordem a que ele não se ajusta concordante ou discordantemente,
mas se acomoda. Não lhe ensinamos a pensar, porque recebendo as fórmulas que lhe
damos, simplesmente as “guardas”. (FREIRE, 2001, p. 90 - 91).
Convém formar essa massa de mão de obra manipulável, dócil, mansa e submissa,
pois ela vende a sua força de trabalho por um valor irrisório e se sujeita a usurpação dos seus
direitos trabalhistas pela barganha da garantia de um trabalho, mesmo que incerto e
provisório, fortalecendo assim a exploração, as desigualdades sociais, o lucro, enfim, o
sistema capitalista.
É pertinente destacar que parte da história desse sistema econômico é marcada pelo
neoliberalismo, sendo que as reflexões tecidas nesta sessão sobre esta temática associada à
educação, atesta a escola como um dos sustentos do sistema econômico e como ele interfere
na educação/escola, para que esta não altere a ordem de quem manda e quem obedece no
sistema vigente.
O neoliberalismo é uma doutrina socioeconômica que se baseia nos ideais do
liberalismo econômico e defende a existência de um Estado mínimo, ou seja, a não
intervenção do Estado na economia, a autorregulação econômica, as privatizações das
empresas estatais, a flexibilização das leis trabalhistas, a diminuição dos investimentos
estatais nas políticas sociais.
Nesse contexto neoliberal faz-se necessário refletir a respeito da educação,
estabelecendo relações quanto a luta de classes, onde há cortes, portanto, menos
investimentos nas escolas públicas, acarretando em sua precarização. A escola precarizada
para a classe trabalhadora, solidifica uma formação básica para a perpetuação das
desigualdades sociais e para a manutenção de uma classe subserviente à classe dominante.
Em face as ideias problematizadas, é possível afirmar que a fragilização da escola
pública reflete e promove o enfraquecimento da classe trabalhadora, que acessa um
conhecimento que mal lhe permite garantir a sua sobrevivência, a busca pelo emprego ou
subemprego, e não acessa uma educação/formação voltada para a emancipação humana e para
o questionamento das injustiças que a mesma sofre.
Uma escola pública precarizada, sem investimentos estatais (Estado mínimo), significa
a perpetuação do domínio das classes dominantes sobre a classe trabalhadora. O
neoliberalismo, de modo geral, fortalece o poder da elite e prega o discurso do livre comércio
e concorrência, a liberdade individual, a meritrocracia, entre tantos outros discursos que
promovem e naturalizam a barbárie em nossa sociedade. Infelizmente tais discursos são
internalizados e reproduzidos por inúmeros educadores no interior das escolas públicas.
É no âmbito das políticas neoliberais que a classe dominante consolida uma educação
formal e de qualidade para os seus filhos, que são educados nas escolas privadas e estas não
dependem dos investimentos estatais para a perpetuação de um ensino de qualidade. Assim, as
políticas neoliberais aprofundam a desigualdade de ensino entre as classes.
Corrobora a esta discussão Libâneo (2012), ao destacar que,
[...] a escola que sobrou para os pobres, caracterizada por suas missões assistencial e
acolhedora (incluídas na expressão educação inclusiva), transforma-se em uma
caricatura de inclusão social. As políticas de universalização de acesso acabam em
prejuízo da qualidade do ensino, pois, enquanto se apregoam índices de acesso à
escola agravam-se as desigualdades sociais do acesso ao saber, inclusive dentro da
escola, devido ao impacto dos fatores intraescolares na aprendizagem. Ocorre uma
inversão das funções da escola: o direito ao conhecimento e à aprendizagem é
substituido pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência. (LIBÂNEO, 2012, p.
23, grifo do autor).
1
Expressão empregada por Paulo Freire em diversas obras freireanas, alicerçada em estudos da produção de
François Jacob, bioquímico e geneticista francês, que recebeu o prêmio Nobel em Fisiologia, no ano de 1965.
que se transforme num investimento bem sucedido, sendo assim, inicia a corrida para possuir
o currículo mais competitivo/empregável e conquistar o seu lugar no podium da vida.
Nesta senda, a empregabilidade se encontra vinculada diretamente a
capacitação/conhecimento específico na área que o sujeito pretende trabalhar; ao
conhecimento que transcende a área preterida mostrando que o candidato tem a mais a
oferecer ao empregador do que os demais concorrentes; a atualização profissional constante e
autônoma em cursos de curta e média duração que não exijam contrapartida financeira da
empresa e nem concessões de dispensa no horário de trabalho; a rede de
contatos/relacionamentos em potencial que possam trazer benefícios para a empresa; ao
domínio de informática; ao domínio de outros idiomas; a proatividade; ao comprometimento
com a empresa, ou seja, um profissional que vista a camisa da empresa e por fim, que saiba
zelar pelas postagens realizadas nas redes sociais, especialmente em seu perfil pessoal
demonstrando uma conduta exemplar que não irá macular a imagem da empresa.
Além de acumular as competências e habilidades supracitadas, uma vez que a
aquisição delas são de sua responsabilidade, o sujeito precisa ser capaz de internalizar a culpa
caso alguém mais qualificado venha a obter êxito e a ele restar o fracasso. Em síntese, a vida
é uma selva e sobrevive quem estiver melhor preparado, fortalecendo assim, a cruel ideia da
meritocracia.
Destaca-se aqui, que, na atual fase do desenvolvimento do capitalismo, o capital
dispensa grande parte da mão de obra e se presencia o fenômeno do desemprego estrutural e a
nova classe trabalhadora passa a ser denominada de precariado. Conforme Chaui (2013)
aponta, este precariado não tem direito as condições de um trabalho estável, nem contrato de
trabalho, nem seguridade social, não é sindicalizado e convive com a ilusão meritrocrática de
que a ele cabe vencer a competição com os outros precarizados, e que a ele também é
reservado a culpa perante o fracasso.
Corrobora a este debate, Atalla (2022), ao promover reflexões relacionadas a educação
no contexto neoliberal. O autor destaca a oferta de uma educação voltada para a competição
dos indivíduos que elimina modos de solidariedade e favorece práticas de ódio. Dessa forma,
Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu
nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes... Eu ia pra escola todos os
dias de manhã e, quando chegava logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no
vidro! [...] Aliás nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros.
(ROCHA, 2012, p. 32 - 33).
[...] que precisamos, assim viva, assim democrática - assim formadora de hábitos, e
não meramente propedêutica -, não é escola que apareça por acaso. Aqui, também, o
nosso grande problema é o de passagem ou do trânsito da escola livresca e
antidemocrática para a escola democrática - formadora de hábitos de trabalho, de
participação, de crítica, de solidariedade, com que o nosso educando, desenvolvendo
a sua dialogação, se integre, com autenticidade, no clima cultural que ora vivemos.
(FREIRE, 2001, p. 98).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CHAUI, Marilena. Uma nova classe trabalhadora: indagações. In: Fundação Perseu Abramo.
Fundação Friedrich Ebert. (Orgs.). Classes? Que classes? Ciclo de debates sobre classes
sociais. São Paulo: Perseu Abramo, 2013. p. 87 - 103. Disponível em:
<https://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/10597.pdf#page=87>. Acesso em: 27 abr.
2022.
DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
(Atualidades pedagógicas, v. 21).
______. Pedagogia como disciplina universitária. In: Universidade do Sul de Illinois. (Org.).
Os primeiros trabalhos de John Dewey. Illinois: Carbondale, 1972. (Obras coletadas de
John Dewey, v. 5). p. 281 - 289).
______. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 2001.
______. Pedagogia da autonomia:saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz &
Terra, 2006.
______. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993. (Questões da nossa época, v. 23).
GENTILI, Pablo. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In:
LOMBARDI, Claudinei José; SAVIANI Demerval; SANFELICE José Luís (Orgs.).
Capitalismo, trabalho e educação. Campinas, SP: Autores Associados/HISTEDBR, 2002.
LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, José Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação
escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2012. (Docência
em formação: saberes pedagógicos).
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1996.
(Educação Contemporanea).
ROCHA, Ruth. Quando a escola é de vidro. In: ROCHA, Ruth (Org.). Este admirável
mundo louco. São Paulo: Salamandra, 2012.
_________
Sobre as autoras