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A FORMAÇÃO HUMANA EM TEMPOS DE BARBÁRIE: possibilidade ou utopia

Luciana Rita Bellincanta Salvi


Cirlei Giombelli
Marli Klumb

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi originado com base em leituras e debates, realizadas no


Grupo de Estudo e Pesquisa Educação e Democracia (GEPED), vinculado aos cursos de
graduação e pós - graduação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), onde no
decorrer do processo ocorreu o aprofundamento da obra Democracia e Educação de John
Dewey, alinhando aos interesses da pesquisa dos membros do grupo. Este é o nascedouro
deste artigo que tenciona promover reflexões acerca de possibilidades ou utopias para a
promoção da formação humana que não apenas profissionaliza, mas que humaniza os sujeitos,
contribuindo assim, na luta pela construção de uma sociedade mais equânime.
Os desafios interpostos para a promoção de uma educação humanizadora nas escolas
é árduo, uma vez que a sociedade se encontra imersa num cenário, onde prepondera o ataque
a democracia, o desmonte dos direitos dos cidadãos, a intolerância com a diversidade humana
propagada por meio dos discursos de ódio que atacam classes sociais, gêneros, etnias, credos,
divergências de opiniões e o exacerbamento das classes sociais. Paralelo a este cenário, é
exigido que a educação cumpra com o seu papel, qual seja, formar produtos humanos
potentes, devidamente qualificados para atender as demandas mercadológicas do mundo do
trabalho.
Lamentavelmente as questões apresentadas se acentuam e naturalizam pelo controle
e pela indução formativa que o Estado busca estabelecer de determinadas classes sociais,
sendo que para reproduzir os seus interesses utiliza-se da educação para alcançar tais
propósitos. Dessa forma, as discussões tecidas neste artigo convergem para o debate da
educação em espaços formais de ensino e aprendizagem, onde a função social da educação se
fragmenta pela interposição da dualidade presente nas escolas, quais sejam, um viés para
atender as demandas do mercado de trabalho e outro que busca a instituição de uma educação
que almeja a promoção da formação humana dos sujeitos.
1. Educação enquanto preparação técnica e mercadológica

[...] é nesse sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente
treinar o educando no desempenho de destrezas. (FREIRE, 2006, p. 14).

A história da educação é também a história das classes sociais, onde é possível


constatar que a educação se constitui em uma forma de sustentação das sociedades desiguais,
sendo também uma forma de manutenção do poder das elites.
Desde as sociedades antigas classistas até os dias atuais, a educação assumiu a
dualidade de promover a oferta do conhecimento destinado às classes dominantes e outra à
classe dos trabalhadores. Ponce (1996) contribui com a discussão sobre o ideal pedagógico
relacionado à educação do homem antigo, ao promover a discussão acerca de uma educação
desigual para as classes sociais. Dessa forma, assinala que,

[...] já não pode ser o mesmo para todos; não só as classes dominantes tem ideais
muito distintos dos da classe dominada, como ainda tentam fazer com que a massa
laboriosa aceite essa desigualdade de educação como desigualdade imposta pela
natureza das coisas, uma desigualdade, portanto, contra a qual seria loucura rebelar-
se. (PONCE, 1996, p. 36).

Da mesma forma que no mundo antigo, a educação na história do capitalismo, também


se volta para a sustentação do sistema econômico vigente, sendo assim, a escola se configura,
conforme assevera Althusser (1974), como um dos aparelhos ideológicos do Estado,
juntamente com a igreja, a família, a mídia, entre outros. O autor revela que a escola se
apresenta como ideológica, pois possui um sistema de ensino que preparara as massas para a
obediência, para a disciplina e para tornar-se mão de obra para as classes dominantes.
Neste sentido, os sistemas de ensino instituem nas escolas currículos engessados, que
não fomentam espaços para a discussão e o debate acerca dos problemas que afligem o país e
que se manifestam na comunidade, no trabalho, nas relações sociais tecidas, no cotidiano das
pessoas. Escolas com práticas carregadas de autoritarismo, portanto produtora de sujeitos
heterônomos onde,

[...] Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou
discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele.
Impomo-lhe uma ordem a que ele não se ajusta concordante ou discordantemente,
mas se acomoda. Não lhe ensinamos a pensar, porque recebendo as fórmulas que lhe
damos, simplesmente as “guardas”. (FREIRE, 2001, p. 90 - 91).
Convém formar essa massa de mão de obra manipulável, dócil, mansa e submissa,
pois ela vende a sua força de trabalho por um valor irrisório e se sujeita a usurpação dos seus
direitos trabalhistas pela barganha da garantia de um trabalho, mesmo que incerto e
provisório, fortalecendo assim a exploração, as desigualdades sociais, o lucro, enfim, o
sistema capitalista.
É pertinente destacar que parte da história desse sistema econômico é marcada pelo
neoliberalismo, sendo que as reflexões tecidas nesta sessão sobre esta temática associada à
educação, atesta a escola como um dos sustentos do sistema econômico e como ele interfere
na educação/escola, para que esta não altere a ordem de quem manda e quem obedece no
sistema vigente.
O neoliberalismo é uma doutrina socioeconômica que se baseia nos ideais do
liberalismo econômico e defende a existência de um Estado mínimo, ou seja, a não
intervenção do Estado na economia, a autorregulação econômica, as privatizações das
empresas estatais, a flexibilização das leis trabalhistas, a diminuição dos investimentos
estatais nas políticas sociais.
Nesse contexto neoliberal faz-se necessário refletir a respeito da educação,
estabelecendo relações quanto a luta de classes, onde há cortes, portanto, menos
investimentos nas escolas públicas, acarretando em sua precarização. A escola precarizada
para a classe trabalhadora, solidifica uma formação básica para a perpetuação das
desigualdades sociais e para a manutenção de uma classe subserviente à classe dominante.
Em face as ideias problematizadas, é possível afirmar que a fragilização da escola
pública reflete e promove o enfraquecimento da classe trabalhadora, que acessa um
conhecimento que mal lhe permite garantir a sua sobrevivência, a busca pelo emprego ou
subemprego, e não acessa uma educação/formação voltada para a emancipação humana e para
o questionamento das injustiças que a mesma sofre.
Uma escola pública precarizada, sem investimentos estatais (Estado mínimo), significa
a perpetuação do domínio das classes dominantes sobre a classe trabalhadora. O
neoliberalismo, de modo geral, fortalece o poder da elite e prega o discurso do livre comércio
e concorrência, a liberdade individual, a meritrocracia, entre tantos outros discursos que
promovem e naturalizam a barbárie em nossa sociedade. Infelizmente tais discursos são
internalizados e reproduzidos por inúmeros educadores no interior das escolas públicas.
É no âmbito das políticas neoliberais que a classe dominante consolida uma educação
formal e de qualidade para os seus filhos, que são educados nas escolas privadas e estas não
dependem dos investimentos estatais para a perpetuação de um ensino de qualidade. Assim, as
políticas neoliberais aprofundam a desigualdade de ensino entre as classes.
Corrobora a esta discussão Libâneo (2012), ao destacar que,

[...] a escola que sobrou para os pobres, caracterizada por suas missões assistencial e
acolhedora (incluídas na expressão educação inclusiva), transforma-se em uma
caricatura de inclusão social. As políticas de universalização de acesso acabam em
prejuízo da qualidade do ensino, pois, enquanto se apregoam índices de acesso à
escola agravam-se as desigualdades sociais do acesso ao saber, inclusive dentro da
escola, devido ao impacto dos fatores intraescolares na aprendizagem. Ocorre uma
inversão das funções da escola: o direito ao conhecimento e à aprendizagem é
substituido pelas aprendizagens mínimas para a sobrevivência. (LIBÂNEO, 2012, p.
23, grifo do autor).

Frente ao exposto, fica em evidência que o conhecimento que a classe dominante


possui acesso é direcionado para a conquista e manutenção do poder, da dominação, da
liderança sobre os pobres, enquanto que para a classe trabalhadora resta o acesso a um
conjunto de aprendizagens mínimas que irão assegurar a subserviência e uma incerta
empregabilidade.
Em meio às políticas neoliberais, as escolas públicas teriam o papel de preparar a
classe trabalhadora para os desafios de um capitalismo cada vez mais tecnológico e
globalizado. Compete para as escolas/educação o papel da escolarização da população, afim
de que esta se constitua em força de trabalho simples, e que atenda aos objetivos empresariais
do sistema. Às escolas, não haveria a incumbência e priorização de uma formação humana
emancipatória e sim, uma formação competitiva, serviçal do capitalismo e sua busca
incessante pelo lucro.
O discurso empregado pelo neoliberalismo naturaliza na sociedade, a oferta de um
“[...] ensino puramente técnico, é a transmissão de um conjunto x de conhecimentos
necessários às classes populares para a sua sobrevivência” (FREIRE, 1993, p. 109), tolhendo
assim a natureza dos seres humanos que possuem a inegável capacidade de aprender e não de
meramente serem adestrados, considerando que são seres programados, mas para aprender1,
portanto, em processo constante de construção e de apropriação do objeto cognoscível, pois
além de serem curiosos e inventivos, são sujeitos subjetivos com sentimentos e emoções.
Atendendo aos ditames da doutrina neoliberal, desde o dia em que nasce até o
momento que se insere no mercado de trabalho, o sujeito será treinado/adestrado no intuito de

1
Expressão empregada por Paulo Freire em diversas obras freireanas, alicerçada em estudos da produção de
François Jacob, bioquímico e geneticista francês, que recebeu o prêmio Nobel em Fisiologia, no ano de 1965.
que se transforme num investimento bem sucedido, sendo assim, inicia a corrida para possuir
o currículo mais competitivo/empregável e conquistar o seu lugar no podium da vida.
Nesta senda, a empregabilidade se encontra vinculada diretamente a
capacitação/conhecimento específico na área que o sujeito pretende trabalhar; ao
conhecimento que transcende a área preterida mostrando que o candidato tem a mais a
oferecer ao empregador do que os demais concorrentes; a atualização profissional constante e
autônoma em cursos de curta e média duração que não exijam contrapartida financeira da
empresa e nem concessões de dispensa no horário de trabalho; a rede de
contatos/relacionamentos em potencial que possam trazer benefícios para a empresa; ao
domínio de informática; ao domínio de outros idiomas; a proatividade; ao comprometimento
com a empresa, ou seja, um profissional que vista a camisa da empresa e por fim, que saiba
zelar pelas postagens realizadas nas redes sociais, especialmente em seu perfil pessoal
demonstrando uma conduta exemplar que não irá macular a imagem da empresa.
Além de acumular as competências e habilidades supracitadas, uma vez que a
aquisição delas são de sua responsabilidade, o sujeito precisa ser capaz de internalizar a culpa
caso alguém mais qualificado venha a obter êxito e a ele restar o fracasso. Em síntese, a vida
é uma selva e sobrevive quem estiver melhor preparado, fortalecendo assim, a cruel ideia da
meritocracia.
Destaca-se aqui, que, na atual fase do desenvolvimento do capitalismo, o capital
dispensa grande parte da mão de obra e se presencia o fenômeno do desemprego estrutural e a
nova classe trabalhadora passa a ser denominada de precariado. Conforme Chaui (2013)
aponta, este precariado não tem direito as condições de um trabalho estável, nem contrato de
trabalho, nem seguridade social, não é sindicalizado e convive com a ilusão meritrocrática de
que a ele cabe vencer a competição com os outros precarizados, e que a ele também é
reservado a culpa perante o fracasso.
Corrobora a este debate, Atalla (2022), ao promover reflexões relacionadas a educação
no contexto neoliberal. O autor destaca a oferta de uma educação voltada para a competição
dos indivíduos que elimina modos de solidariedade e favorece práticas de ódio. Dessa forma,

A educação é considerada um investimento para que a criança aprenda a


desempenhar comportamento competitivo. Assim, desde o nascimento até a entrada
no mundo do trabalho, o indivíduo é treinado a ser um investimento bem-sucedido e
interiorizar a culpa quando não vencer a competição. A culpa desencadeia
frustrações, ódios, ressentimentos e violência de todo o tipo, destroçando a
percepção de si como um membro de uma classe social, destruindo modos de
solidariedade e desencadeando práticas de ódio e extermínio do outro. (ATALLA,
2022).
O momento atual do capitalismo, presencia que toda a competição entre os indivíduos
se exacerba no contexto de um tempo de desemprego estrutural, onde nem todos terão
colocação, não haverá empregabilidade para todos e a escola se constituirá numa “[...]
instância de integração dos indivíduos ao mercado, mas não todos podem ou poderão gozar
dos benefícios dessa integração já que, no mercado capitalista, não há espaço para todos”.
(GENTILI, 2002, p. 52).
Nesta direção, a reflexão proposta sinaliza para a instituição de uma escola que
promove e educa para a competição, para o suposto sucesso individual que responsabiliza os
sujeitos pela conquista dos méritos, ou seja, que educa para o mercado, para o sistema, para a
manutenção do status quo, mas ao mesmo tempo é uma escola/educação que vê seu discurso
da empregabilidade enfraquecer-se diante de um contexto histórico onde vigora o
neoliberalismo, que exclui parte desses indivíduos da empregabilidade, da sobrevivência e
ainda os culpabiliza pelo insucesso.
O diálogo tecido sinaliza para a necessidade de refletir sobre a Teoria do Capital
Humano, onde a função social da educação se constitui enquanto formadora do capital
humano que permitiria o crescimento econômico dos países. Neste viés, a escola seria um
mecanismo de integração dos indivíduos à vida produtiva e quanto mais qualificados seriam,
maiores seriam os ganhos econômicos e o lucro do capital. Coaduna a esta reflexão, Gentili
(2002) ao enfatizar que,

[...] as possibilidades de inserção de um indivíduo no mercado (potencialmente) da


posse de um conjunto de saberes, competências e credenciais que o habitam para a
competição pelos empregos disponíveis (a educação é, de fato, um investimento em
capital humano individual). (GENTILI, 2002, p. 54).

Em outros termos, é a escola que vai capacitar os indivíduos com um conjunto de


saberes com o intuito de promover a integração deles na sociedade produtiva, podendo
ampliar os lucros do capital. Porém, vale aqui destacar, que tal sociedade produtiva convive
com taxas elevadas de desemprego.A empregabilidade dos indivíduos seria as melhores
condições de competir para sobreviver na luta pelos poucos empregos disponíveis, onde
alguns irão sobreviver e outros não. (GENTILI, 2002).
Na escola, o aluno se torna um consumidor de conhecimentos que o habilitam à
competição do mercado de trabalho, ou seja, “[...] a possibilidade de obter uma inserção
efetiva no mercado depende da capacidade do indivíduo em “consumir” aqueles
conhecimentos que lhe garantem essa inserção”. (GENTILI, 2002, p. 55).
Frente ao exposto, em face a todo um contexto do educar para competir, do educar
para a empregabilidade, do educar para desenvolver habilidades e competências para a
atuação profissional, é necessário refletir sobre a importância da instituição de uma educação
que contribui para a formação humana. Emergem as seguintes indagações: Tal educação
existe? Tal educação resiste?
Atendendo as diretrizes interpostas pelas Politícas Públicas Educacionais, no âmbito
das escolas públicas precarizadas, é possível encontrar inúmeras práticas que reproduzem os
interesses mercadológicos, que fomentam currículos engessados e articulados ao
fortalecimento de espaços educativos segmentados para os filhos da classe dominante e para
os filhos da classe dominada, pela instituição de práticas avaliativas classificatórias,
excludentes e promotoras do fracasso escolar e recebendo ainda interferências das concepções
de educação que influenciam de maneira prejudicial na intencionalidade/diretividade do ato
educativo.
Todavia, é possível encontrar a resistência a este modelo de educação que
essencialmente profissionaliza os sujeitos. A educação precisa se constituir enquanto
possibilidade de formação humana, que emancipa, que questiona, que promove leituras
críticas da sociedade, que promove vivências democráticas no ambito escolar. Há um esforço
de muitos participantes da educação em fomentar uma educação para a emancipação humana,
para a construção de consciência de classe, para a compreensão das diversas realidades dos
educandos, sendo que este caminho será percorrido na próxima sessão do artigo.

2. Quando a escola se constitui em um espaço de formação humana

Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu
nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes... Eu ia pra escola todos os
dias de manhã e, quando chegava logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no
vidro! [...] Aliás nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros.
(ROCHA, 2012, p. 32 - 33).

As ideias discutidas neste artigo, apontam que na sociedade existe a oferta de um


padrão de alta qualidade de ensino para a classe dominante e um padrão de baixa qualidade de
ensino para a classe dominada, dessa forma, a escola se constitui num aparelho que reproduz
os interesses do Estado e se ocupa em preparar a massa de mão de obra individualista,
competitiva, qualificada, polivalente, flexível, enfim, treinada para atender as demandas
determinadas pelo sistema capitalista.
Todavia, mais do que formar a massa de mão de obra com o domínio dessas
habilidades e competências, o compromisso a ser assumido pela escola é o de assegurar a
promoção da formação humana dos sujeitos, por meio do conhecimento socialmente
construído e acumulado, sendo que ele é o alicerce do trabalho pedagógico no cotidiano
escolar.
Conceber a escola como um espaço de vivências imutáveis e de práticas
homogeneizadoras onde os educandos são moldados aos padrões pré determinados pelo
Estado em alinhamento com os órgãos internacionais que controlam o capital, tem consistido
numa realidade que está presente no cenário educacional.
A analogia tecida por ROCHA (2012), ao ilustrar que a escola coloca todos os sujeitos
em recipientes de vidro do mesmo formato e tamanho, além de desconsiderar a singularidade
de cada aluno, deliberadamente ignora suas vivências sociais e culturais. Esta analogia não se
limita unicamente aos cenários e ilustrações construídos pela literatura infantil, mas nos
remete a uma análise de como a escola em pleno século XXI, em face a inúmeros avanços nas
concepções epistemológicas e metodológicas, na ciência e na tecnologia, ainda se encontra
organizada.
Infelizmente, o sistema de ensino preconiza a oferta de uma educação padronizada que
objetiva ensinar a todos da mesma forma e se for necessário, se ajusta, se acomoda, se
encaixa, faz caber no mesmo molde, tudo isso para garantir a conformidade dos sujeitos.
Alguns deles são mais tranquilos, outros no entanto, dão muito trabalho pois se manifestam,
se rebeliam, resistem, todavia, com o emprego de uma dose pontual de disciplina aplicada no
corpo e na mente dos educandos, o êxito está assegurado e todos são acondicionados nestes
recipientes.
Tais situações acontecem de maneira praticamente irrefletida, visto que, perdidas em
algum lugar do passado, lembranças são evocadas por esses educadores, que em sua vida
escolar, também foram guardados/acomodados num recipiente e de alguma forma
sobreviveram a essas experiências tecidas em espaço formais de aprendizagem.
Dessa forma, práticas autoritárias e negadoras da singularidade humana continuam a
ser reproduzidas por um sistema que assegura a manutenção das estruturas vigentes, uma vez
que a escola não busca promover a transformação da sociedade, mas garantir a sua
reprodução, tampouco a preocupação é com a transformação dos sujeitos, visto que, “[...] o
sistema escolar sempre esteve em função do tipo de organização da vida social dominante”.
(DEWEY, 1972, p. 285). E, aos dominados, o que compete de fato à escola ensinar?
Coaduna a este debate as ideias explicitadas por Libâneo (2013), ao sustentar que a
escola não é produtora de mercadorias que devem incorporar os padrões de qualidade total na
produção de profissionais que não possuam defeitos, portanto, que sejam perfeitos.
É necessário que se entenda as relações existentes no contexto econômico e político,
sem no entando se sujeitar a ele, uma vez que, “[...] a escola implica formação voltada para a
cidadania, para a formação de valores – valorização da vida humana em todas as dimensões.
[...] Ela lida com pessoas, valores, tradições, crenças, opções. Escola não é fábrica, mas
formação humana”. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2013, p. 132).
Neste sentido, Freire (2001), faz a defesa da efetivação da escola que de fato a
sociedade, os sujeitos necessitam, não aquela propedêutica e que atenda aos interesses
mercadológicos, mas uma escola voltada a promoção da formação humana, que anele o
desenvolvimento integral dos sujeitos nas dimensões intelectuais, físicas, emocionais, sociais
e culturais, capaz de promover leituras críticas da realidade social que estão inseridos e de
mobilizar os alunos na luta por uma sociedade equânime, enfim um espaço, onde se aprenda
concretamente os princípios democráticos e o exercício da cidadania. Em suma, a escola

[...] que precisamos, assim viva, assim democrática - assim formadora de hábitos, e
não meramente propedêutica -, não é escola que apareça por acaso. Aqui, também, o
nosso grande problema é o de passagem ou do trânsito da escola livresca e
antidemocrática para a escola democrática - formadora de hábitos de trabalho, de
participação, de crítica, de solidariedade, com que o nosso educando, desenvolvendo
a sua dialogação, se integre, com autenticidade, no clima cultural que ora vivemos.
(FREIRE, 2001, p. 98).

Todavia, se o propósito da escola é contribuir no processo de formação humana, o


professor precisa “[...] proporcionar o ambiente que provoque reações ou “respostas” e dirija
o curso do educando [...] modificar os estímulos ou as situações, de modo que das reações
resulte o mais seguramente possível a formação de desejáveis atitudes intelectuais e
sentimentais” (DEWEY, 1959, p. 199), ou seja, por meio do ensino, mediar o conhecimento
para que este se torne significativo e o aluno consiga continuar evoluindo em sua
aprendizagem e na sua formação ética, moral, estética e política.
O curso dos estudos a que Dewey (1959) se refere, é o currículo que vai abarcar as
matérias da instrução escolar, sendo que ao educador cabe a incumbência de compreender
com profundidade o processo de construção desses conhecimentos, orientando o aluno no
curso de suas aprendizagens, problematizando de maneira concreta, vinculando a sua
realidade. Nesta senda, é possível afirmar que o professor precisa conhecer com profundidade
a matéria de estudo, direcionando a sua atenção para a “[...] interação da mesma com as
necessidades e aptidões atuais do aluno” (DEWEY, 1959, p. 202).
É vital que no processo de mediação do conhecimento, o professor instigue o aluno a
pensar, visto que se constitui no “[...] método de se aprender inteligentemente, de aprender
aquilo que utiliza e recompensa o espírito” (DEWEY, 1959, p. 167, grifos do autor). O pensar
é um método/movimento dialético que envolve a proposição de problemas e de elaboração de
questões em níveis progressivos de dificuldade, promovendo a ascensão do conhecimento em
patamares cada vez mais elevados.
Promover a educação na dimensão formativa humana, demanda conhecimento, debate,
diálogo e uma práxis revolucionária estabelecida quando a atividade humana dos educadores
promove a mudança das circunstâncias ou de si mesmo. Os aspectos elencados, possibilitam o
redimensionamento do currículo das escolas, condensando os conhecimentos que irão
contribuir para a humanização dos sujeitos, uma vez que,

[...] o plano de um currículo deve tomar em conta a adaptação dos estudos às


necessidades da vida atual em sociedade, a escolha deve ser feita com o fito de
melhorar a vida que levamos em comum, de modo que o futuro seja melhor que o
passado. Além disso, deve-se planejar o currículo colocando-se em primeiro lugar as
coisas essenciais, e, em seguida, as que constituem requintes. Coisas essenciais são
as socialmente mais fundamentais, isto é, as relacionadas com a atividade
compartida pelos grupos mais extensos. E secundárias são as que representam as
necessidades de grupos especializados e trabalhos técnicos. Existe verdade no dizer-
se que a educação deve primeiro ser humana e só depois ser profissional.
(DEWEY, 1959, p. 211, grifo nosso).

Não é possível compreender a dimensão humana da educação se ela for


essencialmente vinculada a cultura apropriada por eruditos que conservam as práticas do
passado. A matéria da educação se humaniza quando possui relação com os interesses, com as
vivências dos sujeitos, atribuindo assim sentidos e significados. Não há equidade quando se
oferece um conhecimento para abarcar os interesses da classe dominante e outro para a classe
dominada.
Educar é formar, portanto a natureza dos sujeitos é de inconclusão, de inacabamento e
de constante aprendizado. Não há possibilidade de ensinar conteúdos ou as matérias da
educação em um processo desvinculado da formação humana e moral dos alunos.
Seguindo pela mão de Freire (2006), o autor é convidado a aprofundar este debate ao
asseverar:
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a
disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a
constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a
vida? Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares
fundamentais aos alunos e a experiência social que eles tem como indivíduos? Por
que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos
dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso?
Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada a ver
com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos
alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos. (FREIRE, 2006, p. 30-31).

A matéria da educação não irá contribuir apenas para a compreensão da realidade


social concreta, mas principalmente para a sua formação humana, uma vez que ao refletir
sobre os problemas da atualidade que circundam o cotidiano existencial dos educandos, estará
contribuindo para que os fatos sejam observados sob outros olhares, sob novas perspectivas,
que conexões históricas sejam construídas compreendendo a implicação dos fatos do passado
no e do presente no futuro das pessoas, que diálogos e debates de ideias sejam tecidos, pois
tudo é currículo, portanto humaniza os sujeitos, os tornando pessoas melhores.
A educação precisa ainda se constituir num espaço de vivência das primeiras
experiências democráticas dos educandos, isso se caracteriza enquanto formação humana,
uma vez que, “[...] ser cidadão significa ser partícipe da vida social e política do país, e a
escola constitui espaço privilegiado para esse aprendizado, e não apenas para ensinar a ler,
escrever e contar, habilidades importantes, mas insuficientes para a promoção da cidadania”.
(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2013, p. 166).
Essa sessão deste estudo, possibilitou o debate acerca da educação enquanto formação
humana, portanto vivenciada em múltiplas dimensões para assegurar o desenvolvimento do
sujeito em sua totalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante o cenário atual que estamos vivendo onde prepondera o ataque a


democracia, que defende o desmonte dos órgãos e categorias que se engajam na luta pelos
direitos dos cidadãos, que naturaliza a intolerância com a diversidade humana propagando
discursos de ódio que atacam as classes sociais, os gêneros, as etnias, os credos e as
divergências de opiniões, faz-se necessário promover o enfrentamento por meio do
conhecimento a estas formas de alheamento e obscurantismo da razão.
Neste sentido, é de vital importância promover momentos de debates e reflexões
buscando compreender a realidade histórica e social que estamos inseridos, no sentido de
promover a mudança nos sujeitos e estes no mundo.
Dessa forma, percebemos que a educação precisa assumir a sua função social no
sentido de promover leituras críticas de mundo por meio do conhecimento científico,
possibilitando assim, a compreensão do contexto social que estamos inseridos, a
transformação dos sujeitos e consequentemente da sociedade, se posicionando na contramão
da lógica de reprodução dos interesses do sistema capitalista, ou seja, precisamos assegurar a
oferta de uma educação que contribui na formação humana dos sujeitos que lutam pela
equidade e se negam a aceitar com submissão a segregação e o agravamento das
desigualdades sociais.
A escola no contexto de uma sociedade desigual socialmente, vai ser um dos alicerces
ideológicos de um sistema que precisa se perpetuar dentro de uma lógica desigual, por isso irá
ser usada para reproduzir os interesses do Estado.
No sistema capitalista, a doutrina do neoliberalismo vem aprofundar as desigualdades
entre a classe trabalhadora e os donos dos meios de produção, quando prega um Estado
mínimo, que de modo geral sabe-se que esse Estado vai ser inferior para a classe trabalhadora,
que vê dia após dia a diminuição e a escassez dos investimentos na saúde, na educação e na
assistencia social. Pouco investimento público no sistema educacional traz a precarização do
mesmo e por consequência, cada vez mais uma educação segregada entre os ricos e os pobres.
Infelizmente, a escola ainda não respeita a individualidade dos alunos, tanto é que
procura disseminar a maneira igualitária de ensinar o mínimo para todos, desconsiderando as
vivências sociais e culturais, os ritmos próprios de aprendizagem de cada sujeito, os interesses
e as necessidades. A escola acomoda e ajusta o educando fazendo-o entrar no mesmo
molde/recipiente e discursos impregnados das falácias neoliberais da meritocracia fazem com
que a igualdade definitivamente suplante a equidade.
Se a escola se omitir da formação técnica e profissional dos educandos, estará os
sujeitando as condições de desigualdade e exclusão social, portanto, ela precisa formar o
profissional, mas não para incorporar a competitividade acirrada do mercado de trabalho que
subtrai a dignidade e a essência do ser humano, mas para conquistar o seu espaço, sem deixar
de lutar por sua dignidade e direitos.
Por fim, convém destacar que a educação enquanto formação humana, não é uma
quimera, mas uma realidade possível, visto que, não há como fazer a negação da oferta da
formação científica, profissional e técnica. A negação que precisa ser realizada é das
perspectivas meramente profissionalizantes que excluem a dimensão da formação de
humanidades nos alunos. A educação que anelamos conscientiza, empodera, liberta e
emancipa os sujeitos.

REFERÊNCIAS

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Visión, 1974.

ATALLA, Marcus. Neoliberalismo não é uma política econômica, é a dilaceração da


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Sobre as autoras

Autor 1 – Graduada em Pedagogia pela Universidade do Contestado (UnC) - campus


Concórdia - SC, mestra em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
Chapecó-SC. E-mail: luciana.salvi@gmail.com.

Autor 2 - Graduada em Pedagogia pela Universidade do Contestado (UnC) - campus


Concórdia - SC, mestra em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
Chapecó-SC. Doutoranda em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(UNOESC). Email: cirleilh@gmail.com.

Autor 3 - Graduada em História pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) -


campus Joaçaba e em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Especialista em Ciências Sociais: História e Geografia (FAI). E-mail:
markl_10@hotmail.com.

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