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Ester Limonad
Universidade Federal Fluminense
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LIMONAD, E. América Latina mais além da urbanização dependente? Trabalho apresentado na mesa
redonda "Projeções do urbano: tendências estruturais e racionalidades alternativas". VI Encontro Nacional da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, Niterói: ANPEGE/UFF/CLACSO, 2007.
Três grandes indagações movem a reflexão neste ensaio. É possível falar de cidades
latino-americanas, de uma urbanização latino-americana? No passado aparentemente sim,
mas e hoje, o que mudou? Enfim como trabalhar com isso? Embora não haja uma pretensão
aqui em responder a tais indagações, o objetivo deste ensaio é tecer algumas considerações
de cunho teórico-metodológico e buscar elementos que subsidiem a compreensão das
tendências recentes da urbanização latino-americana, com base em uma leitura em estudos
e dados relacionados a esta temática.
Há alguns anos (1960-1990) diversos autores1, assinalavam, como traços específicos
da urbanização dos chamados países em desenvolvimento ou dependentes2, e por
conseguinte dos países latino-americanos: o caráter acelerado do crescimento urbano, a
redefinição das áreas rurais com a perda das identidades locais, a marcada migração das
áreas rurais para os centros urbanos primazes, a expressiva concentração demográfica em
áreas metropolitanas ou capitais nacionais, a dimensão dessas áreas metropolitanas, as
elevadas taxas de crescimento demográfico e profundas desigualdades sócio-espaciais no
acesso a oportunidades, bens e serviços, que se expressavam através da existência de
assentamentos insalubres (favelas, villas miseria, callampas, etc) e elevados níveis de
pobreza, desemprego e violência.
Assim, ao se abordar a urbanização da América Latina procedia-se, inicialmente, a
uma diferenciação em relação aos chamados países centrais para a seguir recorrer a um
conjunto de características balizado por estatísticas de organismos internacionais e mostrar
como tal ou qual cidade-capital inseria-se ou não no modelo de uma assim chamada
urbanização dependente. Tal procedimento permitia homogeneizar, sob um mesmo rótulo,
a rica diversidade de países que compõe a América Latina, como se todos, do México à
Argentina e do Brasil à Dominica, correspondessem a uma mesma formação sócio-
histórica, a uma mesma realidade econômico-social, que permitiria obliterar suas
especificidades histórico-geográficas, suas semelhanças e suas diferenças.
As transformações decorrentes da III revolução industrial, a globalização dos
mercados, a formação de alianças e blocos econômicos supranacionais contribuíram para
redesenhar o mapa do mundo, alterar a divisão internacional do trabalho e para acentuar as
diferenças e particularidades sócio-espaciais entre os países latino-americanos. Alteraram-
se, deste modo, a distribuição espacial das atividades produtivas e da população, resultando
em uma re-organização do espaço social. A acentuada concentração urbana e produtiva do
passado cedeu lugar, em várias partes do mundo, de leste a oeste e de norte a sul, a uma
dispersão espacial da urbanização, das plantas industriais e dos estabelecimentos vis a vis a
uma concentração das sedes das empresas e centros administrativos, como assinalam
diversos autores de vários países3. Processos que soém ser caracterizados como expressão
da emergência de "novas" formas de urbanização4 e que estão em parte relacionados às
formas contemporâneas de regionalização e de organização das atividades produtivas
propiciadas pelo desenvolvimento do meio técnico-científico-informacional, em que as
verticalidades tendem a ser substituídas pelas horizontalidades (SANTOS, 1996;
HARVEY, 1989; LIPIETZ e LEBORGNE, 1988).
Tais transformações impõem sérios obstáculos para a compreensão do status quo na
América Latina e apontam para a necessidade de se buscar parâmetros e indicadores que
incorporem a diversidade de situações, possibilitem reconhecer diferenças e que, ao mesmo
tempo, não permitam a substituição de um rótulo “urbanização dependente” por outro,
igualmente homogeneizante e redutor da diversidade.
A leitura recente dos países latino-americanos aponta para uma ampla diversidade e
complexidade de situações, que à primeira vista fazem com que cada caso apareça como
específico e particular, como sóe suceder no caso do rural no México, no Equador ou na
Bolívia, o que contribui para uma multiplicação de abordagens descritivas particulares
circunscritas a realidades locais e regionais. A proliferação de estudos sobre a
deslocalização industrial, reestruturação produtiva, novas formas de urbanização, formação
de clusters turísticos internacionais, dispersão urbana, extensificação da urbanização e o
novo caráter do rural revela que, sem dúvida, algo mudou no cenário latino-americano.
Mudanças em parte corroboradas por dados e estatísticas internacionais (ONU, CEPAL,
órgãos censitários dos diversos países, etc). Portanto, se até meados de 1980 era possível
falar de uma urbanização latino-americana, hoje isso já não parece mais cabível, ao menos
nos moldes dos paradigmas pretéritos do que se definia então por uma urbanização latino-
americana e do que se compreende por rural e urbano.
De certa forma o esforço feito aqui de sistematizar uma série de observações tem por
origem um sentimento de mal-estar. Um mal-estar fundado na resistência de muitas leituras
à percepção de que algo de fato mudou. O mero exame das imagens noturnas do continente
latino americano deixa patente a dispersão da ocupação no território brasileiro e mexicano
em contraste com a concentração da ocupação urbana em outros países do continente, em
particular na América Central, Argentina, Chile, Peru e Uruguai. Os dados demográficos de
países com aglomerações urbanas metropolitanas (AUM) com mais de um milhão de
habitantes em 2000, expostos na tabela 1, revelam que deveras algo mudou em relação ao
período 1960-1980, em termos da concentração demográfica da população em cidades
primazes.
TABELA 1: América Latina, Aglomerações Urbanas Metropolitanas com mais de um milhão de habitantes - Taxa
de Urbanização, População Total, Urbana e Participação Percentual na população nacional, segundo os últimos
censos nacionais (ver respectivas notas de fim)
% DA POPULAÇÃO POPULAÇÃO
>AUM >AUM > AUMs Maior Total AUM Total Taxa
PAÍS Núcleo>AUM n°
/>AUMs URB. /Total /Tot AUM Nacional Urban
(1)/(2) (1)/(3) (2)/(3) (1) (2) (3)
Brasil5 São Paulo 35,65 12,91 10,49 29,43 17 17.813.234 49.970.180 169.799.170 81,25
México 6 México 54,91 24,47 18,28 33,29 9 18.396.677 33.501.764 100.638.078 74,70
Colômbia7 Bogotá 47,96 24,72 18,38 38,31 5 7.881.156 16.431.287 42.888.592 74,35
Argentina8 Buenos Aires 81,97 35,34 31,61 38,56 3 11.460.575 13.980.838 36.260.130 89,44
Venezuela9 Caracas 47,09 13,79 12,48 26,50 3 2.876.858 6.109.326 23.054.210 90,49
Equador10 Guayaquil 59,22 27,35 16,72 28,23 2 2.032.270 3.431.648 12.156.608 61,13
Bolívia11 La Paz-El Alto 56,28 27,82 17,37 30,85 2 1.436.935 2.552.994 8.274.325 62,42
Peru12 Lima-Callao 100,00 39,98 29,69 29,69 1 7.765.085 7.765.085 26.152.265 74,26
Chile13 Santiago 100,00 42,92 40,10 40,10 1 6.061.185 6.061.185 15.116.435 93,43
Guatemala14 Guatemala 100,00 41,33 19,07 19,07 1 2.142.695 2.142.695 11.237.196 46,14
El Salvador 15 San Salvador 100,00 62,39 31,82 31,82 1 2.260.892 2.260.892 7.104.999 51,00
Nicarágua16 Managua 100,00 63,19 35,34 35,34 1 1.817.096 1.817.096 5.142.098 55,92
Paraguai17 Asunción 100,00 55,64 31,48 31,48 1 1.612.751 1.612.751 5.122.982 56,58
Costa Rica18 San José 100,00 59,83 35,32 35,32 1 1.345.750 1.345.750 3.810.179 59,03
Uruguai19 Montevideo 100,00 55,37 50,82 50,82 1 1.647.077 1.647.077 3.241.003 91,78
1
como por exemplo Manuel Castells (1973) ao tratar da questão urbana e Janice Perlman (1990, p.4) ao
assinalar as tendências mundiais de crescimento urbano relacionadas às migrações campo-cidade.
2
A respeito da teoria da dependência ver os trabalhos de: Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1970);
Anibal Pinto (1970). Ou a leitura crítica de Lúcio Kowarick (1975) a respeito das teorias da dependência e da
marginalidade social.
3
Ver a esse respeito a argumentação desenvolvida no trabalho No todo acaba en Los Angeles (LIMONAD,
2007c).
4
As condições gerais de produção impostas pelas transformações decorrentes da revolução informacional e
da acumulação flexível geram uma dispersão espacial da produção e da população. Tem-se, assim, com o
novo modelo produtivo uma reorganização do espaço social de vida e trabalho configurando, uma
estruturação territorial dispersa, em contraposição à lógica concentradora do período fordista-taylorista
anterior. Resulta daí: a) o surgimento de novas formas urbanas: um novo urbano/novo rural (urbanização
dispersa, extensiva, etc) com a formação de condomínios fechados, enclaves urbanos no campo e uma
urbanização incompleta. b) alteram-se as centralidades e a simultaneidade, rompem-se as antigas hierarquias,
formam-se novas regionalizações e alianças em diversas escalas.
5
Fonte: IBGE (2000) Aglomerações Urbanas Metropolitanas com mais de um milhão de habitantes: Belém
(1.795.536), Belo Horizonte (4.357.942), Brasília (2.952.276), Campinas (2.338.148), Curitiba (2.768.394),
Fortaleza (2.984.689), Goiânia (1.639.516), Natal (1.097.273), Porto Alegre (3.718.778), Salvador
(3.021.572), Baixada Santista (1.476.820), São Luís (1.070.688), Recife (3.337.565), Rio de Janeiro
(10.710.515), São Paulo (17.878.703), Teresina (1.008.198) e Vitória (1.438.596). Isso sem considerar que,
em 2.000, a cidade de Manaus, capital do Amazonas, concentrava 1.565.709 habitantes, correspondentes a
50,50% da população estadual.
6
Fonte: INEGI (2000). As áreas metropolitanas com mais de um milhão de habitantes do México são:
México (18.396.677), Guadalajara (3.699.136), Monterrey (3.299.302), Puebla-Tlaxcala (1.885.321), Toluca
(1.451.801), Tijuana (1.274.240), León (1.269.179), Juarez (1.218.817) e Laguna (1.007.291) (Fonte:
SEDESOL, CONAPO e INEGI, 2004). A população urbana foi calculada de acordo com a definição
censitária do Mexico (aglomerados com mais de 2.500 habitantes) e com base no trabalho de CONAPO,
(s.d.).
7 Fonte: DANE (2005). Áreas Metropolitanas: Bogotá, Cali (2.530.756), Medellin (3.312.165) (Área
Metropolitana del Valle de Aburrá), Barranquilla (1.694.879) e Bucamaranga (1.012.331)
8 Fonte: INDEC (2001). Conurbano de Cordoba (1.368.301) e de Rosario (1.161.188)
9 Fonte: INE (2001a). Área Metropolitana de Maracaibo (1.788.615) Área Metropolitana de Valencia
(1.443.853))
10 Fonte: INEC (2001). Distrito metropolitano de Quito (1399378).
11 Fonte: INE (2001b). Principais aglomerações urbanas: La Paz com El Alto (população urbana 2.552.994) e
Santa Cruz de La Sierra (população urbana 1.116.059).
12 Fonte: INEI (2005). A área metropolitana de Lima, uma das oito maiores das Américas, é constituída pelas
Provincias de Lima (6.954.517) e Callao (810.568) de acordo com o D.S.n. 011-72 - PM de 25 de abril de
1972. Provincia Arequipa (861.746), que faz parte do Departamento de Arequipa.
13 Fonte: INE (2002a). Dados da cidade de Santiago do Chile foram obtidos em
http://www.municipalidaddesantiago.cl/comuna/comuna_caracteristicas.php) área conurbada da metrópole de
Santiago (5.428.590) e cotejados CEPAL/ECLAC (2005).
14 Fonte: INE (2002b). População metropolitana calculada com base na população urbana dos municípios
componentes da Área Metropolitana da Ciudad da Guatemala (AMG) (Guatemala, Villa Nueva, San Miguel
Petapa, Mixco, San Juan Sacatepequez, San José Pinula, Santa Catarina Pinula, Fraijanes, San Pedro
Ayampuc, Amatitlán, Villa Canales y Chinautl) população total dos municipios da AMG era de 2.424.501
habitantes em 2001.
15 Fonte: DGEC. Estimativa censitária para 2007. Último censo realizado em 1992 (taxa de urbanização=
51%).
16 Fonte: INEC (2005).
17 Fonte: DGEEC (2002) e (2005) Área Metropolitana de Asunción comprende a população total do distrito
homônimo, a população total dos distritos de San Lorenzo, Lambaré, Fernando de Mora, Luque, Capiatá,
Mariano Roque Alonso e Villa Elisa; acrescida da população urbana dos distritos de Ñemby, Limpio, San
Antonio, Areguá, e de Villa Hayes.
18 Fonte: INEC (2000).
19 Fonte: INE (2004) População da Zona Metropolitana de Montevideo calculada com base nos dados de INE
(2005): Área Metropolitana de Montevideo constituida pela população urbana do Departamento homônimo e
pelas localidades de: Las Piedras, Pando, La Paz, Progreso, Juan Antonio Artigas, Paso de Carrasco, Camino
a Maldonado Km. 22.5, Solymar, Villa Crespo e San Andrés, Paso del Andaluz, Parque Carrasco, Colonia
Nicolich, Lagomar, Sauce Joaquín Suárez, San José de Carrasco, Lomas de Solymar, Toledo, Barra de
Carrasco Shangrilá, Villa Aeroparque, Villa San José, Aeropuerto Nacional de Carrasco e Instituto Adventista
todas do Departamento de Canelones.
20
Ver a respeito dessas diferenças os critérios expostos no anexo de CEPAL/ECLAC (2005)
21
As maquiladoras são fábricas contratadas por corporações transnacionais para realizar partes do processo de
produção. As corporações transnacionais abastecem as maquiladoras com produtos semi-montados, como
roupas e componentes eletrônicos para que os finalizem e exportem. (MATTSON, 2007).
22
Apenas para ilustrar a dimensão da atividade turística no Caribe, cabe destacar, segundo dados da
Organização de Turismo do Caribe, em 2002, que só Cancún e Cozumel, no Mexico, hospedaram cerca de
quatro milhões de turistas e receberam cerca de de dois milhões de passageiros de cruzeiros marítimos
internacionais.
23
O Fondo Nacional de Turismo (FONATUR) no México foi responsável pelo planejamento e implantação
de Cáncun, alémde outros pólos turísticos, com a meta de separar e os espaços e segregar os espaços turisticos
e evitar a formação de villas miseria. Ver a respeito do plano do FONATUR o trabalho de PÉREZ
VILLEGAS, G. e CARRASCAL (2000, pp. 149-153)
No caso do Brasil o PRODETUR – Nordeste, implementado a partir da década de 1990, no âmbito dos planos
federais "Brasil em Ação", "Avança Brasil", durante os governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso,
e "Brasil para Todos", durante o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, teve um papel fundamental
na viabilização da Costa dos Coqueiros da Bahia como destino turístico internacional. Ver a respeito Limonad
(2007a, 2007b).
24
ver a respeito da Costa dos Coqueiros no Brasil os trabalhos de: Limonad (2007a, 2007b), e a respeito de
Cancún o trabalho de Torres & Momsem (2005).
25
Derivada da prática de planejamento governamental orientada pela visão de uma complementaridade inter
regional, que buscou dividir o Brasil em regiões especializadas (o Sudeste Industrial, o Centro-Oeste e o Sul
como fronteira agropecuária, o Nordeste com bens intermediários químicos (BA) e têxteis (CE e RN) e o
Norte como área de mineração e extração de produtos primários. (LIMONAD, 2004). Ver ainda MOREIRA
(2004).
26
Ver nota 2.
27
Wallerstein considera que para se estudar o caráter capitalista de uma sociedade é necessário fazê-lo desde
o nível de um sistema mundial, por entender que devems er deixados de lado sistemas menores.