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XI Encontro de Estudos Organizacionais da ANPAD - EnEO 2022

On-line - 26 - 27 de mai de 2022


2177-2371

Empresas B: Uma Agenda de Pesquisa em Estudos Organizacionais

Autoria
PRISCILLA FARIAS PITTS - priscillafpitts@gmail.com

Adrianne Garcia - adriannecgs@gmail.com


Mestr Acad em Admin/Prog de Pós-Grad em Admin - PROPADM / UFS - Universidade Federal de Sergipe

Resumo
Este artigo apresenta a evolução do conceito da responsabilidade socioambiental até os dias
atuais e como o movimento B está integrado ao papel social das organizações. Pautas como
mudanças climáticas, pobreza e desigualdade social estão na mira das organizações que
desejam atuar de forma ética e responsável, assim buscam a certificação B para comunicar à
sociedade o empenho em “ser melhor para o mundo”. Os estudos sobre as empresas B estão
avançando na academia e o aumento do número de certificações sinaliza que o movimento
está em expansão. Por essa razão, torna-se cada vez mais necessário aprofundar o debate
sobre o movimento B e como as organizações e sociedade são impactadas. Diante desse
contexto, sugerimos a metodologia de pesquisa-ação como um dos caminhos viáveis de
pesquisas em estudos organizacionais podem contribuir, sobretudo na prática, para ações
mais concretas que gerem práticas organizacionais sustentáveis para a sociedade em que
vivemos.
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Empresas B: Uma Agenda de Pesquisa em Estudos Organizacionais

Resumo: Este artigo apresenta a evolução do conceito da responsabilidade


socioambiental até os dias atuais e como o movimento B está integrado ao papel social
das organizações. Pautas como mudanças climáticas, pobreza e desigualdade social estão
na mira das organizações que desejam atuar de forma ética e responsável, assim buscam
a certificação B para comunicar à sociedade o empenho em “ser melhor para o mundo”.
Os estudos sobre as empresas B estão avançando na academia e o aumento do número de
certificações sinaliza que o movimento está em expansão. Por essa razão, torna-se cada
vez mais necessário aprofundar o debate sobre o movimento B e como as organizações e
sociedade são impactadas. Diante desse contexto, sugerimos a metodologia de pesquisa-
ação como um dos caminhos viáveis de pesquisas em estudos organizacionais podem
contribuir, sobretudo na prática, para ações mais concretas que gerem práticas
organizacionais sustentáveis para a sociedade em que vivemos.

Palavras-Chave: Responsabilidade Social Empresarial; Sistema B; B-Lab. Pesquisa-


ação.

Introdução

A crença de que as organizações têm uma responsabilidade para com a sociedade


civil não é nova. É possível traçar esse viés de preocupação das grandes corporações há
vários séculos. Nos séculos XVI e XVII, a Coroa Inglesa via as grandes corporações como
um instrumento para o desenvolvimento social (CHAFFEE, 2017). No entanto, foi apenas
a partir das décadas de 1930 e 1940 que o papel dos executivos e o desempenho social
das corporações começaram a aparecer na literatura e, dessa forma, os autores passaram
a discutir quais eram as responsabilidades sociais específicas das empresas (CARROLL,
2008).
Nas décadas seguintes, as expectativas sociais em relação ao comportamento
empresarial e o conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) mudaram,
evoluindo para outros movimentos que existem hoje como modelos de negócios
propriamente ditos, voltados para a sustentabilidade da sociedade civil. Diante desse
contexto, é importante entender quais os antecedentes históricos sociais e culturais que
levaram a essa evolução enquanto sociedade, sobretudo dentro das organizações
empresariais, a fim de entender fundamentalmente quais os rumos se tornam importantes
seguir a partir de tal ponto.
No cenário da RSE, surge nos Estados Unidos em 2006 o B-Lab, organização não
governamental que atua na certificação de empresas que buscam comprometer-se em
reduzir os impactos negativos dos seus negócios. O aumento do número de certificações
de empresas B ao redor do mundo mostra a expansão do movimento e o número de artigos
acadêmicos dos últimos anos aponta um campo de estudo em desenvolvimento e com
potencial de aprofundamento.
Com isto em vista, é proposta a pesquisa-ação como meio de atuação do
pesquisador, este saindo do lugar da neutralidade e imparcialidade, visando à mudança
social positiva (CHIZZOTTI, 2006). Se a pauta socioambiental está na agenda das
organizações, a academia precisa auxiliar na proposição de teorias que conduzam às
organizações a modelos de negócios mais éticos e responsáveis.
O presente trabalho contém, além desta introdução, um tópico que discute os
antecedentes históricos da responsabilidade socioambiental. A seção seguinte apresenta

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o movimento B e alguns resultados de pesquisas acadêmicas. E a última seção trata-se da


proposta da pesquisa-ação como a metodologia a ser adotada pelos pesquisadores.

O impacto das corporações na transformação da sociedade civil: entendendo os


antecedentes históricos da responsabilidade socioambiental
As raízes dos componentes históricos associados ao comportamento corporativo
de responsabilidade social podem ser encontradas em antigas entidades das leis romanas
na Idade Média, tais como asilos, hospitais e abrigos para órfãos. Essas entidades sociais
se perpetuaram durante os séculos XVI e XVII por meio de leis, por influência da Coroa
Inglesa, que as expandiu em instituições acadêmicas, municipais e religiosas. A Coroa
Inglesa via as corporações como um instrumento para o desenvolvimento social
(CHAFFEE, 2017; AGULEDO; JÓHANNSDÓTTIR; DAVÍDSDÓTTIR, 2019).
Durante os séculos XVIII e XIX, a filosofia religiosa cristã e a abordagem do
contexto social eram consideradas como respostas ao fracasso da sociedade, que era vista
em termos de pobreza na população do Império Inglês e em partes da Europa. As raízes
religiosas da consciência social geraram um alto nível de idealismo e humanismo,
culminando em esforços filantrópicos centralizados na classe trabalhadora e na criação
de regimes de bem-estar, vistos tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da América.
Já no final do século XIX, início do século XX, regimes de bem-estar adotaram uma
abordagem paternalista destinada a proteger e reter funcionários, também melhorando sua
qualidade de vida (AGULEDO; JÓHANNSDÓTTIR; DAVÍDSDÓTTIR, 2019)
Segundo Heald (1970), havia exemplos que, até esse momento, início dos anos
1900, refletia uma sensibilidade dos empresários em relação aos seus funcionários e à
comunidade local, reflexo dessa filosofia cristã enraizada na cultura da época. As
corporações industriais, baseadas nos exemplos de caridades de modelos cristãos nos
Estados Unidos da América, se propunham a contribuir com fundos para as mazelas da
sociedade, de forma geral.
No entanto, para entender como se deu a construção do conceito de
responsabilidade socioambiental pelas corporações na sociedade moderna hoje, é
importante entender a importância do conceito de sociedade das organizações
(PERROW, 1991).
A revolução industrial trouxe várias mudanças para a sociedade da época,
mudanças tais que puderam ser vistas por meio da urbanização e das grandes produções.
Essas mudanças trouxeram novas preocupações para o mercado de trabalho, novos
desafios para as pequenas corporações e as novas maneiras de viver, cada vez mais
desapegadas dos valores cristãos da época (AGULEDO; JÓHANNSDÓTTIR;
DAVÍDSDÓTTIR, 2019).
As organizações passaram a atuar como um elemento-chave na sociedade
industrializada, tornando-se determinantes para a estrutura social e o sistema de classes
que se estabeleceram ao longo do tempo, isso porque elas aspiraram boa parte do que
sempre pensamos como sociedade, tornando-se um substituto dela. Atividades que eram
realizadas geralmente por meio de pequenas corporações, como família, igrejas e outros
pequenos grupos, agora passaram a ser englobadas, de alguma forma, por meio de grandes
burocracias do trabalho. Assim, a organização passou a empregar muitas pessoas e a obter
o poder de moldar suas vidas de maneira muito discreta e sutil (PERROW, 1991),
tornando-se modelo de referência de socialização (GUERREIRO RAMOS, 1981)
Durante esse período, a classe trabalhadora se viu preocupada com os novos
desafios, tendo de manter o equilíbrio entre os valores familiares e a vida na sociedade
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industrial, causando inquietação também no mercado industrial, que buscou desenvolver


estratégias para se adequar a um novo estilo de sentimento de orgulho cívico entre os seus
trabalhadores.
Segundo Carroll (2008), entre as décadas de 20 e 30, essas inquietações levaram
a uma série de medidas por parte de algumas corporações, que ajustaram algumas
condutas externas como formas de responsabilidades sociais e econômicas para com a
sociedade. Os gerentes passaram a assumir a responsabilidade de equilibrar a
maximização de lucros com a criação e manutenção de um equilíbrio com as demandas
dos seus clientes, força de trabalho e comunidade. Durante a década de 40, pós segunda
guerra mundial, (HSU; BUI, 2022) as empresas passaram a ser vistas como instituições
com responsabilidades sociais e uma discussão mais ampla sobre tais responsabilidades
começou a ocorrer. No entanto, apenas entre as décadas de 50 e 60 a era moderna da
Responsabilidade Social Corporativa começou a se definir mais especificamente na
literatura (AGULEDO; JÓHANNSDÓTTIR; DAVÍDSDÓTTIR, 2019).
Segundo Carroll e Brown (2018), o impulso para que as empresas assumissem
responsabilidades além devidos aos seus acionistas decolou na década de 1960 após
algumas discussões iniciais que efervesciam por meio de incipientes movimentos sociais
na sociedade. Essas discussões giravam em torno de quatro preocupações públicas que
tocaram os negócios formalizados nos estágios iniciais dos desses movimentos.
Os quatro movimentos sociais centraram-se em: direitos, meio ambiente,
consumidores e mulheres. Cada uma dessas áreas temáticas se relacionava com as demais
no sentido de atenderem as expectativas e os direitos percebidos que se esperava que as
empresas entregassem, além dos retornos padrão dos investimentos aos acionistas. No
início da década de 1970, várias dessas áreas se transformaram em mandatos legais e o
campo de RSE decolou (CARROLL; BROWN, 2018).
O aumento das pesquisas em RSE resultou na expansão do campo de estudo, na
variedade de conceitos ligados ao tema, no desenvolvimento de teorias acessórias, como
a performance das finanças corporativas e na aplicabilidade da RSE em economias
emergentes. Houve também uma preocupação de que a RSE se traduzisse em resultados,
abrangendo múltiplas dimensões, como os aspectos legais, financeiros e éticos das
organizações, indo além do caráter filantrópico (CARROLL; BROWN, 2018).
Ao longo das décadas, o conceito de RSE foi acompanhado do surgimento de
propostas semelhantes que buscaram traduzir a essência da responsabilidade das
empresas junto à sociedade, como a ética empresarial, gestão dos stakeholders, cidadania
empresarial, capitalismo consciente, criação de valor compartilhado, sustentabilidade,
dentre outros, apresentando como características em comum a busca por geração de valor
social, por equilíbrio e por accountability (CARROLL; BROWN, 2018). A figura 1
mostra a evolução do campo de estudo sobre o papel social das organizações.
Apesar de várias décadas de investigação sobre o conceito de RSE, há ainda muito
trabalho a ser feito ao provocar exatamente o que significa ser "bom" nos negócios.
Estudos mostram que executivos ainda esperam retornos financeiros e econômicos com
a adesão a RSE, ou seja, a forma de lidar com o tema em suas organizações depende da
influência do mercado. Por outro lado, a reputação pode influenciar a percepção das partes
interessadas sobre o desempenho social de uma empresa e a maioria dos consumidores
está preparada para penalizar as empresas que não se envolvem em práticas empresariais
responsáveis. Com este tipo de apoio, a RSE continuará seu caminho ascendente e cada
vez mais institucionalizado na prática organizacional (CARROLL; BROWN, 2018),
Atualmente, o ativismo empresarial tem direcionado seus esforços principalmente
para as ações relacionadas às mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável
(CARROLL; BROWN, 2018). Uma agenda global proposta pelas Nações Unidas
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também incluiu o tema entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a


serem atingidos pelos países até 2030. O tema da responsabilidade socioambiental vem
ganhando cada vez mais a atenção da sociedade, o que tem refletido no aumento do
número de certificações de empresas no movimento B, tema do próximo tópico deste
artigo.

O Movimento B Corp

A percepção de que as corporações podem ser geridas de uma maneira diferente,


contribuindo para um mundo sustentável e com menos desigualdade social, tem levado
muitos autores de diferentes campos de estudo a discutir possibilidades de um novo tipo
de capitalismo, mais inclusivo e com propósito (BARKI, 2017). Segundo Diez-Busto et
al. (2021), a pandemia da COVID-19 acelerou esta tendência, tornando ainda mais
importante a pauta da responsabilidade socioambiental pelas organizações.
O campo de estudo da responsabilidade socioambiental corporativa não é recente.
O conceito de “organizações híbridas” está inserido em um contexto que vem evoluindo
desde a década de 50, conforme demonstrado na figura 1. A organização híbrida vem
ganhando espaço nos estudos acadêmicos (RODRIGUES; COMINI, 2019), constituindo-
se como resposta aos desafios sociais e ambientais, pois inclui em seu escopo tanto metas
financeiras quanto metas socioambientais a serem atingidas, buscando minimizar os
possíveis impactos negativos da atividade produtiva (VILLELA et al., 2017). Trata-se de
uma organização lucrativa que considera o bem comum em suas tomadas de decisão
corporativas.
Dentre os esforços em promover novos modelos organizacionais, o movimento B
Corporation, B Corp ou Empresas B, enquadra-se como uma recente proposta de
modelagem de negócios, considerando o impacto social de suas ações. Diez-Busto et al.
(2021) definem como um campo de estudo incipiente com um potencial elevado. Iniciado
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em 2006 nos Estados Unidos com a fundação da B-Lab, uma organização sem fins
lucrativos que atua na certificação de empresas que se empenham em atender padrões de
performance ambiental e social, de prestação de contas e de transparência (B-Lab, 2022),
o movimento B Corp busca utilizar a força dos negócios para promover o equilíbrio entre
lucro e propósito, possibilitando “a construção de um sistema econômico mais inclusivo,
equitativo e regenerativo para as pessoas e para o planeta” (Empresas B, 2022).
Para se tornar uma empresa certificada, a organização precisa atender 3 requisitos:
1) Obter no mínimo 80 pontos de 200 na Avaliação de Impacto B; 2) Incluir no estatuto
social da empresa cláusulas que garantam o compromisso de ir além de seus interesses
financeiros e econômicos em suas tomadas de decisão; e 3) Assinar o Contrato de
Empresa B e a Declaração de Interdependência (Sistema B, 2022).
Até fevereiro de 2022, conforme o site da organização B Corporation, são 4.688
companhias certificadas distribuídas em 78 países. Na América Latina, o movimento
iniciou em 2011 e o Brasil, um dos primeiros países fora da América do Norte a ter
empresa certificada, aderiu ao movimento em 2013. No país, até fevereiro de 2022, 233
organizações são certificadas como B Corp (B-Lab, 2022).
A certificação trata-se de um processo voluntário dirigido pelo B-Lab, em que
cinco áreas de impacto da organização candidata são avaliadas, sendo elas: social,
ambiental, clientes, comunidades e governança. O Sistema B define a certificação como
sendo uma revisão detalhada de todas as áreas da empresa, revelando quais temas a
empresa já se destaca e quais pontos de melhoria para uma gestão mais transparente e
responsável ao longo do tempo.
O movimento B Corp e a respectiva certificação se diferenciam das demais
práticas de responsabilidade socioambiental por se tratar de uma avaliação que “aborda a
empresa como um todo, suas práticas de gestão e a relação com os multistakeholders”
(RODRIGUES; COMINI, 2019; PAELMAN et al., 2020). Apesar da pontuação da
certificação relacionar-se ao quanto a empresa atende aos quesitos do questionário
denominado “Avaliação de Impacto B” (Empresa B, 2022), a alta pontuação não é prova
de que a empresa incorporou valores socioambientais ao seu core, pois a certificação é o
primeiro passo, sendo necessário investigar se após a aquisição do selo, as organizações
continuam a desenvolver melhorias junto aos stakeholders (RODRIGUES; COMINI,
2019). Conforme afirma Villela et al. (2017), ainda é limitada a investigação empírica
sobre a evolução das empresas certificadas no Sistema B quanto aos aspectos financeiros
e sociais, apesar do crescente estudo.
Diversas são as motivações que levam as empresas a buscarem a certificação. Para
Rodrigues e Comini (2019), a ideologia do movimento e a possibilidade de atrair
investidores de impacto são as principais motivações. Barki (2017) apontou que a
certificação é uma demonstração à sociedade do engajamento da empresa nas questões
sociais e ambientais, diferenciando das demais organizações. Compartilhar valores
similares em uma comunidade de negócios também tem sido uma das justificativas
apontadas (VILLELA et al. 2017; RODRIGUES; COMINI, 2019).
Quanto ao aspecto ideológico, em um estudo realizado por Villela et al. (2017)
com 4 empresas brasileiras, foi demonstrado que, apesar das organizações estudadas não
terem nascido como empresas B, os fundadores demonstraram interesse desde a fundação
em construir negócios socioambientalmente responsáveis assim como lucrativos. Ou seja,
as empresas “nasceram desde o início híbridas, mas com variadas formas de estrutura e
orientadas pelos valores dos fundadores” (Villela et al., 2017, p. 6, tradução nossa). O
Relatório anual de 2020 demonstra que mais da metade das empresas certificadas no
Brasil são de serviço com pegada ecológica pequena (Sistema B, 2022), ratificando o
posicionamento dos fundadores como um fator importante na decisão pela certificação.
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Pesquisas no campo de estudo já identificaram alguns desafios enfrentados pelo


movimento B e pelas empresas certificadas. O primeiro deles é que o selo ainda é pouco
conhecido pelo mercado, apesar do crescente aumento do número de certificações; a
integração entre a missão socioambiental e os aspectos financeiros ainda não aconteceu
para a maioria das empresas norte-americanas certificadas; o conceito de Empresa B é
abstrato e de difícil definição, carecendo de concretização em termos de práticas
organizacionais; não há benefícios práticos oferecidos por bancos ou pelo Estado, como
facilidade de acesso ao crédito, incentivo fiscal ou uma legislação que concilie a
dualidade da organização híbrida. Neste último caso, a definição de Corporação de
Benefícios tem buscado criar uma constituição legal que configure os objetivos
socioambientais e econômicos (RODRIGUES; COMINI, 2019; VILLELA et al., 2017).
Em uma revisão de literatura realizada por Diez-Busto (2021), foram reunidos os
resultados obtidos a partir de pesquisa empírica com amostras de empresas certificadas,
localizadas principalmente nos Estados Unidos, Canadá e Europa. De antemão, são
implicações que reforçam a importância de aprofundar o debate sobre o movimento B
pela academia brasileira. Alguns resultados destas pesquisas em empresas estrangeiras
são: o aumento do crescimento das vendas; a maior produtividade dos funcionários; o
crescimento no volume de negócios; a capacitação de comunidades; a contribuição para
o atingimento de alguns Objetivos Sustentáveis de Desenvolvimento (ODS) das Nações
Unidades; e a confiança em contribuir para o desenvolvimento ambiental.
Conforme divulgado pelo site da B Corporation, o movimento auxilia as
empresas, mesmo aquelas não certificadas, a agirem em prol dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (OSD), a partir de uma ferramenta denominada “Gestor de
Ação do SDG” (Sustainable Development Goals). Os 17 ODS é uma agenda global
comum de iniciativa das Nações Unidas para pôr fim à pobreza, proteger o planeta, dentre
outros objetivos que devem ser alcançados até 2030. Apesar do Movimento B ser
incipiente, tem ganhado importância, contribuindo para que as organizações atuem
principalmente nos seguintes objetivos: 2 (fome zero e agricultura sustentável), 6 (água
potável e saneamento), 8 (trabalho decente e crescimento econômico), 9 (indústria,
inovação e infraestrutura), 10 (redução das desigualdades), 11 (cidades e comunidades
sustentáveis), 12 (consumo e produção responsáveis) e 16 (paz, justiça e instituições
eficazes) (DIEZ-BUSTO, 2021).
Tendo em vista o alinhamento do movimento B com um esforço global dos 17
ODS, faz-se necessário investigar quais mudanças nas práticas administrativas e na
cultura organizacional tornam o caminho possível das empresas brasileiras até a
certificação e sua contribuição para a agenda global das Nações Unidas, tornando-as
potenciais geradoras de impacto positivo na sociedade. De acordo com Diez-Busto
(2021), a maioria dos artigos científicos sobre o movimento B são de instituições norte-
americanas discorrendo sobre empresas localizadas neste país, provavelmente por ter sido
a nação onde o B-Lab deu início.
Há muitas oportunidades de pesquisa e aprofundamento, os impactos da
certificação B quanto aos aspectos socioambientais ainda é objeto relativamente pouco
estudado, carecendo de aprofundamento e de investigação (RODRIGUES; COMINI,
2019). Comparar certificações disponíveis e sua influência nos negócios e na sociedade;
investigar as mudanças nas práticas organizacionais que estão ocorrendo nas empresas
certificadas; elencar os principais obstáculos enfrentados pelas empresas e como elas
estão lidando; pesquisar a percepção dos stakeholders após a certificação; investigar se
há mudanças na cultura organizacional, são algumas questões a serem respondidas, a fim
de enriquecer o campo de estudos.

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Para que o movimento B alcance a abrangência desejada, em que no futuro “todas


as empresas sejam B” (B-LAB, 2022), é necessário traduzir em termos práticos as
consequências da certificação ao longo do tempo, tanto para a própria empresa quanto
para a sociedade, gerando maior visibilidade do movimento para negócios e
consumidores tradicionais que possam contribuir e adaptar-se às propostas do
desenvolvimento sustentável. Na próxima seção é apresentada uma proposta de
metodologia para os estudos sobre o movimento B.

O papel do pesquisador no Movimento B: Uma Proposta de Pesquisa-Ação

Uma sociedade centrada no mercado, segundo Guerreiro Ramos (1981), é


responsável pelo adoecimento psicológico do indivíduo, pela perda da qualidade de vida,
pelo desperdício e degradação de recursos naturais e pela incapacidade de oferecer ao
indivíduo espaços organizacionais gratificantes. A partir do pressuposto de que as
organizações lucrativas seguem esta lógica do mercado e que a RSE é um movimento
crescente na sociedade, a certificação B pode ser um caminho para que as empresas atuem
na reversão dos impactos negativos causados pela atividade econômica, ajustando o
modelo de negócios e contribuindo para o bem-estar da sociedade.
Segundo Huang (2010), a pesquisa-ação é uma orientação para a criação de
conhecimento que surge em um contexto de prática e exige que os pesquisadores
trabalhem com os profissionais. Ao contrário da ciência social convencional, seu
propósito não é primordial ou apenas compreender os arranjos sociais, mas também
efetuar a mudança desejada como um caminho para a geração de conhecimento e o
empoderamento das partes interessadas.
Nesse contexto, as pesquisas em estudos organizacionais – em um contexto de
prática – não só podem como devem contribuir para a inovação num aspecto de
sustentabilidade mais abrangente em termos de sociedade, sintonizados com o mundo
pós-moderno. Quando propomos a utilização da pesquisa-ação como forma de gerar
conhecimento e propostas de intervenção na estrutura organizacional, visando um
caminho possível para que organizações cheguem até a certificação B, sugerimos um
modelo de pesquisa que utilize as lentes teóricas da interseccionalidade (CRENSHAW,
1989), observando lacunas de raça, gênero, classe social, deficiências, além de questões
climáticas, dentre outras problemáticas da nossa sociedade contemporânea.
Diante desse modelo de pesquisa, buscamos fazer uma provocação aos
pesquisadores e às empresas não engajadas com a proposta ideológica de um movimento
sustentável para que reavaliem condutas e visualizarem mudanças possíveis e realistas –
porém não utópicas – dentro da realidade de cada um – para que seja construída uma
agenda uma sociedade e um mercado sustentável, dentro do qual funcione um sistema
econômico menos disfuncional..
Huang (2010) relata que as características centrais da pesquisa-ação são que o
trabalho acontece no contexto da ação que é necessário entrar em uma organização e estar
envolvido com os profissionais daquele loca. A pesquisa-ação exige parceria para discutir
e moldar a questão de pesquisa e como ela irá funcionar. Ademais, os profissionais devem
querer se engajar no experimento de aprendizado que é a pesquisa-ação.

Considerações Finais

É necessário ampliar o leque de estudos sobre trajetórias possíveis para que


organizações não engajadas com a RSE ou que estejam no caminho possam aderir à
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certificação B e assim firmarem um acordo de atuação ética e responsável nos negócios,


mantendo-se lucrativas.
As pesquisas já realizadas sobre o movimento B demonstram a expansão e o
potencial do campo de estudo e que ainda há muito a ser pesquisado. A partir de uma
proposta da pesquisa-ação, o pesquisador assume uma posição crítica no
desenvolvimento do campo de estudo, atuando também como parte interessada no
impacto positivo dos negócios.
Enquanto modelos organizacionais continuarem a reproduzir o padrão tradicional,
ou seja, os esforços voltados exclusivamente para os lucros, os efeitos negativos das
atividades lucrativas, como mudanças climáticas e desigualdade social, continuarão se
intensificando e agravando as condições de vida. Por essa razão, são necessários
pesquisas que direcionem atenção, por meio de análises qualitativas e quantitativas, aos
caminhos possíveis para o desempenho favorável das organizações nas questões
socioambientais ao mesmo tempo que a saúde financeira organizacional continue
adequada. Nesse sentido, a metodologia sugerida nesse breve ensaio torna-se uma
provocação sobre um dos caminhos pelos quais os estudos organizacionais podem se
guiar para contribuir no sentido de auxiliar empresas diante de tal transição, que se faz
mais que necessária.
Por fim, deixamos um questionamento feito por Huang (2010), que nos gerou
enorme inquietação: a escassez de parcerias entre pesquisadores convencionais e
pesquisadores de ação está moldada principalmente pelo fato de não se desejar mexer no
status quo ou a recompensa que o mantém no lugar hoje, em termos de sistema
acadêmico? Ou seja, em outras palavras, aqueles que determinam as recompensas da
academia hoje insistem que a publicação em um punhado de periódicos – por serem
artigos cujos resultados se conseguem generalizar – por si só determina se uma carreira
acadêmica tem mérito. Aqueles socializados para produzir esses artigos provavelmente
não apreciarão o trabalho que não visa principalmente a publicação em grande escala.
Huang (2010) faz um apelo final: que cada um considere o que pode ser aprendido um
com o outro, pois ao trabalhar com um pesquisador de ação, um cientista social
convencional aprende a oferecer contribuições mais úteis em uma variedade de gêneros
e locais. Diante disso, esse é um dos caminhos que sugerimos como ponto de partida para
os estudos organizacionais rumo a construção de uma sociedade sustentável no século
XXI.

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