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A LDE
FITOPATOLOGIA
'V OLUMEI
PRINCÍPIOS E CONCEITO.S
5ª EDlÇÃO
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LIL[AN AMORIM
JORGE ALBERTO MARQUES REZENDE
ARMANDO BERGAMIN FILHO
.Editores
32. VIROSES
27. MÍLDIOS
Jorge Alberto Marques Rezende e Elliot Watanabe Kitajíma
Ivan Paulo Bedendo
32.1. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 369
27. l. Sintomatologia 345
32.2. Controle 370
27 .2. Etiologia 346
32.2.1. Medidas para evitar que o vírus chegue e
27 .3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 346 se instale na cultura 370
27.4. Controle 348 32.2.2. Medidas para controlar ou evitar a chegada
27.5. Doença-tipo 348 dos vetores dentro da cultura 3 71
27.6. Bibliografia consultada 350 32.2.3. Medidas para tomar as plantas resistentes
ao vírus e/ou vetor 372
28.OfDIOS 32.3. Doença-tipo 3 74
32.4. Bibliografia consultada 376
Ivan Paulo Bedendo
1
A HISTÓRIA DA FITOPATOLOGIA
Armando Bergamin Filho e Elliot Watanabe Kitajima
ÍNDICE
F
itopatologia é uma palavra de origem grega (phyton
oliveira, figueira e outras plantas que constituíam, naquele tempo,
= planta, parhos = doença e logos = estudo) e indica
a base da alimentação do povo (Deuteronômio, 28:22; Gênesis,
a ciência que estuda as doenças das plantas em todos
41 :22-23; Ageu, 2:7-18; Crônicas li. 6:28).
os seus aspectos, desde a diagnose e sintomatologia, passando
pela etiologia e epidemiologia, até chegar ao manejo. Tanto quanto os hebreus, os antigos gregos tiveram proble-
mas com doenças de plantas e em tal intensidade que filósofos e
Embora a ciência da Fitopatologia seja relativamente nova,
estudiosos a elas dedicaram sua atenção, como fez, por exemplo,
as doenças de plantas são conhecidas há muito tempo. Desde que
o aluno de Platão e Aristóteles, Teofrasto (cerca de 371-287 a.C.),
o homem passou a viver em sociedade, assentando a base da sua que especulou sobre suas origens e meios de cura. Teofrasto foi
alimentação nos produtos agrícolas, o problema da escassez de
o sucessor imediato de Aristóteles no Liceu e é considerado hoje
alimentos. intimamente relacionado com a ocorrência de doen- como o ··pai da Botânica". Ele é autor de dois livros: De histo-
ças, teve sempre grande importância e mereceu a atenção de his- ria planta111m (Uma história de plantas) e De causis plantarum
toriadores de várias épocas (ver, por exemplo, Wheizel, 1918).. (Sobre as razões do crescimento vegetal). Estas duas obras fica-
As referências mais antigas sobre doenças de plantas são ram conhecidas no ocidente em 1483, quando o Papa Nicolau
encontradas em Homero(cercade I .OO0a.C.)eoo Velho Testamento V autorizou sua tradução para o latim (Figura 1.1). Antes de
(cerca de 750 a.C.). Quase sempre são atribuídas a causas místicas Teofrasto, Homero (cerca de 1000 a.C.) já havia mencionado que
e, via de regra, apresentadas como castigo divino. Galli & Carvalho o enxofre podia controlar doenças de plantas e Demócrito (cerca
( 1978). como exemplo. citam a seguinte passagem: Eu vos feri com de 470 a.C.) era de opinião que requeimas podiam ser prevenidas
um vento abrasador e com ferrugem a multidão de vossas hortas e com o uso da borra que restava da extração do azeite de oliva. No
de vossas vinhas. Aos vossos olivais e aos rossosfigueirais comeu entanto, os gregos e os hebreus. de um modo geral, atribuíam a
n lagarta; e JJÓS não vo/Jastes para Mim, diz o Senhor (Amós 4:9). ocorrência das doenças a desfavores dos deuses.
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Manual de Fitopatologia
Figura 1.1 - Capa de um torno do livro De causis plantarum, de 1.2. PERÍODO MÍSTICO
Teofrasto, traduzido para o inglês e publicado pela Para fins didáticos, pode-se dividir o estudo das doenças
Harvard University Press em 1990. de plamas em vários períodos distintos, de acordo com o enfoque
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Figura 1.2 - Fontes importantes da época pré-moderna sobre proteção de culturas, de acordo com o ano e o idioma da primeira
publicação.
Fonte: Adaptada de Zadoks (2013).
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A História da Fitopatologia
5
Manual de Fitopatologia
ó
A História da Fitopatologia
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Manual de Fitopatologia
Arsene Puttemans, belga naturalizado brasileiro, teve destacada atuação no início dos anos 1900 não só na área
fitopatológica mas também na área paisagística. Nessa última atividade, Puttemans projetou vários p:arques e jardins no
Brasil, com destaque para o parque da ESALQ em Piracicaba (1905) e o jardim do Museu do Ipiranga em São Paulo
(1906) (Figura 1.7 e Figura 1.8).
Figura 1.7 - Projeto de 1905 (acima à esquerda), implantação em 1907 (acima à direira) e estado atual (abaixo) do parque da
ESALQ, Piracicaba, de Arsene Puttemans.
Figura 1.8 - Estado em 1930 (à esquerda) e estado atual (à direita) do jardim do Museu do lpiranga, São Paulo, de Arscne
Puttemans.
Bahia desde 1863, descreveu em 1869 uma bacteriose da cana- de cafeeiro no Rio de Janeiro. Estas observações foram confir-
-de-açúcar. Puttemans também cita outros pioneiros da fitopato- madas posteriormente por Emílio Goeldi em seu relatório de
logia no Brasil, como Juan lgnácio Puiggari, um médico italiano 1886 para o Museu Nacional. Nesse mesmo relatório menciona
que se radicou em Apiai-SP, em 1877, e A. K.rauss, químico do que o fungo Ramularia seria o agente causal das "manchas par-
Jardim Botânico da Corte d~sde 1876, que desenvolveu na Bahia, das" do cafeeiro. Goeldi relatou várias entfermidades de videira
juntamente com Sá Pereira, estudos sobre o "mal vermelho" da em 1888 (míldio, oídio e antracnose), durante sua missão para
cana-de-açúcar. verificar a presença da Phylloxera no País; não relatou, contudo,
O zoólogo francês C. Jobert relatou em 1878 que um nema- Cercospora, que foi posterionnente encontrada por Puttemans
toide (Meloidogyne exigua) seria o causador de uma enfermidade em Petrópolis ( 1892) e Piracicaba (1894).
8
A História da Fitopatologia
1.7.2. A Fitopatologia em São Paulo R.J. Best {Austrália) e G. Benda (EUA), em sua seção. Deve-se
também destacar a importante atuação de Alcides Carvalho,
Em 1888 ocorre a primeira criação de um cargo de fito-
sucessor de Carlos Arnaldo Krug nos trabalhos de melhoramento
patologista no Brasil, na "Secção Phytopathologica" do Instituto do cafeeiro, e que, com clarividência, já selecionava varieda-
Agronômico de Campinas (IAC), instituição criada por D. Pedro des resistentes mesmo antes da chegada da Hemileia vastatrix
II em 1887, que teve como primeiro diretor o austríaco Franz ao Brasil ( 1970). em trabalho conjunto com o Centro de Café, da
W. Dafert. O cargo foi preenchido apenas cm J893 pelo alemão Estação Agronômica Nacional de Portugal, com a participação de
Franz Beneke, que ali permaneceu por poucos meses, período Branquinho d'Oliveira. Mais recentemente, com a mudança orga-
em que fez um levantamento da possível ocorrência da ferrugem nizacional implantada pela Secretaria da Agricultura, o JAC perdeu
do cafeeiro no pais. Beneke, nesse levantamentc,, solicitava que várias de suas estações experimentais, mas a de Cordeirópolis foi
as amostras suspeitas fossem conservadas e remetidas para aná- mantida, tomando-se, hoje, o Centro APTA Citros Sylvio Moreira.
lise em aguardente e não em sacos, demonstrando cuidado para A denominação se deve a um dos principais entusiastas em citri-
evitar eventual dispersão do patógeno. Beneke foi sucedido pelo cultura da instituição e que muito participou da solução do pro-
também alemão Fritz Noack (de 1896 a 1898), que relatou 23 blema da nisteza. Aos trabalhos desenvolvidos por este centro deve
enfermidades de plantas cultivadas. Noack teve dois discípulos, o a citricultura paulista sua vigorosa expansão, o que a ·coloca hoje
fazendeiro José de Campos Novaes e o belga A. Puttemans. Este corno maior exponadora de suco de laranja do mundo.
trabalhava no Horto Botânico da Cantareira e deu continuidade à Em 1893 ocorre o início do curso de fitopatologia na Escola
descrição de enfermidades de plantas iniciada p,:>r Noack. Esses Politécnica de São Paulo, ministrado por Garcia Redondo até
fitopatologistas pioneiros do LAC foram sucedidos por H. Potel 1899 e por Arthur Tirré até 1901, quando o curso foi incorporado
(francês), Gustavo D'Utra. A. Hempel (americano) e Gregório à cadeira de Agricultura Geral. Foi a seguir ministrado por Hubert
Sondar (russo). Sondar. em 1912, fez a prime:ira descrição da Puttemans até 1903 e por seu innão A. Puttemans até 191 O. Este
murcha bacteriana da mandioca. Transferiu-se para a Escola de publica em 1906 a segunda lista de doenças de culturas brasilei-
Agricultura de Piracicaba em 1913. Na década de 1920, Novaes, ras, no Anuário da Escola Politécnica. Lista similar, sobre enfer-
discípulo de Noack, ocupou o cargo de fitopatologista no JAC. midades de plantas cultivadas no sul do País, foi produzida por J.
Em 1933 inicia-se a fase moderna da fitopatologia no !AC, Rick. no Rio Grande do Sul.
quando a área foi reorganizada por Ahmés Pinto Viégas, na Seção Na Escola de Agricultura de Piracicaba, EAP (hoje ESALQ/
de Genética (a seção de fitopatologia havia sido extinta). Recriou USP), fundada em 1901, a fitopatologia fazia parte da cadeira
posteriormente a Seção de Fitopatologia e descreveu numerosas de Botânica, que no início foi dirigida por Germano Vert. Com
espécies e gêneros de fungos, além de publicar índices e dicioná- seu falecimento em 1908, a cadeira foi ocupada pelos professo-
rios na área, hoje clássicos. A seção se expandiu a partir dos anos res Dias Martins, Anhaut-Bcrthet, E. Charroppin, Avema Saccá,
1960, contando com numerosos fitopatologistas jovens. Álvaro A Puttemans e Agesilau A. Bitancourt (que permaneceu no cargo
Santos Costa (Figura 1.9A), um de seus associados desde o ini- por apenas um ano. em 1926, transferindo-se em seguida para o
cio, dedicou-se à virologia vegetal. Nos anos 1950 logrou criar a Instituto Biológico; Figura 1.98). Na década de 1920, a fitopato-
Seção de Virologia, que nos anos 1970 atingiu o ápice. quando logia foi desmembrada da cadeira de Botânica. Foi neste período
chegou a ter 15 pesquisadores. Costa foi,
sem dúvida, o pesquisador mais influente
em virologia vegetal no Brasil, tendo for-
mado urna escola, cujos discípulos se
encontram, ainda hoje, dispersos pelos
centros de fitopatologia do País.
Nos anos 1940 Costa participou ati-
vamente dos estudos sobre a tristeza dos
citros, juntamente com cientistas ameri-
canos (T.J. Grant e W.C. Bennett) e, pos-
terionnente, com a participação de seu
assistente Gerd W. Müller, desenvolveu
o método da premunização de citros com
estirpes fracas do vírus da tristeza (CTV),
que resultou no controle efetivo da doença,
complementando a substituição da laranja
azeda como porta-enxerto. Foi o primeiro
programa dessa natureza aplicada em larga
escala no mundo. Costa criou cm sua seção
uma equipe multidisciplinar (patologia,
vetores, sorologia, bioquímica, melhora-
mento, microscopia eletrônica) dedicada
a viroses de diferentes culturas (batata. !Figura 1.9 - Fitopatologistas brasileiros: (A) Álvaro Santos Costa; (B) Agesilau A.
citros, videira, fruteiras, cana-de-açúcar). Bitancourt; (C) Ferdinando GalLi; (D) Veridiana Victória Rossetti; (E) Karl
Recebeu também importantes especialistas M. Silberschmidt; (F) Mário Menegbini; (G) Charles F. Robbs; (H) Geraldo
estrangeiros, como C. Wetter (Alemanha), Martins Chaves.
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Manual de Fitopatologia
que se criou a Estação Experimental de Cana-de-açúcar, anexa à de seus feitos mais importantes foi a demonstração de que a clo-
ESALQ, onde atuou José Vizioli. rose infecciosa das malváceas era transmitida pela mosca branca
A.S. Costa considera um fato altamente significativo para Bem/sia tabaci, em colaboração com A. Orlando. Outro colabo-
a fitopatologia da ESALQ a contratação do fitopatologista none- rador de seu grupo, Mário Meneghini (Figura l .9F), demonstrou
americano E.E. Honey, da escola do Prof. H.H. Whetzel, da pela primeira vez a transmissão do vírus da tristeza dos citros
Cornell Uníversity. Honey reorganizou. juntamente com seu pelo pulgão Toxoptera cilricida. Ainda com relação às molêstias
assistente Ruben Carvalho, a cadeira de Fítopatologia e prepa- de citros, Bitancourt fez o primeiro relato da leprose no Brasil
rou apostilas de Fitopatologia e Micologia. Costa é de opinião nos anos 1930. Em 1963, Musumecci e Rosseni demonstraram
que a maioria dos fitopatologistas do Estado de São Paulo e do que o ácaro tenuipalpídeo Brevipalpus yorthesi era o vetor deste
País foram influenciados por Honey. Cita como exemplos de vírus no Brasil. Rossetti ainda contribuiu para demonstrar que
discípulos diretos de Honey, Ahmés P. Viégas, H.P. Krug, A.S. a bactêria do xi lema Xylella fastidiosa é o agente causal da clo-
Costa (!AC), V.D. Silveira (Escola Nacional de Agronomia), J.C. rose variegada dos citros (CVC), contando com a colaboração do
Manuo (ESALQ), Moisés Kramer e Spencer C. Arruda (Instituto cientista francês do INRNBordeaux, Joseph M. Bové. Em bac-
Biológico). A cadeira de Fitopatologia foi a seguir ocupada teriorologia vegetal, J.F. Amaral fez trabalhos pio1ieiros e a área
sucessivamente pelos professores Ruben Carvalho e Ferdinando de nematologia foi implementada por Jair Carvalho, também dis-
Galli (figura l.9C). Galli logrou aumentar consideravelmente o cípulo de G. Steiner. Além destes centros, houve uma expansão
número de docentes do depanamenro e iniciou o primeiro curso muito grande do ensiuo universitário agronômico no Estado de
de pós-graduação em Fitopatologia no Brasil, em setembro de São Paulo, envolvendo diversos campi da Universidade Estadual
1964. Este curso fonnou um enorme contingente de profissio- Julio de Mesquista Filho (IJNESP) (Botucatu. Jaboticabal, São
nais que hoje atuam em todo o País, inclusive nucleando novos José do Rio Preto e Ilha Solteira), a Universidade Federal de
grupos de fitopatologia e cursos de pós-graduação na área de São Carlos, com o ensino de agronomia no campus de Araras,
fitossanidade. Na consolidação da pós-graduação de fitopatolo- além de numerosas faculdades particulares. Merecem destaque
gia na ESALQ, a vinda do Prof. C'lyde C. Allison, da Ohio State nesse contexto os trabalhos de C. Kurosawa, em Botucatu, e N.
University, teve um papel importante. Allison pertenceu à escola Gimenes Fernandes, em Jaboticabal. Também deve-se mencionar
de microbiologia de E.C. Stakman (Universidade de Minnesota) a Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, onde atua também
e foi um dos grandes inccntivadores da organização de uma um grupo de fitopatologia, com preocupações ligadas ao meio
sociedade que congregasse fitopatologistas no país, nos moldes ambiente. Devem ainda ser lembrados o Fuadecitrus, com sede
da American Phytoparhologica/ Society. Contribuiu para funda- em Araraquara. que dá apoio aos produtores de citros e conta com
ção do Grupo Paulista de Fitopatologia e, a seguir, da Sociedade uma unidade eficiente em fitopatologia, e o Centro de Tecnologia
Brasileira de Firopatologia, cuja primeira reunião oficial deu-se Canavieira, com sede em Piracicaba, que dá apoio aos produtores
na ESALQ, em 1967. Deve-se registrar que a nematologia, ini- de cana-de-açúcar e desenvolve um bem sucedido programa de
cialmente integrante da cadeira de Zoologia, foi desenvotvida na melhoramento dessa espécie.
ESALQ pelo Prof. Luiz Gonzaga E. Lordello, treinado pelo Prof.
G. Steiner, quando este veio ao Brasil em 1951. Lordello foi o 1.7.3. A Fitopatologia no Rio de Janeiro
principal disseminador da nematologia no Pais e a grande parte Arsene Puttemans foi nomeado chefe do laboratório de fito-
dos profissionais dessa área foi por ele influenciado. Hoje a área patologia no Museu Nacional em 1910, tendo como assistente
de nematologia na ESALQ está integrada à fitopatologia, fazendo Eugênio Rangel. Com a ida de Puttemans à França em 1912, o
parte do mesmo depa1tamento (Depa1tamento de. Fitopatologia e laboratório passou a ser dirigido por André Maublanc, que foi subs-
Nematologia). tituído por Rangel em 1914. Foi este que organizou a transferên-
Em 1927 a Comissão para Estudos da Debelação da Praga cia deste laboratório inicialmente para o Jardim Botânico e depois
Cafeeira, criada para estudar e controlar a broca do cafeeiro, deu para o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, em 1920. Atuaram
origem ao Instiruto Biológico (18), miciahnente localizado no ainda nesta unidade Heitor Vinicius da Silveira Grillo (Boxe 1.4)
Horto da Cantareira. A seção de Fitopatologia teve desenvolvi- e Agesilau A. Bitancourt. Nesta instituição criou-se uma seção de
mento significativo após a nomeação de Agesilau A. Bitancourt Seleção de Plantas Imunes e Resistentes, para cuja chefia foi con-
(Figura 1.9B), em 1931. Foi ele sem dúvida um dos pilares da fito- vidado A. Puttemans, que voltou ao país e permaneceu no cargo até
patologia no País e sua imponància teve reconhecimento interna- 1Q25. Além dos acima citados, estiveram atuando na área de fitopa-
cional. Bitancourt descreveu muitas novas enfermidades, tendo-se tologia dessa instituição Diomedes A. Pacca, Nearch da Silveira e
dedicado no fim de sua carreira ao estudo do càncer vegetal e Azevedo, Rubens Benatar, Josué A. Deslandes, Jefferson Rangel,
suas relações com os hormônios. R.D. Gonçalves foi um de seus Cincinato Gonçalves e Eugênio Bruck. A Seção de Investigação
colaboradores em estudos de enfennidades de hortaliças e frutei- Fitossanitária do Ministério da Agricultura, em São Bento, na
ras. A citricultura paulista, em fase de expansão, requereu muita Baixada Fluminense, foi criado em 1944, onde atuaram Nestor
atenção quanto às moléstias, e Bitancourt - com a colaboração B. Fagundes, C.H. Reiniger, Rubens Leandro, Jefferson Rangel,
de uma das primeiras mulheres envolvidas em fitopatologia no Mário Amaral, Milton S. Vieira e Josué A. Deslandes. Ainda no
Brasil, Veridiana Victória Rossetti (Figura 1.9D) e com a partici- Estado do Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Agronomia
pação de cientistas do exterior, notadamente H.S. Fawcett e Anna (ENA), inicialmente localizada em várias partes da cidade do Rio
E. Jenkins - muito contribuiu para seu sucesso. Em 1936, o 18 de Janeiro, e hoje localizada em Seropédica e transformada na
contratou o virologista alemão Karl M. Silberschmidt (Fig. 1.7E), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Heitor
que estudou numerosas viroses, tendo formado outro grupo em V.S. Grillo e Verlande D. Silveira ensinaram ntopatologia. Foram
virologia vegetal no Brasil. Dedicou-se a vários problemas, como sucedidos por Charles F. Robbs (Figura 1.90), que se tornou um
o da degenerescência da cultura da batata devida a viroses. Um consagrado bacteriologista.
10
A História da Fitopatologia
Heitor Vinicius da Silveira Grillo tev1i destacada atuação nos primórdios da fitopatologia brasileira. Foi professor
catedátrico {1934) da Escola Nacional de Agronomia (ENA, hoje Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), vice-
presidente do CNPq (1965-1970) e colaborador íntimo dos fundadores do CNPq (Almirante Álvaro Alberto Motta e
Silva) e da CAPES (Anísio Teixeira). Tamlbém foi o organizador da primeira reunião de fitopatologistas brasileiros, no
Rio de Janeiro, em 1936.
Foi casado por 24 anos (1940 a 1964) com a maior poetisa brasileira, Cecília Meireles (Figura 1.10). Manter um
relacionamento duradouro com uma ar1tista que convivia com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade,
Vinicius de Morais, Mário Quintana, entre outros, mostra bem as qualidades intelectuais de Grillo. Cecília Meireles
era considerada a mais bonita moça de seu tempo e foi muito flertada (intelectualmente) por seus colegas poetas, como
mostra este poema de Mário Quintana para Cecília:
Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
M e dá um certo quebranto...
Heitor Grillo, com sua fleuma habitual, achou graça e também aprovou a resposta de Cecília para Quintana:
O Natal foi diferente
porque o Menino Jesus
disse à senhora de Sant'Ana:
"Vovozinha, eu já não gosto
das canções de antigamente:
cante as do Mário Quintana!"
1.7.4. A Fitopatologia na Bahia A.S. Muller e Octavio A. Drummond, que fizeram importantes con-
tribuições para o conhecimento de doenças füngicas. Foram sucedi-
Fez também parte do corpo docente da ENA em fitopatologia
dos por Geraldo M. Chaves (Figura 1.9H), que teve destacada atuação
Arnaldo Medeiros, que se transferiria posteriormente para o Centro
nas pesquisas sobre a fem1gem do cafeeiro. Ali criou-se uma cadeira
de Pesquisas do Cacau (CEPEC) em ltabuna, BA. Medeiros notabi-
Je Bacteriologia Vegetal, dirigida por José de Alencar. Atualmente
lizou-se por ter feito a primeira constatação da presença da ferrugem
o grupo de fitopatologia da UFV, com seu programa de pós-gradua-
do cafeeiro no Brasil em 1970. Este fato inclusive resultou na trans-
ção, é bastante atuante, com grupos fortes em doenças fúngicas, bac-
ferência emergencial do 4º Congresso Brasileiro de Fitopatologia,
terianas, virais e causadas por nematoides, além de epidemiologia.
programado para Itabuna em 1969, para Piracicaba, em 1970.
Ainda em Minas Gerais, a Escola Superior de Agricultura de Lavras
Pouco depois Medeiros faleceu. Para seu lugar veio o micologista (ESAL), no início uma escola isolada organizada por missionários
José Luiz Bezerra, que atuava em Recife na Unive~sidade Federal norte-americanos, teve como professor de fitopatologia de 1922 a
de Pernambuco. Deve-se mencionar que a Bahia tem a primazia de 1942 o norte-americano John H. Wheelock. Hoje conta com um
ter tido a primeira escola de Agronomia do País, fundada em 1877. grupo numeroso de fitopatologistas e mantém um reconhecido pro-
Ali lecionou o micologista Camillc Torrand de 19132 a 1942, tendo grama de pós-graduação em Fitopatologia. Josué Deslandes, que
~ido Augusto Chaves Batista um de seus discípulos. fez parte do Instituto Biológico de Defesa Agricola, serviu no sul
de Minas, na antiga IPEAL do Ministério da Agricultura, hoje parte
1.7.5. A Fitopatolugia em Minas Gerais
da EPAMlG. Na Universidade Federal de Uberlândia (UFlJ) a fito-
Na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, patologia começou a ser ministrada no Centro de Ciências Agrárias
os primeiros docentes em fitopatologia foram o norte-americano em 1984 e a pós-graduação teve início em 2000.
li
Manual de Fitopatologia
1.7.6. A Fitopatologia em Pernambuco que incluem ensino de agronomia em Londrina, Ponta Grossa e
No Estado, de Pernambuco, Chaves Bastista, que dirigiu o Maringá, cada uma com unidades em fitopatologia voltadas para
Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco, o ensino de graduação e., mais recentemente, de pós-graduação.
tomou-se. um dos mais produtivos micologistas do País. Foi ele O Estado do Paraná tem uma unidade. de pesquisa importante,
também professor de fitopatologia na Universidade Federal Rural o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), com competente
de Pernambuco (UFRPE) até seu falecimento em 1968. Ainda em grupo em fitopatologia. As pesquisas sobre. soja estão centra-
Pernambuco deve ser lembrado o nome do padre Bento J. Pickel, das na Embrapa Soja em Londrina, que teve importante papel
que fez importa1nte contribuição à micologia, inclusive de pató- na expansão da cultura no País. Seu grupo de fitopatologia tem
genos de plantas cultivadas. Depois de Chaves Batista, Rome.ro contribuído para solucionar os numerosos problemas que surgi-
Marinho de Mouira reorganizou a área de fitopatologia do Setor de ram nos últimos anos, como a ferrugem asiática, cercosporiose,
fitossanidade do Depanamento de Agronomia da UFRPE a pan:ir necrose das hastes, etc.
de 1968, arnplia1ndo o corpo docente e abrindo áreas de pesquisa
1.7.10. A Fitopatologia no Rio Grande do Sul
em bactérias, fungos, vírus e nematoides, com Maria Menezes,
Rosa L.R. Mariano, Gilvan Pio Ribeiro, entre outros. Retomando No Rio Grande do Sul pode-se citar Maximiliano voo
d.e seu doutorado na Universidade da Carolina do Norte, organi- Perceval, que teve como discípulo J.P. da Costa Neto, ambos
zou a pós-graduação em Fitossanidade a pan:ir de 1976. Merecem pioneiros no e.nsino e pesquisa em fitopatologia no Estado, na
também menção os trabalhos de Maria de Lourdes Aquino, no Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que mantém ainda
Instituto de Pesquisas Agropecuárias (1.PA), e Albino Vital, no grupo ativo na área, .incluindo uma atuante pós-graduação. Nessa
extinto [PEAN do Ministério da Agricultura. Enfermidades de universidade, mais recentemente, atuou Valmir Duarte. Na Escola
fruteiras tropicais, incluindo videira, são estudadas atualmente na de Agronomia Eliseu Maciel (boje Universidade Federal de
Embrapa Semiárido em Petrolina. Pelotas), a segunda mais antiga do País (fundada em 1883), mil.i-
taram na área de fitopatologia Ernesto Ronna e M.A. de Oliveira.
1.7.7.A Fitopatologia no Ceará Josué A. Deslandes, que trabalhou em vários centros de pesqui-
Na Universidade Federal do Ceará (UFC), a fitopatologia sas do Ministério da Agricultura, serviu também no Instituto de
é ministrada no Centro de Ciências Agrárias desde os anos 1920 Pesquisas Agropecuárias do Sul (fPEAS). O IPE AS foi absor-
(na ocasião Escola de Agronomia do Ceará). As pesquisas inten- vido pela Embrapa Fruticultura de Clima Temperado, que man-
sificaram-se com Ilo Vasconcelos a partir de 1945, tendo tomado tém um grupo ativo em fitopatologia voltado à fruticultura. Em
impulso a partir da década dos 1960 com a inclusão de José Júlio Passo Fundo, onde está atualmente a Embrapa Trigo, Ady Raul da
da Ponte. Formou-se também um núcleo atuante em virologia Silva, com doutorado na Universidade de Minnesota, foi um dos
vegetal, com J. Albérsio A. Lima, nos anos 1970. principais artífices no melhoramento do trigo no País, em especial
na seleção de variedades resistentes à ferrugem. Teve ele como
1.7.8. A Fitopatologia na Amazônia , precursores nestes trabalhos lvar Beckmann e B. Oliveira Paiva,
No Pará, a fitopatologia foi lecionada na Faculdade de da Secretaria da Agricultura do Estado. Em Passo Fundo foi fun-
Ciências Agrárias do Pará (hoje parre da Universidade Federal dada posteriormente a Universidade de Passo Fundo, entidade
do Pará) por Goren (dos EUA) e a seguir por Beato Dantas e privada, onde há um grupo bem estruturado em fitopatologia, que
Nady Bastos Genú. Mas a liderança em fitopatologia neste estado foi liderado por muitos anos por Erlei Melo Reis. Doenç.as de
coube desde os anos 1960 a Fernando Carneiro de Albuquerque, videira e macieira são estudadas na Embrapa Uva e Vinho, em
do Instituto Agronômico do Norte, que posteriormente foi incor- Bento Gonçalves.
porado ao Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Úmjdo
1.7.11. A Fitopatologia em Brasma
(CPATU) da Ennbrapa (hoje Embrapa Amazônia Oriental). O
grupo de Albuquerque estudou principalmente doenças de cul- A Universidade de Brasília (UnB), criada juntamente com a
turas regionais, como pimenteira-do-reino, castanheira, dende- fundação da cidade em I 960, consolidou o ensino de fitopatologia
zeiro, etc. Nesse grupo colaborou posteriormente a fitopatologista nos anos 1970, com Annando Takatsu e José C. Dianese. Com a
Maria de Lourdes R. Duarte. Em Manaus-AM, Luadir Gasparotto vinda de três ex-membros da equipe de A.S. Costa do lAC (Elliot
tem lide.rado as pesquisas fitopatológicas em culturas importantes W. Kitajima, Cláudio Costa e Francisco P. Cupertino) e mais
para a re.gião amazônica (seringueira, guaranazeiro, bananeira, três re.cém-doutores da Universidade da Califomía/Davis, orga-
etc.) na Embrapa Amazônia Ocidental. nizou-se a pós-graduação em fitopatologia a partir de I976. No
Distrito Federal criaram-se três centros de pesquisa da Embrapa
1.7.9. A Fitopatologia no Paraná (Hortaliças, Cerrado e Recursos Genéticos) e em todos eles há
No Estado do Paraná, as pesquisas em fitopatologia inicia- núcleos ativos de fitopatologia. Pode-se citar o envolvimento de
ram-se nos anos 1930 e 1940 na Escola Agronômica do Paraná Dalmo Giacometti, que trabalhara com enfermidades de citros no
(hoje Setor de Ciências Agrárias da Unive.rsidade Federal do IAC, como diretor técnico, e a vinda de Ady Raul da Silva para o
Paraná - UFPR);, no Posto de Defesa Sanitária do Ministério da Centro de Cerrado.
Agricultura e no Instituto de Biologia Agrícola e Animal (hoje
Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas - IBPT). Mário José 1.7.12. Conclusão
Novackí foi professor de fitopatologia, sucedendo ao bacteriolo- Além dos grupos de fitopatologia acima citados, há atual-
gista Lúcio G. Castro Velloso na UFPR e também pesquisador mente em quase todas as unidades da federação vários núcleos
do IBPT. Vismar da Costa Neto, que fez doutorado sob orien- em fitopatologia nas universidades federais, centros da Erobrapa e
tação de A.S. Costa, sucedeu Novacki. Desde os anos 1980 o órgãos estaduais, na grande maioria fonnado por egressos dos prin-
Estado do Paramí conta com uma rede de universidades estaduais cipais cursos de pós-graduação do País. Se no início os estudos de
12
A História da Fitopatologia
patógenos de plantas foram efetuados em sua grande maioria por Putemans, A. Alguns dados para servir à História da Phytopathologia no
pesquisadores estrangeiros, atualmente a fitopatologia é conduzida Brasil e as primeiras notificações de doenças de vegetais neste paiz.
praticamente apenas por brasileiros, com vários deles tendo tido Annaes da Primeira Reunião de Phyropathologistas do Brasil. (Rio
formação ou especialização no exterior. Contudo, deve-se ressaltar de Janeiro, 2~25/1/1936 ). Rodriguesla 2: 17-36. 1936. (Reedição
que muitas das pesquisas feitas têm sido desenvolvidas em cará- organizada por R.M. Marinho, e publicada pela Sociedade Brasileira
ter cooperativo com importantes centros de fitopatologia do exte- de Fitopatologia. 2006).
nor (EUA, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Espanha.
Schumann, G.L. Plant Disuses: Tbeir Biology a nd Social lmpact. St.
Holanda, Japão, Austrália, lndia, Israel, Argentina, México. etc.).
Paul, APS, 1991.
Isto tem permitido à fitopatologia no Brasil acompanhar a evolução
desta ciência, em especial no uso das novas tecnologias para detec- Whetzel, H.H. An Outline of the History of Phytopathology. Phila-
.;:ào e identificação dos patógenos e seu manejo integrado. delphia, Sauders, 1918.
Deve ainda ser ressaltado o fato de o Ministério da Agricultura Zadoks, J.C. Crop Protection in Medieval Agriculture. Studics in Pre-
sempre ter tido preocupação quanto à nonnatização do uso de pes- Modern Organic Agriculture. Leiden, Sidestone Press, 2013.
ticidas e à quarentenagem de material propagativo vegetal, cen•
trada na Secretaria de Defesa Agropecuária, mantendo uma equipe 2.adoks, J.C. & Koster, L.M. A historical survey of botanical epidemio-
.:iue inclui pessoal treinado em fitossanidade para este mister. logy. Asketch ofthe deve!opment of ideas in ecological pbytopatho-
No que se refere à divulgação dos resultados das pesqui• logy. Mededellngen Landbouwhogeschool Wage ningen 76-12,
sas fitopatológicas, no início eram eles publicados em boletins de 1976.
S«retarias de Estado ou do Ministério da Agricultura e depois em
revistaS voltadas à micologia ou de caráter mais generalista (por
e,emplo, os Anais do primeiro congresso de fitopatologia de 1936
foram publicados na revista Rodrig11ésia, publicação do Jardim
Borãnico do Rio de Janeiro). Posteriormente foram utilizadas
revistaS institucionais, como O Biológico e Arquivos do Instituto
Biológico (do instituto Biológico de São Paulo) e Bragantía (do
L-\C). e revistas independentes, como Revista de Agric11/t11ra e
Joma/ de Agronomia. Resumos dos congressos iniciais da SBF
foram publicados como Revista da SBF e, posterionnente, na revista
Fitoparologia, da •Asociacion Latínoamericana de Fitopatologia'.
"'~ primeiras revistas especializadas em fitopatologia no Brasil sur-
giram nos anos 1970, inicialmente a Summa Phyropathologica,
:rn 197 5, editada pelo Grupo Paulista de Fitopatologia, atual-
mente Associação Paulista de Fitopatologia. e a Fitopato/ogía
a,asileíra (hoje Tropical Plant Patho/ogy), em 1976, a revista ofi-
.:ial da Sociedade Brasileira de Fitopatologia. Há ainda a revista
~"l>Cctalizada em nematologia, Nematologia Brasileira, editada
~la Sociedade Brasileira de Nematologia. Podem ser menciona-
í!.lS outras revistas de espectro maior, onde podem ser encontra-
~ publicações envolvendo fitopatologia, como Scientia Agrícola
fSALQ), Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
e ?e,;quisa Agropecuária Brasileira (Embrapa). Recentemente
~ !>ido significativa a publicação em periódicos internacionais.
1erece registro o fato de Wilmar C. Luz. da Embrapa Trigo, ter
:nado em 1993 a Revisão Anual de Patologia de Plantas (RAPP),
- ~ editada pela Sociedade Brasileira de Fitopatologia.
13
CAPÍTULO
2
IMPORTÂNCIA DAS
DOENÇAS DE PLANTAS
Armando Bergamin Filho, Lifian Amorim e Jorge Alberto Marques Rezende
ÍNDICE
sanidade das plantas cultivadas é de vital impor- a região, mais batata se comia. Não raro o cardápio nestas casas
15
Manual de Fitopatologia
tíflco dos argumentos foi sendo paulatinamente substituído por desa- ""l>e~õ~~ri'namtr'ãt.á:in.o ~azer, com poucas exceço;;,.
Um obscuro jornal da él)Oca \}ublicou: "A serraria Cork
venças pessoais, mveja, bairrismo e convi~ re\igiosa. Patent, situada na King Street, o mnior estabelecimento
Enquanto isso, na Irlanda de 1846, alheio à discussão, o da região, está trabalhando a pleno vapor, com 16 a
patógeno foi visto sobre as plantas de batata dois meses mais 20 pares de serra simultâneos, de manhã à noite.
cedo que no ano precedente. Encontrando as plantas mai.s jovens, durante os últimos seis a oito meses, cortando tabuas
tendo mais tempo para se multiplicar e aj udado por um clima
para urnas funerárias".
favorável, o patógeno destmiu perto de 80% da produção!
As consequências são ainda hoje inimagináveis: dois milhões Em homenagem aos milhões de emigrantes irlan-
de mortos e um milhão de emigrantes (Boxe 2.1). As taxas de deses, foi inaugurado em 1997, às margens do rio Li.ffe ,
emigração que variavam entre 50 e 80.000 pessoas ao ano, dupli- em Dublin, o Memorial da Fome (Figura 2.2). Esse
caram em 1847, chegando a 300.000 em 1849 (Figura 2.1) e a conjunto de esculturas em bron.u representa homens,
população da Irlanda, que era de 8,3 milhões em 1846, passou mulheres, crianças, e até um cão, exaustos e faminto~
para 5,2 milhões, 30 anos depois. que percorrem as margens do rio, com expressões de
tristeza, desespero e determinação. O Memorial da
Fome é uma das peças de arte pública mais fotografadas
em toda a Irlanda.
0-1---.---.---.-,......-..~-,--,---,---,,---,--,---r---.---1
1824 1828 1832 1836 1840 1844, 1848 1852
Anos
16
Importância das Doenças de Plantas
17
Manual de Fitopatologia
indianos que trabalhavam na colheita foram devolvidos à pátria, Tudo vinha correndo bem até que, em 1970, uma nova
com os bolsos vazios; os nativos passaram fome pois, sem café, raça de Cochliobolus heterostrophus (syn. Helminthosporium
como pagar pelo importado arroz? maydis), especialmente adaptada para atacar híbridos portado-
Enquanto isso, do outro lado do mundo, a preocupação dos res de citoplasma macho-estéril, foi detectada em Belle Glade,
ingleses era encontrar outra bebida, quente e estimulante, que os Flórida. Sua disseminação, em direção norte, foi explosiva e
ajudassem a suportar seu miserável clima: o chá foi a solução. E o devastadora. Em dois meses o patógeno chegou aos grandes
Ceilão, que no final do ciclo do café só tinha 500 heclares ocupados estados produtores de Iowa e Illinois; quinze dias de pois já era
com esta cultura.já em 1880 podia ex.ibir nada menos que 140 mil visto em todos os estados do nordeste americano. No final, 15%
(Figura 2.3). E os ingleses se transfonnaram, por causa da Hemileia, da produção americana foi destruída. Horsfall (1975) drama-
de bebedores de café a bebedores de chá. Até nossos dias. tizou a situação, calculando que a produção perdida (perto de
20 milhões de toneladas), se fornecida ao gado e transformada
2.1.4. O Fogo de Santo Antônio em carne, produziria 30 bilhões de "quarter-pound" hambúrgue-
Uma estrutura saliente de cor púrpura, semelhante a uma res. E, assim, os americanos finalmente puderam compreender a
espora de galo, origina-se quando Claviceps purpurea infecta extensão do desastre...
sementes de centeio. Esta estrutura, escleródio, é responsável pela
sobrevivência do patógeno entre as safras da cultura. Os franceses 2.2. EPIDEMIAS BRASILEIRAS FAMOSAS
referem-se a ela por "ergot"; os ingleses por "cockspur"; entre nós 2.2.1. O Mosaico da Cana-de-Açúcar
é conhecida por esporão. Independentemente do nome, seu inte-
O vírus do mosaico da cana-de-açúcar (Sugarcane mosaic
rior contém grandes quantidades de micotoxinas, compostas por
vinlS - SCMV) foi introduzido no Brasil na década de 1920,
alcaloides de muitos tipos, incluindo LSD. As mícotoxinas são ter-
provavelmente através de toletes contaminados trazidos da
moestáveis, ou seja, resistentes ao calor e variam em quantidade,
Argentina. Naquela época, a totalidade de nossas plantações era
dependendo de uma série de fatores, inclusive a espécie hospe-
composta de variedades de Saccharum officinarum, a cana nobre,
deira. Além da cevada, centeio e trigo são suscetíveis ao patógeno.
assim chamada pela excepcional riqueza em açúcar que a carac-
A ingestão de pão contaminado com estes alcaloides vaso- terizava. Outra propriedade das canas nobres era a alta suscetibi-
constritores produz uma série terrível de sintomas: mulheres grá- lidade a diversas doenças, destacando-se o mosaico.
vidas abortam; os dedos dos pés e das mãos foanigam; a tempe- A disseminação do vírus foi rápida, a redução do porte dos
ratura do corpo sobe a tal ponto que pode causar problemas men- canaviais, marcante. O colapso que seguiu pode ser avaliado pela
tais irreversíveis e mesmo a morte; algumas vezes uma gangrena
redução da produção que ocorreu entre os anos de 1922 e 1925:
incontrolável se abate sobre o doente, que vê dedos se despren- 1.250 mil sacos de açúcar contra 220 mil; seis milhões de litros de
dendo das mãos ou dos pés, pés caindo dos tornozelos e mãos álcool contra dois milhões. Naquele tempo, felizmente, o álcool
se separando dos braços; inacreditáveis alucinações, que levam à ainda não era utilizado como combustível uos automóveis. A
morte, não são incomuns. · substituição das variedades suscetíveis por resistentes ao pató-
Epidemias de C. purpurea em centeio eram corriqueiras na geno foi a solução de sucesso para o problema.
Idade Média. Milhares morreram no vale do Reno em 857 e na
França em 994 e 1089. A doença, em Viena, onde surtos frequen- 2.2.2. A Tristeza dos Citros
tes ocorriam, era conhecida pelo nome latino Sacer ignis, fogo No final da década de 1930, uma moléstia de causa desco-
sagrado. Em 1095, o papa Urbano II delegou à Ordem de Santo nhecida começou a chamar a atenção dos produtores de citros do
Antônio a tarefa de tratar dos doentes de ergotismo. A partir de Estado de São Paulo. As árvores afetadas tinham seu crescimento
então o nome fogo sagrado foi caindo em desuso, sendo suhsti- paralisado, produção diminuída, seca generalizada <le galhos e, por
tuido por fogo de Santo Antônio. fim, morriam. Moreira (1942), apropriadamente, batizou a doença
A última erupção do fogo de Santo Antônio deu-se na França, com o sugestivo nome de tristeza. Observações da época não dei-
em 1951 , na pequena cidade de Pont-Saiot-Esprit. A imprensa a xavam dúvida que os sintomas eram mais severos na combina-
ela se referiu como o pão maldito: 300 pessoas adoeceram, cinco ção laranja azeda (Citros aurantium) enxertada com laranja doce
morreram e um número indeterminado enlouqueceu. Atualmente, (C. sinensis). Essa combinação é bastante resistente ã gomose,
a doença pode ser controlada com vasodilatadores e o retomo ao doença do colo da planta, causada por Phytophthora, além de
quadro clínico normal pode variar de uma hora a dois dias. apresentar boas características agronômicas. Não era por acaso,
portanto, que essa conveniente combinação representasse mais de
2.1.5. Cochliobo/us heterostrophus (Helminthosporium 80% de nossos pomares.
maydis) e os Hambúrgueres Perdidos Enquanto os pesquisadores paulistas, especialmente dos
Os produtores de sementes de milho híbrido devem, obri- Institutos Biológico e Agronômico, tentavam elucidar a causa da
gatoriamente, efetuar cruzamentos controlados. No princípio, o doença e seu possível controle, a tristeza dizimava a citriculmra
controle era conse.guido pelo despendoamento manual da linha- paulista: estima-se que nove milhões de ârvoros, a quase totali-
gem fêmea, operação onerosa que custava uma média de 120 a dade dos pomares existentes, pereceram em pouco mais de 1Oanos.
450 dólares americanos por hectare. Para economizar o alto custo Foi só depois de Meneghini (1946) demonstrar a natureza virai
desta operação, os produtores passaram a empregar, a partir da (Citrus tristeza virus - CTV) da moléstia que métodos de con-
década de 1950, linhagens fêmeas com pólen estéril, característica trole puderam ser encontrados. Dentre eles, o uso de combina-
esta herdada citoplasmaticamente. No final da década seguinte, ções tolerantes, com a substituição de laranja azeda pelo limão-
em virtude das grandes vantagens propiciadas por este método, cravo (Moreira et ai., 1954), abriu caminho para o renascimento
praticamente todo o milho produzido nos Estados Unidos era ori- da citricultura no Estado. Ler mais sobre o assunto no Capítulo
ginário de linhagens com citoplasma macho-estéril. 32, item 32.2.3.
18
Importância das Doenças de Plantas
19
Manual de Fitopatologia
2.2.4. O Mal do Panamá e a Banana Maçã Em 1975, a crise do petróleo levou o governo brasileiro a
O mal do Panamá, causado pelo fungo Fusari11m oxyspo- investir pesadamente, através do PROALCOOL, na produção de
ntm f. sp. cubense, foi constatado no Brasil, em Piracicaba, em álcool carburante. A área ocupada pela cana-de-açúcar no Estado
1930. Naquela época, a maioria dos bananais do Estado de São de São Paulo aumentou de 760 mil hectares, em 1976. para dois
Paulo era constituído por variedades do grupo AAB, principal- milhões, dez anos depois. Esta expansão foi feita quase que
mente Maçã, mas também Prata e Ouro. Estas variedades mostra- exclusivamente com uma única variedade: a argentina NA56-79,
ram-se extremamente suscetíveis ao patógeno, a ponto de inviabili- moderadamente suscetível ao carvão, que chegou a ocupar 45%
zar sua exploração econômica a partir do estabelecimento do fungo da área plantada. Adicionalmente, a implantação dos novos cana-
na plantação. A exploração dessas variedades tomou-se, assim, viais, via de regra, não foi feita com mudas produzidas segundo
nômade, com os produtores migrando cada vez mais para o oeste. a boa técnica: viveiros, "roguing", tratamento térmico, tudo foi
Um erro fatal, no entanto, acompanhou essa migração: as esquecido na ânsia de produzir álcool o mais cedo possível.
mudas utilizadas para formar os novos plantios eram obtidas a O resu ltado negativo não se fez por esperar: níveis de infec-
panir de plantas doentes. seja por ignorância do produtor, seja ção de 30 a 40 mil chicotes por hectare eram comuns em várias
pelos rizomas contaminados nem sempre exibirem sintomas da regiões do Estado. E mesmo nas usinas de maior tecnologia,
doença. Dessa maneira, as novas plantações já eram estabele- como é o caso da Usina Barra Grande, no município de Lençóis
cidas, desde o princípio. com o patógeno (Boxe 2.4). Hoje em Paulista, a incidência de carvão chegou a a larmar, aumentando
dia, é praticamente impossível encontrar uma plantação sequer dez mil vezes de 1981 a 1987 (Figura 2.5).
de banana Maçã no Estado de São Paulo. Aqui, devido ao mal do
Panamá, apenas variedades do grupo Cavendish, como Nanica e 7000 50
Nanicão, podem ser cultivadas, já que apresentam alta resistên- Chicotes
cia ao patógeno. O produtor, não podendo cultivar variedades de 6000
Area com NA56-79 40
melhor aceitação e melhor preço, sofre prejuízos. E ao consumi- 5000
--
m
~
dor resta apenas a saudade. Saudade do perfume suave e do gosto
marcante da delicada banana Maçã. (1) 4000 30 ::e
~
.s m
a,
8
Boxe 2.4 Fusarium oxysporum f. sp. cubense: 2:
(.)
3000
20-<
2000
disseminaçao lenta. mas continua 10
1000
20
Importância das Doenças de Plantas
quadro persiste nos dias atuais, pois a produção brasileira dimento era tanto que uma nova cidade, orgulhosamente bati-
:-racha representa apenas 1,4% da produção mundial. Em zada de Fordlándia. foi construida no meío da floresta. As coi-
_ -4. _ produção nacional foi de 192 mil toneladas e respondeu sas andavam rápidas naqueles tempos pioneiros: 4.000 hectares
..:-~,,madamente 47% do consumo industrial do país. Ores- já estavam plantados em 1928, em grande parte com material
dl matéria-prima para suprir nossas necessidades vêm do botânico proveniente da Ásia. E, realmente, as coisas andavam
principal mente do sudeste asiático (Malásia, Tailândia, rápidas, rápidas demais, naqueles tempos pioneiros: o ataque de
~ 13 e Vietrn!i). Microcyclus u/ei foi tão intenso que Fordlândia e seus seringais
-\ :i, entura da borracha no sudeste asiático começou em foram definitivamente abandonados em 1934.
.:iuando o botânico inglês Wickham coletou sementes de Um desbravador como Henry Ford, porém, não ia desistir
no Pará e enviou-as a Londres. Mudas originárias des- de produzir borracha só porque um atrevido fungo sul-americano
,-:nffltes foraim, no mesmo ano, remetidas para o Ceilão (Sri ousava derrubar as folhas de suas seringueiras. Um novo projeto
..: Jl de onde se espalharam pelos países vizinhos (Boxe 2.5). foi iniciado naquele mesmo ano de 1934, em Belterra, alguns qui-
:-. •uco mais de um século depois, aquela região é responsá- lômetros rio acima. Como material genético foram empregados
'11ais de 90% da produção mundial de borracha. os clones asiáticos de mais alta produtividade que se conhecia até
~este meio tempo. animados com o sucesso inglês no então. Tudo parecia correr bem, 6478 ha já se encontrando plan-
tados em 1942. No ano seguinte, no entanto, M ulei atacou nova-
Henry Wickham e as sementes de mente. Ataque tão devastador q ue dois anos mnis tarde o grande
sonho de Belterra também foi abandonado. Henry Ford, que mor-
vea brasiliensis
reria em 1947, realista que era, reconheceu sua derrota, desistindo
de produzir borracha em países mais próximos de suas fábricas.
Sir Henry Wickham levou muito a sério a oferta que Ainda hoje a exploração racional de Hevea hrasiliensis na
~ u de seu compatriota, Sir Joseph Hooker, o diretor
região amnzônica é uma atividade de alto risco, mais próxima do
do Kew Gard,en, de Londres: dez libras esterlinas por
fracasso que do sucesso. Os motivos para tal são inúmeros e estão
cada. mil seme111tes de seringueira. Em 1876 Sir Wickham fora do escopo deste capítulo. Inúmeros são também os motivos
coletou 70.000 sementes de Hevea brasiliensis, na região
para o sucesso da exploração racional da seringueira no sudeste
do Boim, pert.o de Santarém, Pará, às margens do rio
asiático. Certamente nenhum deles, porém, é mais importante que
Tapajós, embalou-as cuidadosamente e remeteu-as
a não ocorrência de M 11/ei naquela região.
pua o famos ) Jardim Botânico de Sua Majestade. As
-oo libras estedinas que deve ter recebido foram pouco 2.2.7. A Vassoura de Bruxa do Cacaueiro
pdo trabalho que fez: um século depois, as plantas
~endentes destas sementes eram responsáveis por A vassoura de bruxa do cacaueiro, cujo nome sugere algo
ma.is de 90% dil produção mundial de borracha! • sobrenatural que pode causar maleficios para a cultura dessa
espécie vegetal, na verdade é o nome de uma doença causada pelo
Retornem,os, porém, ao início de nossa história.
fungo Basidiomiceto Moniliophthora perniciosa (sin. Crinipellis
Das 70.000 sementes enviadas, 2397 germinaram. Os
perniciosa). O nome da doença deriva dos sintomas in<luzidos
-<-eedlings" pe1rmaneceram em Kew Garden por alguns
por esse patógeno que deixa os ramos do cacaueiro secos como
meses e, no (nesmo ano de 1876, 1919 deles foram
uma vassoura velha. Embora a vassoura de bruxa não tenha nada
aped.idos para o Ceilão, colônia britânica na época. No
de sobrenatural, ela é a doença mais destrutiva do cacaueiro.
ano seguinte, 22 "seedlings" foram levados a Cingapura
e. destes, nove foram plantados em Perak, na vizinha Essa doença foi dcscobena em 1895, no Suriname, e já tinha
Malásia. Por 1mais incrível que possa parecer, quase demonsrrado o seu poder devastador ao atingir a Venezuela, onde,
todos os clones comercialmente em uso, hoje, na Malásia após quatro anos da sua constatação, a produção de cacau foi redu-
são derivados destas 22 plantas, cujas sementes foram zida de 5. 126 toneladas para míseras 119 toneladas. Há evidências
tio bem escolhidas por Sir Wickham, nas margens do de que essa doença já ocorria no Vale do Amazonas por volta de
Tapajós (Allen,, 1984). 1938. No entanto, o efeito devastador sobre a cultura do cacaueiro
no Brasil, mais precisamente no Estado da Bahia, somente foi
O trabalhio de melhoramento conduzido na Ásia,
sentido no final da década de 1980. Até então o País destacava-se
especialmente no "Rubber Research lnstitute of Ma-
como o segundo maior produtor mundial de cacau, perdendo ape-
laysia" (RRIM ), em Kuala Lumpur, fazendo intenso
nas para a Costa do Marfim, país situado no continente africano. Os
uso de enxertia de gema para produzir clones com
produtores da Bahia eram responsáveis por 95% da produção bra-
~aracterísticas bem defin.idas, constituiu-se num sucesso
sileira de cacau e 20% da produção mundial. A área plantada com
notável: enquaJnto que o material introduzido produzia
essa espécie vegetal era de aproximadamente 650 mil hectares.
anualmente 300-400 kg/ha de borracha, os clones
melhorados pr,oduziam facilmente dez vezes mais. Mas eis que em 1989 o fungo causador da vassoura
de bruxa foi encontrado pela primeira vez em plantações de
cacaueiro no território baiano. Surgiram então suspeitas e até
denúncias de "terrorismo biológico", porém nada ficou com-
-SI.deste asiático, os americanos da poderosa Ford Motor Company provado. independentemente de o patógeno ter chegado natu-
:~.:idiram tentar o estabelecimento de plantações de seringueira ralmente ou pelas mãos do homem à maior região produtora de
Brasil. O local escolhido pani o projeto situava-se 4 1 km ao cacau do Brasil, o estrago foi sentido nos anos subsequentes. Para
R.cl de Santarém, às margens do rio Tapajós, não muito d istante piorar a situação, naquela época os produtores baianos já enfren-
::i região de Boim, onde Wickham havia coletado sementes algu- tavam uma forte queda no preço do cacau no mercado internacio-
:ru.:; décadas antes. O otimismo quanto ao sucesso do empreen- nal, que despencou de 4.000 dólares para apenas 650 dólares a
21
Manual de Fitopatologia
22
Importância das Doenças de Plantas
Dano potencial'
Produção (quantidade)
Qualidade
Dano primário1
Custos de controle
Perda de receita pelo plantio de culturas ou variedades menos rentáveis
Dano direto3
Contaminação de sementes, tubérculos, gemas, etc.
Patógenos veiculados pelo solo
Dano secundário6
Enfraquecimento do hospedeiro através de desfolha prematura
Dano reaP
Custos de controle
Produtor
Comunidade rural
Dano iildireto• Consumidor
Estado
Ambiente
23
Manual de Fitopatologia
e Nectarina 2004
23.2. Dano Direto e Dano Indireto e Ameixa 2004
Danos indiretos compreendem os efeitos económicos e
sociais das doenças de plantas que estão além do impacto agro- Danos mecanicos Doenças
nômico imediato. Ao nível do produtor e da comunidade rural.
por exemplo, danos na produção geralmente levam a perdas eco- Figura 2.8 - Incidência média (porcentagem de frotas comercíaliza-
nômicas, que podem levar ao endividamento e, mesmo, ao aban- dos) de injúrias e de doenças pós-colheita em rosáceas
dono da atividade produtiva. Na América Central, muitas plan- tlt: caroço na CEAGESP nas safras de 2003 e 2004.
tações de banana exploradas por pequenos produtores foram Fonte: Modificada de Amorim et ai. (2008).
abandonadas quando Fusarium oxysponim f. sp. cubense (mal do
Panamá - item 2.2.4, Boxe 2.4) tomou-se estabelecido na região. Danos secundários são os danos na capacidade futura de
Zadoks & Schein ( 1979) chamam a atenção para o fato de nem produção causados pelas doenças. Este gênero de danos é muito
sempre, nestas condições, a perda econômica ser a mais impor- comum quando o patógeno é veiculado pelo solo ou dissemi-
tante: há também a perda do capital espiritual, este expresso na nado por órgãos de propagação vegetativa de seu hospedeiro.
esperança e na crença de que o progresso pode melhorar o padrão Incluem-se aqui, também, aqueles patógenos que debilitam,
de vida de pessoas e comunidades. A perda do capital espiritual é usualmente pela desfolha prematura, seus hospedeiros.
extremamente grave quando a comunidade está iniciando a luta
para deixar a pobreza ou a miséria. 2.4. BIBLlOGRAFlA CONSULTADA
Os danos causados por patógenos não afetam somente os Allen, P.W. Fresh germplasm for natural rubber. Span 27: 7-8, 1984.
produtores. Consumidores também têm que dividir a conta, Amorim, L.; Martins, M.C.; Lourenço, S.A.; Guticrrc~ A.S.D.; Abreu.
incluindo-se aqui parte dos danos ocorridos no campo, a maio- F.M.; Gonçalves, F.P. Stone fruit injuries and damage at the who-
ria dos danos ocorridos na cstocagem do produto, no transporte, lesale market of São Paulo. Brazil. rostharve~t Blology and
no comércio atacadista, no varejista e a totalidade dos danos Technology 47: 353-357, 2008.
24
CAPÍTULO
3
CONCEITO DE DOENÇA,
SINTOMATOLOGIA E DIAGNOSE
Jorge Alberto Marques Rezende, Nelson Sidnei Masso/a Júnior e Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
~ 1. DOENÇAS DE PLANTAS dificuldades, entre elas como estabelecer os limites entre o que
é normal ou sadio e o que é anormal ou doente; como separar
A
doença é o objeto central da Fitopatologia, um
fenômeno exclusivo dos seres vivos e, como tal, doença de uma simples injúria tisica ou química; como distinguir
matéria de estudo da Biologia, a ciência da vida. doença de praga ou de outros fatores que afetam negativamente o
E=-e as diferentes especialidades da biologia está a patologia, que desenvolvimento das plantas; como aceitar que fatores do ambiente,
.. L,ciplina através da qual os princípios básicos que caracterizam como falta d'água, possam causar doença, etc. Estas questões fazem
- -:.:;.rureza da doença são estudados. A patologia, a exemplo da da doença de plantas um fenômeno de natureza complexa, que não
~,.1logia, trata do estudo das funções ou processos vitais dos tem uma definição precisa, mas que, sem dúvida, apresenta algumas
'iCt'eS vivos, e a diferença entre estas duas disciplinas está no seu caracteristicas básicas, essenciais, que serão discutidas a seguir.
~oque. A fisiologia busca o entendimento dos mecanismos que
.:- = à competência funcional plena dos seres vivos, enquanto
3.1.1. Características Básicas das Doenças de Plantas
Ao se consultar a literatura, são encontradas muitas definições
• --=? patologia procura elucidar o que acontece quando os sistemas
.-• ..:.,s não são capazes de manter a competência funcional em sua ou afirmativas sobre a natureza das doenças de plantas, entre as quais
- ~rude. A razão da falta desta competência funcional é a doença, algwnas se destacam, em ordem cronológica, como base para dis-
--. conceito deve ser aplicado para todos os seres vivos (plantas, cussão (Boxe 3.1).
.s::.:mais e o próprio homem) nos diferentes ramos da patologia Tendo por base as definições do Boxe 3.1, pode-se tirar algu-
F·wpatologia, Medicina Veterinária e Medicina Humana). Estes mas conclusões ou fazer algumas generalizações sobre a natureza
-=ili. por outro lado, desenvolveram-se independentemente como da doença. Um primeiro ponto a ser levantado é o fato de se poder
:::s..:1plinas aplicadas, cada um com suas particularidades práticas. destacar algumas características básicas que aparecem naquelas defi-
Estas duas visões, a teórica, básica, científica ou biológica, por oições, explícita ou implicitamente, e que retratam aspectos consen-
;.:n lado,e a prática, aplicada ou agronômica, por outro, aliadas à suais sobre o conceito de doença entre os fitopatologistas. Estas
_ mplex.idade dos sistemas vivos, trazem à tona algumas questões características básicas enfatizam doença como fenômeno bioló-
-,...indo se discute o conceito de doença dentro da área vegetal, gico, representando o ponto de vista científico, teórico, sobre a
-~etindo pontos de vista diferentes, às vezes até conflitantes. Ao mesma. Assim, em primeiro lugar, devemos entender a doença
?..Lar definir doença, os fitopatologistas esbarram em algumas como uma interferência em processos fisiológicos da planta,
27
Manual de Fitopatologia
28
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
\o estabelecerem relações alimentares com as plantas, alguns tipos de insetos e de ácaros, além de causarem danos físicos
rdaciooados principalmente com a introdução do seu aparato bucal nos tecidos) e de retirarem nutrientes, podem também
agetar substâncias estranhas nos tecidos do vegetal. Tais substâncias, originadas do próprio inseto ou ácaro, são componentes
de suas secreções salivares, como aminoácidos, enzimas, hormônios, etc. Essas substâncias podem produzir efeito deletério
.ao ~m introduzidas na planta, constituindo-se então em produtos tóxicos, não translocáveis ou translocáveis a curta ou a
mga distância. O fenômeno resultante da ação toxirogênica da saliva do inseto ou do ácaro nos tecidos da planta é chamado
par alguns de toxemia ou fitotoxemia.
As toxemias podem ser de ação localizada ou sistêmica. As toxemias localizadas manifestam-se como lesões nos
pontos de alimentação do agente to:xicogênico, Apresentam-se geralmente como manchas doróticas ou necróticas. As
xm:uas sistêmicas são resultantes d.a translocação do princípio ativo e manifestam-se por alterações na coloração das
íolhas (clorose, mosaico d.as nervuras), murcha, redução do crescimento, necrose do floema, etc. As toxemias pod~m ser
ausadas tanto por ácaros como por insetos do tipo cochonilhas, pulgões, moscas brancas (Figura 3.IA), cigarrinhas,
psllideos e percevejos.
Existe também um terceiro tipo de toxemia, as malformações primárias dos tecidos (Figuro 3.1 B), caracterizada
por encrespamento, alterações de clorofila, roseta, superbrotamento, queima foliar marginal, malformações de frutos
~ ~.lhas. Pulgões, cigarrinhas e ácaros são os principais tipos de orgauismos associados às malformações primárias.
A B
F"1111ra 3.J - Prateado da folha da abobrinha de moita cv. Caserta provocado por toiu:mia da m~ca branca Bemisia tabaci (A): malformação
foliar em mamoeiro provocada por toxemia do ácaro branco l'n~vphugo/(ll'3onitmus latus (D).
xamo parasitas. A maioria deles induz doença pela secreção de pois um organismo parasita pode retirar o seu alimento de seu
substâncias tóxicas que são absorvidas pelas plantas. Alguns hospedeiro sem provocar prejuízos. Relações de interdependência
~pios de doenças causadas por estes patógenos não parasitas, entre os seres vivos são comuns na natureza, como as micorrizas
.,..e secretam toxinas, podem ser encontrados na revisão feita por (Boxe 3.5) e a associação entre as leguminosas e os rizóbios (Boxe
.i. altz ( 1978). Alguns microrganismos podem causar doença ao 3.6), em que ambos os componentes da associação se beneficiam.
·~erir com as funções normais das plantas, no entanto sem A associação planta-patógeno, numa relação um a um, ou
;,ar-asilá-las, mas crescendo externamente na superftcie de seus seja, uma doença-uma causa, caracteriza a visão tradicional da
.,rgãos. São os casos de algumas algas que crescem na superficie Fitopatologia sobre a natureza causal das doenças de plantas, fruto
i!.!S folhas; dos mixomicetos que desenvolvem o seu plasmó<lio da sucessiva aplicação, na área vegetal, do postulado elaborado
oo as suas estruturas de reprodução na superficie da planta; e das por Robert Koch, em 1876 (ver item 3.3.2). Uma análise das
.-..miaginas (Boxe 3.3). causas das doenças, coutudo, nem sempre revela uma relação
Um terceiro tipo de patogenicidade, sem envolvimento de um patógeno-uma doença. Existem muitas doenças nas quais as
iwasittsmo, é aquele encontrado na atuação de uma planta sobre relações causais envolvem mais de um agente ou fator patogênico,
a outra, pela liberação de produtos tóxicos no meio, característica que atuam sequencial ou concomitantemente, podendo estes ser
do fenômeno de alelopatia (Boxe 3.4). bióticos (infecciosos) ou abióticos (não infecciosos). No caso da
~o caso, portanto, de patógenos não parasitas, tanto os etiologia sequencial, o patógeno ou fator primário muda a reação
·ermos hospedeiro, para designar a planta suscetível, como do hospeJeiro ou da planta suscetível, usualmente alterando
parasita, para designar o agente causal, não são apropriados. A sua fisiologia, de tal forma que o patógeno ou fator secundário
-corrência do parasitismo, por outro lado, não significa que a possa atacá-la. No caso d~ atuação concomitante, os patógenos
~lação seja necessariamente danosa para a planta hospedeira, ou fatores causais estabelecem uma relação ecológica próxima e
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Manual de Fitopatologia
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Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
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Manual de Fitopatologia
Figura 3.3 - Halo amarelo em folha ele Citros sp. com cancro
cítrico.
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Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
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Manual de Fitopatologia
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Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
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Manual de Fitopatologia
Avermelhamento - caracteriza-se pelo aparecimento (Figura 3.25). Constitui-se no sintoma típico de certas
de coloração avermelhada, observada principalmente doenças, como galha de raízes de cafeeiro (Meloidogyne
nas folhas. É um tipo de sintoma comum induzido por incognita) (Fignra 3.26) e galha da coroa de rosáceas
fitoplasma, como nos casos de enfezamento do milho e (Agrobacterium tumefaciens).
das brássicas.
• Filodia - corresponde ao desenvolvimento de folhas
onde deveriam se desenvolver órgãos florais, especial-
mente pétalas e sépalas. São sintomas típicos de doenças
associadas aos fitoplasmas. Um caso comum é a ocor-
rência de filodia em vinca.
• Virescência - é a presença de clorofila em órgãos não
clorofilados, como as pétalas. Também é um sintoma
induzido por fitoplasmas. São exemplos a pétala verde
do morangueiro e da hortência.
• Bronzeamento - é a mudança da cor da epiderme, a
qual desenvolve a coloração bronzeada (cor de cobre
ou escurecida), devido à ação de patógcnos. Plantas de
tomateiro in fectadas pelo vírus do vira-eabeça mostram Figura 3.24 - Encarquilbarnento em folhas de pessegueiro infec-
este sintoma, no estádio inicial da doença (Figura 3.23). tadas por Taphrina deformans.
Crédito da foto : Marise C. Martins.
36
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
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Manual de Fitopatologia
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Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
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Manual de Fitopatologia
•
forem cumpridas, o organismo isolado pode retirada e amoatras auper11clel em •tcool auperflclal em hlpoclorlto
40
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
(raízes ou frutos), pode-se aumentar a concentração do agente Uma variação no método de isolamento, conhecido por
desinfestante, o tempo de exposição, ou ambos. isolamento direto, compreende o isolamento de agentes patogênicos
Após a desinfestação superficial, os fragmentos devem a partir das suas eslruturas que estão colonizando os tecidos do
ser Lransferidos, em condições assépticas, para um meio de hospedeiro. AJguns fungos produzem estruturas de reprodução
cultura pobre em nutrientes (Boxe 3.7). Nessa situação, apenas o (esporos ou corpos de frutificação) na superficie do hospedeiro, mais
organismo que está no interior dos tecidos deve crescer, favorecido precisamente sobre a área lesionada. Quando estas estruturas estão
pelos nutrientes fornecidos pelo tecido vegetal do próprio hos- presentes em grande quantidade, pode-se proceder ao isolamento
pedeiro. Após 24-48 horas de incubação, pequenas porções por meio da coleta das mesmas (sob microscópio estereoscópico),
retiradas dos bordos das colônias füngicas ou bacterianas que se seguida de transferência direta para o meio de cultura
desenvolveram no meio pobre devem ser transferidas para um Nem todos os agentes fitopatogênicos são capazes de crescer
meio rico em nutrientes. A transferência dos microrganismos de em meio de cultura. Muitos parasitas biotróficos, como os fungos
um meio de cultura para outro é designada, em Fitopatologia, pelo causadores de oídios, míldios, ferrugens e carvões, além dos vírus,
termo repicagem. Em meio nutritivo adequado e sob condições de viroidcs e fitoplasmas se desenvolvem somente em células vivas
mcubação (temperatura e luz) favoráveis, o microrganismo isolado dos hospedeiros. Assim, a manutenção, o isolamento e a obtenção
deverá desenvolver colônias puras. Para patógenos vasculares, de inóculo desses agentes fitopatogênicos são limitados aos seus
utiliza-se urna variação do procedimento acima descrito. Nesse
hospeueiros específicos, os quais devem ser mantidos em locais
caso, corta-se um pedaço da haste da planta afetada, faz-se a
adequados, como casas de vegetação e tclados.
imersão em álcool etílico e realiza-se uma flambagem rápida da
superficie vegetal. Em seguida, com uma lâmina afiada e flambada,
3.3.2.2. Inoculação de microrganismos fitopotogênicos
:emove-se parte da casca e, com essa mesma lâmina, fragmentos
devem ser retirados do lenho. Esses fragmentos devem ser A inocula~ão envolve técnicas em que patógeno e
submetidos a uma solução de hipoclorito de sódio a 0,5% por 2 a hospedeiro são colocados em contato, soh condições favoráveis à
3 minutos e transferidos para meio de cultura apropriado. infecção e ao desenvolvimento da doença.
Denomina-se m eio de cultura um preparado nutritivo que pemtite o c rescimento de microrganism os. O s meios
podem ser solidificados ou líqnidos de acordo com a adição de ágar on não. Alguns meios são inteiramente sintéticos,
preparados com quantidades conhecidas de produtos quúnicos be m d efinidos, e usualmente b astante específicos para
certos patógenos. Os m eios de c ultura mais utilizados, no entanto, são semi-sinté ticos, pois contêm na s ua composição
fonte natural de carbono, com o um açúca r o u am ido. Para o cultivo de fungos fitopatogênicos, utiliza-se, com frequência, o
meio d e batata-dextrose-ágar (BDA), e nquanto que, para b actérias, usa-se o meio denominado caldo nutritivo, composto
de extrato de carne e p eptona. Exis tl!m numerosos protocolos para p reparo de meios de cultura para mic rorga nismos,
todos eles devendo ser esterilizados antes de seu uso (Figura 3.36). O meio de cultura pobre em nutrientes, utilizado
logo após a desinfestação superficial do material doente, referido no texto, é o ágar-água, constiruído a penas des tes dois
componentes.
41
Manual de Fitopatologia
Para fungos e bactérias de parte aérea, a inoculação é feita a partir da cnltura pura desses agentes. A eficiência da inocula-
pela pulverização de uma suspensão de esporos ou células bacte- ção rode ser melhorada se ferimentos forem provocados artificial-
rianas na superficie da planta. Logo após a inoculação. as plantas mente nas raízes, por meio de corte parcial das radicelas, seguida
devem ser submetidas a uma câmara úmida por, pelo menos, 24 da imersão em suspensão de inóculo.
horas, período necessário para que ocorra a genninação dos espo- Na inoculação de vírus. as células da planta hospedeira
ros e a penetração das estruturas fúngicas e das células bacterianas devem sofrer ferimentos para que as partículas virais sejam
no hospedeiro. Em condições naturais, a câmara úmida é represen- inseridas em seu interior. Para o caso de vírus transmitidos por
tada por períodos em que as plantas permanecem com água livre insetos, a inoculação é realizalla via ferimentos provocados pelo
sobre as folhas. Isto ocorre pela irrigação por aspersão. ocorrên- próprio vetor, durante sua alimentação na p lanta. Na inoculação
cia de períodos chuvosos e, principalmente, deposição de orvalho. mecânica experimental, a suspensão virai, pre parada a pa11ir de
Para bactérias e fungos que penetram no hospedeiro através de um exlralo de plantas doentes, é aplicada sobre a superfície do
abe1t uras naturais, é recomendável que as plontas sejam mantidas hospedeiro. lsso é feito na presença de um abrasivo (normalmente
sob câmara úmida e em cond ições de escuro por 12 horas, antes <la carbureto de silício), que tem por função provocar microferimentos
inoculação, para garantia da abertura dos estômatos. no tecido vegetal, garantindo a entrada das partículas virais nas
Quando o fungo é um parasita de raízes. recomenda-se cul- células da planta. Não há necessidade de câmara úmida nesse
tivá-lo previamente em substrato que permita sua incorporação caso (Figura 3.37).
ao solo no momento da inoculação. Nonnalmente são utilizados
diversos tipos de grãos como substn1to, como por exemplo, trigo 3.3.2.3. Técnicas moleculares pnro diagnose de doen-
ou sorgo. Nesse caso. a inoculação consiste cm incorporar ao solo ças de plantas
detenninada quantidade desses grãos colonizados que receberá a Os rece ntes avanços da biologia molecular e da biotecnologia
muda a ser inoculada. Recomenda-se que o solo utilizado seja pre- estão sendo aplicados no desenvolvimento de métodos sensíveis.
viamente esterilizado para evitar a presença de microrganismos específicos e rápidos para a detecção de patógcnos vegetais. As
indesejáveis. principais técnicas de biologia molecular, utilizadas na diagnose,
No caso dos fungos e bactérias vasculares, o procedimento são <le natureza imunológica, ou estão relacionadas à hibridi/.ação
mais utilizado é a imersão das raízes da planta a ser inoculada e amplificação de ácidos nucleicos. Aqui serao leitos breves
numa suspensão <le esporos ou de células bacterianas, preparada comentários sobre as aplicações práticas destas técnicas.
e'~~•
Soluç~o
tampao
Planta infectada Folhas jovens Folhas doentes e Macerar folhas Polvilhar abrasivo nas
com vírus doentes solução tampão na solução tampão folhas de planta-teste
~~ .D,dM
e Gaze
~~ . Lavar folhas
Inoculadas com água
Transferir planta-teste
para cese-de•vegetação
looculo,folha,c~
e Pincel
42
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose
Os imunoensaios estão sendo usados rotineiramente na Foster, G.D. & Taylor, S.C. Planl Virology Protocols - From Virus
~çào de patóg,enos em material propagativo de plantas cultiva- lsolation to Transgenic Resistance. New Jersey, Humana Press.
~ ;ll!le~ vegetativas e sementes), pelos serviços de quarentenas, 1998.
= i'.""1-~gramas de produção de sementes certificadas e em diver- l lampton, R., Oall. E. & De Boer, S. Serological Methods for Detection
Clmicas Fitopatológicas. O teste ELISA, apesar de superado 11nd ldentifü:ution of Virai und B11ctcriul Pl11nt P11thogcns - A
~ibilidade pelas sondas de DNA, mostra-se ainda muito útil
= 3 diagnose ele doenças de plantas. "Kits" de ELISA para a
Laboratory Manual. St. Paul, APS Press, 1990.
Horsfall. J.G. & Diamond, A.E. The diseased plant. ln: llorsfall, J.G. &
-:""o de diversos vírus, bactérias e fungos encontram-se dis-
A.E. Diamond (ed.) Plant Patholo!IT an Adnnced Treatise. New
e1,, no mercado.
York. Acadcmic Prcss.. 1959.
s._,ndas de DNA já foram desenvolvidas para a detecção
- fungos. bactérias e vírus, porém seu uso ainda está restrito à Hull, R. Plant Virology. Fifth Edition. Elsevier, 2014.
Lee, D.T. & Vu, N.A. Progress of loop-mediated isothem1al amplification
Os testes de: PCR e RT-PCR, já comentados anteriormente, technique ín molecular diagnosis of plant diseases. Applied
~,ucas moleculares bastante utilizadas nos processos de Diologieal Chemistry 60: 169-180, 2017.
~ de doenças em plantas. A finalidade é a detecção do Manhews, R.E.F. Diagnosis of Pilmt Virus Disc11ses. London, CRC Press,
~ RNA do patógeno presente nos tecidos do hospedeiro. 1993.
~ é submetida à extração de ácidos nucleicos por meio
Putham, A.R. & Duke, W.13. Allclopathy in agroecosystems. Annual
X{)(.(Xo)os diversos e, em seguida, uma alíquota deste material
Review of Phytopathololgy 16 :431-451, 1978.
.Li.z.ada em reaições de amplificação, utilizando-se iniciadores
=:-,,,:afi..:os. Quando o resultado é positivo, o ácido nucleico Rice. E.L. Alleloputhy. New York, Academic Press, 1974.
1111,üfü·ado diversas vezes pode ser visualizado como uma bauda Roberts. D.A. & Boothroyd, C.W. Fundamentais of Plant Pathology.
- an gd de eletroforese. Este pode ser ainda sequenciado para S. Francisco, W.H. Freeman, 1972.
- - 1dentifica1ção e caracterização do patógeno. Deve-se Schumann, G.L. & D"Arcy, C.J. Esscntial Plant Pathology. St. Paul,
""r'J amda das técnicas de LAMP e NOS para a diagnose das APS Press, 2010.
~ Je plantas.
ShurLlcfT, M.C. & Avcm: IJI, C.W. The Plant Dlsease Cllnic and Field
3.3.2.4. Microscopia eletrônica e diagnose de doenças Di11gnosis of Abiotic Dise11ses. St. Paul, AJ'S Press, 1997.
de plantas Stakman, E.C. & Harrar. J.G. Principie~ of Plant Pathology. New York,
The Ronald Press Company. 1957.
Pelo seu _grande poder de resolução, o microscópio
B'Í'meo de transmissão é útil para a detecção de patógenos não Talboys, P.W.; Ainswonh, G.C.; Pcgg, O.F.; Wallace, E.R.A. Guide to
- -dos pelo microscópio de luz, como é o caso dos vírns e dos the Use of Terms in Plant P1llhology. PhyLopaLhological Papcrs
~ :.os fastidiiosos. No caso de suspeita de viroses, por meio 17, Kew, Comrnonwealth Mycological lnstitulc, 1973.
-::.1.p:m gerad:a pelo microscópio eletrônico de tran-smissão é Tarr, S.A.J. Principies of Plant l'athology. London, MacMillan, 1972.
e \ erificar se as células do hospedeiro estão parasitadas
Trigiano, R.N., Wíndham, M.T.; Windham A.S. Plant Pathology -
l"'.IS. É pos:sívcl, inclusive, inferir sobre a identidade do
Concepts and Lahoratory Exerciscs. Ooca Raton, CRC Press,
baseando-se em sua morfologia e na presença e forma. de 2008.
~~IC'-:' -:dularcs (Figuras 10.1 e 10.32). Do mesmo modo,
Tuite, J. Pl11nt Pat:hological Methods. Minneapolis, Rurgcss, 1969.
--""'!"";:-_;:..1.-Jo-se o microscópio eletrônico de transmissão, é possível
~ procariotos fastidiosos, como os fitoplasmas (Figura Van Regenmortel, M.H.V. Serology 11nd lmmunochemistry of Plant
~ c-:,p1roplasmas (Figura 11 .6) no lúmen dos vasos de floema Viruscs. New York, Academic l'ress. 1982.
::---r.m doentes. Apesar de úteis na diagnose, no entanto, as Walker, J.C. Phmt P11thology. Ncw York, McGraw-Hill, 1950.
_, empregadas cm microscopia eletrônica são laboriosas. Weintraub, P.G. & Jones, P. Phytoplasmas: Genumes, l'lanl Hosts and
oradas e caras, além de exigirem mão-de-obra extremamente Vecturs. London, CAB lntemational, 2010.
~ a a d a . Por esses motivos, sua utilização em operações
Woltz, S.S. Nonparasitic plant pathogens. Annual Revicw of Phytopu-
~ de diaginose não é viável. Seu uso geralmente é restrito
tholology 16:403-430, 1978.
~me acadi~mico e de pesquisa.
~ BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
,_ .., ~- Plant Pethology. 5. ed. San Diego, Academic Prcss, 2005.
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J. & de Jager, C.P. Practkal Plant Virology: Protocol and
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Lln-c.i5es. Spf'inger Lab Manual, 1998.
43
CAPÍTULO
4
CICLO DE RELAÇÕES
PATÓGENO-HOSPEDEIRO
Lilian Amorim e Sérgio Florentino Pascholati
ÍNDICE
O
ciclo de relações patógeno-hospedeiro, também
designado ciclo de infecção, monociclo ou ciclo
de doença, representa o conjunto de eventos que se
por uma geração do patógeno, durante o desenvolvimento
~~ças infecciosas. Para a maioria das doenças, este ciclo
=---:. .... 1) é constituído de cinco processos básicos: sobrevivên-
do~eminação, infecção, colonização e reprodução. A repe-
-c...:es.siva do monociclo, ou de parte dele, com o desenvolvi-
.1e várias gerações do patógeno, durante um ciclo da cultura,
=ia epidemia, ou policiclo (veja Capítulo 5). A depender da
~ do inóculo, o ciclo de relações patógeno-hospedeiro pode
Cc"l-Ominado ciclo primário ou ciclo secundário. O inóculo
~ origem ao ciclo primário é externo ao campo e/ou estação SOBREVIVÊNCIA
• :!\O e responsável pela introdução da doença em um deter-
-::..: campo e estação. Porém, o ciclo primário não se limita
1 ::c-.xluzir o patógeno na cultura, podendo também contribuir
~ desenvolvimento da doença, caso haja contínuo influxo de
ID.:-'-' externo ao campo de cultivo. O inóculo que dá origem Figura 4.t - Ciclo das relações patógcno-hospcdeiro.
45
Manual de Fitopatologia
aos ciclos secundários é, necessariamente, produzido no próprio denominado colonização. É durante a colonização que ocorrem
campo durante a estação de cultivo e, de modo geral, é o prin- alterações em diversos processos fisiológicos da planta, que se
cipal responsável pelo desenvolvimento de epidemias de doen- exteriorizam na forma de sintomas. Finalmente, após a coloniza-
ças policíclicas (Boxe 4.1 ). A diferença entre os ciclos primário e ção do hospedeiro, ou algumas vezes, concomitante a ela, novos
secundário é bastante importante para a orientação de medidas de indivíduos são gerados para garantir a perpetuação da espécie. A
manejo. Quando a origem do inóculo primário é conhecida, prá- multiplicação de um patógeno no período que antecede sua disse-
ticas de manejo capazes de eliminá-lo podem ser suficientes para minação corresponde à fase denominada reprodução. Estmturas
evitar a ocorrência da doen1,a no campo. No entanto, na maioria propagativas do patógeno, produzidas na reprodução, serão dis-
das vezes, não é possível determinar com precisão a fonte do inó- seminadas, alcançarão novo sítio de infecção onde irão penetrar,
culo primário e, nesse caso, o controle no campo de cultivo deve e, a partir daí, colonizar o hospedeiro e se reproduzir. Havendo
ser realizado predominantemente com a adoção de táticas de pro- ambiente favorável e tecido hospedeiro disponível, vários ciclos
teção e imunização. infecciosos serão produzidos sucessivamente. Todos estes novos
ciclos infecciosos, gerados após a "primeira lesão" e com inóculo
originado no próprio campo e estação de cultivo, fazem parte do
Boxe 4.1 Algumas definições importantes
ciclo secundário das relações patógeno-hospedeiro.
A sobrevivência e a disseminação são processos indepen-
Inóculo: é o conjunto de estruturas do patógeno
dentes ou pouco dependentes do hospedeiro, razão pela qual, esses
capazes de causar infecção. Estão consideradas nesta
processos estão representados externamente a ele na Figura 4.1.
definição tanto as estruturas reprodutivas como as
Infecção, colonização e reprodução, por sua vez, aparecem na
estruturas vegetativas do patógeno que podem infectar
Figura 4.1 dentro do retângulo que representa a planta hospedeira,
o hospedeiro.
pois é lá que o patógeno se encontra durante estes processos. O
Fonte de inóculo: representa o locaJ onde o inóculo ciclo primário, representado por setas localizadas na parte externa
é produzido, ou o local onde ele se encontra, antes da da figura, faz alusão ao inóculo externo. Já o ciclo secundário,
infecção. representado internamente, é fonnado de ciclos de infecção recor-
lnóculo primário: é o inóculo responsável pelo ciclo rentes, produzidos várias vezes durante todo o desenvolvimento da
primário das relações patógeno-hospedeiro, produzido planta hospedeira. O final do ciclo secundáiio coincide, frequente-
externamente ao campo e/ou à estação de cultivo. mente, com o final do tecido hospedeiro (morte das plantas anuais
Inóculo secundário: é o inóculo responsável pelos e queda de folhas nas plantas perenes decíduas). Nesta situação, a
ciclos secundários da doença, produzido no campo rota normalmente seguida pelo patógeno, partindo da reprodução
durante o ciclo da cultura. em direção à disseminação, é desviada, rumo à fase sobrevivência.
O início da doença em um campo é marcado pelo apare- A sobrevivência do inóculo é a fase que garante a perpe-
cimento da primeiro lesão em uma planta hospedeira. Embora o tuação do patógeno quando ele se depara com situações adver-
aparecimento desta primeira lesão seja resultante do contato entre sas, tais como ausência do hospedeiro e/ou condições climáti-
patógeno e hospedeiro, é necessário que o patógeno, antes disso, cas desfavoráveis. Patógenos de culturas anuais, onde as plantas
tenha sido produzido em algum lugar para, em seguida. ser trans- morrem ao final do ciclo, e mesmo de culturas perenes decíduas,
portado até a planta sadia. Deste modo, o primeiro processo do onde folhas e frutos caem no invemo, são obrigados a suportar
ciclo primário corresponde à sobrevivência do inóculo em um prolongados períodos de tempo na ausência de tecido suscetível.
determinado local, usualmente designado como fonte de inóculo. Para tanto, estes agentes desenvolveram uma grande variedade
A sobrevivência do inóculo poderia também ser considerada de estratégias de sobrevivência, as quais podem ser agrupadas em
como a última fase de um ciclo de relações patógeno-hospedeiro, quatro grandes categorias: estruturas especializadas de resis-
já que ela só ocorre no final do ciclo da culrura, que coincíde com tência, atividades saprofiticas, plantas hospedeiras e não hos-
sua eliminação, no caso de plantas anuais. De qualquer modo, o pedeiras e vetores.
início do ciclo primário depende de~te inóculo residual e é por 4.1.1. Estruturas Especializadas de Resistência
esta razão que a sobrevivência é, aqui, considerada a primeira
fase do ciclo. Propágulos produzidos na fonte de inóculo devem Fungos, oomicetos e nematoides apresentam estmruras
atingir a cultura sadia para que a infecção ocorra. Isso se dá atra- especializadas de resistência, a maioria das quais é composta por
vés de mecanismos de remoção, dispersão e deposição do inó- suas formas reprodutivas (Figura 4.2). Teliósporos. ascocarpos.
culo, que constituem o processo de disseminação. Após a depo- oósporos. escleródios e clamidósporos são exemplos destas estru-
sição do inóculo sobre tecido sadio e suscetível, e sob ambiente turas de resistência em fungos e oomicetos. Embora elas tenham
favorável, inic.ia-se o proc.esso de infecção. Em doenças fúngi- formas e origens distintas, exercem, muitas vezes, a mesma fun-
cas e bacterianas, o início da infecção ocorre antes da penetração ção, promovendo a sobrevivência do patógeno em condições des-
do patógeno no hospedeiro, com a germinação de esporos e a favoráveis ao seu desenvolvimento. A maioria das bactérias fito-
multiplicação de bactérias, e seu fim é marcado pelo estabeleci- patogênicas não prodüz estruturas de resislência, exceção teita
mento de relações parasitárias estáveis (Gaumann, 1950). Para a Bacillus e Closrrídium, causadores de podridões, que formam
doenças viróticas, o início da infecção co.incidc com a deposi- endósporos.
ção do vírus no interior da planta hospedeira, processo em geral Tcliósporos de fungos dos gêneros Tilletia, Ustílago e
realizado por vetores. Uma vez estabelecido na planta, o pató- Sporisoriwn (Figura 4.3 ), causa<lores de doenças conhecidas
geno passa a distribuir-se pelo tecido hospedeiro, no processo como cáries e carvões, são capazes de sobreviver durante vários
46
Ciclo de Relações Patógeno-Hospede1ro
47
Manual de Fitopatologia
i o
o 100 200 300 400
por S. rolfsii e V. duhliae, por exemplo, pe>dc ser obtido com o
alagamento dos solos infestados, durante a entressafra. Embora
existam algumas tixceçõcs, a regra geral diz que os escleródios
Tempo (dias após a primeira colefa) são estruturas <le resistência capazes de sobreviver por vârios
meses em condições de baixa umidade de, solo. A germinação
Figura 4.4 - Liberação diária de ascósporos de Phyllostíc,ta cirric-arpa dos cscleródios pode ocorrer com a emissão do hifas (miceliogê•
em um pomar de laranja da região sul do Estado de São nica), com a formação de esporos {esporog;anica) ou com a for-
Paulo. A primeira coleta foi feita cm O1/03/2000. mação de corpos de frutificação (carpogênica). Estes diferentes
Fonte: Marcel B. Spósito, dados não publjcados. modelos de gem1inação encontram-se ilustrados na Figura 4.6.
Germinação com emissão do hifas pode ser encontrada nas espé-
Oósporos de pat6genos dos gêneros Pythium e Phytophthora cies Macrophomina phaseolina, Rhizoc:tonia solani, Stromatina
são estruturas de resistência capa7.es de sobreviver a altas e baixas cepivora e Sclerotinia gl1.1dioli. Germinação do tipo csporogênica
temperaturas e a condições de baixa umidade. Estes esporos apre- ocorre em Botrytis convoluta, B. tulipae e Verticíllium dah/iae,
sentam uma parede celular bastante espessa que lhes confere esta enquanto que a do tipo carpogênica ocorre em C/aviceps purp11-
resistência. De modo geral, os oósporos passam por um período de rea e Sc:lerotinia sclerotiorum. Algumas vezes, a genninaçâo dos
dormência antes da germinação, permanecendo no solo por perío- escleródios é induzida pela presença de exs1L1datos do hospedeíro.
dos de tempo relativamente prolongados. antes de germinar e Assim, o processo genninativo de esclcródios de Stromatina
dar início a novas infecções. A presença de inibidores endógenos cepivora, agente causal da podridão branca do alho e da cebola,
ue genninaçâo, pres.:ntes na própria parede do oósporo, parece depende necessariamente da presença de exsudatos destas plan-
explicar a dormência constitutiva destas estruturas. Embora os tas para ser iniciado. Com isso, além de sobreviver a condições
oósporos não representem a única forma de sobrevivência dos adversas do ambiente, o fungo só germina na presença do hospe-
oomicetos, eles são as estruturas mais importantes na manutenção deiro, o que lhe garante maior sucesso na infecção. Para outras
do inóculo no solo, a longo prnzo. espécies, os escleródios podem genninar de maneira sucessiva,
Muitos dos patógenos veiculados pelo solo desenvolve- o que representa um aumento de sua capacidade de sobn:vivên-
ram uma estrutura especializada de resistência bastante eficiente cia. Isto ocorre para Rhizoctonia solam·, Boi•rytis cinerea, Botrytis
para sobreviver a condições adversas do ambiente. Trata-se convoluta, Claviceps purpurea e Sclerotinia sclerotiorum.
do cscleródio, que, como o próprio nome indica, é uma estru- Outra estrntura especializada de resistência presente em
tura dura, formada de agregados compactos de hifas somáticas. muitos fungos fitopatogênicos é o clamidósporo (figura 4.6). Este
Esta estrutura, de formato esférico ou irregular (Figura 4.5), esporo é constituído de uma única célula com citoplasma conden-
está presente em diferentes gêntiros de fungos tilopatogêoi- sado, devido ao acúmulo de reservas nutritivas, e espessa parede
cos, como Sclerotium, Sclerotinia, Mucrophomina, Vertic:illi11m, celular. De formato esférico ou oblongo, os damidósporos são for-
Rhizoctonia, Botryli.v e outros. Em muitos deles, como nas espé- mados nas hifas de maneira intercalar ou tenninal. Ocasionalmente
cies Macrophomina ph"seolina e Verticillíum dahliae, os cscle- eles podem ter origem cm conídios ou ascósporos. Para certas
48
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
- --
. ,Q:
_..:_:.~ =- _-
.
toide <la cebola e do alho, são as larvas de quarto estádio as prin-
cipais fonnas de sobrevivência da espécie.
Além das estruturas previamente mencionadas, existem
casos cm que conídios, apressórios, ascósporos, esporângios e
ri:lOmorfos aparecem como fonnas tle sobrevivência do inóculo.
A grande variabilidade de fungos fitopatogênicos reflete-se, tam-
- ~l~ bém, na grande variação de suas estruturas de resistência. Porém,
mais importante que a variação nas fonnas é a variabilidade no
tempo de sobrevivência de cada estrutura na ausência do hospe-
deiro. Infonnações deste tipo são valiosas, não apenas do ponto
de vista acadêmico mas, sobretudo, do ponto de vista prático,
com implicações diretas no controle de doenças. Quanto maior
a longevidade de uma estmtura na ausência de seu hospedeiro,
maior o período de rotação de cultura necessário para o controle
do patógeno. Estudos de longo prazo sobre o efeito da rotação de
_ _ . 4.6 - Tipos de genninnção de escleróúios (A) e fonnação de culturas no controle de patógenos veiculados pelo solo são unâni-
clamidósporos {B). mes no efeito benéfico dessa prática de manejo, que além de redu-
zir a incidência de doenças, também contribui para o aumento na
i=soe::: es de Fusarium, os clamidósporos representam a principal produção das culruras. No entanto, a rotação de culrlJras, isolada-
..x?ni de sobrevivência do fungo no solo. Enquanto hi fase coní- mente, não é capaz de erradicar patógenos polífagos habitantes
.::i- -,. .:leste fungo sofrem lise em consequência da ação de micror- do solo, e frequentemente, medidas adicionais devem ser toma-
p:=..;:nos do solo, os clamidósporos sobrevivem, permanecendo das para o controle eficiente das doenças por eles causadas. De
...._-.tnles por longos períodos de tempo na ausência do hospe- modo geral, a rotação de culturas mostra maior eficiência no con-
trole de patógenos foliares que sobrevivem cm restos culturais do
A sobrevivência de nematoides, na ausência do hospe- que no controle de pat6genos radiculares que sobrevivem graças
- é garantida em detenninadas fases do ciclo de· vida des- a estruturas de resistência.
5anismos. Não existe propriamente uma estrutu1-a especia-
4.1.2. Atividades Saprofíticas
_._ de resistência, mas uma adaptação de certas fas,es do ciclo
,da que pennite aos nematoides resistir a condições advcr- Em contraste com o sobrevivência passiva representada
do meio. A sobrevivência de espécies do ganero Meluidogyne pelas estruturas especializadas de resistência, muitos microrga-
..:sstm. garantida pelos ovos que podem apresentar dormência nismos podem sobreviver na ausência de seu hospedeiro com
49
Manual de Fitopatologia
metabolismo ativo. Alguns são capazes de colonizar restos de culturais de trigo, que Puccinia graminis f. sp. trifiei sobrevive à
cultura e outros, menos frequentes, conseguem sobreviver com a ausência do hospedeiro no inverno rigoroso do Norte dos E.U.A.
utilização de nutrientes da solução do solo. Há numerosos relatos e da Europa. Na primavera, teliósporos sofrem meiose, produ·
de patógenos capazes de sobreviver sobre restos culturais, den• zindo os basidiósporos, em sincronia com a brotação de Berberis
tre os quais estão patógenos causadores de podridões de órgãos vu/garis, o hospedeiro alternado no qual o patógeno completa seu
de reserva (Rhizopus, Pectobacterium), de podridões radicula- ciclo sexual. Ferrugens de plantas de regiões tropicais sobrevi•
res (Pythium, Phytophthora, Fusarium, Rhizoctonia), de mur• vem frequentemente na fonna uredinial associada ao hospedeiro
chas vasculares (Fusarium, Verticil/ium) e de manchas foliares principal. A sobrevivência de Hemileia vastatrix, agente causal
(Alternaria, Cercospora, Xanthomonas, Pseudomonas). A capa- da ferrugem do cafeeiro, é garantida por pústulas urediniais pre-
cidade de sobrevivência destes organismos depende do ambiente sentes nas folhas do hospedeiro. O mesmo ocorre para Puccinia
ao qual estão expostos e de sua habilidade competitiva na ausên• melanocephala e P. kuehnií, patógenos <la cana•de•açúcar. Nestas
eia do hospedeiro. A longevidade do inóculo varia, portanto, cm duas culturas tropicais, o tecido suscetível encontra•se disponível
função destes fatores, de poucos meses até vários anos. Práticas durante todo o ano, não havendo, portanto, descúntinui<la<le no
conservacionisias de solo, como o plantio direto sobre a palha, ciclo do hospedeiro. Mesmo em hospedeiros anuais, a sobrevi·
têm o inconveniente de manter a fonte de inóculo <los patógenos vência na forma de urediniósporos é comum cm ferrugens tro•
que sobrevivem em restos culturais no próprio campo. Para evitar picais. Para ess:is ferrugens, a sobrevivência se dá nas próprias
danos causados por esses patógenos, o plantio direto deve estar plantas doentes remanescentes de plantios antc.riores, conhecidas
sempre associado à rotação de culturas. Assim, durante o cultivo como plantas voluntárias ou tigueras (Figura 4.7). A eliminação
de uma determinada espécie, a palha da espécie aoteriom1ente das plantas voluntárias é, nesse caso, importante medida de con.
cultivada, com inóculo residual, irá sendo deteriorada até pratica- trole (para detalhes veja Capítulo 18).
mente desaparecer (para detalhes veja Capítulo 18).
O solo é um importante substrato parn bactérias. A bactéria
Ralstonia solanacearum, que infecta ao redor de 200 espécies de
plantas, tem elevada capacidade de sobrevivência no solo. Uma
vez instalada em uma região, esta bactéria toma-se um "resi-
dente pennanente'' do solo, ameaçando a implantação de nume-
rosas culturas. O mesmo ocorre coro Agrobac/erium tumefaciens,
agente causal da galha da coroa em diversas espécies de plantas
cultivadas. Em geral, o número de bactérias no solo é proporcio-
nal aos nutrientes que nele estão disponíveis. A nutrição parece
ser o principal fator limitante na reprodução destes organismos.
Certas regiões do solo como, por exemplo, a rizosfera de plantas
hospedeiras ou não hospedeiras favorece a atividade bacteriana.
Os gêneros Pseudomonas, Xanlhomonas e Agrobacterium são os
mais frequentemente encontrados neste ambiente. O desenvolvi•
mento populacional não apenas de bactérias, mas de microrganis•
mos em geral, é muito maior na rizosfera do que em solo adja•
cente a ela. Deste modo, a distribuição de microrganismos fito•
patogênicos vivendo às custas de nutrientes da solução do solo
Figura 4.7 Plamas voluntárias de soja em lavoura de milho.
também é heterogênea, concentrando.se preforencialmente na
Crédito da foto: Wanderlei D. Guerra.
região da rizosfera das plantas. Embora a microbiologia da rizos•
fera venha ganhando atenção de vários pesquisadores, ainda exis-
tem muitos pontos que pennanecem obscuros, principalmente cm A doença huanglongbiog (llLB), também conhecida como
relação à capacidade saprofitica de fitopatógenos. As interações greening, é a mais importante bacteriose dos eitros e depende Jo
biológicas neste ambiente, além das variações químicas e Cisicas hospedeiro vivo para seu desenvolvimento e sobrevivência. Os
que ocorrem no tempo e no espaço, dificultam a quantificação e o agentes causais da doença são bactérias transmitidas pelo psilí-
esclarecimento de fenômenos ligados à sobrevivência saprofitica deo Diaphorina citri, que invadem os elementos do floema, onde
dos patógenos no solo. permanecem durante todo o ciclo da cultura. Além dos citros,
essas bactérias também colonizam murta (Murraya paniculata),
4.1.3. Plantas Hospedeiras e Não Hospedeiras
espécie ornamental muito Lltilizada no Estado de São Paulo. A
Muitos agentes fitopatogênicos, notadamente aqueles conhe- interferência na fase de sobrevivência dessas bactérias, por meio
cidos como parasitas obrigatórios, não conseguem .sobreviver na da eliminação do inóculo inicial, é fundamental para o controle
ausência de seu hospedeiro. Eles dependem do hospedeiro vivo para da doença. Assim, a errndicação dos citros e da murta infectados
completar seu ciclo evolutivo e sua sobrevivência está associada à são as medidas de manejo preconizadas. Em Bebedouro, SP, a
presença de plantas doentes. Nesta situação encontram-se os fun- lei 42 19 de 19/ 10/2010 (Boxe 4.3), dispõe sobre a erradicação
gos causadores de ferrugens, oídios e míldios, algumas bactérias, da murta naquele município, em razão dos riscos da manutenção
como as que causam o Huanglongbing dos citros, além de vírus, dessa espécie à citricultura. Muito embora essa medida de con·
fitoplasmas, espiroplasmas e viroídes. Patógenos causadores de trole contribua para a redução da sobrevivência das bactérias cau•
ferrugens, de modo geral, sobrevivem na forma de teliósporos dor- sadoras da do~nça, o manejo do HLB não dispensa controle do
mentes. É assim, na forma de pústulas teliais presentes·em restos vetor e eliminação de plantas de citros sintomáticas.
50
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
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Manual de Fitopatologia
r:~~o
drados como formas de sobrevivência do inóculo, restando-lhes ape- Transporte
nas o papel de agentes de disseminação. Para mais detalhes sobre
relações vírus-vetor, consulte o Capírulo 10.
, Deposição
4.2. DISSEMíNAÇÃO
A disseminação é o processo responsável pelo incremento
da doença num campo de cultivo tanto em escala temporal
quanto espacial. Disseminação envolve três subproeessos (Hirst
& Scheín, 1965): liberação, dispersão e deposição do patógeno
(Figura 4.9); liberação é definida como a remoção do patógeno D
do local onde foi produzido; dispersão corresponde ao trans-
porte do patógeno a partir da liberação até sua deposição; depo-
sição, por sua vez, implica no assentamento do patógeno sobre
uma determinada superftcie. Todos os patógenos produzem um
grande número de propágulos, justamente porque muitos se per-
dem antes de chegar ao hospedeiro. Assim, dependendo da super-
ficie onde se deposite, a disseminação de patóge·nos pode ser ou
não ser bem sucedida. Nem todos os patógenos apresentam um Figura 4.10 Estratégias utilizadas por fungos para vencer acamada
processo típico de disseminação, com três fases (liberação, dis- estacionária do ar. Liberação por gravidade cm Gano-
persão e deposição) bem definidas. Algumas vezes, uma delas demia (A), ejeção em Sclemtinia (B) e exposição à
pode estar ausente como, por exemplo, no caso dos vírus dissemi- área de turbulência em Dreschlera (C) e Oidium (D).
nados através de enxertia, onde o homem funciona como agente A área delimitada pelas setas vem1elhas representa a
de disseminação. Nesta situação, o processo resume-se, simples- camada estacionária do ar. Setas pretas simbolizam a
mente, no transporte do patógeno, já que não existe liberação nem direção da liberação dos esporos.
deposição propriamente ditas. O tenno disseminação é, aliás, Fonte: Adaptada de Lucas (1998).
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Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
..1oeraçào é a ejeção de ascósporos em Venturia inaequalis, agente Liberação por impacto~ Esporos podem ser removidos
ca.isal da sarna da macieira. Os ascos maduros do fungo, quando de uma superfície caso esta se movimente com vibrações bruscas
Mi contato com a água, distendem-se, de modo que sua extremi- causadas pelo impacto de uma força mecà:nica que pode vir de
.a.:!e superior se alinhe ao ostíolo do pseudotécio. Os oito ascós- maquinários, animais, vento ou chuva. O vento representa uma
x rns de um mesmo asco são então projetados à atmosfera, um das principais forças mecânicas externas capazes de liberar esporos
...; ·,s o outro. O mecanismo de ejeção parece ser promovido por de fungos. O impacto do vento sobre as plantas, provocando sua
.:..:erenças de pressão osmótica entre o protoplasma do asco e o movimentação, funciona como um eficiente agente de liberação
- ~teúdo do vacúolo onde se encontram os ascósporos. Com a eje- de esporos. Muitos conídios, urediniósporos., teliósporos e mesmo
_:. . os ascósporos deixam o interior do pseudotécio, sendo lança- esporângios são liberados desta forma (Figura 4.13 ). Esporos são
: "ao ar a alguns milimetros de altura (Figura 4.11 ). Outro exem- ainda liberados do hospedeiro quando este for atingido por gotas
;i!o de liberação ativa de esporos ocorre. em patógenos da Ordem de chuva. A vibração das folhas atingidas pela chuva causa a libe-
:,='"Onosporales. Nesses patógenos, a liberação dos zoósporos ração do patógeno. A água propriamente dita não funciona, neste
·.:~rre às expensas de energia própria. Ainda no interior de espo- caso, como agente de liberação. É seu impaçto sobre a superfície
"'l.."'.g1os ou vesículas, os zoósporos apresentam vigorosa movimen- a causa da remoção dos esporos .
.__..io. suficiente para impulsioná-los para fora dos esporângios, via
, o lo. ou para romper a parede das vesículas (Figura 4.12). Uma
,:-.:. liberados, os zoósporos se deslocam graças ao movimento fia- vento -
~- ..r. sendo dispersos também de forma ativa.
e,
,._, ,_-:_®
~ Ascõsporo
~
~
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Manual de Fitopatologia
Gota de muito perto da fonte de inóculo. Apenas uma pequena fração será
Chuva transportada na presença de vento ou graças a pequenos redemoi-
ê ,,
nhos, frequentes na chamada camada de turbulência da atmos-
fera. Correntes de convecção também podem transportar estes
'
/ ~ 1 Ramo doente 1
tro do campo ou para campos vizinhos, enquanto que correntes de
GoCa~êgua
~,
.... 1
Frutlflcaçilo
do palDgeno
convecção são responsáveis pelo movimento a longas distâncias
(Figura 4.15).
~
conte.- prop(lljulos
E
\~
1 Ramo aadlo 1 o ~e-moção por chuva
o
o
.... 1 a 1.000 km
"'
o11)
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Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
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Manual de Fitopatologia
,'
tados sobre o solo. A deposição sobre hospedeiros pode ocorrer '
diretamente por gotas que tocam a superfície das plantas ou indi-
retamente, através de respingos que redistribuem os propáguJos Figura 4.18 - Definições de infecção de acordo com diversos
inicialmente depositados. autores. O conceito de infeção limitado aos subproc~ssos de
pré-penetração, penetração e estabelecimento de relações pa-
4.3. INFECÇÃO rasitárias estáveis, como adotado nesta obra é também utiliza-
do por Gaumann ( 1950), Hirst & Schcin ( 1965), Butt & Royle
Infecção é definida como o processo que tem início na pré-
( 1980). Lucas ( 1998) e Schumann & D' Arcy (2006). Conside-
penetração e termina com o estabelecimento de relações parasitá-
ram infecção todos os sub-processos, desde pré-penetração até
rias estáveis entre patógeno e hospedeiro. Esta definição, embora
colonização, Strobel & Mathre ( 1970) e Agrios ( 1988; 19Q7).
adotada por muitos autores, não é, infelizmente, consenso dentro Denominam infecção o processo de colonização Roberts &
da fitopatologia. O termo infecção aparece com diferentes senti- Boothroyd ( 1972), Gonzali:z ( 1976) e Trigiano et ai. (2004).
dos em muitos textos (Boxe 4.5), fato prejudicial ao desenvolvi-
mento da fitopatologia como ciência.
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Manual de Fitopatologia
Membrana do
Patógenos biotróticos - Fazem parte do grupo dos pató- ◄ ·•·· ···hauatório
genos biotróficos todos os vírus, viroides e fitoplasmas, algu- •• Parede Cio
mns bactérias, fungos causadores de ferrugens, carvões, oídios e hauatórlo
Matriz '
oomicetos causadores de míldios. Por se alimentar de tecido vivo, extra-hlluetorlal
ao invadir o hospedeiro, estes patógenos dewm causar o menor
dano possível. Na maior parte Jas vezes, eles entram em contato
íntimo com a célula hospedeira, retirando dela seu alimento sem. t
Parede da c.iui. Membrana plasmáUca Cltopln ma
no entanto, destruí-la. da plantai da planta
Vírus e viroides não se a limentam, no verdadeiro sentido
do tenno, de seu hospedeiro. A colonização por estas simples Figura 4.26 - Representação diagramática de um haustório no inte-
estruturas resume-se a dois processos: indução da célula hospe- rior da célula hospcdeir.i.. O citoplasma da hospedeira
deira para replicar a partícula virai e disseminação de novas par- realçado em Cin7.a e malrix extra-baustório, cm arul.
tículas virais dentro do hospedeiro. Uma célula infectada produ7
um grande número de partículas virais que migram para células Oomicetos causadores de míldios podem estabelecer uma
vizinhas, através de plasmodesmas. Estas novas ct:lulas infecta- rehu,:ão equilibrada com seu hospedeiro, mesmo na prescnç11
das são, então, transfom1adas em novas fontes de réplicas dos de abundante esporulação. Esporângios de Plasmopara viticola
vírus. Ao atingir os vasos do flocma, as partículas virais são rapi- (míldio da videira} são frequentemente produzidos sobre tecido
damente translocadas para células da rai;, e, em seguida ao meris- foliar verde, aparentemente sadio. O exame citológico desses
tema apical. O sítio de replicação, no interior da célula hosr,e- tecidos mostra acentuado desenvolvimento intercelular de hífas
dcira, é variável em função do vírus envolvido. Membrana cito- e grande número de haustório~. Nesta fase. a maioria das células
plasmática, mitocôndria, clornplasto, ribossomo, nucléolo e o colonizadas permanece viável e apenas parte do tecido do hospe-
próprio núcleo já foram relatados como sítios de replicação virai. deiro apresenta leve necrose. Nos fungos causadores de oídios,
Na célula infectada, estas organelas são desviadas de suas fun- especificamente no gênero Uidium, todo o processo de coloniza-
ções originais passando a "trabalhar" para a r,artícula virai. ção ocorre externamente ao hospedeiro. O micélio do patógeno
Fungos e oomicetos de comportamento biotrófico compre- desenvolve-se na superficie das folhas, emitindo os haustórios
endem as espécies causadoras de ferrugens, carvões. oídios e mil- unicamente para células da epidenne da planta (Figura 4.27). Já
62
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
Dependentes que são de tecido vivo, fungos e oomice- A percepção da densidade da população bacteriana,
:-mi,,itas biotróficos colonizam porções limitadas do hospe- denominada "quorum sensing" cm inglês é um
- ;iara rapidamente produzir suas estruturas reprodutivas. mecanismo de comunicação entre células !bacterianas
-=..,ecer por muito tempo retirando nutrientes das células segundo o qual determinadas característi,cas só são
:vspedeiro, sem se reproduzir, pode ser desvantajoso para expressas quando a densidade populacional é elevada.
------40 ou oomiceto, pois cedo ou tarde as células parasitadas Isso permite que as bactérias ajam de forma c,oordenada,
~ e,aurir. A produção de esporos cm curto espaço de tempo beneficiando cada individuo e aumentandos1uaschances
:an que aumentem as chances de novas infecções em partes de sobrevivência. Mecanismos de quor~1m sensing
:e:.- ;:.lo parasitadas do hospedeiro. envolvem troca de moléculas de baixa mass~1molecular
Patógeoos hemibiotró6cos - Comportamento tipicamente entre bactérias, que funcionam como sin alizadoras
DC::::·1otrófico tem sido observado em fungos do gênero Co f/e- da p opulação bacteriana. Quando o acúmulo desses
~ trum. como C. lindemuthianum, agente causal da antrac- sinais atinge um detcrm.inado limiar, ele 1passa a ser
:'6C do feijoeiro, C. graminicola, responsável pela antracnose recon hecido por toda a popuJação, que res1ponde com
;_;;a. do milho, e C. gloeosporioides, que causa a arytracnose da a ativação de determinados genes. Esse mec:anismo foi
::-.aba. Esses patógenos ingressam a planta como biotróficos, identificado na regulação de genes de adaptabilidade
-.:.::.:l0 seus nutrientes da célula hospedeira por meio de uma epifítica em Ralstonia solanncenrum, na produção
-=--::.ra especializada, semelhante ao haustório, denominada d e an tibióticos por E. carotovora, na expressão de
..,_ Após o estabelecimento das relações parasitárias fatores de patogenicidade em Xanthomonas campestris
- eis. o patógeno produz hifas secundárias, que passam a e na produção de exoenzimas em E. .carotovora,
- _zar as células adjacentes à infectada de forma necrotró- X. campestris e R. solanacearum (Bodman eit al., 2003).
"3tógenos mutantes que desenvolvem apenas a fase bio-
_.,_ não são capazes de induzir sintomas nas plantas, nem
..,,..:,<luzir determinadas enzimas, como pectinases. Nesses
~enos_ a bast genética responsável pela fase biotrófica
Fuogos do gênero Sc:lerotinia colonizam partes suculentas
~ daquela responsável pela fase necrotrófica (Dufresne et
_:!000). de plantas atuando também como patógeno tipic:amente necro-
trófico (Figura 4.28). A libenição de enzimas durante a invasão
Patõgenos necrotr óficos - Esses parasitas matam o hos- do m icélio na planta ocasiona o colapso celular e a desintegração
... antes de invadi-lo. Por não precisar manter contato de tecidos, redundando em podridões aquosas 110,s órgãos afeta-
o hospedeiro vivo, fungos e bactérias necrotróficos cvi- dos. Outro exemplo de patógeno necrotrófico pode ser dado pelos
-s problemas ocasionados pela reação <lo hos pedeiro à fungos causadores de podridões pós-colheita, cujos principais
__c;.,..io e à colonização. O desenvolvimento destes patógc- representantes são espécies dos gtlnt:ms Penici/lium, Aspergillus
: a invasão dos tecidos da planta ocorrem sempre pela ati- e Rhizopus.
:;.;..:x saprofitica, com retirada de nutrientes de células mor-
Organismos com este comportamento caracterizam-se por
~entar importaute atividade enzimática e mesmo ·toxico- A
- ~o processo de patogênese dos necrotróficos, quanti-
, ~xpressivas de enzimas extrncelulares são liberadas de
a causar a maceração de tecidos localizados dentro do
.:e ação do organismo. A bactéria Pecrobacterium atro-
< um (Erwinia carotovora subsp. atroseptica), ao coloni-
63
Manual de Fitopatologia
•
de palógenos que se distribuem pelo xilema de plantas.
Em contraposição à distribuição sistêmica, grande número
Je parasitas vegetais apresenta distribuição restrita às células ou
2
tecidos adjacentes ao ponto de penetração. Este tipo de distribui-
ção denomina-se distribuição localizada, ou ainda, colonização
localizada. Fungos causadores de ferrugens, por exemplo, colo-
nizam número reduzido de células ao redor da câmara subesto-
mática por onde penetraram. Rapidamente, eles produzem uma
pequena pústula na superficie do hospedeiro, onde são fonnadas
as cstrumras de reprodução. Outros há que são ainda mais res-
tritos. Spilocaea pomi, agente causal da sarna da macieira, colo-
,. niza, na sua fast1 parasitária, apenas parte da epiderme de folhas
e frutos, estabelecendo-se entre a cutícula e a epiderme daque-
Figura 4.29 - Represenl.llção diagramática da lranslocaçào (veloci- les órgãos. Embora os sintomas sejam bastante evidentes, a inva-
dade e direção) de fitoplasma em planta hospedeira. são em si é restrita à região subcuticular (Figura 4.31 ). Algumas
Fonte: Modifica<la de Wei et ai. (2004). bactérias causadoras de manchas angulares também apresentam
colonização do tipo localizada. Nestes casos, os feixes vasculares
Também são transportados pelos vasos muitos fungos e bac- parecem impedir a movimentação lateral da bactéria pelos espa-
térias. No entanto, estes organismos, em sua maioria, utilizam quase ços intercelulares do mesófilo foliar. Os sintomas externos apa-
que com exclusividade o xilema como via de transporte. Fungos dos recem como manchas bem delimitadas pelas nervuras da folha,
gêneros Fusarium (F oxysporom) e Verticillium (V, albo-atrum) e justificando o nome genérico de mancha angular.
64
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
500
í"cua 4.31 - Representação diagramática, cronol6gica, <los proces- 'ui'
sos de infecção (A), colonização (B) e reprodução (B) e
o
de Spilocaea pomi, agente causal da sarna da macieira. é 400
Q)
'E
Q) 300
-1.4.2. Duração da Coloniz11ção i
A duração da colonização, ou seja, do processo que tem iní- o
'O
n,:, estabelecimento de relações parasitárias estáveis e termina o 200
i:
- a reprodução do patógeno, é difícil de ser quantificada, em Q)
O período latente de um patógeno pode estar relacionado à resistência do hospedeiro. Quando em condições
Uloráveis de ambiente e sob pressão de raças agressivas do patógeno, diferentes variedades de uma espécie vegetal
podem ser classificadas em diferentes níveis de resistência, de acordo com a duração da latência do patógeno em
questão. Latência maior indica maior resistência da planta à colonização. Como consequência, menor número de
.:1dos do patógeno serão produzidos sobre aquela variedade particular e menor deverá ser a quantidade de doença
final da cultura. Experimentos utilizando latência para a determinação da resistência devem, no entanto, ser
.:riteriosos, já que este compone.nte monocíclico é muito variável em função do ambiente. Além de permanecer em
unbiente controlado, as plantas a serem comparadas devem estar no mesmo estádio de desenvolvimento. A idade da
iolha, por exemplo, pode influenciar a latência. A Tabela 4.2, reproduzida de Parlevliet (1979), mostra as variações do
rcnodo latente observadas em folhas de diferentes idades em quatro variedades de cevada. Embora em plantas jovens
folha 1) a diferença entre variedades seja pequena, o mesmo não acontece em plantas adultas (folha bandeira). A
resistência à colonização varia, portanto, de acordo com o tipo e com a idade da folha infectada.
Tabela 4,2 - Períodos latentes observados em quatro variedades de cevada inoculadas com o agente causal da forrugcm da folha
(Puccinia hordei), em vários estádios, relativos ao período latente observado na variedade L94 no estádio de plântula.
Folha númt·ro
<11/tfrar
I ,f í '1-im·em 'J- 1·ellw
L94 100 106 113 11 7 \09
Volla 104 113 122 142 135
Julia 110 125 141 182 166
Vada 123 140 157 233 201
r1N1te: Parlevliet (1979).
65
Manual de Fitopatologia
66
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro
67
Manual de Fitopatologia
Puccinia arachidis, Puccinia psidii e Uromyces appendiculatus, 13ergamin Filho, A.; Fegies, N.C.; Mendes. 8 .M.J. Difierent pattems of
agentes causais das ferrugens da soja, do amendoim, do eucalipto spore production during thc infectious period: a simulation srudy.
e do feijoeiro, respectivamente. O segundo padrão de esporula- Fifth lntcmational Workshop oa Epidemiology of Plant Diseases,
ção, apresentado por patógenos de clima temperado, mostra ape- Jerusalem, Proceedings. 1986.
nas um pico de esporulação, situado no início do período infec- llodman, S.B.von; Hauer. W.D.; Coplin, D.L. Quorum sensing in plant
cioso. São exemplos deste padrão os fungos Puccinia hordei, pathogenic bacteria. Annual Rcvie"' of Phytopathology 41 : 455-
P. recondita e Erysiphe graminis, agentes causais da ferrugem 41!2, 2003.
da cevada, da ferrugem da folha do trigo e do oídio do trigo, res- Rurt, D.J. & Roylc, D.J. Thc imponanceoftenns and definitions for a concep-
pectivamente. A consequência epidemiológica da existência Jestcs rually unified cpidemiology. ln Palti, J. & Krruu, J. (ed,), Compurative
dois padrões de esporulação pode ser avaliada através da taxa Epidemiology. A tool for Bertcr Diseasc Management. Wagcningen,
aparente de infecção (veja Capítulo 40). Bergamin Filho et ai. Pudoc, 1980. p.29-45.
(1986) mostraram, em um modelo de simulação, que a taxa apa-
Brustolin, R.; Reis, E. M.; Pedron, L. Longcvicy of Sderotiniu sclero-
rente de infecção, mantendo-se as outras variáveis constantes, é
tiomm sclerotia on the soil surfacc under ficld con<li!ions. Summa
consideravelmente mais elevada para o padrão de um só pico de
Phytopathologica 42: 172-174, 2016.
esporulação do que para o padrão intermitente de csporulnção.
Patógenos com padrão de esporulação de um só pico, por con- Bock, C.H.; Cook, A.Z.; Parker, P.E.; Gonwald. T.R.; Graham, UI.
centrarem a produção de seus esporos no início de seu período Short-distance dispersai of splashed bacleria of Xunlhomonas citri
infeccioso, as outras variáveis pcnnanccendo iguais, podem cau- subsp. citrl from canker-infected grapefruit tree canopies in rurbu-
sar epidemias consideravelmente mais explosivas do que aque- lent wind. Plant Pathology 61, 829-836, 2012.
les com picos intermitentes, com consequente produção de um Cohen, Y. & Rotem, J. Sporulation of foliar pathogens. ln Pegg, G.F. &
número maior de lesões e esporos. R haveria uma eÃplicnção Ayres, P.G (ed.). Fungai lnfection of Plants. Cambridge, Cambridge
razoável para isto? Sobrevivência parece ser a palavra chave. University Prcss, 1988. p.314-333.
Puccinia graminis f. sp. tritici, por exemplo, causa epidemias Cohen, Y. & Rotem. J. Thc relationship ofsporulation to photosynlhesis
explosivas porque, sendo explosiva, sua capacidade de sobrevi- in some obligatory and faculllltive parasites. Phytopathology 60:
vência aumenta. Não se pode esquecer que ela tem longos meses 1600-1604. 1970.
de inverno a vencer e que suas chances de sucesso são propor- Coley-Smith, J.R. & Cooke, R.C. Survival and germination of fungai
cionais ao número de esporos produzidos durante a estação de sclcrotia. Annual Revil'" of Phytopatholo2y 9: 65-92, 1971.
cultivo. Além disso, há pouco risco de o patógeno enfrentar uma
Coley-Smith, JK; Humphreys-Jones, D.R.; Gladders, P. Long-term
condição adversa durante o pico de esporulação, já que nas regi-
survival of sclerotia of Rhizoclonia 111/íparum. Plant Pathology 28:
ões temperadas, durante a estação de cultivo, as condições de
128-130. 1979.
clima são mais estáveis e mais favoráveis à infecção e à csporula-
ção do que nas regiões tropicais. Coley-Smith, JK; Parfilt, D.: Taylor, R.M.; Resse, R.A. Studies of dor-
Nos trópicos, o quadro é diferente. Uromyces appendi- mancy of sclerolia of Sc/em1i1un cepivarum. Plant Pathology 36:
culatus, agente causal da ferrugem do feijoeiro, por exemplo, 594-599, J91!7.
não precisa ser explosivo porque sua chance de sobrevivência éosié, J.; Jurkovié, D.; Vrandc~ié, K.: Kaufü, D. Survival of buricd
no inverno não é proporcional ao número de esporos produzi- Sclerolinia sclerolionim sclerotia in undisturbed soil. Helia 35: 73-7R,
dos na estação de cultivo. Primeiro, porque em muitos locais as 2012.
estações de cultivo se sobrepõem e segundo, porque, cm mui- Cubei.a, M.A. & Vilgalys, R. Population biology of lhe Rhizol·tunia so/ani
tos anos. inverno rigoroso não há. AJém disso, considerando-se complex. Pbytopathology 87: 480-484, 1997.
o fator climático, o fato <le esporular o máximo num só dia em Dickman, M.D. & Patil, S.S. Cutinasedeficicnt mutants ofCulletotrichum
regiões tropicais, com a falta de orvalho e a temperatura elevada gloem·porioides are nonpathogenic to papaya fruit. Physlolog:ical
demais sendo a regra, seria colocar em risco a própria sobrevi- and Molecular Phint Pathology 28: 235-242, 1986.
vência. Assim, Uromyces appendiculallls esporula por um perí-
Dillard, 11.R., Cobb, A.C. Survival of Col/e1atrichum corcodes in
odo de tempo prolongado, produzindo intermitentemente quanti-
infccted tomato tissue and in soil. Plant Dlseasc 82: 235-231!, 1998.
dade de esporos suficientes para garantir a dispersão da doença.
Dufresne, M.; Pcrfect, S.; Pellier, A.L.; Bailey, J.A.; Langin, T. A GAL4-
4.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA likc protein is involved in lhe switch betwcen biotrophic and necro-
trophk phascs ofthc infection proccss of Colletotrichum lindemuth-
Adams, P.13. & Ayers, W.A. Ecology of Sclerolinia species. Phytopa- ianum on common bean. Phtnt Cell 12: 1579-1589, 2000.
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doutoramento. Piracicaba. 1994. & Son, 1950.
68
CAPÍTULO
5
EPIDEMIOLOGIA DE
DOENÇAS DE PLANTAS
Armando Bergamín Filho, Lilian Amorim, Laetitia Willocquet e Serge Savary
ÍNDICE
5.2. Epidemiologia, Fitopatologia e Biologia ................ 72 5.5.2. Modelos simbólicos e o computador ............ 78
5.6. Um terceiro grupo epidemiológico......................... 79
5.3. Epidemias: o monociclo .......................................... 73
5.6.l. Conceitos básicos revisitados ........................ 80
5.4. Epidemias: o policiclo.............................................. 76 5.6.2. Modelando diferentes tipos de epidemia ..... 82
55. Modelando a epidemia .................................:·········· ?7 5.7. Bibliografia consultada ............................................ 83
M
uitas são as definições de epidemiologia que
aparecem na literatura. Nenhuma é tão simples hospedeiro
quanto à de Vanderplank ( 1963), para quem epi-
arnuologia é apenas "a ciência da doença em populações", e
a:nhuma é tão completa quanto à de Kranz (1974), para quem a
~iologia é "o estudo de populações de patógenos em popu-
a;õe,- de hospe.deiros e da doença resultante desta interação, sob
• llf(tuencia do ambiente e a interferência humana". Uma terceira
r71çào de epidemiologia de importância histórica é aquela pro-
-. :-.::i por Zadoks e Schein ( 1979): "epidemiologia é o estudo de
ambiente ambiente
ações de patógenos e de hospedeiros que leva a algo novo:
.-:iença. Esta pode ser considerado como uma rerceira classe
a pnpulaçào: a populaçã., de lesões ou de indivíduos doentes".
Todas enfatii.am ser a epidemiologia uma ciência de populações. A B
As populações impo11antes, para a epidemiologia, são aque-
~ hospedeiro, de um lado, e do patógeno, do outro. O con- Figura 5.1 - Representação da população do patógeno interagindo
.l.'.. de~tas duas populações leva a uma terceira, a população de com a população do hospedeiro, sob a influência do
~ ou de indivld uos doentes. O ambiente interfere no desen- ambiente (A - patossistema selvagem) e interferência
, unento das três populações, muitas vezes diferencialmente humana (B • patossistema agrícola). Desta interação
em contrapartida, as três populações também influenciam o resultará a população de lesões (doença), representada
.11IJb1ente, especialmente o microclima (Figura 5.1 A). Final- pela supcrficic do triângulo (A) ou superlicie da base
~te. o homem, cada vez mais, interage com todos os fatores do tetraedro (B).
;:[!\ ol, idos e, não raro, sofre os efeitos do rápido crescimento Fonte: Adaptada de Zadoks & Schein ( 1979).
71
Manual de Fitopatologia
~
microclima, tornar-se epidêmica e vir a afetar muitos indivíduos,
li 1
com grande intensidade, numa deterrninada área e num deter-
minado tempo. Este fenômeno é referido como sendo um surto
epidêmico de uma doença normalmente endêmica e, caso ocorra
periodicamente, é chamado de epidemia cíclica (Figura 5.3).
O termo mais recente, epidemia poliética (Figura 5.3),
Figura 5.2 - Infecção (int), remoção (rem), epidemia e endemia. aplica-se àquelas epidemias cujos inóculos iniciais acumulam-se
de ano para ano. Numerosos exemplos ocorrem com doenças de
Os tennos epidemia e endemia estão relacionados com o hospedeiros perenes ou com patógenos veiculados pelo solo.
balanço dos processos antagônicos infecção e remoção (Figura 5.2).
5.2. EPIDEMIOLOGIA, FITOPATOLOGIA E BIOLOGIA
O primeiro• deles, epidemia, refere-se a um aumento da doença
numa população de plantas em intensidade e/on extensão, isto é, Qual a posição da epidemiologia dentro do contexto das
um aumenlto na incidência-severidade e/ou um aumento na área ciências biológicas? Uma das abordagens apropriadas para res-
geográfica ocupada pela doença. Os tem1os epidemia explosiva e ponder a esta pergunta é a idéia de níveis d.e organização (Figura
epidemia tardívaga (Figura 5.3), segundo Giiurnann ( l 950), são 5.4). A epidemiologia, como já discutido no item anterior, é
usados cas,o o aumento em intensidade seja rápido ou lento, res- uma ciência que opera ao nível de população, especificamente
pectivamente. Este mesmo autor deu o nome de epidemia pro- as populações do patógeno e do hospedeiro. O contato dessas
gressiva àquelas epidemias que se caracterizam por um aumento populações leva ao aparecimento de uma terceira: a população
em extensiio e pandemia àquelas epidemias progressivas que de lesões ou de indivíduos doentes. Um exemplo de estudo nesse
ocupam uma área extremamente grande, de tamanho quase con- nível de organização é a quantificação periódica da severidade de
tinental. Ajpesar da definição de epidemia considerar somente o doença num determinado campo, seja para comparar níveis de
aumento da intensidade da doença, a epidemiologia - ciência das resistência entre variedades, seja para avaliar a eficiência de dife-
epidemias - estuda não somente doenças que aumentam como rentes fungicidas, por exemplo.
doenças que diminuem, seja em intensidade, seja em extensão. Já Entretanto, a epidemiologia não trata somente de popu-
o termo enidemia (Figura 5.3), além de ter uma conotação geo- lações: para conhecer com detalhe o que acontece nesse nível,
gráfica, sendo sinônimo de doença sempre presente numa deter- é necessário descer um degrau e estudar o comportamento dos
minada área e caracterizar-se por não estar em expansão, também indivíduos. O número de esporos produzidos por lesão, numa
implica num balanço próximo de neutro entre os processos de determinada variedade e numa determinada temperatura, é um
infecção e remoção (Figura 5.2) qnando se considera um período exemplo de estudo ao nível de indivíduo que ajuda a compreensão
72
Epidemiologia de Doenças de Plantas
Ecosfera
Biosfera
Ecossistema
Comunidade tD
n
População EPIDEMIOLOGIA 2.
0
Individuo O'Q
órgão ;r
Tecido
Célula
Organela
Molécula
Figura 5,5 - A epidemiologia no cruzamento da fitopatologia com a
i"clin 5.4 - Hierarquia dos níveis de organização em biologia e a ecologia.
área de interesse maior da epidemiologia. Fonte: Modificada de Zadoks & Schein ( 1980).
oc- falos que acontecem ao nível de população. Mesmo informa- da lesão, sintoma típico da doença hipotética cm estudo. Todos os
..;t,e,.. obtidas ao nível de órgão ou tecido podem, ainda que mais eventos que ocorrem desde o primeiro contato entre o patógeno e
7:3.-nente. contribuir para que se tenha uma visão holística do o hospedeiro até a morte da lesão constituem o ciclo de infecção. O
;pe acontece no campo. A determinação de diferentes graus de processo monociclico, que se completa dcnlTo do lapso de tempo
li:liectibilidade exibidos por diferentes tipos ou idades de folha de de um único ciclo de infecção, é o assunto deste item. O processo
c i mesmo hospedeiro é um bom exemplo. policiclico, que envolve vários ciclos superpostos de infecção,
A-lgumas vezes, ao contrário, para se ter uma visão clara será o assunto do próximo item.
_ '113 epidemia, é conveniente subir um nível e estudar aspcc- Não existem regras consistentes pare definir os elemen-
.:., comunidade, para entender o comportamento de um deter- tos de um ciclo de infecção; aqueles que são ou não incluídos
->-10 sistema patógeno-hospcdeiro. O aumento ou diminuição dependem, principalmente, da visão conceituai que o pesquisa-
~ ~a detenninada doença, por exemplo, pode ser função de dor tem do sistema em estudo e de seus objetivos e, em menor
= :as populações interagindo numa área, como populações de grau, da disponibilidade ou da dificuldade de obtenção de dados.
;:;.":rentes insetos, de diferentes plantas daninhas ou, inclusive, Considere-se, como exemplo, o caso de uma ferrugem: esporos são
;i: .:-.mos patógenos. produzidos em pústulas, levados pelo vento e podem ser deposita-
Em conclusão, a epidemiologia, que em essência é uma dos sobre o hospedeiro, onde germinarão, penetrarão, colonizarão
:;,:n-:-ia de populações, não prescinde de estudos realizados nos e formarão novas lesões, com mais esporos (Figura 5.6A). Esta é
- _ , de organização superiores e inferiores. Estudos epidemio- uma visão bastante simplificada do ciclo de infecção. A Figura
~~.:os deveriam, inclusive, enfatizar o nível de comunidade e S.6B já apresenta um quadro mais detalhista, com ênfase nas
~ .->bar, também, aspectos poliéticos, isto é, o desenvolvimento diversas etapas de formação do apressório e do "peg" de pene-
z eoidcmias de ano para ano. Pode-se dizer que a epiuemiolo- tração, etapas estas ignoradas no exemplo anterior. Finalmente, a
- e uma ciência que está no cruzamento da fitopatologia, que é Figura 5.7 apresenta uma visão geral, quase completa, de todo o
,... ,c,almente prática, voltada para a resolução de problemas, ciclo, mostrando que cada elemento constitui-se num elo de uma
ülCl a ecologia, esta uma ciência essencialmente teórica. voltada corrente maior, corrente que se confunde com o próprio ciclo de
mm a eonceitos e princípios (Figura 5.5). infecção.
O início da epidemiologia como ciência ocorreu em 1963, Até aqui, o ciclo de infeeção tem sido caracterizado ape-
_ - a publicação do livro "Plant Diseases: Epidemies and Con- nas por meio de seus elementos. Doença, porém, envolve proces-
,. . de autoria de J.E. Vanderplank. Antes disso, merecem ser sos; processos, por sua vez, envolvem taxas de mudança; taxas
~os os trabalhos de Gaumann (1950), Large (1952) e do pró- de mudança envolvem tempo. A inclusão do fator tempo no ciclo
:..- \'anderplank (1960). Mas foi o livro de 1963 que, verdadeira- de infecção permite a definição de diversos períodos de inte-
-..eue. modificou a maneira de analisar epidemias de doenças de resse epidemiológico: período de incubação, período latente e
:as. Somente após onze anos publicou-se uma nova obra sobre período infeccioso (Figura 5.8). Período de incubação pode ser
_,,unto (Kranz, 1974) que, absorvendo o tratamento holístico de definido como o período de tempo decorrido entre a deposição do
Jerplank, deu novo impulso e abriu novos horizontes para essa patógeno na superficie do hospedeiro e o aparecimento dos pri-
~eia. A partir daí, com a estrada já pavimentada e os novos con- meiros sintomas; período latente, como período de tempo decor-
.:::iws assimilados, os livros se multiplicaram. O próprio Vander- rido entre a deposição do patógeno na supcdicie do hospedeiro
,ia.~ continuou a escrever~ a ampliar suas teorias (Tabela 5.1 ). e o aparecimento dos primeiros sinais (estruturas reprodutivas);
período infeccioso representa o período de tempo em qutl uma
.(J_ EPIDEMIAS: O MONOCl CLO lesão permanece produzindo estruturas reprodutivas. A duração
Didaticamente, pode-se considerar a doença como a inte- cios dois últimos períodos tem granue imponância no desenvol-
n,.--ão de uma única planta com uma única unidade infcctiva do vimento de epidemias, já que influenciam sua velocidade e/ou
xogeno. O resultado final dessa interação será o aparecimento duração.
73
Manual de Fitopatologia
Tabela 5.J - O desenvolvimento da epidemiologia quantificado pelo número de livros publicados de 1963 a 2017.
\110 ,\utnr Título
• 1978 Horsfall & Cowling Plan1 disease on advanced treotise. How dísease develops in popululiuns
• 1980 Palti & Kranz Comparutive epídemiology. A too/for better disease munagement
• 1996 Bergamin & Amorim Doenças de plantas tropicais: epidemiologia e controle econômico
74
Epidem io/ogía de Doenças de Plantas
1 8
!I
A B
_ .. r-3 5.6 - Diferentes representações de um ciclo de infecção. (A) ciclo de infecção de urna ferrugem: 1. formação de esporos; 2. liberação; 3.
germinação; 4. penetração; 5. coloni7.ação. (B) fases do ciclo de infecção de P11cci11ia: O. uredini6sporo não germinado; 1. início
do processo germinativo; 2. urediniósporo gem1inado (tubo germinativo maior que o menor diâmetro do esporo); 3. formação
do aprcssório; 4. aprcssório fonnado; 5. fom1ação do peg de penetração; 6. peg de penetração formado; 7. veslcula subestomatal
formada; 8. fonnação de hifa a partir da V!~sícula; 9. colônia estabelecida e em crescimento; 1O. vista geral da penetração através
Jo estômato.
~= t A) Tcng & Zadoks (1980), (B) Zadoks & Schcin (1979).
,g • Dispersão
"" • Deposição
.5! tJ
.
I
,Q
u ::s Germinação 0
e: u 10
~
~
.s .• Tubo germinativo u ""
~ Apressário ~
-t .s
.g .g • Penetração
·ºe: • Colonização
·ºe:~ ~
Q, Formação da lesão
Q,
0
"' .• Esporulação
Maturação dos esporos
·~e • Liberação
,5
.g
·ºe:
~
Q,
• Morte da lesão
75
Manual de Fitopatolog;.a
5.4. EPIDEMIAS: O POLICICLO novas plantas doentes durante o ciclo da cultura. Um exemplo
Ciclo de infecção, como discutido no item anterior, é um de doença de juros simples é a murcha do tomateiro, causada por
processo recorrente, capaz de se repetir inúmeras vezes. A epi- Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici, que coloniza o interior do
demia, ou o policiclo, por sua vez, constitui-se na superposição xilema das plantas infectadas. O inóculo está confinado ao inte-
de ciclos de infecção, dando origem ao que Gãumaoo ( 1950) rior da planta e ali permanece até a morte e início de decomposi-
chamou de cadeia de infecção (Figura 5.9). Cadeia de infecção ção dos tecidos do hospedeiro. Os esporos produzidos no interior
caracteriza-se, portanto, pela ocorrência de diversos ciclos de da planta serão expostos apenas ao final do ciclo da cultura, nos
infecção do patógeno durante um único ciclo de cultivo do hos- restos culturais em decomposição. Dessa forma, nas doenças de
pedeiro. Doenças que exibem esta caractcristica foram chamadas juros simples, as plantas doentes não produzem inóculo capaz de
por Vanderplank (1 963) de doenças de juros compostos. Nesse gerar outras plantas doentes no mesmo ciclo da cultura. O cres-
grupo, plantas infectadas no início de seu ciclo servirão de fonte cimento da doença em um ciclo do hospedeiro assemelha-se ao
de inóculo do patógeno para posteriores infecções no mesmo crescimento de capital aplicado em um investimento que renda a
ciclo. Nem todas as doenças, porém, comportam-se assim. Con- juros simples, ou seja, os juros ganhos não rendem novos juros.
sidere, como exemplo, as murchas vasculares causadas por Fusa- O aumento do número de plantas doentes durante o ciclo da cul-
rium oxyspon1m e Verticillium spp. ou as podridões causadas por tura ocorre pela gradativa infecção de raízes que vão ao encontro
Sc/erotinia sclerotiorom. Nesses casos, o patógeno só completa do inóculo original, neste caso clamidósporos, previamente exis-
um ciclo de infecção durante o ciclo de cultivo do hospedeiro, tente no solo.
de tal modo que plantas infectadas no inicio do ciclo da cultura A velocidade com que a doença aumenta nas curvas de pro-
não servirão de fonte de inóculo para infecções futuras dentro gresso de doenças de juros compostos é proporcional à própria
do mesmo ciclo. A este grnpo, Vandcrplank ( 1963) deu o nome quantidade de doença em cada instante. Assim, se uma lesão der
de doenças de juros simples. Quanto à cadeia de infecção típica origem a l O lesões, 1O lesões darão origem a 100. 1OU a l.000,
destas doenças, o nome paradoxal de cadeia de um só elo pode 1.000 a 10.000 e assim por diante. Este tipo de crescimento é
ser empregado. expresso matematicamente através da equação diferencial
dy / dt = ,y (5.1)
onde dy/dt é a velocidade de aumento da doença,y, a quantidade de
doença e r. a taxa de infecção. A integração de 5. 1 leva a
...,.e y =y0 exp(rt) (5.2)
41
o
"CI
li onde y 0 é a quantidaJe de doença no tempo t0• A curva descrita
"CI
o pela equação 5.2 tem a forma típica de um J (Figura 5. 1OA) e é
""...
õ
conhecida como curva exponencial.
Q.
2 A velocidade com que a doença aumenta nas curvas de pro-
a. gresso de doenças de juros simples, por sua vez, é proporcional
ao inóculo original previamente existente. A quantidade de plan-
tas doentes (y) depende da frequência de infecções bem sucedidas
a partir do inóculo original presente no solo. Esse tipo de cresci-
mento é expresso matematicamente através da equação diferencial
esporulação dy I dt -= QR (5.3)
/
colonização
onde Q é a quantidade de inóculo previamente existente e R., a
taxa de infecção. O produto QR representa o número de infecções
monociclo dispersão bem sucedidas. Tanto Q quanto R são considerados constantes. A
\
penetração
J
deposição
integração de 5.3 resulta em
(5.4)
/
germinação onde y0 é a quantidade de doença no tempo /0 • A curva descrita
pela equação 5.4 é uma linha reta (Figura 5.IOA).
Figura 5.9 - Representação do ciclo de infecção (monociclo) e da Os modelos exponencial (equação 5.2, Figura 5.10A) e
cadeia de infecção (policiclo). linear (equação 5.4, Figura 5.1 OA) mostram certa discrepância com
as curvas de progresso das doenças observadas no campo. Quando
a quantidaJe de doença é baixa, os modelos ficam próximos da rea-
Um exemplo de doença de juros compostos é a ferrugem do lidade, mas à medida que a quantidade de doença aumenta a dife-
feijoeiro, cujo agente causal (Uromyces appendiculatus), em con- renço entre realidade e modelo se acentua. Os modelos exponencial
dições favoráveis, pode produzir uma geração a cada 12 dias. O e linear assumem que a quantidade de doença pode crescer até o
crescimento da doença, nesse caso, assemelha-se ao crescimento infinito. No entanto, nenhum processo biológico comporta-se desta
de capital aplicado em um investimento que renda juros compos- maneira, pois o crescimento dos seres vivos é limitado, entre outras
tos, onde os juros ganhos rendem novos juros. Nas doenças de causas, pela indisponibilidade de nutrientes. De maneira seme-
juros compostos, plantas doentes produzem inóculo para gerar lhante, as doenças de plantas não podem crescer infinitamente
76
Epidemiologia de Doenças de Plantas
!...li - Cunas de crescimento: (A) crescimento exponencial Modelos são representações simplificadas de um sistema.
circulo cheio) e linear (círculo vazio) da quantidade de Quanto simplificar e como simplificar dependem, dentre outros
doença; (B) crescimento logístico (círculo cheio) e mo- fatores, do objetivo que s,= espera alcançar com o moddo. Na cons-
,..,molecular (círculo vazio) da quantidade de doença. trução do modelo somente são considerados aqueles elementos
Diferenças entre modelos: (C) diferenças entre os mo- essenciais para qu1: o objetivo sej a alcançado, ignorando-se aque-
delos e,cponcncial (círculo cheio) e logístico (círculo les secundários. O objetivo deste item é didático. Espera-se ape-
\-azÍo); (D) diferenças entre os modelos linear (círculo nas compreender o funcionamento de uma epidemia. Em outras
cheio) e monomolecular (círculo vazio). palavras, espera-s,~ desvendar os mecanismos, caminhos e pro-
cessos que levam ao aparecimento, multiplicação e crescimento
de lesões (ou de plantas doentes). Nesse contexto, a quantifica-
~--c1do do hospedeiro é finito. Para corrigir os mode- ção das muitas relações complexas existentes entre, por exem-
• ai e linear pode-se adicionar um fator na equa- plo, os elementos do ciclo de infecção e fatores climáticos podem
c _.-:,ai capaz de redu.lir a velocidade de c rescimento ser ignorados. Ind() mais além, muitos dos próprios elementos do
proporcionalmente à diminuição da oferta de tecido ciclo de infecção podem também ser ignorados. Afinal, o objetivo
~"l.3Çào 5. 1 (juros compostos) pode, assim, ser nlte- é compreender corno funciona a epidemia e não prever com exa-
tidão como ela vai se comportar num dado ambiente. Objetivos
simples permitem o emprego de modelos simples.
dJ·1dt -=- ry(.1 - y) (5.5)
Examine a Figura 5.11 , originalmente proposta por Fegies
representa a quantidade de tecido sadio (y é sempre (1985). O conceilC> de s ítio de inf~ção é importante para enten-
em proporção de doença). A integração de 5.5 produz der o modelo proposto. A população do hospedeiro está repre-
sentada por um grande, mas finito, número de sítios de infccçl!o,
- <l - y)) = ln(y/( 1 - y 0)) + rt (5.6) todos com o mesmo tamanho. A dimensão física de um sitio de
b ~quência, o valor da taxar (chamada de tax a apa• infecção coincide, para algumas doenças, com a área da lesão
* illíecçio por Vanderplank, 1963) é calculado por causada pelo patógeno considerado no modelo. A caixa que con-
tém os sítios s adio1s na Figura 5.11 representa, antes do iníc io da
= 1l(ln(y /( 1 - y))- ln(y/ {l - yJ)) (5.7) epidemia, toda a população do hospedeiro. A epidemia tem iní-
- - descrita pela equação 5.6 tem a forma de S (Figura cio com a deposiç.il.o de um esporo de fora do sistema sobre um
• - -hecida pelo nome de curva logística e pode ser line- sítio sadio. Com a infecção que advém desse primeiro contato
--,·":lrmando-se a quantidade de doença (y) na ordenada patógeno-hospedeiro (pode-se ignorar oe~1e contexto a maioria
- r ~ ( 1 - y)). O valor de ln(y /( 1 y)) é conhecido pelo
dos elementos do ciclo de inl~cção), o sítio que era sadio toma-se
~to de y. O modelo logístico apresenta valores simi- doente ou, mais precisamente, latente. Os eventos que ocorrem
celo exponencial para baixas quantidades de doença durante a colonização, aparecimento de sintomas, etc., também
-........--ieme 5% ou 0,05 de proporção de doença). As diferen- são ignorados no modelo. A próxima etapa importante ocorre
- c-.'i."ntes à medida que y aproxima-se de 1 (Figura 5.1OC). depois de completado o período latente (quatro dias no modelo).
mesmo raciocínio, a equação 5.3 (juros simples) pode Note que durante t!sses quatro dias a epidemia não progrediu. A
c:-...::.l para
quantidade de sítios doentes (latentes, no caso) manteve-se cons-
tante em um. No quinto dia, porém, o sítio doente deixa de ser
dy I dt = QR(J -y) (5.8) latente e passa a ser infeccioso, permanecendo como tal, segundo
77
Manual de Fitopatologia
sítios sadios
Este rápido exercício (veja também Boxes 5.1 e 5.2), base-
ado no simples modelo analógico de Fegies, já permíte algumas
generalizações úteis. Primeiro, os computadores são ferramentas
de grande valia em simulação, embora não contribuam decisi-
vamente na elaboração do modelo conceituai, tarefa exclusiva
do pesquisador. Segundo, é intuitivo perceber a importância de
alguns parâmetros no desenvolvimento da epidemia. Considere
o período latente. Como comportar-se-ia uma variedade do hos-
pedeiro que, por ser mais resistente, tivesse seu período Intente
sítios infecciosos
aumentado de 4 para 8 dias? A quantificação deste efeito, e dos
efeitos de alterações em todos os outros parâmetros que gover-
nam a epidemia, pode ser facilmente calculada. Terceiro, a curva
de progresso da epidemia (número de sítios doentes em função do
tempo) tem leis próprias que controlam seu crescimento. Essas
leis, frutos da própria estrutura <la epidemia, não são alteradas no
essencial, mesmo que o valor dos parâmetros se altere, de doença
para doença. Quarto, uma epidemia compona sempre quatro tipos
de tecido (sítio): aquele que foi infectado mas ainda não pro-
via horária de infecção
duz esporos (tecido latente), aquele que está produzindo espo-
ros (tecido infeccioso), aquele que já produziu esporos (tecido
removido) e aquele que ainda não foi infectado (tecido sadio). A
Figura S.ll - M0tdelo conceituai analógico de uma epidemia. A
soma dos 1rês primeiros representa o tecido doente da epidemia.
população do hospedeiro, antes do início da epidemia,
está representada por um número finito de sítios de 5.5.2. Modelos Simbólicos e o Computador
iofücção contidos na caixa de sítios sadios. A epidemia
tem início com a infecção causada por um esporo ex- Com base no modelo analógico da Figura 5.11, é possível
temo ao sistema. Cada compartimento dentro de sítios construir um modelo simbólico matemático, este mais apropriado
lat<!ntes e infecciosos representa um dia. Para detalhes, para expressar, sem ambiguidade, as propriedades fundamentais
ver· texto. de sistemas complexos (Boxe 5.2).
Fonte: Fegies (1985). O modelo de Carnargo & Bergamin Filho ( J 988) (Tabela 5.3)
será usado para, resumidamente, demonstrar o poder dos modelos
simbólicos matemáticos. Os resultados obtidos com as diversas
o modelo, por mais quatro dias. Durante esse periodo. definido simulações feitas são altamente reveladores a respeito do modus
como período iiníeccioso, o sítio, diariamente, produz esporos. operandi de uma epidemia. Um período latente (p) de quatro dias
Grande parte deles é perdida durante as várias etapas compre- e um período infeccioso (i) de um dia produ:Gem uma curva de
endidas entre su:a produção e novas infecções. A torneira siniada severidade de doença (aqui ddinida como a soma dos sítios laten-
logo abaixo dos sítios infecciosos representa essa perda. Alguns tes, infecciosos e removidos) cm escada, onde cada degrau repre-
poucos, porém, seguem pela tubulação e vão causar novas infec- senta um múltiplo do número de esporos efetivos diários (Rc).
ções. Para o prosseguimento do exemplo, suponha que apenas Como i = I, sítios infecciosos estão presentes somente um dia a
dois esporos por dia de período infeccioso serão capazes de pas- cada quatro e a curva de removidos segue à de severidade, defa-
sar pela torneira de esporos perdidos e seguir pela via horária, sada no tempo (Figura 5. 13A). A situação muda bastante com i = 2
causando novas infecções. Assim, a situação no quinto dia da (Figura 5. 138) e a curva de severidade transforma-se, de rígidos
epidemia mostra um sitio infeccioso no primeiro dia do período degraus, em suaves ondulações, que gradualmente vão desapare-
infeccioso e dois sítios que acabam <le ser infectados e encon- cendo com o tempo, em virtude da sobreposição de sítios infec-
tram-se no primeiro dia latente. No sexto dia vamos encontrar um ciosos. Digno de nota é que, neste caso, somente três períodos
sítio infeccioso no segundo dia, dois sítios latentes no segundo com sítios infecciosos inexistentes podem ser encontrados. Dife-
dia e dois sítioi; latentes no primeiro dia, estes originados dos rentes valores de p (Figura 5. l 3C) e de Rc (Figura 5.13D) alteram
dois novos esporos efetivos que puderam avançar pela via horá- a velocidade com que a epidemia se desenvolve, o primeiro com
ria de infecção. No sétimo dia, ainda continuamos com apenas peso maior que o segundo. Ao contrário do que o senso comum
um sítio infeccioso, agora no terceiro e penúltimo dia do período poderia supor, valores crescentes de i, após um certo limite, não
infeccioso, e dois sítios latentes em cada um dos três primeiros influenciam a velocidade de crescimento da epidemia (Boxe 5.3).
dias do período latente. A situação muda pouco no oitavo dia: A Figura 5. l 3E mostra que valores de i superiores a quatro pra-
o único sitio inlfeccioso produz seus últimos dois· esporos efeti- ticamente não têm efeito sobre a cinética epidêmica. O padrão
vos e os quatro compartimentos do período latente contêm, cada de esporulação durante o período infeccioso, por outro lado, tem
um, dois sítios latentes. O nono dia traz mudanças importantes: influência no de-Senvolvimento da epidemia. Neste contexto, a
nosso primeiro sítio doente deixa de contribuir para o cresci- esporulação concentrada no inicio do período infeccioso acar-
mento da epide11nia. Ao completar seu quano dia infeccioso, ele reta uma epidemia de maior velocidade de crescimento (Figura
cai no último compartimento, o companimento que acumula os 5.13F).
sítios removidllts da epidemia. Nem por isso, porém, o processo Modelos matemáticos, como os descritos neste item. sem-
vai parar: novoi; sítios infecciosos, vindos do quarto dia latente, pre fornecem um resultado preciso. Seria, porém, este resultado
encarregam-se de produzir mais esporos. preciso um bom resultado? Zadoks & Schein ( 1979) diferenciam
78
Epidemiologia de Doenças de Plantas
3Dae 5.1 Antes da chegada do computador... Boxe 5.2 Agora que o computador chegou ...
Com um pouco de método, não é difícil simular Tendo por base o modelo analógico (Figura 5.11)
ac.a epidemia. São necessários apenas lápis, papel descrito anteriormente, desenvolveu-se um modelo
:: acencão. Voltemos ao exemplo da Figura 5.11. As simbólico matemático, cujo "output" é semelhante
~ são claras: período latente = 4 dias, período àquele da Tabela 5.2 (ver Boxe 5.1 - "Antes da
·~doso = 4 dias, esporos efetivos = 2 por dia de chegada do computador..?'}. São "inputs" do modelo
?tllodo infeccioso. Considere também que a infecção os seguintes parâmetros: a) dias de simulação (N);
~ l>ltios sadios ocorre no mesmo dia em que os esporos b) período latente (PL); c) período infeccioso (IN);
wc, produzidos. Faça a simulação para 20 dias e não d) quantidade de tecido disponível ou número de
~ preocupe com a quantidade de sítios sadios: há um sítios sadios (H); e) produção de esporos efetivos no
~ero suficiente deles. A epidemia tem início com a dia (C(M)). Utilizando-se os valores de N = 20, PI,=
-•«cão de um sítio no dia 1. Confira seus resultados 4, IN = 4, H = l 000000 e C(M) = 2, que são os mesmos
os apresentados na Tabela 5.2. A Figura 5.12 considerados no Boxe 5.1, chega-se a resultados
2o1~tra graficamente o progresso da epidemia gerada idênticos aos da Tabela 5.2, para o número de sítios
!"do modelo através da evolução do número de sítios latentt:s, infocciosos, removidos e infectados totais
ectados nas escalas linear e logarítmica. (Tabela 5.3). Note que tanto cá como Já, a infecção de
sítios sadios ocorre no mesmo dia em que os esporos
são produzidos. Muitas das simulações mostradas
·200 8 neste capítulo podem ser feitas utilizando-se este
"'
• JOO
--+- dados nlo transformados
---- Logaritmo nenurel dos dados
7 e:
6
- simples modelo de uma epidemia (Camargo & Berga·
min Filho, 1988).
300 o"'
- 5 "'O
-
=
600 4
lll
....ás 16,---------
:e 400 3 .!:
2~
200 (/)
1
--H~. ..,.~~R:'.'.'!!".~-----.-- - + 0
4 8 12 16 20
Tempo (dias)
__
, s , , -.,..- - - - - - - - - ,
,--IIJ:ara 5.12 - Representação gráfica do aumento de sítios in-
fectados (latentes + infecciosos+ removidos)
em função de tempo. Note que a curva sem
--~
---e-- ~16
-+- Rc-1011.111
;;s,,.. de simuladores para demonstrar princípios gerais e o uso de -a- Ac=1A.161'
~ores para prever acuradamente o desenvolvimento de epi- ---+-~1111110
--- 11<"266.266
.c=-., no mundo real. Para o primeiro caso, sim, os simuladores
:me produzem bons resultados; para o segundo caso, no
pode-se dizer que ainda falta percorrer um longo cami-
a,: que os resultados precisos que o computador fornece pos-
- :;er- considerados bons resultados.
2 & 6 8 W H U ■ ■ ~ o 2 • 6 1 W H u ■ ■ ~
A epidemiologia de doenças de plantas considera, como Figura 5.13 - "Output" do modelo de Camargo & Bergamin Filho
.e-e-sentado neste capítulo, dois tipos de padrão epidemioló- ( 1988) para diferentes valores de parâmetros epide-
' primeiro envolve ciclos recorrentes de infecção como o miológicos. (A) p = 4 dias, i = 1 dia e Rc = 16/dia. (B)
- da epidemia e o segundo euvolve uma fonte de ioóculo p = 4, i = 2 e Rc = J 6. (C) efeito da variação de p para
gJ,ema seu progresso. Esses padrões têm servido de mol- i = 4 eRc = 16. (D) efeito da variação de Rc parap = 4
-=i .. ~nceitual para ambos, a teoria e a prática, inclusive no que e i = 4. (E) efeito da variação dei para p = 4 e Rc = 16.
re;'ere ao manejo de doenças. No entanto, como reconhecido (F) efeito da variação do números de esporos viáveis
"JCC.~rnente, um terceiro padrão, mais complexo, existe, o qual por dia de período infeccioso (Rc tob:11 = 16 para todos
lll!lbtna. simultaneamente, os ciclos recorrentes de infecção com os casos) para p = 4 e i = 6. Para detalhes, ver texto.
79
Manual de Fitopatologia
Tabela 5.2 - Número diário de sítios infectados (latentes, infecciosos, removidos e totais) considerando: período latente = 4 dias; período
infeccioso = 4 dias; esporos efetivos = 2 por dia de período infeccioso; tempo de simulação = 20 dias; a infecção de sítios sadios
ocorre no mesmo dia em que os esporos são produzidos; a epidemia tem início com a infecção de um sítio no dia 1 (para detalhes,
ver texto).
. Sítio, lall'lltl:', (dia,) Total Sítio, infcccio,o, (di:") Total Sítio, rotai
D1:1,
I" 2" J" ~" lalt•ntl' 1.. 2" -'º ~" inft·t·cio,o rl'mo, ido, dot•nll'
l o o o o o o o o o
2 o 1 o o o o o o o o
3 o o 1 o o o o o o o
4 o o o 1 o o o o o o
5 2 o o o 2 o o o 1 o 3
6 2 2 o o 4 o o o 1 o 5
7 2 2 2 o 6 o o 1 o o 7
8 2 2 2 2 8 o o o l o 9
9 4 2 2 2 10 2 o o o 2 13
10 8 4 2 2 16 2 2 o o 4 21
11 12 8 4 2 26 2 2 2 o 6 1 33
12 16 12 8 4 40 2 2 2 2 8 1 49
13 20 16 12 8 56 4 2 2 2 10 3 69
14 32 20 16 12 80 8 4 2 2 16 5 101
15 52 32 20 16 120 12 8 4 2 26 7 153
16 80 52 32 20 184 16 12 8 4 40 9 233
17 122 80 52 32 276 20 16 12 8 56 13 345
18 160 112 80 52 404 32 20 16 12 80 21 505
19 240 160 112 80 592 52 32 20 16 120 33 673
20 368 240 160 112 880 80 52 32 20 184 49 1.113
80
Epidemiologia de Doenças de Plantas
:::M..-\ = 20
"1:'- IDO LATENTE 368 240 160 112
-t.l IDO INFECCIOSO 80 52 32 20
RE.\1OVID0 = 49TOTALOOENTE= 1113 DISPONÍVEL= 998887
81
Manual de Fitopatologia
em que ocorrem as novas infecções secundárias de indivíduo para doença. Rodando um modelo de simulação baseado na equação
indivíduo." Uma abordagem teórica para epidemias nas quajs adis- 5.11 produz uma típica "curva J invertida", como descrito por
semmação primária ocorre por longos períodos de tempo foi pro- Vanderplank ( 1963).
posta por Brassett e Gilligan (1988), Gilligan e KJeczkowsk.i ( 1997), Outra abordagem (Figura S.15B) é considerar a taxa de
Gilligan (2002) e Madden et ai. (2007). Curvas de progresso da aumento da doença como função da quantidade de doença já pre-
doença nesse caso são menos características quando comparadas sente (Ndis [Nhost]) e da fração de tecido ainda sadio:
com curvas de progresso para doenças estritamente monocíclicas
ou policíclicas, mas seguem usnalmente uma dinâmica monomole-
RSI = RRSl*Ndis*( 1-(Ndis/(Ndis+Nhealthy))) (5.12)
cular (GilUgan 2002; Madden et al. 2007; Savary, 2014). Nesse caso, o resultado é um crescimento logístico e o
"motor" do progresso da doença não é um valor inicial fixo (P)
5.6.2. Modelando Diferentes Tipos de Epidemia
como na equação 5.11 , mas uma quantidade variável (crescente)
Modelagem epidemiológica é um grande e diverso campo de doença, Ndis. O modelo de simulação baseado na equação
de investigação. Uma primeira abordagem é considerar a taxa de 5. 12 produz uma típica "curva S", como descrito por Vandcrplank
aumento da doença como função somente do inóculo primário {1963).
e da quantidade de tecido sadio disponível num dado momento. Em mnitos casos, entretanto, pode-se assumir que ambos
Isso corresponde a um aumento m o nom olecular da doença os "motores" da epidemia - o inóculo prirnário P e a quantidade
(Figura 5.1 SA). Sob essa hipótese, a taxa (primária) de aumento existente de doença Ndis têm um papel a desempenhar. Assim,
da doença RPI é proporcional a uma taxa relativa de aumento da podemos considerar as equações 5. 11 e 5.12 simultaneamente, o
doença RRPI e à fração de indivíduos sadios: que nos dá duas taxas de infecção: uma tax.a primária de infecção
RPI = RRPl*P*(l-(Ndis/(Ndis+Nhealthy))) (5.11) {RPI, equação 5.11 ), associada ao inóculoi primário, e uma taxa
secundária de infecção (RSl, equação 5.12), associada à quanti-
Note que essa equação trata da taxa de aumento de indiví- dade atual de doença em cada momento.
duos doentes, ou seja, árvores doentes, plantas ou sítios individu- Brassett e Gilligan ( l 9RR) propus1mun a hipótese dual
ais de uma planta. para os inóculos primário e secundário numa mesma estrutura de
Um aumento monomolccular da doença (equação 5.11) modelo, que está representada na Figura S.15.C. Essa estmtura cm
assume que o inóculo primário P é o "motor" do crescimento da geral pode ser usada para explorar o comp,ortamento epiderruoló-
o
A
?. e
~
~
Nhtlllhy Ndis
I RPI
)
Nhealthy Ndis
RRPt 1
Nheallhy Nd,s
lJ
B RRSI
AASI
Figura 5.15- Diagramas de modelos de simulnção. (A) epidemia monomolecular (monocíclica): a taxa de aumento da doença (RPI) é pro-
porciooal à taxa relativa de infecção primária (RRPI) e à quantidade de inóculo primário (P; veja equação 5.11); (B) epidemia
logística (policlclica): a taxa de aumento da doença (RSJ) é proporcional à taxa relativa de infecção secundária (RRSI) e à
quantidade atual de doença (Ndis; veja equação 5.12); (C) modelo combinado com infecções primária e secundária ocorrendo
simultaneamente. Nhealthy refere-se à quantidade de tecido sadio disponível para a infecção.
82
Epidemiologia de Doenças de Plantas
~~ de qualquer doença que se caracterize por um papel impor- muito rápido. Com valores decrescentes de RRPI em relação a
ta::xe do
inóculo primário, em adição ao in6culo secundáirio. RRSI (Figura 5.16, curvas b e d), o aumento inicial da doença é
A estrutura do modelo da Figura 5. 15C corresponde a um reduzido, e a curva se assemelha mais a uma sigmoide. Quando
".3~elo muito flexível. Quando ambos RRPI e RRSI sfio simila- RRPI é aumentada em relação a RRSI (Figura 5.16, curvas c e
. Figura 5. 16, curva a), o progresso da doença é inicialmente e), a curva de progresso se aproxima da função monomolecular.
10000
8000
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--- . . - .. - .
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o
a ~ ',~, ...
1
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o 20 40 l50 80 100
ripra 5.16- Simulação numérica de um modelo misto (Figura 5.15C) com infecção dual (inóculo primário e quantidade atual acwnulada
de doença); azul: indivíduos sadios; vermelho: indivíduos doentes; (a) RRPI = 0,2 e RRSl = 0,2; (b) RRPl = O, 1 e RRSI = 0,2;
(c) RRPI = 0,2 e RRSI = 0,1; (d) RRPI = 0,0'.2. e RRSI = 0,2: (e) RRPI - 0,2 e RRSI xc = 0,02. Ordenada~: número de indivíduos;
abscissa: tempo.
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83
CAPÍTULO
6
GENÉTICA DA INTERAÇÃO
PATÓGENO-HOSPEDEIRO
Luis Eduardo Aranha Camargo
ÍNDICE
º
Plantas. é. na verdade. mais complexo. Lá, vimos que a doença
é uma característica hcrcditnria data de mais resulta da interação entre hospedeiro, patógeno e ambiente. Na
de 110 anos. Foi R.H. BifTen, em 190S, quem verdade, levando em conta que tanto patógeuos como hospedei-
rn relatou o modo de herança da resistência a Puccinia ros variam geneticamente, então a doença resulta da interclção
~ rmis, causadora da fcnugem amarela em trigo. O autor entre genótipos do hospedeiro com genótipos do patógeno, tudo
ameou que a progênie F2 resultante do cruzamento entre uma isto controlado por variações ambientais. Uma implicação prática
llllllagem resistente e outra suscetível segregava na proporção disto surge de pronto: quando se avalia a resistência, é neces-
3 plantas resistentes para uma suscetível, exatamente como sário conhecer o nível e a distribuição da variabilidade genética
pela primeira lei de Mendel que explica casos de carac- do patógeno. Parece simples dito desta maneira, mas este conhe-
~ governadas por apenas um gene dominante. cimento, que muitas vezes não está disponível para dado patos-
sistema, é o que garante o sucesso ou fracasso de um programa de
Anos mais tarde. H.H. Flor publicou uma série de artigos a
melhoramento. Basta tomar como exemplo a epidemia de Bipo-
;a-;.:- Je 1942 onde analisou a segregação da resistência em linho laris (Helminthosporium) maydis em milho discutida no Capí-
f=igo .\fefampsora fini. Diferente de Biffen, no entanto, Flor tulo 2 - Importância das doenças de plantas; o desconhecimeoto
e- ·, longe e, além de estudar o hospedeiro. estudou também o das bases genéticas da capacidade do fungo em causar doença foi
- ~º- chegando à conclusão que uma parte da variação obser- determinante para o desastre.
- ~ resistência entre plantas de uma espécie vegetal se deve Desd.: os trabalhos de Flor e especialmente nos duas últi-
:-;;u..-ões no patógeno. Outra pane. como discutido oo Capitulo 7, mas décadas, u, anços significativos levaram a um melhor enten-
e a condições ambientais. Os trabalhos de Flor foram resu- dimento de como os patógenos atacam as plantas e como estas se
:akb em uma teoria, discutida em mais detalhes adiante, conhe- defendem e o objetivo deste capítulo é apresentar um panorama
.:.a .:orno Teoria Gene-a-Gene. geral deste assunto.
85
Manual de Fitopatologia
6.2. RESISTÊNC IA DE PLANTAS A PATÓGENOS No caso de compostos tóxicos como as saponinas, alguns
patógenos produzem enzimas que os degradam, destox ificando
6.2.1. Resistência de Não-hospedeiro e de Hospedeiro
o nicho vegetal ocupado pelo microrganismo, possibilitando a
Em Fitopatologia, o ditado "na natureza, doença é a e.;cce- colonização do tecido. Saponinas são compostos produzidos em
ção e não a regra" explica-se pelo fato de existir um grande grande quantidade por várias espécies vegetais (o nome da família
número de fitop111ógenoc; na nature1:a, mas apenas urna peque- botânica Sapindaceae deriva do fato de suas espécies produzirem
níssima fração ser capaz de causar doença em uma dada espé- saponinas em abundância) que protegem a planta pnmanamente
cie. De fato, se considerarmos a estimativa que aponta para contra herbívoros, já que possuem gosto amargo. No entanto,
a existência de 1.000.000 de espécies de fitoparasitas (vírus saponinas também são tóxicas para alguns fungos, como Gaeu-
excluídos) e, por exemplo, consultarmos qualquer capítulo do mannomyces graminis, que infecta gramíneas. Este fungo ataca
segundo volume deste Manual referente a doenças das plantas as raízes do trigo (a doença se chama mal-do-pé), mas não atoca
cultivadas, notaremos que deste grande número de parasitas, aveia, pois trigo não produz uma saponina antifúngica denomi-
apenas uma mínima fração ataca determinada cultura a ponto de nada avenacina, mas a aveia sim. Mas esta não é uma verdade que
causar danos. A razão disto é que as plantas possuem resistên- se aplica a todos os indivíduos da espécie, pois existem variantes
cia à vasta maioria dos microrganismos. Em fitopatologia, este de G. graminis que são capazes de atacar tanto o trigo como a
termo é referido como imunidade e os mecanismos que garan- aveia, sendo denominados de G. graminis var. avenae. Eles dife-
tem esta condição são denominados de mecanismos de resistên- rem dos indivíduos que só atacam trigo (G. graminis var. trifiei),
cia de não-hospedeiro. Como se pode inferir, estes mecanis- pois produzem a avenacinase, uma en1ima capaz de modificar a
mos caracterizam-se por serem efetivos contra vários microrga- estrutura molecular <la avenacina produzida nas raízes da aveia,
nismos, incluídos ai até os não patógenos. São conservados do tomando-a menos tóxica.
ponto de vista evolutivo e incluem mecanismos estruturais, como Em s uma, uma vez q ue uma espécie de microrganismo
espessura da cutícula e controle do movimento dos estômatos, que consegue vencer as barreiras de resistência não-hospedeiro. ela
podem servir como barreiras tisicas aos microrganismos, e meca- se torna um patógeno <le Jetenninada espécie vegetal, que, por
nismos bioquímicos, como a produção <le compostos antimicrobia- sua vez, agora se toma hospedeira do patógcno, Porém, se inocu-
nos, como saponinas e compostos fenólicos. O Capítulo 35 trata larmos plantas geneticamente distintas de uma mesma espécie
cm maior profundidade dos vários mecanismos de defesa das hospedeira com um patógeno observaremos variação entre plan-
plantas. tas com relação â intensidade dos sintomas. Por exemplo, nota-
Se por um lado resistência é a regra, como explicar o fato remos plantas onde os sintomas estão completamente ausentes,
de que plantas ficam doentes? Obviamente, um pequeno número cm outras notaremos ainda pequenas pontuações de teciuo morto
de microrganismos desenvolveu mecanismos <le contra-ataque (necrose) ou lesões pequenas circundadas por um halo amare-
que permitem "quebrar" a resistência de não-hospedeiro e assim lecido (clorótico), mas onde o patógeno não se reproduz bem,
se tornaram fitopatógcnos. A vantagem em se tomar um'fitopató- e finalmente encontraremos plantas severamente atacadas com
geno está no fato de, do ponto de vista nutricional, a pla nta repre- lesões maiores e abundante reprodução do patógeno que, após
sentar um oásis para microrganismos, onde se encontram nutrien- certo tempo, acabam matanJo o tecido. Concluímos, portanto,
tes (sais minerais, açúcares e aminoácidos) e um abrigo contra que plantas de uma espécie hospedeira resistem aos patógenos
os rigores da natureza (variações cm temperatura e umidade, por cm maior ou menor grau. Esta resistência é chamada de resistên-
exemplo) e também contra outros microrganismos. Assim, do cia de hospedeiro e seu nível depende da constituição genética
ponto de vista adaptativo, desenvolver mecanismos que possibili- do indivíduo.
tam ocupar este nicho é vantajoso.
Como dito, a evolução de um microrganismo em um 6.2.2. Resistência de Hospedeiro: Qualitativa ou
patógeno exige o desenvolvimento de mecanismos capazes de Quantitativa?
"quebrar'' a resistência de não-hospedeiro. Assim, se por um lado Quando cruzamos uma planta resistente com uma suscetí-
as plantas possuem vários mecanismos de resistência, de igual vel e avaliamos a resistência de iodivíduos da progênie resultante
modo os agora fitopatógenos possuem vários mecanismos de do cruzamento, notamos um de dois tipos de resistência: qualita-
ataque (Capítulo 34), o que é a essência da Teoria de Flor mencio- tiva ou quantitativa. No primeiro caso, não se notam plantas com
nada adiante, ou seja, em nível gênico, genes de resistência do graus intennediários de resistência, isto é, ou elas não apresentam
hospedeiro são desafiados por genes de patogenicidade do pató- sintoma ou apresentam apenas lesões necróticas bem pequenas,
geno e vice-versa. No caso de barreiras tisicas que dificultam a ou elas mostram sintomas bem desenvolviJos. É a resistência
entrada do organismo como cutícula e estômato, por exemplo, conhecida como a do "tudo ou nada", onde a planta sem sintomas
patógenos podem vencê-las secretando enzimas que as degradam é chamada de resistente e a com sintomas, de suscetível. Devido
(cutinases) ou ainda toxinas (como a coronatina) que afetam os ao seu caráter discreto e de fácil reconhecimento, este tipo de
estômatos, deixando-os abertos para que o patógeno possa pene- resistência é chamado de resistência qualitativa. Já no segundo
trar. Cutinases são produzidas por várias espécies fúngicas, como caso, nota-se uma distribuição contínua de graus de resistência
Fusarium solaní, Magnaporthe grisea e Bohytis cinerea. Já a entre as plantas da progênie, indo de plantas altamente resistentes
coronatina foi descrita originalmente como uma toxina produzida até alramente suscetíveis. É a chamada resistência quantit11tlva,
por Pseudomonas syringae responsável pelo amarelecimento pois para diferenciar uma planta da outra em termos de sua resis-
das folhas. Mais recentemente, no entanto, descobriu-se que esta tência ao patógeno, é preciso quantificar os sintomas que cada
toxina, quando secretada pela bactéria no estômato, impede seu uma apresenta. Neste espectro, serão encontradas plantas alta-
fechamento, pennitindo a entrada de um grande número de bacté- mente resistentes, mcdionamentt resistente~ e pouco resistentes,
rias que, a partir daí, colonizam a planta. as quais chamamos de suscetíveis. Aqui llca claro que as delini-
86
Genética da Interação Patógeno-Hospedeiro
87
Manual de Fitopatologia
88
Genética da Interação Patógeno-Hospedeiro
Por isto, até hoje a teoria é ponto referencial, muito embora venha
sendo cada vez menos usada como modelo aos que se iniciam Estágios de variação em fitopatógenos:
nesta área. O objetivo desta seção é o de mostrar que a teoria está terminologia
na base do modelo "zig-zag".
Em uma extensa série de experimentos iniciados em 1942 O termo raça definido no texto é usado para
com o patossistema linho-Melampsora lini, Flor postulou a exis- design · variantes de uma espécie fitopatogênica que
tência de uma relação um-a-um entre genes de alaque e de defesa, causam doença em algumas cultivares de wna espé-
respectivamente no patógeno e no hospedeiro. Para chegar a esta cie de hospedeiro, mas não em outras. Em virologia,
conclusão, partiu de um procedimento experimental simples, o termo equivalente é "estirpe'~ Em qualquer caso, os
embora trabalhoso. Primeiro, o autor levou em conla que isolados termos se referem a especificidade em nível intraespe-
de l:1elampsora lini, um fungo pertencente ao grupo das ferrugens, cífico. P,or exemplo, temos que a raça. 1 de Podospha-
vanam com relação à capacidade de causar doença em cultivares era xanthii, agente causal de oídio do meloeiro, é viru-
de linho, a ponto de um isolado causar doença em uma cultivar, lenta na1, cultivares Hale 's Best Jumbo e Védrantais, mas
mas não em outra. Quando isto acontece, dizemos que os isolados avirulenta em Edisto47 e PMR45. A especificidade, no
pertencem a raças distintas (Boxe 6.3). Flor então realizou c =- entanto, pode se dar também em nível interespecífico
e, neste caso, usamos os termos forma specialis (abre-
mentos entre raças do patógeno e entre cultivares de linho e anali-
viatura: f. sp.; plural: Jormae speciales) em fungos ou
sou a segregação dos tipos de reações conforme Tabelas 6.1 e 6.2.
patovar (abreviatura: pv.) em bactérias. Como exem-
As raças 22 e 24 apresentam reações diferenciais nas cultivares
plo, temos Blumeria graminis, wn fungo biotró:fico que
Ottawa e Bombay, pois a primeira causa doença em Ottawa (dize-
causa o(dío em gramíneas. Dentro da espécie, nota-
mos que é virulenta em Ottawa), mas não em Bombay (dizemos
mos variantes que são patogênicas somente ao trigo,
que é avirulenta em Bombay) e vice-versa no caso da roça 24.
mas não a aveia. cevada ou centeio. Assim, estas varian•
Mais de 100 indivíduos resullantes do cruzamento entre eslas raças
tes são a,grupadas cm B. graminis f. sp. tritíci. Também
foram inoculados em Ott.awa e a proporção entre isolados virulen-
há as variantes específicas para aveia, agrupadas em
tos e a virulentos ficou muito próxima de 1:3, que é aquela esperada
B. graml:nís f. sp. avenae, e assim por diante. Um exem-
no caso da segregação monogênica segundo as Leis de. Mendel. plo em bactérias seria Psew:lomonas syringae pv. pisi,
Concluiu-se, portanto, que a virulência da raça 22 a Ottawa é
patogêniica a ervilha e P. syringae pv. syringae, pato-
~ontrolada por um único gene. De igual forma, outra centena de
gênicas a feijoeiro e ameixeira. Além de apresentar
isolados resultantes do cruzamento foi inoculada em Bombay, com patovare~, a especificidade tanto de B. graminis como
resultados semelhantes que levaram à conclusão que a virulência da de P. syringae vai além, e engloba também variação
raça 24 a Bombay também é controlada por um único gene (Tabela
em raças. Assim, por exemplo, alguns indivíduos de
6.1 ). Em seguida, Flor partiu para a análise genética da resistên- B. gramlnis f. sp. tritici só causam doen~a em determina-
cia do hospedeiro. Plantas de Bombay e Ottawa foram cruzadas das cultivares de trigo, como no caso de P. xanthii.
e a progênie F2 foi inoculada tanto com a raça 22 como com a
24. No primeiro caso, foram encontradas 153 plantas resistentes e
41 suscetíveis, uma proporção não estatisticamente diferente de Tabela 6.1 -- Reações de virulência(+) e de avirulência (·) das raças
3:1. O mesmo ocorreu. para a raça 24, para a qual 142 indivíduos 22 e 24 de /1,1/. lini e frequências observadas e esperadas
mostraram-se resistentes e 52 suscetíveis (Tabela 6.2). Concluiu-se, (1 :3) de indivíduos F2 virulentos e avirulentos nas cul-
portanto, que a resistência de Ottawa e Bombay respectivamente às tivares Ottawa e Bombay.
raças 22 e 24 também é controlada por um único gene. Ou seja, se
■
no patógeno a herança da virulência foi monogênica, pelo lado do Frcqu&ncia ele incli\ icluos F2
Ra\·a
hospedeiro a herança da resistência também o foi. Neste exem- --- uhsrn ada rsprr aú.1
plo, Flor se deparou com um caso de herança monogênica, mas em 22 2-1 . - -- - - - ----
\ rrulrnto, :1\ irukntns , i,·::n ir
outros cruzamentos, o número de genes envolvidos foi diferente.
Não obstante, em todos os casos o número de genes de resistência Ottawa + 32 101 33: 100
de uma cultivar a uma dada raça correspondeu ao mesmo número Ilombay + 28 105 33:100
de genes de virulência da raça à cultivar em questão. Flor concluiu,
portanto, que há uma relação um-a-um entre genes de resistência Fonte: Flor (1946).
do hospedeiro e de virulência no patógeno, resultando no enun-
ciado original de sua Teoria, segundo a qual cada gene de resis- Tabela 6.2 -- Reações de resistência (R) e de suscetibilidade (S) das
tência no hospedeiro encontra um gene complementar no pató- cultivares Ottawa e Bombay e frequências observadas
geno que lhe confere capacidade em causar doença. e esperadas (3:1) de indivíduos F2 resistentes e suscetí-
A teoria foi proposta na metade do século passado e a veis às raças 22 e 24 de M. lini.
formulação de uma explicação de suas bases moleculares teve . Frct111ílncia ele i11dh íduns F2
que aguardar vários anos (Figura 6.3). Hoje, podemos dizer de e u 1lnar
nb,cr, ada rsprr:rda
uma maneira simplificada que os genes de Flor correspondem ,1\\a Bomba, - - -- - -- - -
aos genes R envo.lvidos na fase de reconhecimento do patógeno . re,istentes suscctÍ\ eis rcs:susc.
e os do patógeno aos genes que codificam PAMPS ou efetores. 22 s R 153 41 145,5:48.S
Segundo a denominação de Flor, os genes do patógeno são deno-
minados de genes de avirulência, ou Avr, uma terminologia cm
24 R s 142 52 145,5:48,5
89
Manual de Fitopatologia
Hoipcdclro Hospcdciro
Patógeoo
,,;,~
- ===::::,-...
Avr
1!11
/)
l~ Resistfoda
\l~~=.;:::;
R avr
G r
Hospedeiro Hospedeiro
~a
Patógeno Patôgeao
avr R Avr
·G r
Figura 6.J - Segundo a interpretação em nível molecular da Teoria de Flor, produtos dos genes R reconhecem produtos de genes Avr (PAMPS/
MAMPS, efetores) e o resultado é urrua reação de resistência. Em casos onde não há genes R nemAvr correspondentes (na figura
representado pelas letras minúsculas r e avr) Lambém não hã reconhecimento e o resultado é uma reação de suscetibilidade. Há
ainda casos em que o patógeno possui o gene Avr mas o hospedeiro não possui o gene R e vice-versa, ou seja, o paLógeno não
apresenta o gene Avr mas o hospedeiro apresenta o gene R correspondente; neste casos, como não há reconhecimento o resultado
também será de suscetibilidade.
90
Genética da Interação Patógeno-Hospedeiro
91
Manual de Fitopatologia
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Figura 6.5 - Genótipos tolerantes podem ser identificados por apre- Poland, J.A.; Ualint-Kuni, P.J.; Wisser, R.J.; Pratt, R.C.; Nelson, RJ.
sentarem baixa redução na produção mesmo susten- Shadcs of gray: the world of quantitative disease resistancc. Trends
r.ando altas severidades de doença, como os indivíduos
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tolerantes são cultivadas tomam-se verdadeiros reservatórios pathogens: retrospectives and prospccts. Annual Review of Phyto-
de inóculo, que pode ser disseminado para cultivas vizinhos e pathology 51: 407-427, 2013.
comprometer a sanidade destes. Não obstante, há casos muito
bem-sucedidos de uso de tolerância em nosso país, como é o caso
do controle da tristeza dos citros, que se deu através da utilização
de combinações de copas com porta-enxertos tolerantes, como o
limão cravo (veja capítulo sobre doenças dos•citros no segundo
volume deste manual).
Segundo o conceito do triângulo da doença, para que esta
se desenvolva é necessária a coincidência de um hospedeiro
suscetível com um patógeno agressivo. A suscetihilidade e a
patogenicidade são governadas tanto pelo potencial genético das
partes como pelas suas condições fisiológicas, moduladas pelo
ambiente. Assim, a coincidência de condições críticas tanto ao
hospedeiro como ao patógeno é o fator que governa a magnitude
da doença. Algumas cultivares vegetais apresentam característi-
cas fisiológicas que resultam em um descompasso nesta coinci-
dência e conseguem, desta maneira, reduzir o impacto da doença.
É como se a planta "escapasse" do patógeno, daí o termo escape.
Algumas cultivares precoces de trigo, por exemplo, sustentam
menor quantidade de ferrugem em áreas onde a doença ocorre
tardiamente no ciclo da cultura. Outro exemplo é o caso de culti-
vares de cevada cujas 'flores não se abrem e, desta forma, não
são infectadas por esporos de Ustilago nuda f. sp. hordei, agente
causal do carvão, que coloniza os estigmas e ovário. A rigor,
não se trata de resistência do ponto de vista conceituai, pois
estas plantas são suscetíveis se inoculadas artificialmente mas
para efeito prático elas se comportam como resistentes. Assim,
alguns autores consideram o escape como um mecanismo de
resistência.
92
CAPÍTULO
7
AMBIENTE E DOENÇA
Ivan Paulo Bedendo, Lilian Amorim e Dirceu Mattos-Jr.
ÍNDICE
aparecimento e o desenvolvimento de uma doença de doenças. A partir do século 20, emergiram conceitos como o da
º
são resultantes da interação entre planta suscetível, predisposição de plantas a doenças devido a causas ambientais.
agente patogênico e ambiente favorável. Desses O conceito de predisposição baseia-se na alteração da susce-
três componentes, apenas o ambiente apre.senta alterações fre- tibilidade do hospedeiro, resultante da atuação de fatores externos.
quentes e importantes no decorrer do ciclo de uma cultura, pois Assim, a predisposição é caracterizada por uma condição de maior
a suscetibilidade do hospedeiro e a virulência/agressividade da ou menor suscetibilidade da planta ao patógeno, detenninada por
população patogênica pouco se alteram nesse curto período de fatores não genéticos, que atuam antes ou durante os processos de
tempo. É o ambiente, ponanto, que modula o desenvolvimento infecção e colonização.
das epidemias, podendo, inclusive, impedir sua ocorrência mesmo Os fatores do ambiente podem determinar o grau de predis-
quando hospedeiros suscetíveis e patógenos virulentos estão posição do hospedeiro, influenciando desde o estabelecimento da
presentes. Doenças altamente destrutivas podem passar desper- doença numa cultura até o desencadeamento da epidemia. Por
cebidas, sob condições desfavoráveis de ambiente. outro lado, estes fatores também podem ter efeito direto ou indi-
O papel dos fatores do ambiente sobre a ocorrência de reto sobre o patógeno, favorecendo ou desfavorecendo sua sobre-
doenças tem sido notado há mais de 2.000 anos. Theophrastus vivência e desenvolvimento, tanto no hospedeiro como fora dele.
(370-286 a.C.) já observava que os cereais plantados em locais Finalmente, a interação patógeno-hospcdeiro pode sofrer ação
mais altos estavam menos sujeitos ao ataque de patógeoos do que das condições ambientais, as quais podem detenninar maior ou
aqueles cultivados em terras baixas. No século 18 e na primeira menor grau de severidade da doença.
metade do século 19, fatores como nutrição, umidade do solo e do
ar, vento e outros passaram a ser considerados quando se estuda- 7.1. AÇÃO DE FATORES AMBIENTAIS SOBRE O
vam doenças economicamente importantes. Na segunda metade HOSPEDEIRO
do século 19, embora predominasse o enfoque sobre os agentes O desenvolvimento e a produção de uma espécie vegetal
causais de doenças, alguns estudiosos, como o alemão Sorauer, dependem do seu genótipo e do ambie.nte. Fatores associados ao
destacaram o papel do ambiente sobre a instalação e o progresso clima (umidade, temperatura, luz e vento), 11 atmosfera (poluen-
93
Manual de Fitopatologi.a
tivo e a produção destas plantas podem ser prejudicados, mesmo Em experimento conduzido p,or nove anos em
que o potencial genético para estes caracteres seja elevado. Bebedouro, na região Norte do Esta do de São Paulo,
árvores de laranjeira 'Natal' enxertadas em limoeiro
7.1.1. Umidade 'Cravo' que receberam irrigação para compensar a
A água do solo é a fonna de umidade mais atuante na pre- falta de chuvas em parte do inver1110 apresentaram
disposição de plantas ao ataque de agentes patogênicos. A dura- menor incidência de ramos sintoináticos e menor
ção e a intensidade do estresse hídrico, seja ele devido ao excesso quantidade de frutos com sintomas da CVC (Figura
ou à deficiência de água, podem ter efeito direto sobre a predis- 7.1 ). As diferenças na produção das plantas irrigadas
posição do hospedeiro. em comparação às não irrigadas foram significativas
O excesso de água e a inundação do solo diminuem a dispo- em praticamente todas as safras em que o experimento
nibilidade de oxigênio para as raízes, comprometendo seu desen- foi conduzido, demonstrando que parle dos danos
volvimento e, consequentemente, sua capacidade de absorção de provocados pela CVC pode ser e-vitada com bom
água e nutrientes. Como resultado, a planta pode tomar-se mais manejo hídrico das plantas.
suscetível ao ataque de patógenos. Podridões radiculares causa-
das por Pythium, Phytophrhora, Rhizoc/onia e Sclerotium, em
diversas espécies vegetais, são mais severas em solos encharca- 250 ■ Sem irrigação 2412 A
Com irrigação
dos, em parte devido à maior predisposição do hospedeiro a estes
patógenos. As podridões de raízes e ramos tenros, provocadas por 200
Pectobacterium, e as murchas, causadas por Ralstonia, também
150
são mais severas em solo com excesso de umidade. A água cm
excesso pode detenninar, ainda, algumas mudanças estruturais 100
nas folhas, como a redução da espessura da cutícula e imper-
feições no arranjo das células do tecido paliçádico, tomando as 50 40,5 42
folhas mais sensíveis à penetração de patógcnos. 20,1
A deficiência hídrica moderada, assim como a severa o
(seca), provoca alteração na disponibilidade de água e nutrientes Incidência de ramos Nº de frutos c/
para a planta, resultando em diferentes graus de subdesenvol- c/CVC sinto mas de CVC
vimento. Se o desenvolvimento do patógerio não for alterado,
basta que a planta apresente menor crescimento para que os
sintomas se expressem de forma mais intensa. Essa é uma das
hipóteses para explicar o aumento da severidade dos sintomas
de diversas doenças em plantas estressadas. Outra hipótese que
explicaria a predisposição a doenças de plantas com deficicncia
hídrica refere-se à redução significativa na produção de protclnas
em plantas estressadas, inclusive daquelas relacionadas à defesa
como quitinases e glucanases.
As podridões radicularcs de algodoeiro, feijoeiro, soja e
sorgo causadas por Macrophomina phaseolina, por exemplo,
manifestam-se de maneira severa somente quando o solo apre-
senta baixa umidade, em razão de alteração na resistência interna
das plantas. Períodos de seca comuns no inverno da região norte
do Estado de São Paulo são também responsáveis pela maior
severidade da clorose variegada dos citros, causada por Xyle/la
fastidiosa, em árvores de laranja doce (Boxe 7.1 ).
7.1.2. Temperatura
Figura 7.1 - lncidência (% de ramos com sintomas) e número
A ocorrência de temperaturas excessivamente altas ou de frutos com sintomas de CVC (0 < 50 mm) em
baixas durante o peóodo que antecede a infecção pode alterar plantas de laranjeira 'Natal' enxertadas em limo-
a suscetibilidade de plantas a doenças. Plantas de café, citros eiro ' Cravo' inoculadas com Xylella fastidiosa
e essências florestais que sofrem a ação de geadas mostram-se 1O meses após o plantio (março 1999). (A)
suscetíveis mesmo a pntógenos secundários como Alternaria, Resultados representam a média por planta das
Botrytis, Phoma e outros. Em condições experimentais, plan- safras 2006 a 2008 (Mod1fio:ado de Gonçalvci. Cl
tas submetidas a estresses de frio e calor podem tomar-se mais ai., 2014). (B) Redução de, tamanho dos frutos
suscetíveis ao patógeno. Assim, plantas de soja tomam-se mais em decorrência da clorose variegada dos citros.
suscetíveis a vários agentes patogi:nicos quando seus hipocótilos Crédito da foto: Henrique Santos.
são aquecidos, anteriormente à inoculação, por um período de
94
Ambiente e Doença
30 minutos a 47 ºC. O aquecimento suprime ou reduz a forma- des1quilibrada, verifica-se a diluição da concentração de outros
ção de fitoalexinas e causa (i) diminuição da fotossíntese e con- nutrientes no tecido vegetal, se a absorção pelas raizes permane-
sequente redução da produção de carboidratos, (ii) aumento da cer constant.:. Também. verifica-se maior densidade de folhas no
sinalização mediada principalmente por etileno e ãcido abscisico, dossel, o que pode, ainda que indiretamente, contribuir para alte-
(iii) ativação de enzimas hidrolíticas e produção de espécies reati- rações no microclima no dossel das plantas. Todos os casos resul-
vas de oxigênio (EROs) que afetam a estabilidade de membranas tarão em modificações na dinâmica do progresso das doenças.
entre outros, favorecendo a atividade de patógenos. O nitrogênio (N) é um elemento chave na produção agrí-
A alteração da suscetibilidade em função da temperatura cola por influenciar diretamente o crescimento vegetativo e
pode ser atribuída a vãrias causas, como redução na fonnação de reprodutivo das culturas. Também tem importante papel na ocor-
compostos fenólicos pela planta e bloqueio de mecanismos estru- rência de doenças. não só em função de uma aplicação dese-
turais que dificultam a colonização do tecido vegetal pelo pató- quilibrada (excesso ou deficiência), mas também pela forma
geno. No entanto, de modo geral, o aumento da suscetibilidade utilizada (amoniacal ou nítrica). No entanto, o efeito do N no
tem sido atribuído ao desenvolvimento debilitai.lo do hospedeiro desenvolvimento de doenças é altamente específico e variável de
e consequente favorecimento à aruação do patógeno. um sistema para outro. De acordo com Hoffiand et at: (2000) a
O frio, empregado na conservação de produtos vegetais, é suscetibilidade a um patógcno é resultado ela interação entre doii.
altamente eficiente na prevenção da maioria das doenças de pós- fatores: (i) o valor da planta como fonte de nutrientes e energia
colheita. No entanto, para detenninados produtos, a deterioração para o patógeno e (ii) a presença de componentes de defesa que
provocada por certos patógcnos ocorre mais rapidamente nos previnem a infecção e/ou coloninção. Esses fatores são dile-
produtos conservados logo após sua retirada da câmara fria, do rentementc afetados pela disponibilidade de N e variações no
que nos produtos armazenados à temperatura ambiente. Em pane, balanço desses dois fatores em diferentes patossistemas explicam
essa rápida deterioração pode ser explicada pelo maior acúmulo as variações na severidade da doenç,t em decorrência de maior ou
de umidade nas embalagens que sofrem alterações bruscas de menor disponibilidade cl.: N. Com o aumento do suprimento de N
temperatura. Assim, constatou-se que no mercado atacadista de e então do vigor, a planta aumenta a taxa de crescimento de modo
São Paulo, houve maior podridão de pêssegos nas embalagens que durante o estádio Je crescimento vegetativo, a proporção de
plásticas fechadas e mantidas por parte do tempo sob refrigera- tecido jovem versus maduro aumenta, com o tecido jovem sendo
ção, do que nas embalagens abertas. A ação do frio sobre semen- mnis suscetível a infecções. Isto toma maior relevância quando
tes recém-germinadas aparentemente reduz o vigor das plântu\as, a planta não é suprida adequadamente com outros nutrientes,
tomando-as mais suscetíveis ao ataque de patógenos. A influên- como o cãlcio (Ca) ou o silício (Si) (Marsehncr, 2012), O uso
cia do frio sobre o vigor da planta pode também expressar-se de de elevadas dosi:s de N toma plantas de arro~ mais predispostas
modo contrário, como nos casos cm que a baixa temperatura é à brusone e plantas de trigo, à ferrugem e ao oidio, aumentando
mais favorãvel ao desenvolvimento do hospedeiro que Jo paló- também a suscetibilidade de plantas de fumo à queima bacte-
geno, permitindo a recuperação da planta doente. riana causada por l-'se11domo11as rabaci. No entanto, excesso de
A temperatura pode ser responsável também por diferenças N reduz a infecção de Sclerotium ro/jsll em beterrnba e aumenta
na reação de cultivares a um determinado patógeno. Assim, uma a resistência do tomateiro à murcha provocada por Fusorium. A
variedade pode exibir reação de resistência a um palógeno, sob deficiência de N, por sua vez, provoca subdesenvolvimento das
determinada temperatura, e mostrar-se suscetível a este mesmo plantas. !ornando-as menos vigorosas. Além uisso, deficiências
patógeno, em temperatura diferente. de N podem comprometer o metabolismo das plantas, reduzindo
seu potencial de produção proteica, inclusive de proteínas rela-
7.1.3. N utriçílo cionadas à defesa contra infecção (proteínas RP), lignina e óxido
Os efeitos dos nutrientes minerais sobre o desenvolvimento nítrico (NO), importante sinali7ador na resposta imune das plan-
e a produção das plantas são explicados em tennos do papel tas. Reduções na produção de pernxidasc e quitinase foram
fisiológico que esses elementos desempenham primariamente observadas em plantas de Amhidopsis tratadas com Bion(A e
no metabolismo. Contudo, o estado nutricional também pode submetidas à deficiência de N. comparativamente às plantas
se constituir num fator de predisposição das plantas RO ataque sem deficiência deste nutriente (Dietrich ct ai., 2004). A forma
de patógenos, uma vez que a nutrição pode determinar efeitos de N utilizada pode determinar maior ou menor s.:veridade da
secundários, induzindo mudanças nos estádios de crescimento, na doença, dependendo da relação patógcno-hospedeiro. Assim,
morfologia e na anatomia ou na composição química da planta, o para algumas doenças, como podridões das raízes e murchas
que pode aumentar ou diminuir a resistência ou a tolerância das causadas por Fusarium, ..damping-off" e podridão do colo cau-
plantas a patógenos. sada por Sclerotium rolfsii, a forma amoniacal do N pode pro-
Quando os elementos minerais requeridos pelo vegetal são vocar um aumento de severidade. Para outras, como a sarna da
fornecidos de fonna adequada, a planta normalmente apresenta batata, provocada por Srreptomyces scabies, e a podridão do pé
maior capacidade de reação à doença. No entanto, o suprimento do trigo, causada por Caeuma1111omyces graminis, a maior s~ve•
destes elementos em excesso ou deficiência pode tomar as plan- rídade está vinculada ao N aplicado na forma de nitrato. Além
tas predispostas à ação de agentes causais de do.:nças, não só por disto. existe relação entre a fonna de N e o pH do solo, dadas as
afetar diretamente seu crescimento e composição, mas também, transfonnações do elemento que direta ou indiretamente acidi-
indiretamente, a atividade microbiana no solo e na ri:.::osfera. O ficam ou alcali11i7.,am o meio. Doenças favorecidas por N amo-
desbalanço nutricional ocasionado tanto pelos macro como pelos niacal mostram-se mais severas cm solos de pH ácido, enquanto
micronutrientes pode contribuir para uma mudança na suscetibi- a severidade daquelas favorecidas por N na forma de nitrato é
lidade do hospedeiro, pelo fato de influenciar o vigor e as reações maior em solos de pH neutro a alcalino. condições em que cada
de defesa da planta. Ao aumentar o vigor das plantas de fonna espécie predomina no solo.
95
Manual de Fitopatologia
O fósforo pode influenciar positiva ou negativamente a apresentam baixa concentrnção de Ca. No caso de frutos, o Ca
severidade da doença, em função do hospedeiro e do patógeno influencia textura, firmeza e maturação por reduzir a produção de
envolvidos. Nos casos em que o uso <lo fósforo propicia maior etileno e C02 • Como consequéncia, a vida de prateleira é aumen-
resistência, sua ação pode ser atribuída tanto à melhoria do tada e a incidl!ncia de doenças pós-colheita, como exemplo, em
balanço nutricional na planta, aumentando seu vigor, como ao goiabas, redu.zida. Adicionalmente, este nutriente atua como
aumento da velocidade na maturação dos tecidos, encurtando o sinalízador de mecanismos de defesa ligados diretamente a varia-
período de maior suscetibilidade <lo hospedeiro, além de acele- ções dos níveis de Canas células ou indiretamente à formação Jo
rar a indução <la resistência. Outro aspecto positivo atribuído ao complexo Ca-calmodulina, que modula processos fisiológicos de
fósforo é o efeito sobre a parede celular e lamela média <lo córtex resposta das plantas a estresses bióticos.
radicular em citros, que constitui um fator de tolerância da planta Quanto aos micronutrientes, vários exemplos podem ilus-
a estresses causados pelo excesso de metais que afetam as raízes trar sua influê:ncia sobre a predisposição das plantas a doenças.
(Zambrosi et ai., 2013), o que poderia se estender a maior tolerân- Dentre esses, destaca-se o papel que exercem para reduzir a ação
cia das plantas às doenças. Fósforo aplicado a raízes de plantas de das EROs, como defesa da planta a estresses bióticos e abióticos
pepino aumentou sua resistência contra o oídio (Sphaerothecafuli- (Sewclam et ai., 2016). Híbridos de Poncirus trifoliata tolerantes
ginea), indicando um mecanismo de defesa associado à nutrição. a Candidah,s Liberibacter asiaticus mostram maior atividade do
A aplicação foliar de sais fos fatados induz resistência local sistema antioxidante. o que sugere. de certa forma, que alguns
ou sistêmica em vários hospedeiros contra diversos patógcnos. genótipos podem superar os efeitos deletérios ocasionados pelo
O fósforo, em altas doses, parece aumentar a suscetibilidade de estresse oxidativo associado à infecção por essas bactérias. Ade-
plantas de fumo e pepino aos respectivos vírus causaJores de mais, o cobre .aumenta a lignificação do tecido e reduz a ocorrência
mosaico e a suscetibilidade de cebola ao míldio. Por outro lado, de podridão causada por Ganodem1a boninense em dendezeiro. O
o excesso deste elemento aumenta a resistência de beterraba a ferro, quando aplica<lo ao solo, pode reduzir a ocorrência da mur-
Phoma, de fumo a Pseudomonas. de tomateiro a Fuwrium e de cha de Verticillium em plantas de amendoim e de manga. O zinco,
trigo a Gaeumannomyces. Também, a aplicação foliar de fosfito por sua vez, pode aumentar a severidade de ferrugem cm trigo.
(fonna reduzida do fosfato) é utilizada para o controle de vários O efeito de nutrientes sobre doenças não permite generali-
patógenos (Gómez-Merioo et ai., 2015), principalmente oomi-
zações, sendo necessário considerar isoladamente cada combina-
cetos dos gêneros Peronospora, Plasmopara, Phylophthora e
ção patógeno-hospedeiro. No entanto, é consenso que a nutrição
Pythium, em culturas hortícolas como batata, tomate e pimenta,
mineral deve levar em conta um balanço aJequado dos elementos
gramíneas forrageiras e fruteiras perenes como abacate e citros.
para que as plantas possam expressar seu vigor e sua capacidade
Contudo, estudos recentes demostraram que as plantas não
de reação aos patógenos. Além disto, o conhecimento dos efeitos dos
podem usar fosfito como fonte de fósforo para melhoria do estado
diferentes elementos minerais sobre o estabelecimento e desen-
nutricional (Zambrosi et ai., 2011 ).
volvimento <le um patógeno pode ser importante para o controle
O potássio, de uma maneira geral, exerce efeito desfavorá- da doença. Neste caso, definição Je melhores práticas de manejo
vel às doenças. O emprego de nutrição balanceada em potássio das adubaçõ1:s poderá contribuir para minimizar os impactos
tem se constituído num fator que confere resistência a estresses adversos que vários problemas fitossanitários causam oprodução
abióticos (geada) e bióticos. Como exemplo deste último, pode-se
agrícola.
citar o cancro da haste da soja. causado por Diaporrhe phoseolo-
n4rn em regiões de cerrado, o qual não se manifesta ou aparece 7.1.4. pH do solo
de modo leve em plantas adubadas com potássio; cm contraste,
plantas nào adubadas deseIJvolvem a doença de forma severa. A acidc:z ou a alcalinidade do solo parecem estar mais rela-
Adubação potássica também contribui para redução da podridão cionadas com o patógeno do que com o hospedeiro. No entanto,
do colmo em arroz causada por Sclerotium o,yzae. O potássio, em solos ácidos, observa-se diminuição do vigor da planta, decor-
provavelmente, tem uma atuação direta, dificultando o estabele- rente do menor crescimento do sistema radicular e da menor
cimento e desenvolvimento do patógeno no hospedeiro, além de absorção de áigua e nutrientes. A planta mal desenvolvida toma-se
atuar indiretamente, promovendo a cicatrização de ferimentos e mais predisposta a doenças. A acidez do solo favorece, por exem-
dificultando a penetração de agentes patogênicos. Outro aspecto plo, a ocorrência de murcha de Fusorium em tomateiro.
importante é que, sob deficiência de potássio, o transporte e a
7.1.S. ILuz
assimilação d.e metabólitos são prejudicados na planta, o que
causa acúmulo de compostos orgânicos de baixo peso molecular A luz pode alterar a suscetibilidade de plantas a patóge-
que podem servir corno fontes de nutrientes facilmente disponí- nos. Muitas plantas tornam-se mais suscetíveis quando submeti-
veis para os patógenos. das a baixa intcnsida<le luminosa. É devido a esta característica
O cálcio (Ca), destacadamente aumenta a resistência das que em muitos experimentos, envolvendo principalmente viro-
plantas às doenças por modificar características anatômicas que ses, é prática comum submeter plantas a regimes de escuro,
favorecem a formação de uma barreira fisica natural imposta durante detE:rminado período de tempo, antes da inoculação.
pelo hospedeiro a agentes patogênicos. Isto se deve ao fato deste Este artifício é muito utilizado para garantir a infecção do
nutriente ser essencial para a estabilidade da parede celular e da vírus da necrose do fumo em plantas hospedeiras. Tal prática é
membrana e, consequentemente, dos tecidos (White & Broadley, também utilizada para aumentar n predisposição de plantas de
2003). Fungos e bactérias invadem os tecidos das plantas produ- tomate em rielação ao ataque de Fusorium. Em condições natu-
zindo enzimas pectolíticas, como a poligalacturonasc, que dis- rais, no entanto, é questionável se a variação na qualidade e na
solve a lamela média. A atividade da poligalacturonase é inibida quantidade da luz é suficiente para tomá-la um importante fator
por Ca. Plantas de tomate infectadas com FzLyarium oxysponm1 de predispos:ição.
96
Ambiente e Doença
7.1.6. Fatores Diversos <lições ambientais tem distribuição mais ampla, enquanto que
Fatores de natureza diversa podem contribuir para aumen- aquele menos tolerante às variações do ambiente apresenta distri-
tar ou diminuir a resistência das plantas. O vento, por exemplo, buição geográfica mais restrita. A ação do ambiente é exercida de
pode interferir na infecção tanto por promover a secagem da água diferentes formas, podendo interferir nos diferentes subprocessos
na superficie da planta como por provocar ferimentos, em razão <lo cíclo de relações patógeno-hospedeiro. Além desta interferên-
do atrito entre as diferentes partes vegetais ou mesmo pela abra- cia direta, o ambiente poderá atuar indiretamente, por exemplo,
são causada por partículas de solo. alterando populações ou atividades microbianas que ocorrem na
Agrotóxicos podem causar alterações na fisiologia da rizosfera ou na filos fera e que possam ter uma relação sinergística
planta, promovendo aumento ou diminuição na sua suscetibili- ou antagônica em relação a um agente patogênico.
dade. O uso do herbicida 2,4-D pode aumentar a suscetibilidade
7.2.1. Umidade
de trigo ao ataque de fungos dos gêntros Clavíceps e Puccinia.
No caso da podridão do colo causada por Phytophthora, cm A água tem papel relevante sobre os diferentes agentes
várias espécies vegetais, alguns herbicidas, por outro lado, pro- infecciosos que atacam tanto a parte aérea como o sistema radi-
vocam redução na severidade Ja doenc;a. cular da planta. Na forma de chuva, orvalho ou irrigação, a água
Substâncias químicas classificadas como poluidoras da altera a umidade do ar e do solo, contribuindo ou prejudicando as
atmosfera também podem atuar na predisposiçiio de plantas a atividades de fungos, bactérias e nematoidcs.
doenças. Estas substâncias, como o dióxido de enxofre e ácido Na ausência do hospedeiro, a umidade do solo exerce ação
fluorídrico, podem prejudicar o desenvolvimento normal das direta sobre a sobrevivência do patógeno. O excesso de água, nu
~Jantas, aumentando sua suscetibilidade a agent•~s patogênicos. forma de encharcamento, pode promover a eliminação de espé-
Arvores expostas ao dióxido de enxofre tornam-se mais suscetí- cies patogênicas, provavelmente devido ao desenvolvimento de
veis ao ataque de Armil/aria mel/ea e de outros agentes fúngicos um ambiente anaeróbico. Por outro lado, a baixa umidade do solo
causadores de podridão. pode causar o dessecamento das estruturas <lo patógeno, dími-
Práticas culturais como o desfolhamento e o transplante nuindo sua população ou provocando seu desaparecimento. O
(Boxe 7.2) também podem promover estresse na planta e, dessa controle de doenças ca!L';adas por patógenos veiculados pelo solo
forma, contribuir para sua predisposição ao ataque de patógenos. ou por patógenos que sobrevivem em restos culturais pode ser
A desfolha compromete as reservas nutricionais da planta, dimi- realizado com a eliminação do inóculo, promovida por meio de
nuindo o conteúdo de amido em vários órgãos vegetais e aumen- m~clidas como inundação ou aração e gradagem. A inundação cria
tando sua suscetibilidade. Isto ocorre com o trevo forragciro condições de anaerobiose, enquanto as operações de aração e gra-
(Trifolium pratense) que. devido aos cortes !requentes, passa a dagem promovem a exposição do inóculo ao sol e o secamcnto do
ser atacado por diferentes espécies de Fusarium, consideradas solo, ambas desfavorecendo a sobrevivência do patógeno.
patógenos fracos para este hospedeiro. A disseminação de propágulos pode ocorrer com o auxílio
da água, principalmente através de respingos e aerossóis, parn
Boxe 7.2 Transplante e doenças de mud patógcnos de parte aérea, e água de superficie ou enxurraua, para
patógenos veiculados pelo solo. Os respingos provocados pela
O transplan te d e m udas é uma prática comum em água da chuva, ou irrigação por aspersão, podem dispersar o inó-
várias esp écies frutíferas, ornamenta is, o lericolas e eulo tanto dentro de uma mesma planta como para plantas vizi-
florestais. O estresse pr ovocad o durante o tran splante nhas. Conídios de Septorio presentes na palhada de cevada podem
e o estabelecim e.n to de plan tas pode pred[ispô-las ao ser dispersos, ho1izontalmente, até 90 cm devido ao impacto cau-
ataque de p atógenos (Schoeneweiss, 1975). Operações sado por respingos da água de chuva. Os respingos são respon-
de poda de ramos e d e raízes, executadas no m om ento sáveis não só pela dissemínação como também pela liberação de
do transplante, expõem tecidos internos d a planta ao estruturas fúngicas e bacterianas produ.,:idas em matrizes rnucila-
1
m eio, facilitando a i n fecção. Mudas de 5,orbus spp., ginosas. Neste caso, a água dilni a substância mucilaginosa que
mesm o quando inoculadas com Botryosphaeria dothi- prende os propágulos e promove sua dispersão. Gotículas de água
dea, por exemplo, não ap resen tam cancro, ai men os que de chuva ou de irrigação por aspersão, componentes de aerossóis,
sejam submetidas a transplante com poda do sistema podem, se associadas a vento forte, disseminar propágulos pato-
radicular. A perda de vigor e os ferimentos provoca- gênicos a longas distâncias (Boxe 7.3). A enxurrada, origínária de
dos pela poda pod em ser responsáveis p elo "choque de chuva ou de írrigação por sulco, pode distribuir o patógeno a par-
transplante': uma terminologia adotada p ara d esignar tir da fonte de inóculo, representada por plantas doentes ou maté-
o estresse associad o ao transplante d e mudas. ria orgânica. Patógenos veiculados pelo solo, comumente levados
por água de superficie. podem se distribuir ao longo de sulcos
de plantio, disseminando-se para plantas localízadas na mesma
linha. A ocorrência de umidade excessiva no solo constitui-se
7.2. AÇÃO DO AMBIENTE SOBRE O PATÓGENO E numa condição altamente favorável a patógeoos que possuem
SOBRE O CICLO DE RELAÇÕES PAlrÓGENO- estruturas capazes de movimentar-se na água, como é o caso dos
HOSPEDEIRO
zoósporos. O eneharcamento decorrente de irrigação excessiva
Fatores do meio ambíente estão relacíonados à distribuição ou de solos mal drenados cria uma condição propícia a estas
e à intensidade das doenças em detenninadas áreas. A distribui- estruturas, principalmente cm áreas de viveiro de mudas, onue a
ção geográfica dos patógenos é, em pane, determinada por sua densídade de plantas i muito alta. Nestas condições, a severidade
capacidade de adaptação ãs condições de ambiente. Assim, um das doenças causadas por l'ythium e Phytophtlwra aumenta com
patógeno capaz de se desenvolver sob uma larga gama de eon- o aumento da umidade do solo.
97
Manual de Fitopatologia
7.2.2. Temperatura
O efeito da temperatura sobre as atividades do patógeno é,
de modo geral, menos marcante que aquele exercido pela umi-
dade. A maioria dos patógenos, particularmente aqueles presen-
tes nas regiões tropicais e subtropicais, é capaz de crescer numa
ampla faixa, de temperatura. Portanto, nestas regiões, a tem~e-
ratura raramente atua como fator limitante. Temperaturas muito
altas podem, no entanto, provocar o dessecamento de células bac-
terianas e de estruturas fúngicas presentes na fonte de inóculo.
Algumas práticas de controle, como o revolvimento do so:o _e a
solarização, por exemplo, fundamentam-se nesta caractenstJca,
promovendo a exposição do patógeno a altas temperaturas, ~om
Figura 7.2 - Laranjeira doce (Citrus sinensis) com sintomas o objeti vo ele reduzir a quantidade de inóculo. Em áreas de chma
de cancro cítrico (Xanthomanas citri subsp. citri) temperado, as temperaturas baixas do período de: inverno levam
em elevada severidade, devido à infe<:ção através à paralisaçfio das atividades do patógeno ou mesmo causam sua
de galerias da larva minadora dos citros (Plrylloc- morte.
nistis citrella) pela bactéria (ao centro e à direita). A temperalura inAuencia a velocidade de genninação de
eonídios, formação de apressórios, penetração e coloni.l8ção de
98
Ambiente e Doença
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,rgura 7.3 - Densidade relativa de lesões (A) e severidade(% da área foliar com sintomas, B) de Alternaria helianthi cm girassol, em função
da duração do período de molhamento foliar. Clrculos pretos representam o resultado de um ensaío e círculos brancos, de sua
rcpctíção. Linhas correspondem à função logística ajustada ao~ Ja<los (Leite & Amorim, 2002). (C) Imagem de sintomas da
doença.
Cridito da foto: Regina M.V.B.C. Leite.
..--..pécies dos complexos Colletotrichum gloeosporioides e de entre 15 e 30 ''C. Da mesma maneira, severidade e esporulação
ucutatum, que causam antracnose na goiaba e podridão floral de Mefamp.wm, medusae, agente causal da ferrugem tla folha no
:.-os citros. A germinação de conídios de espécies do complexo álamo são altamente influenciadas pela temperatura. Nesse caso,
..- gloeosporioides é superior àquela de C. acutatum nas mesmas a produção de esporos nas pústulas aumenta significativamente
.ondições de ambiente (Soares et ai., 2008, Lima et ai., 2011 ). A com o aumento <la temperatura, no intervalo entre 8 e I K''C, dimi-
-tensidade e a velocidade do progresso da antracnose em goiabas nuindo, em temperaturas mais altas (Figura 7.8).
-mbém são bastante influenciadas pela temperatura, índependen-
emcnte da espécie do agente causal. O período de latência dos 7.2.3. Vento
dois patógcnos é similar, variando entre 9 e 13 dias, respectiva- O vento tem papel relevante na disseminação de agentes
'Tiente, em frutos incubados a 30 e 15 °C. Nesse me~mo intervalo patogênicos. Diversos tipos de cstmturas lü.ngicas e células bac-
Je temperatura, a severidade da antracnose varia pouco para os terianas podem ser transportados diretamente pelo vento, tanto a
jois patógenos, fom1ando lesões de 2 a 4 centímetros de diâme- curtas como a longas distâneias, dependendo da resistência des-
:m (Figura 7.6). tes propágulos à dessecação. Aspectos relacionados à turbulên-
Diferentemente da antracnose, a severidade da mancha de cia do ar e às intensidade e direção do vento podem influenciar a
\hernaria em girassol exibe enorme variação em função <la tem- liberação, o transporte e a deposição do inóculo. Esta influência
:,eratura de incubação das plantas (Figura 7.7). Tanto o número torna-se mais acenruada quan<lo o vento passa a atuar cm associa-
de lesões como seu tamanho aumentam significativamente ção com água de chuva. A curtas distâncias, a turbulência do ar
carrega o inóculo produzido numa planta doente
80 -r-- - - - - - - - - - - - - - , pa.ra plantas situadas na sua proximidade (veja
O A
CII Figura 4.15 no Capítulo 4 desta obra). A longas
~ 60 distâncias, as correntes aéreas são responsáveis
~ pelo transporte <lentro de uma região ou mesmo
C>
pela disseminação intercontinental de inóculo.
! 40 Assim, urediniósporos da ferrugem do colmo do
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e
trigo são carregados de uma cultura para outra
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20
desde o México até o Canadá, seguindo a direção
~
11. dos ventos predominantes. O vento é considerado
o provável introdutor da ferrugem d.o cafeeiro, a
6 12 18 partir da África, no território brasileiro.
Período de molhamento (horas)
7.2.4. pR
figura 7.4 - Frequência de infecção (porcentagem média de pústulas forrna<las e1n
folhas jovens em relação à quantidade máxima observaJa em uma amos- A acidez do solo, em muítos casos, parece
tra após 25 horas de molhamento) de Mefampsora medusae em fünção da afetar diretamente o patógeno, embora possa ter
duração do molhamento em folhas de álamo no clone Latorre (A). Barras efeito também sobre o hospedeiro. Este fator do
representam o desvio padrão da média e linha, o modelo monoroolecular ambiente pode promover alteração na sobrevi-
ajustado aos dados (May-de-Mio & Amorim, 2002). (8) Folha de álamo vência, genninaçào, penetração e reprodução de
com sintomas de ferrugem na face abaxial. patógeoos veiculados pelo solo, determinando a
Crédito da foto: Louíse L. May-<le-Mío. ocorrência e a severi<lade de doenças. Agentes
99
Manual de Fitopatologia
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Temperatura ( ºC)
Figura 7.6- Diâmetro das lesões (cm) causadas por Colletotrichum gloeosporioides (A e C) e C. acutarum (B e D) em goiabas 'Pedro Sato',
sob diferentes temperaturas e períodos de molhamento (6 horas -A e B; 24 horas - C e D), 14 dias após a inoculação. Círculos
pretos representam dados do primeiro experimento e brancos representam dados do segundo experimento (Modificado de Soares-
Colletti & Lourenço, 2014). À direita, imagens de goiabas com lesões de antracnose.
C rédito das fotos: Sílvia A. Lourenço.
100
Ambiente e Doença
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Temperatura (ºC)
Figura 7.7 - Densidade de lesões (A) e severidade (% da área foliar ocupada por sintomas), (8) da mancha de Alternaria (Alternaria helianthí)
do girassol em plantas inoculadas e incubadas a diferentes temperaturas. Símbolos diferentes reforem-se a diferentes repetições
do experimento e linha, ao modelo beta ajustado aos dados.
Fonte: Leite & Amorim (2002).
tes, água e luz para as plantas e, ao mesmo tempo, o patógeno não medida em que podem atuar como quebra-vento, dificultando a
encontra condições ótimas para suas atividades, especialmente disseminação de patógenos. A combinação dos efeitos da tem-
com relação à umidade. O emprego de adubação balanceada em peratura e de períodos de molhamento na infecção serve, muitas
macro e micronutrientes também é uma forma de diminuir apre- vezes, para orientar ações de controle, particulam1ente para a
disposição do hospedeiro; em particular, o excesso de nitrogênio, tomada de decisão sobre a aplicação ou não de fungicidas. Sis-
principalmente associado à carência de outros nutrientes deve ser
temas de previsão de doenças já consagrados, como a Tabela de
evitado por estimular o aparecimento anormal de tecidos jovens,
M ills, utilizada para o controle da sarna da macieira (veja Capí-
mais suscetíveis a patógenos biotróficos (Dordas, 2008). Ferti-
lizantes que contenham silício também têm promissora ação no tulo 19 desta nhra) baseia-se na probabilidade de infecção de
controle de determinadas doenças de plantas (Boxe 7.4). Venturia inaequalis cm determinada combinação temperatura x
A correção de acidez do solo pode contribuir para absorção horas de molhamento, para recomendar ou não a aplicação de
de nutrientes pela planta tanto pelo aumento da· disponibilidade fungicidas sistêmicos, destinada ao controle curativo da infec-
de nutrientes como o fósforo, como pela redução da atividade do ção. Se o sistema indicar que não há probabilidade de infecção,
alumínio tóxico às plantas, tomando-a mais vigorosa e, portanto, a aplicação de fungicidas pode ser retardada. Com isso é possí-
menos suscetível ao ataque de patógenos. A permanência de fai- vel aplicar esses agrotó,dcos apenas nas condições favoráveis ao
xas de mata natural em grandes áreas de cultivo é desejável, na estabelecimento da doença.
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Temperatura (ºC)
Figura 7.8 - Esp<)rulaçiio (número de urediniósporos por cm1 de folha de álamo recoberta por lesões) de púsmlas de Melampsora medusae em
folhas <le álamo 'Latorre' em fwição da temperatura de incubação das plantas (A). Pontos representam médias de dois experimentos,
barras, o erro padrão das médias e linha o m<)delo beta ajustado aos dados ( May-de-Mio, 2001). ( B) Micrografia eletrônica de
varredura de pústula de M medusae em folhas de álamo •Latorre' .
Crédito da foto: Louise L. May-de-Mio.
101
Manual de Fitopatologia
102
Parte II
AGENTES CAUSAIS
CAPÍTULO
8
FUNGOS FITOPATOGÊNICOS
Nelson Sidnei Massa/a Júnior
ÍNDICE
8.1. Importância dos fungos para a Fitopatologia ...... 107 8.4. Principais grupos de fungos fitopatogênicos ....... 113
8.2. Características gerais e morfologia dos fungos 8.4.1. Reino Protozoa .............................................. 113
fitopatogênicos........................................................ 108 8.4.2. Rein o Chromista ........................................... 115
8.2. 1. Estruturas assimilativas ............................... 108 8.4.3. Reino Pungi.. ................................................. I 18
8.2.2. Estruturas reprodutivas ............................... 109 8.5. Bibliografia consultada .......................................... 140
8.3. Classificação d os fun gos füopatogênicos ............. 113
3.1. lMPORTÂNCIA DOS FUNGOS PARA A constantes epidemias de doenças causadas por fungos, com todas
FITOPATOLOGIA as consequências delas decorrentes (veja o Capítulo 2 desta obra).
Neste contexto, não se pode deixar de comentar sobre a epidemia
O
s fungos estão entre os mais importantes agentes
causais de doenças em plantas. Talvez as frases de requeima da batata na Irlanda, em 1845 e 1846. Esse episódio,
que mais bem expressam a importância dos além das consequências de proporções catastróficas, reveste-se de
importância histórica por estar relacionado com o nascimento da
fungos para a Fitopatologia tenham sido escritas por George
Fitopatologia (Boxe 8.1). Não menos catastrófica foi a epidemia
\" Agrios, em sua última edição do Plant Pathology: "Existem
de mancha parda do arroz, causada por Helminthosporium
riais de 10.000 espécies de fungos que podem causar doenças
oryzae, na região de Bengala, em 1943. Dependentes do arroz
m1 plantas. Todas as plantas são atacadas por alguns tipos de
para sua alimentação, os habitantes locais viram suas lavouras
Ít111gos e cada fungo parasita pode atacar um ou mais tipos de
serem dizimadas pelo fungo. Naquela época, a Segunda Guerra
p(ontas" (Agrios, 2005).
mundial estava no auge e aquela região estava ilhada pelo exército
Uma noção mais exata da importância dos fungos para a japonês. Assim, o exército aliado viu-se impossibilitado de prestar
Fnopatologia é facilmente revelada por um simples levantamento socorro às vítimas. O saldo dessa tragédia, milhões de mortos por
..mo aos mais importantes periódicos científicos da área. inanição, é relembrado até os dias atuais em filmes e quadros de
ai levantamento mostrará que mais da metade dos trabalhos pintores famosos .
• ,iblicados envolvem algum aspecto relacionado aos fungos. Assim como a requeima da batata e a mancha parda do
F~sa constatação revela que a maior parte dos fitopatologistas arroz. diversas outras epidemias de doenças fúngicas penneiam
~lica, parcial ou integralmente, tempo em pesquisas que visam a história da humanidade. Entre elas, citam-se a ferrugem do
:-::uer à tona mais conhecimentos sobre esses organismos. cafeeiro (Hemiíeia vastatríx) no Ceilão, hoje Sri Lanka (1870 -
:alcule a magnitude dos recursos que a sociedade investe nesse 1890); o fogo de Santo Antônio (Claviceps purpurea) na França,
o-forço. Esse simples exercício é mais que suficiente para ilustrar em vários períodos da história. No Brasil exemplos também não
li .rnportância dos fungos para a Fitopatologia. faltam: o mal-das-folhas da seringueira (Microcyc/us ulei) e
No entanto, se o leitor ainda não estiver satisfeito com as o carvão da cana-de-açúcar (Sporisorium scitamineum), na
mplicações do raciocínio acima. podem-se, ainda, mencionar as primeira metade Jo século passado. Mais recentemente, com
107
Manual de Fitopatologia
108
Fungos Fitopatogênicos
hifa e, ao mesmo tempo, elasticidade adequada para suportar • Rizoide - estrutura parecida com raiz de planta, ramificada,
rápido crescimento a picai? Nesse contexto todos os micologistas filamentosa, anucleada e com paredes grossas. Atua
compartilham a ideia de que o crescimento da hifa é um processo na fixação do fungo no hospedeiro e na absorção de
extremamente elaborado. De acordo com Alexopoulos et ai. nutrientes (Figura 8.2).
( 1996), há atualme:nte duas hipóteses que tentam explicar esse • Apressório - estrutura achatada., formada pela dilatação
crescimento apical: o steady-state (ou hipótese de Wessels) e a do tubo germinativo ou da hifa, que se adere firmemente
rigidez permanente (ou hipótese de Bartnick..i-Garcia). A primeira à superfície do hospedeiro para facilitar a penetração do
considera que o ápice da hifa seria permanentemente viscoelástico fungo ou a emissão de baustório (Figura 8.2).
e expansível. VesícuJas contendo componentes da matriz amorfa e
polímeros do componente microfibrilar, em estado não cristalino,
seriam constantemente depositadas no ápice. À medida que o
ápice alonga-se, esses polímeros cristalizar-se-iam nas laterais da
hifa, conferindo-lhe rigidez. Por outro lado, a hipótese da rigidez Tub o a•rmlnat:tvo
permanente defendi: que o ápice da hifa seria pennanentemente I
rígido. Dois tipos de vesículas seriam constantemente depositados
no ápice. O primeiio tipo, contendo matriz amorfa e enzimas
líticas seria respons.ável por romper o componente microfibrilar
pré-existente, conforindo flacidez momentânea e permitindo
expansão. O segundo tipo de vesícula, desta vez com unidades de
mic:rofibrilas, seria responsável por restaurar e devolver a rigidez
à parede. Assim, s,~gundo essa última hipótese, o crescimento
apical da hifa serfo resultado do pennanente e delicado balanço Hauo'6rlo ~na
109
Manual de Fitopatologia
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Figura 8.3 - Estruturas formadas pelo agrcgamento de hifas: (A) escleródio; (B) corte transversal do esclcródio; (C) cortes longitudinal de
rizomorfo; (D) detalhe de corte longitudinal de rizomorfo, mostrando os diferentes tipos de agregamento de hifas; (E) estroma;
(F-H) cortes longitudinais de estroinas.
'
variam substancialmente entre os fungos (Figura 8.4), tomando
essas estruturas importantes do ponto de vista taxonômico.
•
Muitos fungos possuem dois tipos de ciclo de vida conhe-
cidos, o assexuado e o sexuado. No ciclo assexuado, também
conhecido como fase anamórfica, os esporos são produzidos por
mitose e, portanto, possuem baixíssima variabilidade genética.
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Representam praticamente clones do indivíduo que os produziu.
O ciclo sexuado, ou fase teleomórfica, por sua vez, caracteriza-se
por produzir esporos por meiose. Os esporos sexuados apresentam
duas características importantes: maior variabilidade genética
e resistência a condições ambientais desfavoráveis. O processo
de meiose não origina clones, mas descendentes com diferenças
genéticas entre si. Este fato, aliado às características que con-
ferem resistência, como paredes mais espessas e muitas vezes
Figura 8.4 - Estruturas reprodutivas: esporos com diferentes caracte-
pigmentadas, acúmulo de substâncias de reserva, dormência,
rísticas morfológicas.
corpos de frutificação rígidos e escuros, tomam o ciclo sexuado
uma fase importante para garantir a sobrevivência do fungo. Dessa
forma, o fungo consegue atravessar o período desfavorável ao seu vez iniciado novo ciclo da doença, com hospedeiro disponível e
desenvolvimento, como por exemplo, a ausêncra do hospedeiro e condições ambientais favoráveis, o fungo não necessita mais das
invernos rigorosos. De modo geral, essa fase é produzida apenas estruturas de sobrevivência e da variabilidade genética. Assim
uma vez por ano. Quando as condições ambientais favoráveis são sendo, inicia, por meio de mitoses sucessivas, a produção de
restabelecidas, essa população sobrevivente é capaz de iniciar clones desse genótipo que obteve êxito nessa nova condição.
nova fase de crescimento. Pensando em sistemas agrícolas nos Está iniciado o ciclo assexuado, caracterizado pela produção
quais é frequente a troca do cultivar ou variedade da cultura ano massa! de esporos mitóticos. Geralmente é essa fase do cielo que
após ano, a alta variabilidade genética dos esporos sexuados é fator causa as epidemias e provoca danos. Dessa forma, na maioria
fundamental para o sucesso do fungo, garantindo que parte dessa das vezes que nos deparamos com um fungo causando doença
população consiga atacar esse novo genótipo do hospedeiro. Uma em planta, é a fase assexuada que iremos encontrar. Além disso,
IIO
Fungos Fitopatogênicos
8.2.2.1. Esporos sexuais Figura 8.5 - Estruturas de resistência diploides: (A) oósporos; (B)
Esporos sexuais são aqueles que resultam de um processo de zigósporos: (C) esporângios de repouso.
pbsmogamia, seguido de cariogamia e meiose. A plasmogamia
• nsiste na união de citoplasma, quando núcleos haploides (N),
!ffieticamente compatíveis, procedentes ou não de talos diferentes
Jnginários de esporos diferentes) pareiam-se. A plasmogamia
;,ode ocorrer após a união de hifas (somatogamia) ou de órgãos
;iierenciados, especializados e multinucleados (gametàngios), ou
&UJda após a fertilização de uma hifa receptiva por um gameta
"::laSculino imóvel (espermácia). Após a plasmogamia, o füngo
adquire a condição dicariótica (N+N), com dois núcleos haploides
-.::eados dentro de uma mesma célula. A fase dicariótica
.:icariofase) tem duração variável, dependendo do tipo de fungo
!D\ olvido. É curta nos oomicetos e zigomicetos, duradoura nos
»:,.1diomicetos e de duração intermediária nos ascomicetos. Por
.e10 da cariogamia, que vem em seguida, os núcleos pareados
Figura 8.6 Espoiros sexuais haploides (meiósporos).
:-7dem-se, formando o zigoto (2N). A diplofase varia também
= duração, dependendo do fungo. Na diplofase podem surgir
esporos de resistência, com parede espessa, como o oósporo dos O cleistotécio é uma estrutura globosa, completamente
,AJ(Jlicetos, o zigósporo dos zigornicetos e os esporân~ios de fechada, cuja patrede, caso esteja madura, rompe-se ou se
rq,ouso dos blastocladiomicetos e quitridiomicetos (Figura 8.5). decompõe para a liberação dos ascósporos. O peritécio contém
Outros tipos de esporos sexuais resultam tipicamente da, uma abertura ( ostfolo) na sua parte apical, por onde os ascósporos
meiose (meiósporos), sendo, pois, haploides: os ascósporos e os são liberados. O apotécio é um corpo de frutificação aberto, em que
').l>idiósporos (Figura 8.6). Os ascósporos fom1am-se endoge- o himênio (carnadla de ascos) fica exposto, ocorrendo a liberação
-:.::..-neote, dentro de uma estrutura em forma de saco, o asco forçada e simultânea dos ascósporos. O ascostroma é uma
,. asco= saco), geralmente em número de oito por asco. Os matriz estromátic.a contendo cavidades (!óculos), onde os ascos
IIIE1d1ósporos. por outro lado, são formados exogenamente, sl:io fom1ados. Urn ascostroma uníloculado, que se assemelha a
.-nhém a partir de estrutura especializada, o basídio (L. t-iasidíum urn pcritécio, recebe o nome de pseudotécio (ver Figura 8.34).
= :iequeno pedestal), geralmente em número de quatro por basídio. O pseudotécio, entretanto, difere do peritécio porque durante
~ósporos e basidiósporos são geralmente produzidos em sua formação, primeiro é produzido o estroma e, em seguida,
- ,rpos de frutificação, os ascomas ou ascocarpos e basidiomas forma-se o [óculo, único em seu interior, por deliquescência das
J basídiocarpos; respectivamente, que se apresentam em dife- hifas internas.
""::Otes fonnatos. Entre os ascomas, os tipos básicos são: cleisto- Os basidiornas são, em geral, estruturas macroscópicas,
1ttio. peritécio, apotécio e ascostroma (Figura 8.7). muitas delas atingindo grandes dimensões (Figura 8.8 A e B).
A B D
rigura 8. 7 - Tipos de ascomas: (A) cleistotécio; (B) apotécio; (C) peritécio; (D) ascostroma.
111
Manual de Fitopatologia
112
Fungos Fitopatogênicos
e
A
o-- E
ainda constituem a principal ferramenta na classificação. Para
aqueles casos onde estes critérios são duvidosos, o que se observa
é que a classificação tem sido, adicionalmente, amparada por
ferramentas moleculares.
A seguir, serão apresentadas características dos principais
grupos de fungos fitopatogênicos, baseando-se na classificação da
figura 8. 10 - Tipos de conidiogêneses encontradas nos fungos
10" edição do Dictionary ofthe Fungi, de 2008 (Kirk et ai., 2008),
fitopatogênicos: (AJ tálíca; (B-E) blástica; (B) holo-
referido aqui simplesmente como dicionário. Essa obra reflete
blástica; (C) enteroblástica tétrica; (D) enteroblástica
as decisões tomadas pelo Comitê para F ungos durante o XVII
fialídica; (E) enteroblãstica anclídica.
Congresso Internacional de Botânica, realizado em Viena, Áustria,
e publicadas no lnternational Code of Bmanical Nomenclature,
de 2005. Apesar de relativamente antiga, essa edição de 2008 do
de conidiogênese é bastante importante entre os fitopatógenos. dicionáno é a mais recente disponível no rnomento da revisão
Penicillium, Aspergi/lus, Fusarium. Chalara, Thielaviopsis são deste capítulo e a classificação nela encontrada é válida, até que
exemplos de fungos que produzem fialoconídios. Um tipo menos nova edição seja lançada. Saliente-se que, apesar de o XVIII
frequente entre os fungos é a conidiogênese cnterohlástica Congresso Internacional de Botânica ler sido realizado em 2011
aoelídica, na qual cada novo conídio produzido deixa um colarete (Melboume, Austrália), as alterações referentes à classificação
ou anel) na camada externa da parede da célula conidiógena. dos fungos ainda não resultaram em nova edição do Dicionário.
Fusicladium (Sin. Spi/ocaea) é um gênero que exibe esse tipo de Ent~lanto, pelos artigos científicos publicatlos recentemente e
conidiogênese. listados no final deste capítulo, sabe-se que a classificação sofrerá
profundas alterações, desde os níveis hierárquicos mais elevados
8.3. C LASSIF ICAÇÃO DOS FUNGOS até o nível de espécie. Parte destas alterações pode ser consultada
FJTOPATOGÊNICOS on-line em bancos de dados, tais quais Index f'ungorum (www.
O grupo de organismos denominado genericamente de indexfungorum.org) e Mycobank (www.mycobank.org). Essas
-fungos" é bastante diversificado filogencticamente e possui alterações refletem a mudança de abordagem na classificação de
representantes em três Reinos dos seres viv,os: Protozoa, fungos, que está passando de morfológica para filogenética.
Chromista e Fungi (Alexopopulos et ai., 1996}. Dentre estes
organismos, os fungos verdadeiros se encontram somente no 8.4. PRINCIPA IS G RUPOS DE FUNGOS
Reino Fungi. Nos Reinos Protozoa e Chromista., que abrigam. FITO PATOGÊNICOS
respectivamente, protozoários e algumas algas {diatomáceas, 8.4.1. Re ino Pro tozoa
marrons, douradas e amarelo-esverdeadas), algmns organismos,
por possuírem morfologia e modo de vida semelhantes aos fungos, Classe Myxogustriu
,ão estudados juntamente com os fungos verdadeiros. Os organismos da classe Myxvgas1ria, no passado conhe-
Como já mencionado, os fungos apresentam enorme variação cidos como mixomicetos, não são nonnalmente organismos
morfológica. Assim, a classificação dos fungos foi, por muito fitopatogênicos. uma vez que se desenvolvem apenas na supcrficie
tempo, tradicionalmente baseada em critérios ,::xclusivamente de resíduos vegetais (fragmentos de caule e folhas mortas caídos
morfológicos. Quanto maior a similaridade morfológica. mais no chão), em ambientes úmidos, engolfando bactérias e outros
próximos acreditava-se que eram os fungos. Essa é a razão pela microrganismos através do seu talo, o plasmódio, que consiste cm
qual muitos fungos possuem nomes diferentes para suas fases uma massa protoplasmática multinucleada, sem parede celular e
anamórficas e teleomórficas. Para um mesmo indivíduo, essas duas com movimento ameboide. Eventualmente, no entanto, podem
fases apresentam, frequentemente, tal disparidade morfológica que crescer sobre a superflcíe de plantas vivas, de pequeno porte,
e,ou os micologistas, no passado, a classificá-los co,mo organismos rasteiras, corno em gramados, sob condições de alta umidade,
diferentes. Entretanto, as últimas edições do fntern.ational Code of ou após prolongado período chuvoso. Nestas circunstâncias,
Bolanical Nomenclature, obra que rege nomenclatura dos fungos, o organismo utiliza-se da planta como seu suporte, onde seu
1êm mostrado clara tendência em unificar os nomes de ambas as plasmódio e, posteriormente, suas estruturas de reprodução desen-
fases, desde que comprovadamente pertençam à mesma <!Spécie. volvem-se, recobrindo-a, sem, porém, parasitá-la. Podem, no
Nesses casos, o nome mais antigo é adotado come, o nome oficial entanto, cobrir significativamente a superficie fotossintetizante
da espécie, independentemente da fase (sexuada ou assexuada) da planta, além de interferir com as trocas gasosas e, assim,
descrita. ocasionar um processo patológico.
Felizmente o panorama atual está mudando no que se Os organismos dessa classe que, nesLas circunstâncias, podem
refere à correta classificação dos fungos. O desenvolvimento de causar doença em plantas são enconlrados na ordem Physarida
ferramentas mais sensíveis e independentes da morfologia, como (antiga Physarales}, principalmente os gêneros Fulígo e Physarum
as modernas técnicas moleculares, tem auxiliado sobremaneira e na ordem Slemonitida (antiga Stemonitales), com o gênero
nessa dificil tarefa. Em diversas ocasiões, ta1is ferramentas Brefeldia. Após desenvolverem seu talo plasmodial sobre a
mostramm que fungos morfologicamente bastarnte semelhantes planta, caracterizado por um crescimento viscoso, branco-creme ,
ll3
Manual de Fitopatología
ou amarelo, estes organismos reproduzem-se, transformando Como exemplo ilustrativo deste grupo, tem-se Plasmo-
o plasmódio em etálios ou esporângios, onde internamente os diophora brassicae, agente causal d a hérnia das crucíferas. Esta
esporos são formados. Estes constituem uma massa pulverulenta. doença é muito comum em todo o mundo, afetando plantas como
sendo disseminados pelo vento, após o rompimento da parede o repolho e a couve-flor, cujas raízes infectadas pelo patógeno
do corpo de frutificação. Encontrando substrato e condições de tomam-se malformadas e hipertrofiadas.
temperatura e umidade favoráveis, os esporos têm a sua parede Embora sendo um parasita obrigatório, P. brassicae sobrevive
aberta, por uma fenda ou poro, por onde sai uma mixoameba ou no solo na forma de esporos de repouso, haploides. Estes são liberados
uma célula nadadora, dotada de dois flagelos, o mixoflagelado. da planta quando as raízes morrem e entram em decomposição
Aparentemente é possível a conversão de mixoamebas em mixo- (Figura 8.12). Cada esporo, sob condições favoráveis de ambiente
flagelados e vice-versa, em função da disponibilidade de água e na presença de raízes do hospedeiro, genuína, dando origem a um
livre sobre o substrato. As mixoamebas ou os mixoflagelados zoósporo biflagelado, chamado zoósporo primário. Este zoósporo,
combinam-se aos pares e fundem-se, sofrendo plasmogamia. após movimentar-se no filme de água do solo, entra em contato com
Após a cariogamia, inicia-se o desenvolvimento da massa plas- um pelo absorvente da raiz e encista-se, perdendo os flagelos. A
modial, com multiplicação dos núcleos diploides, através de penetraçãodá-se diretamente através da parede celular do hospedeiro,
sucessivas divisões mitóticas. Em condições desfavoráveis (baixa com a penetração de uma estrutura ameboide para dentro da célula
umidade, temperatura inadequada e/ou exaustão de alimento), o
da planta. Pequenos plasmódios rnultinucleados são então formados
mixomiceto completa o seu c iclo, produzindo novos esporos, que
no pelo, os chamados plasmódios primários, que vão dar origem a
antes de ficarem maduros, sofrem meiose, tomando-se haploides
zoosporângios arredondados, de parede fina, que preenchem a célula
(Figura 8.11). Às vezes, dependendo das condições ambientais,
do hospedeiro. Zoósporos secundários, uninucleados, em número de
o plasmódio transforma-se, reversivelmcntc, em estruturas de
quatro a oito por esporângio, são em seguida formados e liberados
sobrevivência.
no solo. Estes roósporos pareiam-se conforme sua compatibilidade
Classe Phytomyxeo genética, sofrendo plasmogamia e tomando-se binucleados.
Esta classe era referida, no passado, como Plasmodio- Infecções secundárias nas rdíi.es são originadas por estes l06sporos,
phoromycetes. Este grupo inclui organismos tipicamente fitopa- onde se forma o plasmódio secundário, inicialmente binucleado
togênicos, parasitas obrigatórios, envolvendo três gêneros de e, posteriormente, multinucleado. Como rcsullado da infecção,
importância: Plasmodiophora (hérnia das crucíferas), Polymy:ca ocorrem hipertrofia e hiperplasia das células do hospedeiro, com
(doenças de raiz em gramíneas e cereais) e Spongo:,pora (sarna o surgimento dos sintomas típicos da doença. Ao parar de crescer,
pulverulenta da batata). Os dois últimos gêneros são também o plasmódio secundário transforma-se numa massa de esporos de
importantes por serem agentes transmissores de vírus fitopato- repouso, após cariogamia e meiose. Estes são liberados no solo, após
gênicos. a morte da raiz, completando-se, assim, o ciclo.
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da célula Hipertrofia e
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Plasmódlo células ,do hoa·p edelro
multlnucleado
8.4.2. Reino Chromista donde: vem seu nome. Há evidências de que esses vacúolos
estão relacionados com acúmulo das larninari.nas, já
Classe Oomycetes menciionadas.
Os oomicetos são organismos peculiares, que apresentam Como se pode ver, os oomicetos apresentam várias carac-
algumas características diferentes dos fungos verdadeiros. Entre terísticas bioquímicas e ultraestruturais que os assemelham às plantas
elas, destacam-se: e algas. Essas características, também amparadas por abordagem
• Parede celular constituída principalmente de p-glucanas, filogenética baseadaemregiões conservadas de seu genoma, suportam
mas também contém celulose e o aminoácido hidroxi- a classificação dos oomicetos no reino Chromista, juniamente com
prolina. Quitina é ausente nos oomicetos. algumas algas.. Baseados nisso, diversos pesquisadores defendem
• Síntese de lisina pela via do ácido diaminopimélico (mesma a ideia de que os oomicetos e tais algas possuem, evolutivamente,
via das plantas). um ancestral em comum. Assim, consideram que os oomicetos,
• O ergosterol não é um esterol importante na membrana durante o processo evolutivo, perderam a capacidade autotrófica e,
plasmática dos oomicetos. Alguns autores consideram consequentemente, passaram a necessitar de uma fonte já elaborada
que o ergosterol é ausente nesses organismos. de carbono, tomando-se saprófitas ou parasitas.
O talo assimilativo dos oomicetos é micelial, bem desen-
• As laminarinas (P-1 ,3 glucanas solúveis em água) cons-
volvido, diploide, com hifas asseptadas. O talo diploíde é outra
tituem o principal composto de reserva.
característica que os distingue dos fungos verdadeiros, normal-
• As cristas mitocondriais são tubulares, semelhantes às das
mente haploides.
plantas.
Os oomicetos produzem, por meio da sua reprodução assexual,
• O sistema de Golgi apresenta cisternas múltiplas, também zoósporos biflagelados, tendo um flagelo do tipo chicote, mais curto
semelhante ao das plantas. e voltado para trás, e outro do tipo "tinsel", mais longo e voltado
• Centríolos estão presentes e desempenham importante papel para frente (Figura 8.9 A). Os zoósporos são formados dentro ou
como organizador das estruturas celulares durante a divisão a partir de esporângios, por meio de clivagem citoplasmática. Os
celular e também na formação dos flagelos dos zoósporos. esporângios variam na forma, conforme os gêneros e espécies
• Vacúolos finge,print estão presentes no citoplasma. de oomicetos envolvidos. Podem ser pouco diferenciados da
Estes vacúolos apresentam, em seu interior, material hifa vegetativa, como na ordem Saprolegniales, filamentosos
eletrondenso em arranjo paracristalino lamelar, dando ou globosos, no gênero Pythium, e papilados, limoniformes, no
uma configuração semelhante a uma digital humana, gênero Phytophthora (Figura 8.13).
115
Manual de Fitopatologia
Esportlnglos ···
116
Fungos Fitopatogênicos
~poro
-
C lato
, , n l l D n d lo
Oogêinl
Oósporo
Hifaa no hoapedclro
oos tecidos da planta. As hifas colonizam a planta secretando Outra di lercnça morfológica entre Pythium e Phytophthora está
enzimas que destroem os seus tecidos, provocando os diferentes nos esporangióforos. Enquanto no gênero Pythium essas estruturas
mtomas típicos da doença. À medida que a colonização avança, não se diferenciam das hifas assimilativas, em Phytophlhora, os
~rorângios começam a ser produzidos e novos zoósporos são esporangióforos ramificam-se simpodialmcnte, porém, ainda têm
berados, fechando-se o ciclo assexual. O ciclo sexual ocorre crescimento indetenninado (Figura 8.17 A).
~ •m a produção de oósporos, cujo papel principal é assegurar a
!IObrevivência do patógeno do solo. A diplofase nos oomicctos
°'--Orre no talo vegetativo e a meiose nos gamctângios (oogônio e
mter{dio), determin_a ndo um ciclo vital de haplofase curta.
Ordem Peronospora/es, famflia Peronosporaceae
Na ordem Peronosporales, família Peronosporaceae, estão
a:nportantes patógenos da classe Oomyeetes, como o gênero
Phyrophthora e os agentes causais dos míldios.
e
O gênero Phytophthora, por meio de suas várias espécies,
:a..isa uma variedade de doenças bastante grande. atacando
-umeral> plantas em todas as regiões do mW1do. É agente causal
t "damping-off'', podridões de raiz em plantas jovens e adultas,
mdusive árvores, podridões de tubérculo, necrose em órgãos da
;,cme aérea das plantas. incluindo-se podridões de colo, cancros
e podridões de fruto em plantas anuais e arbóreas, e queima
-" folhagem e ramos jovens em culturas anuais (estas últimas
wnbém conhecidas como "requeimas").
O ciclo vital das espécies de Phytophthora segue, em linhas
;..:r:iis, aquele apresentado pelas espécies de Py1hium. A diferença Figura 8.17 - Classe Oomycetes: estruturas reprodutivas assexuadas
'1.S1ca entre os dois gêneros está na fonnação dos zoósporos: no da familia Peronosporaceae. Esporangióforos e espo-
~nero Pythium os zoósporos são diferenciados na vesícula do ràngios: (A) Phytophthora; (B) Basidiophora; (C)
csporàngio e no gênero Phytophthora eles são diferenciados Sc/erospora; (D) Plasmopara; (E) Peronospora; (F)
.:.retamente no interior dos esporângios, de onde são liberados. 8n?mia.
117
Manual de Fitopatologia
118
Fungos Fitopatogênicos
lliolocárpico} ou apresentar um sistema assimilativo rizoidal (talo Outro representante da ordem Blastocladiales é o Physo-
~ucárpico). Conforme o número de estruturas (esporângios} que derma alfa.fae, agente causal de galha da coroa em alfafa. Esse
rontém, o talo pode ser monocêotrico ou policêntrico. Ainda, fungo era conhecido, em passado recente, como Urophlyctis alfcifae
.e o talo se encontrar inteiramente no interior das células do e, na últíma edição do dicionário, foi reclassificado como P. alfafae.
bospedeiro. é chamado de endobiótico. Talo epibiótico produz as No Filo Chytridiomycota, ordem Chytridiales, encontramos
csmnuras reprodutivas na superficie do hospedeiro (Figura 8.18). os gêneros Synchytrium e O/pidium. Synchytrium endobiuticum
é o agente causal da verrugose preta da batata, doença que, às
vezes, assume importância econômica. O/pidium brassicae é
vetor de diversos vírus de plantas. Essa espécie ataca comumente
as raízes do repolho. hospedeiro que lhe rendeu o nome. mas é
capaz de infectar ampla variedade de plantas.
Filo Zygomycota
O Filo Zygomycota apresenta esporos imóveis, os apla-
nósporos, fonnados por clivagem citoplasmática ao interior de
esporângios e disseminados passivamente pelo vento. A reprodução
st:xual nesta classe é caracterizada pela formação do zigosporângio,
contendo, cm seu interior, um zigósporo, esporo de repouso
<liploide, de parede espessa, resultante da conjugação ou fusão de
dois gametângios morfologicamente similares (Figura 8.19). Seu
talo assimilativo é micelial, haploide, bem desenvolvido e a.sseptado.
Um estudo filogenético publicado em 2016 (Spatafora et ai.,
2016) revelou que o filo Zygomycota não é monofilético e propõe
e sua divisão em dois filos, M11coromycota e Zoopagomycota.
Novos subfilos, classes e ordem, também são propostos, alterando
Figura 8.18- Filo<:> Blastocladiomycota e Chytridiomycota. Diferentes significativamente a taxonomia desse grupo de fungos. Desse
tipos de talo: (A-8) holocárpico monocêntrico endohió- modo, à exemplo do que já foi comentado para o gênero Pythi11m,
rico; (C) holocárpico monocêntrico cpibiótico; (D) eucár- a nova edição do dicionário deverá trazer profundas mudanças na
pico policêntrico. classificação do fi lo Zygomycota.
Ordem Mucorales, familia Mucoruceae
No Filo Blastocladiomycota, ordem Blastocladiales, ençon-
L-Jmos Physoderma maydis, agente causal da mancha parda do Na Ordem Mucora/es, família Mucoraceae, estão os
milho. Esse fungo sobrevive no solo ou tecido inlectado por gêneros titopatogênicos Rhizopus e Mucor. São parasitas fracos,
meio de esporângios de repouso, dotados de parede espessa. que além <le saprófitas habitantes de solo muito comuns. Ocorrem
cm condições favoráveis, na presença de água. libera zoósporos também em frutos. alimentos e outros materiais em decomposição.
naploides. Estes zoósporos movimentam-se na água que recobre R. srolonifer (Figura 8.20A) causa podridão mole em frutos e
.! superfície suscetível do hospedeiro (tecido jovem das bainhas outros órgãos de reserva carnosos da planta, nas fases de pós-
foliares), onde perdem o flagelo e genninam, produzindo um colheita, durante o armazcnamt:nlo, lr,msporte e comercialização
,zomicélio inFectivo. Este penetra e desenvolve-se na epiderme dest~s produtos. Este fungo produz zigósporos durante seu ciclo
e tecido parenquimatoso da planta, onde produzirá novos espo- sexual, os quais estão envolvidos na s ua sobrevivência. É, no
ràngios. Zoósporos secundários pro<lu~i<los em esporângios de entanto, atrav1::s do ciclo assexual que este fungo mantém-se
;:,arede fina podem também ocorrer. Os esporângios de repouso continuamente na natureza. Os esporongiósporos, facilmente
:,arecem ser originários de reprodução sexual, provenientes da disseminados pelo ar, podem se depositar na superficie dos
"'lasmogarnia entre zoósporos harloides e uniílagelados, que frutos ou outros órgãos de reserva, onde germinam e penetram
•uncionam como gametas móveis (planogametas). O zigoto (2N) através de ferimentos. Penetração direta também já foi descrita
(lnginado é biflagelado, tendo capacidade infectiva após encis- para R. sto/onifer em pêssego e nectarina (Baggio et al 2016). O
iamento. A meiose deve ocorrer no esporângio de repouso. antes micélio, que é haploide, desenvolve-se no interior do hospedeiro,
cta liberação dos zoósporos. secretando enzimas pectinolíticas e celulolíticas, o que acarreta a
ZJgooporlnglo
ProgemoUnglo Jovem
Gametângioa !
ZJgoapÓrlnglo
Figura 8.19 - Filo Zygomycota. Reprodução sexual: sequência de evenlOs para a formação do zigosporângio.
119
Manual de Fitopatologia
120
Fungos Filopatogênicos
..
.....
•
Corpoa de Woronln
D ~
Figura 8.23 Corpos de Worcmin presentes nas células dos asconpcetos.
121
Manual de Fitopatologia
Trlcóglno
,,,.
Hlfa
ascógena
Ascog&nfo
A B
Clllula-màe
Asco Asco
do asco
após a pós
mltoae
✓
F G
Figure 8.24 - Filo Ascomycu/a. Sequên1:ia de eventos para formação de a~cos e ascósporos: (A) anlerí<lio e ascogônio sofrem plasmogamia;
(Bl ascogônio fenilizado origina hifas ascógenas, dicariótkas; (C) formação do "cro.lier"; (D) cariogamia na penúltima célula
da hifa ascógena e formação da célula mãe do asco; (E) as1:o jovem inicia o desenvolvimento; (F) meiose; (G) mitose.
do mundo todo estão empenhando esforços na tentativa de ascos é produzida na superlicie da folha do hospedeiro, sem
conectar, principalmente por meio de técnicas moleculares, cada fom1ar um ascoma; e} os ascósporos brotam e mulliplicam-se
ascomíceto ao seu respectivo taxa. Esses esforços certamente dentro ou fora do asco. Essa última característica é responsável
estarão refletidos na 11• edição do dicionário, que deverá trazer pelo crescimento leveduriformc desse fungo em meio de cultura,
uma classificação mais bem elaborada para esse importante grupo apesar de ser considerado parasita obrigatório.
de fungos.
Ordem Eurotiales
Apesar da problemática referente à classificação, acima
descrita, a 1O" edição do dicionário registra 68 ordens para os A maior família nessa ordem é a Trichocomaceae, que abriga
ascomicetos, das quais, serão aqui consideradas somente 18 por os gêneros Emerice/la, Eumtium. Eupenicillium e Tularomyces.
apresentarem importância fitopatológica. Durante a descrição dos Os dois primeiros correspondem, em suas fases anamórficas, a
fungos dessas ordens e familias, por diversas vezes, serão feitas fungos do gêaero Aspergilfus (Figura 8.46), enquanto as duas
referências à sua morfologia, como tipo de asco ou de ascocarpo, últimas correspondem a Penicil/ium (Figura 8.47), dois fungos
porém, vale à pena enfatizar que essas características não podem conidiais saprófitas muito comuns, agentes dos mofos ou bolores,
ser generalizadas <! tomadas como marcas morfológicas típicas que ocorrem em diferentes substratos. São patógenos fracos
para todo o grupo. Já foi dito anterionnente que morfologia e que atacam órgãos de reserva, como sementes e frutos. Ambos
filogenia, em muitos casos, nem sempre caminham na mesma podem produzir micotoxinas em sementes. Penicillium é o agente
direção. causal dos bolores azul ou verde dos citros. podridões de fruto
muito comuns na fase de pós-colheita. O aseoma nesta ordem é
Ordem Taphrinales cleistotecial, com os ascos soltos na sua cavidade, sem formar
A ordem Taphrinales abriga a família Taphrínaceae, um himênio. Os ascos são globosos e sua parede se decompõe quando
grupo de fitopatógenos parasitas obrigatórios que causa doenças os ascósporos amadurecem (Figura 8.25).
importantes em algumas rosáceas, como pêssego e amêndoas.
O micélio é composto por hifas septadas que podem crescer Ordem M icroascales
intercelular ou subcuticularmente nas células do hospedeiro. Esta ordem contém o gênero Ceratocystis, importante
Taphrina deformans, por exemplo, agente causal da crespeira do agente causal de murchas vasculares, cancros e seca de ramos
pessegueiro, ataca as folhas, defon-nando-as e causando desfolha em árvores. Seus ascósporos e conídios da fase assexuada são
do hospedeiro (Figura 8.21 ). Este grupo apresenta algumas disseminados por coleópteros que fazem galerias no tronco e nos
características que o distingue dos demais ascomicetos: a) as ramos das árvores. No Brasil, ocorrem algumas doenças causadas
hifas assimilativas são dicarióticas, enquanto que. nos demais por este gênero, como a seca da figueira, seca da mangueira,
ascomicetos miceliais, a dicariofase ocorre somente nas hifas muito comum em todas as regiões do país, e o cancro da Gmelina
ascógenas. durante a formação do ascoma; b) uma camada de arborea. que praticamente inviabilizou o cultivo desta árvore no
122
Fungos Fitopatogênicos
Ordem Xy/ariale.~
A ordem Xylariales apresenta dois gêneros de fungos com
B
@.
. 1
cerra importância litopatológica: Hypoxylon e Rosellinia. Estes
fungos são predominantemente saprófitas, porém, em deter-
minadas situações atuam como parasitas fracos. Hypoxylon é
agente causal de cancros em árvores e Rosellinia causa podridões
de raízes em árvores ou ataca tubérculos de batata. Rosellinia
ocorre mais comumente em áreas recém-desmatadas ou em solos
flpra 8.25- Filo Ascomycota, ordem Eurotia/es. Ascoma cleistotecial. ricos em matéria orgânica. Esses fungos fonnam peritécios típicos,
ostiolados, de rarede escura, dura e quebradiça (carbonáceos).
No caso de Rosellinia. os peritéeios são solitários ou agrupados
amie do pais. Os ascornas do fungo são do tipo peritécio, não em pequeno número, sobre um subiculo (camada micclial) que
~ s nos tecidos do hospedeiro, com rostro (pescoço) longo, se desenvolve na superficie do substrato (Figura 8.27 A-C), No
am&.endo um ostlolo na sua extremidade, por onde são exsudados gênero JJypoxylon, os peritécios são fom1ados no interior de
...,.:õsporos. Estes formam uma gota mucilaginosa sustentada um cstroma bem desenvolvido, geralmente achatado, escuro,
c1m conjunto de pequenas hifas (setas) presentes na região fonnando crostas sobre o substrato (Figura 8.27D). Os ascos
<Jloar (Figura R.26). Os ascos, do tipo prototunicados, são siio cilíndricos e alinham-se na cavidade do peritécio, formando
ilillriboidos ao acaso na cavidade do ascoma, tendo as suas paredes wn himênio (Figura 8.27E). Apresentam, fre4uentementc, um
:6.•h idas ao amadurcc1erem, para a liberação dos ascósporos. anel apical, que tem ou não reação amiloide (coloração azul)
quando tratado com iodo. A reação amiloide do aparato apical
do asco é uma característica taxonômica utiliLada para auxílíar
a identificação desses gêneros. Os ascósporos são unicelulares,
escuros, com uma fenda germinativa tjpica (Figura 8.27F).
Porlt6olo
Oot/olo
A B e
ó
~ • 8.26 Filo Ascomycota, ordem Microascales. Peritécio de
D
- E
Ceratocysti's.
123
Manual de Fitopatologia
Ordem Hypocreales
Os ascomicetos da ordem Hypocrea/es geralmente produzem
ascomas do tipo peritécio, rostrados ou não, usualmente de coloração Por1i.cloa
124
Fungos Fitopatogênicos
•
Marssonina (Figura 8.59).
Ordem Rhytismatales
a e
Esta ordem contém os gêneros Lophodermium e Rhytisma.
Lophodem1i11m é um parasita fraco que ataca aciculas de Pim,s.
reara 8.J0 Filo Ascomycota, ordem Phyllochoralcs. (A) Clípeo causando manchas e, eventualmente, queima. Também atua
sobre tecido do hospedeiro; (8) corte longitudinal de como sapróntll em acículas mortas por outras causas. É fungo de
pcritécio; (C) asco e paráfises. ocorrência muito comum no sul e sudeste do Bmsil. Rhytisma é
agente causal da doença conhecida como mancha de asfalto cm
-:--;esta ordem aparecem dois gêneros de inten:sse fitopa- plátano.
.ogico: Phyllachora e Apiosphaeria. Phyllachora é encontrado Seus ascomas, carncteristieos da ordem, são apotécios
niumente em associação com manchas foliares em diversas modificados. Desenvolvem-se imersos no tecido do hospedeiro,
·....ntas, causando doenças conhecidas como crostat negra ou sendo recobertos por um estroma escuro, que se rompe por meio
~cha de asfalto. Esse gênero também causa a lixa do coqueiro. de uma fenda longitudinal, expondo o himênio (Figuro 8.32). No
,:,,pJiaeria é o agente causal da crosta marrom <lo ipê, doença caso de Rhytisma, são produzidos vários apotécios agrupados
_ 10 comum no Brasil, principalmente no ipê-amarelo (Tabebuia cm um mesmo estroma, geralmente achatado e circular, que se
•·-''-r,1tifolia). rompem de maneira mais ou menos radial. Os ascósporos, em
ambos os gêneros, são filiformes e tipicamente envolvidos por
O rdem Helotiales
uma bainha mucilaginosa.
Os fungos da ordem Helotiales produzem escleródios bem
~nvolvidos, estruturas que garantem a sua sobrevivência
crr: períodos desfavoráveis. Ao germinarem, esses f:scleródios
--;-,nam apotécios pedicelados. típicos da ordem, que produzem
"""'----os inoperculados, geralmente com anéis apicais amiloides.
.Js ascósporos são projetados e disseminados pelo vento,
& •
::>l(IStituindo-se no inóculo primário da doença.
Quatro géneros de patógenos são encontrados nesta ordem:
S...erotinia, Moniliniu. Botryotinia e Diplocarpon. Causam dife-
~ies tipos de doença, ocorrendo principalmente na fase ana-
- rfica. Sclerotinia(Figura 8.31) ataca diversos órgãos suculentos A B C o
..,_,, plantas em geral, principalmente hortaliças e culturas anuais.
:: -~ gênero não produz esporos no ciclo assexual. Monil'inia causa Figura 8.32 - Filo Ascomycota, ordem Rhytismata/cs. (A) corte longi-
• "'Odridão parda de frutos, especialmente do pessegut:iro, e sua tudinal de apotécio de lophodermium; (B) apotécíos
-~ assexuada corresponde a Moni/ia (Figura 8.57). Botryotinia de Rhytisma; (C) asco e paráfises; (D) ascósporo com
- <le atacar toda a parte aérea das plantas, principalmente folhas, bai.nha mucilaginosa.
125
Manual de Fitopatologia
Ordem Capnodiales conhecida como antracnose da videira. Nos citros, duas espécies
A ordem Capnodiales constitui grupo bastante numeroso e
estão associadas à verrugose em nosso país, E. fawcettii e
E. australis. Em sua fase assexuada, esse gêuero corresponde a
diversificado de fungos, iucluindo vários agentes fitopatogênicos,
Sphaceloma (Figura 8.70).
predominantemente causadores de doenças foliares. A principal
família de importância fitopatológica nessa ordem é Mycosphae- Elsinoe produz estromas com vários [óculos, no interior
rellaceae. Mycosphaerella, o principal gênero da família, possui dos quais são produzidos os ascos bitunicados (Figura 8.33). Os
enorme importância fitopatológica, causando doe nças bastante ascósporos são envoltos em camada mucilaginosa que facilita sua
destrutivas, como a mancha foliar do morangueiro (M .fi·agariae), aderência no hospedeiro.
mal-de-Sigatoka (M. musico/a) e Sigatoka negra (M .fiJiensis) em
bananeira, entre outras. Porém, esse gênero ocorre mais comumente
em sua fase anamórfica, envolvendo espécies pertentencentes aos
8 _. . .
Ascósporos
126
Fungos Fitopatogênicos
e
~ '1
e D
'
8
f"rgura 8.34 Filo Ascomycota, ordem Pleosporales. Pseudotécios, ascos e ascósporos de: (A) Venturio; (B) Cochliobolus; (C) {>yrenophora;
(D) Pleospora; (E) Leptosphaerulino; (F) Leptosphaeria; (G) Didymella.
Ordem Erysipha/es correspondentes ao gênero Oidium (Figura 8.81). Tais conídios são
unicelulares, hialinos, ovoides a cilíndricos, produzidos a partir
A ordem Erysiphales constitui o grupo de fungos parasilAS
de conidióforos curtos e não ramificados, derivados do micélio
«>ngatórios causadores das doenças conhecidas como oídios.
superficial. Estes conídios são os responsáveis pelo desenvol-
Estes fungos infectam os tecidos clorofilados das plantas, como
vimento dos sucessivos ciclos secundários do patógeno, ao serem
f,..,ihas e frutos, desenvolvendo um micélio, na maioria das vezes, disseminados pelo vento e depositarem-se sobre novos tecidos
-..Jpcrficial, que retira os nutrientes do hospedeiro. por meio de
suscetíveis do hospedeiro. O gênero Phyllactinia, cuja fase
-:.mstórios formados no interior J as células da epiderme (Figura anamórfica é Ovulariopsis (Figura 8.82), coloniza a superftcic
!.35A).
do hospedeiro, porém, parte do micélio também invade o mesó-
A fase teleomórfica dos fungos da ordem Erysiphales é filo através dos estômatos. Os conidios são formados a partir
.J.racterizada pela produção de ascomas esféricos, do tipo cleis- de conidióforos longos, não ramificados, que emergem do
nécio, na superficie do hospedeiro (Figura 8.35B). Os cleis- micélio superficial. Esses conídios são grandes, geralmente cla-
iülécios amadurecem lentamente durante o outono e inverno, vados e solitários, raramente formando cadeia. leveillula, que
·berando os ascósporos na próxima primavera, parc1 dar início a corresponde ao anamorfo Oidiopsi.1· (Figura 8.83), coloniza
QO\O ciclo primário da doença. Na superficie dos ascomas desen-
principalmente o mesófilo dos órgãos pardsitados e seus coni•
0lvern-se apêndices filamentosos t(picos. Segundo Kendrick dióforos, longos, ramificados ou não, emergem através dos
2001 ), a morfologia destes apêndices e o número de ascos por estômatos e produzem dois tipos de conídios. O conídio primário,
_-coma constituem um bom critério para a diferenciação dos lanceolado e com ponta no ápice, é o primeiro a ser produzido no
~~eros que ocorrem nesta ordem (Quadro 8.1 e Figura 8.35C). A conidióforo, diferindo bastante do conídio subsequente, o cooidio
~ração dos ascósporos dá-se por meio do rompimento da parede secundário, com forma que varia de elipsoide a cilíndrica, com
_, cleistotécio, que expõe os ascos. Estes, por sua vez, expelem os ápice sem ponta.
_...;:ósporos através de uma fenda no seu ápice.
Os gêneros Erysiphe, Uncinula, Microsphaera, Podosphaera Ordem Glomerellales
e Sphaerotheco produzem, em suas fà.ses anamórficas, conidios A ordem Glomerellales tem duas famílias com importância
~ cadeia, de fonna basipetal (conídio mais jovem na base), fitopatológica, Glomerellaceae e Pfectospherellaceae. A familia
Quadro 8.1. Classificação dos gêneros teleomórficos dos Erysiphales em função dos apêndices e do número de ascos encontrados oos ascomas.
127
Manual de Fitopatologia
Ordem Magnaportltales
Nessa ordem encontra-se a família
~
Magnaporthaceae, com dois gêneros de im-
portância fitopatológica, Magnaporthe e
Gaeumannomyces. Ambos produzem peri-
técios ostiolados, não estromáticos, tipi-
camente rostrados e com perífises espar-
A sas e delgadas. Os ascos são unitunicados,
com anel apical refrativo e não amiloide,
mais espesso no ápice em Magnaporthe que
em Gaeumannomyces. Os ascósporos de
Magnaporthe possuem, geralmente, três sep-
tos e são fusiformcs, curvados e hialinos. No
gênero Gaeumannomyces, os ascósporos são
multiscptados, filifonnes e hialinos (Figura
8.37).
I.Jnclnlll• Púdo~,,,,_ra/111Jarosph•t1r• PfrTll•Cflni11 Magnapor/he grisea é agente causal
de brusone em arroz e trigo, ocorrendo mais
Figura 8.35 - Filo Ascomycota. Algumas estruturas encontradas na ordem Erysiphales: comumente em sua fase anamórfica, Pyri-
(A) haustórios; (B} asco e cleistotécío; (C) diferentes tipos de apêndices dos ,11/aria (Figura 8.86). Gaeumannomyces
cleistotécios. graminis var. tritici causa a doença mal-do-pé
do trigo.
G/omerellaceae é representada pelo gênero Glomendla, que
produz ascocarpos do tipo peritécio, parcial ou completamente
imersos nos tecidos do hospedeiro, sem estroma, com rostro
geralmente curto e tipicamente forrado internamente com perífiscs.
Os ascos são unitunicados, cilíndricos a levemente clavados e
os ascósporos unicelulares, hialinos, elipsoides. retos ou ligeira-
mente curvos (Figura 8.36)_ Em sua fase anamórfica, Gfomerella
corresponde aos fungos do gênero Colletotrichum (Figura 8.84),
agentes causais de doenças conhecidas como. antrncnose~ em
mais de uma centena de hospedeiros.
A
Filo Basidiotnycota
Assim como os ascomicctos, os basidiomicetos compõem
um grande grupo de fungos que apresenta uma fase dicariótica
(dicariofase) em seu ciclo vital. Além desta característica, os
basidiomicetos têm em comum com os ascomicetos: a) presença
Je quitina na parede celular; b) hifas regularmente septadas;
e) presença de poro central nos septos; d) potencial para anas-
B e D tomose de hifas vegetativas (somatogamia); e) produção de corpos
de frutificação complexos e frequentemente macroscópicos;
Figura 8.36- FiloAscomycola, família Glomerellaceae. (A) peritécio; () mecanismo de lançamento forçado dos esporos sexuais (meiós-
(B) asco; (C) parãfises; (D) ascósporo. poros) na atmosfera.
Estas características indicam que basidiomicetos e ascomi-
A familia Plectosphaerellaceae possui representantes cetos evoluíram a partir de um ancestral comum. Existem, por
cujos anamorfos correspondem ao gênero Verticillium (Figura outro lado, vários aspectos que distinguem estes fungos entre si:
8.85), imponante agente causal de murchas vasculares em muitas a) a parede das hi fas dos ascomicetos apresenta apenas duas camadas
plantas. Esse gênero é polifilétíco e sua classificação tem sido e a dos basidiomicetos é muhiestratificada; b) o septo das hifas
revista à luz de técnicas moleculares. No Brasil, estão presentes dos ascomicetos apresenta apenas um poro central simples. com
as espécies V. albo-atrum e V. dahliae. Apesar de não possuírem exceção das leveduras, que têm vários poros. Nos basidiomicetos,
teleomorfos conhecidos, essas espécies foram incluídas entre o poro em geral é complexo (doliporo) (Figura 8.38A) e não
os ascomicetos porque análises moleculares revelaram que permite a passagem do núcleo, ou é um pouco mais simples, no
pertencem à família Plectosphaerellaceae_ caso das ferrugens; e) nos basidiomicetos. após a anastomose
128
Fungos FilopatogênicoJ.·
C lasse Agaricomycetes
Os fungos fitopatogénicos da classe Agaricomycetes produ-
zem coll)os ,de frutificação macroscópicos, bem desenvolvidos,
como os cogumelos e as orelhas-de-pau. Os basidiósporos são
produzidos em basídios não septados (holo basídio) (figura 8.39),
geralmente em número de quatro por basídio, e são projetados
ativamente (balistósporos).
O micélio dos basidiocarpos (micélio terciário) pode ser
composto por três tipos de hifa: hifas gerador as, dotadas de
paredes finas, féneis, responsáveis pela formação dus basídios.
A B hifas do esqueleto, de parede grossa, estéreis. não ramificadas
e hüas de liigação, também com parede grossa, estéreis, mas
Figura 8.38 - Filo Basidiomycota. Estruturas encontradas nas hifus: ramificadas. Quando os três tipos de hifa estão presentes, o
(A) doliporo; (D) fonnaçõo do grampo de conexão. basidiocarpo apresenta estrutura tr imítica . Se o ba'sidiocarpo
é composto somente de hifas gerncloras, este é de construção
monomítica. Quando somente dois tipos de hifas ocorrem (hifa~
de hifas monocarióticas do micélio primário, estabelece-se uma geradoras e hi fas do esquelclo ou hifas de ligação), o basidiocarpo
dicariofase prolongada, que dura meses on até anos, constituindo é de construção dimítico.
o micélio secundário. Nos ascomicetos, a <licariofase fica Nessa dasse há representantes fitopatogénicos nas ordens
restrita às hifas ascógenas, que se formam a partir do ascogônio,
Polypora/es, Corticiales, Agaricales e Cantharellales.
dentro do ascoma. Os basidiomicetos apresentam um terceiro
tipo de micélio, o micélio terciário, que compõe os tecidos dos Ordem Polyporales
corpos de frutificação. Este micélio também é dicariótico; d) as Nessa ordem encontra-se o gênero Ganoderma (Figura
hifas dicarióticas de muitos basidiomicetos podem apresentar 8.40A), de ocorrência muito comum em árvores de áreas urbanas,
grampos de conexiío (Figura 8.38B) na altura dos septos. sujeitas a diferentes tipos de estresse fisiológico e de ferimentos.
Essas estruturas são responsáveis por restabelecer a condição Nesse gênero, o basidiocarpo é perene, de consistência lenhosa e
dicariótica durante a divisão celular nas hifas, uma vez que o o himênio (camada fértil de basídios) é localizado na superfície
doliporo não permite a passagem do núcleo. Nos ascomicetos, interna de tubos que se comunicam com o exterior, na parte
as estruturas correspondentes aos grampos de conexão, os inferior do basidiocall)O (Figura 8.40B).
..croziers", ocorrem exclusivamente nas hifas ascógenas; e) os
meiósporos dos ascomicctos (ascósporos) fonnam-se dentro dos
ascos, enquanto que aqueles dos basidiomicetos (basidiósporos)
:.ão fonnados do lado de fora dos hasídios (Figura 8.39),
onde ocorre a cariogamia e, subsequentemente, a meiose. Os
basidiósporos geralmente formam-se a partir de projeções do
basídio, os cstcrigmas.
A B
........•
Coniciales (C): (A) basidiocarpos de Ganoderma; (B)
corte transversal de parte do basidiocarpo, mostrando
os tubos e a disposição do himênio; (C) basidiocarpo
Buídloa jO\lens B■aídloa m■ duroa
ressupinado de Erythricium.
Figura 8.39 - Filo Basidiomycota: estágios de desenvolvimento do
basídio e basidiósporos. Ordem Corticiales
A ordE:m Corticiales contém o gênero Erythricium, cuja
Do ponto de vista fitopatológico, os basidiomicetos impor- espécie E. salmonicolor (sin. PhanerochaeJe salmonicolor. Corti-
tantes estão distribuídos nas classes Agaricomycetes, Puccinio- cium salmonicolor) parasita plantas. Em áreas tropicais úmidas,
mycetes, Ustilaginomycetes e Exobasidiomycetes. essa espécie causa a rubclose ou doença rosada em várias culm-
129
Manual de Fitopatologia
ras, como o chá, seringueira, citros e eucalipto. Nesse gênero, o Apesar de não fonnarem basidiocarpo, os fungos da ordem
basidiocarpo é achatado (ressupinado), com o himênio na super- Pucciniales, ao contrário dos demais basidiomicelos, produzem
ftcie superior (Figura 8.40C). órgãos sexuais, as espermácias e as hifas receptivas, que atuam
como órgãos masculinos e femininos, respectivamente. O ciclo
Ordem Agaricales
de um Pucciniales, por outro lado, em geral é complexo, podendo
Nessa ordem encontramos fungos que produzem basi- compreender até cinco estádios diferentes e frequentemente
diocarpos carnosos, efêmeros. O basidiocarpo dos Agaricales, envolvendo dois hospedeiros, no caso das ferrugens heteroécias.
chamado vulgarmente de cogumelo, apresenta uma estipe, Quando todo o ciclo vital ocorre em apenas um hospedeiro, a
central, ligada a um píleo, no topo (Figura 8.88). O himênio fica ferrugem é chamada autoécia. As ferrugens que apresentam as
na parte inferior do píleo, recobrindo a superficie de lâminas ou cinco fases no seu ciclo vital são chamadas macrocíclicas. Estas
lamelas, radialmente dispostas. Os basidiósporos, do tipo balis- cinco fases estão descritas a seguir.
tósporos, são projetados no espaço entre duas lamelas. ganhando
• Fase O- Fase espermogonial: nesta fase ocorre a fonnação
a atmosfera, sendo, assim, disseminados.
de espermogônios na superficie do hospedeirp. os quais
Durante o desenvolvimento do basidiocarpo, uma membrana, produzem llifas receptivas e espennácias (Figura 8.41 A).
chamada ,,éu universal, que o envolve complel.amente, pode As espennácias, que são monocarióticas e haploides (N),
deixar vestígios, na fo1ma de uma bainha na base da estipe, a são disseminadas por insetos, entrando em contato com
volva, ou escamas na superfície do pílco, características de alguns hifas receptivas geneticamente compatíveis, produzidas
gêneros deAgaricales. Um véu parcial uu interno, ligando a estipe em outros espermogônios. Ocorre, énlão, a fertilização
à extremidade do pílco, pode também permanecer no basidiocarpo (plasmugamia). iniciando-se a dicariofase (N+N) (Figura
adulto na fonna de um anel ou ânulo envolvendo a estipe, ou na 8.4 \B).
forma de cortina, formada por filamentos ligando o píleo à estipe
• Fase 1 - Fase ecial: o mícélio dica.riótico produzido a
(Figura 8.8A-B).
partir <la fase O, após a colonização do hospedeiro, dá
Na ordem Agaricales encontramos os gêneros Armillaria
origem aos écios, onde são produzidos os cciósporos,
e Moniliophthora, com importância fitopatológíca. Armillaria
também dicarióticos (Figura 8.41 C). Estes, com o rom-
causa podridão de raízes em árvores, especialmente Pinus, e
pimento ela epidenne do hospedeiro, são liberados e
Moniliophthora perniciosa (sin. Crinipellis perniciosa) é o agente
disseminados pelo vento. Ao entrar em contato com tecido
causal da vassoura-de-bruxa do cacaueiro.
suscetível do mesmo hospedeiro (ferrugens autoécias) ou
Ordem Cantharellales de outro hospedeiro (ferrugens heteroécias) originam
novas infecções.
Rhizoctonia solani, importante patógeno veiculado pelo
solo, causador de "damping-otr·, podridões de raízes e, às vezes, • l•'ase 11 - Fase urcdinial: após a infecção pelos eciós-
de queima de folhagens, constitui-se na fase an:amórfic'a de poros, são fonnados os uredínios, produtores dos uredi-
Thanatephorus Cllcumeris, representante da ordem Cantharellales. nióspo ros (ou Ltredósporos), esporos dicarióticos, unice-
Assim como Erythricium salmonicolor, forma basidiocarpos lulares, com pouca variaçâ(l morfológica, que são dis-
ressupinados sobre o hospedeiro, em regiões úmidas e quentes. seminados pelo vento para dar origem a novas infecções
Comumente, no entanto, este fungo ocorre exclusivamente na no hospedeiro em que foram produzidos (Figura 8.410).
fonna micelial, não produzindo esporos e sobrevivendo no solo Os urediniósporos são os únicos esporos das ferrugens que
por meio da formação de escleródios. são repetitivos, ou seja, a infecção por um urediniósporo
dá origem a novos urediniósporos. Vários ciclos urediniais
Classe Pucciniomycetes podem ocorrer, dependendo ela.<; condições ambientes
Na classe Pucciniomycetes o basídio desenvolve-se a partir e da existência de tecido disponível do hospedeiro para
da germinação do teliósporo, esporo <liploide de parede espessa, infecção. Os urediniósporos, a exemplo dos eciósporos,
que sofre meiose ao formar o mbo germinativo, de crescimento formam massas pulverulentas, de coloração amarelo-
determinado e, neste caso, denominado de promicélio. O promicélio alaranjada a marrom, de aspecto ferruginoso, típicas da
é septado e dividido transversalmente em quatro células haploides, ordem Pucciniales.
que dão origem aos basidiósporos (Figura 8.8C). Não há formação • Fase UI - Fase teUal: esta fa<ie, caracterizada pela pro-
de basidiocarpo. dução de télios e teliósporos (Figura 8.41 E), ocorre
Os representantes fitopatogênicos dessa classe estão reunidos geralmente quando as condições tomam-se desfavo-
na ordem Pucciniales. ráveis para o fungo. Os teliósporos, inicialmente dica-
rióticos, sofrem cariogamia, tomando-se diploidcs (2N).
Ordem Pucciniales Têm parede espessa e escura, servindo de estrutura de
Esta ordem engloba os fungos causadores de ferrugens. repouso ou sobrevivência das ferrugens. Ao contrário
Mais de 160 gêneros e 7.000 espécies são relatados, afetando dos urediniósporos, os teliósporos apresentam bastante
grande número de plantas. São patógenos altamente específicos variação morfológica e têm bastante valor taxonômico
quanto aos hospedeiros, em nível de família, gênero ou espécie (Figura 8.42). Os teliósporos não são infectivos. Em
de planta. São parasitas evoluídos, produzindo baustórios condições favoráveis, eles genuinam e produzem o pro-
intracelularmente, a partir do micélio intercelular, que não micél io, que dará origem à fase basidial. A meiose ocorre
apresenta grampos de conexão. São parasitas obrigatórios, em algum momento durante a germinação do teliósporo,
entretanto, culturas axênicas já foram obtidas para algumas originando 4 núcleos haploides que darão origem aos
poucas espécies. basidiósporos.
130
Fungos Fitopatogênicos
o Classe Ustila,:inomycetes
A classe Ustilaginomycetes compreende os
F1gura 8.41 Filo Basidiomycota, ordem Pucciniales. Ciclo de uma ferrugem hasidiomicetos causadores das doenças conhecidas
macrocíclica: (A) fase O - espermogonial; (B) fertilização de bifa como carvões. Possui mais de 1.000 espécies. distri-
receptiva por espermácia; (C) fase 1 - ecial; (D) füsc 11 - urcdinial; buídas em pouco mais de 60 gêneros. A ordem mais
(E) fase Ili - telial; (F) fase IV - basidiaL importante é Ustilaginales.
Ordem Ustila,:ina/es
Essa ordem concentra a maioria dos agentes causais
Jos carvões, com 49 gêneros e 850 espécies. Os gêneros mais
importantes são Ustilago e Sporisorium. À semdhança dos
Pucciniules, são parasitas de plantas vasculares, produzindo basi-
diósporos a partir da germinação dos tcliósporos. As diferenças
Pucdnia IJ,r,pyxis
entre as duas ord,ms, no entanto, sã{> numerosas: a) nas ferrugens,
~ PilflOlaria
os tcliósporos são produzidos tenninalmenle noi. soros teliais
(télios) e nos carvões estes são intercalares, produzidos como
clamidósporos, por fragmentação das hitàs, em massas escuras,
no lugar de órgãos do hospedeiro (ovário, antern. etc.); b) nas
ferrugens. fonnam-se quatro basidiósporos por célula do
teliósporo, os quais são projetados a partir de esterigmas. Nos
carvões, o número de basidiósporos. nesse caso mais conhecidos
como esporidios, é variável e estes não são lançados a partir de
esterigmas, por este motivo, denominados estatismósporos; e) as
ferrugens produzem órgãos sexuais (espennogônios) e os caivões.
Plngmidium RMV"""'ia não. A plasmogamia nos carvões ocorre pela fusão de células
compatíveis, não especializadas; d) as ferrugens, frequentemente,
Figura 8.42 - Filo Basidiomycora, ordem Pucciniales. Alguns exemplos requerem dois hospedeiros e os carvões, nunca; e) as ferrugens,
de variações morfológicas encontradas nos teliósporos. em geral. causam infecções localizadas no hospedeiro e os
carvões causam, geralmente, infecções sistêmicas; t) as ferrugens
• Fase IV - Fase basidial: o ciclo do fungo completa-se têm gama maior de hospedeiros (pteridófitas. gimnospennas
com a produção dos basidiósporos (também chamados e angiospcm1as) do que os carvões, os quais se restringem às
de esporídios), após a genninação dos teliósporos angiospermas; g) ao contrário das ferrugens, os fungos causadores
(Figura 8.41 F). Os basidiósporos são projetados na de carvões produzem, em meio de cultura, um crescimento
atmosfera e darão origem a novas infecções ao encontrar leveduriforme, unicelular, graças ao brotamento dos csporídios.
tecido suscetível do hospedeiro, por meio do micélio Os fungos causadores de ferrugem dificilmente crescem em meio
primário, haploide e monocariótico. produzido a partir de cultura e, quando o fazem, seu crescimento é micelial.
131
Manual de Fitopatologia
Um estudo recente (Marques et al., 2017) demonstrou ao serem depositados em tecidos jovens do hospedeiro, causar
que, para Sporisorium scitamineum, agente causal do carvão da novas infe,cções. Outros pem1anecerão nos restos de cultura, onde
cana-de-açúcar, além da formação tática intercalar clássica, os terão condições de sobre.viver por vários anos.
teliósporos podem, também, serem formados apicalmente na
Clas:se Exoba~·idiomycetes
hifa esporogênica. Nesse caso, apenas a célula apical da hifa se
destaca, deixando uma cicatriz na hifa esporogênica, semelhante Os representantes fitopatogênicos dessa classe são os
ao colarete da conidiogênese enteroblástica anelídica. agentes de doenças denominadas cáries e se concentram na
O teliósporo dos carvões equivale ao das ferrugens. Após ordem Tilf,etiales.
a cariogamia e durante a germinação, sofre meiose e produz um Ordem Tilletiales
promicélio com três septos transversais. A partir de cada célula
deste promicélio brota um ou mais esporídios (Figura 8.43). Após a Essa ordem possui uma única família, a Tilletiaceae, com
fom1ação dos esporídios, a plasmogamia ocorre de fom1a bastante 6 gêneros e: pouco mais de 180 espécies. Desses gêneros, destaca-se
variável, dependendo <la espécie de fungo. Em espécies homotálicas, Tilletia, tanto em número de espécies quanto em importância. É,
que se reproduzem sexualmente a partir de um simples indivíduo portanto, um pequeno grupo defüopatógenos que, no passado, por
originado de um esporo, pode ocorrer íusão entre esporídios de semelhanças morfológicas e em seus ciclos vitais, era considerado
um mesmo basídio, fusão de um esporidio com uma célula do próximo c.ilos agentes causais dos carvões. Entretanto, após o
basídio, fusão entre duas células do mesmo basídio, sem ocorrer a advento das técnicas de sequenciamento de regiões conservadas
produção de esporidios, ou ainda, fusão entre tubos germinativos do DNA dos fungos, esse grupo foi reclassificado e incluído em
de esporídios recém-germinados. Muitos carvões, no entanto, são classe distiinta dos agentes de carvões.
heterotálicos. Neste caso, as fusões devem ocorrer entre elementos Os fungos dessa ordem também produzem teliósporos,
provenientes de teliósporos diferentes, compatíveis. corn morfologia e função semelhantes aos Jos carvões. Após a
cariogamia e meiose, urna ou duas mitoses ocorrem, originando
oito ou 16 núcleos haploides. A gem1inação do teliósporo dá
origem a um promicélio geralmente asseptado, de cujo ápice
B
8 surgem esporídios primários, estreitos e levemente curvados, cm
quantida<l~: correspondente ao número de núcleos do promicélio.
Os esporídios primários conjugam-se aos pares, por meio de
curtos rubos de conjugação, conferindo ao conjunto um fonnato
de "H" (Figura 8.44). O núcleo de um dos esporídios migra para
o outro, que se toma binucleado e desenvolve um único esterigma
lale.ralménte. A partir desse esterigma, origina-se um csporídio
secun<lário,, hinucleado e infectivo, que é projetado ativamente,
como os hasidiósporos das ferrugens.
132
Fungos Fítopatogénicos
133
Manual de Fitopatologia
Conídlos
Conldl6foro
·····•··
Figura 8.46 -Aspergillus (teleomorfo - Emericel/a, Eurotium). Figura 8.49- Pesotum (Sin. Graphium) (lelcomorfo = Ophiosloma).
Ordem Xylariales
......
'•
Conldiól'oro
..
Fl6Hde
-
Figura 8.48 -Thielaviopsis (teleomorfo = Ceratocystis). Figura 8.51 - Fusarium (teleomorfo = Haematonectria, Giberella).
134
Fungos Fitopatogênicos
Ordem Diaporthales
•..•···o. Ot'
o~
Confdloa
Con!~ios
; .
..
..
Vesícula
♦
Figura 8.55 - Phomopsis (teleomorfo = Diaporthe).
... Conidióforo
Conidloa
Ordem Helotiales
F11U-n 8.54 - Myrothecium {teleomorfo = incerto). Figura 8.57 - Monilia (teleomorfo = Monilinia).
135
Manual de Fitopatologia
Figura 8.58 - Botrylis (tcleomorfo = B01,yo1i11ia). Figura 8.61 - Cercosporel/a (teleomorfo "" Mycosphaerella).
Ordem Capnodiales
Figura 8.60- Cercospora (teleomorfo = Mycosphaerello). Figura 8.63 - Pseudocercospora (teleomorfo = Mycosphaere/la).
136
Fungos Fitopatogênicos
e& oo
Figura 8.66- Septoria (telcomorfo - Mycosphoerella). Figura 8.69 - Phy/losticta (teleomorfo = Guignurdia).
137
Manual de Fitopatologia
Ordem Myriangiales
Ordem Pleosporales
Figura 8.72 - Bipo/aris (teleomorfo = Cochlioboills). Figura 8.75 - Coryne.spora (tcleomorfo = Corynesporasca).
138
Fungos Fitopatogénicos
F"11ur11 8.76 - Stemphylium (teleomorfo = Pleospora). Figura 8,79 -Aschochyta (tclcomorfo = Didymellu).
Ordem Tric:hospl,oerioles
139
Manual de Fitopatologia
Conídlos
•·••Conidios
Conidiõforo
......•···
◄•· ... Conldlóforoa
Ordem Mag11apnrthales
Conld16foro
Ordem Glomuel/ales
140
CAPÍTULO
9
BACTÉRIAS FITOPATOGÊNICAS
Ivan Paulo Bedendo e José Belasque
ÍNDICE
9.4. Reprodução, variabilidade genética e crescimento 9.7. Principais gêneros de fitohactérias no Brasil ....... 156
populacion al........................................................... 148 9.8. Bibliografia consultada .......................................... 160
9.5. Ciclo de relações patógeno-hospedeiro ................ 149
fll. l. O INÍCIO DA FITOBACT ERTOLOGIA causal d~ uma doença em pereira. conhecida como qllcima (jire
nterionnente à descoberta dos próprios microrga- biiglu). Apesar de estar certo na sua proposi~:ão, 13urril ainda n!l.o
143
Manual de Fitopatologia
144
Bactérias Fitopatogênicas
e
•
Célula Isolada A B Vlbrlão
Oíplococos Olplobacilos
Esplrllo
••••
Estreptococos Estreptobacilos
Esplroqueta
Tétnde
•
Estafilococos
D
Sarclna
Hcura 9.2 - Esquema de grupamentos característicos produzidos por células bacterianas esféricas ou cocos (A) e cilíndricas ou bacilos (8 ).
Representação de células bacterianas isoladas mostrando fonna tipicamente espiralada ou espirilos (C). Modelos de inserção de
flagelos em células do tipo bacilos (D).
g,=nero Streptomyces, que abriga representantes fitopatogênicos, internamente à parede celular (membrana plasmática, citoplasma,
... .J111a exceção, apresentando crescimento micelial e fonnação de cromossomo, grânulos ou inclusões, rnesossomos, ribossomos e
:sporos aéreos em cadeias. Outra exceção é o grupo dos procariotos plasmídeo). A representação esquemática de uma célula bacteriana
Enl parede celular - fitoplasmas e espiroplasmas. Filoplasmas são com seus diversos componentes está ilustrada na Figura 9.3.
W>Jmórflcos, ou seja, podem adquirir diferentes formas. Já os
=,::uoplasmas apresentam fonna espiralada, ou seja, helicoidal e
-=...:\J\e] (também denominada espiroqueta). Fitoplasmas e espi- 9.3.2.1. Parede celular
~1asmas são te ma do Capítulo l l.
É uma estrutura complexa, rígida, responsável pela forma
As bactérias ntopatogênicas, na sua maioria, apresentam da célula, por protegê-la do ambiente ex.t.:mo e também envolvida
.;: .tias bacilifonnes curtas. com 1,0 a 5,0 µm de comprimento nos processos de crescimento e divisão celular. A parede celular
- J.5 a 1,0 µm de largura. O tamanho da célula pode variar em circunda toda a célula bacteriana, externamente à membrana
::...r-.;ão de alguns fatores, entre eles a composição do meio onde
citoplasmática. Por sua relativa rigidez, a parede celular protege
.. :-actéria é cultivada, a idade da colônia e a temperatura de
a membrana plasmática e o conteúdo celular interno, evitando o
r,.:Jbação usada para o desenvolvimento da cultura bacteriana.
extravasamento do citoplasma ou o rompimento da célula quando
::::::. razão da· reduzida dimensão, as células somente podem
a pressão interna é maior que a pressão externa. O componente
observadas com o auxílio tle microscópios. No caso do
responsável pela rigidez da parede é um pollmcro denominado
- .:roscópio de luz, a visualização exige, normalmente, o
pepti<.leoglicano (ou mureína). A parede celular é estruturada em
~t-.!lecimento de contraste entre a célula e o meio onde ela
encontra. Este contraste é obtido por meio de corantes camadas, com espessura de 10 a 15 nm em Gram-negativas e
,c-~priados ou pelo uso de recursos do próprio microscópio, 20 a 80 nm em Gram-positivas. A maior espessura da parede
- "Do campo escuro e contraste de fase. celular nas bactérias Gram-positivas deve-se às suas várias
camadas de peptidioglicano, formando uma estrutura mais espessa
9.3.2. Estruturas e Organização Celular e rígida em comparação às Oram-negativas (Figura 9.4). A maioria
Uma das técnicas mais utilizadas em microbiologia é o dos procariotos possui parede celular. Embora as células de alguns
~oda de coloração de Gram. Esse método foi desenvolvido em eucariotos tenham parede celular, como vegetais e fungos, nesses
.._..._. pelo bacteriologista Hans Christian Gram e permite dividir o rganismos ela é estruturalmente mais simples e menos ríg1da do
bactérias em dois grupos: Oram-positivas e Gram-negativas. que nos procariotos.
&, bactérias reagem de modo distinto após a coloração de Gram Além de camadas sobrepostas de peptideoglicano, as
._ r diferirem quanto à composição e à estrutura de suas paredes Gram-positivas apresentam em sua parede celular ácidos tcíeoi-
~ clares. Para fins didáticos, descreveremos a parede celular das cos e polissacarideos, com funções no crescimento celular, na
'9ctérias e suas diferenças em Oram-positivas e Oram-negativas. especificidade antigênica e na patogenicidade. Apesar de menos
,.eguida os diversos componentes da célula bacteriana, rígida, a parede celular das Oram-negativas é bioquimicamente
d1zados externamente à parede celular (flagelo, fimbrias mais complexa. Nessas células, externamente à camada de
pelos e cápsula) e, finalmente, os componentes localizados peptideoglicano, há uma membrana plasmática, denominada
145
Manual de Fitopatologia
Cromossomo Ribossornos
Grânulo Plasmfdio
· • • • Citoplasma
ãpsula
Pareda
ce.l ular
citoplasmétlca
pari~rico
Ragelo
membrana externa. Essa membrana consiste de uma camada 9.3.2.2. Estruturas externas à parede celular
dupla de fosfolipídíos, lipopolissacarídeos ( LPS) e vários
Flagelo. O flagelo tem a função de mover a bactéria.
tipos de proteínas envolvidos, por ex.emplo, no transporte de
A maioria das bactérias fitopatogênicas possuí flagelos. Essa
nutrientes e solutos hidrofil icos, na retenção de antibióticos e
outras substâncias tóxicas, na interação com o hospedeiro e na estrutura é composta por três partes: corpo basal, gancho e
patogenicidade. A eslrutura da membrana externa é similar u da filamento. O corpo basal das bactérias Oram-positivas contém um
membrana citoplasmática (<ll!scrita no item 9.3.2.3). A camada de par Je anéis aderido à membrana plasmática. Nas Gram-m:gaLivas
peptideoglicano está ligada a lipoproteínas da membrana externa e há dois pares de anéis: um presente na membrana plasmática
localiza-se numa matriz de polipcptídcos, sacarídeos, proteínas de e outro na parede celular. O principal constituinte <los llagelos
transporte e enzimas de degradação (como celulases e pectinases), bacterianos é a proteína flagelina. O guncho está localizado
denominada pçriplasma ou espaço pcríplasrnátíco. Dessa fom,a, extemamenk à parede celular e é o ponto de ligação do COTJlO basal
externamente à membrana citoplasmática das Oram-negativas, há com o filamento. Esse último é uma longa estrutura que apresenta
duas camadas: o periplasma e a membrana externa. movimento de rotação nos sentidos horário e anti-horário. A
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Figura 9.4- Digrama ilustrativo dos componentes da parede celular, membrana citoplasmática e membraua externa de bactéria Gram-negativa
(à esquerda) e Gram-positiva (à direita).
146
Bactérias Fitopatogênicas
mo\'imentação do filamento ocorre devido à rotação do gancho. 9.3.2.3. Estruturas internas à parede celular
·\ssim. o filamento do flagelo atua como um motor de barco,
Membrana plasmática. A membrana plasmática é a
-empurrando" a bactéria num meio aquoso. É dessa maneira primeira estrutura interna à parede celular e está em contato com
-fui! ocorre a movimentação ativa das bactérias por curtíssimas
o citoplasma. Essa membrana é uma matriz fluida formada por
dtstàncias. O estímulo direcional da célula bacteriana depende uma camada fosfolipídica dupla com 50 a 70% de sua massa
j.:- fatores ambientais atraentes ou repelentes. A movimentação
seca composta por proteínas e 20 a 30% de lipídios. A membrana
~-elular recebe o nome de "taxia" e diferentes termos definem plasmática é uma estrutura presente em toda célula procariótica,
.:iue fator ambiental está atuando na rnovimentaçiio bacteriana, portanto essencial à vida celular. Suas principais funções são: a)
:-.:>mo exemplos quimiotaxia (compostos químicos), aerotaxia atuar como barreira seletiva, permitindo a entrada de nutrientes,
O"\tgênio), fototaxia (luz), osmotaxia (potencial osmótico). água e solutos hidrofilicos, mas impedindo a entrada de
Quando o estímulo é favorável, a bactéria se aproxima da fonte substâncias tóxicas e de grandes molécnlas; b) proteger a célula,
.,e estímulo e qnando desfavorável. a célula se· afasta dele. impedindo o extravasamento de grande parte do citoplasma; e
-ti rotação do gancho ocorre por uma força próton motiva e o e) ancorar diversas proteínas, entre elas as envolvidas na força
--entido de rotação é determinado por uma cascata de fosforilação próton motiva necessária para a geração de ATP. ou seja. para
de proteínas de sinali1,açào localizadas na parede celular e no a produção de energia celular. A membrana plasmática possuí
.. ,:oplasma. Essas proteínas atuam como receptoras do gradiente muitas proteínas e enzimas, as quais atuam nos processos citados
:,rracelular atraente ou repelente e governam i1 movimentação acima e tamb.:m na respiração celular, na ancor:igcm e rotação
~elular ativando a rotação horária e anti-horária do gancho. flagelar. na produção e transporte ativo de moléculas e na divisão
O flagelo não é visto nas observações rotineiras da célula celular. O tenno envdopc celular é comumente empregado cm
':)J.cteriana conduzidas em microscópio de luz. Sua visuali1.ação bacteriologia e designa o conjunto formado pela membrana
reqner o nso de coloração específica do filamento para aumentar plasmática c a parede ct:lular.
~~as dimensões, ou o emprego de microscopia eletrômca. A Citoplasm11. O citoplasma contém ribossomos, enzimas,
r-resença de flagelos, hem como seu número e posição na célula material genético celular, grânulos de reserva, substratos
<nem como caracteres utilizados na classificação de bactérias. inorgânicos e mctabólitos produzidos pela célula. O citoplasma
.\tríquias são bactérias sem flagelos e, portanto. incapazes de se é constituído predominantemente por água, onde ficam cm sus-
7uvimentar ativamente. monotriquias contém apenas um flagelo pensão os diversos compostos orgânicos como carboidratos,
polar. Iofotríquias contém um conjunto de flagc:fos polart:s e aminoácidos, proteínas, lipídios e os elementos inorgânicos
r><ntriquias contém flagelos radialmente distribuíd,:,s ao redor ela necessários para a síntese de novas moléculas. É no citoplasma
,dula (Figura 9.2). que ocorre a síntese de proteínas, processo realizado pdos
Ffmbrias ou pelos. Estes filamentos são mais curtos e finos ribossomos. Os ribossomos são macromoléculas granulares
• Je os flagelos. além de mais numerosos. São visu.aliLados apenas compostas por ácido nuclcico (R.NA) e proteínas, estando o
.c)nt auxílio de microscópio eletrônico. As fimbrias localizam-se
primeiro crn maior proporção (60% vs. 40%). Os ribossomos de
- , redor da célula bacteriana e são constituídas por urna proteína procariotos possuem um coeficiente <le sedimentação de 70S e essa
.:hamada fimbrina ou pilina. A produção de fimb1ia.s é favorecida macromolécula é formada por duas subunidades, uma subunidade
menor (30S) e outra maior (SOS). A subunidade 30S é composta
em colônias que se desenvolvem sob alta disponibilidade de
por 21 proteínas e uma molécula de RNA 16S. A subuni<l.adt:
, ,ígênio, nonnalmente na superficie de meios de cultura. A
maior contém 34 proteínas e duas moléculas de RNA (23S e 5S).
:unção desta estrutura está relacionada com a adesão da célula
Os ribossomos encontram-se dispersos no citoplasma, mas ~tão
bacteriana a diversas superfícies, ao processo de transferência
em maior número prollimos do cromossomo, fi.1m1ando estruturas
~nêtica por conjugação e à adsorção de bacteriófag,os à superficie
denominada~ "polissomos". Nos polissomos há muitos ribossomos
.b célula. Assim, para as bactérias fitopatogênic:~s as fímbrias
realizando a síntese de proteínas a partir das moléculas de mRNA
_:uam no início da associação do patógeno com o hospedeiro,
transcritas a partir do material genético (DNA). Os ribossomos
~ ~laborando para a adesão <las c!!lulas bacterianas ao tecido do
são o sítio de ação de muitos antibióticos, que atuam inibindo
hospedeiro, ou na origem de variantes genéticos fom1ados pela a síntese proteica, como, por exemplo, aqudt:s pertencentes aos
~uisição de genes ou sequências de DNA por conjugação. Nesse grupos das tetraciclinas, estrcptomicinas e neomicinas.
~limo caso. a timbria envolvida é denominada de pelo sexual
Cromossomo. Como característica dos procariotos, o
e 3S células precisam ser compatíveis entre si, na qual uma é
material genético não se encontra envolvido por uma membrana
doadora do material genético e outra é receptora. Em bactérias
plasmática. permanecendo. portanto, em contato direto com os
Gram-positivas a conjugação pode ocorrer sern o auxílio de pelo demais componentes do citoplasma. Basicamente o material
s,exual.
genético de ntobactérias é formado por um único cromossomo
Cápsula. A cápsula, também denominada glicocálice ou circular, densamente condensado, de fita dupla de DNA com
polissacarídeos extracelulares ( EPS, do termo exopo,I issacarídeos), um tamanho entre 900 e 5.500 pares de quilobases (kb) de
e representada por uma camada viscosa que r,ecobre toda a nucleotídeos. Diferentemente dos eucariotos, a molécula de DNA
.uperficie externa da célula bacteriana. Esse envoltório é formado <los procariotos é basicamente fom1ada ror éxons, com poucos
principalmente por polissacarídcos excretados pela célula e íntrons. e cada gene contém geralmente 1.000 pares d~ bases.
protegem contra dessecaçào, antibiose, fagocitose. além de Assim, bactérias 6topatogênicas contém entre 1.000 e 5.000 genes.
.;u_-.:iliar na adesão à superficie e na interação corn o hospedeiro. Como o processo de divisão celular é praticamente contínuo
-ti cápsula está presente em muitas bactérias litopatogênicas. na célula, o cromossomo geralmente localiza-se próximo da
=lmo Xan1homonas campestris, Clavibacter mlchiganensis e membrana plasmática_ no local de início da divisão celular. Além
P,e11domonas spp. do cromossomo circular, muitas bactérias contem moléculas de
147
Bactérias Fitopatogênicas
mo, imen1ação do filamento ocorre devido à rotação do gancho. 9.3.2.3. Estruturas inte rnas à parede celular
\$s1m. o filamento do flagelo atua como am motor de barco, Membrana plasmãtica. A membrana plasmática é a
·empurrando" a bactéria num meio aquoso. É dessa maneira primeira estrutura interna à parede celular e está em contat0 com
.x: ocorre a movimentação ativa das bactérias por curtíssimas o citoplasma. Essa membrana é uma matriz fluida formada por
.. ,tãncias. O estímulo direcional da célula bacteriana depende uma camada fosfolipídica dupla com 50 a 70% de sua massa
fatores ambientais atraentes ou repelentes. A movimentação seca composta por proteínas e 20 a 30% de lipíJios. A membrana
;~lutar recebe o nome de "taxia" e diferentes termos definem plasmática é uma estrutura presente em toda célula procariótica,
;:_e fator ambiental está atuanJo na movimentação bacteriana. portanto essencial à vida celular. Suas principais funções são: a)
t~ exemplos quimiotaxia (compostos químicos), aerotaxia atuar como barreira seletiva, pemlitindo a entrada de nutrientes,
,1gênio). fototaxia (luz). osmotaxia (potencial osmótico). água e solutos hidrofilicos, mas impedindo a entrada de
• ..i:mdo o estímulo é favorável, a bactéria se aproxima da fonte substâncias tóxicas e de grandes moléculas; b) proteger a célula,
. estimulo e quando desfavorável, a célula se afasta dele. impedindo o extravasamento de grande parte do citoplasma; e
-. rotação do gancho ocorre por uma força próton motiva e o e) ancorar diversas proteínas. entre elas as envolvidas ~a força
.cT1tido de rotação é determinado por uma cascata de fosforilação próton motiva necessária para a geração de ATP, ou seja. para
R proteínas de sinalização localizadas na parede celular e no a produção de energia cdular. A membrana plasmática possui
:n,,plasma. Essas proteínas atuam como receptoras do gradiente muitas proteínas e enzimas, as quais atuam nos processos citados
~m1celular atraente ou repelente e governam a movimentação acima e também na respiração celular. na ancoragem e rotação
~.ular ativando a rotação horária e anti-horária do gancho. flagelar, na produção e transporte ativo de moléculas e na divisão
, flagelo não é visto nas observaçõe~ rotineiras da célula celular. O termo envelope celular é comumenle empregado em
.:a.:teriana conduzidas em microscópio de luz. Sua visualiaçào bacteriologia e designa o conjunto formado pela membrana
~ucr o uso de coloração especifica do filamento para aumentar plasmática e a parede celular.
, dimensões, ou o emprego de microscopia eletrônie11. A Citoplasma. O citoplasma contém ribossomos, enzimas,
:-r.-,;ença de flagelos, bem como seu número e posição na célula material genético celular, grânulos de reserva. substratos
..-..em como caracteres utihzados na classificação de bactérias. inorgâuicos e mctabólitos prmlu1idos pela célula. O citoplasma
\tnquias são bactérias sem flagelos e, portanto. incapazes de se é constilllído predominantemente por água, onde ficam cm sus-
ao, imentar ativamente, monotríquias contém apenas um flagelo pensão os diversos compostos orgânicos como carboidratos.
~lar. lofotríquias contém um conjunto de flagelos polar.:s e aminoácidos, protdnas, lipídios e os elementos inorgânicos
~-ntríquias contém flagelos radialmentc distribuídos ao redor da necessários para a síntese de novas moléculas. É no citoplasma
.:1:1Ula (Figura 9.2). que ocorre a síntese de proteínas, processo reali7ado pelos
Fímbrias ou pelos. Estes filameutos são mais cu1tos e finos ribossomos. Os ribossomos são macromoléculas granulares
_,. os flagelos, além de mais numerosos. São visualizados apcfií!S compostas por ácido nucleico (RNA) e protefnas. estando o
'11 auxílio de microscópio eletrônico. As fimbrias localizam-se
primeiro em maior proporção (60% vs. 40%). Os ribossomos de
redor da célula bacteriana e são constituídas por uma proteína procariotos possuem um coeficientcdesedimcmação de 70S e essa
dwnada íimbrina ou pilina. A produção de fimbrias é favorecida macromolécula é formada por duas subunidades, uma subunidade
menor (30S) e outra maior (50S). A subunidade 30S é composta
mi colônias que se desenvolvem sob alta disponibilidade de
por 21 proteínas e uma molécula de RNA 16S. A subunidade
,,génio, normalmente na superfície de meios de cultura. A
maior contém 34 proteínas e duas moléculas de RNA (23S e 5S).
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Os ribossomos encontram-se dispersos no citoplasma, mas estão
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em maior número próximos do cromossomo, formando estrutura!;
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denominadas "polissomos". Nos polissomos há muitos ribossomos
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Cápsula. A cápsula. também denominada glicocálice ou circular, densamente condensado, de fita dupla de DNA com
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..iperficie externa da célula bacteriana. Esse envoltório é formado dos procariotos é basicamente fonnada por éxons, com poucos
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eudomonas spp. do cromossomo circular, muitas bactérias contêm moléculas de
147
Manual de Fitopatologia
fita dupla de DNA, circulares, mas de tamanho bem inferior ao e transferênc:ia genética. Apesar da inexistência de divisões
de um cromossomo, denominadas plasmídeos. Os plasrnídeos mitóticas na reprodução de procariotos, esses microrganismos
contêm material genético celular, mas encontram-se fisicamente apresentam uma alta variabilidade genética. muito maior que
separados do cromossomo, geralmente com 4 a 200 kb. Apesar a observada nos eucariotos. Essa alta variabilidade deve-se
de serem comuns em bactérias, os plasmídeos geralmente não a diferentes fatores, como por exemplo o elevado número de
carregam determinantes genéticos vitais para a célula e seus genes, gerações por unidade de tempo e aos processos de mutação e
muitas vezes, são relacionados a determinantes sexuais envolvidos transferi:ncia genética. Somente após o uso rotineiro de métodos
na conjugação, na produção de agentes promotores de antibiose, moleculares. que pennitiram a comparação de sequências de
na resistência a compostos químicos, resistência a fagos, entre DNA de procariotos, foi possível rerceber quão frequentes são as
outros. Os plasmídeos podem ser auto replicativos ou dependerem mutações e principalmente a transferência genética em bactérias.
do cromossomo para serem replicados. Também podem ser A replicação do DNA na célula mãe e sua passagem para duas
transmissíveis para outras bactérias, nesse caso denominados células filhas é um processo denominado transferência vertical
conjugativos, ou não transmissíveis (não conjugativos). A de genes. No entanto, sequências de DNA de diferentes origens
transferência de um plasmídeo de uma bactéria para outra ocorre podem ser incorporadas por células bacterianas e passa_rem a fazer
pelo processo denominado conjugação. citado no item 9.4. parte do seu genoma. A esse processo se denomina transferência
Inclusões ou grânulos. Estas estruturas são representadas horizontal (ou transferência lateral) de genes.
por depósitos de material de reserva que se acumulam no As mutações envolvem a substituição, inserção ou deleção
citoplasma e servem como fontes de nutrientes e energia para a de nucleotídeos na sequência de DNA, podendo resultar em
célula. Esses grânulos podem conter enxofre. glicogênio, amido, alterações na sequência de aminoácidos, com efeitos neutros.
polifosfato ou poli-~-hidroxibutirato (PHB). Nas bactérias positivos ou negativos para a célula. Essas alterações podem
fitopatogênicas a presença de PHB já foi assinalada cm algumas ser espontâneas ou induzidas por agentes químicos ou físicos.
espécies do gênero Pseudomonas. Essas inclusões podem ocorrer As mutações espontâneas geralmente ocorrem em procariotos
em grande quantidade cm células bacterianas cujas colônias se uma vc7. a cada 109 replicações na sequência de nucleotídeos.
desenvolveram cm meios com alta relação carbono/nitrogênio. Historicamente, a variabilidade genética em procarioLos foi
Mesossomos. Compreendem extensões da membrana considerada como resultado dos processos de mutação e de
plasmática que se desenvolvem no citoplasma, formando um recombinação. A recombinação é o processo de transferência de
complexo que auxilia na respiração celular, na divisão celular. uma sequênciH Je DNA que é incorporada ao genoma da célula
na formação de septo divisional, na esporulação e na secreção r~ceptora. Geralmente, como apresentado em muitos livro~ texto
de enzimas hidroliticas. Dactérias dos gêneros Clavibacter, de Microbiologia ou Genética, os mecanismos geradores da
Streptomyces e Bacillus podem contermesossomos. A maioria das recombinação em procariotos são conjugação, transformação e
espécies de Bacillus não é fitopatogênica. O gênero é de comum transdução. Muitas vezes os termos recombinação e transferência
ocorrência em diversos ambientes, inclusive podendo facilmente genética são tratados como sinônimos. No entanto, nas últimas
ser encontrada em material propagativo vegetal. São bactérias décadas, o sequenciamento c a comparação dos genomas de
Gram-positivas formadoras de endósporos. Essas estruturas procariotos revelaram que a transferência genética entre bactérias
são células dormentes formadas sob condições adversas, como pode estar associada também com elementos genéticos móveis,
falta de nutrientes, água ou temperaturas extremas e permitem como sequências de inserção e transposons. Os mecanismos
a sobrevivência bacteriana nessas condições. Os cndósporos de recombiinação e aqueles envolvendo elementos genéticos
possuem a característica de resistirem a tratamentos químicos móveis revc:laram-se muito mais frequentes do que antcrionnente
e tisicos, mantendo sua integridade por muitos meses ou anos. imaginado e são capazes de promover rearranjos num mesmo
Quando sob condições do ambiente e nutricionais favoráveis. cromossomo bacteriano. entre bactc!Tias taxonomicamente próxi-
o endóspor-0 sai da dormência, dando origem a uma nova mas ou até mesmo entre microrganismos pertencentes a taxa
célula. Assim, os endósporos são estruturas de sobrevivência e (singular táxon) distantes (como Classe, Filo ou mesmo Domínio).
não de reprodução, portanto diferentes dos esporos aéreos de No presente texto consideraremos como transferência
Streptomyces e da maioria dos fungos. Fitobactérias não formam horizontal de genes os três mecanismos conhecidos de recom-
endósporos e outro gênero com comum ocorrência dessa estrutura binação (conjugação, transfonnação e transdução) e também os
é Clostridium. gerados por elementos genéticos móveis. Além dos rearranjos
na molécula de DNA, promovidos pela transposição dessas
9.4. REPRODUÇÃO, VARIABILIDADE GENÉTICA E sequências. há elementos transponíveis que carregam genes,
CRESCIMENTO POPULACIONAL como por e,xemplo, genes relacionados à resistência a elementos
A reprodução bacteriana ocorre por um processo assexuado tóxicos ou patogenicidade. A conjugação envolve a transferência
conhecido por fissão binária ou cissiparidade, no qual uma célula de um plasrnídeo ou de parte de um cromossomo de uma
mãe dá origem a duas células filhas. Resumidamente a fissão célula doadora para uma célula receptora, ambas sexualmente
binária se processa numa sequência de etapas compreendendo compatíveis para a Lroca de material genético. Em bactérias
o aumento do volume celular resultante da formação de novos Gram-negativas, a doadora possui o pelo sexual e é denominada
componentes; a replicação do material genético bacteriano; a r. enquanto a célula receptora é denominada F-. A integração da
interiorização da membrana citoplasmática e da parede celular, sequência genética em seu genoma transforma a céluln F" em F-.
formando um septo que separa o conteúdo citoplasmático em dois; A sequência de DNA, plasmidial ou cromossômica, é transferida
e finalmente a separação das novas células. Consequentemente, a entre as células através de um poro transmembrana. Esse poro é
variabilidade genética, essencial para a adaptação e evolução dos formado após o contato físico de seus envelopes celulares, contato
seres vivos, ocorre nos procariotos pelos processos de mutação esse dependente do pelo sexual. Como já citado, cm bactérias
148
Bactérias Fitopatogênicas
Oram-positivas a conjugação pode ocorrer sem o auxílio do pelo Experime:ntalmente é possível determinar o período de
sexual. A transfom1ação é a integração de um fragmento livre de tempo necessário para a reprodução bacteriana, ou seja, quanto
DNA, presente no meio em que se encontra a célula receptora, tempo uma célula necessita para se dividir em outras duas. Esse
após a passagem desse fragmento através do envelope celular e sua periodo r denominado tempo de geração e representa o tempo
incorporação ao genoma. Por último. transdução é a transferência, necessário para que uma população bactenana dobre de tamanho.
promovida por bacteriófagos, de pequenas sequências de DNA O tempo de geração pode variar desde alguns minutos até várias
entre bactérias. Inicialmente, a célula bacteriana doadora é infectada horas ou, mesmo, dias ou semanas. Dentre os fatores que têm
pelo bacteriófago, o qual pode incorporar ao seu genoma uma influência sobrn sua duração podem ser citados a própria espécie
pequena sequência de DNA da bactéria. Quando este bacteriófago bacteriana, a di$ponibilidadc de nutrientes do meio e alguns fatores
infecta novas células, a sequência nucleotídica da célula bacteriana do ambiente co,rno temperatura, pH e oxigênio. A determinação
anteriormente infectada pode ser integrada ao genoma da nova do tempo de geração é realizada quando a população se encontra
célula hospedeira, ocorrendo assim a transferência genética. na fase "log".
A reprodução das células procarióticas. como citado, ocorre
quando uma célula dá origem a outras duas. O crescimento 9.5. CICLO DlE RELAÇÕES PATÓGENO-HOSPEDEIRO
populacional bacteriano pode ser representado matematicamente Nesse ,tem serao apresentados os aspectos mais comuns
por N= 2°, onde "N'" é o número total de células de uma população relacionados à ocorrência de fitobaetérias no ambiente e suas
e ·'o" é o número de gerações. A curva de crescimento de uma interações com hospedeiros. Detalhes do ciclo de relações patógeno-
população bacteriana, expressa em número de indivlduos em hospedeiro para patógenos em gemi estão no Capítulo 4, e aqui
relação ao tempo, apresenta quatro fases distintas (Figura 9.5). abordaremos a!:pcctos específicos de bactérias. O conhecimento
A fase inicial é denominada "lag", na qual a população inicial do ciclo é essencial parn a fonnulaçào e aplicação adequadas de
pennanece com um mesmo número de células durante um medidas de controle de doenças em plantas, principalmente no
determinado intervalo de tempo. Nessa fase as células estão caso de fitobacterioses.
cm plena atividade, sintetizando os componentes celulares
que permitirão sua reprodução na nova condição ambiental. A 9.5.1. SobreYivência
segunda fase é denominada "log", pois ocorre o crescimento As bactérias fitopatogenicas podem sobreviver na presença
logaritmo (ou exponencial) do número de células da população. ou na ausência do hospedeiro vivo. As bactérias sobreviventes
'lessa fase o processo de formação de duas novas células em associação com a planta viva podem aruar como patógenos
a panir de uma célula inicial é muito frequente e a taxa de ou como r.:sic.Jentes; por outro lado, a sobrevivência na ausência
-:rescimento populacional é máxima. A terceira fase é conhecida de hospedeiro •ávo requer que a bactéria exerça sua habilidade
por "estacionária" e se caracteriza pela população bacteriana saprofitica.
permanecer novamente com o mesmo número de células, ou seja,
Como pató~cnos. Uma das formas mais comuns de
a taxa de crescimento populacional é praticamclltc zero. Nov.as
sobrevivência de fitobactérias é em hospedeiros doentes. As
células são fonnadas, mas numa taxa similar à da monalic.Jade,
bactérias podem ser encontradas nas lesões resultantes da
resultando na manutenção do número de células na população.
colonização dos tecidos vegetais, ou tam~m em plantas doentes
Isso ocorre em razão da menor disponibilidade de nutrientes do
assintomáticas ou cm vetores, como os insetos. No caso de plantas
meio ou do acúmulo de metabólicos tóxicos produzidos pelas
hospedeiras. a sobrevivência pode ocorrer na espécie cultivada, de
células. A última fase é conhecida como "de mone" ou declínio,
interesse econômico, ou naquelas pertencentes a outras espécies
na qual a população é redu;,ida em ra7..àO da maior taxa de
botânicas que s,~ constituem cm hospedeiros alternativos, com ou
monalidade em comparação à do surgimento de novas células.
sem valor econômico, como outras culturas agrícolas ou plantas
Esse desbalanço é provocado pela escassez de nutrientes ou pela
daninhas (invas:oras), presentes no interior ou nas proximidades
excessiva quantic.Jade de produtos tóxicos no meio.
da cultura. D<~ssa forma, plantas doentes, constituídas por
plantas do hospedeiro principal ou alternativo. pennanecem
como reservatório do patógeno para a disseminação e a infecção
da cultura na próxima estação de cultivo. Essa é a forma de
sobrevivência, como exemplo. das bactérias agentes causais
@) de muitas doenças em culturas perenes, como u cancro cítrico
(causado por Xcmthomonas citri subsp. citri), a clorose variegada
dos citros, ou CVC, (causada por Xyle/la .fastidiosa), o cancro
da videira (Xanthomonas campestris pv. viticola) e a mancha
angular da mantgueira (X campestris pv. mang/feraindicae). As
0 bactérias agentes causais da mancha bacteriana em tomateiro
(Xanthomonas vesicatoria. X. euvesicataria, X perjorans e
X gardneri) podem sobreviver não apenas t:tn tomateiro como
também em outras solanáceas, como berinjela, pimentão e batata,
plantas essas que atuam como hospedeiros alternativos para a
Tanpo (h) disseminação para futuros campos de tomateiro na mesma área
ou áreas próximas.
Figura 9.5 - Curva padrão de crescimento de uma população bacte- Partes ou ,órgãos infectados do hospedeiro, qne se constituem
riana: (1) fase lag; (II) fase log; ( III) fase estacionária: em material propagativo, também são formas importantes para a
(IV) fase de declínio. sobrevivêncic1 de fitobactérias. O plantio c.Je materiais infectados
149
Manual de Fitopatología
como, por exemplo, sementes, estacas, tubérculos. bulbos e plantas hospedeiras, material propagativo e também em vetores.
rizomas, ou o emprego de borbulhas para enxertia, podem ser Naqueles casos nos referimos à sobrevivência em plantas,
responsáveis pela introdução ou manutenção de patógenos nas vetores e tecidos hospedeiros doentes. No entanto, fitobactérias
áreas cultivadas. Como exemplos dessa forma de sobrevivência podem também sobreviver em plantas, insetos, restos culturais,
têm-se o agente causal da manchH aquoso em meloeiros e sementes e outros materiais propagativos como residentes,
melancia (Acidovorax citrulli), que pode. ser disseminado por infestando esses indivíduos e suas partes como epifüicas. Essa
sementes infectadas e Ralstonia solanacearum e P.ectobacferium fonna de sobrevivência ocorre sem que os materiais ou plantas/
carotovorum, as quais sobrevivem em tubérculos, bulbos ou vetores estejam infectados, e as bactérias estão presentes nas
rizomas. suas superficies. Experimentalmente é possível determinar a
Insetos vetores (Figura 9.6), como cigarrinhtas de xílema, sobrevivência de fitobactérias como residentes, mas determinar
responsáveis pela transmissão da clorose variegaida dos cítros qual a importância epidemiológica, prática, dessa fonna de
(X fastidiosa), cigarrínhas de floema, como Dalbulus maidis, sobrevivência na ocorrência de novos Slirtos da doença é
transmissoras de fitoplasmas e espiroplasmas em milho, ou o bastante dificil. No entanto, a sobrevivência de fitobactérias
henúptero psilídeo (Diaphorina citri), responsável pela transmissão como residentes merece atenção para doenças quarentenárias, na
das bactérias associadas ao huanglongbing (1-lLB, grccning) dos produção/uso de material propagativo e no comércio de produtos
citros ('Candidatus Liberibacter asiaticus' e ·ca. Liberibacter agrícolas para áreas livres do patógeno.
americanus'), são, juntamente com as plantas doente:s, hospedeiros Como saprófitas. Outra forma de sobrevivência cm
de fitobactérias, os quais permitem sua sobrevivência por dias, tecidos doentes é em restos de cultura que permanecem na
semanas e até meses. Nesses casos citados, as bactérias possuem área após podas, desbrotas ou colheita. Esses tecidos doentes
urna relação íntima com seus vetores e a transmissão para novas em muito favorecem, e consequentemente prolongam, a
plantas ocorre durante a alimentação dos adultos em seus tecidos sobrevivência de fitohactérias na área de cultivo. Bactérias como
vasculares. As bactérias multiplicam-se no interior dos vetores e R. solanacearum, P. carvtovonim e A. citrulli, mas também outras
nesses casos os indivíduos são também denominados ''infectados" como as Xanthomonas agentes causais da mancha bacteriana cm
ou "doentes", assim como as plantas hospedeiras. tomateiro, o agente causal da podridão negra em bníssicas (X
campestris pv. campestris) e várias espécies e
patovares de Pseudomonas muitas vezes ocorrem
de forra.a epidêmica em áreas de cullivo corno
consequência da manutenção de restos culturais
doentes. Estudos experimentais com diferentes
fitob11ctérias demonstraram a sobrevivência do
patógcno como resultante do tempo nectlssário
para a decomposição completa dos resíduos
vegetais, evidenciando assim o importante papel
dos restos de cultura na manutenção de populações
bacterianas.
A sobrevivência de bactérias patogênicas
por meio de saprofitismo pode ocorrer também
diretamente no solo, sem a presença de restos de
Figura 9,6- lnselos vetores de bactérias: (A) cigarrinhas e (B) psilídeo. cultivo, ou em materiais inertes (equipamentos,
Crédito das fotos: Paulo Ayres. utensílios, material de colheita etc.). Algu1m1s
bactérias fitopatogênicas são habitantes naturais
Como residentes. Na condição de residente:s, as bactérias do solo, como Ralstonia e Agrobacterium, e suas populaçôes
são capazes de sobreviver epifiticamente no hospedleiro e também se mantêm no ambiente edáfico por longos períodos de tempo.
em plantas não hospedeiras. Os residentes podem s,er encontrados No entanto, a maioria das espécies fitopatogênicas têm reduzida
na parte aérea ou subterrânea das plantas. O füoplano é um local capacidade para sobreviver no solo e suas populações tendem a
eomumente ocupado pelas bactérias, onde se desenvolvem diminuir na ausência de hospedeiros vivos ou restos culturais, cm
como epifiticas na superficie de folhas e frutos, se: concentrando decorrência da competição com a microflora. Mais curta ainda
principalmente em áreas nas quais há maior dlisponibilidade é a sobrevivência de fitobactérias em materiais inertes, como
de nutrientes e água. A gemosfera compreende a região da plástico, metal, tecido, borracha, dentre outros, principalmente
gema, local que também pode abrigar bactérias e favorecer sua quando esses pennanecem sem água livre em sua superficie.
multiplicação pela presença de água livre e nutriente:s. A população
do patógeno acompanha o desenvolvimento das gem_as, passando 9.5.2. Disseminação
dessas estruturas para os novos órgãos vegetais, sobretudo As bactérias presentes oa superfície dos tecidos vegetais
brotações jovens. A rizosfera de hospedeiros e nfio hospedeiros infectados ou infestados precisam ser transportadas para
de bactérias fitopatogênicas fornece condições parai a raanutenção novos tecidos sadios para iniciar um novo ciclo de infecção.
e desenvolvimento de muitas populações bacterianas. O estímulo Diferentemente do que ocorre com fungos, o vento, isoladamente,
é decorrente da exsudação natural de compostos pelas raízes, os não tem importância na disseminação das células bacterianas. É
quais sõ.o utilizados como nutrientes pelas bactérias. a água que promove a exsudação das bactérias, a partir das lesões
Em parágrafos anteriores citamos a sobrevivência de presentes em tecidos doentes ou infestados, e a dispersão para
fitobactérias em tecidos doentes, como restos de cultura, novos tecidos. Assim, a água é o principal veículo responsável pela
150
Bactérias Fitopatogênicas
disseminação desses patógenos, além de materiais propagativos e propagativo, assume papel relevante na disseminação das bactérias
etores, quando existentes. fitopatogênicas tanto a longas distâncias como lo.:almente.0
Água. Seja resultante de chuvas, orvalho ou irrigação, a homem também promove a disseminação de fitobactérias pode
.agua promove o molhamcnto da área lesionada pela bactéria ocorrer quando da execução de práticas culturais. As operações
~ pennite que células presentes nos tecidos doentes sejam de desbrota, cone, enxertia, poda. colheita, pulverização, uso de
beradas. Respingos de chuva ou irrigação disseminam o máquinas, entre muitas outras operações, executadas em qnalquer
rurógeno na própria planta, para plantas vizinhas e também cultura agrícola, são responsáveis pela dispersão de bactérias
.1.:.astam células bacterianas da parte aérea para o solo. As capazes de provocar distintas doenças em diversos hospedeiros .
t•Jtas de chuva também podem levar as bactérias presentes na A disseminação por práticas culturais é mais eficaz quando da
o;:uperficie do solo para as partes baixas da planta. colocando-as presença de água livre na superffoie das plantas doentes. Outra
mi contato com seu hospedeiro. A dispersão por aerossóis (gotas fonna comum de disseminação é por partículas de solo contendo
:<é água de rnicrômetros de diâmetro), geradas por chuvas, bactérias como R. solanacearum, A. citrulli e P camrovorum.
mgação e pulverização, pode ocorrer alé alguns quilômetros Ressalta-se, portanto, que a dispersão de fitobactérias tanto em
de distância, embora o número de bactérias cmTegadas nessas nível local, quanto regional e continental é de responsabilidade
1rncropartículas seja muito reduzido e, portanto, menos eficaz em frequente do homem e o entendimento de como sobrevivem e são
~rar novas lesões. Por outro lado, chuvas com ventos são mnito disseminadas as fltobactérias é essencial para maior .:ti.ciência na
.'.llS importantes e frequentes na disseminação de bactérias a prevenção e no controle dessas doenças.
nga distância. É dessa forma que fitnbactérias agentes .:ausais Outros agentes de disseminação são os vetores, princi-
...1( manchas e cancros em folhas, ramos e fmtos são comuinentc palmente insetos. Todos os eventos necessários para a dissemi-
.&sseminadas para áreas de cultivo próximas. nação (liberação, transporte e deposição) podem ser realizados
A água é essencial não apenas para liberação e transporte por vetores, tanto de fonna acidental quanto em interações mais
-" células bacterianas, mas também para a permanência do específicas. Quando um inseto, um ácaro ou mesmos animais entram
rntogeno na superficie dos tecidos sadios em tempo o suficiente em contato com uma planta, as células bacterianas exsudadas pelo
-_ra que ocorra a infecção pelo patógeno. Na ausência de água tecido doente podem aderir nas di rerentes partes do Ct)rpo dei es e
:1He, a sobrevivência das bactérias é muito curta. Dessa forma, serem transportadas para outras plantas. No entanto, é nas relações
- necessidade de um período mínimo de molhamento, formado específicas entre bactérias e insetos vetores que a disseminação
por um filme de água na superficie do hospedeiro, para que ocorra se dá de forma frequente e essencial para determinadas
• penetração das células nos tecidos recém atingidos. fitobactcrioses. Nesse caso, durante o processo de alimentação
As diferentes formas de irrigação têm papel na disseminação no xi lema ou no floema de plantas doentes, o vetor tanto adquire
..: bactérias. Respingos originários de irrigação por aspersão como transmite a bactéria para novas plantas. Diferentemc:nte de
ü.7cionam como os respingos de chuva, liberando e dispersando alguns vírus, que podem ser transmitidos por picadas de prova,
~-.:lulas bacterianas dentro da própria planta doente e pãra_planias a transmissão de bactérias por velore.s. geralmente, envolve
- .\.im11S. Além disso, a aspersão também dá origem aos aerossóis, relações específicas entre inseto vetor-patógcno, ocorrendo
..... orecendo a dispersão de bactérias a distâncias mais longas. Em um tempo mínimo necessário de alimentação do inseto para a
&:-'0rrência disso, a intensidade da irrigação e o tipo de irrigação aquisição do patógeno na planta doente (de vários minutos até
.:_...,, em ser considerados quando do emprego de medidas para o horas) e adicionalmente um tempo, denominado de latência, para
~ ~lrole de doenças de etiologia bacteriana. A ÜTigação feita que ocorra a circulação, ou multiplicação em casos específicos,
_.,'filo água de superficie nos sulcos de plantio pode servir como da bactéria no interior do vetor. Somente após a latência é que
~ículo do inócu)o bacteriano no solo, disseminando-o de uma área os vetores são capazes de transmitir a bactéria para novas plantas.
JDLaminada para outra ainda livre do patógeno. Nesse sentido, Exemplos desse tipo de interação específica são a disseminação
stemas de irrigação por gotejo ou micro aspersão são menos (transmissão) de litoplasmas e espiroplasmas por cigarrinbas
-oortantes na disseminação de fitobactérias quando comparados de lloema, de Xy/ella jàstidiosu por cigarrinhas de xilema e de
..t."l1 aspersão ou irrigação por sulcos. 'Ca. Liberibacter asiaticus' e 'Ca. Liberibactcr amcricanus' pelo
Agentes diversos. Os órgãos de propagação como sementes, hemíptero Diaphorina citri (Figura 9.4).
~as. estacas, bulbos, rizomas e tubérculos são agentes importantes
9.5.3. lnfecçílo
1-1 disseminação a curtas e longas distâncias, veiculando as células
• bactérias aderidas à sua superficie ou colonizando seus tecidos. O As bactérias ganham o interior do hospedeiro por ferimentos
•Jt~nso transpo11e desses materiais de propagação, ,mtre. regiões e e aberturas naturais, presentes na parte aérea ou subterrânea
p1.1ses. tem contribuído para uma ampla distribuição de bactérias das plantas. Diferentemente dos fungos e nematoides, esses
de outros agentes füopr,. ,, gênicos pelo mundo, favorecendo a patógenos não têm a capacidade de penetrar diretamente através
'(ltrodução de patógenos exóticos responsáveis por relevantes da cutícula e da epiderme, barreiras que mantém o isolamento
~das na produção agrícola. Foi por material propagativo que entre o ambiente interno e externo das plantas.
-:u11as das bacterioses atualmente pre.sentes no Brasil foram Ferimentos. Macro e micro ferimentos são provocados
-croduzidas. Isso oco1Teu, como exemplo, no caso do cancro por diversos fatores, destacando-se o atrito natural entre as
.:-u-ico e, supostamente, no caso do huanglongbing, doenças partes vegetais, a abrasão provocada por partículas carregadas
-nportantes na cultura dos citros, e também para o cancro da pelo vento, a ação de insetos, ácaros e nematoides, o uso de
deira. introduzida anos atrás em Petrolina, Pernambuco, e práticas culturais como poda, enxenia e desbrota, o contato com
!!t...~teriormente para outras regiões do País. O movimento de implementos utilizados na cultura, e a própria emissão de raízes
...,Jterial vegetal promovido pelo homem, seja resultante do secundárias e outros tecidos novos, os quais rompem a superfície
....:mércio de produtos agrícolas ou no transpone de material provocando minúsculas fendas que favorecem a entrada de
151
Manual de Fitopatologia
patógenos. Os insetos, além de abrirem portas de entrada para Lenticelas são estruturas derivadas dos estômatos que
a penetração de bactérias que ocorrem na superficie das plantas, estão presentes na camada pcridénnica. São constituídas por um
introduzem células bacterianas diretamente nos vasos condutores, conjunto de células organizadas frouxamente que desempenham
quando atuam como vetores. Essa é uma das principais formas de papel nas trocas gasosas reali;:adas entre a planta e o meio. A
transmissão de bactérias habitantes dos vasos condutores, como periderme é encontrada ern alguns órgãos subterrâneos, como nos
citado anterionnente. A enxertia é outra forma importante para tubérculos, sendo também um componente da casca de caules de
transmissão de fitobactérias que colonizam esses vasos e especial plantas lenhosas. As lenticelas localizadas em órgãos subterrâneos
atenção deve ser dada para se impedir a formação de material são usualmente a porta de entrac.Ja de bactérias fitopatogênicas
propagativo doente. que habitam ou sobrevivem no solo, como R. solanacearom,
Aberturas naturais. As aberturas naturais são representadas P. carotovorum e Streptamyces spp. Os órgãos florais são
principalmente pelos estômatos, hidatódios, lenticelas, nectários também locais utilizados pelas bactérias para atingirem o interior
e estigmas, os quais estabelecem a comunicação entre os tecidos dos seus hospedeiros. Mais especificamente, os nectários são
internos da planta com o meio exterior. Os estômatos são apontados como as estruturas mais importantes para a penetração
considerados os locais mais comuns de penetração das bactérias, de bactérias em órgãos florais. Nesse caso, os talos bacterianos
em comparação com os outros tipos de aberturas naturais presentes externamente aos estigmas são earrcgados pela água
(Figura 9.7). Essas estruturas ocorrem em grande número na até a superfície dos oectários, onde penetram. Bactérias que se
superficie foliar, principalmente na face abaxial. com uma desenvolvem na superfície de estigmas também podem penetrar
média estimada entre 100-600 unidades por milímetro quadrado, nessa estrutura (foral e atingir os embriões, resultando na
considerando a maioria das espécies esrudadas. As bactérias fonnaçào de sementes contaminadas.
presentes cm filmes de água na superfície das plantas podem
migrar diretamente para o interior dessas aberturas, atingindo 9.5.4. Colonização e Reprodução
assim o mesófilo foliar. A movimentação de bactérias que Após penetrarem seus hospedeiros, tem início a colonização
possuem flagelos pode favorecer sua penetração via aberturas. dos tecidos das plantas, elapa essa na qual as bactérias passarão
Aspectos relacionados à superficie vegetal, como frequência a nutrir-se às custas do hospedeiro. A colonização envolve a
e configuração dos estômatos, densidade de pelos ou tricomas, multiplicação e o movimento da bactéria a partir do ponto de
camada cerosa, demre outros, influenciam na maior ou menor penetração. À medida que a bactéria absorve nutrientes e se
quantidade de bactérias que penetram os tecidos. Há casos cm multiplica, ocorre a colonização dos tecidos adjacentes.
que a resistência da planta a uma doença de etiologia bacteriana
De um modo geral e didático, podemos dividir em dois
pode estar condicionada ao número ou à morfologia de abe11Uras
os locais internos coloni.:ac.los pelas bactérias quando cm seus
naturais. Tecidos foliares com mais tricomas, ou muito cerosos,
podem dificultar a fonnaçâo de um filme de água na superfície, hospedeiros: a) os espaços intercelulares; e b) os vasos condutores
(xilcma ou flocma). Qualquer tecido, para ser coloni1.ado pelas
reduzindo assim as chances de infecções por bactérias da
fitohactérias, precisa conter água livre. Com exceção do flocma,
parte aérea. Os hidatódios são estruturas ieme\hantes ·a poros,
os demais espaços colonizados por fitobactérias são pobres em
correspondentes a terminações dos vasos de xilema, encontrados
nutrientes e esses microrganismos adquiriram, ao logo de seus
nos bordos foliares. São bem maiores que os estômatos e por
processos evolutivos, mecanismos capazes de extrair nutrientes
eles ocorre o processo de gutação, pelo qual a planta elimina o
excesso de água na fonna de gotas nos bordos das folhas. Essas do interior das células do hospedeiro. Esses mecanismos
gotas podem se tornar veículos de emrada de bactérias e é dessa envolvem, sobretudo, a produção de enzimas, hormônios e toxinas
maneira que usualmente o agente causal da podridão negra que alteram a penneabilidade ou degradam a parede celular e a
das brássicas (X. campeslris pv. campestris) peneira em seus membrana plasmática vegetal. Essa ação promovida pelas células
hospedeiros. bacterianas resulta na liberação dos constituintes presentes no
citoplasma vegetal, os quais são absorvidos diretamente pelas
bactérias ou degradados em moléculas menores para dai serem
utilizados para sua nutrição. En.:imas, honnônios e toxinas das
fitobact~rias são produzidos no citoplasma ou na parede celular
desses microrganismos, e liberados no espaço intercelular,
em contato com o exterior das células vegetais, ou até mesmo
diretamente no citoplasma dessas células, por mecanismos
diversos, denominados conjuntamente de sistemas de secreção.
Os sistemas de secreção bacterianos possuem funções diversas
e uma delas é na patogenicidade desses organismos. Os mesmos
são divididos em diferentes classes de acordo com as proteínas
envolvidas, a fonna de liberação de produtos celulares, as
bactérias em que ocorrem, dentre outros. Há sistemas de
secreção até hoje identificados exclusivamente em bactérias
Oram-positivas (denominados SecA2, Sortase, lnjectsomo e
Tipo VII), em Gram-positivas e Oram-negativas (Sec e Tal) e
exclusivamente em Oram-negativas (numerados de Tipo I a Tipo
Figura 9.7 -Xanlhomonas citri subsp. cilri próximas a estômato em VI). Desses sistemas de secreção aqueles reconhecidamente
folha de Citrus sinensis. Barra= 1Omicrômetros. envolvidos na patogenicidade de fitobactérias são os Tipo I, II.
Crédito da foto: Flávia C.F. Vieira. 111 e IV. Como exemplos, o sistema Tipo l está presente em várias
152
Bactérias Fitopatogênicas
153
Manual de Fitopatologi.a
P. camtovorum, fitobactérias bastante agressivas, que se carac- todos os seres vivos e estabelecer uma base de classificação comum
terizam por penetmr seus hospedeiros por diferentes tecidos para eles. Foi Carl Woese que ainda na década de 1970 propôs a
(raízes. colo, ramos, folhas ou frutos) e produzir enzimas e toxinas divisão dos seres vivos em três Domínios: Archaea, Bacteria e
degradadoras da parede celular, da membrana plasmática e da Eukarya. Os procariotos estão nos Domínios Bacteria e Archaea
lamela média. Essas hactérias também se caracterizam por infecwr e os eucariotos no Domínio Eukarya. Essa classificação é feita
diferentes hospedeiros e são capazes de sobreviver saprofiticamente comparando-se a sequência de nucleotídeos Jo gene 16S rRNA
por longos período de tempo. Essas c:iracterísticas, ausentes em dos procariotos (l 8S rRNA em eucariotos). O rRNA compõe os
muitas das fitobactérias, ocorrem nesses patógenos em razão dos ribossomos, os quais são as macromoléculas responsáveis pela
vários sistemas de secreção e de enzimas extracelulares empregados síntese de proteínas em todos os seres vivos. As características
por eles, habilitando-os para sobreviver em uma diversidade de que levaram o rRNA a ser utilizado como um marcador evolutivo
condições e colonizar diferentes tecidos e plantas. para o estudo da taxonomia e evolução dos seres vivos foram:
estar presente e ser funcional em todos seres vivos; ser bastante
9.6. TAXONOMIA conservado, sofrendo poucas modificações ao longo do tempo: seu
A taxonomia abrange os aspectos relacionados à classifi- pequeno tamanho (menos que 2Kb), pennitindo assim comparações
cação, identificação e nomenclatura dos seres vivos. Para parte rápidas, fáceis, com baixo custo; e a manutenção de bancos de
dos eucariotos, a taxonomia tem como base a caracteri1.ação dados on fine de sequências de nucleotídeos de praticamente todos
morfológica, datação e comparação de fósseis. No entanto, isso seres vivos. Os trabalhos pioneiros de Carl Woese e seu grupo
não é possível para procariotos. Nilo há '•fósseis" que possam ser resultaram numa nova classificação dos seres vivos, que suplantou
coletados de qualquer microrganismo, seja dos que morreram a antiga divisão em cinco Reinos.
há poucos minutos ou dos que viveram há milhões de anos. No entanto, a comparação das sequências <le nucleotídeos
Como consequência, a dassificaçào dos procariotos restringe-se do rRNA pennitc a divisão dos seres vivos em taxa que vão
à comparação de suas características genotipicas e fenotípicas. de Domínio ató no má.'<imo Gênero ou Espécie. Estudos entre
Enquanto a identificação e a classificação de microrganismos exemplares pertencenLes à mesma espécie ou abaixo dela,
eucariotos, como fungos e nematoides, é facilitada pelo estudo de corno subespécie, patovar, biovar. etc., exigem o emprego de
suas características morfológicas, essas características pouco são outnis técnicas complementares. Atualmente. a taxonomia de
úteis na caracterização dos procariotos se aplicadas isoladamente. procariotos, denominada taxonomia polifásica, exige o emprego
Com o avanço dos estudos e da facilidade na comparação de de diversas técnicas, tanto genotípicas quanto fenotípicus
sequências de ácidos nuclcicos (DNA e RN A), foi possível coruparar (Tabela 9.1). No entanto, temos o desenvolvimento constante
Tabela 9.1 - Informações m:cessárias para a caracterização e descrição dii novas espécies de bactérias.
154
Bactérias Fitopatogénicas
155
Manual de Fitopatologia
sejam separados em espécies distintas. Portanto, esse termo define (Actinobactérias) e a seguir apresentamos as Gram-negativas
populações similares genotípicamente, como pertencentes à mesma (Proteobactérias). O Filo Tenericutes, no qual estão os procariotos
espécie. mas distinguíveis por outros métodos da taxonomia fitopatogênicos sem parede celular, é tema do Capítulo 11 e não
polifásica, suficientes para separá-las em espécies. será aqui abordado.
O desenvolvimento de técnicas moleculares tem permitido Gênero Streptomyces. Compreende bactérias que fonnam
a adoção de critérios relacionados ao genoma bacteriano para estruturas vegetativas ramificadas e esporos reprodutivos. Essas
identificar e distinguir bactérias. Assim, novos arranjos classifi- estruturas se assemelham àquelas produzidas pelos fungos, porém
catórios têm sido propostos e adotados nos últimos anos, em suas dimensões são menores. O diâmetro desses filamentos varia
detrimento do uso de biotipos, serotipos, lisotipos etc. Algumas de 0,5-2,0 µm e se fragmentam, dando origem a uma cadeia de
dessas análises estão apresentadas na Figura 9.1 O. Além de serem esporos, com fonnato de barril, medindo 0,8-1 ,7 x 0,5-0,8 µm.
úteis para taxonomia, essas técnicas podem ser empregadas para As colônias silo geralmente brancas, porém pigmentos podem
caracterização de fitobactérias em estudos que envolvem, por
ser produzidos ao redor da colônia, dependendo do meio. Essas
exemplo, a diversidade genética ou a detecção específica desses
bactérias têm características saprofiticas, que pennitem sua
microrganismos. Exemplos de técnicas atualmente utilizadas tanto
sobrevivência no solo, sob condições de pH neutro ou levemente
na classificação de bactérias quanto em estudos de diversidade
alcalino. O gênero S1rcptomyces possui centenas de espécies e
e detecção são rep-PCR, sequenciamento de DNA (total ou
nove delas já foram descritas como patogênicas à cultura da batata.
parcial) e a comparação de sequências de housekeeping genes.
Essas fitobactérias provocam a doença conhecida como sarna
Esses últimos são genes que codificam para funções básicas do
da batata, cujos sintomas são necroses cm órgãos subterrâneos.
metabolismo celular e a análise conjunta de sequências dt: alguns
No Brnsil a espécie mais frequente é Stroplomyce.1· scahiei (sin.
desses genes (4 a 8 por exemplo) pem1ite uma acurada, sensível
S. scabies).
e reprodutível comparação de grupos de isolados de uma mesma
espécie de bactéria ou de espécies filogeneticamentc próximas. Gênero Clavibucter. Compreende bactérias pleomórficas,
com tamanhos de 0,4-0.75 x 0,8-2,5 µm, sem flagelos e aeróbias
obrigatórias. As bactérias desse gênero pertencium anteriormente
•
E
e., ao gênero Co1)'nebac1eríum (assim como Curtobacrerium),
E ..,e por isso eram chamadas de bactérias "corineformes". mas essa
.f 1:1
denominação não deve ser mais utilizada. Apenas a espécie
Polimorflsfflo P« mmp,tmento de fnen,entos de
~ (RFlJI, PFGE)
Clavihacter michiganensis subsp. michiganensls, ag,mte causal
do cancro bacteriano em tomateiro ocorre no Brasil. A principal
AmpllflcaçAo DNA (ARP. rei>-PCR)
via de disseminaçllo dessa bactéria é por sementes.
HibridlzaçJo DNA-ONA
Genero C11rtobacterium. São bactérias de tamanhos entre
"G..c 0,3-0.6 x 0,5-3,0 µm, com colônias amarelas ou alaranjadas e
tDNA-PCR aeróbias obrigatórias. A única espécie identificada no Brasil é
Perlll de kldos . - S (!',\ME) C.jlaccum.fasciens pv.jlaccumfasciens, agente causal da murcha
Estrvtun d4I pareck celular
de Cunobactcrium em feijoeiro e também um patógeno ocasional
em soja, incitando a doença mancha marrom. Em feijoeiro o
fenotlplpm (API, Biol«., ..)
patógeno coloniza os vasos do xilcma e a principal via de <lissemi-
Sequencia-.to de rRNA naçào é por sementes.
Sondas de DNA Gênero Leifso11iu. A proposta desse gênero foi feita em
Sequendamento de DNA 1999 e compreende bactérias exigentes quanto às condições de
Análise ,nuhJloa,s (4 ;, 8 llouwJoNping .,._, crescimento (fastidiosas). O único fitopatógeoo de ocorrência no
Brasil é leifsonia xyli subsp. xyli (sin. Clavibacter xyli subsp.
xyli). Em condições naturais de infecção ocorre em cana-de-
Figura 9. 1O- Resolução raxonômica de algumas das principais téc-
açúcar e sua disseminação é feita por meio dos instrumentos de
nicas utilizadas na caracterização de bactérias. RFLP
(Restriction Fragment Length Polymorphism), PFGE colheita. A introdução em novas áreas de cultivo dá-se por mudas
(Pulsed-Field Gel Electrophoresis), AFLP (Amplified infectadas, o que em muito limita a propagação da doença. No
Fragment Length Polymorphism), rep-PCR (amplifi- entanto, apesar dessa aparente facilida<le no controle da doença,
cação de sequências REP, ERJC e BOX). ao menos 10% das áreas de produção da cultura no Centro-Sul J o
Fonte: Adaptada de Coenye et ai. (2005) e Vandamme et ai. (1996). Brasil foram identificadas com o patógeno nos anos 2012 e 2013
(Urashima et ai., 2017).
Gênero Agrobacterium. As células se apresentam na
9.7. PRINCIPAIS GÊNEROS DE FITOBACTÉRIAS NO fonna de bastonetes com dimensões de 0,6-1,0 x 1,5-3,0 µm. São
BRASIL móveis, possuindo número variável de flagelos, normalmente de
Todas as fitobactérias pertencem exclusivamente ao 1 a 4, os quais têm inserção peritriquia. São bactérias aeróbias
Domínio Bacteria. Os gêneros das principais fitobactérias e produzem grande quantidade de exopolissacarídeos quando
que oconem no Brasil estão listauos na Tabela 9.2 e descritos em meios ricos em carboidratos. As colônias são lisas, (imosas
nos próximos parágrafos. Nesse item apresentamos apenas os e não são pigmentadas. As espécies são habi1antes naturais
principais gêneros, considerando as principais doenças de etio- do solo e as patogênicas podem causar doença em uma ampla
logia bacteriana que ocorrem em culturas agrícolas de expressão gama de hospedeiros de relevância econômica, destacando-se
econômica no País. Iniciamos com as fitobactérias Oram-positivas as rosáseas. Os sintomas exibidos por plantas infectadas pela
156
Bactérias Fitopatogênicas
'Mela 9.2 - Principais gêneros de fitobactérias de ocorrência comum no Brasil organizados em taxa•.
Agrobacterium
Alphaproteobacteria Rhizobiales Rhizobiaceae 'Candidatus Liberibacter asiaticus•
·cundidatus Lihcribacter amcricanus'
Burkholdena
Burkholderiaceae
Betaproteubacteria Burkholderiales Ralstonu,1
B.!•·tcria Comamonadaceae Acidovorax
Proteobacteriu Dickeya
En,•inia
Enterobucteriales Entembacteriaceae
Pantoea
Pectobacterium
Gammap101eobacteria
Pse11domonadales Pseudomonadaceae Pseudomonas
Xanthomonas
Xanthomonadales Xanthomonadaceal!
Xyle/la
- ~cie A. tumefaciens, a mais importante desse gênero. são cenoura. Esse patógeno já foi detectado no Méx.ico, nos Estados
..:-..1imente reconhecidos pelo aparecimento de galhas nas raízes e Unidos, na Guatemala, em Honduras, cm algLms países da Europa
região do colo. Essas tumefações são resultantes da hiperplasia e na Nova Zelândia e constitui-se em séria ameaça à produção
~ - pertrofi.a das células vegetais, distúrbios esses induzidos pelo dessas culturas caso venha a ser introduzido no Brasil.
-..; 1geno. Outro sintoma característico, conhecido por raiz em
Gênero 811rkllolderia. Compreende algumas das bactérias
..-.-.eleira, é causado pela espécie A. rhizogenes. anteriormente denominadas como Pseudomonas. Caracterizam-se
Gênero 'Candidatus Liberibacter'. Por se tratar de por serem aeróbicas, bacilifom1cs, com tamanhos entre 0,5-1,0
'T:>cariotos não cultiváveis, não podem ser extensivamente x 1,5-4,0 µm e móveis por um ou vários Ragelos polares. Não
:acterizados; ~rtanto, suas classificações permanecem inde- apresentam fiuorescência e algumas espécies habitam o solo por
h"..1das. Para abrigá-los taxonomicamente foi criada a categoria longo periodo de tt:mpo. No Brasil, a principal espécie é B. cepacia,
- , isional denominada Candidatus. Apenas o termo Candidatus agente causal da podridão bacteriana da escama em cebola.
• redigido em itálico (e não a espécie) e toua a designação para
e5pécie deve ser colocada entre aspas ou apóstrofes. Dessa
Gênero Rolstonia. Constitui-se em outro gênero com
.'\"ma, as bactérias associadas ao huanglongbing dos citros no
algumas bactérias anteriormente denominadas Pseudomonas.
i:kasil são 'Candidatus Liberibacter asiaticus' e 'Ca. Liberibacter Compreende bactérias aeróbicas, habitantes de diversos ambientes
americanus '. Diz-se que são bactérias associadas à doença, mas não e patógenos de animais (inclusive o homem) ou plantas. Quando
_.,e são seus agentes causais. Por não terem sido ainda cultivadas móveis, possuem flagelo polar, não fluorescentes, células do
.u,enicamente. o postulado de Koch não pode ser finalizado. As tipo bastonete, com dimensões de 0,5-0,7 x J,5-2,S µm. Dentre
espécies de 'Ca. Liberibacter' presentes no Brasil caracterizam-se as espécies fitopatogênicas destaca-se Ralstonia solanacearum
- .,.. bactérias Gram-negativas, habitantes do floema e transmitidas (sin. Pseudomonas solanacearum), uma bactéria com ampla
:\.'r enxertia ou pelo inseto vetor Diaphorina citri (Hemiptera: distribuição geográfica e grande diversidade de hospedeiros.
_ , iidae). Seus hospedeiros são membros da família rutácea, como Alguns desses hospedeiros são culturas agrícolas de elevada
.b plantas cítricas e a ornamental Murraya sp. (murta ou falsa expressão econômica (solanáceas e bananeira, por exemplo) e os
muna). O tipo asiático do huaoglongbing (HLB) é o encontrado danos decorrentes da doença podem ser expressivos. Essa bactéria
:e--, maior predominância em São Paulo e o único presente em se caracteriza como um frequente habitante do solo, dada sua
,tras regiões cítricas nas Américas do Sul, Central e Norte. Outra capacidade saprofüica. Como patógeno, penetra seus hospedeiros
.:.--pécie importante de 'Ca. Liberibacter', mas felizmente ainda pelo sistema radicular (ou pelo colo das plantas), distribuindo-se
~.-10 detectada no País, é 'Ca. Liberibacter solanacearum', agente em seguida de forma sistêmica pelo xilema, provocando murchas.
-:ausal da doença denominada zebra chip em batata e também em R. sulanacearwn .apresenta grupos de isolados distintos quanto
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Manual de Fitopatowgia
às caractensticas fenotípicas, genotípicas e de hospedeiros. e induzindo mais comumente sintomas do tipo queima, manchas
por essa razão geralmente emprega-se o tenno "complexo de foliares ou cancros. Em 1998, 1-lauben et ai. propuseram a
espécies'' (species complex) para essa bactéria. Uma classificação divisão dos representantes fitopatogênicos desse gênero em
muito utilizada para essa espécie é a divisão em filotípos, Erwinia, Pectobacterium e Brenneria. Segundo essa proposta,
sequevares, biovares e raças. Os filotipos r, li e III compreendem os representantes pectinoliticos pertencem exclusivamente
isolados da Ásia, América e África. respectivamente, e o tipo IV ao gênero Pectobacterium e os demais aos gêneros Erwinia e
de isolados da Indonésia, Japão. Austrália e Filipinas. Em 2014 Bren11eria. A bacteriose da goiaheira, doença até hoje encontrada
Safni et al. propuseram a reclassificação desse complexo de apenas no Brasil, é provocada por E. psidii. Por outro lado.
espécies em R. solanacearum (compreendendo apenas o filotipo em várias culturas agrícolas no Brasil, por exemplo, batateira,
Il). R. syzygii (filotipo [V) e R. pseudosolanacearum (filotipos I e tomateiro. outras solanáceas, cenoura. beterraba, alface, alho,
III). Isolados do filotipo l são patogênicos ao tomateiro e algumas cehola, mandioca, omatuentais. foi identificada P carotovon,m
outras solanáceas, enquanto o filotipo 11 à hatateira, tomateiro, (sin. E. carotovon11n). Na reclassificação de Haubcn et ai. ( l 998),
outras solanáceas, eucalipto e bananeira. O filotipo li é dividido foram propostas algumas subespécies de P. curotovonan, dentre
em dois grupos (llA e ITB). Os isolados patogênicos às solanáceas elas: atrosepticum (causadora de canela preta em batateira),
incitam a doença denominada murcha, murchadeira ou murcha de betavasculontm (causadora de necroses vasculares cm beterr.i.ba),
Ralstonia. A raça 2 de R. solunacearum (pertencente ao filotipo odoriferum (patogênica à chicória) e carotovomm (causadora de
TTB) é o agente causal do moko da bananeira. A caracterização podridõcs em diferentes hospedeiros). Todas essas subespécie~
de uma coleção de 301 isolados brasileiros de vários hospedeiros podem estar associadas às descrições de En1•i11iu cw·otovorum
demonstrou a ocorrência apenas dos filotipos 1e li (Santiago el ai., no Brasil, além de outras citadas por diversos autores (exemplo
2017). Desses isolados, 16% pertenciam ao filotipo 1(tomateiro e P. camlovorum subsp. hmsiliensis), mas a identificação específica
outras solanáccas), 37% ao filollpo IIA (solanáceas e eucalipto) e delas exige técnicas moleculares ainda não empregadas como
47% ao 1TB (solanáceas, eucalipto e bananeira). rotina no País.
Gênero Acidovort1x. Compreende bactérias aeróbicas. Gênero Pse11do111011us. Essas bactérias se carnclerizam
bastonetes retos ou levemente curvos, com dimensões <le 0,2-1,2 por apresentar u forma de bastonetes retos ou levemente curvos,
x 0,8-5,0 µm. A maioria dessas bactérias apresenta um flagelo com dimensões de 0,5-1,0 x 1,5-5,0 µm. Silo acróhicas e se
polar e colônias não pigmentadas. As espécies füopatogênicas locomovem pela presença de um ou vnrios flagtilos polares. A
desse gênero eram classificadas como Psaudomonas. No principal característica dos representantes do gênero Pseudomonas
Brasil ocorrem as espécies Acidovorax avenae (sin. A. avenae é a produção de pigmentos fluorescentes em determinados
subsp. avenae), agente causal da estria vennelha cm cana-de- meios de cultura. Algumas espécies não fluorescentes anlcrior-
açúcar, A. citrulli (sin. A. avenae subsp. citrulli), agente causal mentc classificadas dentro deste gênero passaram a fazer
da mancha bacteriana cm meloeiro e melancia, e A. anthw·ii e parte dos gêneros Acidovorax, BurkholderitJ e Ralstunia. As
A. cottleytJ (sin. A. avenue subsp. cattleya). que provocam Pseudomonas são conhecidas como patógenos de plantas desde
manchas bacterianas cm ornamentais. São bactérias com grande os primórdios Ja Fitopatologia, sendo a espécie P. syringae
capacidade de sobrevivência no solo (saprófitas) e são importantes considerada a mais importante sob o ponto de vista econômico.
em cucurbitáceas e ornamentais. Em cucurbitáceas a disseminação Os sintomas expressos por plantas doentes silo bastante
ocorre também por sementes. diversificados, em l'unção da espécie causadora de doença, e
Gênero Dickeyo. Esse gênero foi proposto ern 2005 e se manilestam na fonna de crestamento ou queima de folhas e
compreende a reclassificação dos biovares de Erwinia chry- flores, manchas foliares, cancros de ramos. podridõcs e galhas.
santhemi em espécies de Dickeya. Baciliformes, com 0,5-1,U Nesse gênero há deLcnas de espécies e patovares e várias são as
x 1,0-3,0 µm, g.:rnlmente com flagelos peritríquios e aeróbicas culturas hospedeinis dessas fitobact&ias. Quando a denominação
facultativas. Silo pectinoliticas, ou seja, incitam as denominadas ''palovar" foi cri11da, esse gênero passou a aprcscnmr de:.:enas
podridões moles, e também podem provocar murchas. As de patovares. Para uma únit--a espécie, P. syringae, existiam
espécies que ocorrem no Brasil são D. chrysanthemi, patógeno 57 patovares. Assim como R. solanaceamm e outras e~pécics de
de ornamentais e solanáceas. e D. zeae, agente da podridão bacte- fitobactérias, os vários representantes de P. syrmgae compõem um
riana do colmo em milho. "complexo de espécies" e mudanças vêm ocorrendo na clas-
Gêneros Envinia e Pectobacterimn. Representantes do sificação desse gênero. As principais espécies que ocorrem no
gênero Erwi11ia foram reclassificados por diferentes grupos de Brasil são P. brassicacea111111 (brássicas). P cichorii (alface,
pesquisa nas últimas décadas. Essas bactérias são hacilos curtos, brássicas, ornamentais e tomateiro), P. viridifiava (tomateiro) e
de 0,5-1 ,O x 1,0-3,0 µm. móveis por flagelos peritríquios e P. syringae pv. lucl11yma11s (pepino), pv. tabaci (tabaco), pv.
aeróbicas facultativas. Historicamente, as espécies de Erwinia tomato (tomateiro) e pv. syringae (tomateiro}.
são divididas em dois grupos: pectinolitico e não pectinolítico. A Gê11ero Xanthomonu.~. Mais de uma centena de bactérias
atividade pectinolítica caracteriza-se pela produção·de pectinases. agentes de doenças de plantas estão reunidas nesse gênero, o que
enzimas extracelulares que digerem a lamela média dos órgãos o toma de grande interesse para a Fitopatologia. Individualmente,
colonizados e provocam a desorganização dos tecidos vegetais, as células se apresentam como bastonetes retos. de tamanhos
resultando numa podridão mole ou aquosa. Os representantes compreendidos na gama de 0,4-0.6 x 0,8-2,0 µm. São móveis com
do grupo pectinolítico, também chamado "carotovora'' (uma um único flagelo polar e aeróbicas obrigatórias. As colônias são,
referência a E. carotovorum), provocam podridões moles em geralmente, brilhantes, viscosas, de bordos lisos, reconhecidas
frutos e hortaliças. Os representantes do grupo não pectinolítico. pela presença da coloração amarela intensa, resultante da
também chamado "amylovora" (referência a E. amylovora), produção de pigmentos conhecidos por xanthomonadinas. Apesar
causam doenças diversas em hospedeiros lenhosos ou herbáceos, de caracteristicos para a maioria das Xanthomonas. nem lodos
158
Bactériru Fitopatogênicru
representantes deste gênero fonnam pigmentos amarelos e, pigmentos coloridos. As colônias são diminulas e se desenvolvem
:i.este caso, colônias brancas podem ser observadas. O aspecto mwto lentamente em meios específicos nutricionalment.e ricos.
Ltamente mucoide das colônias se deve à produção abundante de No Brasil a bactéria infecta citros, cafeeiro e ameixeira japonesa.
-..11erial capsular, a partir do qual é obtida a goma xantana, muito Na culrura dos citros X fastidiosa causa a doença conhecida por
.-nlizada industrialmente. A diversidade de hospedeiros é ampla clorose variegada, descrita pela primeira vez no final da década
~ compreende espécies de expressão econômica significativa de 1980, em áreas do norte e nordeste paulista e na região sul
:-.;.'a a agricultura. O sintoma mais comumente obse.rvado é do de Minas Gerais. Em cafeeiro, a doença é. chamada de atrofia de
t:;>O manchas isoladas, porém estas manchas podem coalescer, ramos ou queima de folhas e foi identificada em meados dos anos
::irovocando a queima e queda de folhas. Lesões também ocorrem 1990 no Estado de São Paulo. Em ameixeira japonesa, a bactéria
em frutos e ramos. Em alguns hospedeiros, o patógeno colonjza é agente causal da escaldadura, doença muito importante para a
",ilema, causando descoloração vascular e induzindo à murcha cultura, considerada como responsável pelo declínio dos pomares
-1 parte aérea. Assim como para Pseudomonas, esse gênero instalados na Região Sul do território brasileiro, desde a década de
..:m:!sentava muitos patovares que gradualmente passaram a 1970. O patógeno é transmitido por cigarrinhas que se ali!"enlam
~resentar espécies ou subespécies nas últimas décadas. No no xilema. Os sintomas exibidos por planlas doentes de citros
~tanto. novas reclassificações deverão ocorrer pelas vanlagens incluem lesões salientes preseutes em folhas, ramos e frutos; em
:.ecorrentes dos atuais métodos moleculares, principalmente o cafeeiro, os sintomas se expressam por encurtamento e seca de
,cquenciamento de genomas inteiros. Algumas das principais ramos, queima e queda de folhas. Quando essas doenças ocorrem
~cíes e patovares de Xanthomonas que ocorrem no País estão com alta intensidade, a planta pode entrar em declínio. Em 2004
mresentados na Tabela 9.3. Schaad et ai. propuseram a divisão da espécie em subespécies e
Gênero Xylella. Esse gênero compreende bactérias fas- atualmente temos a seguinte classificação: X fastidioso subsp.
:.diosas e limitadas ao xilcma. Sua primeira detecção foi no fastidiosa (patógeoo da videira, alfafa, amendoeira e outras
---i1cio da década de 1970 em plantas de videira que apresentavam espécies arbóreas) e X fastidiosa subsp. multiplex (patógeoo de
--na séria doença denominada "mal de Pierce" na Califórnia. pessegueiro, amendoeira, citros e outras espécies arbóreas). A
bactéria é caracterizada como bastonete, com parede celular proposta desses autores de uma terceira subespécie (X fastidioso
:"'lfllgada, cujas dimensões são de 0,25-0,35 x 0,9-3,5 µm, subsp. pouca), como agente da clorose variegada dos citros, não
:--tritamente aeróbica, não apresenta motilidade e não produz foi aceita e esse oome científico não deve ser adotado.
Xanthomonas alhilineans
Xanthamonas gardneri
Xonthomonas perforans Tomateiro
Xanthomonas vesicatoria
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CAPÍTULO
10
VÍRUS E VIROIDES
Jorge Alberto Marques Rezende e Ellíot Watanabe Kitajima
ÍNDICE
T
odos os seres vivos vertebrados e invertebrados,
bem como os fungos, as algas as bactérias e as ocasionou uma hiperinflação nos preços das plantas, com bulbos
plantas podem ser infectados por vírus que são sendo negociados por quantias exorbitantes de dinheiro ou de
ICOproteínas, parasitas moleculares. Recentemente se verificou mercadorias durante a "'tulipomania" na Holanda, no período de
caso de parasitismo de um vírus por outro. Os viroides, de 1600 a 1630. Somente em 1926 foi identificado o potyvirus Tulip
...asmuição ainda mais simples, pequenos fragmentos de RNA, breaking vinis como sendo o agente causal da doença que resulta
- capa proteica. no entanto, até o momento foram encontrados em alterações nas cores das flores dessa ornamental.
-=ktando somente as plantas. Curiosamente, a Virologia, como A lista mais recente de espécies de vírus, divlllgada em 2016
1mt1a. teve inicio com um vírus de planta. o do mosaico do fumo pelo "Intemational Committee on Taxonomy ofViruses" (JCTV),
~·cu musaic vírus - TMV), em fins do século 19. quando se relata a existência de 4.404 espécies, enquanto várias outras estão
-enfie-ou que o agente infeccioso era capaz de passar por filtros sendo caracterizadas e aguardando sua inclusão na listagem do
retinham bactérias, sendo, ponanto, significativamente meno- ICTV. Esse número é bastante expressivo, visto que no primeiro
qye estas (Boxe l 0.1 ). Mesmo antes da descobena do vírus relatório do ICTV de 1971 foram listadas apenas 290 espécies de
mosaico do fumo, já se conheciam relatos de doenças de vírus. Entre as mais de 4.000 espécies, aproximadamente 1.369
:sc:'..l:. que hoje se sabe serem de etiologia virai. Uma das mais são capazes de infectar e causar doenças em piantas. Um dado
~ referências apareceu em um poema de origem Japonesa, vírus pode estar restrito a uma única espécie vege1.al, ou infectar
mo de 752, que mencionava um amarelecimento nas folhas de uma ou mais dezenas de espécies. Da mesma forma, uma espécie
'-'atorium. Atualmente, acredita-se que aquela anomalia é a que vegetal pode ser infectada por um ou mais vírus diferentes, não
ltdiama amarelecimento das nervuras, causado pelo Tubacco leaf sendo incomum a infecção múltipla. No entanto. não se conhece
• nrvs, que é uma espécie do gênero Begomovirus, transmitido qualquer virus de planta que seja capaz de infectar o homem e
161
Manual de Fitopatologia
162
Vírus e Viroides
10.J. CARACTERÍSTICAS DOS VÍRUS E VIROIDES: caracteristicas acima descritas, esses agentes sub-virais apresentam
COMPOSIÇÃO E MORFOLOGIA as seguintes c:aracterísticas em comum: o ácido nucleico não é parte
Os víms são agentes infecciosos, sub-microscópicos, filtrá- do vírus auxiliar; tem muito pouco ou nenhuma similaridade na
- s e não celulares. Não possuem metabolismo próprio que sequência de nucleotídeos e a replicação é inteiramente dependente
X"!'rnita reproduzirem-se de fonna independente. São parasitas do vírus auxiliar. A presença do satélite pode exacerbar ou atenuar
"r!gatórios e utilizam os sistemas de síntese de ácido nucleico os sintomas da doença causada pelo vírus envolvido na associação.
de proteínas da célula hospedeira para sua replicação. Fora Todos ,os vírus de vegetais conhecidos caem essencialmente
_,.s células do hospedeiro os vírus são inertes. Por todas essas em três tipos morfológicos: de simetria helicoidal (vírus alongados
...:.r.:icterísticas pode-se afinnar que os vírus constituem patógenos rígidos [Figura 10.la] ou alongados flexuosos [Figura 10.lbl),
--!otante simples e únicos, completamente diferentes de outros icosaedral (vírus arredondados ou isométricos [Figura 10.1 c])
:nrógenos uni- ou pluricelulares, tais como fungos, bactérias e e baciliformes complexas. Alguns vírus helicoidais envoltos
e..'Tiatoides. por membrru11as (envelopes) adquirem uma morfologia esférica
A partícula virai, que é a unidade infecciosa, é constituída (Figura I 0. ldl,e) ou em fonna de bala-de-revólver (Figura 10.1 t).
p;r uma ou mais moléculas de RNAou DNA, que podem ser de fita Nessas categorias estão respectivamente os vírus causadores
-::r.ples ou dupla. O ácido nucleico, que representa o genoma do de doenças do tipo vira-cabeça, da família Bunyaviridae, gênero
-J.S. é protegido por uma ou mais moléculas proteicas, referidas Orthotospovirus, da família Rhabdoviridae. gêneros Cyto-, Nucleo-
.simo proteínas capsidiais, as quais são codificadas pelo genoma e Dichorhabdovirus e do gênero Cilevirus, do vírus da leprose dos
_-ai. A partícula virar ainda pode estar envolta por um envelope citros, tipo ciitoplasmático (Cirn,s leprosis vírus - cytoplasmic type
"?Oproteico. Há vírus cujos genomas não codificam a proteína - CiLV-C).
...1psidial. São os casos dos vírus dos gêneros Endornavil71s e As partículas virais são medidas em nanômetro (um nanô-
. lflbravirus. O ácido nucleico dos endomavirus, que é constituído mctro = 1 nm = 10-9 metros). O tamanho dos vírus varia de cerca
-.o- uma molécula de RNA de fita dupla, é protegido por vesículas de 20 nm a ,80 nm de diâmetro para os isométricos, 12-20 nm
IC'l1das no interior do citoplasma celular. Para os umbravirus há em diâmetro, e 65-2.200 nm em comprimento, para aqueles
~s possibilidades: em infocção isolada o ácido nucleico parece helicoidais. O vírus da tristeza dos citros (Citrus tristeza vírus -
.:....-ar protegido por um envelope constituído por lipídeos da CTV) é um cios maiores vírus de planta conhecidos com morfo-
;ropria célula. enquanto em infecção mista, especialmente com logia helicoidal. As partículas dos vírus baciliformes possuem 18
~ do gênero Luteovirus, se apropriam das proteínas capsidiais a 130 nm de diâmetro e 100 a 430 nm de comprimento, como
âste para a proteção do ácido nucleico. é o caso dos vírus da família Rhabdoviridae. Há ainda vírus
Os vírus cujos genomas são constituídos por uma única com partículas isométricas geminadas, medindo 22 a 38 nm em
-.:-Iécula de ácido nucleico são denominados monopanidos. diâmetro cada uma, da familia Geminiviridae (Figura IO.J g).
. ..1.mdo o genoma virai está dividido em duas ou mais molé- Devido às suas dimensões sub-microscópicas, os vírus somente
.!l.;:15 de ácido nucleico, eles podem ser multiparticulados ou são visualizados com o microscópio eletrônico de transmissão
-,rnipartidos. São multiparticulados quando os diferentes frag- (MET). O tamanho e a morfologia das partículas são úteis parn
o=ntos do genoma são encapsidados separadamente pelas sua detecção, identificação I:! classificação.
-::-~mas proteínas capsidiais, formando partículas distintas. O Os viroides foram descobertos em 1967 por T. O. Díener
Lls do mosaico do pepino ( Cucumber mosaic vírus - CMV), e W. B. Raymer nos E.U.A. O primeiro viroide descrito foi o
:-..~r exemplo, possui partículas isométricas de aproximadamente causador do tubérculo afilado da batata (Potato spindle tuber
>' nanômetros em diâmetro. O genoma é constituído por três viroid - PSTVd). Até o momento são reconhecidas pelo fCTV
- .:-leculas diferentes de RNA de. fita simples senso positivo, 32 espécies dle viroides causando doenças de plantas. Ainda não
~.:--a.psuladas separadamente pelas mesmas proteínas capsidiais. são conhecidas doenças de animais e do homem causadas por
- outro lado, os vírus da família Reoviridae, que infectam esse tipo de agente parasitário. São considerados os menores
- ..:lntas, possuem partículas isométricas de 65 a 70 nanômetros agentes infecciosos que causam doenças em plantas. Os viroides
-:r: diâmetro, cujos genomas consistem de 10 a 12 moléculas são constituídos por uma única molécula de RNA, de fita simples,
....e RNA de fita dupla protegidas por uma única capa proteica. com 250 a 400 nucleotídeos, circular, desprovida de capa proteica
::::i. todos os vírus com genoma dividido, todas as moléculas de e sem capaciidade de codificar proteínas. A molécula de RNA
i.:·do nucleico devem estar presentes para infecção e posterior possui grandes exte-nsões de pareamento de bases que contribuem
~envolvimento da doença na planta. para a sua e:stabilidade, devido à ausência de capa proteica.
Há ainda moléculas de RNA e de DNA que isoladamente Alguns viroides como o do "sun blotch" do abacate (Avocado
· " causam infecção, porém, quando associadas com um vírus, sunblotch virvid - ASBVd} têm propriedades catalíticas, como
..::-ominado auxiliar, se replicam na célula vegetal podendo ribozimas, e têm sido considerados como fósseis moleculares,
~rerferir na replicação do vírus auxiliar e/ou na expressão dos sobreviventes do "mundo do RNA". Da mesma forma que os
nomas induzidos por este na planta infectada. Pbde-se dizer vírus, os viroides são parasitas obrigatórios, portanto dependem
...e são unidades sub-virais que não codificam enzimas para a do metabolisllUo celular da hospedeira para replicação. Para sua
:,ropria replicação, funcionando como uma espécie de "parasita replicação, viroides utilizam-se das polimerases de RNA celular,
-.:-lecular". Nessa categoria têm-se os vírus satélites e os RNAs do núcleo ou do cloroplasto.
: os DNAs satélites. Há até o momento quatro vírus satélites
aes..,itos e que constimem os menores vírus conhecidos. O ácido 10.4. GENOMA VIRAL
~deico do vírus satélite codifica apenas a proteína capsidial. No Os avanços obtidos nas últimas décadas no sequenciamento
~o dos RNAs e DNAs satélites, os respectivos ácidos oucleico de ácidos nudeico de centenas de vírus têm permitido elucidar
-2.:t protegidos pela capa proteica dos vírus auxiliares. Além das as organizaç,ões dos genomas virais bem com as diferentes
163
Manual de Fitopatologia
~-14
...- ;/
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' ).
1
Figura 10.1 - (A) Partículas em fonnade bastonetes rigidos do vírus do anel do pimentão (Pepper ringsporvirus- PRSV), do gênero Tobmvirus, transmi-
tido por nematoides Trichodoridae. A partícula é formada pelo arranjo helicoidal das proteínas capsidiais, resultando na presença de um
canal axial, claramente visível, onde está o acido nucleico; (8) Partículas de perfil circular de aproximadamente 80 nm de diâmetro de um
dos vírus (Tomato spottedwilt virus - TSWV) que causam síndromes conhecidas como vira-cabeça em várias culturas, em uma preparação
purificada; (C) Partículas alongadas e flexuosas do vírus do mosaico do nabo (Turnip mosaic virus- TuMV) em uma preparação purificada;
(D) Partículas do Tomato spotted wilt viros (TSWV) em célula foliar de tomateiro com sintomas de vira-cabeça. As partículas de
perfil circular ocorrem isoladamente ·ou em ,grupo's em cavidades do retículo endoplasmático. A massa densa nas proximidades
representa um acúmulo de nucleocapsídeo do vírus que não completou a maturação pela aquisição da membrana envoltóría:
(E) Partículas isométricas de 25-30 nm em diâmetro do vírus da necrose do fumo (Tobacco necrosis virus - TNV) em uma
preparação purificada. Várias partículas aparentam ser vazias, sem o RNA; (F) Partículas do vírus do mosaico dourado do
feijoeiro (Beangolden mosaic vírus - BGMV) em uma preparação purificada. Elas são geminadas, o que resultou no nome da família
Geminiviridae. BGMV é a espécie tipo do gênero Begomovirus, nesta família; (G) Preparação "leaf dip" de folha de maracujazei-
ro com sintomas de clareamento de nervuras mostrando partículas do provável rhabdovirus causador dos sintomas, o vírus do
enfezamento do maracujazeiro (Passionfruit vein clearing virus - PFVCV), em fonna de bala-de-revólver. As partículas alonga-
das junto às do rhabdovirus são do vírus do endurecimento dos frutos (Cowpea aphid-borne mosaic vírus - CAMV), um potyvirus,
que estava co-infeclando esta planta.
maneiras de expressão dos genes. Resumidamente, o genoma aberta para leitura ("Open reading frame - ORF") que codifica
virai compreende regiões que codificam proteínas estruturais uma poliproteina com aproximadamente 3.000 aminoácidos
(proteína capsidial) e não estruturais (replicase, transcriptase (350 kDa). Esta é clivada por três diferentes proteases codificadas
reversa, protease, etc.) que estão envolvidas no processo infeccioso, pelo genoma virai, dando origem a 11 diferentes proteínas. O
movimento de curta e longa distância na planta, transmissão por tenninal 5' da molécula de RNA é protegido pela proteína VPg
vetores, etc. Há ainda regiões não codificadoras de proteínas que ("vírus protein genome-linked"), codificada pelo genoma virai.
controlam a replicação e a expressão do genoma. Os menores Após essa proteína há uma pequena porção não traduzida do
vírus de plantas, os vírus satélites, possuem apenas um gene no seu genoma. O terminal 3' também possui uma região nllo traduzida e
genoma, que codifica a proteína capsidial. Já os maiores vírus de uma cauda poli-A (20 a 160 adeninas). A organização do genoma
plantas, representados por membros das famílias Closteroviridae de um potyvirus (Tobacco etch vírus - TEV), indicando as dife-
e Reoviridae, possuem de 10 a 12 genes. rentes proteínas e os locais de clivagem, está na Figura 10.2.
Os vírüs de plantas utilizam várias estratégias para a tradução Gênero Tobamovirus: A espécie tipo desse gênero é o vírus
dos diferentes genes do genoma. Dois exemplos serão utilizados do mosaico do fumo (Tobacco mosaic vírus - TMV) que foi o
para ilustrar essa diversidade. primeiro vírus de planta descrito e está intimamente associado
Gênero Potyvims: trata-se do segundo gênero de vírus de com o início da ciência da Virologia. Também foi o primeiro vírus
plantas com maior número de espécies conhecidas. O genoma é de planta a ter o genoma completamente sequenciado em 1982.
constituído poruma molécula de RN Ade fita simples senso positivo, O TMV é constituído por uma única molécula de RNA, de fita
com aproximadamente 9.700 nucleotídeos. Possui uma única fase simples e senso positivo. O terminal 5' da molécula de RNA é
164
Vírus e Vzroides
ORF
:::~0
,. 1)
9.496 11t A(n)3'0H
■
52K 71K 211{ 27K 58K 30K
P1 HG-Pro P3 ? CI ? VPg Protease Repbcase CP
Nla Nlb
,~ura 10.2 - Organ.i.zação do genoma de lllJ) representante do gênero Potyvírus. A linha cheia representa a molécula de RNA de fita simples
senso positivo. O retângulo embaixo representa a poli-proteína com os diferentes produtos após clivagem. P1: proteína com
atividade proteolítica; HC-Pro: proteína com atividades de auxiliar na transmissão por afideos e proteolítica; P3: proteina envolvida
na replicação virai e, aparentemente na determinação da gma de hospedeiros e desenvolvimento dos sintomas; PIPO: "pretty
intere.sting potyvirus ORF", essencial no movimento intercelular do vírus; CI: proteína da inclusão cilíndrica citoplasmática;
VPg "vira! protcin genomc-linked", múltiplas funções, essencial nas etapas de replicação virai; Nla: proteína com atividade
proteolítica; Nlb: RNA polimcrase, ambas (Nla e Nlb) também formam as inclusões nucleares e CP: proteína capsidial, também
envolvida no movimento do vírus na planta e na transmissão por vetores.
:TOtegido por uma •~strutura do tipo "cap" (m 7GpppGp), seguida 10.5. LNFECÇÃO E REPLICAÇÃO
..,,:-r aproximadamente 70 nucleotídeos não traduzidos. O RNA Conforme mencionado anterionnentc os vírus são inativos
-:ral possui aproximadamente 6.395 nucleotídeos, com quatro quando estão fora da célula da hospedeira. Nilo tendo motilidade,
)RFs, que são traduzidas em quatro proteínas. Duas proteínas não possuem mecanismos próprios para ultrapas.sar a ngida barreira
· estruturais são sinteti1.adas diretamente do RNA genômico da parede celular. Portanto, o processo de eut:rada do virus na planta,
,uai): 126 kDa e 183 kDa, sendo a segunda produzida a partir para dar início ao processo de infecção, ocorre principalmente por
:.: um processo de leitura contínua ("read-through"). As outras meio de ferimentos provocados por ação mecânica (por exemplo:
~ proteínas (30 kDa e 17 kDa) são sintetizadas a partir de duas abrasão, instrumentos de corte, etc.) ou durante a alimentação dos
-noléculas sub-genômicas de RNA. Para proteger uma molécula de vetores. Alguns vírus, como o do mosaico do fumo são capazes de
ll.'-A do TMV são necessárias aproximadamente 2.130 unidades "sobreviver" por longo tempo como contaminantes do solo, das
-2 proteína capsidial. as quais são formadas por 1S8 aminoácidos mãos, de fexrdIJlentas e oportunamente penetrar em uma planta sadia
.:ada uma. Essas unidades se agrupam fomiando uma estrutura por meio de ferimentos acidenlais. Isso se d~ve principalmente pelos
-.ogada e rígida de aproximadamente 300 nanômetros de fatos de ser um vírus que ocorre em alta concentração e bastanlt:
"'fflprimento por 15 nanômetros de diâmetro, pesando 38 milhões estável fora do hospedeiro, podendo inclusive manter-se infeccioso
~ Dalton. A organização do genoma do TMV e as proteínas em fumo após o processamento industrial
:-odi.ficadas estão na Figura 10.3. Uma vez no interior da célula hospedeira o
ácido nucleico viraJ deve ser liberado da capa proteica
ORF1 ORF2 (desnudamento, descapsidação) para direcionar o
maquinário celular para a sintese de novas moléculas
6.395nt
5 cap - - - - • • - - - - - - - - - - - - - - - - - - 3,_ OH de ácido nucleico e de proteínas, entre as quais a
proteína capsidial, para fiualmente constituir novas
1128K partícuJas virais. Considerando-se um vírus de RNAde
fita simples, senso positivo, o processo de replicação
resume-se basicamente nas seguintes etapas: a) o vírus
183K
ORF3 é introduzido na célula e logo em seguida o RNA é
_ _ _ _.-.i_ _ _ 3'-0H
sgRNA 5•cap liberado da capa proteica; b) o RNA associa-se com
os ribossomos da hospedeira, ocorre a tradução,
30K
que dá origem a RNA polirnerase e outras proteínas;
ORF4 e) a RNA polimerase transcreve a fita positiva de
sgRNA s•cap - - - -3'-0H RNA em diversas fitas complementares de RNA
(senso negativo); d) as fitas de RNA senso negativo
são utilizadas pela polimerase virai para a síntese
f'112ura 10.3 - Organização do genoma do TMV, espécie tipo do gênero Tobamovin1s. de novas fitas positivas (RNA virai); e) grande
As linhas cheias representam a molécula de RNA genômico de fita quantidade de unidades de proteínas capsidiais é
simple:; senso positivo e as duas moléculas de RNA sub-genômicos produzida; i) unidades de proteínas capsidiais e fitas
(sgRNA). Os retângulos representam as diferentes proteínas: duas positivas de RNA se unem para formarem novas
componentes da RNA polimcrase (126 kDa e 183 kDa); a proteína partículas de vírus. Na Figura 10.4 encontra-se um
associada ao movimento de célula para célula (30 kDa) e a proteína diagrama ilustrando a replicação de um vírus de RNA
capsidial (17 kDa). de fita simples, senso positivo.
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Manual de Fitopatologia
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Vírus e Viroides
l 9 _' t 3doas
5 dias
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Vírus e Viroides
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Manual de Fitopatologia
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Vírus e Viroides
figura 10.22- Nanismo em algodoeiro (centro e direita) causado Figura 10.25 - Afilamento da folha do mamoeiro provocada pelo
pelo vírus do mosaico RB (sadia esquerda). vírus do mosaico (direita), sadio (esquerda).
Crédito d a foto: ÁlYaro Santos Costa.
171
Manual de Fitopatologia
172
Vírus e Viroides
Há também sintomas que são secundários como o da den- e os providos de membrana ( orthotospovirus, rhabdovírus, cileví-
• encia de zinco em folhas de laranjeiras enxertadas sobre laranja rus) (Figura 10.32D) são mais fáceis de serem visualizados, indi-
-"!.!<la atacadas pelo vírus da tristeza (Citrus tristeza virus-CTV). vidualmente ou foru1ando agregados. Vírus isométricos de até
-. afecção ocasiona a obstrução dos vasos liberianos no ponto de 30 nm de diâmetro são diffoeis de serem distinguidos caso estejam
mxertia, resultando na degeneração do sistema radicular. Na fase dispersos no citoplasma ou no núcleo, mas podem ser identifica-
11:1eial desse processo há interferência na absorção de nutrientes, dos quando formam agregados (Figura 10.328). Vírus providos
-~-ltando nos sintomas de deficiência. de membranas sempre ocorrem no lúmen do retículo endoplas-
Os viroides infectam dicotiledôneas e monocotiledôneas e mático e eín secções favoráveis podem-se notar fases da morfo-
ã1 há qualquer característica nos sintomas que os diferenciem gênese conhecidas como brotação ("budding") na membrana do
: vírus. Podem induzir sintomas de enfezamento, nanismo, retículo endoplasmático ou invólucro nuclear (Figura 10.32D).
....._""1ueado, malformação foliar, clorose, necrose, etc. No caso dos orthotospovírus, a fonnação da particula está associada
a membranas do aparelho de Golgi. Os viroplasrnas podem ocorrer
10.7.1. Efeitos citopatológicos no núcleo ou no citoplasma (Figura 10.32E), dependendo do vírus.
Partículas virais têm sido também detectadas nos tecidos· do vetor
Acompanhando os sintomas externos há os interuos, que
(insetos, fungos, ácaros), revelando estar apenas circulando ou
.â.J representados por alterações na morfologia das células bem
:X:OJO nos seus constituintes, mas que somente são visualizados
também replicando (Figura 10.32F).
..:: microscópio de luz, ou em maiores detalhes, em microscópio L0.8. TRANSMJSSÃO
~ffiôníco de transmissão. Os sintomas externos exibidos pelas
- .3.Gias infectadas por vírus representam, portanto, a somatória A maioria dos vírus e os viroides são perpetuados na natu-
---s efeitos da infecção em nível celular e tissular. Assim, as áreas reza atrnvés da transmissão de planta para planta. Essa transmissão
- ,,("óticas nas folhas resultam de alterações ou degradação dos ocorre por intermédio de material de propagação vegetativa,
.. xoplastos, enquanto as necróticas, da morte celular. Amare- forimentos naturais ou provocados por atividades culturais exe-
<:>. mento generalizado e declínio das plantas infectadas são cutadas pelo homem (transmissão mecânica), união de tecidos
;iroouzidos por vírus que infectam o floema, reduzindo o fluxo de por meio de enxertia, sementes, pólen e, principalmente pela ação
ixossintetatos, degradação dos cloroplastos e acúmulo de amido de vetores tais como insetos, ácaros, ncmatoidcs, protozoários e
:.?.; folhas, degeneração do sistema radicular e má absorção dos
fungos. Os viroides não possuem vetores.
-....'tientes. Desfolhações podem ser induzidas cm folhas infoc• 10.8. 1. Transmissão por Material de Propagação
...ows como resultado da ativação de mecanismos de defesa da Vegetativa e Enxertia
~.:.nta (abscisão) para evitar a disseminação do vírus na plunta,
~ que resulta em redução na produção. Muitas espécies vegetais cultivadas pelo hornêm são
Sendo o vírus um parasita celular, sua presença pode cau- propagadas vegetativamente, por meio de bulbos, tubérculos,
..i:- uma série de alterações em grau variado, dependendo da rizomas ou estacas. Qualquer material de propagação vegetativa
rnbinação vírus/hospedeira. Tais alterações podem ser prati- que provier de planta infectada certamente dará origem a plantas
~'Tlente imperceptíveis, salvo a presença de partículas virais nos infectadas. É o caso, por exemplo, de tubérculos de batata colhidos
....._,,)s de infecção latente até a morte ou necrose da célula. As de plantas infectadas corno vírus do enrolamento das folhas (Potato
_';êraçôes que se notam nas células infectadas podem ser consi- leafroll virus - PLRV) ou com o viroide causador do tubérculo
..er:idas sob três aspectos: morfologia geral das células, altera- afilado (Potato spindle tuber viroide - PSTVd), este ainda não
:,e,:, nas organe.Jas celulares e aparecimento de estruturas ine- constatado no Brasil. Essa transmissão, ou mais precisamente.
~rentes em células sadias (inclusões). No caso da morfologia perpetuação de vírus e viroides acarreta a degenerescência da batata
~ I das célul_a s, podem ocorrer aumento das dimensões das semente.
.:-e-ulas (hipertrofia), multiplicação anormal das células (hiper- A enxertia, dos mais variados tipos, é uma prática horticultura!
..:.;ia), deformações, plasmólise (contração do conteúdo celular) altamente eficiente para a transmissão de vírus e viroides e de
: !lecrose. Do ponto de vista de alterações nas organelas celula- grande valor experimental. Na natureza é muito pouco provável
= podem-se citar: a) núcleo: degradação da cromatina, aumento que a união de tecidos entre plantas vizinhas, principalmente.
envolvendo o sistema radicular, atue na transmissão de vírus
~ \Olume, invaginações acentuadas, adensamento; b) mitocôn-
.:::--.a. hipertrofia, adensamento, agregação; c) cloroplasta: degra- e viroides. Nos casos em que não é possível o uso da enxertia
.!.:.."ào do sistema lamelar, deformações, adensamento, agrega- para transmissão experimental desses patógenos, por tratar-se de
~ - dissolução, acúmulo de grãos de amido, presença de mate- espécies vegetais taxonornicamente distantes, a transmissão pode
r:a. cristalino (proteína, fitoferritina, material fibrilar); d) aparelho ser feita por meio da planta aclorofilada, parasita Cuscuta spp.
• Golgi: hipertrofia; e) retículo endoplasmático: granulações e (família Convo/vulaceae), que estabelece uma ponte vascular
.....:,..agregação; t) vacúolo: presença de granulações e vesículas; entre as plantas. Inúmeros vírus e outros patógenos vasculares, já
= .ttoplasma: aumento do volume e acúmulo de ve.sículas. Quanto foram transmitidos dessa maneira. É bom lembrar que nesse tipo de
..:s ,nclusões, elas podem constituir-se de agregado de partículas transmissão experimental a Cuscuta spp. deve ser primeiramente
n1s e/ou materiais de outra narureza, gerado pela própria célula estabelecida na planta infectada, para depois ser colocada em
.... codificado pelo genoma virai (Figura 10.32A). Tais inclusões contato com as diferentes espécies de plantas-teste.
Y<lem representar sítios de replicação e/ou acúmulo de proteínas
• ~ificadas pelo vírus e neste caso tem sido referido como viro- l0.8.2. Transmissão Mecânica
píaSma. As partículas virais nem sempre são facilmente identifi- A transmissão mecânica de vírus de planta para planta
.adas em secções celulares. Vírus alongados, víru.s isométricos pode ocorrer naturalmente por meio do atrito entre folhas e
ie maiores dimensões (50-70 nm em diâmetro) (Figura l0.32C) ramos, provocado pela ação do vento, ou entre raízes de plantas
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Manual de Fitopatologia
174
Vírus e Viroides
-\ porcentagem de transmissão, todavia, é extremamente variável, Já foi demonstrado experimentalmente que Thrips tabaci pode
~'liendo em alguns casos alcançar 100%. Os fatores que afetam a intermediar a transmissão do vírus da necrose branca do fumo
proporção de sementes infectadas incluem a espécie e/ou estirpe (Tobacco streak vim~ - TSY). Grãos de pólen infectados são
. vírus, a espécie vegetal infectada, a idade em que a planta carregados pelos tripes que, durante o processo de alimentação
infectada, a localização da semente na planta, a idade da provocam ferimentos nas folhas por onde ocorre a infecção.
-:--:iente e a resistência genética da planta à invasão do vírus no Abelhas e outros organismos polinizadores também podem estar
~ido embrionário. Fatores ambientais tais como temperatura e envolvidas na trnnsmissão de vírus quando transportam pólen
.a::::udade da semente também podem influir na taxa de transmissão infectado para flo,res de plantas sadias.
.i:> \ ÍfUS.
Do ponto de vista epidemiológico a transmissão de vírus 10.8.4. Transmissão por Insetos
=-:r sementes é muito importante, pois pode, em um primeiro Os artrópodes constituem o maior e mais importante grupo
- )menta, ser a principal via de introdução do vírus em área, de vetores de vírus de plantas. A maioria dos artrópodes vetores
-cg1ào ou país ainda indene. Isso pode ocorrer na movimentação pertence à classe ,dos Insetos (principalmente membros das 9rdens
~1onal e internacional de sementes para plantios ou no inter- Homoptera, Coleoptera e Thysanoptera) e classe Arachnida. Entre
~ bio de coleções de germoplasmas para programas de melho- os insetos estão ,os afideos (pulgões), cochonilhas, aleyrodídeos
-miento genético. O plantio de sementes infectadas, por sua (comumente chamados por moscas brancas), cigarrinhas, coleóp-
ez. dará origem a focos primários de inóculo logo no início do teros e tripes (Figura 10.33 A-D). Os principais tipos de relaçõt's
. ... -0 da cultura. Existindo outro tipo de transmissão do vírus, vírus-vetores (artrópodes) estão resumidos na Tabela 10. 1 e foram
:rncipalmente vetores, ele poderá ser rapidamente disseminado derivados de estudos realizados com vírus transmitidos por insetos.
::- -r toda a plantação e provocar danos econômicos na produção. Pode•se di:zcr que a transmissão de vírns de forma não
~im. o controle de qualidade das sementes pelas empresas pt'rsistente é a mais comum e envolve principalmente os nfideos.
produtoras é de extrema imponância para reduzir este tipo de risco. Estes, ao efetuamm a "picada de prova" nas células da epiderme
Há vírus que também podem ser transmitidos pelo pólen, de uma planta doente, com o objetivo de identificar a hospedeira
!::lMra a importância desse mecanismo de disseminação de como apropriada para colonização, são capazes de adquirir o
_"'JS não esteja bem dimensionada. Dois mecanismos são pro- vírus em poucos segundos de alimentação. Da mesma forma, ao
~tos para a transmissão por pólen: infecção do embrião durante se alimentarem e1m outra planta, nesse caso sadia, são capazes de
"útilização e infecção direta da planta mãe. A infecção direta transmiti-lo também durante prova alimentar de alguns segundos.
planta pode ocorrer, por exemplo, através de qualquer A tr.msmissão po,de ocorrer logo após a aquisição do vírus, pois
....,. «:esso de abrasão do pólen infectado que cai sobre uma folha. não há período ele latência. Um afideo virulífcro perde o vírus
figura 10.33 - Alguns vetores de vírus de plantas: (A) afideo Aphis gossypii, (B) mosca branca Bemisia tahaci MEAM 1, (C) cigarrinha
Peregrinus maidis, (D) tripes Franklíniella zucchini e (E) ácaro Brevipalpu$ yothersi.
réditos das fotos: Paulo Ayres (A e C), Tatiana Mituti (B) e Yiviaoa M. Camelo García (D).
175
Manual de Fitopatologia
após provar em duas ou três plantas consecutivas, necessitando do vírus pelo vetor há sempre uru período de latência, antes que
se alimentar em outra planta doente para readquiri-lo. Também este seja capaz de transmiti-lo para uma planta sadia. Quando o
perde o vlrus durante a ecdise. Para que um vlrus seja transmitido vírus apenas circula pelo corpo do inseto, sem multiplicar-se, a
por afideos de forma não persistente não é necessário que o relação vírus-vetor é denominada persistente-circulativa. Entre
inseto colonize a planta. Dessa forma, um único vírus pode ser os vírus cuja relação é do tipo persistente circulativa estão os
transmitido de maneira não persistente por diversas espécies de luteovírus [ex: vírus do enrolamento das folhas da batata (Poraro
afideos. É o caso, por exemplo, do virus do mosaico do mamoeiro laofmll vírus- PLRV)] transmitidos por afídeos e os begomovfrus
(Papaya ringspol vinis - type P, PRSV-P) que é transmitido por [ex: vírus do mosaico dourado do feijoeiro (Bean golden mosoic
mais de 20 espécies de afideos, sendo que até hoje não se conhece virus - BGMV)] transmitidos pelo aleyrodídeo Bemisia rabaci
nenhuma espécie capaz de colonizar essa planta. Há variação, biótipo B. Os vírus nesses casos silo transmitidos pelo inseto por
todavia, na eficiência de cada espécie de afldeo na transmissão um longo período, porém a eficiência de transmissão Jiminui com
desse vírus. Nesse tipo de relação vírus-vetor o vírus fica aderido o tempo, à medida que a concentração do vírus vai se reduzindo.
à cutícula que recobre internamente o canal alimentar no estilete No outro caso, quando o vírus se replica no corpo do inseto, a
do afideo e geralmente, uma proteína codificada pelo vírus é relação é denominada persistente propagati va. É o caso do vírus
requerida para esta adesão. do vira-cabeça do tomateiro (Toma/o spotted wilt vinis - TSWV)
A relação vírus-vetor do tipo semi-persistente envolve transmitido por tripes do gênero Frankliniel/a. Aqui a transmissão
insetos dos grupos dos afideos, aleyrodídeos (mosca branca) e do vírus ocorre por vários dias ou semanas após o vetor se tomar
cigarrinhas. Um exemplo é o vírus da tristeza dos citros que é virulífero e mantém-se pelo resto da vida do inseto. Neste tipo
transmitido de forma semi-persistente pelo pulgão preto dos de transmissão, a aquisição do vírus é feita pelas formas jovens
citros (Toxoptera citricida). Nesse caso a relação do virus com o (larvas e ninfas), ocorrendo a transmissão pelos adultos. Há uma
vetor é mais íntima. O vetor coloniza a espécie infectada com o alta especificidade do vetor nas relações persistentes circulativa
vírus e a aquisição deste pelo inseto é feita durante alimentação e propagativa.
mais prolongada, principalmente nos vasos do floema. O vírus Há ainda casos (raros) em que o vírus é transmitido para
fica retido na faringe, não se replica no inseto e pode ser logo em a progênie do vetor, chamada transmissão transovariana. Nesse
seguida transmitido para urna planta sadia, pois também não há tipo de transmissão o vírus pode ser transmitido para diversas
período de latência. Como a retenção do vírus no vetor é mais gerações do inseto sem que este tenha que se alimentar em uma
longa que o tipo não persistente, o inseto tem capacidade de planta doente para readquiri-lo. Como exemplo tem-se o vírus do
transmiti-lo para um maior número de plantas sem necessidade nanismo do arroz (Rice dwa,fvírus- RDV) e seu vetor, a cigarrinha
de readquiri-lo em outra planta doente. Aqui também o vírus é Nephorettix cincticeps. Esse parece ter sido o primeiro vírus onde
perdido durante a ecdise do inseto. Nesse tipo de relação vírus- a transmissão por inseto foi demonstrada experimentalmente
vetor há certa especificidade com a espécie do vetor. (Boxe 10.3). Fica claro que o vírus se multiplica no vetor e este
A outra modalidade é a chamada persistente, na qual o vírus pode transmiti-lo durante toda a vida, por várias gerações, para
é adquirido pelo vetor durante período prolongado de alimentação um grande número de plantas sadias.
nos vasos do floema, circula em seu organismo, multiplicando-se Alguns vírus de plantas podem ser transmitidos por algumas
ou não em seus tecidos, atinge as glândulas salivares, e daí é espécies de coleópteros das famílias Chrysomelidae, Coccinellidae,
injetado na planta sadia no ato da alimentação. Após a aquisição Curculionidae e Meloidae. O vírus do mosaico severo do caupi
176
Vírus e Viroides
177
Manual de Fitopatologia
spot virus - CICSV) e leprose dos citros N (Citrus leprosis vírus dos citros (neste caso, pelo aspecto depauperado que a planta
N - CiLV-N). As evidências existentes indicam que os VTB-C infectada exibe), etc. Já o estabelecimento de uma classificação
seriam transmitidos de maneira persistente circulativa, enquanto taxonômica universal, que inclua os vírus que infectam todos os
os VTB-N replicariam no ácaro vetor. e portanto a relação seria seres vivos, tem sido uma tarefa mais di fiei! e que vem sendo
do tipo persistente circulativa propagativa. executada pelo International Committee on Taxonomy ofViruses
OCTV), criado em Moscou em 1966, durante o rx Congresso
10.8.6. Transmissão por Organismos Habitantes do Solo Internacional de Microbiologia. No sétimo relatório .do ICTV,
Os vetores de vírus que habitam o solo são nematoides, fungos publicado-em 2000, pela primeira vez formalizou-se o conceito
e protozoários (anteriormente identificados como fungos). Os de espécie para vírus, que foi assim definida "a virus species
nematoides que transmitem vírus pertencem à ordem Do,ylaimida, is a polythetic c/ass of vin,ses rhat constitute a replicating
famílias Trichodoridae (espécies dos gêneros Trichodorus e Para- lineage and occupy a particular ecological niche". Isto é, os
trichodorus) e longidoridae (espécies dos gêneros Lo11gidor1.1s, membros de uma classe virai são coletivamente definidoi; por
Xiphinema e Paralongidorus). Os vírus transmitidos por tricho- um conjunto consensuul de propriedades, tais como morfologia
doridae pertencem ao gênero Tobravirus, enquanto aqueles trans- das particulas, tipo de ácido nucleico, organização do genoma,
mitidos por longidoridae pertencem ao gênero Nepovirus. A fonna de replicação, propriedades sorológicas e biológicas, e ntre
relação vírus-vetor nesses casos é semelhante à relação do tipo outras. Assim sendo, todos os membros dessa classe possuem
semi-persistente envolvendo artrópodes. várias propriedades em comum, porém uma única propriedade
As espécies de protozoários vetores de vfrus pertencem não precisa necessariamente estar presente em todos os membros.
Portanto, não existe um único critério para identificar a espécie
à classe Phytomyxea (Plasmodiophoromycete.t) e aos gêneros
Polymyxa e Spongospora. Fungos vetores de virus pertencem do vírus. Para cada gênero há uma lista de propriedades que
indicarão se dois vírus são estirpes de uma espécie ou diferentes
ao Filo Chytridiomycota (espécies do gênero O/pidium). Esses
espécies. No Quadro lU. l são apresentados os critérios para
organismos são parasitos de raízes e produzem esporos assexuais
identificação de espécies de dois gêneros de vírus.
móveis denominados zoósporos, que estão diretamente envolvidos
no processo de transmissão dos vírus. O tipo de relação vírus-vetor é
baseado na maneira como o vírus é adquirido pelo microrganismo Quadro JO.J - Critérios para demarcação de espécies diferentes de
e na sua localização no interior dos esporos de resistência. No vírus dos gêneros l'ntyvirus e Orthotospovirus (nnte-
primeiro tipo, o vírus é adquirido por adsorção no zoósporo fora riormcntc gênero Tospovirus).
do tecido vegetal. Essa adsorção ocorre no solo, após as partículas
virais e os zoósporos serem liberados do sistema radicular Gênero Potyvirus: espécie tipo PotalO vírus Y - PVY
infectado decomposto. Depois de adsorvido externamente no 1. Genoma
zoósporo, o vírus é transferido para o seu interior durante a fase
de encistamento. A tnmsmíssão depende da habiridade de o vírus - Identidade da sequência de aminoácidos da proteína
aderir aos zoósporos e é altamente especifica. Esse modo de capsidial < 80%,
- Identidade da sequência de nucleotidcos do genoma
transmissão também é denominado transmissão in vitro ou não
completo < 76%,
persistente. No segundo tipo o vírus é adquirido pelos zoósporos
- Diferentes sítios de clivagem oa poliproteína.
e esporos de resistência no interior da planta infetada. Não há
evidência da multiplicação do vírus no vetor. A disseminação do 2. Gama de hospedeiros naturais
vírus ocorre com a liberação de novos zoósporos virulíferos. A - Gama de espécies de plantas hospedeiras pode estar
relação vírus-vetor é altamente especifica e ele pode permanecer relacionada com a espécie do vírus, porém nem sempre
infectivo no interior dos esporos de resistência por vários anos. ajuda na identificação. Pode ser útil para delimitar estirpes.
Esse modo de transmissão também é denominado transmissão 3. Patogenicidade e citopatologia
in vivo ou persistente. Os vírus transmitidos por protozoários - Diferença na morfologia das inclusões citoplasmáticas.
pertencem ao gênero Furovirus, enquanto que os transmitidos por - Ausência de proteção (cross protection),
fungos pertencem à família Tombusviridae. - Transmissão ou não pela semente,
Alguns casos de transmissão de vírus no solo podem não - Reação diferencial de alguma espécie vegetal pode ser útil.
envolver qualquer um desses organismos e ser meramente um
4. Modo de transmissão
processo de transmissão mecânica.
- Vetor primário diferente. Espécie do vetor niio é usada
10.9. NOMENCLATURA E CLASSIFICAÇÃO na identificação da .:spécie do vírus.
Desde o início da ciência da Virologia os virologistas têm 5. Propriedades antígênicas
procurado os sistemas mais adequados para a nomenclatura - Diferenças sorológicas.
e a classificação dos vírus. Quanto a nomenclatura, há várias
Gênero Orthotospovirus: espécie tipo Tom010 spotted wUr
décadas tem s ido bem aceito que o nome do vírus é composto
pelo nome da planta onde ele foi encontrado pela primeira vez, virus-TSWV
mais o tipo de sintoma que ele induz nessa hospedeira, ou seja, Especificidade do vetor.
o nome vulgar da doença, em muitos casos, denominação dada Gama de espécies de plantllS hospedeiras.
pelos produtores. Por exemplo, o vírus do mosaico do fumo Relação sorológica da proteína N.
foi descrito pela primeira vez em plantas de fwno (Nicoliana Sequência de aminoácidos do proteína N < 90%.
tabacum) causando sintomas de mosaico. O mesmo vale para os
vírus do mosaico do feijoeiro, do mosaico da alface, da tristeza Fonte: King et ai. (2012).
178
Vírus e Viroides
- 1
Bl!nyvlrus
-➔
Secovlrldae
5-quivfn,s
• ...
Pomovlros
para serem incluídos em gêneros já conhecidos ou eventualmente W.lkavlrus
se criarem novos gêneros para os comportarem. A Figura 10.34 1 Tobrav,rus
ilustra as famílias e gêneros de vírus de plantas, com as respectivas
morfologias das partículas e os tipos de ácidos nucleícos. Os
\ troides estão classificados em oito gêneros, distribuídos em nuav1rus Luteovlrldae Ourmlav/n,s
••• • -
AJfamov,rui;
Bromovin,s Polemovirus
duas famílias. Há 32 espécies reconhecidas. No Brasil !oram llarvíros Cucumov/n,s Sobl!moviros
Oleav/n,s 1/drvtn,s
detectados até o momento cinco viroides que causam a exocorte Tombusvlrld••
Õb~ Õb~
Tenu/vin,s
,
Meta vlrldae
,em passarem por serviço de quarentena. Tudo isso faz com que
aos numerosos vírus nativos somem-se levas de vírus exógenos.
Isto se reflete na lista cada vez crescente de vírus presentes no
pais. Assim não é de se surpreender que já tenham sido registn1Jos
no Brasil um número significativo dos vírus de plantas até agora
~ o Spinareovlrinaa
descritos no mundo. Fonte: Montoyd et ai. (2016); reproduzido com penníssão dos autores.
179
MimuaI de Fitopatologia
180
CAPÍTULO
11
FITOPLASMAS E ESPIROPLASMAS
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
A
históría dos micoplasmas tem início com uma
doença de bovinos. a pleuropneumonia, conhecida de plantas de amora. batata, quiri e rainha-margarida portadoras
desde os anos 1700. Apesar do conhecimento da e não portadoras de "amarelos". No interior dos vasos de floema
<nça, seu agente etiológico foi estudado somente a partir 1898, das plantas sintomáticas foram visualizados consistentemente
...:-do denominado de Mycoplasma mycuiúes subsp. mycoides. corpúsculos celulares pleomórficos, oblongos e arredondados,
~ anos seguimes, outras espécies de vida livre e patogênicas
porém estas estruturas estavam ausentes nos vasos das plantas
nm identificadas dentro do gmpo dos micoplasmas, como os assintomáticas. Com base na semelhança morfológica, estes
~entes de várias doenças de caprinos, ovinos, suínos e aves, corpúsculos foram prontamente relacionados aos micoplasmas, os
~ de patógenos do homem. como, por exemplo, o agente de quais já haviam sido enconlrados nos animais e no homem. Estes
ana pneumonia atípica. resultados levaram à suspeita de que microrganismos similares aos
micoplasrnas estavam relacionados a estas doenças de plantas. Em
Em plantas, esses organismos foram descritos apenas na
-:.e-gunda metade do século 20. Várias doenças de plantas, conhecidas seguida à observação microscópica, plantas doentes foram tratadas
pelo nome genérico de "amarelos" ("yellows'·), foram relatadas com antibiótico à base de tetraciclina, que promoveu a remissão
e;de os primeiros anos de 1900. A primeira doença deste tipo foi dos sintomas e a eliminação temporária dos microrganismos ante-
~ :nada em 1902, com o nome de "Aster yellows". O gênero Aster
rionnente visualizados nos tecidos vegetais. As constatações
,'"T'!ence à família Asteraceae, apresentando uma variedade muito microscópicas e biológicas forneceram fortes evidências para a
pnde de espécies ornamentais. Em razão dos sintomas exibidos proposição de que os micoplasmas estavam associados às doenças
cie .l!> plantas doentes serem similares às viroses, inicialmente,
do tipo ··amarelos". Para diferenciar os micoplasmas já conhecidos
""amarelos" foram atribuídos aos vírus. Os "amarelos•· eram nos animais e no homem daqueles agora encontrados nas plantas.
:~1hmitidos por enxertia e por meio de insetos vetores, o que estes últimos foram designados de organismos semelhantes aos
..::,.tenta\a a hipótese de que a doença era de etiologia virai. Além micoplasmas ("Mycoplasroa-like organisms"), grafados como
~1->. não eram cultivados em meio Je cultura artificial e passa,am MLOs.
rlltros bacterianos. No entanto, era intrigante a ausência ou a A descoberta dos MLOs revelou a existência de mais um
... ,a frequência com que as partículas virais eram encontradas nos grupo de fitopatógenos e as diversas doenças conhecidas como
-" ,dos de plantas doentes. Assim, por longo tempo, a etiologia dos ··amarelos" passaram a ser revisadas, visando demonstrnr a sua
-1'1arelos" permaneceu indefinida. associação com estes procariotos. Em pouco tempo, centenas
181
Manual de Fitopatologia
11.2. TAXONOMIA
Os fitoplasmas são classificados dentro do Domínio Bacteria,
filo Tcnericutes, Classe Mollicutes, Ordem Acholeplasmatales,
Família Acholeplasmataceae e Gênero 'Candidatus Phytoplasma' .
A nomenclatura binomial latina ao nível de gênero e
espécie, a qual é aceit_a para os seres vivos, não se aplica aos
fitoplasmas. A denominação de espécie requer a descrição das
características fenotípicas do microrganismo quando isolado em
cultura pura e os fitoplasmas não atendem a este requisito por
serem muito fastidiosos. Por esta razão. a categoria Candida111s
tem sido estabelecida no sistema provisório de classificação
desses organismos, sem.lo arbitrariamente definida com base na
análise das sequências de bases nucleotídicas do gene16S rRNA.
A designação de Candidatus ao nível de espécie é considerada,
portanto, como uma unidade taxonômica temporária.
Inicialmente, logo após sua descoberta, a identificação e
classificação dos fitoplasmas foram baseadas em características
biológicas como tipo de sintoma, gama de hospedeiros vegetais
e especificidade na transmissão por vetores. No entanto, com
o progresso dos estudos foi verificado que estes critérios não Figura 11.1 - Corpúsculos pleomórficos de fitoplasma no lúmen de
eram adequados. pois ocorriam sobreposições entre .as carac- floema de hibisco {A) e berinjela (8).
terísticas, não permitindo uma distinção clara entre os diversos Crédito das fotos: Nelson S. Massola Junior.
fitoplasmas.
A aplicação das modernas técnicas moleculares permitiu distinguem das células das demais bactérias fitopatogênicas por
ampliar o conhecimento sobre a diversidade genética exístellle serem bem menores, com tamanho variável de 200 a 800 nm.
entre os fitoplasmas, o que resultou no enfoque molecular para O cromossomo também é muito pequeno, estando limitado entre
a identificação e classificação destes procariotos. As variações 680 e 1.600 kb. Os fitoplasmas, juntamente com outros membros
encontradas nas sequências de nucleotídeos presentes em genes da classe Mollicutes, são considerados corno os limiares dos
conservados como l 6S rRNA, tufou Sec têm fornecido evidências organismos celulares, devido à reduzida dimensão e simplicidade
para o estabelecimento de distinção entre os fitoplasmas. O gene estrutural de suas células. Em tennos evolutivos, os fitoplasmas
16S rRNA tem sido o mais utilizado para a classificação e a são descendentes de bactérias que apresentam parede celular,
aplicação das técnicas de PCR-RFLP e/ou de sequenciamento sendo filogenetícamente relacionados com bactérias Gram-posi-
têm permitido detenninar relações genéticas entre os diversos tivas pertencentes aos gêneros Bacillus e Closrridium. Em razão
fitoplasmas e separá-los em grupos e subgrupos. Os grupos são da redução do genoma, diversas rotas metabólicas foram perdidas
representados por algarismos romanos e os subgrupos, por letras. e, por consequência. os compostos necessários para seu desen-
Para cada grupo, um determinado fitoplasma é designado como volvimento passaram a ser obtidos de plantas e insetos por meio
referência ou padrão. de parasitismo.
A reprodução de fitoplasmas em meio de cultura ainda
11.3. MORFOLOGIA E ULTRAESTRUTURA não se mostrou viável e o deseovolvimento destes procariotos
Os fitoplasmas são procaríotos, sem parede celular, sendo está restrito a ambientes isotônicos como floema e hemolinfa. A
a célula circundada somente por uma membrana plasmática. fissão celular parece ser o processo mais comum de reprodução,
A ansência de parede confere um alto grau de pkomorfismo à entretanto, o brotamento ou gemulação também têm sido frequen-
célula e quando visualizados no interior do ffoema os fitoplasmas temente observados nos corpúsculos encontrados nos tecidos dos
se apresentam como corpúsculos arredondados, elípticos, cla- hospedeiros.
vados ou alongados (figura 11 .1). Ao microscópio eletrônico.
o citoplasma apresenta aspecto granular, sendo os diminutos 11.4. JMPORTÂNCIA COMO PATÓGENOS
grânulos correspondentes aos ribossomos. A célula apresenta Os primeiros relatos de doenças do tipo "amarelos" Jatam
uma área central onde são encontradas estruturas filamentosas do início dos anos de 1900. Desde aquela época. várias doenças
representando o material genético. As células dos fitoplasmas se deste grupo foram descritas e sua importância econômica tem sido
182
Fitoplasmas e Espiroplasmas
183
Manual de Fitopatologia
184
Fitoplasmas e Espiroplasmas
11.6. DIAGNOSE
A diagnose tem por objetivo a identificação da doença
presente num hospedeiro. Assim como para as demais doenças,
o reconhecimento de doenças associadas aos fitoplasmas ·é feito
com base na sintomatologia expressa pela planta suspeita de
infecção e na detecção deste patógeno nos tecidos do hospedeiro.
A diagnose baseada nos sintomas deve ser confirmada pela
detecção consistente do fitoplasma, pois os sintomas decorrentes
J"",eura 11.3 - Subdesenvolvimento causado por fitoplasma em plan- da infecção por este agente podem ser similares àqueles causados
tas de vinca. Planta sadia à esquerda. por agentes de natureza biótica e abiótica, especialmente vírus,
desequilíbrios nutricionais e efeito de herbicidas.
O aparecimento de sintomas chama, inicialmente, a atenção
do observador, levando à suspeita de infecção da planta pelo
patógeno. O conhecimento prévio dos típos de sintomas mais
comumente associados aos fitoplasmas pode contribuir para o
sucesso da diagnose. O passo seguinte é encontrar na líteratura se
esta anomalia foi anteriormente relatada e comparar os sintomas
presentes na planta suspeita com aqueles descrítos para esta
espécie vegetal. Como referências são usadas diversas biblio-
grafias, como livros, compêndios e manuais ou guias de campo.
Se os sintomas forem similares, busca-se demonstrar a associação
entre fitoplasmas e a doença, através da detecção do patógeno na
planta.
A presença de fitoplasmas pode ser evidenciada pela
detecção direta através da observação de cortes ultrafinos de tecidos
vegetais em microscópio eletrônico de transmissão ou de forma
indírcta via aplicação da técnica molecular de reação em cadeia
da polimerase (PCR), pois o isolamento destes microrganismos é
n~ura 11.4 - Superbrotamento em planta de Solidago sp. praticamente inviável. Para doenças já descritas, a comprovação
Crédito da foto: Elliot W. Kit.ajima. da associação constante entre plantas sintomáticas e a ocorrência
de fitoplasmas nos seus tecidos tem sido considerada como
suficiente para demonstrar que uma determinada doença está
sendo causada por aquele agente patogênico.
A detecção direta consiste na observação de corpúsculos
pleomórficos, oblongos ou arredondados, de diâmetro variável
entre 200-800 nm, correspondentes às células de fitoplasmas que
se desenvolvem no interior do floema. Alguns fatores podem
dificultar ou mesmo limitar a detecção de fitoplasmas através de
microscopia eletrônica, como a falta de uniformidade na distri-
buição dos fitoplasmas no hospedeiro, o pequeno tamanho das
amostras vegetais usadas nas preparações u!trafinas e a baixa
concentração destes agentes nos tecidos vegetais. Na diagnose
rotineira, a metodologia molecular tem sido mais comum por ser
mais prática, sensível e rápida. O desenvolvimento de "primers"
específicos para a detecção de fitoplasmas e o aperfeiçoamento ela
técnica de PCR aumentou a eficiência deste método para confümar
a diagnose baseada nos sintomas. Os procedimentos compreendem
a extração do DNA total da planta suspeita de infecção e seu uso
n~ura 11.5 - Clorose em árvore de cinamomo (Me/ia azedarach). nas reações de PCR, visando amplificar um determinado fragmento
Crédito da foto: Elliot W. Kitajima. genômico alvo do fitoplasma. Geralmente, o fragmento visado é o
185
Manual de Fitopatologia
gene 16S rRNA ou um fragmento compreendido pelo 16S rRNA As bases nucleotídicas componentes do gene 16S rRNA
e parte da região espaçadora localizada entre este gene e o 23S podem ser reveladas pelo uso da técnica conhecida por sequen•
rRNA. Apesar da alia sensibilidade do método de PCR, a presença cíamento. Atualmente, com o desenvolvimento de metodologias
de substâncias in.ibidoras da amplificação presentes nos tecidos apropriadas e de equipamentos eficientes, o sequenciamento de
vegetais pode comprometer a eficiência do método para fins de bases se tomou um procedimento rotineiro e de grande utilidade
detecção. no estudo dos fitoplasmas. Uma vez determinada a sequência
Quando a doença ainda não foi relatada. além da associação nucleotídica do fitoplasma em estudo, esta pode ser usada tanto
constante, outras evidências devem ser cons,ideradas para para an~ses filogenéticas como para análises virtuais de RFLP.
demonstrar que o fitoplasma está associado àquela doença. O conduzidas com o emprego de programas especiais para compu-
postulado de Koch não pode ser plenamente satisfeito, pois o tadores. Estas análises pennitem relacionar o grau de similaridade
isolamento e re-isolamento de fitoplasmas para meio de cultura genética existente entre o .fitoplasma identificado e os demais
são impraticáveis. No entanto, a patogenicidade dlos fitoplasmas fitoplasmas conhecidos, cujas sequências nucleotídicas se encon-
pode ser demonstrada através de algumas evidênc:ias como: pre- tram depositadas nos chamados bancos de genes. Além do estabe-
sença constante de fitoplasmas nos tecidos da planta doente e sua lecimento do grau de similaridade genética entre 6toplasmas, ambas
ausência na planta sadia; planta sadia sabmetida a uma população as análises podem contribuir para a classificação de fitoplasmas
de vetor infectivo se toma doente; enxertia de parte de planta em grupos e subgrupos.
doente em planta sadia resulta em planta doente; a aplicação de Apesar do esquema da classificação em grupos ser simples.
antibiótico em planta çloente promove a remissão de sintomas e, confiável e prático, existe uma proposta para que os fitop\asmas
ao mesmo tempo, a eliminação temporária do füoplasma. sejam classificados ao nível taxonômico de gênero e espécie. Os
critérios utilizados oficialmente para classificar um microrganismo
11.7. IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
ao nível de espécie requerem a sua caracterização morfológica e
A identificação molecular é o fundamento para a classi- fisiológica em culmra pura. No entanto, pelo fato do cultivo dos
ficação dos fitoplasmas. Atualmente, o esquema mais aceito para fitoplasmas ainda ser praticamente inviável, um sistema provisório
a classificação é aquele que organiza os distintos fitoplasrnas em de classificação tem sido adotado, no qual o táxon correspondente
grupos e subgrupos, pois estes microrganismos nã.o obedecem às à espécie permanece na condição de "Candidatus".
exigências para sua classificação ao nível de gêneiro e espécie. A
identificação permite também a obtenção de infonnações rela- 11.8. CONTROLE
cionadas à epidemiologia da doença, evidenciando se a planta é Medidas preventivas visando impedir a entrada do
portadora de um único ou de distintos fitoplasma.s, revelando a patógeno em áreas de planLio têm um papel importante no
distribuição e frequência de ocorrência de detenninados fitoplas- controle de doenças associadas aos fitoplasmas. Em um nível
mas, determinando a gama de hospedeiros altematiivos e, mesmo, mais amplo, os serviços de inspeção de material vegetal poderão
possibilitando estudos sobre a interação patógc1t10-hospedeiro- contribuir para impedir a introdução de um fitoplasma ainda não
vetor. Além disto, a identificação molecular pennite conhecer a existente no pais ou numa região. De fonna mais restrita, estas
diversidade genética e estabelecer relações filogenéticas entre fito- medidas preventivas poderão ser exercidas com maior rigor ao
plasmas. nível de propriedade agrícola. através do uso de material vegetal
A identificação é feita principalmente com base na sequência sadio. É recomendável o uso de tubérculos e bulbos livres do
de nucleotídeos do gene 16S rRNA, sendo conduzida através da patógeno, evitando a ocorrência de plantas doentes que poderão
análise de RFLP (Restrietion Fragment Length Polymorfism) e se originar destes órgãos de reprodução vegetativa. As mudas
do sequenciamento deste fragmento genômico. A aplicação de também deverão ter boa qualidade fitossanitária, pois quando
PCR com o emprego de primers específicos para determinados infectadas poderão ser responsáveis pela instalação da doença já
grupos de fitoplasmas é de uso mais restrito, porém útil em na implantação de um pomar. Como as mudas são geralmente
alguns casos. A análise de RFLP envolve a digestão enzimática produzidas por enxertia. é importante que o pona-enxerto e o
dos fragmentos genômicos correspondentes ao l 6S rRNA pela enxerto sejam provenientes de matrizes sadias. As sementes
atuação das endonucleases ou enzimas de restriçà.o. A clivagem praticamente não transmitem fitoplasmas, no entanto as mudas
do fragmento genômico em determinados ponLos da sequência obtidas a panir de sementes devem ser produzidas em ambientes
nucleotídica, característicos para cada tipo de enzima de protegidos de insetos, pois as plantas infectadas nos primeiros
restrição, gera distintos fragmentos menores. Estes fragmentos estádios de desenvolvimento poderão expressar sintomas somente
são separados por eletroforese em uma matriz de poliacrilamida, após o seu estabelecimento no campo.
originando conjuntos de bandas conhecidos como padrões de O plantio de variedades resistentes ou tolerantes, quando
restrição ou perfis elctroforéticos, os quais são típicos para cada disponíveis, é a medida de controle mais eficiente, visando mini-
uma das endonucleases. Quando estes padrões ou perfis são mizar os danos causados pelas doenças associadas aos fitoplas-
analisados em conjunto e comparados com aquieles relatados mas. A identificação de genes que condicionam resistência a
para outros fitoplasmas é possível classificar o fitoplasma em este Lipo de do.:nça e a sua introdução cm espécies de interesse
estudo em algum dos grupos ou subgrupos estabelecidos. Para econômico têm sido pouco ex.pioradas, o que tem dificultado a
cada um dos grupos existentes foi detenninado ,um fitoplasma obtenção de variedades geneticameme melhoradas. Em alguns
como representante típico, o qual serve como referência para o casos específicos, no entanto, programas de melhoramento logra-
grupo. Quando os padrões revelados pelo füoplasma analisado ram sucesso na seleção de genótipos com grau desejável de resis-
são distintos daqueles previamente estabelecidos, este fitoplasma tência ou de tolerância.
pode ser indicado como um representante de um novo grupo ou Uma vez que a doença tenha sido constatada no campo,
subgrupo. é recomendável a erradicação das plantas doentes, quando essa
186
Fitoplasmas e Espiroplasmas
:-;;.:1ca for viável. Em cultivos extensivos de espécies anuais Os espiroplasmas são descritos como procariotos, sem parede
erradicação é impraticável, porém para pequenas culturas e celular e de forma espiralada (Figura 11.6). São microrganismos
'lira espécies perenes, a identificação e eliminação de plantas c.Jassificados dentro do Domínio Bacteria, Filo Tenericutes, Classe
":!1omáticas podem contribuir para evitar a disseminação da Mo!licutes, Ordem Entornoplasmatales, Família Spiroplasmataceae
.l..,cnça na área. Inspeções periódicas e cuidadosas de pomares e Gênero Spiroplasma. Os filamentos helicoidais são variáveis
:-:>dem reduzir drasticamente os danos causados pela doença. de 2-5 µm de comprimento por O, 15-0,20 µm de diâmetro. A
E._qa prática pode ser dirigida também para espécies silvestres célula apresenta membrana trilaminar e citoplasma contendo grâ-
daninhas presentes no interior da cultura ou nas suas nulos e filamentos, os quais são interpretados como estruturas
"".:>x1midades, impedindo que elas favoreçam a sobrevivência do representativas de ribossomos e material genético de DNA
Jlll!Ógeno e venham a atuar como fonte de inóculo. densamente compactado, respectivamente. A fonna helicoidal é
uma característica intrigante que não tem explicação científica
A proteção química do hospedeiro contra o ataque do
conclusiva, uma vez que a parede celular é responsável pela fonna
:'\!!Dgeoo ou a recuperação da planta doente pode ser exercida
das células e estes procaríotos não possuem esta estrutura. O
"' uso de antibiótico do grupo das tetraciclinas. Esta medida de
desenvolvimento em meio de cultura exige a presença de colesterol
- arrole, porém, apresenta sérias restrições relacionadas à eficiência
e as colônias são diminutas e de crescimento lento, apresentando
- controle, ao custo do tratamento, aos riscos que pode trazer à
aspecto granular e bordo difuso ou centro escuro e bordo claro,
~-de humana e ao desequilíbrio que pode provocar no ambiente.
assemelhadas a um ovo frito. As típicas células espiraladas, quando
-:,,~r estas razões, a aplicação de antibiótico visando o controle
observadas ao microscópio de luz com campo escuro, exibem um
• doenças causadas por fitoplasmas não tem sido recomendável,
intenso movimento de flexão ao longo do filamento helicoidal, um
-u prática, para a maioria das culturas. Especificamente para
movimento de rotação em relação ao eixo deste filamento e um
a.gumas espécies perenes, ornamentais ou frutíferas, o tratamento
movimento adicional de translação, quando em meio semi-sólido
-.wmico com tetraciclina pode promover o controle temporário ou meio líquido de alta viscosidade. No entanto, ressalta-se que
à: doenças associadas aos fitoplasmas. Nestes casos, um orifício além das células helicoidais descritas, estruturas celulares de formas
e aberto e o antibiótico é injetado, sob pressão, no tronco das diversas podem surgir durante as diferentes fases da reprodução .
.,. ores; no entanto, como o seu efeito não é duradouro, o produto
~ erá ser aplicado periodicamente para manter a boa condição
~ ;,midade da planta.
11.9. ESPIROPLASMAS
Logo após a descoberta dos fitoplasmas, plantas de milho
~ rtadoras de urna doença conhecida como enfezamento foram
~inadas na tentativa de demonstrar sua associação com estes
:r.x:ariotos recém encontrados em plantas. O enfezamento do
11!.!Iho já era couhecido desde a década de 1940, sendo atribuído
- duas estirpes de um mesmo vírus. Acreditava-se que uma das
:snrpes causasse o enfezamento vennelho e que a outra fosse
.:igente do enfezamento pálido. Em 1968, foi relatado que um
"ioplasma estava associado ao enfezamento vermelho, com base
~ estudos conduzidos ao microscópio eletrônico. No entanto,
início dos anos setenta, a observação de extratos vegetais
-:i microscópio de luz com contraste de fase revelou que um
grocarioto de morfologia helicoidal estava consistentemente pre-
§o!'[Jte em plantas de milho que apreseutavam enfezamento pálido.
l!::ucialmente, a suspeita pairou sobre bactérias espiraladas, porém Figura 11,6 - Espiroplasma em flocma de plantas de milho.
lMservações feitas ao microscópio eletrônico de transmissão Crédito das fotos: Nelson S. Massola Jr. e El!iot W. Kitajima.
mosrraram que estes procariotos eram estruturalmente semelhantes
~.;; fitoplasmas. Como a característica helicoidal era marcante, Nas plantas, os espiroplasmas podem atuar como patógenos,
n:ceberam a denominação de espiroplasmas. Contrariamente aos quando colonizam tecidos internos, ou como epífitas, quando se
itoplasmas, os espiroplasmas foram descobertos primeiramente em desenvolvem na superficie de órgãos vegetais, especialmente
Nntas e posteriormente em animais invertebrados e vertebrados. flores. As espécies fitopatogênicas são habitantes de floema e
187
Manual de Fitopatologia
podem se distribuir de forma sistêmica por toda a planta. insetos de transmiss:!o e a microscopia de luz com contraste de fase ou
também podem servir de hospedeiros e as cigarrinhas são os campo escun:i tém se mostrado apropriadas para fins de diagnose.
vetores mais importantes para a sobrevivência e disseminação dos quando se traia de evidenciar a presença deste patógeno em tecidos
espiroplasmas nas condições naturais. O inseto, ao se alimentar em de plantas sintomáticas. A importância dos espiroplasmas como
uma planta doente, pode adquirir o patógeno, o qual se multiplica patógenos de plantas está na dependência da sua disseminação
no corpo do vetor e passa a ser transmitido durante toda a vida por vetores ou por órgãos de propagação vegetativa da planta.
deste seu hospedeiro. O estabelecimento da relação propagativa- No caso do c:nfezamento do milho, a cigarrinha Dalbulus maidis
circulativa entre o vetor e o procarioto pode resultar em danos (Figura~ l. 7) é a principal espécie vetora, sendo muito eficiente
para o inseto, como redução na sua longevidade e fecundidade. na dispersão e transmissão de S. kunke/ii. Para os citros, algumas
Nas plantaS, estes agentes de doença incitam os sintomas típicos espécies de cigarrinhas têm sido relatadas corno vetaras de S.
de "amarelos", ca.racterizados por clorose; superbrotamento de citri, porém a transmissão do agente por enxertia também tem
ramos: enfezamento ou nanismo, provocando redução no tamanho papel releva1nte. Para o controle do enfezamento do rojlbo tem
de ramos, folhas, flores e frutos; declínio e morte. O patógeno pode sido recome111dado o uso de genótipos resistentes ou tolerantes.
provocar desenvolvimento lento da planta, florescimento fora de a eliminação de fontes de inóculo representadas por plantas
época normal, baixa produtividade, esterilidade de órgãos florais, que pennan1!cem no campo após a colheita e a aplicação de
queda prematura e defonnação de frutos. Os mecanismos envolvidos inseticidas q uando técnica e economicamente viáveis. Para o
na patogênese ainda são pouco conhecidos, havendo evidências de ·stubbom' recomenda-se o emprego de mudas sadias produzidas
desequilíbrios hormonais na planta e a produção de substâncias a partir de material propagativo livre do patógeno, a erradicação
tóxicas pelo patógeno. A gama de espécies botânicas hospedeiras é de plantas doentes da cultura e substituição por mudas novas e o
relativamente restrita, compreendendo poucas brássicas e algumas uso de plant.as armadilhas para os vetores como bordadura para
leguminosas e gramíneas. Em termos agronômicos, duas espécies a cultura.
de espiroplasmas são reconhecidas como agentes de doenças de
importância econômica: Spiroplasma kunkelii e Spiroplasma citri.
A espécie S. kunkelii causa o enfezamento pálido do milho, uma
doença amplamente distribuída no continente americano e S. cítri é
o agente do 'stubbom' dos citros, de ocorrência no território norte
americano e em alguns países da região mediterrânea.
Espiroplasmas, diferentemente dos fitoplasmas, podem
ser cultivados em meio de cultura. Por serem organismos fasti-
diosos, são muito exigentes quanto à composição do meio, osmo-
laridade, concentração hidrogeniônica e aos fatores do ambiente,
especialmente temperatura. Meios para créscimento destes
procariotos são complexos, estando entre seus componentes
colesterol, ácidos graxos, protemas e fosfolipídios ajustados
quantitativa e qualitativamente. Um fator essencial é a pressão
osmótica do meio, pois a osmolaridade encontrada pelo patógeno
no interior dos vasos de floema deve ser reproduzida in vitro. Figura 11.7 -- Da/bu/us maidis, vetor de Spiroplasmo kzmkelli.
A variação do pH e a capacidade tampão também têm papel Crédito da foto: Paulo Ayres.
fundamental para o desenvolvimento destes microrganismos,
sendo ideal um pH em tomo de 7,4. Temperaturas de incubação Os espiroplasmas ainda são pouco conhecidos como pató-
na faixa de 30-32ºC têm se mostrado ótimas para a produção de genos de plantas. No Brasil, as pesquisas têm focal-izado exclu-
colônias de espiroplasmas isolados de diversas plantas. Quando sivamente a ,espécie S. kunkelii por fazer pane de um complexo de
os fatores do meio de cultura ou do ambiente se afastam destas patógenos enivolvidos com doenças da cultura do milho. Neste caso.
condições ideais, o desenvolvimento da cultura é desfavorecido o espiroplasma, agente do enfezamento pálido, é transmitido pelo
e surgem alterações diversas, como mudanças na morfologia mesmo vetor do fitoplasma, agente do enfezamento vermelho, e de
celular, aparecimento de estruturas atípicas, além de redução no um vírus, agente da doença conhecida como risca ou 'rayado fino'.
número, fonna e tamanho das colônias. O enfezamento pálido e o enfezamento vermelho foram descritos
Em razão do cultivo em meio de cultura, é possível cumprir no estado de: São Paulo na década de 1970, como sendo doenças
os postulados de Koch, demonstrando a patogenicidade dos espi- de pouca ex1pressão. No entHnto. a panir da década de 1980, com
roplasmas. A transmissão experimental através de enxertia e insetos a introdução da prática de safrinha, ambas as doenç-as ganharam
vetores forneceu subsídios para aumentar os conhecimentos sobre importância, causando danos significativos para a cultura, chegando
estes patógenos, especialmente para as culturas dos citros e do a se constituir em fator limitante para a produção em determinadas
milho. A diagnose baseada na sintomatologia exibida por plantas áreas (Boxe 11.2). Embora alguns estudos tenham revelado o
suspeitas de infecção tem sido confirmada pela detecção destes papel individualizado de cada patógeno, as doenças resultantes da
procariotos nos tecidos vegetais. Para isto, antissoros foram desen- ação conjunta de espiroplasma e fitoplasma têm merecido maior
volvidos e testes sorológicos foram aplicados desde a descoberta atenção, pois são as responsáveis pela redução do rendimento dos
destes agentes de doença. Mais recentemente, com o progresso milharais. Para reduzir as perdas, programas de melhoramento
das técnicas moleculares, 'primers' foram desenvolvidos especi- genético têm sido desenvolvidos por instituições de pesquisa
ficamente para a detecção tanto do espiroplasma do milho corno públicas e piivadas, no sentido de oferecer genótipos com maiores
dos citros. Além do uso destas técnicas, a microscopia eletrônica níveis de resistência ou tolerânéia aos patógenos envolvidos com
188
Fitoplasmas e Espirop/asmas
189
Manual de Fitopatologia
os enfezamentos. Embora relatados somente em milho, não se Kitajima, E. W. Enfennidades de plantas associadas a organismos do tipo
descarta a possibilidade da ocorrência de espiroplasmas em outras micoplasmas. Revisão Anual de Patologia de Plantas 2 : 153-174.
culturas, especialmente honaliças. Com o progresso das pesquisas 1994.
para as doenças associadas aos Mollicutes. novidades poderão Kitajima, E.W. & Costa, A.S. Microscopia eletrônica de micorganismos
surgir em relação a este intrigante patógeno de planta. do tipo micoplasma nos tecidos de milho afetado pelo enfezamento
e nos órgãos da cigarrinha vectora portadora. Bragantia 3 1: 76-82.
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190
CAPÍTULO
12
FITOMONAS
Elliot Watanabe Kitajima
ÍNDICE
2.1. INTRODUÇÃO roes, medindo 10-20 µm x 1-2 µm com um flagelo na pane ante-
rior de aproximadamente IO µm de comprimento (Figuras 12.1 B
E
mbora raramente lembrado. há um pequeno grupo
de protozoários flagelados tripanosomatídeos, refe- e 12.28). Diversas espécies vegetais pertencentes a diferentes
ridos como Phytomonas, associado a certas enfer- famílias botânicas podem hospedar esses organismos (Camargo,
r JJdes de plantas. A descoberta de fitomonas infetando plantas 1999). Fitomonas habitantes de vasos laticíferos já foram
... rreu em 1909 quando Lafont detectou sua presença em vasos encontrados e.m: Euphorbiaceae (58 espécies), A~cleph1d,1çeae
ui: cíferos da erva-de-santa-luzia (Euphorhia pilu/ifera L.), nas
(28 espécies), Apocynaceae (7 espécies), Moraceae (8 e.s.pécies),
~.15 Maurício, designando-o de Lepto111011as davidi. Observações Sapotaceae ( 1 espécie) e Cecropiaceae (2 espécies). Fitomomas Inabi-
"'.l'lilares foram feitas por Donovan, na Índia. tendo sugerido que tantes de floema foram relatados em: Amaranthaceae (1 espécie),
:,:~ flagelado de planta fosse designado de Phy1omonas. Desde Euphorbiaceae (1 espécie). Leguminosae ( l espécie), Palm'a<:t:"ae
e::-!.io, flagelados encontrados em plantas são referidos como tal ( 1O espécies), Rubiaceae (2 espécies), Zingiberaceae (l espé-
\ánas espécies foram descritas. tais como P leptovasorum, cie). Fitomonas associados a frutos ocorrem em: Anacanliaceae
[rançai, P. tirucalli. P staheli, P. tortuosa. Há também refe- (1 espécie), Anonaceae (1 espécie), Bixaceae (1 espécie},
~.:ias a flagelados dos gêneros Leptomonas e Herpetomonas Leguminosae (3 espécies). Mirtaceae (1 espécie), Moraceae
i:nrnntrados em plantas. Um deles, isolado de tomate, origi- (3 espécies), O:rnlidaceae ( 1 espécie), PC1ssifloraceae (\ espécie.),,
1almente descrito como Lepromonas serpens por Gibbs (1957) Poaceae ( 1 espécie), Punicaceae (2 espécies). Rosaceae (2 espé-
Sc::ia um Phytomonas, como demonstrado por Jankevicius e~ ai. cies), R111aceae (4 espécies), Solanaceae (13 espécies). Vitaceae
989). Mas como muitos insetos sugadores podem estar natu- ( 1 espécie). Fitomonas foram relatados em flores de apenas duas
, mente infetados por flagelados de outros gêneros, não se pode espécies: Cucurbituceae (1 espécie) e Euphorbiaceae (1 espécie).
,duir a possibilidade de que eles sejam introduzidos nas plan- Embora em geral as infecções por fitomonas sejam assintomáfi-
_,, no ato da alimentação destes insetos. (amargo ( 1999) lista, em cas. há alguns casos de sua presença associada a enfermidades
ua revisão. 12 espécies de Phytomonas, 2 de Herpetomonas, 1 de em cafeeiro. palmáceas. mandioca e gengibre. Têm sido ~ambérn
nritidia e I de Trypanosoma descritas em plantas. encontrados em manchas resultantes de picadas de perccvej;os,
Phylomona.1· tem sido encontrado em plantas laticíferas sem se tomarem sistêmicos, em frutos de tomateiro, vagens de.
não, através de exames ao microscópio de luz de extratos do leguminosas e sementes de gramíneas, não havendo, contudo,
ex, do floema ou de lesões em flores e frutos. São de visuali- evidências de que possam estar causando algum dano adicional-
zação relativamente fácil ao microscópio de luz, sendo füsifor- mente àquele da picada do inseto.
191
Manual de Fitopatologia
192
Fitomonas
193
Manual de Fitopatologia
Figura 12.3 - Árvore filogenética baseada na sequência da protelna TnTrypDB, incluindo além de Phytomonas, os lripanosomatídeos Leishmania
e Trypanosoma. A barra de calibração indica número de mutações por sítio.
Fonte: Jaskowska 1:t ai. (2015); reproduzido com pennissão dos autores.
12.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA the sap of Solanum lycopersicum (tomato) and other plants.
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194
CAPÍTULO
13
NEMATOIDES
Luiz Carlos Camargo Barbosa Ferraz
ÍNDICE
13.1. Introdução/posição sistemática .......................... 195 13. l l. Sistema excretor-secretor .................................. 199
13.2. Hábitats e regimes alimentares ........................... 195 13.12. Sistema nervoso ................................................. 199
13.3. Forma e tamanho ................................................. 196 13.13. Órgãossensoriais ............................................... 199
13.4. Cor ........................................................................ 196 13.14. Sistema reprodutor ............................................ 200
13.5. Regiões do corpo.................................................. 197 13.15. Reprodução e eventos relacionados.................. 200
13.6. Estrutura do corpo............................................... 197 13.16. Dormência.......................................................... 201
13.7. Parede do corpo ................................................... 197 13.17. Principais familias e gêneros de fitonematoídes .... 201
13.8. Sistema digestório ................................................. 197 13.18. Alguns gêneros de importância para o Brasil .... 201
13.9. Sistema respiratório ............................................'. 199 13.19. Métodos de controle .......................................... 209
13.10. Sistema circulatório ........................................... 199 13.20. Bibliografia consultada ...................................... 211
13.1. INTRODUÇÃO/POSIÇÃO SISTEMÁTICA segundo tal proposta, os animais que passam por ecdises durante o
crescimento, com destaque aos artrópodes e nematoides, deveriam
O
s nematoides $ão vermes subcilíndricos, no
geral de corpo filiforme e tamanho microscó- ficar reunidos em um único grupo chamado Ecdysozoa.
pico, capazes de causar danos apreciáveis tanto Indiferente a tais discrepâncias, neste texto, será aceito que os
- animais de interesse zootécnico como principalmente a plan- nernatoides pertencem a um filo próprio, Nematoda (ou Nemata),
~ cultivadas de grande importância econômica. Não devem compreendendo duas classes, Chromadorea e Enoplea (De Ley &
~r confundidos com os platielmintos, vermes de corpo acha- Blaxter, 2002). A grande maioria das formas parasitas de plan-
::.io do filo Platyhelminthes, que inclui algumas formas de vida tas, de interesse agronômico, referidas corno fitonematoides, está
--Te bem conhecidas, como as planárias, e outras parasitas de incluída na classe Chromadorea, nas superfamílias Tylenchoidea,
.HUmais, inclusive do homem, como as tênias (Taenia solium, Criconematoidea e Aphelenchoidea (Tabela 13 .1 ). Em Enoplea,
- çaginata) e o agente causal da esquistossomose (Schistosoma nas famílias Longidoridae e Trichodoridae, também há formas
••,:msoni). que parasitam plantas, embora em número bem mais reduzido
A posi.ç ão sistemática dos nematoides entre os animais meta- (Decraemer & Hunt, 2006); algumas delas, pertencentes aos gêne-
.roários com simetria bilateral variou ao longo do tempo. Segundo ros longidorus, Trichodon,s e Xiphinema, além dos danos diretos
.1. .::orrente de classificação mais antiga e tradicional, baseada prin- causados, podem atuar, ainda, como transmissoras de vírus.
• paimente nas análises da morfologia externa e da organização
-:ema dos seres vivos, os nematoides filiavam-se ao ramo cha-
13.2. HÁBITATS E REGIMES ALIMENTARES
:::;iado Pseudocoelomata, por apresentar pseudoceloma, ou seja, Os nematoides são organismos encontrados em pratica-
...:\·idade do corpo não totalmente delimitada pela mesoderme. mente todos os ambientes do planeta, desde que neles haja teor
Outra visão, posterior, das relações filogenéticas entre os metazoá- mínimo de umidade para lhes assegurar a sobrevivência. A maio-
ros foi produzida com base na análise de dados biomoleculares e, ria é de vida livre, alimentando-se de bactérias (bacteriófagos),
195
Manual de Fitopatologia
Classe Chromadorea
Ordem Rbabditida
Subordem Tylenchina
Superfamíli:1 l"amília Cêrwro
Dolicbodoridae Dolichodorus
Belonolaimus Figura 13.l - Formas do corpo em fêmeas: filifonne (usual) em Pra-
Hoplolaimidae Helicotylenchus rylenchus (A), de pera (B) em Meloidogyne1 de limão
Heterodero (C) em Heterodera ou de rim (D) em Rotylenchulus.
Globodera Crédito: W. F. Mai & H. H. Lyon e Westem Australia Department of
Tyleachoidea Scutellonema Agriculture and Food.
Rotylenchulus
· Mcloidogynidae Meloidogyne 8-D). Por vezes, tais mudanças na fonna podem ser v istas já nos
Pratylenchidae Pratylench11s estádios imaturos, como nos juvenis (J2 parasita, JJ e J4 ) - salsi-
Radopholus choides - de Meloidogyne. Por sua vez, os machos são sempre
Nacobbus esguios, filiformes.
Criconematidae Criconemoides O aumento exagerado do diâmetro do corpo caracteriza os
Criconematoidea Hemieycliophoro nematoides sedentários, isto é, que perdem a locomoção após estabe-
Tylenchulidae 1ylenclrulus lecer o parasitismo na planta hospedeira. Os que conservam a fonna
esbelta ao longo de todo o ciclo de vida são sempre migradores.
Sphaerularioidea Anguinidae Ditylenchus
Na maioria das espécies, o dimorfismo sexual não é bem
Aphelenchoidea Aphclenchoididae Aphelenchoides evidente, embora as fêmeas no geral sejam maiores que os
Bursaphelenchus machos. Quando ocorrem, os machos diferenciam-se das fêmeas
por características sexuais secundárias. Por exemplo, em machos,
Fonte: Decraemer & Hunt (2006).
a musculatura copulatória bem desenvolvida pode tornar a região
caudal fortemente recurvada pelo lado ventral. Os espículos, ane-
fungos (micófagos), protozoários (protozoófagos), algas (algí-
xos do sistema reprodutor masculino, muitas vezes são bem visí-
voros), anelídeos oligoquctas (oligoquetófagos) ou nematoides
veis ao exame microscópico, permitindo então pronta identifica•
(nematófagos). Alguns são parasitas de plantas superiores (fitopa-
ção do exemplar macho. Também, machos têm cloaca, enquanto,
rasitas), predominantemente de seus ócgãos subterrâneos (raízes,
nas fêmeas, as aberturas do sistema reprodutor (vulva) e do sis-
rizomas, tubérculos, bulbos e fruto hipógeo), embora existam uns
tema digestório (ânus) são separadas.
poucos que se especializaram no parasitismo de órgãos aéreos
(caules, folhas, flores, frutos e sementes). Outros são parasitas de O tamanho, nos nematoides, é extremamente variável,
animais (zooparasitas), seja d e invertebrados, seja de vertebra- com o comprimento podendo variar de 0,2 mm a mais de 8 m. A
grande maioria é microscópica. As formas de vida livre no solo
dos. Enfim, os nematoides vivem de outros organismos vivos. Os
e as fitoparasitas geralmente têm 1a J mm de comprimento e 20
hábitats ocupados por eles são mais variados que os de qualquer
a 50 µm de diâmetro, sendo que as menores medem 0,15 mm
outro grupo de roetazoários, salvo os artrópodes.
de comprimento e as maiores chegam a atingir 1 cm de compri-
Na sequência, serllo tratados aspectos gerais relativos à
mento ou mais. Nematoides marinhos podem ser ainda maiores.
morfologia e à biologia dos nematoides, enfatizando-se, eviden-
Os nematoides zooparasitas podem variar de alguns milímetros
temente, aqueles pertinentes às fonnas fitoparasitas.
até vários centimetros de comprimento; entre eles, são fonnas
13.3. FORMA E TAMANHO "gigantes", por exemplo, a lombriga intestinal humana, Ascaris
lumbricoides, cujas femeas atingem 30 cm de comprimento e
Os nematoides são ocganismos tubulares alongados, isto é. o 8 mm de diâmetro, o venne dos rins do cão, Dioctophyme rena/e,
corpo é de seção u:ansversal circular, de diâmetro praticamente cons- com I m de comprimento e l cm de diâmetro e o nematoide da pla-
tante ao longo do comprimento, afiland<rse de maneira gradual na centa da baleia de espennacete, Placentonemo gigantissimum, a maior
extremidade anterior e variável na extremidade posterior. Tal confor- espécie conhecida até o momento, com mais de 8 m de comprimento.
mação é dita filifonne ou vermiforme (Figura 13.1 A). O nome des-
ses vennes deriva do grego nema, nematis, que significa fio. A forma 13.4. COR
roliça e alongada do corpo é adequada ao movimento de locomo• Os nematoides parasitas de plantas geralmente são inco-
ção, geralmente serpeotiforme, por ondulação dorsoveotral. lores e transparentes. Devido a tal transparência, nos espécimes
Em certos gêneros de fitonematoides, todavia, os corpos das em efetivo parasitismo sobre plantas, o conteúdo granuloso (mor-
fêmeas podem ter a largura notavelmente aumentada para possi- mente constituído por reservas lipídicas) de tonalidade escura do
bilitar a produção de número muito elevado de ovos, resultando intestino, o mais longo órgão do sistema digestório, ocupando
então fonnas aberrantes de pêra (Meloidogyne, Globodera), de cerca de 2/3 de todo o comprimento corporal, mostra-se de fácil
limão (Heterodera), de rim (Rotylenchulus) e outras (Figura 13.1 visualização (Figura 13.1 A).
196
Nematoides
197
Manual de Fitopatologia
.lftlO
-• Cord~ep,ôors:.il
Figura 13.3 - Parede do corpo de Ascaris /umhricoidcs: (A) esquema da organiz.ação gc:r.11; (B) detalhe da musculatura somática e dos braços de
músculo (setas).
Crédito: Nernatoda/Soilcrawleis.com e J. Houseman, Univcrsity ofOtawa.
198
Nematoides
o...,.;.ntlloe se abrir na superficie do corpo pelo seu lado ventral através do poro
odo11111ettlloe excretor, quase sempre à altura do final do esôfago (Figura 13.6). Os
condutos tubulares citados promovem a remoção de resíduos tóxi-
---
(La.a.)
cos circulantes no pseudoceloma. Há espécies, como 1ylenchulus
semipenetrans, importante parasita de plantas cít1icas, em que o sis-
tema é bem diferente. Constitui-se de uma glândula, muito desenvol-
vida nas remeas, ,que se presta principalmente à•produção de secre-
ção destinadir a manter agregados os ovos formados por elas; nesse
..... .
.........
buof1b,o
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199
Manual de Fitopatologia
200
Nematoides
O número de ovos produzidos por femea varia muito entre Os membros de Tylenchina parasitam principalmente raí-
, diversos grupos de oematoides. Certas fonnas zooparasitas cos- zes, mas também outros órgãos subterrâneos das plantas hos-
~am ter grande produção de ovos, como a lombriga humana pedeiras. Compreendem-se aqui as superfamílias Tylenchoidea,
-•.:aris lumbricoides, que coloca até 200.000 ovos/dia. Nos nema- Criconematoidea e Spbaerularioidea, com muitas espécies impor-
:01des parasitas de plantas, o número de ovos por fêmea não é tantes, que serão tratadas mais detalhadamente na sequência. Na
.:..to. No gênero Meloidogyne, a média é de 400; em Pratylenchus, superfamília Aphelencboidea, estão também formas portadoras
".1dopholus e Rotylenchulus, oscila entre 60 e 100. de estomatoestilete, porém mais delicado, associado a esôfago
Do ovo do nematoide, eclode uma forma imatura de pequeno afelencoide; são geralmente parasitas de órgãos da parte aérea
~ne. mas já com as características do adulto, faltando-lhe apenas os das plantas, destacando-se, entre as espécies mais conhecidas,
,gàos reprodutores. Ao longo do tempo, tal forma tem sido inade- Aphelenchoides besseyi, causadora da "ponta branca do arroz",
.;-.iadamente chamada de larva, sendo preferível o nome juvenil. O Bursaphelenchus xylophilus, o agente causal da "murcha dos
.:rescimento do espécime durante o ciclo biológico é possível devido pinheiros" e B . cocophilus, responsável pelo "anel vennelho das
• ocorrência de quatro (raramente, três) trocas de cutícula (= ecdi- palmáceas".
,~ l. sendo os períodos entre duas trocas seguidas denominados está- Na classe Enoplea, estão os poucos fitonematoides que pos•
- os juvenis. Com a quarta ecdisc, termina o quano estádio juvenil e suem odontoestiletc associado a esôfago dorilaimoide, atuando
nematoide passa para a fase adulta (Figura 13.1 O). como típicos parasitas do sistema radicular. Como destacado antes,
algumas espécies dos gêneros Longidorus e Xiphinema, da famí-
lia Longidoridae, bem como de Trichodon,s e Paratrichodorus, da
família Trichodoridae, apresentam especial interesse pelo fato de
poderem atuar como vetores de vírus, além de causar danos diretos
às plantas hospedeiras. O número de formas fitoparasitas de Enoplea
é muito menor que o de Chomadorea (Ferraz & Brown, 2016).
201
Manual de Fitopatologia
.,,,..E
migrar no solo à procura de raízes de um hospedeiro favorável,
constituindo o estádio infectante. M javanica, de reprodução por partenogênese mitótica obrigató-
ria, as populações são constituídas basicamente por femeas, apa-
H recendo os machos apenas sob condições ambientes especiais. As
fêmeas sexualmente maduras são globosas e providas de típico
"pescoço" (Figura 13 .11 G); no geral, têm coloração esbranqui-
çada. São visíveis a olho nu quando retiradas do interior de raízes
parasitadas, o que é incomum entre fitonematoídes.
(~)
Figura 13.11 - Desenvolvimento em Meloidogyne: (A) ovo, (B) ovo
Os machos, quando presentes, têm ·corpo esbelto, filifonne,
bem alongado, com um só testículo e cauda desprovida de bolsa-de-
cópula (Figura 13.11 F). Resultam de complexa metamorfose dos J4
masculinos (Figura 13.11 E) e, aparentemente, nã.o são fitoparasitas,
embora tal aspecto seja controverso. Sob condição de estresse nutri-
cional, como quando ocorre uma superpopulação na raiz atacada,
conte,ndo J,; (C) J, pré-parasita; (D) J, parasita; (E) juvenis femininos muitas vezes sofrem processo de reversão sexual
fêmea ünati1ra; (F) macho no invólucro êuticular do J4 ;
e acabam por dar formação a espécimes machos, atípicos, reconheci-
{G) macho e (H) fêmea sexualmente madura. dos por apresentarem dois testículos, e não apenas um.
Crédito: G. Steíner e W. F. Mai & H. H. Lyon.
A duração do ciclo biológico é muito influenciada por
Penetrando em radicela de planta suscetível, o J, pré-parasita fatores como temperatnra, umidade e planta hospedeira, entre
migra através do parênquima cortical e posiciona a região anterior outros. De modo geral, completa-se em 3 a 4 semanas. Para
do corpo no entorno do cilindro vascular, ao nível da endoderme M arenaria, M incognita e M. javanica, a faixa ideal de tempe-
ou do perieíclo. Ali estabelece o parasitismo, incitando, mediante ratura é de 25 a 30 ºC, enquanto para M hapla vai de 15 a 25 ºC.
202
Nematoides
• Identificação de espécies
A identificação da(s) espécie(s) de Meloidogyne ocor-
-mte(s) em uma dada área é item fundamental ao planejamento
controle ou manejo integrado, em especial quando este
r-dui indicação de uso de variedades resistentes e/ou rotação-
,..i.:essào de culturas. Isso se deve ao fato de que cada espécie
ja: gênero possui lista própria de plantas hospedeiras, ou seja,
?n,u de polifagia distinto dos apresentados pelas outras espécies.
\.ssim, saber que a espécie ocorrente em uma determinada área é
f mcognita, e não M javaníca, implica em diferenças com rela-
.-:io às possíveis culturas a serem empregadas em esquema de
•: tação, ou na escolha da cultivar a ser plantada no local.
Em todo o mundo, desde os anos 1950, o método mais utili-
zado na identificação das espécies de Meloidogyne nos laboratórios
~matológicos foi o exame da configuração perineal das fêmeas,
~.le se tornou clássico para tal finalidade. Nos últimos 25 anos,
rem. métodos bioquímicos e principalmente técnicas biomolecu-
_res passaram a ser usados para tal identificação, provendo grande
-=didade e, com frequência, bem maior precisão que o método tra-
. .:10nal. Sumários descritivos de tais métodos estão disponíveis
"lJ literatura nematológica (Carneiro et ai., 2016; lnomoto, 2016;
\tachado et al., 2010; Roberts er al., 2016). Hoje, tern-se conside- Figura 13.13- Mcloidoginoscs/sintomas diretos: (A, C, G) galhas;
· (A) escassez de radicclas; (B) ilescolamento cortical;
rado que a integração dos métodos clássico e molecular constitui
(C. D) digitamento; (E) ·'pipocas" e (F) rachaduras.
J estratégia ideal à identificação dos nematoides de galhas, combi-
Crédito d11S fotos: C. Averre,A. L Boss, L. C. Fenu e L. G. E. Lordello_
lldlldo-se os atributos de ambos (Oliveira et ai., 2011 ).
• Sintomatologia tacando-se com facilidade a casca do resto da raiz. Pressionadas
As Meloidoginoses, nematoscs devidas a nematoides de entre as mãos, raízes atacadas praticamente se esfarelam. É típico
,;-,lhas, caracterizam-se por sintomas diretos, ou seja, observados de cafeeiros parasitados por M coffeicola (Figura 13.13 B) e goia-
_s próprios órgãos vegetais parasitados (no geral, subterrâneos), e beiras por M enlerolobii.
-diretos ou reflexos, verificados na parte aérea das plantas. Digitamento ou ra{zes digitada.~ : comum cm cenoura, que,
Sintomas diretos além de galhas nas raízes finas, laterais, apresenta bifurcações e
outras anomalias, reduzindo-se muito o valor comercial do produto
Galhas: constituem o mais conhecido e frequente sintoma (Figura 13.13 C-D).
direto. São engrossamentos, de diâmetro variável, quase sempre
Rac/ruduras: ocorrem, com certa frequência, em certas cul-
~resentes nas raízes infectadas por Meloidogyne (Figura 13.13
turas, como batata-doce e beterraba forrageira, sob intenso ataque
\.C.G). Resultam de biperplasia e hipertrofia celular no cilindro
(Figura 13.13 F).
a,,cular e, mais marcantemente; no parênquima cortical, ao redor
_, corpo do nematoide em desenvolvimento. São formadas pela Sintomas reflexos
,rópria planta, como reação a toxinas introduzidas pelos nematoi- Tamanho desig11al de plantas/ ocorrê11cia tle "rebo/eirus";
_;:s. Embora muito comuns nas plantas atacadas, não constiincm a distribuição tipicamente irregular dos litoncmatoides nas cultu-
,mtoma obrigatório, não ocorrendo em certas interações, como a ras atacadas no geral causa desunifonnidade no crescimento das
d.: .\t/. cojfeicola e cafeeiro arábico, por exemplo. Em alguns tipos plantas e aparecimento de áreas localizadas, de maior ou menor
de plantas, como poáceas (milho, arroz), costumam ser pequenas extensão, denominadas manchas ou "reboleiras" (Figura 13. 14),
e de dificil visualização a olho nu. Galhas incitadas cm tubér- em que se concentram plantas de tamanho reduzido, depaupera-
.:-ulos. comuns em batata, costumam ser denominadas ·'pipocas" das. Tal condição - ocorrência de "reboleiras" - predomina nas
Figura 13.13 E). Não há de se confundir células nutridoras com Meloidoginoses, excetuando-se os casos de cultivos perenes já
galhas. Estas não são essenciais ao desenvolvimento e à reprodu- formados a partir de mudas infectadas, quando então o ataque no
.ão das espécies de Meloidogyne, mas aquelas, sim! Vale desta- campo pode se mostrar generalizado.
car que galhas radiculares também podem ser causadas por outros "Fome de minerais": designação dada ao quadro de defi-
ritonematoides (Hemicyc/iophora, Nacobbus, Xiphínema), por ciências nutricionais exibido por plantas cujos sistemas radicula-
insetos, por bactérias e por outros organismos, mas através de res parasitados por Meloidogyne atuam precariamente, não con-
mecanismos diferentes daquele aqui descrito para Meloidogyne. seguindo aproveitar nutrientes mesmo que disponibilizados pelo
Red11ção 110 volume do sistema rudic:11/ar: o mais das agricultor. Adubações corretivas no solo, em cobertura, não cos-
ezes, além de numerosas galhas, plantas sob alta infestação tumam dar bons resultados, mas aplicações foliares podem ate-
"°r Meloidogy ne exibem sistemas radiculares bem pobres, com nuar o sintof!!a, parcial e temporariamente.
e~cassas radicelas, mostrando-se pouco eficientes na absorção e Murcftamento: o desequilíbrio entre a tomada e a perda de
10 transporte de água e dos nutrientes do solo (Figura 13. 13 A). água em plantas muito atacadas muitas vezes pode levar as fo lhas
Descolamento cortical ou descorticamento: <! a condição em a murchar nas horas mais quentes do dia. É sintoma observado
que boa parte do córtex fica completamente desorganizada; des- mais em plantações de fumo_(Figura 13.14) e berinjela.
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Manual de Fitopatologia
Tabela 13.Z - Culturas recomendadas para roiação com soja em Plantio Direto: "Sim" significa que diminui a população do nematoide e ''Não'·
que a aumenta. Células vazias significam falta de informação conclusiva para as interações. Os asteriscos (*) simbolizam espécies de
crotalárias.
:'\cmatoidc,
Culturas 1/eterodera .lle/11idogy11e ,\ leloitlof.1.l'IU' Rotrle11clt11/1" Pmt1·/em·lt11.,
g(rdne., jt11•t111icll i11cog11it11 rê11ijim11i, hrcicltyurn.,
Algodoeiro NÃ~ NÃO NÃO
\1ilho SIM NÃO SIM ••
Sorgo forrng.ciro SIM SIM NÃO
Cana-de-açúcar SIM NÃO NÃO SIM 1'.ÃO
Amendoim SIM SIM SIM NÃO
Feijoeiro NÃO NÃO ÃO NÃO NÃO
Caupi SIM NÃO NÃO
Mandioca SIM NÃO NÃO NÃO NÃO
Arro7 SIM NÃO NÃO NÃO
C. spectahilis SIM SIM SIM SIM SIM
C. hr<',·//lom SIM SIM SIM SIM SIM
e. jtt/1('('(/ SIM SIM NÃO
ivlucunas SIM S™ NÃO
Guandu NÃO
Fonte: M. M. lnomoto, G. L. Asmus e R. A. Silva.
Tabela. 13.3 - Culturas para sucessão ("safi'inhas de inverno") da soja no Plantio Direto. "Sim" significa que reduz a população do nematoide e
"Não" que a aumenta. Células vazias significam falta de informação conclusiva para as interações.
:'\cmatoidc,
Cu li ums //e/erodem ,\/eloidox_r11e M eloi,logy11e R111rle11d111/11, l'ratrle11d111.,
g(rcine., jt11·1111i('(J i11cognitt1 rê11ijim11i, l>rtt~·h_r11ru.,
:Vlilheto SIM NÃO SIM
Braquiárias SIM SIM SIM SIM NÃO
Sorgo forrageiro SIM SIM NÃO
Pé-de-galinha SIM NÃO NÃO SIM
Naho forragciro SIM NÃO NÃO SIM
Girassol SIM NÃO NÃO SIM
\'lilho SIM NÃO SIM NÃO
Sorgo granili:ro S[M NÃO SIM NÃO
Algodão SIM SIM NÃO NÃO NÃO
mercado nacional, formulados à base de fungos nematófagos, a Tais produtos já foram bastante utilizados no Brasil cm décadas
saber: Purpureocillium li/acinum (= Paecilomyces lilacinus) e passadas, em particular nas culturas de café e cana de açúcar.
Pochonia chlamydosporia. Embora mais indicados ao controle Para cada interação fitonematoide-cultura considerada, deverá
de nematoides de galhas, podem ser úteis também, sob condições se proceder à análise tlus métodos de controle mais adequados dis-
adequadas, ao manejo de outros fitonematoides. Diversos outros
produtos biológicos estão sendo ora avaliados para fins de regis- poníveis. Quando apenas uma espécie de fitonematoide tida como
tro objetivando uso futuro no controle de fitooematoides aqui no "problema" está presente na área em qucstiio, tal tarefa pode até ser
Brasil. menos dificil, mas sempre envolve certo grau de complexidade. Se
Também há vários nematicidas químicos disponíveis no duas ou mais espécies ocorrerem simultaneamente, com certeza o
mercado brasileiro, com registro de uso em algumas culturas e planejamento do manejo integrado irá exigir bem mais cuidados do
visando ao controle de nematoides de galhas e de outros gêneros. produtor rural e dos técnicos fitossanitaristas.
210
Nematoides
Dada a abrangência do assunto, para mais detalhes a respeito. Ferraz, L.C.C.B. & Orown, D.J.f. An iotroduction to nematodes: plant
sugere-se a leitura dos livros " Manual de Fitopatologia: volume 2 - ncmatology. Sofia, Pensoft. 2002.
Doenças das Plantas Cultivadas (Amorim et ai., 2016)" e "Manejo Ferraz. L.C.C.8. & Brown. D.J.F. Nematologia de Plant2s: fundamen-
~ustentável de Fitonematoides" (Ferraz et al. 2010). Neles, cons- tos e importância. Manaus, Nonna, 2016 (e-book). Disponível em:
tam recomendações de manejo integrado de fitonernatoides para <hnp://doceoies.esalq.nsp. br/sbn/ferbro/FerrazBrown20 l 6v02.pdf>.
diversas culturas de interesse econômico no Brasil. Ferraz, S.; Freitas. L.G.; Lopes, E.A.; Dias-Arieira, C.R. (eds.) Manejo
sustentável de fltonematoides. Viçosa, Editora da UFV, 201 O.
13.20. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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211
Nematoides
Dada a abrangência do assunto, para mais detalhes a respeito, Ferraz, L.C.C.13. & Brown, D.J.F. An introductlon to nematodes: plant
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Duncan. L. W. & Moens, M. Migratory endoparasitic nematodes. ln Perry other tro1pical fibre crops. ln Luc, M.; Sikora, R.; Bridge, J. (eds.)
R.N. & Moens. M. (eds.) Plant Nematology. Wallingford, CABl, Plant-pa rasitic nematodes in subtropical ond tropical agriculture.
2006, p. 123-152. Wallinglbrd, CABI, 2005. p. 733-750.
211
Parte III
CONTROLE DE DOENÇAS
CAPÍTULO
14
PRINCÍPIOS GERAIS DE CONTROLE
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim
ÍNDICE
14.1. Conceitos de controle .......................................... 215 14.7. Medidas de controle baseadas na erradicação ... 220
l-1.2. Os princípios de Whetzel ..................................... 216 14.8. Medidas de controle baseadas na regulação....... 222
J 4.3. Os princípios gerais de controle e o triângulo 14.9. Medidas de controle baseadas na proteção ........ 223
da doença.............................................................. 216
14. IO. Medidas de controle baseadas na imunização..... 225
14.4. Os princípios de controle e a abordagem
epidemiológica quantitativa................................ 217 14.11. Medidas de controle baseadas na terapia ......... 226
14.5. Medidas de controle baseadas na evasão ............ 217 14.12. Bibliografia consultada ...................................... 227
. .
14.6. Medidas de controle baseadas na exclusão......... 219
controle de doenças de plantas é o mais importante eia de doenças. Contudo, nem essas variedades, nem essas ativida-
215
Manual de Fitopatologia
216
Princípios Gerais de Controle
orincípio de proteção, onde usualmente são colocadas, em livros patógeno. Vanderplank (1963) propõe que alguns métodos dt
sextos de Fitopatologia, co mo os de Walker (1957) e Stakman & controle, como o plantio de variedades pre·coces ou o plantio
Harrar (1957). antecipado para escapar da doença, reduzem t; outros, como o
Outras medidas de controle, também não satisfatoriamente uso de variedades tolerantes, não reduzem J'o· nem r e nem t; mas
iJUStáveis aos princípios de Whetzel, são aqnelas referentes à que a maioria reduz Yo ou r ou ambos (para um tratamento mais
:-:,colha de área geográfica, local e época de plantio, profundidade aprofundado, veja Capítulo 40 - Análise temporal de epidemias).
:e semeadura, precocidade das variedades. etc. Tais medidas são Essa linha de pensamento, aceita corno unificadora e abran-
:rualmente agrupadas no princípio de evasão. que pode ser enun- gente para todas as doenças infecciosas, te:m sido seguida de
~1ado como a prevenção da doença pelo plantio ern épocas ou maneira geral pelos fitopatologistas. principalmente por aqneles
ireas quando ou onde o inócnlo é ineficiente, raro ou ausente. A envolvidos com a epidemiologia. Berger (1977), por exemplo,
t\ asão baseia-se, portanto, em táticas de fuga dirigidas contra o sugere três estratégias epidemiológicas para minimizar os pre-
p.1tógeno e/ou contra o ambiente favorável ao desenvolvimento juízos de uma doença: 1) eliminar ou redu2:ir o inóculo inicial
.:la doença. ou atrasar o seu aparecimento; 2) diminuir a taxa de desenvolvi-
A regulação e a evasão tomam os princípios de controle mento da doença; e 3) encurtar o período de e:xposiçã<1 da cultura
mais abrangentes, incluindo doenças abióticas dentro de seus ao patógeno.
"lbjetivos, permitindo uma visão mais global da natureza da doença Essa abordagem matemática de como c rescem as doenças
processo resultante da interaçao de três fatores: planta, patógeno infecciosas toma a epidemiologia uma ciência quantitativa, per-
e ambiente) e mclhor;rndo a compreensão de que qualquer alte- mitindo uma melhor compreensão do desempenho das medidas
'"3Çâo nos componentes do triâugulo da doença, isoladamente ou de controle adotadas. Assim, a indicação das medidas de controle
cm conjunto, modifica o seu livre curso. A Figura 14.3 mostra. no mais convenientes reside fundamentalmente no valor numérico
triângulo da doença, onde atuam os princípios de controle. der. Se valores der forem baixos, uma pequ,~na redução do in6-
culo inicial (exclusão, erradicação, evasão. imunização-resistên-
cia vertical) poderá ser suficiente; no entanto, quando valores de
evasão r forem elevados, devido à própria natureza da doença, medidas
regulação de controle que reduzem principalmente r (proteção-defensivos,
imunização-resistência horizontal) serão as q ue mais satisfatoria-
mente afetamo o desenvolvimento de epidemias.
Os princípios de controle sob os pontos de vista biológico e
epidemiológico, atuando nos mesmos fatores que compõem todas
as doenças, estão intimamente relacionados, conforme mostra a
Tabela 14.1.
217
Manual de Fitopatologia
Tabela 14.1 - Relação entre métodos e princípios de controle e seus efeitos predominantes sobre o patógeno (P), hospedeiro (H) ou ambiente
(A) e sobre variáveis e parâmetros epídemiológicos y 0 , r ou t.
do controle químico. No entanto, com as mudanças climáticas aliem variedades resistentes ou tolerantes a locais de baixa favo-
que ocorrem globalmente, mesmo áreas consideradas desfavorá- rabilidade climática à ocorrência da doença.
veis podem, eventualmente, apresentar condições ~dequadas ao A escolha de áreas geográficas, seja para fugir de patóge-
desenvolvimento de epidemias. Em 2013, em razão da ocorrência nos, seja para fugir de condições predisponentes à ocorrência de
anormalmente elevada de chuvas associada a temperaturas ame- epidemias, é um método de controle ainda amplamente explorá-
nas no verão, epidemias severas do mal das folhas da seringueira vel num país tão extenso quanto o Brasil, que aprese nta enormes
ocorreram no Planalto Paulista, sudeste de Mato Grosso, nordeste variações climáticas regionais. Em anos recentes, empreendimen-
de Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins, áreas consideradas tos de grande porte foram feitos na região nordestina para produção
"escape" da doença. Essa situação, que pode se repetir, reforça de frutas de alta qualidade. Nessa região, devido ao clima árido,
a recomendação para a integração de medidas de controle que frutas como uva, manga e melão podem ser produzidas com maior
218
Princípios Gerais de Controle
219
Manual de Fitopatologia
220
Princípios Gerais de Controle
Boxe 14.3 E
A Coordenadoria de Defesa Agropecuária (COA) do Estado de São Paulo está encarregada de aprovar o cadastro
de viveiros de citros, denominados pela legislação depósitos de m11das (Figura 14.6). Entre outras exigências, a COA
\ erifica as segiúntes características do local:
Tclado: O ,ambiente deve estar protegido, contra insetos vetores de-,>ragas, por tela de malha intacta e com abertura
máxima de 0,87 x 0,30 milímetros.
Cobertura: A cobertura deve ser de plástico ou com outro material impermeável.
Antecâmara: Exige-se uma antecâmara de acesso ao depósito, com
pedilúvio e área interna minima de 2 x 2 metros, devendo essa ser a única
forma desse aeiesso.
Bancadas: As bimeadas para armazenagem das mudas devcrlio ser
confeccionadas com materiais e dimensões adequadas.
Corredores: Entre duas bancadas, deve haver corredor com piso
coberto por urna camada de, no mínimo, S cm de concreto, pedra britada
ou material simiilar, e com largura adequada.
Isolamento da tela de proteção: Os corredores localizados entre
as bancadas e a tel11 de proteçilo devem ter uma largura mínima de
50cm.
Plantas invasoras: O interior do depósito e uma faixa de um metro ao
redor devem ser mantidos permanentemente Uvres de plantas invasoras.
Isolamento da estufa: Mínimo de 20 m de qualquer planta cítrica e de
1.200 m de "foco de cancro cítrico".
Presença. d1e insetos vetores: Toda a área de armazenamento deve estar
permanentememte livre da presença de qualquer inseto vetor de pragas dos
citros, especialcnente as quarentenárias.
Proteção contra entrada de água: O depósito de,•e contar com sistemas
para impedir a entrada de águas externas.
Área livre: A área de localização do depósito deve ser considerada, pela
legislação e normas em vigor, como livre para armazenagem de citros.
Acesso: Oe•vem ser estabelecidas restrições ao acesso de pessoas estra- Figura 14.6 - Viveiro certificado de mudas
nhas aos serviços em toda a área do depósito. cítricas instalado no Estado de
Limpeza: O depósito deve ser mantido livre de detritos vegetais de São Paulo.
qualquer origern, recomendando-se a manutenção de limpeza geral. CrMito da foto: Fundecitrus.
221
Manual de Fitopatologia
222
-- ---- -
Princípios Gerais de Controle
&z adubação em cobertura com excesso de nitrogênio. principal-· 1N S~ N' Oll2nOl.5 dt - OIS.
mente na forma de sulfato de amônio) e pelo mt!nos parcialmente
• rrigida com adubação foliar.
A eficácia das medidas de regulação no controle das doen- Figura 14.10 - Cartaz do Instituto de Defesa Agropecuária do Esta-
w5 infecciosas depende do grau de influência de um de1tenninado do de Mato Grosso (lndea-MT), produzido em 2016,
wor ambiental no desencadeamento do processo patológico e/ou para alertar os produtores da necessidade de aderi-
::p1demiológico e no grau de possibilidade de coatrole desse fator. rem ao vazio sanitário da soja. Essa medida implica
-\ssim, não se pode cogitar em alterar as condições de tempe- na proibição do plantio da soja e na obrigação de des-
-.itura e de umidade em grandes extensões de lavoura, mesmo truição de plantas dessa espécie por um dctcnninado
__ic essas condições desempenhem papel limitante no desenvol- período.
mento de uma doença; entretanto, para o controle de doenças
~ls-colheita, já se usa, em grande escala, pelo menos nos países deficiência de cálcio, excesso de fósforo e de nitrogênio amonia-
'tla1s desenvolvidos, a refrigeração (frutas e hortaliças) e a desu- cal; a sarna da batatinha (Slreptomyces scabíes), favorecida por
midificação (sementes e cereais). Também em sistemas de produ- condições de pH elevado; e a hérnia das crucíferas (Plasmodío-
~ não convencionais, como nas culturas protegidas, a regulação phora brassícae), favorecida por baixo pH.
das doenças através do ma nejo do ambiente desempenha papel
~uito importante (Boxe 14.6). 14.9. MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS
Doenças muito dependentes do excesso de umidade do NA PROTEÇÃO
.,.,10. como o damping-oft; podem muitas vezes ser diminuídas A proteção, prevenção do contato direto do patógeno com
• ntrolando-se a água de irrigação; do mesmo modo., doenças o hospedeiro, é comumente obtida pela aplicação de fungicidas
··l\Orecidas pela falta de umidade, corno podridão cinzenta do e bactericidas, visando diretamente os patógenos (Figura 14.11 e
:3Ule do feijoeiro, podem ser evitadas pelo suprimento hídrico Figura I 6.9 no Capítulo 16), ou de inseticidas e acaricidas, entre
.,..:kquado. A subsolagem tem sido preconizada corno medida de outros, visando diretamente os vetores. É. possivelmente, o princí-
• .;,ntrole para doenças como a podridão de raízes do feijoeiro, pio de controle que experimentou os maiores impactos do desen-
.:.iusada por F11sori11m solaní f. sp. phaseolí, que é muito favo- volvimento tecnológico, Jcsde a descoberta da calda bordalesa
recida pela compactação do solo. A adubação equilibrada tem até a dos inseticidas e fungicidas sistémicos. Em muitas cultu-
sido muito importante no controle de doenças como a podridão ras, principalmente em se tratando de variedades que apresen-
J.a haste e da vagem da soja (Phomopsis sojae), favon~cida por tam alta suscetibilidade a doenças, a proteção química toma-se
Jeficiência potássica; as murchas de Fusarium, favorecidas por uma medida indispensável de controle, apesar de nem sempre
223
Manual de Fitopatologia
A plasticultura, sistema de produção de plantas' ornamentais, hortaliças (pepino, melão, pimentão, tomate tipo
salada, feijão vagem, alface) e frutíferas (morangos e uvas finas), em ambiente protegido, sob cobertura plástica (Figu-
ras 18.5 e 18.6, no Capítulo 18), vem assumindo grande importância econômica dentro da agricultura, inclusive no
Brasil, em vista da excelente produtividade e qualidade do produto e da possibilidade de colheita fora de época (por
exemplo, pepino japonês, no inverno, e alface americana e pimentão amarelo, no verão), que garantem alta rentabili-
dade ao agricultor. Essa tecnologia tem propiciado o controle de doenças através da manipulação do ambiente (princípio
da regulação), diminuindo o uso de pesticidas. Os fatores ambientais mais importantes submetidos ao manejo têm sido a
temperatura, a umidade e a luz. Geralmente, doenças fúngicas e bacterianas são favorecidas por alta umidade (água livre)
qne, em ambiente de estufa, com manejo adequado da aeração e irrigação (por gotejo), tendem a não se formar.
No Brasil, em culturas protegidas no verão (coberturas plásticas tipo capela on guarda-chuva, abertas lateral-
mente) tem se observado, além da proteção contra granizos e chuvas fortes, menor incidência de pragas e doenças. Em
tomateiro, por exemplo, há relatos de expressiva dinúnuição da incidêucia de vira-cabeça e de pinta-preta na cultura
protegida em relação à não protegida. Nas culturas protegidas de inverno, contudo, devido à necessidade de conser-
vação do calor, o manejo da aeração não tem sido adequado, havendo grande condensação de vapor na parte interna
da cobertura plástica durante a noite, que provoca gotejo sobre as culturas em desenvolvimento. Culturas, como as de
pepino, podem, nessas condições, ser seriamente afetadas até mesmo por doenças bacterianas (mancha angular, no
caso do pepino), cujos patógenos dependem de respingos de água para eficiente disseminação e desenvolvimento de
epidemias. A movimentação do ar em culturas protegidas, hermeticamenk cobertas para conservação do calor, é uma
importante prática dt regulação no coutrole de Botrytis cinerea, ubíquo patógeno do mofo cinzento de numerosas plan-
tas cultivadas em estufa - nesse caso, a introdução de ar fresco durante o dia é essencial para diminufr o problema. Além
disso, há atualmente plásticos capazes de filtrar raios com comprimento de onda da região ultra-violeta (< 360 nm),
essenciais para a esporulação desse patógeno. Quando esses comprimentos de onda são eliminados, o patógeno não se
reproduz, não se dispersa e seu manejo é enormemente facilitado.
O ideal da cultura protegida, ainda distante da viabilidade prática, é o monitoramento e o controle computa-
dorizado da temperatura, do fornecimento e conservação da energia, da luz, do movimento e ventilação do ar, da
densidade do vapor d'água, da umidade relativa, do pouto de orvalho, da nutrição, etc. Isto não exclui, entretanto, a
necessidade de outras medidas de controle, porque a inviabilidade da rotação na cultura protegida aumenta os proble-
mas de doenças c3usadas por patógenos veiculados pelo solo, obrigando a adoção de medidas de erradicação, como o
tratamento físico (água quente e solarização), químico (fungicidas) ou biológico (substratos supressivos) do solo con-
taminado. Ademais, existem doenças, como os oídios, que preferem ambientes mais secos.
224
Princípios Gerais de Controle
225
Manual de Fitopatologia
Figura 14.15 - Proteção de goiabas com embalagem plástica a vácuo. Frutos em processo de embalagem (A) e prontos para comercialização (B).
226
Princípios Gerais de Controle
'
As primeiras propostas para a aplicação da proteção entre estirpes de um mesmo vírus no controle de fitoviroses,
através da técnica da prernunização, foram feitas no final da década de 1930. No entanto, os primeiros trabalhos expe-
rimentais foram conduzidos somente na década de 1950, visando ao controle do intumescimento da haste do cacaueiro
(Cocoa swollen shoot vírus) na África e do endurecimento dos frutos do maracujazeiro (Passion fruit woodiness virus)
na Austrália. Depois desses, até os dias atuais, numerosos outros trabalhos foram feitos em condições de estufa e/ou de
campo para demonstrar a eficiência da proteção de plantas com estirpes fracas de vírus e viroides. Apesar dos vários
exemplos experimentais positivos, o uso da premunização como método de controle de fitoviroses é ainda muito res-
trito. Atualmente a premunização é empregada em escala comercial para o controle da tristeza dos citros (Cítrus tris-
teza virus - CTV) no Brasil, na Austrália, na Índia, em Israel, no Japão, na África do Sul e nos EUA, do mosaico
amarelo das cucurbitáceas (Zucchini yellow mosaic vírus - 2YMV) em melancia e abóbora em Israel e do mosaico do
pepino (CMV) em tomateiro no Japão. No Brasil a aplicação comercial da premunização está restrita ao controle da
tristeza dos citros. A prcmunização já foi aqui investigada para o controle do mosaico do mamoeiro, do endurecimento
dos frutos do maracujazciro, causado pelo Cowpea aphid bome mosaic virus e dos mosaicos comum (Papaya ringspot
virus type W) e amarelo (ZYMV) das cucurbitáceas. Somente nos casos de controle dessas duas viroses em cucurbitá-
ceas a premunização se mostrou bastante satisfatória (Figura 14.17), porém não é usada comercialmente.
Figura 14.17 Premunização de abobrinhas de moita. Plantas(A) e frutos (B) doentes, sadios e prcmumzados. Em B, frutos doentes sdo
provenientes de plantas inoculadas com estirpe severa e frutos premunizados são provenientes de planlas previamente
inoculadas com estirpes fracas de Pupuyu ringspot vinis type W.
Crédito da foto: Jorge A.M. Rezende.
14.12. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Funado, E.L.; Cunha, A.R.; Alvares, C.A.; Bcvcnuto. J.A.Z.; Passos, J.R.
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227
CAPÍTULO
15
CONTROLE GENÉTICO
Luis Eduardo Aranha Camargo
ÍNDICE
E
m 1998, uma nova raça do agente causal da
ferrugem do trigo, Puccinia graminis f. sp. lrilici, o método ideal de controle, por ser aplicável em largas áreas e
foi detectada em Uganda. Trata-se da raça Ug99, possuir baixo impacto ambiental comparado aos agrotóxicos.
que é mais agressiva do que as outras conhecidas até então e Em alguns países este é o único método de controle cm culturas
ataca um número maior de cultivares, sendo capaz de quebrar importantes, como cana-de-açúcar, milho e trigo. Bastaria citar o
\ários genes de resistência de uma só vez. Estima-se que 90% exemplo de Ug99 para ilustrar este ponto. Outra lição de Ug99
das cultivares sejam suscetíveis a Ug99. Ela se espalhou pela diz respeito à natureza dinâmica das populações de patógcnos,
costa oeste da África e. em 2007 atravessou o Mar Vennelho. que fa:t. com que o melhoramento voltado para resistência seja
atingindo o lêmen. Daí, em dois anos se disseminou pelo Oriente também um processo dinâmico e contínuo. Assim, esta área de
\tédio e atingiu o Irã, ou seja, se espalhou por uma região onde
estudo propicia amplas oportunidades de interação conjunta entre
o trigo é o principal componente da dieta humana. A saída para o
melboristas e fitopatologistas, resultando numa demanda signifi-
problema já foi identificada pelo Centro Internacional de Melho-
cativa por parte do mercado de trabalho em especialistas na área.
ramento do Milho e Trigo (CIMMYT), localizado no Mé,dco, na
fonna de cultivares resistentes, uma vez que o controle químico se Ao filopatologista que pretende transitar neste assunto. é impres-
mostra economicamente inviável dada a enonne área de cultivo. cindível conhecer as bases genéticas das interações entre plantas
\.fas ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois os genes de e seus patógenos, assunto do Capítulo 6, e de como este conheci-
resistência destas cultivares ainda devem ser transferidos para as mento pode ser aplicado para maximizar os ganhos advindos do
cultivares adaptadas a estas regiões. Este caso ilustra a importância desenvolvimento de cultivares resistentes. Este capítulo trata de
do controle de doenças através do melhoramento genético. questões fundamentais deste processo.
229
Manual de Fitopatologia
230
Controle Genético
lhlça 2
Culth ar Rm;a O R.1 ç.1 1 - - - - - -- - - Raça J R:u;a 4 Raça 5
US.\ França
WMR29 R R li R nt s s
Edisto 47 R R s R s R s
PI 414723 R R s R R R R
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
l-Ultivares dos hospedeiros não são do tipo " tudo- Raças Raças
-ou-nada", mas sim quantitativas. Então, neste
.:350, não falamos em raças e di7emos que os
Figura 15.1 Resistências vertical e horizontal das cultivares A e D quando inoculadas
:ndividuos diferem quanto à agressividade (e com várias raças do patógeno. <..'ullivar B tem maior nível de resistência
-ão virulência, que foi o termo usado no caso de do que a A.
·~:.1stência qualitativa) em relação às cultivares, Fonte: Adaptada de Vanderplank (1968).
xxicndo haver variantes mais agressivas que
lUtras. A agressividade. no entanto. é uniforme
~ontra todas as cultivares. patógeno são visualizados como barras inteiras verticais e, por
isto, dizemos que a cultivar apresenta resistência vertical a elas.
15.2.4. Resistências Vertical e Horizontal Em casos onde o patógeno quebra a resistência vertical (como por
Resistências vertical (RV) e horizontal (RH) são termos exemplo, na cultivar A inoculada com 1, 3, 4, 5 ou 7), noto-se que
empregados em Epidemiologia Vegetal cunhados em 1963 por as cultivares ainda assim apresentam um nível residual de resis-
J E. Vanderplank. A origem dos tennos pode ser facilmente tência, sendo esta maior na cultivar B. Nota-se também que esta
,omprcendida na Figura 15. l que representa a re·ação (no eixo resistência residual é uniforme contra os genótipos do patógcno,
Jas ordenadas) de duas cultivares A e B quando inoculadas visualizada na forma de uma barra horizontal, motivo da denomi-
c-om vários genótipos de um patógcno, representados no eixo nação resistência horizontal.
das abcissas. Quando inoculada com os genótipos: 2, 6, 8 e 9, a
15.2.5. Efeitos da Resistência na Epidemia
.Jltí\'ar A apresenta grau máximo de resistência. Porém, os genó-
opos 1. 3. 4, 5 e 7 quebram sua resistência. A situa,;ão é diferente A resistência qualitativa, sendo efetiva apenas contra deter-
< consideramos a cultivar B, que responde de maneira diferente minadas raças, age no sentido de reduzir a quantidade de inóculo
4uando inoculada com o mesmo conjunto de genótipos: é resis- inicial efetivo, causando um atraso no início da epidemia. A
:eme para 1, 5, 7, 8 e 10 e suscetível para as demais. Quando título de ilustração, imagine dois campos de batata lado a lado
:ios deparamos com esta situação dizemos que há interação onde num (campo!) temos uma cultivar sem gene R (suscetível)
diferencial entre genótipos do hospedeiro e do patógeno. No e noutro (campo 2) uma cultivar (resistente) com um gene RI
p-á.fico, casos onde a resistência da cultivar não é quebrado pelo que confere resistência à raça O de P. infestans, ambas as culti-
231
Manual de Fitopatologia
232
Controle Genético
15.3. MELHORAMENTO PARA RESISTÊNClA problema. Estas estratégias foram propostas com base no ciclo
As bases teóricas e práticas do melhorame1nto vegetal para de "bolha" da durabilidade de cultivares com genes R, conhe-
resistência a doenças não diferem em essência daquelas empre- cido também pela denominaçào de ciclo "boom-and-bust",
Eadas para o melhoramento de outras caracte1risticas agronô- seguindo tenninologia da área econômica que estuda fenômenos
micas. A escolha do método de seleção leva em consideração a de aumento desenfreado (boom) de segmentos da economia,
natureza da característica, se quantitativa ou qualitativa, e o tipo seguido de seu colapso (bust). A Figura 15.5 ilustra muito bem
de reprodução do hospedeiro, se autógama ou alógama. Não este fenômeno com números reais. Nela, temos o grau de resis-
se pretende aqui uma discussão aprofundada sobre métodos de tência de algumas cultivares de cevada a B/umeria graminis f.
melhoramento, uma vez que estes podem ser encc,ntrados em lite- sp. hordei ao lougo do tempo (Brown et ai., 1997), bem como a
:atura especializada no assunto. No caso de carac:terísticas quali- ideutificaçllo dos genes R que estas carregam. Nota-se que o nível
tativas, o método do retrocruzamento é muito utilizado, onde uma de resistência permanece alta somente por alguns anos (quatro,
cultivar doadora (genitor doador) de um gene R, por exemplo, é no caso), se tanto, e depois vai decrescendo até atingir um nível
cruzada com uma suscetível (genitor recorrente) à qual se queira crítico no qual a cultivar tem que ser substituída, quando então
transferir o gene e o híbrido resultante é cruzado com o genitor é decretada a "quebra" da resistência. Sultan, por exemplo, foi
recorrente. Indivíduos resistentes desta segunda progênie são lançada pouco antes de 1970 e seu nível de resistência caiu de
selecionados e cruzados novamente com o genitor recorrente e alta resistência para próximo de alta suscetibilidade em apenas
assim sucessivamente até a obtenção de indivíduos com as carac- quatro anos. quando foi substituída por Wing. O nível de resis-
terísticas agronômicas originais do genitor recorrente acrescidas tência de Wing, por sua vez, permaneceu alto por quatro anos,
do gene R do genitor doador. quando decresceu a níveis insatisfatórios, sendo substituída por
Triumph. Depois da quebra da resistência dt:sw. última, foi 11 vez
A resistência qualitativa é quase sempre usada pelo melho-
de Pipkin, que seguiu o mesmo destino das demais. E a situação
rista quando possível, por ser mais fácil de trabalhar: a distinção
se perpetua desta maneira neste patossistema e em vários outros.
eutre plantas resistentes e suscetíveis é mais fá,cil que no caso
de resistência quantitativa; se manifesta precocemente e apre-
~enta herança mendeliana simples, o que reque.r métodos mais Cultivar Gene
simples de seleção. Não obstante, apresenta as sérias limitações - 0 - Sultan: M/a12
de durabilidade e raça-especificidade discutidas. anterionnente. ···•·- Wing: Mla7 Mlk1
Assim, existem duas situações onde este tipo de resistência é
;ecomendado: a) quando a durabilidade dos genes R vai além da Resistência
-• · Triumph: M/(Ab)M/a7
··~· Pipkin: M/a13
\ida útil da cultivar e b) no caso de patógenos de! lenta multipli-
::ação ou dissemjnação, de modo que mudanças na população do
patógeno sejam lentas o suficiente para a situação não fugir ao
::ontrole. O ciclo da cultura também deve ser levado em conside-
ração: em culturas perenes a pressã.o pela quebra da resistência é
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outro lado, também há a vantagem adicioual de a troca de culti- 6 1
"'O 1
\ ares ser mais fácil em caso de quebra da resistência. ~ 1
....
4)
5 1
No caso de resistência quantitativa, o melhoramento é
;:>btido através de métodos que pennitam o acúmulo gradual dos
Jlelos favoráveis nos vários genes que controlam a caracterís-
"'O
o
~ 4
1
1
1
A ,.
---~
tica. É um processo lento e que requer várias gerações, a exemplo 3 6cc .
.:las outras características de herança quantitativa. A dificuldade 1
2
~m relação à resistência qualitativa é a avaliação do fenótipo das (IJ
)(
plautas, ou seja, é bem mais dificil distinguir plantas resistentes "cii 1
de suscetíveis quando as variações entre elas são sutis. Para dife- (O 1970 1975 1980 1985 1990
renciar uma planta da outra em tem10s de sua resistência ao pató- Ano
geno, é preciso, portanto, quantificar os sintomas que cada uma
apresenta e isto, na prática é mais complicado ,do que no caso Figura 1S.S - O ciclo "boom-and-bust" de genes R.
da resistência qualitativa, pois são necessários conhecimentos de Fonte: Adaptada de Brown et ai. ( 1997).
patometria (Capítulo 39). Outro problema é o efeito do ambiente
na manifestação dos sintomas, que pode mascarair pequenas dife-
renças entre genótipos. Para minimizar este problc:ma, que sempre 15.4.1. Como Explicar Este Ciclo Vicioso?
existirá, a opção é a de avaliar os genótipos em diversos locais e Para isto, podemos iuvocar tanto a teoria gene-a-gene
com características ambientais diversas com reflexos óbvios no de Flor corno o modelo "zig-zag", discutidos no Capítulo 6, e
aumento dos custos do programa de melhoramento. o conceito de "seleção dependente da frequência", emprestado
da área que estuda genética de populações. O plantio de uma
15.4. ESTRATÉGlAS DE UTILIZAÇÃO DE GENES
cultivar contendo um gene R em larga escala exerce uma pressão
DE RESISTÊNCIA
de seleção na população do patógeno de modo a selecionar genó-
Sendo a durabilidade uma das maiores limitações da resis- tipos (seleção direcional) com genes de virulência correspon-
tência qualitativa, existem estratégias que podem amenizar este dentes ao gene R. Quando o nível destes genótipos virulentos
233
Manual de Fitopatologia
atinge um nível tal que a doença passe a causar perdas significa- 120
tivas em produtividade. decretamos a "quebra" da resistência. Em
outras palavras, a frequência de uso dos genes R no hospedeiro Bond
100
detennina a frequência dos genes correspondentes de virulência
no patógeno. Segundo este modelo, após a retirada do gene R,
---
~
---so
Victoria • ... ♦··· •-.•
raJa.s de ,.
• ,,. t
...,
'Tj
(t)
..o
através da substituição da cultivar, a frequência das raças com ns ond e
,::s (t)>
os genes de virulência complementares devem voltar aos níveis ::,
~C'CI 60 ... .....
n
anteriores ao lançamento da cultivar, pois já não há vantagem
adaptativa alguma em manter genes de virulência desnecessários
(seleção estabilizadora). Em outras palavras: carregar genes de
-
e..,
ns
Q.)
40
... i:u
p_.
(t)
...,
virulência que não tenham função impõe uma penalidade adap-
tativa ao patógeno, o que afeta negativamente sua frequência na ,.:a 20
i:u
--0
i:u
população. Isto é o que se vê na Figura 15.6, onde a frequência cn
das raças de Puccinia graminis f. sp. trifiei capazes de quebrar a
o
... . ... •...
resistência da cultivar de trigo Victoria aumentou em função do 1941 1943 194S 1947 1949 1951 1953 1955
plantio em larga escala da cultivar logo após seu lançamento em
1942. Em seis anos a resistência de Victoria foi quebrada e esta
substituída por Bond. Após a retirada de Victoria, a frequência Figura 15.6 - Frequência relativa de raças de P. graminis f.sp. trítici
capazes de 4uebrar a resistência da cultivar Victoria e
das raças virulentas nesta cultivar diminuiu devido à seleção
Bonda (linhas tracejadas) e porcentagem da área plan-
estabilizadora, porém a frequência de raças virulentas em Bond
tada com estas cultivares (linhas sólidas) evidencian-
aumentou devido à seleção direcional. evidenciando claramente
do a aruação das seleções direcionais e estabilizadoras
um ciclo vicioso de "boom-and-bust".
e o ciclo de "boom-and-bust".
15.4.2. Como Q uebrar este Ciclo Vicioso'? Fonte; Adaptada de Browning & Frey (1969).
234
Controle Genético
Rl Rl Rl Rl R2 R3
Ddo em 2/3 comparado a um campo contendo apenas cultivares do setor, tem mais apelo de marketing, pois é garantia de um
....om o gene R J. Este é o chamado efeito diluição, já que é depen- produto final de qualidade mais uniforme.
~nte da porcentagem do genótipo suscetível na mistura. Outro Para contornar este problema, surgiu a ideia de promover
ô:ito benéfico das misturas/multilinhas é o efeito barreira do a diversidade entre campos de cultivo e não de ntro de campos,
=.óculo secundário, resultante da interceptação fisica de esporos como é o caso das misturas. A estratégia é plantar cultivares
~ raça I produzidos pela infecção bem-sucedida na planta RI, com genes R diferentes em campos contíguos, tendo em mente
~r plantas R2 e R3 (Figura 15.8), o que resulta na redução da que a doença se propaga de maneira mais severa entre campos
::i.~ de progresso da doença no plantio, pois nestas plantas estes cujas cultivares são suscetíveis às mesmas raças. Para tanto, dois
:,poros não resultarão em infecção. Os efeitos barreira e diluição componentes são indispensáveis: uma classificação das cultivares
- dem ainda ser manipulados pela densidade de plantio e também com relação aos seus genes R e um conhecimento das raças que
-<! o número de componentes na mist,tra/multilinha. compõem a população do patógeno no local. Aliado a estes, há
Diversificação espacial - Como discutido acima, o trunfo ainda a necessidade de um órgão que faça as recomendações de
e.as misturas reside em sua heterogeneidade, mas esta mesma plantio e de uma ação cooperativa entre agricultores.
<!t<!rogeneidade pode ser seu ponto fraco. Por este motivo, os Um exemplo aplicado de diversificação espacial é o
.;gncultores podem se mostrar reticentes a elas e preferirem programa de monitoramento de virulência de patógenos de
-:- antar cultivares puras o que, além do mais, segundo a mística cereais do Reino Unido (UKCPYS - United Kingdom Cereal
Raça 1 Raça 1
••• •
1
R2 __::-' Rl~ R3
J
Diluição Barreira
Figura 15.8 - Efeit0s de diluição do inóculo inicial e de barreira do inóculo secundário verificado no caso de multi linhas ou de misturas de três
cultivares com genes R diferentes.
235
Manual de Fitopatologia
Pathogen Virulence Survey). Os objetivos do programa, que não se manifestam na presença de um gene R por este conferir um
reúne o setor produtivo privado e universidade, slio: a) detectar fenótipo do tipo "tudo-ou-nada". Assim, ao longo do melhora-
novas raças de patógenos de cereais, b) monitorar mudanças nas mento, estes ale.los favoráve.is podem ser perdidos, resultando no
frequências de raças já existentes destes patógenos e c) com base baixo nível desta resistência. Dizemos que a seleção para genes
nisto produzir análises de risco da potencial quebra de genes R e R reduz a pressão de seleção para genes de resistência quantita-
recomendar esquemas de diversificação de cultivares de modo a tiva e estes podem ser pedidos pelo fenômeno da deriva genética.
reduzir seus impactos (Bayles et ai., 1997; www.ni:ab.com/pages/ O efeito altamente desejável da combinação dos dois tipos
id/316/UKCPVS). de resistência compreende uma estratégia muito interessante de
Os dois prime.iras objetivos são alcançad,os através de controle genético. Mas como evitar o efeito Vertifolia e combinar
coletas anuais de folhas de cereais doentes (trigo, aveia e cevada) num mesmo genótipo resistência qualitativa e quantitativa já que os
em áreas produtoras e inoculação em uma série de cultivares efeitos fenotípicos dos genes que controlam esta última são enco-
diferenciadoras. A coleta se dá preferencialmente em cultivares bertos pelos efeitos dos genes R? A solução está em "quebrar" estes
que apresentam resistência duradoura ou naquelas com histórico genes R de forma que os efeitos dos genes quantitativos sobres-
recente de quebra de resistência. O número de amostras anali- saiam. Na prática, isto pode ser feito usando-se uma mistura de
sadas varia de acordo com o ano e a cultura, dependendo na inci- raças como inóculo na tentativa de quebrar todos os genes R que
dência e severidade de cada doença. porventura possam existir no material. No entanto, este proce-
A{ informações são usadas para divisar ,e recomendar dimento é incorreto, pois quando cultivares contendo diferentes
esquemas de diversificação (Tabelas 15.2 e 15.3). Primeiro, o genes R são inoculados com urna mistura de raças pode-se notar
produtor deve identificar os grupos de diversidades (GD) aos uma variação fenotípica quantitativa entre cultivares que pode ser
quais pertencem duas cultivares de sua escolha n:a Tabela 15.2. interpretada erroneamente como sinal da presença de resistência
Para definir a compatibilidade destas deve-se procurar na Tabela quantitativa. Na verdade, a variação pode ocorrer pelo fato de as
15.3 o tipo de risco associado ao plantio conjunto destas duas cultivares diferirem com relação ao número de raças na mistura
cultivares. Sempre que possível, deve-se escolher aquelas cujas a que são resistentes; a cultivar que apresentar uma combinação
combinações apresentem baixo risco de epidemias ("+"). de genes R que seja efetiva contra o maior número de raças na
mistura apresentará, também, os menores níveis de severidade. A
15.4.3. Erosão da Resistência Quantitativa: o Efeito solução para o caso, portanto, reside no uso de uma raça apenas,
Vertifolia mas que possua o espectro de virulência mais amplo possível, ou
O efeito Vertifolia refere-se à perda de alelos de resistência seja, uma super-raça que quebre vários genes R ao mesmo tempo.
quantitativa durante um programa de melhoramento focado em
genes R. O termo foi cunhado por Vanderplank ( 19'63) em alusão 15.5. ABORDAGENS TRANSGÊNICAS PARA O
à erosão da resistência horizontal da cultivar Verti folia de batata CONTROLE GENÉTICO DE DOENÇAS
ocorrido quando de seu melhoramento para resisténcia a Phyto- Como não poderia deixar de ser neste começo de século
phthora infestans. Quando uma cultivar é selecionada para resis- dominado pela genômica, abordagens transgênicas também estão
tência qualitativa há pouca chance de selecionar aldos favoráveis sendo utilizadas na tentativa de desenvolver plantas resistentes
nos genes de resistência quantitativa, pois seus efei1:os fenotípicos aos seus patógenos. Esta abordagem, embora veiculada pela
Tabela 15.l - Grupos de diversidade (GD) de cultivares de trigo para resistência a ferrugem amarela causada por Puccínia striifom1is.
236
Controle Genético
Tabela 15.J - Riscos de disseminação de ferrugem amarela entre duas cultivares de trigo com base em seus grupos de diversidade (GD).
G I> culti\ ar 2
G[) culli\ ar 1
1 2 3 7 9 U
+ + + + + +
2 + y y y y y
3 + y y y + y
7 + y y y + y
9 + y + + y y
o + y y y y y
mídia sempre como promissora de novos horizontes na produção por várias bactérias como uma fonna de inibir a competição nos
agrícola, embora tenha seu lado de verdade, na prática não se ambientes em que vivem. Para se protegerem dos efeitos de suas
propõe a suplantar, mas sim a se juntar às estratégias tradicionais próprias toxinas estas espécies possuem mecanismos de destoxi-
de melhoramento. O mercado de sementes, por exemplo, olha um ficação, que ou as inativam ou as bombeiam para fora da célula. A
transgene (isto é, um gene que não pertence àquela espécie, ao transferência e expressão destes mecanismos em plantas podem,
contrário de um cisgene) como a "bola da árvore de natal", ou portanto, conferir resistência ao patógeno.
seja, uma característica adiciono] inovadora que acrescente um No caso <la transferência de genes do hospedeiro, uma abor-
diferencial aos seus produtos já melhorados (a árvore de natal, no dagem óbvia é a utilização de genes R, envolvidos no reconheci-
caso) em relação aos congêneres do mercado. mento do patógeno. Há inúmeros exemplos na literatura, mas o
Atualmente, as estratégias usadas na resistência engeohada consenso que hoje emerge destes é que esta abordagem funciona
podem ser agrupadas em três grandes categorias: a) usar genes apenas quando se transfere estes genes entre plantas da mesma
de microrganismos, plantas ou animais que interfiram na fisio- espécie ou no máximo entre plantas da mesma família, como é
logia do patógeno, de modo a inibir sua patogenicidade; b) trans- o notório caso das solanáceas. O gene N de tabaco que confere
ferir genes de resistência qualitativa ou de· defesa, c) transferir resistência ao vírus do mosoico (TMV) confere resistência em
genes do próprio patógeno que, uma vez expressos, estimulem o tomateiro e o gene Pto de tomateiro, que confere resistência a
sistema de defesa da planta ou silenciem genes do patógeno. O Pseudomonas syringae pv. tomato, por sua vez, confere resis-
agrupamento aqui apresentado não pretende ser excludente e uma tência a esta bactéria em tabaco. Por fim, o gene Bs2 de pimentão,
dada abordagem pode ser encaixada em mais de uma categoria, de resistência aXanthomonas campestris pv. vesicatoria, também
dependendo do ponto de vista (Vincelli, 2016). funciona se transferido para tomateiro. Uma promissora apli-
cação da técnica seria o desenvolvimento de pirâmides gênicas
O uso de peptídeos líticos de insetos é um dos primeiros
e de multilinhas, pois haveria um substancial ganho de tempo na
casos de transgenia voltados para resistência genética. São prote-
geração deste material comparado ao método tradicional baseado
ínas que apresentam efeito antimicrobiano produzidas por insetos
em cruzamentos e seleção.
como parte de seus mecanismos naturais de defesa. A cecropina,
Ao invés de genes R, existe a possibilidade de expressar
por exemplo, é um peptideo de amplo espectro, atuando tanto
genes de defesa, que são aqueles ativados após o reconhecimento
contra bactérias Gram-positivas como negativas, que promove a
do patógeno pelos genes R. Os exemplos clássicos são as quitinases
lise das células bacterianas. Pertence a uma làmília de proteínas,
e betaglucanases, proteínas codificadas por plantas (e por fungos
encontrada em várias espécies de insetos, a mais conhecida sendo
parasitas de outros fungos, como Trichoderma harzianum) que
a Hyalophora cecropia, uma mariposa cuja lagarta produz fios degradam quitina e beta-glucona, que são os açúcares compo-
de seda durante o estágio de pupa. Genes codificadores de cecro- nentes da parede celular de fungos. Mas se elas já são parte do
pina já foram testados em videira contra Xylellafaslidiosa, tabaco sistema de defesa de plantas, qual o ganho de expressá-las numa
contra Ralstonia solanacearum e em citros contra a bactéria do planta? A abordagem é de superexpressá-las, ou seja, aumentar
cancro cítrico. Outro exemplo é a atacina, também produzida por sua produção relativa às concentrações normais encontradas sob
H. cecropia, que aumenta a permeabilidade e inibe a síntese de situações de ataque. Sob condições experimentais, a estratégia
proteínas da membrana externa de bactérias Oram-negativas. revelou-se promissora, como no caso do controle de Rhizoctonia
Em casos de doenças onde o patógeno secreta uma toxina, solani em arroz. Por fim, entre exemplos mais recentes de uso de
uma estratégia seria a expressão de proteínas envolvidas na sua genes da planta hospedeira estão os que visam à transferência não
destoxificação. Um exemplo é a a\bicidina, potente toxina produ- de genes R ou de defesa, mas sim dos genes centrais que coor-
zida por Xanthomonas albilineans, causadora da escaldadura das denam a expressão destes. São genes que codificam fatores de
folhas em cana. O nome da doença deriva de o fato da folha apre- transcrição ou que os ativam, como o gene NPR 1, que orquestra
sentar riscas longitudinais brancas, que refletem o efeito tóxico a expressão da resistência sistêmica (Capítulo 6). Há inúmeros
do composto sobre os cloroplastos. As albicidinas também apre- exemplos na literatura sobre a transferência deste gene de uma
sentam efeito antibacteriano de largo espectro e são produzidas espécie a outra, também com resultados experimentais promís-
237
Manual de Fitopatologia
sores. Em tomateiro, a superexpressão do gene oriundo de Arabi- corporações de pesquisa. Some a este quadro o tempo necessário
dopsis conferiu um satisfatório nível de resistência a murchas para a regularização de um transgénico devido à complexidade
vasculares e manchas foliares causadas por bactérias e fungos. jurídica e exigências legais e também a percepção pública sobre o
A ideia de transferir genes dos próprios patógenos para seus assunto, que por ainda ser pouco esclarecida em certos casos não
hospedeiros é uma estratégia, no mínimo, curiosa e que pode soar enxerga os transgênicos com bons olhos. especialmente em se
estranha num primeiro momento. Não obstante, é a que garantiu tratando de vegetais para consumo.
o exemplo de maior sucesso entre as várias abordagens trans- Tomados em conjunto estes motivos, ao menos começamos
gênicas discutidas até o momento. Estamos falando do mamão
a compreender um pouco as limitações da resistência engcnhada
papaia resistente ao Papaya ringspot virus, no qual foi introdu-
como método de controle de doenças. Hoje, a técnica se restringe
zido o gene da capa proteica (cp) do vírus. A estratégia de comrole
a grandes culturas, como milho. soja e algodão, e características
hoje se resume à eliminação de plantas doentes assim que detec-
tadas na plantação (detalhes no Boxe 32.1 ). Porém. esta não é de grande retomo econômico (resistência a insetos e herbicidas)
uma prática que deve se sustentar a longo prazo, pois o vírus é para grandes corporações. No caso de fitopatologia, a situação
transmitido por afideos (Myzus, Aphis e Toxoptera) por meio de mais favorável reside nos casos de doenças causadas .por pató-
uma simp les picada de prova durante sua rápida visita acidental à genos agressivos para as quais não existam cultivares resistentes,
planta,já que esta não é sua hospedeira. A saída para estas condi- como é o caso do mamoeiro, e onde as alternativas de controle,
ções peculiares da cultura (que são as mais promissoras quando como o químico e cultural, não surtem efeitos desejados ou são
se pensa no uso de tfllnsgenia para o controle de plantas) foi inviáveis economicamente. Neste cenário atual, outro problema
engenbar plantas que expressam o gene cp do vírus que codifica fitossanüário que pode se valer da técnica para seu controle é o
para a sua capa proteica em sua forma traduzível e não tradu- huanglongbing dos citros. causado pela bactéria não cultivável
zível. A estratégia deu certo no Havaí, contra estirpes locais do do gênero Candidatus Liberibacter para a qual ainda não existe
vírus, porém, a mesma linhagem transgênica testada com isolado fonte de resistência.
brasileiro do vírus, se mostrou suscetível. A saída foi desen-
volver nossas próprias linhagens, contendo versões brasileiras 15.6. BTBLIOGRAFIA CONSULTADA
do gene cp isoladas de estirpes locais. O mecanismo pelo qual o
gene do vírus em sua versão não traduzível protege a planta é o Bayles. R.A.; Clarkson. J.D.S.; Slater, S.E. Toe UK Cereal Pathogen
do silenciamento gênico pós-tradução, um mecanismo epigené- Virulence Survey. ln Crute. l.R.; Holub, E.B.; Burdon, J.J. (eds) The
tico de controle de expressão gênica que resulta na destruição do Gene-for-gene relationship in plant-parasitc intcractions. Ncw
mRNA virai (Souza Jr. 2000). Por fim, este exemplo ilustra 4ue York, CAB lnternational, 1997. p. 119-138.
até as resistências engenhadas são passíveis de serem quebradas 80yd, L.A., Ridout. C.; O'Sollivan, 0.M.; Leach, J.E.; Leuog, H. Plant-
em consequências de variações nas populações dos patógenos. pathogcn interactions: disease resistance in modem agricullurc.
Então, por isto, para efeito prático, podemos considerar que resis-
Trcnds in Gcnetlcs 29: 233-240. 2013.
tências deste tipo estejam sujeitas às mesmas forças do triân-
gulo da doença que regem o sucesso ou fracasso das resistências Brown, J.K.M.; Foster, E.M.: O'Hara, R.B. 1997. Adaptation of powdery
qualitativas. Por conseguinte, as mesmas estratégias de manejo mildew populatioos to cereal varicties in relatioo to durable and
também devem ser usadas para garantir sua maior durabilidade. non-dorable resistance. ln Crute. I.R.: Holob, E.B.; Burdon, J.J.
Um aspecto concraditório do emprego da transgenia no (eds) The Gene-for-Gene Relatlonship ln Plant-Parasite Interac-
controle de doenças vegetais é a distância entre a teoria e a prática. lions. New York, CAB lnt.emational, 1997. p. 119-138.
Os numerosos exemplos de plantas transgénicas na literatura Browning. J.A. & Frey. K.J. Multilinc cultivars as a means of disease
científica não são acompanhados por igual número de produtos control. Annual Review ot' Phytopathology 14: 355- 382, 1969.
comerciais. Muito pelo contrário, na atualidade apenas o mamoeiro
atingiu a escala comercial e o volume de comercialização destes Mundt, C.C. Durable resistance: A key to sustainable management of pall10-
transgênicos chega a ser insignificante perto dos grandes da trans- gen and pests. Tnfection, Genetlcs and Evolutioo 27: 446-455, 2014.
genia, que ainda se concentram em tomo de resistência a herbicida Mundt, C.C. Use of moltiline cultivars and cultivar mixtures for disease
e insetos. managemeot. Annual Review of Phytopathology40: 381-410, 2002.
Uma análise dos motivos desta coatradição permite vislum- Souza Junior, M.T. Mamão traosgênico: uso da engenharia genética para
brar o futuro da transgenia vegetal. Primeiro, a técnica ainda é obter resistência ao vírus da mancha anelar. Biotecnologia, Ciência
cara, não os procedimentos laboratoriais em si, mas sim as e Dcsenvolvimeoto 13: 132-137, 2000.
patentes que estão por trás destes procedimentos. Gerar uma
planta transgênica hoje em dia é relativamente fácil devido aos Vanderplank, J.E. Plant Diseascs: Epidetnirs and Control. New York,
avanços tecnológicos na área de manipulação de ácitlos nucleicos. Acadernic Press, 1963.
Ainda existem gargalos oa regeneração in vilro de pi.antas trans- Vanderplank, J.E. Dlsease Reslstance ln Plants. New York. Academic
formantes, uma etapa que sucede a de transformação, mas isto é Press. 1968.
questão de otimização de protocolos. O grande problema está no
Vincelli, P. Genetic Engineering and Sostainablc Crop Disease Managc-
fato de que várias ferramentas usadas no processo estão protegidas
ment: Opporrunities for Case-by-Case Decision-Making. Sostain-
por patentes. Isto, aliado aos altos custos e complexidade jurí-
ability 8: 495, 20 16.
dica de regularização de uma planta transgénica para seu plantio
comercial junto aos órgãos de fiscalização, faz com que muitas Watson, I.A. & Loig. N.H. Tbe classification of P11cci11io grominis f.sp.
iniciativas promissoras acabem não sendo implementadas. Na tritici in relation to breeding resistant varieties. Proceedings of tbe
prática, atualmente a técnica está ao alcance apenas das grandes Llnnean Society of "lew South Wales 88: 235-258, 1963.
238
CAPÍTULO
16
CON1~ROLE QUÍMICO
Geraldo José da Silva Junior e Franklin Behlau
r
1 ÍNDICE
16. l. Histórico de uso de agrotóxicos no 16.4.5. Quanto à classe toxicológica ................... 251
controle de doenças de plantas ............................ 239
16.5. Formulações de agrotóxicos ................................ 252
16.2. Desenvolvimento de agrotóxicos ..........,............... 242
16.6. Resistência dos patógenos aos agrotóxicos ........ 254
16.3. Conceito de agrotóxico .......................................... 242
16.6.1. Resistência de fungos a fungicidas ......... 254
16.4. Classificação dos agrotóxicos ...............,............... 243
16.6.2. Resistência de bactérias a bactericidas ... 256
16.4.1. Quanto à finalidade ..................,............... 243
16.6.3. Estratégias antirresistência ..................... 257
16.4.2. Quanto ao princípio geral de rnntrole ... 249
16.4.3. Quanto à mobilidade na planta .......,.......'250 16.7. Tecnologia de aplicação ....................................... 257
16.4.4. Quanto ao modo de ação ......................... 251 16.8. Bibliografia consultada ........................................ 260
controle químico de doenças de plantas se baseia como os inseticidas e os acaricidas usados para controlar vetores
º
na utilização de moléculas orgânicas ou inorgâ- de patógenos. Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria
nicas, obtidas naturalmente ou sintetizadas, para de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), em 2016, a cultura
- proteção das plantas contra os patógenos. Este é um dos mais da soja consumiu em tomo de 55,7% dos US$ 9,6 bilhões, comer-
,portantes métodos de manejo de doenças, pois é eficiente e cializados com agrotóxicos, seguida pelo milho com 10,4% e
::-.:onomicamente viável, garantindo alta produtividade e quali- pela cana-de-açúcar com 9,8%. As demais culturas representaram
~de da produção visadas pela agricultura modema. A aplicação valores abaixo de 5%. Do total de US$ 3.2 bilhões relacionados à
J! agrotóxicos é uma prática adotada tanto em pa-íses em desen- venda de fungicidas, somente a cultura da soja consumiu 66,3%
)1\"imento quanto naqueles economicamente mais desenvol- (Figura 16.1 B). O Estado do Mato Grosso foi o líder de utilização
1dos. Vários fatores têm contribuído para o uso contínuo de agro- de agrotóxicos em 20 l 6, com a participação de 20,4%, seguido
~~xicos e o crescimento de seu mercado, tais corno o aumento por São Paulo com 13,9% e Paraná. com 13,6%. Porém, o percen-
da população mundial, que exige produção de maiores quanti- tual de comercialização de fungicidas foi maior no Estado do Rio
d.de e variedade de alimentos, bem como o aumento da demanda Grande do Sul com 19,1%, seguido por Mato Grosso com 17,9%
por maior rendimento produtivo das culturas e retomo finan- e Paraná com 17,2% (Figura 16. 1C).
~rro direto ao produtor. O total de agrotóxicos comercializados
- Brasil a partir de 2012 tem variado entre 9 e 12 bilhões de 16.1. HISTÓRICO OE USO OE AGROTÓXICOS NO
.:;,:,lares ao ano. Em 2016, os fungicidas representaram 33% do CONTROLE DE DOENÇAS DE PLANTAS
ui de US$ 9,6 bilhões comercializados com agrotóxicos. Entre- Os primeiros relatos do uso de substâncias químicas para
-<110. os fungicidas representaram apenas 16% do total de 377 mil controle de doenças de plantas datam de 1000 AC, quando os gregos
- neladas de ingrediente ativo de agrotóxicos veindidos (Figura já utilizavam o enxofre de fom1a empírica, mesmo sem saber que as
t>.1 A). Além dos fungicidas, os nematicidas e os bactericidas enfonnidades eram causadas por patógenos. Esse produto é consi-
:ambém são importantes para controle de algumas, doenças, bem derado o primeiro agrotóxico utilizado pelo homem para controle
239
Manual de Fitopatologia
70 A
■ Ingrediente ativo o Valor comercializado
60
50
40
30
20
10
o
Herbicidas Fungicidas lnseticidas/Acaricidas Outros
70 B
■ Agrotóxicos a Fungicidas
-
~ 50
60.
.zciie: 40
~ 30
Q)
a.. 20
10
o
Soja Milho Cana Algodão Pastagem Citros Cereais Café Arroz Batata
30 ■ Agrotóxicos □ Fungicidas
e
25
20
15
10
o
MT SP PR RS GO MG MS BA
Figure 16.1 - Participação na comereialização de agrot6xicos, em 2016 no Brasil, por classe (herbicida. fungicida, inseticida/acaricida e outros)
(A) cultura (B) e estado brasileiro (C).
Fonte: Sindiveg (2017).
de doenças e pragas na agricultura. A queima do enxofre era Em 1885, foi descoberta na França a calda bordalesa, consti-
também utilizada em rituais de purificação de amlbientes, pois tuída basicamente da mistura de sulfato de cobre com cal hidratada.
segundo a crença popular da época, todos os males e, pestes eram A calda bordalesa é considerada o primeiro agrotóxico desenvolvido
espalhados pelo ar. Entretanto, o enxofre passou a ser utilizado pelo homem para e controle de doenças. Esse produto se tomou um
comercialmente somente a partir de 1800 para o controle de marco na história da utilização de agrotóxicos para o controle de
doenças e pragas em diferentes hospedeiros na forma de calda doenças de plantas. sendo inicialmente utilizado para o controle do
sulfo-cálcica. Entre 1600 e 1800, outros produtos, c·omo cloreto míldio da videira. A calda bordalesa continua sendo utilizada para o
de sódio, por exemplo, eram usados para tratamento de sementes controle de vários patógenos em diferentes culturas no mundo (mais
contra doenças. detalhes sobre esse produto no item 16.4.1.2 Bactericida).
240
Controle Químico
A tecnologia desenvolvida para a elaboração da calda nicos foi acelerado e esse produto passou a ser o terceiro mais
bordalesa se tomou um estímulo para o desenvolvimento de utilizado no mundo na década de 1990. Apesar da redução do
produtos voltados ao controle de doenças de plantas. No fim nso nos últimos anos, o clorotalonil ainda é um importante
de 1800, surgiu o formaldeído, com propriedade fungicida no produto utilizado em diferentes culturas no Brasil. O antibió-
controle do carvão do trigo. Este é considerado o primeiro fungi- tico casugamicina também foi lançado nessa mesma época
cida sintetizado quimicamente em laboratório para controlar um para o controle de diferentes bactérias e fongos em uma ampla
fitopatógeno. A partir de 1900, os produtos à base de mercúrio gama de hospedeiros. A década de 1980 também foi marcada
foram introduzidos no mercado para o tratamento de sementes, pela descoberta de outros importantes produtos registrados no
e posteriormente, nas décadas de 1970 e 1980 foram banidos Brasil para o controle de diferentes doenras como o fluazinam
devido a problemas toxicológicos. (fenilpiridinilamina), utilizado no controle do mofo branco do
Na década de 1930, iniciou-se o uso dos cobres de baixa feijoeiro, o fludioxonil (fenilpirrol), utiLizado no controle do
solubilidade, também conhecidos atualmente por cobres fixos. crestamento foliar da soja via tratamento de sementes, o dirne-
Em 1934, foram descobertos os ditiocarbamatos, que marcaram tomorfe (morfolina), utilizada controle da requeima da batateira
o início da era dos fungicidas orgânicos. A maioria dos produtos e o pirimetanil (aniLinopirimidina), usado controle da sarna da
desse grupo químico começou a ser produzida comercialmente macieira.
somente na década de 1940. De 1940 a 1960, vários fungicidas A década de 1990 começou com a introdução no mercado
orgânicos importantes foram introduzidos no mercado, dentre das estrobilurinas e outros fungicidas perte:ncente.s ao grupo dos
eles, os ditiocarbamatos tiram, zinebe e manebe. O principal inibidores da quinona externa (Qol). Fungicidas desse grupo, como
produto desse grupo é o mancozebe, que foi disponibilizado no azoxistrobina e trifloxistrobina, foram disponibilizados no mercado
mercado apenas na década de 1960. Esse agrotóxico multissítio e figuram até hoje entre os mais utilizados no controle de doenças
tomou-se o mais utilizado no mundo na década de 1990. Nas de plantas. Outros agrotóxicos como cresoxim-metílico, metami-
décadas de 1940 e 1950 surgiram as dicarboximidas (folpete e nostrobina, famoxadone e fenamidona (Qols), ciprodinil (ainilo-
captana), que possuem amplo espectro de ação e ainda possuem pirimidina) e o indutor de resistência acibenzolar-S-metil (benzo-
registro no Brasil para controle de doenças em algumas culturas e, tiadiazol) também surgiram nesse periodo. Nessa década, mesmo
no caso de captana, também para tratamento de sementes. Nesse com a introdução dos fungicidas sistêmic,os, a comercialização
período começaram a ser comercializados também os compostos mundial ainda era liderada pelas vendas de mancozebe, cobre,
a base de estanho. os quais apresentam excelente controle para clorotalonil e enxofre. Entretanto, os fungicidas sistêmicos repre-
algumas antracnoses. O único produto a base de estanho ( orga- sentados principalmente pelo DMls já representavam grande
noestânico) ainda registrado para uso no Brasil é o hidróxido de parte do total comercializado.
tentina. Os agrotóxicos dodina (guanidina), diclorana (cloroaro- A década de 2000 foi marcada pela ampliação do uso de
mático) e os antibióticos blasticidina e estreptomicina também misturas prontas de prodntos dos grupos DMl + Qol. Esses
foram introduzidos nesse período. _ · fungicidas passaram a ser os mais utilizados no Brasil e no
A década de 1960 foi marcada por uma revolução na mundo, principalmente para o controle da ferrugem asiática da
descoberta e □o desenvolvimento de agrotóxicos para o controle soja e várias outras doenças de culturas anuais. Em 2012, esses
de doenças, principalmente de fungicidas sistêmicos como dois grupos foram responsáveis por mais de 50% do mercado
a carboxina e a oxicarboxina, que pertencem ao grupo dos global de fungicidas. Outros importantes produtos, como a pira-
inibidores da enzima succinato desidrogenase (SDHI). Nessa clostrobina e a picoxistrobina (Qols), foram introduzidos no
década, importantes produtos do grupo meti! benzimidazol mercado nesse período, assim corno o fungicida protiocona-
carbamato (MBC), como o benomíl e o tiabendazole, foram zole (DMI), utilizado atualmente em mistura com Qols para o
introduzidos no mercado e passaram a ser importantes para o controle de diferentes doenças em culturas como soja, algodão,
manejo de várias doenças de plantas. Durante a década de 1970, trigo e feijão.
os fungicidas pertencentes ao grupo dos inibidores da desmeti- A partir da década de 201 O, as rnis,turas de DMI + Qol
lação de esteróis (DMI) foram introduzidos no mercado, como passaram a apresentar eficiência reduzida no controle de algumas
os triazóis propiconazol, bitertanol, triadimefon e triadimenol, doenças, principalmente a ferrugem asiática da soja, e novas
a pirimidina fenarimol e os imidazóis imazalil e procloraz. A misturas foram introduzidas no mercado. As pirazol-carboxa-
importância dos DM!s aumentou na década de I 980, quando midas, que incluem produtos como o fluxap,iroxade e o benzovin-
novos triazóis como cíproconazol, difenoconazol, epoxico- diflupir, passaram a fazer parte do manejo de doenças da soja em
nazol, fenbuconazol, f)utriafol, miclobutanil, tehuconazo!, conjunto como DMls e Qols. Esse período também foi marcado
tetraconazol e triticonazol foram disponibilizados e tomaram-se pelo aumento do uso de mancozebe associado com fungicidas
importantes no manejo de ampla gama de patógenos em todo sistêmicos, principalmente na cultura da soja.
o mundo. Além desses, outras importantes moléculas foram No último século, o controle qulmicc1 evoluiu não somente
desenvolvidas entre 1960 e 1980, como os MBCs carbendazim no que tange ao modo e espectro de ação dos agrotóxicos, mas
e tiofanato-metílico, a acilalanina metalaxil, as dicarboximídas também à dose utilizada por hectare e toxicidade. Por exemplo,
íprodiona e procimidona, a ftalimida captafol, a quinona ditia- quantidades aplicadas de produtos que eram em tomo de I O a
nona, o ditiocarbamato propinebe, as morfolinas dodemorfe, 20 kglha, foram reduzidas para menos de 250 g/ha com a intro-
fenpropirnorfe e trídimorfe, a guanídina guazatína, a acet<1-mida dução dos novos produtos sistêmicos. A dos•~ letal para matar 50%
cimoxanil e o carbamato propamocarbe. Na década de 1970 dos indivíduos (DL50), que era inferior a 500 mg de i.a./kg para
também foi desenvolvido o fosetil (fosfonato) que passou a ser agrotóxicos pioneiros como enxofre e sulfato de cobre, atualmente
conhecido por sua sistemicidade via floema. Com o desenvol- é superior a 5.000 mg de i.a./kg para os fungicidas sistêmicos mais
vimento do clorotalonil em 1975, o uso dos fungicidas orgâ- modernos.
241
Manual de Fitopatologia
Custos
{milhões US$)
242
Controle Químico
existem ainda os inseticidas e acaricidas usados para o controle 16.4.1. Quanto à Finalidade
de insetos e ácaros vetores de patógenos. e os herbicidas, utili- Os agrotóxicos podem ser classificados quanto à finalidade
zados na eliminação de plantas hospedeiras alternativas de considerando a natureza do organismo-alvo. Fungicidas, bacte-
patógenos que afetam culturas específicas. Essa nomenclatura ricidas e nematicidas atuam diretamente sobre fungos, bactérias
compartimentalizada dos agrotóxicos sugere especificidade para e nematoides, respectivamente. Da mesma forma, agrotóxicos
,µ-upos de organismos visados. Os fungicidas são considerados usados no controle de insetos e ácaros vetores são classificados
os agrotóxicos mais importantes no controle de doenças, uma quanto à finalidade de acordo com o alvo direto como inseticidas
\ez que representam o grupo que controla a maioria dos agentes e acaricidas, respectivamente.
fitopatogênicos. Os bactericidas compõem um grupo limitado e
de uso restrito. Também são considerados agrotóxicos as subs- 16.4.1.1. Fungicid11s
Iàncias e produtos empregados como fertilizantes, desfolhantes, Os fungicidas são moléculas químicas, orgânicas ou inorgâ-
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento. nicas, obtidas naruralmente ou sintetizadas, utilizadas para evitar os
O emprego de agrotóxicos no controle de doenças envolve, processos de sobrevivência, disseminação, infecção, colonização e
5empre, pelo menos um princípio de controle. Fungicidas e reprodução dos fungos e dos oomicetos causadores de doenças de
bactericidas apresentam propriedades químicas e biológicas plantas. Os fungicidas podem apresentar maior ou menor especi-
diversas, podendo atuar segundo vários princípios de controle em ficidade às diferentes classes taxonômicas de fungos e oomicetos.
runção da natureza do produto, da época e da metodologia de apli- Os principais fungicidas utilizados no controle de doenças
cação. Desta forma, se um fungicida, aplicado em lesões foliares, de plantas pertencem aos grupos Qol, DMJ, MBC, ditiocarba-
..::onsegue eliminar ou diminuir o inóculo já fonnado, está atuando matos e produtos inorgânicos. Além desses, outros fungicidas
pelo princípio da erradicação; essa erradicação implica, sequencial- Listados abaixo são importantes no manejo de doenças de plantas.
mente, em exclusão, na medida em que diminui a disseminação. O A descrição de produtos a base de cobre, que pertencem ao grupo
mesmo tratamento fungicida pode cobrir áreas foliares sadias, antes dos fungicidas inorgânicos. aparece no item 16.4. 1.2.
da chegada do inóculo, atuando neste caso pelo princípio da proteção
ou ainda penetrar tecidos doentes, promovendo a terapia, ou tecidos loibidores da q uinona externa (Qol)
,adios, imunizando-os quimicamente. Adicionalmente, existem Esse grupo é representado pelas estrobilurinas e outros
agrotóxicos com atividade biocida, que em geral apresentam efeito compostos como famoxadona (oxazolidinadiona), fenamidona
,obre fungos, bactérias, nematoides e plantas daninhas, com alto (imidazolinona) e piribencarbe (dimctilcarbamato). As estrobi-
poder erradicante, quando aplicados no solo antes do plantio. Os lurinas são atualmente uma das principais classes de fungicidas
inseticidas e acaricidas atuam predominantemente pelo prin- agrícolas. Em mistura com os triazóis representam grande parte
cípio da exclusão. prevenindo a disseminação dos patógenos, dos agrotóxicos consumidos no mundo em importantes culturas.
geralmente vírus e bactérias, pela eliminação ou diminuição dos No Brasil, a maior parte das estrobilurinas é utilizada na cultura
~etores. Os herbicidas atuam na erradicação ·do patógenó pela da soja. As estrobilurinas são derivadas de um metabólito secun-
eliminação do hospedeiro alternativo. Estes produtos diminuem dário produzido por fungos, como Slrobilurus tenace/lus, e bacté-
o período de sobrevivência e a probabilidade de disseminação do rias. Esses compostos fungicidas agem por inibição do trans-
aeente causal infecioso. Como inseticidas, acaricidas e herbicidas porte de elétrons no complexo l1l mitocondrial. São compostos
não apresentam ação direta sobre os patógenos, não são ampla- de amplo espectro com ação sobre ascomicetos, alguns basi-
:nente utilizados no controle de doenças de plantas. diomicetos e oomicetos. A ampla gama de atuação possibilitou
Os fenilizantes atuam pelo princípio da regulação quando registro do fungicida azoxistrobina para 84 diferentes culturas em
utilizados no controle de doenças fisiogênicas (aquelas causadas 72 países em apenas quatro anos de lançamento.
por desequilíbrios nutricionais). como deficiência de boro em • Azoxistr obina - Esse ingrediente ativo é um dos mais
crucíferas ou podridão estilar do tomateiro, e quando utilizados populares fungicidas do g.rupo. Esse agrotóxico está regis-
no controle de doenças infeccinsac;, cnmn a sarna da hatata, pela trado no Brasil para controle de doenças de parte aérea
diminuição do pH no solo. Além disso, pode-se citar a ação erradi- causadas por patógenos de diferentes grupos (ascomicetos,
cante da ureia aplicada em pomar de macieira ou de citros. visando basidiomicetos e oomicetos) em diferentes culturas. Há
à rápida degradação de folhas caídas e consequente diminuição na produtos comerciais fonnulados em misturas com niazóis.
formação de pseudotécios e liberação de ascósporos de Vent11ria
• Piraclostrobina - Esse fungicida é recomendado para o
.naequa!is, agente causal da sarna da macieira, ou Phyl!osticta
controle de doenças foliares em mais de vinte culturas, e
dtricwpa, agente causal da pinta preta dos citros. Apesar da
apresenta amplo espectro de ação. amando contra antrac-
1mpon ância na redução do desenvolvimento de algumas doenças,
ooses, manchas de alternaria, sarnas, fenugens, etc. Esse
os fertilizantes geralmente não desempenham papel decisivo no
ingrediente ativo é formulado isoladamente ou em misturas
controle das doenças infecciosas ou bióticas.
com fungicidas de outros grupos.
16.4. CLASS IFICAÇÃO DOS AGROTÓXICOS • Trifloxistrol>ina - Esse fungicida possui amplo espectro
Os agrotóxicos podem classificados quanto: (i) à finalidade; de ação e é formulado isoladamente ou em mistura com
11i) ao princípio geral de controle; (iii) à mobilidade na planta; triazóis para o controle de diferentes patógenos em várias
iv) ao modo de ação; (v) à classe toxicológica. Além dessas clas- culturas.
sificações, que são as mais conhecidas e utilizadas, os agrotó- • Cresoxim-metflico - Esse ingrediente ativo foi introdu-
,icos podem ser agrupados quanto ao uso ou emprego (aplicados zido em 1996 na Europa para controle de doenças em
ao solo, em sementes ou em órgãos a.;reos) e quanto ao grupo cereais. O seu registro foi rapidamente ampliado para
químico ao qual pertencem. culturas frutíferas, hortícolas e ornamentais. É um fungi-
243
Manual de Fitopatologia
cida de- amplo espectro, obtido originalmente do fungo Meti! benzimidazol carbamato (MBC)
Oudemansíella mucida. Os produtos comerciais regis- Esse grupo é composto por importantes fungicidas que apre-
trados no Brasil contêm cresoxim-metílico puro ou em sentam sistemicidade na planta. A importância dos benzimidazois e
mistura com outros fungicidas, principalmente os triazóis. tiofanatos se dá pelo amplo espectro de ação, incluindo patógenos
Inibidores da desmetilação de esteróis (DMI) causadores de doenças como oídios, antracnoses, cercosporioses.
sarnas. mofos cinzentos e bolores em grande número de culturas:
É um dos mais importantes grupos de fungicidas desenvol-
vidos para o controle de doenças fúngícas de plantas e animais. • Carbendazim - É um dos principais produtos desse grupo.
Os fungicidas integrantes deste grupo apresentam espectro Esse ingrediente ativo pode ser utilizado em diversas
variável de sistemicidade e, frequentemente, altíssima potência culturas de fonna pura ou em misturas formuladas.
antifúngica. Controlam um amplo espectro de doenças causadas • Tiofanato-metílico - Na planta esse produto transfonna-se
por ascomicetos e basidiomicetos. No entanto, não atuam sobre em carbendazim ou MBC (carbamato de meti] 2-benzi-
oomicetos como Pythium e Phytophthora, que não sintetizam midazol). Por esse motivo, seu espectro de ação é seme-
esteróis. A grande vantagem desse grupo de fungicidas sistémicos, lhante ao do carbendazim. Supõe-se que o tiofanat9-metí-
além das consideradas, é a dificuldade de os patógenos sensí- lico, quando absorvido pelas raízes, libera gradualmente o
veis tomarem-se resistentes sem serem afetados em sua adap- MBC, que é translocado para folhas. Apresenta proprie-
tabilidade. Incluem compostos químicos estruturalmente muito dades preventivas e curativas contra um amplo espectro
diversificados, dentre eles. os imidazóis (imazalil e procloraz), as de fungos, dentre os quais destacam-se os ascomicetos e
pirimidinas (fenarimol e nuarimol), as piperazinas (triforina) e alguns basidiomicetos, panicularmente os causadores de
os triazóis, sendo esse último a classe mais-importante. Existem carvões e de cáries. É inócuo para bactérias e oomicetos e
mais de 20 ingredientes ativos de triazóis desenvolvidos para uso apresenta baixa toxicidade para plantas e animais.
no controle de doenças de plantas, dentre eles pode-se citar: • Tiabendazol - Agrotóxico usado originalmente como
anti-helmíntico na medicina humana. Apresenta um amplo
• Ciproconazol - Esse ingrediente ativo apresenta eficiência espectro de ação antifúngica, semelhante ao do tiofanato-
no controle de doenças em diferentes culturas, sendo muito metílico. É um dos poucos produtos permitidos em trata-
utilizado nas culturas de café, soja e milho. A fonnulação mentos pós-colheita de frutas, como mamão e banana.
com o inseticida tiametoxam (neonícotinoide) é utili- Amplamente utilizado em tratamento de sementes.
zada para controlar simultaneamente doenças e pragas em
cultivos de café e soja. Inibidores da enzima succinato desidrogenase (SDHI)
• Epoxiconazol - Esse produto é fmmulado puro ou em Esse grupo inclui diferentes fungicidas que atuam no
mistura com piraclostrobina ou fluxapiroxa<le. Tem registro complexo II da respiração, tais como carboxamidas, carboxa-
em várias culturas, com destaque para a soja_e o cafeeiro.., nilidas e anilidas. A carboxina e a oxicarboxina, que são carbo-
principalmente para o controle de ferrugens e manchas xamilidas, foram os primeiros fungicidas sistémicos disponibi-
foliares. lizados no mercado na década de 1960. Na década de 2000, o
fungicida boscalida (anilida) foi introduzido no mercado, sendo
• Flutriafol - Esse ingrediente ativo é fo1mulado puro ou em
utilizado principalmente em cultivos de hortaliças e fruteiras.
mistura com benzimidazóis ou estrobilurinas para controle
A partir da década de 201 O, foram disponibilizadas as pirazóis-
de doenças em uma ampl:i gama de culturas. A fonnulação
carboxamidas (benzoviodiflupyr, fluxapíroxade, bixafen, isopi-
com o inseticida imidacloprido (neonicotinoide) está regis-
razam, sedaxane, etc.), consideradas um subgrupo das carboxa-
trada para controlar simultaneamente doenças e pragas em
mídas. Esse passou a ser um dos mais importantes grupos para o
cafeeiro.
controle da ferrugem na cultura da soja em conjunto com os Qols
• Propiconazol - Esse fungicida é formulado puro, com e os DMis.
outros triazóis ou com trifloxistrobina para o controle de
• Carboxina - Produto recomendado para tratamento de
doenças causadas por ascomicetos e basidiomicetos em sementes de cereais e de hortaliças. Apesar de sua maior
geral, como manchas foliares em amendoim, sigatokas fungitoxicidade inerente contra ferrugens do que oxicar-
em bananeira, ferrugem do cafeeiro, mai das folhas da boxina, na planta esse fungicida é rapidamente oxidado
seringueira, e diferentes doenr;:as foliares de cevada, trigo a sulfóxido, não fungitóxico, motivo porque perde muito
e soja. em eficiência.
• Tebuconazol - Esse fungicida está registrado para o • Oxicarboxina - Produto muito semelhante à carboxina.
controle de doenças em diferentes culturas, como os citros Difere pela fungitoxicidade inerente mais baixa, mas
e, principalmente, os cereais. com a vantagem de ser mais estável. Pode ser utilizado
• Triadimefom - Produto indicado para o controle de ferru- no controle de ferrugens, particularmente a fem1gem do
gens (nas culturas de cafeeiro, trigo, alho, etc\ oídios feijoeiro.
(nas culturas de cucurbitáceas e de cereais de inverno), • Boscalida - Produto comercializado puro ou em mistura
sarna da macieira, etc. com estrobilurina ou tiofanato-metílico. Apresenta eficácia
• Tríadimenol - Fungicida formulado puro 011 em mistura contra doenças causadas por ascomicetos, incluindo oídios
com os inseticidas imidacloprido e dissulfotom ( organo- e também mofo branco, em diferentes culturas, principal-
fosforado). Esse produto é recomendado para controle mente fruteiras e hortaliças.
de diferentes doenças foliares e ferrugens, além do trata- • Fluxapiroxade - Esse fungicida está registrado para
mento de sementes de algodão, cevada, trigo e aveia. uso em mistura com estrobilurina e/ou triazol. A mistura
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Controle Químico
formulada com esse produto apresenta eficácia contra os MBCs e os DMis. Consequentemente, foi necessário o desen-
vários ascomicetos e basidiomicetos, incluindo ferrugens, volvimento de produtos seletivos, coro modos de ação distintos,
antracnoses, oídios e manchas foliares. Tem sido utilizada para o controle de doenças causadas por espécies de Pythíum,
no manejo da ferrugem da soja. Phytophthora, Plasmopara e outros oomicetos. Os fungicidas
• Benzovindiflupyr - Essa pirazol-carboxamida apresenta sistêmicos seletivos mais comuns disponíveis para o controle de
registro em mistura com estrobilurina para uso em controle oomicetos sliio cimoxanil, metalaxil e fosetil.
de ferrugens, manchas foliares, oídios, antracnoses, etc. • Cimoxanil (acetamida)- Desenvolvido na década de 1970,
em diferentes culturas, como a soja. apres,enta atividade preventiva e curativa contra o míldio
da videira e a requeima do tomate e da batata. Devido ao
Ditiocarbamatos e simiJares baixo poder residual e alto risco do desenvolvimento de
• Tiram - Foi o primeiro ditiocarbamato de uso prático na isolados resistentes do patógeno, o produto é formulado
agricultura. Introduzido em 1934, tem sido recomendado em mistura com um fungicida protetor, como mancozebe
até hoje como protetor de partes aéreas e, principalmente, ou cJ.orotalonil.
de sementes. • Meta1laxil (acilalanina)- lntroduzido na décadá de 1970, é
• Mancozebe - Introduzido em 1961 , é indicado no indic:ado para o controle de doenças como a requeima da
controle de doenças de hortaliças e frutíferas em geral. batata e do tomate e o míldio da videira. Tem ação protetora
Esse fungicida é frequentemente utilizado no controle da e curativa, sendo rapidamente absorvido por folhas, hastes
·requeima da batata e do tomateiro. Além de ação contra e raízes, e translocado apoplasticamente. Apresenta alta
doenças, apresenta efeito tônico em muitas culturas como fungitoxicidade inerente, afetando a esporulação e o cres-
alho e cebola, aumentando substancialmente a produção cime:nto micelíal em concentrações menores que I Oppm.
mesmo na ausência de doenças. Este produto está regis- Esta sensibilidade reflete em controle de Phytophthora em
trado também para o controle do ácaro da falsa ferrugem cond:ições de campo com doses de apenas 200 a 250 g de
dos citros, e tem sido utilizado no controle de doenças da ingrediente ativo por hectare. Entretanto, trata-se de um
soja em conjunto com fungicidas sistêmicos. produto altamente vulnerável ao surgimento de isolados
Dicarboximidas resistentes do patógeno, motivo pelo qual é formulado
conjuntamente aos fungicidas mancozebe, fludioxonil ou
• Captana - Introduzido em 1949, é recomendado no controle clorotalonil. Atualmente existem formulações específicas
de um grande número de doenças de frutíferas, hortaliças para tratamento de sementes, visando o controle princi-
e plantas ornamentais. Sua característica mais notável é palmente de Pythium e Phytophthora habitantes do solo,
a capacidade de controlar doenças sem afetar negativa- contra os quais apresenta alta eficiência.
men.te a qualidade do produto, motivo porque é empregado
• Cloriidrato de propamocarbe (carbumato)- Esse produto
no controle de doenças de maçã, pera, -pêssego, ameixa,
tem registro principalmente para o controle da requeima
morango e uva. Entretanto, é relativamente ineficiente
do tomate e da batata. É formulado puro ou em mistura
contra míldios, oídios e ferrugens. É um produto ampla-
com clorotalonil ou fluopicolide (benzamida) para o
mente utilizado no tratamento de sementes, tendo em vista
controle de diferentes doenças causadas por oomicetos.
a proteção contra Pythium spp. e Rhizoctonia solani, os
dois mais importantes causadores de damping-off. • Dimc:tomorfc (amida do ácido cinâmico), bentiavaU-
carb,e (vanilamida) e mandipropamid (mandelamida)
• Folpete - Produto quimicamente relacionado ao fungi-
- Esses produtos são inibidores da síntese de celulose de
cida captana por apresentar propriedades físicas e bioló- oomicetos (CCAs) e têm registro para controle de oomi-
gicas semelhantes, mais eficiente no controle de algumas cetos em diferentes culturas, principalmente hortaliças e
doenças. É um produto muito eficiente também no controle frutei1ras.
de sarna da macieira e antracnose e míldio de cucurbitá-
ceas. Em condições de alta temperatura e alta umidade, • Fosctil (fosfonato) - Descoberto em 1977, é o primeiro
doses elevadas desse fungicida podem ocasionar injúrias fungicida comercial sistêmico que apresenta translo-
em uva e em plântulas de cucurbitáceas. cação na planta via xilema e floema. Devido à reduzida
atividade fungitóxica in vitro, apesar da boa eficiência in
• fprodiona - Introduzido em 1976, esse fungicida tem vivo, supunha-se haver uma via indireta de atuação deste
sido indicado no tratamento de sementes, do solo e de produto pela indução de produção de substâncias protetoras
panes aéreas de um grande número de culturas. Apre- nas plantas tratadas. Na planta o produto é transformado
senta eficiência no controle de podridão de Sclerotinia em ãi:ido fosforoso, que apresenta alta fungitoxicidade in
em alface e no alho, bem como pinta preta em batata e vitro e in vivo. O ácido fosforoso controla tão eficiente-
tomate, mancha púrpura em cebola, queima das folhas em mente quanto o produto comercial as doenças causadas
cenoura, podridão parda do pessegueiro e mofo cinzento por Phytophthora em abacaxi, abacate e citros. Não apre-
em diferentes culturas. senta atividade satisfatória contra requeima da batata e
Inibidores de oomicetos do tomateiro, mofo azul do fumo e podridão radicular da
soja, também causadas por Phytophthora.
Importantes doenças como o míldio da videira e a requeima
da batata e do tomate são causados por oomicetos, os quais cons- Outros fun:gicidas
tituem um grupo de sensibilidade diferenciada a fungicidas de
atuação seletiva, como os sistêmicos. Estes organismos não são • Clor,otalonil (isoftalonitrila) - Desenvolvido na década
afetados pelos princ.ipais sistêmicos descobertos, como os SDHls, de 1960, é um fungicida de amplo espectro com ativídade
245
Manual de Fítopatologia
contra oomicetos. ascomicetos e basidiomicetos. A adição cobre tem papel relevante no controle de d iversas doenças fúngicas
de espalhante é contraindicada por aumentar o risco de ou causadas por oomicetos. como míldio, oídio e antracnoses. O
fitotoxicidade e reduzir a fungitoxicidade inerente. Pelos cobre é um micronutriente essencial para todos os organismos
mesmos motivos, não pode ser misturado com fonnula- vivos, incluindo plantas, e atua como cofator para várias enzimas
ções oleosas. envolvidas na respiração e proteínas de transporte de elétrons.
• Enxofre (inorgânico) - Este foi um dos primeiros fungi- Ao mesmo tempo, os íons de cobre atuam como um biocida de
cidas utilizados pelo homem, sendo ainda hoje indicado amplo espectro com múltiplos sítios de ação nos microrganismos.
para controlar oídios, ácaros e podridão parda do pesse- Em concentrações elevadas, os ions de cobre tomam-se nocivos
gueiro. No entanto, nestes casos. é suplantado pela maior devido à sua interação com ácidos nucleicos, intem1pção de sítios
eficiencia de vários fungicidas sistêmicos. O principal ativos de enzimas, interferência no sistema de transporte de energia
problema do enxofre é a fitotoxicidade. mais pronun- e, finalmente, interrupção da integridade das membranas celulares.
ciada em cucurbitáceas e sob condições de tempera- • Calda bordalesa - O início do uso do cobre na proteção
turas elevadas, que se manifesta pela queimo das folhas, de plantas foi acidental. A descobena ocorreu por Mi!Jardet
desfolha e diminuição da produção. As vantagens do em 1885, na França, quando vinhedos foram aspergidos
enxofre são a baixa toxicidade ao homem e aos animais com calda resultante da mistura de sulfato de cobre com
e o baixo custo. Pode ser aplicado por polvilhamento ou hidróxido de cálcio (cal hidratada). Inicialmente, o obje-
pulverização. tivo da aplicação era conferir aspecto azulado e desagra-
• Ciprodinil e pirimetanil (anilinopirimidinas, ANPs) - dável às plantas e assim evitar a coleta furtiva da produção.
Ambos os produtos têm registro para a sarna da macieira. No entanto, notou-se naquela oportunidade que as videiras
O ciprodinil também está registrado para o controle de que haviam recebido as aplicações da mistura, próximas
mofo branco em algodão. feijão e soja, e para mancha de às estradas e carreadorcs, não apresentavam míldio da
videira, uma importante doença fúngica nos vinhedos de
alternaria em batata, tomate e cebola. O pirimetanil tem
registro para controle de mofo cinzento e manchas foliares Bordeaux na época. Este foi o marco histórico para início
do uso do cobre na agricultura e para o controle químico de
em diferentes culturas.
doenças de plantas. A partir desta descoberta, a mistura ficou
• Fluazinam (fenilpiridinilamina) - Esse fungicida tem mundialmente conhecida como calda bordalesa e continua
registro para controle de mofo branco em diferentes culturas sendo utilizada na agricultura atual, principalmente em plan-
como algodão, feijão e soja. Além disso, iem eficácia no tios orgânicos ou de pequena escala.
controle de di ferentes doenças de parte aérea em várias
As propriedades antifúngicas do sulfato de cobre para o
culturas.
tratamento de sementes de trigo contra esporos de carvões
• Quintozeno (cloroaromático) - Esse fungicida foi intro- e preservação de made ira já eram conhecidas no iníc io do
duzido pouco antes de 1940 e tem sido utilizado no conttole século 19, antes mesmo da calda bordalesa. No entanto,
de Rhizoctonio e Sclerofium via tratamento de sementes. devido à alta solubilidade em água e capacidade de pene-
• Dodina (guanidina) - Esse fungicida foi introduzido em tração de íons <.le cobre em tecidos vegetais em cresci-
1956, para controlar sarna da macieira. O produto apresenta mento ativo. o sulfato de cobre se mostrou altamente fito-
alta fungitoxicidade inerente c destaca-se pela capacidade tóxico e inadequado a aplicações protetoras em folhagens
de melhorar a cobertura por redistribuição. e frutos. Durante o preparo da calda bordalesa. inicial-
• Triciclazol (benzotiazol) - Esse produto foi desenvol- mente ocorre a reação de óxido de cálcio (cal virgem)
vido em 1976, sendo altamente eficiente no controle da com água, para a formação de hidróxido de cálcio (cal
brusone do arroz, mas sem e feito sobre outras doenças hidratada):
da cultura. CaO + Hp-+ Ca(OH)2
Posteriormente, o hidróxido de cálcio reage com o sulfato
16.4.1.2. Bactericidas de cobre pentahidratado, gerando hidróxido de cobre e
Os produtos que apresentam controle de doenças causadas sulfato de cálcio:
por bactérias são denominados de bactericidas. Alguns agrotó- Ca(OH)2 + CuSO4 .5Hp -+ Cu(OH)2 + CaSO4
xicos são registrados no MAPA como bactericida-fungicida, por
apresentarem eficácia contra fungos e bactérias. como é o caso Na forma fixada ou complexada, o cobre não é absorvido
dos produtos à base de cobre e também de alguns antibióticos. pela planta, o que reduz o risco de fitotoxicidade da calda
como a casugamicina. Os principais agrotóxicos utilizados no bordalesa e aumenta a versatilidade do sulfato de cobre
controle de bactérias que causam doenças em plantas são cobre e na agricultura.
antibióticos. Apesar de não ter ação direta sobre fitopatógcnos, os Nonnalmente, o preparo da calda bordalesa é feito pela
indutores de resistência são importantes no manejo de diferentes mistura na proporção de 1: 1: 100 de sulfato de cobre penLahi-
doenças, principalmente daquelas causadas por bactérias e, por dratado (kg), hidróxido de cálcio (kg) e água ( L). respecti-
isso, serão abordados nesse tópico. vamente. A composição da calda recém-preparada altera-se
com o tempo, razão pela qual é preciso aplicá-la logo após
Cobre seu preparo. Quantidades iguais dos ingredientes sólidos
A aplicação de cobre é a medida de controle químico mais são dissolvidas e suspensas em água em recipientes sepa-
importante e mais empregada para o controle de doenças bacte- rados e, posterionnente, misturadas, num terceiro reci-
rianas na agricultura. principalmente aquelas de colonização não piente, sob agitação constante. Atualmente há formulações
sistêmica que causam manchas em folhas e frutos. Além disso, o comerciais prontas. A calda pode ser fitotóxica, principal-
246
Controle Químico
mente às cucurbitáceas, rosáceas, solanàccas e crucíferas, disponível para o público em geral até o início da década de 1940,
particularmente em tecidos jovens e em altas temperaturas. quando os cientistas desenvolveram técnicas para produzir e puri-
A fitotoxicidade manifesta-se na fom1a de manchas em ficar grandes quantidades do antibiótico. O primeiro uso de um
frutos, como em citros e pêssegos, queima e desenvolvi- antibiótico na proteção de plantas ocorreu em 1947 pela aplicação
mento retardado de folhagem em cucurbitáceas, transpi- de estreptomicina em sementes de tomate para controle do cancro
ração excessiva que leva à seca em algumas culturas hortí- bacteriano, causado por Clavibacter michinanensis.
colas e queda de flores em solanáceas. Apresenta baixa Apesar do sucesso no controle de algumas doenças de
toxidez aos mamíferos e singular caracterís1tica de alta tena- plantas, o uso de antibióticos na agricultura é muito limitado.
cidade. que lhe confere grande poder residual. Após a apli- Esta limitação não se deve somente ao risco de desenvolvi-
cação da calda bordalesa ocorre a formação de uma camada mento de isolados resistentes de microrgarusmos submetidos ao
protetora de cobre externamente à porção tratada da planta uso frequente destas substâncias, mas também às dificuldades
que age preventivamente contra a ocorrênda de infecções de aplicação em larga escala, degradação no ambiente após apli-
bacterianas e fúngicas. Existem no mercado formulações cação e competição com uso na medicina. Devido ao alto custo,
de cobres solúveis como sulfato e nitrato de cobre. O uso os antibióticos utilizados no controle químico de doenças de
destes produtos na agricultura está voltado à nutrição das plantas provenientes da medicina são geralmente recomendados
plantas. O desempenho dos cobres solúveis no controle de somente para tratamento de sementes ou para culturas de alto
doenças de plantas depende da frequência de aplicação e valor associadas a altos riscos de prejuízo. Os antibióticos mais
tipo. de cultura,, porém tende a ser inferior aos cobres fixos empregados pela agricultura mundial no controle de doenças de
pela necessidade de aplicação de doses sig:nificativamente plantas são estreptomicina, casugamicina e oxitetraciclina. As
menores do metal para evitar efeitos fitotóx.icos. estrobilurinas, que têm amplo uso na proteção de plantas, também
• Cobres fixos - Também chamados de irnsolúveis ou Je penencem originalmente ao grupo dos antibióticos, mas como
baixa solubilidade, os cobres fixos são fo1mulações mais atualmente esta substância é produzida sinteticameme, está clas-
modernas de cobre, usadas como suced;âneas da calda sificada como fungicida.
bordalesa que apresentam maior facilidade de preparo da • Estreptomicina - Produzida pela actinobactéria Strepto-
calda de aplicação. Por apresentarem baixa solubilidade myces griseus e descoberta em 1943, a estreptomicina só
em água, estas formulações de cobre conferem maior foi intensivamente experimentada no controle de doenças
efeito residual do produto à área tratada e menor fitoto- de plantas em 1956. Este antibiótico é um inibidor de
xicidade. Quando aplicados, estes produtos formam uma síntese proteica. Ao bloquear o complexo iniciante
camada protetora sobre o tecido vegetal e agem preven- da síntese de proteínas, a estreptomicina interrompe a
tivamente evitando a infecção. Como os cobres fixos são sequência normal de tradução que resulta na adição equi-
estritamente protetivos e não têm atividatde curativa ou vocada de aminoácidos e fonnação de enzimas não-funcio-
sistêmica, nem capacidade de translocação na ~superficie nais, levando à mone da célula bacteriana Na agricultura,
vegetal, a principal dificuldade enfrentada é manter as o uso mais intensivo da estreptomicina ocorre nos EUA e
plantas protegidas ao longo do clico de cultivo. O cres- Canadá no controle da queima bacteriana em macieira e
cimento de folhas e frutos resulta na descontinuidade da pereira, causada por Erwinia amy/ovora, e no tratamento
camada protetora de cobre, criando sítios desprotegidos, de sementes contra bacterioses que afetam feijoeiro, algo-
passíveis de infecção. Os cobres fixos mais utilizados na doeiro, crucíferas e cereais. Também apresenta algum
agricultura são hidróxido de cobre, oxicloreto de cobre e controle sobre crestamentos bacterianos do feijoeiro e
óxido cuproso. Como a calda bordalesa, ,os cobres fixos da soja, mancha bacteriana do tomateiro, canela preta da
constituem um grupo de agrotóxicos com amplo espectro batata, mancha angular do pepino, podridão negra das
de ação antifúngica e antibacteriana e baiixa toxidez aos crucíferas, cancro cítrico, cancro do tomateiro, podridão
animais e ao homem. São amplamente util 1izados na horti- mole da alface, requeima da batata e do tomateiro, míldio
cultura, fruticultura e cafeicultura. do brócolis e oídio da roseira.
\ntibióticos • Casugamicina - Antibiótico descobeno em 1965 produ-
Os antibióticos constituem um grupo de compostos químicos zido pela actinobactéria Streptomyces knsugaensis que
produzidos por microrganismos capazes de inibir ou matar outros apresenta uso exclusivo na agricultura e baixa toxicidade
microrganismos em baixas concentrações e com alto grau de espe- a mamíferos. Assim como a estreptomicina, a casuga-
cificidade. A maioria dos antibióticos conhecidos é produzida por micina inibe a síntese de proteínas pela interferência na
actinobactérias, um grupo especial de bactérias que apresentam tradução correta de sequências de DNA, gerando proteínas
crescimento filamentoso, e por fungos. Atualmente, o termo anti- não-funcionais e colapso celular. A casugarnicina é empre-
biótico possui maior abrangência e engloba qualquer substância gada principalmente no controle da brusone do arroz.
produzida por um microrganismo com ação antagonista a outro Além disso. pode ser utilizada no controle de bacterioses
microrganismo. do arroz como o apodrecimento bacteriano de grãos
Alexander Fleming, um cientista escocês, é considerado o e estria vermelha. Em tomate pode ser utilizado para o
autor da descoberta do primeiro antibiótico, a penicilina. Em 1928, controle de macha bacteriana.
ele notou que bactérias não podiam sobreviver em uma placa de • Tetraciclina - CompreenJe um grupo de antibióticos
cultivo que continha um fungo comumente encontrado no pão. produzidos por várias espécies de actinobactérias do
\-iais tarde ele demonstrou que esse efeito era devido a uma subs- gênero Streptomyces. A primeira tetraciclina descoberta
tància produzida pelo fungo. No entanto, a penicilina nào esteve foi a clorotetraciclioa, em 1948. Assim como a estrepto-
247
Manual de Fitopatologia
micina e a casugamicina, as tetraciclinas inibem a síntese cies de Meloidogyne e Pratylenchus, algumas espécies
proteica de microrganismos. A oxitetraciclina, também de fungos e de plantas daninhas. O prime.iro está regis-
conhecida como terramicina, é a tetraciclina mais utili- trado para uso em fumigação de solo em pré-plantio nas
zada na agricultura, principalmente para o controle da culturas da batata, cenoura, tomate, morango, fumo e
mancha bacteriana em pêssego e nectarioa, e queima crisântemo, e o dazomete tem sido o fumigante mais utili-
bacteriana em macieira e pereira. Este antibiótico também zado no tratamento de solo visando à desinfestação do
é utilizado para o controle de fitoplasmas em palmeiras e solo para posterior semeadura ou plantio.
árvores ornamentais pela injeção no tronco. A injeção de • Não-fumigantes - Os nematicidas não-fumigantes regis-
oxítetraciclina é um tratamento caro, que deve ser repe- trados no Brasil pertence.m aos grupos das avermectinas,
tido frequentemente para a amenização dos sintomas. Este dos carbamatos e dos organofosforados. A abamectina
tratamento é utilizado apenas para árvores ornamentais de (avennectina) tem ação nematicida, inseticida e acaricida,
alto valor e não é viável em grandes plantações florestais. e está registrada para o tratamento de sementes em dife-
Indutores de resistência rentes culturas como soja, algodão milho, cebola, cenoura
e tomateiro para o controle principalmente de espécies de
A resistência sistêmka adquirida é uma fonna de defesa Meloidogyne e Pratylenchus. Além disso, há registro de
natural da planta que oferece proteção duradoura contra um produto comercial para controle de Ditylenchus dipsaci na
amplo espectro de microrganismos. Este tipo de resistência cultura do alho, por meio de imersão dos bulbilhos na calda
pode ser ·áumentada q(!imicamente pela aplicação de produtos antes do plantio. Os carbamatos (carbofurano e benfura-
às plantas, chamados de indutores de resistência. Neste caso, carbe) estão registrados como nematicidas e inseticidas. O
os indutores de resistência não atuam diretamente pela elimi- primeiro é utilizado para controlar nematoides por meio
nação do patógeno, mas pela ativação da resistência latente da do tratamento de sementes de milho e arroz, incorporado
planta, que impede ou dificulta a colonização dos tecidos vegetais ao solo em plantios de batata, cenoura, fumo, café,
pelo patógeno. A ativação da resistência se dá pela molécula de banana, e também para aplicação em sulco de plantio de
sinal do ácido salicílico que está associada à produção de prote- toletes de cana-de-açúcar. O segundo tem registro como
ínas relacionadas com a patogênese (proteínas RP), como por nematicida para controle de Meloidogyne e Prarylenchus
exemplo as quitinases e glucanases, as quais contribuem para o no sulco de plantio de toletes de cana-de-açúcar. Os orga-
aumento da resistência. A resistência é sistêmica e pode persistir nofosforados registrados são cadusafós, fenamifós, fostia-
na planta por vários dias e até meses. Contudo, com o passar do zato e terbufós que apresentam ação nematicida e inseti-
tempo pode ser necessário reativar a indução pela reaplicação do cida. Esses produtos, em sua maioria, são aplicados no
produto. Os indutores não agem imediatamente. Há necessidade solo, em sulco de plantio, em covas ou incorporados ao
de um tempo de alguns dias entre a aplicação e a resposta na redor das plantas. Também podem ser aplicados direta-
planta. Por ser inespecífica e parcial, a resistênc.ia induzida .na mente em mudas, por meio de imersão, ou via irrigação
planta não promove pressão de seleção ao patógeno, o que prati- por gotejameuto. O cadusafós tem registro para controle
camente elimina o risco de quebra desta resistência. Os produtos de espécies de Meloidogyne e Prarylenchus em culturas
mais utilizados como indutores de resistência são o acibenzolar- como batata, cafeeiro e cana-de-açúcar. O fenamifós está
S-metil (ASM) e os neonicotinoides (imidacloprido e tiame- registrado apenas como nematicida em algodão, banana,
toxam). Além de serem importantes para o controle de diversos batata, cacau, café, marantas, melão e tomate, e o fostia-
insetos que atacam as plantas, alguns vetores de doenças como zato e o terbufós são nematicidas/inseticidsa utilizados
o huanglongbing (HLB) em citros, os neonicotinoides também em importantes espécies cultivadas como banana e café.
são capazes de ativar a resistência nas plantas. A eficiência
destes produtos foi demostrada para o controle de cancro cítrico 16.4.l.4. Acaricidas e inseticidas
e verrugose do·s citros. A eficácia do ASM, que não tem capa-
A aplicação de inseticidas e acaricidas é uma das estratégias
cidade inseticida, foi demostrada contra doenças de natureza
utilizadas para controle de doenças causadas por vírus, bactérias e
diversa em plantas, incluindo a murcha e a mancha bacteriana
outros agentes causais disseminados por insetos e ácaros vetores.
do tomateiro, o oídio do trigo, nematoses de galhas e o vira-
Entretanto, nenhum método de controle é eficiente o bastante para
-cabeça do tomateiro.
manter a cultura livre de infecções por esses patógenos, sendo
16.4.t.3 Nematicidas sempre necessário fazer uso de outras medidas disponíveis, rela-
cionadas principalmente aos princípios da exclusão, erradicação,
O controle químico de nematoides pode ser realizado por imunização e proteção.
meio de moléculas denominadas nematicidas, que são capazes de
A eficiência de inseticidas para o controle de insetos vetores
matar nematoides ou reduzir a população dos mesmos. Os nema-
deve ser avaliada de maneira diferente em comparação com a
ticidas podem ser fumigantes ou não fumigantes de so_lo.
eficiência desses produtos sobre insetos pragas. O dano causado
• Fumigantes - Em geral, apresentam eficiência sobre dife- em urna determinada espécie de planta cultivada, em geral, é dire-
rentes agentes causais de doença, pragas e também ervas tamente proporcional à quantidade de insetos-praga presentes na
daninhas. Estes produtos são utilizados para fumigar área. Contudo, um inseticida pode ser eficiente e eliminar a maior
solos, substratos em viveiros e também cultivos sob parte da população de insetos vetores, mas o dano causado pelos
cobertura plástica. No MAPA estão registrados os fumi- insetos sobreviventes pode ser suficientemente alto para inviabi-
gantes metam-sódico e dazomete. Ambos penencem ao lizar o agrotóxico na contenção da doença, dependendo do tipo
grupo dos isotiociaoatos de metila e têm registros como de propagação do patógeno no inseto e da forma e agilidade de
nematicida, fungicida e herbicida para o controle de espé- disseminação do patógeno pelo vetor.
248
Controle Químico
Apesar de o controle químico ser a estratégia mais utili- ou curativos (terapêuticos). Essa classificação também está rela-
zada pelos agricultores para muitas doenças causadas por virus cionada com as fases do ciclo das relações patógeno-hospedeiro
j1sseminadas por insetos vetores, o uso de inseticidas não é. muitas nas quais o ar,rotóxico atua. Em geral, os erradicantes atuam na
· ezes, suficiente para reduzir efetivamente a incidência de plantas sobrevivência., os protetores impedem a infecção e os curativos
.1oentes, a intensidade dos sintomas e os danos à produção. Dessa tem efeito sobre a colonização.
forma. a eficiência do controle de doenças por meio do controle
de seus vetores vai depender do tipo de transmissão associado ao 16.4.2. l. Agrotóxicos de ação erradicante
\lnJS e também da dinâmica de progresso da doença no campo. Os agrotóxicos erradicantes são aqueles que atuam dire-
As relações entre vírus-vetor podem ser não persistentes, semi- tamente sobre o patógeno, por isso, estão relacionados com o
persistentes, persistentes e circulativas e persistentes e propaga- princípio geral de controle da erradicação. Existem três situa-
tivas (mais informações no Capítulo !O desta obra). As diferenças ções em que fongicidas podem ter ação erradicante eficiente: no
entre esses tipos de relação estão relacionadas ao local e tempo tratamento de solo. no tratamento de sementes e no tratamento de
.li! aquisição e inoculação do vírus pelo vetor, período de latência, inverno de pla1ntas de clima temperado que entram em repouso
!>erda do vírus na ecdise, presença ou não do vírus na hemolinfa, vegetativo. A eficiência erradicante do produto é diretamente
·eplicação e retenção do vírus no vetor e, especificidade do vetor. proporcional à capacidade de redução do inóculo.
A baixa eficiência do controle químico de vetores de vírus Os produtos tipicamente erradicantes são os fumígantes do
muitas vezes está relacionada com a relação não persistente entre solo, produtos voláteis, altamente tóxicos para todas as fonnas
o vetor ê o vírus, um~ vez que os inseticidas não apresentam de vida e, por isso, denominados biocídas. São utilizados no
eficácia para matar os insetos antes da picada de prova. Em alguns controle de ins,etos, fungos, nematoides e plantas daninhas. Como
.:asos, o inseticida pode, inclusive, causar alteração comporta- são voláteis, logo após sua aplicação, estes produtos necessitam
mental no inseto, estimulando-o a realizar várias picadas de prova cobertura superficial impenneabilizante (geralmente filme plás-
na planta, aumentando assim a disseminação do vírus. Em contra- tico), para aumentar a exposição dos patógenos ao agrotóxico. Os
:1artída, para a relação persistente-circulativa, a aplicação de inse- produtos mais representativos do grupo são dazomcte e metam-
:icidas poderá ser útil para minimizar a disseminação do vírus sódico. Além de caros e altamente tóxicos, o que impacta dras-
na área de cultivo. Nesses casos, as aplicações muitas vezes são ticamente no equilíbrio biológico do local onde são utilizados e
:<!alízadas com base no monitoramento do inseto vetor. no risco à saúde dos aplicadores, estes produtos são recomen-
Os vírus também podem ser transmitidos por ácaros, dados somente: em situações potencialmente rentáveis, como
'1las nestes casos, as relações entre o vetor e o vírus são pouco canteiros de semeadura de plantas de grande valor. Produtos não
conhecidas. Em citros, o vírus da leprose (Citn,s leprosis vinis, fumigantes, seletivos, tipicamente erradicantes do solo, são raros,
CiLV-C) é transmitido por espécies de ácaros do gênero Brevi- como exemplos, o quintozeno e o etridiazol.
palpus. O manejo dessa doença pode ser feito por meio do uso Para obt,~r ação erradicante mais específica, geralmente
de diferentes estratégias. A redução da população do ácaro com utilizam-se produtos com menor espectro toxicológico que os
o uso de acaricidas é indicada sempre que a população do vetor biocidas. Os fiungicidas protetores mancozebe e captana e os
estiver acima do nível aceitável. O controle químico tem sido a sistémicos, como a procimidona, podem ser utilizados no controle
medida mais adotada pelos citricultores, porém recomenda-se de Rhízoctonia solani, agente de damping-o.ff em canteiros de
a rotação de uso de acaricidas pertencentes a diferentes grupos várias hortaliças. O fungicida rnetalaxil tem ação na erradicação
químicos para evitar a seleção de populações resistentes do ácaro. de patógenos dos gêneros Pythium e Phytophthora, agentes de
Os insetos também podem ser vetores de bactérias causa- damping-off e podridões radiculares em muitas espécies vege•
doras de doenças de plantas. Na cultura dos citros. a bactéria tais. Por fim. o fenarirnol tem ação erradicante sobre o inócnlo de
Yyle/la fastidiosa (causadora da clorose variegada dos citros, Venturia inaequalis, em lesões de sarna da macieira.
CVC) e as bac.térias Candidatus Liberibacter spp. (causadoras No tratamento erradicante de sementes são utilizados
do HLB) são transmitidas por vetores, sendo a primeira transmi- produtos não sistêmicos como tiram e captana, e sistêmicos como
tida por diferentes espécies de cigarrinhas e as bactérias do HLB tiabendazol. A abamectina tem sido utilizada no tratamento de
transmitidas pelo psilídeo Díaphorina citrí. O controle químico sementes para ,:, controle de nematoides. No tratamento erradi-
com inseticidas é uma das estratégias mais importantes de manejo cante de inverno das plantas de clima temperado, como macieira,
de ambas as doenças. Nesses casos, além do controle químico. o pereira, pessegueiro e videira, utiliza-se a calda sulfo-cálcica,
uso de mudas sadias e a erradicação de plantas doentes, no caso preparada pela mistura e fervura prolongada de enxofre e cal.
do HLB, ou a poda de ramos sintomáticos, no caso da CVC, são Essa calda tem ação contra fungos, musgos, líquens, ácaros e
medidas complementares, que garantem a eficiência do manejo cochonilhas. Devido a seu trabalhoso preparo, tem sido pouco
dessas doenças. utilizada ou substituída pela calda bordalesa.
O sucesso no controle químico de vetores de patógenos
também depende da capacidade residual dos produtos quando 16.4.2.2. Agrotóxicos de ação protetora
aplicados às plantas. Os agrotóxicos que apresentam longo efeito Os agrotóxicos desse grupo inibem a germinação dos
residual promovem controle de insetos e ácaros durante vários esporos ou a rt:plicação de bactérias e posterior infecção dos
dias após a aplicação do produto, aumentando as chances de tecidos do hospedeiro. ou seja, atuam na fase de pré-penetração.
reduzir as infecções e o posterior dano à cultura. Dessa forma, os agrotóxicos de ação protetora estão relacionados
com o principio geral de controle da proteção. Produtos químicos
16.4.2. Quanto ao Princípio Geral de Controle protetores são aiplicados nas partes suscetíveis do hospedeiro e
Baseando-se no priucípio geral de controle (ver Capítulo fonnam uma camada snperficial protetora antes da deposição do
14 desta obra), os agrotóxicos podem ser erradicantes, protetores inóculo. Para a 1maximização da ação protetora, quando aplicado
249
Manual de Fitopatología
250
Controle Químico
-
MBCs, os SDHls, os indutores de resistência, alguns inibidores
Boxe 16.2 Absorção e translocação de a de oomicetos e antibióticos.
sistêmicos
16.4.3.2. Agrotóxicos mesostêmicos ou translaminares
Os agrotóxicos sistêmicos são utilizados no solo, Os agrotóxicos mesostêmicos ou translaminares são aqueles
na parte aérea das plantas e também .no trata.mento de que apresentam movimentação limitada, em geral, sem envolvi-
sementes. A translocação ocorre, na maioria idos casos, mento do sistema vascular (xilema e floema) da planta. A movi-
pelo xilema; consequentemente a aplicação no solo é mentação está relacionada à passagem do agrotóxico de uma face
a via mais eficiente. O agrotóxico disponível no solo é
para a outra da folha sem a translocação para outros órgãos da
continuamente absorvido pelo sistema radicular junto
planta. Os produtos desse grupo, em geral, se redistribuem na
com a água e os nutrientes. Progressivamente, ocorre superfície foliar devido à sua afinidade com a cera. Além disso,
o acúmulo do produto nas folhas, acompanhando esses agrotóxicos podem ter ação de profundidade, pela capacidade
passivamente a corrente transpiratória da planta.
de percolação no mesófilo foliar. Os produtos mesostêmicos
Entretanto, a aplicação de produtos sístêmicos via solo
também podem ter ação protetora, curativa e erradicante. A maioria
oão é comumente utilizada para o controle de doenças
das estrobilurinas, alguns triazóis e a dodina são produtos que apre-
da parte aérea, pois levaria ao desperdício do produto
sentam translocação mesostêmica na planta.
(doses elevadas, inativação por adsorção e degradação)
e a unia pressão de seleção desnecessária na população 16.4.3.3. Agrotóxicos não sistêmicos ou tópicos
do patógeno. Excepcionalmente, os indutores de resis- (imóveis)
tência podem ser aplicados tanto via. foliar ~1uanto no
solo para o controle de doenças bacterianas e! fúngicas Os agrotóxicos desse grupo pennanecem na superficie do
em folhas e frutos. A aplicação via solo também pode órgão vegetal em que foram depositados, se.m serem absorvidos
ser feita em canteiros de semeadura. nem translocados. Esses produtos apresentam ação protetora
impedindo ou prevenindo a infecção da planta pelo patógeno.
O tratamento de sementes com produ,tos sistê-
Alguns produtos imóveis também apresentam ação erradjcante, e
micos pode te.r ação erradicante, protetora, cura-
por isso, também atuam na sobrevivência do patógeno. Os princi-
tiva e imunizante. Ação erradicante ocorrie quando
pais produtos desse grupo são aqueles à base de cobre ou estanho,
o produto consegue reduzir a viabilidade d,o inóculo
presente sobre a semente. Ao impedir a penertração de os ditiocarbamatos, o clorotalonil, o fo\pete., dentre outros.
patógenos habitantes do solo na semente alli deposi- 16.4.4. Quanto ao Modo de Ação
tada, o produto funciona como protetor. Ao ser absor-
vido pelas sementes em germinação, o produto cura Os agrotóxicos são também classificados pelo modo de
as infecções latentes e, ao ser translocado nas plân- ação no patógeno. A classificação proposta pelo Comitê. de Ação
tulas, previne ocorrência de doenças por imunização, de Resistência de Fungos a Fungicidas (FRAC, do inglês Fungi-
durante um período variável de dias ou até n;ieses. cíde Resistance Action Cornmittee) agrupa os produtos de acordo
Após a absorção, o agrotóxico sistêmico pode com esse critério, o que contribui para que as estratégias antir-
ser degradado, em maior ou menor grau, e :seu efeito re.sistência sejam adotadas de maneira correta. A lista elabo-
tóxico ao patógeno pode ser perdido. De forma geral, rada pelo FRAC (Tabela 16.1) divide esses produtos em grupos,
como a maioria dos produtos sistêmícos não, se movi- os quais são identificados por letras e números. Nessa classifi-
menta via floerna e depende da corrente tram,piratória cação, as letras separam os agrotóxicos em grupos pelo modo de
para ser translocado, não são acumulados em órgãos ação e os números indicam os subgrupos. Cada combinação de
que não transpiram como as pétalas. Algumas exce- letra e número recebe um código, denominado Código FRAC.
ções são o fungicida fosetil, que transloca via floema, A letra A é utilizada para agrotóxicos que atuam oa síntese de
e o antibiótico estreptomicina, que transl◄:>ca entre ácidos nucleicos; 8, para citoesqueleto e proteínas motoras;
folhas de diferentes idades. C, para respiração; D, para aminoácidos e síntese de proteínas;
E, para transdução de sinais; F, para síntese de lipídios ou inte-
gridade ou função das membranas; G, para biossíntese de este-
róis na membrana; H, para biossíntese de parede celular; P, para
. rvquínüco, absorção pela planta e, capacidade de translocação indutores de resposta de defesa do hospedeiro; M, para produtos
:~:Jtro da planta. Efetivamente, todos os agrotóxic,os sistêmicos com modo de ação multissítio (Boxe 16.3); e U, para moléculas
-ibem seletivamente processos metabólicos específicos, compar- com modo de ação desconhecido. A sigla BM indica os agentes
Jiados apenas por grupos restritos de patógenos. A alta espe- de biocontrole com múltiplos sítios de ação, e a sigla NC é usada
• ricidade de ação leva à alta toxicídade ine.rente aos patógenos para os produtos sem classificação, como os óleos minerais. Por
;ensiveis e à baixa fitotoxicidade. A baixa fitotoxicidade, aliada exemplo, os triazóis, que são inibidores da desmetilação de este-
is ~apacidades de absorção e translocação, permite que os agro- róis (DMls), estão inseridos no grupo Gl , com o código FRAC 3
~icos deste grupo atuem sistemicamente. . (Tabela 16.1).
As principais características dos agrotóxicos sistêmicos são
•:1cidade direta ao patógeno, baixa solubilidade ecn água, pene- 16.4.5. Quanto à Classe Toxicológica
::Jçào nos tecidos aéreos e raízes, trans1ocação via xilema, inca- A classificação quanto à classe toxicológica leva em consi-
pacidade de alcançar órgãos que não transpiram, redistribuição deração a nocividade de cada agrotóxico aos organismos não alvo.
oora partes novas da planta, e ausência ou reduzida translocação Essa classificação é realizada com base em uma série de testes toxi-
1ll floerna. Os principais agrotóxicos sistêmicos são os DMis, os cológicos agudos e crônicos em mamíferos. No Brasil, é o Minis-
251
Manual de Fitopatologia
Os agrotóxicos multissítios de ação protetora são inibidores inespecíficos de reações bioquímicas, e afetam um grande
número de processos vitais compartilhados por diferentes organismos vivos. Esses produtos podem atuar em qualquer
parte da célula onde haja atividade metabólica. Há evidências de atuação desses produtos tanto na membrana como no
protoplasma celular, sendo supostamente m:iis intensa no protoplasma, onde é maior o ruímero de processos vitais.
Para fungicidas inorgânicos, há evidências de que o acúmulo inicial e muitas reações subsequentes ocorrem sobre
ou fora da membrana celular. Agrotóxicos com alta atividade iônica superficial, como o fungicida dodina, podem reagir
com grupos iônicos (sulfidrilicos, carboxilicos, imidazólicos, etc.) situados na superfície celular, interferindo irreversivel-
mente na perrneabilidaJ.e da membrana e provocando extravasamento dos constituintes celulares. Tais produtos, entre-
tanto, agem também fortemente ua inibição enzimática do metabolismo de carboidratos, possibilitando interpretar
mudanças de permeabilidade como efeitos secundários da atuação intracelular.
lntracelularmente, cada uma das centenas de enzimas pode ser alvo de inibição pelos agrotóxicos protetores. Testes de
ditiocarbamatos e vários sais metálicos sobre enzimas que dependem de grupos sulfidrilicos, como cobre e ferro mostram
notável inibição da atividade em mais da metade das possíveis combinações enzima-agrotóxico, comprovando a capaci-
dade dos agrotóxicos em reagir indiscriminadamente com os grupos prostéticos comuns das enzimas. A extensão dessas
reações in vivo depende do nível de agrotóxico não decomposto que acumula no local de atuação, na célula do pató-
geno, pois agrotóxicos podem ser metabolicamente eliminados. Captana pode inibir simultaneamente muitas enzimas
e coenzirnas, particularmente as que contêm grupos sulfidrilicos, afetando de modo não específico um grande número
de processos metabólicos. Agrotóxicos inorgânicos, como os fungicidas/bactericidas a base de cobre, também ~nvolvem
reações com grupos sulfidrílicos, mas, simultaneamente, inibem enzimas não dependentes do grupo sulfidrilico, como
a sacarase, catalase, arginase, asparaginase, beta-glucosidase, etc. O enxofre age como competidor de receptores de
hidrogênio, rompendo as reações normais de hidrogenação e desidrogenação. Alguns ditiocarbamatos, por meio do
íon isotiocianato, derivado de sua decomposição, reage inespecificamente com enzimas sulfidrílicas. Outros ditiocar-
bamatos formam quelatos tóxicos com traços de cobre, atuando diretamente sobre locais de ligação de metais essen-
ciais ou sobre grupos sulfidrílicos vitais. Em concentrações mais elevadas competem com ern.imas sulfidrilicas, sendo
particularmente ativos sobre a enzima desidrogenase de triose fosfato.
A falta de especificidade dos agrotóxicos multissítios não permite que estes produtos sejam absorvidos pelas
plantas, pois causariam fitotoxicidade. Assim, a seletividade antifúngica ou antibacteriana sobre a superfície vegetal é
conseguida às custas da sua relativa insolubilidade em água e dificuldade de penetração na planta.
lério da Saúde. por meio da ANVISA, que detennina a classe toxi- o mancozebe, a captana e o cloroialonil apresentam produtos
cológica de cada produto. A Organização Pan-americana de Saúde comerciais formulados em PM.
(OPAS) estabelece que todos os agrotóxicos devem possuir uma Concentrado emulsionável (CE ou EC, do inglês em11/-
faixa colorida na embalagem que indica a classe toxicológica sijiab/e concentrate) - é uma formulação líquida em que o ingre-
(Figura 16.4). A faixa vermelha identifica os produtos extre- diente ativo é solubilizado em solvente orgânico apoiar. A adição
mamente tóxicos (Classe 1). A faixa amarela é utilizada para os de aditivos é necessária para a obtenção de uma boa emulsão e
produtos aliâmente tóxicos (Classe U). A faixa azul é utilizada nas para homogeneizar o produto em mistura com água. Alguns tria-
embalagens dos agrotóxicos medianamente tóxicos (Classe III). zóis como o ciproconazol e o difenoconazol, e a estrobilurina
Por fim, a cor verde indica os produtos pouco tóxicos (Classe IV). piraclostrobína são fonnulados em CE.
Suspensão coneentrada (SC) - é uma formulação líquida,
16.5. FORMULAÇÕES DE AGROTÓXICOS em que o ingrediente ativo, praticamente insolúvel no solvente,
Os ingredientes ativos dos agrotóxicos, em geral, são é moído durante o processo ele produção e disperso no diluente.
formulados em misrura com diluentes e adjuvantes inertes ao Essa formulação foi desenvolvida para solucionar problemas de
patógeno. As formulações podem ser feitas com diluentes sólidos mistura e decantação no tanque de pulverização da formulação
ou líquidos. As principais formulações de agrotóxicos existentes PM. Agentes dispersantes, umectantes, espessantes, entre outros,
são: são requeridos para a produção de produtos em SC. Vários agro-
tóxicos têm sido formulados em SC, tais como triazóis, carben-
Pó molhável (PM ou WP, do inglês wettable powder) - dazim, captana. iprodiona, clorotalonil, alguns produtos à base
é uma formulação sólida em pó que veicula o ingrediente ativo de cobre, etc.
disperso em compostos inertes. Os aditivos, como os tensoa- Granulado dispersível (GD ou WG, do inglês water
tivos, são necessários neste tipo de fomrnlação para promover a dispersible granules) - é uma fonnulação em grânulos com o
umectação do produto em água dura_nte a aplicação e garantir boa iugrediente ativo concentrado. Os agentes dispersantes adicio-
cobertura nas plantas. Essa formulação requer também a adição nados na formulação são importantes para obtenção de uma boa
de produtos que ajudem na estabilidade e na aderência do produto dispersão no momento da mistura do produto com a água. As
na planta. Esta estratégia é utilizada para fungicidas pouco solú- estrobilurinas azoxistrobina e trifloxistrobina, o mancozebe, e o
veis em solventes orgânicos. Os agrotóxicos à base de cobre, cobre são exemplos de agrotóxicos formulados em GD.
252
Controle Químico
Tabela 16.1 - Grupos de classificação do Comitê de Ação de Resistência de Fungos a Fungicidas (FRAC) para importantes agrotóxicos usados
no controle de doenças de plantas, com os respectivos modos de ação e riscos de resistência.
Código
FI{ \C ,...
.,omc I1o l!íllllO ,..,omc comum .\1 ot1o d1• aç:i\ o .s·1trn-a
. 1,o e co11go
, 1· I',csi'tcncta
. • .
Risco Alto
benomd Resistência já relatada para várias
MBC
carbendazim B· mitose e B 1: P,.tubulina espécies. Resistência cruzada pode
(Meti! benzimidazol car-
tiabendazol divisão celular (mitose) ocorrer. Sítio-alvo das mutações
bamato)
t1ofanato-metílico no gene da l}-tubulina, nos sítios
El 98A/G/K e F200Y.
Risco Médio
ciproconazol
Resistência é quantitativa e já
difenoconazol
relatada paro várias espécies.
epoxiconazol G 1: C 14 demetila-
Resistência cruzada pode ocorrer
DMI tebucooazol G: Biossíntese ção na biossíntese
Muitos mecanismos de resistência
3 .. (Inibidores da protioconazol de esterol na de
já são conhecidos incluindo
desmeti lação de esterois) fenarimol membrana esterol (erg 11 /
mutações no gene cyp51 (erg 11)
tnfonoe cyp51)
como Vl36A, Yl37F,A379G e
imazalil
1381 V, promotor cyp5 I,
procloraz
transportadores ABC e outros.
Risco Alto
benalaxil
Resistência cruzada bem
PA metalaxil A- síntese de Al:RNA
conhecida em diferentes oomicetos.
(fenilamidas) tiabenda1ol ácidos nucleicos polimerase 1
Mecanismo ainda
tiofanato-metílico
desconhecido.
fluop1ram
carboxin
SDH1 Risco de Médio a Alto
oxicarboxm C2: Complexo II
(ioibidores da Res1stênc1ajã relatada para várias
7 benzovindiflupyr C:,Respiração succmato
succinato espécies de fungos. Sitio-alvo das
bixafen desidrogenase
desidrogenase) mutações no gene sdh
fl.uxap1roxade
boscalida
azox1strobina
cresoxim-metílico Risco Alto
C3: Complexo Ili
picoxistrobina Resistência já relatada para várias
Qol citocromo bc 1
piraclostrobina espécies. Síuo-aho das mutações
li (inibidores da C: Respiração (ubiquinona oxi-
trifloxistrobina gene no cyt b são O 143A, F l 29L
quinona externa) dase) no sitio Qo
farnoxadone e outras. Resistência cruzada pode
(gene cyt b)
fenam1done ocorrer entre os fungicidas Qol.
piribencarbe
Risco Médio
D: ammoácidos e D3: síntese de
24 Antibiótico casugamicina Resistência já relatada para
síntese de protelnas proteínas
fuogos e bactérias.
Muhissítio com
MI Ioorgânico cobre M1: Multisshio
atividade protetora
ferbam
mancozebe <;eralmente Risco Baixo
manebe Sem relatos de resisténcia
Ditiocarbamatos e mct1Tam Multissíuo com desenvolvida para
M3 M3: Multissitio estes fungicidas.
similares propinebe atividade protetora
tiram
, zinebe
úram
253
Manual de Fitopatologia
1)
mente são patógenos que ocorrem em sementes ou
Classe IV - Faixa Verde - Pouco Tóxico sobrevivem no solo e causam doenças monocíclicas
DL50 =-:> soo m g/kg (duas colheres de sopa a um opo) (apenas um ciclo por safra). Por outro lado, pató-
genos que têm alta capacidade de multiplicação e
disseminação, ocorrência frequente da forma sexuada
Figura 16.4 - Classes toxicológicas utilizadas em embalagens de agrotóxicos,
de reprodução e vários ciclos de infecção por safra
com as respectivas doses letais orais para matar 50% dos indiví-
são classificados como de alto risco. Os fungicidas
duos (DL10). multissítios são classificados como de baixo risco e
Fonte: Organização Pan-americana de Saúde, OPAS ( li997).
os fungicidas que atuam em sítio específico sujeitos
a mutações simples são considerados como de alto
Concentrado solúvel (SL) - o ingrediente ativo é solubi- risco. O risco também deve considerar a intensidade da doença
lizado em água ou solvente miscível em água. O fungicida cipro- nos diferentes locais, levando em consideração as condições
conazol e o antibiótico casugamicina são comerciallizados nessa climáticas e as medidas agronômicas, que incluem ferti lização,
formulação. irrigação, práticas culturais e grau de resistência das diferentes
variedades plantadas (Figura 16.5).
Suspo-emulsão (SE) - Fonnulação utilizada para combinar
agrotóxicos com propriedades ftsicas diferentes. Contém ingre- A resistência é detectada por meio de estudos de sensibi-
dientes ativos sólidos e líquidos em suspensão estaibilizados por lidade que comparam as populações expostas e não expostas a
aditivos. O produto comercial da mistura epoxiéonazol + píra- determinado fungicida (Figura 16.6). Esse monitoramento é
clostrobina é formulado em SE. importante não somente para verificar se as causas da ineficiência
no controle estão associadas com resistência, mas também se as
estratégias antirresistência estão apresentando resultados satisfa-
16.6. RESISTÊNCIA DOS PATÓGENOS AOS tórios. O monitoramento deve ser iniciado antes da comerciali-
AGROTÓXICOS
zação do fungicida para obtenção de dados de sensibilidade das
populações não expostas dos patógenos.
16.6.1. Resistência de Fungos a Fungicid21s
Até a década de 1970, devido à predominância de fungicidas
Os fungos, como todos os organismos vivos., podem, por multissítio, os casos de resistência relatados no campo limita-
meio de mutações, tomar-se resistentes a fungicidas específicos vam-se a menos de I Ogêneros de fungos fitopatogênicos. No final
que atuam em um ou poucos processos metabólkos vitais. A da década de 1980, devido à intensificação do uso dos fungicidas
mutação pode ocorrer em um único gene (monogi:oica) ou em sítio-específico (sistêmicos), esse número já havia aumentado para
vários genes (poligênica), principalmente no sítio primário de 60 gêneros. No Brasil, aproximadamente 20 gêneros de fungos
ação dos fungicidas. Os mecanismos de resistência envolvem fitopatogênicos haviam sido relatados corno resistentes a fungi-
principalmente modificações no sítio primário de a1;ào do fungi- cidas até o fim da década de 1990. O número de patossistemas
cida sobre o patógeno. com algum tipo de resistência relatada, seja em laboratório ou
A resistência aos fungicidas pode ser classi,ficada como em campo, estava próximo de 350 no início de 2010. As conse-
cruzada, cruzada negativa e múltipla. A resistência cruzada quências da seleção de populações de fungos resistentes a fungi-
ocorre quando os isolados do fungo desenvolvem resistência a cidas podem ser desastrosas, tanto para o produtor, que pode ter a
mais de um fungicida com o mesmo modo de ação. Ao desen- produção comprometida por falta de um produto de eficiência equi-
volver resistência a um fungicida, o isolado toma-s,e resistente a valente, quanto para o fabricante, que poderá perder os recursos
vários outros, desde que compartilhem o mesmo modo de ação investidos na descoberta e desenvolvimento do agrotóxico.
(Tabela 16.1). No entanto, é possível a ocorrência ,de fenômeno Em condições de laboratório é possível obter fungos fitopato-
inverso, denominado resistência cruzada negativa, que consiste gênicos resistentes a diferentes fungicidas sistêmicos. No entanto,
no aumento de sensibilidade a um fungicida, normalmente de no campo são necessários dois importantes fatores para que os
outro modo de ação, nos isolados reststentes a outro. A resis- indivíduos resistentes prevaleçam na população do patógeno: a
tência múltipla ocorre quando os isolados do fungo apresentam adaptabilidade do mutante e a pressão de seleção. Um mutante
resistência para dois ou mais fungicidas com modos de ação dife- pode apresentar baixa adaptabilidade se os genes atingidos pela
rentes. As causas do desenvolvimento de resistência aos fungi- mutação forem importantes condicionadores de competitividade
254
Controle Químico
12 18 Alto (= 11
Estrobllurlnas J 6 Médio(= 0,5)
Dicarboximldas 1,5 J '
4.5 B.ilxo (= 0,25)
Triazóls 4
2
•
4
12
6
Alto (= 1)
Médio (= 0.5)
1 2 J Babto (= 0,25)
Multlssítios 1 2 J Alto (= 1)
Cobre 0,5 1 1,5 Médio (= 0,5)
r~ura 16.S - Classificação de risco de resistência combinado em função do grupo químico dos fungicidas, do patógeno/doença e do risco
agronômico.
Fonte: FRAC (2014) modificado de acordo com Kuck (2005).
255
Manual de Fitopatologi,1
Erysiphe, Monilinia, Mycosphaerella, Venturia, etc., de varias bacteriana na agricultura. Embora sejam eficientes contra diversas
culturas, sendo considerada de risco alto. Entretanto, para alguns doenças, estes produtos são incapazes de suprimir completa-
patógenos esse risco é considerado baixo em função da existência mente o ínóculo. Aplicações frequentes e contínuas ao longo do
de um intron especifico imediatamente após o códon 143 no gene ano normalmente são necessárias para minimizar as perdas. Um
do citocromo b. problema generalízado desta prática é o risco de desenvolvimento
Resistência de fungos aos fungicidas do grupo MBC-A de resistência pelo patógeno-alvo. A pressão imposta pelas repe-
resistência de fungos aos fungicidas do grupo metil benzimidazol tidas aplicaç,ões leva a um direcionamento evolutivo da população
carbamato (MBC) é considerada de alto risco. Esta resistência da bactéria. Uma vez que a resistência é adquirida por algum indi-
ocorre principalmente pela substituição do ácido glutâmico por víduo da população do patógeno, seja por conjugação ou mutação,
as aplicações conduzem a um aumento gradual da frequência da
lisina, glicina ou alanina no códon 198 da ~-tubulina. A substi-
população d.esses indivíduos resistentes. Quando a população de
ruição da fenilalanina por lisina no códon 200 oa mesma proteína
patógeno resistente se sobressai à sensível há o comprometimento
resulta em resistência moderada. Isolados resistentes do pató-
da eficácia desta medida de controle (Figura 16.7).
geno foram identificados mesmo após 1O anos da interrupção do
uso dos MBCs em áreas tratadas com o fungicida. A resistência Resis1tência de bactérias ao cobre - A redução da eficácia
aos MBCs foi observada para patógenos, que incluem os gêneros das pulverizações de cobre no controle das doenças bacterianas
Botrytis, ColletofYichum, Cercospora, Cladosporium, Erysiphe, de plantas e a ocorrência de bactérias fitopatogênícas resistentes
Fusarium, Monilinia, Penicillium, Venturia, dentre outros, em foram relatadas pela primeira vez na década de 1980. Desde
di~~rentes culturas. · então indivíduos resistentes ao cobre foram identificados em
Resistência de flllngos aos fungicidas do grupo DMI - A muitas espécies bacterianas, pertencentes aos gêneros Pseudo-
resistência dos fungos aos inibidores da desmetilação de esteróis monas, Xan.thomonas, Erwínia e Pantoea. Em bactérias, os genes
(DMI), grupo ao qual pertencem os triazóis e os imidazóis, foi de resistência ao cobre estão predominantemente localizados em
identificada em diferentes fungos, em algumas culturas, tais como plasmídeos. Desta forma, a transferência horizontal de plasmí-
Bohytis cinerea, Cercospora betico/a, Cofletotrichum gtoeospo- deos, contendo os genes de resistência por meio de conjugação, é
rioides, Fusarium graminearum, Penicillium digitatum, Venturia a principal fom1a de aquisição de resistência de cobre por bacté-
inaequalis, dentre outros. Essa resistência é considerada de risco rias. Como a resistência ao cobre é regulada por vários genes,
médio. Ao contrário dos benzimidazóis, a resistência a esse grupo é pouco provável que mutações espontâneas possam conferir
de fungicidas é considerada quantitativa. Neste caso o controle de resistência ao metal. Os principais mecanismos de resistência,
populações com alguma resistência pode ser obtido pelo aumento os quais imjpedem o cobre de interromper os processos celulares
da dose e/ou redução do intervalo de aplicação. bacterianos, são o sequestro e o acúmulo de cobre por proteínas
produzidas pelos genes de resistência e o efluxo do metal para o
16.6.2. Resistência de Bactérias aos Bactericidas meio extracelular (Figura 16.8).
Bactericidas à base de cobre e antibióticos são os prin.;ipais Em X citri subsp. citri, agente causal do cancro cítrico, por
produtos químicos usados para o controle de doenças de natureza exemplo, os genes de resistência ao cobre copl, copA e copB
Figura 16.7 - Pressão de seleção sobre população patogênica, decorrente da aplicação sucessiva de um agrotóxico. Na população inicial,
predominam lesões com indivíduos sensíveis ao agrotóxico. Cada aplicação de agrotóxico elimina grande parte dos indivíduos
sensíveis, mas não tem efeito nos indivíduos resistentes, que permanecem e se múltiplícam. Ao final de sucessivas aplicações do
mesmo produto, predominam lesões com indivíduos resistentes e o agrotóxico perde sua função.
Fonte: Adaptada de Deising_ et ai. (2008).
256
Controle Químico
257
Manual de Fitopatologia
Tabela 16.2 - Classificação de risco de resistência em função da estratégia adotada para uso de diferentes fungicidas nas aplicações.
•\plira~·iio
E,tnitrgi:1 Riwo tlt- rc,istênl'ia
1· 2" Y -t•
A A A A Repetição Alto
A B A B Alternância
A= Fungicida com alto risco de resistência (por exemplo: benzimidazóis e estrobilurinas); B = Fungicida com baixo risco de resistência (por
exemplo: cobre e ditiocarbamatos).
Fonte: Guini & Kimati, 2000.
plantio, topografia. localização do alvo biológico na planta. Para (arados, sulcadores e subsoladores, etc.), entre outros. Os agro-
áreas pequenas ou com declividade acentuada os pulverizadores tóxicos também podem ser aplicados via sistema de irrigação
costais manuais (Figura 16.9A) ou motorizados (Figura 16.9B) são ou diretamente no colo da planta com diferentes tipos de equi-
mais apropriados. Para áreas maiores e que pennitem o trânsito de pamentos específicos. Para o tratamento de sementes ou partes
máquinas, os pulverizadores tratorizados de barra (Figura 16.9C) vegetativas utilizadas na propagação de plantas os agrotóxicos
e os turbo pulverizadores (Figura 16.90) são mais adequados. Os são aplicados com máquinas misturadoras ou por imersão em
pulverizadores tratorizados de barra são indicados para culturas calda com o produto.
anuais ou de pequeno porte. como cerais, feijão, soja, etc. Estes Outro fator importante a ser observado é o volume de calda
equipamentos pcnnitem que os bicos de pulverização sejam de pulverização do agrotóxico. É comum que os volumes de apli-
fixados em série em barras horizontais a distâncias uniformes cação sejam pré-fixados e aplicados indistintamente em plantios
umas das outras e da superfície a ser tratada. Existem também os de diferentes culturas, idades e tamanhos, levando ao desper-
pulverizadores tratorizados com pistola de pulverização. Nestes dício de recursos como água, energia e insumos. Contudo, por
equipamentos os bicos de pulverização são montados em lanças razões de economia, procura-se aumentar a capacidade opera-
conectadas ao tanque por mangueiras. As pistolas são operadas cional dos pulverizadores pela utilização do menor volume de
manualmente por aplicadores que caminham em compasso com a calda de pulverização por área tratada possível, sem afetar a
movimentação do trator. Este tipo de pulverizador é amplamente qualidade do controle. A detem1inação do volume de calda deve
utilízado em pomares em formação e por pequenos e médios ser baseada incialmente no tipo cultivo. Para culturas anuais ou
fruticultores durante todo o ciclo de cultivo. de pequeno porte., o volume nonnalmente é estabelecido levando
Os turbo pulverizadores, por sua vez. são mais apropriados em consideração a área a ser tratada. Neste caso, o volume de
para culturas perenes ou de porte arbóreo, como café e fruteiras. calda aplicado ao longo do ciclo da cultura sofre pouca variação,
Estes equipamentos são providos de ventiladores que geram pois a magnitude do alvo, a superfície horizontal de cultivo, sofre
corrente de ar para transportar as gotas produzidas pelas pontas menor variação. Por outro lado. para culturas perenes ou arbóreas
de pulverização até o alvo. Os bicos de pulverização também o ideal é considerar o volume de copa das plantas. Nesta situação,
estão fixados em distâncias unifonnes na barra de pulverização, a quantidade de agrotóxico e o volume de calda são fixados por
que nonnalmente tem fom1ato de arco e comprimento variávei. unidade de volume da planta, mas variam, por hectare, de acordo
Contudo, em todos os turbo pulverizadores a barra é posicionada com o desenvolvimento da cultura. Para isso, é preciso deter-
na saída de ar do ventilador. minar frequentemente o volume de copa das plantas. Este é um
Os pulverizadores. em geral, são acoplados e arrastados pelo método simples que pode ser aplicado em plantios com diferentes
trator. No entanto, existem também equipamentos. denominados espaçamentos entre linhas, tamanhos de plantas, idade ou outros
auto propelidos ou automotrizes, que se deslocam em meio fatores (Figura 16.10). O volume de copa por hectare é calculado
terrestre com sistema de propulsão próprio sem auxílio de trator pela divisão da área de I ha ( 10.000 m 2) pelo espaçamento entre
(Figura l 6.9E). A aplicação com aeronave (Figura J6.9F) é uma ruas, em metro. O resultado deste cálculo é multiplicado pela
opção em áreas de grande extensão de culturas anuais ou perenes, altura média das plantas, em metro e pelo diâmetro médio das
de dificil acesso por via terrestre, distante do ponto de reabasteci- copas das plantas. em metro. O resultado final indica quantidade
mento ou em situações em que a aplicação do agrotóxico deve ser de metros cúbicos de volume de plantas por hectare. Para deter-
realizada em cuno espaço de tempo. minar a dose ou volume de calda do agrotóxico a ser utilizada por
Existem ainda outras fonnas menos convencionais de apli- hectare, basta multiplicar o volume de copa calculado pela dose e
cação de agrotóxicos como aquelas realizadas diretamente no volume recomendados por metro cúbico de planta.
solo com graouladores, injetores, pulverizadores acoplados a Para garantir que o pulverizador entregue às plantas a dose
outros equipamentos que revolvem o solo e incorporam o produto e o volume de calda desejados é necessário regular e calibrar o
258
Controle Químico
Figura 16.9 - Principais tipos de pulverizadores utilizados no controle de doenças de plantas: (A} costal manual; (B) costal motorizado;
(C) tratorizado de barra; (D) turbo pulverizador; (E) auto propelido; (F) aplicação com aeronave.
Crédito das fotos: Fundecitrus (A, B, D); Marcelo Scapin (C); Marcelo Pastorello (E): Ulisses Antuniassi (F).
equipamento. A regulagem permite o ajuste da máquina às carac- gotas por unidade de área ou à porcentagem da área alvo coberta
terísticas da cultura e os agrotóxicos utilizados, como velocidade pela pulverização. De modo geral, defensivos que apresentam
de trabalho, escolha dos tipos de bicos de pulverização, espaça- baixa ou nenhuma capacidade de redistribuição como os bacte-
mento entre bicos, altura da barra de pulverização, etc. A cali- ricidas a base de cobre fixo, requerem melhor cobertura do alvo,
bração permite o ajuste de vazão Jos bicos, pressão de trabalho, enquanto que produtos sistêmicos são eficazes em condições
quantidade de produto e água a serem colocados no tanque. Após de menor cobertura. A cobertura é crescente com o volume de
a realização dos ajustes e antes de iniciar a aplicação do produto é calda até o ponto de escorrimento (100% da superficie coberta).
importante a avaliação da qualidade da pulverização. Para a isso, A partir deste ponto. a elevação do volume de calda resulta em
a análise da cobertura e deposição são fundamentais. perdas por escorrimento. Por outro lado, é plausível considerar a
Cobertura refere-se à área do tecido vegetal efetivamente manutenção da qualidade do controle pela utilização de cobertura
atingida pela calua de pulverização, detennínada pelo número de inferior ao ponto de escorrimento, resultante de volume de calda
259
Manual de Fitopatologia
16.8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Kimati, H. Controle Químico. ln: Amorim, L.; Rezende. J.A.M.;
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260
CAPÍTULO
17
CONTR()LE BIOLÓGICO DE
DOEN ÇAS DE PLANTAS 1
Flávio Henrique Vasconcelos de Medf~iros, Júlio Carlos Pereira da Silva e Sérgio Florentino Pascholati
1 ÍNDICE
261
Manual de Fitopatologia
agressividade ou outros atributos do patógeno resulta no controle foi feito somente em 2008. Essa situação acontece, principal-
biológico da doença. Devido à ação do microrganismo na redu- mente, pelo ainda incipiente conhecimento do manejo de produ-
ção da doença, os agentes de controle biológico são denominados tos biológicos no campo. Ao contrário de produtos químicos, por
microrganismos antagonistas ao patógeno. vários anos, houve dificuldade em reproduzir no campo os resul-
A ocorrência de uma doença na planta, como se sabe, é tados obtidos em laboratório. Entretanto, os estudos com micror-
resultado da interação de microrganismo patogênico, planta sus- ganismos antagônicos a pragas e patógenos de plantas aumen-
cetível e ambiente favorável. Nesse contexto, o controle bio- taram 110s últimos anos, graças a ferramentas biomoleculares e
lógico é o resultado da interação entre hospedeiro, patógeno e à aplicação prática em grandes áreas de produção. tendo como
outros organismos não patogênicos presentes nos sítios de infec- reflexo o crescimento da indústria de produtos biológicos no País
ção capazes de reduzir a doença sob influência do ambiente e do de IO a 15 % ao ano (ABCBio, 201 7), principalmente a partir de
manejo do homem. Portanto, no tetraedro da doença, abordado 2011 (Figura 17.2).
no Capítulo 5 desta obra (Figura 5.1 ), os microrganismos natural-
mente antagonistas estão compreendidos no vértice do ambiente. 165
o
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Ano
262
Controle Biológico de Doenças de Plantas
263
Manual de Fitopatologia
Tabela 17.1 - Produtos biológicos regístrados para o controle de doenças de plantas no Brasil.
Biofungicida '
. T.-stromatícum Tricovab/ CEPLAC - MAPA Pó Molhável Terrestre
T. atroviride, controladores de vários grupos de fitopatógenoS- e de hospedeiros, embora os diferentes isolados em geral difiram
T. stromaticum agente de controle intrínseco de Moniliophthora na sua habilidade para parasitar os ovos e os cistos de diferen-
perniciosa, agente causal da vassoura de bruxa do cacaueiro. tes espécies de nematoides. Outro colonizador de ovos, apon-
Entretanto, outras espécies de Trichoderma podem ter outros efei- tado como um agente de controle de nematoides, é a espécie
tos além do controle biológico, como T reesei muito utilizado na Pochonia chlamydosporia capaz de sobreviver na ausência do
produção de celulose, ou efeitos negativos, como várias espécies hospedeiro, pela produção de clamidósporos, que o toma mais
de Trichoderma com atividade contra o agente de controle bioló- resistente a condições adversas do ambiente. Espécies dos gêne-
gico Beauveria bassiana, e até mesmo T. longibrachiatum capaz ros Arthl'Obotrys spp. e Monacrospm·ium spp. são formadores de
de infectar humanos. Apesar de várias espécies já serem estudas e redes ou anéis adesivos que aprisionam, infectam e colonizam o
conhecidas quanto ao potencial no controle biológico, avanços nas corpo dos juvenis ou adultos de nematoides fitoparasitas.
pesquisas em laboratório e no campo ainda identificam novos anta- Há vários outros ascomicetos caracterizados como agentes de
gonistas dentro do gênero e melhoram o entendimento das ativida- controle biológico de doenças de plantas. Coniothyrium minitans
des controladoras e de possíveis riscos ao ambiente. é um fungo necrorrófico, de ampla distribuição que parasita
O fuugo Clonostachys rosea tem elevado potencial de fungos produtores de escleródios. Coniothyrium minitans cresce e
ação no controle biológico de doenças de plantas. Isso se deve produz picnídios na superficie dos escleródios, inviabilizando-os.
à capacidade do fungo em controlar diversos patógenos como Ampelomyces quisqualis somente apresenta a fase anamórfica
Sclerotinia sclerotiorum, Verticillium dahliae e Botrytis spp. conhecida e infecta, sob alta umidade, fungos causadores de oídio.
(Boxe 17.2), além de efeitos contra cistos de nematoides dos Em pós-colheita, o fungo leveduriforme Aureobasidium pulfulans
gêneros Heterodera e Globodera. Clonostachys rosea pode, apresenta vários mecanismos de ação no controle de podridões
ainda, atuar como entomopatogênico, endofitico e promover o e doenças de frutos. Muito conhecido como entomopatógeno,
crescimento de plantas. Produtos a base de C. rosea f. catenulata Lecanicillium /ecanii também pode parasitar Hemileia vastatri.x,
são utilizados em alguns paises no controle de damping-ojf, cau- agente causal da ferrugem do cafeeiro. Além desses, isolados de
sado por Rhizoctonia solani (Traquair, 2013). Aspergillus jlavus, não produtores de aflatoxina, podem também
Vários fungos ascomicetos são capazes de reduzir o inóculo ser usados no controle biológico em grãos na pós-colheita.
de fitonematoides no solo. Mais de 150 espécies são conhecidas Muitos basídiomicetos e oomicetos apresentam atividades
como parasitas de ovos ou predadores.• Estes organismos apre- antagônicas a fitopatógenos. Um basidíomiceto bastante estudado
sentam a capacidade de colonizar, capturar, matar e digerir os nos últimos anos é o fungo Piriformospora indica, o qual contro-
nematoides (Lopes et ai., 2007). O fungo Paecilonzyces lilacinus é lou fungos causadores de doenças nas folhas, hastes e raízes de
um parasita de ovos e cistos que apresenta baixa especificidade plantas de trigo (Serfling et ai. 2007). O basidiomiceto levedu-
264
Controle Biológico de Doenças de Plantas
265
Manual de Fítopatologia
O controle biológico usando vírus como agente é dependente da capacidade das partículas virais em persistir em
altos níveis nas proximidades do patógeno alvo. Os vírus não possuem capacidade de locomoção e devem ser aplicados
diretamente às células do hospedeiro ou muito próximos a elas. São parasitas obrigatórios e vão depender da presença
da célula hospedeira para se replicar. Além disso, os vírus devem alcançar e infectar os hospedeiros antes de fatores
ambientais reduzirem a população virai abaixo dos níveis eficazes para o controle biológico (Jones et al., 2012). Desse
modo, várias considerações existem em relação à melhoria das interações vírus-patógeno: densidade e acessibilidade
do microrganismo alvo; tempo de aplicação do vírus para otimizar a eficácia; capacidade de infectar e replicar nas con-
dições ambientais; densidade virai no local da aplicação; taxas de estabilidade da partícula virai; presença de umidade
adequada para promover a difusão do vírus.
Fungos fitopatogênicos podem ser controlados por vírus micoparasitas. Os isolados fúngicos de Rosellinia necatrix,
Diaporthe sp., Cryphonectria parasitica e Valsa ceratosperma perderam a virulência em plantas de pera e maçã quando
foram infectados por partículas virais dos grupos Partitivirus e Mycoreovirus (Kanematsu et al., 2010).
Vírus capazes de infectar bactérias são estudados desde o início do século 20, quanto à capacidade de controlar
patógenos de animais e de seres humanos e, ainda, no inicio dos anos 1920 foram avaliados para controle de patóge-
11os em plantas e considerados agentes de controle biológico. Vários exemplos mostram a capacidade de bacteriófagos
em controlar doen:ças de plantas (Jones et al., 2012). Bergamin & Kimati (1981) mostraram a eficácia do tratamento
com bacteriófagos em ensaios em dois patossistemas: podridão negra do repolho, causada por Xanthomonas cam-
pestris pv. campestris e mancha bacteriana de pimenta, causada por X. campestris pv. vesicatoria. Eles aplicaram os
vírus em diferentes períodos de tempo em relação à inoculação com a bactéria: 7 dias antes da inoculação (DAI), 6, 5,
4, 3, 2, 1 DAI, no dia da inoculação, 1 dia depois da inoculação (DDI), 2, 3 ou 4DDI. No repolho, a supressão significa-
tiva da doença aconteceu nos tratamentos 3, 2, l DAI, e 1 DDI, enquanto os melhores tratamentos na pimenta foram 3,
2 DAI, l DDI e 110 dia da inoculação. A maior redução da doença ocorreu quando os vírus foram aplicados próximos
ou no dia da inoculação em ambos os patossistemas. Isso aconteceu deYido à necessidade da presença da célula bacte-
riana para a infecção da partícula virai e sucesso no parasitismo.
Muito se conhece do envolvimento de nematoides transmissores de vírus causadores de doenças de plantas. No
entanto, nematoides podem ser infectados por vírus não patogênicos às plantas. Nematoides do cisto, como Heterodera
glycines, foram infectados pelos vírus ScNV, ScPV, SCRV, ScTV e SbCNV. Os vírus foram encontrados infectando os
nematoides 110 campo e em casa de vegetação, mas não foram detectados em tecidos de plantas de soja (Ruark et ai.,
2017).
• Antibiose: produção de uma ou mais moléculas com contribuem na re.dução do progresso da infecção. Portanto, estas
ação dire.ta sobre o crescimento ou fisiologia dos fitopató- respostas não são imediatas, mas envolvem a ativação de uma mul-
genos (Figura J 7 .3). Este modo de ação é análogo ao de um tiplicidade de genes, não sendo apenas envolvidas na resistência a
fungicida, mas, diferentemente do princípio químico, o antibi- um grupo específico de. patógenos, mas de amplo espectro, contri-
ótico está sob mecanismo de (auto) regulação e, muitas vezes, buindo inclusive para a tolerância a estresses abióticos como o défi-
um único microrganismo pode produzir mais de uma molé- cit hídrico (Medeiros et ai., 201 O). Na maioria das vezes, a resis-
cula com ação antibiótica, a exemplo da iturina e fengicina, tência induzida pelos agentes de controle biológico ativa a rota de
dois lipopeptídeos com atividade tanto antifúogica quanto defesa dependente do ácido jasmõnico, que culmina com resistên-
antibacteriana, produzidos por bactérias (Ariza et ai., 2012). cia às doenças causadas por patógeuos uecrotróficos. O uso de pro-
Quando apenas essas moléculas são aplicadas sobre o tecido dutos à base de Baci//us spp. tem uma ação duradoura e sistêmica
a ser protegido, observa-se o controle de doenças, por vezes na proteção contra doenças bacterianas, como a pústula bacteriana
semelhante. ao conferido pela aplicação das células bacteria- da soja (Xanthomonas vesicatoria). Os agentes de controle bioló-
nas em si, e esta é uma estratégia competitiva do controle bio- gico produzem surfactina, um lipopeptídeo sem ação direta sobre
lógico frente aos fungicidas. o fitopatógeno, mas que se liga de fonna não covalente à mem-
• Indução de resistência: é um mecanismo de controle brana plasmática do vegetal e desencadeia uma cascata de sina-
biológico de doenças com ação indireta sobre o patógeno e pode lização típica da rota do ácido jasmônico (Preecha et ai., 20 l O).
ser incluído no contexto do controle alternativo em função dos • Competição: mecanismo dependente da maior veloci-
mecanismos de ação (ver o Capítulo 35 desta obra). O micror- dade de crescimento do agente de controle biológico em relação
ganismo produz moléculas que são reconhecidas por recepto- ao patógeno, quando ambos estão associados ao tecido da planta
res específicos, como o receptor de quitina, ou se ligam a sítios hospedeira. Na competição por espaço, o microrgauismo cresce
específicos da planta, como a membrana plasmática. Há então rapidamente sobre o tecido do hospedeiro de forma a não restar
o desencadeamento de transdução de s1nais, seguida da ativação espaço para posterior colonização pelo patógeno. Na competição
de fator de transcrição específico do estímulo e transcrição de por nutrientes, agentes antagonistas de patógeoos pós-colheita
genes que codificam proteínas envolvidas na defesa das plantas, absorvem os nutriente.s mais rapidamente que os patógeoos, se
ou relacionadas às alterações morfológicas ou fisiológicas que estabelecem e impedem a germinação dos esporos patogênicos
266
Controle Biológico de Doenças de Plantas
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Figura 17.3- Meca111ismo de antibiose. (A): crescimento do fungo <1,'l>,f!, ►~".. </,""'
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Fusarium so/ani impedido por composto produzido ►"
pela bactéria Bacillus subtilis. Seta indica o halo de
inibição. (B): Crescimento de F. so/ani sem a presença
da bactéria.
Crédito das fotos: Monica Freitas.
267
Manual de Fitopatologia
dutos biológicos moléculas aditivas com a função de manter e Neste caso, se gasta um volume maior de calda, mas ainda se
até potencializar o microrganismo no controle de doenças. Estas aplica o produto nos estádios iniciais de desenvolvimento da cul-
moléculas podem agir como surfactantes, antiumectantes, espes- tura. As doenças a serem controladas pela aplicação do produto
santes, protetores solares, além de outros, dependendo da natu- desta forma também são causadas por patógenos radiculares.
reza do antagonista e do alvo biológico. Já para doenças foliares, a pulverização da parte aérea é
Existem diversas formas de aplicação do controle biológico a forma mais importante de aplicação. Produtos para aplicação
baseadas na natureza da doença a ser controlada, nas particulari- desta forma devem resistir a raios UV ou conter em sua formu-
dades da formulação, na cultura e na fase do ciclo da planta em lação aditivos protetores contra raios UV, tendo em vista que a
que o produto será aplicado (Figura 17.5; Boxe 17.2). As princi- maioria dos microrganismos é muito sensível a esta radiação,
pais fom1as de aplicação de bioprodutos para controle de doen- enquanto muitos patógenos de folhas, flores e frutos resistem à
ças de plantas são: tratamento de sementes, aplicação no sulco incidência desses raios na parte aérea de plantas. Deve-se prefe-
de plantio, pulverização de parte aérea e aplicação na água de rir, portanto, aplicação nas horas mais frescas do dia e atender a
irrigação. outras panicularidades do preparo da calda de pulverização em
Para doenças radiculares ou tombamentos. o tratamento de relação à compatibilidade com outros defensivos, fazer uso de
sementes é a forma de aplicação mais indicada. Esta também é a adjuvante e garantir a agitação constante, pois a calda de um bio-
forma de aplicação que garante maiores chances de estabeleci- prodnto é nma suspensão e tende a sedimentar com o tempo.
mento de agentes de controle biológico colonizadores de raízes. Talvez a forma preferida de aplicação de bioprodntos pelo
Logo nos primeiros eventos da germinação, são liberados exsu- produtor seja pela água de irrigação. O produto aplicado, tanto
datos que já suportam o crescimento do agente de controle bioló- por gotejamento quanto por pivô central, tem demonstrado efi-
gico em íntima associação com as raízes. ciência no controle de doenças, mas não é a fonna recomendada
Muitas vezes, a semente já é comercializada ao produtor de uso em bula para nenhum produto. A aplicação de bioprodutos
com o tratamento com fungicida, assim denominado de trata- por irrigação é eficiente para controle de doenças radiculares ou
mento industrial de sementes. Para algumas empresas que pos- para atingir escleródios no solo.
suem produtos a base de antagonistas compatíveis com fungi-
cidas, já é realizada a aplicação do agente biológico combinada 17.6. co.rirrROLE BIOLÓGICO DE PATÓGENOS
ao tratamento industrial de sementes. Nesse caso, o fungicida HABITANTES DO SOLO E DA ESPERMOSFERA
tem ação de proteção imediata, a qual não persiste por mais de O maior emprego do controle biológico atualmente é para
30 dias após a emergência. enquanto o agente de controle bioló- o manejo de doenças radiculares, principalmente as causadas
gico coloniza a planta desde a germinação, garantindo proteção por fungos e nematoides. As principais doenças controladas por
mais longa, principalmente quando se trata de controle de pató- agentes biológicos são o mofo branco (Sclerotinia sclerotion1m), as
genos radiculares. murchas e as podridões radiculares, causadas por espécies Je fungos
Em algumas situações, o uso do fungicida-é incompatfvel pertencentes aos complexos Fusarium oxysporum e F. solani, res-
com o agente de controle biológico. Uma opção para solucionar pectivamente, além dos nematoides de galhas (Meloidogyne spp.) e
este problema é a aplicação do bioproduto via suco de plantio. d.: lesões (Pratylenchus brachyurus)
CONTROLE DE
PATÔGENOS EM CULTIVO
PROTEGIDO
CONTROLE DE
0 CONTROLE OE
PATÔGENOS DE PARTE AÉREA _ , _ _ PATÔGENOS DE
PÔS COLHEITA
CONTROLE OE CONTROLE
PATÔGENOS DE SOLO
BIOLÓGICO
r-
'-
CONTROLE DE CONTROLE OE
PATÔGENOS EM CULTIVO PATÔGENOS EM CULTIVO
PROTEGIDO PROTEGIDO
CONTROLE OE
PATÔGENOS OE SOLO
E ESPEMOSFERA
268
Controle BiológiC() de Doenças de Plantas
269
Manual de Fitopatologia
270
Controle Biológico de Doenças de Plantas
relatada sendo naturalmente parasitada por fungos (Lecanicillium ferimentos, utilizar os nutrientes da superficie pobre de fiutos, sobre-
{ecanii) e este hiperparasitismo pode contribuir para a redução do viver sob diferentes condições do ambiente e, geralmente, não
móculo do patógeno (Martins et ai., 20 l 5). produzem metabólitos tóxicos. As leveduras podem ser encontra-
das naturalmente em superficies de frutos, hastes e folhas. Muitos
17.8. CONTROLE BIOLÓGICO DE DOENÇAS EM trabalhos mostram a eficiência de várias espécies como Pichia
PÓS-COLHEITA guilliermondii, Candida oleophila, C. formara, Aureobasidium
A exigência do mercado na redução de resíduos químicos pullulans e Saccharomyces cerevisiae no controle de doenças em
<'m fiutos e hortaliças estimula cada vez mais a utiliz.ação de for- pós-colheita de frutos como citros, tomate, pera, pêssego e maçã
'llas alternativas do controle de podridões em pós-colheita. O con- (Sharma et ai., 2009).
trole biológico de patógenos que ocorrem nessa fase pode ser rea- Muitas bactérias dos gêneros Bacillus spp. e Pseudomonas
JZado no campo antes da colheita ou após a colheita no amiaze- spp. também são utilizadas no controle de podridões de frutos em
-::.1mento. Na pré-colheita, os objetivos do controle são impedir a pós-colheita. Essas bactérias podem atuar na produção de meta-
entrada e o posterior desenvolvimento dos patógenos. O controle bólitos antimicrobianos e indutores de resistência e muitas são
pós-colheita procura evitar o desenvolvimento de patógenos em boas colonizadoras de ferimentos. A colonização de P sir)'ngae
:ifecções latentes oriundas do campo e impedir novas infecções. Os em maçã evitou a formação do mofo azul causado por Penicillium
-atógenos causadores de podridões pós-colheita penetram por aber- expansum e o efeito inibidor foi aumentado com a aplicação de
:.iras naturais, diretamente pela superficie e, na maioria dos casos. fontes de nitrogênio para a bactéria, mostrando a possibilidade de
por ferimentos causados na colheita, no transporte ou no am1azena- manejo integrado com outros produtos na pós-colheita (Janisiewicz
7ento do produto. Os principais agentes causadores de pod1idões et ai., 1992). Espécies de Bacillus podem colonizar a superficie
:x>s-colheita de fiutos e hortaliças são fungos dos gênerosAspergillus, dos órgãos aéreos com eficiência e controlar infecções latentes de
' i!nicillium, Alternaria. Rhizopus, Muco,; Diplodia, Fusarium, Colletotrichum spp. em fiutos (Korsten et al., 1995).
!:olletotrichum e Bohytis e as bactérias do gênero Pectobacterium. A principal estratégia no controle de doenças em pós-colheita
O controle biológico dos patógenos na pós-colheita apre- é a aplicação dos antagonistas após realizada a colheita no campo.
,enta vantagens de aplicação em relação ao controle no campo. No entanto, as infecções causadas na pré-colheita podem pennane-
O fato de as áreas onde o agente será aplicado serem menores e cer quiescentes até a maturação dos frutos, quando os sintomas e
-nuitas vezes em locais fechados ou cobertos, toma possível o sinais aparecem. Dessa maneira, muitas vezes o controle ainda no
....ontrole das condições naquele ambiente. Dessa maneira, fatores campo é necessário para se evitar a disseminação em condições
• .:imo raios UV, umidade relativa, temperatura e luminosidade, de annazenamento. Pulverizações com antagonistas em pomares
rodem ser manipulados em condições de armazenamento, com na época da floração de mangueira, abacateiro e macieira mostra-
- ,menção de favorecer o antagonista e desfavorecer o patógeno. ram aumento no tempo de vida de prateleira e reduções da severi-
-'.lém disso, são necessárias menores quantidad_es do micro~ga- dade de Cof!elolrichum sp. e Pezicula malicorlicis (Korsten et ai.,
'!tsmo na aplicação nesse tipo de ambiente. Portanto, Q~ micror- 1995; Leibinger et ai., 1997; Korsten & Jeffries. 2000). No entanto,
g;mismos envolvidos no controle de podridões em pós-colheita aplicações na pré-colheita dos antagonistas podem servir apenas
~ ..-em apresentar tolerância às condições na pós-colheita e arma- como um suplemento à sua aplicação pós-colheita. Para o sucesso
~enamento em cada situação em particular. Neste caso. eles no controle de podridões na pós-colheita originados por infecção
_(\ em apresentar resistência a baixas temperaturas e a baixa umi- quiescente no pomar, a aplicação de antagonistas deve se.r repetida .
.1.lde, tolerância a outros métodos de controle, como químicos ou
isicos e serem pouco exigentes em nutrientes. Os microrganis- 17.9. CONTROLE BIOLÓGICO DE DOENÇAS EM
-;nos antagonistas geralmente são aplicados sobre os órgãos, após CULTfVO PROTEGIDO
.1 .::olheita, por pulverização de suspensões celulares ou por imer- Na produção de hortaliças. frutas, plantas ornamentais e
• em susperisão do antagonista antes do armazenamento. mudas em estufas ou viveiros, as condições Jo ambiente podem
Os mecanismos de ação envolvidos no controle de podri- ser controladas, assim como em pós-colheita. Temperatura, luz,
.>.:-es na pós-colheita podem ser vários como antibiose, competi- umidade e adubação são adequadas para o máximo crescimento
.;:ão. indução de resistência, parasitismo e mesmo a produção de da planta, mas estas condições podem também ser favoráveis para
.:iláteis antimicrobianos pelo agente de controle (Rezende et ai. os agentes patogênicos. A alta umidade, a falta de ventilação e o
~10). Entretanto, nos últimos anos a competição por nutrientes adensamento das plantas no viveiro, promovem o crescimento e
e espaço tem prevalecido na maior parte das situações. O uso de a disseminação de patógenos da parte aérea. Os substratos geral-
rnibiose foi por muito tempo, o mais estudado na pós-colheita mente são desinfestados e não apresentam a diversidade micro-
Kreztschamar, 1991), mas a presença de metabólitos secundá- biana encontrada no solo natural. Neste vácuo biológico, patóge-
r.os. mesmo atóxicos, não possui boa aceitação no mercado de nos transmitidos pelo solo, como Py rhium e Rhizoctonia, podem
;:,r.:,dutos de horticultura e fruticultura. Desse modo, organismos crescer rapidamente e se espalhar sem enfrentar barreiras bioló-
ep1fíticos, que crescem na superficie do hospedeiro sem infectá- gicas. Entretanto, os mesmos fatores favoráveis aos patógenos
- .:>s. receberam maior atenção nos estudos de pós-colheita. Esses podem ser favoráveis a microrganismos antagonistas. Por exem-
- ...icrorganismos devem crescer rapidamente na superficie dos plo, o vácuo biológico nos substratos também pode favorecer o
.irgàos pobres em nutrientes, sem a produção de metabólitos estabelecimento de agentes de biocontrole. desde que sejam apli-
;;iecundários em concentrações significftivas. cados antes da entrada do patógeno (Paulitz & Bélanger, 2001 ).
Os principais agentes utilizados no controJe biológico em Além disso, assim como no controle biológico na pós-colheita, as
::"-~s-co!heita são as bactérias e as leveduras, mas fungos como áreas em estufas são menores e exigem menor quantidade de pro-
t pergillus oão produtores de toxinas também podem ser apli- dutos na aplicação, tomando viável a introdução de antagonistas
-.3dos. As leveduras são capazes de colonizar rapidamente por múltiplas vezes.
271
Manual de Fitopatologia
272
CAPÍTULO
18
CONTROLES CULTURAL E FÍSICO
DE DOENÇAS DE PLANTAS
Ivan Paulo Bedendo, Nelson Sidnei Masso/a Júnior e Lilian Amorim
ÍNDICE
º
grada de um conjunto de medidas para reduzir Algumas práticas culturais podem ser usadas, pre.fererrdaL--
os danos causados pelos patógenos em culturas mente combinadas, como contribuição para minimizar os. efeitos
de interesse econômico. Estas medida~ são de natureza diversa, de doenças sobre a produção de plantas cultivadas. Estas práiri-
envolvendo os métodos genético, químico. biológico, cultural e cas atuam nos três vértices do triângulo da doença - hoSJJC-d'ei,m,
fisico. Neste capitulo estão abordados de fonna resumida os últi- patógcno e ambiente - com o objetivo de favorecer o hospedeiro
mos dois métodos. e criar condições desfavoráveis ao patógeno. As práticas adota-
275
Manual de Fitopatologia
das interferem, na maior parte das vezes, na sobrevivência, na Na rotação de culturas devem ser utilizadas espécies vege-
produção e na disseminação do inóculo dos agentes causais das tais não hospedeiras do patógeno visado pela aplicação deste tipo
doenças. As principais práticas culturais que auxiliam o controle de controle. Como regra geral, é preconizada a alternância de
de doenças de plantas estão abordadas a seguir. plantio de gramíneas com leguminosas. Ressalta-se, no entanto,
que este esquema não é obrigatório, podendo ser feito o uso de
18.1.1 . Rotação de Culturas rotação entre gramíneas e entre leguminosas, desde que as espé-
A prática da rotação consiste no plantio alternado de dis- cies envolvidas não sejam hospedeiras do mesmo patógeno alvo
tintas espécies, na mesma área de cultivo e na mesma época do de controle. Para maior sucesso da rotação, recomenda-se a eli-
ano, ao longo dos anos. Um bom exemplo de rotação é o plantio minação de plantas daninhas ou silvestres que possam atuar como
de trigo e de aveia num mesmo terreno, onde a semeadura das hospedeiros alternativos, as quais podem fornecer condições para
duas espécies é feita alternadamente, em anos diferentes, porém a sobrevivência e desenvolvimento da população patogênica.
na mesma estação de cultivo; nesse caso, no outono/inverno. A rotação de culturas é um recurso viável e desejável como
Quando o plantio alternado de diferentes espécies é feito na forma de controle de doenças. A prática é de fáci l implantação,
mesma área, porém em épocas distintas do ano, esta prática é fornece bons resultados e reduz tanto os gastos com fungicidas
chamada de sucessão de culturas. A sucessão pode ser exempli- como os efeitos destes produtos sobre o ambiente. No sistema de
ficada pelo plantio de trigo no outono/inverno sucedido pela soja plantio convencional, no qual se utiliza o preparo do solo, a rota-
na primavera/verão sempre na mesma área (Tabela 18.1 ). ção é uma prática cultural recomendável, porém para o sistema de
É reconhecido qu~ a monocultura tende a aumentar o inó- plantio direto esta prática chega a ser obrigatória como forma de
culo de patógenos ne.crotróficos com o passar do tempo. Estes manter a viabilidade da cultura em uma deterrninada área. O plan-
patógenos caracterizam-se por retirar nutrientes tanto de tecidos tio direto se caracteriza pela permanência dos restos de cultura no
vegetais em atividade como de tecidos mortos. Assim, patóge- campo, sendo a posterior semeadura feita sem o revolvimento do
nos necrotróficos apresentam duas fases distintas, ou seja, a fase solo pela aração e gradagem. A adoção deste sistema proporciona
patogênica que ocorre no hospedeiro vivo e a fase saprofitica que algumas vantagens como manutenção da umidade do solo, dimi-
se desenvolve nos tecidos mortos, sendo aqui incluídos os restos nuição dos problemas causados por erosão, redução do impacto
de cultura. A monocultura, portanto, fornece substrato ideal para da cultura sobre o ambiente, menor custo de produção e maior
o patógeno, tanto pela presença da planta viva como dos restos produtividade. No entanto, o acúmulo de restos culturais favo-
culturais que ficam no campo após a colheita. rece o aumento da população de patógenos saprofiticos, o que
A obtenção de nutrientes a partir dos restos culturais per- resulta em maior intensidade de doenças na cultura. Em poucos
mite a sobrevivência de patógenos durante a ausência do hospe- anos, a monocultura em plantio direto chega a ser inviabilizada,
deiro principal no campo e também a multiplicação de estruturas tal a importància da ocorrência de doenças. A rotação de cultu-
infectivas capazes de causar doença quando a cultura for nova- ras, nestes casos, se constítui numa fonna de controle obrigatória,
mente implantada. Assim sendo, a remoção ou ente;rio da palhada por reduzir a disponibilidade de substrato e, por consequência, a
e a prática de rotação de culturas resultam na eliminação do subs- população patogênica. Com isto é restabelecido o equilíbrio entre
trato utilizado pelo patógeno, desfavorecendo a manutenção ou o patógeno e os demais componentes da microflora, permitindo
o aumento do seu inóculo. Em ambos os casos, a eliminação do a continuidade do uso do sistema de plantio direto. Em razão das
substrato favorável ao patógeno ocorre pela decomposição dos doenças causadas por patógenos necrotróficos serem mais seve-
restos culturais pela microflora habitante do solo, com a qual ras no sistema de plantio direto, quando comparadas com aque-
o patógeno passa a competir. Em decorrência desta condição, las que ocorrem no sistema de plantio convencional, diz-se que a
ocorre a redução da sua população. Em resumo, o controle pro- rotação de culturas é uma medida de controle obrigatória no plan-
movido pela prática de rotação de culturas tem por princípio a eli- tio direto e recomendada no plantio convencional.
minação do substrato que favorece o agente patogênico.
18.1.2. Qualidade de Sementes, Mudas e Órgãos de
Algumas características do patógeno podem influenciar no
Propagação Vegetativa Sadios
sucesso da rotação de culturas como medida de controle de doen-
ças. Patógenos que têm baixa capacidade saprofítica no solo e Na implantação de uma cultura, em pequena ou grande
sobrevivem exclusivamente em restos de cultura do seu hospe- escala, em cultivo de campo ou protegido, em substrato sólido
deiro são mais facilmente controlados do que aqueles que apre- ou sistema de hidroponia, deve ser observada a qualidade sanitá-
sentam habilidade competitiva e utilizam diversos tipos de matéria ria de sementes, mudas e órgãos de propagação vegetativa. Pelo
orgânica como substrato. Agentes patogênicos que formam estru- fato destes materiais servirem como veículos para patógenos, eles
turas de resistência, coroo escleródios e clamidósporos, são de con- devem ser de padrão fitossanitário confiável, sendo relevante o
trole mais difícil, pois estas estruturas podem manter a viabilidade conhecimento de sua procedência e a idoneidade da sua fonte.
mesmo na ausência de substratos e, portanto, podem garantir a O plantio de materiais portadores de agentes causais de
sobrevivência do microrganismo no solo por longos pe~odos. doenças pode inviabilizar o investimento feito pelo produtor,
Tabela 18.J - Situações de cultivo (sempre na mesma área) com: (1) exclusivamente sucessão de culturas; (2) sucessão de culturas e rotação
na cultura de verão; (3) sucessão de culturas e rotação nas culturas de verão e de inverno.
SitU:t\·ão dl' rullil o Ano 1 - 1u-ima\l'ra /\ erão .\no 1 - outo110/i11\ erno .\110 2 - 11rit11:I\ era IH•nio .\110 2 - outonoiin\l•rno
276
Controles Cultura/ e Físico de Doenças de Plantas
l.3DtO por introduzir um novo patógeno na área de cultivo, como 18. I.3. Realização de "Roguing"
~r aumentar o inóculo de um patógeno anteriormente existente. O "roguing" consiste na eliminação de plantas doentes da
Em espécies anuais, os primeiros danos geralmente se manifes- própria cultura. Esta prática exige inspeções periódicas ~a cul-
:.lm logo no início da cultura, na fonna de redução de estandes e tura, realizadas, por exemplo, em pomares, hortas. canteiros de
sobdesenvolvimento de plantas; posteriormente, os danos pode- flores e viveiros de mudas. A erradicação dos hospedeiros doentes
:ào provocar redução na produção, decorrente de alterações na resulta na diminuição do inóculo e na redução de sua dispersão
- ,1ologia das plantas. Em espécies perenes, as árvores ou arbus- na cultura, pois a planta infectada deixa de atuar como fonte de
:.:is poderão apresentar comprometimento no seu crescimento e inóculo para as plantas sadias (Boxe 18.1).
~n"ldutividade por se desenvolverem desde o início na presença
:-l patógeno. As plantas doentes logo no início do ciclo da cultura
-..!r,,irão de fontes de inóculo para as demais plantas, acelerando a Boxe 18.1 Roguing de citros como medida de controle
; .:.seminação do patógeno. que poderá resultar em maiores danos de huanglongbing
. produção.
Para a avaliação da condição fitossanitária de lotes de O manejo do huanglongbing (HLB) dos citros
sementes existem laboratórios especializados que, através de tes- envolve três medidas de controle: (a) redução das
•~ padronizados, fornecem ao produtor informações sobre a qua- fontes de inóculo, garantida com a erradicação dos
dade das sementes (Figura 18.1 ). Em caso de dúvida sobre a hospedeiros infectados, (b)_ substitui~ão das ~Ia1_1-tas
~,,ndição da semente e na_ impossibilidade de contar com serv!- erradicadas por plantas sadias produzidas em v1verros
~os desta natureza, o produtor deverá efetuar o tratamento qu,- telados e (c) controle do inseto vetor (Diaphorina citri).
mico, biológico ou térmico do lote. Mudas devem ser adquiridas No Estado de São Paulo, a produção de mudas em
de viveiristas idôneos, garantindo desta forma um alto nível de viveiros telados já é mandatória há alguns anos (ver
,anidade do material vegetal. Ainda no caso de mudas, o subs- Boxe 14.1, no Capítulo 14). O controle do inseto vetor,
:roto também pode ser veículo de patógenos, se não for subme- seja pela aplicação de inseticidas, seja pela liberação
udo a tratamento adequado. Exemplo dessa medida de controle de Tamarixia radiata, vespa que atua no controle
o.a cultura dos citros está ilustrado no Boxe 14.1, do Capítulo 14 biológico de D. citri, também é executado por gr~de
- Princípios gerais de controle, desta obra. parte dos produtores. A única medida para a qual amda
há alguma aversão é a eliminação das plantas doentes,
devido ao prejuízo imediato que ela impõe, com a
redução da produtividade do pomar. No entanto, sem
a erradicação de plantas doentes as demais medidas de
controle se tornam ineficazes. Como a incidência de
HLB é maior na bordas dos pomares (Figura 18.2), o
manejo da cultura vem sendo modificado nesses locais,
os quais recebem maior frequência de aplicação de
inseticidas e de amostragens da doença.
277
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas
:.1nto por introduzir um novo patógeno na área de cultivo, como 18.1.3. Realização de "Roguing"
oor aumentar o inóculo de um patógeno anteriormente existente. O "roguing" consiste na eliminação de plantas doentes da
Em espécies anuais, os primeiros danos geralmente se manifes- própria cultura. Esta prática exige inspeções periódicas ~a cul-
'.JJ11 logo no início da cultura, na forma de redução de estandes e tura, realizadas, por exemplo, em pomares, hortas, canteiros de
,ubdesenvolvimento de plantas; posteriormente, os danos pode- flores e viveiros de mudas. A erradicação dos hospedeiros doentes
r.lo provocar redução na produção, decorrente de alterações na resulta na diminuição do inóculo e na redução de sua dispersão
'isiologia das plantas. Em espécies perenes, as árvores ou arbus- na cultura, pois a planta infectada deixa de atuar como fonte de
tos poderão apresentar comprometimento no seu crescimento e inóculo para as plantas sadias (Boxe 18.1).
,rodutividade por se desenvolverem desde o início na presença
,.fo patógeno. As plantas doentes logo no início do ciclo da cultura
servirão de fontes de inóculo para as demais plantas, acelerando a Boxe 18.1 Roguing de citros como medida de controle
disseminação do patógeno, que poderá resultar em maiores danos de huanglongbing
.1 produção.
Para a avaliação da condição fitossauitária de lotes de O manejo do huanglongbing {HLB) dos citros
,;emeutes existem laboratórios especializados que, alravés de tes- envolve três medidas de controle: (a) redução das
1.eS padronizados, fornecem ao produtor informações sobre a qua- fontes de inócu.lo, garantida com a erradicação dos
lidade das sementes (Figura 18.1 ), Em caso de dúvida sobre a hospedeiros infectados, (b) substituição das plantas
condição da semente e na impossibilidade de contar com servi- erradicadas por plantas sadias produzidas em viveiros
cos desta natureza, o produtor deverá efetuar o tratamento qui- telados e {e) controle do inseto vetor (Diaplwrina citri).
~ico biológico ou térmico do lote. Mudas devem ser adquiridas No Estado de São Pau.lo, a produção de modas em
Je vi,veiristas idôneos, garantindo desta forma um alto nível de viveiros telados já é mandatória há alguns anos (ver
-.inidade do material vegetal. Ainda no caso de mudas, o subs- Boxe 14.1, no Capítulo 14). O controle do inseto vetor,
trato também pode ser veículo de patógenos, se não for subme- seja pela aplicação de inseticidas, seja pela líberação
tido a tratamento adequado. Exemplo dessa medida de controle de Tamarixia radiata, vespa que atua no controle
na cultura dos citros está ilustrado no Boxe 14. l, do Capítulo 14 biológico de D. dtri, também é executado por gr~de
- Princípios gerais de controle, desta obra. parte dos produtores. A única medida para a qualamda
há alguma aversão é a eliminação das plantas doentes,
devido ao prejuízo imediato que ela impõe, com a
redução da produtividade do pomar. No entanto, sem
a erradicação de plantas doentes as demais medidas de
controle se tomam inefica zes. Como a incidência de
HLB é maior na bordas dos pomares (Figura 18.2), o
manejo da cultura vem sendo modificado nesses locais,
os quais recebem maior frequência de aplicação de
inseticidas e de amostragens da doença.
277
Manual de Fitopatologia
Destaca-se a importância desta prática, sobretudo. para as vadas, dani nhas e silvestres. Estas espécies podem desempenhar
doenças causadas por vírus, bactérias e fitoplasmas transmitidos um papel importante na ocorrência de doenças, pois por abriga-
por insetos vetores, como pulgões, psilídeos, cigarrinhas e tri- rem patógenos garantem sua sobrevivência e a multiplicação de
pes. O ·'roguing'" terá maior chance de sucesso para o controle de suas estruturas reprodutivas. Assim, servem c:omo fonte de inó-
doenças cujo agente causal infecta somente a espécie cultivada ou culo, tanto para a introdução do patógeno numa cultura recém-
possui uma restrita gama de hospedeiros. instalada como para sua disseminação dentro de uma cultura já
estabelecida. A remoção de hospedeiros alternativos é uma prá-
18. 1.4. Eliminação de Plantas Voluntárias
llca de manejo que visa à erradicação de agentes de doença e que
Plantas voluntárias, também conhecidas como tigueras, mesmo sendo feita de forma incompleta. reduz a permanência e a
são plantas da própria cultura que permanecem no campo após a dispersão destes agentes na área de plantio. Constitui-se em uma
colheita (Figura 18.3). Geralmente são originárias da germinação das mais antigas práticas de controle. Um exr!mplo está descrito
de sementes que caíram no solo ou de órgãos de reprodução vege- no Boxe 14.2. do Capítulo 14 - Princípios gerais de controle.
tativa como tubérculos e bulbos que não foram colhidos. Estas desta obra.
plantas podem abrigar o patógeno e favorecer sua sobrevivên-
cia durante o período em que o hospedeiro principal estiver fora 18.J .6. Elimínação de Restos d e Culltu r a
da área de plantio. Quando a cultura for novamente instalada, as A capacidade saprofitica de grande pane dos patógenos
plantas voluntárias podem atuar como fonte de inóculo, dissemi- vegetais é responsável por sua sobrevivência e multiplicação nos
nando as estruturas dp agente causal da doença para as plantas restos de cultura. Os agentes causais de doenças encontram nos
jovens. A eliminação de plantas voluntárias é prática recomen- restos culturais substratos favoráveis para seu desenvolvimento,
dada, sobretudo, para patógenos biotróficos. No caso de patóge-
quando o hospedeiro vivo está ausente. A monocultura favorece o
nos transmitidos por vetores essas plantas podem ser hospedeiras
aumento do inóculo de patógenos saprofiticos ao longo do tempo,
voluntárias de ambos. Exemplo dessa medida de controle na
a ponto de tomar inviável o cultivo do hospedeiro naquela área
cultura da soja é o vazio sanitário, descrito nos itens 2.2.8, <lo
de plantio.
Capítulo 2. e 14.7, do Capítulo 14, desta obra.
O preparo convencional do solo, pelo iuso da aração e gra-
dagem, promove o enterrio deste material. Com isto. este subs-
trato vegeta! se toma acessível à microflom natural do solo, a
qual compete com o patógeno para sua utilização. A competição
e a decomposição mais rápida dos restos de cultura incorporados
ao solo reduzem a população patogênica e, por consequência, sua
sobrevivência.
278
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas
Ili
'E
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oz
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/ à quan tidade de água. Atenção especial deve ser dispensada às
áreas de viveiros de produção de mudas, pois neste caso há uma
"' grande população de plantas, cujo estádio de desen volvimento
õ.
..,., 'º e
associado ao excesso de umidade favorece o ataque de patógenos.
o ~a A água presente na atmosfera tem papel importante sobre
<D
<>
5 '6 os processos de liberação. dispersão, germinação e penetração de
::,.
o estrumras infectivas no tecido vegetal. Evitar locais de baixada
~
H
o:
o~
/ muito sujeitos à fonnação e pennanência de orvalho contribui
para reduzir a severidade de doenças foliares, pois a formação de
lâmina d 'água sobre as folhas favorece a genninação de estrutu•
'º ras füngicas e a penetração de esporos e de células bacterianas.
ºª O controle da irrigação por aspersão, tanto em número de regas
06
como em volume de água. contribui para evitar a liberação de inó-
º' culo de fungos e bactérias formados em matrizes gelatinosas. Além
n disto, este controle poderá reduzir a dispersão de inóculo dentro
00
da cultura, causado pelos respingos de água nas folhas e fonna-
ção das gotículas que constituem os aerossóis. Vale lembrar que
Tef1110 (dll!S)
a umidade relativa alta no interior da cultura é condição favorável
Figura 18.4 Curvas de progresso de queima do broto da soja (To- para o desenvolvimento de patógenos de natureza fúngica e bacte-
bacco streak vírus) nas variedades de soja IAC-4 riana. A irrigação por aspersão é um fator relevante para a produ-
(A, C, E, G) e FT-10 (B, D, F, H), em plantios su- ção. mas o seu descontrole favorece o desenvolvimento de doenças
cessivos nas seguintes datas: 21 de outubro (A-8), em ambientes de viveiro e campo, sobretudo nas áreas sob sistema
19 de novembro (C-D). 24 de novembro (E-F) e 22 de de pivô central. As outras formas de irrigação, quando descontrola-
dezembro de 1987 (G-11). A incidência da doença é das, também podem favorecer o desenvolvimento de doenças.
maior nos plantios de outubro e novembro (A-F) com-
parada aos de dezembro (G-H). devido à desfavorabi- 18.1.12. Nutrição Mineral
lidade climática do verão à população do vetor. O desequilíbrio associado à deficiência ou ao excesso de
Fonte: Dados de Almeida et ai. ( 1994). elementos minerais, sejam macro ou micronutrientes, favorece a
279
Manual de Fitopatologia
doença por reduzir o desenvolvimento normal da planta e dimi- é comprovadamente favorável ao desenvolvimento de agentes de
nuir sua resistência ao agente patogênico. O nitrogênio, quando doenças. Além deste aspecto, a maior entrada de luz pode contri-
aplicado em excesso, favorece o patógeno por tomar os tecidos buir para maior produtividade.
vegetais mais tenros e retardar sua diferenciação, mantendo o
hospedeiro suscetível por um maior período de tempo. A defici- 18.1.15. Barreira Física
ência deste elemento reduz o vigor da planta e diminui sua capa- A instalação de barreiras físicas é uma prática viável, prin-
cidade de reação ao patógeno. A forma do nitrogênio disponível cipalmente para culturas que ocupam áreas relativamente peque-
para a planta também pode influenciar a severidade de doenças, nas, como as hortaliças. Uma das finalidades das barreiras é
em função do sistema hospedeiro-patógeno. Para alguns casos, reduzir o ac1~sso de vetores de patógenos ao interior da cultura,
a forma amoniacal se mostra mais favorável à doença, enquanto na tentativa de diminuir a disseminação de agentes de doenças
para outros, o nitrogênio na forma de nitrato se apresenta como (Figura 18.5'). Os vetores visados são insetos capazes de transmi-
fator determinante de maior severidade da doença. Ainda, existe tir vínis, bactérias e fitoplasmas. Os vetores podem se abrigar em
uma relação entre o pH e a forma de nitrogênio, tanto que a apli- hospedeiros alternativos, localizados nas adjacências da cultura,
cação da forma amoniacal ou de nitrato pode aumentar a seve- ou mesmo migrarem de locais mais distantes, introduzindo os
ridade de doenças favorecidas por pH ácido ou pH neutro a patógenos na área cultivada. O estabelecimento de barreiras físi-
alcalino, respectivamente. Assim, a nutrição nitrogenada tem um cas, representadas por fileiras de plantas ou telas de malha fina,
importante papel na intensidade de doença. também contribui para diminuir a livre movimentação de insetos
O fósforo e o potássio, bem como os micronutrientes, têm de fora para dentro da cnltura. Esta prática poderá reduzir a pre-
papel variável sobre o desenvolvimento de doenças, sendo favo- sença de vetores, resultando em menores índices de incidência ou
ráveis ou desfavoráveis em função do patossitema. É aceito, de severidade de doença.
de modo geral, que o potássio aumenta a resistência da planta,
enquanto o uso de quantidades adequadas de fósforo garante o
bom desenvolvimento do hospedeiro. No entanto, o bom senso
aponta que estes elementos devem ser utilizados sempre de forma
equilibrada, evitando-se as deficiências e os excessos. Com isto, o
hospedeiro terá melhores condições para seu crescimento normal
e para expressar sua capacidade de reação ao patógeno. A influên-
cia dos nutrientes no progresso de doenças de plantas está discu-
tida com mais detalhes no item 7.1.3, <lo Capítulo 7 -Ambiente e
doença, desta obra.
18.1.13. pH do Solo
A variação do pH confere ao solo diferentes graus de acidez
ou alcalinidade, condições estas que podem ter efeito tanto sobre
o patógeno como o hospedeiro. A faixa de pH pode interferir na
absorção de nutrientes pela planta e, consequentemente. no seu
crescimento. Esta interferência negativa pode levar a planta à pre-
disposição ao ataque de patógenos. O pH pode também favorecer
ou desfavorecer a sobrevivência e o desenvolvimento de micror-
Figura 18.5 - Plantio protegido de tomateiro. O plástico da cobenura
ganismos patogênicos presentes no solo. Com isto, a infecção do
e as telas das laterais protegem a cultura contra insetos
hospedeiro poderá não ocorrer ou a doença se manifestar com
vetores de patógenos.
diversos níveis de severidade. É reconhecido que os patógenos
Crédito da foto: Jorge A.M. Rezende.
fúngicos são favorecidos por faixas de pH ácido, enquauto as
bactérias fitopatogênicas encontram melhores condições de
desenvolvimento em ambientes próximos à neutralidade ou ligei- A cobertura de plantas com telas (Figura 18.6A) ou túneis
ramente alcalinos. Assim, o pH deve ser considerado como um plásticos (Figura 18.68, C) evita a ocorrência de injúrias ocasio-
fator relevante para o manejo e, em alguns casos, justifica a pre- nadas por granizo e, conseq uentemente, reduz a infecção de pató-
dominância ou importância de detenninadas doenças em função genos que penetram via ferimento. O uso dos túneis plásticos,
da acidez ou da alcalinidade do terreno. Destaca-se que algu- além da proteger as plantas contra injúrias, também diminui s ig-
mas doenças podem ser controladas somente pela alteração do nificativamente o período de formação de orvalho, o que desfavo-
pH do solo. rece a infec1;ão de patógenos fúngicos e bacterianos. A incidência
de míldio em videiras conduzidas sob túneis plásticos é tão baixa
18.l.l4. Poda de Limpeza que permite: redução significativa na frequência de aplicação de
Esta prática cultural é recomendada especialmeute para fungicidas. Em algumas culturas, como no morangueiro, é prática
espécies frutíferas de clima tropical, pois aquelas temperadas habitual a cobertura do solo com plástico ou serragem, a fim de
passam normalmente pela poda de inverno. A poda de limpeza evitar o contato do fmto com agentes fitopatogênicos habitantes
consiste na eliminação do excesso •de ramos, visando evitar as do solo. causadores de podridões (Figura 18.7).
condições de ambiente favoráveis aos patógenos. Este procedi- As ceras agem como uma película protetora das frutas, man-
mento promove o arejamento entre as plantas, impedindo, sobre- tendo a firnoeza da polpa por mais tempo. Usualmente as ceras
tudo, a ocorrência de alta umidade relativa no ambiente, fator qne modificam a atmosfera ao redor dos frutos, elevando os níveis
,,,-
280
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas
.
nectarinas com aplicação de cera de carnaúba (Figura 18.8).
281
Manual de Fitopatologia
282
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas
283
Manual de Fítopatologia
284
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas
subsequentes. Na hipótese da reintrodução de um microrganismo veis à atuação de antagonistas. Como alternativas para melhorar
patogênico, que, via de regra acompanha as mudas e sementes, a eficiência da solarização nas camadas mais profundas do solo
~ste encontrará um ambiente sem competidores e sua população propõe-se sua associação com agrotóxicos ou com organismos de
Jumentará rapidamente, infestando todo o solo. Por essa razão, controle biológico. Normalmente, propágulos de microrganismos
.:,s efeitos do tratamento térmico do solo com vapor não são dura- patogênicos estressados pelo calor são mais vulneráveis à ação de
douros e o procedimento tem que ser repetido com frequência. agrotóxicos. Consequentemente, a dose de agrotóxico requerida
Apesar disso, esse método apresenta-se como alternativa viável para inativar esses propágulos é menor após a exposição ao calor
ao uso do brometo de metila. Porém, o brometo de metila é extre- (Gamliel, 2012).
mamente nocivo à camada de ozônio e seu uso foi proibido pelo Comparando a solarização com outros métodos de desin-
Protocolo de Montreal. festação do solo (químico ou uso de vapor), algumas vantagens
são bastante evidentes:
18.2.5. Solarização do Solo
• A solarização não deixa resíduos tóxicos e não representa
O método de controle de patógenos do solo denominado perigo para o agricultor.
;.olarização baseia-se no uso da energia solar. Antes do plantio, o
solo úmido é coberto por filme plástico transparente por período
• É um método seletivo de desinfestação, eliminando
principalmente os patógenos. O fato das temperaturas
11inimo de um mês, durante o verão. O efeito estufa criado sob o
serem menores que aquelas atingidas na desinfestação
-.1ástico aquece o solo até temperaturas letais para os patógenos.
por vapor, proporciona sobrevivência de boa parte dos
Desenvolvida erri Israel pelo pesquisador iraquiano Jaacov microrganismos benéficos, cuja suscetibilidade ao calor é
;.;.atan, radicado naquele país desde 1951 , com a colaboração de
menor que a dos patógenos. O mesmo raciocínio é válido
_m grupo de pesquisadores e extensionistas israelenses (Katan et
para o controle com produtos químicos, muito pouco sele-
al.. 1976), essa técnica é muito eficiente na redução do inóculo
tivos. Assim, a solarização não cria o "vácuo biológico" no
dos patógenos veiculados pelo solo e representa mais uma pro-
solo. Além do controle dos patógenos (fungos, bactérias e
:r.1ssora alternativa ao uso do brometo de metila. Para que atinja
nematoides), a técnica também é eficiente contra pragas e
;:ilenamente os resultados esperados, no entanto, alguns fatores
plantas daninhas.
devem ser observados:
• Seus efeitos são duradouros, geralmente percebidos durante
• O solo a ser solarizado deve estar úmido. Solo úmido tem
duas ou três safras. Após a retirada do plástico, o solo será
a condutividade térmica aumentada, pennitindo aqueci-
recolonizado pelos microrganismos benéficos sobreviven-
mento mais rápido e em maior profundidade.Além disso,
tes, dificultando o estabelecimento dos patógenos, mesmo
no solo úmido as estruturas de resistência dos patógenos
que reintroduzidos. Dessa forma, a solarização não precisa
estão mais vulneráveis à ação do calor.
ser repetida a cada ano.
• O filme plástico utilizado deve ser transparente, com 25 a Entretanto, essa técnica apresenta algumas limitações: sua
100 µm de espessura. Esse tipo de plástico permite a pas- aplicação é restrita às regiões onde o clima é favorável, além
sagem dos raios de ondas curtas provenientes do sol, mas
de exigir que o solo fique improdutivo por período mínimo de
impede a passagem dos raios de ondas longas provenien- um mês. Para algumas honaliças, como por exemplo, a alface,
tes do solo aquecido, criando o efeito estufa. esse período de tempo, numa época de alta incidência de radia-
• O solo deve permanecer coberto por período mínimo de ção, pode representar uma safra a menos para o agricultor. Além
um mês antes do plantio, durante o verão, quando a inci- disso, o plástico da solarização não pode ser reutilizado e cons-
dência de radiação solar é maior. titui-se em resíduo não biodegradável. No entanto, os benefícios
• As bordas do filme plástico devem ser enterradas para decorrentes de sua aplicação são numerosos e, em curto ou médio
prevenir perdas de calor. Com o mesmo propósito, prazo, superam as desvantagens.
devem ser evitados danos ao filme, que, quando ocor- No Brasil a solarização do solo vem sendo aplicada, com
rerem, devem ser consertados imediatamente. excelentes resultados, em estufas e áreas de produção de alface,
• No momento da instalação da cultura, deve-se evitar uma cenoura, morango, tomate, berinjela, cebola, crisântemo, etc. A
bordadura de um metro. Apesar do cuidado para evitar lista de patógenos controlados por essa técnica também é extensa
perdas de calor, acima mencionado, essas perdas ocor- e inclui Pythium, Phytophthora, Rhizoctonia, Sclerotiwn, Sclero-
rem e, nas bordas, o processo de solarização não é tão tinia, Fusarium, Verticillium, Macrophomina e Ralstonia (Ghini
eficiente. Além disso, é nas bordas que ocorrem as conta- et ai., 1992; Patrício et al., 2007; Ambrósio et al., 2009).
m inações com solo adjacente não solarizado. Estudos conduzidos no Brasil mostram que a solarização
Quando bem aplicada, a solarização permite o aquecimento pode ser associada à incorporação de determinados resíduos
das camadas superficiais do solo até 52 "C. Camadas mais pro- vegetais ao solo, melhorando a eficiência e a rapidez do processo,
:',mdas (20 cm) atingem, em média, 44 a 45 "C. Essas tempera- pela liberação de gases fungitóxicos por esses resíduos. Tal pro-
:..1ras estão cerca de 8 a 12 ºC acima das observadas em solo não cedimento, portanto, confere um efeito aditivo à solarização.
coberto pelo plástico. As temperaturas atingidas nas camadas Entre os resíduos testados, mandioca brava, brócolos, eucalipto e
5uperficiais são suficientes para inativar os propágulos rapida- mamona mostraram bom desempenho em relação ao controle de
:nente, porém, nas camadas mais prof!!ndas, onde as temperatu- Fusarium oxysporum, Rhizoctonia solani, Macrophomina phase-
;:is são sub-letais, são necessários vários dias ou semanas para olina e Sclerotium rolfsii (Ambrósio et al., 2008).
que ocorra o controle. Nessas camadas mais profundas a inativa- No caso da descontaminação de pequenos volumes de solo
,;.ão ocorre pelos efeitos acumulativos do calor, que enfraquecem ou substratos para produção de mudas, uma alternativa simples e
gradativamente os propágulos e também os tornam mais suscetí- econômica, derivada da técnica da solarização, é o uso do coletor
285
Manual de Fitopatologia
solar, equipamento desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Essa técnica também já mostrou bons resultados com outras fru-
(Ghini & Bettiol, 1991 ). Esse equipamento é composto, basica- tas e hortaliças (Benato et ai., 2006).
mente, por tubos de chapa galvanizada no interior de uma caixa Porém, piela característica de baixa penetrabilidade da radia-
de madeira coberta por um filme de plástico transparente. O subs- ção UV-C, sua, ação direta sobre infecções latentes ou já estabe-
trato é colocado no interior dos tubos e o equipamento é deixado lecidas é nula. Seus efeitos gennicidas limitam-se à superficie
ao sol (Figura 18.13). Estudos mostraram que basta um dia de dos órgãos traltados. Entretanto, diversos estudos mostram que a
radiação plena para eliminar os mais importantes patógenos vei- UV-C também possui um efeito indireto de indução de resistência
culados pelo solo (Ghini, 1993). contra os patógenos. Esse efeito parece estar relacionado à pro-
dução de substâncias tóxicas aos fungos. principalmente fenóis,
nas camadas superficiais de células dos frutos tratados com UV-C
(Benato et ai.. 2006; Terao et ai., 2015).
286
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas
.im ambíente desfavorável à maturação dos produtos armazena• Gonçalves. F.P.; Martins. M.C.: Silva Jr., G.J.; Lourenço. S.A.: Amorim,
dos. príncipalmente pela redução na taxa de respiração. Como L. Postharvest control of brown rot and Rhizopus rot in plums and
consequência do retardamento na maturação ocorre uma dimi- nectarines using camauba wax. Postbarvest Blology and Technol-
nuição na pré-disposição do produto armazenado às doenças de ogy 58: 211-217, 2010.
pós-colheita. Além deste efeito indireto, o ambiente modificado Katan. J.; Greenberger, A.; Alon, H.; Gristein. A. Solar heating by poly-
pode atuar de forma direta, suprimindo o desenvolvímento de ethylene mulching for lhe control of diseases caused by soil-bome
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produto é aínda mais favorecida quando no armazenamento e no Kuniyuki, H. & Betti, J.A. Obtenção de clones isentos de vinis de videira
.ransporte a prática de atmosfera controlada é aliada ao processo através de tennoterapia em São Paulo. Summa Phytopathologica
de refrigeração. O princípio da atmosfera modificada é similar, 13: 173-184, 1987.
vu seja, também baseado na redução da concentração de 0 2 e
aumento de CO,, porém sem a possibilidade de controle nas pro- Nicot, P.C.; Mem1ier. M.: Vaissiêre. B.E. Differential spore production
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287
CAPÍTULO
19
SISTEMAS DE PREVISÃO E AVISOS
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim
ÍNDICE
289
Manual de Fitopatologia
290
Sistemas de Previsão e Avisos
• simplicidade - quanto mais simples for o modelo a ser de juros compostos (Vanderplank. 1963). E outras há que, sem
implementado, maiores as chances de sua aceitação pelos pro- se situarem em um grupo ou no outro, podem chegar a níveis
dutores; epidêmicos caso coincidam condições razoáveis para o desenvol-
• importância - a doença considerada pelo modelo deve vimento do patógeno aliadas a razoável quantidade de inóculo
ter ocorrência esporádica; caso invariavelmente ocorra, ou não inicial. A classificação de modelos de previsão baseia-se nestas
ocorra, o modelo terá pouca utilidade; três situaçõt:s.
• utilidade - a doença em questão deve ter controle econô- 19.5.ll. Modelos de Previsão Baseados no lnóculo
mico conhecido, além de conveniente metodologia de detecção Inicial
e avaliação;
Informações sobre a quantidade de inócu\o iniclal podem
• disponibilidade - o monitoramento do ambiente, pató- ser usadas para prever doenças pertencentes a três subgrupos prin-
geno ou doença deve ser feito através de tecnologia apropriada cipais: as monocíclicas, típicas desta situação; as policíclicas de
e acessível; para o caso do ambiente, pode-se utilizar um sim- poucas gerações do patógeno por ciclo ua cultura; as policíclicas
ples higrógrafo ou um sofisticado microprocessador. Para o caso que, por qualquer razão, tenham na quantidade ou qualidade do
da doença, métodos que relacionem incidência com severidaJe inóculo inicial um fator de grande importância epidemiológica.
devem estar disponíveis; • Mu1rcha bacteriana do milho (Pantoea stewartii subsp.
• diversas doenças - o modelo deve fornecer suporte para a stewartii, sinonímia: Envi11ia srewartil) - o primeiro modelo de
tomada de decisão considerando mais de uma doença ou peste. O previsão publicado na literatura fitopatológica foi desenvolvido
agricultor cada vez menos tem interesse por sistemas que tratem por Stevens: (1934) para o sistema milho-P. stewartii. O modelo
de um só problema; de Stevens prevê, para a região nordeste dos E.V.A., incidência
• custo - o custo do uso do modelo deve ser uma fração do severa da doença caso a temperatura média mensal para os meses
benefício potencial advindo de seu uso. de dezembro, janeiro e fevereiro seja igual ou maior que 1,0 ºC e
incidência pequena para médias abaixo de -1,0 ºC. Curiosamente,
Mesmo um modelo de previsão que tenha todas as quali- estas regras foram desenvolvidas antes mesmo da descoberta que
dades anteriormente mencionadas pode não se tomar popular. o patógeno sobrevive durante o inverno no coleóptero Chaetoc-
Os agricultores, geralmente, têm o que se chama aversão ao nema pu/icaria. As baixas temperaturas, portanto, afetam o vetor,
risco (Norton & Mumford, 1993) e não estão inclinados a tro- sem influenciar a bactéria. O inóculo inicial é o parâmetro domi-
car a segurança de um esquema fixo de pulverizações, haja ou nante na epidemiologia desta doença que, apesar de policíclica,
não condição para a doença crescer, pela possibilidade de redu- caracteriza--se por apresentar poucos ciclos do patógeno durante
zir seus gastos com fungicidas. Esta atitude dos agricultores é cada período de cultivo do hospedeiro. A medida de controle
tão mais arraigada quantú mais valiosa a cultura em questão e só recomendada para os anos de previsão de doença severa é o uso
um modelo que mostre alta confiabilidade poderá reverter essa de variedades resistentes ou o controle químico do inseto vetor.
situação. Esta é uma das razões pelas quais tão poucos agricul- O modelo de previsão de Stevens foi computadorizado (Castor et
tores aderem a um sistema de previsão. Além disso, a adoção de ai., 1975) e vem sendo aprimorado, levando em consideração a
sistemas de previsão, na maior parte dos casos, não é duradoura. suscetibilidade do hospedeiro. O sistema original foi concebido
Como o sistema auxilia os agricultores a "entender" o processo para cultivares suscetíveis, porém em cultivares mais resistentes
epidêmico, modificando suas percepções e práticas de manejo de os limites de temperatura podem ser mais elásticos (Meyer et ai.,
doença, é comum que após uma década de adoção do sistema, 2009).
agricultores deixem de consultá-lo por acreditarem que são auto- • Podlridão de raízes de ervilha (Aphanomyces e11teicl1es)
suficientes na decisão do melhor manejo. O impacto de bons e outros patógenos veiculados pelo solo - uma técnica simples
sistemas de previsão de doenças é pedagógico e, muitas vezes, para a determinação do perigo potencial de ocorrência da podri-
indireto, moldando conceitos de manejo do agricultor. O desafio dão de raízes em ervilha, causada pelo fungo A. euteiches, foi
contínuo para os pesquisadores é construir ferramentas relevantes desenvolvida em Wisconsin, E.V.A. (Sherwood & Hagedom,
aos agricultores, que melhorem sua habilidade de gerenciamento 1958). Amostras de solo das regiões onde se planeja plantar ervi-
da lavoura (Gent et ai., 2013). lha são trazidas, durante o inverno, para casa de vegetação e são
semeadas com ervilha. As regiões cujas amostras de solo mos-
19.5. CLASSIFICAÇÃO DE MODELOS DE PREVISÃO trarem incidência severa da doença não serão utilizadas para o
Os modelos matemáticos mais simples utilizados para plantio de ervilha. O método tem bom potencial de emprego para
descrever o crescimento de doenças, como o logístico e o mono- todos os patógenos de disseminação deficiente durante o ciclo de
molecular (apresentados no Capítulo 5), baseiam-se em apenas cultivo da planta, como é o caso ue F11sarium, Verticillium, Scle-
duas variáveis biológicas: a quantidade de inóculo inicial e a taxa rotium e muitos nematoides.
de aumento da doença. Há doenças que somente terão condições • "Fire blight" da macieira e pereira (Erwini11 amy/qvora) -
de causar epidemia numa determinada estação de cultivo caso seu de todos os órgãos da macieira e da pereira, a inflorescência é o mais
inóculo inicial esteja anonnalmente elevado. É o caso, por exem- suscetível ao ataque de E. ,11nylovora, sendo obrigatória a aplicação
plo, de muitas doenças monocíclicas, também chamadas doenças de um bacDericida caso a população do patógeno tome-se suficien-
de juros simples (Vanderplank, 1963). Outras doenças, ao con- temente grande. Como nem sempre tal acontece, um sistema de
trário, mesmo parcindo de inóculo-inicial insignificante, podem previsão para esta doença é altamente desejável. Estudos pionei-
rapidamente, dentro de uma estação de cultivo, atingir níveis epi- ros, levados a efeito no estado da Calífómia, E.Li.A., mostraram
dêmicos, chegando mesmo a destruir toda a cultura. Exemplos uma forte ,correlação entre a temperatura no pomar e a concen-
são abundantes entre as doenças policíclicas, também chamadas tração de células bacterianas sobre as inflorescências (Thomson
291
Manual de Fitopatologia
e o B1S95 (Billing, 1996), do Reino Unido. Esses sistemas são Temperatura (ºC)
bastante utilizados, porém continuam com a restrição de mostra-
rem-se adequados às condições específicas em que foram desen- Figura 19.2 - Relação entre horas de rnolhamento e temperatura com
volvidos. Qualquer tentativa de uso em condições diferentes deve a probabilidade de ocorrência da sarna da macieira. Ver
ser precedida de validaçpes. texto para detalhes.
• Podridão branca da cebola (Stromatina cepivora, Fonte: Dados de Mills ( 1944).
sinonímia Sc/erotium cepivorum) e outros patógenos veicu-
lados pelo solo - S. cepivora sobrevive no solo na forma de
escleródios negros de aproximadamente 0,5 mm de diâme- outono, muitas vezes, o inóculo inicial é tão baixo que, mesmo
tro. Adams (1979) desenvolveu um método de quantificar o em condições adequadas, a aplicação de fungi1:idas é desneces-
patógeno, através da contagem de escleródíos, após a pas- sária. Para tanto é comum o uso de armadilhas volumétricas capa-
sagem sucessiva de amostras de solo em peneiras com malha zes de succionar continuamente um volume de a.r predetenninado
de 2 e 0,18 mm. Uma relação empírica, na forma da equação no pomar (Figura 19 .3). Os esporos dispersos no ar ficam aderi-
dos a superflcies adesivas que são, posteriormente, examinadas
y = 6,41 + l 2,38x- 0,65.r (19.2) ao microscópio, ou submetidas a anticorpos espc,cíficos marcados
com enzimas flourescentes.
foi encontrada, onde y é a incidência da doença (porcentagem) na
colheita ex, o número de escleródios por 100 g de solo (Adams,
1981 ). Modificações deste método, também referido como deter-
minação direta do inóculo inicial, podem ser desenvolviaas para
outros patógenos veiculados pelo solo e que permitem uma rápida
quantificação de seus propágulos, como espécies de Sc/erotíum e
nematoides, especialmente aqueles formadores de cistos, como
Heterodera e Globodera.
• Sarna da macieira (Venturia inaequalis) - o patógeno
sobrevive entre um ano e outro nas folhas caídas de macieira,
na forma de ascocarpo. Na primavera, ascósporos são ejetados
•
de seus ascocarpos, dando origem ao inóculo inicial da epide-
mia. O número de ascósporos presente nos pomares é quase sem-
pre alto nesta época, mas fatores do ambiente desempenham um
papel chave para o sucesso da infecção. Assim, é mais aconselhá-
vel. monitorar as condições de ambiente que levam à infecção do e D
que quantificar os ascósporos presentes no ar. O modelo de pre-
visão da sarna da macieira identifica períodos de infecção, tam- Figura 19.J - (A) Annadilha caça-esporos de sucção volumétrica:
bém chamados períodos críticos, durante os quais as condições um volume conhecido de ar penetra por uma pequena
do ambiente favorecem o estabelecimento da infecção. A identi- fenda na parte superior da tampa frontal da armadilha
ficação destes fatores (Figura 19.2) foi feita por Mills (1944) e graças à pressão negativa fornecida por uma bomba de
Mills & LaPlante (1951 ). A base biológica do modelo baseia-se vácuo, embutida na parte posterior da armadilha, mo-
na presença de água livre sobre a folha, fator essencial para a vimentada por energia solar; (B) visão da armadilha
germinação dos ascósporos e posterior penetração dos tecidos do sem a tampa frontal, mostrando o disco plástico que,
hospedeiro, e no fato de a temperatura influenciar a velocidade ao ser recoberto por vaselina, perrrnite adesão dos es-
destes processos. Ainda hoje, o modelo proposto originalmente poros. Esse disco tem movimento giratório constante
por Mills mostra-se eficaz existindo, inclusive, microproces- fornecido por um mecanismo de rel.ógio, completanto
sadores disponíveis comercialmente baseados em seus princípios uma volta em seu próprio eixo após uma semana; (C
{Jones et al. 1980; 1984). O monitoramento dos ascósporos tem e D) Detalhe do disco em que os esporos ficam aderi-
sido proposto como medida adicional para uma recomendação dos, e de sua caixa de transporte.
segura, pois com práticas de sanitização realizadas no final do Crédito das fotos: Keila Maria Roncato Duane.
292
Sistemas de Previsão e Avisos
293
Manual de Fitopatologia
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Muito alto 4 ,,o -~ 30
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Moderado 2 CI)
0-29 30-59 60-89 90-119 120-149 150-179
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CI)
Valores de severidade
Possível
o
ni Figura 19.7 - Frequência de campos de batata, no estado da Pensil-
>
vânia, E.U.A., que apresentaram valores acumulados
1mpossível +0-2~-4.----,6.--"TB_,_1T"o-11-2----.14_._1.,..6-,.-s---,20.--2·2-2+4o de severidade (calculados pelo sistema BLITECAST)
entre O e 29, 30 e 59, 60 e 89. 90 e 119, 12Ó e 149 e
Períodos (h) com umidade relativa> 90% 150 e 179, na somatória dos anos 1974, 1975 e 1976.
Fonte: Mackenzie (1981 ).
Figura 19.S- Valores de severidade para a requeima da batata {O= in-
fecção impossível, 1 = possível, 2 = moderada, 3 = alta,
4 = muito alta) de acordo com o número de horas de também precisa ser validado antes de seu uso em locais/situa-
umidade relativa superior a 90% e com a temperatura. ções diferentes daqueles para o qual foi desenvolvido (Grunwald
As linha A, 8 e C correspondem aos intervados de tem- et ai., 2000; 2002). Estudo comparativo entre o número previsto
perarura 60-80 "F, 54-59 ºF e 45-53 ºF, respectivamente. de aplicações pelos modelos BLITECAST e SIM-CAST com o
Fonte: Mackenzie (1981). número efetivamente executado pelos produtores, mostrou que,
nos países desenvolvidos, o BLITECAST apresenta maior con-
Tabela 19.1 - Esquema de pulverizações recomendado pelo modelo cordância com a prática dos agricultores (Hijmans et al., 2000).
BLITECAST, baseado em dias favoráveis à requeima
e número acumulado de valores de severidade. 19.5.3. Modelos de Previsão Baseados no Inóculo
Inicial e no lnóculo Secundário
Dias fa, orá, eis . . . Modelos de previsão para doenças policíclicas seriam, de
. \ alorr, dr seH·nclaclc' (l'm 7 dias)
(7 chas)
modo geral, mais acurados caso se baseassem em ambos os tipos
0-2 3 4 5-6 >7 de inóculo: inicial e secundário. No entanto, em virtude de serem
<5 -1 -1 o 7 2 de mais dificil construção, requerendo sempre um maior "input"
::,_ 5 -1 o 2 2 de dados, além de apresentarem, geralmente, uma implementação
mais complicada, poucos modelos existem com estas caracteristicas.
1
Severidade: -1 = não pulveriz.e; O= alerta; 1 = pulverize a cada 7 dias; • Septoriose do trigo (Septoria triticz) - nos países tempe-
2 = pulverize a cada 5 dias. rados, na cultura do trigo de inverno, Septoria trifiei é um sério
Fonte: Krause et ai. ( 1975). problema. Um sistema de previsão da doença desenvolvido na
Ing laterra (Shaw & Royle, 1986) baseia-se no nível inicial de inó-
....
,z culo na primavera e na favorabilidade do ambiente para poste-
rior disseminação do patógeno. O primeiro critério define urna
pulverização somente se um detenninado limiar for atingido,
j ,.
ºº enquanto que o segundo diz respeito à chuva, e considera não só
;
~
..
••
12
a ocorrência e a quantidade, mas também seu poder de respingo
("splashness "). Este é quantificado por meio de um ' respingôme-
! ••..
,8
00
tro', que determina o movimento ascendente das gotas de chuva,
-~ ..••
ü movimento este apenas indiretamente relacionado com a quanti-
dade de chuva. Pulverização com fungicida é recomendada caso
~
~
,. ♦O
o movimento ascendente de gotas ultrapasse detenninado limiar e a
:,
última pulverização tenha sido realizada há mais de duas semanas.
" ,. J2
294
Sistemas de Previsão e Avisos
infecção sensu Vanderplank, 1963). Um diagrama elaborado pelos ratura e umidade para a sobrevivência do patógeno, o que foi con-
autores (Figura 19.8) permite a detenninação da porcentagem de firmado após a detecção da doença no território nacional. A partir
plantas doentes no final da cultura (infecção secundária), conhe- do ano de 2004, foi criado no Brasil o Consórcio Antiferrugem
cendo-se a porcentagem de plâatulas infectadas no início (infec- (http://www.consorcioantiferrugem.net/), iuiciativa composta de
ção primária) e a taxa de infecção (taxa r). Para as condições da instituições representantes dos diversos segmentos da cadeia pro-
lnglaterra, onde o sistema foi testado, o valor adotado para a taxa dutiva da soja. Laboratórios credenciados no Consórcio relatam
de infecção é de 0.15/dia. Fixando-se a taxa de infecção, a seve- ocorrências de soja voluntária, de esporos de P. pachyrhizi e/ou de
ridade final da doença pode ser calculada considerando-se apenas plantas sintomáticas e o Consórcio elabora um mapa cumulativo
as variações de inóculo inicial. Na Figura 19.8 duas situações são com as informações fornecidas pelos especialistas (Figura 19.9).
cons ideradas. A primeira parte de um inóculo inicial de 0,01 % de Como a eliminação de soja voluntária e a pulverização de plan-
plântulas infectadas, atingindo como severidade final o nível de tas, a partir do aparecimento dos primeiros sintomas, são medi-
15% de plantas doentes. Este nível de doença poderia causar pro- das preconizadas para o controle da ferrugem da soja, o mapa
blemas na comercialização de uma cultura de feijão vagem, onde atualizado on-line auxilia na tomada de decisão para o coutrole
a qualidade do produto final é importante. A segunda situação da doença. Essas informações também estão disponíveis em apli-
ilustrada naquela figura parte de um inóculo inicial de 0,0025% cativos móveis.
de plântulas infectadas. O resultado final, considerando-se sem-
pre a taxa de O, 15/dia, é de 4% de plantas doentes, nível conside-
rado tolerável. Nas condições da Inglaterra, ponanto, a redução
do inóculo inicial, garantida por tratamento das sementes com
antibiótico, parece ser suficiente para o controle da doença. Em
Ptru
condições de clima mais favorável ao patógeno, maiores taxas de
infecção poderiam ocorrer e tratamentos voltados apenas à redu-
ção do inóculo inicial não seriam suficientes. Em tais condições, ■ohv1a
50 -,;j
"--
0.20 ·I
uru,u-,• Pr~seno1:e? ~)(0-S
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e 10-99 ocorrenc,.n
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10.20F-- - -~1-:-'Htc.+o::--- - -- - - - - - f
12.5
Chlle 4t 11 9l D!crrenc.ias
295
Manual de Fitopatol.ogia
19.5.4.2. O sistemà EPIPRE Figura 19.10- Relação entre a frequência de campos de trigo infecia-
O principal sistema de manejo integrado de doenças Je dos e o uível de severidade de doença. À esquerda fica
plantas, o EPIPRE ("EP/demiology for PREdiction and PRE- a grande maioria de campos onde há pouca doença.
vention "), foi desenvolvido na Holanda para a cultura do trigo nenhum tratamento sendo necessário. À direita estão
os casos de campos com severidade elevada e neces-
(Zadoks, 1989). Apesar de existirem outras tentativas de manejo
sidade óbvia de controle. Na parte intermediária fica
de doenças com sistemas integrados. o sistema EPIPRE é o mais
a chamada zona de dúvida, foco do sistema EPIPRE.
completo, integrand,o diferentes fonnas de controle (resistência
Fonte: Zadoks (1984).
varietal e controle químico) no combate a seis doenças (ferrugem
da folha, ferrugem amarela, mancha da glurna, mancha da folha,
mancha ocnlar e oídio) e três pragas (afideos) do trigo.
• A filosofia do EPIPRE - a filosofia do sistema EPIPRE é dados básicos
simples. Em princípio, para qualquer tipo de doença ou praga, é por campo
muito fácil identificar as situações em que uma cultura não neces- banco
sita ser pulverizada. Quando não há doença, ou quando ela ocorre
em baixíssimos nív,eis. não há necessidade de controle. Igual-
mente óbvias são as situações em que um tratamento é neces-
sário. Quando uma doença exibe severidade muito elevada, há
observações do
agricultor ..-.. de
dados
necessidade de controle. O sistema EPTPRE ignora estas duas modelos
situações e enfatiza apenas a terceira simação, que corresponde epidemiológicos
aos casos em que a doença está presente, mas em nível baixo
a médio ( Figura 19 .1 O). Neste caso, o agricultor deve decidir
quanto à necessidade do tratamento químico. E a mesma dúvida
sempre aparece nestas situações: seria o tratamento realmente recomendações ao agricult or
necessário, ou ainda, traria este tratamento lucro? O objetivo do
EPlPRE é reduzir ao máximo esta zona de dúvida, respondendo
ao agricultor quando tratar e quando não fazê-lo, ou melhor,
trate espere não trate
quando o tratamento trará lucro e quando trará prejuízo.
• A tecnologia1 do EPIPRE - a simplicidade da filosofia do Figura 19.11 - Fluxo de informações do sistema EPIPRE e interação
programa não é, todavia. compartilhada pela tecnologia nele uti-
com agricultores. Para detalhes, ver texto.
lizada. A redução da zona de dúvida exige um número enonne de Foote: Zadoks ( 1984).
infom1ações e muita tecnologia é necessária para decidir previa-
mente quando um tratamento é ou não necessário.
• Estrutura E: funcionamento do sistema - em linhas zadas, ou seja, referem-se a um campo específico. Para que este
gerais. o sistema funciona com a participação de agricultores, tratamento personalizado seja conseguido, o agricultor deve, no
que coletam informações em seus campos e as enviam à cen- início da cultura, preencher uma ficha com dados gerais de sua
tral de processamento. Ali as informações são estocadas em um área. Estes dados incluem a variedade de trigo plantada, o tipo
banco de dados que interage com programas, os quais produzem de solo, a expectativa de produção, o tipo de equipamento utili-
as recomendações de tratamento, que são enviadas aos agriculto- zado nas pulverizações, os custos de mão de obra com os trata-
res (Figura 19.1 1). Estes podem acatar o'u não as recomendações. mentos, os custos com pesticidas e os tratamentos já realizados,
devendo, no entanto, continuar a fornecer novas informações à inclusive adubações. Além desta ficha, outras infonnações devem
central, durante toda a estação de cultivo. Todas as informações ser fornecidas pelo agricultor, desta vez, regulannente, durante
recebidas e todas as recomendações produzidas são individuali- todo o ciclo da cultura, enfatizando a sanidade da lavoura. Estas
296
Sistemas de Previsão e Avisos
informações devem ser coletadas pelo próprio agricultor no seu ção de campo realizada pelo agricultor deve fornecer um número
-arnpo, seguindo um rígido protocolo (Boxe I 9 .1 ). A recomen- de O a 200, que é transformado em proporção, considerando-se
.:J.ação fornecida p,elo EPIPRE depende, na verdade, da precisão 200 o valor máximo igual a 1.
jestas infonnaçõe:s. O procedimento utilizado pelo programa até • estimativa da severidade atual - as relações entre doença
_ tomada de decisiío envolve seis passos básicos: avaliação da inci- e dano são geralmente expressas na forma de y = f(x) onde x =
Jência atual, estimativa da severidade atual, cálculo da severidade severidade da doença e y = produção. Como avaliações de seve-
futura, cálculo do dano futuro, cálculo das perdas futuras e cál- ridade são de modo geral subjetivas, exigindo grande acurácia
culo dos custos de tratamento. Todos estes cálculos dependem do e precisão do avaliador, o sistema EPIPRE optou por recomen-
estádio de desenvolvimento da cultura, sendo imprescindível est.a
dar aos agricultores a avaliação da incidência da doença (menos
mformação a cada avaliação. Cada doença ou praga segue seu pró-
sujeita à subjetividade) e proceder, posteriormente, à transfor-
prio módulo no sistema, todos eles com a mesma estrutura básica.
mação de incidência em severidade. Para a ferrugem amarela do
trigo, a severidade da doença, quando em baixos níveis de inci-
Boxe 19.1 C mo coletar os dados no campo para dência, é calculada pela fórmula
sistema EPIPRE
X0 = 0,05i (19.3)
O sistema EPIPRE recomenda aos agricultores onde x 0 = severidade atual expressa em proporção de tecido foliar
o seguinte proto~olo de coleta de dados no campo: com sintomas e i = proporção de folhas com sintomas.
caminhe em diagonal no seu campo; pare 20 vezes e • avaliação da severidade futura - a severidade futura
observe cincet perfilhos para verificar a presença de corresponde ao nível de doença esperado num tempo futuro. Par-
pulgões; colete dois perfilhos para posterior avaliação tíndo-se do nível x 0 , a severidade futura x só pode ser calculada
de doenças; na avalia.ç ão de pulgões, a ser iniciada no 1
para um curto intervalo de tempo (IP = tempo de prognóstico),
estádio DC49 (primeiras aristas visíveis, Zadoks et al., o qual é função do estádio de desenvolvimento da cultura. Para
1974), conte 10 número de perfilhos com pelo menos os estádios 37, 39, 45, 59 e 69 da cultura do trigo (Zadoks et ai.,
um pulgão. 1974), tp deve ser 28, 28, 26, 16 e 6 dias, respectivamente. A
Quando seu caminhamento pelo campo a.c abar, equação utilizada no cálculo da severidade futura é
você terá avaJiado 100 perfilhos, quanto a pulgões,
e trará consi,go 40 perfilhos; estes 40 perfilhos são (19.4)
utilizados na, avaliação das doenças, seguindo os
seguintes pas1ms; onde x = severidade futura, x0 = severidade atual, IP= tempo de
• Determime o estádio de desenvolvimento da cul- 1
prognostico e r = taxa de progresso da doença. A taxa r, em varie,-
tura pelo código decimal (Zadoks et at, 1974), dades suscetíveis, é também variáve.J com o estádio da cultura e
• Mancha ocular - até o estádio DC32 (segundo nó com práticas de manejo.
visível) conte o número de perfilbos com sintomas; • cálculo do dano futuro - o dano esperado, de, é função
o númer,o obtido deverá estar compreendido no da severidade final, Xp e de um fator de proporcionalidade, desig-
intervalo 0-40. nado m. Como nenhum dano é esperado com valores muito bai-
• Ferruge110 amarela - inspecione as 5 folhas superio- xos de severidade, um desconto, xn, é aplicado à severidade -y,
res dos p,erfilhos coletados e conte aquelas que têm de modo que:
pelo menos uma lesão; se o perfilho possuir menos
(19.5)
de 5 folhas, inspecione todas as folhas verdes; os
valores deverão estar entre O e 200. Tanto o fator de proporcionalidade (m) quanto o desconto
• Ferrugellll da folha - mesmo procedimento da fer- de severidade (xn) são dependentes do estádio de desenvolvi-
rugem amarela. mento da cultura. O dano esperado, De, em kg/ha, é igual a de
• Oídio - i:nspecione as três folhas superiores com- multiplicado pela produção esperada, Ye,
pletamente expandidas e conte aquelas que apre-
sentam siintomas; o número obtido deve variar de D =dY (19.6)
' - <
O a 120.
• cálculo das perdas futuras - as perdas futuras represen-
• Manchas marrons (Septorioses) - após o estádio
DC39 (aparecimento da ligula da folha bandeira), tam a redução de receita decorrente do dano. Elas expressam o
.inspecio111e as três folhas superiores completamente valor De em termos monetários.
expand.idlas e conte aquelas que apresentam sinto- • cálcnlo dos custos de tratamento - dentro desta categoria
mas. O número obtido deve variar de O a 120. estão incluídos os custos médios dos produtos químicos a serem
utilizados no tratamento, os custos de aplicação, diferenciando-se
os casos em que o agricultor contrata um serviço externo ou o
Tomando-se como exemplo a avaliação da ferrugem ama- executa por si só, e ainda os danos causados pelas rodas do trator
rela do trigo, o pr,ograma segue a segitinte metodologia (Zadoks, sobre o campo de trigo durante a aplicação.
l 989): A recomendação gerada pelo programa é fruto da com-
• avaliação da incidência atual - incidência nada mais é paração dos valores de perdas e de custos de tratamento. Três
do que a proporção de folhas com sintomas da doença. A observa- alternativas são possíveis (Figura 19.12):
297
Manual de Fitopatologia
8
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Recomendação
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"'7- e 1:-1/ D
não espere sim
Figura 19.13 Output do sistema Agroconnect visualizado no dia
24/09/2017, com informações de risco de ocorrência
Figura 19.12 - O processo de tomada de decisão do sistema EPIPRE de mancha de folhas (Colletotrichum spp., A), po-
e suas recomendações. Para detalhes, ver texto. dridão branca (Botryosphaeria dothidea, B), cancro
Fonte: Zadoks ( 1984). europeu (Neonectria ditissima, C) e sama ( Venturia
inaequalis, D) da macieira.
Fonte: Disponível em: http://www.ciram.sc.gov.br/agroconnect/.
• Trate: quando a perda financeira final exceder os custos
de tratamento;
• Não trate: quando a perda financeira não compensar os climáticas registradas pelas estações meteorológicas (temperatura,
custos de tratamento; precipitação, umidade relativa, entre outras) e fornece alertas horá-
• Espere e veja: esta recomendação estreita ainda mais a rios sobre o índice de incêndio e o risco de deslizamentos de terra. É
zona de dúvida. Ela é dada quando a perda esperada ex.ceder o sem dúvida uma excelente ferramenta de consulta para produtores e
custo dos agrotóxicos mas permanecer aquém do custo total dos técnicos, que aiuxilia na tomada de decisão no controle de doenças.
tratamentos. O agricultor é aconselhado a realizar nova amostra- • Smart,citrus - O controle da podridão Hora! dos citros
gem a curto prazo e voltar a informar o sistema para que nova (PFC) é realizado de forma preventiva, com aplicações de fungici-
análise seja feita. das baseadas em calendário fixo na região sudoeste paulista, onde
19.6. EXEMPLOS DE SISTEMAS DE PREVISÃO EM a doença ocon-e com frequência. Embora frequente, a intensidade
das epidemias é muito variável, atingindo proporções alarmantes
USO NO BRASIL
em anos de invernos chuvosos, corno em 2009 (Silva-Junior et
Diversos são os sistemas de previsão de doenças de plantas ai.. 2014), e níveis que não causam prejuízos à produção quando
em uso no Brasil atualmente. Neste tópico serão abordados ape- ocorrem chuvas esparsas e de baixa intensidade. A ocorrência de
nas dois, a título de exemplo, um desenvolvido por órgão público epidemias explosivas não é regra e o controle intens ivo da doença
[Centro de informações de Recursos Ambientais e de Hídrome- é desnecessário em anos de baixa favorabilidade climática. Esse
teorologia de Santa Catarina (CIRAM), subordinado à Empresa s istema foi de·senvolvido para auxiliar a tomada de decisão do
de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina citricultor paullista, principalmente em anos em que as chuvas não
(Epagri)], e outro por parceria público-privada [entre o Fundo são tão frequentes no inverno. Smartcitrus foi desenvolvido em
de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), a Universidade de São uma platafomia aberta para o gerencíamento de sistemas online
Paulo (USP), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) (WordPress), de forma similar ao sistema de previsão de doenças
e a Universidade da Flórida (UFL)]. do morangueiro ( item 19.5.4) e com a colaboração de corpo téc-
• Agroconnect - O CIRAM é o órgão responsável pelo sis- nico da Universídade da Flórida, E.U.A., que desenvolveu aquele
tema Agroconnect, disponível on-line (http://wwvwiram.sc.gov. sistema. Atualmente, há 14 estações meteorológicas conectadas
br/agroconnect/), que monitora o risco de ocorrência de doen- ao sistema, as quais fornecem dados de temperatura e períodos de
ças em 41 culLUras diferentes. Graças a uma rede de estações molhamento, variáveis preditivas da PFC. Além das variáveis for-
meteorológicas distribuídas nos estados da Região Sul, a maio- necidas pelas ,estações meteorológicas. o sistema também recebe
ria em Santa Catarina, o sistema info1ma diariamente a situa- dados meteorológicos de prognóstico, calculados pelo INPE, e
ção de risco para as principais doença~ das culturas monitoradas prevê. com base nesses dados, o risco futuro de ocorrência da
(Figura 19. 13). Além da previsão de risco de ocorrência de epi- doença (até 48 h). Todo o processamento é feito com o software
demias, classificado em 4 categorias (sem risco, risco leve, risco R (http://www.r-project.org). A plataforma apresenta dados mete-
moderado e risco severo), o sistema ainda informa as variáveis orológicos e o risco de ocorrência da doença, na forma de tabe-
298
Sistemas de Previsão e Avisos
las e de gráficos (Figura 19.14). Adicionalmente, o nível de risco (espécies dos complexos Co/letotrichum acutatum e C. gloeos-
em cada localidade é indicado por cores representativas (verde porioides), no estádio da floração e no histórico de pulverizações
- sem risco, amarelo - risco moderado, vermelho - alto risco, da área. Todas essas informações estão disponíveis aos citriculto-
vinho - risco extremo) nas coordenadas geográficas onde estão res cadastrados no s istema. A exemplo do sistema de previsão de
localizadas as estações meteorológicas (Figura 19.15). A reco- doenças do morangueiro, descrito em 19.5.4.1, aqui também os
mendação para pulverização com fungicidas é feita, no sistema, alertas de risco são enviados por mensagens ao telefone celular
baseada no limiar de genninação de conídios do agente causal dos cadastrados.
FUNDECITRUS
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Figura 19.14 - Reprodução da página do sistema Smartcitrus mostrando o gráfico de risco de ocorrência de epidemias de podridão floral dos ci1ros
em função da estimativa da porcentagem de genninação de esporos de Colletotrichum spp., no período de 26/07 a 24/09 de 2017.
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Figura 19.15-Interface do sistema Smartcitrus, de previsão de epidemias de podridão floral dos citros. Cada círculo corresponde à previsão
de risco fornecida por uma estação meteorológica cadastrada, instalada em área citrícola.
299
CAPÍTULO
20
MANEJO INTEGRADO DE DOENÇAS
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim
ÍNDICE
20.1. Int rodução............................................................ 303 20.5. As duas faces do MIP ........................................... 306
20.2. Conceitos básicos.................................................. 304 20.6. MIP e doenças: problemas conceituais ............... 307
20.3. Controle ou manejo? ........................................... 304 20.7. MIP e Fitopatologia: o futuro.............................. 308
20.4. Liminar de dano econômico ............................... 305 20.8. Bibliografia consultada ........................................ 309
E
xtenninar totalmente os insetos nocivos! Esse foi o
objetivo da entomologia aplicada por mais de três na percepção de que predadores e parasitas só podem sobreviver
décadas, a panir dos anos 40. Apesar de radical, a caso a presa também sobreviva (Zadoks & Schein, 1979).
,omunidade científica da época acreditava na sua exequibilidade Forjou-se. assim, principalmente na área entomológica,
cm virtude do desenvolvimento de novos inseticidas. como o DDT durante as décadas de 50 e 60, um conceito mais amplo de controle
e o BHC, produtos tão baratos e de tão largo espectro que qual- de agentes nocivos. Deu•se a esse conceito o nome de controle
quer consideração de ordem econômica era irrelevante. Com o pas- integrado. definido originalmente como "o controle aplicado de
sar do tempo, porém, o uso indiscriminado de pesticidas provocou pragas que combina e integra os controles químico e biológico "
!ierias perturbações no ecossistema e no agroecossistema: neste. (Stern et ai.. 1959) e tomado mais abrangente com o passar do
a seleção de indivíduos resistentes. com o consequente ressur• tempo. até chegar à definição adotada pela FAO: "Controle inte-
;tmento de espécies previamente controladas, surtos epidêmicos grado (. ..) é definido como 11111 sistema de manejo de organismos
.:ie pragas historicamente de importância secundária e diminuição nocivos que ( ..) utiliza todas as técnicas e métodos apropriados
da população de insetos benéficos; naquele, sérios efeitos deleté- da maneim mais compatível possível para ma111er as populações
nos em animais selvagens e domesticados. o homem inclusive. de organismos nocivos em níveis abaixo daqueles que causam
e acúmulo de resíduos tóxicos no solo, na água e nos alimentos. injúria econômica" (FAO, 1968). No mesmo documento, está
Com essa evolução dos acontecimentos, o controle adequado de explícito que controle integrado não deve ser visto como a sím•
pragas, mesmo com produtos como o DDT, teve seu custo paula• pies justaposição ou sobreposição de duas técnicas de controle
bnamente aumentado. até ex.ceder níveis aceitáveis. (como os controles químico e biológico) e, sim. como a integra•
Paralelamente. durante esse período, grande progresso foi çào de todas as técnicas apropriadas de manejo com os elementos
-~1nseguido cm diversas especialidades da entomologia aplicada, naturais limitantes e reguladores do ambiente.
especialmente na área florestal onde, pela própria característica do Falhas espetaculares em alguns programas tradicionais de
, stema. o controle químico não era econômico. Dois desenvolvi• erradicação química. considerações de ordem econômica e uma
mentos maiores ilustram esse progresso: de um lado, a formulação maior consciência ecológico•social fizeram com que. rapidamente,
da teoria do controle biológico. com 9eus predadores, parasitas e a abordagem do controle integrado fosse aceita pela maioria. Com
métodos de controle populacional: de outro, o conceito da manu- isso, uma filosofia ainda mais abrangente, chamada de manejo
·enção dos insetos em níveis economicamente toleráveis. por meio integrado de pragas - MIP (Geier, 1966), começou a ser desen•
do manejo do ecossistema, baseado num maior conhecimento de volvida e a ganhar adeptos.
303
Manual de Fitopatologia
20.2. CONCEITOS BÁSICOS gurar uma agricultura forte e um ambiente viável. Na saúde
O termo manejo integrado de doenças - MJD, análogo pública, deve assegurar a proteção do homem e de seus animais
a MlP, mas específico para a área fitopatológica, foi proposto domésticos, além de manter adequado o ambiente onde vivem ".
alguns anos depois (Cbiarappa, 1974). Manejo implica na "uti- Procura-se, com o manejo integrado, evitar a chamada síndrome
lização de todas as técnicas disponíveis dentro de um programa do pesticida, descrita por Doutt & Smith ( 1971) como um sis-
unificado, de tal modo a manter a população de organismos noci- tema fechado, circular, autossuficiente, baseado num método uni-
vos abaixo do limiar de dano económico e a minimizar os efeitos lateral de controle: a falha do controle químico é remediada pela
colaterais deletérios ao meio ambiente" (NAS, 1969). O con- intensificação do controle químico. No mesmo contexto, Zadoks
ceito de limiar de dano econômico (LDE) é a pedra fundamental & Scbein (1979) alertam para síndrome semelhante, a síndrome
tanto do controle quanto do manejo integrado (Zadoks, 1985). da resistência: vulnerabilidade genética às doenças é combatida
Foi inicialmente definido por Stern et al. (1959) como "a menor com genes de resistência que aumentam a vulnerabilidade gené-
densidade populacional que causa dano econômico" e refinado tica às doenças.
por vários autores nas últimas décadas, inclusive por Mumford & Um lembrete parece oportuno neste instante: o uso de
Norton ( 1984), que o definem como ''o nível de ataque do orga- defensivos químicos, ao contrário do que pensam muitos, não
nismo nocivo no qual o beneficio do controle iguala seu custo ". é uma heresia ecológica. Quando usados dentro da abordagem
Apesar de ser pedra fundamental do controle e do manejo integra- do manejo integrado de pragas e doenças, esses produtos são
dos, o limiar de dano econômico, pelo menos na área füopatoló- ferramentas confiáveis e valiosas, indispensáveis para aqueles
gica, raramente tem sido cientificamente estimado (Figura 20.1). países que almejam chegar a uma sociedade moderna, com abun-
dância de alimentos, ou para os que desejam manter-se como tal.
Três outros limiares, pertinentes à filosofia do manejo
1 CONTROLE INTEGRADO I j MANEJO INTEGRADO 1 integrado, são citados na literatura (Zadoks & Schein, 1979).
Limiar de ação é definido como "a severidade de doença na
qual medidas de controle necessitam ser tomadas para impedir
que o limiar de dano econômico seja excedido", Obviamente,
o limiar de ação é mais baixo que o limiar de dano, em virtude,
principalmente, das lesões latentes e do tempo necessário para
que a medida de controle recomendada seja executada. Limiar
economia LOE de aviso relaciona-se especificamente com este último aspecto, e
tem por objetivo dar tempo ao agricultor para que o produto a ser
aplicado seja comprado e as máquinas preparadas, no caso espe-
Figura 20.1 - ConLrole integrado e manejo integrado de pragas e cífico de uma ação de controle químico. Nesse aspecto, o tipo de
doenças: o limiar de dano econômico (LDE cém- fungicida eventualmente empregado influi no limiar de ação: para
trole) do primeiro leva em conta considerãções de sistêmicos ele é mais alto que para protetores. Limiar biológico
ordem econômica, enquanto o LDE do segundo (LDE de dano (LBD) refere-se à severidade mínima que causa dimi-
manejo), adicionalmente, leva em conta considera- nuição na produção.
ções de ordem ecológica, estas de mais dificil quan- Outro tenno de ocorrência frequente na literatura é controle
tificação. supervisionado. Essa abordagem, conduzida sob a orientação de
um especialista, tem por objetivo principal a racionalização do uso
Na prática, o manejo integrado envolve três ações princi- de fungicidas, de acordo com sistemas baseados na monitoração da
pais: (i) determinar como o ciclo vital de um patógeno precisa doença e no limiar de dano econômico. O controle supervisionado,
ser modificado, de modo a mantê-lo em níveis toleráveis ou seja por envolver, na maioria das vezes, somente o controle químico,
abaixo do Jjmiar de dano econômico; (ii) combinar o ~onbeci~ tem escopo mais estreito que o manejo integrado. Este, porém, não
mento biológico com a tecnologia disponível para alcançar a prescinde daquele. O oposto de controle supervisionado é o con-
modificação necessária, ou seja, exercer a ecologia aplicada; trole químico baseado num cal.endário fixo de pulverizações.
(iii) desenvolver métodos de controle adaptados às tecnologias O desenvolvimento e a implementação em larga escala do
disponíveis e compatíveis com aspectos econômicos e ecoló- manejo integrado de pragas e doenças, isoladamente ou dentro
gico-sociais, ou seja, conseguir aceitação econômica e social. de um sistema mais abrangente de manejo integrado da cultura,
Atualmente, portanto, o manejo integrado de pragas e doenças deverá permitir: (i) maior estabilidade da produção; (ii) padroni-
leva em conta, igualmente, as preocupações econômica. dos pro- zação de procedimentos de controle integrado; (iii) exploração
dutores, e ecológica, da sociedade. Luckmann & Metcalf (1994) de novas áreas agricultáveis ou exploração de áreas velhas com
sintetizam com precisão esses aspectos: "Manejo integrado é a novas culturas; (iv) maiores rapidez e flexibilidade. na resposta
escolha e o uso inteligente de medidas (táticas) de controle que a sunos epidêmicos de pragas e patógenos; (v) menor agressão
produzirão consequências favoráveis dos pontos de vista econô- ao meio ambiente. No entanto, como lembram Zadoks & Schein
mico, ecológico e sociológico ". Ou, "(. ..) manejo integrada é a ( 1979), grande volume de trabalho difícil e tedioso ainda está por
otimização do controle de pragas de maneira lógica, tanto econô- fazer para que as promessas tomem-se realidade.
mica quanto ecologicamente. Isso é conseguido por meio do uso
compatível de diversas táticas, de modrJ a manter a redução da 20.3. CONTROLE OU MANEJO?
produção abaixo do limiar de dano econômico, sem, ao mesmo Controlar pragas, ua década de 50, como já discutido, sig-
tempo, prejudicar o homem, os animais, as plantas e o ambiente. nificava erradicá-las totalmente da área considerada. Inseticidas
Ou, ainda, "Na produção vegetal, o manejo integrado deve asse- recém-descobertos - baratos, inespecíficos e de alta eficiência -
304
Manejo Integrado de Doenças
encarregavam-se da tarefa e os cientistas, eufóricos, tiveram a ilu- seus ovos por grama de solo (Nonon, 1976). Assim, o agricultor
são de controlar absolutamente o agroecossisterna. llusão fugaz. poderá decidir se a aplicação do nematicida. trará ou não lucro.
Com o passar do tempo, viu-se que as coisas não funcionavam Para isso, algumas informações são necessárias:
desse modo e uma nova filosofia precisou ser desenvolvida. Esta • a função de dano, que relaciona dano com injúria. Para
mudança. para tomar-se explícita, requereu o abandono do tenno este patossistema, Brown ( 1969) demonstrou que cada ovo ue
controle, ao qual ficaram ligadas, na área entomológica, as ideias G. rostochiensis por grama de solo reduz a produção de tubércu-
de absoluto, de radical e de ausência de considerações econômi- los em O, 1 tonelada por hectare;
cas. O abandono começou com a adição, ao controle, do adje-
tivo integrado, e completou-se com a proposta do tenno manejo, • o preço do produto. Nonon (1976) menciona, para a
hoje aceito por quase todos os envolvidos com a entomologia época, 40 libras esterlinas por tonelada de batata;
aplicada. Ambos, controle integrado e manejo, envolvem, além • a função de controle, que relaciona a diminuição do pató-
de outros, o aspecto econômico, preocupação desnecessária aos geno associada à medida de controle. Jones ( 1973) estimou que a
entomologistas daquele tempo. aplicação de D-D provoca wna redução na população de G. rosto-
Na área fitopatológica, porém, a evolução dos fatos foi dife- chiensis da ordem de 80%;
rente. Os fitopatologístas nunca dispuseram de produtos quími- • o custo do produto químico, inclusive sua aplicação. A
cos tão poderosos e baratos como o DDT. Com raras exceções fumigação do solo com D-D tem custo estimado de 100 libras
lo advento dos fungicidas metálicos ou o plantio das primeiras esterlinas por hectare (Norton, 1976).
variedades com resistência vertical, quando também se pensou
que o controle absoluto do agroecossistema estava à mão), a fito- As seguintes variáveis podem ser definidas: (} = nível de
patologia sempre esteve mais próxima da filosofia do controle ataque do patógeno ( ovos por grama de solo); d= coeficiente de
integrado que da erradicação. Prova disso é a frase de Fawcett & dano (toneladas perdidas por hectare em fun1;ão de cada ovo por
Lee ( 1926) - "Na prevenção e no tratamento de doenças, dois grama de solo);p = preço da batata por tonelada; k = redução pro-
wSpectos devem sempre ser considerados: a eficiência dos méto- porcional do ataque do patógeno associada à aplicação do nema-
dos e seus custos. É óbvio que o custo do método empregado deve ticida; c = custo do nematicida e de sua aplicação por hectare. A
ser menor que o prejuízo causado pela doença" - que antecipa perda associada ao ataque do nematoide é expressa pelo produto
~m várias décadas uma das ideias básicas do controle integrado, pd8
ou seja, o aspecto econômico. Whetzel (1929), nesta mesma
linha, admite vários tipos de controle (parcial, completo, abso- e a redução da perda em virtude da aplicação do nematicida por
luto. etc.), mas aceita como válido, para fins práticos, somente pdBk
aquele que dá lucro. Para os fitopatologistas, portanto, as noções
de controle e manejo não são opostas e muitos deles, inclusive, Consequentemente. a aplicação de D-.D sé> será lucrativa
usam os termos indistintamente. quando
Mesmo assim, há suficiente base lógica para preferir pd()k>c
manejo a controle, mesmo na área fitopatológica: (i) controle
transmite a ideia de um grau de dominância sobre o agroecossis- isto é, quando a redução da perda for maior que o custo da apli-
tema que é inatingível pelo homem; (ii) controle dá ao agricultor cação da medida de controle. Assim, o nível de ataque a partir
uma impressão de falha do sistema quando a doença, previamente do qual torna-se econômica a aplicação do defensivo é determi-
.-:ontrolada, volta ao nível de dano; (iii) o agricultor nem sempre nado por
tem em mente que medidas de wntrole são aplicadas para reduzir o•=c/(pdk) (20.1)
o dano e não para uestruir os organismos causais; (iv) manejo, ao
contrário de controle, implica que os patógenos são componen- onde B• é o limiar de dano econômico (LDE) (Norton, 1976).
.es inerentes do agroecossistema e que devem ser tratados numa É oportuno lembrar que o LDE assim definido envolve apenas
base racional e contínua; (v) manejo, ao contrário de eontrole, considerações de o rdem econômica e desconsidera um eventual
baseia-se no princípio de manter a doença abaixo do limiar de impacto ambiental e/ou social da medida.
,fano econômico ou de, pelo menos, minimizar ocorrências acima
Com as informações fornecidas para o patossistema batata-
daquele limiar; sugere, portanto, a necessidade de contínuo ajuste
G. rostochiensis, o limiar de dano econômico, c;alculado pela equa-
do sistema; (vi) manejo, por se basear no conceito de limiar de
ção 20.1, é igual a 31 ovos por grama de solo (! 00/(40•0,1 *0,8)),
dano econômico, enfatiza a minimização do dano em detrimento
conforme também mostra a Figura 20.2a. ond,e o LDE é detenni-
da erradicação total e está, assim, menos sujeito a mal-entendidos.
nado pela interseção das retas obtidas com e sem aplicação de D-D
20.4. LIMIAR DE DANO ECONÔMICO (considerando uma produção esperada de 30 toneladas por hec-
tare), ao se plotar o rendimento (libras por hectare) em função do
Limiar de dano econômico (LDE) é definido· (item 20.2) nível de injúria (ovos por grama de solo).
como "o nivel de ataque do organismo nocivo no qual o bene-
_ficio do controle iguala seu custo" (Mumford & Nonon, 1984). O limiar de dano econômico, assim conceituado, não é está-
t.:m exemplo é apropriado para evidenciar os pontos positivos tico e imutável. Neste exemplo, caso sejam a.Iterados o preço da
e negativos do conceito. O sistema escolhido envolve o nema- batata ou o custo do controle, alterações também ocorrerão no
toide Globodera rostochiensis, a cultura da batata e o nematicida LDE, conforme mostram as Figuras 20.2b e 20.2c, respectiva-
de pré-plantio D-D ( 1,3-dicloropropeuo). Amostrando-se o solo mente. Esse fato está claramente representado na Figura 20.2d,
onde a cultura de batata sera estabelecida, o nível futuro de ata- por meio da relação entre o quociente 'preço d!o produto/custo do
que de G. rostochiensis pode ser estimado a partir do número de controle' e o LDE.
305
Manual de Fitopatologia
..," 60
c.om controle
18 campo, especialmente nos trópicos, onde a regra é a ocorrência
....
--
10 simultânea, numa mesma planta, de diversos patógenos e pragas.
..,s
~
:; 40 :, A aplicação do conceito de LDE no patossistema múltiplo apre-
g
20 ..e 05 senta inúmeros problemas de difícil solução (Zadoks, 1985), a
começar pela quantificação das várias doenças que ocorrem ao
0 o.o mesmo tempo numa mesma folha. As escalas diagramáticas, de
o 100 200 300 20 40 60 60 100
tão fácil aplicação no patossistema único, praticamente perdem
custo do controle LDE sua viabilidade no novo contexto. Outro problema característico
do patossistema múltiplo é a provável ocorrência de interações
Figura 20.2 - Limiar de dano econômico (LDE) para o sistema G/o-
entre patógenos com relação à produção (Lopes & Berger, 200 1).
bodera rostochiensis-batata. (a) Representação gráfica
Johnson ( 1990) discute as três hipóteses possíveis (sem intera-
do LDE, assumindo produtividade de 30 toneladas por
ção, interação mais-que-aditiva e interação menos-que-aditiva) e
hectare; (b) Efeito de diferentes preços da batata no
menciona que as duas últimas modificam o valor do LDE, dimi-
LDE; (e) Efeito de diferentes custos de controle no
nuindo-o e aumentando-o, respectivamente.
LDE; (d) Relação entre diferentes quocientes ·preço
do produto/custo do controle' e LDE. Para detalhes, 20.5. AS DUAS FACES DO MIP
ver texto.
Fonte: Baseada em Norton ( 1976). Dezenas de diferentes definições de MIP existem na lite-
ratura. Implícita na maioria delas está a noção de que a filosofia
do MIP abrange duas faces distintas: a integração e o manejo. A
Outra abordagem para o mesmo problema é o conceito de integração é entendida como o uso harmônico de múltiplas táti-
limiar de ganho, definido por Kranz & Theunissen (1994) como cas de proteção de plantas e o manejo refere-se a um conjunto
de regras (idealmente baseadas em considerações econômicas,
%LG=c/Pp (20.2)
sociais e ambientais) que orientam a tomada de decisão (geral-
onde %LG é o limiar de ganho, Pé a produção estimada (tonela- mente pulverizar ou não pulverizar um defensivo químico), com
das por hectare) e e e p têm o mesmo significado anterior. O valor o objetivo de manter a população do organismo nocivo abaixo
de %LG para o sistema G. rostochiensis-batata, com os dados de um limiar predeterminado. O contínuo processo de tomada de
já fornecidos, é de 0,083% (] 00/(30*40)), ou seja, urna medida decisão, inerente ao conceito de manejo, implica no uso de uma
de controle só será econômica nesse patossistema se tiver como tecnologia de intervenção capaz de reduzir instantaneamente a
consequência um aumento de 2,5 toneladas de batata por hectare população do organismo nocivo. Atualmente, isso é conseguido
(0,083*30), o que está de acordo com os cálculos efetuados para quase que exclusivamente por meio da aplicação de defensivos
o LDE. Assim, um LDE de 31 ovos por grama de solo acarreta químicos.
um dano de 3, 1 toneladas por hectare (31 *O, 1). dano este redu- A integração depende da disponibilidade de tecnologias
zido em 2,5 toneladas por hectare quando se considera a fumiga- adequadas e sua implementação, nesse caso, resume-se a ques-
ção química (D-D) com 80% de eficiência (3,1 *0,8). tões práticas e econômicas, geralmente dentro do alcance e do
Pedigo ( 1989) propôs outra fónnula para o limiar de ganho, conhecimento do produtor. A implementação do manejo, ao con-
fónnula que fornece diretamente o aumento de prodotividade trário, é mais exigente em conhecimento, principa lmente em
necessário para cobrir o custo do controle: relação ao agroecossistema, seus componentes e suas interações.
LG = c/p (20.3) Esse conhecimento nem sempre está disponível e muitas vezes,
quando está, tem um nível de complexidade elevado demais para
onde LG é o limiar de ganho e e e p têm o mesmo significado ser assimilado pelo produto r. Adicionalmente, o manejo requer
anterior. Com os dados do exemplo. LG é igual a 2,5 toneladas uma monitoração constante da população de organismos nocivos
por hectare ( 100/40). e de seus inimigos naturais, combinada com inúmeras tomadas
Apesar de ser a pedra fundamentat do manejo integrado de de decisão por pane do produtor durante o ciclo da cultura. A
pragas e doenças, o LDE raramente tem sido estimado na prática, integração, ao contrário, é mais simples e requer ações concentra-
quer na área fitopatológica, quer na área entomológica. Razões das num curto espaço de tempo; pouco se sabe, no entanto, sobre
não faltam para que isso tenha ocorrido e continue a ocorrer. a combinação ham1ônica das diferentes táticas de manejo para
306
Manejo Integrado de Doenças
diferentes pragas e situações de produção; modelos de simulação, em cafeeiro, por exemplo) que 10% de doença visível hoje - caso
nesse contexto, seriam de grande utilidade. as condições tenham sido ideais para a doença nas semanas pre-
A despeito da filosofia do MJP ter sido adotada por vir- cedentes - pode significar duas ou três vezes mais alguns dias
tualmente todos os centros internacionais de agricultura, pela depois, mesmo na ausência de novas infecções.
FAO, por muitos governos (tanto de países desenvolvidos Para contornar essas limitações e poder aplicar os mes-
:orno em desenvolvimento), além de ter sido rec:omendada pela mos princípios de MIP desenvolvidos na área entomológica, os
Conferência sobre o Ambiente e Desenvolvime1nto das Nações fitopatologistas têm incorporado mndelos de previsão em pro-
Lnidas (Agenda 21, Rio de Janeiro, 1992), sua adoção pelos pro- gramas de MJP para doenças, corno exemplificado pelo sistema
dutores tem sido lenta. holandês EPIPRE, desenvolvido para o manejo de diversas doen-
ças (e algumas pragas) da cultura do trigo (Zadoks et ai., 1984).
20.6. MIP E DOENÇAS: PROBLEMAS CONCEITUAIS Nesse caso, o LDE (e o limiar de ação), por falta de opção, con-
O MlP foi idealiz.ado e desenvolvido por 1!ntomologistas. tinua sendo expresso em severidade de doença(= injúria), mas a
-\s dificuldades encontradas para sua implementação na área de decisão de aplicar ou não determinado fungicida é tomada ainda
JlSetos são consequência, dentre outras razões, da pouca aten- dentro de valores de injúria abaixo do limiar biológico de dano
cào dada aos problemas e aos anseios do produtor (Morse & (LBD), com base em modelos de previsão.
Buhler, 1997a; 1997b). Essas razões, de modo geral, são mais Modelos de previsão também são usados na abordagem do
de: forma que de fundo, uma vez que a filosofia do MLP tem ade- período crítico, como exemplificado pelo programa BLITECAST,
..iuado fundamento teórico quando aplicada ao manejo de insetos. desenvolvido para o patossistema batata-Phytophthora infestans
u mesmo, infelizmente, não acontece quando a fi1losofia do MJP (MacKenzie, 1981 ). O programa acumula pontos com base na
é transportada sem maiores adaptações para a área de doenças, temperatura e no período de rnolhamento e recomenda tratamento
como fizeram , no passado, Zadoks & Schein (1979), e, no pre- químico sempre que determinado número de pontos for excedido.
Sçnte, Jacobsen (I 997). No contexto das doenças de plantas, em Considerações explicitas de ordem econômica não estão incluídas
adição às limitações anteriormente enumeradas, e que continuam no programa, mas isso não impede que sua adoção proporcione
t.io válidas quanto antes, há sérios problemas conceituais a con- significativa diminuição no número de pulverizações.
~1derar. A necessidade de usar modelos de previsão para que os
Todos os problemas conceituais que comprometem a apli- princípios de MIP, como desenvolvidos pelos entomologistas,
_-abilidade do MIP na área fitopatológica advêm de seu com- possam ser aplicados às doenças aumenta a incerteza e o risco
ponente ' manejo' (em oposição ao componente 'integração') inerentes ao MI P e contribui para o distanciamento do produtor.
Bergamin Filho & Amorim, 1999a; 1999b). Assim, o conceito Tanto é assim que o sistema EPIPRE, no auge de sua utilização,
de LDE, pedra fundamental do manejo, não se aplica à maioria tinha somente 20% de seus panicipantes seguindo as recomenda-
das doenças por não ser possível evitar a injúria., como exigido ções do programa (Blokker, 1984): os 80% restantes preferiam
pela teoria. Na área entomológica, por exemplo; é comum oLDE "dormir à noite" e pulverizavam suas culturas mesmo quando
i!. também, o limiar de ação) ser expresso em número de ovos o EPIPRE recomendava o contrário! O sistema BLITECAST,
· u número de larvas jovens de determinado inseto por planta. por sua vez, foi um razoável sucesso durante sua fase de desen-
Quando o limiar de ação é alcançado, pulveriza-se a cultura com volvimento. quando os produtores podiam participar sem pagar
.r.m pesticida adequado e o dano que ocorreria na a1usência do tra- taxa alguma, mas foi abandonado por metade dos participantes
tamento é evitado, uma vez que nem os ovos nem as larvas jovens quando, para cobrir os custos, uma taxa de 200 dólares por esta-
.::ausaram, até então, dano à cultura. A situação é diferente com ção foi cobrada. Como consequência dessa diminuição de par-
.)S patógenos: além da impossibilidade prática de quantificar seu ticipantes, a taxa precisou ser elevada para $300, mas, agora, a
-iumero, sabe-se também que a simples presença de propágulos metade dos produtores remanescentes também desistiu, inviabili-
::io solo ou no ar não é condição suficiente para a ocorrência da zando a continuação do programa. Zadoks (2001) relata interes-
doença. Com o objetivo de contornar esse problema, alguns pro- sante episódio a respeito do uso prático de modelos de previsão:
;ramas de MIP na área fitopatológica utilizam, na prática, o LDE num congresso recente, um pesquisador apresentou novo e ele-
<! o limiar de ação) expresso em severidade de doença(= injúria), gante sistema de aviso para ser empregado na cultura do arroz;
o que faz pouco sentido. uma vez que, quando o limiar de ação sua palestra foi calorosamente saudada pela audiência; quando
i"or alcançado, parte do dano já ocorreu e não mais será evitado, perguntado, em particular, quão frequentemente o sistema era
'7esmo com a aplicação de um pesticida adequaido (um limiar usado pelos produtores, a resposta do autor foi rápida e sem ambi-
de ação de 10% de severidade significa que pelo menos 10% de guidade, "Nunca, os pesticidas são muito baratos".
,c:cido foliar já foram perdidos e não será um füngicida, mesmo Há ainda outras diferenças importantes entre as áreas de
• ~têmico, que reverterá o quadro). O problema para o fitopato- pragas e doenças relacionadas à filosofia do MlP que merecem
•g1sta reside, pois, na impossibilidade de definir um LDE (e um ser mencionadas: (i) os fungicidas são menos agressivos ao meio
miar de ação) expresso em algum parâmetro populacional do ambiente que os inseticidas; (ii) o controle biológico é um com-
patógeno, antes da ocorrência da injúria, como podem fazer os ponente vital do MIP na área de insetos, mas sua importância
mtomologistas. prática na área de doenças, especialmente as foliares, ainda pre-
Para tomar a situação ainda mais complexa, em mui- cisa ser demonstrada; o teorema "bug-eats-bugs". tão óbvio com
tos casos, como exemplificado por patógenos explosivos como insetos, é menos evidente com fitopatógenos; (iii) a conserva-
.-,,_,wphthora infestans. esperar pelo aparecimento dos sintomas ção de inimigos naturais e a modificação do hábitat são objeti-
para, depois, tomar a decisão de agir significa geralmente a des- vos importantes no manejo de insetos, mas têm pouca expressão
'TU1ção completa da lavoura. Em outros casos, o período de incu- no manejo de patógenos: (iv) os inseticidas de largo espectro,
►3çào é de tal forma longo (25 a 30 dias para Hemi/eia vastatrix por interferirem com insetos benéficos, devem ser evitados; essa
30i
Manual de Fitopatologia
restrição não se aplica com a mesma ênfase aos fungicidas, uma sistêmica para avaliar a maior ou menor harmonia das inúmeras
vez que o papel desempenhado por outros microrganismos no táticas de manejo disponíveis traria rápidos beneficios aos pro-
desenvolvimento da epidemia parece ser secundário, especial- dutores e à sociedade; com relação à prática, o uso simultâneo de
mente no filoplano; (v) surtos epidêmicos de organismos nocivos maior número de: táticas de manejo diminuiria o status de mui-
de importância secundária, em função da aplicação de pesticidas tas doenças, diminuindo a dependência química (pesticidas) do
de largo espectro, são comuns para insetos mas incomuns para sistema produtivp. Além disso. como enfatizam Morse & Bubler
patógenos; (vi) o controle qu{mico de doenças tem sustentabili- (1997a), a integração, para muitos produtores, "deve ser de mais
dade maior que o controle químico de pragas. fácil implcme11taçào que o manejo".
A ênfase na integração contrapõe-se. também, à chamada
20.7. MIPE FITOPATOLOGIA: O FUTURO síndrome da bala de prata (Pedigo & Higley, 1996), tenno usado
A literatura é pródiga em recomendar, a cada caso de insu- para designar a crença de que todos os problemas fitossanitários
cesso de programas de MTP, mais verbas para pesquisas com MIP, podem ser soluci,onados, de uma vez e para sempre, caso a tática
como se a filosofia do MIP fosse um dogma. uma verdade abso- ideal seja descoberta. Isso aconteceu no passado com os pesti-
luta, situada acima do bem e do mal. Haveria outra alternativa cidas, no passado recente com a fisiologia do parasitismo, no
para esse círculo vicioso? Haveria outro caminho para a convi- passado ainda mais recente com modelos e computadores. Isso
vência sustentável e hannônica entre produtores e patógenos, fora ainda acontece hoje, sob os nossos olhos, com a biotecnologia.
dos princípios desenvolvidos pelos entomologistas para o manejo Enfatizar a integraçãC\ para amenizar os problemas causados
de suas pragas? pelos patógenos, além das vantagens enumeradas no parágrafo
Para abordar esse problema, considere-se quatro premissas anterior, iambém cumpre a não menos importante missão de com-
iniciais (Bergamin Filho &Amorim, 1999a; 1999b): (i) o MIP não bater o nefasto fetiche da bala de prata.
é um dogma; (ii) conceitos e ações que parecem racionais para o Manejo integrado de doenças (MIO), como seu nome
cientista podem parecer irracionais para o produtor; (iii) manejar indica, não é só integração, mas também implica em manejo.
patógenos não é, necessariamente, o mesmo que manejar pragas; O componente manejo do MIO, porém, difere do componente
(iv) o sucesso ou o fracasso de uma estratégia de manejo deve ser manejo do MIP. Algumas dessas diferenças, juntamente com
avaLiada em função do número de produtores que a adotam. linhas de pesquisa recomendadas, aparecem a seguir (Bergamin
A primeira premissa possibilita uma análise isenta, sempre- Filho & Amorim, 1999a; 1999b): (i) os conceitos de LDE e
conceitos, da disciplina proteção de plantas; a segunda toma com- limiar de ação têm papel limitado no M1D para a maioria dos
preensível a falta de adoção do MIP pelos produtores; a terceira patossistemas: (ii) o limiar biológico de dano (LBD), em virtude
justifica o tenno manejo integrado de doenças (MID) (integra- de características, próprias das doenças, deve servir como vari-
ted disease management - IDM) para designar uma filosofia com ável-chave para o manejo; o limiar de ação, portanto, deve ser
princípios e conceitos próprios, diferente do MIP dos entomo- baseado no LBD; (iii) a abordagem do calendário 6xo de pul-
logistas ou do manejo integrado de pragas e doenças (MIPD) verizações, heresia no MTP, tem seu lugar no MID; há, contudo,
(integraced pest and disease management- TPDM. Rijsdijket ai., necessidade de aperfeiçoar a abordagem: pesquisas são requeri-
1989) dos entomologistas e fitopatologistas; a quarta premissa das para tomar o calendário fixo, quando possível, menos agres-
traz junto com ela uma pergunta fundamental : o que realmente sivo ao meio ambiente e menos oneroso ao produtor; sugere-se
querem os produtores para proteger suas lavouras das doenças? a definição de revas simples que possam atrasar a primeira pul-
Dizer o que querem os produtores é tarefa mais difícil do verização e/ou espaçar as pulverizações subsequentes (caso as
que dizer o que não querem os produtores. Os produtores, com condições gerais de clima e/ou de inóculo naquela estação par-
as exceções que confirmam a regra, não querem (Bergamin Filho ticular permitam), mas que não exijam monitoração constante
& Amorim, 1999a; 1999b): (i) monitorar seus campos periodica- nem inúmeras tornadas de decisão durante o ciclo da cultura; em
mente à procura das primeiras infecções; (ii) quantificar perio- resumo, sugere-se o desenvolvimento de um calendário semi-
dicamente incidência ou severidade de diferentes doenças, com fixo, que mantenha ao máximo a simplicidade, a confiabilidade
auxílio de. escalas diagramáticas muitas vezes mais apropriadas e a regularidade que fizeram do calendário fixo a estratégia pre-
à pesquisa que à prática; (iii) depender de um limiar de ação que ferida dos produtores; a proposta do calendário semifixo não é
pode ser excedido antes de ser possível a implementação da tática a ideal, mas a possível; os produtores precisam de ajuda agora
adequada de manejo; (iv) trocar a segurança de um calendário e pedem soluções que possam ser implementadas de imediato;
fixo de pulverizações por um esquema que exige mais atenção, (iv) o uso de par,celas-cootrole com variedades suscetíveis (ou
mais trabalho e envolve maior risco; (v) perder feriados e fins de vasos com plantas armadilha). nas quais a monitoração é feita,
semana porque o limiar de ação foi excedido e a pulverização é pode ser uma maneira simples e prática de aperfeiçoar o calen-
inadiável. dário semifixo de pulverização, mantendo sua simplicidade: a
Todos os itens citados acima referem-se à face 'manejo' da proposta é antig21 e está esquecida; (v) variáveis derivadas da
filosofia clássica do MTP. Com tantos problemas com o manejo, área foliar (Waggoner & Berger, 1987) - como o índice de área
nada mais lógico que tratar a face 'integração' como o compo- foliar (leaf area index - LAI), a duração da área foliar sadia
nente principal do MIO, ideia que não é nova pois, como lem- (health leaf area duration - HAD) e a absorção da área foliar
bram Zadoks & Schein ( 1979), a integração "tem sido, de fato, sadia (health leaf area absortion - HAA) - podem ser monito-
o modus operandi da fitopatologia aplicada desde seu início, radas nas parecias-controle e usadas para aperfeiçoar o calen-
cerca de um século atrás ". Bergamin Filho & Amorim (1999a; dário semifixo, confonne abordagem proposta por Lopes et ai.
1999b) sugerem, simplesmente, maior ênfase tanto na pesquisa ( 1994) e Bergamin FilhC\ et ai. (1997); (vi) o componente pre-
quanto na prática da integração, áreas negligenciadas nas últi- ventivo do controle químico de doenças (envolvendo calendário
mas décadas. Com relação à pesquisa, o emprego da abordagem fixo modificado, c;om maior número de pulverizações, iniciadas
308
Manejo lntegrado de Doenças
mais cedo e a doses mais baixas) deve ser enfatizado (Katan, Lopes, D.B.; Berger, R.D.; Bergamin Filho, A. Absorção da área foliar
:W00); Forcelíni (1997) conseguiu melhores resultados com pro- sadia (HAA): uma nova abordagem para a quantificação de dano e
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309
Parte IV
GRUPOS DE DOENÇAS
1
CAPÍTULO
21
CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
313
Manual de Fitopatologia
por bactérias, por vírus, por nematoides, etc. (Boxe 21.2). Este 21.2. CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS SEGUNDO
sistema de classificação tem como ponto desfavorável reunir, OS PROCESSOS FISIOLÓGICOS DA .PLANTA
num mesmo grupo, patógenos que, ape.sar da proximidade INTERFERIDOS PELO PATÓGENO
taxonômica, atuam de forma diferente em relação à planta. Como
O processo doença envolve alterações na fisiologia do
evidência, pode-se mencionar o contraste entre uma bactéria que
provoca murcha (Ralstonia solanacearum), cujo controle estaria hospedeiro. Com base neste, aspecto, George L. McNew, em
mais próximo de uma murcha causada por fungo (Fusarium 1960, propôs uma classificação para as doenças de. plantas
oxysporum) e outra bactéria que causa podridão em órgãos de fundamentada nos processos fisiológicos vitais da planta
armazenamento (Envinia carotovora - sinonímia Pectobacterium interferidos pelos patógenos. Os processos fisiológicos vitais de
carotovorum). Esta última teria, do ponto de vista do controle, uma planta, em ordem cronológica, podem ser resumidos nos
maior similaridade com fungos causadores de podridão, seguintes (Figura 21. I):
pertencentes ao gênero Rhizopus. • Acúmulo de nutrientes em órgãos de armazenamento para
o desenvolvimento de tecidos embrionários.
• Desenvolvimento de tecidos jovens às custas dos butriente.s
Boxe 21.2 Classificação com base no patógeno
armazenados.
A classificação de doenças com base no patógeno • Absorção de água e elementos minerais a partir de um
é a maneira preferida da maioria dos autores de livros substrato.
texto sobre Fitopatologia. Esta abordagem já é usada • Transporte de água e elementos minerais através do
desde o clássico livro de Walker intitulado "Plant sistema vascular.
Pathology" e publicado em 1969, até pelo respeitado • Fotossíntese.
"Plant Pathology" de autoria de Agrios, cuja. 5ª edição
é de 2005. Textos de autores europeus, como "Patologia • Utilização, pela planta, das substâncias elaboradas
Vegetal Agrícola'' dos espanhóis Urqnijo et al., lançado através da fotossíntese.
em 1971 e Enfermedades, Plagas y Malezas de los Assim, de acordo com McNew, o desenvolvimento de uma
Cultivos Tropicales dos alemães Kranz et ai., datado de planta a partir de uma semente contida num fruto envolveria
1982 também privilegiam este enfoque para classificar várias etapas sequenciais, como o apodrecimento do fruto
doenças. para a liberação da semente; o desenvolvimento dos tecidos
embrionàrios da semente a partir de suas reservas; a formação
-
Armazenamento de nutrientes
Tecidos jovens
✓
' ...
~
--..J
... ...
Abs~rção Tra~slocação de água e Distribuição de
de agua nutrientes Fotossíntese
fotoassímilados
Figura 21.I -Processos fisiológicos das plantas interferidos pelos patógenos, de acordo com a classificação de McNew ( 1960).
314
Classificação de Doenças
dos tecidos jovens, como radicula e caulículo, ainda a partir das Esta classificação é conveniente pois, apesar de diferentes
reservas nutricionais da semente; a absorção de água e minerais patógenos atuarem sobre um mesmo processo vital, seu modo
pelas raízes; o transporte de água e nutrientes minerais através dos de ação em relação ao hospedeiro envolve procedimentos
vasos condutores; o desenvolvimento das folhas, que passam a semelhantes. Assim, diversos fungos e diversas bactérias podem
realizar fotossíntese, tomando a planta independe1nte das reservas causar lesões em folhas; a doença provocada por estes patógenos,
da semente; o desenvolvimento completo da planta, tanto porém, interfere no mesmo processo fisiológico vital, ou seja,
vegetativa quanto reprodutivamente, graças aos compostos por a fotossíntese. Em adição, como será exposto nos capítulos
ela sintetizados. seguintes, doenças pertencentes a um mesmo grupo apresentam
Considerando que estes processos vitais podem sofrer características semelhantes quanto às diversas fases do ciclo de
interferências provocadas por diferentes patógenos, McNew relações patógeno-hospedeiro, não raro apresentando idênticas
propôs grupos de doenças correspondentes (Figura 21.2): medidas para seu controle. O sistema de classificação proposto
Grupo I - Doenças que destroem os órgãos de por McNew alia, portanto, vantagens tanto do ponto de vista
armazenamento. teórico como prático.
Grupo JI - Doenças que causam danos em p,Jãntulas. Finalmente, este sistema de classificação pennite, também,
uma ordenação dos agentes causais de doença segundo os graus de
Grupo TII - Doenças que danificam as raízes.
agressividade, parasitismo e especificidade (Figura 21.2). Assim,
Grupo IV - Doenças que atacam o sistema vascular. de um modo geral, à medida que se caminha do grupo I para o
Grupo V - Doenças que interferem com a fotossíntese. grupo Vl, constata-se menor grau de agressividade no patógeno.
Grupo VI - Doenças que alteram o aproveitamento das maior grau de evolução no parasitismo e maior especificidade do
substâncias fotossintctizadas. patógeno em relação ao hospedeiro. Em relação à agressividade,
Grupo 11-Damping--off
Figura 21.l - Grupos de doenças de plantas e sua relação com especificidade, agressividade e evolução do parasitismo do agente patogênico.
315
CAPÍTULO
22
PODRIDÕES DE ÓRGÃOS DE RESERVA
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
s doenças que causam destruição de órgãos de tância da podridão, pois a própria semente ou seus derivados
317
Manual de Fitopatologia
Figura 22.1 - Sintomas de podridões de órgãos de reser..-a. Maçã com podridão causada por Pe11icil/i11m sp. (A); podridão em morango causada
por B01,y1is cinerea (B) e Rhizopus sp. (E): podridão parda de Moniliniafruc1icola em pêssego (C) e nectarina (D); bolor em
laranja causada por Penicillium spp. (F).
Crédito das fotos: Silvia A. Lourenço.
318
Podridões de Órgãos de Reserva
' >:
•-rd-v ~-~,,,,,,::::~
'iiil
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Meiose e formação do
Esporos formados no interior do
Esporangióforo (____/ ~
t ~~
ex _ / tubo germinativo
/ • _ Zig Colonização
Sintomas
iniciais
\\ ~~ """ ~~
\, '~
~,
\ ~- ~~~c=.;;t;~~
~~ Rizoides
Estas células, em seguida, são atacadas por enzimas pectolíticas e transporte e embalagem, e. através do contato entre material
celulolíticas que, ao decompor os componentes d~1 lamela média vegetal sadio e doente, principalmente durante o transporte e o
e das paredes celulares, promovem o rompimento das células e o armazenamento.
extravasamento do seu conteúdo. Externamente, as áreas atacadas A água, na fonna de respingos, pode remover a bactéria
.:xibem um sintoma inicial <le encharcamento para, em seguida, presente em restos de cultura e permitir que ela atinja outros
mostrarem-se amareladas e aquosas, evidenciando o processo órgãos de reserva nas proximidades. A água de irrigação,
degenerativo de podridão. A colonização tem continuidade implementos agrícolas e insetos também podem atuar como
com o fungo atuando sobre as células mortas, promovendo sua agentes de disseminação. A partir do momento que a bactéria
decomposição e obtendo nutrientes para seu desenvolvimento. À atinge um órgão suculento, pode ter inicio a infecção, com a
medida que o patógeno cresce no interior do órgão atacado, as penetração do patógeno através de ferimentos provocados por
estruturas de reprodução do patógeno são emitidas Jpara o exterior. insetos, pelo manuseio ou ainda devido a abrasões sofridas pelo
Em pouco tempo, o órgão atacado pode se transfonnar numa massa hospedeiro em condições de campo. Uma vez no interior dos
disforme, totalmente tomada por crescimento cotonoso do fungo. tecidos, a bactéria multiplica-se rapidamente e passa a produzir
Os aplanósporos e, eventualmente, os oósporos, provenientes da enzimas que desdobram as substâncias pécticas da lamela média
reprodução do fungo sobre o tecido em decomposição, podem e a celulose da parede celular. Com isto, ocorre a desorganização
ser disseminados pelo vento e infectar outros órgiíos suculentos, do tecido vegetal atacado, extravasamento de água para os espaços
caracterizando, assim, o ciclo secundário da doença. intercelulares e morte das células afetadas; os sintomas externos
O ciclo das relações patógeno-hospedeiro para podridões correspondem ao encharcamento, amarelecimento e necrose da
moles de causa bacteriana apresenta alguma semelhança com área atacada, caracterizando o processo de podridão mole ou
aquelas de origem fúngica, a despeito <la grande ,diferença exis- aquosa. Numa fase mais avançada, a ruptura da epiderme do órgão
tente entre os agentes causais. A fonte de inóculo, que garante a afetado permite a liberação de uma massa vegetal liquefeita, na
sobrevivência da bactéria, é constituída por órgiíos de reserva qual se encontram os talos bacterianos. Como resultado final, o
infectados, encontrados no campo ou erb locais de atmazenamento, órgão vegetal toma-se uma massa amorfa, parcialmente liquefeita
além de restos de cultura em decomposição, que permanecem no e totalmente colonizada pelo patógeno, exalando, usualmente,
campo após a colheita. A disseminação pode ser feita através do um odor fétido característico. A reprodução do patógeno ocorre
manuseio dos órgãos vegetais durante os tratos culturais, colheita, simultaneamente ao apodrecimento, pois a progressão da doença
319
Manual de Fitopatologia
implica no aumen1to da população bacteriana. Assim, à medida produtos germicidas aplicados nas paredes, piso e teto. luspeções
que os tecidos vegetais vào sendo decompostos, os nutrientes periódicas devem ser realizadas visando eliminar órgãos vegetais
vão sendo liberados e novas células bacterianas vão se formando atingidos pela podridão.
por divisão das células já existentes. O órgão atacado, parcial ou Quanto ao controle das podridões de sementes, recomenda-se
totalmente destruído, pode atuar como fonte de inóculo, tanto a colheita quando as mesmas apresentarem teor de umidade
em condições de campo como de armazenamento, propiciaudo adequado, pois umidade excessiva pode favorecer o ataque de
a sobrevivência do patógeno até o início do ciclo secundário. patógenos. A estocagem deve ser feita em local arejado. É
Uma das principais formas de disseminação da doença, no ciclo indicado, também, a prática de fumigaçào, pois os insetos podem
secundário, é através da presença de órgãos vegetais afetados provocar ferimentos nas sementes, propiciaudo a penetração de
misturados com órgãos sadios. agentes causadores de podridões.
320
Podridões de Órgãos de Rese,va
de cobertura morta ou lona plástica; promover a colheita nas 22.6. BIBl[LJOGRAFIA CONSULTAD A
primeiras horas da manhã; providenciar, após a colheita, a imediata
Agrios, G. N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego, Elsevier Academic
estocagem dos fmtos cm ambiente refrigerado (5°C); manusear
Press, 1997.
cuidadosamente os frutos durante as operações de colheita, transporte
e estocagem; separar e descanar os fiutos infectados encontrados Agrios, G. N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevicr Academic
durante a colheita, o transporte e o arrnaz.enamento. Press, 2005.
Como exemplo de podridão de origem bacteriana, será usada Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
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carotovorum (sinonímia Erwinia carotovora). Esta bactéria é São Paulo, Ceres, vol. 2, 2016.
um bastonete curto, Gram-negativa, peritríquia e anaeróbica Baggio, J.S.; Gonçalves, F.P.; Lourenço, S.A.; Tanak.8, F.A.O.; Pascbolati,
facultativa. É capaz de causar doença dentro de uma faixa S.F.: Amorim, L. Direct penctration ofRhiwpm stolonifer into stone
ampla de temperatura, compreendida entre 5 e 37ºC. A bactéria fruits c11using rhizopus rot. Plant Pathology 6S: 633-642, 2016.
ataca inúmeros produtos hortícolas, podendo ser encontrada em Barkai•Golan, R. Postharvest Dlseases of Fruits and Vegetables:
pimentão, cenoura, tomate, repolho, alface, entre outros. DeveloJ>ment and Control. Amsterdam, Elsevier, 2001.
O ciclo da doença tem início quando os talos bacterianos
Calderon, MI. & Barkai-Golan, R. Food Preservario n by Modi1ied
são disseminados através de vários agentes. Assim, o manuseio
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dos tubérculos, a água de chuva ou de irrigação, o movimento
dos insetos e o uso de ferramentas para cortar os tubérculos Christensen, C.M. & Kaufmann, H.H. Deterioration of stored grains by
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responsável pela disseminação da bactéria. A presença de água na York, A,cademic Press, 1983.
superfície do tubérculo pennite a multiplicação dos talos bacterianos, Food and Ag:riculture Organization. Food loss prevention in perishable
que penetram através de ferimentos e lenticelas. A colonização crops. Agr. Serv. Buli. (FAO) 43: 1-72, 1981.
envolve a multiplicação bacteriana nos espaços intercelulares e a Gonçalves, F"P.; Manins, M.C.; Silva Jr.• G.J.; Lourenço. S.A.; Amorim,
simultânea produção de enzimas, que desdobram as substâncias L. Posth arvest control of brown rol and Rhizopus rot in plums and
pécticas, constituintes da lamela média, e a celulose, constituinte oectarim!S using camauba wax. Postharvest Biology and Technology
da parede celular, promovendo a morte da célula. A ação destas 58: 211•217, 2010.
enzimas leva à desorganização do tecido, extravasamento do
conteúdo celular e degeneração de parte ou de todo o tubérculo. Harvey, J.M. Reduction of losses in fresh market fruíts and vegetables.
Annual Re,•iew of Phytopathology 16: 321-341, 1978.
Externamente, o tubérculo exibe encbarcamento, amolecimento
e apodrecimento da região atacada. Sob condições favoráveis, a Parisi, M.C.M.; Costa. H.; Betú, J.A.; Tanaka, M.A.S.; May-De
doença progride, tomando todo o órgão. Durante o processo de Mio, L.L. Doenças do Morangueiro. ln Kimati, H.; Amorim, L.;
podridão, o tubérculo vai se desfazendo e liberando um líquido de Rezende. J.A.M.; Bergamin Filbo, A.; Camargo, L.E.A. Manual de
odor desagradável, que contém os talos bacterianos. Fitopatologia. Doenças das Plantas Cultivadas. São Paulo, Ceres.
Alguns fatores e condições específicas podem colaborar 2016. p. 561•572.
para a instalação e desenvolvimento da doença. A nutrição da Perombelon, M.C.M. & Kelman, A. Ecology of the soft rot Erwinias.
planta com excesso de nitrogênio, o plantio em solos de má Annual Review of Phytopathology 18: 361•387, 1980.
drenagem, o uso de espaçamento inadequado, a falta de maturação Prusky, D. Pathogen quiescence in postharvest diseases. Annual Review
dos tubérculos, os danos causados por insetos, que provocam of Phyto,pathology J4: 4 13-434, 1996.
rupturas na superficie do tubérculo, a exposição à radiação
Snowdon, A.L. A Color Adas of Post-Harvest : Diseases and Disorders
solar, a presença de ferimentos causados na colheita, transporte or Fruits and Vegetables. Boca Raton, CRC Press, 1990.
e armazenamento e a ocorrência de alta temperatura, umidade
relativa elevada e má aeração podem predispor o hospedeiro à Tanaka, M.A ..S.; Beni, J.A.; Kimati, H. Doenças do Morangueiro. ln
doença e favorecer o processo de podridão. Kimati, H.; Amorim, L.; Rezende, J.A.M.: Bergamin Filho. A.;
Camargo,, L.E.A. Manual de Fltopatologia. Doenças das Plantas
Visando o controle da doença, algumas medidas podem
Cultivadas. São Paulo, Ceres, 2005. p. 489-499.
ser adotadas, tais como a instalação da cultura em solos de boa
drenagem, a utilização de espaçamento e densidade tecnicamente Tuite, J. & Poster, G.H. Contrai of storage diseases of grain. Annu al
recomendados, o uso de adubação balanceada, a colheita somente Review of Phytopathology 17: 343-366, 1979.
quando os tubérculos estiverem fisiologicamente maduros e a Williams, R.J. & McDonald, D. Grain molds in tropics: problems and
não exposição dos produtos coibidos à radiação solar. Apesar imponance. Annual Review of Phytopathology 21: 153• l78, 1983.
de estas medidas desempenharem um papel importante no Wilson, C.L. & Pusey, P.L. Potencial for biological control ofpostbarvest
controle da podridão mole, merecem atenção especial três plant disc:ases. Plant Disease 69: 375.378. 1985.
outras medidas adicionais: evitar, tanto quanto possível, a
ocorrência de ferimentos nos tubérculos durante as operações de
colheita, transporte. embalagem e armazenamento; promover a
annazenagem do produto imediatamente após a colheita, em local
arejado e com temperatura baixa (5ºt:); promover a remoção de
tubérculos infectados durante as etapas de colheita, embalagem
e, principalmente, armazenamento, impedindo seu contato com
aqueles sadios.
321
CAPÍTULO
23
.D AMPING-OFF
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
E
ste grupo de doenças afeta tecidos vegetais jov·ens, espêcies lherb'áceas, como as o1erko!Jas, até lenhosas, como as
ai,n àa dependente'5 ou recém-.libertados d-0s reserva,; fnut-iferas e fiorestais. São patógenos agressivos qwe, através da
.nutricionais acumuladas na semenle, Também estão produção de enzim.as, :matam rapida:inelilte a planta. promovem 1
nduidas mes\e grupo as podridões que ocorrem 11-0s sementes sua decomposição e ,reproduzem-se profusamente às custas dos
'1uando estas são ,colocadas no solo e. após o -intu1ncscimento nutrientes disponibilizados. As doenças pertencentes a este grupo
que precede à :genninação, sofrem o ata-01ue de patógenos. Assim. são cosmopo'litas, ocoffe.ndo praticamente em todas as regiões
.:is tecidos atacados compreendem ,os tecidos da semente ou onde se pratica a agricultura .
.aquele~ recém-produ2idos pela sua genninação. A importància
Jas doenças deste grupo está ,relacionada com o estabelecimento 2.:U. Sl\"lífOMATOLOGJA
da cultura no campo ou no víveiro, pois ocorrem nos primeiros Os sintomas podem ser observados antes da emergência da
~Lidios de deseovolV'Jment-o da planta. Como oonsequênda. a plântula ou após a p lântl!'la romper a superfície do solo (Figura
densidade desejável ,de plantio pode ser afetada negativamente. 23. l A,.B), No prímeiro caso. os tecidos da semente tornam-se
Pelo fato destas doenças serem ge,ra1Jrnenle fa'<'orecidas por ,escums, perdem a rigidez e tendem à decomposíçuo. Pode-se
- ndições ,de alta m11úda<le do :solo, elas ,têm !!:ido den(llminadas pefo ob'senrar, inic,íalmente, o aparecimento de manchas encharcadas,
~rmo ,íng.1ês damplng-q/J. Caso o ataqwe do patógeoo ,ocorra antes qu,e rnpidamente al!meinam de tamanho e escmecem. Com a
da emergênc.ia d·a plântula, a doença é referida como damping-ojj' evoluçã-o da ,d oença, o fü lilgo toma toda a plântula jovem, provo-
1
ir pré-emer,gência; caso a plânmla seja atacada após sua ·emer- cando a destmição de seus tecidos tenros, Tanto a morte da
;i!ncia, o tcm10 damping,offde p6:s-emerg.êr1cia é utilizado. E<Sta semente como da plãuttil.a cvidcJJcia-sc, 110 campo, pela redução
.!'rminologia j[ijg]esa, cofü,agrada ~elo uso ,correnJe. não encontra na densidade de plantas, que à pirimeirn vista é atribuída à má
tradução ade,qJ_aada na lingua portuguesa. Os ,t emms "dano em germinação da semente; removendo-se a semente do solo, no
plàntulas'' e "tombamento de plântulas" são, algumas vezes, entanto. poder-·se-.á detenninar, com certeza, se o problema é de
asados no lugar de damping-o.lJ. ordem fisiológica ou patogênica.
Os agentes qwe provocam podridão nas sementes no campo No caso das plâ[iJtu1as emergidas rio solo, os sintomas podem
e dmnpi11,g,o[f são principa1lmente fungos parasitas facultativos. ser dru;ervados no caulículo, quase sempre oa regíão do colo. As
~bilantes naturais do solo, qJUe Yivcm saprofi.tiicamente. São manchas apresentam-se inidalmcntc encharcadas, c.rescem rapida-
~.:ins.íderados patógenos. no entant~, quando atacam a pla[iJta me[iJte. tomam-se es<."l.1ms e progridem para lesões deprimidas,
~iva, constituindo-se nulill S'ério problema quando o hospedeiro tamlbém de ,collor:ação escura, que podem. provocar ttendilhamento
e de interesse ,econ&mico, !Estes organismos não apresentam ou constrição cio c.au[e. O enfn.,que6mento,do,c aulículo pode levar
especificidade em felação ao hos;pedciro, podendo infectar desde ao tomb.amemo da pHintuJa que é, então, colo.nfaada e decomposta
323
Manual de Fitopatologia
Figura 23.1 - Mudas de eucalipto apresentando sintomas de damping-ojf causado por Rhizoctonia solani (A, B) e hifa típica de Rhizoctonia
com ramificação em 90 graus (C).
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira.
pelo fungo. Este quadro sintomatológico é conhecido por tomba- poros. Estes esporos assexuados, liberados pela vesícula fisiolo-
mento de mudas, podendo ser frequentemente constatado em gicamente madura, movimentam-se no meio, graças aos flagelos,
locais úmidos e infestados por agentes patogênicos. O ataque encistam-se e posteriormente germinam, produzindo um tubo
do fungo não se restringe obrigatoriamente ao caulículo, sendo germinativo. Na reprodução sexuada, o oogônio (gametângio
comum a presença de raízes escurecidas e em processo de apo- feminino) e o anterídio (gametângio masculino) podem se originar
drecimento. a partir da mesma hifa ou de hifas distintas. Os núcleos desses
As falhas de plantio e o tombamento de plântulas ocorrem gametângios sofrem meiose, caracterizando a curta fase haploide
no campo em reboleiras. Estas áreas correspondem a locais onde desses organismos. Após o pareamento destas estruturas ocorre
a concentração de plantas doentes é mais alta. A ocorrência a cariogamia, através da passagem do núcleo do anterídio para
de reboleiras é uma evidência de que a redução no número de o interior do oogônio; em seguida, dá-se a fusão de núcleos que
plantas por área ou a má formação de plântulas está associada a restabelece a condição diploide. O conteúdo do oogônio forma
um agente patogênico e não a problemas fisiológicos da semente. um ou mais esporos sexuadas (oósporos) que, por possuírem uma
espessa parede externa, constituem-se em esporos de resistência,
23.2. ETIOLOGIA garantindo a sobrevivência deste cromista sob condições adversas
Fungos e oomicetos são os agentes causais mais comuns de ambiente. O oósporo, após um período de repouso, pode ger-
de doenças deste grupo, sendo o gênero Py thíum o mais impor- minar, dando origem a uma nova hifa ou a uma vesícula.
tante. Além deste, representantes dos gêneros Rhizoctonia e As características encontradas no gênero Phytophthora são
Phytophthora têm papel relevante nas doenças do tipodampíng-off. semelhantes àquelas do gênero Pythíum. As hifas são cenocíticas,
Vários outros microrganismos podem, eventualmente, provocar finas e formam um micélio branco ramificado. O ciclo sexuado é
podridão de sementes e danos em plântulas. Entre os fungos, idêntico àquele descrito para Pythium. A reprodução assexuada,
algumas espécies pertencentes aos gêneros Co/letotrichum, no entanto, difere em alguns detalhes. Assim, a hifa produz rami-
Phoma, Fusarium, Cercospora e Bot,ytis, enquanto entre as ficações denominadas esporangióforos, de crescimento indeter-
bactérias espécies dos gêneros Xanthomonas e Pseudomonas minado, em cujas extremidades são formados esporângios em
podem ser responsáveis por problemas em canteiros de mudas forma de pêra ou de limão. O conteúdo do esporângio dite-
ou na impla11tação de culturas, principalmente quando veiculados rencia-se diretamente em esporangíósporos, também do típo
pelas sementes. zoósporos, sem a ocorrência de vesícula. Os zoósporos, uma vez
Os representantes do gênero Pythium possuem hifas não liberados do esporângio, encistam-se para, em seguida, germinar
septadas, finas e delicadas, que se ramificam intensamente, e produzir um tubo genuinativo.
formando um micélio branco e esparso. Além da parte vegetativa, Espécies do gênero Rhizoctonia não produzem esporos
estes cromistas apresentam estruturas reprodutivas assexuadas, durante a fase vegetativa, ou seja, apresentam um micélio estéril
como os esporângios e os esporangiósporos, e estruturas repro- que não forma esporos assexuados. As hifas são bem desen-
dutivas sexuadas, como anteridios, oogônios e oósporos. Na volvidas, com septos transversais evidentes, e ramificam-se
reprodução assexuada, as hifas produzem esporângios inter- de modo característico, formando ângulo reto com relação à
calares ou apicais, sendo seu formato variável de lobulado a bifa de origem (Figura 23 .1 C). O micélio é bastante vigoroso,
globoso; os esporângios formam vesículas, no interior das qnais sendo inicialmente hialino, evoluindo para marrom claro e,
diferenciam-se esporaagiósporos biflagelados, denominados zoós- posteriormente, marrom escuro. Escleródios são formados pelo
324
Damping-Off
micélio e atuam como estruturas de resistência; são de formato A disseminação pode ocorrer tanto de forma ativa como
irregular, escuros e germinam produzindo hifas. A fase perfeita de passiva. Os zoósporos, devido à presença de flagelos, podem se
R. solani corresponde ao basidiorniceto Thanatephorus cucumeris. locomover llla água a curtas distâncias. A disseminação passiva,
R. solani possuí hifa dicariótica, condição garantida, durante porém, é a mais eficiente, sendo responsável pela distribuição do
o crescimento vegetativo do fungo, pelo grampo de conexão. inóculo a longas distâncias. Neste caso, a disseminação pode ser
A célula apícal da hifa dicariótica, em determinadas condições, feita pela água, tanto na forma de enxurrada (chuva ou irrigação
gradativamente entumece e origina um basídio. Em seguida, por sulco) como na forma de respingos (chuva ou irrigação por
ocorrem, sucessivamente, a cariogamia e a meiose. À medida que aspersão), pelo movimento do solo durante as operações de
o basídio se desenvolve, surgem quatro proruberâncias, chamadas aração e gradagem, pelo transporte de mudas e por sementes
esterigmas, na sua parte superior, que se desenvolvem devido à contaminadas.
extrusão de material do basídio. Cada núcleo migra para cada um O contato entre hospedeiro e patógeno pode ser estabe-
dos esterigmas, dando origem a quatro basidiósporos ovalados, que lecido quando a semente é colocada no solo infestado, podendo
se localizam nas extremidades dos esterigmas. Cada basidiósporo. o patógeno atacar diretamente a semente ou os tecidos jovens
quando liberado do esterigma, germina, formando uma hífa, a qual produzidos .após sua germinação. O processo de infecção ocorre
imediatamente sofre plasmogamía formando a hifa dícaríótica. quando as hifas penetram o tecido vegetal de modo direto ou
através de ferimentos. A panir deste estádio, desenvolve-se a
23.3. CICLODARELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDErRO colonização do tecido, através de pressões mecânicas exercidas
O ciclo primário das doenças que provocam damping-ojf pelas hifas •~ produção de toxinas e enzimas pectolíticas e pro-
(Figura 23.2) tem início com a sobrevivência do inóculo Os teolíticas. As hifas desenvolvem-se inter e intracelularmente e
patógenos típicos do grupo são habitantes do solo e apresentam formam novas estruturas vegetativas e reprodutivas, o que carac-
grande capacidade saprofitica, desenvolvendo-se às custas de teriza a etapa de reprodução do patógeno.
nutrientes obtidos da decomposição da matéria orgânica. Assim, As sementes são atacadas logo após absorverem água
os restos de cultura constituem-se em importante fonte de inóculo. para iniciar a germinação, pois o tegurnento amolecido e seus
Sob condições favoráveis de ambiente, estes microrganismos tecidos interiores encharcados favorecem a atuação do patógeno.
desenvolvem-se normalmente através da formação de hifas, Os tecidos jovens provenientes da semente e que ainda não
esporângios, zoósporos. oósporos e escleródios; sob condições emergiram do solo também podem ser atacados (danos de pré-
adversas, conseguem garantir sua sobrevivência através de estru- emergência). Após a emergência, os primeiros sintomas são
ruras de resistência, como oósporos e escleródios. expressos na forma de pontos encharcados localizados no caulículo,
Zoósporo · c/-
Tubo germinativo
Infecção
Zoósporo /
o
encistado •. ~ · ~._
7'
Micélio
intercelular
Ff . J{l: Tubo
_rminaf o
Vesícula
1
6
Zoóspo~LJ Podridão de
encistad "' sementes
Zoósporo~
~
Vesícula~
06,po~•m_
sobrev,vênc,aO, F,rtiU~çJo
do 00 ônio
:~n:erí
-.
Esp,orãngio
~
. . "-
Ca nogam,a
.
' -, .. Oogônio
Meiose
~
~ ~
Micélio,
esporangi6foros
e esporângios
325
Manual de Fitopatologia
na altura do colo; estes pontos aumentam de tamanho e podem não apresentam especificidade em relação aos hospedeiros.
causar fendilhamento, anelamento ou constrição do caulículo, A sintomatologia exibida pelas diversas espécies afetadas é
provocando o tombamento da plântula. praticamente a mesma, pois os patógenos atacam o vegetal sempre
Algumas condições favorecem a doença tanto por desfavorecer no início do seu desenvolvimento. A associação tomateiro-
o hospedeiro como por beneficiar o patógeno. A mais imponante, Pythium spp. e algodoeiro-Rhizoctonia solani foram escolhidos
sem dúvida. é a presença de alta umidade no solo, pois solos como exemplos.
encharcados são extremamente favoráveis à proliferação de Pythium Ao serem colocadas no solo, sementes de tomate podem
e Phytophthora, que normalmente vivem em ambiente aquático; entrar em contato com estruturas do patógeno (Pythium spp.)
Rhizoctonia também exige condições de alta umidade para seu presentes na matéria orgânica ou em restos da cultura anterior.
desenvolvimemo. Em relação à temperatura, as faixas mais amenas Estruturas como hifas e tubos germinativos provenientes de
( 15-20 ºC) favorecem Pythium e Phytophthora, enquanto ambientes zoósporos ou oósporos penetram as sementes ou tecidos jovens de
mais quentes beneficiam Rhizoctonia. Hifas de Rhizoctonia e forma direta ou por ferimentos. No caso das sementes, a atuação
zoósporos de f'ythium e PhJ10phthora podem ser estimulados por de enzimas füngicas promove sua rápida decomposição. No caso
exsudatos produzidos por sementes em germinação ou por raízes de tecidos vegetais jovens. enzimas pectolíticas degradam a
de plântulas. Estas substâncias podem atrair hifas em crescimento lamela média das células, dc:sorganizando o tecido e provocando
e zoósporos em movimento, bem como ativar a germinação de o aparecimento de pontos encharcados na região atacada. Numa
estruturas de repouso. como oósporos e escleródios. A demora etapa seguinte, enzimas e toxinas promovem o rompimento das
na diferenciação dos tecidos tenros também favorece o ataque de células. o que leva à morte do tecido. Corresponde a este estágio
patógenos; à medida que estes tecidos tomam-se maduros, passam o aparecimento de manchas, inicialmente marrom-claras e
a exibir maior resistência tanto à penetração como à colonização posteriormente escuras. podendo ser encontrado micélio branco
pelos patógenos. na superficie das partes vegetais atacadas. Finalmente, ocorre a
deterioração do material vegetal. sobre o qual o patógeoo produz
23.4. CONTROLE
suas estruturas vegetativas e reprodutivas. A destruição da semente
O controle das doenças deste grupo envolve medidas que e dos primeiros tecidos jovens reflete-se na fonna de falhas de
visam diminuir o inóculo do agente causal. promover o rápido plantio, bastando desenterrar o material vegetal para comprovar
desenvolvimento da plântula e e, itar a ocorrência de determinadas a causa da não emergência da plântula. Quando os danos em
condições ambientais que favoreçam a atuação do patógeno. A plântulas ocorrem após a emergência, o contato patógeno-
utilização destas medidas é importante, pois inexistem variedades hospedeiro e a penetração são feitos da mesma fonna que no caso
resistentes para estas doenças. anterior. Após a penetração, a ação de enzimas desagrega as células.
O uso de sementes sadias, o tratamento térmico. biológico provocando como sintoma externo o aparecimento de pequenas
ou químico de sementes. o tratamento do solo com agentes ílsicos. manchas encharcadas na haste da plântula, próximo à superficie
químicos ou biológicos e a rotação de culturas sào medidas que do solo. A colonização prossegue com a produção de enzimas
buscam reduzir o inóculo do patógeno. e toxinas, que matam o tecido. Os sintomas externos são lesões
As recomendações de evitar o plantio em áreas naturalmente de cor marrom, que podem apresentar, na superfície, o micélio
sujeitas a inundações, de utilizar solos que possuam boa drenagem branco do patógeno. Estas lesões podem provocar constrição da
e de realizar irrigações não excessivas têm por objetivo interferir haste da plântula. promovendo seu tombamento. A plântula mona
no ambiente, não permitindo a ocorrência de condições ideais pode servir de subslrato para o desenvolvimento do patógeno e
para o desenvolvimento do patógeno. para a produção de novas estruturas vegetativas e reprodutivas.
O rápido desenvolvimento da plântula, possibilitando a No campo. os danos são facilmentt: constatados pela observação
maturação dos tecidos jovens, que passam a ser mais resistentes, das plântulas monas. Sob condições favoráveis, particularmente
pode ser conseguido através de várias práticas. O emprego de com umidade do solo próxima à saturação, o agente de doença
sementes com alto vigor dará origem a plãntulas que rapidamente produz micélio abundante e reproduz-se assexuadamente através
emergirão do solo e terão seus tecidos diferenciados. O plantio a de esporângios e zoósporos. Em condições não favoráveis, os
profundidades adequadas pennitirá que a plântula tenha rápida oosporos garantem a sobrevivência do patógeno. Como controle,
emergência e maturação de tecidos. permanecendo por menos são indicadas as medidas gerais recomendadas para o grupo,
tempo suscetível aos patógenos. O uso correto de nitrogênio é destacando-se 0 us0 de sementes de boa qualidade. a escolha
uma prática importante. pois o excesso deste elemento, apesar de solos com boa drenagem e o tratamento de sementes. Em
de promover o rápido crescimento da plàntula, faz com que seus substratos para a produção de mudas e em pequenas áreas usadas
tecidos fiquem muito suculentos e demorem a se diferenciar, para experimentação ou canteiros recomenda-se a desinfestação
tomando a planta suscetível por um maior período de tempo. através do calor ou de produtos químicos.
Ainda como medidas de controle, recomenda-se evitar No caso do algodoeiro-Rhizoctonia so/ani, pesadas perdas
a excessiva densidade de plàntulas no viveiro e no çampo. A podem ocorrer quando se cultiva continuamente o algodoeiro
população excessivamente alta de plâmulas, além de favo~cer a numa mesma área. O fungo vive saprofiticamente na matéria
disseminação do patógeno a partir de uma planta doente, também orgânica do solo ou em restos de cultura, no entanto toma-se um
contribui para a criação de microclima favorável à doença. patógeno agressivo quando encontra sementes em germinação e
tecidos vegetais jovens, como cotilédones, hipocótilos e raizes.
23.5. DOENÇAS-TIPO Hifas provenientes do crescimento do micélio ou da germinação
A ocorrência de damping-off é bastante comum e pode de escleródios são as estruturas responsáveis pela infecção. A
ser observada numa gama muito grande de espécies cultivadas penetração dos tecidos ocorre através de pressão mecânica e ação
ou silvestres, uma vez que os patógenos típicos do grupo química de enzimas e toX.inas produzidas pelo fungo. Enzimas
326
Damping-Off
celulolíticas e pectolíticas secretadas pelo fungo também parti- Bruehl. G. W. Biology aod Cootrol of Soil-Borne Plant Pathogens. St.
cipam da colonização e colapso dos tecidos. O patógeno colo- Paul, APS Press, 1975.
niza rapidamente o tecido morto, produzindo novas hifas e Bruehl, G.W. Soilborne Plant Pathogens. New York, MacMillan, 1987.
escleródios, que pennanecem no solo até o aparecimento de
Buczacki. S.T. Zoospor ic Plant Pathogens: A Modem Perspective.
novos tecidos suscetíveis. Em condições de pré-emergência,
o fungo causa apodrecimento da semente e a morte rápida London, Academic Press, 1983.
das estruturas vegetais produzidas; como consequência são Duoiway, J.M. Water relations ofwaler molds. Annual Review of Phyto-
observadas falhas de plantio. Em pós-emergência, os sintomas pathology 17: 431-460, I 979.
iniciais são pontos encharcados localizados no colo da planta. Erwin, D.C.; Bartnicki-Garcia, S.; Tsao, P.H. Phytophthora lts Biology,
Estes sintomas evoluem, posteriormente, para manchas de cor
Taxonomy, l!:cology 11.nd Pathology. Sl. Paul. APS Press. 1983.
marrom. Como consequência, ocorre o tombamento da plântula,
sobre a qual o patógeno cresce, fonnando micélio e escleródios. É Hendrix. F.F. Jr. & Campbcll, W.A. Pythiums as plant pathogcns. Annual
comum encontrar junto às lesões um profuso micélio pontilhado Review of Phytopathology 11 : 77-98, 1973.
de escleródios. Quanto ao controle, não existem variedades lloitink, 11.A.J. & 13oehm, M.J. 13iocontrol within the context of soil
resistentes. As medidas devem atuar, portanto, de modo a microbial communities: a substrnte-dependent phenomenon. Annual
favorecer o rápido crescimento da plântula e a desfavorecer as Review of Phytopathology 37: 427-446. 1999.
condições ótimas para o desenvolvimento do patógeno. Assim,
Mazzola., M. Assessment and management of soil microbial commu-
pode-se recomendar o uso de sementes de boa qualidade, o
nity structure for disease suppression. Annual Review of Phytopa-
tratamento de sementes com fungicidas, o plantio não profundo
thology 42: 35-59, 2004.
das sementes e em densidade adequada à cultura.
Parker. C.A.; Rovira, A.D.; Moore. K.J.; Wong. P.T.W.; Kollmorgcn.
23.6. BIBILIOGRAFIA CONSULTADA J.F. Ecology a nd Management of Soilborne Plant Pathogens. St.
Agrios, G.N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego, Acadcmic Press, 1997. Paul. APS Press, 1985.
Agrios, G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic Press, Singleton, L.L.; Mihail, J.D.; Rush, C.M. Methods for Research on
2005. Soilborne Phytopathogenic Fungi. St Paul, APS Press, 1992.
Andmon, N.A. The genetics and pathology ofRhizoctonio so/ani. Aoo1111l Tousson, TA.; 13ega, R.V.; Nelson, P.E. Root Discascs and Soll-Bornc
Revlew of Phytop athology 20: 329-347, 1982. Pathogcns. Berkeley, University ofCalífomia Press. 1970.
327
CAPÍTULO
24
PODRIDÕES DE RAIZ E COLO
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
s doenças que fazem pane deste grupo afetam representantes penencem aos gêneros Pyrhium e Phyrophthora,
329
Manual de Fitopatologia
figura 24.t - Redução no desenvolvimento de muda de alface com podridão de raízes causada por Thielaviopsis basicola: (A) plllllta doente
à esquerda e planta sadia à direita; (B) alface com podridão no sistema radicular; (C) Clamidósporos (estruturas mais escuras) e
conídios (estruturas em cadeia mais claras) do fungo.
Crédito das rotos: Liliane D. Teixeira.
expressando-se também através de escurecimento. Em alguns solani, a qual está mais comumente associada ãs raízes. Os gêneros
casos, hã o aparecimento de pequenas lesões necróticas de Pyrhium, Phyrophthora, Rhizoctonia e Sclerotium, juntamente com
coloração marrom, que gradativamente aumentam de tamanho, F. solani, representam os patógenos típicos deste grupo. Alguns
dando início ao processo de podridão. deles, inclusive, já foram abordados no grupo anterior.
Na podridão de colo, as lesões aparecem no caule e Fungos do gênero Sclerotium apresentam hifas septadas,
localizam-se imediatamente abaixo ou acima da superficie .do finas, brancas e intensamente ramificadas, formando um micélio
solo. As lesões são geralmente deprimidas, de coloração marrom, abundante, cotonoso e solto. O micélio dá origem aos escleródios,
sendo que estruturas do fungo (hifas, escleródios) podem estar a inicialmente pequenos e de cor branca que, durante seu desenvol-
elas associadas. Em caules tenros, o desenvolvimento da lesão vimento, escurecem, podendo se apresentar esféricos ou de fonna
pode levar ao eufraquecimento da região atacada, predispondo irregular. Os escleródios são estruturas de resistência, garantindo a
a planta ao tombamento; é comum, também, a ocorrência de sobrevivência do fungo sob condições desfavoráveis de ambiente.
estrangulamento da planta. Em caules lenhosos, é observado o Estas estruturas, ao gem1inar, originam novas hifas. O micélio de
aparecimento de fendilhamento e escamarnento os quais, além do Sclerotium é capaz de produzir escleródios, mas não produz esporos.
dano local, podem servir como porta de entrada para a penetração Por este motivo é chamado de micélio estéril. A sobrevivência e a
de outros patógenos. disseminação do fungo são, portanto, realizadas através das hifas e
Em condições de campo, as podridões ocorrem geralmente dos escleródios. A espécie mais importante é S. rolfsii, conhecida
em reboleiras. ou seja, em áreas localizadas onde ocorre maior na fase perfeita como Athelia rolftii. Nesta fase, o fungo produz
concentração de inóculo do patógeno. É comum, também, a basidiósporos. que podem ser encontrados nas bordas das lesões, e
ocorrência de plantas doentes na mesma linha de plantio, quando são capazes de germinar sob condições de alta umidade.
a irrigação é feita pelo sistema de sulco, pois a água serve de Com relação ao gênero Fusarium, algumas espécies estão
agente disseminador do patógeno. envolvidas com podridão de raízes. F. solani, porém, é a mais
Com respeito à diagnose, as primeiras evidências da ocorrência importante. Esta espécie possui hifas septadas que formam um
de doença aparecem na parte aérea da planta, na forma de sintomas micélio branco-acinzentado, flocoso, variando de esparso a denso.
reflexos. Assim, a flacidez de folhas e ramos, o amarelecimento O fungo produz dois tipos de esporos assexuados, denominados de
de folhas, sintomas de deficiência nutricional, a queda prematura microconídios e macroconídios. Os microconídios são ovalados, uni
de folhas, flores, frutos e a própria morte da planta al'!)ntam para ou bicelulados, e fonnados, ern grande quantidade, nas extremidades
problemas de natureza radicular. Nestes casos, deve-se proceder ao de microconidióforos. Os macroconídios são fusifonnes, multi-
exame do sistema radicular, procurando os indícios característicos septados, originam-se a partir de conidióforos emergentes de
de podridão, visando um diagnóstico seguro. esporodóquios e são. em média, quatro vezes maiores que os
microconídios. Clamidósporos (estruturas de resistência) também
24.2. ETIOLOGIA são produzidos abundantemente pelas hifas; variam de globosos a
Os principais agentes que causam podridão em raízes e colo ovais, apresentam parede lisa ou rugosa e são formados no ápice
de plantas jovens são praticamente os mesmos que causam podridão de ramos laterais curtos ou podem ser intercalares em relação à
de sementes e danos em plântulas, exceção feita à espécie Fusarium hifa. A forma perfeita de F. solani corresponde a Haematonectria
330
Podridões de Raiz e Colo
.,,:nmatococca, um ascomiceto que produz peritécíos, no interior processo de colonização, surgem nas raízes ou nas hastes pequenos
j.:,s quais se formam os ascos. Os peritécios são superficiais em pontos cuja coloração varia de marrom-avermelhado a negra,
-::lação aos tecidos do hospedeiro, ligeiramente globosos, de cor dependendo do hospedeiro e do patógeno envolvidos. Estes pontos
.:.ranja-claro a marrom-claro e ocorrem em profusão sob alta umi- abrem-se em lesões maiores, que tendem a evoluir, provocando
_.;de nas regiões tropicais. Os ascos são cilíndricos e formam oito o enegrecimento da região atacada; em alguns casos, o fungo
JSCÓsporos elipsoidais, hialinos, que, posteriormente, adquirem se reproduz rapidamente sobre o tecido doente, sendo possível
coloração marrom-claro. observar a presença de micélio cotonoso e escleródíos associados
Além desses patógenos, considerados típicos do grupo, uma ãs lesões. A evolução da doença leva à destruição parcial ou total
5erie de outros fungos são agentes causais de podridões em raiz do sistema radicular ou do colo da planta, ocasionando sua morte.
e colo de plantas. Podem ser citados os gêneros Thielaviopsis, Este tecido morto servirá como substrato para que o fungo se
.'lruellinia,Annillariae Ophiobolus que, de um modo geral, atacam desenvolva, até que encontre uma nova planta hospedeira.
raizes de plantas que já passaram do estádio de planta jovem. As condições ambientais que favorecem a atuação desses
patógenos relacionam-se, principalmente, ã temperatura e à umi-
!-1.3. CICLO DARELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO dade. A ocorrência de alta umidade no solo é condição requerida
Os mais importantes agentes causais de podridões de raiz pela maioria dos patógenos do grupo; quanto à temperatura,
e colo são fungos que nomrnlmente fazem parte da microflora alguns são favorecidos por temperaturas mais amenas ( 15-22 ºC),
_ solo, ou seja, são os chamados habitantes d0 solo. Outros como Pythium, Phytophthora, Rhizoctonia e Ophiobulus, enquanto
~ considerados invasores e a permanência no solo depende outros, como Sclerotium, F. solani, Thielaviopsis e Sclerotinia,
.lc sua capacidade de sobrevivência na ausência do hospedeiro. desenvolvem-se melhor sob temperaturas mais elevadas (25-35 ºC).
'ímto os habitantes como os invasores do solo apresentam uma
cise parasitária, que ocorre nas raízes de plantas hospedeiras, e 24.4. CONTROLE
--na fase saprofitica, que é realizada na matéria orgânica. A fase O controle das doenças causadas por patógenos veiculados
-..profirica corresponde ã sobrevivência do patógeno na ausência pelo solo é tarefa difícil, pois o solo é um ambiente complexo,
,!,.) hospedeiro (veja Capítulo 4 desta obra). Nesta fase, os onde medidas de controle têm sua eficiência bastante prejudicada
~.:.rngenos sobrevivem em restos de cultura ou na matéria orgânica ou sua aplicação dificultada.
__ solo, na forma de micélio, clamidósporo, escleródio, zoósporo, O emprego de variedades resistentes é inviável, pois a natureza
esporângio ou oósporo. Estes fungos têm a capacidade de persistir agressiva do patógeno, aliada à falta de especificidade em relação
t11J solo durante longos períodos, pois, sob condições nonnais,
ao hospedeiro, toma difícil a obte.nção de materiais resistentes.
.:rescem na matéria orgânica e, em ambientes desfavoráveis, Em muitos casos, ocorre um tipo especial de resistência, chamada
~têm-se viáveis através das estruturas de resistência. "escape", ou seja, a planta atacada tem a capacidade de formar novas
A partir da fonte de inóculo, representada por restos de raízes, que vão substituindo aquelas destruídas pelo patógeno.
:ulrura e matéria orgânica, pode ocorrer a disseminação, ativa
Uma medida de controle importante é evitar o excesso de
passiva, das estruturas fúngicas. Na disseminaçãõ ativa,
umidade no solo. Para tal, recomenda-se escolher solos com boa
·>5 zoósporos deslocam-se através da água presente no solo. A
drenagem e controlar a irrigação.
_stància percorrida, porém, é pouco significativa. A fom1a passiva é
-:c".:.lizada através da água (enxurrada ou respingos), do movimento A rotação de cultura pode ser uma medida adequada de
controle. Atenção especial deve ser dada à escolha da espécie ou
:.e mio (aração e gradagem) e do transporte de material infectado
"'!"udas e sementes), promovendo a disseminação dos propágulos espécies que serão utilizadas na rotação.
- J.Ístâncias mais longas. O emprego de produtos químicos, na forma de tratamento
A semeadura ou o plantio de mudas em solos infestados do solo, de tratamento de sementes, estacas ou mudas pode
~rmíte o contato entre o hospedeiro e o patógeno. A presença minimizar os danos provocados pelas doenças deste grupo. O
~ raízes da planta hospedeira pode estimular a germinação de
tratamento do solo em grandes extensões não é econômico.
c--"Jl.Jturas do fungo ou o crescimento de hifas, que alcançam a Um cuidado a ser tomado, sempre que possível, éa utilização
_perficie das raízes, iniciando o processo de infecção. O contato de sementes, mudas e material de propagação vegetativa livres de
:-itre estruturas do patógeno e órgãos da planta também pode patógenos. Em alguns casos, a aração profunda, visando enterrar
-er estabelecido de forma casual. A penetração do patógeno nos os restos de cultura, pode dar bons resultados. O uso de solarização,
ceidos vegetais pode ser feita por intermédio das hifas e/ou que envolve a cobertura do solo com filme plástico para que a
~ s mbos germinativos provenientes dos esporos. A penetração alta temperatura provocada pela radiação solar destrua estruturas
:-,,,'<le ser direta pela superfície do órgão atacado ou através de fúngicas, pode se mostrar eficiente para determinados patógenos.
:.!'rimentos de natureza diversa, como aqueles provocados por O controle biológico, utilizando organismos antagônicos de
·:!matoides, insetos, ferramentas, abrasão com partículas do solo natureza fúngica ou bacteriana aplicados diretamente no solo, em
_, emissão de raízes secundárias. sementes ou em órgãos de propagação vegetativa, é uma fonna
A colonização dos tecidos é auxiliada pela ação de subs- desejável de controle para patógenos veiculados pelo solo.
=cias químicas do tipo ácidos orgânicos, toxinas e enzimas, O controle de doenças deste grupo geralmente é viável
·~as produzidas pelo patógeno. A atuação conjunta de meca- quando feito em condições de viveiro ou em pequenas áreas
• 5mos químico e mecânico promove a morte das células e, plantadas com culturas de alto valor econômico. Na grande
~)Steriormente, a decomposição do têcido. As hifas crescem prática, pouco é feito para controlar este tipo de doença, pois
-:iter e intracelularmente e, sob condições de alta umidade e não existem medidas suficientemente adequadas que possam
=peraturas adequadas, promovem a reprodução do patógeno, ser aplicadas no campo, tanto pela própria natureza das medidas
,na11do novas bifas e estruturas reprodutivas. No início do como pelo seu aspecto econômico.
331
Manual de Fitopatologia
332
CAPÍTULO
25
MURCHAS VASCULARES
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
O
transporte de água e nutrientes absorvidos pelas As doenças vasculares estão amplamente distribuídas em
raízes é um processo vita l para o âesenvolvimento todas as áreas onde se desenvolve a agricultura. Plantas anuais ou
da planta. A colonização dos vasos do xilema por perenes podem ser atacadas desde seu estádio inicial de desen-
'."11 grupo de patógenos resulta nas chamadas doenças vasculares, volvimento até o estádio adulto, havendo comprometimento tanto
.,rnbém conhecidas por murchas. da produção quanto da longevidade da planta.
Murcha é um sintoma complexo que pode ter diferentes Um aspecto importante em relação ao controle é que a
.:ausas, como a deficiência hídrica do solo, a insuficiente absorção especificidade existente entre hospedeiro e patógeno toma viável
.i.! água pelas raízes ou a descontinuidade na translocação, pelo a obtenção de variedades resistentes. O emprego destas varie-
ulema, da água absorvida pelas raízes. A murcha observada dades, além de controlar eficientemente a doença, não onera o
~ planta duraute as horas mais quentes do dia e a recuperação custo de produção para o agricultor.
aa turgidez durante os períodos de temperatura mais amena é
-ip1camente decorrente da falta de água no solo, não tendo relação 25.1. SINTOMATOLOGIA
.:om patógenos. Este tipo de murcha pode se tomar permanente As plantas atacadas por fungos ou bactérias causadores
, provocar a mone da planta, caso não ocorra reposição de água de doenças vasculares exibem sintomatologia similar. No caso
~olo. A destruição parcial do sistema radicular, provocado por dos fungos, os sintomas externos têm início, em plantas mais
-_1ogcnos ou insetos. também compromete a absorção de água na velhas, pelo clareamento das nervuras e alteração da tonalidade
...1ntidade exigida pela planta, mesmo havendo disponibilidade de verde das folhas, que gradativamente vai se tomando amare-
agua no solo. Finalmente. o colapso do sistema de transporte, em lada, começando pelas folhas mais velhas e progredindo para as
função do ataque de agentes patogênicos, impede o fluxo normal mais novas. Com a evolução da doença, pode ocorrer a murcha
• seiva bruta através dos vasos do xilema, podendo levar a planta de folhas e brotos, a necrose marginal nas folhas, a 4ueda de
a mone. Neste capítulo, somente este último caso será discutido. folhas, flores e frutos, o aparecimento de raízes adventícias e.
Os agentes causais de doenças vasculares são fungos e finalmente, a morte da planta (Figura 25.1 ). Quando o patógeno
bactérias considerados parasitas facultativos, que sobrevivem. na ataca plantas em início de desenvolvimento, pode provocar a
aisência do hospedeiro. em restos de cultura e na matéria orgânica morte rápida da mesma. A maior ou menor severidade da doença
presente no solo. Estes agentes são, em termos de parasitismo, está condicionada, no entanto, à ocorrência de fatores ambientais
-..ais evoluídos que os patógenos associados às doenças do tipo favoráveis e à própria resistência do hospedeiro. Sintomas internos
-.timping-off'· e podridão de raízes, pois apresentam especifici- são evidenciados pelo escurecimento dos vasos do xilema, obser-
..2.de tanto em relação ao hospedeiro como ao tecido que atacam, vado quando se procede ao cone transversal do caule ou dos ramos
. - seja, o sistema vascular. A especificidade destes organismos da planta doente; é possível, desta fonna, acompanhar a distribui-
dioega ao nível de raça fisiológica do patógeno. ção do patógeno através de cones sucessivos nas diversas partes
333
Manual de Fitopatologia
Figura 25.1 - Murcha vascular de tomateiro causada por Fusarium oxy sporom f. sp. fycopersici (A); escurecimento vascular em haste de
tomateiro portadora de murcha vascular (B).
25.2. ETIOLOGIA
Os patógenos fúngicos típicos deste grupo são Fusarium
oxysporum, Verticillium albo-atmm, Verticilliurn dah/iae e algumas
espécies de Ceratocystis. As espécies bacterianas mais cümurnente
associadas às murchas pertencem aos gêneros Ralstonia, Xylella,
Figura 25.2 - "Corrida bacteriana" obtida com corte transversal de has-
Xanrhomonas e Leifsonia.
te de tomateiro colonizada por Ralstonia solanacean1111.
Fusarium oxyspontm é um fungo de micélio geralmente Crédito da foto: Carlos A. Lopes.
branco que, dependendo da idade da colônia e das condições
ambientais, pode apresentar coloração levemente amarelada ou,
algumas vezes, púrpura. Os esporos assexuados são representados globosos, possuem parede espessa e atuam como estruturas de
por microconfdios, macroconídios e clamidósporos. Os microcü- resistência. O fungo é bastante variável sob o aspecto morfológico
nídios originam-se na extremidade de conidióforos, são hialinos, e patogênico, apresentando diversasformae speciales que atacam
elípticos, uni ou bicelulares e produzidos em grande quantidad.::.
detenninados hospedeiros, recebendo em cada caso denominação
Os macroconídios são fonnados no ápice de conidióforos rami-
ficados ou na superílcie de esporodóquios, são hialinos, fusi- especial. Assim, por exemplo, a murcha da bananeira é causada
formes, com as extremidades curvadas, e apresentam de três a por F. oxysponim f. sp. cubense, a murcha do feijoeiro, por
cinco células. Os clamidósporos são geralmente abundantes e F. oxy sponim f. sp. phaseoli, a murcha do tomateiro, por
localizados nas extremidades ou intercaladamente nas hifas; são F oxysporum f sp. lycopersici, a murcha do algodoeiro, por
334
Murchas Vasculares
F oxysporum f. sp. vasinfectum. Além das Jormae speciales, o Além deste tipo de substrato, o fungo pode se desenvolver nos
Jungo pode apresentar raças patogênicas, identificadas através de tecidos de várias espécies vegetais, que atuam como hospedeiros
,ariedades diferenciais do hospedeiro. F oxysporum pode atacar alternativos para o patógeno, na ausência do hospedeiro principal.
uma série de plantas cultivadas, bem como plarntas daninhas ou A disseminação dentro da área de cultivo pode ocorrer através da
silvestres. água de chuva ou irrigação, que leva os propágulos juntamente
As espécies Verticillium a/bo-atn1m e V dahiiae também são com as partículas de solo; o movimento de solo decorrente de
:issociadas às murchas de uma gama enonne de p]antas anuais ou aração e gradagem também promove o disseminação do patógeno,
perenes, cultivadas ou silvestres. Várias espécies de olerícolas, aumentando sua área de atuação dentro da propriedade. A longas
.11imentícias, ornamentais, frutíferas e florestais podem ser ata- distâncias, o fungo pode ser disseminado juntamente com mudas,
,:adas por estes patógenos. Uma característ.ica morfológica típica tanto no solo como no próprio material vegetal, ou veiculado
destes fungos é a formação de conidióforos verticilados, no por sementes. Quando o patógeno entra em contato com raízes
Jpice dos quais são produzidos os conídios uni,celulares, hiali- do hospedeiro, as estruturas de resistência podem germinar sob
nos e ovais. Estruturas de resistência do tipo microescleródios são estímulo de exsudatos produzidos pela planta, dando inicio à
a.s principais responsáveis pela sobrevivência do fungo no solo infecção. /\ penetração ocorre através da raiz principal, radicelas
durante a ausência do hospedeiro. ou pêlos absorventes e processa-se de modo direto através da
Algumas doenças vasculares que ocorrem principal- superftcie do hospedeiro ou de ferimentos presentes nos mesmos.
il<!nte em árvores têm como agente causal espécies dos gêne- A colonização desenvolve-se com o crescimento intercelular das
ros Ceratocystis e Ophiostoma. As principais espécies envolvi- hifas em direção aos vasos de xilema. O patógeno pennanece
&s são C.fimbriata, que causa a murcha ou a sec:a da mangueira, praticamente confinado ao xilema e, a partir daí, distribuí-se por
.i.Jém de atacar também o cacaueiro e a seringu,eira, c O. ulmi. toda a planta, por meio do crescimento de hifas ou pela produção
que provoca a seca do olmo. Ambos formam peritécios gregários, de conídios, que são arrastados pelo fluxo da seiva bruta. Com
de cor preta, globosos e providos de um rostro bastante longo. a evolução da doença, tem início a obstrução e o escurecimento
\:o interior do peritécio são produzidos os ascos:, que amadure- dos vasos. A obstrução é consequência do acúmulo de micélio,
~.:m e desintegram-se, liberando os ascósporos. Estes, posterior- esporos, gomas e tiloses, bem como de constrição do vaso, provo-
"Tiente, acumulam-se no ápice do rostro, ficando imersos numa cada pela proliferação das células adjacentes que compõem o
"1Jassa gelatinosa de coloração creme. Os ascósporos são elípti- tecido do parênquima.
.:os. achatados, hialinos e unicelulares. O patógeno pode formar As gomas são constituídas por produtos resultantes da atu-
:ambém endoconídios catenulados, cilíndricos, hialinos e unicc- ação de enzimas do patógeno sobre os componentes das células
ulares, bem como macroconídios elíticos, escuros e unicelulares, vegetais, enquanto as tiloses são estruturas produzidas por células
xalizados na extremidade de conidióforos. Além das espécies adjacentes ao xilema que extravasam para o interior do vaso, ca11-
amóreas, plantas arbustivas e herbáceas também podem ser ata- sando a oclusão do mesmo. Contribuem também para o bloqueio
.:adas por Ceratocystis, estando entre elas a batata-doce, o fumo, dos vasos alguns polissacarídeos e toxinas fonnados pelo fungo.
a crotalária e a mamona. As toxinas podem tanto destruir as células do parênquima próxi-
Dentre as bactérias, Ralstonia solanacearum destaca-se mas ao vaso, dando origem a materiais que se acumulam nos mes•
~orno uma das mais importantes, principalmente nas regiões mos, como também atingir as folhas, provocando redução na sín-
tropicais. Esta bactéria ataca mais de duzentas espécies vegetais tese de clorofila, alterações na fotossíntese. na permeabilidade das
~ causa problemas sérios nas culturas do tomate, da batateira membranas celulares e no controle da transpiração.
e da bananeira, entre outras. Nesta espécie, já foi constatada a O escurecimento dos vasos é atribuído ao transporte de
ocorrência de várias raças, cada uma apresentando especificidade substâncias resultantes da oxidação e polimerização de compostos
:.1ra um detenninado grupo de hospedeiros. As células de fenólicos, que são lançados no sistema vascular pelas células do
-;; solanacearum apresentam um único flagelo polar, têm a forma parênquima. Os sintomas de murcha surgem em consequência do
,k bastonete, são Gram-negativas e não formam endósporo e bloqueio dos vasos, impedindo que a água absorvida pelo sistema
capsula. As colônias são brilhantes e, geralmente, apresentam radicular supra adequadamente a parte aérea da planta. Nos casos
.:oloração amarelo-claro. em que a planta consegue sobreviver ao ataque do patógeno, o
O gênero Xanthomonas também está relacionado com as fungo pode colonizar sistemicamente a planta, comprometendo
:!üenças vasculares. X campestris pv. campestris, por exemplo, seu desenvolvimento e infectando suas sementes. Em ambientes
,taca repolho, couve, couve-Aor, ràbánete. nabo e côuve-de- favoráveis à doença, a planta morTe e o fungo passa a crescer no
~ruxelas desde os primeiros estádios de desenv,:ilvimento até a tecido em decomposição, sobre o qual realiza sua reprodução,
lâse adulta da planta. As células de X campestris têm a fonna dtJ através da fonnação de esporos e estruturas de resistência. Quanto às
r-ustonete, possuem um flagelo polar, são Oram-negativas e não condições ambientais, F m.yspon.1m é favorecido por temperaturas
!presentam endósporos; as colônias são brilhantes e fortemente entre 21 e 33 't:, com ótimo em torno de 28 'C.; as espécies de
~oloridas de amarelo. Esta coloração intensa é típica deste grupo Verticillium desenvolvem-se melhor a temperaturas mais amenas.
.li! bactérias. Em relação ao fungo Ceratocystis, o ponto que mais chama
a atenção é a relação com o inseto vetor, que promove sua dis-
!5.3.CICLODARELAÇÃOPATÓGENO-HOSPEDEIRO seminação na natureza e atua na penetração deste patógeno
As diferentes/ormae speciales de F oxysporum e as espé- nos tecidos do hospedeiro. A fonte de inóculo é representada
-~es V. albo-atrum e V. dahlíae apresentam muita semelhança por árvores ou partes de árvores infoctadas e por material
~ relação ao ciclo patógeno-hospedeiro (Figura 25.3). A vegetal doeme em decomposição. O fungo é veiculado por
k>brevivência do patógeno ocorre na forma de micélio ou de besouros (Scolytus multistriatus, no caso da murcha do olmo, e
~lamidósporos encontrados geralmente em res.tos de cultura. Hypocryphalus mangiferae, no caso da seca da mangueira), que
335
Manual de Fítopatologia
Mi"°'i'~ ;, ~
ldó
Macroconfdlos CIam1 sporo Micélio
~
Esporos formados
+--
Planta
no solo murcha inferiores
Estruturas presentes em tecidos e morre murcham
infectados ou no solo
Figura 25.3 - Ciclo de murcha de Fusorium (Fusarium O,T),sporum f.sp. lycopersici) em tomateiro.
Fonte: Redesenhado por Serge Savary, de Agrios ( 1997).
fonnam galerias no tronco e nos ramos das árvores. Ao iniciar a rídeos produzidos pelas bactérias, juntamente com componentes
perfuração do tecido vegetal, o inseto introduz o fungo na planta celulares degradados pelas enzimas bacterianas. Além das enzi-
e este inicia a colonização das células do parênquima até atingir o mas que degradam celulose e substâncias pécticas, as bactérias
sistema vascular. O patógeno coloniza os vasos e produz estruturas podem produzir enzimas que oxidam fenóis, dando origem aos
reprodutivas que são distribuídas por toda planta através do fluxo compostos do tipo melanina que, liberados no xilerna, causam o
da seiva bruta. Com a evolução Ja doença, ocorre o bloqueio dos escurecimento dos vasos. A produção de toxinas ainda não está
vasos, em função do acúmulo de gomas, riloses, polissacarídeos confirmada. Há evidências, porém, que determinadas substâncias
e estruturas do fungo, ocasionando a murcha, a seca e a mone bacterianas interferem negativamente na planta. Assim, alguns
de ramos ou da planta toda. Os insetos que estavam aruando compostos induzem hiperplasia das células do parênquima, fato
neste material vegetal, ao empreenderem um novo vôo, levam os que implica na diminuição do diâmetro do vaso. Os sintomas de
esporos do fungo aderidos ao corpo e, ao encontrarem um novo murcha manifestam-se na parte aérea do hospedeiro e, sob con-
hospedeiro. promovem a inoculação do patógeno. dições favoráveis à doença, o mesmo pode ser levado à morte.
O ciclo da relação patógeno-hospedeiro no caso de Os restos de cultura em decomposição liberam os talos bacteria-
Ralstonia é semelhante ao caso anterior. A bactéria sobrevive nos para o solo, os quais podem ser disseminados, dando início a
em restos de cultura, hospedeiros alternativos e sementes. A dis- um novo ciclo da doença. As murchas bacterianas afetam, princi-
seminação é fci1a pela água de chuva ou irrigação, movimento palmente, plantas herbáceas e ocorrem, predominantemente, nw;
do solo e ferramentas utilizadas nas práticas culturais. A pene- regiões tropicais e subtropicais.
tração ocorre via ferimentos existentes na raiz e a colonização
desenvolve-se com a multiplicação da bactéria nos tecidos vege- 25.4. CONTROLE
tais, sempre em direção dos vasos do xilema. Uma vez no vaso, O controle das murchas é bastante dificil, pois seus agen-
as bactérias continuam se multiplicando e podem atingir todas as tes causais desenvolvem-se no solo e penetram no hospedeiro via
partes da planta, sendo levadas juntamente com água e nutrientes. sistema radicular. Além disso, são capazes de sobreviver no solo
Ao longo do xilema, as bactérias rompem as células da parede por longos períodos, o que dificulta sua erradicação. A medida de
do vaso e passam a se multiplicar'nas células do parênquima, controle mais eficiente é o emprego de variedades resistentes, obti-
formando cavidades contendo material mucilaginoso, fragmen- das em programas de melhoramento genético, graças à especifici-
tos celulares e talos bacterianos. Em decorrência da colonização, dade existente na relação patógeno-hospedeiro. Para várias cultu-
ocorre a obstrução do vaso, causada pelo acúmulo de polissaca- ras foram desenvolvidas variedades resistentes, tanto no caso de
336
Murchas Vasculares
murchas de natureza fúngica como bacteriana, tomando viável O fungo sobrevive no solo durante longos períodos na
o controle da doença. Algumas medidas alternativas podem ser forma de clamidósporos, que podem ser disseminados na área
empregadas. A rotação de cultura, utilizando plantas não hospe- através do movimento de solo provocado por vento, água ou
deiras do patógeno, pode reduzir o inóculo no solo, diminuindo os implementos. Os clamidósporos germinam sobre as raízes do
danos provocados na cultura principal. Além disso., recomenda-se algodoeiro e o tubo germinativo resultante deste processo penetra
o emprego de sementes e de material propagativo livres de patóge- diretamente a superlicie vegetal ou ganha o interior da planta
nos; a instalação da cultura em áreas onde ocorra baixa população através de ferimentos. Neste caso particular, os ferimentos provo-
do patógeno; a realização de a ração profunda, visando enterrar os cados por nematoides do gênero Meloidogyne têm um papel
restos de cultura; a desinfecção de ferramentas utilizadas nas ope- importante na ocorrência da murcha, a tal ponto de comprometer
rações de tratos culturais; o controle de insetos vetores e de nema- o controle da doença, mesmo quando variedades resistentes
toides que facilitam a dispersão e a penetração do,s patógenos; a são utilizadas. Após a penetração, as hifas crescem em direção
fumigação do solo, quando economicamente víávd; a inundação aos vasos do xílema e passam a se desenvolver no seu interior,
da área infestada pelo patógeno; a alteraç-ào do pH do solo. no caso colonizando as células, produzindo esporos e promovendo a
de algumas bactérias. Logicamente, a utilização destas medidas distribuição sistémica do fungo pela planta através da corrente
está condicionada a determinados fatores, como custo da opera- ascendente de seiva. Com a evolução da colonização, ocorre o
ção, eficiência do controle, exequibilidade da medida e natureza bloqueio dos vasos infectados, limitando parcial ou totalmente
do hospedeiro e do patógeno envolvidos. Algumas medidas. envol- a passagem de água e elementos minerais para a parte aérea
,·endo controle biológico e uso de solarização, pouco exploradas da planta. Externamente, os sintomas iniciam-se pelas folhas
em termos práticos até agora, são potencialmente promissoras para basais, que perdem a turgidez, tomam-se amareladas, apresentam
o controle de fungos e bactérias causadores de murcha (Boxe 25.1 ). crestamento do limbo e, finalmente, caem. Quando se corta
transversalmente a raiz, o caule ou os ramos de uma planta doente
25.5. DOENÇAS-TIPO pode-se observar o típico escurecimento de vaso~, que evidencia
A murcha do algodoeiro, causada por Fusarium oxyspornm a presença do patógeno. As plantas que, por alguma razão,
f. sp. vasinfecfwn, determinou a decadência da lavoura algodoeira sobn~vivem ao ataque do fungo podem ter seu desenvolvimento
nas nossas condições. algumas décadas atrás. Atual mente, a coto- prejudicado. sua produção reduzida e suas sementes infectadas.
nicultura tem se desenvolvido graças à disponibilidade de varieda- Após a morte da planta, o fungo desenvolve-se sobre os restos de
des resistentes à doença. cultura, formando micélio, esporos e estruturas ti.1produtivas. A
Apesar de pitoresco, o titulo traduz um~1verdade incontestável. A concepção de solo como um ambiente físico, que
serve simplesmente como substrato para crescimento de plantas, não é condizente com os conceitos mais modernos
de agroecossistema, fontes renováveis e s·ustentabilidade. A interação entre os componentes físicos, químicos e
biológicos fa2.em do solo um ambiente extremamente dinâmico, no qual a interferência do homem pode ser marcante.
A implementação e manntenção da "saúde" de um solo passa obrigatoriamente pelo uso de boas práticas culturais.
Em termos biológicos estas práticas geram condições favoráveis ao desenvolvimento de populações de micror-
ganismos habitantes naturais do solo. O solo comporta populações antagônicas às populações de patógenos qne
compartilham este mesmo ambiente. Port~mto, se a população do agente causal é reduzida, menor é a quantidade
de inóculo e, consequentemente, menor é o dano causado pela doença. Assim, é reconhecido que o bom manejo do
solo pode contribuir significativamente para o bom manejo de doenças. Boas práticas culturais contribnem também
para promover características desejáveis de natureza física e química, tais como aeração adequada, retenção de água,
redução da erosão, diminuição da lixiviação de uutrientes, aumento da agregação e estruturação de partículas, além
de liberação de nutrientes a partir da decomposição de matéria orgânica.
A manutenção de um solo saudável consiste basicamente na incorporação de material orgânico ou na proteção da
sua superfície por meio de plantas ou seus r(:síduos. O plantio de culturas na entressafra da cultura priucipal previne a
erosão causada pelo movimento de água de superfície e reduz as perdas de nutrientes por percolação. Com esta mesma
finalidade, tem sido utilizada a prática conhecida como cobertura morta ('mulching'), que consiste no uso de resíduos
de plantas (palha) distribuídos nos espaços livres existentes entre as plantas cultivadas. A incorporação ao solo de
material vegetal fresco, prática denominada de adubação verde, de restos culturais ou de material orgânico de natureza
animal, além de melhorar as propriedades físicas e químicas serve como substrato para o aumento e diversidade da
biomassa microbiana habitante do solo.
O conhecimento do efeito supressivo do solo sobre as doenças não é recente e tem sido intensivamente pesquisado
ao longo do tempo. Solo supressivo é aquele G1ue apresenta condições desfavoráveis para o desenvolvimento de patógenos.
As interações como competição, parasitismo1, antibiose e predação existentes entre microrganismos habitantes do solo
e microrganismos patogêrúcos às plantas são, as maiores responsáveis pela condição supressiva do solo. Embora fatores
fisicos como pH ou teor de argila possam con1tribuir, a supressividade está, sem dúviJ.a, especificamente rela.cionada com a
atividade microbiana que se desenvolve no solo. Assim, por ser wn antbiente dinâmico e suscetível à interferência humana,
o solo se constitui no suporte da agricultura sus,tcntável. (Para detalhes sobre solo supressivo, consultar Capítulo 17 desta obra).
337
Manual de Fitopatologia
manutenção do patógeno no campo pode ser facilitada, apesar da Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
sua especificidade pelo algodoeiro, por hospedeiros secundários, (ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Cultivadas.
como plantas de fumo, soja, beldroega, cássia (Cassia tora), São Paulo, Ceres. vol. 2, 2016.
Physalis alkekenji e outras. Allen, C.; Prior, P.: Hayward, A.C. Bacterial Wilt Diseasc and the
A murcha é favorecida por alta umidade, temperaturas de Ralsto11ia solanacearttr" Species Complex. St. Paul, APS Press,
25-32 °C, plantio em solos arenosos, presença de nematoides, 2005.
ocorrência de baixo pH e adubação com baixo teor de potássio. O Annstrong. G.M. & AnnStrong. J.K. Reflections on the wih Fusaria.
controle envolve principalmente o uso de variedades resistentes Annual Review of Phytopathology 13: 95-103, 1975.
e a rotação de cultura.
Beckman, C.H. The ature of Wilt Diseases of Plants. St. Paul, APS
A murcha bacteriana do tomateiro, causada por Ralstonia
Press, 1987.
solanacearum, é uma das doenças mais importantes da cultura e
ocorre praticamente em todo o território brasileiro. Na ausência do 800th, C. Thc Ccnus F11sari11m. Kew. Commonwealth Micological
tomateiro, a bactéria sobrevive no solo, sendo disseminada pela lnstítute, 1971.
água e implementos que provocam movimento de solo. A penetra- Buddcnhagem, 1. & Kelman, A. Biological and physiological aspccts
ção ocorre através de ferimentos existentes no sistema radicular, of bacterial wilt causcd by Pseudomonas so/anacearnm. Annual
sendo que a alta umidade favorece a multiplicação dos talos bac- Review of Phytopathology 2: 203-230. 1%4.
terianos na etapa inicial de penetração. Ao atingirem o vaso, tem Gordon, T.R. The evolutionary biology of Fusarium oxyspor111n. Annual
início a colonização, que ocorre através do aumento do número Rcvicw of J>hytopatbology 35: 111-128. 1997.
de talos bacterianos. Estes deslocam-se passivamente para outros Hayward. A.C. Biolob'Y and epidemiology of bacterial wilt causcd by
pontos da planta, levados juntamente com a água e nutrientes atra-
Pseudomonar solanacearnm. Aonual Re,·iew Phytopathology 29:
vés do xilema. O desenvolvimento das atividades bacterianas den-
65-87. 1991.
tro Jos vasos e nas cavidades formadas no tecido do parênquima
adjacente ao xilema leva à formação de polissacarídeos, gomas, Klostennan. S.J.; Atallah, Z.K.; Vallad, G.E.; Subbarao, K.V. Diversity,
tiloses e fragmentos celulares. Estes materiais provocam a obs- pathogenicity. and management of Vertici/lium species. Annual
trução do vaso e a consequente interrupção do transporte de água Re,·icw of Phytopathology 47: 39-62. 2009.
e elementos minerais absorvidos pelo sistema radicular. Surgem, Katan. J. Solar hcating (solarization) of ~oil for control ofsoilbome pests.
portanto, os sintomas na pane aérea, evidenciados inicialmente Annual Rcview of Phytopathology 19: 211-236, 1981.
pela perda de turgidez dos folíolos mais velhos, seguida pela fla- Mace, M.E.; Bcll, A.A.; íleckman, C.H. Fungai Wllt Discascs of Phmts.
cidez do ponteiro e, posteriormente, pela murcha da planta toda. New York, Acuc.lcmic Press, 1981.
Quando esta sequência ocorrer rapidamente, a planta murcha por
Martin, C.; Frcnch, E.R.: Nydegger, U. Strains of Pse11domonas
inteiro sem perder, porém, a cor verde. Esta sintomatologia é cha-
.Mlanacean,m in the Amcricas. Plant Dísc11se 66: 458-460, 1982.
mada de murcha verde. Com o passar do tempo; a planta morre
e começa a ser decomposta pelas bactérias que, à medida que Nelson, P.E. & Dickey, R.S. Histopathology of plants infected with
destroem os tecidos vegetais, multiplicam-se abundantemente. A vascular bacterial pathogens. Annual Revicw of Phytopathology
partir da matéria orgânica, os talos bacterianos são liberados para 8: 259-280, 1970.
o solo, podem ser disseminados pela água e, ao encontrarem um
hospedeiro, reiniciam o ciclo. A diagnose da doença pode ser con-
firmada pela observação do sistema vascular escurecido. Outro
modo de se constatar a presença de bactérias nos vasos é promo-
ver o corte das hastes no interior de um recipiente com água e
observar a liberação de pus bacteriano (figura 25.2). Uma varia-
ção desta técnica compreende a obtenção de fragmentos de ramo
ou caule, que são imersos numa gota de água colocada sobre uma
lâmina de vidro. Exame do material ao microscópio permite a
visualização de "corrida bacteriana", ou seja, um t1uxo de pus
bacteriano que sai do tecido vegetal em direção ã água.
A espécie R. solanacearum é patogênica a mais de 200 espé-
cies vegetais e apresenta variabilidade patogênica muito grande.
evidenciada pela ocorrência Je diversas raças fisiológicas. O pató-
geno é favorecido por condições d~ alta temperatura (26-37 ºC) e
umidade elevada, as quais influem tanto na sobrevivência e dis-
seminação ds bactéria como na incidência da doeoç~. Quanto ao
controle, recomenda-se realizar o plantio em temlS novas e pro-
mover rotação de cultura com gramíneas, visando baixar o inó-
culo do patógeno em áreas severamente infestadas.
338
CAPÍTULO
26
MANCHAS FOLIARES
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
s folhas são responsáveis pelo processo de fotos- Este típo de doença ocorre em praticamente todas as re.giões
339
Manual de Fitopatologia
Figura 26.1 - Sintomas de manchas foliares bacterianas: cancro cítrico causado por Xanthomonas citri subsp. citri (A); mancha bacteriana
(Xanthomónas vesicatoria) do tomateiro (B); podridão negra (Xanthomonas campestris pv. campestris) em couve (C).
Crédito das fotos: A - Lílian Amorim, B - Paula Panosso, C -Antonio C. Maringoni.
Figura 26.2 - Sintomas de manchas foliares fúngicas e seus respectivos agentes causais: mancha foliar de Bipolaris zeicola em milho (A) e
conídios do agente causal (D); Mancha foliar de Stemphylium spp. em tomateiro (8) e conídios do patógeno (E); Mancha foliar
de Cercosporidium personatum em amendoim (C) e conídios do fungo (E).
Crédito das fotos: Lílíane D. Teixeira.
340
Manchas Foliares
do hospedeiro e dos fatores ambientais. De uma maneira geral, do processo de meiose e o desenvolvimento da hifa ascógena, que
as manchas de origem bacteriana aparecem inicialmente como origina o asco. O conteúdo do asco diferencia-se em ascósporos.
pequenos pontos translúcidos, normalmente referidos como pon- Um determinado gênero de fungo anamórfico normalmente cor-
tos encharcados. Estes pontos evoluem para áreas maiores, tam- responde a um determinado gênero de Ascomiceto. Em alguns
bém encharcadas. A região mais central destas áreas começa casos, porém, um único gênero do fungo imperfeito pode corres-
3 sofrer necrose e, posteriormente, estabelecem-se as lesões ponder a mais de um gênero na forma perfeita. No caso dos mais
necróticas, que podem coalescer e tomar grandes porções folia- comuns causadores de manchas, por exemplo, as relações predo-
res (Figura 26.1 ). As manchas causadas por fungos geralmente minantes envolvem Cercospora, que corresponde a Mycosphae-
têm início com pequenos pontos cloróticos (sem ocorrência de rella; Colletotrichum, a Glomerella; Bipolaris, a Cochliobolus;
encharcamento de tecido). Estes pontos aumentam de tamanho, Botrytis, a Borryotinia; Alternaria, a Lewia.
:ransfonnando-se em manchas. A área central destas manchas As bactérias que atuam como agentes de manchas e cres-
·.:,ma-se necrótica e pode apresentar estruturas reprodutivas do tamentos são, na grande maioria, pertencentes aos gi?neros Xan-
'.l.ttôgeno (Figura 26.2). Aqui também pode haver coalescência de thomonas e Pseudomonas. Caracterizam-se por possuir forma de
~ões, que passam a ocupar grande parte do limbo foliar. A ocor- bastonete, ser aeróbias, não fomrnr esporo de resistência e apre-
rência de tecidos encharcados ou a presença de estrururas fúngi- sentar flagelo polar. O número de flagelos permite diferenciar um
~ na mancha permitem, quase sempre, diferenciar uma mancha gênero do outro: Xanlhomonas possui um único Aage lo, enquanto
.:k origem bacteriana daquela provocada por fungo. Pseudomonas é, geralmente, lofo!riqu,a.
As manchas, independentemente do seu agente causal, Tanto os agentes fúngicos como os bacterianos atuam como
;xxlem apresentar várias fonnas, dimensões e cores. Em relação parasitas facultativos, desenvolvendo-se saprofiticamente em res-
• forma, siío geralmente circulares, ovaladas, fusifonnes ou alon- tos culturais. Na fase patogênica, estes organismos colonizam os
;Jdas; quanto ao tamanho. variam desde pontuações do tamanho tecidos vegetais através da produção de enzimas e toxinas, que
.:.... cabeça de um alfinete até alguns centímetros; no tocante à cor. acarretam a morre e a decomposição dos tecidos do hospedeiro.
'"'l'edominantemente são de coloração marrom ou marrom-aver- Muitas espécies vegetais são atacadas por estes patóge-
.:idhado, existindo, também, tonalidades de amarelo, púrpura, nos, principalmente espécies de grande importância econômica,
.:mza. preto e outras. É interessante mencionar que em algumas compreendendo cereais, hortaliças, frutíferas. forrageiras e orna-
dicotiledôneas as manchas podem estar limitadas pelas nervuras, mentais. Apesar de estes patógenos estarem amplamente disse-
-endo referidas, então, como manchas angulares; no caso de gra- minados nas mais diversas regiões do mundo, a maioria deles é
mineas, as manchas podem se desenvolver no sentido das nervu- favorecida e causa maiores problemas nas áreas onde predomi-
ras. sendo, neste caso, chamadas de riscas ou listras. É comum a nam temperaturas relativam~nte elevadas (20-30°C) e altos niveis
Jbservação de um halo amarelado ao redor da mancha. de umidade.
Como consequência da presença de manchas nas folhas, a
~ .mta pode apresentar desfolhamento precoce, queda acentuada 26.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO
Je flores e frutos, subdesenvolvimento e má fonnação de frutos
Os fungos causadores de manchas sào capazes de sobrevi-
-.i sementes. Plantas, quando severamente atacadas nos estádios
ver nos restos de cultura, na matéria orgânica do solo, em semen-
iniciais de crescimento, podem ser levadas à morre. tes, em hospedeiros alternativos, ou mesmo nos tecidos da planta,
no caso de hospedeiro perene. A djsseminação dos propágulos é
16.2. ETIOLOGIA
mais comu.mente realizada pelo vento, respingos de água e semen-
Os fungos causadores de manchas pertencem, na maioria, tes contaminadas. O vento e as sementes são responsáveis pela dis-
ao grupo dos anamôrlicos que, normalmente, na sua fase perfeita, persão a longas distâncias, enquanto a água promove a distribuição
,orrespondem aos ascomicetos. Estes fungos possuem micélio do patógeno nas proximidades da fonte de inóculo. Os conídios
---iante desenvolvido, cujas hifas são compartimentadas pela ou ascósporos, entrando em contato com a superficie foliar de um
~resença de septos transversais, e podem formar estruturas de hospedeiro suscetível, iniciam a etapa de infecção. A germinação
n:sistência, como clamidósporos e escleródios. das estruturas reprodutivas exige condições de alta umidade, geral-
Na fase imperfeita, a reprodução é realizada através de coní- mente na fonna de um filme de água sobre a lâmina foliar, o qual
.!los. que podem ter origem no interior de picnídios, como em é nonnalmente decorrente da deposição de orvalho. Os conídios
Scp1orla, em acérvulos, como em Colle1otrichum, on serem fonna- genninam, fonnando um tubo genninativo que se fixa na superfi-
.).)s livremente a partir da hifa, como em Alternaria, Cercospora, cie vegetal usualmente através de um apressório. A hifa originária
Bl{JOlaris, Botrytis e Pyricularia. O tipo de conídio é característico do apressório penetra de forma direta a superficie íntegra da folha,
p.,ra cada gênero. Assim, Altemaria produz conidios piriformes, com o auxílio de enzimas e pressão mecânica; ferimentos e estô-
escuros, grandes e multicelulados, com septos transversais e Jongi- matos também se constituem em portas de entrada para os pató-
..udinais; Cercospora forma conidios filiforrnes, hialinos. de tama- genos. A colonização desenvolve-se com a produção de toxinas
tbo variável e multicelulares; os conídios de Colletotrichum são e enzimas que matam o tecido vegetal e promovem a sua decom-
.r- itlados, hialinos, pequenos e unicelulares; Bipolaris apresenta posição, liberando os nutrientes requeridos para o crescimento do
..-.aídios cilíndricos, escuros, grandes e multicelulares. patógeno. Várias toxinas de origem fúngica têm sido identifica-
Na fase perfeita, o esporo de origem sell.uada é formado das, como a tentoxina produzida por Alternaria, a cercosporina
- mterior de ascos, os quais se desenvolvem no interior de sintetizada por Cercospora, a victorina produzida por Bipolaris
-Y.pos de frutificação. predominantemt!nte do tipo peritécio. A e outras. A enzimas produzidas pelos patógenos atuam na degra-
:Drodução sexuada desenvolve-se a panir da plasmogamia entre dação de substâncias da lamela média e da parede celular, bem
..s gametângios feminino (ascogônio) e masculino (anterídio), como de componentes citoplasmáticos da célula vegetal. Como
..ando origem à hifa ascógena. Após a cariogamia, há ocorrência consequência da colonização, surgem os sintomas, que têm início
341
Manual de Fitopatologia
no ponto de penetração e estendem-se para as áreas circunvizi- de germinação. como relatada para os fungos, não ocorre. Na
nhas. Os primeiros sintomas manifestam-se na forma de pontos pré-penetração ocorre a multiplicação das bactérias localiza-
cloróticos. que correspondem ao local de penetração do patógeno; das na superfície da planta. A penetração é realizada através de
estes pontos transformam-se em pequenas manchas que, poste- estômatos e ferimentos. A presença de um filme de água sobre
riormente, exibirão um centro necrótico. e, 1dência da mone de a superfície vegetal favorece a e ntrada do patógeno. As células
células. e um halo amarelado ou verde-claro. evidência do cresci- bacterianas iniciam a colonização dos tecidos do parênquima,
mento do fungo para novas células: estas manchas podem coales- multiplicando-se nos espaços intercelulares. Através da ação
cer, causando a morte de grandes áreas do limbo foliar. À medida de toxinas e enzimas, ocorre desorganização, morte e decom-
que os tecidos \'egetais vão sendo colonizados, ocorre a reprodu- posição do tecido atacado. tornando disponíveis os nutrientes
ção do patógeno. As estruturas reprodutivas, principalmente do necessários ao metabolismo bacteriano. As enzimas normal-
tipo conídios, são produzidas nos tecidos necrosados, ou seja. nas mente sintetizadas desestruturam o lamela média e a parede
áreas centrais da mancha. e exteriorizam-se a través de rupturas da celular e decompõem os constituintes celulares complexos cm
superficie foliar ou via estômatos. Uma vez expostas, estas estru- substâncias mais simples, prontamente assi miláveis pelo pató-
turas podem ser disseminadas tanto pelo vento como pela água e geno. Os sintomas começam a aparecer na forma de pontos
dão origem ao ciclo secundário da doença. onde a fonte de inó- translúcidos. que correspondem ao início da desorganização
culo é representada pela planta doente (Figura 26.3). dos tecidos vegetais. Na verdade, o tecido apresenta-se com
O ciclo da relação patógeno-hospedeiro para o caso de aspecto encharcado em ralão do extravasamento do conteúdo
manchas bacterianas assemelha-se, pelo menos em parte, ao celular para os espaços intercelulares, devido à destruição da
ciclo descrito anteriormente. As bactérias garantem sua sobre- lamela média e da parede das células. Os pontos encharcados
vivência desenvolvendo-se cm restos culturais e matéria orgâ- aumentam de tamanho, originando as manchas, caracterizadas
nica, pois atuam como organismos saprofiticos; as sementes e por um centro geralmente necrosado e uma área externa de
as plantas perenes também pennitcm a perpetuação dos talos tecido encharcado que. às vezes, exibe um halo amarelado. A
bacterianos. O principal agente de disseminação é a água, coaleseência das manchas pode provocar a destruição de parte
na forma de chuva ou de irrigação. promovendo a dispersão da lâmina foliar. Apesar de a colonização ocorrer pela multiplica-
a curtas distâncias. Além da água. as sementes, os insetos e ção contínua dos talos bacterianos, a fase de reprodução do pató-
as ferramentas podem distribuir o patógeno a partir de uma geno ocorre quando a população bacteriana fonna uma massa
fonte de inóculo. Quando os talos bacterianos atingem tecido mucilaginosa e emerge dos tecidos doentes, podendo ser então
vegetal suscetível, tem início o processo de infecção. A etapa disseminada pela água, por insetos ou por ferramentas.
Manchas e áreas
necróticas nas
~~~-~ folhas
."',.,
\ ~
Germinação de ascósporo e tonfdlo
(direita), com peneiração por estômatos
\ '·, '.
\
Pianla sadia
Lesl!es foliares. lesões iniciais (direita) e severas
(centro e esquerda)
342
Manchas Foliares
Alguns fatores ambientais, princípalmente a umidade e a terianos disseminam-se principalmente pela chuva, que carrega
temperatura, influenciam a severidade das doenças do tipo man- e deposita estas esttuturas nas folhas de plantas vizinhas; a d is-
chas e crestamentos. De wn modo geral, a umidade é o fator mais scm inação a longas distâncias pode ser feita através de material
crítico, pois havendo umidade adequada a doença pode ocorrer infectado, como frutos e mudas, ou por aerossóis (ver Boxe 7.3
dentro de uma faixa relativamente ampla de temperatura. Assim, no Capítulo 7 desta obra). Ao atingir uma folha jovem, as células
a alta umidade, tanto na forma de umidade relativa como na bacterianas ganham o interior dos tecidos via estômatos e feri-
forma de urna película de água sobre a superftcic vegetal, é condi- mentos, sendo a penetração favorecida pela formação de uma
ção indispensável ao desenvolvimento da doença; por outro lado. película de água sobre a superfície foliar. A etapa de coloniza-
temperaturas relativamente elevadas (20-30ºC) são favoráveis ao ção desenvolve-se com a multiplicação do patógeno nos tecidos
rápido estabelecimento e aumento da doença. vegetais. Esta multiplicação acarreta o aparecimento de peque-
nos pontos amarelados que, aumentando de tamanho, dão ori-
26.4. CONTROLE gem a manchas circulares, que podem coalescer. O tecido afetado
As manchas e os crestamentos foliares podem ser controla- apresenta aspecto esponjoso, coloração esbranquiçada ou parda,
dos através da adoção de algumas medidas que atuam tanto sobre sendo circundado por um halo amarelado; uma · característica
patógenos fúngicos como bacterianos. O emprego de varicda- típica da lesão é a presença de uma margem de tecido enchar-
Jes resistentes é a medida mais indicada para controlar adequa- cado, bastante evidente quando se observa a mancha contra a luz
damente estas doenças. A ohtenção de materiais geneticamente (Figura 26.1 A). Sintomas nos frutos são semelhantes àqueles du
resistentes é bastante viável em função da especificidade existente folha. As lesões, porém, ~ão mais salientes e corticosas; nos bro-
entre hospedeiro e patógeno. Uma série de variedades resisten- tos e ramos as lesões apresentam fissuras profundas. A reprodu-
tes está disponível para uma gama de espécies vegetais econo- ção do patógeno ocorre através do aumento do número de talos
micamente importantes. A aplicação de fungi1;idas, imóveis ou bacterianos. Este aumento da população bacteriana verifica-se em
sistêmicos, constitui em alternativa de controle, principalmente função da destruição do tecido vegetal e da consequente libera-
quando não existem variedades resistentes. Grande número de ção de nutrientes. que são prontamente utilizados pelo patógeno.
produtos químicos tem mostrado eficiência no controle de man- As células bacterianas podem, então, fluir através do tecido lesio-
chas, desde que empregados corretamente. nado e ser disseminadas pela água. A bactéria pode sobreviver em
Algumas medidas alternativas de controle, podem colaborar lesões e em restos vegetais. A doença provoca destruição de área
par::i diminuir os danos provocados pela doença. Assim, a rotação foliar, interferindo diretamente no processo de fotossíntese. Em
de culturas e a eliminação de restos culturais diminuem o inóculo ataques mais severos, pode causar queda de folhas e frutos, seca
do patógeno; o uso de sementes livres do patógcno ou de semen- de ramos novos, baixa produção, mau aspecto do fruto e morte
tes tratadas impede a cntrad:l do patógeno na área de cultivo e sua da planta. As condições favoráveis para o desenvolvimento da
ação sobre a plântula; a erradicação de plantas daninhas hospe- doença compreendem temperatura entre 20 e 35 ºC e elevado teor
deiras evita a perpcmação do patógeno no cahlpo na aus~cia da de umidade, este sendo o fator climático mais importante.
cultura, além de propiciar diminuição do inóculo; o emprego de O controle do cancro cítrico é feito inicialmente através da
aduhação balanceada, sem excesso de nitrogêoio, toma a planta en-adicação <la planta, tão logo se constate a presença da doença.
menos predisposta ao ataque dos patógenos; o uso de densidade Esta medida, quando realizada eficientemente, tem promovido
e espaçamento adequados evita a ocorrência de microclima favo- a eliminação da doença em várias regiões citrícolas do mundo.
rável aos patógenos; a poda de ramos em frutíferas promove bom Quando a erradicação falha, outras medidas devem ser adotadas,
arejamento da cultura, desfavorecendo a ocorrê1ncia de doenças. visando diminuir os efeitos da doença. Assim, a opção por deter-
minados genótipos que apresentem boa resistência e o uso de fim-
26.S. DOENÇAS-TIPO gicidas cúpricos em áreas onde a doença ocorre endemicamente
As manchas e crestamentos são doenças que causam sérios são medidas alternativas de controle. O controle da larva minadora
prejuízos a uma diversidade de culturas, provoc:ando redução na dos citros também é recomendado, pois esse inseto forma galerias
quantidade e na qualidade da produção. Embora várias doenças nas folhas cítricas que funcionam como sítios de infecção.
tenham distribuição mundial. outras se manifestam em áreas mais A mancha foliar do milho, por muito tempo conhecida por
restritas, em função do hospedeiro e das condições climáticas. No helmintosporiose, é o nome dado a uma doença causada por duas
presente capítulo, serão abordados como doenças-tipo o cancro espécies fúngicas, Bipolaris maydis (teleomorfo Cochliobolus
cítrico, causado por Xanthomonas citri subsp. ,citri, e a mancha heterostrophus) e Exserohilum lllrcicum (teleomorfo Setosphaeria
foliar do milho, causada por Bípolaris maydís, que se constituem lurcíca), anteriormente denominados Helmlnlhosporium maydis e
cm problemas constantes nas condiçues tropil;aís. H. turcicum. No presente caso, será abordada a queima ou man-
O cancro cítrico é originário do continente asiático, sendo cha foliar provocada por B. maydis, que se tornou famosa por
registrado em alguns países da América do Su \. Nas condições causar grandes perdas, durante a década de 70, em extensas áreas
brasileiras, a doença foi constatada pela primeiira vez em 1957, plantadas com cultivares possuidores de citoplasma T, que con-
na região de Presidente Prudente-SP. O cancro, desde então, tem fere macho esterilidade às plantas. A doença atinge várias regiões
sido uma preocupação constante para a citricultura paulista. O Jo mundo, ocorrendo de maneira mais severa durante estações de
agente causal é a bactéria Xanthomonas citri subsp. cilri, basto- alta umidade ou em locais de clima úmido. A partir da fonte de
nete Oram-negativo, que apresenta um único flagelo polar. Este inóculo, o vento e a chuva promovem a disseminação dos coní-
patógeno forma colô nias amarelas:é aeróbio e sua temperatura dios que. ao atingirem tecido suscetível e na presença de água,
ótima de desenvolvimento está na faixa de 28-30 "C. O ciclo da iniciam o processo de infecção. A germinação do conídio dá ori-
doença pode ter inicio a partir de uma planta doente, que repre- gem ao tubo germinativo, que penetra diretamente a superficie
senta a fonte de inóculo. A partir das lesões foliares, os talos bac- foliar ou ganha o interior dos tecidos via estômatos. A coloniza-
343
Manual de Fitopatologia
ção é feita através do crescimento de hifas, que invadem o tecido O controle é feito basicamente pela utilização de varieda-
parenqnimatoso, causando sua deterioração. O mecanismo de des ou híbridos geneticamente resistentes. O emprego de produ-
ataque é exercido através de toxinas e enzimas produzidas pelo tos químicos é uma medida recomendável para o caso de culturas
patógeno, as quais provocam a morre das células e o colapso de alto valor econômico como, por exemplo, culturas para produ-
do tecido atacado. Como consequência da colonização, surgem
ção de sementes.
os sintomas, evidenciados por manchas alongadas ou elípticas,
cujas dimensões variam de 0,5 a 1,5 cm por 0,5 a 3,0 cm. As
26.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
lesões apresentam coloração marrom-clara ou castanha, com as
margens normalmente exibindo cor mais escura que a área cen- Agrios, G.N. Plaot Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
tral e, em alguns casos, com halo clorótico. No tecido necrosado Press, 2005.
da mancha são encontradas as estruturas reprodutivas do pató-
Amorim, L.; Rezcnde, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
geno, geralmente conídios produzidos em conidióforos livres que
emergem através dos estômatos. Agentes de disseminação. como (ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Cultivadas.
vento e água, podem dispersar estes esporos, colocando-os em São Paulo. Ceres, vol. 2, 2016.
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causa destruição de tecido, reduzindo, portanto, a área fotossinté-
Carvalho, R.V.; Pereira, O.A.P.; Camargo, L.E.A. Doenças do milho.
tica da planta. A doença progride rapidamente sob condições de
temperatura favorável (20-32ºC) e umidade elevada. A redução ln Amorim, L.; Rezende, J.A.M.: Bergamin Filho, A.; Camargo,
no desenvolvimento da planta. a queda na produção, a morte de L.E.A. (ed.). Manual de Fitopatologla: Doenças das Plantas Cul-
plântulas provenientes de sementes infectadas e a predisposição tivadas. São Paulo, Ceres, vol. 2, 2016. p. 549-560.
da planta a podridões de colmo são outros efeitos prejudiciais Rossetti, V. Identificação do cancro cltrico. O Biológico 47: 125-153.
atribuídos à doença. 1981.
O fungo Bipolaris maydis corresponde, na fase perfeita, a
Sigee. D.C. Bacterial Plant Pathology: Cell and Molecular Aspects.
Cochliobolus heterostrophus. O fungo apresenta hifas septadas,
que formam micélio escuro, vigoroso e bastante ramificado. Na Cambridge, Cambridge University Press. 1993.
fase imperfeita, o patógeno produz conídios cilíndricos, afilados Ullstrup. A.J. The impact of the southem com leaf blight epidemies of
nas extremidades, ligeiramente curvos, de coloração verde-oliva, J970-1971. Annual Review of Phytopathology 10: 37-50, 1972.
com número de septos variando de 3 a 13. Na fase sexual, são
Timmer. L.W.; Garncy, S.M.; Graham, J.H. Compendium of Citrus
formados corpos de frutificação do tipo perítécio, no interior dos
quais se desenvolvem os ascos; estes contêm, geralmente, quatro Diseases. St. Paul, APS Prcss, 2000.
ascósporos filamentosos. , White, D.G. Compendium oi' Corn Diseases. St. Paul, APS Press. 1999.
344
1
CAPÍTULO
27
MÍLDIOS
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
A
s doenças conhecidas por míldios são causadas por
oomicetos pertencentes à família Peronosporaceae. Bremia, todos da família Peronosporaceae; a principal caracte-
Ocorrem predominantemente nas folhas; ·podendo rística que permite a identificação dos diferentes gêneros é o tipo
mngir também rannificações novas e frutos nos estádios iniciais de de ramificação dos esporangióforos (ver Figura 8.17 no Capítulo
~ nvolvimento. Nas folhas, a ocorrência do míldio tende a redu- 8 desta obra).
nr a capacidade fotossintética, resultando em prejuízo no desen- A interferência em relação à fotossínte.se de.v e.-se à capacidade
ol\imento vegetativo da planta, bem como em danos à produção. que têm os patógenos de obte.r nutrientes diretamente. das células
A incidência de míldio tem sido observada em praticamente vivas do hospedeiro. Os baustórios, estruturas formadas a partir das
·:<las as regiões onde se pratica a agricultura, com preferência hifas, têm a função de retirar estes nutrientes presentes no citoplasma
:U.'":i regiões de alta umidade e de temperatura amena. Esta dis- das células parasitadas. A necrose de tecido foliar incitada pelo pató-
- buição generali:zada da doença deve-se, em parte, ao grande geno também contribui para diminuir a taxa de fotossíntese.
- ~:nero de espéci.es vegetais que atuam como hospedeiros. É As medidas de controle para os míldios envolvem, princi-
• :num a ocorrênc;ía do míldio em plantas olerícolas, frutíferas, palmente, o uso de variedades resistentes e o emprego de produ-
riamentais e em diferentes cereais. tos químicos.
A sintomatologia típica é caracterizada pelo aparecimento,
a face superior dia folha, de manchas de coloração verde-clara 27.1. SINTOMATOLOGIA
alie tomam-se, primeiramente, amareladas e, finalmente, escuras, Os sintomas característicos da doença manifestam-se nas
...: ido à necrose. Em correspondência a estas manchas, surge na folhas. Inicialmente, surgem pequenos pontos de coloração verde-
:"i.:e inferior da folha uma eflorescência esbranquiçada, constítu- clara. Com a evolução da doença, os pontos transformam-se em
~ por estruturas do patógeno, tais como hifas cenocíticas, espo- manchas de forma, tamanho e coloração variáveis; assim, as man-
~ gióforos e espo,rângios. chas podem ser elípticas, circulares ou mesmo irregulares, apre-
Os patógenos do grupo são parasitas obrigatórios, ou seja, sentando diferentes dimensões e exibindo coloração amarelada ou
:a:cessitam da plaiota viva para formarem novas estruturas vege- marrom escura, quando necrosadas (Figura 27.1 ). Estas caracterís-
i:amas e reprodutivas. Não há, portanto, ocorrência de fase sapro- ticas variam dependendo do hospedeiro e patógeno envolvidos. À
.:::ica. A relação hospedeiro-patógeno apresenta alto grau de mancha que se desenvolve na superficie superior da folha corres-
~ ificidade, ev idenciado pela ocorrência de formae speciales ponde uma eflorescência esbranquiçada que, geralmente, aparece
~ .k raças fisiológicas do patógeno. Os oomicetos causadores de na s uperficie inferior da mesma. A eflorescência, também chamada
- _:dio caracterizam-se, portanto, por apresentarem baixa agres- de bolor cinza, representa as fmtificações do agente da doença,
1dade, alta especificidade e um elevado grau de parasitismo. sendo formada predominantemente por esporângios e esporangió-
patógenos mfüis importantes são encontrados nos gêneros foros. Em alguns casos, a eAorescência pode recobrir as manchas.
345
Manual de Fitopatologia
Figura 27.1 - Míldio da abobrinha. causado por Pseudoperonospora cubensis, na face adaxial (A) e abaxial (B) das folhas; esporangióforo e
esporângios de P. cubensis (C). Míldio da videira, causado por Plasmopara vitícola, na face adaxial (D) e abaxial (E) das folhas
e em frutos jovens (F).
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira (A-C). Sergio de Salvo (D, F), Larissa Visioli (E).
Apesar da sintomatologia típica de míldio ser observada denominado oósporo. que apresenta uma parede espessa e atua
nas folhas, a doença pode afetar o hospedeiro como um todo, como estrutura de resistência. O oósporo permite a sobrevivên-
retardando o desenvolvimento da planta, provocando a queda de cia do patógeno sob condições adversas de ambiente. Sob condi-
flores, folhas e frutos e causando a morte de ramos novos e pecío- ções favoráveis, germina, produzindo um tubo germinativo. Este
los. Isto, logicamente, está condicionado à severidade da doença, tubo funciona como um esporangióforo, na extremidade do qual
a qual está relacionada, principalmente, à presença de hospedeiro se forma um esporângio, que produzirá, por sua vez, zoósporos.
suscetível e à ocorrência de condições ambientais favoráveis. A germinação das estruturas reprodutivas exige uma pelí-
cula de água irecobrindo a superficie do órgão atacado. A ocor-
27.2. ETIOLOGIA rência de um alto teor de umidade relativa também é condição
Os agentes causais de míldios pertencem à familia Peronos- essencial para o desenvolvimento destes patógenos. Uma vez no
poraceae, atuam como parasitas obrigatórios, desenvolvendo-se em interior da planta, as hifas formam haustórios, que se instalam
hospedeiros vivos. Os patógenos deste grupo apresentam hifas no interior das células vivas do hospedeiro e daí retiram nutrien-
cenocíticas, que fonnam um micélio inicialmente branco e, pos- tes necessários ao crescimento e reprodução do patógeno. Estas
teriormente, acinzentado. A fase assexuada ocorre predominante- estruturas permitem ao patógeno desenvolver uma fom1a refreada
mente nas plantas doentes, enquanto o estágio sexuado raramente de parasitismo, o que garante um período relativamente longo de
tem sido encontrado em nossas condições. associação hospedeiro-patógeno.
Na reprodução assexuada, as hifas dão origem aos esporangi-
óforos que sustentam os esporângios. O conteúdo dos esporângios 27.3. CICW DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO
diferencia-se em esporangiósporos, que são liberados quando os As estrnturas do patógeno que podem iniciar o ciclo da
esporângios atingem a maturidade. Os esporângios são geralmente doença (Figura 27 .2) sobrevivem de várias fonnas na ausência do
globosos, enquanto os esporangiósporos são do tipo zoósporo. Estes hospedeiro principal. Nas condições de clima temperado, os oós-
esporos são unicelulares, ligeiramente esféricos, biflagelados e têm a poros podem a tuar como estruturas de resistl!ncia; estes esporos
capacidade de locomoção na presença de água. Embora a germina- de resistência, sob condições favoráveis, germinam, produzindo
ção dos esporângios geralmente produza zoósporos, em alguns casos um tubo germinativo; este dá origem ao esporângio, que por sua
estas estruturas germinam formando um rubo germinativo. vez produz zoósporos, que podem infectar plantas da estação cor-
Na reprodução sexuada, ocorre a formação de oogônio e rente. Nas reg;iões de clima tropical ou subtropica l, a sobrevi-
anteridio seguida de meiose e plasmogamia. A estrutura resultante vência ocorre através de micélio e esporângios, que se mantêm
da fecundação do oogônio pelo anterídio é um esporo sexuado em hospcdeiro,s alternativos, em plantas voluntárias ou no próprio
346
Míldios
Colonização
Formação de
zoósporos
hospedeiro perene; a ausência de inverno rigoroso permite que o doença, pode: ocorrer necrose dos tecidos mais velhos, o que se
patógeno sobreviva desta forma. A ocorrência de oósporos rara- reflete exteri onnente através de uma área escura localizada no
mente é relatada em condições de clima mais quente. Os agentes ceotro da mancha amarelada. Simultaneamente ao desenvolvi-
de disseminação mais comuns são o vento, que propicia a disper- mento do micélio, acontece a reprodução do patógeno, que emite
são de esporângios a distâncias relativamente grandes, e a água, as estruturas reprodutivas para o exterior, através dos estômatos.
principalmente através de respingos, que espalha esporângios e Estas estrutuiras constituem a eflorescência esbranquiçada corou-
zoósporos para plantas vizinhas e para a própria planta doente. mente presente na face inferior da folha, ocupando uma área cor-
Quando um esporângio alcança uma folha suscetível, por exemplo,
respondente à mancha observada na face superior. Nesta massa,
tem início a etapa de infecção. O zoósporo liberado na superfície
inicialmente branca e posteriormente acinzentada, são encontra-
foliar gennina somente na presença de um filme de água e, como
dos esporangióforos e esporângios. Estes últimos podem ser dis-
resultado, produz o tubo germinativo. Este tubo pode penetrar no
seminados pdo vento e pela água, dando início a um novo ciclo.
tecido do hospedeiro via estômato ou ferimento. Ao atingir os
tecidos internos, o tubo germinativo dá origem a um micélio, que Os míldios são doenças favorecidas por ambientes de tem-
se desenvolve intercelularmente, emitindo haustórios para o inte- peraturas amenas (17-22 ºC). com ocorrência simultânea de alta
rior das células vegetais. Com a retirada de nutrientes do hospe- umidade relativa (acima de 95%). Locais constantemente sujei-
deiro, o patógeno se desenvolve e pasS"a a colonizar intensamente tos ao acúmulo de neblina e presença de orvalho são ideais para
os tecidos foliares. Como consequência, surgem os sintomas o desenvolvimento da doença. Assim, culturas suscetíveis insta-
externos, evidenciados por pequenas manchas de cor verde-claro ladas em regiões serranas ou em áreas de baixada podem sofrer
que, gradativamente, tomam-st: amareladas. Com a evolução da sérios danos em função de surtos rápidos e intensos da doença.
347
Manual de Fitopatologia
348
Mildios
O míldio da videira é uma das doenças mais marcantes dentro da Fitopatologia. Ao longo do tempo, as investi-
ga1rões sobre o míldio dest11 espécie milenarmente explorada pelo homem geraram conlu:dm~ntos que contrlbufram
significativamente para o avanço da fitopatologia Apesar disso, mesmo após cem anos de enfrentarnento constante
ainda não se obteve, de forma absoluta, sucesso no seu controle. A literatura registra que o agente causal do míldio
foi introduzido nos vinhedos europeus a partir do final do século XIX. O patógeno é originário da América do Norte
e se disseminou rapidamente no velho continente por encontrar variedades suscetíveis e condições climáticas alta-
mente favoráveis. A doença foi devastadora e causou um forte impacto negativo na produção vinícola. Na década de
1880 foram iniciados os estudos sobre a relação hospedeiro-patógeno e surgiram as primeiras tentativas de combate à
doença baseadas no controle químico. No caso, preconizava-se aplicações de uma mistura de sulfato de cobre e cal, a
qual ficou mundialmente conhecida como calda bordalesa, justamente por ter sido inicialmente usada como fungicida
nos vinhedos da região francesa de Bordeaux. As buscas voltadas ao controle têm sido constantes, com predominância
para o tratamento químico do hospedeiro. Assim, desde o surgimento da calda bordalesa até o final da década de 1950,
o empenho foi dirigido no sentido de incrementar a efetividade das aplica1rões de fungicidas cúpricos e de descobrir
novos princípios ativos. Seguindo-se a este período, as preocupações se voltaram para maximizar a eficiência de con-
trole e reduzir o uso de produtos químicos.
Alternativas ao controle químico têm sido pesquisadas e, dentre elas, a implantação do cultivo protegido. A apli-
cação deste método cultural tem levado à redução drástica no número de pulverizações de fungicidas. A cobertura
das plantas com filme plástico implica em menor intensidade das doenças que ocorrem na videira, incluindo o míl-
dio (Figura 27.3). A proteção plástica impede o impacto direto da água de chuva sobre as partes aéreas da planta, bem
como a formação e manutenção de um filme de água livre sobre a lâmina foliar, condições estas que são favoráveis à
infecção e desenvolvimento de doenças. Quando o sistema de condução em "Y" é utilizado em associação com o cultivo
protegido, dados de pesquisas tem revelado reduções de 60 a 70% na ocorrência das principais doenças, propiciando
diminuição de 60 a 70% no uso de fungicida. Aumento da produção, melhor qualidade dos frutos, redução nos gastos
com tratamento químico, maior rentabilidade financeira, menores riscos à saúde dos produtores e consumidores, e
menor poluição ambiental são alguns fatores que tornam viável e vantajosa a adoção desta prática de controle.
. - - - - ...
>
- -.o--p;
349
CAPÍTULO
28
OÍDIOS
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
O
s oídios apresentam sintomas caracterizados pela
presença de uma cflorescência: branca. pàlve- fundamentalmente, na utilização de variedades resistentes e no
rulenta. que pode recobrir folhas, ramos novos, uso de produtos químicos.
:á'ma~. flores e frutos. Esta ctlorescência branca, na forma de
n.mchas isoladas ou totalmente dispersa sobre a superfície do 28.1. S INTOMATOLOGLA
,gão vegetal atacado, é formada por estrnturas do patógeno. Os sintomas são facilmente identificáveis e sempre se
11\Stituindo-se. assim. num sinal da doença. manifestam na forma de eflorescência ou bolor pulven.ilento. de
Os agentes causais de oídios são fungos parasitas obriga- coloração branca ou levemente cinza (Figura 28.1 ). Esta dlores-
1C1os. que dependem do hospedeiro vivo para seu crescimento cência, formada por micélio, conidióforos e conídios do pató-
reprodução, e não possuem, portanto, fase saprofitica. Os pató- geno. pode ser encontrada em diversos órgãos vegetais, c;e.rrno
,.~os deste grupo apresentam uma forma bastante evoluída de meristemas. ramos jovens. flores, frutos em formação e. princi-
;ma.sitismo. Em razão de o patógeno ser um parasita obrigado, ele palmente, folhas. A doença é observada mais frequentem,mte na
..e~e se adaptar constantemente ao hospedeiro, surgindo daí uma face superior das folhas. Em alguns casos. no entanto, pode ser
:.i espc.!cificidade na relação patógeno-hospedeiro. Esta cspecifi- constatada também na face inferior.
dade é demonstrada pela ocorrência defvrmae speciales e raças Além da eflorescência, a planta afetada pode, eventual-
,.1ológicas do patógeno, capazes de atacar determinadas espé- mente, exibir outros sintomas. Nas folhas, as manchas ou áreas
o de plantas e variedades de uma mesma espécie vegetal, res- inicialmente recobertas pela eflorescência branca podem se ton1ar
~~m amente. amareladas e. posteriormente, necróticas. Ataques severns podem
Os oídios são amplamente distribuídos na natureza e. ape- provocar retorcimento. subdesenvolvimento, queda de folhas,
_. de ocorrerem em regiões úmidas e de clima frio, são favoreci- mo.rte de ramos novos. queda de Aores e fmtos, subdese!llvol\li-
a por ambientes secos e quentes. Uma ampla gama de espécies mento e deformação de frutos jovens.
,ode ser afetada, como gramíneas. ornamentais, olerícolas. frutí-
laas e espécies florestais. Espécies silvestres e plantas daninhas 28.2. ETIOLOGIA
anbém podem ser atacadas. inclusive atuando como hospedeiros Os agentes causais de oídios são fungos da classe dos
ailcmativos do fungo. Apesar de ser pouco comum a morte da Ascomicetos. Os gêneros associados aos oidios são: Erysiplw,
·.anta. os efeitos prejudiciais são evidenciados através de redu- Blumeria. Sphaemlheca. Podosphaera. Brasi/iomyces, Phylfactinia,
- no desenvolvimento e produção do hospedeiro. Estes danos levei/lula, Pleochaeta, Sm\'Odaea, Cystotheca, Golo1>i11omyces,
.ão decorrentes de interferência do fungo no processo de fotos- Arthrocladiella, Neoeerysiphe e Uncinu/a. A fase imperfeita des-
-.1ese, retirada de nutrientes das células e diminuição da quanti• tes fungos com:sponde aos gêneros Oidium. Oidiopsfa, Ornla-
~ de luz que chega à superficie das folhas. Em alguns casos, os riopsis e Streptopodium. A fase perfeita raramente é constatada
351
Manual de Fitopatologia
e D
Figura 28.1 Sintomas foliares de oídio: (A) folha e (B) detalhe de folha de quiabeiro colonizada por Oidium ambrosiae; (C) folíolos e (D) detalhe de
follolo de tomateiro colonizados por Oidium spp.
Crédito das fotos: Sílvia A. Lourenço.
em condições de campo. Este fato é atribuído à ausência de tem- 28.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO~HOSPEDEIRO
peraturas suficientemente baixas que permitam o desenvolvi-
Os fungos que causam oídios são parasitas obrigatórios e,
mento da fase perfeita ou sexuada do patógeno.
portanto, dependentes de hospedeiros vivos para sua sobrevivên-
Na fase imperfeita, o fungo produz hifas claras e septa- cia, crescimento e reprodução (Figura 28.2). A sobrevivência do
das, que formam um micélio branco ou cinza claro. As hifas dão patógeno, nas regiões tropicais e sub-tropicais, ocorre através de
origem a conidióforos curtos, eretos e não ramificados, a partir micélio e conídios produzidos pelo fungo em plantas do próprio
dos quais se desenvolvem os conídios. Os conídios são hiali- hospedeiro, em plantas voluntárias ou em hospedeiros alternati-
nos, unicelulares, de forma ligeiramente retangular a ovalada vos, como ervas daninhas ou espécies silvestres; no caso, estas
ou oblonga. estruturas fúngicas são provenientes de Infecção ativa que se
No estádio perfeito, o micélio forma corpos de frutificação desenvolve nestes hospedeiros. Quando a cultura é perene, o pató-
do tipo cleistotécio, claros no início, escuros posteriormente e geno sobrevive na própria planta. Nas regiões sujeitas a inverno
visíveis em contraste com o micélio branco. No interior dos cleis- rigoroso, a sobrevivência ocorre na forma de cleistotécio, com os
totécios desenvolvem-se os ascos, que dão origem aos ascósporos ascósporos sendo responsáveis pelo início do ciclo da doença na
unicelulares, hialinos e ovalados, semelhantes aos conídios. estação subsequente. A disseminação é realizada principalmente
As hifas fonnam também os haustórios, que são estruturas pelo vento, que distribui os conídios a distâncias relativamente
especializadas na retirada de nutrientes diretamente das células longas; a água também pode atuar como agente de disseminação,
do hospedeiro. Estas estruturas, provtnientes do intumescimento principalmente na forma de respingos, dispersando os conídios
das extremidades das hifas, penetram no interior das células e dentro da própria planta e para plantas vizinhas. Chuvas intensas
possibilitam que o fungo exerça uma forma evoluída de parasi- podem retirar as estruturas do fungo encontradas na superflcie do
tismo. hospedeiro, prejudicando seu desenvolvimento e sua dispersão.
352
Oídios
-
-\o atingir a superficie da folha. os conídios podem iniciar o pro- 28.4. CONT'ROLE
~so de infecção. Os conídios não germinam quando se fonna As principais medidas utilizadas no controle de oídios estão
.lffi filme de água na superficie foliar, porém exigem um teor de
restritas ao emprego de variedades resistentes e ao uso de pro-
_midade relativa próximo a 95%. O conídio dá origem ao tubo dutos químicos. Variedades resistentes foram desenvolvidas para
~nninativo, em cuja extremidade forma-se o apressório (exce- várias espécie:s vege.tais, aproveitando a especificidade existente
-:.lo feita a espécies de Oidiopsis que penetram através de estô- entre patógeno e hospedeiro. Através do melhoramento genético,
matos). O apressório adere à superficie da folha e prodnz uma tem sido viável a obtenção de variedades que possuem resistên-
fina hifa, que rompe a cutícula e a parede da célula epidérmica e cia vertical e/ou horizontal. O controle químico do oídio envolve
causa invaginação da membrana plasmática no hospedeiro. Uma pulverizações feitas com fungicidas específicos, bem como com
\c!Z no interior da célula, o ápice da hifa dilata-se ou ramifica-se,
aqueles à bas<! de enxofre, os quais podem provocar fitotox.idez,
·"',;rmando o haustório, que mantém íntima relação com o cito-
dependendo da dosagem e da cultura tratada.
plasma da célula e daí retira seus nutrientes. A colonização da
Uma medida alternativa, que pode auxiliar o controle da
-:i.a1or parte das espécies causadoras de oídios restringe-se à emis-
doença, consiste na erradicação parcial do patógeno. Isto pode ser
>io dos haustórios para o interior das célnlas epidérmicas do hos-
:xdeiro, não ocorrendo desenvolvimento inter ou intracelular das feito através da eliminação de plantas voluntárias ou de hospedei-
'l fas. Após a penetração, as hifas situadas na superfície da folha
ros alternativos, como ervas daninhas ou plantas silvestres, que
-omeçam a se ramificar. Com o desenvolvimento do micélio, os abrigam o pat,ógeno no período de entressafra da cultura.
-onídios passam a ser produzidos em grande quantidade, carac-
28.5. DOENÇA-TIPO
·enzando a fase de reprodução do patógeno. Sob condições de
::ia1xa temperatura, ocorre a formação de cleistotécios esféricos, O oídio tem ocorrência generalizada, infectando uma diver-
, tamanho aproximado de uma cabeça de alfinete. A presença de sidade muito :grande de espécies vegetais. Algumas culturas são
"li1célio e conídios na superficie vegetal é responsável pelo siu- mais severamente afetadas pela doença e sofrem danos maiores e
.ima típico de oídio exibido pelas plantas doentes, ou seja, a eflo- mais constant,es. Considerando os vários tipos de cultura corou-
-e~cência branca pulverulenta que recobre os órgãos atacados. As mente prejudi,cados pelo ataque de oídio, pode-se destacar: entre
- .antas doentes podem atuar como fontes de inóculo para plantas as olericolas, a abóbora, o pepino e o melão; entre as frutiferas,
,..,d,as, quando o vento ou a água promover a dispersão dos coní- a videira e a macieira; entre as ornamentais, a roseira; entre os
dJ.os. Nas nossas condições, a doença é favorecida em locais ou cereais, o trígt:>. Em função da sua imponância, o oídio do trigo
períodos quentes (20-25 ºC) e secos. será focalizado como doença-tipo.
353
Manual de Fitopatologia
O oídio é encontrado em praticamente todas as regiões trítí- Aust. H.-J. & Hoyningen-Huene, J. Microclimate in relation to epidemies
colas do mundo. as condições brasileiras, é comum sua ocorrên- of powdery mildew. Annual Review of Phytopathology 24: 491 -
cia. Os conídios produzidos nas fontes de inóculo são, disseminados 510, 1986.·
pelo vento e, ao atingirem uma planta de trigo, iniciam o processo Bockus, W.W.: Bowden. R.L.; Hunger, R.M.; Morrill. W.L.; Murray.
de infecção. A germinação do conídio exige umidade relativa pró- T.D.; Smiley, R.W. Compendium of Wheat Diseases and Pest~.
xima de 100% e dá origem a um tubo germinativo, que se fixa na Saint Paul, APS Press, 2010. 184p.
snperficie do hospedeiro através da formação do apre:ssório. A partir
Reis, E.M. & Casa R.T. Doenças do trigo. ln Kimati, H.: Amorim, L.;
do apressório, desenvolve-se uma hifa, que rompe a cutícula e pene-
Rezende. J.A.M.: Bergamin Filho. A.; Camargo, L.E.A. (ed.).
tra nas células superficiais da folha. Esta hifa forma., na sua extre- Manual de fitopatologia: Ooenças das Plantas Cultindas. São
midade, um haustório ramificado, em forma de dedc,s, que passa a Paulo, Ceres, v. 2, 2005. p. 631-638.
retirar nutrientes diretamente do citoplasma da célula vegetal. Na
Daughtrey, M.L.; Hodgc, K.T.; ShishkotT, N. The powdcry mildews. ln:
superficie da p lanta tem início o desenvolvimento das hifas que
Trigiano, R.N.; Windham, M.T.; Windham, A.S. (ed.). Plant Palho-
constituem o micélio e que darão origem. posteriormente, aos coní-
logJ. Conccpts imd Lahoratory Exercises. Boca Raton. CRC
dios, dispostos em cadeia; cleistotécios podem eventualmente ser
Press, 2004. pp. 117-126.
formados na trama de hifas. S intomas externos são facilmente visí-
veis nas folhas. na fonna de manchas ovais, recob,crtas por uma Gallí. F. (ed.). Manual de Fttopatologia. São Paulo, Ceres, v. 2. 1980.
eflorescência branco-acinzentada. Sob condições favoráveis, este p. 553-573,
bolor esbranquiçado pode recobrir folhas, bainhas, g lumas e aris- Ellinghoe, A.H. Genetics aad physiology of primary infections by Erysiplu:
tas. Com a evolução da doença, aparecem áreas cloró1ticas e a planta graminis. Phytopatbology 62: 401-406, 1972.
passa a exibir amarelecimento. Nesta fase, podem su1rgir os clcisto- Eshed, N.E. & Wahl. 1. Role of wild grasses in epidemies of powdery
técios sobre as partes vegetais atacadas, os quais se apresentam na mildew on small grains in Israel. Phytopathology 65: 57-63. J 975.
forma de pequenos pontos esféricos e escuros, visívf:is a olho nu.
Glawe, D.A The powdery rnildews: a rcview of Lhe world's most te.mil-
O agente causal do oídio do trigo é o fungo Blumeria gra- iar plant pathogens. Annua.l Review of Phytopatbology 45: 27-51,
minis f. sp. triticí (sinonímia Erysiphe graminis f. s p. trifiei) que 2008.
na fase imperfeita corresponde a Oidium monilioides. As hifas
llyde, P.M. & Colhoum, J. Mechanisms of resistance of wheat to E1J'·
formam um micélio claro, que cresce externamente na superfi-
siphe graminis f. sp. trifiei. Phytopathologische Zeitschrifl 82:
cie d o hospedeiro, apresentando haustórios que inv.adem as célu- 185-206, 1975.
las epidérmicas. Os conidióforos são simples, curtos e têm uma
Moseman, J.G. Gcnetics ofpowdery míldews. Annual Review of Phy-
célula terminal a partir da qual se originam os conídios. Estes são
hialinos, unicelulares, de formato elipsoide ou oval.ado. Os cleis-
topathology 4: 269-290, 1966.
totécios são globosos, de coloração clara quando jovens e escura Sclmathorst. W.C. Environrncnlal rclationships ín tbe powdery mildews.
quando maduros. No interior do c leistotécio são formados nume- Annual Review of Phytopllthology J: 343-366. 1965.
rosos ascos, que apresentam forma cilindrica e contl:m oito ascós- Spencer, D.M. Tbe Powdery Mildews. New York, Academic Press, 1978.
poros hialinos, unicelulares e ovalados. Stadnik, M.J. História e taxonomia de oldios. ln Slaclnik, M.J. & Rivera,
A doença desenvolve-se muito bem em condições de alta M.C. (ed.). Oídios. Jaguariúna. Embrapa. 2001. pp.3-30.
umidade relativa e na faixa de temperatura compreendida entre Stadnik. M.J. & Rivera, M.C. Oidios. Jaguariúna. Embrapa, 2001.
18 e 22 "C. A presença de luz é imponante na etapa de penetra-
Zheng, Z., Nonomura, T., Bóka, K., Matsuda, Y.. Yisser, R. G. F., Toyoda,
ção e na formação de conídios. O uso de nitrogênio em excesso
H., Kiss, L., and Bai, Y. Detection and quantification of Levei/lufa
e a alta densidade de plantas favorecem a ocorrência da doença;
taurica growth in pepper leaves. Phytopathology 103:623-632,
além disto, a planta mostra-se mais suscetível durante as fases de
20 13.
crescimento rápido.
O controle da doença pode ser feito através de tratamento
químico, com fungicidas à base de enxofre ou com produtos mais
específicos, como fungicidas sistêmicos. O emprego de varieda-
des resistentes é a melhor maneira de controlar o oídio. A resis-
tência do tipo vertical apresentada por algumas variedades de
trigo tem sido quebrada pelo patógeno. Uma forma mais durável
de resistência tem sido conseguida com variedades que possuem
resistência horizontal, nas quais o oídio cresce lentamente. Algu-
mas medidas como errad icação de p lantas voluntárias. escolha da
época de p lantio e uso de adubação equilibrada pod,em contribuir
para a diminuição dos efeitos prejudiciais da doença. ·
28.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Agrios, G.N. Plant Pat.hology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
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354
CAPÍTULO
29
FERRUGENS
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
s ferrugens são assim denominadas em razão das como pela destruição de área foliar, decorrente da formação de
355
Manual de Fitopatologia
A história da Fitopatologia, assunto do Capítulo 1 desta obra, revela que as ferrugens são conhecidas pelo
homem desde a antiguidade. Textos bíblicos já faz.iam referências sobre as ferrugens em cereais, especialmente no
trigo, cultivados pelos hebreus. Os antigos romanos atribuíam as ferrugens dos cereais a causas divinas, como castigo
imposto pelos deuses em razão das suas más ações. As ferrugens, desde tempos remotos, se apresentam como um
flagelo para a humanidade, implicando em significativos danos para numerosas plantas cultivadas.
No Brasil, há dois exemplos marcantes, representados pelas ferrugens do cafeeiro e da soja, ambas as culturas de
expressiva importância para a economia do País. Há, aproximadamente, cinco décadas chegava aos cafezais brasileiros
a temida ferrugem que ocorria no continente africano. Após sua chegada à Bahia, em alguns meses, se propagou por
uma região de 600 mil km2, de acordo com estimativas da época. A ocorrência da doença se expandiu pelas áreas
produtoras e causou um forte impacto na cafeicultura brasileira, pela substituição de variedades tradicionais, redução
no rendimento da cultura e gastos com o controle químico. Os efeitos da ferrugem são sentidos até o momento atual,
onerando os cafeicultores e os consumidores que apreciam o saboroso cafezinho. A ferrugem da soja é mais recente e tem
história semelhante à do café. As primeiras evidências da doença apareceram em campos do Paraná, sendo introduzida
via fronteira paraguaia. A disseminação do agente causal ocorreu rapidamente e, em curto intervalo de tempo, atingiu
os extensos cultivos implantados nas principais regiões produtoras. A doença encontrou condições climáticas muito
favoráveis no território brasileiro, além do favorecimento advindo dos cultivos sucessivos, sob irriga~o, nos meses
de inverno, conduzidos em áreas do Centro-Oeste. A grande quantidade de pequenas pústulas presentes nas folhas
fotossinteticamente ativas provoca queda das mesmas, comprometendo a formação de grãos. Como consequência, o
rendimento da cultura é reduzido drasticamente, resultando em perdas altamente significativas para os produtores.
Além dos danos, a doença tornou a cultura dependente do uso de produtos químicos para sua viabilidade econômica,
onerando a produção e reduzindo o lucro dos agricultores. Um fato interessante, mas não gratificante, é que antes da
introdução da ferrugem asiática da soja, o Brasil ocupava a oitava posição entre os maiores consumidores de fungicidas.
Em 2007, já se colocava em segundo lugar. Mais recentemente, em razão da obrigatoriedade do controle da doença, o
País se tornou líder absoluto no consumo mundial de fungicidas (Mais informações sobre essas doenças nos itens 2.1.3
e 2.2.8 do Capítulo 2 desta obra).
De acordo com Norman Ernest Borlaug, engenheiro agrônomo e ganhador do prêmio Nobel da Paz por seu
trabalho no melhoramento de variedades de trigo adaptadas ao clima de países africanos e asiáticos: "a ferrugem
nunca dorme". De fato, neste novo século tem se desenvolvido alarmantes surtos de epidemias causadas pelas ferrugens
em diversas espécies cultivadas, destacando-se as ferrugens do trigo, cafeeiro, soja, videira e plantas pertencentes à
familia das mirtáceas (Prímiano et ai., 2017). As epidemias têm sido creditadas a fatores diversos, como emergência
de variantes genéticos na população de patógenos já conhecidos, homogeneidade de genótipos das espécies cultivadas,
ocorrência de condições ambientais favoráveis, mudanças climáticas e crescimento do comércio mundial de plantas. O
controle destas doenças leva ao aumento na frequência de aplica~o de fungicidas, implicando em aumento do custo de
produção e redu~o nos lucros do produtor. Além disto, a pressão de seleção criada pelo uso intensivo dos fungicidas
pode contribuir para a seleção de raças resistentes do patógeno, inviabilizando o uso de fungicidas anteriormente
eficientes. Ainda, alterações indesejáveis podem ocorrer no ambiente, em decorrência da dispersão e do acúmulo
destes produtos no solo e na água.
Em ramos e frutos, a ferrugem produz manchas recobertas havendo, inclusive, casos de ocorrência de fom1ae speciales e
por uma densa massa pulverulenta de coloração amarela, consti- raças fisiológicas. A colonização dos tecidos vegetais é feita atra-
tuída por urediniósporos do patógeno. Quando ocorre a coales- vés do crescimento micelial intercelular e da emissão de haustó-
cência destas lesões, ramos novos e frutos jovens podem ficar rios intracelulares.
totalmente recobertos por esta massa As manchas, com o decor- O número de espécies fúngicas associadas às ferrugens
rer do tempo, podem se tomar necróticas. que ocorrem em Gimoospermas e Angiospermas aproxima-se
A fenugem pode causar danos maiores ou menores, depen- de cinco mil, distribuídas em diversos gêneros. Dentre estes,
dendo do estádio de desenvolvimento da planta e da severidade alguns merecem destaque, como Puccinia, Hemileia, Uromyces,
do ataque do patógeno. Assiru, são observados em plantas ataca- Phakopsora e Melampsora, pela ocorrência frequente e pela
das destruição de área foliar, necrose de brotações e .queda pre- importância econômica das doenças por eles causadas.
coce de folhas, flores e frutos. Como consequência, pode ocorrer Os agentes causais de fenugens produzem vários tipos de
morte de plantas jovens, enfraquecimento de plantas adultas e estruturas de frutificação, cada uma delas correspondendo a uma
redução na produção de frutos ou grãos. fase do ciclo de vida do patógeno. Assim, o pícnfo, ou espermo-
gônio, é considerado a fase O, o éeio, a fase I, o urédio, a fase
29.2. ETIOLOGIA n, o télio, a fase lll, e o basídio, a fase IV. Cada uma destas
Os fungos causadores de fenugens são parasitas obriga- estruturas, genericamente conhecidas pelo nome de soros. produz
tórios e pertencem ao grupo dos basidiomicetos. Estes patóge- um tipo de esporo. ou seja, picniósporos, eeiósporos, uredini-
nos apresentam alta especialização em relação ao hospedeiro, ósporos. teliósporos e basidiósporos, respectivamente. Quando
356
Ferrugens
Figura 29.1 - Ferrugem marrom da cana-de-açúcar causada por Puccinia melanocephala (A, B) e urediniósporos do patógeno (C). Ferrugem
do cafeeiro (D), detalhe de uma pústula (E) e urediniósporos do agente causal (F).
o ciclo da doença for constituído pelas cinco fase.s, a ferrugem é zir esporos também dicarióticos, de. paredes espessas, denomina-
chamada macrocíclica ou de ciclo longo; se o patógeno não apre- dos teliósporos. Estes podem atuar durante algum tempo como
senta estas cinco fases, a ferrngem é denominada rn1icrocíclica ou esporos de resistência. Ao germinarem, formam um basídio que,
de ciclo curto. Alguns fungos desenvolvem todo o, seu ciclo vital através da meiose, produz quatro basidiósporos haploides. Os
sobre um único hospedeiro e, neste caso, as ferrugens são referi- basidiósporos germinam, dando origem a um micélio haploide
das como autoicas; outros necessitam de mais de um hospedeiro que, ao colonizar o tecido vegetal, forma novamente o pícnio.
para completar o ciclo e as ferrugens recebem a designação de
heteroicas. 29.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDECRO
O pícnio ou espermogônio é uma estrutura globosa, prati- Os agentes causais de ferrugens, por serem parasitas obriga-
camente inserida no tecido vegetal, que se abre para o exterior, tórios, necessitam de hospedeiro vivo para seu desenvolvimento e,
expondo os picniósporos e as hifas receptivas. Ambos são produzi- em função da sua especialização em relação ao hospedeiro, geral-
dos por micélio haploide. Os picniósporos, que atuam como game- mente não possuem hospede.iros alternados. Estas características
tas masculinos e não infectam plantas, fertilizam as lhifas receptivas têm influência direta sobre a forma de sobrevivência dos mesmos.
compatíveis existentes nos pícnios, dando origel111 a um micélio Assim, nos trópicos, os patógenos sobrevivem principalmente na
dicariótico que, por sua vez, dará origem ao écio. Estas estruturas, forma de urediniósporos que, geralmente, permanecem sobre plan-
geralmente formadas na face da folha oposta aos pícnios, produ- tas voluntárias após a colheita. Nos países temperados, é comum
zem esporos também dicarióticos, denominados ec iósporos. Estes urediniósporos serem trazidos pelo vento de regiões longínquas.
esporos têm a capacidade de penetrar e colonizar os tecidos do hos- Em muitas situações, os teliósporos atuam como estruturas de
pedeiro, dando origem ao urédio ou uredínio; esta estmtura, por sua resistência e garantem a sobrevivência do patógeno na ausência
vez, produzirá os urediniósporos ou uredósporos, e,sporos dicarió- do hospedeiro. A disseminação pode ocorrer a curtas ou longas
ticos formados mitoticamente. O télio, que surge a partir do urédio, distâncias através do vento, água, insetos e outros agentes dissemi-
quando este cessa a produção de urediniósporos, passa a produ- nadores. A água, na forma de respingos, tem papel importante na
357
Manual de Fitopatologia
disseminação dos esporos dentro da planta ou para plantas vizinhas. O agente causal da doença é o fi.mgo Puccinia graminis
O vento, no entanto, é o agente de maior importância. Além de pro- f. sp tririci, que ataca colmos, folhas, bainhas e, eventualmente,
mover a disseminação dentro da planta e para plantas próximas à glumas e sementes. Além do trigo, o patógeno causa doença em
fonte de inóculo. o vento é responsável por levar esporos a longas outros hospedeiros. como cevada, centeio e algumas gramíneas.
distâncias, promovendo uma distribuição eficiente do inóculo em O ciclo da ferrugem tem início quando, após o inverno, o
amplas áreas geográficas. Os esporos. predominantemente os ure- esporo de res:istência do patógeno (teliósporo), que sobreviveu
diniósporos, ao atingirem uma planta suscetível, passam a desen- nos restos de cultura, germina e produz um basídio. O basídio dá
volver a etapa de infecção. A fase de gem1inação tem inicio quando origem a quatro basidiósporos, todos haploides. Ao atingir uma
a umidade do ar está próxima à saturação, sendo muito favorecida folha de bérberis (Berberis vulgaris), o basidiósporo produz um
quando um filme de água cobre a superfície foliar. Nestas condi- tubo germinativo que penetra diretamente a cutícula, ganhando
ções, o urediniósporo gennina, produzindo o promicélio e, pos- o interior do tecido do hospedeiro alternado. A colonização é
terionnente, o apressório. A penetração, exceção feita a algumas realizada através do crescimento intercelular das hiías. que emi-
espécies do gênero Phakopsora. ocorre através dos estômatos. No tem haustórios para o interior das células vegetais. A partir do
caso de espécies do gênero Phakopsora, o patógeno pode ingres- desenvolvimento deste micélio, forma-se o pícnio ou· espermo-
sar o hospedeiro diretamente através da cutícula. A colonização se gônio que, rompendo a epiderme, abre-se ao exterior. No pícnio,
processa através do desenvolvimento de micélio intercelular e da encontram-se hifas receptivas e picniósporos. Água, na forma
emissão de haustórios para o interior das células do hospedeiro. de chuva ou de orvalho, e insetos são responsáveis pela disper-
Como consequência da colonização dos tecidos, surgem os sinto- s-lo dos picniósporos que, ao encontrarem hifas receptivas com-
mas, na fonna de manchas inicialmente puntiformes de coloração patíveis, passam a desenvolver o processo de fertilização. Como
levemente amarelada. Quando o patógeno inicia a sua reprodução, consequência deste processo, surge um micélio dicariótico que
as estruturas reprodutivas forçam a epidenne foliar, promovendo o cresce em direção oposta ao pícnio e produz outra estmtura, o écio.
rompimento da mesma, ficando exposta a massa de urediniósporos, Esta estrutura tem a forma aproximada de um sino e projeta-se para
cor de ferrugem. Em alguns casos. como na ferrugem do cafeeiro, o exterior através da ruptura da epidenne. produzindo cadeias
a produção de estruturas reprodutivas se dá através dos estômatos. de eciósporos dicarióticos. A paite do ciclo que ocorre sobre o
As pústulas são geralmente salientes e podem coalescer, tomando bérberis encerra-se com a fonnação dos eciósporos. As próxi-
uma parte considerâvel do limbo foliar. Com o tempo, estas lesões mas fases serão desenvolvidas sobre a planta de trigo. Assim, os
adquirem coloração castanha ou preta, em decorrência da fonna- eciósporos levados pelo vento, ao encontrarem uma planta de
ção dos teliósporos. Tanto os urediniósporos como os teliósporos trigo, dão continuidade ao ciclo, genninando, produzindo pro-
podem ser disseminados pelo vento ou pela água e a planta doente micélio e penetrando no tecido do trigo através de estômatos.
passa a atuar como fonte de inóculo. As condições climáticas que A colonização pennite a fom1ação de uma massa micelial que
favorecem a ocorrência das ferrngens são bastante variáveis, em pressiona a epidcnne vegetal devido ao surgimento das pontas de
função da combinação patógeno-hospedeiro. No éntanto, de niodo hifas (esporóforos), sobre as quais se formarão os urcdinióspo-
geral, a presença de alta umidade relativa e de temperatura amena ros. A estrutura assim formada recebe o nome de urédio. Ao rom-
são propícias ao desenvolvimento deste tipo de doença. per a epidenne, uma massa pulverulenta, amarela, constituída por
urediniósporos dicarióticos, fica exposta ao ambiente externo. A
29.4. CONTROLE partir do urédio, os urediniósporos podem ser liberados pela ação
da água e, principalmente, do vento. Ao encontrarem tecido de
A utilização de variedades resistentes e o uso de produtos
trigo suscetível, estes esporos germinam, penetram pelos estô-
químicos são as formas mais viáveis de controle. A erradicação
matos, colonizam por meio de micélio intercelular e haustórios e
de hospedeiros alternados é uma medida de caráter específico
passam a formar novos urédios, que novamente produzirão mais
para o caso das íerrugens que necessitam de mais de um hos- urediniósporos. Com o passar do tempo, os urédios deixam de
pedeiro para completar seu ciclo vital (veja Boxe 14.5 no Capí- produzir urediniósporos e passam a dar origem aos teliósporos.
tulo 14 desta obra). O controle através de variedades resistentes A estrutura passa a ser, então, denominada de télio. Nem sempre
tem sido, em muitos casos. uma medida eficiente e econômica. A o télio é fo1111ado deste modo. Algumas vezes resulta da infecção
obtenção destas variedades, no entanto, implica em gastos com direta promovida por um urediniósporo. Os teliósporos são bice-
pesquisa. Produtos químicos de espectro amplo ou específico lulados e escuros, o que faz o télio apresentar coloração escura.
sempre aumentam o custo de produção. Em alguns casos, porém, É nos teliósporos que ocorre a etapa de fusão dos núcleos (cario-
tais produtos têm se mostrado bastante eficientes e devem ser gamia). Mais especificamente, em cada uma das duas células do
considerados como uma alternativa de controle, principalmente teliósporo os núcleos fundem-se. Posteriormente, já no basídio,
na ausência de genótipos resistentes do hospedeiro. ocorre a meiose e, finalmente, a formação de quatro basidióspo-
ros uninucleados. As etapas de cariogamia e meiose permitem a
29.5. DOENÇAS-TIPO ocorrência de recombinações genéticas, o que implica no apareci-
A ferrugem do colmo do trigo é um exemplo clássico de mento de novas raças fisiológicas do fungo. Fechando o ciclo, os
ferrugem de ciclo longo. Além disso, seu agente exige, para com- teliósporos podem permanecer nos restos de cultura, garantindo a
pletar seu ciclo, um hospedeiro alternado. Nas condições tropi- sobrevivência do patógeno durante o período de entressafra.
cais, não ocorre o ciclo longo, Llevicto à ausência do hospedeiro Os sintomas no trigo aparecem na forma de manchas estrei-
alternado. É neste hospedeiro que se 'tompleta a fase sexual do tas e fusiíormes que acompanham o sentido das nervuras. Com o
patógeno. Como consequência. a variabilidade patogênica do progresso da doença, ocorre ruptura da epiderme do hospedeiro,
fungo nos trópicos é menor, o que toma menos problemático o aparecendo as pústulas de coloração amarelada. A quantidade
controle da doença através de variedades resistentes. de pústulas e a área vegetal tomada pelas mesmas dependem da
358
Ferrugens
mtensidade da doença. Com o passar do tempo, as pústulas ama- tas doentes. Estes esporos podem ser disseminados pela água,
·~bdas tomam-se castanhas ou pretas, devido ao aparecimento vento ou insetos e, ao encontrarem tecido suscetível e condições
dos teliósporos. Como consequência do desenvolvimento da ambientais favoráveis, iniciam o processo de genninação. Nesta
dlxnça, a planta perde mais água por transpiração, a taxa de res- fase, a presença de alta umidade relativa ou de uma película de
piração aumenta, :a fotossíntese diminui e o patógeno debilita a água sobre a superficie da folha é imprescindível. Ao germinar, o
olanta através da retirada de nutrientes. Com isto, a produção de urediniósporo produ.l o promicélio que, não conseguindo penetrar
pios é diretamente afetada. diretamente a epiderme, desenvolve-se sobre a folha até encon-
O controle da ferrugem do colmo normalmente é feito por trar um estômato, onde forma um apressório e penetra. A coloni-
tTJeio do uso de vuriedades resistentes. A aplicação de produtos zação é feita pelo crescimento de micélio intercelular e fonnação
químicos também é recomendada, existindo vários fungicidas de haustórios. Precedendo a fase reprodutiva. as hifas fonnam um
--iue possibilitam bom controle da doença. aglomerado na câmara subestomática. dando origem a um con-
A ferrugem do cafeeiro é uma doença bastante importante junto de pedicelos que saem pelos estômatos, na face inferior da
rias condições brasileiras, sendo conhecida desde meados do século folha. No ápice destes pedicelos são fonnados os urediniósporos
JXl.SSado. Ao longo do tempo, a. doença vem causando grandes que. normalmente, permanecem unidos por uma mucilagem. Esta
prejuízos à cafeicultura, sendo responsável por sérias crises eco- massa de urediniósporos constitui a pústula (Figura 29.l D, E).
nõmicas não somente no Brasil. mas também em outros países pro- Com o tempo, as lesões envelhecem e, na parte central, são for-
-~urores. mados os teliósporos. Estes esporos genninam, fonnam o basídio
O patógcno, Hemileia vastatrix, ataca principalmente as que. por sua vez, dará origem a quatro basidiósporos unicelula-
folhas e esporadicamente a extremidade de ramos novos, produ- res e mononucleados. O basidiósporo não consegue infectar o
..,ndo urediniósporos e teliósporos. Os urediniósporos são unicelu- cafeeiro. Como ainda não se conhece um hospedeiro altemaJo,
Ares, alaranjados, g;eralmente de fonnato triangular e apresentam supõe-se que o ciclo se interrompa neste ponto.
.,1:imentações externas semelhantes a pequenos espinhos. Os Os primeiros sintomas foliares são caracterizados por peque-
u:liósporos, produzidos em menor quantidade, têm forma ligeira- nas manchas circulares, de cor amarelada, localizadas na face infe-
mente globosa, são unicelulares, possuem urna parede espessa e rior da folha. Estas manchas evoluem e, quando observadns na
1presentam uma saliência no ápice. fuce superior, são lisns, arredondadas e amarelas. Na face infe1ior
O ciclo da doença (Figura 29.2) tem início quando ure<li- encontra-se uma massa alaranjada, de aspecto pulverulento. que
niósporos são liberados de pústulas formadas em folhas de plan- se mostra saliente em relação à superficie foliar (Figura 29.1 E).
Urédia na face
Penetração de tubo germinativo
Folha d,e inferior da folha
através de estômato na face
cafeeiro sadia inferior da folha
(face ín'ferior)
Queda de
,.
Teliósporo ,t..
germinado 0~
Queda de Basidiósporos não infectam
folhas cafeeiro, mas nenhum
.,,~..~~ d ecorrente d a
~ ;.o ...;~~ ~. .- hospedeiro alternado é
Cafeeiro sadio Planta desfolhada infecção conhecido
pela doença
Figura 29.1 - Ciclo da ferrugem <lo cafeeiro, causada por Hemileia vastarrix.
Fonte: Redesenhado por Serge Savary, de Agrios ( 1997).
359
Manual de Fitopatologia
Em ataques severos, estas manchas podem coales,cer, tomando Kuchler, F.; Duffy, M; Shrum, R.D.; Dowler. W.M. Potencial economic
grande parte do limbo foliar. Como resultado do ataque do pató- consequences of the entry of an exotic fungai pest: The case of soy-
geno, ocorre uma diminuição da área foliar fotossintetizante, bean rust. Phytopatbology 74: 916-920, 1984.
perda de nutrientes e, em alguns casos, queda precoce de folhas. Littlefield, L.J. Biology of the Plant Rusts. Iowa State University Press,
Estes fatores levam ao enfraquecimento da planta, o que resulta
1981. 103 p.
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As medidas visando o controle da doença envolvem a esco- Littlefield. L.J. & Heath, M.C. Ultrastructure of Rust Fungi. New
lha de locais favoráveis ao desenvolvimento do cafüeiro e pouco York, Academics Press. 1979.
favoráveis ao patógeno. É viável, também, a utilização de algu- McCain, J. W. & Hennen, J.F. Development of the urcdinial thallus and
mas variedades geneticamente resistentes. Além de:;;tas medidas, sorus in the orange coffee rust fungus Hemi/eia vastalrix. Phytopa-
o tratamento químico das plantas é a forma mais comum de com- thology 74: 714-721 , 1984.
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360
CAPÍTULO
30
CARVÕES
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
s carvões são doenças que se caracterizam pela Como parasitas evoluídos, os patógenos convivem por
361
Manual de Fitopato"logia
A ocorrência de carvão em cebola provoca sintomas semelhan- pnblicações mais antigas usam como sinonímia o termo clami-
tes aos de damping-ojfde pós-emergência, pois os tecidos jovens dósporos. Os basidiósporos são ovalados, unicelulares, uninucle-
mostram-se muito suscetíveis. Na cana-de-açúcar, o meristema ados, hialinos e normalmente não exibem ornamentações. Estes
apical sofre uma modificação e passa a fonnar um apêndice. Esta esporos. também conhecidos por esporídios, são produzidos a
estrutura, denominada chicote, é recoberta por uma película pra- partir da germinação do teliósporo. Durante o processo de ger-
teada e contém uma massa escura formada por esporos do fungo minação do teliósporo, um tubo germinativo (prómicélio) é for-
(Figura 30. IC). Assim, de modo geral, os carvões são identifi- mado, o qual, posteriormente, se diferencia num basídio. Este é
cados principalmente com base nos sinais, ou seja, nas estrutu- septado e dá origem aos basidiósporos, que são formados late-
ras do patógeno associadas às plantas doentes. Estas estruturas ralmente; quando o basídio não apresenta septos. Os basidiós-
são produzidas no interior de partes vegetais modificadas, prin- poros podem se multiplicar por brotamento ou podem germinar
cipalmente grãos e meristemas, e tornam-se evidentes na forma e produzir um tubo genninativo, que dará origem a uma hifa. O
de massas escuras e pulverulentas. Além da presença dos sinais, micélio produzido por um basidiósporo é chamado de primário
em algnns casos podem ocorrer outros tipos de sintomas, como e apresenta os núcleos geneticamente idênticos (monocariótico).
subdesenvolvimento, perfilhamento excessivo e, mais raramente, Em muitos casos, dois micélios primários compatívés se unem
morte do hospedeiro. (plasmogamia) e formam o micélio secundário, o qual possui dois
tipos de núcleo geneticamente diferentes (dicariótico). Este micé-
30.2. ETIOLOGIA lio penetra e desenvolve-se no hospedeiro de modo intracelular,
Diversos gêneros pertencentes ao grupo dos basidiomice- normalmente sem a fonnaçào de haustórios. É exatamente este
tos estão associados aos vários tipos de carvões que ocorrem em tipo de micélio que, no final do processo, fragmenta-se, produ-
plantas cultivadas. Estes patógenos apresentam especificidade zindo novamente os teliósporos. Assim, o teliósporo é um esporo
quanto ao hospedeiro, são parasitas evoluídos e obrigatórios. assexuado que possui dois núcleos. Os processos de cariogamia e
Normalmente formam esporos, como teliósporos e basidióspo- meiose ocorrem durante a germinação do mesmo.
ros. e desenvolvem micélio monocariótico (primário) e dicarió- Os soros são formados no tecido do hospedeiro, princi-
tico (secundário). formam, também, estruturas do tipo soro, que palmente no caso dos carvões dos cereais. Assim, o desenvolvi-
contêm os teliósporos. Os teliósporos são unicelulares, esféricos, mento e posterior clivagem do micélio secundário no interior dos
binucleados, podendo apresentar superfície lisa ou ornamentada. tecidos vegetais dá origem às massas escuras e pulverulentas que
São formados a partir <lo micélio dicariótico, de modo interca- substituem o conteúdo dos grãos.
lar ou terminal, a partir da diferenciação das células que com- Os agentes dos carvões apresentam grande variabilidade
põem -as hifas. Estas desenvolvem-se, normalmente, no interior genética, o que implica no aparecimento de raças patogênicas. A
de partes vegetais originárias de grãos e meristemas modificados. existência das raças deve-se, em grande parte, ao mecanismo de
Algumas vezes os tctiósporos são chamados de teleutósporos e recombinação genética que ocorre durante o processo de meiose.
Figura 30.1 - Sintomas de carvão em trigo (A), milho (B) e cana-de-açúcar (C).
Crédito das fotos: Erlei M. Reis (A) e Maríse C. Martins-Parísi (B).
362
Carvões
363
Manual de Fitopatologia
chicote. Esta estrutura típica, filifonne e recoberta por uma pelí- 30.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
cula prateada, permite a identificação imediata da doença. O
chicote varia quanto ao tamanho desde alguns centímetros até Agrios, G.N. Plant Patbology. 5 ed. San Diego. Elsevier Academíc Press,
2005.
mais de um metro de comprimento e abriga, sob a película pra-
teada. uma massa escnra fonnada por teliósporos. Com o rom- Amorim. L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
pimento desta película, os teliósporos ficam ex.postos, sendo, (ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas CultiYadas.
então, disseminados pelo vento e pela água. O chicote pode ser São Paulo, Ccres, vol. 2, 2016.
fonnado apicalmente, se a infecção ocorrer no meristema de Alexander, K.C. Growth of foci of infections, secondary spread, and loss
uma planta nova recém-emergida do solo, ou lateralmente, se a in yield in smut (Ustilago scitaminea) disease of sugarcane. Sugar-
infecção ocorrer nas gemas de colmos já desenvolvidos. Algu- cane Patbology News 28: 3-6, 1982.
mas vezes, gemas infectadas podem não desenvolver chicote, Antoine, R. Smut. ln Martin, J.P.;Abbott, E.V.; Hughes, C.G. (ed.). Sugar-
fato que caracteriza a infecção latente. Além do sintoma típico -cane Diseascs ofthe World.Arnsterdam, Elsevier. 1961. p. 327-354.
de chicote. outras alterações podem evidenciar a presença da Bergamin Filho, A.; Amorim. L.; Cardoso, C.O.N.; Sanguino. A.: Irvine,
doença, como afinamento de colmos. superbrotamento de tou- J.E.; Silva. W.M. Carvão de cana-de-açúcar e sua epidemiologia
ceiras, superbrotamento de gemas laterais do colmo, ocorrência Boletim Técnico Copersucar (ed. especial), 1987. 23 p.
de folhas mais curtas e eriçadas e descoloração de tecidos inter-
nos do colmo. Brefort, T.; Doehlemann, G.; Mendoza-Mendoza, A .; Reissmann, S.;
Djamei, A.; Kahmann, R. Usti/ago maydil· as u pathogen Annual
O agente causal do carvão da cana é o fungo Sporisorium Revle"' of Phytopatbology 47: 423-445, 2009.
scitamineum (sinonímia Ustílago scitaminea), um basidiomiceto
Christensen, J.P. Com smut caused by Uslilago maydis. American Phy-
que produz tanto esporos assexuados (teliósporos) como sexua-
topathologlcal Society 2: 1-41, 1963.
das (basidiósporos ou esporídios). Os teliósporos são esféricos,
unicelulares, dicarióticos e, após a ocorrência de cariogamia e Fisher, G.W. & Holton. C.S. Blology and Control of the Smut Fungi.
meiose, genninam, formando um promicélio ou tubo germinativo. Ronald Press, 1957. 622 p.
Esta estrutura normalmente diferencia-se num basídio septado Holton, C.5.; Hoffinann, J.A.; Du.ran. R. Variation in the smut fungi.
que, por sua vez, origina os basidiósporos cilíndricos, unicelula- AnnuaJ Re,•iew of Phytopathology 6: 213-242, 1968.
res e haploides. A germinação do basidiósporo dá origem à hifa KÁlmÁn Vánky, M.D. lllustRled Genera of Smut Fungl. Saint Paul,
primária. Através do processo de plasmogamia, hifas primárias APS Press, 2002.
unem-se aos pares e fonnam as hifas secundárias, que penetram e Marques, J.P.R.; Appezzato-da-Glória, B.; Piepenbring, M., Mas-
colonizam os tecidos do hospedeiro. Os teliósporos são fonnados sola Jr, N.S.; Monteiro-Vitorello, C.B.; Vieira, M.L.C. Sugarcane
pela clivagem das células da hifa secundária. Várias espécies do srnut: shedding light on the development of the whip-shaped sorus.
gênero Saccharum são atacadas pelo patógeno, além de algumas Annals of Botany 119: 815- 827, 2017.
outras gramíneas. · •
Ron P.; Bailey, R.A.; Comstocks J.C.: Croft, B.J.; Saumtally, A.S. A
O controle da doença é feito principalmeote através do uso Guide to Sugarcane Disease. Montpellier, CIRAD-ISSCT, 2000.
de variedades resistentes, pois além de ser o meio mais eficiente
também se constitui na maneira mais econômica de controlar o Swinbume, T.R. lnfection of wheat by 7illetia caries, the causal organ-
carvão. Algumas medidas adicionais, mesmo consideradas insu- ism ofbunt. Transactions British Mycological Society 46: 45-56,
1963.
ficientes, podem ser utilizadas com a finalidade de amenizar os
efeitos da doença. Assim, recomenda-se a instalação de vivei- Tokeshi, H. Carvão da cana de açúcar: Etiologia e medidas de controle.
ros em solos não infestados, a utilização de material propagativo I: Etiologia e condições pré-disponentes. Revista STAB 4: 26-34,
sadio, a eliminação de plantas doentes no viveiro e no plantio 1985.
comercial, o tratamento ténnico de material propagativo básico e Tokcshi, H. Carvão da cana de açúcar; Etiologia e medidas de controle.
o tratamento químico de toletes. II: Controle. Revista STAB S; 24-34, 1985.
364
CAPÍTULO
31
GALHAS
Ivan Paulo Bedendo
ÍNDICE
E
m determinadas partes vegetais, como ramos, colo patógenos. Mesmo quando a intensidade da doença é relativa-
e, especialmente, raízes, pode aparecer um tipo de mente baixa. a produção das plantas hospedeiras pode ser afe-
deformação caracterizada pelo intumescimento do tada, implicando em sérios prejuízos econômicos.
tecido vegetal, decorrente da infecção por um patógeno. Este tipo O c.ontrole desses patógenos é bastante dificil, pois ambos
de intumescência recebe o nome de galha. As galhas são cau- podem sobreviver no solo durante longos períodos de tempo. O
-adas por patógenos capazes de induzir o aumento do número e do controle do pH do solo, o uso de mudas sadias e a drenagem do
·amanho das células do tecido atacado e de promover o desvio de terreno contribuem para o controle da doença. Ainda, o trata-
,ompostos nonnalmente utilizados pela planta. São incitadores de mento ténnico ou químico do solo também são medidas preconi-
;alhas, a bactéria Agrobacterium tumefaciens, o protozoário Plas- zadas para os casos de canteiros ou de substratos utilizados para
nodiophora brassicae e nematoides do gênero Meloidogyne. As a produção de mudas.
galhas prO\ocadas por alguns representantes de nematoides são
tratadas. neste livro, no capítulo 13 específico para este tipo de 31.1. SINTOMATOLOGIA
patógeno. As galhas causadas por A. tumefaciens, também conhecidas
As galhas causadas por A. 111mefaciens já foram constatadas por galhas de coroa, manifestam-se com maior frequência nas
em mais de uma centena de gêneros de plantas, muitos deles con- raízes e no colo da planta. Os sintomas iniciais são caracterizados
tendo espécies de grande importância agronômica. Culturas de pelo aparecimento de leves tumefações que, posteriormente, evo-
ex.pressão econômica como algumas frutíferas (macieira. pes- luem, tendendo a envolver estas part·es vegetais, apresentando um
segueiro, ameixeira. videira e pereira) e ornamentais (roseira e aspecto rugoso e de coloração escura. O tamanho e a textura das
crisântemo) são comumente parasitadas pelo patógeno. Por outro galhas são variáveis, dependendo do hospedeiro e da parte vegetal
lado, P. brassicae pode infectar plantas pertencentes a várias famí- atacada; as galhas de raízes são, geralmente, menores que aquelas
lias botânicas, destacando-se a Brassicaceae, que .compreende do colo; as galhas presentes nas plantas herbáceas são formadas
brássicas cultivadas como repolho, couve-flor, brócolis e couve. de tecido tenro, que facilmente se desintegram, enquanto aquelas
Plasmodiophora brassicae e A. mmefaciens são agentes de plantas lenhosas são bastante consistentes e de difícil decom-
de doença que estão amplamente disseminados, tanto em locais posição. As galhas nada mais são que uma massa desorganizada,
de clima quente como em áreas de clima 1emperado. Por serem originadas da hiperplasia e da hipertrofia de células. São constitu-
patógenos veiculados pelo solo. atat:am as raízes e a região ídas por tecido de parênquima e sistema vascular, onde a porção
do colo. provocando subdesenvolvimento e, às vezes. morte mais externa apresenta-se nonnalmen1e fendilhada e escurecida.
da planta. Os solos pesadamente infestados podem se tomar Na parte aérea, as plantas atacadas podem exibir clorose foliar e
impróprios ao cultivo de espécies veg~tais suscetíveis a estes subdesenvolvimento e, consequentemente, são menos produtivas.
365
Manual de Fitopatologia
As galhas induzidas por P brassícae em crucíferas apa- induz os processos de hiperplasia e hipertrofia. promovendo o apa-
recem principalmente no sistema radicular (Figura 3 1.1 ). Os recimento das galhas. É interessante frisar que, uma vez desenca-
sintomas típicos ocorrem na fonna de tumefações alongadas ou deados estes processos, as células continuam a crescer e a proliferar
globosas de tamanho variável, que podem ocorrer em raízes iso- de maneira anom1al, mesmo quando a bactéria deixa de atuar nos
ladas ou tomar, parcial ou totalmente, o sistema radicular. A partir tecidos. Assim, o tecido afetado retirado da planta pode continuar
do tecido intumescido. podem emergir ramificações radiculares a multiplicar-se quando cultivado em meio de cultura. O patógeno
que conferem à galha um aspecto de cabeleira. Com o tempo, as interfere também no metabolismo das células afetadas, induzindo à
galhas tendem a ser decompostas por microrganismos da micro- produção de subslàncias específicas, denominadas de opinas, usadas
flora do solo. Como consequência do ataque do patógeno, as exclusivamente pela bactéria patogênica. A bactéria, normalmente,
plantas jovens podem morrer, enquanto as plantas adultas podem habira o solo, sobrevivendo saprofiticamente na matéria orgânica.
apresentar murcha e clorose foliar, além de subdesenvolvimento
e produção sem valor comercial. 31.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDETRO
O ciclo envolvendo P. brassicae como pató-
geno e uma crucífera como hospedeiro tem início
quando as galhas são decompostas no solo e liberam
os esporos de resistência. A fonte de inóculo, por-
tanto, são restos vegetais que garantem a sobre-
vivência do patógeno, principalmente na fonna
de esporos de resistência. A disseminação pode
ocorrer através de várias formas, como irrigação
por sulco, água de enxurrada, implementos agrí-
colas. mudas produzidas em solo contaminado
e qualquer tipo de atividade que envolva movi-
mentação de solo infestado. A etapa de infecção
desenvolve-se através da germinação dos esporos
de resistência fisiologicamente maduros, germi-
nação que é estimulada por exsudados produzidos
Figura 31.J - Galhas exibidas por plantas de brócolis portadoras de hérnia das cruciferas pelo sistema radicular de plantas suscetíveis. Os
causada por Plasmodíophora brassicae. esporos biflagelados (zoósporos), originários da
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira.
germinação destes esporos, também germinam e
penetram de forma direta em raízes novas e pelos
31.2. ETIOLOGlA absorventes; em raízes mais velhas, a penetração é feita através
A espécie P. brassicae é um protozoário. Este- micror- de ferimentos. No interior dos tecidos vegetais, os plasmódios
ganismo possui uma estrutura tubular filamentosa, também promovem a colonizaçllo, crescendo inter e intracelulannente.
chamada de talo plasmodial ou plasmódio, que apresenta movi- Em consequência do desenvolvimento intracelular do plasmódio,
mentos ameboides devido à ausência de parede rígida para deli- as células são induzidas a aumentar de tamanho e a se dividir de
mitar o protoplasma. O plasmódio, portanto, é um protoplasma maneira anômala, resultando no aparecimento de galhas nas raízes.
multinucleado contido por uma membrana, sendo que este talo Os sintomas externos são evidenciados por tumefações de formato
produz esporos envolvidos na reprodução do patógeno. O ciclo esférico ou alongado, que são observadas isoladamente em raízes
de vida tem início com a germinação do esporo de resistência, ou radicelas, podendo, às vezes, coalescerem e tomar todo o sis-
que dá origem a um esporo biflagelado (zoósporo); este penetra tema radicular. No interior do tecido atacado, os plasmódios trans-
no hospedeiro e forma um plasmódio que se fragmenta; cada formam-se em estruturas (zoosporângios) que originam·os esporos
fragmento transforma-se em uma estrutura (zoosporângio) que biflagelados móveis (zoósporos), os quais, posterionnente, são
produz e libera novos esporos de diferentes cargas genéticas, que liberados para o solo, devido à decomposição da galha. A produção
se fundem aos pares, originando zigotos heterocarióticos; estes, destes esporos corresponde à fase de reprodução do patógeno.
por sua vez, podem infectar a raiz e produzir um novo plasmódio, Os zoósporos podem se unir aos pares, formando zigotos hetero-
também heterocariótico; no interior deste plasmódio ocorrem os carióticos, que também genninam, penetram e colonizam tecidos
processos de cariogamia e meiose; o plasmódio dá origem, então, suscetíveis através do desenvolvimento de plasmódios. Nas raízes
aos esporos de resistência, devido ao processo de fragmentação; parasitadas, as galhas surgem como consequência da hipertrofia e
estas estruturas de resistência, geralmente esféricas, de paredes biperplasia incitadas pelos plasmódios. No interior destas galhas,
espessas e capazes de sobreviver por longos períodos, são liberadas os plasmódios sofrem clivagem e cada fragmento passa a constituir
no solo quando o material vegetal doente sofre decomposição. um esporo de resistência. A formação deste tipo de esporo também
Agrobacterium tumefaciens são bactérias aeróbicas, Gram- corresponde à etapa da reprodução do patógeno; sua liberação
negativas, com fonna de bastonete, medindo 0,6- 1,O µm de largura está condicionada ao processo de deterioração da galha.
por l,5-3,0 µm de comprimento. As células ocorrem isoladamente O ciclo da relação patógeno-hospedeiro para A. tumefacíens
ou aos pares, não fonnam endósporos e apresentam flagelos peritrí- (Figura 31.2) compreende, inicialmente, a sobrevivência da bac-
quios. Estas bactérias possuem um plasmídio especial, denominado téria no solo em razão da atividade saprofitica desenvolvida na
Ti (indutor de tumor), o qual carrega os genes responsáveis pela for- matéria orgânica. Desta forma, o patógeno pode permanecer no
mação de galhas. A região T do plasmídio é transferida para o cro- solo por vários anos até que apareça um hospedeiro. A partir de uma
mossomo da célula vegetal, onde recebe a denominação T-DNA. e fonte de inóculo, como restos de cultura ou galhas em decompo-
366
Galhas
,1cão, a água pode promover a disseminação dos talos bacterianos mudas sadias. No caso específico de P. brassicae, são indicadas
.:iue. encontrando raízes ou colo de uma planta suscetível, dão medidas do tipo tratamento do solo com fungicida. uso de cal-
inicio á etapa de infecção. A bactéria penetra através de ferimentos cário. escolha de solos com boa drenagem e utilização de varie-
e passa a colonizar o tecido vegetal, multiplicando-se nos espaços dades com certo grau de resistência, quando disponíveis. Para
:nercelularcs. As células vegetais próximas ao ponto de infecção A. tumefaciens. recomenda-se eliminar as mudas infectadas.
>à(> esumuladas a iniciar o processo de divisão (hiperplasia) e erradicar plantas doentes presentes nos pomares e evitar ferimentos
..i.umen1.1m de tamanho (hipertrofia). Assim, tem início o primórdio nas raízes e colo da planta durante as operações de cultivo.
.u galha, que se evidencía externamente por uma intumescência
deformação da parte vegetal atacada. Com o desenvolvimento 31.5. DOENÇAS-TIPO
Ja doença, ocorre uma desorganização do tecido. inclusive com a O protozoário P. brassicoe é patogênico a \·árias famílias de
Jiferenciação de determinadas células em elementos vasculares. os plantas. sendo de grande importância para as brássicas, nas quais é
'1'13is praticamente não têm função condutora, por não se ligarem capaz de atacar aproximadamente 300 hospedeiros diferentes. aqui
.-1.!quadamente ao sistema de vasos da planta. A hipertrofia e hiper- incluídas espécies e variedades. Por sua vez.A. tumefaciens também
pLlsia das células desorganizam de tal forma o tecido que as células é patogênica a mais de uma centena de gêneros botânicos, cau-
pro\imas ao xi lema passam a comprimir os vasos, comprometendo sando sérios danos a várias espécies cultivadas. Tomando-se por
transporte de ágiua e nutrientes. A reprodução do patógeno é base a importância das doenças, foram escolhidas como doenças-
~resentada pelo aumento do número de talos bacterianos, os tipo a hérnia das crucíferas, causada por P. hrassicae. e a galha da
.;-J.ais são liberados quando da decomposição das galhas. coroa da macieira, causada por A. tume.faciens .
A hérnia das crucí feras (Figura 31. J) tem ocorrência gene-
31.4. CONTROLE ralizada no mundo. inclusive nas condições brasileiras, onde se
Várias medidas de controle podem ser empregadas visando manifesta principalmente em áreas de temperatura amena e alta
,.,,,nimizar os danos provocados pelos patógenos causadores de umidade. A doença pode provocar a morte de mudas. redução
plhas. Algumas destas medidas têm escopo amplo, outras têm no rendimento da cultura e tomar-se limitante para o cultivo de
-2riter mais restrito. específicas para um detenninado tipo de repolho. couve, brócolis e couve-flor em solos altamente infes-
;mógeno. A escolha de local, evitando a instalação da cultura em tados. O ciclo da doença tem início quando os propágulos bifla-
solos infestados, é uma das medidas gerais recomendadas para gt:lados e esporos de resistência presentes no interior das galhas
':S\e tipo de doença. A solarização ou tratamento químico dos são liberados no solo à medida que as galhas sofrem decompo-
canteiros ou do substrato utilizado na produção de muJas pode sição. A água. que atua como agent~ de disseminação. coloca em
n:duzir a população do patógeno. contribuindo para a obtenção de contato as estruturas reprodutivas do patógeno e as raízes do hos-
Galhas no
raízes das
plantas
367
Manual de Fitopatologia
pede iro. A germinação e penetração destes propágulos são favo- mente, sua capacidade de causar doença. Algumas medidas de
recidas quando o solo é arenoso, o pH é ácido e a temperatura controle podem ser adotadas visando minimizar os efeitos da
oscila entre 18 ºC e 25 ºC. A umidade do solo. em particular, tem doença. Estas medidas, recomendadas para macieira. são válidas
grande influência sobre a doença, cuja intensidade aumenta com o também para pessegueiro, pereira, ameixeira e outras frutíferas
aumento da umidade a partir de 50% da capacidade de campo, até semelhantes. Assim, deve-se evitar o plantio em áreas anterior-
o ponto de saturação. Uma vez no interior dos tecidos suscetíveis, mente infestadas por, pelo menos, 4 a 5 anos; é indicada a escolha
os plasmódios desenvolvem-se, provocando au!'1ento do tamanho de solos que apresentem boa drenagem; é importante evitar feri-
e do número de células. dando origem às galhas ou tumores. No mentos no colo e no sistema radicular durante os tratos culturais;
interior das células parasitadas, os plasmódios dão origem às a enxertia deve ser feita cuidadosamente, desinfectando-se fen-a-
estruturas (zoosporângios) produtoras de esporos móveis biflage- mentas e promovendo o isolamento da região do enxerto; deve-se
lados (zoósporos) ou diferenciam-se diretamente em esporos de escolher materiais para porta enxerto com menor suscetibilidade
resistência. As galhas, de diâmetros variados (alguns milímetros e mudas doentes devem ser eliminadas dos viveiros; preferência
a I O cm ou mais), podem ser diferenciadas daquelas causadas deve ser dada à enxertia por borbulha cm relação à garfagem: é
por nematoides por apresentarem maiores dimensões. O apareci- indicado mergulhar o sistema radicular em solução de antibiótico
mento e desenvolvimento das galhas no sistema radicular implica ou produto comercial apropriado ao controle biológico, antes da
no surgimento de sintomas reflexos na parte aérea da planta. muda ser levada para o viveiro e antes de seu plantio no campo.
Logo no início do ataque. estes sintomas são pouco evidentes,
porém com o progresso da doença a planta passa a exibir murcha 31.6. BlBLIOGRAFlA CONSULTADA
nas horas mais quentes do dia e, posterionnente, clorose foliar e
Agrios, G.N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego. Academic Press. 1997.
subdesenvolvimento. Em culturas severamente atacadas, os pro-
dutos perdem seu valor de mercado, o que implica em grandes Agrios. G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
prejuízos econômicos. O patógeno apresenta várias raças fisio- Press, 2005.
lógicas. O controle da hérnia das crucíferas envolve o emprego Amorim. L.: Rezende. J.A.M.; Bergamin Filho, A.: Camargo, L.E.A. (ed.).
de medidas preventivas, como utilização de mudas sadias, geral- Manual de Fitopetologia: Doenças das Plantas Cultivadas. São
mente produzidas em áreas livres do patógeno, escolha de locais Paulo, Ceres. vol. 2, 2016.
com solos não infestados e de boa drenagem, rotação de cultura Anderson. A.R. & Moore, L. Host specificity in the genus Agrobacterium.
com plantas não hospedeiras, correção da acidez do solo, man- Phytopethology 69: 320-323, 1979.
tendo o pH entre 6 e 7, solarização de canteiros e do solo usado na
obtenção de mudas, tratamento do solo com produtos químicos e Buczacki. S.T. Plasmodiophora: an inter-relationship between biological
and practical problems. ln Buczacki, S.T. (ed.). Zoosporic Plant
emprego de variedades resistentes em casos específicos.
A galha da coroa da macieira (Figura 31.2), causada pela Pathogens. London, Academíc Press. 1983. p.161-19\.
bactéria A. tumefaciens. tem ampla distribuição. Ocorre, também, Colhoun, J. Club Rot Disease ofCrucifers Caused by Plasmo,liophora
em outras frutíferas de clima temperado, tais com·o pereira, amei- brassicae: A Monograph. Kew, Commonwealth Mycological !nsti-
xeira, pessegueiro, nectarineira. amoreira e videira. A doença tute, 1958.
manifesta-se tanto em condições de viveiro como em pomares Decleene, M. & Deley, J. The hosi range of crown gall. Butanical Review
comerciais. As plantas jovens são mais sensíveis ao ataque do 42: 389-466, 1976.
patógeno que as plantas adultas. A bactéria sobrevive saprofiti-
Dickey, R.S. Efficacy of fi ve fumiganLS for the control of Agrobacterium
camente nas raízes em processo de decomposição, podendo ser
tumefaciens at various depths in the soil. Plant Disease Reporter
disseminada para plantas sadias ou para novas áreas de plantio
46: 73-76, 1962.
através de respingos de chuva, água de enxurrada, mudas, mate-
rial de propagação vegetativa, insetos e ferramentas. Condições KahL G. & Schell, J.C. Molecular Biology nf Plant Tumors. New York,
de alta umidade favorecem a penetração do patógeno, que entra Academic Press, 1982.
na planta através dos ferimentos existentes nas raízes e na região Kerr. A. Biological control of crown gal! through production of agrocin
do colo. No interior dos tecidos, o patógeno multiplica-se e induz 84. Plant Disease 64: 25-30, 1980.
o aumento do tamanho e da velocidade de divisão das células. Lclliott, R.A. A survey of crown gall in rootstock beds of apple, cherry,
As galhas resultantes do processo infeccioso são inicialmente plum and quince in England. Plant Pathology 20: 59-63, 1971.
esbranquiçadas, geralmente esféricas, de textura macia e superficie
lisa; posteriormente, podem se tomar duras. de coloração escura Moore. L.W.: Bouzar, H. & Burr. T. Agrvbacterium. ln Schaad. N.W.
(ed.). Laboratory Guide for ldentificetion of Plant Pathogenic
e aspecto rugoso. O tamanho também é variável, podendo medir
alguns milímetros até cerca de quinze centímetros de diâmetro. As Bacteria. St. Paul, APS Press. 2001. p. 17-35.
plantas jovens podem ser bastante afetadas pela doença, inclusive Moore. L.W. & Cooksey, D.C. Biology of Agmbacteríum rumefaciens:
chegando à morte. As plantas adultas têm seu desenvolvimento plant in1eractions. ln Giles, A. (ed.). The Biology of Rhizobiaceae.
vegetativo reduzido, implicando em menor rendimento da pro- New York, Academic Press, 1981. p.15-46.
dução. O agente causal da doença é uma bactéria do tipo bastonete, Nester, E.; Gordon. M. & Kerr. A. Agrobacterium tumefaciens: From
Gram-negativa, com flagelos peritríquios e ausência de endósporos. Plant Pathology to Technology. Saint Paul, APS Press, 2005.
Os variantes patogênicos desta bactéria possuem o plasmídio Ti,
Ream, W. & Gelvin. S.B. Crown Gall: Advances in Undcrsteuding
onde se localizam os genes indutores dos processos de hiper-
lntcrkingdom Gene Transfer. Saint Paul, APS Press, 1996.
plasia e hipertrofia que ocorrem nos t~cidos vegetais doentes. O
plasmídiu pode ser transferido para variantes não-patogênicos, Reyes,A.A.; Davidson, T.R.; Marks, C.f. Raccs, pathogenicity and chemical
que se tomam, então, patogênicos; por outro lado, um variante contrai of Plasmodiophora brassicae in Ont.ario. Phytopathology
patogênico pode perder o plasmídio Ti, perdendo, consequente- 64: 173-177, 1974.
368
CAPÍTULO
32
VIROSES
Jorge Alberto Marques Rezende e Elliot Watanabe Kitajima
ÍNDICE
32.1. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 369 32.2.3. Medidas para tomar as plantas resistentes
32.2. Controle................................................................ 370 ao vírus e/ou vetor ................................... 372
32.2. l. Medidas para evitar que o vírus chegue 32.3. Doença-tipo .......................................................... 374
e se instale na cultura ............................... 370
32.4. Bibliografia consultada ........................................ 376
32.2.2. Medidas para controlar ou evitar a chegada
dos vetores dentro da cultura .................. 371
s estudos de doenças de plantas causadas por vírus vência dos vírus. Sementes e material de propagação vegetativa
369
Manual de Fitopatologia
A A
B
B
da planta. Uma vez introduzido nas células do hospedeiro sus- ou reduzir os vírus de uma planta infectada. Assim, no geral, as
cetível o patógeno passa à etapa de colonização, que pode ser medidas de controle de fitoviroses são essencialmente preventi-
local (Figura 32.2A) ou sistêmica (Figura 32.2B). Na colonização vas, impedindo ou dificultando e chegada dos vírus a uma dada
local, a ação do vírus restringe-se às áreas próximas do ponto de cultura e sua posterior disseminação ou tomando a planta resis-
penetração, enquanto naquela sistêmica o vírus atua em pratica- tente ao patógeno. A maior ou menor eficiência do controle está
mente todas as partes da planta. A multiplicação ou replicação é associada a uma diagnose correta, bem como ao bom conheci-
um processo induzido pelo vírus, fazendo com que a célula vege- mento da epidlemiologia da doença. Além disto, o controle nor-
tal passe a produzir novas partículas do patógeno. O movimento malmente tem maior sucesso quando se emprega adequadamente
do vírus, e sua consequente distribuição pela planta, é realizado um conjunto d.e medidas, ao invés de medidas isoladas. Algumas
através da sua passagem célula a célula, via plasmodesmos e pos- medidas geralimente recomendadas são discutidas a seguir.
terior invasão sistêmica através dos vasos do floema. Alguns pou-
cos vírus movem-se pelo xilema. Os sintomas aparecem à medida 32.2.t. Medidas para evitar que o vírus chegue e se
que ocorre a colonização de detenninadas partes vegetais ou da iinstale na cultura
planta toda, caracterizando os sintomas locais ou sistêmicos, res- Quarentena - geralmente é um serviço prestado por órgãos
pectivamente. No primeiro caso, os sintomas evidenciam-se por oficiais e que tem por finalidade principal evitar a introdução no
manchas cloróticas ou necróticas; no segundo caso, evidenciam-se País de pragas em geral, entre as quais os vírus e viroides que ainda
pela clorose generalizada, mosaico, enfezamento, clareamento de não ocorrem no território nacional. Um serviço eficiente de qua-
nervuras, avermelhamento, nanismo entre outros. A reprodução rentena exige laboratórios bem equipados, pessoal qualificado,
do patógeno, melhor denominada replicação, ocorre na forma de capaz de detectar vírus em diferentes situações. Exemplos de vírus
aumento do número de partículas do vírus nas células do hospe- e viroides quarentenários e que podem afetar o agronegócio brasi-
deiro, durante o processo de colonização. leiro, caso sejam introduzidos são: vírus da folha amarela e enro-
lada do tomate:iro (Tomato yellow leafcurl vinis - TYLCV), bego-
32.2. CONTROLE movirus transmitido por Bemisia tahaci; vírus da mancha da amei-
Ao contrário de doenças causadas por fungos, bactérias e xeira (Plum pox virus - PPV), potyvirus transmitido por afideos;
nematoides, não há maneira economicamente viável de eliminar vírus do íntunnescimento da baste do cacaueiro (Cocoa swollen
370
Viroses
shoot virus - CSSV), badnavirus transmitido por cochonilhas; trito. No Estado de Goiás, maior estado produtor de tomate ras-
e viroide do afilamento do tubérculo da batata (Polato spind/e teiro, o vazio sanitário no período de dezembro a janeiro tem sido
ruber l'iroid - PSTVd), perpetuado por tubérculos infectados. adotado desde 2007 em tomateiro rasteiro e, para alguns municí-
Uso de sementes e material vegetativo livres de vlrus - pios, também para o tomateiro estaqueado.
Os vírus que são transmitidos por sementes podem estar contidos Alterações na época de plantio também podem resultar
internamente no embrião ou aderidos à casca, como contaminan- em redução na incidência de vírus, especialmente no estádio
tes. As sementes ponadoras de vírus constituem a fonte de inóculo de maior jovialidade das plantas, onde as infecções geralmente
primária na cultura. A introdução precoce do vírus na cultura per- resultam em maiores danos. Mudanças na data de plantio são fei-
mite sua disseminação para plantas nos estádios iniciais de desen- tas com base na flutuação populacional dos vetores. procurando
volvimento, o que acarreta danos maiores, pois quanto mais jovem evitar as ocasiões de picos. Para isso há necessidade do estabele-
a planta é infectada, maiores são os prejuízos. Portanto, para as cimento de um programa contínuo de monitoramento dos vetores
culturas propagadas por sementes verdadeiras e que possuem na região da cultura.
~!rus que são transmitidos através destas, é prática indispensável Aumento na densidade populacional de plantas na planta-
a utilização de sementes livres de vírus ou até com certificado de ção pode proporcionar redução nos danos causados por doenças
sanidade. Os agricultores que adquirem suas mudas de viveiristas de vírus. O aumento do número de plantas na área deve ser bem
devem certificar-se de que foram produzidas com sementes de alta analisado para evitar redução na produção devido à competição
sanidade, sob condições adequadas e que, portanto encontram-se entre plantas.
livres de vírus por ocasião do transplante no campo. O plantio em áreas protegidas por barreiras tisicas natu-
A propagação vegetativa de partes de plantas infectadas rais (espécies vegetais de porte alto) ou artificiais (telas) tem sido
no geral resulta em clones também doentes. Ponanto, as plantas objeto de investigações e algumas aplicações práticas, porém os
propagadas por meio de tubérculos, bulbos, estacas, gemas, etc., resultados nem sempre são satisfatórios. Em vários casos essas
devem provir de plantas sabidamente sadias e certificadas. As barreiras, que têm como objetivo principal evitar ou retardar a
mudas obtidas de plantas sadias devem constituir a matriz para entrada de vetores ponadores do vírus dentro da plantação, têm
propagações futuras. Assim sendo, devem ser cultivadas em local efeito muito reduzido ou nulo. No caso dos telados, adequada-
protegido, isoladas das áreas de produção de mudas comerciais, mente construídos com telas de malha fina (anti-afideos), os
para evitar eventual contaminação. resultados no geral são positivos na proteção contra a entrada de
Eliminar plantas hospedeiras do virus - Em teoria, é pos- vetores virulíferos. A aplicação de qualquer uma dessas alternati-
sível afinnar que a eliminação de todas as fontes de vírus de uma vas para minimizar os danos causados for fitoviroses deve levar
área, antes do início da nova plantação, tenha um efeito bené- em consideração aspectos econômicos da cultura_
fico significativo no controle da doença. Na prática. todavia, essa
tarefa é dificil, senão impossível de ser executada. especialmente 32.2.2. Medidas para controlar ou evitar a chegada
em países de clima tropical e subtropical com ~ma ampla gama dos vetores dentro da cultura
de espécies vegetais presentes durante quase o ano inteiro. A efi- Os vírus, conforme já foi discutido, possuem vetores den-
cácia dessa medida está diretamente ligada à gama de hospedeiras tro das classes dos insetos {pulgões. cigarrinhas, moscas brancas,
do vírus, podendo ter maior chance de êxito quando o vírus tem tripes, coleópteros e cochonilhas), ácaros, protozoários, fungos e
círculo de hospedeiros restrito. É aconselhável, portanto, antes nematoides. Os insetos e os ácaros são vetores aéreos, enquanto
de iniciar um novo plantio, através da semeadura direta ou do protozoários, fungos e nematoides vivem no solo, portanto as
transplante de mudas, eliminar culturas velhas e/ou abandonadas estratégias de controle são diferentes.
e restos de cultura que possam hospedar vírus e/ou vetores que O controle dos vetores aéreos de vírus de plantas pode ser
afetam a nova cultura. Nas proximidades da área de plantio, sem- feito através de procedimentos culturais, biológicos e químicos,
pre que possível, deve-se eliminar plantas daninhas que podem sendo este último o mais utilizado pelos agricultores. A técnica
alojar vírus e/ou vetores do vírus. O cultivo escalonado deve ser cultural mais comum é a utilização de cobertura viva (por exem-
evitado, pois os plantios mais velhos sempre servirão de fonte de plo, amendoim forrageiro - Arachis pinroi) ou morta do solo (por
inóculo para as plantas mais novas. exemplo, casca de arroz, plásticos coloridos ou prateado) entre as
Erradicação sistemática de plantas doentes ("roguing") - linhas de plantio, com o objetivo de promover a repelência dos
Essa prática é geralmente recomendada para os vírus que pos- vetores e, consequentemente, retardar a entrada e a disseminação
suem um círculo de hospedeiros restrito. como por exemplo, os do vírus na plantação. O controle biológico através de inimigos
virus do mosaico e da meleira do mamoeiro (Boxe 32. 1), que naturais (parasitas e predadores) dos vetores não tem sido uma
praticamente só infectam essa frutífera. Para que a erradicação prática comum para o controle de doenças de vírus de plantas,
tenha efeito benéfico ela deve ser iniciada assim que as plantas principalmente por falta de estudos nesse sentido.
emergirem e prosseguír até o final da vida útil econômica da cul- O controle químico de insetos e ácaros vetores é o mais
tura. Deve ser feita através de inspeções periódicas em toda a área utilizado. pois hã vários inseticidas, óleos minerais e acarici-
do plantio. das disponíveis no mercado, porém nem sempre traz o resultado
Modificações no plantio - O estabelecimento de um período desejado. Eles são usados principalmente porque os agricultores
de repouso de dois a três meses (vazio sanitário). totalmente livre já estão familiarizados com a sua aplicação para o controle de
da espécie cultivada pode redundar em uma redução significativa pragas e por acreditarem que também controlam viroses. Além
das fontes de inóculo do vírus e do vetor e consequentemente disso, o custo de muitos defensivos é relativamente baixo em
favorecer a cultura seguinte. Também poderá ter efeito na popu- relação ao custo do produto a ser comercializado. A baixa efie iên-
lação do vetor, caso este colonize nessas plantas. Essa medida é cia do controle químico se deve principalmente ao tipo de relação
mais eficaz nos casos de vírus com círculo de hospedeiros res- entre o vírus e o vetor. Nos casos em que a relação é do tipo não
371
Manual de Fitopatologia
persistente e o vetor (principalmente pulgões) não coloniza a programadas com base em monitoramento do inseto e da incidên-
espécie cultivada, a eficiência do controle químico do inseto para cia de plantas sintomáticas na plantação.
minimizar os danos da virose é praticamente nula. [sto porque a Para os virus transmitidos por nematoides, fungos e proto-
maioria dos inseticidas não é rápida o suficiente para matar os zoários, que são habitantes do solo, a primeira medida recomen-
pulgões antes que estes efetuem a picada de prova, cuja duração dada é de exclusão, ou seja, evitar o plantio em áreas com histó-
é de poucos segundos ou minutos, e inoculem o vírus na planta. rico da presença do vetor. Na impossibilidade de adoção dessa
Em alguns casos, a pulverização das plantas com inseticidas pode medida, o controle geralmente é feito por meio de variedades
até acelerar a disseminação do vírus, pois a presença do inseticida resistentes ou nematicidas e fungicidas. Para volumes pequenos
pode causar excitação nos pulgões, que poderão provar e conse- de solo, para plantios em vasos, por exemplo, pode-se recomen-
quentemente inocular o vírus em mais plantas do que o fariam dar a esterilização química ou pelo calor.
na ausência do produto. Entretanto, quando a espécie de pulgão Portanto, ao aplicar o controle químico do vetor com o
coloniza a planta, esta deve ser controlada como praga. intuito de controlar uma virose o agricultor, na maioria das vezes,
Quando a relação virus-vetor é do tipo persistente (pulgões, estará aumentando o custo da produção sem ter necessariamente
cigarrinbas, mosca branca e tripes), a qual requer maior tempo de o retorno desejado na minimização dos danos. Além disso, o uso
alimentação do vetor para a aquisição e a transmissão do vírus, o indiscriminado de defensivo propiciará o desenvolvimento de
controle químico poderá minimizar principalmente a ·dissemina- insetos resistentes aos princípios ativos utilizados, eliminação de
ção secundária do vírus na plantação, embora possa não ter feito seus inimigos naturais, danos na natureza, e na cadeia alimentar
significativo para o controle da disseminação primária. Isto por- do homem e de outros animais.
que, esta última está associada à entrada de vetores virulíferos
vindos de fora da plantação e que podem inocular o virus antes de
32.2.3. Medidas para tornar as plantas resistentes ao
serem afetados pelo inseticida. Nesses casos devem ser utilizados vírus e/ou vetor
os produtos registrados para a cultura, nas dosagens recomenda- A resistência genética é considerada a melhor e mais efi-
das pelo fabricante e adotando os critérios de segurança pessoal ciente forma de controle de viroses em geral e deve ser utili-
do aplicador e de proteção ambiental. As pulverizações devem ser zada sempre que disponível. Genes de resistência de uma espé-
372
Viroses
Figura 32.S -Copas de laranjeira ' Pêra' premunitada com estirpe fraca
do vírus da tri~tcza dos citros (esquerda) e infectada com
estirpe severa do vírus (dircíui).
Crédito da foto: Gerd W. Müller.
373
Manual de Fitopatologia
374
Viroses
Quando os tomateiros são infectados precocemente, as perdas zação de ácido nucleico com sondas específicas são necessários
podem ser da ordem de 70%, inviabilizando a cultura. para a correta diagnose. A identificação da espécie de begomovi-
As espécies do gênero Begomovirus, família Geminiviridae, rus, no entanto, só é possível a partir da obtenção da sequência de
que infectam o tomateiro são constituídas por duas partículas ico- nucleotídeos do genoma virai (parcial ou integral) ou com a reali-
saédricas geminadas. Os begomovírus relatados no Brasil em zação de PCR com oligonucleotídeos iniciadores específicos. Um
tomateiro possuem genoma bipartido, isto é, apresentam duas fator complicador na identificação e controle dos begomovírus é
moléculas de DNA circular (DNA-A e DNA-B), de fita sim- que seu genoma sofre frequentes mutações e, em casos de infec-
ples. A espécie com genoma monopartido, TYLCV, que é a mais ções mistas, ocorrem pseudo-recombinações, resultando numa
importante mundialmente, ainda não foi relatada no Brasil. variabilidade muito grande, com aparecimento de novos isolados
A gama de hospedeiros dos begomovirus que infectam ou até mesmo espécies, em curto prazo de tempo
o tomateiro é variável, mas no geral infectam principalmente O ciclo da doença (Figura 32. 7) inicia-se a partir de urna
espécies cultivadas e daninhas da família solanaceae, tais como fonte de inóculo, representada por uma hospedeira cultivada ou
pimentas (Capsicum spp.), batateira (Solanum tuberosum), fumo daninha doente. A disseminação natural é feita exclusivamente
(,Vicotiana spp.), joá de capote (Nicandra physaloides), figueira pelo vetor, B. tabaci, uma vez que os begomovirus não são trans-
do inferno (Datura stramonium), Maria pretinha (S. americwmm), mitidos pelas sementes de tomate. Esse aleirodídeo é polífago e
entre outras. Os begomovirus são restritos ao floema, embora está presente nas regiões agrícolas do País durante todo o ano,
alguns também possam invadir células do parênquima. em diversas espécies cultivadas, plantas silvestres e daninhas, das
Os sintomas iniciais da doença caracterizam-se por clarea- quais algumas também hospedam os begomovims. B. tabaci bió-
mento de nervuras ou pequenas manchas cloróticas entre as ner- tipo B (MEAM 1) é o principal vetor, pois encontra-se dissemi-
vuras. Eles geralmente surgem num período de 1Oa 15 dias após a nado por todo o território nacional. B. tabaci biótipo Q (MED),
inoculação do vírus no tomateiro, dependendo da pressão de inó- recentemente encontrado no Brasil, também transmite begomovi-
culo e das condições climáticas. Com o tempo os sintomas evo- rus. A relação vírus-vetor é do tipo persistente e circulativa, sem
luem para clorose internerval, deformação e enrolamento foliar, multiplicação do vírus no vetor. O inseto adulto, ao se al.imen-
mosaico e paralisação do crescimento da planta. Não se observa tar em um tomateiro doente, por 5 a 30 minutos, dependendo da
sintoma nos frutos de tomateiros doentes. Não é possível fazer a espécie de begomovirus, pode adquiri-lo. Quanto maior o tempo
diagnose da doença somente com base nos sintomas. Testes mole- de alimentação maior a eficiência de aquisição do vírus. Após a
culares, como reação da pol.imerase em cadeia (PCR) e hibridi- aquisição, há um período de latência de 8-16 h, quando o vírus
375
Manual de Fitopatologia
circula no corpo do inseto, até atingir a glândula salivar. Depois ros do vírus e do vetor; (v) quando possível, realizar novos plan-
disso, o inseto torna-se virulífero e. portanto, capaz de inocular tios em áreas distantes de plantações de soja, feijoeiro e algo-
o begomovirus em tomateiros sadios. A inoculação pode ocor- doeiro, que são boas hospedeiras do aleirodídeo; (vi) adubação
rer durante períodos de alimentação de 5 a 30 minutos, porém equilibrada para não favorecer o aumento da população do vetor
a eficiência de transmissão aumenta com o tempo de alimenta- e (vii) controle químico racional do aleirodídeo, principalmente
ção. Os insetos virulíferos retêm o vírus por quase toda a vida. para prevenir a disseminação secundária, que ocorre de.ntro da
Após a inoculação do begomovirus no tomateiro, inicia-se o pro- plantação. Isto porque muitos dos inseticidas não previnem adis-
cesso de multiplicação e movimentação sistêmica do vírus, cul- seminação primária, uma vez que não são capazes de evitar a ino-
minando com a manifestação dos sintomas. Não há cura para a culação do vírus nas plantas.
planta infectada. Estudos epidemiológicos têm mostrado que a
infecção primária, resultante do constante influxo de insetos viru- 32.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
líferos na plantação, seja a mais importante maneira de dissemi-
nação dos begomovirus. Agrios. G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego. Elscvicr Academic Pre~s,
376
CAPÍTULO
33
DOENÇAS ABIÓTICAS E INJÚRIAS
Jorge Albert.o Marques Rezende e Dirceu Mattos-Jr.
ÍNDICE
33.1. Introdução ............................................................ 377 33.3. Fatores químicos que causam doenças
abióticas ................................................................ 383
33.2. Fatores ambientais que causam doenças
abióticas ................................................................ 378 33.3.1. Poluição do ar .......................................... 383
33.2.1. Temperatura............................................. 378 33.3.2. Defensivos ................................................ 384
33.2.2. Umidade ................................................... 378 33.4. Diagnose de doenças abióticas ............................ 385
33.2.3. Luz ............................................................ 379 33.5. Bibliografia consultada ........................................ 386
33.2.4. Deficiência nutricional ............................ 379
33.1. INTRODUÇÃO
á uma série de fatores de formação da produção
377
Manual de Fitopatologia
Figura 33.2 - Choque ténnico com água de irrigação em violeta Figura 33.3 - Escaldadura de sol em tomate~ (A) e laranja (B).
africana. Crédito da foto A: Carlos Alberto Lopes.
33.2.1. Temperatura
As plantas podem crescer em uma faixa de temperatura que
varia de I a 40°C. A maioria das espécies apresenta melhor desen-
volvimento entre 15 e 30"C. As plautas como um todo, ou alguns
de seus órgãos, são bastante sensíveis às temperaturas próximas
ou além dos extremos da faixa ideal. As temperaturas mínimas
e máximas nas quais as plantas exibem bom desenvolvimento e
boa produtividade variam com a espécie vegetal e com o estádio
de desenvolvimento em que elas se encontram por ocasião das
alterações nessa variável climática. · • ·
As temperaturas altas geralmente são responsáveis por
danos designados por queimaduras de sol, que normalmente apa-
recem na área exposta ao sol em frutos ou tecidos foliares tenros.
Em alguns livros texto esses danos são atribuídos à intensa radia-
ção (luz) solar. Em condições de altas radiações, a quantidade Figura 33.4 - Dano por baixa temperatura em folha de couve.
de energia luminosa para a planta é muitas vezes em excesso, e Crédito da foto: Katia Regina Brunelli.
causa estresse foto-oxidativo pela produção de espécies reativas
de oxigênio (EROs), afetando primeiramente a fotossíntese e a
integridade de tecidos. Os sintomas em frutos caracterizam-se por mente desativam certos sistemas enzimáticos e aceleram outros,
descoloração, áreas com aparência de encharcamento, bolhas ou induzindo reações bioquímicas anormais e morte de células.
Também podem provocar a coagulação e a desnaturação de pro-
desidratação do tecido logo abaixo da casca, que resulta em áreas
teínas, rompimento da membrana plasmática e possível liberação
deprimidas na superfície dos frutos (Figura 33.3). As folhas ten-
de substâncias tóxicas dentro das células. As baixas temperatu-
ras, quando expostas a altas temperaturas, tomam-se inicialmente
ras danificam as plantas principalmente por meio da fonnação de
cloróticas e, com o tempo aparecem manchas escuras e secas.
gelo entre e dentro das células. Os cristais de gelo promovem a
Estimam-se que a frequência de ocorrência de períodos ruptura da membrana plasmática e consequ~nte morte da célula.
decendiais de temperaturas extremas no período de início da pri-
mavera (setembro e outubro), época importante para o desenvol- 33.2.2. Umidade
vimento vegetativo e florescimento de várias espécies cultivadas,
Os problemas de umidade do solo são aparentemente res-
tem aumentado como um reflexo da~ mudanças climáticas. Como ponsáveis por maiores danos no desenvolvimento e na produ-
consequência, têm-se verificado também significativas desunifor- ção das plantas do que aqueles provocados por quaisquer outros
~idades da produção, perdas da qualidade dos produtos e da safra. fatores ambientais isoladamente. O déficit hídrico pode ocorrer
Por outro lado, as temperaturas baixas podem provocar em áreas extensas de cultivo ou aparecer de maneira localizada,
diversos danos, que vão desde a morte de partes das plantas estando nesse caso associado com o tipo de solo, caracterizado
(tecidos meristemáticos) ou da planta' inteira, danos em folhas pela textura, estrutura e profundidade, além de características
(Fignrjl. 33.4), flores e frutos. químicas que limitam o crescimento das raízes (baixos teores de
Os mecanismos pelos quais as altas e baixas temperaturas nutrientes e excesso de alumínio). As plantas que crescem sob
danificam as plantas são distintos. Altas temperaturas aparente- déficit hídrico normalmente apresentam-se subdesenvolvidas, as
378
Doenças A bióticas e Injúrias
379
Manual de Fitopatologia
380
Doenças Abióticas e Injúrias
Figura 33.9 - Deficiência de magnésio em algodoeiro (esquerda), Figura 33.11 - Deficiência de boro em mamoeiro (esquerda) e recu-
folha sudia (direita). perada com aplicação de bórux no solo (direita).
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.
381
Manual de Fítopatología
382
Doenças Abióticas e Injúrias
Figura 33.17 - Deficiência de zinco em laranja doce. Figura 33.18 - Fitotoxidez de sulfato de ferro em pimentão.
Crédito da foto: Liliane de Diana Teixeira.
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Manual de Fitopatologia
384
Doenças Abióticas e Injúrias
385
Manual de Fitopatologia
386
Parte V
34
FISIOLOGIA DO PARASITISMO::
COMO OS PATÔGENOS ATACAlVI
AS PLANTAS
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio
ÍNDICE
F
itopatógenos geralmente necessitam de seus respec- podendo deslocar-se em direção ao hospedeiro, conseguem pene-
tivos hospedeiros para ter a sobrevivência garan- trar nas plantas e multiplicar-se no espaço intercelular, ou excepcio-
tida. Nesse sentido, a maioria dos patógenos retira nalmente no xilema ou floema, somente através de ferimenios ou
seus nutrientes do hospedeiro e os utiliza no seu próprio metabo- aberturas naturais (estômatos, hidatódios, etc.) e nunca diretamente.
lismo, tanto na fase vegetativa quanto na reprodutiva. Eutretanto, No caso de microrganismos filamentosos (fungos e oomicetos), a
:nuitos destes nutrientes encontram-se no interior do protoplasma penetração pode ocorrer diretamente através da superficie intacta da
das células vegetais e, para ter acesso aos mesmos, os patógenos planta, de aberturas naturais e/ou de ferimentos:. A penetração direta
devem vencer as barreiras externas, formadas pela -cutícula e/ou pode ocorrer exclusivamente através de força mecânica aplicada por
parede celular, bem como promover a colonização interna dos estruturas específicas de alguns poucos fungos e oomicetos sobre o
tecidos (Figuras 34. 1). hospedeiro. Quase na sua totalidade, porém, esti~ processo é acompa-
Como visto no Capítulo 4 desta obra, para muitos patógenos nhado por secreções enzimáticas.
os mecanismos de adesão aos hospedeiros representam a primeira Depois da penetração, os patógenos podem se espalhar a
ruipa da conexão física entre o parasifa e o parasitado (Epstein & partir do sítio de infecção e colonizar o tecido do hospedeiro.
'.'l!icholson, 2016; Leite et ai., 2001 ). Além disso, patógenos ganham Este processo, normalmente, caracteriza-se pela desagregação
acesso ao interior dos hospedeiros através de penerração direta, aber- celular e pela utilização de nutrientes, o que resulta em altera-
turas naturais ou ferimentos. As bactérias, por exemplo, embora ções na morfologia e no metabolismo das plantas, levando ao
389
Manual de Fitopatologia
aparecimento dos sintomas (Capítulo 3 desta obrai). Simultane- Ians-batata. Com o auxílio da biologia molecular, em especial
amente à penetração e colonização dos tecidos, rn; hospedeiros através de técnicas de sequenciamento do genoma e da proteô-
podem reagir à presença dos patógenos em potencial através da mica, os mecanismos de patogenicidade nas interações planta-
formação de barreiras fisicas e produção de substâncias químicas patógeno começam a ser melhor compreendidos (EI-Hadrami et
(Capítulo 35 desta obra). Essa batalha entre patóg;eno e hospe- al., 2012; Horbach et ai., 2011; Quirino et ai., 2010).
deiro a nível fisiológico e bioquímico constitui-se no objeto de Dentre os fitopatógenos conhecidos, com exceção dos vírus
estudo da fisiologia do parasitismo (Boxe 34. l ). Dessa maneira, e viroides, aparentemente todos produzem enzimas, hormônios,
para um patógeno estabelecer-se em uma planta, é necessário efetores e, possivelmente, toxinas. No caso dos vírus e viroides,
que o mesmo consiga penetrar e colonizar os tecidos do hospe- esses agentes podem induzir as células do hospedeiro a produzir
deiro, dele retirando os nutrientes necessários para :seu desenvol- diferentes substâncias, dentre as quais as enzimas utilizadas
vimento, bem como neutralizar as reações de defosa da planta. na replicação desses organismos. A presença dessas substân-
Para isso, utilizam-se de substâncias como enzimas, toxinas, cias químicas. mesmo que em quantidade elevada. porém, nem
hormônios e efetores, além de outros fatores envolvidos na sempre reflete a capacidade do patógeno em causar doença.
patogenicidade (Horbach et ai., 2011; Pascholati et ai., 1998). A De uma maneira geral, as enzimas produzidas por fitopató-
importância dessas substâncias e fatores varia grandemente nas genos promovem a desintegração dos componentes estruturais das
interações hospedeiro-patógeno. Por exemplo, nas podridões células do hospedeiro, degradam substâncias presentes nas células
moles. as exoenzimas são aparentemente as substâncias mais ou afetam diretamente o protoplasto. Os cfetorcs podem suprimir ou
importantes; já no caso da mancha ocular, causada por Bípolaris ativar respostas de defesa, bem como alterar completamente a fisio-
sacchari em cana-de-açúcar. a doença resulta principalmente da logia do hospedeiro. As toxinas, por sua vez. agem diretamente no
toxina secretada pelo fungo; nas galhas da coroa, causadas em protoplasto e interferem com a permeabilidade das membranas. Os
vários hospedeiros por Agrobacterium tum~facien.s (Rhizobium hormônios. basicamente, alteram a divisão e crescimento celulares.
radiobacter) e nas galhas causadas pelo nematoide Meloido-
gyne sp. em diferentes espécies vegetais, os hormônios desem- 34.1. ENZIMAS
penham papel relevante; finalmente, moléculas efütoras podem Enzimas são proteínas de alta massa molecular, constituídas
desativar completamente o sistema imune de hospedeiros, como de longas cadeias de aminoácidos, responsáveis pela catálise das
visto nas interações Ustilago maydis-milho e Phytopllthora infes- reações anabólicas e catabólicas nas células dos seres vivos.
No começo do século XIX, o botânico afomão Franz Unger apresentou sua teoria, segundo a qual '~s doenças resul-
tariam de distúrbios funcionais, estes oriunàos de desoritens nutricionais, que levariam ao aparecimento de 'fungos' como
exc,-escências que se desenvolviam por geração espÕntânea nos tecidos da planta.". Embora falho no tocante aos fungos, o
tratado de Unger "Die Exantheme der Pjlanwn", publicado em 1833, pode ser visto como a pedra fundamental da fisio-
logia do parasitismo (Fuchs, 1976), também denominada bioquímica fitopatológica ou fisiopatologia vegetal. Ideias
similares, mas não idênticas às de Unger, for;rn1 desenvolvidas por Franz J. Meyen, em 1841. Como definido por Heite-
fu.ss & Williams ( 1976) "a fisiologia do parai;itismo representa as especialidades dentro da fitopatologia que se concen-
tram nas atividades fisiológicas e bioquímicas dos patógenos e nas respostas dos tecidos vegetais do hospedeiro". Como
um apêndice da fitopatologia, a fisiologia do parasitismo procura gerar conhecimento básico para o entendimento das
interações entre a planta e o patógeno a nível fisiológico e bioquímico, bem como contribuir para o uso efetivo desse
conhecimento no desenvolvimento de novos métodos para o controle das doenças (Wood, 1987). A interação multi-
disciplinar é altamente evidente nessa área, onde são conduzidos, por exemplo, estudos envolvendo a germinação dos
esporos, histologia e fisiologia da penetração, e colonização dos tecidos vegetais, alterações metabólicas das plantas em
resposta à infecção, etc. Embora seja intensaunente explorada em outros países, a fisiologia do parasitismo encontra-
-se ainda em fase de gestação em nosso país (Pascholati, I 993). O Brasil carece de fisiologistas do parasitismo, embora
publicações didáticas neste assunto tenham começado a surgir nos últimos anos. A edição preliminar do livro "Pato-
logia vegetal: agressão e defesa em sistemas planta/patógeno", de autoria de J.C. Dianese e publicada cm 1990, se cons-
tituiu em marco na literatura nacional voltada para a fisiologia do parasitismo. Com a chegada do periódico Revisão
Anual de Patologia de Plantas em 1993, cons:tantcmente temas específicos dentro da área da fisiologia do parasitismo
começaram a ser abordados, como por exemplo, o capítulo sobre Efetores nas interações planta-patógenos no volume
23 de 2015. Por sua vez, a parte IV - Fisiologia do Parasitismo, em edição deste Manual publicada em 1995, continha
quatro capítulos relacionados ao tema. Já e;m, 2003, Medeiros, Ferreira e Dianese publicam uma edição ampliada e
atualizada do texto anterior de 1990, denominado de "Mecanismos de agressão e defesa nas interações planta-pat6-
geno". Em 2008, Pascholati, Leite, Stangarlin e Cia (Pascholati et ai., 2008b), na qualidade de edHores, coordenaram
a publicação do livro "Interação planta-patâgeno: fisiologia, bioquímica e biologia molecular". Por sua vez, na edição
anterior deste Manual publicada em 2011, a Parte V - Tópicos Avançados continha dois capítulos relacionados à área.
Finalmente, os capítulos 34, 35 e B6 inclusos na Parte V - Fisiopatologia e Genômica das Interações Planta-Patógenos
do presente Manual, além de procurar contribuir na disseminação de conhecimentos, visam também estimular estu-
dantes e profissionais no desenvolvimento d,e atividades científicas nessa área.
390
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
Para cada reação metabólica existe uma enzima específica catali- rios, ácidos graxos e ésteres, enquanto que a cutina mostra ser um
sando o substrato envolvido. Normalmente. as enzimas são deno- poliéster, cuja despolimerização origina, principalmente, monô-
minadas em função do substrato ou reação que catalisam, através meros de ácidos graxos (ácidos cudnicos) das famílias C,6 e C 18
da adição do sufixo -ase. Por exemplo, cutinases são e.nzimas que ( Figura 34.2). A família C 16 deriva do ácido palmítico, enquanto
promovem a degradação da cutina e pcctinases são enzimas que a família C 18 origina-se, predominantemente, dos ácidos oleico
degradam as subslãncias pécticas. A ligação da enzima (E) ao ou linoleico. Evidências indicam também a presença de pequenas
,cu substrato (S) resulta na formação de um complexo enzima- quantidades de compostos fenólicos (ácidos p-cumárico, ferúlico
,ubstrato (ES). Em função dessa ligação, o substrato é ativado e e clorogênico) nesse polímero.
l reação química pode ocorrer, levando à formação do complexo
mzima-produto (EP), com a consequente liberação do produto (P)
e a restauração da enzima ao seu estado original. Reações químicas tel005 CUTiNICOS
.onduzidas a 25 ºC e catalisadas por enzimas podem ocorrer I OS-1 06
, l!Zes mais rapidamente do que as mesmas reações não catali- Fom1io-C1e
sadas. Dependendo da enzima, o número de moléculas de subs-
trato catalisadas por uma única molécula da enzima por segundo
·wrnover") pode variar de 100 a mais de três milhões.
CX1 (CH1~ CH • CH fCHt l1 COOH
1
J.&.2. DEGRADAÇÃO DA CUTÍCULA 0M
Para que se entenda como um patógcno penetra a superficie
mtacta do hospedeiro, a natureza da cutícula necessita ser conhe- CHa !CH1lx CK!CHyl COOH CH1 (CHrl1 CH • CH (CH2h COOH
1 1 1 \ I
cida. As paredes das células epidérmicas dos vegetais, em contato OH e»! e»! o
com o meio exterior, mostram-se recobertas por uma camada lipí-
J1ca contínua, comumente conhecida como cutícula (Figura 34. 1),
.1 qual fica aderida à parede celular através de uma camada inter-
'lled1ária rica em substâncias pécticas. A cutícula recobre folhas,
frutos e talos jovens, tendo como funções básicas evitar a difusão *o12 Anó!Ogog msoti,odos também ocorrem.
Je água e nutrientes para o meio externo, bem como proteger a
planta contra os efeitos adversos do meio ambiente. A espessura e Figura .34.2 - Estrutura dos principais monômeros da cutina.
.:. morfologia <la cutícula variam dependendo da espécie vegetal, Fonte: Adaptada de Kolauukudy ( 1985).
Jo órgão envolvido, do estádio de desenvolvimento <lo tecido e
das condições do ambiente.
A cutícula pode ser separada da parede celular por meio Na cutina, os monômeros de ácidos graxos são mantidos
de tratamento químico ou enzimático, produzindo dois compo- por meio de ligações ésteres, além do que os grupos hidroxila
nentes lipídicos principais: uma mistura complexa e solúvel de primário, em sua maioria, são esterificados, o que resulta em um
.::ompostos alifáticos de cadeia longa, denominados ceras, e um polímero predominantemente linear. A ligação entre cadeias de
-naterial polimérico insolúve l, denominado c utina. As ceras são poliésteres ocorre através da esterificação de alguns grupos hidro-
.:onstituídas, principalmente. de hidrocarbonetos, álcoois primá- xila presentes na posição intermediária das cadeias (Figura 34.3).
LAMELA MÉDIA
391
Manual de Fitopatologia
392
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
393
Manual de Fitopatologia
-0~º1, ~OHH
H 0-
a) . ~0 H oH
H OH / ~
OH O
b)
Figura 34.6 - Representação esquemática da estrutura (A) e compo- figura 34.7 - Polímeros pécticos: (a) ácido poligalacturônico;
sição (8) das paredes de células vegetais. (b) pectina.
Fonte: Adaptada de Agrios ( 2005); Heitefuss & Williams ( 1976).
394
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
Tabela 34.2 - Classificação das principais enzimas degradadoras da pectina e ácido péctico.
Suhstrato
395
Manual de Fitopatologia
396
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
~1 ..
_A_ _ _ _ _ fíp_
""'' -~--.,_
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•
c•lobiose
~ ) glucono
OVo~
[_ extrem1dode n<il redutorn
34.3.3. Papel das Enzimas Degradadoras da Parede Figura 34.11 - Complexo enzimático envolvido na
na Patogenicidade hidrólise das cadeias poliméricas de
Com exceç~ío dos v[rus e viroides, fitopatógenos podem celulose: ~ 1,4 D-glucanase (EG);
produzir um granode número de enzimas (pectinases, celulases. P-1,4 D-glucana celobiohidrolase
hemicelulases, etc.) capazes de degradar os polímeros estru- (CBH); p-glucosidade (P-G).
turais das paredes celulares (Faria et ai., 2003; Kubicek et ai., Fonte: Adaptada de Goodman et ai. ( 1986).
2014}. Portanto, as enzimas degradadoras da parede (EDP) estão
provavelmente envolvidas na maioria das doenças de plantas.
A contribuição dessas enzimas na patogénese pode envolver a a um gene repórter tipo GUS, bem como se efetuar alterações
extensiva destruição dos tecidos vegetais por patógenos necro- na produção da enzima e se demonstrar possiveis mudanças na
tróficos (por exemplo, enzimas pectolíticas), bem como altera- patogenicidade ou agressividade. Essas alterações poderiam ser
ções especificas e localizadas nas paredes celulares por pató- efetuadas com o auxílio da engenharia genética por meio de
genos biotróficos (por exemplo, glicanases e glicosidases). complementação gênica de um mutante deficiente, expressão
Essas enzimas têm sido estudadas em Botrytis fabae, Colletotri- gênica heteróloga, expressão gêníca antisenso e mutação génica.
chum lindemuthianum, Pectobacrerium carotovorum, Envinia Dentre as EDP, as enzimas pectolíticas são as mais estu-
chrysanthemi, Fusari11m oxysporum f. sp. lycopersici, Ra/s- dadas no tocante ao papel na patogénese. Uma das razões para esse
ronia solanacearum, Puccinia graminis f. sp. trifiei, Rhizoc- interesse deve-se ao tratamento de tecidos vegetais com pecti-
tonia solani (Thcmatephorns cucumeris) e Verticillium a/bo- nases purificadas, o que ocasiona a separação das células e morte
a/rum, entre outrns fitopatógenos. Embora estejam ligadas à das mesmas. Esse processo ocorre durante o desenvolvimento de
degradação dos coimponentes da parede, a comprovaçtlo do envol- muitas doenças, principalmente nas podridões moles (Capítulo
vimento das EDP 11a patogénese deve preencher alguns critérios, 22 desta obra), onde os tecidos perdem a rigidez. A separação das
como: capacidade do patógeoo em produzir as EDP in vitro; células, chamada maceração, é devida à destruição da integri-
detecção das EDP em tecido infectado; correlação da produção dade estrutural da lamela média, principalmente por endopoliga-
das EDP com patogeoicidade; alterações nas paredes de tecidos lacturonases e endopectato Iiases. A morte celular ocorre, aparen-
infectados observáveis com o uso de' técnicas de microscopia; temente, devido ao enfraquecimento da parede celular primária,
reprodução das alt,erações na parede ou sintomas da doença com em virtude do rompimento das ligações a-1,4 entre os resíduos
o uso de EDP purificadas. Além desses critérios, pode-se incluir de ácido galacturônico, o que ocasiona o rompimento ou alte-
a fusão do promotor do gene codificando a enzima de interesse ração da permeabilidade seletiva da membrana plasmática sob
397
Manual de Fitopatologia
a)
b)
ó
Figura 34.12 - (a) Estrutura do polímero de uma lignina; (b) unidade fenilpropano (carbonos podem
apresentar os seguintes grupamentos: -OH, -OCH3, =O).
Fonte: Adaptada de Goodman et ai. (1986).
condições de estresse osmótico. Embora as enzimas pectolíticas relacionamento causal entre a degradação de substâncias pécticas
possam tornar as células vegetais osmoticamente frágeis, estudos e a patogênese é bem estudado para as bactérias causadoras de
indicam a possibilidade de fragmentos da parede celular, libe- podridões moles. Trabalhos com mutantes de E. chrysanthemi,
rados por pe.ctinases, também serem prejudiciais às células tanto deficientes na produção de enzimas pectolíticas, sugerem que
quanto as parede.s celulares enfraquecidas. essas enzimas são essenciais para a maceração dos tecidos vege:-
As enzimas pectolíticas estão sujeitas a mecanismos regu- tais. A transferência de um gene (Pai), o qual controla a síntese e
latórios similares aos das cutinases (Figura 34.4) e aos de outras secreção de TEPG (Tabela 34.2), a partir de uma cepa bacteriana
enzimas envolvidas na degradação dos polímeros e.xtracelulares. doadora para cepas com reduzida atividade de TEPG, mostrou
De maneira geral, o fitopatógeno possui uma ou mais pectinases que somente os recombinantes Pat+ causavam a maceração dos
pré-fonnadas, em baixo nível, as quais, quando em contato com tecidos de batata, cenoura e aipo. Os recombi.nantes Pai- não
os polimeros de ácido galacturônico na lamela média e parede causavam a maceração, mesmo exibindo nívei:s de PÓ compa-
primária, liberam monômeros e/ou oligômeros a partir desses ràveis aos da cepa doadora Pat+ e aos dos recombinantes Pat+.
polímeros. Esses fragmentos pécticos liberados podem funcionar Estudos com transformantes de Escherichia e.ali, uma entero-
como sinais para a síntese das pectinases (indução autocatalítica), bactéria nom1almente não associada com plantas, indicam que a
mas em concentrações muito elevadas podem atuar na repressão introdução de um gene de E. ch,ysanthemi para a produção de TE
da síntese dessas mesmas enzimas (repressão autocatabólica). (Tabela 34.2) converte E. coli em uma bactéria virulenta em tubér-
Glicose e outros açúcares também podem atuar nessa repressão, culos de batata. Essa observação supona a imponância da TE na
que pode ser abolida, porém, por adenosina-monofosfato cíclico patogênese das podridões moles. Por outro lado, a maceração dos
(cAMP). A regulação da síntese das enzimas pectolíticas é bem tecidos nem sempre pode ser correlacionada com aumentos na
compreendida em espécies de bactérias causadoras de podridões síntese de pectinases in situ, haja vista a existência de mutante de
moles (Pectobacterium carotovorum, E. chrysanthe_mi), bem E. ch,ysanthemi incapaz de crescer em meio de cultivo contendo
como em Verticillium albo-atrum e Fusaríum oxysporum f. sp. substâncias pécticas, mas com a capacidade de causar mace-
lycopersici, agentes causais de murchas vasculares (Capítulo 25 ração dos tecidos em escala similar à da cepa se,Jvagem original.
desta obra). Deve-se ressaltar, porém, que esse mutante produz um nível basal
A produção de pectinases ín vitro, ou mesmo in situ, por elevado de enzimas pectolíticas, o que pode ser suficiente para a
bactérias e fungos, não se constitui em p,ova definitiva da impor- patogenicidade.
tância das mesmas na patogênese. A indução de enzimas pecto- Evidências que as enzimas pectolíticas slio essenciais em
liticas in vitro muitas vezes pode estar mais ligada à obtenção de doenças fúngicas que não envolvem a maceração dos tecidos,
nutrientes do que especificamente associada à patogenicidade. O como, por exemplo, nas murchas vasculares, onde as pecti-
398
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
nases podem estar envolvidas na indução de ''p/rigs" e oclusões A degradação enzimática da lignina é característica de
nos vasos, são pouco convincentes. Mutantes d,e F myspo111m fungos saprófitas, na maior parte basidiomicetos. envolvidos
f. sp. lycopersíci, deficientes na produção de PG (Tabela 34.2). na decomposição de madeira (por exemplo, Ganoderma spp.,
mostraram-se menos agressivos, mas ainda patogênicos. em toma• Poria spp.), o que resulta na chamada podridão branca, carac-
teiro. Estudos similares com mutantes de Verticillium dah/iae. terizada por um emaranhado de filamentos claros constituídos
induzidos por radiação ultravioleta e deficientes n,a capacidade de basicamente de celulose. Embora vários fitopatógenos. princi-
produzir PG. MEP, TE ou combinações dessas enzimas, eviden- palmente ascomicetos e algumas bactérias, produzam pequenas
ciaram a capacidade dos mutantes em causar sintomas de murcha quantidades de ligninases. a habilidade desses microrganismos
quando inoculados em hastes de algodoeiro. Porém, os estudos em degradar a lignina ainda precisa ser melhor investigada. Por
dessa natureza não eliminam o possível papel das pectinases exemplo, estudos com o uso de corantes e substratos marcados
fúngicas na penetração dos hospedeiros e na velocidade do desen• com radioatividade, demonstraram a capacidade lignolítica
volvimento dos sintomas de murcha. Além disso,. trabalhos com de Fusarium so/ani f.sp. glycines. agente causal da podridão
diferentes fungos fitopatogênicos (Bot1ytis cinerea, Penici/lium vermelha em soja, em função da produção das enzim~s laccase e
expansum, Cryphonectria parasitíca, Alternaria citri e Colleto- peroxidase da lignina (principais enzimas fúngicas degradadoras
Jrichum gloeosporioides) começam a auxiliar no melhor entendi- desse polímero). Esses resultados indicaram a possível impor-
mento das enzimas pécticas nas interações patóge·no-hospcdeiro. tância da degradação da I ignina durante a infecç.'io, colonização e
Por outro lado. como já ressaltado, na avaliação das evidências sobrevivência do fungo (Lo.lOvaya ct ai., 2006).
entre a presença de enzimas pectolíticas in vilro e patogenicidade,
os resultados devem ser interpretados com cautela, haja vista que 34.4. DEGRADAÇÃO DE COMPONENTES DA
a produção de pectinases in vítro depende da composição do meio MEMBRANA PLASMÁTICA
de cultivo, dos isolados dos microrganismos utilizados, da idade A membrana plasmática (plasmalema) lFigura 34.1 e Figura
das culturas microbianas e de fatores outros que possam regular a 34.6) separa o interior da célula do ambiente externo, enquanto
síntese e a atividade dessas enzimas. as membranas de organelas delimitam compartimentos no inte-
Estudos sobre o papel das celulases e hemic:eluleses bacte- rior celular. Extensões da membrana plasmática (plasmodcsmata)
rianas e fúngicas na patogênese ainda são escassos e não mostram atravessam a parede celular e promovem conexões com as células
um claro relacionamento entre degradação dos polímeros celu- , izinhas. As membranas vegetais contêm proteínas (40-50%)
lose/hemicelulose e patogênesc, como no caso da degradação dos e lipídios (40%), e a maioria pode também conter carboidratos
polímeros pécticos. As evidências sugerem que a degradação da (O- 10%) na fonna de glicolipídios e glicoproteínas. Apresentam
parede celular, pelo menos nos estádios iniciais, envolve a degra- uma estrutura unitária dupla (camada lipídica dupla), fonnando
dação da pectina e de hemiceluloses. com a consequente exposição uma matriz, na qual os componentes proteicos se integram (Figura
das microfibrilas de celulose à ação das celulases. Tnibalhos com 34.13). A camada lipídica contém três tipos de lipídios, os fosfoli-
Ralsto11ia solanacea111m c hastes de tomateiro fome.::em evidêÍ,cias pídios, os lipídios neutros (colesterol) e os glicolipídios. As prote-
da degradação de celulose durante a patogênese, bem como da exis- ínas podem ser de diferentes classes e tamanhos. De maneira
tência de uma correlação positiva entre agressividade e atividade geral, porém, são designadas como intrínsecas (voltadas para
celulolítica (isolados bacterianos pouco agressivos ou avirulentos o citoplasma) ou extrínsecas (voltadas para a parede celular).
exibem baixa atividade celulolítica, quando comparados com os Os carboidratos das membranas, glicolipídios ou glicoproteínas,
isolados mais agressivos). No caso dos fungos, a maioria dos resul- nonnalmente são orientados em direção à superfície externa. Alguns
tados sobre celulases e hemicelulases envolve fungos degradadores autores defendem o conceito que as membranas se assemelham a um
de madeira. Estudos envolvendo fitopatógenos filamentosos causa- mosaico Auído, onde as proteínas e glicoproteínas movem-se num
dores de podridões moles e '·damping-off' (Capítulos 22 e 23 desi:a oceano de lipídios. As membranas controlam de maneira sele-
obra), como por exemplo Rhi=opus spp. e Pythium spp., demons- tiva o transporte de íons e moléculas nas células através de meca-
tram a atea atividade celulolítica desses patógeno8 em meio de nismos passivos e ativos. O transporte passivo (difusão) de água.
cultivo, mas não esclarecem o papel dessas celulases nas interações ions e compostos como açúcares e aminoácidos, os quais seguem
hospedeiro-patógeno. A presença de celulase é obst:rvada na inte- gradientes de concentração e são transportados com a água. ocorre
ração Rhizocto11ia solani com hipocótilos de feijoeirci, onde o fungo através da matriz fosfolipídica, enquanto que o transporte ativo
penetra as paredes celulares do hospedeiro e, pela destruição da ( conlTil gradientes de concentração) ocorre através do componente
celulose nativa, causa o colapso das células invadidas, resultando proteico (proteínas intrínsecas), com a concomitante utilização de
na formação de lesões deprimidas no hipocótilo (Capítulo 24 desta energia metabólica (ATP).
obra). As celulases mostram-se importantes em doenças vasculares Em função da composição, as membranas podem sofrer
(Capítulo 25 desta obra), onde a liberação de oligômeros de celu- ação destrutiva de enzimas como fosfolipases (liberam ácidos
lose no interior dos vasos do xilema altera o fluxo nonnal de água graxos a partir de moléculas de fosfolipídíos) e proteases (1 iberam
devido ao bloqueio dos elementos vasculares. Patógenos causa- peptídeos e aminoácidos a partir da ruptura das ligações pcptí-
dores de murcha, como F oxysporum e V. albo-atn'.lm, produzem dicas em moléculas de proteínas). Estudos envolvendo a degra-
celulases em cultura e possuem a capacidade de degradar a celu- dação enzimática dos componentes das membranas por fitopató-
lose in vivo. Com relação às hemicelulases, várias bactérias (por genos ( como, por exemplo, Botrytis cinerea, Erll'inia carotovora,
exemplo, Xanthomonas alfalfae, Pseudomonas syringae pv. phase- Pse11domonas syringoe pv. tomato, Sclerotium rolfsii. Thiela·
olicola) e fungos 6topatogênicos (Sclêrotium rolfsii, Sclerotinia viopsis basicola) são escassos e inconclusivos. Como será comen-
sclerotiorum, Rhizoctonía solani, Fusarium spp., Diplodia spp.) tado no presente capítulo, as profundas alterações que ocorrem
produzem essas enzimas. A importância da degradaição das hemi- nas membranas durante a patogênese devem-se à ação de toxinas
celuloses na patogênese, porém, permanece obscura. produzidas por bactérias e, principalmente, por fungos. Algumas
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Manual de Fitopatologia
400
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
Bactérias
Fungos
Oomicetos
401
Manual de Fitopatología
* Primeiro relato de uma mesma toxina seletiva {HC) sendo produzida por outro fungo.
Fonte: Wight et ai. (2013).
402
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
•/
o Sus - Toa
■ Res - T<IÃ
9
• Sus + Tox
ARes • Tox ~
TOXINA HmT ( lb,{no T)
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.. TOXINA HS IH6lmfnfosl)Clf'/l$~ !
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6
-1r----,----!----1
o 1() 30 50 TOXINA AI(
TOXINA AM
Minutos
Figura 34.14 - Efeito da victorina Cochliobolus (Helminthospo-
rium) victoriae na perda de eletrólitos por tecidos
de aveia. Tempo. em minutos, após o tratamenlo dos
tecidos com a fitotoxina.
Fonte: Adaptada de Sc:heffer & Samaddar ( 1970). TOXINA PC
/
um componente representativo é ilustrado para cada
o
..
toxina).
• ,.,,., ,. .,...
2.800 CONTROLE
o
oli)
- CI)
L.
oli)
2.◄00
•
•
TOXINA
TOXIHA
1 x 10-;,
1 a 10-•
plasmátíca é interrompido e K• intrace-lular é perdído para
o me-io externo (Figura 34.17). As m itocôndrias de- células
de tecidos suscetíveis são sensíveis à toxina, a qual inter-
/./·
CI) 2.000 fere com os processos oxídativos nessas organelas. A
a.
o toxina interage com uma molécula proteica receptora
E
oL. 1.600
(URF13) localízada na membrana mitocondrial interna,
levando à formação de poros e à perda da permeabilídade
OI seletiva da mesma. Com re lação à estrutura da toxína T,
1;·/.~·
.......
eo 1200
sabe-se que é constituída de uma mistura aproxímada
de 10 policetó is lineares, com um número de carbonos
.r::.
.//◊/º
variando entre 35 e 45 (Figura 34.16) .
.......
800
OI • Toxina HS (helmintosporoside) - essa fitotoxina é produ-
o zida por Cochliobo/11s (Helminthosporium) sacchari, fungo
E 400 •1/o/ causador da mancha ocular em cana-de-açúcar. A toxina,
quando aplicada em folhas de plantas suscetiveís, induz o
~1/ aparecimento de ríscas marrom-avermelhadas, semelhantes
às ocasionadas pela presença do patógeno nos tecidos. Em
o 2 J 4
função da correlação existente entre a sensíbílidade dos
Horas tecidos à fitotoxína e a íncidência da doença, o helmintos-
poroside mostra-se como fator chave no desenvolvimento
Figura 34.15 - Aumentos na respiração de tetidos suscetíveis de aveia da mancha ocular. A nível celular, a toxina ocasiona
em função da concentração de victorina (Cochliobolus mudanças nas membranas do hospedeiro, particular-
[Helmir.rthosporium] victoriae) utilizada. mente naquelas dos cloroplastos. Nas plantas suscetíveis,
Fonte: Adaptada de Krupka ( 1958). as membranas externas dessas organelas desíntegram-se,
403
Manual de Fitopatologia
28
./.,
1 9 / 23
,g~-- o
----
-~
para a toxina, os quais envolvem a avaliação da perda
de eletrólitos celulares e a inibição do crescimento de
raízes, requerem várias horas para que respostas mensu-
ráveis possam ser obtidas, sugerindo uma longa cadeia
de eve:ntos na expressão da disfuução celular. A filoto-
xina nlio causa um desarranjo geral da membrana plas-
o mática (despolarização) nos hospedeiros sensíveis, como é
o 20 40 60 ~ 100 120 o caso da maioria das toxinas seletivas. O plasmalema é
afetado, de maneira sutil, levando, por exemplo, ao acúmulo
TEMPO (min) de cert·os solutos (NQ3-, Na', c1·, metilglicose e leucina)
pelas células, os quais começam a extravasar, normalmente
Figura 34.17 - Efeito da toxina HmT (Coch/iobolus heterostrophus
seis horas após o início do acúmulo, causando a necrose
[Bipolaris ,naydis], raça T) no acúmulo de potAssio do tecido. Aparentemente, a toxina age como suprcssora
em raízes de milho com citoplasma T (portador de
das respostas de defesa, evitando a expressão de genes
macho esterilidade).
envolvidos na resistência da planta. Estruturalmente,
Fonte: Adaptada de Mertz & Amtzen (1977).
a toxina HC mostra-se como um tetrapeptídeo cíclico
(Figura 34.16), contendo um aminoácido incomum, deno-
levando a uma drástica redução na fixação do COi. Em minado ácido 2-amino-8-oxo-9,10-epoxidecanoico, o
folhas resistentes, os cloroplastos gera !mente permanecem qual é essencial para a expressão da atividade biológica
inalterados. A sensibilidade (suscetibilidade) das plantas à da toxina.
toxina HS é correlacionada com a habilidade da mesma • Toxina1 AK - é produzida por Alternaria a/ternata pató-
em se ligar a uma proteína, aparentemente presente apenas tipo _p,êra japonesa, anteriormente conhecida como
na membrana plasmática de plantas suscetíveis. Ã ligação A. kikuchiana, agente causal da mancha negra em folhas e
da toxina a essa proteína altera indiretamente a atividade frutos de pêrajaponesa (Pyrus serotina). A toxina é produ-
da ATPase nas membranas, o que ocasiona aumento na zida durante a germinação dos conídios e antes da invasão
permeabilidade (alterações no balanço iônico), com a dos tec:idos do hospedeiro, sendo, portanto, importante no
cousequente necrose dos tecidos do hospedeiro. Helmin• proces:so inicial da infecção. Variedades de pereira susce-
tosporoside é uma mistura de três isômeros de glicosídeos tíveis, quando tratadas com o fungo ou com a toxina,
sesquiterpenoides, contendo galactose (Figura 34.16). exibem sintomas necróticos, enquanto que variedades
Essas formas isoméricas, embora podendo diferir na ativi- resisteiotes não exibem nenhum tipo de dauo. A atividade
dade, mostram-se altamente tóxicas às plantas suscetíveis tóxica em células sensíveis é evidenciada por invagina-
ao fungo. Curiosamente, o fungo também produz, in vitro, ções na membrana plasmática e pela rápida (aproxima-
glicosídeos sesquiterpenoides não tóxicos, denominados damente 20 minutos) perda de eletrólitos, priucipalmente
de toxoides. Esses glícosídeos mostram-se como análogos K• e fosfato. A saída de eletrólitos resulta em reduções
da toxina HS, porém de menor massa molecular, devido no potencial de membrana e em necrose d.os tecidos da
à ausência de uma ou mais unidades de galactose. Alguns planta. Pelo menos duas toxinas são produzidas pelo
desses análogos agem como inibidores competitivos de fungo, sendo denominadas AK-I e AK-II (Figura 34.16).
belmintosporoside, protegendo, assim, os tecidos sensí- São caracterizadas como derivativos do aminoácido feni-
veis contra a toxina. lalanina e contêm um ácido graxo de 11 carbonos. A toxina
AK-ll possui uma estrutura similar àquela da toxinaAK-1,
• Toxina HC - a toxina é produzida por Cochliobolus
aprese111tando, porém, um radical metila extra no resíduo de
(Helminthosporium) carbonum, raça 1, agente .causador de
fenilalanina, o que reduz sua toxicidade (cerca de 100 vezes
manchas em folhas de milho. A produção da fitotoxina é
menos potente). Trabalhos indicam que a toxina liga-se a
controlada por um único gene e a mesma mostra-se essen-
um receptor específico, com radicais sulfidrila, aparente-
cial para o patógeno infectar e colonizar folhas de genó-
mente localizado na membrana plasmática de frutos susce-
tipos de milho portadores de alelos recessivos no locus hm.
tíveis imaturos.
O fungo produz e libera a tox.iha no momento da germi-
nação dos conidios e penetração das folhas, sendo possível • Toxina AM - essa toxina é produzida por Alternaria
detectar um acúmulo da mesma nos tecidos foliares durante a/ternata patótipo macieira, anteriormente conhecida
o desenvolvimento das lesões necróticas. A fitotoxina de como A. mali, fungo causador de manchas em variedades
404
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
• Faseolotoxina - essa toxina é produzida por Pseudo- • Tabtoxina - é produzida por vários patovares e isolados
manas syringae pv. phaseolicola, bactéria causadora do de Pseudomonas syringae. A toxina, também conhecida
crestamento de balo em feijoeiro e em algumas outras como 'toxina do fogo selvagem', foi isolada inicialmente
leguminosas. A infecção das folhas ou vagens pelo a partir de Pseudomonas syringae pv. tabaci, agente causal
microrganismo causa o aparecimento de manchas de óleo. da queima bacteriana em plantas de fumo. A doença é
como sintoma primário, seguidas por halos cloróticos, caracterizada por sintomas severos de clorose nas folhas e
elorose sistêmica e nanismo, como sintomas secundários por lesões necróticas circundadas por um halo amarelado.
da doença. A fitotoxina, que é produzida em temperaturas O filtrado de cultura do fitopatógeno e a toxina produzem
405
Manual de Fitopatologia
HN--CH2
1 1
C--C-OH
o,I' 1 aminOpeptidoses CH
3
(CH2l2 1 1
1 t CHOH
~N-CH- CO+NH-lH-C02H
CH,OC~fll
r ..
HO--•· . c:Mf)CICH3lz-C-CH,, 6i - LACTAM DA TABTOXININA TREONINA
N ~_.·oi;,ocoCN,
Figura 34.20 - Estrutura da tabtoxina, produzida por Pseu-
'\_OH domonas syringue pv. tabaci, e sítio de ação
• das aminopeptidascs.
1· Ctir>CH,
ô"-i,/º
HO/ 'o f'USICOCCINA quente clorose e eventual necrose dos tecidos. Em vista
da importância da enzima SG para os organismos vivos, a
TAGE'TITOXINA
fitotoxina exibe um amplo espectro de ação, afetando não
CMg-CH,-0!,i-at,~ somente vegetais superiores como também fungos, bacté-
rias, vegetais inferiores e vertebrados.
406
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
...~·
2.0
plasmática, além de morte celular programada e bloqueio
1.6
0 / da biossíntese de celulose. A estrutura básica das toxinas
~
... ~12
é representada por uma molécula de 4-uitroindol-3-il
J
~ lo.e
0.4 y .~
•--o-o o
contendo 2,5-dioxopiperazina, um dipeptídeo derivado
da fenilalanina e um aminoácido triptofono com radical
o nitrato, cuja biossíntese ocorre por via não-ribosomal.
-.°--o---°------_ • Fusicoccina é produzida pelo fungo Fusicoccwn amyg-
.,,4> -
'.li
80
1 o
doli, agente causal da murcha e seca de ramos em pesse-
!!!. "I EE
..s..., "40
• gueiro e amendoeira. Quando introduziJa no xilema ou
8 1
"' aplicada na superfície foliar dessas frutíferas ou em outras
~
& 120 t plantas não-hospedeiras, a toxina ocasiona sintomas simi-
t"'-~------- lares àqueles causados pelo patógeno. A fusicoccina é trans-
locada do sítio de infecção através do apoplasto para pontos
distantes no hospedeiro, onde causa os sintomas da doença.
Estruniralmentc. a toxina mostra-se como uma molécula
complexa. um glicosídeo diterpcnoide (Figura 34.19). Em
função da capacidade da fusicoccina em estimular drastica-
mente a plasticidade Ja parede celular, causando aumento
no tamanho das células, a toxina despertou também o inte-
resse de fisiologistas vegetais e passou a se constituir na
toxina fúngica melhor compreendida. A toxina liga-se a um
receptor proteico na membrana plasmática das células vege-
tais e passa a exercer seu efeito tóxico através da ativação
O0~~20~--,40~--,,.60,----110..__ _.100---'
120 da ATPase ligada à membrana, o que inJuz alterações no
sistema de transporte iônico celular. Como resultado da
Tempo Ch) ativação da ATPase, a célula passa a perder íons tt-, ocasio-
nando a imediata hiperpolari:c.ação da membrana (potencial
Figura 34.21 - Efeito da tabtoxina (Pseudomonas syri11gae pv. laba- da membrana toma-se mais negativo). o influxo de K- e
ci) sobre diferentes processos fisiológicos em tecido outros cátions, a entrada de glicose, sacarose e amino-
foliar de fumo. Folhas infiltradas com a toxina (• ) ou ácidos, a alcalinização do citoplasma e a acidificação
água (o) foram mantidas no escuro durante as pri- ex.tracelular (Figura 34.22). Em consequência da alcali-
meiras 16 horas; após esse periodo, as plantas foram nização do citoplasma, observa-se o acúmulo de maiato
expostas à luz (setas). e a inibição do caminho da pentose fosfato, enquanto que
Fonte: Adaptada de Tumer ( 1989). a acidificação do apoplasto mostra-se imponante na alte-
ração do crescimento celular. As alterações a nível celular
refletem-se, também, na nutrição mineral e em aumentos
ácidos 2,4-diaminobutírico, 2-amino-2-dehidrobutírico e na respiração e na transpiração das plantas. O au11Jento
P-hidroxidodecanoico. O principal modo de atuação da na taxa de transpiração ocorre devido ao desbalanço de
fitotoxina envolve alterações na membrana plasmática solutos nas células-guardas dos estômatos, o que resulta
das células vegetais e, dependendo da concentração, pode na abertura pennanente dos mesmos. Em função dessa
também, por exemplo, afotar a respiração e a produção de alteração no componamento dos estômatos, a planta
ATP em mitocôndrias isoladas de folhas de milho. A toxina passa a sofrer estresse hídrico, que leva ao dessecamento
pode formar multimeros que se inserem nas membranas foliar e à consequente morte dos tecidos.
causando a formação de poros, causando alterações no
transporte iônico e consequente lise celular. Isolados de • Tentoxfoa - é produzida por Alternaria alternata, ante-
P. syringae pv. syringae patogênicos a algumas espécies riormente conhecida como A. tenuis, fungo causador de
de citros exibem a capacidade de produzir uma toxina clorosc em plântulas de algodão e em várias outras espé-
denominada de siringotox.ina e não produzir a siringo- cies vegetais não-hospedeiras. A teotoxina é caracterizada
micina. A siringotoxina exibe atividade biológica similar como um tetrapeptideo cíclico, contendo os aminoácidos
àquela da siringomicina e aparenta ser um polipeptideo leucina, metil-alanina, glicina e metil-dihidrofenilalanina
contendo treonina, serina, glicina e oniitina. (Figura 34.19). Causa clorose nos tecidos vegetais através
da interferência no desenvolvimento dos cloroplastos e na
• Taxtominas-as taxtorninas A e B e seus diferentes análogos, inibição do acúmulo de clorofila. O mecanismo de ação
são produzidos por espécies de Streptomyces, principal- da toxina envolve a ligação da mesma ao fator de acopla-
mente por S. scabies. agente causal da sarna da batata. Em mento (C'F 1) nos cloroplastos, especificamente a um sitio
baixas concentrações (O, 1 uM) interferem no crescimento das subunidades da ATPasc. o que ocasiona a inibição
de plantas de diferentes famílias botânicas e induzem da CF 1ATPase e do transporte eletrônico na fotofosfori-
407
Manual de Fítopatología
FUSICOCCINA
Receptores proteicos
ATPose Membrcno
plosmótlca
Hlperpolorizoçoo
l
Acidlfioocõo Aleolinlzoc& do Influxo~
extrccelulor citoplasma
j K+ e cotions
!
Aumento no
plostlcldode do
parede celular
molofo'
Slntese de
►
Acúmulo de
moloto e K+
► Diminuiçõo do
potência/
osmótico
Gradiente de H+
Cotronsporte de solutos
AUMENTO NO Aumento no
VOUJME CEWLAR tugor ce/ulor
ABERTURA 00S
ESTOMATOS
Figura 34.22 - Efeito da fusicoccina (Fusicoccum amygdoli) em alguns processos celulares e fisiológicos. Alterações visíveis macroscopica-
mente mostram-se circundadas per linhas duplas na figura.
Fonte: Adaptada de Goodman et ai. (1986).
lação. Em função de sua ligação ao CFI' a tentoxina foi fusárico, uma das toxinas causadoras de murcha mais
a primeira fitotoxina a ter um sítio específico de ligação estudadas, ocasiona decréscimo na atividade respiratória
conhecido. Dependendo da família vegetal, a toxina em hastes de plantas de tomate, enquanto que a infecção
pode afetar todas as espécies de plantas, todas as espé- natural dos tecidos por F. oxysporum f. sp. lycopersici é
cies dentro de certos generos ou detenninadas espécies caracterizada por aumento inicial na respiração, seguido
dentro de um gênero. Aparentemente, essa seletividade é por decréscimo após o aparecimento dos sintomas.
determinada pela forma do CF1 que a planta possui nos Quimicamente, o ácido fusárico mostra-se como um deri-
cloroplastos. Espécies vegetais possuidoras de uma forma vado de piridina (ácido 5-butil-picolínico) (Figura 34. 19),
do CF, que se liga fortemente à toxina mostram-se sensí- e a presença do grupo carboxila na posição a do anel
veis e tomam-se cloróticas. Por outro lado, uma segunda nitrogenado é essencial para a toxicidade. O ácido fusá-
forma do CF I não se liga à tentoxina. Espécies vegetais rico é tóxico às células das plantas provavelmente devido
portadoras dessa forma, portanto, mostram-se resistentes à capacidade de ligar íons metálicos (agente quelante),
à toxina e pennanecem verdes. principalmente ferro, formando quelatos e, consequen-
• Ácido fusárico e licoma rasmina - essas toxinas são temente, inibindo enzimas oxidativas possuidoras de
produzidas por várias espécies de Fusarium oxysporum íons metálicos e alterando a respiração. Essa fitotoxina
(Tabela 34.3), agente causal de murchas vasculares em também causa, no hospedeiro, aumento na penneabili-
diferentes espécies vegetais (veja capítulo 25 desta obra). dade das membranas, o que resulta em alterações no equi-
O papel dessas toxinas na síndrome das murchas de Fusa- líbrio iônico e perda de eletrólitos pelas células. A licoma-
rium (caracterizadas por epinastia, obstrução e escureci- rasmina, caracterizada como um peptídeo contendo ácido
mento dos vasos do xilema, necrose e murcha dos tecidos aspártico, glicina e ácido pirúvico (Figura 34.19), também
dos hospedeiros) constitui objeto de controvérsia, pois se mostra como um forte agente quelantc, complexando
as murchas resultam de umâ interação complexa de dife- Cu 2+ e Fe2·. Aparentemente, a toxicidade da licomaras-
rentes toxinas, enzimas e honnônios. Aparentemente, as mina é aumentada pela presença de ferro e diminuída pela
toxinas mostram-se capazes de produzir somente uma presença de cobre, o qual forma um complexo estável com
parte dos sintomas da doença nos hospedeiros. O ácido a toxina. O quelato férrico, que se mostra solúvel em água
408
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
e induz um aumento inicial na respiração em tecidos de Stassen e Ackerveken (2011) que a proteína tóxica NLPPp.
tomateiro, é transportado para as folhas, onde é liberado, por exemplo, produzida por P. parasitíca pode desencadear
causando manchas necróticas nas extremidades foliares. morte celular em dicotiledôneas.
Embora seja produzida facilmente pelo fungo em meio
de cultivo, o papel da licomarasmina nas doenças não se 34.S.3. Fitotoxinas e Patogênese
mostra claro, visto a mesma ainda não ter sido detectada
com segnrança em tecidos doentes, provavelmente devido De acordo com Durbin (1983), do ponto de vista de um
à instabilidade dessa toxina quando em solução. patógeno em potencial, o hospedeiro pode ser visto simples-
mente como uma fonte de nutrientes. A taxa de utilização desses
• Piricularina e ácido a.-picolínico - essas toxinas são nutrientes controlaria a habilidade do microrganismo em crescer,
produzidas pelo fungo Magnaporthe grisea (Pyricularia reproduzir-se e/ou formar estruturas de sobrevivência. Nesse
oryzae), agente causal da brusone do arroz. A piricularina sentido, para ter sucesso nessas atividades, o patógeno deve
mostra-se tóxica a plantas superiores bem como a vários promover a degradação e a consequente assimilação de subs•
microrganismos. Quando aplicada em plantas de arroz tâncias do hospedeiro, bem como vencer os mecanismos de
suscetíveis ou resistentes, a toxina (mesmo em diluições resistência da planta. Dentro desse contexto, as toxinas podem
de 1:5.000.000) ocasiona aumento na atividade respira- apresentar um número variado de atividades potenciais, como
tória. Em variedadcis susc~tíveis, porém, induz sintomas mostrado no Boxe 34.2.
de clorose, manchas foliares e enfezamento de plântulas.
A fitotoxina mostra-se como um composto contendo
nitrogênio (C 18H1.Np 3) e altamente tóxica aos próprios Boxe 34.2 Atividades potenciais das fitotoxinas
conídios do patógeno (aproximadamente 10 vezes mais
tóxica ao fungo do que à planta hospedeira). Esse efeito As toxinas podem exibir um grande númer o d e
inibitório é evitado pelo fungo, que produz uma proteína atividades p otenciais durante a patogên ese, como por
contendo cobre, que se liga à piricularina, fonnando um exemplo:
complexo não tóxico ao patógeno, mas, ainda, altamente
• atuar como moléculas s upressor as, alterando
tóxico à planta hospedeira. M. grisea também produz o
o início e/ou a manutenção d a expressão dos
ácido a-picolínico, altame.ote tóxico a plantas de arroz
m ecanismos de resistência do hosp ed eiro;
(0,5 ng do ácido é suficiente para produzir uma lesão
necrótica na folha após a infiltração). O ácido picolínico, • danificar as células da planta e promover a libe-
da mesma forma que o ácido fusárico, tem propriedades ração d e nutrientes para as atividades m et a bó-
quelantes, sequestrando íons de ferro e cobre do inte- licas do patógeno;
rior dos tecidos da planta. Esses efeitos tóxicos podem • ocasionar a liberação de enzimas d egrad ativas
ser revertidos pelo fornecimento désses íons metálicos presentes em organelas do hosp edeiro;
à planta.
• propiciar um microambiente adequad o para o
• Elicitinas - são proteínas de baixa massa molecular (em patógeno;
tomo de 10 kDa) isoladas de espécies de Phytophthora e • facilitar o movimento do patógeno através da
Pythium. Embora as elicitinas exibam como característica planta;
principal a indução de respostas de hipersensibilidade em
plantas de fumo e brássicas, com consequente necrose, em • promover e acelerar a senescência do hospe-
alguns casos elas parecem exibir um papel duplo de toxinas deiro;
e eliciadores. Por exemplo, PhytopJuhora nicotianae, pató- • inibir a invasão secundária da planta por o utros
geno de tomateiro, secreta um peptídeo denominado de fito- microrganismos.
forina (3,3 kDa e 25 aminoácidos), o qual é muito menor do
que as elicitinas. Esse peptídeo ocasiona murcha e clorose
em folhas de tomateiro, além do que forma agregados com
componentes não-tóxicos, causando a perda de eletrólitos Os fitopatógenos produzem uma variedade de compostos
por parte dos tecidos da planta. secundários em meio de cultivo, os quais exibem atividade fitotó-
xica. Somente uma pequena proporção desses compostos, porém,
• NEP-like proteins - existem duas famílias de pro-
desempenha alguma função nas doenças. Para estabelecer o papel
teínas tóxicas sintetizadas por oomicetos: proteínas PcF/
de uma toxina no processo doença, o que nem sempre é fácil.
SCR e proteínas do tipo NEPl (Nepl-Like Proteins,
algumas questões devem ser respondidas (Boxe 34.3).
NLPs). NLPs são melhor descritas entre diversas espé-
cies, especialmente aquelas do gênero Phytophthora. A elucidação da estrutura química das toxinas mostra-se
Sua função está estritamente associada à indução de como um ponto chave no eutendimento do papel das mesmas no
morte celular, ou necrose, em hospedeiros, facilitan- processo doença, visto proporcionar subsídios para os estudos
do o desenvolvimento e a colonização dos tecidos pe- envolvendo estrutura e função biológica, sítios de ação e cami-
los patógenos, principalmente em suas fases necrotróficas nhos metabólicos de biossíntese e degradação.
(Stassen & Ackerveken, 2e11). Proteínas dessa família As toxinas podem induzir nas plantas muitos dos sintomas
contam com urna distribuição relevante entre espécies de comumente observados nas doenças, quando na presença dos
Phytophthora, entre elas NPP I de P. parasitica, PsojNlP de patógenos, como clorose, necrose, murcha, encharcamento e alte-
P. sojae, e PiNPPl de P. infestans. Foi relatado ainda por rações no crescimento. Assim, a reprodução dos sintomas típicos
409
Manual de Fitopatologia
410 .
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
produzidas por esses fungos são controladas pelos mesmos Inúmeros microrganismos 6topatogênicos podem sintetizar
pares de alelos envolvidos na resistência e suscetibilidade dessas hormônios de crescimento. Essas substâncias, porém, são consi-
plantas aos respectivos patógenos. Dessa maneira, todos os genó- deradas como fatores de agressividade. Diferentemente das fito-
tipos de aveia e milho snscetíveis a esses fungos mostram-se toxinas (compostos produzidos pelo patógeno e não sintetizados
sensíveis, respectivamente, à toxina victorina ou à toxina HC. pela planta), muitas substâncias exibindo atividade hormonal
Por sua vez, todas as espécies vegetais e genótipos de aveia ou produzidas pelo fitopatógeno também são produtos do metabo-
milho resistentes a esses fungos mostram-se tolei:antes às fito- lismo da planta. Embora essas substâncias honnonais geralmente
toxinas produzidas pelos mesmos, enquanto que g;enótipos com não se mostrem tóxicas quando produzidas pelas próprias plantas,
resistência intermediária mostram-se intermediários na sensibi- o desequilíbrio honnonal criado no hospedeiro devido à síntese de
lidade às toxinas. No caso das toxinas seletivas, pdo menos em um fitohormônio por um microrganismo invasor mostra-se como a
três situações C. heterostrophus (B. maydis), raça T, C. victoríae e verdadeira causa de expressão da agressividade, o que pode levar
C. carbonum, raça 1, a produção das mesmas foi demonstrada a alterações no crescimento e/ou "aceleração" da senescência em
estar geneticamente correlacionada com a patogenicidade ou órgãos da planta (Figura 34.24). Em l'unção dessa alteração no
agressividade fúngica. Tomando como exemplo C. carbonum l;quilíbrio hormonal, as plantas passam a cxibir um cn.:scimcntu
é C victoriae, todos os isolados que produzem as respectivas anormal, evidenciado por uma variedade de sintomas, como enfe-
toxinas induzem doença nos respectivos hospedeíro,s. Os isolados zamento. supcrcrescimcnto, roseta (cncu11amento dos entrenós),
que não produzem a toxina HC ou a victorina, consequente- excessiva ramificação das raízes e ramos, epinastia, desfolha e
mente, não incitam a doença cm milho ou aveia, respectiva- supressão do crescimento das gemas. Como apontado por Dianese
mente. Essas relações são observadas tanto em isolados fúngicos ( 1990), os distúrbios hormonais nas plantas são característicos de
selvagens como em mutantes não produtores de toKina. A desco- interações patogênicas mais evoluídas, como nas murchas vascu-
berta e a caracterização do ciclo sexual em Coc/1/iobolus spp. lares, tumores, galhas, hérnias, como também nas ferrugens,
(fomrn perfeita de Helminthosporium spp.) abriu as portas para a nos carvões, nos míldios, nos oídios e nas vassouras-de-bl'Uxa.
análise genética desses fungos. Cruzamentos de C. victoriae com As alterações no metabolismo hormomil de plantas sadias, que
C. carbonum, raça 1, resultaram em progênies qiue produziam ocorrem em função da presença de agentes fitopatogênicos, são
victorina ou toxina HC, ambas as toxinas ou nenhuma dai; toxinas abordadas no Capítulo 36 desta obra e em Broekaert et ai. (2006),
numa razão de 1: 1: 1: 1. A progênie produtora de victorina causava Stangarlin & Leite (2008) e Shigenaga & Argueso (2016).
doença somente em aveias portadoras do gene Vb, enquanto • Auxinas - constituem o principal grupo de hom1ônios
que as produtoras da toxina HC causavam doença somente em envolvidos no controle de vários processos de crescimento
milho portador do gene hm. As progênies produtora1s de ambas as nas plantas, em geral aumentando a plasticidade da parede
toxinas, por sua vez, podiam causar doença em genótipos susce- das células e promovendo o crescimento através do alon-
tíveis de aveia ou milho, o que não ocorria com as progênies não gamento celular. Aparentemente, esse mecanismo de ação
produtoras das toxinas. Nesses estudos, sem exee,;-;ão, a capaci- envolve a síntese de mRNA, com a consequente produção
dade dos fungos em causar doença foi correlacionada com a habi- de enzimas especificamente ligadas ao controle do meta-
lidade dos mesmos em produzir as respectivas toxiinas. bolismo da planta. A principal auxina encontrada nos
Atualmente, em função dos avanços na biologia mole- vegetais éo ácido indolil-3-acético (AIA) (Figura 34.23),
cular, os trabalhos de pesquisa envolvendo os estudos das corre- que é sintetizado em folhas e brotações jovens a partir
lações em progênies segregantes de microrganismos fitopatogê- do aminoácido triptofano e translocado rapidamente em
nicos produtores de fitotoxínas começaram a ser suplementados direção às raízes, para os tecidos mais velhos. Nos vege-
pelo uso das poderosas ferramentas moleculares disponíveis tais, o AIA é constantemente oxidado por um complexo
(ver Capítulo 37 desta obra). Em vista da tecnologia
já existente, através da qual, por exemplo, patógenos
fúngicos produtores de toxinas podem ser transfor-
mados, os genes Tox, que detemlinam ou regulam a CITOCININA
biossíntese desses compostos, começaram a ser isolados AUXINA GIBEREUNA
e clonados. A disponibilidade desses genes clonados
já vem contribuindo para a melhor compreensão da
importância das fitotoxinas no processo doença.
HO
4.ll
Manual de Fitopatologia
Manutenção da
Percla da integridade
integridade das
das membranas
membranas
Longevidade Senescência
..
Figura 34.24 - Regulação hormonal da senescência em plantas. Fitopatógenos podt!m "acelerar" a senescêncía em função da produção de
hormônios e consequente desequilíbrio hormonal no hospedeiro.
enzimático conhecido como AIA oxidase, o que resulta auxinas como, por exemplo, extremidades de caules e
em baixos níveis da auxina nos tecidos. O AIA mostra-se ramos jovens, folhas jovens, sementes e embriões em
ativo nas plantas em concentrações muito baixas (10·5 a des1~nvolvimento, sendo transportadas de forma apoiar
1Q.6 M), seudo também produzido por inúmeros fitopató- no interior das plantas. Essas substâncias são diterpeoos
genos fúngicos e oomicetos (Fusarium oxyspornm f. sp. cíclicos e mostram-se ativas nos tecidos das plantas em
cubense, Gymnosporangium juniperi-virginianae, Phyto- concentrações de 0,001 µgim!. Nos vegetais, as gibere-
phthora infestans, Plasmodiophora brassicae, Taphrina linas estão envolvidas no alongamento dos entrenós, na
deformans, Ustilago maydis, Verticillium albo-atrum) e rev,~rsão do uanismo, na indução da floração, na manu-
bacterianos (Agrobacterium tumefaciens, Pseudomonas ten,,ão da divisão celular e dominância apícal, bem como
savastanoi pv. savastanoi, Ralstonia solanacearom), na indução de enzimas, principalmente para a produção
além de microrganismos saprófitas. de amido e síntese da parede celular. Em função do papel
• Giberelinas - mostram-se como substâncias relacionadas que desempenha na promoção do crescimento, exibindo
ao ácido giberélico (GA3) (Figura 34.23). O ácido gibe- efeitos similares ao das auxinas, tem sido sugerido que os
rélico, bem como outras substâncias giberelínicas, foram efeitos do ácido giberélico podem aumentar a ação e esti-
isolados e purificados pela primeira vez a partir de mular a síntese das auxinas nas plantas.
extratos do fungo Gibberella fujikuroi (forma perfeita
de Fusarium moniliforme), um patógeno causador de • Ciltocininas - são os principais hormônios envolvidos no
superalongamento em plantas de arroz. Em segnida, controle do ciclo celular (indução da divisão das células).
as giberelinas foram isoladas e caracterizadas a partir No,rmalmente, exercem seus efeitos em conjunto com
de tecidos de vegetais superiores. Várias outras espé- outros reguladores de crescimento corno, por exemplo,
cies füngicas (Phellinus pomaceus, Verticillium albo- as auxínas. As citocininas estimulam o crescimento de
atmm, V. dahliae) e bacterianas (Pseudomonas spp.) gemas laterais, inibem a senescência dos tecidos vege-
podem também produzir giberelinas. A síntese das gibe- tais e promovem a germinação de sementes dormentes.
relinas parece ocorrer nos mesmos locais de síntese das Alteram, também, o transporte e o acúmulo de nutrientes,
412
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
direcionando o fluxo dos mesmos para os locais com altas nas plantas, por exemplo, podem resultar de alterações nos níveis
concentrações do hormônio. A biossíntese das citoci- de auxinas e gibe.relinas, enquanto que a qneda prematura de
ninas ocorre principalmente em células de raízes, sendo folhas pode ser um reflexo de alterações no nível de auxinas, ácido
posterionnente translocadas através do xi lema para outras abscisico e etileno. Além disso. fungos e bactérias fitopatogênicos
regiões da planta. Esses hormônios podem, também, ser podem sintetizar muitos dos hormônios produzidos pelas próprias
sintetizados por vários microrganismos (Agrobacterium plantas, na maioria das vezes através da mesma rota biossintética.
tumefaciens, Rhodococcus fascians, Exobasidium sp., o que toma dificil discernir se. os efeitos observados devem-se aos
Nectria galligena, Taphrina cerasi). A primeira citocinina hormônios produzidos e liberados pelos microrganismos ou se as
conhecida, a cinetina. foi isolada a partir de esperma de alterações hormonais nas plantas devem-se a efeitos decorrentes
arenque. A zeatina, por sua vez, foi a primeira citocinina das atividades dos fitopatógenos. Finalmente, os microrganismos
isolada de plantas. Quimicamente, as citocininas são deri- fitopatogênicos, além da capacidade de produção de fitohormô-
vadas da base nitrogenada adenina e exibem uma cadeia nios, podem também produzir outros compostos que atuam ou
lateral isoprenoide (Figura 34.23), mostrando-se ativas funcionam de maneira similar ao das substâncias de crescimento
nas plantas em concentrações muito baixas (I µg/quilo de produzidas pelas plantas. Entre esses compostos, os· quais difi-
peso fresco de tecido vegetal). cultam o estudo dos honnõníos produzidos por microrganismos
durante o processo doença, pode-se citar algumas füotoxinas
• Etileno - caracterizado como um hormônio vegetal gasoso,
como, por exemplo, a fusicoccina (Fusicoccum amygdali) e o
um hidrocarboneto insaturado (Figura 34.23), é sintetizado
helmintosporal (Cochliobolus sativum).
a partir do aminoácido merionina, na presença de luz. Pode
ser produzido por vegetais superiores e microrganismos A despeito das dificuldades acima apontadas, pelo menos
fitopatogênicos ( Ceratocystis fimbriata, Fusarium oxys- para três fitopatógenos bacterianos (Pseudomonas savastanoi
porum f. sp. tulipae, Vertici/lium albo-atrum, Erwinia pv. savastanol, Rhodococcus fascians e Agrobacteri11m spp.) as
carorovora, Ralstonia solanacearum) c é efetivo nos evidências indicam que a biossíntese de fitohonnônios por esses
tecidos vegetais em concentrações baixas (l ng/litro). O microrganismos constitui fator importante nas interações com
etileno está envolvido em vários aspectos do controle de as plantas. No caso de P. s. pv. savastanoi, patógeno causador
crescimento e desenvolvimento dos vegetais, induzindo, de galhas em tecidos de oliveira, espirradeira (Nerium oleander)
por exemplo, a germinação de sementes e a fomrnção e ligustre (Ligustrum v11lgare), a bactéria produz quantidades
de raízes adventícias, a maturação de frutos, a floração elevadas de ácido indolil-3-acético em meio de cultivo (Aragon
de plantas, a senescência (degradação de pigmentos), a et ai., 2014). As enzimas chaves (triptofano monooxigenase
epinastia, a desfolha e a inibição do crescimento. Pode. e indolacetamida hidrolase) envolvidas na síntese do AIA pelo
também, promover aumentos na permeabilidade das microrganismo já foram caracterizadas e têm os seus genes codi-
membranas celulares. ficadores localizados em um plasmideo. O AIA mostra-se neces-
sârio para a formação de galhas nas plantas, um sintoma de hipe-
• Ácido abscísico - é o principal inibidor do crescimento rauxinia, e para a virulência do patógeno. Estudos com mutantes
em plantas. O ácido abscísico (ABA) pode estar envol- bacterianos AIA deficientes, os quais não produzem o fitohor-
vido na dormência de gemas, na inibição do crescimento, mônio, revelaram que esses mutantes não causavam galhas,
na inibição da germinação de sementes, no fechamento enquanto que mutantes com alta capacidade de produção do AIA
dos estômatos e na abscisão de folhas e frutos. O ABA (duas vezes mais do que o isolado selvagem) eram responsáveis
é um isoprenoide (Figura 34.23), sintetizado através do pelos sintomas mais severos nas plantas. O tamanho das galhas
caminho metabólico do ácido mevalônico. Embora seja induzidas pela bactéria podia, em grande parte, ser correlacio-
quimicamente similar ao ácido giberélico (GA3) e produ- nado com a quantidade de AJA sintetizado in vitro pelo micror-
zido através do mesmo caminho bioquímico, o ABA ganismo. Embora a incapacidade de produção do AIA represente
praticamente ocasiona efeitos opostos aos efeitos do uma perda de agressividade pelo patógeno, o crescimento da
GA3 nos tecidos vegetais. Alguns fungos fitopatogênicos, bactéria em meio líquido ou na planta não é afetado, o que indica
como Botrytis cinerea e Mycosphaerel/a cruenta, podem a não essencialidade do AIA no crescimento parasítico e na sobre-
produzir ácido abscísico. vivência de P. s. pv. savastanoi.
Rhodococcus fascians causa fasciação e proliferação exces-
34.6.1. Hormônios e Patogênese siva de ramos, sintomas conhecidos como vassoura-de-bruxa,
Embora existam inúmeras interações planta-patógeno onde em inúmeras plantas dicoti\edôneas. Em meio de cultivo, essa
as mudanças no equilíbrio honnonal das plantas podem ser quan- bactéria produz substâncias que exibem atividade de citocininas
tificadas e associadas com sintomas de crescimento anormal dos quando aplicadas nas plantas. Em plantas de ervilha, por t?xemplo,
tecidos (galhas, tumores, superalongamentos, encurtamento de essas substâncias induzem pane dos sintomas característicos dn
entrenós, etc.) (Stangarlin & Leite, 2008), o papel -das substân- infecção natural dessa leguminosa pela bactéria. Uma correlação
cias de crescimento produzidas por fitopatógenos no desenvol- positiva já foí demonstrada entre a produção dessas citocininas
vimento das doenças ainda não é bem compreendido. Inúmeros pelo patógeno em meio de cultivo e a agressividade do mesmo.
fatores parecem contribuir para n limitação dos estudos nessa ãrea. Aparentemente, a produção de citocininas por R. fascians é codi-
O controle hormonal do metabolismo vegetal mostra-se compli- ficada por um grande plasmídeo. Isolados baeterianos contendo
cado, visto que as substâncias de cre~cimento geralmente atuam esse plasmideo mostraram-se mais agressivos do que os isolados
em conjunto (Shigenaga & Argueso, 2016). Assim. toma-se dificil contendo pequenos plasmídeos, enquanto que os isolados despro-
estudar isoladamente a importância dos fitohonnônios produzidos vidos de plosmídeos mostraram-se avirulentos. Os experimentos
por patógenos durante o processo doença. Sintomas de nanismo acima, além de apontarem para a importância das citocininas na
413
Manual de Fitopatologia
agressividade de .R. fascians, sugerem que esses fitohormônios fasciens). Com relação ao papel dos fitohonnônios nas doenças,
podem estar envolvidos nos sintomas de vassoura-de-bruxa em sob condições adequadas, as agrobactérias podem produzir in
várias doenças de plantas. Porém, pesquisa recente aponta que vilro auxinas e citocininas. As bactérias sem os piasrníde.os Tí
somente a isopenteniladenina citocinina seria suficiente para ou contendo os plasmídeos Ti, porém sem a região T, causam a
Rhodococcus exibir patogenicidade, o que não é consistente com tumefação dos tecidos vegetais invadidos, mas são incapazes d.e
a ideia de que urna mistura de citocininas é necessária para a induzir tumores. A formação de tumores requer at transferrência
bactéria causar galhas nas folhas {Creason et ai., 2014). e a expressão dos genes do T-DNA nas células vegelais, o que
O gênero Agrobacterium possui vários membros que se constitui no principal determinante da doenç.ai. No entanto,
podem induzir a fomrnção de galhas ou tumores em raízes, ramos os hormônios produzidos pelas bactérias poderiam ft.mdo11ar da
e pecíolos de inúmeras espécies vegetais. A. tumefasciens cons- seguinte maneira durante o início da interação: pma a forma.ção
titui-se no fitopatógeno bacteriano mais conhecido e estudado. dos tumores, as agrobactérias requerem ferimentos nos tecidos
A capacidade de induzir tumores deve-se à presença de plasmí- das plantas, o que resulta na indução da divisão celular e. ai. conse-
deos, denominados Ri e Ti. A indução dos tumores é acompa- quente transformação das células vegetais durante esse períod~;
nhada pela transfe:rência de partes específicas desses plasmídeos em tecidos feridos, mas não inoculados com bactérias, a, divisão
para o interior dais células vegetais, onde são incorporadas ao celular cessa após alguns ciclos; mostra-se, porém, c.onllmJa em
D"Nf\. óo núc\eo ô.a cé\u\a. "Essa parte específica à.os -p\asmí.àeos \ec,à.o':. teúdos e '\)Ortaàore':. das bactér\as; ass\m1 ª"' au1úwa$ 1:
é chamada, enquanto na bactéria, de região T, e de T-DNA, após citocininas produzidas pelas agrobactérias poderiam causar a
a incorporação ao ácido nucleico das plantas. O DNA transfe- manutenção da divisão celular desencadeada pelos ferimentos alé
rido das células bacterianas é responsável pelo aparecimento de que o região T fosse completamente transferida das bactérias e
novas propriedades nas células vegetais transformadas. Essas ativada nas células vegetais.
células passam a sintetizar, por exemplo, novas substâncias que
34.7. POLTSSACARÍDEOS EXTRACELULARES
são utilizadas de maneira seletiva pelas agrobactérias, e os genes
envolvidos no catabolismo dessas substâncias encontram-se nos Muitas bactérias fitopatogênicas produzem pollssacarldeos
plasmídeos. Essas substâncias são denominadas opinas e os plas- extracelulares (PSE) na planta hospedeira ou em meio de cultivo
mídeos são normalmente classificados conforme o tipo de opina (Ghods et al., 2015). Os PSEs podem estar associados corm a célula
que induzem nas céfulas vegetais. As células das plantas passam bacteriana ou serem secretados para o meio, sendo represemados
também a produzir quantidades excessivas de auxinas e citoci- por homo ou heteropolissacarídeos (Tabela 34.5).. Além. disso,
ninas. Os T-DNAs também causam a multiplicação desordenada as bactérias também podem produzir lipopolissacairideos (LSP),
das células vege1tais transformadas, o que resulta, por exemplo, os quais são encontrados na membrana extemat das. bac:tirias
na proliferação 1!xcessiva de raízes (no caso de infecção com Oram-negativas. Durante a vida saprofítica ou epifítico, os, PSF.s
A. rhizogenes) e em tumores (no caso de infecção com A. fl11ne- podem proteger as bactérias contra o dessecametifo, auirn:e.11laf a
Celulose Glicose
Agrobacterium tumefaciens Glicana-P-1,2 cíclica Glicose
(Rhizobium 1•adiobacter) Succinoglicana Glicose, galactose
Levana Frutose
Envinia amylovora Galactose, ácido glicurônico
Amilovorana
Levana Frutose
Pseudomofi'as syringae Ácido manurônico, ácido glicurônico
Algínato
414
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
adesão à superficie, concentrar nutrientes e reduzir o contato com A fitoalexina pisatina, produzida em tecidos de ervilha, é
determinadas macromoléculas. Quando os PSEs formam a cápsula, metabolizada através de desmetilaçào para um composto menos
as bactérias mostram-se mais resistentes à ação de detergentes e fungitóxico (Capítulo 35 desta obra). A enzima pisatína demeti-
determinados antibióticos. Além disso, os PSEs também pode atuar lase, responsável por essa detoxificação, foi estudada em isolados
como fatores de patogenicidade ou agressividade. de Haemotonectria haemotococca. Observou-se que a patogeni-
Muitas vezes, os PSEs podem estar envolvidos nos sintomas cidade desse fungo em ervilha é dependente da existência de um
em murchas, visto que os mesmos podem efetuar a oclusão sistema demetilase ativo produzido pelo mesmo. Assim, uma
vascular. Por exemplo, R. solanacearum, agente causal de correlação existe entre a patogenicidade de H. haematococca
murcha bacteriana em batata e tomate, produz um PSE, o qual se sobre ervilhas e a habilidade do fungo em detoxíficar e mostrar-se
acumula ao redor das células bacterianas. Quando a bactéria se insensível à fitoalexina.
multiplica no sistema vascular, esse PSE pode contribuir com Vários patógenos, como Ascochyta sp., Mycosphaerella sp..
a murcha em função da obstrução do xilema e, consequente Phytophthora sp. e Uromyces sp. podem produzir, no sitio de
redução do fluxo de ágna. infecção, moléculas denominadas de supressores, as quais inter-
Vários mutantes não produtores de PSEs, pertencentes a ferem nos mecanismos de defesa das plantas. Por exemplo,
diferentes espécies bacterianas, como P. stewanii, E. amyfovora, Mycosphaerella pinodes, um patógeno de ervilha, secreta glico-
X campestris e R. sofanaceraum, exibiram redução na agressividade peptídeos aptos a impedir o acúmulo de pisatina. Muitos desses
ou mesmo perda da patogenicidade. Por exemplo, os PSEs amilovo- supressores podem atuar impedindo o reconJ1ecimento do elicitor
rana e stewartana são considerados responsáveis pelos sintomas pelo receptor, a transdução de sinal, a transcrição de genes de
de murcha causados por E. amyfovoro e P. slerwarlii, respectiva- defesa e pós-transcricionalmente, ligando-se a proteínas de defesa
mente. Estudos com mutantes dessas bactérias mostraram que a e alterando a especificidade das mesmas. Em geral, os supres-
multiplicação das mesmas era reduzida no hospedeiro e que esses sores também podem ser considerados "efetores" (mais detalhes
polissacarídeos eram essenciais para que os sintomas fossem abaixo).
incitados. Em X campestris pv. campestris, a obstrução dos vasos
ocorria quando a multiplicação bacteriana era máxima, e os 34.8. 1. Efetores nas Interações Planta-Patógenos
mesmos estavam preenchidos principalmente de goma xantana. Microrganismos do solo e do ar. nematoides e insetos
sendo que mutantes deficientes na produção da goma exibiam tentam incessantemente obter nutrientes das plantas para comple-
redução na agressividade. tarem seus ciclos de vida. A co-evolução com esses atacantes
produziu um sistema de vigilâocia imunológica composto por
34.8. O UTROS FATORES ENVOLVIDOS
receptores de reconhecimento de padrões moleculares associados
NA PATOGE ICTDADE a micróbios/patógenos (MAMPS/PAMPS, do inglês microbel
Além do fatores descritos anteriormente, os patógenos pathogen associated molecular patterns) e ativa uma defesa
também possuem genes, cujos produtos são importantes no basal chamada imunidade desencadeada por padrões (PT!, do
processo de patogenicidade por evitarem a ativação do sistema inglês pattern triggered immunity), um estado que impede a
de defesa das plantas (Medeiros et ai., 2003). Como ilustrado colonização do hospedeiro por '"patógenos não adaptados". Em
na Tabela 34 .6, os mesmos podem estar envolvidos na proteção contraste, patógenos ditos "adaptados" evoluíram moléculas
contra espécies reativas de oxigênio, aJesão de propágulos, dife- efetoras que são codificadas por genes de virulência e secretadas
renciação de estruturas, bloqueio da reação de hipersensibilidade, por estruturas de invasão. Essas molécnlas atuam em uma varie-
supressão da expressão dos mecanismos de resistência, detoxifi- dade de locais, fora e dentro das células das plantas, para superar
cação de moléculas, movimento de partículas (vims), etc. a PT! e promover a "suscetibilidade desencadeada pelo efetor"
Xantomonadina Xamhomonas citri subsp. citri Proteção contra espécies ativas de oxigênio (EAOs)
Glucana cíclica X ciM subsp. citri Adesão da bactéria
Proteínas BRI e BLI Vírus do mosaico anão do feijoeiro (BDMV) Proteínas de movimento
Glicopeptídeos Mycosphaerr::1/a pínodes Supressores do acúmulo da fitoalexina pisatina
Pisatina desmetilase Haematonectria (Nectria) haematococca Detoxificação da pisatina
Sideróforos E, D2, Xl-7, Gl Erwinia amylovora Envolvidos na assimilação de ferro do hospedeiro
415
Ma11ual de Fitopatologia
-
(ETS. do inglês effector triggered susceptibility). A supressão de
PT! por efetores pode ser feita por um bloqueio de sua sinali- Histórico, nomenclatura e evolução no
zação ou inibição de ação após cascata de sinais. As protéinas estudo da biología dos efetores
efetoras são conhecidas por terem diversas atividades na célula,
não apenas na supressão ou ativação do sistema de defesa, mas O fato de alguns microrganismos serem patogênicos
também enzimas degradantes, fatores de transcrição, regula- a determinadas plantas e não a outras sempre despertou
dores hormonais, reguladores da maquinaria de microRNA. a curiosidade de fitopatologistas. No início do século
etc. (DeWit, 20 16). No entanto moléculas efetoras nem sempre passado, i:m torno de 1914, E. C. Stackman, da Univer-
são benéficas ao patógeno (ver abaixo "imunidade desenca- sidade d1e Minnesota, estudando Puccinia graminis,
deada por efetor"). Desse modo, as moléculas efetoras podem percebeu que havia diferenças entre isolados do patógeno
ser entendidas como reguladores da fisiologia do hospedeiro. referente ao seu grau de agressividade frente a plantas de
Ao longo dos últimos anos, uma variedade de definições acerca trigo (Stackman, 1914). Estabeleceu-se então o conceito
de efetores foi apresentada. Apesar de ainda não haver um de "raças fisiológicas" para patógenos e ficou claro na
consenso, a definição adotada aqui se baseia em: qualquer molé- época que o conhecimento acerca da variação genética
cula associada a um microrganismo que modifica a fisio logia da ferrugem era essencial para a obtenção de resistência
do hospedeiro ( Dalio et. ai.. 2017). Nessa perspectiva. enzimas, à doença em programas de melhoramento do trigo.
toxinas e hormônios Gá apresentados anteriormente) também Décadas depois, durante a segunda guerra mwidial,
se enquadram na categoria de efctores. Por motivos didáticos H. Flor forneceu uma explicação genética para o conceito
estes foram separados neste texto. A seguir será apresentada a de raças fisiológicas ao perceber que alguns únicos genes
biologia de efetores que tem outras funções que não enzimas, tanto 110 fungo causador da ferrug,m1 como cm plantas
toxinas e hormônios. O Boxe 34.4 apresenta uma discussão de linho eram responsáveis pelas relações de resistência
sobre o histórico, a nomenclatura e a evolução da biologia dos e suscetibilidade na interação. Ficou então estabele-
efetorcs a partir do século passado. cida a te,orla do gene-a-gene, em que há um gene espe-
cífico do patógeno que interage com wn gene de resis-
A cada ciclo reprodutivo uma série de mutações, recombi-
tência da planta (Flor, 1942). Com a descoberta do DNA,
nação gênica e outros fatores genéticos levam ao aparecimento
do desenvolvimento da biologia molecular e a partir
de novas proteínas que podem ser vantajosas ou não a fisio-
desses conceitos, em 1984, o pesquisador B. Staskawicz
logia do individuo. Como estão em constante pressão de seleção
e colaboradores clonaram um gene de "avirulência" da
imposta pelo ambiente, os patógenos podem desenvolver conti-
bactécia,Pseudomonas syringae e provaram que um único
nuamente novos repertórios de moléculas efetoras que interferem
gene era responsável por causar doença em cultivares de
com o reconhecimento/defesa das plantas. Por sua vez, as plantas
soja. A p•artir de então os termos fatores de avirulência e
desenvolveram genes de resistência à doença que percebem
fatores dle virulência passaram a ser amplamente usados
moléculas efetoras diretamente (ou seja. uma interação proteina-
na década de 1990 e no início deste século. Entretanto,
proteína) ou através da detecção indireta de perturbações nas
conforme os estudos de biologia molecular associados
células hospedeiras. Isso evidencia uma "'corrida armamentista'· à fitopaltologia foram se aprofundando, fui descoberto
entre patógeno e plantas onde o primeiro desenvolve novas armas que um mesmo gene, anteriormente dito como um fator
enquanto o segundo desenvolve novas estratégias de reconheci- de avirulência para uma determinada interação planta-
mento ou defosa. Após o reconhecimento do efetor, um sistema microrganismo era fundamental para a virulência do
de defesa mais complexo chamado " imunidade desencadeada por patógeno frente a outra espécie de planta ou até mes mo
efetor'' (ETI, do inglês ejfecror triggered ímmunity) é induzido. outras variedades de uma mesma planta. Isso causava
Este foi resumido de fonna elegante no modelo zig-zag (Figura uma grande confusão na literatura porque um mesmo
6.2). de Jones e Dangl (2006), e compreende uma explicação gene poderia ser descrito como um fator de virulência ou
molecular do modelo "'gene-a-gene", no qual genes de aviru- avirulencia dependendo da interação. Ao mesmo tempo,
lência (Avr) codificam efetores que são reconhecidos por um na medicina e em bioquímica, o termo efetor já estava
gene correspondente dn resistência a doenças (R) (Flor, 1971 ). sendo usado para se referir a proteínas secretadas por
Tanto PTI como ETI induzem programas de defesa similares que um age111te, com alguma função regulatória. Desse modo,
geralmente incluem a produção de compostos antimicrobianos. cada ve:i mais o termo efetor foi sendo usado ao se referir
acúmulo de calose, alteração honnonal e reação de hipersensi- a uma proteína que tinha alguma ação durante a patogê-
bilidade. que limitam a progressão dos patógenos. ETI é regu- nese. Em 2006, Jones e Dangl apresentaram um elegante
lannente mais prolongado do que o PTI e, pelo menos em cenos modeloi, denominado de modelo zig-zag (Figura 6.2),
casos. pode ser ativado de forma mais rápida e robusta (ver Capí- ao expJJcar as linhas de defesa do sistema imune das
tulo 35 desta obra). plantas (Jones & Dangl, 2006). Esse trabalho tomou-se
As características comuns de efetores já caracterizados são um mairco da fitopatologia moderna e até hoje recebe
usadas por fitopatologistas para encontrar possíveis candidatos a um número imenso de citações na área. Neste modelo, os
efetores. Esses candidatos são geralmente proteínas pequenas e autores utilizaram o termo efetor e, a partir de então, esse
segregadas, que são ricas em cisteína e não mostram nenhuma termo jpassou a ser definitivamente mais usado. Hoje em
homologia óbvia com outras prweínas conhecidas (Gohre & dia é comum o uso do termo efetores, no entanto ainda
Robatzek, 2008). Os efetores secretados alcançam seu alvo na existem trabalhos que mencionam um determinado
interface intercelular entre células hospedeiras e o patógeno efetor como um fator de virulência ou avirulência para
(efetores apoplásticos) ou dentro das células hospedeiras (efctores descre1ver suas funções na interação.
citoplasmáticos) (Djamei et ai., 20 11 ).
416
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
Efetores apoplásticos - Ao reconhecer um patógeno. as infectadas por Phytophthora (enrugamento cio tecido infectado)
plantas se defendem secretando diversas enzimas na tentativa (Torto et ai., 2003). CRN são efetores citoplasmáticos desco-
de romper a parede ou membrana plasmática dos atacantes ou bertos pela primeira vez em P if!festans, mas também foram
interferir com sua fisiologia normal. Essas enzimas podem estar encontrados em outros oomicetos patogênic-os de plantas como
incluídas entre as proteínas-RP, como as quitinases, glucanases P. sojae, P. ramorum, P phaseoli, P parasítico, H. arabidopsidis,
e proteinases. Como contra defesa. fungos. oomicetos e bacté- Bremia lactucae e Pylhi11m ultimum. O grupo de efetores Crinkler
rias secretam ativamente vários tipos de efetores intercelulares. compartilha uma estrutura modular N-tenninal com domínio alta-
A maioria deles são inibidores enzimáticos, os quais, portanto, mente conservado Leu-Xaa-Leu-Phe-Leu-Ala-Lys (LxLFLAK)
compreendem a primeira classe de efetores apoplásticos, os de cerca de 50 aminoácidos (Haas et ai., 20091). Estudos de carac-
chamados inibidores de enzimas. Alguns inibidores de enzima terização funcional de CRN (PsCRN70) de P. sojae em Nicotiana
foram descritos entre espécies dePhytophthora (Kamoun, 2006). benthamiana demonstraram atividade de s.upressão da morte
Por exemplo. inibidores de serina-protease (EPI I e EPI I O) e celular induzida por elicitina fNF-1. Em suma, INF- 1 teria carac-
inibidores de cisteína protease (EPICI e EPIC2) foram caracteri- terísticas de um padrão molecular associado ao patógeno (PAMP)
zados pelo seu potencial de inibir proteases de defesa sintetizadas que induziria a morte celular. Em contrapartida, o. PsCRN70
pela planta hospedeira. Outros efetores nessa categoria podem ser suprime a ação deste PAMP, contribuindo para a virulência do
mencionados, como os inibidores de glucanase (01P 1 e GIP2) patógeno. Desta maneira, por possuírem um motivo molecular
secretados por P sojae e encarregados por bloquear a ação de pré-definido, o que lhes dá a condição de íacill identificação, e por
P-1-3-glucanase derivada de plantas de soja. Dentre outros tipos serem fortes candidatos a efotores essenciais para a virulência de
de efetores apoplásicos temos as proteínas da família NLP (peptí- P parasilica, o grupo de efetores Crinkler acaba sendo objeto de
deos indutores do acúmulo de etileno e necrose), proteínas de estudo. A família de proteínas CRN mostrou extensa expansão
25 kDa que são amplamente distribuídas entre bactérias, fungos cm todas as espécies de Phytophthora sequeinciadas (Haas et ai.,
e oomícetos. Elas foram originalmente descritas a partir de Fusa- 2009), no entanto a presença destes efetores não é encontrada
rium oxysporum e têm a capacidade de induzir a morte celular em na maioria das espécies de patógcnos fúngicos que tiveram seus
muitas espécies de plantas (Djamei et ai., 2011 ). Temos também genomas sequenciados.
as proteínas ricas em cisteína, como as elicitinas (descritas ante- Predição de. efetores - Varias estrattégías encontram-se
riormente) e Avrs 2, 4 e 9, que contêm pontes dissulfeto formadas disponíveis na literatura acerca da predição de efetores de micror-
por pares de ciste[nas, induzindo respostas de defesa. Finalmente, ganismos. A maioria baseia-se no uso de fem1rnentas de bioinfor-
oomicetos também possuem transglutaminases de GP-42 e prote- mática para a procura de peptídeos sinais. O pcptideo sinal é uma
ínas de elicitor de ligação de celulose (CBEL) que podem desen- extensão amino-terrninal de uma proteína endereçada a uma locali-
cadear a necrose e a expressão de genes de defesa (Djamei et ai., zação celular específica. Em outras palavras, o peptideo sinal sina-
2011). liza que a proteína que o detém deve ser secretada ou transportada a
Efetores citoplasmáticos - Bactérias intemalizam efotores um sitio especíJico da célula. Como todo efetor deve ter uma função
no citoplasma do hospedeiro através de sistemas de secreção espe- no corpo do hospedeiro, seja no apop!asto ou no simplasto, estes
cializados. Os efetores intracelulares bacterianos podem suprimir devem ser, portanto, secretados. O destino da proteína depende da
inespecificamente a maquinaria de proteínas quinase compro- clivagem do peptideo sinal por uma peptidase sinal e liberação da
metendo a defesa das plantas (Dodds et al., 201 O). O conheci- proteína madura. O peptídeo sinal tem tipicannente 15-30 aminoá-
mento sobre efetores eucarióticos é escasso em comparação com cidos de comprimento e uma arquitetura dividida em uma n-região
o disponível para efetores bacterianos. Oomicetos são conhecidos carregada positivamente (l-5 aminoácidos de comprimento), uma
por secretar duas famílias de efetores intracelulares, os RxLRs região hidrofóbica h (7-15 aminoácidos) e uma região c polar com
(Morgan & Kamoun, 2007) e os efetores Crinkler (CRN) Oiaas resíduos não carregados (3-7 aminoácidos).Apesardestas caracte-
et ai., 2009). rísticas gerais, não se observa conservação em relação ao compri-
E.fetores RxLRs - As proteínas da família RxLR são mento, forma e composição de aminoácidos de peptídeos sinais
efetores citoplasmáticos moduladoras que carregam peptídeos entre procariotos e eucariotos. Devido à sua importância para o
N-terminais com domínios conservados como os RxLR (R: argi- estudo da secreção de proteína, vários métodos foram desenvol-
nina; x: qualquer aminoácido; L: leucina; R: arginina) ( Birch et vidos para se prever peptideos sinais e seu local de clivagem com
ai., 2006). O motivo RxLR é particularmente interessante porque base nas características acima mencionadas. O mais utilizado
define um domínio que, semelhantementc aos de parasitas de atualmente é o software SignalP, gratuito e de uso amigável para
malária, viabiliza a entrada de proteínas que contém tal motivo não bioinformutas. Porém, nem toda proteína secrei:ada é neces-
no interior da célula do hospedeiro. Foi descoberto que a entrada sariamente um efetor. Outras características como por exemplo,
destes efetores no citoplasma pode ser feita independentemente homologia com efetores conhecidos, presença de repetições de
da presença do patógeno e utiliza a maquinaria da própria planta. cisteína, tamanho pequeno (5 a 50 kDa) e localização em regiões
Um dos efetores RxLR mais estudados até então~ o AVR3a de esparsas na arquitetura do genoma, dentre ot11tras, podem auxiliar
Phytophthora in.festans. O AVR3a suprime a morte celular indu- na predição de candidatos a efetores.
zida pela elicitina INF-1, também secretada por P if!festans. Caracterização funcional de efetores: - A agroinfiltração,
lNF-1 teria características de um padrão molecular associado ao um ensaio baseado na inoculação de Agrobacterium tumefaciens
patógeno (PAMP) que induz morte celular. Em contrapartida, o transformada com algum gene de interesse,. é um dos sistemas
AVR3a suprime a ação de-ste PAM'U, contribuindo para a viru- mais simples para se avaliar a função efeta,ra nas plantas. Este
lência do patógeno (Bos et ai., 2009). método permite a expressão transiente de construções genéticas
E/etores CRNs - O nome Crinkler foi dado devido à expressão (neste caso, genes dos efetores) em cucarioto:;; e é uma abordagem
do fenótipo de morte celular observado em folhas de plantas valiosa para se estudar a ativação e supressiio da imunidade das
417
Manual de Fitopatologia
plantas por proteínas efetoras. Normalmente, as plantas de Níco- Esta abordagem combina expressão transiente de efetores em
tiana benthamiana ou Solanum sp. de quatro a cinco semanas germoplasma de plantas que estão em programas de melhoramento
de idade são usadas para a agroinfiltração (Du & Vleeshouwers, genético. Esta estratégia foi originalmente realizada em plantas de
2014). batata usando efetores de P ínfestcms como sondas resultando em
As inoculaçõe:s de suspensões de Agmbacterium são reali- um catálogo de genes de R dessa solanácea (Hcin et ai.. 2009).
zadas por infiltração via seringas, em que é feita pressão com Uma das experiências pioneiras onde se utilizou a efetorômica foi
a ponta da seringa (sem agulha) contra o lado abaxial da folha. realizada por Vleeshouwers et ai. (2008), os quais utilizaram um
Durante este processo, é possível observar a suspensão se espa- repertório de 54 efetores de P. infestans para descobrir genes R
lhar na folha. Para s:e obter bons resultados, folhas jovens e bem em espécies de Solanwn. Conhecer o repenório de diversidade de
desenvolvidas devem ser usadas. É importante incluir controles efetores em populações de agentes patogênicos pode contribuir
negativos e positivos na folha inoculada. Uma suspensão de Agro- para o desenvolvimento de resistência durável contra um amplo
bacterium transformada com um vetor vazio é bem adequada espectro de isolados. A principal desvantagem da efetorômica é
como um controle negativo e uma construção contendo um gene que a mesma requer ensaios funcionais baseados em testes de
indutor de HR é adi:quado como controle positívo. Neste último complementação transiente, ou seja, métodos baseados cm Agro-
caso, a elicitina INF 1 de P. infestans, uma proteína cxtracelular bacterium, como a agroinfiltração e a agroinfecção do vírus X
que induz a morte celular, é comumente usada. As respostas da batata (PVX). Essas metodologias são efetivas em plantas de
podem ser observadas cerca de 2-3 dias após a inoculação. Dasi- Nicotianae e Solanum, mas ainda não são viáveis para a maioria
camente, o efetor é testado em sua capacidade de induzir a morte das outras plantas economicamente importantes.
celuhir ou suprimir a morte celular desencadeada por INFl. Perspectivas do uso de efetores na agricultura - Ao longo
Os ensaios de expressão transicntc não devem ser o único das últimas décadas, muitas infonnações foram apresentadas
procedimento para a caracterização funcional de um cfctor, uma sobre a biologia dos cfetorcs e sua importância nas inleraçôes
vez que nem todos os efetores causam uma resposta de hiper- planta-patógeno. Em particular, muitas estratégias para predizer
sensibilidade típica ou suprimem defesa em tais experimentos. e catalogar efetores estão disponíveis e a função de vários deles
Em outras palavras, os efetores podem ter outras funções que como fatores de avirulência foi apresentada. No entanto, ainda
não estejam relacionadas à ativação ou supressão de defesa. há muito esforço para se decifrar a função molecular dos efetores
Nesta situação, as t:ransfonnações de Arabidopsis ou plantas de que atuam como fatores de viruJência ou como reprogramadores
fumo podem ser realizadas para se avaliar alterações estruturais de transcrição. As principais dificuldades para se decifrar as
ou metabólicas induzidas por uma proteína efetora. MacLean funções dos efetores são que, frequentemente, a) o genoma do
et ai. (2011 ), por exemplo, transformaram plantas de Arabi- patógeno deve ser sequenciado, b) não há tantos dados disponí-
dopsis com um efetor SAP54 do phytoplasma Candidalus Phyto- veis quanto ao nível de expressão dos efetores durante infecções
plasma Asteris e observaram alteração no desenvolvimento da nos hospedeiros, e c) os principais protocolos para se avaliar a
flor induzida pelo efetor. Em outra publicação ·pesquisadotes caracterização funcional dos efetores ainda dependem de ensaios
encontraram evidência de efetores de Puccínia monoíca repro- de agro infiltração que não estão disponíveis para todas as culturas
gramando a transcrição da planta Boechera stricta. no qual de plantas. Espera-se que as dificuldades impostas acerca da
256 processos biológicos foram alterados, resultando no desen- caracterização funcional de efetores sejam amenizadas em futuro
volvimento de uma pseudoflor, totalmente diferente em formato e próximo. Neste cenário, tecnologias como edição do genoma e
cor da flor natural desta espécie, atraindo insetos específicos para indução de silenciamento gênico pelo hospedeiro podem vir a ser
a dispersão de esporns do fungo (Cano. 2013 ). Levando isso em empregadas em paralelo com o conhecimento acerca de efetores
consideração, conht::cer a biologia do patógeno estudado e o tipo para o controle de doenças de modo sustentável na agricultura.
de interação com seu hospedeiro pode contribuir para um melhor Outro lado pouco explorado é a predição e estudos de efetores
planejamento das estratégias a serem utilizadas para a caracteri- de microrganismos benéficos para as plantas. A identificação
zação de seus efetores. Estudos de microscopia também podem ser de efetores que diretamente manipulam a fisiologia da planta
conduzidos para se detenninar a deposição de calose e o acúmulo gerando maior produtividade pode levar ao desenvolvimento de
de espécies reativas de oxigênio (EROs) induzidas pelos efetores produtos que podem aumentar a eficiência e a produção agrícola.
avaliados, além do possível uso do sistema de duplo híbridos de
leveduras para se idt:mtificar alvos de efetores nas plantas. 34.9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Efetorômica - A efetorômica é um termo que tem sido A utilização da biologia molecular, engenharia genética e
usado com frequência nos últimos anos para se descrever duas de técnicas de microscopia eletrônica envolvendo a localização
abordagens relacionadas, mas distintas. O sufixo ômica refere-se das proteínas e carboidratos nas células vegetais, vem acelerando
a um campo de estudo em biologia, e como tal. a efetorômica se o entendimento das interações hospedeiro-patógeno ao nível dos
refere ao estudo dos efetores. Nesse sentido, inclui, por exemplo, processos degradativos em função das enzimas, os quais ocorrem
toda análise da biologia de efetores, como a predição e seleção, a durante a penetração e crescimento dos fitopatógenos nas células
clonagem, a expressão de genes efetores, a busca de motivos ou a vegetais hospedeiras. Além disso, os estudos envolvendo a
estrutura 3D. a caracterização füncional, a localização celular e as química e os mecanismos de ação das fitotoxinas, bem como o
respostas das plantas: aos efetores. Um A.uxo normal de trabalho em papel desses compostos no processo doença, tiveram um grande
efetorômica apresenta três etapas principais: 1 - "seleção efetiva avanço. Com a emergência da genética molecular e o seu poten-
de candidatos"; 2 - '"'clonagem recombinãnte"; 3 - "caracteriLação cial uso nos estudos das fitotoxinas. trabalhos combinando a genética
fünciona l". Outro uso do termo "efectoromics" refere-se à abor- molecular e a bioquímica tomaram-se comuns, visando esclarecer
dagem de genômica1 funcional para se identificar genes de resis- os eventos críticos do desenvolvimento das doenças. Por sua vez,
tência em plantas qiue utilizam moléculas efetoras como sondas. embora a literatura seja repleta de trabalhos demonstrando a exis-
418
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas
tência de alterações honnonais em diferentes interações planta-pató- DeWit, P.J.G .M. Cladosporium ji1/vwn effectors: weapons in the arms
geno, estudos envolvendo o papel dos fitohonnônios produzidos por race with tomato. Annual Review of Plant Pathology 54: 1-23,
patógenos durante o processo doença continuam escassos. Os polis- 2016.
sacarídeos ea importância dos mesmos como mecanismos de pato- Dianese, J.C. Patologia Vegetal: Agressão e Defesa em Sistemas Planta/
genicidade em algumas interações também continuam carecendo Patógeno. Brasília, Universidade de Brasília, 1990. 139 p.
de mais estudos. Finalmente, na última década, além das tradicio- Dickman. M ..B.; Patil. S.S. Cutinase deficient mutants of Co//etolrichum
nais enzimas, toxinas, hom1ônios e polissacarídeos, inúmeros traba- gloeosp,orioides are nonpathogenic to papaya fruit. Physiological
lhos envolvendo moléculas efetoras secretadas por fitopatógenos, and Mo,lecular Plant Pathology 28: 235-242, 1986.
abriram as portas para o estudo de outros fatores envolvidos na
patogenicidade, o que vem gerando um grande volume de novas Djamei, A.; Schipper, K.: Rabe, F.; Ghosh, A; Vincon, V.; Kahnt, J.;
Osorio, S.; Tohge, T.; Fernie, A.R.: Feussner, I.; K. Fussner, K.;
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419
CAPÍTULO
35
FISIOLOGIA DO PARASITISMO:
COMO AS PLANTAS SE DEFENDEM
DOS PATÓGENOS
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio
ÍNDICE
35.1. Fatores de resistência estruturais ........................ 424 35.3. Reação de hipersensibilidade ............................... 441
35. 1.1. Fatores de resistência estruturais
35.4. Fenômeno da resistência induzida ..................... 442
pré-formados ........................................... 424
35.1.2. Fatores de resistência estruturais 35.5. Especificidade nas interações
pós-formados ....................... :..................: 426 hospedeiro-patógeno ........................................... 447
35.2. Fatores de resistência bioquímicos....................... 429 35.5.l. Reconhecimento, sinalização e ativação
35.2.1. Fatores de resistência bioquímicos dos sistemas de defesa ............................. 447
pré-formados ........................................... 429
35.6. Considerações finais ............................................ 449
35.2.2. Fatores de resistência bioquímicos
pós-formados ........................................... 435 35.7. Bibliografia consultada........................................ 450
INTERAÇAO
RESISTÊNCIA
423
Manual de Fitopatologia
424
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
~
f. sp. tabacina exibem uma alta germinação sobre a superficie de
folhas de Nicotiana debneyi. Sobre folhas de N. tabacum, porém, a
ge1minação é baixa. Essa diferença foi atribuída à presença de um
inibidor de genninação, denominado 4,8, 13-duvatrieno- l ,3-diol,
extraído da cutícula de N. tabacum, mas ausente na cutícula de
N. debneyi. Figura 35.J - Estômatos de espécies de citros resistente e suscetível
• Estômatos a Xanthomonas citri subsp. citri. Observe a estrutura
da crista cuticular (c) envolvendo a fenda dos estô-
Em função do número, morfologia, localização e período
matos.
de abertura, essas estruturas podem contribuir para a resistência Fonte: Adaptada de Royle ( 1976).
das plantas em algumas interações com fitopatógenos. Os estô-
matos normalmente ocorrem em densidade de 100-300/mm2 na
• Tricomas
superficie das folhas e. quando completamente abertos, apre-
sentam o ostíolo com uma área aproxirtiada de 90 µm 2. Esse grau Tricomas são prolongamentos unicelulares ou multice-
de abertura mostra-se suficiente para a penetração ativa de tubos lu!ares que se estendem a panir da epiderme, podendo ocorrer
germinativos de fungos, bem como para a penetração passiva de em difere.ntes superficies das plantas e exibir várias formas.
células bacterianas. Embora a possível contribuição dos pêlos, que são os tricomas
425
Manual de Fitopatologia
mais comuns, na resistência tenha sido aventada, pouca evidência sob ataque do patógeno, e estruturas de defesa histológica, que
existe demonstrando o envolvimento dessas estruturas. Por envolvem tecidos da planta normalmente à distância do sítio de
exemplo, em função do número de pelos por área de tecido, os penetração do patógeno.
mesmos poderiam interferir na continuidade do filme d'água
sobre as superficies do hospedeiro, dificultando, portanto, a 35.1.2.1. Estruturas de defesa celular
germinação dos esporos e a multiplicação das bactérias. Além
disso, como os tricomas podem repelir insetos, poderiam contri- • Agregação citoplasmática
buir de maneira indireta para com a resistência das plantas, visto De maneira geral, a formação de barreiras celulares loca-
manterem as mesmas livres de insetos vetores de microrganismos lizadas depende da habilidade da célula vegetal em acumular
patogênicos. urna massa de citoplasma, denominada de agregado citoplasmá-
No tocante à produção de possíveis substâncias tóxicas aos tico, no sítio de ataque do patógeno (Figura 35.4). Esse acúmulo
fitopatógenos, alguns tricomas mostram-se conectados a glândulas ocorre rapidamente, em tomo de 20 segundos, nas células dt:'
que secretam, através dos mesmos, terpenos, fenóis e alcaloides. pelos absorventes de raízes de repolho, na presença de zoós-
Variedades de Cicer arietim1m, resistentes à queima de Jvlycosphae- poros cncistados de Plasmodiophora brassicae, e· dentro de
rella sp., possuem um maior número de glândulas que secretam 5 a 1O minutos, cm células de coleópLilus de cevada, em resposta
ácido málico do que as variedades suscetíveis. Esta alta concen- à formação de aprcssórios por Bfumeria graminis f. sp. hordei.
tração de ácido málico nas variedades resistentes mostra-se e_tetiva Os agregados possuem estruturas celulares, como retículo endo-
na inibição da germinação dos esporos e crescimento do patógeno. plasmático rugoso e complexo Je Golgi, ligadas aos processos
normais de biossíntese, evidenciando a possibilidade dos mesmos
• Paredes celulares espessas
secretarem materiais que podem ser utilizados na formação dt:'
A presença de tecidos com células de paredes espessas papilas e halos.
pode contribuir para com a restrição da colonização das plantas
por fitopatógenos (Malinovsky et ai., 2014). No caso das folhas, • Halos
por exemplo, o .xilema e as fibras esclerenquimáticas, ricas em Ocorrem em tomo dos sítios de penetração, como resultado
lignina, podem interromper o avanço de fungos e bactérias nesses de alterações na parede superior das células epidém1icas e, algumas
tecidos, originando sintomas denominados de manchas angu- vezes, das paredes laterais adjacentes, provavelmente devido à
lares. Esses sintomas, como os que ocorrem em folhas de pepino degradação das mesmas pelos fungos invasores (Figura 35.4). Em
infectadas por Pseudomonas ~yringae pv. fach,ymans e folhas de função da presença de calose, lignina, lipídeos cuticulares e silício.
algodoeiro infectadas por Xanthomonas axonopodis pv. mafva- alguns autores sugerem que os halos mostram-se como locai~
cearum, resultam da capacidade dos patógenos em colonizar específicos para a deposição dessas substâncias, podendo, conse-
somente as áreas entre as nervuras. Essa restrição da cqlonização quentemente, funcionar na redução da perda d'água nos sítios
pode levar a uma redução do inóculo, bem como a um menor de penetração. Além disso, visto serem resistentes a tratamentos
número de folhas doentes por planta. químicos e enzimáticos, os halos poderiam contribuir para a
resistência de plantas contra fungos, como demonstrado em
35.1.2. Fatores de Resistência Estruturais
trigo inoculado com fungos não patogênicos e no fenómeno da
Pós-Formados
resistência induzida sistemicamente em plantas de pepino contra
Embora as estruturas superficiais ou internas pré-formadas Colfetotrichum gloeosporioides f. sp. cucurbitae. A fonnação de
possam contribuir para a resistência do hospedeiro, a maioria halos mostra-se comum em folhas de gramíneas em resposta à
dos patógenos consegue ter acesso ao interior das plantas. Nesse penetração fúngica.
sentido, os hospedeiros continuam a se defender dos invasores
através da formação de novas barreiras estruturais, as quais inter- • Papilas
ferem com o progresso dos fitopatógenos nos tecidos. Esses São caracterizadas pela deposição de material hetero-
fatores de resistência podem ser agrupados em estruturas de gêneo entre a membrana plasmática e a parede celular no sítio dt:'
defesa celular, as quais geralmente envolvem células individuais infecção, sob a hifa de penetração (Figura 35.4). As papilas podem
A 8 e D
Figura 35.4 - Possíveis alterações estrtlturais em células epidérmicas de plantas em resposta à tentativa de penetração por íungos. Durante o
desenvolvimt:'oto das estrururas de infecção do fungo (apressório e tubo de penetração), pode ocorrer a agregação do citoplasma
da célula vegetal no sítio de penetração e a formação de papíla. A part:'de epidérmica adjacente t.ambém pode ser afetada c dar
origem a um halo.
426
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
427
Manual de Fítopatologia
ãs mesmas. A zona de abscisão é caracterizada pela dissolução da tecidos sadios da planta por esses patógenos, além de interromper o
lamela média entre duas camadas de células adjacentes. através fluxo de nutrientes e água em direção ao invasor e o fluxo de metabó-
da ação de enzimas, principalmente celulolíticas e pectinolíticas litos tóxicos em direção ao hospedeiro. Os tecidos mortos envoltos
(Figura 35.6A). Essa dissolução causa a separação das células, pelas camadas de coniça, os quais incluem o patógeno, podem
com o consequente afrouxamento dos tecidos envolvidos. o que pennanecer na planta, originando manchas necróticas (lesões).
pode levar à queda dos tecidos contendo o patógeno. Dessa forma, como as observadas em folhas de morangueiro infectadas por
nas interações planta-patógeno. a camada de abscisão separa o Mycosphaerellafragariae, ou podem ser empurrados pelos tecidos
tecido sadio do tecido doente. protegendo o restante da planta sadios em direção ao exterior da planta, originando sintomas como
contra a subsequente invasão pelo patógeno e contra a ação de os que ocorrem na sarna da macieira (Venturia inaequa{ís).
metabólítos tóxicos do mesmo. A formação de zonas de abscisào
• Tiloses
é observada, por exemplo, nas interações pessegueiro - Wilso-
nomyces carpophilus e ameixeira - Xanthomonas arboricola São fonnadas nos vasos do xilema em resposta a estresse
pv. pruni, onde os sintomas de perfurações ('"furo-de-bala") nas abiótico, envelhecimento e/ou invasão por patógenos vasculares.
folhas devem-se à queda de pequenos círculos de tecidos doentes. O protoplasma das células parcnquimáticas adjacentes .io xilema
sofre um processo de hipertrofia e cresce para o interior do xi lema
• Camadas de cortiça através das pontuações (Figura 35.6C). Essas projeções proto•
Podem ser formadas em resposta à injúria mecânica e plasmáticas podem aumentar em tamanho e número no interior
à presença de patógenos, principalmente fungos c bactérias <los vasos, levando à obstrução parcial ou total dos mesmos. Essa
(Figura 35.6B). As camadas de cortiça originam-se de células obstrução irá restringir o transporte de água, bem como podera
formadas a partir do felogênio (tecido meristemático). Essas conter o avanço do patógeno para outros locais do hospedeiro.
células caracterizam-se pela presença de suberina (polímero inso- Obviamente. a fonnação de tiloscs pode contribuir com a resis-
lúvel associado com ceras solúveis) e protoplasma morto. A ativi- tência da planta apenas quando esta ocorre precocemente e na~
dade do felogênio nos pontos de penetração e crescimento dos pató- áreas próximas ao sítio inicial de infecção. De maneira geral.
genos origina as células de cortiça. as quais impedem a invasão dos plantas resistentes a murchas vasculares exibem a capacidade de
Zona de abscisio
( Camada de cortiça
Células sadias suberizadas Zona de llgnlficação
Tecido doente
I
- Tecido doente
Tecldo sadio - ,
Floema
(C) Tiloses
Célula parenquimática
Tilose
Célula rarenqulmitlca
Figura 35.6 - Estruturas de defesa histológica: (A) camadas de abscisão; (B) camada de cortiça; (C) tiloses.
Foote: Adaptada de Kenaga (1974).
428
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
formar maiores quantidades de tiloses do que plantas suscetíveis. 35.2.1. Fatores de Resistência Bioquímicos
Na interação algodoeiro - Verticillium albo-atrum (v. dahliae), por Pré-Formados
exemplo, a rápida obstrução dos vasos do xi lema por tiloses contribui Inúmeras substâncias pré-formadas, também conhecidas
para a resistência das plantas, reduzindo o avanço sistêmico do füngo
como fitoantecipinas (Clive Lo & Nicholson, 2008; Pedras &
a partir das raízes para outros tecidos. Essa restrição no movimento
Yaya, 2015), exibem atividade antimicrobiana e estão envolvidas
do patógeno é seguida pelo acúmulo de terpenoides fungitóxicos.
na resistência das plantas contra fitopatógenos (Tabela 35.1; Stoessl,
35.2. FATORES DE R ESISTÊ~CIA BIOQUÍMICOS 1985). Geralmente, essas substâncias estão presentes em altas
concentrações nos tecidos sadios das plantas, e, em alguns casos,
As reações bioquímicas que ocorrem nas células do hospe- como resultado da infecção, podem ser convertidas em substân-
deiro produzem substâncias que se mostram tóxicas ao patógeno cias altamente tóxicas. Dentre as substâncias pré-formadas, a
ou criam condições adversas para o crescimento do mesmo no inte-
natureza química das mesmas pode ser representada por fenóis,
rior da planta. Embora os mecanismos estruturais possam atuar,
alcaloides, lactonas, terpenoides e, recentemente, até mesmo, por
em diferentes níveis. na defesa das plantas contra alguns pató-
proteínas e peptídeos (expressos constitutivamente; Tabela 35.2),
genos, pesquisas mostram que, na maior pane das interações, são
dentre outras.
as substâncías produzidas nas células do hospedeiro. antes ou após
a infecção, que contribuem significativamente para a resistência 35.2.I.1. Compostos fenólicos
(Piasecka et ai., 2015).
• Ácido protocatecoico e catecol
Da mesma forma que os fatores estruturais, os fatores bioquí-
micos de resistência podem ser subdivididos em pré-formados Foram os primeiros compostos pré-formados envolvidos na
ou p6s-íormados, em fünção da chegada do patógeno nos tecidos resistência de plantas contra fitopatógenos a ser isolados e carac-
da planta (Figura 35.2). De maneira geral. as substâncias pré- ou terizados quimicamente. Esse trabalho de pesquisa. realizado por
pós-formadas, para contribuírem na resistência, devem estar J.C. Walker e colaboradores, na Universidade de Wisconsin, nos
presentes e/ou ser acumuladas em concentrações adequadas nas E.U.A., 85 anos atrás (1930-1933), com o patossistema cebola-
panes invadidas e em fonnas acessíveis ao patógeno. Além disso, Colletotrichum circinans, é tido como o exemplo clássico de fatores
alterações na concentração dessas substâncias devem ser correla- bioquímicos envolvidos na resistência. O fungo C circinans, agente
cionadas com mudanças na expressão da doença. causal da antracnose da cebola, é um parasita fraco, exibindo pouca
Tabela 35.1 - Exemplos de substâncias antimicrobianas pré-formadas envolvidas na resistência das plantas contra patógenos.
1Indica que a substância exibe atividade antimicrobiana na sua fonna natural de ocorrência na planta e não requer a conversão hidrolítica para
uma forma ativa.
Fonte: Modificada e adaptado de Mansfield ( 1983 ).
429
Manual de Fitopatologia
Tabela 35.2 • Exemplos de proteínas e peptideos anti-microbianos envolvidos na resistência das plantas contra patógenos.
capacidade para infectar panes da planta em ativo crescimento. inicialmente resistentes, à medida que o conteúdo de ácido cloro-
O conídio germina em água, sobre os escamas externas mortas e gênico diminuía nas raízes, em função da idade, o tecido come-
secas dos bulbos brancos de cebola, desenvolvendo-se saprofi- çava a exibir um aumento na suscetibilidade.
ticamente. A seguir, quando o micélio está bem estabelecido no
• Floridizina e arbutina
tecido morto, o mesmo penetra diretamente para o interior das
escamas internas vivas e carnosas, passando a crescer como um São glicosídeos fenólicos (Figura 35.7). A floridi;ána contribuí
parasita. Os bulbos brancos mostram-se altamente suscetíveis na resistência de macieiras contra Venturia inaequalis, agente
ao ataque do patógeno, enquanto os bulbos coloridos (verme- causal da sai.ma. Sob a ação de ~-glicosidases, a íloridizína
lhos ou amarelos) mostram-se resistentes. A resistência é devida origina a aglícona floretina. O glicosídeo fcnólico bem como
ao ácido protocatecoico e ao catecol (Figura 35.7), da classe sua aglicona. através da ação de polifenoloxídases, são oxidados
dos compostos feoólicos, que são incolores, solúveis em água e e convertido s, via o-difenóis, em o-quinonas altamente instá-
tóxicos aos esporos em fase de genninação. Esses compostos são veis e fungitóxicas. Por sua vez, a arbutina presente cm folhas e
produzidos nas escamas coloridas do bulbo, mas são indepen- ramos de pereira mostra-se envolvida na resistência dessa frutí-
dentes dos pigmentos (flavonas e/ou antocianinas) presentes. O fera contra a bactéria Erwinia amylovora, agente causal do fogo
ácido protocatecoico e o catccol difundem-se facilmente para o bacteriano ("firc-blight''). A molécula de glicose é removida da
exterior das escamas mortas e inibem a gem1inação dos conídios, arbutina através de hidrólise catalisada por 13-glícosidase, origi-
causando alise dos mesmos. São incapazes. porém, de difundir-se nando a aglicona dihidroquinona. a qual passa a exibir atividade
para o exterior das escamas vivas e carnosas. As escamas vivas, antíbacteriaoa em função de sua oxidação para semiquinona.
portanto, não possuem proteção contra o patógeno, mostrando-se
35.2.1 .2. Saponinas
suscetíveis ao mesmo.
As saponínas ocorrem amplamente no reino vegetal e são
• Ácido clorogênico
metabólitos secundários glicosilados, contendo. por exemplo, agli-
É um composto fenólico caracterizado como um éster conas do tipo alcaloide ou triterpenoide, e provavelmente se cons-
de ácido cafeico e ácido quínico (Figura 35.7). É amplamente tituem no maior grupo de compostos antifúngicos pré-formados
distribuído em diferentes partes de muitas plantas e, geralmente, (Piasecka et ai., 20 15). Uma das características das saponínas é a
ocorre nos tecidos em quantidades facilmente detectáveis. Pode lise de células que contenham esteróis na membrana.
ser oxidado por enzimas do tipo polifenoloxidase, usando 0 2
como aceptor de elétrons, dando origem a quinonas altamente • a.-Tomatina
tóxicas aos microrganismos (Figura 35.8). As quinonas atuam É um alcaloide glicosídico encontrado em plantas de tomate
em processos enzimáticos vitais de fungos e bactérias, inibindo. e incluído no grupo das saponinas. Alcaloides são compostos
por exemplo. a ação de fosforilases, desídrogenases, carboxi- aromáticos nitrogenados encontrados em muitas plantas, sendo
lases e coenzimas. O ácido clorogênico pode também funcionar que normalmente o átomo de nitrogênio localiza-se em um anel
nas plantas como um intermediário metabólico na formação heterocíclico. A tomatina, tem sido envolvida na resistência
de compostos fenólicos insolúveis (lignina e polímeros seme- de tomates a Sclerotium rolfsii. O sítio de ação desse alcaloide
lhantes à lígnina) associados com a resistência. Em.função dessas envolve a membrana plasmática fúngíca. Como as saponinas em
características, o ácido clorogênico tem sido apontado como um geral, a tomatína reage com os esteróis da membrana, formando
composto importante na resistência das plantas contra fitopató- complexos insolúveis, fato que leva à alteração dos poros exis-
genos. Como exemplo clássico, pode-se citar a resistência da tentes na m esma. Em função dessa mudança irreversível na
batata contra Verticil/ium albo-arn,171. O conteúdo de ácido cloro- permeabilidade seletiva da membrana, o conteúdo celular extra-
ginico nas raízes de plantas de batata está diretamente relacio- vasa para o meio externo, ocasionando a morte da célula füngica.
nado com a resistência à murcha de Verticillium. Os cultivares Alguns patógenos mostram-se pouco sensíveis ou mesmo insen-
resistentes exibem maior concentração do ácido que os cultivares síveis à tomatína, o que explica o sucesso dos mesmos como
suscetíveis. Estudos demonstraram que, em alguns cultivares patógenos do tomateiro. A tomatina não exibe ação fungicida
430
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
CH.OH -o~. HH H
Ho-Q-~ c-c-c-OOH
H H H
HO-o-~C-C-C__A__OH
~
OH
H
H0 OH :H -
orbutioa
- li
OHO H H
I I - D
O H H
1
0-9licose
.~
f loretino floridizina
arbutina
ÃOH ~e o
li
H2 C-C=CH 2
1 1
VOHOH
HO-CH2-CH2 -C-C-O~licose
li
H2 c
\I
c=o
tulipos(deo A
dcido protocatecofco lactono A
0
yoH HO H2 C O
1 li U
OH HO-CHz-CH-C-C-0-GlicoH
HOObo-LH=cJ\.OH
. "=< OH
HO OH
HO
Figura 35.7 - Estruturas de algumas substâncias pré-fonnadas envolvidas na resistência das plantas contra fitopatógenos.
o
HO
0
~o-0unato
HO
OXIDAÇÃO
ºN .
Figura 3S.8 - Oxidação do ãcido clorogênico com a consequente produção de quinonas fungitóxicas.
431
Manual de Fitopatologia
• Avenacinas
(B) H-C:N + HzO
Formam Ida ~
H-C-NH2
Plantas de aveia contêm dois tipos Je sapo- hldrollase
Formam Ida
ninas. Nas raízes são encontradas as avenacinas Cianeto de
(triterpenoidcs glicosídeos), enquanto na parte Hidrogênio
aérea ocorrem os avenacosídeos (derivativos
do furostanol). As avenacinas começaram a ser
Figura 3S.9 - (A) Hidrólise do glicosídeo cianogênico linamarina com a consequente
estudadas 50 anos atrás, em função do possível
produção de glicose, acetona e cianeto de hidrogênio: (B) Mecanismo
envolvimento na resistência de plantas de aveia
de detoxificaçào do HCN, com a produção de formamida, através da
a Goeumannomyces graminis. Esse patógeno
ação da enzima fonnamida hidroliase. produzida por fungos que atacam
causa o mal-do-pé do trigo. Isolados patogênicos
plantas cianogênicas.
ao trigo (G. gruminis var. trifiei) não se mostram
aptos a colonizar os tecidos de plantas de aveia.
Entretanto, as raízes de plantas de aveia mostram-se suscetíveis à maioria dos organismos e microrganismos devido à sna ação
ao G. graminis var. avenoe. Estudos envolvendo o uso de extratos inibitória sobre enzimas contendo metal como cofator, interferindo
de raízes de aveia sobre o crescimento de vários fungos in vitro principalmente na cadeia respiratória. Vários estudos têm demons-
demonstraram que G. graminis var. lritici era iuibido, enquanto trado a liberação de HCN em plantas cianogênicas em resposta à
G. graminis var. avenae crescia nonnalmente no meio._O extrato infecção por fungos nccrotróficos. Porém, com relação ao papel
obtido a partir de um ápice de raiz, colocado em 2 mi de água, dos glicosideos cianogênicos na resistência dessas plantas. não se
mostrava-se capaz de causar uma redução de 50% no crescimento observa uma correlação consistente entre o nível dos mesmos e a
de G. g,·aminis isolado do trigo. Esse princípio tóxico foi ísolado resislência a patógenos específicos. Suporte para a possível contri-
e caracterizado quimicamente, sendo denominado de avenacinas, buição dos glicosídeos na resistência é fornecido pela descoberta
visto possuir quatro componentes (Figura 35.7). A capacidade que patógenos fúngicos de plantas cianogênicas são tolerantes ao
de G. graminis var. avenae mostrar-se insensível às avenacinas HCN. Esses patógenos produzem a enzima formamida hidroliase.
e colonizar os tecidos de aveia deve-se à produção, pelo fungo, que convene o HCN em formamida não tóxíca (Figura 35.9B).
de urna glicosidase extracelular, denominada de avenacinase, que No caso de plantas de sorgo. quando as folhas dessa gramínea
efetua a remoção do açúcar tenninal da cadeia de carboidrato são inoculadas com Gloeocerscosporo sorghi, agente causal da
dessas moléculas, dando origem às avenaminas, as quais não mancha zonada, observa-se um aumento de aproximadamente
exibem atividade biológica inibitória. Assim, a patogenicidade de 20 vezes na atividaue de P-glicosidase durante as pnmeiras
G. grominis var. avenae em plantas de aveia é dependente de sua 24 horas, atividade esta que permanece elevada e constante por
habilidade específica em hidrolizar os compostos tóxicos, através 72 horas. Esse aumento na atividade enzimática é correlaci0nado
da ação da avenacinase, dando origem às agliconas inatívas. com a elevação do conteúdo de HCN no tecido foliar da planta
Por sua vez, nas primeiras 18 horas após a inoculação, a ativi-
35.2.1.3. G licosíd eos cia n ogên icos dade da formamida hidroliase (cianeto hidratase) produzida pelo
patógeno começa a se elevar nos tecidos atingindo, 36 horas mais
• Lina ma rina e durina tarde. um valor 200 vezes maior do que o valor inicial. Em função
Esses compostos são classificados como glicosídeos ciano- desse aumento na atividade da fonnamida hidroliase, pode-se
gênicos (Figura 35.9). Mais de 3.000 espécies de plantas são ciano- observar o acúmulo de formamida nos tecidos da planta, o que
gênicas (Gleadow & Mo Iler, 2014), sendo esses compostos encon- evidencia a capacidade do fungo em inativar o HCN e colonizar
trados nas raízes, ramos, folhas, flores e frutos. São, aparentemente, o hospedeiro.
armazenados no vacúolo das células. Em decorrência da injúria
mecânica ou ação de patógenos. os glicosídeos entram em contato 35.2.1 .4. Glicosideos sulfurados
com enzimas hidrolíticas como, por exemplo, ~-glicosidase e oxini-
trilase em plantas de trevo (Lotus comiculatus) contendo linama- • Glicosinolatos
rina (Figura 35.9A). o que resulta na produção instantânea do gás Glicosídeos apresentando enxofre em sua estrutura são deno-
cianeto de hidmgênio (HCN). O HCN mostra-se altamente tóxico minados de glicosinolatos e estão presentes nas plantas. princi-
432
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
paimente em crucíferas (Brassica spp.) (Pastorczyk & Bednarek, constitutivamente, o que é comum em órgãos de armazenamento e
2016). A injúria do tecido vegetal por fitopatógenos e insetos leva a reprodução, enquanto em outros órgãos, como as folhas, eles são
hidrólise dos mesmos, através da ação de uma tioglicosidase espe- produzidos em resposta ao ataque de patógenos. Nesse contexto,
cífica denominada de mirosinase, mantida na planta separada dos aqui serão considerados as proteínas e peptideos que podem ser
glícosídeos por compartimentalização, liberando produtos alta- constitutivos e contribuir para a defesa das plantas.
mente tóxicos, como isotiocianatos voláteis, nitrilos e tiocia-
• Quitinases e ~1 ,3-glucanases
natos. Esses produtos são conhecidos coletivamente como "óleos
de mostarda". Por exemplo, o espectro de atividade fungitóxica São enzimas líticas que lúdrolisam a quitina (um polímero de
dos glicosinolatos é amplo, sendo que ín vitro os mesmos podem N-acetilgluc-0samina) e as P-1,3-glucanas, respectivamente. Essas
ser efetivos contra patógenos e não-patógenos. Embora os meca- lúdrolases ocorrem n.ormalmente nas plantas (flores, folhas, raízes)
nismos de ação não estejam completamente esclarecidos, a hipó- e podem estar envolvidas n.a defesa das mesmas contra fungos,
tese mais plausível, por exemplo, para os isotiocianatos, aponta uma vez que os polímeros acima se mostram como os principais
para a ocorrência de uma interação não-específica e irrever- constituintes da parede celular fúngica. AJém disso, a atividade
sível com grupos sulfidrila, ligações disulfeto e arnino grupos de dessas enzimas também pode ser elevada nos tecidos vegetais em
proteínas e resíduos de aminoácidos. Por sua vez, o tratamento ín resposta à infecção e a tratamentos hormonais (etileno) e químicos
vitro com alil-isotiocianato ocasionou a perda de eletrólitos por (metais pesados). As quitinases e P-1,3-glucanases são agrupadas
parte de células de bactérias não fitopatogênicas, como Esche- dentre as "Proteínas Relacionadas à Patogêncsc" (Proteínas-RP)
richia coli e Listeria monoc.ytogenes. Dessa maneira, o sistema (item 35.2.2). Planlas superexpressando constitutivamente alguns
glicosinolato/mirosinase pode ser visto como um mecanismo de genes codificadores de protcínas-RP exibem aumentos na resis-
defesa das plantas contra patógenos, embora alguns desses orga- tência contra fitopatógenos, visto que essa estratégia garante a
nismos possam evitá-lo. Além disso, a possibilidade do uso de presença das proteínas em níveis adequados para a resistência antes
alguns desses produtos como medida alternativa no controle de da chegada do patógeno. Por exemplo, plantas transgênicas de
doenças em pós-colheita, por exemplo, através da biofumigação, tomate superexpressando simultaneamente transgcnes para quiti-
vem sendo estudada (Mari et ai., 2008). nase e P-1,3-glucanase mostrnrnm-se altamente resistentes a Fusa-
rium oxyspomm f.sp. lycopersid do que plantas não ellpressando
35.2.1.5. Ácidos hidroxicarboxílicos ou expressando somente um dos genes.
• TuJiposídeos • Lisozimas
São exemplos de ácidos llidroxicarboxílicos insaturados São enzimas que inibem o crescimento bacteriano através
ocorrendo como glicosídeos em tecidos de plantas de tulipa. da hidrólise do peptideoglicano presente na parece celular, sendo
Aparentemente, os tuliposídeos são armazenados nos vacúolos que as da clara do ovo e dos bacteriófagos são as mais estu-
das células. Esses compostos mostram-se instávejs em pH m~ior dadas. Existem trabalhos mostrando a ocorrência dessas enzimas
que 5,0 e são fácil e rapidamente convertidos em lactonas insa- em plantas, porém muitas vezes as mesmas também apresentam
turadas, em função de aumentos no pH {7,5) ou pela ação de atividade de quitinase. O papel dessas enzimas na resistência das
P-glicosidases (Figura 35.7). As lactonas são compostos biologi- plantas ainda carece de mais estudos, embora plantas tTaosgê-
camente ativos e que exibem propriedades antibacteriana e anti- nicas de maçã e batata expressando genes codificadores da liso-
fúngica. Os tuliposídeos mostram-se envolvidos na resistência de zima, obtidos a partir de um fago, tenham exibido aumentos na
bulbos de tulipa a Fusarium oxysporum f. sp. tulipae e de pistilos resistência contra Erwinio spp. Uma lizozima vegetal exibindo
a Botrytis cinerea. No caso de bulbos em desenvolvimento, estes atividade antibacteriana e anti fúngica foi isolada de feijão-mungo
são atacados por F oxysporum somente algumas semanas antes (Phoseolus mungo) (Wang et ai., 2005).
da colheita, mesmo que o bulbo-mãe plantado esteja infectado ou
contaminado coro conídios. Durante esse curto período de susce- • Tionines
tibilidade, a escama branca externa, que nonnalmente possui São peptídeos com cerca de 5 kDa e ricos em cisteína e
uma alta concentração de tuliposídeos e mostra-se resistente ao aminoácidos básicos, sendo que as mesmas podem ser constitu-
fungo, muda sua coloração para marrom palha e fica praticamente tivas ou induzidas por patógenos (item 35.2.2 Proteinas-RP -
desprovida de substâncias antimicrobianas. Coincidentemente, família PR-13) e encontradas em sementes e folhas (Stec, 2006).
as escamas brancas internas, que se mostram temporariamente Esses peptídeos são tóxicos a fungos, bactérias, bem como células
suscetíveis à colonização pelo fungo, exibem um baixo conteúdo vegetais e animais, provavelmente devido a capacidade em formar
de tuliposídeos. Entretanto, alguns dias após a colheita, a concen- canais iônicos nas membranas celulares, e consequentemente alte-
tração de tuliposídeos aumenta rapidamente nas escamas brancas, rando a concentração de íons importante para a homeostase da
que se tomam novamente resistentes à infecção. Essa coinci- célula. Evidências existem mostrando a possível importância
dência do aumento na suscetibilidade das escamas do bulbo com das tioninas na resistência das plantas a patógenos. Por exemplo,
a diminuição no conteúdo de tuliposídeos indica que esses inibi- quando plantas de arroz foram transformadas com um gene codi-
dores constitutivos estão envolvidos na proteção das escamas ficador do peptídeo, os transformantes mostraram-se resistentes a
brancas e, consequentemente, do bulbo em crescimento, contra a infecção pela bactéria Buvkholderia plantarii, enquanto as plantas
infecção por F. oxysporum f. sp. tulipae. não transformadas foram mortas pelo patógeno.
35.2.1.6. Proteínas e peptídcos antimicrobianos • Defensinas
Em adição as proteínas estruturais, as plantas possuem famí- As defensinas vegetais possuem de 45 a 54 aminoácidos,
lias de multi-genes que codificam proteínas e pequenos peptídeos, massa molecular em tomo de 5 a 7 kDa e apresentam carga posi-
os quais são antimicrobianos (Tabela 35.2). Alguns são expressos tiva, sendo que as posições relativas de oito resíduos de cisteina,
433
Manual de Fítopatologia
um resíduo aromático e um glutamato são conservadas (Carvalho e diminuição na suscetibilidade a B. cinerea foram observados
et ai., 2009). Esses peptídeos foram inicialmente descritos em em tomateiro e videira superexpressando o gene pgip de pere-
sementes de trigo e cevada e são similares as defensinas encon- reira, bem como em fumo e Arabidopsis superexpressando o gene
tradas em insetos e mami foros, sugerindo que as mesmas pertencem pgip (Pvpgip2) de feijoeiro. Nesse sentido, pesquisas procuram
a uma super-família de peptideos antimicrobianos. As mesmas aumentar a resistência através do uso de plantas transgênicas
são agrupadas dentre as Proteínas-RP na familia PR-12 (item superexpressando as PI.PGs.
35.2.2). As defensinas causam respostas rápidas em fungos, como
• Proteínas ligantes de quitina (PLQs)
efluxo de K., entrada de Ca2- , alcalinização do meio e mudanças
no potencial da membrana. Existem vários trabalhos mostrando Essas proteínas são caracterizadas pela presença de uma sequ-
o papel das dcfensinas na resistência das plantas, principalmente ência conservada de aminoácidos, conhecida como domínio ligante
ecn sementes germinando e plâotulas. Por exemplo. sementes de quitina ("chitin-binding domain"), consistindo geralmente de
de rabanete produzem quantidade de defensinas suficiente para 30 a 43 aminoácidos. Muitas dessas proteínas já foram isoladas de
protegê-las durante os estádios iniciais da emergência. Por outro diferentes espécies vegetais, especialmente a partir de sementes.
lado, plantas de fumo transgênicas, expressando uma defensina Dentre elas, temos as lectinas, as quais se ligam as• glicanas
de rabanete, mostraram-se mais resistentes ao fungo Alternaria presentes nas glicoproteínas, glicolipídeos ou polissacarídcos. A
longipes. maior parte das lectinas já caracterizadas são proteínas secretó-
rias, as quais acumulam nos vacúolos, parede t:elular ou espaços
• Inibidores de proteases e poligalacturonases intercelulares. Algumas das PLQs são constitutivas, como a~
As enzimas proteolíticas prouuzillas por fitopatógenos obtidas do fluído de lavagem intercelular de folhas de beterraba,
podem atuar na hidrólise de proteínas da membrana e parede enquanto outras são produzidas cm resposta a injúria e ao ataque
celular de plantas (Capitulo 34 desta obra - itens 34.3 e 34.4), de füopatógenos (item 35.2.2 Proteínas-RP - família PR-4). Por
facilitando a penetração e a infecção. Essas enzimas podem ser exemplo, heveina é uma proteína de 4.7 kDa, rica cm cistcína, a
classificadas segundo o tipo de reação catalisada, a natureza química qual basicamente consiste do domínio ligante de quitina, sendo
do sitio catalítico e de acordo com sua estrutura. Nesse sentido, temos seu acúmulo induzido por injúria em folhas, látex e tronco de
como exemplos, a família das seríno proteases, aspártico prote- seringueiras (Hevea brasiliensis). Por outro lado, as vicilinas são
ases, metalo proteases e das cisteíno proteases. Por outro lado, é PLQs presentes nas sementes de leguminosas e outras plantas.
comum a ocorrência de inibidores para essas proteases no reino Trabalhos já demonstraram in vitro que as vicilinas do feijão-de•
vegetal (item 35.2.2 Proteínas-RP - família PR-6), o que pode corda (Vigna unguic11/ata) podem alterar o crescimento e inibir a
representar um mecanismo de defesa. Os inibidores de proteases germinação de esporos de fitopatógenos, como Fusarium solani.
(IPs) são frequentemente agrupados com base nos mecanismos de Fusarium oxysporum, Co/letotrichum musae e Ustilago maydis. A
reação, origem ou similaridades estrutw-ais, e a massa molecular atividade antifüngica das PLQs deve-se principalmente a habilidade
geralmente varia entre I O e 90 kDa. Quanto a especilic'idade; os das mesmas em se ligarem a quitina presente na parede ela hifà, o que
altera a polaridade celular e leva a inibição do crescimento.
inibidores podem reagir com mais de uma classe de pfoteases,
podem ser específicos para uma das classes ou podem apresentar • Proteínas inativadoras de ribossomos (PlRs)
uma alta especificidade para uma única protease. Como exemplos
Essas proteínas ("ribosome-inactivating protcins'' RIPs)
de IPs, temos o inibidor de tripsina em soja e as famílias dos inibi-
foram inicialmente reconhecidas como proteínas inibidoras de vírus,
dores I e II de batata. É comum a presença de lPs em sementes sendo provenientes de espécies de Cmyophyllales. A atividade das
e tubérculos, onde atuam como agentes regulatórios de proteases
PfRs se deve ao fato das mesmas exibirem atividade de N-glico-
endógenas e/ou como mecanismo de proteção contra proteases de sidases. quebrando as ligações N-glicosídicas da adenina em uma
insetos e/ou patógenos. No caso de patógenos, um inibidor espe- sequência específica nos ribossomos de eucariotos, evitando a elon-
cífico para uma protease de Col/etotrichum lindemuthianum foi gação do peptídeo. As P!Rs vegetais inibem a síntese de proteínas
isolado de sementes de feijoeiro. Inibidores de tripsina, obtidos de em mamíferos, plantas, fungos e bactérias tanto in vivo quanto in
trigo sarraceno (mourisco). inibiram in vilro proteases de Bouytis vitro. Os ribossomos das plantas hospedeiras mostram-se insensí-
cinerea. A superexpressão heteróloga de genes PI de Nicotiana veis as PIRs através de mecanismos desconhecidos. Algumas PIRs
alata em fumo transgênico resultou no aumento da resistência consistem de uma única cadeia polipeptídica (Tipo 1), enquanto
contraB. cinerea. Porém, essa área ainda carece de trabalhos rela- outras são proteínas dimérícas, com uma cadeia polipeptídica catalí-
cionando IPs de plantas a enzimas presentes em patógenos, tica e a outra cadeia responsável pela translocação nas células, através
As poligalacturonases produzidas por fitopatógenos são do reconhecimento de receptores proteicos (Tipo 11), enquanto nas
essenciais em muitas doenças (Capítulo 34 desta obra - item PlRs tipo 111, ambos os domínios estão contidos em um único poli-
34.3.1). Portanto, inibidores dessas enzimas podem contri- peptídeo. Como exemplos de PlRs, temos a ricina da mamona e as
buir para a resistência das plantas. Várias proteínas inibidoras a- e ~-pisavinas das sementes de ervilha. Uma PIR isolada de grãos
de poligalacturonases (PIPGs) já foram isoladas de·dicotiledô- de cevada inibiu in vilro o crescimento de Trichoderma reesei e
neas e de maneira semelhante aos genes de resistência, possuem Fusarium sporotrichioides e um efeito inibitório sinergístico ocorreu
domínios repetidos ricos em leucina (Di Matteo et ai., 2006). As em função de duas outras proteínas presentes nas sementes, uma
PIPGs contribuem na resistência contra fungos não somente pela P-1,3-glucanase e uma quitinase. Por sua vez, o gene b-32 codifi-
inibiç.ão dessas enzimas, mas também pelo fato de prolongarem cador de uma PIR em milho, a qual é encontrada no endosperrna.
a vida de oligômeros constituídos dei 0-13 resíduos de galac- foi utilizado para a obtenção de plantas transgênicas, tendo sido
turonato, os quais são eliciadores da defesa das plantas. como verificado que a PIR estava presente em extratos proteicos de
a resposta de hipersesibilidade, lignificação e síntese de fitoale- folhas de milho e que as plantas nllo transgênicas eram mais
xinas. Aumentos significativos na atividade inibitória de PIPG suscetíveis ao Fusarium verticíllioides (Lanzanova et ai., 2009).
434
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
• Proteínas de transferência de lipídeos (PTLs) para a restrição do desenvolvimento de organismos patogênicos após
As PTLs ("lipid transfer proteins'' - LTPs) são proteínas a infecção. Por exemplo. plantas de Tagetes sp. produzem a fototo-
pequenas (9 a I OkDa), básicas (contendo oito resíduos de cisteína) xina a-tertienil, que quando exposta a radiação ultra-violeta, como
e estabilizadas por quatro pontes disulfeto, as quais efetuam a a presente na luz solar, conduz a formação de "singlet oxygen"
transferência de fosfolipídeos entre membranas. Elas possuem tóxico. o qual funciona como nematicida (Wang ct ai., 2007).
uma estrntura interna típica, representada por uma cavidade hidro- 35.2.2. Fatores de Resistência Bioquímicos Pós-Formados
fóbica, semelhante a um túnel, que se estende pela molécula. O
mecanismo envolvido na ação antifúngica é desconhecido, porém Os fatores bioquímicos pós-formados mostram-se ausentes
é sugerido que as PTLs se inserem na membrana das células. onde ou estão presentes em baixos níveis nas plantas antes da infecção.
a cavidade central da molécula fom1a um poro, o que permite a São produzidos ou ativados em resposta à presença dos patógenos.
saída de ions intracelulares, com a consequente morte do fungo. As Por uma questão didática, Jeveriam ser incluídas nesta categoria
PTLs de diferentes plantas possuem uma faixa de especificidade na apenas as substâncias sintetizadas a partir de prccun.ores remotos
atividade contra fungos fitopatogênicos e algumas também podem após a infecção, sendo as fitoalexinas o exemplo clássico. Subs-
exibir ação antibacteriana. Por exemplo. csnidos já demonstraram a tâncias do tipo glicosídeos fenólicos, glicosídeos cianogênicos e
capacidade de PTLs na inibição de diferentes fitopatógenos, como enzimas hidrolíticas (por exemplo, quilinases e 13-1,3-glucanases),
RalsronilJ solanacearum. C/avibacrer michiganensis, F11sari11m que são simplesmente ativadas ou exibem aumt:nto na atividade
solani e Rhizoctonia sofani, além do não-patógeno Tricl10dem1a após a infecção, podem ser colocadas na categoria de fatores de
1•íride. Em beterraba, foi demonstrado que o Auído de lavagem resistência bioquímicos pré-formaJos. Obviamente, essa subdi-
visão não é rígida. haja visto que as prote ínas e peptídeos anti-
intercelular continha duas proteínas, as quais foram classificadas
microbianos também podem ser produzidos a partir de precur-
como PTLs não-específicas. Essas proteínas exibiram in vitm
sores remotos, caso se considere os diferentes aminoácidos que
atividade antifúngica contra Cercospora hetico/a, agente causal da
as compõem. Além disso, existem as espécies ativas de oxigênio.
macha da folha, em concentrações menores do que 10 µg/ml.
produzidas quando da infecção <la célula vegetal por um patógcno,
35.2.1.7. Fototoxinas e que não são originárias <le precursores remotos.
Tabela 35.3 - Exemplos de fototoxinas exibindo ação bactericida ou fungicida sobre alguns fitopatógenos.
435
Manual de Fitopatologia
As EROs podem se acumular rapidamente no inicio do lizada e caracterizada químicamente. Essa fitoalexina foi deno-
processo infeccioso em interações patógeno-bospcdeiro compa- minada de pisatina (Figura 35.10), um derivado pterocarpano,
tíveis ou incompatíveis, fenômeno conhecido como explosão tendo sido isolada de vagens de ervilha inoculadas com Moni-
oxidativa (Kaurilind et ai., 2015). A explosão tem sido verifi- linia fructicola e pennanecendo como uma das fitoalexinas mais
cada comumente em reações de hipersensibilidade em resposta a estudadas.
infecção fúngica on bacteriana. Essa resposta ocorre no intervalo A síntese de fitoalexinas em plantas pode ser induzida por
de segundos ou minutos depois da infecção, sendo que a geração de agentes denominados de cliciadores (alguma vezes chamados
EROs pode ocorrer em duas fases: uma fase inicial que ocorre no de elicitores; item 35.4) ou indutores (item 35.4), os quais
intervalo de minutos após a infecção, e uma fase secundária, que se podem ser, por exemplo. de origem microbiana (exógeno) ou
inicia vãrias horas depois da fase inicial. Embora essas duas fases da própria planta (endógeno). Quimicamente, os eliciadores são
possam envolver substratos similares. ambas são regu-
ladas de maneira independente, visto que patógenos
incompatíveis iniciam ambas as fases de produção.
enquanto patógenos compatíveis induzem somente a
OH
fase inicial.
OH
No contexto da resistência das plantas a pató-
genos. as EROs podem contribuir de diferentes
rishitina gossipol
maneiras, como: atuando diretamente sobre o pató-
geno e consequentemente inibindo o seu desenvolvi-
mento nos tecidos; reforçando a parede celular em vista
do favorecimento da formação de ligações cruz.adas
com proteínas estruturais; fortalecendo a integridade
~=Oic=CCOÜcH=CHCOOCH
da membrana plasmática, devido a redução da sua 0 3
• Fitoalcxinas
São definidas como compostos antimicrobianos
OH
de baixa massa molecular, que são sintetizados pelas
plantas e que se acumulam nas células vegetais em
resposta à infecção microbiana (Paxton. 1981 ). A ação
D
HO~-<>-
l)J -
011
436
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
fonnados, de modo geral, por moléculas complexas, englobando não um metabólito secundário vegetal. As fitoalexinas pertencem a
carboidratos, glicoproteínas, polipcptídeos, enzimas ou lipídeos. diferentes classes quimicas, como fenóis do tipo flavonoide (pisa-
Por sua vez, os indutores de origem microbiana, por exemplo, tina, faseolina, gliceolinas, luteolinidina e apigeninidina), polia-
podem ser representados por estruturas intactas ou partes de cetilenos (wierona) e isoprenos, incluindo terpenoides (rishitina e
fungos, células bacterianas, partículas virais, homogenatos livres gossipol) e esteroides (Figura 35. 10). entre outras, sendo que até
de células, etc. No caso dos eliciadores endógenos, os mesmos um determinado grau a classe química das fitoalexinas é relacio-
podem ser formados por fragmentos de material constituinte da nada a família vegetal. Estes compostos são sintetizados através
parede celular da planta (oligogalacturonídeos), os quais são libe- de três caminhos metabólicos: acetato-mevalonato, acetato-malo-
rados pela ação de enzimas degradadoras da parede, produzidas nato e acetato-shiquimato (Figura 35. 11 ). [nibidores da síntese de
por fungos e bactérias ou pelas próprias células danificadas da RNA e proteína geralmente inibem a síntese de fitoalexinas, indi-
planta. Além disso, as fitoalexinas podem também acumular-se cando a necessidade de ambos. Por outro lado, evidências diretas
nos tecidos em resposta a elíciadores de origem abiótica, como demonstraram a ocorrência de aumentos na tradução e transcrição
luz ultravioleta ou metal pesado (HgC1:i), os quais normalmente de genes codificadores de enzimas responsáveis pela síntese de
causam alguma forma de estresse nas plantas (Tabela 35.4). intermediários, bem como das próprias fitoalexinas.
Até hoje, um grande número de fitoalexinas já foi caracte- Embora a maior parte dos estudos envolvendo as fitoale-
rizado (mais de 300 compostos), a partir de plantas de mais de xinas tenha demonstrado a capacidade antifúngica das mesmas,
40 famílias (por exemplo, Leguminosae, Solanaceae, Orchida- esses compostos são classificados como agentes biacidas, visto
ceae e Gramineae), envolvendo desde árvores até arbustos (Ahuja não exibirem uma seletividade toxicológica e mostrarem-se
et ai., 2012; Harbome, 2003). Esses compostos foram isolados, também prejudiciais a bactérias, nematoides, vegetais superiores
principalmente, de dicotilcdôneas (a maior parte deles a partir e animais (Ahuja et ai., 2012). No caso dos fungos, as fitoale-
de leguminosas). Nas monocotiledôneas, por exemplo, já foram xinas afetam o desenvolvimento dos mesmos através da inibição
identificadas fitoalexinas em plantas de arroz, sorgo, milho, da elongação do tubo germinativo, do crescimento da colônia
trigo, cevada, cana-de-açúcar e cebola. Quimicamente, a füoale- (taxa de crescimento radial) e do acúmulo de matéria seca. Geral-
xina mais simples é o ácido benzoico, fonnado em macieira, em mente, o ápice das hifas mostra-se altamente sensível às fitoale-
resposta à infecção por Nectria galligena, embora trabalhos tenham xinas, devido, principalmente, à inibição da atividade de enzimas
mostrado que o enxofre produzido na forma de ciclo-octaenxofre envolvidas na síntese da parede celular, o que resulta no intumes-
(S8) pode ser considerado uma fitoalexina em cacaueiro em resposta cimento e ruptura das hifas. Para as bactérias, a ação das fitoale-
à inoculação com Verticillium dahliae. O enxofre S8 pode ser consi- xinas envolve, principalmente, a restrição da multiplicação das
derado como a primeira fitoalexina que é um composto elementar e mesmas no espaço intercelular, sendo que geralmente as bacté-
Tabela 35.4 - Influência de agentes bióticos e abióticos no acúmulo de fitoalexinas em mesocótilos estiolados de sorgo.
A bióticos
se 175-14 0,129
Luz U.V. Brandes 0,064
DK-18 0,406 0,028 0,027
SCl75-14 0,251
HgCll Brandes 0,072
DK-18 0,458 0,050
Bióticos
se 175-14 0,059 +
Bípolarís zeicola Brandes 0,180
DK-18 0,378 0,011 +
437
Manual de Fitopatologia
AÇÚCARES
e~--~~
7 - ._ Cominho da pentose fosfato
Glicólise +
.
+ .
Fiosf oenolp1ruvoto+ Entrose -4- fosfato ____...fenilalonino ,
. ~ Acido benzoico
Caminho do ácido shiquímioo ____..
Cumarinas
F lovonoides
>------~ lsoflovonoides
Estilbenos
Acetilenos
/ / .....----------;:.......----,---1►►
Pir♦voto 1/ 1 / Policet{deos
Acetil-CoA~ - Molonil-CoA
\ ~ Monoterpenos
Ácido mevolõnico _.,. Diterpenos
Ciclo do ácido Sesquiterpenos
tri - carboxílico
Figura 3S.11 - Caminhos metabólicos (acetato-shiquimato, acetato-malonato, acetato-mevalonato) envolvidos na síntese de fitoalexinas.
Fonte: Modificada de Mansfield (1983).
rias Oram + mostram-se ma is sensíveis. A nível fisiológico, o prin- 2014) são flavonoides da classe das 3-deoxiantocianidinas e
cipal efeito das fitoalexinas resume-se em alterações na membrana incluem, por exemplo, luteolinídina, apigeninídina e um éster do
plasmática do microrganismo, o que resulta na perda da integridade ácido cafeico com arabinosil 5-o-apigenioidina (Figura 35. l O).
estrutural dessa membrana, tendo como consequência a perda exage- Através de bioensaios in vitro, esses metabó lítos mostraram-se
rada de eletrólitos e a morte ce lular. Além disso, esses compostos altamente inibitórios a Colletotrichum sublineolum, agente causal
podem também afetar diretamente o metabolismo respiratório. da antracnose do sorgo, em concentrações menores que 9 µM.
No tocante ao envolvimento das fitoalexioas na resis- Como essas fitoalexinas são coloridas, o acúmulo das mesmas
tência das plantas às doenças. uma série de evidências ligando pôde ser visualizado no interior de uma a três células em folhas
a produção desses metabólitos à expressão da resistência é vivas de sorgo, o que corresponde a uma área aproximada de
mostrada no Boxe 35.1. 2.300 µm 2. Essas fitoalexioas seguem um padrão específico de
Para melhor entender o papel das fitoalexinas nas interações acúmulo no interior das células individuais, associadas ao sítio
planta-patógeno, alguns aspectos devem ser destacados. As fito- de infecção. Por exemplo, quando C. sublineolum era colocado
alexinas são sintetizadas nas célnlas vivas afetadas pelo ingresso nos tecidos, a fonnação dos apressórios estava completa 20
do patógeno, e, à medida que a doença progride, esses metabó- horas após a inoculação. Logo após a formação do apressório,
litos acum ulam-se nas células mortas ou nas que estão morrendo. vesículas (inclusões) incolores (inicialmente menores que 1 µm
Na maior parte das interações, as Jitoalexinas são encontradas em diâmetro) apareciam no citoplasma da célula sob ataque e
nos tecidos que circundam o sítio original de infecção, mas não começavam a coalescer (chegando a atingir diâmetros em tomo
necessariamente nas células que foram as primeiras a entrar em de 15-20 µ m) e a locomover-se em direção ao ponto de adesão do
contato com o patógeno. Corno a rmaioria das fitoalexinas são apressório. Durante esse processo, as vesículas passavam a exibir
invisíveis, a localização celular das mesmas mostra-se dificil. uma coloração vermelha intensa, que corresponde à pigmen-
Fitoalexinas identificadas a partir de tecidos de plantas de sorgo tação de uma mistura dessas fitoalexinas. A seguir, essas inclu-
(Nícholson & Hammerschmidt, 1992; Polooi & Schirawski, sões estouravam, liberando o conteúdo no interior do citoplasma
438
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
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Figura 35.12 Detoxificação da fitoalexina medicarpina por Bo11ytis sp. e Co/Jetotrichum sp.
Fonte: Adaptada de Harbome ( 1988).
439
Manual de Fitopatologia
• Proteínas relacionadas a patogênese (Protefnas-RP) as ilustradas no Boxe 35.2, além de englobarem vários grupos
Essas proteínas ("pathogenesis related proteins"; "PR-pro- de proteínas. as quais não são funcional e estruturalmente rela-
teins'') foram det1ectadas pela primeira vez em torno de 1970 em cionadas, e que tem sido agrupadas em famílias de proteínas.
folhas de fumo Samsun NN, exibindo reação de hipersensibili- de acordo com as sequências similares de codificação, relações
dade ao v(rus do mosaico do fumo (TMV). Esse foi o sistema sorológicas e/ou atividades enzimáticas ou biológicas. Como
que permitiu a caracterização da maior parte das proteínas-RP, ilustrado na Tabela 35.5, existem 17 famílias de proteínas-RP.
cujo conceito inicial designava qualquer proteína produzida pela numeradas na sequência em que foram sendo descobertas (RP- 1
a RP-17), sendo que a função de muitas dessas proteínas ainda é
planta hospedeira, porém induzida somente em situações pato-
desconhecida (Guzzo, 2003). Porém, duas novas famílias foram
lógicas ou relacionadas, incluindo infecções por vírus, fungos e
propostas. as quais incluem as PR-18 (Custers et ai., 2004) e as
bactérias, ataque:s por nematoides parasitas. insetos fitófagos e
herbívoria por animais superiores (Sudisha et ai., 2012). Estresses PR-19 (Sooriyaarachchi et ai.. 2011 ). Na maioria dos casos, um
conjunto de proteínas-RP das diferentes famílias é induzido, ao
abióticos e desordens não eram considerados como indutores
invés de um único membro de urna única família, sendo comum
de protcínas-RP, embora algumas condições fisiológicas não
para algumas protcínns-RP a ocorrência de si.nergism,;> entre e las
infecciosas, como por exemplo. a clorose e/ou necrose indu-
(SouLa et ai. 2017). Finalmente, o sinal para o acúmulo sistêmico
zidas por toxina:;, frequentemente levem ao acúmulo de deter-
das proteínas-RP é desconhecido, embora existam vários candi-
minadas proteínas-RP. Inicialmente, as protcinas-RP encontradas
datos, como o ácído salicílico, etileno, sistemina (peptídeo com
possuíam como caraterísticas serem ácidas, baixa massa molc-
dezoito aminoácidos, móvel e que induz a síntese de inibidores de
cu lar, resistentes a degradação proteolítica e a valores baixos de
proteases em tomateiro) e o jasmonato (o qual atua como regu-
pH, e localizadas predominantemente no espaço intercelular das
lador vegetal natural na senescência).
folhas. Após a infecção, acumulavam nas folhas e outros órgãos,
podendo compreender mais de 10% do total de proteiuas solúveis.
Trabalhos demoustraram a indução de proteínas-RP como Boxe 35.2 Algumas características tisico-químicas
resultado da colonização dos tecidos por fungos e bactérias oão das proteinas-RP
patogênicos ou benéficos. Além disso, demonstrou-se que as
proteínas-RP também são induzidas em resposta a diferentes situ- Essas características são comuns a maior parte
ações de estresse, como seca, salinidade, injúria. metal pesado, das proteínas-RP (modificado de Schwan-Estrada et
tratamento com elicitores endógenos e exógenos, e reguladores ai., 2008):
do desenvolvim1:nto vegetal, sendo que alguns autores, nessa • São estáveis em pH baixo (em torno de 2,8);
situação, as clas:sificam como proteínas de estresse. Em função
• Mostram-se resistentes à ação de enzimas
das pesquisas sobre o tópico, o conceito de proteinas-RP vem
proteolíticas;
sendo alterado. Por exemplo, o termo "proteínas-semelhantes a
RP" ("PR-líke proteins") foi proposto para acomodar proteínas que • Geralmente ocorrem como monômeros, com
massa molecular variando de 5 a 70 kDa;
estão presentes em plantas sadias, sendo inJuzidas essencialmente
de maneira contr,olada e específica em função do desenvolvimento • Podem estar localizadas no vacúolo, parede
do tecido. Essas proteínas não seriam sintetizadas em resposta a celular e/ou apoplasto;
infecção com patógenos ou estresses relacionados, sendo predo- • São estáveis sob altas temperaturas (60-70 °C).
minantemente básicas e localizadas intracelulanncnte no vacúolo.
Porém, uma distinção clara entre proteínas-RP e proteínas-seme-
lhantes a RP muitas vezes toma-se difícil, visto que glucanases Algumas dessas protefnas já foram abordadas no item
e quirinases básicas em folhas maduras podem ser expressas em 35.2. L.6 (Proteínas e peptideos antimicrobianos) (Yan et ai..
função do desenvolvimcuto do tecido ou induzidas em resposta 2015), porém vamos destacar aquelas que exibem atividade de
a infecção no m1~smo órgão. Por sua vez, glucanases e quitinases ~-1,3-glucanase e quitinase. As ~-1,3-glucanases estão agru-
ácidas ou básicas, as quais podem ser expressas constitutivamente padas na família RP-2 (Balasubramanian et ai., 2012), enquanto
em órgãos florais também pode ser induzidas por patógenos nas as quitinases estão agrupadas principalmente na família RP-3,
folhas. Em 2006, Van Loon e colaboradores introduziram o termo e alguns membros nas famílias RP-4. RP-8 e RP-LI (Grover,
geral "proteínas. induzíveis relacionadas a defesa" ("inducible 2012). Essas proteínas-RP exibem formas ácidas e básicas, sendo
defence-related proteins") para incluir proteínas que são principal- que as formas básicas ocorrem, de modo geral, intracelulannente
mente não detectáveis em tecidos sadios, cuja indução seja demons- (nos vacúolos) e as ácidas, extracelularmente (nos espaços inter-
trada após o ataque do patógeno. Portanto, esse tenno englobaria celulares) (Figura 35.13). Vários trabalhos indicam que as formas
as famílias da proteínas-RP e proteínas não-classificadas, mas falha extracelulares possuem uma função imediata na defesa das
na inclusão de várias proteínas que estão presentes no tecido sadio plantas, com ação direta sobre as hifas invasoras (ação fungicida).
e são induzidas quando da infecção microbiana. Esta ação provoca a liberação de elicitores oligossacarídicos a
Em função do exposto acima e com base na revisão de partir das paredes fúngicas, os quais podem levar à ativação de
Ferreira et ai. (2007), pode-se estabelecer a seguinte definição outros mecanismos locais ou sistêmicos de resistência nas plantas
de trabalho pam o presente capítulo: protefnas-RP podem ser (ação antimicrobiana indireta). Por sua vez, as formas intrace-
produzidas pelas plantas durante o desenvolvimento normal, em lulares parecem poder atuar tardiamente nas reações de defesa
resposta a estímiulos abióticos ou col'tlo pane de um sistema indu- das plantas. Caso as formas extracelulares não sejam capazes
zível de defesa contra patógenos em potencial, contra os quais de impedir o crescimento do patógeno nos tecidos vegetais,
exercem algum tipo de controle. Nesse sentido, as proteínas-RP ocorreria o colapso da célula e a liberação das formas intrace-
podem apresentar algumas propriedades fisico-químicas, como lulares básicas dos vacúolos, como ilustrado na Figura 35.13.
440
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
Fumo "'peroxidase
RP-9 35 Peroxidase
formadora de lignin"
As quitínases mostram-se importantes na resistênc:ia de Stylo- sobreviver por algum tempo, em baixas concentrações, porém
santhes guianensis a Colletotrichum gloeosporioides, enquanto sem possibilidade de movimentação para fora da área lesionada.
o aumento na atividade total da j3-l,3-glucanase em milho está A RH pode ser vista como uma espécie de "suicídio" de
correlacionado com a expressão da resistência dos tecidos ao algumas poucas células da p lanta em prol da sobrevivência das
Setosphaeria lllrcica. demais, o que a toma um dos mecanismos de defesa mais impor-
Embora importantes na defesa das plantas contra fitopató- tantes nas plantas (Gill et ai., 2015; Vandelle et al., 2016). A
genos, alguns trabalhos mostram o potencial das PR-proteínas resposta ocorre em função do reconhecimento da infecção, por
como alérgenos para humanos (Sinha et ai., 2014). parte do hospedeiro. como urna consequência da incompatibili-
dade entre a planta e o patógeno. Portanto, a RH ocorre em inte-
35.J. REAÇÃO DE HIPE RSENSIBILIDA DE rações incompatíveis, envolvendo a infecção da planta por vírus,
Essa reação mostra-se como uma resposta celular extrema bactérias e fungos. Na sua forma clássica, a RH mostra-se como
por parte da planta, podendo levar a um alto grau de resistência uma pequena necrose, visível a olho nu, que ocorre em diferentes
à doença (Király et ai., 2007). A reação de hipersensibilidade órgãos das plantas, sendo considerada como sinônimo de morte
(RH) ("hypersensitive reaction": HR) resulta na morte· repentina celular. Vários trabalhos evidenciam similaridades entre a RJI e
de um número limitado de células do hospedeiro circundando os a apoptose animal (morte celular programada), com base, por
sítios de infecção. A reação é considerada como urna resposta exemplo, nos seguintes aspectos: ambas são controladas gene-
de defesa induzida, culminando na parada do crescimento e do ticamente; similaridades entre proteínas elicíadoras produzidas
desenvolvimentro do patógeno nos tecidos da p lanta. No caso ou liberadas por patógenos de plantas ou de animais; presença
de fungos e bactérias presentes no local ·de expressão da RH, os de proteases do tipo caspases nas plantas (Reape & McCabe,
mesmos são isolados pelos tecidos necróticos e morrem rapida- 2008). A magnitude do poder destrutivo da RH mostra-se compa-
mente. Nas doenças causadas por vírus, a RH resulta na formação rável àquela induzida pelas substâncias biológicas mais tóxicas
das chamadas lesões locais, nas quais as panículas virais podem conhecidas do homem como, por cx.emplo, a toxina tipo A da
441
Manual de Fitopatologia
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Figura 35.13 - Interação da célula vegetal com um patógeno füngico, ilustrando a complexidade de eventos, com destaque para as proteínas
relacionadas a patogênese quitinase e f{- 1,3-glucanase.
Fonte: Adaptada de Paxtoo & Groth (1994).
bactéria Clostridium botulinum. Baroa et ai. (1983) calcularam bilidade mais do que um determinante primário de resistência à
que a RH em folhas de fumo, causada por Pseudomonas pisi, doença. Portanto, a morte celular na RH na planta e a morte ou
reflete o efeito de uma célula bacteriana (aproximadamente igual impedimento do movimento do patógeno durante a RH são duas
a 1µ 3) sobre uma célula do parênquima da folha (aproximada- reações distintas. De fato, resistência significa inibição ou morte
mente igual a 30.000 µ 3). dos patógenos na planta hospedeira incompatível e a necrose
Após a chegada do patógeno na planta resistente, as células celular no hospedeiro (RH) pode ou não ser associada com a resis-
infectadas rapidamente perdem a turgidez, tomam-se de cor tência a doença. Finalmente, as respostas bioquímicas associadas
marrom (devido a oxidação de fenóis) e morrem. O processo de com a RH mostram-se similares àquelas que ocorrem após a injúria
morte celular na RH é caracterizado pela agregação do citoplasma, mecânica, na senescência ou como respostas ao estresse.
parada dos movimentos citoplasmáticos, perda da permeabilidade Dife.rentemente da RH existe a reação imune ("immune
das membranas (devido à despolarização das mesmas, com reaction"), onde esse tipo de resistência específica não é associada
a consequente perda de eletrólitos para o espaço extracelular), com o aparecimento de áreas necróticas nos órgãos vegetais resis-
degeneração do núcleo e organelàs, além de aumento acentuado tentes. Um exemplo dessa resistência extrema é visto em batata,
da respiração e do acúmulo de compostos fenólic-0s e fitoalexinas onde o gene Rx confere resistência à infecção pelo Potato virus X
(Figura 35.14). A RH, para uma detenninada interação planta- (PVX). A inativação ou o impedimento do movimento da partí-
patógeno, parece ser caracterizada principalmente pela capa- cula virai ocorre rapidamente na planta infectada, antes do desen-
cidade metabólica da planta e mostra-se pouco dependente do volvimento da Rl-1.
patógeno envolvido. Embora a sequência dos eventos associados
com a RH seja matéria de controvérsia, existem eviJências de 35.4. FENÔMENO DA RESISTÊNCIA INDUZIDA
que o crescimento do patógeno é infüido antes da manifestação Como visto até aqui, as plantas possuem diferentes meca-
dos sintomas macroscópicos da necrose. Além disso, evidências nismos estruturais e bioquímicos que podem contribuir para a
sugerem que o RH é provavelmente um sintoma de incompati- resistência das mesmas contra fitopatógenos. Esses mecanismos
442
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
A síntese
Degeneração do núcleo de fitoalexinos ( F J
é estimulada
de resistência são geneticamente determinados e sua efetividade 24 horas mais tarde, pela inoculação do mesmo tecido com uma
mostra-se depend1!nte da expressão dos mesmos no momento raça compatível do oomiceto (Figura 35.15). A inoculação prévia
certo, em magnitude adequada e em uma sequência lógica, após com a raça incompatível originou uma reação de hipersensibili-
o contato do patógeno com o hospedeiro. A possibilidade da dade e o acúmulo de fitoalexinas, impedindo o crescimento da
ativação dos genes responsáveis por esses mecanismos de resis- raça compatível nos tecidos.
tência, sob condições espe.ciais, tomando as plantas mais resis- A proteção induzida é dependente do intervalo de tempo entre
tentes aos patógenos, abriu as portas para estudos envolvendo o o tratamento inicial (tratamento indutor) e a subsequente inocu-
fenômeno da indm;:ão de resistência em plantas (Burketova et ai., lação do patógeno (tratamento provocador ou desafiador). Essa
2015; Gozzo & Faoro, 2013; Oliveira et ai., 2016). dependência indica que mudanças específicas no metabolismo da
A resistênciia induzida em plantas, como vista inicial- planta, envolvendo a síntese e/ou acúmulo de substâncias, são
mente no Capítulo 6 e também mencionada no Capítulo 17 desta importantes no fenômeno da resistência induzida. Com base
obra, é também conhecida como indução de proteção ou imuni- em Bonaldo et ai. (2005), visamlo a padronização de algumas
dade adquirida e envolve a ativação d.os mecanismos latentes de definições, no presente capítulo um agente indutor é conside-
resistência em umia planta através de tratamentos com agentes rado qualquer composto ou fator capaz de ativar mecanismos
externos, que podem ser bióticos (por exemplo, microrganismos de defesa da planta, e eliciador (algumas vezes referido como
viáveis ou inativacilos) ou abióticos (por exemplo, metais pesados elicitor) a molécula presente em um indutor responsável direto
ou acibenzolar-S-rnetílico). sem alteração do genoma da mesma pela ativação dos mecanismos de defesa. Além dessa caracterís-
(Cavalcanti et ai., 2005b). A indução de proteção já foi observada tica envolvendo o intervalo de tempo, o fenômeno exibe algumas
em diferentes espécies vegetais, como batateira, cafeeiro, cevada, outras que merecem ser destacadas:
cravo, feijoeiro, fu11TI0, macieira, melancia, melão, pepino, pereira,
tomateiro e videira. Um experimento clássico que demonstrou • Proteção local ou sistêmica
esse fenômeno nos tecidos vegetais foi conduzido por Müller & A proteção induzida pode se manifestar local ou sistemica-
Bõrger ( \ 941) com tubérculos de batata inoculados, inicialmente, mente, à distância do ponto de aplicação do indutor e penetração
com urna raça incompatível de Phytophthora infestans, seguido, do patógeno (Figuras 35.15 e 35.16). Como exemplo, pode-se
443
Manual de Fitopatologia
Inoculação da zona
intermediária do tubérculo
com uma raça Tubérculo
incompatível não inoculado
o
l \
Reação de hipersensibilidade
vírus
e produção de fitoalexinas bactérias
fungos
HgC/2
Folhas co,trole
nao trotados nitrogênio lfquldo
Toda a superfície dos tubérculos é inoculada
Injúr ia mecanico
com uma raça compatível 24 h mais tarde
Figura 35.16 - !lustração do fenômeno da resistência sístêmica in-
duzida em folhas superiores de plantas con1ra dife-
rentes fitopatógenos através do tratamento prévio da~
Zona intermediária Formação abundante folhas inferiores por agentes biótic.-os (fungos, bac-
do tubérculo exibindo de micélio térias, vírus) ou abióticos (HgCl 2, NaCL nitrogênio
resistência induzida líquido).
Fonte: Adaptada de Goodman d ai. (1986).
444
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
a planta é protegi-da. Plantas de pepino submetidas a tratamentos dores chegaram à conclusão de que o fungicida potencializava
foliares tendo C. gloeosporioides f. sp. cucurbitae ou vírus da as respostas bioquímicas e moleculares das plantas por meio do
necrose do fumo (Tobocco necrosis virus - TNV) como indu- pré-condicionamento/sensibilização (''priming") contra a subse-
tores mostram-se protegidas sistemicamente contra C. gloeos- quente infecção pelos patógenos. Com base nas pesquisas condu-
porioides f. sp. cucurbitae, Cladosporium cucumerinum, Didy- zidas nessa área nos últimos 15 anos (Goellner & Conrath, 2008;
mella bryoniae, Fusarium oxy sporum f. sp. cucumerinum. Mauch-Mani et ai., 2017), demonstrou-se que o "priming" é parte
Phytophthora injéstans, Pseudoperonospora cubensis, Pseudo- integrante do fenômeno da resistência das plantas contra estresses
monas syringae pv. lachry mons, Erwinia tracheiphila, vírus do bióticos e abióticos, pennitindo que as plantas ativem suas respostas
mosaico do pepino (Cucumber mosaic virus - CMV) e TNV. de defesa mais rapidamente e/ou efetivamente quando desafiadas
por esses estresses (Figuras 35.17 e 35.18). Além disso, recente-
• Transmissão via enxertia e regenerantes
mente demonstrou-se o chamado "Estado de priming transgene-
Deve-se destacar que a resistência induzida nas plantas racional" (Figura 35.17), o qual ocorre em plantas geradas a partir
pode ser transmitida através de enxertia, como exemplificado de sementes provenientes de plantas paremais pré-condicionadas
para pepino protegido por C. gloeosporioides f. sp. cucurbitae ("priming memory"f 'plant immunological rnemory'), as quais se
ou TNV contra C. gloeosporioides f. sp. cucurbitae e de regene- tornaram aptas a reagir mais rapidamente e mais adequadamente
rantes via cultura de tecidos, como mostrado em plantas de fumo quando desafiadas por um agente estressante (Balmer et ai., 2015).
protegidas contra P hyos<.yami C sp. tabacina. Esse fenômeno é bastante interessante para o desenvolvimento de
novos conceitos no controle de doenças, visto que pmpicia resis-
• Primi11g (pré-condicionamento/sensíbilização)
tência de amplo-espectro sem afetar significativamente o cres-
No início dos anos 2000, Henns e colaboradores (Herms et cimento das plantas e a frutificação ou a produção de sementes
ai., 2002), trabalh:ando com plantas de fumo pré-tratadas com um (Karasov et ai., 2017; Mauch-Mani et ai., 2017).
fungicida a base de estrobilurina, evidenciaram a possibilidade de
aumentar a resisti!ncia dessas plantas contra o vírus do mosaico • Mecanismos de resistência ativados
do fumo (Tabacco mosaic virus) e contra a bactéria Pseudomonas A proteção induzida em plantas envolve a ativação de meca-
syringae pv tabaci. Com base nesses resultados, os pesquisa- nismos de resistência representados por barreiras bioquímicas e
t t 't Tempo
•
Estímulo priming Desafio Desafio
Figura 35.17 -Os vários estados no fenômeno do priming (pré-condicionamento/sensibilização). O estado de príming é disparado por um
estimulo e dura até o momento em que a planta é exposta ao desafio por um estresse. Na "Fase de priming", os níveis de vários
me·tabólitos primários e secundários, enzimas, hormônios e outras moléculas são levemente alterados colocando a planta em
um estado de alerta ("standby state"). · Em resposta ao desafio com um agente estresse, a planta entra na "Fase de primíng
após desafio'', momento em que reações (fenóis, fitoalexinas, proteínas relacionadas à patogênese, etc) para combater o agente
estressante são induzidas rapidamente. Por sua vez, o ·'Estado de priming transgeneracional'' ocorre em plantas geradas a partir
de sementes provenientes de plantas parentais pré-comlicíonadas ("priming memo1Ji"), as quais se tomaram aptas a reagir mais
rapidamente e mais adequadamente quando desafiadas por um agente estressante. A linha verde representa o nível e a veloci-
dade da reação das plaiitas que foram cond.icionadas ("prímed"), enquanto a linha azul mostra o nível de reação das plantas
não condicionadas. TCA - ciclo do ácido tricarboxílico; EROs - espécies reativas de oxigênio; PRs - proteínas relacionadas
à patogênese.
Fonte: Adaptada de Balmer et ai. (2015).
445
Manual de Fitopatologia
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Tempo Bpós inoculaçilo Tanpo após inorul11ção
Tempo após inoe-ulaçio (h)
Figura 35.18 - Atividade das enzimas fenilalanina amônia-liase (FAL) (a) e chalcona isomerase (CI-11) (b) e o acúmulo da fitoalexina faseolidina
(c) em hipocótilos de plântulas de caup,i (Vigna unguiculata) tratadas, via sementes, com acibenzolar-S-metílico (ASM) e desafia-
das com Colletotrichum orbicular-e (♦ );desafiadas na ausência de indução(■) ou induzidas com ASM, mas não desafiadas (.à).
Fonte: Adaptada de Latundc-Dada & Lucas (2001).
o patógeno (Figura 35. 19), enquanto os tecidos protegidos Horas após o trotamento desafiador
mas não inoculados não acumulam esse polímero fenólico. A
restrição no desenvolvimento de C. cucumerinum foi associada Figura 35.19 - Conteúdo de lignina em tecido de pepino após a ino-
com a capacidade das células epidérmicas de tecidos prote- culação desafiadora com Cladosporium cucumerínum.
gidos em responder rapidamente à presença do patógeno com Os tratamentos são representados por: (ll-ll) resis-
o acúmulo de lignina. tência sistêmica induzida com C. gloeosporíoides
f.sp. cucurbitae e desafiada com C. cucumerinum;
• Uso no controle de doenças
( ♦-♦ ) resistência não induzida, tecido desafiado;
A indução de resistência em plantas, além de ser utilizada (6-·-Á) resistência induzida, tecido não desafiado;
como uma ferramenta para os estudos bioquímicos e fisiológicos (♦--- ♦) resistência não induzida, tecido não desa-
dos mecanismos de resistência e suscetibilidade das plantas contra fiado.
fitopatógeoos, pode lambém ser vista como uma possível medida Fonte: Adaptada de Kuc ( 1982).
para o controle de doenças vegetais (Capítulos 6 e 17 desta obra;
Burketova et ai., 2015; Cavalcanti et ai., 2005b; Gozzo et ai.,
2013; Kuhn et ai., 2006; Llorens et ai., 2017; Oliveira et ai., 2016; planta permanece em "estado de alerta" ("príming"; Figura 35. 17)
Walters & Fountaine, 2009). A proteção mostra-se viável em casa e os mecanismos de resistência são ativados mais rapidamente e
de vegetação e condições de campo, exibindo várias vantagens, somente na presença do patógeno; a presença do potencial gené-
como: a efetividade contra vírus, bactêtias, fungos e nematoides; tico para resistência em todas as plantas suscetíveis. Deve-se
a estabilidade devido à ação de diferentes mecanismos de resis- ressaltar que a resistência induzida raramente é completa, sendo
tência; o caráter sistêmico, persistente e natural da proteção; a que a maior parte dos agentes indutores promove controle das
transmissão por enxertia; a economia de energia metabólica - a doenças entre 20% e 85% em relação às plantas não induzidas.
446
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
Em função do possível uso comercial da indução de resis- uma interação do tipo sim/não, a qual, subsequentemente, permite
tência, em tomo de 1995, na Europa. ocorreu a liberação do ou impede a evolução de uma cadeia de respostas necessárias para
primeiro produto comercial, no contexto de uma nova classe deno- o desenvolvimento ou restrição do crescimento do patógeno. Para
minada de "Ativador de Planta" ("plant activator'''), representado os fitopatologistas, Sequeira (1978) sugere a seguinte definição
pelo Bion®, o qual é um éster S-metil do ácido benzo (1,2,3) tiadia- para reconhecimento: "Um evento específico inicial que desenca-
zole-7-carbotioico, também conhecido como acibenzolar-S-metil deia uma resposta rápida e direta por parte do hospedeiro, que faci-
ou acibenzolar-S-metilico (ASM) e considerado como um análogo lita ou impede o posterior crescimento do patógeno''.
funcional do AS. Após a liberação do ASM, vários novos produtos Portanto, a ativação das respostas de defesa por parte
têm surgido, explorando a capacidade de ativação dos mecanismos da planta se inicia pelo reconhecimento de padrões mole-
de defesa das plantas. Dentre eles, pode-se citar, Axiom Harpin culares associados ao microrganismo (PAMPS e MAMPS),
Proteins® (antigo ProActTMx e Messenger®), Elexali), Oxycom~ conforme descrito inicialmente e no Capítulo 6 desta obra,
e Phytogard®, os quais representam uma nova geiração de defen- mediado pela interação entre os genes de resistência da planta
sivos, com possibilidades de emprego em programas de manejo (R) e efetores ou pela ligação de eliciadores não-especí-
de doenças de plantas. ficos (fatores abióticos, produtos do patógeno, frações da
A pesquisa sobre o fenômeno da indução de: resistência em parede celular da planta ou do próprio microrganismo) a
plantas mostra um grande volume de trabalhos, al,5m do interesse possíveis receptores da planta (PRRs) (Piguras 35.20 e 35.21;
da iniciativa privada, visando a utilização da prote:ção em casa de Boxe 35.3). Os mecanismos de defesa desencadeados podem
vegetação e campo para o controle das doenças e o consequente incluir a resposta de hipersensibilidade, a produção de espécies
repasse da mesma para os produtores. Atualmente, procura-se a ativas de oxigênio, a ativação de genes de defesa, a síntese de fito-
identificação do sinal químico transloeado através das células das alexinas e de compostos aptos a promover mudanças estruturais
plantas protegidas sistemicamente {Archana et ai.. 2017), bem na parede celular. Em adição, sinais podem ser translocados para
como o emprego das técnicas da biologia molecular para o escla- partes distantes do sitio onde o reconhecimento ocorreu, aumen-
recimento das bases moleculares do fenômeno (Balmer et ai., tando os níveis de resistência (Archana et ai., 2017).
2015; Mauch-Mani et ai., 2017). Nesse sentido, para que os mecanismos de defesa sejam
ativados, existe a necessidade da percepção molecular de sinais
35.5. ESPECIFICIDADE NAS INTERAÇÕIES
por parte da planta. Moléculas receptoras, em sua grande maioria
HOSPEDEIRO-PATÓGENO
proteínas, ficam ancoradas ou em disposição transmembranar
Um alto grau de especificidade existe nas interações hospe- na membrana plasmática com o sítio antena (reconhecimento)
deiro-patógeno. Apesar do grande número de patóg:enos em poten- voltado para o ambiente extracelular e no citoplasma e/ou núcleo
cial no ambiente, somente umas poucas espécies vegetais ou culti- para sinais que ocorrem intracelulam,ente, como no caso de
vares tomam-se infectados. Além disso, somente certos biótipos vírus e bactérias. Os efetores dos patógenos podem ser apoplás-
de fitopatógenos são capazes de induzir doençã cm· c~rtos culti- licos ou citoplasmáticos (Lo Presti et ai., 2015). Os apoplásticos
vares de uma única espécie de planta. O fenôme:no de especifi- são secretados pelos patógenos e ficam no ambiente extracelular,
cidade não é restrito somente às interações planta-patógeno, mas em espaços intercelulart:s. Em muitos casos, efetores apoplásticos
é também uma característica das interações animal-patógeno e podem ser também reconhecidos por receptores de membrana.
planta-planta, sendo dependente do genoma das partes em inte- Efetores citoplasmáticos apresentam um motivo molecular especi-
ração (veja terminologia no Capítulo 6 desta obra). De acordo fico que lhes dão a habilidade de entrar no citoplasma das células
com Heath ( 1981 ), a especificidade nas interações planta-pató- utilizando a maquinaria da planta. Exemplos clássicos deste tipo
geno pode ser distinguida de duas maneiras: mma, em nível de efetor são aqueles das famílias RxLR e Crinkler (CRN) de
de espécie (especificidade espécie-espécie) e, outra, em nível oomicetos (Stam et ai., 2013). Por apresentarem uma sequência
de cultivar (especificidade raça-cultivar). A resistência cm específica de aminoácidos formando domínios (RxLR: arginina,
nível de espécie é comumente referida como resistência d e qualquer aminoácido, seguido por leucina e novamente arginina,
não-hospedeiro ("non-host resistance"), eoquanitO a resistência ou no caso dos CRN o motivo LFLAK) estes efetores entram
em nível de cultivar é frequentemente referida como resistência na célula, podendo ate interferir com a expressão de genes no
de hospedeiro ("host resistance") (Bettgenhaeuser et ai., 2014; núcleo. Os et"etores citoplasmáticos são reconhecidos por plantas
Gill et ai., 2015). através de proteínas R. Outros efetores eliciadores de defesa tem
sido estudados, como os peptídeos (ex. genes avr4 e avr9) purifi-
35.5.1. Reconhecimento, Sinalização e Ativação dos cados de Cladosporium fulvum na interação com tomateiro, e no
Sistemas de Defesa patossistema Rhynchosporium seca/is e cevada, onde urna proteína
Independentemente das especulações sobre os mecanismos codificada pelo gene de avirulência nipl interage com o produto
envolvidos na especificidade, as reações diferenciais de hospe- do gene Rrs 1, conferindo resistência as plantas. Outra classe de
deiros, não hospedeiros e cultivares implica na e,dstência de um receptore.s específicos é representada pelas proteínas codificadas
reconhecimento especifico entre plantas e patógeiOOS (Gíll et ai., pela família de genes da qual faz parte o Pto do tomateiro. Esse
2015; Lee et ai., 2017; Medeiros et ai., 2003; Resernde et ai., 2007). gene de resistência é um dos mais estudados e o primeiro que
O fenômeno de reconhecimento é definido por Clarke & Knox foi clonado. Os produtos do gene Pto conferem resistência a
(1978) como o "evento inicial na comunicação célula a célula, o isolados de Pseudomonas syringae pv. tomato portadores do gene
qual evoca uma resposta bio4uímica; fisiológica ou morfológica de avirulência avrPto. Além disso, o sistema de reconhecimento
definida''. Nessa definição, deve-se atentar para a distinção entre o que envolve o gene Pto não é um sistema simples de interação
processo (o evento da comunicação), que determina uma resposta, eliciador-receptor, existindo a participação de vários fatores de
e a natureza da resposta. O reconhecimento pode ser visto como transcrição.
447
Manual de Fitopatologia
Patógeno
~~~
Genes de patogenicidade Genes de avirulência
~
Exemplo: adesão, produção de toxinas,
enzimas degradadoras de parede e cutícula
Elidadores ♦ Eliciador
Ataque microbiano não específicos especifico
Defesa do hospedeiro
+ Receptor
específico
Célula Vegetal
Figura 35.20 - Modelo molecular simplificado ilustrando a interação planta-patógeno.
Fonte: Adaptatla de Lucas (1998).
Diferentes dos produtos de genes avr, compostos presentes fração lipídica, representada pelos ácidos araquldônico e eico-
na parede celular e outros secretados pelo patógeno constituem-se sapentanoko, foi isolada de esporos de Phytophthora infestans,
em elicíadores não específicos, para os quais existem os respec- e a mesma era efet1va como eliciador do acúmulo de fitoalexinas
tivos receptores. As plantas possuem um sistema capaz de perceber do tipo terpenoides em batata.
sinais químicos e detectar a presença de invasores, consequente- Após efetuada a percepção do sinal, mediada pelos recep-
mente acionando o seu sistema de defesa. Além desses, temos as tores celulares, tem lugar a transdução do sinal gerado pela inte-
elicitínas, pequenas proteínas (cerca de I O kDa), produzidas por ração eliciador-receptor, a qual consiste na amplificação desse
espécies de Phytophthora e Pythium, as quais induzem necrose sinal para o sítio de ação no interior da célula (Figura 35.20).
sistêmica em fumo e outras solanãceas (Pascholati et ai., 2008a). Essa amplificação pode ser direta ou indireta, por exemplo, via
Além disso, as clicitinas podem induzir respostas de defesa, como mensageiros secundários, fosforilação de proteínas ou ativação
é o caso da criptogeína, a qual é produzida por Phytophthora de proteínas G. A fosforilação de proteínas se apresenta como
cryptogeo, e induz alterações na penneabilidade da membrana, um mecanismo-chave para a transdução de sinais em organismos
produção da fitoalexina capsidiol e a fosforilação de proteínas procarióticos e eucarióticos. Nesse processo, quinases de prote-
em células de fumo em cultivo. Por outro lado, a elicitina ínas efetuam a catálise de substratos como histidina, serina, treo-
alfa-plurivorina de Phytophthora pillrivora não elicita defesa, nina e tirosina. Dentre essas enzimas, as proteínas denominadas
pelo contrario, este efetor foi descrito como tendo ação na de quinases de proteínas ativadas por mitógenos (MAP-quinases)
supressão das três vias do sistema de defesa (vias do ácido sali- mostram-se de especial interesse (Cui et ai., 2010). Diversos
cílico, jasmonato e etileno) em plantas de faia europeia (Fagus compostos foram identificados como mediadores no processo
sylvatica), sendo responsável pela agressividade do patógeno e de sinalização para respostas das plantas a diferentes patógenos
suscetibilidade da planta (Dalio et ai., 20 17a). As harpinas são ou fatores abióticos. Dentre eles, pode-se citar o ácido salicílico
proteínas produzidas por espécies de Pseudomonas e Erwinia (possível sinal endógeno secundário), o ácido jasmônico e seu éster
e induzem reação de hipersensibilidade em várias plantas. Por meti! (também possíveis mensageiros secundários), etileno e o
exemplo, uma proteína de 44 kDa, produto do gene hrpN de óxido nítrico. Finalmente, ocorre a tradução do sinal, onde ocorrem
E. amylovora, elicia a produção de espécies reativas de oxigênio as respostas celulares. em função da ativação de genes envolvidos
em células de fumo em poucos minutos. De maneira similar. o na síntese de proteínas-RP, de enzimas de rotas metabólicas de
gene hrpZ de Pseudomonas syringae pv. syringae codifica urna fitoalexinas e de mecanismos de defesa estruturais. Em resumo,
proteína de 35 kDa, a qual induz RH em fumo e batata. Uma após o reconhecimento do fitopatógeno ou agente provocador de
448
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defe ndem dos Patógenos
ETI
Alta Boxe 35.3 MAMPs, PAMPs e efetores
•••
•••
fungos (quitina, glucana, proteínas e glicoproteínas)
e lipopolissacarídeos bacterianos (LPS) e flagelina,
elidam respostas de defesa em um grande número
de plantas. Esses eliciadores não-específicos são
geralmente componentes estruturais conservados de
microrganismos, sendo denominados de "padrões
moleculares associados a microrganismos" ("micro-
V organism-associated molecular pattems"; MAM_Ps)
ou "padrões moleculares associados a patógenos"
(pathogen-associated molecular patterns"; PAMPs),
•--
PRRs os quais são reconhecidos como resultado da "imuni-
dade ínata" das plantas. Outro grupo de eliciadores é
reconhecido por um número específico de plantas ou
Baixa
••• cultivru:es. Originalmente, os elkiadores específicos
eram denominados de proteínas de avirulência (Avr),
pois eram identificados como determinantes de Avr
1'
MAMPs 'DAMPs
\ " PAMPs de fitopatógenos. Atualmente, os mesmos passaram
a ser chamados de "efctores" ("effectors"), visto que
/
também são frequentemente fatores de virulência para
patógenos durante as interações com plantas suscetí-
veis (Capítulo 34 desta obra). Ambos os eliciadores,
específicos ou não, induzem um conjunto similar de
Químicos Não r>atógenos Insetos Patógenos reações de resistência nas plantas as doenças.
Herbívoros
Figura 3S.21 - As plantas reconhecem eliciadores químicos. padrões estresse, b;isicamente três eventos estão envolvidos na transdução
moleculares associados a microrganismos não-pato- do sinal gerado desde a ligação entre o eliciador e receptor até a
gênicos (Microbe-Associared Molecular Pattems ativação dos genes envolvidos na defesa: 1) abertura de canal de
- MAMPS), padrões moleculares associados a pa- íons na membrana; 2) ativação de quinases de proteínas no cito-
tógenos (Parhogen-Associared Molecular Pattems plasma; 3) produção de mensageiros secundários.
- PAMPS), padrões moleculares associados ao dano Vários modelos têm sido propostos para explicar o processo
produzidos pelas plantas em resposta ao ataque de in- de sinalização na resistência das plantas a patógenos ou outros
setos, herbívoros ou pat6genos (Damage-Associared agentes capazes de induzir os mecanismos de defesa. Um modelo
Molecular Patrerns - DAMPS), via receptores de simplificado, ilustrado na Fignra 35.20, mostra esse processo
reconhecimento transmembrana (Transmembrane que pode ser utilizado nas interações gene a gene, bem como
Partem Recognirion Receprors - PRRs). O reconhe- no fenômeno da indução de resistência. Nesse modelo, produtos
cimento ativa uma i.lefesa basal chamada imunidade de gene avr ou produtos relacionados à patogênese (toxinas,
desencadeada por padrões (Pattern triggered imnm-
enzimas, oligômeros de constituintes da parede celular) podem
nity - PTI), um estado que impede a colonização do ser passíveis de reconhecimento pela planta, a qual pode então
hospedeiro por "patógenos não adaptados". Patóge-
expressar genes envolvidos na defesa. Obviamente, trata-se de
nos adaptados secretam efetores que promovem a
um modelo simplificado, visto que as interações entre as molé-
"suscetibilidade desencadeada por efetores" (Effec-
culas eliciadoras e receptoras são mais complexas. Atualmente,
tor lriggered susceptibility - ETS). O tratamento
com o rápido avanço das técnicas moleculares e sistemas bioló-
das plantas com compostos eliciadores (químicos,
gicos disponíveis, tem sido possível entender cada vez mais e em
MAMPs, DAMPs ou PAMPs), na ausência de pa-
detalhes o fenômeno do reconhecimento, sinalização e ativação
tógenos adaptados, ativa o "estado de priming'· e/ou
imunidade baseada em PTI que coloca as plantas em dos sistemas de defesa das plantas.
um estado de alerta para defesa, aumentando a resis- 35.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
tência contra outros patógenos virulentos.
Fonte: Adaptada de Wiesel et ai. (2014). A tentativa de infecção dos tecidos de uma planta por um
patógeno inicia uma progressão complexa de interações bioló-
gicas e moleculares. que culmina nos sintomas visuais associados
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Fisiologia do Para.sitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos
ETI
Alta Boxe 35.3 MAMPs, PAMPs e efetores
..--•-
PRRs os quais são reconhecidos como res ultado da " imuni-
dade inata" das plantas. Outro grupo de eliciadores é
reconhecido por um número específico de plantas ou
Baixa cultivares. Originalmente, os eliciadores específicos
e ram denominados de proteínas de avirulência (Avr),
t '\~ pois eram identificados como determinantes de Avr
d e fitopatógenos. Atualmente, os mesmos passaram
OAMPs PAMPs
a ser chamados de "efetores" ("effectors"), visto que
I
também são frequentemente fatores de virulência para
patógenos durante as interações com plantas suscetí-
veis (Capítulo 34 desta obra). Ambos os eliciadores,
específicos ou não, induzem um conjunto similar de
Químicos Não patógenos Insetos Patógenos reações de resistência nas plantas as doe nças.
Herbívoros
Figura 35.21 - As plantas reconhecem eliciadores químicos, padrões estresse, basicamente três eventos estão envolvidos na transdução
moleculares associados a microrganismos não-pato- do sinal gerado desde a ligação entre o eliciador e receptor até a
gêo icos (Microbe-Associated Molecular Patlerns ativação dos genes envolvidos na defesa: 1} abertura de canal de
- MAMPS), padrões moleculares associados a pa- íons na membrana; 2) ativação de q uinases de proteínas no cito-
tógenos (Pathogen-Associ01ed Molecular Pa11ems plasma; 3) produção de mensageiros secundários.
- PAMPS}, padrões moleculares associados ao dano
Vários modelos têm sido propostos para explicar o processo
produzidos pelas plantas em resposta ao ataque de in-
de sinalização na resistência das plantas a patógenos ou outros
setos, herbívoros ou patógenos (Damage-Associated
agentes capazes de induzir os mecanismos de defesa. Um modelo
Molecular Pauerns - DAMPS), via receptores de
simplificado, ilustrado na Figura 35.20, mostra esse processo
reconhecimento transmembrana (Transmembrane
que pode ser utilizado nas interações gene a gene, bem como
Partem Recognílion Receprors - PRRs). O reconhe-
no fenômeno da indução de resistência. Nesse modelo, produtos
cimento ativa uma defesa basal chamada imunidade
de gene avr ou produtos relacionados à patogênese (toxinas,
desencadeada por padrões (Pallern triggered immu-
enzimas, oligômeros de constituiutes da parede celula r) podem
nity - PT[), um estado que impede a colonização do
ser passíveis de reconhecimento pela planta, a qual pode então
hospedeiro por "patógenos não adaptados". Patóg1:-
expressar genes envolvidos na defesa. Obviameute, trata-se de
110s adaptados secretam efetores que promovem a
"suscetibilidade desencadeada por efetores" (Ejfec- wn modelo simplificado, visto que as interações entre as molé-
tor triggered susceptibilil)• - ETS). O tratamento culas eliciadoras e receptoras são mais complexas. Atualmente,
das plantas com compostos eliciadores (químicos, com o rápido avanço das técnicas moleculares e sistemas bioló-
MAMPs, DAMPs ou PAMPs), na ausência de pa- g icos disponíveis, tem sido possível entender cada vez mais e em
tógenos adaptados, ativa o "estado de priming" e/ou detalhes o fenômeno do reconhecimento, sinalização e ativação
imunidade baseada em PTI que coloca as plantas em dos sistemas de defesa das plantas.
um estado de alena para defesa, aumentando a resis-
35.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
tência contra outros patól:eoos virulentos.
Fonte: Adaptada de Wiesel et ai. (2014). A tentativa de infecção dos tecidos de uma planta por um
pat6geno inicia uma progressão complexa de interações bioló-
gicas e moleculares, que culmina nos sintomas visuais associados
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Manual de Fitopatologia
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450
CAPÍTULO
EM PLANTAS D,OENT.ES
Ronaldo José Durigan Dalio e Sérgio Florentino Pascfmtati
ÍNDICE
36.7,A. Res:piração e patogênese .......................... 462 36.9. Bibliografia cons,ultada ........................................ 470
453
Manual de Fitopatologia
454
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes
tubo germinativo
I substomática
,
' .,
• •
-'
-.célula mãe do haustório
núcleo - .. \
(~ -~
I ' ,
....
r;' , ,- - -~ J!___ cloroplasto
--.! -.,_,.,
•✓
Figura 36.l - Esquema da penetração de patógeno biotrófico em célula do hospedeiro. Detalhe para a proximidade de haustórios com núcleo
e cloroplastos. Em interações biotrófü:as raramente há rompimento de membrana plasmática.
alvos frequentes de patógenos. Uma parcela s.ignificativa de Patógenos necrotróficos por sua vez, inundam o tecido do
efetores tem localização subcelular no núcleo e no cloroplasto. hospedeiro com toxinas e enzimas que podem, no caso de enzimas,
No núcleo, os efetores podem allerar a tradução ~: transcrição de degradar a parede celular e romper tanto a membrana plasmática
genes, manipulando a fisiologia celular do hospedleiro. No c1oro- como as membranas das demais organelas, expondo o conteúdo do
plasto, local de síntese de compostos da via de defesa do ácido citoplasma e nncleo. Os nutrientes disponíveis são então assimi-
salicílico, os efetores podem manipular uma parte importante das lados pelos patógenos. A Figura 36.2 mostra hifas de Bol!J'lis cinerea
respostas de defesa da planta. atacando e degradando tecido foliar de Arabidopsis thaliana.
Figura 36.2 - Fotomicrografia de ataque do patógeno necrotrófico Botrytis cinerea em Arabidopsís thaliana. A) Penetração das hifas em
espaços intercelulares de A. thalianu. B) Colonização avançada de B. cinerea leva à degradação e à destruição de células.
cm - células do mesófilo; cp - citoplasma da célula; ei - espaço intercelular; hf - hifa; pc - parede celular; pm- parede do mesófilo.
455
Manual de Fitopatologia
Patógenos hemibiotróficos possuem um arsenal de efetores Mudanças na fluidez e penneabilidade da membrana são
bastante vasto, desde moléculas que diretamente causam morte eventos comuns durante interações compatíveis. A presença de
celular até aquelas que suprimem reações de hipersensibilidade, haustórios diminui a fluidez das membranas e a presença de
portanto podem estabelecer relações biotróficas ou necrotróficas hifas e toxinas dos patógenos podem alterar o potencial elétrico.
dependendo da fase da infecção ou até mesmo do tipo de hospe- degradar e romper a membrana plasmática liberando eletrólitos
deiro. A Figura 36.3 mostra uma micrografia de Phy10phthora para o meio intercelular. A perda de eletrólitos é um dos primeiros
plurivora, um hemibiotrófico bastante agressivo. atacando raiz de eventos detectáveis que marcam o início de doenças em plantas.
Fagus sylvatica (faia). O patógeno inunda previamente o tecido Entre outros patógenos, que sabidamente causam desequilíbrios na
da planta com um efetor (alfa-plurivorina) que suprime respostas permeabilidade celular por ação de toxinas durante a patogênese.
de defesa das três principais vias (ácido salicílico, Jasmonato e estão o fungo Bipolaris i·ictoriae, causador da queima das folhas
etileno), comportamento este típico de um patógeno biotrófico. e podridão do colo e raízes de aveia, e a bactéria Pseudomonas
Concomitantemente. as hifas do patógeno penetram nos espaços syringae pv. tabaci, causadora do fogo selvagem em soja. Outros
inter e intra-celulares. sem formação de haustório e com rompi- eventos detectáveis em início de infecção são mudanças na estru-
mento c degradação de células. Neste caso. o comportamento é tura de membranas de organelas. Comumente membranas do retí-
típico de necrotróficos. lsso mostra a capacidade/flexibilidade dos culo endoplasmático. cloroplastos e mitocôndrias apresentam um
patógenos hemibiotróficos em empregar estratégias complexas espessamento e inchaço após a infecção e durante a colonizaçã('
tanto de biotróficos quanto de necrotróficos ao atacar e infectar Jos tecidos pode haver rompimento <lestos membranas, compro-
hospedeiros. metendo a função das organelas e por consequência, comprome-
tendo a fisiologia celular e da planta como um todo.
456
Alteraçôes Fisiológicas em,Plantas Doentes
estômato
Ar do lado de fora
=-100,0 MPa
água
atmosfera
partícula
xilema do tronco de solo
=-0,8 MPa
xllema do tronco
=-0,6 MPa água
Figura 36.4 - Translocação de água dô solo até as folhas. Qualquer distúrbio em tecidos ou órgãos vegetais causado por patógenos pode inter-
ferir no status hídrico das plantas. À direita, detalhes da translocação da água desde as raízes até as folhas. À esquerda, valores
de potencial de água em cada órgão ou tecido da planta.
Fonte: Adaptada de Pearson Education lnc..
457
Manual de Fitopatologia
Figura 36.5-Xylel/afastidiosa ocupando o xilema de Cill'O$. Aumento Figura 36.6 - Candidaws Liberibacter asiaticus ocupando floema de
de cerca de 10.000 vezes. vinca. PC - parede celular. Setas indicam as células
Crédito da micrognd ia: Elliot W. Kitajima. bacLerianas. Barra = 1 ~•m.
C rédito da micrografia: Elliot W. Kitajima.
doença que dizimou pomares na Flórida (EUA) e provocou uma mkrorgonismos filamentosos (Figura 36.713), através de hifas.
crise na citricultura do Estado de São Paulo na última década. A Nos dois casos há grnve comprometimento de trocas gasosas.
Figura 36.6 mostra bactérias de Ca. Liberibacter asiaticus experi- transpiração e estado hídrico das plantas.
mentalmente inoculadas em vasos de floema de vinca. De maneira geral, em relação à transpiração, pode-se afinnar
Além de alterações na condução de água nos vasos, alguns que: a) doenças que causam ·murcha' determinam redução na
patógenos podem interferir na transpiração de plantas. Geral- taxa de transpiração; b) plantas atacadas por vírus normalmente
mente, quando uma planta reconhece a infecção por um patógeno, não sofrem alteração na taxa de transpiração; c) quadros sintoma-
inicia-se uma programação transcricional que leva a mudanças no tológicos que levam a urna ruptura da superflcie culinizada dos
metabolismo de ácido abscísico que sinalizam para fechamento vegetais causam aumento na taxa de transpiração. A análise de
estomático (mais sobre esse tema no sub-item Alterações na cada caso separadamente revela a lógica do controle nu da perda
Fotossíntese, adiante). Este é um mecanismo dirc:Lo de resposta do balanço hídrico. Assim. é razoável considerar que plantas com
da planta a uma infecção, porém alguns patógenos podem ativa- pústulas de 'ferrugem' deverão apresentar taxas de transpiração
mente ocupar as regiões próximas aos estômatos, inclusive o substancialmente aumentadas em relação às taxas vcrincadas ante:.
espaço sub-estomático e interferir com as trocas gasosas do estô- da ruptura das mesmas. A mesma lógica po<le ser utilizada para se
mato. Diversos patógenos utilizam as aberturas estomáticos para explicar porque plantas com doenças vasculares, em cujos tecidos
penetração no tecido foliar, sejam bactérias (Figura 36.7A) ou verifica-se um declínio na quantidade de água, transpiram menos.
Figura 36.7 - Penetração cm càmaras subestomáticas através da abertura de estômatos por A) bactérias e B) microrganismo filamentoso.
458
Alteraçõ1es Fisiológicas em Plantas Doentes
36.4. ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS acúmulo de proteínas muito maior do que o verificado em tecidos
sadios. O crescimento das galhas causado por esta bactéria parece
36.4.1. Nutrientes Inorgânicos estar na dependência da diponibilidade de nitrogênio.
Os nutrientes minerais são essenciais para o crescimento e Tecidos infectados com o vírus do mosaico do fi.1mo
o desenvolvimento de plantas e são fatores importaintes nas intera- (Tobacco mosaic vírus - TMV) apresentam pronunciada deficiência
ções planta-patógeno. Plantas bem nutridas têm maior chance de de nitrogênio não-proteico.
resistir ao ataque do patógeno. O contrário também é verdadeiro,
plantas com qualquer deficiência mineral ou orgânica tendem a ser 36.5. ALTERAÇÕES NA TRANSCRIÇÃO E
mais suscetíveis ao ataque de patógenos primários ou secundários. TRADUÇÃO DE GENES
Como cada nutriente afetará a resposta de uma planta à doença, Todo organismo vivo possui em seu genoma as informações
seja positiva ou negativamente, dependerá da interação planta- necessárias para a produção de proteínas. As proteínas são funda-
patógeno (mais detalhes no item 7.3.1. do Capítulo 7 desta obra). mentais para a forma e função das células e do organismo como um
Os nutrientes podem afetar a suscetibilidade ao patógeno através todo. A passagem da informação de um gene resultando em uma
de alterações metabólicas das plantas, criando assim um ambiente proteína requer dois passos principais: transcrição e ·tradução.
mais favorável ao desenvolvimento da doença. Quando um pató- Transcrição é o processo em que a enzima RNA polimerase II
geno infecta uma planta, altera a fisiologia desta, particularmente no transcreve DNA de um gene para uma fita simples de RNA, mais
que diz respeito à absorção, assimilação, translocaç:ão e utilização especificamente cm um RNA mensageiro (mRNA). Na tradução,
de nutrientes minerais. Patógeoos podem imobilizar nutrientes o mRNA serve de molde e é "traduzido'" em runção do código
no solo ou em tecidos infectados. Eles também podem interferir genético: cada três bases nitrogenadas correspondem a um amino-
com a translocação ou utilização de nutrientes, induzindo deficiên- ácido. Dessa forma, através destes dois passos, um gene (formado
cias ou toxicidades. Alguns agentes patogênicos podem consumir por uma sequência específica de bases nitrogenadas) origina uma
nutrientes, reduzindo sua disponibilidade para a planta. Patógenos proteína que segue a sequêncía pré-definida no DNA.
de solo comumente infectam raízes de plantas. reduzindo a capaci- Os processos de transcrição e tradução são alvos de uma
dade da planta em absorver água e nutrientes. As deficiências resul- gama imensa de patógenos. Patógenos cm interações compatíveis
tantes podem levar a infecções secundárias por outros patógenos. A podem interferir indiretamente com estes processos, já que uma
deficiência de cálcio, por exemplo, pode comprometer a membrana simples infecção já seria responsável por um aumento na síntese
celular e provocar liberação de açúcares, aminoácidos e outros de proteínas. sejam elas relacionadas à defesa, ou mesmo para
compostos de baixa massa molecular que são assimilados por amenizar os danos causados nos tecidos. Pode-se adiantar que
patógenos. Alguns metais têm amplas propriedade:s bactericidas; a transcrição é sempre afetada em tecidos infectados. sendo este
os patógenos podem direta ou indiretamente redu:zir ou realocar efeito mais facilmente notado em interações onde o patógeno e o
estes nutrientes para beneficio próprio. Na interação citros • hospedeiro mantêm íntimo contato. como em infecções causadas
Ca. Liberibacter asiaticus. por exemplo, há sintomas nas plantas, por vírus ou por outros patógenos biotróficos, como por exemplo
principalmente folhas, de deficiência de nutrientes. Análises os causadores de ferrugem. A transcrição é. invariavelmente,
comparativas de folhas sintomáticas, proverúentes de árvores infec- mais intensa nos primeiros estádios da infecção e a concen-
tadas com a bactéria, e folhas assintomáticas, de árvore sadia, indi- tração de RNA é maior em plantas infectadas quando compa-
caram que a presença do patógeno aumentou a quantidade de K e rada à de plantas sadias. Em alguns casos, como nas infecções
diminuiu a quantidade de Mg, Ca e B (Spann & Scbumann, 2009). virais, ocorre a mobilização de todo o maquinário da célula para
a produção de ácido nucleico virai e, consequentemente, a síntese
36.4.2. Metabolismo de Carboidratos de partículas virais. Por vezes, é possível notar, inclusive, altera-
Em consequência da contínua comunicaçiào entre dife- ções na cromatina associada ao DNA da célula atingida. Vários
rentes porções de plantas vasculares sadias, ficai naturalmente patógenos, no entanto, interferem diretamente na transcrição/
estabelecido um gradiente entre as áreas produtoras de carboi- expressão de genes e tradução de proteínas, mudando ativamente
dratos e as áreas de consumo dos mesmos (relação fonte-dreno). a fisiologia das células para seu próprio beneficio. Este fenômeno
Pode-se eleger uma folha, por exemplo, como a fonte, que gera é bastante semelhante ao conceito biológico chamado fenótipo
produtos do processo de fotossíntese, e considerar o restante da extendido, descrito por Richard Dawkins em 1982.
planta como áreas de consumo destes ruesruos produtos. Os principais "fatores de interferência" que patógenos
O equilíbrio entre as áreas de produçã.o e çonsumo pode utilizam para controlar a regulação metabólica de hospedeiros
ser comprometido por um patógeno. O que se observa, em linhas são os efetores (veja Capítulo 34 desta obra). Moléculas efetoras,
gerais, é o aumento do aAuxo de grandes corncentrações de sejam elas proteínas ou microRNAs, têm como alvo o núcleo/
ruetabólitos (especialmente carboidratos) para áreas infectadas. DNA. fatores de transcrição. epigenética da célula e proteínas.
Portanto, a exportação de nutrientes oriundos da atividade fotos- Núcleo: Vários patógenos têm no núcleo o seu principal
sintética das folhas para o resto da planta fica prejudicada. alvo. Em interações de plantas com vírus, o RNA virai atua no
núcleo e a partir de mudanças transcricionais usam a maquinaria
36.4.3. Metabolismo de Nitrogênio da célula do hospedeiro para se replicarem. Bactérias, patógenos
O metabolismo de nitrogênio em plantas sadias ou iJ1fec- filamentosos e nematoides secretam efetores que apresentam
tadas sofre mudanças consideráveis. Nos tecidos infectados com sinais de localização nuclear que dão a capacidade a estas molé-
fungos causadores de ferrugem existe at:úmulo de compostos nitro- culas de atravessarem as membranas da célula e do núcleo atuando
genados. O acúmulo awntece em virtude do aume111to da atividade diretamente no DNA ou em fatores de transcrição. Na interação
biossintética geral decorrente da infecção. Na mesma linha, veri- Boechera stricla c o patógeno causador de ferrugem Puccinia
ficou-se, em infecções causadas por Agrobacterium lumefaciens, monoica, efetores induzem mudanças transcricionais que inter-
459
Manual de Fitopatologia
ferem com 256 processos biológicos da planta, resultando na Fatores de transcrição: são proteínas envolvidas no
formação de uma pseudo-flor totalmente diferente em cor e fonna processo de conversão, ou transcrição, de DNA em RNA. Os
da flor comum da planta sadia (Figura 36.8). A pseudo-flor, origi- fatores de transcrição incluem um grande número de proteínas.
nada pela interferência do patógeno, tem o propósito de aumentar excluindo RNA polimerase, que iniciam e regulam a transcrição
a dispersão de esporos por atrair um polinizador específico, que de genes. Uma característica distinta dos fatores de transcrição é
só é atraído pela pseudo-flor (Cano et ai., 2013). Outro exemplo sua capacidade de ligação ao DNA. Alguns fatores de transcrição
está na bactéria Agrobacterium rumefaciens, causadora da galha ligam-se a uma sequência promotora de DNA próxima do local de
da coroa em angiospenuas dicotiledóneas. Essa bactéria tem a início da transcrição e ajudam a fonnar o complexo de iniciação
capacidade de infectar plantas e transferir seus genes para o DNA da transcrição. Outros fatores de transcrição ligam-se a sequên-
do hospedeiro. A infecção ocorre devido à presença do plasmídeo cias reguladoras, tais como sequências intcnsificadoras, e podem
Ti (Tumor-inducing). Este apresenta duas regiões essenciais: estimular ou reprimir a transcrição do gene relacionado. Regu-
a região do T-DNA, que é transferida, e a região vir (região de lação da transcrição é a fonna mais comum de controle de genes.
virulência), que codifica proteínas responsáveis pelo processo de A ação dos fatores de transcrição permite a expressão única de
transferência do T-DNA para o genoma da célula vegetal. Após a cada gene em diferentes tipos de células e durante o desenvol-
transferência, o T-DNA codifica proteínas que alteram o balanço vimento é alvo de proteínas efetoras secretadas por patógenos
hormonal do hospedeiro, em essência, os honnônios auxina e (Figura 36.9). Uma família de fatores de transcrição bastante
citocinina, levando à proliferação e ao crescimento exacerbados importante para a fisiologia das plantas é a WRKY. Os WRKY
de células que receberam o T-DNA, causando tumores e a galha são fatores de transcrição estreitamente ligados à ativação de
da coroa. Hoje em dia, a bactéria A. tumefaciens é bastante utili- vias de def~sa das plantas e acabam tendo sua ação inibida por
zada em biotecnologia exatamente por sua capacidade de trans- patógenos. Por exemplo, as bactérias Pseudomonas syringae e
ferência de DNA. Pesquisadores utilizam a bactéria para trans- Ralsronia solanacearum secretam os eletores AvrRps4 e PopP~
formar plantas geneticamente, inserindo genes de interesse no que interagem com genes WRKY. Estes efetores atuam direta-
plasmídeo da bactéria para que estes sejam posterionnente trans- mente na inibição de via de defesa de plantas J.ependente de sina-
feridos ao genoma das plantas. lização por genes WRKY, conferindo suscetibilidade a plantas de
A. thaliana (Sarris et ai., 2015).
A Epigenética: é o estudo de alterações potencialment~ here-
ditárias na expressão gênica (genes ativos versus inativos) que
não envolvem mudanças na sequência de DNA subjacente - uma
mudança no fenótipo sem uma mudança no genótipo - o que.
por sua vez, afeta como os genes se expressam nas células. A
mudança epigenética é Ltma ocorrência regular e natural, mas
também pode ser influenciada por vários fatores, incluindo
idade, ambiente e doenças. As plantas infectadas com um pató-
geno compatível geram um sinal de recombinação sistêmica que
resulta em alterações na frequência de recombinação somática e
meiótica. A progênie de plantas infectadas exibe alterações no5
padrões de metilação do DNA e rearranjos genômicos (Boyko &
Kovalchuk, 2011 ).
O silenciamento de RNA é um regulador central da expressão
B gênica na maioria dos eucariotos e age tanto no nível transcricional.
através da metilaçiio do DNA quanto no nível pós-transcricional
através da interferência direta de mRNA mediada por pequeno~
RNAs. Em plantas, as mesmas vias também funcionam direta-
mente na defesa do hospedeiro contra os vírus levando o RNA
virai à degradação. Os vírus, por sua vez, têm consequentement~
desenvolvido diversos mecanismos para evitar o silenciamento.
mais notavelmente através da expressão de supressores virais de
silenciamento de RNA. O mesmo fenômeno foi também consta-
tado em patógenos oomicetos. Phytophthora parasitica, P sojae
e P infestans utilizam mecanismos de supressão de silenciamento
em plantas por inibição da biogênese de pequenos RNAs (Qiao
et ai., 2013).
Proteínas: A comparação dos níveis de síntese de proteína;;
entre tecidos infectados e sadios revela que os tecidos infectados
Figura 36.8 - Flores de Boechera srricta sadias (A) e infectadas (B) sofrem aumento considerável desta atividade. O aumento deve
por Puccinia monoica. As alterações transcricionais ser encarado como sendo proveniente da ação conjunta dos orga-
em B. stricla causadas por P. monoica levam ao desen- nismos envolvidos (patógeno e hospedeiro). A planta, de um lado.
volvimento de pseudoAores que facilitam a dispersão procura ativar todas as linhas de defesa para evitor o estabeleci-
de esporos do patógeno. mento de relações parasitárias e o patógeno, por outro lado, tenla
Crédito das fotos: Cano et ai.(2013). anular os efeitos inibitórios gerados pelo hospedeiro. Assim. o
460
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes
Fator de transcrição
DNA
Ativação de gene / Ativação de defesa
- - - -
Fator de transcriçào
Molécula
Efetora
DNA
Gene inativo/ Supressão de 1ml.!l'ilidade
aumento na síntese de proteínas é observado principalmente em Dentre algumas proteínas produzidas pelo hospedeiro e que
tomo dos sítios de infecção e em estruturas do fitopatógeno. Nas geralmente estão ligadas à reação de hipersensibilidade, encon-
ilhas verdes (Figura 36.10), por exemplo, o acúmulo de prote- tram-se as proteínas-RP {proteínas relacionadas com a patogênese),
ínas exibe aumentos acentuados, enquanto que nas áreas cloró- entre as quais pode-se citar as quitinases e as ~-1 ,3-glucanases, já
ticas observa-se um declínio. Complementando este quadro, discutidas no Capítulo 35 desta obra. A importância destas proteínas
deve-se ter em mente que o balanço proteico é alterado no tecido foi avaliada em sistemas hospedeiro-patógeno, sob efeito de inibi-
infectado c, apesar do aumento generalizado, algumas proteínas dores rle <,Íntese de proteínas, onde demonstrou-se a dimmuição
sofrem diminuição na sua concentração. dos níveis de resistência da planta (Seis et ai., 2008). No caso das
proteínas-RP, é necessário ressaltar também que muitas são
produzidas em diferentes estádios do desenvolvimento da planta,
como na época das floradas e durante os processos de senescência.
FOLHA
Enzimas respiratórias, enzimas envolvidas com a fotossín-
Degradação de clorofila tese e enzimas relacionadas com o metabolismo de fenilpropa-
ILHA VERDE
Amarelecimento dos tecidos noides exibem aumentos na atividade em tecidos infectados e têm
Hifas ocorrendo ao acaso
Clorofila mantida
Area fotossinteticamente ativa
1 sido sistematicamente correlacionadas com a ativação de meca-
nismos de reparo dos tecidos infectados e/ou injuriados.
Fixação ativa de CO 2
36.6. ALTERAÇÕES NA ATIVIDADE DE ENZll\1AS
Várias enzimas têm sua produção e/ou atividade alte-
radas nas plantas em resposta à presença de patógenos. Quiti-
nase, glucanase, glicosidase, NADPH oxidase e fenilalanina
amonialiase são exemplos de enzimas geralmente envolvidas
no processo de resistência das plantas contra fitopatógenos.
Não há, contudo, um padrão universal de resposta: a atividade
de enzimas específicas pode estar correlacionada tanto positiva
corno negativamente com a infecção. A participação de enzimas
no processo de resistência deve ser vista com certa precaução.
ESPOROS PÚSTULA MADURA A Tabela 36.1 mostra que as mudanças que ocorrem durante a
Hifas presentes reação de hipersensibilidade são similares às reações em plantas
Alta degradação de clorofila não-infectadas submetidas a um processo de envelhecimento ani-
Fotosslntese reduzida drasticamente ficial. Note que um padrão comparável também é observado em
Baixa fixação de co2 tecidos injuriados, contrastando com o obtido para plantas em
processo de senescência natural. Estudos mostram, em geral, que
Figura 36.10 - As infecções por fungos biotróficos (ferrugens e o(- muitas das enzimas atuam mais como indicadoras do início e da
dios) caracterizam-se pela formação de ilhas verdes evolução da resposta de resistência do que como elementos desti-
(áreas infectadas onde a clorofila é mantida). Estas nados a exercer a defesa (Hoagland, 1990). O patógeno, entre-
áreas são circundadas por um halo clorótico caracte- tanto, também produz enzimas hidrolíticas, que têm como alvo
ristico. O fenõm~no é atribuído, primariamente, ao au- o hospedeiro, diretamente ou através da atividade de hidrólise,
mento da atividade de citocininas no sítio de infecção. que liberam moléculas elíciadoras (Capítulo 35) que intensificam
461
Manual de Fitopatologia
Tabela 36.1 - Comparação de alterações na atívidade enzimática causadas por senescência, injúrias e hipersensibilidade do hospedeiro à in-
fecção patogênica.
a resposta da planta por outros meios. Como exemplo, glucanas de carboidratos, ou seja, a planta aumenta a atividade metabó-
e derivados de quitina foram caracterizados como importantes lica e muita energia faz-se necessária para suprir a demanda. Ao
indutores não-específicos de defesa no hospedeiro (Ôkmen & mesmo tempo, a biosssíntese e o acúmulo de diversos compostos
Doehlernann, 2016). Em revisão recente, glucanases e quitinases é iniciada, alguns destes diretamente ligados aos mecanismos de
são encaradas como importantes componentes do sistema de defesa. A Figura 36.12 mostra algumas allerações que ocorrem
defesa em plantas, atuando sinergisticamente na hidrólise dos polí- na célula vegetal imediatamente após o contato com um pató-
meros da parede celular füngica (Capítulo 35 destat>bra; Ôkmen & geno fúngico e o início do processo de penetração. O diagrama
Doehlemann.2016). A produçãl1 de enzimas hídrolíticas, tanto pelo serviní de base para outras alterações abordadas neste capítulo.
patógeno quanto pelo hospedeiro, estabelece um intrincado jogo Como pode ser notado, várias vias metabólicas são mobilizadas
metabólico envolvendo en,dmas e seus inibidores (Figura 36.11 ). A no interior da célula afetada, que passa a estimular células adja-
importância das enzimas produzidas por patógenos nos processos centes. Em geral, o aumento do nível de respiração dá-se logo
de infecção e colonização é discutida com detalhes no Capítulo 34 após o início da infecção e permanece elevado até a fase de multi-
desta obra. plicação do patógeno, chegando a níveis normais, ou mesmo
inferiores aos observados em tecido sadio, assim que estádios
36.7. ALTERAÇÕES NA FOTOSSÍNTESE E NA avançados de evolução da doença sejam atingidos. Em outras
RESPIRAÇÃO palavras, a respiração diminui quando o patógeno cessa o desen-
A respiração e a fotossíntese constituem funções básicas volvimento e o processo de degeneração do tecido infectado
das plantas e o balanço entre estes dois processos está diretamente tem início. Também é importante ressaltar o fator temporal rela-
relacionado com o estado geral das plantas e com a qualidade dos tivo às respostas de resistência e suscetibilidade. Plantas resis-
produtos por elas fornecidos. Plantas frutíferas com crescimento tentes alteram rapidamente a respiração porque necessitam de
prejudicado devido a deficiências no sistema fotossintético apre- energia para ativar os mecanismos de defesa. Plantas suscetíveis
sentam frutos de baixa qualidade, além de aspecto indesejável. Da respondem vagarosamente e mantêm a respiração em níveis mais
mesma maneira, distúrbios na respiração podem comprometer as altos por muito mais tempo (Agrios, 2005). Um claro exemplo
resenras de carboidratos em um hospedeiro atacado por patógenos. deste comportamento foi obsenrado por Smedegaard-Petersen
Pode-se dizer. em tennos gerais, que a taxa de respiração ( 1984), que trabalhou com plantas suscetíveis e resistentes de
aumenta em um tecido doente ou injuriado e, contrariamente, a cevada e Erysiphe graminis f. sp. hordei. Ao observar a Figura
taxa de fotossíntese rende a diminuir. Os mecanismos.envolvidos 36.13, adaptada deste trabalho, nota-se que nas interações incom-
no aumento da respiração e no comprometimento da fotossíntese patíveis (com a raça 15-0, avirulenta) há uma rápida elevação
serão discutidos, por motivos didáticos. separadamente. apesar de na taxa de consumo de oxigênio na fase inicial, ao passo que na
serem partes integrantes do conjunto de respostas de um vegetal interação com a planta suscetível (coma raça 1-4, virulenta) não
submetido às condições de estresse geradas por um patógeno. ocorrem grandes mudaoças na fase inicial. A taxa de consumo d<!
O)(igênio aumenta em etapas avançadas do processo.
36.7.1. Respiração e Patogênese O aumento de respiração está ligado ao metabolismo geral
A respiração de um hospedeiro infectado geralmente da célula. especialmente ao metabolismo de carboidratos para a
aumenta porque os tecidos doentes passam a utilizar suas resenras produção de energia. Para entender a mecânica do aumento de
462
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes
~ Quitinases
PATÕGENO
8
INIBIDORES
E 1
respiração é preciso entender as estapas envolvidas no metabo- energia. Veja que a situação em questão é dramática, pois a planta
lismo aeróbico da glicose. Existem etapas de processamento da respira intensamente c não há retomo em forma de energia (ATP).
glicose no interior das células. A primeira delas tem inicio na A oxidação enzimática de materiais orgânicos em compostos
conversão da glicose até o ácido pirúvico, através da glic.ólise simples e com fornecimento de energia para a célula é denomínda
(via Embden-Meyerhof-Pamas), que pode acontecer na ausência respiração aeróbica (Boxe 36.2). A energia liberada encontra-se
de oxigênio. Nas etapas subsequentes, o ácido pinívico gerado na fonna de ATP (trifosfato de adenosina) e o processo é consi-
é oxidado até C02 e Hp, via ciclo de Krebs (ciclo do ácido derado bastante eficiente. Numa célula sadia, covcrtcndo glicose
cítrico) e transporte de elétrons acoplado à fosforilação oxidativa, em piruvato na presença de oxigênio, os níveis de ADP (difos-
em presença de oxigênio (Figura 36. 14). Caso estas vias sejam fato de adenosina) são mantidos baixos, pois durante o processo
bloqueadas, as células podem ainda explorar uma via alternativa de reoxidação das coenzimas NADP (nicotinamida adenina
do metabolismo de carboidratos, a via da pentase-fosfato ou do dinucleotídeo fosfato) e FAD (flavina adenina dioucleotídeo), via
fosfogluconato (via Warburg-Dickens) (Figura 36.15). Aparen- cadeia transportadora de elétrons, ATP é formado. O acúmulo de
temente, é isto que acontece em alguns tecidos doentes, onde a ADP, portanto, estimula a respiração.
falta de oxigênio causa a diminuição da produção do ácido pirú- Existem também evidências de que o aumento da respiração
vico através do ciclo de Krebs e o acúmulo de intermediários pode ser resultado do desacoplamento da fosforilação oxidativa
da via glicolítica determina o desvio do metabolismo para a via nas mitocôndrias das células da planta doente. Normalmente, a
da pentose-fosfato. A produção de energia via pentose-fosfato é mitocondria oxida FADH, e NADH quando existe uma fonte de
ineficiente quando comparada com a via normal de formação de ADP e de fosfato inorgânico (Pi) para a formação de ATP. Os
ATP. Contudo, a via da pentose-fosfato está também envolvida processos assim estão acoplados e a interdependência é deno-
na produção de compostos fenólicos, que têm participação ativa minada "controle respiratório". Certos compostos chamados de
nos mecanismQs de defesa (veja Capítulo 35 desta obra), o que "desacopladores", como por exemplo o 2,4 dinitrofenol (DNF),
reforça a opção das células por este metaholismo. Em plantas têm a capacidade de causar um curto-circuito no gradiente de
afetadas por fungos causadores de femJgem ocorre desvio da prótons que estabelece uma diferença de potencial entre compar-
respiração normal (via glicolítica) para a via da pentose-fosfato, timentos mitocondriais, pois as formas de DNF neutra e carregada
que normalmente é pouco utilizada. Foi demonstrado que o fluo- negativamente coexistem nas membranas fosfolipídicas e em
reto de sódio, que inibe a via glicolítica, não tem efeito sobre as meio aquoso. Desta maneira, o DNP desativa a produção de ATP e
referidas plantas, sugerindo que, neste estado particular, o meta- dispensa o ADP, a oxidação de NADH e o transporte de elétrons.
bolismo não é dependente exclusivamente da via glícolítica. De modo similar, toxinas fúngicas podem atuar como desacopla-
Uma vez estabelecidas as possibilidades oferecidas pelas dores e a energia liberada pala oxidação de NADH pode levar ao
diferentes vias que podem ser seguidas, deve-se entender, agora, awnento de temperatura. efeito comum em tecidos doentes.
como o metabolismo aeróbico pode ser perturbado e resultar O processamento aeróbico de carboidratos constitui urna
em elevado nível de respiração, sem aumentQ de produção de via bastante eficiente para a obtenção de energia. Enlretaoto,
463
Manual de Fitopatologia
~ apressório
~~
DANOS EM
MEMBRANA
r
r--7- S(NTESED1PBQTE(NAS
despolarização
perda de eletrólitos -.
etileno
qultinase
proteínas • RP J
~la dos fenllpropanóldes
Figura 36.12 - Diagrama mostrando as respostas que se verificam no metabolismo do hospedeiro após o contato com o patógeno.
32
apesar da necessidade crescente de ATP nos hospedeiros doentes,
A o aproveitamento de carboidratos apresenta-se menos eficiente.
28
Neste caso, considera-se que houve perda do "efeito Pasteur" (Boxe
36.3), pois os níveis de ADP e Pi, que deveriam baixar devido à
24 demanda do ciclo aeróbico, permanecem acima do esperado.
I 20
Outros fatores, além dos discutidos acima, podem levar a um
aumento na taxa de respiração em plantas infectadas. Resnmida-
mente, de acordo com Hutcheson & Buchanan (1983), o aumento
l
"'
16 pode ser devido à combinação de nm ou mais mecanismos que estão
relacionados a seguir: a) mecanismos de proteção e regeneração
E
o 12 em tecidos fisicamente injuriados por um patógeno invasor,
!,;
,a, o 2 3 4 5 6 como os processos de isolamento e regeneração de tecidos dani-
.2
e 32 ficados através da deposição de lignina e suberina (veja Capi-
'.fo B tulo 35 desta obra); b) desacoplamento do transporte mitocon-
~ 28 drial de elétrons da síntese de ATP por ação de toxinas produ-
o zidas pelo patógeno; c) aumento do consumo de ATP, NADPH
E
:,
24 e outros compostos ricos em energia através do aumento gene-
8"' ralizado da atividade biossintética; d) aumento dos níveis de
atividade de enzimas envolvidas na degradação de carboidratos;
20
e) perda da compartimentalização de enzimas e metabólitos-
chave, devido ao aumento da permeabilidade da membrana (possi-
16
velmente pela ação de. toxinas); f) aumento dos níveis de alguns
substratos, como amido e açúcares solúveis, que se acumulam,
12
resultando em bloqueio de translocação; g) aumento na atividade
o 2 3 4 5 6
de ox.idases envolvidas na biossíntese de compostos secundários,
Dias após a primeira inoculação como os fenilpropanoides, incluindo lignina, flavonoides, isofavo-
Figura 36.13 - Respiração em interações compatíveis e incompatíveis noides, cumarinas, etc.
de cevada com Erysiphe graminis: (A) Plantas inocu-
36.7.2. Fotossíntese e Patogêncse
ladas somente uma vez, no tempo zero. (B) Plantas
inoculadas três vezes aos O, 2 e 4 dias: incompatlvel A diminuição na atividade fotossintética (Boxe 36.4) em
(quadrado); compatível (triângulo); controle (círculo). tecidos doentes foi demonstrada por um grande número de inves-
Fonte: Adaptada de Smedegaard-Petersen (1984). tigadores. Na verdade, pode-se verificar um aumento desta ativi-
464
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes
Alllido
1
Glicose - l-to1fato AOP ATP
' "'-► J
AmT;~ ::r:
GlicoH
.
Í--------:j•6·GhcoM-6-fosfoto ----
A),
cidos graxos 1 6NADP.
11
1 1
'r,:;::::;:::;:::;::;:=~ 1
Mobilização
da !: IJsNADPH n ---
66PG
::
acetil-CoA
""2+co. :1
'=== -L
6NADP. _
1
:
_ _.,
,rarn-11
Acetil·CoA : l6NAOPH!'---- ~ I
1 l•rl
Citrato
Oxo lacetoto
. \. / / IB5P
~5P
Ciclo do
Cc1s-Acomtatol
\
2X5P
ácida lsoc1troto
tricarboxílico
k- lco.
Sood,oto ~~:;t-r
~;_;
1
r.:7
~
\p NAD+
l.
Flavoyoteinol CADP + P,
Coenzimo Q IATP !
Tronsporte
de elétrons
e fosforilaçõo
oxidativa
l
Citoclmo b le ADP + P,
Chave:
CitocrolTIO e;
. J
c,tocrorno a.
l
l CADP
l ATP 1
I ATP 1
P,
6PG = 6 - fosfogluconato
Ru5P = ribulose-5-toafoto
R5P = ribose-5-fosfato
X5P = xilulote-5-fosfato
S7P = sedoeptulose-7-fosfoto
G3P = gliceraldeído-3-fosfoito
G6P = glicote-6- fosfato
2H+ + l º• -1 H, O1 E4P = eritrose-4-fosfato
OHAP = diidroxiacetona-foafato
FOP = frutose 1,6-difosfato
FSP = frutose-6- fosfato
465
Manual de Fitopatologia
36.7.3. Translocação
A translocação é responsável pela equilibrada distribuição
de substâncias. aos diferentes níveis e compartimentos da orga-
nização vegetal. Estruturalmente, o movimento de metabólitos é
garantido porque, além dos vasos (íloema e xilcma), as células
comunicam-se entre si por extensões citoplasmáticas. que atra-
vessam a parede celular e conectam os protoplastos de células
espaço intermembranas
adjacentes, denominadas plasmodesmas (veja Capitulo 34 desta
obra). O transporte através de plasmodesmas é chamado de trans-
Figura 36. 16- Diagrama de uma mitocôndria.
porte de simplasto e a comunicação contínua, de constituição
não-protoplasmática, existente entre as paredes celulares e o
material intercelular é denominada apoplasto (Figura 36.17). Por
1
apresentar barreiras citoplasmáticas. a comunicação via simplasto
Boxe 36.3 Efeito Pasteur
oferece maior resistência, cerca de 50 vezes, ao fluxo de água
quando comparada ao apoplasto (Tootill & Blackmorf', 1984 ).
Pasteur observou que a fermentação de açúcares Um mecanismo bastante estudado de mudanças na trans-
por leveduras em condições anaeróbicas era rever- locaçào de mateóais resultantes de um processo infeccioso é o
tida pela introdução de oxigênio no sistema. A injeção caso do cancro dos ramos do pessegueiro. causado pelo fungo
de oxigênio causava interrupção da fermentação e as Fusicoccum amygdali, e caracterizado pela murcha e seca dos
reações de oxidação tinham início. Foi demonstrado ramos. O fungo produz uma toxina, a fusicoccina (veja Capítulo 34
que esse fenômeno, chamado de "efeito Pasteur", é desta obra) que. uma vez translocada, via apoplasto, pelos tecidos
ativo em diferentes formas de vida. A explicação para do hospedeiro, causa disfunções em pontos distantes dos sítios
o efeito está ligada à competição entre as vias glico- de infecção. A toxina atua ao nível de membrana, causando alte-
líticas (anaeróbicas) e o ciclo do ácido cítrico (aeró- rações no transporte iônico celular ou na penneabilidade celular,
bico) por ADP e fosfato inorgânico (Pi). Em condi- resultando em alcalinização do citoplasma e acidificação extrace-
ções anaeróbicas, níveis suficiente d e ADP e de Pi lular. Estas mudanças comprometem a regularidade do processo
encontram-se disponíveis para o máximo de glkó- de translocação.
lise. A situação muda radicalmente em presença de
oxigênio, pois a demanda por ADP e Pi aumenta dema- 36.8. ALTERAÇÕES HORMONA[$
siadamente, causando a inibição da \·ia glicolitica.
A influência de substâncias de crescimento produzidas
pelos fitopatógenos na interação com o hospedeiro foi explorada
466
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes
~ epiderme
estria de
Caspary
l
+-....;;::i._tr---- - pê lo
absorvente
água
r
cortex
partícula do solo
Figura 36.17 - Esquema de uma rai1, indicando o movimento de água (cm azul) do solo para o xilcma, atrnvl'.'!> das paredes celulares (apoplasto, A)
e atra,és do protoplasma (simplasto, B). As áreas escuras entre as células da endoderme constiruem as estrias de Caspary, que
são áreas impenneávcis à água, forçando sua passagem através da membrana citoplasmática.
no Capítulo 34 desta obra. O enfoque agora recai sobre as alte- podem redirecionar a atividade metabólica <lo hospedeiro para
rações do tecido hospedeiro em função da alteração dos níveis favorecer o desenvolvimento do pat6geno. Entre as mudanças no
honnonais. Como já foi explicado anterionnente, a separação é morfologia dos tecidos vegetais, destacam-se aquelas orinndas
apenas didática, pois a análise do efeito de substâncias de cresci- de hipertrofia (aumento do tamanho das células) e biperplasia
mento produzidas pelo fitopatógeno e pelo hospedeiro no sítio de (aumento do número de células), como superalongamento, galha,
infecção é concomitante e pouco compreendida. tumor e proliferação exagerada de caules e raízes. Por outro
Considerando que a estrutura molecular e a importância de lado, existem alterações decorrentes de inibição de crescimento.
cada um dos bonnônios (auxinas, giberelinas, citocininas. etileno. denominadas de enfezamento. As substâncias de crescimento
ácido abscísico) foram descritas anteriormente (Capítulo 34 desta produzidas por fitopatógenos e por tecidos vegetais são sinteti-
obra). aqui serão relatados e examinados casos específicos de alte- zadas através de vias metabólicas similares e a aplicação dessas
rações fisiológicas e morfológicas resultantes de modificações nas substâncias sobre plantas sadias in vitro frequentemente leva ao
concentrações e inter-relações dl"ssas substâncias de crescimento. desenvolvimento de sintomas idênticos aos observados na planta
De maneira geral, a planta sadia mantém um equilíbrio das infectada. Na Tabela 36.2 são apresentados alguns exemplos de
concentrações dos hormônios que controlam o crescimento e o doenças correlacionadas com disfunções honnonais. Os estudos
processo dl" senescência. Pode-se considerar, em linhas gerais, a respeito da síntese destes compostos e seus efeitos sobre o
que o balanço hormonal é influenciado por fatores que estimulam metabolismo da planta atacada vêm evoluindo e, futuramente.
a síntese de macromóleculas (citocinínas. giberelinas c auxínas) algumas perguntas poderão ser respondidas com maior segurança.
e por fatores que estimulam a degradação de macromoléculas O que tem intrigado os pesquisadores é que determinados tl!cidos
(ácido abscísico e etileno), ou seja, que atuam como inibidores com evidente distúrbio metabólico, evidenciado pelas concen-
de crescimento. É importante notar que essas sub~tâncias regu- trações anormais de substâncias de crescimento, não apresentam
ladoras de crescimento, apesar de produzidas através de dife- alterações morfológicas visíveis.
rentes vias metabólicas, apresentam sobreposição de atividades
e, muitas vezes, aluam de maneira sinérgica. Assim, os efeitos 36.8.J. Auxinas
da aplicação de um honnônio sepai;adarnente é quase insignifi- O aumento da concentração de auxinas, principalmente o
cante quando comparado â aplicação de duas ou mais substân- ácido indolil-3-acético {AIA) (Figura 36. 18), está diretamente rela-
cias de crescimento ao mesmo tempo. Os distúrbios hormonais cionado com o Jesenvolvimento de sintomas em muitas doenças. As
manifestam-se de maneira distinta e originam mudanças dramá- auxinas estão envolvidas em uma série de atividades que controlam
ticas nos tecidos vegetais. Aceita-se que as alterações hormonais o crescimento e a diferenciação celulares. Desta maneira, o <lese-
467
Manual de Fitopatologia
Tabela 36.2 - Exemplos de doenças cujos sintomas podem ser correlacionados com alterações no metabolismo hormonal.
468
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes
provenientes da interação. Posteriomente, após estudos das gás etileno ou etrel (ácido 2-cloro etilfosfônico) têm a infecção
culturas do fuugo in vitro, o composto foi isolado, caracterizado e os sintomas da doença reduzidos; b) alterações uas atividades
e suas propriedades de honnônio reconhecidas. As plântulas de de enzimas (alfa-amilase, catalase, celulase, quitinase, glucanase,
arroz infectadas com o fungo apresentavam-se mais altas do que ácido cinâmico hidroxilase, invertase, peroxidase, fenilalanina
aquelas sadias, livres do patógeno, e a doença ficou conhecida amonialiase, polifenoloxidase e pectina esterase) induzidas por
como 'bakanae'. Outra doença cujos sintomas estão correlacio- etileno que, presumivelmente, estão associadas com resist~ncia;
nados com distúrbios nos niveis de giberelinas é o superalonga- c) biossíntese de compostos com atividade: anti-fúngica estimu-
mento da mandioca, causado por Sphaceloma manihoticola. A lada por etileno. Muitas destas enzimas aumentam em decorrência
principal característica desta doença é o alongamento excessivo de injuria ou reação de hipersensibilidade, independentemente do
dos entrcnós de hastes jovens, os quais se tornam finos e enfra- tratamento com etileno (veja Tabela 36.1 ). Admitir que a síntese
quecidos. As plantas infectadas, de modo geral, mostram-se mais destas enzimas também é estimulada por etileno é bastante razo-
altas do que as sadias (Alvarez et al., 2000). ável, principalmente porque a síntese dess.e hormônio acontece
O tenno 'giberelinas' identifica um grupo de aproximada- em um número considerável de doenças estudadas.
mente 60 compostos com estrutura moh:cular similar ao ácido Wiese & DeVay (1970) demoostrau-am qué tecidos de
giberélico. Isaac (1992) resumiu cm alguns itens a ação destes plantas de algodão tratados com dois isolados de Vertic//lium
compostos: a) estimulam enzimas envolvidas na síntese de amido a!ho-atrum exibiram visível aumento na produção de etileno
e da parede celular; b) estão envolvidos no crescimento e na e que o tecido inoculado com a linhagem apresentando efeito
manutenção dos meristemas apicais; c) intensificam e estimulam desfolhante respondeu com maior intensidade (Figura 36.19). Os
a ação das auxinas. autores sugeriram que o etileno pode estar diretamente ligado aos
fenômenos de epinastia e desfolha. O desequilíbrio na produção
36.8.3. Citocininas de etileno pode levar ao desenvolvimento de um grande número
São potentes fatores de crescimento estreitamente envol- de sintomas como crescimento exagerado de raízes, abscisão
vidos com crescimento, divisão e diferenciação celulares. Além foliar, clorose e epinastia. Pode-se observar a importância do
disso, por atuarem como inibidores da degradação de proteínas etileno no desenvolvimento de sintomas na interação banana-
e de carboidratos, funcionam como elementos anti-senescência. Ralstonia solanacearum, onde foi verificada uma forte corre-
As citocininas também afetam a mobilização de nutrientes, tanto lação entre o amarelecimento de frutos e altos níveis desta subs-
no que se refere ao transporte como no acúmulo dos mesmos. A tância de crescimento. O etileno também parece estar envolvido
atividade desta substância de crescimento ocorre sempre a baixas em várias doenças vasculares que ocasionann epinastia e desfolha.
concentrações e, usualmente, em conjunto com outros regula- como aquelas causadas por espécies de Verticillium e Fusarium.
dores. A Tabela 36.2 mostra que, no desenvolvimento dos sintomas Além disso, o crescimento exagerado do pirotoplasma de células
das doenças galha da coroa e crespeira do pessegueiro, as citoci- parenquimatosas na luz de vasos do xilema, fonnando as tiloses,
ninas compartilham a atividade com outros hormônios. Na cres- também ocorre em função de disfunções nai produção de auxinas
peira do pessegueiro, por exemplo, causada pelo fungo Taphrina e etileno em doenças vasculares.
deformans, o aumento na concentração de citocininas
manifesta-se pelo seguinte quadro sintomatológico 100-,--------------------------,
típico: folhas tornam-se mais espessas e à medida
que se desenvolvem, curvam-se para dentro, o que se 90
469
Manual de Fitopatología
36.8.5. Ácido Abscísico Boyko. A. & Kovalchuk. 1. Genetic and epigenetic effects of plant-
pathogen interactions: an evolutionary perspective. Molecular
O ácido abscísico pode ser caracterizado como um inibidor
Plant 4: 1014-1023, 2011.
de crescimento que age nos processos de indução de dormência,
inibição de germinação, inibição de crescimento e fechamento Cano, L.M.. Raffaele, S., Haugen, R.H., Saunders, D.G.O., Leonelli, L.
de estômatos. O entendimento do papel do ácido abscísico na Transcriptome reprogramming onderlies floral mimicry induced by
expressão de sintomas é, de certa forma, complicado, visto que lhe rust fungus Puccinia monoica in 8oechera stricta. PLOS ONE
pode ser confundido com a atividade de outros inibidores. Um 8:e75293. 20l3
exemplo da ação coordenada com outros fatores é relatado por Dalio, R.J.D .• Magalhães. D.M.. Rodrigues, C.M., Arena, G.D., Oliveira,
Wiese & DeVay (1970), pesquisa já parcialmente discutida no T.S., Souza-Neto. R.R., Picchi, S.C.. Martins, P.M.M., SanlOs,
item anterior. Estes pesquisadores demonstraram que ocorria um P.J.C., Maximo, H.J., Pacheco, I.S.• De Souza. A.A., Machado.
aumento na concentração de ácido abscísico cm tecidos de algo- M.M. PAMPs. PRRs, effcctors and R-genes associated with citrus-
doeiro inoculados com um isolado desfolhante de Ver1icillium pathogen interactions. Annals of Botany Il i>: 749-774. 2017.
a/bo-atnim. Frente ao isolado não-desfolhante, não havia alte- Daly. J.M. & Jnman, R. E. Changes in au,xin leveis in safflower lzypocotyls
rações significativas nos tecidos (Tabela 36.3). Neste mesmo
intected with Puccinia car1l111mi. Phytnpathology 48: 91-97, 1958.
sistema, como foi mostrado antcrionncnte, ocorrem aumentos
nas concentrações de etileno após a inoculação com o isolado Dawkins, R. The cxtended phenotype. Oxford University Prcss, 1982. 307 p.
desfolhante, superiores aos níveis detectados na presença do Goodman, R.N.; Király, Z.: Zaitlin, M. Thc Biochemistry and Physi-
isolado não-desfolhante. Como a produção de etileno é estimu- ology nflnfcctious Plant Dise11ses. Columbia, University Missouri
lada pelo ácido abscísico, o aumento concomitante desses fatores Prcss, 1986. 435 p.
no processo reforça a idéia da ação conjunta das substâncias de Hoagland. R.E. Biochcmical responses of plants to palhogcns. ln
crescimento. Hoagland. R.E. (ed.). Mícrobc 110d Microbial Produt:ts as llcrbi-
cides. Washington, Amcrican Chcmical Society, J990. p. 87-113.
Tabela 36.3 - Produção de ácido abcísico em tecidos de algodão
sadios e infectados com dois isolados de Venicil/i11m Hutcheson. S.W. & Ilnchanan, 8. Biomergctic and metabolic distur-
albo-atrum. um Jos quais causa desfolha do ho~-pedeiro. bances in diseased plants. ln Callow. J.A. (ed.}. Biochemical Plant
Pathology. Chichestcr. Wilcy, 1983. p. 327-345.
Isaac. S. J•ungol-Pla nt lnteraction~. New York, Chapman & Hall, 1992.
May-<le-Mio, L.L., Purisi. M.C.M.. Ueno, B.. Fajardo, T.V.M.. Amorim.
L. Doenças das Rosáceas <le Caroço. ln: Amorim, L., Rezcn<lc,
J.A.M., Bergamin Filho, A., Aranha, L.E.A. (Ed.). Manual de Fito-
p11tologia. Doenças das Plnntns Cultivadas. Vol.2. 5" edição.
Folhas CGL 4,0 3,8 8,6 Editora Agronômica Ci:rcs, 2016. Cap. 65. p. 629-646.
eco 1,2 1,6 2,8 Nelson, D.L. & Cox. M.M. Princípios de Bioquímk11 de Lebninger. 6"
ed. Artmed, 2014.
Hastes eco 0.6 0,3 0,4
Okmen. B. & Doehlemann. G. Clash betwccn the borders: spotlight on
• Método de detecção do ácido abcísico: CGL - cromatografia gás-lí- apoplastic processes in plant microbe interactions. .:'tlew Phylolo-
quido, CCD - cromatografia de camada delgada; bTecidos coletados gist 212: 799-801, 2016.
12 dias após a inoculação. Pegg, G.F. Toe involvement of growth regulators in discased plants. ln
Fonte: Adaptada de Wiese & DeVay (1970). Ayers, P. (ed.). Effect of Disease un thc l'bysiology of t he Growing
Plant. Cambridge, Cambridge University Press, 1981. p. 149-177.
36.8.6. Distúrbios Hormonais e Produção de Alimentos Qiao. Y., Liu, L., Xiong, Q., Flores, C.. Wong, J ., Shi, J., Wang, X., Liu. X.,
Xiang, Q.. Jiang, S.. Zhang, F.. Wang, Y., Jutlelson, H. S., Chen, X.•
O impacto econômico gerado pelos desequilíbrios na função
Ma, W. Oomycete pathogens encode RNA silencíng suppressors.
hormonal de plantas cultivadas é muito maior do que se imagina.
N11.ture Genetics 4S: 330-333. 2013.
Simplificadamente, pode-se dizer que os distúrbios metabólicos
comprometem o deseuvolvimento normal das plantas. Em conse- Rojas, C.M., Senthil-Kumar. M.• Tzín. V., Mysore, K. Regulation of
quência disso. ocorre uma diminuição da produção e a cultura primary plant metabolism during plant-patbogen iateractions and its
pode se tornar economicamente inviável. Crescimento lento, contribution to plant defense. Fronders in Plant Science - Plant
plantas pouco desenvolvidas, diminuição na atividade fotos- Microbe lnteractions S: anicle 17. 2014.
sintética, redução do valor nutricional e queda na produção de Sarrís P., Duxbury z., Huh S. U., Ma Y., Segonzac C, Sldenar J., et ai. A
sementes são alguns dos problemas que podem ser gerados. Em plant immune receptor detects pathogen effectors that target WRKY
todos estes casos, o valor comercial do produto tem queda signi- transcription factors. CelJ 161: 1089-1100, 2015.
ficativa, afetando diretamente os produtore.s.
Seis. J., Mathys, J., De Coninck, B. M. A., Cammue, B. P. A.. De Bolle.
M. F. C. Plant pathogenesis-rclated (PR) proteins: a focus on PR
36.9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA peptides. Plant Physiology and Biochemistry 46: 941-950, 2008.
Agrios, G.N. Ph1nt P11thology. San Diego, J'\.cademic Prcss, 2005. 803p. Smedegaard-Petersen, V. The role ofrespíratioo and encrgy gcneration in
Alvarez. E., Mejia. J.F.. Valle, T.L. Molecular and pathogenicity charac- diseased and discasc-rcsístant plants. ln Jcllis, J.G. & Wood, R.K.S.
terization of Sphace/oma manilwticola isolates !Tom Soulh-Cenlral (ed.). Plaat Diseases: lnfcction, Dam11ge, and Loss. Oxford.
BraziJ. Plant Disease 87: 1322-1328, 2000. Blackwell Scientific Publications, 1984. p. 73-85.
470
CAPÍTULO
37
GENÔMICA APLICADA
À FITOPATOLOGIA
Luis Eduardo Aranha Camargo
ÍNDICE
F
reeman Dyson. em seu interessante livro Mundos
Imaginados (Dyson, 1997) nos ensina que novos lução instrumental, geram um corpo gigantesco de infomiaç.ão
rumos na ciência são ditados por revoluções e estas que precisa ser ex.plicado a posteriori. Como ciência, apresemla
podem ser de dois tipos: as conceituais, estimuladas por novos várias especialidades, como Genômica Comparativa, que ~usca
conceitos, e as instrumentais, impulsionadas pelo desenvolvi- identificar padrões genômicos entre organismos e a Genômica
mento de novos instrumentos de análise. A característica das Funcional, ocupada com o estudo de padrões de expressão genica
primeiras é explicar coisas antigas de maneiras novas, a exemplo de organismos submetidos a diferentes condições. Imprescindlível
da Teoria da Relatividade de Einstein, ao passo que a das segundas para lidar com um corpo tão grande de informação foi o de:sen-
é descobrir coisas novas que ainda precisam ser explicadas. volvimento de algoritmos e softwares específicos para a área,
Podemos encaixar a Ciência Genômica na segunda categoria, tema da Bioinformática.
pois é largamente fruto do desenvolvimento de cada vez mais
37.2. TRANSCRJTÔMICA VEGETÁL E A
sofislicados aparelhos que permitem detenninar, de maneira auto-
rDENTIFICAÇlO DE GENES DE DEFESA
matizada e em um curto espaço de tempo, a sequência de nucleo•
tídeos de uma molécula de DNA. Apenas a título de exemplo, Sequenciar o genoma de uma bactéria é tarefa fácil compa•
quando lançada na década de 70 do século passado, a técnica de rado ao sequenciamento de um genoma vegetal. Enquanto, o
sequenciamento de Sanger baseada na utilização de didesoxir- genoma médio de uma bactéria está entre 3 e 5 milhões de pares
ribonucleotídeos, permitia sequenciar 100 pares de base por dia. de base (com uma densidade média de 1 gene a cada 1.000 pares de
Já os primeiros sequenciadores semi-automáticos de primeira base). o de um vegetal fica entre 350 milhões (trigo) e 1,7 bilhões
geração lançados no final do século passado permitem sequenciar (milho). podendo chegar a 3 bilhões no caso de cana de açúcar
aproximadamente 40.000 pares de bases por dia. Atualmente, as (http://data.kew.org/cvalues/). Genomas vegetais são maiores
técnicas de segunda geração, (denominadas no início sequencia- não apenas por conterem mais genes, mas principalmente por
mento da próxima geração - nexr gentration sequencing - NGS) conterem sequências de DNA intergênicas que ni'lo são tradu-
sequenciam bilhões de bases por dia. ao passo que as técnicas da zidas em proteínas. Na verdade, a quantidade deste tipo de DNA
terceira geração permitem sequenciar moléculas únicas (Heather excede a quantidade de DNA codificador, o que faz com que a
& Chain, 2016). densidade gênica em genomas vegetais (de 1 gene a cada 8 mil Ol!I
473
Manual de Fitopatologia
10 mil pares de bases, no caso de O,J'za sativa) seja bem inferior suas sequências serem longas demais para serem sequenciadas
à daquela em bactérias. Assim, quando se objetiva estudar apenas de uma vez e então o mais comum é sequenciannos partes deles.
a parte do genoma de um vegetal que é transcrita em RNA mensa- Desta forma, após o sequenciamento faz-se necessária uma deta-
geiro. podemos recorrer a técnicas de sequenciamento de RNA lhada análise bioinfonnática dos dados (Boxe 37.1 ).
usando platafonnas NGS. Assim, ao invés de sequenciarmos o Outra técnica de análise de expressão gênica alternativa à abor-
genoma de uma planta, estaremos sequenciando especificamente dagem descrita acima é a baseada em hibridizações de transcritos
o seu transcritoma. em microarranjos. Essencialmente, sequências gênicas previamente
Existem várias técnicas que pcnnilem sequenciar moléculas dispon1biliu1clas a partir de projetos de sequenciamento sl!o fixadas
de RNA por NGS (Taehibana, 2016). Uma limita1;ão da técnica, covalentemente a uma matriz química. que pode ser um pequeno
no entanto, reside no fato que nem todos os genes são expressos chip ou mesmo uma lâmina microscópica especial. Estas por sua
em todos os tecidos, fases da vida e condições de cultivo da ve, são hibridizadas separadamente com cDNA sintetizado a partir
planta. Assim, ao sequenciarmos as moléculas d1! RNA de um de populações de mRNA extraído de diferentes tecidos (tecido
Jado órgão de uma dada planta em um dado momento, obteremos infectado e sadio, por exemplo). Durante a síntese do cDNA,
uma fotografia da expressão gênica no momento cm que ocorreu no entanto. um pigm.:nto fluorescente (cianina 3 ou cianina 5) é
a extração do mRNA, mas não um filme. Não obstante esta limi- incorporado às moléculas do ácido nuclcico para tomar possível
tação, a técnica se presta para quantificar os níveis de expressão sua visualização após sua hibridiaiçào com seu homólogo fixo ao
dos genes em uma amostra, pois quanto mais expresso for um chip. Pode-se assim distinguir as populações de mRNA extraídas
gene, maior será a frequência de seu RNA mensageiro na amostra de tecido infectado e sadio usando Auoróforos diferentes durante
e, por conseguinte, mais vezes ele será sequenciado. Assim, a a síntes.: de cDNA que podem ser discernidos por suas cores. As
frequência de um dado transcrito em uma amostra é proporcional cianinas 3 e 5 (Cy3 e CYS), por .:xemplo, emitem fluorescência no
ao nível de expressão de seu gene correspondente e esta relação comprimento de onda verde e vcm1elho. Neste caso. o chip pode
pode ser utilizada paro esrudar quais genes da planta respondem ser hibridizado simultaneamente com cDNA proveniente de tecido
ao ataque de um patógeno, por exemplo (Figura 37 .1 ). Na figura, sadio marcado com Cy3 e de tecido infectado marcado com Cy5.
o gene 1 não é diferencialmente expresso entre plantas inoculadas Após a hibridização, o chip é analisado por um scanner de alta reso-
e não inoculadas pois as frequências de seus trarnscritos são as lução que identifica os pontos fluorescentes e não fluorescentes que
mesmas entre os dois tratamentos. Por analogia, a transcrição do cmTespondem aos genes do chip e cria uma imagem do mesmo. Se
gene 2 é ativada e a do gene 3 é reprimida cm fun1;ão da infeção não houver fluorescência em um detenninado ponto. conclui-i.e que
pelo patógeno. Embora a lógica desta abordagem seja fiícil de o gene correspondente àquele ponto não foi expresso em nenhum
entender, é preciso ter em mente que ela exige uma elaborada dos dois tecidos, pois não hibridizou a nenhum cDNA fluores-
análise por se tratar de \1m volume muito grande tfo dados. Outro cente. Se emitiu luminescência no comprimento do verde, signi-
complicador é que raramente sequenciamos um gc:ne inteiro por fica que apenas cDNA de tecido sadio hibridizou naquele local,
indicando que o gene só foi expresso no tecido
sad10 e não no doente. ao passo que se emitiu luz
DNA ~ no do vennelho, conclui-se o contrário. Genes
expressos cm amhas as condições aparecem
como pontos laranja, que é 11 comhinaçõo <las
<luas cores tFigura 37.2). É possível também
planta Tra nscrição detectar dili:renças quantitativas na expressão de
de genes
~
inoculada um gene levando-se em conta a razão da quanti-
dade de luz emitida nos dois comprimentos.
mRNA 1\/\J\ A contribuição da revolução genômica
__________. Sequenciamento para avançar no conhecimento sobre meca-
nismos de resistência a patógcno. discutido no
e agrupamento de
transcritos Capítulo 6 - Genética da interação patógeno-
planta não t -hospedeiro, e identificar genes de defesa tem
inoculada sido muito grande. O trabalho de Maleck et ai.
Comparnção de abundâncias de mRNAs
(2000) é seminal pois ilustra o potencial das
entre tratamentos
técnicas de análises de expressão. Os autores
transcrito 1 transcrito 2 transcrito 3 utilizaram um microarranjo contendo genes de
Arabidopsis e compararam perfis de expressão
~ ~
~ destes sob diversas situações. como inoculação
~ ~ com não-patógeno. com raça virulenta e com
~ ~ ~ ~
~ 1\/V\
'VIA ~ raça avirulenta. A primeira grande generalização
""" 1\/V\
inoculada i'I inoculada inoculada ninoculad;1 inoculada i'I inoculada
é que o sistema de defesa da planta é muito diníi-
mico e se caracteriza por rápidas mudanças em
padrões de expressão gênica em resposta a qual-
Figura 37.1 - O sequenciamento de tran::critos de genes (RNA mensageiros) em larga quer um dos tratamentos indutores, seja de um
escala pode ser utilizado para identificar genes que respondem ao ataque patógeno ou de um não-patógcno. De um total
de patógenos comparando a frequência de seus transcritos entre plantas de 7.000 genes analisados (número que corres-
inoculadas e não inoculadas. ponde de 25% a 30% dos genes de Arabidopsis).
474
Genômica Aplicada à Fitopatologia
mRNAde
---
..___
cDNA
Hlbrkllzação
em chip
-------
Slntese de cONA e
marcação com
fluoróforos
planta não
inoculada
cDNA
mlcroarranjo de genes
mRNAde
planta
inoculada
Figura 37.2 - Esquema de experimento de transcritõmica por meio de hibridização de transcritos Auoresccntes em microarranjos (chips) con-
tendo genes previamenle.identificados. Pontos vermelhos correspondem a genes onde houve hibridização somente com cDNA
de plantas não inoculadas, indicando que estes são expressos somente nesta condição. De maneira análoga, pontos verdes cor-
respondem a genes expressos somente cm plantas inoculadas e pontos de cores intermediárias correspondem a genes expressos
nas duas condições, porém em intensidades diferentes.
475
Manual de Fitopatologia
variações em níveis de expressão estão diretamente ligadas a alte- variedade resistente X variedade suscetível
rações nos níveis de resistência? Esta é a grande questão da atua- (5% AFA) (65% AFA)
lidade e de grande importância ao controle genético de doenças. gene sequência
Em última instância, para afirmannos que um gene contribui para
resistência é necessário obter uma planta mutante que não seja g1 ...t t g g º-._a t e t... ... t t g gI.a t e t...
...t t g g º-._ate t... .,.t t g g I.a t e t ..
funcional para o gene e que esta mutação seja acompanhada por
uma mudança no fenótipo da planta, ou seja, aumento da susce-
tibilidade. Outra abordagem seria superexpressar o gene em uma
híbrido F1 (G/T)
planta transgênica e ver se há aumento da resistência em relação
(35%AFA)
ao nível já existente. Em ambos os casos, as abordagens são
muito limitadas devido aos altos custos e também às dificuldades gene sequência
técnicas iuerentes a ela, haja vista que a eficiente transformação g1 ... t t g g iã...a te t...
genética ainda é di6cil para muitas espécies vegetais. No entanto, ... t t g g I.a te t ...
uma abordagem surge como alternativa a estes eotraves baseada
na comparação exaustiva de genomas de indivíduos devidamente
caracterizados em relação ao seu grau de resistência :i determi-
nado patógeno apresentado a seguir.
l
plantas F2
gene plantas G/G plantas GfT plantas TfT
37.3. ASSOCIAÇÃO ENTRE GENES E RESISTÊNCIA A
PATÓGENOS ATRAVÉS DO SEQUENCIAMENTO g1 ..t t g g 2.,a te t... ...11 g g 2.,a te t... ...1t g g I.a t e t...
GENÔMICO TOTAL ...tt g g-º._a t oi.. ... t t g g I.a t e t... ...t t g g I.e te L .
476
Gen6mica Aplicada à Fitopatologia
Embora estas abordagens não permitam afirmar categorica- do agente causal do raquitismo das soqueiras da cana de açúcar,
mente que certo gene é responsável por certa característica, elas Leifsonia xyli subsp. xyli, esta a primeira bactéria fitopatogênica
nos dizem, com ce:rto grau de confiança estatística. que o gene se Gram-positiva a ter seu genoma sequenciado.
correlaciona com a característica. Em outras palavras: sabemos Da análise de sequências genômicas pode-se inferir múlti-
que uma variação no gene será acompanhada por outra no grau plos aspectos biológicos e evolutivos de patógenos (Monteiro-
de resistência. Esta limitação se deve ao fato de genes serem Vitorello et ai., 2017), permitindo racionalizar a condução de
herdados em bloc,os devido à sua ligação tisica no cromossomo experimentos voltados para a confirmação destas inferências. No
(salvo algum evento de recombinação entre eles) e, por conse- caso de Xylel/a fattidiMn, por exemplo, a disponibilização da
guinte, pode ser que o responsável pela característica não seja o sequência de seu genoma levou a um aumento significativo de
gene cujo SNP esi:eja sendo analisada, mas sim um gene desco- estudos sobre este até então pouco conhecido microrganismo e
nhecido, porém muito proximamente ligado a ele. Para efeitos as doenças que causa, bastando constatar que o número de publi-
práticos de melhoramento, no entanto, não interessa saber qual cações relativos a este assunto aumentou significativamente após
gene é o verdadeiro responsável pela resistência. O que interessa 2000, ano da publicação do genoma (Figura 37.4). Os resul-
é encontrar um SNP que possa ser usado como um marcador tados mais promissores indicam, por exemplo, que a formação de
que identifique uma região cromossômica que contenha gene(s) biofilrnc é essencial para a virulência da bactéria,já que mutantes
de resistência, assim permitindo selecionar plantas resistentes. para dois genes necessários para a produção do cxopolissaca-
Para este efeito, e5.taS abordagens são extremamente satisfatórias rídeo necessário para agregar as bactérias não conseguem se fixar
e hoje são amplamente usadas em programa de melhoramento a superficies, são deficientes para a translocação dentro da planta
(Brachi et ai., 201 n. e não são retidos pelo inseto vetor sendo, portanto, transmitidos
com pouca eficiência. Com base nisto, uma estratégia de controle
37.4. GENÔMICA DE FITOPATÓGENOS seria aplicar produtos que inibam a formação do biofilme, como
A revolução genômica chegou ao Brasil na esteira do por exemplo agentes mucolíticos iguais aos que são usados em
Projeto Genoma de Xylella fastidiosa. É claro que antes deste humanos como expectorantes das vias respiratórias.
projeto já havia projetos em gcnõmica, mas a diferença é que Sequências genômicas se prestam também a out;as finali-
a iniciativa disseminou conhecimento básico em larga escala dades, como a Gcnôrnica Comparativa. Nestes casos, genomas
em diversos laboratórios de pesquisa. Para tal, foi criada urna inteiros ou vários de seus genes são comparados na busca de
organização virtual de sequenciamento (denominada de ONSA padrões evolutivos que possam explicar fenômenos biológicos.
- "Organization for Nucleotide Sequencing and Aoalysis") em No caso de fungos da ordem Magnaporthales, a qual pertence
l 998, composta por vários laboratórios do Estado de São Paulo. A Pyricularia (Magnaporthe) oryzae por exemplo, a comparação
bactéria foi escolhida devido à sua relevância para a citricultura na de mais de 200 genes (Luo et ai., 2015) revelou que esta ordem
época, o tamanho adequado de seu genoma (cerca de 2,9 milhões é monofilética, ou seja, todos os membros da ordem apresentam
de pares da base) •e por não existir nenhum genoma de bactéria um ancestral comum e que a ordem é mais próxima de Ophios-
fitopatogênica sequenciado até aquele momento, o que prometia tomatales, resolvendo a questão sobre a proximidade de Magna-
dar uma visibilidade especial à empreitada. Ainda se tratando do porthales com esta ordem em detrimento de Diaponhales. Em
sequenciamento de fitobactérias, a rede contribuiu também com adição, seus membros podem ser agrupados em três classes que
o sequenciamento de dois patovares de Xanthomonas, de uma refletem modos nutricionais distintos: gêneros saprófitas aquá-
estirpe de Xylella causadora da doença de Pierce em videira e ticos, gêneros com haustório que infectam partes aéreas de mono-
Totol d• pul>lleeçou
1.445
,,.
,.
.,
'º
______.11
199:3, 2000
477
Manual de Fitopatologia
cotiledôneas (por exemplo, Pyricularia) e gêneros que atacam syringae passaram a secretar ativamente ácido málico pelas
raízes e se nutrem através de hifopódios (ex. Gaeumannomyces). raízes. levando a um aumento na densidade de Bacillus subtilis
Trata-se, ponanto, de uma "árvore da vida" dos Magnaporthales na rizosfera, um conhecido indutor de RSI. O aumento deu-se em
que traça com clareza os passos evolutivos de seus membros em função do uso da substância como fonte de carbono pela bactéria
direção à ocupação de habitats e nichos específicos. que resultou no estímulo à formação de biofilme (Rudrappa et
Sequências de genes específicos também são intensiva- ai., 2008).
mente usadas para inferências filogenéticas e taxonômicas, mas Para alguns cientistas, a microbiômica deve mudar o
para cada finalidade e organismo são usados genes diferentes. conceito de doença baseado na Teoria Microbiana da Doença,
Para inferências em níveis taxonómicos mais elevados, como segundo a qual uma doença é causada por um único organismo
gênero, são comumente utilizados os genes ribossomais. Para (Vayssier-Taussat 1:t ai., 2014). Para estes, os seres vivos não são
alguns organismos, no entanto, outros genes são necessários para entidades individuais, mas sim complexos ecossistemas depen-
resolver complexos de espécies ou ainda para revelar diversidade dentes de um vasto microbioma (Dove, 2012). Em consequência,
genética em nível intraespecífico. O uso de sequências gênicas doença decorre não apenas da interação patógeno x hospedeiro
para estas finalidades se tornou tão disseminado hoje a ponto de x ambiente, mas sim da interação do patobioma (que representa
ser a ferramenta mais utilizada no caso de identificação de bacté- o patógeno e suas relações com o microbioma) x hospedeiro x
rias em nível de espécie em substituição aos testes bioquímicos, ambiente (Figura 37.5).
por serem estes mais demorados e até mais custosos. No caso de
vírus, informações genômicas são necessárias hoje em dia para a
descrição de novas espécies. Hospedeiro
37.5. CARACTERIZAÇÃO DO MICROBIOMA
VEGETAL: A MICROBIÔMICA E O PATOBIOMA
Embora a inte.ração entre plantas e organismos patogê-
nicos seja retratada metaforicamente como uma "corrida arma-
mentista" entre um patógeno e seu hospedeiro, a situação é mais
complexa, pois não levam em consideração os milhares de espé-
cies de microrganismos que habitam um grama de solo da rizos-
I
Microbioma
fera (Mendes et ai. 2011 ). Este microbioma, diferente do que se
pensava, não é neutro, dado que pode influenciar grandemente o
resultado da interação entre plantas e seus patógenos (Berendsen
et ai., 2012; Doornbos et ai., 2012). A melhor evidência deste
fenômeno vem dos solos supressivos (Mendes et ai., 20'\l ),
onde plantas não ficam doentes muito embora estejam-expostas
Patógeno Ambiente
ao patógeno. O efeito supressivo está relacionado à presença de
microrganismos benéficos específicos, que não apenas competem Figura 37.5 - O triângulo da doença incorporando o microbiorna.
com os organismos patogênicos por nutrientes ou produzem
substâncias antagônicas, mas também indiretamente ativando a Entender o papel do microbioma no triângulo possibilitará,
resistência sistêmica induzida (RSI). Em adição a isto, além da por exemplo, desenvolver estratégias de controle biológico mais
RSI, estes organismos benéficos podem estimular o crescimento eficazes, além de fornecer explicações sobre o comportamento
vegetal e conferir resistência a estresses de natureza abiótica, de organismos endofiticos que colonizam a planta sem causar
como a seca ou deficiência nutricional. Fato interessante é que a sintomas até o ponto que sua população atinge certos limites,
capacidade supressiva do solo se desenvolve após cultivos suces- quando passam a ter comportamento parasítico. É sabido que
sivos da mesma espécie. fatores do ambiente (estresse hídrico e térmico) e do hospedeiro
Um grande entrave sempre se apresentou aos estudos (estádio fonológico, estado nutricional) controlam os níveis endo-
de microbioma: apenas 1% de toda a comunidade procariótica fiticos destes organismos, mas muito provavelmente em decor-
do solo é cultivável, impossibilitando o entendimento da dinâ- rência de alterações no patobioma e não apenas no patógeno em si.
mica da mesma em resposta a fatores do ambiente e da planta
hospedeira. O desenvolvimento de metodologias de análise do 37.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
microbioma baseadas no sequenciamento massivo do gene ITS Brachí, B.; Morris, G.P.; Borevilz, J.O. Genome-wide association studies
(Internai Transcribed Spacer, por exemplo), por outro lado abriu in plants: the missing heritabiliry is in the field. Genome Biology
nova perspectiva aos estudos nestas áreas já com grandes avanços 12: 232, 2011.
(Dove, 2012). No caso dos solos supressivos, por-exemplo, a
Berendsen, R.L.; Pieterse, C.M.J.; Pahm, B. The rhizosphere microbiome
hipótese é que, quando atacadas, seja na parte aérea, seja nas
and plant health. Trends in Plant Science 17: 4 78-486, 2012.
raízes, as plantas ativamente recrutam espécies microbianas que
auxiliam na defesa contra patógenos, resultando em alterações na Doombos, R.; van Loon, L; Bakker, P. Impact ofroot exudates and plant
composição do núcrobioma ao longo do tempo que passa a ser defense signaling on bacterial communities in the rhizosphere. A
antagônico a patógenos (Mendes et ai:. 2011: Berendesen et ai.. review. Agronomy for Sustainable Devclopment 32: 227-243,
2012). Artigos relacionados a patossistemas diversos dão suporte 2012.
a esta hipótese. Um exemplo mais específico foi relatado em Dove, A. Microbiomics: TI1e germ theory of everything. Sciencc 340:
Arabidopsis. Plantas atacadas na parte aérea por Pseudomonas 763-765, 2013.
478
CAPÍTULO
38
BIOLOGIA DE POPULAÇÕES
DE FITOPATÓGENOS
Eduardo Seítí Gomide Mizubuti e Paulo Cezar Ceresini
ÍNDICE
481
Manual de Fitopatologia
nado e considerado por muitos como obsoleto, as raças foram tempo a população do patógeno poderia extinguir-se. No entanto,
fundamentais para avançar programas de melhoramento vegetal a realidade é outra. Mesmo sob aplícação frequente do fungicida.
que tinham ou têm como objetivo o desenvolvimento de varie- os indivíduos geneticamente diferentes que não são afetados pelo
dades resistentes. O conhecimento e as aplicações d o conceito de fungicida, ou seja. os indivíduos resistentes. podem ser selecio-
raças permitiram, ao menos em parte, a concretiza<;ão da Revo- nados. aumentar em número e constituírem nova população. É o
lução Verde idealizada por Nonnan Borlaug, um e)(-aluno de E. que constatamos ocorrer em várias regiões do Brasil com populações
C. Stakman e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1970, ao de Phytophthora ínfestans (Reis et ai., 2005), Pyrícularia 01J1zae
estabelecer um programa de melhoramento de trigo que originou patótipo triricum (Castroagudín et ai., 2015), lvfonilinia .fructi-
variedades resistentes à ferrugem do colmo (Puccinia graminis f. cola (Lichtemberg et ai., 2017). Bot1:l'lis cinerea (Lopes et al.,
sp. trifiei) (Swaminathan, 2009). 2017), Phakopsora pachyrhizi (Godoy et ai., 2016), dentre várias
Ao longo do último século, variações em outros atributos 0Lttras, resistentes a fungicidas. No caso de P. pachyrhizi, agente
foram analisadas sempre com o intuito de determinar a quanti- causal da ferrugem asiática da soja, a alta variabilidade genética
dade de variação genética existente nas populações de fitopató- do patógeno, aliada às populações numerosas desenvolvidas em
genos, sua distribuição e os principais mecanismos que afetam áreas extensas plantadas com variedades suscetíveis e sujeitas a
esses processos. Neste contexto, os p1imeiros estudos buscavam aplicações de fungicidas sítio-específico (que atuam em um pro-
investigar a dinâmica de raças de determinado patóg:eno ao longo cesso específico no metabolismo do fungo). levou ao desenvol-
do tempo e/ou em diferentes locais. Apesar de informativo, o uso vimento de populações resistentes a fungicidas (Godoy et ai.,
de raças como marcas genéticas associadas à variação tem como 2016). Atualmente, há evidência de populações de P. pachyrhizi
desvantagem a baixa resolução; isto é, em muitos casos. as raças resistentes a fungicidas sitio-específicos associados a três princí-
são definidas por apenas uma ou poucas regiões genômicas. Por- pios ativos distintos: triazóis, estrobilurinas e carboxamidas.
tanto. variações existentes em outras partes do genoma perma- Cenário parecido pode ser imaginadti para o caso da inte-
necem inexploradas. ração população do patógeno-população de hospedeiros resis-
Há pouco mais de 50 anos, descohriu-se que as aloenzimas. tentes. Com a monocultura de genótipos do hospedeiro resistentes
variantes alélicas de um enzima codificada por um gene de cópia a certo patógeno, seria possível imaginar redução drástica Lia
única (loco único), constituíam-se em excelentes marcadores população do patógeno, a ponto de comprometer sua existência,
para estudos de variabilidade genética em populações de fito- como por exemplo no caso de organismos biotróficos, hospedeiro-
patógenos. A partir dos anos 1980 começaram a g;anhar ímpeto específico. não forn1adores de estruturas de resistência. Nova-
os marcadores moleculares. Porém, a grande revolução ocorreu mente. esta não é a realidade. Pelo contrário, são comuns os
no final dos anos 1980 e início dos anos l 990 com o desenvol- relatos de suplantação da resistência e o desenvolvimento de epi-
vimento de marcadores baseados em técnicas que empregam a demias que comprometem a produtividade das culturas (Palloix
reação em cadeia da polimerase (PCR). Finalmente, com a revo- et ai., 2009). Tal fenômeno é altamente influenciado pela variabi-
lução genômica, tomou-se possível o sequenciamento completo lidade genética existente nas populações.
do genoma de vários indivíduos de uma população de patógenos Evolução
e descobrir com exatidão quanta variação encontra-se presente.
Atualmente, marcadores do tipo microssatélites (:SSR) e poli- Evolução pode ser definida como as mudanças das frequên-
morfismos de nucleotídeos únicos (SNPs) são considerados bons cias dos diferentes genes presentes numa população ao longo do
marcadores para estudos de genética de populações em comple- tempo (Futuyma & Kirkpatrick, 2017). Pode-se deduzir então
mentação à análise de regiões genômicas ou do genoma completo. que a variabiJidade genética de uma população é a "matéria-
prima" da evolução. Diferentes alelos, ocorrendo com diferentes
38.2. VARIABILlDADE GENÉTICA E RESILIÊNCIA frequências são importantes para tolerar mudanças e aumentar as
DAS POPULAÇÕES DE FITOPATÓGENOS chances de adaptação às novas condições. Basicamente, cinco
mecanismos evolutivos podem atuar, isoladamente ou em com-
Nas populações de microrganismos patogênicos a plantas, à binações, como moduladores da variabilidade genética das popu-
semelhança do que ocorre nas populações dos demais seres vivos, lações de fitopatógenos: mutação, recombinação, deriva genética,
há variações genéticas entre indivíduos. A variação é essencial migração (ou fluxo gênico) e seleção.
para a perpetuação da espécie. Se todos os indivíduos apresen- Comumente, trabalhos são realizados para estudar a variabi-
tassem a mesma composição a\élica (aleios = diferentes ÍOTTllas de lidade genética da(s) população(ões) de um fitopatógeno, porém,
um gene), então, qualquer alteração do ambiente ou ide outro fator constatar que populações são, muito ou pouco, variáveis é apenas o
externo capaz de afetar a população de maneira drástica, repre- primeiro passo em projetos de genética de populações. Ainda mais
sentaria alto risco para sua manutenção e aumentaria a chance interessante é entender a estrutura genética das populações, isto é,
de extinção. Todos os indivíduos teriam alta chance de ser elimi- determinar a quantidade e analisar a distribuição da variação gené-
nados. Por outro lado, havendo variantes na população, alguns tica existente nas populações. Nesta visão, muitas vezes busca-se,
poderiam naturalmente tolerar melhor os efeitos do ambiente ou também, quantificar a contribuição dos mecanismos evolutivos
das alterações impostas por um fator externo, e sobreviveriam. para compreender como estes afetam as populações.
Naturalmente, as populações tendem a manter variarntes, ou seja, a
coexistência de indivíduos que possuem alelos distintos, para que 38.3. MECANJSMOS EVOLUTCVOS
suas chances de persistir sejam maiores. Imagine o que ocorreria
se não houvesse variantes em uma popuTação de fungos uni forme- 38.3. 1. Mutação
mente sensíveis a fungicidas. Teoricamente, após sucessivas apli- Mutação é qualquer alteração herdávd presente no mate-
cações de um principio ativo haveria alta mo11andade (assumindo rial genético. Estas alterações podem se restringir a um único
vários outros fatores e condições atendidas). Em curto espaço de nucleotídeo ou envolver grandes porções do genoma, como reor-
482
Biologia de Populações de Fitopatógenos
ganização de cromossomos. por exemplo. A mutação é a prin- tica e sua distribuição em populações). Duas estimativas são fre-
cipal fonte de variação genética para que mudanças evolutivas quentemente relatadas na literatura: frequência de mutação e taxa
ocorram (Hartl & Clark, 2007). Em fitopatologia. muitos pro- de mutação. A frequência de mutação pode ser estimada com base
blemas associados ao manejo de doenças de plantas têm relação em alteraçõ,~s fenotípieas que surgem ao longo de gerações. Em
com mutações que ocorrem em patógenos. Por exemplo, a ocor- animais, principalmente em humanos, é possível estimar a fre-
rência de mutações pontuais (mudança de um único nuclcotídeo quência de mutação monitorando, por exemplo, a ocorrência de
numa posição da sequência do DNA) na sequência do gene da doenças raras ao longo do tempo em uma população. Em micror-
beta-tubulina é capaz de conferir resistência a fungicidas benzi- ganismos é possível usar abordagem semelhante, como o moni-
midazóis. Especificamente, a troca de uma adenina (A) -+ por toramento de resistência a substâncias antimicrobianas (antibió-
uma citosina (C) no códon 198 (GAG-+GÇG) acarreta a alte- ticos, fungicidas. etc.). A taxa de mutação é a frequência com
ração do aminoácido glutamina para alanina (E 198A) do gene da que as mutações ocorrem por sítio ou regíiio genômica a cada
beta-tubulina, o que resulta na resistência ao fungicida (lshii & divisão celular. Estimar a taxa de mutação é mais complexo do
Hollomon, 2015). que estimar a frequência de mutação. Felizmente, pode-se fazer
Outra consequência de mutações pontuais é a suplantação estimativas de taxa de mutação precisas por meio da análise de
da resistência em variedades Je plantas que antes não eram afe- sequências de DNA. Regiões genômicas ou, quando possível,
tadas por determinada raça do patógcno. Por exemplo, sabe-se genomas co,mpletos de indivíduos distintos podem ser compa-
que o gene pot-1 confere resistência do tomateiro ao mosaico rados quanto à composição de nudeotídeos. As mutações que
( ou risca do tomateiro) causado pelo Porato vírus Y (PVY). Uma foram fixadas na população (substituições) após a divergência
mutação pontual acarretou em substituição na posição 119 do (isolamento genético que impede a troca de genes entre indiví-
aminoácido arginina para histidina (Rl19II) de uma proteína duos e a formação de descendentes férteis após o acasalamento)
(VPg) do PYY que está envolvida na virulência (sensu Sacristán ou longo tempo de equilíbrio são computadas. É possível estimar
& García-Arenal, 2008) e que interage com pot-1. Os mutantes a taxa de mutação por genoma, por região genômica OLt por sítio,
R l l 9ll foram capazes de suplantar a resistência de tomateiros com base em modelos de substituição. Para uma revisão sobre
com este gene e causar mosaico (Moury et ai., 2014). modelos de substituição, suas pressuposições e características
As consequências epidemiológicas da mutação podem ser vide Arenas (2015). Comumentc, para estimar a taxa de mutação
relevantes e por essa razão a quantificação da frequência de ocor- por geração, se realiza uma comparação direta de trechos de DNA
rência destas alterações e o local no genoma dos patógenos onde sem função çonhecida entre espécies cujos tempos de divergência
mais eomumente incidem são alguns exemplos de objetivos de c de geração são conhecidos.
pesquisas realizadas com populações de fitopatógenos. O avanço De modo geraL percebe-se que a taxa de mutação está
das tecnologias de sequenciamento de DNA viabilizou muitos inversamente relacionada ao tamanho e complexidade dos
estudos que visam entender o potencial impacto da mutação em genomas (Figura 38.1). Apesar de os dados apresentados nessa
doenças de plantas. Com o emprego destas técnicas, é po,:;sível figura não serem específicos e exclusivos para fitopatógenos, é
estudar a associação de mutações a fenótipos de interesse. possível perceber que os viroides e os vírus (principalmente os
de RNA) apresentam taxas de mutação muito superiores às dos
Estimativas de mutação fungos e nematoides.
Quantificar a mutação é um dos principais objetivos de pra- Praticamente todo estudo de genética de populações apre-
ticamente a maioria dos trabalhos conduzidos para detenninar a senta uma estimativa da taxa de mutação. São várias as opções
estrutura genética de populações (quantificação da variação gené- disponíveis. Antes de escolher um estimador é necessário com-
-=-
Figura 38.1 - Estimativas de taxas de mutação por sítio em função do itamanho do genoma.
Fonte: Adaptada de Gago ct ai. (2009).
483
Manual de Fitopatologia
preender as pressuposições aas quais está baseado. Em geral, a ao menos três maneiras pelas quais pode ocorrer recombinação:
taxa de mutação popu lacioaal é dada por 8 = 4Ne.µ ou 8 = 2Ne.µ, conjugação, transdução e transformação. Em vírus podem ocorrer
para populações de individuos diploides e haploides, respectiva- recombinação ou pseudorecombinação. Os nematoides podem se
mente. A letra grega teta (9) é a taxa de mutação escalonada para re produzir por meio do acasalamento entre indivíduos de sexos
a população; Ne é o tamanho efetivo da população (vide defi- opostos (anfimixia), à semelhança do que ocorre em animais
nição no tópico "Estimativa de deriva genética e tamanho efetivo superiores. Os fungos também podem se reproduzir por cruza-
da população-Ne" deste capítulo) e µ é a taxa de mutação por mentos que envolvam talos geneticamente distintos (heterotá-
geração (probabilidade de mutação por evento de meiose). licos), mesmo não havendo dimorfismo sexual (diferenças mor-
A estimativa da taxa de mutação por geração (µ) po<le ser fológicas, além das notadas nos órgãos sexuuis, entre doadores e
baseada em diferentes modelos e, por conseguinte, diferentes rcceptClres de núcleos de gametas).
pressuposições. Por exemplo, um modelo comumente utilizado Ao longo da história evolutiva, os microrganismos adqui-
para estimar mutação é o de alelos infinitos proposto por Kimura riram ou desenvolveram a capacidade de !focar material gené-
& Crow (1964). O modelo assume que cada alelo mutante que tico por outros processos que diferem do meiótico clássico. Por
surge é único e que este nunca existiu naquela população. Adicio- exemplo, em vírus e baetérias pode ocorrer conversão gênica, pro-
nalmente, o modelo de alelos infinitos admite apenas a mutação cesso no qual ocorre incorporação de segmentos não-homólogos
em uma direção, por exemplo de A -+ a. Não há possibilidade (que não compartilham mesma origem) de DNA ou RNA. Fungos
de mutação reversa, isto é, A +- a. De modo análogo. porém p<.xlem apresentar processos atípicos de recombinação como
pensando em sequências de ácidos nucleicos, outro modelo de crossing-over mitótico ou parassexualismo. Porém, no caso de
mutação muito utilizado atualmente é conhecido como infinitos fungos, apesar de serem constatados em condições de laboratório,
sítios (Kimurn, 1969). O modelo assume que há um número infi- não se sabe se estes processos oco~m na nature7.a.
nito de sítios onde as mutações podem ocorrer, que cada nova A recombinação é importante porque pode gerar novos
mutação ocorre em um sítio que não havia sido mutado anterior- genótipos na população de füopatógenos, eliminar mutações
mente e que a recombinação não ocorre nestas sequências. ddetérias e gerar combinações alélicas favoráveis de maneira
As estimativas de taxa de mutação populacional são impor- rápida. Porém, na maior parte dos casos, a recombinaç/Jo em si
tantes para estimar a variabilidade genética das populações e não gera variabilidade genética. Apenas em situações quando
compará-las umas às outras. Estas comparações podem ser inte- ocorre recombinação intragênica pode haver geração de novos
ressantes para auxiliar na interpretação de questões epidemio- alelos na população. Este é um evento raro e aparentemente é
lógicas e ajudar a sanar algum problema prático. Por exemplo, pouco expressivo para a estrutura genética das populações.
se um melhorista quer efetivamente avaliar se as variedades que No caso de fungos e nematoides fitopatogênicos, além
estão sendo selecionadas para resistência a algum patógeno são das consequências para a composição genética da populaçãu,
promissoras, ele deve procurar um local onde a população do a recombinação tem efeito ecológico importante. A reprodução
patógeno apresente alta taxa de mutação. Assim, há maior chtmce sexuada pode envolver a formação de estruturas resistentes que
de haver neste local indivíduos com distintos níveis de virulência. permitem a sobrevivência durante períodos adversos. Como
Apesar de bem conhecida e de ser um mecanismo evolutivo exemplo, pode-se citar o caso de Helerodera glycines, nematoide
de ocorrência ampla em todas as populações de fitopatógenos, se dos cistos da soja; ou de estruturas sexuadas de espécies causa-
analisada de fonna isolada (desconsiderando outros mecanismos), doras de oidios com a fonnação de cleistotécios ou da fonnação
a mutação não é um processo eficiente para alterar uma popu- de teliósporos (esporos de parede espessa) em fungos causadores
lação em curto espaço de tempo. Em geral as taxas de mutação de ferrugem. Adicionalmente, para a epidemiologia de doenças
variam de I04 (vírus e viroides) a 10.s (fungos e ncmatoides) fúngicas, nos patossistemas em que o patógeno tem modo de
mudanças por geração. Se uma população depender apenas de reprodução misto (pode reproduzir-se tanto assc:xmulamente
mutação para gerar combinações alélicas favoráveis a uma con- quanto sexuadamente) dois tipos <le inóculo podem influenciar o
dição, será necessário um longo período de tempo para que tal desenvolvimento das epidemias. Por exemplo, no caso da Siga-
combinação seja conseguida. Porém, na natureza, diferentes pro- toka amarela da bananeira, conídios podem ser importantes para
cessos evolutivCls afetam as populações simultaneamente. A ocor- dispersão via respingo de gotas de água (da chuva ou irrigação)
rência conjunta de mutação e recombinação, pnr exemplo, pode enquanto os ascósporos podem ser facilmente dispersos pelo
permitir alcançar muito mais rapidamente a combinação de alelos vento (Rocha et ai., 2012).
favoráveis para a população.
Estimativas de recombinação
38.3.2. Recombinação Antes de listar as maneiras como a recombinação pode ser
A recombinação pode ser definida como qualquer evento estimada ou quantificada é imponante compreender de forma m11.is
que tem como consequência a troca de material genético entre completa possível os aspectos reprodutivos do pat6geno em estudo.
indivíduos (Posada et ai., 2002). Processos clássicos .de recom- Especificamente, sugere-se tentar responder às seguintes perguntas:
binação são aqueles que envolvem crossing-over entre cromos- O patógeno pode reproduzir-se sexuadamente nas condições ou
somos homólogos (que compartilham mesma origem) por meio locais onde o esrudo será conduzido? Tem-se alguma estimativa de
da meiose. Usualmente, este processo caracteriza a reprodução quão frequente a reprodução sexuada ocorre? São conhecidos meca-
sexuada em animais superiores e plantas. Entretanto, em popu- nismos alternativos de troca de material genético? Apesar de sim-
lações de microrganismos fitopatogênieos, o processo clássico ples, as perguntas servem para avaliar a real oecessidade do estudo
não é o mais frequentemente constatado. A maioria dos fitopató- ou para determinar a abordagem mais adequada a ser empregada.
genos é haploide e diferentes processos contribuem para a troca Um conjunto de evidências pode ser facilmente obtido
de material genético entre indivíduos. Em bactérias se conhecem antes de partir para estudos envolvendo análises detalhadas de
484
Biologia de Populações de Fitopatógenos
sequências de ácidos nucleicos. Se houver possibilidade, é sempre na ausência de outros mecanismos evolutivos, as frequências dos
desejável que se utilize marcadores simples, desde que sejam genes não s,erão reproduzidas exatamente na geração seguinte,
informativos. Por exemplo, havendo dimorfismo sexual, no caso simplesmente por um "erro de amostragem" (Griffiths et ai.,
de nematoides, a presença de machos e fêmeas fornece evidên- 2000). Na p,opulação humana, durante a fonnação dos gametas,
cias para a possibilidade de recombinação. De forma análoga, a ocorrerá cro:ssing-over e diferentes combinações alélicas poderão
presença de indivíduos geneticamente compatíveis ocorrendo em resultar em gametas com constituição genética distinta. Porém,
proporções semelhantes também suporta a possibilidade de aca- apenas um par de gametas originará o zigoto. Considerando
salamento na população. Utilizando marcadores de menor custo milhões de gametas masculinos (espennatozoides), muitas
é possível genotipar indivíduos e estimar a diversidade genotí- combinações alélieas (após a fusão do espermatozoide com o
pica usando vários índices (Chao et al., 2014; Jost, 2007). Em óvulo) podem, em teoria, surgir de um acasalamento. Entretanto,
populações recombinante.s espera-se alta diversidade genotí- apenas urna única combinação alélica resultará deste processo,
pica. Caso o patógeno seja diploide é possível empregar o teste assumindo que apenas um espermatozoide fecundará o óvulo e
clássico para saber se a população está em equilíbrio de Hardy- originará o ,dgoto. Portanto, apenas uma fração ínfima da varia-
Weinberg (EHW) (a frequência dos genótipos pode ser estimada bilidade genética estará representada na próxima geração. Claro
pela frequência dos alelos) (Hartl & Clark, 2007). No entanto, a que outros a,casalamentos ocorrerão e certos alelos continuarão a
maioria das populações de füopatógenos não pode ser analisada existir na população (um alelo não passado adiante por um casal,
desta forma, pois são constituídas de indivíduos haploides. poderá ser mantido na população porque um outro indivíduo
Há vários métodos analíticos para detectar ocorrência de oriundo de outro acasalamento está presente). Entretanto, as fre-
recombinação em populações de fitopatógenos haploides. Atual- quências alélicas entre gerações podem variar aleatoriamente
mente, há quase uma centena de testes para esta finalidade (http:// (Figura 38.2).
bioinf.man.ac.uk/robertson/recombination/programs.shtml). A deriiva genética pode ser causada por amostragem de
Quando se utilizam marcadores do tipo binário ou mesmo micros- alelos como descrito anteriormente, assim como pode ser ocasio-
satélites (Simple Sequence Repeat ou repetições de sequências nada por restrições drásticas no tamanho da população, impostas
simples - SSR), um dos métodos mais comumente empregado é por fatores d.iversos. Com a diminuição do número de indivíduos,
uma variante do índice associação IA, denominado rd (Agapow & muitos alelos serão perdidos. Apenas uma fração dos alelos exis-
Bun, 2001). Quando o estudo é basea<lo em sequências de DNA tentes na população estará representada na nova população a ser
ou RNA o software RDP (Martin et ai., 2015) pode ser bastante estabelecida pelos poucos indivíduos sobreviventes. A redução da
útil. O RDP é uma plataforma que integra diforentes programas variabilidade genética decorrente da diminuição do tamanho da
voltados para a detecção de ocorrência, localização de pontos de população é conhecida em genética de populações como "efeito
recombinação e identificação de possíveis sequências parentais. gargalo" (Figura 38.3).
Os métodos analíticos disponíveis no RDP podem empregar filo- O efeiito gargalo pode ser indesejável para fins de con-
genia, comparação de sequências, padrão de sítios _ou emnregar servação da variabilidade genética em populações de microrga-
abordagem de genética de população. Infelizmente, não há um nismos benéficos, como por exemplo agentes de controle bio-
método que sirva a todos os propósitos ou que seja superior aos lógico, micorrizas, ou de gennoplasma de espécies de interesse
demais. agronômico,. pois quanto maiores e mais variáveis forem as popu-
Combinando diferentes métodos é possível buscar evidências lações, maiores serão as chances de se dispor de um "reserva-
da ocorrência de recombinação na história evolutiva do patógeno, tório" de genes desejáveis (resistência a doenças, tolerância a
localizar potenciais pontos de recombinação e também estimar a estresse, produção etc.). Por outro lado, o efeito gargalo pode ser
taxa. Para diferentes objetivos ou questões devem ser procurados usado estrat,egicarnente em programas de manejo de doenças de
os métodos mais adequados. A taxa de recombinação populacional plantas. Por exemplo, o estabelecimento do vazio sanitário na
é usualmente representada pela letra grega p ("rô" ). E possível cultura da soja no Brasil permite, em tese, reduzir o tamanho da
estimar a taxa de recombinação escalonada para a população por população de P. pachyrhizi. Este patógeno é parasita obrigatório
meio da fónnula p = 4Ne.r (diploides) ou p = 2Ne.r (haploides), e com a implantação do vazio sanitário, a não disponibilidade
onde Ne = tamanho efetivo da população e r = taxa de recombi- do hospedeiro durante o período da entressafra reduz o tamanho
nação estimada por geração. efetivo da p,opulação e sua variabilidade genética. A população
de P. pachyrhizi que iniciará a epidemia na próxima estação de
38.3.3. Deriva Genética cultivo terá apenas uma pequena fração da variabilidade gené-
Todas as populações de tamanho finito estão sujeitas aos tica existente na safra anterior. Portanto, esta população é for-
efeitos da deriva genética. Em todas as populações ocorrem flutu- temente afe1tada pela deriva genética. Considerando que quanto
ações aleatórias nas frequências dos alelos nelas presentes. Estas mais numerosa é a população, maior a probabilidade de haver
flutuações caracterizam o mecanismo evolutivo denominado mutantes capazes de suplantar resistência de variedades ou de
deriva genética. Há uma relação inversa entre tamanho popu- tolerar fungicidas, com o vazio sanitário haveria uma redução
lacional e impacto de deriva genética: quanto me~or o tamanho dos riscos associados a estas duas consequências indesejáveis da
das populações, mais pronunciados serão os efeitos da deriva monocultura e do uso intensivo de poucos ingredientes ativos de
genética. fungicidas a.liados aos plantios sucessivos ao longo do ano.
Basicamente, três processos estão comurnente associados Outra situação de deriva genética interessante e que fre-
à deriva genética: não representatividade na progênie dos genes quentement,e ocorre em populações de fitopatógenos é o "efeito
existentes nos parentais; efeito gargalo, e efeito do fundador. do fundado1r'' (Figura 38.4). Este efeito é um caso especial de
Numa população finita, um par de parentais originará uma efeito garga1lo no qual apenas alguns indivíduos saem de uma
progênie de tamanho reduzido em relação à população. Mesmo população fonte e "fundam" uma nova população em outro local.
485
Manual de Fitopatologia
1,0
0,9
0,8
0 ,7
0,6
P(A) 0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
Figura 38.2- Variação aleatório na frequência do a\elo "A" ao longo de 100 gerações par.s 10 populações evoluindo sob os efeitos da deriva
genética. Simulação realizada com o sollware PopG. Ao longo processo em 5 populações obscrva•se a fixação do alelo A e em
duas, este alelo foi extinto.
D
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D O D
*
T1
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T2 T3 T4 T1
.____ _ _ _.....:cTEM=.::...=PO_ _ _ _
T2
__,>T3
Figura 38.3 - A população no tempo 1 (Tl) tem tamanho grande e Figura 38.4. O efeito do fundador ocorre quando poucos indivíduos
seis ale los estão presentes (cruz, triângulo, quadrado, da população original (TI) dispersam e atingem áreas
círculo, estrela e losango) em diferentes frequências. i ndenes (T2) e fundam uma nova população. A variabi-
No tempo 2 a população passa por uma redução drás- lidade genética da nova população (T3) é reduzida em
tica de tamanho, o gargalo, e apenas uns poucos indi- relação àquela da população original.
víduos com os alelos estrela e cruz sobreviveram. A
partir deste indivíduos sobreviventes, a população vol- Estima.tiva de deriva genética e tamanho efetivo da
ta a expandir {T3) e pode eventualmente adquirir seu população (Ne)
tamanho original (T4) ou maior. Novos alelos (pentá- Face à ,estreita relação entre deriva genética e tamanho da
gono e estrela negros) podem ser introduzidos nesta
população (quanto menor a população, maiores serão os efeitos
população seja por mutação ou provenientes de indi-
da deriva ger.iética), pode-se inferir a intensidade da deriva por
víduos migrantes de outras populações, por exemplo.
meio do tamanho efetivo da população (Ne = número de indi-
víduos necessários para constituir uma população sujeita à uma
dada magnitude de deriva genética). O tamanho efetivo da popu-
O efeito do fundador ocorre quando há introdução do patógeno lação é uma •~stimativa teórica e que na maioria das vezes não
em área indene. Por exemplo, aparentemente, apenas alguns corresponde ao tamanho real (ou do censo) da população. Por
indivíduos de Hemileia vastatrix, agente causal da ferrugem exemplo, o Ne estimado para populações de Cucumber mosaic
do cafeeiro, chegaram ao Brasil vindos nas correntes aéreas da vints (CMV) que passaram por uma seleção imposta pelo afideo
África e causaram as primeiras epidemias no início da década de transmissor foi estimada ser de apenas 1 ou 2 vírions (Betancourt
1970 {Bowden et ai., l 971 ). Assim, provavelmente, apenas uma et ai., 2008), enquanto para o Cauliflower mosaic vírus (CaMV),
pequena fração da variabilidade genética existente na África foi que coloniza o hospedeiro sistemicamcnte, o Ne foi de 300 a 500
trazida até o Brasil. vírions (Monsion et ai., 2008).
486
Biologia de Populações de Fitopatógenos
Ontra maneira relativamente comum de se estimar a magni- A migração é um mecanismo evolutivo que tem amplas con-
tude da deriva genética parte do princípio que populações pequenas sequências aplicadas ao manejo de doenças. Por exemplo, hoje uma
estariam sujeitas aos efeitos da deriva e que rapidamente alguns das mais sérias ameaças à produção de bananas na América Latina é
alelos são fixados (quando todos os indivíduos têm o mesmo alelo). a introdução da raça 4 tropical de Fusarium oxysporum f.sp. cubense
Considerando uma outra população pequena, da mesma espécie, é (R4T). Esta raça é capaz de causar a murcha de fusarium em bana-
possível que diferentes alelos tenham sido fixados. Como a alte- neiras do grupo Caveodish, atualmente as mais plantadas no mundo
ração nas frequências alélicas são aleatórias, muito provavelmente, (Ploetz, 2015). A introdução da R4T via migração implicaria em
diferentes alelos serão fixados ou extintos (quando alelos são per- sério risco à produção de banana nas Américas. De modo similar,
didos e não mais existem nos indivíduos daquela população). comumcntc constata-se a movimentaç.ão de indivíduos resistentes
Como resultante deste processo, as populações podem apresentar a drogas entr,e diferentes populações. Demonstrou-se que o lluxo
alta diferenciação genética quando comparadas umas às outras. gê1úco é um mecanismo importante para ev()lução de resistência ao
Assim, em geral, quando se comparam duas ou mais populações ciproconazol ,em p()pulações de Rhynchosporium commune, agente
de tamanho reduzido, quanto maior a diferenciação genética entre causal da csca.ldadura da cevada (Mohd-Assaad et ai., 2016).
elas, mais evidentes foram os impactos da deriva genética. Outra consequência prática interessante da migração é a
utilização de sua intensidade para inferir sobre a dinâmica do
38.3.4. Migração
iuóculo. Durante muitos anos, diversos estudos epidemiológicos
Na natureza há fragmentação de áreas ocupadas por indi- foram realizüdos visando ao entendimento das relações entre
víduos de urna mesma espécie em fünção de diferentes fatores, fonte de inóeulo (local ou substrato onde o inóculo é produzido
por exemplo ausência de planta hospedeira, delimitação imposta ou encontra-s,e disponível para dispersão) e sua contribuição para
por caracteristicas fisico-química de uma mancha de solo, pre- o estabelecimento da doença. Porém, em muitos casos, não era
sença de uma barreira física como um rio ou cadeia de monta- possível assegurar que o inóculo que chegava até determinado
nhas, dentre outros. Assim, populações de fitopatógenos podem sítio dt! inoculação (local no hospedeiro onde o inóculo é depo-
estar subdivididas tanto fisicamente como gem:ticamente. Con- sitado) via processos de dispersão característicos para um dado
forme mencionado no item anterior, a deriva genética atua cm patógcno era realmt:>nte o que fora produzido na suposta fonte.
populações finitas levando a diferenças nas frequências alélicas. Com a disponibilidade de marcadores moleculares as estimativas
Entretanto, à semelhança com o que acontece com as popula- de taxa de migração se tomaram mais acuradas e possibilitaram
ções de humanos, indivíduos fitopatogênicos podem deslocar-se assegurar a origem do inóculo. /\lém disso, cm casos em que se
de uma população a outra. Se ao se estabelecerem cm um novo constata a oc:orrêncía da doença, mas que a origem do inóculo
local os migrantes contribuírem para o conjunto gênico da popu- é ainda desconhecida. é possível usar análises de migração para
lação, então fica caracterizado o processo de migração ou fluxo rastrear a fonte e a potencial rota percorrida. Esta possibilidade é
gênico. Especificamente, a migração pode ser definida como "a interessante para estudos de natureza forense quando se suspeita
troca ou movimento de gametas, de indivíduos e populações em de introdução criminal de doença em uma área. Por exemplo,
uma escala geográfica" (McDennott & McDonald, 19<).3). poder-se-ia i:nvestigar a origem da introdução da vassoura-de-
A migração atua de. modo a homogeneizar as frequências bruxa do cac:aueiro, doença fúngica causada por Moniliophthora
alélicas entre as populações, pois com a movimentação dos indi- perniciosa, que causou sérios problemas sócio-econômicos no
víduos, alelos de uma população são introduzidos em outra. Assim, sul da Bahia onde a produção de cacau era a principal atividade
se um alelo é extinto em uma população, a migração de um indi- econômica. Ainda hoje é possível empregar análises de migração
víduo pode reintroduzi-lo e diminuir a diferenciação genética entre se forem analisadas amostras de populações do fungo coletadas
as populações. A migração atua como "cola genética", homoge- no sul da Bahia. Com um pouco de esforço é possível rastrear
aeizando as populações (Figura 38.5) (Hartl & Clark, 2007). A o local de onde se originaram os materiais que foram íntrodu-
migração não altera as frequências alélicas no âmbito da espécie, zídos no sul da Bahia em 1988/89. Outra contribuição das aná-
mas pode alterar as frequências nas populações. lises envolvendo fluxo gênico ou migração é a possibilidade de
elucidar o papel de outros hospedeiros como possíveis fontes de
inóculo para epidemias em culturas de interesse agronômico ou
A
florestal. A análise de vários isolados de lvl. perniciosa obtidos
de solanácea·s e de cacau demoostrou que a população do pató-
geno está estruturada confom1e o hospedeiro, haja vista que as
frequências alélicas são diferentes nas populações oriundas de
cacau ou de solanáceas (Patrocínio et ai., 2017).
B Taxa c!le migração
A taxa de migração mensura o número médio de mjgrantes
trocados entre as populações a cada geração. Em geral, a esti-
mativa é feita com base no grau de diferenciação genética entre
as populaçõf:s . Intuitivamente, quando a diferenciação é baixa,
Figura 38.5 - Na ausência de fluxo gênico ou migração entre po- a migração é alta. A taxa de migração escalonada para a popu-
pulações, a diferenciação genética é maior (A) que a lação pode se~r obtida por diferentes abordagens, sendo uma delas
verificada em populações que trocam indivíduos (B). a baseada na estatística de diferenciação genética de Wright (Fst).
O flmw gênico contribui para reduzir as di fercnças ge- A taxa de migração populacional é Ne.rn = l( l /fst)-1)/4 para
néticas entre as populações. populações dle indivíduos diploídes ou Ne.m = [( l/ Fst)-1 ]/2 para
487
Manual de Fitopatologia
haploides. A variável Fst mede a diferenciação genética entre • Seleção direcional: aquela que favorece um caráter com
as populações que trocam migrantes entre si. Além desta abor- valor extremo em detrimento ao outro extremo.
dagem, a taxa de migração pode ser obtida por estimadores de Por exemplo, indivíduos mais virulentos predominando
máxima verossimilhança ou por métodos que simulam o processo numa dada população do hospedeiro. Aqui virulência é
coalescente nas genealogias gênicas (Beerli, 1998). definida como o grau de dano causado por uma infecção
em um hospedeiro.
38.3.5. Seleção
Seleção ocorre como resultado de uma taxa diferenciada de • Seleção estabilizadora: aquela que favorece os fenótipos
reprodução e sobrevivência de um genótipo. Se alguns genótipos intermediários. Os fenótipos extremos não são selecio-
são capaze.s de se reproduzir mais eficientemente ou se possuem nados ou são desfavorecidos.
boa capacidade de sobrevivência numa dada condição, então Por exemplo: Em Rhynchosporium commune, patógcno
maior número de genes serão deixados na próxima geração. Por- causador da escaldadura d.a cevada, constatou-se haver
tanto, para que ocorra seleção é necessário que: (i) haja variação evidência para ocorrência de seleção estabilizadora para
fenotípica; (ii) a variação fenotípica seja herdável; (iii) a variação os atributos quantitativos tamanho de conidios·, melani-
fenotípica afete a adaptabilidade ou valor adaptativo (em inglês: zação, número de esporos, virulência e iaxa de cresci-
fitness ) dos indivíduos. A adaptabilidade de um indivíduo é a con- mento a 18 "C (Stefansson ct ai., 2014).
tribuição esperada de um fenótipo para o conjunto gênico da pró-
xima geração. A adaptabilidade é um atributo de um fenótipo e • Seleção disruptiva: Aquela que favorece os fenótipos em
tem grande implicações para o manejo. Uma das preocupações ambos os extremos da distribuição em detriment0 dos
fenótipos intem1ediários.
com indivíduos resistentes a fungicidas é quanto aos eventuais
custos de adaptabilidade que os mutantes podem apresentar. Ainda não se conhece um bom exemplo para casos de
Em outras palavras, um mutante pode ter menor adaptabilidade fitopatógenos (Mjlgroom, 2015).
pelo fato de a mutação implicar em alterações em outras funções
importantes para o patógeno. Quando mui.antes ocorrem em uma Para caracteres qualitativos, outros três modos de se.leção
população, uma questão de interesse para fins práticos é: haveria são considerados:
algum custo de adaptabilidade associado à mutação? O mutante • Seleção purificadora: aquela que elimina alelos que con-
resistente a fungicidas, por exemplo, possui a mesma capacidade ferem menor adaptabilidade em detrimento aos demais
de reprodução e sobrevivência (adaptabilidade) que indivíduos aklos.
não mutantes ou tipo-selvagem? Para responder a perguntas desta Por exemplo: Efctorcs de A·eudomonas .1yringae que
natureza é necessário avaliar o desenvolvimento dos indivíduos modificam alvos em hospedeiros (Rohmer et ai., 2004).
mutantes na ausência do fator de seleção. Por exemplo, ao não Genes que codifieam para proteínas de domíniu transmem-
se aplicar fungicidas ou ao substituir uma variedade resistente brana e para uma subunidade da proteassoma envolvidas
por uma suscetível, se não houver custo de adaptabilidade, os na interação do fungo Microbotryum lychnidis-diuicae
mutantes resistentes ao fungicida ou virulento para a variedade com o hospedeiro Silene latifo/ia (Gladieux ct ai., 2013 ).
resistente, respectivamente, poderão persistir na população.
A unidade de seleção é o individuo. Assim, analisando apenas • Seleção balanceadora: aquela que mantém vários alelos
sob o paradigma da seleção namral Darwiniana, "genes mutam, em um dado loco ocorrendo em frequências acima das
indivíduos são selecionados e populações evoluem" (Colby, 1996; esperadas pelo modelo do balanço mutação-seleção.
http://www.talkorigins.org/faqs/faq-intro-to-biology.html). O indi- Por exemplo: A alta variabilidade genética encontrada
víduo não evolui! Apenas pode ser selecionado. O conjunto de em populações do nematoide de vida livre e organismo
indivíduos, ou seja, a população, evolui. modelo Caenorhabditis elegans (Thompson et ai., 2015).
Alguns genes relacionados à patogenicidade de Colleto-
Modos de seleção trichum graminicofa a vários hospedeiros (Rech et ai.,
Diferentes atributos de um indivíduo podem, eventual- 2014). É possível que genes envolvidos em compatibi-
mente, ser selecionados. O modo ou tipo de seleção pode variar lidade sexual (mating type) e genes de incompatibili-
caso o caráter em questão seja de natureza qualitativa ou quan- dade para formação de heterocárions em fungos também
titativa. Um caráter quantitativo é aquele em que há variação possam estar sob seleção balanceadora.
continua entre os indivíduos, ou seja diferentes valores podem • Seleção positiva: aquela que aumenta a frequência de
ser observad0s entre os indivíduos que constituem a população.
mutações benéficas que aumentam a adaptabilidade e
Em geral, os caracteres quantitativos são controlados por muitos
conduzem rapidamente à ·fixação.
genes. Como exemplos de caráter quantitativo associado a fito-
patógenos citam-se: capacidade de esporulação, agres.sividade de Por exemplo: Alguns aminoácidos presentes na proteína
colonização, quantidade de ovos produzidos, etc. Por outro lado, fitotóxica NEP (Necrosis and Ethylene-índucing Protein)
há também caracteres de natureza qualitativa, geralmente contro- de várias espécies de Bot1J,tis (Staats et ai., 2007). Onze
lados por um gene e que pennitem clara distinção do fenótipo. sítios localizados no domínio rico em repetições de leu-
E xemplos de caráter qualitativo associado a fitopatógenos são: cina (LRR) no gene efetor RipG7 de Ralsronia solanace-
resistência qualitativa u fungicida, difeoontes patótipos (ou raças) arum estiveram sob seleção positiva (Wang et ai., 2016).
de determinada espécie, dentre outros. Na maioria dos casos, a seleção acarreta em redução da
Para caracteres quantitativos três modos de seleção são variabilidade genética nas populações. Os alelos selecionados
mais comumente observados: aumentarão em frequência na população ou, no caso de populações
488
Biologia de Populações de Fitopatógenos
em que ocorre seleção purificadora, um número menor de alelos é da estrutura genética da população do fitopatógeno e dos meca-
mantido, pois os que são contra selecionados, ou que tiveram sua nismos evollutivos que a afetam contribuem para aumentar a efi-
frequência reduzida na população, acabam por serem eliminados, ciência de todas as medidas de controle de doenças de plantas.
reduzindo a diversidade gênica. Alguns exemplos são apresentados na Tabela 38.2.
Dentre os fatores que afetam a estrutura genética e o poten-
Detecção
cial evolutivo de populações de fitopatógenos citam-se:
Nos estudos de seleção, normalmente se busca detectar evi-
dências de ocorrência deste mecanismo evolutivo. As abordagens • Mutação: mecanismo responsável pela introdução de
a serem empregadas assim como os métodos de detecção dispo- novos alelos na população.
níveis variam. A escolha do melhor método depende da pergunta • Sistema de cru7amento/reprodução: com a ocorrência de
que se quer responder e também do tipo dos dados disponíveis reprodução sexuada por meio de acasalamento entre indi-
para análise. De modo geral, pode-se classificar os métodos con- víduos geneticamente distintos ocorrem novas combina-
forme a Tabela 38.1 . çõe·s de alelos antes não presentes na população. Caso
o microrganismo se reproduza exclusivamente de forma
38.4. APLICAÇÕES DE ESTUDOS DE GENÉTICA DE
ass,exuada, combinações alélicas favoráveis serão man-
POPULAÇÕES PARA O MANEJO DE DOENÇAS
tidas na população.
DE PLANTAS
A biologia de populações de fitopatógenos visa compre- • Fluxo gênico/fluxo genotípico: permite a mistura de
genótipos de populações que se encontram separadas
ender o desenvolvimento de populações afetado por fatores ecoló-
gicos e genéticos. Num sentido amplo, ao analisar as populações geograficamente.
de fitopatógenos, pode-se considerar a epidemiologia de doenças • Tamanho populacional: afeta diretamente o impacto de
de plantas como uma área da biologia de populações. Especifica- dois mecanismos evolutivos importantes: a deriva gené-
mente, aquela que considera os fatores ecológicos e seus efeitos tica e a seleção. Populações de pequeno tamanho efetivo
sobre doenças de plantas, principalmente ao afetarem as popula- sàc1 mais afetadas pela deriva genética. Especificamente,
ções do hospedeiro e do patógeno. Pode-se também considerar a variabilidade genética de populações pequenas tende a
que a biologia de populações de fitopatógenos compreende o ser drasticamente reduzida pelo efeito gargalo e ev1:ntos
estudo de epidemiologia e genética de populações (Milgroom, fundadores.
2001 ). Nesta visão, a genética de populações tem auxiliado na
resolução de questõei. importantes relativas a doenças de plantas. • Seleção: sob forte pressão de seleção exercida por varie-
Adicionalmente, o tempo é outro fator importante cm biologia de dades resistentes e fungicidas, aumenta a frequência de
populações. O tempo é necessário para que o tamanho da popu- genes ou genótipos.
lação aumente e para que a epidemia se desenvolva (epidemio-
logia) e, ainda a mais largo prazo, o tempo é fundamental para 38.5. EXEMPLO DE ESTUDO DA ESTRUTURA
que as populações de patógeno evoluam (McDonald, 1997). GENÉTICA DE POPULAÇÕES DE
FITOPATÓGENOS
Por que se preocupar com a genética de populações de fito-
patógenos? Porque fitopatógenos evoluem; populações de pató- Escolhemos o elegante estudo de González-Vera et ai.
genos são dinâmicas e respondem de forma ativa às práticas (20 1O), pela riqueza de análises que apresenta. Nesse estudo, os
agrícolas. Estratégias de controle de doenças de plantas devem autores buscaram elucidar o modo reprodutivo e estimar parâme-
ser baseadas na população, não no indivíduo. O conhecimento tros demog1áficos da divergência entre populações do basidiomi-
Tabela 38.1 - Métodos de detecção de seleção agrupados conforme a natureza da pesquisa e dos dados.
Exemplo de método Métodos baseados na relação DJD5 Espectro da frequência de sítios. Razão de verossimilhança
[substituições não sinônimas (DN) e Ex: Tajima D, Fu & Li D e F composta (CLR), teste OH, etc.
sinônimas (DJ] (e suas variantes•), Fay & Wu
Desequilíbrio de ligação
Exemplo: McDonald-Kreitman:
Análises de discordâncias
Huclson-Kreitman-Aguadé; SLAC,
(mismatch)
FEL, REL, etc.
Métodos baseados em
di ferenciaçào genética (Fsr)
489
Manual de Fitopatologia
Tabela 38.2 - Alguns exemplos de como o conhecimento da genética de populações pode afetar a eficiência do controle.
1
Legislativo (Exclusão) O controle legislativo é mais eficiente quando se conhece a distribuição de variantes de
determinados patógenos que são quarentenários para um país. Exemplo: R4T de F. oxysporum
f. sp. cubense.
Físico Saber se um patógeno fonna ou não estruturas de resistência ou corpos de frutificação capazes de
conferirem proteção aos propágulos pode determinar maior ou menor chance de sucesso de uma medida
fisica de controle, como a solarização.
Cultural Medidas de escape podem ser mais efica:tes caso haja na população ec6tipos do patôgeno encontrados
apenas em determinados locais.
O modo predominante de reprodução de um dado patógeno. se sexuado ou assexuado determina o
principal tipo de inóculo produzido e, consequentemente, permite avaliar qual melhor forma de
dispersão (por exemplo, se água ou vento). Dependendo do tipo de inóculo. práticas como quebra-vento
ou manejo de irrigação podem ter suas eficácias aumentadas ou diminuídas.
Biológico Patógenos muito variáveis representam um grande desafio para implementação do controle biológico,
pois o antagonista tem que provar ser eficaz contra os variantes da população. A presença de estruturas
de resistência também pode influenciar o sucesso desta medida.
Químico A ocorrência de mutações em populações de patógenos contribui para aumentar os riscos de resistência
a compostos químicos (fungicidas, antibióticos, nemalicidas etc.).
Resistência Mutações podem levar ao surgimento de isolados capazes de suplantarem a resistência em certos
genótipos de plantas. A durabilidade de variedades resistentes depende da estrutura genética do
patógeno.
ceto fitopatogênico Rhizoctonia solani AG-1 IA (AO = grupo de exemplo, para determinação do modo reprodutivo predominante
anastomose, neste caso, grupo de anastomose 1, sub-grupo lA) nas populações <.lo patógeno dete1111inou-se a fração clonai (% dlJ.
associadas à queima da bainha do arroz e à mancha bandeada população que é constituída por clones), a diversidade genotípica.
do milho na América Latina, determinados com base na variação a conformação ao EHW (vide tópico Recombinação neste capí-
detectada em !O locos microssatélites (Figura 38.6). tulo). o coeficiente de endogamia (F,s), que mede o grau de endo-
O fungo emergiu na Venezuela em 1995 como patógeno da gamia e o quanto uma população desvia de uma condição de aca-
mancha bandeada do milho, um caso clássico de mudança de hos- salamento aleatório, e o índice multilocos de associação(!), um
pedeiro, denominado em inglês host shift. Esse fenômeno ocorre estimador de acasalamento aleatório na população que considera
quando um patógeno que nonnalmente infecta uma ou poucas espé- vários !ocos na análise (Tabela 38.3 e Tabda 38.4).
cies de plantas passa a infectar outra espécie, expandindo assim sua Para detemiinar níveis contemporâneos de diversidade
gama de hospedeiros. No caso da mancha bandeada do milho havia gênica e de fluxo gênico entre populações determinaram-se os
indícios de especialização incipiente, processo de isolamento gené-
índices de diversidade gênica e riqueza alélica (Tabela 38.3) e o
tico que poderá acarretar na fonnação de uma espécie diferente,
índice de fixação <J)ST' que reflete o grau de diferenciação entre
em áreas onde o milho substituiu os campos tradicionais de cul-
pares de populações (Tabela 38.5). Usando o modelo coalescente.
tivo de arroz. isolados de R. solani AG-1 IA derivados do arroz ou
foram estimados, também, teta (que indica tamanho populacional
do milho foram capazes de infectar ambas as espécies de plantas.
mas foram mais agressivos em seus hospedeiros de origem, consis- efetivo), as taxas de migração M entre populações e as taxa de
crescimento populacional (g) (Figura 38.8).
tentes com especialização por hospedeiro (Figura 38.7).
Os objetivos do estudo foram elucidar (i) os efeitos da Evidenciou-se subdivisão populacional entre populações
recente especialização por hospedeiros no fluxo gênico e diver- simpátricas do hospedeiro distintas do patógeno na Venezuela
gência entre populações simpátricas (que se originam de uma (<Dsr= 0,17, p :'S 0,001 , Tabela 38.5), semelhante aos níveis de
mesma região geográfica, com sobreposição de distribuição) diferenciação detectados entre pares de populações alopátricas
amostradas de arroz e de milho, comparando-as com popula- do mesmo hospedeiro amostradas na Colômbia e no Panamá
ções do patógeno amostradas na Colômbia e no Panamá; e (ii) o (<l\r variando de O, 15 a O, 19, p 50.001 , Tabela 38.5). Rejeitou-se,
modo reprodutivo do fungo, buscando evidências de ocorrência assim, a hipótese inicial de que as populações de R. solani AG-1
de reprodução sexuada e recombinação. Testou-se a hipótese que IA do arroz e do milho eram homogêneas. Detectou-se, entretanto,
populações de R. solani AG-1 IA do arroz e do milho na Vene- migração simétrica histórica entre populações do patógeno obtidas
zuela eram geneticamente homogêneas, ou seja, não subdivididas do arroz e do milho (Figura 38.8), o que sugere que a população de
ou diferenciadas, e que estas popula,ões apresentam estrutura R. solani AG-1 1A do arroz ( de ocorrência desde os anos 1940 na
típica de modo reprodutivo recombinante. Venezuela) pode ter sido a população fundadora que contribuiu com
Foram detem1inadas estimativas gerais clássicas para inferir migrantes para a população do patógeno que emergiu na década de
processos associados à estrutura genética de populações. Por 1990 infectando milho. Como as populações que infectam o arroz
490
Biologia de Populações de Fitopatógenos
Locos microssatélites
TC0l TC02
•
Populações
o•
Panamá, arroz (PAN R)
-•
Colômbia, arroz (COL R)
9 10 11 12 n 14 15 16
• • 11 12 13
•• •
TC03, TC05
PANR
COLR oçç(Joo ••
(Joo o
-•·
1
VNZM • ♦
VNZR
•
38 40 42 44 46 6 8 10 12 14 16 18
TC06 TC07
PANR
COLR
· -o •4
o
• ~I)
oo •
Q
VNZM
º. º4
VNZR
t
25
. tt•.
26 27 2:8
TC1Ct
Q
29
0
30 26 27 28 29 30 31 32 33
TCll
•·
PAN R
COLR o
•o ~- •
VNZM
VNZR
19 20 21
••
22 23
TCl:2
24 25
•
·•···
13
ocooo
15 17
..
19
TC17
21 23
PANR
COLR
• •
VNZM o
VNZR • •
16 18 20 22 24 26 28 6 7 8 9 10 11 12
Número de unidades repetidas
Figura 38.6 - Distribuição de frequência de alelos paira I O !ocos microssatélites em quatro populações de Rhizoctonia solani AG-1 IA associadas
ao arroz ou ao milho no Panamá, na Colômbia e na Venezuela. Cada quadro representa um loco microssatélíte (por exemplo
TC0 1, TC02). Os tamanhos dos a leios em cada loco são apresentados na abcissa de cada quadro. As áreas dos círculos são
proporcionais à frequêncla dos alelos. Cores representam as populações geográficas ou hospedeiro do fungo (verde = Panamá,
arroz; cinza = Colômbia, arroz; laranj:a = Venezuela, milho; e lilás = Venezuela, arroz); as linhas nos quadros correspondem às
populações de origem, à esquerda•.
Fonte: ' Os dados utilizados para construir essa figura foram de González-Vera et ai. (201 O).
491
Manual de Fítopatologia
8
7 ..__ __
B -1---------
7 - + - - - - - - - - -1
6 + - -- - 6
5 -t---- s
4 4 +----
3 3
2 +-- -- 2
o o
Arroz cv. Lemont MIiho cv. D3273
'---
Contraste entre grupos C.ontrast2 entre grupos
de liOlados - -= -"'-a:at"'lv;.;:a: ..-_~F-_ _ P
Esca.:t~lm de Isolados Estimativa F JL_
Mllhovs.arroz -14,9 17,3 <0,0001 MIiho YS. arrot 31,1 20S,7 <0,001
Média de nove isolados de milho e dez isolados de arroz, de diferentes MLMSG por hospedeiro.
Figura 38.7 - Patogenicidade cruzada de grupos de isolados de Rhi.zoctonio soloni AG-1 IA com genótipos multilocos microssatélites associados
ao arroz e ao milho na Venezuela (González-Vera et ai., 20 LO). A comparação entre os dois grupos de isolados com genótipos
multilocos microssatélites associados ao milho e ao arroz resultou cm <I>sr arroz vs. milho= 0,099, p S O,Ol, indicando diver-
gência genética significativa entre grupos. A severidade da doença foi avaliada utilizando-se índices baseados na razão entre
o comprimento das lesões típicas da queima-da-bainha de arroz (Jia ct ai., 2007) ou das lesões da mancha bandeada do milho
(Pineda et ai., 2005) e a respectiva altura das plantas.
Tabela 38.3 - Medidas gerais da diversidade genotípica e gênica de populações de Rhizoctonia solani AG-1 IA associada ao arroz e ao milho na
Venezuela, na Colômbia e no Panamá'.
Fração Diversidade
Tamanho Número de Diversidade Riqueza
Po pulações clonai genotlplca de Equitatividade"d
amostral {N) genótipos gênica {HE)..1 aléllca'•
{%) Stoddart (Gi''
375 184
492
Biologia de Populações de Fitopatógenos
Tabela 38.4 -Test<:s de equilíbrio de Hardy-Weinberg e genotipico para populações de Rhizoctonia solani AG-1 IA associadas ao arroz e ao
milh,o na Venezuela, na Colômbia e no Panamá'.
Número de Pares de locl em
2N corrigido Modo reprodutivo
Populações locl em F,sº p d I,4 • p' desequllfbrlo o/o
para clone predominante
EHW b significativo o- h
164 3 / 1O 0,07 O, 13 NS 1,04 < 0,01 21 / 45 46,7 Clonai
gerando uma distribuição exata de probabilidade não enviesada por alei os raros ou tamanho amostral reduzido, implementado em ARLEQUIN versão
3.11 (Excoffier et ai., 2005), a p::: 0,05. após ajuste de Bonferroni para múltiplas comparações (Bonterroni, 1935).
' Índice de endogamia (FIS).
d respectivo valor d,: p determinados usando-se o programa ARLEQUIN versão 3.11.
Tabela 38.5 - Distribuição da diversidade gênica e grau de diferen- baixa fração clonai, elevada diversidade genotípica, maioria dos
ciaçHo entre pares de populações simpátricas de Rhi- loci em EHW, coeficientes de endogamia (/-~,) não significativos,
zoctonia solani AG-1 IA associadas ao arroz e ao mi- e predominância de equilíbrio gamético (Tabelas 38.3 c 38.4),
lho na Venezuela e populações a\opátricas associadas enquanto que as populações associadas ao an-oz apresentaram ou
ao anoz na América Latina (Panamá· e Colômbiaj'. um sistema reprodutivo misto (Panamá) ou essencialmente clonai
(Colômbia e Venezuela).
fndic.e de fixação !l>sr entre pares de populações
Essas observações refletem, de fato, a biologia do patógeno,
Populações mM... ■:zjH;■ que em fase inicial do ciclo biológico produz estruturas sexuadas
Panamá, arro7 ■itJHI (basidíósporos), com importante papel na geração de genótipos
Colômbia, arroz • • O,19 recombinantes e variação genética nas populações. Também reflete
Venezuela, milho ltMltl 0,19 0,35 a importância da fase assexuada (micélio e escleródios) na multi-
Venezuela, arro7 ifü,jl O. 15 0,16 º· 17 plicação clonai do patógeno.
• Adaptada de González-Vera et ai. (2010). O grau de diferenciação 38.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS
entre populações expresso pelo índice de fixação <I>5T foi determi- FUTURAS
nado com base em análise de variância molecular (AMOVA) por Conhecimentos sobre a estrutura genética de populações e
contrastes entre populações usando o programa ARLEQUIN versão sobre o potencial evolutivo dos fitopatógenos podem contribuir
3 .11 (Excoffier et ai., 2005). Método de distância genética baseado para o manejo sustentável (duradouro) das doenças de plantas.
na soma de quadrados da diferença entre dois haplótipos, para dados Entretanto, as estratégias ainda utilizadas para manejo, principal-
microssatélites, conforme Slatk.in (1995). O número de permutações mente resistência varietal e fungicidas, têm sido aplicadas sem
para cálculo da significância do índice de fixação foi de 1.023. Valo-
considerar adequadamente o potencial evolutivo, bem como a
res significativos a p :5 0,001.
provável resposta dos patógenos às pressões de seleção impostas
pelas diferentes medidas de controle.
e o milho ainda têm patogenicidade cruzada (Figura. 38. 7), é pro- Por sua vez, é notável o aumento na percepção de que a apli-
vável que a diferenciação genética observada (Tabela 38.5) tenha cação de princípios evolutivos pode tomar sistemas de manejo sus-
ocorrido recentemente e mediada por mudança de hospedeiro. tentável e duradouro de doenças de plantas uma realídade. Nesse
Nenhuma d.as quatro populações do patógeno amostrado de sentido, com o uso de ferramentas teóricas e experimentais contem-
arroz ou milho mostrou redução do tamanho populacional (efeito porâneas, tem havido aumento considerável da abordagem de ques-
de gargalo), uma vez que as taxas de•crescimento (g) não foram tões evolutivas a respeito da origem da infectividade/virulência,
significativamente! diferentes de zero (Figura 38.8). padrões de adaptação de patógenos e de hospedeiros, padrões
A população do patógeno que ínfecta o milho apresentoú comparativos de interações patógeno-hospedeiro em ecossistemas
indícios de um sistema reprodutivo sexual e reeombinante, com narurais e agricolas e efeitos de práticas culturais sobre a evolução
493
Manual de Fítopatologia
20
1,4 1.S
Taxas de crescimento
A. Parâmetros demográficos Tamanho populacional 1,0
1,2 g
Teta((:))
1,0 0,5
Venezuela
0,8
0,6 f +t o.o
0,5
Panamá {PAN R)
•
VNZR
VNZM()
0,4
0,2
o.o
VNZ M VNZ R COL R PAN R
VNZM VNZR COLR
i" 1,0
1,5
Colômbia (COL R)
0 ,-----------:::--:-::---,---,-----,:---------,
B. População recipiente
Padrões de mi ra ão
População doadora
Venezuela, associada ao milho (
e)- b ~--QCOLR
~ a a - ~ PANR
- ~ - - - - VNZR
Venezuela, associada ao arroz (VNZ R)
b
... b ~COLR
~ a a
b
-~PANR
1000
Colômbia (COL R) e Panamá (PAN R), associadas ao arroz
~A t~ PANR
, 500 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0
Figura 38.8- Estimativas de parâmetros demográficos relativos à divergência entre populações simpátricas de Rhizoctonia so/ani AG-1 IA
associadas ao arroz e ao milho na Venezuela e alopátricas (que não compartilham mesma região geográfica) associadas ao arroz na
Colômbia e no Panamá, baseadas na variação detectada em I O )ocos microssatélites. A. Adaptado de González-Vera et al. (201 O).
Valores de teta (0) representam medida do tamanho efetivo das populações (para fungos diploides 0 = 4Neµ onde Ne = tamanho
efetivo da população eµ= taxa de mutação por loco). Taxas M de migração foram estimadas usando modelo de isolamento com
migração entre populações. Tanto 0 quanto as taxas de migração M foram estimadas com o programa MIGRATE 2 v.3.0.3., que
se utiliza do modelo coalescente (Beerli & Felsenstein, 200 I ). A direção da migração entre populações recipientes e doadoras são
e
indicadas por setas. Estimativas de e M apresentam intervalo de confiança a 95% indicado por barras verticais ou horizontais.
Todos os valores de 0 e Mforam significativamente diferentes de zero baseando-se em testes de razão de verossimilhança (TRV
ou LRT, da sigla em Inglês like/ihood ratio test). Taxas de migração M seguidas pela mesma letra não são significativamente dife-
rentes, baseando-se em TRV implementado no programa MIGRATE v.3.0.3. As estimativas mais prováveis da taxa de crescimen-
to exponencial da população (g) foram calculadas usando análises Bayesianas implementadas no programa LAMARC v.2.1.3
(Kuhner & Smith, 2007). B. Sintomas de queima da bainha do arroz e de mancha bandeada do milho; esc = escleródios tipo
"sasakii" na superfície da bainha de pla~ta de milho.
494
Biologia de Populações de Fitopatógenos
dos patógenos. A aplicação de tais conceitos ev,olutivos, com- Qol fungicídes is widespread in Brazilian populations of the wheat
binados ao avanço em tecnologias, como melho:ramento assis- blast pathogen Magnaporthe 01yzae. Phytopathology 105: 284-294,
tido por marcadores, e abordagens sofisticadas de agricultura de 2015.
precisão no campo, aumentam a possibilidade r,eal de colocar Chao, A.; Gotelli. N.J.; Hsieb. T.C.; Sander, E.L.; Ma, K.H.; Colwell.
as populações dos patógenos sob pressões seletivas disrruptivas R.K.; Ellison, A. Rarefaction and extrapolation with Hill numbers: a
sustentáveis (Zhan et ai., 2014). framework for sampling and estimation in species diversity studies.
A popularização dos recursos de sequenciamento de alto Ecological Monographs 84: 45-67, 2014.
desempenho constatada na última década pennitiu uma rápida El Mousadik, A. & Petit, R.J. High levei of geneLic differentiation for
expansão dos estudos acerca da variabilidade genética nas popu-
allelic richness among populations of the argan tree [A1;gania spi-
lações de fitopatógenos. Em paralelo, os pesquisadores passaram nosa (L.) Skeels] endemic to Morocco. Theoretkal and Applicd
a dispor de poderosos recursos computacionais, a111tes acessíveis Genetics 92: 832-839. 1996.
apenas aos grandes centros de pesquisas do mund,o. Atualmente,
com a computação em nuvem é possível realizar análises com- ExcofTicr, L.; Lavai. G,; Schneicler, S. Arlequin (version 3.0): An inte-
plexas em máquinas espalhadas em diversas panes do planeta. grated software package for population genctics data ani;llysis. Evo-
A genotipagem de centenas ou até milhares de indivíduos com lutionary Bioinformatics 1: 47-50, 2005.
marcadores de alta resolução ou usando até mesmo, sequências de Fenille. R.C.; Sow:a, N.L.; Kuramae. E.E. Characterization of Rhízoctoniu
genomas completos ilustra o potencial destas análises. A variabi- solani associated with soybean in Brazil. European Jou rnal of
lidade genética de populações poderá ser em breve monitorada Plant Pathology 108:783-792, 2002.
em tempo real. A abordagem de epidemiologia molecular será Futuyma, D. & K.irkpalrick, M, Evolution. Ed. Sinauer. 2017.
efetivamente translacional, ou seja, com aplicaçâ10 imediata de
Gago. S.: Elena, S.F.; Flores, R.; Sanjuán, R. Extrcmcly high mutation
pesquisas básicas para solucionar problemas práti,cos no campo.
rate ora hammcrhcad viroid. Science 323: J308-1308, 2009.
Nos países tropicais ainda bá um vasto campo de trabalho vol-
tado para o entendimento da evolução de popula\;ôes de fitopa- Gamier-Gere, P. & Dillmann, C. A computer program for testing pairwisc
tógenos de plantas tropicais ou de interesse nest,es sistemas. A linkage disequilibria in subdivided populations. Journal of Here-
abordagem do tipo big data será onipresente na fitopatologia e na dity 83: 239, 1992.
epidemiologia em particular. Vislumbra-se um futuro desafiador Gladieux, P.; Devier, B.; Aguileta, G.; Cruaud, C.; Giraud. T. l'urifying
e extremamente interessante para os fitopatologistas interessados sclcction aftcr cpisodcs of recurrent adaptive diver.;ification in fungai
em biologia de populações. pathogens. lnfcction, Gcnctics and E,•olution 17: 123-13 l, 2013,
Godoy, C.V.; Seixas, C.D.S.; Soares, R.M.; Marcelino-üuimari!es, F.C.;
38.7. BJBLIOGRAFIA CONSULTADA Meyer, M.C.; Costamilan, L.M. Asian soybean rust in Rrazil: past,
Agapow, P-M.: Burt. A. lodices of multilocus linkagc t.liscquilibrium. present. and fuLure. Pesquisa Agropecuária Bnisilcira St: 407-
421, 2016.
Molecular Ecology Notes 1: 101-102. 200 l. •
Artero, A.S.: Silva, J.Q.; Albuquerque, P.S.B.; Bressan, E.A.; Leal, G.A.: González-Vera, A.D.; Bernardes-de-Assis, J.: laia, M.: McDonald, O.A.;
Sebbenn, A.M.; Griffith, G.W.; Figueira, A. Spatial genetic structure Correa-Victoria, F.; Graterol-Matute, E.J.; Ceresini, P.C. Diver-
and dispersai of the cacao pathogen Moniliophthora perniciosa in gence between sympatric rice- and maize-infecting populations of
the Brazilian Amazon. Plant Pathology 66: 912-923, 2017. Rhizoctonia solani AG I IA from Latin America. Phytopathology
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Beerli, P. Estimation ofmigration rates and population si;zes in geograph-
ically structured populations. ln: Caivalho, G. (Ecl.) Advances in Goudet, J. FSTAT (Version 1.2): A computer program to calculate F-sta-
MolecularEcology. 1998. pp. 39-53. tistics Journal of Heredity 86: 485-486, 1995.
Beerli, P. & Felsenstein. J. Maxirnum likelihood estimation ofa migration Griffiths. A.J.F.; Miller, J.H.; Suzuki, D.T.: Lewontin, R.C.; Gelbart, W.M.
matrix and effectíve population sizes in n subpopulatíons by using a Introduction to Gcnctic Analysis. Ed. W. H. Freemao. 2000.
coalescent approach. PNAS 98: 4563-4568, 2001. Guo, S.W. & Thompson, E.A. Perfonning the exact test of Hardy-Wein-
Betancourt, M.; Fereres, A.; Fraile, A.; García-Arenal, if. Estimation of berg proponions for multiple alleles. Biometrics 48: 361-372, 1992.
the effective number of founders that initiate ao infection after aphid Hartl, D.L. & Clark, A.G. Principies of Population Genetics. Ed. Sioauer
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J.L.N.; Bonato, A.L.V.; Dorigan, A.F.; McDonald, B.A. Resistance to 893-903, 1969.
495
Parte VI
EPIDEMIOLOGIA:
ANÁLISES TEMPORAL E ESPACIAL
CAPÍTULO
39
FENOLOGIA, PATOMETRIA E
QUANTIFICAÇÃO DE DANOS
Lilian Amorim e Armando Bergamin Filho
ÍNDICE
m várias partes desta obra já foi mencionado que a adoção de medidas de controle promove, na maior parte das
499
Manual de Fitopatologia
39.1. FENOLOGIA
Boxe 39.1 Escalas de desenvolvimento da cultura
Fenologia é a parte da botânica que estuda vários fenômenos
periódicos das plantas, como a brotação, a floração e a frutificação.
marcando-lhes as épocas e os caracteres. O estádio de desenvol- Inicialmente, escalas de desenvolvimento de plantas
vimento da cultura e o órgão da planta amostrado devem ser bem foram elaboradas com a descrição dos diferentes estádios
definidos em qualquer tipo de levantamento amostral que visa à da cultura. A escala de Feekes (citado por Zadoks &
quantificação da intensidade de doenças. A observação do estádjo Schein, 1979) é uma das mais populares para a cultura
fenológico do hospedeiro é a mais antiga fonna de avaliação do do trigo. A cada descrição corresponde um índice
desenvolvimento da cultura, utilizada desde a primeira metade do numérico que facilita sua identificação. Large {1954)
século XV111 (Seem, 1988). Mesmo não sendo uma medida quan- elaborou uma ilustração da escala de Feekes (Figura
titativa, a observação do estádio fonológico do hospedeiro permite 39. l ) que vem sendo utilizada até hoje para vários
a obtenção de diversos dados de interesse epidemiológico, como cereais. Posteriormente, Zadoks et ai. (1974) deta-
o número aproximado de folhas por p lanta, a época em que houve lharam a escala de Feekes, originalmente composta de
florescimento ou o tempo de maruração dos írutos. O conheci- 19 itens e subitens, transformando-a em uma escala
mento da fenologia do hospedeiro sadio é também necessário para com 100 itens. A escala de Feekes e sua correspon-
que partes natwalmente senescentes sejam claramente diferen- dência (entre parênteses) com aquela de Zadoks ct ai.
cia.das de panes da planta perdidas devido à ação do patógcno. (1974) encontram-se a seguir:
A determinação do estádio fonológico é feita com o auxílio • OI. Plantas recém-emergidas, com uma ou mais
de chaves descritivas ou diagramáticas, onde são apresentadas as folhas (Estádio 10)
várias fases do desenvolvimento do hospedeiro, durante um ciclo
• 02. Início do perfilhamento (Estádio 20)
de cultivo, desde a germinação ou brotação até a reprodução.
Atualmente, há chaves fenológicas para os mais d iversos hospe- • 03. Perfilhos formados, folhas curvadas em espiral
deiros, tanto de culturas anuais (Boxe 39.1 e Figura 39.1) como de (Estádio 26)
culturas perenes (Figura 39.2). O número de níveis de uma chave • 0-1. Inicio do aparecimento do pseudo-colmo e do
fonológica varia em função da cnltura e do objetivo do estudo. elon1tamento das bainhas (Estádio 29)
Um mínimo de três níveis, com a representação dos estádios de
estabelecimento da cultura, período vegeLativo e período reprodu- • 05. Pseudo-colmo desenvolvido (Estádio 30)
tivo, é requerido. De modo geral, as chaves feno lógicas apresentam • 06. Primeiro nó do colmo visivcl na base da gema
10 a 15 fases de desenvolvimento do hospedeiro, embora existam (Estádio 31)
exceções, como a escala de Zadoks et ai. ( 1974), um desdobra- • 07. Segundo nó do colmo já formado (Estádio 32)
mento da escala de Feekes, que identifica 100 fases distinta<; na
culrura do trigo (Boxe 39.1 ). Em frutíferas perenes, são comuns • 08. Folha bandeira visível, enrolada. Inicio de
chaves fonológicas descrevendo unicamente o período reprodutivo emborrachameoto (Estádio 37)
(Figura 39.2). Nesse caso, essas chaves são também utilizadas para • 09. Ugula da folha bandeira vis(vcl (Estádio 39)
orientar as épocas de aplicação de defensivos.
• 10. Bainha da folha bandeira completamente
39.t.1. Índice de Área Foliar (IAF) desenvolvida e espigas não ,isíveis (Esti\dio 45)
O crescimento do hospedeiro pode ser quantificado por • 10.1 Primeira espiga apenas visível (Estádio 50)
diferentes variáveis, das quais as mais comuns são o peso seco e a • 10.2 25% do espigamento completo (Estádio 52)
área foliar total da planta (Seem, 1988). Como a primeira variável
só pode ser obtida com amostras destrutivas, a maior parte dos • 10.3 50% do espigamento completo (Estádio 54)
estudos epidemiológicos utiliza área foliar para estimar o cres- • 10.4 75% do espigamento completo (Estádio 56)
cimento do hospedeiro. Para fins de correlação com produção,
• 10.5 Todas as espigas fora da bainha (Estádio 58)
a variável mais relevante do crescimento do hospedeiro é a área
foliar total por unidade de área de terreno. Esta variável é conhe- • 10.5. l Começo do ftorescimento (Estádio 60)
cida como índice de área foliar (lAF). A estimativa do índice de • 10.5.2 Florescimento completo na parte apical da
área foliar pode ser realizada através de métodos diretos, onde as espiga (Estádio 64)
medidas de área são feitas diretamente oa copa da planta, métodos
alométricos, onde a área foliar é estimada empiricamente a partir • 10.5.3 Florescimento completo até a base da espiga
de um parâmetro de fácil avaliação, não necessariamente relacio- (Estádio 68)
nado à copa, e métodos indiretos, onde algumas propriedades da • 10.5.4 Final do florescimento, grãos no estádio
copa, como transmissão ou reHetância da luz solar, são relacio- aquoso (Estádio 71)
nadas à área foliar (Campbell & Nonnan, 1989).
• 11.1 Grãos no estádio Jeitoso (Estádio 75)
Métodos diretos, como (a) integração entre a contagem do
número de folhas e a estimativa de sua área, (b) peso de folhas • 11.2 Grãos no estádio de massa (Estádio 83)
secas caídas sob a copa, muito utilizado para essências flores- • 11.3 Grãos maduros (Estádio 91)
tais decíduas, e (e) estimativa visual dá área coberta por folhas
• l l .4 Maturação no ponto de colheita, palhas s~as
e da área descoberta de terreno com molduras quadriculadas, de
(Estádio 92)
tamanho padrão, colocadas sobre a cultura, são, em geral. muito
laboriosos e exigem grande número de repetições.
500
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
Maturação
Espigamento
Perfilhamento a Emborrachamento
----------------
Germinação a Perfilhamento
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 10.1 10.5 11
Figura 39.1 - Diagrama padrão dos estádios de desenvolv imento de cereais baseado na escala de Feekes e ilustrado por Large ( 1954): 1 - germinação;
2 - início do perfilhamento; 3 - perfilbos formados; 4 - aparecimento da bainha das folhas; 5 - bainha das folhas bem visível;
6 - pímeiro nó visível; 7 • segundo nó visível (seta); 8 - aparecimento da última folha (seta); 9 - lígula da última folha visível
(seta); 1O - última folha cobrindo a es1piga (seta); 10.1 - espigamento; 10.5 - final do florescimento; 11 - grão leitoso.
Figura 39.2 - Diagrama padrão dos esládios fenoló,gicos da macieira: A= gema dormente; B = gema inchada; C = pontas verdes; C3 = meia
polegada verde; D2 = meia polegada verde com folhas; E =botão verde; E2 = botão rosado; F = início da floração; F2 = floração
plena; G = final da floração; H = queda de pétalas; 1 = frutificação efetiva; J = frutos formados.
501
Manual de Fitopatologia
39.2. PATOMETRIA
A quantificação de doenças é fundamental para
estudos epidemiológicos e para avaliação de estraté-
gias de controle. A quantificação de uma variável que
expresse a intensidade de doença, seja ela medida
pela incidência (porcentagem ou frequência de plantas
doentes ou partes de plantas doentes em uma amostra
ou população) ou pela severidade (porcentagem da área
Figura 39.4 -Analisadores de copa capazes de captar e registrar a radiação
incidente (A, C) e a radiação refletida (B) pelo dossel das plantas.
i
Cll 1.0 -r-- - - -- - - - --,,- - - - ---,
-!::! ou do volume de tecido coberto por sintomas), é necessária, tanto
êii para descrever o progresso da epidemia e sua relação com o clima
oê ou com medidas de controle, quanto para validar modelos de
e:: 0.8 - previsão ou para fazer uso do manejo integrado. Portanto, erros
(\) •• na quantificação da doença podem ser magnificados na análise
~ •
(1)
.;:: epidemiológica subsequente, interferindo em maior ou menor
~ grau, nas conclusões alcançadas (Campbell & Madden, 1990).
o
t(\)
Para que os erros sejam minimizados, o método utilizado na
(.>, quantificação da doença deve ser capaz de fornecer resultados
1 o 2 4
Índice de área foliar
6
acurados e precisos. Acurácia refere-se à proximidade entre o
valor amostrado (média) e o valor real da quantidade de doença,
enquanto precisão refere-se à repetibilidade, ou seja, à variação
associada com a estimativa da quantidade de doença na amostra
Figura 39..3 - Radiação refletida nonnalizada (comprimentos de onda (Campbell & Madden, 1990). A Figura 39 .5 é bastante ilustra-
810 e 660 mn) da copa sadia de feijoeiro em função do tiva com respeito a estes dois termos: alta precisão e alta acurácía
índice de áre'<1 foliar das plantas. estão representadas em A; alta precisão e baixa acurácia, cm Il
Fonte: Adaptada de Canteri et ai. (1998). e E; baixa precisão e alta acurácia, em C e F; baixa precisão e
502
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
baixa acurácia, em D. A baixa acurácia é expressa pelo erro siste- feita diretamente através dos sintomas. ou métodos indiretos, onde
mático que ocorre a cada estimativa. de tal fonna que o valor a quantidade de doença é estimada pela população do patógeno.
médio estimado é claramente diferente Jo real. Na Figura 39.SE
o erro de cada estimativa não ocorre de maneira aleatória, ele J9.2.l. Métodos Diretos de Avaliação de Doenças
se repete, sendo sempre de aproximadamente 5% superior ao Dentro dos métodos diretos encontram-se a estimativa das
valor real. Essa repetibilidade indica alta precisão. Na situação variáveis incidência e severidade e as técnicas de sensoriamento
inversa, de baixa precisão e elevada acurácia (Figura 39.SF), a remoto.
regressão dos pontos, que representa a média das estimativas, é
39.2. l. 1. Quantificação da incidência de doença
próxima à dos valores reais. Nesse caso, as estimativas indivi-
duais mostram valores muito diferentes do real, com erros distri- A variável incidência é a de maior simplicidade, precisão e
buídos de maneira casualizada, ora superestimando ora subesti- facilidade de obtenção. A contagem do número de espigas de milho
mando a quantidade de doença, e. portanto, sem repetibilidade com carvão, do número de frutos de pêssego com podridão parda e do
(baixa precisão). número de plantas de berinjela com murcha de Verticillium fornece
É posshel quantificar estatisticamente acurácía e precisão. uma ideia clara da intensidade de cada doença, sem. nenhuma
A acurácia pode ser quantificada pelo coeficiente angular e pela subjetividade. Os dados obtidos por contagem são reprodutí-
interseção de linhas de regressão estabelecidas entre a seve- veis, independent~mente do avaliador. Estes valores podem ser
ridade real e as estimativas da severidade de uma determinada expressos em porcentagem ou através de outros índices. Embora a
amostra. A acurácia será tanto maior quanto mais próximo de transformação seja desejável na maior parte das vezes, em alguns
1,0 for o coeficiente angular e mais próximo ele zero for a inter- casos específicos o próprio número não transformado pode trazer
seção. A precisão pode ser quantificada pelo coeficiente de deter- informações interessantes. É significativo dizer, por exemplo,
minação de regressões lineares estabelecidas ~ntre a severidade que a doença holandesa do olmo, causada por Ophiostoma ulmi
real e as estimativas da severidade de uma detenninada amostra. (syn. Ceratocystis ulmi, um parasita sistêmico que mata a planta)
A precisão será tanto maior quanto mais próximo de 1,0 for o reduziu a apenas 145 o número de olmos da região da Normandia
valor do coeficiente de determinação (R!). Obviamente. o melhor (França) onde, na década de 1960, havia dois milhões de árvores
método de avaliação para a estimativa da quantidade de doença (fleul)', 1988).
deve possibilitar ao avaliador obter o máximo de precisão e de Do pomo de vista epidemiológico, a incidência, expressa
acurácia em sua avaliação. em porcentagem, pode ser utilizada na elaboração de curvas de
Os métod0s de avaliação de doenças podem ser agrupados progress0 de doenças. Quando a epidemia está cm sua fase inicial,
em métodos diretos, onde a estimativa da quantidade de doença é incidência é uma variável satisfatória para avaliar a maioria das
A B e D
40 40
~ E F
• • •
(1)
-o 30 30
l1l
E • /
ui
<.> 20 20 • • •
<.>
-o
co
,
• •
-e
·e 10
(l) • 10
• • • •
>
(l)
(/') o o •
o 10 20 30 o 10 20 30
Severidade real(%)
Figura 39.5 - Acurácia e precisão na avaliação de doenças. Estão representadas avaliações com altas precisão e acurácia (A), alta precisão
e baixa acurácia (B, E), alta acurácia e baixa precisão (C, F) e baixas precisão e acurácia (D). Em (E) e (F) linhas pontilhadas
representam siniações ideais, com estimativas idênticas à realidade. Linhas cheias e pontos representam estimativas.
Fonte: Adaptada de Amanal. 1977. cilado por Kranz ( 1988).
503
Manual de Fítopatología
doenças já que, nesta fase, ela pode ser correlacionada com seve- diagramáticas publicadas na literatura o paitir de 1991 está dispo-
ridade. Em fases mais avançadas da epidemia, entretanto, a inci- nível online (http://emdelponte.github.io/sadban.k/), na forma de
dência, geralmente, não pode ser utilizada independentemente banco de dados, com informações sobre o hospedeiro, a doença, o
da severidade por não representar com clareza a intensidade da ano de publicação e a referência de cada uma delas (Dei Ponte et
doença. Tomando-se o exemplo da ferrugem marrom da cana-de- ai., 2017). Iniciativas como essa são louváveis e muito úteis para
açúcar (Puccinia melanocephala), uma avaliação baseada apenas na quem precisa desse tipo de ferramenta ou para quem quer anali_Sar
incidência forneceria dados alarmantes para a maioria das variedades tendências na pesquisa em fitopatometria.
cultivadas em São Paulo nos periodos de primavera e outono, onde As escalas diagramáticas devem ser simples, aplicáveis em
praticamente todas as plantas apresentam pelo menos uma pústula. diferentes condições e ter intervalos suficientes para representar
Este nível (incidência de 100% de plantas) não reflete a intensi- os diferentes níveis de severidade de uma determinada doença.
dade da doença no campo, onde as diferenças varietais são signi- Na elaboração de uma escala d.iagramática, alguns aspectos
ficativas. Embora os sintomas estejam presentes em praticamente devem ser considerados, como as quantidades mínima e máxima
todas as plantas, a severidade da doença é extremamente variável. de doença observadas no campo e representadas na escala, a
Do ponto de vista da quantificação de danos, a utilização da representação dos sintomas da maneira mais próxima possível da
incidência está sujeita também a algumas limitações. Neste caso, realidade e os illíveis de severidade, respeitando as limitações da
ela só pode ser usada para aquelas doenças que atacam a planta acuidade da vista humana.
toda, como as viroses sistêmicas e as murchas vasculares, ou para Horsfall & Barratt ( 1945) propuseram uma escala de ava-
aquelas em que uma única infecção é suficiente para impedir a liação da ferrugem do trigo com 12 classes de severidade: O; O a
comercialização do produto, como as podridões de frutos. 3; 3 a 6; 6 a 12; 12 a 25; 25 a 50; 50 a 75; 75 a 88; 88 a 94; 94 a 97;
97 a 100; 100. A escolha destas 12 classes foi feita após a "desco-
39.2.1.2. Quantificação da severidade de doença
berta", por aqueles autores, das leis de Weber e de Feclmer, mais
A variável severidade é mais apropriada para quantificar conhecidas como lei Weber-Fechner, que diz que ·'a acuidade
doenças foliares como ferrugens, oídios, míldios e manchas. Nestes visual é proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo".
casos, a porcentagem da área de tecido coberto por sintomas retrata De acordo com a lei de Weber-Fechner, o estímulo proporcio-
melhor a intensidade da doença que a incidência, onde unicamente nado pelos sintomas de uma doença deve crescer exponencial-
a frequência de órgãos doentes é anotada. Quantificar precisamente mente para que a vista humana consiga diferenciá-lo. Assim,
a área doente, por sua vez, é urna tarefa extremamente laboriosa. pode-se distinguir folhas com 3% de doença daquelas com 6%,
A contagem de lesões com posterior medida de seu comprimento nas escalas logarítmicas, mas não se consegue diferenciar folhas
e largura para determinação da área são atividades que só podem com 25% de outras com 30% de doença, utilizando-se uma escala
ser realizadas em trabalhos experimentais. Mesmo assim, quando com incrementos constantes de 5%, por exemplo. Como a vista lê
o número de amostras é elevado e quando as lesões são numerosas tecido doente até 50% e tecido sadio acima deste limite, a curva
e irregulares, este trabalho toma-se praticamente inexequível. Para de calibração para converter os índices de uma escala em severi-
contornar este inconveniente, várias estratégias têm sido propostas dade segue o modelo logístico, com ponto de inflexão em 50%.
para a avaliação da severidade de doenças. Merecem nota as Durante praticamente 60 anos, escálas foram construídas
chaves descritivas, as escalas diagramáticas e as análises de com essa prerrogativa, praticamente sem contestação. A maior
imagens computadorizadas. parte das escalas assim construídas foi e continua sendo útil. O
Chaves descritivas utilizam escalas arbitrárias com certo uso dessas escalas garante maior precisão nas avaliações da seve-
número de graus para quantificar doenças. Cada grau da escala ridade da doença quando comparadas às avaliações sem auxilio
deve ser apropriadamente descrito ou definido. São numerosos os das mesmas. No entanto, alguns trabalhos esparsos mostravam
exemplos de utilização de chaves descritivas. Algumas são bastante que as premissas da lei de Weber-Feehner não estavam comple-
úteis e largamente empregadas, pois representam uma metodologia tamente corretas. quando aplicadas à avaliação da severidade de
uniforme de coleta de dados. Muitas, por outro lado, são mal elabo- doenças. De fato, em psicofisica, ramo da psicologia que estuda
radas e têm fracassado na avaliação sistemática de doenças. Exem- a relação entre estímulos fisicos e as respectivas sensações, há
plos destes dois tipos de chaves são apresentados no Boxe 39.2. nabalhos mostrando que a resposta aos estímulos é variada. Por
Escalas diagramáticas são representações ilustradas de uma exemplo, Stevens (1957), avaliando 14 estímulos diferentes (som,
série de plantas (Figura 39.6) ou partes de plantas (Figuras 39.7 a choque elétrico, sabor, vibração, flash luminoso, etc.), concluiu que
39.9) com sintomas em diferentes níveis de severidade. Estas escalas a relação estímulo/ resposta é uma função potência ('P = k S º. onde
constituem-se na principal ferramenta de avaliação da severidade 'I' é a percepção do estímulo, k é uma constante e Sé o próprio
para muitas doenças. A primeira escala diagramática desc1ita na lite- estimulo), com o expoente variando de 0,3, quando o estímulo
ratura foi proposta por Cobb, em 1892 (Horsfall & Cowling, 1978), é um som, a 2, para flashes de luz. A função potência, quando
para avaliação da ferrugem do trigo. Esta famosa escala apresenta convertida na fonna logaritmica ( coordenadas log-log), pennite
o diagrama de cinco seções de folhas de trigo com 1%, 5%, 10%, a obtenção de uma equação linear, cuja inclinação corresponde
20% e 50% de área foliar atacada. Através da comparação desta ao coeficiente n. Outras formas de reposta percepção-estímulo
escala com folhas verdudeiras, Cobb conseguiu diferenciar quan- foram também estabelecidas com curvas côncavas ou exponen-
titativamente plantas de trigo resistentes de plantas suscetíveis à ciais quando plotadas nas coordenadas log do estímulo (x) e log
ferrugem. A escala de Cobb foi elaborada empiricamente e sua utili- da percepção (y). Considerando que a lei de Weber-Fechner nunca
zação pennite a distinção clara dos cinco níveis de doença repre- havia sido apropriadamente testada para avaliações de severidade
sentados. Apesar de muito antiga, ainda é utilizada com sucesso. de doença, em 2006, Nutter e Esker avaliaram a acuidade da
Desde o trabalho seminal de Cobb, centenas de escalas diagramá- vista humana em distinguir diagramas com três valores de seve-
ticas têm sido desenvolvidas. Uma compilação das diferentes escalas ridade de ferrugem da folha do trigo e do míldio da videira: 25%.
504
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
Boxe 39.2 Sucesso e fracasso na avali ção da severidade com o uso de chaves descritivas
De um bom método de avaliação dependem o sucesso ou o fracasso da quantificação da severidade de uma doença.
Algumas chaves descritivas têm encontrarlo grande aceitação entre pesquisadores e são usadas com frequência. É o
caso da chave proposta pelo subcomitê de avaliação de doença da Sociedade Britânica de Micologia, para a avaliação
1
da requeima da batata (Chester, 1950). Seu uso tem proporcionado resultados uniformes e comparáveis entre
diferentes observadores. Nesta chave, a severidade é expressa por número de lesões nas notas inferiores a 25, pois
quando a intensidade de doença é baixa, a avaliação através do número de lesões é facilmente obtida. A partir da nota 25,
com o aumento na intensidade da doença,, a severidade é expressa em porcentagem da área destruída.
Ch.ave descritiva da requeima da batata
Chaves mal elaboradas são, infelizmente, frequentes na literatura. Um exemplo típico das aberrações cometidas na
avaliação de doenças, citado por Chester ('I 950), pode ser ilustrado pela chave destinada a avaliar uma "miscelânea" de
doenças de cereais, utilizada no passado pelos cerealistas e colaboradores do Departamento de Agricultura dos E. U.A.
Nesta chave são definidos seis graus de intensidade de doença:
.
O ausência de infecção
1 muito leve - l ou 2 espécies/acre
2 l~ive - 8 a 10 espécies/acre
3 c,onsiderável - 30 a 40 espécies/acre
4 abundante - 25 a 50% de plantas doentes
5 muito abundante (> 50% de plantas doentes)
Além de utilizar ape.nas a variável incidência, a escala apresenta um grave erro na distribuição das notas. Como em
um acre desenvolvem-se, normalmente, 8,00.000 perfilhos, as classes 1, 2 e 3 representam, respectivamente, 0,0001%,
0,0013% e 0,0050% de plantas doentes, enquanto as classes 4 e 5 representam, respectivamente, 25 a 50% e mais de 50%
de plantas doentes. Tanto para efeito de es:tudos epidemiológicos como para avaliação de danos, as classes l, 2 e 3 têm
a mesma grandeza, enquanto valores compreendidos dentro do intervalo 0,01 % e 25% de plantas doentes são descon-
siderados.
37% e 50% (três categorias com aumento linear no intervalo de escala de Horsfall & Barrat (com seus 12 níveis entre O e 100%
25-50%). Os resultados obtidos mostraram que a1 vista humana é de doença), quando comparada à avaliação sem escala. Isso tem
capaz de diforenciar severidades de ferrugem do !trigo e de míldio levado muitos pesquisadores a criticarem escalas diagramáticas
da videira nesses três valores. Com esses resultados, os autores que utilizam intervalos exponenciais, por confundirem aumento
sugerem que os intervalos propostos por Horsfall & Barrat sejam exponencial com a escala de Horfall & Barrat para representar
revistos na construção das escalas e que se considere a utilização os diferentes níveis de severidade. É notório que os níveis
de incrementos lineares no estabelecimento dos diferentes níveis propostos por Horsfall & Barrat não são os mais adequados para
das escalas diagramáticas. No entanto, é preciso considerar que avaliação de doenças foliares. A conclusão de que avaliação da
incrementos lineares em severidade~ baixas mai:s confundem do severidade sem auxílio de escala é melhor do que avaliação com
que auxiliam (Figura 39. l O). auxílio de escala com os níveis de Horsfall & Barrat não signi-
Mais recentemente, Bock e colaboradores (Bock et ai., fica que a avaliação a olho nu seja sempre melhor. Em vários
2008a; 2008b; 2009a; 2009b; 201 O) têm critiicado o uso da casos, comprovou-se que o uso de escalas diagramáticas real-
505
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
Boxe 39.2 Sucesso e fracasso na avalia ão da severidade com o uso de chaves descritivas
De um bom método de avaliação dependem o sucesso ou o fracasso da quantificação da severidade de uma doença.
Algumas chaves descritivas têm encontrado grande aceitação entre pesquisadores e são usadas com frequência. É o
caso da chave proposta pelo subcomitê de avaliação de doença da Sociedade Britânica de Micologia, para a avaliação
d.a. requeima da batata (Chester, 1950). Seu uso tem proporcionado resultados uniformes e comparáveis entre
diferentes observadores. Nesta chave, a se:veridade é expressa por número de lesões nas notas inferiores a 25, pois
quando a intensidade de doença é baixa, a a•valiação através do número de lesões é facilmente obtida. A partir da nota 25,
com o aumento na intensidade da doença, a severidade é expressa em porcentagem da área destruída.
Chave descritiva da requeima da batata
Chaves mal elaboradas são, infelizmente, frequentes na literatura. Um exemplo típico das aberrações cometidas na
avaliação de doenças, citado por Chester (1.950), pode ser ilustrado pela chave destinada a avaliar uma "miscelânea" de
doenças de cereais, utilizada no passado pdos cerealistas e colaboradores do Departamento de Agricultura dos E. U.A.
Nesta chave são definidos seis graus de int•~nsidade de doença:
O aüsência de infecção
1 muito leve - l ou 2 espécies/acre
2 leve - 8 a 10 espécies/acre
3 considerável - 30 a 40 espécies/acre
4 abundante - 25 a 50% de plantas doentes
5 muito abundante(> 50% de plantas doentes)
Além de utilizar apenas a variável incidência, a escala apresenta um grave erro na distribuição das notas. Como em
um acre desenvolvem-se, normalmente, 8()0.000 perfilhos, as classes 1, 2 e 3 representam, respectivamente, 0,0001%,
0,0013% e 0,0050% de plantas doentes, enq1uanto as classes 4 e 5 representam, respectivamente, 25 a 50% e mais de 50%
de plantas doentes. Tanto para efeito de estudos epidemiológicos como para avaliação de danos, as classes 1, 2 e 3 têm
a mesma grandeza, enquanto valores compreendidos dentro do intervalo 0,01 % e 25% de plantas doentes são descon-
siderados.
37% e 50% (três categorias com aumento linear no intervalo de escala de Horsfall & Barrat (com seus 12 níveis entre O e 100%
25-50%). Os resultados obtidos mostraram que a vista humana é de doença), quando comparada à avaliação sem escala. Isso tem
capaz de diferenciar severidades de ferrugem do trigo e de míldio levado muitos pesquisadores a criticarem escalas diagramáticas
da videira nesses três valores. Com esses resultados, os autores que utilizam intervalos exponenciais, por confundirem aumento
sugerem que os intervalos propostos por Horsfall & Barrai sejam exponencial com a escala de Horfall & Barrat para representar
revistos na construção das escalas e que se considere a utilização os diferentes níveis de severidade. É notório que os níveis
de incrementos lineares no estabelecimento dos diferentes níveis propostos por Horsfall & Barrat não são os mais adequados para
das escalas diagramáticas. No entanto. é preciso, considerar que avaliação de doenças foliares. A conclusão de que avaliação da
incrementos lineares em severidade!' baixas mai:, confundem do severidade sem auxílio de escala é melhor do que avaliação com
que auxiliam (Figura 39. 10). auxílio de escala com os níveis de Horsfall & Barrat não signi-
Mais recentemente, Bock e colaboradore:s (Bock et ai., fica que a avaliação a olho nu seja sempre melhor. Em vários
2008a; 2008b; 2009a; 2009b; 201 O} têm criticado o uso da casos, comprovou-se que o uso de escalas diagramátícas real-
505
Manual de Fitopatologia
1 6
Figura 39.6 - Escala diagramática para avaliar a intensidade de Setosphaeria twúca (syn. lle/minthusporium 111rcic11m) em milho, considerando-se a
planta toda: 1 = infecção fraca, uma ou duas lesões restrhas às folhas inferiores; 2 - infecção fraca, algumas lesões esparsas nas folhas
inferio:res; 3 = infecção leve, número moderado de lesões nas folhas inferiores; 4 = infecção moderada, lesões abundantes nas folhas
inferio.res, poucas em folhas medianas; 5 = infecção pesada, lesões abundantes nas folhas inferiores e medianas estendendo-se às folhas
superiores; 6 = infecção muito pesada, lesões abundantes em todas as folhas, plantas podem morrcr precocemente.
Fonte: Chester ( 1950).
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Figura 39.7 - Escalas diagramátícas para avaliação da severidade(%) de cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. citri) em folhas de citros
para ]lesões pequenas (A), médias (B), grandes (C) e associadas com o ataque da larva minadora dos citros (D).
Fonte: Belasque et :ai. (2005).
506
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
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Figura 39.9 - Escala diagramática pa!'ll avaliação da severidade (% da área do fruto coberto por sintomas) da mancha preta (Phy/losticta
cilricarpa) dos cilros. Os diagramas da parte superior são representações do sintoma de mancha dura e os da parte inferior,
representações do sintoma de falsa melanose.
Fonte: Spósito et ai. (2004).
507
Manual de Fitopatologia
D Ü
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da severidade de doenças
o
da severidade de doenças tem no microcomputador
uma ferramenta preciosa. Notadamente os programas
' Distraín (Disease training-Tomerlin & Howell, 1988),
'
. ' Dispro (Disease program - Nutter Jr. & Worawitlikit,
1990), Conibro (Canteri & Giglioti, 1998) e Severity.
Pro (Severity program - Nutter Jr. & Litwiller, 1998)
têm sido usados para formar técnicos na avaliação de
doenças foliares de diversas plantas cultivadas; Distrain
é utilizado para cereais, Dispro, para amendoim,
Combro, para cana-de-açúcar e Severity.pro oferece
ampla gama de formatos de folhas e de lesões, capazes
de simular diferentes patossistemas. Os programas
reproduzem no monitor de vídeo de computadores
a imagem de folhas doentes. O operador do sistema
escolhe o tipo de doença e o nível de severidade em que
3.7 7.4 deseja ser treinado. Ele pode optar entre níveis baixo,
médio, alto ou ainda deixar que o computador sele-
Figura 39.1 O- Escala diagramática para estimar a severidade de fer- cione níveis aleatórios de severidade. Após a escolha
rugem do trigo. Os níveis da escala seguem incremcn- da opção desejada, observa-se no monitor a imagem
. tos lineari::s. Note que a vista humana praticamente não da folha doente. Deve-se, então, digitar a estimativa da
consegue diferenciar dois níveis contíguos. severidade representada na imagem, que será imedia-
Fonte: Peterson, 19-18, citado por Zadoks & Schein ( 1970). tamente comparada à área real ocupada pela doença.
Ao final da sessão de treino, o programa permite ao
Análises de imagens digitais - Há vários programas compu- operador verificar seu desempenho, que será clas-
tacionais capazes de avaliar severidade de doença~ dt: plantas; sificado em excelente, bom, regular e fraco, de acordo
alguns deles, especificamente produzidos com essa finali- com a precisão das estimativas.
dade como é o caso do Quant (Vale et ai., 2001) e do Ass.ess
(Lamari, 2002; 2008). Com tais sistemas, pode-se obter estima-
tivas não subjetivas da qnantidade de doença, mesmo com amos-
tras de folhas compostas ou com bordos recortados. A análise de 39.2.1.3. Relação incidência-severidade
imagens digitais não está sujeita aos problemas inerentes à vista A incidência é uma variável satisfatória para a avaliação de
humana, já que a resposta ao estímulo ótico segue. neste caso, doenças sistémicas, como murchas e viroses, porque, nestes casos,
um modelo linear. A precisão deste tipo de avaliação é, portanto,
existe alta correlação entre incidência e severidade. Assim, se
muito elevada. Apesar da alta eficiência, os sistemas de análise
numa parcela com 100 plantas de tomate, 30 apresentarem murcha
de imagens digitais não prescindem de interferência humana.
bacteriana. tanto incidência quanto severidade serão iguais a 30%
A diferenciação entre tecido doente e sadio. na maior parte das
(30 plantas murchas). Como a severidade é representada pela média
vezes, deve ser verificada pelo operador, pois ele deve indicar
de todas as plantas amostradas, incidência e se\eridade são iguais.
manualmente sobre a imagem que cores que representam o tecido
Com este mesmo raciocínio pode-se deduzir que a severidade média
doente, para que o sistema o identifique como tal. Algumas vezes.
de uma amostra nunca será maior que a incidência (expressos na
a folha pode apresentar injúrias não relacionadas à doença. que
mesma unidade). Esta relação direta só ocorre em alguns casos espe-
têm a mesma cor do tecido doente; nesse caso, cabe ao operador
cíficos. Além das doenças sistêmicas, a relação aplica-se também
desconsiderar a seleção do programa. Além disso, e ainda mais
para aquelas doenças em que uma única lesão destrói a planta toda
frequentemente. o operador não indica todas as matizes que
ou um órgão da planta, inviabilizando a produção.
representam o tecido doente e parte dele não é assim conce-
bido pelo sistema, levando à subestimativa da severidade. Essa Para a maioria das doenças não sistêmicas, a relação entre
seleção de cores e a verificação da correta seleção pelo programa incidência e severidade é menos evidente. Uma relação linear
tomam a avaliação da severidade laboriosa nesses sistemas. Na entre essas duas variáveis só tem sido estabelecida para níveis
segunda versão do programa Assess, lançada em 2008, foi intro- muito baixos de severidade (Fignra 39.1 1). Isto ocorre porqne,
duzida uma nova rotina, que possibilita medidas automáticas, no início de uma epidemia, a doença cresce no espaço, com o
independentes do operador do sistema, o que toma a quantificação aumento da incidência (aumento no número de unidades doentes),
bem mais rápida. No entanto. quando essa rotina foi testada para e no tempo, com o aumento da incidência e da severidade. Assim,
folhas de laranjeiras com cancro cítrico. as avaliações da severi- a doença cresce inicialmente graças a novas unidades infec-
dade da doença foram menos precisas que aquelas obtidas quando tadas. Quando a maioria das plantas já apresenta sintomas (inci-
o operador do sistema interfere na seleção das áreas doentes. As dência elevada). praticamente não há mais crescimento espacial.
avaliações automatizadas pelo sistema foram comparáveis àquelas A evolução da doença no tempo dá-se quase que exclusivamente
realizadas por estimativas visuais (Bock et ai., 2009). pelo aumento da severidade.
508
Feno/agia, Patometria e Quantificação de Danos
~·
8
do infravermelho próximo (700-1.200 nm). Como
4
as doenças podem afetar as propriedades ópticas
o
20
o 20 .. .. .. D ,..
"' .. ., o ... 'º .. 10 100
das folhas, sistemas de detecção e quantificação de
doenças podem se basear em medidas do espectro
16 G o tt ºº em diferentes combinações de comprimentos de
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"O onda (West et al., 2003). Essa tecnologia é espe-
IIJ
12
"O ciahnente útiJ na detecção de doenças cujo controle
8
-~ depende da erradicação de plantas doentes, como o
iii huanglongbing dos citros no Brasil, affosvencence
(j)
20 ......- - - - - - - ~
10
•• .. 10 100 0 :,o .. ,.. ao
dorée da videira na França e o Tulip hreaking vinis
da tulipa na Holanda. A eficiência da erradicação
o K L
é tanto maior quanto mais rápido plantas doentes
16 o
o forem identificadas no campo e essa tecnologia,
12
associada a equipamentos móveis, como droues, por
8 exemplo, pode reduzir o tempo de vistoria de plantas
4 quando comparada à tradicional prospecção visual.
0-+-~~~~~~~-1
,.
"'- - ~
20 ......- - - - -
'º
o
•• 100
• 20
•• . "' IOC o lO
"" .. .. 100
O uso de imagens espectrais para identificar videiras
comjlavescence dorée (Albctis ct ai..2017) e tulipas
com Tulip breaking vinis (Polder et ai., 2014) foi
...
o o ~
1- ~
16 t,I li
bem sucedido experimentalmente e prevê-se para
j
12 breve sua aplicação em mais larga escala.
o o o
8
As técnicas disponíveis para medir a refle-
4
90
tância das plantas incluem fotografia aérea, onde
o-1--.....................................-1 podem ser utilizadas diferentes combinações de
O 20 40 60 80 100120 O 20 40 60 80 100 120 O 20 40 60 80 100 120 filmes, filtros e câmeras (Chiang & Wallen, 1977,
Incidência (%) Steddom et ai., 2005) e radiômetros de múltiplo
espectro (Nutter Jr. et ai., 1993; Figura 39.4C).
Figura 39.11 - Relação íncidência/severidade da mancha preta dos citros em laran-
Filmes coloridos infravem1elhos e, mais
jas das variedades 'Hamlin' (A, D, G, J, M), 'Pera· (B, E, H, K, N)
recentemente, câmeras digitais capazes de captar
e 'Valencia' (C, F, I, L, 0), em diferentes pomares do Estado de São
diferentes comprimentos de onda podem ser utili-
Paulo nas safras 2000 a 2002.
Fonte: Modificada de Spósito (2003). zados na avaliação de doenças por pennitirem a
distinção entre tecidos sadios e sintomáticos. No
entanto, muitos estresses abióticos podem ocasionar
A vantagem de obter uma expressão matemática que modificações no espectro de forma semelhante às provocadas por
forneça a estimativa da severidade através da incidência reside doenças, de forma que o uso isolado dessa técnica para a diagnose
na facilidade operacíonal e na precisão da avaliação da inci- e quantificação de doenças de plantas não tem se mostrado acurada.
dência. Num programa de previsão e avisos de epidemias como A reAetância do infravermelho pode ser afetada por outros fatores,
o EPIPRE, por exemplo (ver Capítulo 19 desta obra), a fonte dos como o estresse hídrico e mesmo pela maturidade dos tecidos das
dados que alimenta o sistema vem dos próprios agricultores, que plantas. Assim, o uso de fotos aéreas na quantificação de doenças
devem estimar a incidência de doença em seus campos de trigo. não prescinde da amostragem in loco e ainda não alcançou a escala
Se severidade fosse usada, uma estimativa errônea. deste parâ- que se vislumbrava no passado. Seu uso tem sido restrito à quanti-
metro comprometeria todo o programa. A avaliação da incidência ficação de doenças em espécies arbóreas, para as quais a coleta de
diminui significativamente esta eventual fonte de erros. amostras de folhas é muito trabalhosa e, em deterrninadas situa-
ções, nas quais amostragens representativas de todo o terreno são
39.2.1.4. Sensoriamento remoto prejudicadas pelo dificil acesso às plantas, como no caso de regiões
Por sensoriamento remoto entendf!'-se um conjunto de técnicas montanhosas (Meenterneyer et al., 2008). No entanto, a utilização
capazes de obter informações de um objeto sem que haja contato de sensores de radiação em veículos autônomos não tripulados
físico com este objeto. As informações da radiação refletida pelas deverá ampliar o uso dessa tecnologia na detecção e na quantifi-
plantas formam uma espécie de "assinatura espectral'' do dossel cação de doenças de plantas (Sugiura et ai., 2016).
509
Manual de Fitopatologia
510
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
amostragem ao acaso - a utilização de amostragem intei- deve ser o órgão da planta em que níveis de severidade da doença
ramente casualizada é recomendada principalmernte para doenças possam ser correlacionados com a queda de produção. Se o obje-
que se distribuem de maneira unifonne num campo. Como isto tivo for estimar a ocorrência de doenças em uma região, a planta
raramente ocorre, a amostragem ao acaso raramente tem sido pode ser tomada como unidade de amostragem. Já em programas
empregada em estudos fitopatológicos. As unidades a serem de previsão e avisos de epidemias, esta unidade de amostragem
amostradas podem ser determinadas por tabelas casualizadas. passa a ser o órgão da planta mais suscetível ao patógeno em um
amostragem sistemática - numa amostragem deste tipo, determinado momento.
as amostras são coletadas de maneira sistemática. Por exemplo, a O tamanho da amostra depende, além do objetivo do levan-
cada dez linhas deve-se atravessar o talhão escol.hendo-se como tamento, também do modelo de distribuição da doença no campo,
amostra uma planta a cada 20 m. Este tipo de amostragem é muito da disponibilidade de tempo e recursos e dos cúveis de acurácia
usual em trabalhos que envolvem avaliação de dcienças. e precisão desejados. O tamanho ideal de uma amostra varia,
Tanto a amostragem ao acaso quanto a amiostragem siste- portanto, de acordo com cada situação particular. Uma maneira
mática podem ser feitas em estratos, sendo neste caso denomi- simples de estimar o tamanho ideal de uma amostra pode ser obtida
nadas de amostragem estratificada. Esta técnica de amostragem com um levantamento preliminar onde a intensidade da doença é
é recomendada para casos em que a população é heterogênea estimada para um número n de amostras. A média e a variância
(distribuição de plantas doentes em agregados). Desde o prin- obtidas com amostras crescentes de I a n devem ser indicadas
cípio, a população deve ser dividida em estratos homogêneos, num gráfico como aquele da Figura 39.14. As curvas apresentam
de maneira a diminuir a variabilidade e aumentar a acurácia da variações iniciais significativas. No entanto, à medida que o
avaliação. A intensidade média de uma doença avaliada por este número de amostras aumenta, as variações diminuem. O tamanho
método é calculada através da média ponderada obtida com os ideal de uma amostra é detenninado pelo início da estabilização
valores de cada estrato. das curvas da média e variância. De modo geral, os procedimentos
de amostragem são delineados de maneira a obter estimativas Je
A B e severidade da doença. Um caso particular que contraria esta regra
...,
er----=- • uma determinada população de plantas. Neste caso, a amostragem
•
••• • • l •• utiliza unicamente o parâmetro incidência, que representa presença
•••• •• • · 1_ __L•:•
ou ausência da doença. Além disso. em lugar de proceder a uma
casualização da amostra, deve-se dirigi-la para locais favoráveis
ao patógeno e aumentar significativamente o número das unidades
~
••• •• amostradas. Equações específicas para esta finalidade são comen-
tadas por Krnnz ( 1988). A amostragem de doenças de plantas está
bastante detalhada em Madden et ai. (2007).
16 214
14 212
o 12 210
...
u:c
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o. 208 'õ
o 8 •Q)
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204
4
2 202
o 200
4 8 12 16 20 24
Figura 39.13 - Modelos de técnicas de amostragem: (a) inteiramente
casualizada; (b) e (c) inteiramente casualizada e estrati-
Número de amostras
ficada; (d), (e) e (f) sistemática diagonal; (g) sistemática Figura 39.14 - Variação dos valores da média (vermelho) e desvio
em escada; (h) sistemática ~m V; (i) s1istemática em M. padrão (azul) em amostras de diferentes tamanhos.
Fonte: Disthapom ( 1987). Fonte: Kranz ( 1988).
511
Manual de Fitopatología
quf!r programa bem sucedido de controle de doenças. A quan- produção das parcelas saJias. Dano é calculado, portanto, como
tificação de danos é, portanto, um ponto chave na definição de a diferença de produção. usualmente expressa em porcentagem,
qualquer estratégia de controle. A definição precisa de alguns dos entre parcelas com diferentes níveis de doença e parcelas sadias.
termos que serão utilizados neste item é dada a seguir, seguindo a Normalmente, nos tipos de experimento discutidos neste
proposta de ZaJoks (1985). Num sentido amplo, qualquer agente item. todos os fatores passíveis de variação são mantidos cons-
biológico que danifique uma plantação pode ser cbamado de orga- tantes, exceto o nível da doença em estudo. Há diversas possibi-
nismo nocivo, seja ele inseto, planta daninha. nematoide. fungo, lidades para obter, num mesmo ensaio, parcelas com diferentes
bactéria ou vírus. Produção é o produto mensurável de valor níveis de injúria. As mais utilizadas são diferentes épocas de
econômico de uma plantação. Qualquer sintoma visível causaJo inoculação do patógeno. diferentes quantidades de inóculo inicial
por um organismo nocivo é coletivamente chamado injúria. e emprego de fungicidas em várias concentrações.
Qualquer redução na qualidade e/ou quantidade da produção é
Método da planta individual - Neste caso, indivíduos
chamada dano. A redução em retomo financeiro por unidade
doentes e sadios substituem as parcelas do método anterior.
de área devida à ação de organismos nocivos é chamada perda.
Num campo, comercial ou experimental, de 50 a 2.009 plantas
Injúria geralmente leva a dano. No caso contrário, emprega-se o
(ou mesmo perfilhos. para o caso de gramineas) são escolhidas,
termo injúria aparente. Esta é a situação quando tolerância (um
etiquetadas, avaliadas para intensidade de doença e, finalmente,
atributo do hospedeiro) estiver envolvida. Dano geralmente acar-
colhidas. quando atingirem a maturidade. A escolha das plantas
reta perda, mas não necessariamente, já que mecanismos de preço
é feita procurando-se representar a maior variação possível Je
podem interferir. A demanda por produtos agrícolas é usualmente
intensidade da doença. não se esquecendo da referência sadia.
inelástica, ou seja, os preços caem caso o mercado tenha excesso
Ao final, caJa planta é considerada como um dado para a análise
de oferta e sobem em caso de escassez.
de regressão. As vantagens deste método, em relação ao anterior.
Densidades populacionais de organismos nocivos podem são evidentes: menor espaço e trabalho para instalar os experi-
ser determinadas diretamente através de contagem como, por mentos; campos comerciais podem ser usados para a pesquisa;
exemplo, com insetos, ou indiretamente através da quantificação uma variação completa no nível de intensidade da doenç11 pode
da injúria como. por exemplo, com patógenos foliares. A função ser conseguida durante uma única estação de cultivo; resultados
de dano relaciona dano (D) com injúria(/) através da equação: conclusivos podem ser obtidos num espaço de tempo conside-
D= f(l) (39. 1) ravelmente menor; o uso de fungicidas, com todas as suas limi-
tações, é desnecessário para obter diferentes níveis de injúria.
A função de perda relaciona perda (P) com dano (D): Desvantagens, porém, também existem: a começar pela maior difi-
P=tW) (39.2) culdade de quantificação do fenômeno da compensação (planlas
sadias que crescem ao lado de plantas doentes tendem a produzir
A equação matemática que descreve a função de dano pode mais, minimizando o dano causado pelo patógeno), passando
ser estabelecida com razoável precisão para qualquer patossis- pela mais filosófica restrição do uso de dados conseguidos num
tema. Os parâmetros variarão de acordo com o cultivãr, local, determinaJo nível biológico de organização (planta individual)
tipo de solo e muitos outros fatores. A função de perda é mais para prever o que acontecerá num nível mais elevado (plantação)
di ficil de ser determinada, especialmente em países de economia e tenninando no aspecto mais importaute. a variação natural de
instável, pois depende de fatores econômicos típicos da região e produção que existe enlrc plantas individuais. mesmo que gene-
do momento. ticamente idênticas, devido, principalmente, a condições de
Obter dados para estabelecer a função de dano é o obje- ambiente. Esta variação, muitas vezes de magnitude superior aos
tivo da fase experimental de um projeto de pesquisa que vise à próprios danos causados pelos patógenos, tem acarretado baixos
determinação dos prejuízos causados por um patógeno. Injúria, valores para os coeficientes de detenninação obtidos neste tipo de
oeste contexto, pode ser traduzida por incidência ou severidade experimento. Uma das maneiras utilizadas para reduzir a variabi-
da doença. Ensaios que contêm parcelas com plantas sadias e lidade na produção de plantas individuais é transfonnar os dados
parcelas com plantas doentes, estas exibindo diferentes níveis de em porceutagem de produção em relação à produção média
injúria, são geralmente empregados para o estabelecimento da das plantas sadias. Com essa abordagem, diferentes campos de
função de dano. Deste modo, obtém-se um conjunto de variáveis cultivo podem ser comparados, já que o dano de cada planta
independentes (níveis de doença) que pode ser relacionado com doente de um campo será relativo à produção da planta sadia do
um conjunto de variáveis dependentes (níveis de dano). mesmo campo (Figura 39.15).
39.3.1. Métodos para a Quantificação de Danos 39.3.2. Modelos para Estimar Danos
Método da parcela experimental - De todos os métodos Experimentos especificamente projetados para estimar
relatados na literatura. o método da parcela experimental é o mais danos geram uma grande quantidade de dados, difíceis de inter-
frequentemente empregado. No passado, utilizou-se-bastante o pretar e usar, a menos que sejam sintetizados na forma de rela-
chameJo tratamento pareado. que consiste de parcelas gêmeas. ções quantitativas. usualmente chamadas modelos. A posse de
sadias e doentes. Cada par dá origem a um conjunto de dados um modelo que consiga capturar a essência da relação injúria-
com diferentes intensidades de doeuça e consequentes danos. dano permite a quantificação de danos a níveis local. regional ou
Mais recentemente, tem-se dado preferência a experimentos de nacional, além de possibilitar uma abordagem econômica para o
tratamentos múltiplos, nos quais dois olf. usualmente, mais níveis controle de doenças. Modelo pode ser definido como uma repre-
de intensidade de doença compõem o mesmo experimento. Um sentação simplificada de um sistema. Modelos simbólicos mate-
mínimo de três repetições é suficiente para ambas as abordagens. máticos são os mais empregados em proteção de plantas. No caso
O cálculo do dauo, invariavelmente, implica na determinação da particular do estudo de danos, os dados que abastecem a maioria
512
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos
o
1(0
foram propostos, resultantes deste estudo, específicos para epide-
mias de longa e curta durações. Um deles, para epidemias de
~
o
e.
1.4 D longa duração, no qual o sétimo período da estação foi desconsi-
o
.... derado, é apresentado a seguir:
e. 1.2
!/) % dano= 1,87 x 1 + 0,45 x 2 + 1,14 .:c3 + 0,63 x, + 0,19 x-1 +
(O
·2 1.0 0,18x6 +o,34.:c8 + 0,83x9 (39.4)
~
~ 0.8 onde x. é o incremento da doença entre períodos semanais.
Q)
'O 0.6 Exemplo do segundo caso é o trabalho de Burleigh et ai. ( 1972),
com trigo-Puccinia recondita f. sp. trifiei: três estádios de desen-
-
l1l
•.?:
l 1l 0.4 volvimento foram escolhidos (10. 1LI e 11.2 - escala de Feekes)
~ para a avaliação da severidade da doença. A equação
o
>(ti
0.2
o- % dano = 5,3788 + 5,5260x1 -0,3308 x.1 + 0,50T9 x 7 (39.5)
"B O.O
onde x1 é a severidade da ferrugem por perfilho no estádio 10,
ct O.O 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
xP a severidade da ferrugem na folha bandeira no estádio 11. l e
Severidade de huanglongbing (proporção)
x 1, a severidade da ferrugem na folha bandeira no estádio 11.2,
explicou 79% da variação do dano.
Figura 39.15 - Relação entre severidade de huanglongbing (proporção
da área da copa com sintomas), causada por Ca. Libe- Modelo integral - modelos integrais relacionam danos com
ribacter asiaticus. e produçilo de laranjeiras Humlin e alguma variável que represente a totalidade de uma epiJemia
Westin (proporção em relação à produção média de
como, por exemplo, a área abaixo do curva de progresso da
árvores sadias) cultivadas na região central do Esta<lo
doença. Um exemplo do uso deste tipo de modelo é o trabalho
de São Paulo.
de Schneider et ai. ( 1976), com Vigna unguiculata e Cerr:ospora
Fonte: Modificada de Bassanczi ct al. (2010).
spp. Chegou-se à equação:
513
Manual de Fitopatologia
w::::: Jeftdt + w0
,,
= Jel(I-exp(-kIAF(t)))dt + w 0 (39.10)
,~to
514
Fenologia, Patometría e Quantificação de Danos
(1)
> 12
:p
ro 1O
Q)
O'.: 0.8
CD
(/} 06
.....,
(l)
e 04
"<i>
(/} 02
o
.....
o o.o
u.
00 0.2 O4 O6 0.8 1.0
Severidade (proporção)
Figura 39.20 - Relação entre a ta.xa liquida de fotossíntese relativa
e a severidade da antr<1cnose do feijoeiro (Colleto-
lrichum lindemuthiam,m) em folhas artificialmente
inoculadas da cv. Carioca. A função que descreve a
ralação é Fotossíntese relativa= (1-x)7•97•
Fonte: Adaptada de Bassanezi et ai. (2001 ).
515
Manual de Fitopatologia
mesma safra. No entanto, em culturas perenes, doenças que ocorrem Beoni, E.; Chrpová., J.; Jarosová, J.; Kundu, J.K. Survey ofbarley yellow
majoritariamente após a colheita não causam danos à produção dwarf virus incidence in winter cereal crops, and assessroent of
daquela safra, que já foi colhida, mas pode vir a fazê-lo nas safras wheat and barley resistaoce to the virus. Crop & Pasture Science
posteriores, principalmente se ocasionar redução no acúmulo de 67: 1054-1063, 2016.
carboidratos nas raízes das plantas. A ferrugem da videira (Phakop- Bergamin Filho, A.; Carneiro, S.M.T.P.G.; Godoy, C.V.; Amorim, L.;
sora euvitis), da mesma forma que a ferrugem do pessegueiro Berger, R.D.; Hau, B. Angular leaf spot on phaseolus beans: rela-
(Tranzschelia discolor), alcançam níveis epidêmicos nos meses tionships between disease, healthy leaf area and yield. Phytopa-
de verão, em plantações do sudeste brasileiro. De modo geral, tbology 87: 506-515, 1997.
quando a doença se instala na cultura, a colheita já foi realizada.
Bock, C.H.; Cook, A.Z.; Parker, P.E.; Gottwald, T.R. Automated image
As folhas que permanecem nas plantas nessa época contribuem
analysis of the severity of foliar citrus canker symptoms. Plant
para o acúmulo de carboidratos nas raízes, os quais serão utili-
Disease 93: 660-665, 2009.
zados na brotação da safra subsequente. Tanto P euvitis quanto
T discolor provocam desfolha em plantas com elevada seve- Bock, C.H.; Gottwald, T.R.; Parker, P.E.; Cook, A.Z.; Ferrandino, F.;
ridade. Além de reduzir o transporte de carboidratos às raízes, Pamell, S.; van den Bosch., F. Horsfall-Barratt scaling and replicated
a desfolha precoce pode induzir a planta a brotações extem- severity estimates of citrus cankcr. European Journal of Phmt
porâneas, que resultam em desvio de carboidratos para novas Pathology 125:23-38, 2009a.
folhas, as quais irão naturalmente cair no início do inverno. A Bock, C.li.; Gottwald, T.R.; Parker, P.E.; Ferrandino, F.; Welham, S.; van
magnitude dos danos provocados pela doença é elevada mesmo den Boscb, f.; Parnell, S. Some consequences of using the Horsfall-
em baixos níveis de severidade e de desfolha (Nogueira Jr. et Barratt scale for hypothesis testing. Phytopatbology 100: 1030-
ai., 2017). A redução de carboidratos nas raízes de videiras no 1041, 2010.
período de dormência já foi associada ao atraso nas brotações
Bock, C.H.; Parker, P.E.; Cook, A.Z.; Gocrwald, T.R. Visual assessment
e à redução em até 50% nas tlorcs e inflorescências formadas
and Lhe use of image analysis for assessing dilTerent symptoms
no ano subsequente. Mesmo se tratando de doenças po\icí-
of citrus canker on grapefiuit leaves. Plant Disease 92: 530-541,
clicas, o dano ocasionado pelas ferrugens da videira e do pesse-
2008a.
gueiro pode ser cumulativo, ou poliético, e reduzir a vida útil
das lavouras em condições favoráveis a epidemias. Danos poli- Bock. C.H.; Parkcr, P.E.; Cook, A.Z.; Gottwald, T.R. Charactcristics of
éticos, assim como doenças poliétícas, são de difícil quanti- the perception of dilferent severity measures of citrus caoker and
ficação experimental, pois requerem anos de avaliação. No the relations between the various symptom types. Plant Discase
entanto, sua estimativa pode ser realizada através de técnicas de 92:927-939, 2008b.
modelagem mecanística (ver Capítulo 42 desta obra). Bock, C.H.; Parker, P.E.; Cook, A.Z.; Rilcy, T.; Gotrwald. T.R. Compar-
ison of asscssment of citrus cankcr foliar symptoms hy cxpcricnccd
39.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA and inexperienced visual raters. Plant Discasc 93: 412-424, 2009b.
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516
1
CAPÍTULO
40
ANÁLISE TEMPORAL DE EPIDEMIAS
Armando Bergamín Filho
ÍNDICE
40.1. Classificação epidemiológica de doença ............ 520 40.2.5. Modelo de Richards ................................. 524
40.1.1. Taxas de juros e capital ............................ 520 40.2.6. Modelo dependente do tempo ................ 524
40.1.2. Taxas de infecção e doença...................... 520 40.3. Exemplos e aplicações .......................................... 524
40.2. Modelos matemáticos e as curvas de progresso 40.3.1. Como escolher o melhor modelo? .......... 524
da doern;;a .............................................................. 522 40.3.2. A importância da escolha do melhor
40.2.1. Modelo exponencial ................................ 522 modelo ...................................................... 527
40.2.2. Modelo logístico .....................................~ 522 40.3.3. A importância da redução do inóculo
40.2.3. Modelo de Gompertz .............................. 523 inicial ........................................................ 528
40.2.4. Modelo monomolecular.......................... 523 40.4. Bibliografia consultada ........................................ 530
curva de progresso da doença, usualmente expressa Modelos matemáticos de crescimento são capazes de
519
Manual de Fitopatologia
520
Análise Temporal de Epidemias
Uma vez conceituados os dois grupos epidemiológicos de efetivos. Como se vê, a equação 40. 12 é semelhante à 40.4, subs-
Vanderplank (1963), é tempo de voltar a atenção para o tema deste tituindo-se C (capital) por y (doença) e r (taxa de juros) pelo
capítulo: curvas de progresso da doença. Como seria a curva típica produto QR (inóculo pré-existente e taxa de infecção). Tanto r
de cada um deles? quanto QR são considerados constantes. A integraçãn de 40. l 2
Para o caso das doenças de juros compostos, conside- resulta em
rando q ue plantas doentes (ou lesões) dão origem a novas plantas (40.13)
doentes (ou novas lesões) no mesmo ciclo da cultura, a veloci-
dade de aumento da doença é proporcional à própria quantidade onde y0 é a quantidade de doença no tempo /0• A curva descrita
de doença em cada instante. Assim, se uma lesão der origem a pela equação 40.13 é uma linha reta (Figura 40.2A).
1O lesões, 1O lesões darão origem a 100, 100 a 1.000, 1.000 a Seriam os modelos exponencial (equação 40.11, Figura
10.000 e assim por diante. Essa cinética de crescimento é expressa 40.2A) e linear (equação 40.13, Figura 40.2A) espelhos fiéis da
matematicamente através da equação diferencial realidade? Simulariam eles com razoável precisão o crescimento
dy/dt = ,y (40.10) da dnença em condições naturais? As epidemias reais, para vários
patossistemas, mostram um acordo parcial entre esses modelos
onde dyldt é a velocidade de aumento da doença, y. a quantidade e a realidade: aparentemente. com quantidades pequenas de
de doença e r, a taxa de infecção. Como se vê. a equação 40.1 Oé doença, os modelos ficam próximos da realidade; à med ida que a
idêntica à 40.7. substiruindo-se C (capital) por y (doença). A inte- quantidade de doença aumenta, aumenta também o divórcio entre
gração de 40.1 Oleva a realidade e modelo. E. pensando bem. as coisas não poderiam ser
y = y 0 exp(rt) (40.1 1) diferentes: tanto o modelo exponencial quanto o linear pemlitem
à quantidade de doença crescer até o infinito. Nenhum processo
onde y0 é a quantidade de doença no tempo t0 • A curva descrita biológico comporta-se dessa maneira: leveduras ou bactérias
pela equação 40.11 tem a fonna típica de um J (Figura 40.2A) e é cultivadas em meio de culrura não crescem ao infinito, pois o
conhecida como curva exponencial. meio. entre nutras causas, esgota-se; a quantidade de doença, do
mesmo modo, não pode tender ao infinito, pois seu crescimento
é limitado. entre outras causas, pela disponibilidade de tecido
sadio. Um fator de correção nbviamente faz-se necessário, fator
este que reduza a velocidade de crescimento da doença propor-
cionalmente à diminuição da oferta de tecido sadio. A equação
40.10 (juros compostos), assim, pode ser alterada para
dyldt "' ry(l - y) (40.14)
onde ( 1 - y) representa a quantidade de tecido sadio (y, neste
o.o~- ..,.::,.....,......_,-,.......,,-,--! . -......-.-_ _,........,,........,_ _---1 contexto, é sempre expresso em proporção de doença). A inte-
O 10 20 30 40 500 10 20 30 40 50 gração de 40.14 produz
Tempo (dias) Tempo (dias)
ln(y/(l -y)) = ln(y/ (1 - yJ) + rt (40. 15)
l<'igura 40.2 - Crescimento exponencial (quadrado cheio) e linear (qua-
drado vazio} (A} da quantidade de doença (para o crescimento Em consequência. o valor da taxa r (chamada de taxa
exponencial, y 0 = 0,001 e r = 0,25: para o crescimento linear, aparente de infecção por Vanderplank, 1963) é calculado por
y 0 '"' 0,001 e QR = 0.002). Crescimento logístico (quadrado
cheio) e monomolecular (quadrado vazio) (B) da quantidade
r = (1/t)(ln(y/(I - y))- ln(y/ (1 -y0 ))) (40. 16)
de doença(para o crescimento logístico,y0 =0,00 1e r = 0,25; A curva descrita pela equação 40.15 tem a forma de S
para o crescimento monomolecular.y0 '"' 0.001 e QR = 0,02). (Figura 40.2B), é conhecida pelo nome de cnrva logísdca e
pode ser linearizada. plotando-se, na ordenada, ln(y/(1 -y)) ao
Para o caso das doenças de juros simples, considerando invés de y. O valor de Ln(v/(l - y)) é conhecido pelo nome de
q ue plantas doentes (ou lesões) não dão origem a novas plantas logito de y. É digno de nota que este modelo, o modelo logístico,
doentes (on novas lesões) no mesmo ciclo da cultura, a veloci- confunde-se com o modelo exponencial para baixas quantidades
dade de aumento da doença não tem qualquer relação com a quan- de doença (5% ou 0,05 de proporção de doença). As diferenças
tidade de doença em cada instante. Como já discutido, o aumento são crescentes à medida que y aproxima-se de 1 (Figura 40.3A).
g radati vo do número de plantas doentes durante o ciclo da cultura Pelo mesmo raciocínio, a equação 40.12 (juros simples) pode ser
é função do in6culo original previamente existente. A quantidade alterada para
de inóculo existente é, na maioria dos casos, desconhecida, mas
dy!dt = QR (1 -y) (40.17)
por conveniência, considerada constante durante cada período de
vegetação. A fração de plantas que se toma doente (y) depende onde (1 - y) represeota a quantidade de tecido sadio. A integração
da frequência de contatos efetivos entre hospedeiro e pató- de 40.17 produz
geno (inóculo original). Contato efetivo é definido como aquele
ln(l/(1 - y)) = ln(l/(1 - yJ) + QRJ (40. 18)
contato que leva à doença. Assim,
O produto QR (quantidade de inóculo inicial e taxa de
dyldt = QR (40.12)
infecção) é calculado por
sendo Q a quantidade de inóculo previamente existente e R, a
taxa de infecção. O produto QR representa o número de contatos QR = (1/t)(ln( 1/( 1 -y)) - ln(l/(1-yJ)) (40. 19)
521
Manual de Fitopatologia
A curva descrita pela equação 40.18 (Figura 40.2B) é 40.2.l. Modelo Exponencial
conhecida pelo nome de curva monomolecular (inicialmente O modelo exponencial é um dos primeiros e mais simples
usada para descrever reações químicas monomoleculares de modelos empregados para o estudo de aumento de populações.
primeira ordem) e pode ser linearizada plotando-se na ordenada
Como já visto, pode ser escrito como
ln(l/(1 - y)) ao invés de y. O valor ln(l/(1 - y)) é conhecido
pelo nome de monito de y. A exemplo dos modelos exponen- (40.20)
cial e logístico, aqui também, para baixos valores de y (até 5%
onde rE é a taxa de aumento específica para o modelo exponen-
ou 0,05), os modelos linear e monomolecular se confundem. As
cial. Se, por exemplo, dyldt representar novas lesões por dia, rE
diferenças, porém, acentuam-se à medida que y aproxima-se de 1
terá o significado de novas lesões por lesão por dia. Neste item,
(Figura 40.38).
para maior precisão e clareza, um subscrito identificará a taxa de
crescimento (no caso E, de exponencial) e o respectivo modelo
A considerado.
"'g" 0.8 A interpretação biológica da equação 40.20 indi~a que a
[IJ velocidade de aumento da doença, dy/dt, também chamada de taxa
~ 0.6 absoluta de aumento da doença, é proporcional à própria quanti-
"O
o dade de doença. Isto é o mesmo que dizer que níveis maiores
·~ 0.4 de doença levarão sempre a incrementes maiores de doença, fato
o
e.
e 0.2 claramente visível no gráfico de dyldt e tempo (Figura 40.4A).
e. Taxas absolutas de aumento da doença são muito úteis para se ter
o.o......-...,::;._~~~~~...--< +-~.-~.-~.-~--,-~-1 uma idéia de como cresce a população. Na prática, entretanto, o
o 10 20 30 40 500 10 20 30 40 50 que se observa é o nível de doença (y) em diferentes tempos (f).
Tempo (dias) Tempo (dias)
t\ equação que descreve a variação de y cm função de I é obtida
Figura 40.3 - Diferenças entre os modelos exponencial (quadrado cheio) pela integração de 40.20 (Figura 40.48)
e logístico (quadrado vazio) (A) e linear (quadrado cheio) y= Yu exp(ri t) (40.21)
e monomolecular (quadrado vazio) (B). Em (A), y 0 =
0,001 e 1· - 0,25; em (B), y0 = 0,001 e QR = 0,02. O modelo exponencial, apesar de demasiado simplista,
pode ser empregado para as fases iniciais da epidemia, enquanto
40.2. MODELOS MATEMÁTlCOS E AS CURVAS DE a quantidade de doença não exceder 5%. Experimentalmente, o
PROGRESSO DA DOENÇA valor de rE pode ser determinado conhecendo-se dois valores de
quantidade de doença em tempos diferentes (y e y 0) através da
Tem sido prática usual entre fitopatologistas, desde 1963, o lõrmula
emprego do modelo logístico para analisar o comportamento' de
rF. == (1/t) ln(y/y0) (40.22)
doenças cujos patógenos movimentam-se entre plantas (ou lesões)
e do modelo monomolecular para analisar o comportamento de ou, quando vários valores de y forem conhecidos, por meio da
doenças cujos patógenos não se movimentam entre plantas (ou regressão linear entre ln(y) e tempo.
lesões), em ambos os casos levando em conta apenas um mesmo
ciclo de cultivo do hospedeiro. Também tem sido prática usual 40.2.2. Modelo Logístico
a classificação de detenninadas doenças como sendo de juros
simples ou compostos dependendo de qual modelo, monomo- O modelo logístico, originalmente proposto por Verhulst
lecular ou logístico, ajusta-se melhor aos dados experimentais. (1838), tem sido o modelo mais empregado para descrever o
Ambos os procedimentos são incorretos e a literatura tem aler- progresso de epidemias desde que Vanderplank ( 1963) redesco-
tado para este fato (Pfender, 1982; Campbell & Madden, 1990). A briu-o em seu clássico livro. A equação diferencial do modelo
inclusão de detenninada doença no grupo de juros simples ou de logístico pode ser escrita como
juros compostos é função de características biológicas e não mate- (40.23)
mático-estatísticas; por outro lado, o uso de detenninado modelo
matemático para a análise de curvas de progresso da doença, ao onde rL é a taxa de aumento específica para o modelo logístico
contrário, é função de um ajuste apropriado entre o modelo e os e 1, a quantidade máxima de doença. O fator de correção (1 - y)
dados e não de considerações biológicas. Nuoca é demais lembrar representa a quantidade de tecido sadio. Vanderplank (l 963)
que modelos teóricos são baseados em premissas que nem sempre chamou a taxa r L de taxa aparente de infecção uma vez que. nas
ocorrem na natureza. Um bom exemplo é a taxa de infecção cons- avaliações de doença no campo, o que realmente se determina é o
tante usada na construção das curvas da Figura 40.2B: taxas cons- tecido com aparência doente, ou seja, aquele tecido infectado que
tantes, num ambiente natural, constituem-se mais na exceção que já passou pelo período de incubação. A taxa ri tem o significado
na regra. de, caso dy/dt represente novas lesões por dia, novas lesões por
Além disso, os modelos monomolecular e logístico, junta- lesão por dia.
mente com seus antecessores mais simples, os modelos linear A interpretação biológica da equação 40.23 indica que a
e exponencial, não são os únicos que se adaptam ao progresso velocidade de aumento da doença, dyldt, é proporcional à própria
da doença em função do tempo. Outtos há que, em determi- quantidade de doença y e à quantidade de tecido sadio dispo-
nadas situações, aproximam-se mais dos dados experimentais nível (1 - y). Para quantidades pequenas de doença (abaixo de
possibilitando, assim, conclusões, inferências e previsões mais 5%), o modelo logístico confunde-se com o modelo exponencial
acuradas. (Figura 40.3A). Quando dyldt é plotado contra o tempo, incre-
522
Análise Temporal de Epidemias
·~
o 0.4
O02 tico, mostra incrementos crescentes até que o ponto de inflexão
0,01
O
e.
0.2 seja atingido, seguindo-se incrementas decrescentes que tendem
o a zero. O ponto de inflexão, diferentemente do modelo logístico,
a': 00
ocorre no ponto y = 0,37 (1 /e), fazendo com que a curva de dyldt
10 20 30 40 50 60 70 80 o 10 20 30 40 50 60 70 80
seja assimétrica, inclinada para a esquerda (Figura 40.4E).
0.10 10 A integração de 40.25 ou 40.26 produz
00 (40.28)
10 20 30 40 o 10 20 30 40
Tempo (dias) Tem~o (dias) A taxa rG pode ser determinada, quando se dispõe das esti-
mativas de y e y 0, por
Figura 40.4 - Modelo exponencial: (A) taxa absoluta dyldt versus tempo
com r = 0,25 e r = 0, 15; y0 = 0,001; (Il) intensidade de (40.29)
doençay versus tempo com r = 0,25 e r = 0,15;y0 = 0,001.
Modelo logístico: (C) taxa absoluta dyldt versus tempo Quando várias estimativas de y para diferentes tempos forem
com r = 0,25 e r = 0, 15; y0 = 0,001; (D) intensidade de conhecidas a taxa de infecção r0 pode ser calculada por meio de
doençay versus tempo com r = 0,25 e r = 0,l5;y0 = 0,001. regressão linear, utilizando-se o gompito de y (- ln(- ln(y))) contra
Modelo de Gompenz: (E) taxa absoluta dyldt versus tem- o tempo.
po com r = 0,25 e r = 0,15;y0 = 0,001; (F) intensidade de
doençay versus tempo com r= 0,25 er= 0,15;y0 = 0,001. 40.2.4. Modelo Monomolecular
Maiores valores de r, quadrado cheio, menores valores de
r, quadrado vazio. Os três modelos que foram examinados neste item até o
momento ( exponencial, logístico e Gompertz) têm em comum
que, neles, a velocidade de aumento da doença (dyldt) é propor-
mentos crescentes ocorrem no início, com uma taxa absoluta cional à própria quantidade de doença (y). Este, porém, não é o
máxima ou ponto de inflexão quando y = 50% (0,5), seguidos por caso do modelo monomolecular. Aqui, a velocidade de aumento
incrementos decrescentes que tendem a zero. Como se pode ver da doença é proporcional ao inóculo inicial e a uma taxa, que
na Figura 40.4C, a curva é simétrica em tomo de seu ponto de em 40.1.2 foram chamados de Q e R, respectivamente, ambos
inflexão. A integração de 40.23 produz supostos constantes. A equação 40.17, já discutida, pode ser
reescrita, apenas para fins de uniformização, como
(40.24)
(40.30)
A plotagern de y contra o tempo origina uma curva em onde rM é a taxa de aumento específica para o modelo mono-
forma de S, conhecida como curva logística, simétrica em tomo molecular (rM = QR) e (1 - y), como sempre, representa tecido
de y = 0,5 (Figura 40.4D). A equação 40.24 pode ser linearizada
sadio. A plotagem de dyldt contra o tempo mostra que os
(ver equação 40.15) e r L pode ser avaliado (ver equação 40.16).
incrementos são sempre decrescentes, e aproximam-se de zero à
Quando várias estimativas de y para diferentes tempos forem
medida que se esgota o tecido sadio (Figura 40.5A). A integração
conhecidas, a taxa aparente de infecção r L pode ser calculada por
de 40.30 leva a
meio de regressão linear, utilizando-se o logito de y {ln(y/( 1- y)))
contra o tempo. (40.31)
523
Manual de Fitopatologia
dyldt versus tempo, pode ser gerado (Figura 40.SC). A integração O01
0.2
de 40.34 produz
O00 00
o 5 10 15 20 25 30 35 o 5 10 15 20 25 30 35
(40.35)
.. Tempo (dias) Tempo {dias)
524
Análise Temporal de Epidemias
apesar de largamente empregado na literatura, não pode servir Experimentos reais servirão de exemplo. A Tabela 40.1 e a
como critério (Jeger, 1986). Em compensação, o coeficiente de Figura 40.6 apresentam o progresso de três diferentes epidemias:
determinação (R* 2), obtido da regressão linear entre os valores Cerr:ospora apii em aipo (Berger, 1973), Sporisorium scitamineum
previstos (variável dependente) e observados (variável inde- (Ustilago scitaminea) em cana-de-açúcar (Amorim & Bergamin
pendente), ambos sem transformação, é uma boa escolha. Além Filho, 1991) e Phytophthora infestans em batata (Campbell &
desse critério, a forma da curva da derivada (dy/dt), as estima- Madden, 1990). Qual seria o modelo mais apropriado para cada
tivas do desvio padrão dos parâmetros r* e y 0 e, mais importante, caso? Didaticamente, vamos nos ater aos modelos exponencial,
a plotagem do resíduo padrão (y observado menos y previsto) em logístico, de Gompertz e monomolecular. Antes da estatística, uma
função da variável independente são procedimentos estatistica- atenta observação visual dos dados constitui-se numa prática útil.
mente aconselháveis (Campbell & Madden, 1990). As duas primeiras curvas (Figura 40.6A e 40.6B) mostram clara-
Tabela 40.1 - Progresso de três epidemias, medido em severidade(%): Cercospora apii em aipo, Sporisorium scitamineum em cana-çle-açúcar
e Phytophthora infestans em batateira.
Fonte: Dados de Berger (1973), Amorim & Bergamin Filho (1991) e Campbell & Madden (1990), respectivamente.
525
Manual de Fitopatologia
1.0
e
~ •
e 0.8
Q)
o
"O
Q) 0.6
'O
o
t(Q
o 0.4
L.. •
o
a.
o
L..
0.2
a.
O.O
o 40 80 120 o 40 80 120 160 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (dias) Tempo (dias) Tempo (dias)
Figura 40.6- Curvas de progresso da doença para II"ês patossistemas: Cerr:ospora apii-aípo (A), Sporisorium scitamineum-cana-de-açúcar (H) e
Phytophlhora infe~·,ans-batateira (C).
Fonte: A- Berger (1973), B -Amorim & Bergamin Filho {1991), C - Campbell & Madden (1990).
mente uma assíntota, assfutota esta menos evidente mas mesmo Neste ponto da análise, portanto, tudo indica que a progressão
assim perceptível na terceira curva (Figura 40.6C). A presença de C. apii ajusta-se melhor ao modelo logístico, a progressão de
de assíntota é incompativel com o modelo exponencial (Figura S. scitamineum, ao monomolecular e pouco se pode dizer quanto a
40.4B). A primeira e última curvas em nada se parecem com a curva P. infestans. É chegada a hora de pedir auxílio à estatística (Boxe
típica do modelo monomolecular (Figura 40.58): no entanto, dizer 40.l). A Tabela 40.2 contém um resumo da análise de regressão
que uma ou outra está mais próxima do modelo logístico (Figura linear a que foram submetidos os dados dos três patossistemas
40.4D) que do modelo de Gompertz (Figura 40.4F), ou vice-versa, considerados.. Não se deve esquecer que o coeficiente de determi-
seria temerário a esta altura. A segunda curva, ao contrário, forte-
nação (R't) nã.o permite comparação direta entre diferentes modelos
mente se parece com a curva monomolecular (Figura 40.5B).
(Boxe 40.1 ). Esta tarefa é desempenhada, porém, pelo coeficiente
Que infonnação nos traz a plotagem de dyldt conJra o
de determinação obtido da regressão entre valores observados não
tempo (Figura 40. 7)? Como previsto, para S. scitamineum a curva
transformados e previstos não transfonnados de y (R• 2). A compa-
da derivada tem a mesma fonna da derivada do modelo mono-
molecular (Figura 40.5A); para C. apii a semelhança recai sobre ração dos diferentes valores de R•1 confirma serem os modelos
a curva da derivada do modelo logístico (Figura 40.4C), com o logístico e monomolecularos mais adequados para os patossistemas
ponto de inflexão quando y = 0,5 (veja quando ocorre o ponto de C. apii-aipo e S. scitamineum-cana, respectivamente, e aponta
inflexão em 40. 7A e determine graficamente quanto de doença uma ligeira vantagem do modelo de Gompertz sobre o logístico
existe nesse dia em 40.6A); para P. infestans, os dados experi- para o patossistema P. infes1ans-batata. Os valores do desvio
mentais, por serem em pequeno número e muito variáveis, não padrão do inóculo inicial (yJ e da taxa de infecção (r*) para cada
permitem, ainda, uma conclusão. modelo tamlbém confirmam as três indicações (Tabela 40.2).
-
~
0.020
0.01 5
0.04
0.03
0.04
0.03
"O
0.0 10
0.02 0.02
0.005 0.01 0.01
FiKurs 40.7 - Estimativa de d)'ldt versus tempo para os patossistemas: Cerr:ospora api.i-aipo (A}, Sporisorium scitamine11m-cana-de-açúcar (B) e
Phytophthora infesrons-batateira (C).
Fonte: A- Berger (1973), 8 -Amorim & Bcrgamin Filho (1991), C - Campbell & Maddcn (1990).
526
Análise Temporal de Epidemias
Tabela 40.2 - Resumo da análise de regressão linear' usada na avaliação do ajuste de três modelos (logístico, monomolecular e Gompertz) para
três patossistemas2 (Cercosporo opii-aipo, Sporisorium scitamineum-cana-de-açúcar, Phyrophthora i'!festons•batateira).
' R 2 = coeficiente de determinação, R' 2 = coeficiente de determinação para ajuste entre valores observados e previstos de y (sem transfonnação),
y O = coeficiente linear (interseção), r' = coeficiente angular (inclinação).
z Dados de Berger ( 1973) para C. apii, Amorim & Bcrgamin Filho (1991) para S. scitaniineum e Campbcll & Madden ( 199U) para P. infestans.
527
Manual de Fitopatologia
C.rcospora ap/1 Ustfla~o scltami"nea Phytophthora in~5tan• já discutidos. É claro que a acurácía da previsão dependerá do
.... .. . ..
A grau de ajuste existente entre o modelo escol'hido e os dados. A
-
D G
o
.. .. o
1 • ■
Figura 40.1 IA mostra os oito pontos reais avaliados no campo
(quadrados cheios) e as curvas dos três modelos ( logístico,
., '
■ • ••
. 1. -
_, _,
monomolecular e de Gompertz) aj ustados a estes dados através
de regressão linear. Adicionalmente, os demais pontos reais
-2 -2
(quadrados vazios) também aparecem na fig1ura. Fica evidente,
·2
assim, o enonne erro que se comete quando ]~revisões baseadas
2 ,.o
e E H em modelos inadequados (neste caso os modellos monomolecular
2
o~ e de Gornpertz) são feitas. No 105º dia, por ex.emplo, o dado real
o:, , '•
;g o
1
.-. . •• 1. -
.. 00
:t
~ de campo indica 97, 1% de doença, enquanto os modelos logís-
"'
~
o,/' -
1 tico, monomolecular e de Gompertz prevêem 98,3%, 38,9% e
·1
·2
······· -1 -05 71,0%, respectivamente (Figura 40.1 lA). Para as outras avalia-
.3 -2 ., o ções, entre o 62º e o 133º dia, os erros dos rtrês modelos estão
representados na Figura 40. 11 B.
1,0
e
1 "
... 0.5
Cerco$pora apil U$lilego $Oitsmins• Ph;iophthors infsstsn•
. • 1-
./
• ■ ■ ■
o -• •
1 -
o.o 1 ■
• ■ -
: G
..
■
■ • ■
., •• •• 1
., -05
1
·2 ·2 .,.o
o JO 80 90 120 o 30 80 90 no 150 ,ao 10 15 20 25 30 3S 40
Variável Independente (dôas) / ·2
..
/. '/
C•rcoipora •Pii U5til■po •cit.min■- Phytophthora infHt1n• 6 e
D G
·2
/ ..
·2-'-- - - - - - ' -2+'--r / ' ~~~~,......,
o :,o 50 90 120 o ao 50 90 120 150 ,ao ,o 15 20 2s 30 35 •o
Tempo(oiu)
j 1.0
0,8
B
•• E H Figura 40. 1O- Dados reais transfonnados e a curva prevista transfor-
mada de doença. Cercospora apii-aipo e os modelos
i
~ o.e
o•
0.2
o.o
1 1
1
logístico (A). monomolecular (B) e de Gompertz (C).
Dados de Berger (1973). Sporisorium scitamineum-cana-
de-açúcar e os modelos logístico (D), monomolecular
(E) e de Goinpertz (F). Dados de Amorim & Bergamin
Filho (1991). Phytophthora iefestans-batateira e os mo-
1O
0,8
e .. delos logístico (G), monomolecular (H) e de Gompertz
(/). Dados de Campbell & Madden (1990).
oe
o.•
0.2 1
. 40.3.3. A Importância da Redução d.o lnóculo Inicial
Os modelos epidemiológicos descritos neste capítulo
0,0 deixam claro que uma das maneiras de diminuir a quantidade
o JO 5() 90 120 o 30 60 90 120 150 180 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (dias) final de doença (y) é reduzir o inóculo inicial (y0 ou Q). Para as
doenças de juros compostos esta redução, no entanto, não tem igual
Figura 40.9 - Dados reais e a curva prevista de doença. Cercospora apii-
eficiência sob qualquer circunstância. A título de exemplo, consi-
aipo e os modelos logístico (A), monomolecular (B) e de
dere-se o modelo exponencial que. como já discutido, 6 apropriado
Gompertz (C). Dados de Berger (1973). Sporisorium sci-
1ami11eum-cana-de-açúcar e ps modelos logístico (D), mo- para descrever epidemias em seu início (até 0,05 de proporção de
nomolecular (E) e de Gompenz (F). Dados de Amorim & doença). Considere-se também que, com a utilização de determi-
Bergamin Filho (1991). Phytophthora in/esfans-batateira nada medida de controle, consegue-se reduzir o inóculo inicial de
e os modelos logístico (G), monomolecular (H) e de Gom- y 0 parayu,,Y~ aqui definido como o inóculo inic:ial após a aplicação
pertz (I). Dados de Campbell & Madden ( 1990). da medida de controle (uma medida de sanitizaçi'io, por exemplo).
528
Análise Temporal de Epidemias
'5.
... 0.4
(l)
o:: • o
Gompertz o
oa. o
e
a.. 0.2
O.O
• • • •
• - Logístico
O.O -0.2 • 7 l l 7 7
o 20 40 60 80 100 120 140 60 ' 120 130 140
70 80 90 100 110
Tempo (dias) Tempo (dias)
Figura 40.11 - Importância da escolha do melhor modelo: (A) curvas previstas de progresso da doença, segundo os modelos logístico, monomolecular
e de Gompcrtz, com base nas oito primeiras avaliações de proporção de doença (quadrados cheios). Os demais pontos (quadrados
vazios) representam os outros dados reais. (B) diferenças entre a proporção de doença real e a proporção de doença prevista pelos
modelos logístico, monomolecular e de Gompenz.
Fonte: Dados de Berger (1973) para o patossistema Cercospora apii-aipo.
onde y 0 , y 05 e t5 substituem y, y 0 e t, respectivamente, na equação No item 40.3.3 foi definida a relação de saniti-
40.21. Esta nova equação descreve, simplesmente, o aumento de zação como sendo
Yus até y 0; IS' portanto, é o tempo necessário para que este incre- (40.40)
mento ocorra, sob a taxa rE. Em outras palavras, Is é o tempo
ganho pelo produtor, resultante da medida de controle empre- para os estádios iniciais da epidemia. Esta relação
gada. A equação 40.28 pode ser escrita como pressupõe ser a taxa rF independente da quantidade
de inóculo inicial y0 • Seria esta suposição verdadeira?
(40.39)
Berger (1988) garante que não. Usando seus próprios
ou dados (Plaut & Berger, 1981) para os patossistemas
(40.40) Cercospora arachidicola-amendoim, Botrytis cinerea-
begônia e Uromyces appendiculatus-feijoeiro, aquele
Como se vê, t5 é inversamente proporcional a rc Ou, mais
autor mostrou que epidemias que começaram com
claramente, à medida querE. aumenta, 15 diminui, diminuindo também inóculos menores progrediram a taxas maiores (três
a eficiência e a conveniência do emprego de medidas de controle que níveis de inóculo foram usados). Estes resultados,
reduzam somente o inóculo inicial (Figura 40. 12 e Boxe 40.2). como enfatiza Berger (1988), são de grande impor-
tância na análise de epidemias e no controle de doenças.
Caso este fenômeno seja generalizado, medidas de
120
cii" ~ 10 controle que atuem unicamente no inóculo inicial,
.!11 ...._ 100 como o uso de sementes tratadas ou sadias, podem ter
~ 100 -G- 1.000
ti:)
eficiência menor do que a imaginada até aqui.
.E 80
___. 10.000
....,.___ 100.000 Outros patossisternas que exibem o mesmo fenô-
(l)
"t:l
_...._ 1.000.000 meno são milho-Cochliobolus heterostrophus (Helmin-
·5. 60 thosporium maydis) (Gregory et al., 1981) e trigo-Ery-
<I>
ti:) siphe graminis (Rouse et ai., 1981).
e 40
o
C/l
Cll 20
~ o
0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 A equação 40.40 deixa claro que os valores reais de Yu e
O.O
Taxa exponencial Yos não inAueociam o atraso (t5) conseguido na epidemia. O que
importa é a relação (y/yos), também chamada de relação de
Figura 40.12 - Relação entre o atraso na epidemia (r5 ) em função de sanitização (Yanderplank, 1963). Assim, consegue-se mesmos
diferentes relações de sanitização ( 10, 102, 10', 10', valores de ts com diferentes combinações de y0 e Yos como, por
10' e l 0 6 - as diferentes curvas de baixo para cima) e exemplo, 0,0 l e 0,001 ou 0,00 l e 0,0001: em ambos os casos a
diferentes taxas exponenciais de infecção (rcl- relação de sanitização é I O.
529
1
CAPÍTULO
41
ANÁLISE E,S:PA,CIAL
DE EPID EMIA,S
Bernhard Hau, Lifían Amorim e Armando Be1,gamin Filho
ÍNDICE
4 l. l. Dispersão espacial de epidemias ......................... 531 41.2.J. Padrões,espaciais ao acaso e agregado ...... 538
41.1.1. Mecanismos de dispersão espacial 41.2.2. Padrões espaciaís em linhas de plantio ..... 538
de patógenos ............................................ 53 l
4L2.3. Padrões eSipadaís cm parcelas ou
41.1.2. Modelando a dispersão espacial
de doenças ................................................ 532 campos exper,imentaís ............................. 540
41.1.3. Modelando gradientes............................. 532 41.2.4. Exemplos de análise espacial aplicada a
41.l.4. Modelando a dinâmica de gradientes .... 535 epidemias de doenças de plantas,............ 542
41.2. Padrões espaciais de doenças ............................... 537 41.3. Bibliografia consultada........................................ 547
T
aylor (1984) vê a distribuição espacial como uma gcno que é disperso principalmente 1p elo vento pode atingir longas
das propriedades eculúgü:us mais características distâncias dentro de um curto período de tempo, enquanto que
das espécies e o mesmo pode ser dito dos patos- patógcnos ireiculado.s por respingos de chuva dispersam-se lenta-
sistemas. O padrão espacial da doença no campo geralmente mente ao redor dos focos primários, O padrão .espacial da doença
expressa o processo de dispersão do patógeno. Essa é a principal guarda eSitPeita relação cum os mecanismos de dispersão. Assim,
razão para o estudo desses padrões. Uma advertência, no entanto, um (Padrão espacial ao a.caso <le p~ antas doentes relaeiona-sc geral-
deve ser feita: a inferência de mecanismos ecológicos a partir de ru.iente a pató,genos dispersados pelo vento, enquanto que pató-
padrões observados frequentemente resulta em interpretações genos veiculados por resp~ngos de chtrna costumam dar origem
errôneas uma vez que diferentes mecanismos podem dar origem a padrões agregados .de planltas doentes. A natureza, no entanto,
a mesmos padrões. riw1rn1em1e ,ê tão simpl.es. A maioria ,dus patógenos possui mais de
A análise espacial de patossistemas teve grande impulso llln mecanismo ide .clâsp.ersüo, os ,quais garantem distribuição tanto
nas três últimas décadas (Campbell & Madden, 1990; Madden a cnrtas e quMIO a longas ,cliistãnc:ias.
& llughes, 1995; Hughes et ai., 1997; Madden et ai., 2007) e O pr,imeiro ,epidemiologista vegetal a se preocupar com a
permitiu uma melhor compreensão tanto da estrutura quanto imronància relativa cla diSlJ).ersão a clmas e longas distâncias foi
do comportamento de diversos patossistemas, especialmente Van<lerplank ( 1967). Ele baseou s,ua argumentação na dispersão
daqueles mais complexos e ainda não bem elucidados. de Phytuphthoru infestans em batata e sua conclusão foi surpre-
endente para a época: ..Patógenos t:um apenas um mecanismo
41.1. DISPERSÃO ESPÀClAL DE EPIDEMIAS de disseminação - seja para curlas distâncias, seja para longas
dislâncias - estão mal servidos". Mecanismos de dispersão a
41.1.l. Mecanismos de Dispersão Espacial de Patógenos
cu.ntas dlstfrmdas confinam o rpatógeoo a focos já ocupados por
A dispersão espacial de patógenos e o resultante padrão llesões orui phmtiis do1mt,es,, lim itandl1 ,o ttiv~e pl'o.gr.::sso da epidemia
espacial da doença são determinados pelos mecanismos de às áreas Jimítrofos do foco, cada vez memrres em .r elação à área
dispersão do patógeno e da doença, respectivamente. Um pató- total do foc,o. :t-.focmií:i;mos de d ispersà\i, a lloing.as distâncias levam
531
Manual de Fitopatologia
propágulos do pató;geno para bem longe da fonte primária de esporos é diluída em função da distância da fonte, fato que implica
inóculo, muitas vezes para fora da plantação, impedindo o rápido em menores deposições a maiores distâncias. Já para o gradiente
progresso da epidemia. de doença (expresso, por exemplo, como o número de lesões por
Uma mistura dos dois mecanismos, portanto, parece ser planta em função da distância da fonte de inóculo), os esporos
indispensável para que patógenos possam ter sucesso na ane de necessariamente devem se depositar num hospedeiro suscetível e
causar epidemias (e, consequentemente, na arte de sobreviver). encontrar todas as condições favoráveis para a infecção. Assim,
Dispersão a curta dis:tância é necessária para que o patógeno colo- um gradiente de dispersão ocorre mesmo em plantas resistentes,
nize e reproduza-se abundantemente numa área recém-conquis- mas um gradiente de doença só pode ocorrer em plantas susce-
tada; dispersão a lo:nga distância é necessária para que o pató- tíveis e sob condições favoráveis. Normalmeute. o gradiente de
geno escape do loca,I já conquistado e, assim, amplie sua distri- doença é uma consequência do gradiente de dispersão. Entre-
buição geográfica. Vanderplank ( 1967; 1975) postula, ainda, que tanto, em alguns casos, é possível que o gradiente de doença
o mecanismo para curtas distâncias deve se repetir com maior seja causado por uma mudança sistemática no ambiente. Para o
frequência, já que es,ta é uma atividade recorrente durante o ciclo oídio da cevada (E,ysiphe graminis f. sp. hordei), por exemplo,
da doença, ao contrário do mecanismo para longas distâncias, que Koch ( 1980) observou um claro gradiente a partir de um· lado do
deve se constituir num evento raro (mas não menos importante). terreno que fazia divisa com uma floresta, a qual, obviamente,
Vanderplank (1967; 1975) também deixa claro que dividir os não poderia ser a fonte de inóculo. As maiores severidades de
mecanismos de disp,ersão em apenas dois grupos (curtas e longas doença, explica o autor, ocorriam naquela região do campo que
distâncias) é um simplificação excessiva que não espelha a reali.- permanecia mais tempo na sombra fornecida pelas árvores da
dade: na verdade, cada patógeno bem sucedido certamente desen- floresta. Assim, o gradiente de doença era devido à maior duração
volveu durante sua e,volução inúmeros mecanismos de dispersão, de condições favoráveis à infecção.
cada um mais apropriado para detenninadas distâncias, o que
permite sua sobrevivência sob várias condições de ambiente. 41.1.3.2. A lei da potência e a lei exponencial
Foram necessários 25 anos e o desenvolvimento do compu- Os modelos para gradientes descrevem a relação entre a
tador para que essas previsões de J.E. Vandcrplank pudessem ser distância x (variável independente) e a intensidade de doença y
verificadas por meio de modelo de simulação. Num trabalho de (variável dependente). Esta última pode ser qualquer medida do
grande repercussão, Zawolek & Zadoks ( 1992) não só confir- patógcno ou da doença como, por exemplo, o número de esporos
maram a necessidade de mais de um mecanismo de dispersão depositados por folha ou o número de lesões por cm2. Dois
para que patógenos possam ser bem sucedidos, como chegaram a modelos empiricos foram propostos para descrever matematica-
quantificar, ainda qu.e de forma preliminar, a frequência de ocor- mente os gradientes: a lei da potência e a lei exponencial.
rência de cada um deles numa situayão ideal para o patógeno;
80% para eventos d,e disseminação a curta distância e 20% para A lei da potência foi introduzida na fitopatologia por
eventos de disseminação a longa distância. Gregory (1968) e é dada pela equação:
41.1.3. Modelando Gradientes • a função pode ser linearizada com o uso de logaritmo:
ln(yp(x)) = ln(ap) - bP ln(x).
41.1.3.1. Gradientes de dispersão e de doença
Para doenças dle plantas, gradientes de dispersão e gradientes Kiyosawa & Shiyomi ( l 972) foram os primeiros a empregar
de doença precisam ser diferenciados: o gradiente de dispersão a lei exponencial para descrever gradiente-S de doenças:
(expresso, por exemplo, como o número de esporos de um deter-
minado patógeno depositados por cm2 c1e área foliar em função (41.2)
da distância da fonlte de inóculo) é consequência de processos
físicos de transporte que causam a dispersão dos esporos. Quando Esta função tem as seguintes características:
esporos são dispersos pelo vento, a concentração da nuvem de • b" determina a inclinação do gradiente;
532
Análise Espacial de Epidemias
• bE tem a dimensão de 1/m ou !/km e é, portanto, depen- no maior coeficiente de determinação (R2) e na menor soma dos
dente da unidade de distância; quadrados dos desvios (SQD). A transformação dos dados para
logaritmo e posterior regressão linear produz (Figura 41.1 C, D):
• aE é a intensidade de doença na fonte [ye(0)=aE] e,
consequentemente, não é influenciada pela unidade de ln(yp(x)) = 8,6536-1,8116 ln(x) R2 = 0,984
distância;
ln(yix)) = 2,1119 - 0,0083x R2 = 0,734
• se x aumenta, yE diminui até zero, de tal modo que a
Também neste caso a função da potência possibilita um
grandes distâncias da fonte a intensidade de doença é
melhor ajuste. Note que os valores calculadlos de b são dife-
zero;
rentes de acordo com o método usado (1,5260 versus 1,8116 e
• a função pode ser linearizada com o uso de logaritmo: 0,0845 versus 0,0083, para os procedimentos 1não-linear e linear,
ln(l,ix)) = ln(aE) - b. x; respectivamente), fato devido a diferentes siste:mas para o cálculo
dos quadrados médios.
• uma medida útil derivada desta função é a meia-distância
Se a distância for medida em metros ao invés de centíme-
(xH), isto é, a distância necessária para reduzir a intensi-
tros, as funções calculadas pelo procedimento não-lineâr serão:
dade da doença pela metade: x 11 = ln(2) / b,;·
Uma comparação entre os dois modelos pode ser feita com R2 = 0,9'99 SQD= 0,90
um experimento real. Os dados são de fried et ai. (1979) para
y.(x) = 159,4678 exp(-8,446x) R2 = 0,998 SQD=7,29
o oídio do trigo (E,ysiphe graminis f. sp. trit/c1) e referem-se à
distância amostrada (em cm) e o respectivo número de lesões por Está claro que aE (a intensidade estimada de doença na
colmo: 12 cm/57,86 lesões por colmo; 25/19,23; 84/2,80; 160/0,29; fonte) não muda, mas ai' é muito menor agora, uma vez que esta
250/0,26; 500/0, 1O; 800/0,03. O gradiente observado é bastante é a intensidade estimada a 1 m, comparada com a intensidade a
inclinado (Figura 41. lA, 8). Ambas as funções foram ajustadas 1 cm no caso anterior. Com relação às inclinações dos gradientes,
aos dados por meio de procedimento não-linear (Figura 41.1 A, B): b,, permanece constante enquanto hr: aumenta por um fator de
yp(x) = 2570,63.:< 1•526º R2 = 0,999 SQD= 0,90 100. A meia-distância xH é de 8,2 cm ou 0,082 m.
Como dois modelos estão disponíveis para descrever
yix) = 159,4678 exp(-0,0845x)R2 = 0,998 SQD= 7,29
gradientes (Equações 41.l e 41.2), urna pergunta pertinente é
Obviamente, neste exemplo, a função da potência propor- qual deles se ajusta melhor à maioria dos casos. Revisões deta-
ciona um melhor ajuste ao gradiente observado, o que se reflete lhadas sobre o assunto estão disponíveis ua literatura (Gregory,
1968; Fill et ai., l 987). Grcgory ( 1968) analisou 124
60 60 gradientes de patógenos veiculados pelo vento: em
59 casos a lei da potência (Equ:ação 41.1) propor-
A B cionou melhores ajustes; em 65 casos, no entanto,
o
E a vantagem foi da lei exponencial (Equação 41.2).
õ 40 40 Fitt et ai. ( 1987) publicaram trabalho semelhante,
-u
cn
<li
,o
com a análise de 325 gradientes: nenhuma recomen-
dação clara sobre qual dos dois modelos é superior,
cn 20 20 porém, foi apresentada. Parece, portanto, que ambos
<li os modelos são mais ou menos bem adaptados à
-' correta descrição de gradientes na área fitopatoló-
o o • gica. Pode-se dizer que a lei exponencial é um pouco
mais conveniente, uma vez que permite a determi-
o
200 400 600 800 o
200 400 600 800 nação da intensidade de doença na fonte, além de
Distância (cm) Distância (cm) possibilitar o cálculo da meia-dis,tância (xH).
5 5
41.1.3.3. Comparação d•~ gradientes
ô e D
E • Frequentemente gradientes precisam ser com-
õ
-o
u parados. Em princípio, duas abordagens para
• tal existem. Na primeira, do,is gradientes são
cn
<li
o considerados iguais se as respectivas derivadas
'º
li) dy/dx nas mesmas distâncias forem iguais. Se essa
-
<li
...J premissa for aplicada a todas as distâncias, dois
e: gradientes somente podem ser iguais se eles forem
criados por um deslocamento ao llongo do eixo y. Na
-5 segunda abordagem, dois gradientes são considerados
2 3 4 5 6 7 o 200 400 600 800 iguais se as respectivas derivadas dy/dx nas mesmas
ln (Distancia (cm)) • Distancia (cm) intensidades de doença forem iguais. Se essa premissa
for aplicada a todas as intensidades de doença, dois
Figura 41.1. Gradientes (observado e transformado) de oídio do trigo e funções gradientes somente podem ser iguais se eles forem
ajustadas pela lei da potência (A e C) e pela lei exponencial (B e D). criados por um deslocamento ao longo do eixo x.
533
Manual de Fitopatologia
A derivada da lei exponencial pode ser calculada como O comportamento de ambas as funções toma-se mais claro se os
dy/dx = akbE) exp(-bE x) = -b,;,E. Neste caso, a derivada gradientes forem expressos em logaritmo (figura 41.28). Assim, um
depende apenas da intensidade de doença. Para a lei da potência, gradiente que segue a distribuição de Pareto (ou a lei da potência)
a seguinte fórmula é válida: dy)d'" = ap(-bP)x-bP · I = -bP yP I x. possibilita mais deposição longe da fonte, dando ensejo à fonnação
Assim, neste caso, a inclinação depende não somente da inten- de focos secundários ou satélites. Em contraste, um gradiente expo-
sidade de doença, mas também da distância da fonte de inóculo. nencial diminui mais rapidamente com a distância que qualquer
Consequentemente, a comparação de gradientes descritos pela lei função de potência (como é a distribuição de Pareto) e, ponanto, a
da potência não é possível com esta abordagem. Para maiores fonuação de focos secundários ou satélites é menos provável.
detalhes, consulte Minogue ( 1986).
41.1.J.5. Função de gradiente generalizada
41.l .J.4. Modificaçilo da lei da potência Lambert. et ai. (1980) propuseram uma função de gradiente
Como já discutido, a lei da potência tem a desvantagem de generalizada com três parâmetros:
não ser definida na fonte. Essa desvantagem pode ser solucionada
(41.4)
com a adição de um parâmetro (cp) que provoca um deslocamento
do gradiente para a esquerda. A lei da potência modificada é tntào Esta funçào tem a vantagem de poder gerar tanto a lei
dada por: exponencial quanto a lei da potência com valores apropriados
y,,(.r) =: aP (x + cp)""P (41.3) do parâmetro e,,· Obvi~mente, para cc;=l, tem-se a função expo-
nencial (Figura 41.3). E possível demonstrar que a equação 41.4
Agora, um valor finito pode ser calculado na fontt: transforma-se na função da potência quando cG tende a zero. A
yp(O) = aP c/p. O parâmetro aP descreve a intensidade de doença Figura 41.3 mostra exemplos para cr; - 0,5 e c0 - 2.0. Neste
na distância (1 - cP): aP = yP(l - e,.). Também neste caso a linea- último caso, a função é semelhante à densidade de probabilidade
rização do gradiente é possível, desde que cP seja conhecido: dn distribuição normal (curva de Gauss). Kampmtijer & Zadoks
ln(.y,.(x)) =ln(a,,)- bP ln(x + cp)- De acordo com Mun<lt & Leonard (1977) aplicaram essa função para descrever gradientes de depo-
( 1985), o parâmetro cP pode ser interpretado como o raio da fonte sição de esporos no simulador de epidemias por eles desenvol-
de inóculo. Mundt ( 1989) tentou provar essa interpretação em vido (EPIMUL).
experimentos com micro-parcelas, mas os resultados não foram
conclusivos. Por ter um parâmetro a mais (cr), deve-se ter em 41.1.3.6. Fuoçcies de crescimento decrescente para
mente que a lei da potência modificada produzirá quase sempre modelar gradientes
melhor ajuste aos dados quando comparada à lei original. De modo geral, Ioda função decrescente e que se aproxima
M inogue ( 1989) chamou a atenção para a semelhança entre de .tero a grandes distâncias da fonte podt ser usada para modelar
a equação 41 .3 e a função de densidade de probabilidade .f{x) da gradientes. Em vista disso. parece razoável usar as bem conhe-
d istribuição de Pareto com dois parâmetros positivos (a e 8): cidas curvas de progresso de doença para modelar gradientes.
.f(x) = a8~(x + O)~" ' 1• Em experimentos de simulação, ele mas agora como funções decrescentes. As funções mais usadas
demonstrou que a dispersão espacial de esporos pode ser melhor para expressar o progresso de doença sllo a exponencial, a logís-
descrita por meio de gradientes que seguem a distri buição de tica e a de GompcrtZ. Todas elas podem ser linearizadas com a
Pareto quando comparados com gradientes que seguem a lei expo- transfonnação adequada:
nencial. Assumindo-se a mesma distância média de dispersão, mais
• para o crescimento exponencial: ln(y)
esporos serão depositados próximos à fonte e a longas distâncias da
fonte se o gradiente de Pareto for aplicado; a distâncias intermedi- • para o crescimento logístico: logito(.y) = ln[y / ( 1 - y)]
árias, no entanto, menos esporos serão depositados (Figura 41.2A). • para o crescimento de Gompertz gompito(y) = -tn[-ln(.y)].
1/1
o
100
80
Distribuição exponencial
Distribuição de Pareto
-"'
o
~
o
4
~
o Q. :-...
Q.
1/1
Q) 60 "'
Q)
,,
2
''
'
Q)
,,
Q)
o
o ~
e 40 ~
a, '-.::
Q)
E
E
,::,
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,::,
z
20
o
A
-
z
e -4 ' e' '
o 2 4 6 8 o 2 4 6 8
Distância x (m) Distância x (m)
Figura 41.2 - Comparação de gradientes de dispersão (A: não-transformado; 8: transformação logarítmica) baseados nas distribuições expo•
nencial e de Pareto (a.= 2, 0 = 1} com a mesma distância média de voo de I m.
534
Análise Espacial de Epidemias
-
~
)(
60 Assim, diversas funções de diferentes formas estão dispo-
níveis para descrever gradientes (Figura 41.4). Algumas delas já
foram usadas na prática, mas um estudo abrangente que compare
~ 40 todos os modelos apresentados aqui nunca foi conduzido.
100 100
Para criar fuuções de gradiente, considera-se a (41.5') (41.6')
severidade transformada de doença como uma função
80 80
linear decrescente com a distância ou com o logaritmo da
distância. Neste último caso tem-se: --
~
L 60 60
lnú-) = a-bx
ln(>,)= a - b ln(x)
( 41.S)
(41.6) -
i<' 40
>, 40
535
Manual de Fitopatologia
.........._
100
8o
~
6o -..;.
<lo '.;)
")(
\.:,
~o ~
Fi~ura 41.6- Gráfico da equação 41.11 [y(x,I) = 51, 1 - 43,3x + 9,0x2
o - 0,54.t3 + 0,0111 + 0,0059fj com valores negativos
fixados em zero.
·o t (fY1)
dic:is) o,s· to"''
o mesmo tipo de função e, numa segunda etapa, é calculada a
Figura 4 1.S - Doença y em função do tempo I e da distância x da dependência temporal dos parâmetros da função do gradiente.
fonte. Naturalmente. é também possível o processo inverso. começando
com o progresso temporal e tenninando com o espacial.
41.1.4. J. Equações de regressão múltipla para Na literatura, exemplos são encontrados que descrevem a
superfícies de doença em fun ção de primeira etapa desse procedimento. Berger & Luke (1979), para
espaço e tempo a ferrugem da folha da aveia (Pucc:inia coronata f. sp. avenae),
Regressão múltipla constitui-se numa abordagem simples usaram uma função linearizada (Equação 4 1.8) para descrever
para descrever doença em função do tempo e da distância. gradientes cm diferentes pontos no tempo. Pela figura apresen-
Um exemplo deste tipo de esrudo foi conduzido por Headrick tada naquele trabalho, vê-se que a inclinação b permanece mais
& Pataky (1988) com a ferrugem comum do milho (Puccinio ou menos constante em função do tempo ou decresce ligeira-
sorghi). A severidade de doença para um dos híbridos estudados mente, o que se reflete num achatamento dos gradientes. Danós et
(Figura 4 1.6) foi descrita por: ai. ( 1984), para o cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. citri),
aplicaram outra função linearizada (Equação 41.1 O) e encon-
y(x,t) = 51, 1 - 43,3x + 9,0,r - 0,54:2 + 0,011 t + 0,0059t" (41.11)
traram que as inclinações b aumentavam com o tempo, produ-
Duas desvantagens desta abordagem são: (i) os parâmetros da zindo gradientes cada vez mais inclinados.
equação não têm significado biológico; (ii) não se pode extrapolar
fora da gama de dados analisada. Essas desvantagens podem ser 41.1.4.3. Abordagens teóricas para descrever
facilmente demonstradas se as cwvas de progresso da doença e os superfícies de doença cm fu nção de
gradientes de doença forem derivados da equação obtida (Equação espaço e tempo
41 .11 ). Assim. fixando-se t em I O, o gradiente resultante é dado Nos exemplos discutidos até aqui, a dinâmica de gradientes
por y(x, 1O) = 51.8 - 43,3x + 9,0x2 - 0,54x3• Esta equação é um poli- foi estuda<la utilizando-se dados obseivados experimentalmente.
nômio de terceiro grau que prevê valores negativos para grandes Jeger ( 1983), no entanto, fez uso de considerações teóricas para
distâncias (o tenno cúbico tem sinal negativo). Por outro lado, se descrever os aspectos espacial e temporal de epidemias. Sua
a distância é fixada em x = 5, a curva de progresso da doença é dada primeira abordagem foi usar equações diferenciais já conhecidas
por J{S.t) = -8,4+0,011 t + 0,005912. Essa curva de progresso é uma para gradientes e para curvas de progresso da doença. Dos oito
função quadrática do tempo, o que resulta em intensidades negativas modelos propostos por Jeger ( 1983), somente dois serão discu-
de doença para pequenos valores de t. Assim, nem os gradientes, tidos neste item, os modelos (ii) e (iv). Para o modelo (ii), o autor
nem as curvas de progresso fazem sentido biologicamente. assumiu a função logística tanto para gradientes quanto para
curvas de progresso. Para estas, a doença aumenta com o tempo;
41.1.4.2. Abordagem 'stepwise' para para aquelas, diminui com a distância. As seguintes equações
superfícies de doença.em função diferenciais parciais para a função y(x,t) foram empregadas:
de espaço e tempo
• curva de progresso da doença: 8 yl Ô t = e y ( 1 - y)
Nesta abordagem, numa primeira etapa, os gradientes em
diferentes pontos no tempo são detenninados empregando-se • gradiente de doença: Ô yl à x = -b y (1 - y)
536
Análise Espacial de Epidemias
Por integração a função y(x,t) pode ser detenninada: A equação 41.14 indica que a velocidade decresce com
maiores intensidades de doença, mas aumenta com o tempo. Isto
y(x,t) = 11 [l + A exp(b x- e t)] (41.12)
é equivalente à conclusão ohtici::i a partir da equação '11.15, isto
Uma característica interessante do aspecto espacial e temporal é, que a velocidade aumenta com o aumento da distância. Assim,
de epidemias é a velocidade com a qual um certo nível de doença os gradientes dispersam-se a partir da fonte com velocidade
está se movimentando para mais longe do foco. Se essa velocidade crescente e. adicionalmente. há mudança na forma do gradiente
for conhecida, pode-se prever quando um detem,inado nível crítico (Figura 41.8).
de doença irá ocorrer a uma dada distância. A velocidade, como se
sabe, é definida como a derivada parcial 8 xi 8 t. Para detenninar
essa velocidade para a equação 41.12, a equação é solucionada para
- - t=20 -·-·- t=40 ··········· t = 60
x, de tal modo que: x == ln[(! / y - 1) / A] I b + e t / b. Segue-se, então.
a diferenciação para t. Como o primeiro tenno não é dependente 100
de t. tem-se: 8 xi 8 t = e / b. Neste caso a velocidade é constante
e independente da intensidade de doença. Assim, os gradientes 80
movem-se a partir do foco com velocidade constante e a forma
~
do gradiente não sofre alteração. A doença, portanto, está
mudando no espaço como uma onda de velocidade constante
(Figura 41.7).
-
~
)(
~
60
40
20
--t=20 -·-· - ·t = 40 ........... t = 60
100 ................... o 10 20 30 40 50
Distância x (m)
80
Figura 41.8 - Gradientes resultantes da equação 41.13 cm três tem-
'\ \ ··---........ pos 1 (A= 10; b = 1,5, e = 0.1).
60 \
\
537
Manual de Fitopatologia
Tabela 41.1- Exemplos de velocidades de linhas isópatas para algumas doenças de plantas.
~
....
• :
•
•• • • • •
• • • •• . •
•-
•
•
•
•
•• • •
•
• • •
• •
• •
• •
•• • • • • •
• • • ••
•• • • •
•
sistema considerado.
Figuru 41.9 - Padrões espaciais ao acaso (A), agregado (8) e regular (C) de pontos.
41.2.1. Padrõ,es Espaciais ao Acaso
e Agrc·gado
O padrão espacial de uma doença numa linha de plantio uma distância mínima entre si, nunca estando lado a lado; esse
ou numa parcela pode ser ao acaso ou agregado. Padrão ao acaso padrão. portanto, não é ao acaso mas, sim, regular. Na figura
em doenças cujos patógenos são veiculados pelo ar significa que 41.9A os pontos estão distribuídos ao acaso, o que pennite um
a probabilidade de um esporo cair sobre uma planta hospedeira certo número de situações com plantas lado a lado.
é igual para todas as plantas hospedeiras. Assim, a ocorrência da
doença não é influenciada pela distância da fonte de inóculo, seja 41.2.2. Padrões Espaciais em Linhas de Plantio
a fonte localizada na mesma planta ou na vizinhança próxima.
Dois tipos de análise serão apresentados neste item para
Padrão espacial ao a.caso está intimamente relacionado a iguais investigar o padrão espacial de plantas doentes numa linha de
oportunidades de infücção. Se, no entanto, em condições naturais, plantio. Em ambos os casos assume-se que o 'status' de uma
o patógeno for dispeirso apenas a curtas distâncias (por respingos planta poJ.: ser caracterizado apenas como sadio ou doente;
de chuva, por exemplo). a probabilidade de uma planta ser infec- severidaJe de doença não é considerada neste contexto. Se as
tada é maior para aquelas plantas situadas próximas à fonte de categorias binárias forem designadas por O (sadia) e 1 (doente),
inóculo do que para aquelas situadas longe da fonte de inócuJo. o padrão da doença na linha é dado por determinada sequência
Nesse caso, o padrão espacial da doença não será ao acaso e, sim, de Oe 1, por exemplo, O O I O I OO 1 1 O 1 O I O 1 O 1 1 O l para
agregado, com focos visíveis ao redor das fontes primárias de urna linha contendo 20 plantas. A questão pertinente é se essa
inóculo. Agregação é apenas um dos possíveis desvios para o sequência reRete um padrão ao acaso ou agregado de plantas
padrão espacial ao acaso ou aleatório. O outro desvio possível é a
doentes.
regularidade ou unifonnidade. Padrão espacial regular de doença
existe numa linha de plantio, por exemplo, caso plantas doentes e
41.2.2.1. Teste ' run'
sadias ocorram de forma alternada. Esse padrão regular não ocorre
de forma natural, mas pode ser provocado, por exemplo, com o Neste teste, o número de ·runs' é considerado como um
plantio alternado de variedade suscetível e resistente. critério de padrão aleatório. Um 'run' é definido como uma
Na Figura 41.9 as três possibilidades de padrão espacial sequência de um ou mais símbolos idênticos, os quais são
numa parcela são mostradas (cada ponto representa a posição de seguidos ou precedidos por um símbolo diferente ou por símbolo
uma planta doente). Na Figura 41.9A e 41.9C as plantas doentes nenhum (no começo ou no fim de uma linha). A sequência de
estão distribuídas por toda a parcela, ênquanto que na Figura \O plantas apresentada a seguir tem seis 'runs':
41.9B há maior concentração de plantas doentes no centro da
parcela, com quase nenhuma ocorrendo nas bordas (padrão agre- QJ! li º! ºl.U
gado). É digno de nota na Figura 4 l.9C que os pontos exibem 2 345 6
538
Análise Espacial de Epidemias
Se uma doença está se disseminando de planta para planta, tese da nulidade não pode ser rejeitada e a sequência de plantas
plantas doentes devem estar agregadas, o que leva a poucos ainda é considlerada aleatória.
'runs •. Por outro lado, se plantas doentes estiverem distribuídas
Exemplom. Pl l l l l l00OLU0000.LU
ao acaso na linha, o número de 'runs • deve ser grande.
1 2 3 4 5 6 R=6
Para que se possa concluir estatisticamente a respeito de
agregação ou distribuição espacial ao acaso, é necessário saber Com esBes valores, ZR é detenninado como:
o número de ' runs' e sna variação esperada teórica. Assim, caso
existam N plantas numa linha e m dentre elas estejam doentes, as ZR= [6 + 0,5 · 10,6]/4,3453112 = - 1,967
fórmulas seguintes podem ser usadas para calcular o valor espe-
rado E(R) de 'runs' e sua variância o 2(R), assumindo-se padrão Aqui, como ZR é menor que -1,64, a hipótese da nulidade
é rejeitada e o padrão espacial na linha é considerado agregado.
espacial ao acaso:
Os três exemplos discutidos mostram que é necessário
E(R)=l+2m(N-m) I N (41.16) haver um considerável desvio da aleatoriedadc para que a hipó-
tese alternativa de agregação seja aceita. Um exame superficial
o 2(R) = 2 m (N - m)[2 m(N • m)-N] / [N2(N - 1)] (41.17)
do exemplo 11 levaria a maioria das pessoas a optar pelo padrão
Para realizar o teste, os 'runs' observados (R) e os espe- agregado, fato, desmentido pelo teste objelivo.
rados E(R) são comparados. Para um número razoavelmente alto
de plantas (usualmente N > 20), é útil proceder-se a uma estan- 41.2.2.2: Teste de 'doublet'
dardização por meio do cálculo de ZR, o qual tem distribuição Na análise de 'doublet', o número de 'doublets', isto é, duas
nonnal: plantas doenws adjacentes, é usado como o critério de decisão.
ZR = [R + 0,5 - E(R)] / o(R) (41.18) As plantas dentro da linha são outra vez caracterizadas como O
(planta sadia) e l (planta doente). Se existirem 1O plantas numa
A constante 0,5 é chamada de correção para continuidade linha exibindo, o padrão OO J 1 O I O 1 1 1, três 'tloublets' podem
e é introduzida para minimizar o efeito da natureza discreta do ser identificados. Se o padrão espacial da doença for agregado,
número de 'runs'. O valor de ZHserá um grande número negativo o número de ' doublcts' será grande; o contrário é verdadeiro no
se houver agregação porque R serei, nesse caso, muito menor que caso de um padrão espacial ao acaso.
E(R). Como o teste é usualmente aplicado somente para diferen- O número observado de ·doublcts' será comparado com
ciar distribuição espacial agregada de distribuição espacial ao o número esp,erado de acordo com a hipótese da aleatoriedade.
acaso, rejeita-se a hipótese de distribuição espacial ao acaso se Considerando N plantas numa linha, com m plantas doentes, as
ZR<-1 ,64. fórmulas seguintes são válidas para o cálculo do número esperado
Alguns exemplos teóricos serão apresentados a seguir, de 'doublets' E(D) e de sua variância cr2(D):
sempre considerando 20 plantas numa linha, 12 das quais doentes:
E(D) =m(m -1)/ N (41.19)
ponanto, N = 20 em= 12.
cf(D) = m(m · l )[N (N • l )+2 N(m • 2)+N(m • 2)
Exemplo l. Ql.lº-212 LU Q1ºl.l 210.U (m-3)-(N- l )m(m· l)]I N2(N - \ )] (41.20)
12 3 4 5 6 7 8 9 10 ( ...) 14 R= 14 Na literatura, outra fónnula para a variância, desenvolvida
por Vanderpla nk ( 1946), é frequentemente citada. Converse et ai.
Número de 'runs' esperados para distribuição espacial ao
( 1979), no entanto, mostraram que a fórmula é incorreta, uma vez
acaso de acordo com a equação 41 . 16; que resulta em variância positiva mesmo quando N = m, caso em
E(R)= 1 +2 · 12· 8/20= 10,6 que a variância deve ser zero.
Para conduzir o teste, o número observado de 'doublets'
A variância correspondente é (Equação 41.17):
(D) é comparado com o número esperado E(D). Para um grande
o 2(R) = 2 · 12 · 8(2 · 12 · 8 - 20]/[20 · 20 · 19] = 4,3453 número de plantas (N > 20), é novamente possível calcular um
valor estandardizado de Z0 com base na distribuição normal:
Para o valor estandardizado (Equação 41 . l 8):
Z0 = (D + 0,5 • E(D)] I o(D) (41.21)
ZR = [14 + 0,5 - !0,6]/4,3453112 = l,87
No caso de agregação, o valor observado D será maior que
Como o número observado de 'runs' é maior que o número o esperado E(D) e, assim, Z0 terá um grande valor positivo. Uma
esperado, a sequência examinada não exibe um padrão agregado, linha de plantas exibirá padrão agregado se Z0 > 1,64 (P = 0,05).
o que também é mostrado pelo valor positivo de 2 1,..
As mesmas sequências dos três exemplos anteriores serão
apresentadas a seguir para o teste de 'doublet' (com 20 planta
Exemplo II. Q.LU0 00 UQlJ.00 il..LU.Q
numa linha, 12 das quais doentes: N=20 e m=l2).
12 3 4567 8 9 R =9
Exemplo l. O 1 1 OO 1 O 1 1 1 O 1 O 1 1 O I O1 1 D=5
Como N e m são os mesmos do exemplo anterior, E(R) e
Deve-se notar que uma sequência 111 define dois 'doublets';
cf(R) também têm o mesmo valor. ZR pode ser determinado por:
uma sequência 11111 define quatro 'doublets', etc. O número
ZR = [9 + 0,5 - 10,6]/4,34531'2 = _. 0,527 esperado de ',doublets', segundo a hipótese de aleatoriedade, é
dada pela equação 41.19:
Neste caso, o número observado de ' runs' é menor que
aquele esperado no caso de padrão espacial ao acaso, mas a hipó- E(D) = 12 · 11/20 = 6,6
539
l'vlanual de Fitopatologia
A variância dos 'doublets', de acordo com a equação 41.20, é: ( 1985), Maddcn (l 989), Campbell & Madden ( 1990), Collett
(1991), Cressie (1993), Campbell & Benson (1994), Bailey &
cr(D) = 12 · 11[20 · 19 + 2 · 20 · 1O+ 20 · 1O· 9 - 19 · 12 · 11 ]/(20 ·
Gatrell (1995), Cliff ( 1995), Madden & Hughes ( 1995), Kitanidis
20 · 19] = 1,25
(I 997) e Johnston ( I 998) possibilitam uma visão completa do
Com a equação 41.21, calcula-se o valor estandardizado assunto. Uma descrição desses métodos será dada a seguir.
ZD= [5 + 0,5 - 6,6)/1,25 111 = - 0,98 41.2.3.1. Comparação com distribuições estatísticas
Como o número observado de 'doublets' é menor que o Para analisar o padrão espacial da doença em parcelas ou
campos experimentais, uma moldura pode ser colocada sobre a
número esperado, o padrão da doença certamente não, é agregado,
o que também se reflete no valor de Z0 . parcela de tal forma a dividi-la em 'quadrats'. 'Quadrat' é defi-
nido como uma unidade de amostragem e tem usualmente a
Exemplo II. O 1 1 1 OO O 1 1 O 1 1 O O 1 1 1 1 1 O D= 8 lbnna retangular, com dimensões a critério do pesquisador. Em
Valores de E(D) e cr2(D) são idênticos ao exemplo anterior cada 'quadrat', o número de pontos (ou plantas docntes)_é deter-
(mesmos valores de Nem). O valor de 2 0 é calculado de acordo minado e uma distribuição de frequência é construida. A distri-
com a equação 41 .21: buição de frequência, obviamente, dependerá do número de
' quadrats' ou do tamanho do 'quadrat' . Como o tamanho ideal
ZD= [8 + 0,5 - 6,6)/1,25 112 = 1,70 do ' quadrat' para cada situação não é conhecido, recomenda-se a
Neste caso, o número observado de ' doublets' é maior que análise utilizamlo-se diferentes tamanhos.
o esperado sob a hipótese de aleatoriedade. O valor de 2 0 mostra Para analisar o padrão espacial ela Figura 41.9, cada parcela
que a hipótese da nulidade pode ser rejeitada em favor da hipó• foi dividida em 36 'quadrats' (Figura 4 1.10). A próxima etapa da
tese alternativa, o que significa que as plantas doentes exibem análise é contar os 'quadrats' que contêm nenhum ponto (ausência
padrão agregado na linha de plantio. de plantas doentes), um ponto, dois pontos, etc. A distribuição ele
Exemplo III. O 1 1 I 1 1 1 OOO 1 1 1 OOOO 1 1 1 D = 9 frequência conseguida para os três casos está apresentada na Tabela
41 .2. As três distribuições de frequência são obviamente diferentes:
ZD = [9 + 0,5 - 6,6]/I,25 1' 2 = 2,59 a Figura 41.10B tem alta incidência de 'quadrnts' com nenhum
Neste caso, 2 0 é muito maior que 1,64 (o lirniitc a 5% de ponto, consequência da concentração de plantas doentes em deter-
probabilidade) e, assim, o padrão de plantas doentes é conside- minada área da parcela; a Figura 41.1 0C tem predominância de
rado agregado. 'quadrats' com um ou dois pontos (com uma exceção com três
Para o exemplo teórico II, como demonstrado, os testes pontos), o que é umu clam indicação de padrão regular; a Figura
'run' e de 'doublet' apresentam resultados diferentes. No teste 41. l 0A tem alia incidência de 'quadrais' com O, 1 c 2 pontos.
'run', concluiu-se que o padrão espacial de plantas doentes éra De modo semelhante aos outros testes discutidos neste
ao acaso enquanto que no teste de 'doublet' a aleatoried-ade foi capítulo, a pergunta que precisa ser respondida é qual a distri-
rejeitada e o padrão agregado, aceito. Qual desses testes é mais buição de frequência esperoda no caso dos pontos apresentarem
confiável? Após comparação dos dois testes com dados simu- um padrão espacial ao acaso. A resposta pode ser dada com base
lados, Madden et ai. (1982) dão preferência à análise: de ' runs'. na distribuição binomial, que é caracterizada pelos parâmetros
Para parcelas experimentais com muitas Iinha:s de plantio, p e 11. O parâmetro p é a probabilidade de um ponto se localizar
sugere-se que as diversas linhas sejam combinadas para formar num determinado 'quadrat'. Como há um total de 36 'quadrals',
uma linha maior. Esta é, então, analisada com os métodos apre- esta probabilidade é dada por p = 1/36 = 0,027. O parâmetro n é
sentados anteriormente. Deve-se levar em conta, no entanto, a o número de todos os pontos (plantas doentes) existentes, neste
transição entre diferentes linhas: assim, um par de plantas doentes caso n = 54. A probabilidade que um 'quadrat' contenha r pontos
não deve ser contado como um ' doublet' se as pla111tas doentes pode ser calculada usando-se a distríbuição binomial:
estiverem em linhas adjacentes. Converse et ai. (1979) desenvol- n
veram um teste de ' doublet' generalizado que aborda o caso de P(r)=(r)p'(l -p)',.., com (r) =n!/[r!(n-r)!] (41.22)
várias linhas de plantio.
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em parcelas ou campos experimentais como, •!
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por exemplo, comparação com distribuições • • • .• it• • •• :~
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estatísticas, índices de dispersão, autocorre-
lação, áreas isópatas, lei de Taylor, etc. Há • : ·- •
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excelentes artigos e livros que tratam da inter- • ••
pretação de dados espaciais nos contexêos da • • •
epidemiologia e da ecologia. Os trabalhos
de Cliff & Ord (1981 ), Ripley ( 1981 ; 1988), Figura 41.lO - ' Quadrats' (6 x 6) para determinar as distribuições de frequência dos três
Campbell & Noe ( l 985), Upton & Fingleton padrões espaciais da Figura 41.9.
540
Análise Espacial de Epidemias
O número de 'quadrats' com r pontos esperados é obtido Há também alto grau de similaridade quando se compara a d istri-
multiplica ndo-se P(r) pelo número total de 'quadrats' na parcela. buição binomial com a distribuição de Poisson (Tabela 41.3):
As frequências observadas e esperadas para a figura 41.1 0A ambas descrevem situação de aleatoriedade. Uma diferença entre
estão apresentadas na Tabela 41.3. Há alto grau de semelhança as duas distribuições é que, para a binomial, o número máximo de
entre elas, o que indica padrão espacial aleatório para a Figura pontos uum 'quadrat' é restrito (valor máximo = n); para a distri-
41. l 0A. Um método objetivo para comparar as duas distribuições buição de Poisson, ao contrário, probabilidades positivas podem
de frequência é o teste Chi-quadrado. ser calculadas mesmo para valores mais altos.
A distribuição de Poisson só deve ser aplicada para dados
Tabela 41.2 - Distribuição de frequência para os padrões espaciais binários caso a frequência de doença seja menor que 20%. Além
da Figura 41.1 O. das d istribuições binomial e de Poisson, ambas específicas para
padrões espaciais ao acaso, outras distribuições estatísticas podem
l'ontos por ~11mcrn de ·11uadrats" em
ser ajustadas às frequências observadas no caso de ocorrer agre-
'quadrai' Figura 41.I0A Figura 41.108 figura 41.IOC gação. como as distribuições binomial negativa (para dados de
contagem) e beta-binomial (para dados binários). Para detalhes,
o 9 16 o consulte Ma<lden & Hughes ( l 995), Hughes el al. ( 1997) e
li 7 19 Madden et ai. (2007).
2 9 4 16 41.2.3.2. Mapas
3 4 3 1 O mapeamento (bi ou tridimensional) é uma técnica útil na
4 2 3 o visualização e discernimento de possíveis relações cnlre daJos e
variáveis, tais como fatores cdáficos. hídricos e, lambém, fontes de
5 1 o inóculo. Neste último caso, atenção especial é dada àquelas foutes
6 o o localizadas fora da área avaliada.. que podem ajudar a melhor
7 o o compreender o patossistema. Em adição ao mapeamento, áreas
ou linhas isópatas podem ser construídas, por meio de ·softwares'
apropriados, evidenciando locais de mesmo nível de doença.
O cálculo das probabilidades P(r) com a equação 41.22
41 .2.3.J. Índices de dispersão
pode ser muito trabalhoso para altos valores de n. Se n for grande
e p, pequeno, a distribuição binomial pode ser substituída pela O cálculo da maioria dos índices de dispersão O (relação
mais conveniente distribuição de Poisson. Essa d istribuição esta- variância/média, índices de Lloyd, índice de Morisita. etc.}
tística depende somente de um parâmetro (À), que J etennina o descritos na lite ralura (Upton & fingleton, 1985; Campbell &
número médio de poutos por •quadrat'. A probabilidade que r Ma<lden, 1990) é baseado na relação entre a variância e a média
pontos ocorram num deten11inado 'quadrai' é dada por~ do conjunto de dados da área experimental considerada. Esses
indices podem indicar padrões espaciais regulares (D < 1), alea-
P(r) = À' exp(-À) / r! (41.23) tórios (D = 1) ou agregados (D> 1) e são válidos para dados de
Para a determinação do número esperado de ' quadrats', a contagem (como o número de lesões por planta ou o número de
probabilidade P(r) é novamente multiplicada pelo número total insetos por folha).
de 'quadrats', neste caso 36 (Figura 41.1 0A). O parâmetro À é O índice de Morisita (JMJ, por exemplo, é calculado pela
o número total de pontos dividido pelo número de 'quadrats': fórmula:
À = 54/36 = 1,5. As distribuições de frequência observada e Q
esperada mostram grande concordância entre si (Tabela 4 1.3). JM=Q[L X,(x;-1)] /[N(N- I)] (41.24)
,. l
Ta bela 41.3 - Frequências observadas e esperadas para as distribuições binomial e de Poisson na Figura 41. l0A.
DistTibuição binomia l
~í1111cro dr ponto~ por ·quadrai'
O 1 2 3 4 5 6
Frequência observada 9 ll 9 4 2 o
Frequência esperada 7,86 12,13 · 9,19 4,55 1,65 0,47 0,11
Distribuição de Poisson
:\iimt•ro de ponro, por ·quadrai'
Frequência observada 9 li 9 4 2 o
Frequência esperada 8,03 12,05 9,04 4.51 1,69 0,51 0,131
541
Manual de Fitopatologia
onde Q é o total de 'quadrats', X,, o total de pontos no 'quadrat' i, Para o caso de dados binários (como incidência de doença)
e N, o total de todos os pontos(= tx,). Para o exemplo da Figura a variância teórica é a variância binomial (Vbin), já referida ante-
41.10 (N = 54, Q = 36), os resultados são os seguintes: riormente. Assim,
Figura 41.1 0A: IM = 36·86 / (54·53) = 1.082 log(V..,) = log (A)+ b log(V1,,) (4 1.27)
Figura 41.108: IM=36·154 /(54·53)= 1,937 Uma distribuição espacial ao acaso é indicada por b = 1 e
Figura 4 l.l 0C: IM= 36·38 / (54·53) = 0,478 A= 1 [log(A) =O], isto é, Iog(Vob.) = log (Vi,), ou, variância obser-
vada = variância binomial. Isso é o mesmo que dizer que D = 1
Esses resultados indicam que o padrão da Figura 41.l0A para todo o conjunto de dados. Se h ; l e A> 1, então D é fixo e
é ao acaso, o da Figura 41.108. agregado, e o da Figura 41.1 0C, igual a A para todo o conjunto de dados, isto é, D não varia com p.
regular. O teste de Chi-quadrado pode ser empregado para c-0nfim1ar Se h > 1, entllo logU(,,J aumenta com log(Vb,) numa taxa maior
objetivamente essas indicações. que Vbm' isto é, D varia com mudanças em p. Nesse contexto, h é
Madden & Hughes (1995) demonstraram que índices de considerado um índice de agregação, embora a interpretação do
dispersão de modo geral (corno o índice de Morisita), baseados valor de h nunca deva ser separada da interpretação do vafor de A.
que são nas premissas da distribuição de Poisson, não devem ser A grande vantagem da lei de Taylor sobre outros métodos
usados para dados de incidência (especialmente para incidências de estudo do padrão espacial de doenças é que a agregação de
maiores que 20%). Para esse tipo <le dado (binário), a melhor todo o conjunto de <lados é descrito pelo menor numero de parii-
aproximação de uma condição de aleatoriedade é dada pela distri- metros (A eh). Outras abordagens (como os índices de dispersão,
buição binomial e, assim, o índice de dispersão apropriado deve por exemplo) requerem um parâmetro (D) para cada subcon-
ser outro. De fato, índice de dispersão, a rigor, é a relação entre a junto de dados. Adicionalmente. os parâmetros da lei de Taylor
variância observada e a variância teórica do processo em estudo permitem uma visão dinâmica de como muda a agregação da
(D= variância observada / variância teórica). Deriva dessa defi- doença em função do tempo (e de maiores incidências). Quando
nição a sempre utilizada relação variância observada c média a lei de Taylor for usada para comparar diferentes doenças ou
(D = variância observada/ média). uma vez que a variância da uma mesma doença ern diferentes condições, cuidado deve ser
distribuição de Poisson é sua própria média. Já para a distribuição tomado para que as amostragens sejam feitas considerando-se
binomial, a variância é igual a Vbm ""p( 1 - p) / n, onde pé a inci- gama semelhante de intensidades de doença, caso contrário resul-
dência na parcela e n, o número de plantas por ·quadrat'. Já a tados errôneos podem ser obtidos.
variância observada é calculada por i,;,.., = l:(X, - np)2 / n2(N - 1),
onde rx, é o somatório do número de plantas sintomáticas em 4 1.2.3.5. Análise de autocorrclaçiio espacial
cada 'quadrat'; e N é o número total de ·quadrais' em cada área. Autocorrelação espacial é uma característica geral de variá-
A utilização de índices de dispersão apropriados para dados veis ecológicas e pode ser definida como a propriedade que variá-
de incidência vem, de forma gradual, ocupando espaço na literatura veis aleatórias têm de. tomadas duas a duas. em sítios separados
fitopatológica (Gottwald et ai., 1995; Madden et ai., 1995; Laran- por uma certa distância, serem mais (autocorrelação positiva) ou
jeira et ai., 1998; Spósito et al., 2007). Apesar de muito usados, os menos (autocorrelaçã.o negativa) similares que o esperado para
índices de dispersão têm a grande limitação (assim como a compa- pares de observações associadas ao acaso. A análise de autocor-
ração com distribuições estatisticas) de não levarem em conta a relação espacial é uma técnica potente. na medida em que pode
posição relativa de cada medida (Nicot et ai., 1984). analisar dados discretos, como contagem, ou dados continuos,
como área foliar afetada. No entanto, para trabalhar com inci-
41.2.3.4. Lei de Taylor dência, os dados precisam ser transformados de fonna conve-
niente. Os resultados da análise de autocorrelação espacial são
Taylor ( 1961) foi o primeiro a demonstrar que populações
expressos em intervalos de espaço (/E 2'. l) em que os valores
de diferentes espécies apresentam graus de agregação caracterís-
dos dados mantêm relação uns com os outros, ou seja, até qual
ticos. A partir de dados de distribuição espacial de diversas popu-
intervalo de espaço !E uma certa medida (número de lesões, por
lações de uma espécie, pode-se relacionar linearmente o loga-
ritmo da variância observada u:b) e o logaritmo da média:
exemplo) numa posição E tem relação com as medidas nas posi-
ções E + !E em dadas direções. Ao contrário das técnicas ante-
log(l,'.,b,) = log (A)+ b log(média) (41.25) riores, e por considerar a posição espacial das medidas, a análise
de autocorrelação espacial fornece informação não só do arranjo
Essa é a chamada lei de Taylor. Os parâmetros da equação,
espacial dos dados, mas também da relação entre medidas. Pode-
assim, representam a característica espacial de uma dada espécie. se, assim, identificar não ap4:nas a agregação, mas em quais locab
Mais especificamente, Taylor ( 1961) enfatizou o emprego do
da área experimental ocorreu o fenômeno estudado e sua direção
parâmetro b como um indice de agregação: quando b > 1, o
preferencial. entre outros atributos.
padrão espacial é agregado (tanto mais agregado quanto maior
for o valor de b); quando b = 1, ao acaS-O; quando b < 1, regular. 41.2.4. Exemplos de Análise Espacial Aplicada a
Epidemias de Doenças de Plantas
Madden & Hughes (1995) demonstraram a inadequação da
lei de Taylor para dados de incidência e propuseram uma modifi- 4 l.2.4. 1. Padrão espacial do cancro cítrico em São
cação, confirmando a previsão do próprip Taylor (1961 ). de que Paulo antes e depois da larva minadora
dados binários provavelmente necessitariam de tratamento esta- asiática
tístico especial. A lei de Taylor modificada tem a forma:
O cancro cítrico, causado pela bactéria Xanthomonas
log(Vo1,.r) = log (A)+ b log(variância teórica) (41.26) citri subsp. citri, é um grave problema fitossanitário dos citros.
542
Análise Espacial de Epidemias
O método de controle recomendado para os países ou regiões Com base nessas infonnações e após análise de 203 mapas
onde o patógeno ainda não se tomou endêmico é a erradicação espaciais de pomares infectados, Bergamin Filho et ai. (2000)
da planta sintomática mais todas as plantas assintomáticas loca- propuseram a seguinte hipótese para explicar os fatos: a larva
lizadas dentro de um determinado raio (variável de acordo com minadora altera o gradiente de doença (mas não altera o gradiente
o país) a partir da planta sintomática. A dispersão da doença no de dispersão), que passa da lei exponencial [ver Equação 41.2:
pomar dá-se com o auxílio de respingos de chuva e respingos de yi;(x) = aEexp(-bE'Y) e Figura 41. l B, D e4 l.2) para a lei da potência
chuva aliados ao vento. Em ambos os casos, o padrão espacial (ver Equação 41.l: yp(x) = a,,x-bp e Figura 41. IA, 41.1 C e 41.2].
resultante é fortemente agregado (Figura 41.1 IA), o que facilita a Como já discutido anteriormente, gradientes descritos pela lei
erradicação do patógeno. exponencial resultam em padrões espaciais bastante compactos
Em São Paulo, a partir de 1997, um acentuado aumeuto no (como era o cancro cítrico ante1> da introdução da minadora,
número de focos da doença foi detectado: partindo-se de 45 focos Figura 41. li A), ao passo que gradientes descritos pela lei da
identificados em 1996, esse número passou para 190 (! 997), 457 potência dão 01ige m a focos secundários ou satélites a considerá-
(1998) e 4.180 (1999). Somente em 1999, 299.856 árvores sinto- veis distâncias dos focos primários (como vem acontecendo cm
máticas foram identificadas, o que levou à erradicação adicional São Paulo desde a introdução da larva minadora, Figur.a 41.11 B).
de 1.737.545 árvores assintomáticas (usando-se o raio de 30 m). Trabalhos recentes sobre a disseminação do cancro cítrico na
Esse aumento epidêmico temporal da doença foi concomitante a Flórida e em São Paulo dão suporte à hipótese proposta (Gottwald
uma acentuada mudança no padrão espacial: de fortemente agre- e t ai., 2001; 2002; 2007 Schubert et ai., 2001 ), o mesmo aconte-
gado (D > 3,5 - Figura 41.11 A), o padrão passou a moderada- cendo com simulações em computador (Minogue, 1989; Zawolek
mente agregado (l,0 <D < 3,5 - Figura 41 .1lB), com muitos casos, & Zadoks, 1992; Ferrandino, l993; Shaw, 1994: Zadoks & van
inclusive, de padrão espacial ao acaso (D = 1,0 - Figura 41.11 C). den Bosch, 1994).
Levantamento efetuado em São Paulo no período 1999/2000 identi- A epidemiologia do cancro cítrico em São Paulo ilustra
ficou, em 203 pomares avaliados, 53% com padrão espacial mode- clara e didaticamente a diferença entre gradiente de dispersão
radamente agregado, 26% com padrão fortemente agregado e 21 % e gradiente de doença: enquanto que o gradiente de dispersão
com padrão ao acaso. Antes de 1996, a quase totalidade dos pomares ( de X citri subsp. citrí) não se alterou com a chegada de
com cancro mostravam padrão espacial fortemeute agregado. P. citrella (a dispersão do patógeno por meio de aerossóis sempre
Na busca da causa para uma mudança de comportamento ocorreu), o gradiente de doença foi fortemente influenciado pelo
dessa magnitude, a identificação em São Paulo, em 1996, da larva inseto (só depois de sua chegada é que os aerossóis tornaram-se
minadora asiática dos citros (Phy llocnistis cifrei/a) logo chamou funcionais como facilitadores de infecção), com drásticas conse-
a atenção dos epidemiologistas, a despeito desse inseto, com base quências para a epidemiologia da doença.
nas informações disponíveis na literatura (Stall & Civerolo, 1993; A aplicação da lei de Taylor [ Equação 41.27: log( ":b) =
Gottwald et ai., 1997b; Belasque Jr. et ai., 2005), não ser vetor de log (A)+ t, log(Vb1.)] a mapas de 340 talhões do cancro cítrico
X citri subsp. citri. A larva minadora asiática, no eµtanto, pode também dá suporte à hipótese proposta por Bergamin Filho el
causar graude impacto na epidemiologia do cancro c,.ítrico por ai. (2000). Na análise conjunta de todos os pomares obteve-se
diversos motivos: (i) os ferimentos causados pelo inseto tomam b = 1,28 e logA = 1,21, com R2 = 0,95 (Figura 41.12A). Tanto
a folha dos citros altamente suscetível à infecção por meio de b quanto A diferiram estatisticamente de 1, mostrando que o
aerossóis (mesmo aerossóis contendo poucas células bacte- cancro cítrico, de modo geral, tem padrão espacial agregado, o
rianas); na ausência das minas, aerossóis raramente contribuem que não causa surpresa. O exame atento da Figura 41.12A, no
para a epidemia; (ii) infecção na presença de ferimentos causados entanto, mostra algo incomum na análise espacial de e pide-
pela minadora (em comparação com aberturas naturais) pode mias: há pomares com padrão espacial ao acaso (pontos sobre
ocorrer com concentrações de inóculo 100 a 1000 vezes menores; a linha binomial), pomares com padrão espacial altamente agre-
( iii) a cicatrização dos ferimentos causados pela minadora pode gado (pontos bem acima da linha binomial) e pomares com
levar de I Oa 14 dias, comparado a apenas um dia para ferimentos padrão espacial moderadamente agregado (pontos pouco acima
causados por vento, poda ou outros meios fisicos. da linha binomial) em praticamente toda a gama de incidências
e
A B
l"TI'l+TTTI
Figura 41.1 l - Exemplos reais de pomares com cancro cítrico (quadrados cheios) e diferentes padrões espaciais: (A) fortemente agregado (D>
3,5); (B) moderadamente agregado (1 < D < 3,5}; (C} ao acaso (D = 1).
543
Manual de Fitopatologia
544
Manual de Fitopatología
544
Análise Espacial de Epidemias
padrão ao acaso ou de baixa agregação, provavelmente devido ao dências consideravelmente mais elevadas (19, 1% < p < 34,4%). A
hábito dos vetores (Homoptera: Cicadellidae), que se instalam ao julgar por esses indícios, os processos que dão origem aos padrões
acaso na cultura e que, posterionnente, não costumam voar para espaciais de urna doença de causa biótica ('rnarchitez sorprcsiva')
plantas imediatamente vizinhas àquelas em que se encontravam. e os processos que dão origem aos padrões espaciais do AF são
Mais estudos sobre o assunto, nessa e em outras combinações bastante diferentes.
hospedeiro/patógeno/vetor. são necessários antes que a generali- Houve relação significativa entre log(V...,) e log(V""') para
zação aqui proposta seja validada. cada uma das situações analisadas, com valores de R 2 entre 0,970
Pelo mesmo raciocínio, um mesmo patógen,o. quando disse- e 0,997. Os valores de b e de A foram estatisticamente maiores
minado por diferentes vetores (com diferentes comportamentos), que l, para todas as análises, mostrando agregação de plantas
deve apresentar padrões espaciais distintos em cada situação. O sintomáticas em todos os blocos. A amplitude de variação do
vírus da tristeza do citros (CTV) é um bom exemplo desse prin- parâmetro b entre blocos foi pequeno (1,321 < b< 1,597). Análise
cípio (ver item anterior). conjunta dos dados, considernndo todos os blocos e todas as datas
de avaliação, resultou em b = 1,282, log(A) = 0,891 e R2 = 0,901.
41.2.4.4. Padrão espacial e etiologia do amareiecimt>nto Neste caso, também, b e A diferiram de 1, confinnanélo o padrão
fatal do dendezeiro espacial agregado do AF. Os resultados obtidos com a lei de
Um aspecto raramente discutido na literatura fitopatológica, Taylor confirmam e ampliam aqueles obtidos com os índices de
em contraste com a literatura médica, é o emprego de padrões dispersão, ou seja, plantas com sintomas de AF exibem acentuada
espaciais de plantas doentes para inferir a respe:ito da natureLa agregação desde incidências extremamente baixas, tendência que
(biótica ou abiótica) do agente causal. Um dos motivos para tal é se acenn1a em função do tempo e do consequente aumento da
que a obtenção de dados consistentes sobre o padrão espacial de incidência.
plantas doentes requer, via de regra. vários anos de coleta, tempo A análise de ãreas isópatas não permitiu a identificação
geralmente suficiente para que o agente causal (biótíco ou abió- de nenhum padrão espacial definido para o AF. Assim, áreas
tico) seja identificado por outros meios. de maior incidência de plantas sintomáticas (focos) podem ser
O trabalho de Laranjeira et ai. ( 1998), aqui discutido, analisa encontradas nas bordas dos blocos, mas podem, também. ser
a distribuição espacial de plantas de dendê (Elaeis guineensis) encontradas no centro dos blocos. Em alguns casos, a situação é
com sintomas de amarelecimento fatal (AF) como contribuição ainda mais confusa, pois focos de plantas sintomáticas são encon-
ao esclarecimento de sua etiologia. Mesmo tendo ciência que um trados tanto nas bordas como no centro dos blocos (Laranjeira ct
determinado padrão não indica necessariamente o processo que ai., 1998). Com relação ao crescimento dos focos, os mapas de
o originou, a premissa básica do trabalho é que dloenças bióticas áreas isópatas mostram progrc:ssílo radial, às vezes com veloci-
de causa desconhecida devem apresentar padrão espacial de dades iguais em todas as direções, dando origem a formas circu-
plantas doentes semelhante ao padrão espacial encontrado em lares, às vezes com velocidades maiores na direção Norte-Sul
doenças de causa biótica já devidamente caracterizad_as. Apesar (ou Sul-Norte), dando origem a formas alongadas nesse sentido,
de ser assunto recente e ainda controvertido, as doenças de causa às vezes com velocidades maiores no sentido Leste-Oeste (ou
biótica, especialmente quando o hospedeiro é perene, exibem Oeste-Leste), dando origem a formas alongadas nessa direção
padrões definidos de aparecimento e de crescimento de focos, (Laranjeira et ai., 1998).
além de mostrarem agregação estatisticamente significativa de A ausência de padrão que caracteriza o aparecimento e o
plantas doentes a partir de incidências relativamente elevadas, crescimento de focos de AF também sugere o envolvimento de
usualmente entre I O e 15%. processos formadores abiótícos. Em sua análise de áreas isópatas
Duas propriedades marcantes caracterizaram as epidemias para a clorose variegada dos citros, Laranjeira ( 1997) encontrou, de
deAF em Benevides, Pará, sob o enfoque espacial, ,conforme quan- forma consistente, os primeiros focos de plantas doentes nas bordas
tificado pelo índice de dispersão (D = ~b/Vb,,,) (Laranjeira et ai., dos blocos, indicação clara que o patógeno, e seu vetor, sobrevivem
1998): primeiro, a forte e frequente agregação de plantas afetadas nos pomares mais velhos infectados por X fastidiosa. Nenhum
(plantas sintomáticas encontravam-se agregadas 1~m 93,75% das padrão pôde ser definido para o AF, uma vez que focos foram
situações analisadas) e, segundo, as incidências p extremamente encontrados indistintamente nas bordas e no centro dos talhões.
baixas nas quais a agregação foi estatisticamente, detectada. Via Deve-se mencionar, finalmente, a associação entre proxi-
de regra, doenças de causa infecciosa (ou biótica), por sua própria midade de riachos ou áreas alagadas e maiores incidências de
infecciosidade, necessitam de limiares de incidência maiores AF (Figura 41. 13). Essa associação também sugere causa abió-
para que agregação significativa seja detectada, quando compa- tica para o Af e está de acordo com as conclusões de análise
radas com doenças de causa não infecciosa (ou abiótica). Para as epidemiológica temporal feita na mesma área e na mesma época
epidemias de AF analisadas por Laranjeira et ai. ( 1998), valores (Bergamin Filho et ai., 1998). Essas conclusões sobre a etio-
de incidência tão baixos como 3,2% ou 3,8% foram suficientes logia do AF, no entanto, não são unânimes na literatura: para uma
para que agregação significativa fosse detectada. Discorrendo visão oposta à aqui apresentada, consulte van de Lande & Zadoks
sobre o mesmo assunto, van de Lande ( 1993) vai além e relata ( 1999).
agregação significativa para o AF em Victoria, Suriname, para
incidência de 0,7% (P < 0,05). Em outros blocos., incidências de 41 .2.4.5. Padrão espacial e sobrevivência de
1,5%, 8,3% e 9,3% também foram suficientes para que agregação
Colletotricltum
significativa fosse detectada. No mesmo estudo (van de Lande, A podridão floral dos citros, causada por espécies dos
1993), ainda com o dendezeiro, uma doença sabidamente de causa complexos Colletotrich11m aCL/tatum e C. gloeosporioides, é de
biótica ('marchitez sorpresiva', causada por Phytomonas e trans- ocorrência esporádica na maior parte dos pomares do Estado de
mitida por insetos peutatomídeos) só mostrou agregação a inci- São Paulo, mas pode ocorrer de forma devastadora quando há
545
Manual de Fitopatologia
fevereiro - 96
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ele, ada frequência de chuvas durante a florada (Silva Jr. et ai.,
... ,•
2014b). Em 2009, a condição climática foi de tal maneira favo-
rável à ocorrência da doença que mesmo com a aplicação de fungi-
..:.;~~!,:•1·; ;;iii\sí:Itt:.· ~ :-
cidas. houve significativa redução na produção e elevado prejuízo
aos citricultores (Silva Jr. et ai., 2014a). Colletotríchum produz
conidios envolvidos por mucilagem no interior de acérvulos. Os
conídios são dispersos por respingos de chuva a curtas distâncias
a partir da fonte. F.ssa fo1ma de dispersão, teoricamente, deveria
produzir distribuição altamente agregada de plantas doentes.
mesmo para baixos valores de incidência. No entanto, esse não é
o caso para a podridão floral dos citros no Estado de São Paulo.
Tipicamente as epidemias começam com distribuição aleatória
•' ::"' . --~- :-..
J'
de plantas doentes e só apresentam padrão de agregação quando
a incidência se aproxima de 15% de plantas doentes. Mesmo com
a evolução das epidemias, os índices de dispersão permanecem
relativamente baixos (Tabela 41.4). Ah:m do padrão de distri-
buição espacial de plantas doentes ser atípico na podridão floral
dos citros. a velocidade de evolução das epidemias é surpreen-
dentemente elevada para um pa1ógeno que se dispersa exclusiva-
mi;nte via respingos de chuva a curtas distâncias (Silva Jr et ai..
2014 b; figura 41.14). Duas são as hipóteses que explicam esse
comportamento inusitado: (i) o patógeno possui outros meca-
nismos eficientes de dispersão e (ii) a sobre, ivência epifítica do
patógeno é tão eficaz que. quando as condições de ambiente são
favoráveis, ele rapidamente infecta as flores. Essa duas hipó-
teses já foram comprovadas. As espécies dos complexos Cofle-
totrichum acutatum e C. gloeosporioides que causam a podridão
floral Jos citros podem ser dispersas por abelhas (Gasparoto et
ai.. 201 7). Esses vetores transportam conídios aderidos ao corpo
(Figura 41.15) e os depositam em flores sadias, o que explicaria
a distribuição aleatória de plantas doentes. Além disso, e talvez
Figura 41.13 - Distribuição de plantas coin amarelecimento fatal até mais importante. o patógeno é capa7 de sobreviver de forma
do dendenzeíro, avaliadas de fevereiro d,; 1997 a se- cpifitica (assintomática) por meses tanto na superfície de folhas
tembro de 1997, cm propriedade localizada no Pará. cítricas (Pereira, 2014) como na superficie de plantas daninhas
Círculos cheios representam plantas doentes. A área (Frare et ai.. 2016). Dessa fom1a. logo após o florescimento, o
em branco que cruza os mapas no sentido longitudi- patógeno, já dissseminado na área. passa a produzir conídios, os
nal corresponde a um riacho. quais infectam as flores, causando epidemias explosivas.
Ta~la 41.4 - Índices de dispersão (variância observada/variância binomial). com quadrats de tamanho 3 x 2, e padrões de distribuição espa-
cial resultante das avaliações de incidência de plantas com podridão floral dos citros em um pomar localizado do Estado de São
Paulo, avaliado durante o florescimento das plantas de 2008 a 2010.
546
Análise Espacial de Epidemias
Figura 42.14 - Mapas de distribuição de plantas com podridão floral dos citros {espécies dos complexos Col/e101rich11m acutawm e C. gloeoJ-
porioides) em um pomar de 500 plantas localizado no sudoeste do Estado de São Paulo. Quadrados va;,:ios representam árvores
sadias e quadrados cheios, árvores sintomáticas.
Fonte: Modificada de Silva Jr. (201 1).
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547
CAPÍTULO
42
MODELOS DE SIMULAÇÃO DE .
EPIDEMIAS DE DOENÇAS DE PLANTAS
Serge Savary e Laetitia Wil/ocquet
ÍNDICE
551
Manual de Fitopatologia
para o dia. Na .fitopatologia, uma previsão incorreta da doença de elementos conectados, como o sistema de transporte público
às vezes pode significar doença muito severa e perdas econômi- de uma grande cidade, com ônibus e metrô. Neste texto, a palavra
cas muito grandes. Da mesma fonna, no domínio da previsão sistema é usada com um significado mais preciso. Nós nos referi-
de epidemias, o que mais irnpona é a precisão da previsão: as mos aqui a um s istema como (1) uma série de elementos selecio-
formas através das quais essa previsão é gerada são secundárias nados, escolhidos, com (2) limites especificados e (3) caracterís-
e, mesmo, sem importância. Prever não é sinônimo de entender. ticas pré-determinadas. Um exemplo para um sistema é uma sala
O segundo objetivo da modelagem é entender. Há muitas de aulas com um (1) número detenninado de alunos, (2) todos
maneiras diferentes de entender na ciência, mas uma imponante dentro da sala, e, (3) cada aluno com suas habilidades especificas
consiste em ver que um princípio se aplica e que os eventos estão (e limitações). Cada um dos três pontos: ( 1) os elementos que são
em conformidade com esse princípio. O princípio pode, por exem- escolhidos para fazer parte do sistema, (2) os limites do sistema e
plo, ser o seguinte: "esta variedade é resistente à doença" . O prin- (3) as características dos componentes do sistema correspondem
cípio pode ser testado através de um experimento fonnal. levando a hipóteses - explícitas ou implícitas: decidimos quais alunos
ou não à sua confirmação. O princípio também pode assumir a fazem parte do sistema (ou não, talvez porque alguns alunos
forma de uma teoria - um conjunto de princípios combinados, faltem à escola naquele dia); nós escolhemos considerar esta
de resultados que são derivados de experiências anteriores e classe e não out1ra; e consideramos um tipo de habilidades (<liga-
experiências fom,ais. Por exemplo, há uma grande quantidade mos, matemática e filosofia), e não outras (esportes e inglês).
de estudos que mostram que dias nos quais há chuva (<ligamos, Olhamos o s sistemas porque eles mudam ao longo do tempo.
1-10 mm) e temperatura (digamos, 5-15 ºC) moderadas são favo- Outro exemplo de um sistema poderia, por exemplo, ser uma
ráveis à requeima da batata (tais condições favorecem, por exem- cafeteria nas proximidades. Essa cafeteria tem clientes que fazem
plo, liberação de esporos, transporte e infecção), em oposição a pedidos e funcionários que os processam. Pode haver, às vezes.
dias muito quentes (15-30 ºC) e secos. Essas diferenças nos padrões poucos clientes.. enquanto que, em outros momentos, o lugar
climáticos nos permitem entender porque cm algumas estações e está muito cheio (por exemplo, porque a cal'eteria está perto da
em algumas áreas a requeima da batata causa epidemias severas ou Universidade e item wi-fi gratuito, que os alunos usam enquanto
não: a compreensão, nesse exemplo, deriva da conformidade dos desfrutam de um café e conversam com seus amigos). Assim, para
fatos observados com o conhecimento prévio. Os modelos podem os clientes, e o s funcionários também, o tempo não é neutro. Em
ser usados para reunir conhecime nto prévio, o que, por sua vez, seguida, é útil observar o nosso sistema de cafeteria em uma série
pennite a compreensão. O conhecimento prévio pode ser consi- de intervalos de tempo que compõem um dia. Talvez um inter-
derado uma teoria, que pode assumir a fonna de um modelo. Esse valo apropriado seja de uma hora: esse intervalo é mai~ <lo que
modelo, por sua vez, pode ser testado contra fatos observados: a suficiente para e,xplicar as longas horas quando pouco acontece,
confiança ua teoria é aumentada quando os fatos estão em confor- mas 6 muito justo para capturar eventos no horário de pico. Muita
midade com a teoria; e quando os fatos não estão em conformidade coisa, porém, pode acontecer em uma hora quando o lugar está
com a teoria, surgem novas questões. Essas novas questões podem ocupado, as pessoas se encóntnim, muitas ordens silo colocadas,
ser enquadradas em novas pesquisas: a modelagem se toma um muitas mensagen1s recebidas. Talvez, um intervalo de 30 minutos, ou
instrumento de investigação - uma maneira de fazer perguntas. mesmo 15 minutos, seja melhor. Então, embora muitos segmen-
A modelagem é fundamental na exploração de sistemas tos quase vazios de 15 minutos possam ser um desperdício de
complexos, como as epidemias. Modelos são especialmente úteis tempo de comp1L1tação, esses pequenos intervalos garantem que
para abordar as questões do tipo "e se": "e se o clima estiver mais eventos importantes não serão perdidos no horário de pico. No
seco ou mais quente?'", "e se cultivarmos variedades mais resis- entanto, muitas coisas ainda podem acontecer durante um período
tentes?", "e se a cultura for plantada mais cedo?" ou ainda "e de 15 minutos. Um intervalo de 5 minutos pode ser mais seguro?
se for usado menos fertiliz.ante?". Muitas vezes, o uso de mode- Esta é uma perg1L1nta difícil.
los em epidemiologia foi reduz ido à questão: "e se um produto De qualqU1er forma, uma decisão deve ser tomada, e cabe
químico for aplicado?" ou "e se o produto químico for aplicado ao modelador fazê-lo. Cada sistema, como o sistema da cafeteria,
nesta ou naquela data?". Perguntas do tipo "e se" são difíceis, mas tem uma constante de tempo, que podemos simplesmente definir
muito imponantes, na ciência. Na verdade, a modelagem epide- como o intervalo em que o sistema pode mudar. Uma maneira de
miológica tem sido, em parte, associada ao surgimento das ques- escolher empiricamente uma constante de tempo é baseada na
tões-chave "e se" de nossos tempos: "e se a população mundial experiência e conhecimento do sistema em mãos. Note-se que
exceder a capacidade de carga da biosfera?", ou "e se o clima no sistema da cafeteria, nem todos os elementos que são impor-
global for profundamente alterado?". tantes para o sistema estão incluídos na própria cafeteria, como,
Este capítulo deriva de Savary e Willocquet (2014), que por exemplo, possuir wi-fi gratuito. Portanto, podemos chamá-lo
fornece um curso on-line (http://www.apsnet.org/edcented advanced/ de um sistema Bemiaberto. Os sistemas biológicos, os sistemas
topícs/ Botaníca!Epidemiology/ Pages/default.aspx) com práticas, fitopatológicos em particular, são semiabertos: recebem e trans-
exemplos e programas de simulação. mitem infonnaç,ões, componentes, biomassa ou energia de e para
o meio ambiente.
42.2. ANÁLISE DE SISTEMAS EM EPlDEMlOLOGIA Um modello é um programa de computador que descreve a
DE DOENÇAS DE PLANTAS mecânica do sistema considerado. A codificação de um modelo
pode ser feita de vá1ias maneiras. Aqui, nos referimos a mode-
42.2.1. Análise de Sistemas, Sistemas e Modelos los de simulação d inâmicos. A cada intervalo do tempo, o estado
Um sistema é uma representação simplificada da realidade. do sistema muda: no sistema da cafeteria, os clientes vão e vêm,
"Sistema" é uma palavra comum, muitas vezes usada com signi- as ordens são co,locadas, o café é bebido, as contas são pagas, as
ficado amplo. Por exemplo, sistema às vezes significa uma série mensagens são :recebidas, a notícia é compartilhada, às vezes o
552
Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas
café é derramado nos computadores. Em cada intervalo de tempo, A primeira equação afirma que, em cada passo de tempo,
o modelo atualiza o status do sistema e está pronto para contabili- .6.t, a quantidade A de bactérias no tempo t, A (t), é incrementada
zar os eventos do próximo intervalo de tempo com base no novo pela quantidade RA • .6.t, e a segunda, que RA é, por sua vez, o
staws que ele acabou de adquirir. produto: RRA • A .
Simulação, simplesmente, é a execução de um modelo. Isso Equações diferenciais simples, tais como: dy/dt = r • y
requer a definição adicional das condições iniciais do sistema podem ser facilmente integradas (como acima) de forma analí-
em consideração e valores especificados de parâmetros. o que tica. No entanto, assim que processos mais complexos são consi-
implica num certo conhecimento do sistema em questão. No derados, a integração numérica toma-se uma ferramenta de
sistema da cafeteria. é preciso decidir algumas coisas imponan- cálculo muito poderosa. Esta é a razão pela qual os modelos de
tes: quando o modelo começa? Quantos clientes e funcionários já simulação mecanística usam muito a integração nnmérica.
estão lá naquele momento? Quanto dinheiro há no caixa? Quais
42.2.3. Simbologia de Forrester e Terminologia
são os preços dos diferentes tipos de café? Quais são as taxas
de entrada e saída de clientes (e o que as determina)? Qual é a O modelo (e a integração numérica associada) apresen-
taxa de entrada de mensagens? O modelador. simplesmente, tem tado na seção anterior pode ser representado usando un1 diagrama
que definir a cena e decidir algumas regras, as quais podem ser como na Figura 42.1. Nessa figura, usamos a representação simbó-
simplificadas no inicio. lica desenvolvida por Jay Forrcster, onde:
• os retângulos representam variáveis de estado (aqui.
42,2.2. 1ntegração Numérica e Analítica apenas uma variável de estado é considerada, o número de bacté-
Um exemplo clássico para a integração analítica é o cresci- rias, A);
mento exponencial. Consideremos um sistema no qual um orga- • as válvulas representam taxas ou processos (aqui, apenas
nismo (digamos. uma bactéria) possui nutrientes ilimitados e uma taxa é considerada, a taxa bacteriana de crescimento, RA);
condições adequadas para sua manutenção, crescimento e multi- • as setas simples representam lluxos de materiais ou indi-
plicação. Uma pergunta é: quantas bactérias haverá no momento t? víduos (aqui um fluxo de bactérias):
A integração analítica do problema pode ser escrita da seguinte
forma: digamos que y é o número de bactérias, e t, o tempo decor- • os círculos representam parâmetros (aqui, apenas um
parâmetro está envolvido, a taxa relativa ou intrínseca de aumento
rido. Vamos assumir que o processo considerado é muito simples:
bacteriano, RRA);
o aumento ao longo do tempo, 1, de urna quantidade dada, y , é
proporcional ao valor da quantidade atualmente ex.istente y: • as relações quantitativas silo mostradas por setas traceja-
da~ (RA numericamente depende de A e RRA).
dyldt= r *y
Na equação acima, a velocidade na qual as bacté1ias
aumentam, dyldt é proporcional ao número de bactérias, y. À
medida que o tempo aumenta, r • t aumenta, assim como dyldt.
Portanto, a taxa de aumento em y (ou seja, dyldt) aumenta ao
longo do tempo, ou novamente: a velocidade na qual y cresce
A
aumenta continuamente ao longo do tempo com o próprio y. Esta
é a definição de crescimento exponencial. A integração analítica
da equação acima leva à equação: RA
Y, =Yq • exp (r • t)
'--------'
e
A integração numérica do mesmo problema agora pode Figura 42.1 - Fluxograma para um modelo de crescimento exponen-
ser abordada da seguinte forma. Digamos que: (1) a quanti- cial. A quantidade de bactérias é A, a taxa de aumento
dade de bactérias deve ser indicada por A, o número de bacté- bacteriano é denotada RA em cada intervalo de tempo,
rias no sistema em um determinado ponto do tempo; (2) a taxa .6.t, com uma taxa relativa (ou intrínseca) RRA.
de aumento da população bacteriana é denotada RA; e (3) a taxa
relativa de aumento da população bacteriana, ou seja, a taxa de
aumento da população bacteriana em relação à quantidade de 42.2.4. Dimensões
bactérias presentes no sistema é denominada R.RA. As dimensões podem ser representadas entre colchetes.
Observa-se que. em comparação com a integração analí- Por exemplo. [L], [T] e [KJ representam dimensões de compri-
tica, agora temos: A = y; RA = dy/dt, e RRA = r = (dy/dt) / y. A mento, tempo e temperatura, respectivamente. A velocidade de
integração numérica deste problema envolve apenas duas linhas um objeto, por exemplo, teria dimensão: [L.1' 1], ou seja. distância
de código: por onidade de tempo:
A (t + .6.t) =A (t) + RA (t) • .6.t velocidade = distância / tempo
RA (t) = RRA • A (t) com dimensões: [L.1'1] =[L] / [T] =[LJ. [1' 1
].
553
Manual de Fitopatologia
554
.Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas
1 m 2 cercada por áreas de cultivo semelhantes (uma área de campo onde o CORF, um ''fator de correção" para disponibilidade de
de I m1 cercada por um grande número de áreas similares em um sítios, representa a proporção de sítios sadios que ainda estão
campo de trigo). Dentro desta área de sistema de I m2, a cultura é disponíveis para infecção ou a probabilidade de um sítio ser
constituída por sítios, que podem ser sadios (HSites), ou infecta- sadio (CORF é estritamente compreendido entre O e 1). Sendo
dos. Os sítios que foram infectados podem ser divididos em três uma proporção de quantidades com as mesmas dimensões, [N], a
categorias que não se sobrepõem:(!) sítios que foram infectados, dimensão de CORF. é [N.N·1] = [!].
mas ainda não são infecciosos e, portanto, estão latentes (LatS), No decorrer de qualquer dia, propágulos são produzidos,
(2) sitias que são infecciosos e, portanto, estão gerando propâgu- liberados, transportados e depositados, e a infecção pode ocor-
los (IafS), ou (3) sítios que não são mais infecciosos e, portanto, rer em sítios sadios. A taxa de infecção pode ser expressa como:
são removidos do processo infeccioso (RemS). A noção de sítio
refere-se aos tecidos vegetais que podem sustentar uma infecção
INFECTION = DMFR*CORF*InfS
e dar origem a novos sítios doentes. Os sítios, portanto. não serão Nesta equação, INFECTION é uma taxa e, portanto, tem a
os mesmos, dependendo do patossistema. Por exemplo, no caso dimensão de velocidade [N.T']. lnfS é o número de sítios infec-
de manchas foliares, como aqui, um sitio refere-se a uma lesão ciosos em um detenninado momento, com dimensão [N], CORF
(potencial ou e~:istente), enquanto que para doenças sistêmicas, é o fator de correção, e DM}'R é um fator de multiplicação diário
um sitio refere-se a uma unidade de planta inteira. (do inglês Daily Multiplication FactoR). DMFR é o número de
Para ser mais específico concentremo-nos no caso de uma infecções diárias novas provenientes das lesões infecciosas exis-
doença que é dispersa de forma aérea e causa lesões nas folhas. tentes. O DMFR também pode ser visto como o número diário de
Esta é uma consiideração importante, porque detennina a natureza lesões-filha por lesão-mãe, com dimensão [N.N''.T 1]. O DMFR,
das variáveis de estado que são de principal interesse no sistema na redação mecanistica utilizada neste modelo, corresponde
considerado. Es1tamos, portanto, lidando com uma população de exatamente à taxa básica de infecção corrigida para remoções, R,.,
sítios, cujas tran.sições de sadios, latentes, infecciosos e removi- na equação 8.3 de Van der Plank (1963 ).
dos são rastread,os dinamicamente. A dimensão de INFECTION é, portanto: [N. N·'.T']. [!].
Além da escolha dos limites do sistema ( I m2), adotemos [N] = [N.1'']. Tem a dimensão de uma taxa, ou seja, da velocidade
que a constante de tempo é um dia. Muitos modelos epidemio- de um processo.
lógicos usam esse intervalo de tempo, em grande parte porque, Conforme indicado anteriormente, a equação lNFECTION
em muitos conjuntos de dados meteorológicos disponíveis, o dia engloba uma série de sub-sub-processos: produção, liberação,
climático começa às 7 horas e termina no dia seguinte, à mesma transpone e deposição de propágulos e infecção. Em outras pala-
hora. No período intennediário - um dia inteiro - ocorrem muitos vras, em relação à taxa diária de infecção, tudo o que acontece c:m
eventos epidemiológicos nesse sistema: por exemplo. os espo- qualquer dia é resumido na equação da taxa lNFECTION.
ros são produzidos, liberados e depositados e as infecções ocor- O período de latência e o período infeccioso devem ser incor-
rem. Os epidemiologistas estão conscientes de que __esses· even- porados ao modelo. Sítios que estão nas fases latente e infecciosa
tos dependem de fatores ambientais (como o clima ou o estado correspondem a duas variáveis de estado. Essas variáveis de estado,
fisiológico das plantas hospedeiras), que podem variar com uma no entanto, são de um tipo particular, porque os sítios permanecem
constante de tempo muito menor do que um dia (por exemplo, nesses estados, latentes e, então, infecciosos, por durações especi-
urna rajada de vento no dossel, uma chuva curta ou a remoção ficadas. A manutenção da situação inalterada em um detenninado
progressiva da U1midade nas folhas). No entanto, esses fatores só estado é chamada de tempo de residência, que corresponde ap dias
podem influenciar os mecanismos que são eles próprios proce.s- na latência e i dias na fase infecciosa. Essas variáveis de estado são
sos de um subprocesso (ou seja, o processo de infecção). Em chamadas de "vagões de caixa" (para refletir uma série de caixas
outras palavras, esses fatores influenciam os sub-subprocessos, através das quais cada indivíduo progride) ou "transportadores".
enquanto nosso esforço é integrar numericamente os subproces- Vamos assumir que p = 6 dias e i = 10 dias.
sos e quantificar suas consequências ao nível do processo epidê- Vamos também assumir, por simplicidade, que os valo-
mico. Outra fonna de justificar a escolha de um intervalo de um res para p e i são fixos ao longo da duração de uma epidemia.
dia é dizer que a. constante de tempo de uma epidemia, corno um Isso também é uma simplificação: por exemplo, à medida que
todo, é maior d,:> que um dia - dentro de um dia, as mudanças as plantas se tomam mais velhas, tanto p como i podem variar,
certamente oconrem, mas não a ponto de alterar completamente o expressando aumento ou díminuição. Ambos os parâmetros
status da epidemia. também mudam durante uma epidemia de acordo com mudanças
nas variáveis climáticas. Modelos de simulação permitem incor-
42.3.3. Principais Equações do Modelo porar as mudanças diárias nos valores de p e ia partir de variáveis
Uma vez qiue os sítios são categorias que não se sobrepõem, direcionadoras, como o estádio de desenvolvimento da cultura
pode-se expressar o número total de sítios infectad_os, AC!, corno ou a temperatura. Suponhamos ainda que, no início da epidemia,
uma adição: ambas as variáveis de estado não contêm indivíduos, ou seja, que
não existem sítios infectados nas fases latente ou infecciosa.
ACI = LatS + InfS + RemS
42.3.4. Inicializando o Modelo
Em cada ponto do tempo, uma infecção só pode ocorrer em
sítios que ainda são sadios (HSites).•Esta fração é: É necessário fazer várias pressuposições para executar o
modelo. Primeiro, é necessário especificar o tamanho da popu-
CORF = li-ISites / (AC! + HSites), que pode também ser
lação do hospedeiro. Deixe-nos assumir que o número inicial de
escrita como:
sítios sadios (HSites) é de 100.000. Vamos assumir ainda que a
CORF = 1-(ACI/(ACI + HSites)), duração de uma epidemia é de 100 dias.
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Manual de Fitopatologi.a
(
infeccioso (mãe) (lnfS) pode potencialmente dar orig(:m a 0,3 sítio
infectado (filha) através da taxa rNFECT!ON. "Potencialmente"
deixa implícito que há espaço suficiente para 0,3"'lnfS novas
infecções ocorrerem a cada dia, ou seja, que os propágulos alcan-
çarão sítios sadios (HSites). Ao fazê-lo, apenas expressamos as
hipóteses subjacentes da equação 8.3 de Van der Plartk ( 1963).
Outro elemento que diz respeito à inicialização da epidemia
é a quantidade de inóculo primário. Para isso, criamos um parâ-
metro INOCPRJM que representa essa quantidade, a qual se torna
ativa em um ponto de tempo escolhido no decorrer da estação
de crescimento. Também criamos um paràmetro DAY conectado,
que simplesmente acompanha o tempo no modelo. Va1mos decidir
ainda agora que o INOCPRlM gera um único influ:<o de novas OMFR
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Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas
0,00
•
25,00 f"
tl0,00
50.00
Dias
Figura 42.3 - Resultado de uma simulação preliminar: sítios sadios, latentes, infecciosos, removidos e visivelmente doentes. Os valores dos pa-
râmetros utilizados são DMFR = 0,3 lcsões.lesão 1.dia·1,p-6 dias, i= 1Odias c dataJe início é 1. Legenda das curvas: 1 =sítios sa-
dios; 2 = sítios infecciosos; 3 =sítios latentes; 4 =sitiosremo\ idos do processo epidemiológico; 5 sltios acumulados visivelmente
doentes (infecciosos e removidos). Eixo horilontal: tempo (dias); eixo vertical: números de sítios.
0.5
000 21100 5000 7MO 0000 0.00 2&00 50.00 7500 'llOOO
Dias oi.,
Figura 42.4 - Análises de sensibilidade com variações na DMFR, no período de latência, no período infecciosoenadatado iníciodaepidemia. O nú-
mero simulado de sítios doentes (infecciosos c removidos) é exibido em todos os gráficos. a: efeitos de diferentes valores de DMFR;
b: efeitos de valores do período de latência; e: efeitos de valores variáveis do período infeccioso; d: efeitos de datas variadas
de início das epidemias. Os valores dos parâmetros padrao são DMFR = 0,3 lesões. lesão· 1.dia•1, p = 6 dias, i = 1Odias e a data de
início é 1. Os valores dos parâmetros que são variados são indicados nas curvas simuladas. Eixo horizontal: tempo {dias); eixo
vertical: números de sítios.
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Manual de Fitopatologia
de um parâmetro têm pouco efeito imediato, mas, à medida que governada por DMFR e CORF. A experiência mostra que, em
os ciclos da doença se sobrepõem no decorrer de uma epidemia condições de campo, o DMFR varia mnito com o tempo: alguns
(Teng, 1983), o efeit,o dos juros compostos toma-se maís force, às dias são extremamente favoráveis ao progresso da doença e
vezes com grandes consequências. outros são completamente desfavoráveis. Essas mudanças ao
longo do tempo podem ser o resultado de condições climáticas
42.3.8. Revisitando Hipóteses variáveis. Isso pode ser facilmente introduzido em modelos que
O desenvolvimento da estrutura do modelo apresentado na usam funções direcionadoras, ou seja, tabelas que forneçam a
Figura 42.2 baseia-s-e em uma série de hipóteses. Explorar essas variação nos valores de DMFR com condições climáticas e tabe-
hipóteses é motivo de pesquisa muito atual e ativa. Podemos las que indiquem a variação nas condições climáticas ao longo do
abordar brevemente algumas dessas hipóteses. tempo (isto é, em dias sucessivos).
A mudança no valor do DMFR também pode resultar da
Tamanho do siJ,tema-A hipótese de "campo representativo•· mudança na suscetibilidade do hospedeiro ao longo do tempo.
Uma primeira hipótese diz respeito à área do sistema consi- Por exemplo. a suscetibilidade à doença pode diminuir com o
derado e seus limite:s. O sistema considerado aqui consiste em aumento da idade dos tecidos das plantas (isto é, a resistência
uma área de cultivo de I m 2 cercada por sistemas similares. Uma aumenta com a idade). Se DMFR diminui exponencialmente com
área de cultivo de I m2 pode, por exemplo, ser relevante para a idade, pode-se escrever:
uma cultura de cereais ou leguminosas. Se considerarmos uma DMFR= 0.J*exp(-k*DAY)
cultura perene (por exemplo, árvores frutíferas, videira) ou semi-
perenes (por exemp,lo, mandioca, bananeira), seria necessário onde k é um coeficiente de extinção positivo para a resistên-
aumentar esse taman1ho de sistema. A suposição também implica cia, e DAY é o tempo de execução do modelo. As saídas de três
que esses limites permitem que fluxos de propágulos entrem e valores para k (O: sem resistência, 0,005: resistência moderada e
saiam do sistema em estado estacionário. O que está implícito 0,01: resistência elevada) são plotadas na Figura 42.5. À medida
em "sistemas de culturas similares" em tomo do nosso sistema que k aumenta, o nível de doença (representado pelo número de
é que a quantidade de doença é a mesma em sistemas circun- sítios doentes) diminui fortemente. A Figura 42.5 também mostra
dantes. Isso também implica que a estrutura da cultura não varia novamente como o DMFR influencia o comportamento geral <lo
muito, de modo que as condições microclimáticas seriam, em modelo.
nosso sistema, representativas das condições que prevalecem em
sistemas vizinhos e equivalentes. Neste exemplo epidemiológico 1l0000T"""---- -, -- -- - - . - - - - - - - , - - - - - - - ,
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Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas
são mostradas na Figura 42.6. O valor crescente d,e p leva, como R, representa o valor instantâneo (a primeira derivada ao
esperado, a um progresso mais lento e a uma mentor intensidade longo do tempo) de R0.
final da doença. R0 é parâmetro importante que deve ser considerado ao
analisar a expansão do foco da doença. R0 é um conceito muito
1>0000 , . ·----------- ------------1--·--··--·---·-- atraente, devido à sua definição clara, seu significado biológico,
! 1 sua possível decomposição em processos biológicos e porque
l -~----·---------- ____.._________!__________ _ permite comparações entre epidemias. R0 é, no entanto, dificil de
1
l estimar. Várias abordagens foram propostas, incluindo:
1
1
1 • derivar equações relacionadas com r, a taxa aparente de
50000i----·---·---·-·- -·-----·---·-·· infecção, ou ri' a taxa de infecção logarítmica (sensu Van der
: Plank, 1963) a R0 ou R,:
~------------- -·---------------- -------- -------1-.,.. --------- • usar modelos de população matricial;
• medir experimentalmente; e
O
•"i~--.. . "'-""--=--;:;,!:,._::,_=--::::..:ã.:ãâ:. _-';:·~.;;::~:~ j____________
0.0 0 ZSOO 50.00 7Sll0 "00.00
• usar abordagens que combinam experimentos e modelos.
O modelo de simulação epidemiológico preliminar aqui
descrito pennite a computação do produto aritmético de DMFR
Figura 42.6 - Curvas simuladas de progresso da do-ença com uma (que é equivalente a R<) por i. cm etapas sucessivas e discretas. A
temperatura constante (carva superior) ou variável soma dessa sucessão de produtos Rc*i ao longo do tempo, por sua
(curva inferior) influenciando a duração do período de vez, corresponde a R 0 •
latência,p. A curva inferior está associada aos dias em
R0 abrange todo o tempo de vida infecciosa de uma lesão,
que a temperatura é mais alta, levando, a um aumento
enquanto R0 considera cada intervalo de tempo (infinitamente
em p. O número simulado de sítios tlo,~ntes (infeccio-
pequeno) durante o período infeccioso. Assim, da mesma forma
sos e removidos) é exibido.
que R0 , R0 varia ao longo do tempo e depende de variáveis climá-
ticas, por exemplo, temperatura e umidade das folhas.
A taxa básica de infecção corrigida R,. e o número de repro-
dução básica R 0 O teorema do limiar
Van der Plank ( 1963) afirmou que nenhuma epidemia de
Consideremos novamente a equação diforendal de Van der doença de planta pode começar a menos que Rc. i > 1, uma desi-
Plank gualdade conhecida pelos epidemiologistas como "o teorema do
dy,fdl = R< (y,_p - y 1 _ 1_ ) (1-y,) limiar". Essa desigualdade simplesmente aflnna que, se um sítio
infeccioso não gerar uma nova infecção, eutão nenhuma epide-
e lembremos que o modelo preliminar de simulação discutido mia ocorre. Essa desigualdade é equivalente a escrever: R 0 > 1.
aqui fornece uma integração numérica desta equação. Duas prin- Muitos trabalhos têm se dedicado ao teorema do limiar (Madden
cipais diferenças entre a integração analítica e numérica podem d al., 2007).
ser destacadas. Primeiro, enquanto as equações que são resolvi-
das analiticamente produze m soluções exatas, a int,~gração numé- 42.4. CONSfDERAÇÕES FINArS
rica em um intervalo de tempo escolhido, 6.t, apenas gera estima- Seja qual for a abordagem escolhida, seja analítica ou numé-
tivas numéricas. Mas, em segundo lugar, as soluções numéricas rica, o modelo considerado aqui baseia-se na suposição principal de
podem, no entanto, ser facilmente derivadas, mesmo quando os que todos os sítios sadios são igualmente acessíveis para infecção
parâmetros variam ao longo do tempo, enquanto que a solução ou qne, inversamente, todos os propágulos têm probabilidades
analítica para a equação acima pode se tornar bastante compli- iguais de alcançar e (possivelmente) infectar sítios sadios. Isto é
cada (Madden et al., 2007). o que pode ser chamado de bipótese de campo representativo. As
O número total de indivíduos recém infectados resultantes de copas de plantas e culturas são, no mundo real, heterogêneas;
um único individuo infectado em uma população tc,talmente sadia folhas ou frutos - sítios, ern geral -, não estão todos igualmente
foi referido como o número (ou proporção) de reprodução básica, expostos ao inóculo; os tecidos variam em sua suscetibilidade;
R0 • R0 tem sido amplamente utilizado na epidemiologia humana e os gradientes de dispersão de propágulos variam amplamente
animal. R0 é a proporção progenitor-parente, ou em epidemiolo- em todos os sistemas e esses gradientes dependem frequente-
gia botânica, o número de lesões filhas por lesão imãe, quando a mente de vários mecanismos de dispersão; o microclima em um
lesão mãe é estabelecida em uma população de indivíduos saudá- dossel (digamos, em uma árvore de maçã, mas em um campo
veis (Van der Plank, 1963; Zadoks e Schein, 1979; Madden et al., de trigo ou arroz também) sempre mostra variabilidade espacial.
2007). Todos esses elementos são deixados de lado nesta fase. O que foi
Consideremos o período infeccioso - a vida reprodutiva - de mostrado neste capítulo é apenas um modelo preliminar. A simu-
uma lesão. Este tempo de vida abrange de t = Oa t = i. Consideremos lação, como vimos, é uma abordagem que permite explorar mais
também que esta lesão é a primeira infecção que e.stá sendo esta- profundamente as questões de "e se·• que temos.
belecida em uma população de sítios que são todos suscetíveis.
Pode-se então escrever: 42.5. BTBLIOGRAFIA CONSULTADA
t:=i Allorent, D. & Savary, S. Epidemiological characteristics of angular leaf
R0 = J. Rc .dt spot of bean: a systems analysis. Europcan Journlll of Plant
t:=0 Pathology ll3: 329-341 , 2005.
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