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M .A NU.

A LDE
FITOPATOLOGIA

'V OLUMEI

PRINCÍPIOS E CONCEITO.S
5ª EDlÇÃO
632 MAN
2310812019
106223
183654!5

LIL[AN AMORIM
JORGE ALBERTO MARQUES REZENDE
ARMANDO BERGAMIN FILHO

.Editores

Deparita[nenrto de .f irtopatologia ,e Ne1rnatnlogía


Escola S1uperior de Agricultura uLuiz ,d e Queiroz"
Universidade de São .Paullo

Aigmnômica Ceres Lt,da.


Ouro Fino - MG
2018
SUMÁRIO

PARTE ! 2.2. Epidemias brasileiras famosas 18


2.2.1. O mosaico da cana-de-açúcar 18
CONCEITOS BÁSICOS DE FITOPATOLOGIA 2.2.2. A tristeza dos citros 18
2.2.3. O cancro cítrico 19
1. A HISTÓRJA DA FITOPATOLOGIA 2.2.4. O mal do Panamá e a banana Maçã 20
Armando Bergamin Filho e Elliot Watanabe Kitajima 2.2.5. Carvão da cana-de-açúcar: da década de 1940 à
década de 1980 20
1.1. Introdução 3 2.2.6. O mal das folhas da seringueira 20
l.2. Período místico 4 2.2.7. A vassoura de bruxa do cacaueiro 21
1.3. Período da predisposição 5 2.2.8. A ferrugem da soja 22
l .4. Período etiológico 5 2.2.9. Huanglongbing em citros 22
1.5. Período ecológico 6 2.3. Tipologia dos danos 23
1.6. Período atual 7 2.3.1. Dano potencial e dano real 23
l.7. A Fitopatologia no Brasil 7 2.3.2. Dano direto e dano indireto 24
1. 7 .1. Primórdios 7 2.3.3. Dano primário e dano secundário 24
1. 7.2. A Fitopatologia em São Paulo 9 2.4. Bibliografia consultada 24
1.7.3. A Fitopatologia no Rio de Janeiro 10
1.7.4. A Fitopatologia na Bahia 11 3. CO CElTO DE DOENÇA,
1.7.5. A Fitopatologia em Minas Gerais 11 SINTOMATOLOGIA E DIAGNOSE
1.7.6. A Fitopatologia em Pernambuco 12 Jorge Alberto Marques Rezende,
1.7.7. AFitopatologia no Ceará 12 Nelson Sidnei Massola Júnior e Ivan Paulo Bedendo
1.7.8. A Fitopatologia na Amazônia 12 3. 1. Doenças de plantas 27
1.7.9. A Fitopatologia no Paraná 12 3. 1. l. Características básicas das doenças de plantas 27
1.7.1 O. A Fitopatologia no Rio Grande do Sul 12 3.1.2. Causa da doença 28
1. 7.11. A Fitopatologia em Brasília 12 3.2. Sintomatologia 31
1.7 .12. Conclusão 12 3.3. Diagnose 38
1.8. Bibliografia consultada 13 3.3.1. Diagnose de doenças conhecidas 38
3.3.2. Diagnose de doenças desconhecidas 39
2. IMPORTÂNCIA DAS DOENÇAS DE PLANTAS 3.4. Bibliografia consultada 43
Annando Bergamin Filho, Lilian Amorim e
Jorge Alberto Marques Rezende 4. CICLO DE RELAÇÕES PATÓGENO-HOSPEDE.ffiO
Lilian Amorim e Sérgio Florentino Pascholati
2. l. Algumas epidemias famosas 15
2.1. 1. Fome, morte e emigração: Irlanda 1845- 1846 15 4.1. Sobrevivência do ínóculo 46
2.1.2. A catástrofe de Bengala 17 4.1.1. Estruturas especializadas de resistência 46
2.1.3. Os ingleses e o chá 17 4.1.2. Atividades saprofíticas 49
2.1.4. O fogo de Santo Antônio 18 4.1.3. Plantas hospedeiras e não hospedeiras 50
2.1.5. Cochliobolus heterostrophus (Helminthosporium 4.1.4. Vetores 51
maydis) e os hambúrgueres perdidos 18 4.2. Disseminação 52
4.2.1. Liberação 52 7. AMBIENTE E DOENÇA
4.2.2. Dispersão 54 Ivan Paulo Bedendo, Lilian Amorim e Dirceu Mattos-Jr.
4.2.3. Deposição 56
4.3. Infecção 56 7.1. Ação de fatores ambientais sobre o hospedeiro 93
4.3.l. Mecanismos de pré-penetração 57 7.1.1. Umidade 94
4.3.2. Penetração 58 7. l .2. Temperatura 94
4.3.3. Estabelecimento de relações parasitárias 7.1.3. Nutrição 95
estáveis 61 7.1.4. pH do solo 96
4.4. Colonização 61 7.1.5. Luz 96
4.4.l. Distribuição do patógeno no hospedeiro 64 7. I.6. Fatores diversos 97
4.4.2. Duração da colonização 65 7.2. Ação do ambiente sobre o patógeno e sobre 9 ciclo
de relações patógeno-hospedeiro 97
4.5. Reprodução 66
7.2. 1. Umidade 97
4.5.1. Fatores que influenciam a reprodução 66
7.2.2. Temperatura 98
4.5.2. O significado epidemiológico da produção de
inóculo 66 7.2.3. Vento 99
4.6. Bibliografia consultada 68 7.2.4. pH 99
7.2.5. Outros fatores 100
5. EPIDEMIOLOGIA DE DOENÇAS DE PLANTAS 7 .3. Fatores ambientais e controle de doenças 100
7.4. Bibliografia consultada 102
Armando Bergarnin Filha, Lilian Amorim,
Laetitia Willocquet e Serge Sovai)'
PARTE 11
5.1. Epidemiologia, epidemia e endemia 71
5.2. Epidemiologia, Fitopatologia e Biologia 72 AGENTES CAUSAIS
5.3. Epidemias: o monociclo 73
8. FUNGOS FlTOPATOGIÊNICOS
5.4. Epidemias: o policiclo 76
5.5. Modelando a epidemia 77 Nelson Sidnei Mosso/a Júnior
5.5.1. Modelos analógicos 77 8.1. Importância dos fungos para a Fitopatologia 107
5.5.2. Modelos simbólicos e o computador 78 8.2. Características gerais e morfologia cios fungos
5.6. Um terceiro grupo epidemiológico 79 fitopatogêoicos 108
5.6.1. Conceitos básicos revisitados 80 8.2.1. Estruturas assimilativas 108
5.6.2. Modelando diferentes tipos de epidemia 82 8.2.2. Estruturas reprodutivas 109
5. 7. Bibliografia consultada 83 8.3. Classificação dos fungos fitopatogênicos 113
8.4. Principais grupos de fungos fitopatogênicos 113
6. GENÉTICA DA INTERAÇÃO 8.4.1. Reino Protozoa 113
PATÓGENO-HOSPEDEIRO 8.4.2. Reino Chromista 115
Luis Eduardo Aranha Camargo 8.4.3. Reino Fungi l 18
8.5. Bibliografia consultada 140
6.1. Introdução 85
6.2. Resistência de plantas a patógeoos 86 9. BACTÉRIAS FITOPATOGÊNICAS
6.2. 1. Resistência de não-hospedeiro e de hospedeiro 86
Ivan Paulo Bedendo e José Be/asque
6.2.2. Resistência de hospedeiro: qualitativa ou
quantitativa? 86 9.1. O início da Fitobacteriologia 143
6.3. Patogenicidade de microrganismos a plantas 87 9.2. Bactérias como patógenos de plantas 144
6.4. Evolução na interação planta-patógeno: o modelo 9.3. Morfologia, estruturas e organização celular 144
zig-zag 88 9.3.1. Morfologia e dimensões 144
6.5. A teoria gene-a-gene de Flor 88 9.3.2. Estruturas e organização celular 145
6.6. Resistência sístêmica adquirida e resistência sistêmica 9.4. Reprodução, variabilidade genética e crescimento
induzida 90 populacional 148
6.7. Tolerância e escape 91 9.5. Ciclo de relações patógeoo-hospedeiro 149
6.8. Bibliografia consultada 92 9.5.1. Sobrevivência 149
9.5.2. Disseminação 150 12. FITOMONAS
9.5.3. Infecção 151 Elliot Watanabe Kitajima
9.5.4. Colonização e reprodução 152
12.1. Introdução 191
9.6. Taxonomia 154
12.2. Doenças em plantas associadas a fitomonas 192
9.7. Principais gêneros de fitobactérias no Brasil l 56
12,2.1. Necrose do floema de cafeeiro 192
9.8. Bibliografia consultada 160 12.2.2. " Hartrot" do coqueiro 192
12.2.3. " Marchitez" do dendezeiro 193
10. VÍRUS E VLROIDES 12.2.4. Murcha do gengibre-vennelho 193
Jorge Alberto Marques Rezende e Elliot Watanabe Kitajima 12.2.5. Chochamento das raízes da mandioca 193
12.3. Relações filogenéticas com outros tripanosomatídeos 193
10.1. Introdução 161 12.4. Bibliografia consultada 194
10.2. Origem dos vírus 162
10.3. Características dos vírus e viroides: comp,osição e 13. NEMATOIDES
morfologia 163 Luiz Carlos Camargo Barbosa Ferraz
10.4. Genoma virai 163
13.1. Introdução/posição sistemática 195
10.5. Infecção e replicação 165
13.2. Hábitats e regimes alimentares 195
10.6. Invasão sistêmica 167
13.3. Fonna e tamanho 196
10.7. Sintomas causados por vírus 167 13.4. Cor 196
10.7.1. Efeitos citopatológicos 173 13.5. Regiões do corpo 197
10.8. Transmissão 173 13 .6. Estrutura do corpo 197
10.8.1. Transmissão por material de propagação 13.7. Parede do corpo 197
vegetativa e enxertia 173
13.8. Sistema digestúrio 197
10.8.2. Transmissão mecânica 173 13.9. Sistema respiratório 199
10.8.3. Transmissão por sementes e pólen 174 13.10. Sistema circulatório 199
10.8.4. Transmissão por insetos 175 · 13.11. Sistema excretor-secretor 199
10.8.5. Transmissão por ácaros 177 13 .12. Sistema nervoso 199
10.8.6. Transmissão por organismos habitantes 13. 13. Órgãos sensoriais 199
do solo 178 13.14. Sistema reprodutor 200
l O.9. Nomenclatura e classificação 178 13.15. Reprodução e eventos relacionados 200
10.1 O. Viroses de p lantas no Brasil 179 13.16. Dormência 201
10.11. Bibliografia consultada 180 13.1 7. Principais famílias e gêneros de fitonematoides 201
13.18. Alguns gêneros de importância para o Brasil 201
11. FITOPLASMAS E ESPIROPLASMAS 13.1 9. Métodos de controle 209
13.20. Bibliografia consultada 211
I van Paulo Bedendo

11. 1. Aspectos históricos 181 PARTE IIl


11.2. Taxonomia 182
11.3. Morfologia e ultraestrutura 182
CONTROLE DE DOENÇAS
11.4. Importância como patógenos 182
11 .5. Interação patógeno-bospedeiro 184 14. PRINCÍPIOS GERAIS DE CONTROLE
11.5.1. Transmissão 184 Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim
11.5.2. Sintomatologia 184
14.1. Conceitos de controle 215
l 1.6. Diagnose 185
14.2. Os princípios de Wbetzel 216
11.7. Identificação e classificação 186
14.3. Os princípios gerais de controle e o triângulo da doença 216
11.8. Controle 186 14.4. Os princípios de controle e a abordagem epidemiológica
11.9. Espiroplasmas 187 quantitativa 217
11. 10. Bibliografia consultada 190 14.5. Medidas de controle baseadas na evasão 217
14.6. Medidas de controle baseadas na exclusão 219 17. CONTROLE BIOLÓGICO DE
14. 7. Medidas de controle baseadas na erradicação 220 DOENÇAS OE PLANTAS
14.8. Medidas de controle baseadas na regulação 222 Flávio Henrique Vasconcelos de Medeiros, Júlio Carlos
14.9. Medidas de controle baseadas na proteção 223 Pereira da Silva e Sérgio Florentino Pascholati
14.1 O. Medidas de controle baseadas na imunização 225 17. 1. lntrodução 261
14.11. Medidas de controle baseadas na terapia 226 17.2. Conceitos e recomendações do controle biológico 261
14.12. Bibliografia consultada 227 17.3. Microrganismos envolvidos no controle biológico 263
17.3.1. Principais agentes fúngicos envolvidos no
15. CONTROLE GENÉTICO controle biológico 263
luis Eduardo Aranha Camargo 17.3.2. Principais agentes bacterianos envolvidos no
controle biológico 265
15.1. Introdução 229
17.3.3. Outros microrganismos envolvidos no controle
15.2. Caracteristicas genéticas e agronômicas da resistência biológico 265
qualitativa e quantitativa 230
17.4. Mecanismos das interações a~tagônicas 265
15.2.1. Número de genes 230
17.5. Formulações e formas de aplicação do antagonista 267
15.2.2. Durabilidade 230
17.6. Controle biológico de patógenos habitantes do solo
15 .2.J. Especificidade 230 e da espennosfera 268
15.2.4. Resistência vertical e horizontal 23 1
17.7. Controle biológico de patógenos da parte aérea 270
15.2.5. Efeitos da resistência na epidemia 23 1
17.8. Controle biológico de doenças em pós-colheita 271
15.3. Melhoramento para resistência 233
17.9. Controle biológico de doenças em cultivo protegido 271
15.4. Estratégias de utilização de genes de resistência 233
17. 1O. Bibliografia consultada 272
15.4.1. Como explicar este ciclo vicioso? 233
15.4.2. Como quebrar este ciclo vicioso? 234
18. CONTROLES CULTURAL E FÍSICO DE
15.4.3. Erosão da resistência quantitativa: o efeito DOENÇAS DE PLANTAS
Vertifolia 236
Ivan Paulo Bedendo, Nelson Sidnei Mosso/a Júnior e
15.5. Abordagens transgênicas para o controle genético
Li/ian Amorim
de doenças 236
15.6. Bibliografia consultada 238 18.1. Controle cultural 275
18.1. l. Roração de culturas 276
16. CONTROLE QUÍMICO 18. 1.2. Qualidade de sementes, mudes e órgãos de
Geraldo José da Silva Junior e Franklin Behlau propagação vegetativa sadios 276
18.1.3. Realização de " roguing" 277
16. l. Histórico de uso de agrotóxicos no controle de doenças
de plantas 239 18.1.4. Eliminação de plantas voluntárias 278
16.2. Desenvolvimento de agrotóxicos 242 18.1.5. Eliminação de hospedeiros alternativos 278
16.3. Conceito de agrotóxico 242 18.1.6. Eliminação de restos de cultura 278
16.4. Classificação dos agrotóxicos 243 18.1.7. Preparo do solo 278
16.4.1 Quanto à finalidade 243 18.1.8. Incorporação de matéria orgânica ao solo 278
16.4.:L. Quanto ao príncípio geral de controle 249 18.1.9. Época de plantio 279
16.4.3. Quanto à mobilidade na planta 250 18.1.10. Densidade de plantio 279
16.4.4. Quanto ao modo de ação 251 18.1.11. Irrigação e drenagem 279
16.4.5. Quanto à classe toxicológica 251
18.1.12. Nutrição mineral 279
16.5. Formulações de agrotóxicos 252
18.1.13. pH do solo 280
16.6. Resistência dos patógenos aos agrotóxicos 254
18 .1.14. Poda de limpeza 280
16.6.1. Resistência de fungos a fungicidas 254
16.6.2. Resistência de bactérias a bactericidas 256 18.1.15. Barreira física 280
16.6.3. Estratégias antirresistência 257 18.1.16. Superficies repelentes a vetores 281
16.7. Tecnologia de aplicação 257 18 .1.17. Práticas de desinfestação 28 l
16.8. Bibliografia consultada 260 18 .1.18. Semeadura 282
18.1.19. Plantio na direção contrária ao vento PARTE IV
predominante 282
18.1.20. Cuidados na colheita e na casa de GRUPOS DE DOENÇAS
embalagem 282
21. C LASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS
18.2. Controle fisico 282
18.2.1. Refrigeração de produtos armazenados 282 Ivan Paulo Bedendo
18.2.2. Tratamento ténnico de frutas e legumes 283 21. l. Critérios de classificação de doenças de plantas 313
18.2.3. Tratamento térmico de órgãos de propagação 283 21.2. Classificação de doenças segundo os processos
18.2.4. Tratamento térmico do solo por vapor 284 fisiológicos da planta interferidos pelo patógeno 314
18.2.5. Solarização do solo 285 21.3. Bibliografia consultada 315
18.2.6. Eliminação de determinados comprimentos
de onda 286 22. PODRIDÕES DE ÓRGÃOS DE RESERVA
18.2.7. Uso de radiação ultravioleta germicida 286 Ivan Paulo Bedendo
18.2.8. Uso de radiação ionizante 286
22.1. Sintomatología 317
18.2.9. Armazenamento em atmosfera controlada
ou modificada 286 22.2. Etiologia 318
18.3. Bibliografia consultada 287 22.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 318
22.4. Controle 320
22.5. Doenças-tipo 320
19. SISTEMAS DE PREVISÃO E AVISOS
22.6. Bibliografia consultada 32 l
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim

19.1. Introdução 289 23. DAMPING-OFF

19.2. Previsão e simulação 289 Ivan Paulo Bedendo


19.3. Modelos de previsão: conceito, objetivo e 23.1. Sintomatologia 323
necessidade 290
23.2. Etiologia 324
19.4. Características de um modelo de previsão ideal 290
23.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 325
19.5. Classificação de modelos de previsão 291
23.4. Controle 326
19.5.1. Modelos de previsão baseados no inóculo
23.5. Doenças-tipo 326
inicial 291
23.6. Bibliografia consultada 327
19.5.2. Modelos de previsão baseados no inóculo
secundário 293
24. PODRIDÕES DE RAIZ E COLO
19.5.3. Modelos de previsão baseados no inóculo
inicial e no inóculo secundário 294 Ivan Paulo Bedendo
19.S.4. Sistemas integrados de previsão de doenças 295
24.1. Sintomatologia 329
19.6. Exemplos de sistemas de previsão em uso no
24.2. Etiologia 330
Brasil 298
24.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 331
19.7. Bibliografia consultada 300
24.4. Controle 331
24.5. Doenças-tipo 332
20. MANEJO INTEGRADO DE DOENÇAS 24.6. Bibliografia consultada 332
Armando Bergamin Filho e Lifian Amorim
25. MURCHAS VASCULARES
20.1. Introdução 303
Ivan Paulo Bedendo
20.2. Conceitos básicos 304
20.3. Controle ou manejo? 304 25.1. Sintomatologia 333
20.4. Liminar de dano econômico 305 25.2. Etiologia 334
20.5. As duas faces do MIP 306 25.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 335
20.6. MTP e doenças: problemas conceituais 307 25.4. Controle 336
20.7. MlP e Fitopatología: o futuro 308 25.5. Doenças-tipo 337
20.8. Bibliografia consultada 309 25.6. Bibliografia eonsultada 338
26. MANCHAS FOLIARES 31. GALHAS
Ivan Paulo Bedendo Ivan Paulo Bedendo

26. l. Sintomatologia 339 31.1. Sintomatologia 365


26.2. Etiologia 34 l 31.2. Etiologia 366
26.3. Ciclo da relação patógeno-bospedeiro 341 31.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 366
26.4. Controle 343 31.4. Controle 367
26.5. Doenças-tipo 343 31.5. Doenças-tipo 367
26.6. Bibliografia consultada 344 31 .6. Bibliografia consultada 368

32. VIROSES
27. MÍLDIOS
Jorge Alberto Marques Rezende e Elliot Watanabe Kitajíma
Ivan Paulo Bedendo
32.1. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 369
27. l. Sintomatologia 345
32.2. Controle 370
27 .2. Etiologia 346
32.2.1. Medidas para evitar que o vírus chegue e
27 .3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 346 se instale na cultura 370
27.4. Controle 348 32.2.2. Medidas para controlar ou evitar a chegada
27.5. Doença-tipo 348 dos vetores dentro da cultura 3 71
27.6. Bibliografia consultada 350 32.2.3. Medidas para tomar as plantas resistentes
ao vírus e/ou vetor 372
28.OfDIOS 32.3. Doença-tipo 3 74
32.4. Bibliografia consultada 376
Ivan Paulo Bedendo

28.1. Sintomatologia 351 33. DOENÇAS ABIÓTICAS E INJÚRIAS


28.2. Etiologia 351 Jorge Alberto Marques Rezende e Dirceu Mattos-Jr.
28.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 352 33.1. Introdução 377
28.4. Controle 353 33.2. Fatores ambientais que causam doenças abióticas 378
28.5. Doença-tipo 353 33.2.1. Temperatura 3 78
28.6. Bibliografia consultada 354 33.2.2. Umidade 378
33.2.3. Luz 379
29. FERRUGENS 33.2.4. Deficíência nutricional 379
Ivan Paulo Bedendo 33.3. Fatores químicos que causam doenças abióticas 383
33.3.1. Poluição do ar 383
29.1. Sintomatologia 355
33.3.2. Defensivos 384
29.2. Etiologia 356
33.4. Diagnose de doenças abióticas 385
29.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 357
33.5. Bibliografia consultada 386
29.4. Controle 358
29.5. Doenças-tipo 358
29.6. Bibliografia consultada 360 PARTE V

30.CARVÕES FISIOPATOLOGIA E GENÔMICA DAS


INTERAÇÕES PLANTA-PATÓGENO
Ivan Paulo Bedendo
34. FISIOLOGIA DO PARASITlSMO: COMO OS
30.1. Sintomatologia 361
PATÓGENOS ATACAM AS PLANTAS
30.2. Etiologia 362
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio
30.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro 363
30.4. Controle 363 34.1. Enzimas 390
30.5. Doença-tipo 363 34.2. Degradação da cutícula 391
30.6. Bibliografia consultada 364 34.2.1. Papel das cutinases na patogenicidade 392
34.2.2. Suberização 393 36.4.3. Metabolismo de nitrogênio 459
34.3. Degradação dos componentes da parede celular 393 36.5. Altera,ções na transcrição e tradução de genes 459
34.3.1. Lamela média 394 36.6. Alterações na atividade de enzimas 461
34.3.2. Paredes primária e secundária 395 36.7. Alterações na fotossíntese e oa respiração 462
34.3.3. Papel das enzimas degradadoras da parede 36.7 .1 . Respiração e patogénese 462
na patogeoicidade 397 36.7.2. Fotossíntese e patogénese 464
34.4. Degradação de componentes da membrana 36.7.3. Translocação 466
plasmática 399
36.8. Altera,ções hormonais 466
34.5. Fitotoxinas 400
36.8.1. Aux.inas 467
34.5. 1. Fitotoxinas seletivas ao hospedeiro 402
36.8.2. Giberelinas 468
34.5.2. Fitotoxinas não-seletivas ao hospedeiro 405
34.5.3. Fitotoxinas e patogênese 409 36.8.3. Citocininas 469
36.8.4. Etileno 469
34.6. Hormônios 411
34.6.1. Hormônios e patogênese 413 36.8.5. Ácido abscísico 470
34.7. Polissacarídeos extracelulares 414 36.8.6. Distúrbios hormonais e produção de
alimentos 470
34.8. Outros fatores envolvidos na patogenicidade 415
36.9. Bibliografia consultada 470
34.8. 1. Efetores nas interações planta-patógenos 415
34.9. Considerações finais 418
37. GENÔMICAAPLJCADA À FITOPATOLOGIA
34.10. Bibliografia consultada 419
Luis Eduardo Aranha Camargo
3S. FISIOLOGIA DO PARASITISMO: COMO AS
37.l. lntrodução 473
PLANTAS SE DEFE DEM DOS PATÓGENOS
3 7.2. Transc:ritômica vegetal c a identificação de genes de
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio defesa 473
35.1. Fatores de resistência estruturais 424 3 7.3. Assoei ação entre genes e resistência a patógenos
35.1.1. Fatores de resistência estruturais através do sequenciamento genômico total 476
pré-formados 424 37.4. Genômica de fitopatógenos 477
35.1.2. Fatores de resistência estruturais pós-formados 426 37.5. Caracterização do microbioma vegetal: a microbiómica
35.2. Fatores de resistência bioquímicos 429 e o patobioma 478
35.2.1. Fatores de resistência bioquímicos 37.6. Bibliografia consultada 478
pré-formados 429
35.2.2. Fatores de resistência bioquímicos 38. BIOLOGIA DE POPULA ÇÕES DE
pós-formados 435 FITOPATÓGENOS
35.3. Reação de hipersensibilidade 441
Eduardo Seiti Gomide Mizubuti e Paulo Cezar Ceresini
35.4. Fenómeno da resistência induzida 442
35.5. Especificidade nas interações hospedeiro-patógeno 447 38.1. Introdução 481
35.5.1. Reconhecimento, sinalização e ativação dos 38.2. Variabilidade genética e resiliência das populações
sistemas de defesa 447 de :fitol[latógenos 482
35.6. Considerações finais 449 38.3. Mecanismos evolutivos 482
35.7. Bibliografia consultada 450 38.3.l.. Mutação 482
38.3.2. Recombinação 484
36. ALTERAÇÕES F ISIOLÓGICAS EM
38.3.3. Deriva genética 485
PLANTAS DOENTES
38.3.4. Migração 487
Ronaldo José Durigan Dalio e Sérgio Florentino Pascholati
38.3.5. Seleção 488
36.1. Introdução 453 38.4. Aplicações de estudos de genética de populações
36.2. Alterações na estrutura e na função celular 454 para o manejo de doenças de plantas 489
36.3. Alterações nas relações hídricas 456 38.5. Exemplo de estudo da estrutura genética de
36.4. Alterações nutricionais 459 populações de fitopatógenos 489
36.4.1. Nutrientes inorgânicos 459 38.6. Considerações finais e perspectivas futuras 493
36.4.2. Metabolismo de carboidratos 459 38.7. Bibliografia consultada 495
PARTE VI 41.1.2. Modelando a dispersão espacial de doenças 532
41. l.3. Modelando gradientes 532
EPIDEMIOLOGIA: ANÁLISES TEMPORAL 41 .1.4. Modelando a dinâmica de gradientes 535
E ESPACIAL 41.2. Padrões espaciais de doenças 537
41.2.1. Padrões espaciais ao acaso e agregatlu 538
39. FENOLOGIA, PATOMETRIA E
QUAL"ITIFICAÇÃO DE DANOS 41.2.2. Padrões espaciais em linhas de plantio 538
41.2.3. Padrões espaciais em parcelas ou campos
Lilian Amorim e Armando Bergamin Pilho experimentais 540
39.1. Fenologia 500 41.2.4. Exemplos de análise espacial aplicada a
39. l. l. Índice de área foliar (IAF) 500 epidemias de doenças de plantas 542
39.2. Patometria 502 41.3. Bibliografia consultada 547
39.2.1. Métodos diretos de avaliação de doenças 503
39.2.2. Métodos indiretos de avaliação de doenças 51 O 42. MODELOS DE SIMULAÇÃO DE EPIDEMlAS
39.2.3. Metodologia de amostragem para avaliação DE DOENÇAS DE PLANTAS
de doenças 510 Serge Savary e Laetitia Willocquet
39.3. Quantificação de danos 511
42.1. Introdução 551
39.3.1. Métodos para a quantificação de danos 512
42.2. Análise de sistemas em epidemiologia de doenças
39.3.2. Modelos para estimar danos 512 de plantas 552
39.3.3. Quantificação de danos a partir da área foliar 42.2.1. Análise de sistemas, sistemas e modelos 552
sadia remanescente na cultura 514
42.2.2. Integração numérica e analítica 553
39.3.4. Quantificação de danos "poliéticos" em
42.2.3. Simbologia de Forrester e terminologia 553
culturas perenes 515
42.2.4. Dimensões 553
34.4. Bibliografia consultada 516
42.2.5. Constantes de tempo e intervalo de
integração 554
40. ANÁLISE TEMPORAL DE EPIDEMJAS 42.3. Um modelo epidemiológico para doenças
Armando Bergamin Filho policíclicas 554
42.3.1. Revisitando alguns conceitos epidemiológicos
40. l. Classificação epidemiológica de doença 520
sob a perspectiva da análise de sistemas 554
40.1 . 1. Taxas de juros e capital 520
42.3.2. Componentes de um modelo epidemiológico
40. l.2. Taxas de infecção e doença 520 preliminar 554
40.2. Modelos matemáticos e as curvas de progresso da 42.3.3. Principais equações do modelo 555
doença 522
42.3.4. Inicializando o modelo 555
40.2. 1. Modelo exponencial 522
42.3.5. Desenho do fluxograma do modelo 556
40.2.2. Modelo logístico 522
42.3.6. Verificação do modelo: a primeira simulação 556
40.2.3. Modelo de Gompertz 523
42.3.7. Explorando o comportamento do modelo 556
40.2.4. Modelo monomolecular 523
42.3.8. Revisitando hipóteses 558
40.2.5. Modelo de Richards 524 42.4. Considerações finais 559
40.2.6. Modelo dependente do tempo 524 42.5. Bibliografia consultada 559
40.3. Exemplos e aplicações 524
40.3.1. Como escolher o melhor modelo? 524 ÍNDICE REMISSIVO 561
40.3.2. A importância da escolha do melhor modelo 527
40.3.3. A importância da redução do inóculo inicial 528
40.4. Bibliografia consultada 530

41. ANÁLISE ESPACIAL DE EPIDEMIAS


Bernhard Hau, Li/ian Amorim e Armando Bergamin Filho

4 l .1. Dispersão espacial de epidemias 531


41 .1.1 . Mecanismos de dispersão espacial de
patógenos 531
CAPÍTULO

1
A HISTÓRIA DA FITOPATOLOGIA
Armando Bergamin Filho e Elliot Watanabe Kitajima

ÍNDICE

1.1. Introdução.................................................................. 3 1.7.4. A Fitopatologia na Bahia ............................... 11


1.2. Período Místico .......................................................... 4 1.7.5. A Fitopatologia em Minas Gerais ................. 11
1.3. Período da Predisposição .......................................... 5 l.7.6. A Fitopatologia em Pernambuco .................. 12
1.4. Período Etiológico ..................................................... 5 l.7.7. A Fitopatologia no Ceará .............................. 12
1.5. Período Ecológico ...................................................... 6 l.7.8. A Fitopatologia na Amazônia ....................... 12
1.6. Período Atual ............................................................. 7 1.7.9. A Fitopatologia no Paraná............................. 12
1.7. A Fitopatologia no Brasil .......................................... 7 l.7.10. A Fitopatologia no Rio Grande do Sul ....... l2
l.7.1. Primórdios ....................................................... 7 l.7.1 l. A Fitopatologia em Brasüia......................... 12
1.7.2. A Fitopatologia em São Paulo ......................... 9 1.7.12. Conclusão ..................................................... 12
l.7.3. A Fitopatologia no Rio de Janeiro ................ 10 1.8. Bibliografia consultada ............................................ 13

1.1.lNTRODUÇÃO Ainda no Velho Testamento encontram-se muitas outras referên-


cias a doenças, como a ferrugem dos cereais, doenças em videira,

F
itopatologia é uma palavra de origem grega (phyton
oliveira, figueira e outras plantas que constituíam, naquele tempo,
= planta, parhos = doença e logos = estudo) e indica
a base da alimentação do povo (Deuteronômio, 28:22; Gênesis,
a ciência que estuda as doenças das plantas em todos
41 :22-23; Ageu, 2:7-18; Crônicas li. 6:28).
os seus aspectos, desde a diagnose e sintomatologia, passando
pela etiologia e epidemiologia, até chegar ao manejo. Tanto quanto os hebreus, os antigos gregos tiveram proble-
mas com doenças de plantas e em tal intensidade que filósofos e
Embora a ciência da Fitopatologia seja relativamente nova,
estudiosos a elas dedicaram sua atenção, como fez, por exemplo,
as doenças de plantas são conhecidas há muito tempo. Desde que
o aluno de Platão e Aristóteles, Teofrasto (cerca de 371-287 a.C.),
o homem passou a viver em sociedade, assentando a base da sua que especulou sobre suas origens e meios de cura. Teofrasto foi
alimentação nos produtos agrícolas, o problema da escassez de
o sucessor imediato de Aristóteles no Liceu e é considerado hoje
alimentos. intimamente relacionado com a ocorrência de doen- como o ··pai da Botânica". Ele é autor de dois livros: De histo-
ças, teve sempre grande importância e mereceu a atenção de his- ria planta111m (Uma história de plantas) e De causis plantarum
toriadores de várias épocas (ver, por exemplo, Wheizel, 1918).. (Sobre as razões do crescimento vegetal). Estas duas obras fica-
As referências mais antigas sobre doenças de plantas são ram conhecidas no ocidente em 1483, quando o Papa Nicolau
encontradas em Homero(cercade I .OO0a.C.)eoo Velho Testamento V autorizou sua tradução para o latim (Figura 1.1). Antes de
(cerca de 750 a.C.). Quase sempre são atribuídas a causas místicas Teofrasto, Homero (cerca de 1000 a.C.) já havia mencionado que
e, via de regra, apresentadas como castigo divino. Galli & Carvalho o enxofre podia controlar doenças de plantas e Demócrito (cerca
( 1978). como exemplo. citam a seguinte passagem: Eu vos feri com de 470 a.C.) era de opinião que requeimas podiam ser prevenidas
um vento abrasador e com ferrugem a multidão de vossas hortas e com o uso da borra que restava da extração do azeite de oliva. No
de vossas vinhas. Aos vossos olivais e aos rossosfigueirais comeu entanto, os gregos e os hebreus. de um modo geral, atribuíam a
n lagarta; e JJÓS não vo/Jastes para Mim, diz o Senhor (Amós 4:9). ocorrência das doenças a desfavores dos deuses.

3
Manual de Fitopatologia

Os romanos, grandes agricultores em sua época, também fize-


ram observações interessantes sobre doenças, principalmente sobre
a ferrugem do nigo e de outros cereais, as quais eram atribuídas ao
castigo que o deus Robigus e a deusa Robigo infligiam aos homens,
devido às suas más ações. Para aplacá-los, os romanos tinham um
culto - a Robigália - em que se sacrificava a esses deuses, com o
objetivo de obter clemência e proteção (Boxe 1. 1). Plínio e Ovídio
escreveram sobre o tema, o primeiro como agricultor e o segundo
como literato, deixando infonnações precisas sobre o assunto.
Durante a Idade Média, apenas referências esparsas sobre
doenças de plantas rodem ser encontradas. As melhores são devi-
das aos árabes radicados na Espanha moura, onde, no século XII,
lbn-al-Awam, em Sevilha, publicou um catálogo de doenças de
plantas, intitulado Kitab-al-Felahah, onde se descreve com deta-
lhes, e muita imaginação, as doenças das árvores frutíferas e de
algumas plantas herbáceas. Uma compilação de obras fitopatoló-
gicas da era pré-moderna está apresentada na Figura 1.2.
Nos séculos seguintes, à medida que a Botânica e a
Micologia progrediam, aumeutavam as referências às doenças de
plantas, sendo possível encontrar relatos bastante exatos quanto a
sintomas e, até mesmo, quanto a condições do ambiente que favo-
reciam seu desenvolvimento.

Figura 1.1 - Capa de um torno do livro De causis plantarum, de 1.2. PERÍODO MÍSTICO
Teofrasto, traduzido para o inglês e publicado pela Para fins didáticos, pode-se dividir o estudo das doenças
Harvard University Press em 1990. de plamas em vários períodos distintos, de acordo com o enfoque

ANO -800 -400 -O 400 800 1200 1600


' ' 1 1

FRANCÊS
1

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1

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1

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1

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• Geoponica (autoria esconhecida)
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.' . . Yindonio Anatolio
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.. Bolos Oemócritos
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.' Ht!$íodo
Homero
Teofrasto
'
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'
1

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''
''
''
ANO -800 -400 -O 400 800 1200 1600

Figura 1.2 - Fontes importantes da época pré-moderna sobre proteção de culturas, de acordo com o ano e o idioma da primeira
publicação.
Fonte: Adaptada de Zadoks (2013).

4
A História da Fitopatologia

ciação entre fungos e plantas doentes. Em 1807, lsaac-Bénédict


Boxe 1.1 A Robigâlia Prévost, na França, publica o seu trabalho Mémoire sur la cause
ímmédiate de la carie ou charbon des biés (Nota sobre a causa
Durante mais de 1.700 anos, um casal de deuses, do carvão do trigo) em que mostrava ser um fungo, Tilletia tritici,
Robigo (feminino) e Robigus (masculino), foi homena- o responsável pela doença, confinnando, portanto, as idéias de
geado pelos antigos romanos em cerimônias religiosas Tillet, publicadas em 1755. Embora o trabalho de Prévost tivesse
que envolviam o sacrifício de animais de coloração sido bem aceito, suas teorias não eram ,estendidas para outras
avermelhada, como cães e vacas. A origem desses rituais doenças, sendo a cárie do trigo considerada uma exceção, pois,
pode ser encontrada na crença, disseminada naquele nos demais casos, os fungos, acrediLava-s,e, apareciam por gera-
tempo, que a ferrugem dos cereais era um castigo ção espontânea.
divino, resposta irada dos deuses à morte cruel infligida Dentro desse espírito, o botânico alemão Franz Unger, em
pelos homens a uma raposa vermelha, que teria sido, em seu livro de 1833, Die Exantheme der Pjlonzen (As lesões das
tempos imemoriais, queimada viva. A cor vermelha da plantas), apresentou sua teoria pela qual as doenças seriam o
ferrugem do trigo é uma constante nos muitos sÍIDbolos resultado de distúrbios funcionais causados por desordens nutri-
associados à Robigália: vacas e cães vermelhos, raposas, cionais, que predispunham os tecidos da planta a produzirem ftm-
sacrifícios sangrentos e fogo. gos, estes considerados excrescências que· cresciam por geração
Essas cerimônias, provavelmente, tiveram início espontânea. Ainda segundo Unger, sob de,tenninadas condições,
há cerca de 3 .000 anos. O calendário romano continha qualquer planta poderia produzir fungos. Essa teoria, embora
três feriados relacionados com a agricultura, todos falha no concernente aos fungos, já apresenta um mérito inegá-
dnrante a primavera: a Cereália (12-19 de abril), a vel, que é o de relacionar doença com o ambiente, ao lado de uma
Robigália (25 de abril, aproximadamente quando o trigo associação constante com os fungos. Idéiias semelhantes foram
necessitava da proteção dos deuses contra a ferrugem) desenvolvidas, nessa época, por outros botânicos, como Philipo
e a Florália (28 de abril). Os primeiros calendários Ré, de Módena, na Itália. e Franz Julius Ferdinand Mcyen, na
cristãos, que absorveram muitas das tradições pagãs, Alemanha.
incluíam o dia das Rogações, celebrado ao redor do dia
Essas teorias ganharam numerosos adeptos, principal-
25 de abril, para abençoar as plantações (Schumann,
mente entre os micologistas, que passaram a catalogar fungos em
1991).
associação com plantas doentes. M.J. Berkeley, na Inglaterra, os
irmãos Tulasne, na França, de Bary, na A!,emanha, e outros, des-
creveram muitos parasitas importantes, como os Uredinales, os
dado à relação causa-efeito. Assim, ao pe.ríodo compreendido entre Ustilaginales, os Erysiphales e outros fungos.
a mais remota antiguidade e o início do século XIX, pode-se dar o As graves consequências sociais e econômicas causadas
nome de período místico, porque, na ausência de uma explicação na Europa pela ocorrência da requeima da batata nos anos de
racional para as doenças de plantas, o homem, em sua ignoriin- 1845 e seguintes atraíram o interesse dos muitos botânicos e
cia, tendia a atribuí-las a causas sobrenaturais (Galli & Carvalho, micologistas da época. Dentre estes, sobressaiu-se Anton de
1978). Já no final do período místico, alguns botânicos apresenta- Bary que, em 1853 (Figura 1.3), conseguiu provas científi-
vam descrições minuciosas das doenças, com base na sua sintoma- cas de que a doença era causada por um fungo, Phytophthora
tologia. Ao mesmo tempo, alguns micologistas chamavam a aten- infestans. Também desvendou o ciclo de. vida de Puccinia gra-
ção para a associação entre planta doente e fungo. minis e sua alternância entre Berberis e trigo. Sem dúvida, as
Nessa nova linha de pensamento, M. Tillet, em 1755, con- idéias de Anton de Bary revolucionaram os conceitos da época
siderava a cárie do trigo como sendo causada por um fungo e e as s uas teorias foram aceitas pelos mais destacados nomes,
Giovani Targioni Tozzetti, em 1767, defendia a idéia de que as como Julius Kühn, M.J. Berkeley, os im1ãos Tulasne e outros
ferrugens e os carvões eram causados por fungos que cresciam (Boxe 1.2).
debaixo da epiderme das plantas. E, antes mesmo destes dois pio-
neiros, H.L. DuHamel de Monceau, em 1728, realizava o que 1.4. PERÍODO ETIOLÓGICO
Zadoks & Koster (1976) consideram o primeiro experimento Os trabalhos de Julius Kühn e Anton de Bary deram iní-
fitopatológico: a inoculação, com sucesso, de escleródios de cio ao período etiológico. Ao mesmo tempo, desenvolvia-se a
Rhizoctonia violacea em diversas espécies de plantas. Microbiologia, com Louis Pasteur destruirndo a teoria da geração
No entanto, durante todo esse período, houve um predomí- espontânea, em 1860, e provando a origem bacteriana de várias
nio acentuado das teorias de geração espontânea e de perpetui- doenças em homens e animais. Robert Koch, em 1881 , estabelece
dade das espéeies, esta proposta por Lineu quando da apresenta- seu postulado (veja Capítulo 3), possibilitando a detenninação
ção do seu sistema de classificação binomial. Assim, a ocorrên- exata dos patógenos. E, no campo da Biologia, a teoria da evo-
cia de fungos em associação com plantas doentes era atribuída lução de Darwin contrapunha-se à da perpetuidade das espécies,
à geração espontânea e as doenças eram apreseniadas com base abrindo novos horizontes.
na sua sintomatologia e classificadas pelo sistema binomial de Ante tantos eventos importantes, a Fitopatologia marca notá-
Lineu. veis progressos, iniciando-se como ciência. A maior parte das doen-
ças importantes são descritas nesse período, como os oldios, os
1.3. PERÍODO DA PREDISPOSIÇÃO míldios, as ferrugens, os carvões, que foram e-studados em detalhe.
Um segundo período na história da Fitopatologia, chamado Em 1876, o americano T.J. Burril relata a primeira bacteriose sobre
de período da predisposição por Galli & Carvalho (1978), ini- pereira. A. Mayer, em 1886, trabalhando em Wageningen, Holanda,
ciou-se no eomeço do século XIX, quando já era evidente a asso- verifica o caráter infeccioso das viroses e M. W. Beijerinck, em

5
Manual de Fitopatologia

Boxe 1.2 O nascimento da Fitopatologia


1

A grande epidemia de requeima da batata, causada


por Phytophthora infestans, que dizimou os campos da
Irlanda e de outros países do norte europeu na metade
do século XIX (veja item 2.1.1 e Boxe 2.1), em virtude
de seu tremendo impacto econômico e social, deu à
fitopatologia a relevância necessária para transformá-la
em uma ciência autônoma. É reconhecido pela maioria
dos historiadores que a ciência da Fitopatologia nasceu
com a publicação, em 1858, do primeiro livro texto Die
Krankheiten der Kulturgewiichse; ihre Ursachen und ihre
Verhütung (Doenças das plantas cultivadas; causas
e controle), de autoria de Julius Kühn (Figura 1.4),
publicado em Berlim. Whetzel (1918), inclusive,
chama Kühn de pai da fitopatologia moderna.

Figura 1.3 - Anton de Bary ( 1831-1888).

1898, é o primeiro a mencionar a expressão contagium vivum


jfuidum, referindo-se ao que posteriormente seria conhecido por
vírus. Ainda neste período, aparecem outros nomes notáveis,
como M.S. Woronin (hérnia das crucíferas), O. Brefeld (etiologia
dos carvões) e H.J.A.R. Hartig (patologia florestal). Igualmente,
data desse período o aparecimento do pri meiro fungicida efi ciente
no controle das doenças das plantas, a calda bordalesa, descoberta
por Millardet, em 1882 (Figura 1.5A).
Após a publicação dos trabalhos de Julius Kühn e Anton
de Bary, os fitopatologistas dedicaram-se a relatar e estudar a
maior parte das doenças, tentando provar sua natureza parasitá-
ria. No final do século passado, os exageros sobre tal tendência
já se faziam evidentes, visto que os fitopatologistas limitavam-se
ao relato de novos parasitas. Foi quando P. Sorauer (Figura 1.58),
em 1874, publicou seu livro, Handbuch der Pjfan::enkrankheiten
(Manual de doenças de plantas), onde se apresentava, lado a lado, Figura 1.4 - Julius Kühn ( 1825-19 10).
as doenças parasitárias e as doenças de causas não parasitárias,
além do reconhecimento da importância dos fatores ambientais.
bem como os estudos correlatos sobre genética e melhoramento.
1.5. PERÍODO ECOLÓGICO Dentro dessa fase, apareceram os primeiros conceitos sobre varia-
Assim, depois de um período em que os fitopatologistas bilidade dos patógenos, com a conceituação de formae speciales,
catalogaram as principais doenças e seus agentes, teve início o raças fisiológicas, variedades, biótipos, etc. (veja definições no
chamado período ecológico (Galli & Carvalho, 1978), no qual se Capítulo 6 - Genética da interação patógeno-hospedeiro). Esses
reconhece a importância vital do meio ambiente na manifestação trabalhos foram sempre conduzidos em função do meio, ficando
da doença. Nesta época, foram conduzidos estudos minuciosos realçado o papel importante desempenhado pelo ambiente, tanto
sobre os mais variados fatores do meio, como climáticos, edáfi- na resistência das pla ntas como na agressividade do patógeno.
cos, nutricionais, sazonais e outros. A temperatura do solo e do ar, Diversos nomes merecem ser destacados durante esse período:
a umidade, a intensidade de luz, a nutrição da planta, a oxigena- R.B. e N.E. Stevens, H.H. Whetzel (Figura 1.5C), L.R. Jones,
ção, o fotoperiodismo e outros fatores foram medidos, analisados J.C. Walker, E.C. Stakman. J.G. Harrar e muitos outros.
e avaliados. As doenças de plantas passaram a ser vistas, então, Também nessa época, graças aos trabalhos de E. Riehm, em
como resultante da interação entre a planta, o meio e o patógeno. 1913, aparecem os fungicidas mercuriais orgânicos para o trata-
Ao mesmo tempo, iniciaram-se as pesquisas sobre resistên- mento de sementes e, mais tarde, em 1934, com W.H. Tisdalle e
cia e predisposição das espécies vegetais aos diferentes patógenos, I. Williams, os fungicidas orgânicos do grupo dos tiocarbamatos.

ó
A História da Fitopatologia

dagem epidemiológica foi desenvolvida posteriormente por J.E.


Vanderplank (Figura l .6) em seu livro seminal Plant Diseases:
Epidemies and Control, publicado em 1963. Para maiores deta-
lhes sobre as abordagens fisiológica e epidemiológica dentro da
Fitopatologia atual, consulte as Partes V e VI deste livro.

Figura 1.6 - J. E. Vanderplank ( 1909-1997), o fundador da epide-


miologia.

Nos últimos anos, uma nova tendência vem surgindo em todos


os ramos das ciências biológicas: a biotecnologia. De seu sucesso
Figura 1.5 - Fitopatologiostas famosos: (A) Pierre Marie Alexis e de sua importância para a Fitopatologia só é possível, hoje,
Millardet (1838- 1902); (B) Paul Carl Moritz Sorauer especular. O tempo encarregar-se-á de dizer se um novo período, o
(1838- 1916); (C) Herbert Hice Whetzel (1877-1944); período biotecnológico, teve início na última década do século XX.
(D) Ernst Albert Gãumann ( 1893-1963).
1.7. A FITOPATOLOGIA NO BRASIL
1.6. PERÍODO ATUAL l.7.1. Primórdios
Durante as décadas de 1940 e 1950, muitas pesquisas bási- Existem três revisões sobre a história da fitopatologia no
cas foram conduzidas sobre a fisiologia de fungos, sobre a fisio- Brasil: (i) a de Arsene Puttemans (Boxe 1.3), de 1936, nos anais
logia de plantas, sobre o progresso da doença em condições de da primeira reunião de fitopatologistas no Brasil, realizada no Rio
campo e, com o progresso da fisiologia, da microbiologia, da bio- de Janeiro. O volume que contém os Anais, um fascículo especial
quimica e da bioestatística, fatos foram relacionados e novas teo- da revista Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro,
rias foram estabelecidas sobre a interação entre planta e patógeno foi reeditado pela Sociedade Brasileira de Fitopatologia (SBF),
e a sua resultante, a doença, tanto em condições controladas como por iniciativa de Romero Marinho de Moura; (ii) a de Álvaro
naturais. Os trabalhos pioneiros de E.A. Gãumann. J.C. Walker, Santos Costa, no primeiro volume da Summa Phytopathologica,
R.A. Ludwig e outros sobre toxinas, enzimas, cadeia de infecção, em 1975, a primeira revista especializada em fitopatologia no
etc., abriram novas perspectivas para a ciência da Fitopatologia. País, editada pelo Grupo Paulista de Fitopatologia; (iii) a de
Ao mesmo tempo, as contribuições advindas do estudo das condi- Francisco Pereira Cupertino, em 1993, inaugurando a série de
ções ecológicas na manifestação da doença eram cada vez meno- publicações Revisão Anual de Patologia de Plantas. Além des-
res, indicando claramente a necessidade da formulação de novos sas, de caráter geral, há revisões específicas sobre os estudo das
princípios que permitisser~- uma revitalização dos conceitos. doenças causadas por vírus (Costa, 1986) e bactérias (Mariano
Tal se deu com a publicação, em 1946, do livro Pjlanzliche e Souza, 2016).
lnfektionslehre (traduzido para o inglês, em 1950, é:om o título Como menciona A.S. Costa, o estudo de enfermidades de
Principies o/Plant Jnfection). de autoria de Ernst Albert Gãumann plantas no Brasil foi nos seus primórdios, como pode se notar
(Figura 1.50). Neste livro, novas idéias e princípios são apresen- abaixo, ligada a cientistas estrangeiros (Alemanha, França, Bélgica,
tados, iniciando duas novas abordagens dentro da fitopatologia, Itália, Rússia, Estados Unidos) que vieram estudar os principais
abordagens que perduram até hoje e coexistem cm harmonia: a problemas em plantas cultivadas da época, tendo sido gradual-
abordagem .fisiológica. na qual as doenças de plantas passam a mente sucedidos por fitopatologistas de formação local.
ser encaradas com base nas relações fisiológicas, dinàmicas, entre Segundo Puttemans, o primeiro trabalho envolvendo
a planta e o patógeno, e a abordagem epidemiológica, baseada patógenos de vegetais no Brasil foi desenvolvido pelo alemão
numa visão holística de como a doença cresce no campo. A abor- F.M. Draenen, o qual residindo em um engenho de açúcar na

7
Manual de Fitopatologia

Boxe 1.3 Arséne Puttemans: fitopatologista e paisagista

Arsene Puttemans, belga naturalizado brasileiro, teve destacada atuação no início dos anos 1900 não só na área
fitopatológica mas também na área paisagística. Nessa última atividade, Puttemans projetou vários p:arques e jardins no
Brasil, com destaque para o parque da ESALQ em Piracicaba (1905) e o jardim do Museu do Ipiranga em São Paulo
(1906) (Figura 1.7 e Figura 1.8).

Figura 1.7 - Projeto de 1905 (acima à esquerda), implantação em 1907 (acima à direira) e estado atual (abaixo) do parque da
ESALQ, Piracicaba, de Arsene Puttemans.

Figura 1.8 - Estado em 1930 (à esquerda) e estado atual (à direita) do jardim do Museu do lpiranga, São Paulo, de Arscne
Puttemans.

Bahia desde 1863, descreveu em 1869 uma bacteriose da cana- de cafeeiro no Rio de Janeiro. Estas observações foram confir-
-de-açúcar. Puttemans também cita outros pioneiros da fitopato- madas posteriormente por Emílio Goeldi em seu relatório de
logia no Brasil, como Juan lgnácio Puiggari, um médico italiano 1886 para o Museu Nacional. Nesse mesmo relatório menciona
que se radicou em Apiai-SP, em 1877, e A. K.rauss, químico do que o fungo Ramularia seria o agente causal das "manchas par-
Jardim Botânico da Corte d~sde 1876, que desenvolveu na Bahia, das" do cafeeiro. Goeldi relatou várias entfermidades de videira
juntamente com Sá Pereira, estudos sobre o "mal vermelho" da em 1888 (míldio, oídio e antracnose), durante sua missão para
cana-de-açúcar. verificar a presença da Phylloxera no País; não relatou, contudo,
O zoólogo francês C. Jobert relatou em 1878 que um nema- Cercospora, que foi posterionnente encontrada por Puttemans
toide (Meloidogyne exigua) seria o causador de uma enfermidade em Petrópolis ( 1892) e Piracicaba (1894).

8
A História da Fitopatologia

1.7.2. A Fitopatologia em São Paulo R.J. Best {Austrália) e G. Benda (EUA), em sua seção. Deve-se
também destacar a importante atuação de Alcides Carvalho,
Em 1888 ocorre a primeira criação de um cargo de fito-
sucessor de Carlos Arnaldo Krug nos trabalhos de melhoramento
patologista no Brasil, na "Secção Phytopathologica" do Instituto do cafeeiro, e que, com clarividência, já selecionava varieda-
Agronômico de Campinas (IAC), instituição criada por D. Pedro des resistentes mesmo antes da chegada da Hemileia vastatrix
II em 1887, que teve como primeiro diretor o austríaco Franz ao Brasil ( 1970). em trabalho conjunto com o Centro de Café, da
W. Dafert. O cargo foi preenchido apenas cm J893 pelo alemão Estação Agronômica Nacional de Portugal, com a participação de
Franz Beneke, que ali permaneceu por poucos meses, período Branquinho d'Oliveira. Mais recentemente, com a mudança orga-
em que fez um levantamento da possível ocorrência da ferrugem nizacional implantada pela Secretaria da Agricultura, o JAC perdeu
do cafeeiro no pais. Beneke, nesse levantamentc,, solicitava que várias de suas estações experimentais, mas a de Cordeirópolis foi
as amostras suspeitas fossem conservadas e remetidas para aná- mantida, tomando-se, hoje, o Centro APTA Citros Sylvio Moreira.
lise em aguardente e não em sacos, demonstrando cuidado para A denominação se deve a um dos principais entusiastas em citri-
evitar eventual dispersão do patógeno. Beneke foi sucedido pelo cultura da instituição e que muito participou da solução do pro-
também alemão Fritz Noack (de 1896 a 1898), que relatou 23 blema da nisteza. Aos trabalhos desenvolvidos por este centro deve
enfermidades de plantas cultivadas. Noack teve dois discípulos, o a citricultura paulista sua vigorosa expansão, o que a ·coloca hoje
fazendeiro José de Campos Novaes e o belga A. Puttemans. Este corno maior exponadora de suco de laranja do mundo.
trabalhava no Horto Botânico da Cantareira e deu continuidade à Em 1893 ocorre o início do curso de fitopatologia na Escola
descrição de enfermidades de plantas iniciada p,:>r Noack. Esses Politécnica de São Paulo, ministrado por Garcia Redondo até
fitopatologistas pioneiros do LAC foram sucedidos por H. Potel 1899 e por Arthur Tirré até 1901, quando o curso foi incorporado
(francês), Gustavo D'Utra. A. Hempel (americano) e Gregório à cadeira de Agricultura Geral. Foi a seguir ministrado por Hubert
Sondar (russo). Sondar. em 1912, fez a prime:ira descrição da Puttemans até 1903 e por seu innão A. Puttemans até 191 O. Este
murcha bacteriana da mandioca. Transferiu-se para a Escola de publica em 1906 a segunda lista de doenças de culturas brasilei-
Agricultura de Piracicaba em 1913. Na década de 1920, Novaes, ras, no Anuário da Escola Politécnica. Lista similar, sobre enfer-
discípulo de Noack, ocupou o cargo de fitopatologista no JAC. midades de plantas cultivadas no sul do País, foi produzida por J.
Em 1933 inicia-se a fase moderna da fitopatologia no !AC, Rick. no Rio Grande do Sul.
quando a área foi reorganizada por Ahmés Pinto Viégas, na Seção Na Escola de Agricultura de Piracicaba, EAP (hoje ESALQ/
de Genética (a seção de fitopatologia havia sido extinta). Recriou USP), fundada em 1901, a fitopatologia fazia parte da cadeira
posteriormente a Seção de Fitopatologia e descreveu numerosas de Botânica, que no início foi dirigida por Germano Vert. Com
espécies e gêneros de fungos, além de publicar índices e dicioná- seu falecimento em 1908, a cadeira foi ocupada pelos professo-
rios na área, hoje clássicos. A seção se expandiu a partir dos anos res Dias Martins, Anhaut-Bcrthet, E. Charroppin, Avema Saccá,
1960, contando com numerosos fitopatologistas jovens. Álvaro A Puttemans e Agesilau A. Bitancourt (que permaneceu no cargo
Santos Costa (Figura 1.9A), um de seus associados desde o ini- por apenas um ano. em 1926, transferindo-se em seguida para o
cio, dedicou-se à virologia vegetal. Nos anos 1950 logrou criar a Instituto Biológico; Figura 1.98). Na década de 1920, a fitopato-
Seção de Virologia, que nos anos 1970 atingiu o ápice. quando logia foi desmembrada da cadeira de Botânica. Foi neste período
chegou a ter 15 pesquisadores. Costa foi,
sem dúvida, o pesquisador mais influente
em virologia vegetal no Brasil, tendo for-
mado urna escola, cujos discípulos se
encontram, ainda hoje, dispersos pelos
centros de fitopatologia do País.
Nos anos 1940 Costa participou ati-
vamente dos estudos sobre a tristeza dos
citros, juntamente com cientistas ameri-
canos (T.J. Grant e W.C. Bennett) e, pos-
terionnente, com a participação de seu
assistente Gerd W. Müller, desenvolveu
o método da premunização de citros com
estirpes fracas do vírus da tristeza (CTV),
que resultou no controle efetivo da doença,
complementando a substituição da laranja
azeda como porta-enxerto. Foi o primeiro
programa dessa natureza aplicada em larga
escala no mundo. Costa criou cm sua seção
uma equipe multidisciplinar (patologia,
vetores, sorologia, bioquímica, melhora-
mento, microscopia eletrônica) dedicada
a viroses de diferentes culturas (batata. !Figura 1.9 - Fitopatologistas brasileiros: (A) Álvaro Santos Costa; (B) Agesilau A.
citros, videira, fruteiras, cana-de-açúcar). Bitancourt; (C) Ferdinando GalLi; (D) Veridiana Victória Rossetti; (E) Karl
Recebeu também importantes especialistas M. Silberschmidt; (F) Mário Menegbini; (G) Charles F. Robbs; (H) Geraldo
estrangeiros, como C. Wetter (Alemanha), Martins Chaves.

9
Manual de Fitopatologia

que se criou a Estação Experimental de Cana-de-açúcar, anexa à de seus feitos mais importantes foi a demonstração de que a clo-
ESALQ, onde atuou José Vizioli. rose infecciosa das malváceas era transmitida pela mosca branca
A.S. Costa considera um fato altamente significativo para Bem/sia tabaci, em colaboração com A. Orlando. Outro colabo-
a fitopatologia da ESALQ a contratação do fitopatologista none- rador de seu grupo, Mário Meneghini (Figura l .9F), demonstrou
americano E.E. Honey, da escola do Prof. H.H. Whetzel, da pela primeira vez a transmissão do vírus da tristeza dos citros
Cornell Uníversity. Honey reorganizou. juntamente com seu pelo pulgão Toxoptera cilricida. Ainda com relação às molêstias
assistente Ruben Carvalho, a cadeira de Fítopatologia e prepa- de citros, Bitancourt fez o primeiro relato da leprose no Brasil
rou apostilas de Fitopatologia e Micologia. Costa é de opinião nos anos 1930. Em 1963, Musumecci e Rosseni demonstraram
que a maioria dos fitopatologistas do Estado de São Paulo e do que o ácaro tenuipalpídeo Brevipalpus yorthesi era o vetor deste
País foram influenciados por Honey. Cita como exemplos de vírus no Brasil. Rossetti ainda contribuiu para demonstrar que
discípulos diretos de Honey, Ahmés P. Viégas, H.P. Krug, A.S. a bactêria do xi lema Xylella fastidiosa é o agente causal da clo-
Costa (!AC), V.D. Silveira (Escola Nacional de Agronomia), J.C. rose variegada dos citros (CVC), contando com a colaboração do
Manuo (ESALQ), Moisés Kramer e Spencer C. Arruda (Instituto cientista francês do INRNBordeaux, Joseph M. Bové. Em bac-
Biológico). A cadeira de Fitopatologia foi a seguir ocupada teriorologia vegetal, J.F. Amaral fez trabalhos pio1ieiros e a área
sucessivamente pelos professores Ruben Carvalho e Ferdinando de nematologia foi implementada por Jair Carvalho, também dis-
Galli (figura l.9C). Galli logrou aumentar consideravelmente o cípulo de G. Steiner. Além destes centros, houve uma expansão
número de docentes do depanamenro e iniciou o primeiro curso muito grande do ensiuo universitário agronômico no Estado de
de pós-graduação em Fitopatologia no Brasil, em setembro de São Paulo, envolvendo diversos campi da Universidade Estadual
1964. Este curso fonnou um enorme contingente de profissio- Julio de Mesquista Filho (IJNESP) (Botucatu. Jaboticabal, São
nais que hoje atuam em todo o País, inclusive nucleando novos José do Rio Preto e Ilha Solteira), a Universidade Federal de
grupos de fitopatologia e cursos de pós-graduação na área de São Carlos, com o ensino de agronomia no campus de Araras,
fitossanidade. Na consolidação da pós-graduação de fitopatolo- além de numerosas faculdades particulares. Merecem destaque
gia na ESALQ, a vinda do Prof. C'lyde C. Allison, da Ohio State nesse contexto os trabalhos de C. Kurosawa, em Botucatu, e N.
University, teve um papel importante. Allison pertenceu à escola Gimenes Fernandes, em Jaboticabal. Também deve-se mencionar
de microbiologia de E.C. Stakman (Universidade de Minnesota) a Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, onde atua também
e foi um dos grandes inccntivadores da organização de uma um grupo de fitopatologia, com preocupações ligadas ao meio
sociedade que congregasse fitopatologistas no país, nos moldes ambiente. Devem ainda ser lembrados o Fuadecitrus, com sede
da American Phytoparhologica/ Society. Contribuiu para funda- em Araraquara. que dá apoio aos produtores de citros e conta com
ção do Grupo Paulista de Fitopatologia e, a seguir, da Sociedade uma unidade eficiente em fitopatologia, e o Centro de Tecnologia
Brasileira de Firopatologia, cuja primeira reunião oficial deu-se Canavieira, com sede em Piracicaba, que dá apoio aos produtores
na ESALQ, em 1967. Deve-se registrar que a nematologia, ini- de cana-de-açúcar e desenvolve um bem sucedido programa de
cialmente integrante da cadeira de Zoologia, foi desenvotvida na melhoramento dessa espécie.
ESALQ pelo Prof. Luiz Gonzaga E. Lordello, treinado pelo Prof.
G. Steiner, quando este veio ao Brasil em 1951. Lordello foi o 1.7.3. A Fitopatologia no Rio de Janeiro
principal disseminador da nematologia no Pais e a grande parte Arsene Puttemans foi nomeado chefe do laboratório de fito-
dos profissionais dessa área foi por ele influenciado. Hoje a área patologia no Museu Nacional em 1910, tendo como assistente
de nematologia na ESALQ está integrada à fitopatologia, fazendo Eugênio Rangel. Com a ida de Puttemans à França em 1912, o
parte do mesmo depa1tamento (Depa1tamento de. Fitopatologia e laboratório passou a ser dirigido por André Maublanc, que foi subs-
Nematologia). tituído por Rangel em 1914. Foi este que organizou a transferên-
Em 1927 a Comissão para Estudos da Debelação da Praga cia deste laboratório inicialmente para o Jardim Botânico e depois
Cafeeira, criada para estudar e controlar a broca do cafeeiro, deu para o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, em 1920. Atuaram
origem ao Instiruto Biológico (18), miciahnente localizado no ainda nesta unidade Heitor Vinicius da Silveira Grillo (Boxe 1.4)
Horto da Cantareira. A seção de Fitopatologia teve desenvolvi- e Agesilau A. Bitancourt. Nesta instituição criou-se uma seção de
mento significativo após a nomeação de Agesilau A. Bitancourt Seleção de Plantas Imunes e Resistentes, para cuja chefia foi con-
(Figura 1.9B), em 1931. Foi ele sem dúvida um dos pilares da fito- vidado A. Puttemans, que voltou ao país e permaneceu no cargo até
patologia no País e sua imponància teve reconhecimento interna- 1Q25. Além dos acima citados, estiveram atuando na área de fitopa-
cional. Bitancourt descreveu muitas novas enfermidades, tendo-se tologia dessa instituição Diomedes A. Pacca, Nearch da Silveira e
dedicado no fim de sua carreira ao estudo do càncer vegetal e Azevedo, Rubens Benatar, Josué A. Deslandes, Jefferson Rangel,
suas relações com os hormônios. R.D. Gonçalves foi um de seus Cincinato Gonçalves e Eugênio Bruck. A Seção de Investigação
colaboradores em estudos de enfennidades de hortaliças e frutei- Fitossanitária do Ministério da Agricultura, em São Bento, na
ras. A citricultura paulista, em fase de expansão, requereu muita Baixada Fluminense, foi criado em 1944, onde atuaram Nestor
atenção quanto às moléstias, e Bitancourt - com a colaboração B. Fagundes, C.H. Reiniger, Rubens Leandro, Jefferson Rangel,
de uma das primeiras mulheres envolvidas em fitopatologia no Mário Amaral, Milton S. Vieira e Josué A. Deslandes. Ainda no
Brasil, Veridiana Victória Rossetti (Figura 1.9D) e com a partici- Estado do Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Agronomia
pação de cientistas do exterior, notadamente H.S. Fawcett e Anna (ENA), inicialmente localizada em várias partes da cidade do Rio
E. Jenkins - muito contribuiu para seu sucesso. Em 1936, o 18 de Janeiro, e hoje localizada em Seropédica e transformada na
contratou o virologista alemão Karl M. Silberschmidt (Fig. 1.7E), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Heitor
que estudou numerosas viroses, tendo formado outro grupo em V.S. Grillo e Verlande D. Silveira ensinaram ntopatologia. Foram
virologia vegetal no Brasil. Dedicou-se a vários problemas, como sucedidos por Charles F. Robbs (Figura 1.90), que se tornou um
o da degenerescência da cultura da batata devida a viroses. Um consagrado bacteriologista.

10
A História da Fitopatologia

Boxe 1.4 O fitopatologista e a poetisa

Heitor Vinicius da Silveira Grillo tev1i destacada atuação nos primórdios da fitopatologia brasileira. Foi professor
catedátrico {1934) da Escola Nacional de Agronomia (ENA, hoje Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), vice-
presidente do CNPq (1965-1970) e colaborador íntimo dos fundadores do CNPq (Almirante Álvaro Alberto Motta e
Silva) e da CAPES (Anísio Teixeira). Tamlbém foi o organizador da primeira reunião de fitopatologistas brasileiros, no
Rio de Janeiro, em 1936.
Foi casado por 24 anos (1940 a 1964) com a maior poetisa brasileira, Cecília Meireles (Figura 1.10). Manter um
relacionamento duradouro com uma ar1tista que convivia com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade,
Vinicius de Morais, Mário Quintana, entre outros, mostra bem as qualidades intelectuais de Grillo. Cecília Meireles
era considerada a mais bonita moça de seu tempo e foi muito flertada (intelectualmente) por seus colegas poetas, como
mostra este poema de Mário Quintana para Cecília:
Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
M e dá um certo quebranto...
Heitor Grillo, com sua fleuma habitual, achou graça e também aprovou a resposta de Cecília para Quintana:
O Natal foi diferente
porque o Menino Jesus
disse à senhora de Sant'Ana:
"Vovozinha, eu já não gosto
das canções de antigamente:
cante as do Mário Quintana!"

Figura 1.10 - Heitor Grillo e Cecília Meireles.

1.7.4. A Fitopatologia na Bahia A.S. Muller e Octavio A. Drummond, que fizeram importantes con-
tribuições para o conhecimento de doenças füngicas. Foram sucedi-
Fez também parte do corpo docente da ENA em fitopatologia
dos por Geraldo M. Chaves (Figura 1.9H), que teve destacada atuação
Arnaldo Medeiros, que se transferiria posteriormente para o Centro
nas pesquisas sobre a fem1gem do cafeeiro. Ali criou-se uma cadeira
de Pesquisas do Cacau (CEPEC) em ltabuna, BA. Medeiros notabi-
Je Bacteriologia Vegetal, dirigida por José de Alencar. Atualmente
lizou-se por ter feito a primeira constatação da presença da ferrugem
o grupo de fitopatologia da UFV, com seu programa de pós-gradua-
do cafeeiro no Brasil em 1970. Este fato inclusive resultou na trans-
ção, é bastante atuante, com grupos fortes em doenças fúngicas, bac-
ferência emergencial do 4º Congresso Brasileiro de Fitopatologia,
terianas, virais e causadas por nematoides, além de epidemiologia.
programado para Itabuna em 1969, para Piracicaba, em 1970.
Ainda em Minas Gerais, a Escola Superior de Agricultura de Lavras
Pouco depois Medeiros faleceu. Para seu lugar veio o micologista (ESAL), no início uma escola isolada organizada por missionários
José Luiz Bezerra, que atuava em Recife na Unive~sidade Federal norte-americanos, teve como professor de fitopatologia de 1922 a
de Pernambuco. Deve-se mencionar que a Bahia tem a primazia de 1942 o norte-americano John H. Wheelock. Hoje conta com um
ter tido a primeira escola de Agronomia do País, fundada em 1877. grupo numeroso de fitopatologistas e mantém um reconhecido pro-
Ali lecionou o micologista Camillc Torrand de 19132 a 1942, tendo grama de pós-graduação em Fitopatologia. Josué Deslandes, que
~ido Augusto Chaves Batista um de seus discípulos. fez parte do Instituto Biológico de Defesa Agricola, serviu no sul
de Minas, na antiga IPEAL do Ministério da Agricultura, hoje parte
1.7.5. A Fitopatolugia em Minas Gerais
da EPAMlG. Na Universidade Federal de Uberlândia (UFlJ) a fito-
Na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, patologia começou a ser ministrada no Centro de Ciências Agrárias
os primeiros docentes em fitopatologia foram o norte-americano em 1984 e a pós-graduação teve início em 2000.

li
Manual de Fitopatologia

1.7.6. A Fitopatologia em Pernambuco que incluem ensino de agronomia em Londrina, Ponta Grossa e
No Estado, de Pernambuco, Chaves Bastista, que dirigiu o Maringá, cada uma com unidades em fitopatologia voltadas para
Instituto de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco, o ensino de graduação e., mais recentemente, de pós-graduação.
tomou-se. um dos mais produtivos micologistas do País. Foi ele O Estado do Paraná tem uma unidade. de pesquisa importante,
também professor de fitopatologia na Universidade Federal Rural o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), com competente
de Pernambuco (UFRPE) até seu falecimento em 1968. Ainda em grupo em fitopatologia. As pesquisas sobre. soja estão centra-
Pernambuco deve ser lembrado o nome do padre Bento J. Pickel, das na Embrapa Soja em Londrina, que teve importante papel
que fez importa1nte contribuição à micologia, inclusive de pató- na expansão da cultura no País. Seu grupo de fitopatologia tem
genos de plantas cultivadas. Depois de Chaves Batista, Rome.ro contribuído para solucionar os numerosos problemas que surgi-
Marinho de Mouira reorganizou a área de fitopatologia do Setor de ram nos últimos anos, como a ferrugem asiática, cercosporiose,
fitossanidade do Depanamento de Agronomia da UFRPE a pan:ir necrose das hastes, etc.
de 1968, arnplia1ndo o corpo docente e abrindo áreas de pesquisa
1.7.10. A Fitopatologia no Rio Grande do Sul
em bactérias, fungos, vírus e nematoides, com Maria Menezes,
Rosa L.R. Mariano, Gilvan Pio Ribeiro, entre outros. Retomando No Rio Grande do Sul pode-se citar Maximiliano voo
d.e seu doutorado na Universidade da Carolina do Norte, organi- Perceval, que teve como discípulo J.P. da Costa Neto, ambos
zou a pós-graduação em Fitossanidade a pan:ir de 1976. Merecem pioneiros no e.nsino e pesquisa em fitopatologia no Estado, na
também menção os trabalhos de Maria de Lourdes Aquino, no Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que mantém ainda
Instituto de Pesquisas Agropecuárias (1.PA), e Albino Vital, no grupo ativo na área, .incluindo uma atuante pós-graduação. Nessa
extinto [PEAN do Ministério da Agricultura. Enfermidades de universidade, mais recentemente, atuou Valmir Duarte. Na Escola
fruteiras tropicais, incluindo videira, são estudadas atualmente na de Agronomia Eliseu Maciel (boje Universidade Federal de
Embrapa Semiárido em Petrolina. Pelotas), a segunda mais antiga do País (fundada em 1883), mil.i-
taram na área de fitopatologia Ernesto Ronna e M.A. de Oliveira.
1.7.7.A Fitopatologia no Ceará Josué A. Deslandes, que trabalhou em vários centros de pesqui-
Na Universidade Federal do Ceará (UFC), a fitopatologia sas do Ministério da Agricultura, serviu também no Instituto de
é ministrada no Centro de Ciências Agrárias desde os anos 1920 Pesquisas Agropecuárias do Sul (fPEAS). O IPE AS foi absor-
(na ocasião Escola de Agronomia do Ceará). As pesquisas inten- vido pela Embrapa Fruticultura de Clima Temperado, que man-
sificaram-se com Ilo Vasconcelos a partir de 1945, tendo tomado tém um grupo ativo em fitopatologia voltado à fruticultura. Em
impulso a partir da década dos 1960 com a inclusão de José Júlio Passo Fundo, onde está atualmente a Embrapa Trigo, Ady Raul da
da Ponte. Formou-se também um núcleo atuante em virologia Silva, com doutorado na Universidade de Minnesota, foi um dos
vegetal, com J. Albérsio A. Lima, nos anos 1970. principais artífices no melhoramento do trigo no País, em especial
na seleção de variedades resistentes à ferrugem. Teve ele como
1.7.8. A Fitopatologia na Amazônia , precursores nestes trabalhos lvar Beckmann e B. Oliveira Paiva,
No Pará, a fitopatologia foi lecionada na Faculdade de da Secretaria da Agricultura do Estado. Em Passo Fundo foi fun-
Ciências Agrárias do Pará (hoje parre da Universidade Federal dada posteriormente a Universidade de Passo Fundo, entidade
do Pará) por Goren (dos EUA) e a seguir por Beato Dantas e privada, onde há um grupo bem estruturado em fitopatologia, que
Nady Bastos Genú. Mas a liderança em fitopatologia neste estado foi liderado por muitos anos por Erlei Melo Reis. Doenç.as de
coube desde os anos 1960 a Fernando Carneiro de Albuquerque, videira e macieira são estudadas na Embrapa Uva e Vinho, em
do Instituto Agronômico do Norte, que posteriormente foi incor- Bento Gonçalves.
porado ao Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Úmjdo
1.7.11. A Fitopatologia em Brasma
(CPATU) da Ennbrapa (hoje Embrapa Amazônia Oriental). O
grupo de Albuquerque estudou principalmente doenças de cul- A Universidade de Brasília (UnB), criada juntamente com a
turas regionais, como pimenteira-do-reino, castanheira, dende- fundação da cidade em I 960, consolidou o ensino de fitopatologia
zeiro, etc. Nesse grupo colaborou posteriormente a fitopatologista nos anos 1970, com Annando Takatsu e José C. Dianese. Com a
Maria de Lourdes R. Duarte. Em Manaus-AM, Luadir Gasparotto vinda de três ex-membros da equipe de A.S. Costa do lAC (Elliot
tem lide.rado as pesquisas fitopatológicas em culturas importantes W. Kitajima, Cláudio Costa e Francisco P. Cupertino) e mais
para a re.gião amazônica (seringueira, guaranazeiro, bananeira, três re.cém-doutores da Universidade da Califomía/Davis, orga-
etc.) na Embrapa Amazônia Ocidental. nizou-se a pós-graduação em fitopatologia a partir de I976. No
Distrito Federal criaram-se três centros de pesquisa da Embrapa
1.7.9. A Fitopatologia no Paraná (Hortaliças, Cerrado e Recursos Genéticos) e em todos eles há
No Estado do Paraná, as pesquisas em fitopatologia inicia- núcleos ativos de fitopatologia. Pode-se citar o envolvimento de
ram-se nos anos 1930 e 1940 na Escola Agronômica do Paraná Dalmo Giacometti, que trabalhara com enfermidades de citros no
(hoje Setor de Ciências Agrárias da Unive.rsidade Federal do IAC, como diretor técnico, e a vinda de Ady Raul da Silva para o
Paraná - UFPR);, no Posto de Defesa Sanitária do Ministério da Centro de Cerrado.
Agricultura e no Instituto de Biologia Agrícola e Animal (hoje
Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas - IBPT). Mário José 1.7.12. Conclusão
Novackí foi professor de fitopatologia, sucedendo ao bacteriolo- Além dos grupos de fitopatologia acima citados, há atual-
gista Lúcio G. Castro Velloso na UFPR e também pesquisador mente em quase todas as unidades da federação vários núcleos
do IBPT. Vismar da Costa Neto, que fez doutorado sob orien- em fitopatologia nas universidades federais, centros da Erobrapa e
tação de A.S. Costa, sucedeu Novacki. Desde os anos 1980 o órgãos estaduais, na grande maioria fonnado por egressos dos prin-
Estado do Paramí conta com uma rede de universidades estaduais cipais cursos de pós-graduação do País. Se no início os estudos de

12
A História da Fitopatologia

patógenos de plantas foram efetuados em sua grande maioria por Putemans, A. Alguns dados para servir à História da Phytopathologia no
pesquisadores estrangeiros, atualmente a fitopatologia é conduzida Brasil e as primeiras notificações de doenças de vegetais neste paiz.
praticamente apenas por brasileiros, com vários deles tendo tido Annaes da Primeira Reunião de Phyropathologistas do Brasil. (Rio
formação ou especialização no exterior. Contudo, deve-se ressaltar de Janeiro, 2~25/1/1936 ). Rodriguesla 2: 17-36. 1936. (Reedição
que muitas das pesquisas feitas têm sido desenvolvidas em cará- organizada por R.M. Marinho, e publicada pela Sociedade Brasileira
ter cooperativo com importantes centros de fitopatologia do exte- de Fitopatologia. 2006).
nor (EUA, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Espanha.
Schumann, G.L. Plant Disuses: Tbeir Biology a nd Social lmpact. St.
Holanda, Japão, Austrália, lndia, Israel, Argentina, México. etc.).
Paul, APS, 1991.
Isto tem permitido à fitopatologia no Brasil acompanhar a evolução
desta ciência, em especial no uso das novas tecnologias para detec- Whetzel, H.H. An Outline of the History of Phytopathology. Phila-
.;:ào e identificação dos patógenos e seu manejo integrado. delphia, Sauders, 1918.
Deve ainda ser ressaltado o fato de o Ministério da Agricultura Zadoks, J.C. Crop Protection in Medieval Agriculture. Studics in Pre-
sempre ter tido preocupação quanto à nonnatização do uso de pes- Modern Organic Agriculture. Leiden, Sidestone Press, 2013.
ticidas e à quarentenagem de material propagativo vegetal, cen•
trada na Secretaria de Defesa Agropecuária, mantendo uma equipe 2.adoks, J.C. & Koster, L.M. A historical survey of botanical epidemio-
.:iue inclui pessoal treinado em fitossanidade para este mister. logy. Asketch ofthe deve!opment of ideas in ecological pbytopatho-
No que se refere à divulgação dos resultados das pesqui• logy. Mededellngen Landbouwhogeschool Wage ningen 76-12,
sas fitopatológicas, no início eram eles publicados em boletins de 1976.
S«retarias de Estado ou do Ministério da Agricultura e depois em
revistaS voltadas à micologia ou de caráter mais generalista (por
e,emplo, os Anais do primeiro congresso de fitopatologia de 1936
foram publicados na revista Rodrig11ésia, publicação do Jardim
Borãnico do Rio de Janeiro). Posteriormente foram utilizadas
revistaS institucionais, como O Biológico e Arquivos do Instituto
Biológico (do instituto Biológico de São Paulo) e Bragantía (do
L-\C). e revistas independentes, como Revista de Agric11/t11ra e
Joma/ de Agronomia. Resumos dos congressos iniciais da SBF
foram publicados como Revista da SBF e, posterionnente, na revista
Fitoparologia, da •Asociacion Latínoamericana de Fitopatologia'.
"'~ primeiras revistas especializadas em fitopatologia no Brasil sur-
giram nos anos 1970, inicialmente a Summa Phyropathologica,
:rn 197 5, editada pelo Grupo Paulista de Fitopatologia, atual-
mente Associação Paulista de Fitopatologia. e a Fitopato/ogía
a,asileíra (hoje Tropical Plant Patho/ogy), em 1976, a revista ofi-
.:ial da Sociedade Brasileira de Fitopatologia. Há ainda a revista
~"l>Cctalizada em nematologia, Nematologia Brasileira, editada
~la Sociedade Brasileira de Nematologia. Podem ser menciona-
í!.lS outras revistas de espectro maior, onde podem ser encontra-
~ publicações envolvendo fitopatologia, como Scientia Agrícola
fSALQ), Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
e ?e,;quisa Agropecuária Brasileira (Embrapa). Recentemente
~ !>ido significativa a publicação em periódicos internacionais.
1erece registro o fato de Wilmar C. Luz. da Embrapa Trigo, ter
:nado em 1993 a Revisão Anual de Patologia de Plantas (RAPP),
- ~ editada pela Sociedade Brasileira de Fitopatologia.

1.8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Ccca.A.S.HistóriadaFitopatologianoBrasil.SummaPhytopathologic a
1 155-163, 1975.

História da fitovirologia no Brasil. Anais da E.S.A. L11iz d e


.J!>Q. A.S.

Qaeirol: 43: 51-78, 1986.

Cc,croao, F.P. História da Fitopatologia brasileira. RAPP 1: 1-31, 1993.

f. & Carvalho, P.C.T. História da Fitopatología. ln Gallí, F. (ed.).


\ lanual de F'itopatologia. São Paulo, Ceres, v. 1, 1978. p. 9-14.

~ - R.L.R & Souza, E.B. Histórico da bacteriologia de plantas no


Brasil. In: Gama, M.A.S.; Nicoli, A.; Guimarães, L.M.P.; Lopes,
L .P.; Michere ff, S.J. (eds.). Estad o da Arte em Fitobacterioses
Tropicais. Recife, EDUFRPE, 2016. p. 1-41.

13
CAPÍTULO

2
IMPORTÂNCIA DAS
DOENÇAS DE PLANTAS
Armando Bergamin Filho, Lifian Amorim e Jorge Alberto Marques Rezende

ÍNDICE

2.1. Algumas epidemias famosas ................................... 15 2.2.5. Carvão da cana-de-açúcar: da década de


2.1.1. Fome, morte e emigração: Irlanda 1845-1846 ... 15 1940 à década de 1980 ................................... 20
2.1.2. A catástrofe de Bengala •............................••.. 17 2.2.6. O mal das folhas da seringueira .................... 20
2.1.3. Os ingleses e o chá.........•..•.......•..................•.. 17 2.2.7. A vassoura de bruxa do cacaueiro................. 21
2.1.4. O fogo de Santo Antônio ...........................•... 18 2.2.8. A ferrugem da soja ......................................... 22
2.1.5. Cochliobolus heterostrophus (Helminthosporium 2.2.9. Huanglongbing em citros .............................. 22
maydis) e os hambúrgueres perdidos............... 18
2.3. Tipologia dos danos................................................. 23
2.2. Epidemias brasileiras famosas ..........•.................••.. 18
2.3. 1. Dano potencial e dano real ............................ 23
2.2.1. O mosaico da cana-de-açúcar ....•.....•............ 18
2.2.2. A tristeza dos citros ....................................... 18 2.3.2. Dano direto e dano indireto .......................... 24

2.2.3. O cancro cítrico.............................................. 19 2.3.3 Dano primário e dano secundário ................. 24


2.2.4. O mal do Panamá e a banana Maçã .............. 20 2.4. Bibliografia consultada ............................................ 24

sanidade das plantas cultivadas é de vital impor- a região, mais batata se comia. Não raro o cardápio nestas casas

A tância para os mais diversos setores econômicos,


embora poucas pessoas tenbam consciência desse
• Além de fornecer alimento à população, as plantas são tam-
simples consistia de sopa de batata no café da manhã, batata cozida
no almoço e batata assada no jantar. Por mais inacreditável que
possa parecer nos dias que correm, a ração diária de um trabalha-
-..:.i fornecedoras de madeira, fibras, medicamentos e bioencrgia. As dor irlandês, no início do século XIX. consistia quase que exclusi-
.:nças de plantas, responsáveis que são pela redução quantitativa vamente de 4 a 8 kg de batatas frescas! Esse tipo de alimentação.
• ~uahtativa da produção, causam prejuízos econômicos importan- apesar de enfadonho, dava às pessoas quantidades adequadas de
_, e. ocasionalmente, podem levar a consequências sociais desas- proteínas, carboidratos e vitaminas. Além disto, poucos problemas
90535. como se verá nos diversos exemplos relat3dos a seguir. fitossanitários ocorriam na lavoura. a produção era estável de ano
para ano. fato de grande imponância naqueles árduos tempos.
:.1. ALGUMAS EPIDEMIAS FAMOSAS Por volta de junho de 1845, porém, uma nova e destrutiva
doença, hoje conhecida por requeima, causada por Phytophthora
2.1.1. Fome, Morte e Emigração: Irlanda 1845-1846
infestam·, foi vista na Bélgica. Duas ou três semanas após, os
Contam-nos os historiadores que, aproximadamente dois mesmos sintomas foram encontrados na vizinha Holanda. A
~ulos após sua introdução, a batata (Sofanum tuberosum) tor- França veio em seguida. A doença era tão destrutiva que todos os
:i..~u-se a base da alimentação dos habitantes do none da Europa jornais da época se ocuparam do assunto. O público e os governos
-lc1di:ntal. Ela desalojou os cereais dessa posição cm virrude de sua estavam tão alarmados com as consequências que poderiam advir
a.ta produtividade, fácil adaptação e alto valor nutritivo. Quanto de tão terrível mal que médicos brigavam com químicos, que por
mais rural a área, mais a batata pesava na dieta; quanto mais pobre sua vez brigavam com botânicos, to<los querendo ter a primazia e

15
Manual de Fitopatologia

a exclusividade de lutar contra o novo inimigo. Nessa época lon-


gínqua, os fitopatologistas. como bem lembra Bourke ( 1964), não Boxe 2.1 Corpos sendo comidos por cães
haviam ainda sido inventados... E nada ilustra melhor a preocu-
pação reinante naquele tempo que a convocação, em 20 de agosto Dois milhões de mortos e um milhão de emi-
de 1845, da Société Royale et Centralc d'Agriculture de Paris, em grantes! Catástrofe causada por um microscópico
plenas férias de verão! organismo, que ainda hoje ameaça nossas plantações de
Nesse mesmo mês, a doença foi identificada no sul da batata e tomate. Apesar da enormidade d as cifras, será
Inglaterra. E, a 6 de setembro, uma nota publicada no Dublin que podemos realmente imaginar o que se passou na
Evening Posr indicava que o patógeno já havia chegado à Irlanda. Irlanda logo depois de 1846?
Estatísticas da época indicam que a queda de produção, em 1845, William Edward Forster foi uma testemunha
naquele país, chegou a 25%, nada desprezível, mas ainda longe ocular da tragédia irlandesa. Alguns trechos de seu
da catástrofe que se avizinhava. relato foram reproduzitlos por Klinkowski (1970}:
O final de 1845 e os primeiros meses de 1846 foram gastos "Os sobreviventes pareciam esqueletos ambulantes, os
pela comunidade cientifica da época numa polêmica que só tennina- homens estampando a marco lívida da fome, as crianças
ria quinze anos depois: seria aquele fungo, invariave\mente associado chorando de dor, as mulheres, dentro das casas, fracas
às plantas atacadas, a causa ou a consequência da doença? A luta demais para se manterem em pé. Chegando à aldeia
era desigual: o abade Edouard van den Hecke, o professor Charles de Clifden, soubemos da ocorrência de quatro mortes
Morren, ambos belgas, o reverendo inglês Berkeley e o cientista acontecidas nos últimos três ou quatro dias. Uma mulher,
francês Payen defendiam o ponto de vista do fungo ser a causa do que liavia rastejado na noite anterior até o toalete externo
mal. Os demais membros da comunidade científica, no entanto, acre- à casa, foi encontrada na manhã seguinte, parcinlmente
ditavam que aquele crescimento cinza, que cobria os tubérculos apo- devorada pelos cães".
dreciàos, não passava àe consequência do problema. E como sempre
ac~ntec~ com as polêmicas, mesmo nos nossos dias, o asl_)eeto den- Em toda a Irlanda, naqueles duros anos, poucas

tíflco dos argumentos foi sendo paulatinamente substituído por desa- ""l>e~õ~~ri'namtr'ãt.á:in.o ~azer, com poucas exceço;;,.
Um obscuro jornal da él)Oca \}ublicou: "A serraria Cork
venças pessoais, mveja, bairrismo e convi~ re\igiosa. Patent, situada na King Street, o mnior estabelecimento
Enquanto isso, na Irlanda de 1846, alheio à discussão, o da região, está trabalhando a pleno vapor, com 16 a
patógeno foi visto sobre as plantas de batata dois meses mais 20 pares de serra simultâneos, de manhã à noite.
cedo que no ano precedente. Encontrando as plantas mai.s jovens, durante os últimos seis a oito meses, cortando tabuas
tendo mais tempo para se multiplicar e aj udado por um clima
para urnas funerárias".
favorável, o patógeno destmiu perto de 80% da produção!
As consequências são ainda hoje inimagináveis: dois milhões Em homenagem aos milhões de emigrantes irlan-
de mortos e um milhão de emigrantes (Boxe 2.1). As taxas de deses, foi inaugurado em 1997, às margens do rio Li.ffe ,
emigração que variavam entre 50 e 80.000 pessoas ao ano, dupli- em Dublin, o Memorial da Fome (Figura 2.2). Esse
caram em 1847, chegando a 300.000 em 1849 (Figura 2.1) e a conjunto de esculturas em bron.u representa homens,
população da Irlanda, que era de 8,3 milhões em 1846, passou mulheres, crianças, e até um cão, exaustos e faminto~
para 5,2 milhões, 30 anos depois. que percorrem as margens do rio, com expressões de
tristeza, desespero e determinação. O Memorial da
Fome é uma das peças de arte pública mais fotografadas
em toda a Irlanda.

0-1---.---.---.-,......-..~-,--,---,---,,---,--,---r---.---1
1824 1828 1832 1836 1840 1844, 1848 1852
Anos

F'lpr1 2.1 - Evolução da emigração na Irlanda no periodo de 1825


a 1849 de acordo com dados do jornal "The lllustrayed
London News'' da época.
Fonte: http-J/viewsofthefamine.wordpress.com/.
Figura 2.2 - Memorial da Fome (The Famine Memoria(),
A descobertl do agente causal da requeima da batata em Dublin, Irlanda.
1861 é considerada o nascimento da fitopat.ologia. Apesar de acu-
mular 150 anos de esrudos, a requeima da batata é, ainda hoje, uma

16
Importância das Doenças de Plantas

grave doença de dificil controle. Na década de 1990, a doença pas- ô


o 240 60
e
sou a alannar os pro<lutores de batata no mundo, pois o patógeno,
.:iue até então não fonnava estruturas de reprodução sexuada fora
S?
)(
200
A
§so
de seu centro de origem, passou a fazê-lo em países da Europa
<li
é.
160 ~ 40

"" das Américas do Norte e do Sul. A variabilidade das linhagens


., 120 .,ca JO
'"'eSultantes da reprodução sexuada trouxe desagradãveis surpre- ie 80
"Q
Ili 20
«I -a;
sas aos produtores de batata, corno resistência a fungicidas sistê- 15. 40 e
'Tlicos e maior agressividade. Novas estratégias d,e manejo preci-
;.aram ser delineadas e a doença voltou às mancht:tes dos jornais.
<li
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2. 1.l. A Catástrofe de Bengala
Corria o ano de 1942. A guerra atingia seu upogeu na Ásia.
O então vitorioso exército japonês encontrava-se às ponas da
' Anos
'
Anos
Figura l.3 - Área plantada de café e chá (A) e produção de café (B)
no Ceilão durante o período de 1835 a 189~.
lndia Oriental. Os anos de guerra haviam consumido todo o esto- Fonte: Saccas & Charpentier (1971), Rayner (1972), Horsfall &
.:fUe de alimentos da região. Em Bengala, hoje dividido enLTe Índia Cowling (1978).
i! Bangladesh, a situação tomava-se desesperadora. Dependentes
do arroz para sua alimentação, tanto quanto os irlandeses de 1846
~pendiam da batata, os habitantes de Bengala viam com ter- Boxe 2.2 Tratamento q111111ico preventivo
• r ~uas plantações serem dizimadas por um fungo, naquele tempo
~,.mhecido por He/minthosporium oryzae, hoje Cochfiobolus miya- A ferrugem do cafeeiro foi muito importante na
~anus. O clima de Bengala nesse ano, como aquele da Irlanda de vida de um jovem inglês, Harry Marshall Ward. Em
--n século atrás, mostrava-se chuvoso e encoberto. As variedades 1880, com 25 anos e recém-saído do Christ's College, em
p.<!coces de arroz conseguiram fugir de parte das chuvas e ainda Cambridge, Marshall Ward foi enviado ao Ceilão para
?f"oduziram um pouco: os danos chegaram a 50%. As tardias, no salvar a cafeicultura da ilha. Neste aspecto particular o
entanto, foram atingidas em cheio: danos entre 75 (: 90%. jovem cientista não teve sucesso. No entanto, seu trabalho
sobre o ciclo vital da Hemileia vastatrix, publicado
A fome foi inevitável. Com os japoneses ocupando a vizi-
em 1882, constitui-se num clássico da literatura fito-
nha Birmânia, a importação de arroz, que normalmente se fazia,
patológica. Nele, as bases teóricas do que é chamado
roi suspensa. Os ingleses, com muitos problemas para alimentar
"tratamento químico preventivo da folhagem'~ uma
a si próprios, não puderam ou não quiseram ajuda.r.
das estratégias de controle mais empregadas nos dias
O resultado é descrito com emoção e detalbes por Padma- atuais, foram descritas pela primeira vez (Large, 1962).
nabhan (1973): "O autor foi indicado como micologista em
Marshall Ward, logo no início de suas investigações,
B,mgala quando a fome estava no seu máximo. Quando ele viajou
convenceu-se de que o fungo era pouco vulnerável a
oara assumir seu novo poslo, em 18 de outubro de 1943, pôde ver
corpos mortos e pessoas morrendo de fome por todo o caminho. ataques externos: os esporos possuíam paredes espessas,
bta horrenda situação, de muitos milhares de homens. mulheres que os protegiam do meio hostil; suas hifas estavam
sempre no interior da folha do cafeeiro, inatingíveis a
• crianças morrendo, continuou por todo outubro, novembro e
substâncias aplicadas externamente. Mas, vislumbrou
J.?::embro nas mais importantes cidades de Bengala. principal-
,,,ente Calcutá e Dacca". ele, havia um pequeno ponto fraco nesta armadura bem
planejada, um curto período de tempo no qnal uma
Nesse caso também, quando tudo passou, a contagem dos parte vitaJ do patógeno podia ser atacada: o momento
mortos atingiu dois milhões! exato era justo após a germinação do urediniósporo na
superfície foliar e imediatamente antes da penetração
2.1.3. Os Ingleses e o Chá
no interior do tecido. Neste lapso de tempo, o delicado
O café adaptou-se no longínquo Ceilão (hoje Sri Lanka) tubo germinativo ficava exposto às agressões do meio.
Uo bem quanto a batata na Irlanda. A área ocupada com esta Bastaria que uma "substância tóxica já estivesse nas
-.Jltura passou de insignificantes 200 hectares ,em 1835 para folhas quando os esporos germinassem", escreveu
quase 200 mil em 1870 (Figura 2.3). Praticamente toda a pro- Marshall Ward, para que a doença fosse controlada.
auçào, perto de 50 mil toneladas, era exportada para a Inglaterra.
Infelizmente para ele e para o C eilâo, esta substância
E assim como os irlandeses eram chamados de comedores de
tóxica ainda não tinha sido descoberta naquele tempo.
batata, os ingleses, durante os últimos anos do reio ado da Rainha
Foi só alguns anos mais tarde que Millardet, em 1885,
\íctoria, constituíam-se numa nação de bebedores de café.
comunicava aos viticultores de Bordeaux a descoberta
Foi nesta época, 1869, que o Dr. Thwaites, diretor do do primeiro fungicida da história: a calda bordalesa.
Jardim Botânico Real de Peradenija, Ceilão, enviou para Londres
.!.lgumas folhas Je cafeeiros, precocemente caídas, que apresenta-
\ am algumas lesões recobertas por um pó amarelo. O reverendo As outroras viçosas plantações do Ceilão, a partir de 1869,
\I.J. Berkeley, aquele mesmo que ajudara a desve:ndar a origem foram definhando, lentamente a princípio, assustadoramente
füngica da requeima da batata. logo viu que era uma ferrugem alguns anos depois. Em cerca de 20 anos, a produção caiu de
o problema das folhas do cafeeiro e batizou seu agente causal, 50 mil toneladas para virtualmente zero (Figura 2.3). Dizem os
apropriadamente, com o nome de Hemileia vastatrix: o mundo livros que a falência atingiu 417 plantadores e, com eles, o até
\eria, em poucos anos, quão devastador ele era! (Boxe 2.2). então sólido Banco do Oriente; os milhares de trabalhadores

17
Manual de Fitopatologia

indianos que trabalhavam na colheita foram devolvidos à pátria, Tudo vinha correndo bem até que, em 1970, uma nova
com os bolsos vazios; os nativos passaram fome pois, sem café, raça de Cochliobolus heterostrophus (syn. Helminthosporium
como pagar pelo importado arroz? maydis), especialmente adaptada para atacar híbridos portado-
Enquanto isso, do outro lado do mundo, a preocupação dos res de citoplasma macho-estéril, foi detectada em Belle Glade,
ingleses era encontrar outra bebida, quente e estimulante, que os Flórida. Sua disseminação, em direção norte, foi explosiva e
ajudassem a suportar seu miserável clima: o chá foi a solução. E o devastadora. Em dois meses o patógeno chegou aos grandes
Ceilão, que no final do ciclo do café só tinha 500 heclares ocupados estados produtores de Iowa e Illinois; quinze dias de pois já era
com esta cultura.já em 1880 podia ex.ibir nada menos que 140 mil visto em todos os estados do nordeste americano. No final, 15%
(Figura 2.3). E os ingleses se transfonnaram, por causa da Hemileia, da produção americana foi destruída. Horsfall (1975) drama-
de bebedores de café a bebedores de chá. Até nossos dias. tizou a situação, calculando que a produção perdida (perto de
20 milhões de toneladas), se fornecida ao gado e transformada
2.1.4. O Fogo de Santo Antônio em carne, produziria 30 bilhões de "quarter-pound" hambúrgue-
Uma estrutura saliente de cor púrpura, semelhante a uma res. E, assim, os americanos finalmente puderam compreender a
espora de galo, origina-se quando Claviceps purpurea infecta extensão do desastre...
sementes de centeio. Esta estrutura, escleródio, é responsável pela
sobrevivência do patógeno entre as safras da cultura. Os franceses 2.2. EPIDEMIAS BRASILEIRAS FAMOSAS
referem-se a ela por "ergot"; os ingleses por "cockspur"; entre nós 2.2.1. O Mosaico da Cana-de-Açúcar
é conhecida por esporão. Independentemente do nome, seu inte-
O vírus do mosaico da cana-de-açúcar (Sugarcane mosaic
rior contém grandes quantidades de micotoxinas, compostas por
vinlS - SCMV) foi introduzido no Brasil na década de 1920,
alcaloides de muitos tipos, incluindo LSD. As mícotoxinas são ter-
provavelmente através de toletes contaminados trazidos da
moestáveis, ou seja, resistentes ao calor e variam em quantidade,
Argentina. Naquela época, a totalidade de nossas plantações era
dependendo de uma série de fatores, inclusive a espécie hospe-
composta de variedades de Saccharum officinarum, a cana nobre,
deira. Além da cevada, centeio e trigo são suscetíveis ao patógeno.
assim chamada pela excepcional riqueza em açúcar que a carac-
A ingestão de pão contaminado com estes alcaloides vaso- terizava. Outra propriedade das canas nobres era a alta suscetibi-
constritores produz uma série terrível de sintomas: mulheres grá- lidade a diversas doenças, destacando-se o mosaico.
vidas abortam; os dedos dos pés e das mãos foanigam; a tempe- A disseminação do vírus foi rápida, a redução do porte dos
ratura do corpo sobe a tal ponto que pode causar problemas men- canaviais, marcante. O colapso que seguiu pode ser avaliado pela
tais irreversíveis e mesmo a morte; algumas vezes uma gangrena
redução da produção que ocorreu entre os anos de 1922 e 1925:
incontrolável se abate sobre o doente, que vê dedos se despren- 1.250 mil sacos de açúcar contra 220 mil; seis milhões de litros de
dendo das mãos ou dos pés, pés caindo dos tornozelos e mãos álcool contra dois milhões. Naquele tempo, felizmente, o álcool
se separando dos braços; inacreditáveis alucinações, que levam à ainda não era utilizado como combustível uos automóveis. A
morte, não são incomuns. · substituição das variedades suscetíveis por resistentes ao pató-
Epidemias de C. purpurea em centeio eram corriqueiras na geno foi a solução de sucesso para o problema.
Idade Média. Milhares morreram no vale do Reno em 857 e na
França em 994 e 1089. A doença, em Viena, onde surtos frequen- 2.2.2. A Tristeza dos Citros
tes ocorriam, era conhecida pelo nome latino Sacer ignis, fogo No final da década de 1930, uma moléstia de causa desco-
sagrado. Em 1095, o papa Urbano II delegou à Ordem de Santo nhecida começou a chamar a atenção dos produtores de citros do
Antônio a tarefa de tratar dos doentes de ergotismo. A partir de Estado de São Paulo. As árvores afetadas tinham seu crescimento
então o nome fogo sagrado foi caindo em desuso, sendo suhsti- paralisado, produção diminuída, seca generalizada <le galhos e, por
tuido por fogo de Santo Antônio. fim, morriam. Moreira (1942), apropriadamente, batizou a doença
A última erupção do fogo de Santo Antônio deu-se na França, com o sugestivo nome de tristeza. Observações da época não dei-
em 1951 , na pequena cidade de Pont-Saiot-Esprit. A imprensa a xavam dúvida que os sintomas eram mais severos na combina-
ela se referiu como o pão maldito: 300 pessoas adoeceram, cinco ção laranja azeda (Citros aurantium) enxertada com laranja doce
morreram e um número indeterminado enlouqueceu. Atualmente, (C. sinensis). Essa combinação é bastante resistente ã gomose,
a doença pode ser controlada com vasodilatadores e o retomo ao doença do colo da planta, causada por Phytophthora, além de
quadro clínico normal pode variar de uma hora a dois dias. apresentar boas características agronômicas. Não era por acaso,
portanto, que essa conveniente combinação representasse mais de
2.1.5. Cochliobo/us heterostrophus (Helminthosporium 80% de nossos pomares.
maydis) e os Hambúrgueres Perdidos Enquanto os pesquisadores paulistas, especialmente dos
Os produtores de sementes de milho híbrido devem, obri- Institutos Biológico e Agronômico, tentavam elucidar a causa da
gatoriamente, efetuar cruzamentos controlados. No princípio, o doença e seu possível controle, a tristeza dizimava a citriculmra
controle era conse.guido pelo despendoamento manual da linha- paulista: estima-se que nove milhões de ârvoros, a quase totali-
gem fêmea, operação onerosa que custava uma média de 120 a dade dos pomares existentes, pereceram em pouco mais de 1Oanos.
450 dólares americanos por hectare. Para economizar o alto custo Foi só depois de Meneghini (1946) demonstrar a natureza virai
desta operação, os produtores passaram a empregar, a partir da (Citrus tristeza virus - CTV) da moléstia que métodos de con-
década de 1950, linhagens fêmeas com pólen estéril, característica trole puderam ser encontrados. Dentre eles, o uso de combina-
esta herdada citoplasmaticamente. No final da década seguinte, ções tolerantes, com a substituição de laranja azeda pelo limão-
em virtude das grandes vantagens propiciadas por este método, cravo (Moreira et ai., 1954), abriu caminho para o renascimento
praticamente todo o milho produzido nos Estados Unidos era ori- da citricultura no Estado. Ler mais sobre o assunto no Capítulo
ginário de linhagens com citoplasma macho-estéril. 32, item 32.2.3.

18
Importância das Doenças de Plantas

2.2.3. O Cancro Cítrico 1

Boxe 2.3 O cancro cítrico de volta à Flórida


A citricultura paulista, que lentamente vinha se recuperando
do desastre que representou a tristeza, viu-se diante da iminência À custa de uma vigilância rigorosa, os Estados
de novo colapso em 1957, com a descoberta de focos de cancro Unidos conseguiram manter-se livres do cancro cítrico
oaico (Xanthomonas citri subsp. citn) na região de Presidente por várias décadas. Para ter uma ideia, apenas no
Prudente. Neste caso, felizmente, a doença e seus possíveis méto- período de 1973 a 1981, as autoridades encarregadas
dos de controle já eram conhecidos. da vigilância fitossanitária nos portos de entrada
O cancro cítrico é endêmico no Japão e no sudeste asiático. americanos interceptaram o patógeno nada menos
~u agente causal havia sido introduzido na Flórida em 1910 e a que 4.003 vezes! Esta rigorosa vigilância, no entanto,
,:-radicação foi o método de controle escolhido pelos americanos não impediu que, em agosto de 1984, a doença fosse
·..iquela época (Boxe 2.3). A operação, ao final de 30 longos anos, detectada em um viveiro de 23 hectares, no sul do
um sucesso, tendo a bactéria sido completamente eliminada condado de Polk, Flórida. As inspeções sistemáticas
~ solo americano. Os custos deste sucesso, porém, não foram subsequentes a esta descoberta revelaram, até fevereiro
X1ucos: ao final da campanha, 250 mil árvores e três milhões de de 1987, mais 23 viveiros atacados, distribuídos
-:.idas haviam sido destruídas. por nove condados. Estudos sobre o agente causal
Com base nesses resultados americanos, os técnicos do indicam tratar-se de uma raça diferente X. citri subsp.
·-:,1ituto Biológico optaram pela erradicação da bactéria como citri, mais especializada no ataque a mudas e pouco
:-a•ssível solução para o problema paulista. Estatísticas de 1957 eficiente para infectar plantas adultas. A exemplo do
.i 1Q79 indicam que perto de dois milhões de árvores foram qne tinha acontecido na década de 1910, a e1Tadicação
.:e-.U1Jídas nas regiões de Presidente Prudente, Banru, Marília, foi o método de controle escolhido. Vinte milhões de
-'L"3çatuba e São José do Rio Preto. Com essa estratégia, a mudas foram destruídas na erradicação dessa forma
>:>i!nça manteve--se por duas décadas sob controle em todo o menos agressiva da bactéria. A raça mais agressiva da
~,ado. A partir de 1996, porém, com a detecção no Brasil da bactéria, conhecida por forma asiática, também foi
..l:'"•a minadora dos citros (Phyllocnistis cürella - Lepdoptera: reintroduzida na Flórida em 1985 e em 1986, mas graças
.--acillariidae: Phyllocnistinae), houve um dramático ressurgi- aos esforços de erradicação, a doença foi declarada
-~nto do cancro cítrico em São Paulo, pois as galerias abertas erradicada em 1994. Bastou um ano para novo surto
X,3 larva aumentam enormemente a eficiência de infecção da acontecer, desta vez na região urbana de Miami, onde
:-a.-iéria, além de aumentar a severidade da doença (Figura 2.4). os esforços de erradicação foram muito maiores, porém
sem a mesma eficácia. Tanto a dispersão das árvores
doentes como a resistência da população em aceitar que
árvores de seus quintais fossem arrancadas, impediram
que o inóculo caísse significativamente. Dez anos depois,
a passagem de três furacões pela região de Miami que
subsequentemente cruzaram a península da Flórida
dispersaram a bactéria para as regiões produtoras.
A partir daí, o programa de erradicação do cancro
perdeu força e foi definitivamente abandonado em 2006
(Gottwald & Irey, 2007).

As injúrias provocadas pela praga tomam as folhas mais sus-


cetíveis à infecção: numa folha intacta a concentração mínima
de inóculo para causar infecção é de 104 unidades formado-
ras de colônia por mililitro (ufc/ml), enquanto que com a larva
minadora essa concentração cai para 10 ufc/ml (Christiano et
ai., 2007). Focos da doença, antes concentrados e facilmente
eliminados do pomar, tomaram-se mais dispersos e de difi-
cil erradicação após a larva minadora (Gottwald et ai., 2007).
Como consequência, no final da década ue 1990 a campanha de
erradicação do cancro no Estado de São Paulo intensificou-se,
com novas regras que determinavam a completa erradicação dos
talhões nos quais a incidência da doença fosse ignal ou superior
a 0,5% de árvores sintomáticas. Dessa forma, o cancro cítrico
voltou a n(veis pouco preocupantes. Inexplicavelmente, con-
f"1'u• 2.4 - Sintomas de cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. tudo. a regra do 0,5% foi revogada pelo governo do Estado em
citri) decorrentes de penetração via estômatos (A) e de 2009 e em 2012, já atingia 1,39% dos talhões de citros, regis-
penetração via ferimentos ocasinados pela larva mina- trando a maior incidência da doença desde seu primeiro relato,
dora (Phy//ocnistis cifrei/a) dos citros (B). em 1957. A incidência estimada para 2016 jã supera os 9% de
ndito das fotos: Fundecitrus. talhões afetados pela doeoça.

19
Manual de Fitopatologia

2.2.4. O Mal do Panamá e a Banana Maçã Em 1975, a crise do petróleo levou o governo brasileiro a
O mal do Panamá, causado pelo fungo Fusari11m oxyspo- investir pesadamente, através do PROALCOOL, na produção de
ntm f. sp. cubense, foi constatado no Brasil, em Piracicaba, em álcool carburante. A área ocupada pela cana-de-açúcar no Estado
1930. Naquela época, a maioria dos bananais do Estado de São de São Paulo aumentou de 760 mil hectares, em 1976. para dois
Paulo era constituído por variedades do grupo AAB, principal- milhões, dez anos depois. Esta expansão foi feita quase que
mente Maçã, mas também Prata e Ouro. Estas variedades mostra- exclusivamente com uma única variedade: a argentina NA56-79,
ram-se extremamente suscetíveis ao patógeno, a ponto de inviabili- moderadamente suscetível ao carvão, que chegou a ocupar 45%
zar sua exploração econômica a partir do estabelecimento do fungo da área plantada. Adicionalmente, a implantação dos novos cana-
na plantação. A exploração dessas variedades tomou-se, assim, viais, via de regra, não foi feita com mudas produzidas segundo
nômade, com os produtores migrando cada vez mais para o oeste. a boa técnica: viveiros, "roguing", tratamento térmico, tudo foi
Um erro fatal, no entanto, acompanhou essa migração: as esquecido na ânsia de produzir álcool o mais cedo possível.
mudas utilizadas para formar os novos plantios eram obtidas a O resu ltado negativo não se fez por esperar: níveis de infec-
panir de plantas doentes. seja por ignorância do produtor, seja ção de 30 a 40 mil chicotes por hectare eram comuns em várias
pelos rizomas contaminados nem sempre exibirem sintomas da regiões do Estado. E mesmo nas usinas de maior tecnologia,
doença. Dessa maneira, as novas plantações já eram estabele- como é o caso da Usina Barra Grande, no município de Lençóis
cidas, desde o princípio. com o patógeno (Boxe 2.4). Hoje em Paulista, a incidência de carvão chegou a a larmar, aumentando
dia, é praticamente impossível encontrar uma plantação sequer dez mil vezes de 1981 a 1987 (Figura 2.5).
de banana Maçã no Estado de São Paulo. Aqui, devido ao mal do
Panamá, apenas variedades do grupo Cavendish, como Nanica e 7000 50
Nanicão, podem ser cultivadas, já que apresentam alta resistên- Chicotes
cia ao patógeno. O produtor, não podendo cultivar variedades de 6000
Area com NA56-79 40
melhor aceitação e melhor preço, sofre prejuízos. E ao consumi- 5000

--
m
~
dor resta apenas a saudade. Saudade do perfume suave e do gosto
marcante da delicada banana Maçã. (1) 4000 30 ::e
~
.s m
a,
8
Boxe 2.4 Fusarium oxysporum f. sp. cubense: 2:
(.)
3000
20-<
2000
disseminaçao lenta. mas continua 10
1000

As murchas vasculares, como o mal do Panamá, são o o


causadas por patógenos de disseminação lenta, em nada 1980 1982 1984 1986 1988 1990
semelhante à explosiva Phytoplithora infestat1s, capaz Anos
de, como visto na Irlanda, causar grandes epidemias tão
logo se estabeleça numa região. Aqui, ao contrário, a Figura 2.5 Evolução do carvão da cana-de-açúcar (cm ch icotes por
doença cresce lentamente, e vários anos são necessários hectare na variedade NA56--79) na Usina Darra Grande,
para construu uma epidemia. Isto não significa, porém, São Paulo. e área ocupada pelas variedades NA56-79
que as murchas tenham menor importância qne as e SP70-1143 no Estado de São Paulo (usinas coopera-
das), no período de 1981 a 1989.
doenças foliares de rápida disseminação. Enquanto
Fonte: Cardoso et ai. (1988).
estas podem ser economicamente controladas com
relativa facilidade por meio do uso de fungicidas, Sensibilizado pelo problema, o governo do Estado, através da
aquelas, depois de estabelecidas, são de difícil manejo. Secretaria de Agricultura e Abastecimento, resolveu agir, Umitando
o plantio da variedade NA56-79 até o máximo de 20% das áreas de
refonna e ex.pansão, por propriedade, de setembro de 1985 até j unho
2.2.5. Carvão da Cana-de-Açúcar: da Década de 1940 de 1986. Após esta data o limite ficou estabelecido em 10%.
à Década de 1980 Após esse crítico período, a epidemia de carvão perdeu o
Os usineiros paulistas foram tomados pelo pânico ímpeto. A variedade NA56-79, moderadamente suscetível, foi
quando os característicos chicotes do carvão da cana-de-açúcar substituída. com rapidez, por outras mais resistentes. É razoável
(Sporisorium scitamine11m) foram aqui vistos pela primeira vez, supor que o carvão, em um futuro próximo, deixará de preocupar
em 1946, nas ten-as do engenho Tarumã. município de Assis. O os produtores e passará mais algumas décadas incógnito em nos-
levantamento fitossanitário levado a efeito naquela época também sos canaviais, à espreita de uma nova oportunidade para atacar.
identificou focos da moléstia nos municípios vizinhos de Cândido
Mota, Palmital e Maracaí. Alguns anos mais tarde, em J951, os 2.2.6. O Mal das Folhas da Seringueira
chicotes foram vistos na Usina Monte Alegre, em Piracicaba. Brasil e Peru. até o inicio do século XX, eram os únicos
O pânico mostrou-se justificado: algumas das variedades produtores de borracha natural em todo o mundo. A totalidade
mais plantadas na época, como POJ36 e POJ213, eram altamente desta produção era obtida diretameote da floresta amazônica,
suscetíveis e, não raro, talhões dessas variedades apresentavam local de origem da seringueira (Hevea brasiliensis), a partir de
100% de louceiras doentes. Um enonne esforço de substituição árvores que cresciam naturalmente na selva. Ainda em 1912, o
de variedades foi feito nos anos seguintes, aliado a um maior cui- Brasil detinha a posição de maior produtor e ex rortador. Em 1951
dado na produção das mudas. O problema pôde, assim, ser con- já éramos importadores de borracha, mesmo após várias tentati-
tornado e o carvão deixou de preocupar por várias décadas. vas e programas (PROBOR 1, 11, UI) para aumentar a produção.

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Importância das Doenças de Plantas

quadro persiste nos dias atuais, pois a produção brasileira dimento era tanto que uma nova cidade, orgulhosamente bati-
:-racha representa apenas 1,4% da produção mundial. Em zada de Fordlándia. foi construida no meío da floresta. As coi-
_ -4. _ produção nacional foi de 192 mil toneladas e respondeu sas andavam rápidas naqueles tempos pioneiros: 4.000 hectares
..:-~,,madamente 47% do consumo industrial do país. Ores- já estavam plantados em 1928, em grande parte com material
dl matéria-prima para suprir nossas necessidades vêm do botânico proveniente da Ásia. E, realmente, as coisas andavam
principal mente do sudeste asiático (Malásia, Tailândia, rápidas, rápidas demais, naqueles tempos pioneiros: o ataque de
~ 13 e Vietrn!i). Microcyclus u/ei foi tão intenso que Fordlândia e seus seringais
-\ :i, entura da borracha no sudeste asiático começou em foram definitivamente abandonados em 1934.
.:iuando o botânico inglês Wickham coletou sementes de Um desbravador como Henry Ford, porém, não ia desistir
no Pará e enviou-as a Londres. Mudas originárias des- de produzir borracha só porque um atrevido fungo sul-americano
,-:nffltes foraim, no mesmo ano, remetidas para o Ceilão (Sri ousava derrubar as folhas de suas seringueiras. Um novo projeto
..: Jl de onde se espalharam pelos países vizinhos (Boxe 2.5). foi iniciado naquele mesmo ano de 1934, em Belterra, alguns qui-
:-. •uco mais de um século depois, aquela região é responsá- lômetros rio acima. Como material genético foram empregados
'11ais de 90% da produção mundial de borracha. os clones asiáticos de mais alta produtividade que se conhecia até
~este meio tempo. animados com o sucesso inglês no então. Tudo parecia correr bem, 6478 ha já se encontrando plan-
tados em 1942. No ano seguinte, no entanto, M ulei atacou nova-
Henry Wickham e as sementes de mente. Ataque tão devastador q ue dois anos mnis tarde o grande
sonho de Belterra também foi abandonado. Henry Ford, que mor-
vea brasiliensis
reria em 1947, realista que era, reconheceu sua derrota, desistindo
de produzir borracha em países mais próximos de suas fábricas.
Sir Henry Wickham levou muito a sério a oferta que Ainda hoje a exploração racional de Hevea hrasiliensis na
~ u de seu compatriota, Sir Joseph Hooker, o diretor
região amnzônica é uma atividade de alto risco, mais próxima do
do Kew Gard,en, de Londres: dez libras esterlinas por
fracasso que do sucesso. Os motivos para tal são inúmeros e estão
cada. mil seme111tes de seringueira. Em 1876 Sir Wickham fora do escopo deste capítulo. Inúmeros são também os motivos
coletou 70.000 sementes de Hevea brasiliensis, na região
para o sucesso da exploração racional da seringueira no sudeste
do Boim, pert.o de Santarém, Pará, às margens do rio
asiático. Certamente nenhum deles, porém, é mais importante que
Tapajós, embalou-as cuidadosamente e remeteu-as
a não ocorrência de M 11/ei naquela região.
pua o famos ) Jardim Botânico de Sua Majestade. As
-oo libras estedinas que deve ter recebido foram pouco 2.2.7. A Vassoura de Bruxa do Cacaueiro
pdo trabalho que fez: um século depois, as plantas
~endentes destas sementes eram responsáveis por A vassoura de bruxa do cacaueiro, cujo nome sugere algo
ma.is de 90% dil produção mundial de borracha! • sobrenatural que pode causar maleficios para a cultura dessa
espécie vegetal, na verdade é o nome de uma doença causada pelo
Retornem,os, porém, ao início de nossa história.
fungo Basidiomiceto Moniliophthora perniciosa (sin. Crinipellis
Das 70.000 sementes enviadas, 2397 germinaram. Os
perniciosa). O nome da doença deriva dos sintomas in<luzidos
-<-eedlings" pe1rmaneceram em Kew Garden por alguns
por esse patógeno que deixa os ramos do cacaueiro secos como
meses e, no (nesmo ano de 1876, 1919 deles foram
uma vassoura velha. Embora a vassoura de bruxa não tenha nada
aped.idos para o Ceilão, colônia britânica na época. No
de sobrenatural, ela é a doença mais destrutiva do cacaueiro.
ano seguinte, 22 "seedlings" foram levados a Cingapura
e. destes, nove foram plantados em Perak, na vizinha Essa doença foi dcscobena em 1895, no Suriname, e já tinha
Malásia. Por 1mais incrível que possa parecer, quase demonsrrado o seu poder devastador ao atingir a Venezuela, onde,
todos os clones comercialmente em uso, hoje, na Malásia após quatro anos da sua constatação, a produção de cacau foi redu-
são derivados destas 22 plantas, cujas sementes foram zida de 5. 126 toneladas para míseras 119 toneladas. Há evidências
tio bem escolhidas por Sir Wickham, nas margens do de que essa doença já ocorria no Vale do Amazonas por volta de
Tapajós (Allen,, 1984). 1938. No entanto, o efeito devastador sobre a cultura do cacaueiro
no Brasil, mais precisamente no Estado da Bahia, somente foi
O trabalhio de melhoramento conduzido na Ásia,
sentido no final da década de 1980. Até então o País destacava-se
especialmente no "Rubber Research lnstitute of Ma-
como o segundo maior produtor mundial de cacau, perdendo ape-
laysia" (RRIM ), em Kuala Lumpur, fazendo intenso
nas para a Costa do Marfim, país situado no continente africano. Os
uso de enxertia de gema para produzir clones com
produtores da Bahia eram responsáveis por 95% da produção bra-
~aracterísticas bem defin.idas, constituiu-se num sucesso
sileira de cacau e 20% da produção mundial. A área plantada com
notável: enquaJnto que o material introduzido produzia
essa espécie vegetal era de aproximadamente 650 mil hectares.
anualmente 300-400 kg/ha de borracha, os clones
melhorados pr,oduziam facilmente dez vezes mais. Mas eis que em 1989 o fungo causador da vassoura
de bruxa foi encontrado pela primeira vez em plantações de
cacaueiro no território baiano. Surgiram então suspeitas e até
denúncias de "terrorismo biológico", porém nada ficou com-
-SI.deste asiático, os americanos da poderosa Ford Motor Company provado. independentemente de o patógeno ter chegado natu-
:~.:idiram tentar o estabelecimento de plantações de seringueira ralmente ou pelas mãos do homem à maior região produtora de
Brasil. O local escolhido pani o projeto situava-se 4 1 km ao cacau do Brasil, o estrago foi sentido nos anos subsequentes. Para
R.cl de Santarém, às margens do rio Tapajós, não muito d istante piorar a situação, naquela época os produtores baianos já enfren-
::i região de Boim, onde Wickham havia coletado sementes algu- tavam uma forte queda no preço do cacau no mercado internacio-
:ru.:; décadas antes. O otimismo quanto ao sucesso do empreen- nal, que despencou de 4.000 dólares para apenas 650 dólares a

21
Manual de Fitopatologia

tonelada. Esse conjunto de fatores, mas principalmente a doença


vassoura de bruxa, provocou o maior desastre socioeconómico
nas regiões cacaueiras da Bahia. A produção de cacau, que foi de
390 mil toneladas em 1988, caiu para 123 mil toneladas em 2000.
Estimou-se que no período de 15 anos após a constatação da vas-
soura de bruxa os prejuízos podem ter chegado a 10 bilhões de
dólares. Diversos fazendeiros poderosos e ricos, considerados atl!
então os "coronéis do cacau", passaram de milionários a "baga-
neiros"; regionalismo baiano atribuído àqueles que vendem obje.-
tos usados. Das 250 mil pessoas empregadas nas inúmeras fazen-
das de cacau da região, 200 mil ficaram sem trabalho. Associado
ao êxodo rural, diversas cidades tiveram redução significativa da
população. Não bastassem esses danos, há notícias de que outra
vítima foi a Mata Atlântica do sul da Bahia. Para pagar suas dívi-
das, os fazendeiros derrubaram e venderam como madeira milha-
res de árvores da floresta que antes sombreavam os cacaueiros.
Estimou-se em 100 a 150 mil hectares de mata nativa destruída.
Desenvolvimento de clones de cacaueiro resisrentes ao pató-
geno, uso de agentes biológicos e práticas culturais para o manejo da
doença têm contribuído para paulatinamente reerguer a cacauicul-
tura na Bahia. Apesar de todos os esforços o Brasil não voltou à posi-
ção de grande produtor e exportador de cacau dos anos de ouro da
cacauicultura e continua sendo mais um importador desse produto.

2.2.8. A Ferrugem da Soja


Em maio de 2001, dois meses após terem sidos constatados
uo Paraguai, sintomas da ferrugem asiática da soja (Phakopsora
pachyrhizi) foram observados em campos de cultivo do Paraná.
As diminutas pústulas do patógeno, que individualmente não cau-
sam espanto, distribuem-se em grande quantidade no limbo foliar
e provocam desfolha nas plantas (Figura 2.6). Essa desfolha, que
Figura 2.6 - Sintomas de ferrugem da soja. (A) Pústulas no limbo
muitas vezes ocorre antes de os grãos fonnarem-se completa-
foliar e (B) desfolha causada pela doença (à esquerda)
mente, provoca prejuízos significativos à produção. Após a pri- cm comparação a plantas sadias (à direita).
meira constatação na Região Sul, rapidamente a doença foi obser- Crédito das fotos: Marco Loebrer.
vada nas demais regiões produtoras de soja do País, com veloci-
dade impressionante. O cultivo co11tínuo da soja, graças ao uso
2.2.9. Huimgloogbing em Citros
de irrigação nos meses de inverno na região Centro-Oeste, garan-
tindo presença de tecido suscetível durante todo o ano, aliado A doença denominada huanglongbing, também conhecida
à favorabilidade ambiental ao desenvolvimento da doença no como greening, esteve por décadas restrita aos continentes asiático
Brasil, forneceram condições ideais ao desenvolvimento de epi- e africano, onde sempre foi considerada a mais importante, severa e
demias. E que epidemias! Já na safra de 2004/05 focos de ferrugem devastadora moléstia dos citros. A doença é causada por uma bac-
foram observados em plantas de apenas 20 dias. Nessas situações a téria habitante do ftoema - na verdade até agora já foram descritas
epidemia não pode ser controlada e a perda é garantida. três espécies dessa bactéria-, que, uma vez no interior da planta, não
Até 2001 , antes da chegada da doença ao Pais, o Brasil era é mais removida. Traia-se, portanto, de uma doença incurável. Os
o oitavo consumidor de fungicidas no mundo. Em 2007, ele já era danos são enormes, com o aparecimento inicial de setores da árvore
o segundo, principalmente devido ao crescimento de aplicações amarelados (Figura 2. 7), seguido por um depauperamento genera-
para o controle da ferrugem da soja. Duas medidas de manejo lizado da copa, redução na qualidade dos frutos e na produção da
vêm atualmente sendo utilizadas pelos produtores, com o intuito árvore. A dispersão da doença é garantida por pequenos insetos veto-
de reduzir a frequência de pulverizações com fungicidas: o vazio res, entre nós Diaphorina citri, de dificil controle. A redução na pro-
sanitário e o plantio de cultivares precoces. O vazio fitossanitário dução é rapidamente observada e o controle da doença depende de
é uma medida legislativa que, por meio de instruções normativas, uma ação cooperativa entre vários produtores de uma mesma região,
proíbe o cultivo da soja na entressafra dos diferentes Estados do dispostos a erradicar as plantas doentes e a combater a eutrada do
País. Essa medida contribui para a redução do inóculo no início vetor infectivo. Essas medidas de controle devem ser pennanen-
da safra principal e atrasa o início das epidemias. Como conse- tes e executadas de maneira homogênea em wna região produtora.
quência, a proteção das plantas pode também ser atrasada. O uso Caso um produtor desista do controle. seu pomar passa a ser fonte
de cultivares de ciclo precoce visa à redução do tempo de exposi- de inóculo e de vetor para os vizinhos e o controle da doença nesses
ção da cultura ao patógeno e também contribui para a redução do vizinhos toma-se ainda mais difícil, pois exige maior frequência na
número de aplicações fungicidas. Variedades resistentes à doença erradicação e no controle do vetor. O custo de produção aumentou
vem sendo intensamente buscadas e já há algumas sendo incorpo- significativamente nas propriedades que combatem a doença e mui-
radas ao controle da ferrugem da soja. tas não conseguiram manter-se economicamente. Por esse motivo, a

22
Importância das Doenças de Plantas

2.3. TIPOLOGIA DOS DANOS


Ao contrário do que possa parecer, nem toda doença de
planta é catastrófica. A perda de vidas humanas (itens 2.1. 1 e 2.1.2),
a falência de bancos e produtores (2.1.3). a mudança de costumes
de toda uma nação (2.1.3), as intoxicações que levam à loucura
(2.1.4). as milhões de toneladas de milho perdidas num só ano
(2.1.5), o colapso da agroindústria do açncar (2.2.1 ), o colapso
da citricultura (2.2.2 e 2.2.3), o desaparecimento de variedades
preferidas pelos consumidores (2.2.4), a restrição do plantio de
variedades ecléticas e produtivas (2.2.5), o abandono de cidades
inteiras (2.2.6) são exemplos extremos, reais sem dúvida, mas
de ocorrência esporádica. No dia a dia, os danos causados pelos
patógenos são menos espetaculares. Seus efeitos na vida das pes-
soas e da sociedade, no entanto, são tão diversos e significativos
que uma tipologia geral de danos (Tabela 2.1) faz-se necessária
para permitir uma visão geral do problema.
figura 2.7 - Amarelecimento setorizado de parte da copa de tangor
Murcott causado por huanglongbing dos citros. 2.3.1. Dano Potencial e Dano Real
Crédito da foto: Fundecitrus. Dano potencial é o dano que pode ocorrer na ausência
de medidas de controle. A partir de 1869, em um período de
substituição de pomares de laranjas por campos de cana-de-açúcar 20 anos, Hemileia vasratrix destruiu completamente a cafeicul-
<!Stâ se tomando cena cada vez mais comum nesse início de século tura do Ceilão. Medidas de controle não puderam ser aplicadas
X."'(J no Estado de São Paulo. A área ocupada por citros passou de pois, ua época, os fungicidas ainda não eram conhecidos. Zadoks
~ 15 mil hectares, no final da década de 1990, para 415 mil hecta-
& Schein ( 1979) chamam de visão retrospectiva esta forma de
res. em 2017. No entanto, a alarmante epidemia que se anunciava no avaliar o dano potencial. O contrário, a visão preditiva, tam-
1I11cio do século XX está sob relativo controle nos dias que correm,
bém pode ser imaginada: o q ue aconteceria com os exuberantes
especialmente devido ao esforço de técnicos e produtores do Estado
seringais do sudeste asiático caso Microcyclus ulei fosse introdu-
de São Paulo em promover o manejo regional da doença. A incidên-
zido na região? O dano potencial, na visão preditiva, tem grande
cia de talhões contaminados permaneceu estabilizada em 16% entre
~015 e 2017, demonstrando efetividade do manejo aqui executado. importância para os órgãos nacionais e internacionais que cuidam
O sucesso obtido com o manejo do huanglougbing no Brasil é único da quarentena vegetal (Boxe 2.6).
no mundo e tem garantido ao País a primeira posição mundial na Dano real é o dano que já ocorreu ou que aiuda está ocor-
prcxlução de suco de laranja. rendo. Divide-se em dois grupos: dano direto e dano indireto.

Tabela 2.1 - Tipologia dos danos causados por patógenos.

Dano potencial'
Produção (quantidade)
Qualidade
Dano primário1
Custos de controle
Perda de receita pelo plantio de culturas ou variedades menos rentáveis
Dano direto3
Contaminação de sementes, tubérculos, gemas, etc.
Patógenos veiculados pelo solo
Dano secundário6
Enfraquecimento do hospedeiro através de desfolha prematura
Dano reaP
Custos de controle
Produtor
Comunidade rural
Dano iildireto• Consumidor
Estado
Ambiente

Danos que podem ocorrer na ausência de medidas de controle.


- Danos que já ocorreram e que ainda estão ocorrendo.
Danos na quantidade, qualidade e capacidade futura de produção.
Efeitos econômicos e sociais das doenças de plantas além do impacto agronômico imediato.
Danos pré- e pós-colheita devidos às doenças de plantas.
· Danos na capacidade futura de produção.
Fonte: Zadoks & Schein (1979).

23
Manual de Fitopatologia

ocorridos na própria cozinha do consumidor. Frequentemente,


Boxe 2.6 Dano potencial e a ameaça da os danos que ocorrem depois que o produto deixou o campo
introdução de patógenos excedem 10%.
O Estado, com o que arrecada dos contribuintes, arca com
Quais os patógenos que não ocorrem no Brasil e que as despesas dos institutos de pesquisa, universidades, serviços
representam as maiores ameaças para as nossas culturas? de proteção vegetal e quarentena, entre outras. Menos mensurá-
O conceito de dano potencial, levando em conta tanto a veis. mas não menos importantes. são os prejuízos causados ao
visão retrospectiva quanto a visão preditiva, é o melhor ambiente pelos pesticidas, assunto que, ultimamente. vem rece-
caminho para chegar a uma resposta satisfatória. bendo cada vez maior atenção do público, dos pesquisadores e
Os Estados Unidos da América já definiram, por das agências governamentais.
ordem de importância, os patógenos que mais ameaçam Dano direto é o dano que incide na quantidade ou qua-
sua agricultura (McGregor, 1978). Esta lista serve como lidade do produto ou. ainda, na capacidade futura de produção.
um guia muito útil para todo o pessoal dos serviços Divide-se em dois grupos: dano primário e dano secundário.
fitossanitários e de quarentena que trabalha nos portos
de entrada americanos. A importância potencial de 2.3.3. Dano Primário e Dano Secundário
cada patógeno é quantificada pela fórmula: Danos primários são os danos pré- e pós-colheita de pro-
IEE=P •E dutos vegetais devidos às doenças de p lantas. Eles ocorrem desde
onde IEE = impacto econômico esperado, P = proba- a estocagem das sementes. passando pela germinação, cres-
bilidade do patógeno tornar-se estabelecido no país e cimento da planta, colheita, manuseio e estocagem do produto
E = impacto econômico caso o patógeno real.mente colhido. A sequência termina, como já mencionado, com o trans-
se estabeleça. O valor de P é função do volume de porte, comércio atacadista, varejista e cozinha do consumidor.
importação de material vetor do patógeno (na maioria Estes danos podem ser na quantidade ou na qualidade do pro-
dos casos a própria planta hospedeira), do grau de duto, fatores que têm imponância variável dependendo do tipo
associação existente entre o patógeno e o material vetor de produto e do poder de compra dos consumidores. A Figura 2.8
e da facilidade com que o patógeno se estabelecerá ilustra danos primários de pós-colheita, com redução de quan-
no país após ter sido introduzido. O valor E é função, tidade, para diversas culturas. Não se pode esquecer de incluir
principalmente, d.o valor econômico do h ospedeiro, da neste item os prejuízos representados pelos custos do controle
gama ecológica do patógeno como uma porcentagem da das doenças e pela necessidade, em algumas situações, do plantio
gama ecológica do hospedeiro e dos custos adicionais de culturas ou variedades menos rentáveis.
de controle.
Para as condições brasileiras, não existe um estudo 16 -~ -- -- - - -- -- - - -~
tão detalhado. Entretanto, baseando-se em grosseiras
estimativas de alguns dos parâmetros mencionados, como • Pêssego 2003
o valor econômico do hospedeiro, a gama ecológica do
patógeno e os custos do controle, é possível a elaboração ■ Pêssego 2004

de uma lista de patógenos potencialmente perigosos. o Nectarine 2003

e Nectarina 2004
23.2. Dano Direto e Dano Indireto e Ameixa 2004
Danos indiretos compreendem os efeitos económicos e
sociais das doenças de plantas que estão além do impacto agro- Danos mecanicos Doenças
nômico imediato. Ao nível do produtor e da comunidade rural.
por exemplo, danos na produção geralmente levam a perdas eco- Figura 2.8 - Incidência média (porcentagem de frotas comercíaliza-
nômicas, que podem levar ao endividamento e, mesmo, ao aban- dos) de injúrias e de doenças pós-colheita em rosáceas
dono da atividade produtiva. Na América Central, muitas plan- tlt: caroço na CEAGESP nas safras de 2003 e 2004.
tações de banana exploradas por pequenos produtores foram Fonte: Modificada de Amorim et ai. (2008).
abandonadas quando Fusarium oxysponim f. sp. cubense (mal do
Panamá - item 2.2.4, Boxe 2.4) tomou-se estabelecido na região. Danos secundários são os danos na capacidade futura de
Zadoks & Schein ( 1979) chamam a atenção para o fato de nem produção causados pelas doenças. Este gênero de danos é muito
sempre, nestas condições, a perda econômica ser a mais impor- comum quando o patógeno é veiculado pelo solo ou dissemi-
tante: há também a perda do capital espiritual, este expresso na nado por órgãos de propagação vegetativa de seu hospedeiro.
esperança e na crença de que o progresso pode melhorar o padrão Incluem-se aqui, também, aqueles patógenos que debilitam,
de vida de pessoas e comunidades. A perda do capital espiritual é usualmente pela desfolha prematura, seus hospedeiros.
extremamente grave quando a comunidade está iniciando a luta
para deixar a pobreza ou a miséria. 2.4. BIBLlOGRAFlA CONSULTADA
Os danos causados por patógenos não afetam somente os Allen, P.W. Fresh germplasm for natural rubber. Span 27: 7-8, 1984.
produtores. Consumidores também têm que dividir a conta, Amorim, L.; Martins, M.C.; Lourenço, S.A.; Guticrrc~ A.S.D.; Abreu.
incluindo-se aqui parte dos danos ocorridos no campo, a maio- F.M.; Gonçalves, F.P. Stone fruit injuries and damage at the who-
ria dos danos ocorridos na cstocagem do produto, no transporte, lesale market of São Paulo. Brazil. rostharve~t Blology and
no comércio atacadista, no varejista e a totalidade dos danos Technology 47: 353-357, 2008.

24
CAPÍTULO

3
CONCEITO DE DOENÇA,
SINTOMATOLOGIA E DIAGNOSE
Jorge Alberto Marques Rezende, Nelson Sidnei Masso/a Júnior e Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

3.1. Doenças de plantas .................................................. 27 3.3. Diagnose ................................................................... 38


3.1.1. Características básicas das doenças de plantas.... 27 3.3 .1. Diagnose de doenças conhecidas .................. 38
3.1.2. Causa da doença............................................. 28 3.3.2. Diagnose de doenças desconhecidas ............ 39
3.2. Sintomatologia ......................................................... 31 3.4. Bibliografia consultada............................................ 43

~ 1. DOENÇAS DE PLANTAS dificuldades, entre elas como estabelecer os limites entre o que
é normal ou sadio e o que é anormal ou doente; como separar

A
doença é o objeto central da Fitopatologia, um
fenômeno exclusivo dos seres vivos e, como tal, doença de uma simples injúria tisica ou química; como distinguir
matéria de estudo da Biologia, a ciência da vida. doença de praga ou de outros fatores que afetam negativamente o
E=-e as diferentes especialidades da biologia está a patologia, que desenvolvimento das plantas; como aceitar que fatores do ambiente,
.. L,ciplina através da qual os princípios básicos que caracterizam como falta d'água, possam causar doença, etc. Estas questões fazem
- -:.:;.rureza da doença são estudados. A patologia, a exemplo da da doença de plantas um fenômeno de natureza complexa, que não
~,.1logia, trata do estudo das funções ou processos vitais dos tem uma definição precisa, mas que, sem dúvida, apresenta algumas
'iCt'eS vivos, e a diferença entre estas duas disciplinas está no seu caracteristicas básicas, essenciais, que serão discutidas a seguir.
~oque. A fisiologia busca o entendimento dos mecanismos que
.:- = à competência funcional plena dos seres vivos, enquanto
3.1.1. Características Básicas das Doenças de Plantas
Ao se consultar a literatura, são encontradas muitas definições
• --=? patologia procura elucidar o que acontece quando os sistemas
.-• ..:.,s não são capazes de manter a competência funcional em sua ou afirmativas sobre a natureza das doenças de plantas, entre as quais
- ~rude. A razão da falta desta competência funcional é a doença, algwnas se destacam, em ordem cronológica, como base para dis-
--. conceito deve ser aplicado para todos os seres vivos (plantas, cussão (Boxe 3.1).
.s::.:mais e o próprio homem) nos diferentes ramos da patologia Tendo por base as definições do Boxe 3.1, pode-se tirar algu-
F·wpatologia, Medicina Veterinária e Medicina Humana). Estes mas conclusões ou fazer algumas generalizações sobre a natureza
-=ili. por outro lado, desenvolveram-se independentemente como da doença. Um primeiro ponto a ser levantado é o fato de se poder
:::s..:1plinas aplicadas, cada um com suas particularidades práticas. destacar algumas características básicas que aparecem naquelas defi-
Estas duas visões, a teórica, básica, científica ou biológica, por oições, explícita ou implicitamente, e que retratam aspectos consen-
;.:n lado,e a prática, aplicada ou agronômica, por outro, aliadas à suais sobre o conceito de doença entre os fitopatologistas. Estas
_ mplex.idade dos sistemas vivos, trazem à tona algumas questões características básicas enfatizam doença como fenômeno bioló-
-,...indo se discute o conceito de doença dentro da área vegetal, gico, representando o ponto de vista científico, teórico, sobre a
-~etindo pontos de vista diferentes, às vezes até conflitantes. Ao mesma. Assim, em primeiro lugar, devemos entender a doença
?..Lar definir doença, os fitopatologistas esbarram em algumas como uma interferência em processos fisiológicos da planta,

27
Manual de Fitopatologia

permite a separação da doença de outros fatores de danos à planta,


Boxe 3.1 Evolução cronológica do conceito de que são comumente referidos na literatura pelo nome genérico de
doença de plantas injúria. Uma injúria caracteriza-se pela ação momentânea, pas-
sageira, de um fator fisico-mecânico ou químico sobre a planta
• "As doenfaS de plantas devem ser atribuídas a como, por exemplo, a ação de lagartas desfolhadoras. ferimentos
mudanças anormais nos seus processos .fisiológicos; em geral, fogo, queima por produtos tóxicos, etc. A atuação destes
estas são distúrbios na atividade normal de seus fatores ao nível celular tem uma duração curta, limitada, de fração
órgãos" (Kühn, 1858). de segundo, como a mordida de uma lagarta, a alguns minutos, às
• "Doença em planta é atividade .fisiológica injuriosa, vezes até horas, como a ocorrência de uma geada, levando à des-
causada pela irritação continua de um fator causal truição da célula.
primário, exibida através de atividade celular A doença, vista como um fenômeno biológico, tem, pois,
anormal e expressa através de condições patológicas uma conotação ampla, independente dos fatores que a determina,
características chamadas sintomas" (Whetzel, 1935, ou seja, da sua causa, englobando não só as alterações fisiológi-
citado por Bateman, 1978). cas acarretadas por agentes infecciosos, tradicionalmente estudada
• "Plantas doentes são caracterizadas por mudanças"ª pelos fitopatolog1stas, como também por condições desfavorâveis
sua estrutura ou processos .fisiológicos, acarretadas do ambiente. Assim, as deficiências ou desequilíbrios nutricionais
por ambiente desfavorável ou por algum agente desencadeados por solos de baixa fertilidade, os distúrbios fisioló-
parasitário" (Walker, 1950). gicos causados por deficiência hídrica ou excesso de umidade, altas
• "Doença de planta é uma desordem .fisiológica ou ou baixas temperaturas, etc., que levam a uma irritação celular
anormalidade estrutural que é deletéria para a planta contínua, podem ser enquadrados dentro do conceito biológico de
ou para alguma de suas partes ou produtos, ou que doença. Da mesma forma, as anomalias fisiológicas provocadas
reduza seu valor econômiro" (Stakman & Harrar, por insetos e ácaros toxicogênicos podem também ser considera-
1957). das como doença, embora estudadas por outras disciplinas, como
• "Doença não é uma condição ( ...). Condição é um a Entomologia e a Acarologia, respectivamente.
complexo de sintomas ( ...). Doenfa não é o patógeno Nesse ponto vale definir os conceitos de doença infoc-
( ...). Doença não é o mesmo que injúria ( ... ). Doença ciosa ou biótica e doença não infecciosa ou abiótica. Quando a
resulta de irritação contínua e inj úria, de irritação doença é causada por um organismo transmissível de u~a planta
momentânea (...). Doença é um processo de mau para outra, como os fungos, bactérias, vírus, filoplasmas e nema-
funcionamento que resulta em algum sofrimento para toidcs, a doença é considerada biótica. Por outro lado, as doenças
a planta" (Horsfall & Diamond, 1959). causadas por fatores desfavoráveis do ambiente e, portanto, não
transmissíveis de planta para planta, são chamadas de doenças a bi-
• "Doenfa é a alteraçifo injuriosa de um ou mais processos
óticas. As doenças bióticas e a bióticas apresentam particularidades
ordenados de utilização de energia em um sistema 11Jvo,
em relação ao aparecimento e distribuição dos sintomas que são
causado pela contínua irritação promovida por um
úteis para separá-las. Ponanto, um Engenheiro Agrônomo deve
f ator causal primário ou fatores" (Bateman, 1978).
conhecer essas particularidades e usá-las para realizar diagnoses
• "Doença é o mau funcionamento de células e tecid os do com eficiência. Mais detalhes sobre as diferenças entre doenças
hospedeiro que resulta da sua contínua irritação por bióticas e abióticas podem ser encontrados no Capítulo 33 desta
um agente patogênico ou fator ambiental e que conduz obra, que trata das Joenças abíóticas e injúrias.
ao desenvolvimento de sintomas. Doença é uma
condiÇÕQ e,ivolvendo mudanças anormais na forma, 3. 1.2. Causa da Doença
fisiologia, integridade ou comportamento d a planta. NocasoJas doenças infecciosas ou bióticas, microrganismos
Tais mudanças podem resultar em dano parcial ou
como fungos, oomicctos, procaüotos (bactérias, fitoplasmas e
morte da planta ou d e suas partes" (Agrios, 2005). espiroplasmas), nematoides, vírus, viroides e alguns protozoários
são os agentes causais caracterizados como patógenos típicos.
Outros organismos, como os insetos e ácaros podem, também,
levando-a ao desempenho anonnal em suas funções vitais, como ser considerados patógenos, quando acarretarem alterações
na absorção e transporte da água e elementos minerais, na sín- fisiológicas na planta, características do processo doença, como
tese do seu alimento ou na sua utilização. Além disso, fica tam- no caso das toxemias (Boxe 3.2).
bém claro que esta interferência é prejudicial à planta, levando- Os agentes causadores de doenças usualmente interagem
-a a uma redução de sua eficiência fisiológica. Esta interferência com a planta, vivendo dentro ou fora dela, invadindo seus teci-
pode ser entendida como um desequilíbrio no balanço energético dos, gerando, então, o processo infeccioso. Deste tipo de intera-
da planta. Numa planta sadia ou nonnal, que se desenvolve na ção adveio o tenno hospedeiro, o qual designa a planta onde o
plenitude do seu potencial genético, existe um equilíbrio entre os patógeno se estabelece. O patógeno, por sua vez, ao colonizar a
processos geradores e os processos consumidores de energia; em planta, retira desta os nutrientes para o seu desenvolvimento, o que
uma planta doente este balanço é alterado, ou seja, a utilização o caracteriza, nestas circunstâncias, como um parasita. Portanto,
de energia toma-se desordenada, com consequente prejuízo para de um modo geral. os patógenos são parasitas, beneficiando-se de
a planta. A outra característica da doença que aparece em quase seu hospedeiro.
todas as definições é o seu caráter de processo contínuo, não Existe, no entanto, um grupo pequeno de microrganismos
momentâneo. Embora esta continuidade seja uma característica (alguns fungos, bactérias e algas) que causam doença, mas
relativa, em função do tempo de d uração do fenômeno, é ela que não vivem nos tecidos da planta, isto é, não se comportam

28
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

5oie 3.2 Doenças associadas à alimentação de insetos e ácaros toxicogênicos (toxemias)

\o estabelecerem relações alimentares com as plantas, alguns tipos de insetos e de ácaros, além de causarem danos físicos
rdaciooados principalmente com a introdução do seu aparato bucal nos tecidos) e de retirarem nutrientes, podem também
agetar substâncias estranhas nos tecidos do vegetal. Tais substâncias, originadas do próprio inseto ou ácaro, são componentes
de suas secreções salivares, como aminoácidos, enzimas, hormônios, etc. Essas substâncias podem produzir efeito deletério
.ao ~m introduzidas na planta, constituindo-se então em produtos tóxicos, não translocáveis ou translocáveis a curta ou a
mga distância. O fenômeno resultante da ação toxirogênica da saliva do inseto ou do ácaro nos tecidos da planta é chamado
par alguns de toxemia ou fitotoxemia.
As toxemias podem ser de ação localizada ou sistêmica. As toxemias localizadas manifestam-se como lesões nos
pontos de alimentação do agente to:xicogênico, Apresentam-se geralmente como manchas doróticas ou necróticas. As
xm:uas sistêmicas são resultantes d.a translocação do princípio ativo e manifestam-se por alterações na coloração das
íolhas (clorose, mosaico d.as nervuras), murcha, redução do crescimento, necrose do floema, etc. As toxemias pod~m ser
ausadas tanto por ácaros como por insetos do tipo cochonilhas, pulgões, moscas brancas (Figura 3.IA), cigarrinhas,
psllideos e percevejos.
Existe também um terceiro tipo de toxemia, as malformações primárias dos tecidos (Figuro 3.1 B), caracterizada
por encrespamento, alterações de clorofila, roseta, superbrotamento, queima foliar marginal, malformações de frutos
~ ~.lhas. Pulgões, cigarrinhas e ácaros são os principais tipos de orgauismos associados às malformações primárias.

A B

F"1111ra 3.J - Prateado da folha da abobrinha de moita cv. Caserta provocado por toiu:mia da m~ca branca Bemisia tabaci (A): malformação
foliar em mamoeiro provocada por toxemia do ácaro branco l'n~vphugo/(ll'3onitmus latus (D).

xamo parasitas. A maioria deles induz doença pela secreção de pois um organismo parasita pode retirar o seu alimento de seu
substâncias tóxicas que são absorvidas pelas plantas. Alguns hospedeiro sem provocar prejuízos. Relações de interdependência
~pios de doenças causadas por estes patógenos não parasitas, entre os seres vivos são comuns na natureza, como as micorrizas
.,..e secretam toxinas, podem ser encontrados na revisão feita por (Boxe 3.5) e a associação entre as leguminosas e os rizóbios (Boxe
.i. altz ( 1978). Alguns microrganismos podem causar doença ao 3.6), em que ambos os componentes da associação se beneficiam.
·~erir com as funções normais das plantas, no entanto sem A associação planta-patógeno, numa relação um a um, ou
;,ar-asilá-las, mas crescendo externamente na superftcie de seus seja, uma doença-uma causa, caracteriza a visão tradicional da
.,rgãos. São os casos de algumas algas que crescem na superficie Fitopatologia sobre a natureza causal das doenças de plantas, fruto
i!.!S folhas; dos mixomicetos que desenvolvem o seu plasmó<lio da sucessiva aplicação, na área vegetal, do postulado elaborado
oo as suas estruturas de reprodução na superficie da planta; e das por Robert Koch, em 1876 (ver item 3.3.2). Uma análise das
.-..miaginas (Boxe 3.3). causas das doenças, coutudo, nem sempre revela uma relação
Um terceiro tipo de patogenicidade, sem envolvimento de um patógeno-uma doença. Existem muitas doenças nas quais as
iwasittsmo, é aquele encontrado na atuação de uma planta sobre relações causais envolvem mais de um agente ou fator patogênico,
a outra, pela liberação de produtos tóxicos no meio, característica que atuam sequencial ou concomitantemente, podendo estes ser
do fenômeno de alelopatia (Boxe 3.4). bióticos (infecciosos) ou abióticos (não infecciosos). No caso da
~o caso, portanto, de patógenos não parasitas, tanto os etiologia sequencial, o patógeno ou fator primário muda a reação
·ermos hospedeiro, para designar a planta suscetível, como do hospeJeiro ou da planta suscetível, usualmente alterando
parasita, para designar o agente causal, não são apropriados. A sua fisiologia, de tal forma que o patógeno ou fator secundário
-corrência do parasitismo, por outro lado, não significa que a possa atacá-la. No caso d~ atuação concomitante, os patógenos
~lação seja necessariamente danosa para a planta hospedeira, ou fatores causais estabelecem uma relação ecológica próxima e

29
Manual de Fitopatologia

Boxe 3.3 Fumaginas Boxe 3.4 Alelopatia: patogenicidade sem parasitismo

As fumaginas consistem no crescimento de Num sentido amplo, alelopatia é definida como


determinados fungos, especialmente do gênero qualquer efeito causado, direta ou indiretamente,
Capnodium (ascomiceto da ordem Capnodiales), que por um organismo (doador) sobre outro (receptor),
apresentam coloração escura, formando um filme ou através da liberação no ambiente de produtos químicos
uma crosta na superfície das partes aéreas da planta elaborados pelo doador. De acordo com este conceito,
(Figura 3.2). Estes fungos se desenvolvem às custas de o efeito poderá ser benéfico ou prejudicial, podendo
secreções de insetos, ricas em açúcares e aminoácidos, ser exercido por uma planta sobre outra, por um
que se depositam sobre a planta. Pulgões, cochonilhas microrganismo sobre outro, por um microrganismo
e formas jovens de mosca branca são os principais tipos sobre uma planta ou vice-versa. Já num sentido restrito,
de insetos que podem determinar o desenvolvimento alelopatia é vista, talvez d e forma mais correta, como
destes fungos, pela liberação abundante de secreções efeito prejudicial, direto ou indireto, de uma planta
açucaradas. sobre outra. O efeito é direto caso o produto químico
Os fungos formadores das fumaginas não são, permaneça inalterado após a liberação pela planta
portanto, parasitas, podendo ser facilmente destacados doadora; o efeito é indireto caso o produto químico seja
da superfície da planta, como se faz com uma película. alterado na sua composição ou atuação antes de afetar
Entretanto, pelo seu crescimento escuro, denso, as a planta receptora.
fumaginas podem reduzir consideravelmente a luz As substâncias alelopáticas são de natureza
que incide sobre os órgãos clorofilados da planta, química bastante diversa. Em geral, são metabólitos
reduzindo a sua capacidade de fotossíntese. O desen- secundários, não tendo funções bem conhecidas no
volvimento da fumagina na superfície das folhas metabolismo da planta. Além disso, os compostos
pode também interferir com as trocas gasosas que se alelopáticos são relativamente não específicos ua sua
dão através dos estômatos, acarretando um prejuízo ação, podendo afetar diferentes espécies de plantas e
adicional à planta. estar envolvidos na defesa das plantas contra o ataque
Do ponto de vista econômico, as fumaginas podem de microrganismos e insetos, como os compostos
prejudicar a qualidade dos produtos agrícolas, alterando fenólicos, por exemplo. Algumas substâncias alelo-
sua aparência, como no caso dos frutos, ou reduzindo páticas do grupo dos alcaloides são também tóxicas
o valor de certos produtos, como as fibras de algodão, a animais superiores. Ácidos fenólicos, coumarinas,
quando incidem sobre os capulhos aber:tos. terpenoides, flavonoides, alcaloides, glicosideos, taninos
e quinonas estão entre os mais comuns grupos de
substâncias com características alelopáticas.
Estes produtos entram no ambiente de várias
formas. Compostos aromáticos podem volatilizar-se
das folhas, caules ou flores, constituindo-se, em
parte, no aroma associado a uma determinada
planta. Compostos tóxicos solúveis em água podem
ser lixiviados a partir das raízes ou parte aérea das
plantas. Outros produtos podem ser encontrados
na serapilheira e ser removidos por lixiviação ou ser
formados pela ação de microrganismos que atuam na
decomposição da matéria orgânica vegetal. Uma vez
liberados no amhiente, estes produtos poderão inibir
a germinação das sementes ou inibir o crescimento das
plantas presentes naquele local.
Figura 3.2 - Fumagina em folha de dtros.
Crédito da foto: Fundecitrus.
concomitantes por diferentes patógenos, são encontrados mais
comumente entre as viroses, onde dois ou mais vírus podem
conjuntamente produzem sintomas que são diferentes daqueles interagir sinergisticamente, ou não, para causar a doença.
induzidos por cada um individualmente. O exemplo clássico de Outros tipos de doença de etiologia complexa bastante
doença em que há atuação sequencial de patógenos é aquele que comuns são aqueles que envolvem a atuação de fatores ambientais
envolve como hospedeiro variedades de algodoeiro resistentes à (condições extremas ou sub-ótimas de temperatura, umidade,
murcha de Fusarium. Ao scratacado pelo nematoide Meloidogyne luz, nutrição, etc.) como fatores causais primários, no caso
incognita, que atua como patógeno primário ou independente, abióticos, e de fungos, que atuam como patógenos secundários,
causando galhas típicas nas raízes, o algodoeiro fica predisposto à como Botryosphaeria riblf, Colletotrlchum spp., lasiodlplodia
infecção por Fusarium oxysporum f. sp. vasinfectum, agente causal thcobromae, Valsa (Cytospora) spp.• Diaporthe (J'homopsis) spp.,
da murcha, que atua como patógeno secundário ou dependente. Nectria spp., causadores de cancros ou lesões neoróticas em caule
Exemplos de doenças de causa complexa, envolvendo infecções de plantas lenhosas.

30
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

doente, recebem o nome genérico de sinal. Deste modo, uma


Scae l.5 Micorrizas: um caso de parasitismo em seu
lesão na folha do cafeeiro, exibindo urediniósporos do fungo
mais elevado grau de especialização Hemileia vastatrix, é o sintoma da ferrugem do cafeeiro, onde
estão presentes sinais (esporos) do agente causal. Durante o
De modo generalizado na natureza, as plantas desenvolvimento de uma doença, diferentes sintomas sucedem-se
=-cuiares apresentam-se associadas a certos fungos no em uma determinada sequência. Voltando à ferrugem do cafeeiro,
JiC5i ~utema radicular, com os quais estabelecem uma
o primeiro sintoma do ataque de H. vastatrix manifesta-se como
~ o mtima de interdependência. Nesta associação, uma pequena mancha amarelada, de 1 a 2 mm de diâmetro,
~ d a de micorriza (do grego, mico= fungo e riza denominada ''fleck". na face inferior da folha, que corresponde ao
= nJZQJ, o fungo penetra nas raízes finas de absorção, início da colonização dos tecidos do hospedeiro. Gradativamente,
~ i.uas hifas colonizam a região do córtex, esta mancha aumenta de tamanho, apresentando-se circular, até
~...r.ando substâncias sintetizadas pela planta, como atingir I a 2 cm. Neste ponto, a face superior da folha mostra
a.."Ei.:....res e aminoácidos, para o seu desenvolvimento. uma mancha lisa e amarela, à qual corresponde, na face inferior,
danificar os tecidos colonizados, o fungo, em uma mancha alaranjada, com uma massa pulverulenta, saliente,
..a?tr~partida, oferece uma série de benefícios à constituída de urediniósporos do fungo. A sequência completa ou
ta. dentre os quais o favorecimento na absorção o conjunto de sintomas determinados por uma doença é conhecido
üntrientes do solo, especialmente do fósforo. Além por quadro sintomatológico.
ri..-ito uutricional, os fungos micorrízicos podem
Vários critérios podem ser utilizados para a classificação de
~ l a r a tolerância das plantas à deficiência hídrica,
sintomas. De acordo com a localização dos sintomas cm relação ao
Pn<.:er hormônios ou propiciar melhor balanço
patógeno, pode-se separá-los em dois grupos: sintomas primários,
~onaJ à planta e protegê-la contra o ataque de
resultantes da ação direta do palógcrm nos órgãos que exibem os
.-:u..,"" fitopatogênicos veiculados pelo solo. Como sintomas, e sintomas secundários ou reflexos, exibidos pela planta
;iJo destes efeitos benéficos, o comportamento
em órgãos distantes do local de ação do patógeno. Uma mancha
a planta micorrizada em relação a uma não
foliar é exemplo do primeiro tipo e uma murcha provocada por um
--=:..~zada é superior, sobrevivendo e crescendo
patógcno radicular ou vascular é exemplo do segundo.
-=i..ll(•r notadamente em áreas adversas.
Doenças podem provocar sintomas que alteram o hábito de
crescimento da planta como, por exemplo, superbrotamcnto ou
nanismo. Em contmposição a estes tipos de sintomas, algumas
5cae 3.6 Fixação de nitrogênio por bactérias doenças provocam sintomas lesionais, os quais não interferem com
o hábito de crescimento, ma<; alguns órgãos são particulanncntc
\'anas espécies da familia Leguminosae, entre as danihcados. Manchas necróticas são exemplos de sintomas lesionais.
a1gumas de grande importância agronômica, • Um dos critérios mais utili:tados na classificação de sintomas
;a so_ja e o feijoeiro, são infectadas por bactérias é a alteração na estrutura e/ou nos processos afetados. Ao nível
tl}'O bastonete, Gram-negativas, pertencentes ao celular (sintomas histológicos), as alterações podem expressar-se
Rliizobium. Estas bactérias fonnam nódulos como granulose do citoplasma, plasmólise, vacuolose, etc.
'RS raizes e, às vezes, no caule, de onde retiram /\Iterações na fisiologia do hospedeiro (sintomas fisiológicos)
~utos fotossintetísados para o seu desenvolvimento, podem ser verilicadas pelo aumento da respiração, aumento
~eodo, em troca, produtos nitrogenados, como da transpiração, interferência nos processos de síntese, etc.
2L:II03cidos e ureídos, através do processo de fixação do Alterações exteriorizadas ao nível de órgão são classificadas
cnio atmosférico (N2 ). Como produtos finais deste dentro de sintomas morfológicos. Neste capitulo, dar-se-á ênfase
~ ~ dependendo da espécie vegetal, são formados à classificação dos sintomas visíveis externamente, tomando-se
.amoacidos (asparagina) ou ureídos (alantoína ou como critério as alterações morfológicas da planta doente.
-.::idl> aJantoico), os quais são, em seguida, exportados Por siutoma morfológico entende-se qualquer alteração
aia:. a parte aérea da planta. Com isto, o crescin1ento e visível na forma ou anatomia dos órgãos da planta decorrente
fCUdução de uma planta com rizóbio são superiores da ação de um patógeno. Depeudendo do tipo de modificação
de uma planta sem a bactéria, especialmente em exibida pelo órgão afetado, os sintomas morfológicos podem ser
mm baixos teores de nitrogênio prontamente classificados como neeróticos ou plásticos.
~ ru\·el para a planta. É sabido, atualmente, que Os sintomas necróticos são caracterizados pela degeneração
...._-i.::ria~ fixadoras de nitrogênio podem associar-se do protoplasma, seguida de morte de células, tecidos e órgãos.
'ã9bnn a raízes de plantas não leguminosas, como Alguns patossistemas exibem, em seu quadro sintomatológico,
ri:runeas, por exemplo. Essa associação, em alguns alguns sintomas que precedem à necrose, como amarelecimento,
tem contribuído para a redução da adul?ação encharcamento e murcha. A seguir uma descrição dos sintomas
IIID'Ogenada de diversas culturas. necróticos ou que antecedem à necrose.
• Amarelecimento este simoma é causado pela destruição
da clorofila ou de cloroplastos. É mais comum nas folhas,
' 'T0.\1ATOLOGIA sendo observado em muitas doenças, com intensidade
~-uomatologia é o estudo dos sintomas de doenças, de variada, desde leve descoloração do verde nonnal até
..1t1ltdade na diagnose. Qualquer manifestação das reações amarelo brilhante. Como exemplo, na Figura 3.3 observa-se
- a um agente nocivo pode sor considerada sintoma. um nítido halo amarelado ao redor das manchas causadas
do patógeno, quando exteriorizadas no tecido por Xanthomonas citri subsp. citri em folhas de citros.

31
Manual de Fitopatologia

cifri subsp. citri (sin. X citri subsp. citri) (Figuras 3.3 e


3.6). O cancro pode se manifestar tanto em plantas perenes,
qu,anto em anuais (cancro bacteriano do tomateiro).

Figura 3.3 - Halo amarelo em folha ele Citros sp. com cancro
cítrico.

• Encharcamcnto - também conhecido por anasarca, é


identificado pelo aspecto translúcido do tecido encharcado
devido à liberação de água das células para os espaços
intercelulares. É a primeira manifestação de muitas doenças Figura 3.S - Murcha cm tomateiro incitada por Pseudomona5
que apresentam sintomas necróticos, especialmente corrogata.
daquelas provocadas por bactérias (Figura 3.4). Crédito da foto: Liliane D. Teixeira.

Figura 3.4 - Encharcamento causado por Xanthomonas cam-


pestris pv. passifloroe em maracujazeiro.
Crédito da foto: Liliane D. Teixeira. Fig111ra 3.6 - Cancro cítrico (Xanthomonus cilri subsp. citri).
Cré!llito da foto: Liliane D. Teixeira.
• Murcha - pode ser definida como o estado flácido das
folhas ou brotos, devido à falta Je água, geralmente
causada por distúrbios nos tecidos vascular e/ou radicular. • Crestamento- este sintoma, também denominado requeima,
As células das folhas e de outros órgãos aéreos perdem refere-se à necrose repentina que ocorre em órgãos aéreos
a turgescência, resultando em definhamento do tecido (folhas, flores e brotações). Normalmente a necrose se
ou órgão. A murcha pode ser permanente, resultando na inicia pelos bordos, podendo progredir por toda a extensão
monc dos órgãos afetados (fogo bacteriano das pomáceas dos órgão atacados. Como exemplo, pode-se citar o
causada por Envinia amylovora, por exemplo), ou crestamento de folhas da batata ou do tomateiro, causado
temporária, com plantas murchas nos períodos quentes por Phytophthora infestans ou a pinta preta do tomateiro,
do dia, mas recuperando a turgidez durante a noite causada por Alternaria solani (Figura 3.7).
(hérnia das crucíferas). A murcha é, ainda, o sintoma • "Damping-ofP' - este sintoma é caracterizado pelo
especifico de algumas doenças causadas por patógcnos tombamento de plântulas, resultado da podridão de
vasculares, como Fusarium, Verticillium e Ralstonia (sin. tecidos tenros da base do caulículo (damping-off de pós-
Pseudomonas)solanacean,m e P. corrugata (figura 3.5). emcrgência) (Figura 3.8). Se a podridão ocorrer antes da
• Cancro - é o sintoma caracterizado por lesões necróticas, emergência da planta, diz-se que houve "damping-ofr'
deprimidas, mais frequentes nos tecidos corticais de caules, de pré-emergência. Patógenos habitantes do solo como
raízes e tubérculos. Eventualmente, este tipo de sintoma R.hizoctonia, Pythium e Phytophthora são agentes causais
é observado em folhas e frutos. Como exemplo, pode-se de ''damping•off', que resulta na redução do estande de
mencionar o cancro cítrico, causado por Xanthomonas semeadura.

32
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

• Estria - também conhecida por listra, é uma lesão


alongada, estreita, paralela à nervura das folhas de
gramíneas. Um exemplo típico deste sintoma é observado
na doença conhecida por estria vermelha da cana-de-
açúcar (Acidovorax avenaesubsp. avenae). Outro exemplo
é o míldio pulverulento do sorgo vassoura causado por
Peronosclerospora sorghi (Figura 3.1 O).

Figura 3.7 - Pinta preta (Alternaria solani) em folha de tomateiro.


Crédito da foto: C. A. Lopes.

Figura 3.1 O- Estria ou faixa clorótica em sorgo vassoura


(Peronosclero:,pora sorghi).
Crédito da foto: Liliane D. Teixeira.

• Gomose - a exsudação de goma (substâncias viscosas)


a partir das lesões é um sintoma de ocorrência frequente
em certas espécies frutíferas, como o abacaxizeiro, o
pessegueiro e os citros, quando afetadas por patógenos
que colonizam o córtex ou o lenho. Também ocorre em
eucalipto infoctado com Botryosphaeria ribis (Figura 3.11).
f"igura 3.8 - Tombamento e podridão de estacas de eucalipto
(Rhizoclonia solani).
Crédjto da foto: Liliane D. Teixeira.

• Escaldadura -é o sintoma caracterizado por mudança na


coloração da snperficie de órgãos aéreos, principalmente
folhas. Sen aspecto visual lembra o órgão escaldado
por água fervente. A escaldadura da cana-de-açúcar
tXanthomona.1· albilineans) é exemplo de doença com
este tipo de sintoma (Figura 3.9).

Figura 3.11 - Exsudação de goma em eucalipto causada por


Botryosphaeria ribis.
Crédito da foto: Liliane D. Teixeira.

• Mancha - a morte de tecidos foliares, que se tornam secos


e pardos, é um sintoma muito comum em doenças de
plantas (Figura 3.12). A forma das manchas foliares varia
com o tipo de palógeno envolvido, podendo ser circular,
com pronunciadas zonas concêntricas, angular, delimitada
pelos feixes vasculares (mancha angular do feijoeiro
causada por Phaeoisariopsis griseola, Figura 3.13), ou
irregular (mancha de Exserohilum turcicum em milho.).
Embora as manchas sejam mais comuns em folhas, podem
estar também presentes em 'flores, frutos, vagens (Figura
Figura 3.9 - Escaldadura em cana-de-açúcar. 3.14) ou ramos.

33
Manual de Fitopatologia

Figura 3.15 - Mumifü:ação em fruto de pêssego com podridão


parda.
Figura 3.12 Manchas necróticas de origem abiótica em folhas
Crédito da foto: Louise L. May-dc-Mío
de batateira.
Crédito da foto: Liliane D. Teixeirn.

Figura 3.16 Ccrcosporiose (Cercospora betic,vla) em beterraba.


Crédito da foto: Silvia A. Lourenço.
Figura 3.13 - Mancha angular do leijoeiro causada por
Phaeoisariopsis griseula.
• Podridão este sintoma aparece quando o tecido necro-
sado encontra-se em fase adiantada de desintegração.
Dependendo do aspecto da podridão, pode-se especificar
o sintoma como podridão mole (Figura 3.17), podridão
dura, podridão negra, podridão branca, etc.

Figura 3.14 - Maocha em vagem de feijoeiro causada por


Colletotrichum lindemuthianum.

• Morte dos ponteiros - a mone progressiva de ponteiros


e ramos jovens de árvores aparece em algumas doenças,
como da mela de plantas cítricas, atacadas por espécies
do gênero Phytophthora e do declínio da ameixeira,
provocado por Xylellafastidiosa.
• Mumificaç.ão- este sintomaocorre nas fases finais de certas
doenças de frutos. Frutos apodrecidos secam rapidamente,
com consequente enrugamento e escurecimento, formando
uma massa dura, conhecida como múmia. Mumificação
é comum em pêssego com podridão parda (Monilinia Figura 3.17 - Podridão mole da baLata (Pectobacterium caroto-
frncticola - Figura 3.15). vorum subsp. carotovorum).
• Perfuração - é caracterizada pela queda de tecidos necro- Crédito da foto: Liliane D. Teixeira.
sados cm folhas, provocada pela formação de uma camada
de abscisão ao redor das manchas foliares, resultando em • Pústula - é o sintoma típico das f.:rrugens, identificado
perfurações. Sintomas de perfuração podem ser observados por pequena mancha necrótica (geralmente menor que
nos casos da cercosporiose em beterraba (Cercospora 1 cm), com elevação da epiderme, que se rompe por força
beticola) (Figura 3.16) e do chumbinho em pessegueiro da produção e exposição de esporos do fungo (Figura
(Wi/sonomyces carpophilus, sin. Stigmina carpophilo). 3.18).

34
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

Figura 3.18 •- Pústula de ferrugem em folha de milho.

Seca - o secamento e morte de órgãos da planta é seme•


lhante ao crestamento, diferenciando-se dele por se
processar mais lentamente. Pode atingir, por vezes, toda Figura 3.20 - Clorose foliar cm ramos <le c inamomo. Planta
a parre aérea das plantas. É o caso da seca da mangueira sadia à esquerda.
(Ceratocystisfimhriata) e da doença holandesa do olmo Crédito da foto: V. Duarte.
(Ophioslo.rna ulmi, sin. Ceratocyslis ulmi). Seca também
ocorre em cafeeiro no estádio final do distúrbio da seca
de pontein::is e mancha aureolada (Pseudomonas .syringae
pv. garcae) (Figura 3. 19).

Figura 3.21 Enfezamento em milho causado por fitoplasma,


Figura 3.19 -- Seca - Estádio final de cafeeiro afct.ado pelo com planta sadia à esquerda.
distúrbio seca de ponteiros e mancha aureolada
(Pseudomonas syringae pv. garcae).
• Mosaico - é o sintoma cm que áreas cloróticas aparecem
Crédito da foto: Liliane D. TeLxeira. intercaladas com áreas sadias (verde nonnal) nos órgãos
Os sintomas plásticos são caracterizados por anomalias que clorofilados (Figura 3.22). É sintoma típico de algumas
levam a alterações visíveis na forma ou no conteúdo de tecidos viroses. como o mosaico da cana-de-açúcar.
doentes. A descriçil.o de alguns sintomas plásticos é feita a seguir.
• Albinismo, é a falta congênita da produção de clorofila.
O sintoma é geralmente observado como variegações
brancas nas folhas, que em cenos casos pode tomar toda
a lâmina foliar.
• Clorose - é a denominação do sintoma de esmaecimento
do verde em órgãos clorofilados (Figura 3.20). O sintoma
é também decorrente da falta de clorofila, mas os órgãos
não ficam brancos, como no albinismo. Quando a clorose
é intercalada com áreas verdes nonnais, o sintoma é
conhecido por mosaico.
• Estiolame1nto - é um sintoma complexo, que embora seja
classificado como hipoplástico, pela falta de produção
de clorofila, envolve hiperplasia de células, com alon- Figura 3.22 - Mosaico em fumo causado por TMV.
gamento do caule.
• Enfezamento - também conhecido por nanismo. refore-se • Roseta - caracteriza-se pelo encurtamento dos cntrenós,
à redução no tamanho da planta toda ou de seus órgãos. brotos ou ramos, resultando no agrupamento de folhas em
Pode ser observado em plantas portadoras de certos vírus rosetas. Pode ocorrer, por exemplo, cm plantas de abacaxi
e fitoplasmas (enfezamento do milho, por exemplo) r:
iníectadas por Fusarium moniliforme (sin. subglutinans
(Figura 3.21 ). f.sp. ananas) e em pessegueiro infectado por fitoplasma.

35
Manual de Fitopatologia

Avermelhamento - caracteriza-se pelo aparecimento (Figura 3.25). Constitui-se no sintoma típico de certas
de coloração avermelhada, observada principalmente doenças, como galha de raízes de cafeeiro (Meloidogyne
nas folhas. É um tipo de sintoma comum induzido por incognita) (Fignra 3.26) e galha da coroa de rosáceas
fitoplasma, como nos casos de enfezamento do milho e (Agrobacterium tumefaciens).
das brássicas.
• Filodia - corresponde ao desenvolvimento de folhas
onde deveriam se desenvolver órgãos florais, especial-
mente pétalas e sépalas. São sintomas típicos de doenças
associadas aos fitoplasmas. Um caso comum é a ocor-
rência de filodia em vinca.
• Virescência - é a presença de clorofila em órgãos não
clorofilados, como as pétalas. Também é um sintoma
induzido por fitoplasmas. São exemplos a pétala verde
do morangueiro e da hortência.
• Bronzeamento - é a mudança da cor da epiderme, a
qual desenvolve a coloração bronzeada (cor de cobre
ou escurecida), devido à ação de patógcnos. Plantas de
tomateiro in fectadas pelo vírus do vira-eabeça mostram Figura 3.24 - Encarquilbarnento em folhas de pessegueiro infec-
este sintoma, no estádio inicial da doença (Figura 3.23). tadas por Taphrina deformans.
Crédito da foto : Marise C. Martins.

Figura 3.23 - Bronzeamento em folhas de tomateiro causada


pelo vírus do vira-cabeça. Figura 3.25 Galha aérea em tomateiro (Agmbacterium t11me-
Crédito da foto: Alice K. Inoue-Nagata. fat:iens).
Crédito da foto: Liliane D. Teixeira.
• Calo cicatricial - caracteriza-se pela hiperplasia de células
da planta cm tomo de uma lesão. É uma reação da planta
na tentativa de cicatrizar uma "ferida".
• Enação - é o desenvolvimento de protuberâncias, simi-
lares a folhas rudimentares, sobre as nervuras da folha.
decorrente da infecção por alguns vlrus (Figura 10.31).
Este tenno pode t.ambém ser aplicado ao desenvolvimento
anormal de tecidos a partir da superficie de ramos.
• Encarquilhamcnto - também conhecido por encrespa-
mento, representa urna deformação de órgãos da planta,
resul1.ado do crescimento (hiperplasia e/ou hipertrofia)
exagerado de células, localizado em uma parte apenas do
tecido. É o sintoma típico da crespeira do pessegueiro,
causada por Taphrina deformans (Figura 3.24).Plant.as
Figura3.26-Galhasnasraízesemalfuce(Me/oidogyneincognita).
infectadas com vírus também podem exibir encarquilha-
Crédito da foto: Lilione D. Teixeira.
mento nas folhas.
• Epinastia - é a curvatura para baixo da folha, parte dela, • Superbrotamcnto - representa a ramificação excessiva do
ou do ramo, decorrente da rápida expansão da superficie caule, ramos (Figura 3.27) ou brotações florais. Algumas
superior desses órgãos. vezes, os órgãos afetados adquirem fonnato semelhante
• FasciaçAo - é o est.ado achatado, muito ramificado e unido ao de uma vassoura e o sintoma é, então, denominado
de órgãos da planta. É observado na coroa em leque do vassoura-de-bruxa. Um exemplo clássico é a vassoura-
abacaxi 'Smoolh Cayenne'. de-bruxa do cacau~iro causada por Moniliophthora
• Galha - é o desenvolvimento anormal de tecidos de plantas perniciosa e de várias doenças associadas aos fitoplasmas
resultante da hipertrofia e/ou hiperplasia de suas células tanto em plantas herbáceas como lenhosas.

36
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

Figuru 3.29 - Estruturas reprodutivas de Monilia fructicola na


superfície de pêssego com podridão parda.

figura 3.27 - Superbrotamento em mandioca causado por


fitoplasma.

• ,·errugose é o crescimento excessivo de tecidos cpi-


dénnicos e corticais, geralmente modificados pela ruptura
~ suberificação das paredes celulares. Caracteriza-se
por lesões salientes e ásperas em frutos (Figura 3.28),
tubérculos e folhas. Como exemplo típico pode-se citar a
,errugose dos citros (Elsinoefawcett1).

Figura 3.JO - Estruturas reprodutivas de Col/etutrichum gloeosporioides


na superfície de goiaba com antracnose.
Crédito d11 foto: Ana Raquel Soares.

Em algumas doenças, como nos carvões, os sinais


confundem-se com os sintomas. No carvão da cana-de-açúcar, por
exemplo, o chicote (Figura 3.31 ), reconhecido como o "sintoma"
típico da doença, nada mais é do que o conjunto de estruturas
reprodutivas do fungo Sporisorium sc:itamineum (sin. Ustilago
scitaminea) associadas a uma estrutura da planta resultante da
alteração da gema apical ou de gemas laterais.

r~ra 3.28 Verrugose em tangerina pookan (Elsinoejàwcelli).


Crid.ito da foto: Lilíane D. Teixeira.

sinais são representados por estruturas do patógeno


~ ao sintoma (Figuras 3.29 e 3.30) ou por produtos
cão hospedciro-patógeno, geralmente associados ao
ót>eote. Para fins de diagnóstico, os sinais podem superar
~ em confiabilidade. Além de estruturas patogênicas
= virais, células de procariotos, estruturas füngicas
mk":élio, esporos, corpos de frutificação, etc.), ex.sudações
, emanados das lesões podem ser considerados como
A podridão mole de legumes causada por Pectobacterium
~ide ser facilmente diagnosticada pelo odor fétido do
do..mte. Já a doença podridão abacaxi (Thielaviopsis
em toletes de cana-de-açúcar pode ser identificada
chetro de abacaxi que exala do tecido colonizado. Figura 3.31 - Carvão da cana-de-açúcar.

37
Manual de Fitopatologia

3.3. DIAGNOSE ser nccessana para complementar a diagnose e. neste caso,


pode-se fazer uso de métodos culturais, bioquímicos, sorológicos
A diagnose se refere à identificação de uma doença
e moleculares.
e do seu agente causal, com base nos sintomas e sinais. A
constatação de uma possível doença na plantação geralmente é Caso a suspeita de que o agente causal seja um molicnte,
feita pelo próprio produtor, técnico ou fitopatologista, por meio embora seja um procarioto como as bactérias, os procedimentos
dos sintomas exibidos pelas plantas afetadas, pois representam são um pouco diferentes. Tratando-se de fitoplasmas, que não são
um desvio do que nonnalmente é esperado para aquela espécie cultiváveis em meios de cultura, a demonstração da sua ocorrência
vegetal ou cultura. Análise preliminar feita no próprio campo on em plantas sintomáticas pode ser feita por meio do uso de micros-
em material recebido para estudo em uma Clínica Fitopatológica copia eletrônica de transmissão (M ET) ou da técnica molecular de
deve inicialmente reconhecer a natureza da doença, isto é, se ela reação cm cadeia da polimerase ("Polymcrase Chain Reaction -
é causada por agente biótico ou abiónco. Este reconhecimento PCR"). Ambas são bastante úteis para a detecção de fitoplasmas,
não deve ser confundido com diagnose on identificai;ão do agente no entanto, a técnica de PCR vem sendo empregada de forma roti-
causal da doença. No entanto, esta etapn preliminar é fundamental neira para esta finalidade. A presença de sintomas característicos
para nortear os procedimentos posteriores que visam à coTTeta na planta doente e a detecção de füoplusmas nos seus tecidos têm
identificação do agenh: causal da doença, atn1vés de consultas sido suficientes para confirmar a diagnose de doenças associadas a
em livros, escolha de técnicas apropriados de isolamento e esses agentes fitopatogênicos. No entanto. quando há interesi,e em
transmissão, análises sorológicas, moleculares, etc. se identificar o fitopla1>ma detectado. é necessário que se aplique a
A correta diagnose e o conhecimento da epidemiologia da técnica <le polimorfismo no comprimento de fragmentos de restn-
doença são pré-requisitos indispensáveis para definir medidas ção (''Resrriction Fragmcnt Lcnght Polymorphism RFLP") ou o
pera o seu manejo. Considerando-se as duas fonnas de controle sequenciamento de nucleotídeos da região do genoma correspon-
mais empregadas atualmente, o controle genético e o controle dente ao 16S rDN/\. Para o caso de espiruplasmas. apesar de serem
químico, é fãcil justificar que uma diagnose incorreta pode levar cultiváveis em meios de cultura, a sua detecção nos tecidos vege-
à adoção de me<lidas de controle completamente ineficientes. tais segue procedimentos idênticos àqueles adotados para os fito•
Por exemplo, os fungicidas modernos, com ingredientes ativos plasmas, ou seja uso de microscopia eletrônico. e de técnicas mole-
cada vez mais específicos, atuam de forma diferente em cada cu lares. embora a microscopia de luz ( campo escuro ou contraste
espécie füngica. Enquanto controlam eficazmente uma espécie, de fase) possa também ser utilizada pura detecção do patógeno.
podem ser completamente ineficientes para outra, mesmo que A diagnose de doenças cnusadai; por vírus e viroides
sejam espécies pertencentes ao mesmo gênero. Assim também também inicia-se pela observai;ão dos sintomas, que são distintos
ocorre com os genes de resistência de efeito maior, os chamados daqueles causados por fungos e bactérias. Caso não seja possível
genes de resistência vertical. Um determinado cultivar resistente a i<lentillcaçào da doença com base apenas nos sintomas, a
a uma espécie de patógtmo pode ser suscetívd. a outra. Poi:tanto, diagnose e identificação do vírus é feita por meio dos seguintes
diagnose e controle estão intimamente relacionados. pois a procedimentos: a) teste de transmissão do vírus para espécies
diagnose determina o controle. hospedeiras e/ou indicadoras por meio d.: transmissão mecânica
ou por enxertia, ou até usando-~e o vetor do vírus quando
3.3.1. Diagnose de Doenças Conhecidas conhecido (inseto. ácaro, nematoide, fungo); b) exame do material
Quando uma planta exibe sintomas e sinais suspeitos de vegetal ao MET para observar a morfologia das paitícL1la!> virais e
infecção por agente biótico, o primeiro passo é confrontar os os tipos de inclusões citoplasmáticas. A!> part!culas virais podem
sintomas observados com aqueles relatados na literatura. Se a ser visualizadas em extratos ou cortes ultra-finos de tecidos
doença for conhecida, os sintomas e os sinais presentes na planta infectados, enquanto as inclusões somente são vistas no MET em
doente deverão coincidir com aqueles descritos na literanira. Como cones ultra-finos de tecidos. Outro procedimento relativamente
referências são usadas diversos tipos de publicações incluindo Iivros- simples e de grand~ valor na idcntíficação de partículas de vírus
texto, compêndios, manuais e guias de campo. Este procedimento é, específicos em suspensão é aquele que combina a especificidade
geralmente, suficiente para Lima diagnose conclusiva. dos testes sorológicos com a possibilidade de visualizar o antígeno
Nos casos de infecções por fungos. o procedimento para iden- (panícula), irai no MET. Diversas técnicas podem ser empregadas
tificação é, na maioria das vezes. simples. Fungos geralmente pro- com essa finalidade, sendo a mais simples denominada micros-
duzem estruturas reprodutivas (esporos, corpos de frutificação) na copia eletrônica imuno-e:.pecifica; e) testes sorológicos podem
superficie dos órgãos atacados. O exame ao microscópio estereoscó- ser empregados para os casos em que há antissoros específicos
pico (lupa) seguido da coleta dessas estruturas e posterior observação disponíveis. O teste sorológico mais comum é o de ELISA
em microscópio de IU7~ frequentemente permite a identificação do ("Enzyme-Linke<l lmmunosorbent Assay") nas suas diferentes
fungo e sua associação com os sintomas. Quando as estruturas fún- variações (Figura 3.32). Outros testes que empregam a sorologia,
gicas não estão facilmente visíveis, pode-se colocar o material vege- como dupla difusão em ágar, "westem hlot", "dot blot", etc também
tal doente em câmara úmida por cerca de 24 h. Jsso normalmente podem ser úteis e d) outra ferramenta útil é a diagnose molecular,
estimulará a produção das cstn1turas reprodutivas can1cterísticas do baseada na detecção e/ou caracteriwção do ácido nucleico virai.
fungo. Nos casos de fungos necrotróficos. é possível ainda proceder Existem várias técnicas moleculares para diagnose de litoviroses,
ao isolamento do agente em meio de cultura. com sua posterior iden- dentre elas a hibridização de ácidos nudeicos com as variações de
tificação por métodos culturais. morfológicos ou moleculares. dor h/111, Southern blor e Northern blot e as técnicas de PCR, para
Suspeitando-se de infecção bacteriana pode-se lançar mão vírus de DN/\ e RT (Reverse Transcription) - PCR para vírus de
da chamada 'corrida bacteriana·, de preparações que pem1itam RNA. Há, aín<la, a possibilidade de usar a PCR em tempo real,
a visualiLação da bactéria ao microscópio de llU ou mesmo do também denoniinaua PCR quantitativa (qPCR/RT-qPCR), na quaJ
isolamento em meio de cultura. /\ identificação da bactéria poderá a molécula de DN A é amplificada e quantificada ao mesmo tempo.

38
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

Entretanto, em algumas ocasiões, os processos até agora


descritos não permitem a diagnose segura. Um exemplo típico é o
caso de uma doença nova, ainda não descrita na literatura. Nesta
situação, as etapas do Postulado de Koch devem ser realizadas
para que se possa estabelecer a relação causal entre uma doença
e um determinado agente. A aplicação do Postulado de Koch
encontra-se descrita a seguir. Porém, existem ainda algumas
outras situações nas quais não é possível uma diagnose conclusiva,
mesmo em se tratando de doença já descrita, como por exemplo,
quando os sinais não estão evidentes ou quando os sintomas não
coJTespondem exatamente aqueles descritos na 1iteratura. Nesses
l.J1 - Placa de ELISA onde ocorre a reaçã,o antigeno-
casos, não é necessário realizar todas as etapas do postulado
anticorpo. As cavidades em amarelo indicam reação
para se chegar à diagnose. Quando se suspeita de agente biótico
positiva, cuja avaliação é fe.ita quantificando-se a
necrotrófico, basta proceder ao isolamento do patógeno em meio
absorbância em espectrofotometo (leitor ele ELISA).
de cultura, para posterior identificação. Eventualmente, pode-se
também realiL:ar inoculações no hospedeiro sadio com o intuito
ferente da PCR e RT-PCR, nas quais a amplificação do
de reproduzir os sintomas. Os procedimentos para isolamento
.....:: leíco virai ocorre em um tem1ociclador, com alternância
e inoculação de patógenos fúngicos estão descritos juntamente
~ru:ras. essa amplificação também pode ser ali;ançada sob
com o Postulado de Koch. No entanto, se o isolamento do
:.ar;;if, 1SOt.:rmica, portanto sem a necessidade do termociclador,
agente causal não é possível (por exemplo, vírus). poue-se ainda
"3e".... da técnica denominada "Loop-mediated isolthe1111al
recorrer aos exames complementares que pennitem a diagnose
oo - LAMP". O fragmento amplificado pode ser
segura, como os testes sorológicos e moleculares, comentados
· a olho nu, dir.:tamente no microtul:lo onde ocorreu a
anteri onnente.
-~ão. \ ia análise da turbidez ou por meio da fluorescência
~ F 1gura 3.33). A técnica de LAMP, além de menor custo,
No caso de nova doença há ainda a possibilidade de
.;--,._!ai de amplificação 10-J 00 vezes superior à PCR. O identificação através do "Ncxt gcneration sequencing" (NGS)
~ ·cação é de 45-60 min a 60-65 ºC. Essa técnica também
ou "deep sequencing" que é uma técnica ele sequenciamento de
.,ui na detecção de fungos e bactérias. Atualmente há DNA que tem revolucionado os estudos genômicos. Por meio
~ 1 0 ponátil e kit para a reação que permitem aplicar a
dessa tecnologia, o genoma completo de um organismo pode ser
a .r L. \\1P para a diagnose da doença no campo,.
sequenciado em apenas um dia. Há várias plataformas de NGS que
utilizam diferentes técnicas de sequenciamento, embora todas elas
executem sequenciamento de milhões de pequenos fragmentos
de DNA em paralelo. Posteriormente, análises de bioinformát.ica
agrupam esses fragmentos por meio do mapeamento com um
genoma referência. Há, portanto, numerosas possibilidades de
uso do NGS, entre as quais a diagnose de doenças de plantas,
sejam elas conhecidas ou desconhecidas. Entre as vantagens dessa
tecnologia estão: a) aplicável para fungos. procariotos (bactérias e
molicutes), vírns e viroides, pois todos contêm RNA e /ou DNA;
b) apl icávcl para agentes patogênicos, bem como para antagonistas
ou outros microrganismos associados à planta; e) aplicável
~ J.33 - Oetecção do begomovirus Tomaro severe .rugose vírus para organismos cultiváveis e não cultiváveis (biotróficos); e
(ToSRV) através do LAMP. Os primeiros dois tubos d) pcnnite a identificação de patógenos inesperados, completamente
representam amostras de mosca branca e tomateiro novos. A principal desvantagem dessa tecnologia é a necessidade
infectados e os três últimos os respectivos controles de infraestrutura computacional adequada e profissionais especia-
negativos (inseto, tomateiro e água). lizados para analisar e interpretar corretamente o conjunto dos
....a. .. foto: T. Mituti. resultados.
Para os procedimentos de diagnose de doenças abióticas
• os sintomas exibidos pela plantas são indicativos de
consultar o Capítulo 33 - Doenças abióticas e injúrias, desta obra.
- por nematoides, a identificação destes agentes pode ser
- base em características morfológicas que podem ser
3.3.2. Diagnose de Doenças Desconhecidas
pelo exame dos e,emplares em microscópio de luz (até
•.!"ZQ de aumento). É a chamada ideotificaçàio descritiva O item anterior tratou da diagnose de doenças já descritas
lC3.. que é composta de três etapas: a extração dos nematoides na literatura. Como se deve proceder, no entanto, quando
.m::ios!ras. a obtenção de preparações microscópicas e o nenhuma evidência de doença conhecida é encontrada no material
das preparações em microscópio. Muitas vezes, porém, analisado? Ou, ainda, como foram diagnosticadas as doenças
:,O."SSJ\ el a ide.ntificação dessa maneira. Por exemplo, para a quando aporeceram pela primeira vez, no passado'?
._.::i.o específica dos nematoides das galhas (Me/oidogyne O estabelecimento da relação causal entre uma doença e um
que são os mais importantes filonematoidcs do ponto microrganismo só pode ser confinnado após o cumprimento de
_ econômico. frequentemente é necessário o uso de uma série de etapas, que compõem o "postulado de Koch", Este
,..-e,,,e de isoenzirnas. Atualmente, as técnicas moleculares postulado, descrito pelo médico alemão Roben Koch, em 1881 ,
-.1,an Jà estão sendo empregadas com essa finalidade. para o carbúnculo, causado pelo Baciflus anthracis, foi adaptado

39
Manual de Fitopatologia

à Fitopatologia e é, até hoje, utilizado como


60%
método clássico de diagnose de doenças de doente
plantas. Assim é enunciado o postulado
de Koch:
• Associação constante patógeno-
hospedeiro - o suspeito patógeno
deve estar presente em todas as rí ~
plantas de uma mesma espécie Folha com slntom■• e Oealnfeela9io Deainfeela9io
retirada de amo■ tra auperfioial em ê.loool auperllclal am hlpoolorlto
que apresentam o mesmo tipo de
sintoma. Em outras palavras, um
determinado sintoma deve estar
constantemente associado a um
suspeito patógeno, sempre que a
doença for observada.
• Isolamento do patógeno - o orga-
nismo associado ao sintoma deve
ser isolado da planta doente, mul-
tiplicado axenicamente e ter suas
características descritas.
Pl1aqueamento em Micélio emergente Repicagem para novo meio de Cultura pura
Inoculação do patógeno e repro- égar-4gua do tecido vegetal cultura rico cm nutrientes do fungo
dução dos sintomas - O suspeito
patógeno, obtido em cultura pura,
deve ser inoculado em plancas sadias
da mesma espécie e variedade e pro- Fi1gura 3.34 - Isolamento de fungo a partir de tecido foliar.
vocar o mesmo sintoma observado
nas plantas inicialmente doentes.
• Reisolamento do patógeno - O
microrganismo deve ser reisolado
das plantas submetidas à inocula- 5W,
~----'Sedie
ção experimental e suas caracterís-
ticas devem ser as mesmas observa-
das na segunda etapa do postulado.
Somente se todas as citadas etapas Planbl com olntomot" Oe ■ lnfealaçlo Dealn"'8taçlo


forem cumpridas, o organismo isolado pode retirada e amoatras auper11clel em •tcool auperflclal em hlpoclorlto

ser coDsi<lerado como o agente patogênico,


responsável pelo sintoma observado. No
em:anto, para o isolamento e a inoculação
o
do agente causal são necessárias técnicas
específicas de laboratório, descritas a seguir.

3.3.2.l. Isolamento de agentes


fitopatogênicos
Uma planta doente possui uma
microflora composta pelo parasita primário
(agente causal da doença) e de organismos Su11pentlo do tecido Plaqueamento na Ap6a 24,..48h, replcagem de col6nlas Cultura pura
1.:reeehll macerado forma de nacu 1,olada9 para novo melo de cultura da bec~N
epifiticos, algumas vezes até saprofiticos.
Para isolar agentes patogênicos em cultura
pura, como fungos e bactérias, é neces-
sário separá-lo da microflora epífita/sapró- Figura 3.35 - Isolamento de bactéria a partir de tecido foliar.
fita, através de técnicas qne favoreçam seu
desenvolvimento, em detrimento do cresci-
mento dos outros. Diversas etapas devem ser cum1Pridas durante o Os fragmentos foliares da região limítrofe do tecido doente
isolamento de nm agente patogênico (Figura 3.34 e Figura 3.35). deve, então, sofrer uma desin íestação superficial, a fim de eliminar,
No caso de patógenos foliares, pequenos fragmentos de tecido da ou pelo menos reduzir consideravelmente, os saprófitas presentes.
região limítrofe entre a área lesionada e a área sadia devem ser Um dos métodos mais utilizados na desinfestação superficial de
retirados da planta doente. Nesta área o patógeno se encontra em tecidos de plantas é a imersão dos fragmentos selecionados em
maior atividade, enquanto na área necrótica, localizada no cen- uma solução de álcool etílico a 70% durante 30 segundos a um
tro das lesões, normalmente são encontradas altas populações de minuto, seguida da imersão em hipoclorito de sódio a 0,5% por
organismos saprofiticos, os quais não são desejávds. dois a três minutos. Para amostras provenientes de tecidos rígidos

40
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

(raízes ou frutos), pode-se aumentar a concentração do agente Uma variação no método de isolamento, conhecido por
desinfestante, o tempo de exposição, ou ambos. isolamento direto, compreende o isolamento de agentes patogênicos
Após a desinfestação superficial, os fragmentos devem a partir das suas eslruturas que estão colonizando os tecidos do
ser Lransferidos, em condições assépticas, para um meio de hospedeiro. AJguns fungos produzem estruturas de reprodução
cultura pobre em nutrientes (Boxe 3.7). Nessa situação, apenas o (esporos ou corpos de frutificação) na superficie do hospedeiro, mais
organismo que está no interior dos tecidos deve crescer, favorecido precisamente sobre a área lesionada. Quando estas estruturas estão
pelos nutrientes fornecidos pelo tecido vegetal do próprio hos- presentes em grande quantidade, pode-se proceder ao isolamento
pedeiro. Após 24-48 horas de incubação, pequenas porções por meio da coleta das mesmas (sob microscópio estereoscópico),
retiradas dos bordos das colônias füngicas ou bacterianas que se seguida de transferência direta para o meio de cultura
desenvolveram no meio pobre devem ser transferidas para um Nem todos os agentes fitopatogênicos são capazes de crescer
meio rico em nutrientes. A transferência dos microrganismos de em meio de cultura. Muitos parasitas biotróficos, como os fungos
um meio de cultura para outro é designada, em Fitopatologia, pelo causadores de oídios, míldios, ferrugens e carvões, além dos vírus,
termo repicagem. Em meio nutritivo adequado e sob condições de viroidcs e fitoplasmas se desenvolvem somente em células vivas
mcubação (temperatura e luz) favoráveis, o microrganismo isolado dos hospedeiros. Assim, a manutenção, o isolamento e a obtenção
deverá desenvolver colônias puras. Para patógenos vasculares, de inóculo desses agentes fitopatogênicos são limitados aos seus
utiliza-se urna variação do procedimento acima descrito. Nesse
hospeueiros específicos, os quais devem ser mantidos em locais
caso, corta-se um pedaço da haste da planta afetada, faz-se a
adequados, como casas de vegetação e tclados.
imersão em álcool etílico e realiza-se uma flambagem rápida da
superficie vegetal. Em seguida, com uma lâmina afiada e flambada,
3.3.2.2. Inoculação de microrganismos fitopotogênicos
:emove-se parte da casca e, com essa mesma lâmina, fragmentos
devem ser retirados do lenho. Esses fragmentos devem ser A inocula~ão envolve técnicas em que patógeno e
submetidos a uma solução de hipoclorito de sódio a 0,5% por 2 a hospedeiro são colocados em contato, soh condições favoráveis à
3 minutos e transferidos para meio de cultura apropriado. infecção e ao desenvolvimento da doença.

Boxe 3.7 Meios de cultura para microrganismos

Denomina-se m eio de cultura um preparado nutritivo que pemtite o c rescimento de microrganism os. O s meios
podem ser solidificados ou líqnidos de acordo com a adição de ágar on não. Alguns meios são inteiramente sintéticos,
preparados com quantidades conhecidas de produtos quúnicos be m d efinidos, e usualmente b astante específicos para
certos patógenos. Os m eios de c ultura mais utilizados, no entanto, são semi-sinté ticos, pois contêm na s ua composição
fonte natural de carbono, com o um açúca r o u am ido. Para o cultivo de fungos fitopatogênicos, utiliza-se, com frequência, o
meio d e batata-dextrose-ágar (BDA), e nquanto que, para b actérias, usa-se o meio denominado caldo nutritivo, composto
de extrato de carne e p eptona. Exis tl!m numerosos protocolos para p reparo de meios de cultura para mic rorga nismos,
todos eles devendo ser esterilizados antes de seu uso (Figura 3.36). O meio de cultura pobre em nutrientes, utilizado
logo após a desinfestação superficial do material doente, referido no texto, é o ágar-água, constiruído a penas des tes dois
componentes.

Peaagem dos componentioa Dllulçioem Eatiorilluç ilo Meio vertido em


do melo de cultura 6gua destilada em autoclave placa de Petrl

Figura 3.36- Preparo de meio de cultura.

41
Manual de Fitopatologia

Para fungos e bactérias de parte aérea, a inoculação é feita a partir da cnltura pura desses agentes. A eficiência da inocula-
pela pulverização de uma suspensão de esporos ou células bacte- ção rode ser melhorada se ferimentos forem provocados artificial-
rianas na superficie da planta. Logo após a inoculação. as plantas mente nas raízes, por meio de corte parcial das radicelas, seguida
devem ser submetidas a uma câmara úmida por, pelo menos, 24 da imersão em suspensão de inóculo.
horas, período necessário para que ocorra a genninação dos espo- Na inoculação de vírus. as células da planta hospedeira
ros e a penetração das estruturas fúngicas e das células bacterianas devem sofrer ferimentos para que as partículas virais sejam
no hospedeiro. Em condições naturais, a câmara úmida é represen- inseridas em seu interior. Para o caso de vírus transmitidos por
tada por períodos em que as plantas permanecem com água livre insetos, a inoculação é realizalla via ferimentos provocados pelo
sobre as folhas. Isto ocorre pela irrigação por aspersão. ocorrên- próprio vetor, durante sua alimentação na p lanta. Na inoculação
cia de períodos chuvosos e, principalmente, deposição de orvalho. mecânica experimental, a suspensão virai, pre parada a pa11ir de
Para bactérias e fungos que penetram no hospedeiro através de um exlralo de plantas doentes, é aplicada sobre a superfície do
abe1t uras naturais, é recomendável que as plontas sejam mantidas hospedeiro. lsso é feito na presença de um abrasivo (normalmente
sob câmara úmida e em cond ições de escuro por 12 horas, antes <la carbureto de silício), que tem por função provocar microferimentos
inoculação, para garantia da abertura dos estômatos. no tecido vegetal, garantindo a entrada das partículas virais nas
Quando o fungo é um parasita de raízes. recomenda-se cul- células da planta. Não há necessidade de câmara úmida nesse
tivá-lo previamente em substrato que permita sua incorporação caso (Figura 3.37).
ao solo no momento da inoculação. Nonnalmente são utilizados
diversos tipos de grãos como substn1to, como por exemplo, trigo 3.3.2.3. Técnicas moleculares pnro diagnose de doen-
ou sorgo. Nesse caso. a inoculação consiste cm incorporar ao solo ças de plantas
detenninada quantidade desses grãos colonizados que receberá a Os rece ntes avanços da biologia molecular e da biotecnologia
muda a ser inoculada. Recomenda-se que o solo utilizado seja pre- estão sendo aplicados no desenvolvimento de métodos sensíveis.
viamente esterilizado para evitar a presença de microrganismos específicos e rápidos para a detecção de patógcnos vegetais. As
indesejáveis. principais técnicas de biologia molecular, utilizadas na diagnose,
No caso dos fungos e bactérias vasculares, o procedimento são <le natureza imunológica, ou estão relacionadas à hibridi/.ação
mais utilizado é a imersão das raízes da planta a ser inoculada e amplificação de ácidos nucleicos. Aqui serao leitos breves
numa suspensão <le esporos ou de células bacterianas, preparada comentários sobre as aplicações práticas destas técnicas.

e'~~•
Soluç~o
tampao

Planta infectada Folhas jovens Folhas doentes e Macerar folhas Polvilhar abrasivo nas
com vírus doentes solução tampão na solução tampão folhas de planta-teste

~~ .D,dM
e Gaze

~~ . Lavar folhas
Inoculadas com água
Transferir planta-teste
para cese-de•vegetação
looculo,folha,c~

e Pincel

Figure 3.37 - Inoculação mecânica de vírus de planta.

42
Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose

Os imunoensaios estão sendo usados rotineiramente na Foster, G.D. & Taylor, S.C. Planl Virology Protocols - From Virus
~çào de patóg,enos em material propagativo de plantas cultiva- lsolation to Transgenic Resistance. New Jersey, Humana Press.
~ ;ll!le~ vegetativas e sementes), pelos serviços de quarentenas, 1998.
= i'.""1-~gramas de produção de sementes certificadas e em diver- l lampton, R., Oall. E. & De Boer, S. Serological Methods for Detection
Clmicas Fitopatológicas. O teste ELISA, apesar de superado 11nd ldentifü:ution of Virai und B11ctcriul Pl11nt P11thogcns - A
~ibilidade pelas sondas de DNA, mostra-se ainda muito útil
= 3 diagnose ele doenças de plantas. "Kits" de ELISA para a
Laboratory Manual. St. Paul, APS Press, 1990.
Horsfall. J.G. & Diamond, A.E. The diseased plant. ln: llorsfall, J.G. &
-:""o de diversos vírus, bactérias e fungos encontram-se dis-
A.E. Diamond (ed.) Plant Patholo!IT an Adnnced Treatise. New
e1,, no mercado.
York. Acadcmic Prcss.. 1959.
s._,ndas de DNA já foram desenvolvidas para a detecção
- fungos. bactérias e vírus, porém seu uso ainda está restrito à Hull, R. Plant Virology. Fifth Edition. Elsevier, 2014.
Lee, D.T. & Vu, N.A. Progress of loop-mediated isothem1al amplification
Os testes de: PCR e RT-PCR, já comentados anteriormente, technique ín molecular diagnosis of plant diseases. Applied
~,ucas moleculares bastante utilizadas nos processos de Diologieal Chemistry 60: 169-180, 2017.
~ de doenças em plantas. A finalidade é a detecção do Manhews, R.E.F. Diagnosis of Pilmt Virus Disc11ses. London, CRC Press,
~ RNA do patógeno presente nos tecidos do hospedeiro. 1993.
~ é submetida à extração de ácidos nucleicos por meio
Putham, A.R. & Duke, W.13. Allclopathy in agroecosystems. Annual
X{)(.(Xo)os diversos e, em seguida, uma alíquota deste material
Review of Phytopathololgy 16 :431-451, 1978.
.Li.z.ada em reaições de amplificação, utilizando-se iniciadores
=:-,,,:afi..:os. Quando o resultado é positivo, o ácido nucleico Rice. E.L. Alleloputhy. New York, Academic Press, 1974.
1111,üfü·ado diversas vezes pode ser visualizado como uma bauda Roberts. D.A. & Boothroyd, C.W. Fundamentais of Plant Pathology.
- an gd de eletroforese. Este pode ser ainda sequenciado para S. Francisco, W.H. Freeman, 1972.
- - 1dentifica1ção e caracterização do patógeno. Deve-se Schumann, G.L. & D"Arcy, C.J. Esscntial Plant Pathology. St. Paul,
""r'J amda das técnicas de LAMP e NOS para a diagnose das APS Press, 2010.
~ Je plantas.
ShurLlcfT, M.C. & Avcm: IJI, C.W. The Plant Dlsease Cllnic and Field
3.3.2.4. Microscopia eletrônica e diagnose de doenças Di11gnosis of Abiotic Dise11ses. St. Paul, AJ'S Press, 1997.
de plantas Stakman, E.C. & Harrar. J.G. Principie~ of Plant Pathology. New York,
The Ronald Press Company. 1957.
Pelo seu _grande poder de resolução, o microscópio
B'Í'meo de transmissão é útil para a detecção de patógenos não Talboys, P.W.; Ainswonh, G.C.; Pcgg, O.F.; Wallace, E.R.A. Guide to
- -dos pelo microscópio de luz, como é o caso dos vírns e dos the Use of Terms in Plant P1llhology. PhyLopaLhological Papcrs
~ :.os fastidiiosos. No caso de suspeita de viroses, por meio 17, Kew, Comrnonwealth Mycological lnstitulc, 1973.
-::.1.p:m gerad:a pelo microscópio eletrônico de tran-smissão é Tarr, S.A.J. Principies of Plant l'athology. London, MacMillan, 1972.
e \ erificar se as células do hospedeiro estão parasitadas
Trigiano, R.N., Wíndham, M.T.; Windham A.S. Plant Pathology -
l"'.IS. É pos:sívcl, inclusive, inferir sobre a identidade do
Concepts and Lahoratory Exerciscs. Ooca Raton, CRC Press,
baseando-se em sua morfologia e na presença e forma. de 2008.
~~IC'-:' -:dularcs (Figuras 10.1 e 10.32). Do mesmo modo,
Tuite, J. Pl11nt Pat:hological Methods. Minneapolis, Rurgcss, 1969.
--""'!"";:-_;:..1.-Jo-se o microscópio eletrônico de transmissão, é possível
~ procariotos fastidiosos, como os fitoplasmas (Figura Van Regenmortel, M.H.V. Serology 11nd lmmunochemistry of Plant
~ c-:,p1roplasmas (Figura 11 .6) no lúmen dos vasos de floema Viruscs. New York, Academic l'ress. 1982.
::---r.m doentes. Apesar de úteis na diagnose, no entanto, as Walker, J.C. Phmt P11thology. Ncw York, McGraw-Hill, 1950.
_, empregadas cm microscopia eletrônica são laboriosas. Weintraub, P.G. & Jones, P. Phytoplasmas: Genumes, l'lanl Hosts and
oradas e caras, além de exigirem mão-de-obra extremamente Vecturs. London, CAB lntemational, 2010.
~ a a d a . Por esses motivos, sua utilização em operações
Woltz, S.S. Nonparasitic plant pathogens. Annual Revicw of Phytopu-
~ de diaginose não é viável. Seu uso geralmente é restrito
tholology 16:403-430, 1978.
~me acadi~mico e de pesquisa.

~ BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
,_ .., ~- Plant Pethology. 5. ed. San Diego, Academic Prcss, 2005.
~ D.f. The dynamic narure of dísease. ln: 1-lorsfall, J.G. & E.B.
._.:,,,,lhng (ed.) Plant Disease an Advanced Treatise. New York,
-\.::ademic Press, 1978.
W.F. Nutrient Delicíencies & Toxicities in Crop Plants. SL.
hll..-\PS Press, 1993.
-<r. J.R. EL.ISA, Thcory 11nd Practicc. Methods in Molecular
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J. & de Jager, C.P. Practkal Plant Virology: Protocol and
JC-a..
Lln-c.i5es. Spf'inger Lab Manual, 1998.

43
CAPÍTULO

4
CICLO DE RELAÇÕES
PATÓGENO-HOSPEDEIRO
Lilian Amorim e Sérgio Florentino Pascholati

ÍNDICE

-4..1. Sobrevivência do inóculo ........................................ 46 4.3.2. Penetração ....................................................... 58


-l. l. l. Estruturas especializadas de resistência ....... 46 4.3.3. Estabelecimento de relações parasitárias
4.1.2. Atividades saprofiticas................................... 49 estáveis ............................................................. 61
-l. 1.3. Plantas hospedeiras e não hospedeiras......... 50 4.4. Colonização................................................................. 61
-1.l.4. Vetores ............................................................ 51 4.4.1. Distribuição do patógeno no hospedeiro ..... 64
-42. Disseminação ..........................................................,52 4.4.2. Duração da colonização ................................ 65
-l.2.1. Liberação ........................................................ 52 4.5. Reprodução ................................................................ 66
-1.2.2. Dispersão ........................................................ 54 4.5.l. Fatores que influenciam a reprodução ......... 66
4.2.3. Deposição ....................................................... 56 4.5.2. O significado epidemiológico da produção
i l Infecção ...................................................................... 56 de inóculo ....................................................... 66
-t.3.1. Mecanismos de pré-penetração .................... 57 4.6. Bibliografia consultada ................................................ 68

O
ciclo de relações patógeno-hospedeiro, também
designado ciclo de infecção, monociclo ou ciclo
de doença, representa o conjunto de eventos que se
por uma geração do patógeno, durante o desenvolvimento
~~ças infecciosas. Para a maioria das doenças, este ciclo
=---:. .... 1) é constituído de cinco processos básicos: sobrevivên-
do~eminação, infecção, colonização e reprodução. A repe-
-c...:es.siva do monociclo, ou de parte dele, com o desenvolvi-
.1e várias gerações do patógeno, durante um ciclo da cultura,
=ia epidemia, ou policiclo (veja Capítulo 5). A depender da
~ do inóculo, o ciclo de relações patógeno-hospedeiro pode
Cc"l-Ominado ciclo primário ou ciclo secundário. O inóculo
~ origem ao ciclo primário é externo ao campo e/ou estação SOBREVIVÊNCIA
• :!\O e responsável pela introdução da doença em um deter-
-::..: campo e estação. Porém, o ciclo primário não se limita
1 ::c-.xluzir o patógeno na cultura, podendo também contribuir
~ desenvolvimento da doença, caso haja contínuo influxo de
ID.:-'-' externo ao campo de cultivo. O inóculo que dá origem Figura 4.t - Ciclo das relações patógcno-hospcdeiro.

45
Manual de Fitopatologia

aos ciclos secundários é, necessariamente, produzido no próprio denominado colonização. É durante a colonização que ocorrem
campo durante a estação de cultivo e, de modo geral, é o prin- alterações em diversos processos fisiológicos da planta, que se
cipal responsável pelo desenvolvimento de epidemias de doen- exteriorizam na forma de sintomas. Finalmente, após a coloniza-
ças policíclicas (Boxe 4.1 ). A diferença entre os ciclos primário e ção do hospedeiro, ou algumas vezes, concomitante a ela, novos
secundário é bastante importante para a orientação de medidas de indivíduos são gerados para garantir a perpetuação da espécie. A
manejo. Quando a origem do inóculo primário é conhecida, prá- multiplicação de um patógeno no período que antecede sua disse-
ticas de manejo capazes de eliminá-lo podem ser suficientes para minação corresponde à fase denominada reprodução. Estmturas
evitar a ocorrência da doen1,a no campo. No entanto, na maioria propagativas do patógeno, produzidas na reprodução, serão dis-
das vezes, não é possível determinar com precisão a fonte do inó- seminadas, alcançarão novo sítio de infecção onde irão penetrar,
culo primário e, nesse caso, o controle no campo de cultivo deve e, a partir daí, colonizar o hospedeiro e se reproduzir. Havendo
ser realizado predominantemente com a adoção de táticas de pro- ambiente favorável e tecido hospedeiro disponível, vários ciclos
teção e imunização. infecciosos serão produzidos sucessivamente. Todos estes novos
ciclos infecciosos, gerados após a "primeira lesão" e com inóculo
originado no próprio campo e estação de cultivo, fazem parte do
Boxe 4.1 Algumas definições importantes
ciclo secundário das relações patógeno-hospedeiro.
A sobrevivência e a disseminação são processos indepen-
Inóculo: é o conjunto de estruturas do patógeno
dentes ou pouco dependentes do hospedeiro, razão pela qual, esses
capazes de causar infecção. Estão consideradas nesta
processos estão representados externamente a ele na Figura 4.1.
definição tanto as estruturas reprodutivas como as
Infecção, colonização e reprodução, por sua vez, aparecem na
estruturas vegetativas do patógeno que podem infectar
Figura 4.1 dentro do retângulo que representa a planta hospedeira,
o hospedeiro.
pois é lá que o patógeno se encontra durante estes processos. O
Fonte de inóculo: representa o locaJ onde o inóculo ciclo primário, representado por setas localizadas na parte externa
é produzido, ou o local onde ele se encontra, antes da da figura, faz alusão ao inóculo externo. Já o ciclo secundário,
infecção. representado internamente, é fonnado de ciclos de infecção recor-
lnóculo primário: é o inóculo responsável pelo ciclo rentes, produzidos várias vezes durante todo o desenvolvimento da
primário das relações patógeno-hospedeiro, produzido planta hospedeira. O final do ciclo secundáiio coincide, frequente-
externamente ao campo e/ou à estação de cultivo. mente, com o final do tecido hospedeiro (morte das plantas anuais
Inóculo secundário: é o inóculo responsável pelos e queda de folhas nas plantas perenes decíduas). Nesta situação, a
ciclos secundários da doença, produzido no campo rota normalmente seguida pelo patógeno, partindo da reprodução
durante o ciclo da cultura. em direção à disseminação, é desviada, rumo à fase sobrevivência.

4.1. SOBREVIVÊNCIA DO INÓCULO

O início da doença em um campo é marcado pelo apare- A sobrevivência do inóculo é a fase que garante a perpe-
cimento da primeiro lesão em uma planta hospedeira. Embora o tuação do patógeno quando ele se depara com situações adver-
aparecimento desta primeira lesão seja resultante do contato entre sas, tais como ausência do hospedeiro e/ou condições climáti-
patógeno e hospedeiro, é necessário que o patógeno, antes disso, cas desfavoráveis. Patógenos de culturas anuais, onde as plantas
tenha sido produzido em algum lugar para, em seguida. ser trans- morrem ao final do ciclo, e mesmo de culturas perenes decíduas,
portado até a planta sadia. Deste modo, o primeiro processo do onde folhas e frutos caem no invemo, são obrigados a suportar
ciclo primário corresponde à sobrevivência do inóculo em um prolongados períodos de tempo na ausência de tecido suscetível.
determinado local, usualmente designado como fonte de inóculo. Para tanto, estes agentes desenvolveram uma grande variedade
A sobrevivência do inóculo poderia também ser considerada de estratégias de sobrevivência, as quais podem ser agrupadas em
como a última fase de um ciclo de relações patógeno-hospedeiro, quatro grandes categorias: estruturas especializadas de resis-
já que ela só ocorre no final do ciclo da culrura, que coincíde com tência, atividades saprofiticas, plantas hospedeiras e não hos-
sua eliminação, no caso de plantas anuais. De qualquer modo, o pedeiras e vetores.
início do ciclo primário depende de~te inóculo residual e é por 4.1.1. Estruturas Especializadas de Resistência
esta razão que a sobrevivência é, aqui, considerada a primeira
fase do ciclo. Propágulos produzidos na fonte de inóculo devem Fungos, oomicetos e nematoides apresentam estmruras
atingir a cultura sadia para que a infecção ocorra. Isso se dá atra- especializadas de resistência, a maioria das quais é composta por
vés de mecanismos de remoção, dispersão e deposição do inó- suas formas reprodutivas (Figura 4.2). Teliósporos. ascocarpos.
culo, que constituem o processo de disseminação. Após a depo- oósporos. escleródios e clamidósporos são exemplos destas estru-
sição do inóculo sobre tecido sadio e suscetível, e sob ambiente turas de resistência em fungos e oomicetos. Embora elas tenham
favorável, inic.ia-se o proc.esso de infecção. Em doenças fúngi- formas e origens distintas, exercem, muitas vezes, a mesma fun-
cas e bacterianas, o início da infecção ocorre antes da penetração ção, promovendo a sobrevivência do patógeno em condições des-
do patógeno no hospedeiro, com a germinação de esporos e a favoráveis ao seu desenvolvimento. A maioria das bactérias fito-
multiplicação de bactérias, e seu fim é marcado pelo estabeleci- patogênicas não prodüz estruturas de resislência, exceção teita
mento de relações parasitárias estáveis (Gaumann, 1950). Para a Bacillus e Closrrídium, causadores de podridões, que formam
doenças viróticas, o início da infecção co.incidc com a deposi- endósporos.
ção do vírus no interior da planta hospedeira, processo em geral Tcliósporos de fungos dos gêneros Tilletia, Ustílago e
realizado por vetores. Uma vez estabelecido na planta, o pató- Sporisoriwn (Figura 4.3 ), causa<lores de doenças conhecidas
geno passa a distribuir-se pelo tecido hospedeiro, no processo como cáries e carvões, são capazes de sobreviver durante vários

46
Ciclo de Relações Patógeno-Hospede1ro

Boxe 4.2 Dormência em estruturas especializadas de


resistência

Os termos dormência, dormência constitutiva e


dormência exógena forum definidos por Sussman &
Douthít (1973) como:
Dormência - "Qualquer período de repouso ou
interrupção reversível do desenvolvimento fenotfpico de
um organismo".
Dormência constitutiva - "Uma condição na qual o
desenvolvimento é retardado devido a uma característica
própria do estádio dormente, tal como uma barreira a
penetração de nutrientes, um bloqueio metabólico, ou a
Figura 4.2 - Estrururas reprodutivas de fungos e de oomicetos que produção de um auto-inibidor. liste estádio é impôsto logo
auxiliam na sobrevivência do inóculo: (A) pseudotécio após a formação do esporo.»
de Venturia; (B) cleistotécio de Erysiphe: (C) oósporo
Dormência exógena - "Uma condifôo na qual o
de Pythium: (D) teliósporo de 1'11ccinia.
desenvolvimento é retardado devido a condições físicas ou
químicas desfavoráveis do ambiente."
anos no solo, sem perder sua viabilidade. Paro o agente causal do A dormência constitutiva envolve restrições
carvão da cana-de-açúcar, o fungo Sporisoriwn scitamineum, por endógcn~ estruturais e ou metabólicas que não são
exemplo, os teliósporos funcionam como estruturas de sobrevi- vencidas simplesmente com o suprimento de condições
vência, resistindo a condições de baixa umidade. Num ambiente desejáveis ao crescimento do patógcno. De modo geral,
complexo como o solo, estes tcliósporos são capazes de man- a quebra da dormência constitutiva requer a ação
ter a viabilidade por até um ano. Considerando que na reforma conjunta de vários fatores. O estimulo do ambiente
para a quebra deste tipo de dormência reúne fatores
de canaviais o ~ríodo de tempo em que a cultura está ausente
(entre a retirada de soqueiras velhas e o plantio de colmos novos) normaJmente não requeridos pela fase vegetativa do
não ultrapassa nove meses, os tcliósporos no solo representam fungo. A dormência exógena, por sua ve-L, apenas
o inóculo primário da doença a cada novo ciclo de cana-planta. impede a germinação de esporos quando as condi~ões
Longevidade ainda maior é apresentada por téliósporos de Tilletio de ambiente não são favoráveis. Para a qutbra da
indica, causador do carvão não sistêmico <lo trigo, capaz <le ptr- dormência aógena basta, em príncípio, um retorno
manecer viável por pelo menos três anos no solo na au.-;ênciu do à condição que permita o desenvolvimento vegetativo
hospedeiro. Obviamente, a longevidade destas estruturas. pode do fungo. Embora dormência constitutiva e dormência
exógena representem fenômenos de origem distinta, eles
variar de acordo com o tipo de solo. sendo influenciada por fato-
podem vir associados em um mesmo organismo, como
res como teor de matéria orgânica, temperatura e teor de umidade.
Além dos agentes causais dos carvões, os teliósporos funcionam em oósporos de Pythiurn ultimum (Ayers & Lumsden,
1975) e em escleródios de Stromatina cepivora (Coley-
como estruturas de sobrtvivência tamhém para os agentes cau-
Smith ct aL, 1987). Para detalhes sobre dormências
sais das ferrugens (Figura 4.3 ). Neste último caso, entretanto. os
constitutiva e exógena, consulte Griffin (1994).
teliósporos não apenas resistem a condições adversas como tam-
hém. na maioria das vezes, passam por um período de dormência,
entre sua fo_rmação e sua germinação (Boxe 4.2). Estes telióspo-
ros permanecem, assim, obrigatoriamente, inativos durante perío-
dos de tempo que variam de alguns dias (Pucciniu heterospora)
até vârios meses (Puccinia graminis f. sp. tritici). A dormência
dos tdiósporos das ferrugens é uma característica constitutiva
devido à presença de auto-inibidores de germinação no esporo:
A germmação destes teliósporos requer quebra de dormência que
pode ser obtida com choques té1micos ou exposição prolongada a
condiçôes que normalmente seriam adversas ao patógcno.
Os corpos de frutificação de certos ascomicctos também
podem aruar como estruturas de sobrevivência do patógeno. O
fungo 1'i!nturia inaequalis, agente causal da sarna da macieira.
por ..:xemplo, inicia a formação de corpos de fruttficação unica-
mente após a queda das folhas infectadas, que ocorre no outono. Figura 4.J Estruturas de sobrevivência de agentes causais de carvões
Este processo prolonga-se durante todo o inverno e, mais do que e de ferrugens: teliósporos de Sporisorium (à esquerda)
isto. dtpende dele, com a manutenção de temperaturns baixas, e de Pu<"<'inia (à direita). A barra à esquerda representa
para ,er completado. Na primavera, os ascósporos formados nes- 10 micrômeu-os e à direita, 50 micrômetros.
tes corpos de frutificação sofrem um processo gradativo de ama- Crédito das fotos: Silvia A. Lourenço.
durec1mcnto e liberação. /\ sobrevivência do patógeno no período
de imemo é, assim, garantida em folhas mortas, com a formação

47
Manual de Fitopatologia

de pseudotécios que representam, aqui, as estruturas especializa-


das de resistência. Vale ressaltar o fato de que não há desenvol-
vimento saprofitico do patógcno, mas sim uma estrutura especia-
lizada de resistência que se fonna nas folhas em decomposição.
A estratégia de sobrevivência do fungo V. inaequalis é observada
para a maioria dos ascomicetos de culturas perenes de regiões
temperadas. A projeção dos ascósporos ocorre de maneira con-
centrada no início da primavera, coincidindo com o lançamento
de folhas novas. Mecanismo semelhante ocorre no agente causal
da mancha preta dos citros (Phy/losticta citricarpa). A liberação
de ascósporos <lesse patógeoo, por sua vez, prolonga-se da prima-
vera ao verão, coincidindo com a presença de frutos suscetíveis
nas árvores cítricas (Figura 4.4). Figura 4.5- Escleródios (e) de fungos fitopatogêoicos; escleródios
de Sc/em1inia sclerotiorum com germinação carpogê-
200 nica (à esquerda) e cscleródios de Sclerotium ro{fsii (à
-;- direita) formados em meio de cultura.
~ Crédito das fotos: Leila C. L. Ferraz e Liliane D. Teixeird.
e
~
,:;,
160
.s ródios apresentam tamanho diminuto, sendo 1ltlnominados micro-
co escleródios. Outras vezes, estas estruturas são conspícuas, com
e-
co 120 alguns milímetros de diâmetro, como é o ca:So dos escleródios de
·1; Sc/erotium roljçii e Stmm1.1tina cepivora, podendo alcançnr até
·u
5 cm na espécie Sclerotinia sclerotiorum. A longevidade dos
Cl.: 80
Ili esclcródios no solo vnria em função do patógeno e do ambiente
,:;,
ao qual ele está exposto (Tabela 4.1). Em geral, condições de alta
~ 40 umidade reduzem a longevidade dos escleródios de vários meses
para algumas semanas. Assim, o controle de doenças causadas

i o
o 100 200 300 400
por S. rolfsii e V. duhliae, por exemplo, pe>dc ser obtido com o
alagamento dos solos infestados, durante a entressafra. Embora
existam algumas tixceçõcs, a regra geral diz que os escleródios
Tempo (dias após a primeira colefa) são estruturas <le resistência capazes de sobreviver por vârios
meses em condições de baixa umidade de, solo. A germinação
Figura 4.4 - Liberação diária de ascósporos de Phyllostíc,ta cirric-arpa dos cscleródios pode ocorrer com a emissão do hifas (miceliogê•
em um pomar de laranja da região sul do Estado de São nica), com a formação de esporos {esporog;anica) ou com a for-
Paulo. A primeira coleta foi feita cm O1/03/2000. mação de corpos de frutificação (carpogênica). Estes diferentes
Fonte: Marcel B. Spósito, dados não publjcados. modelos de gem1inação encontram-se ilustrados na Figura 4.6.
Germinação com emissão do hifas pode ser encontrada nas espé-
Oósporos de pat6genos dos gêneros Pythium e Phytophthora cies Macrophomina phaseolina, Rhizoc:tonia solani, Stromatina
são estruturas de resistência capa7.es de sobreviver a altas e baixas cepivora e Sclerotinia gl1.1dioli. Germinação do tipo csporogênica
temperaturas e a condições de baixa umidade. Estes esporos apre- ocorre em Botrytis convoluta, B. tulipae e Verticíllium dah/iae,
sentam uma parede celular bastante espessa que lhes confere esta enquanto que a do tipo carpogênica ocorre em C/aviceps purp11-
resistência. De modo geral, os oósporos passam por um período de rea e Sc:lerotinia sclerotiorum. Algumas vezes, a genninaçâo dos
dormência antes da germinação, permanecendo no solo por perío- escleródios é induzida pela presença de exs1L1datos do hospedeíro.
dos de tempo relativamente prolongados. antes de germinar e Assim, o processo genninativo de esclcródios de Stromatina
dar início a novas infecções. A presença de inibidores endógenos cepivora, agente causal da podridão branca do alho e da cebola,
ue genninaçâo, pres.:ntes na própria parede do oósporo, parece depende necessariamente da presença de exsudatos destas plan-
explicar a dormência constitutiva destas estruturas. Embora os tas para ser iniciado. Com isso, além de sobreviver a condições
oósporos não representem a única forma de sobrevivência dos adversas do ambiente, o fungo só germina na presença do hospe-
oomicetos, eles são as estruturas mais importantes na manutenção deiro, o que lhe garante maior sucesso na infecção. Para outras
do inóculo no solo, a longo prnzo. espécies, os escleródios podem genninar de maneira sucessiva,
Muitos dos patógenos veiculados pelo solo desenvolve- o que representa um aumento de sua capacidade de sobn:vivên-
ram uma estrutura especializada de resistência bastante eficiente cia. Isto ocorre para Rhizoctonia solam·, Boi•rytis cinerea, Botrytis
para sobreviver a condições adversas do ambiente. Trata-se convoluta, Claviceps purpurea e Sclerotinia sclerotiorum.
do cscleródio, que, como o próprio nome indica, é uma estru- Outra estrntura especializada de resistência presente em
tura dura, formada de agregados compactos de hifas somáticas. muitos fungos fitopatogênicos é o clamidósporo (figura 4.6). Este
Esta estrutura, de formato esférico ou irregular (Figura 4.5), esporo é constituído de uma única célula com citoplasma conden-
está presente em diferentes gêntiros de fungos tilopatogêoi- sado, devido ao acúmulo de reservas nutritivas, e espessa parede
cos, como Sclerotium, Sclerotinia, Mucrophomina, Vertic:illi11m, celular. De formato esférico ou oblongo, os damidósporos são for-
Rhizoctonia, Botryli.v e outros. Em muitos deles, como nas espé- mados nas hifas de maneira intercalar ou tenninal. Ocasionalmente
cies Macrophomina ph"seolina e Verticillíum dahliae, os cscle- eles podem ter origem cm conídios ou ascósporos. Para certas

48
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

~L ~ .4.1 - Longevidade de escleródios mantidos no solo de alguns fungos füopatogênicos.

Funi.:o l'l'río<lo de sohn:,·h ência l{l' Íl·rência

Botrytis cinerea 8 meses Nair & Nadtotchei (1987)


Bot1)'tis tulipae 15 meses Coley-Smith & Cooke ( 1971)
CT'.41\"iCeps microcephala 1-8 meses Coley-Smith & Cookc (1971)
Clariceps purpurea l ano Tenberg ( 1999)
G lêtorrichum coccodes 8 anos Dillard & Cobb ( 1998)
bc.-.,phomina phaseolina ao menos 2 anos Short et ai. ( 1980)
Phoma koo/unga 18 meses Khani et ai. (2016)
Rhi=octonia solani vôrios anos Cubeta & Vilgalys ( 1997)
Rhi.::octonia tuliparum 10 anos Coley-Smith et ai. ( 1979)
Sderotinia minar 1 ano Pattcrson & Grogan ( 1985)
S. , ;,rotinia sclerolion.m1 1 ano (à superftcie) Brustolin et ai. (2016)
3-5 onos Adams & Ayrcs (1979); éosié et ai. (2012)
Sdervtinia trifolion,m 7 anos Coley-Smith & Cooke (1971)
S.derotium delphinii 2 anos Colcy-Smith & Cooke ( 1971)
Sclerotium rolfsii 15 meses Marcuu;o & Schullcr (20 14)
Stromotina cepivora 10 anos Coley-Smith & Cookc (1971)
lerticillium dahliae vários anos Isaac (1967)
·,micillium a/bo-atrum 14 anos Wilhelm (1955)

caso as condições de ambiente lhes sejam desfavoráveis. Já para


espécies dos gêneros Hetetvdera e Globodera, é o próprio corpo
das mmeas repleto de ovos que, encistado, representa a principal
estrutura de resistência. No caso de Dirylenchus dipsaci, o nema-

- --
. ,Q:
_..:_:.~ =- _-
.
toide <la cebola e do alho, são as larvas de quarto estádio as prin-
cipais fonnas de sobrevivência da espécie.
Além das estruturas previamente mencionadas, existem
casos cm que conídios, apressórios, ascósporos, esporângios e
ri:lOmorfos aparecem como fonnas tle sobrevivência do inóculo.
A grande variabilidade de fungos fitopatogênicos reflete-se, tam-
- ~l~ bém, na grande variação de suas estruturas de resistência. Porém,
mais importante que a variação nas fonnas é a variabilidade no
tempo de sobrevivência de cada estrutura na ausência do hospe-
deiro. Infonnações deste tipo são valiosas, não apenas do ponto
de vista acadêmico mas, sobretudo, do ponto de vista prático,
com implicações diretas no controle de doenças. Quanto maior
a longevidade de uma estmtura na ausência de seu hospedeiro,
maior o período de rotação de cultura necessário para o controle
do patógeno. Estudos de longo prazo sobre o efeito da rotação de
_ _ . 4.6 - Tipos de genninnção de escleróúios (A) e fonnação de culturas no controle de patógenos veiculados pelo solo são unâni-
clamidósporos {B). mes no efeito benéfico dessa prática de manejo, que além de redu-
zir a incidência de doenças, também contribui para o aumento na
i=soe::: es de Fusarium, os clamidósporos representam a principal produção das culruras. No entanto, a rotação de culrlJras, isolada-
..x?ni de sobrevivência do fungo no solo. Enquanto hi fase coní- mente, não é capaz de erradicar patógenos polífagos habitantes
.::i- -,. .:leste fungo sofrem lise em consequência da ação de micror- do solo, e frequentemente, medidas adicionais devem ser toma-
p:=..;:nos do solo, os clamidósporos sobrevivem, permanecendo das para o controle eficiente das doenças por eles causadas. De
...._-.tnles por longos períodos de tempo na ausência do hospe- modo geral, a rotação de culturas mostra maior eficiência no con-
trole de patógenos foliares que sobrevivem cm restos culturais do
A sobrevivência de nematoides, na ausência do hospe- que no controle de pat6genos radiculares que sobrevivem graças
- é garantida em detenninadas fases do ciclo de· vida des- a estruturas de resistência.
5anismos. Não existe propriamente uma estrutu1-a especia-
4.1.2. Atividades Saprofíticas
_._ de resistência, mas uma adaptação de certas fas,es do ciclo
,da que pennite aos nematoides resistir a condições advcr- Em contraste com o sobrevivência passiva representada
do meio. A sobrevivência de espécies do ganero Meluidogyne pelas estruturas especializadas de resistência, muitos microrga-
..:sstm. garantida pelos ovos que podem apresentar dormência nismos podem sobreviver na ausência de seu hospedeiro com

49
Manual de Fitopatologia

metabolismo ativo. Alguns são capazes de colonizar restos de culturais de trigo, que Puccinia graminis f. sp. trifiei sobrevive à
cultura e outros, menos frequentes, conseguem sobreviver com a ausência do hospedeiro no inverno rigoroso do Norte dos E.U.A.
utilização de nutrientes da solução do solo. Há numerosos relatos e da Europa. Na primavera, teliósporos sofrem meiose, produ·
de patógenos capazes de sobreviver sobre restos culturais, den• zindo os basidiósporos, em sincronia com a brotação de Berberis
tre os quais estão patógenos causadores de podridões de órgãos vu/garis, o hospedeiro alternado no qual o patógeno completa seu
de reserva (Rhizopus, Pectobacterium), de podridões radicula- ciclo sexual. Ferrugens de plantas de regiões tropicais sobrevi•
res (Pythium, Phytophthora, Fusarium, Rhizoctonia), de mur• vem frequentemente na fonna uredinial associada ao hospedeiro
chas vasculares (Fusarium, Verticil/ium) e de manchas foliares principal. A sobrevivência de Hemileia vastatrix, agente causal
(Alternaria, Cercospora, Xanthomonas, Pseudomonas). A capa- da ferrugem do cafeeiro, é garantida por pústulas urediniais pre-
cidade de sobrevivência destes organismos depende do ambiente sentes nas folhas do hospedeiro. O mesmo ocorre para Puccinia
ao qual estão expostos e de sua habilidade competitiva na ausên• melanocephala e P. kuehnií, patógenos <la cana•de•açúcar. Nestas
eia do hospedeiro. A longevidade do inóculo varia, portanto, cm duas culturas tropicais, o tecido suscetível encontra•se disponível
função destes fatores, de poucos meses até vários anos. Práticas durante todo o ano, não havendo, portanto, descúntinui<la<le no
conservacionisias de solo, como o plantio direto sobre a palha, ciclo do hospedeiro. Mesmo em hospedeiros anuais, a sobrevi·
têm o inconveniente de manter a fonte de inóculo <los patógenos vência na forma de urediniósporos é comum cm ferrugens tro•
que sobrevivem em restos culturais no próprio campo. Para evitar picais. Para ess:is ferrugens, a sobrevivência se dá nas próprias
danos causados por esses patógenos, o plantio direto deve estar plantas doentes remanescentes de plantios antc.riores, conhecidas
sempre associado à rotação de culturas. Assim, durante o cultivo como plantas voluntárias ou tigueras (Figura 4.7). A eliminação
de uma determinada espécie, a palha da espécie aoteriom1ente das plantas voluntárias é, nesse caso, importante medida de con.
cultivada, com inóculo residual, irá sendo deteriorada até pratica- trole (para detalhes veja Capítulo 18).
mente desaparecer (para detalhes veja Capítulo 18).
O solo é um importante substrato parn bactérias. A bactéria
Ralstonia solanacearum, que infecta ao redor de 200 espécies de
plantas, tem elevada capacidade de sobrevivência no solo. Uma
vez instalada em uma região, esta bactéria toma-se um "resi-
dente pennanente'' do solo, ameaçando a implantação de nume-
rosas culturas. O mesmo ocorre coro Agrobac/erium tumefaciens,
agente causal da galha da coroa em diversas espécies de plantas
cultivadas. Em geral, o número de bactérias no solo é proporcio-
nal aos nutrientes que nele estão disponíveis. A nutrição parece
ser o principal fator limitante na reprodução destes organismos.
Certas regiões do solo como, por exemplo, a rizosfera de plantas
hospedeiras ou não hospedeiras favorece a atividade bacteriana.
Os gêneros Pseudomonas, Xanlhomonas e Agrobacterium são os
mais frequentemente encontrados neste ambiente. O desenvolvi•
mento populacional não apenas de bactérias, mas de microrganis•
mos em geral, é muito maior na rizosfera do que em solo adja•
cente a ela. Deste modo, a distribuição de microrganismos fito•
patogênicos vivendo às custas de nutrientes da solução do solo
Figura 4.7 Plamas voluntárias de soja em lavoura de milho.
também é heterogênea, concentrando.se preforencialmente na
Crédito da foto: Wanderlei D. Guerra.
região da rizosfera das plantas. Embora a microbiologia da rizos•
fera venha ganhando atenção de vários pesquisadores, ainda exis-
tem muitos pontos que pennanecem obscuros, principalmente cm A doença huanglongbiog (llLB), também conhecida como
relação à capacidade saprofitica de fitopatógenos. As interações greening, é a mais importante bacteriose dos eitros e depende Jo
biológicas neste ambiente, além das variações químicas e Cisicas hospedeiro vivo para seu desenvolvimento e sobrevivência. Os
que ocorrem no tempo e no espaço, dificultam a quantificação e o agentes causais da doença são bactérias transmitidas pelo psilí-
esclarecimento de fenômenos ligados à sobrevivência saprofitica deo Diaphorina citri, que invadem os elementos do floema, onde
dos patógenos no solo. permanecem durante todo o ciclo da cultura. Além dos citros,
essas bactérias também colonizam murta (Murraya paniculata),
4.1.3. Plantas Hospedeiras e Não Hospedeiras
espécie ornamental muito Lltilizada no Estado de São Paulo. A
Muitos agentes fitopatogênicos, notadamente aqueles conhe- interferência na fase de sobrevivência dessas bactérias, por meio
cidos como parasitas obrigatórios, não conseguem .sobreviver na da eliminação do inóculo inicial, é fundamental para o controle
ausência de seu hospedeiro. Eles dependem do hospedeiro vivo para da doença. Assim, a errndicação dos citros e da murta infectados
completar seu ciclo evolutivo e sua sobrevivência está associada à são as medidas de manejo preconizadas. Em Bebedouro, SP, a
presença de plantas doentes. Nesta situação encontram-se os fun- lei 42 19 de 19/ 10/2010 (Boxe 4.3), dispõe sobre a erradicação
gos causadores de ferrugens, oídios e míldios, algumas bactérias, da murta naquele município, em razão dos riscos da manutenção
como as que causam o Huanglongbing dos citros, além de vírus, dessa espécie à citricultura. Muito embora essa medida de con·
fitoplasmas, espiroplasmas e viroídes. Patógenos causadores de trole contribua para a redução da sobrevivência das bactérias cau•
ferrugens, de modo geral, sobrevivem na forma de teliósporos dor- sadoras da do~nça, o manejo do HLB não dispensa controle do
mentes. É assim, na forma de pústulas teliais presentes·em restos vetor e eliminação de plantas de citros sintomáticas.

50
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

vírus do mosaico do pepino (Cucumber mosaic: viros), por exem-


~ .t...3 Erradicação de planta hospedeira como plo, infecta não apenas plantas de pepino, mas também outras
medida de controle de huanglongbing cucurbitáceas como abóbora e melão, além de plantas ornamen-
tais e plantas daninhas. A sobrevivênciu deste vírus ocorre em
" l"t'Cornendação de controle do huanglongbi.ng qualquer um destes hospedeiros. Também para aqueles organis-
E.sudo de São Paulo baseia-se em duas medidas mos cuja gama de hospedeiros é mais restrita, como é o caso dos
ptwapai.s: eliminação do inseto vetor (Diaphorina citri) vírus dos citros, por exemplo, a principal fonna de sobrevivência
~ "-ão de plantas de citros doentes. A erradicação é a manutenção do patógeno em plantas doentes.
.urt.a.. onde o agente causal do lmanglongbing
Embora, de modo geral, o tecido de plantas perenes nos tró-
f em pode sobreviver, é recomendada em municípios
picos não sofra grandes flutuações sazonais, não se deve concluir
~ a citriculturaé a principal atividade econômica.
que os patógenos destas plantas tenham tecido suscetfvel sempre
Bebedouro, SP, a erradicação da murta é mandatória
à disposição. Laranjeiras doces, por exemplo, são hospedeiras de
o da lei 4219, promulgada pela prefeitura
espécies dos complexos Colletotrichum acutatum e C. gloeospo-
~ em 19 de outubro de 2010. O texto da lei 4219
rioides. mas o único órgão suscetível a este patógeno é à flor. Na
aaa tt:rrod-uzido abaixo.
ausência de tecido suscetível, o patógeno deve lançar mão de suas
J•. Ficam proibidos, no município de Bebedouro, estratégias de sobrevivência. As espécies de Col/etotrichum cau-
o cultivo e a manutenção da planta Murraya sadoras da podridão floral dos citros tí:m hábito epifitico e podem
• Lata, popularmente conhecida como murta ou sobreviver tanto na superficie de folhas de citros como de espé-
..,.....;...:fE-cl1eiro. cies daninhas. A sobrevivência cpifttica sobre plantas daninhas
ft. 2'"• •-u plantas referidas no parágrafo anterior assintomáticas é companilhada pelos agentes causais da antrac-
, ser obrigatoriamente erradicadas, podendo ser nose da oliveira e do morangueiro.
~ por plantas de outras espécies. As sementes de plantas cultivadas podem ahrigar patóge-
~ 3°. Fica o município de Bebedouro autorizado
nos no seu interior ou carregá-los cm sua superílcie, contriboindo
- r e proceder à eliminação e à substituição das
para sua sobrevivência. A sin1ação clássica de sobrevivência na
0~1eto da presente lei semente é representada pelos carvões sistêmicos de cercais, entre
os quais pode-se citar o carvão do trigo, causado por Usti/ago
"'º· O proprietário, arrendatário ou ocupante a trifiei. O patógeno sobrevive de uma estação para outra no inte-
!1t11lo do imóvel em que se encontre a planta rior da semente do hospedeiro. O micélio do fungo, localizado
•1rnn.n paniculata fica obrigado a eliminá-la às suas
no embrião, pennanece inativo enquanto a semente não gennina.
•ião cabendo qualquer tipo de indenização.
A atividade parasitária e o desenvolvimento do micélio só se ini-
wagrafo único. O descumprimento das disposições ciam quando da gemiina<,:ão da semente infectada. Esta forma de
s:.25 al1 caput deste artigo sujeitará o infrator à pena sobrevivência assegura ao patógeno infecção bem sucedida no
...:.. ..i ser arbitrada pelo Poder Executivo através de hosp.:deiro. sobre o qual ele se encontra. As sementes do hospe-
:ip,t:~tka. deiro protegem o patógcno, de certa maneira, das adversidades
- 5 • O Poder Executivo poderá promover, através do do ambiente externo, garantindo sua sobrevivência. Nematoides,
menta Municipal de Agricultura, Abastecimento sobretudo os parasitas de órgãos aéreos, também podem perma-
• Ambiente, projetos de conscientização de toda necer viáveis por períodos prolongados em sementes de plantas
:;..;.1ção e especialmente dos agricultores, sobre os hospedeiras. Dois exemplos merecem menção: Aphelencoldes
i.pre~entados pela planta Murraya paniculata à besseyi, agente causal da ponta branca do arroz, que subsiste cm
.....--:.rn local. orientando-os na sua erradicação. grãos por mais de oito anos, e Anguina trifiei, o nematoide do
'r. 6•. As despesas decorrentes da execução desta lei grão do trigo, que pode permanecer ern aoidrobiosc nas galhas
.....:._ por conta de dotações orçamentárias próprias, das s,:m.:ntes de trigo por trinta e cinco anos.
c--..2das 110 orçamento vigente, suplementadas, se
'S:i..~O
4.1.4. Vetores
7°. Esta lei entrará em vigor na data de sua Vetores transportam patógenos durante o ciclo do. cultura
~,fo. revogadas as disposições em contrário. hospedeira, auxiliando sua disseminação. Em alguns casos, na
ausência do hospedeiro, estes vetores retêm os patógenos cm seu
\.luito embora todas as medidas destinadas a organismo, contribuindo para sua sobrevivência. Os vírus rcprc
~ a ~obrevivêJtcia da bactéria causadora do HLB sentam o principal grupo fitopatogênico que utiliza vetores cm
importantes, o efeito prático da eliminação sua estratégia de sobrevivência, embora algumas bactérias e fito-
murta no controle da doença ainda não está plasmas também possam se beneficiar desses agentes nessa fase
~vado. do ciclo. Os principais vetores envolvidos na sobrevivência dos
vírus incluem insetos, ácaros, fungos e protozoários. As relações
estabelecidas entre os vírus e seus insetos vetores podem ser clas-
p,antas doentes também representam a mais importante sificadas cm função do tempo de permanência das partículas virais
.:e ;.('\brevivência de vírus, viroides e fitoplasmas. A maio- no corpo do vetor, sendo divididas em relações persistentes, semi-
J"US fitopatogênicos possui uma ampla gama de hospe- persistentes e não persistentes. No primeiro caso, as partículas
i;n.:,mndo plantas cultivadas e plantas daninhas. Deste de vírus. uma vez no corpo do inseto, ali permanecem por períodos
..ibre, ivência do vínis na ausência do "hospedeiro eco- prolongados de tempo. podendo manter-se assim por toda a vida
~orre frequentemente sobre outro hospedeiro vivo. O do inseto. A sobrevivência do inóculo em vetores é particularmente

51
Manual de Fitopatologia

importante nesse tipo de relação (Figurn 4.8). Quando os vetores não


são capazes de reter as particulas virais por período de tempo pro-
longado (relação do tipo não persistente) eles não podem ser enqua-

r:~~o
drados como formas de sobrevivência do inóculo, restando-lhes ape- Transporte
nas o papel de agentes de disseminação. Para mais detalhes sobre
relações vírus-vetor, consulte o Capírulo 10.

, Deposição

Figura 4.9 - Disseminação de patógeno foliar.

pouco empregado para viroses e doenças causadas por filoplas-


mas. O termo utilizado para indicar o conjunto dos processos de
liberação, dispersão e Jeposição destes agentes fitopatogênicos é
transmissão. Para a grande maioria dos patógenos, no entanto,
cada fase da disseminação pode ser bem caracterizada, através
Figura 4.8 - Mosca branca (Bemisia tabací), vctora de geminivirus, dos diversos mecanismos descritos a seguir.
com os quais mantem relação persistente circulativa.
Crédito da foto: Paulo Ayres.
4.2.1. Liberação
A liberação do patógeno é um processo particularmente
Protozoários também podem auxiliar na sobrevivência de importante para esporos de fungos transportados pelo ar. A super-
vírus. Notadamente dois gêneros de protozoários habitantes do ficie das plantas, onde os esporos são produzidos, é recoberta por
solo têm mostrado esta capacidade: Polymyxa e Spongospora. uma camada estacionária de ar de espessura micrornétrica. Logo
Estes organismos funcionam como vetores de vírus e contribuem acima dela há outra, de alguns milímetros de espessura, onde o ar
para sua sobrevivência na ausência do hospede.iro. Eles adquirem movimenta-se paralelamente à superficie, sem turbulência. Estas
os vírus quando colonizam raízes de plantas .infectadas e. as par- duas camadas funcionam como forças adesivas que dificultam a
tículas virais penetram o vetor, pennanecendo em .seus esporos liberação dos esporos (Figura 4.1 O). O deslocamento de esporos
de resistência após a morte do hospedeiro. Quando estes esporos através destas camadas requer energia, que pode ser fornecida
germinam, os vírus são transmitidos por zoósporos até novas raí- pelo próprio patógeno (mecanismo de liberação ativa) ou por
zes. O período de sobrevivência do vírus, neste caso, é o mesmo forças mecânicas externas (mecanismo de liberação passiva).
dos esporos de resistência de. seu vetor. Mecanismo semelhante A liberação ativa de esporos é aquela em que o próprio
de sobrevivência ocorre para o lettuce big vein vinis transmitido microrganismo fornece a energía necessária para se desprender da
pelo fungo Olpidium brassicae. superficie em que foi produzido. Um exemplo típico desse tipo de

4.2. DISSEMíNAÇÃO
A disseminação é o processo responsável pelo incremento
da doença num campo de cultivo tanto em escala temporal
quanto espacial. Disseminação envolve três subproeessos (Hirst
& Scheín, 1965): liberação, dispersão e deposição do patógeno
(Figura 4.9); liberação é definida como a remoção do patógeno D
do local onde foi produzido; dispersão corresponde ao trans-
porte do patógeno a partir da liberação até sua deposição; depo-
sição, por sua vez, implica no assentamento do patógeno sobre
uma determinada superftcie. Todos os patógenos produzem um
grande número de propágulos, justamente porque muitos se per-
dem antes de chegar ao hospedeiro. Assim, dependendo da super-
ficie onde se deposite, a disseminação de patóge·nos pode ser ou
não ser bem sucedida. Nem todos os patógenos apresentam um Figura 4.10 Estratégias utilizadas por fungos para vencer acamada
processo típico de disseminação, com três fases (liberação, dis- estacionária do ar. Liberação por gravidade cm Gano-
persão e deposição) bem definidas. Algumas vezes, uma delas demia (A), ejeção em Sclemtinia (B) e exposição à
pode estar ausente como, por exemplo, no caso dos vírus dissemi- área de turbulência em Dreschlera (C) e Oidium (D).
nados através de enxertia, onde o homem funciona como agente A área delimitada pelas setas vem1elhas representa a
de disseminação. Nesta situação, o processo resume-se, simples- camada estacionária do ar. Setas pretas simbolizam a
mente, no transporte do patógeno, já que não existe liberação nem direção da liberação dos esporos.
deposição propriamente ditas. O tenno disseminação é, aliás, Fonte: Adaptada de Lucas (1998).

52
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

..1oeraçào é a ejeção de ascósporos em Venturia inaequalis, agente Liberação por impacto~ Esporos podem ser removidos
ca.isal da sarna da macieira. Os ascos maduros do fungo, quando de uma superfície caso esta se movimente com vibrações bruscas
Mi contato com a água, distendem-se, de modo que sua extremi- causadas pelo impacto de uma força mecà:nica que pode vir de
.a.:!e superior se alinhe ao ostíolo do pseudotécio. Os oito ascós- maquinários, animais, vento ou chuva. O vento representa uma
x rns de um mesmo asco são então projetados à atmosfera, um das principais forças mecânicas externas capazes de liberar esporos
...; ·,s o outro. O mecanismo de ejeção parece ser promovido por de fungos. O impacto do vento sobre as plantas, provocando sua
.:..:erenças de pressão osmótica entre o protoplasma do asco e o movimentação, funciona como um eficiente agente de liberação
- ~teúdo do vacúolo onde se encontram os ascósporos. Com a eje- de esporos. Muitos conídios, urediniósporos., teliósporos e mesmo
_:. . os ascósporos deixam o interior do pseudotécio, sendo lança- esporângios são liberados desta forma (Figura 4.13 ). Esporos são
: "ao ar a alguns milimetros de altura (Figura 4.11 ). Outro exem- ainda liberados do hospedeiro quando este for atingido por gotas
;i!o de liberação ativa de esporos ocorre. em patógenos da Ordem de chuva. A vibração das folhas atingidas pela chuva causa a libe-
:,='"Onosporales. Nesses patógenos, a liberação dos zoósporos ração do patógeno. A água propriamente dita não funciona, neste
·.:~rre às expensas de energia própria. Ainda no interior de espo- caso, como agente de liberação. É seu impaçto sobre a superfície
"'l.."'.g1os ou vesículas, os zoósporos apresentam vigorosa movimen- a causa da remoção dos esporos .
.__..io. suficiente para impulsioná-los para fora dos esporângios, via
, o lo. ou para romper a parede das vesículas (Figura 4.12). Uma
,:-.:. liberados, os zoósporos se deslocam graças ao movimento fia- vento -
~- ..r. sendo dispersos também de forma ativa.

e,
,._, ,_-:_®
~ Ascõsporo
~
~

Figura 4.13 - Dispersão de teliósporos de Ustilago nuda, agente


causal do carvão da cevada, pdo vento. O diagrama
Aaceacom Ascósporoa liberados representa um campo de cevadla com inflorescências
ueósporos maduros
infectadas projetadas acima do nível das inflorescên-
cias sadias, uma estratégia que favorece a dissemina-
f"rgura 4.11 - Liberação de ascósporos do fungo Venturia inaequalis ção do patógeno.
pelo mecanismo de ejeção. Fonte: Ingold (1971).
A liberação passiva de esporos agrupa um grande número de Liberação pelo vento - A liberação pelo vento é comum
-:ecanismos diferentes, envolvendo sempre uma ação mecânica em fungos pulvcrulentos. Em uma grande :gama de fungos ana-
='-!ema, frequentemente exercida pelo vento ou pela chuva. Entre mórficos, os esporos são produzidos sobre ,esporóforos elevados
, mecanismos mais frequentemente encontrados destacam-se a
e eretos, que atravessam parte das camada:s estacionárias de ar.
... ~ração por impacto, por vento e por respingos de água. Nesta situação, estes esporos têm maiores chances de ser atin-
gidos por rajadas de vento que rompem temporariamente estas
camadas. Embora a velocidade média dos ventos no interior de
uma plantação represente apenas uma fração da velocidade média
observada acima das plantas, rajadas muito rápidas silo bastante
frequentes ao nível das folhas. As barreiras impostas à libera-
ção dos esporos, representadas pelas camadas estacionárias de
ar, são, deste modo, temporariamente removidas pelo vento, que
promove ao mesmo tempo a liberação e o transporte do patógeno.
Liberação por respingos - Além de :sua força de impacto,
a água de ehuva pode efetivamente liberar esporos produzidos na
superfície das plantas ou do solo através de respingos. Ao atin-
figura 4.12 - Liberação de zoósporos de Pythium míddletonii. gir um estruma ou um exsudato bacteriano-, uma gota de chuva
(A) movimentação do protoplasto pela estrutura pode se subdividir em numerosas pequenas: gotículas, cada uma
tubular; (B) formação de vesícula; (C) migração do delas carregada de propágulos (Figura 4.14). De modo geral, estes
protoplasto para a vesícula; (D) formação de zoós- respingos apresentam dimensões que ultrapassam uma centena
poros; (E) liberação de zoósporos. de micrômetros, sendo pesados demais para serem dispersos pelo
fonte: lngold ( 1971 ) . ar. Nestas condições, eles são projetados, p,e!a força do impacto,

53
Manual de Fitopatologia

Gota de muito perto da fonte de inóculo. Apenas uma pequena fração será
Chuva transportada na presença de vento ou graças a pequenos redemoi-

ê ,,
nhos, frequentes na chamada camada de turbulência da atmos-
fera. Correntes de convecção também podem transportar estes

Respingos oom' ',,


propâgulos ,
1 1
I
,,
,
,
propágulos, projetando-os a camadas mais elevadas. Nesse caso,
a quantidade de inóculo será ainda menor. A turbulência é respon-
sável pelo transp01te a curtas distâncias, carregando esporos den-
..,.__ \
\ 1

'
/ ~ 1 Ramo doente 1
tro do campo ou para campos vizinhos, enquanto que correntes de

GoCa~êgua
~,
.... 1

Frutlflcaçilo
do palDgeno
convecção são responsáveis pelo movimento a longas distâncias
(Figura 4.15).

~
conte.- prop(lljulos

E
\~
1 Ramo aadlo 1 o ~e-moção por chuva
o
o
.... 1 a 1.000 km
"'
o11)

Figura 4.14 - Liberação de esporos por respingos de chuva.


Fonte: lngold ( 1971 ).

a alguns centímetros a partir da fonte. Respingos menores que


20 micrômetros podem, entretanto, permanecer na atmosfera e Plantas
r
serem dispersos pelo ar. Outra possibilidade de liberação por respin- suscetíveis ,,. '
gos de chuva ocorre quando pequenas gotas movem-se em dire-
ção horizontal, "capturando" esporos e transponando-os durante
sua movimentação. A liberação por respingos é particularmente
importante para propágulos retidos em superficies mucilagino- Figura 4.15 - Dispersão de patógenos pelo ar: a maior parte do
sas. Esta mucilagem, composta de açúcares e proteínas, serve para inóculo é dispersa a curta distância da fonte e uma
proteger esporos e bactérias da dessecação. Na presença de água, pequena fração pode atingir camadas convectivas e
entretanto, ela é dissolvida, deixando livre a suspensão de propá- ser transportada a longa distância a partir da fonte de
gulos na superficie do hospedeiro. Patógenos que produzem este inóculo. Os esporos são depositados por chuva ou por
tipo de substância mucilaginosa, como muitas bactérias e os fun- sedimentação. No lransporte a longa distância, pane
gos dos gêneros Colletotrichum e Sphace/oma, têm nos respingos dos esporos não sobrevive por ação de raios UV.
de chuva seu principal agente de Liberação.
O movimento de esporos a longas distâncias, da ordem de
4.2.2 Dispersão c~ntenas de quilômetros, através do ar, é um fenômeno impor-
Entre a liberação e sua deposição no hospedeiro, o inóculo tante na dispersão de apenas alguns patógenos. Os casos mais
pode atravessar cun.as ou longas distâncias. Os m:matoides, deter- conhecidos são relatados para os agentes causais das ferrugens
minadas bactérias e patógenos providos de zoósporos, movimen- do trigo e da soja na América do Norte. A tlisseminação a lon-
tam-se ativamente a cut1as distâncias. Do ponto de vista epidemio- gas distâncias é feita por Ventos fortes na camada convcctiva
lógico, a dispersão ativa é de importância limitada. Na verdade, da atmosfera. Para alcançar esta camada, os esporos dependem,
este mecanismo está muito mais relacionado à pré-penetração principalmente, da presença de correntes de convecção locali-
destes organismos do que à sua disseminação. Assim, apesar de zadas. Quando em altitude, o retomo dos esporos à superficie
possuírem um mecanismo de movimentação ativa, a maioria des- ocorre, preferencialmente, através de chuvas. Sistemas de previ-
tes patógenos é também transportada de maneira passiva. Mesmo são da dispersão a longas distâncias de Phakopsora pachyrhizi,
possuindo flagelos, bactérias fitopatogênicas são dispersas com agente causal da ferrugem asiática da soja, que combinam mode-
eficiência pelo homem. pelo transporte de sementes ou plantas los climáticos e modelos de dispersão de partículas, são capazes
infectadas ou, ainda, pelas correntes de água. Os oematoides tam- de indicar em que estado americano a doença deve ocorrer a cada
bém são dispersos a longas distâncias através do transporte de ano. A aerobiologia de fungos fitopatogênicos vem sendo estu-
plantas infectadas. A maioria dos propágulos de fitopatógenos é dada desde o início do século XX, mas ganhou força recente-
transportada passivamente através de agentes de disseminação ou mente, em razão de avanços tecnológicos (Boxe 4.4).
agentes de dispersão. Entre os mais importantes encontram-se o A água é um importante agente de dispersão de propágu-
ar, a água, o homem e os insetos. los de fungos e bactérias a curtas distâncias. Espécies fitopatogê-
Esporos de fungos, após serem liberados, atingem distân- nícas tipicamente dispersas pela água compreendem organismos
cias de 1 mm a l cm a contar da superficie do hospedeiro, per- cujos propágulos são envolvidos por mucilagem, a qual impede
manecendo confinados neste espaço. A maioria será depositada a dispersão dos esporos pelo ar. A dispersão pela chuva ocorre,

54
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

cias a partir do toco. Turbulência causada por ventos de até 20 m/s


~aH 4.4 Os drones e a coleta de esporos dispersos levou propágulos de Xamhomonas ci11•1 subsp. citri (agente cau-
pelo ar sal do cancro cítrico) a até 2,0 m acima da fonte: de inóculo, mas
a maioria alcançou apenas 1,20 m. Dessa fonna quando a chuva
Os primeiros trabalhos sobre a aerobiologia de é a principal via de dispersão patogênica, a distribuição de plan-
ÍII.Dgo~ patogênicos foram realizados com aviões, na tas doentes é agregada, formando focos relativa11u.:nte compactos.
aada de 1920 (Stakman et ai., 1923). Os resultados Por outro lado, fenômenos como tomados e fumcões, pouco fre-
.a.tidos sugeriam que a dispersão de patógenos a quentes no Brasil. mas muito frequentes na América Central. na
IDaga distância poderia ser feita através de camadas América do Norte e na Asia contribuem significativamente parn a
a11n·ectivas da atmosfera. Apesar de inovador, o custo dispersão de fitopatógcnos a lo ngas distâncias. A disseminação do
deste tipo Je estudo era muito elevado, razão pela cancro c1trico na flonda, E.V.A.. cm 200-l atingiu del'enas J c qui-
~ pouca informação foi colhida nas décadas que lômetros a partir da fonte de inóculo e st:guiu a rota dos furacões
acederam essa publicação seminal. Essa situação que atravessaram o estado naquele ano. Nesse rncsmo ano, atri-
'l"fl1'I mudando graps à popularização dos veículos
buiu-se ao furacllo "Ivan" a introdução de Phakop.wra pachyrhi:i
acnos autônomos não tripulados, também conhecidos (agente causal da ferrugem da soja) nos E.U.A.
a>mo drones (Figura 4.16). Esses equipamentos são
O homt:m dissemina todos os tipos de patógeno, de: dife-
de facil manuseio e muito mais baratos do que os rentes maneiras, tanto a curta quanto n longa distância. Ele po<lt:
..-iões usados no século XX. Os veículos autônomos
ser considerado um agente de disseminação, já que tntcrfere cm
aio tripulados se destacam em relação aos demais
todas as fase. do processo (liberação. transporte e deposição)
coktores de esporos (armadilhas caça esporos) por
e não apenas na dispersão do inóculo. Dentro ele um campo. a
p,am.itir amostragem de esporos em maior volume
manipulação alternada de plantas infectadas e pia ntas sadial> pode
ck ar por unidade de tempo e em altitudes elevada~,
prO\OCar a disseminação de palógenos. A transmissão do vírus Jo
mdq,endentemente da presença de vento.
mosaico do fumo. por exemplo. é feita durante tratos culturais roti-
neiro!., pelas ferramentas ou pelas próprias mãos dos trabalhado-
rc:s. Da mesma maneira, a disseminação da bactéria Leifsunia xyli
subsp. xyli. agente causal do raquitismo das soque iras da cuna-de-
açúcar. ocorre principalmente no momento do conte da cana. Suco
de colmos infectados. contendo talos bacterianos, pode ser levado
no podão dt: co11c até touceirns sadias, transmitindo o patógeno.
Também na opernção de enxenia, na cultura dos citros, bactérias
habitantes dos tecidos vasculares, vírus e viroides podem ser dis-
~eminados com a garfagcm de borbulhas inlectaclas sobre porta-
enxertos sadios, ou vice-versa. originando mudas doentes. Adis-
senunação a longas distâncias ocorre quando o homem transporta
matenal propagativo infectado (sementes, bulbos, tubérculos,
rizomas, mudas) ou solo contaminado de uma região para outra.
Hã numerosos exemplos dessa fonna de disseminação em dife-
rentes c ulturas.
Jnsctos funcionam como eficientes agentes de: dispersão para
uma série de patógenos. incluindo-se fungos, bactérias. vinis, fito-
plasmas e nematoides (Figura 4.17). Sua importJncia é maior na
transmissão dos vírus, tanto pelo número de doen\:as quanto pela
importância econômica destas Joenças (veja CapiLulo 10). A exem-
plo do homem, os insetos atuam na remoção, transporte e deposi-
flpira 4.16 Veiculo autônomo nào tripulado utilizado para coleta ção de patógenos, agindo como agentes de disseminação. Dentre as
de esporos fi'.mgico~ dispersos por correntes de vento. bactérias transm1t1das por msetos, c,tam-sc as espécies causadoras
rt-dito da foto: David G. Schmale Ili. do huanglongbing (Ca. Libcrihuctcr asiaticus e Ca. Liberibacter
americanus) transmitidas pelo psilideo Diaphorina citrl e o
agente c:iusal da clorose variegada dos ciLros (Xyldlafasfldiosa)
-::ir:n.:ipalmente, através de r-!spingos fonnados pelo impacto das transmitido por várias espécies de cigarrinhas. Nos dois casos, os
..,..3., sobre uma determinada superficie. Nesta situação, propá- insclos são responsãveis pela remoção, pdo transporte e pela
p;os atingidos pela chuva são liberados e imediataml!nte disper- deposição dos talos bacterianos no interior da planta. l lá inse-
~ a curtas distâncias (Figura 4.14 ). Experimentos conduzidos em tos que: disseminam bactérias externamente ao corpo. Esse é o
.. "Jdições controladas mostram que a distância méx1ma percor- caso de Erwima amylovora, agente causal do fogo bacteriano
r--.:1.1 por respingos varia de acordo com a intensidade da chuva e da macieira e da pereira, que é disseminada por insetos polini-
• d1:nensão da gota. No entanto, na ausência de vento, a distância zadores.
-..a.,1ma de dispersão situa-se ao redor de 1.5 m a partir da fonte. Outros agentes de disseminação como ácaros, protozoános
:\!mi disso, o número de gotas depositadas diminui bruscamente e fungos, capazes de dispersar vírus, ou roedores, aigentes de dis-
medida que a distância a partir da fonte aumenta. Mesmo chuvas persão de fungos. são mencionados na literatura. mas sua impor-
_ ,mpanhadas de \,ento não levam os patógenos a longas distãn- tância está restrita a um ~ueno grupo de patógenos

55
Manual de Fitopatologia

Boxe 4.5 As várias definições do termo infecção

A ambiguidade do termo infecção traz muita


confusão na interpretação de alguns textos. Para
Butt & Royle (1980} "infecção é um termo básico em
fitopatologia, que virtualmente resume a ciência da doença.
Assim, parece surpreendente que patologistas estejam
divididos em seu conceito de infecção!".
De fato, três significados diferentes têm sido
atribuídos ao termo infecção (Figura 4. 18}. O primeiro
deles, adotado neste livro, caracteri:z.a infecção como o
processo que tem início na pré-penetração e termina
com o estabelecimento de relações parasitárias es táveis
eutre patógeno e hospedeiro. Gaumann (1950), Hirst
& Schein (1965), Butt & Roylc (1980), Lucas (1998),
Schumann & D~cy (2006) estão entre os que adotam
Figura 4.17 - Insetos vetores de agentes patogênicos: (A e B) cigar- esta definição para infecção.
rinhas vetoras de fitoplasmas; (C) psilídeo vetor de
O segundo significado do termo infecção, empre-
bactéria; (D) pulgão vetor ele vírus.
gado por Roberts & Boothroyd (1972} e Gonzalez
Crédito das fotos: Paulo Ayres.
(1976), indica o estabelecimento de relações parasi-
tárias como o início do processo. Neste caso, a infecção
4.2.3. Deposição prolonga-se até o aparecimento dos sintomas. O que
estes autores consideram como infecção é referido
A deposição é um processo típico de propágulos transpor- neste Manual por colonização.
tados através do ar. Propágulos são depositados quando alcançam
um substrato qualquer como solo, plantas hospedeiras ou plan- O terceiro e mais amplo significado de infecção é
tas não hospedeiras. Os mecanismos de deposição de propágulos dado por Strobe) & Mathre ( 1970) e Agrios ( 1988; 1997)
incluem: sedimentação, impacto, turbulência e deposição pela que englobam no mesmo termo os processos de infecção
chuva. A sedimentação ocorre em condições de ar calmo, onde e colonização. Para aqueles autores, infecção vai desde a
o propágulo é depositado sob influência da gravidade. Na naru- entrada do patógeno no hospedeiro até o aparecimento
reza, deposição por sedimentação ocorre Ünicamentc êm noites dos sintomas. Na última edição de seu livro, Agrios
de ar calmo, na ausência de turbulência convectiva ou friccionai. (2005) separa infecção de invasão e colonização, mas
A deposição por impacto ocorre quando o propágu lo transportado lhe equipara apenas ao estabelecimento de relações
pelo ar em movimento encontra um obstáculo sobre o qual fica parasitárias estáveis.
depositado. Propãgulos transportados pelo ar turbulento podem
ser depositados em superficies diversas, tanto na face superior
como na face inferior das folhas. A deposição por turbulência Pré-penetração Penetraçao Relações Colonização
pode ser bem quantificada em condições artificiais, onde ventos para sitarlas
estáveis
de velocidades variáveis são simulados em aparelhos constnii-
dos especificamente para esta finalidade. Na natureza, este tipo de
deposição é muito frequente. Propágulos de patógenos podem ser
capturados por gotas de chuva de duas maneiras. Eles podem se
constituir em núcleos de condensação de gotas, quando carrega-
- '
INFECÇiO -,
INFICÇIO
dos eletricamente, ou podem, simplesmente, ser capturados pelas ....., ,'
gotas que caem. O efeito de chuvas fortes na "limpeza" do ar é INFICÇIO
notável. Muitos propãgulos são carregados desta forma e deposi- ~

,'
tados sobre o solo. A deposição sobre hospedeiros pode ocorrer '
diretamente por gotas que tocam a superfície das plantas ou indi-
retamente, através de respingos que redistribuem os propáguJos Figura 4.18 - Definições de infecção de acordo com diversos
inicialmente depositados. autores. O conceito de infeção limitado aos subproc~ssos de
pré-penetração, penetração e estabelecimento de relações pa-
4.3. INFECÇÃO rasitárias estáveis, como adotado nesta obra é também utiliza-
do por Gaumann ( 1950), Hirst & Schcin ( 1965), Butt & Royle
Infecção é definida como o processo que tem início na pré-
( 1980). Lucas ( 1998) e Schumann & D' Arcy (2006). Conside-
penetração e termina com o estabelecimento de relações parasitá-
ram infecção todos os sub-processos, desde pré-penetração até
rias estáveis entre patógeno e hospedeiro. Esta definição, embora
colonização, Strobel & Mathre ( 1970) e Agrios ( 1988; 19Q7).
adotada por muitos autores, não é, infelizmente, consenso dentro Denominam infecção o processo de colonização Roberts &
da fitopatologia. O termo infecção aparece com diferentes senti- Boothroyd ( 1972), Gonzali:z ( 1976) e Trigiano et ai. (2004).
dos em muitos textos (Boxe 4.5), fato prejudicial ao desenvolvi-
mento da fitopatologia como ciência.

56
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

A infecção representa o início da patogênese. É na infecção


Boxe 4.6 Tropismo, tatismo e infecção
que patógeno e hospedeiro entram em contato, o patógeno lan-
çando mão de suas armas de ataque (veja Capítulo 34), e o hospe-
detro. de seus mecanismos de defesa (veja Capítulo 35). Tropismo e tatismo dizem respeito a respostas
positivas ou negativas de um organismo, ou parte
4.3.1. Mecanisnoos de pré-penetração dele, a uma fonte que prodnz determinado estímulo
Os fenômenos m:ais comuns na pré-penetração são o movi- (Wynn & Staples, 1979}. Tropismo aplica-se a cresci-
=cnto direcionado do patógeno em relação ao hospedeiro, fre- mento direcionado enquanto tatismo aplica-se a movi-
.::;i..çntemente observado em patógenos veiculados pelo solo, e mentação direcionada. Assim, a orientação de um tubo
.:rescimento do pató,geno na superfície do hospedeiro, algu- germinativo ou de uma hifa em direção ao estômato,
= \·ezes com a produção de estruturas especializadas como os por exemplo, é um tipo de tropismo. Já a movimentação
.zt>rcssórios e os hifopódios. de zoósporos no solo em direção a raízes é um tipo de
Tatismo - O movimento de zoósporos, bactérias e nematoi- tatismo. O estímulo que produz estes tipos de resposta
Jes. fitopatogênicos na s:olução do solo não ocorre de maneira alea- pode ter origens diversas. As mais frequentes para
.::na. De modo geral, este movimento é orientado em direção às microrganismos são substâncias químicas (quimio-
~es das plantas, graç:as à liberação de exsudatos por estas últi- tropismo ou quimiotatismo), cargas elétricas (eletro-
-:i:2S Zoósporos de algumas espécies de Pythium e Phytophthora tropismo ou eletrotatismo), topografia de uma
521) literalmente atraídos pelas raízes, numa resposta típica de superfície (tigmotropismo), água (hidrotropismo ou
:z!:ISrno positivo (Boxe 4.6). Este fenômeno é facilmente observado hidrotatismo) e luz (fototropismo ou fototatismo).
~do raízes de plantas são imersas em suspensão de zoósporos Na infecção, sobretudo na fase de pré-penetra1rão,
~ ?hy tophthora. Nesta situação, a distribuição destes esporos na a ocorrência de quimiotatismo é comum, embora não
i.JSP,!nsâo muda rapidamente, observando-se um acúmulo mas- exclusiva, cm propágulos flagelados. Em teliósporos
destas estruturas ao redor das raízes. Este acúmulo é mais fre- de Sporisorium scitamineum (agente causal do carvão
quente na zona de alongamento e ao redor de ferimentos, onde há da cana-de-açúcar), por exemplo, o citoesqueleto
-...:•.)r concentração de exsudatos. Em espécies capazes de infec- contrai-se e distende-se em resposta a glicoproteínas
- .; pane aérea, a atraç:ão de zoósporos em direção aos estômatos produzidas pela cana-de-açúcar. Ao longo do tempo,
---em foi observada. Já em 1929, estudando o comportamento de em meio líquido, esse movimento pode levar a uma
:-sy0ros de Plasmopara vitícola em gotas d'água depositadas na curta movírnentação dessas estruturas em direção à
.._-.crficie de folhas de videira, Arens (citado por Hickman & Ho, maior concentração dessas proteínas.
~ • descreveu a movimentação orientada destas estruturas. Ao
~:--1rem sobre estômatos, os zoósporos de Plasmopara vitícola
~em. exibindo frequentes mudanças de direção no seu movi-.
B
- :--io até encistar (Figura 4.19). Além do acúmulo de zoósporos
- - , tados ao redor dos estômatos, a genninação também ocorre de
-e ra orientada, com. a emissão de rubos germinativos em dire-
;il.· a ..-:àmara subestomática (Figura 4 .19).
O tatismo já foi comprovado experimentalmente em bac-
~ :!.S fitopatogênicas lilabitantes do solo, corno Agrobacterium
~laciens, e de pan.e aérea, como Erwinia amylovora. Ficou
ckoonstrado que compostos fenólicos eliminados por raízes feri-
- ,áQ mais atrativos a Agrobacterium tumefaciens do que exsu-
~ , Je raízes intactas,. o que é bastante vantajoso para essas bac-
?"...:s que só penetram a planta através de ferimentos. A presença
...t:. -=4 gelos funcionais é bastante importante nesta fase do ciclo
:'3Ctérias habitantes do solo, já que são eles os responsáveis Figura 4.19 - Movimento orientado de zoósporos de Plasmopara
3" ;:Ja movimentação. Diferentemente de bactérias saprofiticas vitícola cm direção ao estômato, em gotas d' água
~e aérea, como Erwinia herbicola, que respondem ao estí- depositadas sobre folhas de videira (A) e germinação
de muitas substâncias químicas, bactérias fitopatogênicas, orientada de zoósporos encistados (B).
E. amylovora, só reagem a determinadas substâncias pro- Fonte: Arens, 1929, citado por Hickman & Ho (1966).
1:ls no sítio de ínfocção do hospedeiro. E. amylovora possui
.......::::xeceptores específicos que a habilitam a movimentar-se soriais cefálicos bem desenvolvidos, considerados quimiorecep-
~ , onadamente ao sítio de infecção, antes da penetração. tores. É através destes órgãos que estas larvas "percebem" u gra-
Em nematoides, quimiotatismo positivo tem sido consta- diente de compostos orgânicos e inorgânicos que se forma a partir
em larvas de segundo estádio de várias espécies do gênero das raízes e são atraídas em sua direção (Hussey, 1985).
c..dogyne. Para estas larvas, a sobrevivência no solo é limi- Adesão - Esporos de patógenos foliares, após serem depo-
por suas reservas nutricionais. Como os maiores gastos de sitados na supedicie do hospedeiro, devem ali se fixar, pois se
~ ;is ocorrem dura1ote a movimentação no solo, a habiJidade confrontados a um ambiente hostil, com chuva e vento, podem ser
- grar em direção às raízes aumenta as chances de sobrevivên- deslocados da corte de infecção. A adesão de estruturas à super-
- '"'Íecção das larvas. Para responder a estímulos químicos, as fície do hospedeiro é um fenômeno muito comum, essencial para
:rn , de segundo estádio de Meloidogyne possuem órgãos sen- o processo infeccioso de muit.as espécies de fungos e de bactérias.

57
Manual de Fitopatologia

A adesão pode ser passiva ou ativa e envolve secreção de substân-


cias capazes de alterar a superfície do hospedeiro. Adesão passiva
ocorre com conídios de Magnaporthe grisea que contêm muci-
lagem adesiva em sua extremidade mais afilada. A adesão desse
patógeno ao hospedeiro dá-se pela liberação dessa substância pré-
fonnada sem gasto energético. Por outro lado, em Colletotrichum
graminicola, a adesão ocorre às expensas de energia do patógeno,
graças à produção e liberação de glicoproteínas fonnadas após a
deposição dos conídios. Além de ancorar o patógeno à superficie,
a adesão é necessária ao reconhecimento entre patógeno e hospe-
deiro, dando início a uma complexa cascata de sinalizações neces-
sárias à infecção. A composição das substâncias adesivas é de nan1-
reza heterogênea, embora a presença de glicoproteínas insolúveis Figura 4.20 - Oenninação de conldios de Colletotriclmm acutah1111
em água seja comum em vários fungos fitopalogênicos. com formação de apressório (à esquerda)"e evidências
Para iniciar a germinação, a maioria dos esporos füngicos de adesão do apressório à superficic du hospedeiro (à
necessita de condições favoráveis de ambiente, tais cumo água direita).
livre e requerimentos específicos de temperatura e luz. Em uma Crédito <las fotos: Sylvia Raquel Gumes Moracs.
situação ideal, os esporos absorvem água, genninam e emitem sua
primeira hifa, denominada tubo germinativo ou, especificamente de estrutura está presente em patógenos da ordem Meliolales e
para teliósporos, promicélio. Toda a fom1ação do tubo gemlinativo Lcm caráter taxonômi(:o em espécies do gênero Gaeumannomyces.
ocorre pela migração do protoplasto do esporo pan1 essas estrutu- Trata-se de uma esrruturd uni ou bicelular, produzida nas extremi-
ras. Muitas vezes, substâncias adesivas são também lançadas ao dades de bifas ou de tubos germinativos, de formato globoso ou
longo do tubo germinativo, fixando-o à supcrficie do hospedeiro. lobulado, que adere à superílcie do hospedeiro antes da penetração.
Tropismo - Para muitos fuagos, o crescimento do tubo ger-
minativo não ocorre de maneira aleatória sobre a superficie do hos- 4.3.2. Penetração
pedeiro. Notadamente nas espécies que penetram através de estô- Patógenos penetram seus hospedeiros através de três vias
matos, o alongamento do tubo germinativo dá-se de forma direcio- principais: diretamente pela superficic da planta, através de aber-
nada, em função de características químicas ou fisieas da superficie turas naturais ou através de ferimentos (Figura 4.21). Bactérias,
do hospedeiro. Muitos dos fungos causadores de ferrugem costu- desprovidas que são de qualquer estrurura especializada de pene-
mam apresentar tigmotropisrno positivo em relação ao estômato, tração, são incapazes de penetrar diretamente seu hospedeiro. Vúus.
ou seja, o tubo germinativo cresce orientado pela topografia da viroides e titoplasmas também só conseguem ter acesso ao hospe-
supcrficie do hospedeiro. Nos cereais, o tubo genninativo cresce deiro atrdvés de ferimentos feitos por seus veton.--s ou, cm alguns
em sentido perpendicular ao das nervuras da folha, aumentando, casos, pelo próprio homem. fungos e nematoides são mais versá-
assim, a probabilidade de encontrar um estômato, seu sítio de teis, podendo penetrar o hospedeiro por diferentes vias.
infecção. Este Lipo de comportamento aumenta a chance de infec-
ção do patógcno, pois é durante a genninaçào, externa ao hospe- Direta Abertura natural Ferimento
deiro, que ele se encontra mais vulnerável. Embora esporos sejam
estruturas resistentes, o mesmo não se pode dizer do rubo germi-
nativo, uma estruturn muito delicada, sujeita à dessecação. Quanto A
menor o período de exposição do fungo às intempéries climáticas,
maior a possibilidade de uma infecção bem sucedida.
Após a formação do tubo germinativo, segue-se, em mui-
tos fungos, a fonnação do apressório (do latim opprimere. pres-
sionar), estrutura especializada que promove melhor adesão do B
patógeno à superficie do hospedeiro e facilita sua penetração. O
apressório é uma estrutura nonnalmente formada pelo intumesci-
mento de uma hifa ou do tubo genninativo, capaz de aderi r firme-
mente ao hospedeiro (Figura 4.20). Em várias espécies de fungos
fitopatogênicos, o aprcssório diferencia-se das demais células da
hifa por melanização e engrossamento da parede celular. Essas
e
modificações na parede do apressório servem para estabelecer e
manter alta concentração interna de solutos. a qual cria alta pres-
são hidrostática e auxilia na penetração. A penetração se dá por
um primórdio de hifa, fonnado pela parte do apressório em con- D
tato com seu hospedeiro, denominado peg de penetração. O papel
do apressório é essencial para fungos que penetram diretamente
através da cutícula do hospedeiro, constituindo--se em um ponto
de sustentação do patógeno na parte externa da folha. Outra estru- Figura 4.21 - Principais vias de penetração para fungos e oomicctos
tura capaz de dar sustentação ao patógeno na superficie do hos- (A), bactérias (B), vírus (C) e nematoides (D).
pedeiro, preparando-o para a penetração, é o hifopódio. Este tipo Fonte: AJaptada de Agrios (2005).

58
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

Penetração direta - Ingressar no hospedeiro através da


,4><:rficie intacta significa vencer suas barreiras naturais repre-
..:::!Jdas pela cutícula e epiderme, na parte aérea, e pela peri-
ane. em raízes e ramos lenhosos. A epiderme dos órgãos aéreos
'-"' plantas é geralmente protegida pela cutícula, que consiste
- ,3mente de cutina impregnada com cera, frequentemente cutinase CUTÍCULA
~ tiena por placas cerosas, e que serve como bamúra prote-
.:ontra microrganismos. A cutícula é o primeiro obstáculo a Figura 4.22 Representação esquemática da indução do gene da
;;e::- ,eocido pelo patógeno. Para conseguir penetrar d1iretamente
cutinasc cm um esporo fúngico por monômeros de
;i,ell ,uticula, os fungos fixam-se finnemente à supcrfíc:ic do hos- cutina liberados <la cutícula da planta.
~1ro. através do apressório, e lançam ao seu interior o peg de Fonte: AdapL'lda de Kolattukudy ( 1985).
~tração. De diâmetro menor que o tubo germinativo, npeg de
;,c-""rração perfura a cutícula do hospedeiro, indo recuperar suas
penetrução de órgãos protegidos por paredes suheri1.adas perma-
-e:i:;õcs originais apenas após o ingresso na planta. ./\ penetra-
nece obscuro. Outro exemplo é dado por Âl'millaria mellea, um
..., direta foi durante muito tempo considerada como<> resultado
dos fungos mais comuns de solos de Aoresta. O ingresso deste
forças mecânicas exercidas pelo patógeno sobre o superfície
fungo na planta dá-se graças a seus riwmorfos, capazes de pene-
:L !lospedeiro. Esta teoria teve como base experimental o tra-
trar diretamente as raízes corticosas.
'.1111:...'lv dássico de Brown & Harvey (1927, citado por Emmett &
~r:,. 1975} que mostrou que Botrytis cinerea era capaz de Pe netração através de aberturas naturais - Plantas apre•
i=er forças mecânicas em uma lâmina de ouro. Em função sentam aberturas naturais em vários de seus órgãos. Estas abertu-
1: me<odos químicos mais sofisticados, a técnicas de microsco-
ras naturais são a principal via de acesso de muitos fungos, parti-
a eletrônica e de transformação de microrganismos, tem ficado cularmente os causadores <las ferrugens, e de bactérias fltoputogê-
:uômte a ação química do patógeno, em adição à ação mecâ- nicas, para as quais representam o principal alvo de penetração no
::.a.. sobre a superlicie do hospedeiro durante a penetração direta. hospedeiro. Estômatos e hidatódios nas folhas, estigmas e nectá-
fungos conseguem degradar enzirnaticamente a cutícula rios nas flores e lenticelas cm órgãos subcrificados são as princi-
pais aberturas utilizadas pelos agentes patogênicos (Figura 4.23).
da produção de cutioases, que algumas vews, ~ fator
e na patogenicidade (ver Capítulo 34). Isso foi demonstrado
fdotrichum gloeosporioides, causador da antracnose de
:-.. \1utantes de C. gloeosporioides deficientes cm cutinasc
patogênicos quando depositados sobre a superfície íeri<la
~ões, mas a doença não ocorria quando os isol:ados eram
.. ~ Jdos sobre a superfície intacta dos frutos. A patog;enicidade,
t.1tantcs podia, no entanto, ser restaurada através do fome- est6ma1os h1dalóõ10s neclàrios
, de cutinase exógena (Dickman & Patil, 198 6). Vários
1

, trabalhos suportam a importância das cutinases nn pene-


direta de plantas por fungos. As pequenas quantidades
.:minases secretadas pelos esporos fúngícos na superfície do
~deiro degradam parcialmente a cutícula, liberando monô-
e-::!S de cutina. Esses monômeros de cutina ativam a transcrição
- ~ da cutinase no patógeno, que passa a excretá-la em maior
Figura 4.13 - Penetração de fungos e bactérias atrn.vés das aberturas
.z::tidade. facilitando a penetração Esse mecanismo prossegue
naturais do hospedeiro.
~ a quantidade de monômeros reduza ou a té que carboidra-
Fonte: Adaptada de Agrios ( 1988).
CLJ1~ facilmente assimiláveis estejam presentes no meio, ini-
- expressão de genes relacionados à produção de culinase, Estômatos - A densidade de estômatos em uma foUia varia
mecanismo de realimentação (feedback) (Figura 4.22). Em de 100 a 600/mm 2• Suas dimensões são também variáveis em fun-
-~ - fungos, como Magnaporthe grisea, causador dla brusone ção da planta. No milho, a dimensão do orifício dos estômatos é
:1..·rnz. alem da degradação da cutícula, as cutinases estão de aproximadamente 4 x 26 µm. muito maior, portanto, que um
\1das na indução da formação do apressório. Por outro talo bacteriano de espécies fitopatogênicas, cujo tamanho varia
em certas interações patógeno-hospedeiro, corn,o é o caso entre 0,5-1,5 x J-6 ~tm. Bactérias presentes na superfície foliar,
,:r!torrichum /agenarium-pepino, as cutinases aparentam quando envolvidas em um filme d'água, ingressam facilmente na
~nos imponantcs do que a força mecânica para a peneLra- r,lanla. através do estômato aberto. Muito embon1 essa forma de
d..~s hospedeiros (veja Capitulo 34). . penetração seja considerada passiva. recentes estudos mostram
Em raízes, a penetração direta é observada quase ,que exclu- que há interação entre a planta e as bactérias fitopatogênicas,
;anente nos pelos radiculares e nas células da região ide alonga- desde sua deposição sobre a supcrficic foliar até o estabeleci-
s::::: das raízes, desprovidas de suberina, que tem função seme- mento de relações parasitárias estáveis (Boxe 4. 7). A penetração
:.a=.:.e a cutina nos órgãos subterrâneos. Apenas alguns fungos através de estômatos é comum em bactérias causadoras de man-
JICIC(!'1lJ11 as paredes celulares suberizadas, porém m1uito vaga- chas e cancros de órgãos aéreos, representadas por espécies dos
~ n t e . Alguns patógenos, como Fusari11m so/ani f. sp. pisi, gêneros Xantlromontis e Pseudomonas. Estômatos são, também, a
.:zun subcrina como fonte de carbono e produzem enzimas principal via de penetração de alguns fungos fitopatogênicos. De
.es de degradá-la. No entanto, o papel dessas enzimas na maneira similar à penetração direta na superficie do hospedeiro,

59
Manual de Fitopatologia

Boxe 4.7 Penetração de bactérias através dos


estômatos

O ingresso de bacté rias em plantas é um ponto


c rítico da in fecção. Até pouco tempo atrás, os
estô matos e ram con sid erados aberturas passivas à
entrada bacteriana. Atualme nte, sabe-se que aJgumas
plantas como A rabidopsis e alface reagem à presença de
bacté rias na superfície foliar fechando seus estômatos.
Essa reação dá à planta imunidade à infecção d e uma
série de bacté rias que chega à superfície foliar. Uma
importante estratégia desenvolvida por bactérias
fitopato gênicas par a vencer a reação de imunidade é a
produção d e fatores específicos de virulência, capazes
d e provocar a reabertura estomá tica. Assim, quando
Pseudomonas syringae é pulveriz.ada sobre folhas de
Arabidopsis, os estô matos imediatamente se fech a m, Figura 4.24 Sintomas de podridão negra das crudferas em partes
assim permanece ndo p or duas horas. Três horas do bordo foliar de repolho, decorrentes da penetração
após a inoculação, no e nta nto, os es tômatos voltam da bactéria via hidatódios.
a abrir-se, possivelmente graças a fatores especificos Crédito do fnto: Liliane D. Teixeira.
d e virulên cia, p ermitindo o ingresso bacteria no.
Essa reação não ocorre quand o Escherichia coli é Lenticelas - Lenticelas estão presentes em frutos, ramos e
pulver iz.ada na superfície foliar. Nesse caso, ta nto tubérculos. Estas verdadeiras rupturas da epiderme apresentam-se,
em Arabidopsis qua nto em alface, o fechamento no mais das vezes, recobenas por uma camada de suberina. Apenas
dos estôma tos p ermanece por mais tempo. Plantas em órgãos jovens a lenticela apresenta-se como uma fissura da epi-
testemunhas, inoculadas exclusivamente com água, denne. Em tubérculos de batata. ocasionalmente, algumas células
por s ua vez, n ão ap resentam fechamento estomático. do próprio hospedeiro iniciam um processo de divisão e romyem a
camada suberificada. fonnando então um pseudo-ferimento. Ê nesta
situação que a lenticela toma-se uma via de penetração de patóge-
representantes dos gêneros P11ccinia, Uromyces e Hemileia, entre nos na pl11nta. De modo geral, a maioria dos patógenos que pene-
outros causadores de ferrugens, penetram o hospedeiro formando tram por lenticelas pode também penetrar através de ferimentos.
um apressório sobre as células-guarda do estômato e emitindo um Penetração por fe rimentos - Bactérias, vírus, viroides,
peg de penetração para a câmara subestomática. fitoplasmas, nematoides e grande parte dos fungos podem pene-
Ridatódios - São pequenos orificios presentes na região do trar seus hospedeiros através de ferimentos. A origem, o local e
bordo foliar por onde extravasam Buidos de gutação. Embora estas o tamanho destes ferimentos são bastante diversos. Picadas de
estruturas não tenham sido suficientemente estudadas como sítio de prova de pulgões, causando diminutos orifícios nas folhas, são
penetração de patógenos, sua anatomia sugere ser ali um ambiente suficientes para provocar a infecção de vírus cm um hospe-
ideal para a penetração de bactérias. Sob o poro do hidatódio, deiro. Por outro lado, o ingresso de Ophiostoma ulmi cm plan-
existe uma fina camada de células parenquimatosas entremeadas tas de olmo ocorre por verdadeiras galerias abertas nos troncos e
por uma rede de espaços intercelulares por onde se espalha o fluido ramos das árvores por seu vetor, as brocas dos gêneros Scolytus
do xilema, localizado logo abaixo. Sob condições ambientais favo- e Hylurgopinus. A abrasão em folhas de feijoeiro, provocada por
ráveis, que ocorrem no inicio da manhã, os hidatódios exsudam partículas de solo dispersas pelo vento, pode ser suficiente para
uma copiosa quantidade de fluido de gutação. Essas gotas podem causar epidemias de Xonthomonas axonopodis pv. phaseo/i, bac-
tomar-se contaminadas com bactérias epifíticas e, quando parte do téria causadora do crestamento bacteriano. O vento pode, ainda,
líquido retoma para a cavidade do hidatódio, as bactérias ingres- causar danos em plantas providas de espinhos. Algumas espécies
sam no xilema. Xa,uhomonas campestris pv. campestris, agente de Citrus são particularmente atacadas por Xonthomonas cilri
causal da podridão negra das crucíferas invade folhas via hidató- subsp. cilri em razão de apresentarem grande quantidade de feri-
dios, causando sintomas típicos no bordo foliar (Figura 4.24). mentos no limbo foliar, provocados por seus próprios espinhos,
Nectários e estigmas - Estas aberturas florais apresen- sob a ação do vento forte (Figura 4.25A). Ferimentos provoca-
tam-se como porta de entrada de bactérias e fungos fitopatogê- dos pela larva minadora dos citros, também constituem-se em
nicos. O fungo Usti/ago trifiei, agente causal do carvão do trigo, importante porta de ingresso para essa bactéria (Figura 4.258).
é um exemplo clássico de penetração pelo estigma. Teliósporos No sistema radicular, a emissão de raízes secundárias provoca
depositados na flor de trigo dão origem a basidiósporos, os quais pequenas rachaduras na raiz primária que podem ser utilizadas
germinam, produzindo hifas haploides. Hifas dicarióticas fonna- por bactérias e fungos habitantes do solo como via de acesso ao
das pela fusão de pares haploides são as estruturas infectivas que hospedeiro. O homem é ainda um importante agente causador de
migram pelo estilete em direçfo ao ovário, aonde irão se alojar. O ferimentos. Certas práticas culturais, como a poda e a desbrota,
micélio invade parte do embrião e permanece dormente at.: a ger- provocam ferimentos nas plantas. Estas práticas tomam-se. algu-
minação daquela semente infectada. Muitas bactérias podem tam- mas vezes, verdadeiras aliadas dos patógenos. A desbrota e o des-
bém penetrar em botões florais através do estigma, como Erwinia ponte manual, utilizados na cultura do tomate cstaqueado, são, por
amylovora, e dos nectários, causando geralmente a mone da flor. exemplo, a principal causa do aumento da incidência do cancro

60
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

de resistência ocorre na variedade de cana-


de-açúcar SP 70-1143, resistente ao car-
vão (Sporisorium scitamineum - Boxe
4.8). Dois exemplos clássicos de meca-
nismos bioquímicos pré-formados são:
(i) o catecol e o ácido protocatecoico,
presentes em escamas externas de bul-
bos coloridos de cebola, que os protegem
da infecção de Colletotrichum circinans,
e (ii) a a-tomatina, alcaloide presente em
tomates que os protegem do ataque de
Co,·ticium rolfsii. Em ambos os casos, a
pn:sença dessas substâncias no hospedeiro
impede a infecção patogênica. A formação
F1$!ura . 1.25 - Sintomas de cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. citn) cm folhas de de papilas entre a membrana plasmática e
laranjeira, decorrentes da infecção bacteriana cm ferimentos provocados por a parede cdular e a lignificação da parede
espinhos (A) e pela larva minadora dos citros (B). celular no sítio de infecção são exemplos
Crédito das fotos: José Belasquc Jr. de mecanismos de defesa estrutural pós-
formados. A produção de fitoalexinas, em
-~enano (Clavibacter michiganensis subsp. michiganensis) em diferentes espécies vegetais, é exemplo de mecanismo de defesa
-.a cultura. Criando as portas de entrada da bactéria na planta, e bioquímico pós-formado. Todos esses mec~nismos estão deta-
- mesmo disseminando esta bactéria entre plantas, este tipo de lhadamente descritos no Capítulo 35 desta obra.
· ca cultural pode levar toda a cultura ao desastre.
4.4. COLONIZAÇÃO
4.3.3. Estabelecimento de Relações Parasitárias Estáveis
A colonização é a expressão da fase parasítica do agente
O final do processo infeccioso é caracterizado pelo estabe- patogênico, representada pela retirada de nutrientes do hospedeiro.
'l:Clmento de relações parasitárias estáveis entre o patógeno e seu É nessa fase que o patógeno utiliza todo seu arsenal químico, para
'IIC'Spedeiro. Tem início, nesta fase, o parasitismo propriamente crescer, ocupar novos espaços e se reproduzir. Durante a penetra-
com a retirada de nutrientes da planta pelo agente patogê- ção e a colonização, fitopatógcnos repetidamente encontram e atru-
Este ponto marca a transição entre infecção e colonizaçílo. vcssam as paredes celulares dos hospedeiros. A maioria dos .fito-
-\ delimitação exata entre o final do estabelecimento de rela- patógenos pode produzir uma variedade de enzimas, norrnalm~nte
~'$ parasitárias estáveis e o início da colonização não é tarefa• ex.tracelulares, que atuam na degradação dos componentes da
'\Ião se pode saber com precisão, por exemplo, em que parede celular. Geralmente, essas enzimas são induzíveis, estáveis
1.ento um patógcno encerra o processo infeccioso e inicia a e presentes em tecido hospedeiro infectado. As paredes celulares
·Z.Jção. Deve-se ter em mente, contudo, que infecção só pode são estruturas complexas e dinâmicas, circundando o protoplasto,
~nsiderada bem sucedida após a instalação definitiva do pató- externamente à membrana plasmática. De maneira geral, são divi-
na planta. A simples penetração do patógeno não é suficiente didas em três regiões estruturais: lamela média, que compreende a
-:i ~ar.tntir a infecção, pois as atividades subsequentes, que ocor- região entre as paredes de células vizinhas; parede primária, loca-
oi: mterior da plan!a hospedeira, podem impedir o esiabcleci- lizada entre a membrana plasmática e a lamela média, formada,
~ do agente patogênico. Entre a penetração e a colonização, somente em células em ativo processo de cn:scimento, após a divi-
~=~º e hospedeiro interagem. Se nesta interação o patógeno são celular ser completada; parede secundária, locali2ada inter-
bc-ieficiado, a infecção pode ser considerada bem sucedida. Por namente à parede primária, formada após o término da expansão
.:do. se o hospedeiro conseguir impedir a ação patogênica, a celular. A degradação dos componentes da parede celular é foita
~..--ão poderá não se completar. Algumas formas de resistência por uma série de enzimas: pcctinases ou enzimas pectolíticas, que
,redeiro interferem justamente no estabelecimento do pató- degradam substâncias pécticas presentes na lamela média e celu-
p!:J T\J planta, impedindo que a doença se desenvolva. lascs, hemicelulases e ligninases, que aruam na celulose, hemice-
\lecanismos de resistência - Os mecanismos de resis- lulose e lignina, respectivamente, presentes nas paredes primária e
. também denominados de fatores de resistência, podem secundária das células vegetais. Além das enzimas, as toxinas e os
-.:::::::- parte da constituição das plantas (mecanismos pré-fonna- honnônios produzidos por fungos e bactérias silo particulanncntc
L ;-..issivos ou constitutivos) ou podem ser fonnados após o importantes na colonização e no desenvolvimento de sintomas, Lais
-=:;:rl-ecimento do patógeno pela planta (mecanismos pós-for- quais clorose, necrose e murcha. Os efctorcs, por sua vez, também
'- ativos ou induzíveis). Os mecanismos de resistência de produzidos durante a colonização, têm papel fundamental na inatí-
...1.... ;.er uma dessas categorias podem ser de natureza cstrutu- vação de mecanismos de delesa da planta (veja Capítulo 34).
bioquímica. Dentre os mecanismos estruturais pré-for- Em função das relações nutricionais estabelecidas com o
__. citam-se a elevada cerosidade da cutícula, a presença hospedeiro, pode-se classificar o patógeno, que neste contexto tam-
i::-~~mas na superficie foliar e a maior espessura da parede bém é um parasita, em três grupos (Lullrell, 1974; Parbery, 1996):
~ de algumas variedades de plantas. Esses fatores de resis- biotróficos, nos quais as fontes de nutrientes são os tecidos vivos
..._ isolada ou conjuntamente, contribuem para a defesa da de seu hospedeiro; oeerotróficos, nos quais as fontes de nutrientes
..::iD contra o ingresso do patógeno. Um exemplo interessante são tecidos mortos; hemibiotrólicos, que iniciam a infecção como
~ mecanismos estruturais pré--fonnados atuam como fatores biotróficos, mas colonizam o hospedeiro como necrotróficos.

61
Manual de Fitopatologia

dios. Durante a colonização, estes patógenos. exceção feita aos


Boxe 4.8 Resistência de gemas de cana-de-açúcar fungos causadores de carvões, extraem seu alimento de células
à infecção de Sporisorium scitamineum vivas com o auxílio de estruturas especializadas, denominadas
(Ustilago scitaminea) haustórios. Na emissão dos haustórios ao interior das células do
hospedeiro ocorre a dissolução da parede celular, seguida da inva-
A variedade de cana-de-açúcar SP 70-1143, sempre ginação da membrana celular. Desta fonna, o haustório não rompe
foi resistente ao carvão nos campos de cultivo. No a membrana celular do hospedeiro. que causaria a morte da célula.
entanto, quando artificialmente inoculada, por meio mas invade seu interior aderido a esta membrana (Figura 4.26).
da deposição do inóculo sobre ferimentos realizados A membrana da célula hospedeira ao redor do haustório sofre
nas gemas, seu comportamento é semelhante ao de importante!> modificações no fonnato. no composição e em sua
variedades muito suscetíveis. A diferença de com- função, a ponto de uma denominação especial ter sido para ela
portamento da planta quando submetida à infecção criada: mcmbrnna extra huustório. Entre a membrana extr.1 haus-
natural ou à inoculação artificial, nesse caso, é devida tórío e a parede celular do patógeno há uma matriz extra haustório
aos mecanismos de resistência presentes nas gemas da por onde trafegam moléculas produzidas pelos dois organismo~.
planta, todos eles estruturais pré-formados (Gloria et Os hauslórios são estruturas especializadas não apenas eru reti-
ai., 1995). SP 70-1143 tem mais escamas (5,5 escamas rar nutrientes das células hospedeiras, nws também em produ;,ir
por gema) do que variedades suscetíveis, como NA e transponar cfetores para essas células. Caso sejam reconheci-
56-79 (4,4 escamas por gema); mostra dois tipos de dos pelo hospedeiro, os cfetores disparam urna cascata de even-
tricomas, contra apenas um nas suscetíveis; e sua tos de defesa que culminam na paralisação da infecção. Por outro
densidade é muito maior (média de 317 tricomas por lado, nas interações compatíveis, os cfetores manipulam o meta-
mm1) do que aquela das variedades suscetíveis (média bolismo da célula hospedeira e impedem a atuação dos sistemas
de 250 tricomas por mm2 ). Além disso, as paredes de defesa (veja Capítulo 34). À medida que o patógeno se desen-
celulares das escamas mais externas são muito mais volve, observa-se o crescimento da bifa nos espaços intercelula-
grossas e suberificadas nessa variedade do que nas res e a emissão de novos haustórios para células ainda não colo-
suscetíveis. Como a penetração do patóge110 ocorre nizadas. Este processo prolonga-se até a formação das estruturas
no meristema, esse conjunto de estruturas que protege reprodutivas dos fungos, externamente à planta.
o tecido meristemático confere resistência à variedade
SP 70- 1143. O ferimento ocasionado pela inoculação
artificial coloca o patógeno diretamente sobre o
meristema apical e toma esses mecanismos inoperantes. Eepaço inmrcelular

t por isso que e a variedade passa a se comportar como


suscetível quando inoculada por ferimento.
Membrana
··•~·xtra-hllu• torlal

Membrana do
Patógenos biotróticos - Fazem parte do grupo dos pató- ◄ ·•·· ···hauatório
genos biotróficos todos os vírus, viroides e fitoplasmas, algu- •• Parede Cio
mns bactérias, fungos causadores de ferrugens, carvões, oídios e hauatórlo
Matriz '
oomicetos causadores de míldios. Por se alimentar de tecido vivo, extra-hlluetorlal
ao invadir o hospedeiro, estes patógenos dewm causar o menor
dano possível. Na maior parte Jas vezes, eles entram em contato
íntimo com a célula hospedeira, retirando dela seu alimento sem. t
Parede da c.iui. Membrana plasmáUca Cltopln ma
no entanto, destruí-la. da plantai da planta
Vírus e viroides não se a limentam, no verdadeiro sentido
do tenno, de seu hospedeiro. A colonização por estas simples Figura 4.26 - Representação diagramática de um haustório no inte-
estruturas resume-se a dois processos: indução da célula hospe- rior da célula hospcdeir.i.. O citoplasma da hospedeira
deira para replicar a partícula virai e disseminação de novas par- realçado em Cin7.a e malrix extra-baustório, cm arul.
tículas virais dentro do hospedeiro. Uma célula infectada produ7
um grande número de partículas virais que migram para células Oomicetos causadores de míldios podem estabelecer uma
vizinhas, através de plasmodesmas. Estas novas ct:lulas infecta- rehu,:ão equilibrada com seu hospedeiro, mesmo na prescnç11
das são, então, transfom1adas em novas fontes de réplicas dos de abundante esporulação. Esporângios de Plasmopara viticola
vírus. Ao atingir os vasos do flocma, as partículas virais são rapi- (míldio da videira} são frequentemente produzidos sobre tecido
damente translocadas para células da rai;, e, em seguida ao meris- foliar verde, aparentemente sadio. O exame citológico desses
tema apical. O sítio de replicação, no interior da célula hosr,e- tecidos mostra acentuado desenvolvimento intercelular de hífas
dcira, é variável em função do vírus envolvido. Membrana cito- e grande número de haustório~. Nesta fase. a maioria das células
plasmática, mitocôndria, clornplasto, ribossomo, nucléolo e o colonizadas permanece viável e apenas parte do tecido do hospe-
próprio núcleo já foram relatados como sítios de replicação virai. deiro apresenta leve necrose. Nos fungos causadores de oídios,
Na célula infectada, estas organelas são desviadas de suas fun- especificamente no gênero Uidium, todo o processo de coloniza-
ções originais passando a "trabalhar" para a r,artícula virai. ção ocorre externamente ao hospedeiro. O micélio do patógeno
Fungos e oomicetos de comportamento biotrófico compre- desenvolve-se na superficie das folhas, emitindo os haustórios
endem as espécies causadoras de ferrugens, carvões. oídios e mil- unicamente para células da epidenne da planta (Figura 4.27). Já

62
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

que provocam dissolução da lamela média e da parede celular


e desorganização do citoplasma, após ruptura da membrana
celular. As peetinases produzidas por P. atrosepiricum são enzi-
mas comuns aos patógcnos necrotróticos, que desempenham
papel primário na maceração de tecidos, típica das podridões
moles de frutos e vegetais. Essas enzimas são produzidas ape-
8 e nas quando a população bacteriana atinge determinado quorum,
o que faz com que a planta seja n:pentínamente agredida por
r~ 4.27 - Representação diagramática, cronológica, dos proces- uma quantidade cn:.:imática elevada e praticam,ente não tenha
sos de infecção (A), colonização (13) e reprodução (C) chances de sobrevivência. A percepção do quor1Um bacteriano,
de Oidium. denominado ''quorum scnsing" em inglês é uma estratégia
- illak: \fodíficada de Agrios ( 1988). comum a várias bactérias fitopatogênicas (Boxe 4.9).

Boxe 4.9 "Quorum sensing" em bact


;,s canões, não há nenhuma estrutura especializada na reti-
'lC:: ::: nutrientes das células do hospedeiro. E o próprio micélio, fitopatogénicas
-=- .A.1 muacclular, que se encarrega da nutrição do patógcno.

Dependentes que são de tecido vivo, fungos e oomice- A percepção da densidade da população bacteriana,
:-mi,,itas biotróficos colonizam porções limitadas do hospe- denominada "quorum sensing" cm inglês é um
- ;iara rapidamente produzir suas estruturas reprodutivas. mecanismo de comunicação entre células !bacterianas
-=..,ecer por muito tempo retirando nutrientes das células segundo o qual determinadas característi,cas só são
:vspedeiro, sem se reproduzir, pode ser desvantajoso para expressas quando a densidade populacional é elevada.
------40 ou oomiceto, pois cedo ou tarde as células parasitadas Isso permite que as bactérias ajam de forma c,oordenada,
~ e,aurir. A produção de esporos cm curto espaço de tempo beneficiando cada individuo e aumentandos1uaschances
:an que aumentem as chances de novas infecções em partes de sobrevivência. Mecanismos de quor~1m sensing
:e:.- ;:.lo parasitadas do hospedeiro. envolvem troca de moléculas de baixa mass~1molecular
Patógeoos hemibiotró6cos - Comportamento tipicamente entre bactérias, que funcionam como sin alizadoras
DC::::·1otrófico tem sido observado em fungos do gênero Co f/e- da p opulação bacteriana. Quando o acúmulo desses
~ trum. como C. lindemuthianum, agente causal da antrac- sinais atinge um detcrm.inado limiar, ele 1passa a ser
:'6C do feijoeiro, C. graminicola, responsável pela antracnose recon hecido por toda a popuJação, que res1ponde com
;_;;a. do milho, e C. gloeosporioides, que causa a arytracnose da a ativação de determinados genes. Esse mec:anismo foi
::-.aba. Esses patógenos ingressam a planta como biotróficos, identificado na regulação de genes de adaptabilidade
-.:.::.:l0 seus nutrientes da célula hospedeira por meio de uma epifítica em Ralstonia solanncenrum, na produção
-=--::.ra especializada, semelhante ao haustório, denominada d e an tibióticos por E. carotovora, na expressão de
..,_ Após o estabelecimento das relações parasitárias fatores de patogenicidade em Xanthomonas campestris
- eis. o patógeno produz hifas secundárias, que passam a e na produção de exoenzimas em E. .carotovora,
- _zar as células adjacentes à infectada de forma necrotró- X. campestris e R. solanacearum (Bodman eit al., 2003).
"3tógenos mutantes que desenvolvem apenas a fase bio-
_.,_ não são capazes de induzir sintomas nas plantas, nem
..,,..:,<luzir determinadas enzimas, como pectinases. Nesses
~enos_ a bast genética responsável pela fase biotrófica
Fuogos do gênero Sc:lerotinia colonizam partes suculentas
~ daquela responsável pela fase necrotrófica (Dufresne et
_:!000). de plantas atuando também como patógeno tipic:amente necro-
trófico (Figura 4.28). A libenição de enzimas durante a invasão
Patõgenos necrotr óficos - Esses parasitas matam o hos- do m icélio na planta ocasiona o colapso celular e a desintegração
... antes de invadi-lo. Por não precisar manter contato de tecidos, redundando em podridões aquosas 110,s órgãos afeta-
o hospedeiro vivo, fungos e bactérias necrotróficos cvi- dos. Outro exemplo de patógeno necrotrófico pode ser dado pelos
-s problemas ocasionados pela reação <lo hos pedeiro à fungos causadores de podridões pós-colheita, cujos principais
__c;.,..io e à colonização. O desenvolvimento destes patógc- representantes são espécies dos gtlnt:ms Penici/lium, Aspergillus
: a invasão dos tecidos da planta ocorrem sempre pela ati- e Rhizopus.
:;.;..:x saprofitica, com retirada de nutrientes de células mor-
Organismos com este comportamento caracterizam-se por
~entar importaute atividade enzimática e mesmo ·toxico- A
- ~o processo de patogênese dos necrotróficos, quanti-
, ~xpressivas de enzimas extrncelulares são liberadas de
a causar a maceração de tecidos localizados dentro do
.:e ação do organismo. A bactéria Pecrobacterium atro-
< um (Erwinia carotovora subsp. atroseptica), ao coloni-

::.i!Jerculos de batata, estabelece-se iuicialmente nos espa-


... t<!rcelulares do parênquima. Após atingir elevado nível Figura 4.28 - Colonização dos tecidos do hospedeifl:> por um fungo
_,l.cional, a bactéria passa a produzir enzimas pectolíticas nec.-rot.rúfico (A = fase inicial, íl - fase avançada).

63
Manual de Fitopatologia

4.4.1. Distribuição do Patógeno no Hospedeiro


A
Parasitas oecrotróficos são organismos de alta agressivi-
dade, já que produzem enzimas e toxinas danosas ao vegetal,
mas não apresentam nenhum me.canisrno mais evoluído de para-
sitismo. Não há especificidade por um hospedeiro particular, nem
por um tecido particular dentro do hospedeiro. Estes parasitas não
seguem nenhuma via específica de colonização. Eles crescem a
partir do sítio de infecção, não se importando com a diferenciação
histológica do hospedeiro, invadindo-o de forma irregular. Sua
distribuição na planta ocorre somente após a morte dos tecidos,
ao redor do ponto de infecção.
Parasitas mais evoluídos (hemibiotrólicos e biotróficos)
apresentam, por sua vez, vias específicas de distribuição dentro do
hospedeiro. Os vírus e viroides, por exemplo, iniciam sua distri-
buição célula a célula, até atingir tecidos vasculares. O transporte
pelos vasos do floema e do xilema faz com que estas partículas
alcancem tecidos jovens, distantes do ponto de infocção, onde B
nova distribuição célula a célula ocorre. A este tipo de distribuição,
obtida graças ao transporte dos patógeoos pelos vasos condutores
de seiva, dá-se o nome de distribuição sistêmica ou colonizaçilo
sistêmica. Distribuição sistêmica ocorre na maioria das fitoviroses
(veja Capítulo 10) e garante a presença desses organismos cm pra-
ticamente todas as partes da planta. Fitoplasmas e espiroplasmas
também distribuem-se sistemicamente, através do ·floema. Estes
organismos são depositados por seus vetores diretamente nos vasos
do floema e, ainda mais rapidamente que os vírus, atingem locais
distantes do ponto de infecção (Figura 4.29). No entanto, sua dis-
tribuição pela planta não é uniforme, como no caso dos vírus (para
mais detalhes veja Capítulo 11). Os sintomas decorrentes da infec-
ção sistêmica são usualmente plásticos e se expressam em toda a
planta (Figura 4.30). Outro exemplo de patógcno que coloniza
a planta de forma sistêmica, pelos vasos do floema, é a bacté- Figura 4.30 - Sintomas plásticos decorrentes de colonização sistê-
ria causadora do huanglongbing dos citros. Todas as espécies de mica. (A) Mosaico (Senna mosaic vírus) do fodegoso
Candidatus Liberibacter associadas ao huanglongbing mostram (esquerda), sadio (direita) e (B) enfezamento pálido
mecanismos similares de colonização. do milho causado por Spiroplasma kunkelii.
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira (A) e Paulo Ayres (8).

bactérias dos gêneros Xylella (X. fastidiosa), Ralstonia (R. sola-


nacearom) e leifsonia (l. xyli subsp. xyh) são alguns exemplos


de palógenos que se distribuem pelo xilema de plantas.
Em contraposição à distribuição sistêmica, grande número
Je parasitas vegetais apresenta distribuição restrita às células ou
2
tecidos adjacentes ao ponto de penetração. Este tipo de distribui-
ção denomina-se distribuição localizada, ou ainda, colonização
localizada. Fungos causadores de ferrugens, por exemplo, colo-
nizam número reduzido de células ao redor da câmara subesto-
mática por onde penetraram. Rapidamente, eles produzem uma
pequena pústula na superficie do hospedeiro, onde são fonnadas
as cstrumras de reprodução. Outros há que são ainda mais res-
tritos. Spilocaea pomi, agente causal da sarna da macieira, colo-
,. niza, na sua fast1 parasitária, apenas parte da epiderme de folhas
e frutos, estabelecendo-se entre a cutícula e a epiderme daque-
Figura 4.29 - Represenl.llção diagramática da lranslocaçào (veloci- les órgãos. Embora os sintomas sejam bastante evidentes, a inva-
dade e direção) de fitoplasma em planta hospedeira. são em si é restrita à região subcuticular (Figura 4.31 ). Algumas
Fonte: Modifica<la de Wei et ai. (2004). bactérias causadoras de manchas angulares também apresentam
colonização do tipo localizada. Nestes casos, os feixes vasculares
Também são transportados pelos vasos muitos fungos e bac- parecem impedir a movimentação lateral da bactéria pelos espa-
térias. No entanto, estes organismos, em sua maioria, utilizam quase ços intercelulares do mesófilo foliar. Os sintomas externos apa-
que com exclusividade o xilema como via de transporte. Fungos dos recem como manchas bem delimitadas pelas nervuras da folha,
gêneros Fusarium (F oxysporom) e Verticillium (V, albo-atrum) e justificando o nome genérico de mancha angular.

64
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

a dentro de um mesmo patossistema. Estas diferenças estão rela-


cionadas à variedade da espécie hospedeira e à rnça do patógeno
envol vído (Boxe 4. 10), além de condições de ambiente, como
temperatura (Figura 4.32).

500
í"cua 4.31 - Representação diagramática, cronol6gica, <los proces- 'ui'
sos de infecção (A), colonização (B) e reprodução (B) e
o
de Spilocaea pomi, agente causal da sarna da macieira. é 400
Q)
'E
Q) 300
-1.4.2. Duração da Coloniz11ção i
A duração da colonização, ou seja, do processo que tem iní- o
'O
n,:, estabelecimento de relações parasitárias estáveis e termina o 200
i:
- a reprodução do patógeno, é difícil de ser quantificada, em Q)

.:c....".7ência de não ser possível medir com pn:cisão o momento


a..
100
~ue relações parasitárias estáveis são estabelecidas. Para a 8 12 16 20 24 28
z--~maçào do período de parasitismo de um organismo, uti- Temperatura (C}
~ o período de latência, definido como o período de tempo
Jie-~~~do entre a inoculação (contato entre patógeno e hospe- Figura 4.32 - Efeito da temperatura no período latente do fungo
- e o aparecimento de estruturas reprodutivas do patógcno. Uromyces appendiculatus em folhas de feijoeiro.
~'10 de latência corresponde ao tempo utilizado pelo pató- Fonte: Bacchi (1994).
!l=JC □os processos de infecção e colonização.
O período de latência é bastante variável entre diferentes O período latente de um organismo é muito utilizado em
-::a:. -, stemas. Ele pode ser muito curto em alguns casos (4 dias trabalhos epidemiológicos. Em doenças de juros compostos (veja
-..:-::. :, ~; rophthora infestans cm batata) e bastante prolongado em Capítulo 5), o período latente é um dos componentes da resistên-
-= " ~3 meses para Sporisorium scitamineum (=Ustilago seita- cia das plantas que mais influencia a velocidade de crescimento
~ em cana-de-açúcar e 4 anos para Eutypa armeniacae em da epidemia. Este período representa, em termos epidemiológi-
GJe<~eira]. Além da variação apresentada entre grupos de pató- cos, o tempo de geração da espécie patogênica. Quanto maior
o período de latência pode mostrar enormes diferenças o tempo decorrido entre a inoculação e a reprodução, menor o

Boxe 4.10 Período latente: um componente da resistência do hospedeiro

O período latente de um patógeno pode estar relacionado à resistência do hospedeiro. Quando em condições
Uloráveis de ambiente e sob pressão de raças agressivas do patógeno, diferentes variedades de uma espécie vegetal
podem ser classificadas em diferentes níveis de resistência, de acordo com a duração da latência do patógeno em
questão. Latência maior indica maior resistência da planta à colonização. Como consequência, menor número de
.:1dos do patógeno serão produzidos sobre aquela variedade particular e menor deverá ser a quantidade de doença
final da cultura. Experimentos utilizando latência para a determinação da resistência devem, no entanto, ser
.:riteriosos, já que este compone.nte monocíclico é muito variável em função do ambiente. Além de permanecer em
unbiente controlado, as plantas a serem comparadas devem estar no mesmo estádio de desenvolvimento. A idade da
iolha, por exemplo, pode influenciar a latência. A Tabela 4.2, reproduzida de Parlevliet (1979), mostra as variações do
rcnodo latente observadas em folhas de diferentes idades em quatro variedades de cevada. Embora em plantas jovens
folha 1) a diferença entre variedades seja pequena, o mesmo não acontece em plantas adultas (folha bandeira). A
resistência à colonização varia, portanto, de acordo com o tipo e com a idade da folha infectada.

Tabela 4,2 - Períodos latentes observados em quatro variedades de cevada inoculadas com o agente causal da forrugcm da folha
(Puccinia hordei), em vários estádios, relativos ao período latente observado na variedade L94 no estádio de plântula.

Folha númt·ro
<11/tfrar
I ,f í '1-im·em 'J- 1·ellw
L94 100 106 113 11 7 \09
Volla 104 113 122 142 135
Julia 110 125 141 182 166
Vada 123 140 157 233 201
r1N1te: Parlevliet (1979).

65
Manual de Fitopatologia

número de gerações produzido por ciclo do hospedeiro. O racio-


cínio inverso é também válido. Quanto mais curta for a latência,
maior será o número de gerações do patógeno por ciclo do hospe-
deiro e maior a velocidade da epidemia. Para um patossistema em
particular, o período latente sumariza, na verdade, o comporta-
mento do patógeno em interação com o hospedeiro e o ambiente.
Curto período de latência significa hospedeiro suscetível, pató-
geno agressivo e ambiente favorável. Períodos latentes prolonga-
dos indicam hospedeiros resistentes e/ou patógenos menos agres-
sivos e/ou ambiente desfavorável.
É importante comentar ainda que o tenno latência pode
assumir, fora do contexto epidemiológico, significados diferentes.
Dois termos merecem menção: infecção latente e vírus latente.
Por infec.ção latente entende-se a ocorrência de uma infecção sem
o aparecimento de sintomas. Fungos do gênero Collelolrichum,
causadores das antracnoses, costumam provocar infecções laten-
tes em frutos de várias espécies vegetais. Estes fungos penetram Figura 4.3.3 - Reprodução de cspiroplasma no interior dos vasos do
os frutos ainda verdes, onde pennanecem inativos at~ seu amadu- 0oema. Mícrografia eletrônica de varredura do espiro-
recimento. Assim, frutos aparentando completa sanidade, quando plasma causador do enfez.amento pálido do milho nos
venles, podem vir a apresentar grande quantidade de lesões por vasos do flocma de folh11 sintomática. Os corpúsculos
ocasião do amadurecimento. A colonização ocorre nos frutos helicoidais ocorrem em grande quantidaJe junto ao
maduros, embora a infecção tenha ocorrido muito antes. Para evi- crivo do vaso do tloema (A). Detalhe dos corpúsculos,
tar confusão com o termo epidemiológico, infecção quie.,centc mostrando claramente sua forn1a helicoidal (B).
Crédito das rotos: Elliot W. Kitajima.
tem sido o vocábulo utilizado nessa situação.
O termo vírus latente é aplicado a situações cm que a
colonização pelo vírus não causa sintomas externos evidentes. 4.5.1. Fatores que Influenciam a Reprodução
Quando se diz que os vírus do morangueiro são vírus latentes A formação de estruturas reprodutivas em fungos fitopa-
isto significa que, nas variedades comerciais cultivadas, não silo togênicos ircqucr uma série de condições de ambiente especifi-
observados sintomas em plantas eontaminadas por um vírus cas. Para uma determinada espécie fúngica, a gama de condi-
em particular. Os sintomas de uma virose específica potlem ções ambientais requerida para a esporulação é frequentemente
se expressar, no entanto, em algumas variedades silvestres de mais restrita que aquela requerida para a infecção (Cohen &
morango, denominadas, nesta situação, de variedades indicado- Rotem, 1988). Em muitos casos, um maior período de inolha-
ras de vírus. Vírus latentes ocorrem não apenas na cultura <lo mcnto foliar é necessário para a esporulação <lo que para a infec-
morangueiro, mas também em muitas outras. como macieira, ção (Tabela 4.3). Em outros, ao contrário, como nas espécies
videira, pessegueiro, etc. do gênero Oidium, o molhamento foliar chega a inibir comple-
tamente a esporulação. Em geral, a esporulação dos oídios só
4.5. REPRODUÇÃO ocorre coni a umidade relativa abaixo do ponto de saturação. No
A produção do inóculo, na fase 'reprodução' do ciclo das entanto, podem existir diferenças quanto à preferência por baixa,
relações patógeno-hospedeiro, pode ocorrer tanto no interior alta ou nivcis intermediários de umidade relativa entre as dife-
quanto na superflcie do hospedeiro. Vírus, viroides e molicutes rentes espécies deste gênero de fungo.
reproduzem-se ou, mais precisamente, replicam-se, apenas oo Além da umidade relativa e do molhamento foliar, outras
interior do hospedeiro (Figura 4.33). Para a disseminação do inó- variáveis ambientais, como temperatura, luz e estatlo nutricionul
culo, estes microrganismos necessitam auxílio externo, n:presen- do bospedc:iro, podem exercer influência na produção de esporos.
tado por vetores ou pelo próprio homem. Alguns fungos e bactérias Em parasitas biotróficos, a esporulação está associada a condi-
também comportam-se desta maneira. O fungo Ophiostomu ulmi ções fovorávc:is ao hospedeiro. Neste caso, a esporulação é maior
(doença holandesa do olmo) e a bactéria Leifsonia xyli subsp. xyli quando condições favoráveis à fotossíntese (fotoperíodos pro-
(raquitismo das soqueiras da cana-de-açúcar) são dois exemplos longados, intensidade luminosa elevada, amplo espectro de luz)
de microrganismos que se reproduzem exclusivamente no interior ocorrem no período de colonização (Cohen & Rotem, 1970). A
do hospe<leiro. Assim, a disseminação destes patógenos depende esporulação de muitos necmtróficos, por outro lado, está confi-
de insetos do gênero Scolytus e do homem, respectivamente. Para nada às lesl:íes neerótícas. Este comportamento tem sido associado,
outros, ainda, como os patógenos vasculares do gênero Fusarium, cm alguns casos, ao baixo teor de açúcar dos tecidos necrosados
os esporos produzidos no interior do hospedeiro são liberados ape- (Boxe 4.11 ).
nas após a morte e desintcgrõção dos tecidos da planta. Estes espo-
ros permanecem em restos culturais no solo, local que representa a 4.5.2:. O significado Epidemiológico da Produção de
fonte de inóculo para o ciclo seguinte da cultura. lnóculo
A grande maioria das bactérias e dos fungos fitopatogênicos, A produção de ínóculo é bastante variável para cada espé-
entretanto, reproduz-se na superflcie do hospedeiro (Figura 4.34 cie patogê11ica particular, mas estudos detalhados sobre produ-
e Figura 4.35). Esta posição estratégica ocupada pelo patógeno ção de inóculo e seu significado epidemiológico, têm sido con-
favorece a disseminação do inóculo, que é transportado, na maior duzidos apenas para fungos que esporulam na superficie do hos-
parte das vezes, pela água ou pelo vento. pedeiro. Dois padrões de t!Sporulação têm sido constatados em

66
Ciclo de Relações Patógeno-Hospedeiro

Reprodução de fungos necrotróficos. (Á) acérvulos


Figura 4.35
de Col/elotrichum sp. cm banana, (D) picnidios exsu-
dando cirros de Phy/losticta citricarpa nu superficie
<lc laranja.
Crédito das fotos: Silv ia A. Lourenço.
D

Boxe 4.11 Teor de açúcar dos tecidos do


hospedeiro versus parasitismo
'

A relação existente entre o teor de açúcar dos


tt2ura 4.34 - Repirodução de fungos biotróficos na superficie foliar. tecidos do hospedeiro e o parasitismo vem sendo pes-
(A) Phakopsora euvitis em videira-Niagara Rosada, quisada desde o início do século XX. Yarwood (1934)
(B) detalhes das pústulas de P. euvitis, (C) oídio em demonstrou que doenças diferentes respondem dife-
cenoura causado por Oidiopsis laurica, (D) detalhes rentemente ao conteúdo de açúcar do hospedeiro.
das 1~struturas reprodutivas de O. raurica. Trabalhando com discos de folhas depositados sobre
Crédito das fotos: Antonio F. Nogueira e Silvia A. Lourenço. soluções com diferentes concentrações de sacarose,
aquele autor constatou que a suscetibilidade das
folhas a Uromyces appendiculatus e Erysiphe polygot1i
Tabela 4.3 - Períodos mínimos de molhamento foliar (horas) neces- (parasitas biotróficos) aumentava com a elevação
sários para a infecção e a esporulação em diversos pa-
do teor de sacarose da solução. Por outro lado, nas
tossist:emas.
mesmas condições, as folhas eram mais resistentes a
llnras ele molhamcnto Stemphylium sarcit1aeforme e Colletotriclium trlfolii
ncccss:írias para (parasitas hemibiotróficos). Atualmente, sabe-se
lnfec~ão fapornla~ão haver uma relação positiva entre o alto teor de a,;:úcar
e a suscetibilidade a alguns parasitas biotróficos e
Phytophthora infestans - batata 3 7 uma relação inversa quando são considerados os
Phytophthora cactorum - morango 2 3 necrotróficos. Este tipo de informação tem sido
Pseudoperonospora cubensis - pepino 2 6-9 importante não apenas para meU1or caracterizar
Cochlíobolus heterostrophus - milho 4 12 o parasitismo dos diferentes grupos de patógeuos,
mas também para explicar a mudança na reação de
Peronospora pisi - ervilha 3 12
suscetibilidade de plantas com o avanço da idade. Os
Stemphylium lycopersici - tomate 12 16 efeitos ontogenéticos na resistência do hospedeiro
~ltemaria solani - batata 8 16 podem, em parte, ser explicados pela variação do
teor de açúcar nos tecidos da planta durante seu
Foote: Cohen & Rotem (1988). desenvolvimento (Vanderplank, 1984). Além de
doenças fúngicas, o teor de açúcar no tecido das plantas
:iatógenos foliares. O primeiro deles, exibido por patógenos de pode influenciar ainda viroses, bacterioses e nematoses
:-egiões quentes ,(clima tropical e subtropical), caracteriza-se (Silva et al., 2008).
por apresentar cu:rva de produção diária de esporos com vários
picos de máxima esporulação distribuídos por todo o período
.n.feccioso. Este g;rupo inclui os fungos Phakopsora pachyrhizi,

67
Manual de Fitopatologia

Puccinia arachidis, Puccinia psidii e Uromyces appendiculatus, 13ergamin Filho, A.; Fegies, N.C.; Mendes. 8 .M.J. Difierent pattems of
agentes causais das ferrugens da soja, do amendoim, do eucalipto spore production during thc infectious period: a simulation srudy.
e do feijoeiro, respectivamente. O segundo padrão de esporula- Fifth lntcmational Workshop oa Epidemiology of Plant Diseases,
ção, apresentado por patógenos de clima temperado, mostra ape- Jerusalem, Proceedings. 1986.
nas um pico de esporulação, situado no início do período infec- llodman, S.B.von; Hauer. W.D.; Coplin, D.L. Quorum sensing in plant
cioso. São exemplos deste padrão os fungos Puccinia hordei, pathogenic bacteria. Annual Rcvie"' of Phytopathology 41 : 455-
P. recondita e Erysiphe graminis, agentes causais da ferrugem 41!2, 2003.
da cevada, da ferrugem da folha do trigo e do oídio do trigo, res- Rurt, D.J. & Roylc, D.J. Thc imponanceoftenns and definitions for a concep-
pectivamente. A consequência epidemiológica da existência Jestcs rually unified cpidemiology. ln Palti, J. & Krruu, J. (ed,), Compurative
dois padrões de esporulação pode ser avaliada através da taxa Epidemiology. A tool for Bertcr Diseasc Management. Wagcningen,
aparente de infecção (veja Capítulo 40). Bergamin Filho et ai. Pudoc, 1980. p.29-45.
(1986) mostraram, em um modelo de simulação, que a taxa apa-
Brustolin, R.; Reis, E. M.; Pedron, L. Longcvicy of Sderotiniu sclero-
rente de infecção, mantendo-se as outras variáveis constantes, é
tiomm sclerotia on the soil surfacc under ficld con<li!ions. Summa
consideravelmente mais elevada para o padrão de um só pico de
Phytopathologica 42: 172-174, 2016.
esporulação do que para o padrão intermitente de csporulnção.
Patógenos com padrão de esporulação de um só pico, por con- Bock, C.H.; Cook, A.Z.; Parker, P.E.; Gonwald. T.R.; Graham, UI.
centrarem a produção de seus esporos no início de seu período Short-distance dispersai of splashed bacleria of Xunlhomonas citri
infeccioso, as outras variáveis pcnnanccendo iguais, podem cau- subsp. citrl from canker-infected grapefruit tree canopies in rurbu-
sar epidemias consideravelmente mais explosivas do que aque- lent wind. Plant Pathology 61, 829-836, 2012.
les com picos intermitentes, com consequente produção de um Cohen, Y. & Rotem, J. Sporulation of foliar pathogens. ln Pegg, G.F. &
número maior de lesões e esporos. R haveria uma eÃplicnção Ayres, P.G (ed.). Fungai lnfection of Plants. Cambridge, Cambridge
razoável para isto? Sobrevivência parece ser a palavra chave. University Prcss, 1988. p.314-333.
Puccinia graminis f. sp. tritici, por exemplo, causa epidemias Cohen, Y. & Rotem. J. Thc relationship ofsporulation to photosynlhesis
explosivas porque, sendo explosiva, sua capacidade de sobrevi- in some obligatory and faculllltive parasites. Phytopathology 60:
vência aumenta. Não se pode esquecer que ela tem longos meses 1600-1604. 1970.
de inverno a vencer e que suas chances de sucesso são propor- Coley-Smith, J.R. & Cooke, R.C. Survival and germination of fungai
cionais ao número de esporos produzidos durante a estação de sclcrotia. Annual Revil'" of Phytopatholo2y 9: 65-92, 1971.
cultivo. Além disso, há pouco risco de o patógeno enfrentar uma
Coley-Smith, JK; Humphreys-Jones, D.R.; Gladders, P. Long-term
condição adversa durante o pico de esporulação, já que nas regi-
survival of sclerotia of Rhizoclonia 111/íparum. Plant Pathology 28:
ões temperadas, durante a estação de cultivo, as condições de
128-130. 1979.
clima são mais estáveis e mais favoráveis à infecção e à csporula-
ção do que nas regiões tropicais. Coley-Smith, JK; Parfilt, D.: Taylor, R.M.; Resse, R.A. Studies of dor-
Nos trópicos, o quadro é diferente. Uromyces appendi- mancy of sclerolia of Sc/em1i1un cepivarum. Plant Pathology 36:
culatus, agente causal da ferrugem do feijoeiro, por exemplo, 594-599, J91!7.
não precisa ser explosivo porque sua chance de sobrevivência éosié, J.; Jurkovié, D.; Vrandc~ié, K.: Kaufü, D. Survival of buricd
no inverno não é proporcional ao número de esporos produzi- Sclerolinia sclerolionim sclerotia in undisturbed soil. Helia 35: 73-7R,
dos na estação de cultivo. Primeiro, porque em muitos locais as 2012.
estações de cultivo se sobrepõem e segundo, porque, cm mui- Cubei.a, M.A. & Vilgalys, R. Population biology of lhe Rhizol·tunia so/ani
tos anos. inverno rigoroso não há. AJém disso, considerando-se complex. Pbytopathology 87: 480-484, 1997.
o fator climático, o fato <le esporular o máximo num só dia em Dickman, M.D. & Patil, S.S. Cutinasedeficicnt mutants ofCulletotrichum
regiões tropicais, com a falta de orvalho e a temperatura elevada gloem·porioides are nonpathogenic to papaya fruit. Physlolog:ical
demais sendo a regra, seria colocar em risco a própria sobrevi- and Molecular Phint Pathology 28: 235-242, 1986.
vência. Assim, Uromyces appendiculallls esporula por um perí-
Dillard, 11.R., Cobb, A.C. Survival of Col/e1atrichum corcodes in
odo de tempo prolongado, produzindo intermitentemente quanti-
infccted tomato tissue and in soil. Plant Dlseasc 82: 235-231!, 1998.
dade de esporos suficientes para garantir a dispersão da doença.
Dufresne, M.; Pcrfect, S.; Pellier, A.L.; Bailey, J.A.; Langin, T. A GAL4-
4.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA likc protein is involved in lhe switch betwcen biotrophic and necro-
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doutoramento. Piracicaba. 1994. & Son, 1950.

68
CAPÍTULO

5
EPIDEMIOLOGIA DE
DOENÇAS DE PLANTAS
Armando Bergamín Filho, Lilian Amorim, Laetitia Willocquet e Serge Savary

ÍNDICE

5.l. Epidemiologia, epidemia e endemia ....................... 71 5.5. l. Modelos analógicos........................................ 77

5.2. Epidemiologia, Fitopatologia e Biologia ................ 72 5.5.2. Modelos simbólicos e o computador ............ 78
5.6. Um terceiro grupo epidemiológico......................... 79
5.3. Epidemias: o monociclo .......................................... 73
5.6.l. Conceitos básicos revisitados ........................ 80
5.4. Epidemias: o policiclo.............................................. 76 5.6.2. Modelando diferentes tipos de epidemia ..... 82
55. Modelando a epidemia .................................:·········· ?7 5.7. Bibliografia consultada ............................................ 83

:-.1. EPlDEM IOLOGl A, EPIDEMIA E ENDEMIA


homem

M
uitas são as definições de epidemiologia que
aparecem na literatura. Nenhuma é tão simples hospedeiro
quanto à de Vanderplank ( 1963), para quem epi-
arnuologia é apenas "a ciência da doença em populações", e
a:nhuma é tão completa quanto à de Kranz (1974), para quem a
~iologia é "o estudo de populações de patógenos em popu-
a;õe,- de hospe.deiros e da doença resultante desta interação, sob
• llf(tuencia do ambiente e a interferência humana". Uma terceira
r71çào de epidemiologia de importância histórica é aquela pro-
-. :-.::i por Zadoks e Schein ( 1979): "epidemiologia é o estudo de
ambiente ambiente
ações de patógenos e de hospedeiros que leva a algo novo:
.-:iença. Esta pode ser considerado como uma rerceira classe
a pnpulaçào: a populaçã., de lesões ou de indivíduos doentes".
Todas enfatii.am ser a epidemiologia uma ciência de populações. A B
As populações impo11antes, para a epidemiologia, são aque-
~ hospedeiro, de um lado, e do patógeno, do outro. O con- Figura 5.1 - Representação da população do patógeno interagindo
.l.'.. de~tas duas populações leva a uma terceira, a população de com a população do hospedeiro, sob a influência do
~ ou de indivld uos doentes. O ambiente interfere no desen- ambiente (A - patossistema selvagem) e interferência
, unento das três populações, muitas vezes diferencialmente humana (B • patossistema agrícola). Desta interação
em contrapartida, as três populações também influenciam o resultará a população de lesões (doença), representada
.11IJb1ente, especialmente o microclima (Figura 5.1 A). Final- pela supcrficic do triângulo (A) ou superlicie da base
~te. o homem, cada vez mais, interage com todos os fatores do tetraedro (B).
;:[!\ ol, idos e, não raro, sofre os efeitos do rápido crescimento Fonte: Adaptada de Zadoks & Schein ( 1979).

71
Manual de Fitopatologia

da populaç:ão de lesões (Figura 5.18). A população de lesões


(doença), ao contrário das outras duas populações, do ambiente e
do homem,, não tem existência autônoma, fato bem representado epidemia explosíva
na Figura$. l (Bergamin Filho & Amorim, 1996). llj. epidemia tardfvaga epidemia poliética
e
Epidemiologia, assim definida, é essencialmente uma ciên- cu · lica
o
"C
cia de campo. Ensaios de laboratório podem ser considerados RI
como estudlos epidemiológicos somente se forem conduzidos com "C
cu
o objetivo de explicar o que acontece no campo. O uso do objetivo "C
RI
da pesquisai como critério para caracterizar um trabalho como epi- "C
·;;;
demiológico certamente trará alguma confusão. Deve-se lembrar, e
porém, que: mesmo a taxonomia, tão remota da epidemiologia, é ~
e
necessária para o estudo da doença em condições naturais.
O princípio básico por trás da epidemiologia é que a quan-
1
tidade de d,oença no campo é determinada pelo balanço entre dois 2
processos opostos: infecção e remoção (Figura 5.2). De um lado, 3
novas infecções ocorrem, lesões aparecem, tornam-se infecciosas e, Ciclos da cultura 4

mais tarde, possibilitam o aparecimento de novas lesõe.s. Do outro


Figura 5.3 - Representação esquemática dos diferentes tipos de epide-
lado, tecido infeccioso é removido quando as lesõe.s enve.lhecem
mia e endemia.
e não mais formam esporos. Quando a infecção for mais intensa
que a remoção, a intensidade da doença crescerá. Quando a remo-
ção for ma:is intensa que a infecção, a intensidade da doença dei- de tempo relativamente longo. Este balanço neutro significa coe-
xará de aunnentar e poderá, inclusive, diminuir, caso o hospedeiro, xistência entre hospedeiro e patógeno, e reflete a constante pre-
por exempl.o, lance novo tecido sadio. O ponto impunante é que, sença de ambos numa área, fato que se constitui na essência da
independerntemente da doença estar aumentando ou diminuindo, os definição de doença endêmica.
dois processos opostos - infecção e remoção - ocorrem concomi- Apesar dessas diferenças, epidemia não é o oposto de ende-
tantemente.. A epidemiologia engloba esses dois processos, sendo mia. Não existe uma doença completamente endêmica de um
apenas um detalhe o fato da quantidade de doença aumentar, dimi- lado e uma doença complewmente epidêmica do outro. Endemia
nuir ou penmanecer inalterada em função do tempo. e epidemia misturam-se e exibem uma variação contínua entre os
extremos. Assim, urna doença endêmica, ou seja, constantemente
presente nnma região e em equilíbrio com seu hospedeiro, pode,
endemia por fatores diversos, como uma modificação momentânea do

~
microclima, tornar-se epidêmica e vir a afetar muitos indivíduos,

li 1
com grande intensidade, numa deterrninada área e num deter-
minado tempo. Este fenômeno é referido como sendo um surto
epidêmico de uma doença normalmente endêmica e, caso ocorra
periodicamente, é chamado de epidemia cíclica (Figura 5.3).
O termo mais recente, epidemia poliética (Figura 5.3),
Figura 5.2 - Infecção (int), remoção (rem), epidemia e endemia. aplica-se àquelas epidemias cujos inóculos iniciais acumulam-se
de ano para ano. Numerosos exemplos ocorrem com doenças de
Os tennos epidemia e endemia estão relacionados com o hospedeiros perenes ou com patógenos veiculados pelo solo.
balanço dos processos antagônicos infecção e remoção (Figura 5.2).
5.2. EPIDEMIOLOGIA, FITOPATOLOGIA E BIOLOGIA
O primeiro• deles, epidemia, refere-se a um aumento da doença
numa população de plantas em intensidade e/on extensão, isto é, Qual a posição da epidemiologia dentro do contexto das
um aumenlto na incidência-severidade e/ou um aumento na área ciências biológicas? Uma das abordagens apropriadas para res-
geográfica ocupada pela doença. Os tem1os epidemia explosiva e ponder a esta pergunta é a idéia de níveis d.e organização (Figura
epidemia tardívaga (Figura 5.3), segundo Giiurnann ( l 950), são 5.4). A epidemiologia, como já discutido no item anterior, é
usados cas,o o aumento em intensidade seja rápido ou lento, res- uma ciência que opera ao nível de população, especificamente
pectivamente. Este mesmo autor deu o nome de epidemia pro- as populações do patógeno e do hospedeiro. O contato dessas
gressiva àquelas epidemias que se caracterizam por um aumento populações leva ao aparecimento de uma terceira: a população
em extensiio e pandemia àquelas epidemias progressivas que de lesões ou de indivíduos doentes. Um exemplo de estudo nesse
ocupam uma área extremamente grande, de tamanho quase con- nível de organização é a quantificação periódica da severidade de
tinental. Ajpesar da definição de epidemia considerar somente o doença num determinado campo, seja para comparar níveis de
aumento da intensidade da doença, a epidemiologia - ciência das resistência entre variedades, seja para avaliar a eficiência de dife-
epidemias - estuda não somente doenças que aumentam como rentes fungicidas, por exemplo.
doenças que diminuem, seja em intensidade, seja em extensão. Já Entretanto, a epidemiologia não trata somente de popu-
o termo enidemia (Figura 5.3), além de ter uma conotação geo- lações: para conhecer com detalhe o que acontece nesse nível,
gráfica, sendo sinônimo de doença sempre presente numa deter- é necessário descer um degrau e estudar o comportamento dos
minada área e caracterizar-se por não estar em expansão, também indivíduos. O número de esporos produzidos por lesão, numa
implica num balanço próximo de neutro entre os processos de determinada variedade e numa determinada temperatura, é um
infecção e remoção (Figura 5.2) qnando se considera um período exemplo de estudo ao nível de indivíduo que ajuda a compreensão

72
Epidemiologia de Doenças de Plantas

Ecosfera
Biosfera
Ecossistema
Comunidade tD
n
População EPIDEMIOLOGIA 2.
0
Individuo O'Q
órgão ;r
Tecido
Célula
Organela
Molécula
Figura 5,5 - A epidemiologia no cruzamento da fitopatologia com a
i"clin 5.4 - Hierarquia dos níveis de organização em biologia e a ecologia.
área de interesse maior da epidemiologia. Fonte: Modificada de Zadoks & Schein ( 1980).

oc- falos que acontecem ao nível de população. Mesmo informa- da lesão, sintoma típico da doença hipotética cm estudo. Todos os
..;t,e,.. obtidas ao nível de órgão ou tecido podem, ainda que mais eventos que ocorrem desde o primeiro contato entre o patógeno e
7:3.-nente. contribuir para que se tenha uma visão holística do o hospedeiro até a morte da lesão constituem o ciclo de infecção. O
;pe acontece no campo. A determinação de diferentes graus de processo monociclico, que se completa dcnlTo do lapso de tempo
li:liectibilidade exibidos por diferentes tipos ou idades de folha de de um único ciclo de infecção, é o assunto deste item. O processo
c i mesmo hospedeiro é um bom exemplo. policiclico, que envolve vários ciclos superpostos de infecção,
A-lgumas vezes, ao contrário, para se ter uma visão clara será o assunto do próximo item.
_ '113 epidemia, é conveniente subir um nível e estudar aspcc- Não existem regras consistentes pare definir os elemen-
.:., comunidade, para entender o comportamento de um deter- tos de um ciclo de infecção; aqueles que são ou não incluídos
->-10 sistema patógeno-hospcdeiro. O aumento ou diminuição dependem, principalmente, da visão conceituai que o pesquisa-
~ ~a detenninada doença, por exemplo, pode ser função de dor tem do sistema em estudo e de seus objetivos e, em menor
= :as populações interagindo numa área, como populações de grau, da disponibilidade ou da dificuldade de obtenção de dados.
;:;.":rentes insetos, de diferentes plantas daninhas ou, inclusive, Considere-se, como exemplo, o caso de uma ferrugem: esporos são
;i: .:-.mos patógenos. produzidos em pústulas, levados pelo vento e podem ser deposita-
Em conclusão, a epidemiologia, que em essência é uma dos sobre o hospedeiro, onde germinarão, penetrarão, colonizarão
:;,:n-:-ia de populações, não prescinde de estudos realizados nos e formarão novas lesões, com mais esporos (Figura 5.6A). Esta é
- _ , de organização superiores e inferiores. Estudos epidemio- uma visão bastante simplificada do ciclo de infecção. A Figura
~~.:os deveriam, inclusive, enfatizar o nível de comunidade e S.6B já apresenta um quadro mais detalhista, com ênfase nas
~ .->bar, também, aspectos poliéticos, isto é, o desenvolvimento diversas etapas de formação do apressório e do "peg" de pene-
z eoidcmias de ano para ano. Pode-se dizer que a epiuemiolo- tração, etapas estas ignoradas no exemplo anterior. Finalmente, a
- e uma ciência que está no cruzamento da fitopatologia, que é Figura 5.7 apresenta uma visão geral, quase completa, de todo o
,... ,c,almente prática, voltada para a resolução de problemas, ciclo, mostrando que cada elemento constitui-se num elo de uma
ülCl a ecologia, esta uma ciência essencialmente teórica. voltada corrente maior, corrente que se confunde com o próprio ciclo de
mm a eonceitos e princípios (Figura 5.5). infecção.
O início da epidemiologia como ciência ocorreu em 1963, Até aqui, o ciclo de infeeção tem sido caracterizado ape-
_ - a publicação do livro "Plant Diseases: Epidemies and Con- nas por meio de seus elementos. Doença, porém, envolve proces-
,. . de autoria de J.E. Vanderplank. Antes disso, merecem ser sos; processos, por sua vez, envolvem taxas de mudança; taxas
~os os trabalhos de Gaumann (1950), Large (1952) e do pró- de mudança envolvem tempo. A inclusão do fator tempo no ciclo
:..- \'anderplank (1960). Mas foi o livro de 1963 que, verdadeira- de infecção permite a definição de diversos períodos de inte-
-..eue. modificou a maneira de analisar epidemias de doenças de resse epidemiológico: período de incubação, período latente e
:as. Somente após onze anos publicou-se uma nova obra sobre período infeccioso (Figura 5.8). Período de incubação pode ser
_,,unto (Kranz, 1974) que, absorvendo o tratamento holístico de definido como o período de tempo decorrido entre a deposição do
Jerplank, deu novo impulso e abriu novos horizontes para essa patógeno na superficie do hospedeiro e o aparecimento dos pri-
~eia. A partir daí, com a estrada já pavimentada e os novos con- meiros sintomas; período latente, como período de tempo decor-
.:::iws assimilados, os livros se multiplicaram. O próprio Vander- rido entre a deposição do patógeno na supcdicie do hospedeiro
,ia.~ continuou a escrever~ a ampliar suas teorias (Tabela 5.1 ). e o aparecimento dos primeiros sinais (estruturas reprodutivas);
período infeccioso representa o período de tempo em qutl uma
.(J_ EPIDEMIAS: O MONOCl CLO lesão permanece produzindo estruturas reprodutivas. A duração
Didaticamente, pode-se considerar a doença como a inte- cios dois últimos períodos tem granue imponância no desenvol-
n,.--ão de uma única planta com uma única unidade infcctiva do vimento de epidemias, já que influenciam sua velocidade e/ou
xogeno. O resultado final dessa interação será o aparecimento duração.

73
Manual de Fitopatologia

Tabela 5.J - O desenvolvimento da epidemiologia quantificado pelo número de livros publicados de 1963 a 2017.
\110 ,\utnr Título

• 1963 Vanderplank Plant diseases: epidemies and eontrol

• 1968 Vanderplank Disease resistance in plants

• 1974 Kranz Epidemies ofplant diseases. Mathematiea/ analysis and modeling

• 1975 Vanderplank Principies ofplant infectíon

• 1976 Robinson Plant pathosystems

• 1977 Day The genetic bosis ofepidemies in agriculture

• 1978 Horsfall & Cowling Plan1 disease on advanced treotise. How dísease develops in popululiuns

Scott & Bainbridge Plant díseose epidemio/ogy


Vanderplank Genetic and molecular basis ofp/ont pathngenesis

• 1979 Zadok.s & Schein Epideminlogy and plont disease management

• 1980 Palti & Kranz Comparutive epídemiology. A too/for better disease munagement

• 1982 Fry Principies ofp/ant diseuse munagement

Vandcrplank Host-pathogen inleractions in plant dísease

• 1983 Nagarajan P/ant disease epiderniu/ogy

Plumb & Thresh Plant vims epiderníology

• 1984 Vanderplank Diseose resistance in plants

• 1985 Gilligan Mathematica/ mode/ling ofcrop disease


Epiderniologische Sirnulatoren ais Instrumente der Systemunalyse mit besonderer
llau
• Berücksich~igung eines Madells des Gerstenmehltaus
• 1986 Leonnrd & Fry Plant diseuse epidemiology. Population dynamlcs and munagement

McLean et ai. Plant virus epiJemics

• 1987 Robinson Hnst management in crop pathosystems

Teng Cmp /oss assessment and pest management

• 1988 Kranz & Rotem Experimental techniques in plant disease epidemiology

• 1989 Jeger Spatíol components ofplant disease epidemies


Leonard & Fry Plant disease epidemiology. Genetics, resistance and management

Rabbinge et ai. Sirnulotion and systems management in crop protection

• 1990 Campbell & Madden lntroduction to plant disease epidemiology

Kranz Epidemies ofplanl diseases. Mathematica/ analysis and mode/ing

• 1991 Rapilly l 'épidémiologle en pathologie végétale. Mycoses aériennes


• 1994 Campbell & Benson Epidemio/ogy and management ofroot diseases

• 1996 Bergamin & Amorim Doenças de plantas tropicais: epidemiologia e controle econômico

• 1998 Jones TJ,é epidemiology ofplant diseases


• 2003 Kranz Comparative epidemiology ofplant diseases

• 2004 Vale et ai. Epidemiologia aplicada ao manejo de doenças de plantas

• 2007 Madden et ai. The study nfphmt disease epidemies

• 2014 Zambolirn et ai. O Essencial da Fitopatologia: Epidemiologia de doenças de plantas

74
Epidem io/ogía de Doenças de Plantas

1 8

!I

A B

_ .. r-3 5.6 - Diferentes representações de um ciclo de infecção. (A) ciclo de infecção de urna ferrugem: 1. formação de esporos; 2. liberação; 3.
germinação; 4. penetração; 5. coloni7.ação. (B) fases do ciclo de infecção de P11cci11ia: O. uredini6sporo não germinado; 1. início
do processo germinativo; 2. urediniósporo gem1inado (tubo germinativo maior que o menor diâmetro do esporo); 3. formação
do aprcssório; 4. aprcssório fonnado; 5. fom1ação do peg de penetração; 6. peg de penetração formado; 7. veslcula subestomatal
formada; 8. fonnação de hifa a partir da V!~sícula; 9. colônia estabelecida e em crescimento; 1O. vista geral da penetração através
Jo estômato.
~= t A) Tcng & Zadoks (1980), (B) Zadoks & Schcin (1979).

,g • Dispersão
"" • Deposição
.5! tJ
.
I
,Q
u ::s Germinação 0
e: u 10
~
~
.s .• Tubo germinativo u ""
~ Apressário ~
-t .s
.g .g • Penetração
·ºe: • Colonização
·ºe:~ ~
Q, Formação da lesão
Q,
0
"' .• Esporulação
Maturação dos esporos
·~e • Liberação
,5
.g
·ºe:
~
Q,
• Morte da lesão

~ S.7 - Os cios do ciclo de infecçao de uma ferrugem.


hmr: Kranz (1974). Figura S.8 - Diagrama do ciclo de infecção de uma fe~rugem.

75
Manual de Fitopatolog;.a

5.4. EPIDEMIAS: O POLICICLO novas plantas doentes durante o ciclo da cultura. Um exemplo
Ciclo de infecção, como discutido no item anterior, é um de doença de juros simples é a murcha do tomateiro, causada por
processo recorrente, capaz de se repetir inúmeras vezes. A epi- Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici, que coloniza o interior do
demia, ou o policiclo, por sua vez, constitui-se na superposição xilema das plantas infectadas. O inóculo está confinado ao inte-
de ciclos de infecção, dando origem ao que Gãumaoo ( 1950) rior da planta e ali permanece até a morte e início de decomposi-
chamou de cadeia de infecção (Figura 5.9). Cadeia de infecção ção dos tecidos do hospedeiro. Os esporos produzidos no interior
caracteriza-se, portanto, pela ocorrência de diversos ciclos de da planta serão expostos apenas ao final do ciclo da cultura, nos
infecção do patógeno durante um único ciclo de cultivo do hos- restos culturais em decomposição. Dessa forma, nas doenças de
pedeiro. Doenças que exibem esta caractcristica foram chamadas juros simples, as plantas doentes não produzem inóculo capaz de
por Vanderplank (1 963) de doenças de juros compostos. Nesse gerar outras plantas doentes no mesmo ciclo da cultura. O cres-
grupo, plantas infectadas no início de seu ciclo servirão de fonte cimento da doença em um ciclo do hospedeiro assemelha-se ao
de inóculo do patógeno para posteriores infecções no mesmo crescimento de capital aplicado em um investimento que renda a
ciclo. Nem todas as doenças, porém, comportam-se assim. Con- juros simples, ou seja, os juros ganhos não rendem novos juros.
sidere, como exemplo, as murchas vasculares causadas por Fusa- O aumento do número de plantas doentes durante o ciclo da cul-
rium oxyspon1m e Verticillium spp. ou as podridões causadas por tura ocorre pela gradativa infecção de raízes que vão ao encontro
Sc/erotinia sclerotiorom. Nesses casos, o patógeno só completa do inóculo original, neste caso clamidósporos, previamente exis-
um ciclo de infecção durante o ciclo de cultivo do hospedeiro, tente no solo.
de tal modo que plantas infectadas no inicio do ciclo da cultura A velocidade com que a doença aumenta nas curvas de pro-
não servirão de fonte de inóculo para infecções futuras dentro gresso de doenças de juros compostos é proporcional à própria
do mesmo ciclo. A este grnpo, Vandcrplank ( 1963) deu o nome quantidade de doença em cada instante. Assim, se uma lesão der
de doenças de juros simples. Quanto à cadeia de infecção típica origem a l O lesões, 1O lesões darão origem a 100. 1OU a l.000,
destas doenças, o nome paradoxal de cadeia de um só elo pode 1.000 a 10.000 e assim por diante. Este tipo de crescimento é
ser empregado. expresso matematicamente através da equação diferencial
dy / dt = ,y (5.1)
onde dy/dt é a velocidade de aumento da doença,y, a quantidade de
doença e r. a taxa de infecção. A integração de 5. 1 leva a
...,.e y =y0 exp(rt) (5.2)
41
o
"CI
li onde y 0 é a quantidaJe de doença no tempo t0• A curva descrita
"CI
o pela equação 5.2 tem a forma típica de um J (Figura 5. 1OA) e é
""...
õ
conhecida como curva exponencial.
Q.
2 A velocidade com que a doença aumenta nas curvas de pro-
a. gresso de doenças de juros simples, por sua vez, é proporcional
ao inóculo original previamente existente. A quantidade de plan-
tas doentes (y) depende da frequência de infecções bem sucedidas
a partir do inóculo original presente no solo. Esse tipo de cresci-
mento é expresso matematicamente através da equação diferencial
esporulação dy I dt -= QR (5.3)

/
colonização
onde Q é a quantidade de inóculo previamente existente e R., a
taxa de infecção. O produto QR representa o número de infecções
monociclo dispersão bem sucedidas. Tanto Q quanto R são considerados constantes. A

\
penetração
J
deposição
integração de 5.3 resulta em

(5.4)
/
germinação onde y0 é a quantidade de doença no tempo /0 • A curva descrita
pela equação 5.4 é uma linha reta (Figura 5.IOA).
Figura 5.9 - Representação do ciclo de infecção (monociclo) e da Os modelos exponencial (equação 5.2, Figura 5.10A) e
cadeia de infecção (policiclo). linear (equação 5.4, Figura 5.1 OA) mostram certa discrepância com
as curvas de progresso das doenças observadas no campo. Quando
a quantidaJe de doença é baixa, os modelos ficam próximos da rea-
Um exemplo de doença de juros compostos é a ferrugem do lidade, mas à medida que a quantidade de doença aumenta a dife-
feijoeiro, cujo agente causal (Uromyces appendiculatus), em con- renço entre realidade e modelo se acentua. Os modelos exponencial
dições favoráveis, pode produzir uma geração a cada 12 dias. O e linear assumem que a quantidade de doença pode crescer até o
crescimento da doença, nesse caso, assemelha-se ao crescimento infinito. No entanto, nenhum processo biológico comporta-se desta
de capital aplicado em um investimento que renda juros compos- maneira, pois o crescimento dos seres vivos é limitado, entre outras
tos, onde os juros ganhos rendem novos juros. Nas doenças de causas, pela indisponibilidade de nutrientes. De maneira seme-
juros compostos, plantas doentes produzem inóculo para gerar lhante, as doenças de plantas não podem crescer infinitamente

76
Epidemiologia de Doenças de Plantas

onde(] - y) repre:.ent.a a quantidade de tecido sadio. A integração


e de 5.8 produz
ln ( 1 /(1 -y)) = ln(l /(1 y 0)) + QRt (5.9)
O produto QR (quantidade de inóculo inicial e taxa de
infecção) é calculado por
QR = (1 /t)(ln(l /(1 - y))- ln(l /(1 - y 0))) (5.10)
A curva descrita pela equação 5.9 (Figura 5.10B) é conhe-
cida pelo nome de: curva monomolccular e pode ser linearizada
transformando-se a quantidade de doença (y) na ordenoda gráfica
por ln ( 1 /( 1 - y)) .. O valor ln ( 1 /( 1 - y)) é conhecido pelo nome
de monito de y. Aqui também, para baixos valores de y (até apro-
ximadamente 5% ou 0,05), os modelos linear e monomolecular
confundem-se. As di rerenças, porém, acentuam-se à medida que
y aproxima-se de 1 (Figura 5.10D).
Para maiores detalhes sobre curvas de progresso da doença
que fazem uso do cálculo diferencial, veja o Capítulo 40.

5.5. MODELAN DO A EPIDEMIA


10 20 30 40 50

Tempo 5.5.1. Mod1elos Analógicos

!...li - Cunas de crescimento: (A) crescimento exponencial Modelos são representações simplificadas de um sistema.
circulo cheio) e linear (círculo vazio) da quantidade de Quanto simplificar e como simplificar dependem, dentre outros
doença; (B) crescimento logístico (círculo cheio) e mo- fatores, do objetivo que s,= espera alcançar com o moddo. Na cons-
,..,molecular (círculo vazio) da quantidade de doença. trução do modelo somente são considerados aqueles elementos
Diferenças entre modelos: (C) diferenças entre os mo- essenciais para qu1: o objetivo sej a alcançado, ignorando-se aque-
delos e,cponcncial (círculo cheio) e logístico (círculo les secundários. O objetivo deste item é didático. Espera-se ape-
\-azÍo); (D) diferenças entre os modelos linear (círculo nas compreender o funcionamento de uma epidemia. Em outras
cheio) e monomolecular (círculo vazio). palavras, espera-s,~ desvendar os mecanismos, caminhos e pro-
cessos que levam ao aparecimento, multiplicação e crescimento
de lesões (ou de plantas doentes). Nesse contexto, a quantifica-
~--c1do do hospedeiro é finito. Para corrigir os mode- ção das muitas relações complexas existentes entre, por exem-
• ai e linear pode-se adicionar um fator na equa- plo, os elementos do ciclo de infecção e fatores climáticos podem
c _.-:,ai capaz de redu.lir a velocidade de c rescimento ser ignorados. Ind() mais além, muitos dos próprios elementos do
proporcionalmente à diminuição da oferta de tecido ciclo de infecção podem também ser ignorados. Afinal, o objetivo
~"l.3Çào 5. 1 (juros compostos) pode, assim, ser nlte- é compreender corno funciona a epidemia e não prever com exa-
tidão como ela vai se comportar num dado ambiente. Objetivos
simples permitem o emprego de modelos simples.
dJ·1dt -=- ry(.1 - y) (5.5)
Examine a Figura 5.11 , originalmente proposta por Fegies
representa a quantidade de tecido sadio (y é sempre (1985). O conceilC> de s ítio de inf~ção é importante para enten-
em proporção de doença). A integração de 5.5 produz der o modelo proposto. A população do hospedeiro está repre-
sentada por um grande, mas finito, número de sítios de infccçl!o,
- <l - y)) = ln(y/( 1 - y 0)) + rt (5.6) todos com o mesmo tamanho. A dimensão física de um sitio de
b ~quência, o valor da taxar (chamada de tax a apa• infecção coincide, para algumas doenças, com a área da lesão
* illíecçio por Vanderplank, 1963) é calculado por causada pelo patógeno considerado no modelo. A caixa que con-
tém os sítios s adio1s na Figura 5.11 representa, antes do iníc io da
= 1l(ln(y /( 1 - y))- ln(y/ {l - yJ)) (5.7) epidemia, toda a população do hospedeiro. A epidemia tem iní-
- - descrita pela equação 5.6 tem a forma de S (Figura cio com a deposiç.il.o de um esporo de fora do sistema sobre um
• - -hecida pelo nome de curva logística e pode ser line- sítio sadio. Com a infecção que advém desse primeiro contato
--,·":lrmando-se a quantidade de doença (y) na ordenada patógeno-hospedeiro (pode-se ignorar oe~1e contexto a maioria
- r ~ ( 1 - y)). O valor de ln(y /( 1 y)) é conhecido pelo
dos elementos do ciclo de inl~cção), o sítio que era sadio toma-se
~to de y. O modelo logístico apresenta valores simi- doente ou, mais precisamente, latente. Os eventos que ocorrem
celo exponencial para baixas quantidades de doença durante a colonização, aparecimento de sintomas, etc., também
-........--ieme 5% ou 0,05 de proporção de doença). As diferen- são ignorados no modelo. A próxima etapa importante ocorre
- c-.'i."ntes à medida que y aproxima-se de 1 (Figura 5.1OC). depois de completado o período latente (quatro dias no modelo).
mesmo raciocínio, a equação 5.3 (juros simples) pode Note que durante t!sses quatro dias a epidemia não progrediu. A
c:-...::.l para
quantidade de sítios doentes (latentes, no caso) manteve-se cons-
tante em um. No quinto dia, porém, o sítio doente deixa de ser
dy I dt = QR(J -y) (5.8) latente e passa a ser infeccioso, permanecendo como tal, segundo

77
Manual de Fitopatologia

sítios sadios
Este rápido exercício (veja também Boxes 5.1 e 5.2), base-
ado no simples modelo analógico de Fegies, já permíte algumas
generalizações úteis. Primeiro, os computadores são ferramentas
de grande valia em simulação, embora não contribuam decisi-
vamente na elaboração do modelo conceituai, tarefa exclusiva
do pesquisador. Segundo, é intuitivo perceber a importância de
alguns parâmetros no desenvolvimento da epidemia. Considere
o período latente. Como comportar-se-ia uma variedade do hos-
pedeiro que, por ser mais resistente, tivesse seu período Intente
sítios infecciosos
aumentado de 4 para 8 dias? A quantificação deste efeito, e dos
efeitos de alterações em todos os outros parâmetros que gover-
nam a epidemia, pode ser facilmente calculada. Terceiro, a curva
de progresso da epidemia (número de sítios doentes em função do
tempo) tem leis próprias que controlam seu crescimento. Essas
leis, frutos da própria estrutura <la epidemia, não são alteradas no
essencial, mesmo que o valor dos parâmetros se altere, de doença
para doença. Quarto, uma epidemia compona sempre quatro tipos
de tecido (sítio): aquele que foi infectado mas ainda não pro-
via horária de infecção
duz esporos (tecido latente), aquele que está produzindo espo-
ros (tecido infeccioso), aquele que já produziu esporos (tecido
removido) e aquele que ainda não foi infectado (tecido sadio). A
Figura S.ll - M0tdelo conceituai analógico de uma epidemia. A
soma dos 1rês primeiros representa o tecido doente da epidemia.
população do hospedeiro, antes do início da epidemia,
está representada por um número finito de sítios de 5.5.2. Modelos Simbólicos e o Computador
iofücção contidos na caixa de sítios sadios. A epidemia
tem início com a infecção causada por um esporo ex- Com base no modelo analógico da Figura 5.11, é possível
temo ao sistema. Cada compartimento dentro de sítios construir um modelo simbólico matemático, este mais apropriado
lat<!ntes e infecciosos representa um dia. Para detalhes, para expressar, sem ambiguidade, as propriedades fundamentais
ver· texto. de sistemas complexos (Boxe 5.2).
Fonte: Fegies (1985). O modelo de Carnargo & Bergamin Filho ( J 988) (Tabela 5.3)
será usado para, resumidamente, demonstrar o poder dos modelos
simbólicos matemáticos. Os resultados obtidos com as diversas
o modelo, por mais quatro dias. Durante esse periodo. definido simulações feitas são altamente reveladores a respeito do modus
como período iiníeccioso, o sítio, diariamente, produz esporos. operandi de uma epidemia. Um período latente (p) de quatro dias
Grande parte deles é perdida durante as várias etapas compre- e um período infeccioso (i) de um dia produ:Gem uma curva de
endidas entre su:a produção e novas infecções. A torneira siniada severidade de doença (aqui ddinida como a soma dos sítios laten-
logo abaixo dos sítios infecciosos representa essa perda. Alguns tes, infecciosos e removidos) cm escada, onde cada degrau repre-
poucos, porém, seguem pela tubulação e vão causar novas infec- senta um múltiplo do número de esporos efetivos diários (Rc).
ções. Para o prosseguimento do exemplo, suponha que apenas Como i = I, sítios infecciosos estão presentes somente um dia a
dois esporos por dia de período infeccioso serão capazes de pas- cada quatro e a curva de removidos segue à de severidade, defa-
sar pela torneira de esporos perdidos e seguir pela via horária, sada no tempo (Figura 5. 13A). A situação muda bastante com i = 2
causando novas infecções. Assim, a situação no quinto dia da (Figura 5. 138) e a curva de severidade transforma-se, de rígidos
epidemia mostra um sitio infeccioso no primeiro dia do período degraus, em suaves ondulações, que gradualmente vão desapare-
infeccioso e dois sítios que acabam <le ser infectados e encon- cendo com o tempo, em virtude da sobreposição de sítios infec-
tram-se no primeiro dia latente. No sexto dia vamos encontrar um ciosos. Digno de nota é que, neste caso, somente três períodos
sítio infeccioso no segundo dia, dois sítios latentes no segundo com sítios infecciosos inexistentes podem ser encontrados. Dife-
dia e dois sítioi; latentes no primeiro dia, estes originados dos rentes valores de p (Figura 5. l 3C) e de Rc (Figura 5.13D) alteram
dois novos esporos efetivos que puderam avançar pela via horá- a velocidade com que a epidemia se desenvolve, o primeiro com
ria de infecção. No sétimo dia, ainda continuamos com apenas peso maior que o segundo. Ao contrário do que o senso comum
um sítio infeccioso, agora no terceiro e penúltimo dia do período poderia supor, valores crescentes de i, após um certo limite, não
infeccioso, e dois sítios latentes em cada um dos três primeiros influenciam a velocidade de crescimento da epidemia (Boxe 5.3).
dias do período latente. A situação muda pouco no oitavo dia: A Figura 5. l 3E mostra que valores de i superiores a quatro pra-
o único sitio inlfeccioso produz seus últimos dois· esporos efeti- ticamente não têm efeito sobre a cinética epidêmica. O padrão
vos e os quatro compartimentos do período latente contêm, cada de esporulação durante o período infeccioso, por outro lado, tem
um, dois sítios latentes. O nono dia traz mudanças importantes: influência no de-Senvolvimento da epidemia. Neste contexto, a
nosso primeiro sítio doente deixa de contribuir para o cresci- esporulação concentrada no inicio do período infeccioso acar-
mento da epide11nia. Ao completar seu quano dia infeccioso, ele reta uma epidemia de maior velocidade de crescimento (Figura
cai no último compartimento, o companimento que acumula os 5.13F).
sítios removidllts da epidemia. Nem por isso, porém, o processo Modelos matemáticos, como os descritos neste item. sem-
vai parar: novoi; sítios infecciosos, vindos do quarto dia latente, pre fornecem um resultado preciso. Seria, porém, este resultado
encarregam-se de produzir mais esporos. preciso um bom resultado? Zadoks & Schein ( 1979) diferenciam

78
Epidemiologia de Doenças de Plantas

3Dae 5.1 Antes da chegada do computador... Boxe 5.2 Agora que o computador chegou ...

Com um pouco de método, não é difícil simular Tendo por base o modelo analógico (Figura 5.11)
ac.a epidemia. São necessários apenas lápis, papel descrito anteriormente, desenvolveu-se um modelo
:: acencão. Voltemos ao exemplo da Figura 5.11. As simbólico matemático, cujo "output" é semelhante
~ são claras: período latente = 4 dias, período àquele da Tabela 5.2 (ver Boxe 5.1 - "Antes da
·~doso = 4 dias, esporos efetivos = 2 por dia de chegada do computador..?'}. São "inputs" do modelo
?tllodo infeccioso. Considere também que a infecção os seguintes parâmetros: a) dias de simulação (N);
~ l>ltios sadios ocorre no mesmo dia em que os esporos b) período latente (PL); c) período infeccioso (IN);
wc, produzidos. Faça a simulação para 20 dias e não d) quantidade de tecido disponível ou número de
~ preocupe com a quantidade de sítios sadios: há um sítios sadios (H); e) produção de esporos efetivos no
~ero suficiente deles. A epidemia tem início com a dia (C(M)). Utilizando-se os valores de N = 20, PI,=
-•«cão de um sítio no dia 1. Confira seus resultados 4, IN = 4, H = l 000000 e C(M) = 2, que são os mesmos
os apresentados na Tabela 5.2. A Figura 5.12 considerados no Boxe 5.1, chega-se a resultados
2o1~tra graficamente o progresso da epidemia gerada idênticos aos da Tabela 5.2, para o número de sítios
!"do modelo através da evolução do número de sítios latentt:s, infocciosos, removidos e infectados totais
ectados nas escalas linear e logarítmica. (Tabela 5.3). Note que tanto cá como Já, a infecção de
sítios sadios ocorre no mesmo dia em que os esporos
são produzidos. Muitas das simulações mostradas
·200 8 neste capítulo podem ser feitas utilizando-se este

"'
• JOO
--+- dados nlo transformados
---- Logaritmo nenurel dos dados
7 e:
6
- simples modelo de uma epidemia (Camargo & Berga·
min Filho, 1988).
300 o"'
- 5 "'O
-
=
600 4
lll
....ás 16,---------
:e 400 3 .!:
2~
200 (/)
1
--H~. ..,.~~R:'.'.'!!".~-----.-- - + 0
4 8 12 16 20
Tempo (dias)

__
, s , , -.,..- - - - - - - - - ,
,--IIJ:ara 5.12 - Representação gráfica do aumento de sítios in-
fectados (latentes + infecciosos+ removidos)
em função de tempo. Note que a curva sem
--~
---e-- ~16

transformação (círculos cheios) tem a forma de


J (exponencial) e a curva logarítmica (quadra-
dos cheios), após uma oscilação inicial, tende
à linearização.

-+- Rc-1011.111
;;s,,.. de simuladores para demonstrar princípios gerais e o uso de -a- Ac=1A.161'
~ores para prever acuradamente o desenvolvimento de epi- ---+-~1111110
--- 11<"266.266
.c=-., no mundo real. Para o primeiro caso, sim, os simuladores
:me produzem bons resultados; para o segundo caso, no
pode-se dizer que ainda falta percorrer um longo cami-
a,: que os resultados precisos que o computador fornece pos-
- :;er- considerados bons resultados.
2 & 6 8 W H U ■ ■ ~ o 2 • 6 1 W H u ■ ■ ~

.: l \l TERCEIRO GRUPO EPIDEMIOLÓGICO Tempo (d,as)

A epidemiologia de doenças de plantas considera, como Figura 5.13 - "Output" do modelo de Camargo & Bergamin Filho
.e-e-sentado neste capítulo, dois tipos de padrão epidemioló- ( 1988) para diferentes valores de parâmetros epide-
' primeiro envolve ciclos recorrentes de infecção como o miológicos. (A) p = 4 dias, i = 1 dia e Rc = 16/dia. (B)
- da epidemia e o segundo euvolve uma fonte de ioóculo p = 4, i = 2 e Rc = J 6. (C) efeito da variação de p para
gJ,ema seu progresso. Esses padrões têm servido de mol- i = 4 eRc = 16. (D) efeito da variação de Rc parap = 4
-=i .. ~nceitual para ambos, a teoria e a prática, inclusive no que e i = 4. (E) efeito da variação dei para p = 4 e Rc = 16.
re;'ere ao manejo de doenças. No entanto, como reconhecido (F) efeito da variação do números de esporos viáveis
"JCC.~rnente, um terceiro padrão, mais complexo, existe, o qual por dia de período infeccioso (Rc tob:11 = 16 para todos
lll!lbtna. simultaneamente, os ciclos recorrentes de infecção com os casos) para p = 4 e i = 6. Para detalhes, ver texto.

79
Manual de Fitopatologia

Tabela 5.2 - Número diário de sítios infectados (latentes, infecciosos, removidos e totais) considerando: período latente = 4 dias; período
infeccioso = 4 dias; esporos efetivos = 2 por dia de período infeccioso; tempo de simulação = 20 dias; a infecção de sítios sadios
ocorre no mesmo dia em que os esporos são produzidos; a epidemia tem início com a infecção de um sítio no dia 1 (para detalhes,
ver texto).
. Sítio, lall'lltl:', (dia,) Total Sítio, infcccio,o, (di:") Total Sítio, rotai
D1:1,
I" 2" J" ~" lalt•ntl' 1.. 2" -'º ~" inft·t·cio,o rl'mo, ido, dot•nll'

l o o o o o o o o o
2 o 1 o o o o o o o o
3 o o 1 o o o o o o o
4 o o o 1 o o o o o o
5 2 o o o 2 o o o 1 o 3
6 2 2 o o 4 o o o 1 o 5
7 2 2 2 o 6 o o 1 o o 7
8 2 2 2 2 8 o o o l o 9
9 4 2 2 2 10 2 o o o 2 13
10 8 4 2 2 16 2 2 o o 4 21
11 12 8 4 2 26 2 2 2 o 6 1 33
12 16 12 8 4 40 2 2 2 2 8 1 49
13 20 16 12 8 56 4 2 2 2 10 3 69
14 32 20 16 12 80 8 4 2 2 16 5 101
15 52 32 20 16 120 12 8 4 2 26 7 153
16 80 52 32 20 184 16 12 8 4 40 9 233
17 122 80 52 32 276 20 16 12 8 56 13 345
18 160 112 80 52 404 32 20 16 12 80 21 505
19 240 160 112 80 592 52 32 20 16 120 33 673
20 368 240 160 112 880 80 52 32 20 184 49 1.113

A dificuldade de manejar esse tipo intermediário de padrão


Boxe 5.3 Períodos infecciosos de longa duração: é devida, em primeiro lugar, na dificuldade de determinar a impor-
desperdício ou necessidade? tância relativa dos dois tipos de fonte de inóculo que governam
a epidemia. A simulação de epidemias (ver capitulo 42) é uma
Zadoks (1971) foi o primeiro a chamar atenção abordagem poderosa para elucidar esse problema. Neste item,
para um fato aparentemente surpreendente: após um vamos mostrar que resultados diferentes são esperados depen-
certo limite, períodos infecciosos mais longos em nada dendo da imponôncia relativa das duas fontes de inóculo.
contribuem para aumentar a velocidade da epidemia.
O modelo de Carnargo & Bergamin Filho (Tabela 5,3) S.6.1. Conceitos Básicos Revisitados
também leva à mesma conclusão (Figura 5.13E). Em Epidemias de doenças de plantas são tradicionalmente
vista disso, como explicar que muitos fungos apresentam classificadas ern dois grupos dependendo da fonte de inóculo que
períodos infecciosos superiores a várias dezenas de dias? encontra o bospedeiro no curso do progresso da doença (itens 5.3
Puccinia recondita, por exemplo, chega a 70. Sobrevivência e 5.4). No primeiro grupo, o inóculo que causa infecção é pro-
é a palavra chave. Com um período infeccioso curto, o duzido durante a epidemia por indivíduos que foram infectados
patógeno corre o risco de desaparecer, caso condições previamente durante o ciclo de crescimento do hospedeiro. Epi-
climáticas desfavoráveis à infecção perdurem por um demias deste grupo são policícUcas em estrutura, e doenças que
tempo igual ou superior a (i + p). Modelos de simulação as causam são cbamadas de policíclicas ou de juros compostos.
podem, como se vê, em segundos, capturar alguns dos No segundo grupo, o inóculo que causa infecção não é produzido
segredos que governam a natureza. por indivíduos que foram previamente infectados durante a epi-
demia na estação de crescimento considerada., mas por inóculo
o contínuo influxo de inóculo a partir de uma fonte. Embora esse gerado em outras fontes: no solo, em bospedeiros secundários ou
terceiro padrão não tenha sido ainda elucidado em detalhe, sabe- cm plantas da mesma cultura em outro campo. Epidemias deste
-se que se aplica a numerosas epidemias de doenças de plantas. grupo são monocíclicas em estrutura, e do,mças que as causam
Em virtude do caráter dual do inóculo neste caso - a partir de são chamadas de monocíclicas ou de juros simples.
uma fonte e produto de infecções recorrentes - doenças associa- Para ambos os grupos, o inóculo que inicia a epidemia é
das ao terceiro padrão, referidas como doenças policíclicas com chamado de inóculo primário e a infecção por ele causada é
disseminação primária contínua podem ser muito dificeis de chamada de infecção primária. Esse processo é chamado de
controlar (Bergamin Filho et ai., 2016; Boxe 5.4). disseminação primária. Por outro lado, inóculo secundário e

80
Epidemiologia de Doenças de Plantas

ube-b 5.3 • "Output" para os dias 1 a 6 e 20 de acordo com o


modelo de simulação proposto por Camargo & Ber- Boxe 5.4 Manejo do terceiro grupo opido1
gamin Filho (l 988). Valores dos parâmetros utiliza- o exemplo do Huanglongbing d
dos: N = 20, PL = 4, JN = 4, H = \ .000.000 e C(M) (HLB)
= 2 (compare com os resultados da Tabela 5.2).
O Huanglongbing dos citros é uma típ ica doença
Dl.\= 1 do terceiro grupo epidemiológico: seu pro,gresso no
rn TOO LATENTE I O OO tempo é função tanto do inóculo prim ário quanto da
Ih IDO INFECCIOSO O O O O quantidade existente de doença em cada momento
Rf\fOVIDO = O TOTAL DOENTE = 1 DISPONÍVEL .. 999999 (item 5.6.2). Ao contrário das doen ças p·olicíclicas
DL-\ 2 usuais (as manchas foliares em geral, por exemplo),
.ICIDO LATENTE O I O O d oenças do terceiro grupo não são contro'ladas com
-:-0:-IDO INFECCIOSO O O O O m edidas tomadas apenas na propriedade co111siderada,
Rí\lOVIDO = O TOTAL DOENTE = 1 DISPONÍVEL= 999999 m as requerem a cooperação de todos os produtores d e
DI.A=3 uma determinada região, ou seja, requer em o manejo
ITl..100 LATENTE O O I O regional, como proposto por Bassanezi et .al. (2013).
""!... IDO INFECCIOSO O O O O A adoção dessa estratégia de contro le p1:>r grande
ilE.\fOVIDO = O TOTAL DOENTE= 1 DISPONÍVEL= 999999 número de produtores no Brasil tem produzido b ons
DU. 4
resultados: a incidência do HLB em n osso:s pom ares
iEC.IOO LATENTE O O O 1 es tá em tomo de 17% (estável entre 2015-201 7),
-r:E...100 INFECCIOSO O O O O consid er avelmente menor que os >80% relatados
'.Kf.\fOVIDO =O TOTAL DOENTE = 1 DISPONÍVEL= 999999 na Flórida cm 2016. Esse sucesso foi re,conhecid o
pelo próprio USDA (Departamento de Agricultu ra
DL.\- 5
dos Estados Unidos) já cm 2013, ao conced er um
TI:( :DO LATENTE 2 O O O
"Certificate of Appreciation" a Renato B. Jllassanezi,
":":E, DO INFECCIOSO 1 O O O
do Fundecitrus, pelo trabalho realizado (Fi~►ura 5.14).
R.E\fOVTDO = O TOTAL DOENTE = 3 DISPONÍVEL - 999997
DI.I\ 6
il..LIDO LATENTE 2 2 O O
:! '- IDO INFECCIOSO O I O O
Rl:\10VIDO = O TOTAL DOENTE= 5 DISPONÍVEL - 999995

:::M..-\ = 20
"1:'- IDO LATENTE 368 240 160 112
-t.l IDO INFECCIOSO 80 52 32 20
RE.\1OVID0 = 49TOTALOOENTE= 1113 DISPONÍVEL= 998887

.•:'l secundária somente ocorrem no grupo das doenças poli-


·ª" O lnóculo secundário resulta de infecções primárias ou
~ a s que ocorrem durante a epidemia. Infecções secundá- Flg11ra 5. 1-& - "Ccrtificatc of Apprcciation" conc:cdido pelo
~ '1gmam-se do inóculo secundário. Esse processo é chamado USDA (Departamento de Agricultura dos Es-
• üseminação secundária. Como mencionado por Madden et tados Unidos), cm Orlando-FL (2013), ao pes-
&. : i0-). o processo de infecção primária que inicia urna epide- quisador do Fundecitrus Renato B. Bassanezi (à
:a::.i, ruhciclica é análogo ao processo que ocorre numa epidemia di reita) em reconhecimento ao trabalho desen-
'l:IIXIOC1cl1ca e, assím, pode-se considerar uma epidemia monocí- volvido para o manejo regional do huanglong-
.a como consistindo apenas de infecções primárias. bing dos citros. Também foi agraciado na mes-
Livros-texto de fitopatologia em geral consideram que o ma ocasião o pesquisador Joseph M. Bové pela
epidemiológico do inóculo primário é introduzir o pató- elucidação da etiologia da mesma d,oença.
~ em áreas nas quais ele está ausente; o subsequente desenvol-
..ci.:mo da epidemia é governado pela disseminação secundária.
'11esma visão é predominante no campo da modelagem de iniciais negligenciáveis. Nessa visão, a disseminação primária é
~ i a s ; assim, a epidemia geralmente começa com a intro- relegada ao papel subserviente de apenas manter o inóculo de
mstantãnea e arbitrária de poucas lesões ou plantas doen- uma estação <le crescimento para outra (Gilligan, 1994).
~oculo primário) no tempo t==O(Vanderplank, 1963; Zadoks, Como discutido por Madden et ai. (2007), entretanto, ''( ...)
- Zadoks & Schein, 1979; Bergamin Filho & Amorim, 1996; pode não ser realista cm alguns casos assumir um começo instantâ-
:::~J..-kn et ai., 2007). O argumento para assim proceder é que, neo da epidemia. É comum. a propósito, que as infecções primárias
1empo suficiente, a infecção secundária toma os eventos ocorram por um extenso periodo, possivelmente ao mesmo tempo

81
Manual de Fitopatologia

em que ocorrem as novas infecções secundárias de indivíduo para doença. Rodando um modelo de simulação baseado na equação
indivíduo." Uma abordagem teórica para epidemias nas quajs adis- 5.11 produz uma típica "curva J invertida", como descrito por
semmação primária ocorre por longos períodos de tempo foi pro- Vanderplank ( 1963).
posta por Brassett e Gilligan (1988), Gilligan e KJeczkowsk.i ( 1997), Outra abordagem (Figura S.15B) é considerar a taxa de
Gilligan (2002) e Madden et ai. (2007). Curvas de progresso da aumento da doença como função da quantidade de doença já pre-
doença nesse caso são menos características quando comparadas sente (Ndis [Nhost]) e da fração de tecido ainda sadio:
com curvas de progresso para doenças estritamente monocíclicas
ou policíclicas, mas seguem usnalmente uma dinâmica monomole-
RSI = RRSl*Ndis*( 1-(Ndis/(Ndis+Nhealthy))) (5.12)
cular (GilUgan 2002; Madden et al. 2007; Savary, 2014). Nesse caso, o resultado é um crescimento logístico e o
"motor" do progresso da doença não é um valor inicial fixo (P)
5.6.2. Modelando Diferentes Tipos de Epidemia
como na equação 5.11 , mas uma quantidade variável (crescente)
Modelagem epidemiológica é um grande e diverso campo de doença, Ndis. O modelo de simulação baseado na equação
de investigação. Uma primeira abordagem é considerar a taxa de 5. 12 produz uma típica "curva S", como descrito por Vandcrplank
aumento da doença como função somente do inóculo primário {1963).
e da quantidade de tecido sadio disponível num dado momento. Em mnitos casos, entretanto, pode-se assumir que ambos
Isso corresponde a um aumento m o nom olecular da doença os "motores" da epidemia - o inóculo prirnário P e a quantidade
(Figura 5.1 SA). Sob essa hipótese, a taxa (primária) de aumento existente de doença Ndis têm um papel a desempenhar. Assim,
da doença RPI é proporcional a uma taxa relativa de aumento da podemos considerar as equações 5. 11 e 5.12 simultaneamente, o
doença RRPI e à fração de indivíduos sadios: que nos dá duas taxas de infecção: uma tax.a primária de infecção
RPI = RRPl*P*(l-(Ndis/(Ndis+Nhealthy))) (5.11) {RPI, equação 5.11 ), associada ao inóculoi primário, e uma taxa
secundária de infecção (RSl, equação 5.12), associada à quanti-
Note que essa equação trata da taxa de aumento de indiví- dade atual de doença em cada momento.
duos doentes, ou seja, árvores doentes, plantas ou sítios individu- Brassett e Gilligan ( l 9RR) propus1mun a hipótese dual
ais de uma planta. para os inóculos primário e secundário numa mesma estrutura de
Um aumento monomolccular da doença (equação 5.11) modelo, que está representada na Figura S.15.C. Essa estmtura cm
assume que o inóculo primário P é o "motor" do crescimento da geral pode ser usada para explorar o comp,ortamento epiderruoló-

o
A
?. e
~
~
Nhtlllhy Ndis

I RPI

)
Nhealthy Ndis
RRPt 1

Nheallhy Nd,s

lJ
B RRSI
AASI

Figura 5.15- Diagramas de modelos de simulnção. (A) epidemia monomolecular (monocíclica): a taxa de aumento da doença (RPI) é pro-
porciooal à taxa relativa de infecção primária (RRPI) e à quantidade de inóculo primário (P; veja equação 5.11); (B) epidemia
logística (policlclica): a taxa de aumento da doença (RSJ) é proporcional à taxa relativa de infecção secundária (RRSI) e à
quantidade atual de doença (Ndis; veja equação 5.12); (C) modelo combinado com infecções primária e secundária ocorrendo
simultaneamente. Nhealthy refere-se à quantidade de tecido sadio disponível para a infecção.

82
Epidemiologia de Doenças de Plantas

~~ de qualquer doença que se caracterize por um papel impor- muito rápido. Com valores decrescentes de RRPI em relação a
ta::xe do
inóculo primário, em adição ao in6culo secundáirio. RRSI (Figura 5.16, curvas b e d), o aumento inicial da doença é
A estrutura do modelo da Figura 5. 15C corresponde a um reduzido, e a curva se assemelha mais a uma sigmoide. Quando
".3~elo muito flexível. Quando ambos RRPI e RRSI sfio simila- RRPI é aumentada em relação a RRSI (Figura 5.16, curvas c e
. Figura 5. 16, curva a), o progresso da doença é inicialmente e), a curva de progresso se aproxima da função monomolecular.

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o 20 40 l50 80 100

ripra 5.16- Simulação numérica de um modelo misto (Figura 5.15C) com infecção dual (inóculo primário e quantidade atual acwnulada
de doença); azul: indivíduos sadios; vermelho: indivíduos doentes; (a) RRPI = 0,2 e RRSl = 0,2; (b) RRPl = O, 1 e RRSI = 0,2;
(c) RRPI = 0,2 e RRSI = 0,1; (d) RRPI = 0,0'.2. e RRSI = 0,2: (e) RRPI - 0,2 e RRSI xc = 0,02. Ordenada~: número de indivíduos;
abscissa: tempo.

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83
CAPÍTULO

6
GENÉTICA DA INTERAÇÃO
PATÓGENO-HOSPEDEIRO
Luis Eduardo Aranha Camargo

ÍNDICE

6.1. Introdução ................................................................ 85 6.4. Evolução na interação planta-patógeno:


o modelo zig-zag ...................................................... 88
6.1. Resistência de plantas a patógenos........................... 86
6.5. A teoria gene-a-gene de Flor ................................... 88
6.2.1. Resistência de não-hospedeiro e de
hospedeiro.................................................... 86 6.6. Resistência sistêmica adquirida e resistência
6.2.2. Resistência de hospedeiro: qualitativa ou sistêmica induzida ................................................... 90
quantitativa? ................................................. 86 6.7. Tolerância e escape .................................................. 91
6-3. Patogenicidade de microrganismos a plantas ........ 87 6.8. Bibliografia consultada ............................................ 92

fYTRODUÇÃO Com isto em mente, nota-se que o conceito de triângulo


da doença, visto no Capítulo S - Epidemiologia de Doenças de
conhecimento de que a res1stênc1a a patógenos

º
Plantas. é. na verdade. mais complexo. Lá, vimos que a doença
é uma característica hcrcditnria data de mais resulta da interação entre hospedeiro, patógeno e ambiente. Na
de 110 anos. Foi R.H. BifTen, em 190S, quem verdade, levando em conta que tanto patógeuos como hospedei-
rn relatou o modo de herança da resistência a Puccinia ros variam geneticamente, então a doença resulta da interclção
~ rmis, causadora da fcnugem amarela em trigo. O autor entre genótipos do hospedeiro com genótipos do patógeno, tudo
ameou que a progênie F2 resultante do cruzamento entre uma isto controlado por variações ambientais. Uma implicação prática
llllllagem resistente e outra suscetível segregava na proporção disto surge de pronto: quando se avalia a resistência, é neces-
3 plantas resistentes para uma suscetível, exatamente como sário conhecer o nível e a distribuição da variabilidade genética
pela primeira lei de Mendel que explica casos de carac- do patógeno. Parece simples dito desta maneira, mas este conhe-
~ governadas por apenas um gene dominante. cimento, que muitas vezes não está disponível para dado patos-
sistema, é o que garante o sucesso ou fracasso de um programa de
Anos mais tarde. H.H. Flor publicou uma série de artigos a
melhoramento. Basta tomar como exemplo a epidemia de Bipo-
;a-;.:- Je 1942 onde analisou a segregação da resistência em linho laris (Helminthosporium) maydis em milho discutida no Capí-
f=igo .\fefampsora fini. Diferente de Biffen, no entanto, Flor tulo 2 - Importância das doenças de plantas; o desconhecimeoto
e- ·, longe e, além de estudar o hospedeiro. estudou também o das bases genéticas da capacidade do fungo em causar doença foi
- ~º- chegando à conclusão que uma parte da variação obser- determinante para o desastre.
- ~ resistência entre plantas de uma espécie vegetal se deve Desd.: os trabalhos de Flor e especialmente nos duas últi-
:-;;u..-ões no patógeno. Outra pane. como discutido oo Capitulo 7, mas décadas, u, anços significativos levaram a um melhor enten-
e a condições ambientais. Os trabalhos de Flor foram resu- dimento de como os patógenos atacam as plantas e como estas se
:akb em uma teoria, discutida em mais detalhes adiante, conhe- defendem e o objetivo deste capítulo é apresentar um panorama
.:.a .:orno Teoria Gene-a-Gene. geral deste assunto.

85
Manual de Fitopatologia

6.2. RESISTÊNC IA DE PLANTAS A PATÓGENOS No caso de compostos tóxicos como as saponinas, alguns
patógenos produzem enzimas que os degradam, destox ificando
6.2.1. Resistência de Não-hospedeiro e de Hospedeiro
o nicho vegetal ocupado pelo microrganismo, possibilitando a
Em Fitopatologia, o ditado "na natureza, doença é a e.;cce- colonização do tecido. Saponinas são compostos produzidos em
ção e não a regra" explica-se pelo fato de existir um grande grande quantidade por várias espécies vegetais (o nome da família
número de fitop111ógenoc; na nature1:a, mas apenas urna peque- botânica Sapindaceae deriva do fato de suas espécies produzirem
níssima fração ser capaz de causar doença em uma dada espé- saponinas em abundância) que protegem a planta pnmanamente
cie. De fato, se considerarmos a estimativa que aponta para contra herbívoros, já que possuem gosto amargo. No entanto,
a existência de 1.000.000 de espécies de fitoparasitas (vírus saponinas também são tóxicas para alguns fungos, como Gaeu-
excluídos) e, por exemplo, consultarmos qualquer capítulo do mannomyces graminis, que infecta gramíneas. Este fungo ataca
segundo volume deste Manual referente a doenças das plantas as raízes do trigo (a doença se chama mal-do-pé), mas não atoca
cultivadas, notaremos que deste grande número de parasitas, aveia, pois trigo não produz uma saponina antifúngica denomi-
apenas uma mínima fração ataca determinada cultura a ponto de nada avenacina, mas a aveia sim. Mas esta não é uma verdade que
causar danos. A razão disto é que as plantas possuem resistên- se aplica a todos os indivíduos da espécie, pois existem variantes
cia à vasta maioria dos microrganismos. Em fitopatologia, este de G. graminis que são capazes de atacar tanto o trigo como a
termo é referido como imunidade e os mecanismos que garan- aveia, sendo denominados de G. graminis var. avenae. Eles dife-
tem esta condição são denominados de mecanismos de resistên- rem dos indivíduos que só atacam trigo (G. graminis var. trifiei),
cia de não-hospedeiro. Como se pode inferir, estes mecanis- pois produzem a avenacinase, uma en1ima capaz de modificar a
mos caracterizam-se por serem efetivos contra vários microrga- estrutura molecular <la avenacina produzida nas raízes da aveia,
nismos, incluídos ai até os não patógenos. São conservados do tomando-a menos tóxica.
ponto de vista evolutivo e incluem mecanismos estruturais, como Em s uma, uma vez q ue uma espécie de microrganismo
espessura da cutícula e controle do movimento dos estômatos, que consegue vencer as barreiras de resistência não-hospedeiro. ela
podem servir como barreiras tisicas aos microrganismos, e meca- se torna um patógeno <le Jetenninada espécie vegetal, que, por
nismos bioquímicos, como a produção <le compostos antimicrobia- sua vez, agora se toma hospedeira do patógcno, Porém, se inocu-
nos, como saponinas e compostos fenólicos. O Capítulo 35 trata larmos plantas geneticamente distintas de uma mesma espécie
cm maior profundidade dos vários mecanismos de defesa das hospedeira com um patógeno observaremos variação entre plan-
plantas. tas com relação â intensidade dos sintomas. Por exemplo, nota-
Se por um lado resistência é a regra, como explicar o fato remos plantas onde os sintomas estão completamente ausentes,
de que plantas ficam doentes? Obviamente, um pequeno número cm outras notaremos ainda pequenas pontuações de teciuo morto
de microrganismos desenvolveu mecanismos <le contra-ataque (necrose) ou lesões pequenas circundadas por um halo amare-
que permitem "quebrar" a resistência de não-hospedeiro e assim lecido (clorótico), mas onde o patógeno não se reproduz bem,
se tornaram fitopatógcnos. A vantagem em se tomar um'fitopató- e finalmente encontraremos plantas severamente atacadas com
geno está no fato de, do ponto de vista nutricional, a pla nta repre- lesões maiores e abundante reprodução do patógeno que, após
sentar um oásis para microrganismos, onde se encontram nutrien- certo tempo, acabam matanJo o tecido. Concluímos, portanto,
tes (sais minerais, açúcares e aminoácidos) e um abrigo contra que plantas de uma espécie hospedeira resistem aos patógenos
os rigores da natureza (variações cm temperatura e umidade, por cm maior ou menor grau. Esta resistência é chamada de resistên-
exemplo) e também contra outros microrganismos. Assim, do cia de hospedeiro e seu nível depende da constituição genética
ponto de vista adaptativo, desenvolver mecanismos que possibili- do indivíduo.
tam ocupar este nicho é vantajoso.
Como dito, a evolução de um microrganismo em um 6.2.2. Resistência de Hospedeiro: Qualitativa ou
patógeno exige o desenvolvimento de mecanismos capazes de Quantitativa?
"quebrar'' a resistência de não-hospedeiro. Assim, se por um lado Quando cruzamos uma planta resistente com uma suscetí-
as plantas possuem vários mecanismos de resistência, de igual vel e avaliamos a resistência de iodivíduos da progênie resultante
modo os agora fitopatógenos possuem vários mecanismos de do cruzamento, notamos um de dois tipos de resistência: qualita-
ataque (Capítulo 34), o que é a essência da Teoria de Flor mencio- tiva ou quantitativa. No primeiro caso, não se notam plantas com
nada adiante, ou seja, em nível gênico, genes de resistência do graus intennediários de resistência, isto é, ou elas não apresentam
hospedeiro são desafiados por genes de patogenicidade do pató- sintoma ou apresentam apenas lesões necróticas bem pequenas,
geno e vice-versa. No caso de barreiras tisicas que dificultam a ou elas mostram sintomas bem desenvolviJos. É a resistência
entrada do organismo como cutícula e estômato, por exemplo, conhecida como a do "tudo ou nada", onde a planta sem sintomas
patógenos podem vencê-las secretando enzimas que as degradam é chamada de resistente e a com sintomas, de suscetível. Devido
(cutinases) ou ainda toxinas (como a coronatina) que afetam os ao seu caráter discreto e de fácil reconhecimento, este tipo de
estômatos, deixando-os abertos para que o patógeno possa pene- resistência é chamado de resistência qualitativa. Já no segundo
trar. Cutinases são produzidas por várias espécies fúngicas, como caso, nota-se uma distribuição contínua de graus de resistência
Fusarium solaní, Magnaporthe grisea e Bohytis cinerea. Já a entre as plantas da progênie, indo de plantas altamente resistentes
coronatina foi descrita originalmente como uma toxina produzida até alramente suscetíveis. É a chamada resistência quantit11tlva,
por Pseudomonas syringae responsável pelo amarelecimento pois para diferenciar uma planta da outra em termos de sua resis-
das folhas. Mais recentemente, no entanto, descobriu-se que esta tência ao patógeno, é preciso quantificar os sintomas que cada
toxina, quando secretada pela bactéria no estômato, impede seu uma apresenta. Neste espectro, serão encontradas plantas alta-
fechamento, pennitindo a entrada de um grande número de bacté- mente resistentes, mcdionamentt resistente~ e pouco resistentes,
rias que, a partir daí, colonizam a planta. as quais chamamos de suscetíveis. Aqui llca claro que as delini-

86
Genética da Interação Patógeno-Hospedeiro

do que é uma planta resistente ou suscetível são relativas


-~~.pois representam um espectro de respostas dentro de uma Boxe 6.1 Como as plantas percebem os patógenos?
- escala. Cabe ao fitopatologista definir um grau de resis-
- ~ - -.:iue seja útil, ou seja, capaz de reduzir os níveis de doença Um dos tópicos mais interessantes no estudo das
;ampo em um nível satisfatório. Ainda no caso deste tipo interações entre plantas e patógenos diz respeito aos
~1stência, para distinguirmos uma planta resistente de uma mecanismos pelos quais as plantas reconhecem um
· el na prática fica clara a necessidade de medir o grau de patógeno através dos genes R. Existem dois mecanis-
-.xnas apresentados por elas. A medição de sintomas de doen- mos bem conhecidos (Figura 6.1): ou a planta reco-
;a. por sua vez, não é trivial, existindo até uma especialização da nhece uma molécula do patógeno (denominada de
a,pa.1ologia no assunto: a patometria (Capítulo 39). PAMP - ''pathogen associated molecular pattern" ou
Resistência qualitativa e quantitativa representam siste- MAMP - "microbe associated molecular pattern") ou
,k defesa diferentes? Embora ainda não tenhamos uma reconhece a alteração em uma de suas próprias molécu-
ll8ea dara, a resposta parece ser não; estes tipos de resistência las que ocorre em consequência do ataque do patógeno.
..-,pressões de um mesmo sistema só que em estádios dife- O primeiro modelo é semelhante a um modelo chave-.
.-s I Boxe 6.1 ). O reconhecimento, quando ocorre durante os fechadura, onde a molécula do patógeno (chave) se
-emos iniciais do estabelecimento das relações patógeno- encaixa. no receptor da planta (fechadura) e, havendo
~eiro (durante a infecção), é um evento rápido que ativa o encaixe, o sistema de defesa da planta é acionado.
-~..s.imente a defesa da planta como resultado da ativação de Curiosamente, este modelo também ocorre em mamífe-
r =, genes por fatores de transcrição, semelhante a um evento ros e em insetos seguindo a mesma lógica, havendo até
::is cadeia. Por outro lado, quando o reconhecimento ocorre após semelhanças na estrutura e funcionamento das chaves
~ecção. a ativação da defesa da planta ocorre do mesmo modo, e das fechaduras. Um exemplo de MAMP é a tlagclina,
~ .:e maneira menos intensa. Segundo este modelo, genes que. proteína evolutivamente conservada do flagelo bacte-
'.!<!rem resistência qualitativa seriam aqueles que reconhc- riano (Boxe 6.2). Um exemplo do segundo modelo seria
mi s1 patógeno nos momentos iniciais da infecção, pois se a o reconhecimento, por parte da planta, de oligômeros
mta perceber o patógeno e reagir intensamente neste momento, de pect:ina liberados pela degradação de sua parede
-;:irecçào não se completará e o resultado será a ausência de celular em consequência do ataque de bactérias pecti-
-_ 'llas (efeito tudo ou nada, qualitativo). Estes genes de reco- nolíticas como Pectobacterium curotovora. Este meca-
..r.e-.:1mento são bem conhecidos e são denominados de genes nismo seria igual a um sistema de vigilância interna
ou ainda no termo mais técnico como "pattcrn recognition (por isto denominado modelo "guarda''), onde os genes
ft'Cq)tors - PRR". Por outro lado, se a planta não perceber o pató- R monitoram sinais bioquímicos gerados ou alterados
a tempo de evitar a infecção, então o patógeno iniciará a quando o patógeno ataca a planta. Como aqui o que é
,:,nização e, neste caso, a cadeia de eventos que leva a ativa- - reconhecido não é um MAMP e sim uma molécula do
- do sistema de defesa da planta também sení ativada só que próprio hospedeiro, esta é denominada de MIMP
tardiamente e por mecanismos ainda pouco esclarecidos. "microbe-induced molecular pattern".
.:manto, mesmo esta ativação tardia ainda pode controlar o
~-geno, só que agora em maior ou menor grau, dependendo
~"nstituição alélica da planta em seus vários genes de defesa
~">S efeitos somados se traduziriam em maior ou menor quan-
.abde de doença (efeito quantitativo). Assim, uma vez vencida a
es .:,,~ncia qualitativa conferida pelos genes R, a planta ainda tem
-.:curso da resistênçia quantitativa para atenuar o ataque.
SIDali,,a,, )
- PATOGENICIDADE DE MICRORGANISMOS A Celulá'r
PLANTAS ~

Para um patógeno atacar uma hospedeira ele deve vencer


.... _ sistema de defesa e conhecemos pelo menus duas maneiras
-= ;.; quais isto pode acontecer: o patógeno se "disfarça" para
- :.ir ser reconhecido pela planta ou ele "sabota" seu sistema
6t: defesa. No Boxe 6.1, vimos que plantas reconhecem padrões
Figura 6.1 - O sistema de ativação do sistema de defesa das plantas
"., <culares microbianos (MAMPS/PAMPS) e que este reco-
envolve moléculas receptoras (pathogen recognition
~imento é o evento chave que ativa o sistema de defesa (veja
receptors - PRR) codificadas por genes R que reconhe-
1,C;Jbém Boxe 6.2). Desta forma, uma primeira estratégia,. a do cem diretamente moléculas dos microrganismos invaso-
.: ,farce", seria alterar este padrão, de modo a evitar o reconhe- res (microbe associated molecular patterns - MAMP ou
'7ento. A segunda estratégia seria o patógeno secretar compos- pathogen associated molecular pa11erns - PAMP), como
que alterem a fisiologia da planta de modo a favorecê-la a fiagelina, ou ainda moléculas resultantes das alterações
&ixe 6.2). Numa definição ampla, estes compostos são deno- fisiológicas e estrnturais (triângulos) induzidas por estes
" ados de efetores e são discutidos em maior profundidade no (microhe-induced molecular paltern - MlMP). O reco-
-1mulo 34. A busca por efetores hoje é um tópico muito explo- nhecimento resulta na ativação de respostas de defesa
Ddo. pois conhecer quem são e como atuam podem fornecer mediada por intensa sinalização celular.
abordagens muito interessantes ao controle de doenças.

87
Manual de Fitopatologia

Uma vez vencidas as barreiras iniciais impostas pelo hospe-


Boxe 6.2 Padrões moleculares microbianos e deiro, o patógeno agora poderá iniciar o pro,cesso de colo nização.
moléculas efetoras Para tal, lança mão de vários mecanismos (Capitulo 34). A colo-
nização poderá se dar em maior ou menor grau, dependendo da
Como exemplos de PAMPS reconhecidos por interação entre estes mecanismos e os mecanismos de defesa da
genes R temos, no caso de bactérias, a flagelina, os lipo- planta. Em última instância, o resultado desta batalha dependerá
polissacarídeos (lipoglicanos) e o fator de elongação- da constituição genética tanto do patógeno como do hospedeiro
Tu. Flagelina é uma proteína helicoidal indispensável nos vários genes que participam desta intrincada interação.
para a montagem do flagelo bacteriano. Já os lipogli-
canos são grandes m oléculas que fazem parte da estru- 6.4. EVOLUÇÃO NA INTERAÇÃO PlLANTA-
tura da membrana celular externa presente em bacté- PATÓGENO: O MODELO ZIG-ZAG
rias Gram-negativas. Por fim, o fator de elongação-Tu O modelo "7.ig-7.ag" proposto por Jones & Dangl (2006) é hoje
é uma molécula envolvida. no processo de tradução de um dos modelos centrais que tenta resumir o mecanismo evolutivo
proteínas. No caso de fungos, exemplos de padrões das interações planta-patógeno e pode ser ilustrado com uma figura
molecnlares são a quitina e os heptaglucosídeos, que simples, ma~ de grande significado (Figura 6.2'.). Segundo o modelo,
são componentes da parede celular. Já moléculas quando um microrganismo entra em contato com uma planta e tenta
efetoras, em seu conceito mais abrangente, são molé- infectá-la, ele encontra wna primeira barreira que corresponde aos
culas secretadas e direcionadas para vários comparti- mecanismos de resistência de não-hospedeiro. Há o reconhecimento
mentos da planta que alteram a estrutura ou função de PAMPS e consequente ativação do sistema de defesa, que resulta
da célula de modo a favorecer a infecção. Muitos efeto- em um nível efetivo de resistência (denomínaóa de "PAMP triggered
res são prodntos dos genes avr, discutidos em 6.5. immunity" - PTI). Patógenos conseguem vencer esta barreira de duas
Como exemplo, temos os efetores de Pseudomonas fonnas: evitando o reconhecimento de seu PAMP através da muta-
syringae codificados pelos genes avrRpml e avrB que ção ou secretando efctores que minam o sistema de defesa ("ejfector
modulam negativamente a expressão do gene RIN4 de triggeredsusceptibility" - EIS). Neste caso, nium primeiro momento
Arabidopsis, envolvido na ativação do sistema de defesa a resistência é quebrada, resultando em suscetibilidade, mas genóti-
da planta, assim favorecendo a bactéria. Já em fungos, pos que apresentam genes R que reconhecem 1:stes efetorcs tomando
existem pelo menos dois tipos de efetores: aqueles que o patógeno avirulento (avr), são seledonados e a resistência é resta-
bloqueiam a secreção de moléculas antimicrobianas belecida ("ejfector triggered immunity'' - ETI ). No entanto, um novo
produzidas pelo hospedeiro, como as enzimas glucanase ciclo se inicia, pois a pressão de seleção agora atuará na população
e quitinase voltadas para a degradação da parede celu- do pat6geno de modo a selecionar aqudes ge1nótipos que produzam
lar fúngica, ou ainda aqueles que não suprimem a secre- molécula.~ eíeton1s que não siio reconhecidas pelo hospedeiro, resul-
ção, mas d~ativam estas moléculas após sua produção. tando em nova quebra de resistência (ETS). O ciclo se perpetua deste
Como exemplos deste tipo, temos o produto do gene modo, de maneira análoga a uma "corrida armamentista".
avr4 de Cladosporium fulvum, que inibe a produção de
quitinase em tomate e também de uma extensa família
de inibidores de proteases em Phytopl1tl1ora infestam
Alta PTI ETS ETI ETS ETI
que inibem a ação de enzimas que degradam proteínas
no apoplasto da planta. O conceito amplo de efetores
aqui apresentado também inclui moléculas que alteram
o comportamento da planta, como é o caso da coro- :X
natina mencionada anteriormente que inibe o fecha-
mento dos estômatos facilitando a entrada de bactérias.
~
CII
-o Efetores
Q)
"O
CII Avr-R Avr-R
"O
·;;;

É importante esclarecer que estas estratégias de ataque não
são induzidas pelo hospedeiro, mas sim que são preexistentes
na natureza, criadas através da mutação, e posterionnente sele-
e:
.l!!
.E --- - ~ ----'\ ·--------- ~
Luniar de
ReSistênaa
cionadas como resultado de urna pressão de seleção exercida
pelo genótipo do hospedeiro. É muito importante entender estes Baixa
•o!••PAMPS Efetiva

mecanismos de coevolução patógeno x hospedeiro, pois ele tem


implicações práticas. lmagiue urna vasta área cultivada com uma Figura 6.2 - O modelo zig-zag de coevoluçãc, patógeno-hospedeiro
única cultivar possuidora de um único gene R. Esta condição de explica a quebra da resistência. P.ara detalhes, ver texto.
homogeneidade genética gera uma grande pressão de seleção na Fonte: Modificada de Jones & Dangl (2006).
população do patógeno, que por sua vez resulta no aumento da
frequência de indivíduos que ou não são reconhecidos pelo gene
6.5. A TEORIA GENE-A-GENE DE FLOR
R ou conseguem sabotá-los; como resultado, tem-se o temível
fenômeno da "quebra da resistência". Em alguns patossistemas, A Teoria Gene-a-Gene de Flor mencionada anteriormente
como no caso das ferrugens dos cereais, a quebra da resistência foi proposta na metade do século passado e, por muito tempo, foi
é quase uma constante e para mitigar seus efeitos é necessário o de grande importância na fitopatologia, poi,s serviu de base para
emprego de algumas estratégias de manejo genético, como discu- a elaboração Je modelos teóricos que propunham interpretar em
tido no Capitulo 15 que trata do controle genético de doenças. nível molecular as interações entre patógenos e seus hospeclciros.

88
Genética da Interação Patógeno-Hospedeiro

Por isto, até hoje a teoria é ponto referencial, muito embora venha
sendo cada vez menos usada como modelo aos que se iniciam Estágios de variação em fitopatógenos:
nesta área. O objetivo desta seção é o de mostrar que a teoria está terminologia
na base do modelo "zig-zag".
Em uma extensa série de experimentos iniciados em 1942 O termo raça definido no texto é usado para
com o patossistema linho-Melampsora lini, Flor postulou a exis- design · variantes de uma espécie fitopatogênica que
tência de uma relação um-a-um entre genes de alaque e de defesa, causam doença em algumas cultivares de wna espé-
respectivamente no patógeno e no hospedeiro. Para chegar a esta cie de hospedeiro, mas não em outras. Em virologia,
conclusão, partiu de um procedimento experimental simples, o termo equivalente é "estirpe'~ Em qualquer caso, os
embora trabalhoso. Primeiro, o autor levou em conla que isolados termos se referem a especificidade em nível intraespe-
de l:1elampsora lini, um fungo pertencente ao grupo das ferrugens, cífico. P,or exemplo, temos que a raça. 1 de Podospha-
vanam com relação à capacidade de causar doença em cultivares era xanthii, agente causal de oídio do meloeiro, é viru-
de linho, a ponto de um isolado causar doença em uma cultivar, lenta na1, cultivares Hale 's Best Jumbo e Védrantais, mas
mas não em outra. Quando isto acontece, dizemos que os isolados avirulenta em Edisto47 e PMR45. A especificidade, no
pertencem a raças distintas (Boxe 6.3). Flor então realizou c =- entanto, pode se dar também em nível interespecífico
e, neste caso, usamos os termos forma specialis (abre-
mentos entre raças do patógeno e entre cultivares de linho e anali-
viatura: f. sp.; plural: Jormae speciales) em fungos ou
sou a segregação dos tipos de reações conforme Tabelas 6.1 e 6.2.
patovar (abreviatura: pv.) em bactérias. Como exem-
As raças 22 e 24 apresentam reações diferenciais nas cultivares
plo, temos Blumeria graminis, wn fungo biotró:fico que
Ottawa e Bombay, pois a primeira causa doença em Ottawa (dize-
causa o(dío em gramíneas. Dentro da espécie, nota-
mos que é virulenta em Ottawa), mas não em Bombay (dizemos
mos variantes que são patogênicas somente ao trigo,
que é avirulenta em Bombay) e vice-versa no caso da roça 24.
mas não a aveia. cevada ou centeio. Assim, estas varian•
Mais de 100 indivíduos resullantes do cruzamento entre eslas raças
tes são a,grupadas cm B. graminis f. sp. tritíci. Também
foram inoculados em Ott.awa e a proporção entre isolados virulen-
há as variantes específicas para aveia, agrupadas em
tos e a virulentos ficou muito próxima de 1:3, que é aquela esperada
B. graml:nís f. sp. avenae, e assim por diante. Um exem-
no caso da segregação monogênica segundo as Leis de. Mendel. plo em bactérias seria Psew:lomonas syringae pv. pisi,
Concluiu-se, portanto, que a virulência da raça 22 a Ottawa é
patogêniica a ervilha e P. syringae pv. syringae, pato-
~ontrolada por um único gene. De igual forma, outra centena de
gênicas a feijoeiro e ameixeira. Além de apresentar
isolados resultantes do cruzamento foi inoculada em Bombay, com patovare~, a especificidade tanto de B. graminis como
resultados semelhantes que levaram à conclusão que a virulência da de P. syringae vai além, e engloba também variação
raça 24 a Bombay também é controlada por um único gene (Tabela
em raças. Assim, por exemplo, alguns indivíduos de
6.1 ). Em seguida, Flor partiu para a análise genética da resistên- B. gramlnis f. sp. tritici só causam doen~a em determina-
cia do hospedeiro. Plantas de Bombay e Ottawa foram cruzadas das cultivares de trigo, como no caso de P. xanthii.
e a progênie F2 foi inoculada tanto com a raça 22 como com a
24. No primeiro caso, foram encontradas 153 plantas resistentes e
41 suscetíveis, uma proporção não estatisticamente diferente de Tabela 6.1 -- Reações de virulência(+) e de avirulência (·) das raças
3:1. O mesmo ocorreu. para a raça 24, para a qual 142 indivíduos 22 e 24 de /1,1/. lini e frequências observadas e esperadas
mostraram-se resistentes e 52 suscetíveis (Tabela 6.2). Concluiu-se, (1 :3) de indivíduos F2 virulentos e avirulentos nas cul-
portanto, que a resistência de Ottawa e Bombay respectivamente às tivares Ottawa e Bombay.
raças 22 e 24 também é controlada por um único gene. Ou seja, se


no patógeno a herança da virulência foi monogênica, pelo lado do Frcqu&ncia ele incli\ icluos F2
Ra\·a
hospedeiro a herança da resistência também o foi. Neste exem- --- uhsrn ada rsprr aú.1
plo, Flor se deparou com um caso de herança monogênica, mas em 22 2-1 . - -- - - - ----
\ rrulrnto, :1\ irukntns , i,·::n ir
outros cruzamentos, o número de genes envolvidos foi diferente.
Não obstante, em todos os casos o número de genes de resistência Ottawa + 32 101 33: 100
de uma cultivar a uma dada raça correspondeu ao mesmo número Ilombay + 28 105 33:100
de genes de virulência da raça à cultivar em questão. Flor concluiu,
portanto, que há uma relação um-a-um entre genes de resistência Fonte: Flor (1946).
do hospedeiro e de virulência no patógeno, resultando no enun-
ciado original de sua Teoria, segundo a qual cada gene de resis- Tabela 6.2 -- Reações de resistência (R) e de suscetibilidade (S) das
tência no hospedeiro encontra um gene complementar no pató- cultivares Ottawa e Bombay e frequências observadas
geno que lhe confere capacidade em causar doença. e esperadas (3:1) de indivíduos F2 resistentes e suscetí-
A teoria foi proposta na metade do século passado e a veis às raças 22 e 24 de M. lini.
formulação de uma explicação de suas bases moleculares teve . Frct111ílncia ele i11dh íduns F2
que aguardar vários anos (Figura 6.3). Hoje, podemos dizer de e u 1lnar
nb,cr, ada rsprr:rda
uma maneira simplificada que os genes de Flor correspondem ,1\\a Bomba, - - -- - -- - -
aos genes R envo.lvidos na fase de reconhecimento do patógeno . re,istentes suscctÍ\ eis rcs:susc.
e os do patógeno aos genes que codificam PAMPS ou efetores. 22 s R 153 41 145,5:48.S
Segundo a denominação de Flor, os genes do patógeno são deno-
minados de genes de avirulência, ou Avr, uma terminologia cm
24 R s 142 52 145,5:48,5

uso até hoje (Boxe 6.4). Fonte: Flor (1947).

89
Manual de Fitopatologia

Hoipcdclro Hospcdciro
Patógeoo
,,;,~
- ===::::,-...

Avr
1!11
/)
l~ Resistfoda

\l~~=.;:::;
R avr
G r

Hospedeiro Hospedeiro

~a
Patógeno Patôgeao

avr R Avr
·G r
Figura 6.J - Segundo a interpretação em nível molecular da Teoria de Flor, produtos dos genes R reconhecem produtos de genes Avr (PAMPS/
MAMPS, efetores) e o resultado é urrua reação de resistência. Em casos onde não há genes R nemAvr correspondentes (na figura
representado pelas letras minúsculas r e avr) Lambém não hã reconhecimento e o resultado é uma reação de suscetibilidade. Há
ainda casos em que o patógeno possui o gene Avr mas o hospedeiro não possui o gene R e vice-versa, ou seja, o paLógeno não
apresenta o gene Avr mas o hospedeiro apresenta o gene R correspondente; neste casos, como não há reconhecimento o resultado
também será de suscetibilidade.

exemplo, inoculou folhas da porção baixa de plantas de tabaco


Boxe 6.4 Genes de avirulência em um atógeno? com o vírus do mosaico do tabaco (TMV) e notou lesões locais
típicas causadas pelo vírus, como era de se esperar. No entanto,
Uma confusão frequente se refere a.o termo "gene ao inocular uma segunda vez a mesma planta, só que em sua
de avirulência" usado por Flor. Afinal, q[ual a vanta- porção mais alta, percebeu que as lesões foram hem menores que
gem para um patógeno em apresentar um gene de as produzidas na primeira inoculação. Os resultados sugeriam
avirulência quando o correto seria apre:sentar genes que a primeira inoculação tinha induzido um mecanismo de resis-
de virulência? É simplesmente uma ques1tão de ponto tência na planta com reflexos na segunda inoculação. Além disto,
de vista; os genes do patógeno que interngem com os este mecanismo deveria ser sistémico por ter se manifestado em
do hospedeiro codificam, na verdade, moléculas efeto- um local da planta diferente daquele inicialmente inoculado. O
ras que promovem a virulência, mas somente quando fenômeno passou então a ser chamado de resistência sistêmica
na ausência do gene R correspondente. Quando na induzida, também conhecida pela abreviação SAR, do inglês
presença do gene R, ao contrário, são reconhecidos systemie acquired resistance. Estudos posteriores mostraram
por este e o resultado é sua incapacidacle de causar que, além do caráter sistêmico, a SAR tem um efeito duradouro,
doença, ou avirulência. Esta última situação é a que podendo persistir por semanas ou mesmo até ser transmitido para
foi utilizada para a denominação desta claisse de genes. a geração futura. Além disto, seu efeito é inespecífico, ou seja, a
inoculação com um patógeno pode proteger não somente contra
ele mesmo, mas também contra outros patógenos. Hoje, sabemos
que a SAR pode ser induzida por vários estímulos e não só apenas
Embora se aplique satisfatoriamente a cas:os de resistência por patógenos. Parece ser uma resposta generalizada da planta a
mediada por genes R contra patógenos biotrólkos, há exceções qualquer agente de estresse, até mesmo a um agente de natureza
à teoria como é o caso da resistência de Arabidopsis thaliana a a biótica.
Pseudomonas syringae, onde um gene R, o R'PMI, reconhece A indução da SAR é mediada por uma de duas vias honno-
dois genes da bactéria, denominados avrB e avrRpm 1, fugindo nais das plantas: a via do ácido salicílico (Boxe 6.5) ou a via do
do modelo gene-a-gene. Não obstante estas exceções, a teoria ácido jasmônico e etileno (Figura 6.4). Alguns autores usam o
se.rviu de base para os modelos de interação chave-fechadura e termo SAR no caso da primeira via e o termo induced systemtic
guarda, com reflexos no desenvolvimento de métodos de controle resistance (ISR) no segundo, mas ambas são resistências induzi-
de doenças através da resistência genética (Capítulo 15). das. A ativação de uma ou outra via depende do agente indutor e
a relação entre a natureza do agente indutor e a via induzida ainda
6.6. RESISTÊNCIA SISTÊMICAADQUIHIDA E é motivo de estudos. Grosso modo, a primeira via é induzida por
RESISTÊNCIA SISTÊMICA INDUZIDA agentes biotróficos, ao passo que a segunda é induzida por agen-
Na metade do século passado, vários pesquisadores se tes necrotróficos ou que causam danos celulares intensos, como é
dedicaram ao estudo de um fenômeno curioso. Ross ( 1961 ), por o caso dos danos causados por insetos mastigadores. No entanto,

90
Genética da Interação Patógeno-Hospedeiro

eia, hoje é vista mais como uma resposta integrada da resistência


Boxe 6.5 Ácido salicilico em plantas
de plantas a patógenos, seja esta qualitativa ou quantitativa. Em
outras palavras, a SAR corresponde a um olhar diferente da mani-
Você provavelmente conhece o ácido salicílico festação da resistênci3> que leva em consideração o tempo (após
quando vai à farmácia comprar a aspirina (que é ácido a inoculação) e o espaço (em relação ao local da inoculação) da
acetilsalicílico, uma forma mais estável) e pode ter resposta da plauta.
ficado surpreso ao saber que este composto é produ- Por todas estas características (sistemicidade, durabilidade
zido por plantas. De fato, a origem deste fármaco e inespecificidade) a SAR desperta muito interesse no que diz
baseia-se no conhecimento antigo do uso da casca da respeito ao controle de doenças. A ideia é a de achar uma fom1a
ar,·ore Salix (salgueiro) para o tratamento de dores e de ativá-la que não envolva inocular um patógeno (por motivos
febres. Hipócrates, considerado como o pai da medi- óbvios), de modo a deixar a planta em ''estado de a lerta", com um
dna e que viveu na Grécia por volta de 400 a.C., já nível alto de resistência antes de um ataque. Estudos mais apro-
prescrevia a casca desta árvore como medicamento, fi.indat.los levados a efeito nas t.luas últimas décadas contribuí-
mas foi somente em 1897, na Alemanha, que o ácido ram sobremaneira para o desenvolvimento desta ideia. Surgiu dai
acetilsalicilico foi desenvolvido para uso terapêutico. uma nova classe de produtos quúnicos que já conta com produ-
Hoje a ideia de que "uma aspiriua resolve qualquer tos comerciais. Entre estes ternos os de natureza inorgânica como
problema" se deve ao amplo uso desta droga para o os fosfitos e fosfatos, os de origem orgânico-sintéticos, como o
.:ombate não apenas de dores e febres, mas também ácido beta aminobutírico (BABA), o benzothiadiazole ou aciben-
para combater riscos de doenças cardiovasculares. zolar S-metil (BTI 1) c o probenazole (benzisothiazole) e os de
origem natural, como quitina, quitosana, harpina (proteína produ-
zida pela bactéria fitopatogênica Envinia amylovora) e as estro-
bilurinas (uma classe de compostos produzida por li.tngos basi-
diomicetos que também possui ação antimicrobiana direta). O
grande apelo deste gênero de produtos é que eles não são tóxicos
ao ambiente, por atuarem diretamente na planta e não na micro-
biota (exceto as cstrobilurinas). Para maiores detalhes da SAR,
consulte o Capítulo 35.

6.7. TOLERÂNCIA E ESCAPE


Plantas suscetíveis apresentam níveis mais e levados de
sintomas que as resistentes. Em adição a isto, também apresen-
tam redução em produtividade em função do nível de ataque do
patógeno, como mostra a Figurn 6.5, que relaciona níveis de
sintomas em plantas individuais no eixo das abscissas (x) com
as respectivas reduções em produção no eixo das ordenadas (y).
Nota-se uma clara relação entre níveis de sintomas e produtivi-
dade: quanto maior os níveis de sintomas, maiores as reduções.
No entanto, na figur.i notamos plantas que fogem a este compor-
tamento, ilustradas pelas planlas I e 2. pois embora apresentem
Reslsttocla Slslêmlca
Induzida RSI) níveis elevados de doença, não sustentam níveis elevados de redu-
ção em produção. Dizemos que estas plantas são tolerantes em
PllOgenos blolr6llcoc llln1lentos Rlzot>ect6rlas (PGPR)
PltOgenos blalr«tcos avtrulent05 Insetos relação às outras que sustentam níveis semelhantes de sintomas,
llloi>atõgenos Pat6genos neadrõflcos como por exemplo, as plantas 1O, 15, 16, etc. Assim, tolerância é
Qlzobactêrles
definida como a capacidade inerente ou adquirida de uma planta
em suponar a doença sem consequências significativas em sua
Figura 6.4 - A SAR pode ser induzida tanto por fatores bióticos
como abióticos. A natureza destes fatores indutores produção. Note que uma planta tolerante não é resistente, pois
determina a ativação da SAR predominantemente por não possui a habilidade de prevenir o estabelecimento e restringir
uma de duas vias hormonais: a do ácido salicílico ou a a colonização do patógeno. Na aparência, uma planta tolerante
do ácido jasmônico/etilcno. não se distingue de uma suscetível. Para fazermos a distinção, é
necessário comparar suas produções.
A natureza fisiológica da tolerância não é bem conhecida,
~ta é uma grosseira generalização, uma vez que bactérias que mas sabe-se, no entanto, que em vários casos está sob controle
, 1,em associadas ao sistema radicular das plantas (rizobacté- genético. Os mecanismos de tolerância estão associados a pecu-
~as) e que não causam necrose de tecidos induzem a via do ãcido liaridades fisiológicas não diretamente ligadas às respostas ao
lSmômico/etileno e não a do ácido salicílico. Estas vias. por sua ataque de patógeno, ao contrário dos mecanismos de resistên-
,ez, ativam uma série de genes que de uma maneira ou outra cia. Assim, uma planta pode tolerar o ataque de um patógeno
e,,t.ào envolvidos com as respostas de resistência. Várias respostas foliar por compensar a perda de área fotossintetizantc com uma
.Jo comuns às respostas que ocorrem em genótipos com resistên- melhor capacidade de reenfolha derivada de um crescimento
. 1a qualitativa ou quantitativa. Neste caso, portanto. a SAR, origi- mais vigoroso. O mesmo mecanismo compensatório se aplica
nalmente vista como um mecanismo independente de resistên- a doença de raízes.

91
Manual de Fitopatologia

.....
~
30 Bittel, P. & Robatzek, S. Microbe-associated molecular pauems (MAMPS)
~ 021 on on probe plant immunity. Current Opinion in Plant Biology 10:
$e,.1bllidado
,i 01',l
335-341, 2007.

f..
0.
015116

08
g11u Conrath, U.; 13eckers, G.J.M; Langeabach, C.J.G.; Jaskiewicz, M.R. Primíng
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1""
:::, 02 o, Toler,nc:1•
Flor, H. H. lnheritance ofreaction to rost in flax. Journal of Agricultu-
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0.1 0.2 0 .3 0.4 o.s o.e 0.1 o.a, o» t.o 1.1 1.2 ,.a
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Se\/arkfadedaOoença Emerging conccpts in efl'ector biology of plant-associated organisms.
Molecular Plaot Microbe Tnteractions 22: l 15-122. ·2009.
Figura 6.5 - Genótipos tolerantes podem ser identificados por apre- Poland, J.A.; Ualint-Kuni, P.J.; Wisser, R.J.; Pratt, R.C.; Nelson, RJ.
sentarem baixa redução na produção mesmo susten- Shadcs of gray: the world of quantitative disease resistancc. Trends
r.ando altas severidades de doença, como os indivíduos
in Plant Science doí: l 0.1016/j.tplants.2008. 10.006, 2008.
1, 2 e 4 da figura.
Fonte: Modificada de Schafer (1971). Jones, J.D.G. & Daogl. J.L. The piam irnmune system. Nature 444:
323-329, 2006.
Ross, A.F. Systemic aequired resistance induced by localized virus infec-
A utilização de tolerância como mecanismo de controle tions in plants. Virology 14: 340-358, 1961.
de doenças tem a séria limitação de não afetar a reprodução do Schafer, J. F. Tolcrance to plant disease. Annual Review of Phytopa-
patógeno, permitindo o aumento do inóculo no campo. Assim, tbology 9: 235-252, 1971.
para patógenos de fácil disseminação, os locais onde cultivares Senthil-Kumar, M. & Mysore, K.S. Nonhost resistance agaíru;t bacterial
tolerantes são cultivadas tomam-se verdadeiros reservatórios pathogens: retrospectives and prospccts. Annual Review of Phyto-
de inóculo, que pode ser disseminado para cultivas vizinhos e pathology 51: 407-427, 2013.
comprometer a sanidade destes. Não obstante, há casos muito
bem-sucedidos de uso de tolerância em nosso país, como é o caso
do controle da tristeza dos citros, que se deu através da utilização
de combinações de copas com porta-enxertos tolerantes, como o
limão cravo (veja capítulo sobre doenças dos•citros no segundo
volume deste manual).
Segundo o conceito do triângulo da doença, para que esta
se desenvolva é necessária a coincidência de um hospedeiro
suscetível com um patógeno agressivo. A suscetihilidade e a
patogenicidade são governadas tanto pelo potencial genético das
partes como pelas suas condições fisiológicas, moduladas pelo
ambiente. Assim, a coincidência de condições críticas tanto ao
hospedeiro como ao patógeno é o fator que governa a magnitude
da doença. Algumas cultivares vegetais apresentam característi-
cas fisiológicas que resultam em um descompasso nesta coinci-
dência e conseguem, desta maneira, reduzir o impacto da doença.
É como se a planta "escapasse" do patógeno, daí o termo escape.
Algumas cultivares precoces de trigo, por exemplo, sustentam
menor quantidade de ferrugem em áreas onde a doença ocorre
tardiamente no ciclo da cultura. Outro exemplo é o caso de culti-
vares de cevada cujas 'flores não se abrem e, desta forma, não
são infectadas por esporos de Ustilago nuda f. sp. hordei, agente
causal do carvão, que coloniza os estigmas e ovário. A rigor,
não se trata de resistência do ponto de vista conceituai, pois
estas plantas são suscetíveis se inoculadas artificialmente mas
para efeito prático elas se comportam como resistentes. Assim,
alguns autores consideram o escape como um mecanismo de
resistência.

6.8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Bent, A. & Mackey, D. Elicitors, Effectors, and R genes: the new paradigm
and a lifetime supply or qaestions. Annual Review of Phytopatho~
logy45: 17.1-17.38, 2007.

92
CAPÍTULO

7
AMBIENTE E DOENÇA
Ivan Paulo Bedendo, Lilian Amorim e Dirceu Mattos-Jr.

ÍNDICE

7. l. Ação de fatores ambientais sobre o hospedeiro ..... 93 7 .2. l. Umidade ......................................................... 97


7.1.1. Umidade ......................................................... 94 7 .2.2. Temperatura ................................................... 98
7.1.2. Temperatura ................................................... 94 7.2.3. Vento ............................................................... 99
7.1.3. Nutrição.......................................................... 95 7 .2.4. pH ................................................................... 99
7.1.4. pH do solo ...................................................... 96 7.2.5. Outros fatores............................................... 100
7.1.5. Luz ..............................................................•... 96 7.3. Fatores ambientais e controle de doenças ............ 100
7.1.6. Fatores diversos.............................................. 97
7.4. Bibliografia consultada .......................................... 102
7.2. A<rão do ambiente sobre o patógeno e sobre o
ciclo de relações patógeno-hospedeico ................... 97

aparecimento e o desenvolvimento de uma doença de doenças. A partir do século 20, emergiram conceitos como o da

º
são resultantes da interação entre planta suscetível, predisposição de plantas a doenças devido a causas ambientais.
agente patogênico e ambiente favorável. Desses O conceito de predisposição baseia-se na alteração da susce-
três componentes, apenas o ambiente apre.senta alterações fre- tibilidade do hospedeiro, resultante da atuação de fatores externos.
quentes e importantes no decorrer do ciclo de uma cultura, pois Assim, a predisposição é caracterizada por uma condição de maior
a suscetibilidade do hospedeiro e a virulência/agressividade da ou menor suscetibilidade da planta ao patógeno, detenninada por
população patogênica pouco se alteram nesse curto período de fatores não genéticos, que atuam antes ou durante os processos de
tempo. É o ambiente, ponanto, que modula o desenvolvimento infecção e colonização.
das epidemias, podendo, inclusive, impedir sua ocorrência mesmo Os fatores do ambiente podem determinar o grau de predis-
quando hospedeiros suscetíveis e patógenos virulentos estão posição do hospedeiro, influenciando desde o estabelecimento da
presentes. Doenças altamente destrutivas podem passar desper- doença numa cultura até o desencadeamento da epidemia. Por
cebidas, sob condições desfavoráveis de ambiente. outro lado, estes fatores também podem ter efeito direto ou indi-
O papel dos fatores do ambiente sobre a ocorrência de reto sobre o patógeno, favorecendo ou desfavorecendo sua sobre-
doenças tem sido notado há mais de 2.000 anos. Theophrastus vivência e desenvolvimento, tanto no hospedeiro como fora dele.
(370-286 a.C.) já observava que os cereais plantados em locais Finalmente, a interação patógeno-hospcdeiro pode sofrer ação
mais altos estavam menos sujeitos ao ataque de patógeoos do que das condições ambientais, as quais podem detenninar maior ou
aqueles cultivados em terras baixas. No século 18 e na primeira menor grau de severidade da doença.
metade do século 19, fatores como nutrição, umidade do solo e do
ar, vento e outros passaram a ser considerados quando se estuda- 7.1. AÇÃO DE FATORES AMBIENTAIS SOBRE O
vam doenças economicamente importantes. Na segunda metade HOSPEDEIRO
do século 19, embora predominasse o enfoque sobre os agentes O desenvolvimento e a produção de uma espécie vegetal
causais de doenças, alguns estudiosos, como o alemão Sorauer, dependem do seu genótipo e do ambie.nte. Fatores associados ao
destacaram o papel do ambiente sobre a instalação e o progresso clima (umidade, temperatura, luz e vento), 11 atmosfera (poluen-

93
Manual de Fitopatologi.a

tes), ao solo (matéria orgânica, potencial redox, pH, nutrientes e


elementos tóxicos) e ao cultivo (transplante, poda e agrotóxicos) Boxe 7.1 Clorose variegada dos ci ros (CVC) é mais
podem ser responsáveis pela predisposição de plantas ao ataque severa em plantas sob d ficiência hídrica
de patógenos. Como consequência, o desenvolvimento vegeta- '

tivo e a produção destas plantas podem ser prejudicados, mesmo Em experimento conduzido p,or nove anos em
que o potencial genético para estes caracteres seja elevado. Bebedouro, na região Norte do Esta do de São Paulo,
árvores de laranjeira 'Natal' enxertadas em limoeiro
7.1.1. Umidade 'Cravo' que receberam irrigação para compensar a
A água do solo é a fonna de umidade mais atuante na pre- falta de chuvas em parte do inver1110 apresentaram
disposição de plantas ao ataque de agentes patogênicos. A dura- menor incidência de ramos sintoináticos e menor
ção e a intensidade do estresse hídrico, seja ele devido ao excesso quantidade de frutos com sintomas da CVC (Figura
ou à deficiência de água, podem ter efeito direto sobre a predis- 7.1 ). As diferenças na produção das plantas irrigadas
posição do hospedeiro. em comparação às não irrigadas foram significativas
O excesso de água e a inundação do solo diminuem a dispo- em praticamente todas as safras em que o experimento
nibilidade de oxigênio para as raízes, comprometendo seu desen- foi conduzido, demonstrando que parle dos danos
volvimento e, consequentemente, sua capacidade de absorção de provocados pela CVC pode ser e-vitada com bom
água e nutrientes. Como resultado, a planta pode tomar-se mais manejo hídrico das plantas.
suscetível ao ataque de patógenos. Podridões radiculares causa-
das por Pythium, Phytophrhora, Rhizoc/onia e Sclerotium, em
diversas espécies vegetais, são mais severas em solos encharca- 250 ■ Sem irrigação 2412 A
Com irrigação
dos, em parte devido à maior predisposição do hospedeiro a estes
patógenos. As podridões de raízes e ramos tenros, provocadas por 200
Pectobacterium, e as murchas, causadas por Ralstonia, também
150
são mais severas em solo com excesso de umidade. A água cm
excesso pode detenninar, ainda, algumas mudanças estruturais 100
nas folhas, como a redução da espessura da cutícula e imper-
feições no arranjo das células do tecido paliçádico, tomando as 50 40,5 42
folhas mais sensíveis à penetração de patógcnos. 20,1
A deficiência hídrica moderada, assim como a severa o
(seca), provoca alteração na disponibilidade de água e nutrientes Incidência de ramos Nº de frutos c/
para a planta, resultando em diferentes graus de subdesenvol- c/CVC sinto mas de CVC
vimento. Se o desenvolvimento do patógerio não for alterado,
basta que a planta apresente menor crescimento para que os
sintomas se expressem de forma mais intensa. Essa é uma das
hipóteses para explicar o aumento da severidade dos sintomas
de diversas doenças em plantas estressadas. Outra hipótese que
explicaria a predisposição a doenças de plantas com deficicncia
hídrica refere-se à redução significativa na produção de protclnas
em plantas estressadas, inclusive daquelas relacionadas à defesa
como quitinases e glucanases.
As podridões radicularcs de algodoeiro, feijoeiro, soja e
sorgo causadas por Macrophomina phaseolina, por exemplo,
manifestam-se de maneira severa somente quando o solo apre-
senta baixa umidade, em razão de alteração na resistência interna
das plantas. Períodos de seca comuns no inverno da região norte
do Estado de São Paulo são também responsáveis pela maior
severidade da clorose variegada dos citros, causada por Xyle/la
fastidiosa, em árvores de laranja doce (Boxe 7.1 ).

7.1.2. Temperatura
Figura 7.1 - lncidência (% de ramos com sintomas) e número
A ocorrência de temperaturas excessivamente altas ou de frutos com sintomas de CVC (0 < 50 mm) em
baixas durante o peóodo que antecede a infecção pode alterar plantas de laranjeira 'Natal' enxertadas em limo-
a suscetibilidade de plantas a doenças. Plantas de café, citros eiro ' Cravo' inoculadas com Xylella fastidiosa
e essências florestais que sofrem a ação de geadas mostram-se 1O meses após o plantio (março 1999). (A)
suscetíveis mesmo a pntógenos secundários como Alternaria, Resultados representam a média por planta das
Botrytis, Phoma e outros. Em condições experimentais, plan- safras 2006 a 2008 (Mod1fio:ado de Gonçalvci. Cl
tas submetidas a estresses de frio e calor podem tomar-se mais ai., 2014). (B) Redução de, tamanho dos frutos
suscetíveis ao patógeno. Assim, plantas de soja tomam-se mais em decorrência da clorose variegada dos citros.
suscetíveis a vários agentes patogi:nicos quando seus hipocótilos Crédito da foto: Henrique Santos.
são aquecidos, anteriormente à inoculação, por um período de

94
Ambiente e Doença

30 minutos a 47 ºC. O aquecimento suprime ou reduz a forma- des1quilibrada, verifica-se a diluição da concentração de outros
ção de fitoalexinas e causa (i) diminuição da fotossíntese e con- nutrientes no tecido vegetal, se a absorção pelas raizes permane-
sequente redução da produção de carboidratos, (ii) aumento da cer constant.:. Também. verifica-se maior densidade de folhas no
sinalização mediada principalmente por etileno e ãcido abscisico, dossel, o que pode, ainda que indiretamente, contribuir para alte-
(iii) ativação de enzimas hidrolíticas e produção de espécies reati- rações no microclima no dossel das plantas. Todos os casos resul-
vas de oxigênio (EROs) que afetam a estabilidade de membranas tarão em modificações na dinâmica do progresso das doenças.
entre outros, favorecendo a atividade de patógenos. O nitrogênio (N) é um elemento chave na produção agrí-
A alteração da suscetibilidade em função da temperatura cola por influenciar diretamente o crescimento vegetativo e
pode ser atribuída a vãrias causas, como redução na fonnação de reprodutivo das culturas. Também tem importante papel na ocor-
compostos fenólicos pela planta e bloqueio de mecanismos estru- rência de doenças. não só em função de uma aplicação dese-
turais que dificultam a colonização do tecido vegetal pelo pató- quilibrada (excesso ou deficiência), mas também pela forma
geno. No entanto, de modo geral, o aumento da suscetibilidade utilizada (amoniacal ou nítrica). No entanto, o efeito do N no
tem sido atribuído ao desenvolvimento debilitai.lo do hospedeiro desenvolvimento de doenças é altamente específico e variável de
e consequente favorecimento à aruação do patógeno. um sistema para outro. De acordo com Hoffiand et at: (2000) a
O frio, empregado na conservação de produtos vegetais, é suscetibilidade a um patógcno é resultado ela interação entre doii.
altamente eficiente na prevenção da maioria das doenças de pós- fatores: (i) o valor da planta como fonte de nutrientes e energia
colheita. No entanto, para detenninados produtos, a deterioração para o patógeno e (ii) a presença de componentes de defesa que
provocada por certos patógcnos ocorre mais rapidamente nos previnem a infecção e/ou coloninção. Esses fatores são dile-
produtos conservados logo após sua retirada da câmara fria, do rentementc afetados pela disponibilidade de N e variações no
que nos produtos armazenados à temperatura ambiente. Em pane, balanço desses dois fatores em diferentes patossistemas explicam
essa rápida deterioração pode ser explicada pelo maior acúmulo as variações na severidade da doenç,t em decorrência de maior ou
de umidade nas embalagens que sofrem alterações bruscas de menor disponibilidade cl.: N. Com o aumento do suprimento de N
temperatura. Assim, constatou-se que no mercado atacadista de e então do vigor, a planta aumenta a taxa de crescimento de modo
São Paulo, houve maior podridão de pêssegos nas embalagens que durante o estádio Je crescimento vegetativo, a proporção de
plásticas fechadas e mantidas por parte do tempo sob refrigera- tecido jovem versus maduro aumenta, com o tecido jovem sendo
ção, do que nas embalagens abertas. A ação do frio sobre semen- mnis suscetível a infecções. Isto toma maior relevância quando
tes recém-germinadas aparentemente reduz o vigor das plântu\as, a planta não é suprida adequadamente com outros nutrientes,
tomando-as mais suscetíveis ao ataque de patógenos. A influên- como o cãlcio (Ca) ou o silício (Si) (Marsehncr, 2012), O uso
cia do frio sobre o vigor da planta pode também expressar-se de de elevadas dosi:s de N toma plantas de arro~ mais predispostas
modo contrário, como nos casos cm que a baixa temperatura é à brusone e plantas de trigo, à ferrugem e ao oidio, aumentando
mais favorãvel ao desenvolvimento do hospedeiro que Jo paló- também a suscetibilidade de plantas de fumo à queima bacte-
geno, permitindo a recuperação da planta doente. riana causada por l-'se11domo11as rabaci. No entanto, excesso de
A temperatura pode ser responsável também por diferenças N reduz a infecção de Sclerotium ro/jsll em beterrnba e aumenta
na reação de cultivares a um determinado patógeno. Assim, uma a resistência do tomateiro à murcha provocada por Fusorium. A
variedade pode exibir reação de resistência a um palógeno, sob deficiência de N, por sua vez, provoca subdesenvolvimento das
determinada temperatura, e mostrar-se suscetível a este mesmo plantas. !ornando-as menos vigorosas. Além uisso, deficiências
patógeno, em temperatura diferente. de N podem comprometer o metabolismo das plantas, reduzindo
seu potencial de produção proteica, inclusive de proteínas rela-
7.1.3. N utriçílo cionadas à defesa contra infecção (proteínas RP), lignina e óxido
Os efeitos dos nutrientes minerais sobre o desenvolvimento nítrico (NO), importante sinali7ador na resposta imune das plan-
e a produção das plantas são explicados em tennos do papel tas. Reduções na produção de pernxidasc e quitinase foram
fisiológico que esses elementos desempenham primariamente observadas em plantas de Amhidopsis tratadas com Bion(A e
no metabolismo. Contudo, o estado nutricional também pode submetidas à deficiência de N. comparativamente às plantas
se constituir num fator de predisposição das plantas RO ataque sem deficiência deste nutriente (Dietrich ct ai., 2004). A forma
de patógenos, uma vez que a nutrição pode determinar efeitos de N utilizada pode determinar maior ou menor s.:veridade da
secundários, induzindo mudanças nos estádios de crescimento, na doença, dependendo da relação patógcno-hospedeiro. Assim,
morfologia e na anatomia ou na composição química da planta, o para algumas doenças, como podridões das raízes e murchas
que pode aumentar ou diminuir a resistência ou a tolerância das causadas por Fusarium, ..damping-off" e podridão do colo cau-
plantas a patógenos. sada por Sclerotium rolfsii, a forma amoniacal do N pode pro-
Quando os elementos minerais requeridos pelo vegetal são vocar um aumento de severidade. Para outras, como a sarna da
fornecidos de fonna adequada, a planta normalmente apresenta batata, provocada por Srreptomyces scabies, e a podridão do pé
maior capacidade de reação à doença. No entanto, o suprimento do trigo, causada por Caeuma1111omyces graminis, a maior s~ve•
destes elementos em excesso ou deficiência pode tomar as plan- rídade está vinculada ao N aplicado na forma de nitrato. Além
tas predispostas à ação de agentes causais de do.:nças, não só por disto. existe relação entre a fonna de N e o pH do solo, dadas as
afetar diretamente seu crescimento e composição, mas também, transfonnações do elemento que direta ou indiretamente acidi-
indiretamente, a atividade microbiana no solo e na ri:.::osfera. O ficam ou alcali11i7.,am o meio. Doenças favorecidas por N amo-
desbalanço nutricional ocasionado tanto pelos macro como pelos niacal mostram-se mais severas cm solos de pH ácido, enquanto
micronutrientes pode contribuir para uma mudança na suscetibi- a severidade daquelas favorecidas por N na forma de nitrato é
lidade do hospedeiro, pelo fato de influenciar o vigor e as reações maior em solos de pH neutro a alcalino. condições em que cada
de defesa da planta. Ao aumentar o vigor das plantas de fonna espécie predomina no solo.

95
Manual de Fitopatologia

O fósforo pode influenciar positiva ou negativamente a apresentam baixa concentrnção de Ca. No caso de frutos, o Ca
severidade da doença, em função do hospedeiro e do patógeno influencia textura, firmeza e maturação por reduzir a produção de
envolvidos. Nos casos em que o uso <lo fósforo propicia maior etileno e C02 • Como consequéncia, a vida de prateleira é aumen-
resistência, sua ação pode ser atribuída tanto à melhoria do tada e a incidl!ncia de doenças pós-colheita, como exemplo, em
balanço nutricional na planta, aumentando seu vigor, como ao goiabas, redu.zida. Adicionalmente, este nutriente atua como
aumento da velocidade na maturação dos tecidos, encurtando o sinalízador de mecanismos de defesa ligados diretamente a varia-
período de maior suscetibilidade <lo hospedeiro, além de acele- ções dos níveis de Canas células ou indiretamente à formação Jo
rar a indução <la resistência. Outro aspecto positivo atribuído ao complexo Ca-calmodulina, que modula processos fisiológicos de
fósforo é o efeito sobre a parede celular e lamela média <lo córtex resposta das plantas a estresses bióticos.
radicular em citros, que constitui um fator de tolerância da planta Quanto aos micronutrientes, vários exemplos podem ilus-
a estresses causados pelo excesso de metais que afetam as raízes trar sua influê:ncia sobre a predisposição das plantas a doenças.
(Zambrosi et ai., 2013), o que poderia se estender a maior tolerân- Dentre esses, destaca-se o papel que exercem para reduzir a ação
cia das plantas às doenças. Fósforo aplicado a raízes de plantas de das EROs, como defesa da planta a estresses bióticos e abióticos
pepino aumentou sua resistência contra o oídio (Sphaerothecafuli- (Sewclam et ai., 2016). Híbridos de Poncirus trifoliata tolerantes
ginea), indicando um mecanismo de defesa associado à nutrição. a Candidah,s Liberibacter asiaticus mostram maior atividade do
A aplicação foliar de sais fos fatados induz resistência local sistema antioxidante. o que sugere. de certa forma, que alguns
ou sistêmica em vários hospedeiros contra diversos patógcnos. genótipos podem superar os efeitos deletérios ocasionados pelo
O fósforo, em altas doses, parece aumentar a suscetibilidade de estresse oxidativo associado à infecção por essas bactérias. Ade-
plantas de fumo e pepino aos respectivos vírus causaJores de mais, o cobre .aumenta a lignificação do tecido e reduz a ocorrência
mosaico e a suscetibilidade de cebola ao míldio. Por outro lado, de podridão causada por Ganodem1a boninense em dendezeiro. O
o excesso deste elemento aumenta a resistência de beterraba a ferro, quando aplica<lo ao solo, pode reduzir a ocorrência da mur-
Phoma, de fumo a Pseudomonas. de tomateiro a Fuwrium e de cha de Verticillium em plantas de amendoim e de manga. O zinco,
trigo a Gaeumannomyces. Também, a aplicação foliar de fosfito por sua vez, pode aumentar a severidade de ferrugem cm trigo.
(fonna reduzida do fosfato) é utilizada para o controle de vários O efeito de nutrientes sobre doenças não permite generali-
patógenos (Gómez-Merioo et ai., 2015), principalmente oomi-
zações, sendo necessário considerar isoladamente cada combina-
cetos dos gêneros Peronospora, Plasmopara, Phylophthora e
ção patógeno-hospedeiro. No entanto, é consenso que a nutrição
Pythium, em culturas hortícolas como batata, tomate e pimenta,
mineral deve levar em conta um balanço aJequado dos elementos
gramíneas forrageiras e fruteiras perenes como abacate e citros.
para que as plantas possam expressar seu vigor e sua capacidade
Contudo, estudos recentes demostraram que as plantas não
de reação aos patógenos. Além disto, o conhecimento dos efeitos dos
podem usar fosfito como fonte de fósforo para melhoria do estado
diferentes elementos minerais sobre o estabelecimento e desen-
nutricional (Zambrosi et ai., 2011 ).
volvimento <le um patógeno pode ser importante para o controle
O potássio, de uma maneira geral, exerce efeito desfavorá- da doença. Neste caso, definição Je melhores práticas de manejo
vel às doenças. O emprego de nutrição balanceada em potássio das adubaçõ1:s poderá contribuir para minimizar os impactos
tem se constituído num fator que confere resistência a estresses adversos que vários problemas fitossanitários causam oprodução
abióticos (geada) e bióticos. Como exemplo deste último, pode-se
agrícola.
citar o cancro da haste da soja. causado por Diaporrhe phoseolo-
n4rn em regiões de cerrado, o qual não se manifesta ou aparece 7.1.4. pH do solo
de modo leve em plantas adubadas com potássio; cm contraste,
plantas nào adubadas deseIJvolvem a doença de forma severa. A acidc:z ou a alcalinidade do solo parecem estar mais rela-
Adubação potássica também contribui para redução da podridão cionadas com o patógeno do que com o hospedeiro. No entanto,
do colmo em arroz causada por Sclerotium o,yzae. O potássio, em solos ácidos, observa-se diminuição do vigor da planta, decor-
provavelmente, tem uma atuação direta, dificultando o estabele- rente do menor crescimento do sistema radicular e da menor
cimento e desenvolvimento do patógeno no hospedeiro, além de absorção de áigua e nutrientes. A planta mal desenvolvida toma-se
atuar indiretamente, promovendo a cicatrização de ferimentos e mais predisposta a doenças. A acidez do solo favorece, por exem-
dificultando a penetração de agentes patogênicos. Outro aspecto plo, a ocorrência de murcha de Fusorium em tomateiro.
importante é que, sob deficiência de potássio, o transporte e a
7.1.S. ILuz
assimilação d.e metabólitos são prejudicados na planta, o que
causa acúmulo de compostos orgânicos de baixo peso molecular A luz pode alterar a suscetibilidade de plantas a patóge-
que podem servir corno fontes de nutrientes facilmente disponí- nos. Muitas plantas tornam-se mais suscetíveis quando submeti-
veis para os patógenos. das a baixa intcnsida<le luminosa. É devido a esta característica
O cálcio (Ca), destacadamente aumenta a resistência das que em muitos experimentos, envolvendo principalmente viro-
plantas às doenças por modificar características anatômicas que ses, é prática comum submeter plantas a regimes de escuro,
favorecem a formação de uma barreira fisica natural imposta durante detE:rminado período de tempo, antes da inoculação.
pelo hospedeiro a agentes patogênicos. Isto se deve ao fato deste Este artifício é muito utilizado para garantir a infecção do
nutriente ser essencial para a estabilidade da parede celular e da vírus da necrose do fumo em plantas hospedeiras. Tal prática é
membrana e, consequentemente, dos tecidos (White & Broadley, também utilizada para aumentar n predisposição de plantas de
2003). Fungos e bactérias invadem os tecidos das plantas produ- tomate em rielação ao ataque de Fusorium. Em condições natu-
zindo enzimas pectolíticas, como a poligalacturonasc, que dis- rais, no entanto, é questionável se a variação na qualidade e na
solve a lamela média. A atividade da poligalacturonase é inibida quantidade da luz é suficiente para tomá-la um importante fator
por Ca. Plantas de tomate infectadas com FzLyarium oxysponm1 de predispos:ição.

96
Ambiente e Doença

7.1.6. Fatores Diversos <lições ambientais tem distribuição mais ampla, enquanto que
Fatores de natureza diversa podem contribuir para aumen- aquele menos tolerante às variações do ambiente apresenta distri-
tar ou diminuir a resistência das plantas. O vento, por exemplo, buição geográfica mais restrita. A ação do ambiente é exercida de
pode interferir na infecção tanto por promover a secagem da água diferentes formas, podendo interferir nos diferentes subprocessos
na superficie da planta como por provocar ferimentos, em razão <lo cíclo de relações patógeno-hospedeiro. Além desta interferên-
do atrito entre as diferentes partes vegetais ou mesmo pela abra- cia direta, o ambiente poderá atuar indiretamente, por exemplo,
são causada por partículas de solo. alterando populações ou atividades microbianas que ocorrem na
Agrotóxicos podem causar alterações na fisiologia da rizosfera ou na filos fera e que possam ter uma relação sinergística
planta, promovendo aumento ou diminuição na sua suscetibili- ou antagônica em relação a um agente patogênico.
dade. O uso do herbicida 2,4-D pode aumentar a suscetibilidade
7.2.1. Umidade
de trigo ao ataque de fungos dos gêntros Clavíceps e Puccinia.
No caso da podridão do colo causada por Phytophthora, cm A água tem papel relevante sobre os diferentes agentes
várias espécies vegetais, alguns herbicidas, por outro lado, pro- infecciosos que atacam tanto a parte aérea como o sistema radi-
vocam redução na severidade Ja doenc;a. cular da planta. Na forma de chuva, orvalho ou irrigação, a água
Substâncias químicas classificadas como poluidoras da altera a umidade do ar e do solo, contribuindo ou prejudicando as
atmosfera também podem atuar na predisposiçiio de plantas a atividades de fungos, bactérias e nematoidcs.
doenças. Estas substâncias, como o dióxido de enxofre e ácido Na ausência do hospedeiro, a umidade do solo exerce ação
fluorídrico, podem prejudicar o desenvolvimento normal das direta sobre a sobrevivência do patógeno. O excesso de água, nu
~Jantas, aumentando sua suscetibilidade a agent•~s patogênicos. forma de encharcamento, pode promover a eliminação de espé-
Arvores expostas ao dióxido de enxofre tornam-se mais suscetí- cies patogênicas, provavelmente devido ao desenvolvimento de
veis ao ataque de Armil/aria mel/ea e de outros agentes fúngicos um ambiente anaeróbico. Por outro lado, a baixa umidade do solo
causadores de podridão. pode causar o dessecamento das estruturas <lo patógeno, dími-
Práticas culturais como o desfolhamento e o transplante nuindo sua população ou provocando seu desaparecimento. O
(Boxe 7.2) também podem promover estresse na planta e, dessa controle de doenças ca!L';adas por patógenos veiculados pelo solo
forma, contribuir para sua predisposição ao ataque de patógenos. ou por patógenos que sobrevivem em restos culturais pode ser
A desfolha compromete as reservas nutricionais da planta, dimi- realizado com a eliminação do inóculo, promovida por meio de
nuindo o conteúdo de amido em vários órgãos vegetais e aumen- m~clidas como inundação ou aração e gradagem. A inundação cria
tando sua suscetibilidade. Isto ocorre com o trevo forragciro condições de anaerobiose, enquanto as operações de aração e gra-
(Trifolium pratense) que. devido aos cortes !requentes, passa a dagem promovem a exposição do inóculo ao sol e o secamcnto do
ser atacado por diferentes espécies de Fusarium, consideradas solo, ambas desfavorecendo a sobrevivência do patógeno.
patógenos fracos para este hospedeiro. A disseminação de propágulos pode ocorrer com o auxílio
da água, principalmente através de respingos e aerossóis, parn
Boxe 7.2 Transplante e doenças de mud patógcnos de parte aérea, e água de superficie ou enxurraua, para
patógenos veiculados pelo solo. Os respingos provocados pela
O transplan te d e m udas é uma prática comum em água da chuva, ou irrigação por aspersão, podem dispersar o inó-
várias esp écies frutíferas, ornamenta is, o lericolas e eulo tanto dentro de uma mesma planta como para plantas vizi-
florestais. O estresse pr ovocad o durante o tran splante nhas. Conídios de Septorio presentes na palhada de cevada podem
e o estabelecim e.n to de plan tas pode pred[ispô-las ao ser dispersos, ho1izontalmente, até 90 cm devido ao impacto cau-
ataque de p atógenos (Schoeneweiss, 1975). Operações sado por respingos da água de chuva. Os respingos são respon-
de poda de ramos e d e raízes, executadas no m om ento sáveis não só pela dissemínação como também pela liberação de
do transplante, expõem tecidos internos d a planta ao estruturas fúngicas e bacterianas produ.,:idas em matrizes rnucila-
1
m eio, facilitando a i n fecção. Mudas de 5,orbus spp., ginosas. Neste caso, a água dilni a substância mucilaginosa que
mesm o quando inoculadas com Botryosphaeria dothi- prende os propágulos e promove sua dispersão. Gotículas de água
dea, por exemplo, não ap resen tam cancro, ai men os que de chuva ou de irrigação por aspersão, componentes de aerossóis,
sejam submetidas a transplante com poda do sistema podem, se associadas a vento forte, disseminar propágulos pato-
radicular. A perda de vigor e os ferimentos provoca- gênicos a longas distâncias (Boxe 7.3). A enxurrada, origínária de
dos pela poda pod em ser responsáveis p elo "choque de chuva ou de írrigação por sulco, pode distribuir o patógeno a par-
transplante': uma terminologia adotada p ara d esignar tir da fonte de inóculo, representada por plantas doentes ou maté-
o estresse associad o ao transplante d e mudas. ria orgânica. Patógenos veiculados pelo solo, comumente levados
por água de superficie. podem se distribuir ao longo de sulcos
de plantio, disseminando-se para plantas localízadas na mesma
linha. A ocorrência de umidade excessiva no solo constitui-se
7.2. AÇÃO DO AMBIENTE SOBRE O PATÓGENO E numa condição altamente favorável a patógeoos que possuem
SOBRE O CICLO DE RELAÇÕES PAlrÓGENO- estruturas capazes de movimentar-se na água, como é o caso dos
HOSPEDEIRO
zoósporos. O eneharcamento decorrente de irrigação excessiva
Fatores do meio ambíente estão relacíonados à distribuição ou de solos mal drenados cria uma condição propícia a estas
e à intensidade das doenças em detenninadas áreas. A distribui- estruturas, principalmente cm áreas de viveiro de mudas, onue a
ção geográfica dos patógenos é, em pane, determinada por sua densídade de plantas i muito alta. Nestas condições, a severidade
capacidade de adaptação ãs condições de ambiente. Assim, um das doenças causadas por l'ythium e Phytophtlwra aumenta com
patógeno capaz de se desenvolver sob uma larga gama de eon- o aumento da umidade do solo.

97
Manual de Fitopatologia

A água é fator vila! para a germinação de esporos e pene-


Boxe 7.3 Dispersão do agente causal do cancro
tração de patógenos fúngicos e bacterianos no hospedeiro. Em
cítrico por aerossóis torna-se eficiente
particular, a :igua na forma de orvalho tem grande relevância
com a presença da larva minadora
no processo de infecção. Esporos da grande maioria dos fungos
patogênicos rc~querem água livre durante algumas horas na super-
O cancro cítrico, causado por Xanthomonas citri ficie do hosp,edeiro para germinação e consequente penetração.
subsp. d tri, é wna das mais graves doenças dos citros. De modo geral, a incidência e a severidade das doenças estão
O controle recomendado em regiões em que o pató· diretamente relacionadas à quantidade e à duração do periodo de
geno não se tornou endêmico é a erradicação de plan- orvalho (Figuras 7.3 e 7.4). O aumento da intensidade da doença
tas doentes e aplicação de fungicidas cúpricos para acompanha o período do molhamento até um determinado limile,
proteger as plantas contra novas infecções . A disper- a partir do qual a quantidade máxima de doença é atingida e
são da bactéria dá-se por meio de respingos de chuva deixa de ser il!lfluenciada por períodos adicionais de molhamento.
e aerossóis, associados ou não ao vento. Em ambos os A intensidad,~ da mancha de Alternaria do girassol, por exem-
casos, o padrão espacial da doença é altamente agre- plo, cresce com períodos crescentes de molhamento no intcI:aJo
gado. Em São Paulo, a partir de 1997, detectou-se um entre 4 e 20 horas. Períodos inferiores a 4 horas são insuficien-
acentuado aumento no número de focos da doença,
tes para que .a infecção ocorra e períodos mais prolongados que
concomitantemente a uma importante mudança em 20 horas, praticamente não alteram a intensidade da doença
seu padrão espacial, que mostrou em 53% dos talhões (Figura 7.3). Urediniósporos de Melampsora medusae, por sua
avaliados, padrão moderadamente agregado e em
vez, conscg1uem penetrar o hospedeiro, mesmo com apenas
26% deles, pad.rão ao acaso. A mudança na distribui-
3 horas de molhamento e a quantidade de pústulas é crescente até
ção espacial da doença foi atribuída à ação da larva
24 horas de rnolhamcnto (Figura 7.4). Conídios <le fungos causa-
minadora dos citros (Phyllocnistis citrel/a) detectada
dores dos oídios contrariam a regra, pois germinam com alta umi-
em São Paulo em 1996. Os ferimentos provocados
dade do ar (próximo da saturação), porém na ausência de lâmina
por esse inseto aumentam significativamente os sítios
de água na superflcie foliar. Associada à ausência de chu vas, que
de infecção na folha tornando-a altamente suscetível
removem os esporos <las folhas, a ausência de lâmina de água na
aos propágulos dispersos em aerossóis (Figura 7.2),
superficie foliar é uma das razões pelas quais os oídios ocorrem
ainda que poucas células bacterianas sejam ali carre-
com elevada incidência cm cultivos protegidos (Figura 7.5).
gadas. Assim, a eficiência dos aerossóis na dispersão
da doença a longas distâncias aumentou sobrema- A gemílinação de estruturas <le patógenos veiculados pelo
neira quando as plantas do talhão estavam feridas pela solo, de modo geral, também é favorecida por condições de alta
minadora, permitindo a rápida penetração da bactéria umidade e, por consequl!neia, a severidade das doenças causadas
depositada pelos aerossóis sobre as folhas. Com dis- por eles eslá diretamente assocíada com o nível de umidade do
persão eficiente a longas distâncias, as plantas doent~ solo. Bactérias fito-patogênicas são beneficiadas pela presença de
deixaram de mostrar padrão agregado, passando a exi- água sobre a, folha, pois essa condição favorece os processos de
bir padrão casualizado no talllão. A eficiência da erra- penetração e de colonização dos tecidos do hospedeiro.
dicação de plantas dentro de um raio de 30 m ao redor A reprodução do patógeno pode sofrer inAuência tanto da
da planta foco, como acontecia até 1997, deixou de ser umidade atmosférica como da umidade do solo. Variações do teor
eficaz e uma nova regra de erradicação mais drástica de água do ar, associadas às oscilações de temperatura, podem
precisou ser adotada. Mais detalhes sobre a influência determinar a duração <lo período de esporulação de um patógeno.
de P. citrel/a na severidade do cancro cítrico e no padrão O fungo Pyricularia grisea, por exemplo, oilo forma conídios
espacial de plantas doentes podem ser encontrados em quando a umidade relativa está abaixo de 93 %. A pllrtir_dai, a
Cbristiano et ai. (2007) e Gottwald et al. (2007). espomlação é diretamente proporcional ao aumento da umidade.

7.2.2. Temperatura
O efeito da temperatura sobre as atividades do patógeno é,
de modo geral, menos marcante que aquele exercido pela umi-
dade. A maioria dos patógenos, particularmente aqueles presen-
tes nas regiões tropicais e subtropicais, é capaz de crescer numa
ampla faixa, de temperatura. Portanto, nestas regiões, a tem~e-
ratura raramente atua como fator limitante. Temperaturas muito
altas podem, no entanto, provocar o dessecamento de células bac-
terianas e de estruturas fúngicas presentes na fonte de inóculo.
Algumas práticas de controle, como o revolvimento do so:o _e a
solarização, por exemplo, fundamentam-se nesta caractenstJca,
promovendo a exposição do patógeno a altas temperaturas, ~om
Figura 7.2 - Laranjeira doce (Citrus sinensis) com sintomas o objeti vo ele reduzir a quantidade de inóculo. Em áreas de chma
de cancro cítrico (Xanthomanas citri subsp. citri) temperado, as temperaturas baixas do período de: inverno levam
em elevada severidade, devido à infe<:ção através à paralisaçfio das atividades do patógeno ou mesmo causam sua
de galerias da larva minadora dos citros (Plrylloc- morte.
nistis citrella) pela bactéria (ao centro e à direita). A temperalura inAuencia a velocidade de genninação de
eonídios, formação de apressórios, penetração e coloni.l8ção de

98
Ambiente e Doença

l 100 100

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Duração do molhamento foliar (h)

,rgura 7.3 - Densidade relativa de lesões (A) e severidade(% da área foliar com sintomas, B) de Alternaria helianthi cm girassol, em função
da duração do período de molhamento foliar. Clrculos pretos representam o resultado de um ensaío e círculos brancos, de sua
rcpctíção. Linhas correspondem à função logística ajustada ao~ Ja<los (Leite & Amorim, 2002). (C) Imagem de sintomas da
doença.
Cridito da foto: Regina M.V.B.C. Leite.

..--..pécies dos complexos Colletotrichum gloeosporioides e de entre 15 e 30 ''C. Da mesma maneira, severidade e esporulação
ucutatum, que causam antracnose na goiaba e podridão floral de Mefamp.wm, medusae, agente causal da ferrugem tla folha no
:.-os citros. A germinação de conídios de espécies do complexo álamo são altamente influenciadas pela temperatura. Nesse caso,
..- gloeosporioides é superior àquela de C. acutatum nas mesmas a produção de esporos nas pústulas aumenta significativamente
.ondições de ambiente (Soares et ai., 2008, Lima et ai., 2011 ). A com o aumento <la temperatura, no intervalo entre 8 e I K''C, dimi-
-tensidade e a velocidade do progresso da antracnose em goiabas nuindo, em temperaturas mais altas (Figura 7.8).
-mbém são bastante influenciadas pela temperatura, índependen-
emcnte da espécie do agente causal. O período de latência dos 7.2.3. Vento
dois patógcnos é similar, variando entre 9 e 13 dias, respectiva- O vento tem papel relevante na disseminação de agentes
'Tiente, em frutos incubados a 30 e 15 °C. Nesse me~mo intervalo patogênicos. Diversos tipos de cstmturas lü.ngicas e células bac-
Je temperatura, a severidade da antracnose varia pouco para os terianas podem ser transportados diretamente pelo vento, tanto a
jois patógenos, fom1ando lesões de 2 a 4 centímetros de diâme- curtas como a longas distâneias, dependendo da resistência des-
:m (Figura 7.6). tes propágulos à dessecação. Aspectos relacionados à turbulên-
Diferentemente da antracnose, a severidade da mancha de cia do ar e às intensidade e direção do vento podem influenciar a
\hernaria em girassol exibe enorme variação em função <la tem- liberação, o transporte e a deposição do inóculo. Esta influência
:,eratura de incubação das plantas (Figura 7.7). Tanto o número torna-se mais acenruada quan<lo o vento passa a atuar cm associa-
de lesões como seu tamanho aumentam significativamente ção com água de chuva. A curtas distâncias, a turbulência do ar
carrega o inóculo produzido numa planta doente
80 -r-- - - - - - - - - - - - - - , pa.ra plantas situadas na sua proximidade (veja
O A
CII Figura 4.15 no Capítulo 4 desta obra). A longas
~ 60 distâncias, as correntes aéreas são responsáveis
~ pelo transporte <lentro de uma região ou mesmo
C>
pela disseminação intercontinental de inóculo.
! 40 Assim, urediniósporos da ferrugem do colmo do
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trigo são carregados de uma cultura para outra
~
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desde o México até o Canadá, seguindo a direção
~
11. dos ventos predominantes. O vento é considerado
o provável introdutor da ferrugem d.o cafeeiro, a
6 12 18 partir da África, no território brasileiro.
Período de molhamento (horas)
7.2.4. pR
figura 7.4 - Frequência de infecção (porcentagem média de pústulas forrna<las e1n
folhas jovens em relação à quantidade máxima observaJa em uma amos- A acidez do solo, em muítos casos, parece
tra após 25 horas de molhamento) de Mefampsora medusae em fünção da afetar diretamente o patógeno, embora possa ter
duração do molhamento em folhas de álamo no clone Latorre (A). Barras efeito também sobre o hospedeiro. Este fator do
representam o desvio padrão da média e linha, o modelo monoroolecular ambiente pode promover alteração na sobrevi-
ajustado aos dados (May-de-Mio & Amorim, 2002). (8) Folha de álamo vência, genninaçào, penetração e reprodução de
com sintomas de ferrugem na face abaxial. patógeoos veiculados pelo solo, determinando a
Crédito da foto: Louíse L. May-<le-Mío. ocorrência e a severi<lade de doenças. Agentes

99
Manual de Fitopatologia

7.2.5. Outros Fatores


Fatores diversos como luz, teor de matéria orgânica do
solo, concentração de dióxido de carbono, disponibilidade de
oxigênio e ação de herbicidas podem ter influência sobre os dife-
rentes processos do ciclo das relações patógeno-hospedeiro. A luz
pode inibir ou estimular a produção de conídios. A produção de
conidióforos de Drechslera teres, por exemplo, é estimulada pela
luz de comprimento de onda variável de 310-355 nm e inibida
na faixa de 355-495 nm. A matéria orgânica pode servir como
substrato para o patógeno, favorecendo seu desenvolvimento ou
propiciando o aumento da microflora a ele antagônica. A insufi.
ciência ou falta de oxigênio é prejudicial às atividades nonnais
desempenhadas por fungos e bactérias presentes no solo. Os her•
bicidas podem atuar diretamente sobre o patógenó, favorecendo
ou prejudicando seu crescimento e reprodução, enquanto a ação
sobre outras populações microbianas reflete-se, de modo indireto,
sobre o agente patogênico. A importância destes fatores depende
da intensidade de ocorrência de cada um, da associação com
outros fatores ambientais, bem como do patógeno considerado.

7.3. Ji'ATOR.ES AMBIENTAIS E CONTROLE DE


Figura 7.5 - Sintomas de oídio em folíolos de tomateiro cultivado
em estufa.
UOENÇAS
Algumas práticas relacionadas à instalação e à condução do
cultura podem ser adotadas com a finalidade de criar condições
patogênicos de natureza fúngica são, de modo geral, favoreci - de ambiente que desfavoreçam o patógeno ou favoreçam o hos•
dos em solos de pH ácido, enquanto aqueles bacterianos causam pedeiro, com o objetivo de impedir o aparecimento de doenças ou
maiores danos quando o pH atinge valores próximos à neutra- de mantê.Ias em baixos níveis.
lidade ou ligeira alcalinidade. A bactéria Streptomyces scabies, A escolha de solos com boa capacidade de drenagem evita o
praticamente, não causa sarna na batata em solos que apresentam acúmulo de água que pode beneficiar o patógeno e ser prejudicia l
pH abaixo de 5,2. A doença manifesta-se de modo mais severo, ao hospedeiro. Por outro lado, a irrigação adequada pennite uni
no entanto, à medida que o pH aumenta de 5,0 a 8,0. Por outro crescimento vigoroso da planta, tornando-a menos predisposta ao
lado, Plasmodiophora brassicae não germina em condições de ataque de agentes patogênicos. A adoção de espaçamento e densi•
alcalinidade e, por esta razão, a doença conhecida por hérnia dadc apropriados à cultura evita a formação de microclima favo-
das cmcífcras é assinalada com maior frequência em locais de rável a doenças, pois promove boas condições de arejamento e
solos ácidos. luminosidade; com isto, aumenta-se a disponibilidade de nutrie.n-

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Temperatura ( ºC)

Figura 7.6- Diâmetro das lesões (cm) causadas por Colletotrichum gloeosporioides (A e C) e C. acutarum (B e D) em goiabas 'Pedro Sato',
sob diferentes temperaturas e períodos de molhamento (6 horas -A e B; 24 horas - C e D), 14 dias após a inoculação. Círculos
pretos representam dados do primeiro experimento e brancos representam dados do segundo experimento (Modificado de Soares-
Colletti & Lourenço, 2014). À direita, imagens de goiabas com lesões de antracnose.
C rédito das fotos: Sílvia A. Lourenço.

100
Ambiente e Doença

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Temperatura (ºC)

Figura 7.7 - Densidade de lesões (A) e severidade (% da área foliar ocupada por sintomas), (8) da mancha de Alternaria (Alternaria helianthí)
do girassol em plantas inoculadas e incubadas a diferentes temperaturas. Símbolos diferentes reforem-se a diferentes repetições
do experimento e linha, ao modelo beta ajustado aos dados.
Fonte: Leite & Amorim (2002).

tes, água e luz para as plantas e, ao mesmo tempo, o patógeno não medida em que podem atuar como quebra-vento, dificultando a
encontra condições ótimas para suas atividades, especialmente disseminação de patógenos. A combinação dos efeitos da tem-
com relação à umidade. O emprego de adubação balanceada em peratura e de períodos de molhamento na infecção serve, muitas
macro e micronutrientes também é uma forma de diminuir apre- vezes, para orientar ações de controle, particulam1ente para a
disposição do hospedeiro; em particular, o excesso de nitrogênio, tomada de decisão sobre a aplicação ou não de fungicidas. Sis-
principalmente associado à carência de outros nutrientes deve ser
temas de previsão de doenças já consagrados, como a Tabela de
evitado por estimular o aparecimento anormal de tecidos jovens,
M ills, utilizada para o controle da sarna da macieira (veja Capí-
mais suscetíveis a patógenos biotróficos (Dordas, 2008). Ferti-
lizantes que contenham silício também têm promissora ação no tulo 19 desta nhra) baseia-se na probabilidade de infecção de
controle de determinadas doenças de plantas (Boxe 7.4). Venturia inaequalis cm determinada combinação temperatura x
A correção de acidez do solo pode contribuir para absorção horas de molhamento, para recomendar ou não a aplicação de
de nutrientes pela planta tanto pelo aumento da· disponibilidade fungicidas sistêmicos, destinada ao controle curativo da infec-
de nutrientes como o fósforo, como pela redução da atividade do ção. Se o sistema indicar que não há probabilidade de infecção,
alumínio tóxico às plantas, tomando-a mais vigorosa e, portanto, a aplicação de fungicidas pode ser retardada. Com isso é possí-
menos suscetível ao ataque de patógenos. A permanência de fai- vel aplicar esses agrotó,dcos apenas nas condições favoráveis ao
xas de mata natural em grandes áreas de cultivo é desejável, na estabelecimento da doença.

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Temperatura (ºC)

Figura 7.8 - Esp<)rulaçiio (número de urediniósporos por cm1 de folha de álamo recoberta por lesões) de púsmlas de Melampsora medusae em
folhas <le álamo 'Latorre' em fwição da temperatura de incubação das plantas (A). Pontos representam médias de dois experimentos,
barras, o erro padrão das médias e linha o m<)delo beta ajustado aos dados ( May-de-Mio, 2001). ( B) Micrografia eletrônica de
varredura de pústula de M medusae em folhas de álamo •Latorre' .
Crédito da foto: Louise L. May-de-Mio.

101
Manual de Fitopatologia

7.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Boxe 7.4 O silício no controle de doenças de plantas
Boyer, J.S. Biochemical ao<l biophysical aspects ofwater deficits and the
Os efeitos dos fertilizantes silicatados no cres- pre<lisposition to disease. Annual Review of Phytopathology 33:
cimento e na produtividade das plantas já são bem 251-274, 1995.
conhecidos, mas é na área de redução de estresses bió- Christiano, R.S.C.; Dalla Pria, M.; Jesus Jr., W.C.; Parra, J.R.P.; Amorim,
ticos e abióticos que o silício mostra seu verdadeiro L.; !Jergamin Filho, A. Effect of citrus lcaf-roiner damage, mechani-
potencial (Keeping & Reynolds, 2009; Debona et al., cal damage and inoculum concentration on severity of symptoms
2017). Dentre os agentes abióticos que podem ter seu of Asiatic citrus canker in Tahiti lime. Crop Protection 26: 59-65,
efeito amenizado pelo uso do silício destacam-se a 2007.
falta de água, geadas e salinidade do solo. Os estresses Colhoun, J. Effects of environmental factor on plant disease. Annual
bióticos contra os quais o silício tem comprovada ação Revicw of Phytopathology li: 343-364, 1973.
incluem patógenos e artrópodes herbívoros. Plantas
Datnoff, L.E.; Elmer, W.H.; Huber, D.M. Mineral Nutrition and l'lant
acumuladoras de silício têm mostrado menor inten-
Disease. St. Paul, APS, 2007.
sidade de doenças causadas por patógenos diversos,
quando recebem esse elemento. De modo geral, o Debooa, D.; Rodrigues, F.A.; Datnoff, L.E. Silicon's role in abiotic
efeito do silício é evidenciado apenas quando as plan- and biotic plant stresses Annual Review of Phytopathology 55:
tas estão sob alguma forma de estresse, mas há exce- 85-107, 2017.
ções, como o arroz, no qual o silício pude participar Dietrich, R.; Ploss, K.; Hei!, M. Constitutive and induced resistance to
do metabolismo da planta, afetando a regulação de pathogens in Ara/Jidopsis thalianu depends on nitrogen supply.
genes mesmo na ausência de estresse. É na cultura do Plant, Cell and Environment 27: 896--906, 2004.
arroz, aliás, que os efeitos no controle de doenças foi Dordas, C. Role of nutrients in controlling plant diseases in sustainable
originalmente evidenciado de forma bastante pronun- agriculture. A review. t\gronomy for Sustainable Oevelopment
ciada. A redução na quantidade de doença, expressa 28: 33-46, 2008.
por menores incidência e severidade e maior período
Gómcz-Mcrino, F.C. & Trcjo-Téllcz, L.J. Biostimulant activity of phos-
de incubação, em plantas que absorvem silício foi atri-
phite ín horticulture. Scientla Hortlcnlturae 196: 82-90, 2015.
buída a diferentes fenômenos como mudança estrutu-
ral das células, com aumento na rigidez da cutícula, e Gonçalves, F.P.; Stuchi, E.S.; Lourenço, S.A.; Kriss, A.B.; Gottwald,
maior e mais rápida transcrição dos genes de defesa T.R.; Amorim, L. The effect of irrigation on development of citrus
da planta, com maior atividade de enzimas de defesa. variegated chlorosis symptoms. Crop l'rotection 57: 8-14, 2014.
Já foi demonstrado que a aplicação de fertilizantes Gottwald, T.R.; Bassanezi, R.B.; Amorim, L.; Bergamin Filho, A. Spa-
sílicatados contribui para o controle da brusone do tial pattem analysis of citrns canker-infecte<l plantings in São Paulo,
arroz e dos oídios do trigo, da aveia, da cevada e do Brnzil and i:mplication ofthe asian leafminer on the potcntial disper-
meloeiro, entre outros (Figura 7.9). A aduba·ção com sai processes. l'hytopatbology 97: 674-683, 2007.
silício deve ser, portanto, parte integrante do manejo Hoffiand, E.; Jeger, M.J.; van Beusichem, M.L. Eífect o[oitrogcn supply
dessas doenças. rate on disease resistance in tomato depends on lhe pathogen. Plant
and Soil 218: 239-247, 2000.
Keeping, M.G. & Reynolds, O.L. Silicon in agriculture: new insights,
new significance and growing application. Aunais of Applied Bio-
logy 155: 153-154, 2009.
Leite, R.M.V.B.C. & Amorim, L. Influência da temperatura e do molha-
mento foliar no monociclo da mancha de Alternaria em girassol.
Fitopatologia Brasileira 27: 193-200, 2002.
Lima, W.G.; Spósito, M.IJ.; Amorim, L.; Gonçalves, F.P.; Melo, P.A.
Colletofrichum g!oeosporioides, a new causal agent of citrus post-
bloom fruit drop. European Journal oí Plant Pathology 131: 157-
165, 2011.
Machado, E.C.; de Oliveira, R.F.; Ribeiro, R.V.; Medina, C.L.: Stuchi,
E.S.; Pavani, L.C. Deficiência hídrica agrava os sintomas fisiológi-
cos da clorose variegada dos citros em laranjeira ;Natal'. Bragantia
66: 373-379, 2007
Machado, E.C.; Quaggio, J.A.; Lagoa, A.M.M.A.; Ticelli, M.; Furlani,
P.R. Gas exchange and water relations of orange trees with citrus
variegated chlorosis. Brazilian ,Journal oí Plant ·r hysiology 6:
53-57, 1994.
Figura 7.9 - Efeito do silício na severidade do oídio do
meloeiro. Planta tratada à direita. Mnrschner, H. Minem! Nutrition oí Higher Plants. 3.cd London, Rlse-
Crédito da foto: Leandro J. Dallagnol. vier, 2012.
Marques, J.P.R.; Amorim, L.; Silva-Junior, G.J.; Spósito, M.B.; Appez-
zato-Da Gloria, B. Structural and biochemical characteristics of

102
Parte II

AGENTES CAUSAIS
CAPÍTULO

8
FUNGOS FITOPATOGÊNICOS
Nelson Sidnei Massa/a Júnior

ÍNDICE

8.1. Importância dos fungos para a Fitopatologia ...... 107 8.4. Principais grupos de fungos fitopatogênicos ....... 113
8.2. Características gerais e morfologia dos fungos 8.4.1. Reino Protozoa .............................................. 113
fitopatogênicos........................................................ 108 8.4.2. Rein o Chromista ........................................... 115
8.2. 1. Estruturas assimilativas ............................... 108 8.4.3. Reino Pungi.. ................................................. I 18
8.2.2. Estruturas reprodutivas ............................... 109 8.5. Bibliografia consultada .......................................... 140
8.3. Classificação d os fun gos füopatogênicos ............. 113

3.1. lMPORTÂNCIA DOS FUNGOS PARA A constantes epidemias de doenças causadas por fungos, com todas
FITOPATOLOGIA as consequências delas decorrentes (veja o Capítulo 2 desta obra).
Neste contexto, não se pode deixar de comentar sobre a epidemia

O
s fungos estão entre os mais importantes agentes
causais de doenças em plantas. Talvez as frases de requeima da batata na Irlanda, em 1845 e 1846. Esse episódio,
que mais bem expressam a importância dos além das consequências de proporções catastróficas, reveste-se de
importância histórica por estar relacionado com o nascimento da
fungos para a Fitopatologia tenham sido escritas por George
Fitopatologia (Boxe 8.1). Não menos catastrófica foi a epidemia
\" Agrios, em sua última edição do Plant Pathology: "Existem
de mancha parda do arroz, causada por Helminthosporium
riais de 10.000 espécies de fungos que podem causar doenças
oryzae, na região de Bengala, em 1943. Dependentes do arroz
m1 plantas. Todas as plantas são atacadas por alguns tipos de
para sua alimentação, os habitantes locais viram suas lavouras
Ít111gos e cada fungo parasita pode atacar um ou mais tipos de
serem dizimadas pelo fungo. Naquela época, a Segunda Guerra
p(ontas" (Agrios, 2005).
mundial estava no auge e aquela região estava ilhada pelo exército
Uma noção mais exata da importância dos fungos para a japonês. Assim, o exército aliado viu-se impossibilitado de prestar
Fnopatologia é facilmente revelada por um simples levantamento socorro às vítimas. O saldo dessa tragédia, milhões de mortos por
..mo aos mais importantes periódicos científicos da área. inanição, é relembrado até os dias atuais em filmes e quadros de
ai levantamento mostrará que mais da metade dos trabalhos pintores famosos .
• ,iblicados envolvem algum aspecto relacionado aos fungos. Assim como a requeima da batata e a mancha parda do
F~sa constatação revela que a maior parte dos fitopatologistas arroz. diversas outras epidemias de doenças fúngicas penneiam
~lica, parcial ou integralmente, tempo em pesquisas que visam a história da humanidade. Entre elas, citam-se a ferrugem do
:-::uer à tona mais conhecimentos sobre esses organismos. cafeeiro (Hemiíeia vastatríx) no Ceilão, hoje Sri Lanka (1870 -
:alcule a magnitude dos recursos que a sociedade investe nesse 1890); o fogo de Santo Antônio (Claviceps purpurea) na França,
o-forço. Esse simples exercício é mais que suficiente para ilustrar em vários períodos da história. No Brasil exemplos também não
li .rnportância dos fungos para a Fitopatologia. faltam: o mal-das-folhas da seringueira (Microcyc/us ulei) e
No entanto, se o leitor ainda não estiver satisfeito com as o carvão da cana-de-açúcar (Sporisorium scitamineum), na
mplicações do raciocínio acima. podem-se, ainda, mencionar as primeira metade Jo século passado. Mais recentemente, com

107
Manual de Fitopatologia

8.2. CARACTERÍSTICAS GERAIS E MORFOLOGIA


Boxe 8.1 Phytophthora, o embrião da Fitopatologia DOS FUNGOS FITOPATOGtNICOS
Os fungos fitopatogênicos constituem um grupo nume-
A Fitopatologia, como ciência autônoma, teve seu
roso de organismos, bastante diversificado morfológica e filoge-
início relacionado à epidemia de requeima da batata,
na Irlanda, em 1845 e 1846, episódio que causou a neticamente. Apesar de heterogêneo, este grupo reúne algumas
morte, por inanição, de um milhão de irlandeses e a características básicas que permitem distingui-los de ourros seres
vivos. Estas características são:
emigração de outros dois milhões. Naquela ocasião,
existia urna controvérsia entre os estudiosos a respeito • talo eucariótico - os fungos apresentam membrana nuclear
da origem da doença. Alguns acreditavam que envolvendo o material genético da célula, fato que os
aquele crescimento cinzento sobre os tubérculos era a distingue das bactérias.
causa da doença; outros, que era a consequência. Vale • heterotrofismo - o heterotrofismo separa os fungos das
lembrar que, naquela época, as ideias acerca da teoria plantas que, ao contrário destes, possuem clorofila e
da abiogênese ainda tinham bastante força no campo sintetizam seu próprio alimento. Todos os fungos, sejam
da microbiologia, apesar de serem fervorosamente eles saprófitas, parasitas ou simbiontes, requerem carbono
combatidas por alguns cientistas. Essa teoria cairia orgânico na sua nutrição, como os animais.
por terra, definitivamente, somente entre 1860- • absorção de nutrientes - água e nutrientes minerais ou
1870, após os experimentos de Louis Pasteur. Nessa orgânicos são absorvidos pelos fungos a partir do substrato
atmosfera de controvérsias, a polêmica sobre a causa onde crescem. A absorção é feita através da parede celular
da doença da batata foi esclarecida somente em 1853, das hjfas, as quais constituem o talo assimilativo da
quando Anton de Bary, médico, botânico e micologista maioria dos fungos fitopatogênicos (item 8.2. l ).
alemão conseguiu provar, de maneira científica, que • formaçil.o de esporos - salvo raras exceções, os fungos
um fungo era o agente causal da doença. De Bary caracterizam-se por produzir esporos (item 8.2.2), os
deu-lhe o nome de P/,ytophthora infestans, que, em quais são suas unidades reprodutivas, com forma e
grego, significa algo parecido com "infestante que tamanho definidos, que funcionam corno seus propágulos.
destrói plantas'~ Este foi o primeiro agente causal
A seguir serão apresentadas características morfológicas
de doenças em plantas descrito de acordo com os gerais para a maioria dos fungos fitopatogênicos. Alguns detalhes
rigores científicos. Ironicamente, apesar da enorme
morfológicos, específicos de determinados fungos ou grupos de
importância dos fungos para a Fitopatologia, essa fungos, serão apresentados no item 8.4.
ciência teve sua origem estreitamente ligada a um
organismo que, nos dias atuais, não é considerado O talo (corpo) do fungo é constítuído de dois tipos básicos
um fungo verdadeiro. Ironicamente também, . este de estrutura: as assimilativas (ou somáticas) e as reprodutivas.
"fungo" continua causando severas epidemias de Como os próprios nomes dessas estruturas sugerem, as primeiras
requeima em batata e tomate, alheio aos mais de são responsáveis pela assimilação de nutrientes do hospedeiro e,
portanto, pela colonização. As estruturas reprodutivas, por sua
150 anos que o separam da sua descoberta e aos
avanços obtidos no controle de doenças de plantas vez, são responsáveis por produzir os propáguJos durante a fase
desde então. de reprodução. Esses propágulos desempenham, também, papéis
primordiais durante as fases de disseminação e infecção.

8.2.l. Estruturas assimilativas


frequêncil!l somos assolados por epidemias fúngicas nas mais A maioria dos fungos fitopatogênicos possui talo micelial.
diversas culturas, como a vassoura-de-bruxa do cacaueiro Esse tipo de talo é composto de filamentos tubulares, as hifas,
(Moniliophthora perniciosa), a sigatoka negra da bananeira que desempenham importantes funções no desenvolvimento
(Mycosphaere/la.fijiensis), a pinta preta dos citros (Phyllosticta do fungo. Por meio destas, o fungo coloniza o seu substrato,
citricarpa), o cancro da haste da soja (Diaporthe phaseolon,m absorvendo água e nutrientes. Muitas vezes essa absorção é
f. sp. meridionalis), a temível ferrugem asiática (Phakopsora facilitada pelo emprego de enzimas hidrolíticas extracelularcs
pachyrhizi), também em soja, a ferrugem alaranjada (Puccinia (veja Capítulo 34 desta obra).
kuehnil) em cana-de-açúcar. Felizmente, essas epidemias não A parede da hifa é composta por um componente micro-
atingem as proporções catastróficas observadas anteriormente fibrilar (ou esqueletal) imerso numa matriz amorfa. O compo-
na requeima da batata e na mancha parda do arroz, porém, os nente microfibrilar, responsável pela rigidez, é composto por
seus saldos não são desprezíveis. Frequentemente provocam ~-glucanas e quitina na maioria dos fungos ou por P-glucanas e
prejuízos de bilhões de reais, além de outros bilhões gastos celulose nos oomicetos, enquanto a matriz amorfa é constituída
na tentativa de combatê-las. Somam-se a esses prejuízos, o por polissacarídeos solúveis (ci-glucanas e glicoproteínas).
abandono de variedades produtivas, que, muitas vezes, levaram O crescimento da hifa dá-se pelas suas exrremidades.
anos e empregaram muitos recursos para ser desenvolvidas, o Crescimento intercalar. comum em tecidos de plantas, é raro
abandono de áreas cultiváveis pela contaminação do solo, a em fungos e parece estar limitado às hifas envolvidos em elevar
falência de agricultores, desemprego, etc. Acrescentam-se aos estruturas reprodutivas para dispersão pelo ar. Embora o
aspectos citados acima a redução na qualidade do alimento crescimento apical das hifas seja conhecido há muito tempo,
produzido pela contaminação por produtos químicos, aplicados esse fenômeno ainda oão é totalmente esclarecido. Uma questão
para combater as doenças, ou pelas micotoxinas produzidas por básica permanece sem resposta definitiva: como é possível e
alguns fungos. parede celular possuir rigidez suficiente para manter a forma da

108
Fungos Fitopatogênicos

hifa e, ao mesmo tempo, elasticidade adequada para suportar • Rizoide - estrutura parecida com raiz de planta, ramificada,
rápido crescimento a picai? Nesse contexto todos os micologistas filamentosa, anucleada e com paredes grossas. Atua
compartilham a ideia de que o crescimento da hifa é um processo na fixação do fungo no hospedeiro e na absorção de
extremamente elaborado. De acordo com Alexopoulos et ai. nutrientes (Figura 8.2).
( 1996), há atualme:nte duas hipóteses que tentam explicar esse • Apressório - estrutura achatada., formada pela dilatação
crescimento apical: o steady-state (ou hipótese de Wessels) e a do tubo germinativo ou da hifa, que se adere firmemente
rigidez permanente (ou hipótese de Bartnick..i-Garcia). A primeira à superfície do hospedeiro para facilitar a penetração do
considera que o ápice da hifa seria permanentemente viscoelástico fungo ou a emissão de baustório (Figura 8.2).
e expansível. VesícuJas contendo componentes da matriz amorfa e
polímeros do componente microfibrilar, em estado não cristalino,
seriam constantemente depositadas no ápice. À medida que o
ápice alonga-se, esses polímeros cristalizar-se-iam nas laterais da
hifa, conferindo-lhe rigidez. Por outro lado, a hipótese da rigidez Tub o a•rmlnat:tvo
permanente defendi: que o ápice da hifa seria pennanentemente I
rígido. Dois tipos de vesículas seriam constantemente depositados
no ápice. O primeiio tipo, contendo matriz amorfa e enzimas
líticas seria respons.ável por romper o componente microfibrilar
pré-existente, conforindo flacidez momentânea e permitindo
expansão. O segundo tipo de vesícula, desta vez com unidades de
mic:rofibrilas, seria responsável por restaurar e devolver a rigidez
à parede. Assim, s,~gundo essa última hipótese, o crescimento
apical da hifa serfo resultado do pennanente e delicado balanço Hauo'6rlo ~na

entre lise e síntese do componente microfibrilar.


. -.....r1.,
Entre os fungos fitopatogênicos há dois tipos de hifas,
as septadas (ou apo cíticas) e as não septadas (ou cenocíticas) Figura 8.2 - Estruturas especializadas fonnadas por modificações
f Figura 8. J). Os septos são projeções internas da parede celular, na morfologia d.as hifas: (A) apressório e haustórío; (8)
que dividem a hifa em compartimentos ou células que contêm rizoides.
um, dois ou vários núcleos. Porém, os septos não são totalmente
fechados. Contêm perfurações, vistas somente por meio de • As hifas, por outro lado, podem também se agregar, resul-
microscopia eletrônica, que permitem a continuidade do citoplasma tando em diferentes tipos de estruturas, com diferentes
e da membrana ce.lular (plasmalema) ao longo da hifa. Estas funções, como:
perfurações variam ,~m número, tamanho e forma, dependendo do • Esclcródio - massa de hifas de consistência firme, esférica
grupo taxonômico do fungo. ou com formato irregular, que desempenha importante
papel na sobrevivência de fungos veiculados pelo solo
(Figura 8.3).
• Estroma - massa de hi fas, com ou sem tecido do hospedeiro
ou substrato, muitas vezes semelhante ao escleródio na
sua forma, diferindo deste na sua função, que é de abrigar
ou dar origem às estruturas reprodutivas (Figura 8.3).
A • Rizomorfo - agregado de hifas, formando uma estrutura
semelhante a uma raiz de planta. É constituído de uma
Sep11oa camada externa de células pequenas, escuras, achatadas,
e uma parte interna de células bialinas e alongadas
Figura 8.1 - Tipos de hifas encontrados entre os fungos fitopatogê- (Figura 8.3). Tem importantes funções na sobrevivência
nicos: (A) hifas não septadas ou cenociticas; (8) hifas e disseminação do fungo, bem como na penetração de
septadas ou apocíticas. alguns hospedeiros arbóreos.
• Corpos de frutificação - fonnação de diferentes tipos
As hifas pod,em sofrer modificações na sua morfologia, de pletênquimas (pseudo-tecidos) para constituição das
formando estruturas: especializadas. Entre os fungos parasitas de estruturas reprodutivas macroscópicas dos basidiomicetos
plantas, as seguinte estruturas podem ser encontradas: (cogumelos, orelhas-de-pau, etc.), dos ascomicetos (trufas,
• Haustório - estrutura dilatada ou ramificada (digitada), moreias, apotécios, etc.) e dos corpos de frutificação micros-
especializada na absorção de nutrientes a partir do cópicos em geral (ascomas e conidiomas).
citoplasma da célula do hospedeiro, no interior da qual se
desen vol ve( Figura8.2). Durantesua formação, o haustório 8.2.2. Estruturas reprodutivas
invagina a membrana plasmática da célula hospedeira A estrutura básica de reprodução dos fungos é o esporo. O
sem rompê-la. Essa membrana., agora intimamente aderid.a esporo é um propágulo especializado, microscópico, que contém
à parede do haustório, passa a ser chamada membrana uma ou mais células. É, usualmente, um elemento de dispersão do
extra-haustorial e possui propriedades bem diferentes fungo, capaz de gerar um novo i11divíduo. O esporo pode também
daquelas da membrana plasmática original, como, por ter papel na sobrevivência do fungo, como os clarnidósporos,
exemplo, sua penneabilidade. oósporos e: zigósporos.

109
Manual de Fitopatologia

A e

P eritécios

7\A/b
F G

H
~
Figura 8.3 - Estruturas formadas pelo agrcgamento de hifas: (A) escleródio; (B) corte transversal do esclcródio; (C) cortes longitudinal de
rizomorfo; (D) detalhe de corte longitudinal de rizomorfo, mostrando os diferentes tipos de agregamento de hifas; (E) estroma;
(F-H) cortes longitudinais de estroinas.

As características morfológicas do ·esporo. como o seu


tamanho, forma, coloração, septação, ornamentação da parede, etc.,
r~ -===-
& ~

'
variam substancialmente entre os fungos (Figura 8.4), tomando
essas estruturas importantes do ponto de vista taxonômico.


Muitos fungos possuem dois tipos de ciclo de vida conhe-
cidos, o assexuado e o sexuado. No ciclo assexuado, também
conhecido como fase anamórfica, os esporos são produzidos por
mitose e, portanto, possuem baixíssima variabilidade genética.
~
"t) ~ Q
Representam praticamente clones do indivíduo que os produziu.
O ciclo sexuado, ou fase teleomórfica, por sua vez, caracteriza-se
por produzir esporos por meiose. Os esporos sexuados apresentam
duas características importantes: maior variabilidade genética
e resistência a condições ambientais desfavoráveis. O processo
de meiose não origina clones, mas descendentes com diferenças
genéticas entre si. Este fato, aliado às características que con-
ferem resistência, como paredes mais espessas e muitas vezes
Figura 8.4 - Estruturas reprodutivas: esporos com diferentes caracte-
pigmentadas, acúmulo de substâncias de reserva, dormência,
rísticas morfológicas.
corpos de frutificação rígidos e escuros, tomam o ciclo sexuado
uma fase importante para garantir a sobrevivência do fungo. Dessa
forma, o fungo consegue atravessar o período desfavorável ao seu vez iniciado novo ciclo da doença, com hospedeiro disponível e
desenvolvimento, como por exemplo, a ausêncra do hospedeiro e condições ambientais favoráveis, o fungo não necessita mais das
invernos rigorosos. De modo geral, essa fase é produzida apenas estruturas de sobrevivência e da variabilidade genética. Assim
uma vez por ano. Quando as condições ambientais favoráveis são sendo, inicia, por meio de mitoses sucessivas, a produção de
restabelecidas, essa população sobrevivente é capaz de iniciar clones desse genótipo que obteve êxito nessa nova condição.
nova fase de crescimento. Pensando em sistemas agrícolas nos Está iniciado o ciclo assexuado, caracterizado pela produção
quais é frequente a troca do cultivar ou variedade da cultura ano massa! de esporos mitóticos. Geralmente é essa fase do cielo que
após ano, a alta variabilidade genética dos esporos sexuados é fator causa as epidemias e provoca danos. Dessa forma, na maioria
fundamental para o sucesso do fungo, garantindo que parte dessa das vezes que nos deparamos com um fungo causando doença
população consiga atacar esse novo genótipo do hospedeiro. Uma em planta, é a fase assexuada que iremos encontrar. Além disso,

IIO
Fungos Fitopatogênicos

;;f'J regiões de clima tropical e subtropical, onde não existem


-:· ernos rigorosos e as condições ambientais são favoráveis
- agricultura praticamente o ano todo, os fungos que causam
.:.._--.:nças em plantas muitas vezes persistem entre as estações de
ct.ltivo somente na sua fase assexuada. Por esses motivos, em
-.:sso país essa é a fase mais importante e são as suas estruturas
.,..e encontramos com maior frequência. No final desse capítulo
encontram-se representações esquemáticas das fases assexuadas
dos principais fungos fitopatogênicos.

8.2.2.1. Esporos sexuais Figura 8.5 - Estruturas de resistência diploides: (A) oósporos; (B)
Esporos sexuais são aqueles que resultam de um processo de zigósporos: (C) esporângios de repouso.
pbsmogamia, seguido de cariogamia e meiose. A plasmogamia
• nsiste na união de citoplasma, quando núcleos haploides (N),
!ffieticamente compatíveis, procedentes ou não de talos diferentes
Jnginários de esporos diferentes) pareiam-se. A plasmogamia
;,ode ocorrer após a união de hifas (somatogamia) ou de órgãos
;iierenciados, especializados e multinucleados (gametàngios), ou
&UJda após a fertilização de uma hifa receptiva por um gameta
"::laSculino imóvel (espermácia). Após a plasmogamia, o füngo
adquire a condição dicariótica (N+N), com dois núcleos haploides
-.::eados dentro de uma mesma célula. A fase dicariótica
.:icariofase) tem duração variável, dependendo do tipo de fungo
!D\ olvido. É curta nos oomicetos e zigomicetos, duradoura nos
»:,.1diomicetos e de duração intermediária nos ascomicetos. Por
.e10 da cariogamia, que vem em seguida, os núcleos pareados
Figura 8.6 Espoiros sexuais haploides (meiósporos).
:-7dem-se, formando o zigoto (2N). A diplofase varia também
= duração, dependendo do fungo. Na diplofase podem surgir
esporos de resistência, com parede espessa, como o oósporo dos O cleistotécio é uma estrutura globosa, completamente
,AJ(Jlicetos, o zigósporo dos zigornicetos e os esporân~ios de fechada, cuja patrede, caso esteja madura, rompe-se ou se
rq,ouso dos blastocladiomicetos e quitridiomicetos (Figura 8.5). decompõe para a liberação dos ascósporos. O peritécio contém
Outros tipos de esporos sexuais resultam tipicamente da, uma abertura ( ostfolo) na sua parte apical, por onde os ascósporos
meiose (meiósporos), sendo, pois, haploides: os ascósporos e os são liberados. O apotécio é um corpo de frutificação aberto, em que
').l>idiósporos (Figura 8.6). Os ascósporos fom1am-se endoge- o himênio (carnadla de ascos) fica exposto, ocorrendo a liberação
-:.::..-neote, dentro de uma estrutura em forma de saco, o asco forçada e simultânea dos ascósporos. O ascostroma é uma
,. asco= saco), geralmente em número de oito por asco. Os matriz estromátic.a contendo cavidades (!óculos), onde os ascos
IIIE1d1ósporos. por outro lado, são formados exogenamente, sl:io fom1ados. Urn ascostroma uníloculado, que se assemelha a
.-nhém a partir de estrutura especializada, o basídio (L. t-iasidíum urn pcritécio, recebe o nome de pseudotécio (ver Figura 8.34).
= :iequeno pedestal), geralmente em número de quatro por basídio. O pseudotécio, entretanto, difere do peritécio porque durante
~ósporos e basidiósporos são geralmente produzidos em sua formação, primeiro é produzido o estroma e, em seguida,
- ,rpos de frutificação, os ascomas ou ascocarpos e basidiomas forma-se o [óculo, único em seu interior, por deliquescência das
J basídiocarpos; respectivamente, que se apresentam em dife- hifas internas.
""::Otes fonnatos. Entre os ascomas, os tipos básicos são: cleisto- Os basidiornas são, em geral, estruturas macroscópicas,
1ttio. peritécio, apotécio e ascostroma (Figura 8.7). muitas delas atingindo grandes dimensões (Figura 8.8 A e B).

A B D

rigura 8. 7 - Tipos de ascomas: (A) cleistotécio; (B) apotécio; (C) peritécio; (D) ascostroma.

111
Manual de Fitopatologia

clamidósporo. que tem como função principal a sobrevivência


do fungo no solo, é fonnado através da modificação de uma ou
mais células da hifa, que tem ou têm a sua parede espessada,
através do desenvolvimento de uma parede secundária interna
(Figura 8.9 D).
No caso dos conídios, sua formação, ou conidiogênese,
pode ser do tipo tálica ou blástica (Webster, 2007) (Fig. 8.1 O).
Na conidiogênese tálica, o conídio surge a partir de uma célula
pré-existente no talo do fungo. Em outras palavras, o septo
que separa o conídio do resto do talo já existia antes de sua
diferenciação. Artrósporos são conídios de origem tálica formados
em cadeias, que se desarticulam facilmente. Um bom exemplo
de fungo fitopatogênico que exibe esse tipo de conidiogênese é
Geotrichum, causador de podridões azedas em pós-colheita. A
maioria dos fungos fitopatogênicos, no entanto, produz conídios
de maneira blástica. Nesse tipo de conidiogênese, o conidio
cresce a partir de um primórdio, ou seja, o septo que o separa do
resto do talo forma-se após a sua diferenciação. A conidiogênese
blástica apresenta dois sub-tipos básicos, a holoblástica e a
enteroblástica. As células conidiógenas possuem paredes com-
Figura 8.8 - Estruturas reprodutivas sexuadas dos basidiomicetos: postas por duas camadas, uma interna e outra externa. Quando
(A) basidioma jovem; (B) basidioma maduro; (C) repro- ambas as camadas estão envolvidas na formação do conídio, a
dução sexuda das fomJgens. coni<liogênese é do tipo holoblástica. Exemplos típicos de fungos
com conidiogêncsc holoblástica são Stemphylium, Clado.1pori11m
e Oidium. Quando somente a camada interna da parede da
Alguns basidiomicetos, no entanto, como os agentes causais das
célula conidiógena, ou quando uma terceira e nova camada
ferrugens e dos carvões, não produzem os basidiósporos a partir de
contribui para a formação do conídio, a conidiogênese é do tipo
corpos de frutificação mas, sim, a partir de esporos especializados,
enteroblástica. Se a camada interna é forçada para fora através de
os teliósporos. Estes são inicialmente dicarióticos, sofrendo
um estreito poro na camada externa, a conidiogênese é do tipo
cariogamia e meiose ao germinarem. A germinação do tdiósporo
enteroblástica tétrica e o conídio é chamado de poroconídio.
dá origem a um curto tubo germinativo, com crescimento
Exserohilum, Drechslera e Bipolaris são exemplos de fungos com
detenuinado, chamado de promicélio. O promicélio funciona
esse tipo de con.idiogênese. Por outro lado, quando oconídio fonna-se
como basídio, a partir do qual os basidiósporos são formados
a partir de uma célula conidiógena que apresenta uma extremidade
(Figura 8.8 C).
aberta, a fiálidc, a conidiogênese é dita enteroblástica fialídica.
8.2.:Z.:Z. Esporos assexuais Nesse caso, o conídio é chamado de fialoconídio. Esse último tipo

Os esporos assexuais ou mitósporos resultam


de simples divisões mitóticas, que podem ocorrer nas Eaporãnglo
diferentes fases do ciclo de vida do fungo, ou seja, ✓
na haplofase, dicariofase ou diplofase. Os esporos
Aplanóaporoa
assexuais podem ser de diferentes tipos: zoósporos,
aplanósporos, conídios, urediniósporos, artrós-
poros e clamidósporos.
Os zoósporos são esporos com motilidade
própria, dotados de flagelos, formados endogena-
mente dentro de uma estrutura especializada,
o esporângio ou zoosporângio, por meio de
clivagem do citoplasma (Figura 8.9 A). Os apla-
nósporos são também produzidos dentro de
esporângios, mas são imóveis (Figura 8.9 B). Os
conídios são também imóveis, sendo formados
a partir de células conidiógenas encontradas
em hifas modificadas, chamadas conidióforos;
livremente ou em corpos de frutificação (pienldios
ou acérvulos) (Figura 8. 9 C). Urediniósporos
são esporos binucleados produzidos nos soros
D
urediniais das ferrugens. Em algumas espécies
de fungos a bifa pode se fragmentar, separando e
suas células constituintes, que se comportarão
como esporos. Este tipo de esporo recebe o nome Figura 8.9 - Esporos assexuais (mitósporos): (A) zoósporos; (8) aplanósporos; (C}
de artrósporo ou talocooídio. Finalmente, o conídios; (D) clamidósporos.

112
Fungos Fitopatogênicos

eram filogeneticamente distantes e vice-versa. Porém, isso não


significa que os critérios morfológicos devem ser abandonados
o definitivamente no processo de classificação dos fungos. Eles ainda
são bastante úteis em muitos casos e é necessário que continuem
em uso. Para muitos grupos de fungos, os critérios morfológicos

e
A
o-- E
ainda constituem a principal ferramenta na classificação. Para
aqueles casos onde estes critérios são duvidosos, o que se observa
é que a classificação tem sido, adicionalmente, amparada por
ferramentas moleculares.
A seguir, serão apresentadas características dos principais
grupos de fungos fitopatogênicos, baseando-se na classificação da
figura 8. 10 - Tipos de conidiogêneses encontradas nos fungos
10" edição do Dictionary ofthe Fungi, de 2008 (Kirk et ai., 2008),
fitopatogênicos: (AJ tálíca; (B-E) blástica; (B) holo-
referido aqui simplesmente como dicionário. Essa obra reflete
blástica; (C) enteroblástica tétrica; (D) enteroblástica
as decisões tomadas pelo Comitê para F ungos durante o XVII
fialídica; (E) enteroblãstica anclídica.
Congresso Internacional de Botânica, realizado em Viena, Áustria,
e publicadas no lnternational Code of Bmanical Nomenclature,
de 2005. Apesar de relativamente antiga, essa edição de 2008 do
de conidiogênese é bastante importante entre os fitopatógenos. dicionáno é a mais recente disponível no rnomento da revisão
Penicillium, Aspergi/lus, Fusarium. Chalara, Thielaviopsis são deste capítulo e a classificação nela encontrada é válida, até que
exemplos de fungos que produzem fialoconídios. Um tipo menos nova edição seja lançada. Saliente-se que, apesar de o XVIII
frequente entre os fungos é a conidiogênese cnterohlástica Congresso Internacional de Botânica ler sido realizado em 2011
aoelídica, na qual cada novo conídio produzido deixa um colarete (Melboume, Austrália), as alterações referentes à classificação
ou anel) na camada externa da parede da célula conidiógena. dos fungos ainda não resultaram em nova edição do Dicionário.
Fusicladium (Sin. Spi/ocaea) é um gênero que exibe esse tipo de Ent~lanto, pelos artigos científicos publicatlos recentemente e
conidiogênese. listados no final deste capítulo, sabe-se que a classificação sofrerá
profundas alterações, desde os níveis hierárquicos mais elevados
8.3. C LASSIF ICAÇÃO DOS FUNGOS até o nível de espécie. Parte destas alterações pode ser consultada
FJTOPATOGÊNICOS on-line em bancos de dados, tais quais Index f'ungorum (www.
O grupo de organismos denominado genericamente de indexfungorum.org) e Mycobank (www.mycobank.org). Essas
-fungos" é bastante diversificado filogencticamente e possui alterações refletem a mudança de abordagem na classificação de
representantes em três Reinos dos seres viv,os: Protozoa, fungos, que está passando de morfológica para filogenética.
Chromista e Fungi (Alexopopulos et ai., 1996}. Dentre estes
organismos, os fungos verdadeiros se encontram somente no 8.4. PRINCIPA IS G RUPOS DE FUNGOS
Reino Fungi. Nos Reinos Protozoa e Chromista., que abrigam. FITO PATOGÊNICOS
respectivamente, protozoários e algumas algas {diatomáceas, 8.4.1. Re ino Pro tozoa
marrons, douradas e amarelo-esverdeadas), algmns organismos,
por possuírem morfologia e modo de vida semelhantes aos fungos, Classe Myxogustriu
,ão estudados juntamente com os fungos verdadeiros. Os organismos da classe Myxvgas1ria, no passado conhe-
Como já mencionado, os fungos apresentam enorme variação cidos como mixomicetos, não são nonnalmente organismos
morfológica. Assim, a classificação dos fungos foi, por muito fitopatogênicos. uma vez que se desenvolvem apenas na supcrficie
tempo, tradicionalmente baseada em critérios ,::xclusivamente de resíduos vegetais (fragmentos de caule e folhas mortas caídos
morfológicos. Quanto maior a similaridade morfológica. mais no chão), em ambientes úmidos, engolfando bactérias e outros
próximos acreditava-se que eram os fungos. Essa é a razão pela microrganismos através do seu talo, o plasmódio, que consiste cm
qual muitos fungos possuem nomes diferentes para suas fases uma massa protoplasmática multinucleada, sem parede celular e
anamórficas e teleomórficas. Para um mesmo indivíduo, essas duas com movimento ameboide. Eventualmente, no entanto, podem
fases apresentam, frequentemente, tal disparidade morfológica que crescer sobre a superflcíe de plantas vivas, de pequeno porte,
e,ou os micologistas, no passado, a classificá-los co,mo organismos rasteiras, corno em gramados, sob condições de alta umidade,
diferentes. Entretanto, as últimas edições do fntern.ational Code of ou após prolongado período chuvoso. Nestas circunstâncias,
Bolanical Nomenclature, obra que rege nomenclatura dos fungos, o organismo utiliza-se da planta como seu suporte, onde seu
1êm mostrado clara tendência em unificar os nomes de ambas as plasmódio e, posteriormente, suas estruturas de reprodução desen-
fases, desde que comprovadamente pertençam à mesma <!Spécie. volvem-se, recobrindo-a, sem, porém, parasitá-la. Podem, no
Nesses casos, o nome mais antigo é adotado come, o nome oficial entanto, cobrir significativamente a superficie fotossintetizante
da espécie, independentemente da fase (sexuada ou assexuada) da planta, além de interferir com as trocas gasosas e, assim,
descrita. ocasionar um processo patológico.
Felizmente o panorama atual está mudando no que se Os organismos dessa classe que, nesLas circunstâncias, podem
refere à correta classificação dos fungos. O desenvolvimento de causar doença em plantas são enconlrados na ordem Physarida
ferramentas mais sensíveis e independentes da morfologia, como (antiga Physarales}, principalmente os gêneros Fulígo e Physarum
as modernas técnicas moleculares, tem auxiliado sobremaneira e na ordem Slemonitida (antiga Stemonitales), com o gênero
nessa dificil tarefa. Em diversas ocasiões, ta1is ferramentas Brefeldia. Após desenvolverem seu talo plasmodial sobre a
mostramm que fungos morfologicamente bastarnte semelhantes planta, caracterizado por um crescimento viscoso, branco-creme ,

ll3
Manual de Fitopatología

ou amarelo, estes organismos reproduzem-se, transformando Como exemplo ilustrativo deste grupo, tem-se Plasmo-
o plasmódio em etálios ou esporângios, onde internamente os diophora brassicae, agente causal d a hérnia das crucíferas. Esta
esporos são formados. Estes constituem uma massa pulverulenta. doença é muito comum em todo o mundo, afetando plantas como
sendo disseminados pelo vento, após o rompimento da parede o repolho e a couve-flor, cujas raízes infectadas pelo patógeno
do corpo de frutificação. Encontrando substrato e condições de tomam-se malformadas e hipertrofiadas.
temperatura e umidade favoráveis, os esporos têm a sua parede Embora sendo um parasita obrigatório, P. brassicae sobrevive
aberta, por uma fenda ou poro, por onde sai uma mixoameba ou no solo na forma de esporos de repouso, haploides. Estes são liberados
uma célula nadadora, dotada de dois flagelos, o mixoflagelado. da planta quando as raízes morrem e entram em decomposição
Aparentemente é possível a conversão de mixoamebas em mixo- (Figura 8.12). Cada esporo, sob condições favoráveis de ambiente
flagelados e vice-versa, em função da disponibilidade de água e na presença de raízes do hospedeiro, genuína, dando origem a um
livre sobre o substrato. As mixoamebas ou os mixoflagelados zoósporo biflagelado, chamado zoósporo primário. Este zoósporo,
combinam-se aos pares e fundem-se, sofrendo plasmogamia. após movimentar-se no filme de água do solo, entra em contato com
Após a cariogamia, inicia-se o desenvolvimento da massa plas- um pelo absorvente da raiz e encista-se, perdendo os flagelos. A
modial, com multiplicação dos núcleos diploides, através de penetraçãodá-se diretamente através da parede celular do hospedeiro,
sucessivas divisões mitóticas. Em condições desfavoráveis (baixa com a penetração de uma estrutura ameboide para dentro da célula
umidade, temperatura inadequada e/ou exaustão de alimento), o
da planta. Pequenos plasmódios rnultinucleados são então formados
mixomiceto completa o seu c iclo, produzindo novos esporos, que
no pelo, os chamados plasmódios primários, que vão dar origem a
antes de ficarem maduros, sofrem meiose, tomando-se haploides
zoosporângios arredondados, de parede fina, que preenchem a célula
(Figura 8.11). Às vezes, dependendo das condições ambientais,
do hospedeiro. Zoósporos secundários, uninucleados, em número de
o plasmódio transforma-se, reversivelmcntc, em estruturas de
quatro a oito por esporângio, são em seguida formados e liberados
sobrevivência.
no solo. Estes roósporos pareiam-se conforme sua compatibilidade
Classe Phytomyxeo genética, sofrendo plasmogamia e tomando-se binucleados.
Esta classe era referida, no passado, como Plasmodio- Infecções secundárias nas rdíi.es são originadas por estes l06sporos,
phoromycetes. Este grupo inclui organismos tipicamente fitopa- onde se forma o plasmódio secundário, inicialmente binucleado
togênicos, parasitas obrigatórios, envolvendo três gêneros de e, posteriormente, multinucleado. Como rcsullado da infecção,
importância: Plasmodiophora (hérnia das crucíferas), Polymy:ca ocorrem hipertrofia e hiperplasia das células do hospedeiro, com
(doenças de raiz em gramíneas e cereais) e Spongo:,pora (sarna o surgimento dos sintomas típicos da doença. Ao parar de crescer,
pulverulenta da batata). Os dois últimos gêneros são também o plasmódio secundário transforma-se numa massa de esporos de
importantes por serem agentes transmissores de vírus fitopato- repouso, após cariogamia e meiose. Estes são liberados no solo, após
gênicos. a morte da raiz, completando-se, assim, o ciclo.


l:aporo

~
• Gcrmlnaçlo •
• do eaporo ••

Eaporãnglo -♦ -

~ ~€;
Jovem

~ ......... Mlxoflageladoa

••
Mixoamebaa

Eape>Rngio
emwmação

Estrutu ra de sobrevivência

Figura 8.11 - Classe Myxogastria: ciclo de vida típico.

114
Fungos Fitopatogénicos

'
..
~.....
~• E,.•ru•••• Zoosporingio
Pêlo radicular
infectado

lY( -~u•=•••"°
~
~
\ \~ósporos
.. .

~
Zoó•poro

f)
o •
_}
Germinação

Esporo
0 ~

··~
'ª' 1t···/
~
da raiz
Oeslntegraçiio •
da célula Hipertrofia e
hlpe1rplasia daa
Plasmódlo células ,do hoa·p edelro
multlnucleado

Figura 8.12 - Classe Phytomyxeu: ciclo de Plasmodi'ophora brassicae.

8.4.2. Reino Chromista donde: vem seu nome. Há evidências de que esses vacúolos
estão relacionados com acúmulo das larninari.nas, já
Classe Oomycetes menciionadas.
Os oomicetos são organismos peculiares, que apresentam Como se pode ver, os oomicetos apresentam várias carac-
algumas características diferentes dos fungos verdadeiros. Entre terísticas bioquímicas e ultraestruturais que os assemelham às plantas
elas, destacam-se: e algas. Essas características, também amparadas por abordagem
• Parede celular constituída principalmente de p-glucanas, filogenética baseadaemregiões conservadas de seu genoma, suportam
mas também contém celulose e o aminoácido hidroxi- a classificação dos oomicetos no reino Chromista, juniamente com
prolina. Quitina é ausente nos oomicetos. algumas algas.. Baseados nisso, diversos pesquisadores defendem
• Síntese de lisina pela via do ácido diaminopimélico (mesma a ideia de que os oomicetos e tais algas possuem, evolutivamente,
via das plantas). um ancestral em comum. Assim, consideram que os oomicetos,
• O ergosterol não é um esterol importante na membrana durante o processo evolutivo, perderam a capacidade autotrófica e,
plasmática dos oomicetos. Alguns autores consideram consequentemente, passaram a necessitar de uma fonte já elaborada
que o ergosterol é ausente nesses organismos. de carbono, tomando-se saprófitas ou parasitas.
O talo assimilativo dos oomicetos é micelial, bem desen-
• As laminarinas (P-1 ,3 glucanas solúveis em água) cons-
volvido, diploide, com hifas asseptadas. O talo diploíde é outra
tituem o principal composto de reserva.
característica que os distingue dos fungos verdadeiros, normal-
• As cristas mitocondriais são tubulares, semelhantes às das
mente haploides.
plantas.
Os oomicetos produzem, por meio da sua reprodução assexual,
• O sistema de Golgi apresenta cisternas múltiplas, também zoósporos biflagelados, tendo um flagelo do tipo chicote, mais curto
semelhante ao das plantas. e voltado para trás, e outro do tipo "tinsel", mais longo e voltado
• Centríolos estão presentes e desempenham importante papel para frente (Figura 8.9 A). Os zoósporos são formados dentro ou
como organizador das estruturas celulares durante a divisão a partir de esporângios, por meio de clivagem citoplasmática. Os
celular e também na formação dos flagelos dos zoósporos. esporângios variam na forma, conforme os gêneros e espécies
• Vacúolos finge,print estão presentes no citoplasma. de oomicetos envolvidos. Podem ser pouco diferenciados da
Estes vacúolos apresentam, em seu interior, material hifa vegetativa, como na ordem Saprolegniales, filamentosos
eletrondenso em arranjo paracristalino lamelar, dando ou globosos, no gênero Pythium, e papilados, limoniformes, no
uma configuração semelhante a uma digital humana, gênero Phytophthora (Figura 8.13).

115
Manual de Fitopatologia

Esportlnglos ···

Figura 8.13 - Classe Oomycetes. Estruturas reprodutivas assexuais: Esponmglófüroa ... ·


(A) esporângio de Pythium; (B) esporângio de Pythium
com vesícula; (C) esporângios de Phytophthora:
(D) esporângios de Aphanomyces (Sapmlegniales).

Durante a reprodução sexual, fomrnm-se os gametângios,


cbamados de oogônio (gametângio feminino) e anterídio (game- Figura 8.15- Classe Oomycetes: estruturas reprodutivas assexuadas
tângio masculino), por meio de meiose gametangial, ou seja, de Albugo.
os núcleos diploidcs sofrem meiose durante a formação dos
gametângios, tomando-se haploides. A plasmogamia ocorre pelo em seguida, para dar origem a zoósporos infectivos. Oósporos
contato entre os gametãngios, com passagem dos núcleos do desenvolvem-:se, posteriormente, no interior dos tecidos do hospe-
anterideo para o interior do oogônio, por meio do tubo de íertilização. deiro, para p,ossibilitar a sobrevivência do patógeno. A/bugo,
Em seguida, os núcleos de ambos os gametângios pareiam-se e assim como oi; agentes de míldios, é um parasita obrigatório.
ocorre cariogamia, resultando na formação do oósporo, esporo de
repouso diploide, de parede espessa (Figura R. 14)_ Ordem Pythiales, família Pythiaceae
Na ordem Pythiales, família Pylhiaceae, encontram-se repre-
Tubo de sentantes do gôncro Pyrhium. Recentes estudos que utiliwram ferra-
fertil~.:çiio mentas moleculares demonstraram que o gênero Pythium pc1icncc,
na verdade, à ordem Peronospora/es, assim como Phytophthora.
Desse modo, uma nova edição do Dicionário poderá trazer essa
06sporos alteração na ta;~onomia Jesse gênero.
Na família Pythiaceae, os csporangióforos (hifas especiali-
zadas formad,oras dos esporângios) não são diferenciados das
hifas assimilativas e têm crescimento indete.nninado, ou seja, o
esporangióforo pode ter seu crescimento reiniciado após a produção
do esporângio.
O gênero Pyrhium é amplamente distríbuído no mundo todo,
como um típico habitante do solo. Ataca partes subterrâneas das
.... ..... plantas ou partes destas que se desenvolvem próximas ao solo,
causando dife:rentes tipos de doenças: podridão de sementes,
"damping-otf" de pré e pós-emergência, podridão de raízes e
Figura 8.14 - Classe Oomycetes: estruturas reprodutivas sexuais. podridão mo!€: de órgãos suculentos. Na ausência do hospedeiro,
sobrevive sap,rofiticamente em restos culturais ou permanece
Diferentes tipos de doença, algumas de grande importância dormente no solo, por meio de seus oósporos. Em condições
econômica, são causadas por representantes dos oomicetos favoráveis de ambiente, e na presença do hospedeiro, o oósporo
pertencentes às ordens Saprolegniales, Albuginales, Pythiales e gennina, produzindo um tubo genninativo. Em condições de
Peronosporales. Na ordem Saprolegniales, apenas um gênero, temperatura elevada (25 ºC a 28 ºC), o tubo genninativo se desen-
Aphanomyces, tem certa importância, ao causar podridão de raízes volve como micélio. Em temperaturas mais baixas, no entanto, o
em várias plantas anuais, particularmente ervilha, beterraba, nabo tubo germinativo cessa seu crescimento e origina uma vesícula em
e alfafa. sua extremida,de, para onde migra todo o protoplasto do oósporo,
originando, em seguida, os zoósporos (Figura 8.16). O tubo
Ordem Albuginales, família Alhuginaceae germinativo po::>de infectar a planta ao estabelecer contato com ela,
A família Albuginaceae contém apenas o gênero Albugo, após penetraçiio direta através da superficie do órgão suscetível. O
agente causal das ferrugens brancas, que ocorrem comumente em micélio, por siua vez, pode dar origem a esporângios, que podem
algumas plantas hortícolas, sem, no entanto, acarretar prejuízos ser de dois tip,os morfológicos básicos: globosos ou filamentosos.
sérios. Este tipo de doença é caracterizado pela fonnação de pústulas Os zoósporos :se diferenciarão no interior de vesículas, produzidas
esbranquiçadas na superfície das folbas e caule, correspondentes na ponta de tubos de descarga originados nos esporângios. Os
à massa de esporângios catenulados produzidos logo abaixo da zoósporos, ao serem liberados, com o rompimento da vesícula,
epiderme, a partir de esporangióforos curtos, agrupados com- nadam em direção ao hospedeiro, atraídos por seus exsudatos.
pactamente (Figura 8.15). Após o rompimento da epidem1e, os Perdem os flagelos em contato com a superficie da planta,
esporângios são disseminados pelo vento ou água, germinando encistam-se e germinam, penetrando, logo em seguida, diretamente

116
Fungos Fitopatogênicos

~poro

-
C lato

, , n l l D n d lo
Oogêinl
Oósporo

Hifaa no hoapedclro

Figura 8.16 - Classe Oomycefes: ciclo de P.vrhium sp.

oos tecidos da planta. As hifas colonizam a planta secretando Outra di lercnça morfológica entre Pythium e Phytophthora está
enzimas que destroem os seus tecidos, provocando os diferentes nos esporangióforos. Enquanto no gênero Pythium essas estruturas
mtomas típicos da doença. À medida que a colonização avança, não se diferenciam das hifas assimilativas, em Phytophlhora, os
~rorângios começam a ser produzidos e novos zoósporos são esporangióforos ramificam-se simpodialmcnte, porém, ainda têm
berados, fechando-se o ciclo assexual. O ciclo sexual ocorre crescimento indetenninado (Figura 8.17 A).
~ •m a produção de oósporos, cujo papel principal é assegurar a
!IObrevivência do patógeno do solo. A diplofase nos oomicctos
°'--Orre no talo vegetativo e a meiose nos gamctângios (oogônio e
mter{dio), determin_a ndo um ciclo vital de haplofase curta.
Ordem Peronospora/es, famflia Peronosporaceae
Na ordem Peronosporales, família Peronosporaceae, estão
a:nportantes patógenos da classe Oomyeetes, como o gênero
Phyrophthora e os agentes causais dos míldios.
e
O gênero Phytophthora, por meio de suas várias espécies,
:a..isa uma variedade de doenças bastante grande. atacando
-umeral> plantas em todas as regiões do mW1do. É agente causal
t "damping-off'', podridões de raiz em plantas jovens e adultas,
mdusive árvores, podridões de tubérculo, necrose em órgãos da
;,cme aérea das plantas. incluindo-se podridões de colo, cancros
e podridões de fruto em plantas anuais e arbóreas, e queima
-" folhagem e ramos jovens em culturas anuais (estas últimas
wnbém conhecidas como "requeimas").
O ciclo vital das espécies de Phytophthora segue, em linhas
;..:r:iis, aquele apresentado pelas espécies de Py1hium. A diferença Figura 8.17 - Classe Oomycetes: estruturas reprodutivas assexuadas
'1.S1ca entre os dois gêneros está na fonnação dos zoósporos: no da familia Peronosporaceae. Esporangióforos e espo-
~nero Pythium os zoósporos são diferenciados na vesícula do ràngios: (A) Phytophthora; (B) Basidiophora; (C)
csporàngio e no gênero Phytophthora eles são diferenciados Sc/erospora; (D) Plasmopara; (E) Peronospora; (F)
.:.retamente no interior dos esporângios, de onde são liberados. 8n?mia.

117
Manual de Fitopatologia

Ainda neste grupo são encontrados os importantes patógenos


causadores das doenças conhecidas como míldios. São vários os Boxe 8.2 Millardet e os ladrões de uvas
gêneros de patógenos envolvidos, todos parasitas biotróficos
e produtores de haustórios intracelularl!s nos seus hospedeiros. No século 19 as videiras da França eram constan-
Destacam-se os gêneros Bremia, Peronospora,Ps,eudoperonospora, temente assoladas por epidemias de míldio, cujo
Peronosclerospora, Plasmopara, Sclerophthora, Basidiophora e agente, Plasmopara vitícola, havia sido introduzido na
Sclerospora. Estes gêneros podem ser diferenciados com base Europa po r meio de material trazido das Américas. As
na morfologia d0s seus esporangióforos, que., ao contrário da videiras europeias não possuíam qualquer resistência
família Pythiaceae e do gênero Phytophthora, têm crescimento e, na França, a indústria do vinho estava ameaçada por
determinado e forma bem definida, ramificando-se dl! maneira essa doença. O professor de botânica e micologista
distinta para cada gênero (Figura 8. l 7B-F). Os esporângios, Pierre Marie Alexis Millardet, da Universidade de
nesse caso, são sempre formados nos ápices das ramificações dos Bordeaux na França, era um estudioso dessa doença.
esporangióforos. Em uma das suas expedições ao campo, Millardet
notou que as videiras próximas à estrada não apre-
Outra característica dl!sta família é a germinação diferencial
sentavam rru1dio, enquanto que as mais internas
dos esporângios. Via de regra. em temperaturas mais baixas e na
estavam afetadas. Após questionar os proprietários do
presença de água livre, os esporângios dão origem aos zoósporos.
vinhedo, Millardet descobriu que era prática comum,
Quando as temperaturas eslào mais altas, germinam produzindo
entre aqueles produtores, pulverizar as videiras pró-
um tubo germinativo. Entretanto, essas diferem;as no padrão de
ximas à estrada co m uma calda formada pela mistura
germinação também estão associadas ao gêne·ro do oomiceto.
de sulfato de cobre e cal, com a finalidade de evitar
Os esporângios são facilmente destacados do esporangióforo.
que os cachos fossem furtados por transeuntes. Além
podendo ser disseminados pelo vento I! respingos de chuva.
do aspecto visual desagradável, aquela calda conferia
Atuam, assim, como esporos, sendo comum e enoneamente cha-
gosto amargo às uvas, prevenindo contra o ataque
mados de conídios. desses visitantes indesejados. Aquele episódio levou
Um dos reprcseniantes mais comuns e importantes da famílía Millardet a investigar mais detalhadamente o efeito
Peronosporaceae é o oomiceto Plasnwpara vitícola, agente causal da mistura no controle do míldio, culminando com
do míldio da videira. Sua sobrcvivênciadá-sc por meio dos oúsporos uma publicação no ano de 1885, na qual Millardet
cm folhas, frutos e ramos mortos. Pode, tam bém, sobreviver na recomendava a mistura, batizada como calda borda-
forma micelial, cm tecidos vivos do hospedeiro. Os oósporos, eom lesa (em homenagem à região de Bordeaux), no
a decomposição dos tecidos do hospcdt:iro, são liberados durante combate ao míldio da videira. Foi dessa maneira, de
o inverno. Após terem sido disseminados pelo vento ou água até certa forma acidental, que nasceu o primeiro fungicida
a superfície do hospedeiro, os oósporos gennínam, produzindo para controle de doenças de plantas.
esporângios e zoósporos. A penetração dá-se, após encístamt:nto
e germínação dos zoósporos, através dos estônnatos das folhas
(ver Figura 4. 19, no Capitulo 4). No parênquima, o oomiccto
desenvolve um micélio intercelular, que emite haustórios • Centríolos cslão presentes somente nos fungos flagelados
globosos para o interior das células do hospede.iro. Por meio da (Divisões Blastocladiomycota e Chytridiomycora). Todos
reprodução assexual, esporangióforos são emitidos para fora elo os demais íungos vcrJadeiros não têm centríolos. Nesses
hospedeiro através dos estômatos, produzindo esporângios que últimos, estruturas conhecidas como corpos polares dos
vão ser disseminados pelo vento ou pela água. Estes, novamente fusos desempenham papel semelhante ao dos centriolos
na superficic suscetível do hospedeiro e na pn~sença de água, durante a divisão celular.
liberam zoósporos, que darão origem às infecções secundárias. • Vacúolosfingerprint .Jusentcs.
No final da estação de crescimento, o oomiceto produz oósporos
a partir da fertilização do oogônio pelo anterídio, os quais serIIo
Filos 8/ustodadimnycota e Chytridio111yct1ta
responsáveis pela sobrevivência do patógeno durante o inverno.
Assim como Phytophthora infestans está relacionada ao Esses dois Filos compunham a Filo Chyiridiomycota na
nascimento da Fitopatologia, Plasmopara vitícola está relacionada íf' edição do dicionário, de 2001 (Kirk et ai., 2001 ). Entretanto,
à descoberta Jo controle químico de doenças de plantas (Boxe 8.2). estudos conduzidos em 2006 (James et ai., 2006), envolvendo
sequenciamento de nucleotídeos do DNA ribossomal, revelaram que
8.4.3. Reino Fungi o grupo era heterogêneo e propuseram separação nesses dois Filos,
separação essa adoiada pela IO" edição do dicionário. Constituem
O Reino Fungi abriga os fungos verdadeiros, que apre-
um grupo pequeno de fwigos, com pouca importância fitopalológica.
sentam as características abaixo:
Os representantes desses Filos podem ser considerados
• Parede celular constituída de f3-glucanas e quitina. fungos inferiores e são os únicos fungos verdadeiros que se
• Síntese de lisina pela via do ácido alfa-arninoadípico. reproduzem por meio de zoósporos. Os zoósporos, nesse caso.
• O ergosterol é o esterol mais comum na membrana plas- são uniflagelados, com um flagelo do tipo chicote, posicionado
mática. posteriormente. São patógenos veiculados pelo solo, que atacam
as raízes ou outros órgãos subterrâneos e, eventualmente, a
• Glicogênio é o principal composto de reserva.
parte aérea das plantas. Caracterizam-se por apresentar talo
• As cristas mitocondriais são achatadas. assimilativo simples, sem micélio bem desenvolvido. O talo pode
• O sistema de Golgi apresenta cisterna única. se transformar, na sua totalidade, em estrutura reprodutiva (talo

118
Fungos Fitopatogênicos

lliolocárpico} ou apresentar um sistema assimilativo rizoidal (talo Outro representante da ordem Blastocladiales é o Physo-
~ucárpico). Conforme o número de estruturas (esporângios} que derma alfa.fae, agente causal de galha da coroa em alfafa. Esse
rontém, o talo pode ser monocêotrico ou policêntrico. Ainda, fungo era conhecido, em passado recente, como Urophlyctis alfcifae
.e o talo se encontrar inteiramente no interior das células do e, na últíma edição do dicionário, foi reclassificado como P. alfafae.
bospedeiro. é chamado de endobiótico. Talo epibiótico produz as No Filo Chytridiomycota, ordem Chytridiales, encontramos
csmnuras reprodutivas na superficie do hospedeiro (Figura 8.18). os gêneros Synchytrium e O/pidium. Synchytrium endobiuticum
é o agente causal da verrugose preta da batata, doença que, às
vezes, assume importância econômica. O/pidium brassicae é
vetor de diversos vírus de plantas. Essa espécie ataca comumente
as raízes do repolho. hospedeiro que lhe rendeu o nome. mas é
capaz de infectar ampla variedade de plantas.
Filo Zygomycota
O Filo Zygomycota apresenta esporos imóveis, os apla-
nósporos, fonnados por clivagem citoplasmática ao interior de
esporângios e disseminados passivamente pelo vento. A reprodução
st:xual nesta classe é caracterizada pela formação do zigosporângio,
contendo, cm seu interior, um zigósporo, esporo de repouso
<liploide, de parede espessa, resultante da conjugação ou fusão de
dois gametângios morfologicamente similares (Figura 8.19). Seu
talo assimilativo é micelial, haploide, bem desenvolvido e a.sseptado.
Um estudo filogenético publicado em 2016 (Spatafora et ai.,
2016) revelou que o filo Zygomycota não é monofilético e propõe
e sua divisão em dois filos, M11coromycota e Zoopagomycota.
Novos subfilos, classes e ordem, também são propostos, alterando
Figura 8.18- Filo<:> Blastocladiomycota e Chytridiomycota. Diferentes significativamente a taxonomia desse grupo de fungos. Desse
tipos de talo: (A-8) holocárpico monocêntrico endohió- modo, à exemplo do que já foi comentado para o gênero Pythi11m,
rico; (C) holocárpico monocêntrico cpibiótico; (D) eucár- a nova edição do dicionário deverá trazer profundas mudanças na
pico policêntrico. classificação do fi lo Zygomycota.
Ordem Mucorales, familia Mucoruceae
No Filo Blastocladiomycota, ordem Blastocladiales, ençon-
L-Jmos Physoderma maydis, agente causal da mancha parda do Na Ordem Mucora/es, família Mucoraceae, estão os
milho. Esse fungo sobrevive no solo ou tecido inlectado por gêneros titopatogênicos Rhizopus e Mucor. São parasitas fracos,
meio de esporângios de repouso, dotados de parede espessa. que além <le saprófitas habitantes de solo muito comuns. Ocorrem
cm condições favoráveis, na presença de água. libera zoósporos também em frutos. alimentos e outros materiais em decomposição.
naploides. Estes zoósporos movimentam-se na água que recobre R. srolonifer (Figura 8.20A) causa podridão mole em frutos e
.! superfície suscetível do hospedeiro (tecido jovem das bainhas outros órgãos de reserva carnosos da planta, nas fases de pós-
foliares), onde perdem o flagelo e genninam, produzindo um colheita, durante o armazcnamt:nlo, lr,msporte e comercialização
,zomicélio inFectivo. Este penetra e desenvolve-se na epiderme dest~s produtos. Este fungo produz zigósporos durante seu ciclo
e tecido parenquimatoso da planta, onde produzirá novos espo- sexual, os quais estão envolvidos na s ua sobrevivência. É, no
ràngios. Zoósporos secundários pro<lu~i<los em esporângios de entanto, atrav1::s do ciclo assexual que este fungo mantém-se
;:,arede fina podem também ocorrer. Os esporângios de repouso continuamente na natureza. Os esporongiósporos, facilmente
:,arecem ser originários de reprodução sexual, provenientes da disseminados pelo ar, podem se depositar na superficie dos
"'lasmogarnia entre zoósporos harloides e uniílagelados, que frutos ou outros órgãos de reserva, onde germinam e penetram
•uncionam como gametas móveis (planogametas). O zigoto (2N) através de ferimentos. Penetração direta também já foi descrita
(lnginado é biflagelado, tendo capacidade infectiva após encis- para R. sto/onifer em pêssego e nectarina (Baggio et al 2016). O
iamento. A meiose deve ocorrer no esporângio de repouso. antes micélio, que é haploide, desenvolve-se no interior do hospedeiro,
cta liberação dos zoósporos. secretando enzimas pectinolíticas e celulolíticas, o que acarreta a

ZJgooporlnglo
ProgemoUnglo Jovem
Gametângioa !
ZJgoapÓrlnglo

Figura 8.19 - Filo Zygomycota. Reprodução sexual: sequência de evenlOs para a formação do zigosporângio.

119
Manual de Fitopatologia

Aplan6sporoa de uma única, o asco é dito unitunicado (Figura


8.22E-H). Quando as paredes são distinguíveis
e separadas, o asco é bitunicado (Figura 8.221).
Os ascos unitunicados, por sua vez, podem
apresentar na sua extremidade uma tampa
.•.•. E~poringlo (opérculo) que se abre quando o asco amadurece,
para a liberação forçada dos ascósporos (ascos
operculados) (Figura 8.22E). Ascos operculados
são geralmente encontrados em ascomas do tipo
apotécio. Os ascos inoperculados, ao invés
do opérculo, podem apresentar fenda (Figura
Eaporangíoloa ···•·••·
·•.·•. 8.22F), poro (Figura 8.22E) ou um anel apical
elástico (Figura 8.22 H) para liberação dos
ascósporos. Nos ascos que possuem o anel
apical, essa estrurnra funciona como uma válvula
B
ou esfíncter, sofrendo prolapso para permitir a
passagem dos ascósporos durante a sua liheração
Figura 8.20 - Filo Zygomycota. Reprodução assexuada: (A) Rhizopus; (B) Coanephora.
forçada. Ascos inoperculados são encontrados
cm ascomas do tipo peritécio e 11potécio. Em
desintegração dos tecidos e a podridão mole. Novos esporângios alguns ascos bitunicados, a parede externa
são logo fonnados externamente a partir de esporangióforos, (cxotúnica) é delgada e rígida, enquanto a interna (endotúnica)
tendo na sua base rizoides imersos no hospedeiro. A partir dos é espessa e elástica. Quando o asco amadurece, a endotúnica
rizoides, desenvolvem-se hifas aéreas, os estolõcs, que ao tocarem expande repentinamente em direção à abertura do ascoma e
o substrato formam novos rizoides e esporangióforos. A produção rompe a exotúnica, para descarga forçada dos ascósporos através
de novos esporangiósporos completa o ciclo assexual. de uma abertura na parte apical da endotúnica (Figura 8.221).
Os ascos que apresentam essa característica são chamados
Ordem Mucorales, família Coanephoraceae fissitunicados. Esse tipo de descarga forçada, encontrada em
A outra família que possui um representante fitopatogênico alguns ascomicetos, é conhecido pelo termo em Inglês jack-in-
na ordem Mucorales é Coanephoraceae, que abriga a espécie the-box. Os ascos bitunicados são encontrados em ascomas do
Coanephora cucurbitarum. Esse fungo ataca as partes florais em tipo ascostroma e, eventualmente, cm cleistotécios da ordem
senescência de várias plantas, e, a partir destas invade os tecidos Erysiphales. Porém, esses últimos não apresentam o mecanismo
carnosos do fruto, causando podridão mole. Esta podridão é Juck-in-the-box de descarga.
particularmente severa na abobrinha. Na reprodução ass~xuada,
C. cucurbitarum produz esporangiósporos fusifonncs, com paredes
estriadas, pigmentados e com apêndices aculiformes polares. ~ B r o t a m e n t o de
Esses esporangiósporos são produzidos em esporângios típicos ~ eacóaporoa
ou em esporangíolos, esporângios pequenos, que contêm de
dois a cinco csporangiósporos (Figura 8.20B). Esporangíolos e
esporângios são fonnados em esporangióforos distintos.
Filo Ascomycota
Os ascomicetos constituem o grupo mais numeroso de
fungos, com mais de 60 mil espécies descritas. Ocorrem nos
mais variados hábitats, exercendo saprofitismo ou parasitismo,
causando diversos tipos de doença em plantas. Sua característica
básica é a formação, após a meiose, de esporos sexuais, os
ascósporos, dentro de uma estmtura em forma de saco, o asco.
Esses ascos podem ser produzidos livremente, como no caso de
Taphrina defonnar:s (Fig. 8.21), ou no interior de ascomas, como
visto anterionnente (item 8.2.2.1 e Figura 8. 7). A estrutura do asco
também apresenta detalhes morfológicos importantes. Os ascos
podem ser cilíndricos, clavados ou globosos (Figura 8.22A-C), Figura 8.21 - Filo Ascomycota, ordem Taphrinales: estruturas do
dependendo da espécie que os produziu. Há djferenças também fungo Taphrina deformans.
no número e persistência das paredes celulares, ou túnicas. Os
ascos que possuem uma única parede fina e delicada, que se O conjunto de células férteis presentes nos ascocarpos
desintegra à medida que o asco vai amadurecendo, são chamados (e também nos basidiocarpos) é chamado de himênio. Nos
de prototunicados (Figura 8.22D). Nesse caso, os ascos são ascocarpos, às vezes, também se encontram algumas hifas estéreis,
expelidos para fora do ascoma passivamente, através do ostíolo, ou com funções variadas. Ao conjunto dessas células estéreis dá-se
através da ruptura ou decomposição da parede do ascoma. Todos o nome de hamatécio. Entre essas células estão as par1Hiscs e
os demais tipos de ascos possuem duas túnicas. Quando essas perífises. Paráfises são filamentos curtos de hifas, geralmente
túnicas são firmemente aderidas, dando a impressão que se trata não ramificadas, septadas ou não, que se originam da base do

120
Fungos Filopatogênicos

..
.....

Corpoa de Woronln

D ~
Figura 8.23 Corpos de Worcmin presentes nas células dos asconpcetos.

o antcrídio. Às vezes a estntn1ra masculina resume-se a uma

e espermácia, que é uni1.-elular, minúscula, incapaz de gem,inar, mas


que tem a função de fertilizar o órgão feminino. Muitos ascomicetos,
e no entanto, não fonnam órgãos sexuais. Neste caso, a plasmogamia
dá-se pela fusão de hifas somáticas compatíveis (somatogamia). As
hifas ascógenas, derivadas do ascogôn.io fertilizado, são dicarióticas
e desenvolvem-s.:, recurvando-se na sua extremidade para formar o
"crozier", onde dois septos são formados. A penúltima célula, com
um par de núcleos haploides compatíveis, transforma-se na célula-
mãe ou inicial do asco. A célula tenninal, por sua vez, funde-se
com a hifa ascógena, abaixo da penúltima célula. A partir do ponto
de fusão, ocorre novo crescimento da hifa ascógena, formando
novo ''crozícr" na sua extremidade, repetindo os eventos e levando
flgura 8.22 - Filo Ascomycota. Morfologia dos ascos: (A) cilindrico; à fonnação sucessiva de um conjunto de ascos. Na célula inicial
(B) clavado; lC) globoso; (D) prototunicado; (E) do asco ocorre a cariogamia, seguida de meiose, dando origem a
unitunicado operculado; (F) unitunicado com fenda; quatro núcleos haploides. O asco é, então, diferenciado, dentro do
(G) unitunicad.o com poro: (H) unitunicã.do com anel qual os núcleos haploides sofrem uma divisão mitótica para fonnar
apical; (l) bitunicado fissitunicado. oito ascósporos (Alexopoulos et ai., 1996).
Após a sua liberação. os ascósporos serão disseminados por
diversos agentes, podendo depositar-se na supcrflcic suscetível
""5Cocarpo e se situam entre os ascos. São responsáveis por separar Jo hospedeiro, onde genninarn e penetram. Apó:s a colonização
~ ascos entre si e facilitam a liberação dos ascósporos. Perífises do hospedeiro, o fungo normalmente reproduz-se asscxualmente,
:.unbém são filamentos curtos de hifas. porém, situadas no canal produzindo os conídios, que serão responsáveis pelo desenvolvi-
,1iolar dos peritécios. Estão relacionadas com o direcionamento mento dos ciclos secundários da doença. O ciclo sexual ocorre,
dos ascos no ostiolo no momento da liberação dos ascósporos. geralmente, após sucessivos ciclos assexuais, quando as condições
O talo assimilativo dos ascomicetos fitopatogênicos é predo- amhicntais tomam-se desfavoráveis paro o fungo,. o qual deverá
minantemente micelial. O micélio é septado. bem desenvolvido, sobreviver às custas dos seus ascomas e ascósporos.
com septos perfurados por um poro simples. Frequentemente são A classificação dos ascornic.:tos foi, por muito tempo,
encontradas próximas aos poros estruturas conhecidas como corpos baseada em morfologia de suas estruturas de reprodução sexual.
de Woronin. Essas estruturas são compostas por matriz proteica No entanto. essa classificação vem sendo revista à luz das técnicas
cristalina e podem ser esféricas, hexagonais ou retangulares. moleculares e está sofrendo muitas alterações.
~credita-se que sua função seja bloquear o poro, separando O tamanho desse grupo toma dificil a tarefo de descrever e
oorções velhas ou danificadas das hifas do resto do micélio relacionar todas as variações morfológicas encontradas e, conse-
Figura 8.23). quentemente, de determinar quais características ,devem ser enfa-
A ocorrência de uma dicariofase mais ou menos prolongada tizadas, em adição aos dados moleculares. no processo de clas-
oo ~u ciclo vital é outra característica dos ascomicetos, não sificação desses fungos. Em muitos casos, os dados morfológicos
encontrada nos fungos vistos anterionnente. A dicariofase ocorre e moleculares são congruentes, porém, em muitos outros, a inte-
oas hifas ascógenas, durante a formação dos corpos de frutificação, gração eotre esses dados tem se mostrado impraticável.
ao ciclo sexual do fungo (Figura 8.24). Três subfilos (Pezizomycotina, Saccharomycotina e Taphri-
O ciclo sexual inicia-se com a plasmogamia. que pode nomycotina) são aceitos, entretanto, muitas familias não estão
~,correr de diferentes modos. Comumente, os ascomicetos fonnam conectadas à ordens ou classes especificas dentro desses subfilos.
.!rgãos sexuais (gametângios) diferenciados. O feminino, chamado Além disso, existem mais de 3.200 gêneros que não podem ser
.iscogônio, é uma célula mullinucleada, que frequentemente forma confiavelmente relacionados a nenhuma família (Kirk et ai., 2008).
•utra célula tenninal receptiva, o tricógino, através do qual é feita Percebe-se. pelo exposto, que a classificação dlos ascomicetos
a passagem do protoplasma proveniente do gametângio masculino, ainda é um capitulo não encerrado na micologia1. Pesquisadores

121
Manual de Fitopatologia

Trlcóglno
,,,.

Hlfa
ascógena

Ascog&nfo

A B

Clllula-màe
Asco Asco
do asco
após a pós
mltoae

F G

Figure 8.24 - Filo Ascomycu/a. Sequên1:ia de eventos para formação de a~cos e ascósporos: (A) anlerí<lio e ascogônio sofrem plasmogamia;
(Bl ascogônio fenilizado origina hifas ascógenas, dicariótkas; (C) formação do "cro.lier"; (D) cariogamia na penúltima célula
da hifa ascógena e formação da célula mãe do asco; (E) as1:o jovem inicia o desenvolvimento; (F) meiose; (G) mitose.

do mundo todo estão empenhando esforços na tentativa de ascos é produzida na superlicie da folha do hospedeiro, sem
conectar, principalmente por meio de técnicas moleculares, cada fom1ar um ascoma; e} os ascósporos brotam e mulliplicam-se
ascomíceto ao seu respectivo taxa. Esses esforços certamente dentro ou fora do asco. Essa última característica é responsável
estarão refletidos na 11• edição do dicionário, que deverá trazer pelo crescimento leveduriformc desse fungo em meio de cultura,
uma classificação mais bem elaborada para esse importante grupo apesar de ser considerado parasita obrigatório.
de fungos.
Ordem Eurotiales
Apesar da problemática referente à classificação, acima
descrita, a 1O" edição do dicionário registra 68 ordens para os A maior família nessa ordem é a Trichocomaceae, que abriga
ascomicetos, das quais, serão aqui consideradas somente 18 por os gêneros Emerice/la, Eumtium. Eupenicillium e Tularomyces.
apresentarem importância fitopatológica. Durante a descrição dos Os dois primeiros correspondem, em suas fases anamórficas, a
fungos dessas ordens e familias, por diversas vezes, serão feitas fungos do gêaero Aspergilfus (Figura 8.46), enquanto as duas
referências à sua morfologia, como tipo de asco ou de ascocarpo, últimas correspondem a Penicil/ium (Figura 8.47), dois fungos
porém, vale à pena enfatizar que essas características não podem conidiais saprófitas muito comuns, agentes dos mofos ou bolores,
ser generalizadas <! tomadas como marcas morfológicas típicas que ocorrem em diferentes substratos. São patógenos fracos
para todo o grupo. Já foi dito anterionnente que morfologia e que atacam órgãos de reserva, como sementes e frutos. Ambos
filogenia, em muitos casos, nem sempre caminham na mesma podem produzir micotoxinas em sementes. Penicillium é o agente
direção. causal dos bolores azul ou verde dos citros. podridões de fruto
muito comuns na fase de pós-colheita. O aseoma nesta ordem é
Ordem Taphrinales cleistotecial, com os ascos soltos na sua cavidade, sem formar
A ordem Taphrinales abriga a família Taphrínaceae, um himênio. Os ascos são globosos e sua parede se decompõe quando
grupo de fitopatógenos parasitas obrigatórios que causa doenças os ascósporos amadurecem (Figura 8.25).
importantes em algumas rosáceas, como pêssego e amêndoas.
O micélio é composto por hifas septadas que podem crescer Ordem M icroascales
intercelular ou subcuticularmente nas células do hospedeiro. Esta ordem contém o gênero Ceratocystis, importante
Taphrina deformans, por exemplo, agente causal da crespeira do agente causal de murchas vasculares, cancros e seca de ramos
pessegueiro, ataca as folhas, defon-nando-as e causando desfolha em árvores. Seus ascósporos e conídios da fase assexuada são
do hospedeiro (Figura 8.21 ). Este grupo apresenta algumas disseminados por coleópteros que fazem galerias no tronco e nos
características que o distingue dos demais ascomicetos: a) as ramos das árvores. No Brasil, ocorrem algumas doenças causadas
hifas assimilativas são dicarióticas, enquanto que. nos demais por este gênero, como a seca da figueira, seca da mangueira,
ascomicetos miceliais, a dicariofase ocorre somente nas hifas muito comum em todas as regiões do país, e o cancro da Gmelina
ascógenas. durante a formação do ascoma; b) uma camada de arborea. que praticamente inviabilizou o cultivo desta árvore no

122
Fungos Fitopatogênicos

Ordem Xy/ariale.~
A ordem Xylariales apresenta dois gêneros de fungos com

B
@.
. 1
cerra importância litopatológica: Hypoxylon e Rosellinia. Estes
fungos são predominantemente saprófitas, porém, em deter-
minadas situações atuam como parasitas fracos. Hypoxylon é
agente causal de cancros em árvores e Rosellinia causa podridões
de raízes em árvores ou ataca tubérculos de batata. Rosellinia
ocorre mais comumente em áreas recém-desmatadas ou em solos
flpra 8.25- Filo Ascomycota, ordem Eurotia/es. Ascoma cleistotecial. ricos em matéria orgânica. Esses fungos fonnam peritécios típicos,
ostiolados, de rarede escura, dura e quebradiça (carbonáceos).
No caso de Rosellinia. os peritéeios são solitários ou agrupados
amie do pais. Os ascornas do fungo são do tipo peritécio, não em pequeno número, sobre um subiculo (camada micclial) que
~ s nos tecidos do hospedeiro, com rostro (pescoço) longo, se desenvolve na superficie do substrato (Figura 8.27 A-C), No
am&.endo um ostlolo na sua extremidade, por onde são exsudados gênero JJypoxylon, os peritécios são fom1ados no interior de
...,.:õsporos. Estes formam uma gota mucilaginosa sustentada um cstroma bem desenvolvido, geralmente achatado, escuro,
c1m conjunto de pequenas hifas (setas) presentes na região fonnando crostas sobre o substrato (Figura 8.27D). Os ascos
<Jloar (Figura R.26). Os ascos, do tipo prototunicados, são siio cilíndricos e alinham-se na cavidade do peritécio, formando
ilillriboidos ao acaso na cavidade do ascoma, tendo as suas paredes wn himênio (Figura 8.27E). Apresentam, fre4uentementc, um
:6.•h idas ao amadurcc1erem, para a liberação dos ascósporos. anel apical, que tem ou não reação amiloide (coloração azul)
quando tratado com iodo. A reação amiloide do aparato apical
do asco é uma característica taxonômica utiliLada para auxílíar
a identificação desses gêneros. Os ascósporos são unicelulares,
escuros, com uma fenda germinativa tjpica (Figura 8.27F).

Porlt6olo
Oot/olo

A B e
ó
~ • 8.26 Filo Ascomycota, ordem Microascales. Peritécio de
D
- E

Ceratocysti's.

A fase anamórfica de Ceratocysiis corresponde a Thiela-


', Figura 8.48), que produz dois tiposdeconídios. O primeiro
F
1,, H
e produzido em fiálides com longos colaretes e o outro,
... ·1 chamado de aleurioconídio, é produzido diretamente
lufa. Este último, com paredes espessas e pigmentadas, está
~nado à sobrevivência no solo e, por esse motivo, tem sido Figura 8.17 - Filo Ascomycota, ordem Xylariales. (A-C) Rosellinia;
..: por alguns como clamidósporo. Thielaviopsis paradoxa (D-E) Hypoxylon; (F) ascósporos com fenda germi-
~ t e causal da podridão abacaxi da cana-de-açúcar, doença uativa; (G) estromas de Xylaria; (H) corte tnmsversal
: pro,oca podridão negra dos toletes plantados, com emissão de estroina de Xylaria.
~,r característico de abacaxi. Thie/aviopsis basicola, por sua
e. ,ausa a podridão negra em raízes de alface. O gênero Xylaria, típico dessa ordem. é saprófita em madeira
e pode ser facilmente distinguido de Hypoxylon e Rosellinia, por
Ordem Ophiostomatales produzir os peritécios em estroma ereto, clavado ou ramificado
'\essa ordem encontramos o gênero Ophiostoma, muito (Figura 8.27G-H).
~.bante morfologicamente, em sua fase sexuada, a Cera- Na família Amphisphaeriaceae dessa ordem existem
1~. no entanto, em sua fase anamórfica, produz o gênero vários gêneros, notadamentc Pestalosphaeria, cujos anamorfos
':Jli.,n (Graphium) (Figura 8.49), com conidióforos agrupados pertencem aos gêneros Peslalotia (Figura 8.50) e Pestalotiopsis,
s.nema. Ophiostoma ulmi e Ophiosloma novo-ulmi são espécies rarasitas fracos, causadores de manchas em folhas e ftutos de
,...rnsam a seca do olmo. diversos hospedeiros.

123
Manual de Fitopatologia

Ordem Hypocreales
Os ascomicetos da ordem Hypocrea/es geralmente produzem
ascomas do tipo peritécio, rostrados ou não, usualmente de coloração Por1i.cloa

viva, alaranjada ou avennelhada. com textura carnosa ou cerosa,


frequentemente agrupados sobre ou imersos em um estroma.
Os representantes fitopatogênicos dessa ordem agrupam-se nas
famílias Necrriaceae e Clavicipitaceae.
Na família Nectriaceae estão reunidas as fases teleomórficas
de alguns fungos de grande importância fitopatológica, os
quais, entretanto, ocorrem mais frequentemente na sua fase
anamórfica (assexual). É o caso dos gêneros Haematonectria.
Nectria, Giherella e Ca/onectria. Haematonectria haematococct.1
D
corresponde, em sua fase assexuada, a Fusarium solani (Figura
8.51 ), agente de podridões de rah:es em muitas culturas. O gênero
Nectria cinnabarina, por outro lado, pode ser agente causal de Figura 8.28 - Filo Ascomycota, ordem Hypocrea/es, familia Clavici-
cancros e "diebacks" em árvores, tendo o gênero Tubercularia pitaceae. (A-D) "ergot" do centeio causado por Cla-
(Figura 8.52) como o seu anamorfo. Giberella, por sua vez, viceps p111p11n:a; (A) csclcródios na espiga; (8) csclc-
corresponde, em sua fase anamórfica, aos gêneros de Fusariwn ródio originando estromas; (C} corte longitudianl do
causadores de murchas vasculares (complexo Fusariwn estroma; ( D) asco e ascósporos.
oxysporum) e deterioração de sementes, além de algumas
espécies produtoras de micotoxinas em grãos annazenados Ordem Diaport/111/es
(Fusarium verticillioides, Fusarium graminearum) (Figura 8.51 ).
Outro gênero importante da família Nectriaceae é C,à/onectria. A ordem Diaporthale.1· é caracterizada por apresentar,
fase teleomórfica de Cylindrocladium (Figura 8.53), patógeno geralmente, ascoma do tipo peritécio, rosu-ado, imerso em estrema,
particularmente importante em espécies florestais, como agente e ascos com um anel apical não amiloide, que aparece ao
causal de "damping-oíl", podridões de raízes, podridões de microscópio ótico como dois corpos refrativos. Os ascos soll.am-sc
estacas e manchas foliares. na cavidade do ascoma e dcliquesccm-sc após a maturação dos
ascósporos. Esta ordem apresenta alguns gêneros de imponância
Na familia Clavicipiluceae, aparece o gênero Claviceps,
cuja espécie C. purpurea ataca os órgãos reprodutivos do centeio. fitopatológica, entre eles Diaponhe, Cryphonectria, Endothia e
Valsa.
No lugar de alguns grãos da espiga, este fungo forma uma estrutura
bastante peculiar, o "ergot", que na realidade é um escleródio O gênero Diaporlhe (Figura 8.29A) tem como fase ana-
de coloração púrpura. O '"ergot" apresenta alta concentração de mórfica o gênero Phomopsis (Figura 8.55), que se caracteriza
alcaloides que, se consumidos pelo homem ou pelo gado, podem por produzir picnídios com dois tipos de conídios, um ovoide
causar o ergotismo, doença também conhecida pelo nome de fogo (alfa) e outro filíforme (beta), ambos híalinos e unicelulares.
de Santo Antônio (ver Capítulo 2. item 2. 1.4). Os escleródios, por
Em soja, há duas espécies importantes: Diaporthe phaseolorum
var. sojae é agente causal da seca da haste e da vagem. enquanto
outro lado, são os responsáveis pela sobrevivência do fungo no
solo. Em condições favorávei~ genninam, por meio de estromas
pe<licelados, típicos da família (Figura 8.28), reiniciando o ciclo
da doença. Estes estromas apresentam a porção distal dilatada,
mais ou menos esférica, dentro da qual desenvolvem-se os
peritécíos. Os ascos são longos, sem aparato apical, mas com
espessamento da parede nas suas extremidades. Os ascósporos
são filiformes, os quais se fragmentam após a s ua liberação.
Conídios são produzidos em massa após a infecção dos ovários
e d isseminados por meio de insetos, para dar sequência ao ciclo ,. B
assexual, infectando novos órgãos florais.
A ordem Hipocreales possuí. ainda as famílias Hypocreaceae
e Cordycipitaceae, importantes por conterem agentes de controle
biológico. Na família Hypocreaceae, encontra-se o gênero
Hypocrea, fase teleomórfica de Trichoderma, fungo habitante do
solo muito comum, que exerce antagonismo a vários filopatógenos,
por meio de parasitismo, competição e/ou antibiose. Em Cordy-
cipitaceae, por sua vez, está o gênero Cordyceps, parasita de
insetos. Este último gênero, durante sua reprodução sexuada, produz
estromas semelhantes aos de Claviceps, com peritécios em seu D
interior e também com ascos cilíndricos e ascôsporos filifonnes.
O gênero anamorfo Myrothecium ( Figura 8.54) também Figura 8.29 - Filo Ascomycota, ordem Diaporthales. Peritécios e ascos
pertence a esta ordem, baseando-se em análises moleculares. No de (A) Diaporthe; (B) Cryphonectria; (C) f:ndothia;
entanto, o seu teleomorfo é inceno. (D) Valsa.

124
Fungos Fitopatogênicos

p>i,iseolorum f sp. meridionalis causa o cancro da haste.


- citros, a esp~cie D. citri causa a melanose e a podridão
~cular.
Cryphonectria, Endothia e Valsa (Figuras 8.298-D) são
~ associados a cancros em espécies arbóreas, especialmente
.:> ~nero Eucalyptus, em várias partes do mundo.
'-iessa ordem encontra-se, também, o gênero Stenocarpe/la
.;-...ra 8.56), cujos representantes S. maydis e S. macrospora,
Jg,mtes causais de mancha foliar e podridões do colmo e
espiga em milho. Esse gênero corresponde à fase assexuada
um representante da ordem Diaporthales, cujo teleomorfo é
-~eno.
O rdem Phyllachorales Eacleródlo
Este grupo apresenta pcritécios de parede fina, imersos B
reciclo do hospedeiro e agrupados sob placa estromática,
= - mente negra, achatada, denominada clípeo (Figura 8.30). Os Figura 8.31 Filo A.s-comycota, ordem llelotiales. (A) escleródio e
, ~ão persistentes, mantendo sua parede após a Liberação dos apotécios de Sc/emtinia; (B) asco e par.lfise.
,._ ,poros, com o ápice contendo um anel estreito, não amiloide.

hastes, llores e frutos, causam.lo o mofo cinzento. Corresponde,


em sua fase anamórfica, a Botrytls (figura 8.58). Diploc:arpon,
Clfpeo Cl/peo por meio <la espécie D. roseae, é outro representante bastante
comum da ordem Helotiales, causando a pinta preta nas folhas
da roseira. Ocorre, mais comumente, em sua fase anamórfica


Marssonina (Figura 8.59).

Ordem Rhytismatales
a e
Esta ordem contém os gêneros Lophodermium e Rhytisma.
Lophodem1i11m é um parasita fraco que ataca aciculas de Pim,s.
reara 8.J0 Filo Ascomycota, ordem Phyllochoralcs. (A) Clípeo causando manchas e, eventualmente, queima. Também atua
sobre tecido do hospedeiro; (8) corte longitudinal de como sapróntll em acículas mortas por outras causas. É fungo de
pcritécio; (C) asco e paráfises. ocorrência muito comum no sul e sudeste do Bmsil. Rhytisma é
agente causal da doença conhecida como mancha de asfalto cm
-:--;esta ordem aparecem dois gêneros de inten:sse fitopa- plátano.
.ogico: Phyllachora e Apiosphaeria. Phyllachora é encontrado Seus ascomas, carncteristieos da ordem, são apotécios
niumente em associação com manchas foliares em diversas modificados. Desenvolvem-se imersos no tecido do hospedeiro,
·....ntas, causando doenças conhecidas como crostat negra ou sendo recobertos por um estroma escuro, que se rompe por meio
~cha de asfalto. Esse gênero também causa a lixa do coqueiro. de uma fenda longitudinal, expondo o himênio (Figuro 8.32). No
,:,,pJiaeria é o agente causal da crosta marrom <lo ipê, doença caso de Rhytisma, são produzidos vários apotécios agrupados
_ 10 comum no Brasil, principalmente no ipê-amarelo (Tabebuia cm um mesmo estroma, geralmente achatado e circular, que se
•·-''-r,1tifolia). rompem de maneira mais ou menos radial. Os ascósporos, em
ambos os gêneros, são filiformes e tipicamente envolvidos por
O rdem Helotiales
uma bainha mucilaginosa.
Os fungos da ordem Helotiales produzem escleródios bem
~nvolvidos, estruturas que garantem a sua sobrevivência
crr: períodos desfavoráveis. Ao germinarem, esses f:scleródios
--;-,nam apotécios pedicelados. típicos da ordem, que produzem
"""'----os inoperculados, geralmente com anéis apicais amiloides.
.Js ascósporos são projetados e disseminados pelo vento,

& •
::>l(IStituindo-se no inóculo primário da doença.
Quatro géneros de patógenos são encontrados nesta ordem:
S...erotinia, Moniliniu. Botryotinia e Diplocarpon. Causam dife-
~ies tipos de doença, ocorrendo principalmente na fase ana-
- rfica. Sclerotinia(Figura 8.31) ataca diversos órgãos suculentos A B C o
..,_,, plantas em geral, principalmente hortaliças e culturas anuais.
:: -~ gênero não produz esporos no ciclo assexual. Monil'inia causa Figura 8.32 - Filo Ascomycota, ordem Rhytismata/cs. (A) corte longi-
• "'Odridão parda de frutos, especialmente do pessegut:iro, e sua tudinal de apotécio de lophodermium; (B) apotécíos
-~ assexuada corresponde a Moni/ia (Figura 8.57). Botryotinia de Rhytisma; (C) asco e paráfises; (D) ascósporo com
- <le atacar toda a parte aérea das plantas, principalmente folhas, bai.nha mucilaginosa.

125
Manual de Fitopatologia

Ordem Capnodiales conhecida como antracnose da videira. Nos citros, duas espécies
A ordem Capnodiales constitui grupo bastante numeroso e
estão associadas à verrugose em nosso país, E. fawcettii e
E. australis. Em sua fase assexuada, esse gêuero corresponde a
diversificado de fungos, iucluindo vários agentes fitopatogênicos,
Sphaceloma (Figura 8.70).
predominantemente causadores de doenças foliares. A principal
família de importância fitopatológica nessa ordem é Mycosphae- Elsinoe produz estromas com vários [óculos, no interior
rellaceae. Mycosphaerella, o principal gênero da família, possui dos quais são produzidos os ascos bitunicados (Figura 8.33). Os
enorme importância fitopatológica, causando doe nças bastante ascósporos são envoltos em camada mucilaginosa que facilita sua
destrutivas, como a mancha foliar do morangueiro (M .fi·agariae), aderência no hospedeiro.
mal-de-Sigatoka (M. musico/a) e Sigatoka negra (M .fiJiensis) em
bananeira, entre outras. Porém, esse gênero ocorre mais comumente
em sua fase anamórfica, envolvendo espécies pertentencentes aos
8 _. . .
Ascósporos

gêneros Cercospora (Figura 8.60), Cercosporefla (Figura 8.61 ),


Cerco.1poridium (Figura 8.62), Paracercospora, Pseudocercospora
(Figura 8.63), Pa.1·salora, Ovu/aria, Ramularia (Figura 8.64), Aspe-
risporium (Figura 8.65) e Septoria (Figura 8.66). /\inda, tmlre os
patógenos da família Mycosphaerellaceae, destaca-se, no Brasil,
Microcyclus ulei, agente causal do mal-das-folhas da seringueira.
Outra família com relativa importância nessa ordem é Davi-
diellaceae, cttio representante Davidiella, C-Omumente· encontrado cm
sua fase assexuada, Cladosporium (Figura 8.67), ,causa manchas
em folhas, flores e frutos de diversas plantas. J
Além disso, nessa ordem encontramos a farnílía Capnodiaceae,
que abriga o gênem Capnodium, agente das fumaginas. Esse fungo
não parasita as plantas atacadas, apenas cresce em sua supcrficic
Figura 8.33 - Filo Ascomycota, ordem Myriangiafes. Ascostroma
às custas de excrementos açucarados de insetos sugadores,
de Elsinoe.
como pulgões e cochonilhas. No entanto, ao recobrir os órgãos
vegetais, pode interferir nas trocas gasosas e na fotossíntese, além
de conferir aspecto depreciativo aos frutos comercializados.
Uma característica morfológica frequente da ordem Capno- Ordem P/eosporales
diales é a formação de ascos bitunicados em lócullos (cavidades) Os representantes da ordem Pleosporales geralmente
formados em um tecido estromático pré-fonnado; o ascostroma. O produzem ascostromas uniloculados e opcrculados, semelhantes
ascostroma pode ser uni ou pluriloculado. Os ascos são-dispostos a peritécios, denominados pseudotécios. Os ascos são usual-
em geral na base do !óculo, formando fascículos ou camadas mente cilíndricos ou clavados, bitunicados, tipicamente fissitu-
basais. Sua forma varia de globosa a cilíndrica ou clavada. O nicados, com descarga dos ascósporos do tipo jack-in-the-bax.
ápice dos ascos é simples, nunca tendo reação amiloide. Hifas Os ascósporns são hialinos ou marrons, septados, às vezes muri-
septadas podem se desenvolver no interior do !óculo, a partir formes ( com septos em mais de um plano), frequentemente com
do ápice da cavidade, ligando-se à sua base e entremeando-se uma bainha mucilaginosa.
entre os ascos. Estas hifas são chamadas pseudoparáfiscs, que Essa ordem é bastante numerosa e diversificada, reunindo
se assemelham às paráfises de outros ascomicetos, encontradas muitos fitopatógenos importantes. A seguir são apresentados os
em ascomas do tipo peritécio e apotécio. As par·áfises diferem principais representantes fitopatogênicos dessa ordem, seguidos
das pseudoparáfises por terem as suas extremidades superiores pelo seu anamorfo (quando houver) entre parênteses: Venturia
livres. (Figura 8.34A) (Spilocaea - Figura 8.71), Phaeosphaeria,
Ordem Botryo~phaeriales Cochliobolus (Figura 8.34B) (He/minthosporium, Bipolaris -
Figura 8.72, Drechslera - Figura 8. 73, Curvu/aria - Figura 8.74),
A ordem Botryosphaeriales comporta os gêneros Botry os- Co,Jmesporasca (Cm y nespora - Figura 8.75), Pyrenophora
phaeria e Guignardia. Esses gêneros, em suas fases anamórficas, (Figura 8.34C) (Drechslera - Figura 8.73), Pleospora (Figura
correspondem, respectivamente a Lasiodiplodia (Figura 8.68) 8.340) (Stemphylium - Figura 8.76), Lewia (Alternaria - Figura
e Phyllosticta ( Figura 8.69). Lasiodiplodia theoibivmae é um 8. 77), Leptosphaerulina (Figura 8.34E), Leptosphaeria (figura
importante fitopatógeno, causador de podridões em frutos e 8.34F) e Didymella (Figura 8.34G) (Phoma - Figura 8.78,
secas de ramos em diversas culturas. Phyllosticta citricarpa é Ascochyta - Figura 8.79).
agente causal da pinta preta dos citros, doença limitante para a
citricultura. Ordem Triclwsphaeria/es
Essa ordem, a exemplo de Capnodiales, também produz ascos A ordem Trichasphaeriales é pequena e possui pouca
bituoicados no interior de ascostromas. importância fitopatológica. O gênero Khuskia, cujo anamorfo
Ordem Myriangiules é Nigrospora (Figura 8.80), pertence a essa família. Nigros-
pora encontra-se amplamente distribuído uo solo e em restos
Nessa ordem encontramos o gênero Elsinoe, típico agente de plantas. Assume certa importância fitopatológica quando está
causal de verrugoses em várias plantas, entre elas, citros e associado a grãos e sementes armazenados, porém, é um parasita
amendoim, porém, a espécie Elsinoe ampelina. c:ausa a doença fraco.

126
Fungos Fitopatogênicos

e
~ '1
e D

'
8

f"rgura 8.34 Filo Ascomycota, ordem Pleosporales. Pseudotécios, ascos e ascósporos de: (A) Venturio; (B) Cochliobolus; (C) {>yrenophora;
(D) Pleospora; (E) Leptosphaerulino; (F) Leptosphaeria; (G) Didymella.

Ordem Erysipha/es correspondentes ao gênero Oidium (Figura 8.81). Tais conídios são
unicelulares, hialinos, ovoides a cilíndricos, produzidos a partir
A ordem Erysiphales constitui o grupo de fungos parasilAS
de conidióforos curtos e não ramificados, derivados do micélio
«>ngatórios causadores das doenças conhecidas como oídios.
superficial. Estes conídios são os responsáveis pelo desenvol-
Estes fungos infectam os tecidos clorofilados das plantas, como
vimento dos sucessivos ciclos secundários do patógeno, ao serem
f,..,ihas e frutos, desenvolvendo um micélio, na maioria das vezes, disseminados pelo vento e depositarem-se sobre novos tecidos
-..Jpcrficial, que retira os nutrientes do hospedeiro. por meio de
suscetíveis do hospedeiro. O gênero Phyllactinia, cuja fase
-:.mstórios formados no interior J as células da epiderme (Figura anamórfica é Ovulariopsis (Figura 8.82), coloniza a superftcic
!.35A).
do hospedeiro, porém, parte do micélio também invade o mesó-
A fase teleomórfica dos fungos da ordem Erysiphales é filo através dos estômatos. Os conidios são formados a partir
.J.racterizada pela produção de ascomas esféricos, do tipo cleis- de conidióforos longos, não ramificados, que emergem do
nécio, na superficie do hospedeiro (Figura 8.35B). Os cleis- micélio superficial. Esses conídios são grandes, geralmente cla-
iülécios amadurecem lentamente durante o outono e inverno, vados e solitários, raramente formando cadeia. leveillula, que
·berando os ascósporos na próxima primavera, parc1 dar início a corresponde ao anamorfo Oidiopsi.1· (Figura 8.83), coloniza
QO\O ciclo primário da doença. Na superficie dos ascomas desen-
principalmente o mesófilo dos órgãos pardsitados e seus coni•
0lvern-se apêndices filamentosos t(picos. Segundo Kendrick dióforos, longos, ramificados ou não, emergem através dos
2001 ), a morfologia destes apêndices e o número de ascos por estômatos e produzem dois tipos de conídios. O conídio primário,
_-coma constituem um bom critério para a diferenciação dos lanceolado e com ponta no ápice, é o primeiro a ser produzido no
~~eros que ocorrem nesta ordem (Quadro 8.1 e Figura 8.35C). A conidióforo, diferindo bastante do conídio subsequente, o cooidio
~ração dos ascósporos dá-se por meio do rompimento da parede secundário, com forma que varia de elipsoide a cilíndrica, com
_, cleistotécio, que expõe os ascos. Estes, por sua vez, expelem os ápice sem ponta.
_...;:ósporos através de uma fenda no seu ápice.
Os gêneros Erysiphe, Uncinula, Microsphaera, Podosphaera Ordem Glomerellales
e Sphaerotheco produzem, em suas fà.ses anamórficas, conidios A ordem Glomerellales tem duas famílias com importância
~ cadeia, de fonna basipetal (conídio mais jovem na base), fitopatológica, Glomerellaceae e Pfectospherellaceae. A familia

Quadro 8.1. Classificação dos gêneros teleomórficos dos Erysiphales em função dos apêndices e do número de ascos encontrados oos ascomas.

T.1po I1l' • 1·1n•


apl'III no a,roma , •
lJTn1·1,,·1111111· • • •
·1,•·001·1 \lai, de 11111 :1,cu 11m· a,ruma
.S.pêndices como hifas assimilativas Sphaerotheca Erysiphe
-\pêndices com terminações ramificadas dicotomicamente Podosphoera Microsphaero
Apêndices com terminações em gancho Uncinula
Apêndices em formato de agulha, com bulbo na base Phylloctinía

127
Manual de Fitopatologia

Ordem Magnaportltales
Nessa ordem encontra-se a família

~
Magnaporthaceae, com dois gêneros de im-
portância fitopatológica, Magnaporthe e
Gaeumannomyces. Ambos produzem peri-
técios ostiolados, não estromáticos, tipi-
camente rostrados e com perífises espar-
A sas e delgadas. Os ascos são unitunicados,
com anel apical refrativo e não amiloide,
mais espesso no ápice em Magnaporthe que
em Gaeumannomyces. Os ascósporos de
Magnaporthe possuem, geralmente, três sep-
tos e são fusiformcs, curvados e hialinos. No
gênero Gaeumannomyces, os ascósporos são
multiscptados, filifonnes e hialinos (Figura
8.37).
I.Jnclnlll• Púdo~,,,,_ra/111Jarosph•t1r• PfrTll•Cflni11 Magnapor/he grisea é agente causal
de brusone em arroz e trigo, ocorrendo mais
Figura 8.35 - Filo Ascomycota. Algumas estruturas encontradas na ordem Erysiphales: comumente em sua fase anamórfica, Pyri-
(A) haustórios; (B} asco e cleistotécío; (C) diferentes tipos de apêndices dos ,11/aria (Figura 8.86). Gaeumannomyces
cleistotécios. graminis var. tritici causa a doença mal-do-pé
do trigo.
G/omerellaceae é representada pelo gênero Glomendla, que
produz ascocarpos do tipo peritécio, parcial ou completamente
imersos nos tecidos do hospedeiro, sem estroma, com rostro
geralmente curto e tipicamente forrado internamente com perífiscs.
Os ascos são unitunicados, cilíndricos a levemente clavados e
os ascósporos unicelulares, hialinos, elipsoides. retos ou ligeira-
mente curvos (Figura 8.36)_ Em sua fase anamórfica, Gfomerella
corresponde aos fungos do gênero Colletotrichum (Figura 8.84),
agentes causais de doenças conhecidas como. antrncnose~ em
mais de uma centena de hospedeiros.
A

Figura 8.37 - Filo Ascomycota, fumilia Magnaporrhaceae. Peritécios,


ascos e ascósporos de: (A) Magnaporthe; (8) Gaeu•
marmomyces.

Filo Basidiotnycota
Assim como os ascomicctos, os basidiomicetos compõem
um grande grupo de fungos que apresenta uma fase dicariótica
(dicariofase) em seu ciclo vital. Além desta característica, os
basidiomicetos têm em comum com os ascomicetos: a) presença
Je quitina na parede celular; b) hifas regularmente septadas;
e) presença de poro central nos septos; d) potencial para anas-
B e D tomose de hifas vegetativas (somatogamia); e) produção de corpos
de frutificação complexos e frequentemente macroscópicos;
Figura 8.36- FiloAscomycola, família Glomerellaceae. (A) peritécio; () mecanismo de lançamento forçado dos esporos sexuais (meiós-
(B) asco; (C) parãfises; (D) ascósporo. poros) na atmosfera.
Estas características indicam que basidiomicetos e ascomi-
A familia Plectosphaerellaceae possui representantes cetos evoluíram a partir de um ancestral comum. Existem, por
cujos anamorfos correspondem ao gênero Verticillium (Figura outro lado, vários aspectos que distinguem estes fungos entre si:
8.85), imponante agente causal de murchas vasculares em muitas a) a parede das hi fas dos ascomicetos apresenta apenas duas camadas
plantas. Esse gênero é polifilétíco e sua classificação tem sido e a dos basidiomicetos é muhiestratificada; b) o septo das hifas
revista à luz de técnicas moleculares. No Brasil, estão presentes dos ascomicetos apresenta apenas um poro central simples. com
as espécies V. albo-atrum e V. dahliae. Apesar de não possuírem exceção das leveduras, que têm vários poros. Nos basidiomicetos,
teleomorfos conhecidos, essas espécies foram incluídas entre o poro em geral é complexo (doliporo) (Figura 8.38A) e não
os ascomicetos porque análises moleculares revelaram que permite a passagem do núcleo, ou é um pouco mais simples, no
pertencem à família Plectosphaerellaceae_ caso das ferrugens; e) nos basidiomicetos. após a anastomose

128
Fungos FilopatogênicoJ.·

C lasse Agaricomycetes
Os fungos fitopatogénicos da classe Agaricomycetes produ-
zem coll)os ,de frutificação macroscópicos, bem desenvolvidos,
como os cogumelos e as orelhas-de-pau. Os basidiósporos são
produzidos em basídios não septados (holo basídio) (figura 8.39),
geralmente em número de quatro por basídio, e são projetados
ativamente (balistósporos).
O micélio dos basidiocarpos (micélio terciário) pode ser
composto por três tipos de hifa: hifas gerador as, dotadas de
paredes finas, féneis, responsáveis pela formação dus basídios.
A B hifas do esqueleto, de parede grossa, estéreis. não ramificadas
e hüas de liigação, também com parede grossa, estéreis, mas
Figura 8.38 - Filo Basidiomycota. Estruturas encontradas nas hifus: ramificadas. Quando os três tipos de hifa estão presentes, o
(A) doliporo; (D) fonnaçõo do grampo de conexão. basidiocarpo apresenta estrutura tr imítica . Se o ba'sidiocarpo
é composto somente de hifas gerncloras, este é de construção
monomítica. Quando somente dois tipos de hifas ocorrem (hifa~
de hifas monocarióticas do micélio primário, estabelece-se uma geradoras e hi fas do esquelclo ou hifas de ligação), o basidiocarpo
dicariofase prolongada, que dura meses on até anos, constituindo é de construção dimítico.
o micélio secundário. Nos ascomicetos, a <licariofase fica Nessa dasse há representantes fitopatogénicos nas ordens
restrita às hifas ascógenas, que se formam a partir do ascogônio,
Polypora/es, Corticiales, Agaricales e Cantharellales.
dentro do ascoma. Os basidiomicetos apresentam um terceiro
tipo de micélio, o micélio terciário, que compõe os tecidos dos Ordem Polyporales
corpos de frutificação. Este micélio também é dicariótico; d) as Nessa ordem encontra-se o gênero Ganoderma (Figura
hifas dicarióticas de muitos basidiomicetos podem apresentar 8.40A), de ocorrência muito comum em árvores de áreas urbanas,
grampos de conexiío (Figura 8.38B) na altura dos septos. sujeitas a diferentes tipos de estresse fisiológico e de ferimentos.
Essas estruturas são responsáveis por restabelecer a condição Nesse gênero, o basidiocarpo é perene, de consistência lenhosa e
dicariótica durante a divisão celular nas hifas, uma vez que o o himênio (camada fértil de basídios) é localizado na superfície
doliporo não permite a passagem do núcleo. Nos ascomicetos, interna de tubos que se comunicam com o exterior, na parte
as estruturas correspondentes aos grampos de conexão, os inferior do basidiocall)O (Figura 8.40B).
..croziers", ocorrem exclusivamente nas hifas ascógenas; e) os
meiósporos dos ascomicctos (ascósporos) fonnam-se dentro dos
ascos, enquanto que aqueles dos basidiomicetos (basidiósporos)
:.ão fonnados do lado de fora dos hasídios (Figura 8.39),
onde ocorre a cariogamia e, subsequentemente, a meiose. Os
basidiósporos geralmente formam-se a partir de projeções do
basídio, os cstcrigmas.

A B

Figura 8.40-· Filo Basidiomycota, ordem Polypora/es (A e Il) e

........•
Coniciales (C): (A) basidiocarpos de Ganoderma; (B)
corte transversal de parte do basidiocarpo, mostrando
os tubos e a disposição do himênio; (C) basidiocarpo
Buídloa jO\lens B■aídloa m■ duroa
ressupinado de Erythricium.
Figura 8.39 - Filo Basidiomycota: estágios de desenvolvimento do
basídio e basidiósporos. Ordem Corticiales
A ordE:m Corticiales contém o gênero Erythricium, cuja
Do ponto de vista fitopatológico, os basidiomicetos impor- espécie E. salmonicolor (sin. PhanerochaeJe salmonicolor. Corti-
tantes estão distribuídos nas classes Agaricomycetes, Puccinio- cium salmonicolor) parasita plantas. Em áreas tropicais úmidas,
mycetes, Ustilaginomycetes e Exobasidiomycetes. essa espécie causa a rubclose ou doença rosada em várias culm-

129
Manual de Fitopatologia

ras, como o chá, seringueira, citros e eucalipto. Nesse gênero, o Apesar de não fonnarem basidiocarpo, os fungos da ordem
basidiocarpo é achatado (ressupinado), com o himênio na super- Pucciniales, ao contrário dos demais basidiomicelos, produzem
ftcie superior (Figura 8.40C). órgãos sexuais, as espermácias e as hifas receptivas, que atuam
como órgãos masculinos e femininos, respectivamente. O ciclo
Ordem Agaricales
de um Pucciniales, por outro lado, em geral é complexo, podendo
Nessa ordem encontramos fungos que produzem basi- compreender até cinco estádios diferentes e frequentemente
diocarpos carnosos, efêmeros. O basidiocarpo dos Agaricales, envolvendo dois hospedeiros, no caso das ferrugens heteroécias.
chamado vulgarmente de cogumelo, apresenta uma estipe, Quando todo o ciclo vital ocorre em apenas um hospedeiro, a
central, ligada a um píleo, no topo (Figura 8.88). O himênio fica ferrugem é chamada autoécia. As ferrugens que apresentam as
na parte inferior do píleo, recobrindo a superficie de lâminas ou cinco fases no seu ciclo vital são chamadas macrocíclicas. Estas
lamelas, radialmente dispostas. Os basidiósporos, do tipo balis- cinco fases estão descritas a seguir.
tósporos, são projetados no espaço entre duas lamelas. ganhando
• Fase O- Fase espermogonial: nesta fase ocorre a fonnação
a atmosfera, sendo, assim, disseminados.
de espermogônios na superficie do hospedeirp. os quais
Durante o desenvolvimento do basidiocarpo, uma membrana, produzem llifas receptivas e espennácias (Figura 8.41 A).
chamada ,,éu universal, que o envolve complel.amente, pode As espennácias, que são monocarióticas e haploides (N),
deixar vestígios, na fo1ma de uma bainha na base da estipe, a são disseminadas por insetos, entrando em contato com
volva, ou escamas na superfície do pílco, características de alguns hifas receptivas geneticamente compatíveis, produzidas
gêneros deAgaricales. Um véu parcial uu interno, ligando a estipe em outros espermogônios. Ocorre, énlão, a fertilização
à extremidade do pílco, pode também permanecer no basidiocarpo (plasmugamia). iniciando-se a dicariofase (N+N) (Figura
adulto na fonna de um anel ou ânulo envolvendo a estipe, ou na 8.4 \B).
forma de cortina, formada por filamentos ligando o píleo à estipe
• Fase 1 - Fase ecial: o mícélio dica.riótico produzido a
(Figura 8.8A-B).
partir <la fase O, após a colonização do hospedeiro, dá
Na ordem Agaricales encontramos os gêneros Armillaria
origem aos écios, onde são produzidos os cciósporos,
e Moniliophthora, com importância fitopatológíca. Armillaria
também dicarióticos (Figura 8.41 C). Estes, com o rom-
causa podridão de raízes em árvores, especialmente Pinus, e
pimento ela epidenne do hospedeiro, são liberados e
Moniliophthora perniciosa (sin. Crinipellis perniciosa) é o agente
disseminados pelo vento. Ao entrar em contato com tecido
causal da vassoura-de-bruxa do cacaueiro.
suscetível do mesmo hospedeiro (ferrugens autoécias) ou
Ordem Cantharellales de outro hospedeiro (ferrugens heteroécias) originam
novas infecções.
Rhizoctonia solani, importante patógeno veiculado pelo
solo, causador de "damping-otr·, podridões de raízes e, às vezes, • l•'ase 11 - Fase urcdinial: após a infecção pelos eciós-
de queima de folhagens, constitui-se na fase an:amórfic'a de poros, são fonnados os uredínios, produtores dos uredi-
Thanatephorus Cllcumeris, representante da ordem Cantharellales. nióspo ros (ou Ltredósporos), esporos dicarióticos, unice-
Assim como Erythricium salmonicolor, forma basidiocarpos lulares, com pouca variaçâ(l morfológica, que são dis-
ressupinados sobre o hospedeiro, em regiões úmidas e quentes. seminados pelo vento para dar origem a novas infecções
Comumente, no entanto, este fungo ocorre exclusivamente na no hospedeiro em que foram produzidos (Figura 8.410).
fonna micelial, não produzindo esporos e sobrevivendo no solo Os urediniósporos são os únicos esporos das ferrugens que
por meio da formação de escleródios. são repetitivos, ou seja, a infecção por um urediniósporo
dá origem a novos urediniósporos. Vários ciclos urediniais
Classe Pucciniomycetes podem ocorrer, dependendo ela.<; condições ambientes
Na classe Pucciniomycetes o basídio desenvolve-se a partir e da existência de tecido disponível do hospedeiro para
da germinação do teliósporo, esporo <liploide de parede espessa, infecção. Os urediniósporos, a exemplo dos eciósporos,
que sofre meiose ao formar o mbo germinativo, de crescimento formam massas pulverulentas, de coloração amarelo-
determinado e, neste caso, denominado de promicélio. O promicélio alaranjada a marrom, de aspecto ferruginoso, típicas da
é septado e dividido transversalmente em quatro células haploides, ordem Pucciniales.
que dão origem aos basidiósporos (Figura 8.8C). Não há formação • Fase UI - Fase teUal: esta fa<ie, caracterizada pela pro-
de basidiocarpo. dução de télios e teliósporos (Figura 8.41 E), ocorre
Os representantes fitopatogênicos dessa classe estão reunidos geralmente quando as condições tomam-se desfavo-
na ordem Pucciniales. ráveis para o fungo. Os teliósporos, inicialmente dica-
rióticos, sofrem cariogamia, tomando-se diploidcs (2N).
Ordem Pucciniales Têm parede espessa e escura, servindo de estrutura de
Esta ordem engloba os fungos causadores de ferrugens. repouso ou sobrevivência das ferrugens. Ao contrário
Mais de 160 gêneros e 7.000 espécies são relatados, afetando dos urediniósporos, os teliósporos apresentam bastante
grande número de plantas. São patógenos altamente específicos variação morfológica e têm bastante valor taxonômico
quanto aos hospedeiros, em nível de família, gênero ou espécie (Figura 8.42). Os teliósporos não são infectivos. Em
de planta. São parasitas evoluídos, produzindo baustórios condições favoráveis, eles genuinam e produzem o pro-
intracelularmente, a partir do micélio intercelular, que não micél io, que dará origem à fase basidial. A meiose ocorre
apresenta grampos de conexão. São parasitas obrigatórios, em algum momento durante a germinação do teliósporo,
entretanto, culturas axênicas já foram obtidas para algumas originando 4 núcleos haploides que darão origem aos
poucas espécies. basidiósporos.

130
Fungos Fitopatogênicos

da germinação dos basidiósporos. Os basidiósporos


infectam o mesmo hospedeiro (ferrugens autoécias)
ou hospedeiro diferente (ferrugens heteroécias)
daquele onde os teliósporos foram produzidos.
A fase Ili (telial) é vista como a fase sexual ou
teleomórfica das ferrugens. Desta forma, no caso
A das ferrugens heteroécias, o hospedeiro no qual
esta fase se desenvolve é chamado de hospedeiro
primário. O hospedeiro secundário (ou alter-
nado) é aq uele em que a outra parte do ciclo se
8
desenvolve (Fases O e I).
O modelo de ferrugem heteroécia mais
utilizado para ílustrnr o de.senvolvimenlo do seu
ciclo vital é o da ferrugem do trigo, causada por
Puccinia graminis f. sp. trifiei, cujo hospedeiro
primário é o trigo e o hospedeiro secundário é uma
planta selvagem do gênero Berheris. No Brasil,
onde o Berberis não ocorre, a ferrugem do trigo
mantém-se através da atuação exclusiva dos
e urediniósporos (Fuse TI), os quais constituem a fase
E
repetitiva do ciclo das ferrugens, responsável pelo
desenvolvimento das epidemias.

o Classe Ustila,:inomycetes
A classe Ustilaginomycetes compreende os
F1gura 8.41 Filo Basidiomycota, ordem Pucciniales. Ciclo de uma ferrugem hasidiomicetos causadores das doenças conhecidas
macrocíclica: (A) fase O - espermogonial; (B) fertilização de bifa como carvões. Possui mais de 1.000 espécies. distri-
receptiva por espermácia; (C) fase 1 - ecial; (D) füsc 11 - urcdinial; buídas em pouco mais de 60 gêneros. A ordem mais
(E) fase Ili - telial; (F) fase IV - basidiaL importante é Ustilaginales.
Ordem Ustila,:ina/es
Essa ordem concentra a maioria dos agentes causais
Jos carvões, com 49 gêneros e 850 espécies. Os gêneros mais
importantes são Ustilago e Sporisorium. À semdhança dos
Pucciniules, são parasitas de plantas vasculares, produzindo basi-
diósporos a partir da germinação dos tcliósporos. As diferenças
Pucdnia IJ,r,pyxis
entre as duas ord,ms, no entanto, sã{> numerosas: a) nas ferrugens,
~ PilflOlaria
os tcliósporos são produzidos tenninalmenle noi. soros teliais
(télios) e nos carvões estes são intercalares, produzidos como
clamidósporos, por fragmentação das hitàs, em massas escuras,
no lugar de órgãos do hospedeiro (ovário, antern. etc.); b) nas
ferrugens. fonnam-se quatro basidiósporos por célula do
teliósporo, os quais são projetados a partir de esterigmas. Nos
carvões, o número de basidiósporos. nesse caso mais conhecidos
como esporidios, é variável e estes não são lançados a partir de
esterigmas, por este motivo, denominados estatismósporos; e) as
ferrugens produzem órgãos sexuais (espennogônios) e os caivões.
Plngmidium RMV"""'ia não. A plasmogamia nos carvões ocorre pela fusão de células
compatíveis, não especializadas; d) as ferrugens, frequentemente,
Figura 8.42 - Filo Basidiomycora, ordem Pucciniales. Alguns exemplos requerem dois hospedeiros e os carvões, nunca; e) as ferrugens,
de variações morfológicas encontradas nos teliósporos. em geral. causam infecções localizadas no hospedeiro e os
carvões causam, geralmente, infecções sistêmicas; t) as ferrugens
• Fase IV - Fase basidial: o ciclo do fungo completa-se têm gama maior de hospedeiros (pteridófitas. gimnospennas
com a produção dos basidiósporos (também chamados e angiospcm1as) do que os carvões, os quais se restringem às
de esporídios), após a genninação dos teliósporos angiospermas; g) ao contrário das ferrugens, os fungos causadores
(Figura 8.41 F). Os basidiósporos são projetados na de carvões produzem, em meio de cultura, um crescimento
atmosfera e darão origem a novas infecções ao encontrar leveduriforme, unicelular, graças ao brotamento dos csporídios.
tecido suscetível do hospedeiro, por meio do micélio Os fungos causadores de ferrugem dificilmente crescem em meio
primário, haploide e monocariótico. produzido a partir de cultura e, quando o fazem, seu crescimento é micelial.

131
Manual de Fitopatologia

Um estudo recente (Marques et al., 2017) demonstrou ao serem depositados em tecidos jovens do hospedeiro, causar
que, para Sporisorium scitamineum, agente causal do carvão da novas infe,cções. Outros pem1anecerão nos restos de cultura, onde
cana-de-açúcar, além da formação tática intercalar clássica, os terão condições de sobre.viver por vários anos.
teliósporos podem, também, serem formados apicalmente na
Clas:se Exoba~·idiomycetes
hifa esporogênica. Nesse caso, apenas a célula apical da hifa se
destaca, deixando uma cicatriz na hifa esporogênica, semelhante Os representantes fitopatogênicos dessa classe são os
ao colarete da conidiogênese enteroblástica anelídica. agentes de doenças denominadas cáries e se concentram na
O teliósporo dos carvões equivale ao das ferrugens. Após ordem Tilf,etiales.
a cariogamia e durante a germinação, sofre meiose e produz um Ordem Tilletiales
promicélio com três septos transversais. A partir de cada célula
deste promicélio brota um ou mais esporídios (Figura 8.43). Após a Essa ordem possui uma única família, a Tilletiaceae, com
fom1ação dos esporídios, a plasmogamia ocorre de fom1a bastante 6 gêneros e: pouco mais de 180 espécies. Desses gêneros, destaca-se
variável, dependendo <la espécie de fungo. Em espécies homotálicas, Tilletia, tanto em número de espécies quanto em importância. É,
que se reproduzem sexualmente a partir de um simples indivíduo portanto, um pequeno grupo defüopatógenos que, no passado, por
originado de um esporo, pode ocorrer íusão entre esporídios de semelhanças morfológicas e em seus ciclos vitais, era considerado
um mesmo basídio, fusão de um esporidio com uma célula do próximo c.ilos agentes causais dos carvões. Entretanto, após o
basídio, fusão entre duas células do mesmo basídio, sem ocorrer a advento das técnicas de sequenciamento de regiões conservadas
produção de esporidios, ou ainda, fusão entre tubos germinativos do DNA dos fungos, esse grupo foi reclassificado e incluído em
de esporídios recém-germinados. Muitos carvões, no entanto, são classe distiinta dos agentes de carvões.
heterotálicos. Neste caso, as fusões devem ocorrer entre elementos Os fungos dessa ordem também produzem teliósporos,
provenientes de teliósporos diferentes, compatíveis. corn morfologia e função semelhantes aos Jos carvões. Após a
cariogamia e meiose, urna ou duas mitoses ocorrem, originando
oito ou 16 núcleos haploides. A gem1inação do teliósporo dá
origem a um promicélio geralmente asseptado, de cujo ápice

B
8 surgem esporídios primários, estreitos e levemente curvados, cm
quantida<l~: correspondente ao número de núcleos do promicélio.
Os esporídios primários conjugam-se aos pares, por meio de
curtos rubos de conjugação, conferindo ao conjunto um fonnato
de "H" (Figura 8.44). O núcleo de um dos esporídios migra para
o outro, que se toma binucleado e desenvolve um único esterigma
lale.ralménte. A partir desse esterigma, origina-se um csporídio
secun<lário,, hinucleado e infectivo, que é projetado ativamente,
como os hasidiósporos das ferrugens.

Figura 8.43 Fílo Basidiomyco/a, ordem Ustílaginales. (A) germi-


nação de teliósporo e fom1ação <los esporídios; {B)
brotação <los esporí<lios; (C) fusão dos tubos gem1i-
nativos e fonnação de hifa binucleada do micélio
secundário.

No caso de Ustilago may dis, agente causal do carvão do


milho, após a germinação de dois esporídios compatíveis, há a
fusão de seus tubos germinativos (Figura 8.43C), originando um Figura 8.44- FiioBasidiomy cota, ordem Ti!letiales. (A) germinação
micélio dicariótico, infectivo, na superficie do hospedeiro. Este de teliósporo e formação de esporídios primários; (B)
conjugação de esporídios primários; (C) formação de
penetra diretamente através dos pistilos florais, atinge o ovário
esporídío secundário a partir de esporídíos primários
e desenvolve-se inter e depois intracelularmente, determinando
conjugados.
a hipertrofia e a hiperplasia dos tecidos do hospedeiro. Surgem,
então, as galhas, defonnando a espiga, dentro das quais o
micélio dicariótico fragmenta-se, formando os teliósporos, que
O caso do gênero Sc/erotium
recebem também a denominação de clamidósporos. Estes, por
s ua vez, formarão uma massa escura, pulvemlenta, envolta por O gfoero Sclerotium consiste em grupo polifüétíco e sua
uma membrana composta por células do hospedeiro. Com o classificaçífo tem sido revista. Tamanha é a discrepância filogenética
amadurecimento da galha, esta membrana rompe-se, liberando os dentro dess.e grupo que, para se ter uma ideia mais precisa, algwnas
teliósporos. Alguns, ao serem disseminados pelo vento, podem, espécies, à luz dos conhecimentos atuais, são classificadas entre os

132
Fungos Fítopatogénicos

ascomicetos e outras entre os basidiomicetos (Xu et ai., 2010). Por


exemplo, Sclerotium rolfsii, hoje reclassificado como A thelia ro/fsii,
agente de "damping-off" e podridões de raízes em muitas plantas,
é um basidiomiceto da classe Agaricomycetes, ordem Atheliales.
Por outro lado, Sclerotium cepivorum, agente da podridão branca
em alho e cebola e hoje reclassificado como Stromatinia cepivora,
é um ascomiceto da ordem Helotiales, família Sclerotiniaceae, e
posicionado, portanto, ao lado de Sc/erotinia. Muitas outras espé-
A B
cies foram reclassificadas e um grande número permanece ainda
sem classificação. Por esse motivo, optou-se. aqui, por abordar esse
grupo sem vinculá-lo a um laxa conhecido.
A característica morfológica comum entre todas as
espécies, e motivo pelo qual eram agrupadas juntas, é a
ausência de reprodução por esporos, assim como no gênero
Rhizoctonia. Também a exemplo desse gênero, os fungos desse
grupo pruduzem escleródios esféricos como estruturas de E
sobrevivência no solo.
Fungos Anamórficos Figura 8.45 Estruturas reprodutivas da fase assexuatla: (A) conidió-
Os fungos anamórficos. também chamados de fungos loros solitários; (D) conidióforos agrupados em sínema;
IIllperfeitos ou fungos mitospóricos, ou m.:smo deuteromicetos, (C) condióforos agrupados em esporodóquio; (D) acér-
no passado, constituem um grupo taxonomicamentc artificial, vulo: (E) picnidio.
em que a reprodução sexual é ausente ou ocorre raramente.
Estes fungos são, então, caracterizados pela produção de
conídios (mitósporos) form ados a partir de células eoni- frequentemente embebidos numa matriz mucilaginosa, rompe a
d1ógenas, contidas ou não em estruturas espcciali7adas cutícula do hospedeiro. p,:nnítindo a sua liberação. Os picnidios
conidiomas), ou por fragmentação do talo micelial. Entre os (Figura 8.45E) sào estruturas mais fechadas que os acérvulos,
fungos anamórficos em que a fase teleomórfica é conhecida, a contendo apenas uma abertura na sua parede, chamada ostiolo. através
grande maioria é enquadrada dentro dos ascomicetos e alguns da qual os conidios são liberados. Estas estruturas caracterizam a
poucos entre os basidiomicetos. É bem provável, pois, que os ordem-fonna Sleropsidales.
fungos classificados como fungos anamórficos sejam, em suu Entre os hifomicetos, os conidióforos são gernlmcntc soli-
maioria, ascomicetos que perderam a capacidade de reprodução
tários (Figura 8.45A), mas às vezes formam agregados em feixe,
sexual ou que não tiveram ainda a sua fase teleomórfica chamados sinemit ou corêmío (Figurn 8.45B). ou massas em
descoberta. Deste modo, do ponto de vista filogenético, os forma de almofada, chamadas esporodóquios (Figura 8.45C).
fungos anamórficos não devem ser tratados como um grupo à De acordo com a agregação dos conidióforos, os hifomicetos são
parte, mas, sim, como a fase assexual (anamórfica) dos grupos classificados nas ordens-forma Hifomicetales (sem agregação),
naturais de fungos, caracterizados pela sua reprodução sexual Stilbellales (agregação em sincma) e Tuberculariales (agregação
fase telcomórfica). Grande parte dos fungos fitopatogênicos em csporodóquio).
possui sua fase teleomórfica entre os ascomicetus e é nesse
grupo que eles devem ser referidos filogeneticamente. Do ponto Alguns autores consideram, ainda, uma terceira classe-
de vista prático, no entanto, os anamorfos são classificados à forma, os Agonomicetos. São fungos que não produzem esporos
durante seu ciclo de vida, porém, podem produzir esckródios
parte, o que resulta, frequentemente, em dupla nomenclatura
como estruturas de resistência. Alguns agonomicetos
para um mesmo fungo, quando as duas fases são encontradas e
importantes do ponto de vista fitopatológico são Rhizoctonia e
relacionadas, como já comentado anteriormente.
Sclerotium.
A classificação dos fungos anamórficos é, portanto, com-
pletamente artificial. Dessa maneira, essa classificação não leva a Os conídios, por sua vez, além de sua coloração, devem
taxas verdadeiros e, por esse motivo, os grupos aqui apresentados ser observados quanto à forma e scptação, podendo ser de vários
serão grafados em português e não serão latinizados, além de tipos: amerósporos (unicelulares), didimósporos (uniseptados),
serem seguidos pelo sufixo "forma". Essa classificação é baseada, fragrnósporos (com dois ou mais septos transversais). dictiós-
em grande parte, na morfologia do conidioma, dos conidíóforos
poros (septos em mais de um plano), helicósporos (recurvados ou
espiralados). estaurósporos (com projeções radiais) e escolecós-
e dos conídios.
poros (filiformes).
Aqueles cujos conidióforos são individuais ou agregados,
mas nunca produzidos dentro de um conidioma, pertencem à Outro aspecto importante que também é considerado na
classe-forma dos Hifomicctos. Por outro lado, existem os fungos classificação dos fungos anamórficos é a conidiogênese. Os dife-
anamórficos colocados na classe-folllla Celomicetos, cujos conídios rentes tipos de conidiogênese e suas características já foram
são fonnados no interior de conidiomas (acérvulos ou picnídios). apresentados no item 8.2.2.2.
~o caso dos acérvulos (Figura 8.45D), as hífas agregam-se nos A seguir serão apresentadas as estruturas reprodutivas assexua-
tecidos da planta sob a cutícula ou epidenne, produzindo uma massa das dos fungos anamórficos mais comumente encontrados cau-
achatada de conidióforos ou células conidiógenas, características da sando doenças em plantas, agrupados segundo a classificação de
ordem-forma Melanconiales. A pressão dos conídios produzidos. sua fase teleomórfica.

133
Manual de Fitopatologia

Ordem Eurotiales Ordem Ophiostomatales

Conídlos

Conldl6foro
·····•··

Figura 8.46 -Aspergillus (teleomorfo - Emericel/a, Eurotium). Figura 8.49- Pesotum (Sin. Graphium) (lelcomorfo = Ophiosloma).

Ordem Xylariales

......
'•
Conldiól'oro
..

Figura 8.50 - Pestalotia (tclcomorfo = divel'sos gêneros da família


Figura 8.47 -Penicillium (teleomorfo == Eupenicillium, Talaromyces).
Amphisphaeriaceae).

Ordem Microascales Ordem Hyp"creales

Macroconldloa Micrc,oon ídlo•

Fl6Hde

-
Figura 8.48 -Thielaviopsis (teleomorfo = Ceratocystis). Figura 8.51 - Fusarium (teleomorfo = Haematonectria, Giberella).

134
Fungos Fitopatogênicos

Ordem Diaporthales

Conídlos alfa Conídloa bota

•..•···o. Ot'
o~
Confdloa

flgura 8.52 - Tuberr:ularia (teleomorfo = Nectria).

Con!~ios

; .
..
..
Vesícula


Figura 8.55 - Phomopsis (teleomorfo = Diaporthe).

... Conidióforo

Conidloa

Figura 8.56 - Stenocarpella (telcomorfo = incerto).


J"11CUr• 8.53 - Cylindrocladium (teleomorfo = Calonectria).

Ordem Helotiales

F11U-n 8.54 - Myrothecium {teleomorfo = incerto). Figura 8.57 - Monilia (teleomorfo = Monilinia).

135
Manual de Fitopatologia

Figura 8.58 - Botrylis (tcleomorfo = B01,yo1i11ia). Figura 8.61 - Cercosporel/a (teleomorfo "" Mycosphaerella).

Figura 8.S9 - Marssonina (teleomorfo = Diplocarpon).

Ordem Capnodiales

Figura 8.6:Z - Cercosporidium (lclcomorfo - Mycolphuerel/u).

Figura 8.60- Cercospora (teleomorfo = Mycosphaerello). Figura 8.63 - Pseudocercospora (teleomorfo = Mycosphaere/la).

136
Fungos Fitopatogênicos

Figura 8.64 - Ramularia (teleomorfo = Mycosphaerella).

Figura 8.67 - Cladosporium (teleomorfo = Davidiella).

•e " Ordem B otryospllaeriales

e& oo

Figura 8.68 - Lasiodiplodia (tclcomorfo ~ Botryosphaería).

Fagura 8.65 - Asperisporium (teleomorfo = Mycosphaerel/aceae).

Figura 8.66- Septoria (telcomorfo - Mycosphoerella). Figura 8.69 - Phy/losticta (teleomorfo = Guignurdia).

137
Manual de Fitopatologia

Ordem Myriangiales

Figura 8.70 - Sphaceloma (tclcomorfo =Elsinoi!).

Figura 8.73 - Drechslera (tclcomorfo = Cochliobol11S).

Ordem Pleosporales

Figura 8.74 - Curvuluria (tclcomorfo = Cochliobolus).


Figura 8.71 - Spi/ocaea (sín. Fusicladium) (teleomorfo = Venturia).

Figura 8.72 - Bipo/aris (teleomorfo = Cochlioboills). Figura 8.75 - Coryne.spora (tcleomorfo = Corynesporasca).

138
Fungos Fitopatogénicos

F"11ur11 8.76 - Stemphylium (teleomorfo = Pleospora). Figura 8,79 -Aschochyta (tclcomorfo = Didymellu).

Ordem Tric:hospl,oerioles

Figura 8.80 - Nigrospora (tclcomorfo = Khuslâa).

Figura 8.77 -A/remaria (teleomorfo =Lewio). Ordem Erysipha/es

Figura 8.81 - Oidium (teleomorfo =E1ysiphe. Uncinula, Micm.~phaera,


Figura 8.78 - Phomu (telcomorfo = Didymello). Podosphaera. Sphuerotheca).

139
Manual de Fitopatologia

Conídlos

•·••Conidios

Conidiõforo
......•···
◄•· ... Conldlóforoa

FiKura 8.82 - Ovulariopsis (Leleomorfo = Phy/lacti11ia).

Figura 8.85- Verticillium (teleomorfo = incerto).

Ordem Mag11apnrthales

Conld16foro

Figura 8.83 - Oidiopsis (teleomorfo = Levei/lula).

Ordem Glomuel/ales

Figura 8.86 - Pyricularia (teleomorfo = Magnapnrthe).

8.5. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Agrios, G.N. Plant Patbology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
Press, 2005.
Alexopoulos, C.J.; Mims, C.W.; Blackwell, M. Jntroductory Mycology.
4"'. ed., New York, Wiley, 1996.
Baggio,J.S.; Gonçalves, F.P.; Lourenço, S.A.; Tanaka, f.A.O.; Pascholati,
S.F.; Amorim, L. Direct penetration of Rhizopus stolonifer into stone
fruits causing rbizopus rot. Plant Padlology 65: 633-642, 2016.
Crous, P.W.; Hawksworth, D.L.; Winb..field. M.J. Jdentifying and naming
plant-pathogenic fungi: past, present, and futurc. Annual Rcview of
Figura 8.84 - Col/etotrichum (teleomorfo = Glomerella). Phytopathology 53: 247-267, 2015.

140
CAPÍTULO

9
BACTÉRIAS FITOPATOGÊNICAS
Ivan Paulo Bedendo e José Belasque

ÍNDICE

9.1. O inicio da Fitobacteriologia ................................ 143 9.5.1. Sobrevivência ............................................... 149


9.2. Bactérias como patógenos de plantas ................... 144 9.5.2. Disseminação ............................................... 150
9.5.3. Infecção ........................................................ 151
9.3. Morfologia, estruturas e organização celular ....... 144
9.5.4. Colonização e reprodução ........................... 152
9.3.1. Morfologia e dimensões .............................. 144
9.3.2. Estruturas e organização celular ................. l 45 9.6. Taxono1nia.............................................................. 154

9.4. Reprodução, variabilidade genética e crescimento 9.7. Principais gêneros de fitohactérias no Brasil ....... 156
populacion al........................................................... 148 9.8. Bibliografia consultada .......................................... 160
9.5. Ciclo de relações patógeno-hospedeiro ................ 149

fll. l. O INÍCIO DA FITOBACT ERTOLOGIA causal d~ uma doença em pereira. conhecida como qllcima (jire
nterionnente à descoberta dos próprios microrga- biiglu). Apesar de estar certo na sua proposi~:ão, 13urril ainda n!l.o

A nismos, já existiam relatos de doenças cm plantas em


documentos históricos feitos há milhares de anos. No
cmanto, apenas com o advento de técnicas microscópicas (oi possível
conhecia as técnicas de cultivo asséptico, em dest:nvolvimento
naquela época por Koch na Alemanha. e dessa maneira não
foi possível comprovar que uma bactéria em de fato o agente
ainheccr e comprovar a relação existente entre microrganismos e causal dessa doença que afetava pereiras nos Estados Unidos.
b'nças. O primeiro aparelho que possibilitou a visualização de A associação entre essa bactéria e a queima em pereira foi
microrganismos foi um microscópio muito simples, com apenas uma definitivamente estabelecida sete anos depois. em 1885. por Joseph
nte e sem luz artificial, desenvolvido por Antonie van Leeuwenhoek C. Arthur, empregando a técnica de cultura pura desenvolvida
1632-1723). Foi van Leeuwenboek quem fez as primeiras pelos europeus. Inúmeros estudos associando bactérias e doenças
...strações de células bacterianas e por esse feito é reconhecido em plantas foram realizados a partir de então, mas a comunidade
~mo o "Pai da Bacteriologia'' (Figura 9.1 A). Os conhecimentos científica na época, principalmente na Europa. relutava em aceitar
obre os seres microscópicos foram amplamente expandidos
que bactérias fossem os agentes causais de doenças em plantas.
hde então e a microbiologia foi estabelecida como ciência em
Predominava o conceito que as bactérias identificadas estavam
iNados de 1800, principalmente com base nos trabalhos de Louis
presentes nos tecidos infectados, mas as doenças tinham outras
~teur ( 1822-1895). Naquele período, interessava especialmente
rcsquisa as bactériar. patogênicas ao homem e aos animais e causas ainda desconhecidas. Foi Erwin F. Smith quem apresentou
pande impulso nesta área de conhecimento foi alcançado graças várias evidências e resultados experimentais, dele próprio e de
.1 proposição e aplicação dos passos formulados pelo médico outros pesquisadores, e estabeleceu, no final do século XIX,
lloben Koch ( 1843-191 O), os quais ficaram conhecidos como as bases para o surgimento da Fitobacteriologia. Por esse fato
osrulado de Koch. e também por ter descrito muitas doenças de plantas causadas
Foi nessa mesma época, especificamente em 1878, que por bactérias Erwin F. Smith e reconhecido como o "Pai da
7homas Jonathan Burrill descreveu uma bactéria como agente Fitobacteriologia" (Figura 9.1 B).

143
Manual de Fitopatologia

de uma ou poucas es'Pécies botânicas.


Um exemplo desse tipo de interação é
a colonização de raízes de leguminosas
por bactérias das famí I ias Rhizobiaceae
e Bradyrhizobiacea. Entretanto, outras
bactérias desenvolve·ram interações
também íntimas com as plantas, mas
com maleficios para as últimas. Nesse
caso específico temos as bactérias
fitopatogênicas, as qu.ais, ao longo do
tempo, desenvolveram a habilidade de
se nutrir a partir dos te,;idos das plantas,
parasitando-os. Nessa interação, a sobre-
vivência da bactéria no ambiente é
grandemente favorecida, aumentando
assim sua competitividade frente aos
demais microrganismos. Muitas vezes
a habilidade de se nutrir às custas dos
tecidos vegetais foi adquirida pelas
Figura 9.1 - Personagens históricos importantes: (A) Antonio: van Leeuwenhoek, criador do bactérias após a aquisi1;ão de sequências
primeiro microscópio; (B) Erwin F. Smith. o "pai" da Fitobacteriologia. de DNA exógeno, oui seja, de outras
Fonte: Imagem dC1s arquivos do projeto Gutemberg, de domínio público (A) e imagem de do- bactérias por transferência genética Esse
mínio público (B). mecanismo é um dos grandes respon-
sáveis pela diversidade de bactérias
9.2. BACTÉRIAS COMO PATÓGENOS DE PLANTAS patogêricas e também pelo surgimento de novas associações planta-
bactéria, ou seja, novas doenças. Entretanto, apesar da cnonne
Em termos evolutivos. :is bactérias surgiram mais de 2 diversidade bac."teriana existente nos diferentes ambientes terrestres,
bilhões de anos antes das plantas. Ponanto, as plantas superiores foram pouc:is as espécies de bactérias que. ao longo da evolução,
sempre se desenvolveram num ambiente previamente colonizado desenvolveram mecanismos para colonizar os tecidos vegetais,
por estes microrganismos. A c~xistência entre as diversas tomando-se patógcnos. Assim, pode-se considerar como exceção
espécies botânicas e as bactérias permitiu qut: surgissem inte- as espécies bacterianas capa7.es de induzir doenças cm plantas
rações sem beneficios (neutra.lismo e amensalismo) ou com superiores. Como descrito por Kado em seu livro Pfanl Bacteriology,
beneticios para um ou ambos os lados (comcnsalisnio. parasitismo "a transição da vida saprofitica para associações mais especializadas
e mutualismo). Qualquer planta. em qualquer ambiente natural, com planta<; hospedeiras é um sofisticado mecanismo microbiano
está em contato com milhões de bactérias. Na maioria das vezes par.1 í11gir <la constante competição com outros Illlicrorganismos no
tanto a bactéria quanto a planta apenas coexistem no mesmo local. solo e na superficic das plantas" (Kado, 20 l O).
sem benefícios mútuos. Essas bactérias podem estar presentes na O ambiente interno das plantas colonizado pelas haclérias
supcrficie das partes aéreas das plantas (filosfera) ou na supcrficie compreende, principalmente, os espaços inten;e]ulares. Outros
das raízes (riwsfera). Muitas dessas bactérias são saprófitas. ou tipos de tecidos colonizados. mas apenas por algumas espécies
seja. possuem a habilidade de colonizar diferentes substratos hacterianas, são os vasos condutores (floema e xilema). No interior
orgânicos e inorgânicos. No entanto, para algumas bactérias pode das plantas a bactéria é protegida de fatores adversos que ocorrem
ser vantajoso colonizar detenninadas partes dos vegetais, tanto na superfície vegetal. os quais comprometem a s1ua sobrevivência.
externa quonto internamente. Colonizando determinados nichos. Em contrapartida, este ambiente interno é pobre elll1 nutrientes, pois
as bactérias podem ser mais competitivas, sobrevivendo mais esses se encontram no citoplusma das células do hospedeiro, não
facilmente a fatores adversos como raios ultravioleta, dessecação, disJ>')níveis diretamente para o microrganismo. Assim, dur~nte a
falta de nutrientes e competição com outros microrganismos. evolução. as espécies fitopatogênieas dcsenvolvc-ram mceamsmos
Dessa forn1a, ao longo de milhares de anos de evolução, surgiram capazes de desorganizar a estrutura das células vegetais, promo-
bactérias que se adaptaram e passaram a colonizar determinadas vendo a liberação de nutrientes e fatores de crescimento para serem
espécies vegetais e, mais especificamente, partes desses utilizados no seu metabolismo. Os mecanismos ele patogenicidade
vegetais, como folhas, frutos e raízes. Nesse tipo de interação, utilizados pelas bactérias no parasitismo de seus hospedeiros e os
as bact1:rias são beneficiadas por colonizar as partes das plantas. mecanismos de defesa utilizados pelas plantas estão descritos nos
sem malefícios para essas últimas. As bactérias que colonizam as Capítulos 34 e 35 desta obra.
plantas externamente. sem prejudicâ-las, são epifiticas e as que
colonizam as plantas internamente são endofiticas. 9.3. MORFOLOGIA, ESTRUTURAS E ORGANIZAÇÃO
f-lá outras interações entre plantas e bactérias que CELULAR
envolvem a troca de nutrientes, hormônios ou fatores de
9.3.1. Morfologia e Dimensões
crescimento. com beneficios mútuos. Nesses casos as bactérias
podem colonizar as plantas externamente (ectosimbiontes) ou As bactérias são organismos procaríot,os, unicelulares,
internamente (endosimbiontes). Essas são interações íntimas, com estruturalmente mais simples em comparação com as células
especificidade entre a bactéria e o tecido vegetal colonizado, ou seja, eucarióticas. Geralmente possuem três formas cdulares básicas -
detenninadas espécies de bactc:rias colonizam um tecido específico esférica (ou cocos), bastonete (ou bacilos) e esp,iral (Figura 9.2).

144
Bactérias Fitopatogênicas

e

Célula Isolada A B Vlbrlão

Oíplococos Olplobacilos

Esplrllo

••••
Estreptococos Estreptobacilos

Esplroqueta
Tétnde


Estafilococos
D

Sarclna

Hcura 9.2 - Esquema de grupamentos característicos produzidos por células bacterianas esféricas ou cocos (A) e cilíndricas ou bacilos (8 ).
Representação de células bacterianas isoladas mostrando fonna tipicamente espiralada ou espirilos (C). Modelos de inserção de
flagelos em células do tipo bacilos (D).

g,=nero Streptomyces, que abriga representantes fitopatogênicos, internamente à parede celular (membrana plasmática, citoplasma,
... .J111a exceção, apresentando crescimento micelial e fonnação de cromossomo, grânulos ou inclusões, rnesossomos, ribossomos e
:sporos aéreos em cadeias. Outra exceção é o grupo dos procariotos plasmídeo). A representação esquemática de uma célula bacteriana
Enl parede celular - fitoplasmas e espiroplasmas. Filoplasmas são com seus diversos componentes está ilustrada na Figura 9.3.
W>Jmórflcos, ou seja, podem adquirir diferentes formas. Já os
=,::uoplasmas apresentam fonna espiralada, ou seja, helicoidal e
-=...:\J\e] (também denominada espiroqueta). Fitoplasmas e espi- 9.3.2.1. Parede celular
~1asmas são te ma do Capítulo l l.
É uma estrutura complexa, rígida, responsável pela forma
As bactérias ntopatogênicas, na sua maioria, apresentam da célula, por protegê-la do ambiente ex.t.:mo e também envolvida
.;: .tias bacilifonnes curtas. com 1,0 a 5,0 µm de comprimento nos processos de crescimento e divisão celular. A parede celular
- J.5 a 1,0 µm de largura. O tamanho da célula pode variar em circunda toda a célula bacteriana, externamente à membrana
::...r-.;ão de alguns fatores, entre eles a composição do meio onde
citoplasmática. Por sua relativa rigidez, a parede celular protege
.. :-actéria é cultivada, a idade da colônia e a temperatura de
a membrana plasmática e o conteúdo celular interno, evitando o
r,.:Jbação usada para o desenvolvimento da cultura bacteriana.
extravasamento do citoplasma ou o rompimento da célula quando
::::::. razão da· reduzida dimensão, as células somente podem
a pressão interna é maior que a pressão externa. O componente
observadas com o auxílio tle microscópios. No caso do
responsável pela rigidez da parede é um pollmcro denominado
- .:roscópio de luz, a visualização exige, normalmente, o
pepti<.leoglicano (ou mureína). A parede celular é estruturada em
~t-.!lecimento de contraste entre a célula e o meio onde ela
encontra. Este contraste é obtido por meio de corantes camadas, com espessura de 10 a 15 nm em Gram-negativas e
,c-~priados ou pelo uso de recursos do próprio microscópio, 20 a 80 nm em Gram-positivas. A maior espessura da parede
- "Do campo escuro e contraste de fase. celular nas bactérias Gram-positivas deve-se às suas várias
camadas de peptidioglicano, formando uma estrutura mais espessa
9.3.2. Estruturas e Organização Celular e rígida em comparação às Oram-negativas (Figura 9.4). A maioria
Uma das técnicas mais utilizadas em microbiologia é o dos procariotos possui parede celular. Embora as células de alguns
~oda de coloração de Gram. Esse método foi desenvolvido em eucariotos tenham parede celular, como vegetais e fungos, nesses
.._..._. pelo bacteriologista Hans Christian Gram e permite dividir o rganismos ela é estruturalmente mais simples e menos ríg1da do
bactérias em dois grupos: Oram-positivas e Gram-negativas. que nos procariotos.
&, bactérias reagem de modo distinto após a coloração de Gram Além de camadas sobrepostas de peptideoglicano, as
._ r diferirem quanto à composição e à estrutura de suas paredes Gram-positivas apresentam em sua parede celular ácidos tcíeoi-
~ clares. Para fins didáticos, descreveremos a parede celular das cos e polissacarideos, com funções no crescimento celular, na
'9ctérias e suas diferenças em Oram-positivas e Oram-negativas. especificidade antigênica e na patogenicidade. Apesar de menos
,.eguida os diversos componentes da célula bacteriana, rígida, a parede celular das Oram-negativas é bioquimicamente
d1zados externamente à parede celular (flagelo, fimbrias mais complexa. Nessas células, externamente à camada de
pelos e cápsula) e, finalmente, os componentes localizados peptideoglicano, há uma membrana plasmática, denominada

145
Manual de Fitopatologia

Cromossomo Ribossornos

Grânulo Plasmfdio

· • • • Citoplasma

ãpsula

Pareda
ce.l ular

citoplasmétlca

pari~rico
Ragelo

Figura 9.J - Representação esquemático de uma célula bactl!rianil.

membrana externa. Essa membrana consiste de uma camada 9.3.2.2. Estruturas externas à parede celular
dupla de fosfolipídíos, lipopolissacarídeos ( LPS) e vários
Flagelo. O flagelo tem a função de mover a bactéria.
tipos de proteínas envolvidos, por ex.emplo, no transporte de
A maioria das bactérias fitopatogênicas possuí flagelos. Essa
nutrientes e solutos hidrofil icos, na retenção de antibióticos e
outras substâncias tóxicas, na interação com o hospedeiro e na estrutura é composta por três partes: corpo basal, gancho e
patogenicidade. A eslrutura da membrana externa é similar u da filamento. O corpo basal das bactérias Oram-positivas contém um
membrana citoplasmática (<ll!scrita no item 9.3.2.3). A camada de par Je anéis aderido à membrana plasmática. Nas Gram-m:gaLivas
peptideoglicano está ligada a lipoproteínas da membrana externa e há dois pares de anéis: um presente na membrana plasmática
localiza-se numa matriz de polipcptídcos, sacarídeos, proteínas de e outro na parede celular. O principal constituinte <los llagelos
transporte e enzimas de degradação (como celulases e pectinases), bacterianos é a proteína flagelina. O guncho está localizado
denominada pçriplasma ou espaço pcríplasrnátíco. Dessa fom,a, extemamenk à parede celular e é o ponto de ligação do COTJlO basal
externamente à membrana citoplasmática das Oram-negativas, há com o filamento. Esse último é uma longa estrutura que apresenta
duas camadas: o periplasma e a membrana externa. movimento de rotação nos sentidos horário e anti-horário. A

Porina ' Lipopolissacarideo

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Membrana plasmática Membrana plasmática

m Camada fosfolipídica ' Proteína e Peptídeoglicano Lipoproteína

Figura 9.4- Digrama ilustrativo dos componentes da parede celular, membrana citoplasmática e membraua externa de bactéria Gram-negativa
(à esquerda) e Gram-positiva (à direita).

146
Bactérias Fitopatogênicas

mo\'imentação do filamento ocorre devido à rotação do gancho. 9.3.2.3. Estruturas internas à parede celular
·\ssim. o filamento do flagelo atua como um motor de barco,
Membrana plasmática. A membrana plasmática é a
-empurrando" a bactéria num meio aquoso. É dessa maneira primeira estrutura interna à parede celular e está em contato com
-fui! ocorre a movimentação ativa das bactérias por curtíssimas
o citoplasma. Essa membrana é uma matriz fluida formada por
dtstàncias. O estímulo direcional da célula bacteriana depende uma camada fosfolipídica dupla com 50 a 70% de sua massa
j.:- fatores ambientais atraentes ou repelentes. A movimentação
seca composta por proteínas e 20 a 30% de lipídios. A membrana
~-elular recebe o nome de "taxia" e diferentes termos definem plasmática é uma estrutura presente em toda célula procariótica,
.:iue fator ambiental está atuando na rnovimentaçiio bacteriana, portanto essencial à vida celular. Suas principais funções são: a)
:-.:>mo exemplos quimiotaxia (compostos químicos), aerotaxia atuar como barreira seletiva, permitindo a entrada de nutrientes,
O"\tgênio), fototaxia (luz), osmotaxia (potencial osmótico). água e solutos hidrofilicos, mas impedindo a entrada de
Quando o estímulo é favorável, a bactéria se aproxima da fonte substâncias tóxicas e de grandes molécnlas; b) proteger a célula,
.,e estímulo e qnando desfavorável. a célula se· afasta dele. impedindo o extravasamento de grande parte do citoplasma; e
-ti rotação do gancho ocorre por uma força próton motiva e o e) ancorar diversas proteínas, entre elas as envolvidas na força
--entido de rotação é determinado por uma cascata de fosforilação próton motiva necessária para a geração de ATP. ou seja. para
de proteínas de sinali1,açào localizadas na parede celular e no a produção de energia celular. A membrana plasmática possuí
.. ,:oplasma. Essas proteínas atuam como receptoras do gradiente muitas proteínas e enzimas, as quais atuam nos processos citados
:,rracelular atraente ou repelente e governam i1 movimentação acima e tamb.:m na respiração celular, na ancor:igcm e rotação
~elular ativando a rotação horária e anti-horária do gancho. flagelar. na produção e transporte ativo de moléculas e na divisão
O flagelo não é visto nas observações rotineiras da célula celular. O tenno envdopc celular é comumente empregado cm
':)J.cteriana conduzidas em microscópio de luz. Sua visuali1.ação bacteriologia e designa o conjunto formado pela membrana
reqner o nso de coloração específica do filamento para aumentar plasmática c a parede ct:lular.
~~as dimensões, ou o emprego de microscopia eletrômca. A Citoplasm11. O citoplasma contém ribossomos, enzimas,
r-resença de flagelos, hem como seu número e posição na célula material genético celular, grânulos de reserva, substratos
<nem como caracteres utilizados na classificação de bactérias. inorgânicos e mctabólitos produzidos pela célula. O citoplasma
.\tríquias são bactérias sem flagelos e, portanto. incapazes de se é constituído predominantemente por água, onde ficam cm sus-
7uvimentar ativamente. monotriquias contém apenas um flagelo pensão os diversos compostos orgânicos como carboidratos,
polar. Iofotríquias contém um conjunto de flagc:fos polart:s e aminoácidos, proteínas, lipídios e os elementos inorgânicos
r><ntriquias contém flagelos radialmente distribuíd,:,s ao redor ela necessários para a síntese de novas moléculas. É no citoplasma
,dula (Figura 9.2). que ocorre a síntese de proteínas, processo realizado pdos
Ffmbrias ou pelos. Estes filamentos são mais curtos e finos ribossomos. Os ribossomos são macromoléculas granulares
• Je os flagelos. além de mais numerosos. São visu.aliLados apenas compostas por ácido nuclcico (R.NA) e proteínas, estando o
.c)nt auxílio de microscópio eletrônico. As fimbrias localizam-se
primeiro crn maior proporção (60% vs. 40%). Os ribossomos de
- , redor da célula bacteriana e são constituídas por urna proteína procariotos possuem um coeficiente <le sedimentação de 70S e essa
.:hamada fimbrina ou pilina. A produção de fimb1ia.s é favorecida macromolécula é formada por duas subunidades, uma subunidade
menor (30S) e outra maior (SOS). A subunidade 30S é composta
em colônias que se desenvolvem sob alta disponibilidade de
por 21 proteínas e uma molécula de RNA 16S. A subuni<l.adt:
, ,ígênio, nonnalmente na superficie de meios de cultura. A
maior contém 34 proteínas e duas moléculas de RNA (23S e 5S).
:unção desta estrutura está relacionada com a adesão da célula
Os ribossomos encontram-se dispersos no citoplasma, mas ~tão
bacteriana a diversas superfícies, ao processo de transferência
em maior número prollimos do cromossomo, fi.1m1ando estruturas
~nêtica por conjugação e à adsorção de bacteriófag,os à superficie
denominada~ "polissomos". Nos polissomos há muitos ribossomos
.b célula. Assim, para as bactérias fitopatogênic:~s as fímbrias
realizando a síntese de proteínas a partir das moléculas de mRNA
_:uam no início da associação do patógeno com o hospedeiro,
transcritas a partir do material genético (DNA). Os ribossomos
~ ~laborando para a adesão <las c!!lulas bacterianas ao tecido do
são o sítio de ação de muitos antibióticos, que atuam inibindo
hospedeiro, ou na origem de variantes genéticos fom1ados pela a síntese proteica, como, por exemplo, aqudt:s pertencentes aos
~uisição de genes ou sequências de DNA por conjugação. Nesse grupos das tetraciclinas, estrcptomicinas e neomicinas.
~limo caso. a timbria envolvida é denominada de pelo sexual
Cromossomo. Como característica dos procariotos, o
e 3S células precisam ser compatíveis entre si, na qual uma é
material genético não se encontra envolvido por uma membrana
doadora do material genético e outra é receptora. Em bactérias
plasmática. permanecendo. portanto, em contato direto com os
Gram-positivas a conjugação pode ocorrer sern o auxílio de pelo demais componentes do citoplasma. Basicamente o material
s,exual.
genético de ntobactérias é formado por um único cromossomo
Cápsula. A cápsula, também denominada glicocálice ou circular, densamente condensado, de fita dupla de DNA com
polissacarídeos extracelulares ( EPS, do termo exopo,I issacarídeos), um tamanho entre 900 e 5.500 pares de quilobases (kb) de
e representada por uma camada viscosa que r,ecobre toda a nucleotídeos. Diferentemente dos eucariotos, a molécula de DNA
.uperficie externa da célula bacteriana. Esse envoltório é formado <los procariotos é basicamente fom1ada ror éxons, com poucos
principalmente por polissacarídcos excretados pela célula e íntrons. e cada gene contém geralmente 1.000 pares d~ bases.
protegem contra dessecaçào, antibiose, fagocitose. além de Assim, bactérias 6topatogênicas contém entre 1.000 e 5.000 genes.
.;u_-.:iliar na adesão à superficie e na interação corn o hospedeiro. Como o processo de divisão celular é praticamente contínuo
-ti cápsula está presente em muitas bactérias litopatogênicas. na célula, o cromossomo geralmente localiza-se próximo da
=lmo Xan1homonas campestris, Clavibacter mlchiganensis e membrana plasmática_ no local de início da divisão celular. Além
P,e11domonas spp. do cromossomo circular, muitas bactérias contem moléculas de

147
Bactérias Fitopatogênicas

mo, imen1ação do filamento ocorre devido à rotação do gancho. 9.3.2.3. Estruturas inte rnas à parede celular
\$s1m. o filamento do flagelo atua como am motor de barco, Membrana plasmãtica. A membrana plasmática é a
·empurrando" a bactéria num meio aquoso. É dessa maneira primeira estrutura interna à parede celular e está em contat0 com
.x: ocorre a movimentação ativa das bactérias por curtíssimas o citoplasma. Essa membrana é uma matriz fluida formada por
.. ,tãncias. O estímulo direcional da célula bacteriana depende uma camada fosfolipídica dupla com 50 a 70% de sua massa
fatores ambientais atraentes ou repelentes. A movimentação seca composta por proteínas e 20 a 30% de lipíJios. A membrana
;~lutar recebe o nome de "taxia" e diferentes termos definem plasmática é uma estrutura presente em toda célula procariótica,
;:_e fator ambiental está atuanJo na movimentação bacteriana. portanto essencial à vida celular. Suas principais funções são: a)
t~ exemplos quimiotaxia (compostos químicos), aerotaxia atuar como barreira seletiva, pemlitindo a entrada de nutrientes,
,1gênio). fototaxia (luz). osmotaxia (potencial osmótico). água e solutos hidrofilicos, mas impedindo a entrada de
• ..i:mdo o estímulo é favorável, a bactéria se aproxima da fonte substâncias tóxicas e de grandes moléculas; b) proteger a célula,
. estimulo e quando desfavorável, a célula se afasta dele. impedindo o extravasamento de grande parte do citoplasma; e
-. rotação do gancho ocorre por uma força próton motiva e o e) ancorar diversas proteínas. entre elas as envolvidas ~a força
.cT1tido de rotação é determinado por uma cascata de fosforilação próton motiva necessária para a geração de ATP, ou seja. para
R proteínas de sinalização localizadas na parede celular e no a produção de energia cdular. A membrana plasmática possui
:n,,plasma. Essas proteínas atuam como receptoras do gradiente muitas proteínas e enzimas, as quais atuam nos processos citados
~m1celular atraente ou repelente e governam a movimentação acima e também na respiração celular. na ancoragem e rotação
~.ular ativando a rotação horária e anti-horária do gancho. flagelar, na produção e transporte ativo de moléculas e na divisão
, flagelo não é visto nas observaçõe~ rotineiras da célula celular. O termo envelope celular é comumenle empregado em
.:a.:teriana conduzidas em microscópio de luz. Sua visualiaçào bacteriologia e designa o conjunto formado pela membrana
~ucr o uso de coloração especifica do filamento para aumentar plasmática e a parede celular.
, dimensões, ou o emprego de microscopia eletrônie11. A Citoplasma. O citoplasma contém ribossomos, enzimas,
:-r.-,;ença de flagelos, bem como seu número e posição na célula material genético celular, grânulos de reserva. substratos
..-..em como caracteres utihzados na classificação de bactérias. inorgâuicos e mctabólitos prmlu1idos pela célula. O citoplasma
\tnquias são bactérias sem flagelos e, portanto. incapazes de se é constilllído predominantemente por água, onde ficam cm sus-
ao, imentar ativamente, monotríquias contém apenas um flagelo pensão os diversos compostos orgânicos como carboidratos.
~lar. lofotríquias contém um conjunto de flagelos polar.:s e aminoácidos, protdnas, lipídios e os elementos inorgânicos
~-ntríquias contém flagelos radialmentc distribuídos ao redor da necessários para a síntese de novas moléculas. É no citoplasma
.:1:1Ula (Figura 9.2). que ocorre a síntese de proteínas, processo reali7ado pelos
Fímbrias ou pelos. Estes filameutos são mais cu1tos e finos ribossomos. Os ribossomos são macromoléculas granulares
_,. os flagelos, além de mais numerosos. São visualizados apcfií!S compostas por ácido nucleico (RNA) e protefnas. estando o
'11 auxílio de microscópio eletrônico. As fimbrias localizam-se
primeiro em maior proporção (60% vs. 40%). Os ribossomos de
redor da célula bacteriana e são constituídas por uma proteína procariotos possuem um coeficientcdesedimcmação de 70S e essa
dwnada íimbrina ou pilina. A produção de fimbrias é favorecida macromolécula é formada por duas subunidades, uma subunidade
menor (30S) e outra maior (50S). A subunidade 30S é composta
mi colônias que se desenvolvem sob alta disponibilidade de
por 21 proteínas e uma molécula de RNA 16S. A subunidade
,,génio, normalmente na superfície de meios de cultura. A
maior contém 34 proteínas e duas moléculas de RNA (23S e 5S).
- :n1,:ãn desta estrunira está relacionada com a adesão da célula
Os ribossomos encontram-se dispersos no citoplasma, mas estão
bict<!liana a diversas superficies, ao processo de transferência
em maior número próximos do cromossomo, formando estrutura!;
~etica por conjugação e à adsorção de bactcriófagos à superlicie
denominadas "polissomos". Nos polissomos há muitos ribossomos
.ta célula. Assi~. para as bactérias fitopatogênicas as fimbrias
realizando a síntese de proteínas a partir das moléculas de mRNA
_am no inicio da associação do patógeno com o hospedeiro,
transcritas a pan:ir do material genético (DN/\). Os ribossomos
... 1aborando para a adesão das células bacterianas ao tecido do são o sítio de ação de muitos antibióticos. que atuam inibindo
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&11.11sição de genes ou sequências de DNA por conjugação. Nesse grupos das tetraciclinas, estreptomicinas e neomicinas.
unimo caso, a fimbria envolvida é denominada de pelo sexual
C ro mossomo. Como característica dos procariotos, o
3.S células precisam ser compatíveis entre si, na qual uma é
material genético não se encontra envolvido por uma membrana
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&ara-positivas a conjugação pode ocorrer sem o auxílio de pelo demais componentes do citoplasma. Basicamente o material
waual. genético de fitobactérias é formado por um único cromossomo
Cápsula. A cápsula. também denominada glicocálice ou circular, densamente condensado, de fita dupla de DNA com
-.:ihssacarideos extracelulares ( EPS, do termo exopol issacarídeos), um titmanho entre 900 e 5.500 pares de quilobases (kb) de
• representada por uma camada viscosa que recobre toda a nucleotídeos. Diferentemente dos eucariotos, a molécula de DNA
..iperficie externa da célula bacteriana. Esse envoltório é formado dos procariotos é basicamente fonnada por éxons, com poucos
:rnncipalmente por polissacarídeos excretados pela célula e íntrons, e cada gene contém geralmente 1.000 pares de bases.
orotegem contra dessecação, antibiose, fagocitose, além de Assim, bactérias fitopatogênicas contém entre 1.000 e 5.000 genes.
a..1.\lliar na adesão à superficie e na interação com o hospedeiro. Como o processo de divisão celular é praticamente continuo
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eudomonas spp. do cromossomo circular, muitas bactérias contêm moléculas de

147
Manual de Fitopatologia

fita dupla de DNA, circulares, mas de tamanho bem inferior ao e transferênc:ia genética. Apesar da inexistência de divisões
de um cromossomo, denominadas plasmídeos. Os plasrnídeos mitóticas na reprodução de procariotos, esses microrganismos
contêm material genético celular, mas encontram-se fisicamente apresentam uma alta variabilidade genética. muito maior que
separados do cromossomo, geralmente com 4 a 200 kb. Apesar a observada nos eucariotos. Essa alta variabilidade deve-se
de serem comuns em bactérias, os plasmídeos geralmente não a diferentes fatores, como por exemplo o elevado número de
carregam determinantes genéticos vitais para a célula e seus genes, gerações por unidade de tempo e aos processos de mutação e
muitas vezes, são relacionados a determinantes sexuais envolvidos transferi:ncia genética. Somente após o uso rotineiro de métodos
na conjugação, na produção de agentes promotores de antibiose, moleculares. que pennitiram a comparação de sequências de
na resistência a compostos químicos, resistência a fagos, entre DNA de procariotos, foi possível rerceber quão frequentes são as
outros. Os plasmídeos podem ser auto replicativos ou dependerem mutações e principalmente a transferência genética em bactérias.
do cromossomo para serem replicados. Também podem ser A replicação do DNA na célula mãe e sua passagem para duas
transmissíveis para outras bactérias, nesse caso denominados células filhas é um processo denominado transferência vertical
conjugativos, ou não transmissíveis (não conjugativos). A de genes. No entanto, sequências de DNA de diferentes origens
transferência de um plasmídeo de uma bactéria para outra ocorre podem ser incorporadas por células bacterianas e passa_rem a fazer
pelo processo denominado conjugação. citado no item 9.4. parte do seu genoma. A esse processo se denomina transferência
Inclusões ou grânulos. Estas estruturas são representadas horizontal (ou transferência lateral) de genes.
por depósitos de material de reserva que se acumulam no As mutações envolvem a substituição, inserção ou deleção
citoplasma e servem como fontes de nutrientes e energia para a de nucleotídeos na sequência de DNA, podendo resultar em
célula. Esses grânulos podem conter enxofre. glicogênio, amido, alterações na sequência de aminoácidos, com efeitos neutros.
polifosfato ou poli-~-hidroxibutirato (PHB). Nas bactérias positivos ou negativos para a célula. Essas alterações podem
fitopatogênicas a presença de PHB já foi assinalada cm algumas ser espontâneas ou induzidas por agentes químicos ou físicos.
espécies do gênero Pseudomonas. Essas inclusões podem ocorrer As mutações espontâneas geralmente ocorrem em procariotos
em grande quantidade cm células bacterianas cujas colônias se uma vc7. a cada 109 replicações na sequência de nucleotídeos.
desenvolveram cm meios com alta relação carbono/nitrogênio. Historicamente, a variabilidade genética em procarioLos foi
Mesossomos. Compreendem extensões da membrana considerada como resultado dos processos de mutação e de
plasmática que se desenvolvem no citoplasma, formando um recombinação. A recombinação é o processo de transferência de
complexo que auxilia na respiração celular, na divisão celular. uma sequênciH Je DNA que é incorporada ao genoma da célula
na formação de septo divisional, na esporulação e na secreção r~ceptora. Geralmente, como apresentado em muitos livro~ texto
de enzimas hidroliticas. Dactérias dos gêneros Clavibacter, de Microbiologia ou Genética, os mecanismos geradores da
Streptomyces e Bacillus podem contermesossomos. A maioria das recombinação em procariotos são conjugação, transformação e
espécies de Bacillus não é fitopatogênica. O gênero é de comum transdução. Muitas vezes os termos recombinação e transferência
ocorrência em diversos ambientes, inclusive podendo facilmente genética são tratados como sinônimos. No entanto, nas últimas
ser encontrada em material propagativo vegetal. São bactérias décadas, o sequenciamento c a comparação dos genomas de
Gram-positivas formadoras de endósporos. Essas estruturas procariotos revelaram que a transferência genética entre bactérias
são células dormentes formadas sob condições adversas, como pode estar associada também com elementos genéticos móveis,
falta de nutrientes, água ou temperaturas extremas e permitem como sequências de inserção e transposons. Os mecanismos
a sobrevivência bacteriana nessas condições. Os cndósporos de recombiinação e aqueles envolvendo elementos genéticos
possuem a característica de resistirem a tratamentos químicos móveis revc:laram-se muito mais frequentes do que antcrionnente
e tisicos, mantendo sua integridade por muitos meses ou anos. imaginado e são capazes de promover rearranjos num mesmo
Quando sob condições do ambiente e nutricionais favoráveis. cromossomo bacteriano. entre bactc!Tias taxonomicamente próxi-
o endóspor-0 sai da dormência, dando origem a uma nova mas ou até mesmo entre microrganismos pertencentes a taxa
célula. Assim, os endósporos são estruturas de sobrevivência e (singular táxon) distantes (como Classe, Filo ou mesmo Domínio).
não de reprodução, portanto diferentes dos esporos aéreos de No presente texto consideraremos como transferência
Streptomyces e da maioria dos fungos. Fitobactérias não formam horizontal de genes os três mecanismos conhecidos de recom-
endósporos e outro gênero com comum ocorrência dessa estrutura binação (conjugação, transfonnação e transdução) e também os
é Clostridium. gerados por elementos genéticos móveis. Além dos rearranjos
na molécula de DNA, promovidos pela transposição dessas
9.4. REPRODUÇÃO, VARIABILIDADE GENÉTICA E sequências. há elementos transponíveis que carregam genes,
CRESCIMENTO POPULACIONAL como por e,xemplo, genes relacionados à resistência a elementos
A reprodução bacteriana ocorre por um processo assexuado tóxicos ou patogenicidade. A conjugação envolve a transferência
conhecido por fissão binária ou cissiparidade, no qual uma célula de um plasrnídeo ou de parte de um cromossomo de uma
mãe dá origem a duas células filhas. Resumidamente a fissão célula doadora para uma célula receptora, ambas sexualmente
binária se processa numa sequência de etapas compreendendo compatíveis para a Lroca de material genético. Em bactérias
o aumento do volume celular resultante da formação de novos Gram-negativas, a doadora possui o pelo sexual e é denominada
componentes; a replicação do material genético bacteriano; a r. enquanto a célula receptora é denominada F-. A integração da
interiorização da membrana citoplasmática e da parede celular, sequência genética em seu genoma transforma a céluln F" em F-.
formando um septo que separa o conteúdo citoplasmático em dois; A sequência de DNA, plasmidial ou cromossômica, é transferida
e finalmente a separação das novas células. Consequentemente, a entre as células através de um poro transmembrana. Esse poro é
variabilidade genética, essencial para a adaptação e evolução dos formado após o contato físico de seus envelopes celulares, contato
seres vivos, ocorre nos procariotos pelos processos de mutação esse dependente do pelo sexual. Como já citado, cm bactérias

148
Bactérias Fitopatogênicas

Oram-positivas a conjugação pode ocorrer sem o auxílio do pelo Experime:ntalmente é possível determinar o período de
sexual. A transfom1ação é a integração de um fragmento livre de tempo necessário para a reprodução bacteriana, ou seja, quanto
DNA, presente no meio em que se encontra a célula receptora, tempo uma célula necessita para se dividir em outras duas. Esse
após a passagem desse fragmento através do envelope celular e sua periodo r denominado tempo de geração e representa o tempo
incorporação ao genoma. Por último. transdução é a transferência, necessário para que uma população bactenana dobre de tamanho.
promovida por bacteriófagos, de pequenas sequências de DNA O tempo de geração pode variar desde alguns minutos até várias
entre bactérias. Inicialmente, a célula bacteriana doadora é infectada horas ou, mesmo, dias ou semanas. Dentre os fatores que têm
pelo bacteriófago, o qual pode incorporar ao seu genoma uma influência sobrn sua duração podem ser citados a própria espécie
pequena sequência de DNA da bactéria. Quando este bacteriófago bacteriana, a di$ponibilidadc de nutrientes do meio e alguns fatores
infecta novas células, a sequência nucleotídica da célula bacteriana do ambiente co,rno temperatura, pH e oxigênio. A determinação
anteriormente infectada pode ser integrada ao genoma da nova do tempo de geração é realizada quando a população se encontra
célula hospedeira, ocorrendo assim a transferência genética. na fase "log".
A reprodução das células procarióticas. como citado, ocorre
quando uma célula dá origem a outras duas. O crescimento 9.5. CICLO DlE RELAÇÕES PATÓGENO-HOSPEDEIRO
populacional bacteriano pode ser representado matematicamente Nesse ,tem serao apresentados os aspectos mais comuns
por N= 2°, onde "N'" é o número total de células de uma população relacionados à ocorrência de fitobaetérias no ambiente e suas
e ·'o" é o número de gerações. A curva de crescimento de uma interações com hospedeiros. Detalhes do ciclo de relações patógeno-
população bacteriana, expressa em número de indivlduos em hospedeiro para patógenos em gemi estão no Capítulo 4, e aqui
relação ao tempo, apresenta quatro fases distintas (Figura 9.5). abordaremos a!:pcctos específicos de bactérias. O conhecimento
A fase inicial é denominada "lag", na qual a população inicial do ciclo é essencial parn a fonnulaçào e aplicação adequadas de
pennanece com um mesmo número de células durante um medidas de controle de doenças em plantas, principalmente no
determinado intervalo de tempo. Nessa fase as células estão caso de fitobacterioses.
cm plena atividade, sintetizando os componentes celulares
que permitirão sua reprodução na nova condição ambiental. A 9.5.1. SobreYivência
segunda fase é denominada "log", pois ocorre o crescimento As bactérias fitopatogenicas podem sobreviver na presença
logaritmo (ou exponencial) do número de células da população. ou na ausência do hospedeiro vivo. As bactérias sobreviventes
'lessa fase o processo de formação de duas novas células em associação com a planta viva podem aruar como patógenos
a panir de uma célula inicial é muito frequente e a taxa de ou como r.:sic.Jentes; por outro lado, a sobrevivência na ausência
-:rescimento populacional é máxima. A terceira fase é conhecida de hospedeiro •ávo requer que a bactéria exerça sua habilidade
por "estacionária" e se caracteriza pela população bacteriana saprofitica.
permanecer novamente com o mesmo número de células, ou seja,
Como pató~cnos. Uma das formas mais comuns de
a taxa de crescimento populacional é praticamclltc zero. Nov.as
sobrevivência de fitobactérias é em hospedeiros doentes. As
células são fonnadas, mas numa taxa similar à da monalic.Jade,
bactérias podem ser encontradas nas lesões resultantes da
resultando na manutenção do número de células na população.
colonização dos tecidos vegetais, ou tam~m em plantas doentes
Isso ocorre em razão da menor disponibilidade de nutrientes do
assintomáticas ou cm vetores, como os insetos. No caso de plantas
meio ou do acúmulo de metabólicos tóxicos produzidos pelas
hospedeiras. a sobrevivência pode ocorrer na espécie cultivada, de
células. A última fase é conhecida como "de mone" ou declínio,
interesse econômico, ou naquelas pertencentes a outras espécies
na qual a população é redu;,ida em ra7..àO da maior taxa de
botânicas que s,~ constituem cm hospedeiros alternativos, com ou
monalidade em comparação à do surgimento de novas células.
sem valor econômico, como outras culturas agrícolas ou plantas
Esse desbalanço é provocado pela escassez de nutrientes ou pela
daninhas (invas:oras), presentes no interior ou nas proximidades
excessiva quantic.Jade de produtos tóxicos no meio.
da cultura. D<~ssa forma, plantas doentes, constituídas por
plantas do hospedeiro principal ou alternativo. pennanecem
como reservatório do patógeno para a disseminação e a infecção
da cultura na próxima estação de cultivo. Essa é a forma de
sobrevivência, como exemplo. das bactérias agentes causais
@) de muitas doenças em culturas perenes, como u cancro cítrico
(causado por Xcmthomonas citri subsp. citri), a clorose variegada
dos citros, ou CVC, (causada por Xyle/la .fastidiosa), o cancro
da videira (Xanthomonas campestris pv. viticola) e a mancha
angular da mantgueira (X campestris pv. mang/feraindicae). As
0 bactérias agentes causais da mancha bacteriana em tomateiro
(Xanthomonas vesicatoria. X. euvesicataria, X perjorans e
X gardneri) podem sobreviver não apenas t:tn tomateiro como
também em outras solanáceas, como berinjela, pimentão e batata,
plantas essas que atuam como hospedeiros alternativos para a
Tanpo (h) disseminação para futuros campos de tomateiro na mesma área
ou áreas próximas.
Figura 9.5 - Curva padrão de crescimento de uma população bacte- Partes ou ,órgãos infectados do hospedeiro, qne se constituem
riana: (1) fase lag; (II) fase log; ( III) fase estacionária: em material propagativo, também são formas importantes para a
(IV) fase de declínio. sobrevivêncic1 de fitobactérias. O plantio c.Je materiais infectados

149
Manual de Fitopatología

como, por exemplo, sementes, estacas, tubérculos. bulbos e plantas hospedeiras, material propagativo e também em vetores.
rizomas, ou o emprego de borbulhas para enxertia, podem ser Naqueles casos nos referimos à sobrevivência em plantas,
responsáveis pela introdução ou manutenção de patógenos nas vetores e tecidos hospedeiros doentes. No entanto, fitobactérias
áreas cultivadas. Como exemplos dessa forma de sobrevivência podem também sobreviver em plantas, insetos, restos culturais,
têm-se o agente causal da manchH aquoso em meloeiros e sementes e outros materiais propagativos como residentes,
melancia (Acidovorax citrulli), que pode. ser disseminado por infestando esses indivíduos e suas partes como epifüicas. Essa
sementes infectadas e Ralstonia solanacearum e P.ectobacferium fonna de sobrevivência ocorre sem que os materiais ou plantas/
carotovorum, as quais sobrevivem em tubérculos, bulbos ou vetores estejam infectados, e as bactérias estão presentes nas
rizomas. suas superficies. Experimentalmente é possível determinar a
Insetos vetores (Figura 9.6), como cigarrinhtas de xílema, sobrevivência de fitobactérias como residentes, mas determinar
responsáveis pela transmissão da clorose variegaida dos cítros qual a importância epidemiológica, prática, dessa fonna de
(X fastidiosa), cigarrínhas de floema, como Dalbulus maidis, sobrevivência na ocorrência de novos Slirtos da doença é
transmissoras de fitoplasmas e espiroplasmas em milho, ou o bastante dificil. No entanto, a sobrevivência de fitobactérias
henúptero psilídeo (Diaphorina citri), responsável pela transmissão como residentes merece atenção para doenças quarentenárias, na
das bactérias associadas ao huanglongbing (1-lLB, grccning) dos produção/uso de material propagativo e no comércio de produtos
citros ('Candidatus Liberibacter asiaticus' e ·ca. Liberibacter agrícolas para áreas livres do patógeno.
americanus'), são, juntamente com as plantas doente:s, hospedeiros Como saprófitas. Outra forma de sobrevivência cm
de fitobactérias, os quais permitem sua sobrevivência por dias, tecidos doentes é em restos de cultura que permanecem na
semanas e até meses. Nesses casos citados, as bactérias possuem área após podas, desbrotas ou colheita. Esses tecidos doentes
urna relação íntima com seus vetores e a transmissão para novas em muito favorecem, e consequentemente prolongam, a
plantas ocorre durante a alimentação dos adultos em seus tecidos sobrevivência de fitohactérias na área de cultivo. Bactérias como
vasculares. As bactérias multiplicam-se no interior dos vetores e R. solanacearum, P. carvtovonim e A. citrulli, mas também outras
nesses casos os indivíduos são também denominados ''infectados" como as Xanthomonas agentes causais da mancha bacteriana cm
ou "doentes", assim como as plantas hospedeiras. tomateiro, o agente causal da podridão negra em bníssicas (X
campestris pv. campestris) e várias espécies e
patovares de Pseudomonas muitas vezes ocorrem
de forra.a epidêmica em áreas de cullivo corno
consequência da manutenção de restos culturais
doentes. Estudos experimentais com diferentes
fitob11ctérias demonstraram a sobrevivência do
patógcno como resultante do tempo nectlssário
para a decomposição completa dos resíduos
vegetais, evidenciando assim o importante papel
dos restos de cultura na manutenção de populações
bacterianas.
A sobrevivência de bactérias patogênicas
por meio de saprofitismo pode ocorrer também
diretamente no solo, sem a presença de restos de
Figura 9,6- lnselos vetores de bactérias: (A) cigarrinhas e (B) psilídeo. cultivo, ou em materiais inertes (equipamentos,
Crédito das fotos: Paulo Ayres. utensílios, material de colheita etc.). Algu1m1s
bactérias fitopatogênicas são habitantes naturais
Como residentes. Na condição de residente:s, as bactérias do solo, como Ralstonia e Agrobacterium, e suas populaçôes
são capazes de sobreviver epifiticamente no hospedleiro e também se mantêm no ambiente edáfico por longos períodos de tempo.
em plantas não hospedeiras. Os residentes podem s,er encontrados No entanto, a maioria das espécies fitopatogênicas têm reduzida
na parte aérea ou subterrânea das plantas. O füoplano é um local capacidade para sobreviver no solo e suas populações tendem a
eomumente ocupado pelas bactérias, onde se desenvolvem diminuir na ausência de hospedeiros vivos ou restos culturais, cm
como epifiticas na superficie de folhas e frutos, se: concentrando decorrência da competição com a microflora. Mais curta ainda
principalmente em áreas nas quais há maior dlisponibilidade é a sobrevivência de fitobactérias em materiais inertes, como
de nutrientes e água. A gemosfera compreende a região da plástico, metal, tecido, borracha, dentre outros, principalmente
gema, local que também pode abrigar bactérias e favorecer sua quando esses pennanecem sem água livre em sua superficie.
multiplicação pela presença de água livre e nutriente:s. A população
do patógeno acompanha o desenvolvimento das gem_as, passando 9.5.2. Disseminação
dessas estruturas para os novos órgãos vegetais, sobretudo As bactérias presentes oa superfície dos tecidos vegetais
brotações jovens. A rizosfera de hospedeiros e nfio hospedeiros infectados ou infestados precisam ser transportadas para
de bactérias fitopatogênicas fornece condições parai a raanutenção novos tecidos sadios para iniciar um novo ciclo de infecção.
e desenvolvimento de muitas populações bacterianas. O estímulo Diferentemente do que ocorre com fungos, o vento, isoladamente,
é decorrente da exsudação natural de compostos pelas raízes, os não tem importância na disseminação das células bacterianas. É
quais sõ.o utilizados como nutrientes pelas bactérias. a água que promove a exsudação das bactérias, a partir das lesões
Em parágrafos anteriores citamos a sobrevivência de presentes em tecidos doentes ou infestados, e a dispersão para
fitobactérias em tecidos doentes, como restos de cultura, novos tecidos. Assim, a água é o principal veículo responsável pela

150
Bactérias Fitopatogênicas

disseminação desses patógenos, além de materiais propagativos e propagativo, assume papel relevante na disseminação das bactérias
etores, quando existentes. fitopatogênicas tanto a longas distâncias como lo.:almente.0
Água. Seja resultante de chuvas, orvalho ou irrigação, a homem também promove a disseminação de fitobactérias pode
.agua promove o molhamcnto da área lesionada pela bactéria ocorrer quando da execução de práticas culturais. As operações
~ pennite que células presentes nos tecidos doentes sejam de desbrota, cone, enxertia, poda. colheita, pulverização, uso de
beradas. Respingos de chuva ou irrigação disseminam o máquinas, entre muitas outras operações, executadas em qnalquer
rurógeno na própria planta, para plantas vizinhas e também cultura agrícola, são responsáveis pela dispersão de bactérias
.1.:.astam células bacterianas da parte aérea para o solo. As capazes de provocar distintas doenças em diversos hospedeiros .
t•Jtas de chuva também podem levar as bactérias presentes na A disseminação por práticas culturais é mais eficaz quando da
o;:uperficie do solo para as partes baixas da planta. colocando-as presença de água livre na superffoie das plantas doentes. Outra
mi contato com seu hospedeiro. A dispersão por aerossóis (gotas fonna comum de disseminação é por partículas de solo contendo
:<é água de rnicrômetros de diâmetro), geradas por chuvas, bactérias como R. solanacearum, A. citrulli e P camrovorum.
mgação e pulverização, pode ocorrer alé alguns quilômetros Ressalta-se, portanto, que a dispersão de fitobactérias tanto em
de distância, embora o número de bactérias cmTegadas nessas nível local, quanto regional e continental é de responsabilidade
1rncropartículas seja muito reduzido e, portanto, menos eficaz em frequente do homem e o entendimento de como sobrevivem e são
~rar novas lesões. Por outro lado, chuvas com ventos são mnito disseminadas as fltobactérias é essencial para maior .:ti.ciência na
.'.llS importantes e frequentes na disseminação de bactérias a prevenção e no controle dessas doenças.
nga distância. É dessa forma que fitnbactérias agentes .:ausais Outros agentes de disseminação são os vetores, princi-
...1( manchas e cancros em folhas, ramos e fmtos são comuinentc palmente insetos. Todos os eventos necessários para a dissemi-
.&sseminadas para áreas de cultivo próximas. nação (liberação, transporte e deposição) podem ser realizados
A água é essencial não apenas para liberação e transporte por vetores, tanto de fonna acidental quanto em interações mais
-" células bacterianas, mas também para a permanência do específicas. Quando um inseto, um ácaro ou mesmos animais entram
rntogeno na superficie dos tecidos sadios em tempo o suficiente em contato com uma planta, as células bacterianas exsudadas pelo
-_ra que ocorra a infecção pelo patógeno. Na ausência de água tecido doente podem aderir nas di rerentes partes do Ct)rpo dei es e
:1He, a sobrevivência das bactérias é muito curta. Dessa forma, serem transportadas para outras plantas. No entanto, é nas relações
- necessidade de um período mínimo de molhamento, formado específicas entre bactérias e insetos vetores que a disseminação
por um filme de água na superficie do hospedeiro, para que ocorra se dá de forma frequente e essencial para determinadas
• penetração das células nos tecidos recém atingidos. fitobactcrioses. Nesse caso, durante o processo de alimentação
As diferentes formas de irrigação têm papel na disseminação no xi lema ou no floema de plantas doentes, o vetor tanto adquire
..: bactérias. Respingos originários de irrigação por aspersão como transmite a bactéria para novas plantas. Diferentemc:nte de
ü.7cionam como os respingos de chuva, liberando e dispersando alguns vírus, que podem ser transmitidos por picadas de prova,
~-.:lulas bacterianas dentro da própria planta doente e pãra_planias a transmissão de bactérias por velore.s. geralmente, envolve
- .\.im11S. Além disso, a aspersão também dá origem aos aerossóis, relações específicas entre inseto vetor-patógcno, ocorrendo
..... orecendo a dispersão de bactérias a distâncias mais longas. Em um tempo mínimo necessário de alimentação do inseto para a
&:-'0rrência disso, a intensidade da irrigação e o tipo de irrigação aquisição do patógeno na planta doente (de vários minutos até
.:_...,, em ser considerados quando do emprego de medidas para o horas) e adicionalmente um tempo, denominado de latência, para
~ ~lrole de doenças de etiologia bacteriana. A ÜTigação feita que ocorra a circulação, ou multiplicação em casos específicos,
_.,'filo água de superficie nos sulcos de plantio pode servir como da bactéria no interior do vetor. Somente após a latência é que
~ículo do inócu)o bacteriano no solo, disseminando-o de uma área os vetores são capazes de transmitir a bactéria para novas plantas.
JDLaminada para outra ainda livre do patógeno. Nesse sentido, Exemplos desse tipo de interação específica são a disseminação
stemas de irrigação por gotejo ou micro aspersão são menos (transmissão) de litoplasmas e espiroplasmas por cigarrinbas
-oortantes na disseminação de fitobactérias quando comparados de lloema, de Xy/ella jàstidiosu por cigarrinhas de xilema e de
..t."l1 aspersão ou irrigação por sulcos. 'Ca. Liberibacter asiaticus' e 'Ca. Liberibactcr amcricanus' pelo
Agentes diversos. Os órgãos de propagação como sementes, hemíptero Diaphorina citri (Figura 9.4).
~as. estacas, bulbos, rizomas e tubérculos são agentes importantes
9.5.3. lnfecçílo
1-1 disseminação a curtas e longas distâncias, veiculando as células
• bactérias aderidas à sua superficie ou colonizando seus tecidos. O As bactérias ganham o interior do hospedeiro por ferimentos
•Jt~nso transpo11e desses materiais de propagação, ,mtre. regiões e e aberturas naturais, presentes na parte aérea ou subterrânea
p1.1ses. tem contribuído para uma ampla distribuição de bactérias das plantas. Diferentemente dos fungos e nematoides, esses
de outros agentes füopr,. ,, gênicos pelo mundo, favorecendo a patógenos não têm a capacidade de penetrar diretamente através
'(ltrodução de patógenos exóticos responsáveis por relevantes da cutícula e da epiderme, barreiras que mantém o isolamento
~das na produção agrícola. Foi por material propagativo que entre o ambiente interno e externo das plantas.
-:u11as das bacterioses atualmente pre.sentes no Brasil foram Ferimentos. Macro e micro ferimentos são provocados
-croduzidas. Isso oco1Teu, como exemplo, no caso do cancro por diversos fatores, destacando-se o atrito natural entre as
.:-u-ico e, supostamente, no caso do huanglongbing, doenças partes vegetais, a abrasão provocada por partículas carregadas
-nportantes na cultura dos citros, e também para o cancro da pelo vento, a ação de insetos, ácaros e nematoides, o uso de
deira. introduzida anos atrás em Petrolina, Pernambuco, e práticas culturais como poda, enxenia e desbrota, o contato com
!!t...~teriormente para outras regiões do País. O movimento de implementos utilizados na cultura, e a própria emissão de raízes
...,Jterial vegetal promovido pelo homem, seja resultante do secundárias e outros tecidos novos, os quais rompem a superfície
....:mércio de produtos agrícolas ou no transpone de material provocando minúsculas fendas que favorecem a entrada de

151
Manual de Fitopatologia

patógenos. Os insetos, além de abrirem portas de entrada para Lenticelas são estruturas derivadas dos estômatos que
a penetração de bactérias que ocorrem na superficie das plantas, estão presentes na camada pcridénnica. São constituídas por um
introduzem células bacterianas diretamente nos vasos condutores, conjunto de células organizadas frouxamente que desempenham
quando atuam como vetores. Essa é uma das principais formas de papel nas trocas gasosas reali;:adas entre a planta e o meio. A
transmissão de bactérias habitantes dos vasos condutores, como periderme é encontrada ern alguns órgãos subterrâneos, como nos
citado anterionnente. A enxertia é outra forma importante para tubérculos, sendo também um componente da casca de caules de
transmissão de fitobactérias que colonizam esses vasos e especial plantas lenhosas. As lenticelas localizadas em órgãos subterrâneos
atenção deve ser dada para se impedir a formação de material são usualmente a porta de entrac.Ja de bactérias fitopatogênicas
propagativo doente. que habitam ou sobrevivem no solo, como R. solanacearom,
Aberturas naturais. As aberturas naturais são representadas P. carotovorum e Streptamyces spp. Os órgãos florais são
principalmente pelos estômatos, hidatódios, lenticelas, nectários também locais utilizados pelas bactérias para atingirem o interior
e estigmas, os quais estabelecem a comunicação entre os tecidos dos seus hospedeiros. Mais especificamente, os nectários são
internos da planta com o meio exterior. Os estômatos são apontados como as estruturas mais importantes para a penetração
considerados os locais mais comuns de penetração das bactérias, de bactérias em órgãos florais. Nesse caso, os talos bacterianos
em comparação com os outros tipos de aberturas naturais presentes externamente aos estigmas são earrcgados pela água
(Figura 9.7). Essas estruturas ocorrem em grande número na até a superfície dos oectários, onde penetram. Bactérias que se
superficie foliar, principalmente na face abaxial. com uma desenvolvem na superfície de estigmas também podem penetrar
média estimada entre 100-600 unidades por milímetro quadrado, nessa estrutura (foral e atingir os embriões, resultando na
considerando a maioria das espécies esrudadas. As bactérias fonnaçào de sementes contaminadas.
presentes cm filmes de água na superfície das plantas podem
migrar diretamente para o interior dessas aberturas, atingindo 9.5.4. Colonização e Reprodução
assim o mesófilo foliar. A movimentação de bactérias que Após penetrarem seus hospedeiros, tem início a colonização
possuem flagelos pode favorecer sua penetração via aberturas. dos tecidos das plantas, elapa essa na qual as bactérias passarão
Aspectos relacionados à superficie vegetal, como frequência a nutrir-se às custas do hospedeiro. A colonização envolve a
e configuração dos estômatos, densidade de pelos ou tricomas, multiplicação e o movimento da bactéria a partir do ponto de
camada cerosa, demre outros, influenciam na maior ou menor penetração. À medida que a bactéria absorve nutrientes e se
quantidade de bactérias que penetram os tecidos. Há casos cm multiplica, ocorre a colonização dos tecidos adjacentes.
que a resistência da planta a uma doença de etiologia bacteriana
De um modo geral e didático, podemos dividir em dois
pode estar condicionada ao número ou à morfologia de abe11Uras
os locais internos coloni.:ac.los pelas bactérias quando cm seus
naturais. Tecidos foliares com mais tricomas, ou muito cerosos,
podem dificultar a fonnaçâo de um filme de água na superfície, hospedeiros: a) os espaços intercelulares; e b) os vasos condutores
(xilcma ou flocma). Qualquer tecido, para ser coloni1.ado pelas
reduzindo assim as chances de infecções por bactérias da
fitohactérias, precisa conter água livre. Com exceção do flocma,
parte aérea. Os hidatódios são estruturas ieme\hantes ·a poros,
os demais espaços colonizados por fitobactérias são pobres em
correspondentes a terminações dos vasos de xilema, encontrados
nutrientes e esses microrganismos adquiriram, ao logo de seus
nos bordos foliares. São bem maiores que os estômatos e por
processos evolutivos, mecanismos capazes de extrair nutrientes
eles ocorre o processo de gutação, pelo qual a planta elimina o
excesso de água na fonna de gotas nos bordos das folhas. Essas do interior das células do hospedeiro. Esses mecanismos
gotas podem se tornar veículos de emrada de bactérias e é dessa envolvem, sobretudo, a produção de enzimas, hormônios e toxinas
maneira que usualmente o agente causal da podridão negra que alteram a penneabilidade ou degradam a parede celular e a
das brássicas (X. campeslris pv. campestris) peneira em seus membrana plasmática vegetal. Essa ação promovida pelas células
hospedeiros. bacterianas resulta na liberação dos constituintes presentes no
citoplasma vegetal, os quais são absorvidos diretamente pelas
bactérias ou degradados em moléculas menores para dai serem
utilizados para sua nutrição. En.:imas, honnônios e toxinas das
fitobact~rias são produzidos no citoplasma ou na parede celular
desses microrganismos, e liberados no espaço intercelular,
em contato com o exterior das células vegetais, ou até mesmo
diretamente no citoplasma dessas células, por mecanismos
diversos, denominados conjuntamente de sistemas de secreção.
Os sistemas de secreção bacterianos possuem funções diversas
e uma delas é na patogenicidade desses organismos. Os mesmos
são divididos em diferentes classes de acordo com as proteínas
envolvidas, a fonna de liberação de produtos celulares, as
bactérias em que ocorrem, dentre outros. Há sistemas de
secreção até hoje identificados exclusivamente em bactérias
Oram-positivas (denominados SecA2, Sortase, lnjectsomo e
Tipo VII), em Gram-positivas e Oram-negativas (Sec e Tal) e
exclusivamente em Oram-negativas (numerados de Tipo I a Tipo
Figura 9.7 -Xanlhomonas citri subsp. cilri próximas a estômato em VI). Desses sistemas de secreção aqueles reconhecidamente
folha de Citrus sinensis. Barra= 1Omicrômetros. envolvidos na patogenicidade de fitobactérias são os Tipo I, II.
Crédito da foto: Flávia C.F. Vieira. 111 e IV. Como exemplos, o sistema Tipo l está presente em várias

152
Bactérias Fitopatogênicas

citobactérias, o Tipo II em Pseudomonas, Ralstoni'a e Dickeya,


, Tipo lll é essencial na patogenicidade de Xanthomonas e o
Tipo IV é o sistema envolvido na transferência de T-DNA por
~grobacterium. Geralmente fitobactérias possuem mais de um
npo desses sistemas, os qnais são essenciais não apenas para
patogenicidade, mas para a secreção de proteínas e enzimas com
diferentes funções.
Na colonjzação do xilema (Figura 9.8) e do floema (Figura
-l 9) as fitobactérias utilizam água e nutrientes presentes nesses
, asos. Os vasos do xilema, apesar de mais pobres em nutrientes,
são colonizados pela maioria das bactérias vascularns causadoras
de doenças, enquanto os vasos de floema, mais ricos em termos
nutricionais, oferecem condições favoráveis a um grupo mais
,mitado e específico de bactérias. A colonização pode ocorrer
oelo d.:senvolvimento de colônias que formam agregados
<t se estabelecem na parede interna dos vasos, chegando
.i provocar a obstmção total ou parcial do lúmen e, como Figura 9.9 - lmagens da bactéria Candida1us Libcribaclcr. (A) Mi-
consequência, o bloqueio do transporte de seiva. Enquanto crografia eletrônica de transmissão do vaso do Aoema
os siskmas de secreção estão presentes, e são essenciais, em de folha ele lara1tjeira com sintomus de huanglongbing.
"Jctérias que colonizam o espaço intercelular de várias plantas, (B) Micrografia eletrônica de varredura da região vas-
a análise de genomas completos de pat6genos vasculares, como cular de folha de vinca (Catharanthus roseus) experi-
·ca. Liberibacter asiaticus', habitante do flocma e associado à mentalmente inoculada com Candidatus Libcribactcr.
doença huanglongbing dos citros, e Leijsonia xyh subsp. xyli, Bactérias ocupam o lúmen do vaso do Aoema.
nabitante do xilema e agente do raquitismo das soq ueiras cm cana- Crédito das fotos: Elliot W. Kitajima.
de-açúcar, revelaram que esses sistemas de secreç:ão estão em
menor número, são menos conservados ou iocomple1.os. Do ponto O processo de colonização, além do crescimento popu-
de vista evolutivo pode ser que bactérias fastidiosas, presentes lacional bacteriano, caracteriza-se também pelo movimento das
em vasos nutricionalmente mais ricos (no caso do floema), ou células para tecidos adjacentes ou para locais mais distantes
Jependentes de insetos vetores, ou ainda colonizadoras de vasos do ponto inicial de infecção. Para explicar esse processo são
com uma reduzida microbiota, sejam menos dependentes de considerados três mecanismos: a) a movimentação ativa da
sistemas de secreção para adquirir nutrientes de seus hospedeiros. célula bacteriana; b) a expansão da massa bacteriana. resultante
\las essas são ainda hipóteses e novos estudos trad'ío luz à e~a do crescimento populacional; e e) o transponc das bactérias via
:j"Uestão. vasos condutores. No primeiro caso, a bactéria, impulsionada
pelos flagelos, se movimentaria nos espaços intercelulares do
tecido vegetal, utilizando, o meio líquido que envolve as células
do parênquima. O segundo mecanismo atribui a colonização
dos espaços intercelulares ao aumento exponencial da massa
bacteriana. constituída por novas células do patógeno formadas
num meio rico em nutrientes resultante da degradação celular
vegetal e da liberação de seus conteúdos internos. O movimento
da bactéria através dos vasos ocorre de maneira passiva, no qual
as células das colônias presentes no interior dos vasos seriam
arrastadas pelo fluxo de seiva existente tanto no xilema como no
floema. Esses três mecanismos explicam a colooização sistêmica
ou localizada observada para diferentes fitobacterioses. De
natureza sistémica, temos as fitobactérias habitantes de tecidos
vasculares. Por outro lado, há doenças em que a colonização em
parte é sistémica, mas limitada a poucos centímetros. Esse é o
caso de pat6genos que colonizam o rnesófilo foliar, mas também
penetram os vasos do xilema, como nos casos de X campestris
em brássicas e X vitícola em videira. Para essas doenças os
F'"tgura 9.8 - Micrografias eletrônicas da região vascu1lar de folhas
de plantas infectadas por Xylella. (A) Micrografia ele-- sintomas foliares caracterizam-se corno manchas em forma de "V"
Irônica de transmissão de secção de folha de ameixeira (para podridão negra em brássicas) on como nervuras escurecidas
com sintomas de escaldadura coletada na Argentina. (para o cancro bacteriano da videira). Há ainda as colonizações
Os vasos do xilema acham-se invadidos pela bactéria exclusivamente localizadas, comuns para a maioria das fito bactérias
X. fastidiosa. (B) Micrografia eletrônica de varredu- causadores de manchas e cancros em parte aérea ( Curtobacterium,
ra fraturada da região vascular de folha de laranjeira muitas Xanthomonas, Pseudomonas, algumas Envinia).
com sintomas de clorose variegada. Veem-se bac1érias Cabe ressaltar o caso defitobactérias que colonizam diferentes
X. fastidiosa colonizando vasos do xilema1. partes do hospedeiro, podendo incitar sintomas localizados ou
Crédito das fotos: Elliot W. Kitajima. sistêmicos. Como exemplos temos R. solanacearum, A. citn1lli e

153
Manual de Fitopatologi.a

P. camtovorum, fitobactérias bastante agressivas, que se carac- todos os seres vivos e estabelecer uma base de classificação comum
terizam por penetmr seus hospedeiros por diferentes tecidos para eles. Foi Carl Woese que ainda na década de 1970 propôs a
(raízes. colo, ramos, folhas ou frutos) e produzir enzimas e toxinas divisão dos seres vivos em três Domínios: Archaea, Bacteria e
degradadoras da parede celular, da membrana plasmática e da Eukarya. Os procariotos estão nos Domínios Bacteria e Archaea
lamela média. Essas hactérias também se caracterizam por infecwr e os eucariotos no Domínio Eukarya. Essa classificação é feita
diferentes hospedeiros e são capazes de sobreviver saprofiticamente comparando-se a sequência de nucleotídeos Jo gene 16S rRNA
por longos período de tempo. Essas c:iracterísticas, ausentes em dos procariotos (l 8S rRNA em eucariotos). O rRNA compõe os
muitas das fitobactérias, ocorrem nesses patógenos em razão dos ribossomos, os quais são as macromoléculas responsáveis pela
vários sistemas de secreção e de enzimas extracelulares empregados síntese de proteínas em todos os seres vivos. As características
por eles, habilitando-os para sobreviver em uma diversidade de que levaram o rRNA a ser utilizado como um marcador evolutivo
condições e colonizar diferentes tecidos e plantas. para o estudo da taxonomia e evolução dos seres vivos foram:
estar presente e ser funcional em todos seres vivos; ser bastante
9.6. TAXONOMIA conservado, sofrendo poucas modificações ao longo do tempo: seu
A taxonomia abrange os aspectos relacionados à classifi- pequeno tamanho (menos que 2Kb), pennitindo assim comparações
cação, identificação e nomenclatura dos seres vivos. Para parte rápidas, fáceis, com baixo custo; e a manutenção de bancos de
dos eucariotos, a taxonomia tem como base a caracteri1.ação dados on fine de sequências de nucleotídeos de praticamente todos
morfológica, datação e comparação de fósseis. No entanto, isso seres vivos. Os trabalhos pioneiros de Carl Woese e seu grupo
não é possível para procariotos. Nilo há '•fósseis" que possam ser resultaram numa nova classificação dos seres vivos, que suplantou
coletados de qualquer microrganismo, seja dos que morreram a antiga divisão em cinco Reinos.
há poucos minutos ou dos que viveram há milhões de anos. No entanto, a comparação das sequências <le nucleotídeos
Como consequência, a dassificaçào dos procariotos restringe-se do rRNA pennitc a divisão dos seres vivos em taxa que vão
à comparação de suas características genotipicas e fenotípicas. de Domínio ató no má.'<imo Gênero ou Espécie. Estudos entre
Enquanto a identificação e a classificação de microrganismos exemplares pertencenLes à mesma espécie ou abaixo dela,
eucariotos, como fungos e nematoides, é facilitada pelo estudo de corno subespécie, patovar, biovar. etc., exigem o emprego de
suas características morfológicas, essas características pouco são outnis técnicas complementares. Atualmente. a taxonomia de
úteis na caracterização dos procariotos se aplicadas isoladamente. procariotos, denominada taxonomia polifásica, exige o emprego
Com o avanço dos estudos e da facilidade na comparação de de diversas técnicas, tanto genotípicas quanto fenotípicus
sequências de ácidos nuclcicos (DNA e RN A), foi possível coruparar (Tabela 9.1). No entanto, temos o desenvolvimento constante

Tabela 9.1 - Informações m:cessárias para a caracterização e descrição dii novas espécies de bactérias.

Característica lnformaçiie, ohrigatória, Ontrn, informaçõc, (dc,rj:í, ci\)

Morfologia e tamanho Coloração


Motilidade Arranjo de flagelos
Visualização de estrururas internas e c1.tcrnas Esporos, cápsula~. apêndices e envoltórios
Morfologia celular
Fonnação de agregação celular Ciclo de vida
Dift:renciação cdular Ultraestrutum do flagelo, envelope e parede celular
Ultraestrutura
Cor da suspeusão (espectro de absorção) e das colônias
Morfologia das colônias Aspecto das células em suspensão e das colônias Motilidade das colônias
Fom1ação de micélio
Coloração Reação de Oram Coloração do flagelo, esporos e ácido-álcool
Homologia de ácidos nucleicos e sequ~ncia do rRNA
Proporção de bases G+C Pigmentos celulares
Constituintes celulares Parede celular e constituintes da membrana
Materiais de reserva
EnLimas típicas
Temperaturas cardinais
Amplitude de pi l e pH ótimo
Requerimentos osmóucos, de sais e vilamínicos
Metabolismo energético Produtos metabólicos típicos (ácidos, pigmentos,
Fisiologia
Reação a oxigênio
antihióticos, toxinas e antígenos)
Lista de aceptores de e létrons
Fontes de carbono, nitrogênio e enxofre
Patogenicidade, gama de hospedeiros
Formação de antígenos
Ecologia Habitat natural Sorologia
Suscetibilidade a bacteriófagos
Simbioses

Fonte: Adaptada de Trüper & Schleifer (2006).

154
Bactérias Fitopatogénicas

de novas análises e técnicas laboratoriais. as quais de tempos


cm tempos são im;o'l)oradas na classificação de procariotos. A Boxe 9.1 A nomenclatura de fitobactérias -
1.;1:..onomia caracte riza-se por estudos comparativos. Classificar uma constante de alterações
Jm organismo significa estabelecer suas características cm
, omparação com outros. Quando somamos a isso as várias Sem dúvidas, esse é um dos desafios que os
,~nicas utilizadas na caracterização de bactérias e a existência fitopatologistas e demais profissionais encontram
ae dezenas de milhares de bactérias conhecidas, e suas variantes, quando pretendem citar ou descrever a etiologia
li1:mos uma taxonomia em constante mudança. Por isso os nomes de fitobacterioses. Para uma mesma fitobactéria
~ bactérias, fitopatogênicas ou não, foram sendo alterados ao há diversos nomes. Com razão, nos perguntamos
,:,ng.o das últimas décadas. Essas mudanças continuarão a ser continuamente - Qual nome é correto? Qual devo
1euas e podemos a.penas esperar novas regras de classificação e usar? A taxonomia de procariotos está em constante
O\OS nomes. No entanto. nem todos os nomes e as classificações mudança. Uma das vertentes da taxonomia recomenda
:,ropostos por diforentes bacteriologistas em todo mundo são que a nomenclatura e alterações em nomes de
alidas. As reclassificações e alterações de nomes de fitobactérias procariotos já conhecidos, ou novas descrições, devem
Je\em ser aprovadi:,s por comitês de taxonomia e nomenclatura e seguir as regras do International Code ofNomenclat11re
de tempos em tempos são publicadas listas com os nomes válidos o/ Prokaryotes e, para os patovares de fitobactérias,
e demais alteraçõe:s (Boxe 9.1). Cabe-nos, portanto. o esforço adjcionalmente as regras do International Stm1dards
cm saber quais nomes são válidos, quais não são, e empregar for Naming Patlaovars. O primeiro código é regido
c><clusivamente os nomes válidos, exigindo-se seu emprego. pelo lnternational Committee on the Systematics of
Prokaryotes e o segundo, pelo Committee on the Taxo-
As bactérias são classificadas de ac.,-ordo com a nomenclatura
11omy o/ Plant Pathogenic Bacteria. As regras para
t->mom1al (gênero e c:piteto indicativo da espécie). Algumas bactérias
taxonomia de bactérias são regidas por esses códigos
~o classificadas também em subespécie ou ainda outras
e as propostas avaliadas pelos respectivos comitês. No
d~nominações. Esses níveis são infra-subespccíficos, ou seja.
entanto, os diferentes pesquisadores em todo mundo
MO utilizados para diferenciar indivíduos ou grupos da mesma
continuamente publicam descrições de novos tipos
(',pécie bacteriana. Subespécie é uma classificação utilinda para bacterianos ou sugerem alkrações na nomenclatura
..-: fercnciar grupos que penencem a uma mesma espécie, mas são de tipos conhecidos em diversas fontes (artigos,
icilmentc diferenciados com base em algumas características revistas, livros, manuais, inkrnct). Toda alteração
nlizadas na definição de espécies (rRNA, gama de hospedeiros, de nome ou uova descrição, para ser váJida, deve
10rfologia, etc.). No entanto, essas diferenças não são numa ser publicada exclusivamente na revista cientifica
:-,agnitude que permita a divisão dos mesmos cm espécies lnlernational Journal of Systematic and Evolutionary
:"tintas. A denominação de patovar foi introduzida em 1980 para Mícrobiology e seguir as regras da taxonomia polifásica
J diferenciação de fitobactérias não distinguívei-s na época por
vigentes (Tabela 9.1). As propostas são avaliadas pelos
étodos laboratoriais, mas que possuíam gama de hospedeiros comitês e, quando aprovadas, os nomes propostos
.!1fercntes. Assim, patovar significa ''variante patogênico". Com são considerados válidos e publicados nas Validatiorr
desenvolvimento de novas técnicas, os patovares passaram a ser Lists. Nomes apresentados nas Validation Lists apenas
"Jc.:1lmentc distinguíveis, e muitas bactérias antes denominadas indicam que os nomes propostos seguem as regras
~\•mo patovares o deixaram de ser nas últimas décadas. Os de nomendatura, mas não necessariamente que a
,;éncros Pseudomonas e Xanthomonas, embora ainda com vários classificação ou reclassificação foi correta e deve
patovarcs, sofreram reclassificações e passaram a conter espécies passar a ser adotada por todos. Essas e muitas outras
.illtes cl:issificadas por patovarcs, novas espécies ou mesmo publicações e o desconhecimento do propósito das
,ubespécies. Raça çorresponde a outro variante patogênico, mas Validatio11 Lists resultam em enorme confusão para
-efcrc-se à comparação ue isola.dos de uma mesma espécie d,; todos profissionais. Por isso, para trazer um pouco de
1tobactéria quanto à capacidade em colonizar variedades ou luz nesse cenário incerto e nebuloso, são publicadas,
;enótipos de uma determinada espécie botânica. É o caso da periodicamente, as Approved Lists of Bacteria/ Names
'XlCtéria Xanthomonas axonopodis pv. vitians, que apresenta (atualmenle Approved Lists), contendo os nomes
tipos capa:res Je mfectar algumas variedades de alface, mas válidos das fitobactérias. Essas listas podem ser
utras não. A gama de variedades colonizadas e não colonízadas acessadas em diferentes fontes, como, por exemplo,
& termina a raça de cada variante da espécie da fitobactéria. Biovar no endereço eletrônico da International Society for
• definido em relação às caracteristicas bioquímicas ou fisiológicas Plant Patliology, no site http://www.bacterio.net/. A
.ipresentadas pela bactéria, avaliadas em testes apropriados para primeira lista foi publicada em 1980 e a última em
~t:i finalidade e bem definidos na literatura. A classificação dentro 2014, e trazem os nomes e sinonímias válidos para
:;a categoria lisotipo é feita com base na lise das células.bacterianas as fitobactérias desde o início da fitobacteriologia até
,ausada ror bacteriófagos. No caso de sorotipo, a distinção de 2012. Mnitas bactérias possuem mais de um nome
-.Jctérias é fundamentada nas reações com anticorpos específicos. válido e cada profissional pode adotar, segundo
... ma denominação mais recente e bastante utilizada é genomovar seus critérios, o nome que julgar mais adequado.
também chamada "espécie genômica", do inglês genomospecies). Em muito facilitaria a comunicação entre nós
,~olados de uma mesma espécie genômica compartilham simi- fitopatologistas se voltássemos :1 redigir sempre o
3fidade genômica (hibridização DNA-DNA, por exemplo). nome da espécie seguido do nome do classificador,
mas são distinguív,:is por características outras, fenotípicas, não hábito que perdemos ao longo dos anos.
pemlitindo assim que componham uma única espécie ou que

155
Manual de Fitopatologia

sejam separados em espécies distintas. Portanto, esse termo define (Actinobactérias) e a seguir apresentamos as Gram-negativas
populações similares genotípicamente, como pertencentes à mesma (Proteobactérias). O Filo Tenericutes, no qual estão os procariotos
espécie. mas distinguíveis por outros métodos da taxonomia fitopatogênicos sem parede celular, é tema do Capítulo 11 e não
polifásica, suficientes para separá-las em espécies. será aqui abordado.
O desenvolvimento de técnicas moleculares tem permitido Gênero Streptomyces. Compreende bactérias que fonnam
a adoção de critérios relacionados ao genoma bacteriano para estruturas vegetativas ramificadas e esporos reprodutivos. Essas
identificar e distinguir bactérias. Assim, novos arranjos classifi- estruturas se assemelham àquelas produzidas pelos fungos, porém
catórios têm sido propostos e adotados nos últimos anos, em suas dimensões são menores. O diâmetro desses filamentos varia
detrimento do uso de biotipos, serotipos, lisotipos etc. Algumas de 0,5-2,0 µm e se fragmentam, dando origem a uma cadeia de
dessas análises estão apresentadas na Figura 9.1 O. Além de serem esporos, com fonnato de barril, medindo 0,8-1 ,7 x 0,5-0,8 µm.
úteis para taxonomia, essas técnicas podem ser empregadas para As colônias silo geralmente brancas, porém pigmentos podem
caracterização de fitobactérias em estudos que envolvem, por
ser produzidos ao redor da colônia, dependendo do meio. Essas
exemplo, a diversidade genética ou a detecção específica desses
bactérias têm características saprofiticas, que pennitem sua
microrganismos. Exemplos de técnicas atualmente utilizadas tanto
sobrevivência no solo, sob condições de pH neutro ou levemente
na classificação de bactérias quanto em estudos de diversidade
alcalino. O gênero S1rcptomyces possui centenas de espécies e
e detecção são rep-PCR, sequenciamento de DNA (total ou
nove delas já foram descritas como patogênicas à cultura da batata.
parcial) e a comparação de sequências de housekeeping genes.
Essas fitobactérias provocam a doença conhecida como sarna
Esses últimos são genes que codificam para funções básicas do
da batata, cujos sintomas são necroses cm órgãos subterrâneos.
metabolismo celular e a análise conjunta de sequências dt: alguns
No Brnsil a espécie mais frequente é Stroplomyce.1· scahiei (sin.
desses genes (4 a 8 por exemplo) pem1ite uma acurada, sensível
S. scabies).
e reprodutível comparação de grupos de isolados de uma mesma
espécie de bactéria ou de espécies filogeneticamentc próximas. Gênero Clavibucter. Compreende bactérias pleomórficas,
com tamanhos de 0,4-0.75 x 0,8-2,5 µm, sem flagelos e aeróbias
obrigatórias. As bactérias desse gênero pertencium anteriormente

E
e., ao gênero Co1)'nebac1eríum (assim como Curtobacrerium),
E ..,e por isso eram chamadas de bactérias "corineformes". mas essa
.f 1:1
denominação não deve ser mais utilizada. Apenas a espécie
Polimorflsfflo P« mmp,tmento de fnen,entos de
~ (RFlJI, PFGE)
Clavihacter michiganensis subsp. michiganensls, ag,mte causal
do cancro bacteriano em tomateiro ocorre no Brasil. A principal
AmpllflcaçAo DNA (ARP. rei>-PCR)
via de disseminaçllo dessa bactéria é por sementes.
HibridlzaçJo DNA-ONA
Genero C11rtobacterium. São bactérias de tamanhos entre
"G..c 0,3-0.6 x 0,5-3,0 µm, com colônias amarelas ou alaranjadas e
tDNA-PCR aeróbias obrigatórias. A única espécie identificada no Brasil é
Perlll de kldos . - S (!',\ME) C.jlaccum.fasciens pv.jlaccumfasciens, agente causal da murcha
Estrvtun d4I pareck celular
de Cunobactcrium em feijoeiro e também um patógeno ocasional
em soja, incitando a doença mancha marrom. Em feijoeiro o
fenotlplpm (API, Biol«., ..)
patógeno coloniza os vasos do xilcma e a principal via de <lissemi-
Sequencia-.to de rRNA naçào é por sementes.
Sondas de DNA Gênero Leifso11iu. A proposta desse gênero foi feita em
Sequendamento de DNA 1999 e compreende bactérias exigentes quanto às condições de
Análise ,nuhJloa,s (4 ;, 8 llouwJoNping .,._, crescimento (fastidiosas). O único fitopatógeoo de ocorrência no
Brasil é leifsonia xyli subsp. xyli (sin. Clavibacter xyli subsp.
xyli). Em condições naturais de infecção ocorre em cana-de-
Figura 9. 1O- Resolução raxonômica de algumas das principais téc-
açúcar e sua disseminação é feita por meio dos instrumentos de
nicas utilizadas na caracterização de bactérias. RFLP
(Restriction Fragment Length Polymorphism), PFGE colheita. A introdução em novas áreas de cultivo dá-se por mudas
(Pulsed-Field Gel Electrophoresis), AFLP (Amplified infectadas, o que em muito limita a propagação da doença. No
Fragment Length Polymorphism), rep-PCR (amplifi- entanto, apesar dessa aparente facilida<le no controle da doença,
cação de sequências REP, ERJC e BOX). ao menos 10% das áreas de produção da cultura no Centro-Sul J o
Fonte: Adaptada de Coenye et ai. (2005) e Vandamme et ai. (1996). Brasil foram identificadas com o patógeno nos anos 2012 e 2013
(Urashima et ai., 2017).
Gênero Agrobacterium. As células se apresentam na
9.7. PRINCIPAIS GÊNEROS DE FITOBACTÉRIAS NO fonna de bastonetes com dimensões de 0,6-1,0 x 1,5-3,0 µm. São
BRASIL móveis, possuindo número variável de flagelos, normalmente de
Todas as fitobactérias pertencem exclusivamente ao 1 a 4, os quais têm inserção peritriquia. São bactérias aeróbias
Domínio Bacteria. Os gêneros das principais fitobactérias e produzem grande quantidade de exopolissacarídeos quando
que oconem no Brasil estão listauos na Tabela 9.2 e descritos em meios ricos em carboidratos. As colônias são lisas, (imosas
nos próximos parágrafos. Nesse item apresentamos apenas os e não são pigmentadas. As espécies são habi1antes naturais
principais gêneros, considerando as principais doenças de etio- do solo e as patogênicas podem causar doença em uma ampla
logia bacteriana que ocorrem em culturas agrícolas de expressão gama de hospedeiros de relevância econômica, destacando-se
econômica no País. Iniciamos com as fitobactérias Oram-positivas as rosáseas. Os sintomas exibidos por plantas infectadas pela

156
Bactérias Fitopatogênicas

'Mela 9.2 - Principais gêneros de fitobactérias de ocorrência comum no Brasil organizados em taxa•.

Aclinomycerales Streptomycetaceae Streptomyces


Clavihacte1·
Actinobacteria Actinobacteria
Micrococcales Microhacteriacea Currobacterium
Leifwnia

Agrobacterium
Alphaproteobacteria Rhizobiales Rhizobiaceae 'Candidatus Liberibacter asiaticus•
·cundidatus Lihcribacter amcricanus'
Burkholdena
Burkholderiaceae
Betaproteubacteria Burkholderiales Ralstonu,1
B.!•·tcria Comamonadaceae Acidovorax
Proteobacteriu Dickeya
En,•inia
Enterobucteriales Entembacteriaceae
Pantoea
Pectobacterium
Gammap101eobacteria
Pse11domonadales Pseudomonadaceae Pseudomonas

Xanthomonas
Xanthomonadales Xanthomonadaceal!
Xyle/la

Tenericutes Mollicutes 'Ca11didat11s Phytoplasma spp. •b

'-ão são apresentados todos os taxa relacionados às fitobactérias listadas.


~ espécies de fitoplasmas são divididas em grupos (numerados de I a X:XXIV) de acordo com as sequências de nucltmtideos do rRNA,
etores, plantas hospedeiras e diversidade genética determinada com sondas de DNA e restrição enzimática.

- ~cie A. tumefaciens, a mais importante desse gênero. são cenoura. Esse patógeno já foi detectado no Méx.ico, nos Estados
..:-..1imente reconhecidos pelo aparecimento de galhas nas raízes e Unidos, na Guatemala, em Honduras, cm algLms países da Europa
região do colo. Essas tumefações são resultantes da hiperplasia e na Nova Zelândia e constitui-se em séria ameaça à produção
~ - pertrofi.a das células vegetais, distúrbios esses induzidos pelo dessas culturas caso venha a ser introduzido no Brasil.
-..; 1geno. Outro sintoma característico, conhecido por raiz em
Gênero 811rkllolderia. Compreende algumas das bactérias
..-.-.eleira, é causado pela espécie A. rhizogenes. anteriormente denominadas como Pseudomonas. Caracterizam-se
Gênero 'Candidatus Liberibacter'. Por se tratar de por serem aeróbicas, bacilifom1cs, com tamanhos entre 0,5-1,0
'T:>cariotos não cultiváveis, não podem ser extensivamente x 1,5-4,0 µm e móveis por um ou vários Ragelos polares. Não
:acterizados; ~rtanto, suas classificações permanecem inde- apresentam fiuorescência e algumas espécies habitam o solo por
h"..1das. Para abrigá-los taxonomicamente foi criada a categoria longo periodo de tt:mpo. No Brasil, a principal espécie é B. cepacia,
- , isional denominada Candidatus. Apenas o termo Candidatus agente causal da podridão bacteriana da escama em cebola.
• redigido em itálico (e não a espécie) e toua a designação para
e5pécie deve ser colocada entre aspas ou apóstrofes. Dessa
Gênero Rolstonia. Constitui-se em outro gênero com
.'\"ma, as bactérias associadas ao huanglongbing dos citros no
algumas bactérias anteriormente denominadas Pseudomonas.
i:kasil são 'Candidatus Liberibacter asiaticus' e 'Ca. Liberibacter Compreende bactérias aeróbicas, habitantes de diversos ambientes
americanus '. Diz-se que são bactérias associadas à doença, mas não e patógenos de animais (inclusive o homem) ou plantas. Quando
_.,e são seus agentes causais. Por não terem sido ainda cultivadas móveis, possuem flagelo polar, não fluorescentes, células do
.u,enicamente. o postulado de Koch não pode ser finalizado. As tipo bastonete, com dimensões de 0,5-0,7 x J,5-2,S µm. Dentre
espécies de 'Ca. Liberibacter' presentes no Brasil caracterizam-se as espécies fitopatogênicas destaca-se Ralstonia solanacearum
- .,.. bactérias Gram-negativas, habitantes do floema e transmitidas (sin. Pseudomonas solanacearum), uma bactéria com ampla
:\.'r enxertia ou pelo inseto vetor Diaphorina citri (Hemiptera: distribuição geográfica e grande diversidade de hospedeiros.
_ , iidae). Seus hospedeiros são membros da família rutácea, como Alguns desses hospedeiros são culturas agrícolas de elevada
.b plantas cítricas e a ornamental Murraya sp. (murta ou falsa expressão econômica (solanáceas e bananeira, por exemplo) e os
muna). O tipo asiático do huaoglongbing (HLB) é o encontrado danos decorrentes da doença podem ser expressivos. Essa bactéria
:e--, maior predominância em São Paulo e o único presente em se caracteriza como um frequente habitante do solo, dada sua
,tras regiões cítricas nas Américas do Sul, Central e Norte. Outra capacidade saprofüica. Como patógeno, penetra seus hospedeiros
.:.--pécie importante de 'Ca. Liberibacter', mas felizmente ainda pelo sistema radicular (ou pelo colo das plantas), distribuindo-se
~.-10 detectada no País, é 'Ca. Liberibacter solanacearum', agente em seguida de forma sistêmica pelo xilema, provocando murchas.
-:ausal da doença denominada zebra chip em batata e também em R. sulanacearwn .apresenta grupos de isolados distintos quanto

157
Manual de Fitopatowgia

às caractensticas fenotípicas, genotípicas e de hospedeiros. e induzindo mais comumente sintomas do tipo queima, manchas
por essa razão geralmente emprega-se o tenno "complexo de foliares ou cancros. Em 1998, 1-lauben et ai. propuseram a
espécies'' (species complex) para essa bactéria. Uma classificação divisão dos representantes fitopatogênicos desse gênero em
muito utilizada para essa espécie é a divisão em filotípos, Erwinia, Pectobacterium e Brenneria. Segundo essa proposta,
sequevares, biovares e raças. Os filotipos r, li e III compreendem os representantes pectinoliticos pertencem exclusivamente
isolados da Ásia, América e África. respectivamente, e o tipo IV ao gênero Pectobacterium e os demais aos gêneros Erwinia e
de isolados da Indonésia, Japão. Austrália e Filipinas. Em 2014 Bren11eria. A bacteriose da goiaheira, doença até hoje encontrada
Safni et al. propuseram a reclassificação desse complexo de apenas no Brasil, é provocada por E. psidii. Por outro lado.
espécies em R. solanacearum (compreendendo apenas o filotipo em várias culturas agrícolas no Brasil, por exemplo, batateira,
Il). R. syzygii (filotipo [V) e R. pseudosolanacearum (filotipos I e tomateiro. outras solanáceas, cenoura. beterraba, alface, alho,
III). Isolados do filotipo l são patogênicos ao tomateiro e algumas cehola, mandioca, omatuentais. foi identificada P carotovon,m
outras solanáceas, enquanto o filotipo 11 à hatateira, tomateiro, (sin. E. carotovon11n). Na reclassificação de Haubcn et ai. ( l 998),
outras solanáceas, eucalipto e bananeira. O filotipo li é dividido foram propostas algumas subespécies de P. curotovonan, dentre
em dois grupos (llA e ITB). Os isolados patogênicos às solanáceas elas: atrosepticum (causadora de canela preta em batateira),
incitam a doença denominada murcha, murchadeira ou murcha de betavasculontm (causadora de necroses vasculares cm beterr.i.ba),
Ralstonia. A raça 2 de R. solunacearum (pertencente ao filotipo odoriferum (patogênica à chicória) e carotovomm (causadora de
TTB) é o agente causal do moko da bananeira. A caracterização podridõcs em diferentes hospedeiros). Todas essas subespécie~
de uma coleção de 301 isolados brasileiros de vários hospedeiros podem estar associadas às descrições de En1•i11iu cw·otovorum
demonstrou a ocorrência apenas dos filotipos 1e li (Santiago el ai., no Brasil, além de outras citadas por diversos autores (exemplo
2017). Desses isolados, 16% pertenciam ao filotipo 1(tomateiro e P. camlovorum subsp. hmsiliensis), mas a identificação específica
outras solanáccas), 37% ao filollpo IIA (solanáceas e eucalipto) e delas exige técnicas moleculares ainda não empregadas como
47% ao 1TB (solanáceas, eucalipto e bananeira). rotina no País.
Gênero Acidovort1x. Compreende bactérias aeróbicas. Gênero Pse11do111011us. Essas bactérias se carnclerizam
bastonetes retos ou levemente curvos, com dimensões <le 0,2-1,2 por apresentar u forma de bastonetes retos ou levemente curvos,
x 0,8-5,0 µm. A maioria dessas bactérias apresenta um flagelo com dimensões de 0,5-1,0 x 1,5-5,0 µm. Silo acróhicas e se
polar e colônias não pigmentadas. As espécies füopatogênicas locomovem pela presença de um ou vnrios flagtilos polares. A
desse gênero eram classificadas como Psaudomonas. No principal característica dos representantes do gênero Pseudomonas
Brasil ocorrem as espécies Acidovorax avenae (sin. A. avenae é a produção de pigmentos fluorescentes em determinados
subsp. avenae), agente causal da estria vennelha cm cana-de- meios de cultura. Algumas espécies não fluorescentes anlcrior-
açúcar, A. citrulli (sin. A. avenae subsp. citrulli), agente causal mentc classificadas dentro deste gênero passaram a fazer
da mancha bacteriana cm meloeiro e melancia, e A. anthw·ii e parte dos gêneros Acidovorax, BurkholderitJ e Ralstunia. As
A. cottleytJ (sin. A. avenue subsp. cattleya). que provocam Pseudomonas são conhecidas como patógenos de plantas desde
manchas bacterianas cm ornamentais. São bactérias com grande os primórdios Ja Fitopatologia, sendo a espécie P. syringae
capacidade de sobrevivência no solo (saprófitas) e são importantes considerada a mais importante sob o ponto de vista econômico.
em cucurbitáceas e ornamentais. Em cucurbitáceas a disseminação Os sintomas expressos por plantas doentes silo bastante
ocorre também por sementes. diversificados, em l'unção da espécie causadora de doença, e
Gênero Dickeyo. Esse gênero foi proposto ern 2005 e se manilestam na fonna de crestamento ou queima de folhas e
compreende a reclassificação dos biovares de Erwinia chry- flores, manchas foliares, cancros de ramos. podridõcs e galhas.
santhemi em espécies de Dickeya. Baciliformes, com 0,5-1,U Nesse gênero há deLcnas de espécies e patovares e várias são as
x 1,0-3,0 µm, g.:rnlmente com flagelos peritríquios e aeróbicas culturas hospedeinis dessas fitobact&ias. Quando a denominação
facultativas. Silo pectinoliticas, ou seja, incitam as denominadas ''palovar" foi cri11da, esse gênero passou a aprcscnmr de:.:enas
podridões moles, e também podem provocar murchas. As de patovares. Para uma únit--a espécie, P. syringae, existiam
espécies que ocorrem no Brasil são D. chrysanthemi, patógeno 57 patovares. Assim como R. solanaceamm e outras e~pécics de
de ornamentais e solanáceas. e D. zeae, agente da podridão bacte- fitobactérias, os vários representantes de P. syrmgae compõem um
riana do colmo em milho. "complexo de espécies" e mudanças vêm ocorrendo na clas-
Gêneros Envinia e Pectobacterimn. Representantes do sificação desse gênero. As principais espécies que ocorrem no
gênero Erwi11ia foram reclassificados por diferentes grupos de Brasil são P. brassicacea111111 (brássicas). P cichorii (alface,
pesquisa nas últimas décadas. Essas bactérias são hacilos curtos, brássicas, ornamentais e tomateiro), P. viridifiava (tomateiro) e
de 0,5-1 ,O x 1,0-3,0 µm. móveis por flagelos peritríquios e P. syringae pv. lucl11yma11s (pepino), pv. tabaci (tabaco), pv.
aeróbicas facultativas. Historicamente, as espécies de Erwinia tomato (tomateiro) e pv. syringae (tomateiro}.
são divididas em dois grupos: pectinolitico e não pectinolítico. A Gê11ero Xanthomonu.~. Mais de uma centena de bactérias
atividade pectinolítica caracteriza-se pela produção·de pectinases. agentes de doenças de plantas estão reunidas nesse gênero, o que
enzimas extracelulares que digerem a lamela média dos órgãos o toma de grande interesse para a Fitopatologia. Individualmente,
colonizados e provocam a desorganização dos tecidos vegetais, as células se apresentam como bastonetes retos. de tamanhos
resultando numa podridão mole ou aquosa. Os representantes compreendidos na gama de 0,4-0.6 x 0,8-2,0 µm. São móveis com
do grupo pectinolítico, também chamado "carotovora'' (uma um único flagelo polar e aeróbicas obrigatórias. As colônias são,
referência a E. carotovorum), provocam podridões moles em geralmente, brilhantes, viscosas, de bordos lisos, reconhecidas
frutos e hortaliças. Os representantes do grupo não pectinolítico. pela presença da coloração amarela intensa, resultante da
também chamado "amylovora" (referência a E. amylovora), produção de pigmentos conhecidos por xanthomonadinas. Apesar
causam doenças diversas em hospedeiros lenhosos ou herbáceos, de caracteristicos para a maioria das Xanthomonas. nem lodos

158
Bactériru Fitopatogênicru

representantes deste gênero fonnam pigmentos amarelos e, pigmentos coloridos. As colônias são diminulas e se desenvolvem
:i.este caso, colônias brancas podem ser observadas. O aspecto mwto lentamente em meios específicos nutricionalment.e ricos.
Ltamente mucoide das colônias se deve à produção abundante de No Brasil a bactéria infecta citros, cafeeiro e ameixeira japonesa.
-..11erial capsular, a partir do qual é obtida a goma xantana, muito Na culrura dos citros X fastidiosa causa a doença conhecida por
.-nlizada industrialmente. A diversidade de hospedeiros é ampla clorose variegada, descrita pela primeira vez no final da década
~ compreende espécies de expressão econômica significativa de 1980, em áreas do norte e nordeste paulista e na região sul
:-.;.'a a agricultura. O sintoma mais comumente obse.rvado é do de Minas Gerais. Em cafeeiro, a doença é. chamada de atrofia de
t:;>O manchas isoladas, porém estas manchas podem coalescer, ramos ou queima de folhas e foi identificada em meados dos anos
::irovocando a queima e queda de folhas. Lesões também ocorrem 1990 no Estado de São Paulo. Em ameixeira japonesa, a bactéria
em frutos e ramos. Em alguns hospedeiros, o patógeno colonjza é agente causal da escaldadura, doença muito importante para a
",ilema, causando descoloração vascular e induzindo à murcha cultura, considerada como responsável pelo declínio dos pomares
-1 parte aérea. Assim como para Pseudomonas, esse gênero instalados na Região Sul do território brasileiro, desde a década de
..:m:!sentava muitos patovares que gradualmente passaram a 1970. O patógeno é transmitido por cigarrinhas que se ali!"enlam
~resentar espécies ou subespécies nas últimas décadas. No no xilema. Os sintomas exibidos por planlas doentes de citros
~tanto. novas reclassificações deverão ocorrer pelas vanlagens incluem lesões salientes preseutes em folhas, ramos e frutos; em
:.ecorrentes dos atuais métodos moleculares, principalmente o cafeeiro, os sintomas se expressam por encurtamento e seca de
,cquenciamento de genomas inteiros. Algumas das principais ramos, queima e queda de folhas. Quando essas doenças ocorrem
~cíes e patovares de Xanthomonas que ocorrem no País estão com alta intensidade, a planta pode entrar em declínio. Em 2004
mresentados na Tabela 9.3. Schaad et ai. propuseram a divisão da espécie em subespécies e
Gênero Xylella. Esse gênero compreende bactérias fas- atualmente temos a seguinte classificação: X fastidioso subsp.
:.diosas e limitadas ao xilcma. Sua primeira detecção foi no fastidiosa (patógeoo da videira, alfafa, amendoeira e outras
---i1cio da década de 1970 em plantas de videira que apresentavam espécies arbóreas) e X fastidiosa subsp. multiplex (patógeoo de
--na séria doença denominada "mal de Pierce" na Califórnia. pessegueiro, amendoeira, citros e outras espécies arbóreas). A
bactéria é caracterizada como bastonete, com parede celular proposta desses autores de uma terceira subespécie (X fastidioso
:"'lfllgada, cujas dimensões são de 0,25-0,35 x 0,9-3,5 µm, subsp. pouca), como agente da clorose variegada dos citros, não
:--tritamente aeróbica, não apresenta motilidade e não produz foi aceita e esse oome científico não deve ser adotado.

Tabela 9.J - Principais espécies e patovarcs de Xanthomonas e seus hospedeiros no Brasil•.

Xanthomonas alhilineans

pv. diejfenbachiae Ornamentais


pv. malvacearum Algodoeiro
Xanthomonos axonopodis pv. manihotis Mandioca
pv. pass{fforae Maracujazciro
pv. virians Alface

pv. betae Beterraba


pv. compeslris Brássicas
Xonthomonos campestris
pv. carotae Cenoura
pv. phareo/i Feijoeiro
pv. vitico/a Videira

Xanthomonas citri subsp. citri Citros

Xanihomonas euvesicalorio Tomateiro

Xanthomonos .frogoriae Morangueiro

Xanthomonos fuscons subsp. fuscons Feijoeiro

Xanthamonas gardneri
Xonthomonas perforans Tomateiro
Xanthomonas vesicatoria

· São apresentadas apenas algumas das principais espécies/subespécies e hospedeiros.

159
CAPÍTULO

10
VÍRUS E VIROIDES
Jorge Alberto Marques Rezende e Ellíot Watanabe Kitajima

ÍNDICE

10. l. Introdução............................................................ 161 10.8.1. Transmissão por material de propagação


10.2. Origem dos vírus .................................................. 162 vegetativa e enxertia ................................ 173
10.8.2. Transmissão mecânica ............................ 173
1O.J. Características dos vírus e viroides: composição
e morfologia ......................................................... 163 l 0.8.3. Transmissão por sementes e pólen ......... 174
l 0.8.4. Transmissão por insetos .......................... 175
10.4. Genoma virai........................................................ 163
10.8.5. Transmissão por ácaros ........................... 177
10.5. Infecção e replicação ........................................... 165
I 0.8.6. Transmissão por organismos habitantes
10.6. Invasão sistêmica ................................................. 167 do solo ...................................................... 178
10.7. Sintomas causados por vírus ...............: ............... 167 10.9. Nomenclatura e classificação ............................. 178
1O. 7 .1. Efeitos dtopatológicos............................. 173 10.1 O. Viroses de plantas no Brasil .............................. 179
10.8. Transmissão ......................................................... I 73 10.11. Bibliografia consultada ...................................... 180

1. I-'TRODUÇÃO pelo aleyrodídeo (mosca branca) Bemisia tabaci. Também é de


etiologia virai a variegação das flores da tulipa. Esta anomalia

T
odos os seres vivos vertebrados e invertebrados,
bem como os fungos, as algas as bactérias e as ocasionou uma hiperinflação nos preços das plantas, com bulbos
plantas podem ser infectados por vírus que são sendo negociados por quantias exorbitantes de dinheiro ou de
ICOproteínas, parasitas moleculares. Recentemente se verificou mercadorias durante a "'tulipomania" na Holanda, no período de
caso de parasitismo de um vírus por outro. Os viroides, de 1600 a 1630. Somente em 1926 foi identificado o potyvirus Tulip
...asmuição ainda mais simples, pequenos fragmentos de RNA, breaking vinis como sendo o agente causal da doença que resulta
- capa proteica. no entanto, até o momento foram encontrados em alterações nas cores das flores dessa ornamental.
-=ktando somente as plantas. Curiosamente, a Virologia, como A lista mais recente de espécies de vírus, divlllgada em 2016
1mt1a. teve inicio com um vírus de planta. o do mosaico do fumo pelo "Intemational Committee on Taxonomy ofViruses" (JCTV),
~·cu musaic vírus - TMV), em fins do século 19. quando se relata a existência de 4.404 espécies, enquanto várias outras estão
-enfie-ou que o agente infeccioso era capaz de passar por filtros sendo caracterizadas e aguardando sua inclusão na listagem do
retinham bactérias, sendo, ponanto, significativamente meno- ICTV. Esse número é bastante expressivo, visto que no primeiro
qye estas (Boxe l 0.1 ). Mesmo antes da descobena do vírus relatório do ICTV de 1971 foram listadas apenas 290 espécies de
mosaico do fumo, já se conheciam relatos de doenças de vírus. Entre as mais de 4.000 espécies, aproximadamente 1.369
:sc:'..l:. que hoje se sabe serem de etiologia virai. Uma das mais são capazes de infectar e causar doenças em piantas. Um dado
~ referências apareceu em um poema de origem Japonesa, vírus pode estar restrito a uma única espécie vege1.al, ou infectar
mo de 752, que mencionava um amarelecimento nas folhas de uma ou mais dezenas de espécies. Da mesma forma, uma espécie
'-'atorium. Atualmente, acredita-se que aquela anomalia é a que vegetal pode ser infectada por um ou mais vírus diferentes, não
ltdiama amarelecimento das nervuras, causado pelo Tubacco leaf sendo incomum a infecção múltipla. No entanto. não se conhece
• nrvs, que é uma espécie do gênero Begomovirus, transmitido qualquer virus de planta que seja capaz de infectar o homem e

161
Manual de Fitopatologia

de-açúcar cultivadas na época. Também há o exemplo do vírus da


Boxe 10.1 Primórdios da Virologia
tristeza dos citros (Citrus tristeza vims - CTV), que na década
de 1930 dizimou cerca de nove milhões de laranjeiras doces
Os primeiros trabalhos que levaram à descoberta enxertadas sobre laranjeira azeda. Na década de 1970, os pomares
dos vírus tiveram início na Holanda, em I 879, quando de mamoeiro no Estado de São Paulo, até então o maior produtor
um químico de origem alemã, Adolf Eduard Mayer, de mamão no Brasil, foram vagarosamente dizimados pelo vírus
foi incumbido de investigar uma importante anomalia do mosaico (Papaya ringspol virus type P - PRSV-P). A cultura
em plantas de fumo, a qual ele denominou mosaico do maracujá tem seu rendimento seriamente comprometido
do fumo. Após vários estudos, Mayer concluiu que pelo endurecimento dos frutos, causado por um isolado do vírus
a anomalia não era causada por microrganismo ou
do mosaico do caupi transmitido por afídeos (Cowpea aphid-
por desequilJbrio nutricional. Verificou também que
borne mosaic vinis - CABMV), para o qual ainda não se dispõe
o fluído extraído de plantas doentes contaminava
de medidas pennanentes de controle. A cultura do tomateiro é
plantas sadias, quando injetado no tecido vegetal por
perseguida p,or diversos vírus como tospovirus, begomovírus,
meio de agulhas de vidro. Face aos resultados obtidos,
crinivírus e potyvírus que têm causado sérios prejuízos à sua
especulou ele que a anomalia estaria associada a
uma possível "enzima solúvel contagiosa", mas acres- produtividade. Na atualidade pode-se destacar o vírus da leprose
centou que não havia qualquer analogia com tal dos citros (Citrus leprosis viros - cytoplasmic type - CiLV-C), que
hipótese no campo da ciência. Nessa mesma época, além dos danos causados na produção, onera substancialmente a
Martinus Willem Beijerinck, professor de botânica citricultura com gastos da ordem de 60 milhões de dólares por
da "Wageuingen School'~ Holanda, por influência do ano somente para o controle do ácaro vetor Brevipalpus yorthesi.
professor Mayer, familiarizou-se com o problema das Não há relatos até o momento de danos provocados pelos poucos
plantas de fumo. No entanto, somente em 1895, após viroides registrados infectando plantas no Brasil.
tornar-se professor de microbiologia da Universidade
10.2. ORIGEM DOS VÍRUS
Técnica em Delft, Holanda, ele fez vários experimentos
para tentar elucidar o problema. Em um deles, o É muito dificil, senão impossível, estabelecer com alguma
professor Beijerinck constatou que o agente incitante precisão o período da origem dos vírus. Pode-se apenas espe-
do mosaico em fumo passava por filtro de porcelana, cular. Em p,rimeiro lugar, porque não existem fósseis desses
desenvolvido por Chamberland em 1884, que retinha patógenos. Depois, os sintomas de algumas doenças que hoje
células bacterianas. Esse e outros resultados leva- são reconbeddas como de natureza virai, podem ser encontrados
ram-no a çoncluir que o agente çausal do mosaico descritos em alguns tratados eia história da humanidade que
do fumo era um "contagium vivum fluidum", diferente não tem maiis do que alguns milhares de anos. Finalmente, para
dos microrganismos conhecidos. Quando Beijerinck qualquer estudo comparativo que se queira fazer, os isolados
publicou esses resultados em 1898, segundo alguns de vlrus disponíveis em coleções não possuem muito mais que
autores, ele não tinha conhecimento de que resultados 100 anos de idade. Mesmo assim, com os avanços das técnicas
semelhantes haviam sido publicados na Rússia, em moleculares, especialmente nas úJtimas duas décadas, as análises
1892, por Dimitry I. Ivanowsky. Apesar das disputas de relacionamento das sequências de aminoácidos das proteínas
geradas por esses fatos, Beijerinck é considerado o pai virais e celulares, com as sequências de nucleotídcos dos genes
da Virologia. Estudos sobre o TMV proporcionaram que as codificam, fornecem evidências genéticas suficientes para
também um prêmio Nobel de química a W. Stanley em afirmar que a relação entre os vírus e seus hospedeiros é tão antiga
1936 quando logrou purificar o vírus e cristalizá-lo quanto a origem dos próprios hospedeiros.
pela primeira vez. Os trabalhos mais relevantes reali-
Há três teorias para explicar a origem dos vírus: a) a teoria
zados com o TMV e que marcaram épocas foram reu-
da origem regressiva propõe que os vírus são íonnas degeneradas
nidos em uma publicação de Scholthof, Shaw e Zaitlin,
de 1998, dedicada à comemoração do primeiro cente- de procariotos parasitas intracelulares; b) a teoria de que os vírus
nário da Virologia. se originar~tm de componentes das células (ácido ribonucleico
- RNA e/ou ácido desoxirribonucleico - DNA) que adquiriram
a habilidade de replicação independente e a partir de então
também evoluíram de fonna independente. Essa t.::oria é bastante
outros animais vertebrados e vice-versa. Deve-se mencionar interessante, pois ela pode explicar a origem de todos os vírus.
que há vários casos de vírus de plantas que se multiplicam no Os vírus de DNA podem ter-se originado de plasmídeos ou trans-
artrópode (inseto, ácaro) vetor. posons. Os retrovírus de retrotransposons, enquanto os vírus de
Do ponto de vista agronômico cllamam a atenção RNA podenn ter sua origem em RNAs mensageiros (mRNAs) que
principalmente os vírus que causam doenças nas espécies vegetais passaram a se auto-replicar; c) a teoria de que.os vírus se originaram
que são exploradas economicamente pelo homem, nas quais e evoluíram a partir de moléculas primitivas que possuíam a
provocam danos na produção. Esses danos em muitos casos podem habilidade de auto-replicação. Essa teoria baseia-se na hipótese
acarretar prejuízos sociais e econômicos de diferentes proporções de que os primeiros polímeros pré-bióticos são as moléculas de
para a sociedade como um todo. Exemplos há vários, como o do RNA com propriedades enzimáticas e que formavam o chamado
vírus do mosaico da cana-de-açúcar (Sugarcane mosaic virus - "mundo do RNA". As duas primeiras teorias assumem que os
SCMV), que foi introduzido nos canaviais brasileiros na década vírus se originaram após o desenvolvimento dos seus hospedeiros,
de 1920 e provocou uma drástica redução nas produções de açncar enquanto a terceira considera que os vírus cu-evoluíram com as
e de álcool, devido à alta susceptibilidade das variedades de cana- células desde os primórdios da vida.

162
Vírus e Viroides

10.J. CARACTERÍSTICAS DOS VÍRUS E VIROIDES: caracteristicas acima descritas, esses agentes sub-virais apresentam
COMPOSIÇÃO E MORFOLOGIA as seguintes c:aracterísticas em comum: o ácido nucleico não é parte
Os víms são agentes infecciosos, sub-microscópicos, filtrá- do vírus auxiliar; tem muito pouco ou nenhuma similaridade na
- s e não celulares. Não possuem metabolismo próprio que sequência de nucleotídeos e a replicação é inteiramente dependente
X"!'rnita reproduzirem-se de fonna independente. São parasitas do vírus auxiliar. A presença do satélite pode exacerbar ou atenuar
"r!gatórios e utilizam os sistemas de síntese de ácido nucleico os sintomas da doença causada pelo vírus envolvido na associação.
de proteínas da célula hospedeira para sua replicação. Fora Todos ,os vírus de vegetais conhecidos caem essencialmente
_,.s células do hospedeiro os vírus são inertes. Por todas essas em três tipos morfológicos: de simetria helicoidal (vírus alongados
...:.r.:icterísticas pode-se afinnar que os vírus constituem patógenos rígidos [Figura 10.la] ou alongados flexuosos [Figura 10.lbl),
--!otante simples e únicos, completamente diferentes de outros icosaedral (vírus arredondados ou isométricos [Figura 10.1 c])
:nrógenos uni- ou pluricelulares, tais como fungos, bactérias e e baciliformes complexas. Alguns vírus helicoidais envoltos
e..'Tiatoides. por membrru11as (envelopes) adquirem uma morfologia esférica
A partícula virai, que é a unidade infecciosa, é constituída (Figura I 0. ldl,e) ou em fonna de bala-de-revólver (Figura 10.1 t).
p;r uma ou mais moléculas de RNAou DNA, que podem ser de fita Nessas categorias estão respectivamente os vírus causadores
-::r.ples ou dupla. O ácido nucleico, que representa o genoma do de doenças do tipo vira-cabeça, da família Bunyaviridae, gênero
-J.S. é protegido por uma ou mais moléculas proteicas, referidas Orthotospovirus, da família Rhabdoviridae. gêneros Cyto-, Nucleo-
.simo proteínas capsidiais, as quais são codificadas pelo genoma e Dichorhabdovirus e do gênero Cilevirus, do vírus da leprose dos
_-ai. A partícula virar ainda pode estar envolta por um envelope citros, tipo ciitoplasmático (Cirn,s leprosis vírus - cytoplasmic type
"?Oproteico. Há vírus cujos genomas não codificam a proteína - CiLV-C).
...1psidial. São os casos dos vírus dos gêneros Endornavil71s e As partículas virais são medidas em nanômetro (um nanô-
. lflbravirus. O ácido nucleico dos endomavirus, que é constituído mctro = 1 nm = 10-9 metros). O tamanho dos vírus varia de cerca
-.o- uma molécula de RNA de fita dupla, é protegido por vesículas de 20 nm a ,80 nm de diâmetro para os isométricos, 12-20 nm
IC'l1das no interior do citoplasma celular. Para os umbravirus há em diâmetro, e 65-2.200 nm em comprimento, para aqueles
~s possibilidades: em infocção isolada o ácido nucleico parece helicoidais. O vírus da tristeza dos citros (Citrus tristeza vírus -
.:....-ar protegido por um envelope constituído por lipídeos da CTV) é um cios maiores vírus de planta conhecidos com morfo-
;ropria célula. enquanto em infecção mista, especialmente com logia helicoidal. As partículas dos vírus baciliformes possuem 18
~ do gênero Luteovirus, se apropriam das proteínas capsidiais a 130 nm de diâmetro e 100 a 430 nm de comprimento, como
âste para a proteção do ácido nucleico. é o caso dos vírus da família Rhabdoviridae. Há ainda vírus
Os vírus cujos genomas são constituídos por uma única com partículas isométricas geminadas, medindo 22 a 38 nm em
-.:-Iécula de ácido nucleico são denominados monopanidos. diâmetro cada uma, da familia Geminiviridae (Figura IO.J g).
. ..1.mdo o genoma virai está dividido em duas ou mais molé- Devido às suas dimensões sub-microscópicas, os vírus somente
.!l.;:15 de ácido nucleico, eles podem ser multiparticulados ou são visualizados com o microscópio eletrônico de transmissão
-,rnipartidos. São multiparticulados quando os diferentes frag- (MET). O tamanho e a morfologia das partículas são úteis parn
o=ntos do genoma são encapsidados separadamente pelas sua detecção, identificação I:! classificação.
-::-~mas proteínas capsidiais, formando partículas distintas. O Os viroides foram descobertos em 1967 por T. O. Díener
Lls do mosaico do pepino ( Cucumber mosaic vírus - CMV), e W. B. Raymer nos E.U.A. O primeiro viroide descrito foi o
:-..~r exemplo, possui partículas isométricas de aproximadamente causador do tubérculo afilado da batata (Potato spindle tuber
>' nanômetros em diâmetro. O genoma é constituído por três viroid - PSTVd). Até o momento são reconhecidas pelo fCTV
- .:-leculas diferentes de RNA de. fita simples senso positivo, 32 espécies dle viroides causando doenças de plantas. Ainda não
~.:--a.psuladas separadamente pelas mesmas proteínas capsidiais. são conhecidas doenças de animais e do homem causadas por
- outro lado, os vírus da família Reoviridae, que infectam esse tipo de agente parasitário. São considerados os menores
- ..:lntas, possuem partículas isométricas de 65 a 70 nanômetros agentes infecciosos que causam doenças em plantas. Os viroides
-:r: diâmetro, cujos genomas consistem de 10 a 12 moléculas são constituídos por uma única molécula de RNA, de fita simples,
....e RNA de fita dupla protegidas por uma única capa proteica. com 250 a 400 nucleotídeos, circular, desprovida de capa proteica
::::i. todos os vírus com genoma dividido, todas as moléculas de e sem capaciidade de codificar proteínas. A molécula de RNA
i.:·do nucleico devem estar presentes para infecção e posterior possui grandes exte-nsões de pareamento de bases que contribuem
~envolvimento da doença na planta. para a sua e:stabilidade, devido à ausência de capa proteica.
Há ainda moléculas de RNA e de DNA que isoladamente Alguns viroides como o do "sun blotch" do abacate (Avocado
· " causam infecção, porém, quando associadas com um vírus, sunblotch virvid - ASBVd} têm propriedades catalíticas, como
..::-ominado auxiliar, se replicam na célula vegetal podendo ribozimas, e têm sido considerados como fósseis moleculares,
~rerferir na replicação do vírus auxiliar e/ou na expressão dos sobreviventes do "mundo do RNA". Da mesma forma que os
nomas induzidos por este na planta infectada. Pbde-se dizer vírus, os viroides são parasitas obrigatórios, portanto dependem
...e são unidades sub-virais que não codificam enzimas para a do metabolisllUo celular da hospedeira para replicação. Para sua
:,ropria replicação, funcionando como uma espécie de "parasita replicação, viroides utilizam-se das polimerases de RNA celular,
-.:-lecular". Nessa categoria têm-se os vírus satélites e os RNAs do núcleo ou do cloroplasto.
: os DNAs satélites. Há até o momento quatro vírus satélites
aes..,itos e que constimem os menores vírus conhecidos. O ácido 10.4. GENOMA VIRAL
~deico do vírus satélite codifica apenas a proteína capsidial. No Os avanços obtidos nas últimas décadas no sequenciamento
~o dos RNAs e DNAs satélites, os respectivos ácidos oucleico de ácidos nudeico de centenas de vírus têm permitido elucidar
-2.:t protegidos pela capa proteica dos vírus auxiliares. Além das as organizaç,ões dos genomas virais bem com as diferentes

163
Manual de Fitopatologia

~-14

...- ;/
·~
' ).
1

Figura 10.1 - (A) Partículas em fonnade bastonetes rigidos do vírus do anel do pimentão (Pepper ringsporvirus- PRSV), do gênero Tobmvirus, transmi-
tido por nematoides Trichodoridae. A partícula é formada pelo arranjo helicoidal das proteínas capsidiais, resultando na presença de um
canal axial, claramente visível, onde está o acido nucleico; (8) Partículas de perfil circular de aproximadamente 80 nm de diâmetro de um
dos vírus (Tomato spottedwilt virus - TSWV) que causam síndromes conhecidas como vira-cabeça em várias culturas, em uma preparação
purificada; (C) Partículas alongadas e flexuosas do vírus do mosaico do nabo (Turnip mosaic virus- TuMV) em uma preparação purificada;
(D) Partículas do Tomato spotted wilt viros (TSWV) em célula foliar de tomateiro com sintomas de vira-cabeça. As partículas de
perfil circular ocorrem isoladamente ·ou em ,grupo's em cavidades do retículo endoplasmático. A massa densa nas proximidades
representa um acúmulo de nucleocapsídeo do vírus que não completou a maturação pela aquisição da membrana envoltóría:
(E) Partículas isométricas de 25-30 nm em diâmetro do vírus da necrose do fumo (Tobacco necrosis virus - TNV) em uma
preparação purificada. Várias partículas aparentam ser vazias, sem o RNA; (F) Partículas do vírus do mosaico dourado do
feijoeiro (Beangolden mosaic vírus - BGMV) em uma preparação purificada. Elas são geminadas, o que resultou no nome da família
Geminiviridae. BGMV é a espécie tipo do gênero Begomovirus, nesta família; (G) Preparação "leaf dip" de folha de maracujazei-
ro com sintomas de clareamento de nervuras mostrando partículas do provável rhabdovirus causador dos sintomas, o vírus do
enfezamento do maracujazeiro (Passionfruit vein clearing virus - PFVCV), em fonna de bala-de-revólver. As partículas alonga-
das junto às do rhabdovirus são do vírus do endurecimento dos frutos (Cowpea aphid-borne mosaic vírus - CAMV), um potyvirus,
que estava co-infeclando esta planta.

maneiras de expressão dos genes. Resumidamente, o genoma aberta para leitura ("Open reading frame - ORF") que codifica
virai compreende regiões que codificam proteínas estruturais uma poliproteina com aproximadamente 3.000 aminoácidos
(proteína capsidial) e não estruturais (replicase, transcriptase (350 kDa). Esta é clivada por três diferentes proteases codificadas
reversa, protease, etc.) que estão envolvidas no processo infeccioso, pelo genoma virai, dando origem a 11 diferentes proteínas. O
movimento de curta e longa distância na planta, transmissão por tenninal 5' da molécula de RNA é protegido pela proteína VPg
vetores, etc. Há ainda regiões não codificadoras de proteínas que ("vírus protein genome-linked"), codificada pelo genoma virai.
controlam a replicação e a expressão do genoma. Os menores Após essa proteína há uma pequena porção não traduzida do
vírus de plantas, os vírus satélites, possuem apenas um gene no seu genoma. O terminal 3' também possui uma região nllo traduzida e
genoma, que codifica a proteína capsidial. Já os maiores vírus de uma cauda poli-A (20 a 160 adeninas). A organização do genoma
plantas, representados por membros das famílias Closteroviridae de um potyvirus (Tobacco etch vírus - TEV), indicando as dife-
e Reoviridae, possuem de 10 a 12 genes. rentes proteínas e os locais de clivagem, está na Figura 10.2.
Os vírüs de plantas utilizam várias estratégias para a tradução Gênero Tobamovirus: A espécie tipo desse gênero é o vírus
dos diferentes genes do genoma. Dois exemplos serão utilizados do mosaico do fumo (Tobacco mosaic vírus - TMV) que foi o
para ilustrar essa diversidade. primeiro vírus de planta descrito e está intimamente associado
Gênero Potyvims: trata-se do segundo gênero de vírus de com o início da ciência da Virologia. Também foi o primeiro vírus
plantas com maior número de espécies conhecidas. O genoma é de planta a ter o genoma completamente sequenciado em 1982.
constituído poruma molécula de RN Ade fita simples senso positivo, O TMV é constituído por uma única molécula de RNA, de fita
com aproximadamente 9.700 nucleotídeos. Possui uma única fase simples e senso positivo. O terminal 5' da molécula de RNA é

164
Vírus e Vzroides

ORF

:::~0
,. 1)
9.496 11t A(n)3'0H


52K 71K 211{ 27K 58K 30K
P1 HG-Pro P3 ? CI ? VPg Protease Repbcase CP
Nla Nlb

,~ura 10.2 - Organ.i.zação do genoma de lllJ) representante do gênero Potyvírus. A linha cheia representa a molécula de RNA de fita simples
senso positivo. O retângulo embaixo representa a poli-proteína com os diferentes produtos após clivagem. P1: proteína com
atividade proteolítica; HC-Pro: proteína com atividades de auxiliar na transmissão por afideos e proteolítica; P3: proteina envolvida
na replicação virai e, aparentemente na determinação da gma de hospedeiros e desenvolvimento dos sintomas; PIPO: "pretty
intere.sting potyvirus ORF", essencial no movimento intercelular do vírus; CI: proteína da inclusão cilíndrica citoplasmática;
VPg "vira! protcin genomc-linked", múltiplas funções, essencial nas etapas de replicação virai; Nla: proteína com atividade
proteolítica; Nlb: RNA polimcrase, ambas (Nla e Nlb) também formam as inclusões nucleares e CP: proteína capsidial, também
envolvida no movimento do vírus na planta e na transmissão por vetores.

:TOtegido por uma •~strutura do tipo "cap" (m 7GpppGp), seguida 10.5. LNFECÇÃO E REPLICAÇÃO
..,,:-r aproximadamente 70 nucleotídeos não traduzidos. O RNA Conforme mencionado anterionnentc os vírus são inativos
-:ral possui aproximadamente 6.395 nucleotídeos, com quatro quando estão fora da célula da hospedeira. Nilo tendo motilidade,
)RFs, que são traduzidas em quatro proteínas. Duas proteínas não possuem mecanismos próprios para ultrapas.sar a ngida barreira
· estruturais são sinteti1.adas diretamente do RNA genômico da parede celular. Portanto, o processo de eut:rada do virus na planta,
,uai): 126 kDa e 183 kDa, sendo a segunda produzida a partir para dar início ao processo de infecção, ocorre principalmente por
:.: um processo de leitura contínua ("read-through"). As outras meio de ferimentos provocados por ação mecânica (por exemplo:
~ proteínas (30 kDa e 17 kDa) são sintetizadas a partir de duas abrasão, instrumentos de corte, etc.) ou durante a alimentação dos
-noléculas sub-genômicas de RNA. Para proteger uma molécula de vetores. Alguns vírus, como o do mosaico do fumo são capazes de
ll.'-A do TMV são necessárias aproximadamente 2.130 unidades "sobreviver" por longo tempo como contaminantes do solo, das
-2 proteína capsidial. as quais são formadas por 1S8 aminoácidos mãos, de fexrdIJlentas e oportunamente penetrar em uma planta sadia
.:ada uma. Essas unidades se agrupam fomiando uma estrutura por meio de ferimentos acidenlais. Isso se d~ve principalmente pelos
-.ogada e rígida de aproximadamente 300 nanômetros de fatos de ser um vírus que ocorre em alta concentração e bastanlt:
"'fflprimento por 15 nanômetros de diâmetro, pesando 38 milhões estável fora do hospedeiro, podendo inclusive manter-se infeccioso
~ Dalton. A organização do genoma do TMV e as proteínas em fumo após o processamento industrial
:-odi.ficadas estão na Figura 10.3. Uma vez no interior da célula hospedeira o
ácido nucleico viraJ deve ser liberado da capa proteica
ORF1 ORF2 (desnudamento, descapsidação) para direcionar o
maquinário celular para a sintese de novas moléculas
6.395nt
5 cap - - - - • • - - - - - - - - - - - - - - - - - - 3,_ OH de ácido nucleico e de proteínas, entre as quais a
proteína capsidial, para fiualmente constituir novas
1128K partícuJas virais. Considerando-se um vírus de RNAde
fita simples, senso positivo, o processo de replicação
resume-se basicamente nas seguintes etapas: a) o vírus
183K
ORF3 é introduzido na célula e logo em seguida o RNA é
_ _ _ _.-.i_ _ _ 3'-0H
sgRNA 5•cap liberado da capa proteica; b) o RNA associa-se com
os ribossomos da hospedeira, ocorre a tradução,
30K
que dá origem a RNA polirnerase e outras proteínas;
ORF4 e) a RNA polimerase transcreve a fita positiva de
sgRNA s•cap - - - -3'-0H RNA em diversas fitas complementares de RNA
(senso negativo); d) as fitas de RNA senso negativo
são utilizadas pela polimerase virai para a síntese
f'112ura 10.3 - Organização do genoma do TMV, espécie tipo do gênero Tobamovin1s. de novas fitas positivas (RNA virai); e) grande
As linhas cheias representam a molécula de RNA genômico de fita quantidade de unidades de proteínas capsidiais é
simple:; senso positivo e as duas moléculas de RNA sub-genômicos produzida; i) unidades de proteínas capsidiais e fitas
(sgRNA). Os retângulos representam as diferentes proteínas: duas positivas de RNA se unem para formarem novas
componentes da RNA polimcrase (126 kDa e 183 kDa); a proteína partículas de vírus. Na Figura 10.4 encontra-se um
associada ao movimento de célula para célula (30 kDa) e a proteína diagrama ilustrando a replicação de um vírus de RNA
capsidial (17 kDa). de fita simples, senso positivo.

165
Manual de Fitopatologia

Os gemiinivirus possuem ácido oucleico do tipo DNA de fita


simples circular. Após introdução no citoplasma e descapsidação,
o DNA é levado ao núcleo onde se replica utilizando polimerase
de DNA I nudear, por meio de um processo denominado círculo
rolante ("rolling circle") e que envolve duas etapas: conversão
do DNA de füa simples em DNA de fita dupla e produção de
DNA de fita simples (DNA virai) a partir da forma duplicada. A
fita nega!J.va do DNA de fita dupla serve de molde para a síntese
do DNA virall, que é produzida continuamente através do círculo
rolante. Durante esse processo o DNA é cortado em pontos especí-
ficos e as extremidades são ligadas originando o DNA circular
que será encapsulado para formar a partícula virai.
Para os vírus de DNA de fita dupla, como é o caso do vírus
do mosaico da couve-Aor (Caulif{ower mosaic virns - CaMV), o
ácido nucleico entra no núcleo da célula e se associa a histonas
do hospedeiro para fonnar uma espécie de "minicromossomo".
A transcrição deste minicromossomo, que é efetuada pela poli-
merase do hospedeiro, dá origem a duas moléculas de RNA, de
diferentes tannanhos, que migram para o interior do citoplasma
onde ocorre a segunda etapa da replicação. A molécula menor
de RNA é traduzida pelos ribossornos e dá origem a uma grande
quantidade de, uma proteína que constituirá o viroplasma (local de
I replicação do vírus na célula). Essa proteína ativa a tradução da
molécula mai,or de RN A para a síntese das demais proteínas, entre
1 Ribossomos o RNApolimerase (replicase) as quais a trauscriptase reversa e a proteína capsidial. A molécula
• Proteinll5 caps idiais ..__, RNA maior é usada como molde para a síntese da primeira fita de DNA
(DNA senso m~gativo) por meio da transcriptase reversa. Finalmente
Figura 10.4-Diagrama da replicação de um vírus de RNA, fita sim- é sintetizada a1 fita de DNA complementar para formar moléculas
ples, senso positivo. (l) e (2) A partícula vira.1 é intro- de fita dupla que serão encapsuladas em novas partículas virais.
duzida na célula e logo em seguida o RN A é liberado Deve-s(: chamar atenção aos vírns cujos genomas são do
da capa proteica; (3) O RNA associa-se com os ribos- tipo ambisense, isto é, parte tem senso positivo (isto é, pode atuar
somos da hospedeira, ocorre a tradução, quedá origem como m.RNA) e parte, negativo. É o caso dos vírus dos gêneros
a RNA polímerase (replicase); (4-) A RNA polimerase Orthotospovirus e Tenuivirus. Os primeiros possuem genoma
transcreve a fita positiva em diversas fitas de RNA constituído de três moléculas de RNA: uma (L), maior, senso
negativas (complementares); (5) Essas fitas negativas negativo, e duas, média (M) e pequena (S), ambisenses. Este tipo
são utilizadas pela polimerase para a síntese de fitas de organização pennite fazer um controle temporal da expressão
positivas (RNA virai); (6) São produzidas unidades de dos genes.
proteínas capsidiais; (7) Unidades de proteínas capsi- O local da célula vegetal onde são sintetizados os ácidos
diais e fitas positivas de RNA se unem para formarem nucleicos e as proteínas virais e a posterior montagem de novas
partículas de vírus; (8) Algumas partículas do vírus partículas variam de acordo com o gênero e a família viral. Podem
migram para a célula vizinha através do plasmodesrna. ocorrer no citoplasma, no núcleo ou em ambos.
Fonte: Extraída de Matthews ( 1992).
No caso de vírus de plantas providos de membrana envoltória
(Orthotospovirus, cito- e nucleorhabdovírus, dichorhavírus,
Estratégias distintas são utilizadas nos processos de repli- cilevírus), esta membrana é de origem celular, adquirida durante
cação de vírus com outros tipos de ácidos nucleicos. Os vírus o processo de morfogênese, na qual são inseridas glicoproteínas
cujos ácidos nucleicos são constituídos por RNA de fita simples codificadas pelo genoma destes vírus. Estas glicoproteínas
senso negativo e RNA de fita dupla não são infecciosos. ORNA são importantes para serem reconhecidas pelos receptores das
dos primeiros, urna vez no interior da célula hospedeira, deve ser células dos v,etores, permitindo sua intemalização nos tecidos
inicialmente transcrito em RNA complementar (senso positivo) do vetor, etapa essencial para sua transmissão. No caso dos
para dar continuidade ao processo infeccioso e causar doença. Orlhorospovirus, a membrana teria origem no aparelho de Oolgi,
Essa transcrição inicial é efetuada pela enzima denominada enquanto nos demais vírus, a membrana se originaria do retículo
transcriptase (polimerase de RNA dependente de R,NA) que é endoplasmátic:o ou do invólucro nuclear.
carregada com o vírus no interior da capa proteica, juntamente Os viroidcs, por sua vez, não possuem em seu genoma fase
com o material genético. As moléculas complementares de RNA aberta de leiturn para a síntese de qualquer proteína. A replicação
(senso positivo) servirão para a síntese de novas fitas virais (senso pode ocorrer no interior do núcleo ou do cloroplasto, dependendo do
negativo) e de proteínas, entre as quais a proteína capsidial, para viroide. Membros da famíiia Pospiviroidea, a qual pertence o viroide
finalmente fonnarem novas paitículas. A transcrição inicial do do afilamento do tubérculo da batata, replicam-se no núcleo, através
ácido nucleico dos vírus de RNA de fita dupla também é efetuada do processo de círculo rolante assimétrico. Já os membros da família
pela transcriptase carregada com o vírus ou por enzimas da planta Avsunviroidea têm o cloroplasto como local de replicação, que se dá
hospedeira. por meio do pnocesso de círculo rolante simétrico.

166
Vírus e Viroides

10.6. INVASÃO SISTÊMICA


Boxe 10.2 Movimento sistémico dos vírus
Para invadirem a planta sistemicamente os vírus podem
~r transportados através de dois tipos de movimento. Um movi- Desde os primórdios da virologia vegetal havia
-nento a curta distância, de célula a célula. que se dá logo após evidências experimentais de que o movimento dos
;., processo de infecção, abordado anteriormente, e que ocorre vírus nas plantas envolve duas etapas; uma mais lenta,
através dos plasmodesmas, que são canais de comunicação entre de célula para célula e que ocorre através dos plasmo-
as células. Este transporte de material infeccioso célula a célula desmai, combinada com outra mais rápida que se dá
pode ser feito na forma de ácido nucleico, geralmente protegido através dos vasos do floema. Foi o trabalho clássico de
por uma proteína (''complexo de replicação"), ou como partículas Geoffrey Samuel, publicado em 1934, que corroborou
.:ompletas (Figura 10.5). Proteínas de movimento, codificadas essa rota de movimento de maneira bastante precisa,
pelo genoma virai ou a própria capa proteica estão envolvidas usando plantas de tomate e o TMV: Primeiramente o
,esse processo. A proteína de 30 kDa do TMV, por exemplo. vírus foi inoculado em apenas uma folha de diversas
:t'm a função de proteger o RNA durante a transferência de uma plantas jovens. Essas plantas foram então dissecadas em
.:-elula para outra pelo plasmodesma, sem o envolvimento da inúmeros fragmentos, em diferentes intervalos de tempo
:iroteíua capsidial. Essa e outras proteínas J e movimento além após a inoculação. Extratos desses fragmentos foram
Je protegerem o ácido nucleico, têm a função de aumentar a então inoculados mecanicamente em folhas de Nícotiana
1berrura do plasmodesma para que moléculas maiores, como os glutínosu, que apresentam rea1rão de hipersens!bilida_de
\ írus. possam ser transportadas através dele. A maioria dos vírus ao TMV e exibem lesões locais nos pontos de uúecçao.
Jt'mora de dois a cinco dias para ser transportado da folha onde Os resultados obtidos permitiram ao autor elaborar
foi inoculado e alcançar os vasos do flocma. Ao atingir os vasos um diagrama do movimento do TMV em plantas
rondutorcs do fl oema ocorre o movimento à longa distância, de fumo (Figura 10.6) que pode ser assim resumido:
que é mais rápido que o anterior e responsável pela distribuição a) nos primeiros 3 dias após a inoculação o vírus foi
s1stêmica do vírus na planta. Nesse caso há estreita relação entre o detectado apenas na folha iuoculada; b) após esse
movimento sistêmico do vírus e a distribuição dos fotossintetatos, período ele tempo o vírus foi transportado rapid~men~e
nos vasos do floema (Boxe 10.2). Em alguns poucos casos para o sistema radicuJar das plantas; e) um dia mais
também movem através dos vasos do xilema. Deve-se lembrar tarde, com a mesma rapidez, ele foi levado para o pon-
que alguns vírus ficam localizados nos pontos de infecção, onde teiro das plantas; d) depois de atingir a região apical
eeralmente causam lesões, sem. todavia, invadirem as plantas dos tomateiros o vírus invadiu sucessivamente as folhas
~1stemicamente. Esse é o caso do vírus da leprose dos citros c maduras nos sentidos do topo para baixo e da base para
outros vírus transmitidos por ácaros Brevipalpus spp. cima, até invadir toda a planta. Por meio de experimentos
complementares o autor demonstrou que em plantas
muito jovens a invasão completa pelo vírus ocorreu em
.. poucos dias; em plantas de meia idade demorou três
semanas; e naquelas que já estavam produzindo frutos o
f
i: ' l l tempo foi de aproximadamente dois meses.

l 9 _' t 3doas
5 dias
Ir ~ Ili'.

..
'

....
'M - •

10dlas 18dias 25dias

Figura 10.5 - Secção da parede celular de folha de dália infectada


pelo vírus do mosaico da dália (Dahlia mosaic 11ints ·
DaMV}, um caulimovirus. Nota-se uma alteração do
calibre do lúmen do plasmodesma, induzida pela pro-
teína de movimento do vírus, permitindo a passagem
de partículas virais de uma célula a outra para disse-
minar a infecção.
figurá 10.6 - Diagrama mostrando a invasão _sisLêmica d~ vírus
do mosaico do fumo em tomateiro. A folha inocu-
l0.7. SI TOMAS C AUSADOS POR VÍRUS lada está indicada com wna seta Os tecidos siste-
As plantas infectadas por vírus podem ser inicialmente inicamente infectados estão com coloração verde.
~lassificadas em sintomáticas e assintomáticas. embora a segunda Fonte: Extraída de Matthews, 1991. adaptada de Samuel (1934).
categoria seja menos frequente. No segundo caso as doenças são

167
Manual de Fitopatologia

caracterizadas por infecções latentes. A situação mais comum,


no entanto, é que a maioria das plantas infectadas por vírus ou
viroides exterioriza a doença por meio dos sintomas. Esses podem
primeiramente ser classificados em locais e sistêrnicos. Sintomas
locais são aqueles que ocorrem ao redor do ponto de infecção, isto
é o local de entrada do víms na planta, que se dá principalmente
por meio de ferimentos provocados pela alimentação dos vetores
ou por operações culturais executadas pelo homem. Essas lesões
locais são resultantes da resposta de hipersensibilidade das
células e que em condições de campo, na maioria das vezes,
passam despercebidas. Há, todavia casos de vírus que causam
sintomas localizados na hospedeira em condições de campo e
que acarretam danos significativos na produção. Nessa categoria
estão os vírus da leprose dos citros (Figura l 0.7) e o da pinta
verde do maracujazeiro (Figura 10.8). Em ambos os casos os víms
ficam localizados nas células ao redor dos pontos de infecção,
cuja inoculação é feita pelo vetor, ácaros do gênero Brevipalpus. Figura 10.8 - Pinta verde em frutos de maracujá.
Como o número de lesões geralmente é grande, fica fácil iden-
tificá-las. A constatação de lesões locais é muito mais comum
nos trabalhos de transmissão mecânica experimental de diversos
vírus de plantas. Chenopodium amaranticolor e C. quinoa, por
exemplo, reagem com lesões locais nas folhas inoculadas com
inúmeros vírus. As lesões resultantes de transmissão mecânica
experimental podem ser amarelas ou cloróticas, necróticas,
anelares, etc. (Figura 10.9). Nesses casos têm valor na diagnose
e também são úteis para a obtenção de isolados mono lesionais
para trabalhos posteriores de caracterização biológica, sorológica
e molecular do vírus.

Figura 10.9 - Lesões locais necróticas em fumo causadas por TMV.

Figura 10.7 - Lesões localizadas de leprose em folhas de laranja


doce.
A maioria dos vírus, no entanto, invade as plantas sistemí- Figura to.to - Murcha em abobrinha de moita induzida pelo vírus
camente e causa uma variedade enorme de sintomas, que envol- do mosaico amarelo.
vem alterações no desenvolvimento das plantas, nas folhas, flores,
frutos, afetando a forma, o tamanho, a coloração, etc. Além de Necrose. Alguns vírus quando invadem a planta sistemi-
ter o desenvolvimento afetado, a produção das plantas também camente podem provocar o aparecimento de necrose sistêrnica,
pode ser afetada qualitativa e/ou quantitativamente. Os principais que geralmente está associada com a degeneração dos vasos do
sintomas sistêmicos induzidos por vírus em plantas são: floema. Essa necrose sistêmica pode ocorrer em algumas folhas,
Murcha. É um estado flácido das folhas ou brotos. Aparece como as provocadas pelo vírus da necrose branca do fumo
muito raramente no caso de fitoviroses. Plantas de abobrinha de (Tobacco streak vírus - TSV) em plantas de fumo (Figura 10. l l ),
moita cv. Caserta, quando infectadas no estádio cotiledonar com o ou na haste, como aquelas causadas pelo vírus da necrose da haste
vírus do mosaico amarelo (Zucchini ye/low mosaic virus - ZYMV) da soja (Cowpea mild mottle vinis - CpMMV) e do crisântemo
exibem murcha da primeira folha verdadeira (Figura 10.1 O). (Chrisanthemum stem necrosis virus - CSNV). Outros tipos de

168
Vírus e Viroides

Figura 10.11 - Necrose sistémica em fumo causada pelo virus da


necrose branca. Figura 10.13 - Amareio letal do mamoeiro Solo.
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.
Clareamento das nervuras. Esse tipo de sintomas é
necrose sistêmica são: necrose do broto da soja causada pelo TSV provocado pela maioria dos vírus no processo inicial de invasão
Figura 10.12), necrose em flores de orquídeas causada pelo vírus sistêmica da hospedeira. Muitas vezes é um sintoma transitório,
do mosaico do Cymbidiwn (Cymbidium mosaic virus - CyMV) transformando-se posteriormente cm mosaico das nervuras,
e ou mancha anelar do Odomoglossum (Odontoglossum ringspot riscas ou mesmo desaparecendo (Figura 10.14).
rirus - ORSV). necrose em tubérculos de batata localizada exter-
namente (Palato vín1s Y - PyyNTh) ou internam1mte (Tohacco
raltle vín,s TRV). Quando a necrose atinge a planta toda e
induz a sua morte ela é chamada letal. como a caus.ada pelo vírus
do amarelo letal do mamoeiro (Papaya lethal yelk,wing vírus -
PLYV){Figura 10.13).

Figura 10.14 - Clarearnento das neivuras cm maracujazeiro.

Mosaicos. Os sintomas provocados por vírus que caem na


categoria dos mosaicos são os mais frequentemente encontrados
nas plantas afetadas. Os diferentes tipos de mosaico representam
combinações de áreas verde-claras, verde-amareladas, amarelas,
verde-escuras e verde-normais, com disposições variadas. Se
essa variegação é difusa, recebe o nome de mosqueado. Os
mosaicos podem receber adjetivos indicativos de sua aparência,
localização, época de ocorrência, etc. Há o mosaico comum que
aparece frequentemente em uma cultura ou região (Figura 10.15),
o mosaico amarelo, o mosaico em faixa , que se caracteriza
pelo aparecimento de áreas verde-escuras ao longo das nervuras
(Figura 10.16), o mosaico dourado (Figura I O. I 7), o mosaico das
Figura 10.12 - Necrose do broto da soja(esquerda) vs sadia (direita). nervuras, que se caracteriza pela coloração amarela das nervuras
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa. (Figura 10.18) o mosaico angular (Figura 10.19), o mosaico em

169 •
Manual de Fitopatologia

Figura 10.15 - Mosaico em abobrinha de moita.

Figura 10.18 - Mosaico das nervuras em fumo.


Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

Figura 10.16 - Mosaico em faixa em feijoeiro.


Crédito da ro·to: Alvaro Santos Costa.
Figura 10.19 - Mosaico angular em feijoeiro Jalo.
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

desenho, etc. No caso das gramíneas, cujas nervuras das folhas


são paralelas, os mosaicos são qualificados como mosaico em
faixa ou mosaico estriado (Figura 10.20).
Anéis. Sintomas na forma de anéis ou manchas anelares
podem aparecer em folhas, como as causadas pelo vírus do vira
cabeça do tomateiro em pimentão ou em frutos, como é o caso do
vírus do mosaico do mamoeiro (Figura 10.21 ).
A infecção com vírus também pode alterar a morfologia
da planta inteira, resultando em enfezamento ou nanismo
(Figura 10.22), ou de seus órgãos. Quando as folhas são afetadas
têm-se os sintomas de enrolamento, malformação, afilamento,
rugosidade, bolhas e epinastia (Figuras 10.23-25). As flores
também podem ter o tamanho alterado (Figura 10.26) e os frutos
ficam menores e deformados (Figura 10.27). A coloração de ílores
Figura 10.17 - Mosaico dourado em feijoeiro. (Figura 10.26), frutos e sementes (Figura 10.28) provenientes

170
Vírus e Viroides

Figura 10.23 - Enrolamento da folha da batata.


Figura 10.20 Mosaico estriado em milho. Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.
Crédito da foto: Álvaro'Santos Costa.

Figura 10.24 Malformação, rugosidades e bolhas em folhas de fei-


joeiro causadas pc:lo vírus do mosaico do fumo.
figura 10.21 - Anéis oleosos nos frutos de mamão. Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

figura 10.22- Nanismo em algodoeiro (centro e direita) causado Figura 10.25 - Afilamento da folha do mamoeiro provocada pelo
pelo vírus do mosaico RB (sadia esquerda). vírus do mosaico (direita), sadio (esquerda).
Crédito d a foto: ÁlYaro Santos Costa.

171
Manual de Fitopatologia

de plantas infectadas com vírus também pode se:r modificada.


Malformações do tipo caneluras ("stem grooving") (Figura
10.29) e perfurações (''stem pitting") (Figura 10.30) também
podem ser observadas no tronco e ramos, sob a casca, de algumas
árvores frutíferas infectadas por vírus. O vírus dia sorose dos
citros causa uma descamação intensa da casca do tronco.

Figura 10.29 - Caneluras em videira (stem grooving) causadas por


vírus (KSGV) e controle sadio (direita).
Crédito da foto: Hugo Kuniyuki.

Figura 10.26 -Alterações em flores de fumo infectad:as com o TMV


(par à esquerda), sadias (par à direita).
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

Figura 10.30- Perfurações (stem pitting) cm videira causadas por


vírus (RSPaV) (centro e esquerda) e sadia (direita).
Crédito da foto: Hugo Kuniyukí.

Há ainda casos em que a infecção promove. um super desen-


volvimento, resultando em sintomas do tipo intumescimento de
Figura 10.27 -:- Deformação de fruto de abóbora provocada pelos haste, espessamento foliar, onde as folhas ficam rígidas e que-
vírus do mosaico comum e amarelo. bradiças, enações, que é o desenvolvimento de protuberâncias
semelhantes a rudimentos foliares que se desenvolvem principal-
mente sobre as nervuras (Figura 10.31 ).

Figura 10.28 - Mancha café em sementes de soja causada pelo vírus


do mosaico da soja. Figura 10.31 - Enações em folha de pepino causada pelo vírus da
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa. clorose letal (Zuchini lethal chorosis virus).

172
Vírus e Viroides

Há também sintomas que são secundários como o da den- e os providos de membrana ( orthotospovirus, rhabdovírus, cileví-
• encia de zinco em folhas de laranjeiras enxertadas sobre laranja rus) (Figura 10.32D) são mais fáceis de serem visualizados, indi-
-"!.!<la atacadas pelo vírus da tristeza (Citrus tristeza virus-CTV). vidualmente ou foru1ando agregados. Vírus isométricos de até
-. afecção ocasiona a obstrução dos vasos liberianos no ponto de 30 nm de diâmetro são diffoeis de serem distinguidos caso estejam
mxertia, resultando na degeneração do sistema radicular. Na fase dispersos no citoplasma ou no núcleo, mas podem ser identifica-
11:1eial desse processo há interferência na absorção de nutrientes, dos quando formam agregados (Figura 10.328). Vírus providos
-~-ltando nos sintomas de deficiência. de membranas sempre ocorrem no lúmen do retículo endoplas-
Os viroides infectam dicotiledôneas e monocotiledôneas e mático e eín secções favoráveis podem-se notar fases da morfo-
ã1 há qualquer característica nos sintomas que os diferenciem gênese conhecidas como brotação ("budding") na membrana do
: vírus. Podem induzir sintomas de enfezamento, nanismo, retículo endoplasmático ou invólucro nuclear (Figura 10.32D).
....._""1ueado, malformação foliar, clorose, necrose, etc. No caso dos orthotospovírus, a fonnação da particula está associada
a membranas do aparelho de Golgi. Os viroplasrnas podem ocorrer
10.7.1. Efeitos citopatológicos no núcleo ou no citoplasma (Figura 10.32E), dependendo do vírus.
Partículas virais têm sido também detectadas nos tecidos· do vetor
Acompanhando os sintomas externos há os interuos, que
(insetos, fungos, ácaros), revelando estar apenas circulando ou
.â.J representados por alterações na morfologia das células bem
:X:OJO nos seus constituintes, mas que somente são visualizados
também replicando (Figura 10.32F).
..:: microscópio de luz, ou em maiores detalhes, em microscópio L0.8. TRANSMJSSÃO
~ffiôníco de transmissão. Os sintomas externos exibidos pelas
- .3.Gias infectadas por vírus representam, portanto, a somatória A maioria dos vírus e os viroides são perpetuados na natu-
---s efeitos da infecção em nível celular e tissular. Assim, as áreas reza atrnvés da transmissão de planta para planta. Essa transmissão
- ,,("óticas nas folhas resultam de alterações ou degradação dos ocorre por intermédio de material de propagação vegetativa,
.. xoplastos, enquanto as necróticas, da morte celular. Amare- forimentos naturais ou provocados por atividades culturais exe-
<:>. mento generalizado e declínio das plantas infectadas são cutadas pelo homem (transmissão mecânica), união de tecidos
;iroouzidos por vírus que infectam o floema, reduzindo o fluxo de por meio de enxertia, sementes, pólen e, principalmente pela ação
ixossintetatos, degradação dos cloroplastos e acúmulo de amido de vetores tais como insetos, ácaros, ncmatoidcs, protozoários e
:.?.; folhas, degeneração do sistema radicular e má absorção dos
fungos. Os viroides não possuem vetores.
-....'tientes. Desfolhações podem ser induzidas cm folhas infoc• 10.8. 1. Transmissão por Material de Propagação
...ows como resultado da ativação de mecanismos de defesa da Vegetativa e Enxertia
~.:.nta (abscisão) para evitar a disseminação do vírus na plunta,
~ que resulta em redução na produção. Muitas espécies vegetais cultivadas pelo hornêm são
Sendo o vírus um parasita celular, sua presença pode cau- propagadas vegetativamente, por meio de bulbos, tubérculos,
..i:- uma série de alterações em grau variado, dependendo da rizomas ou estacas. Qualquer material de propagação vegetativa
rnbinação vírus/hospedeira. Tais alterações podem ser prati- que provier de planta infectada certamente dará origem a plantas
~'Tlente imperceptíveis, salvo a presença de partículas virais nos infectadas. É o caso, por exemplo, de tubérculos de batata colhidos
....._,,)s de infecção latente até a morte ou necrose da célula. As de plantas infectadas corno vírus do enrolamento das folhas (Potato
_';êraçôes que se notam nas células infectadas podem ser consi- leafroll virus - PLRV) ou com o viroide causador do tubérculo
..er:idas sob três aspectos: morfologia geral das células, altera- afilado (Potato spindle tuber viroide - PSTVd), este ainda não
:,e,:, nas organe.Jas celulares e aparecimento de estruturas ine- constatado no Brasil. Essa transmissão, ou mais precisamente.
~rentes em células sadias (inclusões). No caso da morfologia perpetuação de vírus e viroides acarreta a degenerescência da batata
~ I das célul_a s, podem ocorrer aumento das dimensões das semente.
.:-e-ulas (hipertrofia), multiplicação anormal das células (hiper- A enxertia, dos mais variados tipos, é uma prática horticultura!
..:.;ia), deformações, plasmólise (contração do conteúdo celular) altamente eficiente para a transmissão de vírus e viroides e de
: !lecrose. Do ponto de vista de alterações nas organelas celula- grande valor experimental. Na natureza é muito pouco provável
= podem-se citar: a) núcleo: degradação da cromatina, aumento que a união de tecidos entre plantas vizinhas, principalmente.
envolvendo o sistema radicular, atue na transmissão de vírus
~ \Olume, invaginações acentuadas, adensamento; b) mitocôn-
.:::--.a. hipertrofia, adensamento, agregação; c) cloroplasta: degra- e viroides. Nos casos em que não é possível o uso da enxertia
.!.:.."ào do sistema lamelar, deformações, adensamento, agrega- para transmissão experimental desses patógenos, por tratar-se de
~ - dissolução, acúmulo de grãos de amido, presença de mate- espécies vegetais taxonornicamente distantes, a transmissão pode
r:a. cristalino (proteína, fitoferritina, material fibrilar); d) aparelho ser feita por meio da planta aclorofilada, parasita Cuscuta spp.
• Golgi: hipertrofia; e) retículo endoplasmático: granulações e (família Convo/vulaceae), que estabelece uma ponte vascular
.....:,..agregação; t) vacúolo: presença de granulações e vesículas; entre as plantas. Inúmeros vírus e outros patógenos vasculares, já
= .ttoplasma: aumento do volume e acúmulo de ve.sículas. Quanto foram transmitidos dessa maneira. É bom lembrar que nesse tipo de
..:s ,nclusões, elas podem constituir-se de agregado de partículas transmissão experimental a Cuscuta spp. deve ser primeiramente
n1s e/ou materiais de outra narureza, gerado pela própria célula estabelecida na planta infectada, para depois ser colocada em
.... codificado pelo genoma virai (Figura 10.32A). Tais inclusões contato com as diferentes espécies de plantas-teste.
Y<lem representar sítios de replicação e/ou acúmulo de proteínas
• ~ificadas pelo vírus e neste caso tem sido referido como viro- l0.8.2. Transmissão Mecânica
píaSma. As partículas virais nem sempre são facilmente identifi- A transmissão mecânica de vírus de planta para planta
.adas em secções celulares. Vírus alongados, víru.s isométricos pode ocorrer naturalmente por meio do atrito entre folhas e
ie maiores dimensões (50-70 nm em diâmetro) (Figura l0.32C) ramos, provocado pela ação do vento, ou entre raízes de plantas

173
Manual de Fitopatologia

vizinhas. Embora possível, a probabilidade de


ocorrência desses tipos de transmissões é ra.ra
na natureza, portanto, sem valor epidemiológico.
Já os ferimentos provocados pelo homem em
operações culturais tais como transplante, desbrota,
amarração de condução, etc., executadas com as
mãos ou com instrumentos de corte, oferecem
maior eficiência na transmissão mecânica de vírus.
Ela ocorre principalmente para vírus que estão em
alta concentração no tecido da hospedeira e que
apresentam grande estabilidade, como é o caso,
por exemplo, do TMV e do vírus X da batata
(Potato virus X - PVX). Vírus de orquídeas, como
os da mancha anelar do Odontoglossum (Odonto-
glossum ringspot virus - ORSV) c do mosaico do
Cymbidium (Cy mbidium mosaic vinis - CyMV)
também são facilmente transmitidos por instru-
mentos de corte utilizados em operações culturais.
Além das características apontadas acima, os vírus
transmitidos dessa maneira no geral não possuem
vetores.
Experimentalmente, a transmissão mecânica
é indispensável para estudos de vírus que causam
doenças em plantas, para a identificação da gama
de hospedeiros do vírus, testes de infoctividade e
diagnose. Nesses casos, o tecido vegetal infectado,
geralmente folha, é inicialmente triturado na pre-
sença de um tampão para preservar o víros. O
extrato obtido é então aplicado por fricção na
superficie das folhas das plantas-teste, previamente
polvilhadas com um ahrasivo. O ahrasivo mais
comum é o carbureto de silício (carborundum). Este
irá provocar micro ferimentos por onde as panículas
virais serão introduzidas nos tecidos foliares.
Deve-se lembrar que há numerosos vírus que não
são transmitidos dessa maneira.
Figura 10.32 - Micrografias eletrônicas de transmissão de secções de tecidos infec-
tados por diferentes vírus de plantas. (A) Secção transversal de inclu- 10.8.3. Transmissão por Sementes e
sões cilíndricas em configuração de "catavento", típicas da infecção Pólen
por potyvirus em tecido de aboboreira infetada pelo vírus do mosaico Embora seja comum dizer que muitos vírus
(Papaya ringspot vims type W - PRSV-W). (B) Detalhe do núcleo de plantas podem ser transmitidos por sementes
de célula do parênquima do floema de feijoeiro infetado pelo vírus do verdadeiras, em realidade o que ocorre é muito
mosaico dourado do feijoeiro (Bean golden mosaic virus - BGMV). mais perpetuação do que transmissão. Há dois tipos
Nota-se o nucléolo (Nu) ao lado de um agregado de partículas de transmissão por sementes: externamente, como
virais (V) como demonstrado pela marcação específica (grãos de ouro contaminantes e a mais comum, na qual o vírus se
coloidal) com anticorpo contra o vírus em um ensaio de imunolocali- aloja nos tecidos do embrião. A primeira, menos
zação. (C) Agregado cristalino de partículas do vírus do nanismo do frequente, está geralmente associada a vírus que
capim Pangola (?angola stunt virus- PaSV), gênero Fijivirus, em célu- apresentam alta estabilidade in vitro, como o TMV
la do parênquima do floema. (D) Grupo de partículas do nucleorhabdo- e outros membros do gênero Tobamovin., s. Os vírus
virus latente de Melilotus (Meli/otus latent vírus - MeLV) (v) na cavi- que contaminam externamente as sementes podem
dade perinuclear. Nota-se processo de morfogênese por brotação (setas) ser inativados expondo-as ao ar aquecido (70-76 "C)
pelo qual componente interno do vírus (t) envolve-se com a membrana durante 1-3 dias ou mergulhando-as em solução de
interna (im) do núcleo. (E) Inclusão citoplasmática (l) electron-densa fosfato tri-sódio 10%, por 30 minutos. No segundo
e vacuolada em célula do parênquima foliar de laranjeira Pêra infec- tipo d.e transmissão o vírus pode permanecer no
tada pelo vírus da leprose dos citros, tipo citoplasmático (CiLV-C). interior da semente por meses ou até anos e a única
(F) Presumíveis partículas (seta) do vírus da mancha clorótica de maneira de controle é por meio da colheita de
Cferodendrum (Clerodendrum chlorotic spot virus - ClCSV) alinhada sementes de plantas snbidnmente sadias.
na periferia do núcleo de uma célula do complexo de glândulas proso- Aproximadamente um quarto dos vírus de
mais do ácaro vetor Brevipalpus yothersi. Neste caso, hâ evidências de plantas conhecidos é transmitido por sementes de
que este vírus se replicaria no ácaro vetor. pelo menos uma espécíe vegetal por ele infectada.

174
Vírus e Viroides

-\ porcentagem de transmissão, todavia, é extremamente variável, Já foi demonstrado experimentalmente que Thrips tabaci pode
~'liendo em alguns casos alcançar 100%. Os fatores que afetam a intermediar a transmissão do vírus da necrose branca do fumo
proporção de sementes infectadas incluem a espécie e/ou estirpe (Tobacco streak vim~ - TSY). Grãos de pólen infectados são
. vírus, a espécie vegetal infectada, a idade em que a planta carregados pelos tripes que, durante o processo de alimentação
infectada, a localização da semente na planta, a idade da provocam ferimentos nas folhas por onde ocorre a infecção.
-:--:iente e a resistência genética da planta à invasão do vírus no Abelhas e outros organismos polinizadores também podem estar
~ido embrionário. Fatores ambientais tais como temperatura e envolvidas na trnnsmissão de vírus quando transportam pólen
.a::::udade da semente também podem influir na taxa de transmissão infectado para flo,res de plantas sadias.
.i:> \ ÍfUS.
Do ponto de vista epidemiológico a transmissão de vírus 10.8.4. Transmissão por Insetos
=-:r sementes é muito importante, pois pode, em um primeiro Os artrópodes constituem o maior e mais importante grupo
- )menta, ser a principal via de introdução do vírus em área, de vetores de vírus de plantas. A maioria dos artrópodes vetores
-cg1ào ou país ainda indene. Isso pode ocorrer na movimentação pertence à classe ,dos Insetos (principalmente membros das 9rdens
~1onal e internacional de sementes para plantios ou no inter- Homoptera, Coleoptera e Thysanoptera) e classe Arachnida. Entre
~ bio de coleções de germoplasmas para programas de melho- os insetos estão ,os afideos (pulgões), cochonilhas, aleyrodídeos
-miento genético. O plantio de sementes infectadas, por sua (comumente chamados por moscas brancas), cigarrinhas, coleóp-
ez. dará origem a focos primários de inóculo logo no início do teros e tripes (Figura 10.33 A-D). Os principais tipos de relaçõt's
. ... -0 da cultura. Existindo outro tipo de transmissão do vírus, vírus-vetores (artrópodes) estão resumidos na Tabela 10. 1 e foram
:rncipalmente vetores, ele poderá ser rapidamente disseminado derivados de estudos realizados com vírus transmitidos por insetos.
::- -r toda a plantação e provocar danos econômicos na produção. Pode•se di:zcr que a transmissão de vírns de forma não
~im. o controle de qualidade das sementes pelas empresas pt'rsistente é a mais comum e envolve principalmente os nfideos.
produtoras é de extrema imponância para reduzir este tipo de risco. Estes, ao efetuamm a "picada de prova" nas células da epiderme
Há vírus que também podem ser transmitidos pelo pólen, de uma planta doente, com o objetivo de identificar a hospedeira
!::lMra a importância desse mecanismo de disseminação de como apropriada para colonização, são capazes de adquirir o
_"'JS não esteja bem dimensionada. Dois mecanismos são pro- vírus em poucos segundos de alimentação. Da mesma forma, ao
~tos para a transmissão por pólen: infecção do embrião durante se alimentarem e1m outra planta, nesse caso sadia, são capazes de
"útilização e infecção direta da planta mãe. A infecção direta transmiti-lo também durante prova alimentar de alguns segundos.
planta pode ocorrer, por exemplo, através de qualquer A tr.msmissão po,de ocorrer logo após a aquisição do vírus, pois
....,. «:esso de abrasão do pólen infectado que cai sobre uma folha. não há período ele latência. Um afideo virulífcro perde o vírus

figura 10.33 - Alguns vetores de vírus de plantas: (A) afideo Aphis gossypii, (B) mosca branca Bemisia tahaci MEAM 1, (C) cigarrinha
Peregrinus maidis, (D) tripes Franklíniella zucchini e (E) ácaro Brevipalpu$ yothersi.
réditos das fotos: Paulo Ayres (A e C), Tatiana Mituti (B) e Yiviaoa M. Camelo García (D).

175
Manual de Fitopatologia

Tabela 10.1 - Diferenças entre os principais lipos de relações vírus-vetor (artrópodes).

ripo, 1k n•laçiir, , iru,-, ctor

Carnch•ri,1 ica, l'l•rsistenlr


'\:io l>l'r,istt·nll' Scmi-pt•rsistcntc Cirrul:ilh a Prnpai,:ath a

Transmissão mecânica + maioria - (alguns+)


Local de aquisição parênquima parênquima/Roema floema floema
Local de inoculação parênquima parênquima/floema floema floema
Tempo para aquisição segundos minutos minutos/horas horas
Tempo para inoculação segundos minutos/horas minutos/horas horas
Periodo de latência horas/dias horas/dias
Perde vírus na ecdise + +
Vírus na hemolinfa + +
Replicação no vetor +
Retenção do vírus no vetor minutos/horas horas/alguns dias dias/semanas toda vida
Especificidade do vetor baixa média alta alta

após provar em duas ou três plantas consecutivas, necessitando do vírus pelo vetor há sempre uru período de latência, antes que
se alimentar em outra planta doente para readquiri-lo. Também este seja capaz de transmiti-lo para uma planta sadia. Quando o
perde o vlrus durante a ecdise. Para que um vlrus seja transmitido vírus apenas circula pelo corpo do inseto, sem multiplicar-se, a
por afideos de forma não persistente não é necessário que o relação vírus-vetor é denominada persistente-circulativa. Entre
inseto colonize a planta. Dessa forma, um único vírus pode ser os vírus cuja relação é do tipo persistente circulativa estão os
transmitido de maneira não persistente por diversas espécies de luteovírus [ex: vírus do enrolamento das folhas da batata (Poraro
afideos. É o caso, por exemplo, do virus do mosaico do mamoeiro laofmll vírus- PLRV)] transmitidos por afídeos e os begomovfrus
(Papaya ringspol vinis - type P, PRSV-P) que é transmitido por [ex: vírus do mosaico dourado do feijoeiro (Bean golden mosoic
mais de 20 espécies de afideos, sendo que até hoje não se conhece virus - BGMV)] transmitidos pelo aleyrodídeo Bemisia rabaci
nenhuma espécie capaz de colonizar essa planta. Há variação, biótipo B. Os vírus nesses casos silo transmitidos pelo inseto por
todavia, na eficiência de cada espécie de afldeo na transmissão um longo período, porém a eficiência de transmissão Jiminui com
desse vírus. Nesse tipo de relação vírus-vetor o vírus fica aderido o tempo, à medida que a concentração do vírus vai se reduzindo.
à cutícula que recobre internamente o canal alimentar no estilete No outro caso, quando o vírus se replica no corpo do inseto, a
do afideo e geralmente, uma proteína codificada pelo vírus é relação é denominada persistente propagati va. É o caso do vírus
requerida para esta adesão. do vira-cabeça do tomateiro (Toma/o spotted wilt vinis - TSWV)
A relação vírus-vetor do tipo semi-persistente envolve transmitido por tripes do gênero Frankliniel/a. Aqui a transmissão
insetos dos grupos dos afideos, aleyrodídeos (mosca branca) e do vírus ocorre por vários dias ou semanas após o vetor se tomar
cigarrinhas. Um exemplo é o vírus da tristeza dos citros que é virulífero e mantém-se pelo resto da vida do inseto. Neste tipo
transmitido de forma semi-persistente pelo pulgão preto dos de transmissão, a aquisição do vírus é feita pelas formas jovens
citros (Toxoptera citricida). Nesse caso a relação do virus com o (larvas e ninfas), ocorrendo a transmissão pelos adultos. Há uma
vetor é mais íntima. O vetor coloniza a espécie infectada com o alta especificidade do vetor nas relações persistentes circulativa
vírus e a aquisição deste pelo inseto é feita durante alimentação e propagativa.
mais prolongada, principalmente nos vasos do floema. O vírus Há ainda casos (raros) em que o vírus é transmitido para
fica retido na faringe, não se replica no inseto e pode ser logo em a progênie do vetor, chamada transmissão transovariana. Nesse
seguida transmitido para urna planta sadia, pois também não há tipo de transmissão o vírus pode ser transmitido para diversas
período de latência. Como a retenção do vírus no vetor é mais gerações do inseto sem que este tenha que se alimentar em uma
longa que o tipo não persistente, o inseto tem capacidade de planta doente para readquiri-lo. Como exemplo tem-se o vírus do
transmiti-lo para um maior número de plantas sem necessidade nanismo do arroz (Rice dwa,fvírus- RDV) e seu vetor, a cigarrinha
de readquiri-lo em outra planta doente. Aqui também o vírus é Nephorettix cincticeps. Esse parece ter sido o primeiro vírus onde
perdido durante a ecdise do inseto. Nesse tipo de relação vírus- a transmissão por inseto foi demonstrada experimentalmente
vetor há certa especificidade com a espécie do vetor. (Boxe 10.3). Fica claro que o vírus se multiplica no vetor e este
A outra modalidade é a chamada persistente, na qual o vírus pode transmiti-lo durante toda a vida, por várias gerações, para
é adquirido pelo vetor durante período prolongado de alimentação um grande número de plantas sadias.
nos vasos do floema, circula em seu organismo, multiplicando-se Alguns vírus de plantas podem ser transmitidos por algumas
ou não em seus tecidos, atinge as glândulas salivares, e daí é espécies de coleópteros das famílias Chrysomelidae, Coccinellidae,
injetado na planta sadia no ato da alimentação. Após a aquisição Curculionidae e Meloidae. O vírus do mosaico severo do caupi

176
Vírus e Viroides

(Cowpea severe mosaic vírus - CPSMV) é transmitido por espé-


Boxe 10.3 Transmissão de vírus por insetos cies de chrysomelidae, desracando-se Cerotoma arcuata. Já o
vírus do mosaico da abóbora (Squash mosaic virus - SqMV) é
A primeira demonstração da transmissão de transmitido por Diabrotica bivittula, D. speciosa e Epi/achma
um vírus por inseto foi feita no Japão, no final do cacica. O processo de aquisição do vírus pelos besouros é rápido
século 19, antes mesmo dos trabalhos clássicos de e a retenção pode variar de alguns dias a semanas ou meses,
Mayer (1886), Ivanowsky (1892} e Beijerinck (1898), dependendo da espécie de inseto. Não há evidências de período
da descoberta do TMV. Foi um produtor de arroz de latência e de multiplicação do v[rus nos insetos. A transmissão
daquele país, chamado Hashimoto, que em 1883 ocorre durante o processo de alimentação por meio de fluidos
associou a doença do nanismo do arroz ("rice dwarf regurgitados pelo inseto.
disease") com a abundância de cigarrinhas no campo. Há ainda vírus de plantas transmitidos por cochooilhas
Em 1893 esse mesmo agricultor confinou cigarrinhas (Coccoidea e Pseudococcoidea). Devido à baixa mobilidade desses
em plantas de arroz e descobriu a relação entre os insetos, a eficiência de disseminação do vírus é bem menor do que
insetos e a indução do nanismo nas plantas, fato esse
com os grupos de vetores abordados anterionnente. Um vírus de
grande importância econômica no continente africano rransmitido
confirmado experimentalmente dois anos mais tarde
por cochonilhas é o causador do intumescimento da haste do
por ele mesmo. Estudos posteriores indicaram que cacaueiro (Cocoa swollen shoat viras - CSSV), qne não ocorre
Hashimoto provavelmente trabalhou com a cigarrinha no Brasil. No país há relato do vírus da murcha do abacaxizeiro
Inazuma dorsalis, · que ficou reconhecido como o (Pineapp/e mealybug wilt associated vírus - PMWaV), família
primeiro inseto que " induziu" nma doença de vírus em Closteroviridae, gênero Ampelovirus, que é transmitido pela
planta. Foi ainda no Japão, em 1910, que o investigador cochonilha Dysmicoccus brevipes.
Hirotato Ando, do Departamento de Agronomia da
Faculdade de Agricultura, Universidade de Tóquio, 10.8.S. Tnmsmissi1o por Ácaros
criou Nephotettix cíncticeps em plantas doentes de Entre os ácaros vetores de vírus de plantas estão espécies
arroz e constatou que a segunda e terceira gerações das famílias Eriophyidae e Tenuipalpidae. Pouco se conhece
do inseto causaram infecções quando colocadas em sobre os mecanismos tle transmissão de vírus por esses
plantas sadias. Porém, foram os trabalhos do Professor artrópodes. Sabe-se que para o vírus do mosaico estriado do trigo
de Botânica Teikichi Fukushi, da Faculdade de (Wheat streak mosaic vírus - WSMV), transmitido por Aceria
Agricultora, Universidade de Hoklcaido, publicados (tulipae) toschiella, a aquisição e a transmissão podem ocorrer
em 1933, 1939 e 1940 que revelaram os detalhes da após 15 minutos de alimentação na planta. A retenção do vírus
interação do Rice dwarf virus (RDV) com J>!. cincticeps. no ácaro varia de l a IS dias. Menos ainda é conhecido para os
vírus transmitidos por ácaros do gênero Brevipalpus, da família
Ele demonstrou a multiplicação do vírus no inseto e
Tenuipalpidae, como os vírus da leprose dos citros (Citrus
a transmissão transovariana, Estabeleceu ainda os
leprosis virus - CiLV-C) e da pinta verde do maracujazeiro
tempos mínimos de alimentação do inseto para aqui-
(Passion fruit green spot virus - PFGSV), transmitidos por
sição e transmissão e o período de latência do vírus. B. yorrhesi (Figura 10.33E), conhecidos como tipo citoplasmático.
Na mesma época, no continente africano, o Dr. Harold Dados recentes sugerem que para o CiLV-C a relação vírus/vector
H. Store.y, no Instituto Je Pesquisa Agrícola da África seria do tipo persistente circulativa, enquanto que para o outro
do Leste em Arnani, África do Sul, constatou que entre grupo de virus transmitido por estes mesmos ácaros, referido
as cigarrinhas Cicadulina mbila havia uma raça capaz como nuclear, como o Orchidjfeck vírus (OFV), mancha clorótica
de transmitir o vírus da risca do milho (Maize streak do Clerodendrum (Clerodendn,m chlorotic spot virus - CICSV)
virus - MSV) e outra não. Identificou que a habilidade e mancha anular do cafeeiro (Coffee ringspot virus - CoRSV)
de transmissão era governada por um par de genes há indícios de replicação destes vírus nos tecidos do ácaro vetor
ligados ao sexo do macho. Através de experimentos Brevipalpus, sugerindo relação do tipo persistente propagativa.
com micro injeções, cuja técnica foi engenhosamente Para os vírus de planta transmitidos por ácaros Brevipa/pus
inventada pelo autor, para transferir fluidos de uma (VTB) há algumas informações recentes sobre suas relações
cigarrinha para outra, concluiu que a diferença entre com o ácaro vetor. De cerca de 200 espécies conhecidas de
essas raças residia na permeabilidade da parede do Brevipalpus (família Tenuipalpidae) apenas três eram tidas como
intestino do inseto. Nos insetos não transmissores, o vetoras, (B. californicus, B. obovatus e B. phoenicis). Recentes
vírus não era capaz de transpor a parede do intestino, alterações na taxonomia de uma delas, B. phoenicis sensu loto,
indicam que atuam como vetoras B. yothersi. B. papayensis além
entrar na hemolinfa, para então atingir a glândula
de 8. phoenicis sensu stricto. Há dois tipos distintos de VTB: o
salivar e permitir a transmissão para a planta durante
citoplasmático, do gênero Cilevirus, como os vírus da leprose C
a alimentação do inseto. As contribuições desses pio•
dos citros ( Citn,s lepros is vírus C - CiLV-C), vírus da pinta verde
neiros nos estudos de transmissão de vírus por insetos do maracujá (Passion fruit green spot vírus - PFGSV), leprose do
podem ser encontradas na integra na coleção "Phyto- ligustro (Ligustrum leprosis vírus - LigLV) e o tipo nuclear, do
pathologicaJ Classics~ intitulada "Viruses in vectors: gênero Dochorhavirus (família Rhabdoviridae) representado pelo
transovarial passage and retention': publicada pela vírus da mancha da orquídea (Orchidfleck vírus - OFV) e mais os
American Phytopathological Society, USA, 1986. vírus da mancha anular do café (Co.ffee ringspot viros - CoRSV),
mancha clorótica do Clerodendrum (Clerodendrum chlorotic

177
Manual de Fitopatologia

spot virus - CICSV) e leprose dos citros N (Citrus leprosis vírus dos citros (neste caso, pelo aspecto depauperado que a planta
N - CiLV-N). As evidências existentes indicam que os VTB-C infectada exibe), etc. Já o estabelecimento de uma classificação
seriam transmitidos de maneira persistente circulativa, enquanto taxonômica universal, que inclua os vírus que infectam todos os
os VTB-N replicariam no ácaro vetor. e portanto a relação seria seres vivos, tem sido uma tarefa mais di fiei! e que vem sendo
do tipo persistente circulativa propagativa. executada pelo International Committee on Taxonomy ofViruses
OCTV), criado em Moscou em 1966, durante o rx Congresso
10.8.6. Transmissão por Organismos Habitantes do Solo Internacional de Microbiologia. No sétimo relatório .do ICTV,
Os vetores de vírus que habitam o solo são nematoides, fungos publicado-em 2000, pela primeira vez formalizou-se o conceito
e protozoários (anteriormente identificados como fungos). Os de espécie para vírus, que foi assim definida "a virus species
nematoides que transmitem vírus pertencem à ordem Do,ylaimida, is a polythetic c/ass of vin,ses rhat constitute a replicating
famílias Trichodoridae (espécies dos gêneros Trichodorus e Para- lineage and occupy a particular ecological niche". Isto é, os
trichodorus) e longidoridae (espécies dos gêneros Lo11gidor1.1s, membros de uma classe virai são coletivamente definidoi; por
Xiphinema e Paralongidorus). Os vírus transmitidos por tricho- um conjunto consensuul de propriedades, tais como morfologia
doridae pertencem ao gênero Tobravirus, enquanto aqueles trans- das particulas, tipo de ácido nucleico, organização do genoma,
mitidos por longidoridae pertencem ao gênero Nepovirus. A fonna de replicação, propriedades sorológicas e biológicas, e ntre
relação vírus-vetor nesses casos é semelhante à relação do tipo outras. Assim sendo, todos os membros dessa classe possuem
semi-persistente envolvendo artrópodes. várias propriedades em comum, porém uma única propriedade
As espécies de protozoários vetores de vfrus pertencem não precisa necessariamente estar presente em todos os membros.
Portanto, não existe um único critério para identificar a espécie
à classe Phytomyxea (Plasmodiophoromycete.t) e aos gêneros
Polymyxa e Spongospora. Fungos vetores de virus pertencem do vírus. Para cada gênero há uma lista de propriedades que
indicarão se dois vírus são estirpes de uma espécie ou diferentes
ao Filo Chytridiomycota (espécies do gênero O/pidium). Esses
espécies. No Quadro lU. l são apresentados os critérios para
organismos são parasitos de raízes e produzem esporos assexuais
identificação de espécies de dois gêneros de vírus.
móveis denominados zoósporos, que estão diretamente envolvidos
no processo de transmissão dos vírus. O tipo de relação vírus-vetor é
baseado na maneira como o vírus é adquirido pelo microrganismo Quadro JO.J - Critérios para demarcação de espécies diferentes de
e na sua localização no interior dos esporos de resistência. No vírus dos gêneros l'ntyvirus e Orthotospovirus (nnte-
primeiro tipo, o vírus é adquirido por adsorção no zoósporo fora riormcntc gênero Tospovirus).
do tecido vegetal. Essa adsorção ocorre no solo, após as partículas
virais e os zoósporos serem liberados do sistema radicular Gênero Potyvirus: espécie tipo PotalO vírus Y - PVY
infectado decomposto. Depois de adsorvido externamente no 1. Genoma
zoósporo, o vírus é transferido para o seu interior durante a fase
de encistamento. A tnmsmíssão depende da habiridade de o vírus - Identidade da sequência de aminoácidos da proteína
aderir aos zoósporos e é altamente especifica. Esse modo de capsidial < 80%,
- Identidade da sequência de nucleotidcos do genoma
transmissão também é denominado transmissão in vitro ou não
completo < 76%,
persistente. No segundo tipo o vírus é adquirido pelos zoósporos
- Diferentes sítios de clivagem oa poliproteína.
e esporos de resistência no interior da planta infetada. Não há
evidência da multiplicação do vírus no vetor. A disseminação do 2. Gama de hospedeiros naturais
vírus ocorre com a liberação de novos zoósporos virulíferos. A - Gama de espécies de plantas hospedeiras pode estar
relação vírus-vetor é altamente especifica e ele pode permanecer relacionada com a espécie do vírus, porém nem sempre
infectivo no interior dos esporos de resistência por vários anos. ajuda na identificação. Pode ser útil para delimitar estirpes.
Esse modo de transmissão também é denominado transmissão 3. Patogenicidade e citopatologia
in vivo ou persistente. Os vírus transmitidos por protozoários - Diferença na morfologia das inclusões citoplasmáticas.
pertencem ao gênero Furovirus, enquanto que os transmitidos por - Ausência de proteção (cross protection),
fungos pertencem à família Tombusviridae. - Transmissão ou não pela semente,
Alguns casos de transmissão de vírus no solo podem não - Reação diferencial de alguma espécie vegetal pode ser útil.
envolver qualquer um desses organismos e ser meramente um
4. Modo de transmissão
processo de transmissão mecânica.
- Vetor primário diferente. Espécie do vetor niio é usada
10.9. NOMENCLATURA E CLASSIFICAÇÃO na identificação da .:spécie do vírus.
Desde o início da ciência da Virologia os virologistas têm 5. Propriedades antígênicas
procurado os sistemas mais adequados para a nomenclatura - Diferenças sorológicas.
e a classificação dos vírus. Quanto a nomenclatura, há várias
Gênero Orthotospovirus: espécie tipo Tom010 spotted wUr
décadas tem s ido bem aceito que o nome do vírus é composto
pelo nome da planta onde ele foi encontrado pela primeira vez, virus-TSWV
mais o tipo de sintoma que ele induz nessa hospedeira, ou seja, Especificidade do vetor.
o nome vulgar da doença, em muitos casos, denominação dada Gama de espécies de plantllS hospedeiras.
pelos produtores. Por exemplo, o vírus do mosaico do fumo Relação sorológica da proteína N.
foi descrito pela primeira vez em plantas de fwno (Nicoliana Sequência de aminoácidos do proteína N < 90%.
tabacum) causando sintomas de mosaico. O mesmo vale para os
vírus do mosaico do feijoeiro, do mosaico da alface, da tristeza Fonte: King et ai. (2012).

178
Vírus e Viroides

Nesse sétimo relatório estabeleceu-se também que o nome ssRNA (+)


comum do vírus na língua inglesa é considerado o nome cientifico
da espécie, numa analogia aos nomes científicos de seres vivos,
desde que a espécie virai seja reconhecida pelo ICTV. Assim,
no caso do vírus do mosaico do fumo a espécie é designada por
Tobacco mosaic vírus, cujo acrônímo é TMV. Todas as espécies
de vírus reconhecidas pelo ICTV são formalmente escritas em
talico, com a primeira letra da primeira palavra em maiúscula. O
-nesmo critério é usado na nomenclatura dos viroides, exceto que
,a formação do acrônimo acrescenta-se Vd no final. Por exemplo,
o acrõnimo do viroíde do tubérculo a.filado da batata (Porato 4
spindle ruber viroid) é PSTVd.
Jymovlrlda•
No relatório do LCVT de 2016, publicado on Iine {bttps://
ialk.ictvonlíne.org/), estão listadas 1369 espécies reconhecidas de
\ irus de plantas. A maioria dessas espécies está distribuída em
117 gêneros, espalhados em 23 famílias. Entre aquelas espécies,
-B ainda nllo estão estabelecidas em gêneros. No Brasil foram
dl'tectadas cerca de 200 'espécies de vírus reconhecidas pelo
ICTV e outras tantas, ainda aguardando sua inclusão na listagem.
Há ainda numerosos vírus aguardando melhor caracterização
Virr,av/rld• •
Furovfrus

- 1
Bl!nyvlrus

-➔
Secovlrldae

5-quivfn,s

• ...
Pomovlros
para serem incluídos em gêneros já conhecidos ou eventualmente W.lkavlrus
se criarem novos gêneros para os comportarem. A Figura 10.34 1 Tobrav,rus
ilustra as famílias e gêneros de vírus de plantas, com as respectivas
morfologias das partículas e os tipos de ácidos nucleícos. Os
\ troides estão classificados em oito gêneros, distribuídos em nuav1rus Luteovlrldae Ourmlav/n,s

••• • -
AJfamov,rui;
Bromovin,s Polemovirus
duas famílias. Há 32 espécies reconhecidas. No Brasil !oram llarvíros Cucumov/n,s Sobl!moviros
Oleav/n,s 1/drvtn,s
detectados até o momento cinco viroides que causam a exocorte Tombusvlrld••

e a xiloporose dos cítros, o nanismo do crisântemo, o Hop stunt


. 1roid em videira e em citros, e um viroide na ornamenta I Coleus.
Umbravlrus
.\té o momento, nenhuma das doenças causadas por viroides no
Brasil é de importância econômica. ../VVVVV\
Para se referir aos vírus de plantas cm publicações formais
;-m português sugere-se a recomendação fe.ita por A.S. Costa: na
primeira citação, referir ao nome do vírus em português (exceto ssl)NA dsDNA(RT)
quando a tradução do nome do vírus para o nosso idioma gere NanovJridN Caullmovlrid••
termos de difícil entendimento, por exemplo. T<Jmato bushy stunr Bo°'1VIN$ 6 f}«fk:ulas
NilnOv1ruJ: 8 paroculas
1·inis - TBSV. Plum pox virus - PPV), seguido entre parênteses
o nome do vírus em inglês e sua sigla. O nome em inglês deve
estar em itálíco quando é oficialmente reconhecido pelo ICTV.
Exemplos: vírus do mosaico severo do caupi (Cowpea severe
ssRNA(-)/(+/-)
,.,osaic vinis - CPSMV). vírus da faixa das nervuras do moran-
gueiro (StrawbenJ' vein banding vims- SVBV), etc.
..
8unya v/rldH Emarav;rus OphlovlrldH

Õb~ Õb~
Tenu/vin,s

10.10. VlROSES DE PLA TAS NO BRASIL


As dimensões continentais do país e a variabilidade da
~~
v~savlrus
,egetação (floresta tropical, cerrado, agreste nordestino, região
costeira, áreas subtropicais, etc.) e do clima do Brasil favorecem
a presença de um enorme contingente de vírus e seus respectivos
, etores. O clima em geral ameno e a existência constante de
. egetação oferecem oportunidades para a perpetuação dos vírus dsRNA
e a proliferação dos vetores. Some-se a isto as culturas de base p.,t1tiv/rnge Reovlrld•• ssRNA(RT)
Jenética homogênea em largas extensões e a irresponsabilidade na S«Jor.ovirinae

mro<lução de material vegetativo (sementes e partes vegetativas) ~ ovl rldae

,
Meta vlrldae

,em passarem por serviço de quarentena. Tudo isso faz com que
aos numerosos vírus nativos somem-se levas de vírus exógenos.
Isto se reflete na lista cada vez crescente de vírus presentes no
pais. Assim não é de se surpreender que já tenham sido registn1Jos
no Brasil um número significativo dos vírus de plantas até agora
~ o Spinareovlrinaa

Figura 10.34 - Principais familias c gêneros de vírus de plantas.


descritos no mundo. Fonte: Montoyd et ai. (2016); reproduzido com penníssão dos autores.

179
MimuaI de Fitopatologia

Segue-se uma pequena listagem de doenças de vírus de 10.11. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


plantas consideradas de importância econômica no Brasil, em Agrios, G.N. Plant Patbology. Elsevier Academic Press, New York, 2005.
adição àquelas já abordadas na introdução desse capítulo. Deve-se
Bos, L. Plant Viruses, Unique and Intriguing Pathogens. Backhuys
levar em conta que o valor de um dado vírus para uma cultura
Publishers Leiden, 1999.
pode ser temporário, pois as medidas de controle alteram as
pressões de seleção e não é raro o caso de uma virose importante Campbell, C.L. & Bruehl, G.W. Viruses in Vector: Transovarial Passage
desaparecer, dada a eficiência das medidas de controle utilizadas and Retention. Phytopathological Classics. St. Paul, APS Press, 1986.
(melhoramento genético da espécie vegetal, controle do vetor, Dijkstr31 J. & de Jager, C.P. Practical Plant Virology: Protocol and
métodos culturais, etc.), podendo ser logo a seguir substituída Kxercises. Springcr Lab Manual, 1998.
por outra, até então de importância marginal. Inversamente, vírus Fauquet, C.M.; Mayo, M.A.; ManiloJT, J.; Desselberger, V.; Bali, L.A. Vírus
tidos como sem importância atualmente podem causar perdas Taxonomy: Classification and Nomenclature of Viroses. Eighth
significativas no futuro. Report of lhe Intemational Committee on Taxonomy of Viruses. San
Necrose da haste da soja, causada por um isolado do vírus do Diego, Elsevier Academic Press, 2005.
mosqueado do caupi (Cowpeo mild mottle virus - CMMoV) trans- Foster, G.D. & Taylor, S.C. Plaut Virology Protocols ..: From Vlrus
mitido por aleyrodídeo. Causa perdas à cultura nos anos recentes. lsolation to Transgenic Rc.~istance. New Jersey, Humana Press, 1998.
Mosaico dourado do feijoeiro, que nos anos 1970 destruiu Hadidi, A.; Khetrupal, R.K.; K.ogan=wa, H. Plant Vlrus Dlsease Control.
quase toda produção do País, obrigando o maior produtor de St. Paul, APS Press, l 998.
feijão do mundo a importá-lo. Hoje o uso de variedades tolerantes
e zoneamento mantêm a virose sob controle. Hill, S.A. Methods in Plant Virology. Oxford, Olackwell Scicntilic
Publications, 1984.
Mosaico severo do caupi causado pelo Cawpea seve~ mosoic
virus - CPSMV causou perdas consideráveis na produção. Hoje se Hull, R. Malthews' Plant Virology. New York, Academic Press, 2002.
acha contornado pelo uso de cultivares resistentes. Hull, R. Plant Virology. New York, Acadcmic Press, 2014.
Tomateiro e pimentão: viroses como vira-cabeça Matthcws, R.E.F. Fundamentais of Plant Virology. New York,
(Orthotospovirus), mosaico Y (Pototo virus Y - PYY), diversos Acadcmic Press, 1992.
begomovírus têm sido responsáveis por perdas sazonais nestas Matthews, R.E.F. Plant Virology. New York, Academic Press, 1991.
culturas.
Medeiros, R.B., Resende, R.O., Carvalho, R.C.P., Dianese, E.C., Costa,
Batata: o vírus do enrolamento das folhas (Pototo leofroll C.L. & Sgro, J.Y. Virologia vegetal: conceitos, fundamentos,
virus - PLRV) obrigou o País a manter importação permanente classlficaçiio e controle. UnB, Brasília, DF.2015.
de batata-semente livres de vírus. Recentemente a introdução de
Mootoya, M.M. & Sánchez P.A.G. Principios de virologia molecular de
uma variante necrótica do PVY tem causado perdas.
plantas lropicalcs. Corpoica Editorial, Colômbia, 2016.
Um complexo de potyvirus, carlavirus e ~lexyvfrus foi
responsável por reduções na qualidade e quantidade da produção Noordam, D. ldentificatlon of Plant Viruses - Methods & Expcrimcuts.
de alho. Wageningen, Center for Agricultura! Puhlishing and Documenllltion,
1973.
Algodoeiro: até recentemente não havia problemas sérios,
mas a rápida expansão da cultura no Centro-Oeste, com plantio Samuel, G. Toe movement of tobacco mosaic virus within lhe plant.
de variedades importadas, sem resistência, resultou em perdas Anuais of Applied Biology 21: 90-111, 1934.
importantes causadas por isolados do vírus do mosaico das Scholthof, K.B.G.; Shaw, J.G.; Zaitlin, M. Tohacco mosaic virus -
nervuras, um putativo polerovírus. Cultivares resistentes mantêm One hundred years of contributions to virology. Saint Paul, APS
a virose sob controle. Press, 1999.
Semancilc, J.S. Viroids and Viroid-Jike Pathogens. Florida, CRC Press,
1987.

180
CAPÍTULO

11
FITOPLASMAS E ESPIROPLASMAS
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

11.l. Aspectos históricos .............................................. 181 11.5.2. Sintomatologia ......................................... 184


11.2. Taxonomia ............................................................ 182 11.6. Diagnose............................................................... 185
l 1.3. Morfologia e ultraestrutura................................. 182 11.7. Identificação e classificação ................................. 186
11.4. Importância como patógenos ............................. 182 11.8. Controle................................................................ 186
11.5. Interação patógeno-hospedeiro .......................... 184 11.9. Espiroplasmas ...................................................... 187
11.5.1. Transmissão.............................................. 184 11.10. Bibliografia consultada ...................................... 190

1.1. ASPECTOS HISTÓRICOS Em 1967, pesquisadores examinaram, ao microscópio ele-


trônico de transmissão. preparações ultrafi nas de tecidos originários

A
históría dos micoplasmas tem início com uma
doença de bovinos. a pleuropneumonia, conhecida de plantas de amora. batata, quiri e rainha-margarida portadoras
desde os anos 1700. Apesar do conhecimento da e não portadoras de "amarelos". No interior dos vasos de floema
<nça, seu agente etiológico foi estudado somente a partir 1898, das plantas sintomáticas foram visualizados consistentemente
...:-do denominado de Mycoplasma mycuiúes subsp. mycoides. corpúsculos celulares pleomórficos, oblongos e arredondados,
~ anos seguimes, outras espécies de vida livre e patogênicas
porém estas estruturas estavam ausentes nos vasos das plantas
nm identificadas dentro do gmpo dos micoplasmas, como os assintomáticas. Com base na semelhança morfológica, estes
~entes de várias doenças de caprinos, ovinos, suínos e aves, corpúsculos foram prontamente relacionados aos micoplasmas, os
~ de patógenos do homem. como, por exemplo, o agente de quais já haviam sido enconlrados nos animais e no homem. Estes
ana pneumonia atípica. resultados levaram à suspeita de que microrganismos similares aos
micoplasrnas estavam relacionados a estas doenças de plantas. Em
Em plantas, esses organismos foram descritos apenas na
-:.e-gunda metade do século 20. Várias doenças de plantas, conhecidas seguida à observação microscópica, plantas doentes foram tratadas
pelo nome genérico de "amarelos" ("yellows'·), foram relatadas com antibiótico à base de tetraciclina, que promoveu a remissão
e;de os primeiros anos de 1900. A primeira doença deste tipo foi dos sintomas e a eliminação temporária dos microrganismos ante-
~ :nada em 1902, com o nome de "Aster yellows". O gênero Aster
rionnente visualizados nos tecidos vegetais. As constatações
,'"T'!ence à família Asteraceae, apresentando uma variedade muito microscópicas e biológicas forneceram fortes evidências para a
pnde de espécies ornamentais. Em razão dos sintomas exibidos proposição de que os micoplasmas estavam associados às doenças
cie .l!> plantas doentes serem similares às viroses, inicialmente,
do tipo ··amarelos". Para diferenciar os micoplasmas já conhecidos
""amarelos" foram atribuídos aos vírus. Os "amarelos•· eram nos animais e no homem daqueles agora encontrados nas plantas.
:~1hmitidos por enxertia e por meio de insetos vetores, o que estes últimos foram designados de organismos semelhantes aos
..::,.tenta\a a hipótese de que a doença era de etiologia virai. Além micoplasmas ("Mycoplasroa-like organisms"), grafados como
~1->. não eram cultivados em meio Je cultura artificial e passa,am MLOs.
rlltros bacterianos. No entanto, era intrigante a ausência ou a A descoberta dos MLOs revelou a existência de mais um
... ,a frequência com que as partículas virais eram encontradas nos grupo de fitopatógenos e as diversas doenças conhecidas como
-" ,dos de plantas doentes. Assim, por longo tempo, a etiologia dos ··amarelos" passaram a ser revisadas, visando demonstrnr a sua
-1'1arelos" permaneceu indefinida. associação com estes procariotos. Em pouco tempo, centenas

181
Manual de Fitopatologia

de doenças em diversas partes do mundo foram associadas


aos MLOs. Na década de 1990, os MLOs passaram a ser
denominados fitoplasmas pelo Subcomitê de Taxonomia de
Mollicutes, pertencente ao Comüê Internacional de Sistemática
Bacteriológica. Fitoplasma é um tenuo trivial que, apesar de
aceito e consagrado pela comunidade científica internacional,
não corresponde a um táxon. Atualmente, os fitoplasmas são
reconhecidos como importantes agentes de doenças que ocorrem
em grande diversidade de espécies botânicas cultivadas, daninhas
e silvestres distribuídas no mundo todo.

11.2. TAXONOMIA
Os fitoplasmas são classificados dentro do Domínio Bacteria,
filo Tcnericutes, Classe Mollicutes, Ordem Acholeplasmatales,
Família Acholeplasmataceae e Gênero 'Candidatus Phytoplasma' .
A nomenclatura binomial latina ao nível de gênero e
espécie, a qual é aceit_a para os seres vivos, não se aplica aos
fitoplasmas. A denominação de espécie requer a descrição das
características fenotípicas do microrganismo quando isolado em
cultura pura e os fitoplasmas não atendem a este requisito por
serem muito fastidiosos. Por esta razão. a categoria Candida111s
tem sido estabelecida no sistema provisório de classificação
desses organismos, sem.lo arbitrariamente definida com base na
análise das sequências de bases nucleotídicas do gene16S rRNA.
A designação de Candidatus ao nível de espécie é considerada,
portanto, como uma unidade taxonômica temporária.
Inicialmente, logo após sua descoberta, a identificação e
classificação dos fitoplasmas foram baseadas em características
biológicas como tipo de sintoma, gama de hospedeiros vegetais
e especificidade na transmissão por vetores. No entanto, com
o progresso dos estudos foi verificado que estes critérios não Figura 11.1 - Corpúsculos pleomórficos de fitoplasma no lúmen de
eram adequados. pois ocorriam sobreposições entre .as carac- floema de hibisco {A) e berinjela (8).
terísticas, não permitindo uma distinção clara entre os diversos Crédito das fotos: Nelson S. Massola Junior.
fitoplasmas.
A aplicação das modernas técnicas moleculares permitiu distinguem das células das demais bactérias fitopatogênicas por
ampliar o conhecimento sobre a diversidade genética exístellle serem bem menores, com tamanho variável de 200 a 800 nm.
entre os fitoplasmas, o que resultou no enfoque molecular para O cromossomo também é muito pequeno, estando limitado entre
a identificação e classificação destes procariotos. As variações 680 e 1.600 kb. Os fitoplasmas, juntamente com outros membros
encontradas nas sequências de nucleotídeos presentes em genes da classe Mollicutes, são considerados corno os limiares dos
conservados como l 6S rRNA, tufou Sec têm fornecido evidências organismos celulares, devido à reduzida dimensão e simplicidade
para o estabelecimento de distinção entre os fitoplasmas. O gene estrutural de suas células. Em tennos evolutivos, os fitoplasmas
16S rRNA tem sido o mais utilizado para a classificação e a são descendentes de bactérias que apresentam parede celular,
aplicação das técnicas de PCR-RFLP e/ou de sequenciamento sendo filogenetícamente relacionados com bactérias Gram-posi-
têm permitido detenninar relações genéticas entre os diversos tivas pertencentes aos gêneros Bacillus e Closrridium. Em razão
fitoplasmas e separá-los em grupos e subgrupos. Os grupos são da redução do genoma, diversas rotas metabólicas foram perdidas
representados por algarismos romanos e os subgrupos, por letras. e, por consequência. os compostos necessários para seu desen-
Para cada grupo, um determinado fitoplasma é designado como volvimento passaram a ser obtidos de plantas e insetos por meio
referência ou padrão. de parasitismo.
A reprodução de fitoplasmas em meio de cultura ainda
11.3. MORFOLOGIA E ULTRAESTRUTURA não se mostrou viável e o deseovolvimento destes procariotos
Os fitoplasmas são procaríotos, sem parede celular, sendo está restrito a ambientes isotônicos como floema e hemolinfa. A
a célula circundada somente por uma membrana plasmática. fissão celular parece ser o processo mais comum de reprodução,
A ansência de parede confere um alto grau de pkomorfismo à entretanto, o brotamento ou gemulação também têm sido frequen-
célula e quando visualizados no interior do ffoema os fitoplasmas temente observados nos corpúsculos encontrados nos tecidos dos
se apresentam como corpúsculos arredondados, elípticos, cla- hospedeiros.
vados ou alongados (figura 11 .1). Ao microscópio eletrônico.
o citoplasma apresenta aspecto granular, sendo os diminutos 11.4. JMPORTÂNCIA COMO PATÓGENOS
grânulos correspondentes aos ribossomos. A célula apresenta Os primeiros relatos de doenças do tipo "amarelos" Jatam
uma área central onde são encontradas estruturas filamentosas do início dos anos de 1900. Desde aquela época. várias doenças
representando o material genético. As células dos fitoplasmas se deste grupo foram descritas e sua importância econômica tem sido

182
Fitoplasmas e Espiroplasmas

-~ nhecida em diversas espec1es cultivadas, compreendendo


Boxe 11 .1 A associação de fitoplasma com a síndrome
• .i-ius alimentícias, florestais e ornamentais. Algumas doenças
do amarelecimento foliar da cana-de-açúcar
· •maram famosas por provocarem danos expressivos, tendo
consideradas, inclusive, como fatores limitantes para a sobre-
6ic1a e produção destas diversas espécies. Como exern- A síndrome do amarelecimento foliar da cana-de-
açúcar (Figura 11.2), também conhecida por "ama-
dássicos de doenças economicamente importantes podem
relinho': é considerada uma das mais importantes para
.::- .:itados o amarelecimento letal do coqueiro, o enfezamento
a cultu.ta. O primeiro relato da doença no Brasil foi
=elho do milho, o amarelecimento ou declínio do cinamomo
feito em 1989, mas começou a se expressar como um
superbrotamento da batata, que provocam impacto em países
problema sério a partir do início da década de 1990. No
_ .\mérica Central e do Sul; o superbrotamento do quiri. o
Estado de São Paulo, cultivos comerciais conduzidos
~ismo amarelo do arroz e o superbrotamento da batata-doce com a variedade SP71-6163 apresentaram perdas de
~asáveis por reduzir severamente a produção destas culturas até 50% na produção. A doença já era conhecida em
~ di, ersas regiões da Ásia; o superbrotamento do citros no outros países, porém não havia um consenso sobre
rente Médio; os amarelos da videira e o superbrotamento da a natureza do agente causal, tanto no Brasil como no
tmata-doce na Austrália, causando prejuízos relevantes; o super- exterior. Alguns trabalhos atribuíam a ocorrência da
sucamento do olmo, os amarelos do pessegueiro e da ameixeira, doença a fatores abióticos relacionados às condições
a ifavescência dourada e os amarelos da videira, o declínio da de solo e clima, enquanto outros demonstravam a
~ira e a proliferação de ramos em macieira. que causam perdas associação da doença com agentes bióticos envolvendo
gruficativas na Europa e América do Norte. vírus e fitoplasmas. Em pesquisas conduzidas com
No Brasil, algumas doenças associadas aos fitoplasmas material coletado no Brasil, na década de 1990 e nos
::i.:-recem destaque como o enfezamento do milho. que se tornou anos seguintes, foi revelado que um vírus estava consis-
..,.. '-lema sério a partir da dicada de 1980, com a introdução tentemente associado à síndrome. Pesquisas reali1.adas
plantio de safrioha; o enfezamento do repolho, couve-flor e posteriormente, contudo, evidenciaram que um fito-
':'tOColis, que tem ocorrido com altas incidências, provocando o plasma também estava presente em plantas sintomáticas
-1.111dono do cultivo destas brássicas em tradicionais áreas de naturalmente infectadas. A variedade SP71-6163 chegou
:-..inuo; a síndrome do amarelecimento foliar da cana-de-açúcar, a ocupar 525.000 ha de área plantada com cana-de-
~..ociada a um complexo formado por um vírus e um litoplasma, a açúcar no Estado de São Paulo e por ser altamente
"!-~ai trouxe prejuízos significatívos em passado recente e continua suscetível à síndrome do amarelecimento foliar foi
1erecendo riscos à cultura (Boxe 11 . l ); o superbrotamenlo da gradativamente sendo substituída por yaricdades
-:..indioca, que está disseminado de fonna generalizada no país, mais resistentes. No entanto, a preocupação com a
:-r1ncipalmente na região nordeste onde provoca perdas rel.e- doença tem se mantido ao longo do tempo, tanto que
.!.!ltes no rendimento da cultura; o superbrotamento do maracu- os programas de melhoramento genético e o serviço
de "roguing" em viveiros têm se mantido alertas em
ueiro, que tem produzido surtos frequentes em dívcrsas regiões
relação ao possível ressurgimento do problema. A
....-odutoras; o declínio do cinamomo, que causa morte de um
síndrome do amardecimento foliar é reconhecida
~nde mímero de árvores utilizadas em projetos urbanísticos,
como uma doença de etiologia complexa que envolve
, ira-cabeça do mamoeiro, presente em plantios comerciais
patógenos distintos, ou seja, um vírus e um fitoplasma.
e que tem sido objeto de preocupação constante por parte dos
Hoje a doença é endêmica no Estado de São Paulo e
Nodutores, sendo controlado pela erradicação de plantas doentes;
potencialmente importante para a cultura, ta1tto que
,uperbrotamento do hibisco, que tem chamado a atenção por reduções de 30% na produção foram constatadas em
oi!\ ar ao declínio e morte as plantas utilizadas para ornamentação
parcelas com plantas doentes em relação a parcelas
mi logradouros públicos. Além destes destaques, outras doenças
com plantas assintomáticas.
.btl sido registradas em plantas cultivadas como citros, videira,
--:iorangueiro, chuchuzeiro, pimenteira, aboboreira, tomateiro,
"'-'rinjela, crotalária, primavera, begônia e plantas daninhas ou
, estres. entre elas caruru, buva, picão-preto, serralha, erva-de-
.,to, juá-de-capote, assa-peixe, melão-de-São Caetano.
A maior ou menor importância das doenças associadas
...:,s fitoplasmas está relacionada com diversas variáveis como
grau ele resistênciii ou tolerànciii do hospedeiro. o nível de
~,?ressividade do patógeno. a intensidade de ocorrência e a efi-
~1enc1a de vetores e as condições de ambiente. Por esta razão,
:11,gumas doenças provocam danos de proporções alarmantes,
enquanto outras causam perdas não relevante~. Além disto, de
!cordo com as variáveis ciladas, a importância de uma deter-
11nada doença pode estar restrita a uma região ou se estender,
abrangendo grandes áreas. Os fitoplasmas são encontrados cm Figura 11.l - Sintomas tle síndrome do amarelecimento foliar
"ú<los os locais onde se pratica a agriculmra comercial e estão da cana-de-açúcar.
. mplamente distribuídos nas áreas de clima tropical, subtropical
.: temperado.

183
Manual de Fitopatologia

11.5. INTERAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO no floema de planta sadia. A transmissão envolve as etapas de


O ciclo da relação hospedeiro-patógeno, para fins didáticos, aquisição, período de alimentação do inseto na planta doente
pode ser dividido em etapas, as quais envolvem a sobrevivência e necessário para a aquisição do patógeno; incubação, período
de tempo compreendido entre a aquisição e a transmissão do
disseminação do agente de doença, sua penetração e colonização
patógeno pelo inseto; e inoculação, período de alimentação do
dos tecidos do hospedeiro, e, finalmente, a reprodução das
inseto na planta sadia necessário à introdução do patógeno em
estruturas do patógeno que reiniciarão um novo ciclo.
seu floema.
Por serem parasitas biotróficos ou obrigatórios, a sobre-
Exr.,erimentalmente, para fins de pesquisa, os fitoplasmas
vivência de fitoplasmas somente é viável em hospedeiros vivos.
têm sido transmitidos por vetores infectivos, por meio de enxer-
Nas plantas, os fitoplasmas habitam os vasos de floema e podem
tia e por plantas parasitas pertencentes ao gênero Cuscuta.
sobreviver no hospedeiro principal, representado pelas plantas da
Quando se conhece a espécie vetara de nm determinado fitoplasma,
cultura de interesse, e em hospedeiros alternativos, representados
uma população infectiva do inseto pode ser criada, a panir da
por espécies cultivadas. daninhas ou silvestres. Nos insetos, os
alimentação dos indivíduos em plantaS portadoras deste fitoplasma
fitoplasmas podem ser encontrados na hemolinfa e em diversas
de interesse. Uma vez adquirido o fitoplasma, os insetos podem
partes do corpo, como sistema digestivo, tecido muscular e glân-
ser transferidos para plantas sadias para que ocorra a transmissão.
dula salivar.
O emprego de enxertia visa colocar tecidos coletados de plantas
A disseminação natural se processa através de insetos veto- infectadas em contato com tecidos de plantas sadias, de tal forma
res, destacando-se aqi1eles do grupo das cigarrinhas e algumas que, através da união dos vasos de floema, o fitoplasma passe
espécies de psilídeos. O transporte de material propagativo do do hospedeiro doente para o sadio. Plantas de várias espécies
hospedeiro como estacas, tubérculos, bulbos e gemas, estas usa- do gênero Cuscuta, que retiram nutrientes do floema da planta
das para a produção de mudas, é um dos mais eficientes meios de parasitada, podem transmitir fitoplasmas quando seus filamentos
disseminação de fitoplasmas. Neste caso, o homem tem um papel são estabelecidos em planta fonte do patógeno e posteriormente
relevante e as facilidades atuais de transporte favorecem a distri- em hospedeiro sadio. A cuscuta desempenha o papel de uma ponte
buição dos fitoplasmas a curuls e longas distâncias. As sementes biológica. permitindo a transferência do fitoplasma da planta
são raramente referidas como meio de disseminação, porém exis- doente para a planta sadia.
tem relatos de alguns fitoplasmas veiculados por estes órgãos de
propagação. 11.5.2. Sintomatologia
A colonização tem inicio com a introdução do patógcno Os sintomas induzidos por fitoplasmas são bastante variá-
na planta, feita por um vetor, enquanto a multiplicação do veis. Na maioria das vezes, as plantas doentes não exibem um
fitoplasma se processa simultaneamente, resultando no aumento sintoma isolado, mas um conjunto de sintomas. Alguns dos
da concentração das suas estruturas nos tecidos do hospedeiro. sintomas que se expressam com maior frequência são: clorose,
Em condições naturais, o vetor insere o patógeno diretamente nos supcrbrotamento de ramos e eufezamento ou nanismo da planta
vasos de floema, onde o fitoplasma passa a se multiplicar e a (Figuras L1.3 a L1.5). No entanto, outros. como a filodia e a
se translocar para outras panes da planta (veja Figura 4.29 no virescência, são quase que exclusivamente induzidos por fito-
Capítulo 4). Embora a infecção seja sistêmica, pois o fitoplasma plasmas.
é conduzido juntamente com a seiva de floema, nem sempre a
A clorose é um dos sintomas mais comuns, sendo mani-
sua distribuição na planta é uniforme. Como consequência, os festada nas folhas pela menor intensidade da cor verde normal.
sintomas podem se manifestar em determinada parte do hospedeiro, Esta alteração pode variar de leve a muito intensa, a ponto de
enquanto a outra parte se apresenta assintomática. Além disto, a tomar o órgão amarelado. O termo "amarelos", empregado para
concentração do fitoplasma nos diferentes tecidos vegetais pode designar as doenças causadas por fitoplasmas, resulta justamente
ser variável, depemlendo do órgão da planta e das fases do ciclo da presença frequente de clorose nas plantas portadoras destes
vital do hospedeiro. patógenos. O superbrotamento de pequenos ramos se origina pelo
Os mecanismos de patogenicidade envolvidos na relação estímulo no desenvolvimento de gemas incitado pelo füoplasma e
planta-fitoplasmas ainda são pouco conhecidos. porém com base caracteriza o sintoma conhecido por vassoura-de-bruxa. O enfe-
nos tipos de sintomas exibidos pelos hospedeiros existem fortes zamento ou nanismo se expressa pela redução no tamanho de
evidências da ocorrência de distúrbios hormonais. Assim, os ramos, colmos, folhas, flores, inflorescências, frutos e do dossel
sintomas mais frequentemente observados em plantas infectadas. da planta. O avermelhamento dos bordos ou da lâmina foliar
tais como enfezamento e superbrotamento de ramos são creditados também é um sintoma que pode levar à suspeita da presença de
às alterações no balanço de hormônios. fitoplasmas na planta. O declínio, presente com maior frequência
em plantas lenhosas, é caracterizado pelo definhamento gradual
11.5.1. Transmissão da planta, normalmente seguido de mone. O escurecimento dos
As ciganinhas, principalmente as espécies pertenceutes à vasos de floema pode evidenciar a ocorrência de fitoplasmas,
família Cicadellidae, são as principais responsáveis pela trans- sendo a descoloração inicialmente amarelada, porém tomando-se
missão de fitoplasmas nas condições naturais. Além deste tipo negra com o desenvolvimento da doença; em seções transversais
de inseto, algumas espécies de psilídeos também transmitem de hastes este sintoma pode ser observado como um anel
estes agentes de doença. A relação entre vetor e litoplasmas é escurecido. A virescência é identificada pela presença da cor
do tipo persistente, na qual o patógeno, uma vez adquirido pelo verde em órgãos originalmente não clorofilados, especialmente
vetor, passa a ser transmitido durante toda a vida do inseto. O as pétalas. A filodia se manifesta pt:lo desenvolvimento de folhas
vetor adquire o patógeno ao sugar a seiva do vaso de floema de em lugar de órgãos florais, aparecendo, geralmente, folhas onde
uma planta infectada e o transmite quando busca seu alimento deveriam se desenvolver as pétalas.

184
Fitoplasmas e Espiroplasmas

Assim como para outros patógenos, os sintomas são


as evidências que levam à suspeita de infecção da planta por
fitoplasmas e, por esta razão, são usados na diagnose dessas
doenças. No entanto, não são raros os casos de infecção latente,
nos quais as plantas portadoras de fitoplasmas se apresentam
assintomáticas. Hospedeiros alternativos tolerantes têm papel
importante na epidemiologia da doença, pois podem atuar como
reservatóri~ para patógenos e fonte de inóculo para as plantas
da cultura.

11.6. DIAGNOSE
A diagnose tem por objetivo a identificação da doença
presente num hospedeiro. Assim como para as demais doenças,
o reconhecimento de doenças associadas aos fitoplasmas ·é feito
com base na sintomatologia expressa pela planta suspeita de
infecção e na detecção deste patógeno nos tecidos do hospedeiro.
A diagnose baseada nos sintomas deve ser confirmada pela
detecção consistente do fitoplasma, pois os sintomas decorrentes
J"",eura 11.3 - Subdesenvolvimento causado por fitoplasma em plan- da infecção por este agente podem ser similares àqueles causados
tas de vinca. Planta sadia à esquerda. por agentes de natureza biótica e abiótica, especialmente vírus,
desequilíbrios nutricionais e efeito de herbicidas.
O aparecimento de sintomas chama, inicialmente, a atenção
do observador, levando à suspeita de infecção da planta pelo
patógeno. O conhecimento prévio dos típos de sintomas mais
comumente associados aos fitoplasmas pode contribuir para o
sucesso da diagnose. O passo seguinte é encontrar na líteratura se
esta anomalia foi anteriormente relatada e comparar os sintomas
presentes na planta suspeita com aqueles descrítos para esta
espécie vegetal. Como referências são usadas diversas biblio-
grafias, como livros, compêndios e manuais ou guias de campo.
Se os sintomas forem similares, busca-se demonstrar a associação
entre fitoplasmas e a doença, através da detecção do patógeno na
planta.
A presença de fitoplasmas pode ser evidenciada pela
detecção direta através da observação de cortes ultrafinos de tecidos
vegetais em microscópio eletrônico de transmissão ou de forma
indírcta via aplicação da técnica molecular de reação em cadeia
da polimerase (PCR), pois o isolamento destes microrganismos é
n~ura 11.4 - Superbrotamento em planta de Solidago sp. praticamente inviável. Para doenças já descritas, a comprovação
Crédito da foto: Elliot W. Kit.ajima. da associação constante entre plantas sintomáticas e a ocorrência
de fitoplasmas nos seus tecidos tem sido considerada como
suficiente para demonstrar que uma determinada doença está
sendo causada por aquele agente patogênico.
A detecção direta consiste na observação de corpúsculos
pleomórficos, oblongos ou arredondados, de diâmetro variável
entre 200-800 nm, correspondentes às células de fitoplasmas que
se desenvolvem no interior do floema. Alguns fatores podem
dificultar ou mesmo limitar a detecção de fitoplasmas através de
microscopia eletrônica, como a falta de uniformidade na distri-
buição dos fitoplasmas no hospedeiro, o pequeno tamanho das
amostras vegetais usadas nas preparações u!trafinas e a baixa
concentração destes agentes nos tecidos vegetais. Na diagnose
rotineira, a metodologia molecular tem sido mais comum por ser
mais prática, sensível e rápida. O desenvolvimento de "primers"
específicos para a detecção de fitoplasmas e o aperfeiçoamento ela
técnica de PCR aumentou a eficiência deste método para confümar
a diagnose baseada nos sintomas. Os procedimentos compreendem
a extração do DNA total da planta suspeita de infecção e seu uso
n~ura 11.5 - Clorose em árvore de cinamomo (Me/ia azedarach). nas reações de PCR, visando amplificar um determinado fragmento
Crédito da foto: Elliot W. Kitajima. genômico alvo do fitoplasma. Geralmente, o fragmento visado é o

185
Manual de Fitopatologia

gene 16S rRNA ou um fragmento compreendido pelo 16S rRNA As bases nucleotídicas componentes do gene 16S rRNA
e parte da região espaçadora localizada entre este gene e o 23S podem ser reveladas pelo uso da técnica conhecida por sequen•
rRNA. Apesar da alia sensibilidade do método de PCR, a presença cíamento. Atualmente, com o desenvolvimento de metodologias
de substâncias in.ibidoras da amplificação presentes nos tecidos apropriadas e de equipamentos eficientes, o sequenciamento de
vegetais pode comprometer a eficiência do método para fins de bases se tomou um procedimento rotineiro e de grande utilidade
detecção. no estudo dos fitoplasmas. Uma vez determinada a sequência
Quando a doença ainda não foi relatada. além da associação nucleotídica do fitoplasma em estudo, esta pode ser usada tanto
constante, outras evidências devem ser cons,ideradas para para an~ses filogenéticas como para análises virtuais de RFLP.
demonstrar que o fitoplasma está associado àquela doença. O conduzidas com o emprego de programas especiais para compu-
postulado de Koch não pode ser plenamente satisfeito, pois o tadores. Estas análises pennitem relacionar o grau de similaridade
isolamento e re-isolamento de fitoplasmas para meio de cultura genética existente entre o .fitoplasma identificado e os demais
são impraticáveis. No entanto, a patogenicidade dlos fitoplasmas fitoplasmas conhecidos, cujas sequências nucleotídicas se encon-
pode ser demonstrada através de algumas evidênc:ias como: pre- tram depositadas nos chamados bancos de genes. Além do estabe-
sença constante de fitoplasmas nos tecidos da planta doente e sua lecimento do grau de similaridade genética entre 6toplasmas, ambas
ausência na planta sadia; planta sadia sabmetida a uma população as análises podem contribuir para a classificação de fitoplasmas
de vetor infectivo se toma doente; enxertia de parte de planta em grupos e subgrupos.
doente em planta sadia resulta em planta doente; a aplicação de Apesar do esquema da classificação em grupos ser simples.
antibiótico em planta çloente promove a remissão de sintomas e, confiável e prático, existe uma proposta para que os fitop\asmas
ao mesmo tempo, a eliminação temporária do füoplasma. sejam classificados ao nível taxonômico de gênero e espécie. Os
critérios utilizados oficialmente para classificar um microrganismo
11.7. IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
ao nível de espécie requerem a sua caracterização morfológica e
A identificação molecular é o fundamento para a classi- fisiológica em culmra pura. No entanto, pelo fato do cultivo dos
ficação dos fitoplasmas. Atualmente, o esquema mais aceito para fitoplasmas ainda ser praticamente inviável, um sistema provisório
a classificação é aquele que organiza os distintos fitoplasrnas em de classificação tem sido adotado, no qual o táxon correspondente
grupos e subgrupos, pois estes microrganismos nã.o obedecem às à espécie permanece na condição de "Candidatus".
exigências para sua classificação ao nível de gêneiro e espécie. A
identificação permite também a obtenção de infonnações rela- 11.8. CONTROLE
cionadas à epidemiologia da doença, evidenciando se a planta é Medidas preventivas visando impedir a entrada do
portadora de um único ou de distintos fitoplasma.s, revelando a patógeno em áreas de planLio têm um papel importante no
distribuição e frequência de ocorrência de detenninados fitoplas- controle de doenças associadas aos fitoplasmas. Em um nível
mas, determinando a gama de hospedeiros altematiivos e, mesmo, mais amplo, os serviços de inspeção de material vegetal poderão
possibilitando estudos sobre a interação patógc1t10-hospedeiro- contribuir para impedir a introdução de um fitoplasma ainda não
vetor. Além disto, a identificação molecular pennite conhecer a existente no pais ou numa região. De fonna mais restrita, estas
diversidade genética e estabelecer relações filogenéticas entre fito- medidas preventivas poderão ser exercidas com maior rigor ao
plasmas. nível de propriedade agrícola. através do uso de material vegetal
A identificação é feita principalmente com base na sequência sadio. É recomendável o uso de tubérculos e bulbos livres do
de nucleotídeos do gene 16S rRNA, sendo conduzida através da patógeno, evitando a ocorrência de plantas doentes que poderão
análise de RFLP (Restrietion Fragment Length Polymorfism) e se originar destes órgãos de reprodução vegetativa. As mudas
do sequenciamento deste fragmento genômico. A aplicação de também deverão ter boa qualidade fitossanitária, pois quando
PCR com o emprego de primers específicos para determinados infectadas poderão ser responsáveis pela instalação da doença já
grupos de fitoplasmas é de uso mais restrito, porém útil em na implantação de um pomar. Como as mudas são geralmente
alguns casos. A análise de RFLP envolve a digestão enzimática produzidas por enxertia. é importante que o pona-enxerto e o
dos fragmentos genômicos correspondentes ao l 6S rRNA pela enxerto sejam provenientes de matrizes sadias. As sementes
atuação das endonucleases ou enzimas de restriçà.o. A clivagem praticamente não transmitem fitoplasmas, no entanto as mudas
do fragmento genômico em determinados ponLos da sequência obtidas a panir de sementes devem ser produzidas em ambientes
nucleotídica, característicos para cada tipo de enzima de protegidos de insetos, pois as plantas infectadas nos primeiros
restrição, gera distintos fragmentos menores. Estes fragmentos estádios de desenvolvimento poderão expressar sintomas somente
são separados por eletroforese em uma matriz de poliacrilamida, após o seu estabelecimento no campo.
originando conjuntos de bandas conhecidos como padrões de O plantio de variedades resistentes ou tolerantes, quando
restrição ou perfis elctroforéticos, os quais são típicos para cada disponíveis, é a medida de controle mais eficiente, visando mini-
uma das endonucleases. Quando estes padrões ou perfis são mizar os danos causados pelas doenças associadas aos fitoplas-
analisados em conjunto e comparados com aquieles relatados mas. A identificação de genes que condicionam resistência a
para outros fitoplasmas é possível classificar o fitoplasma em este Lipo de do.:nça e a sua introdução cm espécies de interesse
estudo em algum dos grupos ou subgrupos estabelecidos. Para econômico têm sido pouco ex.pioradas, o que tem dificultado a
cada um dos grupos existentes foi detenninado ,um fitoplasma obtenção de variedades geneticameme melhoradas. Em alguns
como representante típico, o qual serve como referência para o casos específicos, no entanto, programas de melhoramento logra-
grupo. Quando os padrões revelados pelo füoplasma analisado ram sucesso na seleção de genótipos com grau desejável de resis-
são distintos daqueles previamente estabelecidos, este fitoplasma tência ou de tolerância.
pode ser indicado como um representante de um novo grupo ou Uma vez que a doença tenha sido constatada no campo,
subgrupo. é recomendável a erradicação das plantas doentes, quando essa

186
Fitoplasmas e Espiroplasmas

:-;;.:1ca for viável. Em cultivos extensivos de espécies anuais Os espiroplasmas são descritos como procariotos, sem parede
erradicação é impraticável, porém para pequenas culturas e celular e de forma espiralada (Figura 11.6). São microrganismos
'lira espécies perenes, a identificação e eliminação de plantas c.Jassificados dentro do Domínio Bacteria, Filo Tenericutes, Classe
":!1omáticas podem contribuir para evitar a disseminação da Mo!licutes, Ordem Entornoplasmatales, Família Spiroplasmataceae
.l..,cnça na área. Inspeções periódicas e cuidadosas de pomares e Gênero Spiroplasma. Os filamentos helicoidais são variáveis
:-:>dem reduzir drasticamente os danos causados pela doença. de 2-5 µm de comprimento por O, 15-0,20 µm de diâmetro. A
E._qa prática pode ser dirigida também para espécies silvestres célula apresenta membrana trilaminar e citoplasma contendo grâ-
daninhas presentes no interior da cultura ou nas suas nulos e filamentos, os quais são interpretados como estruturas
"".:>x1midades, impedindo que elas favoreçam a sobrevivência do representativas de ribossomos e material genético de DNA
Jlll!Ógeno e venham a atuar como fonte de inóculo. densamente compactado, respectivamente. A fonna helicoidal é
uma característica intrigante que não tem explicação científica
A proteção química do hospedeiro contra o ataque do
conclusiva, uma vez que a parede celular é responsável pela fonna
:'\!!Dgeoo ou a recuperação da planta doente pode ser exercida
das células e estes procaríotos não possuem esta estrutura. O
"' uso de antibiótico do grupo das tetraciclinas. Esta medida de
desenvolvimento em meio de cultura exige a presença de colesterol
- arrole, porém, apresenta sérias restrições relacionadas à eficiência
e as colônias são diminutas e de crescimento lento, apresentando
- controle, ao custo do tratamento, aos riscos que pode trazer à
aspecto granular e bordo difuso ou centro escuro e bordo claro,
~-de humana e ao desequilíbrio que pode provocar no ambiente.
assemelhadas a um ovo frito. As típicas células espiraladas, quando
-:,,~r estas razões, a aplicação de antibiótico visando o controle
observadas ao microscópio de luz com campo escuro, exibem um
• doenças causadas por fitoplasmas não tem sido recomendável,
intenso movimento de flexão ao longo do filamento helicoidal, um
-u prática, para a maioria das culturas. Especificamente para
movimento de rotação em relação ao eixo deste filamento e um
a.gumas espécies perenes, ornamentais ou frutíferas, o tratamento
movimento adicional de translação, quando em meio semi-sólido
-.wmico com tetraciclina pode promover o controle temporário ou meio líquido de alta viscosidade. No entanto, ressalta-se que
à: doenças associadas aos fitoplasmas. Nestes casos, um orifício além das células helicoidais descritas, estruturas celulares de formas
e aberto e o antibiótico é injetado, sob pressão, no tronco das diversas podem surgir durante as diferentes fases da reprodução .
.,. ores; no entanto, como o seu efeito não é duradouro, o produto
~ erá ser aplicado periodicamente para manter a boa condição
~ ;,midade da planta.

A aplicação de inseticidas visando o controle de insetos


• -ores pode ser recomendada, desde que s~ja economicamente
..a\el. O tratamento poderá fornecer melhores resultados se for
E3lizado nos primeiros estádios de desenvolvimento das plantas,
:x :s quanto mais precocemente ocorrer a infecçãq, maiores ,
.:rào os danos causados pela doença. Além disto, a aplicação. do
..... duto no início de desenvolvimento da cultura poderá ser mais
e:ic1ente por promover a redução da população inicial de insetos,
1'Sllltando ua diminuição da disseminação do patógeno entre as
- 1ntas.

11.9. ESPIROPLASMAS
Logo após a descoberta dos fitoplasmas, plantas de milho
~ rtadoras de urna doença conhecida como enfezamento foram
~inadas na tentativa de demonstrar sua associação com estes
:r.x:ariotos recém encontrados em plantas. O enfezamento do
11!.!Iho já era couhecido desde a década de 1940, sendo atribuído
- duas estirpes de um mesmo vírus. Acreditava-se que uma das
:snrpes causasse o enfezamento vennelho e que a outra fosse
.:igente do enfezamento pálido. Em 1968, foi relatado que um
"ioplasma estava associado ao enfezamento vermelho, com base
~ estudos conduzidos ao microscópio eletrônico. No entanto,
início dos anos setenta, a observação de extratos vegetais
-:i microscópio de luz com contraste de fase revelou que um
grocarioto de morfologia helicoidal estava consistentemente pre-
§o!'[Jte em plantas de milho que apreseutavam enfezamento pálido.
l!::ucialmente, a suspeita pairou sobre bactérias espiraladas, porém Figura 11,6 - Espiroplasma em flocma de plantas de milho.
lMservações feitas ao microscópio eletrônico de transmissão Crédito das fotos: Nelson S. Massola Jr. e El!iot W. Kitajima.
mosrraram que estes procariotos eram estruturalmente semelhantes
~.;; fitoplasmas. Como a característica helicoidal era marcante, Nas plantas, os espiroplasmas podem atuar como patógenos,
n:ceberam a denominação de espiroplasmas. Contrariamente aos quando colonizam tecidos internos, ou como epífitas, quando se
itoplasmas, os espiroplasmas foram descobertos primeiramente em desenvolvem na superficie de órgãos vegetais, especialmente
Nntas e posteriormente em animais invertebrados e vertebrados. flores. As espécies fitopatogênicas são habitantes de floema e

187
Manual de Fitopatologia

podem se distribuir de forma sistêmica por toda a planta. insetos de transmiss:!o e a microscopia de luz com contraste de fase ou
também podem servir de hospedeiros e as cigarrinhas são os campo escun:i tém se mostrado apropriadas para fins de diagnose.
vetores mais importantes para a sobrevivência e disseminação dos quando se traia de evidenciar a presença deste patógeno em tecidos
espiroplasmas nas condições naturais. O inseto, ao se alimentar em de plantas sintomáticas. A importância dos espiroplasmas como
uma planta doente, pode adquirir o patógeno, o qual se multiplica patógenos de plantas está na dependência da sua disseminação
no corpo do vetor e passa a ser transmitido durante toda a vida por vetores ou por órgãos de propagação vegetativa da planta.
deste seu hospedeiro. O estabelecimento da relação propagativa- No caso do c:nfezamento do milho, a cigarrinha Dalbulus maidis
circulativa entre o vetor e o procarioto pode resultar em danos (Figura~ l. 7) é a principal espécie vetora, sendo muito eficiente
para o inseto, como redução na sua longevidade e fecundidade. na dispersão e transmissão de S. kunke/ii. Para os citros, algumas
Nas plantaS, estes agentes de doença incitam os sintomas típicos espécies de cigarrinhas têm sido relatadas corno vetaras de S.
de "amarelos", ca.racterizados por clorose; superbrotamento de citri, porém a transmissão do agente por enxertia também tem
ramos: enfezamento ou nanismo, provocando redução no tamanho papel releva1nte. Para o controle do enfezamento do rojlbo tem
de ramos, folhas, flores e frutos; declínio e morte. O patógeno pode sido recome111dado o uso de genótipos resistentes ou tolerantes.
provocar desenvolvimento lento da planta, florescimento fora de a eliminação de fontes de inóculo representadas por plantas
época normal, baixa produtividade, esterilidade de órgãos florais, que pennan1!cem no campo após a colheita e a aplicação de
queda prematura e defonnação de frutos. Os mecanismos envolvidos inseticidas q uando técnica e economicamente viáveis. Para o
na patogênese ainda são pouco conhecidos, havendo evidências de ·stubbom' recomenda-se o emprego de mudas sadias produzidas
desequilíbrios hormonais na planta e a produção de substâncias a partir de material propagativo livre do patógeno, a erradicação
tóxicas pelo patógeno. A gama de espécies botânicas hospedeiras é de plantas doentes da cultura e substituição por mudas novas e o
relativamente restrita, compreendendo poucas brássicas e algumas uso de plant.as armadilhas para os vetores como bordadura para
leguminosas e gramíneas. Em termos agronômicos, duas espécies a cultura.
de espiroplasmas são reconhecidas como agentes de doenças de
importância econômica: Spiroplasma kunkelii e Spiroplasma citri.
A espécie S. kunkelii causa o enfezamento pálido do milho, uma
doença amplamente distribuída no continente americano e S. cítri é
o agente do 'stubbom' dos citros, de ocorrência no território norte
americano e em alguns países da região mediterrânea.
Espiroplasmas, diferentemente dos fitoplasmas, podem
ser cultivados em meio de cultura. Por serem organismos fasti-
diosos, são muito exigentes quanto à composição do meio, osmo-
laridade, concentração hidrogeniônica e aos fatores do ambiente,
especialmente temperatura. Meios para créscimento destes
procariotos são complexos, estando entre seus componentes
colesterol, ácidos graxos, protemas e fosfolipídios ajustados
quantitativa e qualitativamente. Um fator essencial é a pressão
osmótica do meio, pois a osmolaridade encontrada pelo patógeno
no interior dos vasos de floema deve ser reproduzida in vitro. Figura 11.7 -- Da/bu/us maidis, vetor de Spiroplasmo kzmkelli.
A variação do pH e a capacidade tampão também têm papel Crédito da foto: Paulo Ayres.
fundamental para o desenvolvimento destes microrganismos,
sendo ideal um pH em tomo de 7,4. Temperaturas de incubação Os espiroplasmas ainda são pouco conhecidos como pató-
na faixa de 30-32ºC têm se mostrado ótimas para a produção de genos de plantas. No Brasil, as pesquisas têm focal-izado exclu-
colônias de espiroplasmas isolados de diversas plantas. Quando sivamente a ,espécie S. kunkelii por fazer pane de um complexo de
os fatores do meio de cultura ou do ambiente se afastam destas patógenos enivolvidos com doenças da cultura do milho. Neste caso.
condições ideais, o desenvolvimento da cultura é desfavorecido o espiroplasma, agente do enfezamento pálido, é transmitido pelo
e surgem alterações diversas, como mudanças na morfologia mesmo vetor do fitoplasma, agente do enfezamento vermelho, e de
celular, aparecimento de estruturas atípicas, além de redução no um vírus, agente da doença conhecida como risca ou 'rayado fino'.
número, fonna e tamanho das colônias. O enfezamento pálido e o enfezamento vermelho foram descritos
Em razão do cultivo em meio de cultura, é possível cumprir no estado de: São Paulo na década de 1970, como sendo doenças
os postulados de Koch, demonstrando a patogenicidade dos espi- de pouca ex1pressão. No entHnto. a panir da década de 1980, com
roplasmas. A transmissão experimental através de enxertia e insetos a introdução da prática de safrinha, ambas as doenç-as ganharam
vetores forneceu subsídios para aumentar os conhecimentos sobre importância, causando danos significativos para a cultura, chegando
estes patógenos, especialmente para as culturas dos citros e do a se constituir em fator limitante para a produção em determinadas
milho. A diagnose baseada na sintomatologia exibida por plantas áreas (Boxe 11.2). Embora alguns estudos tenham revelado o
suspeitas de infecção tem sido confirmada pela detecção destes papel individualizado de cada patógeno, as doenças resultantes da
procariotos nos tecidos vegetais. Para isto, antissoros foram desen- ação conjunta de espiroplasma e fitoplasma têm merecido maior
volvidos e testes sorológicos foram aplicados desde a descoberta atenção, pois são as responsáveis pela redução do rendimento dos
destes agentes de doença. Mais recentemente, com o progresso milharais. Para reduzir as perdas, programas de melhoramento
das técnicas moleculares, 'primers' foram desenvolvidos especi- genético têm sido desenvolvidos por instituições de pesquisa
ficamente para a detecção tanto do espiroplasma do milho corno públicas e piivadas, no sentido de oferecer genótipos com maiores
dos citros. Além do uso destas técnicas, a microscopia eletrônica níveis de resistência ou tolerânéia aos patógenos envolvidos com

188
Fitoplasmas e Espirop/asmas

1 Boxe 11.2 Os enfezamentos do milho causados por fitoplasmas e espiroplasmas

O enfezamento vermelho associado a um fitoplasma e o enfezamento pálido causado por um espiroplasma,


íuntos constituem um complexo que ocupa uma posição de destaque entre as doenças de relevância econômica para
a cultura do milho. No Brasil, ambas as doenças foram relatadas pela primeira vez em 1970, no Estado de São Paulo.
É interessante ressaltar que neste primeiro relato foi enfatizado que as doenças ocorriam com baixa incidência, sendo
inexpressivas para a cultura e que se manifestavam, sobretudo, quando o plantio era feito tardiamente, fora da época
normal de cultivo.
Os sintomas do enfezamento vermelho se iniciam pelo amarelecimento das margens e do ápice das folhas, seguido
pelo avermelhamento destas áreas e, às vezes, de toda a lâmina foliar (Figura 11.8). O enfezamento pálido se expressa
pelo aparecimento de áreas deficientes em clorofila na lâmina foliar, as quais se tornam mais extensas à medida que
novas folhas são emitidas pela planta (Figura 11.9). É frequente ambas as formas de enfezamento provocarem redução
leve ou severa no porte da planta, afinamento de colmo, proliferação de espigas mal formadas e florescimento precoce.
Os patógenos são disseminados na cultura pela cigarrinha do milho, conhecida como Dalbulus maidis, a qual tem um
papel fundamental na ocorrência de epidemias por ser um vetor bastante ativo e eficiente.
Os enfezamentos passaram a ocorrer com grande intensidade a partir de meados da década de 1980 com a
introdução da prática conhecida como "safrinha", na qual o milho é plantado após a colheita da soja. Nesta época, as
condições de ambiente favorecem o aumento da população da cigarrinha, resultando em maiores níveis de incidência
das doenças. A partir da explosão desta doença como problema sério, os plantios realizados nos períodos convencionais
também passaram a ser afetados. Índices de incidência da ordem de 65 a 100% para o enfezamento vermelho e de 16 a
23% para o enfezamento pálido foram registrados em campos comerciais, provocando reduções drásticas ou mesmo
anulando a produção. O plantio de milho em áreas irrigadas por pivô central também contribui para ocorrência da
doença em altas proporções, pois a existência de plantas durante o ano todo no campo fornece permanentemente
inóculo para os novos plantios e, ao mesmo tempo, hospedeiros para a sobrevivência e multiplicação da cigarrinha
Yetora. Em razão das perdas, a doença pode se constituir em fator limitante da produção, em função da região e da área
de plantio, dos híbridos escolhidos, e da época de instalação da cultura. Desde que as doenças passaram a se manifestar
como um sério problema, genótipos resistentes e/ou tolerantes têm sido produzidos e selecionados, pois esta é a mais
adequada medida para o controle dos enfezamentos do milho, em plantios de larga escala.

Figura 11.9 - Enfezamento pálido causado por Spimplasma


kunkelli cm milho.

Figura 11.8 - Sintomas do enfezamento vennelho em milho.


Crédito da foto: Paulo Ayres.

189
Manual de Fitopatologia

os enfezamentos. Embora relatados somente em milho, não se Kitajima, E. W. Enfennidades de plantas associadas a organismos do tipo
descarta a possibilidade da ocorrência de espiroplasmas em outras micoplasmas. Revisão Anual de Patologia de Plantas 2 : 153-174.
culturas, especialmente honaliças. Com o progresso das pesquisas 1994.
para as doenças associadas aos Mollicutes. novidades poderão Kitajima, E.W. & Costa, A.S. Microscopia eletrônica de micorganismos
surgir em relação a este intrigante patógeno de planta. do tipo micoplasma nos tecidos de milho afetado pelo enfezamento
e nos órgãos da cigarrinha vectora portadora. Bragantia 3 1: 76-82.
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190
CAPÍTULO

12
FITOMONAS
Elliot Watanabe Kitajima

ÍNDICE

12.1. Introdução............................................................ 19 1 12.2.4. Murcha do gengibre-vermelho ............... 193


12.2. Doenças em plantas associadas a fitomonas ...... 192 12.2.5. Chochamento das raízes da mandioca ... 193
12.2.1. Necrose do floema de cafeeiro ................ 192 12.3. Relações filogenéticas com outros
12.2.2. "Hartrot" do coqueiro.........................•.... 192 tripanosomatídeos ....................,.......................... 193
12.2.3. "Marchitez" do dendezeiro ...................... 193 12.4. Bibliografia consultada ........................................ 194

2.1. INTRODUÇÃO roes, medindo 10-20 µm x 1-2 µm com um flagelo na pane ante-
rior de aproximadamente IO µm de comprimento (Figuras 12.1 B

E
mbora raramente lembrado. há um pequeno grupo
de protozoários flagelados tripanosomatídeos, refe- e 12.28). Diversas espécies vegetais pertencentes a diferentes
ridos como Phytomonas, associado a certas enfer- famílias botânicas podem hospedar esses organismos (Camargo,
r JJdes de plantas. A descoberta de fitomonas infetando plantas 1999). Fitomonas habitantes de vasos laticíferos já foram
... rreu em 1909 quando Lafont detectou sua presença em vasos encontrados e.m: Euphorbiaceae (58 espécies), A~cleph1d,1çeae
ui: cíferos da erva-de-santa-luzia (Euphorhia pilu/ifera L.), nas
(28 espécies), Apocynaceae (7 espécies), Moraceae (8 e.s.pécies),
~.15 Maurício, designando-o de Lepto111011as davidi. Observações Sapotaceae ( 1 espécie) e Cecropiaceae (2 espécies). Fitomomas Inabi-
"'.l'lilares foram feitas por Donovan, na Índia. tendo sugerido que tantes de floema foram relatados em: Amaranthaceae (1 espécie),
:,:~ flagelado de planta fosse designado de Phy1omonas. Desde Euphorbiaceae (1 espécie). Leguminosae ( l espécie), Palm'a<:t:"ae
e::-!.io, flagelados encontrados em plantas são referidos como tal ( 1O espécies), Rubiaceae (2 espécies), Zingiberaceae (l espé-
\ánas espécies foram descritas. tais como P leptovasorum, cie). Fitomonas associados a frutos ocorrem em: Anacanliaceae
[rançai, P. tirucalli. P staheli, P. tortuosa. Há também refe- (1 espécie), Anonaceae (1 espécie), Bixaceae (1 espécie},
~.:ias a flagelados dos gêneros Leptomonas e Herpetomonas Leguminosae (3 espécies). Mirtaceae (1 espécie), Moraceae
i:nrnntrados em plantas. Um deles, isolado de tomate, origi- (3 espécies), O:rnlidaceae ( 1 espécie), PC1ssifloraceae (\ espécie.),,
1almente descrito como Lepromonas serpens por Gibbs (1957) Poaceae ( 1 espécie), Punicaceae (2 espécies). Rosaceae (2 espé-
Sc::ia um Phytomonas, como demonstrado por Jankevicius e~ ai. cies), R111aceae (4 espécies), Solanaceae (13 espécies). Vitaceae
989). Mas como muitos insetos sugadores podem estar natu- ( 1 espécie). Fitomonas foram relatados em flores de apenas duas
, mente infetados por flagelados de outros gêneros, não se pode espécies: Cucurbituceae (1 espécie) e Euphorbiaceae (1 espécie).
,duir a possibilidade de que eles sejam introduzidos nas plan- Embora em geral as infecções por fitomonas sejam assintomáfi-
_,, no ato da alimentação destes insetos. (amargo ( 1999) lista, em cas. há alguns casos de sua presença associada a enfermidades
ua revisão. 12 espécies de Phytomonas, 2 de Herpetomonas, 1 de em cafeeiro. palmáceas. mandioca e gengibre. Têm sido ~ambérn
nritidia e I de Trypanosoma descritas em plantas. encontrados em manchas resultantes de picadas de perccvej;os,
Phylomona.1· tem sido encontrado em plantas laticíferas sem se tomarem sistêmicos, em frutos de tomateiro, vagens de.
não, através de exames ao microscópio de luz de extratos do leguminosas e sementes de gramíneas, não havendo, contudo,
ex, do floema ou de lesões em flores e frutos. São de visuali- evidências de que possam estar causando algum dano adicional-
zação relativamente fácil ao microscópio de luz, sendo füsifor- mente àquele da picada do inseto.

191
Manual de Fitopatologia

Na natureza, a disseminação dar-se-ia através de perceve-


jos das famílias Pentatomidae, Lygaeidae e Coreidae. Como já
mencionado acima, muitos destes e outros insetos podem estar
naturalmente infetados por outros tripanosomatídeos e assim é
provável que fitomonas tenham sido originalmente Aagelados que
infetavam os insetos e passaram a parasitar algumas plantas nas
quais eles se alimentavam. A distribuição geográfica de fitamo-
nas é ampla, tendo sido descritos em vários países da Europa e
África, na Índia, na Austrália. nas ilhas do Pacífico, nas ilhas do
Caribe e em todo continente americano. No Brasil estes flagela-
dos foram detectados em floema de palmáceas nos Estados do
Amazonas, Bahia e Mato Grosso, em vasos laticíferos de man-
dioca nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e associa-
dos a manchas causadas por percevejos em frutos de tomateiro,
vagens de leguminosas (feijoeiro e soja) e sementes de milho no
Estado do Paraná.
Nos casos em que a infecção por fitomomas resulta em sin-
tomas externos, não se acham esclarecidos os mecanismos de sua
patogénese. Fitomo~as que invadem floema, causando anoma- Figura 12.J - (A) Coqueiro exibindo sintomas de "hartrot" em plan-
lias na sua formação ou bloqueio dos vasos certamente estariam tios de Una, BA; (B) Micrografia de luz de secção
interferindo no fluxo dos fotossintetatos e consequente clorose iransversal de raiz de dendezeiro, mostrando a presença
das folhas e degradação dos órgãos florais. Plantas infetadas por de fitomonas (seta) nos vasos do floema; (C) Microgra-
fitomonas localizados em laticíferos são usualmente assintomáti- fia eletrônica de varredura de secção longitudinal de
cas. No caso da mandioca. em que a infecção pelo flagelado pre- vaso do floema Ja nervura de folha de palmeira afeta-
judica o desenvolvimento das raízes, não se conhecem ainda os da pelo ..hartrot" .
processos bioquímicos/moleculares que resultam nesta anomalia. Fonte e crédito das fotos: (A) Sgrillo et ai. (2005); (B) J.L. Bezerra;
Deve-se salientar que em nenhum dos casos houve a demonstra- (C) M. Attias.
ção inequívoca de que os fitomonas são, de fato, agentes etioló-
gicos destas doenças resultando da invasão do floema ou do lati-
cífero. Embora muitos deles tenham sido cultivados in vitro não proliferação de vasos do tloema e necrose do tloema das raízes.
se logrou infetar as plantas hospedeiras, causar sintomas e delas Assim, a enfermidade ficou conhecida como necrose do floema.
reisolá-los. Contudo, evidências epidemiológicas e de transmis- Estas pesquisas também resultaram na descoberta da presença de
são experimental por enxertia dão suporte à hipótese de que os flagelados nos vasos do floema, os quais foram designados de
fitomonas seriam os agentes causadores daquelas enfermidades. P leptovasorum. Experimentalmente logrou-se a transmissão do
Como a invasão de plantas por fitomonas e outros flagela- flagelado por enxertia de raiz, tanto de C. liberica para C. libe-
dos em sua maioria não resulta em sintomas externos, a detecção rica, como também para outras espécies de Cojfea ( C. arabica,
dos flagelados é geralmente feita por microscopia de luz, pela C. robusta, C. excelsa), mas desconhece-se ainda seu vetor. Além
análise de extratos do floema ou do látex. Em alguns casos como de Suriname, a necrose do floema foi detectada em E! Salvador,
no "hartrot" do coqueiro (Figura 12.1 A) e no chochamento das na Guiana, na Colômbia e no Brasil.
raízes da mandioca (Figura 12.2A), os Phytomonas foram ini-
cialmente detectados por exames ao microscópio eletrônico de 12.2.2. "Hartrot" do Coqueiro
transmissão. Para flagelados de raiz acha-se descrito um pro- Esta enfermidade do coqueiro (Cocos nucifero), também
tocolo de PCR baseado em um fragmento de 800 pb do gene referida por amarelecimento letal, era conhecida desde o início do
ribosomal de r cruzi que pennite sua detecção molecular.
século XX no Suriname, havendo relatos de destruição de deze-
Identificação mais precisa requer a cultura do flagelado in vitro nas de milhares de plantas. Afeta principalmente plantas adultas.
e métodos moleculares. com bronzeamento progressivo das folhas mais velhas para as
12.2. DOENÇAS EM PLANTAS ASSOCIADAS A folhas novas e quebra do pecíolo (Figura 12.1 A).
FITOMONAS A inflorescência exibe manchas, escurecendo a seguir, e os
frutos tomam-se opacos e pardos, apodrecendo e caindo. As raí-
São os seguintes os casos de enfermidades com certa reper- zes degeneram e o palmito apodrece produzindo odor desagra-
cussão econômica em plantas cultivadas: dável. A etiologia permaneceu obscura por longo tempo até que
em 1976, Partbasarathy e colaboradores dctcct.aram fitomonas nos
12.2.l. Necrose do Floema de Cafeeiro
vasos do floema, ao examinarem secções de plantas enfermas ao
No início do século 20 houve o relato de uma nova enfer- microscópio eletrônico de transmissão. Sua presença acha-se regis-
midade em plantios de cafeeiros da espécie Coffea liberica, trada na Colômbia. no Equador e em Trinidade-Tobago. No Brasil
no Suriname. Ela poderia se manifestar numa fonna aguda, na há registros na Bahia e Mato Grosso. O flagelado, invasor dos vasos
qual a planta murchava e morria em menos de dois meses, ou na do floema de todas as partes da planta (Figura 12. l B,C), associado
forma crônica, caracterizada por clorose lenta e queda intensa de à anomalia é Phytomonas staheli, sendo sua concentração propor-
folhas, seguida de morte dentro de um ano. Estudos anatômicos cional à severidade da doença. Este flagelado foi também detec-
detalhados de Stahel indicaram que a enfermidade era devida à tado em palmeira real (Roystonea regia) na Bahia. Acredita-se que

192
Fitomonas

.1 disseminação deste flagelado dar-se-ia através


_,: percevejos pentatomídeos dos gêneros lincus
- Jchlerus. Neste caso, além da erradicação das
.antas afetadas, controle químico dos perceve-
os tem tido efeitos positivos na redução da inci-
:kncia da doença.
12.2.3. "Marchitez" do Dendezeiro
Foi relatada pela primeira vez na Colômbia
(";I1 dendezeiro (Elaies guineensis) em 1963, e
...:ba-se disseminado no norte da América do Sul
Peru, Equador e Brasil). A enfennidade está
aSOCÍada à invasão dos vasos do floema por P.
11aheli. A sintomatologia é essencialmente simí-
1.'!f à do "hartrot", embora nem sempre o apodre-
..Lmento do topo se manifeste.

12.2.4. Murcha d~ Gengibre-Vermelho


Há um relato de murcha em gengibre-ver-
~eJho (Alpinia purpurata) na ilha de Granada,
'lO Caribe, associada à invasão dos vasos do fio-
ema por um fitomonas.

12.2.S. Chocbamento das Raízes da


Mandioca
A região norte do Estado do Espírito Santo
e importante produtora de mandioca, princi- Figura 12.2 - (A) Raízes definhadas de mandioca (seta fina) afetadas pelo "chochamento",
;.3lmente para geração de farinha. Em fins dos associado à infecção pelo Phytomonas /rançai e raízes normais (seta gros-
.mos 1970 houve perdas consideráveis por uma sa), provenientes de plantio comercial em Unhares, ES. (B) Micrografia
.:-<1ndição conhecida localmente como "chocha- de luz, em contraste de fase, mostrando células flageladas e fusiformcs de
meoto" das raízes, particularmente na variedade P. françai no extrato do látex de planta com "chochamento". (C) Micro-
·_-nha. Plantas afetadas produziam raízes raquí- • grafia eletrônica de transmissão exibindo secção longitudinal do P. /ran-
:..:as (Figura 12.2 A) sem valor comercial e na çai (seta) no lúmen de um laticifcro foliar de mandioca afetada. F- flagelo;
:-.me aérea, ocasional clorosc foliar. Sua causa K- cinetoplasto; Lc- lümcn do laticífero; N- núcleo; PC- parede celular.
:.ão pode ser prontamente detenninada, mas (D) Micrografia eletrônica de varredura de um laticífcro foliar fraturado,
Jurante averiguação de possível etiologia virai expondC\ um grupo de fitomonas, formando um buquê. (E) Imagem de um
=-u fitoplasmática, verificou-se por microscopia füomonas, mostrando sua estrutura helicoidal. F. flagelo.
e etrônica de transmissão a presença de proto-
zoário flagelado no lúmen dos mbos laticíferos (Figura 12.2C). descrito por Aragão no Instituto Oswaldo Cruz nos anos 1920,
i'.:>..ames de secções dos vasos laticíferos de plantas afetadas ao que o designou de Phytomonas /rançai embora não houvesse
microscópio eletrônico de varredura mostram grupos de fitomo- ele associado sua presença à condição patológica da planta
Das, emergindo do vaso seccionado, fonnando um verdadeiro infetada.
ouquê (Figura 12.20). Individualmente os fitomonas, como
:imitos tripanosomatídeos, são fusiformes, de conformação 12.3. RELAÇÕES FILOGENÉTICAS COM OUTROS
,elicoidal, com o flagelo em uma das extremidades (Figura TRIPA~OSOMATÍDEOS
l~.2E). Os flagelados puderam ser transmitidos por enxertia Nos anos recentes houve considerável avanço uo conhe-
de ramos para mandiocas sadias. Estes flagelados foram facil- cimento sobre o genoma de Phytomonas e suas relações filoge-
t1ente detectados em esfregaços do látex de plantas afetadas, néticas com outros tripanosomatídeos (Figura 12.3), bem como
.:oradas com Giemsa ou por contraste de fase (Figura 12.2B), em seu metabolismo (ver Jaskowska ct ai., 2015). Genomas de
gerando uma metodologia simples e rápida para identificação Phytomonas ( ca. 18 M) se mostraram significativamente menores
de plantas afetadas. Utilizando este processo, plantas infetadas do que de Leishmania e Trypanosoma (> 30 Mb) e evolucionaria-
foram eliminadas e a doença acha-se praticamente erradicada. mente mais próximos a Leishmania que Trypanosoma. Do ponto
E provável que exista um inseto vetor, possivelmente perce- de vista metabólico Phytomonas que invadem floema e la ticífe-
\ ejos, mas a principal via de disseminação teria resultado de ros apresentam maquinaria enzimática para utilização de carboi-
utilização de manivas de plantas infetadas para o plantio em dratos. Por outro lado, apenas os que infectam floema prod uzem
uma fase de rápida expansão da cultura, sem o devido cuidado invertase para degradar sacarose, coerente com o alto teor deste
na seleção das matrizes. Este fitomonas isolado de mandioca açúcar nos vasos crivados.
.-:om ''chochamento" pode ser cultivado in vitro, mas experi-
"TJentos tentando sua inoculação em plantas de mandioca não
nveram sucesso. Trata-se provavelmente do mesmo fitomonas

193
Manual de Fitopatologia

Free /iv;ng marine


Boda saltans
non-parasitic
'o Phytomo ias EM1 (latex) 1Extracellufar and
Phytomonas serpens (fru,t) intraceflular parasites
10
1.0
- - - Phytomonas HART1 (phloem1 of plants
Le,shmania braziliensis
Leishmama tarentolae
Leishmania mexicana tntracellutar parasites
10
Lelshman/a major ofammals
10 1O
shmanfa donovani
fshmanfa mfantum
soma cruz,
10
- - - Trypanosoma grayi
Trypanosoma vívax
Extracellular parasites
. - - - - Trypanosoma brocei of animais
0.1 1.0
- - - - Trypanosoma congofense

Figura 12.3 - Árvore filogenética baseada na sequência da protelna TnTrypDB, incluindo além de Phytomonas, os lripanosomatídeos Leishmania
e Trypanosoma. A barra de calibração indica número de mutações por sítio.
Fonte: Jaskowska 1:t ai. (2015); reproduzido com pennissão dos autores.

12.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA the sap of Solanum lycopersicum (tomato) and other plants.
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and salivary glands of Nezara viriduda (Pentatomidae) and in 34: 527-538, 2005.

194
CAPÍTULO

13
NEMATOIDES
Luiz Carlos Camargo Barbosa Ferraz

ÍNDICE

13.1. Introdução/posição sistemática .......................... 195 13. l l. Sistema excretor-secretor .................................. 199
13.2. Hábitats e regimes alimentares ........................... 195 13.12. Sistema nervoso ................................................. 199
13.3. Forma e tamanho ................................................. 196 13.13. Órgãossensoriais ............................................... 199
13.4. Cor ........................................................................ 196 13.14. Sistema reprodutor ............................................ 200
13.5. Regiões do corpo.................................................. 197 13.15. Reprodução e eventos relacionados.................. 200
13.6. Estrutura do corpo............................................... 197 13.16. Dormência.......................................................... 201
13.7. Parede do corpo ................................................... 197 13.17. Principais familias e gêneros de fitonematoídes .... 201
13.8. Sistema digestório ................................................. 197 13.18. Alguns gêneros de importância para o Brasil .... 201
13.9. Sistema respiratório ............................................'. 199 13.19. Métodos de controle .......................................... 209
13.10. Sistema circulatório ........................................... 199 13.20. Bibliografia consultada ...................................... 211

13.1. INTRODUÇÃO/POSIÇÃO SISTEMÁTICA segundo tal proposta, os animais que passam por ecdises durante o
crescimento, com destaque aos artrópodes e nematoides, deveriam

O
s nematoides $ão vermes subcilíndricos, no
geral de corpo filiforme e tamanho microscó- ficar reunidos em um único grupo chamado Ecdysozoa.
pico, capazes de causar danos apreciáveis tanto Indiferente a tais discrepâncias, neste texto, será aceito que os
- animais de interesse zootécnico como principalmente a plan- nernatoides pertencem a um filo próprio, Nematoda (ou Nemata),
~ cultivadas de grande importância econômica. Não devem compreendendo duas classes, Chromadorea e Enoplea (De Ley &
~r confundidos com os platielmintos, vermes de corpo acha- Blaxter, 2002). A grande maioria das formas parasitas de plan-
::.io do filo Platyhelminthes, que inclui algumas formas de vida tas, de interesse agronômico, referidas corno fitonematoides, está
--Te bem conhecidas, como as planárias, e outras parasitas de incluída na classe Chromadorea, nas superfamílias Tylenchoidea,
.HUmais, inclusive do homem, como as tênias (Taenia solium, Criconematoidea e Aphelenchoidea (Tabela 13 .1 ). Em Enoplea,
- çaginata) e o agente causal da esquistossomose (Schistosoma nas famílias Longidoridae e Trichodoridae, também há formas
••,:msoni). que parasitam plantas, embora em número bem mais reduzido
A posi.ç ão sistemática dos nematoides entre os animais meta- (Decraemer & Hunt, 2006); algumas delas, pertencentes aos gêne-
.roários com simetria bilateral variou ao longo do tempo. Segundo ros longidorus, Trichodon,s e Xiphinema, além dos danos diretos
.1. .::orrente de classificação mais antiga e tradicional, baseada prin- causados, podem atuar, ainda, como transmissoras de vírus.
• paimente nas análises da morfologia externa e da organização
-:ema dos seres vivos, os nematoides filiavam-se ao ramo cha-
13.2. HÁBITATS E REGIMES ALIMENTARES
:::;iado Pseudocoelomata, por apresentar pseudoceloma, ou seja, Os nematoides são organismos encontrados em pratica-
...:\·idade do corpo não totalmente delimitada pela mesoderme. mente todos os ambientes do planeta, desde que neles haja teor
Outra visão, posterior, das relações filogenéticas entre os metazoá- mínimo de umidade para lhes assegurar a sobrevivência. A maio-
ros foi produzida com base na análise de dados biomoleculares e, ria é de vida livre, alimentando-se de bactérias (bacteriófagos),

195
Manual de Fitopatologia

Tabela 13.1 - Principais familias e gêneros da subordem Tylenchina


(Classe Chromadorea Cnglis, 1983; Ordem Rhabditicla
Chitwood, 1933; Subordem Tylenchina Thorne, 1949)
nos quais se incluem os nematoides de maior importân-
cia à agricultura em todo o mundo.

Classe Chromadorea
Ordem Rbabditida
Subordem Tylenchina
Superfamíli:1 l"amília Cêrwro

Dolicbodoridae Dolichodorus
Belonolaimus Figura 13.l - Formas do corpo em fêmeas: filifonne (usual) em Pra-
Hoplolaimidae Helicotylenchus rylenchus (A), de pera (B) em Meloidogyne1 de limão
Heterodero (C) em Heterodera ou de rim (D) em Rotylenchulus.
Globodera Crédito: W. F. Mai & H. H. Lyon e Westem Australia Department of
Tyleachoidea Scutellonema Agriculture and Food.
Rotylenchulus
· Mcloidogynidae Meloidogyne 8-D). Por vezes, tais mudanças na fonna podem ser v istas já nos
Pratylenchidae Pratylench11s estádios imaturos, como nos juvenis (J2 parasita, JJ e J4 ) - salsi-
Radopholus choides - de Meloidogyne. Por sua vez, os machos são sempre
Nacobbus esguios, filiformes.
Criconematidae Criconemoides O aumento exagerado do diâmetro do corpo caracteriza os
Criconematoidea Hemieycliophoro nematoides sedentários, isto é, que perdem a locomoção após estabe-
Tylenchulidae 1ylenclrulus lecer o parasitismo na planta hospedeira. Os que conservam a fonna
esbelta ao longo de todo o ciclo de vida são sempre migradores.
Sphaerularioidea Anguinidae Ditylenchus
Na maioria das espécies, o dimorfismo sexual não é bem
Aphelenchoidea Aphclenchoididae Aphelenchoides evidente, embora as fêmeas no geral sejam maiores que os
Bursaphelenchus machos. Quando ocorrem, os machos diferenciam-se das fêmeas
por características sexuais secundárias. Por exemplo, em machos,
Fonte: Decraemer & Hunt (2006).
a musculatura copulatória bem desenvolvida pode tornar a região
caudal fortemente recurvada pelo lado ventral. Os espículos, ane-
fungos (micófagos), protozoários (protozoófagos), algas (algí-
xos do sistema reprodutor masculino, muitas vezes são bem visí-
voros), anelídeos oligoquctas (oligoquetófagos) ou nematoides
veis ao exame microscópico, permitindo então pronta identifica•
(nematófagos). Alguns são parasitas de plantas superiores (fitopa-
ção do exemplar macho. Também, machos têm cloaca, enquanto,
rasitas), predominantemente de seus ócgãos subterrâneos (raízes,
nas fêmeas, as aberturas do sistema reprodutor (vulva) e do sis-
rizomas, tubérculos, bulbos e fruto hipógeo), embora existam uns
tema digestório (ânus) são separadas.
poucos que se especializaram no parasitismo de órgãos aéreos
(caules, folhas, flores, frutos e sementes). Outros são parasitas de O tamanho, nos nematoides, é extremamente variável,
animais (zooparasitas), seja d e invertebrados, seja de vertebra- com o comprimento podendo variar de 0,2 mm a mais de 8 m. A
grande maioria é microscópica. As formas de vida livre no solo
dos. Enfim, os nematoides vivem de outros organismos vivos. Os
e as fitoparasitas geralmente têm 1a J mm de comprimento e 20
hábitats ocupados por eles são mais variados que os de qualquer
a 50 µm de diâmetro, sendo que as menores medem 0,15 mm
outro grupo de roetazoários, salvo os artrópodes.
de comprimento e as maiores chegam a atingir 1 cm de compri-
Na sequência, serllo tratados aspectos gerais relativos à
mento ou mais. Nematoides marinhos podem ser ainda maiores.
morfologia e à biologia dos nematoides, enfatizando-se, eviden-
Os nematoides zooparasitas podem variar de alguns milímetros
temente, aqueles pertinentes às fonnas fitoparasitas.
até vários centimetros de comprimento; entre eles, são fonnas
13.3. FORMA E TAMANHO "gigantes", por exemplo, a lombriga intestinal humana, Ascaris
lumbricoides, cujas femeas atingem 30 cm de comprimento e
Os nematoides são ocganismos tubulares alongados, isto é. o 8 mm de diâmetro, o venne dos rins do cão, Dioctophyme rena/e,
corpo é de seção u:ansversal circular, de diâmetro praticamente cons- com I m de comprimento e l cm de diâmetro e o nematoide da pla-
tante ao longo do comprimento, afiland<rse de maneira gradual na centa da baleia de espennacete, Placentonemo gigantissimum, a maior
extremidade anterior e variável na extremidade posterior. Tal confor- espécie conhecida até o momento, com mais de 8 m de comprimento.
mação é dita filifonne ou vermiforme (Figura 13.1 A). O nome des-
ses vennes deriva do grego nema, nematis, que significa fio. A forma 13.4. COR
roliça e alongada do corpo é adequada ao movimento de locomo• Os nematoides parasitas de plantas geralmente são inco-
ção, geralmente serpeotiforme, por ondulação dorsoveotral. lores e transparentes. Devido a tal transparência, nos espécimes
Em certos gêneros de fitonematoides, todavia, os corpos das em efetivo parasitismo sobre plantas, o conteúdo granuloso (mor-
fêmeas podem ter a largura notavelmente aumentada para possi- mente constituído por reservas lipídicas) de tonalidade escura do
bilitar a produção de número muito elevado de ovos, resultando intestino, o mais longo órgão do sistema digestório, ocupando
então fonnas aberrantes de pêra (Meloidogyne, Globodera), de cerca de 2/3 de todo o comprimento corporal, mostra-se de fácil
limão (Heterodera), de rim (Rotylenchulus) e outras (Figura 13.1 visualização (Figura 13.1 A).

196
Nematoides

13.5. REGIÕES no CORPO


O corpo do nematoide não se apresenta dividido em par-
:es bem distintas, isto é, aão se reconhecem áreas identificáveis
~orno cabeça, pescoço, tronco e cauda. Apesar disso, com certa
:requência, três regiões costumam ser arbitrariamente definidas
sentido antero-posterior do corpo: esofagian.a, compreen-
:.!ndo a cavidade bncal e o esôfago; intermediária, contendo o
:r:testino e as estruturas reprodntivas; e caudal. .Externamente.
cão é possível diferenciar tais regiões, exceto a caudal, mui-
:is vezes bastante atenuada. Por outro lado, qu:ase sempre é
;,:,ssível distinguir claramente o lado ventral do ,corpo, que se
.:.racteriza pela presença das aberturas naturais do nematoide, a
.!0er, poro excretor-secretor, ânus e, nas fêmeas, vulva. A extre-
~ dade anterior, onde a boca se abre tenninalmente e se agru-
i)aIII diferentes tipos de órgãos sensoriais, é comumente cha- Figura 13.2 - Cutícula: (A) estriação tmnsversal marcaut.e em Cri-
mada região labial, havendo quem se refira a ela como "cabeça" conematidae (nematoides "anelados"); (D) asas caudais
" ..região cefálica", o que, a nosso ver, se afigura. inadequado. (= bolsa de cópula) em machos.

13.6. ESTRUTURA DO CORPO


O corpo dos nematoides segue um plano estruitural que pode 13.7.2. Epiderme
;.e descrito como o de um tubo dentro de outro. O tubo externo Essa camada, antes denominada hipoderme, é formada por
:: a parede do corpo e o interno é o sistema digestório. Entre eles, células que mantêm nma parte do citoplasma sobre a muscula-
.cca uma cavidade geral denominada pseudoceloma, que contém tura somática e aprofundam a outra (que contém o núcleo) no
duido pseudocelômico, com grandes células channadas pseudo- corpo, entre as células musculares, ao longo das linhas laterais,
-~:omócitos, membranas e tecido fibroso. Tal líquido tem compo- dorsal e ventral. Secreções produzidas em sua parte superficial
:ão complexa, banha todos os órgãos internos e, s:endo mantido dão origem à cutícula, que, na verdade, lhe é região diferenciada.
b forte pressão, constitui verdadeiro esqueleto hidrnstático, mos- As porções aprofundadas formam as cordas epidérmicas laterais
::-ando-se muito importante para a movimentação do nematoide. (n = 2), dorsal e ventral (Figura 13.3 A); as laterais são as mais
desenvol·vidas, contendo condutos tubulares do sistema excretor-
13.7. PAREDE DO CORPO
secretor e ramificações do sistema nervoso; esias últimas ocorrem
É fonnada, de fora para dentro, pela cutícula, epidenne e também no interior das cordas epidénnicas dorsal e ventral.
7Jusculatura somática.
13.7.3. Musculatura Somática
13.7.1. Cutícula É formada de grandes células fusiformes, orientadas lon-
É uma estrutura incolor, transparente, flexível., de composi- gi·tudinalmente e dispostas em camada única sob a epiderme e
.:.ão predominantemente proteica. Deve ser considerada parte inte- entre as cordas epidérmicas, formando quatro campos muscula-
~te da epiderme, diferenciada em sua porção mais externa. É, res (Figura 13.3 A). As células musculares são constituídas de
assim, uma estrutura viva, metabolicamente ativa, que pode cres- uma parte contrátil e outra não contrátil, que contém o núcleo e
.xr. Compõe-se de várias camadas, nomeadas, de foira para dentro, dá origem aos chamados 'braços de músculo'; estas estruturas
epicutícula, exocutícula, mesocutícula e endocutícula. funcionam como expansões que partem das células musculares e
A cutícula pode ser lisa ou mostrar estrias transversais, vão ligá-las ao ramo nervoso contido na corda epidérmica mais
.lmitando-se estas, no geral, apenas à epicutícula e parte da exo- próxima (dorsal ou ventral), condição essa incomum entre os ani-
cutícula. Quando profundas e visíveis até ao micro:scópio óptico, mais e quase exclusiva dos nematoides (Figura 13.3 B).
como na família Criconematidae, resulta anelação externa evi-
=-~nte no corpo (Figura 13.2 A). A estriação transversal repre- 13.8. SISTEMA DIGESTÓRIO
.enta mais que simples ornamentação, permitindo as flexões O sistema digestório é essencialmente um tubo que se
.:orsoventrais do corpo e o movimento ondulatóirio caracterís- estende da abennra oral, na extremidade anterior, ao ânus, subter-
tico da maioria dos nematoides. Também ocorrem expansões lon- minal e de localização ventral. É constituído de três regiões: esto-
~tudinais da cutícula, chamadas asas, a exemplo da.s asas caudais modeo, mesêntero e proctodeo. O estomodeo começa na abertura
= bolsa de cópula), estruturas relacionadas ao processo de acasala- oral e compreende a cavidade bucal, ou estorna, e o esôfago (=
""'<!nto e exclusivas dos machos de certos gêneros (Figura 13.2 8). faringe). Os tecidos e as estruturas nesses órgãos originam-se da
Mais que um revestimento, a cutícula tem fünção de exo- ectoderme e mesodenne. O mesêntero, ou intestino, é formado
~-:,queleto flexível e de barreira protetora entre o me:io interno dos a partir da endoderme. O proctodeo, ou reto, parte final afilada
-ematoides e os elementos nocivos do ambiente. do intestino, tal como o estomodeo, resulta de invaginação da
O desenvolvimento dos nematoides, do ovo até a fase ectoderme ocorrida durante a embriogênese. Ambos, estomodeo
:edulta, é caracterizado por uma sucessão de trocas de cutícula, ou e proctodeo, podem ser reconhecidos por seus forros cuticulares.
ccdises. Durante cada ecdise, uma nova cutícula é secretada sob a
,elha", já existente, que é substituída, bem como os revestimen- 13.8.t. Região Labial e Cavidade Bucal
tos ou forros de todos os órgãos de origem ectodénnica, como da A abertura oral localiza-se na extremidade anterior e é rodeada
.-:avidade bucal (inclusive do estilete típico dos fitonematoides), por lábios, frequentemente em número de seis, sendo dois sub-
do reto e, nas fêmeas, da vagina. dorsais, dois laterais e dois subventrais. Nos nematoides parasitas

197
Manual de Fitopatologia

.lftlO
-• Cord~ep,ôors:.il

Figura 13.3 - Parede do corpo de Ascaris /umhricoidcs: (A) esquema da organiz.ação gc:r.11; (B) detalhe da musculatura somática e dos braços de
músculo (setas).
Crédito: Nernatoda/Soilcrawleis.com e J. Houseman, Univcrsity ofOtawa.

de plantas, como regra, a região labial mostra-se achatada e indi-


visa, por fusão completa dos lábios.
A cavidade bucal, situada entre a abertura oral e o esôfago,
apresenta considerável variação na fonna e reflete o regime alimen-
tar do nematoide. A boca pode ser annada de estruturas imóveis ou
móveis, tais como dentes e estilete. Nematoidcs predadores, como os
do gênero Mononchus e afins, apresentam bocas amplas, globosas,
annadas com dentes e/ou dentículos (Figura 13.4 8). Nematoides
bacteriófagos, como Rhabdilis e afins, têm cavidáde bucal cilín-
drica ou cônica, com paredes lisas (Figura 13.4 A).
Aos profissionais da carreira agronômica interessam espe-
cialmente os nematoides providos de estiletes bucais. pois, entre
eles, estão as fonnas parasitas de plantas. Há dois tipos principais
de estilete, o odontoestilete e o estomatoestilete.
O odontoestilete, assim chamado por derivar de um dente.
é estrutura canaliculada, com a extremidade anterior conada em Figura 13.4 - Variações na forma da cavidade bucal: (A) bacteriófago;
bisei no lado dorsal. Além de formas predadoras e micófagas, (B) predador; (C) fitoparasita típico (estomatoestilete);
pode ocorrer em uns poucos gêneros de fitonematoides, como (D-E) fitoparasitas (odontocstilete/onquioestilete).
longidorus e Xiphinema, onde é longo e reto (Figura 13.4 D), ou
Trichodor11s e Paratrichodarus, nos quais é curto, recurvado (há
autores que o chamam onquioestilete) e não canaliculado, mas No tipo tilencoide, presente na grande maioria das espé-
maciço (Figura 13.4 E). De outra parte, o estomatoestilete con- cies de interesse agronômico, incluídas na classe Chromadorea,
siste de três partes, sendo uma anterior cônica (ponta ou cone), reconhecem-se as regiões: a) procorpo; b) metacarpo ou bulbo
uma mediana cilíndrica (haste) e uma porção basal, formada por mediano; c) istmo; e d) bulbo posterior, de ocorrência facultativa,
três dilatações, no geral arredondadas, denominadas bulbos ou com fonna aproximada de garrafa (Figura 13.5 A) ou de lobo
nódulos (Figura 13.5 C). É percorrido por fino canal, com menos sobreposto ao início do intestino. O canal do esôfago é trirra-
de 1 µm de diâmetro, que atua como filtro de bactérias. É carac- diado. pelo menos uas partes dotadas de forte musculatura radial,
terístico dos nematoides parasitas de plantas. embora em gêneros como no bulbo mediano. A região glandular é formada por três
como Ditylencl111s e Aphelenchoides, muitas espécies possam ter glândulas unicelulares, uma dorsal e duas subveotrais. A glândula
a micofagia como hábito alimentar alternativo. dorsal tem um fino canal que se abre na luz do esôfago. ao nível
do procorpo (= bifurcação, na Figura 13.5 A), no geral próximo
13.8.2. Esôfago da base do estilete.
O esôfago (= faringe), situado após a cavidade bucal é No esôfago afelencoide, ocorrente principalmente nos
órgão complexo, formado por tecido muscular. glandular, epite- nematoides parasitas de órgãos aéreos das plantas, também incluí-
lial e nervoso. Existem três tipos fundamentais de esôfago entre dos na classe Chromadorea, reconhece-se sempre o procorpo e o
os nematoides portadores de estilete, denominados tilencoide, bulbo mediano, este muito evidente, mas o istmo pode ser redu-
afelencoide e dorilaimoide (Figura 13.5). zido ou ausente. Aqui, o conduto da glândula dorsal se abre na luz

198
Nematoides

o...,.;.ntlloe se abrir na superficie do corpo pelo seu lado ventral através do poro
odo11111ettlloe excretor, quase sempre à altura do final do esôfago (Figura 13.6). Os
condutos tubulares citados promovem a remoção de resíduos tóxi-

---
(La.a.)
cos circulantes no pseudoceloma. Há espécies, como 1ylenchulus
semipenetrans, importante parasita de plantas cít1icas, em que o sis-
tema é bem diferente. Constitui-se de uma glândula, muito desenvol-
vida nas remeas, ,que se presta principalmente à•produção de secre-
ção destinadir a manter agregados os ovos formados por elas; nesse

li'- +.~1',111 o,). . . :


'i Í· '
l.
1 n,,;U,o .......iar
• pu,lular
caso, o poro excretor situa-se perto da vulva, em posição atípica
(Figura 13.6). Em função de a atividade secretora prevalecer
sobre a excretora nesta e em outras espécies, o sistema, ames cha-
mado excretor, tem sido atualmente denominado excretor-secretor.

..... .
.........
buof1b,o
~• í~J
...,-, l\
.\

r-~ura 13.5 - Tipos de esôfago em ncmatoides parasitas: (A) tilen-


coide; (B-C) dorilaimoide.
nidito: W. F. Mai & H. H. Lyon.

de esôfago ao nível do bulbo mediano, e não do procorpo, como


:::1(\tipo tilcncoide.
No esôfago dorilaimoide, típico dos fitonematoides porta-
. ..;tes de odontoestilete, filiados a classe Enoplea. há duas panes
-
~ mdricas: uma anterior, de menor diâmetro, e outra basal, mais Figura JJ.6 - Sistc:ma excretor-secretor: (A) poro excretor (seta) cm
~ª- que contém as glândulas esofagianas (Figura 13.5 B, C). Pra~y/enchus, 110 final do esôfago pelo lado ventral, e
13.8.3. Intestino/Reto (B) «!m Tylenrhulus semipenerrans, em posição atípi-
ca, próximo à vulva.
Ao esôfago segue-se o mesêntero, ou intestino, um longo tubo Crédito: W. F. Mai & J 1. II. Lyon e A. d~ Grii;se.
~ parede fonnada por camada única de células epiteliais de origem
mdodénnica. Na maior parte dos nematoides, o conteúdo intestinal
13.12. SISTEMA NERVOSO
Jesloca-se em direção à região posterior do órgão devido à ingestão
.ic mais alimento e à própria movimentação do espécime. Em nematoides, há um sistema nervoso central, um sistema
O proctodeo, ou reto, é a parte ectodérmica posterior do nervoso periférico e um sistema nervoso entérico ou simpático. O
.anal alimentar. É tubo simples, algo achatado, constituind() a sistema nervoso central consiste de: 1) centro nervoso bem desen-
-egiào final do intestino e ligação deste com o ânus. Glândulas volvido chamado anel nervoso central, de dificil visualização e
:-aa,s podem estar presentes, em número variável conforme as situado geralmente ao redor do istmo esofagiano, quando este
e.pécies. Em Meloidogyne, o mais importante gênero de fitone- existe; 2) nervos longitudinais, que partem do anel nervoso cen-
-atoides do mundo, o produto das glândulas relais serve para tral, dirigindo-se para as duas extremidades do corpo; e 3) centro
proteger e manter agregados os ovos fonnados pelas temeas. nervoso posterior, na região anal, interligado com o anel nervoso
Nos nematoides especializados no parasitismo de plantas, central pelos nervos longitudinais. O sistema nervoso periférico é
....,me uma pré-digestão do alimento, extra-oral, sendo, portanto, constituído por tenninações nervosas que penetram certas partes
resnita a atividade digestiva no intestino; assim, tais nematoides da camada cuticular, formando um complexo tipo de rede, à qual
quase não defecam e o reto é muito delicado. de difícil observação. se conectam órgãos, sensoriais localizados principalmente sobre a
superfície do corpo (papilas e/ou setas). O sistema nervoso enté-
13.9. SISTEMA RESPIRATÓRIO
rico é representado por gânglios e nervos próprios do tubo diges-
Não há órgãos respiratórios nos nematoides. Trocas gaso- tório, atuando princ:ipalmente sobre o processo da alimentação.
sas ocorrem por difusão, através da cutícula.
13.13. ÓRGÃOS SENSORIAIS
13.10. SISTEMA CIRCULATÓR10
Diversos tipos de órgãos sensoriais são encontrados em
Não são conhecidos órgãos pertinentes ao sistema circula-
. :,rio em nematoides. nematoides parasitas de plantas, sendo considerados anexos do
sistema nervoso. São servidos por nervos que partem do anel
13.11. SISTEMA EXCRETOR-SECRETOR nervoso central ou, em alguns casos, do centro nervoso poste-
O sistema excretor-secretor, quando presente, caracteri- rior, destacando-se as papilas labiais, os anfidios e o hemizoní-
ni-se por não apresentar células-flamas. Nos fitonematoides, con- dio, localizados anterionnente no corpo, e os fasmídios, situados
>IS{e geralmente de um ou dois longos tubos, cegos nas extremida- geralmente na cauda ou próximo dela (Figura 13.7). Atuam, com
Jes. embutidos nas cordas epidérmicas laterais e anteriormente inter- frequência, como receptores químicos e/ou táteis, embora alguns
Jgados por meio de um duto transversal; deste, parte canal que vai tenham fnnção ince11a.

199
Manual de Fitopatologia

Meloidogyne), não sendo percebida ao microscópio óptico; há


autores que a chamam de vitelínica. Abaixo desta, há a camada
quitioosa, única estrutura de nematoide que contém quitina. Sob
esta, está a camada lipídica, à qual é atribuída a notável resistên-
cia que os ovos, de muitas espécies apresentam frente a condições
ambientes desfavoráveis. Proteínas estão presentes na composi-
ção química de. todas as camadas.
13.Í4.2. Sistema Reprodutor Masculino
Figura 13.7 -Alguns órgãos sensoriais: (A) papilas labíais (setas bran- Compõe--se basicamente de testículo, vaso deferente e
cas) e abertura dos anfídios (setas negras); (B) fasmídio canal ejaculador, que se abre ventralmente no reto, formando a
caudal (seta branca bem evidente), tipo escutelo. cloaca. Entre o testículo e o vaso deferente pode estar presente
Crédito: Society ofNematologísts e N. Vovlas. a vesícula seminal. Como órgãos auxiliares de cópula, têm-se os
espículos, as papilas genitais e, com menos frequência. as asas
caudais (Figura 13.9).
13.14. SISTEMA REPRODUTOR
Os nematoides usualmente apresentam os sexos separados
e os órgãos reprodutore;s da fêmea e do macho, no geral, são de
formato tubular.
13.14.1. Sistema Reprodutor Feminino
É fonnado de um ou dois ramos genitais tubulares de ori-
gem mesodérmica, composto(s) de ovário, oviduto e útero. O(s)
ramo(s) genital(is) se conecta(m) a uma vagina única, de origem
ectodérn1ica, que se abre para o exterior pela vulva, em forma
de fenda, na linha mediana ventral. Os ramos genitais podem ser
opostos ou estarem alinhados paralelamente, ua mesma direção
(Figura 13.8 A-C); por vezes, um dos ramos genitais se atrofia
e fica reduzido apenas a um rudimento do útero, sendo chamado
saco uterino (Figura 13.8 D). O ovário é um tubo cego, em cujo
interior dá-se a oogênese. Apresenta uma zona germioativa, rela-
tivamente curta e de rápida divisão celular, e uma zona de cres- Figura 13.9- Organização geral do sistema reprodutor masculino.
cimento das células reprodutoras femininas. O bviduto é tubo Crédito: Adaptada de Studyblue/J. Cook University e American Phy-
estreito que une o ovário ao útero. A região contígua ao útero (ou, topathological Society.
eventualmente, ao ovário) pode se converter em espennateca, na
qual ficam armazenados os espermatozoides introduzidos pelo Pode haver um ou dois testículos, designando-se os machos
macho durante a cópula (Figura 13.8 B, E, F). A vagina é sempre monórquios e diórquios, respectivamente. Estruturalmente, os testí-
reconhecida pelo seu forro cuticular. culos são bastante semelhantes aos ovários. Os espermatozoides dos
nematoides não apresentam flagelo, tendo movimento ameboide.
Os espículos, quase sempre dois, são órgãos de cópula
robustos, mais ou menos arqueados, que, em repouso, ficam alo-
8 . - jados ua cloaca; quando movimentados por músculos especiali-
~'11c:::;::::::::::JStiJJl.,-=m--~J,10•
.:X:
- zados, podem ser exteriorizados e introduzidos na vagina para
dilatá-la e facilitar a transferência dos espermatozoides. Por sua
vez, as asas caudais(= bolsa de cópula), antes citadas, destinam-se
a manter os parceiros em posição adequada durante o ato sexual.
D '"'
~ + H + 1.1· I· ( · 13.15. REPRODUÇÃO E EVENTOS RELACIONADOS

Figura 13.8 - Sistema reprodutor feminino: (A, B, D) ramos geni-


Em sua grande maioria, as espécies de fitonematoides têm
tais opostos e (C) paralelos, sendo espennateca (spm) fêmeas e machos e reproduzem-se por anfunixia (reprodução cru-
e saco uterino (sut); (E) zonas genninativa (1) e de zada). Em algumas, todavia, os machos são inexistentes ou muito
crescimento (2) do ovário e (F) ovário (3), oviduto (4), raros e a reprodução baseia-se apenas nas íemeas. Tal ocorre, então,
espermateca (5) e útero (6) em Meloidogyne. por partenogênese, que pode ser meiótica. ou mitótica; essas moda-
Crédito: A. Maggenti e L. C. Ferraz. lidade.s podem ser observadas, por exemplo, em várias importantes
espécies dos gêneros Meloídogyne e Pratylenchus. Hennafroditismo
Os ovos são geralmente de tamanho semelhante nos dife- em fitonematoides parece raro e alguns casos relatados na literatura
rentes tipos de nematoides, independentemente das dimensões nematológica 11equerem adequada corroboração.
dos adultos, medindo de 50 a 100 µm de comprimento por 20 a A maioria dos nernatoides é ovípara, isto é, o desenvol-
50 µm de largura. vimento embrionário dá-se após a oviposição, fora do corpo da
Costumam-se reconhecer três camadas na casca dos ovos iemea. Também há nematoides ovovivíparos, em que os ovos,
de fitonematoides. A mais externa é muito fina (30 nm, em ainda oo útero, já contêm juvenis completamente formados.

200
Nematoides

O número de ovos produzidos por femea varia muito entre Os membros de Tylenchina parasitam principalmente raí-
, diversos grupos de oematoides. Certas fonnas zooparasitas cos- zes, mas também outros órgãos subterrâneos das plantas hos-
~am ter grande produção de ovos, como a lombriga humana pedeiras. Compreendem-se aqui as superfamílias Tylenchoidea,
-•.:aris lumbricoides, que coloca até 200.000 ovos/dia. Nos nema- Criconematoidea e Spbaerularioidea, com muitas espécies impor-
:01des parasitas de plantas, o número de ovos por fêmea não é tantes, que serão tratadas mais detalhadamente na sequência. Na
.:..to. No gênero Meloidogyne, a média é de 400; em Pratylenchus, superfamília Aphelencboidea, estão também formas portadoras
".1dopholus e Rotylenchulus, oscila entre 60 e 100. de estomatoestilete, porém mais delicado, associado a esôfago
Do ovo do nematoide, eclode uma forma imatura de pequeno afelencoide; são geralmente parasitas de órgãos da parte aérea
~ne. mas já com as características do adulto, faltando-lhe apenas os das plantas, destacando-se, entre as espécies mais conhecidas,
,gàos reprodutores. Ao longo do tempo, tal forma tem sido inade- Aphelenchoides besseyi, causadora da "ponta branca do arroz",
.;-.iadamente chamada de larva, sendo preferível o nome juvenil. O Bursaphelenchus xylophilus, o agente causal da "murcha dos
.:rescimento do espécime durante o ciclo biológico é possível devido pinheiros" e B . cocophilus, responsável pelo "anel vennelho das
• ocorrência de quatro (raramente, três) trocas de cutícula (= ecdi- palmáceas".
,~ l. sendo os períodos entre duas trocas seguidas denominados está- Na classe Enoplea, estão os poucos fitonematoides que pos•
- os juvenis. Com a quarta ecdisc, termina o quano estádio juvenil e suem odontoestiletc associado a esôfago dorilaimoide, atuando
nematoide passa para a fase adulta (Figura 13.1 O). como típicos parasitas do sistema radicular. Como destacado antes,
algumas espécies dos gêneros Longidorus e Xiphinema, da famí-
lia Longidoridae, bem como de Trichodon,s e Paratrichodorus, da
família Trichodoridae, apresentam especial interesse pelo fato de
poderem atuar como vetores de vírus, além de causar danos diretos
às plantas hospedeiras. O número de formas fitoparasitas de Enoplea
é muito menor que o de Chomadorea (Ferraz & Brown, 2016).

13.18. ALGUNS GÊNEROS DE IMPORTÂNCIA PARA


J"'igura 13.1 O- Ciclo de vida ( da esquerda para a direita): ovo, juvenis OBRASJL
J, a J4 e fêmea de Helicorylenchus. Serao ora apreciados, de fonna objetiva, alguns dos gêne-
Crédito: A. M. Golden. ros e/ou espécies filiados a subordem Tylenchina, de larga ocor-
rência no Brasil, causadores de danos em diferentes culturas de
O nematoide pode requerer um estimulo externo para nascer; grande interesse econômico.
~a sua falta, sobrevive durante tempo variável (semanas, meses e
13.18.1. Gênero Meloidogy11c Goeldi, 1887
1t~ alguns anos) dentro da casca do ovo. Os estímulos podem ser
<!presentados por variações na temperatura e/ou umidade. H:í espé- Este importantíssimo gênero compreende os chamados
•1es mais exigentes que requerem, obrigatoriamente, a presença no "nematoides de galhas" ou, em inglês, root-lmot nematodes.
solo de substâncias químicas emanadas a partir das raízes de suas Está incluído na família Meloidogynidae, segundo Decraemer
~ antas hospedeiras para estimular a eclosão. & Hunt (2006), mas há autores que o colocam na subfamllia
Meloidogyninae, da família Hoplolaimidae (De Ley & Blaxter,
13.16. DORMÊNCIA 2004; Hunt & Handoo, 2009).
Muitos nematoides, notadamente os habitantes do solo e os Não obstante sejam conhecidos relatos de plantas com sinto-
;:masitas de plantas, podem ingressar em estado temporário de mas de parasitismo por nematoides desse grupo na Europa desde
:ompleta inatividade. no qual o metabolismo se mantém muito 1855, o gênero foi criado apenas em 1887, no Brasil, com a des-
"aixo, permitindo-lhes a sobrevivência por longo tempo sob con- crição da espécie-tipo, Meloidogyne exígua Goeldi (Boxe 13.1 ).
dições adversas, como falta de água (anidrobiose), falta de oxigê- Um total de 96 espécies tida~ como válidas era conhecido
:no (anoxibiose) ou exposição a temperaturas muito baixas (crio- até 2009 (Jlunt & Handoo, 2009), das quais quatro são considera-
':'1ose ). É a chamada dormência e, graças a ela, certos nematoides das as mais importantes, pela ampla distribuição geográfica e alto
.onseguem sobreviver onde há, anualmente, período prolongado grau de polifagia, a saber: M anmaria (Neal) Chitwood, M incog-
de seca ou frio. nita (Kofoid & White) Chitwood, Mjavanica (Treub) Chitwood
Os mais notáveis exemplos de dormência, em panicular de e M hapla Chitwood. Além delas, várias outras, nativas ou
nidrobiose, estão entre os nematoides parasitas de órgãos aéreos não, foram assinaladas no Brasil, como 1vl exígua, já citada,
je plantas. Na literatura oematológica, há relato de que espécimes M cojfeicola Lordello & Zamith, M enterolobii Yang & Eisenback,
je Anguina trifiei reviveram após período de dormência superior M. ethiopica Whitehead, M. graminicola Golden & Birchfield e
a 30 anos, quando grãos de trigo por eles infectados - presentes M paranaensis Carneiro, Carneiro, Abrantes, Santos & Almeida.
<'m plantas mantidas em herbários - foram imersas em água!
• Ciclo de vida/re.l ação parasita-hospedeiro
13. 17. PRINCIPAIS FAMÍLIAS E GÊNEROS DE De corpo globoso e região anterior formando "pescoço", a
FITONEMATOIDES remea de Meloidogyne deposita todos os ovos em um único local
Encontram-se nematoides parasitas de plantas nas duas clas- da raiz, originando típico aglomerado ou massa. Os ovos man-
s.!S do filo
Nematoda, Chromadorea e Enoplea. Segundo a classifi- têm-se unidos devido à presença de substância aderente secretada
~ção aqui adotada (Decraemer & Hunt, 2006), os grupos de maior pelas glândulas retais da fêmea, que flui através do ânus durante
relevância econômica estão filiados à classe Chromadorea, subor- o período de oviposiçào. As massas são formadas em meio ao
dem Tylenchina (Tabela 13.1 ), na qual se incluem fonnas portado- parênquima cortical (internas) ou sobre a snperficie das raízes
ras de estomatoestilete e de esôfago tilencoide. (externas), podendo conter mais de 400 ovos.

201
Manual de Fitopatologia

injeção de secreções esofagianas lançadas através do estomatoes-


Boxe 13.1 U a triste primazia para o Brasil tilete, a formação de um grupo de células ditas nutridoras, locali-
zadas ao redor de sua extremidade anterior. Essas células modifi-
Em 1877, durante visita de estudos pelo Brasil, cadas - hipertrofiadas, com citoplasma denso e núcleos/nucléolos
C. Jobert procurou identificar a causa do dedinio de muito evidentes - serão essenciais à nutrição e ao desenvolvimento
muitos cafezais, da então chamada Província do Rio subsequente do nematoide (Figura 13 .12), constituindo sítio de ali-
de Janeiro. As observações realizadas . durante sua mentação usualmente referido como cenócito.
permanência no País foram publicadas no ano seguinte
sob o título "Sur une maladie du caféier au Brésil"
(C.R. Acad. Se. Paris 87: 941-943). O autor referiu-se
brevemente, na ocasião, ao encontro de engrossamentos
atípicos nas raízes de cafeeiros doentes examinados,
alguns do tamanho de uma pequena ervilha. Observou
também a preHença de ovos associados a essas más
formações, dos quais minúsculos vermes eclodiam,
escapando para o solo.
Anos d,epoils, a convite do Governo Imperial, veio
ao Brasil o zoólogo europeu Emilio A. Goeldi, que
iniciou atividadles junto ao Museu Nacional no Rio de
Janeiro a partilr de 1885. Dentre as pesquisas por ele
conduzidas, Go,eldi conseguiu concluir a missão iniciada Figura 13.12 - Meloidogyne incognifa em raiz de eucalipto: corte
por Jobert. Desiincumbin-se, aliás,. muito bem da tarefa, histológico, vendo-se (n) o término anterior da fêmea
desenvolvendo minucioso estudo e sumariando suas e (cg) células nutridores incitadas por ela, fonnado-
descobertas em extenso relatório técnico (Arch. Museu ras do cenócito.
Nacional 8: 7-123) que foi distribuído na forma de
separatas já em1 1887, mas só publicado formalmente Com a indução do cenócito e início do fitoparasitismo, o J, fica
anos depois, em 1892. A causa do problema, segundo ele, mais robusto, com fonna aproximada de salsicha (Figura 13.lÍ D),
era um nematoide microscópico, parasita de raízes, ao perdendo a capacidade de se movimentar. Em outras palavras, ele
qual descreveu adequadamente e chamou Meloidogyne se toma sedentário. Embora ainda esteja no 2º estádio, passa agora
exigua. Estava, :assim, criado o gênero que ainda hoje é a receber a denominação de J2 parasita. Tendo atíngido o máximo
tido como o ma1is daninho e importante para as plantas crescimento, o J2 parasita sofre a segunda ecdise, advindo o J3, que,
cultivadas em l:odo o mundo. Triste primazia para os.- logo em seguida, dá origem ao\. Tanto o J3 como o J4 são despro-
brasileiros. vidos de estilete bucal e têm os esôfagos parcialmente degenera-
dos, sendo incapazes de se alimentar. Como as ecdises sucedem-se
No interior dos ovos, há juvenis do 1º estádio (J 1), que ali rapidamente, é comum observar o juvenil J4 retendo ainda os jnvó-
sofrem a primeira ,~cdise, originando juvenis do 2º estádio (J2), lucros cuticulares dos estádios anteriores.
de corpo filifonne (Figura 13. 11 A-C). São estes, chamados J, Finalmente, ocorre a quarta e última ecdise, formando-se os
pré-parasitas, que ~clodem e, abandonando os ovos, passam ã adultos, fêmeas e/ou machos, já com o estomatoestilete e o esô-
fago regenerados. Nas principais espécies, como M incogníta e

.,,,..E
migrar no solo à procura de raízes de um hospedeiro favorável,
constituindo o estádio infectante. M javanica, de reprodução por partenogênese mitótica obrigató-
ria, as populações são constituídas basicamente por femeas, apa-
H recendo os machos apenas sob condições ambientes especiais. As
fêmeas sexualmente maduras são globosas e providas de típico
"pescoço" (Figura 13 .11 G); no geral, têm coloração esbranqui-
çada. São visíveis a olho nu quando retiradas do interior de raízes
parasitadas, o que é incomum entre fitonematoídes.

(~)
Figura 13.11 - Desenvolvimento em Meloidogyne: (A) ovo, (B) ovo
Os machos, quando presentes, têm ·corpo esbelto, filifonne,
bem alongado, com um só testículo e cauda desprovida de bolsa-de-
cópula (Figura 13.11 F). Resultam de complexa metamorfose dos J4
masculinos (Figura 13.11 E) e, aparentemente, nã.o são fitoparasitas,
embora tal aspecto seja controverso. Sob condição de estresse nutri-
cional, como quando ocorre uma superpopulação na raiz atacada,
conte,ndo J,; (C) J, pré-parasita; (D) J, parasita; (E) juvenis femininos muitas vezes sofrem processo de reversão sexual
fêmea ünati1ra; (F) macho no invólucro êuticular do J4 ;
e acabam por dar formação a espécimes machos, atípicos, reconheci-
{G) macho e (H) fêmea sexualmente madura. dos por apresentarem dois testículos, e não apenas um.
Crédito: G. Steíner e W. F. Mai & H. H. Lyon.
A duração do ciclo biológico é muito influenciada por
Penetrando em radicela de planta suscetível, o J, pré-parasita fatores como temperatnra, umidade e planta hospedeira, entre
migra através do parênquima cortical e posiciona a região anterior outros. De modo geral, completa-se em 3 a 4 semanas. Para
do corpo no entorno do cilindro vascular, ao nível da endoderme M arenaria, M incognita e M. javanica, a faixa ideal de tempe-
ou do perieíclo. Ali estabelece o parasitismo, incitando, mediante ratura é de 25 a 30 ºC, enquanto para M hapla vai de 15 a 25 ºC.

202
Nematoides

• Identificação de espécies
A identificação da(s) espécie(s) de Meloidogyne ocor-
-mte(s) em uma dada área é item fundamental ao planejamento
controle ou manejo integrado, em especial quando este
r-dui indicação de uso de variedades resistentes e/ou rotação-
,..i.:essào de culturas. Isso se deve ao fato de que cada espécie
ja: gênero possui lista própria de plantas hospedeiras, ou seja,
?n,u de polifagia distinto dos apresentados pelas outras espécies.
\.ssim, saber que a espécie ocorrente em uma determinada área é
f mcognita, e não M javaníca, implica em diferenças com rela-
.-:io às possíveis culturas a serem empregadas em esquema de
•: tação, ou na escolha da cultivar a ser plantada no local.
Em todo o mundo, desde os anos 1950, o método mais utili-
zado na identificação das espécies de Meloidogyne nos laboratórios
~matológicos foi o exame da configuração perineal das fêmeas,
~.le se tornou clássico para tal finalidade. Nos últimos 25 anos,
rem. métodos bioquímicos e principalmente técnicas biomolecu-
_res passaram a ser usados para tal identificação, provendo grande
-=didade e, com frequência, bem maior precisão que o método tra-
. .:10nal. Sumários descritivos de tais métodos estão disponíveis
"lJ literatura nematológica (Carneiro et ai., 2016; lnomoto, 2016;
\tachado et al., 2010; Roberts er al., 2016). Hoje, tern-se conside- Figura 13.13- Mcloidoginoscs/sintomas diretos: (A, C, G) galhas;
· (A) escassez de radicclas; (B) ilescolamento cortical;
rado que a integração dos métodos clássico e molecular constitui
(C. D) digitamento; (E) ·'pipocas" e (F) rachaduras.
J estratégia ideal à identificação dos nematoides de galhas, combi-
Crédito d11S fotos: C. Averre,A. L Boss, L. C. Fenu e L. G. E. Lordello_
lldlldo-se os atributos de ambos (Oliveira et ai., 2011 ).
• Sintomatologia tacando-se com facilidade a casca do resto da raiz. Pressionadas
As Meloidoginoses, nematoscs devidas a nematoides de entre as mãos, raízes atacadas praticamente se esfarelam. É típico
,;-,lhas, caracterizam-se por sintomas diretos, ou seja, observados de cafeeiros parasitados por M coffeicola (Figura 13.13 B) e goia-
_s próprios órgãos vegetais parasitados (no geral, subterrâneos), e beiras por M enlerolobii.
-diretos ou reflexos, verificados na parte aérea das plantas. Digitamento ou ra{zes digitada.~ : comum cm cenoura, que,
Sintomas diretos além de galhas nas raízes finas, laterais, apresenta bifurcações e
outras anomalias, reduzindo-se muito o valor comercial do produto
Galhas: constituem o mais conhecido e frequente sintoma (Figura 13.13 C-D).
direto. São engrossamentos, de diâmetro variável, quase sempre
Rac/ruduras: ocorrem, com certa frequência, em certas cul-
~resentes nas raízes infectadas por Meloidogyne (Figura 13.13
turas, como batata-doce e beterraba forrageira, sob intenso ataque
\.C.G). Resultam de biperplasia e hipertrofia celular no cilindro
(Figura 13.13 F).
a,,cular e, mais marcantemente; no parênquima cortical, ao redor
_, corpo do nematoide em desenvolvimento. São formadas pela Sintomas reflexos
,rópria planta, como reação a toxinas introduzidas pelos nematoi- Tamanho desig11al de plantas/ ocorrê11cia tle "rebo/eirus";
_;:s. Embora muito comuns nas plantas atacadas, não constiincm a distribuição tipicamente irregular dos litoncmatoides nas cultu-
,mtoma obrigatório, não ocorrendo em certas interações, como a ras atacadas no geral causa desunifonnidade no crescimento das
d.: .\t/. cojfeicola e cafeeiro arábico, por exemplo. Em alguns tipos plantas e aparecimento de áreas localizadas, de maior ou menor
de plantas, como poáceas (milho, arroz), costumam ser pequenas extensão, denominadas manchas ou "reboleiras" (Figura 13. 14),
e de dificil visualização a olho nu. Galhas incitadas cm tubér- em que se concentram plantas de tamanho reduzido, depaupera-
.:-ulos. comuns em batata, costumam ser denominadas ·'pipocas" das. Tal condição - ocorrência de "reboleiras" - predomina nas
Figura 13.13 E). Não há de se confundir células nutridoras com Meloidoginoses, excetuando-se os casos de cultivos perenes já
galhas. Estas não são essenciais ao desenvolvimento e à reprodu- formados a partir de mudas infectadas, quando então o ataque no
.ão das espécies de Meloidogyne, mas aquelas, sim! Vale desta- campo pode se mostrar generalizado.
car que galhas radiculares também podem ser causadas por outros "Fome de minerais": designação dada ao quadro de defi-
ritonematoides (Hemicyc/iophora, Nacobbus, Xiphínema), por ciências nutricionais exibido por plantas cujos sistemas radicula-
insetos, por bactérias e por outros organismos, mas através de res parasitados por Meloidogyne atuam precariamente, não con-
mecanismos diferentes daquele aqui descrito para Meloidogyne. seguindo aproveitar nutrientes mesmo que disponibilizados pelo
Red11ção 110 volume do sistema rudic:11/ar: o mais das agricultor. Adubações corretivas no solo, em cobertura, não cos-
ezes, além de numerosas galhas, plantas sob alta infestação tumam dar bons resultados, mas aplicações foliares podem ate-
"°r Meloidogy ne exibem sistemas radiculares bem pobres, com nuar o sintof!!a, parcial e temporariamente.
e~cassas radicelas, mostrando-se pouco eficientes na absorção e Murcftamento: o desequilíbrio entre a tomada e a perda de
10 transporte de água e dos nutrientes do solo (Figura 13. 13 A). água em plantas muito atacadas muitas vezes pode levar as fo lhas
Descolamento cortical ou descorticamento: <! a condição em a murchar nas horas mais quentes do dia. É sintoma observado
que boa parte do córtex fica completamente desorganizada; des- mais em plantações de fumo_(Figura 13.14) e berinjela.

203
Manual de Fitopatologia

damente, no solo ou no interior de raízes parasitadas. Deles eclo-


dem J?s que, como os demais estádios e as formas adultas, estarão
prontÕs a iniciar o parasitismo. A infecção, no geral, restringe-se
ao parênquima cortical, que fica bastante desorganizado devido à
destruição de numerosas células durante a constante migração dos
espécimes (ação mecânica). Antes e durante a alimentação (ação
espoliativa), observa-se injeção de secreções esofagianas no inte-
rior das células (ação tóxica), as quais degeneram e acabam mor-
rendo pouco tempo depois que o nematoide se retira do local. Nas
radicelas atacadas, em decorrência exclusiva do parasitismo pelo
nematoide, resultam lesões necróticas de tonalidade pardo-averme-
lhada; posteriormente, é comum ocorrer invasão por fungos e/ou
Figura 13.J 4 - Meloidoginoses/sintomas reflexos (da esquerda para
bactérias (oportunistas ou fitopatogênicos), que acabam colonizando
a direita): "reboleira" em canavial e murchamento em
tais tecidos e expandindo a área necrosada, que fica enegrecida.
plantação de fumo.
Crédito das fotos: W. R. T. Novaretti e G. 8. Lucas. Os juvenis vão se desenvolvendo e, após a quarta ecdise,
formam-se os adultos. Há espécies, de reprodução anfimítica, em
Desfolha: queda abundante e rápida de folhas, principal- que os machos são nonnais, abundantes, como P coffeae. Porém,
mente na estação mais· seca do ano, costuma estar relacionada são raros ou desconhecidos em espécies como P brachyums e
a parasitismo intenso por Meloidogyne. Cafezais atacados por P. zeae, que se reproduzem panenogeneticamente. A duração do
M incognita ou M paranaensis frequentemente ficam "envaretados". ciclo varia com as espécies e em função de fatores do ambiente
(temperatura, umidade), oscilando de três (mais comum nos paí-
Mudanças em características varietais: em certas cultu- ses da zona tropical, como o Brasil) até seis semanas.
ras, sob intenso parasitismo por Meloidogyne, plantas de certas
Nas culturas anuais sob plantio convencional, costumam
variedades podem mostrar alterações evidentes em algumas d.e
migrar para o solo a partir do início da colheita, podendo sobrevi-
suas características agronômicas quando comparadas a sadias.
ver e persistir durante a entressafra nas raízes de plantas daninhas
Em cana-de-açúcar, por exemplo, observa-se menor perfilha-
hospedeiras ou em restos vegetais não arrancados (Figura 13.15).
mento e/ou redução no comprimento dos intemódios.
Diminuição na produção: redução gradativa na produtivi-
dade ao longo de safras sucessivas pode ser indicativa e levar à sus-
peição de ocorrência de nematoides de galhas na lavoura. Todavia,
tais reduções podem variar com o tipo de reação da cultura hospe-
deira. Milho e aboboreira costumam ser mais tolerantes aos danos
causados, sofrendo apenas perdas pequenas ou m~deradas mes'mo
sob altas infestações; variedades suscetíveis de feijão e cenoura,
por outro lado, quase nada produzem quando parasitadas.
Aspecto fundamental a se ressaltar é que os sintomas des-
critos, diretos e reflexos, não são específicos de nematoides de
galhas, podendo também ter outras causas. Aliás, isso vale tam-
bém para os demais gêneros de fitonematoides! Em vista disso,
a diagnose de Meloidoginoses deve necessariamente passar pela
verificação do _agente causal (= nematoide) em órgãos subterrâ-
neos (mui eventualmente, aéreos) das plantas sob suspeita de ata- Figura 13.15-Ciclo de vida de Prarylenchus: (A) ovos; (8-D) J, a
que e/ou no solo da lavoura e não se basear jamais apenas na J4 ; (E) macho; (F) femea; e (G) migração de juvenis+
observação dos sintomas visíveis! Para tanto, amostras de partes adultos e oviposição no córrex radicular.
de plantas possivelmente infectadas e/ou de solo devem ser cole- Crédito: J. Román.
tadas e enviadas a laboratório especializado para tal verificação.
• Sintomatologia
13.18.2. Gênero Pratylenchus filipjev, 1936 Vários dos sintomas diretos e reflexos observados nas
Considerado o segundo gênero em importância para o Pratilencoses assemelham-se muito ou coincidem com os já des-
Brasil, reúne os chamados "neroatoides das lesões radiculares", critos para as Meloidoginoses. Vale reiterar que esses sintomas
ou root-lesion nematodes, em inglês. não são específicos, ou seja, provocados unicamente portais fito-
Pelo menos uma dezena de espécies já teve ocorrência nematoides, podendo ter outras causas.
assinalada no Brasil, sendo P. brachyurus (Godfrey) Filipjev & Sintomas diretos
S. Stekhoven, P. co.ffeae (Zimrnermann) Filipjev & S. Stekhoven
e P zeae Graham as de ocorrência mais comum. São endopara- Não há formação de galhas! Os sistemas radiculares parasi-
sitas migradores, incluídos na família Pratylenchidae (Gonzaga tados mostram-se pouco volumosos e rasos. Nas raízes atacadas,
et ai., 2016). observa~se típica alternância entre áreas com lesões necróticas
de tonalidade mais escura e outras claras, aparentemente sadias
• Ciclo de vida/relação parasita-hospedeiro (Figura 13.16 C). Além das raízes, em especial as mais finas,
Todos os estádios juvenis e os adultos são filiformes, movi- podem causar também danos a tubérculos e outros órgãos subter-
mentando-se intensamente. As fêmeas depositam seus ovos isola- râneos, como relatado para batata e mandioquinha-salsa.

204
Nematoides

rowing nematode (Duncan & Moens, 2006). Essa espécie tem


ampla distribuição geográfica e representa um dos problemas
sanitários mais sérios para a cnltura da banana em todo o mundo,
tendo sido escolhida, por este motivo, para aqui ilustrar o gênero.
• C iclo de vide/relação parasita-hospedeiro
Como as espécies de Prarylenchus (Fignra 13.15), o nema-
toide cav~mícola apresenta os estàdios juvenis e os adultos de
corpo filiforrne, móveis, atuando como endoparasitas migrado-
res. Todas as fonnas, exceto os machos. que não são fitoparasi-
tas, podem iniciar o ataque nas raízes on no rizoma da bananeira.
As fêmeas depositam os ovos isoladamente ou em peque-
nos grupos, em total aproximado de 50 a 70, no córtex das raí-
zes parasitadas ou no solo. Dos ovos, eclodem 12s que, alimen-
tando-se e sofrendo as três ecdises subsequentes, originam
os adnltos, machos e fêmeas. O dimorfismo sexual é evidente:
fêmeas possuem forte estomatoestilete, esôfago completo e são
fitoparasitas, ao passo que machos têm estilete muito pequeno
e delicado, associado a esôfago parcialmente degenerado, não
Figura 13.16- Pratilencoses/sintomas: (A) desunifomtidade na altura sendo capazes de se alimentar nas raízes. A reprodução dá-se por
das plantas cm milharal; (B) diferença de crescimento an:fimixia. O ciclo biológico, no caso da fêmea, se completa em
entre fileira de cana-de-açúcar tratad11.com nematicida (à três a qnatro semanas; machos se formam em período mais curto,
direita) e atacada por P. zeoe (à esquerda); e (C) típicas ao redor de sete a dez dias.
lesões necróticas causadas nas raízes de cana. O tipo de parasitismo também assemelha-se mnito ao
Crédito das fotos: D. C. Nonon e L. L. Dinardo-Miramla. descrito para Pratylenchus. Os espécimes de R. similis pene-
tram e abandonam sucessivamente as raízes da bananeira, des-
truindo grande número de células do córtex durante a movi-
Sintomas reflexos mentação. Além desses danos mecânicos, através da injeção
As reboleiras são características nas Pratilencoses de certos de secreções esofagianas tóxicas desorganizam também as
cultivas, como da cana-de-açúcar e do milho, onde a desnnifonni- células sobre as quais se alimentam, causando-lhes a morte
dade entre as plantas confere à cultura, em vista geral, o aspecto em curto espaço de tempo. As lesões necróticas primariamente
de montanha-russa (Figura 13.16 A). Nessas culturas, a redu9ão causadas pelo nematoide exibem típica coloração pardo-
no crescimento devida ao fitoparasitismo por P. brachyurus e/ou -avermelhada, que se modifica para tonalidades mais escuras
P zeae pode ser marcante e levar a quebra significativa na pro- à medida que microrganismos do solo. em especial fungos.
dução (Figura 13.16 8). Nos últimos 20 anos, nas plantações de invadem e colonizam tais tecidos.
soja sob cultivo no Sistema de Plantio Direto da região Centro-
Oeste, P. brachyurus tornou-se também um dos mais importantes • Sintomatologia
problemas fitossanitários (ver Boxe 13.3). Sintomas diretos
Certos cultivas perenes, como o cafeeiro e o pessegueiro, Em exame superficial, raízes de bananeira parasitadas mos-
instalados em áreas altamente infestadas por P. hrachyurus, no tram característica alternância de áreas necrosadas e aparentemente
geral não se desenvolvem bem. Em Santa Catarina e no Rio sadias. Cortes longitudinais ou transversais dessas raízes revelam
Grande do Sul; macieiras e outras frutíferas temperadas têm c res- lesões profundas devidas exclus1vamentc ao nematoide. abran-
cimento limitado em áreas onde certas espécies do gênero ocor- gendo todo o córtex, mas raramente atingindo o cilindro vascular
rem em altas populações. (Figura 13.17). Todavia, quando o dano envolve a ação conjunta
Em relação à lista de hospedeiros, resumidamente, tem-se de outros organismos, a desorganização alcança também o parên-
que: P. brachyun,s é polífago e pode causar danos em milho, cana- quima vascular e os tecidos ficam totalmente enegrecidos.
de-açúcar, soja, feijão, amendoim e outras culturas, incluindo-se Nos rizomas, o nematoide concentra-se na região perifé-
olerícolas, ornamentais e essências florestais; P. zeae tem sido encon- rica, onde as raízes são emitidas, resultando áreas necrosadas
trado parasitando apenas algumas poáceas e fumo; e P. co.ffeae reduz. rasas (1 a 2 cm de profundidade) de extensão variável.
principalmente, a produção de café, embora possa multiplicar-se
Sintomas reflexos
nas raízes de bananeira, de citros e de diversas ornamentais. Nos
últimos anos, uma espécie nativa, P. Jaehni Inserra et ai., para- Em bananais bem atacados, observa-se tombamento de
muitas plantas pela ação de ventos ou devido ao peso dos cachos
sita de citros, tem causado enfezamento, desfolha e até morte de
eventualmente formados (Fignra 13.17). Essa queda, típica, é
plantas em pomares de diferentes regiões produtoras do estado
precedida de elevação do pseudocaule e decorre de o sistema
de São Paulo.
radicular, destruído em sua maior pane, mostrar-se incapaz de
13. 18.3. Gênero Rodopholus T horoe, 1949 suportar a volumosa parte aérea da planta. Por vezes, verifica-se
Também pertencente à família Pratylenchidae. compreende também forte redução no crescimento e os cachos, precocemente
ao redor de 30 espécies, a grande maioria originária da região aus- formados, mostram-se pequenos, sem valor comercial.
traliana. A mais importante, destacadamente, é Radopholus similis O nematoide cavernícola acha-se amplamente dissemi-
(Cobb) Thome, o conhecido "nematoide cavernícola'', ou bur- nado nas áreas produtoras brasileiras, devendo-se tal dispersão

205
Manual de Fitopatologia

13.18.4. Gênero Heterodera Schmidt, 1871


Incluído na família 1-loplolaimidae, o gênero compre-
ende os chamados "nematoides de cistos". Não obstante cons-
titua grupo de reconhecida importância agronômica em todo o
mundo há mais de um século, pouco interesse despertou no Brasil
até 1992, quando se verificaram os primeiros registros da espé-
cie Heterodera glycines lchinohe parasitando soja em áreas pro-
dutoras do Centro-Oeste e Sudeste. Até então, sabia-se apenas
Figura 13.17 - Nematoide cacvenícola (Radopholus similis) em bana- da ocorrência de H. fiei Kirjanova atacando figueira em alguns
neira: (da esquerda para a direita) raízes seccionadas pomares de São Paulo e do Rio Grande do Sul, sem maiores pro-
longitudinalmente evidenciando características áreas blemas. Cumpre ressaltar que também são referidos como nema-
necrosadas e tombamento típico de áreas atacadas. toides de cistos os membros do gênero Globodera Skarbilovich,
Crédito "das fotos: American Pbytopathological Society e J. M. Risêde. com duas espécies importantes à Agricultura (G. rostochiensis;
G. pallida), mas ainda não assinaladas no Brasil. ·
à comercialização indiscriminada de mudas infectadas entre os Outras espécies importantes de Heterodera são H. schachtii
bananicultores no passado, a exemplo do que ocorreu em vários Schmidt, parasita de beterraba açucareira e de cruciferas em geral,
outros países. e H, avenae Wollenweber, parasita de trigo e várias outras poáceas;
No Brasil, além' da bananeira, R. similis tem se revelado não há relatos de ocorrência delas no Brasil até o momento.
muito patogênico a diversas anonáceas, conduzindo à morte tanto Pelo impacto causado na sojicultura nacional, H. glycines,
plantas jovens como adultas, já em produção. É encontrado espo- o nematoide de cisto da soja (NCS), será empregada para ilustrar
radicamente também na rizosfera do milho, do café e de outras o gênero.
plantas cultivadas, sem se dispor de maiores subsídios sobre a • Ciclo de vida/relação parasita-hospedeiro
extensão dos danos possivelmente causados. Tem motivado pro-
blemas eventuais à exportação de certas ornamentais muito sus- Dos ovos de Heterodera, eclodem J2s filiformes e móveis,
cetíveis (marantas e outras) para a Europa, pois esses países, ao constituindo o estádio infectante. Diferem dos J,s de Meloidogyne
lado de Israel e do Japão, mantêm rigorosos serviços de quaren- por possuírem corpo mais longo e avantajado, estilete mais robusto
tena para prevenir a introdução do parasita. e cauda de diferente conformação.
Penetrando raízes de planta hospedeira, migram até o cilin-
Ao estabe[e,cer doenças complexas, em combinação com
dro vascular e ali incitam células nutridoras, de natureza sincicial.
outros microrganismos fitopatogên icos, torna-se ainda mais
Estabelecendo o parasitismo e intensificando a alimentação, o juve-
daninho, podendo dizimar extensas áreas produtivas em pou-
nil fixa-se de modo definitivo àquele local. São, portanto, considera-
cos anos, como aconteceu no passado com a cultura da pim,enta
dos endoparasitas sedentários, a exemplo dos nematoides de galhas.
(Boxe 13.2).
À medida que vão se nutrindo, os J2s tomam-se mais robus-
tos, com aspecto salsichoide. Sofrem mais duas ecdises, passando
pelos estádios J, e )4 • Essas duas formas juvenis distinguem-se
Boxe 13.2 Fim de sonho em Bangka das correspondentes do gênero Meloidogyne por serem providas
de estomatoestilete e terem esôfago normal.
A ilha de Bangka, na Indonésia, era grande Durante o créscimento dos juvenis, o nematoide vai gradati-
produtora de pimenta no início do século XX. Apesar vamente forçando o rompimento do córtex e da epiderme da radi-
da área disponível restrita, chegou a ter 22 milhões cela parasitada, expondo cada vez mais a parte posterior do corpo.
de "pés" · em uma determinada época. Um "pé" Isso é facilitado pelo fato de que estes parasitas, ao contrário de
constituía-se de poste de concreto ou de madeira, Meloidogyne, não causam galhas nas raízes, exceto em raríssimos
mantido no campo, ao redor do qual cresciam duas casos. Com a reaUzação da quarta e última ecdise, formam-se as
plantas entrelaçadas. A partir da década de 1930, femeas. O formato do corpo lembra o de um limão, de.vido ao fato
começaram a manifestar-se sintomas de declínio em de a área onde se localiza a vulva situar-se sobre uma elevação
algumas áreas de produção ou "jardins'~ como eram de aspecto cônico, referida como "cone vulvar''. Quando comple-
chamados. O mal, que ficou conhecido como "doença tamente desenvolvidas, as fêmeas ficam com quase todo o corpo
amarela'~ alastrou-se com rapidez. exposto fora das raízes, mantendo-se presas a estas apenas pela
Em 1950, comprovou-se a patogenicidade do região esofagiana ou "pescoço" (Figura 13.18 D).
nematoide cavernícola para a pimenteira em Bangka. Logo que formadas, as fêmeas são de tonalidade branca
Em 1953, apenas dois milhões de "pés" restavam na ou amarelada, mas depois podem adquirir tonalidade castanho-
ilha, agora uma economia arruinada pela súbita escura, amarronzada. Ocorre que, em várias espécies, inclusive
inviabilização de sna principal fonte de divisas. Ao H. glycines, as fêmeas retêm a grande maioria dos ovos no inte-
que tudo indica, a "doença amarela" resultava de rior de seus dois úteros, sendo apenas peque.na parte deles liberada
ação combinada do nematoide cavernícola e outro(s) para fora do corpo, em meio a uma secreção de aspecto gelatinoso.
agente(s) fitopatogênico(s) que não chegaram a ser Tal retenção causa compressão progressivamente maior dos órgãos
devidamente identificado(s}; mal capaz de dizimar internos e acaba provocando a morte das íemeas. Esses cadáveres
milhares de pimenteiras e de acabar, em poucos anos, de femeas, repletos de ovos (400-450, em média), são denomina•
com o sonho longamente acalentado por um povo. dos cistos. Podem ser encontrados ainda presos às raízes atacadas,
enquanto as plantas hospedeiras vegetam no campo, ou dispersos

206
Nematoides

,olo. após a remoção delas por práticas culturais. Os cistos têm A li


oração pardo-escura e a parede do corpo muito resistente, com
..,'.'<:cto de "couro", oferecendo eficiente proteção aos ovos contra
m1gos naturais e frente a estresses edafoclimáticos.
No interior dos cistos, os ovos podem pem,anecer viáveis por
· · anos ou mais, o que dificulta sobremaneira o controle por rota-
,._:;.-, ou sucessão de culturas. Juvenis recém-eclodidos escapam dos
.. ,1os através de restrita área ao redor da vulva chamada "fenestra",
~ parede muito fin~ que rompem com cena facilidade.
Os machos formam-se por processo semelhante ao obser-
;11.)o em Meloidogyne, que envolve ocorrência de metamorfose
estádio J ~- Como o modo de reprodução amplamente predomí-
':.?Jlte no gênero é a anfimixia, os machos são sexualmente ftm-
,,onais. Inclusive, é usual observar-se sucessivas fertilizações de
-na determinada fêmea por diversos machos, o que pennite con-
,wir que os ovos encontrados no interior do cisto fom,ado irão
cu eclosão a J,s que terão uma única mãe, mas vários possíveis Figura 13.18- Nematoide de cisto da soja (Heterodera glycines). sin-
pais. Em outras palavras,'a diversidade genética entre os descen- tomas reflexos: (A·B) ''reboleiras"; (C) "nanismo am-
ó.:ntes é grande em Heterodera, ao contrário do que foi visto para arelo"; (D) fêmeas sexualmente maduras parasitando
raízes, visíveis a olho nu.
ccruis espécies partenogenéticas de Meloidogyne.
Crédito das fotos: H. D. Campos.
O ciclo de vida em Heterodera completa-se, normalmente,
cm um mês ou pouco menos. A temperatura e a umidade do solo
:.em clara influência na duração. No caso de H g(vcines, na faixa parasitismo pela espécie, o que possibilitou o estabelecimento de
.:lc :!I a 23 ºC, completou-se em 21 a 24 dias, porém desenvolvi- adequadas c:stratégias de manejo nas áreas produtoras atacadas.
-,mto mais rápido pode acontecer no intervalo entre 28 e 31 ºC. No entanto, tal busca acelerada por opções de controle do NCS,
:> nanto, é possível a ocorrência de três a seis gerações por ciclo embora relativamente bem sucedida, acabou ensejando que outra
egetativo da soja, dependendo da cultivar. O círculo de hospc- espécie de fitonematoíde, até então de pouca expressão, acabasse
• eiros do NCS inclui princípalmente fabáceas (= leguminosas), se tomanJo sério problema para a sojicultura (Boxe 13.3).
,.:im destaq ue para a soja. Também são parasitados praticamente
i...-..dos os tipos de feijão, a ervilha, algumas plantas ornamentais e 13.18.5. Gênero Roly lenclwlus Linford & Oliveira,
~1, ersas invasoras. 1940
Por serem muito resistentes, os cistos favorecem bastante Filiado à família Hoplolaimidae, congrega cerca de uma
1 dispersão do nematoide, podendo ser transportados a curtas, dezena de espécies, das quais apenas uma assinalada no Brasil,
-:.k!días ou longas distâncias. São agentes conhecidos de dis- Rotylenchulus reniformis Linford & Oliveirn. Chamada de "ncma•
~minaçào: ventos~ enxurradas; água de irrigação; maquinaria
agricol~ veículos em geral; animais (aves migratórias); e princi-
palmente, o solo aderido a sementes. Boxe 13.3 Sai Heterodera, entra Pratylenchus

• Sintomatologia (sintomas diretos e reflexos) Os muitos estudos realizados em meados da d écada


Nas lavouras atacadas, observam-se muitas plantas de porte de 1990 a respeito do círculo de hospede iros das raças
~<luzido, clorótitas, agmpadas em manchas o u ·'reboleiras'' de do NCS ocorrentes no BrasiJ evidenciaram que milho,
formato usualmente ovalado (Figura 13.18 A-C). Tal quadro sin- milheto e sorgo incluíam -se entre as culturas altame nte
1,:m1atológico tem sido referido como "nanismo amarelo". Não desfavoráveis ao parasita. Sendo plantas muito inte-
-corre fonnação de galhas radiculares! A nodulação bacteriana ressantes para cultivo logo após a soja (cultura de
e geralmente diminuída e a produção final de grãos pode sofrer verão) no Sistema de Plantio Direto, como "safrinhas
grande redução (Asmus & Ferraz, 2003). d e inve rno': tais gramíneas se tornaram a partir d e
O exame de plantas mal crescidas, no campo, com auxílio en tão opções preferen ciais ao produtor para ocupação
~e lente de aumento, após cinco a seis semanas da semeadura, no das áreas atacad as p elo NCS.
;eraljá possibilita a verificação de fêmeas do nematoide (de colo- Fato ao qual n ão se atentou d evidamente na ocasião
-ação branca) parasitando as raízes (Figura 13.18 D). foi o de que n essas áreas também estava p resente a espécie
O assinalamento inicial do NCS no Brasil durante a safra Pratylenchus bracl,y urus, em nfveis populacionais tidos
l991 -92 e a subsequente confirmação do elevado potencial de como baixos. O plantio regular de milho, m.ilheto ou
danos da espécie causou enorme preocupação entre os sojicultores sorgo, ano após ano, conforme preconizado na época,
e autoridades governamentais, haja vista a impon ância da cultura provocou progressivo e m arcante aumento em tais
.:orno fonte de divisas no âmbito do Agronegócio. Inúmeras pes- níveis, pois se tra tam de ó timas plantas hospedeiras
quisas foram conduzidas sob condições controladas e no campo d essa esp écie, com a consequência d e que, à medida que
durante o período 1993-1997, desse esforço coletivo resultando a relevância do NCS foi se atenuando, a importância
o lançamento das primeiras cultivares nacionais com moderada de P. brachy urus se to rno u cada vez mais evidente. Sai
a a lta resistência a algumas raças do NCS e a disponibilização Heterodera, entra Pratylenchus.
de subsídios sobre as reações de muitas culturas anuais frente ao

207
Nematoides

no solo, após a remoção delas por práticas culturais. Os cistos têm A a


coloração pardo-escura e a parede do corpo muito resistente, com
aspecto de "couro'·, oferecendo eficiente proteção aos ovos contra
inimigos naturais e frente a estresses edafoclimáticos.
No interior dos cistos, os ovos podem permanecer viáveis por
oito anos ou mais, o que dificulta sobremaneira o controle por rota-
ção ou sucessão de culturas. Juvenis recém-eclodidos escapam dos
cistos através de restrita área ao redor da vulva chamada "fenestra",
com parede muito fina, que rompem com certa facilidade.
Os machos formam-se por processo semelhante ao obser-
vado em lvfeloidogyne, que envolve ocorrência de metamorfose
no estádio J4 • Como o modo de reprodução amplamente predomi-
nante no gênero é a anfimixia, os machos são sexualmente fim-
cionais. Inclusive, é usual observar-se sucessivas fenilizações de
uma determinada femea por diversos machos. o que permite con-
cluir que os ovos encontrados no interior do cisto formado irão
dar eclosão n J,s que terão uma única mãe. mas vários possíveis Figura 13.18 - Nematoide de cislo da soja (Heterodera glycines), sin-
tomas reflexos: (A-8) ..rcbolciras"; (C) "nanismo am-
pais. Em outras palavras. a diversidade genética entre os descen-
arelo"; (D) rameas sexualmente maduras parasitando
dentes é grande em Heterodera, ao contrário do que foi visto para
raízes, visíveis a olho nu.
certas espécies parteaogenéticas de Meloídogyne.
Crédito das fotos: H. D. Campos.
O ciclo de vida em / letemdera completa-se, normalmente,
em um mês ou pouco menos. A temperatura e a umidade do solo
têm clara influência na duração. No caso de H. g(vcines, na faixa parasitismo pela espécie, o que possibilitou o estabelecimento de
de 21 a 23 ºC, completou-se em 21 a 24 dias, porém desenvolvi- adequadas estratégias de manejo nas áreas produtoras atacadas.
mento mais rápido pode acontecer no intervalo entre 28 e 3 1 ºC. No entanto, tal busca acelerada por opções de controle do NCS,
Portanto, é possível a ocorrência de três a seis gerações por ciclo embora relativamente bem sucedida, acabou ensejando que outra
vegetativo da soja, dependendo da cultivar. O círculo de hospe- espécie de fitonematoide, até então de pouca expressão, acabasse
deiros do NCS inclui principalmente fabáceas (= leguminosas), se tomando sério problema para a sojicultura (Boxe 13.3).
com destaque para a soja. Também são parasitados praticamente
todos os tipos de feijão, a ervilha, algumas plantas ornamentais e 13.18.5. Gênero Rotyle11clmlu.~ Linford & Oliveira,
diversas invasoras. 1940
Por serem muito resistentes, os cistos favorecem bastante Filiado à família Hoplolaimidae, congrega cerca de uma
a dispersão do nematoide, podendo ser transportados a curtas, dezena de espécies, das quais apenas uma assinalada ao Brasil,
médias ou longas distâncias. São agentes conhecidos de dis- Rotylenchulm reniformis Linford & Oliveira. Chamada de "nema-
seminação: ventos; enxurradas; água de irrigação; maquinaria
agrícola; veículos em geral; animais (aves migratórias); e princi-
palmente, o solo aderido a sementes. Boxe 13.3 Sai Heterodera , entra Pratylenchus

• Sintomatologia (sintomas diretos e reflexos)


Os muitos estudos realizados em meados da década
Nas lavouras atacadas, observam-se muitas plantas de porte de 1990 a respeito do círculo de hospedeiros das raças
reduzido, cloróticas, agrupadas em manchas ou "reboleiras" de do NCS ocorrentes no BrasU evidenciaram que milho,
formato usualmente ovalado (Figura 13. 18 A-C). Tal quadro sin- milheto e sorgo incluíam-se entre as culturas altamente
tomatológico tem sido referido como "nanismo amarelo". Não desfavoráveis ao parasita. Sendo plantas muito inte-
ocorre formação de galhas radiculares! A nodulação bacteriana ressantes para cultivo logo após a soja (cultura de
é geralmente diminuída e a produção final de grãos pode sofrer verão) uo Sistema de Plantio Direto, como "safrinhas
grande redução (Asmus & Ferraz, 2003). de inverno': tais gramíneas se tornaram a partir de
O exame de plantas mal crescidas, no campo, com auxílio então opções preferenciais ao produtor para ocupação
de lente de aumento. após cinco a seis semanas da semeadura, no das áreas atacadas pelo NCS.
geral já possibilita a verificação de fêmeas do nematoide (de colo- Fato ao qual não se atentou devidamente na ocasião
ração branca) parasitando as raízes (Figura 13. l 8 D). foi o de que nessas áreas também estava presente a espécie
Ó assinalamento inicial do NCS no Brasil durante a safra Pratylenchus brachyurus, em níveis populacionais tidos
1991-92 e o subsequente confirrnoção do elevado potencial de como baixos. O plantio regulor de milho, milhcto ou
danos da espécie causou enonne preocupação entre os sojicultores sorgo, ano após ano, conforme preconizado na época,
e autoridades governamentais, haja vista a importância da cultura provocou progressivo e marcante aumento em tais
como fonte de divisas no âmbito do Agronegócio. Inúmeras pes- níveis, pois se tratam. de ótimas plantas hospedeiras
quisas foram conduzidas sob condições controladas e no campo dessa espécie, com a consequência de que, à medida que
durante o período 1993-1997, desse esforço coletivo resultando a relevância do NCS foi se atenuando, a importância
o lançamento das primeiras cultivares nacionais com moderada de P. brachyurus se tornou cada vez mais evidente. Sai
a alta resistência a algumas raças do NCS e a disponibilização Het.erodera, entra Pratylenchus.
de subsídios sobre as reações de muitas culturas anuais frente ao

207
Manual de Fitopatologia

toide reniforme", ou reniform nematode, é a de maior interesse do • Sintomatologia


grupo, causando danos severos e perdas apreciáveis em diversas Sintomas diretos
culturas (algodão, abacaxi, café, soja, feijão e outras) e diferentes
Não há formação de galhas. Os sistemas radiculares ata-
regiões geográficas.
cados mostram-se mais pobres e rasos. Em radicelas parasitadas
No Brasil, a cultura do algodão é, sem dúvida, a que sofre de tonalidade clara, como as de tomate, soja e maracujá, pode-se
maiores prejuízos, com reduções de produção de até 60%. Altas observar a prnsença de típica camada de solo aderente às massas
infestações, antes restritas a lavouras do interior paulista, são hoje de ovos externas formadas pelas fêmeas; em algodão, isto tam-
comuns principalmente em algodoais da região Centro-Oeste bém é p~sivd, embora não tão fácil.
(Starr et ai., 2005). O nematoide também tem sido assinalado
em plantios de banana, melão, maracujá e mamona, embora não Sintom as reflexos
se disponha de subsídios sobre os danos e perdas eventualmente Nos algodoais atacados, as "reboleirus" crescem a cada ano
causados nessas culturas. em número e tamanho; to<lavia, em certas lavouras, o ataque mos-
tra-se praticamente unifom1e, dificultando ao produtor a percep-
• Ciclo de vida/relação parasita-hospedeiro
ção dos sintomas (Starr et ai., 2005). Além do porte ·reduzido,
As fêmeas do nematoide reniformc são semiendoparasi- as plantas pan!sitadas no geral exibem clorose intemerval conhe-
tas sedentárias, originando massas de ovos (60 a 80, por massa) cida como "carijó", que costuma aparecer a partir de 45-50 dias
sobre a superficie das radicelas da planta hospedeira. da germinação e persiste até os 80-100 dias do ciclo vegetativo
Após a eclosão, os juvenis masculinos permanecem no (Figura 13.19 C-D). Verificam-se perdas tanto no peso dos capu-
solo sem se alimentar; até originarem os machos, filifonnes e lhos como em certas características qualitativas das fibras (Ferraz
não fitoparasi tas. Os juvenis femininos também se desenvolvem & Brown, 2016).
no solo, sem se alimentar, transformando-se em íemeas sexual- Embora esporádicos, são conhecidos relatos de "rebolei-
mente imaturas, ainda filiformes. Nesse estádio (:; fêmea ima- rns" devidas ao nematoide rcni forme em áreas produtoras de
tura), considerado infectante, migram à procura das raízes de maracujá e, principalmente, de soja no Brasil. De outra parte, em
planta hospedeira, penetrando-as parcialmente de modo a man- bananais, mesmo sob altas populações, praticamente não se per-
ter cerca de metade do corpo fora delas. Na região do periciclo, cebem sintomas.
no entorno do cilindro vascular, incitam a formação de algu-
13.18.6.. Gênero Tylenchulus Cobb, 1913
mas células nutridoras, ligeiramente hipertrofiadas, e passam a
obter alimento a partir delas, tornando-se sedentárias. Seus cor- Filia-se à família Tylenchulidae, compreendendo pou-
pos avolumam-se gradualmente e, ao alcançarem a maturidade cas espécies, tmtre as quais T semipenetrans Cobb, o conhecido
sexual, a porção que ficou fora da raiz adquire coofonnaçílo "ncmatoiJe dos citros", ou citms nematode. Essa espécie é a mais
semelhante à de um rim, donde adveio a denominação vulgar da importante em todo o mundo, causando, anualmente, perdas esti-
espécie (Figura 13.19 A-8). madas em 8 a 12% da produção total (Cohn, 1972).
Assinalada no Brasil há pelo menos 80 anos, encontra-se hoje
muito dissemina.da, acreditando-se ocorrer em todos os estados pro-
dutores. Como o nematoide cavernícola, não é nativo do Brasil,
tendo sido introduzido, ao que tudo indica, através de mudas con-
taminadas importadas no início do século passado.
• C iclo de vida/relação parasita-hospedeiro
As fem<:as são semiendoparasitas sedentárias, follDando
massas de ovos sempre externamente às radicelas atacadas. Cada
massa contém de 60 a 80 ovos. Deles eclodem J2 masculinos (ao
redor de 25% do total) e femininos (aproximadamente 75%), de
corpo filiformc. Os J2s masculinos passam pelas ecdises restantes
no solo e em apenas uma semana originam os machos, filiformes
e não fitoparasítas.
Os J 2s fomininos buscam radicelas cítricas e as penetram
parcialmente, localizaudo a região anterior do corpo ao nível do
córtex mais pmfundo. Ali estabelecem o parasitismo, incitando a
Figura 13.19-Nematoide renifolll1e (Rotylenchulus reniformis) formação de pequenos conglomerados de células nutridoras, não
em algodoeiro: (A-8) fêmeas maduras parasitando hipertrofiadas :neste caso (Figura 13.20 A). À proporção que se
raízes; (C) "reboleiras"; (D) folhas cloróticas, com alimentam e SE: desenvolvem até íemeas adultas, vão se tomando
sintoma "carijó". mais robustas, tanto no ·•pescoço" anterior, que fica embutido na
Crédito dll!i fotos: Society ofNematologisls, G. L. Asmus e L. C. Ferraz. raiz, como espc~ialmente na parte posterior do corpo, que perma-
nece fora dela e apresenta-se obesa, aberrante (Figura 13.20 C).
Como mencionado para o nematoide de cisto da soja, Quando advém a morte do nematoide, as células nutridoras desor-
vários machos do nematoide reniforme são normalmente obser- ganizam-se e uma lesão necrótica resulta no local, cuja extensão
vados copulando cada íemea madura, o que indica ser a anfimi- pode aumentar pela ação de microrganismos do solo. O ciclo de
xia o tipo de reprodução normal da espécie. A duração do ciclo vida completa-se em 6 a 8 semanas. em média, periodo bem mais
é de 17 a 23 dias em raízes de algodoeiro, podendo chegar a longo que o mencionado para a maioria dos fitonematoides tratados
30 dias em outras plantas hospedeiras. no itens anteriores (Duncan, 2005).

208
Nematoides

nível populacional inicial é baixo, o nematoide, no geral só come-


çará a causar danos após oito a dez anos (ou mais até), condição
referida como "declínio lento dos citros" [lembrar que essa espécie
tem ciclo de vida mais longo e a femea dá formação a menos de
uma centena de ovos]. Em tal situação, os sintomas ocorrentes no
pomar. como menor número de brotações e, principalmente, menor
tamanho dos frutos, são dificeis de serem percebidos.
Umll fonna utilizada no passado para evidenciar a presença
do nematoide em pomar atacado e os danos - pouco aparentes -
causados às plantas consistiu no tratamento de algumas fileiras
com nematicida químico durante alguns anos, mantendo-se fileiras
vizinhas sem qualquer tratamento. N o gemi, após três a quatro anos
de tal prática demonstrativa, a diferença no vigor das plantas trata-
das e, em especial, no número e no tamanho dos .frutos por elas pro-
duzidos em relação aos das plantas não tratadais tornava-se visual
(Figura 13.20 D). Trabalho experimental conduzido nos Estados
Unidos durante a década de 1980 (Engle & Scoggan, 1991) com
esse objetivo específico tem sido usado para ilustrar tal situação.
É importante lembrar que os problemas sempre se iniciam
Figura 13.20 - O nematoide dos citros (Ty/enchulus semipenerrans): por mudas atacadas, pois o nematoide não é nativo do Brasil e
(A) tecido nutridor (seta) incitado nu cónex radicu- parasita umas poucas plantas além das cítricas (videira, caqui-
lar; (B) fêmeas com massas de ovos cobertas por solo zeiro e oliveira). Portanto, a sanidade do poinar estará pratica-
aderente (setas); (C) fêmeas parasitando raiz; e (D) mente assegurada se apenas mudas sadias forem plantadas em
fileira tratada com nematicida (à esquerda) e não trata- áreas nunca antes cultivadas com cirros.
da (à direita) em pomar com "decllnio lento".
Crédito das fotos: TNRA/França e S. D. van Gundy. 13.19. MÉTODOS DE CONTROLE
Ao contrário de épocas passadas, nas quais o controle de
• Sintomatologia fitonematoidcs era feito comumente empregando-se um único
método, ou apenas uma técnica, hoje em dia tem sido priorizada
Sintomas diretos
a utilização combinada de várias medidas visando tal fim: é o
O ataque limita-se às raízes finas, ou radicelas, com quarro a chamado manejo integrado de nematoides. Na verdade, apenas
cinco semanas de idade, que, sob intenso pamsitismo, exibem tona- umas poucas técnicas, incluídas em três méuodos básicos, têm
lidade mais escura que as nonnais, sadias. Discreto sítio de alimen- sido mais usadas nos dias atuais, a saber: controle varietal (plan-
tação é induzido no córtex, em sua região intermediária, com poucas tio de variedades/cultivares resistentes ou tolerantes); controle
células nutridoras (Figura 13.20 A). Não há formação de galhas. cultural (rotação, ou sucessão, de culturas); e controle mediante
A presença de fina camada de solo aderente à superficie aplicações de produtos - biológicos ou quimicos - com ação
das radicelas em vários pontos, que não se desprende mesmo sob nematicida. É claro que, eventualmente, outras medidas, como
água corrente, constitui indicativo útil da provável presença de solarização do solo, plantio de culturas armadilhas ou antagonis-
T. semipenetrans no pomar (Figura 13.20 B). Representa a película tas, alqueive, etc., de emprego mais pontual, 1também podem ser
de argila que fica aderida à substância gelatinosa produzida pelas incorporadas aos esquemas de manejo.
fêmeas ao formar suas massas de ovos externamente às raízes, Aspecto essencial ao sucesso na implantação de programa
sendo mais evidente nos pomares formados em locais com solo de controle reside na correta identificação prévia da(s) espécie(s)
de coloração vermelho-escura. ocorrente(s) na área de produção sob ataque. Tal subsídio será
Sintomas reflexos sempre muito importante na elaboração do e~:quema de manejo,
Nas d~cadas de 1960 a 1980. os citricultores brasileiros pois se mostra detenninante à escolha tanto das culturas adequa-
adquiriam e utilizavam, com alguma frequência, mudas alta- das a serem plantadas no local, no caso de se definir pelo emprego
mente infectadas por T. semipenetrans para formar novos poma- do controle por rotação, quanto na seleção de cultivares resisten-
res. Nesses casos, já nos primeiros anos, sintomas reflexos agu- tes, se o controle varietal for cogitado como unna das ferramentas.
dos - enfezamento, clorose e aumento na juvenilidade - podiam No Brasil, já se dispõe de cultivares (porta-enxertos nos
ser observados nas plantas. Eram sintomas evidentes, que cha- casos de culturas perenes) com moderada a allta resistência (café,
mavam a atenção, devidos às altas populações do nematoide em cana de açúcar, cenoura, soja, tomate etc.) a várias espécies de
plantas bem novas. A partir de meados da década de l 990, com o fitonematoides, monnente de hábito sedentário, como algumas
estabelecimento de normas rigorosas para a produção de mudas do gênero Meloidogyne e ao nematoide de cis:to Heterodera gly-
cítricas no estado de São Paulo e em vários outros, que incluíam cines. Em relação à rotação/sucessão, técnica hoje mais usada na
a proibição do comércio de mudas infectadas pelo nematoide dos sojicultura sob Plantio Direto da região CentJro-Oeste, há várias
citros, tal tipo de ocorrência se tornou bastante ocasional. indicações na literatura nacional sobre cultura.s favoráveis e des-
Uma segunda situação, mais frequente hoje em dia, tem sido favoráveis à reprodução e ao desenvolvimento das principais
a de pomares formados a partir de mudas sadias, mas plantadas em espécies parasir.as da cultura (Tabelas 13.2 e 13.3).
locais que já foram antes cultivados com cirros e nos quais per- Quanto à utilização de produtos com ação nematicida,
sistiu infestação baixa ou residual por T semipenetrans. Como o atualmente há pelo menos dois bionematicidas registrados no

209
Manual de Fitopatologia

Tabela 13.Z - Culturas recomendadas para roiação com soja em Plantio Direto: "Sim" significa que diminui a população do nematoide e ''Não'·
que a aumenta. Células vazias significam falta de informação conclusiva para as interações. Os asteriscos (*) simbolizam espécies de
crotalárias.
:'\cmatoidc,
Culturas 1/eterodera .lle/11idogy11e ,\ leloitlof.1.l'IU' Rotrle11clt11/1" Pmt1·/em·lt11.,
g(rdne., jt11•t111icll i11cog11it11 rê11ijim11i, hrcicltyurn.,
Algodoeiro NÃ~ NÃO NÃO
\1ilho SIM NÃO SIM ••
Sorgo forrng.ciro SIM SIM NÃO
Cana-de-açúcar SIM NÃO NÃO SIM 1'.ÃO
Amendoim SIM SIM SIM NÃO
Feijoeiro NÃO NÃO ÃO NÃO NÃO
Caupi SIM NÃO NÃO
Mandioca SIM NÃO NÃO NÃO NÃO
Arro7 SIM NÃO NÃO NÃO
C. spectahilis SIM SIM SIM SIM SIM
C. hr<',·//lom SIM SIM SIM SIM SIM
e. jtt/1('('(/ SIM SIM NÃO
ivlucunas SIM S™ NÃO
Guandu NÃO
Fonte: M. M. lnomoto, G. L. Asmus e R. A. Silva.

Tabela. 13.3 - Culturas para sucessão ("safi'inhas de inverno") da soja no Plantio Direto. "Sim" significa que reduz a população do nematoide e
"Não" que a aumenta. Células vazias significam falta de informação conclusiva para as interações.

:'\cmatoidc,
Cu li ums //e/erodem ,\/eloidox_r11e M eloi,logy11e R111rle11d111/11, l'ratrle11d111.,
g(rcine., jt11·1111i('(J i11cognitt1 rê11ijim11i, l>rtt~·h_r11ru.,
:Vlilheto SIM NÃO SIM
Braquiárias SIM SIM SIM SIM NÃO
Sorgo forrageiro SIM SIM NÃO
Pé-de-galinha SIM NÃO NÃO SIM
Naho forragciro SIM NÃO NÃO SIM
Girassol SIM NÃO NÃO SIM
\'lilho SIM NÃO SIM NÃO
Sorgo granili:ro S[M NÃO SIM NÃO
Algodão SIM SIM NÃO NÃO NÃO

Fonte: M. M. lnomoto, G. L. Asmus e R. A. Silva.

mercado nacional, formulados à base de fungos nematófagos, a Tais produtos já foram bastante utilizados no Brasil cm décadas
saber: Purpureocillium li/acinum (= Paecilomyces lilacinus) e passadas, em particular nas culturas de café e cana de açúcar.
Pochonia chlamydosporia. Embora mais indicados ao controle Para cada interação fitonematoide-cultura considerada, deverá
de nematoides de galhas, podem ser úteis também, sob condições se proceder à análise tlus métodos de controle mais adequados dis-
adequadas, ao manejo de outros fitonematoides. Diversos outros
produtos biológicos estão sendo ora avaliados para fins de regis- poníveis. Quando apenas uma espécie de fitonematoide tida como
tro objetivando uso futuro no controle de fitooematoides aqui no "problema" está presente na área em qucstiio, tal tarefa pode até ser
Brasil. menos dificil, mas sempre envolve certo grau de complexidade. Se
Também há vários nematicidas químicos disponíveis no duas ou mais espécies ocorrerem simultaneamente, com certeza o
mercado brasileiro, com registro de uso em algumas culturas e planejamento do manejo integrado irá exigir bem mais cuidados do
visando ao controle de nematoides de galhas e de outros gêneros. produtor rural e dos técnicos fitossanitaristas.

210
Nematoides

Dada a abrangência do assunto, para mais detalhes a respeito. Ferraz, L.C.C.B. & Orown, D.J.f. An iotroduction to nematodes: plant
sugere-se a leitura dos livros " Manual de Fitopatologia: volume 2 - ncmatology. Sofia, Pensoft. 2002.
Doenças das Plantas Cultivadas (Amorim et ai., 2016)" e "Manejo Ferraz. L.C.C.8. & Brown. D.J.F. Nematologia de Plant2s: fundamen-
~ustentável de Fitonematoides" (Ferraz et al. 2010). Neles, cons- tos e importância. Manaus, Nonna, 2016 (e-book). Disponível em:
tam recomendações de manejo integrado de fitonernatoides para <hnp://doceoies.esalq.nsp. br/sbn/ferbro/FerrazBrown20 l 6v02.pdf>.
diversas culturas de interesse econômico no Brasil. Ferraz, S.; Freitas. L.G.; Lopes, E.A.; Dias-Arieira, C.R. (eds.) Manejo
sustentável de fltonematoides. Viçosa, Editora da UFV, 201 O.
13.20. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.EA. PrarylenchllS. ln: Oliveira.. C.M.G.; Santos, M.A.; Castro. L.H.S. (eds.)
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211
Nematoides

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211
Parte III

CONTROLE DE DOENÇAS
CAPÍTULO

14
PRINCÍPIOS GERAIS DE CONTROLE
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim

ÍNDICE

14.1. Conceitos de controle .......................................... 215 14.7. Medidas de controle baseadas na erradicação ... 220
l-1.2. Os princípios de Whetzel ..................................... 216 14.8. Medidas de controle baseadas na regulação....... 222
J 4.3. Os princípios gerais de controle e o triângulo 14.9. Medidas de controle baseadas na proteção ........ 223
da doença.............................................................. 216
14. IO. Medidas de controle baseadas na imunização..... 225
14.4. Os princípios de controle e a abordagem
epidemiológica quantitativa................................ 217 14.11. Medidas de controle baseadas na terapia ......... 226
14.5. Medidas de controle baseadas na evasão ............ 217 14.12. Bibliografia consultada ...................................... 227
. .
14.6. Medidas de controle baseadas na exclusão......... 219

controle de doenças de plantas é o mais importante eia de doenças. Contudo, nem essas variedades, nem essas ativida-

O objetivo prático da Fitopatologia. Sem controle,


doenças de plantas podem ocasionar enormes
~- ~;zos, de consequências sociais muitas vezes catastróficas,
des podem ser drasticamente modificadas sem risco de diminuir a
eficiência produtiva. Esta é a ra7.ào pela qual o controle de doenças
assume importância fundamental dentro da agricultura moderna.
o aconteceu no passado. Não tão dramática mas ainda de Inserido no amplo contexto da produtividade, o controle
a alannante, doenças de plant.aS continuam cobrando pesado de doenças de plantas nilo pode ser abordado isoladamente, ma<;
:--~to do homem, na forma de prejuízos na exploração agrícola integrado a to<los os outros fatores que compõem a equação da
numerosas espécies vegetais de interesse econômico. Estima- produção: clima, variedade, adubação, tratos culturais, plantas
que mais de 30% da produção agrícola mundial são perdidos daninhas e pragas, entre outros. Na equação da produtividade,
JL...ilmente por problemas fitossanitários. Esse panorama, num cujos fatores de produção constituem as variáveis independentes,
..io cm constante expansão demográfica e diminuição das também se aplica a lei do mínimo ou de Liebig, segundo a qual
~ agricultáveis, não pode ser menosprezado. Urge aprimorar o máximo de produção depende do fator de crescimento que se
• conhecimentos que, pennitindo diminuir tais danos. aumentem encontra à disposição da planta em menor quantidade, pois cada
• eficiência produtiva. variável pode agir como fator limitante. Daí a necessidade de se
A eficiência produtiva tem sido a meta insistentemente pro- procurar a otimização de todos, dentro do manejo racional da cul-
'H'ada pelo homem, da qual decorrem, paradoxalmente, muitos tura. Gastos no controle de doenças, mesmo de importância limi-
àh a,uais problemas fitopatológicos. Variedades de plantas eonti- tante, não se justificam caso outros fatores de produção, também
-..idamente selecionadas para atender às exigências de produção, limitantes, não forem controlados (Figura 14.1).
~reio e consumo aliam, muitas vezes, grande vulnerabilidade
~ agentes fitopatogênicos. Técnicas culturais, como densidade de
14.1. CONCEITOS DE CONTROLE
pmmo, monocultura baseada em uniformidade genética intrapopu- Surgida no final do século XIX da urgente necessidade
:Ja:.<mal, adubação, mecanização, irrigação, etc., necessárias para prática de prevenir doenças catastróficas, como a requeima da
pr.intir alta produtividade, frequentemente favorecem a ocorrên- batata, a fenugem do cafeeiro e o míldio da videira, a Fitopatolo-

215
Manual de Fitopatologia

14.2. OS PRINCÍPIOS DE WHETZEL


Whetzel et ai. ( 1925) e Whetzel (1929), num esforço de
sistematização dos métodos de controle até então conhecidos.
agrupou-os em quatro princípios biológicos gerais: exclusão -
prevenção da entrada de um patógeno numa área ainda não infes-
tada; erradicaçii.u - eliminação do patógeno de uma área em que
já foi introduzido; proteção - interposição de uma barreira prote-
tora entre-as partes suscetíveis da planta e o inóculo do patógeno.
antes de ocorrer a deposição; imunização - desenvolvimento de
plantas resistentes ou imunes ou, ainda, desenvolvimento, por
meios naturais ou artificiais, de uma população de plantas imunes
ou altamente resistentes, em uma área infestada com o patógeno.
Com o tempo, a esses princípios foi acrescentado o da terapia.
que visa restabelecer a sanidade de uma planta já infeétada pelo
patógeno.
Esses cinco princípios, conhecidos como princípios de
Whetzel, foram enunciados como passos sequenciais lógicos no
controle de doenças de plantas, levando em consideração o ciclo
das relações patógeno-hospedeiro (considera, ponanto, somente
Figura 14.1 - Representação da lei do mínimo adaptada aos fatores doenças bióticas infecciosas) em uma detenninada área geo-
de produção. A falta de controle de doença impede o gráfica. Assim, a exclusão interfere na fase de disseminação, a
aumento da colheita. erradicação, na de sobrevivência, a proteção, na subfase depo-
sição do inóculo e pré-penetração, a imunização, na iofocção e
colonização e a terapia, na fase pós-infecção (Figura 14.2).
gia, desde seus primórdios, preocupou-se em enfatizar a conota-
ção econômica do controle. Assim, o controle foi definido como
"prevenção dos prej uízos de uma doença " (Whetzel et ai., 1925),
sendo admitido em graus variáveis (parcial, lucrativo, completo,
absoluto, etc.) mas "aceito como válido, para fins práticos,
somente quando lucrativo " (Whetzel, 1929). Este ponto de vista
é aceito e compartilhado generalizadamente pelos fitopatologis-
tas. Fawcetti & Lee {1926), por exemplo, já naquela época, â:fir-
mavam que "na prevenção e no tratamento de doenças devem ser
sempre considerados a eficiência dos métodos e o custo dos trata-
mentos, sendo óbvio que os métodos empregados devem custar
menos que os prejuízos ocasionados". Na mesma linha, Zadoks
& Schein ( 1979) são de opinião que tanto a falta como o excesso ERRADICAÇÃO
de medidas de controle igualmente trazem prejuízo aos agricul-
tores. Entretanto, o controle de doenças de plantas só passou a SOBREVIVÊNCIA
ser racionalmente cogitado a partir dos conhecimentos gerados
CICLO PRIMAR/O
pelo desenvolvimento da Fitopatologia como ciência biológica.
Subentende, portanto, uma concepção biológica, podendo, nesse
sentido, ser definido como "redução na incidência ou severidade Figura 14.2 - Fases do ciclo das relações patógeno-hospedeiro onde
da doença " (National Research Council, 1968). Essa conotaç~o atuam os princípios de controle de Whetzel.
biológica é de fundamental importância, pois dificilmente doen-
ças podem ser controladas com eficiência sem o conhecimento
adequado de sua etiologia, das condições climáticas e cultu- 14.3. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE CONTROLE E O
rais que as favorecem e das características do ciclo das relações TRIÂNGULO DA DOENÇA
patógeno-hospedeiro, além da eficiência dos métodos de con- Os princípios de Whetzel, abordando os problemas de con-
trole disponíveis. trole numa visão bidimensional do ciclo das relaçi'les patógeno-
As conceituações econômica e biológica estão íntimamente hospedeíro, não poderiam abranger adequadamente todas as
relacionadas, pois a prevenção da doença leva à diminuição dos medidas de controle. A ação do homem sobre o patógeno (exclu-
danos (reduções na quantidade e/ou qualidade da produção) e, são e erradicação) e sobre o hospedeiro {proteção, imunização
eventualmente, das perdas (reduções do retomo financeiro por e terapia) estava bem clara. Entretanto, o fator ambiente, um
unidade de área cultivada) (veja Capítulo 39 desta obra). Em dos vértices do triângulo da doença, fora deixado de lado. Em
vista disso e pelo fato do dano ser uma função epidemiológica, vista disto, Marchionatto (1949) sugere que medidas de controle
embora doenças possam ser controladas em hospedeiros indivi- baseadas em modificações do ambiente obedecem ao prineípio
duais - como em certas árvores e plantas ornamentais de grande da regulação. De fato, modificações de umidade, temperatura e
valor-, o controle de doenças de plantas é um problema essen- luminosidade do ambiente, da reação e propriedades do solo e
cialmente populacional. da composição do ar, não se encaixam adequadamente dentro do

216
Princípios Gerais de Controle

orincípio de proteção, onde usualmente são colocadas, em livros patógeno. Vanderplank (1963) propõe que alguns métodos dt
sextos de Fitopatologia, co mo os de Walker (1957) e Stakman & controle, como o plantio de variedades pre·coces ou o plantio
Harrar (1957). antecipado para escapar da doença, reduzem t; outros, como o
Outras medidas de controle, também não satisfatoriamente uso de variedades tolerantes, não reduzem J'o· nem r e nem t; mas
iJUStáveis aos princípios de Whetzel, são aqnelas referentes à que a maioria reduz Yo ou r ou ambos (para um tratamento mais
:-:,colha de área geográfica, local e época de plantio, profundidade aprofundado, veja Capítulo 40 - Análise temporal de epidemias).
:e semeadura, precocidade das variedades. etc. Tais medidas são Essa linha de pensamento, aceita corno unificadora e abran-
:rualmente agrupadas no princípio de evasão. que pode ser enun- gente para todas as doenças infecciosas, te:m sido seguida de
~1ado como a prevenção da doença pelo plantio ern épocas ou maneira geral pelos fitopatologistas. principalmente por aqneles
ireas quando ou onde o inócnlo é ineficiente, raro ou ausente. A envolvidos com a epidemiologia. Berger (1977), por exemplo,
t\ asão baseia-se, portanto, em táticas de fuga dirigidas contra o sugere três estratégias epidemiológicas para minimizar os pre-
p.1tógeno e/ou contra o ambiente favorável ao desenvolvimento juízos de uma doença: 1) eliminar ou redu2:ir o inóculo inicial
.:la doença. ou atrasar o seu aparecimento; 2) diminuir a taxa de desenvolvi-
A regulação e a evasão tomam os princípios de controle mento da doença; e 3) encurtar o período de e:xposiçã<1 da cultura
mais abrangentes, incluindo doenças abióticas dentro de seus ao patógeno.
"lbjetivos, permitindo uma visão mais global da natureza da doença Essa abordagem matemática de como c rescem as doenças
processo resultante da interaçao de três fatores: planta, patógeno infecciosas toma a epidemiologia uma ciência quantitativa, per-
e ambiente) e mclhor;rndo a compreensão de que qualquer alte- mitindo uma melhor compreensão do desempenho das medidas
'"3Çâo nos componentes do triâugulo da doença, isoladamente ou de controle adotadas. Assim, a indicação das medidas de controle
cm conjunto, modifica o seu livre curso. A Figura 14.3 mostra. no mais convenientes reside fundamentalmente no valor numérico
triângulo da doença, onde atuam os princípios de controle. der. Se valores der forem baixos, uma pequ,~na redução do in6-
culo inicial (exclusão, erradicação, evasão. imunização-resistên-
cia vertical) poderá ser suficiente; no entanto, quando valores de
evasão r forem elevados, devido à própria natureza da doença, medidas
regulação de controle que reduzem principalmente r (proteção-defensivos,
imunização-resistência horizontal) serão as q ue mais satisfatoria-
mente afetamo o desenvolvimento de epidemias.
Os princípios de controle sob os pontos de vista biológico e
epidemiológico, atuando nos mesmos fatores que compõem todas
as doenças, estão intimamente relacionados, conforme mostra a
Tabela 14.1.

14,S. MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS


patógeno hospedeiro NA EVASÃO
evasão terapia Medidas de controle baseadas na evasilo visam a prevenção
exclusão proteção da doença pela fuga em relação ao patógeno e/ou às condições
erradicação imunização ambientes mais favoráveis ao seu desenvolvimento. Subentende
o uso de uma planta suscetível numa situaçião em que o triân-
Figura 14.3 - Indicação da atuação dos princípios gerais de controle gulo da doença não se configura adequadamente pela falta de
nos componentes do triângulo da doença (hospedeiro, coincidência, no tempo e/ou no espaço, dos três fatores que o
patógeno e ambiente). compõem: tecido suscetível, patógeno agressivo e ambiente favo-
rável. Na ausência de variedades imunes ou msistentes, a evasão
é a primeira opção de controle de doenças de plantas. seja em
14.4. OS PRINCÍPIOS DE CONTROLE EA grandes áreas, seja em canteiros de semeadura.
ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA As principais medidas evasivas são: esc;olha de áreas geo-
QUANTITATIVA gráficas, escolha do local de plantio dentro dt~ uma área e modi-
Os princípios de controle fundamentam-se, essencialmente, ficação de práticas culturais. Tais medidas de controle levam em
em conhecimentos epidemiológicos, pois atuam no triângulo consideração a ausência ou preseuça do patógeno, a quantidade
planta-patógeno-ambiente, impedindo ou retardando o desen- relativa do inóculo e as condições ambientes mais ou menos favo-
volvimento sequencial dos eventos do ciclo das relações pató- ráveis; afetam, assim, os parâmetros epidemiológicos YO (inóculo
geno-hospedeiro. Entretanto, o fator tempo, essencial para bem inicial), r (taxa de infecção) e/ou t (período de exposição das plantas
compreender as epidemias, só foi explicitamente considerado a à infecção).
partir de 1963, através de análises epidemiológicas baseadas na A escolha de áreas geográficas desfavoráveis ao desenvolvi-
taxa de infecção e na quantidade de inóculo inicial (Vanderplank, mento do mal das folhas da seringueira, causado por Microcyclus
1963). Essa relação aparece simpUficada na equação ulei, tem viabilizado a heveacultura no Centro-Sul do Brasil, em
maciços florestais artificiais, compostos por plantas suscetíveis,
Y =Yo e rt
sem necessidade de controle químico, uma vez que nessa região
onde a proporção y de doença em um tempo t qualquer é deter- a doença não atinge níveis prejudiciais. Na A.mazôuia, tentativa
minada pelo inóculo inicial y0 , pela taxa média de infecção r semelhante, no passado. redundou em históríeo fracasso, devido
e pelo tempo t durante o qual o hospedeiro esteve exposto ao ao ambiente extremamente favorável à doença e à inviabilidade

217
Manual de Fitopatologia

Tabela 14.1 - Relação entre métodos e princípios de controle e seus efeitos predominantes sobre o patógeno (P), hospedeiro (H) ou ambiente
(A) e sobre variáveis e parâmetros epídemiológicos y 0 , r ou t.

PRl:\CÍ PIOS Efeito predominante sobre


l\létodo~ de controle p H A y
11
r r
EVASÃO
Escolha da área geográfica + + + +
Escolha do local de plantio + + + +
Escolha da data de plantio + +
Plantio raso + + +
Variedade precoce + + +
EXCLUSÃO
Sementes e mudas sadias + +
Inspeção e certificação + +
Quarentena + +
Eliminação de vetores + +
Proibição do plantio de determinada espécie vegetal em
+ + +
algumas épocas (vazio sanitário)
ERRADICAÇÃO
Rotação de cultura + +
Roguing + +
Eliminação de hospedeiros altemativos/altemados + +
Tratamento de sementes e solo + +
PROTEÇÃO
Pulverização de partes aéreas + +
Controle de vetores + +
Tratamento de sementes + + +
REGULAÇÃO
Modificações de práticas culturais + +
Modificação do ambiente e nutrição + +
IMUNIZAÇÃO
Resistência horizontal + +
Resistência vertical + +
Variedade multilinha + + +
Premunização química e biológica + + +
TERAPIA
Quimioterapia + +
Termoterapia + +
Cirurgia + +

Fonte: Adaptada de Zadoks & Schein (1979).

do controle químico. No entanto, com as mudanças climáticas aliem variedades resistentes ou tolerantes a locais de baixa favo-
que ocorrem globalmente, mesmo áreas consideradas desfavorá- rabilidade climática à ocorrência da doença.
veis podem, eventualmente, apresentar condições ~dequadas ao A escolha de áreas geográficas, seja para fugir de patóge-
desenvolvimento de epidemias. Em 2013, em razão da ocorrência nos, seja para fugir de condições predisponentes à ocorrência de
anormalmente elevada de chuvas associada a temperaturas ame- epidemias, é um método de controle ainda amplamente explorá-
nas no verão, epidemias severas do mal das folhas da seringueira vel num país tão extenso quanto o Brasil, que aprese nta enormes
ocorreram no Planalto Paulista, sudeste de Mato Grosso, nordeste variações climáticas regionais. Em anos recentes, empreendimen-
de Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins, áreas consideradas tos de grande porte foram feitos na região nordestina para produção
"escape" da doença. Essa situação, que pode se repetir, reforça de frutas de alta qualidade. Nessa região, devido ao clima árido,
a recomendação para a integração de medidas de controle que frutas como uva, manga e melão podem ser produzidas com maior

218
Princípios Gerais de Controle

~àcilidade, sem os problemas fitossanitários encontrados pelos


.-ruricultores do sul do País. Este método de controle, ainda limi- Boxe 14.1 Campanhas bem humoradas atraem atenção
udamente utilizado. é o ideal para a produção de sementes de alta
qualidade sanitária e deveria ser utilizado· mais sistematicamente O transporte de material vegetal em bagagens de
pelas empresas envolvidas. passageiros internacionais é um dos meios de introdu-
A escolha do local de plantio dentro de uma área é uma ção de doenças e de pragas em um país. Na Austrália,
opção imponante, muitas vezes inobservada pelo agricultor. onde a agricultura é importante setor econômico e onde
.\ssim, por exemplo, tomaticultores que estabelecem suas cultu- o isolamento geográfico lhes garante ausência de várias
ras de tomate tutorado, no inverno, em baixadas úmidas e próxi- doenças, campanhas publicitárias voltadas ao público
:nas de represa, sujeitas a fortes neblinas, correm sérios riscos de leigo são frequentemente disseminadas para conscienti-
-,corrência da requeima (Phytophthora infestans), doença fúngica zar a população do perigo da introdução de patógenos e
que. nessas circunstâncias, pode, em poucas semanas, devastar de pragas exóticas. Exagerar no tamanho da praga é uma
; omp)etamente essa cultura de tão alto custo de produção. maneira de mostrar o tamanho do problema que poderá
advir com sua introdução (Figura 14.4). Nos E.U.A. há
Práticas culturais, como escolha do tipo de solo (de boas
.:aracterísticas tisicas, químicas e biológicas), emprego de pro- também vídeos bem humorados disponíveis on-line que
fundidade adequada de plantio, uso de enxenia alta e prevenção exploram os riscos de introdução de pragas nas via-
de ferimentos nas raízes das mudas, são normalmente recomen- gens internacionais (http://hungrypests.com/). Numa
daveis no controle da gomose dos citros (Phytophthora spp.), pois sociedade cada vez mais conectada, todas as iniciati-
são medidas que evitam as condições predisponentes para ocorrên- vas que auxiliem na contenção da dispersão de doen-
ças são bem-vindas.
.:-ia dessa importante doença. A inobservância dessas recomenda- .
ções pode, pela impossibilidade prática de acionar outras medidas
do! controle, inviabilizar a exploração econômica <le um pomar.

1-1.6. MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS


NA EXCLUSÃO
A prevenção da entrada e estabelecimento de um patógeno
;;>m uma área isenta é feita através de medidas quarentenárias, con-
solidadas em legislaçõés fitossanitárias promulgadas por órgãos
Eovemamentais, nacionais e internacionais. A legislação fitos-
><mitária brasileira data de 12 de abril de 1934 (decreto 24.114),
embora desde 1925 houvesse preocupação do governo federal em
:nanter um serviço de vigilância sanitária vegetal; com i!}spetôres
:ios portos de 13elém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos,
São Francisco, Rio Grande, Uruguaiana e Corumbá. A legisla-
ção de l 934 estipula, entre outras disposições, que a importação Figura 14.4- Imagem de campanha de divulgação deno-
minada "Big Bugs", realizada pelo serviço de
de vegetais ou partes de vegetais só será permitida por portos ou
inspeção e quarentena australiano, destinada a
e-stações de fronteira aparelhados com serviço de defesa sanitária,
turistas que ingressam na Austrália, sobre os riscos
'llediante atestado de que os produtos introduzidos são conside-
de introduzir materiais proibidos naquele país.
rados isentos de doenças e pragas nocivas às culturas no país de
origem e que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
mento (MAPA) determine, em portaria, produtos e respectivos
países sujeitos a proibição ou condições especiais de importação, cojfeanum responsável pela CBD (co.ffee berry disease), doença
devido à suspeita ou ocorrência de doença, cuja intTodução no maistemí vel que a própria ferrugem (Hemileia vasratrix), a raça4 de
Brasil possa constituir perigo para as culturas nacionais. A legis- Fusarium oxyJpon1m f. sp. cubense, responsável pela fusariose
1dçào mais recente sobre este assunto é o Decreto Nº 5.351 de (mal de Panamá) da bananeira até em variedades do grupo
: 1 '1/2005 que informa ser da competência do Departamento "Cavendish", e o "Plum pox virus", responsável pela doença sharka,
de Sanidad~ Vegetal do MAPA programar, coordenar e promo- que causa importante dano às rosáceas de caroço.
1 er a execução das atividades de vigilância fitossanitária, inclu-
Justifica-se tanto temor pela introdução de agentes fi.topato-
sive a definição de requisitos fitossanitários a serem observados gênicos exóticos pois a população de hospedeiros que se desen-
no trânsito de plantas, produtos e derivados de origem vegetal volve em sua ausência pode ser altamente suscetível ao patógeno
e materiais de uso agrícola. Modernamente, com as facilidades introduzido, com desastrosas consequências para o homem, como
dos meios de transporte e o aumento de trânsito e intercâmbio aconteceu com a requeima da batata, na Irlanda, o míldio da
ntemacional, medidas de exclusão estão cada vez mais vulnerá- videira, na França. o cancro cítrico e o huanglongbing dos citros,
' eis (Boxes 14. ! e 14.2). Por exemplo, a proibição da importação nos Estados Unidos e no Brasil, a ferrugem do cafeeiro, no Ceilão
de plantas rubiáceas, para evitar a entrada da ferrugem do cafe-· (Sri Lanka), e o cancro bacteriano do tomateiro, a ferrugem asiá-
e1ro, e de plantas rutáceas, para evitar a entrada do cancro cítrico tica e o cancro da haste da soja, entre outros, no Brasil. Atualmente,
e do huanglongbing, no Brasil, não surtiram os efeitos deseja- programas de melhoramento de plantas brasileiros, como o da cana-
dos. É preciso que a legislação fitossanitária seja cumprida com de-açúcar, têm estabelecido intercâmbio com agências de pesquisa
maior rigor para evitar a importação de muitos outros patóge- internacionais para que cultivares promissores selecionados no Bra-
nos, ainda inexistentes no País, como a raça de Colletotrichum sil sejam submetidos à infecção de patógenos ainda ausentes no

219
Manual de Fitopatologia

País. Esses cultivares são enviados a outras regiões do mundo


Boxe 14.2 O difícil controle de produtos agrícolas
nas fronteiras onde são expostos aos patógenos aqui exóticos e lá endêmicos.
Dessa forma, pode-se conhecer com antecedência a reação des-
ses cultivares aos patógeuos exóticos e preparar planos de defesa
O controle de fronteiras, destinado a evitar a apropriados para a eventual entrada de tais organismos.
entrada de produtos de origem animal e vegetai, que
A exclusão pode ser aplicada também em âmbito mais res-
potencialmente podem introduzir pragas e doenças, é
trito. Assim, logo após a constatação do cancro cítrico no Brasil,
feito de formas diversas nos portos e aeroportos inter-
proibiu-se o livre trânsito de material cítrico das regiões paulis-
nacionais. No Brasil, o responsável por esse serviço é
tas adjacentes à Alta Sorocabana. non:e do Paraná e sul do Mato
o "Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional
Grosso, onde ocorria a doença, para regiões esseucialmente citrí-
- Vigiagro': órgão da Secretaria de Defesa Agropecuá-
colas do Estado de São Paulo, como Limeira e Bebedouro, onde
ria, do MAPA. Atualmente, o Vigiagro é composto por
a doença ainda não ocorria. Outro exemplo de exclusão. em
Ill Servi~s (SVAs) e Unidades de Vigilância Agro-
âmbito estadual, é a legislação paulista que veta a produção de
pecuária {Uvagros), localizadas nos portos, aeropor-
mudas cítricas em ambi~nte desprotegido (Resolução SAA 10 de
tos, postos de fronteira e aduanas especiais. Fazem
29/03/06, ratificando a portaria CDA-5 de 03/02/05). O cadastro
parte da lista de produtos com ingresso proibido no
de viveiristas cítricos, por exemplo, só pode ser obtido mediante
País: produtos apícolas {mel, cera, própolis, etc.); fru-
o cumprimento de uma série de exigências (Boxe 14.3), que
tas e hortaliças frescas; flores, plantas ou partes delas;
visam à produção de mudas comprovadamente sadias.
bulbos, sementes,·mudas e estacas; madeiras não tra-
tadas; agrotóxicos e afins; terra e substratos; insetos, Medidas de exclusão, em âmbito ainda mais restrito e sem
caracóis, bactérias e fungos; material biológico para oficialização governamental, podem ser aplicadas pelo próprio
pesquisa científica; artesanato com produtos de ori- agricultor, usando sementes e mudas sadias, tratando a água
gem vegetal ou animal não processado. Para fiscalizar de irrigação, ferramentas, estacas, mourões, sementes e mudas
passageiros e suas bagagens, os sistemas de vigilância (Figura 14.7. Boxe 14.4). Medidas de exclusão são rotineira-
dos aeroportos contam com o auxilio de eqnipamen- mente adotadas em propriedades citrícolas do Estado de São
tos modernos, como detectores de materiais orgâni- Paulo isentas de cancro cítrico e incluem desinfestação de meios
cos por raio-X. Em muitos países, como nos E.V.A., de transporte (Figura l 4.8, ver também Figura 18.9 no Capítulo 18
esse controle recebe auxílio especial de outro grupo de desta obra), ferramentas e até mesmo calçados de qualquer pes-
excelentes detectores de produtos orgânicos: os cães! soa que adentra um pomar ou talhão sadio.
O Departamento de Agricultura dos E.V.A. (USDA, Exclusão, como todos os princípios de controle, pode ter sen-
da sigla em inglês United States Department of Agri- tido absoluto e relativo. Em escala internacional, interestadual ou
culture) tem uma brigada de cães da raça _Beagle, ofi- mesmo de lavouras, deve-se procurar o absoluto, mas ao nível do
cialmente denominada Beagle Brigade (Figura 14.5), agricultor, mesmo que incompleta, a exclusão tem o seu valor. princi-
especialmente treinada na detecção de produtos de palmente quando se trata de doenças cujos patógenos têm dificu!da·
origem vegetal. Com seu auxílio, a detecção de pro- des de disseminação dentro do campo. O efeito de todas as medidas
dutos proibidos é feita de forma muito mais eficiente e de exclusão reflete-se epidemiologicamente na redução do inóculo
muito mais simpática do que os penosos questionários inicial y 0 e, portanto, no atraso do desenvolvimento da epidemia.
aplicados pelos guardas de fronteira.
14.7. MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS
NA ERRADICAÇÃO
A erradicação, vista como eliminação completa de um pató-
geno de uma região, só é tecnicamente possível quando o pató-
geno tem restrito espectro de hospedeiros e baixa capacidade de
disseminação, quando a presença do patógeno restringe-se a uma
área geográfica relativamente insignificante e quando as técnicas
adotadas na erradicação forem economicamente viáveis. Nessas
considerações está implícito o fato da erradicação ser nm com-
plemento da exclusão. Erradica-se o patógeno de uma região para
evitar sua dissemiuação para outras. Considerações desse tipo são
epidemiologicamente impmtantes, mesmo que se tomem exclu•
são e erradicação em sentido relativo, sem prevenção absoluta da
entrada e do estabelecimento do patógeno; assim, espera-se que,
quando se eliminam os esporos da ferrugem do cafeeiro com fun-
gicidas, previne-se, proporcionalmente à quantidade el!minada, ~
sua entrada em novas áreas. Dai concluir-se que um cafeicultor tera
Figura 14.S - Cão da Brigada Beagle, especialista em detectar mais êxito em proteger quimicamente o seu cafezal coutra a fer-
alimentos e plantas na bagagem de pessoas que rugem caso sua plantação esteja localizada numa região em que
atravessam a fronteira dos E.U.A. todos fazem controle. O manejo regional do huanglongbing dos
citros adotado no Estado de São Paulo, que combina a erradicação
de plantas doentes com o controle químico regional do inseto vetor,
baseia-se nesse mesmo princípio (Bassanezi et ai., 2013).

220
Princípios Gerais de Controle

Boxe 14.3 E

A Coordenadoria de Defesa Agropecuária (COA) do Estado de São Paulo está encarregada de aprovar o cadastro
de viveiros de citros, denominados pela legislação depósitos de m11das (Figura 14.6). Entre outras exigências, a COA
\ erifica as segiúntes características do local:
Tclado: O ,ambiente deve estar protegido, contra insetos vetores de-,>ragas, por tela de malha intacta e com abertura
máxima de 0,87 x 0,30 milímetros.
Cobertura: A cobertura deve ser de plástico ou com outro material impermeável.
Antecâmara: Exige-se uma antecâmara de acesso ao depósito, com
pedilúvio e área interna minima de 2 x 2 metros, devendo essa ser a única
forma desse aeiesso.
Bancadas: As bimeadas para armazenagem das mudas devcrlio ser
confeccionadas com materiais e dimensões adequadas.
Corredores: Entre duas bancadas, deve haver corredor com piso
coberto por urna camada de, no mínimo, S cm de concreto, pedra britada
ou material simiilar, e com largura adequada.
Isolamento da tela de proteção: Os corredores localizados entre
as bancadas e a tel11 de proteçilo devem ter uma largura mínima de
50cm.
Plantas invasoras: O interior do depósito e uma faixa de um metro ao
redor devem ser mantidos permanentemente Uvres de plantas invasoras.
Isolamento da estufa: Mínimo de 20 m de qualquer planta cítrica e de
1.200 m de "foco de cancro cítrico".
Presença. d1e insetos vetores: Toda a área de armazenamento deve estar
permanentememte livre da presença de qualquer inseto vetor de pragas dos
citros, especialcnente as quarentenárias.
Proteção contra entrada de água: O depósito de,•e contar com sistemas
para impedir a entrada de águas externas.
Área livre: A área de localização do depósito deve ser considerada, pela
legislação e normas em vigor, como livre para armazenagem de citros.
Acesso: Oe•vem ser estabelecidas restrições ao acesso de pessoas estra- Figura 14.6 - Viveiro certificado de mudas
nhas aos serviços em toda a área do depósito. cítricas instalado no Estado de
Limpeza: O depósito deve ser mantido livre de detritos vegetais de São Paulo.
qualquer origern, recomendando-se a manutenção de limpeza geral. CrMito da foto: Fundecitrus.

e da meleira do mamoeiro (Figura 14.9 e Boxe 32.2, no Capítulo


32), eliminação de partes vegetais sintomáticas, corno na seca
da mangueira ( Ceratocystis fimbriata) ou na rubelose dos citros
(Erythricium salmonicolor), eliminação de bospedeiros selva-
gens (Boxe 14.5), aração profunda do solo, eliminação dos restos
de cultura, desinfestação tisica e química do solo, tratamento de
sementes e rotação de cultura. O alcance dessas medidas é geral-
mente limitado porque dificilmente eliminam completamente o
patógeno. Funcionam na medida em que são capazes de dimi-
nuir a quantidade de inóculo da área e na medida em que são
acompanhadas por outros métodos de controle que complemen-
Figura 14.7 - Semerntes tratadas como medida de exclusão. Sementes tam sua ação. O vazio sanitário da soja. medida legislativa que,
de abóbora (A) e de milho (B) tratadas com fungicidas por meio de instruções nonnativas, proíbe o cultivo da soja na
a fim de evitar a introdução de patógenos em área não entressafra. é um bom exemplo de medida de erradicação que, ao
infestada. reduzir o inóculo inicial no estádio vegetativo da soja. contribui
Crédito das fotos: Silvia A. Lourenço. para reduzir o número de aplicações de fungicidas nos estádios
subsequentes da cultura. Esse período, de no mínimo 60 dias, foi
Medidas de erradicação, em âmbito restrito, incluem: elirni- estabelecido considerando que a viabilidade de urediniósporos do
:,ação de plantas sintomáticas, prática também conhecida como agente causal (Phakopsora pachyrhizi) é de 55 dias. O vazio sani-
roguing, como no caso do huanglongbing dos citros e do mosaico tário é adotado nos principais estados produtores de soja do Brasil

221
Manual de Fitopatologia

Boxe 14.4 Distribuição de mudas doentes de tomateiro


causa severos prejuízos nos E.U.A. em pleno
século XXI

Virou notícia no New York Times (17/7/2009;


texto de J. Moskin com a manchete Epidemia de fungo
ameaça a cu,l tura do tomateiro): "Um fungo altamente
contagioso, que destroi as plantas de tomate rapida-
mente, se espalhou para quase todos os estados do
nordeste dos E.U.A. O clima na próxima semana deter-
minará se o foco diminui ou se as colheitas de tomate
estão arruinadas..." Três semanas depois {9/8/2009) o
mesmo jornal mostra a manchete "Você diz tomate,
eu digo desastre" parodiando a música Let's calJ the Figura 14.9 - Erradicação de mamoeiros infe:ctados com Papaya
whole thing off (de George e Ira Gershwin, 1937). ringspot virus type P.
Crédito da foto: José A. Ventura.
Essas notícias descreviam a pandemia da requeima
do tomateiro, que se instalou no nordeste dos E.U.A.
em 2009 (Fry et al., 2009). A pandemia foi iniciada pela
distribuição quase que simultânea de mudas de toma- cio Anti ferrugem (http://www.consorcioanti ferrugem.nct), mas
teiro infectadas com Phytophthora infestans, produzi- essa informação é reforçada por meio de cmmpanhas publicitá-
das no sul dos E. U.A. O clima subsequente ao plantio rias, anualmente lançadas para aumentar a adesão dos produtores
foi favorável ao patógeno e os hospedeiros suscetíveis na adoção dessa medida de controle (Figura 14.1 O).
estavam prontamente disponíveis. Muitos produtores Como, do ponto de vista epidemiológ;ico, as medidas de
orgânicos e pequenos produtores perderam a maioria, erradicação atuam essencialmente reduzindo o inóculo inicial
se não toda sua colheita de tomate. Phytophthora infes- YQ, elas atrasam o desenvolvimento de epidemias e apresentam
tans por várias vezes mostrou do que é capaz quando efeitos mais pronunciados sobre doenças CUJÍOS patógcnos apre-
ocorre a combinação inóculo inicial elevado e clima sentam baixa taxa de disseminação. Infelizmente, muitas doen-
favorável (ver Capítulo 2 desta obra), mas não deixa ças desse tipo são causadas por patógenos de difícil eliminação,
de ser surpreendente que em pleno século XXI, em um corno Fu~·arium, Verticillium e Sclerotium, que apresentam efi-
dos mais desenvolvidos países do mundo, a inobservân- cientes mecanismos Je sobrevivência. Há, no entanto, exceções,
cia de mudas sadias possa causar tamanho desastre. como o controle por meio da solarização de Stromatina cepivora
(sin. Sclerotium cepivorum), causador da pod1ridão branca e preta
da cebola, e de Sclerotínia sc/erotiorum, agente causal do mofo
branco do feijoeiro. A técnica de solarização (ver Capítulo 18
desta obra) reduz significativamente a viabilid.ade dos cscleródios
desses patógenos, e.liminando, assim o inócul,o inicial.

14.8. MEDJDAS DE CONTROLE BASEADAS


NA REGULAÇÃO
Medidas de controle baseadas no princípio da regulação
permitem a atuação do homem no controle de doenças tanto abi-
óticas como bióticas, pela possibilidade de alteração dos fatores
do ambiente. Assim, tanto as doenças abióticas (também denomi-
nadas fisiogênicas ou ocasionadas por fatores do ambiente) como
as bióticas (também denominadas infecciosas ou ocasionadas
por patógenos bióticos que interagem com fatores do ambiente)
podem ser prevenidas e mesmo corrigidas por medidas de regu-
lação (não confundir com medidas regulame·ntares ou legislati-
vas, que se baseiam no princípio da exclusão).
As doenças abióticas são geralmente mais fáceis de ser con-
troladas por medidas de regulação do que as infecciosas. Assim,
deficiência nutricional, como a de boro, muito comum em cul-
turas de crucíferas (couve-flor, repolho, nabo), estabelecidas em
Figura 14.8 - Desinfestação de veículo com amônia quaternária à solos com pH elevado, pode ser prevenida p,ela aplicação desse
entrada de pomar de citros. micronutriente., seja no solo, seja em pulverização foliar. A defici-
Crédito da foto: Sílvia A. Lourenço. ência de cálcio, muito comum em tomateiro e pimentão, nos quais
provoca podridão estilar dos frutos (ver Figura 33.7, no Capítulo 33
(SC, PR, SP, MG, MS, DF, MT, GO ,TO, BA, MA, PA e RO) e desta obra), pode ser prevenida pela calagem dlo solo e pelo supri-
também no Paraguai. O calendário atualizado com os períodos de mento hídrico e nutricional equilibrado (a doença geralmente
vazio de cada localidade pode se consultado no site do Consór- manifesta-se onde a irrigação é feita irregularmente e quando se

222
-- ---- -
Princípios Gerais de Controle

Boxe 14.5 Eliminação de Berberis para oco


ferrugem do colmo do trigo

Agrios (2005) nos conta que no século XVII, antes


portanto que microrganismos fossem identilficados
,:orno causadores de doenças de plantas e qut: a fito-
patologia fosse reconhecida como ciência, um grupo
de triticultores franceses de Rouen percebeu que a
ferrugem do colmo do trigo era sempre mais severa
nas plantas localizadas nas proximidades de moitas
de Berberis vulgaris. Os agricultores acreditavam que
a ferrugem movia-se da planta nativa para o trigo e
~ licitaram ao governo local que instituísse legislação
para forçar as municipalidades a destruir o Blerberis
e preservar o trigo, o que foi feito. Regulamentação
~melhante foi adotada em estados do norde1stc dos
E.U.A. (Connecticut, Massachusetts e Rhode lsland)
no final do século XVIII; no entanto, nos grandes esta-
dos produtores (Dakota do Sul e do Norte, Michigan e
Colorado), a legislação para erradicação de B. vulgaris
~o foi instituída no início do século XX (Ames, 1937).
Entre 1918 e 1980, a erradicação de Berberis nos
E. U.A. ficou a cargo do Departamento de Agric ultura,
vinculado ao governo federal, passando, após 1980
para órgãos estaduais. O programa foi abandlonado
em mnitos estados em que o Berberis foi considerado
erradicado e nos quais a doença deixou de aprE:sentar
importância econômica (Peterson et al., 2005).

&z adubação em cobertura com excesso de nitrogênio. principal-· 1N S~ N' Oll2nOl.5 dt - OIS.
mente na forma de sulfato de amônio) e pelo mt!nos parcialmente
• rrigida com adubação foliar.
A eficácia das medidas de regulação no controle das doen- Figura 14.10 - Cartaz do Instituto de Defesa Agropecuária do Esta-
w5 infecciosas depende do grau de influência de um de1tenninado do de Mato Grosso (lndea-MT), produzido em 2016,
wor ambiental no desencadeamento do processo patológico e/ou para alertar os produtores da necessidade de aderi-
::p1demiológico e no grau de possibilidade de coatrole desse fator. rem ao vazio sanitário da soja. Essa medida implica
-\ssim, não se pode cogitar em alterar as condições de tempe- na proibição do plantio da soja e na obrigação de des-
-.itura e de umidade em grandes extensões de lavoura, mesmo truição de plantas dessa espécie por um dctcnninado
__ic essas condições desempenhem papel limitante no desenvol- período.
mento de uma doença; entretanto, para o controle de doenças
~ls-colheita, já se usa, em grande escala, pelo menos nos países deficiência de cálcio, excesso de fósforo e de nitrogênio amonia-
'tla1s desenvolvidos, a refrigeração (frutas e hortaliças) e a desu- cal; a sarna da batatinha (Slreptomyces scabíes), favorecida por
midificação (sementes e cereais). Também em sistemas de produ- condições de pH elevado; e a hérnia das crucíferas (Plasmodío-
~ não convencionais, como nas culturas protegidas, a regulação phora brassícae), favorecida por baixo pH.
das doenças através do ma nejo do ambiente desempenha papel
~uito importante (Boxe 14.6). 14.9. MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS
Doenças muito dependentes do excesso de umidade do NA PROTEÇÃO
.,.,10. como o damping-oft; podem muitas vezes ser diminuídas A proteção, prevenção do contato direto do patógeno com
• ntrolando-se a água de irrigação; do mesmo modo., doenças o hospedeiro, é comumente obtida pela aplicação de fungicidas
··l\Orecidas pela falta de umidade, corno podridão cinzenta do e bactericidas, visando diretamente os patógenos (Figura 14.11 e
:3Ule do feijoeiro, podem ser evitadas pelo suprimento hídrico Figura I 6.9 no Capítulo 16), ou de inseticidas e acaricidas, entre
.,..:kquado. A subsolagem tem sido preconizada corno medida de outros, visando diretamente os vetores. É. possivelmente, o princí-
• .;,ntrole para doenças como a podridão de raízes do feijoeiro, pio de controle que experimentou os maiores impactos do desen-
.:.iusada por F11sori11m solaní f. sp. phaseolí, que é muito favo- volvimento tecnológico, Jcsde a descoberta da calda bordalesa
recida pela compactação do solo. A adubação equilibrada tem até a dos inseticidas e fungicidas sistémicos. Em muitas cultu-
sido muito importante no controle de doenças como a podridão ras, principalmente em se tratando de variedades que apresen-
J.a haste e da vagem da soja (Phomopsis sojae), favon~cida por tam alta suscetibilidade a doenças, a proteção química toma-se
Jeficiência potássica; as murchas de Fusarium, favorecidas por uma medida indispensável de controle, apesar de nem sempre

223
Manual de Fitopatologia

Boxe 14.6 A regulação da doença nas culturas protegidas

A plasticultura, sistema de produção de plantas' ornamentais, hortaliças (pepino, melão, pimentão, tomate tipo
salada, feijão vagem, alface) e frutíferas (morangos e uvas finas), em ambiente protegido, sob cobertura plástica (Figu-
ras 18.5 e 18.6, no Capítulo 18), vem assumindo grande importância econômica dentro da agricultura, inclusive no
Brasil, em vista da excelente produtividade e qualidade do produto e da possibilidade de colheita fora de época (por
exemplo, pepino japonês, no inverno, e alface americana e pimentão amarelo, no verão), que garantem alta rentabili-
dade ao agricultor. Essa tecnologia tem propiciado o controle de doenças através da manipulação do ambiente (princípio
da regulação), diminuindo o uso de pesticidas. Os fatores ambientais mais importantes submetidos ao manejo têm sido a
temperatura, a umidade e a luz. Geralmente, doenças fúngicas e bacterianas são favorecidas por alta umidade (água livre)
qne, em ambiente de estufa, com manejo adequado da aeração e irrigação (por gotejo), tendem a não se formar.
No Brasil, em culturas protegidas no verão (coberturas plásticas tipo capela on guarda-chuva, abertas lateral-
mente) tem se observado, além da proteção contra granizos e chuvas fortes, menor incidência de pragas e doenças. Em
tomateiro, por exemplo, há relatos de expressiva dinúnuição da incidêucia de vira-cabeça e de pinta-preta na cultura
protegida em relação à não protegida. Nas culturas protegidas de inverno, contudo, devido à necessidade de conser-
vação do calor, o manejo da aeração não tem sido adequado, havendo grande condensação de vapor na parte interna
da cobertura plástica durante a noite, que provoca gotejo sobre as culturas em desenvolvimento. Culturas, como as de
pepino, podem, nessas condições, ser seriamente afetadas até mesmo por doenças bacterianas (mancha angular, no
caso do pepino), cujos patógenos dependem de respingos de água para eficiente disseminação e desenvolvimento de
epidemias. A movimentação do ar em culturas protegidas, hermeticamenk cobertas para conservação do calor, é uma
importante prática dt regulação no coutrole de Botrytis cinerea, ubíquo patógeno do mofo cinzento de numerosas plan-
tas cultivadas em estufa - nesse caso, a introdução de ar fresco durante o dia é essencial para diminufr o problema. Além
disso, há atualmente plásticos capazes de filtrar raios com comprimento de onda da região ultra-violeta (< 360 nm),
essenciais para a esporulação desse patógeno. Quando esses comprimentos de onda são eliminados, o patógeno não se
reproduz, não se dispersa e seu manejo é enormemente facilitado.
O ideal da cultura protegida, ainda distante da viabilidade prática, é o monitoramento e o controle computa-
dorizado da temperatura, do fornecimento e conservação da energia, da luz, do movimento e ventilação do ar, da
densidade do vapor d'água, da umidade relativa, do pouto de orvalho, da nutrição, etc. Isto não exclui, entretanto, a
necessidade de outras medidas de controle, porque a inviabilidade da rotação na cultura protegida aumenta os proble-
mas de doenças c3usadas por patógenos veiculados pelo solo, obrigando a adoção de medidas de erradicação, como o
tratamento físico (água quente e solarização), químico (fungicidas) ou biológico (substratos supressivos) do solo con-
taminado. Ademais, existem doenças, como os oídios, que preferem ambientes mais secos.

suficientemente eficaz. Nesses casos, é o princípio de controle


que mais onera o custo de produção. O emprego de medidas de
proteção deve ser feito sempre que o patógeno apresente meca-
nismos eficieutes de dispersão a longas distâncias, mesmo que o
iaóculo tenha sido previamente eliminado do campo de cultivo.
São medidas a serem tomadas durante a safra, exigindo do produ-
tor experiência e percepção para adotar a decisão correta de aplica-
ção de defensivos no momento adequado. Alternativamente ao uso
de fungicidas, é comum, em algumas espécies frutíferas, como na
goiabeira, que a proteção de frutos seja realizada por ensacamento
(Figura 14. 12). Essa técnica, originalmente destinada ao controle
da mosca das frutas, protege as goiabas da infecção de P11ccinia
psidii, agente causal da ferrugem. Em propriedades que ensacam
os frutos, o número de pulverizações com fungicidas é menor do
que naquelas qut> não utilizam essa técnica. A proteção de frutos na
pós-colheita também pode st>r feita com produtos químicos (Figura
14.13; Boxe 14.7) ou com a aplicação de barreiras tisicas como
plásticos (Figura 14.15).
A eficiência da proteção depende das caracteristicas ine- Figura 14.11 - Pulverização de plantas cítricas com fungicida, com
rentes do produto protetor bem como da estratégia de aplicação. o intuito de proteger a parte aérea contra a infecção
Idealmente, o produto deve ter alta toxidez inerente contra o pató- de Phyl/osticta citricarpa.
geno e grande estabilidade, mesmo nas condições mais adversas C rédito da foto : Fundecitrus.

224
Princípios Gerais de Controle

Proteção pós-colheita de frutos com uso


de ceras

Vários frutos recebem, como tratamento pós-


colheita, u.m banho de cera que pode ou não vir acom-
panhado ~le fungicidas. A cera tem a função princi-
pal de evitar a perda de água dos frutos, aumentando
assim sua '"vida de prateleira~ A prática é corriqueira
em maçãs e citros destinados ao mercado in natura.
A cera de c:arnaúba, recentemente testada no controle
da podridão parda e da podridão mole de rosáceas
de caroço, mostrou ação protetora altamente efi-
ciente indi!pendentemente de associação com fungici-
das (ver F,igura 18.8 no Capítulo 18 desta obra). Sua
atuação oc:orre tanto pela proteção física de ferimen-
tos nos frutos como pela ação fungistática/fungicida,
que impe<lle a germinação dos esporos e o crescimento
micelial d40S patógenos (Figura 14.14).

Figura 14.12 Proteção de goiabas com sacos de papel. Aspecto dos


frutos na árvore (A) e após a colheita (B).
Crédito das fotos: Silvia A. Lourenço.
Figura 14.114 - Crescimento micelial de Moniliniafi,Jcticola
cm meio de cultura acrescido de cera de car-
naúba em concentrações crescentes no inter-
valo de 0,5 a 4%. A partir de l % o crescimento
micelial é completamen1e inibido.
Fonte: Gonçalves el ai. (2010).

14.10. MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS


NA IMUNIZAÇÃO
Na aus«°!ncia de ou vencidas as barreiras protetoras de con-
trole utilizadas pelo homem, o patógeno enfrenta, por parte da
planta hospedeira, resistência maior oo menor ao seu desenvol-
vimento, já antes da penetração, na penetração, nas fases subse-
quentes do processo doença, na extensão dos tecidos afetados e
Figura 14.13 - Proteção de laranjas em pós-colheita por banho em na produção do inóculo. Mesmo que essa resistência seja baixa,
suspensão de cera com fungicida. resta ainda a possibilidade de os danos nas culturas afetadas
Crédito da foto: Fundecitrus. serem pouco pronunciados. É na exploração dessas característi-
cas, naturalmente presentes nas populações vegetais, que se fun-
de clima, sem, contudo, provocar danos à planta ou desencadear damenta o pirincípio da imunização genética, resultando, então,
desequilíbrio biológico. O método, a época, a dose e o número de no uso de variedades imunes ou resistentes (Figura 14.16). Esse
aplicações, bem como os produtos adequados, são aspectos que método de controle é o ideal pois, em sendo funcional, não onera
devem ser considerados nos programas de proteção. O efeito epi- diretamente o custo de produção e pode até dispensar outras
demiológico envolvido é a redução da taxar de desenvolvimento medidas de controle. Entretanto, muitas vezes implica em sacrifí-
da doença. cio de produtividade e/ou valor comercial do produto.

225
Manual de Fitopatologia

Figura 14.15 - Proteção de goiabas com embalagem plástica a vácuo. Frutos em processo de embalagem (A) e prontos para comercialização (B).

pes fortes do mesmo vírus. Sua aplicação comercial teve início


em 1968, quando foram distribuídas as primeiras plantas prcmu-
nizadas da laranja Pera. Estimativas de 2008 indicaram a existên-
cia de aproximadamente 70 milhões de árvores dessa variedade
prcmunizadas plantadas no Estado de São Paulo e Triângulo
Mineiro. Assirn, produções comerciais dessas variedades cítri-
cas têm sido possível, apesar de sua suscetibilidade a um vírus
amplamente disseminado e eficientemente transmitido pelo pul-
gão preto. Toxoplera cilricida. Para mais detalhes, consulte o Box
32.2 e as Figuras 32.4 e 32.5 do Capítulo 32
O efeito epidemiológico das medidas de imunização é pre-
dominantemente a redução do inóculo inicial y 11 e da taxa r de
desenvolvimento da doença. No caso de resistência genética ver-
tical e de fung:icidas altamente específicos, vulneráveis ao sur-
gimento de mutantes resistentes do patógeno. o efeito pode ser
predominante s:omcnte sobre y 0• No caso de variedades tolerantes,
Figura 14.16 - Plantas de meloeiro resistentes ao oídio (à dirdta) em o efeito epidemiológico não se fa7 sentir pronunciadamente sobre
comparação a suscetíveis. nenhum dos deois parâmetros.
Crédito da foto: Luis E.A. Camargo.
14.11. MÉTODOS DE CONTROLE BASEADOS
Atualmente, concretiza-se a possibilidade de imunização NA TERAPIA
de plantas através de substâncias químicas (imunização química) Uma ve7 a planta já doente, o último princípio de que se pode
e de proteção cruzada ou premunizaçào (imunização biológica - lançar mão é a terapia ou cura, isto é, a recuperação da sua sanidade
Boxe 14.8}. mediante a eliminação do patógeno infectante ou propiciando con-
A ideia de imunizar as plaolas químicamente, pela introdu- dições favoráveis para a reação do hospedeiro. A terapia é, ainda,
ção de substâncias tóxicas, é antiga, mas só recentemente, com o de aplicação muito restrita cm fitopatologia, por suas limitações
advento dos fungicidas sistêmicos, tomou-se viável do ponto de técnico-ecooômicas, contrapondo-se ao uso mais generalizado de
vista prático: a planta tratada com o produto sistêmico toma-se todos os ouLros princípios que, no conjunto, recebem a denomina-
resistente porque em seus tecidos se apresenta uma concentração ção de prevençiio ou profilaxia. No controle de doenças de plantas
adequada do fungicida ou porque ele próprio ou algum seu deri- é ainda vãlido o ditado " Melhor prevenir do que remediar·•.
vado induz a planta a produzir substâncias tóxicas ao patógeno. São exemplos de métodos terápicos: uso de fungicidas sisté-
Alguns produtos novos lançados no mercado, como os indutores micos; cirurgia de lesões em troncos de árvores, como no ca<;<> da
de resistência, atuam exclusivamente por essa via. De modo geral, gomose dos citros, ou de ramos afotados, como no caso da seca da
esses produtos não têm ação direta no patógeno, mas são capazes mangueira ou d.a rubclose dos cítros; tratamento tcrmico dos toletes
de induzir a planta a produzir compostos antimicrobianos. da cana-de-açúc:ar, visando à eliminação do patógeoo do raquitismo
O mais notável exemplo de premunização ou proteção cru- da soqueira; aplicação de tetraciclina para recuperação de plantas
zada, de uso corrente no Estado de São Paulo, é o do limão galego infectadas por fitoplasmas. É importante notar que nas podas e cirur-
e da laranja Pera propositalmente inoculados com estirpe fraca do gia~ de plantas perenes terapia se confunde com erradicação, pois
vírus da tristeza dos citros, que protege as plantas contra as estir- envolve, Além da cura da planta, a eliminação do inóculo do campo.

226
Princípios Gerais de Controle

Boxe 14.8 Uso da premunização no controle de viroses

'
As primeiras propostas para a aplicação da proteção entre estirpes de um mesmo vírus no controle de fitoviroses,
através da técnica da prernunização, foram feitas no final da década de 1930. No entanto, os primeiros trabalhos expe-
rimentais foram conduzidos somente na década de 1950, visando ao controle do intumescimento da haste do cacaueiro
(Cocoa swollen shoot vírus) na África e do endurecimento dos frutos do maracujazeiro (Passion fruit woodiness virus)
na Austrália. Depois desses, até os dias atuais, numerosos outros trabalhos foram feitos em condições de estufa e/ou de
campo para demonstrar a eficiência da proteção de plantas com estirpes fracas de vírus e viroides. Apesar dos vários
exemplos experimentais positivos, o uso da premunização como método de controle de fitoviroses é ainda muito res-
trito. Atualmente a premunização é empregada em escala comercial para o controle da tristeza dos citros (Cítrus tris-
teza virus - CTV) no Brasil, na Austrália, na Índia, em Israel, no Japão, na África do Sul e nos EUA, do mosaico
amarelo das cucurbitáceas (Zucchini yellow mosaic vírus - 2YMV) em melancia e abóbora em Israel e do mosaico do
pepino (CMV) em tomateiro no Japão. No Brasil a aplicação comercial da premunização está restrita ao controle da
tristeza dos citros. A prcmunização já foi aqui investigada para o controle do mosaico do mamoeiro, do endurecimento
dos frutos do maracujazciro, causado pelo Cowpea aphid bome mosaic virus e dos mosaicos comum (Papaya ringspot
virus type W) e amarelo (ZYMV) das cucurbitáceas. Somente nos casos de controle dessas duas viroses em cucurbitá-
ceas a premunização se mostrou bastante satisfatória (Figura 14.17), porém não é usada comercialmente.

Figura 14.17 Premunização de abobrinhas de moita. Plantas(A) e frutos (B) doentes, sadios e prcmumzados. Em B, frutos doentes sdo
provenientes de plantas inoculadas com estirpe severa e frutos premunizados são provenientes de planlas previamente
inoculadas com estirpes fracas de Pupuyu ringspot vinis type W.
Crédito da foto: Jorge A.M. Rezende.

14.12. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Funado, E.L.; Cunha, A.R.; Alvares, C.A.; Bcvcnuto. J.A.Z.; Passos, J.R.
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York, McGraw-Hill, 1926. 58: 211-217, 2010.

227
CAPÍTULO

15
CONTROLE GENÉTICO
Luis Eduardo Aranha Camargo

ÍNDICE

15.1. Introdução ............................................................ 229 15.4. Estratégias de utilização de genes de


resistência ............................................................. 233
15.2. Características genéticas e agronômicas da
resistência qualitativa e quantitativa .................... 230 15.4.1. Como explicar este ciclo vicioso? ........... 233
15.2.1. Número de genes ..................................... 230 15.4.2. Como quebrar este ciclo vicioso? ........... 234
15.2.2. Durabilidade ............................................ 230 15.4.3. Erosão da resistência quantitativa:
15.2.3. Especificidade .......................................... 230 o efeito Vertifolia ..................................... 236
15.2.4. Resistência vertical e horizontal ............. 231 15.5. Abordagens transgénicas para o controle
15.2.5. Efeitos da resistência na epidemia .......... 231 genético de doenças ............................................. 236
15.3. Melhoramento para resistência ............................ 233 15.6. Bibliografia consultada ....................................... 238

15.1. INTRODUÇÃO O emprego de cultivares resistentes representa um pilar


deotre as estratégias utilizadas para o controle de doenças. É

E
m 1998, uma nova raça do agente causal da
ferrugem do trigo, Puccinia graminis f. sp. lrilici, o método ideal de controle, por ser aplicável em largas áreas e
foi detectada em Uganda. Trata-se da raça Ug99, possuir baixo impacto ambiental comparado aos agrotóxicos.
que é mais agressiva do que as outras conhecidas até então e Em alguns países este é o único método de controle cm culturas
ataca um número maior de cultivares, sendo capaz de quebrar importantes, como cana-de-açúcar, milho e trigo. Bastaria citar o
\ários genes de resistência de uma só vez. Estima-se que 90% exemplo de Ug99 para ilustrar este ponto. Outra lição de Ug99
das cultivares sejam suscetíveis a Ug99. Ela se espalhou pela diz respeito à natureza dinâmica das populações de patógcnos,
costa oeste da África e. em 2007 atravessou o Mar Vennelho. que fa:t. com que o melhoramento voltado para resistência seja
atingindo o lêmen. Daí, em dois anos se disseminou pelo Oriente também um processo dinâmico e contínuo. Assim, esta área de
\tédio e atingiu o Irã, ou seja, se espalhou por uma região onde
estudo propicia amplas oportunidades de interação conjunta entre
o trigo é o principal componente da dieta humana. A saída para o
melboristas e fitopatologistas, resultando numa demanda signifi-
problema já foi identificada pelo Centro Internacional de Melho-
cativa por parte do mercado de trabalho em especialistas na área.
ramento do Milho e Trigo (CIMMYT), localizado no Mé,dco, na
fonna de cultivares resistentes, uma vez que o controle químico se Ao filopatologista que pretende transitar neste assunto. é impres-
mostra economicamente inviável dada a enonne área de cultivo. cindível conhecer as bases genéticas das interações entre plantas
\.fas ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois os genes de e seus patógenos, assunto do Capítulo 6, e de como este conheci-
resistência destas cultivares ainda devem ser transferidos para as mento pode ser aplicado para maximizar os ganhos advindos do
cultivares adaptadas a estas regiões. Este caso ilustra a importância desenvolvimento de cultivares resistentes. Este capítulo trata de
do controle de doenças através do melhoramento genético. questões fundamentais deste processo.

229
Manual de Fitopatologia

15.2. CARACTERÍSTICAS GENÉTICAS E comumenie denominado de gene R e corresponde aos recep-


AGRONÔMICAS DA RESISTÊNCIA tores de sinais de MAMPS ou MIMPS, ao passo que os genes de
QUALITATIVA E QUANTITATIVA efeitos secundários controlam as diversas respostas bioquímicas
No Capítulo 6 desta obra foi visto que a resistência pode do hospedeiro que se seguem após urna infecção bem-sucedida,
ser qualitativa ou quantitativa e também foram discutidas suas cujo efeito coletivo pode resultar num menor desenvolvimento do
bases genéticas: a qualitativa, controlada por genes R que de patógeno. Surge deste cenário, pautado por evidências científicas,
alguma fonna estão envolvidos no reconhecimento do patógeno, a concepção de que resistência qualitativa é de caráter monogê-
e a quantitativa, controlada por genes que atuam em etapas subse- nico e a quantitativa, de caráter poligênico. ~
quentes ao reconhecimento, dado que este não tenha ocorrido.
15.2.2. Durabilidade
Outras considerações sobre estas resistências, difundidas na
literatura, indicam que a resistência qualitativa é monogêníca, Embora a resistência qualitativa seja mais fácil de ser iden-
efetiva somente para determinadas raças do patógeno e pouco tificada e, portanto, de ser usada no controle genético de doenças,
durável se comparada com a resistência quantitativa, que, ao ela apresenta um sério inconveniente: é mais fácil de ser vencida
contrário. é poligênica e efetiva contra um amplo espectro de pelo patógeno. Dizemos que ela é menos durável do qlÍe a quan-
raças (Nelson, 1973). Por estes motivos, resistência qualitativa titativa porque pode ser quebrada dentro de uma escala micro-
também é denominada de monogênica, raça-específica ou ainda evolutiva do patógeno (veja o ciclo "boom e bust'' adiante). Já
resistência mediada por gene R ou mediada por genes de efeito a resistência quantitativa, por outro lado, é mais durável, pois
(fenotípico) maior. De ·maneira análoga. resistência quantitativa conceitualmente está além da capacidade microevolutiva do pató-
também é denominada de resistência poligênica, geral. parcial. geno em ser vencida. A lógica para explicar estas observações é
de campo, durável ou ainda resistência conferida por genes de meramente probabilística e assume que ambos os tipos de resis-
efeitos menores. Em termos epidemiológicos, resistência quali- tência operam segundo a hipótese gene-a-gene: para um gene R
tativa é sinônima de resistência vertical, ao passo que resistência ser quebrado é necessária apenas uma mutação no gene comple-
quantitativa 6 sinônima de horizontal {Vanderplank, 1968). mentar de avirulência; já numa resistência quantitatíva poligê-
Resistência qualitativa é comum em patógenos biotró- nica. são necessárias mutações simultâneas em vários genes.
ficos, como em alface contra Bremia lactucae (genes Dm); melão o que é menos provável de acontecer. É como se este tipo de
contra Podosphaera xonthii (genes Pm), em várias espécies de resistência tivesse uma capacidade "tampão" maior de resistir a
plantas cultivadas contra ferrugens (linho x Melampsora lini, por mudanças genéticas na população do patógeno do que resistên-
exemplo). Entretanto, ela não está restrita apenas a biotróficos, cias monogcnicas.
atuando também contra necrotróficos e hemibiotróficos, como os
genes Xa de arroz contra Xanthomonas o,yzae, genes R de batata 15.2.3. Especificidade
contra Phytophthora infestans e os Cf de tomate contra Clados- Quando surge um genótipo muianre do patógen() que quebra
porium jit!vum. Já a resistência quantitativa é n1ais comumente um gene R, este genótipo pode se estabelecer na população,
descrita em patossistemas envolvendo patógenos hen1ibiotró- tornando-se uma "raça''. Raças, portanto, são variantes dentro
ficos ou necrotróficos, como Bollytis, Phytophthora, Cercospora, de uma mesma espécie, definidas com base em seu espectro
Fusarium, Clavibacter e ncmatoses. de ação contra a um conjunto de cultivares (Capítulo 6). Para
É importante manter cm mente que estas são generalizações ilustrar este conceito importante, consideremos o fungo Podos-
amplas extraídas de numerosos exemplos na literatura, mas que phaera xanthii, agente causal de oídio em melão. Na espécie
não são absolutas de forma alguma, sempre existindo exemplos existem variantes que quebram genes R de diferentes cultivares
contrários. Não obstante seus sentidos amplos. estas considera- e outros que não (Tabela 15.1 ). Segundo este sistema de classifi-
ções são muito importantes. pois permitem um ponto de partida cação, a raça O é definida como um genótipo de P xanthii capaz
que une a teoria à prática, constituindo a base racional para de causar doença somente na cultivar Hale's Best Jumbo. Já a
programas de melhoramento voltados para o uso de genes de raça I difere da O pois, além de causar doença em HBJ, também
resistência como método de controle de doenças de plantas. quebra o gene de Védrantais e assim por diante. A raça 3 quebra
a maioria dos genes, exceto aquele presente na cultivar selvagem
15.2.1. Número de Genes Pl414723 e, por ísto, é potencialmente. mais perigosa do que as
Vimos que a natureza qualitativa da resistência se deve ao anteriores. Note que, se por um lado a resistência é qualitativa por
fato de os genes atuantes estarem envolvidos de alguma fonna consequência a capacidade em causar doença também é. Dizemos
no processo de reconhecimento do patógcno (Capítulo 6). Estes que uma raça é virulenta em uma cultivar, pois causa doença,
genes possuem efeito marcante no fenótipo, pois se houver o mas ~ avirulenta em outra, caso contrário. O termo virulência,
reconhecimento não haverá doença e, caso contrário, a doença se portanto, é empregado na literatura em casos onde o patógeno
manifestará. Portanto é a resistência do ''tudo ou nada". ou seja, tem uma capacidaue de ''tudo-ou-nada" em causar doença.
qualitativa. O reconhecimento depende da ação de vários genes O sistema de classificação de raças descrito acima é apenas
que atuam em conjunto (como em qualquer outro processo fisio- um de vários possíveis. O sistema pode mudar se for conside-
lógico), no que chamamos de ação em cascata, onde um gene rado um conjunto diferente de cultivares, o que leva cada grupo
controla a expressão de outros, que por sua vez controlam outros de pesquisa a desenvolver seu próprio sistema de classificação.
e assim por diante, gerando uma rede de expressão gênica na qual Além disto, novas raças podem ser descritas se cultivares forem
existem genes centrais e secundários. Segundo esta visão inte- adicionadas ao conjunto já existente. Estes dois fatores são
grada da resistência, a resistência qualitativa é em última instância complicadores quando se pensa em um programa de melhora-
controlada pelo gene mais central da rede e a quantitativa pelos mento voltado para genes R, pois é necessário saber qual a raça
vários (centenas) genes de efeito secundário. O gene central é que predomina no local onde as sementes serão comercializadas.

230
Controle Genético

Tabela 15.1 • Raças de P. xanthii em meloeiro.

lhlça 2
Culth ar Rm;a O R.1 ç.1 1 - - - - - -- - - Raça J R:u;a 4 Raça 5
US.\ França

'Hale's Best Jumbo' s s s s s s s


'Védrantais' R s s s s s s
' PMR45 ' R IR s s s s s
'PMR5' R R R R s R R

WMR29 R R li R nt s s
Edisto 47 R R s R s R s
PI 414723 R R s R R R R

R = resistente; S =suscetível; H =resposta heterogênea; NT =não testado.

'\o entanto. qual sistema é usado para definir a Cultivar A Cultivar B


raça? Como manter um isolado desta raça em
,eu estado puro, sem mistura, para que as plantas Nível de
;i.,ssam ser avaliadas? E se houver uma mudança Resistência
:ia. composição de raças da população local Vertical
depois que a cultivar for lançada para plantio
.. 1mercial? Por estas complicações, vemos que a
~1eção para resistência qualitativa pode não ser
Q)
.lo fácil assim e ilustra a importância do apoio ~

~ um setor de fitopatologia ao programa de


ro
:E
:nelhoramento. Nível de
Quando falamos em resistência quantita~
a,a. o problema de raças é bem menos visível,
pois as diferenças entre genótipos do patógeno
.,, relação à capacidade de causar doença e
ti
::,
CI)
Nlvel de
Resistência Horizontal
......&....&..._.._..._..._
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
___._._
ResistAncia Horizontal

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
l-Ultivares dos hospedeiros não são do tipo " tudo- Raças Raças
-ou-nada", mas sim quantitativas. Então, neste
.:350, não falamos em raças e di7emos que os
Figura 15.1 Resistências vertical e horizontal das cultivares A e D quando inoculadas
:ndividuos diferem quanto à agressividade (e com várias raças do patógeno. <..'ullivar B tem maior nível de resistência
-ão virulência, que foi o termo usado no caso de do que a A.
·~:.1stência qualitativa) em relação às cultivares, Fonte: Adaptada de Vanderplank (1968).
xxicndo haver variantes mais agressivas que
lUtras. A agressividade. no entanto. é uniforme
~ontra todas as cultivares. patógeno são visualizados como barras inteiras verticais e, por
isto, dizemos que a cultivar apresenta resistência vertical a elas.
15.2.4. Resistências Vertical e Horizontal Em casos onde o patógeno quebra a resistência vertical (como por
Resistências vertical (RV) e horizontal (RH) são termos exemplo, na cultivar A inoculada com 1, 3, 4, 5 ou 7), noto-se que
empregados em Epidemiologia Vegetal cunhados em 1963 por as cultivares ainda assim apresentam um nível residual de resis-
J E. Vanderplank. A origem dos tennos pode ser facilmente tência, sendo esta maior na cultivar B. Nota-se também que esta
,omprcendida na Figura 15. l que representa a re·ação (no eixo resistência residual é uniforme contra os genótipos do patógcno,
Jas ordenadas) de duas cultivares A e B quando inoculadas visualizada na forma de uma barra horizontal, motivo da denomi-
c-om vários genótipos de um patógcno, representados no eixo nação resistência horizontal.
das abcissas. Quando inoculada com os genótipos: 2, 6, 8 e 9, a
15.2.5. Efeitos da Resistência na Epidemia
.Jltí\'ar A apresenta grau máximo de resistência. Porém, os genó-
opos 1. 3. 4, 5 e 7 quebram sua resistência. A situa,;ão é diferente A resistência qualitativa, sendo efetiva apenas contra deter-
< consideramos a cultivar B, que responde de maneira diferente minadas raças, age no sentido de reduzir a quantidade de inóculo
4uando inoculada com o mesmo conjunto de genótipos: é resis- inicial efetivo, causando um atraso no início da epidemia. A
:eme para 1, 5, 7, 8 e 10 e suscetível para as demais. Quando título de ilustração, imagine dois campos de batata lado a lado
:ios deparamos com esta situação dizemos que há interação onde num (campo!) temos uma cultivar sem gene R (suscetível)
diferencial entre genótipos do hospedeiro e do patógeno. No e noutro (campo 2) uma cultivar (resistente) com um gene RI
p-á.fico, casos onde a resistência da cultivar não é quebrado pelo que confere resistência à raça O de P. infestans, ambas as culti-

231
Manual de Fitopatologia

vares sem resistência quantitativa. Considere ainda que ambos 1.0


os campos são atingidos por esporos produzidos em campos ô
1(0
vizinhos onde a epidemia começou mais cedo e dos esporos que ~ 0.8
chegam, suponha que apenas l % pertença a raças que quebram o 8.
gene R 1. Assim, a quantidade de inóculo efetiva, ou seja, aquele e
Q.
0.6
que resulta em infecções bem-sucedidas será 99% menor no (1)
e
campo da cultivar com o gene RI do que naquele com a outra -o
(O 0.4
cultivar, já que esta é suscetível a todos os genótipos do patógeno. 'O
·;::
(1)
Por conseguinte, o número inicial de lesões será 99 vezes maior > 0.2
(1)
no campo 1. Por causa do menor inóculo efetívo, a epidemia em (J)
RI é retardada pelo período de tempo necessário para o número o.o
de lesões se igualar ao número inicial do campo l. Em outras o 10 20 30 40 50 60 70
palavras, a doença "saiu na frente" no campo sem o gene Rl. Tempo (dias)
Se representarmos a quantidade de doença em função do tempo
nos campos cultivados com as cultivares suscetível e resistente Figura IS.3 - Efeito das resistências verticais e horizontais na epi-
teremos uma situação semelhante à da Figura 15.2. oude o atraso demia nas curvas de progresso da doença. A cultivar
na epidemia está mpreseutado pelo deslocamento do intercepto A é suscetível e a B apresenta resistência vertical, que
da curva para a dir,eita no campo cultivado com a cultivar resis- acarreta um atraso na epidemia. Já na cultivar com
tente. A figura também ilustra outro ponto importante: uma vez resistência horizontal (C), tanto o início como a taxa
de progresso da doença são afetadas, o que reflete na
iniciada a epidemiai, esta ocorre com igual velocidade em ambas
alteração da inclinação da curva.
cultivares, fato representado pelo mesmo padrão de inclinação
das curvas.
1.0
1.0 ô
1(0
ô ~ 0.8
ICll
~ 0.8 &.
8. e
.,9;
0.6
Q 0.6
.e:
(1)
suscetlvel
C1)
't)
Cll
0.4
-o 0.4 -o
·;::
(O
-o Q)
0.2
-~ 0.2 t
(/)
(1)
C/) O.O
o.o o 10 20 30 40 50 60 70
o 110 20 30 40 50 Tempo (dias)
Tempo (dias)
Figura 15.4 - Efeito da resistência horizontal {RH) e vertical (RV),
Figura 15.2 - Efeito da resistência vertical na curva de progresso da separadas e combinadas. A cultivar A possui pouca
doern;a. Esta resistência atua atrasando o início da epi- RH e nenhuma RV; a cultivar B tem a mesma RH de
demi:a em decorrência da redução do inóculo efetivo. A, acrescida de RV; n cultivar C não possui RV mas
tem mais RI I do que A e B; a cultivar D combina RV
Com a resistência quantitativa, a situação é diferente. Ao com a RH de C.
contrário do caso anterior, os efeitos na epidemia refletem a
atuação da resistência em vários componentes epidemiológicos, tiva; a C assemelha-se à A por não ter resistência qualitativa, mas
como diminuição do tamanho da lesão, do oúmero de esporos por possuir um maior nível de resistência horizontal, de modo
produzidos por lesão e do aumento do período latente. Todos seus que este faça com que o patógeno gaste o dobro do tempo para
efeitos são parciais e quantitativos. Assim, comparando cultivares causar a mesma quantidade de doença, qualquer que seja ele,
que diferem entre si em relação ao nível de resistência quanti- cm relação a A; por fim. a cultivar D combina o maior níve l de
tativa, as diferenças mais marcantes são notadas tanto no início resistência quantitativa de C com a qualitativa de B. A curva de
quanto na velocidade cnm a qual a epidemia se desenvolve (a progresso da doença na cultivar D tem, portanto, a mesma incli-
taxa "r", Capítulo :5), como ilustrado na Figura 15.3. nação da curva C. Entretanto, enquanto a curva 8 está somente
Os efeitos dos dois tipos de resistência podem então ser 1O dias atrás da curva A, a cur,,a D está 20 dias atrás da curva C,
resumidos, de maneira geral, dizendo que a qualitativa afeta prin- porque a resistência quantitativa reduziu pela metade a taxa de
cipalmeute o inóculo inicial, enquanto que a quantitativa afeta ínfecção e dobrou o tempo necessário para a doença recuperar a
principalmente a taxa de velocidade da doença. Mas como até perda de inóculo inicial causada pela resistência qualitativa. Em
aqui foi discutido o efeito isolado de ambas as resistências, outras palavras, a resistência quantitativa de D reforçou grande-
segue a pergunta: ,o que dizer sobre seus efeitos conjuntos? Para mente sua resistência qualitativa. Mesmo considerando que o
responder, tome o exemplo de quatro cultivares representadas na efeito da resistência quantitativa seja pequeno, como evidenciado
Figura 15.4. A cultivar A tem um nível baixo de resistência quan- pela curva C, o efeito dela combinado com a resistência quali-
titativa e nenhuma1 qualitativa; a B tem o mesmo nível de resis- tativa na cultivar D é muito satisfatório. Este exemplo ilustra os
tência quantitativa de A, porém acrescida de resistência qualita- beneficios da combinação de ambas as resistências.

232
Controle Genético

15.3. MELHORAMENTO PARA RESISTÊNClA problema. Estas estratégias foram propostas com base no ciclo
As bases teóricas e práticas do melhorame1nto vegetal para de "bolha" da durabilidade de cultivares com genes R, conhe-
resistência a doenças não diferem em essência daquelas empre- cido também pela denominaçào de ciclo "boom-and-bust",
Eadas para o melhoramento de outras caracte1risticas agronô- seguindo tenninologia da área econômica que estuda fenômenos
micas. A escolha do método de seleção leva em consideração a de aumento desenfreado (boom) de segmentos da economia,
natureza da característica, se quantitativa ou qualitativa, e o tipo seguido de seu colapso (bust). A Figura 15.5 ilustra muito bem
de reprodução do hospedeiro, se autógama ou alógama. Não este fenômeno com números reais. Nela, temos o grau de resis-
se pretende aqui uma discussão aprofundada sobre métodos de tência de algumas cultivares de cevada a B/umeria graminis f.
melhoramento, uma vez que estes podem ser encc,ntrados em lite- sp. hordei ao lougo do tempo (Brown et ai., 1997), bem como a
:atura especializada no assunto. No caso de carac:terísticas quali- ideutificaçllo dos genes R que estas carregam. Nota-se que o nível
tativas, o método do retrocruzamento é muito utilizado, onde uma de resistência permanece alta somente por alguns anos (quatro,
cultivar doadora (genitor doador) de um gene R, por exemplo, é no caso), se tanto, e depois vai decrescendo até atingir um nível
cruzada com uma suscetível (genitor recorrente) à qual se queira crítico no qual a cultivar tem que ser substituída, quando então
transferir o gene e o híbrido resultante é cruzado com o genitor é decretada a "quebra" da resistência. Sultan, por exemplo, foi
recorrente. Indivíduos resistentes desta segunda progênie são lançada pouco antes de 1970 e seu nível de resistência caiu de
selecionados e cruzados novamente com o genitor recorrente e alta resistência para próximo de alta suscetibilidade em apenas
assim sucessivamente até a obtenção de indivíduos com as carac- quatro anos. quando foi substituída por Wing. O nível de resis-
terísticas agronômicas originais do genitor recorrente acrescidas tência de Wing, por sua vez, permaneceu alto por quatro anos,
do gene R do genitor doador. quando decresceu a níveis insatisfatórios, sendo substituída por
Triumph. Depois da quebra da resistência dt:sw. última, foi 11 vez
A resistência qualitativa é quase sempre usada pelo melho-
de Pipkin, que seguiu o mesmo destino das demais. E a situação
rista quando possível, por ser mais fácil de trabalhar: a distinção
se perpetua desta maneira neste patossistema e em vários outros.
eutre plantas resistentes e suscetíveis é mais fá,cil que no caso
de resistência quantitativa; se manifesta precocemente e apre-
~enta herança mendeliana simples, o que reque.r métodos mais Cultivar Gene
simples de seleção. Não obstante, apresenta as sérias limitações - 0 - Sultan: M/a12
de durabilidade e raça-especificidade discutidas. anterionnente. ···•·- Wing: Mla7 Mlk1
Assim, existem duas situações onde este tipo de resistência é
;ecomendado: a) quando a durabilidade dos genes R vai além da Resistência
-• · Triumph: M/(Ab)M/a7
··~· Pipkin: M/a13
\ida útil da cultivar e b) no caso de patógenos de! lenta multipli-
::ação ou dissemjnação, de modo que mudanças na população do
patógeno sejam lentas o suficiente para a situação não fugir ao
::ontrole. O ciclo da cultura também deve ser levado em conside-
ração: em culturas perenes a pressã.o pela quebra da resistência é
$
<( 9

8
''
~
1
..." .....
í
:
;
t.ó.~

maior do que em culturas anuais devido ao tempo mais dilatado 1;


de convívio entre patógeno e hospedeiro; em culturas anuais, por
7 r;,
1 1 ~
(IJ

\\
outro lado, também há a vantagem adicioual de a troca de culti- 6 1
"'O 1
\ ares ser mais fácil em caso de quebra da resistência. ~ 1

....
4)
5 1
No caso de resistência quantitativa, o melhoramento é
;:>btido através de métodos que pennitam o acúmulo gradual dos
Jlelos favoráveis nos vários genes que controlam a caracterís-
"'O
o
~ 4
1
1
1
A ,.
---~
tica. É um processo lento e que requer várias gerações, a exemplo 3 6cc .
.:las outras características de herança quantitativa. A dificuldade 1
2
~m relação à resistência qualitativa é a avaliação do fenótipo das (IJ
)(
plautas, ou seja, é bem mais dificil distinguir plantas resistentes "cii 1
de suscetíveis quando as variações entre elas são sutis. Para dife- (O 1970 1975 1980 1985 1990
renciar uma planta da outra em tem10s de sua resistência ao pató- Ano
geno, é preciso, portanto, quantificar os sintomas que cada uma
apresenta e isto, na prática é mais complicado ,do que no caso Figura 1S.S - O ciclo "boom-and-bust" de genes R.
da resistência qualitativa, pois são necessários conhecimentos de Fonte: Adaptada de Brown et ai. ( 1997).
patometria (Capítulo 39). Outro problema é o efeito do ambiente
na manifestação dos sintomas, que pode mascarair pequenas dife-
renças entre genótipos. Para minimizar este problc:ma, que sempre 15.4.1. Como Explicar Este Ciclo Vicioso?
existirá, a opção é a de avaliar os genótipos em diversos locais e Para isto, podemos iuvocar tanto a teoria gene-a-gene
com características ambientais diversas com reflexos óbvios no de Flor corno o modelo "zig-zag", discutidos no Capítulo 6, e
aumento dos custos do programa de melhoramento. o conceito de "seleção dependente da frequência", emprestado
da área que estuda genética de populações. O plantio de uma
15.4. ESTRATÉGlAS DE UTILIZAÇÃO DE GENES
cultivar contendo um gene R em larga escala exerce uma pressão
DE RESISTÊNCIA
de seleção na população do patógeno de modo a selecionar genó-
Sendo a durabilidade uma das maiores limitações da resis- tipos (seleção direcional) com genes de virulência correspon-
tência qualitativa, existem estratégias que podem amenizar este dentes ao gene R. Quando o nível destes genótipos virulentos

233
Manual de Fitopatologia

atinge um nível tal que a doença passe a causar perdas significa- 120
tivas em produtividade. decretamos a "quebra" da resistência. Em
outras palavras, a frequência de uso dos genes R no hospedeiro Bond
100
detennina a frequência dos genes correspondentes de virulência
no patógeno. Segundo este modelo, após a retirada do gene R,
---
~
---so
Victoria • ... ♦··· •-.•

raJa.s de ,.
• ,,. t
...,
'Tj
(t)
..o
através da substituição da cultivar, a frequência das raças com ns ond e
,::s (t)>
os genes de virulência complementares devem voltar aos níveis ::,
~C'CI 60 ... .....
n
anteriores ao lançamento da cultivar, pois já não há vantagem
adaptativa alguma em manter genes de virulência desnecessários
(seleção estabilizadora). Em outras palavras: carregar genes de
-
e..,
ns
Q.)
40
... i:u
p_.
(t)
...,
virulência que não tenham função impõe uma penalidade adap-
tativa ao patógeno, o que afeta negativamente sua frequência na ,.:a 20
i:u
--0
i:u
população. Isto é o que se vê na Figura 15.6, onde a frequência cn
das raças de Puccinia graminis f. sp. trifiei capazes de quebrar a
o
... . ... •...
resistência da cultivar de trigo Victoria aumentou em função do 1941 1943 194S 1947 1949 1951 1953 1955
plantio em larga escala da cultivar logo após seu lançamento em
1942. Em seis anos a resistência de Victoria foi quebrada e esta
substituída por Bond. Após a retirada de Victoria, a frequência Figura 15.6 - Frequência relativa de raças de P. graminis f.sp. trítici
capazes de 4uebrar a resistência da cultivar Victoria e
das raças virulentas nesta cultivar diminuiu devido à seleção
Bonda (linhas tracejadas) e porcentagem da área plan-
estabilizadora, porém a frequência de raças virulentas em Bond
tada com estas cultivares (linhas sólidas) evidencian-
aumentou devido à seleção direcional. evidenciando claramente
do a aruação das seleções direcionais e estabilizadoras
um ciclo vicioso de "boom-and-bust".
e o ciclo de "boom-and-bust".
15.4.2. Como Q uebrar este Ciclo Vicioso'? Fonte; Adaptada de Browning & Frey (1969).

Pirâmides gênicas - Uma análise mais cuidadosa da Figura


15.5 nos dá uma pista para a pergunta acima quando comparamos relaxada, urna vez que cada planta possui só um gene R. Trata-se
a durabilidade de Sultan com a de Wing e Triumpb: a durabilidade de uma abordagem muito utilizada para o controle de doenças
de Sultan foi menor que a das outras duas e a causa disto é que em várias culturas, especialmente para aquelas ocasionadas por
Wing e Triwnph carregam dois genes R, ao invés de um só, o que patógenos foliares em cereais com extenso histórico de ciclos do
diminui a probabilidade de seleção de raças que quebram os dois tipo ··boom-and-bust" (veja a revisão de Mundt, 2002).
genes simultaneamente, conforme discutido anteriormente. Desta No início, pensou-se na estratégia de multilinbas, que
fonna, a incorporação de mais de um gene R na cultivar poderia consiste em desenvolver linhagens quase-isogênicas, ou seja.
ser uma estratégia para aumentar sua vida útil. Esta estr-atégia é plantas quase idênticas geneticamente, mas que diferem entre si
usada na prática em várias espécies e ~ vulgarmente denomi- por possuírem cada qual um gene R diterente. No entanto, obter
nada de "pirâmides gênicas", uma alusão ao objetivo de gerar plantas nesta condição é muito custoso e demorado, sendo até
urna cultivar com múltiplos genes de resistência, cada qual desvantajoso em comparação com a geração de uma pirâmide
efetivo contra determinada raça do patógeno (Figura 15.7). gênica. Assim, o interesse, especialmente em cercais, se voltou
O sucesso desta estratégia depende da premissa de que a ao uso de misturas, que consiste no plantio conjunto de cultivares
probabilidade de aparecimento de uma super-raça, contendo todos que diferem em resistência e em outros atributos agronômicos (ao
os genes de virulência capazes de atacar os genes de resistência contrário das multilinhas, que só diferem cm resistência, já que são
da pirâmide é muito baixa, mas é justamente aí onde se concen- quase-idênticas). mas que ainda assim mantêm um nível de simila-
tram os críticos desta estratégia de controle genético: embora a ridade que permita seu plantio conjunto. Comparadas às pirâmides,
probabilidade seja baixa, ela não é nula e, se por um acaso surgir misturas são mais fáceis de ser formuladas e modificadas à medida
uma super-raça, então a efetividade de todos os genes de resis- que o grau de resistência de seus componentes atinja níveis insa-
tência cairão por terra de uma só vez, o que significa uma possível tisfatórios. Em adição a isto, por causa de sua composição gené-
catástrofe. O caso da raça Ug99 mencionada no início do capítulo tica heterogênea, misturas possuem maior capacidade de adaptação
está aí como aviso! Outro problema das pirâmides está na difi- a diferentes ambientes. No entanto, esta mesma heterogeneidade
cuJdade de transferir vários genes para um único genótipo, sem é seu ponto frc1co, pois se as cultivares misturadas forem muito
que este perca sua identidade genética. Para isto, são necessários discrepantes pode inviabilizar o esquema. Imagine, por exemplo, o
vários ciclos de retrocru;,amcnto. problema para colher uma mistura de cultivares precoces e tardias,
Multilinhas e misturas - Uma estratégia altemativa ao da ou ainda de cultivares com arquiteturas de plantas (altura, posição
pirâmide é a de usar diversos genes R não combinados em uma de 111serção de frutos, etc.) diterentes.
única planta, mas sim em plantas diferentes. cada qual carregando O uso seja de uma multilinha ou de uma mistura tem dois
um gene distinto e plantadas em mistura (Figura 15. 7). O obje- efeitos importantes no controle da doença. Considere como
tivo é o de reduzir a pressão de seleção direcional por uma exemplo que um campo contendo uma mistura equivalente de
super-raça, pois num campo com genes em pirâmides existe uma três cultivares cada q ual contendo um gene R (RI , R2. R3) a um
enorme pressão para a seleção de uma super-raça já que o pató- patógeno é bombardeado por uma chuva de esporos da raça 1
geno não tem alternativa: ele só sobreviverá se possuir todos (Figura 15.8). Apenas 1/3 deste inóculo será efetivo, já que esta
os genes necessários para atacar a cultivar. Já nas multilinhas e é a porcentagem da cultivar suscetível a esta raça na mistura. Em
misturas, ao contrário, a pressão de seleção para a super-raça é Lermos técnicos, dizemos, portanto, que o inóculo inicial foi redu-

234
Controle Genético

Rl Rl Rl Rl R2 R3

Pirâmide Multi linha


.
F"~ura 15.7 - Pirãmide gênica consiste em uma cultivar com vários genes R e multilinha ~ uma mistura de linhas, cada qual contendo um gene
R diferente.

Ddo em 2/3 comparado a um campo contendo apenas cultivares do setor, tem mais apelo de marketing, pois é garantia de um
....om o gene R J. Este é o chamado efeito diluição, já que é depen- produto final de qualidade mais uniforme.
~nte da porcentagem do genótipo suscetível na mistura. Outro Para contornar este problema, surgiu a ideia de promover
ô:ito benéfico das misturas/multilinhas é o efeito barreira do a diversidade entre campos de cultivo e não de ntro de campos,
=.óculo secundário, resultante da interceptação fisica de esporos como é o caso das misturas. A estratégia é plantar cultivares
~ raça I produzidos pela infecção bem-sucedida na planta RI, com genes R diferentes em campos contíguos, tendo em mente
~r plantas R2 e R3 (Figura 15.8), o que resulta na redução da que a doença se propaga de maneira mais severa entre campos
::i.~ de progresso da doença no plantio, pois nestas plantas estes cujas cultivares são suscetíveis às mesmas raças. Para tanto, dois
:,poros não resultarão em infecção. Os efeitos barreira e diluição componentes são indispensáveis: uma classificação das cultivares
- dem ainda ser manipulados pela densidade de plantio e também com relação aos seus genes R e um conhecimento das raças que
-<! o número de componentes na mist,tra/multilinha. compõem a população do patógeno no local. Aliado a estes, há
Diversificação espacial - Como discutido acima, o trunfo ainda a necessidade de um órgão que faça as recomendações de
e.as misturas reside em sua heterogeneidade, mas esta mesma plantio e de uma ação cooperativa entre agricultores.
<!t<!rogeneidade pode ser seu ponto fraco. Por este motivo, os Um exemplo aplicado de diversificação espacial é o
.;gncultores podem se mostrar reticentes a elas e preferirem programa de monitoramento de virulência de patógenos de
-:- antar cultivares puras o que, além do mais, segundo a mística cereais do Reino Unido (UKCPYS - United Kingdom Cereal

Raça 1 Raça 1
••• •
1

R2 __::-' Rl~ R3

J
Diluição Barreira
Figura 15.8 - Efeit0s de diluição do inóculo inicial e de barreira do inóculo secundário verificado no caso de multi linhas ou de misturas de três
cultivares com genes R diferentes.

235
Manual de Fitopatologia

Pathogen Virulence Survey). Os objetivos do programa, que não se manifestam na presença de um gene R por este conferir um
reúne o setor produtivo privado e universidade, slio: a) detectar fenótipo do tipo "tudo-ou-nada". Assim, ao longo do melhora-
novas raças de patógenos de cereais, b) monitorar mudanças nas mento, estes ale.los favoráve.is podem ser perdidos, resultando no
frequências de raças já existentes destes patógenos e c) com base baixo nível desta resistência. Dizemos que a seleção para genes
nisto produzir análises de risco da potencial quebra de genes R e R reduz a pressão de seleção para genes de resistência quantita-
recomendar esquemas de diversificação de cultivares de modo a tiva e estes podem ser pedidos pelo fenômeno da deriva genética.
reduzir seus impactos (Bayles et ai., 1997; www.ni:ab.com/pages/ O efeito altamente desejável da combinação dos dois tipos
id/316/UKCPVS). de resistência compreende uma estratégia muito interessante de
Os dois prime.iras objetivos são alcançad,os através de controle genético. Mas como evitar o efeito Vertifolia e combinar
coletas anuais de folhas de cereais doentes (trigo, aveia e cevada) num mesmo genótipo resistência qualitativa e quantitativa já que os
em áreas produtoras e inoculação em uma série de cultivares efeitos fenotípicos dos genes que controlam esta última são enco-
diferenciadoras. A coleta se dá preferencialmente em cultivares bertos pelos efeitos dos genes R? A solução está em "quebrar" estes
que apresentam resistência duradoura ou naquelas com histórico genes R de forma que os efeitos dos genes quantitativos sobres-
recente de quebra de resistência. O número de amostras anali- saiam. Na prática, isto pode ser feito usando-se uma mistura de
sadas varia de acordo com o ano e a cultura, dependendo na inci- raças como inóculo na tentativa de quebrar todos os genes R que
dência e severidade de cada doença. porventura possam existir no material. No entanto, este proce-
A{ informações são usadas para divisar ,e recomendar dimento é incorreto, pois quando cultivares contendo diferentes
esquemas de diversificação (Tabelas 15.2 e 15.3). Primeiro, o genes R são inoculados com urna mistura de raças pode-se notar
produtor deve identificar os grupos de diversidades (GD) aos uma variação fenotípica quantitativa entre cultivares que pode ser
quais pertencem duas cultivares de sua escolha n:a Tabela 15.2. interpretada erroneamente como sinal da presença de resistência
Para definir a compatibilidade destas deve-se procurar na Tabela quantitativa. Na verdade, a variação pode ocorrer pelo fato de as
15.3 o tipo de risco associado ao plantio conjunto destas duas cultivares diferirem com relação ao número de raças na mistura
cultivares. Sempre que possível, deve-se escolher aquelas cujas a que são resistentes; a cultivar que apresentar uma combinação
combinações apresentem baixo risco de epidemias ("+"). de genes R que seja efetiva contra o maior número de raças na
mistura apresentará, também, os menores níveis de severidade. A
15.4.3. Erosão da Resistência Quantitativa: o Efeito solução para o caso, portanto, reside no uso de uma raça apenas,
Vertifolia mas que possua o espectro de virulência mais amplo possível, ou
O efeito Vertifolia refere-se à perda de alelos de resistência seja, uma super-raça que quebre vários genes R ao mesmo tempo.
quantitativa durante um programa de melhoramento focado em
genes R. O termo foi cunhado por Vanderplank ( 19'63) em alusão 15.5. ABORDAGENS TRANSGÊNICAS PARA O
à erosão da resistência horizontal da cultivar Verti folia de batata CONTROLE GENÉTICO DE DOENÇAS
ocorrido quando de seu melhoramento para resisténcia a Phyto- Como não poderia deixar de ser neste começo de século
phthora infestans. Quando uma cultivar é selecionada para resis- dominado pela genômica, abordagens transgênicas também estão
tência qualitativa há pouca chance de selecionar aldos favoráveis sendo utilizadas na tentativa de desenvolver plantas resistentes
nos genes de resistência quantitativa, pois seus efei1:os fenotípicos aos seus patógenos. Esta abordagem, embora veiculada pela

Tabela 15.l - Grupos de diversidade (GD) de cultivares de trigo para resistência a ferrugem amarela causada por Puccínia striifom1is.

GDI GD2 GD3 G D7 GD9 GDO

Buster Haven Riband Cousorl Beaufort Genesis


Cadenza Rialto Hereward Brigadier Soíssons
Caxton Spark Chianti Avans
Charger Hussar Baldus
Dynarno Reaper Canon
Encore Minx
Flame Palermo
Hunter Promessa
Magellan
Mercia
Raleigh
Axona
Chablis
lmp
Shiraz

Fonte: Modificada de Bayles et ai. ( 1997).

236
Controle Genético

Tabela 15.J - Riscos de disseminação de ferrugem amarela entre duas cultivares de trigo com base em seus grupos de diversidade (GD).

G I> culti\ ar 2
G[) culli\ ar 1
1 2 3 7 9 U

+ + + + + +
2 + y y y y y

3 + y y y + y

7 + y y y + y

9 + y + + y y

o + y y y y y

+ = qaixo risco; y = risco moderado; Y = alto risco.

mídia sempre como promissora de novos horizontes na produção por várias bactérias como uma fonna de inibir a competição nos
agrícola, embora tenha seu lado de verdade, na prática não se ambientes em que vivem. Para se protegerem dos efeitos de suas
propõe a suplantar, mas sim a se juntar às estratégias tradicionais próprias toxinas estas espécies possuem mecanismos de destoxi-
de melhoramento. O mercado de sementes, por exemplo, olha um ficação, que ou as inativam ou as bombeiam para fora da célula. A
transgene (isto é, um gene que não pertence àquela espécie, ao transferência e expressão destes mecanismos em plantas podem,
contrário de um cisgene) como a "bola da árvore de natal", ou portanto, conferir resistência ao patógeno.
seja, uma característica adiciono] inovadora que acrescente um No caso <la transferência de genes do hospedeiro, uma abor-
diferencial aos seus produtos já melhorados (a árvore de natal, no dagem óbvia é a utilização de genes R, envolvidos no reconheci-
caso) em relação aos congêneres do mercado. mento do patógeno. Há inúmeros exemplos na literatura, mas o
Atualmente, as estratégias usadas na resistência engeohada consenso que hoje emerge destes é que esta abordagem funciona
podem ser agrupadas em três grandes categorias: a) usar genes apenas quando se transfere estes genes entre plantas da mesma
de microrganismos, plantas ou animais que interfiram na fisio- espécie ou no máximo entre plantas da mesma família, como é
logia do patógeno, de modo a inibir sua patogenicidade; b) trans- o notório caso das solanáceas. O gene N de tabaco que confere
ferir genes de resistência qualitativa ou de· defesa, c) transferir resistência ao vírus do mosoico (TMV) confere resistência em
genes do próprio patógeno que, uma vez expressos, estimulem o tomateiro e o gene Pto de tomateiro, que confere resistência a
sistema de defesa da planta ou silenciem genes do patógeno. O Pseudomonas syringae pv. tomato, por sua vez, confere resis-
agrupamento aqui apresentado não pretende ser excludente e uma tência a esta bactéria em tabaco. Por fim, o gene Bs2 de pimentão,
dada abordagem pode ser encaixada em mais de uma categoria, de resistência aXanthomonas campestris pv. vesicatoria, também
dependendo do ponto de vista (Vincelli, 2016). funciona se transferido para tomateiro. Uma promissora apli-
cação da técnica seria o desenvolvimento de pirâmides gênicas
O uso de peptídeos líticos de insetos é um dos primeiros
e de multilinhas, pois haveria um substancial ganho de tempo na
casos de transgenia voltados para resistência genética. São prote-
geração deste material comparado ao método tradicional baseado
ínas que apresentam efeito antimicrobiano produzidas por insetos
em cruzamentos e seleção.
como parte de seus mecanismos naturais de defesa. A cecropina,
Ao invés de genes R, existe a possibilidade de expressar
por exemplo, é um peptideo de amplo espectro, atuando tanto
genes de defesa, que são aqueles ativados após o reconhecimento
contra bactérias Gram-positivas como negativas, que promove a
do patógeno pelos genes R. Os exemplos clássicos são as quitinases
lise das células bacterianas. Pertence a uma làmília de proteínas,
e betaglucanases, proteínas codificadas por plantas (e por fungos
encontrada em várias espécies de insetos, a mais conhecida sendo
parasitas de outros fungos, como Trichoderma harzianum) que
a Hyalophora cecropia, uma mariposa cuja lagarta produz fios degradam quitina e beta-glucona, que são os açúcares compo-
de seda durante o estágio de pupa. Genes codificadores de cecro- nentes da parede celular de fungos. Mas se elas já são parte do
pina já foram testados em videira contra Xylellafaslidiosa, tabaco sistema de defesa de plantas, qual o ganho de expressá-las numa
contra Ralstonia solanacearum e em citros contra a bactéria do planta? A abordagem é de superexpressá-las, ou seja, aumentar
cancro cítrico. Outro exemplo é a atacina, também produzida por sua produção relativa às concentrações normais encontradas sob
H. cecropia, que aumenta a permeabilidade e inibe a síntese de situações de ataque. Sob condições experimentais, a estratégia
proteínas da membrana externa de bactérias Oram-negativas. revelou-se promissora, como no caso do controle de Rhizoctonia
Em casos de doenças onde o patógeno secreta uma toxina, solani em arroz. Por fim, entre exemplos mais recentes de uso de
uma estratégia seria a expressão de proteínas envolvidas na sua genes da planta hospedeira estão os que visam à transferência não
destoxificação. Um exemplo é a a\bicidina, potente toxina produ- de genes R ou de defesa, mas sim dos genes centrais que coor-
zida por Xanthomonas albilineans, causadora da escaldadura das denam a expressão destes. São genes que codificam fatores de
folhas em cana. O nome da doença deriva de o fato da folha apre- transcrição ou que os ativam, como o gene NPR 1, que orquestra
sentar riscas longitudinais brancas, que refletem o efeito tóxico a expressão da resistência sistêmica (Capítulo 6). Há inúmeros
do composto sobre os cloroplastos. As albicidinas também apre- exemplos na literatura sobre a transferência deste gene de uma
sentam efeito antibacteriano de largo espectro e são produzidas espécie a outra, também com resultados experimentais promís-

237
Manual de Fitopatologia

sores. Em tomateiro, a superexpressão do gene oriundo de Arabi- corporações de pesquisa. Some a este quadro o tempo necessário
dopsis conferiu um satisfatório nível de resistência a murchas para a regularização de um transgénico devido à complexidade
vasculares e manchas foliares causadas por bactérias e fungos. jurídica e exigências legais e também a percepção pública sobre o
A ideia de transferir genes dos próprios patógenos para seus assunto, que por ainda ser pouco esclarecida em certos casos não
hospedeiros é uma estratégia, no mínimo, curiosa e que pode soar enxerga os transgênicos com bons olhos. especialmente em se
estranha num primeiro momento. Não obstante, é a que garantiu tratando de vegetais para consumo.
o exemplo de maior sucesso entre as várias abordagens trans- Tomados em conjunto estes motivos, ao menos começamos
gênicas discutidas até o momento. Estamos falando do mamão
a compreender um pouco as limitações da resistência engcnhada
papaia resistente ao Papaya ringspot virus, no qual foi introdu-
como método de controle de doenças. Hoje, a técnica se restringe
zido o gene da capa proteica (cp) do vírus. A estratégia de comrole
a grandes culturas, como milho. soja e algodão, e características
hoje se resume à eliminação de plantas doentes assim que detec-
tadas na plantação (detalhes no Boxe 32.1 ). Porém. esta não é de grande retomo econômico (resistência a insetos e herbicidas)
uma prática que deve se sustentar a longo prazo, pois o vírus é para grandes corporações. No caso de fitopatologia, a situação
transmitido por afideos (Myzus, Aphis e Toxoptera) por meio de mais favorável reside nos casos de doenças causadas .por pató-
uma simp les picada de prova durante sua rápida visita acidental à genos agressivos para as quais não existam cultivares resistentes,
planta,já que esta não é sua hospedeira. A saída para estas condi- como é o caso do mamoeiro, e onde as alternativas de controle,
ções peculiares da cultura (que são as mais promissoras quando como o químico e cultural, não surtem efeitos desejados ou são
se pensa no uso de tfllnsgenia para o controle de plantas) foi inviáveis economicamente. Neste cenário atual, outro problema
engenbar plantas que expressam o gene cp do vírus que codifica fitossanüário que pode se valer da técnica para seu controle é o
para a sua capa proteica em sua forma traduzível e não tradu- huanglongbing dos citros. causado pela bactéria não cultivável
zível. A estratégia deu certo no Havaí, contra estirpes locais do do gênero Candidatus Liberibacter para a qual ainda não existe
vírus, porém, a mesma linhagem transgênica testada com isolado fonte de resistência.
brasileiro do vírus, se mostrou suscetível. A saída foi desen-
volver nossas próprias linhagens, contendo versões brasileiras 15.6. BTBLIOGRAFIA CONSULTADA
do gene cp isoladas de estirpes locais. O mecanismo pelo qual o
gene do vírus em sua versão não traduzível protege a planta é o Bayles. R.A.; Clarkson. J.D.S.; Slater, S.E. Toe UK Cereal Pathogen
do silenciamento gênico pós-tradução, um mecanismo epigené- Virulence Survey. ln Crute. l.R.; Holub, E.B.; Burdon, J.J. (eds) The
tico de controle de expressão gênica que resulta na destruição do Gene-for-gene relationship in plant-parasitc intcractions. Ncw
mRNA virai (Souza Jr. 2000). Por fim, este exemplo ilustra 4ue York, CAB lnternational, 1997. p. 119-138.
até as resistências engenhadas são passíveis de serem quebradas 80yd, L.A., Ridout. C.; O'Sollivan, 0.M.; Leach, J.E.; Leuog, H. Plant-
em consequências de variações nas populações dos patógenos. pathogcn interactions: disease resistance in modem agricullurc.
Então, por isto, para efeito prático, podemos considerar que resis-
Trcnds in Gcnetlcs 29: 233-240. 2013.
tências deste tipo estejam sujeitas às mesmas forças do triân-
gulo da doença que regem o sucesso ou fracasso das resistências Brown, J.K.M.; Foster, E.M.: O'Hara, R.B. 1997. Adaptation of powdery
qualitativas. Por conseguinte, as mesmas estratégias de manejo mildew populatioos to cereal varicties in relatioo to durable and
também devem ser usadas para garantir sua maior durabilidade. non-dorable resistance. ln Crute. I.R.: Holob, E.B.; Burdon, J.J.
Um aspecto concraditório do emprego da transgenia no (eds) The Gene-for-Gene Relatlonship ln Plant-Parasite Interac-
controle de doenças vegetais é a distância entre a teoria e a prática. lions. New York, CAB lnt.emational, 1997. p. 119-138.
Os numerosos exemplos de plantas transgénicas na literatura Browning. J.A. & Frey. K.J. Multilinc cultivars as a means of disease
científica não são acompanhados por igual número de produtos control. Annual Review ot' Phytopathology 14: 355- 382, 1969.
comerciais. Muito pelo contrário, na atualidade apenas o mamoeiro
atingiu a escala comercial e o volume de comercialização destes Mundt, C.C. Durable resistance: A key to sustainable management of pall10-
transgênicos chega a ser insignificante perto dos grandes da trans- gen and pests. Tnfection, Genetlcs and Evolutioo 27: 446-455, 2014.
genia, que ainda se concentram em tomo de resistência a herbicida Mundt, C.C. Use of moltiline cultivars and cultivar mixtures for disease
e insetos. managemeot. Annual Review of Phytopathology40: 381-410, 2002.
Uma análise dos motivos desta coatradição permite vislum- Souza Junior, M.T. Mamão traosgênico: uso da engenharia genética para
brar o futuro da transgenia vegetal. Primeiro, a técnica ainda é obter resistência ao vírus da mancha anelar. Biotecnologia, Ciência
cara, não os procedimentos laboratoriais em si, mas sim as e Dcsenvolvimeoto 13: 132-137, 2000.
patentes que estão por trás destes procedimentos. Gerar uma
planta transgênica hoje em dia é relativamente fácil devido aos Vanderplank, J.E. Plant Diseascs: Epidetnirs and Control. New York,
avanços tecnológicos na área de manipulação de ácitlos nucleicos. Acadernic Press, 1963.
Ainda existem gargalos oa regeneração in vilro de pi.antas trans- Vanderplank, J.E. Dlsease Reslstance ln Plants. New York. Academic
formantes, uma etapa que sucede a de transformação, mas isto é Press. 1968.
questão de otimização de protocolos. O grande problema está no
Vincelli, P. Genetic Engineering and Sostainablc Crop Disease Managc-
fato de que várias ferramentas usadas no processo estão protegidas
ment: Opporrunities for Case-by-Case Decision-Making. Sostain-
por patentes. Isto, aliado aos altos custos e complexidade jurí-
ability 8: 495, 20 16.
dica de regularização de uma planta transgénica para seu plantio
comercial junto aos órgãos de fiscalização, faz com que muitas Watson, I.A. & Loig. N.H. Tbe classification of P11cci11io grominis f.sp.
iniciativas promissoras acabem não sendo implementadas. Na tritici in relation to breeding resistant varieties. Proceedings of tbe
prática, atualmente a técnica está ao alcance apenas das grandes Llnnean Society of "lew South Wales 88: 235-258, 1963.

238
CAPÍTULO

16
CON1~ROLE QUÍMICO
Geraldo José da Silva Junior e Franklin Behlau
r

1 ÍNDICE

16. l. Histórico de uso de agrotóxicos no 16.4.5. Quanto à classe toxicológica ................... 251
controle de doenças de plantas ............................ 239
16.5. Formulações de agrotóxicos ................................ 252
16.2. Desenvolvimento de agrotóxicos ..........,............... 242
16.6. Resistência dos patógenos aos agrotóxicos ........ 254
16.3. Conceito de agrotóxico .......................................... 242
16.6.1. Resistência de fungos a fungicidas ......... 254
16.4. Classificação dos agrotóxicos ...............,............... 243
16.6.2. Resistência de bactérias a bactericidas ... 256
16.4.1. Quanto à finalidade ..................,............... 243
16.6.3. Estratégias antirresistência ..................... 257
16.4.2. Quanto ao princípio geral de rnntrole ... 249
16.4.3. Quanto à mobilidade na planta .......,.......'250 16.7. Tecnologia de aplicação ....................................... 257
16.4.4. Quanto ao modo de ação ......................... 251 16.8. Bibliografia consultada ........................................ 260

controle químico de doenças de plantas se baseia como os inseticidas e os acaricidas usados para controlar vetores

º
na utilização de moléculas orgânicas ou inorgâ- de patógenos. Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria
nicas, obtidas naturalmente ou sintetizadas, para de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), em 2016, a cultura
- proteção das plantas contra os patógenos. Este é um dos mais da soja consumiu em tomo de 55,7% dos US$ 9,6 bilhões, comer-
,portantes métodos de manejo de doenças, pois é eficiente e cializados com agrotóxicos, seguida pelo milho com 10,4% e
::-.:onomicamente viável, garantindo alta produtividade e quali- pela cana-de-açúcar com 9,8%. As demais culturas representaram
~de da produção visadas pela agricultura modema. A aplicação valores abaixo de 5%. Do total de US$ 3.2 bilhões relacionados à
J! agrotóxicos é uma prática adotada tanto em pa-íses em desen- venda de fungicidas, somente a cultura da soja consumiu 66,3%
)1\"imento quanto naqueles economicamente mais desenvol- (Figura 16.1 B). O Estado do Mato Grosso foi o líder de utilização
1dos. Vários fatores têm contribuído para o uso contínuo de agro- de agrotóxicos em 20 l 6, com a participação de 20,4%, seguido
~~xicos e o crescimento de seu mercado, tais corno o aumento por São Paulo com 13,9% e Paraná. com 13,6%. Porém, o percen-
da população mundial, que exige produção de maiores quanti- tual de comercialização de fungicidas foi maior no Estado do Rio
d.de e variedade de alimentos, bem como o aumento da demanda Grande do Sul com 19,1%, seguido por Mato Grosso com 17,9%
por maior rendimento produtivo das culturas e retomo finan- e Paraná com 17,2% (Figura 16. 1C).
~rro direto ao produtor. O total de agrotóxicos comercializados
- Brasil a partir de 2012 tem variado entre 9 e 12 bilhões de 16.1. HISTÓRICO OE USO OE AGROTÓXICOS NO
.:;,:,lares ao ano. Em 2016, os fungicidas representaram 33% do CONTROLE DE DOENÇAS DE PLANTAS
ui de US$ 9,6 bilhões comercializados com agrotóxicos. Entre- Os primeiros relatos do uso de substâncias químicas para
-<110. os fungicidas representaram apenas 16% do total de 377 mil controle de doenças de plantas datam de 1000 AC, quando os gregos
- neladas de ingrediente ativo de agrotóxicos veindidos (Figura já utilizavam o enxofre de fom1a empírica, mesmo sem saber que as
t>.1 A). Além dos fungicidas, os nematicidas e os bactericidas enfonnidades eram causadas por patógenos. Esse produto é consi-
:ambém são importantes para controle de algumas, doenças, bem derado o primeiro agrotóxico utilizado pelo homem para controle

239
Manual de Fitopatologia

70 A
■ Ingrediente ativo o Valor comercializado
60
50

40

30

20

10
o
Herbicidas Fungicidas lnseticidas/Acaricidas Outros

70 B
■ Agrotóxicos a Fungicidas

-
~ 50
60.

.zciie: 40

~ 30
Q)

a.. 20
10
o
Soja Milho Cana Algodão Pastagem Citros Cereais Café Arroz Batata

30 ■ Agrotóxicos □ Fungicidas
e

25

20

15

10

o
MT SP PR RS GO MG MS BA

Figure 16.1 - Participação na comereialização de agrot6xicos, em 2016 no Brasil, por classe (herbicida. fungicida, inseticida/acaricida e outros)
(A) cultura (B) e estado brasileiro (C).
Fonte: Sindiveg (2017).

de doenças e pragas na agricultura. A queima do enxofre era Em 1885, foi descoberta na França a calda bordalesa, consti-
também utilizada em rituais de purificação de amlbientes, pois tuída basicamente da mistura de sulfato de cobre com cal hidratada.
segundo a crença popular da época, todos os males e, pestes eram A calda bordalesa é considerada o primeiro agrotóxico desenvolvido
espalhados pelo ar. Entretanto, o enxofre passou a ser utilizado pelo homem para e controle de doenças. Esse produto se tomou um
comercialmente somente a partir de 1800 para o controle de marco na história da utilização de agrotóxicos para o controle de
doenças e pragas em diferentes hospedeiros na forma de calda doenças de plantas. sendo inicialmente utilizado para o controle do
sulfo-cálcica. Entre 1600 e 1800, outros produtos, c·omo cloreto míldio da videira. A calda bordalesa continua sendo utilizada para o
de sódio, por exemplo, eram usados para tratamento de sementes controle de vários patógenos em diferentes culturas no mundo (mais
contra doenças. detalhes sobre esse produto no item 16.4.1.2 Bactericida).

240
Controle Químico

A tecnologia desenvolvida para a elaboração da calda nicos foi acelerado e esse produto passou a ser o terceiro mais
bordalesa se tomou um estímulo para o desenvolvimento de utilizado no mundo na década de 1990. Apesar da redução do
produtos voltados ao controle de doenças de plantas. No fim nso nos últimos anos, o clorotalonil ainda é um importante
de 1800, surgiu o formaldeído, com propriedade fungicida no produto utilizado em diferentes culturas no Brasil. O antibió-
controle do carvão do trigo. Este é considerado o primeiro fungi- tico casugamicina também foi lançado nessa mesma época
cida sintetizado quimicamente em laboratório para controlar um para o controle de diferentes bactérias e fongos em uma ampla
fitopatógeno. A partir de 1900, os produtos à base de mercúrio gama de hospedeiros. A década de 1980 também foi marcada
foram introduzidos no mercado para o tratamento de sementes, pela descoberta de outros importantes produtos registrados no
e posteriormente, nas décadas de 1970 e 1980 foram banidos Brasil para o controle de diferentes doenras como o fluazinam
devido a problemas toxicológicos. (fenilpiridinilamina), utilizado no controle do mofo branco do
Na década de 1930, iniciou-se o uso dos cobres de baixa feijoeiro, o fludioxonil (fenilpirrol), utiLizado no controle do
solubilidade, também conhecidos atualmente por cobres fixos. crestamento foliar da soja via tratamento de sementes, o dirne-
Em 1934, foram descobertos os ditiocarbamatos, que marcaram tomorfe (morfolina), utilizada controle da requeima da batateira
o início da era dos fungicidas orgânicos. A maioria dos produtos e o pirimetanil (aniLinopirimidina), usado controle da sarna da
desse grupo químico começou a ser produzida comercialmente macieira.
somente na década de 1940. De 1940 a 1960, vários fungicidas A década de 1990 começou com a introdução no mercado
orgânicos importantes foram introduzidos no mercado, dentre das estrobilurinas e outros fungicidas perte:ncente.s ao grupo dos
eles, os ditiocarbamatos tiram, zinebe e manebe. O principal inibidores da quinona externa (Qol). Fungicidas desse grupo, como
produto desse grupo é o mancozebe, que foi disponibilizado no azoxistrobina e trifloxistrobina, foram disponibilizados no mercado
mercado apenas na década de 1960. Esse agrotóxico multissítio e figuram até hoje entre os mais utilizados no controle de doenças
tomou-se o mais utilizado no mundo na década de 1990. Nas de plantas. Outros agrotóxicos como cresoxim-metílico, metami-
décadas de 1940 e 1950 surgiram as dicarboximidas (folpete e nostrobina, famoxadone e fenamidona (Qols), ciprodinil (ainilo-
captana), que possuem amplo espectro de ação e ainda possuem pirimidina) e o indutor de resistência acibenzolar-S-metil (benzo-
registro no Brasil para controle de doenças em algumas culturas e, tiadiazol) também surgiram nesse periodo. Nessa década, mesmo
no caso de captana, também para tratamento de sementes. Nesse com a introdução dos fungicidas sistêmic,os, a comercialização
período começaram a ser comercializados também os compostos mundial ainda era liderada pelas vendas de mancozebe, cobre,
a base de estanho. os quais apresentam excelente controle para clorotalonil e enxofre. Entretanto, os fungicidas sistêmicos repre-
algumas antracnoses. O único produto a base de estanho ( orga- sentados principalmente pelo DMls já representavam grande
noestânico) ainda registrado para uso no Brasil é o hidróxido de parte do total comercializado.
tentina. Os agrotóxicos dodina (guanidina), diclorana (cloroaro- A década de 2000 foi marcada pela ampliação do uso de
mático) e os antibióticos blasticidina e estreptomicina também misturas prontas de prodntos dos grupos DMl + Qol. Esses
foram introduzidos nesse período. _ · fungicidas passaram a ser os mais utilizados no Brasil e no
A década de 1960 foi marcada por uma revolução na mundo, principalmente para o controle da ferrugem asiática da
descoberta e □o desenvolvimento de agrotóxicos para o controle soja e várias outras doenças de culturas anuais. Em 2012, esses
de doenças, principalmente de fungicidas sistêmicos como dois grupos foram responsáveis por mais de 50% do mercado
a carboxina e a oxicarboxina, que pertencem ao grupo dos global de fungicidas. Outros importantes produtos, como a pira-
inibidores da enzima succinato desidrogenase (SDHI). Nessa clostrobina e a picoxistrobina (Qols), foram introduzidos no
década, importantes produtos do grupo meti! benzimidazol mercado nesse período, assim corno o fungicida protiocona-
carbamato (MBC), como o benomíl e o tiabendazole, foram zole (DMI), utilizado atualmente em mistura com Qols para o
introduzidos no mercado e passaram a ser importantes para o controle de diferentes doenças em culturas como soja, algodão,
manejo de várias doenças de plantas. Durante a década de 1970, trigo e feijão.
os fungicidas pertencentes ao grupo dos inibidores da desmeti- A partir da década de 201 O, as rnis,turas de DMI + Qol
lação de esteróis (DMI) foram introduzidos no mercado, como passaram a apresentar eficiência reduzida no controle de algumas
os triazóis propiconazol, bitertanol, triadimefon e triadimenol, doenças, principalmente a ferrugem asiática da soja, e novas
a pirimidina fenarimol e os imidazóis imazalil e procloraz. A misturas foram introduzidas no mercado. As pirazol-carboxa-
importância dos DM!s aumentou na década de I 980, quando midas, que incluem produtos como o fluxap,iroxade e o benzovin-
novos triazóis como cíproconazol, difenoconazol, epoxico- diflupir, passaram a fazer parte do manejo de doenças da soja em
nazol, fenbuconazol, f)utriafol, miclobutanil, tehuconazo!, conjunto como DMls e Qols. Esse período também foi marcado
tetraconazol e triticonazol foram disponibilizados e tomaram-se pelo aumento do uso de mancozebe associado com fungicidas
importantes no manejo de ampla gama de patógenos em todo sistêmicos, principalmente na cultura da soja.
o mundo. Além desses, outras importantes moléculas foram No último século, o controle qulmicc1 evoluiu não somente
desenvolvidas entre 1960 e 1980, como os MBCs carbendazim no que tange ao modo e espectro de ação dos agrotóxicos, mas
e tiofanato-metílico, a acilalanina metalaxil, as dicarboximídas também à dose utilizada por hectare e toxicidade. Por exemplo,
íprodiona e procimidona, a ftalimida captafol, a quinona ditia- quantidades aplicadas de produtos que eram em tomo de I O a
nona, o ditiocarbamato propinebe, as morfolinas dodemorfe, 20 kglha, foram reduzidas para menos de 250 g/ha com a intro-
fenpropirnorfe e trídimorfe, a guanídina guazatína, a acet<1-mida dução dos novos produtos sistêmicos. A dos•~ letal para matar 50%
cimoxanil e o carbamato propamocarbe. Na década de 1970 dos indivíduos (DL50), que era inferior a 500 mg de i.a./kg para
também foi desenvolvido o fosetil (fosfonato) que passou a ser agrotóxicos pioneiros como enxofre e sulfato de cobre, atualmente
conhecido por sua sistemicidade via floema. Com o desenvol- é superior a 5.000 mg de i.a./kg para os fungicidas sistêmicos mais
vimento do clorotalonil em 1975, o uso dos fungicidas orgâ- modernos.

241
Manual de Fitopatologia

16.2. DESENVOLVIMENTO DE AGROTÓXICOS


Boxe 16.1 Registro de agrotóxico no Brasil
O desenvolvimento de um agrotóxico é um processo
complexo, caro e demorado que pode ser dividido em três etapas Os agrotóxicos só podem ser comercializados no
principais: (i) pesquisa de síntese e triagem das moléculas, (ii) Brasil se estiverem devidamente registrados. Para
desenvolvimento e (iii) registro do produto (Boxe 16.1 ). O isso, o agrotóxico deve passar pela avaliação de três
processo de pesquisa para a descoberta tem por objetivo avaliar órgãos do governo federal: (i) Ministério da Agricul-
as características biológicas, químicas, toxicológicas, ambien- tura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); (ii) Agência
tais e comerciais de moléculas candidatas a serem registradas. A Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); (iii)
fase de desenvolvimento engloba vários processos, tais como: a vinculada ao Ministério da Saúde, e Instituto Brasi-
otimização do processo de produção da molécula, a avaliação da leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
formulação, os ensaios de campo contra diferentes doenças em Renováveis (IBAMA), que integra o Ministério do
várias culturas e diferentes condições ambientais, e os testes toxi- Meio Ambiente (MMA). Cada órgão realiza de forma
cológicos e de impacto ambiental. Na sequência, os dados dos independente avaliações especificas. O IBAMA é
estudos são submetidos aos diferentes órgãos reguladores para a responsável pela elaboração do dossiê ambiental, que
análise do produto, que poderá ser liberado ou não para o registro descreve o potencial toxicológico do produto ao meio
e posterior comercialização. Após a conclusão dessas etapas, o ambiente. O MAPA é responsável por avaliar a efici-
agrotóxico deve ser registrado em cada país antes de ser utilizado ência agronômica e o potencial de uso do agrotóxico
pelos produtores. No Brasil, a regulação de agrotóxicos é regida para controle de pragas, doenças ou plantas daninhas.
pelas leis 7.802/89 e 9.974/00, pelo decreto 4.074/02 e diversas A ANVISA é responsável pela elaboração do dossiê
instruções normativas (IN) do MAPA. toxicológico, que está relacionado com a nocividade
De 1995 a 2014, o tempo necessário para o desenvolvimento do produto para o homem e a segurança alimentar. O
de um agrotóxico passou de 8,3 para 11,3 anos. Em 1995, para cada MAPA concede o registro no Brasil somente se o agro-
produto lançado no mercado o número de moléculas processadas tóxico for aprovado pelos três órgãos.
era em tomo de 53 mil. Em 2014, essa relação aumentou e atingiu
uma média de 160 mil moléculas por produto. No período de 2010
a 2014 o custo total para desenvolvimento de um agrotóxico foi
estimado em US$ 286 milhões. Esse valor representa praticamente o custo do registro do produto também aumentou significativa-
o dobro do que era gasto para descobrir e desenvolver um novo mente, passando de US$ 13 milhões, em 1995, para 33 milhões no
produto em 1995, e mais de 1Ovezes o que era gasto na década de período 2010-2014 (Figura 16.2).
1980. Desse custo, as pesquisas para síntese de novas moléculas,
e a triagem com ensaios preliminares de biologia, toxicologia e
16.3. CONCEITO DE AGROTÓXICO
efeito sobre o ambiente representam US$ 107 milhões. O maior O MAPA classifica os agrotóxicos como "produtos e
incremento dos custos nos últimos 15-20 anos está relacionado agentes de processos físicos, químicos e biológicos que visam
com a fase de desenvolvimento do produto, ensaios de campo, alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las
testes toxicológicos e de impacto ambiental exigidos por agên- da ação danosa de seres vivos considerados nocivos". Os agro-
cias reguladoras. Nesse período, o montante gasto nessas etapas tóxicos mais utilizados para o controle de doenças de plantas
passou de U~$ 67 milhões para US$ 146 milhões. Paralelamente, são os fungicidas, os bactericidas e os nematicidas. No entanto,

Custos
{milhões US$)

Figura 16.2- Etapas do desenvolvimento de um agrotóxico.


Fonte: Adaptada de Oliver & Hewitt (2014) e Phillips McDougall (20 l 6).

242
Controle Químico

existem ainda os inseticidas e acaricidas usados para o controle 16.4.1. Quanto à Finalidade
de insetos e ácaros vetores de patógenos. e os herbicidas, utili- Os agrotóxicos podem ser classificados quanto à finalidade
zados na eliminação de plantas hospedeiras alternativas de considerando a natureza do organismo-alvo. Fungicidas, bacte-
patógenos que afetam culturas específicas. Essa nomenclatura ricidas e nematicidas atuam diretamente sobre fungos, bactérias
compartimentalizada dos agrotóxicos sugere especificidade para e nematoides, respectivamente. Da mesma forma, agrotóxicos
,µ-upos de organismos visados. Os fungicidas são considerados usados no controle de insetos e ácaros vetores são classificados
os agrotóxicos mais importantes no controle de doenças, uma quanto à finalidade de acordo com o alvo direto como inseticidas
\ez que representam o grupo que controla a maioria dos agentes e acaricidas, respectivamente.
fitopatogênicos. Os bactericidas compõem um grupo limitado e
de uso restrito. Também são considerados agrotóxicos as subs- 16.4.1.1. Fungicid11s
Iàncias e produtos empregados como fertilizantes, desfolhantes, Os fungicidas são moléculas químicas, orgânicas ou inorgâ-
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento. nicas, obtidas naruralmente ou sintetizadas, utilizadas para evitar os
O emprego de agrotóxicos no controle de doenças envolve, processos de sobrevivência, disseminação, infecção, colonização e
5empre, pelo menos um princípio de controle. Fungicidas e reprodução dos fungos e dos oomicetos causadores de doenças de
bactericidas apresentam propriedades químicas e biológicas plantas. Os fungicidas podem apresentar maior ou menor especi-
diversas, podendo atuar segundo vários princípios de controle em ficidade às diferentes classes taxonômicas de fungos e oomicetos.
runção da natureza do produto, da época e da metodologia de apli- Os principais fungicidas utilizados no controle de doenças
cação. Desta forma, se um fungicida, aplicado em lesões foliares, de plantas pertencem aos grupos Qol, DMJ, MBC, ditiocarba-
..::onsegue eliminar ou diminuir o inóculo já fonnado, está atuando matos e produtos inorgânicos. Além desses, outros fungicidas
pelo princípio da erradicação; essa erradicação implica, sequencial- Listados abaixo são importantes no manejo de doenças de plantas.
mente, em exclusão, na medida em que diminui a disseminação. O A descrição de produtos a base de cobre, que pertencem ao grupo
mesmo tratamento fungicida pode cobrir áreas foliares sadias, antes dos fungicidas inorgânicos. aparece no item 16.4. 1.2.
da chegada do inóculo, atuando neste caso pelo princípio da proteção
ou ainda penetrar tecidos doentes, promovendo a terapia, ou tecidos loibidores da q uinona externa (Qol)
,adios, imunizando-os quimicamente. Adicionalmente, existem Esse grupo é representado pelas estrobilurinas e outros
agrotóxicos com atividade biocida, que em geral apresentam efeito compostos como famoxadona (oxazolidinadiona), fenamidona
,obre fungos, bactérias, nematoides e plantas daninhas, com alto (imidazolinona) e piribencarbe (dimctilcarbamato). As estrobi-
poder erradicante, quando aplicados no solo antes do plantio. Os lurinas são atualmente uma das principais classes de fungicidas
inseticidas e acaricidas atuam predominantemente pelo prin- agrícolas. Em mistura com os triazóis representam grande parte
cípio da exclusão. prevenindo a disseminação dos patógenos, dos agrotóxicos consumidos no mundo em importantes culturas.
geralmente vírus e bactérias, pela eliminação ou diminuição dos No Brasil, a maior parte das estrobilurinas é utilizada na cultura
~etores. Os herbicidas atuam na erradicação ·do patógenó pela da soja. As estrobilurinas são derivadas de um metabólito secun-
eliminação do hospedeiro alternativo. Estes produtos diminuem dário produzido por fungos, como Slrobilurus tenace/lus, e bacté-
o período de sobrevivência e a probabilidade de disseminação do rias. Esses compostos fungicidas agem por inibição do trans-
aeente causal infecioso. Como inseticidas, acaricidas e herbicidas porte de elétrons no complexo l1l mitocondrial. São compostos
não apresentam ação direta sobre os patógenos, não são ampla- de amplo espectro com ação sobre ascomicetos, alguns basi-
:nente utilizados no controle de doenças de plantas. diomicetos e oomicetos. A ampla gama de atuação possibilitou
Os fenilizantes atuam pelo princípio da regulação quando registro do fungicida azoxistrobina para 84 diferentes culturas em
utilizados no controle de doenças fisiogênicas (aquelas causadas 72 países em apenas quatro anos de lançamento.
por desequilíbrios nutricionais). como deficiência de boro em • Azoxistr obina - Esse ingrediente ativo é um dos mais
crucíferas ou podridão estilar do tomateiro, e quando utilizados populares fungicidas do g.rupo. Esse agrotóxico está regis-
no controle de doenças infeccinsac;, cnmn a sarna da hatata, pela trado no Brasil para controle de doenças de parte aérea
diminuição do pH no solo. Além disso, pode-se citar a ação erradi- causadas por patógenos de diferentes grupos (ascomicetos,
cante da ureia aplicada em pomar de macieira ou de citros. visando basidiomicetos e oomicetos) em diferentes culturas. Há
à rápida degradação de folhas caídas e consequente diminuição na produtos comerciais fonnulados em misturas com niazóis.
formação de pseudotécios e liberação de ascósporos de Vent11ria
• Piraclostrobina - Esse fungicida é recomendado para o
.naequa!is, agente causal da sarna da macieira, ou Phyl!osticta
controle de doenças foliares em mais de vinte culturas, e
dtricwpa, agente causal da pinta preta dos citros. Apesar da
apresenta amplo espectro de ação. amando contra antrac-
1mpon ância na redução do desenvolvimento de algumas doenças,
ooses, manchas de alternaria, sarnas, fenugens, etc. Esse
os fertilizantes geralmente não desempenham papel decisivo no
ingrediente ativo é formulado isoladamente ou em misturas
controle das doenças infecciosas ou bióticas.
com fungicidas de outros grupos.
16.4. CLASS IFICAÇÃO DOS AGROTÓXICOS • Trifloxistrol>ina - Esse fungicida possui amplo espectro
Os agrotóxicos podem classificados quanto: (i) à finalidade; de ação e é formulado isoladamente ou em mistura com
11i) ao princípio geral de controle; (iii) à mobilidade na planta; triazóis para o controle de diferentes patógenos em várias
iv) ao modo de ação; (v) à classe toxicológica. Além dessas clas- culturas.
sificações, que são as mais conhecidas e utilizadas, os agrotó- • Cresoxim-metflico - Esse ingrediente ativo foi introdu-
,icos podem ser agrupados quanto ao uso ou emprego (aplicados zido em 1996 na Europa para controle de doenças em
ao solo, em sementes ou em órgãos a.;reos) e quanto ao grupo cereais. O seu registro foi rapidamente ampliado para
químico ao qual pertencem. culturas frutíferas, hortícolas e ornamentais. É um fungi-

243
Manual de Fitopatologia

cida de- amplo espectro, obtido originalmente do fungo Meti! benzimidazol carbamato (MBC)
Oudemansíella mucida. Os produtos comerciais regis- Esse grupo é composto por importantes fungicidas que apre-
trados no Brasil contêm cresoxim-metílico puro ou em sentam sistemicidade na planta. A importância dos benzimidazois e
mistura com outros fungicidas, principalmente os triazóis. tiofanatos se dá pelo amplo espectro de ação, incluindo patógenos
Inibidores da desmetilação de esteróis (DMI) causadores de doenças como oídios, antracnoses, cercosporioses.
sarnas. mofos cinzentos e bolores em grande número de culturas:
É um dos mais importantes grupos de fungicidas desenvol-
vidos para o controle de doenças fúngícas de plantas e animais. • Carbendazim - É um dos principais produtos desse grupo.
Os fungicidas integrantes deste grupo apresentam espectro Esse ingrediente ativo pode ser utilizado em diversas
variável de sistemicidade e, frequentemente, altíssima potência culturas de fonna pura ou em misturas formuladas.
antifúngica. Controlam um amplo espectro de doenças causadas • Tiofanato-metílico - Na planta esse produto transfonna-se
por ascomicetos e basidiomicetos. No entanto, não atuam sobre em carbendazim ou MBC (carbamato de meti] 2-benzi-
oomicetos como Pythium e Phytophthora, que não sintetizam midazol). Por esse motivo, seu espectro de ação é seme-
esteróis. A grande vantagem desse grupo de fungicidas sistémicos, lhante ao do carbendazim. Supõe-se que o tiofanat9-metí-
além das consideradas, é a dificuldade de os patógenos sensí- lico, quando absorvido pelas raízes, libera gradualmente o
veis tomarem-se resistentes sem serem afetados em sua adap- MBC, que é translocado para folhas. Apresenta proprie-
tabilidade. Incluem compostos químicos estruturalmente muito dades preventivas e curativas contra um amplo espectro
diversificados, dentre eles. os imidazóis (imazalil e procloraz), as de fungos, dentre os quais destacam-se os ascomicetos e
pirimidinas (fenarimol e nuarimol), as piperazinas (triforina) e alguns basidiomicetos, panicularmente os causadores de
os triazóis, sendo esse último a classe mais-importante. Existem carvões e de cáries. É inócuo para bactérias e oomicetos e
mais de 20 ingredientes ativos de triazóis desenvolvidos para uso apresenta baixa toxicidade para plantas e animais.
no controle de doenças de plantas, dentre eles pode-se citar: • Tiabendazol - Agrotóxico usado originalmente como
anti-helmíntico na medicina humana. Apresenta um amplo
• Ciproconazol - Esse ingrediente ativo apresenta eficiência espectro de ação antifúngica, semelhante ao do tiofanato-
no controle de doenças em diferentes culturas, sendo muito metílico. É um dos poucos produtos permitidos em trata-
utilizado nas culturas de café, soja e milho. A fonnulação mentos pós-colheita de frutas, como mamão e banana.
com o inseticida tiametoxam (neonícotinoide) é utili- Amplamente utilizado em tratamento de sementes.
zada para controlar simultaneamente doenças e pragas em
cultivos de café e soja. Inibidores da enzima succinato desidrogenase (SDHI)
• Epoxiconazol - Esse produto é fmmulado puro ou em Esse grupo inclui diferentes fungicidas que atuam no
mistura com piraclostrobina ou fluxapiroxa<le. Tem registro complexo II da respiração, tais como carboxamidas, carboxa-
em várias culturas, com destaque para a soja_e o cafeeiro.., nilidas e anilidas. A carboxina e a oxicarboxina, que são carbo-
principalmente para o controle de ferrugens e manchas xamilidas, foram os primeiros fungicidas sistémicos disponibi-
foliares. lizados no mercado na década de 1960. Na década de 2000, o
fungicida boscalida (anilida) foi introduzido no mercado, sendo
• Flutriafol - Esse ingrediente ativo é fo1mulado puro ou em
utilizado principalmente em cultivos de hortaliças e fruteiras.
mistura com benzimidazóis ou estrobilurinas para controle
A partir da década de 201 O, foram disponibilizadas as pirazóis-
de doenças em uma ampl:i gama de culturas. A fonnulação
carboxamidas (benzoviodiflupyr, fluxapíroxade, bixafen, isopi-
com o inseticida imidacloprido (neonicotinoide) está regis-
razam, sedaxane, etc.), consideradas um subgrupo das carboxa-
trada para controlar simultaneamente doenças e pragas em
mídas. Esse passou a ser um dos mais importantes grupos para o
cafeeiro.
controle da ferrugem na cultura da soja em conjunto com os Qols
• Propiconazol - Esse fungicida é formulado puro, com e os DMis.
outros triazóis ou com trifloxistrobina para o controle de
• Carboxina - Produto recomendado para tratamento de
doenças causadas por ascomicetos e basidiomicetos em sementes de cereais e de hortaliças. Apesar de sua maior
geral, como manchas foliares em amendoim, sigatokas fungitoxicidade inerente contra ferrugens do que oxicar-
em bananeira, ferrugem do cafeeiro, mai das folhas da boxina, na planta esse fungicida é rapidamente oxidado
seringueira, e diferentes doenr;:as foliares de cevada, trigo a sulfóxido, não fungitóxico, motivo porque perde muito
e soja. em eficiência.
• Tebuconazol - Esse fungicida está registrado para o • Oxicarboxina - Produto muito semelhante à carboxina.
controle de doenças em diferentes culturas, como os citros Difere pela fungitoxicidade inerente mais baixa, mas
e, principalmente, os cereais. com a vantagem de ser mais estável. Pode ser utilizado
• Triadimefom - Produto indicado para o controle de ferru- no controle de ferrugens, particularmente a fem1gem do
gens (nas culturas de cafeeiro, trigo, alho, etc\ oídios feijoeiro.
(nas culturas de cucurbitáceas e de cereais de inverno), • Boscalida - Produto comercializado puro ou em mistura
sarna da macieira, etc. com estrobilurina ou tiofanato-metílico. Apresenta eficácia
• Tríadimenol - Fungicida formulado puro 011 em mistura contra doenças causadas por ascomicetos, incluindo oídios
com os inseticidas imidacloprido e dissulfotom ( organo- e também mofo branco, em diferentes culturas, principal-
fosforado). Esse produto é recomendado para controle mente fruteiras e hortaliças.
de diferentes doenças foliares e ferrugens, além do trata- • Fluxapiroxade - Esse fungicida está registrado para
mento de sementes de algodão, cevada, trigo e aveia. uso em mistura com estrobilurina e/ou triazol. A mistura

244
Controle Químico

formulada com esse produto apresenta eficácia contra os MBCs e os DMis. Consequentemente, foi necessário o desen-
vários ascomicetos e basidiomicetos, incluindo ferrugens, volvimento de produtos seletivos, coro modos de ação distintos,
antracnoses, oídios e manchas foliares. Tem sido utilizada para o controle de doenças causadas por espécies de Pythíum,
no manejo da ferrugem da soja. Phytophthora, Plasmopara e outros oomicetos. Os fungicidas
• Benzovindiflupyr - Essa pirazol-carboxamida apresenta sistêmicos seletivos mais comuns disponíveis para o controle de
registro em mistura com estrobilurina para uso em controle oomicetos sliio cimoxanil, metalaxil e fosetil.
de ferrugens, manchas foliares, oídios, antracnoses, etc. • Cimoxanil (acetamida)- Desenvolvido na década de 1970,
em diferentes culturas, como a soja. apres,enta atividade preventiva e curativa contra o míldio
da videira e a requeima do tomate e da batata. Devido ao
Ditiocarbamatos e simiJares baixo poder residual e alto risco do desenvolvimento de
• Tiram - Foi o primeiro ditiocarbamato de uso prático na isolados resistentes do patógeno, o produto é formulado
agricultura. Introduzido em 1934, tem sido recomendado em mistura com um fungicida protetor, como mancozebe
até hoje como protetor de partes aéreas e, principalmente, ou cJ.orotalonil.
de sementes. • Meta1laxil (acilalanina)- lntroduzido na décadá de 1970, é
• Mancozebe - Introduzido em 1961 , é indicado no indic:ado para o controle de doenças como a requeima da
controle de doenças de hortaliças e frutíferas em geral. batata e do tomate e o míldio da videira. Tem ação protetora
Esse fungicida é frequentemente utilizado no controle da e curativa, sendo rapidamente absorvido por folhas, hastes
·requeima da batata e do tomateiro. Além de ação contra e raízes, e translocado apoplasticamente. Apresenta alta
doenças, apresenta efeito tônico em muitas culturas como fungitoxicidade inerente, afetando a esporulação e o cres-
alho e cebola, aumentando substancialmente a produção cime:nto micelíal em concentrações menores que I Oppm.
mesmo na ausência de doenças. Este produto está regis- Esta sensibilidade reflete em controle de Phytophthora em
trado também para o controle do ácaro da falsa ferrugem cond:ições de campo com doses de apenas 200 a 250 g de
dos citros, e tem sido utilizado no controle de doenças da ingrediente ativo por hectare. Entretanto, trata-se de um
soja em conjunto com fungicidas sistêmicos. produto altamente vulnerável ao surgimento de isolados
Dicarboximidas resistentes do patógeno, motivo pelo qual é formulado
conjuntamente aos fungicidas mancozebe, fludioxonil ou
• Captana - Introduzido em 1949, é recomendado no controle clorotalonil. Atualmente existem formulações específicas
de um grande número de doenças de frutíferas, hortaliças para tratamento de sementes, visando o controle princi-
e plantas ornamentais. Sua característica mais notável é palmente de Pythium e Phytophthora habitantes do solo,
a capacidade de controlar doenças sem afetar negativa- contra os quais apresenta alta eficiência.
men.te a qualidade do produto, motivo porque é empregado
• Cloriidrato de propamocarbe (carbumato)- Esse produto
no controle de doenças de maçã, pera, -pêssego, ameixa,
tem registro principalmente para o controle da requeima
morango e uva. Entretanto, é relativamente ineficiente
do tomate e da batata. É formulado puro ou em mistura
contra míldios, oídios e ferrugens. É um produto ampla-
com clorotalonil ou fluopicolide (benzamida) para o
mente utilizado no tratamento de sementes, tendo em vista
controle de diferentes doenças causadas por oomicetos.
a proteção contra Pythium spp. e Rhizoctonia solani, os
dois mais importantes causadores de damping-off. • Dimc:tomorfc (amida do ácido cinâmico), bentiavaU-
carb,e (vanilamida) e mandipropamid (mandelamida)
• Folpete - Produto quimicamente relacionado ao fungi-
- Esses produtos são inibidores da síntese de celulose de
cida captana por apresentar propriedades físicas e bioló- oomicetos (CCAs) e têm registro para controle de oomi-
gicas semelhantes, mais eficiente no controle de algumas cetos em diferentes culturas, principalmente hortaliças e
doenças. É um produto muito eficiente também no controle frutei1ras.
de sarna da macieira e antracnose e míldio de cucurbitá-
ceas. Em condições de alta temperatura e alta umidade, • Fosctil (fosfonato) - Descoberto em 1977, é o primeiro
doses elevadas desse fungicida podem ocasionar injúrias fungicida comercial sistêmico que apresenta translo-
em uva e em plântulas de cucurbitáceas. cação na planta via xilema e floema. Devido à reduzida
atividade fungitóxica in vitro, apesar da boa eficiência in
• fprodiona - Introduzido em 1976, esse fungicida tem vivo, supunha-se haver uma via indireta de atuação deste
sido indicado no tratamento de sementes, do solo e de produto pela indução de produção de substâncias protetoras
panes aéreas de um grande número de culturas. Apre- nas plantas tratadas. Na planta o produto é transformado
senta eficiência no controle de podridão de Sclerotinia em ãi:ido fosforoso, que apresenta alta fungitoxicidade in
em alface e no alho, bem como pinta preta em batata e vitro e in vivo. O ácido fosforoso controla tão eficiente-
tomate, mancha púrpura em cebola, queima das folhas em mente quanto o produto comercial as doenças causadas
cenoura, podridão parda do pessegueiro e mofo cinzento por Phytophthora em abacaxi, abacate e citros. Não apre-
em diferentes culturas. senta atividade satisfatória contra requeima da batata e
Inibidores de oomicetos do tomateiro, mofo azul do fumo e podridão radicular da
soja, também causadas por Phytophthora.
Importantes doenças como o míldio da videira e a requeima
da batata e do tomate são causados por oomicetos, os quais cons- Outros fun:gicidas
tituem um grupo de sensibilidade diferenciada a fungicidas de
atuação seletiva, como os sistêmicos. Estes organismos não são • Clor,otalonil (isoftalonitrila) - Desenvolvido na década
afetados pelos princ.ipais sistêmicos descobertos, como os SDHls, de 1960, é um fungicida de amplo espectro com ativídade

245
Manual de Fítopatologia

contra oomicetos. ascomicetos e basidiomicetos. A adição cobre tem papel relevante no controle de d iversas doenças fúngicas
de espalhante é contraindicada por aumentar o risco de ou causadas por oomicetos. como míldio, oídio e antracnoses. O
fitotoxicidade e reduzir a fungitoxicidade inerente. Pelos cobre é um micronutriente essencial para todos os organismos
mesmos motivos, não pode ser misturado com fonnula- vivos, incluindo plantas, e atua como cofator para várias enzimas
ções oleosas. envolvidas na respiração e proteínas de transporte de elétrons.
• Enxofre (inorgânico) - Este foi um dos primeiros fungi- Ao mesmo tempo, os íons de cobre atuam como um biocida de
cidas utilizados pelo homem, sendo ainda hoje indicado amplo espectro com múltiplos sítios de ação nos microrganismos.
para controlar oídios, ácaros e podridão parda do pesse- Em concentrações elevadas, os ions de cobre tomam-se nocivos
gueiro. No entanto, nestes casos. é suplantado pela maior devido à sua interação com ácidos nucleicos, intem1pção de sítios
eficiencia de vários fungicidas sistêmicos. O principal ativos de enzimas, interferência no sistema de transporte de energia
problema do enxofre é a fitotoxicidade. mais pronun- e, finalmente, interrupção da integridade das membranas celulares.
ciada em cucurbitáceas e sob condições de tempera- • Calda bordalesa - O início do uso do cobre na proteção
turas elevadas, que se manifesta pela queimo das folhas, de plantas foi acidental. A descobena ocorreu por Mi!Jardet
desfolha e diminuição da produção. As vantagens do em 1885, na França, quando vinhedos foram aspergidos
enxofre são a baixa toxicidade ao homem e aos animais com calda resultante da mistura de sulfato de cobre com
e o baixo custo. Pode ser aplicado por polvilhamento ou hidróxido de cálcio (cal hidratada). Inicialmente, o obje-
pulverização. tivo da aplicação era conferir aspecto azulado e desagra-
• Ciprodinil e pirimetanil (anilinopirimidinas, ANPs) - dável às plantas e assim evitar a coleta furtiva da produção.
Ambos os produtos têm registro para a sarna da macieira. No entanto, notou-se naquela oportunidade que as videiras
O ciprodinil também está registrado para o controle de que haviam recebido as aplicações da mistura, próximas
mofo branco em algodão. feijão e soja, e para mancha de às estradas e carreadorcs, não apresentavam míldio da
videira, uma importante doença fúngica nos vinhedos de
alternaria em batata, tomate e cebola. O pirimetanil tem
registro para controle de mofo cinzento e manchas foliares Bordeaux na época. Este foi o marco histórico para início
do uso do cobre na agricultura e para o controle químico de
em diferentes culturas.
doenças de plantas. A partir desta descoberta, a mistura ficou
• Fluazinam (fenilpiridinilamina) - Esse fungicida tem mundialmente conhecida como calda bordalesa e continua
registro para controle de mofo branco em diferentes culturas sendo utilizada na agricultura atual, principalmente em plan-
como algodão, feijão e soja. Além disso, iem eficácia no tios orgânicos ou de pequena escala.
controle de di ferentes doenças de parte aérea em várias
As propriedades antifúngicas do sulfato de cobre para o
culturas.
tratamento de sementes de trigo contra esporos de carvões
• Quintozeno (cloroaromático) - Esse fungicida foi intro- e preservação de made ira já eram conhecidas no iníc io do
duzido pouco antes de 1940 e tem sido utilizado no conttole século 19, antes mesmo da calda bordalesa. No entanto,
de Rhizoctonio e Sclerofium via tratamento de sementes. devido à alta solubilidade em água e capacidade de pene-
• Dodina (guanidina) - Esse fungicida foi introduzido em tração de íons <.le cobre em tecidos vegetais em cresci-
1956, para controlar sarna da macieira. O produto apresenta mento ativo. o sulfato de cobre se mostrou altamente fito-
alta fungitoxicidade inerente c destaca-se pela capacidade tóxico e inadequado a aplicações protetoras em folhagens
de melhorar a cobertura por redistribuição. e frutos. Durante o preparo da calda bordalesa. inicial-
• Triciclazol (benzotiazol) - Esse produto foi desenvol- mente ocorre a reação de óxido de cálcio (cal virgem)
vido em 1976, sendo altamente eficiente no controle da com água, para a formação de hidróxido de cálcio (cal
brusone do arroz, mas sem e feito sobre outras doenças hidratada):
da cultura. CaO + Hp-+ Ca(OH)2
Posteriormente, o hidróxido de cálcio reage com o sulfato
16.4.1.2. Bactericidas de cobre pentahidratado, gerando hidróxido de cobre e
Os produtos que apresentam controle de doenças causadas sulfato de cálcio:
por bactérias são denominados de bactericidas. Alguns agrotó- Ca(OH)2 + CuSO4 .5Hp -+ Cu(OH)2 + CaSO4
xicos são registrados no MAPA como bactericida-fungicida, por
apresentarem eficácia contra fungos e bactérias. como é o caso Na forma fixada ou complexada, o cobre não é absorvido
dos produtos à base de cobre e também de alguns antibióticos. pela planta, o que reduz o risco de fitotoxicidade da calda
como a casugamicina. Os principais agrotóxicos utilizados no bordalesa e aumenta a versatilidade do sulfato de cobre
controle de bactérias que causam doenças em plantas são cobre e na agricultura.
antibióticos. Apesar de não ter ação direta sobre fitopatógcnos, os Nonnalmente, o preparo da calda bordalesa é feito pela
indutores de resistência são importantes no manejo de diferentes mistura na proporção de 1: 1: 100 de sulfato de cobre penLahi-
doenças, principalmente daquelas causadas por bactérias e, por dratado (kg), hidróxido de cálcio (kg) e água ( L). respecti-
isso, serão abordados nesse tópico. vamente. A composição da calda recém-preparada altera-se
com o tempo, razão pela qual é preciso aplicá-la logo após
Cobre seu preparo. Quantidades iguais dos ingredientes sólidos
A aplicação de cobre é a medida de controle químico mais são dissolvidas e suspensas em água em recipientes sepa-
importante e mais empregada para o controle de doenças bacte- rados e, posterionnente, misturadas, num terceiro reci-
rianas na agricultura. principalmente aquelas de colonização não piente, sob agitação constante. Atualmente há formulações
sistêmica que causam manchas em folhas e frutos. Além disso, o comerciais prontas. A calda pode ser fitotóxica, principal-

246
Controle Químico

mente às cucurbitáceas, rosáceas, solanàccas e crucíferas, disponível para o público em geral até o início da década de 1940,
particularmente em tecidos jovens e em altas temperaturas. quando os cientistas desenvolveram técnicas para produzir e puri-
A fitotoxicidade manifesta-se na fom1a de manchas em ficar grandes quantidades do antibiótico. O primeiro uso de um
frutos, como em citros e pêssegos, queima e desenvolvi- antibiótico na proteção de plantas ocorreu em 1947 pela aplicação
mento retardado de folhagem em cucurbitáceas, transpi- de estreptomicina em sementes de tomate para controle do cancro
ração excessiva que leva à seca em algumas culturas hortí- bacteriano, causado por Clavibacter michinanensis.
colas e queda de flores em solanáceas. Apresenta baixa Apesar do sucesso no controle de algumas doenças de
toxidez aos mamíferos e singular caracterís1tica de alta tena- plantas, o uso de antibióticos na agricultura é muito limitado.
cidade. que lhe confere grande poder residual. Após a apli- Esta limitação não se deve somente ao risco de desenvolvi-
cação da calda bordalesa ocorre a formação de uma camada mento de isolados resistentes de microrgarusmos submetidos ao
protetora de cobre externamente à porção tratada da planta uso frequente destas substâncias, mas também às dificuldades
que age preventivamente contra a ocorrênda de infecções de aplicação em larga escala, degradação no ambiente após apli-
bacterianas e fúngicas. Existem no mercado formulações cação e competição com uso na medicina. Devido ao alto custo,
de cobres solúveis como sulfato e nitrato de cobre. O uso os antibióticos utilizados no controle químico de doenças de
destes produtos na agricultura está voltado à nutrição das plantas provenientes da medicina são geralmente recomendados
plantas. O desempenho dos cobres solúveis no controle de somente para tratamento de sementes ou para culturas de alto
doenças de plantas depende da frequência de aplicação e valor associadas a altos riscos de prejuízo. Os antibióticos mais
tipo. de cultura,, porém tende a ser inferior aos cobres fixos empregados pela agricultura mundial no controle de doenças de
pela necessidade de aplicação de doses sig:nificativamente plantas são estreptomicina, casugamicina e oxitetraciclina. As
menores do metal para evitar efeitos fitotóx.icos. estrobilurinas, que têm amplo uso na proteção de plantas, também
• Cobres fixos - Também chamados de irnsolúveis ou Je penencem originalmente ao grupo dos antibióticos, mas como
baixa solubilidade, os cobres fixos são fo1mulações mais atualmente esta substância é produzida sinteticameme, está clas-
modernas de cobre, usadas como suced;âneas da calda sificada como fungicida.
bordalesa que apresentam maior facilidade de preparo da • Estreptomicina - Produzida pela actinobactéria Strepto-
calda de aplicação. Por apresentarem baixa solubilidade myces griseus e descoberta em 1943, a estreptomicina só
em água, estas formulações de cobre conferem maior foi intensivamente experimentada no controle de doenças
efeito residual do produto à área tratada e menor fitoto- de plantas em 1956. Este antibiótico é um inibidor de
xicidade. Quando aplicados, estes produtos formam uma síntese proteica. Ao bloquear o complexo iniciante
camada protetora sobre o tecido vegetal e agem preven- da síntese de proteínas, a estreptomicina interrompe a
tivamente evitando a infecção. Como os cobres fixos são sequência normal de tradução que resulta na adição equi-
estritamente protetivos e não têm atividatde curativa ou vocada de aminoácidos e fonnação de enzimas não-funcio-
sistêmica, nem capacidade de translocação na ~superficie nais, levando à mone da célula bacteriana Na agricultura,
vegetal, a principal dificuldade enfrentada é manter as o uso mais intensivo da estreptomicina ocorre nos EUA e
plantas protegidas ao longo do clico de cultivo. O cres- Canadá no controle da queima bacteriana em macieira e
cimento de folhas e frutos resulta na descontinuidade da pereira, causada por Erwinia amy/ovora, e no tratamento
camada protetora de cobre, criando sítios desprotegidos, de sementes contra bacterioses que afetam feijoeiro, algo-
passíveis de infecção. Os cobres fixos mais utilizados na doeiro, crucíferas e cereais. Também apresenta algum
agricultura são hidróxido de cobre, oxicloreto de cobre e controle sobre crestamentos bacterianos do feijoeiro e
óxido cuproso. Como a calda bordalesa, ,os cobres fixos da soja, mancha bacteriana do tomateiro, canela preta da
constituem um grupo de agrotóxicos com amplo espectro batata, mancha angular do pepino, podridão negra das
de ação antifúngica e antibacteriana e baiixa toxidez aos crucíferas, cancro cítrico, cancro do tomateiro, podridão
animais e ao homem. São amplamente util 1izados na horti- mole da alface, requeima da batata e do tomateiro, míldio
cultura, fruticultura e cafeicultura. do brócolis e oídio da roseira.
\ntibióticos • Casugamicina - Antibiótico descobeno em 1965 produ-
Os antibióticos constituem um grupo de compostos químicos zido pela actinobactéria Streptomyces knsugaensis que
produzidos por microrganismos capazes de inibir ou matar outros apresenta uso exclusivo na agricultura e baixa toxicidade
microrganismos em baixas concentrações e com alto grau de espe- a mamíferos. Assim como a estreptomicina, a casuga-
cificidade. A maioria dos antibióticos conhecidos é produzida por micina inibe a síntese de proteínas pela interferência na
actinobactérias, um grupo especial de bactérias que apresentam tradução correta de sequências de DNA, gerando proteínas
crescimento filamentoso, e por fungos. Atualmente, o termo anti- não-funcionais e colapso celular. A casugarnicina é empre-
biótico possui maior abrangência e engloba qualquer substância gada principalmente no controle da brusone do arroz.
produzida por um microrganismo com ação antagonista a outro Além disso. pode ser utilizada no controle de bacterioses
microrganismo. do arroz como o apodrecimento bacteriano de grãos
Alexander Fleming, um cientista escocês, é considerado o e estria vermelha. Em tomate pode ser utilizado para o
autor da descoberta do primeiro antibiótico, a penicilina. Em 1928, controle de macha bacteriana.
ele notou que bactérias não podiam sobreviver em uma placa de • Tetraciclina - CompreenJe um grupo de antibióticos
cultivo que continha um fungo comumente encontrado no pão. produzidos por várias espécies de actinobactérias do
\-iais tarde ele demonstrou que esse efeito era devido a uma subs- gênero Streptomyces. A primeira tetraciclina descoberta
tància produzida pelo fungo. No entanto, a penicilina nào esteve foi a clorotetraciclioa, em 1948. Assim como a estrepto-

247
Manual de Fitopatologia

micina e a casugamicina, as tetraciclinas inibem a síntese cies de Meloidogyne e Pratylenchus, algumas espécies
proteica de microrganismos. A oxitetraciclina, também de fungos e de plantas daninhas. O prime.iro está regis-
conhecida como terramicina, é a tetraciclina mais utili- trado para uso em fumigação de solo em pré-plantio nas
zada na agricultura, principalmente para o controle da culturas da batata, cenoura, tomate, morango, fumo e
mancha bacteriana em pêssego e nectarioa, e queima crisântemo, e o dazomete tem sido o fumigante mais utili-
bacteriana em macieira e pereira. Este antibiótico também zado no tratamento de solo visando à desinfestação do
é utilizado para o controle de fitoplasmas em palmeiras e solo para posterior semeadura ou plantio.
árvores ornamentais pela injeção no tronco. A injeção de • Não-fumigantes - Os nematicidas não-fumigantes regis-
oxítetraciclina é um tratamento caro, que deve ser repe- trados no Brasil pertence.m aos grupos das avermectinas,
tido frequentemente para a amenização dos sintomas. Este dos carbamatos e dos organofosforados. A abamectina
tratamento é utilizado apenas para árvores ornamentais de (avennectina) tem ação nematicida, inseticida e acaricida,
alto valor e não é viável em grandes plantações florestais. e está registrada para o tratamento de sementes em dife-
Indutores de resistência rentes culturas como soja, algodão milho, cebola, cenoura
e tomateiro para o controle principalmente de espécies de
A resistência sistêmka adquirida é uma fonna de defesa Meloidogyne e Pratylenchus. Além disso, há registro de
natural da planta que oferece proteção duradoura contra um produto comercial para controle de Ditylenchus dipsaci na
amplo espectro de microrganismos. Este tipo de resistência cultura do alho, por meio de imersão dos bulbilhos na calda
pode ser ·áumentada q(!imicamente pela aplicação de produtos antes do plantio. Os carbamatos (carbofurano e benfura-
às plantas, chamados de indutores de resistência. Neste caso, carbe) estão registrados como nematicidas e inseticidas. O
os indutores de resistência não atuam diretamente pela elimi- primeiro é utilizado para controlar nematoides por meio
nação do patógeno, mas pela ativação da resistência latente da do tratamento de sementes de milho e arroz, incorporado
planta, que impede ou dificulta a colonização dos tecidos vegetais ao solo em plantios de batata, cenoura, fumo, café,
pelo patógeno. A ativação da resistência se dá pela molécula de banana, e também para aplicação em sulco de plantio de
sinal do ácido salicílico que está associada à produção de prote- toletes de cana-de-açúcar. O segundo tem registro como
ínas relacionadas com a patogênese (proteínas RP), como por nematicida para controle de Meloidogyne e Prarylenchus
exemplo as quitinases e glucanases, as quais contribuem para o no sulco de plantio de toletes de cana-de-açúcar. Os orga-
aumento da resistência. A resistência é sistêmica e pode persistir nofosforados registrados são cadusafós, fenamifós, fostia-
na planta por vários dias e até meses. Contudo, com o passar do zato e terbufós que apresentam ação nematicida e inseti-
tempo pode ser necessário reativar a indução pela reaplicação do cida. Esses produtos, em sua maioria, são aplicados no
produto. Os indutores não agem imediatamente. Há necessidade solo, em sulco de plantio, em covas ou incorporados ao
de um tempo de alguns dias entre a aplicação e a resposta na redor das plantas. Também podem ser aplicados direta-
planta. Por ser inespecífica e parcial, a resistênc.ia induzida .na mente em mudas, por meio de imersão, ou via irrigação
planta não promove pressão de seleção ao patógeno, o que prati- por gotejameuto. O cadusafós tem registro para controle
camente elimina o risco de quebra desta resistência. Os produtos de espécies de Meloidogyne e Prarylenchus em culturas
mais utilizados como indutores de resistência são o acibenzolar- como batata, cafeeiro e cana-de-açúcar. O fenamifós está
S-metil (ASM) e os neonicotinoides (imidacloprido e tiame- registrado apenas como nematicida em algodão, banana,
toxam). Além de serem importantes para o controle de diversos batata, cacau, café, marantas, melão e tomate, e o fostia-
insetos que atacam as plantas, alguns vetores de doenças como zato e o terbufós são nematicidas/inseticidsa utilizados
o huanglongbing (HLB) em citros, os neonicotinoides também em importantes espécies cultivadas como banana e café.
são capazes de ativar a resistência nas plantas. A eficiência
destes produtos foi demostrada para o controle de cancro cítrico 16.4.l.4. Acaricidas e inseticidas
e verrugose do·s citros. A eficácia do ASM, que não tem capa-
A aplicação de inseticidas e acaricidas é uma das estratégias
cidade inseticida, foi demostrada contra doenças de natureza
utilizadas para controle de doenças causadas por vírus, bactérias e
diversa em plantas, incluindo a murcha e a mancha bacteriana
outros agentes causais disseminados por insetos e ácaros vetores.
do tomateiro, o oídio do trigo, nematoses de galhas e o vira-
Entretanto, nenhum método de controle é eficiente o bastante para
-cabeça do tomateiro.
manter a cultura livre de infecções por esses patógenos, sendo
16.4.t.3 Nematicidas sempre necessário fazer uso de outras medidas disponíveis, rela-
cionadas principalmente aos princípios da exclusão, erradicação,
O controle químico de nematoides pode ser realizado por imunização e proteção.
meio de moléculas denominadas nematicidas, que são capazes de
A eficiência de inseticidas para o controle de insetos vetores
matar nematoides ou reduzir a população dos mesmos. Os nema-
deve ser avaliada de maneira diferente em comparação com a
ticidas podem ser fumigantes ou não fumigantes de so_lo.
eficiência desses produtos sobre insetos pragas. O dano causado
• Fumigantes - Em geral, apresentam eficiência sobre dife- em urna determinada espécie de planta cultivada, em geral, é dire-
rentes agentes causais de doença, pragas e também ervas tamente proporcional à quantidade de insetos-praga presentes na
daninhas. Estes produtos são utilizados para fumigar área. Contudo, um inseticida pode ser eficiente e eliminar a maior
solos, substratos em viveiros e também cultivos sob parte da população de insetos vetores, mas o dano causado pelos
cobertura plástica. No MAPA estão registrados os fumi- insetos sobreviventes pode ser suficientemente alto para inviabi-
gantes metam-sódico e dazomete. Ambos penencem ao lizar o agrotóxico na contenção da doença, dependendo do tipo
grupo dos isotiociaoatos de metila e têm registros como de propagação do patógeno no inseto e da forma e agilidade de
nematicida, fungicida e herbicida para o controle de espé- disseminação do patógeno pelo vetor.

248
Controle Químico

Apesar de o controle químico ser a estratégia mais utili- ou curativos (terapêuticos). Essa classificação também está rela-
zada pelos agricultores para muitas doenças causadas por virus cionada com as fases do ciclo das relações patógeno-hospedeiro
j1sseminadas por insetos vetores, o uso de inseticidas não é. muitas nas quais o ar,rotóxico atua. Em geral, os erradicantes atuam na
· ezes, suficiente para reduzir efetivamente a incidência de plantas sobrevivência., os protetores impedem a infecção e os curativos
.1oentes, a intensidade dos sintomas e os danos à produção. Dessa tem efeito sobre a colonização.
forma. a eficiência do controle de doenças por meio do controle
de seus vetores vai depender do tipo de transmissão associado ao 16.4.2. l. Agrotóxicos de ação erradicante
\lnJS e também da dinâmica de progresso da doença no campo. Os agrotóxicos erradicantes são aqueles que atuam dire-
As relações entre vírus-vetor podem ser não persistentes, semi- tamente sobre o patógeno, por isso, estão relacionados com o
persistentes, persistentes e circulativas e persistentes e propaga- princípio geral de controle da erradicação. Existem três situa-
tivas (mais informações no Capítulo !O desta obra). As diferenças ções em que fongicidas podem ter ação erradicante eficiente: no
entre esses tipos de relação estão relacionadas ao local e tempo tratamento de solo. no tratamento de sementes e no tratamento de
.li! aquisição e inoculação do vírus pelo vetor, período de latência, inverno de pla1ntas de clima temperado que entram em repouso
!>erda do vírus na ecdise, presença ou não do vírus na hemolinfa, vegetativo. A eficiência erradicante do produto é diretamente
·eplicação e retenção do vírus no vetor e, especificidade do vetor. proporcional à capacidade de redução do inóculo.
A baixa eficiência do controle químico de vetores de vírus Os produtos tipicamente erradicantes são os fumígantes do
muitas vezes está relacionada com a relação não persistente entre solo, produtos voláteis, altamente tóxicos para todas as fonnas
o vetor ê o vírus, um~ vez que os inseticidas não apresentam de vida e, por isso, denominados biocídas. São utilizados no
eficácia para matar os insetos antes da picada de prova. Em alguns controle de ins,etos, fungos, nematoides e plantas daninhas. Como
.:asos, o inseticida pode, inclusive, causar alteração comporta- são voláteis, logo após sua aplicação, estes produtos necessitam
mental no inseto, estimulando-o a realizar várias picadas de prova cobertura superficial impenneabilizante (geralmente filme plás-
na planta, aumentando assim a disseminação do vírus. Em contra- tico), para aumentar a exposição dos patógenos ao agrotóxico. Os
:1artída, para a relação persistente-circulativa, a aplicação de inse- produtos mais representativos do grupo são dazomcte e metam-
:icidas poderá ser útil para minimizar a disseminação do vírus sódico. Além de caros e altamente tóxicos, o que impacta dras-
na área de cultivo. Nesses casos, as aplicações muitas vezes são ticamente no equilíbrio biológico do local onde são utilizados e
:<!alízadas com base no monitoramento do inseto vetor. no risco à saúde dos aplicadores, estes produtos são recomen-
Os vírus também podem ser transmitidos por ácaros, dados somente: em situações potencialmente rentáveis, como
'1las nestes casos, as relações entre o vetor e o vírus são pouco canteiros de semeadura de plantas de grande valor. Produtos não
conhecidas. Em citros, o vírus da leprose (Citn,s leprosis vinis, fumigantes, seletivos, tipicamente erradicantes do solo, são raros,
CiLV-C) é transmitido por espécies de ácaros do gênero Brevi- como exemplos, o quintozeno e o etridiazol.
palpus. O manejo dessa doença pode ser feito por meio do uso Para obt,~r ação erradicante mais específica, geralmente
de diferentes estratégias. A redução da população do ácaro com utilizam-se produtos com menor espectro toxicológico que os
o uso de acaricidas é indicada sempre que a população do vetor biocidas. Os fiungicidas protetores mancozebe e captana e os
estiver acima do nível aceitável. O controle químico tem sido a sistémicos, como a procimidona, podem ser utilizados no controle
medida mais adotada pelos citricultores, porém recomenda-se de Rhízoctonia solani, agente de damping-o.ff em canteiros de
a rotação de uso de acaricidas pertencentes a diferentes grupos várias hortaliças. O fungicida rnetalaxil tem ação na erradicação
químicos para evitar a seleção de populações resistentes do ácaro. de patógenos dos gêneros Pythium e Phytophthora, agentes de
Os insetos também podem ser vetores de bactérias causa- damping-off e podridões radiculares em muitas espécies vege•
doras de doenças de plantas. Na cultura dos citros. a bactéria tais. Por fim. o fenarirnol tem ação erradicante sobre o inócnlo de
Yyle/la fastidiosa (causadora da clorose variegada dos citros, Venturia inaequalis, em lesões de sarna da macieira.
CVC) e as bac.térias Candidatus Liberibacter spp. (causadoras No tratamento erradicante de sementes são utilizados
do HLB) são transmitidas por vetores, sendo a primeira transmi- produtos não sistêmicos como tiram e captana, e sistêmicos como
tida por diferentes espécies de cigarrinhas e as bactérias do HLB tiabendazol. A abamectina tem sido utilizada no tratamento de
transmitidas pelo psilídeo Díaphorina citrí. O controle químico sementes para ,:, controle de nematoides. No tratamento erradi-
com inseticidas é uma das estratégias mais importantes de manejo cante de inverno das plantas de clima temperado, como macieira,
de ambas as doenças. Nesses casos, além do controle químico. o pereira, pessegueiro e videira, utiliza-se a calda sulfo-cálcica,
uso de mudas sadias e a erradicação de plantas doentes, no caso preparada pela mistura e fervura prolongada de enxofre e cal.
do HLB, ou a poda de ramos sintomáticos, no caso da CVC, são Essa calda tem ação contra fungos, musgos, líquens, ácaros e
medidas complementares, que garantem a eficiência do manejo cochonilhas. Devido a seu trabalhoso preparo, tem sido pouco
dessas doenças. utilizada ou substituída pela calda bordalesa.
O sucesso no controle químico de vetores de patógenos
também depende da capacidade residual dos produtos quando 16.4.2.2. Agrotóxicos de ação protetora
aplicados às plantas. Os agrotóxicos que apresentam longo efeito Os agrotóxicos desse grupo inibem a germinação dos
residual promovem controle de insetos e ácaros durante vários esporos ou a rt:plicação de bactérias e posterior infecção dos
dias após a aplicação do produto, aumentando as chances de tecidos do hospedeiro. ou seja, atuam na fase de pré-penetração.
reduzir as infecções e o posterior dano à cultura. Dessa forma, os agrotóxicos de ação protetora estão relacionados
com o principio geral de controle da proteção. Produtos químicos
16.4.2. Quanto ao Princípio Geral de Controle protetores são aiplicados nas partes suscetíveis do hospedeiro e
Baseando-se no priucípio geral de controle (ver Capítulo fonnam uma camada snperficial protetora antes da deposição do
14 desta obra), os agrotóxicos podem ser erradicantes, protetores inóculo. Para a 1maximização da ação protetora, quando aplicado

249
Manual de Fitopatología

na pane aérea das plantas, além da toxicidade inerente. é dese-


jável que o agrotóxico possua características como: ser quimi-
camente reativo, mas não se decompor facilmente pela ação das
intempéries; ser capaz de reagir em meio aquoso, mas sem hidro-
lisar sobre o hospedeiro, tampouco ser facilmente removido pela
chuva; ser capaz de se espalhar por toda a superficie tratada,
mas sem formar uma camada muito fina que comprometa sua
eficiência; ser capaz de se redistribuir durante as chuvas, cobrir
as áreas não cobertas pelos depósitos iniciais, mas sem escorrer
excessivamente com a calda de pulverização; e ser suficiente-
mente molhável para formar suspensão na água de pulverização.
As características ideais de um produto puramente protetor são
dificeis de serem conciliadas na prática.
Para o desempenho da atividade protetora sobre as super- Figura 16.3. Mobilidade de agrotóxicos nas plantas. (A) p°roduto imó-
flcies das plantas, os agrotóxicos deste grupo necessitam ser vel. Sua ação limita-se ao local em que foi depositado.
adequadamente formulados e aplicados. As aplicações protetoras (B) Produto mesostêmico. O produto é redistribuído
das partes aéreas da planta são feitas por meio de pulverizações, sobre a superficie onde foi aplicado ou atravessa a
que visam conferir deposição, distribuição, aderência, cobertura lâmina foliar, atingindo o lado oposto ao da aplicação.
e tenacidade adequadas. Aplicações protetoras pós-colheita são sem t111oslocação via vaso. (C) Produto sistêmico. O
feitas pela imersão da parte vegetal na calda com agrotóxico. produto penetra a folha, atinge os vasos e é lranslocado
Entretanto, geralmente, em frutas como mamão e manga, o trata- juntamente com a seiva, para locais distantes daquele em
mento protetor é feito simultaneamente com banho ténnico, e os que foi incialmente depositado.
produtos mais utilizados são os sistêmicos, como o tíabendazol.
Os principais fungicidas protetores são os inorgânicos (à base dos tecidos. Tanto fungicidas sistêmicos quanto não sistêmicos
de cobre e enxofre), os ditiocarbamatos e similares (mancozebe, atuam como protetores se aplicados antes da deposição do pató-
tiram, etc.), as dicarboximidas e o clorotalonil. geno sobre a superflcie vegetal. Desta forma, por exemplo,
produtos cúpricos são classificados como agrotóxicos não sisté-
16.4.2.3. Agrotóxicos de ação curativa
micos, pois permanecem restritos à superficie do tecido tratado.
Os agrotóxicos curativos apresentam ação relacionada ao e protetores, pois previnem a infecção do tecido pelo patógeno.
processo de colonização (pós-infecção). Em geral, o efeito cura- Os triazóis (DMis) são sistêmicos, pois penetram os teddos
tivo de um agrotóxico está relacionado com a inibição da coloni- e circulam no xilema da planta, e podem atuar como prote-
zação do tecido do hospedeiro pelo patógeno, após a penetração, tores, quando impedem a infecção, ou como curativos, quando
porém antes da observação dos sintomas. O efeito curativo impedem a colonização após a penetração do patógeno.
também pode estar relacionado com a atenuação dos sintomas
ou reparação dos danos provocados pelo patógcno, sendo uma 16.4.J.1. Agrotóxicos sistêmicos
ação dirigida contra o patógeno, após o estabelecimento de seu Agrotóxicos sistémicos são aqueles que penetram e são
contato efetivo com o hospedeiro. Portanto, os agrotóxicos de translocados na planta por meio de seu sistema vascular (Boxe
ação curativa estão relacionados com os princípios gerais de 16.2). Esses agrotóxicos também são conhecidos como móveis ou
controle da terapia e da imunização. O efeito curativo também penetrantes. Os agrotóxicos sistêmicos, em geral, tem maior fungi-
está relacionado com a penetração do agrotóxico no interior do toxicidade inerente que os não sistêmicos e, por isso, são aplicados
órgão vegetal, de maneira que o mesmo possa entrar em contato em menores doses. Por possuírem alto poder residual e pela capaci-
com o patógeno durante a colonização dos tecidos. dade de translocação pelos vasos do xi lema, a frequência de pulve-
Os principais grupos de fungicidas com ação curativa são os rizações de produtos sistêmicos também é menor que a de produtos
Qols (estrobilurinas e demais), os DMis (triazóis e outros) e os MBCs não sistêmicos. Produtos sistêmicos, por serem específicos, apre-
(carbendazim e tiofanato-metílico). Além desses, outros importantes sentam menos problemas de fitotoxicidade, de contaminação
produtos que penetram nos tecidos da planta, como alguns inibidores ambiental e de desequilíbrio biológico do que os não sistêmicos.
de oomicetos também podem apresentar ação curativa. Os agrotóxicos sistêmicos, em função de sua capacidade de
penetração e translocação dentro da planta, podem agir de forma
16.4.3. Quanto à Mobilidade na Planta curativa sobre a colonização do patógeno. Na prática, esses agro-
Os agrotóxicos podem ser classificados quanto à trans- tóxicos atuam segundo os princípios da proteção, terapia e imuni-
locação nos tecidos vegetais (Figura 16.3). Essa classificação zação. Quando aplicados na parte aérea das plantas uma parte
separa os agrotóxicos em sistémicos, mesostêmicos (translami- significativa do produto fica depositada externamente e atua na
nares) ou não sistémicos (imóveis ou tópicos). Sistemicidade proteção dos tecidos. A outra parte penetra e é translocada via
significa mobilidade do produto na planta e o termo ·'sistémico" feixes vasculares em concentração tóxica aos patógenos. Além
contrapõe-se aos termos "não sistêmico" ou " mesostémico" . É dos efeitos protetores. curativos e imunizantes, os agrotóxicos
muito comum, embora errôneo, referir-se a fungicidas não sisté- sistémicos também podem ter ação erradicante, muito importante
micos como "protetores" e a fungicidas sistémicos como "cura- no tratamento de sementes e do solo, visando à eliminação de
tivos" . O tenno protetor, descrito na classificação anterior, está patógenos específicos.
relacionado à fase do ciclo da doença que é interrompida pelo A multiplicidade de efeitos dos agrotóxicos sistémicos
agrotóxico, que nesse caso remete à prevenção contra a infecção deve-se a três características: especificidade de ação ao nível

250
Controle Químico

-
MBCs, os SDHls, os indutores de resistência, alguns inibidores
Boxe 16.2 Absorção e translocação de a de oomicetos e antibióticos.
sistêmicos
16.4.3.2. Agrotóxicos mesostêmicos ou translaminares
Os agrotóxicos sistêmicos são utilizados no solo, Os agrotóxicos mesostêmicos ou translaminares são aqueles
na parte aérea das plantas e também .no trata.mento de que apresentam movimentação limitada, em geral, sem envolvi-
sementes. A translocação ocorre, na maioria idos casos, mento do sistema vascular (xilema e floema) da planta. A movi-
pelo xilema; consequentemente a aplicação no solo é mentação está relacionada à passagem do agrotóxico de uma face
a via mais eficiente. O agrotóxico disponível no solo é
para a outra da folha sem a translocação para outros órgãos da
continuamente absorvido pelo sistema radicular junto
planta. Os produtos desse grupo, em geral, se redistribuem na
com a água e os nutrientes. Progressivamente, ocorre superfície foliar devido à sua afinidade com a cera. Além disso,
o acúmulo do produto nas folhas, acompanhando esses agrotóxicos podem ter ação de profundidade, pela capacidade
passivamente a corrente transpiratória da planta.
de percolação no mesófilo foliar. Os produtos mesostêmicos
Entretanto, a aplicação de produtos sístêmicos via solo
também podem ter ação protetora, curativa e erradicante. A maioria
oão é comumente utilizada para o controle de doenças
das estrobilurinas, alguns triazóis e a dodina são produtos que apre-
da parte aérea, pois levaria ao desperdício do produto
sentam translocação mesostêmica na planta.
(doses elevadas, inativação por adsorção e degradação)
e a unia pressão de seleção desnecessária na população 16.4.3.3. Agrotóxicos não sistêmicos ou tópicos
do patógeno. Excepcionalmente, os indutores de resis- (imóveis)
tência podem ser aplicados tanto via. foliar ~1uanto no
solo para o controle de doenças bacterianas e! fúngicas Os agrotóxicos desse grupo pennanecem na superficie do
em folhas e frutos. A aplicação via solo também pode órgão vegetal em que foram depositados, se.m serem absorvidos
ser feita em canteiros de semeadura. nem translocados. Esses produtos apresentam ação protetora
impedindo ou prevenindo a infecção da planta pelo patógeno.
O tratamento de sementes com produ,tos sistê-
Alguns produtos imóveis também apresentam ação erradjcante, e
micos pode te.r ação erradicante, protetora, cura-
por isso, também atuam na sobrevivência do patógeno. Os princi-
tiva e imunizante. Ação erradicante ocorrie quando
pais produtos desse grupo são aqueles à base de cobre ou estanho,
o produto consegue reduzir a viabilidade d,o inóculo
presente sobre a semente. Ao impedir a penertração de os ditiocarbamatos, o clorotalonil, o fo\pete., dentre outros.
patógenos habitantes do solo na semente alli deposi- 16.4.4. Quanto ao Modo de Ação
tada, o produto funciona como protetor. Ao ser absor-
vido pelas sementes em germinação, o produto cura Os agrotóxicos são também classificados pelo modo de
as infecções latentes e, ao ser translocado nas plân- ação no patógeno. A classificação proposta pelo Comitê. de Ação
tulas, previne ocorrência de doenças por imunização, de Resistência de Fungos a Fungicidas (FRAC, do inglês Fungi-
durante um período variável de dias ou até n;ieses. cíde Resistance Action Cornmittee) agrupa os produtos de acordo
Após a absorção, o agrotóxico sistêmico pode com esse critério, o que contribui para que as estratégias antir-
ser degradado, em maior ou menor grau, e :seu efeito re.sistência sejam adotadas de maneira correta. A lista elabo-
tóxico ao patógeno pode ser perdido. De forma geral, rada pelo FRAC (Tabela 16.1) divide esses produtos em grupos,
como a maioria dos produtos sistêmícos não, se movi- os quais são identificados por letras e números. Nessa classifi-
menta via floerna e depende da corrente tram,piratória cação, as letras separam os agrotóxicos em grupos pelo modo de
para ser translocado, não são acumulados em órgãos ação e os números indicam os subgrupos. Cada combinação de
que não transpiram como as pétalas. Algumas exce- letra e número recebe um código, denominado Código FRAC.
ções são o fungicida fosetil, que transloca via floema, A letra A é utilizada para agrotóxicos que atuam oa síntese de
e o antibiótico estreptomicina, que transl◄:>ca entre ácidos nucleicos; 8, para citoesqueleto e proteínas motoras;
folhas de diferentes idades. C, para respiração; D, para aminoácidos e síntese de proteínas;
E, para transdução de sinais; F, para síntese de lipídios ou inte-
gridade ou função das membranas; G, para biossíntese de este-
róis na membrana; H, para biossíntese de parede celular; P, para
. rvquínüco, absorção pela planta e, capacidade de translocação indutores de resposta de defesa do hospedeiro; M, para produtos
:~:Jtro da planta. Efetivamente, todos os agrotóxic,os sistêmicos com modo de ação multissítio (Boxe 16.3); e U, para moléculas
-ibem seletivamente processos metabólicos específicos, compar- com modo de ação desconhecido. A sigla BM indica os agentes
Jiados apenas por grupos restritos de patógenos. A alta espe- de biocontrole com múltiplos sítios de ação, e a sigla NC é usada
• ricidade de ação leva à alta toxicídade ine.rente aos patógenos para os produtos sem classificação, como os óleos minerais. Por
;ensiveis e à baixa fitotoxicidade. A baixa fitotoxicidade, aliada exemplo, os triazóis, que são inibidores da desmetilação de este-
is ~apacidades de absorção e translocação, permite que os agro- róis (DMls), estão inseridos no grupo Gl , com o código FRAC 3
~icos deste grupo atuem sistemicamente. . (Tabela 16.1).
As principais características dos agrotóxicos sistêmicos são
•:1cidade direta ao patógeno, baixa solubilidade ecn água, pene- 16.4.5. Quanto à Classe Toxicológica
::Jçào nos tecidos aéreos e raízes, trans1ocação via xilema, inca- A classificação quanto à classe toxicológica leva em consi-
pacidade de alcançar órgãos que não transpiram, redistribuição deração a nocividade de cada agrotóxico aos organismos não alvo.
oora partes novas da planta, e ausência ou reduzida translocação Essa classificação é realizada com base em uma série de testes toxi-
1ll floerna. Os principais agrotóxicos sistêmicos são os DMis, os cológicos agudos e crônicos em mamíferos. No Brasil, é o Minis-

251
Manual de Fitopatologia

Boxe 16.3 Agrotóxicos multissitios de ação protetora

Os agrotóxicos multissítios de ação protetora são inibidores inespecíficos de reações bioquímicas, e afetam um grande
número de processos vitais compartilhados por diferentes organismos vivos. Esses produtos podem atuar em qualquer
parte da célula onde haja atividade metabólica. Há evidências de atuação desses produtos tanto na membrana como no
protoplasma celular, sendo supostamente m:iis intensa no protoplasma, onde é maior o ruímero de processos vitais.
Para fungicidas inorgânicos, há evidências de que o acúmulo inicial e muitas reações subsequentes ocorrem sobre
ou fora da membrana celular. Agrotóxicos com alta atividade iônica superficial, como o fungicida dodina, podem reagir
com grupos iônicos (sulfidrilicos, carboxilicos, imidazólicos, etc.) situados na superfície celular, interferindo irreversivel-
mente na perrneabilidaJ.e da membrana e provocando extravasamento dos constituintes celulares. Tais produtos, entre-
tanto, agem também fortemente ua inibição enzimática do metabolismo de carboidratos, possibilitando interpretar
mudanças de permeabilidade como efeitos secundários da atuação intracelular.
lntracelularmente, cada uma das centenas de enzimas pode ser alvo de inibição pelos agrotóxicos protetores. Testes de
ditiocarbamatos e vários sais metálicos sobre enzimas que dependem de grupos sulfidrilicos, como cobre e ferro mostram
notável inibição da atividade em mais da metade das possíveis combinações enzima-agrotóxico, comprovando a capaci-
dade dos agrotóxicos em reagir indiscriminadamente com os grupos prostéticos comuns das enzimas. A extensão dessas
reações in vivo depende do nível de agrotóxico não decomposto que acumula no local de atuação, na célula do pató-
geno, pois agrotóxicos podem ser metabolicamente eliminados. Captana pode inibir simultaneamente muitas enzimas
e coenzirnas, particularmente as que contêm grupos sulfidrilicos, afetando de modo não específico um grande número
de processos metabólicos. Agrotóxicos inorgânicos, como os fungicidas/bactericidas a base de cobre, também ~nvolvem
reações com grupos sulfidrílicos, mas, simultaneamente, inibem enzimas não dependentes do grupo sulfidrilico, como
a sacarase, catalase, arginase, asparaginase, beta-glucosidase, etc. O enxofre age como competidor de receptores de
hidrogênio, rompendo as reações normais de hidrogenação e desidrogenação. Alguns ditiocarbamatos, por meio do
íon isotiocianato, derivado de sua decomposição, reage inespecificamente com enzimas sulfidrílicas. Outros ditiocar-
bamatos formam quelatos tóxicos com traços de cobre, atuando diretamente sobre locais de ligação de metais essen-
ciais ou sobre grupos sulfidrílicos vitais. Em concentrações mais elevadas competem com ern.imas sulfidrilicas, sendo
particularmente ativos sobre a enzima desidrogenase de triose fosfato.
A falta de especificidade dos agrotóxicos multissítios não permite que estes produtos sejam absorvidos pelas
plantas, pois causariam fitotoxicidade. Assim, a seletividade antifúngica ou antibacteriana sobre a superfície vegetal é
conseguida às custas da sua relativa insolubilidade em água e dificuldade de penetração na planta.

lério da Saúde. por meio da ANVISA, que detennina a classe toxi- o mancozebe, a captana e o cloroialonil apresentam produtos
cológica de cada produto. A Organização Pan-americana de Saúde comerciais formulados em PM.
(OPAS) estabelece que todos os agrotóxicos devem possuir uma Concentrado emulsionável (CE ou EC, do inglês em11/-
faixa colorida na embalagem que indica a classe toxicológica sijiab/e concentrate) - é uma formulação líquida em que o ingre-
(Figura 16.4). A faixa vermelha identifica os produtos extre- diente ativo é solubilizado em solvente orgânico apoiar. A adição
mamente tóxicos (Classe 1). A faixa amarela é utilizada para os de aditivos é necessária para a obtenção de uma boa emulsão e
produtos aliâmente tóxicos (Classe U). A faixa azul é utilizada nas para homogeneizar o produto em mistura com água. Alguns tria-
embalagens dos agrotóxicos medianamente tóxicos (Classe III). zóis como o ciproconazol e o difenoconazol, e a estrobilurina
Por fim, a cor verde indica os produtos pouco tóxicos (Classe IV). piraclostrobína são fonnulados em CE.
Suspensão coneentrada (SC) - é uma formulação líquida,
16.5. FORMULAÇÕES DE AGROTÓXICOS em que o ingrediente ativo, praticamente insolúvel no solvente,
Os ingredientes ativos dos agrotóxicos, em geral, são é moído durante o processo ele produção e disperso no diluente.
formulados em misrura com diluentes e adjuvantes inertes ao Essa formulação foi desenvolvida para solucionar problemas de
patógeno. As formulações podem ser feitas com diluentes sólidos mistura e decantação no tanque de pulverização da formulação
ou líquidos. As principais formulações de agrotóxicos existentes PM. Agentes dispersantes, umectantes, espessantes, entre outros,
são: são requeridos para a produção de produtos em SC. Vários agro-
tóxicos têm sido formulados em SC, tais como triazóis, carben-
Pó molhável (PM ou WP, do inglês wettable powder) - dazim, captana. iprodiona, clorotalonil, alguns produtos à base
é uma formulação sólida em pó que veicula o ingrediente ativo de cobre, etc.
disperso em compostos inertes. Os aditivos, como os tensoa- Granulado dispersível (GD ou WG, do inglês water
tivos, são necessários neste tipo de fomrnlação para promover a dispersible granules) - é uma fonnulação em grânulos com o
umectação do produto em água dura_nte a aplicação e garantir boa iugrediente ativo concentrado. Os agentes dispersantes adicio-
cobertura nas plantas. Essa formulação requer também a adição nados na formulação são importantes para obtenção de uma boa
de produtos que ajudem na estabilidade e na aderência do produto dispersão no momento da mistura do produto com a água. As
na planta. Esta estratégia é utilizada para fungicidas pouco solú- estrobilurinas azoxistrobina e trifloxistrobina, o mancozebe, e o
veis em solventes orgânicos. Os agrotóxicos à base de cobre, cobre são exemplos de agrotóxicos formulados em GD.

252
Controle Químico

Tabela 16.1 - Grupos de classificação do Comitê de Ação de Resistência de Fungos a Fungicidas (FRAC) para importantes agrotóxicos usados
no controle de doenças de plantas, com os respectivos modos de ação e riscos de resistência.

Código
FI{ \C ,...
.,omc I1o l!íllllO ,..,omc comum .\1 ot1o d1• aç:i\ o .s·1trn-a
. 1,o e co11go
, 1· I',csi'tcncta
. • .

Risco Alto
benomd Resistência já relatada para várias
MBC
carbendazim B· mitose e B 1: P,.tubulina espécies. Resistência cruzada pode
(Meti! benzimidazol car-
tiabendazol divisão celular (mitose) ocorrer. Sítio-alvo das mutações
bamato)
t1ofanato-metílico no gene da l}-tubulina, nos sítios
El 98A/G/K e F200Y.
Risco Médio
ciproconazol
Resistência é quantitativa e já
difenoconazol
relatada paro várias espécies.
epoxiconazol G 1: C 14 demetila-
Resistência cruzada pode ocorrer
DMI tebucooazol G: Biossíntese ção na biossíntese
Muitos mecanismos de resistência
3 .. (Inibidores da protioconazol de esterol na de
já são conhecidos incluindo
desmeti lação de esterois) fenarimol membrana esterol (erg 11 /
mutações no gene cyp51 (erg 11)
tnfonoe cyp51)
como Vl36A, Yl37F,A379G e
imazalil
1381 V, promotor cyp5 I,
procloraz
transportadores ABC e outros.
Risco Alto
benalaxil
Resistência cruzada bem
PA metalaxil A- síntese de Al:RNA
conhecida em diferentes oomicetos.
(fenilamidas) tiabenda1ol ácidos nucleicos polimerase 1
Mecanismo ainda
tiofanato-metílico
desconhecido.
fluop1ram
carboxin
SDH1 Risco de Médio a Alto
oxicarboxm C2: Complexo II
(ioibidores da Res1stênc1ajã relatada para várias
7 benzovindiflupyr C:,Respiração succmato
succinato espécies de fungos. Sitio-alvo das
bixafen desidrogenase
desidrogenase) mutações no gene sdh
fl.uxap1roxade
boscalida
azox1strobina
cresoxim-metílico Risco Alto
C3: Complexo Ili
picoxistrobina Resistência já relatada para várias
Qol citocromo bc 1
piraclostrobina espécies. Síuo-aho das mutações
li (inibidores da C: Respiração (ubiquinona oxi-
trifloxistrobina gene no cyt b são O 143A, F l 29L
quinona externa) dase) no sitio Qo
farnoxadone e outras. Resistência cruzada pode
(gene cyt b)
fenam1done ocorrer entre os fungicidas Qol.
piribencarbe
Risco Médio
D: ammoácidos e D3: síntese de
24 Antibiótico casugamicina Resistência já relatada para
síntese de protelnas proteínas
fuogos e bactérias.
Muhissítio com
MI Ioorgânico cobre M1: Multisshio
atividade protetora
ferbam
mancozebe <;eralmente Risco Baixo
manebe Sem relatos de resisténcia
Ditiocarbamatos e mct1Tam Multissíuo com desenvolvida para
M3 M3: Multissitio estes fungicidas.
similares propinebe atividade protetora
tiram
, zinebe
úram

Fonte: FRAC (2017).

253
Manual de Fitopatologia

cidas estão relacionadas a alteração bioquímica do


Classe 1- Faixa Vermelha - Extrema me te Tóxico sítio alvo, desenvol vimento de via metabólica alter-
1

nativa, degradação metabólica do fungicida, exclusão


DL50 = < s mg/kg (uma pitada a algumas gotas)
ou expulsão do fungicida, decréscimo na permeabi-
lidade da membrana e aumento na destoxificação do
produto.
Classe li - Faixa Amarela - Altamente Tó!Xico O risco de ocorrência de resistência em fungos,
DL50 = s a 50 mg/kg (algumas gotas a uma colher de e há) segundo o FRAC, é dependente do patógeno, do grupo
químico do fungicida e também das medidas agro-
nômicas adotadas pelo produtor. Os patógenos com
Classe Ili - Faixa Azul - Medianamente róxico
DL50 = 50 a 500 mg/kg (uma colher de châ a duas col eres de sopa) 1) baixa eficiência de disseminação a longas distâncias,
baixa capacidade de multiplicação, baixa probabili-
dade de mutação ou persistência da mutação na popu-
lação são classificados como de baixo risco. ·Normal-

1)
mente são patógenos que ocorrem em sementes ou
Classe IV - Faixa Verde - Pouco Tóxico sobrevivem no solo e causam doenças monocíclicas
DL50 =-:> soo m g/kg (duas colheres de sopa a um opo) (apenas um ciclo por safra). Por outro lado, pató-
genos que têm alta capacidade de multiplicação e
disseminação, ocorrência frequente da forma sexuada
Figura 16.4 - Classes toxicológicas utilizadas em embalagens de agrotóxicos,
de reprodução e vários ciclos de infecção por safra
com as respectivas doses letais orais para matar 50% dos indiví-
são classificados como de alto risco. Os fungicidas
duos (DL10). multissítios são classificados como de baixo risco e
Fonte: Organização Pan-americana de Saúde, OPAS ( li997).
os fungicidas que atuam em sítio específico sujeitos
a mutações simples são considerados como de alto
Concentrado solúvel (SL) - o ingrediente ativo é solubi- risco. O risco também deve considerar a intensidade da doença
lizado em água ou solvente miscível em água. O fungicida cipro- nos diferentes locais, levando em consideração as condições
conazol e o antibiótico casugamicina são comerciallizados nessa climáticas e as medidas agronômicas, que incluem ferti lização,
formulação. irrigação, práticas culturais e grau de resistência das diferentes
variedades plantadas (Figura 16.5).
Suspo-emulsão (SE) - Fonnulação utilizada para combinar
agrotóxicos com propriedades ftsicas diferentes. Contém ingre- A resistência é detectada por meio de estudos de sensibi-
dientes ativos sólidos e líquidos em suspensão estaibilizados por lidade que comparam as populações expostas e não expostas a
aditivos. O produto comercial da mistura epoxiéonazol + píra- determinado fungicida (Figura 16.6). Esse monitoramento é
clostrobina é formulado em SE. importante não somente para verificar se as causas da ineficiência
no controle estão associadas com resistência, mas também se as
estratégias antirresistência estão apresentando resultados satisfa-
16.6. RESISTÊNCIA DOS PATÓGENOS AOS tórios. O monitoramento deve ser iniciado antes da comerciali-
AGROTÓXICOS
zação do fungicida para obtenção de dados de sensibilidade das
populações não expostas dos patógenos.
16.6.1. Resistência de Fungos a Fungicid21s
Até a década de 1970, devido à predominância de fungicidas
Os fungos, como todos os organismos vivos., podem, por multissítio, os casos de resistência relatados no campo limita-
meio de mutações, tomar-se resistentes a fungicidas específicos vam-se a menos de I Ogêneros de fungos fitopatogênicos. No final
que atuam em um ou poucos processos metabólkos vitais. A da década de 1980, devido à intensificação do uso dos fungicidas
mutação pode ocorrer em um único gene (monogi:oica) ou em sítio-específico (sistêmicos), esse número já havia aumentado para
vários genes (poligênica), principalmente no sítio primário de 60 gêneros. No Brasil, aproximadamente 20 gêneros de fungos
ação dos fungicidas. Os mecanismos de resistência envolvem fitopatogênicos haviam sido relatados corno resistentes a fungi-
principalmente modificações no sítio primário de a1;ào do fungi- cidas até o fim da década de 1990. O número de patossistemas
cida sobre o patógeno. com algum tipo de resistência relatada, seja em laboratório ou
A resistência aos fungicidas pode ser classi,ficada como em campo, estava próximo de 350 no início de 2010. As conse-
cruzada, cruzada negativa e múltipla. A resistência cruzada quências da seleção de populações de fungos resistentes a fungi-
ocorre quando os isolados do fungo desenvolvem resistência a cidas podem ser desastrosas, tanto para o produtor, que pode ter a
mais de um fungicida com o mesmo modo de ação. Ao desen- produção comprometida por falta de um produto de eficiência equi-
volver resistência a um fungicida, o isolado toma-s,e resistente a valente, quanto para o fabricante, que poderá perder os recursos
vários outros, desde que compartilhem o mesmo modo de ação investidos na descoberta e desenvolvimento do agrotóxico.
(Tabela 16.1). No entanto, é possível a ocorrência ,de fenômeno Em condições de laboratório é possível obter fungos fitopato-
inverso, denominado resistência cruzada negativa, que consiste gênicos resistentes a diferentes fungicidas sistêmicos. No entanto,
no aumento de sensibilidade a um fungicida, normalmente de no campo são necessários dois importantes fatores para que os
outro modo de ação, nos isolados reststentes a outro. A resis- indivíduos resistentes prevaleçam na população do patógeno: a
tência múltipla ocorre quando os isolados do fungo apresentam adaptabilidade do mutante e a pressão de seleção. Um mutante
resistência para dois ou mais fungicidas com modos de ação dife- pode apresentar baixa adaptabilidade se os genes atingidos pela
rentes. As causas do desenvolvimento de resistência aos fungi- mutação forem importantes condicionadores de competitividade

254
Controle Químico

12 18 Alto (= 11
Estrobllurlnas J 6 Médio(= 0,5)
Dicarboximldas 1,5 J '
4.5 B.ilxo (= 0,25)

Triazóls 4
2

4
12
6
Alto (= 1)
Médio (= 0.5)
1 2 J Babto (= 0,25)

Multlssítios 1 2 J Alto (= 1)
Cobre 0,5 1 1,5 Médio (= 0,5)

r~ura 16.S - Classificação de risco de resistência combinado em função do grupo químico dos fungicidas, do patógeno/doença e do risco
agronômico.
Fonte: FRAC (2014) modificado de acordo com Kuck (2005).

A ) • B zados de forma inadequada e/ou em áreas muito favoráveis para a


\ l - \,- 1. \ ocorrência de epidemias, podem perder eficiência de controle em
função de intensiva pressão de seleção.
?......_,-...'-9 ~
Os problemas decorrentes do aparecimento de popula-
,,.,
/'
'--,.
\
I
-'
.._
ções resistentes aos fungicidas levou as indústrias do setor a
unirem-se e fundarem, no início da década de 1980, o Comitê
de Ação a Resistência a Fungicidas (FRAC Fungicide Resis-
...J. ;! , tance Action Committee). Trata-se de uma organização interna-
cional que tem por objetivo discutir os problemas de resistência
e r D
e formular planos de esforços cooperativos para evitar e manejar
a resistência de patógenos aos fungicidas. Esse comitê é repre-
\ sentado em alguns países, como no Brasil, por comitês regionais.
O FRAC Brasil foi constituído em 1999, tendo como membros
.,.1 representantes de empresas produtoras e de comercialização de
.._ l
fungicidas.
} .....
Resistência de fungos aos fungicidas do grupo Qol - Os
inibidores da quinona externa (QoI}, grupo ao qual pertencem
Fi2.ura 16.6 Ucnninaçâo de conidios de isolado sensível (A e B) e as estrobilurinas, atuam sobre os fungos pelo bloqueio do trans-
pouco sensível (C e D) de Moniliniafructicola, agen- porte de elétrons nas mitocôndrias, que resulta na inibição da
te causal da podridão parda do pêssego, ao fungicida respiração. A resistência, na maioria dos casos, ocorre pela substi-
azoxistrobina. Germinação em água (A e C) e em so- tuição no códon 143 do aminoácido guanina por alanina (G 143A).
lução do fungicida (B e D}. Além dessa modificação, a glicina pode ser substiruída por serina
Fonte: Primiano (2015). também no códon 143, a fenilalanina por Ieucina no códon 129
(F 129L) e glicina por argenina no códon 137 (G 137R}. As alte-
;ior exemplo, patogenicidade, capacidade de esporulação e sobre- rações no códon 143 podem gerar isolados com altos níveis de
, ência). Entretanto, a a lta adaptabitidade de um determinado resistência, enquanto mutações nos outros códons resultam em
"TJutante não indica, obrigatoriamente, problema de resistência no resistência moderada.
campo, tampouco a baixa adaptabilidade remete a ausência de A resistência de fungos aos Qols já foi relatada em patógenos
nscos de resistência. Por sua vez, fungicidas de baixo risco, utili- dos gêneros Alternaria, Botrytis, Cercospora, Col/etotrichum,

255
Manual de Fitopatologi,1

Erysiphe, Monilinia, Mycosphaerella, Venturia, etc., de varias bacteriana na agricultura. Embora sejam eficientes contra diversas
culturas, sendo considerada de risco alto. Entretanto, para alguns doenças, estes produtos são incapazes de suprimir completa-
patógenos esse risco é considerado baixo em função da existência mente o ínóculo. Aplicações frequentes e contínuas ao longo do
de um intron especifico imediatamente após o códon 143 no gene ano normalmente são necessárias para minimizar as perdas. Um
do citocromo b. problema generalízado desta prática é o risco de desenvolvimento
Resistência de fungos aos fungicidas do grupo MBC-A de resistência pelo patógeno-alvo. A pressão imposta pelas repe-
resistência de fungos aos fungicidas do grupo metil benzimidazol tidas aplicaç,ões leva a um direcionamento evolutivo da população
carbamato (MBC) é considerada de alto risco. Esta resistência da bactéria. Uma vez que a resistência é adquirida por algum indi-
ocorre principalmente pela substituição do ácido glutâmico por víduo da população do patógeno, seja por conjugação ou mutação,
as aplicações conduzem a um aumento gradual da frequência da
lisina, glicina ou alanina no códon 198 da ~-tubulina. A substi-
população d.esses indivíduos resistentes. Quando a população de
ruição da fenilalanina por lisina no códon 200 oa mesma proteína
patógeno resistente se sobressai à sensível há o comprometimento
resulta em resistência moderada. Isolados resistentes do pató-
da eficácia desta medida de controle (Figura 16.7).
geno foram identificados mesmo após 1O anos da interrupção do
uso dos MBCs em áreas tratadas com o fungicida. A resistência Resis1tência de bactérias ao cobre - A redução da eficácia
aos MBCs foi observada para patógenos, que incluem os gêneros das pulverizações de cobre no controle das doenças bacterianas
Botrytis, ColletofYichum, Cercospora, Cladosporium, Erysiphe, de plantas e a ocorrência de bactérias fitopatogênícas resistentes
Fusarium, Monilinia, Penicillium, Venturia, dentre outros, em foram relatadas pela primeira vez na década de 1980. Desde
di~~rentes culturas. · então indivíduos resistentes ao cobre foram identificados em
Resistência de flllngos aos fungicidas do grupo DMI - A muitas espécies bacterianas, pertencentes aos gêneros Pseudo-
resistência dos fungos aos inibidores da desmetilação de esteróis monas, Xan.thomonas, Erwínia e Pantoea. Em bactérias, os genes
(DMI), grupo ao qual pertencem os triazóis e os imidazóis, foi de resistência ao cobre estão predominantemente localizados em
identificada em diferentes fungos, em algumas culturas, tais como plasmídeos. Desta forma, a transferência horizontal de plasmí-
Bohytis cinerea, Cercospora betico/a, Cofletotrichum gtoeospo- deos, contendo os genes de resistência por meio de conjugação, é
rioides, Fusarium graminearum, Penicillium digitatum, Venturia a principal fom1a de aquisição de resistência de cobre por bacté-
inaequalis, dentre outros. Essa resistência é considerada de risco rias. Como a resistência ao cobre é regulada por vários genes,
médio. Ao contrário dos benzimidazóis, a resistência a esse grupo é pouco provável que mutações espontâneas possam conferir
de fungicidas é considerada quantitativa. Neste caso o controle de resistência ao metal. Os principais mecanismos de resistência,
populações com alguma resistência pode ser obtido pelo aumento os quais imjpedem o cobre de interromper os processos celulares
da dose e/ou redução do intervalo de aplicação. bacterianos, são o sequestro e o acúmulo de cobre por proteínas
produzidas pelos genes de resistência e o efluxo do metal para o
16.6.2. Resistência de Bactérias aos Bactericidas meio extracelular (Figura 16.8).
Bactericidas à base de cobre e antibióticos são os prin.;ipais Em X citri subsp. citri, agente causal do cancro cítrico, por
produtos químicos usados para o controle de doenças de natureza exemplo, os genes de resistência ao cobre copl, copA e copB

Seleção: os indivíduos sensíveis são eliminados e os resistentes aumentam


população inicial

o Lesões causadas por patógenos sensíveis •+ Aplicação de agrotóxico


• Lesões causadas por patógenos resistent es e:~ Regeneração da população

Figura 16.7 - Pressão de seleção sobre população patogênica, decorrente da aplicação sucessiva de um agrotóxico. Na população inicial,
predominam lesões com indivíduos sensíveis ao agrotóxico. Cada aplicação de agrotóxico elimina grande parte dos indivíduos
sensíveis, mas não tem efeito nos indivíduos resistentes, que permanecem e se múltiplícam. Ao final de sucessivas aplicações do
mesmo produto, predominam lesões com indivíduos resistentes e o agrotóxico perde sua função.
Fonte: Adaptada de Deising_ et ai. (2008).

256
Controle Químico

16.6.3. Estratégias Antirresistência


Sem cobre Com cobre
O manejo integrado Je doenças, pela utilização simul-
tânea de medidas de controle variadas, tais como uso de mate-
rial de propagação sadio, variedades resistentes, adubação equi-
Isolado librada, irrigação adequada, controle qufmico e biológico, dentre
outros, é sem dúvida o cenário ideal de controle de doenças de
sensível
plantas. Esta estratégia é a mais sustentável não só sob o aspecto
ambiental, pela racionalização da quantidade de agrotóxicos apli-
cada, mas também pela redução do risco de desenvolvimento de
isolados de patógenos resistentes aos agrotó,cícos.
Além do manejo integrado, outras estratégias contribuem
para minimizar a ocorrência da resistência. O uso de agrotóxicos
que apresentam alto risco de ocorrência de resistência deve ser
Isolado evitado no manejo de doenças que podem ser controladas com
resistente agrotóxicos de menor risco, geralmente multissítios, ou com
outros métodos de controle. Os produtos mais vulneníveis à resis-

.. tência devem ser usados contra doenças em que a população do


patógeno resistente aumenta lentamente. quando a doença pode
ser controlada por urna combinação de outras medidas ou ainda
Figura 16.8 - Crescimento de isolados de Xanthomonas citri subsp. quando o controle pode ser alcançado com baixa pressão de
citri sensível e resistente ao cobre em meio de cultura seleção.
com e sem adição de 400 mg L-1 de sulfato de cobre A pressão de seleção e, consequentemente, o risco de resis-
pentahidratado. tência, podem ser diminuídos por meio da utifüação de diferentes
estratégias antirresistência. A principal estratégia é evitar o uso
estão localizados em um grande plasmídeo e apresentam simila- repetido e isolado de um mesmo produto. É recomendável que
ridade de sequência de nucleotídeos superior a 90% com genes seja utilizada a mistura, a rotação ou a alternância de agrotóxicos
de resistência a cobre presentes em isolados de X. a/falfae subsp. com mecanismos de ação distintos (Tabela 16.2). Os agrotóxicos
cirrumelonis, X vesicatoria, X. euvesicatoria, X pe,forans, devem ser aplicados somente na época, na dose e nos intervalos
X gardneri eX arboricola pv.juglandis provenientes de diversos de aplicação recomendados na bula. É desejável que a quanti-
países ou territórios. Estes genes também foram identificados em dade aplicada e a frequência de aplicação sejam reduzidas a um
isolados epífitas de Xanthomonas e StenotropHomonas mdlto- mínimo necessário para controle econômico. Deve-se limitar o
phi/ia isoladas de citros. Essa relação sugere que os genes que uso e a periodicidade de aplicação de fungicidas sistêmicos. Os
conferem resistência ao cobre nessas bactérias compartilham agrotóxicos que atuam em sítio específico no patógeno, se apli-
c1ma ascendência comum e estão amplamente disseminados em cados isoladamente, não devem exceder 30% do número total
dh·ersos ambientes agrícolas. de aplicações por safra e em associação com fungicida de outro
modo de ação não devem ultrapassar 50%. Associação de agro-
Resistência de bactérias aos antibióticos - A resistência
tóxicos de ação sítio-especifico somente com outros agrotóxicos
.los antibióticos é um problema global com graves consequências
multissítio que promovam controle satisfatório da doença e a
relacionadas não somente ã proteção de plantas, mas também, e
restrição de uso de tratamentos erradicantes também previnem o
principalmente, ã medicina clínica humana e animal. Por apre-
surgimento de resistência. Finalmente, deve-se realizar o monito-
sentar o maior uso na agricultura dentre as substâncias do grupo.
ramento da resistência ao primeiro sinal de perda de eficácia do
a estreptomicina é o antibiótico com maior número de relatos de
desenvolvimento de resistência, com ocorrências em populações controle.
de Erwinia amylovora, Pseudomonas syringae e Xanthomonas 16.7. TECNOLOGIA DE APLICAÇÃO DE
1esícatoria. A resistência à estreptomicina pode ser adquirida AGROTÓXICOS
tanto por mutação como por conjugação. Na mutação ocorre
a alteração pontual do gene que coJifica a proteína alvo para O sucesso do controle químico de doenças de plantas
a ligação da estreptomicina nos ribossomos bacterianos. Desta não depende somente da utilização do agrotóxico adequado ao
forma, bactérias mutantes perdem o sítio de ligação da estrep- alvo biológico, mas também da forma como o produto é apli-
tomici na e o antibiótico perde a funcionalidade. A resistência cado. A tecnologia de aplicação de agrotóxicos consiste no
conferida por conjugação está associada aos genes strA e strB, emprego de conceitos e informações científicas para a colocação
presentes em plasmídeo conjugativo. Esses genes codificam destes produtos no alvo em quantidades, momentos e métodos
enzimas modificadoras da estreptomicina. impedindo-a de se ligar adequados, de forma a maximizar sua eficiência e minimizar os
ao ribossomo bacteriano. Não há relatos de resistência a casuga- custos e impactos ambientais. Os aspectos mais importantes a
micina e oxitetraciclina em patógenos de plantas no campo. Isso serem observados para a aplicação de um produto são: tipos de
não significa que o risco de desenvolvimento de resistência para cultura e equipamento, volume de calda, regulagem e calibração
estes antibióticos seja menor. Apenas reflete a menor intensidade do pulverizador e condições do ambiente.
de uso destas substâncias na agricultura, uma vez que a resis- A escolha do equipamento a ser utilizado depende de fatores
tência a estes antibióticos foi documentada em diversas bactérias como tamanho da área ·ser tratada, tempo disponível para apli-
não patogênicas às plantas. cação. distância do ponto de reabastecimento e!.r,açamento de

257
Manual de Fitopatologia

Tabela 16.2 - Classificação de risco de resistência em função da estratégia adotada para uso de diferentes fungicidas nas aplicações.

•\plira~·iio
E,tnitrgi:1 Riwo tlt- rc,istênl'ia
1· 2" Y -t•

A A A A Repetição Alto

A B A B Alternância

A+B A+B A+B A+B Mistura

A+B A A+B B Mistura e alternância

B B A+B B Combinação Baixo

A= Fungicida com alto risco de resistência (por exemplo: benzimidazóis e estrobilurinas); B = Fungicida com baixo risco de resistência (por
exemplo: cobre e ditiocarbamatos).
Fonte: Guini & Kimati, 2000.

plantio, topografia. localização do alvo biológico na planta. Para (arados, sulcadores e subsoladores, etc.), entre outros. Os agro-
áreas pequenas ou com declividade acentuada os pulverizadores tóxicos também podem ser aplicados via sistema de irrigação
costais manuais (Figura 16.9A) ou motorizados (Figura 16.9B) são ou diretamente no colo da planta com diferentes tipos de equi-
mais apropriados. Para áreas maiores e que pennitem o trânsito de pamentos específicos. Para o tratamento de sementes ou partes
máquinas, os pulverizadores tratorizados de barra (Figura 16.9C) vegetativas utilizadas na propagação de plantas os agrotóxicos
e os turbo pulverizadores (Figura 16.90) são mais adequados. Os são aplicados com máquinas misturadoras ou por imersão em
pulverizadores tratorizados de barra são indicados para culturas calda com o produto.
anuais ou de pequeno porte. como cerais, feijão, soja, etc. Estes Outro fator importante a ser observado é o volume de calda
equipamentos pcnnitem que os bicos de pulverização sejam de pulverização do agrotóxico. É comum que os volumes de apli-
fixados em série em barras horizontais a distâncias uniformes cação sejam pré-fixados e aplicados indistintamente em plantios
umas das outras e da superfície a ser tratada. Existem também os de diferentes culturas, idades e tamanhos, levando ao desper-
pulverizadores tratorizados com pistola de pulverização. Nestes dício de recursos como água, energia e insumos. Contudo, por
equipamentos os bicos de pulverização são montados em lanças razões de economia, procura-se aumentar a capacidade opera-
conectadas ao tanque por mangueiras. As pistolas são operadas cional dos pulverizadores pela utilização do menor volume de
manualmente por aplicadores que caminham em compasso com a calda de pulverização por área tratada possível, sem afetar a
movimentação do trator. Este tipo de pulverizador é amplamente qualidade do controle. A detem1inação do volume de calda deve
utilízado em pomares em formação e por pequenos e médios ser baseada incialmente no tipo cultivo. Para culturas anuais ou
fruticultores durante todo o ciclo de cultivo. de pequeno porte., o volume nonnalmente é estabelecido levando
Os turbo pulverizadores, por sua vez. são mais apropriados em consideração a área a ser tratada. Neste caso, o volume de
para culturas perenes ou de porte arbóreo, como café e fruteiras. calda aplicado ao longo do ciclo da cultura sofre pouca variação,
Estes equipamentos são providos de ventiladores que geram pois a magnitude do alvo, a superfície horizontal de cultivo, sofre
corrente de ar para transportar as gotas produzidas pelas pontas menor variação. Por outro lado. para culturas perenes ou arbóreas
de pulverização até o alvo. Os bicos de pulverização também o ideal é considerar o volume de copa das plantas. Nesta situação,
estão fixados em distâncias unifonnes na barra de pulverização, a quantidade de agrotóxico e o volume de calda são fixados por
que nonnalmente tem fom1ato de arco e comprimento variávei. unidade de volume da planta, mas variam, por hectare, de acordo
Contudo, em todos os turbo pulverizadores a barra é posicionada com o desenvolvimento da cultura. Para isso, é preciso deter-
na saída de ar do ventilador. minar frequentemente o volume de copa das plantas. Este é um
Os pulverizadores. em geral, são acoplados e arrastados pelo método simples que pode ser aplicado em plantios com diferentes
trator. No entanto, existem também equipamentos. denominados espaçamentos entre linhas, tamanhos de plantas, idade ou outros
auto propelidos ou automotrizes, que se deslocam em meio fatores (Figura 16.10). O volume de copa por hectare é calculado
terrestre com sistema de propulsão próprio sem auxílio de trator pela divisão da área de I ha ( 10.000 m 2) pelo espaçamento entre
(Figura l 6.9E). A aplicação com aeronave (Figura J6.9F) é uma ruas, em metro. O resultado deste cálculo é multiplicado pela
opção em áreas de grande extensão de culturas anuais ou perenes, altura média das plantas, em metro e pelo diâmetro médio das
de dificil acesso por via terrestre, distante do ponto de reabasteci- copas das plantas. em metro. O resultado final indica quantidade
mento ou em situações em que a aplicação do agrotóxico deve ser de metros cúbicos de volume de plantas por hectare. Para deter-
realizada em cuno espaço de tempo. minar a dose ou volume de calda do agrotóxico a ser utilizada por
Existem ainda outras fonnas menos convencionais de apli- hectare, basta multiplicar o volume de copa calculado pela dose e
cação de agrotóxicos como aquelas realizadas diretamente no volume recomendados por metro cúbico de planta.
solo com graouladores, injetores, pulverizadores acoplados a Para garantir que o pulverizador entregue às plantas a dose
outros equipamentos que revolvem o solo e incorporam o produto e o volume de calda desejados é necessário regular e calibrar o

258
Controle Químico

Figura 16.9 - Principais tipos de pulverizadores utilizados no controle de doenças de plantas: (A} costal manual; (B) costal motorizado;
(C) tratorizado de barra; (D) turbo pulverizador; (E) auto propelido; (F) aplicação com aeronave.
Crédito das fotos: Fundecitrus (A, B, D); Marcelo Scapin (C); Marcelo Pastorello (E): Ulisses Antuniassi (F).

equipamento. A regulagem permite o ajuste da máquina às carac- gotas por unidade de área ou à porcentagem da área alvo coberta
terísticas da cultura e os agrotóxicos utilizados, como velocidade pela pulverização. De modo geral, defensivos que apresentam
de trabalho, escolha dos tipos de bicos de pulverização, espaça- baixa ou nenhuma capacidade de redistribuição como os bacte-
mento entre bicos, altura da barra de pulverização, etc. A cali- ricidas a base de cobre fixo, requerem melhor cobertura do alvo,
bração permite o ajuste de vazão Jos bicos, pressão de trabalho, enquanto que produtos sistêmicos são eficazes em condições
quantidade de produto e água a serem colocados no tanque. Após de menor cobertura. A cobertura é crescente com o volume de
a realização dos ajustes e antes de iniciar a aplicação do produto é calda até o ponto de escorrimento (100% da superficie coberta).
importante a avaliação da qualidade da pulverização. Para a isso, A partir deste ponto. a elevação do volume de calda resulta em
a análise da cobertura e deposição são fundamentais. perdas por escorrimento. Por outro lado, é plausível considerar a
Cobertura refere-se à área do tecido vegetal efetivamente manutenção da qualidade do controle pela utilização de cobertura
atingida pela calua de pulverização, detennínada pelo número de inferior ao ponto de escorrimento, resultante de volume de calda

259
Manual de Fitopatologia

reduzido associado à utilização de gotas pequenas (100 a 200 µm)


distribuídas uniformemente sobre o alvo. A deposição corresponde
à quantidade de ingrediente ativo transferida à superficie vegetal
tratada. Para uma mesma concentração de calda, reduções nos
volumes de aplicação abaixo do ponto de escorrimento levam,
necessariamente, à redução da deposição, mas não necessaria-
mente da qualidade do controle da doença-alvo. Por outro lado, o
incremento da deposição de produto sobre as folhas fica limitado
ao início do escorrimento da calda pulverizada, após o qual a depo-
sição é constante e a perda de produto por escorrimento é crescente.
A qualidade das aplicações também depende das condições
ambientais no momento da pulverização. De modo geral, aplica-
ções não são indicadas quando a velocidade do vento é superior a
10 km/h, umidade relativa do ar é inferior a 55% e a temperatura
é superior a 30 ºC. A não observação destes fatores leva à deriva
do agrotóxico. A deriva consiste no deslocamento das gotículas
Figura 16.10. Medidas utilizadas para o cálculo do volume de copa da calda de pulveriz ação para fora do alvo desejado, que pode se
das planta~ por hectare. (a) espaçamento entre ruas, dar pela ação do vento, escorrimentos ou volatilização da água e
~m metro; (b) altura média das plantas, em metro; e do produto. Esta é uma das principais formas de contaminação do
(c) diâmetro médio das copas das plantas, em metro. ambiente, do aplicador e de insucessos nas aplicações.

16.8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Kimati, H. Controle Químico. ln: Amorim, L.; Rezende. J.A.M.;
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lshii, H. & Hollomon, D. W. Fungicide Resistancc in Plant Pathogens:
principies anda guide to practical management. Springer, 2015.

260
CAPÍTULO

17
CONTR()LE BIOLÓGICO DE
DOEN ÇAS DE PLANTAS 1

Flávio Henrique Vasconcelos de Medf~iros, Júlio Carlos Pereira da Silva e Sérgio Florentino Pascholati

1 ÍNDICE

17.1. Introdução ............................................................. 261 17.5. Formulações e formas de aplicação do


17.2. Conceitos e recomendações do control,e antagonista ........................................................... 267
biológico ................................................................ 261 17.6. Controle biológico de patógenos habitantes
17.3. Microrganismos envolvidos no controle do solo e da espermosfera ................................... 268
biológico ................................................................ 263 17.7. Controle biológico de patógenos da parte
17.3.1. Principais agentes fúngicos envolvidos aérea ...................................................................... 270
no controle biológko............: ..................: 263
17.8. Controle biológico de doenças em
17.3.2. Principais agentes bacterianos envolvidos
pós-colheita .......................................................... 2 71
no controle biológico................................ 265
17.3.3. Outros microrganismos envolvidos 17.9. Controle biológico de doenças em cultivo
no controle biológico................................ 265 protegido .............................................................. 271
17.4. Mecanismos das interações antagônicas ............ 265 17.10. Bibliografia consultada ...................................... 272

17.1. INTRODUÇÃO tos, a saber: nematicida, fungicida ou bactericida microbiológi-


cos (AGROFIT, 2017). Vale salientar que apesar de muitos destes
a terceira edição do Manual de Fítopatologia

N (Bergamin Filho et ai., 1995) foi incluído, pela pri-


meira vez, o controle biológico como ferramenta
do manejo integrado de doenças de plantas. Naquela época
produtos também possuírem certificação para uso na agricultura
orgânica, hoje os maiores consumidores de produtos biológicos
são os produtores convencionais.
haviam casos isolados de uso desta prática de manejo na agricul- 17.2. CONCEITOS E RECOMENDAÇÕES DO
tura brasileira e a maioria dos produtores ainda a desconheciam.
CONTROLE BIOLÓGICO
~os últimos dez anos o controle biológico passC1u a integrar o
manejo de doenças de plantas de forma mais ampla. Várias foram Controle biológico de doenças de plantas tem por definição
as razões que levaram a este sucesso, podendo-se citar: a maior "a redução de inóculo ou das atividades determinantes da doença
percepção por parte do produtor da necessidade de diversificar as provocadas por um patógeno, realizada por ou através de um ou
ferramentas para o manejo de doenças; a disponibilidade de pro- mais organismos que não o homem (Cook & Baker, 1983), ou
dutos eficazes e de qualidade; o envolvimento de empresas, que ainda, a destruição parcial ou total de populações de patógenos
conseguiram produtos com posicionamento técnico para várias por outros organismos frequentemente encontrados na natureza"
doenças de importantes culturas naciônais. Atualmente, mais de (Agrios, 2005). De maneira simplificada, seria a utilização de um
três milhões de hectares (ABCBio, 2017) são tratados com agen- microrganismo não patogênico para controlar outro microrga-
tes de controle biológico e o Ministério da Agricultura, Pecuária nismo patogênico. Desse modo, qualquer interferência negativa
e Abastecimento criou categorias específicas para estes produ- de um microrganismo no crescimento, infectividade, virulência,

261
Manual de Fitopatologia

agressividade ou outros atributos do patógeno resulta no controle foi feito somente em 2008. Essa situação acontece, principal-
biológico da doença. Devido à ação do microrganismo na redu- mente, pelo ainda incipiente conhecimento do manejo de produ-
ção da doença, os agentes de controle biológico são denominados tos biológicos no campo. Ao contrário de produtos químicos, por
microrganismos antagonistas ao patógeno. vários anos, houve dificuldade em reproduzir no campo os resul-
A ocorrência de uma doença na planta, como se sabe, é tados obtidos em laboratório. Entretanto, os estudos com micror-
resultado da interação de microrganismo patogênico, planta sus- ganismos antagônicos a pragas e patógenos de plantas aumen-
cetível e ambiente favorável. Nesse contexto, o controle bio- taram 110s últimos anos, graças a ferramentas biomoleculares e
lógico é o resultado da interação entre hospedeiro, patógeno e à aplicação prática em grandes áreas de produção. tendo como
outros organismos não patogênicos presentes nos sítios de infec- reflexo o crescimento da indústria de produtos biológicos no País
ção capazes de reduzir a doença sob influência do ambiente e do de IO a 15 % ao ano (ABCBio, 201 7), principalmente a partir de
manejo do homem. Portanto, no tetraedro da doença, abordado 2011 (Figura 17.2).
no Capítulo 5 desta obra (Figura 5.1 ), os microrganismos natural-
mente antagonistas estão compreendidos no vértice do ambiente. 165

Por outro lado, quando deliberadamente aplicados como medida ISO


de controle, podem aparecer no vértice que denota a ação do
homem, com suas medidas de manejo (Figura 17.1). O controle
..
0
135 -
- -o -
Produ10 Biologico
Produ10 Químico
biológico inclui táticas de manejo para criar um ambiente favo-
rável aos antagonistas e à resistência da planta hospedeira. Por
l
-~ 105
120

exemplo, um microrganismo pode ser antagônico a um patógeno g 90


a uma temperatura ótima, mas não ter atividade em outra tempe- ..,
::,

rarura onde o patógeno ainda pode causar enfermidade. O homem ...e


.. 75

tem, então, papel fundamental no manejo e pode alterar qualquer -o 60


dos fatores para favorecer o microrganismo antagonista. ..e
E
,:,
4S
z 30
Homem (controle biológico}
IS

o
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Ano

Figura 17.2 - Evolução no registro de produtos biológicos em relação


a produtos químicos no Brasil.
Fonte: AGROFIT (2017).
Planta
· Ambiente Para melhorar o uso de produtos biológicos no controle de
(organismos antagônicos) pragas e doenças de plantas, em relação a outras táticas de con-
trole, é importante o conhecimento de estratégias de uso desses
Patógeno produtos e recomendações adequadas ao produtor. São várias as
possibilidades e vantagens do uso do controle biológico:
Figura 17.1 - Tetraedro da doença e a relação entre os fatores que • Quando não existe alternativa viável para controle, como
popem favorecer o microrganismo antagonista. O o químico ou genético (murchas vasculares. viroses, bacterioses e
controle biológico pode ocorrer namralmente, quando patógeno resistente a fungicidas), o controle biológico pode atuar
há organismos antagônicos presentes no ambiente, ou como alternativa junto às táticas de controle cultural no manejo
deliberadamente, quando os antagonistas forem intro- integrado de doenças. A produção de grãos e hortaliças apresenta
duzidos pelo homem.
perdas severas com o mofo-branco (Sclerotinia sclerotio,wn) e o
Fonte: Adaptada de Bettiol & Gbini (2009).
controle químico por si só não tem ação sobre a genninação car-
pogênica dos escleródios. Esse obstáculo, juntamente com: (i) a
O controle biológico de doenças e pragas constitui-se em dificuldade de implantação de táticas de manejo cultural, como
uma alternativa para a redução da aplicação de produtos quími- rotação de culturas e incorporação de restos culturais, (ii) a
cos e de resíduos presentes em produtos alimentares. O uso de sobrevivência dos escleródios por vários anos no solo e (iii) a
produtos químicos no controle de pragas e doenças de plantas disponibilidade de produtos biológicos (principalmente a base
ainda é muito mais difundido em comparação ao uso de produ- de Trichoderma spp.), com eficiência na redução da genninação
tos com princípios biológicos. No Brasil, existem registrados no de escleródios, aumentou a importância do controle biológico no
Ministério da Agriculrura, Pecuária e Abastecimento mais de manejo integrado do mofo branco nas mais diversas culturas e
480 produtos químicos para o controle de pragas e doenças e regiões produtoras brasilc iras (Boxe 17.1 ).
somente 122 produtos biológicos, 17 dos quais registrados para • A presença de resíduos de fungicidas é um dos princi-
o controle de doenças (AGROFIT. 201'7). O envolvimento da pais obstáculos ao comércio nacional e internacional de produ-
indústria no controle biológico é recente na agricultura, quando tos alimentares. A redução de resíduos cm alimentos, pela mais
comparado às moléculas químicas. O primeiro registro de pro- ampla adoção do controle biológico no manejo de doenças pós-
duto biológico no Brasil, para o controle de doenças de plantas, colheita, vem ao encontro de demandas dos mercados nacional e

262
Controle Biológico de Doenças de Plantas

cípios biológicos podem auxiliar na recomposição da biodiversi-


Boxe 17.1 Manejo do mofo branco em grandes dade da área reduzida pela ação do homem.
culturas com o uso do Trichoderma Empresas têm investido cada vez mais em formulações de
produtos biológicos no controle de pragas e doenças de plantas.
O mofo branco tem sido um dos maiores proble- O aumento no interesse das empresas pelo controle biológico de
mas em grandes culturas no Brasil. Nos últimos anos, doenças de plantas acompanha a adequação da legislação para o
o fungo Sclerotinia sclerotiorum foi considerado uma registro de agentes biológicos no País. Os 17 produtos registra-
das pragas de maior risco fitossanitário e de impor- dos no Brasil para o controle de doenças de plantas são classifi-
tância econômica para as culturas do feijoeiro, soja e cados como biofungicidas, biobactericidas e bionematicidas, na
algodoeiro (BRASIL, 2016). sua maioria para aplicação terrestre no controle de patógenos vei-
O uso de Trichoderma não pode ser considerado culados pelo solo (Tabela 17. I ). Os resultados positivos mostram
um método de controle único para o mofo branco, o sucesso desses produtos no campo e aumentam a perspectiva
mas como uma alternativa no manejo da doença no para o crescimento do controle biológico de doenças no Brasil.
campo. O uso contínuo de Trichordema len à uma Entretanto, a implantação de produtos de controle biológico deve
redução no número de aplicações de fungicidas e até levar em consideração as vantagens do uso na área de produção
mesmo sua eliminação, em certas condições. Redução em relação aos custos de implantação, ou seja, os benefícios do
significativa da incidência de mofo branco em cul- uso de antagonistas devem compensar as perdas causadas pelo
tivos de soja, feijoeiro e algodoeiro pode ser obtida patógeno no campo.
com aplicação de Trichoderma na concentração de
l a 2 trilhões de esporos/ha em pós-emergência. Nesta 17.3. MICRORGANISMOS ENVOLVIDOS NO
dosagem é possível encontrar 15.000 esporos/cm2 de CONTROLE BIOLÓGICO
solo. Dessa maneira, são necessárias duas a três apli-
Organismos antagonistas a fitopatógeoos podem ser encon-
cações dessa concentração durante o ciclo da cuJtura
trados em vários grupos taxonômicos. Em alguns casos, indi-
para a efetiva colonização do antagonista. Í recomen-
víduos ou populações avirulentas ou hipovirulentas do pró-
dada a aplicação de Trichoderma após a colheita, prin-
prio patógeno são responsáveis por inibir ou diminuir de algum
cipalmente nas áreas com prática do cultivo safrinha.
modo a doença (Bettiol & Ghioi, 2005). Para a seleção e obten-
Nessa época, os restos culturais estão secos e em con-
ção de um agen te de controle biológico, algumas características
dições de pronta colonização pelo agente de controle,
são importantes: eles devem ser geneticamente estáveis e não
além dos escleródios estarem mais expostos na super-
sofrer variação em suas atividades antagônicas entre as gera-
fície do solo, facilitando o contato com os esporos de
ções; crescer em meios de cultivo de baixo custo, fácil aquisi-
Tricl1oderma (Pomella & Ribero, 2009).
ção e serem de fácil produção; serem efetivos a baixas concentra-
ções; serem compatíveis com outros métodos de controle, como
químico e cultural; e não serem patogênicos ao homem nem às
mtemacional e contribui com o aumento da vida útil de prateleira plantas. Como garantia que o organismo não seja patogênico ao
de frutas e hortaliças, em função do efeito de proteção garantido homem, uma recomendação global de órgãos de registro é que o
por estes produtos. microrganismo não seja capaz de crescer a 37 ºC.
• Os agentes de controle biológico podem apresentar Os principais microrganismos pesquisados para o controle
persistência no campo onde foram introduzidos e, geralmente, biológico de doenças de plantas são os fungos e as bactérias.
necessitam de poucas aplicações na área afetada, apresentando Entretanto, além desses, outros grupos de agentes de controle
c1m efeito a longo prazo. Dessa maneira, há menor custo de pro- biológico já são pesquisados e podem vir a ser parte de produtos
dução em relação a outros métodos de controle. O uso de produ- biológicos para o controle de doenças de plantas causados por
tos no controle de pragas e doenças na agricultura orgânica é rela- protozoários e nematoides.
mamente limitado. O custo de desenvolvimento de um produto
biológico voltado à agricultura orgânica, até pouco tempo atrás, 17.3.1. Principais Agentes Fúogicos Envolvidos no
não atraia o interesse de multinacionais, pois a relação custo- Controle Biológico
-benefício não era vantajosa. Com a adoção do controle biológico Fungos não patogênicos a plantas podem controlar outros
por parte da produção convencional de alimentos, praticamente fungos. bactérias e nematoides fitopatogênicos. A maioria dos
lOdas as multinacionais têm desenvolvido produtos biológicos representantes fúngicos com sucesso no controle biológico per-
para o controle de doenças e, em sua maioria, estes têm possibili- tence ao grupo dos ascomicetos. Entretanto, vários basidiomicetos
dade de uso por parte da agricultura orgânica. e oomicetos podem ter atividades antagônicas a vários patógenos.
• Produtos a base de agentes biológicos podem apre- O gênero Trichoderma spp. tem sido estudado no controle
sentar amplo espectro de ação, devido aos vários mecanismos de doenças de plantas desde a década de 1930 (Weindling, 1932)
envolvidos. Desse modo. não causam pressão de seleção como e representa muitos dos casos de sucesso tanto nas áreas de pes-
l.:ontece com certos químicos, que apresentam um ou poucos quisa quanto na indústria. São fungos habitantes do solo, de espo-
'T!ecanismos de ação específicos e podem ter seus efeitos que- rulação amarelada ou esverdeada, que apresentam vários mecanis-
::irados por isolados resistentes do patógeno. Além disso, muitas mos de controle de patógenos na parte aérea, proteção de semen-
\ezes, não causam fitotoxicidade à plânta hospedeira ou efeitos tes e raízes, além de efeitos como promotores de crescímento em
nocivos à microbiota do solo. plantas. Os fungos desse gênero atuam principalmente contra fun-
• O manejo incorreto de controle químico em uma área gos. nematoides e insetos. As principais espécies estudadas para o
pode levar a perdas no agroecossistema. Os produtos com prin- controle de doenças de plantas são T. harzianum, T. virens,

263
Manual de Fitopatologia

Tabela 17.1 - Produtos biológicos regístrados para o controle de doenças de plantas no Brasil.

Classe Microrganismo antagonista Proilutos'·/ Empresa Formulação Aplicação

Aspergillusflavus Afla-Guard/ Biosphere Granulado Terrestre


Bacíllus pumilus Sonata/ Bayer S.A. Suspensão Concentrada Terrestre
8. amyfoliquefacíens Ecoshot/ íhara Bras. Granulado Dispersível Terrestre/ Aérea
Trichodennax EC/ Novozymes
Trichoderma asperelfum Concentrado Emulsionável Terrestre
BioAg.
T. asperellum Organic/ Lallemand (Farroupilha) Pó Molhável Terrestre
Biofungicida
T. aspereflum Quality/ Lallemand (Farroupilha) Granulado Dispersível Terrestre
T. harzianum Predatox/Bal !agro Suspensão Concentrada Terrestre
T harzíanum Ecotrich/Ballagro Suspensão Concentrada Terrestre
T. harzíanum Stimucontrol/ Simbiose Agro Suspensão Concentrada Terrestre
T. harzianum Trichodermil/ Koppen do Brasil Pó Molhável Terrestre

Biofungicida '
. T.-stromatícum Tricovab/ CEPLAC - MAPA Pó Molhável Terrestre

8. pumilus Serenade/Bayer S.A. Suspensão Concentrada Terresrre


e bactericida
Paecifomyces /ilacinus Nemat/ Ballagro Pó Molhável Terrestre
Pochonia chlamydosporia Rizotec/ Rizoflora Biotecnologia Pó Molhável Terrestre
Bionematicida
8. amylaliquefaciens NemaControl/ Simbiose Agro Suspensão concentrada Tratamento de sementes
8. melhilotrophicus Onix/ Lallemand (Farroupilha) Suspensão Concentrada Tratamento de sementes
8.firmus Votivo/ Bayer Suspensão Concentrada Tratamento de sementes

* Não estão inclusos aqueles em fase de registro ou com registro temporário.


Fonte: AGROFIT (2017).

T. atroviride, controladores de vários grupos de fitopatógenoS- e de hospedeiros, embora os diferentes isolados em geral difiram
T. stromaticum agente de controle intrínseco de Moniliophthora na sua habilidade para parasitar os ovos e os cistos de diferen-
perniciosa, agente causal da vassoura de bruxa do cacaueiro. tes espécies de nematoides. Outro colonizador de ovos, apon-
Entretanto, outras espécies de Trichoderma podem ter outros efei- tado como um agente de controle de nematoides, é a espécie
tos além do controle biológico, como T reesei muito utilizado na Pochonia chlamydosporia capaz de sobreviver na ausência do
produção de celulose, ou efeitos negativos, como várias espécies hospedeiro, pela produção de clamidósporos, que o toma mais
de Trichoderma com atividade contra o agente de controle bioló- resistente a condições adversas do ambiente. Espécies dos gêne-
gico Beauveria bassiana, e até mesmo T. longibrachiatum capaz ros Arthl'Obotrys spp. e Monacrospm·ium spp. são formadores de
de infectar humanos. Apesar de várias espécies já serem estudas e redes ou anéis adesivos que aprisionam, infectam e colonizam o
conhecidas quanto ao potencial no controle biológico, avanços nas corpo dos juvenis ou adultos de nematoides fitoparasitas.
pesquisas em laboratório e no campo ainda identificam novos anta- Há vários outros ascomicetos caracterizados como agentes de
gonistas dentro do gênero e melhoram o entendimento das ativida- controle biológico de doenças de plantas. Coniothyrium minitans
des controladoras e de possíveis riscos ao ambiente. é um fungo necrorrófico, de ampla distribuição que parasita
O fuugo Clonostachys rosea tem elevado potencial de fungos produtores de escleródios. Coniothyrium minitans cresce e
ação no controle biológico de doenças de plantas. Isso se deve produz picnídios na superficie dos escleródios, inviabilizando-os.
à capacidade do fungo em controlar diversos patógenos como Ampelomyces quisqualis somente apresenta a fase anamórfica
Sclerotinia sclerotiorum, Verticillium dahliae e Botrytis spp. conhecida e infecta, sob alta umidade, fungos causadores de oídio.
(Boxe 17.2), além de efeitos contra cistos de nematoides dos Em pós-colheita, o fungo leveduriforme Aureobasidium pulfulans
gêneros Heterodera e Globodera. Clonostachys rosea pode, apresenta vários mecanismos de ação no controle de podridões
ainda, atuar como entomopatogênico, endofitico e promover o e doenças de frutos. Muito conhecido como entomopatógeno,
crescimento de plantas. Produtos a base de C. rosea f. catenulata Lecanicillium /ecanii também pode parasitar Hemileia vastatri.x,
são utilizados em alguns paises no controle de damping-ojf, cau- agente causal da ferrugem do cafeeiro. Além desses, isolados de
sado por Rhizoctonia solani (Traquair, 2013). Aspergillus jlavus, não produtores de aflatoxina, podem também
Vários fungos ascomicetos são capazes de reduzir o inóculo ser usados no controle biológico em grãos na pós-colheita.
de fitonematoides no solo. Mais de 150 espécies são conhecidas Muitos basídiomicetos e oomicetos apresentam atividades
como parasitas de ovos ou predadores.• Estes organismos apre- antagônicas a fitopatógenos. Um basidíomiceto bastante estudado
sentam a capacidade de colonizar, capturar, matar e digerir os nos últimos anos é o fungo Piriformospora indica, o qual contro-
nematoides (Lopes et ai., 2007). O fungo Paecilonzyces lilacinus é lou fungos causadores de doenças nas folhas, hastes e raízes de
um parasita de ovos e cistos que apresenta baixa especificidade plantas de trigo (Serfling et ai. 2007). O basidiomiceto levedu-

264
Controle Biológico de Doenças de Plantas

espécies de Pseudomonas presentes na rizosfera estão envolvi-


Boxe 17.2 As abelhas adoçando a vida do produtor das com a indução de resistência e promoção de crescimento em
plantas, como P. putida capaz de induzir resistência em plantas de
Um dos principais problemas de pós-colheita de cucurbitáceas contra ancracnose e contra a bactéria causadora da
frutas e flores é o mofo cinzento (Botrytis cinerea) e mancha angular P. syringae pv. lachrymans (Wei et ai., I991; Liu
o controle pode ser conseguido com produtos a base et ai., 199.5). Além disso, Pseudomonas podem estar associadas
de Clonostacliys rosea com ação tanto por competição às plantas como endofiticas e também na produção de sideróforos
quanto por parasitismo. O fitopatógeno pode infectar capazes de sequestrar Fe•3 das regiões rizosféricas.
as plantas c:rn qualquer estádio de desenvolvimento,
Outro antagonista presente na rizosfera, talvez o mais
mas o período critico é a floração, onde há maior
famoso entre os casos de biocontrole de doenças em plantas por
disponibilidade de nutrientes. A partir daí veio uma
bactérias, é Rhizobium radiobacter (sin. Agrobacterium radio-
ideia genial! Observando a visita constante de flores
bacter) estirpe K-84 produtora de agromicina e supressora de
por abelhas, o Professor John Sutton (University of
Agrobacterium tumefaciens, causadora das galhas da cqroa.
Guelph, Canadá) imaginou a adaptação de um reser-
,·atório na saída da colmeia onde a abelha, ao sair, se O grupo das actinobactérias também apresenta alguns anta-
impregna com a formulação do agente de controle bio- gonistas a fitopatógenos. O gênero Pasteuria spp. é conhecido por
lógico e, a cada visita na planta, deposita um pouco da infectar nematoides no solo com grande êxito, devido à sobrevi-
formulação do produto (Kevan et ai, 2003). O conceito vência prolongada dos endósporos, a resistência ao calor e à des-
foi incorporado pela iniciativa privada e uma empresa secação. a inocuidade ao homem e a outros animais, bem como o
que comercializa abelhas para polinização de culturas possível uso em conjunto com práticas culturais. Entretanto, são
já agrega no pacote a formulação do fungo agente de parasitas obrigatórios e dependem da presença e do movimento
controle biológico (Detalhes em: www.youtube.com/ do nematoide para se desenvolverem. Em nematoides das galhas
watch?v=hsmmUFMmxVw). Portanto, o produtor (Meloidogyne spp.) P. penetrans adere ao corpo dos juvenis pre-
potencializa a polinização e economiza na aplicação de sentes no solo e previne a produção de ovos pela fêmea adulta,
defensivos, garantindo menores perdas pós-colheita, impedindo a fonnação de novas gerações.
frutos com vida de prateleira mais longa e, caso queira, No tecido interno das plantas, as bactérias endofiticas podem
uma produção complementar de mel, adoçando ainda atuar de forma a proteger a planta ou promover o crescimento dos
mais a vida! tecidos. Há muitos relatos de bactérias endofiticas com atividade
contra fitopatógenos (Romeiro, 2007). Muitas espécies de Bacillus.
Pseudomonas. Enterobacter e Burkholderia já foram identificadas
controlando patógenos como Fusarium, Rhizoctonia, Pythium e
-:",..,nne Pseudozyma jlocculosa produz enzimas líticas atuantes
Gaeumannomyces.
controle de oídios. No caso de oomicetos, Pythi11m oligân-
:;r i.m. além de ser muito estudado no controle de micoses huma- 17.3.3. Outros Microrganismos Envolvidos no
sas como o pé de atleta (Tinea pedis), é um importante parasita Controle Biológico
â oomicetos dos gêneros Pythium e Phyrophthora e dos fungos
.1tl6 gêneros Fusarium e Bvrrytis. Estirpes fracas de vírus podem ser utilizadas para a prote-
ção cruzada ou premunização, como acontece há anos no Brasil
17.3.2. Principais Agentes Bacterianos Envolvidos no no controle da tristeza do citros, e demonstrado experimental-
Controle Biológico mente para o controle dos mosaicos comum e amarelo das cucur-
bitáceas. Entretanto, os vírus também podem causar doenças em
Os principais gêneros de bactérias que atuam como anta-
microrganismos fitopatogênicos, como fungos, bactérias e nema-
!'Jllistas são Bacil/us. Pseudomonas, Rhizobium, Pasteuria e
toides (Boxe 17.3).
i ,,,~robocter.
Diversos trabalhos mostraram o potencial de uso de protozoá-
O gênero Bacillus é um dos mais estudados e aplicados no
rios no controle de fitopatógenos. Chakraborty ( 1983) descreveu
...:mcrole biológico, tanto na parte aérea quanto no solo. Os vários
que Gephyromoeba, Mayorella, Saccamoeba e Thecamoeba se ali-
:::iecanismos de ação envolvidos no antagonismo a fungos, bac-
mentam de propágulos de Caeumannomyces graminis var. trilíci e
~as e uematoides e a facilidade no c ultivo e produção, fazem
..e,se gênero um dos preferidos na formulação de produtos bioló- Cochliobolus satiVIIS. Muitos nematoides podem alimentaI-se de
,:-..:-os. Todos os produtos registrados boje no Brasil com bactéria fungos, bactérias e até mesmo de outros nematoides. Os uematoi-
• 'lllO princípio ativo são a base de Bacillus spp. Muitos isolados
des nematófagos Mononchoidesfotidens foram capazes de alimen-
:ie B. subtillis já foram estudados em várias c ulturas ao longo
taI-se de juveuis de Meloidogyne arenaria (Khan & Kim, 2005).
:...:,s anos e têm mostrado efeitos na proteção contra patógenos
ao solo, nos frutos em pós-colheita e na parte aérea (Ghen et ai.,
17.4. MECANISMOS DAS INTERAÇÕES
ANTAGÔNICAS
.2013: Montesinos et ai., 2015).
O envolvimento de bactérias do gênero Pseudomonas spp. Diversos são os mecanismos pelos quais os agentes de con-
-., controle biológico de doenças de plantas é relatado desde os trole biológico podem atuar e, não raro, o microrganismo age
J:lOS 1970. As bactérias fluorescentes como Pfiuorescens auxiliam por mais de um mecanismo, o que garante maior estabilidade de
'::1 supressão de muitas doenças de solt> como damping-o.ff em controle e amplo espectro de ação. Os mecanismos de ação de
~godoeiro, causado por Pyrhium 11/timum e Rhizoctonia solani, agentes de controle biológico de doenças de plantas são divididos
-a.uchas causadas por Fusarium oxysporum em plantas omameo- didaticamente em antibiose, indução de resistência, competição,
CllS e na promoção de crescimeuto em plantas de batata. Várias parasitismo. predação e promoção de crescimento.

265
Manual de Fítopatologia

Boxe 17.3 Vírus como agentes de controle de fitopatógenos

O controle biológico usando vírus como agente é dependente da capacidade das partículas virais em persistir em
altos níveis nas proximidades do patógeno alvo. Os vírus não possuem capacidade de locomoção e devem ser aplicados
diretamente às células do hospedeiro ou muito próximos a elas. São parasitas obrigatórios e vão depender da presença
da célula hospedeira para se replicar. Além disso, os vírus devem alcançar e infectar os hospedeiros antes de fatores
ambientais reduzirem a população virai abaixo dos níveis eficazes para o controle biológico (Jones et al., 2012). Desse
modo, várias considerações existem em relação à melhoria das interações vírus-patógeno: densidade e acessibilidade
do microrganismo alvo; tempo de aplicação do vírus para otimizar a eficácia; capacidade de infectar e replicar nas con-
dições ambientais; densidade virai no local da aplicação; taxas de estabilidade da partícula virai; presença de umidade
adequada para promover a difusão do vírus.
Fungos fitopatogênicos podem ser controlados por vírus micoparasitas. Os isolados fúngicos de Rosellinia necatrix,
Diaporthe sp., Cryphonectria parasitica e Valsa ceratosperma perderam a virulência em plantas de pera e maçã quando
foram infectados por partículas virais dos grupos Partitivirus e Mycoreovirus (Kanematsu et al., 2010).
Vírus capazes de infectar bactérias são estudados desde o início do século 20, quanto à capacidade de controlar
patógenos de animais e de seres humanos e, ainda, no inicio dos anos 1920 foram avaliados para controle de patóge-
11os em plantas e considerados agentes de controle biológico. Vários exemplos mostram a capacidade de bacteriófagos
em controlar doen:ças de plantas (Jones et al., 2012). Bergamin & Kimati (1981) mostraram a eficácia do tratamento
com bacteriófagos em ensaios em dois patossistemas: podridão negra do repolho, causada por Xanthomonas cam-
pestris pv. campestris e mancha bacteriana de pimenta, causada por X. campestris pv. vesicatoria. Eles aplicaram os
vírus em diferentes períodos de tempo em relação à inoculação com a bactéria: 7 dias antes da inoculação (DAI), 6, 5,
4, 3, 2, 1 DAI, no dia da inoculação, 1 dia depois da inoculação (DDI), 2, 3 ou 4DDI. No repolho, a supressão significa-
tiva da doença aconteceu nos tratamentos 3, 2, l DAI, e 1 DDI, enquanto os melhores tratamentos na pimenta foram 3,
2 DAI, l DDI e 110 dia da inoculação. A maior redução da doença ocorreu quando os vírus foram aplicados próximos
ou no dia da inoculação em ambos os patossistemas. Isso aconteceu deYido à necessidade da presença da célula bacte-
riana para a infecção da partícula virai e sucesso no parasitismo.
Muito se conhece do envolvimento de nematoides transmissores de vírus causadores de doenças de plantas. No
entanto, nematoides podem ser infectados por vírus não patogênicos às plantas. Nematoides do cisto, como Heterodera
glycines, foram infectados pelos vírus ScNV, ScPV, SCRV, ScTV e SbCNV. Os vírus foram encontrados infectando os
nematoides 110 campo e em casa de vegetação, mas não foram detectados em tecidos de plantas de soja (Ruark et ai.,
2017).

• Antibiose: produção de uma ou mais moléculas com contribuem na re.dução do progresso da infecção. Portanto, estas
ação dire.ta sobre o crescimento ou fisiologia dos fitopató- respostas não são imediatas, mas envolvem a ativação de uma mul-
genos (Figura J 7 .3). Este modo de ação é análogo ao de um tiplicidade de genes, não sendo apenas envolvidas na resistência a
fungicida, mas, diferentemente do princípio químico, o antibi- um grupo específico de. patógenos, mas de amplo espectro, contri-
ótico está sob mecanismo de (auto) regulação e, muitas vezes, buindo inclusive para a tolerância a estresses abióticos como o défi-
um único microrganismo pode produzir mais de uma molé- cit hídrico (Medeiros et ai., 201 O). Na maioria das vezes, a resis-
cula com ação antibiótica, a exemplo da iturina e fengicina, tência induzida pelos agentes de controle biológico ativa a rota de
dois lipopeptídeos com atividade tanto antifúogica quanto defesa dependente do ácido jasmõnico, que culmina com resistên-
antibacteriana, produzidos por bactérias (Ariza et ai., 2012). cia às doenças causadas por patógeuos uecrotróficos. O uso de pro-
Quando apenas essas moléculas são aplicadas sobre o tecido dutos à base de Baci//us spp. tem uma ação duradoura e sistêmica
a ser protegido, observa-se o controle de doenças, por vezes na proteção contra doenças bacterianas, como a pústula bacteriana
semelhante. ao conferido pela aplicação das células bacteria- da soja (Xanthomonas vesicatoria). Os agentes de controle bioló-
nas em si, e esta é uma estratégia competitiva do controle bio- gico produzem surfactina, um lipopeptídeo sem ação direta sobre
lógico frente aos fungicidas. o fitopatógeno, mas que se liga de fonna não covalente à mem-
• Indução de resistência: é um mecanismo de controle brana plasmática do vegetal e desencadeia uma cascata de sina-
biológico de doenças com ação indireta sobre o patógeno e pode lização típica da rota do ácido jasmônico (Preecha et ai., 20 l O).
ser incluído no contexto do controle alternativo em função dos • Competição: mecanismo dependente da maior veloci-
mecanismos de ação (ver o Capítulo 35 desta obra). O micror- dade de crescimento do agente de controle biológico em relação
ganismo produz moléculas que são reconhecidas por recepto- ao patógeno, quando ambos estão associados ao tecido da planta
res específicos, como o receptor de quitina, ou se ligam a sítios hospedeira. Na competição por espaço, o microrgauismo cresce
específicos da planta, como a membrana plasmática. Há então rapidamente sobre o tecido do hospedeiro de forma a não restar
o desencadeamento de transdução de s1nais, seguida da ativação espaço para posterior colonização pelo patógeno. Na competição
de fator de transcrição específico do estímulo e transcrição de por nutrientes, agentes antagonistas de patógeoos pós-colheita
genes que codificam proteínas envolvidas na defesa das plantas, absorvem os nutriente.s mais rapidamente que os patógeoos, se
ou relacionadas às alterações morfológicas ou fisiológicas que estabelecem e impedem a germinação dos esporos patogênicos

266
Controle Biológico de Doenças de Plantas

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Figura 17.3- Meca111ismo de antibiose. (A): crescimento do fungo <1,'l>,f!, ►~".. </,""'
p.\.
Fusarium so/ani impedido por composto produzido ►"
pela bactéria Bacillus subtilis. Seta indica o halo de
inibição. (B): Crescimento de F. so/ani sem a presença
da bactéria.
Crédito das fotos: Monica Freitas.

prox1mos aos ferillílentos (Shanna et ai., 2009). Vale salientar


que patógenos biotróficos, causadores de ferrugens e oídios, são
parasitas obrigatórios e seus esporos não dependem de nutrien-
tes da superfície vegetal para genninarem e colonizarem o tecido
vegetal e, uma vez germinados, logo penetram no tecido hospe-
deiro. Para estes oirganismos, o mecanismo de competição não
tem qualquer efeito.
• Parasitismo e predação: de modo geral o controle
biológico é empregado de forma preventiva, ou seja, antes da
detecção do patógeno na lavoura. No entanto, alguns agentes de
controle biológico são capazes de parasitar as estruturas do pató-
;eno por penetração e colonização de hifas, pro_dução de enzi-
mas hidrolíticas, como as quitinases, ou ambas. Assim, ROT atua-
ção direta, o agente biológico contribuirá para a redução do inó- Figura 17.4 - Promoção de crescimento. (A) Caule de feijoeiro trata-
culo do patógeno e da severidade da doença, geralmente a longo do com Bacil/us amyfoliquefaciens ALB629 apresenta
prazo, quando comparado aos agentes de controle biológico que maior crescimento em relação ao controle com água.
aruam pelos mecanismos de antibiose, competição e/ou indução (B) Plântulas de feijoeiro tratadas com B. amylofique-
faciens AL8629 apresentam maior peso. (C) Efeito de
de resistência. O microrganismo agente de controle que parasita
promoção de crescimento por B. amyloliquefaciens
o patógeno é chamado de biperparasita. O sucesso do parasitismo
ALB629.
irá depender da infüuência de vários fatores do ambiente no hiper-
Fonte: Adaptada de Martios (2016).
parasita e também r:10 inóculo do patógeno. Alguns fungos podem
ainda atuar por·predação em outros microrganismos, como fitone-
matoides, pela dige:Stão de partes ou do corpo inteiro de juvenis e descritas como promotoras de crescimento (Nadeem et ai., 2014 ).
adultos (Khan & Kiim, 2005). Além disso, microrganismos agentes de controle por outros
• Promoção de crescimento: muitos microrganis- mecanismos de ação também podem promover o crescimento de
mos podem contribuir na produção de hormônios, aquisição de plantas. Espécies de Trichoderma podem atuar como biofertili-
nutrientes e absorçâ.o de água pela planta. Assim, este mecanismo zantes no crescimento de cana-de-açúcar, mesmo sem a presença
não atua diretamente sobre o patógeno, mas auxilia o hospedeiro de patógenos (Cock et ai., 2011 ).
como um mecanismo compensatório (Figura 17.4). Muitas rizo-
bactérias promotor.as de crescimento (PGPRs) exercem efeitos 17.5. FORMULAÇÕES E FORMAS DE APLICAÇÃO
benéficos por atuarem como bioferilizantes na fixação de nitro- DO ANTAGONISTA
gênio, solubilização de fósforo, produção de sideróforos, além Assim como para fungicidas, bioprodutos podem ter diver-
de atuarem como fitoestimulantes pela indução da produção de sas fommlações com um mesmo princípio ativo (Tabela 17 .1 ).
hormônios (Hayat et ai., 20 10). Várias PGPRs simbiontes do Os produtos para controle biológico apresentam como princípio
gênero Rhizobium são conhecidas como eficientes fixadoras de ativo microrganismos vivos. Dessa maneira, a formulação deve
"'-1, da atmosfera, pela formação dos nódulos nas raízes. Fungos ser adequada para manter a estabilidade genética e fisiológica do
m1co1Tízicos também podem promover o crescimento de plan- antagonista. Os principais objetivos das fonnulações são estabili-
tas pela produção de aminoácidos, vitâminas, hormônios e por zar o microrganismo durante a produção, distribuição e annaze-
processos de solubilização e mineralização de nutrientes, além namento, auxiliar no manuseio e aplicação do produto, proteger
de contribuírem no controle de fitopatógenos. Várias espécies o microrganismo de fatores ambientais nocivos e. melhorar sua
do fungo Glomus spp., associadas a raízes de plantas, já foram atividade no local de aplicação. Assim, são incorporadas nos pro-

267
Manual de Fitopatologia

dutos biológicos moléculas aditivas com a função de manter e Neste caso, se gasta um volume maior de calda, mas ainda se
até potencializar o microrganismo no controle de doenças. Estas aplica o produto nos estádios iniciais de desenvolvimento da cul-
moléculas podem agir como surfactantes, antiumectantes, espes- tura. As doenças a serem controladas pela aplicação do produto
santes, protetores solares, além de outros, dependendo da natu- desta forma também são causadas por patógenos radiculares.
reza do antagonista e do alvo biológico. Já para doenças foliares, a pulverização da parte aérea é
Existem diversas formas de aplicação do controle biológico a forma mais importante de aplicação. Produtos para aplicação
baseadas na natureza da doença a ser controlada, nas particulari- desta forma devem resistir a raios UV ou conter em sua formu-
dades da formulação, na cultura e na fase do ciclo da planta em lação aditivos protetores contra raios UV, tendo em vista que a
que o produto será aplicado (Figura 17.5; Boxe 17.2). As princi- maioria dos microrganismos é muito sensível a esta radiação,
pais fom1as de aplicação de bioprodutos para controle de doen- enquanto muitos patógenos de folhas, flores e frutos resistem à
ças de plantas são: tratamento de sementes, aplicação no sulco incidência desses raios na parte aérea de plantas. Deve-se prefe-
de plantio, pulverização de parte aérea e aplicação na água de rir, portanto, aplicação nas horas mais frescas do dia e atender a
irrigação. outras panicularidades do preparo da calda de pulverização em
Para doenças radiculares ou tombamentos. o tratamento de relação à compatibilidade com outros defensivos, fazer uso de
sementes é a forma de aplicação mais indicada. Esta também é a adjuvante e garantir a agitação constante, pois a calda de um bio-
forma de aplicação que garante maiores chances de estabeleci- prodnto é nma suspensão e tende a sedimentar com o tempo.
mento de agentes de controle biológico colonizadores de raízes. Talvez a forma preferida de aplicação de bioprodntos pelo
Logo nos primeiros eventos da germinação, são liberados exsu- produtor seja pela água de irrigação. O produto aplicado, tanto
datos que já suportam o crescimento do agente de controle bioló- por gotejamento quanto por pivô central, tem demonstrado efi-
gico em íntima associação com as raízes. ciência no controle de doenças, mas não é a fonna recomendada
Muitas vezes, a semente já é comercializada ao produtor de uso em bula para nenhum produto. A aplicação de bioprodutos
com o tratamento com fungicida, assim denominado de trata- por irrigação é eficiente para controle de doenças radiculares ou
mento industrial de sementes. Para algumas empresas que pos- para atingir escleródios no solo.
suem produtos a base de antagonistas compatíveis com fungi-
cidas, já é realizada a aplicação do agente biológico combinada 17.6. co.rirrROLE BIOLÓGICO DE PATÓGENOS
ao tratamento industrial de sementes. Nesse caso, o fungicida HABITANTES DO SOLO E DA ESPERMOSFERA
tem ação de proteção imediata, a qual não persiste por mais de O maior emprego do controle biológico atualmente é para
30 dias após a emergência. enquanto o agente de controle bioló- o manejo de doenças radiculares, principalmente as causadas
gico coloniza a planta desde a germinação, garantindo proteção por fungos e nematoides. As principais doenças controladas por
mais longa, principalmente quando se trata de controle de pató- agentes biológicos são o mofo branco (Sclerotinia sclerotion1m), as
genos radiculares. murchas e as podridões radiculares, causadas por espécies Je fungos
Em algumas situações, o uso do fungicida-é incompatfvel pertencentes aos complexos Fusarium oxysporum e F. solani, res-
com o agente de controle biológico. Uma opção para solucionar pectivamente, além dos nematoides de galhas (Meloidogyne spp.) e
este problema é a aplicação do bioproduto via suco de plantio. d.: lesões (Pratylenchus brachyurus)

CONTROLE DE
PATÔGENOS EM CULTIVO
PROTEGIDO

CONTROLE DE
0 CONTROLE OE
PATÔGENOS DE PARTE AÉREA _ , _ _ PATÔGENOS DE
PÔS COLHEITA

CONTROLE OE CONTROLE
PATÔGENOS DE SOLO
BIOLÓGICO

r-
'-
CONTROLE DE CONTROLE OE
PATÔGENOS EM CULTIVO PATÔGENOS EM CULTIVO
PROTEGIDO PROTEGIDO

CONTROLE OE
PATÔGENOS OE SOLO
E ESPEMOSFERA

Figura 17.S - Atuação do controle biológico de fitopatógenos em relação ao ciclo da planta.

268
Controle BiológiC() de Doenças de Plantas

Alguns desses patógenos, principalmente espécies perten-


centes ao complexo Fusarium solani. podem infectar a semente
desde os primeiros estádios da germinação, causando tomba-
mento de pré-emergência. O controle dessa doença pode ser rea-
lizado exclusivamente com agentes de biocontrole ou com estes
combinados a fungicidas. Conforme mencionado anteriormente,
o tratamento de sementes é a melhor fonna de garantir o esta-
belecimento do agente de controle biológico no sistema radicu-
lar e proteção durável contra doenças radiculares. Ao utilizar os
exsudatos liberados pela semente, não apenas se tem garantido
o estabelecimento do microrganismo ao redor da semente e no
sistema radicular em formação, como também são consumi-
dos os nutrientes que servem como estímulo à germinação de
estruturas de resistência, ao tatismo e à nutrição do fitopatógeno
1Luz, 2001; Lazzaretti & Bettiol, 1997). Apesar de tanto fun-
gos quanto bactérias terem potencial de uso para proteção de
sementes e de sistemas radiculares, aqueles a base de bactérias
são mais eficientes por apresentarem crescimento mais rápido
do que fungos.
Para o controle do mofo branco, utilizou-se no passado pro-
dutos à base de Trichoderma spp, como alternativa aos fungicidas.
Esse posicionamento foi errôneo por dois motivos: os produtos
biológicos não protegiam as plantas e eram incompatíveis com os
fungicidas usados para o manejo desta doença. No entanto, estes
produtos biológicos apresentavam ótima capacidade parasítica
aos escleródios e atividade promotora de crescimento de plantas.
\/esse sentido, foi revisto o posicionamento para a aplicação do
produto no pré-plantio, de forma a atingir os escleródios à super-
ficie do solo e ter uma ação de promoção de crescimento à cul-
tura que viria a ser implantada. Nas culturas de feijoeiro e soja, o
uso do produto também foi feito em combinação com herbicida
na aplicação em pós-emergência, pois neste estádio ainda é pos-
)Ível atingir os escleródios antes que haja a genninação carpogê- Figura l 7.6 - Mecanismo de parasitismo: (A·B) Pochoniaclamydos-
nica. Outra possibilidade de aplicação nessas mesmas culturas é a poria parasitando ovos de Meloidogyne javanica.
combinação com herbicida de contato, aplicado para uniformiza- Crédito das fotos: Leandro Freitas.
ção da maturação das plantas. Nesse momento, o produto atinge
e coloniza os escleródios recém-formados, reduzindo o inóculo
para a safra seguinte. Seja qual for a época e a quantidade de
aplicações, o produtor tem que estar ciente de que os ganhos advin- fungo interceptar os ovos, maior a chance de sucesso do controle.
dos dessa forma de controle podem não ser alcançados no primeiro Se for possível deve-se fazer o revolvimento do solo para garantir
ciclo de produção. mas eles serão cumulativos e, com o estabele- a melhor distribuição do fungo na primeira camada de solo, onde
cimento da população de Trichoderma no solo, convive-se com a se encontra a maior parte dos ovos. Esta prática, associada com a
doença de fonna a mantê-la abaixo do nível de dano econômico. irrigação, também contribui para indução de eclosão.
Outra recomendação importante é a manutenção do programa de As bactérias parasitas de juvenis e adultos de nematoides
controle químico e de todas as outras práticas de manejo reco- penencem ao gênero Pasteuria. O endósporo dessa bactéria no
mendadas para o manejo desta doença, levando-se em conta a solo adere-se fionemente ao corpo do nematoide penetrando, em
compatibilidade entre elas, pois o agente de controle biológico seguida, o pseudoceloma. O parasitismo não necessariamente
não protege a pane aérea das plantas. compromete o nematoide em relação à penetração nas raizes das
A aplicação de rizobactérias para controle de nematoides plantas, porém, ao invés da fêmea produzir ovos, ela é totalmente
é feita nas sementes. Após o tratamento, as rizobactérias irão preenchida por endósporos da bactéria. Quando se faz a colheita da
colonizar as raizes, ocupando sítios de penetração de nematoi-
planta, essa remea se rompe e libera no solo todos esses endóspo-
des, consumindo os exsudados radiculares e, com isso, reduzindo
ros recém produzidos, aumentando a população da bactéria no solo
as chances do nematoide localizar o hospedeiro para penetração,
além de produzirem moléculas com ação nematicida ou nematos• (Freitas & Carneiro, 2000). Da mesma forma que o mencionado
Lática (Oostendorp & Sikora, 1990). para o controle do mofo branco, o uso desta bactéria representa
Por sua vez, fungos parasitas de ovos são aplicados no uma importante forma de controle, mas dificilmente ele se expressa
pré-plantio, como forma de redução do inóculo do nematoide na na primeira safra. Entretanto, com o aumento gradual do inóculo da
área (Figuras 17.6). Estes fungos são geralmente produtores de bactéria no solo, por aplicações sucessivas, têm-se a redução gra-
quitinases e degradam a parede do ovo do nematoide. induzindo a dativa do inóculo do nematoide e, consequentemente, aumento de
~closào (Lopes et ai., 2007). Portanto, quanto maior a chance de o produtividade e redução da necessidade de uso do produto.

269
Manual de Fitopatologia

17.7. CONTROLE BIOLÓGICO DE PATÓGENOS DA


PARTE AÉREA
A
Talvez o nicho de maior dificuldade para se conseguir o
controle biológico eficiente de doenças de plantas seja a parte
aérea. Neste ambiente, há flutuações de umidade e temperatura,
incidência de raios ultravioletas, poucos nutrientes disponíveis
para o estabelecimento do agente de controle biológico, presença
de microrganismos que competem com o antagonista, ocorrên-
cia de fitopatógenos que co-evoluíram com a planta para manter
.o parasitismo neste ambiente de f01ma rápida e eficiente, além
da presença de fungicidas para o controle de doenças da parte
aérea, os quais nem sempre são compatíveis com os antagonistas.
Portanto, ainda são poucas as opções de produtos biológicos para
aplicação na parte aérea.
Para se encontrar o agente de controle biológico mais ade-
quado para uma determinada doença da parte aérea, é impor-
tante entender o conceito de sucessão microbiana no filoplano.
Os primeiros cblonizadores das folhas recém-expandidas são as
bactérias, seguidas pelas leveduras e finalmente, quando a folha
está em senescência, os fungos filamentosos. Na folha recém-
expandida há poucos nutrientes disponíveis em sua superficie
e as bactérias são os melhores colonizadores do filoplano neste
momento. Com a expansão da área foliar, ocorre maior acúmulo Figura 17.7 - Mecanismo de parasitismo: (A) Crescimento fúngico
de nutrientes na superficie, mas ao mesmo tempo os microrganis- sobre púsuilas de ferrugem do cafeeiro (Hemileia vas-
mos ficam mais sujeitos às flutuações de umidade e temperatura tatrix); (8) Setas indicam a presença do parasita.
que comprometem o crescimento bacteriano. Por outro lado, leve- Crédito das fotos: Priscilla Pereira.
duras têm rápido crescimento e são mais bem adaptadas às varia-
ções ambientais e, portanto, superam a população de bactérias na
composição da comunidade microbiana. Com a folha expandida Boxe 17.4 Varrendo a vassoura do campo
e o aumento no consumo de nutrientes disponíveis pelos coloni-
zadores da superficie, fungos filamentosos iniciam a colonização. A doença mais importante do cacaueiro na América
Estes fungos combinam tanto a capacidade de utrlizar nutrientes Latina é a vassoura de bruxa (Moniliophthora perni-
de dificil assimilação po.r outros microrganismos, como~os ricos ciosa). A doença dizimou a produção brasileira e retirou
em celulose e quitina, quanto a capacidade de buscar alimento do País o status de maior exportador mundial do cacau.
em pontos distantes do local de germinação, pelo crescimento de As opções de manejo integrado envolveram a remoção
hifas. Portanto, são os últimos colonizadores das folhas. dos ramos infectados, chamados de vassouras, e o uso
Dessa maneira, para o controle de doenças causadas por de fungicidas. A remoção das vassouras reduz o inóculo
patógenos que infectam as folhas no início de seu desenvolvi- inicial e o fungicida protege a parte aérea contra novas
mento, as bactérias representam a melhor opção de agentes de con- infecções. O grande problema é que a medida requer uso
trole biológico. Já para as folhas expandidas, a melhor opção seria intensivo de mão de obra e, com o aumento da remunera-
o uso de leveduras e para folhas próximas à senescência, a utiliza- ção do trabalhador, tornou-se economicamente inviável.
ção de fungos miceliogênicos. Assim, aplicações de Bacil!us spp. A solução alternativa foi pedir ajuda a um inimigo natu-
e Pseudomonas fluorescens são utilizadas para proteção de plan- ral; Trichoderma stromaticum (Medeiros et al., 2010). A
tas contra doenças bacterianas, como por exemplo a pinta bacte- tecnologia foi desenvolvida pela Comissão Executiva de
riana (Pseudomonas syringae pv. tomato) e a mancha bacteriana Planejamento da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), com
(Xanthomonas spp.) do tomateiro (Ji et ai., 2006). Ainda não existe o desenvolvimento do Trichovab, o qual é hoje o único
no Brasil produto comercial para estes alvos biológicos, mas Kõhl produto comercial registrado e comercializado por um
et ai. (20 15) desenvolveram um produto a base de Cladosporium órgão público. A aplicação do produto é feita direcio-
cladosporioides para o controle da sarna (Venturía inaequalis) em nada para as vassouras secas. O fungo atua por parasi-
pomares de macieira. O produto é aplicado em substitúição a fun- tismo, coloniza as vassouras e reduz em até 99% o lança-
gicidas no programa de manejo da doença, mas o mecanismo de mento de basidiocarpos, contribuindo substancialmente
atuação ainda não está claramente estabelecido. para a redução do inóculo inicial do patógeno. A medida
Outra fonna de controle de doenças do filoplano é através do não garante a proteção de plantas e o uso do fungicida
parasitismo de conídios, micélio e corpos de frutificação (Figura ainda é feito 15 dias após a aplicação do inimigo natu-
17.7). Já foram isolados e multiplicados em laboratório fungos ral. Assim, o produtor pode garantir a sustentabilidade
parasitas de estromas da lixa grande do coqueiro (Phyllacora tor- da produção de cacau, com redução de custos e aumento
rendiella) e do mal das folhas da serin'gueira (Microcyclus 1tlei) da eficiência pois, com o tempo, o agente de controle
e colonizadores de patógenos causadores da vassoura de bruxa biológico se estabelece na área e aumenta, a cada ano,
no cacaueiro (Moniliophthora perniciosa) (Boxe 17.4). De modo a colonização de vassouras.
semelhante, a ferrugem do cafeeiro (Hemileia vastatrix) já foi

270
Controle Biológico de Doenças de Plantas

relatada sendo naturalmente parasitada por fungos (Lecanicillium ferimentos, utilizar os nutrientes da superficie pobre de fiutos, sobre-
{ecanii) e este hiperparasitismo pode contribuir para a redução do viver sob diferentes condições do ambiente e, geralmente, não
móculo do patógeno (Martins et ai., 20 l 5). produzem metabólitos tóxicos. As leveduras podem ser encontra-
das naturalmente em superficies de frutos, hastes e folhas. Muitos
17.8. CONTROLE BIOLÓGICO DE DOENÇAS EM trabalhos mostram a eficiência de várias espécies como Pichia
PÓS-COLHEITA guilliermondii, Candida oleophila, C. formara, Aureobasidium
A exigência do mercado na redução de resíduos químicos pullulans e Saccharomyces cerevisiae no controle de doenças em
<'m fiutos e hortaliças estimula cada vez mais a utiliz.ação de for- pós-colheita de frutos como citros, tomate, pera, pêssego e maçã
'llas alternativas do controle de podridões em pós-colheita. O con- (Sharma et ai., 2009).
trole biológico de patógenos que ocorrem nessa fase pode ser rea- Muitas bactérias dos gêneros Bacillus spp. e Pseudomonas
JZado no campo antes da colheita ou após a colheita no amiaze- spp. também são utilizadas no controle de podridões de frutos em
-::.1mento. Na pré-colheita, os objetivos do controle são impedir a pós-colheita. Essas bactérias podem atuar na produção de meta-
entrada e o posterior desenvolvimento dos patógenos. O controle bólitos antimicrobianos e indutores de resistência e muitas são
pós-colheita procura evitar o desenvolvimento de patógenos em boas colonizadoras de ferimentos. A colonização de P sir)'ngae
:ifecções latentes oriundas do campo e impedir novas infecções. Os em maçã evitou a formação do mofo azul causado por Penicillium
-atógenos causadores de podridões pós-colheita penetram por aber- expansum e o efeito inibidor foi aumentado com a aplicação de
:.iras naturais, diretamente pela superficie e, na maioria dos casos. fontes de nitrogênio para a bactéria, mostrando a possibilidade de
por ferimentos causados na colheita, no transporte ou no am1azena- manejo integrado com outros produtos na pós-colheita (Janisiewicz
7ento do produto. Os principais agentes causadores de pod1idões et ai., 1992). Espécies de Bacillus podem colonizar a superficie
:x>s-colheita de fiutos e hortaliças são fungos dos gênerosAspergillus, dos órgãos aéreos com eficiência e controlar infecções latentes de
' i!nicillium, Alternaria. Rhizopus, Muco,; Diplodia, Fusarium, Colletotrichum spp. em fiutos (Korsten et al., 1995).
!:olletotrichum e Bohytis e as bactérias do gênero Pectobacterium. A principal estratégia no controle de doenças em pós-colheita
O controle biológico dos patógenos na pós-colheita apre- é a aplicação dos antagonistas após realizada a colheita no campo.
,enta vantagens de aplicação em relação ao controle no campo. No entanto, as infecções causadas na pré-colheita podem pennane-
O fato de as áreas onde o agente será aplicado serem menores e cer quiescentes até a maturação dos frutos, quando os sintomas e
-nuitas vezes em locais fechados ou cobertos, toma possível o sinais aparecem. Dessa maneira, muitas vezes o controle ainda no
....ontrole das condições naquele ambiente. Dessa maneira, fatores campo é necessário para se evitar a disseminação em condições
• .:imo raios UV, umidade relativa, temperatura e luminosidade, de annazenamento. Pulverizações com antagonistas em pomares
rodem ser manipulados em condições de armazenamento, com na época da floração de mangueira, abacateiro e macieira mostra-
- ,menção de favorecer o antagonista e desfavorecer o patógeno. ram aumento no tempo de vida de prateleira e reduções da severi-
-'.lém disso, são necessárias menores quantidad_es do micro~ga- dade de Cof!elolrichum sp. e Pezicula malicorlicis (Korsten et ai.,
'!tsmo na aplicação nesse tipo de ambiente. Portanto, Q~ micror- 1995; Leibinger et ai., 1997; Korsten & Jeffries. 2000). No entanto,
g;mismos envolvidos no controle de podridões em pós-colheita aplicações na pré-colheita dos antagonistas podem servir apenas
~ ..-em apresentar tolerância às condições na pós-colheita e arma- como um suplemento à sua aplicação pós-colheita. Para o sucesso
~enamento em cada situação em particular. Neste caso. eles no controle de podridões na pós-colheita originados por infecção
_(\ em apresentar resistência a baixas temperaturas e a baixa umi- quiescente no pomar, a aplicação de antagonistas deve se.r repetida .
.1.lde, tolerância a outros métodos de controle, como químicos ou
isicos e serem pouco exigentes em nutrientes. Os microrganis- 17.9. CONTROLE BIOLÓGICO DE DOENÇAS EM
-;nos antagonistas geralmente são aplicados sobre os órgãos, após CULTfVO PROTEGIDO
.1 .::olheita, por pulverização de suspensões celulares ou por imer- Na produção de hortaliças. frutas, plantas ornamentais e
• em susperisão do antagonista antes do armazenamento. mudas em estufas ou viveiros, as condições Jo ambiente podem
Os mecanismos de ação envolvidos no controle de podri- ser controladas, assim como em pós-colheita. Temperatura, luz,
.>.:-es na pós-colheita podem ser vários como antibiose, competi- umidade e adubação são adequadas para o máximo crescimento
.;:ão. indução de resistência, parasitismo e mesmo a produção de da planta, mas estas condições podem também ser favoráveis para
.:iláteis antimicrobianos pelo agente de controle (Rezende et ai. os agentes patogênicos. A alta umidade, a falta de ventilação e o
~10). Entretanto, nos últimos anos a competição por nutrientes adensamento das plantas no viveiro, promovem o crescimento e
e espaço tem prevalecido na maior parte das situações. O uso de a disseminação de patógenos da parte aérea. Os substratos geral-
rnibiose foi por muito tempo, o mais estudado na pós-colheita mente são desinfestados e não apresentam a diversidade micro-
Kreztschamar, 1991), mas a presença de metabólitos secundá- biana encontrada no solo natural. Neste vácuo biológico, patóge-
r.os. mesmo atóxicos, não possui boa aceitação no mercado de nos transmitidos pelo solo, como Py rhium e Rhizoctonia, podem
;:,r.:,dutos de horticultura e fruticultura. Desse modo, organismos crescer rapidamente e se espalhar sem enfrentar barreiras bioló-
ep1fíticos, que crescem na superficie do hospedeiro sem infectá- gicas. Entretanto, os mesmos fatores favoráveis aos patógenos
- .:>s. receberam maior atenção nos estudos de pós-colheita. Esses podem ser favoráveis a microrganismos antagonistas. Por exem-
- ...icrorganismos devem crescer rapidamente na superficie dos plo, o vácuo biológico nos substratos também pode favorecer o
.irgàos pobres em nutrientes, sem a produção de metabólitos estabelecimento de agentes de biocontrole. desde que sejam apli-
;;iecundários em concentrações significftivas. cados antes da entrada do patógeno (Paulitz & Bélanger, 2001 ).
Os principais agentes utilizados no controJe biológico em Além disso, assim como no controle biológico na pós-colheita, as
::"-~s-co!heita são as bactérias e as leveduras, mas fungos como áreas em estufas são menores e exigem menor quantidade de pro-
t pergillus oão produtores de toxinas também podem ser apli- dutos na aplicação, tomando viável a introdução de antagonistas
-.3dos. As leveduras são capazes de colonizar rapidamente por múltiplas vezes.

271
Manual de Fitopatologia

Ao contrário do cultivo convencional, em cultivo prote-


gido o número de produtos químicos registrados para o controle Boxe 17.5 Solos supressivos
de doenças é limitado, o que gera problemas ainda sem solução.
Os trabalhadores estão em maior risco de exposição a agrotóxi- Solos supressivos são definidos como aqueles
cos na estufa devido à natureza intensiva do manejo da cultura. nos quais o desenvolvimento da doença é suprimido,
A maioria dos fungicidas impõe um período de ausência antes mesmo quando o patógeno é introduzido .na presença
que os trabalhadores possam retornar a uma cultura tratada. No do hospedeiro suscetível (Baker & Cook, 1974). Essa
entanto, muitas culturas de estufa são continuadamente colhi- supressividade pode ser resultante de fatores bióticos
das e , portanto, não é recomendado o uso da maioria dos fim- ou abióticos, sendo diversos os mecanismos envolvi-
gicidas. O uso de agentes de biocontrole permite a reentrada dos. A maioria das pesquisas tem concentrado esfor-
dos trabalhadores em tempo menor e com maior segurança. O ços na supressividade de natureza biológica, a qual
período de reentrada máximo mencionado na bula de produtos pode ser transmitida em pequenas porções de solo
biológicos é de 24 horas se o ambiente estiver úmido, mas se o supressivo para solo conducente (Eloy et. ai, 2004). No
ambiente estiver seco, os trabalhadores podem retomar suas ati- entanto, nos últimos anos, muitos trabalhos têm sido
vidades assim que as gotas do produto secarem. Isso representa direcionados para as propriedades físicas e químicas do
uma vantagem competitiva muito grande do controle biológico solo, que podem estar direta ou indiretamente envolvi-
frente ao químico. das na supressividade. Algnm potencial para o controle
O ideal para o controle biológico em cultivo protegido seria
biológico de fitopatógenos provavelmente existe na
maioria dos solos, podendo ainda ocorrer solos natu-
a inte.gração com outras táticas de manejo. Como o ambiente
é passível de manipulação, é necessária a compatibilidade dos
ralmente supressivos, os quais reduzem significativa-
mente alguns fungos, bactérias e fitonematoides.
agentes de controle biológico com métodos de erradicação, imu-
nização, regulação e proteção das plantas naquele ambiente. Por
exemplo, o microrganismo deve ser capaz de crescer em cultiva-
res mais resistentes, ser tolerante a condições adversas e ser resis- mofo cinzento, causado por B. cinerea, sob cobertura plástica,
tente a produtos químicos utilizados no cultivo protegido. em viveiros ou estufas, principalmente na produção de uvas
Vários microrganismos causam podridões de raízes, mur- (Ronseaux et ai., 2013).
chas e damping-offem viveiros e estufas. Os principais agentes de
controle biológicos utilizados para o controle de patógenos de solo
17.10. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ou substratos são Trichoderma spp, Bacillus subtilis, Pseudomonas ABCBJO. Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico.
spp,. Fusarium spp. e Pythium oligandrum. Esses microrganis- Associação brasileira das empresas de controle biológico projeta
mos podem atuar contra patógenos por antibiose, parasitismo, expansão do mercado. Disponível em www.abcbio.org.br/conteudo/
indução de resistência e competição por nutriemes na rizosfera. publicações/ associação-brasileira-das-empresas-de-controle-bioló-
Vários isolados e produtos a base de T. harzianum e T. virens são gico-projeta-expansão-do-mercado/. Acesso em 08 de fevereiro de
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cha. Substratos tomaram-se supressivos à murcha de Fusarium
oxysporum f.sp. lycopersici em tomateiros cultivados em casa Ahimou, F.; Jacques, P.; Deleu, M. Surtàctin and iturin A effects on
de vegetação após a introdução de isolados de Fusarium solani e Baci/111s subtilis surface hydrophobicity. Enzyme and Microbial
Streptomyces sp. (Castano et ai., 2013). Technology 27: 749-754, 2000.
Na parte aérea, muitas doenças podem ser disseminadas Ariza, Y. & Sánchez, L. Determinación de metabolitos secundarios a par-
por insetos, plantas próximas ao viveiro e água de irrigação. tir de Bacillus s11btilis con efecto biocontrolador sobre Fusari11m sp.
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tes de controle desses patógenos podem ser bactérias do gênero
Baker. C.J.; Stavely, J.R.; Thomas, C.A.; Sasser, M.; Macfall. J.S.
Bacillus e fungos do gênero Trichoderma, Ampelomyces quis- lnhibitory effect of Bacillus subtilis on Uromyces phaseoli and on
qualis e Ulocladium atrum (Paulitz & Bélanger, 2001 ). O con- development of mst pustules on bean leaves. Phytopathology 7J:
trole biológico por Bacíllus e Trichoderma pode envolver vários 1148-1152, 1983.
mecanismos de ação. Entretanto, A. quisqualis é parasita de ftm-
Bel!, C.R.; Dickie, G.A.; Harvey, W.L.G.; Chan, J. Endophytíc bacteria
gos causadores de oídios, enquanto U. atrum é um fungo sapró-
in grapevine. Canadian Journal of Microbiology 41: 46-48, 1995.
fita e ótimo competidor contra B. cinerea. Um dos casos mais
antigos da aplicação do controle biológico em doenças de plan- Bergamin Filho, A.; Kimati. H.; Amorim, L. Manual de Fitopatologia.
tas foi a aplicação de A. quisqualis no controle de oídio no trevo Princípios e Conceitos. v. l, 3 ed. São Paulo, Ceres, J995.
(Yarwood, 1932). Desde então, já fbi demonstrado o uso de Bettiol, W. & Ghini. R. Impactos das mudanças climáticas sobre o con-
A. quisqualis no controle de oídios em várias espécies vegetais, trole biológico de doenças de plantas.ln: Bettiol W., Morandi,
incluindo espécies cultivadas em estufas (Kiss et ai., 2004). Por M.A.R. Biocontrole de doenças de plantas: uso e perspectivas.
sua vez, o saprófito U. atrum apresenta efeitos na redução do Jaguariúna, Embrapa Meio ambiente, 2009, p. 29-48.

272
CAPÍTULO

18
CONTROLES CULTURAL E FÍSICO
DE DOENÇAS DE PLANTAS
Ivan Paulo Bedendo, Nelson Sidnei Masso/a Júnior e Lilian Amorim

ÍNDICE

18. l. Controle cultural.................................................. 275 18.1.18. Semeadura ................................................ 282


18.1.1. Rotação de culturas.................................... 276 18.1.19. Plantio na direção contrária ao vento
18.1.2. Qualidade de sementes, mudas e órgãos predominante ........................................... 282
de propagação vegetativa sadios ............... 276 18.1.20. Cuidados na colheita e na casa de
18.1.3. Realização de "roguing" ............................ 277 embalagem ............................................... 282
18.1.4. Eliminação de plantas voluntárias ............ 278
18.2. Controle físico ...................................................... 282
18.1.5. Eliminação de hospedeiros alternativos ...... 278
18.2.1. Refrigeração de produtos armazenados ...... 282
18.1.6. Eliminação de restos de cultura ............... 278
18.2.2. Tratamento térmico de frutas e legumes ..... 283
18.1.7. Preparo do solo .......................................... 278
18.2.3. Tratamento térmico de órgãos de
18.1.8. lncorporação de matéria orgânica
propagação ................................................. 283
ao solo ......................................................... 278
18.1.9. ~poca de plantio......................................... 279 18.2.4. Tratamento térmico do solo por vapor ..... 284
18.1.10. Densidade de plantio ............................... 279 18.2.5. Solarização do solo .................................... 285
18.1.11. lrrigação e drenagem ............................... 279 18.2.6. Eliminação de determinados
comprimentos de onda .............................. 286
18.1.12. Nutrição mineral...................................... 279
18.l. 13. pH do solo ................................................ 280 18.2.7. Uso de radiação ultravioleta germicida .... 286
18.1.14. Poda de limpeza ....................................... 280 18.2.8. Uso de radiação ionizante ......................... 286
18.1.15. Barreira física ........................................... 280 18.2.9. Armazenamento em atmosfera
18.1.16. Superfícies repelentes a vetores ............... 281 controlada ou modificada ......................... 286
I 8. l.l 7. Práticas de desinfestação ......................... 281 18.3. Bibliografia consultada ........................................ 287

manejo de doenças compreende a aplicação inte- 18.t. CONTROLE CULTURAL

º
grada de um conjunto de medidas para reduzir Algumas práticas culturais podem ser usadas, pre.fererrdaL--
os danos causados pelos patógenos em culturas mente combinadas, como contribuição para minimizar os. efeitos
de interesse econômico. Estas medida~ são de natureza diversa, de doenças sobre a produção de plantas cultivadas. Estas práiri-
envolvendo os métodos genético, químico. biológico, cultural e cas atuam nos três vértices do triângulo da doença - hoSJJC-d'ei,m,
fisico. Neste capitulo estão abordados de fonna resumida os últi- patógcno e ambiente - com o objetivo de favorecer o hospedeiro
mos dois métodos. e criar condições desfavoráveis ao patógeno. As práticas adota-

275
Manual de Fitopatologia

das interferem, na maior parte das vezes, na sobrevivência, na Na rotação de culturas devem ser utilizadas espécies vege-
produção e na disseminação do inóculo dos agentes causais das tais não hospedeiras do patógeno visado pela aplicação deste tipo
doenças. As principais práticas culturais que auxiliam o controle de controle. Como regra geral, é preconizada a alternância de
de doenças de plantas estão abordadas a seguir. plantio de gramíneas com leguminosas. Ressalta-se, no entanto,
que este esquema não é obrigatório, podendo ser feito o uso de
18.1.1 . Rotação de Culturas rotação entre gramíneas e entre leguminosas, desde que as espé-
A prática da rotação consiste no plantio alternado de dis- cies envolvidas não sejam hospedeiras do mesmo patógeno alvo
tintas espécies, na mesma área de cultivo e na mesma época do de controle. Para maior sucesso da rotação, recomenda-se a eli-
ano, ao longo dos anos. Um bom exemplo de rotação é o plantio minação de plantas daninhas ou silvestres que possam atuar como
de trigo e de aveia num mesmo terreno, onde a semeadura das hospedeiros alternativos, as quais podem fornecer condições para
duas espécies é feita alternadamente, em anos diferentes, porém a sobrevivência e desenvolvimento da população patogênica.
na mesma estação de cultivo; nesse caso, no outono/inverno. A rotação de culturas é um recurso viável e desejável como
Quando o plantio alternado de diferentes espécies é feito na forma de controle de doenças. A prática é de fáci l implantação,
mesma área, porém em épocas distintas do ano, esta prática é fornece bons resultados e reduz tanto os gastos com fungicidas
chamada de sucessão de culturas. A sucessão pode ser exempli- como os efeitos destes produtos sobre o ambiente. No sistema de
ficada pelo plantio de trigo no outono/inverno sucedido pela soja plantio convencional, no qual se utiliza o preparo do solo, a rota-
na primavera/verão sempre na mesma área (Tabela 18.1 ). ção é uma prática cultural recomendável, porém para o sistema de
É reconhecido qu~ a monocultura tende a aumentar o inó- plantio direto esta prática chega a ser obrigatória como forma de
culo de patógenos ne.crotróficos com o passar do tempo. Estes manter a viabilidade da cultura em uma deterrninada área. O plan-
patógenos caracterizam-se por retirar nutrientes tanto de tecidos tio direto se caracteriza pela permanência dos restos de cultura no
vegetais em atividade como de tecidos mortos. Assim, patóge- campo, sendo a posterior semeadura feita sem o revolvimento do
nos necrotróficos apresentam duas fases distintas, ou seja, a fase solo pela aração e gradagem. A adoção deste sistema proporciona
patogênica que ocorre no hospedeiro vivo e a fase saprofitica que algumas vantagens como manutenção da umidade do solo, dimi-
se desenvolve nos tecidos mortos, sendo aqui incluídos os restos nuição dos problemas causados por erosão, redução do impacto
de cultura. A monocultura, portanto, fornece substrato ideal para da cultura sobre o ambiente, menor custo de produção e maior
o patógeno, tanto pela presença da planta viva como dos restos produtividade. No entanto, o acúmulo de restos culturais favo-
culturais que ficam no campo após a colheita. rece o aumento da população de patógenos saprofiticos, o que
A obtenção de nutrientes a partir dos restos culturais per- resulta em maior intensidade de doenças na cultura. Em poucos
mite a sobrevivência de patógenos durante a ausência do hospe- anos, a monocultura em plantio direto chega a ser inviabilizada,
deiro principal no campo e também a multiplicação de estruturas tal a importància da ocorrência de doenças. A rotação de cultu-
infectivas capazes de causar doença quando a cultura for nova- ras, nestes casos, se constítui numa fonna de controle obrigatória,
mente implantada. Assim sendo, a remoção ou ente;rio da palhada por reduzir a disponibilidade de substrato e, por consequência, a
e a prática de rotação de culturas resultam na eliminação do subs- população patogênica. Com isto é restabelecido o equilíbrio entre
trato utilizado pelo patógeno, desfavorecendo a manutenção ou o patógeno e os demais componentes da microflora, permitindo
o aumento do seu inóculo. Em ambos os casos, a eliminação do a continuidade do uso do sistema de plantio direto. Em razão das
substrato favorável ao patógeno ocorre pela decomposição dos doenças causadas por patógenos necrotróficos serem mais seve-
restos culturais pela microflora habitante do solo, com a qual ras no sistema de plantio direto, quando comparadas com aque-
o patógeno passa a competir. Em decorrência desta condição, las que ocorrem no sistema de plantio convencional, diz-se que a
ocorre a redução da sua população. Em resumo, o controle pro- rotação de culturas é uma medida de controle obrigatória no plan-
movido pela prática de rotação de culturas tem por princípio a eli- tio direto e recomendada no plantio convencional.
minação do substrato que favorece o agente patogênico.
18.1.2. Qualidade de Sementes, Mudas e Órgãos de
Algumas características do patógeno podem influenciar no
Propagação Vegetativa Sadios
sucesso da rotação de culturas como medida de controle de doen-
ças. Patógenos que têm baixa capacidade saprofítica no solo e Na implantação de uma cultura, em pequena ou grande
sobrevivem exclusivamente em restos de cultura do seu hospe- escala, em cultivo de campo ou protegido, em substrato sólido
deiro são mais facilmente controlados do que aqueles que apre- ou sistema de hidroponia, deve ser observada a qualidade sanitá-
sentam habilidade competitiva e utilizam diversos tipos de matéria ria de sementes, mudas e órgãos de propagação vegetativa. Pelo
orgânica como substrato. Agentes patogênicos que formam estru- fato destes materiais servirem como veículos para patógenos, eles
turas de resistência, coroo escleródios e clamidósporos, são de con- devem ser de padrão fitossanitário confiável, sendo relevante o
trole mais difícil, pois estas estruturas podem manter a viabilidade conhecimento de sua procedência e a idoneidade da sua fonte.
mesmo na ausência de substratos e, portanto, podem garantir a O plantio de materiais portadores de agentes causais de
sobrevivência do microrganismo no solo por longos pe~odos. doenças pode inviabilizar o investimento feito pelo produtor,

Tabela 18.J - Situações de cultivo (sempre na mesma área) com: (1) exclusivamente sucessão de culturas; (2) sucessão de culturas e rotação
na cultura de verão; (3) sucessão de culturas e rotação nas culturas de verão e de inverno.
SitU:t\·ão dl' rullil o Ano 1 - 1u-ima\l'ra /\ erão .\no 1 - outo110/i11\ erno .\110 2 - 11rit11:I\ era IH•nio .\110 2 - outonoiin\l•rno

Soja Trigo Soja Trigo


2 Soja Trigo Milho Trigo
3 Soja Trigo Milho Aveia

276
Controles Cultura/ e Físico de Doenças de Plantas

l.3DtO por introduzir um novo patógeno na área de cultivo, como 18. I.3. Realização de "Roguing"
~r aumentar o inóculo de um patógeno anteriormente existente. O "roguing" consiste na eliminação de plantas doentes da
Em espécies anuais, os primeiros danos geralmente se manifes- própria cultura. Esta prática exige inspeções periódicas ~a cul-
:.lm logo no início da cultura, na fonna de redução de estandes e tura, realizadas, por exemplo, em pomares, hortas. canteiros de
sobdesenvolvimento de plantas; posteriormente, os danos pode- flores e viveiros de mudas. A erradicação dos hospedeiros doentes
:ào provocar redução na produção, decorrente de alterações na resulta na diminuição do inóculo e na redução de sua dispersão
- ,1ologia das plantas. Em espécies perenes, as árvores ou arbus- na cultura, pois a planta infectada deixa de atuar como fonte de
:.:is poderão apresentar comprometimento no seu crescimento e inóculo para as plantas sadias (Boxe 18.1).
~n"ldutividade por se desenvolverem desde o início na presença
:-l patógeno. As plantas doentes logo no início do ciclo da cultura
-..!r,,irão de fontes de inóculo para as demais plantas, acelerando a Boxe 18.1 Roguing de citros como medida de controle
; .:.seminação do patógeno. que poderá resultar em maiores danos de huanglongbing
. produção.
Para a avaliação da condição fitossanitária de lotes de O manejo do huanglongbing (HLB) dos citros
sementes existem laboratórios especializados que, através de tes- envolve três medidas de controle: (a) redução das
•~ padronizados, fornecem ao produtor informações sobre a qua- fontes de inóculo, garantida com a erradicação dos
dade das sementes (Figura 18.1 ). Em caso de dúvida sobre a hospedeiros infectados, (b)_ substitui~ão das ~Ia1_1-tas
~,,ndição da semente e na_ impossibilidade de contar com serv!- erradicadas por plantas sadias produzidas em v1verros
~os desta natureza, o produtor deverá efetuar o tratamento qu,- telados e (c) controle do inseto vetor (Diaphorina citri).
mico, biológico ou térmico do lote. Mudas devem ser adquiridas No Estado de São Paulo, a produção de mudas em
de viveiristas idôneos, garantindo desta forma um alto nível de viveiros telados já é mandatória há alguns anos (ver
,anidade do material vegetal. Ainda no caso de mudas, o subs- Boxe 14.1, no Capítulo 14). O controle do inseto vetor,
:roto também pode ser veículo de patógenos, se não for subme- seja pela aplicação de inseticidas, seja pela liberação
udo a tratamento adequado. Exemplo dessa medida de controle de Tamarixia radiata, vespa que atua no controle
o.a cultura dos citros está ilustrado no Boxe 14.1, do Capítulo 14 biológico de D. citri, também é executado por gr~de
- Princípios gerais de controle, desta obra. parte dos produtores. A única medida para a qual amda
há alguma aversão é a eliminação das plantas doentes,
devido ao prejuízo imediato que ela impõe, com a
redução da produtividade do pomar. No entanto, sem
a erradicação de plantas doentes as demais medidas de
controle se tornam ineficazes. Como a incidência de
HLB é maior na bordas dos pomares (Figura 18.2), o
manejo da cultura vem sendo modificado nesses locais,
os quais recebem maior frequência de aplicação de
inseticidas e de amostragens da doença.

Figura 18.2 - Jmagem capturada por satélites de pomar _de


laranjas, no Estado de São Paulo, que realiza
o roguing de plantas com huanglongbing. A
figura t8. I -Teste de sanidade de sementes de feijão realizado no
maior incidência da doença e a maior frequên-
laboratório de patologia de sementes do Departamen•
cia de erradicação na borda do pomar pode ser
to de Fitopatologia e Nematologia da ESALQ-USP.
verificada com a maior intensidade de "falhas''
(A) Placas com sementes gennihadas sobre papel de
aesse local.
filtro umedecido, indicando 20% de contaminação.
Fonte: Google Earth Pro®.
(B) Detalhe de semente com sintomas de anrracnose.
Crédito da foto: Silvia A. Lourenço.

277
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas

:.1nto por introduzir um novo patógeno na área de cultivo, como 18.1.3. Realização de "Roguing"
oor aumentar o inóculo de um patógeno anteriormente existente. O "roguing" consiste na eliminação de plantas doentes da
Em espécies anuais, os primeiros danos geralmente se manifes- própria cultura. Esta prática exige inspeções periódicas ~a cul-
'.JJ11 logo no início da cultura, na forma de redução de estandes e tura, realizadas, por exemplo, em pomares, hortas, canteiros de
,ubdesenvolvimento de plantas; posteriormente, os danos pode- flores e viveiros de mudas. A erradicação dos hospedeiros doentes
r.lo provocar redução na produção, decorrente de alterações na resulta na diminuição do inóculo e na redução de sua dispersão
'isiologia das plantas. Em espécies perenes, as árvores ou arbus- na cultura, pois a planta infectada deixa de atuar como fonte de
tos poderão apresentar comprometimento no seu crescimento e inóculo para as plantas sadias (Boxe 18.1).
,rodutividade por se desenvolverem desde o início na presença
,.fo patógeno. As plantas doentes logo no início do ciclo da cultura
servirão de fontes de inóculo para as demais plantas, acelerando a Boxe 18.1 Roguing de citros como medida de controle
disseminação do patógeno, que poderá resultar em maiores danos de huanglongbing
.1 produção.
Para a avaliação da condição fitossauitária de lotes de O manejo do huanglongbing {HLB) dos citros
,;emeutes existem laboratórios especializados que, alravés de tes- envolve três medidas de controle: (a) redução das
1.eS padronizados, fornecem ao produtor informações sobre a qua- fontes de inócu.lo, garantida com a erradicação dos
lidade das sementes (Figura 18.1 ), Em caso de dúvida sobre a hospedeiros infectados, (b) substituição das plantas
condição da semente e na impossibilidade de contar com servi- erradicadas por plantas sadias produzidas em viveiros
cos desta natureza, o produtor deverá efetuar o tratamento qui- telados e {e) controle do inseto vetor (Diaplwrina citri).
~ico biológico ou térmico do lote. Mudas devem ser adquiridas No Estado de São Pau.lo, a produção de modas em
Je vi,veiristas idôneos, garantindo desta forma um alto nível de viveiros telados já é mandatória há alguns anos (ver
-.inidade do material vegetal. Ainda no caso de mudas, o subs- Boxe 14.1, no Capítulo 14). O controle do inseto vetor,
trato também pode ser veículo de patógenos, se não for subme- seja pela aplicação de inseticidas, seja pela líberação
tido a tratamento adequado. Exemplo dessa medida de controle de Tamarixia radiata, vespa que atua no controle
na cultura dos citros está ilustrado no Boxe 14. l, do Capítulo 14 biológico de D. dtri, também é executado por gr~de
- Princípios gerais de controle, desta obra. parte dos produtores. A única medida para a qualamda
há alguma aversão é a eliminação das plantas doentes,
devido ao prejuízo imediato que ela impõe, com a
redução da produtividade do pomar. No entanto, sem
a erradicação de plantas doentes as demais medidas de
controle se tomam inefica zes. Como a incidência de
HLB é maior na bordas dos pomares (Figura 18.2), o
manejo da cultura vem sendo modificado nesses locais,
os quais recebem maior frequência de aplicação de
inseticidas e de amostragens da doença.

Figura 18.l - Imagem capturada por satélites de pomar _de


laranjas, ao Estado de São Pa1.1l0, que realiza
o roguing de plantas com huanglongbing. A
Figura 18.1 - Teste de sanidade de sementes de feijão realizado no maior incidência da doença e a maior frequên-
laboratório de patologia de sementes do Departamen-
cia de erradicação ua borda do pomar pode ser
to de Fitopatologia t Nematologia da ESALQ-USP. verificada com a maior intensidade de "falhas'"
(A) Placas com sementes ge1U1inadas sobre papel de
nesse local.
filtro umedecido, indicando 20% de contaminação.
Fonte: Google Earth Pro®.
(B) Detalhe de semente com sintomas de anLracnose.
Crédito da foto: Silvia A. Lourenço.

277
Manual de Fitopatologia

Destaca-se a importância desta prática, sobretudo. para as vadas, dani nhas e silvestres. Estas espécies podem desempenhar
doenças causadas por vírus, bactérias e fitoplasmas transmitidos um papel importante na ocorrência de doenças, pois por abriga-
por insetos vetores, como pulgões, psilídeos, cigarrinhas e tri- rem patógenos garantem sua sobrevivência e a multiplicação de
pes. O ·'roguing'" terá maior chance de sucesso para o controle de suas estruturas reprodutivas. Assim, servem c:omo fonte de inó-
doenças cujo agente causal infecta somente a espécie cultivada ou culo, tanto para a introdução do patógeno numa cultura recém-
possui uma restrita gama de hospedeiros. instalada como para sua disseminação dentro de uma cultura já
estabelecida. A remoção de hospedeiros alternativos é uma prá-
18. 1.4. Eliminação de Plantas Voluntárias
llca de manejo que visa à erradicação de agentes de doença e que
Plantas voluntárias, também conhecidas como tigueras, mesmo sendo feita de forma incompleta. reduz a permanência e a
são plantas da própria cultura que permanecem no campo após a dispersão destes agentes na área de plantio. Constitui-se em uma
colheita (Figura 18.3). Geralmente são originárias da germinação das mais antigas práticas de controle. Um exr!mplo está descrito
de sementes que caíram no solo ou de órgãos de reprodução vege- no Boxe 14.2. do Capítulo 14 - Princípios gerais de controle.
tativa como tubérculos e bulbos que não foram colhidos. Estas desta obra.
plantas podem abrigar o patógeno e favorecer sua sobrevivên-
cia durante o período em que o hospedeiro principal estiver fora 18.J .6. Elimínação de Restos d e Culltu r a
da área de plantio. Quando a cultura for novamente instalada, as A capacidade saprofitica de grande pane dos patógenos
plantas voluntárias podem atuar como fonte de inóculo, dissemi- vegetais é responsável por sua sobrevivência e multiplicação nos
nando as estruturas dp agente causal da doença para as plantas restos de cultura. Os agentes causais de doenças encontram nos
jovens. A eliminação de plantas voluntárias é prática recomen- restos culturais substratos favoráveis para seu desenvolvimento,
dada, sobretudo, para patógenos biotróficos. No caso de patóge-
quando o hospedeiro vivo está ausente. A monocultura favorece o
nos transmitidos por vetores essas plantas podem ser hospedeiras
aumento do inóculo de patógenos saprofiticos ao longo do tempo,
voluntárias de ambos. Exemplo dessa medida de controle na
a ponto de tomar inviável o cultivo do hospedeiro naquela área
cultura da soja é o vazio sanitário, descrito nos itens 2.2.8, <lo
de plantio.
Capítulo 2. e 14.7, do Capítulo 14, desta obra.
O preparo convencional do solo, pelo iuso da aração e gra-
dagem, promove o enterrio deste material. Com isto. este subs-
trato vegeta! se toma acessível à microflom natural do solo, a
qual compete com o patógeno para sua utilização. A competição
e a decomposição mais rápida dos restos de cultura incorporados
ao solo reduzem a população patogênica e, por consequência, sua
sobrevivência.

18.1.7. Preparo do Solo


As operações de aração e gradagem, que promovem o
revolvimento da camada superficial do solo, são práticas que
contribuem para o controle de doenças. Pa1tógenos saprofiticos
sobrevivem em restos de cultura ou em matéria orgânica que se
encontram no solo, podendo, inclusive, produzir estruturas repro-
dutivas ou de resistência. A exposição desti: material orgânico à
radiação solar, feita pela aração e gradagem, tende a diminuir a
população de agentes causais de doenças. O <:feito da temperatura,
associada à ação letal da radiação ultravioleta, elimina estruturas
infectivas e inviabiliza as estruturas de resistência de microrga-
Figura 18.3 Plantas voluntárias de soja. originárias da germinação
nismos fitopatogêoicos. A redução do inóculo toma o solo mais
de sementes que caíram ao solo durante a colheita. em
cultura de algodão. adequado para o desenvolvimento da cultur:a em melhores condi-
Crédito da foto: Wanderlei D. Guerra. ções de sanidade.

18.1.8. Incorporação de Matéria Orgânica ao Solo


A eliminação de plantas voluntárias contribui para a erradi-
cação do patógeno, mesmo que de forma parcial, por promover a A prática de incorporação de matéria orgânica ao solo visa
redução da quantidade de inóculo inicial. Como consequência, os à redução do inóculo de agentes patogênii:os. O material orgâ-
danos podem ser reduzidos em função de menores níveis de inci- nico estimula o aumento da microflora existente no solo, o qual
dência e severidade de doença. abriga espécies de microrganismos que naturalmente exercem
atividades antagônicas ao patógeno. Embora o próprio patógeno
18.1.5. Eliminação de Hospedeiros Alternativos também possa utilizar esta matéria orgânica como substrato,
A especificidade entre hospedeiro e patógeno ocorre em ele fica sujeito à competição com outros microrganismos, o que
determinados patossistemas. porém os fitopatógenos nem sempre resulta em diminuição da população patogênica. A incorporação de
parasitam um único hospedeiro. Os agentes causais de doenças restos de cultura e adubação verde, por exe·mplo, além de melho-
normalmente são polífagos, atacando uma gama de espécies botâ- rar as propriedades tisicas e químicas do solo também favorece
nicas, além da espécie considerada como hospedeira pnncipal. a atividade microbiana das espécies presentes neste ambiente e
Os hospedeiros alternativos são representados por espécies culti- interfere negativamente sobre a população de patógenos.

278
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas

18.1.9. Época de Plantio 18.1.10. Densidade de Plantio


A época de semeadura de espécies, variedades e híbriuos Assim como existem recomendações técnicas para época
e,plorados comercialmente deve obedecer às recomendações de plantio, o mesmo deve ser observado quanto à densidade de
1ecnicas existentes para cada cultura em particular. No entanto, plantio. É sempre prudente respeitar os espaçamentos entre linhas
oara alguns patossistemas é interessante antecipar ou retardar a e entre plantas. de acordo com as especificações indicadas para a
epoca de semeadura como fonna de minimizar o efeito de uma cultura n ser implantada. Muitas vezes, agricultores aumentam a
detenninada doença, a qual frequentemente provoca danos sig- densidade de plantio com o objetivo de obter maior produção por
mficativos para a c ultura. Ne stes casos, busca-se evitar que a área. Esta prática pode trazer sérias consequências, pois o adensa-
epoca mais favorável ao desenvolvimento de um detenninado mento de plantio pode criar um microclima favorável aos patóge-
patógeno coincid:a com o estádio fenológíco de maior susceti- nos, especialmente pela elevação da umidade relativa no ambiente.
bilidade do hosp~:deiro. Este atraso ou adiantamento na época O aumento da população de patógenos resulta em maior intensi-
de plantio, o q ual não deve ser prejudicial ao hospedeiro, pode dade de doença, podendo, inclusive desencadear epidemias.
resu ltar em menor intensidade de doença no campo. Esta estra-
tégia também pode ser aplicada com o uso de variedades preco- 18.1.11. Irrigação e Drenagem
-::es ou tardias. Epidemias de queima do broto da soja (Tobacco O estresse hídrico, provocado pela deficiência ou excesso
,rreak vírus) em s:oja no Paraná mostram comportamento com- de água no solo, é um fator que nonnalmente predispõe o hos-
pletamente distinto em função da época de plantio de soja, pedeiro ao ataque do patógeno. A excessiva quantidade de água
sendo muito mais severas no plantio de primavera que no plan- provoca a redução de oxigênio no ambiente edáfico, prejudicando
tio de verão (Figura 18.4). o desenvolvimento do sistema radicular e, por consequência a
absorção de nutrientes. Por outro lado, a condição de seca, além
de alterar a disponibilidade de água para planta, também interfere
com a obtenção de nutrientes. Exemplo da influência do estresse
10
A
hídrico na incidência da clorose variegada dos citros es tá descrito
oe no Boxe 7.1 e na Figura 7.1. do Capítulo 7 - Ambiente e doença,
desta obra. Em relação ao patógeno, o estresse hídrico atua de

H
H fonna favoráve l ou desfavorável. Na ausência do hospedeiro, a
oz
Hl
/. inundação do terreno pode promover a redução de patógenos,
devido à condição de anaerobiose. Contudo, o excesso Je água
favorece a disseminação de o omicetos e bactérias habitantes do
'º e solo. É recomendável. portanto, a escolha de terrenos bem dre-
.,"' º' nados, a opção por áreas não sujeitas ao eocharcamento e o con-
e:., 'º trole da irrigação, tanto em relação à frequência das regas como
Q
.,
~

Ili
'E
º'
oz
00
/ à quan tidade de água. Atenção especial deve ser dispensada às
áreas de viveiros de produção de mudas, pois neste caso há uma
"' grande população de plantas, cujo estádio de desen volvimento
õ.
..,., 'º e
associado ao excesso de umidade favorece o ataque de patógenos.
o ~a A água presente na atmosfera tem papel importante sobre
<D
<>
5 '6 os processos de liberação. dispersão, germinação e penetração de
::,.
o estrumras infectivas no tecido vegetal. Evitar locais de baixada
~
H
o:
o~
/ muito sujeitos à fonnação e pennanência de orvalho contribui
para reduzir a severidade de doenças foliares, pois a formação de
lâmina d 'água sobre as folhas favorece a genninação de estrutu•
'º ras füngicas e a penetração de esporos e de células bacterianas.
ºª O controle da irrigação por aspersão, tanto em número de regas
06
como em volume de água. contribui para evitar a liberação de inó-
º' culo de fungos e bactérias formados em matrizes gelatinosas. Além
n disto, este controle poderá reduzir a dispersão de inóculo dentro
00
da cultura, causado pelos respingos de água nas folhas e fonna-
ção das gotículas que constituem os aerossóis. Vale lembrar que
Tef1110 (dll!S)
a umidade relativa alta no interior da cultura é condição favorável
Figura 18.4 Curvas de progresso de queima do broto da soja (To- para o desenvolvimento de patógenos de natureza fúngica e bacte-
bacco streak vírus) nas variedades de soja IAC-4 riana. A irrigação por aspersão é um fator relevante para a produ-
(A, C, E, G) e FT-10 (B, D, F, H), em plantios su- ção. mas o seu descontrole favorece o desenvolvimento de doenças
cessivos nas seguintes datas: 21 de outubro (A-8), em ambientes de viveiro e campo, sobretudo nas áreas sob sistema
19 de novembro (C-D). 24 de novembro (E-F) e 22 de de pivô central. As outras formas de irrigação, quando descontrola-
dezembro de 1987 (G-11). A incidência da doença é das, também podem favorecer o desenvolvimento de doenças.
maior nos plantios de outubro e novembro (A-F) com-
parada aos de dezembro (G-H). devido à desfavorabi- 18.1.12. Nutrição Mineral
lidade climática do verão à população do vetor. O desequilíbrio associado à deficiência ou ao excesso de
Fonte: Dados de Almeida et ai. ( 1994). elementos minerais, sejam macro ou micronutrientes, favorece a

279
Manual de Fitopatologia

doença por reduzir o desenvolvimento normal da planta e dimi- é comprovadamente favorável ao desenvolvimento de agentes de
nuir sua resistência ao agente patogênico. O nitrogênio, quando doenças. Além deste aspecto, a maior entrada de luz pode contri-
aplicado em excesso, favorece o patógeno por tomar os tecidos buir para maior produtividade.
vegetais mais tenros e retardar sua diferenciação, mantendo o
hospedeiro suscetível por um maior período de tempo. A defici- 18.1.15. Barreira Física
ência deste elemento reduz o vigor da planta e diminui sua capa- A instalação de barreiras físicas é uma prática viável, prin-
cidade de reação ao patógeno. A forma do nitrogênio disponível cipalmente para culturas que ocupam áreas relativamente peque-
para a planta também pode influenciar a severidade de doenças, nas, como as hortaliças. Uma das finalidades das barreiras é
em função do sistema hospedeiro-patógeno. Para alguns casos, reduzir o ac1~sso de vetores de patógenos ao interior da cultura,
a forma amoniacal se mostra mais favorável à doença, enquanto na tentativa de diminuir a disseminação de agentes de doenças
para outros, o nitrogênio na forma de nitrato se apresenta como (Figura 18.5'). Os vetores visados são insetos capazes de transmi-
fator determinante de maior severidade da doença. Ainda, existe tir vínis, bactérias e fitoplasmas. Os vetores podem se abrigar em
uma relação entre o pH e a forma de nitrogênio, tanto que a apli- hospedeiros alternativos, localizados nas adjacências da cultura,
cação da forma amoniacal ou de nitrato pode aumentar a seve- ou mesmo migrarem de locais mais distantes, introduzindo os
ridade de doenças favorecidas por pH ácido ou pH neutro a patógenos na área cultivada. O estabelecimento de barreiras físi-
alcalino, respectivamente. Assim, a nutrição nitrogenada tem um cas, representadas por fileiras de plantas ou telas de malha fina,
importante papel na intensidade de doença. também contribui para diminuir a livre movimentação de insetos
O fósforo e o potássio, bem como os micronutrientes, têm de fora para dentro da cnltura. Esta prática poderá reduzir a pre-
papel variável sobre o desenvolvimento de doenças, sendo favo- sença de vetores, resultando em menores índices de incidência ou
ráveis ou desfavoráveis em função do patossitema. É aceito, de severidade de doença.
de modo geral, que o potássio aumenta a resistência da planta,
enquanto o uso de quantidades adequadas de fósforo garante o
bom desenvolvimento do hospedeiro. No entanto, o bom senso
aponta que estes elementos devem ser utilizados sempre de forma
equilibrada, evitando-se as deficiências e os excessos. Com isto, o
hospedeiro terá melhores condições para seu crescimento normal
e para expressar sua capacidade de reação ao patógeno. A influên-
cia dos nutrientes no progresso de doenças de plantas está discu-
tida com mais detalhes no item 7.1.3, <lo Capítulo 7 -Ambiente e
doença, desta obra.

18.1.13. pH do Solo
A variação do pH confere ao solo diferentes graus de acidez
ou alcalinidade, condições estas que podem ter efeito tanto sobre
o patógeno como o hospedeiro. A faixa de pH pode interferir na
absorção de nutrientes pela planta e, consequentemente. no seu
crescimento. Esta interferência negativa pode levar a planta à pre-
disposição ao ataque de patógenos. O pH pode também favorecer
ou desfavorecer a sobrevivência e o desenvolvimento de micror-
Figura 18.5 - Plantio protegido de tomateiro. O plástico da cobenura
ganismos patogênicos presentes no solo. Com isto, a infecção do
e as telas das laterais protegem a cultura contra insetos
hospedeiro poderá não ocorrer ou a doença se manifestar com
vetores de patógenos.
diversos níveis de severidade. É reconhecido que os patógenos
Crédito da foto: Jorge A.M. Rezende.
fúngicos são favorecidos por faixas de pH ácido, enquauto as
bactérias fitopatogênicas encontram melhores condições de
desenvolvimento em ambientes próximos à neutralidade ou ligei- A cobertura de plantas com telas (Figura 18.6A) ou túneis
ramente alcalinos. Assim, o pH deve ser considerado como um plásticos (Figura 18.68, C) evita a ocorrência de injúrias ocasio-
fator relevante para o manejo e, em alguns casos, justifica a pre- nadas por granizo e, conseq uentemente, reduz a infecção de pató-
dominância ou importância de detenninadas doenças em função genos que penetram via ferimento. O uso dos túneis plásticos,
da acidez ou da alcalinidade do terreno. Destaca-se que algu- além da proteger as plantas contra injúrias, também diminui s ig-
mas doenças podem ser controladas somente pela alteração do nificativamente o período de formação de orvalho, o que desfavo-
pH do solo. rece a infec1;ão de patógenos fúngicos e bacterianos. A incidência
de míldio em videiras conduzidas sob túneis plásticos é tão baixa
18.l.l4. Poda de Limpeza que permite: redução significativa na frequência de aplicação de
Esta prática cultural é recomendada especialmeute para fungicidas. Em algumas culturas, como no morangueiro, é prática
espécies frutíferas de clima tropical, pois aquelas temperadas habitual a cobertura do solo com plástico ou serragem, a fim de
passam normalmente pela poda de inverno. A poda de limpeza evitar o contato do fmto com agentes fitopatogênicos habitantes
consiste na eliminação do excesso •de ramos, visando evitar as do solo. causadores de podridões (Figura 18.7).
condições de ambiente favoráveis aos patógenos. Este procedi- As ceras agem como uma película protetora das frutas, man-
mento promove o arejamento entre as plantas, impedindo, sobre- tendo a firnoeza da polpa por mais tempo. Usualmente as ceras
tudo, a ocorrência de alta umidade relativa no ambiente, fator qne modificam a atmosfera ao redor dos frutos, elevando os níveis
,,,-

280
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas

Figura 18.7 - Barreira tisica em morangueiro. O plástico sobre o


solo impede a infecção dos frutos por agentes patogê-
nicos habitantes do solo.

Figura 18.8 - Efeito da cera de carnaúba no controle da podridão


mole em nectarinas. Nectarinas inoculadas com Rhi-
zopus sp. após imersão dos frutos em água (A) e em
cera de carnaúba na concentração de 9% (B).
Crédito das fotos: Fabrício P. Gonçalves.

mendável para a redução de doenças causadas por patógenos


figura 18.6 - Barreira física em culturas frutíferas. {A) Telas coloca- veiculados por vetores. Especialmente no caso de afideos e da
das sobre macieiras evitam injúrias de granizo nos fru. mosca-branca, insetos transmissores de vírus, materiais que re.fle-
tos e a consequente penetração de patógenos. (8) Tú· tem radiações de determinados comprimentos de ondas, podem
neis plásticos sobre morangueiros e (C) sobre videiras repelir o pouso de vetores, resultando em menor incidência de
contribuem para diminuição do período de oivalho. doença na cultura. A aplicação desta prática é limitada a áreas
Crédito da foto: C - Antonio F. Nogueira Junior. relativamente pequenas, cultivadas com hortaliças ou fruteiras, e
consiste em promover a cobertura do solo entre as plantas ou nas
linhas de plantio. Os materiais usados podem ser sintéticos ou
de dióxido de carbono e reduzindo os níveis de oxigênio. Dessa de origem vegetal. Os primeiros são representados por filmes de
forma, os frutos têm menor atividade metabólica, principalmente polietileno de coloração diversa, que têm a propriedade de refletir
respiração e transpiiraçào. Esses atributos podem tomar os frutos radiações ultravioleta. Aqueles de natureza vegetal são constituí-
mais resistentes ao .ataque de patógenos, aumentando seu tempo dos por palha de espécies de plantas, como, por exemplo, a casca
de prateleira. Já foi comprovado o controle da podridão mole em de arroz (Figura J 8.9).

.
nectarinas com aplicação de cera de carnaúba (Figura 18.8).

18.1.16. Sup1erfícies Repelentes a Vetores


18.1.17. Práticas de Desinfestação
Algumas práticas simples devem ser adotadas para alguns
O uso de cobertura do solo com material que tenha proprie- tipos de doença, visando à redução ou a disseminação de inóculo.
jade de repelir insetos também se constitui numa prática reco- A desinfestação de ferramentas, como canivetes, tesouras, facas

281
Manual de Fitopatologia

provocados por patógenos habitantes do solo ou veiculados pela


semente. Quando a semeadura é feita de maneira profunda, a dife-
renciação dos tecidos da plântula é mais lenta e sua emergência
é mais demorada. Com isto, os tecidos novos ficam predispostos
por um maior período ao ataque de agentes patogênicos. Como
uma das práticas de manejo, recomenda-se que a semeadura seja
feita de acordo com as recomendações técnicas para cultura,
evitando-se. portanto, a semeadura profunda.

18.1.19. Plantio na Direção Contrária ao Vento


Figura 18.9 - Casca de arroz aplicada ao solo para redução da in- Predominante
cidência do mosaico comum (Papaya rigspor viros - A adoção desta prática cultural pode ser interessante para
type W) em abobrinha de moita. as grandes culturas. Neste caso, extensas áreas são plantadas e a
Crédito da foto: Valdir A. Yuki_ semeadura pode levar alguns dias para ser concluída. A recomen-
dação é que o plantio escalonado seja feito no sentido contrário à
e facões, utilizados para desbrota, colheita, poda, enxertia e corte direção predominante do vento. Assim, a semeadura deve ser rea-
de órgãos de reprodução vegetativa, pode restringir a transmissão lizada de tal fonna que as plantas oriundas dos plantios iniciais
de patógenos de plantas doentes para sadias. Implementos e não sirvam como fonte de inóculo para as plantas mais novas,
ferramentas diversas tàmbém podem ser desinfestados quando originárias dos plantios subsequentes. Este tipo de procedimento
forem usados em campos distintos, limitando o deslocamento é indicado, juntamente com outras medidas de controle, para a
de patógenos. Recipientes, como caixas, usados para colheita redução dos níveis de brusooe em áreas cultivadas com arroz de
ou transporte de frutos e instalações para embalagem e armaze- sequeiro, no Centro-Oeste brasileiro.
namento de produtos colhidos devem receber tratamento com
agentes químicos desinfestantes, evitando a fonnação de focos 18.1.20. Cuidados na Colheita e na Casa de Embalagem
de inóculo. Pessoas devem ter o cuidado de desinfestar os cal- A colheita cuidadosa é prática recomendada para o controle
çados, as mãos, trocar de vestimenta quando passam de um com- de podridões pós-colheita de frutos e legumes. Muitos agentes
panimento para outro, em instalações utilizadas para a produção causais de podridões de frutos só conseguem penetrar o hospe-
de mudas certificadas; em algumas propriedades rurais, é exigido deiro por ferimentos. Dessa forma, recomenda-se evitar ferimen-
que veículos sejam desinfestados antes de adentrarem a área cul- tos na colheita e em todas as etapas da seleção e embalagem dos
tivada (Figura 18.1 O). produtos (Figura 18.11 ). Cestos e caixas de colheita devem ter
dimensões adequadas, para evitar pressão dos frutos localizados
na parte superior sobre aqueles da parte inferior. O material de
revestimento dos cestos e das caixas de colheita deve ser pouco
abrasivo. Os equipamentos das casas de embalagens também
devem ser bem dimensionados e com revestimento adequado
para evitar que os frutos sofram choques principalmente nos
pontos de transição de uma esteira para outra. As embalagens de
comercialização também devem ser bem dimensionadas, adequa-
das ao produto para evitar prensagem, choque ou abrasão.

18.2. CONTROLE FÍSICO


Como o próprio nome sugere, o controle físico utiliza fato-
res fisicos para controlar doenças de plantas. Entre esses fatores,
os mais comumente utilizados com essa finalidade são tempera-
tura e radiações. A temperatura é um fator largamente utilizado
para controlar doenças em plantas. Uso de temperaturas baixas
visa à redução do desenvolvimento do patógeno e da senescência
do hospedeiro e, por outro lado, o emprego de temperaturas altas
está associado à redução do inóculo inicial. O controle de doen-
ças em plantas pelo uso da radiação pode ser conseguido de três
maneiras: eliminação de comprimentos de onda da luz natural
que favorecem o patógeno, uso de radiação ultravioleta e uso de
radiação ionizante. Geralmente, os métodos fisicos baseiam-se na
redução do inóculo inicial, redução ou paralisação do desenvolvi-
Figura 18.10 - Desinfestação de veículo com amônia quaternária em mento e/ou reprodução do patógeno e retardamento da senescên-
rodolúvio localizado à entrada de pomar de citros. cia do hospedeiro, como será discutido a seguir.

18.1.18. Semeadura 18.2.1. Refrigeração de Produtos Armazenados


A profundidade de semeadura é um fator que pode contri- A refrigeração é, sem dúvida, o método físico mais utili-
buir para maior ou menor ocorrência de danos em plantas jovens, zado em todo o mundo para controle de doenças em pós-colheita

282
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas

18.2.2. Tratamento Térmico de Frutas e Legumes


Há duas variações do tratamento ténnico visando controle
de doenças em produtos agrícolas, principalmente frutos e legu-
mes: o tratamento com ar quente, também denominado "cura" e
o tratamento por imersão em água quente. Ambos têm a mesma
finalidade, o controle das doenças em pós-colheita e consequente
aumento no tempo de armazenamento ou de prateleira, porém,
eles atuam de maneira diferente.
A cura exige período de tempo prolongado. geralmente
semanas. Seu objetivo é remover a umidade da superficie e acele-
rar a cicatrização <le ferimentos pré-existentes. Dessa forma, pre-
vine-se a ocorrência de podridões por patógenos que contaminam
a superficie do hospedeiro. Agrios (2005) descreve, como exem-
plo do uso da cura para controle de doenças em pós-colheita, a
manutenção de tubérculos de batata-doce em temperaturas de
28 a 32 "C por duas semanas. Esse procedimento ajuda na cicatri-
zação dos ferimentos e controla a infecção por Rhizopus e bacté-
rias que causam podridão mole.
O tratamento por imersão em água quente, por sua vez, é
rápido e tem como objetivo reduzir o inóculo supemcial e até
mesmo infecções latentes, desde que superficiais. Frutos e legumes
comumente toleram temperaturas de 50-60 ºC por 5 a I O minutos
sem alterações profundas em suas propriedades, porém, exposi-
ções mais curtas que essas já são suficientes para controlar muitos
patógenos de pós-colheita (Smith et ai., 1964 apud Barkai-Golan &
Phillips, 1991 ). Esse método é utilizado, por exemplo, para controle
de antracnose em mamão e manga. A recomendação é que os fnitos
de mamão sejam imersos em água a 49 ºC por 20 minutos e os frutos
de manga a 50 ºC por 1Ominutos ou 55 ºC por 5 minutos (Benato et
al., 2006). Esse tratamento, utilizado comercialmente para mamão
Figura 18. 11 - Cuidados na colheita e na pós-colhe:ita para eyítar e manga, também é preconizado para outras frutas, principalmente
injúrias nos frutos e ínfecção de patógenos causa- quando destinadas à exponação. Entretanto, da mesma maneira
dores de podridões. (A) Colhedora de pêssegos com que na refrigeração, danos pelo calor podem ocorrer. Cada espécie,
luvas e cesta revestida para evitar abra1sào nos frutos. e mesmo cada cultivar, têm sua respectiva tolerância ao calor e isso
(B) Equipamentos da casa de embalagens de pês- deve ser observado antes da aplicação do tratamento.
segos com revestimento almofadado para evitar injú-
rias aos frutos. A esfera azul é um sensor de impacto. 18.2.3. Tratamento Térmico de Órgãos de Propagação
Sementes, bulbos e gemas destinados ao plantio podem ser
e pode ser empregada nas fases de transporte e armazenamento submetidos a tratamento térmico para redução, ou mesmo eli-
dos produtos agrícolas. Frutos, raízes, tubérculos e sementes minação, de patógenos localizados externa ou internamente. A
Jnnazenados em câmaras frigoríficas estão protegidos de novas eficiência desse método reside no fato de que órgãos dormen-
infecções pelos esporos que carregam em sua superficie, pois tes podem suportar, por um determinado tempo, temperaturas
o desenvolvimento do patógeno é prejudicado nessa condição. mais elevadas que aquelas nas quais seus respectivos patógenos
-\lém disso, as infecções latentes, oriundas do campo, também podem sobreviver. Obviamente o binômio tempo-temperatura
não se desenvolvem, pelo mesmo motivo. Acresc,ente-se a isso deve ser muito bem investigado em cada caso, visando elimi-
o retardamento da senescência do hospedeiro em temperatu- nar ao máximo o patógeno, porém, preservando a viabilidade do
material vegetal.
ras baixas, mantendo-o resistente por tempo mais longo. Via de
regra, tecidos imaturos desses órgãos têm as células mais lignifi- O tratamento ténnico de sementes é uma técnica muito efi-
.:adas, menor espaço entre as células, menor quantidade de açú- ciente de controle de doenças, pois a transmissão do calor é homo-
cares disponíveis e maior concentração de compostos fenólicos. gênea nestes pequenos órgãos. Além disso, como o volume de
sementes é usualmente baixo, os equipamentos utilizados para
Todos esses fatores contribuem para a resistência cio hospedeiro
tal são de baixa complexidade. O tratamento térmico de sementes
e a manutenção em temperaturas baixas prolonga e:;se período.
de cereais de inverno, por imersão em água aquecida a 52 "C por
No entanto, deve-se levar em consideração a sensibilidade 11 minutos, foi, por muito tempo, utilizado para controle do carvão,
ao frio do produto que será armazenado. Algumas frutas e horta- doença na qual o fungo é veiculado internamente à semente. Antes
hças como banana, abacate, mamão, berinjela e tomate sofrem do desenvolvimento de moléculas fungicidas sistêmicas, que hoje
danos (chilling inju,y) quando armatenados em temperaturas conseguem penetrar nos tecidos internos e atingir o fungo durante
abaixo de 15 ºC. Esses danos prejudicam a qualidade do produto e os tratamentos de sementes, essa era a única alternativa viável para
representam portas de entrada aos patógenos, aumentando a inci- redução do inóculo de carvão durante a instalação dos plantios de
dência de podridões quando isso ocorre. cereais de inverno. Outro exemplo semelhante a esse é a imersão

283
Manual de Fítopatologia

de. bulbos de plantas ornamentais em água a 44 ºC por 4 horas para


controle do ne.matoide Ditylenchus dipsaci (Qiu et ai., 1993).
A termoterapia é amplamente utilizada na instalação de
viveiros de mudas de cana-de-açúcar, para controle do raquitismo
da soqueira, causado pela bactéria Leifsonia xyli subsp. xyli. Essa
bactéria aloja-se no xilema das plantas doentes e é transmitida de
uma planta para outra pela lâmina do facão durante o corte. Seu
controle baseia-se em plantio de material livre da bactéria, obje-
tivo alcançado pelo tratamento térmico das gemas no momento
da instalação do viveiro de mudas. Nesse caso, mini-toletes de
uma gema são imersos em água aquecida a 52 "C por 30 minutos
ou a 50 ºC por 2 horas (Figura 18.12).
Uma variação da termoterapia por imersão em água quente
é a manutenção de plantas infectadas em câmaras com tempera-
tura relativamente altas (38 "C) por período prolongado (meses).
Esse procedimento é justificável no caso de plantas matrizes
infectadas por vírus e constitui numa das poucas opções de "lim-
peza". Uma das explicações para a eficiência do tratamento é que
as temperaturas utilizadas desfavorecem os processos bioquími-
cos essenciais para os vírus e/ou sua translocação nos tecidos
me.ristemáticos do hospedeiro. O hospedeiro também é prejudi-
cado durante o tratamento, porém, é mais tolerante em relação
ao patógeno e consegue, ainda que precariamente, produzir célu-
las livres de vírus na região meristemática. O passo seguinte é
promover enxertias ou cultivo in vifro a partir desses meristemas
ou brotos isentos do vírus. Esse método é empregado com muito
sucesso para limpeza de clones de videira infectados por diversos
vírus, que levam à degenerescência lenta e gradual dos vinhe-
dos. Após a limpeza, novos plantios e renovação dos já existentes
podem ser feitos a partir desse material livre de vírus.
18.2.4. Tratamento Térmico do Solo por Vapor
A redução da carga de patógenos ou até mesmo a esteriliza-
ção do solo pode ser conseguida pelo seu aquecimento por vapor
de água. Essa prática, entretanto, só é viável em pequenas áreas
ou volumes de solo, como nas casas de vegetação, nos cantei-
ros e em solo utilizado como substrato para produção de mudas.
Nesses casos, o vapor produzido em caldeiras é injetado sob uma
cobertura de lona sobre o solo, de modo que se atinjam, na pro-
fundidade desejada, temperaturas de 82 °C ou mais elevadas, por
pelo menos 30 minutos (Agrios, 2005). Para solo utilizado como
substrato, pode-se, também, fazer uso de autoclaves ou contêine-
res especialmente desenvolvidos para essa finalidade. Esse pro-
cedimento é uma alternativa viável para culturas instaladas em
pequenas áreas ou em casas de vegetação, como flores e hortali-
ças. Para essas culturas, o uso intensivo da mesma área favorece o
aumento da população de patógenos veiculados pelo solo, difíceis
de serem controlados por outros métodos.
O método não deixa resíduos tóxicos, como ocorre com
o uso de produtos químicos, além de ser rápido e eficiente na
redução do inóculo que se encontra no solo. Porém, as altas tem-
peraturas atingidas podem modificar profundamente as caracte-
rísticas tisico-químicas do solo, como, por exemplo, favorecer o
acúmulo de manganês em níveis tóxkos às plantas, a redução de
nitrato e o incremento de amônia e nitrito. Além disso, o método
não é nada seletivo e elimina também microrganismos benéficos, Figura 18.12 - Termoterapia para controle do raquitismo das soquei-
como os saprófitas e os antagonistas, criando no solo o chamado ras da cana-de-açúcar. Mini toletes de uma gema (A)
"vácuo biológico". Assim, a recolonização do solo após esse tra- e banho ténnico anterior (B) e durante (C) o trata-
) tamento será feita pelos microrganismos termotolerantes que
sobreviveram e pelos introduzidos durante as práticas agrícolas
mento dos mini toletes.
Crédito das fotos: Aline Zavaglia.

284
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas

subsequentes. Na hipótese da reintrodução de um microrganismo veis à atuação de antagonistas. Como alternativas para melhorar
patogênico, que, via de regra acompanha as mudas e sementes, a eficiência da solarização nas camadas mais profundas do solo
~ste encontrará um ambiente sem competidores e sua população propõe-se sua associação com agrotóxicos ou com organismos de
Jumentará rapidamente, infestando todo o solo. Por essa razão, controle biológico. Normalmente, propágulos de microrganismos
.:,s efeitos do tratamento térmico do solo com vapor não são dura- patogênicos estressados pelo calor são mais vulneráveis à ação de
douros e o procedimento tem que ser repetido com frequência. agrotóxicos. Consequentemente, a dose de agrotóxico requerida
Apesar disso, esse método apresenta-se como alternativa viável para inativar esses propágulos é menor após a exposição ao calor
ao uso do brometo de metila. Porém, o brometo de metila é extre- (Gamliel, 2012).
mamente nocivo à camada de ozônio e seu uso foi proibido pelo Comparando a solarização com outros métodos de desin-
Protocolo de Montreal. festação do solo (químico ou uso de vapor), algumas vantagens
são bastante evidentes:
18.2.5. Solarização do Solo
• A solarização não deixa resíduos tóxicos e não representa
O método de controle de patógenos do solo denominado perigo para o agricultor.
;.olarização baseia-se no uso da energia solar. Antes do plantio, o
solo úmido é coberto por filme plástico transparente por período
• É um método seletivo de desinfestação, eliminando
principalmente os patógenos. O fato das temperaturas
11inimo de um mês, durante o verão. O efeito estufa criado sob o
serem menores que aquelas atingidas na desinfestação
-.1ástico aquece o solo até temperaturas letais para os patógenos.
por vapor, proporciona sobrevivência de boa parte dos
Desenvolvida erri Israel pelo pesquisador iraquiano Jaacov microrganismos benéficos, cuja suscetibilidade ao calor é
;.;.atan, radicado naquele país desde 1951 , com a colaboração de
menor que a dos patógenos. O mesmo raciocínio é válido
_m grupo de pesquisadores e extensionistas israelenses (Katan et
para o controle com produtos químicos, muito pouco sele-
al.. 1976), essa técnica é muito eficiente na redução do inóculo
tivos. Assim, a solarização não cria o "vácuo biológico" no
dos patógenos veiculados pelo solo e representa mais uma pro-
solo. Além do controle dos patógenos (fungos, bactérias e
:r.1ssora alternativa ao uso do brometo de metila. Para que atinja
nematoides), a técnica também é eficiente contra pragas e
;:ilenamente os resultados esperados, no entanto, alguns fatores
plantas daninhas.
devem ser observados:
• Seus efeitos são duradouros, geralmente percebidos durante
• O solo a ser solarizado deve estar úmido. Solo úmido tem
duas ou três safras. Após a retirada do plástico, o solo será
a condutividade térmica aumentada, pennitindo aqueci-
recolonizado pelos microrganismos benéficos sobreviven-
mento mais rápido e em maior profundidade.Além disso,
tes, dificultando o estabelecimento dos patógenos, mesmo
no solo úmido as estruturas de resistência dos patógenos
que reintroduzidos. Dessa forma, a solarização não precisa
estão mais vulneráveis à ação do calor.
ser repetida a cada ano.
• O filme plástico utilizado deve ser transparente, com 25 a Entretanto, essa técnica apresenta algumas limitações: sua
100 µm de espessura. Esse tipo de plástico permite a pas- aplicação é restrita às regiões onde o clima é favorável, além
sagem dos raios de ondas curtas provenientes do sol, mas
de exigir que o solo fique improdutivo por período mínimo de
impede a passagem dos raios de ondas longas provenien- um mês. Para algumas honaliças, como por exemplo, a alface,
tes do solo aquecido, criando o efeito estufa. esse período de tempo, numa época de alta incidência de radia-
• O solo deve permanecer coberto por período mínimo de ção, pode representar uma safra a menos para o agricultor. Além
um mês antes do plantio, durante o verão, quando a inci- disso, o plástico da solarização não pode ser reutilizado e cons-
dência de radiação solar é maior. titui-se em resíduo não biodegradável. No entanto, os benefícios
• As bordas do filme plástico devem ser enterradas para decorrentes de sua aplicação são numerosos e, em curto ou médio
prevenir perdas de calor. Com o mesmo propósito, prazo, superam as desvantagens.
devem ser evitados danos ao filme, que, quando ocor- No Brasil a solarização do solo vem sendo aplicada, com
rerem, devem ser consertados imediatamente. excelentes resultados, em estufas e áreas de produção de alface,
• No momento da instalação da cultura, deve-se evitar uma cenoura, morango, tomate, berinjela, cebola, crisântemo, etc. A
bordadura de um metro. Apesar do cuidado para evitar lista de patógenos controlados por essa técnica também é extensa
perdas de calor, acima mencionado, essas perdas ocor- e inclui Pythium, Phytophthora, Rhizoctonia, Sclerotiwn, Sclero-
rem e, nas bordas, o processo de solarização não é tão tinia, Fusarium, Verticillium, Macrophomina e Ralstonia (Ghini
eficiente. Além disso, é nas bordas que ocorrem as conta- et ai., 1992; Patrício et al., 2007; Ambrósio et al., 2009).
m inações com solo adjacente não solarizado. Estudos conduzidos no Brasil mostram que a solarização
Quando bem aplicada, a solarização permite o aquecimento pode ser associada à incorporação de determinados resíduos
das camadas superficiais do solo até 52 "C. Camadas mais pro- vegetais ao solo, melhorando a eficiência e a rapidez do processo,
:',mdas (20 cm) atingem, em média, 44 a 45 "C. Essas tempera- pela liberação de gases fungitóxicos por esses resíduos. Tal pro-
:..1ras estão cerca de 8 a 12 ºC acima das observadas em solo não cedimento, portanto, confere um efeito aditivo à solarização.
coberto pelo plástico. As temperaturas atingidas nas camadas Entre os resíduos testados, mandioca brava, brócolos, eucalipto e
5uperficiais são suficientes para inativar os propágulos rapida- mamona mostraram bom desempenho em relação ao controle de
:nente, porém, nas camadas mais prof!!ndas, onde as temperatu- Fusarium oxysporum, Rhizoctonia solani, Macrophomina phase-
;:is são sub-letais, são necessários vários dias ou semanas para olina e Sclerotium rolfsii (Ambrósio et al., 2008).
que ocorra o controle. Nessas camadas mais profundas a inativa- No caso da descontaminação de pequenos volumes de solo
,;.ão ocorre pelos efeitos acumulativos do calor, que enfraquecem ou substratos para produção de mudas, uma alternativa simples e
gradativamente os propágulos e também os tornam mais suscetí- econômica, derivada da técnica da solarização, é o uso do coletor

285
Manual de Fitopatologia

solar, equipamento desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Essa técnica também já mostrou bons resultados com outras fru-
(Ghini & Bettiol, 1991 ). Esse equipamento é composto, basica- tas e hortaliças (Benato et ai., 2006).
mente, por tubos de chapa galvanizada no interior de uma caixa Porém, piela característica de baixa penetrabilidade da radia-
de madeira coberta por um filme de plástico transparente. O subs- ção UV-C, sua, ação direta sobre infecções latentes ou já estabe-
trato é colocado no interior dos tubos e o equipamento é deixado lecidas é nula. Seus efeitos gennicidas limitam-se à superficie
ao sol (Figura 18.13). Estudos mostraram que basta um dia de dos órgãos traltados. Entretanto, diversos estudos mostram que a
radiação plena para eliminar os mais importantes patógenos vei- UV-C também possui um efeito indireto de indução de resistência
culados pelo solo (Ghini, 1993). contra os patógenos. Esse efeito parece estar relacionado à pro-
dução de substâncias tóxicas aos fungos. principalmente fenóis,
nas camadas superficiais de células dos frutos tratados com UV-C
(Benato et ai.. 2006; Terao et ai., 2015).

18.2.8. lUso de Radiação Ionizante


Entre as radiações ionizantes, os raios gama são emprega-
dos para a preservação de alimentos processados e produtos agrí-
colas. O objetivo, nesse caso, é reduzir drasticamente, ou mesmo
eliminar completamente. os microrganismos e insetos que dete-
rioram o prod1uto. Pela natureza penetrante dos raios gama, seus
efeitos atingem tanto os propágulos situados na superfície quanto
no interior do produto e a morte dos microrganismos ocorre
por danos causados em seu DNA. Além de redução da popula-
ção mícrobiania, o tratamento com irradiação ionizante também
retarda a sene:scência do produto, efeito semelhante ao do arma-
Figura 18.13 - Coletor solar para desiufestação de substrato. zenamento em baixas temperaturas.
Fonte: Ghini et ai. (2007). As fontc!s de irradiação aprovadas para tratamento de ali-
mentos são o Cobalto-60 e o Césio-137. No Brasil, a ANVISA
aprovou e reg:ulamenta a atividade desde 2001, devendo a irra-
18.2.6. Eliminação de Determinados Comprime ntos diação ser aplicada em dose adequada para atingir seus objeti-
de Onda vos sem prejudicar a qualidade dos alimentos. Diversas entidades
A esporulação de detenninados fungos fitopatogêni- nacionais e internacionais atestam para a segurança do consumo
cos, como, por exemplo, Alternaria, Botrytis e Stemphyllium. é de alimentos irradiados, entretanto, graude parte dos consumido-
dependente de luz na faixa de comprimento de onda do ultravio- res mostra restrições ao seu consumo. Essa restrição e o alto custo
leta próximo (280-380 nm), comum no espectro de radiação solar. de implantação de uma central de irradiação explicam a baixa
Dessa forma, é possível controlar as doenças causadas por esses popularidade dessa tecnologia em nosso país. Mesmo assim,
fungos, em cultivos no interior de estufas, por meio do uso de existem algumas empresas operando comercialmente. Duas van-
filmes plásticos especialmeote desenvolvidos para esse fim, que tagens dessa técnica são a ausência de resíduos e a possibilidade
absorvem comprimentos de onda menores que 390 nm. Diver- do tratamento ser feito nos produtos em suas embalagens finais,
sos estudos mostraram que, no interior de estufas cobertas com as quais devem conter a infonnação que o produto foi irradiado
esses plásticos, a esporulação desses fungos é muito reduzida, (Benato et ai.., 2006).
contribuindo para reduzir drasticamente o potencial de inóculo
e, consequentemente, a severidade das doenças por eles causadas 18.2.9. Armazenamento em Atmosfera Controlada
(Vakalounakis, 1991; Nicot et ai., 1996; Caldari, 1998). ou Modificada
O uso de atmosfera controlada e atmosfera modificada con-
18.2.7. Uso de radiação Ultravioleta Germicida siste na altera.ção da proporção de gases no ambiente da câmara
A faixa de radiação com comprimento de ondas entre 200 e de armazenamento e no ambiente da embalagem do produto, res-
280 nm é conhecida como ultravioleta C (UV-C). Essa radiação, pectivamente. Na câmara a alteração é promovida por processo
apesar de pouco penetrante, tem efeito germicida pronunciado e é de monitoramento conduzido pelo homem; na embalagem, é
utilizada na desinfestação de superficies, como, por exemplo, no exercida naturalmente pela respiração do produto acondicionado.
interior de câmaras de fluxo laminar. Além disto, a atmosfera controlada exige um ambiente hermético
Esse efeito germicida pode ser utilizado para reduzir o inó- representado por uma câmara, enquanto a atmosfera modificada
culo presente sobre frutos que serão annazenados, contribuindo é praticada pelo acondicionamento do produto em embalagens
para o controle das doenças de pós-colheita. Um excelente exem- vedadas por filmes plásticos especiais.
plo do uso dessa técnica em nosso país é o controle de Penicillium No caso da atmosfera modificada, o objetivo é manter
expansum em maçã, trabalho desenvolvido por pesquisadores da a concentraçllo de oxigênio (O~) e de gás carbônico (C02) em
EM8RAPA (Valdebenito-Sanhueza & Maia, 2001). Nesse caso. níveis compreendidos entre 1-10%, com variações em função
os frutos são irradiados com UV-C de 254 nm antes do armaze- do tipo de produto a ser armazenado. Geralmente, os níveis de
namento, procedimento que elimina grande parte dos esporos de 0 2 e C02 rec,omendados variam dentro de uma faixa de 1-8% e
P. expansum encontrados sobre a superfície desses frutos. Conse- 2-6%, respectivamente. Aqui vale lembrar que em condições nor-
quentemente, as podridões causadas por esse fungo, responsáveis mais a atmosfera é constituída de 21% de 0 2 e de 0,03% de C02 •
por grandes perdas em pós-colheita, são drasticamente reduzidas. A redução de 0 2 ern associação com o aumento de C01 criam

286
Controles Cultural e Físico de Doenças de Plantas

.im ambíente desfavorável à maturação dos produtos armazena• Gonçalves. F.P.; Martins. M.C.: Silva Jr., G.J.; Lourenço. S.A.: Amorim,
dos. príncipalmente pela redução na taxa de respiração. Como L. Postharvest control of brown rot and Rhizopus rot in plums and
consequência do retardamento na maturação ocorre uma dimi- nectarines using camauba wax. Postbarvest Blology and Technol-
nuição na pré-disposição do produto armazenado às doenças de ogy 58: 211-217, 2010.
pós-colheita. Além deste efeito indireto, o ambiente modificado Katan. J.; Greenberger, A.; Alon, H.; Gristein. A. Solar heating by poly-
pode atuar de forma direta, suprimindo o desenvolvímento de ethylene mulching for lhe control of diseases caused by soil-bome
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.ransporte a prática de atmosfera controlada é aliada ao processo através de tennoterapia em São Paulo. Summa Phytopathologica
de refrigeração. O princípio da atmosfera modificada é similar, 13: 173-184, 1987.
vu seja, também baseado na redução da concentração de 0 2 e
aumento de CO,, porém sem a possibilidade de controle nas pro- Nicot, P.C.; Mem1ier. M.: Vaissiêre. B.E. Differential spore production
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287
CAPÍTULO

19
SISTEMAS DE PREVISÃO E AVISOS
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim

ÍNDICE

19.1. Introdução ............................................................ 289 19.5.2. Modelos de previsão baseados no


19.2, Previsão e simulação ............................................ 289 inóculo secundário................................... 293
19.5.3. Modelos de previsão baseados no inóculo
19.3. Modelos de previsão: conceito, objetivo e
inicial e no inóculo secundário............... 294
necessidade ........................................................... 290
19.5.4. Sistemas integrados de previsão de
19.4. Características de um modelo de previsão
doenças..................................................... 295
ideal ...................................................................... 290
19.5. Classificação de modelos de previsão.:.................. 291 19.6. Exemplos de sistemas de previsão em uso
no Brasil................................................................ 298
19.5.1. Modelos de previsão baseados no
inóculo inicial........................................... 291 19.7. Bibliografia consultada........................................ 300

19.1. INTRODUÇÃO estrutura e comportamento das doenças no campo. A segunda,


por sua vez, vísa a otimização do controle de doenças. CampbeU
rever significa ver antecipadamente. Previsão é o ato

P de prever. Como discutido por Shrum ( 1978), qual-


quer ser racional pratica a previsão. Todo agricultor
i:ambém pratica a previsão. O custo da mão de obra deve aumen-
& Madden (1990), neste mesmo contexto, dizem que a "ciência
da epidemiologia preocupa-se com a compreensão e a descrição
da doença aos níveis de população e de comunidade".
w muito este ano? Uma colheitadeira mecânica resolverá parte Tanto para descrever quanto para compreender o que se
-~ nossos problemas. A requeima da batata destrói a plantação passa no campo, os epidemiologistas lançam mão de modelos,
crês vezes a cada cinco anos? Pulverizar todos os anos, mesmo que nada mais são que representações simplificadas da realidade.
que em alguns deles seja desnecessário, é uma prudente decisão. Há muitas classificações de modelos. Mais conveniente aqui é
Obviamente, o agricultor terá a possibilidade de aumen- classificar modelos de acordo com a abordagem utilizada durante
:;a:r consideravelmente seus lucros caso disponha de sistemas de seu desenvolvimento. Segundo este critério, dois tipos podem ser
:Te\ isào cada vez mais acurados. Ficando ainda com o exemplo definidos (Gold, 1977) : empíricos, também chamados de cor-
dJ requeima da batata, a identificação dos três anos críticos para relativos e descritivos, e explanatórios, também chamados de
• doença, nos quais o controle químico é indispensável. já per- mecanisticos e teóricos.
-:iniria uma substancial economia ao agricultor, com a vantagem O desenvolvimento dos modelos empíricos sempre começa
.iJ.1cional de menor agressão ao meio ambiente pois, em média, com a coleta de dados, passa pela fase de estabelecimento de relações
pulverizações seriam evitadas em dois plantios a cada cinco anos. entre eles e, idealmente, termina com uma previsão (Figura 19. 1).
Não se exige dos modelos empíricos nenhuma relação causa-efeito.
19.2. PREVISÃO E SIMULAÇÃO Como exemplo, suponha que um experimento tenha sido desenvol-
A epidemiologia, a exemplo da maioria das outras ciências, vido para determinar a inRuência da temperatura na infecção de
oresenta duas faces distintas: a face acadêmica e a face apli- um determinado hospedeiro por um determinado fungo. Os resul-
.:ada. A primeira tem por objetivo uma melhor compreensão da tados obtidos, em linhas gerais, provavelmente não seriam muito

289
Manual de Fitopatologia

Dentre os vários objetivos do uso de modelos de previsão


de doença, três se destacam: maior lucro para o agricultor. decrés-
cimo do risco de ocorrência de severas epidemias e redução da
Empírico Explanatório poluição ambiental causada pelo uso excessivo de agrotóxicos.
O primeiro objetivo inclui não só a redução do númt>ro de apli-
cações de agrotóxicos como também a determinação do melhor
ou dos melhores momentos para fazê-las, com consequente con-
Dados Conceito trole mais eficiente da doença, maior produtividade e custos mais
Dados baixos de produção. O segundo objetivo trata de evitar pesados
Relações danos às culturas que ocorrem esporadicamente, quando coin-
Previsão Relações cidem condições ideais para o desenvolvimento da doença. São
estas condições coincidentes que devem ser identificadas com
Compreensão
suficiente antecedência pelo modelo de previsão. Finalmente, o
Previsão terceiro objetivo, menor poluição ambiental devida ao uso menos
frequente de agrotóxicos, vem tendo sua importância reçonhecida
Inferência numa sociedade cada vez mais cônscia da necessidade de preser-
var o meio ambiente.
Figura 19. l - Etapas no desenvolvimento de modelos empíricos e Apesar de todas estas vantagens. modefos de previsão, ao
explanatórios. contrário dos modelos de simulação, nem sempre são necessários.
Fonte: Adaptada de Gold ( 1977). Enquanto que estes, por possibilitarem uma maior compreen-
são da estrutura e comportamento de sistemas biológicos, são
cientificamente justificáveis para qualquer d-oença, os modelos
diferentes do seguinte: a baixas temperaturas, nenhuma infecção; de previsão, por serem essencialmente práticos, nem sempre se
à medida que a temperatura aumenta, as infecções começam a justificam. Como discute em profundidade Bourke ( 1970), mode-
aparecer e vão ficando mais numerosas até que um máximo seja los de previsão não são necessários quando a doença em estudo
atingido; finalmente, poucas infecções ocorrem com altas tempe- caracterizar-se por:
raturas, até que se atinja o lirnite superior, acima do qual nenhuma
infecção ocorre. A quantificação do efeito da temperatura no • sempre apresentar importância - Fry & fohner ( 1985)
número de infecções pode ser expressa através de diversos mode- lamentam o tempo despendido no dest>nvolvimento de um modelo
los, como por exemplo, de previsão para a requeima da batata, específico para a região de
Long Island. New York. Após anos de experimentação, concluiu-se
que esta região apresenta um clima de tal moc:lo propício à doença
(19. 1) que um esquema de controle baseado num calendário fixo de pul-
verizações é a estratégia mais recomendável;
onde I representa o número de infecções e T, a temperatura. • nunca apresentar importância;
Já o desenvolvimento dos modelos explanatórios, antes da • não ter controle econômico conhecido;
coleta de dados, implica na elaboração de um conceito derivado • afetar cultura de alto valor econômko - paradoxalmente,
geralmente do próprio funcionamento do sistema a ser modelado. neste caso, é mais recomendável, do ponto d,e vista do agricultor,
É somente após a elaboração deste conceito que os dados são a segurança de um esquema de controle baseado num calendário
coletados e as relações pesquisadas. O resultado qne se busca com
fixo de pulverizações; o eventual ganho advindo do uso de um
o modelo explanatório é uma melhor compreensão do sistema modelo de previsão, com a possível supressão de alguns tratamen-
em estudo, compreensão esta que poderá, eventualmente, tam- tos, teria pouca relevância diante do valor da ,cultura;
bém levar a previsões e, indo mais longe, a inferências (Figura
19.1). Os conceitos de previsão e simulação estão intimamente • ser controlada fácil e economicamente - às vezes, um
relacionados com modelos empirico e explanatório: previsão, simples tratamento químico de sementes, usualmente de baixo
geralmente, envolve modelos empíricos e tem por objetivo des- custo, é suficiente para resolver o problema.
crever e prever; já simulação, geralmente, baseia-se em modelos
19.4. CARACTERÍSTICAS DE UM MODELO DE
explanatórios que, basicamente, tentam explicar o funcionamento
PREVISÃO IDEAL
do sistema estudado e só eventualmente podem levar à previsão.
Modelos de simulação aplicados à fitopatologia estão descritos Um modelo de previsão de doença só poderá ser consi-
no Capítulo 42 desta obra. derado bem sucedido caso venha a ser aceito e utilizado pelos
agricultores. O uso do modelo deverá traze:r ao agricultor bene-
19.3. MODELOS DE PREVISÃO: CONCEITO, fícios reais, palpáveis, beneficios que não seriam obtidos na
OBJETIVO E ~ECESSIDADE ausência do modelo. Campbell & Madden ( 1990) discutem uma
Qualquer modelo que preveja o início ou o desenvolvi• série de características indispensáveis para que um modelo de
mento futuro de uma doença a partir de informações acerca do previsão seja bem sucedido {algumas destas características já
clima, hospedeiro ou patógeno pode ser considerado um modelo foram consideradas em 19.3):
de previsão de doença. Este concejto é amplo o suficiente para • confiabilldade - o modelo deve esL'lr baseado em sólidos
nele serem incluídos desde sofisticados programas de compu- dados biológicos e climáticos; ele deve ter sido testado e apro-
tador até simples regras que relacionem, por exemplo, infecção vado para o objetivo especifico a que se d,estina, na região onde
com horas de molhamento foliar. tenciona-se implementá-lo;

290
Sistemas de Previsão e Avisos

• simplicidade - quanto mais simples for o modelo a ser de juros compostos (Vanderplank. 1963). E outras há que, sem
implementado, maiores as chances de sua aceitação pelos pro- se situarem em um grupo ou no outro, podem chegar a níveis
dutores; epidêmicos caso coincidam condições razoáveis para o desenvol-
• importância - a doença considerada pelo modelo deve vimento do patógeno aliadas a razoável quantidade de inóculo
ter ocorrência esporádica; caso invariavelmente ocorra, ou não inicial. A classificação de modelos de previsão baseia-se nestas
ocorra, o modelo terá pouca utilidade; três situaçõt:s.
• utilidade - a doença em questão deve ter controle econô- 19.5.ll. Modelos de Previsão Baseados no lnóculo
mico conhecido, além de conveniente metodologia de detecção Inicial
e avaliação;
Informações sobre a quantidade de inócu\o iniclal podem
• disponibilidade - o monitoramento do ambiente, pató- ser usadas para prever doenças pertencentes a três subgrupos prin-
geno ou doença deve ser feito através de tecnologia apropriada cipais: as monocíclicas, típicas desta situação; as policíclicas de
e acessível; para o caso do ambiente, pode-se utilizar um sim- poucas gerações do patógeno por ciclo ua cultura; as policíclicas
ples higrógrafo ou um sofisticado microprocessador. Para o caso que, por qualquer razão, tenham na quantidade ou qualidade do
da doença, métodos que relacionem incidência com severidaJe inóculo inicial um fator de grande importância epidemiológica.
devem estar disponíveis; • Mu1rcha bacteriana do milho (Pantoea stewartii subsp.
• diversas doenças - o modelo deve fornecer suporte para a stewartii, sinonímia: Envi11ia srewartil) - o primeiro modelo de
tomada de decisão considerando mais de uma doença ou peste. O previsão publicado na literatura fitopatológica foi desenvolvido
agricultor cada vez menos tem interesse por sistemas que tratem por Stevens: (1934) para o sistema milho-P. stewartii. O modelo
de um só problema; de Stevens prevê, para a região nordeste dos E.V.A., incidência
• custo - o custo do uso do modelo deve ser uma fração do severa da doença caso a temperatura média mensal para os meses
benefício potencial advindo de seu uso. de dezembro, janeiro e fevereiro seja igual ou maior que 1,0 ºC e
incidência pequena para médias abaixo de -1,0 ºC. Curiosamente,
Mesmo um modelo de previsão que tenha todas as quali- estas regras foram desenvolvidas antes mesmo da descoberta que
dades anteriormente mencionadas pode não se tomar popular. o patógeno sobrevive durante o inverno no coleóptero Chaetoc-
Os agricultores, geralmente, têm o que se chama aversão ao nema pu/icaria. As baixas temperaturas, portanto, afetam o vetor,
risco (Norton & Mumford, 1993) e não estão inclinados a tro- sem influenciar a bactéria. O inóculo inicial é o parâmetro domi-
car a segurança de um esquema fixo de pulverizações, haja ou nante na epidemiologia desta doença que, apesar de policíclica,
não condição para a doença crescer, pela possibilidade de redu- caracteriza--se por apresentar poucos ciclos do patógeno durante
zir seus gastos com fungicidas. Esta atitude dos agricultores é cada período de cultivo do hospedeiro. A medida de controle
tão mais arraigada quantú mais valiosa a cultura em questão e só recomendada para os anos de previsão de doença severa é o uso
um modelo que mostre alta confiabilidade poderá reverter essa de variedades resistentes ou o controle químico do inseto vetor.
situação. Esta é uma das razões pelas quais tão poucos agricul- O modelo de previsão de Stevens foi computadorizado (Castor et
tores aderem a um sistema de previsão. Além disso, a adoção de ai., 1975) e vem sendo aprimorado, levando em consideração a
sistemas de previsão, na maior parte dos casos, não é duradoura. suscetibilidade do hospedeiro. O sistema original foi concebido
Como o sistema auxilia os agricultores a "entender" o processo para cultivares suscetíveis, porém em cultivares mais resistentes
epidêmico, modificando suas percepções e práticas de manejo de os limites de temperatura podem ser mais elásticos (Meyer et ai.,
doença, é comum que após uma década de adoção do sistema, 2009).
agricultores deixem de consultá-lo por acreditarem que são auto- • Podlridão de raízes de ervilha (Aphanomyces e11teicl1es)
suficientes na decisão do melhor manejo. O impacto de bons e outros patógenos veiculados pelo solo - uma técnica simples
sistemas de previsão de doenças é pedagógico e, muitas vezes, para a determinação do perigo potencial de ocorrência da podri-
indireto, moldando conceitos de manejo do agricultor. O desafio dão de raízes em ervilha, causada pelo fungo A. euteiches, foi
contínuo para os pesquisadores é construir ferramentas relevantes desenvolvida em Wisconsin, E.V.A. (Sherwood & Hagedom,
aos agricultores, que melhorem sua habilidade de gerenciamento 1958). Amostras de solo das regiões onde se planeja plantar ervi-
da lavoura (Gent et ai., 2013). lha são trazidas, durante o inverno, para casa de vegetação e são
semeadas com ervilha. As regiões cujas amostras de solo mos-
19.5. CLASSIFICAÇÃO DE MODELOS DE PREVISÃO trarem incidência severa da doença não serão utilizadas para o
Os modelos matemáticos mais simples utilizados para plantio de ervilha. O método tem bom potencial de emprego para
descrever o crescimento de doenças, como o logístico e o mono- todos os patógenos de disseminação deficiente durante o ciclo de
molecular (apresentados no Capítulo 5), baseiam-se em apenas cultivo da planta, como é o caso ue F11sarium, Verticillium, Scle-
duas variáveis biológicas: a quantidade de inóculo inicial e a taxa rotium e muitos nematoides.
de aumento da doença. Há doenças que somente terão condições • "Fire blight" da macieira e pereira (Erwini11 amy/qvora) -
de causar epidemia numa determinada estação de cultivo caso seu de todos os órgãos da macieira e da pereira, a inflorescência é o mais
inóculo inicial esteja anonnalmente elevado. É o caso, por exem- suscetível ao ataque de E. ,11nylovora, sendo obrigatória a aplicação
plo, de muitas doenças monocíclicas, também chamadas doenças de um bacDericida caso a população do patógeno tome-se suficien-
de juros simples (Vanderplank, 1963). Outras doenças, ao con- temente grande. Como nem sempre tal acontece, um sistema de
trário, mesmo parcindo de inóculo-inicial insignificante, podem previsão para esta doença é altamente desejável. Estudos pionei-
rapidamente, dentro de uma estação de cultivo, atingir níveis epi- ros, levados a efeito no estado da Calífómia, E.Li.A., mostraram
dêmicos, chegando mesmo a destruir toda a cultura. Exemplos uma forte ,correlação entre a temperatura no pomar e a concen-
são abundantes entre as doenças policíclicas, também chamadas tração de células bacterianas sobre as inflorescências (Thomson

291
Manual de Fitopatologia

et al.,1977; 1982). Empiricamente, chegou-se ao seguinte modelo 60 - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - ~


- Severa -Leve - Moderada
de previsão: a aplicação de um bactericida é necessária quando a
temperatura média no pomar exceder 16,7 "Cem março, 15,6 ºC :i:° 50 ---- ·••· ··----
o
em abril e 14,4 "Cem maio. O emprego deste modelo na Califór- E
nia, em 1978, possibilitou urna redução média de três aplicações de "'E
n,
bactericida por pomar em cerca de 16.200 ha, com uma economia .s::.
o 30
total de l,2 milhão de dólares. Posteriormente, novos modelos, E
mais sofisticados, foram propostos, com maior número de variá- ~
"' 20
veis como o estádio fenológico das plantas, o número de horas de 'O
o
,::
molhamento, o número acumulado de graus-dia durante períodos 10
pré-determinados e a pressão de inóculo na área. Dentre os mais
"'
0..

conhecidos e utilizados destacam-se o Maryblyt (Steiner, 1990), o


o Cougarblight (Smith, 1999), ambos desenvolvidos nos E.U.A., o 5 10 15 20 25 30

e o B1S95 (Billing, 1996), do Reino Unido. Esses sistemas são Temperatura (ºC)
bastante utilizados, porém continuam com a restrição de mostra-
rem-se adequados às condições específicas em que foram desen- Figura 19.2 - Relação entre horas de rnolhamento e temperatura com
volvidos. Qualquer tentativa de uso em condições diferentes deve a probabilidade de ocorrência da sarna da macieira. Ver
ser precedida de validaçpes. texto para detalhes.
• Podridão branca da cebola (Stromatina cepivora, Fonte: Dados de Mills ( 1944).
sinonímia Sc/erotium cepivorum) e outros patógenos veicu-
lados pelo solo - S. cepivora sobrevive no solo na forma de
escleródios negros de aproximadamente 0,5 mm de diâme- outono, muitas vezes, o inóculo inicial é tão baixo que, mesmo
tro. Adams (1979) desenvolveu um método de quantificar o em condições adequadas, a aplicação de fungi1:idas é desneces-
patógeno, através da contagem de escleródíos, após a pas- sária. Para tanto é comum o uso de armadilhas volumétricas capa-
sagem sucessiva de amostras de solo em peneiras com malha zes de succionar continuamente um volume de a.r predetenninado
de 2 e 0,18 mm. Uma relação empírica, na forma da equação no pomar (Figura 19 .3). Os esporos dispersos no ar ficam aderi-
dos a superflcies adesivas que são, posteriormente, examinadas
y = 6,41 + l 2,38x- 0,65.r (19.2) ao microscópio, ou submetidas a anticorpos espc,cíficos marcados
com enzimas flourescentes.
foi encontrada, onde y é a incidência da doença (porcentagem) na
colheita ex, o número de escleródios por 100 g de solo (Adams,
1981 ). Modificações deste método, também referido como deter-
minação direta do inóculo inicial, podem ser desenvolviaas para
outros patógenos veiculados pelo solo e que permitem uma rápida
quantificação de seus propágulos, como espécies de Sc/erotíum e
nematoides, especialmente aqueles formadores de cistos, como
Heterodera e Globodera.
• Sarna da macieira (Venturia inaequalis) - o patógeno
sobrevive entre um ano e outro nas folhas caídas de macieira,
na forma de ascocarpo. Na primavera, ascósporos são ejetados


de seus ascocarpos, dando origem ao inóculo inicial da epide-
mia. O número de ascósporos presente nos pomares é quase sem-
pre alto nesta época, mas fatores do ambiente desempenham um
papel chave para o sucesso da infecção. Assim, é mais aconselhá-
vel. monitorar as condições de ambiente que levam à infecção do e D
que quantificar os ascósporos presentes no ar. O modelo de pre-
visão da sarna da macieira identifica períodos de infecção, tam- Figura 19.J - (A) Annadilha caça-esporos de sucção volumétrica:
bém chamados períodos críticos, durante os quais as condições um volume conhecido de ar penetra por uma pequena
do ambiente favorecem o estabelecimento da infecção. A identi- fenda na parte superior da tampa frontal da armadilha
ficação destes fatores (Figura 19.2) foi feita por Mills (1944) e graças à pressão negativa fornecida por uma bomba de
Mills & LaPlante (1951 ). A base biológica do modelo baseia-se vácuo, embutida na parte posterior da armadilha, mo-
na presença de água livre sobre a folha, fator essencial para a vimentada por energia solar; (B) visão da armadilha
germinação dos ascósporos e posterior penetração dos tecidos do sem a tampa frontal, mostrando o disco plástico que,
hospedeiro, e no fato de a temperatura influenciar a velocidade ao ser recoberto por vaselina, perrrnite adesão dos es-
destes processos. Ainda hoje, o modelo proposto originalmente poros. Esse disco tem movimento giratório constante
por Mills mostra-se eficaz existindo, inclusive, microproces- fornecido por um mecanismo de rel.ógio, completanto
sadores disponíveis comercialmente baseados em seus princípios uma volta em seu próprio eixo após uma semana; (C
{Jones et al. 1980; 1984). O monitoramento dos ascósporos tem e D) Detalhe do disco em que os esporos ficam aderi-
sido proposto como medida adicional para uma recomendação dos, e de sua caixa de transporte.
segura, pois com práticas de sanitização realizadas no final do Crédito das fotos: Keila Maria Roncato Duane.

292
Sistemas de Previsão e Avisos

Regiões produtoras de maçã, cm Santa Catarina, contam há A 8 COE


quatro décadas com estações de aviso de risco de ocorrência da 20
sarna da macieira. Atualmente, essas estações de aviso infonnam 18
o risco de infecção previsto pelo modelo de Mills & Laplante
1951 ). combinado ao estádio fonológico das quatro principais 16
\ariedades cultivadas no estado (Gala, Fuji, Golden e Catarina) o~
e à projeção de ascóporos. Desta fonna, o produtor pode optar 1() 14
pela pulverização apenas quando esses três requisitos forem cn
cumpridos: as plantas estiverem em estádio fonológico suscetí- /\ 12
Yel. o inóculo estiver presente na área e o ambiente for favorável.
o:
~
10
Estima-se que os agricultores catarinenses que adotaram o sis-
~
tema de avisos tiveram redução significativa, de até 40%, no U) 8
número de aplicações de fungicidas (Berton, 2004). o,_
o
l: 6
19.5.2. Modelos de Previsão Baseados no lnóculo
Secundário 4

Modelos de previsão baseados no número de ciclos secun- 2


dários, ou na quantidad~ de inóculo secundário, são úteis quando
o patógeno apresenta baixo inóculo inicial e potencialidade de o 70 72
62 64 66 68 74 76 78 80
desenvolver muitos ciclos secundários durante o período de cres-
.:imento do hospedeiro. Para doenças deste tipo, os agricultores Temperoturo mínimo (ºF)
necessitam informações sobre se, quando e com qual frequência
11edidas de controle (usualmente, nestes casos, controle químico) Figura 19.4 - Relação entre horas de umidade relativa acima de 95%
jevcm ser empregadas. e temperatura para determinar o índice de doença para
• Moncha castanha (Cercospora arac/iidicola) e mancha manchas foliares do amendoim causadas por Cercos-
preta (Mycosphaerel/a berke/eyi, sinonímia Cercospora perso- pora. Os índices estabelecidos entre as linhas do grá-
nata) do amendoim - a exemplo do clássico trabalho de Mills fico referem-se à velocidade de progresso da doença,
1944) para a sarna da macieira, Jensen & Boyle (1966) desen- com O= pouca ou nenhuma, 1 = lenta, 2 = moderada
• olveram estudo semelhante para as manchas de Cercospora do e 3 = rápida .
lITlendoím, relacionando horas de umidade relativa iguais ou Fonte: Dados de Bailey, adaptado de Campbell & Madden (1990).
"TJaiores que 95% com temperaturas mínimas durante estes perío-
jos de alta umidade. Originalmente. o gráfico de risco incluía ape- é identificado por BLITECAST através de uma das duas seguin-
,as quatro categorias de taxa de infecção: (O) pouca ou nenhuma, tes possibilidades: ocorrência, a partir da emergência das plantas,
1 f baixa, (2) moderada e (3) rápida. Posteriormente, com o obje-
de dez dias consecutivos favoráveis à requeima (dia favorável à
t1, o de aumentar a acurácia do modelo, o número destas cate-
requeima é definido por uma precipitação acumulada, em 10 dias,
gorias foi aumentado para seis (Figura 19.4). As previsões estão superior a 30 mm e temperatura média, em 5 dias, menor ou igual
'.'3seadas no número diário de horas com umidade relativa igual a 25,5 •C) ou quando os valores acumulados de severidade exce-
u maior que 95% e na temperatura mínima durante este período, derem t 8-20 unidades. A Figura 19.5 mostrn a relação determi-
:,3ra cada um dos prévios cinco dias. Dia, no modelo, é definido nada por Wallin entre umidade relativa, temperatura e valor de
:omo um período de 24 horas com início às 12 horas, e o dia 5 é severidade. Após a primeira pulverização, as subsequentes são
.onsiderado como sendo a mais recente observação. As regras de recomendadas de acordo com a Tabela 19. 1, baseada sempre em
Jecisão para pulverizar ou não estio baseadas na sorna dos índi- sete dias consecutivos, que considera dois regimes pluviométri-
,es das taxas diárias (ver Figura 19.4 para detalhes). O sistema cos: alto, quando os dias favoráveis à requeima forem iguais ou
foi computadorizado e deu origem a equipamentos de previsão superiores a cinco, e baixo, quando os dias favoráveis à requeima
que puderam ser alocados diretamente nas plantações de amen- forem inferiores a cinco. Os valores cumulativos de severidade,
Joim americanas (Bailey et ai., 1994). Além desse, outro sistema calculados para uma propriedade do estado da Pensilvânia,
de previsão e avisos para as manhas do amendoim foi proposto E.V.A.. em três anos consecutivos (1974-1976), ilustram como
mais tarde. o AUPNUT, usando apenas a chuva como variável as condições podem variar de ano para ano (Figura 19.6). Este
mdependente (Linvill et ai., 1995). O sistema recomenda tanto a mesmo fato é evidenciado com o exame dos totais acumulados de
r,rimeira aplicação quanto as seguintes em função do nÍimero de severidade para todos os produtores que utilizaram BLITECAST
J1as com chuva e/ou da probabilidade de ocorrência de chuvas naquele mesmo estado americano (Figura 19.7). É evidente, a
nns dias subsequentes à aplicação. Esse sistema foi ª".aliado por partir destes resultados, que BLITECAST, identificando os perí-
l O anos e mostrou que, em média, pelo menos uma pulverização odos favoráveis e desfavoráveis para a ocorrência da requeima,
,ie fungicidas pode ser evitada em cada safra. constitui-se numa preciosa ferramenta para que fungicidas não
• Requeima da batata (P/rytophtl,ora infe.~tans) - muitas sejam aplicados desnecessariamente. O sistema BLITECAST foi
:~mativas de desenvolver um sistema de previsão foram feitas desenvolvido para cultivares suscetíveis de batata e desconsidera
para a requeima da batata. O sistema BL'ITECAST (Krause et ai., o poder residual dos fungicidas na recomendação das pulveriza-
l 975; Mackenzie, 198 l ), por exemplo, integra dois sistemas mais ções. O sistema SIM-CAST (Fry et ai., 1983) foi posteriormente
Mitigos, desenvolvidos independentemente, o de Hyre (Hyre et ai., proposto justamente para cobrir essas lacunas. No entanto, ape-
1959) e o de Wallio (Wallin, 1962). O início do tratamento qnímico sar de toda sofisticação incorporada ao modelo, o SfM-CAST

293
Manual de Fitopatologia

ro
·;::
l 4º
Muito alto 4 ,,o -~ 30
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CI) '~ 20
"O CT
.', ro
Alto "O ~ 10
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CI) o
Moderado 2 CI)
0-29 30-59 60-89 90-119 120-149 150-179
"O
.,,
CI)
Valores de severidade

Possível
o
ni Figura 19.7 - Frequência de campos de batata, no estado da Pensil-
>
vânia, E.U.A., que apresentaram valores acumulados
1mpossível +0-2~-4.----,6.--"TB_,_1T"o-11-2----.14_._1.,..6-,.-s---,20.--2·2-2+4o de severidade (calculados pelo sistema BLITECAST)
entre O e 29, 30 e 59, 60 e 89. 90 e 119, 12Ó e 149 e
Períodos (h) com umidade relativa> 90% 150 e 179, na somatória dos anos 1974, 1975 e 1976.
Fonte: Mackenzie (1981 ).
Figura 19.S- Valores de severidade para a requeima da batata {O= in-
fecção impossível, 1 = possível, 2 = moderada, 3 = alta,
4 = muito alta) de acordo com o número de horas de também precisa ser validado antes de seu uso em locais/situa-
umidade relativa superior a 90% e com a temperatura. ções diferentes daqueles para o qual foi desenvolvido (Grunwald
As linha A, 8 e C correspondem aos intervados de tem- et ai., 2000; 2002). Estudo comparativo entre o número previsto
perarura 60-80 "F, 54-59 ºF e 45-53 ºF, respectivamente. de aplicações pelos modelos BLITECAST e SIM-CAST com o
Fonte: Mackenzie (1981). número efetivamente executado pelos produtores, mostrou que,
nos países desenvolvidos, o BLITECAST apresenta maior con-
Tabela 19.1 - Esquema de pulverizações recomendado pelo modelo cordância com a prática dos agricultores (Hijmans et al., 2000).
BLITECAST, baseado em dias favoráveis à requeima
e número acumulado de valores de severidade. 19.5.3. Modelos de Previsão Baseados no Inóculo
Inicial e no lnóculo Secundário
Dias fa, orá, eis . . . Modelos de previsão para doenças policíclicas seriam, de
. \ alorr, dr seH·nclaclc' (l'm 7 dias)
(7 chas)
modo geral, mais acurados caso se baseassem em ambos os tipos
0-2 3 4 5-6 >7 de inóculo: inicial e secundário. No entanto, em virtude de serem
<5 -1 -1 o 7 2 de mais dificil construção, requerendo sempre um maior "input"
::,_ 5 -1 o 2 2 de dados, além de apresentarem, geralmente, uma implementação
mais complicada, poucos modelos existem com estas caracteristicas.
1
Severidade: -1 = não pulveriz.e; O= alerta; 1 = pulverize a cada 7 dias; • Septoriose do trigo (Septoria triticz) - nos países tempe-
2 = pulverize a cada 5 dias. rados, na cultura do trigo de inverno, Septoria trifiei é um sério
Fonte: Krause et ai. ( 1975). problema. Um sistema de previsão da doença desenvolvido na
Ing laterra (Shaw & Royle, 1986) baseia-se no nível inicial de inó-

....
,z culo na primavera e na favorabilidade do ambiente para poste-
rior disseminação do patógeno. O primeiro critério define urna
pulverização somente se um detenninado limiar for atingido,
j ,.
ºº enquanto que o segundo diz respeito à chuva, e considera não só
;
~
..
••
12
a ocorrência e a quantidade, mas também seu poder de respingo
("splashness "). Este é quantificado por meio de um ' respingôme-
! ••..
,8
00
tro', que determina o movimento ascendente das gotas de chuva,

-~ ..••
ü movimento este apenas indiretamente relacionado com a quanti-
dade de chuva. Pulverização com fungicida é recomendada caso
~
~
,. ♦O
o movimento ascendente de gotas ultrapasse detenninado limiar e a
:,
última pulverização tenha sido realizada há mais de duas semanas.
" ,. J2

ig .,,,•• • 'Halo blight' do feijoeiro (Pseudomonas phaseolicola) -


sementes de feijão contaminadas com a bactéria P phaseolicola
,.
li
podem gerar plântulas doentes que, além de não se desenvolve-
rem, funcionam como fonte de inóculo para as demais plantas. Em
e l2 1"5 20 M . 1 15 9 l:S 1l' 21 condições de ambiente favorável ao patógeno (alta pluviosidade),
2a 29 2
MAIO ......,
g 10 14 MI 22 H 30 ..
MOSTO
e, 29 Z • lO 14 l,81 H
SETE:111191'0
mesmo baixos níveis de infecção primária podem gerar severas
Tempo
epidemias, devido à rápida disseminação da bactéria, garantida
Figur!l 19.6 - Valores cumulativos diários ele severidade. fornecidos por respingos de chuva. Utilizando dados de progresso da doença
pelo sistema BLITECAST, no estado da Pensilvânia, disponíveis na literarura, Taylor et ai. ( I 979) desenvolveram um
E.U.A., em três estações de cultivo. modelo de previsão de severidade da doença em função do inóculo
Fonte: Mackenzie ( 1981 ). inicial e da taxa de progresso da doença no campo (taxa aparente de

294
Sistemas de Previsão e Avisos

infecção sensu Vanderplank, 1963). Um diagrama elaborado pelos ratura e umidade para a sobrevivência do patógeno, o que foi con-
autores (Figura 19.8) permite a detenninação da porcentagem de firmado após a detecção da doença no território nacional. A partir
plantas doentes no final da cultura (infecção secundária), conhe- do ano de 2004, foi criado no Brasil o Consórcio Antiferrugem
cendo-se a porcentagem de plâatulas infectadas no início (infec- (http://www.consorcioantiferrugem.net/), iuiciativa composta de
ção primária) e a taxa de infecção (taxa r). Para as condições da instituições representantes dos diversos segmentos da cadeia pro-
lnglaterra, onde o sistema foi testado, o valor adotado para a taxa dutiva da soja. Laboratórios credenciados no Consórcio relatam
de infecção é de 0.15/dia. Fixando-se a taxa de infecção, a seve- ocorrências de soja voluntária, de esporos de P. pachyrhizi e/ou de
ridade final da doença pode ser calculada considerando-se apenas plantas sintomáticas e o Consórcio elabora um mapa cumulativo
as variações de inóculo inicial. Na Figura 19.8 duas situações são com as informações fornecidas pelos especialistas (Figura 19.9).
cons ideradas. A primeira parte de um inóculo inicial de 0,01 % de Como a eliminação de soja voluntária e a pulverização de plan-
plântulas infectadas, atingindo como severidade final o nível de tas, a partir do aparecimento dos primeiros sintomas, são medi-
15% de plantas doentes. Este nível de doença poderia causar pro- das preconizadas para o controle da ferrugem da soja, o mapa
blemas na comercialização de uma cultura de feijão vagem, onde atualizado on-line auxilia na tomada de decisão para o coutrole
a qualidade do produto final é importante. A segunda situação da doença. Essas informações também estão disponíveis em apli-
ilustrada naquela figura parte de um inóculo inicial de 0,0025% cativos móveis.
de plântulas infectadas. O resultado final, considerando-se sem-
pre a taxa de O, 15/dia, é de 4% de plantas doentes, nível conside-
rado tolerável. Nas condições da Inglaterra, ponanto, a redução
do inóculo inicial, garantida por tratamento das sementes com
antibiótico, parece ser suficiente para o controle da doença. Em
Ptru
condições de clima mais favorável ao patógeno, maiores taxas de
infecção poderiam ocorrer e tratamentos voltados apenas à redu-
ção do inóculo inicial não seriam suficientes. Em tais condições, ■ohv1a

pulverizações foliares, que reduzem a taxar, seriam necessárias.


P.lr ~t "f: l_,...i,
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12.5
Chlle 4t 11 9l D!crrenc.ias

Figura 19.9 - Mapa com ocorrências cumulativas de ferrugem asiá-


tica da soja na safra 2016-2017 preparaJo e disponibi-
5
lizado pelo consórcio Antiferrugcm.
Fonte: Disponível em: <http://www.consorcioantíferrugem.net/#/main>.
0.05

19.S.4. Sistemas Integrados de Previsão de Doenças


100.0
inóculo º·ºº taxa severidade Os sistemas de previsão e avisos descritos anteriormente
têm proporcionado uma utilização mais eficaz de defensivos
figura 19.8 - Diagrama de previsão de epidemias de Pseudomonas agrícolas, reduzindo as despesas do agricultor e os riscos de con-
phaseolicola em feijão. Para o uso deste diagrama, taminação ambiental. A implementação prática daqueles sistemas
deve-se colocar uma régua entre os valol'(:S conheci- é, no entanto, limitada, pelo fato de os agricultores defrontarem-se,
dos de duas das três escalas apresentadas e estimar o frequentemente, com situações que exigem controle de mais de
valor desconhecido na terceira escala. Dois exemplos uma doença ou praga. Assim. para que um sistema de previsão
são apresentados com taxa de infecção fixa (0.15/dia) seja realmente útil, ele deveria levar em consideração múltiplas
e inóculo inicial variável de 0.0025 (linha azul) e O.O 1 doenças simultaneameute (Arauz et ai., 1990). Mais do que isso,
(linha vermelha). Ver texto para detalhes. estes sistemas deveriam sempre abordar os aspectos econômicos
Fonte: Taylor et ai. ( 1979). da cultura e procurar integrar diferentes métodos para o controle
de doenças. Sistemas deste tipo são denominados sistemas de
• Ferrugem da soja (Phakopsora pacl,yrlriv) - Por tratar-se manejo integrado de pragas e doenças ou ' IPDM ' (''Jntegrated
de doença de elevado potencial destrutivo, muito antes de ser cons- Pest and Disease Munagemem ").
iatada nas Américas. avaliações de risco usando modelos de simula-
19.5.4. I. Sistema de previsão de doenças do morangueiro
cio já haviam sido elaboradas nos E. U.A., permitindo a previsão dos
danos caso o patógeno fosse introduzido no País (Yang et ai.. 1991 ). Este sistema foi lançado pela Universidade da Flórida para
Posteriormente, modelos matemáticos foram usados para delimi- auxiliar o controle da antracnose (Colletotrichum acutatum) e
tar zonas de favorabilidade à sobrevivênciâ do inóculo ao longo do do mofo cinzento (Botrytis cenerea) na cultura do morangueiro,
Jno em todas as regiões de plantio de soja no mundo (Pivonia & na região sudeste dos E.U.A. (Pavan et ai., 2011). As equações
Yaug, 2004). As simulações mostravam o Brasil em uma zona de utilizadas para prever o risco daquelas doenças têm como input
alto risco, em função da ausência de condições restritivas de tempe- a temperatura e a duração de períodos de molhamento, forneci-

295
Manual de Fitopatol.ogia

dos por estações m,eteorológicas automáticas, distribuídas em Freq uên cia


campos de produção de morango. Resultados experimentais mos-
traram que as aplicações de fungicidas poderiam ser reduzidas
pela metade em alguns anos, seguindo as recomendações do sis-
tema, sem afetar o controle da doença e a qualidade do fruto.
Recentemente as mcomendações desse sistema foram expan-
didas para os estados da Oeorgia, Carolina do Sul, Carolina do
None, Pensilvânia e Califórnia. O sistema está disponível on-line
(hnp://agroclimate.01rg/tools/sas/), mas os avisos de risco podem
ser enviados diretamente ao telefone celular dos produtores de
morango cadastrados, dispensando a necessidade de consulta diá-
ria ao computador. Outra vantagem desse sistema é sua conexão não
aos serviços de previsão meteorológica, que permite antecipar a tratar Severid a de
tratar
estimariva de risco dle ocorrência das epidemias em 48 h. Dessa
maneira, os produtores têm tempo para tomar a decisão de apli-
car fungicidas de forma protetora, sem arriscar-se em tratamentos zona d e
curativos. dúvidas

19.5.4.2. O sistemà EPIPRE Figura 19.10- Relação entre a frequência de campos de trigo infecia-
O principal sistema de manejo integrado de doenças Je dos e o uível de severidade de doença. À esquerda fica
plantas, o EPIPRE ("EP/demiology for PREdiction and PRE- a grande maioria de campos onde há pouca doença.
vention "), foi desenvolvido na Holanda para a cultura do trigo nenhum tratamento sendo necessário. À direita estão
os casos de campos com severidade elevada e neces-
(Zadoks, 1989). Apesar de existirem outras tentativas de manejo
sidade óbvia de controle. Na parte intermediária fica
de doenças com sistemas integrados. o sistema EPIPRE é o mais
a chamada zona de dúvida, foco do sistema EPIPRE.
completo, integrand,o diferentes fonnas de controle (resistência
Fonte: Zadoks (1984).
varietal e controle químico) no combate a seis doenças (ferrugem
da folha, ferrugem amarela, mancha da glurna, mancha da folha,
mancha ocnlar e oídio) e três pragas (afideos) do trigo.
• A filosofia do EPIPRE - a filosofia do sistema EPIPRE é dados básicos
simples. Em princípio, para qualquer tipo de doença ou praga, é por campo
muito fácil identificar as situações em que uma cultura não neces- banco
sita ser pulverizada. Quando não há doença, ou quando ela ocorre
em baixíssimos nív,eis. não há necessidade de controle. Igual-
mente óbvias são as situações em que um tratamento é neces-
sário. Quando uma doença exibe severidade muito elevada, há
observações do
agricultor ..-.. de

dados
necessidade de controle. O sistema EPTPRE ignora estas duas modelos
situações e enfatiza apenas a terceira simação, que corresponde epidemiológicos
aos casos em que a doença está presente, mas em nível baixo
a médio ( Figura 19 .1 O). Neste caso, o agricultor deve decidir
quanto à necessidade do tratamento químico. E a mesma dúvida
sempre aparece nestas situações: seria o tratamento realmente recomendações ao agricult or
necessário, ou ainda, traria este tratamento lucro? O objetivo do
EPlPRE é reduzir ao máximo esta zona de dúvida, respondendo
ao agricultor quando tratar e quando não fazê-lo, ou melhor,
trate espere não trate
quando o tratamento trará lucro e quando trará prejuízo.
• A tecnologia1 do EPIPRE - a simplicidade da filosofia do Figura 19.11 - Fluxo de informações do sistema EPIPRE e interação
programa não é, todavia. compartilhada pela tecnologia nele uti-
com agricultores. Para detalhes, ver texto.
lizada. A redução da zona de dúvida exige um número enonne de Foote: Zadoks ( 1984).
infom1ações e muita tecnologia é necessária para decidir previa-
mente quando um tratamento é ou não necessário.
• Estrutura E: funcionamento do sistema - em linhas zadas, ou seja, referem-se a um campo específico. Para que este
gerais. o sistema funciona com a participação de agricultores, tratamento personalizado seja conseguido, o agricultor deve, no
que coletam informações em seus campos e as enviam à cen- início da cultura, preencher uma ficha com dados gerais de sua
tral de processamento. Ali as informações são estocadas em um área. Estes dados incluem a variedade de trigo plantada, o tipo
banco de dados que interage com programas, os quais produzem de solo, a expectativa de produção, o tipo de equipamento utili-
as recomendações de tratamento, que são enviadas aos agriculto- zado nas pulverizações, os custos de mão de obra com os trata-
res (Figura 19.1 1). Estes podem acatar o'u não as recomendações. mentos, os custos com pesticidas e os tratamentos já realizados,
devendo, no entanto, continuar a fornecer novas informações à inclusive adubações. Além desta ficha, outras infonnações devem
central, durante toda a estação de cultivo. Todas as informações ser fornecidas pelo agricultor, desta vez, regulannente, durante
recebidas e todas as recomendações produzidas são individuali- todo o ciclo da cultura, enfatizando a sanidade da lavoura. Estas

296
Sistemas de Previsão e Avisos

informações devem ser coletadas pelo próprio agricultor no seu ção de campo realizada pelo agricultor deve fornecer um número
-arnpo, seguindo um rígido protocolo (Boxe I 9 .1 ). A recomen- de O a 200, que é transformado em proporção, considerando-se
.:J.ação fornecida p,elo EPIPRE depende, na verdade, da precisão 200 o valor máximo igual a 1.
jestas infonnaçõe:s. O procedimento utilizado pelo programa até • estimativa da severidade atual - as relações entre doença
_ tomada de decisiío envolve seis passos básicos: avaliação da inci- e dano são geralmente expressas na forma de y = f(x) onde x =
Jência atual, estimativa da severidade atual, cálculo da severidade severidade da doença e y = produção. Como avaliações de seve-
futura, cálculo do dano futuro, cálculo das perdas futuras e cál- ridade são de modo geral subjetivas, exigindo grande acurácia
culo dos custos de tratamento. Todos estes cálculos dependem do e precisão do avaliador, o sistema EPIPRE optou por recomen-
estádio de desenvolvimento da cultura, sendo imprescindível est.a
dar aos agricultores a avaliação da incidência da doença (menos
mformação a cada avaliação. Cada doença ou praga segue seu pró-
sujeita à subjetividade) e proceder, posteriormente, à transfor-
prio módulo no sistema, todos eles com a mesma estrutura básica.
mação de incidência em severidade. Para a ferrugem amarela do
trigo, a severidade da doença, quando em baixos níveis de inci-
Boxe 19.1 C mo coletar os dados no campo para dência, é calculada pela fórmula
sistema EPIPRE
X0 = 0,05i (19.3)
O sistema EPIPRE recomenda aos agricultores onde x 0 = severidade atual expressa em proporção de tecido foliar
o seguinte proto~olo de coleta de dados no campo: com sintomas e i = proporção de folhas com sintomas.
caminhe em diagonal no seu campo; pare 20 vezes e • avaliação da severidade futura - a severidade futura
observe cincet perfilhos para verificar a presença de corresponde ao nível de doença esperado num tempo futuro. Par-
pulgões; colete dois perfilhos para posterior avaliação tíndo-se do nível x 0 , a severidade futura x só pode ser calculada
de doenças; na avalia.ç ão de pulgões, a ser iniciada no 1
para um curto intervalo de tempo (IP = tempo de prognóstico),
estádio DC49 (primeiras aristas visíveis, Zadoks et al., o qual é função do estádio de desenvolvimento da cultura. Para
1974), conte 10 número de perfilhos com pelo menos os estádios 37, 39, 45, 59 e 69 da cultura do trigo (Zadoks et ai.,
um pulgão. 1974), tp deve ser 28, 28, 26, 16 e 6 dias, respectivamente. A
Quando seu caminhamento pelo campo a.c abar, equação utilizada no cálculo da severidade futura é
você terá avaJiado 100 perfilhos, quanto a pulgões,
e trará consi,go 40 perfilhos; estes 40 perfilhos são (19.4)
utilizados na, avaliação das doenças, seguindo os
seguintes pas1ms; onde x = severidade futura, x0 = severidade atual, IP= tempo de
• Determime o estádio de desenvolvimento da cul- 1
prognostico e r = taxa de progresso da doença. A taxa r, em varie,-
tura pelo código decimal (Zadoks et at, 1974), dades suscetíveis, é também variáve.J com o estádio da cultura e
• Mancha ocular - até o estádio DC32 (segundo nó com práticas de manejo.
visível) conte o número de perfilbos com sintomas; • cálculo do dano futuro - o dano esperado, de, é função
o númer,o obtido deverá estar compreendido no da severidade final, Xp e de um fator de proporcionalidade, desig-
intervalo 0-40. nado m. Como nenhum dano é esperado com valores muito bai-
• Ferruge110 amarela - inspecione as 5 folhas superio- xos de severidade, um desconto, xn, é aplicado à severidade -y,
res dos p,erfilhos coletados e conte aquelas que têm de modo que:
pelo menos uma lesão; se o perfilho possuir menos
(19.5)
de 5 folhas, inspecione todas as folhas verdes; os
valores deverão estar entre O e 200. Tanto o fator de proporcionalidade (m) quanto o desconto
• Ferrugellll da folha - mesmo procedimento da fer- de severidade (xn) são dependentes do estádio de desenvolvi-
rugem amarela. mento da cultura. O dano esperado, De, em kg/ha, é igual a de
• Oídio - i:nspecione as três folhas superiores com- multiplicado pela produção esperada, Ye,
pletamente expandidas e conte aquelas que apre-
sentam siintomas; o número obtido deve variar de D =dY (19.6)
' - <
O a 120.
• cálculo das perdas futuras - as perdas futuras represen-
• Manchas marrons (Septorioses) - após o estádio
DC39 (aparecimento da ligula da folha bandeira), tam a redução de receita decorrente do dano. Elas expressam o
.inspecio111e as três folhas superiores completamente valor De em termos monetários.
expand.idlas e conte aquelas que apresentam sinto- • cálcnlo dos custos de tratamento - dentro desta categoria
mas. O número obtido deve variar de O a 120. estão incluídos os custos médios dos produtos químicos a serem
utilizados no tratamento, os custos de aplicação, diferenciando-se
os casos em que o agricultor contrata um serviço externo ou o
Tomando-se como exemplo a avaliação da ferrugem ama- executa por si só, e ainda os danos causados pelas rodas do trator
rela do trigo, o pr,ograma segue a segitinte metodologia (Zadoks, sobre o campo de trigo durante a aplicação.
l 989): A recomendação gerada pelo programa é fruto da com-
• avaliação da incidência atual - incidência nada mais é paração dos valores de perdas e de custos de tratamento. Três
do que a proporção de folhas com sintomas da doença. A observa- alternativas são possíveis (Figura 19.12):

297
Manual de Fitopatologia

8
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Recomendação
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não espere sim
Figura 19.13 Output do sistema Agroconnect visualizado no dia
24/09/2017, com informações de risco de ocorrência
Figura 19.12 - O processo de tomada de decisão do sistema EPIPRE de mancha de folhas (Colletotrichum spp., A), po-
e suas recomendações. Para detalhes, ver texto. dridão branca (Botryosphaeria dothidea, B), cancro
Fonte: Zadoks ( 1984). europeu (Neonectria ditissima, C) e sama ( Venturia
inaequalis, D) da macieira.
Fonte: Disponível em: http://www.ciram.sc.gov.br/agroconnect/.
• Trate: quando a perda financeira final exceder os custos
de tratamento;
• Não trate: quando a perda financeira não compensar os climáticas registradas pelas estações meteorológicas (temperatura,
custos de tratamento; precipitação, umidade relativa, entre outras) e fornece alertas horá-
• Espere e veja: esta recomendação estreita ainda mais a rios sobre o índice de incêndio e o risco de deslizamentos de terra. É
zona de dúvida. Ela é dada quando a perda esperada ex.ceder o sem dúvida uma excelente ferramenta de consulta para produtores e
custo dos agrotóxicos mas permanecer aquém do custo total dos técnicos, que aiuxilia na tomada de decisão no controle de doenças.
tratamentos. O agricultor é aconselhado a realizar nova amostra- • Smart,citrus - O controle da podridão Hora! dos citros
gem a curto prazo e voltar a informar o sistema para que nova (PFC) é realizado de forma preventiva, com aplicações de fungici-
análise seja feita. das baseadas em calendário fixo na região sudoeste paulista, onde
19.6. EXEMPLOS DE SISTEMAS DE PREVISÃO EM a doença ocon-e com frequência. Embora frequente, a intensidade
das epidemias é muito variável, atingindo proporções alarmantes
USO NO BRASIL
em anos de invernos chuvosos, corno em 2009 (Silva-Junior et
Diversos são os sistemas de previsão de doenças de plantas ai.. 2014), e níveis que não causam prejuízos à produção quando
em uso no Brasil atualmente. Neste tópico serão abordados ape- ocorrem chuvas esparsas e de baixa intensidade. A ocorrência de
nas dois, a título de exemplo, um desenvolvido por órgão público epidemias explosivas não é regra e o controle intens ivo da doença
[Centro de informações de Recursos Ambientais e de Hídrome- é desnecessário em anos de baixa favorabilidade climática. Esse
teorologia de Santa Catarina (CIRAM), subordinado à Empresa s istema foi de·senvolvido para auxiliar a tomada de decisão do
de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina citricultor paullista, principalmente em anos em que as chuvas não
(Epagri)], e outro por parceria público-privada [entre o Fundo são tão frequentes no inverno. Smartcitrus foi desenvolvido em
de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), a Universidade de São uma platafomia aberta para o gerencíamento de sistemas online
Paulo (USP), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) (WordPress), de forma similar ao sistema de previsão de doenças
e a Universidade da Flórida (UFL)]. do morangueiro ( item 19.5.4) e com a colaboração de corpo téc-
• Agroconnect - O CIRAM é o órgão responsável pelo sis- nico da Universídade da Flórida, E.U.A., que desenvolveu aquele
tema Agroconnect, disponível on-line (http://wwvwiram.sc.gov. sistema. Atualmente, há 14 estações meteorológicas conectadas
br/agroconnect/), que monitora o risco de ocorrência de doen- ao sistema, as quais fornecem dados de temperatura e períodos de
ças em 41 culLUras diferentes. Graças a uma rede de estações molhamento, variáveis preditivas da PFC. Além das variáveis for-
meteorológicas distribuídas nos estados da Região Sul, a maio- necidas pelas ,estações meteorológicas. o sistema também recebe
ria em Santa Catarina, o sistema info1ma diariamente a situa- dados meteorológicos de prognóstico, calculados pelo INPE, e
ção de risco para as principais doença~ das culturas monitoradas prevê. com base nesses dados, o risco futuro de ocorrência da
(Figura 19. 13). Além da previsão de risco de ocorrência de epi- doença (até 48 h). Todo o processamento é feito com o software
demias, classificado em 4 categorias (sem risco, risco leve, risco R (http://www.r-project.org). A plataforma apresenta dados mete-
moderado e risco severo), o sistema ainda informa as variáveis orológicos e o risco de ocorrência da doença, na forma de tabe-

298
Sistemas de Previsão e Avisos

las e de gráficos (Figura 19.14). Adicionalmente, o nível de risco (espécies dos complexos Co/letotrichum acutatum e C. gloeos-
em cada localidade é indicado por cores representativas (verde porioides), no estádio da floração e no histórico de pulverizações
- sem risco, amarelo - risco moderado, vermelho - alto risco, da área. Todas essas informações estão disponíveis aos citriculto-
vinho - risco extremo) nas coordenadas geográficas onde estão res cadastrados no s istema. A exemplo do sistema de previsão de
localizadas as estações meteorológicas (Figura 19.15). A reco- doenças do morangueiro, descrito em 19.5.4.1, aqui também os
mendação para pulverização com fungicidas é feita, no sistema, alertas de risco são enviados por mensagens ao telefone celular
baseada no limiar de genninação de conídios do agente causal dos cadastrados.

FUNDECITRUS
[!] lJFFioRíoÁ

Pl>dndão Flor.li dos c,tros

Stmulação- Capão Bonito

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a ..

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A ..

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Figura 19.14 - Reprodução da página do sistema Smartcitrus mostrando o gráfico de risco de ocorrência de epidemias de podridão floral dos ci1ros
em função da estimativa da porcentagem de genninação de esporos de Colletotrichum spp., no período de 26/07 a 24/09 de 2017.

Recomendações S1m1MÇões ind1ce de doença Oado5 meteorológ,cos Prev,~o Cadastre-se


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Figura 19.15-Interface do sistema Smartcitrus, de previsão de epidemias de podridão floral dos citros. Cada círculo corresponde à previsão
de risco fornecida por uma estação meteorológica cadastrada, instalada em área citrícola.

299
CAPÍTULO

20
MANEJO INTEGRADO DE DOENÇAS
Armando Bergamin Filho e Lilian Amorim

ÍNDICE

20.1. Int rodução............................................................ 303 20.5. As duas faces do MIP ........................................... 306
20.2. Conceitos básicos.................................................. 304 20.6. MIP e doenças: problemas conceituais ............... 307
20.3. Controle ou manejo? ........................................... 304 20.7. MIP e Fitopatologia: o futuro.............................. 308
20.4. Liminar de dano econômico ............................... 305 20.8. Bibliografia consultada ........................................ 309

.!O.t. U'ITRODUÇÃO ecologia aplicada e de dinâmica populacional. Esses dois enfo•


ques. aparentemente distantes um do outro, têm ponto comum

E
xtenninar totalmente os insetos nocivos! Esse foi o
objetivo da entomologia aplicada por mais de três na percepção de que predadores e parasitas só podem sobreviver
décadas, a panir dos anos 40. Apesar de radical, a caso a presa também sobreviva (Zadoks & Schein, 1979).
,omunidade científica da época acreditava na sua exequibilidade Forjou-se. assim, principalmente na área entomológica,
cm virtude do desenvolvimento de novos inseticidas. como o DDT durante as décadas de 50 e 60, um conceito mais amplo de controle
e o BHC, produtos tão baratos e de tão largo espectro que qual- de agentes nocivos. Deu•se a esse conceito o nome de controle
quer consideração de ordem econômica era irrelevante. Com o pas- integrado. definido originalmente como "o controle aplicado de
sar do tempo, porém, o uso indiscriminado de pesticidas provocou pragas que combina e integra os controles químico e biológico "
!ierias perturbações no ecossistema e no agroecossistema: neste. (Stern et ai.. 1959) e tomado mais abrangente com o passar do
a seleção de indivíduos resistentes. com o consequente ressur• tempo. até chegar à definição adotada pela FAO: "Controle inte-
;tmento de espécies previamente controladas, surtos epidêmicos grado (. ..) é definido como 11111 sistema de manejo de organismos
.:ie pragas historicamente de importância secundária e diminuição nocivos que ( ..) utiliza todas as técnicas e métodos apropriados
da população de insetos benéficos; naquele, sérios efeitos deleté- da maneim mais compatível possível para ma111er as populações
nos em animais selvagens e domesticados. o homem inclusive. de organismos nocivos em níveis abaixo daqueles que causam
e acúmulo de resíduos tóxicos no solo, na água e nos alimentos. injúria econômica" (FAO, 1968). No mesmo documento, está
Com essa evolução dos acontecimentos, o controle adequado de explícito que controle integrado não deve ser visto como a sím•
pragas, mesmo com produtos como o DDT, teve seu custo paula• pies justaposição ou sobreposição de duas técnicas de controle
bnamente aumentado. até ex.ceder níveis aceitáveis. (como os controles químico e biológico) e, sim. como a integra•
Paralelamente. durante esse período, grande progresso foi çào de todas as técnicas apropriadas de manejo com os elementos
-~1nseguido cm diversas especialidades da entomologia aplicada, naturais limitantes e reguladores do ambiente.
especialmente na área florestal onde, pela própria característica do Falhas espetaculares em alguns programas tradicionais de
, stema. o controle químico não era econômico. Dois desenvolvi• erradicação química. considerações de ordem econômica e uma
mentos maiores ilustram esse progresso: de um lado, a formulação maior consciência ecológico•social fizeram com que. rapidamente,
da teoria do controle biológico. com 9eus predadores, parasitas e a abordagem do controle integrado fosse aceita pela maioria. Com
métodos de controle populacional: de outro, o conceito da manu- isso, uma filosofia ainda mais abrangente, chamada de manejo
·enção dos insetos em níveis economicamente toleráveis. por meio integrado de pragas - MIP (Geier, 1966), começou a ser desen•
do manejo do ecossistema, baseado num maior conhecimento de volvida e a ganhar adeptos.

303
Manual de Fitopatologia

20.2. CONCEITOS BÁSICOS gurar uma agricultura forte e um ambiente viável. Na saúde
O termo manejo integrado de doenças - MJD, análogo pública, deve assegurar a proteção do homem e de seus animais
a MlP, mas específico para a área fitopatológica, foi proposto domésticos, além de manter adequado o ambiente onde vivem ".
alguns anos depois (Cbiarappa, 1974). Manejo implica na "uti- Procura-se, com o manejo integrado, evitar a chamada síndrome
lização de todas as técnicas disponíveis dentro de um programa do pesticida, descrita por Doutt & Smith ( 1971) como um sis-
unificado, de tal modo a manter a população de organismos noci- tema fechado, circular, autossuficiente, baseado num método uni-
vos abaixo do limiar de dano económico e a minimizar os efeitos lateral de controle: a falha do controle químico é remediada pela
colaterais deletérios ao meio ambiente" (NAS, 1969). O con- intensificação do controle químico. No mesmo contexto, Zadoks
ceito de limiar de dano econômico (LDE) é a pedra fundamental & Scbein (1979) alertam para síndrome semelhante, a síndrome
tanto do controle quanto do manejo integrado (Zadoks, 1985). da resistência: vulnerabilidade genética às doenças é combatida
Foi inicialmente definido por Stern et al. (1959) como "a menor com genes de resistência que aumentam a vulnerabilidade gené-
densidade populacional que causa dano econômico" e refinado tica às doenças.
por vários autores nas últimas décadas, inclusive por Mumford & Um lembrete parece oportuno neste instante: o uso de
Norton ( 1984), que o definem como ''o nível de ataque do orga- defensivos químicos, ao contrário do que pensam muitos, não
nismo nocivo no qual o beneficio do controle iguala seu custo ". é uma heresia ecológica. Quando usados dentro da abordagem
Apesar de ser pedra fundamental do controle e do manejo integra- do manejo integrado de pragas e doenças, esses produtos são
dos, o limiar de dano econômico, pelo menos na área füopatoló- ferramentas confiáveis e valiosas, indispensáveis para aqueles
gica, raramente tem sido cientificamente estimado (Figura 20.1). países que almejam chegar a uma sociedade moderna, com abun-
dância de alimentos, ou para os que desejam manter-se como tal.
Três outros limiares, pertinentes à filosofia do manejo
1 CONTROLE INTEGRADO I j MANEJO INTEGRADO 1 integrado, são citados na literatura (Zadoks & Schein, 1979).
Limiar de ação é definido como "a severidade de doença na
qual medidas de controle necessitam ser tomadas para impedir
que o limiar de dano econômico seja excedido", Obviamente,
o limiar de ação é mais baixo que o limiar de dano, em virtude,
principalmente, das lesões latentes e do tempo necessário para
que a medida de controle recomendada seja executada. Limiar
economia LOE de aviso relaciona-se especificamente com este último aspecto, e
tem por objetivo dar tempo ao agricultor para que o produto a ser
aplicado seja comprado e as máquinas preparadas, no caso espe-
Figura 20.1 - ConLrole integrado e manejo integrado de pragas e cífico de uma ação de controle químico. Nesse aspecto, o tipo de
doenças: o limiar de dano econômico (LDE cém- fungicida eventualmente empregado influi no limiar de ação: para
trole) do primeiro leva em conta considerãções de sistêmicos ele é mais alto que para protetores. Limiar biológico
ordem econômica, enquanto o LDE do segundo (LDE de dano (LBD) refere-se à severidade mínima que causa dimi-
manejo), adicionalmente, leva em conta considera- nuição na produção.
ções de ordem ecológica, estas de mais dificil quan- Outro tenno de ocorrência frequente na literatura é controle
tificação. supervisionado. Essa abordagem, conduzida sob a orientação de
um especialista, tem por objetivo principal a racionalização do uso
Na prática, o manejo integrado envolve três ações princi- de fungicidas, de acordo com sistemas baseados na monitoração da
pais: (i) determinar como o ciclo vital de um patógeno precisa doença e no limiar de dano econômico. O controle supervisionado,
ser modificado, de modo a mantê-lo em níveis toleráveis ou seja por envolver, na maioria das vezes, somente o controle químico,
abaixo do Jjmiar de dano econômico; (ii) combinar o ~onbeci~ tem escopo mais estreito que o manejo integrado. Este, porém, não
mento biológico com a tecnologia disponível para alcançar a prescinde daquele. O oposto de controle supervisionado é o con-
modificação necessária, ou seja, exercer a ecologia aplicada; trole químico baseado num cal.endário fixo de pulverizações.
(iii) desenvolver métodos de controle adaptados às tecnologias O desenvolvimento e a implementação em larga escala do
disponíveis e compatíveis com aspectos econômicos e ecoló- manejo integrado de pragas e doenças, isoladamente ou dentro
gico-sociais, ou seja, conseguir aceitação econômica e social. de um sistema mais abrangente de manejo integrado da cultura,
Atualmente, portanto, o manejo integrado de pragas e doenças deverá permitir: (i) maior estabilidade da produção; (ii) padroni-
leva em conta, igualmente, as preocupações econômica. dos pro- zação de procedimentos de controle integrado; (iii) exploração
dutores, e ecológica, da sociedade. Luckmann & Metcalf (1994) de novas áreas agricultáveis ou exploração de áreas velhas com
sintetizam com precisão esses aspectos: "Manejo integrado é a novas culturas; (iv) maiores rapidez e flexibilidade. na resposta
escolha e o uso inteligente de medidas (táticas) de controle que a sunos epidêmicos de pragas e patógenos; (v) menor agressão
produzirão consequências favoráveis dos pontos de vista econô- ao meio ambiente. No entanto, como lembram Zadoks & Schein
mico, ecológico e sociológico ". Ou, "(. ..) manejo integrada é a ( 1979), grande volume de trabalho difícil e tedioso ainda está por
otimização do controle de pragas de maneira lógica, tanto econô- fazer para que as promessas tomem-se realidade.
mica quanto ecologicamente. Isso é conseguido por meio do uso
compatível de diversas táticas, de modrJ a manter a redução da 20.3. CONTROLE OU MANEJO?
produção abaixo do limiar de dano econômico, sem, ao mesmo Controlar pragas, ua década de 50, como já discutido, sig-
tempo, prejudicar o homem, os animais, as plantas e o ambiente. nificava erradicá-las totalmente da área considerada. Inseticidas
Ou, ainda, "Na produção vegetal, o manejo integrado deve asse- recém-descobertos - baratos, inespecíficos e de alta eficiência -

304
Manejo Integrado de Doenças

encarregavam-se da tarefa e os cientistas, eufóricos, tiveram a ilu- seus ovos por grama de solo (Nonon, 1976). Assim, o agricultor
são de controlar absolutamente o agroecossisterna. llusão fugaz. poderá decidir se a aplicação do nematicida. trará ou não lucro.
Com o passar do tempo, viu-se que as coisas não funcionavam Para isso, algumas informações são necessárias:
desse modo e uma nova filosofia precisou ser desenvolvida. Esta • a função de dano, que relaciona dano com injúria. Para
mudança. para tomar-se explícita, requereu o abandono do tenno este patossistema, Brown ( 1969) demonstrou que cada ovo ue
controle, ao qual ficaram ligadas, na área entomológica, as ideias G. rostochiensis por grama de solo reduz a produção de tubércu-
de absoluto, de radical e de ausência de considerações econômi- los em O, 1 tonelada por hectare;
cas. O abandono começou com a adição, ao controle, do adje-
tivo integrado, e completou-se com a proposta do tenno manejo, • o preço do produto. Nonon (1976) menciona, para a
hoje aceito por quase todos os envolvidos com a entomologia época, 40 libras esterlinas por tonelada de batata;
aplicada. Ambos, controle integrado e manejo, envolvem, além • a função de controle, que relaciona a diminuição do pató-
de outros, o aspecto econômico, preocupação desnecessária aos geno associada à medida de controle. Jones ( 1973) estimou que a
entomologistas daquele tempo. aplicação de D-D provoca wna redução na população de G. rosto-
Na área fitopatológica, porém, a evolução dos fatos foi dife- chiensis da ordem de 80%;
rente. Os fitopatologístas nunca dispuseram de produtos quími- • o custo do produto químico, inclusive sua aplicação. A
cos tão poderosos e baratos como o DDT. Com raras exceções fumigação do solo com D-D tem custo estimado de 100 libras
lo advento dos fungicidas metálicos ou o plantio das primeiras esterlinas por hectare (Norton, 1976).
variedades com resistência vertical, quando também se pensou
que o controle absoluto do agroecossistema estava à mão), a fito- As seguintes variáveis podem ser definidas: (} = nível de
patologia sempre esteve mais próxima da filosofia do controle ataque do patógeno ( ovos por grama de solo); d= coeficiente de
integrado que da erradicação. Prova disso é a frase de Fawcett & dano (toneladas perdidas por hectare em fun1;ão de cada ovo por
Lee ( 1926) - "Na prevenção e no tratamento de doenças, dois grama de solo);p = preço da batata por tonelada; k = redução pro-
wSpectos devem sempre ser considerados: a eficiência dos méto- porcional do ataque do patógeno associada à aplicação do nema-
dos e seus custos. É óbvio que o custo do método empregado deve ticida; c = custo do nematicida e de sua aplicação por hectare. A
ser menor que o prejuízo causado pela doença" - que antecipa perda associada ao ataque do nematoide é expressa pelo produto
~m várias décadas uma das ideias básicas do controle integrado, pd8
ou seja, o aspecto econômico. Whetzel (1929), nesta mesma
linha, admite vários tipos de controle (parcial, completo, abso- e a redução da perda em virtude da aplicação do nematicida por
luto. etc.), mas aceita como válido, para fins práticos, somente pdBk
aquele que dá lucro. Para os fitopatologistas, portanto, as noções
de controle e manejo não são opostas e muitos deles, inclusive, Consequentemente. a aplicação de D-.D sé> será lucrativa
usam os termos indistintamente. quando
Mesmo assim, há suficiente base lógica para preferir pd()k>c
manejo a controle, mesmo na área fitopatológica: (i) controle
transmite a ideia de um grau de dominância sobre o agroecossis- isto é, quando a redução da perda for maior que o custo da apli-
tema que é inatingível pelo homem; (ii) controle dá ao agricultor cação da medida de controle. Assim, o nível de ataque a partir
uma impressão de falha do sistema quando a doença, previamente do qual torna-se econômica a aplicação do defensivo é determi-
.-:ontrolada, volta ao nível de dano; (iii) o agricultor nem sempre nado por
tem em mente que medidas de wntrole são aplicadas para reduzir o•=c/(pdk) (20.1)
o dano e não para uestruir os organismos causais; (iv) manejo, ao
contrário de controle, implica que os patógenos são componen- onde B• é o limiar de dano econômico (LDE) (Norton, 1976).
.es inerentes do agroecossistema e que devem ser tratados numa É oportuno lembrar que o LDE assim definido envolve apenas
base racional e contínua; (v) manejo, ao contrário de eontrole, considerações de o rdem econômica e desconsidera um eventual
baseia-se no princípio de manter a doença abaixo do limiar de impacto ambiental e/ou social da medida.
,fano econômico ou de, pelo menos, minimizar ocorrências acima
Com as informações fornecidas para o patossistema batata-
daquele limiar; sugere, portanto, a necessidade de contínuo ajuste
G. rostochiensis, o limiar de dano econômico, c;alculado pela equa-
do sistema; (vi) manejo, por se basear no conceito de limiar de
ção 20.1, é igual a 31 ovos por grama de solo (! 00/(40•0,1 *0,8)),
dano econômico, enfatiza a minimização do dano em detrimento
conforme também mostra a Figura 20.2a. ond,e o LDE é detenni-
da erradicação total e está, assim, menos sujeito a mal-entendidos.
nado pela interseção das retas obtidas com e sem aplicação de D-D
20.4. LIMIAR DE DANO ECONÔMICO (considerando uma produção esperada de 30 toneladas por hec-
tare), ao se plotar o rendimento (libras por hectare) em função do
Limiar de dano econômico (LDE) é definido· (item 20.2) nível de injúria (ovos por grama de solo).
como "o nivel de ataque do organismo nocivo no qual o bene-
_ficio do controle iguala seu custo" (Mumford & Nonon, 1984). O limiar de dano econômico, assim conceituado, não é está-
t.:m exemplo é apropriado para evidenciar os pontos positivos tico e imutável. Neste exemplo, caso sejam a.Iterados o preço da
e negativos do conceito. O sistema escolhido envolve o nema- batata ou o custo do controle, alterações também ocorrerão no
toide Globodera rostochiensis, a cultura da batata e o nematicida LDE, conforme mostram as Figuras 20.2b e 20.2c, respectiva-
de pré-plantio D-D ( 1,3-dicloropropeuo). Amostrando-se o solo mente. Esse fato está claramente representado na Figura 20.2d,
onde a cultura de batata sera estabelecida, o nível futuro de ata- por meio da relação entre o quociente 'preço d!o produto/custo do
que de G. rostochiensis pode ser estimado a partir do número de controle' e o LDE.

305
Manual de Fitopatologia

1200 100 A incerteza (Waggoner & Berger, 1987) envolvida na relação


1000 injúria-dano para muitas doenças foliares foi revisada por Lopes
80
o o et ai. ( 1994) e Bergamin Filho et ai. (1995). Dificuldades seme-
.....
800
:!!
:,
ã 60 lhantes têm sido identificadas para pragas (Ruesink & Kogan,
,g 600
..., 1994). Além disso, o LDE, ao contrário do exemplo simples e
g
.!1 400 e•- CCffl COfflrOIO 'ig 40
didático discutido neste item, é dependente do estádio de desen-
200 20 volvimento do hospedeiro. Assim, de modo geral, para cada
doença e situação de cultivo, existem tantos LDE quantos está-
o o dios de desenvolvimento da planta, fato que dificulta o desenvol-
o 20 40 60 80 100 o 20 40 60 eo 100
vimento de ambas, a pesquisa para sua determinação e as regras
OYO$/I de solo preço do produto
para sua implementação.
100 20 Por fim, é conveniente lembrar que o conceito de LDE foi
e D
desenvolvido tendo em mente o patossistema único (uma doença
eo li
1.5 ou uma praga de cada vez), situação que raramente o·corre no
ã
o

..," 60
c.om controle
18 campo, especialmente nos trópicos, onde a regra é a ocorrência
....

--
10 simultânea, numa mesma planta, de diversos patógenos e pragas.
..,s
~
:; 40 :, A aplicação do conceito de LDE no patossistema múltiplo apre-
g
20 ..e 05 senta inúmeros problemas de difícil solução (Zadoks, 1985), a
começar pela quantificação das várias doenças que ocorrem ao
0 o.o mesmo tempo numa mesma folha. As escalas diagramáticas, de
o 100 200 300 20 40 60 60 100
tão fácil aplicação no patossistema único, praticamente perdem
custo do controle LDE sua viabilidade no novo contexto. Outro problema característico
do patossistema múltiplo é a provável ocorrência de interações
Figura 20.2 - Limiar de dano econômico (LDE) para o sistema G/o-
entre patógenos com relação à produção (Lopes & Berger, 200 1).
bodera rostochiensis-batata. (a) Representação gráfica
Johnson ( 1990) discute as três hipóteses possíveis (sem intera-
do LDE, assumindo produtividade de 30 toneladas por
ção, interação mais-que-aditiva e interação menos-que-aditiva) e
hectare; (b) Efeito de diferentes preços da batata no
menciona que as duas últimas modificam o valor do LDE, dimi-
LDE; (e) Efeito de diferentes custos de controle no
nuindo-o e aumentando-o, respectivamente.
LDE; (d) Relação entre diferentes quocientes ·preço
do produto/custo do controle' e LDE. Para detalhes, 20.5. AS DUAS FACES DO MIP
ver texto.
Fonte: Baseada em Norton ( 1976). Dezenas de diferentes definições de MIP existem na lite-
ratura. Implícita na maioria delas está a noção de que a filosofia
do MIP abrange duas faces distintas: a integração e o manejo. A
Outra abordagem para o mesmo problema é o conceito de integração é entendida como o uso harmônico de múltiplas táti-
limiar de ganho, definido por Kranz & Theunissen (1994) como cas de proteção de plantas e o manejo refere-se a um conjunto
de regras (idealmente baseadas em considerações econômicas,
%LG=c/Pp (20.2)
sociais e ambientais) que orientam a tomada de decisão (geral-
onde %LG é o limiar de ganho, Pé a produção estimada (tonela- mente pulverizar ou não pulverizar um defensivo químico), com
das por hectare) e e e p têm o mesmo significado anterior. O valor o objetivo de manter a população do organismo nocivo abaixo
de %LG para o sistema G. rostochiensis-batata, com os dados de um limiar predeterminado. O contínuo processo de tomada de
já fornecidos, é de 0,083% (] 00/(30*40)), ou seja, urna medida decisão, inerente ao conceito de manejo, implica no uso de uma
de controle só será econômica nesse patossistema se tiver como tecnologia de intervenção capaz de reduzir instantaneamente a
consequência um aumento de 2,5 toneladas de batata por hectare população do organismo nocivo. Atualmente, isso é conseguido
(0,083*30), o que está de acordo com os cálculos efetuados para quase que exclusivamente por meio da aplicação de defensivos
o LDE. Assim, um LDE de 31 ovos por grama de solo acarreta químicos.
um dano de 3, 1 toneladas por hectare (31 *O, 1). dano este redu- A integração depende da disponibilidade de tecnologias
zido em 2,5 toneladas por hectare quando se considera a fumiga- adequadas e sua implementação, nesse caso, resume-se a ques-
ção química (D-D) com 80% de eficiência (3,1 *0,8). tões práticas e econômicas, geralmente dentro do alcance e do
Pedigo ( 1989) propôs outra fónnula para o limiar de ganho, conhecimento do produtor. A implementação do manejo, ao con-
fónnula que fornece diretamente o aumento de prodotividade trário, é mais exigente em conhecimento, principa lmente em
necessário para cobrir o custo do controle: relação ao agroecossistema, seus componentes e suas interações.
LG = c/p (20.3) Esse conhecimento nem sempre está disponível e muitas vezes,
quando está, tem um nível de complexidade elevado demais para
onde LG é o limiar de ganho e e e p têm o mesmo significado ser assimilado pelo produto r. Adicionalmente, o manejo requer
anterior. Com os dados do exemplo. LG é igual a 2,5 toneladas uma monitoração constante da população de organismos nocivos
por hectare ( 100/40). e de seus inimigos naturais, combinada com inúmeras tomadas
Apesar de ser a pedra fundamentat do manejo integrado de de decisão por pane do produtor durante o ciclo da cultura. A
pragas e doenças, o LDE raramente tem sido estimado na prática, integração, ao contrário, é mais simples e requer ações concentra-
quer na área fitopatológica, quer na área entomológica. Razões das num curto espaço de tempo; pouco se sabe, no entanto, sobre
não faltam para que isso tenha ocorrido e continue a ocorrer. a combinação ham1ônica das diferentes táticas de manejo para

306
Manejo Integrado de Doenças

diferentes pragas e situações de produção; modelos de simulação, em cafeeiro, por exemplo) que 10% de doença visível hoje - caso
nesse contexto, seriam de grande utilidade. as condições tenham sido ideais para a doença nas semanas pre-
A despeito da filosofia do MJP ter sido adotada por vir- cedentes - pode significar duas ou três vezes mais alguns dias
tualmente todos os centros internacionais de agricultura, pela depois, mesmo na ausência de novas infecções.
FAO, por muitos governos (tanto de países desenvolvidos Para contornar essas limitações e poder aplicar os mes-
:orno em desenvolvimento), além de ter sido rec:omendada pela mos princípios de MIP desenvolvidos na área entomológica, os
Conferência sobre o Ambiente e Desenvolvime1nto das Nações fitopatologistas têm incorporado mndelos de previsão em pro-
Lnidas (Agenda 21, Rio de Janeiro, 1992), sua adoção pelos pro- gramas de MJP para doenças, corno exemplificado pelo sistema
dutores tem sido lenta. holandês EPIPRE, desenvolvido para o manejo de diversas doen-
ças (e algumas pragas) da cultura do trigo (Zadoks et ai., 1984).
20.6. MIP E DOENÇAS: PROBLEMAS CONCEITUAIS Nesse caso, o LDE (e o limiar de ação), por falta de opção, con-
O MlP foi idealiz.ado e desenvolvido por 1!ntomologistas. tinua sendo expresso em severidade de doença(= injúria), mas a
-\s dificuldades encontradas para sua implementação na área de decisão de aplicar ou não determinado fungicida é tomada ainda
JlSetos são consequência, dentre outras razões, da pouca aten- dentro de valores de injúria abaixo do limiar biológico de dano
cào dada aos problemas e aos anseios do produtor (Morse & (LBD), com base em modelos de previsão.
Buhler, 1997a; 1997b). Essas razões, de modo geral, são mais Modelos de previsão também são usados na abordagem do
de: forma que de fundo, uma vez que a filosofia do MLP tem ade- período crítico, como exemplificado pelo programa BLITECAST,
..iuado fundamento teórico quando aplicada ao manejo de insetos. desenvolvido para o patossistema batata-Phytophthora infestans
u mesmo, infelizmente, não acontece quando a fi1losofia do MJP (MacKenzie, 1981 ). O programa acumula pontos com base na
é transportada sem maiores adaptações para a área de doenças, temperatura e no período de rnolhamento e recomenda tratamento
como fizeram , no passado, Zadoks & Schein (1979), e, no pre- químico sempre que determinado número de pontos for excedido.
Sçnte, Jacobsen (I 997). No contexto das doenças de plantas, em Considerações explicitas de ordem econômica não estão incluídas
adição às limitações anteriormente enumeradas, e que continuam no programa, mas isso não impede que sua adoção proporcione
t.io válidas quanto antes, há sérios problemas conceituais a con- significativa diminuição no número de pulverizações.
~1derar. A necessidade de usar modelos de previsão para que os
Todos os problemas conceituais que comprometem a apli- princípios de MIP, como desenvolvidos pelos entomologistas,
_-abilidade do MIP na área fitopatológica advêm de seu com- possam ser aplicados às doenças aumenta a incerteza e o risco
ponente ' manejo' (em oposição ao componente 'integração') inerentes ao MI P e contribui para o distanciamento do produtor.
Bergamin Filho & Amorim, 1999a; 1999b). Assim, o conceito Tanto é assim que o sistema EPIPRE, no auge de sua utilização,
de LDE, pedra fundamental do manejo, não se aplica à maioria tinha somente 20% de seus panicipantes seguindo as recomenda-
das doenças por não ser possível evitar a injúria., como exigido ções do programa (Blokker, 1984): os 80% restantes preferiam
pela teoria. Na área entomológica, por exemplo; é comum oLDE "dormir à noite" e pulverizavam suas culturas mesmo quando
i!. também, o limiar de ação) ser expresso em número de ovos o EPIPRE recomendava o contrário! O sistema BLITECAST,
· u número de larvas jovens de determinado inseto por planta. por sua vez, foi um razoável sucesso durante sua fase de desen-
Quando o limiar de ação é alcançado, pulveriza-se a cultura com volvimento. quando os produtores podiam participar sem pagar
.r.m pesticida adequado e o dano que ocorreria na a1usência do tra- taxa alguma, mas foi abandonado por metade dos participantes
tamento é evitado, uma vez que nem os ovos nem as larvas jovens quando, para cobrir os custos, uma taxa de 200 dólares por esta-
.::ausaram, até então, dano à cultura. A situação é diferente com ção foi cobrada. Como consequência dessa diminuição de par-
.)S patógenos: além da impossibilidade prática de quantificar seu ticipantes, a taxa precisou ser elevada para $300, mas, agora, a
-iumero, sabe-se também que a simples presença de propágulos metade dos produtores remanescentes também desistiu, inviabili-
::io solo ou no ar não é condição suficiente para a ocorrência da zando a continuação do programa. Zadoks (2001) relata interes-
doença. Com o objetivo de contornar esse problema, alguns pro- sante episódio a respeito do uso prático de modelos de previsão:
;ramas de MIP na área fitopatológica utilizam, na prática, o LDE num congresso recente, um pesquisador apresentou novo e ele-
<! o limiar de ação) expresso em severidade de doença(= injúria), gante sistema de aviso para ser empregado na cultura do arroz;
o que faz pouco sentido. uma vez que, quando o limiar de ação sua palestra foi calorosamente saudada pela audiência; quando
i"or alcançado, parte do dano já ocorreu e não mais será evitado, perguntado, em particular, quão frequentemente o sistema era
'7esmo com a aplicação de um pesticida adequaido (um limiar usado pelos produtores, a resposta do autor foi rápida e sem ambi-
de ação de 10% de severidade significa que pelo menos 10% de guidade, "Nunca, os pesticidas são muito baratos".
,c:cido foliar já foram perdidos e não será um füngicida, mesmo Há ainda outras diferenças importantes entre as áreas de
• ~têmico, que reverterá o quadro). O problema para o fitopato- pragas e doenças relacionadas à filosofia do MlP que merecem
•g1sta reside, pois, na impossibilidade de definir um LDE (e um ser mencionadas: (i) os fungicidas são menos agressivos ao meio
miar de ação) expresso em algum parâmetro populacional do ambiente que os inseticidas; (ii) o controle biológico é um com-
patógeno, antes da ocorrência da injúria, como podem fazer os ponente vital do MIP na área de insetos, mas sua importância
mtomologistas. prática na área de doenças, especialmente as foliares, ainda pre-
Para tomar a situação ainda mais complexa, em mui- cisa ser demonstrada; o teorema "bug-eats-bugs". tão óbvio com
tos casos, como exemplificado por patógenos explosivos como insetos, é menos evidente com fitopatógenos; (iii) a conserva-
.-,,_,wphthora infestans. esperar pelo aparecimento dos sintomas ção de inimigos naturais e a modificação do hábitat são objeti-
para, depois, tomar a decisão de agir significa geralmente a des- vos importantes no manejo de insetos, mas têm pouca expressão
'TU1ção completa da lavoura. Em outros casos, o período de incu- no manejo de patógenos: (iv) os inseticidas de largo espectro,
►3çào é de tal forma longo (25 a 30 dias para Hemi/eia vastatrix por interferirem com insetos benéficos, devem ser evitados; essa

30i
Manual de Fitopatologia

restrição não se aplica com a mesma ênfase aos fungicidas, uma sistêmica para avaliar a maior ou menor harmonia das inúmeras
vez que o papel desempenhado por outros microrganismos no táticas de manejo disponíveis traria rápidos beneficios aos pro-
desenvolvimento da epidemia parece ser secundário, especial- dutores e à sociedade; com relação à prática, o uso simultâneo de
mente no filoplano; (v) surtos epidêmicos de organismos nocivos maior número de: táticas de manejo diminuiria o status de mui-
de importância secundária, em função da aplicação de pesticidas tas doenças, diminuindo a dependência química (pesticidas) do
de largo espectro, são comuns para insetos mas incomuns para sistema produtivp. Além disso. como enfatizam Morse & Bubler
patógenos; (vi) o controle qu{mico de doenças tem sustentabili- (1997a), a integração, para muitos produtores, "deve ser de mais
dade maior que o controle químico de pragas. fácil implcme11taçào que o manejo".
A ênfase na integração contrapõe-se. também, à chamada
20.7. MIPE FITOPATOLOGIA: O FUTURO síndrome da bala de prata (Pedigo & Higley, 1996), tenno usado
A literatura é pródiga em recomendar, a cada caso de insu- para designar a crença de que todos os problemas fitossanitários
cesso de programas de MTP, mais verbas para pesquisas com MIP, podem ser soluci,onados, de uma vez e para sempre, caso a tática
como se a filosofia do MIP fosse um dogma. uma verdade abso- ideal seja descoberta. Isso aconteceu no passado com os pesti-
luta, situada acima do bem e do mal. Haveria outra alternativa cidas, no passado recente com a fisiologia do parasitismo, no
para esse círculo vicioso? Haveria outro caminho para a convi- passado ainda mais recente com modelos e computadores. Isso
vência sustentável e hannônica entre produtores e patógenos, fora ainda acontece hoje, sob os nossos olhos, com a biotecnologia.
dos princípios desenvolvidos pelos entomologistas para o manejo Enfatizar a integraçãC\ para amenizar os problemas causados
de suas pragas? pelos patógenos, além das vantagens enumeradas no parágrafo
Para abordar esse problema, considere-se quatro premissas anterior, iambém cumpre a não menos importante missão de com-
iniciais (Bergamin Filho &Amorim, 1999a; 1999b): (i) o MIP não bater o nefasto fetiche da bala de prata.
é um dogma; (ii) conceitos e ações que parecem racionais para o Manejo integrado de doenças (MIO), como seu nome
cientista podem parecer irracionais para o produtor; (iii) manejar indica, não é só integração, mas também implica em manejo.
patógenos não é, necessariamente, o mesmo que manejar pragas; O componente manejo do MIO, porém, difere do componente
(iv) o sucesso ou o fracasso de uma estratégia de manejo deve ser manejo do MIP. Algumas dessas diferenças, juntamente com
avaLiada em função do número de produtores que a adotam. linhas de pesquisa recomendadas, aparecem a seguir (Bergamin
A primeira premissa possibilita uma análise isenta, sempre- Filho & Amorim, 1999a; 1999b): (i) os conceitos de LDE e
conceitos, da disciplina proteção de plantas; a segunda toma com- limiar de ação têm papel limitado no M1D para a maioria dos
preensível a falta de adoção do MIP pelos produtores; a terceira patossistemas: (ii) o limiar biológico de dano (LBD), em virtude
justifica o tenno manejo integrado de doenças (MID) (integra- de características, próprias das doenças, deve servir como vari-
ted disease management - IDM) para designar uma filosofia com ável-chave para o manejo; o limiar de ação, portanto, deve ser
princípios e conceitos próprios, diferente do MIP dos entomo- baseado no LBD; (iii) a abordagem do calendário 6xo de pul-
logistas ou do manejo integrado de pragas e doenças (MIPD) verizações, heresia no MTP, tem seu lugar no MID; há, contudo,
(integraced pest and disease management- TPDM. Rijsdijket ai., necessidade de aperfeiçoar a abordagem: pesquisas são requeri-
1989) dos entomologistas e fitopatologistas; a quarta premissa das para tomar o calendário fixo, quando possível, menos agres-
traz junto com ela uma pergunta fundamental : o que realmente sivo ao meio ambiente e menos oneroso ao produtor; sugere-se
querem os produtores para proteger suas lavouras das doenças? a definição de revas simples que possam atrasar a primeira pul-
Dizer o que querem os produtores é tarefa mais difícil do verização e/ou espaçar as pulverizações subsequentes (caso as
que dizer o que não querem os produtores. Os produtores, com condições gerais de clima e/ou de inóculo naquela estação par-
as exceções que confirmam a regra, não querem (Bergamin Filho ticular permitam), mas que não exijam monitoração constante
& Amorim, 1999a; 1999b): (i) monitorar seus campos periodica- nem inúmeras tornadas de decisão durante o ciclo da cultura; em
mente à procura das primeiras infecções; (ii) quantificar perio- resumo, sugere-se o desenvolvimento de um calendário semi-
dicamente incidência ou severidade de diferentes doenças, com fixo, que mantenha ao máximo a simplicidade, a confiabilidade
auxílio de. escalas diagramáticas muitas vezes mais apropriadas e a regularidade que fizeram do calendário fixo a estratégia pre-
à pesquisa que à prática; (iii) depender de um limiar de ação que ferida dos produtores; a proposta do calendário semifixo não é
pode ser excedido antes de ser possível a implementação da tática a ideal, mas a possível; os produtores precisam de ajuda agora
adequada de manejo; (iv) trocar a segurança de um calendário e pedem soluções que possam ser implementadas de imediato;
fixo de pulverizações por um esquema que exige mais atenção, (iv) o uso de par,celas-cootrole com variedades suscetíveis (ou
mais trabalho e envolve maior risco; (v) perder feriados e fins de vasos com plantas armadilha). nas quais a monitoração é feita,
semana porque o limiar de ação foi excedido e a pulverização é pode ser uma maneira simples e prática de aperfeiçoar o calen-
inadiável. dário semifixo de pulverização, mantendo sua simplicidade: a
Todos os itens citados acima referem-se à face 'manejo' da proposta é antig21 e está esquecida; (v) variáveis derivadas da
filosofia clássica do MTP. Com tantos problemas com o manejo, área foliar (Waggoner & Berger, 1987) - como o índice de área
nada mais lógico que tratar a face 'integração' como o compo- foliar (leaf area index - LAI), a duração da área foliar sadia
nente principal do MIO, ideia que não é nova pois, como lem- (health leaf area duration - HAD) e a absorção da área foliar
bram Zadoks & Schein ( 1979), a integração "tem sido, de fato, sadia (health leaf area absortion - HAA) - podem ser monito-
o modus operandi da fitopatologia aplicada desde seu início, radas nas parecias-controle e usadas para aperfeiçoar o calen-
cerca de um século atrás ". Bergamin Filho & Amorim (1999a; dário semifixo, confonne abordagem proposta por Lopes et ai.
1999b) sugerem, simplesmente, maior ênfase tanto na pesquisa ( 1994) e Bergamin FilhC\ et ai. (1997); (vi) o componente pre-
quanto na prática da integração, áreas negligenciadas nas últi- ventivo do controle químico de doenças (envolvendo calendário
mas décadas. Com relação à pesquisa, o emprego da abordagem fixo modificado, c;om maior número de pulverizações, iniciadas

308
Manejo lntegrado de Doenças

mais cedo e a doses mais baixas) deve ser enfatizado (Katan, Lopes, D.B.; Berger, R.D.; Bergamin Filho, A. Absorção da área foliar
:W00); Forcelíni (1997) conseguiu melhores resultados com pro- sadia (HAA): uma nova abordagem para a quantificação de dano e
gramas desse tipo do gue com programas baseados em calendário para o manejo integrado de doença. Summa Phytopatholo~ica 20:
fixo tradicional, modelo de previsão ou limiar de ação. 143-151, 1994.

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309
Parte IV

GRUPOS DE DOENÇAS
1
CAPÍTULO

21
CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

21.1. Critérios de classificação de doenças de plantas............................................................................................. 313


21.2. Classificação de doenças segundo os processos fisiológicos da planta interferidos pelo patógeno.............. 314
21.3. Bibliografia consultada..................................................................................................................................315

21.1. CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS


DE PLANTAS Boxe 21.1 Classificação com base no hospedeiro

oença é resultante da interação entre hospedeiro,

D agente causal e ambiente. Diversos critérios, baseados


no hospedeiro e/ou no agente causal, têm sido
usados para classifocar doenças de plantas.
A dassi.fic.aç:ão de doenç:as baseada na planta
hospedeira é adotada em poucos livros didáticos que
tratam sobre Fitopatologia. Exceções à regra são as obras
de Stakman & Harrar (1957) e Parry (1990). O primeiro,
Quando o hospedeiro é tomado como referência, a em seu capítulo 12, discorre brevemente sobre as
classificação reúne as doençãs que ocorrem em um grupo de principais doenças de trigo, arroz, milho, batata, cana-
hospedeiros ou numa determinada espécie vegetal (Boxe 2 1.1 ), de-aç:úcar, banana, café, citros, cacau, coco e seringueira.
Desta forma tem-se, por exemplo, as doenças de hortaliças, do O segundo aborda, em diversos capítulos, as doenças que
arroz, da cana-de-a;;úcar, do café, etc. A classificação de doenças afetam cereais, ervilha e feijão, batata, beterraba, soja,
feita deste modo tem um caráter eminentemente prático, pois é milho e hortaliças.
de interesse dos técnicos euvolvidos com cada cultura específica. Embora sejam raros os livros textos de Fitopa-
Por outro lado, do ponto de vista acadêmico, esta maneira de tologia que utilizam a classificação de doenças
classificar tem menor interesse por reunir, num mesmo grupo, baseada no hospedeiro, livros descritivos sobre doenç:as
doenças causadas Jpor patógenos bastante distintos quanto ao de determinadas culturas, bem como compêndios e
modo de ação, aos sintomas que causam, aos grupos taxonômicos manuais práticos de identificação de doenças são
a que penencem e aos métodos de controle. encontrados com facilidade. Um bom exemplo é
Outra possibiJidade, ainda relacionada ao hospedeiro, é uma série de compêndios editada pela Sociedade
classificar doenças d,e acordo com a parte ou idade da planta atacada. Americana de Fitopatologia sobre doenças de uma
Assim, as doenças, segundo este critério, podem ser agrupadas, por diversidade de hospedeiros. Publicações brasileiras
exemplo, em doenç:as de raiz, de colo, de parte aérea. de plantas como o "Manual de Fitopatologia: Doenças das
Jovens produzidas em viveiros, etc. Apesar de também haver um Plantas Cultivadas" (Amorim et aJ., 2016) e outras do
interesse prático nesta fonna de classifitação, a mesma restrição mesmo gênero também se constituem em referências
acadêmica mencionada anterionnente continua válida. valiosas sobre doenças ocorrentes em espécies vegetais
específicas de interesse agronômico.
A classificaçã.o de doenças tomando por base a natureza
dos patógenos define os grupos de doenças causadas por fungos,

313
Manual de Fitopatologia

por bactérias, por vírus, por nematoides, etc. (Boxe 21.2). Este 21.2. CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS SEGUNDO
sistema de classificação tem como ponto desfavorável reunir, OS PROCESSOS FISIOLÓGICOS DA .PLANTA
num mesmo grupo, patógenos que, ape.sar da proximidade INTERFERIDOS PELO PATÓGENO
taxonômica, atuam de forma diferente em relação à planta. Como
O processo doença envolve alterações na fisiologia do
evidência, pode-se mencionar o contraste entre uma bactéria que
provoca murcha (Ralstonia solanacearum), cujo controle estaria hospedeiro. Com base neste, aspecto, George L. McNew, em
mais próximo de uma murcha causada por fungo (Fusarium 1960, propôs uma classificação para as doenças de. plantas
oxysporum) e outra bactéria que causa podridão em órgãos de fundamentada nos processos fisiológicos vitais da planta
armazenamento (Envinia carotovora - sinonímia Pectobacterium interferidos pelos patógenos. Os processos fisiológicos vitais de
carotovorum). Esta última teria, do ponto de vista do controle, uma planta, em ordem cronológica, podem ser resumidos nos
maior similaridade com fungos causadores de podridão, seguintes (Figura 21. I):
pertencentes ao gênero Rhizopus. • Acúmulo de nutrientes em órgãos de armazenamento para
o desenvolvimento de tecidos embrionários.
• Desenvolvimento de tecidos jovens às custas dos butriente.s
Boxe 21.2 Classificação com base no patógeno
armazenados.

A classificação de doenças com base no patógeno • Absorção de água e elementos minerais a partir de um
é a maneira preferida da maioria dos autores de livros substrato.
texto sobre Fitopatologia. Esta abordagem já é usada • Transporte de água e elementos minerais através do
desde o clássico livro de Walker intitulado "Plant sistema vascular.
Pathology" e publicado em 1969, até pelo respeitado • Fotossíntese.
"Plant Pathology" de autoria de Agrios, cuja. 5ª edição
é de 2005. Textos de autores europeus, como "Patologia • Utilização, pela planta, das substâncias elaboradas
Vegetal Agrícola'' dos espanhóis Urqnijo et al., lançado através da fotossíntese.
em 1971 e Enfermedades, Plagas y Malezas de los Assim, de acordo com McNew, o desenvolvimento de uma
Cultivos Tropicales dos alemães Kranz et ai., datado de planta a partir de uma semente contida num fruto envolveria
1982 também privilegiam este enfoque para classificar várias etapas sequenciais, como o apodrecimento do fruto
doenças. para a liberação da semente; o desenvolvimento dos tecidos
embrionàrios da semente a partir de suas reservas; a formação

-
Armazenamento de nutrientes

Tecidos jovens


' ...
~
--..J

... ...
Abs~rção Tra~slocação de água e Distribuição de
de agua nutrientes Fotossíntese
fotoassímilados

Figura 21.I -Processos fisiológicos das plantas interferidos pelos patógenos, de acordo com a classificação de McNew ( 1960).

314
Classificação de Doenças

dos tecidos jovens, como radicula e caulículo, ainda a partir das Esta classificação é conveniente pois, apesar de diferentes
reservas nutricionais da semente; a absorção de água e minerais patógenos atuarem sobre um mesmo processo vital, seu modo
pelas raízes; o transporte de água e nutrientes minerais através dos de ação em relação ao hospedeiro envolve procedimentos
vasos condutores; o desenvolvimento das folhas, que passam a semelhantes. Assim, diversos fungos e diversas bactérias podem
realizar fotossíntese, tomando a planta independe1nte das reservas causar lesões em folhas; a doença provocada por estes patógenos,
da semente; o desenvolvimento completo da planta, tanto porém, interfere no mesmo processo fisiológico vital, ou seja,
vegetativa quanto reprodutivamente, graças aos compostos por a fotossíntese. Em adição, como será exposto nos capítulos
ela sintetizados. seguintes, doenças pertencentes a um mesmo grupo apresentam
Considerando que estes processos vitais podem sofrer características semelhantes quanto às diversas fases do ciclo de
interferências provocadas por diferentes patógenos, McNew relações patógeno-hospedeiro, não raro apresentando idênticas
propôs grupos de doenças correspondentes (Figura 21.2): medidas para seu controle. O sistema de classificação proposto
Grupo I - Doenças que destroem os órgãos de por McNew alia, portanto, vantagens tanto do ponto de vista
armazenamento. teórico como prático.
Grupo JI - Doenças que causam danos em p,Jãntulas. Finalmente, este sistema de classificação pennite, também,
uma ordenação dos agentes causais de doença segundo os graus de
Grupo TII - Doenças que danificam as raízes.
agressividade, parasitismo e especificidade (Figura 21.2). Assim,
Grupo IV - Doenças que atacam o sistema vascular. de um modo geral, à medida que se caminha do grupo I para o
Grupo V - Doenças que interferem com a fotossíntese. grupo Vl, constata-se menor grau de agressividade no patógeno.
Grupo VI - Doenças que alteram o aproveitamento das maior grau de evolução no parasitismo e maior especificidade do
substâncias fotossintctizadas. patógeno em relação ao hospedeiro. Em relação à agressividade,

Grupo 1- Podridões de órgãos de reserva

Grupo 11-Damping--off

Grupo Ili - Podridões de raiz e de colo

Grupo IV - Murchâs vasculares

Grupo V - Manchas, Ferrugens, Oidios, Míldios

Grupo VI - Viroses, Carvões, Galhas

Figura 21.l - Grupos de doenças de plantas e sua relação com especificidade, agressividade e evolução do parasitismo do agente patogênico.

os patógenos dos grupos I e 11 apresentam alta capacidade 21 .3. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


destrutiva, pois em cuno espaço de tempo provocam a morte do
Agrios, G.N. Plant Pathology. San Diego, Elsivier Academic Press,
.Jrg/lo ou da planta atacada; são o rganismos saprofiticos que,
através de toxinas, levam, primeiramente, o tecido à morte para, 2005. 922 p.
em seguida, colonizá-lo. Quanto à evolução do parasitismo, os Amorim, L; Rezende, J.A.; Bergamin Filho, A., Camargo, L.E.A. Manual
oatógenos encontrados nos grupos V e VI são considerados mais de Fitopatologia. Doenças das Plantas Cultivadas. v.2. 5 ed. São
evoluídos, pois convivem com o hospedeiro, nifo provocando Paulo, Ceres, 2016. 772 p.
sua rápida destruição; estes patógenos atuam produzindo
Amorim. L., Rezende, J.A.M., Bergamin Filho, A. Manual d e Fitopato-
estruturas especializadas em retirar nutrientes diretamente
logia. Princípios e Conceitos.. v.l, 4 ed. São Paulo, Ceres, 2011.
da célula sem, no entanto, provocar sua morte imediata. A
704p.
especificidade dos patógenos em relação ao hospedeiro também
aumenta do grupo I para o VI. Nos primeiros grupos é comum a Bergamin Filho, A.; Kimati, H.; Amorim, A. Manual de Fitopatologia.
ocorrência de patógenos capazes de atacar indistintamente uma Principios e Conceitos.. v. l 3, ed. São Paulo, Ceres, 1995. 919 p.
grama de diferentes hospedeiros; por outro lado, nos últimos Galli, F. Manual de Fitopatologia. Princípios e Conceitos. 2 ed. São
grupos estão presentes patógenos cwe causam doença apenas
Paulo, Ceres, 1978. 373 p.
em determinadas espécies vegetais. A ocorrência de raças
patogênicas, com especialização ao nível de cultivar da espécie Kimati, H.; Amorim. A.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo,
,egetal atacada, é frequentemente observada nesses grupos L.E.A. Manual de Fitopatologia. Doenças das Plantas Cultivadas.
mais específicos. v.2, 4. cd., São Paulo. Ccres, 2005. 663 p.

315
CAPÍTULO

22
PODRIDÕES DE ÓRGÃOS DE RESERVA
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

22.1. Sintomatologia ..................................................... 317 22.4. Controle................................................................ 320


22.2. Etiologia ............................................................... 318 22.5. Doenças-tipo ........................................................ 320
22.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 318 22.6. Bibliografia consultada ........................................ 321

s doenças que causam destruição de órgãos de tância da podridão, pois a própria semente ou seus derivados

A armazenamento compreendem os diversos tipos


de podridão que ocorrem em frutos, sementes e
0rgãos de reserva. As podridões podem ser secas ou moles. As
podem se tomar tóxicos ao homem e aos animais. Além da
semente. podridões secas podem ocorrer em diversos tipos de
frutos suculentos. Numa fase inicial. os sintomas manifestam-se
,ecas, também chamadas podridões duras, ocorrem tanto em em frutos maduros através do aparecimento de pequenas manchas
-ementes como em frutos. Nestes, os tecidos atacados perdem circundadas por tecido encharcado. Numa fase mais avançada, as
~~ua, resultando na mumificação de órgãos. As podridões moles manchas chegam a tomar grande parte do fruto. ou o fruto inteiro.
0u aquosas levam à decomposição total de órgãos suculentos. provocando a desidratação do tecido. Estes frutos mumificados
como frutos, tubérculos e raízes. podem continuar presos à planta ou cair ao solo e, sob condições
Os agentes causais associados a este tipo de doença são de alta umidade. podem apresentar massas densas e acinzentadas
..._,ngos e bactérias saprófitas. Os órgãos de reserva podem ser na sua superficie. que correspondem à frutificação do patógeno.
-fectados no campo, antes ou durante a colheita, na embalagem,
As podridões moles estão associadas a órgãos suculentos.
• ~ transpone ou na cstocagem. Os ferimentos produzidos
como tubérculos (batata), frutos (tomate, pimentão, abobrinha,
:::.:is fnitos durante estas operações favorecem a infecção, pois
berinjela, mamão), bulbos (cebola) e raízes (cenoura, mandioca).
~.:instituem portas de entrada para os patógenos. Igualmente.
1 ocorrência de alta umidade relativa e temperatura elevada
De modo geral, os sintomas têm início com o aparecimento de
contribuem para o desenvolvimento da doença. pequenas manchas. de aspecto encharcado, deprimido e descolorido,
que crescem na superficie do órgão atacado (Figura 22.1 ). Quando
A importância das podridões em órgãos de armazenamento
:.>Ode ser interpretada de duas fonnas distintas: sob o ponto de estas podridões são provocadas por fungos, nota-se uma massa
•b-ia botânico e sob o ponto vista econômico. No primeiro caso,
cotonosa na superficie das lesões, constituída por hi fas e estru-
~ desejável o apodrecimento do fruto para que ocorra a liberação turas de frutificação do patógeno. A podridão envolve a produção
~ posterior germinação da semente. No segundo caso. os órgãos de enzimas pectolíticas e toxinas por pane do patógeno,
;,r! reserva são produtos de valor econômico e a sua deterioração desorganizando e matando os tecidos do hospedeiro, que serão
...:\e ser evitada; é neste contexto que as podridões de órgãos de posteriormente colonizados. Esta desorganizavão ao nível celular
-c,;erva são consideradas doenças de pós-colheita. corresponde às manchas de aspecto encharcado, enquanto a
morte das células revela-se na forma de áreas escurecidas. Em
~2.1. SJNTOMATOLOGIA resumo, um órgão atacado apresenta perda de consistência, áreas
As podridões secas de sementes manifestam-se na forma escurecidas e, finalmente, transforma-se numa massa amorfa
• deterioração desses órgãos. Em alguns casos, a fonnaçào de que gradativamente se liquefaz e, em alguns casos. exala odor
~ .:otoxinas durante o processo de deterioração realça a impor- desagradável.

317
Manual de Fitopatologia

Figura 22.1 - Sintomas de podridões de órgãos de reser..-a. Maçã com podridão causada por Pe11icil/i11m sp. (A); podridão em morango causada
por B01,y1is cinerea (B) e Rhizopus sp. (E): podridão parda de Moniliniafruc1icola em pêssego (C) e nectarina (D); bolor em
laranja causada por Penicillium spp. (F).
Crédito das fotos: Silvia A. Lourenço.

22.2. ETIOLOGIA do tipo bastonete, Oram-negativa, peritriquia e forma colônias


Fungos pertencentes a diversos gêneros são agentes causais esbranquiçadas em meio de cultura. Vive no solo, como saprófita,
tanto de podridões duras como de podridões aquosas. Entre os podendo afetar dezenas de espécies vegetais, principalmente
patógenos de sementes, predominam as espécies pertencentes aos hortaliças. Seu desenvolvimento é favorecido por temperaturas
gêneros Aspergillus, Penicillium, Fusari11m, Alternaria, Diplodia variando de 25 a 30°C e alta umidade.
e Cladosporium. Estes fungos são favorecidos quando o teor
22.3. CICLO DARELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO
de umidade da semente está em tomo de 25%. Sementes com
umidade próxima de 15% dificilmente são deterioradas por esses Uma sequência de etapas ordenadas leva ao desenvolvimento
organismos. Micotoxinas diversas podem ser fonnadas em decor- das doenças do tipo podridão. Sob este aspecto, serão expostos, a
rência do ataque de fungos. seguir, os eventos que normalmente ocorrem nas podridões moles
As podridões moles de origem fúngica também são causadas causadas por Rhizopus spp. e por Pectobacterium carotovorum.
por um grande número de espécies que se distribuem por diversos O ciclo de uma podridão aquosa de origem fúngica (Figura
gêneros, principalmente Rhizopus, Penicillium e Botrytis, além de 22.2) tem início a partir de estruturas do patógeno presentes
fungos de menor expressão neste contexto, como Colletotrichum, em órgãos vegetais doentes. Esta etapa corresponde à fase de
Alternaria e outros. sobrevivência. O inóculo é eficientemente liberado e transportado
Os mais típicos agentes causais de podridões aquosas pelo vento. A infecção tem início com a germinação dos
pertencem ao gênero Rhizopus. Estes fungos caracterizam-se por aplanósporos sobre um órgão suculento suscetível. O patógeno
possuir hifas não septadas e esporângios, que produzem esporan- penetra através de ferimentos de natureza mecânica ou provocados
giósporos sem flagelos (aplanósporos). Estes esporos assexuados por insetos, ferimentos estes que podem ocorrer no campo, no
podem germinar, fom,ando um novo micélio, que se desenvolve transporte ou no manuseio do produto vegetal. Especificamente
através de estolões, os quais se prendem ao substrato através para Rhi=opus stolonifer, a penetração pode ocorrer diretamente
de hifas modificadas denominadas rizoides. Este patógeno é através de tecidos intactos do hospedeiro, desde que o patógeno
considerado um parasita fraco. Apresenta. porém, alta capacidade tenha disponibilidade de nutrientes que proporcionem a
saprofitica, estando presente nos mais fariados ambientes. genninação dos aplanósporos. Uma vez dentro da planta, as hifas
O principal agente bacteriano associado às podridões moles iniciam a colonização dos tecidos, com a produção de enzimas,
que ocorrem em diversas culturas é a espécie Pectobacterium que digerem as substâncias pécticas constituintes da lamela média.
carotovorum (sinonímia Erwinia carotovora). Esta bactéria é Como consequência, as células perdem seu arranjo estrutural.

318
Podridões de Órgãos de Reserva

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•-rd-v ~-~,,,,,,::::~
'iiil
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Meiose e formação do
Esporos formados no interior do

Esporangióforo (____/ ~
t ~~
ex _ / tubo germinativo

"'--._ Zigosporos em te•cido


Espor~ ~epositado na_
superf1c1e do hospedeiro,
~
\
/ \ em decomposição) penetrando por ferimento

/ • _ Zig Colonização

Sintomas
iniciais

\ ~tângio Aplanósporos Esporângio C>


\ ~ p,ogametiogio ! Pod,id>o/

\\ ~~ """ ~~
\, '~
~,
\ ~- ~~~c=.;;t;~~
~~ Rizoides

Figura 22.2 - Cido de podridão mole causada por Rhizopus sp.


Fonte: Redesenhada por Serge Savary, adaptada de Agrios ( 1997).

Estas células, em seguida, são atacadas por enzimas pectolíticas e transporte e embalagem, e. através do contato entre material
celulolíticas que, ao decompor os componentes d~1 lamela média vegetal sadio e doente, principalmente durante o transporte e o
e das paredes celulares, promovem o rompimento das células e o armazenamento.
extravasamento do seu conteúdo. Externamente, as áreas atacadas A água, na fonna de respingos, pode remover a bactéria
.:xibem um sintoma inicial <le encharcamento para, em seguida, presente em restos de cultura e permitir que ela atinja outros
mostrarem-se amareladas e aquosas, evidenciando o processo órgãos de reserva nas proximidades. A água de irrigação,
degenerativo de podridão. A colonização tem continuidade implementos agrícolas e insetos também podem atuar como
com o fungo atuando sobre as células mortas, promovendo sua agentes de disseminação. A partir do momento que a bactéria
decomposição e obtendo nutrientes para seu desenvolvimento. À atinge um órgão suculento, pode ter inicio a infecção, com a
medida que o patógeno cresce no interior do órgão atacado, as penetração do patógeno através de ferimentos provocados por
estruturas de reprodução do patógeno são emitidas Jpara o exterior. insetos, pelo manuseio ou ainda devido a abrasões sofridas pelo
Em pouco tempo, o órgão atacado pode se transfonnar numa massa hospedeiro em condições de campo. Uma vez no interior dos
disforme, totalmente tomada por crescimento cotonoso do fungo. tecidos, a bactéria multiplica-se rapidamente e passa a produzir
Os aplanósporos e, eventualmente, os oósporos, provenientes da enzimas que desdobram as substâncias pécticas da lamela média
reprodução do fungo sobre o tecido em decomposição, podem e a celulose da parede celular. Com isto, ocorre a desorganização
ser disseminados pelo vento e infectar outros órgiíos suculentos, do tecido vegetal atacado, extravasamento de água para os espaços
caracterizando, assim, o ciclo secundário da doença. intercelulares e morte das células afetadas; os sintomas externos
O ciclo das relações patógeno-hospedeiro para podridões correspondem ao encharcamento, amarelecimento e necrose da
moles de causa bacteriana apresenta alguma semelhança com área atacada, caracterizando o processo de podridão mole ou
aquelas de origem fúngica, a despeito <la grande ,diferença exis- aquosa. Numa fase mais avançada, a ruptura da epiderme do órgão
tente entre os agentes causais. A fonte de inóculo, que garante a afetado permite a liberação de uma massa vegetal liquefeita, na
sobrevivência da bactéria, é constituída por órgiíos de reserva qual se encontram os talos bacterianos. Como resultado final, o
infectados, encontrados no campo ou erb locais de atmazenamento, órgão vegetal toma-se uma massa amorfa, parcialmente liquefeita
além de restos de cultura em decomposição, que permanecem no e totalmente colonizada pelo patógeno, exalando, usualmente,
campo após a colheita. A disseminação pode ser feita através do um odor fétido característico. A reprodução do patógeno ocorre
manuseio dos órgãos vegetais durante os tratos culturais, colheita, simultaneamente ao apodrecimento, pois a progressão da doença

319
Manual de Fitopatologia

implica no aumen1to da população bacteriana. Assim, à medida produtos germicidas aplicados nas paredes, piso e teto. luspeções
que os tecidos vegetais vào sendo decompostos, os nutrientes periódicas devem ser realizadas visando eliminar órgãos vegetais
vão sendo liberados e novas células bacterianas vão se formando atingidos pela podridão.
por divisão das células já existentes. O órgão atacado, parcial ou Quanto ao controle das podridões de sementes, recomenda-se
totalmente destruído, pode atuar como fonte de inóculo, tanto a colheita quando as mesmas apresentarem teor de umidade
em condições de campo como de armazenamento, propiciaudo adequado, pois umidade excessiva pode favorecer o ataque de
a sobrevivência do patógeno até o início do ciclo secundário. patógenos. A estocagem deve ser feita em local arejado. É
Uma das principais formas de disseminação da doença, no ciclo indicado, também, a prática de fumigaçào, pois os insetos podem
secundário, é através da presença de órgãos vegetais afetados provocar ferimentos nas sementes, propiciaudo a penetração de
misturados com órgãos sadios. agentes causadores de podridões.

22.4. CONTROLE 22.5. DOE~ÇAS-TIPO


As podridões moles, tanto de origem fúngica como bacteriana, A podridão de Rhizopus é considerada a mais importante
são favorecidas por condições de alta umidade (70-90%) e alta podridão pós-colheita para a cultura do morango (FigÜra 22.2),
temperatura (25-30'0 C) e pela presença de ferimentos nos órgãos embora os seus danos possam ser minimizados por meios
suculentos. Assim, as medidas de controle visam, principalmente, adequados de colheita, embalagem, transporte, estocagem e
alterar os fatores ambientais que propiciam rápido desenvolvimento comercialização. A principal espécie envolvida no processo de
da doença e evitar a ocorrência de ferimentos. podridão é Rhizopus stolonifer. Além do morango, o fungo pode
O controle das podridões deve ser iniciado no campo, ainda atacar uma gama de órgãos de reserva pertencentes a diversos
antes da colheita. ]Escolher terreno com solo de boa drenagem, hospedeiros, tais como tomate, abobrinha, mandioca, mamão,
evitar locais altamente infestados e promover rotação de cultura frutos de rosáceas de caroço e outros. R. stolonifer apresenta
em áreas com alta população do patógeno são práticas que devem micélio bem desenvolvido, hifas cenocitícas, esporângios escuros
ser observadas, principalmente para o caso de bactérias. O uso sustentados por esporangióforos longos, além de rizoides que
de espaçamento adequado que pennita boa aeração da cultura é promovem a fixação da hifa ao substrato. Os esporos assexuados
uma medida indicada para evitar a formação de llm microclima (esporangiósporos) são do tipo aplanósporos, ovais e de coloração
favorável à doença. A aplicação de produtos químicos para castanha. Os esporos sexuados (zigósporos) são ovais, escuros e
proteção de frutos ainda presos à planla é viável para algumas resultantes da fusão de gametângios. O crescimento do micélio é
podridões fúngicas .. Evitar o contato do fruto com o solo, através feito através de estolões que se fixam ao substrato pelos rizoides;
do uso de plástico oiu cobertura morta, é uma medida recomendada nestes pontos são formados os esporangióforos e, nas extremidades
para determinadas culturas. destes, os esporângios. O conteúdo dos esporângios diferencia-se e
Alguns cuidados devem ser tomados, principalmente durante dá origem aos esporangiósporos, que são liberados pelo rompimento
a colheita. Nesta etapa, deve-se evitar ferimentós nos produ1os dos esporângios. Os esporangiósporos germinam, formando hifas,
que estão sendo colhidos, sejam eles colhldos da parte aérea da que se ramificam e fonnam um novo micélio.
planta ou arrancados do solo. A separação e descarte dos órgãos O ciclo da doença tem inicio quando os aplanósporos,
infectados é uma J~rática simples que impede a contaminação que são disseminados pelo vento, caem na superficie do finto.
de órgãos sadios. Para frutos de textura delicada, recomenda-se Os aplanósporos germinam na presença de água e nutrientes e,
a colheita durante período do dia com temperatura mais amena, posterionnente, penetram no hospedeiro. Uma vez no interior
sobretudo no início da manhã. No caso de raízes e tubérculos, uma do fruto, o patógeno produz pectinase, que provoca desarranjo
secagem natural e rápida realizada imediatamente após a colheita estrutural do tecido, e celulase, que promove o rompimento das
desfavorece o desenvolvimento de podridões. células. O fungo cresce sobre este substrato rico em nutrientes e
O manuseio d,os frutos durante a embalagem deve ser feita de rapidamente forma novas estruturas vegetativas e reprodutivas,
maneira cuidadosa, evitando ferimentos nonnalmente provocados visíveis sobre a área atacada. No final do processo, todo o fmto
por atrito entre fruto:s, pressão exercida pelas mãos ou choques com pode estar deteriorado.
o recipiente onde e:stão sendo acondicionados (ver Figura 19.10, Os sintomas externos manifestam-se pela presença de áreas
Capítulo 18). É indicada a remoção dos frutos infectados, impedindo do fruto inicialmente encharcadas e, posterionnente, amolecidas,
seu contato com frutos sadios. A desinfestação dos recipientes, em exfüindo descoloração. É comum ocorrer nestas áreas uma massa
especial caixas plásticas ou de madeira, com produtos gennicidas, cotonosa de micélio claro, pontilhado por pequenas estmturas
constitui-se numa importante medida de controle. Frutos de alto puntiformes escuras, que correspondem aos esporângios. Num
valor comercial podem ser embrulhados em papel impregnado com estádio mais avançado da podridão, esta massa toma-se escura
produtos químicos e:, posteriormente, embalados em outro tipo de e espessa. Com o passar do tempo, o fungo toma o fruto inteiro,
recipiente, como caixas de papelão. Para alguns tipos de fruto, pode causando a transformação da polpa numa massa amolecida e, em
ser interessante a imersão em solução ou suspensão de produtos parte, liquefeita.
químicos como fungicidas e/ou cera de carnaúba (ver Figuras 14. 13 Condições de alta temperatura (20-30ºC) e alta umidade
e 14.14 do Capítulo 14, e Figura 18.8 do Capírulo 18). (acima 70%) são favoráveis ao patógeno e promovem rápida
A estocagem dos produtos colhidos deve ser feita, sempre degeneração do fruto. A presença de solução nutritiva na superficie
que possível, em [o,cal bem arejado, ou em ambiente de baixas do fruto, usualmente decorrente do extravasamento da polpa através
temperatura (5-1 OºC) e umidade relatrva. Estas condições são de ferimentos, é um dos pré-requisitos para a instalação do processo
desfavoráveis à doe:nça, pois prejudicam o desenvolvimento do de doença.
patógeno e arrasam a maturação do fruto. Os locais utilizados para As recomendações de controle envolvem diversas medidas,
armazenamento devem ser previamente desinfestados, através de como evitar o contato <los frutos com o solo, através do uso

320
Podridões de Órgãos de Rese,va

de cobertura morta ou lona plástica; promover a colheita nas 22.6. BIBl[LJOGRAFIA CONSULTAD A
primeiras horas da manhã; providenciar, após a colheita, a imediata
Agrios, G. N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego, Elsevier Academic
estocagem dos fmtos cm ambiente refrigerado (5°C); manusear
Press, 1997.
cuidadosamente os frutos durante as operações de colheita, transporte
e estocagem; separar e descanar os fiutos infectados encontrados Agrios, G. N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevicr Academic
durante a colheita, o transporte e o arrnaz.enamento. Press, 2005.
Como exemplo de podridão de origem bacteriana, será usada Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
a podridão de tubérculos de batata causada por Pectobacterium (ed.). J\'lenual de Fitopatologie: Doenças das Plantas Cultivadas.
carotovorum (sinonímia Erwinia carotovora). Esta bactéria é São Paulo, Ceres, vol. 2, 2016.
um bastonete curto, Gram-negativa, peritríquia e anaeróbica Baggio, J.S.; Gonçalves, F.P.; Lourenço, S.A.; Tanak.8, F.A.O.; Pascbolati,
facultativa. É capaz de causar doença dentro de uma faixa S.F.: Amorim, L. Direct penctration ofRhiwpm stolonifer into stone
ampla de temperatura, compreendida entre 5 e 37ºC. A bactéria fruits c11using rhizopus rot. Plant Pathology 6S: 633-642, 2016.
ataca inúmeros produtos hortícolas, podendo ser encontrada em Barkai•Golan, R. Postharvest Dlseases of Fruits and Vegetables:
pimentão, cenoura, tomate, repolho, alface, entre outros. DeveloJ>ment and Control. Amsterdam, Elsevier, 2001.
O ciclo da doença tem início quando os talos bacterianos
Calderon, MI. & Barkai-Golan, R. Food Preservario n by Modi1ied
são disseminados através de vários agentes. Assim, o manuseio
Atmospheres. Boca Raton, CRC Press, 1990.
dos tubérculos, a água de chuva ou de irrigação, o movimento
dos insetos e o uso de ferramentas para cortar os tubérculos Christensen, C.M. & Kaufmann, H.H. Deterioration of stored grains by
podem colocar em contato hospedeiro e patógeno. Durante fuogi. Annual Review of Phytopathology 3: 69-84, 1965.
o armazenamento, o contato entre material infectado e sadio é Dennis. C. l'ost-Harvcst Palbology of Frults and Vegetahles. New
responsável pela disseminação da bactéria. A presença de água na York, A,cademic Press, 1983.
superfície do tubérculo pennite a multiplicação dos talos bacterianos, Food and Ag:riculture Organization. Food loss prevention in perishable
que penetram através de ferimentos e lenticelas. A colonização crops. Agr. Serv. Buli. (FAO) 43: 1-72, 1981.
envolve a multiplicação bacteriana nos espaços intercelulares e a Gonçalves, F"P.; Manins, M.C.; Silva Jr.• G.J.; Lourenço. S.A.; Amorim,
simultânea produção de enzimas, que desdobram as substâncias L. Posth arvest control of brown rol and Rhizopus rot in plums and
pécticas, constituintes da lamela média, e a celulose, constituinte oectarim!S using camauba wax. Postharvest Biology and Technology
da parede celular, promovendo a morte da célula. A ação destas 58: 211•217, 2010.
enzimas leva à desorganização do tecido, extravasamento do
conteúdo celular e degeneração de parte ou de todo o tubérculo. Harvey, J.M. Reduction of losses in fresh market fruíts and vegetables.
Annual Re,•iew of Phytopathology 16: 321-341, 1978.
Externamente, o tubérculo exibe encbarcamento, amolecimento
e apodrecimento da região atacada. Sob condições favoráveis, a Parisi, M.C.M.; Costa. H.; Betú, J.A.; Tanaka, M.A.S.; May-De
doença progride, tomando todo o órgão. Durante o processo de Mio, L.L. Doenças do Morangueiro. ln Kimati, H.; Amorim, L.;
podridão, o tubérculo vai se desfazendo e liberando um líquido de Rezende. J.A.M.; Bergamin Filbo, A.; Camargo, L.E.A. Manual de
odor desagradável, que contém os talos bacterianos. Fitopatologia. Doenças das Plantas Cultivadas. São Paulo, Ceres.
Alguns fatores e condições específicas podem colaborar 2016. p. 561•572.
para a instalação e desenvolvimento da doença. A nutrição da Perombelon, M.C.M. & Kelman, A. Ecology of the soft rot Erwinias.
planta com excesso de nitrogênio, o plantio em solos de má Annual Review of Phytopathology 18: 361•387, 1980.
drenagem, o uso de espaçamento inadequado, a falta de maturação Prusky, D. Pathogen quiescence in postharvest diseases. Annual Review
dos tubérculos, os danos causados por insetos, que provocam of Phyto,pathology J4: 4 13-434, 1996.
rupturas na superficie do tubérculo, a exposição à radiação
Snowdon, A.L. A Color Adas of Post-Harvest : Diseases and Disorders
solar, a presença de ferimentos causados na colheita, transporte or Fruits and Vegetables. Boca Raton, CRC Press, 1990.
e armazenamento e a ocorrência de alta temperatura, umidade
relativa elevada e má aeração podem predispor o hospedeiro à Tanaka, M.A ..S.; Beni, J.A.; Kimati, H. Doenças do Morangueiro. ln
doença e favorecer o processo de podridão. Kimati, H.; Amorim, L.; Rezende, J.A.M.: Bergamin Filho. A.;
Camargo,, L.E.A. Manual de Fltopatologia. Doenças das Plantas
Visando o controle da doença, algumas medidas podem
Cultivadas. São Paulo, Ceres, 2005. p. 489-499.
ser adotadas, tais como a instalação da cultura em solos de boa
drenagem, a utilização de espaçamento e densidade tecnicamente Tuite, J. & Poster, G.H. Contrai of storage diseases of grain. Annu al
recomendados, o uso de adubação balanceada, a colheita somente Review of Phytopathology 17: 343-366, 1979.
quando os tubérculos estiverem fisiologicamente maduros e a Williams, R.J. & McDonald, D. Grain molds in tropics: problems and
não exposição dos produtos coibidos à radiação solar. Apesar imponance. Annual Review of Phytopathology 21: 153• l78, 1983.
de estas medidas desempenharem um papel importante no Wilson, C.L. & Pusey, P.L. Potencial for biological control ofpostbarvest
controle da podridão mole, merecem atenção especial três plant disc:ases. Plant Disease 69: 375.378. 1985.
outras medidas adicionais: evitar, tanto quanto possível, a
ocorrência de ferimentos nos tubérculos durante as operações de
colheita, transporte. embalagem e armazenamento; promover a
annazenagem do produto imediatamente após a colheita, em local
arejado e com temperatura baixa (5ºt:); promover a remoção de
tubérculos infectados durante as etapas de colheita, embalagem
e, principalmente, armazenamento, impedindo seu contato com
aqueles sadios.

321
CAPÍTULO

23
.D AMPING-OFF
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

23.1. Sintomatologia ..................................................... 323 23.4. Controle..................................................... ,,, ......... 326


23.2. Etiologia ................................................................. 324 23.5. Doenças-tipo ........................................................ 326
23.3. Ciclo da i,elação patógeno-hospedeiro ............... 325 23.6. Bibliografia consultada ........................................ 327

E
ste grupo de doenças afeta tecidos vegetais jov·ens, espêcies lherb'áceas, como as o1erko!Jas, até lenhosas, como as
ai,n àa dependente'5 ou recém-.libertados d-0s reserva,; fnut-iferas e fiorestais. São patógenos agressivos qwe, através da
.nutricionais acumuladas na semenle, Também estão produção de enzim.as, :matam rapida:inelilte a planta. promovem 1

nduidas mes\e grupo as podridões que ocorrem 11-0s sementes sua decomposição e ,reproduzem-se profusamente às custas dos
'1uando estas são ,colocadas no solo e. após o -intu1ncscimento nutrientes disponibilizados. As doenças pertencentes a este grupo
que precede à :genninação, sofrem o ata-01ue de patógenos. Assim. são cosmopo'litas, ocoffe.ndo praticamente em todas as regiões
.:is tecidos atacados compreendem ,os tecidos da semente ou onde se pratica a agricultura .
.aquele~ recém-produ2idos pela sua genninação. A importància
Jas doenças deste grupo está ,relacionada com o estabelecimento 2.:U. Sl\"lífOMATOLOGJA
da cultura no campo ou no víveiro, pois ocorrem nos primeiros Os sintomas podem ser observados antes da emergência da
~Lidios de deseovolV'Jment-o da planta. Como oonsequênda. a plântula ou após a p lântl!'la romper a superfície do solo (Figura
densidade desejável ,de plantio pode ser afetada negativamente. 23. l A,.B), No prímeiro caso. os tecidos da semente tornam-se
Pelo fato destas doenças serem ge,ra1Jrnenle fa'<'orecidas por ,escums, perdem a rigidez e tendem à decomposíçuo. Pode-se
- ndições ,de alta m11úda<le do :solo, elas ,têm !!:ido den(llminadas pefo ob'senrar, inic,íalmente, o aparecimento de manchas encharcadas,
~rmo ,íng.1ês damplng-q/J. Caso o ataqwe do patógeoo ,ocorra antes qu,e rnpidamente al!meinam de tamanho e escmecem. Com a
da emergênc.ia d·a plântula, a doença é referida como damping-ojj' evoluçã-o da ,d oença, o fü lilgo toma toda a plântula jovem, provo-
1

ir pré-emer,gência; caso a plânmla seja atacada após sua ·emer- cando a destmição de seus tecidos tenros, Tanto a morte da
;i!ncia, o tcm10 damping,offde p6:s-emerg.êr1cia é utilizado. E<Sta semente como da plãuttil.a cvidcJJcia-sc, 110 campo, pela redução
.!'rminologia j[ijg]esa, cofü,agrada ~elo uso ,correnJe. não encontra na densidade de plantas, que à pirimeirn vista é atribuída à má
tradução ade,qJ_aada na lingua portuguesa. Os ,t emms "dano em germinação da semente; removendo-se a semente do solo, no
plàntulas'' e "tombamento de plântulas" são, algumas vezes, entanto. poder-·se-.á detenninar, com certeza, se o problema é de
asados no lugar de damping-o.lJ. ordem fisiológica ou patogênica.
Os agentes qwe provocam podridão nas sementes no campo No caso das plâ[iJtu1as emergidas rio solo, os sintomas podem
e dmnpi11,g,o[f são principa1lmente fungos parasitas facultativos. ser dru;ervados no caulículo, quase sempre oa regíão do colo. As
~bilantes naturais do solo, qJUe Yivcm saprofi.tiicamente. São manchas apresentam-se inidalmcntc encharcadas, c.rescem rapida-
~.:ins.íderados patógenos. no entant~, quando atacam a pla[iJta me[iJte. tomam-se es<."l.1ms e progridem para lesões deprimidas,
~iva, constituindo-se nulill S'ério problema quando o hospedeiro tamlbém de ,collor:ação escura, que podem. provocar ttendilhamento
e de interesse ,econ&mico, !Estes organismos não apresentam ou constrição cio c.au[e. O enfn.,que6mento,do,c aulículo pode levar
especificidade em felação ao hos;pedciro, podendo infectar desde ao tomb.amemo da pHintuJa que é, então, colo.nfaada e decomposta

323
Manual de Fitopatologia

Figura 23.1 - Mudas de eucalipto apresentando sintomas de damping-ojf causado por Rhizoctonia solani (A, B) e hifa típica de Rhizoctonia
com ramificação em 90 graus (C).
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira.

pelo fungo. Este quadro sintomatológico é conhecido por tomba- poros. Estes esporos assexuados, liberados pela vesícula fisiolo-
mento de mudas, podendo ser frequentemente constatado em gicamente madura, movimentam-se no meio, graças aos flagelos,
locais úmidos e infestados por agentes patogênicos. O ataque encistam-se e posteriormente germinam, produzindo um tubo
do fungo não se restringe obrigatoriamente ao caulículo, sendo germinativo. Na reprodução sexuada, o oogônio (gametângio
comum a presença de raízes escurecidas e em processo de apo- feminino) e o anterídio (gametângio masculino) podem se originar
drecimento. a partir da mesma hifa ou de hifas distintas. Os núcleos desses
As falhas de plantio e o tombamento de plântulas ocorrem gametângios sofrem meiose, caracterizando a curta fase haploide
no campo em reboleiras. Estas áreas correspondem a locais onde desses organismos. Após o pareamento destas estruturas ocorre
a concentração de plantas doentes é mais alta. A ocorrência a cariogamia, através da passagem do núcleo do anterídio para
de reboleiras é uma evidência de que a redução no número de o interior do oogônio; em seguida, dá-se a fusão de núcleos que
plantas por área ou a má formação de plântulas está associada a restabelece a condição diploide. O conteúdo do oogônio forma
um agente patogênico e não a problemas fisiológicos da semente. um ou mais esporos sexuadas (oósporos) que, por possuírem uma
espessa parede externa, constituem-se em esporos de resistência,
23.2. ETIOLOGIA garantindo a sobrevivência deste cromista sob condições adversas
Fungos e oomicetos são os agentes causais mais comuns de ambiente. O oósporo, após um período de repouso, pode ger-
de doenças deste grupo, sendo o gênero Py thíum o mais impor- minar, dando origem a uma nova hifa ou a uma vesícula.
tante. Além deste, representantes dos gêneros Rhizoctonia e As características encontradas no gênero Phytophthora são
Phytophthora têm papel relevante nas doenças do tipodampíng-off. semelhantes àquelas do gênero Pythíum. As hifas são cenocíticas,
Vários outros microrganismos podem, eventualmente, provocar finas e formam um micélio branco ramificado. O ciclo sexuado é
podridão de sementes e danos em plântulas. Entre os fungos, idêntico àquele descrito para Pythium. A reprodução assexuada,
algumas espécies pertencentes aos gêneros Co/letotrichum, no entanto, difere em alguns detalhes. Assim, a hifa produz rami-
Phoma, Fusarium, Cercospora e Bot,ytis, enquanto entre as ficações denominadas esporangióforos, de crescimento indeter-
bactérias espécies dos gêneros Xanthomonas e Pseudomonas minado, em cujas extremidades são formados esporângios em
podem ser responsáveis por problemas em canteiros de mudas forma de pêra ou de limão. O conteúdo do esporângio dite-
ou na impla11tação de culturas, principalmente quando veiculados rencia-se diretamente em esporangíósporos, também do típo
pelas sementes. zoósporos, sem a ocorrência de vesícula. Os zoósporos, uma vez
Os representantes do gênero Pythium possuem hifas não liberados do esporângio, encistam-se para, em seguida, germinar
septadas, finas e delicadas, que se ramificam intensamente, e produzir um tubo genuinativo.
formando um micélio branco e esparso. Além da parte vegetativa, Espécies do gênero Rhizoctonia não produzem esporos
estes cromistas apresentam estruturas reprodutivas assexuadas, durante a fase vegetativa, ou seja, apresentam um micélio estéril
como os esporângios e os esporangiósporos, e estruturas repro- que não forma esporos assexuados. As hifas são bem desen-
dutivas sexuadas, como anteridios, oogônios e oósporos. Na volvidas, com septos transversais evidentes, e ramificam-se
reprodução assexuada, as hifas produzem esporângios inter- de modo característico, formando ângulo reto com relação à
calares ou apicais, sendo seu formato variável de lobulado a bifa de origem (Figura 23 .1 C). O micélio é bastante vigoroso,
globoso; os esporângios formam vesículas, no interior das qnais sendo inicialmente hialino, evoluindo para marrom claro e,
diferenciam-se esporaagiósporos biflagelados, denominados zoós- posteriormente, marrom escuro. Escleródios são formados pelo

324
Damping-Off

micélio e atuam como estruturas de resistência; são de formato A disseminação pode ocorrer tanto de forma ativa como
irregular, escuros e germinam produzindo hifas. A fase perfeita de passiva. Os zoósporos, devido à presença de flagelos, podem se
R. solani corresponde ao basidiorniceto Thanatephorus cucumeris. locomover llla água a curtas distâncias. A disseminação passiva,
R. solani possuí hifa dicariótica, condição garantida, durante porém, é a mais eficiente, sendo responsável pela distribuição do
o crescimento vegetativo do fungo, pelo grampo de conexão. inóculo a longas distâncias. Neste caso, a disseminação pode ser
A célula apícal da hifa dicariótica, em determinadas condições, feita pela água, tanto na forma de enxurrada (chuva ou irrigação
gradativamente entumece e origina um basídio. Em seguida, por sulco) como na forma de respingos (chuva ou irrigação por
ocorrem, sucessivamente, a cariogamia e a meiose. À medida que aspersão), pelo movimento do solo durante as operações de
o basídio se desenvolve, surgem quatro proruberâncias, chamadas aração e gradagem, pelo transporte de mudas e por sementes
esterigmas, na sua parte superior, que se desenvolvem devido à contaminadas.
extrusão de material do basídio. Cada núcleo migra para cada um O contato entre hospedeiro e patógeno pode ser estabe-
dos esterigmas, dando origem a quatro basidiósporos ovalados, que lecido quando a semente é colocada no solo infestado, podendo
se localizam nas extremidades dos esterigmas. Cada basidiósporo. o patógeno atacar diretamente a semente ou os tecidos jovens
quando liberado do esterigma, germina, formando uma hífa, a qual produzidos .após sua germinação. O processo de infecção ocorre
imediatamente sofre plasmogamía formando a hifa dícaríótica. quando as hifas penetram o tecido vegetal de modo direto ou
através de ferimentos. A panir deste estádio, desenvolve-se a
23.3. CICLODARELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDErRO colonização do tecido, através de pressões mecânicas exercidas
O ciclo primário das doenças que provocam damping-ojf pelas hifas •~ produção de toxinas e enzimas pectolíticas e pro-
(Figura 23.2) tem início com a sobrevivência do inóculo Os teolíticas. As hifas desenvolvem-se inter e intracelularmente e
patógenos típicos do grupo são habitantes do solo e apresentam formam novas estruturas vegetativas e reprodutivas, o que carac-
grande capacidade saprofitica, desenvolvendo-se às custas de teriza a etapa de reprodução do patógeno.
nutrientes obtidos da decomposição da matéria orgânica. Assim, As sementes são atacadas logo após absorverem água
os restos de cultura constituem-se em importante fonte de inóculo. para iniciar a germinação, pois o tegurnento amolecido e seus
Sob condições favoráveis de ambiente, estes microrganismos tecidos interiores encharcados favorecem a atuação do patógeno.
desenvolvem-se normalmente através da formação de hifas, Os tecidos jovens provenientes da semente e que ainda não
esporângios, zoósporos. oósporos e escleródios; sob condições emergiram do solo também podem ser atacados (danos de pré-
adversas, conseguem garantir sua sobrevivência através de estru- emergência). Após a emergência, os primeiros sintomas são
ruras de resistência, como oósporos e escleródios. expressos na forma de pontos encharcados localizados no caulículo,

Zoósporo · c/-
Tubo germinativo

Infecção

Zoósporo /
o
encistado •. ~ · ~._

7'
Micélio
intercelular

Ff . J{l: Tubo
_rminaf o

Vesícula
1
6
Zoóspo~LJ Podridão de
encistad "' sementes

Zoósporo~

~
Vesícula~
06,po~•m_
sobrev,vênc,aO, F,rtiU~çJo
do 00 ônio
:~n:erí
-.
Esp,orãngio

~
. . "-
Ca nogam,a
.
' -, .. Oogônio
Meiose
~

~ ~
Micélio,
esporangi6foros
e esporângios

Figura 23.2 - Ciclo de damping-ojfcausado por Pythium sp.


Fonte: Redesenhado por Serge Savary, de Agrios ( 1997).

325
Manual de Fitopatologia

na altura do colo; estes pontos aumentam de tamanho e podem não apresentam especificidade em relação aos hospedeiros.
causar fendilhamento, anelamento ou constrição do caulículo, A sintomatologia exibida pelas diversas espécies afetadas é
provocando o tombamento da plântula. praticamente a mesma, pois os patógenos atacam o vegetal sempre
Algumas condições favorecem a doença tanto por desfavorecer no início do seu desenvolvimento. A associação tomateiro-
o hospedeiro como por beneficiar o patógeno. A mais imponante, Pythium spp. e algodoeiro-Rhizoctonia solani foram escolhidos
sem dúvida. é a presença de alta umidade no solo, pois solos como exemplos.
encharcados são extremamente favoráveis à proliferação de Pythium Ao serem colocadas no solo, sementes de tomate podem
e Phytophthora, que normalmente vivem em ambiente aquático; entrar em contato com estruturas do patógeno (Pythium spp.)
Rhizoctonia também exige condições de alta umidade para seu presentes na matéria orgânica ou em restos da cultura anterior.
desenvolvimemo. Em relação à temperatura, as faixas mais amenas Estruturas como hifas e tubos germinativos provenientes de
( 15-20 ºC) favorecem Pythium e Phytophthora, enquanto ambientes zoósporos ou oósporos penetram as sementes ou tecidos jovens de
mais quentes beneficiam Rhizoctonia. Hifas de Rhizoctonia e forma direta ou por ferimentos. No caso das sementes, a atuação
zoósporos de f'ythium e PhJ10phthora podem ser estimulados por de enzimas füngicas promove sua rápida decomposição. No caso
exsudatos produzidos por sementes em germinação ou por raízes de tecidos vegetais jovens. enzimas pectolíticas degradam a
de plântulas. Estas substâncias podem atrair hifas em crescimento lamela média das células, dc:sorganizando o tecido e provocando
e zoósporos em movimento, bem como ativar a germinação de o aparecimento de pontos encharcados na região atacada. Numa
estruturas de repouso. como oósporos e escleródios. A demora etapa seguinte, enzimas e toxinas promovem o rompimento das
na diferenciação dos tecidos tenros também favorece o ataque de células. o que leva à morte do tecido. Corresponde a este estágio
patógenos; à medida que estes tecidos tomam-se maduros, passam o aparecimento de manchas, inicialmente marrom-claras e
a exibir maior resistência tanto à penetração como à colonização posteriormente escuras. podendo ser encontrado micélio branco
pelos patógenos. na superficie das partes vegetais atacadas. Finalmente, ocorre a
deterioração do material vegetal. sobre o qual o patógeoo produz
23.4. CONTROLE
suas estruturas vegetativas e reprodutivas. A destruição da semente
O controle das doenças deste grupo envolve medidas que e dos primeiros tecidos jovens reflete-se na fonna de falhas de
visam diminuir o inóculo do agente causal. promover o rápido plantio, bastando desenterrar o material vegetal para comprovar
desenvolvimento da plântula e e, itar a ocorrência de determinadas a causa da não emergência da plântula. Quando os danos em
condições ambientais que favoreçam a atuação do patógeno. A plântulas ocorrem após a emergência, o contato patógeno-
utilização destas medidas é importante, pois inexistem variedades hospedeiro e a penetração são feitos da mesma fonna que no caso
resistentes para estas doenças. anterior. Após a penetração, a ação de enzimas desagrega as células.
O uso de sementes sadias, o tratamento térmico. biológico provocando como sintoma externo o aparecimento de pequenas
ou químico de sementes. o tratamento do solo com agentes ílsicos. manchas encharcadas na haste da plântula, próximo à superficie
químicos ou biológicos e a rotação de culturas sào medidas que do solo. A colonização prossegue com a produção de enzimas
buscam reduzir o inóculo do patógeno. e toxinas, que matam o tecido. Os sintomas externos são lesões
As recomendações de evitar o plantio em áreas naturalmente de cor marrom, que podem apresentar, na superfície, o micélio
sujeitas a inundações, de utilizar solos que possuam boa drenagem branco do patógeno. Estas lesões podem provocar constrição da
e de realizar irrigações não excessivas têm por objetivo interferir haste da plântula. promovendo seu tombamento. A plântula mona
no ambiente, não permitindo a ocorrência de condições ideais pode servir de subslrato para o desenvolvimento do patógeno e
para o desenvolvimento do patógeno. para a produção de novas estruturas vegetativas e reprodutivas.
O rápido desenvolvimento da plântula, possibilitando a No campo. os danos são facilmentt: constatados pela observação
maturação dos tecidos jovens, que passam a ser mais resistentes, das plântulas monas. Sob condições favoráveis, particularmente
pode ser conseguido através de várias práticas. O emprego de com umidade do solo próxima à saturação, o agente de doença
sementes com alto vigor dará origem a plãntulas que rapidamente produz micélio abundante e reproduz-se assexuadamente através
emergirão do solo e terão seus tecidos diferenciados. O plantio a de esporângios e zoósporos. Em condições não favoráveis, os
profundidades adequadas pennitirá que a plântula tenha rápida oosporos garantem a sobrevivência do patógeno. Como controle,
emergência e maturação de tecidos. permanecendo por menos são indicadas as medidas gerais recomendadas para o grupo,
tempo suscetível aos patógenos. O uso correto de nitrogênio é destacando-se 0 us0 de sementes de boa qualidade. a escolha
uma prática importante. pois o excesso deste elemento, apesar de solos com boa drenagem e o tratamento de sementes. Em
de promover o rápido crescimento da plàntula, faz com que seus substratos para a produção de mudas e em pequenas áreas usadas
tecidos fiquem muito suculentos e demorem a se diferenciar, para experimentação ou canteiros recomenda-se a desinfestação
tomando a planta suscetível por um maior período de tempo. através do calor ou de produtos químicos.
Ainda como medidas de controle, recomenda-se evitar No caso do algodoeiro-Rhizoctonia so/ani, pesadas perdas
a excessiva densidade de plàntulas no viveiro e no çampo. A podem ocorrer quando se cultiva continuamente o algodoeiro
população excessivamente alta de plâmulas, além de favo~cer a numa mesma área. O fungo vive saprofiticamente na matéria
disseminação do patógeno a partir de uma planta doente, também orgânica do solo ou em restos de cultura, no entanto toma-se um
contribui para a criação de microclima favorável à doença. patógeno agressivo quando encontra sementes em germinação e
tecidos vegetais jovens, como cotilédones, hipocótilos e raizes.
23.5. DOENÇAS-TIPO Hifas provenientes do crescimento do micélio ou da germinação
A ocorrência de damping-off é bastante comum e pode de escleródios são as estruturas responsáveis pela infecção. A
ser observada numa gama muito grande de espécies cultivadas penetração dos tecidos ocorre através de pressão mecânica e ação
ou silvestres, uma vez que os patógenos típicos do grupo química de enzimas e toX.inas produzidas pelo fungo. Enzimas

326
Damping-Off

celulolíticas e pectolíticas secretadas pelo fungo também parti- Bruehl. G. W. Biology aod Cootrol of Soil-Borne Plant Pathogens. St.
cipam da colonização e colapso dos tecidos. O patógeno colo- Paul, APS Press, 1975.
niza rapidamente o tecido morto, produzindo novas hifas e Bruehl, G.W. Soilborne Plant Pathogens. New York, MacMillan, 1987.
escleródios, que pennanecem no solo até o aparecimento de
Buczacki. S.T. Zoospor ic Plant Pathogens: A Modem Perspective.
novos tecidos suscetíveis. Em condições de pré-emergência,
o fungo causa apodrecimento da semente e a morte rápida London, Academic Press, 1983.
das estruturas vegetais produzidas; como consequência são Duoiway, J.M. Water relations ofwaler molds. Annual Review of Phyto-
observadas falhas de plantio. Em pós-emergência, os sintomas pathology 17: 431-460, I 979.
iniciais são pontos encharcados localizados no colo da planta. Erwin, D.C.; Bartnicki-Garcia, S.; Tsao, P.H. Phytophthora lts Biology,
Estes sintomas evoluem, posteriormente, para manchas de cor
Taxonomy, l!:cology 11.nd Pathology. Sl. Paul. APS Press. 1983.
marrom. Como consequência, ocorre o tombamento da plântula,
sobre a qual o patógeno cresce, fonnando micélio e escleródios. É Hendrix. F.F. Jr. & Campbcll, W.A. Pythiums as plant pathogcns. Annual
comum encontrar junto às lesões um profuso micélio pontilhado Review of Phytopathology 11 : 77-98, 1973.
de escleródios. Quanto ao controle, não existem variedades lloitink, 11.A.J. & 13oehm, M.J. 13iocontrol within the context of soil
resistentes. As medidas devem atuar, portanto, de modo a microbial communities: a substrnte-dependent phenomenon. Annual
favorecer o rápido crescimento da plântula e a desfavorecer as Review of Phytopathology 37: 427-446. 1999.
condições ótimas para o desenvolvimento do patógeno. Assim,
Mazzola., M. Assessment and management of soil microbial commu-
pode-se recomendar o uso de sementes de boa qualidade, o
nity structure for disease suppression. Annual Review of Phytopa-
tratamento de sementes com fungicidas, o plantio não profundo
thology 42: 35-59, 2004.
das sementes e em densidade adequada à cultura.
Parker. C.A.; Rovira, A.D.; Moore. K.J.; Wong. P.T.W.; Kollmorgcn.
23.6. BIBILIOGRAFIA CONSULTADA J.F. Ecology a nd Management of Soilborne Plant Pathogens. St.
Agrios, G.N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego, Acadcmic Press, 1997. Paul. APS Press, 1985.
Agrios, G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic Press, Singleton, L.L.; Mihail, J.D.; Rush, C.M. Methods for Research on
2005. Soilborne Phytopathogenic Fungi. St Paul, APS Press, 1992.
Andmon, N.A. The genetics and pathology ofRhizoctonio so/ani. Aoo1111l Tousson, TA.; 13ega, R.V.; Nelson, P.E. Root Discascs and Soll-Bornc
Revlew of Phytop athology 20: 329-347, 1982. Pathogcns. Berkeley, University ofCalífomia Press. 1970.

327
CAPÍTULO

24
PODRIDÕES DE RAIZ E COLO
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

24.1. Sintomatologia ..................................................... 329 24.4. Controle................................................................ 33 l


24. 2. Etiologia ................................................................... 330 24.5. Doen~as-tipo ........................................................ 332
24.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 331 24.6. Bibliografia consultada........................................ 332

s doenças que fazem pane deste grupo afetam representantes penencem aos gêneros Pyrhium e Phyrophthora,

A principalmente o sistema radicular e, em alguns


casos. o colo da planta. São designadas, de modo
~al, como podridões de raiz e colo. Os danos provocados
enquanto dentre os fungos destacam-se os gêneros Sclerotium,
Rhizoctonia e a espécie Fusarium so/ani. Além destes, uma
diversidade de fungos está associada a este tipo de doença,, mere-
~ raízes comprometem a absorção de água e de nutrientes, cendo destaque alguns representantes dos gêneros Armi!Jaria,
mterferindo no desenvolvimento normal da planta. T11ielaviopsis. Ophiobolus, Rosellinia, Sclerotinia e Fusarium.
Plantas que têm seu sistema radicular atacado por agentes Estes agentes são parasitas facultativos e sobrevivem em restos de.
=au.sais de podridão exibem sintomas reflexos na parte aérea. A cultura ou na matéria orgânica do solo. Alguns são considerados
tiDltomatologia caracteristica é observada. principalmente, nas habitantes do solo. enquanto outros são caracterizados c.o mo
i:ilhas, na forma de murcha, amarelecimento. deficiência mineral. invasores do solo. Geralmente, são patógenos agressivos,,que atuam
-<-.:a e morte; em arbustos e árvores pode ocorrer. além desses destruindo os tecidos vegetais e obtendo nutrientes às custas de
_11tomas. a seca parcial ou total de ramos, má formação e queda sua decomposição, não apresentando especificidade em relaç.fo ao
4k folhas, flores e frutos, declínio e morte da planta. O primeiro hospedeiro. Devido à falta de especificidade, um mesmo pa.ttógeno
pode atacar diferentes espécies vegetais, como omamen1ais.
tiDltoma geralmente observado na parte aérea é a murcha e, neste
honícolas, alimentícias. frutíferas e florestais, principalmente em
.:aso. deve-se examinar o sistema radicular, buscando-se identificar
estádios jovens. A distribuição destes fungos é bastante ampla,,
acurecimento e podridão das raízes ou radicelas, como forma de
ocorrendo cm solos de regiões temperadas, subtropicais e. tropicais.
llagnosticar o problema.
Os patógenos causadores de podridões de raiz e colo podem 24.1. SINTOMATOLOGIA
aacar as plantas desde seu estádio inicial de desenvolvimento até o Os sintomas de podridão do sistema radicular tê111 inic,i0
esiâdio adulto. As plantas jovens, de modo geral, oferecem menor com o escurecimento das raízes mais novas e progridem para as
-esistência ao ataque dos patógenos e podem morrer rapidamente; raízes mais velhas. Este escurecimento é gradual, começand0
115 plantas mais vel11as, nonnalmente, demoram mais para morrer,
com leve tonalidade marrom ou, em alguns casos, manrom-
..1 nem chegam a tal, mas têm sua produtividade sensivelmente
avermelhado, acentuando-se à medida que a doença progride.
~uzida. A maior ou menor rapidez do processo de morte é No final do processo, as raízes atacadas apresentam-se de colo-
função também do inóculo presente no solo. da ocorrência de ração marrom escura ou totalmente negra (Figura 24.1 ). O
ta.ores ambientais favoráveis à doença.:: da capacidade da planta sintoma de escurecimento é acompanhado pelo processo d'e
cm reagir ao patógeno. formando novas raízes. decomposição; as raízes totalmente escurecidas, de modo geral,
Os fungos e os cromistas são os principais agentes causais desintegram-se quando submetidas a leves pressões. Os s~n!omas
:.:.s podridões de raízes e colo. Dentre os cromistas os principais em raízes individualizadas podem ter início pela extremidade,

329
Manual de Fitopatologia

figura 24.t - Redução no desenvolvimento de muda de alface com podridão de raízes causada por Thielaviopsis basicola: (A) plllllta doente
à esquerda e planta sadia à direita; (B) alface com podridão no sistema radicular; (C) Clamidósporos (estruturas mais escuras) e
conídios (estruturas em cadeia mais claras) do fungo.
Crédito das rotos: Liliane D. Teixeira.

expressando-se também através de escurecimento. Em alguns solani, a qual está mais comumente associada ãs raízes. Os gêneros
casos, hã o aparecimento de pequenas lesões necróticas de Pyrhium, Phyrophthora, Rhizoctonia e Sclerotium, juntamente com
coloração marrom, que gradativamente aumentam de tamanho, F. solani, representam os patógenos típicos deste grupo. Alguns
dando início ao processo de podridão. deles, inclusive, já foram abordados no grupo anterior.
Na podridão de colo, as lesões aparecem no caule e Fungos do gênero Sclerotium apresentam hifas septadas,
localizam-se imediatamente abaixo ou acima da superficie .do finas, brancas e intensamente ramificadas, formando um micélio
solo. As lesões são geralmente deprimidas, de coloração marrom, abundante, cotonoso e solto. O micélio dá origem aos escleródios,
sendo que estruturas do fungo (hifas, escleródios) podem estar a inicialmente pequenos e de cor branca que, durante seu desenvol-
elas associadas. Em caules tenros, o desenvolvimento da lesão vimento, escurecem, podendo se apresentar esféricos ou de fonna
pode levar ao eufraquecimento da região atacada, predispondo irregular. Os escleródios são estruturas de resistência, garantindo a
a planta ao tombamento; é comum, também, a ocorrência de sobrevivência do fungo sob condições desfavoráveis de ambiente.
estrangulamento da planta. Em caules lenhosos, é observado o Estas estruturas, ao gem1inar, originam novas hifas. O micélio de
aparecimento de fendilhamento e escamarnento os quais, além do Sclerotium é capaz de produzir escleródios, mas não produz esporos.
dano local, podem servir como porta de entrada para a penetração Por este motivo é chamado de micélio estéril. A sobrevivência e a
de outros patógenos. disseminação do fungo são, portanto, realizadas através das hifas e
Em condições de campo, as podridões ocorrem geralmente dos escleródios. A espécie mais importante é S. rolfsii, conhecida
em reboleiras. ou seja, em áreas localizadas onde ocorre maior na fase perfeita como Athelia rolftii. Nesta fase, o fungo produz
concentração de inóculo do patógeno. É comum, também, a basidiósporos. que podem ser encontrados nas bordas das lesões, e
ocorrência de plantas doentes na mesma linha de plantio, quando são capazes de germinar sob condições de alta umidade.
a irrigação é feita pelo sistema de sulco, pois a água serve de Com relação ao gênero Fusarium, algumas espécies estão
agente disseminador do patógeno. envolvidas com podridão de raízes. F. solani, porém, é a mais
Com respeito à diagnose, as primeiras evidências da ocorrência importante. Esta espécie possui hifas septadas que formam um
de doença aparecem na parte aérea da planta, na forma de sintomas micélio branco-acinzentado, flocoso, variando de esparso a denso.
reflexos. Assim, a flacidez de folhas e ramos, o amarelecimento O fungo produz dois tipos de esporos assexuados, denominados de
de folhas, sintomas de deficiência nutricional, a queda prematura microconídios e macroconídios. Os microconídios são ovalados, uni
de folhas, flores, frutos e a própria morte da planta al'!)ntam para ou bicelulados, e fonnados, ern grande quantidade, nas extremidades
problemas de natureza radicular. Nestes casos, deve-se proceder ao de microconidióforos. Os macroconídios são fusifonnes, multi-
exame do sistema radicular, procurando os indícios característicos septados, originam-se a partir de conidióforos emergentes de
de podridão, visando um diagnóstico seguro. esporodóquios e são. em média, quatro vezes maiores que os
microconídios. Clamidósporos (estruturas de resistência) também
24.2. ETIOLOGIA são produzidos abundantemente pelas hifas; variam de globosos a
Os principais agentes que causam podridão em raízes e colo ovais, apresentam parede lisa ou rugosa e são formados no ápice
de plantas jovens são praticamente os mesmos que causam podridão de ramos laterais curtos ou podem ser intercalares em relação à
de sementes e danos em plântulas, exceção feita à espécie Fusarium hifa. A forma perfeita de F. solani corresponde a Haematonectria

330
Podridões de Raiz e Colo

.,,:nmatococca, um ascomiceto que produz peritécíos, no interior processo de colonização, surgem nas raízes ou nas hastes pequenos
j.:,s quais se formam os ascos. Os peritécios são superficiais em pontos cuja coloração varia de marrom-avermelhado a negra,
-::lação aos tecidos do hospedeiro, ligeiramente globosos, de cor dependendo do hospedeiro e do patógeno envolvidos. Estes pontos
.:.ranja-claro a marrom-claro e ocorrem em profusão sob alta umi- abrem-se em lesões maiores, que tendem a evoluir, provocando
_.;de nas regiões tropicais. Os ascos são cilíndricos e formam oito o enegrecimento da região atacada; em alguns casos, o fungo
JSCÓsporos elipsoidais, hialinos, que, posteriormente, adquirem se reproduz rapidamente sobre o tecido doente, sendo possível
coloração marrom-claro. observar a presença de micélio cotonoso e escleródíos associados
Além desses patógenos, considerados típicos do grupo, uma ãs lesões. A evolução da doença leva à destruição parcial ou total
5erie de outros fungos são agentes causais de podridões em raiz do sistema radicular ou do colo da planta, ocasionando sua morte.
e colo de plantas. Podem ser citados os gêneros Thielaviopsis, Este tecido morto servirá como substrato para que o fungo se
.'lruellinia,Annillariae Ophiobolus que, de um modo geral, atacam desenvolva, até que encontre uma nova planta hospedeira.
raizes de plantas que já passaram do estádio de planta jovem. As condições ambientais que favorecem a atuação desses
patógenos relacionam-se, principalmente, ã temperatura e à umi-
!-1.3. CICLO DARELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO dade. A ocorrência de alta umidade no solo é condição requerida
Os mais importantes agentes causais de podridões de raiz pela maioria dos patógenos do grupo; quanto à temperatura,
e colo são fungos que nomrnlmente fazem parte da microflora alguns são favorecidos por temperaturas mais amenas ( 15-22 ºC),
_ solo, ou seja, são os chamados habitantes d0 solo. Outros como Pythium, Phytophthora, Rhizoctonia e Ophiobulus, enquanto
~ considerados invasores e a permanência no solo depende outros, como Sclerotium, F. solani, Thielaviopsis e Sclerotinia,
.lc sua capacidade de sobrevivência na ausência do hospedeiro. desenvolvem-se melhor sob temperaturas mais elevadas (25-35 ºC).
'ímto os habitantes como os invasores do solo apresentam uma
cise parasitária, que ocorre nas raízes de plantas hospedeiras, e 24.4. CONTROLE
--na fase saprofitica, que é realizada na matéria orgânica. A fase O controle das doenças causadas por patógenos veiculados
-..profirica corresponde ã sobrevivência do patógeno na ausência pelo solo é tarefa difícil, pois o solo é um ambiente complexo,
,!,.) hospedeiro (veja Capítulo 4 desta obra). Nesta fase, os onde medidas de controle têm sua eficiência bastante prejudicada
~.:.rngenos sobrevivem em restos de cultura ou na matéria orgânica ou sua aplicação dificultada.
__ solo, na forma de micélio, clamidósporo, escleródio, zoósporo, O emprego de variedades resistentes é inviável, pois a natureza
esporângio ou oósporo. Estes fungos têm a capacidade de persistir agressiva do patógeno, aliada à falta de especificidade em relação
t11J solo durante longos períodos, pois, sob condições nonnais,
ao hospedeiro, toma difícil a obte.nção de materiais resistentes.
.:rescem na matéria orgânica e, em ambientes desfavoráveis, Em muitos casos, ocorre um tipo especial de resistência, chamada
~têm-se viáveis através das estruturas de resistência. "escape", ou seja, a planta atacada tem a capacidade de formar novas
A partir da fonte de inóculo, representada por restos de raízes, que vão substituindo aquelas destruídas pelo patógeno.
:ulrura e matéria orgânica, pode ocorrer a disseminação, ativa
Uma medida de controle importante é evitar o excesso de
passiva, das estruturas fúngicas. Na disseminaçãõ ativa,
umidade no solo. Para tal, recomenda-se escolher solos com boa
·>5 zoósporos deslocam-se através da água presente no solo. A
drenagem e controlar a irrigação.
_stància percorrida, porém, é pouco significativa. A fom1a passiva é
-:c".:.lizada através da água (enxurrada ou respingos), do movimento A rotação de cultura pode ser uma medida adequada de
controle. Atenção especial deve ser dada à escolha da espécie ou
:.e mio (aração e gradagem) e do transporte de material infectado
"'!"udas e sementes), promovendo a disseminação dos propágulos espécies que serão utilizadas na rotação.
- J.Ístâncias mais longas. O emprego de produtos químicos, na forma de tratamento
A semeadura ou o plantio de mudas em solos infestados do solo, de tratamento de sementes, estacas ou mudas pode
~rmíte o contato entre o hospedeiro e o patógeno. A presença minimizar os danos provocados pelas doenças deste grupo. O
~ raízes da planta hospedeira pode estimular a germinação de
tratamento do solo em grandes extensões não é econômico.
c--"Jl.Jturas do fungo ou o crescimento de hifas, que alcançam a Um cuidado a ser tomado, sempre que possível, éa utilização
_perficie das raízes, iniciando o processo de infecção. O contato de sementes, mudas e material de propagação vegetativa livres de
:-itre estruturas do patógeno e órgãos da planta também pode patógenos. Em alguns casos, a aração profunda, visando enterrar
-er estabelecido de forma casual. A penetração do patógeno nos os restos de cultura, pode dar bons resultados. O uso de solarização,
ceidos vegetais pode ser feita por intermédio das hifas e/ou que envolve a cobertura do solo com filme plástico para que a
~ s mbos germinativos provenientes dos esporos. A penetração alta temperatura provocada pela radiação solar destrua estruturas
:-,,,'<le ser direta pela superfície do órgão atacado ou através de fúngicas, pode se mostrar eficiente para determinados patógenos.
:.!'rimentos de natureza diversa, como aqueles provocados por O controle biológico, utilizando organismos antagônicos de
·:!matoides, insetos, ferramentas, abrasão com partículas do solo natureza fúngica ou bacteriana aplicados diretamente no solo, em
_, emissão de raízes secundárias. sementes ou em órgãos de propagação vegetativa, é uma fonna
A colonização dos tecidos é auxiliada pela ação de subs- desejável de controle para patógenos veiculados pelo solo.
=cias químicas do tipo ácidos orgânicos, toxinas e enzimas, O controle de doenças deste grupo geralmente é viável
·~as produzidas pelo patógeno. A atuação conjunta de meca- quando feito em condições de viveiro ou em pequenas áreas
• 5mos químico e mecânico promove a morte das células e, plantadas com culturas de alto valor econômico. Na grande
~)Steriormente, a decomposição do têcido. As hifas crescem prática, pouco é feito para controlar este tipo de doença, pois
-:iter e intracelularmente e, sob condições de alta umidade e não existem medidas suficientemente adequadas que possam
=peraturas adequadas, promovem a reprodução do patógeno, ser aplicadas no campo, tanto pela própria natureza das medidas
,na11do novas bifas e estruturas reprodutivas. No início do como pelo seu aspecto econômico.

331
Manual de Fitopatologia

24.5. DOENÇAS-TIPO Ferimentos de natureza diversa também têm um papel importante


Os fi.mgos e cromistas associados ao grupo das podridões de na etapa de penetração. As células próitimas ao ponto de penetração
raiz e colo não apresentam especificidade em relação ao hospe- são mortas pelas secreções fúngicas e, rapidamente, são colonizadas
deiro e atuam matando rapidamente o tecido atacado, através pelas hifas. À medida que o tecido vai sendo decomposto. um
da produção de toxinas e enzimas. Estas características comuns micélio branco cresce na sua superfície e, com o tempo, começam
encontradas nos patógenos deste grupo determinam a ocorrência a aparecer os escleródios. Os sintomas manifestam-se como
de um quadro sintomatológico semelhante num número muito podridão do tecido do colo o qual, devido à morte das células,
grande de espécies vegetais, sejam elas de interesse econômico ou toma-se escuro. A necrose normalmente circunda o caule e pode,
não. Como exemplos de doenças típicas do grupo serão destacadas posteriormente, caminhar para a parte superior ou iuferior deste.
a podridão de raízes do feijoeiro, causada por Fusarium solam· f.sp. Sobre o tecido necrosado desenvolve-se farto micélio. que dá
phaseoli, e a murcha do amendoim, causada por Sclerotium mlfsii. origem aos escleródios, inicialmente brancos e que vão se tomaudo
A podridão de F. solani cm feijoeiro é considerada como pardacentos enquanto amadurecem. A presença destas estnituras
uma das mais importantes doenças da cultura, em razão da sua do patógeno associada à planta doente permite a identificação
ocorrência frequente e das condições favoráveis que a mesma imediata da doença. O sintoma <le murcha que aparece na parle
encontra em nosso meio. O fungo pode sobreviver por muitos aérea da planta é decorrente do bloqueio que o fluxo de água e
anos na forma de clamidósporos. Estas estruturas deixam o nutrientes sofre na região do caule. As condições que favorecem
estado de dormência quando estimuladas por exsudatos de a ocorrência da murcha são alta umidade, temperan1ra elevada
raízes em desenvolvimenro. Após o processo de germinação na (25-35 ºC) e presença de restos de cultura, os quais, além de abrigar
região da rizosfera, o tubo germinativo ou a hifa penetra a raiz do o fungo, permitem seu desenvolvimento antes de infectar a planta
hospedeiro, seja através de ferimentos, seja diretamente através hospedeira. As medidas de controle devem visar a redução do
da superfície, dando início ao processo de doença. A colonização inóculo e incluem a rotação com plantas não hospedeiras, a
é feita com o crescimento inter e intracelular das hifas sobre o aração profunda, que elimina os restos de cultura, a erradicação
tecido previamente mono e desorganizado pelas toxinas e enzimas de hospedeiros alternativos e o tratamento químico do solo, este
prodnzidas pelo patógeno. Como sintoma externo, é observada quase sempre economicamente inviável. O emprego de variedades
uma leve descoloração avermelhada da raiz principal, a qual resistentes como forma de controle é inviável, pela inexistência de
gradativamente aumenta em inteusidade e extensão. Em alguns material resistente a esta doença.
casos, este avenoelhamento desenvolve-se na fonna de estrias,
que chegam a atingir a região do colo da planta. Com o progresso 24.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
da doença, a região avem1elhada toma-se marrom, podendo surgir Agrios. G,N, Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
fissuras longitudinais. O fungo ataca também as raízes laterais, Press, 2005.
causando sua destruição e provocando uma re11çâo na pl8f11.a,
Amorim. L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
que passa a fonnar raízes adventícias. As plantas doentes podem
(ed.). Manual de Fitopatoloi:la: Doenças d as Plantas Cultivadas.
se recuperar e voltar a crescer normalm~nte, caso as comlic,:õe~
São Paulo, Ceres, vol. 2, 2016.
ambientais tomem-se adversas à doença. No entanto, sob
condições favoráveis. as plantas tomam-se amareladas, perdem Andcrson, N.A. The genetics and palhology of Rhizoctonia solani.
folhas, reduzem seu desenvolvimento e sua produção. As plantas Annual Rel'iew of Phytoputholoi:y 20: 329-347, 1982.
severamente atacadas apresentam o sistema radicular totalmente 800th. C. The Genus F11sari111n. Kew. Commonwealth Mycological
destruído, faro que leva à morte da parte aérea. Sobre o tecido lnstitute, 1971.
morto, que atua como fonte de inóculo, o fungo forma micélio, Buczacki, S.T. Zoosporic Plant Pathogens: a Modem Perspedive.
macro e microconídios, além de clamidósporos. A dispersão destas
London.Academic Press, 1983. 352p.
estruturas pode se dar através da água de chuva ou de irrigação e
pelo movimento de terra durante as operações de preparo do solo. Bruehl, G.W. Soilborne Plant Pathogens. New York, MacMillan, 1987.
O patógeno que ataca o feijoeiro apresenta certa especialização em Erwin, D.C.; Garcia, S.B.; Tsao, P.H. Phytophthora: Its Biology, Taxo-
relação a esta planta, sendo denominado F. solani f. sp. phaseoli. nomy, Ecology and Pathology. St. Paul, APS, 1983.
Apesar disto, o fungo possui outros hospedeiros do mesmo Garret, S.D. Pathogenic Root-lnfecting Fungl. London, Cau1bridge
gênero do feijoeiro, bem como a ervilha, o caupí e o tomateiro. University Press, 1970.
O desenvolvimento da doença é favorecido por temperaturas
entre 22 e 34 ºC. As medidas de courrole restringem-se à rotação Hendrix, F.F. & Campbell, W.A. Pythiums as piam pathogens. Annual
Review of Phytopathology li : 77-98, 1973.
de cultura com plantas não hospedeiras, não se dispondo de
variedades geneticamente resistentes ao patógeno. Katan, J. Solar healing (solarízation) of soil for control of soilbome pests.
A murcha do amendoim, causada por S. rolfsii, é uma doença Ao.nua! R eview of Phytopathology 19: 211-236, 1981.
típica do colo da planta. O fungo sobrevive saprofiticamente em Lockwood, J.L. Evolution of concepts associated with soilbome plant
restos de cultura, na forma de micélio ou de escleródios, os quais pathology. Annual Revlew of Phytopathology 26: 93-12 l. 1988.
podem permanecer viáveis no solo por um período superior a cinco Punja, Z.K. The biology, ccology and control of Sclerotium ro/fsii.
anos. A disseminação na área de plantio ocorre principaJmente pela Annual Review of Phytopathulogy 23: 97-127, 1985.
água de chuva ou irrigação. Quando uma planta de amendoim é
Micherelf. S.J.; Andrade, D.E.G.T.; Menezes, M. Ecologia e Manejo de
colocada junto aos restos de cultura coionizados pelo fungo, hifas
Patógenos Radiculares em Solos Tropicais. Recife, UFRPE, 2005.
passam a se desenvolver sobre a região do colo da nova planta e, a
partir daí, penetram diretamente a superficie do hospedeiro através Síngleton, L.L.; Míhail. J.D.; Rush, C.M. Mc tbods for Research on
da ação de toxinas e enzimas que promovem a morte das células. Soilborne Phytopathogenic Fungi. St Paul, APS Press, 1992.

332
CAPÍTULO

25
MURCHAS VASCULARES
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

25.1, Sintomatologia ..................................................... 333 25.4. Controle................................................................ 336


25.2. Etiologia................................................................ 334 25.5. Doenças-tipo ........................................................ 337
25.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 335 25.6. Bibliografia consultada ........................................ 338

O
transporte de água e nutrientes absorvidos pelas As doenças vasculares estão amplamente distribuídas em
raízes é um processo vita l para o âesenvolvimento todas as áreas onde se desenvolve a agricultura. Plantas anuais ou
da planta. A colonização dos vasos do xilema por perenes podem ser atacadas desde seu estádio inicial de desen-
'."11 grupo de patógenos resulta nas chamadas doenças vasculares, volvimento até o estádio adulto, havendo comprometimento tanto
.,rnbém conhecidas por murchas. da produção quanto da longevidade da planta.
Murcha é um sintoma complexo que pode ter diferentes Um aspecto importante em relação ao controle é que a
.:ausas, como a deficiência hídrica do solo, a insuficiente absorção especificidade existente entre hospedeiro e patógeno toma viável
.i.! água pelas raízes ou a descontinuidade na translocação, pelo a obtenção de variedades resistentes. O emprego destas varie-
ulema, da água absorvida pelas raízes. A murcha observada dades, além de controlar eficientemente a doença, não onera o
~ planta duraute as horas mais quentes do dia e a recuperação custo de produção para o agricultor.
aa turgidez durante os períodos de temperatura mais amena é
-ip1camente decorrente da falta de água no solo, não tendo relação 25.1. SINTOMATOLOGIA
.:om patógenos. Este tipo de murcha pode se tomar permanente As plantas atacadas por fungos ou bactérias causadores
, provocar a mone da planta, caso não ocorra reposição de água de doenças vasculares exibem sintomatologia similar. No caso
~olo. A destruição parcial do sistema radicular, provocado por dos fungos, os sintomas externos têm início, em plantas mais
-_1ogcnos ou insetos. também compromete a absorção de água na velhas, pelo clareamento das nervuras e alteração da tonalidade
...1ntidade exigida pela planta, mesmo havendo disponibilidade de verde das folhas, que gradativamente vai se tomando amare-
agua no solo. Finalmente. o colapso do sistema de transporte, em lada, começando pelas folhas mais velhas e progredindo para as
função do ataque de agentes patogênicos, impede o fluxo normal mais novas. Com a evolução da doença, pode ocorrer a murcha
• seiva bruta através dos vasos do xilema, podendo levar a planta de folhas e brotos, a necrose marginal nas folhas, a 4ueda de
a mone. Neste capítulo, somente este último caso será discutido. folhas, flores e frutos, o aparecimento de raízes adventícias e.
Os agentes causais de doenças vasculares são fungos e finalmente, a morte da planta (Figura 25.1 ). Quando o patógeno
bactérias considerados parasitas facultativos, que sobrevivem. na ataca plantas em início de desenvolvimento, pode provocar a
aisência do hospedeiro. em restos de cultura e na matéria orgânica morte rápida da mesma. A maior ou menor severidade da doença
presente no solo. Estes agentes são, em termos de parasitismo, está condicionada, no entanto, à ocorrência de fatores ambientais
-..ais evoluídos que os patógenos associados às doenças do tipo favoráveis e à própria resistência do hospedeiro. Sintomas internos
-.timping-off'· e podridão de raízes, pois apresentam especifici- são evidenciados pelo escurecimento dos vasos do xilema, obser-
..2.de tanto em relação ao hospedeiro como ao tecido que atacam, vado quando se procede ao cone transversal do caule ou dos ramos
. - seja, o sistema vascular. A especificidade destes organismos da planta doente; é possível, desta fonna, acompanhar a distribui-
dioega ao nível de raça fisiológica do patógeno. ção do patógeno através de cones sucessivos nas diversas partes

333
Manual de Fitopatologia

Figura 25.1 - Murcha vascular de tomateiro causada por Fusarium oxy sporom f. sp. fycopersici (A); escurecimento vascular em haste de
tomateiro portadora de murcha vascular (B).

da planta. Em alguns casos, os sintomas podem se manifestar


somente numa parte da planta; esta situação ocorre quando o
pat6geno provoca, apenas, o bloqueio dos vasos que levam a
seiva bruto justamente para a parte da planta que está exibindo
os sintomas de murcha.
Os sintomas presentes nas plantas atacadas por bactérias
têm início com a murcha das folhas mais velhas. Com o progresso
da doença, os tecidos do caule e do ponteiro também se tomam
flácidos, seguindo-se a seca das folhas, caule, ramos e, finalmente,
a morte da planta. Algumas vezes, o amarelecimento das folhas e
o aparecimento de raízes adventícias estão associados ao quadro
de murcha. Quando as hastes de plantas doentes são cortadas
transversalmente, fica evidenciada a descoloração do sistema
vascular. Estas mesmas hastes, quando cortadas e imediatamente
colocadas em recipiente com água, podem exsudar um pus viscoso,
indicando a presença de bactérias nos vasos (Figura 25.2).

25.2. ETIOLOGIA
Os patógenos fúngicos típicos deste grupo são Fusarium
oxysporum, Verticillium albo-atmm, Verticilliurn dah/iae e algumas
espécies de Ceratocystis. As espécies bacterianas mais cümurnente
associadas às murchas pertencem aos gêneros Ralstonia, Xylella,
Figura 25.2 - "Corrida bacteriana" obtida com corte transversal de has-
Xanrhomonas e Leifsonia.
te de tomateiro colonizada por Ralstonia solanacean1111.
Fusarium oxyspontm é um fungo de micélio geralmente Crédito da foto: Carlos A. Lopes.
branco que, dependendo da idade da colônia e das condições
ambientais, pode apresentar coloração levemente amarelada ou,
algumas vezes, púrpura. Os esporos assexuados são representados globosos, possuem parede espessa e atuam como estruturas de
por microconfdios, macroconídios e clamidósporos. Os microcü- resistência. O fungo é bastante variável sob o aspecto morfológico
nídios originam-se na extremidade de conidióforos, são hialinos, e patogênico, apresentando diversasformae speciales que atacam
elípticos, uni ou bicelulares e produzidos em grande quantidad.::.
detenninados hospedeiros, recebendo em cada caso denominação
Os macroconídios são fonnados no ápice de conidióforos rami-
ficados ou na superílcie de esporodóquios, são hialinos, fusi- especial. Assim, por exemplo, a murcha da bananeira é causada
formes, com as extremidades curvadas, e apresentam de três a por F. oxysponim f. sp. cubense, a murcha do feijoeiro, por
cinco células. Os clamidósporos são geralmente abundantes e F. oxy sponim f. sp. phaseoli, a murcha do tomateiro, por
localizados nas extremidades ou intercaladamente nas hifas; são F oxysporum f sp. lycopersici, a murcha do algodoeiro, por

334
Murchas Vasculares

F oxysporum f. sp. vasinfectum. Além das Jormae speciales, o Além deste tipo de substrato, o fungo pode se desenvolver nos
Jungo pode apresentar raças patogênicas, identificadas através de tecidos de várias espécies vegetais, que atuam como hospedeiros
,ariedades diferenciais do hospedeiro. F oxysporum pode atacar alternativos para o patógeno, na ausência do hospedeiro principal.
uma série de plantas cultivadas, bem como plarntas daninhas ou A disseminação dentro da área de cultivo pode ocorrer através da
silvestres. água de chuva ou irrigação, que leva os propágulos juntamente
As espécies Verticillium a/bo-atn1m e V dahiiae também são com as partículas de solo; o movimento de solo decorrente de
:issociadas às murchas de uma gama enonne de p]antas anuais ou aração e gradagem também promove o disseminação do patógeno,
perenes, cultivadas ou silvestres. Várias espécies de olerícolas, aumentando sua área de atuação dentro da propriedade. A longas
.11imentícias, ornamentais, frutíferas e florestais podem ser ata- distâncias, o fungo pode ser disseminado juntamente com mudas,
,:adas por estes patógenos. Uma característ.ica morfológica típica tanto no solo como no próprio material vegetal, ou veiculado
destes fungos é a formação de conidióforos verticilados, no por sementes. Quando o patógeno entra em contato com raízes
Jpice dos quais são produzidos os conídios uni,celulares, hiali- do hospedeiro, as estruturas de resistência podem germinar sob
nos e ovais. Estruturas de resistência do tipo microescleródios são estímulo de exsudatos produzidos pela planta, dando inicio à
a.s principais responsáveis pela sobrevivência do fungo no solo infecção. /\ penetração ocorre através da raiz principal, radicelas
durante a ausência do hospedeiro. ou pêlos absorventes e processa-se de modo direto através da
Algumas doenças vasculares que ocorrem principal- superftcie do hospedeiro ou de ferimentos presentes nos mesmos.
il<!nte em árvores têm como agente causal espécies dos gêne- A colonização desenvolve-se com o crescimento intercelular das
ros Ceratocystis e Ophiostoma. As principais espécies envolvi- hifas em direção aos vasos de xilema. O patógeno pennanece
&s são C.fimbriata, que causa a murcha ou a sec:a da mangueira, praticamente confinado ao xilema e, a partir daí, distribuí-se por
.i.Jém de atacar também o cacaueiro e a seringu,eira, c O. ulmi. toda a planta, por meio do crescimento de hifas ou pela produção
que provoca a seca do olmo. Ambos formam peritécios gregários, de conídios, que são arrastados pelo fluxo da seiva bruta. Com
de cor preta, globosos e providos de um rostro bastante longo. a evolução da doença, tem início a obstrução e o escurecimento
\:o interior do peritécio são produzidos os ascos:, que amadure- dos vasos. A obstrução é consequência do acúmulo de micélio,
~.:m e desintegram-se, liberando os ascósporos. Estes, posterior- esporos, gomas e tiloses, bem como de constrição do vaso, provo-
"Tiente, acumulam-se no ápice do rostro, ficando imersos numa cada pela proliferação das células adjacentes que compõem o
"1Jassa gelatinosa de coloração creme. Os ascósporos são elípti- tecido do parênquima.
.:os. achatados, hialinos e unicelulares. O patógeno pode formar As gomas são constituídas por produtos resultantes da atu-
:ambém endoconídios catenulados, cilíndricos, hialinos e unicc- ação de enzimas do patógeno sobre os componentes das células
ulares, bem como macroconídios elíticos, escuros e unicelulares, vegetais, enquanto as tiloses são estruturas produzidas por células
xalizados na extremidade de conidióforos. Além das espécies adjacentes ao xilema que extravasam para o interior do vaso, ca11-
amóreas, plantas arbustivas e herbáceas também podem ser ata- sando a oclusão do mesmo. Contribuem também para o bloqueio
.:adas por Ceratocystis, estando entre elas a batata-doce, o fumo, dos vasos alguns polissacarídeos e toxinas fonnados pelo fungo.
a crotalária e a mamona. As toxinas podem tanto destruir as células do parênquima próxi-
Dentre as bactérias, Ralstonia solanacearum destaca-se mas ao vaso, dando origem a materiais que se acumulam nos mes•
~orno uma das mais importantes, principalmente nas regiões mos, como também atingir as folhas, provocando redução na sín-
tropicais. Esta bactéria ataca mais de duzentas espécies vegetais tese de clorofila, alterações na fotossíntese. na permeabilidade das
~ causa problemas sérios nas culturas do tomate, da batateira membranas celulares e no controle da transpiração.
e da bananeira, entre outras. Nesta espécie, já foi constatada a O escurecimento dos vasos é atribuído ao transporte de
ocorrência de várias raças, cada uma apresentando especificidade substâncias resultantes da oxidação e polimerização de compostos
:.1ra um detenninado grupo de hospedeiros. As células de fenólicos, que são lançados no sistema vascular pelas células do
-;; solanacearum apresentam um único flagelo polar, têm a forma parênquima. Os sintomas de murcha surgem em consequência do
,k bastonete, são Gram-negativas e não formam endósporo e bloqueio dos vasos, impedindo que a água absorvida pelo sistema
capsula. As colônias são brilhantes e, geralmente, apresentam radicular supra adequadamente a parte aérea da planta. Nos casos
.:oloração amarelo-claro. em que a planta consegue sobreviver ao ataque do patógeno, o
O gênero Xanthomonas também está relacionado com as fungo pode colonizar sistemicamente a planta, comprometendo
:!üenças vasculares. X campestris pv. campestris, por exemplo, seu desenvolvimento e infectando suas sementes. Em ambientes
,taca repolho, couve, couve-Aor, ràbánete. nabo e côuve-de- favoráveis à doença, a planta morTe e o fungo passa a crescer no
~ruxelas desde os primeiros estádios de desenv,:ilvimento até a tecido em decomposição, sobre o qual realiza sua reprodução,
lâse adulta da planta. As células de X campestris têm a fonna dtJ através da fonnação de esporos e estruturas de resistência. Quanto às
r-ustonete, possuem um flagelo polar, são Oram-negativas e não condições ambientais, F m.yspon.1m é favorecido por temperaturas
!presentam endósporos; as colônias são brilhantes e fortemente entre 21 e 33 't:, com ótimo em torno de 28 'C.; as espécies de
~oloridas de amarelo. Esta coloração intensa é típica deste grupo Verticillium desenvolvem-se melhor a temperaturas mais amenas.
.li! bactérias. Em relação ao fungo Ceratocystis, o ponto que mais chama
a atenção é a relação com o inseto vetor, que promove sua dis-
!5.3.CICLODARELAÇÃOPATÓGENO-HOSPEDEIRO seminação na natureza e atua na penetração deste patógeno
As diferentes/ormae speciales de F oxysporum e as espé- nos tecidos do hospedeiro. A fonte de inóculo é representada
-~es V. albo-atrum e V. dahlíae apresentam muita semelhança por árvores ou partes de árvores infoctadas e por material
~ relação ao ciclo patógeno-hospedeiro (Figura 25.3). A vegetal doeme em decomposição. O fungo é veiculado por
k>brevivência do patógeno ocorre na forma de micélio ou de besouros (Scolytus multistriatus, no caso da murcha do olmo, e
~lamidósporos encontrados geralmente em res.tos de cultura. Hypocryphalus mangiferae, no caso da seca da mangueira), que

335
Manual de Fítopatologia

Mi"°'i'~ ;, ~

ldó
Macroconfdlos CIam1 sporo Micélio
~
Esporos formados
+--
Planta
no solo murcha inferiores
Estruturas presentes em tecidos e morre murcham
infectados ou no solo

Figura 25.3 - Ciclo de murcha de Fusorium (Fusarium O,T),sporum f.sp. lycopersici) em tomateiro.
Fonte: Redesenhado por Serge Savary, de Agrios ( 1997).

fonnam galerias no tronco e nos ramos das árvores. Ao iniciar a rídeos produzidos pelas bactérias, juntamente com componentes
perfuração do tecido vegetal, o inseto introduz o fungo na planta celulares degradados pelas enzimas bacterianas. Além das enzi-
e este inicia a colonização das células do parênquima até atingir o mas que degradam celulose e substâncias pécticas, as bactérias
sistema vascular. O patógeno coloniza os vasos e produz estruturas podem produzir enzimas que oxidam fenóis, dando origem aos
reprodutivas que são distribuídas por toda planta através do fluxo compostos do tipo melanina que, liberados no xilerna, causam o
da seiva bruta. Com a evolução Ja doença, ocorre o bloqueio dos escurecimento dos vasos. A produção de toxinas ainda não está
vasos, em função do acúmulo de gomas, riloses, polissacarídeos confirmada. Há evidências, porém, que determinadas substâncias
e estruturas do fungo, ocasionando a murcha, a seca e a mone bacterianas interferem negativamente na planta. Assim, alguns
de ramos ou da planta toda. Os insetos que estavam aruando compostos induzem hiperplasia das células do parênquima, fato
neste material vegetal, ao empreenderem um novo vôo, levam os que implica na diminuição do diâmetro do vaso. Os sintomas de
esporos do fungo aderidos ao corpo e, ao encontrarem um novo murcha manifestam-se na parte aérea do hospedeiro e, sob con-
hospedeiro. promovem a inoculação do patógeno. dições favoráveis à doença, o mesmo pode ser levado à morte.
O ciclo da relação patógeno-hospedeiro no caso de Os restos de cultura em decomposição liberam os talos bacteria-
Ralstonia é semelhante ao caso anterior. A bactéria sobrevive nos para o solo, os quais podem ser disseminados, dando início a
em restos de cultura, hospedeiros alternativos e sementes. A dis- um novo ciclo da doença. As murchas bacterianas afetam, princi-
seminação é fci1a pela água de chuva ou irrigação, movimento palmente, plantas herbáceas e ocorrem, predominantemente, nw;
do solo e ferramentas utilizadas nas práticas culturais. A pene- regiões tropicais e subtropicais.
tração ocorre via ferimentos existentes na raiz e a colonização
desenvolve-se com a multiplicação da bactéria nos tecidos vege- 25.4. CONTROLE
tais, sempre em direção dos vasos do xilema. Uma vez no vaso, O controle das murchas é bastante dificil, pois seus agen-
as bactérias continuam se multiplicando e podem atingir todas as tes causais desenvolvem-se no solo e penetram no hospedeiro via
partes da planta, sendo levadas juntamente com água e nutrientes. sistema radicular. Além disso, são capazes de sobreviver no solo
Ao longo do xilema, as bactérias rompem as células da parede por longos períodos, o que dificulta sua erradicação. A medida de
do vaso e passam a se multiplicar'nas células do parênquima, controle mais eficiente é o emprego de variedades resistentes, obti-
formando cavidades contendo material mucilaginoso, fragmen- das em programas de melhoramento genético, graças à especifici-
tos celulares e talos bacterianos. Em decorrência da colonização, dade existente na relação patógeno-hospedeiro. Para várias cultu-
ocorre a obstrução do vaso, causada pelo acúmulo de polissaca- ras foram desenvolvidas variedades resistentes, tanto no caso de

336
Murchas Vasculares

murchas de natureza fúngica como bacteriana, tomando viável O fungo sobrevive no solo durante longos períodos na
o controle da doença. Algumas medidas alternativas podem ser forma de clamidósporos, que podem ser disseminados na área
empregadas. A rotação de cultura, utilizando plantas não hospe- através do movimento de solo provocado por vento, água ou
deiras do patógeno, pode reduzir o inóculo no solo, diminuindo os implementos. Os clamidósporos germinam sobre as raízes do
danos provocados na cultura principal. Além disso., recomenda-se algodoeiro e o tubo germinativo resultante deste processo penetra
o emprego de sementes e de material propagativo livres de patóge- diretamente a superlicie vegetal ou ganha o interior da planta
nos; a instalação da cultura em áreas onde ocorra baixa população através de ferimentos. Neste caso particular, os ferimentos provo-
do patógeno; a realização de a ração profunda, visando enterrar os cados por nematoides do gênero Meloidogyne têm um papel
restos de cultura; a desinfecção de ferramentas utilizadas nas ope- importante na ocorrência da murcha, a tal ponto de comprometer
rações de tratos culturais; o controle de insetos vetores e de nema- o controle da doença, mesmo quando variedades resistentes
toides que facilitam a dispersão e a penetração do,s patógenos; a são utilizadas. Após a penetração, as hifas crescem em direção
fumigação do solo, quando economicamente víávd; a inundação aos vasos do xílema e passam a se desenvolver no seu interior,
da área infestada pelo patógeno; a alteraç-ào do pH do solo. no caso colonizando as células, produzindo esporos e promovendo a
de algumas bactérias. Logicamente, a utilização destas medidas distribuição sistémica do fungo pela planta através da corrente
está condicionada a determinados fatores, como custo da opera- ascendente de seiva. Com a evolução da colonização, ocorre o
ção, eficiência do controle, exequibilidade da medida e natureza bloqueio dos vasos infectados, limitando parcial ou totalmente
do hospedeiro e do patógeno envolvidos. Algumas medidas. envol- a passagem de água e elementos minerais para a parte aérea
,·endo controle biológico e uso de solarização, pouco exploradas da planta. Externamente, os sintomas iniciam-se pelas folhas
em termos práticos até agora, são potencialmente promissoras para basais, que perdem a turgidez, tomam-se amareladas, apresentam
o controle de fungos e bactérias causadores de murcha (Boxe 25.1 ). crestamento do limbo e, finalmente, caem. Quando se corta
transversalmente a raiz, o caule ou os ramos de uma planta doente
25.5. DOENÇAS-TIPO pode-se observar o típico escurecimento de vaso~, que evidencia
A murcha do algodoeiro, causada por Fusarium oxyspornm a presença do patógeno. As plantas que, por alguma razão,
f. sp. vasinfecfwn, determinou a decadência da lavoura algodoeira sobn~vivem ao ataque do fungo podem ter seu desenvolvimento
nas nossas condições. algumas décadas atrás. Atual mente, a coto- prejudicado. sua produção reduzida e suas sementes infectadas.
nicultura tem se desenvolvido graças à disponibilidade de varieda- Após a morte da planta, o fungo desenvolve-se sobre os restos de
des resistentes à doença. cultura, formando micélio, esporos e estruturas ti.1produtivas. A

Boxe 25.1 Solo saudável, menos doença

Apesar de pitoresco, o titulo traduz um~1verdade incontestável. A concepção de solo como um ambiente físico, que
serve simplesmente como substrato para crescimento de plantas, não é condizente com os conceitos mais modernos
de agroecossistema, fontes renováveis e s·ustentabilidade. A interação entre os componentes físicos, químicos e
biológicos fa2.em do solo um ambiente extremamente dinâmico, no qual a interferência do homem pode ser marcante.
A implementação e manntenção da "saúde" de um solo passa obrigatoriamente pelo uso de boas práticas culturais.
Em termos biológicos estas práticas geram condições favoráveis ao desenvolvimento de populações de micror-
ganismos habitantes naturais do solo. O solo comporta populações antagônicas às populações de patógenos qne
compartilham este mesmo ambiente. Port~mto, se a população do agente causal é reduzida, menor é a quantidade
de inóculo e, consequentemente, menor é o dano causado pela doença. Assim, é reconhecido que o bom manejo do
solo pode contribuir significativamente para o bom manejo de doenças. Boas práticas culturais contribnem também
para promover características desejáveis de natureza física e química, tais como aeração adequada, retenção de água,
redução da erosão, diminuição da lixiviação de uutrientes, aumento da agregação e estruturação de partículas, além
de liberação de nutrientes a partir da decomposição de matéria orgânica.
A manutenção de um solo saudável consiste basicamente na incorporação de material orgânico ou na proteção da
sua superfície por meio de plantas ou seus r(:síduos. O plantio de culturas na entressafra da cultura priucipal previne a
erosão causada pelo movimento de água de superfície e reduz as perdas de nutrientes por percolação. Com esta mesma
finalidade, tem sido utilizada a prática conhecida como cobertura morta ('mulching'), que consiste no uso de resíduos
de plantas (palha) distribuídos nos espaços livres existentes entre as plantas cultivadas. A incorporação ao solo de
material vegetal fresco, prática denominada de adubação verde, de restos culturais ou de material orgânico de natureza
animal, além de melhorar as propriedades físicas e químicas serve como substrato para o aumento e diversidade da
biomassa microbiana habitante do solo.
O conhecimento do efeito supressivo do solo sobre as doenças não é recente e tem sido intensivamente pesquisado
ao longo do tempo. Solo supressivo é aquele G1ue apresenta condições desfavoráveis para o desenvolvimento de patógenos.
As interações como competição, parasitismo1, antibiose e predação existentes entre microrganismos habitantes do solo
e microrganismos patogêrúcos às plantas são, as maiores responsáveis pela condição supressiva do solo. Embora fatores
fisicos como pH ou teor de argila possam con1tribuir, a supressividade está, sem dúviJ.a, especificamente rela.cionada com a
atividade microbiana que se desenvolve no solo. Assim, por ser wn antbiente dinâmico e suscetível à interferência humana,
o solo se constitui no suporte da agricultura sus,tcntável. (Para detalhes sobre solo supressivo, consultar Capítulo 17 desta obra).

337
Manual de Fitopatologia

manutenção do patógeno no campo pode ser facilitada, apesar da Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
sua especificidade pelo algodoeiro, por hospedeiros secundários, (ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Cultivadas.
como plantas de fumo, soja, beldroega, cássia (Cassia tora), São Paulo, Ceres. vol. 2, 2016.
Physalis alkekenji e outras. Allen, C.; Prior, P.: Hayward, A.C. Bacterial Wilt Diseasc and the
A murcha é favorecida por alta umidade, temperaturas de Ralsto11ia solanacearttr" Species Complex. St. Paul, APS Press,
25-32 °C, plantio em solos arenosos, presença de nematoides, 2005.
ocorrência de baixo pH e adubação com baixo teor de potássio. O Annstrong. G.M. & AnnStrong. J.K. Reflections on the wih Fusaria.
controle envolve principalmente o uso de variedades resistentes Annual Review of Phytopathology 13: 95-103, 1975.
e a rotação de cultura.
Beckman, C.H. The ature of Wilt Diseases of Plants. St. Paul, APS
A murcha bacteriana do tomateiro, causada por Ralstonia
Press, 1987.
solanacearum, é uma das doenças mais importantes da cultura e
ocorre praticamente em todo o território brasileiro. Na ausência do 800th, C. Thc Ccnus F11sari11m. Kew. Commonwealth Micological
tomateiro, a bactéria sobrevive no solo, sendo disseminada pela lnstítute, 1971.
água e implementos que provocam movimento de solo. A penetra- Buddcnhagem, 1. & Kelman, A. Biological and physiological aspccts
ção ocorre através de ferimentos existentes no sistema radicular, of bacterial wilt causcd by Pseudomonas so/anacearnm. Annual
sendo que a alta umidade favorece a multiplicação dos talos bac- Review of Phytopathology 2: 203-230. 1%4.
terianos na etapa inicial de penetração. Ao atingirem o vaso, tem Gordon, T.R. The evolutionary biology of Fusarium oxyspor111n. Annual
início a colonização, que ocorre através do aumento do número Rcvicw of J>hytopatbology 35: 111-128. 1997.
de talos bacterianos. Estes deslocam-se passivamente para outros Hayward. A.C. Biolob'Y and epidemiology of bacterial wilt causcd by
pontos da planta, levados juntamente com a água e nutrientes atra-
Pseudomonar solanacearnm. Aonual Re,·iew Phytopathology 29:
vés do xilema. O desenvolvimento das atividades bacterianas den-
65-87. 1991.
tro Jos vasos e nas cavidades formadas no tecido do parênquima
adjacente ao xilema leva à formação de polissacarídeos, gomas, Klostennan. S.J.; Atallah, Z.K.; Vallad, G.E.; Subbarao, K.V. Diversity,
tiloses e fragmentos celulares. Estes materiais provocam a obs- pathogenicity. and management of Vertici/lium species. Annual
trução do vaso e a consequente interrupção do transporte de água Re,·icw of Phytopathology 47: 39-62. 2009.
e elementos minerais absorvidos pelo sistema radicular. Surgem, Katan. J. Solar hcating (solarization) of ~oil for control ofsoilbome pests.
portanto, os sintomas na pane aérea, evidenciados inicialmente Annual Rcview of Phytopathology 19: 211-236, 1981.
pela perda de turgidez dos folíolos mais velhos, seguida pela fla- Mace, M.E.; Bcll, A.A.; íleckman, C.H. Fungai Wllt Discascs of Phmts.
cidez do ponteiro e, posteriormente, pela murcha da planta toda. New York, Acuc.lcmic Press, 1981.
Quando esta sequência ocorrer rapidamente, a planta murcha por
Martin, C.; Frcnch, E.R.: Nydegger, U. Strains of Pse11domonas
inteiro sem perder, porém, a cor verde. Esta sintomatologia é cha-
.Mlanacean,m in the Amcricas. Plant Dísc11se 66: 458-460, 1982.
mada de murcha verde. Com o passar do tempo; a planta morre
e começa a ser decomposta pelas bactérias que, à medida que Nelson, P.E. & Dickey, R.S. Histopathology of plants infected with
destroem os tecidos vegetais, multiplicam-se abundantemente. A vascular bacterial pathogens. Annual Revicw of Phytopathology
partir da matéria orgânica, os talos bacterianos são liberados para 8: 259-280, 1970.
o solo, podem ser disseminados pela água e, ao encontrarem um
hospedeiro, reiniciam o ciclo. A diagnose da doença pode ser con-
firmada pela observação do sistema vascular escurecido. Outro
modo de se constatar a presença de bactérias nos vasos é promo-
ver o corte das hastes no interior de um recipiente com água e
observar a liberação de pus bacteriano (figura 25.2). Uma varia-
ção desta técnica compreende a obtenção de fragmentos de ramo
ou caule, que são imersos numa gota de água colocada sobre uma
lâmina de vidro. Exame do material ao microscópio permite a
visualização de "corrida bacteriana", ou seja, um t1uxo de pus
bacteriano que sai do tecido vegetal em direção ã água.
A espécie R. solanacearum é patogênica a mais de 200 espé-
cies vegetais e apresenta variabilidade patogênica muito grande.
evidenciada pela ocorrência Je diversas raças fisiológicas. O pató-
geno é favorecido por condições d~ alta temperatura (26-37 ºC) e
umidade elevada, as quais influem tanto na sobrevivência e dis-
seminação ds bactéria como na incidência da doeoç~. Quanto ao
controle, recomenda-se realizar o plantio em temlS novas e pro-
mover rotação de cultura com gramíneas, visando baixar o inó-
culo do patógeno em áreas severamente infestadas.

25.6. BIBLIOGRAFlA CONSULTj\DA


Agrios, G.N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego. Academic Press. 1997.
Agrios, G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic Press.
2005.

338
CAPÍTULO

26
MANCHAS FOLIARES
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

26.l. Sintomatologia ..................................................... 339 26.4. Controle................................................................ 343


26.2. Etiologia ................................................................ 341 26.5. Doenças-tipo ........................................................ 343
26.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 341 26.6. Bibliografia consultada ........................................ 344

s folhas são responsáveis pelo processo de fotos- Este típo de doença ocorre em praticamente todas as re.giões

A síntese, o qual pennite o desenvolvimento vegeta-


tivo e reprodutivo das plantas. Assim, a ocorrência
:e manchas foliares interfere diretamente na fotossíntese, através
onde se pratica a agricultura. De maneira geral. porém, ê encon-
trado com maior frequência e intensidade em condiçõe.s. de clirna
quente e úmido. Os danos provocados são resultantes da roouçào
redução da área foliar. As manchas causam a destruição do da capacidade fotossintética da planta, o que implica em menor
iecido vegetal, decorrente da necrose dos mesmos: outro tipo de desenvolvimento vegetativo, redução no rendimento e díminui-
,toma que também leva à morte do tecido foliar é o crestamento ç-ào na qualidade dos produtos.
au queima, evidenciado por uma necrose rápida que atinge gran- As manchas são os sintomas típicos das doenças deste
4rs mas da folha. grupo (Figuras 26.1 e 26.2). São caracterizadas principalrnerote
Os agentes causais de manchas e crestamentos são pató- com base na forma, tamanho e coloração. As manchas individu'-
;enos do tipo parasita facultativo. que durante a fase saprofítica ais, dependendo da suscetibilidade do hospedeiro e das conclições
,brevivem em restos de cultura ou. ocasionalmente. na maté- ambientais, podem coalescer e provocar a necrose de grandes
T'\a orgânica do solo. Estes agentes apresentam especificidade
áreas do limbo foliar.
:em relação ao hospedeiro e, embora um mesmo gênero do pató-
O controle das manchas foliares pode ser feito arravés do
r;mo possa ocorrer em diferentes hospedeiros, nonnalmente cada
emprego de várias medidas. Basicamente. são adotados o plantio de
cspecic vegetal é atacada por uma espécie de palógcno. Apesar
variedades resistentes e o uso de produtos químicos. Algumas prá-
.:.:: estes patógenos atuarem predominantemente sobre as folhas.
ticas corno rotação de cultura. emprego de adubação balanceada.,
utras partes vegetais podem ser atingidas, tais como caule, ramo.
utilização de densidade e espaçamento adequados. utilização de-
1or. inflorescência e fruto.
sementes sadias e eliminação de restos de culrura podem comtriltluír
As manchas foliares são causadas por fungos, oomicctos e
para a redução dos níveis de doença em uma determinada cultura.
':l;.."térias. Várias espécies de bactéria, penencentes principalmente
aos gêneros Xanthomonas e Pseudomonas, estão associadas às man- 26.1. SINTOMATOLOGIA
:..15 e crestamentos. No caso dos fungos, a quase totalidade dos
-q,resentantes é encontrada no grupo dos anamórficos e dos asco- As manchas foliares são sintomas facilmente peuc.eptíveis,
-icetos. O número de gêneros de fungos causadores de manchas embora o agente causal nem sempre possa ser identificado de
~ muito grande, no entanto destacam-se como de maior ocorrência imediato. No caso de doenças bem conhecidas, no entanto, apre-
..s diversas espécies penencentes aos gêr'leros A/remaria, Cercos- sença de determinado tipo de mancha pem1ite a pronta idemifica•
,iora. Colletotrichum. Bipolaris e Botry tis. Dentre os gêneros mais çâo das mesmas.
ac:.mtos a detem1inados hospedeiros pode-se mencionar Septoria, O desenvolvimento e o tipo de mancha podem variar bas-
l\T1c11laria. Vemuria, Microcy clus, Phyllosticta e Stemphyli11m. tante em função da narureza do agente causal, da suscetibilidade.

339
Manual de Fitopatologia

Figura 26.1 - Sintomas de manchas foliares bacterianas: cancro cítrico causado por Xanthomonas citri subsp. citri (A); mancha bacteriana
(Xanthomónas vesicatoria) do tomateiro (B); podridão negra (Xanthomonas campestris pv. campestris) em couve (C).
Crédito das fotos: A - Lílian Amorim, B - Paula Panosso, C -Antonio C. Maringoni.

Figura 26.2 - Sintomas de manchas foliares fúngicas e seus respectivos agentes causais: mancha foliar de Bipolaris zeicola em milho (A) e
conídios do agente causal (D); Mancha foliar de Stemphylium spp. em tomateiro (8) e conídios do patógeno (E); Mancha foliar
de Cercosporidium personatum em amendoim (C) e conídios do fungo (E).
Crédito das fotos: Lílíane D. Teixeira.

340
Manchas Foliares

do hospedeiro e dos fatores ambientais. De uma maneira geral, do processo de meiose e o desenvolvimento da hifa ascógena, que
as manchas de origem bacteriana aparecem inicialmente como origina o asco. O conteúdo do asco diferencia-se em ascósporos.
pequenos pontos translúcidos, normalmente referidos como pon- Um determinado gênero de fungo anamórfico normalmente cor-
tos encharcados. Estes pontos evoluem para áreas maiores, tam- responde a um determinado gênero de Ascomiceto. Em alguns
bém encharcadas. A região mais central destas áreas começa casos, porém, um único gênero do fungo imperfeito pode corres-
3 sofrer necrose e, posteriormente, estabelecem-se as lesões ponder a mais de um gênero na forma perfeita. No caso dos mais
necróticas, que podem coalescer e tomar grandes porções folia- comuns causadores de manchas, por exemplo, as relações predo-
res (Figura 26.1 ). As manchas causadas por fungos geralmente minantes envolvem Cercospora, que corresponde a Mycosphae-
têm início com pequenos pontos cloróticos (sem ocorrência de rella; Colletotrichum, a Glomerella; Bipolaris, a Cochliobolus;
encharcamento de tecido). Estes pontos aumentam de tamanho, Botrytis, a Borryotinia; Alternaria, a Lewia.
:ransfonnando-se em manchas. A área central destas manchas As bactérias que atuam como agentes de manchas e cres-
·.:,ma-se necrótica e pode apresentar estruturas reprodutivas do tamentos são, na grande maioria, pertencentes aos gi?neros Xan-
'.l.ttôgeno (Figura 26.2). Aqui também pode haver coalescência de thomonas e Pseudomonas. Caracterizam-se por possuir forma de
~ões, que passam a ocupar grande parte do limbo foliar. A ocor- bastonete, ser aeróbias, não fomrnr esporo de resistência e apre-
rência de tecidos encharcados ou a presença de estrururas fúngi- sentar flagelo polar. O número de flagelos permite diferenciar um
~ na mancha permitem, quase sempre, diferenciar uma mancha gênero do outro: Xanlhomonas possui um único Aage lo, enquanto
.:k origem bacteriana daquela provocada por fungo. Pseudomonas é, geralmente, lofo!riqu,a.
As manchas, independentemente do seu agente causal, Tanto os agentes fúngicos como os bacterianos atuam como
;xxlem apresentar várias fonnas, dimensões e cores. Em relação parasitas facultativos, desenvolvendo-se saprofiticamente em res-
• forma, siío geralmente circulares, ovaladas, fusifonnes ou alon- tos culturais. Na fase patogênica, estes organismos colonizam os
;Jdas; quanto ao tamanho. variam desde pontuações do tamanho tecidos vegetais através da produção de enzimas e toxinas, que
.:.... cabeça de um alfinete até alguns centímetros; no tocante à cor. acarretam a morre e a decomposição dos tecidos do hospedeiro.
'"'l'edominantemente são de coloração marrom ou marrom-aver- Muitas espécies vegetais são atacadas por estes patóge-
.:idhado, existindo, também, tonalidades de amarelo, púrpura, nos, principalmente espécies de grande importância econômica,
.:mza. preto e outras. É interessante mencionar que em algumas compreendendo cereais, hortaliças, frutíferas. forrageiras e orna-
dicotiledôneas as manchas podem estar limitadas pelas nervuras, mentais. Apesar de estes patógenos estarem amplamente disse-
-endo referidas, então, como manchas angulares; no caso de gra- minados nas mais diversas regiões do mundo, a maioria deles é
mineas, as manchas podem se desenvolver no sentido das nervu- favorecida e causa maiores problemas nas áreas onde predomi-
ras. sendo, neste caso, chamadas de riscas ou listras. É comum a nam temperaturas relativam~nte elevadas (20-30°C) e altos niveis
Jbservação de um halo amarelado ao redor da mancha. de umidade.
Como consequência da presença de manchas nas folhas, a
~ .mta pode apresentar desfolhamento precoce, queda acentuada 26.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO
Je flores e frutos, subdesenvolvimento e má fonnação de frutos
Os fungos causadores de manchas sào capazes de sobrevi-
-.i sementes. Plantas, quando severamente atacadas nos estádios
ver nos restos de cultura, na matéria orgânica do solo, em semen-
iniciais de crescimento, podem ser levadas à morre. tes, em hospedeiros alternativos, ou mesmo nos tecidos da planta,
no caso de hospedeiro perene. A djsseminação dos propágulos é
16.2. ETIOLOGIA
mais comu.mente realizada pelo vento, respingos de água e semen-
Os fungos causadores de manchas pertencem, na maioria, tes contaminadas. O vento e as sementes são responsáveis pela dis-
ao grupo dos anamôrlicos que, normalmente, na sua fase perfeita, persão a longas distâncias, enquanto a água promove a distribuição
,orrespondem aos ascomicetos. Estes fungos possuem micélio do patógeno nas proximidades da fonte de inóculo. Os conídios
---iante desenvolvido, cujas hifas são compartimentadas pela ou ascósporos, entrando em contato com a superficie foliar de um
~resença de septos transversais, e podem formar estruturas de hospedeiro suscetível, iniciam a etapa de infecção. A germinação
n:sistência, como clamidósporos e escleródios. das estruturas reprodutivas exige condições de alta umidade, geral-
Na fase imperfeita, a reprodução é realizada através de coní- mente na fonna de um filme de água sobre a lâmina foliar, o qual
.!los. que podem ter origem no interior de picnídios, como em é nonnalmente decorrente da deposição de orvalho. Os conídios
Scp1orla, em acérvulos, como em Colle1otrichum, on serem fonna- genninam, fonnando um tubo genninativo que se fixa na superfi-
.).)s livremente a partir da hifa, como em Alternaria, Cercospora, cie vegetal usualmente através de um apressório. A hifa originária
Bl{JOlaris, Botrytis e Pyricularia. O tipo de conídio é característico do apressório penetra de forma direta a superficie íntegra da folha,
p.,ra cada gênero. Assim, Altemaria produz conidios piriformes, com o auxílio de enzimas e pressão mecânica; ferimentos e estô-
escuros, grandes e multicelulados, com septos transversais e Jongi- matos também se constituem em portas de entrada para os pató-
..udinais; Cercospora forma conidios filiforrnes, hialinos. de tama- genos. A colonização desenvolve-se com a produção de toxinas
tbo variável e multicelulares; os conídios de Colletotrichum são e enzimas que matam o tecido vegetal e promovem a sua decom-
.r- itlados, hialinos, pequenos e unicelulares; Bipolaris apresenta posição, liberando os nutrientes requeridos para o crescimento do
..-.aídios cilíndricos, escuros, grandes e multicelulares. patógeno. Várias toxinas de origem fúngica têm sido identifica-
Na fase perfeita, o esporo de origem sell.uada é formado das, como a tentoxina produzida por Alternaria, a cercosporina
- mterior de ascos, os quais se desenvolvem no interior de sintetizada por Cercospora, a victorina produzida por Bipolaris
-Y.pos de frutificação. predominantemt!nte do tipo peritécio. A e outras. A enzimas produzidas pelos patógenos atuam na degra-
:Drodução sexuada desenvolve-se a panir da plasmogamia entre dação de substâncias da lamela média e da parede celular, bem
..s gametângios feminino (ascogônio) e masculino (anterídio), como de componentes citoplasmáticos da célula vegetal. Como
..ando origem à hifa ascógena. Após a cariogamia, há ocorrência consequência da colonização, surgem os sintomas, que têm início

341
Manual de Fitopatologia

no ponto de penetração e estendem-se para as áreas circunvizi- de germinação. como relatada para os fungos, não ocorre. Na
nhas. Os primeiros sintomas manifestam-se na forma de pontos pré-penetração ocorre a multiplicação das bactérias localiza-
cloróticos. que correspondem ao local de penetração do patógeno; das na superfície da planta. A penetração é realizada através de
estes pontos transformam-se em pequenas manchas que, poste- estômatos e ferimentos. A presença de um filme de água sobre
riormente, exibirão um centro necrótico. e, 1dência da mone de a superfície vegetal favorece a e ntrada do patógeno. As células
células. e um halo amarelado ou verde-claro. evidência do cresci- bacterianas iniciam a colonização dos tecidos do parênquima,
mento do fungo para novas células: estas manchas podem coales- multiplicando-se nos espaços intercelulares. Através da ação
cer, causando a morte de grandes áreas do limbo foliar. À medida de toxinas e enzimas, ocorre desorganização, morte e decom-
que os tecidos \'egetais vão sendo colonizados, ocorre a reprodu- posição do tecido atacado. tornando disponíveis os nutrientes
ção do patógeno. As estruturas reprodutivas, principalmente do necessários ao metabolismo bacteriano. As enzimas normal-
tipo conídios, são produzidas nos tecidos necrosados, ou seja. nas mente sintetizadas desestruturam o lamela média e a parede
áreas centrais da mancha. e exteriorizam-se a través de rupturas da celular e decompõem os constituintes celulares complexos cm
superficie foliar ou via estômatos. Uma vez expostas, estas estru- substâncias mais simples, prontamente assi miláveis pelo pató-
turas podem ser disseminadas tanto pelo vento como pela água e geno. Os sintomas começam a aparecer na forma de pontos
dão origem ao ciclo secundário da doença. onde a fonte de inó- translúcidos. que correspondem ao início da desorganização
culo é representada pela planta doente (Figura 26.3). dos tecidos vegetais. Na verdade, o tecido apresenta-se com
O ciclo da relação patógeno-hospedeiro para o caso de aspecto encharcado em ralão do extravasamento do conteúdo
manchas bacterianas assemelha-se, pelo menos em parte, ao celular para os espaços intercelulares, devido à destruição da
ciclo descrito anteriormente. As bactérias garantem sua sobre- lamela média e da parede das células. Os pontos encharcados
vivência desenvolvendo-se cm restos culturais e matéria orgâ- aumentam de tamanho, originando as manchas, caracterizadas
nica, pois atuam como organismos saprofiticos; as sementes e por um centro geralmente necrosado e uma área externa de
as plantas perenes também pennitcm a perpetuação dos talos tecido encharcado que. às vezes, exibe um halo amarelado. A
bacterianos. O principal agente de disseminação é a água, coaleseência das manchas pode provocar a destruição de parte
na forma de chuva ou de irrigação. promovendo a dispersão da lâmina foliar. Apesar de a colonização ocorrer pela multiplica-
a curtas distâncias. Além da água. as sementes, os insetos e ção contínua dos talos bacterianos, a fase de reprodução do pató-
as ferramentas podem distribuir o patógeno a partir de uma geno ocorre quando a população bacteriana fonna uma massa
fonte de inóculo. Quando os talos bacterianos atingem tecido mucilaginosa e emerge dos tecidos doentes, podendo ser então
vegetal suscetível, tem início o processo de infecção. A etapa disseminada pela água, por insetos ou por ferramentas.

Esporodóqulos formados sobre as folhas


Conld,os de Pl58udoceff:ospora
~

Manchas e áreas
necróticas nas
~~~-~ folhas

."',.,
\ ~
Germinação de ascósporo e tonfdlo
(direita), com peneiração por estômatos
\ '·, '.
\

Pianla sadia
Lesl!es foliares. lesões iniciais (direita) e severas
(centro e esquerda)

Figura 26.3 - Ciclo de Sigatoka amarela (Pseudocercospora musae) da bananeira.


Fonte: Redesenhado por Serge Savary. adaptado de Agrios (2005).

342
Manchas Foliares

Alguns fatores ambientais, princípalmente a umidade e a terianos disseminam-se principalmente pela chuva, que carrega
temperatura, influenciam a severidade das doenças do tipo man- e deposita estas esttuturas nas folhas de plantas vizinhas; a d is-
chas e crestamentos. De wn modo geral, a umidade é o fator mais scm inação a longas distâncias pode ser feita através de material
crítico, pois havendo umidade adequada a doença pode ocorrer infectado, como frutos e mudas, ou por aerossóis (ver Boxe 7.3
dentro de uma faixa relativamente ampla de temperatura. Assim, no Capítulo 7 desta obra). Ao atingir uma folha jovem, as células
a alta umidade, tanto na forma de umidade relativa como na bacterianas ganham o interior dos tecidos via estômatos e feri-
forma de urna película de água sobre a superftcic vegetal, é condi- mentos, sendo a penetração favorecida pela formação de uma
ção indispensável ao desenvolvimento da doença; por outro lado. película de água sobre a superfície foliar. A etapa de coloniza-
temperaturas relativamente elevadas (20-30ºC) são favoráveis ao ção desenvolve-se com a multiplicação do patógeno nos tecidos
rápido estabelecimento e aumento da doença. vegetais. Esta multiplicação acarreta o aparecimento de peque-
nos pontos amarelados que, aumentando de tamanho, dão ori-
26.4. CONTROLE gem a manchas circulares, que podem coalescer. O tecido afetado
As manchas e os crestamentos foliares podem ser controla- apresenta aspecto esponjoso, coloração esbranquiçada ou parda,
dos através da adoção de algumas medidas que atuam tanto sobre sendo circundado por um halo amarelado; uma · característica
patógenos fúngicos como bacterianos. O emprego de varicda- típica da lesão é a presença de uma margem de tecido enchar-
Jes resistentes é a medida mais indicada para controlar adequa- cado, bastante evidente quando se observa a mancha contra a luz
damente estas doenças. A ohtenção de materiais geneticamente (Figura 26.1 A). Sintomas nos frutos são semelhantes àqueles du
resistentes é bastante viável em função da especificidade existente folha. As lesões, porém, ~ão mais salientes e corticosas; nos bro-
entre hospedeiro e patógeno. Uma série de variedades resisten- tos e ramos as lesões apresentam fissuras profundas. A reprodu-
tes está disponível para uma gama de espécies vegetais econo- ção do patógeno ocorre através do aumento do número de talos
micamente importantes. A aplicação de fungi1;idas, imóveis ou bacterianos. Este aumento da população bacteriana verifica-se em
sistêmicos, constitui em alternativa de controle, principalmente função da destruição do tecido vegetal e da consequente libera-
quando não existem variedades resistentes. Grande número de ção de nutrientes. que são prontamente utilizados pelo patógeno.
produtos químicos tem mostrado eficiência no controle de man- As células bacterianas podem, então, fluir através do tecido lesio-
chas, desde que empregados corretamente. nado e ser disseminadas pela água. A bactéria pode sobreviver em
Algumas medidas alternativas de controle, podem colaborar lesões e em restos vegetais. A doença provoca destruição de área
par::i diminuir os danos provocados pela doença. Assim, a rotação foliar, interferindo diretamente no processo de fotossíntese. Em
de culturas e a eliminação de restos culturais diminuem o inóculo ataques mais severos, pode causar queda de folhas e frutos, seca
do patógeno; o uso de sementes livres do patógcno ou de semen- de ramos novos, baixa produção, mau aspecto do fruto e morte
tes tratadas impede a cntrad:l do patógeno na área de cultivo e sua da planta. As condições favoráveis para o desenvolvimento da
ação sobre a plântula; a erradicação de plantas daninhas hospe- doença compreendem temperatura entre 20 e 35 ºC e elevado teor
deiras evita a perpcmação do patógeno no cahlpo na aus~cia da de umidade, este sendo o fator climático mais importante.
cultura, além de propiciar diminuição do inóculo; o emprego de O controle do cancro cítrico é feito inicialmente através da
aduhação balanceada, sem excesso de nitrogêoio, toma a planta en-adicação <la planta, tão logo se constate a presença da doença.
menos predisposta ao ataque dos patógenos; o uso de densidade Esta medida, quando realizada eficientemente, tem promovido
e espaçamento adequados evita a ocorrência de microclima favo- a eliminação da doença em várias regiões citrícolas do mundo.
rável aos patógenos; a poda de ramos em frutíferas promove bom Quando a erradicação falha, outras medidas devem ser adotadas,
arejamento da cultura, desfavorecendo a ocorrê1ncia de doenças. visando diminuir os efeitos da doença. Assim, a opção por deter-
minados genótipos que apresentem boa resistência e o uso de fim-
26.S. DOENÇAS-TIPO gicidas cúpricos em áreas onde a doença ocorre endemicamente
As manchas e crestamentos são doenças que causam sérios são medidas alternativas de controle. O controle da larva minadora
prejuízos a uma diversidade de culturas, provoc:ando redução na dos citros também é recomendado, pois esse inseto forma galerias
quantidade e na qualidade da produção. Embora várias doenças nas folhas cítricas que funcionam como sítios de infecção.
tenham distribuição mundial. outras se manifestam em áreas mais A mancha foliar do milho, por muito tempo conhecida por
restritas, em função do hospedeiro e das condições climáticas. No helmintosporiose, é o nome dado a uma doença causada por duas
presente capítulo, serão abordados como doenças-tipo o cancro espécies fúngicas, Bipolaris maydis (teleomorfo Cochliobolus
cítrico, causado por Xanthomonas citri subsp. ,citri, e a mancha heterostrophus) e Exserohilum lllrcicum (teleomorfo Setosphaeria
foliar do milho, causada por Bípolaris maydís, que se constituem lurcíca), anteriormente denominados Helmlnlhosporium maydis e
cm problemas constantes nas condiçues tropil;aís. H. turcicum. No presente caso, será abordada a queima ou man-
O cancro cítrico é originário do continente asiático, sendo cha foliar provocada por B. maydis, que se tornou famosa por
registrado em alguns países da América do Su \. Nas condições causar grandes perdas, durante a década de 70, em extensas áreas
brasileiras, a doença foi constatada pela primeiira vez em 1957, plantadas com cultivares possuidores de citoplasma T, que con-
na região de Presidente Prudente-SP. O cancro, desde então, tem fere macho esterilidade às plantas. A doença atinge várias regiões
sido uma preocupação constante para a citricultura paulista. O Jo mundo, ocorrendo de maneira mais severa durante estações de
agente causal é a bactéria Xanthomonas citri subsp. cilri, basto- alta umidade ou em locais de clima úmido. A partir da fonte de
nete Oram-negativo, que apresenta um único flagelo polar. Este inóculo, o vento e a chuva promovem a disseminação dos coní-
patógeno forma colô nias amarelas:é aeróbio e sua temperatura dios que. ao atingirem tecido suscetível e na presença de água,
ótima de desenvolvimento está na faixa de 28-30 "C. O ciclo da iniciam o processo de infecção. A germinação do conídio dá ori-
doença pode ter inicio a partir de uma planta doente, que repre- gem ao tubo germinativo, que penetra diretamente a superficie
senta a fonte de inóculo. A partir das lesões foliares, os talos bac- foliar ou ganha o interior dos tecidos via estômatos. A coloniza-

343
Manual de Fitopatologia

ção é feita através do crescimento de hifas, que invadem o tecido O controle é feito basicamente pela utilização de varieda-
parenqnimatoso, causando sua deterioração. O mecanismo de des ou híbridos geneticamente resistentes. O emprego de produ-
ataque é exercido através de toxinas e enzimas produzidas pelo tos químicos é uma medida recomendável para o caso de culturas
patógeno, as quais provocam a morre das células e o colapso de alto valor econômico como, por exemplo, culturas para produ-
do tecido atacado. Como consequência da colonização, surgem
ção de sementes.
os sintomas, evidenciados por manchas alongadas ou elípticas,
cujas dimensões variam de 0,5 a 1,5 cm por 0,5 a 3,0 cm. As
26.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
lesões apresentam coloração marrom-clara ou castanha, com as
margens normalmente exibindo cor mais escura que a área cen- Agrios, G.N. Plaot Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
tral e, em alguns casos, com halo clorótico. No tecido necrosado Press, 2005.
da mancha são encontradas as estruturas reprodutivas do pató-
Amorim, L.; Rezcnde, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
geno, geralmente conídios produzidos em conidióforos livres que
emergem através dos estômatos. Agentes de disseminação. como (ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Cultivadas.
vento e água, podem dispersar estes esporos, colocando-os em São Paulo. Ceres, vol. 2, 2016.
contato com tecidos suscetíveis da própria planta ou de plantas Behlau, F. & Belasque Jr. J. Cancro Cítrico: A Doença e seu Controle.
vizinhas, promovendo novos ciclos da doença. A mancha foliar Ar.lraquara, Fundecitrus, 2014.
causa destruição de tecido, reduzindo, portanto, a área fotossinté-
Carvalho, R.V.; Pereira, O.A.P.; Camargo, L.E.A. Doenças do milho.
tica da planta. A doença progride rapidamente sob condições de
temperatura favorável (20-32ºC) e umidade elevada. A redução ln Amorim, L.; Rezende, J.A.M.: Bergamin Filho, A.; Camargo,
no desenvolvimento da planta. a queda na produção, a morte de L.E.A. (ed.). Manual de Fitopatologla: Doenças das Plantas Cul-
plântulas provenientes de sementes infectadas e a predisposição tivadas. São Paulo, Ceres, vol. 2, 2016. p. 549-560.
da planta a podridões de colmo são outros efeitos prejudiciais Rossetti, V. Identificação do cancro cltrico. O Biológico 47: 125-153.
atribuídos à doença. 1981.
O fungo Bipolaris maydis corresponde, na fase perfeita, a
Sigee. D.C. Bacterial Plant Pathology: Cell and Molecular Aspects.
Cochliobolus heterostrophus. O fungo apresenta hifas septadas,
que formam micélio escuro, vigoroso e bastante ramificado. Na Cambridge, Cambridge University Press. 1993.
fase imperfeita, o patógeno produz conídios cilíndricos, afilados Ullstrup. A.J. The impact of the southem com leaf blight epidemies of
nas extremidades, ligeiramente curvos, de coloração verde-oliva, J970-1971. Annual Review of Phytopathology 10: 37-50, 1972.
com número de septos variando de 3 a 13. Na fase sexual, são
Timmer. L.W.; Garncy, S.M.; Graham, J.H. Compendium of Citrus
formados corpos de frutificação do tipo perítécio, no interior dos
quais se desenvolvem os ascos; estes contêm, geralmente, quatro Diseases. St. Paul, APS Prcss, 2000.
ascósporos filamentosos. , White, D.G. Compendium oi' Corn Diseases. St. Paul, APS Press. 1999.

344
1
CAPÍTULO

27
MÍLDIOS
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

27.1. Sintomatologia ..................................................... 345 27.4. Controle................................................................ 348


27.2. Etiologia ................................................................ 346 27.5. Doença-tipo ......................................................... 348
27.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 346 27.6. Bibliografia consultada........................................ 350

Plasmopara, Peronospora, Pseudoperonospora, Sclerospora e

A
s doenças conhecidas por míldios são causadas por
oomicetos pertencentes à família Peronosporaceae. Bremia, todos da família Peronosporaceae; a principal caracte-
Ocorrem predominantemente nas folhas; ·podendo rística que permite a identificação dos diferentes gêneros é o tipo
mngir também rannificações novas e frutos nos estádios iniciais de de ramificação dos esporangióforos (ver Figura 8.17 no Capítulo
~ nvolvimento. Nas folhas, a ocorrência do míldio tende a redu- 8 desta obra).
nr a capacidade fotossintética, resultando em prejuízo no desen- A interferência em relação à fotossínte.se de.v e.-se à capacidade
ol\imento vegetativo da planta, bem como em danos à produção. que têm os patógenos de obte.r nutrientes diretamente. das células
A incidência de míldio tem sido observada em praticamente vivas do hospedeiro. Os baustórios, estruturas formadas a partir das
·:<las as regiões onde se pratica a agricultura, com preferência hifas, têm a função de retirar estes nutrientes presentes no citoplasma
:U.'":i regiões de alta umidade e de temperatura amena. Esta dis- das células parasitadas. A necrose de tecido foliar incitada pelo pató-
- buição generali:zada da doença deve-se, em parte, ao grande geno também contribui para diminuir a taxa de fotossíntese.
- ~:nero de espéci.es vegetais que atuam como hospedeiros. É As medidas de controle para os míldios envolvem, princi-
• :num a ocorrênc;ía do míldio em plantas olerícolas, frutíferas, palmente, o uso de variedades resistentes e o emprego de produ-
riamentais e em diferentes cereais. tos químicos.
A sintomatologia típica é caracterizada pelo aparecimento,
a face superior dia folha, de manchas de coloração verde-clara 27.1. SINTOMATOLOGIA
alie tomam-se, primeiramente, amareladas e, finalmente, escuras, Os sintomas característicos da doença manifestam-se nas
...: ido à necrose. Em correspondência a estas manchas, surge na folhas. Inicialmente, surgem pequenos pontos de coloração verde-
:"i.:e inferior da folha uma eflorescência esbranquiçada, constítu- clara. Com a evolução da doença, os pontos transformam-se em
~ por estruturas do patógeno, tais como hifas cenocíticas, espo- manchas de forma, tamanho e coloração variáveis; assim, as man-
~ gióforos e espo,rângios. chas podem ser elípticas, circulares ou mesmo irregulares, apre-
Os patógenos do grupo são parasitas obrigatórios, ou seja, sentando diferentes dimensões e exibindo coloração amarelada ou
:a:cessitam da plaiota viva para formarem novas estruturas vege- marrom escura, quando necrosadas (Figura 27.1 ). Estas caracterís-
i:amas e reprodutivas. Não há, portanto, ocorrência de fase sapro- ticas variam dependendo do hospedeiro e patógeno envolvidos. À
.:::ica. A relação hospedeiro-patógeno apresenta alto grau de mancha que se desenvolve na superficie superior da folha corres-
~ ificidade, ev idenciado pela ocorrência de formae speciales ponde uma eflorescência esbranquiçada que, geralmente, aparece
~ .k raças fisiológicas do patógeno. Os oomicetos causadores de na s uperficie inferior da mesma. A eflorescência, também chamada
- _:dio caracterizam-se, portanto, por apresentarem baixa agres- de bolor cinza, representa as fmtificações do agente da doença,
1dade, alta especificidade e um elevado grau de parasitismo. sendo formada predominantemente por esporângios e esporangió-
patógenos mfüis importantes são encontrados nos gêneros foros. Em alguns casos, a eAorescência pode recobrir as manchas.

345
Manual de Fitopatologia

Figura 27.1 - Míldio da abobrinha. causado por Pseudoperonospora cubensis, na face adaxial (A) e abaxial (B) das folhas; esporangióforo e
esporângios de P. cubensis (C). Míldio da videira, causado por Plasmopara vitícola, na face adaxial (D) e abaxial (E) das folhas
e em frutos jovens (F).
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira (A-C). Sergio de Salvo (D, F), Larissa Visioli (E).

Apesar da sintomatologia típica de míldio ser observada denominado oósporo. que apresenta uma parede espessa e atua
nas folhas, a doença pode afetar o hospedeiro como um todo, como estrutura de resistência. O oósporo permite a sobrevivên-
retardando o desenvolvimento da planta, provocando a queda de cia do patógeno sob condições adversas de ambiente. Sob condi-
flores, folhas e frutos e causando a morte de ramos novos e pecío- ções favoráveis, germina, produzindo um tubo germinativo. Este
los. Isto, logicamente, está condicionado à severidade da doença, tubo funciona como um esporangióforo, na extremidade do qual
a qual está relacionada, principalmente, à presença de hospedeiro se forma um esporângio, que produzirá, por sua vez, zoósporos.
suscetível e à ocorrência de condições ambientais favoráveis. A germinação das estruturas reprodutivas exige uma pelí-
cula de água irecobrindo a superficie do órgão atacado. A ocor-
27.2. ETIOLOGIA rência de um alto teor de umidade relativa também é condição
Os agentes causais de míldios pertencem à familia Peronos- essencial para o desenvolvimento destes patógenos. Uma vez no
poraceae, atuam como parasitas obrigatórios, desenvolvendo-se em interior da planta, as hifas formam haustórios, que se instalam
hospedeiros vivos. Os patógenos deste grupo apresentam hifas no interior das células vivas do hospedeiro e daí retiram nutrien-
cenocíticas, que fonnam um micélio inicialmente branco e, pos- tes necessários ao crescimento e reprodução do patógeno. Estas
teriormente, acinzentado. A fase assexuada ocorre predominante- estruturas permitem ao patógeno desenvolver uma fom1a refreada
mente nas plantas doentes, enquanto o estágio sexuado raramente de parasitismo, o que garante um período relativamente longo de
tem sido encontrado em nossas condições. associação hospedeiro-patógeno.
Na reprodução assexuada, as hifas dão origem aos esporangi-
óforos que sustentam os esporângios. O conteúdo dos esporângios 27.3. CICW DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO
diferencia-se em esporangiósporos, que são liberados quando os As estrnturas do patógeno que podem iniciar o ciclo da
esporângios atingem a maturidade. Os esporângios são geralmente doença (Figura 27 .2) sobrevivem de várias fonnas na ausência do
globosos, enquanto os esporangiósporos são do tipo zoósporo. Estes hospedeiro principal. Nas condições de clima temperado, os oós-
esporos são unicelulares, ligeiramente esféricos, biflagelados e têm a poros podem a tuar como estruturas de resistl!ncia; estes esporos
capacidade de locomoção na presença de água. Embora a germina- de resistência, sob condições favoráveis, germinam, produzindo
ção dos esporângios geralmente produza zoósporos, em alguns casos um tubo germinativo; este dá origem ao esporângio, que por sua
estas estruturas germinam formando um rubo germinativo. vez produz zoósporos, que podem infectar plantas da estação cor-
Na reprodução sexuada, ocorre a formação de oogônio e rente. Nas reg;iões de clima tropical ou subtropica l, a sobrevi-
anteridio seguida de meiose e plasmogamia. A estrutura resultante vência ocorre através de micélio e esporângios, que se mantêm
da fecundação do oogônio pelo anterídio é um esporo sexuado em hospcdeiro,s alternativos, em plantas voluntárias ou no próprio

346
Míldios

Colonização

Formação de
zoósporos

Figura 27.2- Ciclo do míldio da videira, causada por Plasmopara v1ricola.


Fonte: Redesenhado por Serge Savary, adaptado de Agrios (2005).

hospedeiro perene; a ausência de inverno rigoroso permite que o doença, pode: ocorrer necrose dos tecidos mais velhos, o que se
patógeno sobreviva desta forma. A ocorrência de oósporos rara- reflete exteri onnente através de uma área escura localizada no
mente é relatada em condições de clima mais quente. Os agentes ceotro da mancha amarelada. Simultaneamente ao desenvolvi-
de disseminação mais comuns são o vento, que propicia a disper- mento do micélio, acontece a reprodução do patógeno, que emite
são de esporângios a distâncias relativamente grandes, e a água, as estruturas reprodutivas para o exterior, através dos estômatos.
principalmente através de respingos, que espalha esporângios e Estas estrutuiras constituem a eflorescência esbranquiçada corou-
zoósporos para plantas vizinhas e para a própria planta doente. mente presente na face inferior da folha, ocupando uma área cor-
Quando um esporângio alcança uma folha suscetível, por exemplo,
respondente à mancha observada na face superior. Nesta massa,
tem início a etapa de infecção. O zoósporo liberado na superfície
inicialmente branca e posteriormente acinzentada, são encontra-
foliar gennina somente na presença de um filme de água e, como
dos esporangióforos e esporângios. Estes últimos podem ser dis-
resultado, produz o tubo germinativo. Este tubo pode penetrar no
seminados pdo vento e pela água, dando início a um novo ciclo.
tecido do hospedeiro via estômato ou ferimento. Ao atingir os
tecidos internos, o tubo germinativo dá origem a um micélio, que Os míldios são doenças favorecidas por ambientes de tem-
se desenvolve intercelularmente, emitindo haustórios para o inte- peraturas amenas (17-22 ºC). com ocorrência simultânea de alta
rior das células vegetais. Com a retirada de nutrientes do hospe- umidade relativa (acima de 95%). Locais constantemente sujei-
deiro, o patógeno se desenvolve e pasS"a a colonizar intensamente tos ao acúmulo de neblina e presença de orvalho são ideais para
os tecidos foliares. Como consequência, surgem os sintomas o desenvolvimento da doença. Assim, culturas suscetíveis insta-
externos, evidenciados por pequenas manchas de cor verde-claro ladas em regiões serranas ou em áreas de baixada podem sofrer
que, gradativamente, tomam-st: amareladas. Com a evolução da sérios danos em função de surtos rápidos e intensos da doença.

347
Manual de Fitopatologia

27.4. CONTROLE Os sintomas podem se manifestar em todos os órgãos ver-


des da planta atacada. Os sintomas foliares aparecem inicial-
As medidas de controle envolvem basicamente a utilização
mente na forma de pequenas manchas encharcadas e translúcidas
de variedades resistentes e a proteção quimica da planta. Algu-
quando observadas contra uma fonte de luz. Estas manchas visí-
mas medidas de aspecto geral que desfavoreçam a doença podem
veis na face superior da folha apresentam uma tonalidade mais
atuar como formas complementares de controle (Boxe 27.1).
clara de verde em relação ao verde normal. Na face inferior da
O emprego de variedades resistentes nem sempre é pos-
folha surge, na área correspondente à referida mancha, uma eflo-
sível, pois para muitas espécies cultivadas, ainda não há dis- rescência branca, formada por estruturas reprodutivas do pató-
ponibilidade de material resistente. No entanto, a obtenção de geno. Com o desenvolvimento da doença, as manchas tomam-se
variedades resistentes ao míldio é viável, em função da alta espe- pardo-avermelhadas e podem coalescer, tomaodo boa parte da
cificidade hospedeiro-patógeno. folha, inclusive provocando sua queda. Nos ramos novos, surgem
O controle químico tem sido amplamente recomendado as manchas encharcadas, que rapidamente são recobenas pela
para combater os rníldios. Vários fungicidas são eficientes. Seu eflorescência esbranquiçada do patógeno; em ataques severos, a
uso, porém, deve levar em consideração o aspecto econômico do doença pode causar paralisação no desenvolvimento destas partes
controle. vegetais. Nos cachos, a doença provoca morte e queda de flores,
A adoção de algumas práticas ou cuidados pode afetar podridão cinzenta das bagas pequenas e podridão das bagas mais
negativamente a severidade da doença. Assim, na escolha de desenvolvidas, as quais ficam manchadas, moles e soltam-se com
local de plantio deve-se evitar áreas sujeitas à formação intensa facilidade do cacho.
e constante de neblina; é recomendável a utilização de espaça- O agente causal da doença é Plasmopara vitícola, pató-
mento e densidade adequados à cultura, propiciando um bom are- geno biotrófico que sobrevive em plantas de videira que apre-
jamento entre as plantas; no caso de culturas perenes, a poda de sentam crescimento vegetativo. A reprodução do patógeno ocorre
ramos é indicada para impedir a criação de microclima favorá- através de esporângios ovalados produzidos em esporangióforos
vel à doença. principalmente com relação à umidade; o uso de ramificados de forma monopodial. Os esporângios dão origem a
material vegetal sadio pode prevenir a introdução da doença, zoósporos biflagelados. de formato plano-convexo, que podem
bem como reduzir sua intensidade em condições de campo: em ser disseminados pela água; os esporângios também atuam como
alguns casos, a eliminação de partes doentes da planta cultivada, propágulos, sendo disseminados pelo vento e pela água.
de plantas voluntárias e de possíveis hospedeiros silvestres con- As condições climáticas favoráveis à doença compreendem
tribui para reduzir o inóculo, diminuindo a incidência e a severi- temperaturas amenas ( 18-24 ºC) e alta umidade relativa do ar. A
dade da doença. água, na fonna de película recobrindo a superfície vegetal ou de
respingos. tem um papel importante nas fases de disseminação e
27.5. DOENÇA-TTPO de pré-penetração.
Apesar de o míldio ser de grande importância paca cucurbi- Algumas medidas de controle visando minimizar os danos
táceas, crucíferas, cebola, soja e fumo, enrre outras, é na videira causados pelo míldio implicam na adoção de tratamento químico,
que ele assume papel especial. O aspecto histórico desta doença, uso de variedad,:s resistentes e em alguns cuidados na instalação
associada à sua imponância econômica atual, toma o míldio da e manutenção do vinhedo (Boxe 27 .1 ). Os fungicidas propiciam
videira urna das doenças melhor estudadas dentro da fitopatologia. um bom controle da doença desde que bem escolhidos e usados
O míldio da videira tem uma distribuição bastante ampla, corretamente (dosagem, número e época de aplicação). Algumas
sendo encontrado em praticamente todas as regiões do mundo variedades têm exibido um maior grau de resistência, enquanto
onde se cultiva a videira. No entanto, a doença ocorre de modo outras têm se mostrado bastante suscetíveis; assim, cabe ao pro-
mais severo nas regiões de clima úmido e de temperatura amena. dutor optar por este ou aquele material, levando em couta a fina-
O míldio pode reduzir a produção em 50 a 75%. lidade da sua produção. Com relação à instalação da cultura e
O ciclo da doença tem início quando estruturas reprodu- cuidados nos tratos culturais, deve-se evitar o cultivo em áreas de
tivas do tipo esporângio e zoósporo alcançam a superfície de baixada e mal ventiladas; deve-se utilizar espaçamento e deusi-
órgãos verdes, tais como folhas, ramos novos, inflorescência e dade que permitam boa aeração entre as plantas; recomendam-se
frutos em desenvolvimento. Nas nossas condições, não tem sido podas periódicas que desfavoreçam a ocorrência de microclima
constatada a presença de esporos sexuados, sendo a sobrevivên- propício à doença.
cia do patógeno dependente do crescimento vegetativo da videira,
que pode ocorrer durante todo o ano.
Os esporângios e zoósporos são disseminados pelo vento
ou respingos de chuva ou de água de irrigação. Os 70Ósporos,
após encistar, germinam na presença de um filme de água
e penetram na folha, principalmente via estômato. O micé-
lio desenvolve-se entre as células vegetais e emite baustórios
para seu interior, de onde retiram os nutrientes necessários ao
desenvolvimento e reprodução do patógeno. À medida que a colo-
nização prossegue, o patógeno passa a formar esporangióforos e
esporângios, que emergem através dos eMômatos. Quando ocorre
a produção de oósporos, estes se originam da fecuudação do
oogônio pelo anteridio e são formados, principalmente, no inte-
rior dos tecidos foliares.

348
Mildios

Boxe 27.1 O cultivo protegido como controle do míldio da videira

O míldio da videira é uma das doenças mais marcantes dentro da Fitopatologia. Ao longo do tempo, as investi-
ga1rões sobre o míldio dest11 espécie milenarmente explorada pelo homem geraram conlu:dm~ntos que contrlbufram
significativamente para o avanço da fitopatologia Apesar disso, mesmo após cem anos de enfrentarnento constante
ainda não se obteve, de forma absoluta, sucesso no seu controle. A literatura registra que o agente causal do míldio
foi introduzido nos vinhedos europeus a partir do final do século XIX. O patógeno é originário da América do Norte
e se disseminou rapidamente no velho continente por encontrar variedades suscetíveis e condições climáticas alta-
mente favoráveis. A doença foi devastadora e causou um forte impacto negativo na produção vinícola. Na década de
1880 foram iniciados os estudos sobre a relação hospedeiro-patógeno e surgiram as primeiras tentativas de combate à
doença baseadas no controle químico. No caso, preconizava-se aplicações de uma mistura de sulfato de cobre e cal, a
qual ficou mundialmente conhecida como calda bordalesa, justamente por ter sido inicialmente usada como fungicida
nos vinhedos da região francesa de Bordeaux. As buscas voltadas ao controle têm sido constantes, com predominância
para o tratamento químico do hospedeiro. Assim, desde o surgimento da calda bordalesa até o final da década de 1950,
o empenho foi dirigido no sentido de incrementar a efetividade das aplica1rões de fungicidas cúpricos e de descobrir
novos princípios ativos. Seguindo-se a este período, as preocupações se voltaram para maximizar a eficiência de con-
trole e reduzir o uso de produtos químicos.
Alternativas ao controle químico têm sido pesquisadas e, dentre elas, a implantação do cultivo protegido. A apli-
cação deste método cultural tem levado à redução drástica no número de pulverizações de fungicidas. A cobertura
das plantas com filme plástico implica em menor intensidade das doenças que ocorrem na videira, incluindo o míl-
dio (Figura 27.3). A proteção plástica impede o impacto direto da água de chuva sobre as partes aéreas da planta, bem
como a formação e manutenção de um filme de água livre sobre a lâmina foliar, condições estas que são favoráveis à
infecção e desenvolvimento de doenças. Quando o sistema de condução em "Y" é utilizado em associação com o cultivo
protegido, dados de pesquisas tem revelado reduções de 60 a 70% na ocorrência das principais doenças, propiciando
diminuição de 60 a 70% no uso de fungicida. Aumento da produção, melhor qualidade dos frutos, redução nos gastos
com tratamento químico, maior rentabilidade financeira, menores riscos à saúde dos produtores e consumidores, e
menor poluição ambiental são alguns fatores que tornam viável e vantajosa a adoção desta prática de controle.

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.Figura 27.3 - Vinhedo conduzido em Y com cobertura plástica.


Crédito da foto: Antonio Fernandes Nogueira Júnior.

349
CAPÍTULO

28
OÍDIOS
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

28.1. Sintomatologia ..................................................... 351 28.4. Controle................................................................ 353


28.2. Etiologia ................................................................ 351 28.5. Doença-tipo ......................................................... 353
28.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 352 28.6. Bibliografia consultada ........................................ 354

danos à produção chegam a 40%. O controle dos oídios baseia-se,

O
s oídios apresentam sintomas caracterizados pela
presença de uma cflorescência: branca. pàlve- fundamentalmente, na utilização de variedades resistentes e no
rulenta. que pode recobrir folhas, ramos novos, uso de produtos químicos.
:á'ma~. flores e frutos. Esta ctlorescência branca, na forma de
n.mchas isoladas ou totalmente dispersa sobre a superfície do 28.1. S INTOMATOLOGLA
,gão vegetal atacado, é formada por estrnturas do patógeno. Os sintomas são facilmente identificáveis e sempre se
11\Stituindo-se. assim. num sinal da doença. manifestam na forma de eflorescência ou bolor pulven.ilento. de
Os agentes causais de oídios são fungos parasitas obriga- coloração branca ou levemente cinza (Figura 28.1 ). Esta dlores-
1C1os. que dependem do hospedeiro vivo para seu crescimento cência, formada por micélio, conidióforos e conídios do pató-
reprodução, e não possuem, portanto, fase saprofitica. Os pató- geno. pode ser encontrada em diversos órgãos vegetais, c;e.rrno
,.~os deste grupo apresentam uma forma bastante evoluída de meristemas. ramos jovens. flores, frutos em formação e. princi-
;ma.sitismo. Em razão de o patógeno ser um parasita obrigado, ele palmente, folhas. A doença é observada mais frequentem,mte na
..e~e se adaptar constantemente ao hospedeiro, surgindo daí uma face superior das folhas. Em alguns casos. no entanto, pode ser
:.i espc.!cificidade na relação patógeno-hospedeiro. Esta cspecifi- constatada também na face inferior.
dade é demonstrada pela ocorrência defvrmae speciales e raças Além da eflorescência, a planta afetada pode, eventual-
,.1ológicas do patógeno, capazes de atacar determinadas espé- mente, exibir outros sintomas. Nas folhas, as manchas ou áreas
o de plantas e variedades de uma mesma espécie vegetal, res- inicialmente recobertas pela eflorescência branca podem se ton1ar
~~m amente. amareladas e. posteriormente, necróticas. Ataques severns podem
Os oídios são amplamente distribuídos na natureza e. ape- provocar retorcimento. subdesenvolvimento, queda de folhas,
_. de ocorrerem em regiões úmidas e de clima frio, são favoreci- mo.rte de ramos novos. queda de Aores e fmtos, subdese!llvol\li-
a por ambientes secos e quentes. Uma ampla gama de espécies mento e deformação de frutos jovens.
,ode ser afetada, como gramíneas. ornamentais, olerícolas. frutí-
laas e espécies florestais. Espécies silvestres e plantas daninhas 28.2. ETIOLOGIA
anbém podem ser atacadas. inclusive atuando como hospedeiros Os agentes causais de oídios são fungos da classe dos
ailcmativos do fungo. Apesar de ser pouco comum a morte da Ascomicetos. Os gêneros associados aos oidios são: Erysiplw,
·.anta. os efeitos prejudiciais são evidenciados através de redu- Blumeria. Sphaemlheca. Podosphaera. Brasi/iomyces, Phylfactinia,
- no desenvolvimento e produção do hospedeiro. Estes danos levei/lula, Pleochaeta, Sm\'Odaea, Cystotheca, Golo1>i11omyces,
.ão decorrentes de interferência do fungo no processo de fotos- Arthrocladiella, Neoeerysiphe e Uncinu/a. A fase imperfeita des-
-.1ese, retirada de nutrientes das células e diminuição da quanti• tes fungos com:sponde aos gêneros Oidium. Oidiopsfa, Ornla-
~ de luz que chega à superficie das folhas. Em alguns casos, os riopsis e Streptopodium. A fase perfeita raramente é constatada

351
Manual de Fitopatologia

e D

Figura 28.1 Sintomas foliares de oídio: (A) folha e (B) detalhe de folha de quiabeiro colonizada por Oidium ambrosiae; (C) folíolos e (D) detalhe de
follolo de tomateiro colonizados por Oidium spp.
Crédito das fotos: Sílvia A. Lourenço.

em condições de campo. Este fato é atribuído à ausência de tem- 28.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO~HOSPEDEIRO
peraturas suficientemente baixas que permitam o desenvolvi-
Os fungos que causam oídios são parasitas obrigatórios e,
mento da fase perfeita ou sexuada do patógeno.
portanto, dependentes de hospedeiros vivos para sua sobrevivên-
Na fase imperfeita, o fungo produz hifas claras e septa- cia, crescimento e reprodução (Figura 28.2). A sobrevivência do
das, que formam um micélio branco ou cinza claro. As hifas dão patógeno, nas regiões tropicais e sub-tropicais, ocorre através de
origem a conidióforos curtos, eretos e não ramificados, a partir micélio e conídios produzidos pelo fungo em plantas do próprio
dos quais se desenvolvem os conídios. Os conídios são hiali- hospedeiro, em plantas voluntárias ou em hospedeiros alternati-
nos, unicelulares, de forma ligeiramente retangular a ovalada vos, como ervas daninhas ou espécies silvestres; no caso, estas
ou oblonga. estruturas fúngicas são provenientes de Infecção ativa que se
No estádio perfeito, o micélio forma corpos de frutificação desenvolve nestes hospedeiros. Quando a cultura é perene, o pató-
do tipo cleistotécio, claros no início, escuros posteriormente e geno sobrevive na própria planta. Nas regiões sujeitas a inverno
visíveis em contraste com o micélio branco. No interior dos cleis- rigoroso, a sobrevivência ocorre na forma de cleistotécio, com os
totécios desenvolvem-se os ascos, que dão origem aos ascósporos ascósporos sendo responsáveis pelo início do ciclo da doença na
unicelulares, hialinos e ovalados, semelhantes aos conídios. estação subsequente. A disseminação é realizada principalmente
As hifas fonnam também os haustórios, que são estruturas pelo vento, que distribui os conídios a distâncias relativamente
especializadas na retirada de nutrientes diretamente das células longas; a água também pode atuar como agente de disseminação,
do hospedeiro. Estas estruturas, provtnientes do intumescimento principalmente na forma de respingos, dispersando os conídios
das extremidades das hifas, penetram no interior das células e dentro da própria planta e para plantas vizinhas. Chuvas intensas
possibilitam que o fungo exerça uma forma evoluída de parasi- podem retirar as estruturas do fungo encontradas na superflcie do
tismo. hospedeiro, prejudicando seu desenvolvimento e sua dispersão.

352
Oídios

Figura 28.2 - Ciclo de oídio em roseira.


fonte: Redesenhado por Serge Savary, adaptado de Ab'l'ios (2005).

-
-\o atingir a superficie da folha. os conídios podem iniciar o pro- 28.4. CONT'ROLE
~so de infecção. Os conídios não germinam quando se fonna As principais medidas utilizadas no controle de oídios estão
.lffi filme de água na superficie foliar, porém exigem um teor de
restritas ao emprego de variedades resistentes e ao uso de pro-
_midade relativa próximo a 95%. O conídio dá origem ao tubo dutos químicos. Variedades resistentes foram desenvolvidas para
~nninativo, em cuja extremidade forma-se o apressório (exce- várias espécie:s vege.tais, aproveitando a especificidade existente
-:.lo feita a espécies de Oidiopsis que penetram através de estô- entre patógeno e hospedeiro. Através do melhoramento genético,
matos). O apressório adere à superficie da folha e prodnz uma tem sido viável a obtenção de variedades que possuem resistên-
fina hifa, que rompe a cutícula e a parede da célula epidérmica e cia vertical e/ou horizontal. O controle químico do oídio envolve
causa invaginação da membrana plasmática no hospedeiro. Uma pulverizações feitas com fungicidas específicos, bem como com
\c!Z no interior da célula, o ápice da hifa dilata-se ou ramifica-se,
aqueles à bas<! de enxofre, os quais podem provocar fitotox.idez,
·"',;rmando o haustório, que mantém íntima relação com o cito-
dependendo da dosagem e da cultura tratada.
plasma da célula e daí retira seus nutrientes. A colonização da
Uma medida alternativa, que pode auxiliar o controle da
-:i.a1or parte das espécies causadoras de oídios restringe-se à emis-
doença, consiste na erradicação parcial do patógeno. Isto pode ser
>io dos haustórios para o interior das célnlas epidérmicas do hos-
:xdeiro, não ocorrendo desenvolvimento inter ou intracelular das feito através da eliminação de plantas voluntárias ou de hospedei-
'l fas. Após a penetração, as hifas situadas na superfície da folha
ros alternativos, como ervas daninhas ou plantas silvestres, que
-omeçam a se ramificar. Com o desenvolvimento do micélio, os abrigam o pat,ógeno no período de entressafra da cultura.
-onídios passam a ser produzidos em grande quantidade, carac-
28.5. DOENÇA-TIPO
·enzando a fase de reprodução do patógeno. Sob condições de
::ia1xa temperatura, ocorre a formação de cleistotécios esféricos, O oídio tem ocorrência generalizada, infectando uma diver-
, tamanho aproximado de uma cabeça de alfinete. A presença de sidade muito :grande de espécies vegetais. Algumas culturas são
"li1célio e conídios na superficie vegetal é responsável pelo siu- mais severamente afetadas pela doença e sofrem danos maiores e
.ima típico de oídio exibido pelas plantas doentes, ou seja, a eflo- mais constant,es. Considerando os vários tipos de cultura corou-
-e~cência branca pulverulenta que recobre os órgãos atacados. As mente prejudi,cados pelo ataque de oídio, pode-se destacar: entre
- .antas doentes podem atuar como fontes de inóculo para plantas as olericolas, a abóbora, o pepino e o melão; entre as frutiferas,
,..,d,as, quando o vento ou a água promover a dispersão dos coní- a videira e a macieira; entre as ornamentais, a roseira; entre os
dJ.os. Nas nossas condições, a doença é favorecida em locais ou cereais, o trígt:>. Em função da sua imponância, o oídio do trigo
períodos quentes (20-25 ºC) e secos. será focalizado como doença-tipo.

353
Manual de Fitopatologia

O oídio é encontrado em praticamente todas as regiões trítí- Aust. H.-J. & Hoyningen-Huene, J. Microclimate in relation to epidemies
colas do mundo. as condições brasileiras, é comum sua ocorrên- of powdery mildew. Annual Review of Phytopathology 24: 491 -
cia. Os conídios produzidos nas fontes de inóculo são, disseminados 510, 1986.·
pelo vento e, ao atingirem uma planta de trigo, iniciam o processo Bockus, W.W.: Bowden. R.L.; Hunger, R.M.; Morrill. W.L.; Murray.
de infecção. A germinação do conídio exige umidade relativa pró- T.D.; Smiley, R.W. Compendium of Wheat Diseases and Pest~.
xima de 100% e dá origem a um tubo germinativo, que se fixa na Saint Paul, APS Press, 2010. 184p.
snperficie do hospedeiro através da formação do apre:ssório. A partir
Reis, E.M. & Casa R.T. Doenças do trigo. ln Kimati, H.: Amorim, L.;
do apressório, desenvolve-se uma hifa, que rompe a cutícula e pene-
Rezende. J.A.M.: Bergamin Filho. A.; Camargo, L.E.A. (ed.).
tra nas células superficiais da folha. Esta hifa forma., na sua extre- Manual de fitopatologia: Ooenças das Plantas Cultindas. São
midade, um haustório ramificado, em forma de dedc,s, que passa a Paulo, Ceres, v. 2, 2005. p. 631-638.
retirar nutrientes diretamente do citoplasma da célula vegetal. Na
Daughtrey, M.L.; Hodgc, K.T.; ShishkotT, N. The powdcry mildews. ln:
superficie da p lanta tem início o desenvolvimento das hifas que
Trigiano, R.N.; Windham, M.T.; Windham, A.S. (ed.). Plant Palho-
constituem o micélio e que darão origem. posteriormente, aos coní-
logJ. Conccpts imd Lahoratory Exercises. Boca Raton. CRC
dios, dispostos em cadeia; cleistotécios podem eventualmente ser
Press, 2004. pp. 117-126.
formados na trama de hifas. S intomas externos são facilmente visí-
veis nas folhas. na fonna de manchas ovais, recob,crtas por uma Gallí. F. (ed.). Manual de Fttopatologia. São Paulo, Ceres, v. 2. 1980.
eflorescência branco-acinzentada. Sob condições favoráveis, este p. 553-573,
bolor esbranquiçado pode recobrir folhas, bainhas, g lumas e aris- Ellinghoe, A.H. Genetics aad physiology of primary infections by Erysiplu:
tas. Com a evolução da doença, aparecem áreas cloró1ticas e a planta graminis. Phytopatbology 62: 401-406, 1972.
passa a exibir amarelecimento. Nesta fase, podem su1rgir os clcisto- Eshed, N.E. & Wahl. 1. Role of wild grasses in epidemies of powdery
técios sobre as partes vegetais atacadas, os quais se apresentam na mildew on small grains in Israel. Phytopathology 65: 57-63. J 975.
forma de pequenos pontos esféricos e escuros, visívf:is a olho nu.
Glawe, D.A The powdery rnildews: a rcview of Lhe world's most te.mil-
O agente causal do oídio do trigo é o fungo Blumeria gra- iar plant pathogens. Annua.l Review of Phytopatbology 45: 27-51,
minis f. sp. triticí (sinonímia Erysiphe graminis f. s p. trifiei) que 2008.
na fase imperfeita corresponde a Oidium monilioides. As hifas
llyde, P.M. & Colhoum, J. Mechanisms of resistance of wheat to E1J'·
formam um micélio claro, que cresce externamente na superfi-
siphe graminis f. sp. trifiei. Phytopathologische Zeitschrifl 82:
cie d o hospedeiro, apresentando haustórios que inv.adem as célu- 185-206, 1975.
las epidérmicas. Os conidióforos são simples, curtos e têm uma
Moseman, J.G. Gcnetics ofpowdery míldews. Annual Review of Phy-
célula terminal a partir da qual se originam os conídios. Estes são
hialinos, unicelulares, de formato elipsoide ou oval.ado. Os cleis-
topathology 4: 269-290, 1966.
totécios são globosos, de coloração clara quando jovens e escura Sclmathorst. W.C. Environrncnlal rclationships ín tbe powdery mildews.
quando maduros. No interior do c leistotécio são formados nume- Annual Review of Phytopllthology J: 343-366. 1965.
rosos ascos, que apresentam forma cilindrica e contl:m oito ascós- Spencer, D.M. Tbe Powdery Mildews. New York, Academic Press, 1978.
poros hialinos, unicelulares e ovalados. Stadnik, M.J. História e taxonomia de oldios. ln Slaclnik, M.J. & Rivera,
A doença desenvolve-se muito bem em condições de alta M.C. (ed.). Oídios. Jaguariúna. Embrapa. 2001. pp.3-30.
umidade relativa e na faixa de temperatura compreendida entre Stadnik. M.J. & Rivera, M.C. Oidios. Jaguariúna. Embrapa, 2001.
18 e 22 "C. A presença de luz é imponante na etapa de penetra-
Zheng, Z., Nonomura, T., Bóka, K., Matsuda, Y.. Yisser, R. G. F., Toyoda,
ção e na formação de conídios. O uso de nitrogênio em excesso
H., Kiss, L., and Bai, Y. Detection and quantification of Levei/lufa
e a alta densidade de plantas favorecem a ocorrência da doença;
taurica growth in pepper leaves. Phytopathology 103:623-632,
além disto, a planta mostra-se mais suscetível durante as fases de
20 13.
crescimento rápido.
O controle da doença pode ser feito através de tratamento
químico, com fungicidas à base de enxofre ou com produtos mais
específicos, como fungicidas sistêmicos. O emprego de varieda-
des resistentes é a melhor maneira de controlar o oídio. A resis-
tência do tipo vertical apresentada por algumas variedades de
trigo tem sido quebrada pelo patógeno. Uma forma mais durável
de resistência tem sido conseguida com variedades que possuem
resistência horizontal, nas quais o oídio cresce lentamente. Algu-
mas medidas como errad icação de p lantas voluntárias. escolha da
época de p lantio e uso de adubação equilibrada pod,em contribuir
para a diminuição dos efeitos prejudiciais da doença. ·
28.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Agrios, G.N. Plant Pat.hology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
Press, 2005.
Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
(ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Culth•ad~.
São Paulo, Ceres, vol. 2, 2016.

354
CAPÍTULO

29
FERRUGENS
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

29.l. Sintomatologia ..................................................... 355 29.4. Controle............... ,,............................................... 358


29.2. Etiologia ...................................•..........................•• 356 29.5. Doenças-tipo ........................................................ 358
29.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 357 29.6. Bibliografia consultada ........................................ 360

s ferrugens são assim denominadas em razão das como pela destruição de área foliar, decorrente da formação de

A lesões amareladas, de aspecto feITUginoso, que


aparecem nos hospedeiros atacados. Estas lesões.
também referidas como pústulas, são constituídas, na maior parte,
pústulas e da queda de folhas provocada pelo patógeno.
As doenças deste Lipo estão distribuídas em regiões tempe-
radas e tropicais. O vento tem um papel fundamental na dispersão
por estruturas reproduti,as do fungo, que emergem do tecido dos esporos dos fungos causadores de femigcns a longas distân-
vegetal doente através do rompimento da epiderme do hospe- cias. pennitindo que os mesmos percorram, inclusive, distâncias
deiro. As pústulas são geralmente salientes em relação à superfi- intercontinentais.
cie vegetal e liberam facilmente os propágulos do fungo. O controle das ferrugens tem sido desenvolvido com base
Os patógenos responsáveis pelas ferrugens são fungos bosi- em variedades resistentes, utilirn,:ão de produtos químicos e
diomicetos. que atuam como parasitas obrigatórios e não apresen- erradicação de hospedeiros alternados. Apesar da disponibilidade
tam fase saprofítica cm seu ciclo vital. São parasitas evoluídos, de genót_ipos resistentes e de fungicidas eficientes, as ferrugens
capazes de colonizar intercelulannente os tecidos vegetais e pro- continuam causando significativas reduções na produção de ali-
du1air haustórios. que retiram nutrientes diretamente do interior da mentos em todo o mundo.
célula viva. A relação patógeno-hospedeiro é específica e ocorre
tanto ao nível de espécie vegetal (formae speciales do patógeno ), 29.1. SINT0.\1ATOLOGIA
como ao nível de variedades de uma mesma esp~cie vegetal Os sintomas de ferrugem manifestam-se predominantemente
(raças fisiológicas do patógeno). Ecaracterística típica dos fungos nas folhas, embora possam ocorrer, em alguns casos. cm outras
causadores de ferrugens a produção de vários tipos de estruturas partes vegetais, como bainhas, colmos. ramos novos, órgãos florais
reprodutivas (picniósporos. eciósporos. tirediniósporos. tcliósporos e frutos em início de desenvolvimento.
e basidiósporos), bem como, em alguns casos, a exigência de mais Nas folhas. os sintomas têm início com pequenas manchas
de um hospedeiro para completar o ciclo de vida. amareladas, geralmente circulares ou elípticas. recobertas pela
As ferrugens podem ter ação devastadora sobre seu hos- cutícula da planta. Com o desenvolvimento da doença, estas man-
pedeiro e têm sido reconhecidas pelo homem desde a antigui- chas aumentam de tamanho e a cutícula se rompe, expondo a massa
dade. Estas doenças provocam constantemente enom1es perdas de urediniósporos produzida pelo patógeno (Figura 29.1 ). Neste
em várias culturas. principalmente em gramíneas. como trigo. estádio, as manchas são denominadas de pústulas e apresentam
cevada. milho e cana-de-açúcar. Além das gramíneas, cafeeiro, coloração amarela ou alaranjada. As manchas tomam-se castanhas
soja, feijoeiro. várias ornamentais, frutíferas e hortícolas sofrem ou pretas, quando mais velhas, em decorrência do surgimento dos
redução na produção devido ao ataque de doenças deste grupo tcliósporos sucedâneos dos urediniósporos. As pústulas apresen-
1Boxe 29.1 ). As plantas doentes têm seu processo fotossintético tam-se salientes em relação à superficie foliar e podem coalescer
afetado tanto pela retirada de nutrientes promovida pelo fungo quando a doença ocorre com alta intensidade.

355
Manual de Fitopatologia

Boxe 29.1 As ferrugens não dormem

A história da Fitopatologia, assunto do Capítulo 1 desta obra, revela que as ferrugens são conhecidas pelo
homem desde a antiguidade. Textos bíblicos já faz.iam referências sobre as ferrugens em cereais, especialmente no
trigo, cultivados pelos hebreus. Os antigos romanos atribuíam as ferrugens dos cereais a causas divinas, como castigo
imposto pelos deuses em razão das suas más ações. As ferrugens, desde tempos remotos, se apresentam como um
flagelo para a humanidade, implicando em significativos danos para numerosas plantas cultivadas.
No Brasil, há dois exemplos marcantes, representados pelas ferrugens do cafeeiro e da soja, ambas as culturas de
expressiva importância para a economia do País. Há, aproximadamente, cinco décadas chegava aos cafezais brasileiros
a temida ferrugem que ocorria no continente africano. Após sua chegada à Bahia, em alguns meses, se propagou por
uma região de 600 mil km2, de acordo com estimativas da época. A ocorrência da doença se expandiu pelas áreas
produtoras e causou um forte impacto na cafeicultura brasileira, pela substituição de variedades tradicionais, redução
no rendimento da cultura e gastos com o controle químico. Os efeitos da ferrugem são sentidos até o momento atual,
onerando os cafeicultores e os consumidores que apreciam o saboroso cafezinho. A ferrugem da soja é mais recente e tem
história semelhante à do café. As primeiras evidências da doença apareceram em campos do Paraná, sendo introduzida
via fronteira paraguaia. A disseminação do agente causal ocorreu rapidamente e, em curto intervalo de tempo, atingiu
os extensos cultivos implantados nas principais regiões produtoras. A doença encontrou condições climáticas muito
favoráveis no território brasileiro, além do favorecimento advindo dos cultivos sucessivos, sob irriga~o, nos meses
de inverno, conduzidos em áreas do Centro-Oeste. A grande quantidade de pequenas pústulas presentes nas folhas
fotossinteticamente ativas provoca queda das mesmas, comprometendo a formação de grãos. Como consequência, o
rendimento da cultura é reduzido drasticamente, resultando em perdas altamente significativas para os produtores.
Além dos danos, a doença tornou a cultura dependente do uso de produtos químicos para sua viabilidade econômica,
onerando a produção e reduzindo o lucro dos agricultores. Um fato interessante, mas não gratificante, é que antes da
introdução da ferrugem asiática da soja, o Brasil ocupava a oitava posição entre os maiores consumidores de fungicidas.
Em 2007, já se colocava em segundo lugar. Mais recentemente, em razão da obrigatoriedade do controle da doença, o
País se tornou líder absoluto no consumo mundial de fungicidas (Mais informações sobre essas doenças nos itens 2.1.3
e 2.2.8 do Capítulo 2 desta obra).
De acordo com Norman Ernest Borlaug, engenheiro agrônomo e ganhador do prêmio Nobel da Paz por seu
trabalho no melhoramento de variedades de trigo adaptadas ao clima de países africanos e asiáticos: "a ferrugem
nunca dorme". De fato, neste novo século tem se desenvolvido alarmantes surtos de epidemias causadas pelas ferrugens
em diversas espécies cultivadas, destacando-se as ferrugens do trigo, cafeeiro, soja, videira e plantas pertencentes à
familia das mirtáceas (Prímiano et ai., 2017). As epidemias têm sido creditadas a fatores diversos, como emergência
de variantes genéticos na população de patógenos já conhecidos, homogeneidade de genótipos das espécies cultivadas,
ocorrência de condições ambientais favoráveis, mudanças climáticas e crescimento do comércio mundial de plantas. O
controle destas doenças leva ao aumento na frequência de aplica~o de fungicidas, implicando em aumento do custo de
produção e redu~o nos lucros do produtor. Além disto, a pressão de seleção criada pelo uso intensivo dos fungicidas
pode contribuir para a seleção de raças resistentes do patógeno, inviabilizando o uso de fungicidas anteriormente
eficientes. Ainda, alterações indesejáveis podem ocorrer no ambiente, em decorrência da dispersão e do acúmulo
destes produtos no solo e na água.

Em ramos e frutos, a ferrugem produz manchas recobertas havendo, inclusive, casos de ocorrência de fom1ae speciales e
por uma densa massa pulverulenta de coloração amarela, consti- raças fisiológicas. A colonização dos tecidos vegetais é feita atra-
tuída por urediniósporos do patógeno. Quando ocorre a coales- vés do crescimento micelial intercelular e da emissão de haustó-
cência destas lesões, ramos novos e frutos jovens podem ficar rios intracelulares.
totalmente recobertos por esta massa As manchas, com o decor- O número de espécies fúngicas associadas às ferrugens
rer do tempo, podem se tomar necróticas. que ocorrem em Gimoospermas e Angiospermas aproxima-se
A fenugem pode causar danos maiores ou menores, depen- de cinco mil, distribuídas em diversos gêneros. Dentre estes,
dendo do estádio de desenvolvimento da planta e da severidade alguns merecem destaque, como Puccinia, Hemileia, Uromyces,
do ataque do patógeno. Assiru, são observados em plantas ataca- Phakopsora e Melampsora, pela ocorrência frequente e pela
das destruição de área foliar, necrose de brotações e .queda pre- importância econômica das doenças por eles causadas.
coce de folhas, flores e frutos. Como consequência, pode ocorrer Os agentes causais de fenugens produzem vários tipos de
morte de plantas jovens, enfraquecimento de plantas adultas e estruturas de frutificação, cada uma delas correspondendo a uma
redução na produção de frutos ou grãos. fase do ciclo de vida do patógeno. Assim, o pícnfo, ou espermo-
gônio, é considerado a fase O, o éeio, a fase I, o urédio, a fase
29.2. ETIOLOGIA n, o télio, a fase lll, e o basídio, a fase IV. Cada uma destas
Os fungos causadores de fenugens são parasitas obriga- estruturas, genericamente conhecidas pelo nome de soros. produz
tórios e pertencem ao grupo dos basidiomicetos. Estes patóge- um tipo de esporo. ou seja, picniósporos, eeiósporos, uredini-
nos apresentam alta especialização em relação ao hospedeiro, ósporos. teliósporos e basidiósporos, respectivamente. Quando

356
Ferrugens

Figura 29.1 - Ferrugem marrom da cana-de-açúcar causada por Puccinia melanocephala (A, B) e urediniósporos do patógeno (C). Ferrugem
do cafeeiro (D), detalhe de uma pústula (E) e urediniósporos do agente causal (F).

o ciclo da doença for constituído pelas cinco fase.s, a ferrugem é zir esporos também dicarióticos, de. paredes espessas, denomina-
chamada macrocíclica ou de ciclo longo; se o patógeno não apre- dos teliósporos. Estes podem atuar durante algum tempo como
senta estas cinco fases, a ferrngem é denominada rn1icrocíclica ou esporos de resistência. Ao germinarem, formam um basídio que,
de ciclo curto. Alguns fungos desenvolvem todo o, seu ciclo vital através da meiose, produz quatro basidiósporos haploides. Os
sobre um único hospedeiro e, neste caso, as ferrugens são referi- basidiósporos germinam, dando origem a um micélio haploide
das como autoicas; outros necessitam de mais de um hospedeiro que, ao colonizar o tecido vegetal, forma novamente o pícnio.
para completar o ciclo e as ferrugens recebem a designação de
heteroicas. 29.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDECRO
O pícnio ou espermogônio é uma estrutura globosa, prati- Os agentes causais de ferrugens, por serem parasitas obriga-
camente inserida no tecido vegetal, que se abre para o exterior, tórios, necessitam de hospedeiro vivo para seu desenvolvimento e,
expondo os picniósporos e as hifas receptivas. Ambos são produzi- em função da sua especialização em relação ao hospedeiro, geral-
dos por micélio haploide. Os picniósporos, que atuam como game- mente não possuem hospede.iros alternados. Estas características
tas masculinos e não infectam plantas, fertilizam as lhifas receptivas têm influência direta sobre a forma de sobrevivência dos mesmos.
compatíveis existentes nos pícnios, dando origel111 a um micélio Assim, nos trópicos, os patógenos sobrevivem principalmente na
dicariótico que, por sua vez, dará origem ao écio. Estas estruturas, forma de urediniósporos que, geralmente, permanecem sobre plan-
geralmente formadas na face da folha oposta aos pícnios, produ- tas voluntárias após a colheita. Nos países temperados, é comum
zem esporos também dicarióticos, denominados ec iósporos. Estes urediniósporos serem trazidos pelo vento de regiões longínquas.
esporos têm a capacidade de penetrar e colonizar os tecidos do hos- Em muitas situações, os teliósporos atuam como estruturas de
pedeiro, dando origem ao urédio ou uredínio; esta estmtura, por sua resistência e garantem a sobrevivência do patógeno na ausência
vez, produzirá os urediniósporos ou uredósporos, e,sporos dicarió- do hospedeiro. A disseminação pode ocorrer a curtas ou longas
ticos formados mitoticamente. O télio, que surge a partir do urédio, distâncias através do vento, água, insetos e outros agentes dissemi-
quando este cessa a produção de urediniósporos, passa a produ- nadores. A água, na forma de respingos, tem papel importante na

357
Manual de Fitopatologia

disseminação dos esporos dentro da planta ou para plantas vizinhas. O agente causal da doença é o fi.mgo Puccinia graminis
O vento, no entanto, é o agente de maior importância. Além de pro- f. sp tririci, que ataca colmos, folhas, bainhas e, eventualmente,
mover a disseminação dentro da planta e para plantas próximas à glumas e sementes. Além do trigo, o patógeno causa doença em
fonte de inóculo. o vento é responsável por levar esporos a longas outros hospedeiros. como cevada, centeio e algumas gramíneas.
distâncias, promovendo uma distribuição eficiente do inóculo em O ciclo da ferrugem tem início quando, após o inverno, o
amplas áreas geográficas. Os esporos. predominantemente os ure- esporo de res:istência do patógeno (teliósporo), que sobreviveu
diniósporos, ao atingirem uma planta suscetível, passam a desen- nos restos de cultura, germina e produz um basídio. O basídio dá
volver a etapa de infecção. A fase de gem1inação tem inicio quando origem a quatro basidiósporos, todos haploides. Ao atingir uma
a umidade do ar está próxima à saturação, sendo muito favorecida folha de bérberis (Berberis vulgaris), o basidiósporo produz um
quando um filme de água cobre a superfície foliar. Nestas condi- tubo germinativo que penetra diretamente a cutícula, ganhando
ções, o urediniósporo gennina, produzindo o promicélio e, pos- o interior do tecido do hospedeiro alternado. A colonização é
terionnente, o apressório. A penetração, exceção feita a algumas realizada através do crescimento intercelular das hiías. que emi-
espécies do gênero Phakopsora. ocorre através dos estômatos. No tem haustórios para o interior das células vegetais. A partir do
caso de espécies do gênero Phakopsora, o patógeno pode ingres- desenvolvimento deste micélio, forma-se o pícnio ou· espermo-
sar o hospedeiro diretamente através da cutícula. A colonização se gônio que, rompendo a epiderme, abre-se ao exterior. No pícnio,
processa através do desenvolvimento de micélio intercelular e da encontram-se hifas receptivas e picniósporos. Água, na forma
emissão de haustórios para o interior das células do hospedeiro. de chuva ou de orvalho, e insetos são responsáveis pela disper-
Como consequência da colonização dos tecidos, surgem os sinto- s-lo dos picniósporos que, ao encontrarem hifas receptivas com-
mas, na fonna de manchas inicialmente puntiformes de coloração patíveis, passam a desenvolver o processo de fertilização. Como
levemente amarelada. Quando o patógeno inicia a sua reprodução, consequência deste processo, surge um micélio dicariótico que
as estruturas reprodutivas forçam a epidenne foliar, promovendo o cresce em direção oposta ao pícnio e produz outra estmtura, o écio.
rompimento da mesma, ficando exposta a massa de urediniósporos, Esta estrutura tem a forma aproximada de um sino e projeta-se para
cor de ferrugem. Em alguns casos. como na ferrugem do cafeeiro, o exterior através da ruptura da epidenne. produzindo cadeias
a produção de estruturas reprodutivas se dá através dos estômatos. de eciósporos dicarióticos. A paite do ciclo que ocorre sobre o
As pústulas são geralmente salientes e podem coalescer, tomando bérberis encerra-se com a fonnação dos eciósporos. As próxi-
uma parte considerâvel do limbo foliar. Com o tempo, estas lesões mas fases serão desenvolvidas sobre a planta de trigo. Assim, os
adquirem coloração castanha ou preta, em decorrência da fonna- eciósporos levados pelo vento, ao encontrarem uma planta de
ção dos teliósporos. Tanto os urediniósporos como os teliósporos trigo, dão continuidade ao ciclo, genninando, produzindo pro-
podem ser disseminados pelo vento ou pela água e a planta doente micélio e penetrando no tecido do trigo através de estômatos.
passa a atuar como fonte de inóculo. As condições climáticas que A colonização pennite a fom1ação de uma massa micelial que
favorecem a ocorrência das ferrngens são bastante variáveis, em pressiona a epidcnne vegetal devido ao surgimento das pontas de
função da combinação patógeno-hospedeiro. No éntanto, de niodo hifas (esporóforos), sobre as quais se formarão os urcdinióspo-
geral, a presença de alta umidade relativa e de temperatura amena ros. A estrutura assim formada recebe o nome de urédio. Ao rom-
são propícias ao desenvolvimento deste tipo de doença. per a epidenne, uma massa pulverulenta, amarela, constituída por
urediniósporos dicarióticos, fica exposta ao ambiente externo. A
29.4. CONTROLE partir do urédio, os urediniósporos podem ser liberados pela ação
da água e, principalmente, do vento. Ao encontrarem tecido de
A utilização de variedades resistentes e o uso de produtos
trigo suscetível, estes esporos germinam, penetram pelos estô-
químicos são as formas mais viáveis de controle. A erradicação
matos, colonizam por meio de micélio intercelular e haustórios e
de hospedeiros alternados é uma medida de caráter específico
passam a formar novos urédios, que novamente produzirão mais
para o caso das íerrugens que necessitam de mais de um hos- urediniósporos. Com o passar do tempo, os urédios deixam de
pedeiro para completar seu ciclo vital (veja Boxe 14.5 no Capí- produzir urediniósporos e passam a dar origem aos teliósporos.
tulo 14 desta obra). O controle através de variedades resistentes A estrutura passa a ser, então, denominada de télio. Nem sempre
tem sido, em muitos casos. uma medida eficiente e econômica. A o télio é fo1111ado deste modo. Algumas vezes resulta da infecção
obtenção destas variedades, no entanto, implica em gastos com direta promovida por um urediniósporo. Os teliósporos são bice-
pesquisa. Produtos químicos de espectro amplo ou específico lulados e escuros, o que faz o télio apresentar coloração escura.
sempre aumentam o custo de produção. Em alguns casos, porém, É nos teliósporos que ocorre a etapa de fusão dos núcleos (cario-
tais produtos têm se mostrado bastante eficientes e devem ser gamia). Mais especificamente, em cada uma das duas células do
considerados como uma alternativa de controle, principalmente teliósporo os núcleos fundem-se. Posteriormente, já no basídio,
na ausência de genótipos resistentes do hospedeiro. ocorre a meiose e, finalmente, a formação de quatro basidióspo-
ros uninucleados. As etapas de cariogamia e meiose permitem a
29.5. DOENÇAS-TIPO ocorrência de recombinações genéticas, o que implica no apareci-
A ferrugem do colmo do trigo é um exemplo clássico de mento de novas raças fisiológicas do fungo. Fechando o ciclo, os
ferrugem de ciclo longo. Além disso, seu agente exige, para com- teliósporos podem permanecer nos restos de cultura, garantindo a
pletar seu ciclo, um hospedeiro alternado. Nas condições tropi- sobrevivência do patógeno durante o período de entressafra.
cais, não ocorre o ciclo longo, Llevicto à ausência do hospedeiro Os sintomas no trigo aparecem na forma de manchas estrei-
alternado. É neste hospedeiro que se 'tompleta a fase sexual do tas e fusiíormes que acompanham o sentido das nervuras. Com o
patógeno. Como consequência. a variabilidade patogênica do progresso da doença, ocorre ruptura da epiderme do hospedeiro,
fungo nos trópicos é menor, o que toma menos problemático o aparecendo as pústulas de coloração amarelada. A quantidade
controle da doença através de variedades resistentes. de pústulas e a área vegetal tomada pelas mesmas dependem da

358
Ferrugens

mtensidade da doença. Com o passar do tempo, as pústulas ama- tas doentes. Estes esporos podem ser disseminados pela água,
·~bdas tomam-se castanhas ou pretas, devido ao aparecimento vento ou insetos e, ao encontrarem tecido suscetível e condições
dos teliósporos. Como consequência do desenvolvimento da ambientais favoráveis, iniciam o processo de genninação. Nesta
dlxnça, a planta perde mais água por transpiração, a taxa de res- fase, a presença de alta umidade relativa ou de uma película de
piração aumenta, :a fotossíntese diminui e o patógeno debilita a água sobre a superficie da folha é imprescindível. Ao germinar, o
olanta através da retirada de nutrientes. Com isto, a produção de urediniósporo produ.l o promicélio que, não conseguindo penetrar
pios é diretamente afetada. diretamente a epiderme, desenvolve-se sobre a folha até encon-
O controle da ferrugem do colmo normalmente é feito por trar um estômato, onde forma um apressório e penetra. A coloni-
tTJeio do uso de vuriedades resistentes. A aplicação de produtos zação é feita pelo crescimento de micélio intercelular e fonnação
químicos também é recomendada, existindo vários fungicidas de haustórios. Precedendo a fase reprodutiva. as hifas fonnam um
--iue possibilitam bom controle da doença. aglomerado na câmara subestomática. dando origem a um con-
A ferrugem do cafeeiro é uma doença bastante importante junto de pedicelos que saem pelos estômatos, na face inferior da
rias condições brasileiras, sendo conhecida desde meados do século folha. No ápice destes pedicelos são fonnados os urediniósporos
JXl.SSado. Ao longo do tempo, a. doença vem causando grandes que. normalmente, permanecem unidos por uma mucilagem. Esta
prejuízos à cafeicultura, sendo responsável por sérias crises eco- massa de urediniósporos constitui a pústula (Figura 29.l D, E).
nõmicas não somente no Brasil. mas também em outros países pro- Com o tempo, as lesões envelhecem e, na parte central, são for-
-~urores. mados os teliósporos. Estes esporos genninam, fonnam o basídio
O patógcno, Hemileia vastatrix, ataca principalmente as que. por sua vez, dará origem a quatro basidiósporos unicelula-
folhas e esporadicamente a extremidade de ramos novos, produ- res e mononucleados. O basidiósporo não consegue infectar o
..,ndo urediniósporos e teliósporos. Os urediniósporos são unicelu- cafeeiro. Como ainda não se conhece um hospedeiro altemaJo,
Ares, alaranjados, g;eralmente de fonnato triangular e apresentam supõe-se que o ciclo se interrompa neste ponto.
.,1:imentações externas semelhantes a pequenos espinhos. Os Os primeiros sintomas foliares são caracterizados por peque-
u:liósporos, produzidos em menor quantidade, têm forma ligeira- nas manchas circulares, de cor amarelada, localizadas na face infe-
mente globosa, são unicelulares, possuem urna parede espessa e rior da folha. Estas manchas evoluem e, quando observadns na
1presentam uma saliência no ápice. fuce superior, são lisns, arredondadas e amarelas. Na face infe1ior
O ciclo da doença (Figura 29.2) tem início quando ure<li- encontra-se uma massa alaranjada, de aspecto pulverulento. que
niósporos são liberados de pústulas formadas em folhas de plan- se mostra saliente em relação à superficie foliar (Figura 29.1 E).

Urédia na face
Penetração de tubo germinativo
Folha d,e inferior da folha
através de estômato na face
cafeeiro sadia inferior da folha
(face ín'ferior)

Urédia - Télia com


urediniósporos e teliósporos

Queda de

,.

Teliósporo ,t..
germinado 0~
Queda de Basidiósporos não infectam
folhas cafeeiro, mas nenhum
.,,~..~~ d ecorrente d a
~ ;.o ...;~~ ~. .- hospedeiro alternado é
Cafeeiro sadio Planta desfolhada infecção conhecido
pela doença

Figura 29.1 - Ciclo da ferrugem <lo cafeeiro, causada por Hemileia vastarrix.
Fonte: Redesenhado por Serge Savary, de Agrios ( 1997).

359
Manual de Fitopatologia

Em ataques severos, estas manchas podem coales,cer, tomando Kuchler, F.; Duffy, M; Shrum, R.D.; Dowler. W.M. Potencial economic
grande parte do limbo foliar. Como resultado do ataque do pató- consequences of the entry of an exotic fungai pest: The case of soy-
geno, ocorre uma diminuição da área foliar fotossintetizante, bean rust. Phytopatbology 74: 916-920, 1984.
perda de nutrientes e, em alguns casos, queda precoce de folhas. Littlefield, L.J. Biology of the Plant Rusts. Iowa State University Press,
Estes fatores levam ao enfraquecimento da planta, o que resulta
1981. 103 p.
em baixa produção de frutos.
As medidas visando o controle da doença envolvem a esco- Littlefield. L.J. & Heath, M.C. Ultrastructure of Rust Fungi. New
lha de locais favoráveis ao desenvolvimento do cafüeiro e pouco York, Academics Press. 1979.
favoráveis ao patógeno. É viável, também, a utilização de algu- McCain, J. W. & Hennen, J.F. Development of the urcdinial thallus and
mas variedades geneticamente resistentes. Além de:;;tas medidas, sorus in the orange coffee rust fungus Hemi/eia vastalrix. Phytopa-
o tratamento químico das plantas é a forma mais comum de com- thology 74: 714-721 , 1984.
bater a doença. O uso preventivo de fungicidas cúpricos ou de
Nagarnjan. S. & Singh. D.V. Long-distance dispersion of rust pathogens
produtos mais específicos é uma prática frequenwmente usada
para o controle da ferrugem. Annual Re,•iew of Phytopathology 28, 139-153, 1990. .
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360
CAPÍTULO

30
CARVÕES
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

30.I. Sintomatologia ..................................................... 361 30.4. Controle................................................................ 363


30.2. Etiologia................................................................ 362 30.5. Doença-tipo ......................................................... 363
30.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 363 30.6. Bibliografia consultada ........................................ 364

s carvões são doenças que se caracterizam pela Como parasitas evoluídos, os patógenos convivem por

O produção de massas pulverulentas escuras na parte


aérea das plantas. Estas massas são constituídas
oor estruturas reprodutivas do patógeno, fato que toma os carvões
longo tempo com o hospedeiro antes que os sintomas se tomem
visíveis. No caso dos carvões de cereais, o patógeno desen-
volve-se às custas da planta desde a genninação da semente e os
~mamente identificáveis, não tanto pelos sintomas, mas, princi- danos manifestam-se, normalmente, no estádio de formação dos
ualniente, pelos sinais presentes nas plantas doentes. grãos. O patógeno afeta as plautas atacadas tanto pela retirada de
Os carvões têm distribuição generalizada, atingindo prati- nutrientes como por modificações que causa no desenvolvimento
.:amente todas as áreas do mundo onde se pratica a agricultura. Os de meristemas e grãos. Durante o ciclo vital do fungo, são produ-
cereais, como trigo, milho, cevada e aveia, são constantemente zidos basicamente dois tipos de esporos, os teliósporos e os basi-
..:etados pela doença. É também um problema sério para outras diósporos, além de micélio primário (monocariótico) e micélio
culturas, como cana-de-açúcar, cebola e cravo ornamental. secundário (dicariótico). Os esporos são facilmente disseminados
A maior frequência de ataque de carvão é verificada nos pelo vento, podendo atingir hospedeiros localizados nas proximi•
grlos ou sementes, em razão do patógeno atingir o ovário das dades ou a grandes distâncias da fonte de inóculo.
~ antas; neste caso, que compreende os carvões dos cereais, o As medidas de controle para os carvões envolvem, prin-
UJgo desenvolve-se e produz uma massa escura de esporos cipalmente, o uso de variedades resistentes, além do tratamento
;.oros) que substitui o conteúdo dos grãos. Os soros podem ser químico ou térmico das sementes e, em alguns casos, o trata-
_.,:,nnados também nas folhas, hastes ou componentes florais, mento químico do solo.
:.e-pendendo do hospedeiro. Quando tecidos tenros, provenientes
d3 germinação da semente, são atacados pelo patógeno ou quando 30.1. SINTOMATOLOGIA
::---íe atinge o ovário de uma planta adulta, e a respectiva semente é Os carvões podem se manifestar de diferentes formas em
. ,.,,ocada para germinar, ocorre infecção sistêmica da nova planta. relação ao hospedeiro. No caso de trigo e aveia, os sinais tor-
Por outro lado, quando o fungo coloniza tecidos meristemáticos, nam-se evidentes na fase de emissão e formação das espigas e
_ .:nfecção é do tipo localizada. panículas, quando se observa a presença de massas escuras que
Os carvões são causados por fungos basidiomicetos e com- substituem os grãos (Figura 30. lA). As espigas e as panículas tor-
~nderu, aproximadamente, mil e cem espécies capazes de infec- nam-se escuras e liberam facilmente um pó preto, que corresponde
w plantas pertencentes a mais de setenta e cinco famílias botânicas. aos teliósporos do fungo. No milho, os grãos são substituídos
~,tes fungos apresentam especificidadt: em relação ao hospedeiro, por estruturas semelhantes a bolhas totalmente preenchidas por
:idusive com ocorrência de raças fisiológicas. São considerados teliósporos do patógeno. Estas estruturas escuras têm um tama-
parasitas obrigatórios e desenvolvem uma fonna de parasitismo nho várias vezes maior que um grão de milho normal e, devido
~oluído, apesar de, geralmente, não formarem haustórios. à hiperplasia, provocam deformação na espiga (Figura 30.18).

361
Manual de Fitopato"logia

A ocorrência de carvão em cebola provoca sintomas semelhan- pnblicações mais antigas usam como sinonímia o termo clami-
tes aos de damping-ojfde pós-emergência, pois os tecidos jovens dósporos. Os basidiósporos são ovalados, unicelulares, uninucle-
mostram-se muito suscetíveis. Na cana-de-açúcar, o meristema ados, hialinos e normalmente não exibem ornamentações. Estes
apical sofre uma modificação e passa a fonnar um apêndice. Esta esporos. também conhecidos por esporídios, são produzidos a
estrutura, denominada chicote, é recoberta por uma película pra- partir da germinação do teliósporo. Durante o processo de ger-
teada e contém uma massa escura formada por esporos do fungo minação do teliósporo, um tubo germinativo (prómicélio) é for-
(Figura 30. IC). Assim, de modo geral, os carvões são identifi- mado, o qual, posteriormente, se diferencia num basídio. Este é
cados principalmente com base nos sinais, ou seja, nas estrutu- septado e dá origem aos basidiósporos, que são formados late-
ras do patógeno associadas às plantas doentes. Estas estruturas ralmente; quando o basídio não apresenta septos. Os basidiós-
são produzidas no interior de partes vegetais modificadas, prin- poros podem se multiplicar por brotamento ou podem germinar
cipalmente grãos e meristemas, e tornam-se evidentes na forma e produzir um tubo genninativo, que dará origem a uma hifa. O
de massas escuras e pulverulentas. Além da presença dos sinais, micélio produzido por um basidiósporo é chamado de primário
em algnns casos podem ocorrer outros tipos de sintomas, como e apresenta os núcleos geneticamente idênticos (monocariótico).
subdesenvolvimento, perfilhamento excessivo e, mais raramente, Em muitos casos, dois micélios primários compatívés se unem
morte do hospedeiro. (plasmogamia) e formam o micélio secundário, o qual possui dois
tipos de núcleo geneticamente diferentes (dicariótico). Este micé-
30.2. ETIOLOGIA lio penetra e desenvolve-se no hospedeiro de modo intracelular,
Diversos gêneros pertencentes ao grupo dos basidiomice- normalmente sem a fonnaçào de haustórios. É exatamente este
tos estão associados aos vários tipos de carvões que ocorrem em tipo de micélio que, no final do processo, fragmenta-se, produ-
plantas cultivadas. Estes patógenos apresentam especificidade zindo novamente os teliósporos. Assim, o teliósporo é um esporo
quanto ao hospedeiro, são parasitas evoluídos e obrigatórios. assexuado que possui dois núcleos. Os processos de cariogamia e
Normalmente formam esporos, como teliósporos e basidióspo- meiose ocorrem durante a germinação do mesmo.
ros. e desenvolvem micélio monocariótico (primário) e dicarió- Os soros são formados no tecido do hospedeiro, princi-
tico (secundário). formam, também, estruturas do tipo soro, que palmente no caso dos carvões dos cereais. Assim, o desenvolvi-
contêm os teliósporos. Os teliósporos são unicelulares, esféricos, mento e posterior clivagem do micélio secundário no interior dos
binucleados, podendo apresentar superfície lisa ou ornamentada. tecidos vegetais dá origem às massas escuras e pulverulentas que
São formados a partir <lo micélio dicariótico, de modo interca- substituem o conteúdo dos grãos.
lar ou terminal, a partir da diferenciação das células que com- Os agentes dos carvões apresentam grande variabilidade
põem -as hifas. Estas desenvolvem-se, normalmente, no interior genética, o que implica no aparecimento de raças patogênicas. A
de partes vegetais originárias de grãos e meristemas modificados. existência das raças deve-se, em grande parte, ao mecanismo de
Algumas vezes os tctiósporos são chamados de teleutósporos e recombinação genética que ocorre durante o processo de meiose.

Figura 30.1 - Sintomas de carvão em trigo (A), milho (B) e cana-de-açúcar (C).
Crédito das fotos: Erlei M. Reis (A) e Maríse C. Martins-Parísi (B).

362
Carvões

30.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDE[RO 30.4. CONTROLE


Os patógenos que causam os carvões atuam como parasi- As medidas recomendadas para o controle dos carvões
~ obrigatórios e, na ausência do hospedeiro oo campo, têm sua compreendem, basicamente, o·uso de variedades resistentes e o
t0brevivência assegurada, principalmente, pelos teliósporos. Estes tratamento do material de propagação (sementes e toletes).
esporos podem estar presentes em sementes contaminadas, restos O emprego de variedades resistentes é a medida mais ade-
je cultura e no solo. Em alguns casos, micélio dormente é encon- quada de controle, embora a resistência destas variedades possa
::r-ado nos tecidos internos da semente. Por esta razão. restos de ser "quebrada'' devido ao aparecimento de novas raças do pató-
~altura e sementes são as principais fontes de inóculo da doença. geno. O tratamento de sementes de cereais e de toletes de cana-
... disseminação é feita pela água de enxurrada ou irrigação, que de-açúcar pode ser feito térmica ou quimicamente. O tratamento
-"Tasta os propágulos existentes no solo, dispersando-os na área de térmico envolve o uso de água aquecida e visa eliminar o pató-
:-1antio. O vento é o agente que promove a disseminação do pató- geno veiculado externa e/ou internamente à semente. O trata-
.;:eno a longas distâncias, quando o inóculo está presente nas cspi- mento químico emprega fungicidas e visa erradicar o fungo ou
,-3.S de cereais ou nos chicotes de cana-de-açúcar. A água, na fonna proteger a semente quando a mesma for semeada em solo infes-
.. respingos, também dissemina este inóculo na própria planta e ta~. .
• .:ra plantas vizinhas. Assim, 4uando o agente de disseminação é o Além destas medidas. é recomendado, cm alguns casos, a
ento, o inóculo não necessariamente tem origem na própria área rotação de cultura, quando uma dete1111inacla área encontrar-se
.upada pela cultura, mas pode ser proveniente de outras áreas. A muito inl'estacla, e a eliminaçao de plantas. espigas e panículas,
nfecção de um hospedeiro pode ocorrer de diferentes formas. A quando a doença estiver ocorrendo cm baixas proporções.
·ecção do embrião ocorre quando um esporo disperso pelo vento
.::r..nge o estigma de uma flor que, após germinação, instala-se no 30.5. DOENÇA-TIPO
.., ário: em seguida, o micélio permanece dormente na semente; Os carvões têm um papel econômico bastante relevante,
;'.\."5;teriormente, desenvolve-se. de modo sistêmico. na planta pro- sobretudo para o trigo e a cevada e. em certas ocasiões, para o
emente da germinação da semente infectada; finalmente, mam-
milho e o sorgo. Embora a doença seja reconhecidamente impor-
,nra-se na fase de formaçao de espigas ou panículas. A infecção tante para essas espécies, o carvão da cana-de-açúcar merece
~ plãntulas tem origem a partir de uma semente contaminada exter-
um enfoque especial, em razão tanto de sua própria importância
.,.mente por teliósporos; estes genninam e infectam o coleóptilo; quanto do papel social e econômico da indústria sucroalcoleira
e- seguida, o micélio desenvolve-se sistemicamente nos tecidos
para o nosso país.
. ~etais; por fim, as panículas passam a exibir massas de esporos
O carvão da cana-de-açúcar foi uma das primeiras doen-
lugar dos grãos. A infecção de meristcma, como no caso da cana-
ças reconhecidas nesta cultura. tendo sido relatado em 1877,
.r.•açúcar, ocorre quando o esporo atinge uma gema, provocando
na África do Sul. Sucessivamente, o carvão passou a ser iden-
- dúicação no seu desenvolvimento e dando origem a uma estm-
tificado em outras partes do mundo. Nas Américas, a doença foi
.; diferente daquela nonnalmente produzida pela gema; no final
primeiramente identificada na Argentina, no início da década de
ó. ciclo, são formados os esporos que ocupam esta estrutura. Tanto
1940, chegando ao território brasileiro em 1946. O foco inicial da
,.. teliósporos, dispersos a partir de um hospedeiro vivo como aque-
doença foi a cidade paulista de Assis e, a partir dai, o patógeno
.es que passaram por um período de sobrevivência, germinam e for-
dispersou-se por todo o Estado de São Paulo ( ver Capítulo 2 desta
m um tubo germinativo ou promicélio, que se transforma em um
obra). Desde então, vários Estados passaram a registrar a pre-
--as1dio. Este, posteriormente, darâ origem aos basidiósporos. Estes
sença da doença, embora a mesma só tenha atingido o nordeste
~1ros sexuados genninam, originando o micélio primãrio. O micé-
brasileiro quarenta anos após sua introdução em terras paulistas.
~undãrio origina-se a partir da plasmogamia entre dois micé-
primários compatíveis. A penetração se processa de fonna direta, Os danos provocados pelo carvão podem ser indiretos,
~do o patógeno atinge a superfície de um tecido suscetível. A quando impede o cultivo de variedades mais produtivas, porém
celonização ocorre predominantemente através do crescimento suscetíveis, e diretos, quando provoca redução na qu·antidade e
1C1.ercelular do micélio secundário, normalmente sem a presença de qualidade dos colmos, morte de plantas e renovação mais fre-
~tórios. Os sintomas aparecem de diferentes formas: nos cereais, quente do canavial. Os danos estão relacionados com o grau de
-~fflo trigo, aveia, milho e outros, o conteúdo dos grãos é substí• suscetibilidade da variedade plantada. Assim. danos da ordem de
-.io por massas pulverulentas escuras constituídas de teliósporos; 100% já foram registrados para variedades altamente suscetiveis.
~ sintomas na cana-de-açúcar manifestam-se, principalmente, na O ciclo primário da doença, que é favorecida por tempera-
T!Ila de uma apêndice filiforme (chicote), cujo interior contém os tura e umidade elevadas, tem início com o plantio de toletes em
~sporos. A reprodução do patógeno ocorre quando as hifas dica- solos infestados com teliósporos, plantio de material inf~ctado ou
1cas. que se desenvolveram dentro dos grãos ou nos meristemas, a partir de teliósporos provenientes de plantas doentes localizadas
·:-em clivagem. Cada célula que compõe o micélio transforma-se fora da área de cultivo. Estes propágulos, quando não associados
~ um teliósporo. Esta massa de teliósporos é, inicialmente, reco- diretamente ao hospedeiro, sã.o disseminados principalmente pelo
~ª por uma película de tecido do próprio hospedeiro, a qual, poste- . vento e pela água. O processo de infecção tem início com a genni-
- rmente, rompe-se, permitindo a dispersão dos esporos. Os fatores nação do teliósporo e produção sucessiva de promicélio e basídio.
--b,entais que interferem mais diretamente na ocorrência e desen- A partir deste, são formados os basidiósporos. Estes esporos ger-
\ imento dos carvões são a temperatura e a umidade. O carvão da minam, formando o micélio primário, que se une a outro micélio
.:3ro-de--açúcar.e o carvão do milho são .favorecidos em regiões de primário compatível, dando origem ao micélio secundário. Este
MI:! umidade e temperatura relativamente elevada (25-30 ºC); os car- micélio infoctivo penetra diretamente o tecido vegetal e passa a
ies dos cereais de inverno são mais severos em condições de tem- crescer intra e intercelulannente, promovendo modificação no
~rura mais amena ( 16-20 ºC) e elevada umidade. desenvolvimento do meristema, provocando o aparecimento do

363
Manual de Fitopatologia

chicote. Esta estrutura típica, filifonne e recoberta por uma pelí- 30.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
cula prateada, permite a identificação imediata da doença. O
chicote varia quanto ao tamanho desde alguns centímetros até Agrios, G.N. Plant Patbology. 5 ed. San Diego. Elsevier Academíc Press,
2005.
mais de um metro de comprimento e abriga, sob a película pra-
teada. uma massa escnra fonnada por teliósporos. Com o rom- Amorim. L.; Rezende, J.A.M.; Bergamin Filho, A.; Camargo, L.E.A.
pimento desta película, os teliósporos ficam ex.postos, sendo, (ed.). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas CultiYadas.
então, disseminados pelo vento e pela água. O chicote pode ser São Paulo, Ccres, vol. 2, 2016.
fonnado apicalmente, se a infecção ocorrer no meristema de Alexander, K.C. Growth of foci of infections, secondary spread, and loss
uma planta nova recém-emergida do solo, ou lateralmente, se a in yield in smut (Ustilago scitaminea) disease of sugarcane. Sugar-
infecção ocorrer nas gemas de colmos já desenvolvidos. Algu- cane Patbology News 28: 3-6, 1982.
mas vezes, gemas infectadas podem não desenvolver chicote, Antoine, R. Smut. ln Martin, J.P.;Abbott, E.V.; Hughes, C.G. (ed.). Sugar-
fato que caracteriza a infecção latente. Além do sintoma típico -cane Diseascs ofthe World.Arnsterdam, Elsevier. 1961. p. 327-354.
de chicote. outras alterações podem evidenciar a presença da Bergamin Filho, A.; Amorim. L.; Cardoso, C.O.N.; Sanguino. A.: Irvine,
doença, como afinamento de colmos. superbrotamento de tou- J.E.; Silva. W.M. Carvão de cana-de-açúcar e sua epidemiologia
ceiras, superbrotamento de gemas laterais do colmo, ocorrência Boletim Técnico Copersucar (ed. especial), 1987. 23 p.
de folhas mais curtas e eriçadas e descoloração de tecidos inter-
nos do colmo. Brefort, T.; Doehlemann, G.; Mendoza-Mendoza, A .; Reissmann, S.;
Djamei, A.; Kahmann, R. Usti/ago maydil· as u pathogen Annual
O agente causal do carvão da cana é o fungo Sporisorium Revle"' of Phytopatbology 47: 423-445, 2009.
scitamineum (sinonímia Ustílago scitaminea), um basidiomiceto
Christensen, J.P. Com smut caused by Uslilago maydis. American Phy-
que produz tanto esporos assexuados (teliósporos) como sexua-
topathologlcal Society 2: 1-41, 1963.
das (basidiósporos ou esporídios). Os teliósporos são esféricos,
unicelulares, dicarióticos e, após a ocorrência de cariogamia e Fisher, G.W. & Holton. C.S. Blology and Control of the Smut Fungi.
meiose, genninam, formando um promicélio ou tubo germinativo. Ronald Press, 1957. 622 p.
Esta estrutura normalmente diferencia-se num basídio septado Holton, C.5.; Hoffinann, J.A.; Du.ran. R. Variation in the smut fungi.
que, por sua vez, origina os basidiósporos cilíndricos, unicelula- AnnuaJ Re,•iew of Phytopathology 6: 213-242, 1968.
res e haploides. A germinação do basidiósporo dá origem à hifa KÁlmÁn Vánky, M.D. lllustRled Genera of Smut Fungl. Saint Paul,
primária. Através do processo de plasmogamia, hifas primárias APS Press, 2002.
unem-se aos pares e fonnam as hifas secundárias, que penetram e Marques, J.P.R.; Appezzato-da-Glória, B.; Piepenbring, M., Mas-
colonizam os tecidos do hospedeiro. Os teliósporos são fonnados sola Jr, N.S.; Monteiro-Vitorello, C.B.; Vieira, M.L.C. Sugarcane
pela clivagem das células da hifa secundária. Várias espécies do srnut: shedding light on the development of the whip-shaped sorus.
gênero Saccharum são atacadas pelo patógeno, além de algumas Annals of Botany 119: 815- 827, 2017.
outras gramíneas. · •
Ron P.; Bailey, R.A.; Comstocks J.C.: Croft, B.J.; Saumtally, A.S. A
O controle da doença é feito principalmeote através do uso Guide to Sugarcane Disease. Montpellier, CIRAD-ISSCT, 2000.
de variedades resistentes, pois além de ser o meio mais eficiente
também se constitui na maneira mais econômica de controlar o Swinbume, T.R. lnfection of wheat by 7illetia caries, the causal organ-
carvão. Algumas medidas adicionais, mesmo consideradas insu- ism ofbunt. Transactions British Mycological Society 46: 45-56,
1963.
ficientes, podem ser utilizadas com a finalidade de amenizar os
efeitos da doença. Assim, recomenda-se a instalação de vivei- Tokeshi, H. Carvão da cana de açúcar: Etiologia e medidas de controle.
ros em solos não infestados, a utilização de material propagativo I: Etiologia e condições pré-disponentes. Revista STAB 4: 26-34,
sadio, a eliminação de plantas doentes no viveiro e no plantio 1985.
comercial, o tratamento ténnico de material propagativo básico e Tokcshi, H. Carvão da cana de açúcar; Etiologia e medidas de controle.
o tratamento químico de toletes. II: Controle. Revista STAB S; 24-34, 1985.

364
CAPÍTULO

31
GALHAS
Ivan Paulo Bedendo

ÍNDICE

31.1. Sintomatologia ..................................................... 365 31.4. Controle................................................................ 367


31.2. Etiologia ................................................................ 366 31.5. Doenças-tipo ........................................................ 367
31.3. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 366 31.6. Bibliografia consultada........................................ 368

E
m determinadas partes vegetais, como ramos, colo patógenos. Mesmo quando a intensidade da doença é relativa-
e, especialmente, raízes, pode aparecer um tipo de mente baixa. a produção das plantas hospedeiras pode ser afe-
deformação caracterizada pelo intumescimento do tada, implicando em sérios prejuízos econômicos.
tecido vegetal, decorrente da infecção por um patógeno. Este tipo O c.ontrole desses patógenos é bastante dificil, pois ambos
de intumescência recebe o nome de galha. As galhas são cau- podem sobreviver no solo durante longos períodos de tempo. O
-adas por patógenos capazes de induzir o aumento do número e do controle do pH do solo, o uso de mudas sadias e a drenagem do
·amanho das células do tecido atacado e de promover o desvio de terreno contribuem para o controle da doença. Ainda, o trata-
,ompostos nonnalmente utilizados pela planta. São incitadores de mento ténnico ou químico do solo também são medidas preconi-
;alhas, a bactéria Agrobacterium tumefaciens, o protozoário Plas- zadas para os casos de canteiros ou de substratos utilizados para
nodiophora brassicae e nematoides do gênero Meloidogyne. As a produção de mudas.
galhas prO\ocadas por alguns representantes de nematoides são
tratadas. neste livro, no capítulo 13 específico para este tipo de 31.1. SINTOMATOLOGIA
patógeno. As galhas causadas por A. tumefaciens, também conhecidas
As galhas causadas por A. 111mefaciens já foram constatadas por galhas de coroa, manifestam-se com maior frequência nas
em mais de uma centena de gêneros de plantas, muitos deles con- raízes e no colo da planta. Os sintomas iniciais são caracterizados
tendo espécies de grande importância agronômica. Culturas de pelo aparecimento de leves tumefações que, posteriormente, evo-
ex.pressão econômica como algumas frutíferas (macieira. pes- luem, tendendo a envolver estas part·es vegetais, apresentando um
segueiro, ameixeira. videira e pereira) e ornamentais (roseira e aspecto rugoso e de coloração escura. O tamanho e a textura das
crisântemo) são comumente parasitadas pelo patógeno. Por outro galhas são variáveis, dependendo do hospedeiro e da parte vegetal
lado, P. brassicae pode infectar plantas pertencentes a várias famí- atacada; as galhas de raízes são, geralmente, menores que aquelas
lias botânicas, destacando-se a Brassicaceae, que .compreende do colo; as galhas presentes nas plantas herbáceas são formadas
brássicas cultivadas como repolho, couve-flor, brócolis e couve. de tecido tenro, que facilmente se desintegram, enquanto aquelas
Plasmodiophora brassicae e A. mmefaciens são agentes de plantas lenhosas são bastante consistentes e de difícil decom-
de doença que estão amplamente disseminados, tanto em locais posição. As galhas nada mais são que uma massa desorganizada,
de clima quente como em áreas de clima 1emperado. Por serem originadas da hiperplasia e da hipertrofia de células. São constitu-
patógenos veiculados pelo solo. atat:am as raízes e a região ídas por tecido de parênquima e sistema vascular, onde a porção
do colo. provocando subdesenvolvimento e, às vezes. morte mais externa apresenta-se nonnalmen1e fendilhada e escurecida.
da planta. Os solos pesadamente infestados podem se tomar Na parte aérea, as plantas atacadas podem exibir clorose foliar e
impróprios ao cultivo de espécies veg~tais suscetíveis a estes subdesenvolvimento e, consequentemente, são menos produtivas.

365
Manual de Fitopatologia

As galhas induzidas por P brassícae em crucíferas apa- induz os processos de hiperplasia e hipertrofia. promovendo o apa-
recem principalmente no sistema radicular (Figura 3 1.1 ). Os recimento das galhas. É interessante frisar que, uma vez desenca-
sintomas típicos ocorrem na fonna de tumefações alongadas ou deados estes processos, as células continuam a crescer e a proliferar
globosas de tamanho variável, que podem ocorrer em raízes iso- de maneira anom1al, mesmo quando a bactéria deixa de atuar nos
ladas ou tomar, parcial ou totalmente, o sistema radicular. A partir tecidos. Assim, o tecido afetado retirado da planta pode continuar
do tecido intumescido. podem emergir ramificações radiculares a multiplicar-se quando cultivado em meio de cultura. O patógeno
que conferem à galha um aspecto de cabeleira. Com o tempo, as interfere também no metabolismo das células afetadas, induzindo à
galhas tendem a ser decompostas por microrganismos da micro- produção de subslàncias específicas, denominadas de opinas, usadas
flora do solo. Como consequência do ataque do patógeno, as exclusivamente pela bactéria patogênica. A bactéria, normalmente,
plantas jovens podem morrer, enquanto as plantas adultas podem habira o solo, sobrevivendo saprofiticamente na matéria orgânica.
apresentar murcha e clorose foliar, além de subdesenvolvimento
e produção sem valor comercial. 31.3. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDETRO
O ciclo envolvendo P. brassicae como pató-
geno e uma crucífera como hospedeiro tem início
quando as galhas são decompostas no solo e liberam
os esporos de resistência. A fonte de inóculo, por-
tanto, são restos vegetais que garantem a sobre-
vivência do patógeno, principalmente na fonna
de esporos de resistência. A disseminação pode
ocorrer através de várias formas, como irrigação
por sulco, água de enxurrada, implementos agrí-
colas. mudas produzidas em solo contaminado
e qualquer tipo de atividade que envolva movi-
mentação de solo infestado. A etapa de infecção
desenvolve-se através da germinação dos esporos
de resistência fisiologicamente maduros, germi-
nação que é estimulada por exsudados produzidos
Figura 31.J - Galhas exibidas por plantas de brócolis portadoras de hérnia das cruciferas pelo sistema radicular de plantas suscetíveis. Os
causada por Plasmodíophora brassicae. esporos biflagelados (zoósporos), originários da
Crédito das fotos: Liliane D. Teixeira.
germinação destes esporos, também germinam e
penetram de forma direta em raízes novas e pelos
31.2. ETIOLOGlA absorventes; em raízes mais velhas, a penetração é feita através
A espécie P. brassicae é um protozoário. Este- micror- de ferimentos. No interior dos tecidos vegetais, os plasmódios
ganismo possui uma estrutura tubular filamentosa, também promovem a colonizaçllo, crescendo inter e intracelulannente.
chamada de talo plasmodial ou plasmódio, que apresenta movi- Em consequência do desenvolvimento intracelular do plasmódio,
mentos ameboides devido à ausência de parede rígida para deli- as células são induzidas a aumentar de tamanho e a se dividir de
mitar o protoplasma. O plasmódio, portanto, é um protoplasma maneira anômala, resultando no aparecimento de galhas nas raízes.
multinucleado contido por uma membrana, sendo que este talo Os sintomas externos são evidenciados por tumefações de formato
produz esporos envolvidos na reprodução do patógeno. O ciclo esférico ou alongado, que são observadas isoladamente em raízes
de vida tem início com a germinação do esporo de resistência, ou radicelas, podendo, às vezes, coalescerem e tomar todo o sis-
que dá origem a um esporo biflagelado (zoósporo); este penetra tema radicular. No interior do tecido atacado, os plasmódios trans-
no hospedeiro e forma um plasmódio que se fragmenta; cada formam-se em estruturas (zoosporângios) que originam·os esporos
fragmento transforma-se em uma estrutura (zoosporângio) que biflagelados móveis (zoósporos), os quais, posterionnente, são
produz e libera novos esporos de diferentes cargas genéticas, que liberados para o solo, devido à decomposição da galha. A produção
se fundem aos pares, originando zigotos heterocarióticos; estes, destes esporos corresponde à fase de reprodução do patógeno.
por sua vez, podem infectar a raiz e produzir um novo plasmódio, Os zoósporos podem se unir aos pares, formando zigotos hetero-
também heterocariótico; no interior deste plasmódio ocorrem os carióticos, que também genninam, penetram e colonizam tecidos
processos de cariogamia e meiose; o plasmódio dá origem, então, suscetíveis através do desenvolvimento de plasmódios. Nas raízes
aos esporos de resistência, devido ao processo de fragmentação; parasitadas, as galhas surgem como consequência da hipertrofia e
estas estruturas de resistência, geralmente esféricas, de paredes biperplasia incitadas pelos plasmódios. No interior destas galhas,
espessas e capazes de sobreviver por longos períodos, são liberadas os plasmódios sofrem clivagem e cada fragmento passa a constituir
no solo quando o material vegetal doente sofre decomposição. um esporo de resistência. A formação deste tipo de esporo também
Agrobacterium tumefaciens são bactérias aeróbicas, Gram- corresponde à etapa da reprodução do patógeno; sua liberação
negativas, com fonna de bastonete, medindo 0,6- 1,O µm de largura está condicionada ao processo de deterioração da galha.
por l,5-3,0 µm de comprimento. As células ocorrem isoladamente O ciclo da relação patógeno-hospedeiro para A. tumefacíens
ou aos pares, não fonnam endósporos e apresentam flagelos peritrí- (Figura 31.2) compreende, inicialmente, a sobrevivência da bac-
quios. Estas bactérias possuem um plasmídio especial, denominado téria no solo em razão da atividade saprofitica desenvolvida na
Ti (indutor de tumor), o qual carrega os genes responsáveis pela for- matéria orgânica. Desta forma, o patógeno pode permanecer no
mação de galhas. A região T do plasmídio é transferida para o cro- solo por vários anos até que apareça um hospedeiro. A partir de uma
mossomo da célula vegetal, onde recebe a denominação T-DNA. e fonte de inóculo, como restos de cultura ou galhas em decompo-

366
Galhas

,1cão, a água pode promover a disseminação dos talos bacterianos mudas sadias. No caso específico de P. brassicae, são indicadas
.:iue. encontrando raízes ou colo de uma planta suscetível, dão medidas do tipo tratamento do solo com fungicida. uso de cal-
inicio á etapa de infecção. A bactéria penetra através de ferimentos cário. escolha de solos com boa drenagem e utilização de varie-
e passa a colonizar o tecido vegetal, multiplicando-se nos espaços dades com certo grau de resistência, quando disponíveis. Para
:nercelularcs. As células vegetais próximas ao ponto de infecção A. tumefaciens. recomenda-se eliminar as mudas infectadas.
>à(> esumuladas a iniciar o processo de divisão (hiperplasia) e erradicar plantas doentes presentes nos pomares e evitar ferimentos
..i.umen1.1m de tamanho (hipertrofia). Assim, tem início o primórdio nas raízes e colo da planta durante as operações de cultivo.
.u galha, que se evidencía externamente por uma intumescência
deformação da parte vegetal atacada. Com o desenvolvimento 31.5. DOENÇAS-TIPO
Ja doença, ocorre uma desorganização do tecido. inclusive com a O protozoário P. brassicoe é patogênico a \·árias famílias de
Jiferenciação de determinadas células em elementos vasculares. os plantas. sendo de grande importância para as brássicas, nas quais é
'1'13is praticamente não têm função condutora, por não se ligarem capaz de atacar aproximadamente 300 hospedeiros diferentes. aqui
.-1.!quadamente ao sistema de vasos da planta. A hipertrofia e hiper- incluídas espécies e variedades. Por sua vez.A. tumefaciens também
pLlsia das células desorganizam de tal forma o tecido que as células é patogênica a mais de uma centena de gêneros botânicos, cau-
pro\imas ao xi lema passam a comprimir os vasos, comprometendo sando sérios danos a várias espécies cultivadas. Tomando-se por
transporte de ágiua e nutrientes. A reprodução do patógeno é base a importância das doenças, foram escolhidas como doenças-
~resentada pelo aumento do número de talos bacterianos, os tipo a hérnia das crucíferas, causada por P. hrassicae. e a galha da
.;-J.ais são liberados quando da decomposição das galhas. coroa da macieira, causada por A. tume.faciens .
A hérnia das crucí feras (Figura 31. J) tem ocorrência gene-
31.4. CONTROLE ralizada no mundo. inclusive nas condições brasileiras, onde se
Várias medidas de controle podem ser empregadas visando manifesta principalmente em áreas de temperatura amena e alta
,.,,,nimizar os danos provocados pelos patógenos causadores de umidade. A doença pode provocar a morte de mudas. redução
plhas. Algumas destas medidas têm escopo amplo, outras têm no rendimento da cultura e tomar-se limitante para o cultivo de
-2riter mais restrito. específicas para um detenninado tipo de repolho. couve, brócolis e couve-flor em solos altamente infes-
;mógeno. A escolha de local, evitando a instalação da cultura em tados. O ciclo da doença tem início quando os propágulos bifla-
solos infestados, é uma das medidas gerais recomendadas para gt:lados e esporos de resistência presentes no interior das galhas
':S\e tipo de doença. A solarização ou tratamento químico dos são liberados no solo à medida que as galhas sofrem decompo-
canteiros ou do substrato utilizado na produção de muJas pode sição. A água. que atua como agent~ de disseminação. coloca em
n:duzir a população do patógeno. contribuindo para a obtenção de contato as estruturas reprodutivas do patógeno e as raízes do hos-

Galhas velhas com


vários novos centros
de atividade
., ..

Galhas no

raízes das
plantas

Figura Jl.2-Ciclo da galha da coroa causada por Agrobacterium tume.faciens.


Fonte: Redesenhado por Serge Savary, de Agrios ( 1997).

367
Manual de Fitopatologia

pede iro. A germinação e penetração destes propágulos são favo- mente, sua capacidade de causar doença. Algumas medidas de
recidas quando o solo é arenoso, o pH é ácido e a temperatura controle podem ser adotadas visando minimizar os efeitos da
oscila entre 18 ºC e 25 ºC. A umidade do solo. em particular, tem doença. Estas medidas, recomendadas para macieira. são válidas
grande influência sobre a doença, cuja intensidade aumenta com o também para pessegueiro, pereira, ameixeira e outras frutíferas
aumento da umidade a partir de 50% da capacidade de campo, até semelhantes. Assim, deve-se evitar o plantio em áreas anterior-
o ponto de saturação. Uma vez no interior dos tecidos suscetíveis, mente infestadas por, pelo menos, 4 a 5 anos; é indicada a escolha
os plasmódios desenvolvem-se, provocando au!'1ento do tamanho de solos que apresentem boa drenagem; é importante evitar feri-
e do número de células. dando origem às galhas ou tumores. No mentos no colo e no sistema radicular durante os tratos culturais;
interior das células parasitadas, os plasmódios dão origem às a enxertia deve ser feita cuidadosamente, desinfectando-se fen-a-
estruturas (zoosporângios) produtoras de esporos móveis biflage- mentas e promovendo o isolamento da região do enxerto; deve-se
lados (zoósporos) ou diferenciam-se diretamente em esporos de escolher materiais para porta enxerto com menor suscetibilidade
resistência. As galhas, de diâmetros variados (alguns milímetros e mudas doentes devem ser eliminadas dos viveiros; preferência
a I O cm ou mais), podem ser diferenciadas daquelas causadas deve ser dada à enxertia por borbulha cm relação à garfagem: é
por nematoides por apresentarem maiores dimensões. O apareci- indicado mergulhar o sistema radicular em solução de antibiótico
mento e desenvolvimento das galhas no sistema radicular implica ou produto comercial apropriado ao controle biológico, antes da
no surgimento de sintomas reflexos na parte aérea da planta. muda ser levada para o viveiro e antes de seu plantio no campo.
Logo no início do ataque. estes sintomas são pouco evidentes,
porém com o progresso da doença a planta passa a exibir murcha 31.6. BlBLIOGRAFlA CONSULTADA
nas horas mais quentes do dia e, posterionnente, clorose foliar e
Agrios, G.N. Plant Pathology. 4 ed. San Diego. Academic Press. 1997.
subdesenvolvimento. Em culturas severamente atacadas, os pro-
dutos perdem seu valor de mercado, o que implica em grandes Agrios. G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic
prejuízos econômicos. O patógeno apresenta várias raças fisio- Press, 2005.
lógicas. O controle da hérnia das crucíferas envolve o emprego Amorim. L.: Rezende. J.A.M.; Bergamin Filho, A.: Camargo, L.E.A. (ed.).
de medidas preventivas, como utilização de mudas sadias, geral- Manual de Fitopetologia: Doenças das Plantas Cultivadas. São
mente produzidas em áreas livres do patógeno, escolha de locais Paulo, Ceres. vol. 2, 2016.
com solos não infestados e de boa drenagem, rotação de cultura Anderson. A.R. & Moore, L. Host specificity in the genus Agrobacterium.
com plantas não hospedeiras, correção da acidez do solo, man- Phytopethology 69: 320-323, 1979.
tendo o pH entre 6 e 7, solarização de canteiros e do solo usado na
obtenção de mudas, tratamento do solo com produtos químicos e Buczacki. S.T. Plasmodiophora: an inter-relationship between biological
and practical problems. ln Buczacki, S.T. (ed.). Zoosporic Plant
emprego de variedades resistentes em casos específicos.
A galha da coroa da macieira (Figura 31.2), causada pela Pathogens. London, Academíc Press. 1983. p.161-19\.
bactéria A. tumefaciens. tem ampla distribuição. Ocorre, também, Colhoun, J. Club Rot Disease ofCrucifers Caused by Plasmo,liophora
em outras frutíferas de clima temperado, tais com·o pereira, amei- brassicae: A Monograph. Kew, Commonwealth Mycological !nsti-
xeira, pessegueiro, nectarineira. amoreira e videira. A doença tute, 1958.
manifesta-se tanto em condições de viveiro como em pomares Decleene, M. & Deley, J. The hosi range of crown gall. Butanical Review
comerciais. As plantas jovens são mais sensíveis ao ataque do 42: 389-466, 1976.
patógeno que as plantas adultas. A bactéria sobrevive saprofiti-
Dickey, R.S. Efficacy of fi ve fumiganLS for the control of Agrobacterium
camente nas raízes em processo de decomposição, podendo ser
tumefaciens at various depths in the soil. Plant Disease Reporter
disseminada para plantas sadias ou para novas áreas de plantio
46: 73-76, 1962.
através de respingos de chuva, água de enxurrada, mudas, mate-
rial de propagação vegetativa, insetos e ferramentas. Condições KahL G. & Schell, J.C. Molecular Biology nf Plant Tumors. New York,
de alta umidade favorecem a penetração do patógeno, que entra Academic Press, 1982.
na planta através dos ferimentos existentes nas raízes e na região Kerr. A. Biological control of crown gal! through production of agrocin
do colo. No interior dos tecidos, o patógeno multiplica-se e induz 84. Plant Disease 64: 25-30, 1980.
o aumento do tamanho e da velocidade de divisão das células. Lclliott, R.A. A survey of crown gall in rootstock beds of apple, cherry,
As galhas resultantes do processo infeccioso são inicialmente plum and quince in England. Plant Pathology 20: 59-63, 1971.
esbranquiçadas, geralmente esféricas, de textura macia e superficie
lisa; posteriormente, podem se tomar duras. de coloração escura Moore. L.W.: Bouzar, H. & Burr. T. Agrvbacterium. ln Schaad. N.W.
(ed.). Laboratory Guide for ldentificetion of Plant Pathogenic
e aspecto rugoso. O tamanho também é variável, podendo medir
alguns milímetros até cerca de quinze centímetros de diâmetro. As Bacteria. St. Paul, APS Press. 2001. p. 17-35.
plantas jovens podem ser bastante afetadas pela doença, inclusive Moore. L.W. & Cooksey, D.C. Biology of Agmbacteríum rumefaciens:
chegando à morte. As plantas adultas têm seu desenvolvimento plant in1eractions. ln Giles, A. (ed.). The Biology of Rhizobiaceae.
vegetativo reduzido, implicando em menor rendimento da pro- New York, Academic Press, 1981. p.15-46.
dução. O agente causal da doença é uma bactéria do tipo bastonete, Nester, E.; Gordon. M. & Kerr. A. Agrobacterium tumefaciens: From
Gram-negativa, com flagelos peritríquios e ausência de endósporos. Plant Pathology to Technology. Saint Paul, APS Press, 2005.
Os variantes patogênicos desta bactéria possuem o plasmídio Ti,
Ream, W. & Gelvin. S.B. Crown Gall: Advances in Undcrsteuding
onde se localizam os genes indutores dos processos de hiper-
lntcrkingdom Gene Transfer. Saint Paul, APS Press, 1996.
plasia e hipertrofia que ocorrem nos t~cidos vegetais doentes. O
plasmídiu pode ser transferido para variantes não-patogênicos, Reyes,A.A.; Davidson, T.R.; Marks, C.f. Raccs, pathogenicity and chemical
que se tomam, então, patogênicos; por outro lado, um variante contrai of Plasmodiophora brassicae in Ont.ario. Phytopathology
patogênico pode perder o plasmídio Ti, perdendo, consequente- 64: 173-177, 1974.

368
CAPÍTULO

32
VIROSES
Jorge Alberto Marques Rezende e Elliot Watanabe Kitajima

ÍNDICE

32.1. Ciclo da relação patógeno-hospedeiro ............... 369 32.2.3. Medidas para tomar as plantas resistentes
32.2. Controle................................................................ 370 ao vírus e/ou vetor ................................... 372
32.2. l. Medidas para evitar que o vírus chegue 32.3. Doença-tipo .......................................................... 374
e se instale na cultura ............................... 370
32.4. Bibliografia consultada ........................................ 376
32.2.2. Medidas para controlar ou evitar a chegada
dos vetores dentro da cultura .................. 371

s estudos de doenças de plantas causadas por vírus vência dos vírus. Sementes e material de propagação vegetativa

O tiveram início em fins do século 19, com a des-


coberta do vírus do mosaico do fumo (Tobacco
mosaic vims - TMV), que coincide com o início da ciência da
também podem perpetuar alguns vírus. Há ainda a possibilidade
de perpetuação do vírus no vetor, especialmente quando a rela-
ção com este é do tipo circulativa-propagativa e nos raros casos
Virologia. No Capítulo 1O - Vírus e Viroides - são apresentadas em que há transmissão transovaríana. Todos eles atuam, portanto,
as principais características desses patógenos, tipos de sintomas como fontes de inóculo. A disseminação, em condições naturais, é
induzidos nas plantas infectadas, formas de disse.minação, multi- realizada de diversas maneiras, compreendendo vetores, sementes,
plicação e movimentação nos tecidos das plantas. Procedimentos pólen. material de propagação vegetativa e manuseio de plantas em
para a diagnose de doenças causadas por vírus e viroides são aborda- operações culturais (transmissão mecânica). A disseminação por
dos no Capítulo 3 - Conceito de Doença, Sintomatologia e Diagnose. vetores (insetos, ácaros e nematoides) ocorre durante o processo
No Brasil, as investigações de fitoviroses tiveram ini- de alimentação desses nos tecidos da planta sadia (Figura 32.1 ), ou
cio na década d.e 1930, no Instituto Biológico e no Instituto de colonização, quando o vetor for Spongospora, Polymyxa (Reino
Agronômico de Campinas, ambos localizados no Estado de São Protozoa) ou O/pidium (Reino Fungi). Os materiais de propagação
Paulo. Desde então, com a consolidação de diversos grupos de vegetativa (borbulhas, tubérculos, toletes, ramas e outros) obtidos
virologistas vegetais em diferentes regiões do Brasil, inúmeros de matrizes contaminadas e as sementes provenientes de plantas
vírus foram identificados infectando espécies vegetais cultivadas doentes são comumente transportados pelo homem e constituem-se
e/ou da vegetação espontânea no País. Considerando-se as doen- em importantes veículos de disseminação direta do patógeno. O
ças de plantas descritas no Manual de Fitopato\ogia: Doenças manuseio de plantas promove a disseminação do vírus via pas-
das Plantas Cultivadas, quinta edição, 2016, constata-se mais de sagem de seiva de planta doente para planta sadia, através das
160 causadas por vírus e algumas poucas por viroides. mãos do operador ou de ferramentas, principalmente quando se
realizam transplante, enxertia, desbaste, poda, amarração e colheita
32.1. CICLO DA RELAÇÃO PATÓGENO-HOSPEDEIRO seriada. A infecção inicia-se com a penetração do patógeno, que
Os vírus apresentam algumas diferenças em relação ao ocorre exclusivamente através de ferimentos. Tanto o manuseio
ciclo patógeno-hospedeiro quando comparados com as bacté- de plantas, como o ataque de organismos que atuam como veto-
rias e os fungos. Plantas hospedeiras cultivadas, daninhas e sil- res promovem ferimentos, permitindo que as partículas do vírus
vestres infectadas constituem-se na principal fonna de sobrevi- sejam diretamente colocadas em contato com os tecidos internos

369
Manual de Fitopatologia

A A

B
B

Figura 32.2 - Sintomas localizados do vfrus da leprose dos citros (Citrus


Figura 32.1 - Insetos vetores de vírus alimentando-se em plantas /eprosis vírus - CiLV) (A) e de mosaico sistêmico e bolhas
sadias: (A) mosca branca e (B) pulgão. · c:ausados pelo vírus do endurecimento dos frutos do maracu-
Crédito das fotos: Tatiana Mituti (A), Paulo Ayres (B). jazeiro (Cowpea aphid-borne mosaic vírus - CABMV) (B).
Crédito das fotos: Queimo S. Novaes (B).

da planta. Uma vez introduzido nas células do hospedeiro sus- ou reduzir os vírus de uma planta infectada. Assim, no geral, as
cetível o patógeno passa à etapa de colonização, que pode ser medidas de controle de fitoviroses são essencialmente preventi-
local (Figura 32.2A) ou sistêmica (Figura 32.2B). Na colonização vas, impedindo ou dificultando e chegada dos vírus a uma dada
local, a ação do vírus restringe-se às áreas próximas do ponto de cultura e sua posterior disseminação ou tomando a planta resis-
penetração, enquanto naquela sistêmica o vírus atua em pratica- tente ao patógeno. A maior ou menor eficiência do controle está
mente todas as partes da planta. A multiplicação ou replicação é associada a uma diagnose correta, bem como ao bom conheci-
um processo induzido pelo vírus, fazendo com que a célula vege- mento da epidlemiologia da doença. Além disto, o controle nor-
tal passe a produzir novas partículas do patógeno. O movimento malmente tem maior sucesso quando se emprega adequadamente
do vírus, e sua consequente distribuição pela planta, é realizado um conjunto d.e medidas, ao invés de medidas isoladas. Algumas
através da sua passagem célula a célula, via plasmodesmos e pos- medidas geralimente recomendadas são discutidas a seguir.
terior invasão sistêmica através dos vasos do floema. Alguns pou-
cos vírus movem-se pelo xilema. Os sintomas aparecem à medida 32.2.t. Medidas para evitar que o vírus chegue e se
que ocorre a colonização de detenninadas partes vegetais ou da iinstale na cultura
planta toda, caracterizando os sintomas locais ou sistêmicos, res- Quarentena - geralmente é um serviço prestado por órgãos
pectivamente. No primeiro caso, os sintomas evidenciam-se por oficiais e que tem por finalidade principal evitar a introdução no
manchas cloróticas ou necróticas; no segundo caso, evidenciam-se País de pragas em geral, entre as quais os vírus e viroides que ainda
pela clorose generalizada, mosaico, enfezamento, clareamento de não ocorrem no território nacional. Um serviço eficiente de qua-
nervuras, avermelhamento, nanismo entre outros. A reprodução rentena exige laboratórios bem equipados, pessoal qualificado,
do patógeno, melhor denominada replicação, ocorre na forma de capaz de detectar vírus em diferentes situações. Exemplos de vírus
aumento do número de partículas do vírus nas células do hospe- e viroides quarentenários e que podem afetar o agronegócio brasi-
deiro, durante o processo de colonização. leiro, caso sejam introduzidos são: vírus da folha amarela e enro-
lada do tomate:iro (Tomato yellow leafcurl vinis - TYLCV), bego-
32.2. CONTROLE movirus transmitido por Bemisia tahaci; vírus da mancha da amei-
Ao contrário de doenças causadas por fungos, bactérias e xeira (Plum pox virus - PPV), potyvirus transmitido por afideos;
nematoides, não há maneira economicamente viável de eliminar vírus do íntunnescimento da baste do cacaueiro (Cocoa swollen

370
Viroses

shoot virus - CSSV), badnavirus transmitido por cochonilhas; trito. No Estado de Goiás, maior estado produtor de tomate ras-
e viroide do afilamento do tubérculo da batata (Polato spind/e teiro, o vazio sanitário no período de dezembro a janeiro tem sido
ruber l'iroid - PSTVd), perpetuado por tubérculos infectados. adotado desde 2007 em tomateiro rasteiro e, para alguns municí-
Uso de sementes e material vegetativo livres de vlrus - pios, também para o tomateiro estaqueado.
Os vírus que são transmitidos por sementes podem estar contidos Alterações na época de plantio também podem resultar
internamente no embrião ou aderidos à casca, como contaminan- em redução na incidência de vírus, especialmente no estádio
tes. As sementes ponadoras de vírus constituem a fonte de inóculo de maior jovialidade das plantas, onde as infecções geralmente
primária na cultura. A introdução precoce do vírus na cultura per- resultam em maiores danos. Mudanças na data de plantio são fei-
mite sua disseminação para plantas nos estádios iniciais de desen- tas com base na flutuação populacional dos vetores. procurando
volvimento, o que acarreta danos maiores, pois quanto mais jovem evitar as ocasiões de picos. Para isso há necessidade do estabele-
a planta é infectada, maiores são os prejuízos. Portanto, para as cimento de um programa contínuo de monitoramento dos vetores
culturas propagadas por sementes verdadeiras e que possuem na região da cultura.
~!rus que são transmitidos através destas, é prática indispensável Aumento na densidade populacional de plantas na planta-
a utilização de sementes livres de vírus ou até com certificado de ção pode proporcionar redução nos danos causados por doenças
sanidade. Os agricultores que adquirem suas mudas de viveiristas de vírus. O aumento do número de plantas na área deve ser bem
devem certificar-se de que foram produzidas com sementes de alta analisado para evitar redução na produção devido à competição
sanidade, sob condições adequadas e que, portanto encontram-se entre plantas.
livres de vírus por ocasião do transplante no campo. O plantio em áreas protegidas por barreiras tisicas natu-
A propagação vegetativa de partes de plantas infectadas rais (espécies vegetais de porte alto) ou artificiais (telas) tem sido
no geral resulta em clones também doentes. Ponanto, as plantas objeto de investigações e algumas aplicações práticas, porém os
propagadas por meio de tubérculos, bulbos, estacas, gemas, etc., resultados nem sempre são satisfatórios. Em vários casos essas
devem provir de plantas sabidamente sadias e certificadas. As barreiras, que têm como objetivo principal evitar ou retardar a
mudas obtidas de plantas sadias devem constituir a matriz para entrada de vetores ponadores do vírus dentro da plantação, têm
propagações futuras. Assim sendo, devem ser cultivadas em local efeito muito reduzido ou nulo. No caso dos telados, adequada-
protegido, isoladas das áreas de produção de mudas comerciais, mente construídos com telas de malha fina (anti-afideos), os
para evitar eventual contaminação. resultados no geral são positivos na proteção contra a entrada de
Eliminar plantas hospedeiras do virus - Em teoria, é pos- vetores virulíferos. A aplicação de qualquer uma dessas alternati-
sível afinnar que a eliminação de todas as fontes de vírus de uma vas para minimizar os danos causados for fitoviroses deve levar
área, antes do início da nova plantação, tenha um efeito bené- em consideração aspectos econômicos da cultura_
fico significativo no controle da doença. Na prática. todavia, essa
tarefa é dificil, senão impossível de ser executada. especialmente 32.2.2. Medidas para controlar ou evitar a chegada
em países de clima tropical e subtropical com ~ma ampla gama dos vetores dentro da cultura
de espécies vegetais presentes durante quase o ano inteiro. A efi- Os vírus, conforme já foi discutido, possuem vetores den-
cácia dessa medida está diretamente ligada à gama de hospedeiras tro das classes dos insetos {pulgões. cigarrinhas, moscas brancas,
do vírus, podendo ter maior chance de êxito quando o vírus tem tripes, coleópteros e cochonilhas), ácaros, protozoários, fungos e
círculo de hospedeiros restrito. É aconselhável, portanto, antes nematoides. Os insetos e os ácaros são vetores aéreos, enquanto
de iniciar um novo plantio, através da semeadura direta ou do protozoários, fungos e nematoides vivem no solo, portanto as
transplante de mudas, eliminar culturas velhas e/ou abandonadas estratégias de controle são diferentes.
e restos de cultura que possam hospedar vírus e/ou vetores que O controle dos vetores aéreos de vírus de plantas pode ser
afetam a nova cultura. Nas proximidades da área de plantio, sem- feito através de procedimentos culturais, biológicos e químicos,
pre que possível, deve-se eliminar plantas daninhas que podem sendo este último o mais utilizado pelos agricultores. A técnica
alojar vírus e/ou vetores do vírus. O cultivo escalonado deve ser cultural mais comum é a utilização de cobertura viva (por exem-
evitado, pois os plantios mais velhos sempre servirão de fonte de plo, amendoim forrageiro - Arachis pinroi) ou morta do solo (por
inóculo para as plantas mais novas. exemplo, casca de arroz, plásticos coloridos ou prateado) entre as
Erradicação sistemática de plantas doentes ("roguing") - linhas de plantio, com o objetivo de promover a repelência dos
Essa prática é geralmente recomendada para os vírus que pos- vetores e, consequentemente, retardar a entrada e a disseminação
suem um círculo de hospedeiros restrito. como por exemplo, os do vírus na plantação. O controle biológico através de inimigos
virus do mosaico e da meleira do mamoeiro (Boxe 32. 1), que naturais (parasitas e predadores) dos vetores não tem sido uma
praticamente só infectam essa frutífera. Para que a erradicação prática comum para o controle de doenças de vírus de plantas,
tenha efeito benéfico ela deve ser iniciada assim que as plantas principalmente por falta de estudos nesse sentido.
emergirem e prosseguír até o final da vida útil econômica da cul- O controle químico de insetos e ácaros vetores é o mais
tura. Deve ser feita através de inspeções periódicas em toda a área utilizado. pois hã vários inseticidas, óleos minerais e acarici-
do plantio. das disponíveis no mercado, porém nem sempre traz o resultado
Modificações no plantio - O estabelecimento de um período desejado. Eles são usados principalmente porque os agricultores
de repouso de dois a três meses (vazio sanitário). totalmente livre já estão familiarizados com a sua aplicação para o controle de
da espécie cultivada pode redundar em uma redução significativa pragas e por acreditarem que também controlam viroses. Além
das fontes de inóculo do vírus e do vetor e consequentemente disso, o custo de muitos defensivos é relativamente baixo em
favorecer a cultura seguinte. Também poderá ter efeito na popu- relação ao custo do produto a ser comercializado. A baixa efie iên-
lação do vetor, caso este colonize nessas plantas. Essa medida é cia do controle químico se deve principalmente ao tipo de relação
mais eficaz nos casos de vírus com círculo de hospedeiros res- entre o vírus e o vetor. Nos casos em que a relação é do tipo não

371
Manual de Fitopatologia

Boxe 32.1 O "roguing" e as viroses do mamoeiro

O mosaico do mamoeiro, causado pelo vírus de


mesmo nome, estirpe mamoeiro (Papaya ritigspot virw -
type P - PRSV-P), pertence ao gênero Potyvirus. Além
do mamoeiro, pode infectar sistemicamente algumas
espécies de cucurbitáceas, que parecem ter pouco valor
na epidemiologia da doença no campo. O PRSV-P é
transmitido por diversas espécies de afídeos, que não
colonizam o mamoeiro, de maneira não persistente. A
meleira do mamoeiro é causada pela dupla infecção de
Papaya meleira virus (PMeV), da família Totiviridae,
com dsRNA, e PMeV-2, um Umbravirus com genoma
ssRNA, cuja caracterização e posicionamento taxonô-
mico ainda não foram concluídos. O possível euvolvi-
mento de insetos com a transmissão dos vírus
associados com a meleira é justificado pelos padrões
epidemiológicos da doença. O vetor destes vírus ainda Figura 32.3 - Mamoal erradicado compulsoriamente devido à alta
não é conhecido. Bemisia tabaci biótipo B (MEAMl), incidência de plantas doentes.
foi associada com a transmissão do PMeV em condições Crédito da foto: José Aires Venturá.
controladas, mas não foi confirmada em condições
de campo. Estudos de transmissão experimental com Trialeurodes variabilis, que ocorre em mamoeiro, demons-
trou que este aleirodídeo adquire o vírus, porém não o transmite para as plantas. Esses vírus parecem estar
restritos ao mamoeiro. O controle das doenças causadas por esses dois vírus é economicamente alcançado
de maneira eficiente através da erradicação sistemática de plantas doentes ("roguing"), estabelecido incial-
mente somente para o controle do mosaico do mamoeiro no Estado do Espírito Santo, através da Portaria
nº 175 de 25/10/1994. Com o surgimento da meleira do mamoeiro, aquela portaria foi revogada e estabelecida a
Instrução Normativa nº 4, de 01/03/2002, para incluí-la no programa de manejo das viroses do mamoeiro por meio
da erradicação de plantas doentes. Em 2008, o MAPA tomou obrigatória a prática do "roguing" para o controle dessas
viroses nas áreas produtoras de mamão que se destinam à exportação, no território nacional (Instrução Normativa
nº 17, de 27 de maio de 2010). Essa medida tem sucesso porque todos os produtores de mamão são obrigados a seguir
aquelas recomendações como forma de controle preventivo das duas viroses. Os produtores rurais que não seguem as
recomendações podem ter a propriedade interditada e os mamoeiros erradicados compulsoriamente (Figura 32.3),
caso diagnosticada a presença das viroses.

persistente e o vetor (principalmente pulgões) não coloniza a programadas com base em monitoramento do inseto e da incidên-
espécie cultivada, a eficiência do controle químico do inseto para cia de plantas sintomáticas na plantação.
minimizar os danos da virose é praticamente nula. [sto porque a Para os virus transmitidos por nematoides, fungos e proto-
maioria dos inseticidas não é rápida o suficiente para matar os zoários, que são habitantes do solo, a primeira medida recomen-
pulgões antes que estes efetuem a picada de prova, cuja duração dada é de exclusão, ou seja, evitar o plantio em áreas com histó-
é de poucos segundos ou minutos, e inoculem o vírus na planta. rico da presença do vetor. Na impossibilidade de adoção dessa
Em alguns casos, a pulverização das plantas com inseticidas pode medida, o controle geralmente é feito por meio de variedades
até acelerar a disseminação do vírus, pois a presença do inseticida resistentes ou nematicidas e fungicidas. Para volumes pequenos
pode causar excitação nos pulgões, que poderão provar e conse- de solo, para plantios em vasos, por exemplo, pode-se recomen-
quentemente inocular o vírus em mais plantas do que o fariam dar a esterilização química ou pelo calor.
na ausência do produto. Entretanto, quando a espécie de pulgão Portanto, ao aplicar o controle químico do vetor com o
coloniza a planta, esta deve ser controlada como praga. intuito de controlar uma virose o agricultor, na maioria das vezes,
Quando a relação virus-vetor é do tipo persistente (pulgões, estará aumentando o custo da produção sem ter necessariamente
cigarrinbas, mosca branca e tripes), a qual requer maior tempo de o retorno desejado na minimização dos danos. Além disso, o uso
alimentação do vetor para a aquisição e a transmissão do vírus, o indiscriminado de defensivo propiciará o desenvolvimento de
controle químico poderá minimizar principalmente a ·dissemina- insetos resistentes aos princípios ativos utilizados, eliminação de
ção secundária do vírus na plantação, embora possa não ter feito seus inimigos naturais, danos na natureza, e na cadeia alimentar
significativo para o controle da disseminação primária. Isto por- do homem e de outros animais.
que, esta última está associada à entrada de vetores virulíferos
vindos de fora da plantação e que podem inocular o virus antes de
32.2.3. Medidas para tornar as plantas resistentes ao
serem afetados pelo inseticida. Nesses casos devem ser utilizados vírus e/ou vetor
os produtos registrados para a cultura, nas dosagens recomenda- A resistência genética é considerada a melhor e mais efi-
das pelo fabricante e adotando os critérios de segurança pessoal ciente forma de controle de viroses em geral e deve ser utili-
do aplicador e de proteção ambiental. As pulverizações devem ser zada sempre que disponível. Genes de resistência de uma espé-

372
Viroses

cie ou espécies afins são introduzidos em variedades comerciais


através de cruzamentos seguidns de seleção. Variedades tole-
rantes (Figura 32.4), isto é, que mesmo infectadas com o vírus
não sofrem danos significativos na produção, também são outra
opção desejável para o controle de viroses, apesar das restri-
ções apontadas por alguns investigadores porque estas plantas
podem estar servindo de fonte de inóculo para variedades ou
culturas suscetíve:is.

Figura 32.S -Copas de laranjeira ' Pêra' premunitada com estirpe fraca
do vírus da tri~tcza dos citros (esquerda) e infectada com
estirpe severa do vírus (dircíui).
Crédito da foto: Gerd W. Müller.

Boxe 32.2 O sucesso da premunização

A tristeza dos citros, provavelmente originária


Figura 32.4 - Copas de laranjeira Bahía enxertadas em laranjeira azeda da Ásia, é considerada até os dias atuais a virose de
(esquerda, intolerante) e em limoeiro cravo {direita. tolerante). maior importância econômica para a citricultura
Crédito da foto: Gt:rd W. MUiler. mundial. É causada pelo vírus da tristeza dos citros
( Citrns tristeza vírus - CTV), gênero Closterovirus, trans-
Além da resistência ao vírus, pode-se pensar também no mitido de maneira semi-persistente por diferentes
desenvolvimento de cultivares resistentes aos vetores, principal- espécies de afídeos, sendo a mais eficiente Toxoptera
mente insetos e ácaros e especialmente para aqueles que coloni- citricida. O CTV foi introduzido no Brasil em 1937,
zam as plantas na1s quais inoculam o vírus. os· principais tipos em pomares do Vale do Paraíba, SP, por meio d e
de resistência aos insetos vetores que podem ser de utilidade no material vegetal infectado proveniente da África do
controle de fitov iroses são a não preferência, que afeta o compor- Sul ou da Argentina, onde já ocorria há alguns anos.
tamento do vetor, <! a antibiose, que afeta s ua biologia. Entretanto, Alguns anos após s ua introdução, das 11 milhões
poucos são os exemplos de trabalhos desenvol vidos com essa de plantas cítricas existentes no Estado São Paulo,
abordagem para controle de viroses em plantas. 9 milhões sobre porta-enxerto de laranja 'Azeda'
Premuniza~;ão - A premunização ou "vacinação" é a pro- (Citrus aurantium) foram dizimadas. A recuperação da
teção das plantas com uma estirpe fraca do vírus, que não afeta o citricultura nacional foi obtida graças à utilização de
desenvolvimento e! a produção, tanto quantitativa como qualita- combinações de copas em porta-enxertos tolerantes ou
tivamente. Para isso, as plantas Jevem ser inoculadas com uma resistentes, principalmente, o limão 'Cravo'. No caso
estirpe fraca do vírus, ainda no estádio de mudas. Após alguns da tristeza causada por estirpes do vírus que causam
dias estas estarão protegidas contra a infecção e/ou manifestação sintomas de caneluras no tronco das variedades de
de sintomas das formas severas do vírus que ocorrem no campo. copa, como é o caso da laranja 'Pera', a solução tem
Desde a descoberta do fenômeno da proteção entre estirpes de sido a premunização, e o Brasil é o maior exemplo do
vírus de plantas, na década de 1920, diversos modelos foram uso em larga escala dessa tecnologia. Atualmente, no
propostos para a sua explicação. Com os avanços das técnicas Estado de São Paulo, as matrizes das variedades de
moleculares, sabe--se hoje que pelo menos dois mecanismos de laranja doce são também premuni.zadas com a estirpe
resistência são responsáveis pela proteção: resistência mediada protetiva do vírus, de sorte a evitar o estabelecimento
pela proteína capsidial e resistência intercedida pelo silencia- de estirpes severas. O pioneirismo dessa técnica deve-se
mento do RNA. O exemplo clássico de aplicação eficiente e em ao trabalho de vários anos, na década de 1960, dos
larga escala dessa tecnologia é o do controle da tristeza dos citros pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas,
(Figura 32.5), que vem sendo utilizado no Brasil há quase meio Gerd W. Müller e Álvaro S. Costa.
século (Boxe 32.2). Também é usada na Austrália, na África do
Sul e no Japão.
Plantas transgênicas - Nos últimos anos. a agricultura ria, genes de imunidade ou de resistência a vírus podem ser trans-
mundial tem experimentado avanços iecnológicos significativos feridos entre as diferentes espécies vegetais, mesmo entre aquelas
na área de transfo1mação genética de plantas. Atualmente é pos- sem qualquer parentesco. No caso dos vírus de plantas, diversas
sível introduzir seguências de nucleotídeos de qualquer organismo estratégias estão sendo investigadas com o propósito de se obter
dentro do genoma de uma planta e obter a sua expressão. Em teo- plantas transgênicas resistentes a vírus. A maioria delas utiliza

373
Manual de Fitopatologia

sequências do genoma do próprio vírus. A sequência (gene) mais


comumente utilizada é a da proteína capsidial, que pode ou não
ser sintetizada nas células da planta transformada, para conferir
proteção contra a infecção no campo. Diversas empresas e ins-
tituições estrangeiras, bem como brasileiras, já desenvolveram
cultivare.s transgênicos de diferentes espécies vegetais para resis-
tência a vírus, porém poucos estão disponíveis para o plantio no
campo. Nos Estados Unidos, onde a legislação permite o cultivo
de transgênicos, o seu uso já tem mostrado bons resultados, como
por exemplo, os cultivares de mamoeiro transgênicos (variedade
SunUp e híbrido Rainbow) plantados no Havaí desde 1998 e
que são resistentes ao vírus do mosaico. No Brasil foi desen-
volvida uma linhagem de feijoeiro comum transgênico e resis-
tente ao vírus do mosaico dourado (Bean golden mosaic vírus
- BGMV) e que foi liberada para plantio e consumo (Boxe 32.3;
Figura 32.6).
Figura 32.6 - Feijoeiro Jalo precoce, extremamente suscetível ao BGMV,
ao fundo. e linhagem do feijoeiro transgênico Embrapa
Boxe 32.3 O feijoeiro transgênico brasileiro 5. l , convertida ao tipo Carioca. na frente.
Crédito da foto: Josias Correa de Faria.
O Brasil está entre os maiores produtores e consu-
midores de feijão. O mosaico dourado é a principal tência a vírus. A grande vantagem dessa tecnologia é que a edição
virose que afeta a cultura do feijoeiro. É causado pelo do genoma ocorre sem a inserção de um transgene, isto é, a planta
vírus do mosaico dourado do feijoeiro (Bean golden "'editada" é equivalente a um mutante não transgênico. Portanto,
mosaic vírus - BGMV), gênero Begomovirus, transmitido trata-se de uma tecnologia bastante promissora para a modifi-
pelo aleirodídeo (mosca-branca) Bemisia tabací. A cação de genes de plantas, que não se insere no conceito clás-
relação vírus-vetor é do tipo persistente-circulativa. sico de Organismo Geneticamente Modificado (OGM). abrindo,
O uso de variedades resistentes é a medida ideal de portanto. caminho para facilitar a implantação. CRISPR/Cas9
controle dessa doença. Com o advento das plantas foi utilizada recentemente para desenvolver plantas de pepino
transgênicas resistentes a vírus, pesquisadores da (Cucumis sativ11s) resistentes ao vírus da nervura amarela do pepino
Embrapa iniciaram, na década de 1990, estudos para (Cucumber vein yellowing vü11s - CVYV, gênero lpomovirus).
desenvolver feijoeiro resistente ao BGM"¼ por meio ao vírus do mosaico do mamoeiro - estirpe melancia (Papaya
de transformação genética, utilizando gene do yírus; ringspot vírus - type W - PRSV-W, gênero Potyvirus) e ao víms
em um trabalho pioneiro entre nós. Em 2005, após do mosaico amarelo da abobrinha (Zucchini yellow mosaic vírus
quase duas décadas de trabalho, foi obtida a linhagem - ZYMV, gênero Potyvirus), através da alteração da função do
de feijoeiro Embrapa 5.1, completamente resistente gene recessivo elf4E.
ao mosaico dourado (GenBank M88686). Para tal, foi
utilizada a tecnologia conhecida como interferência de 32.3. DOENÇA-TIPO
RNA (siRNA) a partir de sequências do gene rep. Estudos Mosaico dourado ou geminivirose ou begomovirose do
sobre a biossegurança e a funcionalidade deste evento tomateiro. O primeiro relato de uma begomovirose em tomateiro
foram realizados e apresentados à Comissão Técnica ocon-eu no Estado de São Paulo, na década de 1960 e o vírus
Nacional de Biossegurança (CTNBio), solicitando sua foi denominado vírus do mosaico dourado do tomateiro (Tomato
liberação comercial. Após análise técnica, a solicitação golden mosaic virus TGMV). Até o início da década de 1990,
foi aprovada (Parecer Técnico nº 3.024/2011, D.0.U. esse vírus não causou problemas à cultura do tomateiro, pois a
nº 179, 16/09/2011) para cultivo comercial e consumo espécie vetora predominante na época, Bemísia tabaci biótipo A
no Brasil. A partir de 2011, vem sendo desenvolvidas (MED), raramente colonizava o tomateiro. Após a introdução, no
linhagens com grãos do tipo carioca com o transgene, início de 1990, do biótipo 8 de B. tabaci (MEAMl) no Brasil,
por método de melhoramento convencional. A resis- que coloniza o tomateiro, epidemias de begomovirose nessa espé-
tência completa ao mosaico dourado vem seudo man- cie de solanácea passaram a ser mais frequentes. com prejuízos
tida durante as avaliações no campo com a cultivar significativos para a produção. Desde então, a cultura do toma-
BRS FC401 RMD, registrada junto ao Ministério da teiro, estaqueado e rasteiro, é frequentemente afetada por dife-
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). rentes espécies de begomovirus que causam doença denominada
mosaico dourado ou geminivirose ou begomovirose. Atualmente,
há mais de quinze espécies de begomovirus que já foram relatadas
CRISPR/Cas9 - Recentemente, uma nova ferramenta bio- em tomateiros no Pais. Doenças causadas por begomovirus ocor-
tecnológica, denominada CRISPR/Cas9, que significa Conjunto de rem em todas as regiões produtoras de tomate do País, porém pare-
Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas ("Clustered cem ser mais importantes nas regiões Centro-Oeste e Nordeste.
Regularly lnterspaced Short Palindromic Repeats"'), está sendo As espécies de begomovirus que predominam nessas regiões são:
aplicada na edição de genoma de diferentes microrganismos, ani- vírus do rugoso severo do tomateíro (Tomara severe nigose vírus -
mais e pi.antas. No caso das plantas, essa tecnologia pode. entre ToSRV) e vírus do mosqueado e enrolamento da folha do toma-
outras possibilidades, ser usada para o desenvolvimento de resis- teiro (Tomato mortle leafcur/ vims - TMoLCV), respectivamente.

374
Viroses

Quando os tomateiros são infectados precocemente, as perdas zação de ácido nucleico com sondas específicas são necessários
podem ser da ordem de 70%, inviabilizando a cultura. para a correta diagnose. A identificação da espécie de begomovi-
As espécies do gênero Begomovirus, família Geminiviridae, rus, no entanto, só é possível a partir da obtenção da sequência de
que infectam o tomateiro são constituídas por duas partículas ico- nucleotídeos do genoma virai (parcial ou integral) ou com a reali-
saédricas geminadas. Os begomovírus relatados no Brasil em zação de PCR com oligonucleotídeos iniciadores específicos. Um
tomateiro possuem genoma bipartido, isto é, apresentam duas fator complicador na identificação e controle dos begomovírus é
moléculas de DNA circular (DNA-A e DNA-B), de fita sim- que seu genoma sofre frequentes mutações e, em casos de infec-
ples. A espécie com genoma monopartido, TYLCV, que é a mais ções mistas, ocorrem pseudo-recombinações, resultando numa
importante mundialmente, ainda não foi relatada no Brasil. variabilidade muito grande, com aparecimento de novos isolados
A gama de hospedeiros dos begomovirus que infectam ou até mesmo espécies, em curto prazo de tempo
o tomateiro é variável, mas no geral infectam principalmente O ciclo da doença (Figura 32. 7) inicia-se a partir de urna
espécies cultivadas e daninhas da família solanaceae, tais como fonte de inóculo, representada por uma hospedeira cultivada ou
pimentas (Capsicum spp.), batateira (Solanum tuberosum), fumo daninha doente. A disseminação natural é feita exclusivamente
(,Vicotiana spp.), joá de capote (Nicandra physaloides), figueira pelo vetor, B. tabaci, uma vez que os begomovirus não são trans-
do inferno (Datura stramonium), Maria pretinha (S. americwmm), mitidos pelas sementes de tomate. Esse aleirodídeo é polífago e
entre outras. Os begomovirus são restritos ao floema, embora está presente nas regiões agrícolas do País durante todo o ano,
alguns também possam invadir células do parênquima. em diversas espécies cultivadas, plantas silvestres e daninhas, das
Os sintomas iniciais da doença caracterizam-se por clarea- quais algumas também hospedam os begomovims. B. tabaci bió-
mento de nervuras ou pequenas manchas cloróticas entre as ner- tipo B (MEAM 1) é o principal vetor, pois encontra-se dissemi-
vuras. Eles geralmente surgem num período de 1Oa 15 dias após a nado por todo o território nacional. B. tabaci biótipo Q (MED),
inoculação do vírus no tomateiro, dependendo da pressão de inó- recentemente encontrado no Brasil, também transmite begomovi-
culo e das condições climáticas. Com o tempo os sintomas evo- rus. A relação vírus-vetor é do tipo persistente e circulativa, sem
luem para clorose internerval, deformação e enrolamento foliar, multiplicação do vírus no vetor. O inseto adulto, ao se al.imen-
mosaico e paralisação do crescimento da planta. Não se observa tar em um tomateiro doente, por 5 a 30 minutos, dependendo da
sintoma nos frutos de tomateiros doentes. Não é possível fazer a espécie de begomovirus, pode adquiri-lo. Quanto maior o tempo
diagnose da doença somente com base nos sintomas. Testes mole- de alimentação maior a eficiência de aquisição do vírus. Após a
culares, como reação da pol.imerase em cadeia (PCR) e hibridi- aquisição, há um período de latência de 8-16 h, quando o vírus

Aquisição do vírus Transmissão do vírus


por Bemisia tabaci

Hospedeiros alternativos Tomateiro sadio


do vírus .
Tomateiro doente

Figura 32.7 - Ciclo do mosaico dourado ou geminivirose ou begomovirose do tomateiro.


Fonte: Preparado por Gahriel Madoglio Favara e Felipe Franco de Oliveira, adaptado de Whitfield & Rotenberg (2015).

375
Manual de Fitopatologia

circula no corpo do inseto, até atingir a glândula salivar. Depois ros do vírus e do vetor; (v) quando possível, realizar novos plan-
disso, o inseto torna-se virulífero e. portanto, capaz de inocular tios em áreas distantes de plantações de soja, feijoeiro e algo-
o begomovirus em tomateiros sadios. A inoculação pode ocor- doeiro, que são boas hospedeiras do aleirodídeo; (vi) adubação
rer durante períodos de alimentação de 5 a 30 minutos, porém equilibrada para não favorecer o aumento da população do vetor
a eficiência de transmissão aumenta com o tempo de alimenta- e (vii) controle químico racional do aleirodídeo, principalmente
ção. Os insetos virulíferos retêm o vírus por quase toda a vida. para prevenir a disseminação secundária, que ocorre de.ntro da
Após a inoculação do begomovirus no tomateiro, inicia-se o pro- plantação. Isto porque muitos dos inseticidas não previnem adis-
cesso de multiplicação e movimentação sistêmica do vírus, cul- seminação primária, uma vez que não são capazes de evitar a ino-
minando com a manifestação dos sintomas. Não há cura para a culação do vírus nas plantas.
planta infectada. Estudos epidemiológicos têm mostrado que a
infecção primária, resultante do constante influxo de insetos viru- 32.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
líferos na plantação, seja a mais importante maneira de dissemi-
nação dos begomovirus. Agrios. G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego. Elscvicr Academic Pre~s,

O principal método de controle de begomoviroses é o uso 2005.


de híbridos resistentes. Há diversos genes de resistência já iden- Amorim, L.; Rezende, J,A.M.; 8ergamin Filho. A; Camargo. L.E.A.
tificados em espécies selvagens (Ty-1, Ty-2, Ty-3, Ty-4. Ty-5, Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Cultivadas. São
ty-5, tgr e tcm-1), que não conferem imunidade à planta, porém Paalo: Editora Agronômica CERES Ltda, 2016.
a tomam menos suscetível à infeção. Nessas plantas, os sinto- Bos, L. Plant Viroses, Unique and Intriguing Pathogens. Amsterdan,
mas podem ser mais amenos do que em plantas suscetíveis. Backhuys Publishers Leiden, 1999.
Mesmo com o uso de híbridos resistentes, é necessário o controle
Faria. J.C.; Souza, T.L.P.O.: Quintela, E.D.: Kitajima, E.W.; Ribeiro, S.G.
do inseto vetor, por meio de inseticidas, para evitar alta pressão
Golden mosaic of common bean in Brazil: management wilh a transge-
de inóculo. O inseto também deve ser controlado como praga,
nícapproach. APS Features.2016. Doi: 1O: 1094/APSFeature-2016010.
pois a sucção da seiva pode ocasionar outros problemas, como
o crescimento de fumagina nas folhas e a isoporização dos fru- Hull, R. Plant Virology. 5th ed. San Diego, Elsevier. 2014.
tos. Recomendam-se ainda a adoção das seguintes medidas para Schumann, G.L. & D'Arcy, C.J. Essential Plant Pathology. 2nd ed.
o manejo da begomovirose: (i) utilização de mudas sadias e de Saint Paul, APS Press, 2009.
alta qualidade, produzidas em viveiros telados à prova de inse- Tang, W.; Tang, A.Y, Applícations and roles of the CRJSPR system in
tos, localizados distantes de plantações infectadas por begomo- genome editing ofplants. Juurnal of Forestry Research 28: 15-28.
virus e infestadas por B. tabaci; (ii) evitar plantios escalonados, 2017.
pois favorecem o aumento da população do vetor e das fontes de
inóculo do vírus; (iii) remoção de restos culturais antes de iniciar Whitfield, A.E, & Rotenberg, D. Disruption of insect transmis-
nova plantação; (vi) manutenção da lavoura no. limpo, interna- sion of plant viruses. Current Opinion in lnsect Science
mente e nas proximidades, com o objetivo de destruir hospedei- 8:79087. 2015.

376
CAPÍTULO

33
DOENÇAS ABIÓTICAS E INJÚRIAS
Jorge Albert.o Marques Rezende e Dirceu Mattos-Jr.

ÍNDICE

33.1. Introdução ............................................................ 377 33.3. Fatores químicos que causam doenças
abióticas ................................................................ 383
33.2. Fatores ambientais que causam doenças
abióticas ................................................................ 378 33.3.1. Poluição do ar .......................................... 383
33.2.1. Temperatura............................................. 378 33.3.2. Defensivos ................................................ 384
33.2.2. Umidade ................................................... 378 33.4. Diagnose de doenças abióticas ............................ 385
33.2.3. Luz ............................................................ 379 33.5. Bibliografia consultada ........................................ 386
33.2.4. Deficiência nutricional ............................ 379

33.1. INTRODUÇÃO
á uma série de fatores de formação da produção

H que. dentro de uma faixa ideal, permitem o desen-


volvimento nom1al das plantas. Entre eles estão os
fatores ambientais (temperatura e umidade do solo e do ar, luz,
pH do solo e disponibilidade de nutrientes) e os fatores químicos
(poluentes do ar, herbicidas. etc.). Alterações em um ou mais fato-
res. de maneira continuada. podem afetar as plantas em qualquer
estádio do seu desenvolvimento. Como não há o envolvimento
de agentes bióticos (fungos, bactérias, vírus ou nematoides). as
alterações induzidas por esses fatores são denominadas doenças
abióticas. 011 doenças não infecciosas, ou doenças fisiológicas.
As doenças abióticas geralmente são causadas pela falta
ou excesso de fatores ambientais que são fundamentais para o
bom desenvolvimento das plantas. Como ocorrem na ausência
de patógenos. não podem ser transmitidas para as plantas sadias.
A severidade dos sintomas das doenças abióticas é bastante vari-
ável. dependendo da intensidade com que o fator envolvido se
desvia do normal. 1--igura 33.1 - Aparente ínjüria de descarga elétrica em maracujazciros.
Há determinados fatores ambientais que afetam as plaotas
momentaneamente, ocasionando injúrias, como, por exemplo,
descargas elétricas (Figura 33.1 ), chuvas de pedras, choque tér-
mico (Figura 33.2), vendaval, etc.

377
Manual de Fitopatologia

Figura 33.2 - Choque ténnico com água de irrigação em violeta Figura 33.3 - Escaldadura de sol em tomate~ (A) e laranja (B).
africana. Crédito da foto A: Carlos Alberto Lopes.

33.2. FATORES AMBIENTAIS QUE CAUSAM


DOENÇAS ABIÓTJCAS

33.2.1. Temperatura
As plantas podem crescer em uma faixa de temperatura que
varia de I a 40°C. A maioria das espécies apresenta melhor desen-
volvimento entre 15 e 30"C. As plautas como um todo, ou alguns
de seus órgãos, são bastante sensíveis às temperaturas próximas
ou além dos extremos da faixa ideal. As temperaturas mínimas
e máximas nas quais as plantas exibem bom desenvolvimento e
boa produtividade variam com a espécie vegetal e com o estádio
de desenvolvimento em que elas se encontram por ocasião das
alterações nessa variável climática. · • ·
As temperaturas altas geralmente são responsáveis por
danos designados por queimaduras de sol, que normalmente apa-
recem na área exposta ao sol em frutos ou tecidos foliares tenros.
Em alguns livros texto esses danos são atribuídos à intensa radia-
ção (luz) solar. Em condições de altas radiações, a quantidade Figura 33.4 - Dano por baixa temperatura em folha de couve.
de energia luminosa para a planta é muitas vezes em excesso, e Crédito da foto: Katia Regina Brunelli.
causa estresse foto-oxidativo pela produção de espécies reativas
de oxigênio (EROs), afetando primeiramente a fotossíntese e a
integridade de tecidos. Os sintomas em frutos caracterizam-se por mente desativam certos sistemas enzimáticos e aceleram outros,
descoloração, áreas com aparência de encharcamento, bolhas ou induzindo reações bioquímicas anormais e morte de células.
Também podem provocar a coagulação e a desnaturação de pro-
desidratação do tecido logo abaixo da casca, que resulta em áreas
teínas, rompimento da membrana plasmática e possível liberação
deprimidas na superfície dos frutos (Figura 33.3). As folhas ten-
de substâncias tóxicas dentro das células. As baixas temperatu-
ras, quando expostas a altas temperaturas, tomam-se inicialmente
ras danificam as plantas principalmente por meio da fonnação de
cloróticas e, com o tempo aparecem manchas escuras e secas.
gelo entre e dentro das células. Os cristais de gelo promovem a
Estimam-se que a frequência de ocorrência de períodos ruptura da membrana plasmática e consequ~nte morte da célula.
decendiais de temperaturas extremas no período de início da pri-
mavera (setembro e outubro), época importante para o desenvol- 33.2.2. Umidade
vimento vegetativo e florescimento de várias espécies cultivadas,
Os problemas de umidade do solo são aparentemente res-
tem aumentado como um reflexo da~ mudanças climáticas. Como ponsáveis por maiores danos no desenvolvimento e na produ-
consequência, têm-se verificado também significativas desunifor- ção das plantas do que aqueles provocados por quaisquer outros
~idades da produção, perdas da qualidade dos produtos e da safra. fatores ambientais isoladamente. O déficit hídrico pode ocorrer
Por outro lado, as temperaturas baixas podem provocar em áreas extensas de cultivo ou aparecer de maneira localizada,
diversos danos, que vão desde a morte de partes das plantas estando nesse caso associado com o tipo de solo, caracterizado
(tecidos meristemáticos) ou da planta' inteira, danos em folhas pela textura, estrutura e profundidade, além de características
(Fignrjl. 33.4), flores e frutos. químicas que limitam o crescimento das raízes (baixos teores de
Os mecanismos pelos quais as altas e baixas temperaturas nutrientes e excesso de alumínio). As plantas que crescem sob
danificam as plantas são distintos. Altas temperaturas aparente- déficit hídrico normalmente apresentam-se subdesenvolvidas, as

378
Doenças A bióticas e Injúrias

folhas ficam amareladas, reduzidas em número e tamanho, mos- 33.2.3. Luz


tram sintomas do tipo queimadura e podem murchar e cair. As Luminosidade insuficiente retarda a fom1ação de clorofila
flores e os frutos também cessam o desenvolvimento e se a seca ocasionando o estiolamento da planta, isto é, o crescimento com
for prolongada podem murchar e cair. intemódios longos e finos. Além disso, as folha:, ficam com colo-
Baixa umidade relativa do ar, se temporária, raramente ração verde clara e caem prematuramente, juntamente com as
causa danos às plantas. No entanto, quando ocorre em combi- flores. Em condições de campo o estiolamento ocorre quando as
nação com baixa disponibilidade de água no solo, alta tempera- plantas crescem muito próximas umas das outiras ou sob condi-
1ura do ar e ventos fortes verificam-se fechamento estomático e ções de sombreamento. Estiolamento é mais comum em plantas
acentuada redução da absorção de água pelas raízes, o que limita crescendo em estufas ou em sistemas de produção de mudas e
o transporte para as folhas e os frutos causando os mesmos sinto- dentro de residências, escritórios etc. Excesso de luz é um fenô-
mas descritos acima. . meno anteriormente considerado menos freqwante na natureza,
O excesso de umidade no solo, nas condições tropicais mas que tem adquirido importância devido às mudanças climá-
pr<!dominantes no Brasil. ocorre com menos frequência do que ticas {item 33.2.1) e pode causar danos às plantas associados ao
o déficit hídrico. No entanto. drenagem inadequada ou enchar- estresse oxidativo.
camento do solo podem resultar em danos rápidos e mais sérios,
por aumentar a síntese e transporte de ácido abscísico e eti- 33.2.4. Deficiência Nutricional
leno, podendo causar até a mone das plantas. Excesso de umi- As plantas necessitam dos nutrientes para o seu desen-
dade no solo provoca o decaimento dos tecidos radiculares, por volvimento normal, cujas concentrações totais na planta variam
causa da falta de oxigenação das raízes. Em tomateiro o excesso de frações de miligramas a gramas por quilo de matéria seca.
de umidade provoca inicialmente a murcha do topo da planta Aqueles requeridos em maiores quantidades, taiis como nitrogê-
1Figura 33.5), que pode ser confundida com murcha bacteriana. nio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre são denomina-
Persistindo essa condição as folhas mais velhas amarelecem, há dos macronutrientes. Outros, como boro, cobre, ferro, manganês,
colapso do caule e a planta finalmente morre. Condições anaeró- zinco, molibdênio, cloro c níquel, necessários em pequenas doses,
bicas e de alta umidade favorecem alguns microrganismos que, são designados micronutrientes. Quando esses nutrientes estão
durante o seu crescimento, liberam substâncias tóxicas para as presentes em quantidades menores ou em excesso do que aquelas
plantas. Parasitas facultativos (saprófitos) também podem se exigidas pelas plantas, estas têm o desenvolvimento e produção
desenvolver nas raízes, favorecidos pelo novo ambiente na rizos- máxima limitados e exibem vários tipos de sintomas internos e
fera. O ambiente com baixo nível de oxigênio, isto é, redutor, externos. O tipo de sintoma produzido pela falta de um nutriente
aumenta a disponibilidade de alguns micronutrientes metálicos e depende principalmente da função deste na planta. Esse sintoma é
não é raro verificar o excesso de absorção e toxidade por manga- característico para cada nutriente, embora normalmente, em con-
nês nas plantas. dições de cultivo, as desordens nutricionais ocorram associadas a
uma combinação de vários elementos. Além disso. o diagnóstico
visual da folha está correlacionado com o estado nutricional, uma
vez que concentrações de um elemento ou nutriente no tecido
vegetal são um valor integral de todos os fatores que interagiram
para afetar o crescimento da planta.
Sintomas de deficiência nutricional de alguns nutrientes
bem como as possíveis funções afetadas n·a planca estão descritas
a seguir. Destaca-se que, pelo fato das folhas rnpreseotam parte
da planta facilmente acessível aos olhos e geralmente sensíveis às
desordens nutricionais, são mais utilizadas para fins de diagnóstico
visual do estado nutricional. Contudo, quando esses sintomas são
perceptíveis, o desenvolvimento das plantas já está comprometido.
• Nitrogênio: esse nutriente tem várias funções na planta.
Ele é utilizado para forrnar aminoácidos., que são precur-
sores de proteínas que constituem a membrana e impor-
tantes enzimas do metabolismo, além das bases nitroge-
nadas. Essas são parte dos ácidos nucleicos. O nitrogênio
também é um constituinte estrutural da parede celular,
além de estar presente na molécula de e lorofila. Devido
a esse fato a sua deficiência provoca sintomas de clorose
generalizada nas plantas. Como as proteínas são continu-
amente sintetizadas e degradadas na planta, o nitrogênio
se move das folhas velhas para as mais novas. Por isso,
a deficiência desse nutriente geralmente aparece primei-
ramente nas folhas mais velhas. O desenvolvimento das
plantas também é afetado.
• Fósforo: esse elemento faz parte de proteínas. ácidos
Figura 33.5 - Murcha do topo de tomateiro por excesso de·água. nucleicos, fosfolipídios, NADP. ATP. ADP. e também de
Crédito da foto: Carlos Albeno Lopes. fitatos, importantes substâncias de reserva em sementes.

379
Manual de Fitopatologia

O fósforo está envolvido em quase todos os processos


metabólicos das plantas, sendo importante nos vários
processos dependentes de fosforilação/desfosforilação e
da absorção de nutrientes via canais e bombas de prótons
que caracterizam o processo ativo. Deficiência de fósforo
provoca redução no desenvolvimento e as folhas ficam
verde azuladas, com manchas víolelas em consequência
do acúmulo de antocianinas no tecido. As folhas velhas
podem se tornar bronzeadas com manchas violetas ou
marrons e senescem prematuramente, podendo cair.
• Potássio: é necessário para manter o potencial osmótico
das células e consequentemente a turgidez das células
que se relaciona a processos de abertura e fechamento
estomático, além da elongação celular, requerida para o
crescimento. Por isso está envolvido na retenção e tnms-
locação da água nos tecidos e assimilados através do flo-
ema e do xilema. Também é importante para a manu-
tenção do equilíbrio eletrônico da célula. caracterizado Figura 33.6 - Deficiência de cálcio em alface.
como o principal contra-ion nos processos de absorção Crédito da foto: Katia Regina Brunelli.
de nutrientes e manutenção do pH celular. Níveis adequa-
dos de potássio promovem maior estabilidade do tecido,
o que melhora a resistência às pragas e doenças. Plantas
com deficiência de potássio possuem ramos finos que
podem exibir morte dos ponteiros em casos severos. As
folhas velhas exibem clorose, pontas marrons e queimadu-
ras nas margens. Os frutos apresentam tamanho reduzido.
• Cálcio: ocorre nas plantas na forma de pectato de cálcio,
que é um componente de toda parede celular. Está envol-
vido com a divisão e elongação celular, regula a pennea-
bilidade da membrana e funciona como imponante sina-
lizador no mecanismo de abenura e fech?mento estomá-
tico, assim como mensageiro secundário associado às
calmodulinas e à fosforilaçào, que são importantes para o
reparo celular após estresses abióticos. Plantas com defi-
ciência de cálcio não apresentam sintomas visuais carac-
terísticos, embora folhas retorcidas, com as pontas volta-
das para trás e as margens enroladas e necrosadas podem
ocorrer (Figura 33.6). Gemas tenninais geralmente mor- Figura 33.7 - Podridão apical de tomates causada por deficiência
rem. O sistema radicular toma-se reduzido e superficial. de cálcio.
Crédito da foto: Carlos Alberto Lopes.
Em frutos causa coalescência da polpa e podridão apical
(Figura 33.7).
• Magnésio: é um elemento essencial da molécula de clo-
rofila e importante co-fator de diversas enzimas. Tem
papel destacado no carregamento do floema, por facili-
tar o transpone de carboidratos do mesofilo foliar para
células companheiras e tecido vascular. Assim, pro-
move melhor distribuição de açúcares na planta, aumen-
tando a qualidade dos frutos e a utilização pelas raízes.
Mais recentemente, tem-se atribuído função também na
redução do estresse oxidativo das plantas. Os sintomas
de deficiência de magnésio iniciam-se nas (olhas mais
velhas e depois atingem as mais novas, que se tornam
mosqueadas, cloróticas entre as nervuras e finalmente,
até avennelhadas (Figura 33.8 e Figura 33.9).
• Enxofre: é um constituinte de dois aminoácidos, ciste-
ína e metionina, os quais são essenciais na fonnação de
proteínas, com destaque para as fitoquelatinas, que são
importantes para a tolerância das plantas ao excesso de
metais. Também está envolvido na formação de vitami- Figura 33.8 - Deficiência de magnésio em laranja doce.

380
Doenças Abióticas e Injúrias

Figura 33.9 - Deficiência de magnésio em algodoeiro (esquerda), Figura 33.11 - Deficiência de boro em mamoeiro (esquerda) e recu-
folha sudia (direita). perada com aplicação de bórux no solo (direita).
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

nas e de alguns honnônios. As folhas mais novas defi-


cientes em enxofre, ao contrário daquelas deficientes em
nitrogênio, tomam-se verde-claras ou amarelo-claras.
• Boro: Esse elemento está envolvido nas ligações cruza-
das da membrana e consequentemente sua estabilidade.
Também no transporte de açúcar através da membrana
celular e na síntese de material para a parede celular,
além da inativação de fenóis que prejudicam a parede. É
importante para o câmbio vascular, principalmente para
a formação de vasos de xilema, influencia a transpiração.
Também afeta o desenvolvimento e alongamento celuJar
(Figura 33.1 O). Por causa dessas características, a defi-
ciência de boro influência o crescimento de meristemas
apicais (Figura 33. 11) e os sintomas das deficiências apa- Figura 33.12 - Fitotoxidezde boro em laranja doce.
recem como subdesenvolvimento da planta, cujo sistema • Cobre: é parte de diversas enzimas envolvidas no trans-
radicular é prejudicado. O excesso pode ocorrer em áreas porte de elétrons e em reações oxidativas. Também está
irrigadas com água com alto teor de boro ou adubadas envolvido na formação da parede celular associado à
irregulannente (Figura 33.12). síntese de lignina. Sintomas de deficiência incluem de
clorose, queimadura nas margens das folhas, ramos cur-
vados para baixo e, em casos mais severos, a morte de
ramos devido ao rompimento de tecidos internos menos
lignificados e extravasamento de seiva (Figura 33.13).
Por outro lado, o excesso de cobre pode resultar de apli-
cações frequentes de produtos fitossanitários à base deste
metal (Figura 33.14), que além dos efeitos diretos sobre
a planta, pode depositar no solo e acumular a níveis que
afetam o crescimento das raízes e a produção da planta.
• Ferro: é essencial na síntese de clorofila. Está envol-
vido no transporte de elétrons da fotossíntese, além do
complexo de enzimas do sistema antioxidante das plan-
tas. Deficiência desse elemento induz severa clorose no
limbo foliar das folhas novas, mas as nervuras principais
pennanecem verdes dando a impressão de um reticulado
fino (Figura 33.15). A folha inteira ou parte dela pode
morrer se a deficiência for muito severa. Nonnalmente
não são reportados casos de deficiência de ferro nas
figura 33.10 - Lóculo aberto do tomate causado por deficiência de condições tropicais, onde predominam solos ácidos.
boro. Contudo, é comum em viveiros de mudas, cujos substra-
Crédito da foto: Carlos Alberto Lopes. tos de produção apresentam valores altos d~ pH.

381
Manual de Fítopatología

Figuras 33.13 - Deficiência de cobre em laranja doce.


Crédito das fotos: Renato Deozzo Bassanezi (D-C).

• Manganês: é parte de diversas enzimas envolvidas na


respiração, fotossíntese e reações oxidativas. Folhas com
deficiência desse elemento tomam-se cloróticas, mas as
nervuras terciárias permanecem verdes, caracterizando,
ao contrário do ferro, um reticulado grosso (Figura
33.16). A lâmina foliar deficiente em manganês não sofre
deformação ou redução cfo tamanho como ocorre com
aquelas deficientes em zinco.

Figura 33.14 - Fitotoxidez de sulfato de cobre em folha de laranja


doce.

Figura 33.16- Deficiência de manganês em laranja doce.

• Zinco: é parte de inúmeras enzimas, incluindo aquelas


envolvidas em reações oxidativas. As folhas com defi-
ciência de zinco mostram clorose intemerval (Figura
33.17), ficam de tamanho reduzido, e crescem em ramos
com menor comprimento de intemódios. Posteriormente,
e em casos de deficiência mais severa, tornam-se necróti-
Figura 33. 15 - Deficiência de ferro em laranja doce. cas e exibem pigmentações violeta.

382
Doenças Abióticas e Injúrias

Figura 33.17 - Deficiência de zinco em laranja doce. Figura 33.18 - Fitotoxidez de sulfato de ferro em pimentão.
Crédito da foto: Liliane de Diana Teixeira.

• Cloro: eslá associado à evolução de oxigênio na fotos-


s!ntese. Normalmente não são descritos sintomas de defi-
ciência deste nutriente. uma vez que está presente na
agricultura em quantidades suficientes à demanda das
plantas. Mais frequentemente é associado a prejuízos cau-
sados às plantas pela salinidade, juntamente com sódio,
na forma de queima de bordos da lâmina foliar.
• Molibdênio: é parte essencial das enzimas nitrato redu-
tase e nitrogenase. Plantas afetadas pela deficiência
desse elemento ficam c-0m as folhas ama"relas, associa-
das à deficiência de nitrogênio, dada a menor assimilação
deste último a compostos mais complexos, e o desenvol-
vimento é afetado.
• Níquel: a primeira evidência da função do Ni na urcase
em plantas superiores foi descoberta mais recentemente,
cujo papel é hidrolisar a ureia em amônia. Assim, plantas
deficientes em níquel podem exibir queima de bordos das
Figura 33.19 - Fitotoxídez de cobre em alface hidropônica.
folhas devido acúmulo tóxico de ureia. Também é repor-
Crédito de foto: Hiroshi Kimati.
tada sua essencialidade associada à fixação do nitrogênio
atmosférico em sistemas simbiontes e outros processos
associados à produção de etileno e resistência das plan- por vapor d'água e dióxido de carbono. As atividades industriais
tas a doenças. do homem liberam na atmosfera um grande número de poluen-
tes (partículas, líquidos e gases) que podem afetar o desenvolvi-
Alguns elementos minerais essenciais bem como não essen- mento das plantas e causar prejuízos. A resposta das plantas aos
~iais podem ser absorvidos em quantidades tóxicas para as plan- poluentes do ar depende da toxicidade química, da exposição ao
tas (Figura 33.18 e Figura 33. 19). A toxicidade, conceitualmente, poluente e da sensibilidade das espécies. A seguir é apresentada
representa o grau em que um elemento causa lesões em vias rneta- uma lista dos principais poluentes que podem causar doenças em
hólicas e funções celulares. Adicionalmente, o excesso de alumínio plantas, sua origem e os principais sintomas exibidos pelas plan-
também é tóxico para as plantas. O pH do solo pode alterar a dispo- tas doentes.
nibilidade de micronutrientes, pois afeta a solubilidade-desses em Ozônio (0 3): formado na presença de luz por meio da inte-
solução. Por isso o pH tem maior impacto na deficiência ou fitoto- ração entre óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos volá-
,icidade de micronutrientes do que de macronutrientes. teis, alguns deles liberados na queima incompleta e evaporação
de combustíveis e solventes. Entra nas plantas pelos estômatos
33.3. FATORES QUÍMICOS QUE CAUSAM DO ENÇAS e causa sintomas de pontuações, mosqueado e clorose primei-
ABIÓTICAS ramente na superfície superior das folhas e causa prejuízos às
trocas gasosas. As manchas podem ser pequenas ou grandes, pro-
33.3. l. Poluição do Ar gridem para coloração branca (Figura 33.20), marrom ou preta. A
O ar na superficie terrestre consiste principalmente de queda prematura das folhas e a redução no crescimento ocorrem
nitrogênio (78%) e oxigênio (21 %). O restante ( 1% ) é composto em algumas plantas, como citros e videira.

383
Manual de Fitopatologia

Figura 33.21 - Fitotoxidez de fluoreto de hidrogênio em folhas de


cafeeiro (A) e gladíolo (B).

Poeira: proveniente de estradas, fábricas de cimento, queima


de carvão, etc. Afeta todas as plantas.Acumula-se na superflcie das
Figura 33.20 - Ozoniose em folha de fumo. folhas fonnando uma crosta. As plantas ficam cloróticas, com o
Crédito da foto: Carlos Eduardo Pulcinelli. crescimento reduzido e podem até morrer. Algumas partículas são
tóxicas e provocam queimaduras nas folhas.
Dióxido de enxofre (S01): chaminés Je fabricas e esca- Chuva ácida: resultante <le atividades humanas, principal-
pamentos de veículos automotores liberam dióxido de enxo- mente a queima de combustíveis fósseis ( óleo, carvão e gás natu-
fre que pode ser tóxico para várias espécies na proporção de ral) e derretimento de minerais sulfurosos. Essas atividades libe-
0,3 a 0,5 ppm. Baixa concentração cansa clorose gem:ralizada. ram grande quantidade de óxido de tmxofre e óxido de nitrogênio
Concentrações elevadas causam descoloração das nervuras das na atmosfera. os quais em contato com a umidade atmosférica
folhas. Quando combinado com a umidade fonna chuva ácida. são convenidos em ácido sulfúrico e áci<lo nítrico, que atingem
Dióxido de nitrogênio (N01): fonnado a partir do oxigê- o solo através da chuva e da cerração. O pH de uma chuva ácida
nio e nitrogenio do ar por meio de combustão produzida em fomos. varia de 4,0 a 4,5, bastante inferior ao menor pH de uma chuva
Tóxico na proporção de 2 a 3 ppm. Causa descoloração e bronzea- sem poluentes que é de aproximadamente 5,6.
mento nas folhas, semelhantes aos causados pelo dióxido de enxo- 33.3.2. Defensivos
fre. Em baixa concentração suprime o crescimento das plantas.
O uso de defensivos, mesmo quando empregados nas dosa-
Fluoreto de hidrogênio: tóxico na proporção de 1-2 ppm gens recomendadas, pode levar à manifestação de danos no desen-
e sob exposição crônica. As margens das folhas de dicotiledôneas volvimento das plantas, que se assemelham aos sintomas de doen-
e as pontas das folhas de monocotiledôneas adquirem coloração ças bióticas, especialmente as fitoviroses. Os inseticidas e fungi-
amarelada a palha quando mais expostas ao solo, que podem pro- cidas, principalmente quando aplicados em dosagens acima das
gredir para coloração marrom escura, morrem e se desprendem recomendadas. podem se acumular nas margens das folhas, onde
(Figura 33.21). Algumas plantas, como o azevém, po<lem tolerar a dosagem do principio ativo atinge maiores concentrações e acar-
até 200 mg kg·1 de F na massa seca; outras sensíveis, como o gla- retar danos nas folhas. Os sintomas podem ser de clorose, seguido
díolo,já mostram sintomas visuais do excesso de flúor quando os de necrose e até morte da folha inteira ou das partes em que ocor-
teores nas folhas são menores que 30 mg 1cg·1 de f. reu maior concentração do princípio ativo (Figura 33.22).
Cloro (CIJ e cloreto de hidrogênio (HCI): produzido em Os herbicidas, quando aplicados incorretamente podem pro-
refinarias. fábricas de vidros e incineradores de plásticos. Tóxico vocar anormalidades mais comuns e severas do que as provocadas
a O, 1 ppm. As folhas mostram descoloração e áreas necróticas por excesso de inseticidas e fungicidas. As plantas afetadas podem
entre as nervuras. As margens das folhas frequentemente apa- exibir variados graus de amarelecimento e malfonnação foliar. As
recem requeimadas. As folhas podem cair prematuramente. Os folhas afetadas podem secar e cair prematuramente. O desenvolvi-
danos são semelhantes aos causados por dióxido de enxofre. mento da planta é afetado, podendo até morrer em casos extremos.
Etileno (C 1 H4 ): é um hormônio vegetal com numerosas Alguns herbicidas, principalmente aqueles com efeito hormonal,
funções. No entanto, pode ser tóxico quando em concentrações como o 2,4 D, induzem o aparecimento de sintomas semelhantes
superiores a 0,05 ppm. Pode ser liberado de escapamentos de veí- aos de viroses, nos casos em que a dosagem recebida pela planta
culos automotores, queima de gás, óleo combustível e carvão. acidentalmente não é suficiente para matá-la. Sintomas provo-
Muitas espécies de plantas são suscetíveis. Plantas afetadas apre- cados por 2,4 D são bastante conhecidos em plantas de tomate,
sentam subdesenvolvimento, as folhàs mostram desenvolvimento batata, videira e algodoeiro (Figura 33.23). A maioria dos herbici-
anormal e senescem prematurame nte. A produção de flores e fru- das, no entanto, é segura, quando aplicada de maneira correta, para
tos é reduzida. Os frutos. por exemplo, maçãs, desenvolvem áreas a cultura recomendada. na dosagem adequada, no momento ceno
deprimidas e necróticas. e sob condições ambientais favoráveis.

384
Doenças Abióticas e Injúrias

eia de sinais de agentes bióticos; b) sintomas aparecem de repente.;


c) sintomas com estádio de desenvolvimento semelhante e bas-
tante uniforme, em muitos casos simétricos; d) quando há lesões,
as bordas são bem definidas; e) no campo, os sintomas geralmente
estão distribuídos uniformemente ou seguem a rota de aplicação de
defensivos, se for este o caso; f) diferentes espécies na área podem
exibir o mesmo sintoma da planta cultivada.
Muito frequentemente, todavia, os sintomas causados por
doenças de natureza abiótica podem ser facilmente confundidos
com aqueles causados por diversos vírus, molicutes (fitoplasmas e
espiroplasmas) e muitos patógenos do solo.
Nesses casos a diagnose se toma mais complicada. Primeira-
mente há necessidade de se provar que não há qualquer patógeno
associado com a doença em questão. Se possível, os sintomas da
doença devem ser reproduzidos experimentalmen_te em plantas
sadias expostas a condições similares àquelas supostas como sendo
responsáveis pela doença (Figura 33.24). A planta doente deve ser
curada, através do seu crescimento sob condições em que o fator ou
fatores responsáveis pela doença tenham sido adequadamente cor-
rigidos (Figura 33.11 ). Por exemplo, deficiência de ferro em soja e
Figura 33.22 - Fitotoxidez de inseticida Sumicidin em soja.
videira pode ser facilmente comprovada no teste da meia-folha por
Crédito da foto: Álvaro Santos Cosia.
meio da aplicação, por abrasão, de uma solução de sulfato de ferro
1% (Figura 33.25).

Figura 33.23 - Defonnações em folíolos de tomateiro (A) e folha de


aboboreira (B) provocada por herbicida.
Crédito das fotos: Carlos Alberto Lopes e Katia Regina Brunelli.

33.4. DIAGNOSE DE DOENÇAS ABIÓTICAS


A diagnose de doenças abióticas pode ser realizada de maneira
relativamente simples, através da observação de sintomas caracterís-
ticos causados pela falta ou excesso de um fator qualquer, já descrito
na literatura. Usualmente, é feita através de um exame minucioso de
diversos fatores aos quais a planta está exposta: completo histórico
da cultura, inclusive sobre o plantio precedente na área; condições
ambientais antes e após o aparecimento dos sintomas; práticas cul-
turais que estão sendo adotadas; pulverizações e tipos de produtos
utilizados etc. Ainda, faz-se necessário considerar qu~ esses sintomas
muitas vezes ocorrem de forma generalizada na área de cultivo e
uniformemente expresso na planta (não restrito a algumas partes e
setores do dossel). Além da diagnose visual, a análise química de
plantas é urna ferramenta importante para a avaliação mais precisa
das desordens nutricionais. A partir de amostras padronizadas, são
comparados resultados do laboratório com tabelas de interpretação Figura 33.24 - Fitotozidez de herbicida Diuron em mamoeiro (A) e
do estado nutricional das culturas. Há, no entanto, alguns indicati- reprodução experimental dos sintomas (B).
vos que podem apontar para causa de natureza abiótica: a) ausên- Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

385
Manual de Fitopatologia

33.5. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Agrios, G.N. Plant Pathology. 5 ed. San Diego, Elsevier Academic Press,
2005.
Bennett, W.F. Nutricnt Dcflciencies & Toxicities in Crop Plants. St.
Paul, APS Press, 1993.
Costa,A.S. Rei:onhecimento das Moléstias de Vírus de Plantas. Campinas,
Instituto Agronômico de Campinas, 1975.
Epstein, E. & Bloom, A.J. Mineral nutrition of plants. Principies and
perspectives. 2"" ed. Sunderland, Sinauer Associates, Inc. Publishers,
2005.
Schumann, G.L. & D'An:y, C.J. Esscntial Plant Pathology. APS Press,
St. Paul, 2006.
Shurtleff, M.C. & Averre lll, C.W. The Plant Disease Clinlc ·and Field
Oiagnosis of Abiotic Oiseases. S1. Paul,APS Press, 1997.

Figura 33.25 - Remissão de sintoma de deficiência de ferro em soja


com aplicação de sulfato de ferro na meia folha.
Crédito da foto: Álvaro Santos Costa.

386
Parte V

FISIOPATOLOGIA E GENÔMICA DAS


INTERAÇÕES PLANTA-PATÓGENO
CAPÍTULO

34
FISIOLOGIA DO PARASITISMO::
COMO OS PATÔGENOS ATACAlVI
AS PLANTAS
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio

ÍNDICE

34.1. Enzúnas ................................................................ 390 34.5. Fitotoxinas ............................................................ 400


34.2. Degradação da cutícula ..... ,.................................. 391 34.5. l. Fito toxinas seletivas ao hospedeiro ........ 402
34.2. l. Papel das cutinases na patogenicidade .... 392 34.5.2. Fitoto:xinas não-seletivas ao ho,spedeiro.... 405
34.2.2. Suberização ..........................:..................:. 393 34.5.3. Fitotoxinas e patogênese ......................... 409
34.3. Degradação dos componentes da parede celular .... 393 34.6. Hormônios ........................................................... 411
34.3.l. Lamela média........................................... 394 34.6.1. Hormônios e patogênese ......................... 413
34.3.2. Paredes primária e secundária................ 395 34.7. Polissacarídeos extracelulares ............................. 414
34.3.3. Papel das enzimas degradadoras da 34.8. O utros fatores envolvidos na patogemicidade .... 415
parede na patogenicidade ....................... 397
34.8. l. Efetores nas interações planta-patógenos .... 415
34.4. Degradação de componentes da membrana
plasmática............................................................. 399 34.9. Considerações finais ............................................ 418
34.10. Bibliografia consultada...................................... 419

F
itopatógenos geralmente necessitam de seus respec- podendo deslocar-se em direção ao hospedeiro, conseguem pene-
tivos hospedeiros para ter a sobrevivência garan- trar nas plantas e multiplicar-se no espaço intercelular, ou excepcio-
tida. Nesse sentido, a maioria dos patógenos retira nalmente no xilema ou floema, somente através de ferimenios ou
seus nutrientes do hospedeiro e os utiliza no seu próprio metabo- aberturas naturais (estômatos, hidatódios, etc.) e nunca diretamente.
lismo, tanto na fase vegetativa quanto na reprodutiva. Eutretanto, No caso de microrganismos filamentosos (fungos e oomicetos), a
:nuitos destes nutrientes encontram-se no interior do protoplasma penetração pode ocorrer diretamente através da superficie intacta da
das células vegetais e, para ter acesso aos mesmos, os patógenos planta, de aberturas naturais e/ou de ferimentos:. A penetração direta
devem vencer as barreiras externas, formadas pela -cutícula e/ou pode ocorrer exclusivamente através de força mecânica aplicada por
parede celular, bem como promover a colonização interna dos estruturas específicas de alguns poucos fungos e oomicetos sobre o
tecidos (Figuras 34. 1). hospedeiro. Quase na sua totalidade, porém, esti~ processo é acompa-
Como visto no Capítulo 4 desta obra, para muitos patógenos nhado por secreções enzimáticas.
os mecanismos de adesão aos hospedeiros representam a primeira Depois da penetração, os patógenos podem se espalhar a
ruipa da conexão física entre o parasifa e o parasitado (Epstein & partir do sítio de infecção e colonizar o tecido do hospedeiro.
'.'l!icholson, 2016; Leite et ai., 2001 ). Além disso, patógenos ganham Este processo, normalmente, caracteriza-se pela desagregação
acesso ao interior dos hospedeiros através de penerração direta, aber- celular e pela utilização de nutrientes, o que resulta em altera-
turas naturais ou ferimentos. As bactérias, por exemplo, embora ções na morfologia e no metabolismo das plantas, levando ao

389
Manual de Fitopatologia

aparecimento dos sintomas (Capítulo 3 desta obrai). Simultane- Ians-batata. Com o auxílio da biologia molecular, em especial
amente à penetração e colonização dos tecidos, rn; hospedeiros através de técnicas de sequenciamento do genoma e da proteô-
podem reagir à presença dos patógenos em potencial através da mica, os mecanismos de patogenicidade nas interações planta-
formação de barreiras fisicas e produção de substâncias químicas patógeno começam a ser melhor compreendidos (EI-Hadrami et
(Capítulo 35 desta obra). Essa batalha entre patóg;eno e hospe- al., 2012; Horbach et ai., 2011; Quirino et ai., 2010).
deiro a nível fisiológico e bioquímico constitui-se no objeto de Dentre os fitopatógenos conhecidos, com exceção dos vírus
estudo da fisiologia do parasitismo (Boxe 34. l ). Dessa maneira, e viroides, aparentemente todos produzem enzimas, hormônios,
para um patógeno estabelecer-se em uma planta, é necessário efetores e, possivelmente, toxinas. No caso dos vírus e viroides,
que o mesmo consiga penetrar e colonizar os tecidos do hospe- esses agentes podem induzir as células do hospedeiro a produzir
deiro, dele retirando os nutrientes necessários para :seu desenvol- diferentes substâncias, dentre as quais as enzimas utilizadas
vimento, bem como neutralizar as reações de defosa da planta. na replicação desses organismos. A presença dessas substân-
Para isso, utilizam-se de substâncias como enzimas, toxinas, cias químicas. mesmo que em quantidade elevada. porém, nem
hormônios e efetores, além de outros fatores envolvidos na sempre reflete a capacidade do patógeno em causar doença.
patogenicidade (Horbach et ai., 2011; Pascholati et ai., 1998). A De uma maneira geral, as enzimas produzidas por fitopató-
importância dessas substâncias e fatores varia grandemente nas genos promovem a desintegração dos componentes estruturais das
interações hospedeiro-patógeno. Por exemplo, nas podridões células do hospedeiro, degradam substâncias presentes nas células
moles. as exoenzimas são aparentemente as substâncias mais ou afetam diretamente o protoplasto. Os cfetorcs podem suprimir ou
importantes; já no caso da mancha ocular, causada por Bípolaris ativar respostas de defesa, bem como alterar completamente a fisio-
sacchari em cana-de-açúcar. a doença resulta principalmente da logia do hospedeiro. As toxinas, por sua vez. agem diretamente no
toxina secretada pelo fungo; nas galhas da coroa, causadas em protoplasto e interferem com a permeabilidade das membranas. Os
vários hospedeiros por Agrobacterium tum~facien.s (Rhizobium hormônios. basicamente, alteram a divisão e crescimento celulares.
radiobacter) e nas galhas causadas pelo nematoide Meloido-
gyne sp. em diferentes espécies vegetais, os hormônios desem- 34.1. ENZIMAS
penham papel relevante; finalmente, moléculas efütoras podem Enzimas são proteínas de alta massa molecular, constituídas
desativar completamente o sistema imune de hospedeiros, como de longas cadeias de aminoácidos, responsáveis pela catálise das
visto nas interações Ustilago maydis-milho e Phytopllthora infes- reações anabólicas e catabólicas nas células dos seres vivos.

Boxe 34.1 Fisiologia do parasitismo

No começo do século XIX, o botânico afomão Franz Unger apresentou sua teoria, segundo a qual '~s doenças resul-
tariam de distúrbios funcionais, estes oriunàos de desoritens nutricionais, que levariam ao aparecimento de 'fungos' como
exc,-escências que se desenvolviam por geração espÕntânea nos tecidos da planta.". Embora falho no tocante aos fungos, o
tratado de Unger "Die Exantheme der Pjlanwn", publicado em 1833, pode ser visto como a pedra fundamental da fisio-
logia do parasitismo (Fuchs, 1976), também denominada bioquímica fitopatológica ou fisiopatologia vegetal. Ideias
similares, mas não idênticas às de Unger, for;rn1 desenvolvidas por Franz J. Meyen, em 1841. Como definido por Heite-
fu.ss & Williams ( 1976) "a fisiologia do parai;itismo representa as especialidades dentro da fitopatologia que se concen-
tram nas atividades fisiológicas e bioquímicas dos patógenos e nas respostas dos tecidos vegetais do hospedeiro". Como
um apêndice da fitopatologia, a fisiologia do parasitismo procura gerar conhecimento básico para o entendimento das
interações entre a planta e o patógeno a nível fisiológico e bioquímico, bem como contribuir para o uso efetivo desse
conhecimento no desenvolvimento de novos métodos para o controle das doenças (Wood, 1987). A interação multi-
disciplinar é altamente evidente nessa área, onde são conduzidos, por exemplo, estudos envolvendo a germinação dos
esporos, histologia e fisiologia da penetração, e colonização dos tecidos vegetais, alterações metabólicas das plantas em
resposta à infecção, etc. Embora seja intensaunente explorada em outros países, a fisiologia do parasitismo encontra-
-se ainda em fase de gestação em nosso país (Pascholati, I 993). O Brasil carece de fisiologistas do parasitismo, embora
publicações didáticas neste assunto tenham começado a surgir nos últimos anos. A edição preliminar do livro "Pato-
logia vegetal: agressão e defesa em sistemas planta/patógeno", de autoria de J.C. Dianese e publicada cm 1990, se cons-
tituiu em marco na literatura nacional voltada para a fisiologia do parasitismo. Com a chegada do periódico Revisão
Anual de Patologia de Plantas em 1993, cons:tantcmente temas específicos dentro da área da fisiologia do parasitismo
começaram a ser abordados, como por exemplo, o capítulo sobre Efetores nas interações planta-patógenos no volume
23 de 2015. Por sua vez, a parte IV - Fisiologia do Parasitismo, em edição deste Manual publicada em 1995, continha
quatro capítulos relacionados ao tema. Já e;m, 2003, Medeiros, Ferreira e Dianese publicam uma edição ampliada e
atualizada do texto anterior de 1990, denominado de "Mecanismos de agressão e defesa nas interações planta-pat6-
geno". Em 2008, Pascholati, Leite, Stangarlin e Cia (Pascholati et ai., 2008b), na qualidade de edHores, coordenaram
a publicação do livro "Interação planta-patâgeno: fisiologia, bioquímica e biologia molecular". Por sua vez, na edição
anterior deste Manual publicada em 2011, a Parte V - Tópicos Avançados continha dois capítulos relacionados à área.
Finalmente, os capítulos 34, 35 e B6 inclusos na Parte V - Fisiopatologia e Genômica das Interações Planta-Patógenos
do presente Manual, além de procurar contribuir na disseminação de conhecimentos, visam também estimular estu-
dantes e profissionais no desenvolvimento d,e atividades científicas nessa área.

390
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Para cada reação metabólica existe uma enzima específica catali- rios, ácidos graxos e ésteres, enquanto que a cutina mostra ser um
sando o substrato envolvido. Normalmente. as enzimas são deno- poliéster, cuja despolimerização origina, principalmente, monô-
minadas em função do substrato ou reação que catalisam, através meros de ácidos graxos (ácidos cudnicos) das famílias C,6 e C 18
da adição do sufixo -ase. Por exemplo, cutinases são e.nzimas que ( Figura 34.2). A família C 16 deriva do ácido palmítico, enquanto
promovem a degradação da cutina e pcctinases são enzimas que a família C 18 origina-se, predominantemente, dos ácidos oleico
degradam as subslãncias pécticas. A ligação da enzima (E) ao ou linoleico. Evidências indicam também a presença de pequenas
,cu substrato (S) resulta na formação de um complexo enzima- quantidades de compostos fenólicos (ácidos p-cumárico, ferúlico
,ubstrato (ES). Em função dessa ligação, o substrato é ativado e e clorogênico) nesse polímero.
l reação química pode ocorrer, levando à formação do complexo
mzima-produto (EP), com a consequente liberação do produto (P)
e a restauração da enzima ao seu estado original. Reações químicas tel005 CUTiNICOS
.onduzidas a 25 ºC e catalisadas por enzimas podem ocorrer I OS-1 06
, l!Zes mais rapidamente do que as mesmas reações não catali- Fom1io-C1e
sadas. Dependendo da enzima, o número de moléculas de subs-
trato catalisadas por uma única molécula da enzima por segundo
·wrnover") pode variar de 100 a mais de três milhões.
CX1 (CH1~ CH • CH fCHt l1 COOH
1
J.&.2. DEGRADAÇÃO DA CUTÍCULA 0M
Para que se entenda como um patógcno penetra a superficie
mtacta do hospedeiro, a natureza da cutícula necessita ser conhe- CHa !CH1lx CK!CHyl COOH CH1 (CHrl1 CH • CH (CH2h COOH
1 1 1 \ I
cida. As paredes das células epidérmicas dos vegetais, em contato OH e»! e»! o
com o meio exterior, mostram-se recobertas por uma camada lipí-
J1ca contínua, comumente conhecida como cutícula (Figura 34. 1),
.1 qual fica aderida à parede celular através de uma camada inter-
'lled1ária rica em substâncias pécticas. A cutícula recobre folhas,
frutos e talos jovens, tendo como funções básicas evitar a difusão *o12 Anó!Ogog msoti,odos também ocorrem.
Je água e nutrientes para o meio externo, bem como proteger a
planta contra os efeitos adversos do meio ambiente. A espessura e Figura .34.2 - Estrutura dos principais monômeros da cutina.
.:. morfologia <la cutícula variam dependendo da espécie vegetal, Fonte: Adaptada de Kolauukudy ( 1985).
Jo órgão envolvido, do estádio de desenvolvimento <lo tecido e
das condições do ambiente.
A cutícula pode ser separada da parede celular por meio Na cutina, os monômeros de ácidos graxos são mantidos
de tratamento químico ou enzimático, produzindo dois compo- por meio de ligações ésteres, além do que os grupos hidroxila
nentes lipídicos principais: uma mistura complexa e solúvel de primário, em sua maioria, são esterificados, o que resulta em um
.::ompostos alifáticos de cadeia longa, denominados ceras, e um polímero predominantemente linear. A ligação entre cadeias de
-naterial polimérico insolúve l, denominado c utina. As ceras são poliésteres ocorre através da esterificação de alguns grupos hidro-
.:onstituídas, principalmente. de hidrocarbonetos, álcoois primá- xila presentes na posição intermediária das cadeias (Figura 34.3).

-~= CAMADA PÉCT ICA


. , _ PAREDE CELULAR

LAMELA MÉDIA

Figura 34. l - Representação esquemática da estrutura da cutícula em tecido foliar.


Fonte: Adaptada de Juniper & Jeffree (1983).

391
Manual de Fitopatologia

Botrytis cinerea, Colletorrichum capsici, C. gloeosporioides


o o (Glomerella cingulata), C. graminicola, C. lagenarium (Colle-
~
Cul1naa O o
totrichum orbicufare), Blumeria graminis f. sp. hordei, Gloeo-
cercospora sorghi, Bipolaris zeicola (Cochliobolus carbonum),
B. maydis (Cochliobolus heterostrophus), B. sorokiniana (Cochlio-
bolus sativus) , Sclerotium ro/fsii (Athelia ro/fsil), Uromyces
viciae-fabae e Venturia inaequalis (Pascholatí et ai., 1992; 1993).
Há evidência que algumas bactérias, como Pseudomonas putida
(habitante do filoplano ), Pseudomonas syringae pv. tomato e
várias espécies de Streptomyces, além de Streptomyces scabies,
produzem enzimas do tipo cutinase, porém o papel das mesmas,
eu,;,_ eun,.,.. } neste contexto, pennanece obscuro.
O~CUtillOM O)
Ql o l. 34.2. 1. Papel das Cutinases na Patogenicidade
\o A produção de cutinases por microrganismos cultivados in
vitm, tendo cutina como fonte de carbono, não se constitui em
prova da importância dessa enzima na infecção das plantas. Dessa
Figura 34.3- Esquema do polímero cutina (os sítios de ação da cuti- maneira, o papel da cutinase como fator na patogenicidade tem
nase estão assinalados). sido avaliado através de estudos imunocitológicos e de transfor-
Fonte: Adaptada de Kõller ( 1991). mação genética, bem como através do uso de mutantes deficientes
para cutinase e inibidores dessa esterase. Esses estudos têm sido
A cutícula, que consiste basicamente de cutina impregnada conduzidos, por exemplo, nas interações patógeno-hospedeiro
com cera e frequentemente recoberta por placas cerosas, além das Fusarium solani f.sp. pisi-ervilha, Colletotrichum gloeospo-
funções acimas mencionadas, também serve como barreira prote- rioides (G. cingulata)-mamão, Alternaria alterna/a-pereira e
tora contra microrganismos. Dentre os fitopatógenos, os fungos Magnaporthe grisea-arroz. No caso de F so/ani, estudos estrutu-
e alguns oomicetos que penetram através da superficie intacta rais com hastes de ervilha, conduzidos com o auxílio da micros-
da planta mostram-se aptos para degradar enzimaticamente essa copia eletrônica de varredura, mostraram a localização de anti-
barreira através da produção de cutinases, o que se constitui, para corpos marcados com ferritina e específicos para cutinase na
alguns, em fator chave na patogenicidade. Além dessa função, área onde o patógeno foi inoculado, evidenciando que o fungo
aparentemente as cutinases também podem estar envolvidas na excretava, quando em contato com o hospedeiro, o mesmo tipo de
determinação da especificidade de fungos fitopatogênicos para enzima identificada a partir de culturas mantidas in vitro.
com os tecidos do hospedeiro. No tocante às• placas cerosas, Mutantes de C. gloeosporioides deficientes em cutinase
estudos sugerem que Puccinia hordei produz enzimas cãpazes de mostraram-se patogênicos sobre a superficie injuriada de frutos
degradá-las, porém para a maior parte dos fungos aparentemente de mamão. A doença, porém, não ocorria quando os isolados eram
a penetração das mesmas ocorre através de força mecânica. inoculados sobre a superficie intacta do fruto. Curiosamente, a pato-
Cutinases são esterases, com um resíduo de serina no sítio genic-idade dos mutantes podia ser restaurada através do forneci-
catalítico, que rompem as ligações ésteres entre as moléculas mento de cutinase exógena. Na natureza, C. gloeosporioides penetra
presentes na cutina, substrato natural da enzima, liberando como a cutícula de frutos imaturos de mamão e permanece subcuticu-
produtos da ação enzimática monômeros e oligômeros derivados lannente em estado quiescente no tecido, até a maturação dos
de ácidos graxos (Figura 34.3). De maneira geral, apresentam frutos (Dickman & Alvarez, 1983). Esse exemplo, juntamente
especificidade por ésteres de álcool primário, os quais se mostram com os trabalhos envolvendo mutantes de F. solani f. sp. pisi e
abundantes no polímero. A. alternata, deficientes em cutinase, e o uso de inibidores da
As cutinases purificadas apresentam uma única cadeia poli- enzima (anticorpos específicos ou compostos organofosfora!-ios),
peptídica, com composição de aminoácidos bastante similar e suportam a importância das cutinases na infecção de plantas por
massas moleculares variando entre 22 e 32 kDa. Caracterizam-se fungos. Entretanto, em alguns casos, como na interação Colle-
por serem glicoproteínas, contendo de 3% a 16% de carboidratos totrichum gloeosporioides f. sp. cucurbitae-pepino, as cutinases
na molécula. A atividade da enzima tem se mostrado máxima em aparentam ser menos imponantes do que a força mecânica para a
pH em tomo de 9-1O, embora trabalhos indiquem a possibilidade penetração do hospedeiro.
da enzima também degradar eficientemente a cutina em pH de No tocante aos estudos envolvendo a transformação gené-
6,5. A ação catalítica da cutinase pode ser estimada através da tica de fungos, a transferência do gene da cutinase de F. solani
liberação de radioatividade a partir de cutina marcada com radio- para Mycosphaerella sp., um patógeno que necessita de feri-
isótopos ou por meio de método espectrofotométrico, não espe- mentos para penetrar no hospedeiro, produziu transfonnantes
cífico, tendo p-nitrofenilbutirato como substrato. A produção in capazes de excretar a mesma cutinase produzida por F. solani e
vitro da enzima, por patógenos em poteucial, pode ser visualizada infectar frutos de mamão intactos. Esses estudos, com transfor-
através do uso de meio contendo cutiua como fonte de carbono e mantes de Mycosphaerella sp., e outros, com transformantes de
um indicador adequado de pH. F solani f. sp. pisi, substanciam o relevante papel das cutinases
A enzima cutinase foi purífical!a, pela primeira vez, em na patogenicidade fúngica.
1975, a partir de fluido extracelular de Fusarium solani f. sp. pisi, Através do emprego de técnicas de biologia molecular, a
cultivado em meio com cutina como única fonte de carbono, e regulação da transcrição gênica da cutinase foi estudada in vitro
desde então escudada em outros fungos, como Alternaria alternata, com núcleos isolados de F. solani f. sp. pisi, bem como a estru-

392
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

tura do gene descrita. Estes trabalhos suponam ~1 ideia de que


esporos fúngicos em fase inicial de germinação, quando na super-
r----~~=:.. . _,-f---11--
PAREDECEWLAR
PAREDESUBtRIZADA
ficie do hospedeiro, excretariam uma pequena quantidade de cuti- MEMBRANA PlASMÁTlCA
nase pré-fonnada (Figura 34.4) (Kolattukudy, 1985·; Woloshuk & - .- CITOPIASMA

Kolattukudy, 1986). Essa cutinase teria como função a liberação VACÚOU)

de monômeros, a partir da cutícula da planta, os quais ativariam


a transcrição do gene da cutinase, com a consequente produção
massal da enzima requerida para a penetração da ,:utícula. Após
a penetração, a quantidade de monômeros diminuiria levando, Figura 34.S - Representação esquemática de paredes celulares sube-
consequentemente, à paralisação da transcrição gênica. rizadas.
Fonte: Adaptada de Kolattukudy (1985).

sição c a estrutura das paredes suberizadas não são bem compre-


endidas. Supõe-se, porém, que as mesmas contenham uma matriz
fenólica, semelhante à lignina, ligada à parede celular. Compo-
nentes alifáticos (ácidos graxos e correspondentes ácidos dícar-
boxílicos) estariam ligados à matriz fcnólica e embebidos em
uma camada de cera solúvel.
Devido às dificuldades existentes nos estudos envolvendo a
MONOMER'OS suberização dos tecidos vegetais, a degradação de paredes suberi-
CUTINASE zadas por fitopatógenos, através da produção de subcrinases, tem
recebido pouca atenção. Esrudos ultraestrururais demostraram a
PENETRAÇÃO CUTÍCULA capacidade de alguns fungos penetrarem as paredes celulares
suberizadas, porém muito vagarosamente. No caso de bacté-
rias, existem indicações de que Ralstonia solanacearum pode
Figura 34.4 - Representação esquemática da indução do gene da
degradar a suberina presente no sistema radicular das plantas. Por
cutinase em um esporo füngico pela cutícula da planta. sua vez, Streptomyces scabies, agente causal da sama em batata,
Fonte: Adaptada de Kolattukudy (1985). produz uma esterase degradadora de suberina, a qual foi caracte-
rizada a nível proteico e de DNA.
Com relação ao crescimento in vitro, alguns microrganismos
Finalmente, em função de sua importância.para certos pató- possuem a capacidade de utilizar paredes suberizadas como única
genos na penetração do hospedeiro, a cutinase constitui-se em fonte de carbono. Dentro desse contexto, pode-se destacar Strep-
alvo potencial para o controle de doenças vegetais. A desativação tomyces scabies, Fusarium solani f. sp. pisi, 8. sorokiniana,
da enzima (inibição de sua ação e/ou síntese-excreção), a nível Rhizoctonia sp. e Phytophthora infestans. No caso especifico de
de superfície do hospedeiro, evitaria a penetração e, consequen- F. solani crescido em preparações ricas em suberina, obtidas a
temente, protegeria as plantas contra algumas doemças fúngicas. partir de periderme de tubérculos de batata, estudos mostraram
Essas ideias foram suportadas inicialmente p,elos trabalhos a capacidade do fungo em liberar enzimas no fluído extrace-
conduzidos com inibidores da cutínase (anticorpos e/ou organo- lular capazes de degradar os componentes alifáticos e aromá-
fosforados), principalmente nas interações F. solani-ervilha e ticos do polímero. Além de F. solani, estudos demonstraram que
C. gloeosporioides-mamão, onde a infecção foi evitada e as Aspergillus sp., Armillaria mellea e Rosellinia desmazieri também
plantas protegidas contra os respectivos patógenos. Outros produzem enzimas degradadoras da suberina. Porém, o papel
trabalhos utilizando as interações Blumeria graminis-cevada e dessas enzimas na penetração de fungos em órgãos protegidos
Pyrenopeziza brassicae-brássicas e ebelactonas, moléculas inibi- por paredes suberizadas pennanece obscuro.
doras da cutinase, também vieram reforçar essa possibilidade. Em
vista do exposto, um novo caminho se abriu para o controle de 34.3. DEGRADAÇÃO DOS COMPONENTES DA
doenças fúngicas através do possível uso de com:postos atuando PAREDE CELULAR
como antipenetrantes (Sisler, 1986). Durante a penetração e a colonização, fitopatógenos repeti-
damente encontram e atravessam as paredes celulares dos hospe-
34.2.2. Suberização deiros (Figuras 34.1 e 34.6). A maioria dos fitopatógenos pode
Enquanto a cutícula recobre a pane aérea das plantas, a produzir uma variedade de enzimas, normalmente extracelulares,
superficie dos órgãos subteTTâneos é, geralmente, recoberta por que atuam na degradação dos componentes da parede celular.
uma camada protetora, que tem a suberina, um pol1ímero insolúvel Geralmente, essas enzimas mostram-se induzíveis, estáveis e
associado com ceras solúveis, como componente principal. Essa presentes em tecido hospedeiro infectado. O contato entre essas
camada também se forma nos tecidos em resposta à injúria mecâ- enzimas e a parede celular pode ser visto como uma das primeiras
nica ou quando os mesmos ficam expostos devidú, por exemplo, interações moleculares entre patógeno e hospedeiro, cujo resul-
à abscisão de folhas e frntos. A su~rização dos tecidos evita a tado pode alterar o balanço final da interação.
difusão de água e nutrientes e, provavelmente, evita a penetração As paredes celulares mostram-se como estruturas complexas
de pat6genos em tubérculos e raízes. As camadas de suberina e dinâmicas, circundando o protoplasto, externamente à membrana
ocorrem principalme-nte entre a parede celular e a membrana plas- plasmática (Figuras 34.1 e 34.6; Tabela 34.1 ). Podem estar
mática e mostram uma estrutura lamelar (Figura 34.5). A compo- envolvidas na expansão celular, influenciando a forma da célula

393
Manual de Fitopatologia

Tabela 34.1 - Principais polímeros das paredes celulares de plantas


A dicotiledôneas.
. P<.'so <.'m rclacão
P01meros
1 . ·
a parede celular(%)
Celulose 30
Hemiceluloses
Xiloglucana 19
Glucouronoarabinoxilana 5
Polissacarídeos pécticos
Homogalacturonana 6
Ramnogalacturonana 1 7.
Ranmogalacturonana ll 3
MICROFIBRILAS B A.rabanas, galactanas e arabinogalactanas 18
Glicoproteína rica cm hidroxilprolina 12
MATRIX CONTÍNJA
Fonte: Modificada de Goodrnan et ai. (1986).

LA~ELA PARsDE PAREDE


MEDIA PRIMARIA SECUNDÁRIA
Lúmem
OH O
'e?- H OH

-0~º1, ~OHH
H 0-

a) . ~0 H oH
H OH / ~
OH O

b)

Figura 34.6 - Representação esquemática da estrutura (A) e compo- figura 34.7 - Polímeros pécticos: (a) ácido poligalacturônico;
sição (8) das paredes de células vegetais. (b) pectina.
Fonte: Adaptada de Agrios ( 2005); Heitefuss & Williams ( 1976).

podem também apresentar curtas cadeias laterais de resíduos de


D-galactose e outros açúcare.s. Dependendo do grau de. metilação
e, consequentemente, a morfogênese de tecidos vegetais. De dos grupos carboxíUcos dos resíduos de ácido galacturônico,
maneira geral, são divididas e.m trê.s regiões estruturais: lamela esses polímeros são conhecidos como ácido pectínico (< 75%
média, que compreende a região entre as paredes de células vizi- metilação) ou pectina (> 75%) (Figura 34.7). Os polissacarídeos
nhas; parede primária, localizada entre a membrana plasmática pécticos também são encontrados na parede primária (ca. 35%
e a lamela média, fonnada, somente em células em ativo processo em dicotiledôneas e 8-9% em monocotiledôneas), onde formam
de crescimento, após a divisão celular ser completada; parede um gel amorfo, o qual preenche os espaços entre as microfibrilas
secundária, localizada internamente à parede primária, formada de celulose. Em função da capacidade de formarem géis, devido
após o término da expansão celular. às ligações entre cadeias por meio de íons cálcio, as substân-
cias pécticas atuam como uma espécie de cimento intercelular,
34.3.1. Lamela Média mantendo coesos os tecidos vegetais.
A lamela média é constituída principalmente por substân- Várias enzimas, conhecidas como pectinases ou enzimas
cias pécticas, as quais são polissacarídeos formados por longas pectolíticas, degradam substâncias pécticas (Figura 34.8; Tabela
cadeias de ácido D-galacturônico (= ácido poligalacturônico, 34.2). Essas enzimas são normalme.nte. agrupadas segundo alguns
ácido péctico), com ligações a-1,4 entremeadas com resíduos de critérios: 1) mecanismo através do qual rompem as ligações glico-
ramnose (= ramnogalacturonana) (Figura 34.7). Esses polímeros sídicas a-1,4 (hidrolítíco ou ~-eliminativo, onde as ligações são

394
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

deve-se mencionar as metilesterases da pectina (=pectina este-


rase) (MEP). Essas enzimas promovem a desmetilação da pectina
através da hidrólise de radicais metíla, expondo a carboxila dos
ácido~ galacturônicos e liberando metanol (Figura 34.8). Embora
não modifiquem o comprimento da cadeia de pectina. as metiles-
terases alteram algumas das propriedades desse polímero. como,
por exemplo, a solubilidade.
De maneira geral, as trans-eliminases apresentam reque-
rimento parcial ou total por íons Ca2- e pH ótimo em tomo de
8-1 O, enquanto que as galacturonases mostram-se mais ativas em
pH baixo (4-5), podendo inclusive ser inibidas por Ca2+ . A ativi-
dade das enzimas pectolíticas pode ser avaliada através do uso de
métodos espectrofotométricos, cromatográficos, técnicas viscosi-
métricas e reações específicas.

34.3.2. Paredes Primária e Secu~dária


Os políssacarídcos constituintes das paredes celulares têm
sido tradicionalmente divididos em substâncias pécticas, hemice-
luloscs e celulose, com base na solubilidade, e não na composição
química (Tabela 34.1). As hemiceluloses são encontradas na
Figura 34.8 - Mecanismo de ação de algumas enzimas pectolíticas: matriz das paredes primária (em maior abundância) e secundária
(a) metilpoligalacturonasc (MPG); (b) rrans-elíminase
(Figura 34.6), sendo compostas principalmente pelos monos-
do ácido poligalacturônico (TEPG); ( c) metilesterase
sacarídeos xilose, arabinose, glicose, manose e galactose. Uma
da pectina (MEP).
das funções biológicas desses polimeros é a conexão das frações
péctica e celulósica nas paredes. A hemicelu!ose predominante
rompidas, respectivamente. pela adição ou remoçà.o de moléculas nas paredes primárias de plantas dicotilcdôncas é a xilogluc11na,
de água); 2) especificidade da enzima pelo substrato (pectina ou a qual consiste basicamente de um esqueleto carbônico de molé-
ácido péctico); 3) posição da ligação a.-1,4 rompida na cadeia culas de D-glicose, com ligações glicosídicas ~-1,4 e ramifica-
péctíca (terminal ou não). ções de xilose em ligações a-1,6 (figura 34.9). Esse polímero
As hidrolases que exibem maior especifi1cidade para a liga-se não covalentemente (pontes de hidrogênio) às fibrilas de
pectina como substrato são denominadas metilpoliigalacturonases celulose e covalentemente à fração péctica, tendo considerável
(MPG), enquanto que aquelas exibindo maior especificidade-para implicação na estrurura da parede, proporcionando às paredes
o ácido péctico são chamadas poligalacturooases (PG) (Tabela primárias e secundárias imaturas flexibilidade e, provavelmente,
34.2). Se a enzima promove a degradação do substrato a partir maior pcnneabilidade. Por sua vez, xilanas, que apresentam
das extremidades, liberando, portanto, monômeros, o prefixo exo cadeias de xilose com ligações P-1,4, constituem-se nas princi-
é. utilizado. A hidrolase, por exemplo, liberando somente ácido pais hemiceluloses das paredes secundárias das dicotlledôneas.
galacturônico, a partir do ácido péctico, é designadla como exopo- No caso das plantas monocotiledôneas, as principais hemicelu-
ligalacturonase, enquanto que a enzima liberando oligõmeros é loses encontradas são as arabinoxilanas (apresentam cadeias
chamada endopoligalacturonase. Por sua vez, as trans-eliminases laterais de arabinosc e perfazem pelo menos 400/o da parede
(também conhecidas como Hases ,0-eliminativas) que exibem primária) e as p-glucanas (resíduos de glicose unidos por meio
maior especificidade para a pectina como substrato, são denomi- de ligações P-1 ,3 e P-1,4). Várias outras hemiceluloses têm sido
nadas metil trans-eliminases do ácido pectínico (TE) (=pectina caracterizadas, principalmente a partir da parede secundária de
liase), enquanto que aquelas exibindo maior especificidade para plantas lenhosas, como mananas, glucomananas e galactogluco-
o ácido péctico são chamadas trans-eliminases do ácido poliga- mananas.
lac~ônico (TEPG) (=)iases do ácido péctico) (Tabela 34.2). Da A degradação das hemiceluloses em constituintes mono-
mesma fonna que as galacturonases, estas também exibem modo méricos requer a atividade de várias enzimas, genericamente
de ação exo ou endo. conhecidas como hcmicclulases. Os nomes específicos dessas
Além das hidrolases e trans-eliminases, que alteram o enzimas variam em função do substrato e dos monõmeros libe-
comprimento das cadeias dos polímeros pécticos (Figura 34.8), rados, por exemplo, P- l ,4 xiloglucana é hidrolisada por endoglu-

Tabela 34.2 - Classificação das principais enzimas degradadoras da pectina e ácido péctico.

Suhstrato

Pectina Trans-eliminases do ácido pectínico (TE)


Metilpoligalacturonases (MPG)
(ácido pectínico) (= pectina !iases)
Ácido péctico Trans-eliminases do ácido poligalacturônico (TEPG)
Poli~;alacturonases (PG)
(ácido poligalacturônico) (• liases do ácido péctico)

395
Manual de Fitopatologia

canase e P-1,4 xilana por endoxilanase, enquanto que mananas,


glucomananas e galactomananas são completamente hidrolisadas
por uma série de enzimas (P-1,4 endomanase, P-manosidase,
p-glucosidase e p-galactosidase).
A celul0se, um polissacarídeo de cadeias longas (1-3 µm),
é fonnada por moléculas de glicose em ligações P-1,4 e cons-
titui-se no principal componente estrutural das paredes celulares
dos vegetais (20-30% nas paredes primárias e acima de 40% na
parede secundária de plantas lenhosas) (Tabela 34.1), tendo a
microfibrila como unidade biológica básica (Figura 34. IO). As
microfibrilas apresentam regiões amorfas e cristalinas, sendo
que as cadeias de celulose são mantidas coesas por pontes de
hidrogênio. Na parede primária, as microfibrilas possuem uma
orientação ao acaso, ao passo que na parede secundária ocorrem
em lamelas dispostas paralelamente. Os espaços entre as micro-
fibri las, na parede primária, são preenchidos com substâncias
pécticas e hemicelulose, enquanto que, na parede secundária,
podem também conter lignina e, em alguns tecidos, suberina.
A celulose mostra-se como uma substância cristalina e inso-
lúvel em sua fonna nativa. A degradação desse polímero, com a
produção final do monossacarídeo glicose, resulta da ação de dife-
rentes celulases. Historicamente, a degradação da celulose era expli-
cada pela hipótese das enzimas C 1 e C,, onde a enzima e, atuava
sobre o polímero cristalino, expondo-o a ação da enzima C,. A essas
enzimas, juntava-se a ~-glucosidase, a qual reduzia o dímero celo-
biose resultante em glicose. Subsequentemente, a tenninologia
C,-C, foi substituída por um esquema que definiu a decompo-
sição da celulose por wn sistema de três enzimas (Figura 34.11 ). A
primeira enzima, denominada P- 1,4 D-glucanase, agindo ao acaso,
rompe as ligações glicosídicas da cadeia de glucana. Em seguida,
as extremidades não redutoras expostas tomam-se substratos para a
13-1.4-D-glucana celobiohidrolase, a qual libera moléculas de celo-
biose. Finalmente, a hidrólise da celobiose em glicose é catalizada
pela P-glucosidade.
Derivados do ácido cinâmico são constituintes comuns das
paredes celulares, dos quais o mais comum é a lignina, principal-
mente cm plantas lenhosas. A lignina pode ser visualizada como
um polímero tridimensional, amorfo, constituído de unidades fenil-
propano (Figura 34. 12), cuja polimerização final ocorre devido à
oxidação das hidroxilas dos grupos fenólicos pela peroxidase. A
deposição de lignina ocorre após a maturação da parede celular,
em substituição às moléculas de água, podendo ligar-se covalen-
temente aos outros constituintes poliméricos, dando rigidez à
parede. A degradação enzimática da lignina, embora não comple-
tamente esclarecida, é catalizada por ligninases.
As paredes celulares podem também apresentar proteínas,
F = fucose cujo conteúdo ( em geral< 10%) varia com o tipo de célula e condi-
G = glicose ções ambientais. Dentre as proteínas encontradas nas paredes,
A= arabinose tem-se as glicoproteínas ricas em hidroxiprolina (GPRHP), onde
X = xilose as extensinas são exemplos destas. Essas proteínas consistem
basicamente de seis aminoácidos, onde a h.idroxiprolina repre-
GAL = galactose senta 46% dos mesmos. A molécula é caracterizada por apresentar
1/3 de proteína e 2/3 de carboidratos (galactose perfazendo 3% e
arabinose, 97%). As extensinas mostram-se altamente insolúveis e
Figura 34.9 - Estrutura de uma xiloglucana isolada da parede primá- praticamente confinadas às paredes primárias das células em ativo
ria de células em suspensão de Platanus sp. Resíduos processo de crescimento, tendo uma aparente função estrutural. A
de xilose são ligados ao dquelêto carbônico de glico- degradação enzimática dessas extensinas por proteases mostra-se
se, enquanto que um dímero de galactose e fucose é difícil, provavelmente devido ao baixo número de ligações susce-
ligado à xilose. tíveis à ação enzimática (resultado do alto teor de hidrox_ipro-
Fonte: Adaptada de Goodman et a!. ( 1986). lina) ou ao recobrimento da molécula por carboidratos, tomando

396
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

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Cocle10 de Celulose

Figura 34.10- Estrutura básica da celulose e das microfibrilas.


Fonte: Adaptada d,~Agrios (2005); Goodman et ai. ( 1986}.

a parte proteica inacessível às proteases. Além das GPRHPs,


também pode-se encontrar as proteínas ricas em glicina (PRG) e
as ricas em prolina (PRP).

34.3.3. Papel das Enzimas Degradadoras da Parede Figura 34.11 - Complexo enzimático envolvido na
na Patogenicidade hidrólise das cadeias poliméricas de
Com exceç~ío dos v[rus e viroides, fitopatógenos podem celulose: ~ 1,4 D-glucanase (EG);
produzir um granode número de enzimas (pectinases, celulases. P-1,4 D-glucana celobiohidrolase
hemicelulases, etc.) capazes de degradar os polímeros estru- (CBH); p-glucosidade (P-G).
turais das paredes celulares (Faria et ai., 2003; Kubicek et ai., Fonte: Adaptada de Goodman et ai. ( 1986).
2014}. Portanto, as enzimas degradadoras da parede (EDP) estão
provavelmente envolvidas na maioria das doenças de plantas.
A contribuição dessas enzimas na patogénese pode envolver a a um gene repórter tipo GUS, bem como se efetuar alterações
extensiva destruição dos tecidos vegetais por patógenos necro- na produção da enzima e se demonstrar possiveis mudanças na
tróficos (por exemplo, enzimas pectolíticas), bem como altera- patogenicidade ou agressividade. Essas alterações poderiam ser
ções especificas e localizadas nas paredes celulares por pató- efetuadas com o auxílio da engenharia genética por meio de
genos biotróficos (por exemplo, glicanases e glicosidases). complementação gênica de um mutante deficiente, expressão
Essas enzimas têm sido estudadas em Botrytis fabae, Colletotri- gênica heteróloga, expressão gêníca antisenso e mutação génica.
chum lindemuthianum, Pectobacrerium carotovorum, Envinia Dentre as EDP, as enzimas pectolíticas são as mais estu-
chrysanthemi, Fusari11m oxysporum f. sp. lycopersici, Ra/s- dadas no tocante ao papel na patogénese. Uma das razões para esse
ronia solanacearum, Puccinia graminis f. sp. trifiei, Rhizoc- interesse deve-se ao tratamento de tecidos vegetais com pecti-
tonia solani (Thcmatephorns cucumeris) e Verticillium a/bo- nases purificadas, o que ocasiona a separação das células e morte
a/rum, entre outrns fitopatógenos. Embora estejam ligadas à das mesmas. Esse processo ocorre durante o desenvolvimento de
degradação dos coimponentes da parede, a comprovaçtlo do envol- muitas doenças, principalmente nas podridões moles (Capítulo
vimento das EDP 11a patogénese deve preencher alguns critérios, 22 desta obra), onde os tecidos perdem a rigidez. A separação das
como: capacidade do patógeoo em produzir as EDP in vitro; células, chamada maceração, é devida à destruição da integri-
detecção das EDP em tecido infectado; correlação da produção dade estrutural da lamela média, principalmente por endopoliga-
das EDP com patogeoicidade; alterações nas paredes de tecidos lacturonases e endopectato Iiases. A morte celular ocorre, aparen-
infectados observáveis com o uso de' técnicas de microscopia; temente, devido ao enfraquecimento da parede celular primária,
reprodução das alt,erações na parede ou sintomas da doença com em virtude do rompimento das ligações a-1,4 entre os resíduos
o uso de EDP purificadas. Além desses critérios, pode-se incluir de ácido galacturônico, o que ocasiona o rompimento ou alte-
a fusão do promotor do gene codificando a enzima de interesse ração da permeabilidade seletiva da membrana plasmática sob

397
Manual de Fitopatologia

a)

b)

ó
Figura 34.12 - (a) Estrutura do polímero de uma lignina; (b) unidade fenilpropano (carbonos podem
apresentar os seguintes grupamentos: -OH, -OCH3, =O).
Fonte: Adaptada de Goodman et ai. (1986).

condições de estresse osmótico. Embora as enzimas pectolíticas relacionamento causal entre a degradação de substâncias pécticas
possam tornar as células vegetais osmoticamente frágeis, estudos e a patogênese é bem estudado para as bactérias causadoras de
indicam a possibilidade de fragmentos da parede celular, libe- podridões moles. Trabalhos com mutantes de E. chrysanthemi,
rados por pe.ctinases, também serem prejudiciais às células tanto deficientes na produção de enzimas pectolíticas, sugerem que
quanto as parede.s celulares enfraquecidas. essas enzimas são essenciais para a maceração dos tecidos vege:-
As enzimas pectolíticas estão sujeitas a mecanismos regu- tais. A transferência de um gene (Pai), o qual controla a síntese e
latórios similares aos das cutinases (Figura 34.4) e aos de outras secreção de TEPG (Tabela 34.2), a partir de uma cepa bacteriana
enzimas envolvidas na degradação dos polímeros e.xtracelulares. doadora para cepas com reduzida atividade de TEPG, mostrou
De maneira geral, o fitopatógeno possui uma ou mais pectinases que somente os recombinantes Pat+ causavam a maceração dos
pré-fonnadas, em baixo nível, as quais, quando em contato com tecidos de batata, cenoura e aipo. Os recombi.nantes Pai- não
os polimeros de ácido galacturônico na lamela média e parede causavam a maceração, mesmo exibindo nívei:s de PÓ compa-
primária, liberam monômeros e/ou oligômeros a partir desses ràveis aos da cepa doadora Pat+ e aos dos recombinantes Pat+.
polímeros. Esses fragmentos pécticos liberados podem funcionar Estudos com transformantes de Escherichia e.ali, uma entero-
como sinais para a síntese das pectinases (indução autocatalítica), bactéria nom1almente não associada com plantas, indicam que a
mas em concentrações muito elevadas podem atuar na repressão introdução de um gene de E. ch,ysanthemi para a produção de TE
da síntese dessas mesmas enzimas (repressão autocatabólica). (Tabela 34.2) converte E. coli em uma bactéria virulenta em tubér-
Glicose e outros açúcares também podem atuar nessa repressão, culos de batata. Essa observação supona a imponância da TE na
que pode ser abolida, porém, por adenosina-monofosfato cíclico patogênese das podridões moles. Por outro lado, a maceração dos
(cAMP). A regulação da síntese das enzimas pectolíticas é bem tecidos nem sempre pode ser correlacionada com aumentos na
compreendida em espécies de bactérias causadoras de podridões síntese de pectinases in situ, haja vista a existência de mutante de
moles (Pectobacterium carotovorum, E. chrysanthe_mi), bem E. ch,ysanthemi incapaz de crescer em meio de cultivo contendo
como em Verticillium albo-atrum e Fusaríum oxysporum f. sp. substâncias pécticas, mas com a capacidade de causar mace-
lycopersici, agentes causais de murchas vasculares (Capítulo 25 ração dos tecidos em escala similar à da cepa se,Jvagem original.
desta obra). Deve-se ressaltar, porém, que esse mutante produz um nível basal
A produção de pectinases ín vitro, ou mesmo in situ, por elevado de enzimas pectolíticas, o que pode ser suficiente para a
bactérias e fungos, não se constitui em p,ova definitiva da impor- patogenicidade.
tância das mesmas na patogênese. A indução de enzimas pecto- Evidências que as enzimas pectolíticas slio essenciais em
liticas in vitro muitas vezes pode estar mais ligada à obtenção de doenças fúngicas que não envolvem a maceração dos tecidos,
nutrientes do que especificamente associada à patogenicidade. O como, por exemplo, nas murchas vasculares, onde as pecti-

398
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

nases podem estar envolvidas na indução de ''p/rigs" e oclusões A degradação enzimática da lignina é característica de
nos vasos, são pouco convincentes. Mutantes d,e F myspo111m fungos saprófitas, na maior parte basidiomicetos. envolvidos
f. sp. lycopersíci, deficientes na produção de PG (Tabela 34.2). na decomposição de madeira (por exemplo, Ganoderma spp.,
mostraram-se menos agressivos, mas ainda patogênicos. em toma• Poria spp.), o que resulta na chamada podridão branca, carac-
teiro. Estudos similares com mutantes de Verticillium dah/iae. terizada por um emaranhado de filamentos claros constituídos
induzidos por radiação ultravioleta e deficientes n,a capacidade de basicamente de celulose. Embora vários fitopatógenos. princi-
produzir PG. MEP, TE ou combinações dessas enzimas, eviden- palmente ascomicetos e algumas bactérias, produzam pequenas
ciaram a capacidade dos mutantes em causar sintomas de murcha quantidades de ligninases. a habilidade desses microrganismos
quando inoculados em hastes de algodoeiro. Porém, os estudos em degradar a lignina ainda precisa ser melhor investigada. Por
dessa natureza não eliminam o possível papel das pectinases exemplo, estudos com o uso de corantes e substratos marcados
fúngicas na penetração dos hospedeiros e na velocidade do desen• com radioatividade, demonstraram a capacidade lignolítica
volvimento dos sintomas de murcha. Além disso,. trabalhos com de Fusarium so/ani f.sp. glycines. agente causal da podridão
diferentes fungos fitopatogênicos (Bot1ytis cinerea, Penici/lium vermelha em soja, em função da produção das enzim~s laccase e
expansum, Cryphonectria parasitíca, Alternaria citri e Colleto- peroxidase da lignina (principais enzimas fúngicas degradadoras
Jrichum gloeosporioides) começam a auxiliar no melhor entendi- desse polímero). Esses resultados indicaram a possível impor-
mento das enzimas pécticas nas interações patóge·no-hospcdeiro. tância da degradação da I ignina durante a infecç.'io, colonização e
Por outro lado. como já ressaltado, na avaliação das evidências sobrevivência do fungo (Lo.lOvaya ct ai., 2006).
entre a presença de enzimas pectolíticas in vilro e patogenicidade,
os resultados devem ser interpretados com cautela, haja vista que 34.4. DEGRADAÇÃO DE COMPONENTES DA
a produção de pectinases in vítro depende da composição do meio MEMBRANA PLASMÁTICA
de cultivo, dos isolados dos microrganismos utilizados, da idade A membrana plasmática (plasmalema) lFigura 34.1 e Figura
das culturas microbianas e de fatores outros que possam regular a 34.6) separa o interior da célula do ambiente externo, enquanto
síntese e a atividade dessas enzimas. as membranas de organelas delimitam compartimentos no inte-
Estudos sobre o papel das celulases e hemic:eluleses bacte- rior celular. Extensões da membrana plasmática (plasmodcsmata)
rianas e fúngicas na patogênese ainda são escassos e não mostram atravessam a parede celular e promovem conexões com as células
um claro relacionamento entre degradação dos polímeros celu- , izinhas. As membranas vegetais contêm proteínas (40-50%)
lose/hemicelulose e patogênesc, como no caso da degradação dos e lipídios (40%), e a maioria pode também conter carboidratos
polímeros pécticos. As evidências sugerem que a degradação da (O- 10%) na fonna de glicolipídios e glicoproteínas. Apresentam
parede celular, pelo menos nos estádios iniciais, envolve a degra- uma estrutura unitária dupla (camada lipídica dupla), fonnando
dação da pectina e de hemiceluloses. com a consequente exposição uma matriz, na qual os componentes proteicos se integram (Figura
das microfibrilas de celulose à ação das celulases. Tnibalhos com 34.13). A camada lipídica contém três tipos de lipídios, os fosfoli-
Ralsto11ia solanacea111m c hastes de tomateiro fome.::em evidêÍ,cias pídios, os lipídios neutros (colesterol) e os glicolipídios. As prote-
da degradação de celulose durante a patogênese, bem como da exis- ínas podem ser de diferentes classes e tamanhos. De maneira
tência de uma correlação positiva entre agressividade e atividade geral, porém, são designadas como intrínsecas (voltadas para
celulolítica (isolados bacterianos pouco agressivos ou avirulentos o citoplasma) ou extrínsecas (voltadas para a parede celular).
exibem baixa atividade celulolítica, quando comparados com os Os carboidratos das membranas, glicolipídios ou glicoproteínas,
isolados mais agressivos). No caso dos fungos, a maioria dos resul- nonnalmente são orientados em direção à superfície externa. Alguns
tados sobre celulases e hemicelulases envolve fungos degradadores autores defendem o conceito que as membranas se assemelham a um
de madeira. Estudos envolvendo fitopatógenos filamentosos causa- mosaico Auído, onde as proteínas e glicoproteínas movem-se num
dores de podridões moles e '·damping-off' (Capítulos 22 e 23 desi:a oceano de lipídios. As membranas controlam de maneira sele-
obra), como por exemplo Rhi=opus spp. e Pythium spp., demons- tiva o transporte de íons e moléculas nas células através de meca-
tram a atea atividade celulolítica desses patógeno8 em meio de nismos passivos e ativos. O transporte passivo (difusão) de água.
cultivo, mas não esclarecem o papel dessas celulases nas interações ions e compostos como açúcares e aminoácidos, os quais seguem
hospedeiro-patógeno. A presença de celulase é obst:rvada na inte- gradientes de concentração e são transportados com a água. ocorre
ração Rhizocto11ia solani com hipocótilos de feijoeirci, onde o fungo através da matriz fosfolipídica, enquanto que o transporte ativo
penetra as paredes celulares do hospedeiro e, pela destruição da ( conlTil gradientes de concentração) ocorre através do componente
celulose nativa, causa o colapso das células invadidas, resultando proteico (proteínas intrínsecas), com a concomitante utilização de
na formação de lesões deprimidas no hipocótilo (Capítulo 24 desta energia metabólica (ATP).
obra). As celulases mostram-se importantes em doenças vasculares Em função da composição, as membranas podem sofrer
(Capítulo 25 desta obra), onde a liberação de oligômeros de celu- ação destrutiva de enzimas como fosfolipases (liberam ácidos
lose no interior dos vasos do xilema altera o fluxo nonnal de água graxos a partir de moléculas de fosfolipídíos) e proteases (1 iberam
devido ao bloqueio dos elementos vasculares. Patógenos causa- peptídeos e aminoácidos a partir da ruptura das ligações pcptí-
dores de murcha, como F oxysporum e V. albo-atn'.lm, produzem dicas em moléculas de proteínas). Estudos envolvendo a degra-
celulases em cultura e possuem a capacidade de degradar a celu- dação enzimática dos componentes das membranas por fitopató-
lose in vivo. Com relação às hemicelulases, várias bactérias (por genos ( como, por exemplo, Botrytis cinerea, Erll'inia carotovora,
exemplo, Xanthomonas alfalfae, Pseudomonas syringae pv. phase- Pse11domonas syringoe pv. tomato, Sclerotium rolfsii. Thiela·
olicola) e fungos 6topatogênicos (Sclêrotium rolfsii, Sclerotinia viopsis basicola) são escassos e inconclusivos. Como será comen-
sclerotiorum, Rhizoctonía solani, Fusarium spp., Diplodia spp.) tado no presente capítulo, as profundas alterações que ocorrem
produzem essas enzimas. A importância da degradaição das hemi- nas membranas durante a patogênese devem-se à ação de toxinas
celuloses na patogênese, porém, permanece obscura. produzidas por bactérias e, principalmente, por fungos. Algumas

399
Manual de Fitopatologia

F'OllSSACARÍOEOS por Coch/iobolus heterostrophus (B. maydis), raça T, em germo-


plasma de milho em 1970-1971, nos EUA, são exemplos clássicos
da importância das toxinas como um dos principais fatores no
processo destrutivo.
Embora o tenno toxina possa ser definido de diferentes
maneiras, a definição proposta por Scheffer (1983) mostra-se
adequada aos fitopatologistas. Toxinas são produtos de patógenos
microbianos que causam danos aos tecidos vegetais e qne estão
reconhecidamente envolvidas no desenvolvimento da doença.
As toxinas, também denominadas de fitotox.Inas, são geralmente
de baua massa molecular(< 1.000 daltons), móveis, ativas em
concentrações fisiológicas (< 10_,;-10·8 M) e não apresentam
características enzimáticas, hormonais ou de ácidos nucleicos
Figura 34.13 - Representação esquemática da estrutura da membrana
(Goodman et al., 1986).
plasmática.
lnfonnações sobre estrutura, biossíntese, regulação e. meca-
Fonte: Adaptada de Goodman et ai. (1986).
nismos de ação das fitotoxinas aumentaram nos últimos anos (Beres-
tetskiy, 2008; Bignell et al., 2013; Mobius & J·Iertweck, 2009;
espécies de Phytophthora, tendo um modo de vida hemibiotrófico Pascholati et ai., 2008a; Pfeilmeier et al., 2016). Embora muitos
mantêm a membrana intacta no início da infecção (fase biotró- fungos e bactérias e poucos oomicetos fitopatogênicos possam
fica) para posteriormente romper a membrana na fase necrotró- produzir toxinas, as mesmas têm sido estudadas principalmente em
fica. Este rompimento de membrana pode ser feito através de fungos (Pusztahelyi et ai., 2015). Por se constituírem em um grupo
enzimas, toxinas e até mesmo por ação mecânica do crescimento diverso de compostos, as toxinas não exibem características estrutu-
das hifas no tecido (Osswald et ai., 2014). rais comuns e incluem substâncias como peptídeos, glicopeptídeos.
A maioria dos fitopatógenos obtém os nutrientes necessá- derivados de aminoácidos, terpenoídes, esteroides, policetídeos e
rios para o crescimento e a reprodução a partir de protoplastos quinonas (Meena et al., 2017; Tsuge et ai., 2013). Podem agir em
dos hospedeiros. Alguns dos nutrientes, como açúcares (monos- diferentes sítios a nível celular, alterando a permeabilidade e/ou o
sacarideos) e aminoácidos, podem ser utilizados diretamente potencial das membranas, tendo como consequência, por exemplo,
pelos patógenos. Outros constituintes das células vegetais, porém, mudanças no equilíbrio iônico, perda de eletrólitos, inibição ou esti-
como amido, proteínas e lipídios, necessitam ser degradados por mulação de enzimas específicas, aumentos na respiração e na bios-
enzimas secretadas por esses microrganismos. Todos os fitopa- síntese de etiltmo. Podem, também, atuar como antimetabólitos,
tógenos podem degradar, através da ação de enzimas proteolí- induzindo deficiências nutricionais na planta.
ticas, diferentes tipos de proteínas, o que resulta em profundas As fitotoxinas podem ser classificadas como não-seletivas ou
alterações na organização e função celulares no hospedeiro. O seletivas ao hospedeiro. As 6totoxinas não-seletivas (não-especí-
amido, um polímero de glicose, constitui-se no principal polissa- ficas) mostram-se tóxicas a várias espécies de plantas, independen-
carídeo de reserva nas células vegetais. A maioria dos patógenos temente das mesmas serem ou não hospedeiras do microrganismo
produz amilases, as quais degradam esse polímero em moléculas toxicogênico. Possuem a capacidade de induzir a manifestação
de glicose diretamente utilizáveis nas atividades metabólicas total ou pelo menos parcial dos sintomas causados pela presença
desses microrganismos. Diferentes tipos de lipídios (compostos do microrganismo nas plantas hospedeiras ou não-hospedeiras.
formados por ácidos graxos) são encontrados nas células vege- Essas toxinas são consideradas determinantes secundários de
tais: óleos e gorduras, principalmente nas sementes, ceras, na patogenicidade, pois contribuem para a severidade da doença sem
cutícula, fosfolipídios e glicolipídios, nas membranas. Várias serem essenciais para a produção da mesma. A maiori:i. das titoto-
bactérias e fungos podem degradar esses compostos através da xinas enquadram-se nesta categoria (Tabela 34.3). As fitotoxinas
ação de enzimas lipolíticas (lipases, fosfolipases, etc.), liberando seletivas (específicas) mostram-se tóxicas, em concentrações fisio-
ácidos graxos que podem ser utilizados diretamente por esse fito- lógicas, somente às espécies de plantas ou cultivares que servem
patógenos. como hospedeiras do microrganismo produtor da toxina. As fitoto-
xinas seletivas, também conhecidas como patotoxinas, são consi-
34.5. FJTOTOXINAS deradas fatores de patogenicidade ou determinantes primários
As células vivas das plantas mostram-se como sistemas de patogenicidade, pois são essenciais para o estabelecimento do
altamente complexos, caracterizados por inúmeras reações patógeno no hospedeiro e para a manifestação da doença. Neste
bioquímicas que ocorrem interdependentemente e organizada- caso, em trabalhos envolvendo fitotoxinas. muitas vezes o termo
mente. Alterações dessas reações metabólicas interferem com patogenicidade é utilizado como sinônimo de virulência, onde o
os processos fisiológicos normais, levando ao desenvolvimento patógeno seria virulento ou avirulento. Essas toxinas são produ-
do processo doença (ver Capítulo 3 desta obra). Toxinas são zidas por alguns fungos (Tabela 34.4) e apresentam as seguintes
importantes particularmente por favorecer o estabelecimento características: a) o patógeno e a toxina exibem especificidade
do patógeno no interior do hospedeiro, sendo também respon- semelhante em relação ao hospedeiro; a resistência ou suscetibili-
sáveis pelo desenvolvimento de vários sintomas, como clorose, dade da planta hospedeira ao patógeno mostra-se análoga, respec-
necrose e murcha (Berestetskiy, 2008; Mobius & Hertweck, tivamente, à insensibilidade ou sensibilidade da mesma à toxina;
2009; Hayward & Mariano, 1997; Pascholati et ai., 2008a). b) a agressividade dos isolados patogênicos varia com as respec-
As epidemias causadas por Cochliobolus (Helminthosporium) tivas capacidades de produzir a toxina; c) a toxina produz, nas
vicroriae em germoplasma de aveia em 1946-1 948, bem como plantas suscetíveis, os sintomas característicos da doença.

400
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Tabela 34.3 - Exemplos de fitotoxinas não-seletivas (não específicas).

To,ina ,\ licrorganismo produtor Ho,pl·<kirn

Bactérias

Tabtoxina Pseudomonas syringae pv. labaci Fumo (Nicotiana tabacum)


P. coronofaciens (syringae) pv. coronafaciens Aveia (Avena saliva) e outros cereais
P. coronafaciens (syringae) pv. garcae Cafeeiro (Coffea arabica)
Faseolotoxina P. syringae pv. phaseolicola Feijoeiro (Phaseolus spp.) e outras leguminosas
Siringomicina P. syringae pv. syringae Milho (Zea mays)
Siringotoxina P. syringae pv. syringae Citros (Citrus spp.)
Tagetitoxina P. syringae pv. lagelis Malmequer (Tagetes spp.)
Coronatina P. syringae pv. atropurpurea Centeio (Seca/e cereale)
P. syringae pv. glycinea Soja (Glycine mox)
Corrugatina P. cornigala Tomateiro (Solanum lycopersicum)
Rizobitoxina Bradyrhizohium japonicum Soja (G. ma:c)
Taxtominas Streptomyces scabies Batata (Solanum tuberosum)

Fungos

Ácido fusárico Fusarium oxysporum f.sp. cubense Bananeira (Musa spp.)


F. oxysporum f.sp. vasinfectum Algodoeiro (Gossypi11m spp.)
F. oxysporum f.sp. pisi Ervilha (Pisum sativum)
F. oxysporuml f.sp. lycopersici Tomateiro (S. lycopersicum)
Licomarasrnina F. oxysporum f.sp. vasinfe<:lum Algodoeiro (Gossypium spp.)
F. oxy~porum f.sp. me/onis' Melão (C11c11mis melo)
F. oxysporum f.sp lycopersici Tomateiro (S. lycopersicum)
Fusicoccina Fusicoccum amygdali Pessegueiro (Prunus persica) e amendoeira (P. amygdalus)
Piricularina Magnaporthe grisea (Pyricularia oryzae) Arroz ( Oryza saliva)
Tentoxina Alternaria alterna/a (A. 1enuis) Algodoeiro (Gossypium spp.)
Ácido altemárico A. solani Tomateiro (S. lycopersic11m) e batateira (Solanum tuberosum)
Zinniol A. zinniae Zínia (Zinnia spp.)
A. solani Tomateiro (S. lycopersicum) e batateira (S. luberosum)
A. dauci Cenoura (Daucus carota)
Ofiobolina Cochliobolus mlyabeanus (He/minthosporium ory-..ae) Arroz (O. saliva)
Helmintosporal Cochliobo/us sativum (H. salivum) Cevada (Hordeum vulgare) e trigo (Triticum aeslivum)
Coletocina Col/etotrichumfascum Digita/is /anata e D. purpurea
Cerato-ulmina Ophioslama (Ceratocystis) ulmi Olmo (Ulmus spp.)
Cercosporina Cercospora b~ticola Beterraba (Beta vulgaris)
Ácido oxálico Cryphonectria (Endothia) parasitica Castanheira (Castanea saliva)
Sc/erotium spp. Inúmeras espécies vegetais (solanáceas, cucurbitáceas,
crucíferas, leguminosas, etc.)
Ácido fumárico Rhizop11s spp. Pessegueiro (Pnmus persica) e amendoeira (P. amygdalus)

Oomicetos

Elicitinas Phytophthora spp. Diferentes espécies vegetais (brâssicas, solánaceas)


Pythium spp.

401
Manual de Fitopatología

Tabela 34.4 - Exemplos de fitotoxinas seletivas (espedficas).

ungo produtor Ho,11t·<kiru

HV (victorina) Coch/iobolus (.Helminthosporium) vicroriae Aveia (Avena stíva)

HC C. (Helminrhosporium) carbom,m raça 1 Milho (Zea mays)


Alternariajesenskae" Fumana procumbens (Cistaceae)
HmT (toxina T) C. heterostrophus (Bipolaris maydis) raça T Milho (Z. mays)
HS (helmintosporoside) C. (Helminthosporium) sacchari Cana-de-açúcar (Saccharum spp.)
PC Periconia circinaro Sorgo (Sorghum vulgare)
AK Alternaria altemota patótipo pêrajaponesa (A. kikuchiana) Pereira japonesa ( Pyros serotír,a)
AM A. alternara patótipo macieira (A. mali} Macieiru (Malus lylvestris)
ACRL Alternaria citri patótipo limào Limão rugoso (Citrus jambhiri)
ACTG A. citri patótipo tangerina Tangerina Dancy e mandarinas (C. reticulata)
AL A. o/ternata f.sp. lycopersici Tomateiro (So/anum lycnpersicum)
CC Corynespora cassiicola Tomateiro (S. lycopersicum)
PM Mycosphaerel/a zeae-maydís (Phyllosticta maydis) Milho (Z. mays)

* Primeiro relato de uma mesma toxina seletiva {HC) sendo produzida por outro fungo.
Fonte: Wight et ai. (2013).

34.5.1. Fitotoxinas Seletivas ao Hospedeiro na penneabilidadc das membranas a eletrólitos (F igura


As fitotoxinas seletivas são produzidas por detenninados 34.14), no potencial de membrana e na respiração (Figura
fungos, pertencentes a pelo menos seis gêneros distintos (Tabela 34.15), juntamente com a diminuição do crescimento e
34.4). As toxinas produzidas por Cochliobolus (Helmlnthospo- da síntese de proteínas. Quimicamente, a victorina apre-
rium) spp. e espécies e patótipos de Alternaria são as mais estu- senta uma estrutura complexa. sendo um pcntapeptídeo
dadas. Embora efetores produzidos por algumas espécies de cíclico (Figura 34.16), composto de aminoácidos inco-
Phytophthoro sejam considerados toxinas, por causarem necrose muns, como dicloroleucina, J3-hidroxilisina e victalanina.
no hospedeiro, neste item serão descritas apenas as toxinas produ- O alvo primário da toxina parece ser a membrana plasmá-
zidas por fungos. tica, onde se liga a várias proteíuas. Por sua vez, o sítio de
ação parece ser o complexo glicina decarboxilase, o qual
• Toxina HV (vlctorino) - essa toxiua é produzida por se mostra importante no ciclo da fotorespiração.
Cochliobolus (Helminthosporium) victoriae, agente causal
da queima das folhas e podridão do colo e raízes em culti- • Toxina HmT (toxina T) - a toxina é produzida por
vares de aveia suscetíveis, os quais são portadores do Cochliobolus heterostrophus (Bipolaris maydís), raça T,
gene Vb para resistência contra Puccinia ,coronata f.sp. agente causal da queima da folha em gennoplasma de
avenae. O cultivar de aveia ' Victoria' carrega esse gene e milho com citoplasma T (Texas), portador de _macho este-
mostra-se pelo menos 10.000 vezes mais sensível à toxina rilidade. O fungo mostra-se altamente virulento (agres•
do que cultivares não possuidores do mesmo. O fungo sivo) nesse gennoplasma e a produção da fitotoxina é
infecta as partes basais de plantas de aveia suscetíveis, controlada por um único gene. A queima das folhas em
onde libera a toxina duraute a germinação dos esporos, a milho constitui-se em exemplo de uma das mais sérias
qual é transportada para as folhas, causando a queima das doenças na história recente da fitopatologia, bem como
mesmas e a consequente destruição da planta. C. victoriae no melhor exemplo de como a mudança em um gene do
é um parasita fraco e a produção da toxina 1-N, controlada patógeno pode criar uma epidemia de vastas proporções e
por um par de genes, mostra-se essencial para o cresci- aumentar a área geográfica de ocorrência <lo mesmo (Sche-
mento do mesmo uo hospedeiro e para a manifestação dos ffer, J989). A fitotox..ina inibe o crescimento das raízes em
sintomas. Somente os isolados füngicos que produzem plâotulas e afeta as folhas do hospedeiro através de alte-
a toxina em cultura são patogênicos. A tc1xina, caracte- rações na fotossíntese, ua respiração e no fechamento dos
rizada por ser a mais potente e seletiva de:ntre as fitoto- estômatos. A nível celular. a toxina ocasiona profundas
xinas seletivas, além de causar'todos os sintomas macros- alterações nas membranas, resultando em mudanças na
cópicos da doença induzidos na presença do patógeno, permeabilidade seletiva das mesmas e na rápida perda de
também promove mudanças histoquímicas e bioquímicas eletrólitos. Em células de ralzes de tecidos suscetíveis, o
similares no hospedeiro, ocasionando rápido aumento transporte ativo de ions e moléculas através da membrana

402
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

•/
o Sus - Toa
■ Res - T<IÃ
9
• Sus + Tox
ARes • Tox ~
TOXINA HmT ( lb,{no T)

~
.e. TOXINA HV ( V1ctor1no )

-
E
.:r..
(1,)
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8

).
o
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.+-~ . . •
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(.)
.. TOXINA HS IH6lmfnfosl)Clf'/l$~ !

8----~
1 1 º-----1í
6
-1r----,----!----1
o 1() 30 50 TOXINA AI(

TOXINA AM
Minutos
Figura 34.14 - Efeito da victorina Cochliobolus (Helminthospo-
rium) victoriae na perda de eletrólitos por tecidos
de aveia. Tempo. em minutos, após o tratamenlo dos
tecidos com a fitotoxina.
Fonte: Adaptada de Sc:heffer & Samaddar ( 1970). TOXINA PC

Figura 34.16 - Estruturas de algumas fitotoxinas seletivas (somente

/
um componente representativo é ilustrado para cada

o
..
toxina).

• ,.,,., ,. .,...
2.800 CONTROLE
o
oli)

- CI)
L.

oli)
2.◄00


TOXINA

TOXIHA
1 x 10-;,

1 a 10-•
plasmátíca é interrompido e K• intrace-lular é perdído para
o me-io externo (Figura 34.17). As m itocôndrias de- células
de tecidos suscetíveis são sensíveis à toxina, a qual inter-

/./·
CI) 2.000 fere com os processos oxídativos nessas organelas. A
a.
o toxina interage com uma molécula proteica receptora
E
oL. 1.600
(URF13) localízada na membrana mitocondrial interna,
levando à formação de poros e à perda da permeabilídade
OI seletiva da mesma. Com re lação à estrutura da toxína T,

1;·/.~·
.......
eo 1200
sabe-se que é constituída de uma mistura aproxímada
de 10 policetó is lineares, com um número de carbonos
.r::.

.//◊/º
variando entre 35 e 45 (Figura 34.16) .
.......
800
OI • Toxina HS (helmintosporoside) - essa fitotoxina é produ-
o zida por Cochliobo/11s (Helminthosporium) sacchari, fungo
E 400 •1/o/ causador da mancha ocular em cana-de-açúcar. A toxina,
quando aplicada em folhas de plantas suscetiveís, induz o
~1/ aparecimento de ríscas marrom-avermelhadas, semelhantes
às ocasionadas pela presença do patógeno nos tecidos. Em
o 2 J 4
função da correlação existente entre a sensíbílidade dos
Horas tecidos à fitotoxína e a íncidência da doença, o helmintos-
poroside mostra-se como fator chave no desenvolvimento
Figura 34.15 - Aumentos na respiração de tetidos suscetíveis de aveia da mancha ocular. A nível celular, a toxina ocasiona
em função da concentração de victorina (Cochliobolus mudanças nas membranas do hospedeiro, particular-
[Helmir.rthosporium] victoriae) utilizada. mente naquelas dos cloroplastos. Nas plantas suscetíveis,
Fonte: Adaptada de Krupka ( 1958). as membranas externas dessas organelas desíntegram-se,

403
Manual de Fitopatologia

C. carbonum também pode afetar genótipos de milho resis-


tentes, mas somente em concentrações bem mais elevadas
... 5
• - - TOXINA
(100 ou mais vezes). Os genótipos resistentes possuem um
gene (Hml), codificador da enzima redutase da toxina HC,
'o o-+ TOXINA a qual detoxifica a toxina, enquanto que genótipos susce-
1)
4 tíveis não possuem o mesmo. Embora possa estimular a
õ
E respira,ção, a fixação de C02 no escuro e a absorção de
::::t solutos, as respostas dos tecidos suscetíveis do hospe-
3
o...J t deiro à toxina HC mostram-se diferentes daquelas obser-
vadas com outras fitotoxinas seletivas. Os bioensaios
~
~
-~u
<t
2

28
./.,
1 9 / 23
,g~-- o
----
-~
para a toxina, os quais envolvem a avaliação da perda
de eletrólitos celulares e a inibição do crescimento de
raízes, requerem várias horas para que respostas mensu-
ráveis possam ser obtidas, sugerindo uma longa cadeia
de eve:ntos na expressão da disfuução celular. A filoto-
xina nlio causa um desarranjo geral da membrana plas-
o mática (despolarização) nos hospedeiros sensíveis, como é
o 20 40 60 ~ 100 120 o caso da maioria das toxinas seletivas. O plasmalema é
afetado, de maneira sutil, levando, por exemplo, ao acúmulo
TEMPO (min) de cert·os solutos (NQ3-, Na', c1·, metilglicose e leucina)
pelas células, os quais começam a extravasar, normalmente
Figura 34.17 - Efeito da toxina HmT (Coch/iobolus heterostrophus
seis horas após o início do acúmulo, causando a necrose
[Bipolaris ,naydis], raça T) no acúmulo de potAssio do tecido. Aparentemente, a toxina age como suprcssora
em raízes de milho com citoplasma T (portador de
das respostas de defesa, evitando a expressão de genes
macho esterilidade).
envolvidos na resistência da planta. Estruturalmente,
Fonte: Adaptada de Mertz & Amtzen (1977).
a toxina HC mostra-se como um tetrapeptídeo cíclico
(Figura 34.16), contendo um aminoácido incomum, deno-
levando a uma drástica redução na fixação do COi. Em minado ácido 2-amino-8-oxo-9,10-epoxidecanoico, o
folhas resistentes, os cloroplastos gera !mente permanecem qual é essencial para a expressão da atividade biológica
inalterados. A sensibilidade (suscetibilidade) das plantas à da toxina.
toxina HS é correlacionada com a habilidade da mesma • Toxina1 AK - é produzida por Alternaria a/ternata pató-
em se ligar a uma proteína, aparentemente presente apenas tipo _p,êra japonesa, anteriormente conhecida como
na membrana plasmática de plantas suscetíveis. Ã ligação A. kikuchiana, agente causal da mancha negra em folhas e
da toxina a essa proteína altera indiretamente a atividade frutos de pêrajaponesa (Pyrus serotina). A toxina é produ-
da ATPase nas membranas, o que ocasiona aumento na zida durante a germinação dos conídios e antes da invasão
permeabilidade (alterações no balanço iônico), com a dos tec:idos do hospedeiro, sendo, portanto, importante no
cousequente necrose dos tecidos do hospedeiro. Helmin• proces:so inicial da infecção. Variedades de pereira susce-
tosporoside é uma mistura de três isômeros de glicosídeos tíveis, quando tratadas com o fungo ou com a toxina,
sesquiterpenoides, contendo galactose (Figura 34.16). exibem sintomas necróticos, enquanto que variedades
Essas formas isoméricas, embora podendo diferir na ativi- resisteiotes não exibem nenhum tipo de dauo. A atividade
dade, mostram-se altamente tóxicas às plantas suscetíveis tóxica em células sensíveis é evidenciada por invagina-
ao fungo. Curiosamente, o fungo também produz, in vitro, ções na membrana plasmática e pela rápida (aproxima-
glicosídeos sesquiterpenoides não tóxicos, denominados damente 20 minutos) perda de eletrólitos, priucipalmente
de toxoides. Esses glícosídeos mostram-se como análogos K• e fosfato. A saída de eletrólitos resulta em reduções
da toxina HS, porém de menor massa molecular, devido no potencial de membrana e em necrose d.os tecidos da
à ausência de uma ou mais unidades de galactose. Alguns planta. Pelo menos duas toxinas são produzidas pelo
desses análogos agem como inibidores competitivos de fungo, sendo denominadas AK-I e AK-II (Figura 34.16).
belmintosporoside, protegendo, assim, os tecidos sensí- São caracterizadas como derivativos do aminoácido feni-
veis contra a toxina. lalanina e contêm um ácido graxo de 11 carbonos. A toxina
AK-ll possui uma estrutura similar àquela da toxinaAK-1,
• Toxina HC - a toxina é produzida por Cochliobolus
aprese111tando, porém, um radical metila extra no resíduo de
(Helminthosporium) carbonum, raça 1, agente .causador de
fenilalanina, o que reduz sua toxicidade (cerca de 100 vezes
manchas em folhas de milho. A produção da fitotoxina é
menos potente). Trabalhos indicam que a toxina liga-se a
controlada por um único gene e a mesma mostra-se essen-
um receptor específico, com radicais sulfidrila, aparente-
cial para o patógeno infectar e colonizar folhas de genó-
mente localizado na membrana plasmática de frutos susce-
tipos de milho portadores de alelos recessivos no locus hm.
tíveis imaturos.
O fungo produz e libera a tox.iha no momento da germi-
nação dos conidios e penetração das folhas, sendo possível • Toxina AM - essa toxina é produzida por Alternaria
detectar um acúmulo da mesma nos tecidos foliares durante a/ternata patótipo macieira, anteriormente conhecida
o desenvolvimento das lesões necróticas. A fitotoxina de como A. mali, fungo causador de manchas em variedades

404
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

de macieira suscetíveis. A fitotoxina mostra-se altamente


seletiva, haja vista a capacidade de variedades de macieira s
resistentes tolerarem altas concentrações da toxina sem a
exibição de sintomas da doença. Múltiplas fonnas da füo- 75

toxina, denominadas AM-1, li e Ili, podem ser detectadas


em fluido de genninaçilo dos conídios ou em culturas in l
vitro do fungo. A toxina AM-1, que exibe a maior ativi- o
I<(
.50

dade tóxica, mostra-se como um peptídeo cíclico com um o


anel de 12 membros. As toxinas AM-ll e III diferem da m
AM-1 em relação ao substituinte na posição 'para' do anel z 25

benzênico presente na estrutura (Figura 34.16). O sítio e o


mecanismo de ação das toxinas AM são semelhantes aos o
R §
das toxinas AK. Além da desorganização do plasmalema ~
e saída de eletrólitos, também promovem alterações nos 01 50 IOO 500 IOOO
cloroplastos, causando a rápida perda de clorofila. Essas
observações suportam a possibilidade da existência de
CONCENTRACÕES ( ng /mi)
diferentes sítios de ação nos hospedeiros suscetíveis. As
toxinas AM já foram sintetizadas quimicamente, o que Figura 34.18- Efeito de diferentes concentrações da toxina PC
facilitou os estudos envolvendo a estrutura química e a (Periconia cin::inata) no crescimento de raízes de
atividade tóxica das mesmas. cultivares <le sorgo suscetível (• ) ou resistente (o) ao
paLógeno.
• Toxina PC - a toxina é produzida pelo fungo Periconia Fonte: Adaptada de Wolpert & Dunkle (1980).
circinata, habitante do solo, que invade raízes e coroas
de cultivares suscetíveis de sorgo, causando uma toxemia
sistêmica, o que resulta em enfezamento e queima das
amenas ( 18-20 ºC) tanto in vitro como na planta, mostra-se
folhas. A produção da toxina é essencial para a patogeni-
responsável pelos sintomas secundários e contribui signi-
cidade e o papel da mesma na colonização dos tecidos do
ficativamente para a agressividade do patógeno em condi-
hospedeiro mostra-se similar ao da victorina. A fitotoxina
ções de campo. A faseolotoxina é um tripeptídeo contendo
causa, em tecidos sensíveis de sorgo, aumento na respi-
ornitina, alanina e arginina, bem como um grupamento
ração, diminuição do crescimento e da síntese de prote-
fosfosulfamil (Figura 34.19). Quando de seu transporte
ínas, além de alterar a permeabilidade das membranas.
da célula bacteriana para o interior da planta, a toxina é
A Figura 34.18 ilustra o efeito da toxina em bioensaio
hidrolisada por peptidases, liberando alanina e arginina, e
envolvendo a inibição do crescimento de ráizcs suscetí-
dando origem ao composto fosfosulfamilornitina, também
veis de sorgo. A toxina é facilmente produzida pelo fungo
denominada de octicidina, que se mostra coino principal
in vitro e consta de dois dipeptídeos tóxicos, denominados
responsável pela atividade biológica tóxica. A faseoloto-
peritoxinas A e 8, contendo lisina cíclica, ácido aspártico xina e a octicidina são inibidores específicos da enzima
e um ácido dicarboxílico com IOcarbonos (Figura 34.16). carbamoiltransferase da omitina (CTOasc), responsável
A presença de um grupo amina e de uma hidroxila livres pela conversão da omitina em citrulina, este um precursor
na lisina cíclica mostra-se como característica crucial para do aminoácido arginina. Como resultado da ação desses
a atividade fitotóxica das peritoxinas. compostos tóxicos, os tecidos do hospedeiro passam a
acumular omitina e a exibir uma redução no nível de argi-
34.5.2. Fitotoxinas Não-seletivas ao Hospedeiro nina. Essa alteração leva à inibição do acúmulo de prote-
A maioria das toxinas enquadra-se na categoria de fito- ínas e a clorose parece ser uma consequência dos baixos
toxinas não-seletivas, as quais são produzidas por um grande níveis proteicos. A octicidina mostra-se como um inibidor
número de fungos, oomicetos e bactérias (Tabela 34.3). Algumas mais potente (20 vezes) da CTOase do que a faseoloto-
das toxinas não-seletivas produzidas por bactérias do gênero xina in vitro e. devido à sua abundância em tecidos infec-
Pseudomonas mostram-se melhor caracterizadas e seus modos tados ou tratados com a toxina, supõe-se que a octicidina
de ação melhor compreendidos quando comparados com as seja o principal inibidor da CTOase e o indutor de clorose
toxinas seletivas. Infelizmente, as fitotoxinas não-seletivas são nos tecidos vegetais. As evidências também sugerem que
pouco utilizadas nos estudos envolvendo as bases moleculares a toxina causa a inibição da sintese de clorofila em feijo-
das doenças em plantas por serem vistas como fatores de agres- eiro e uma redução na síntese de carotenos e xanto:filas em
sividade que contribuem apenas para a severidade das doenças. folhas de cevada.

• Faseolotoxina - essa toxina é produzida por Pseudo- • Tabtoxina - é produzida por vários patovares e isolados
manas syringae pv. phaseolicola, bactéria causadora do de Pseudomonas syringae. A toxina, também conhecida
crestamento de balo em feijoeiro e em algumas outras como 'toxina do fogo selvagem', foi isolada inicialmente
leguminosas. A infecção das folhas ou vagens pelo a partir de Pseudomonas syringae pv. tabaci, agente causal
microrganismo causa o aparecimento de manchas de óleo. da queima bacteriana em plantas de fumo. A doença é
como sintoma primário, seguidas por halos cloróticos, caracterizada por sintomas severos de clorose nas folhas e
elorose sistêmica e nanismo, como sintomas secundários por lesões necróticas circundadas por um halo amarelado.
da doença. A fitotoxina, que é produzida em temperaturas O filtrado de cultura do fitopatógeno e a toxina produzem

405
Manual de Fitopatologia

HN--CH2

1 1
C--C-OH

o,I' 1 aminOpeptidoses CH
3
(CH2l2 1 1
1 t CHOH
~N-CH- CO+NH-lH-C02H
CH,OC~fll
r ..
HO--•· . c:Mf)CICH3lz-C-CH,, 6i - LACTAM DA TABTOXININA TREONINA

N ~_.·oi;,ocoCN,
Figura 34.20 - Estrutura da tabtoxina, produzida por Pseu-
'\_OH domonas syringue pv. tabaci, e sítio de ação
• das aminopeptidascs.
1· Ctir>CH,
ô"-i,/º
HO/ 'o f'USICOCCINA quente clorose e eventual necrose dos tecidos. Em vista
da importância da enzima SG para os organismos vivos, a
TAGE'TITOXINA
fitotoxina exibe um amplo espectro de ação, afetando não
CMg-CH,-0!,i-at,~ somente vegetais superiores como também fungos, bacté-
rias, vegetais inferiores e vertebrados.

ÁCIDO FUSÁRICO • Tagctitoxina - essa toxina é produzida por Pseudomonas


syringaepv. tagetis, bactéria causadora de manchas nccró-
tlf"!IOC-CHz ~I
ticas em folhas de malmequer (Tagete.1· sp.). A litotoxina
ttO()Ç-~H-N_H-CO-OlrNH-v-c.l é produzida nas manchas necróticas foliares, sendo trans-
COOH locada para o ápice da planta, onde induz uma clorose
L ICOMAAASMJNA característica nas folhas apicais. As folhas inferiores e as
TENTOXINA pétalas não são aparentemente afetadas pela toxina, a qual
induz sintomas somente em tecidos em franco crescimento
vegetativo. O tecido apical do hospedeiro exibe uma alta
taxa de síntese proteica, enquanto que as folhas inferiores
exibem uma taxa menor, mostrando-se, portanto, menos
Figura 34.19- Estruturas de algumas fitotoxinas não-seletivas. suscetíveis à ação da fitotoxina. A maioria dos isolados
da bactéria não produz a toxina em meio de cultivo sem a
prévia adição de compostos específicos contendo grupos
sintomas semelhantes ao da queima bacteriana não só aminados. Quimicamente, a tagetitoxina aparenta exibir
em forno como também em várias espécies de plantas de uma estrutura incomum, mostrando-se como um éster
diferentes famílias. A fitotoxina ocasiona efeitos drásticos fosfatado monocíclico com vários átomos de oxigênio
nas plantas, principalmente na alteração dos processos (Figura 34.19). A ação da toxina restringe-se aos cloro-
bioquímicos normais, o que a toma um fator muito plastos, onde inibe seletivamente a RNApolimerase. Não
importante na expressão da agressividade por espécies de afeta. porém, as RNApolimerases presentes nos núcleos e
Pseudomonas produtoras da mesma. Estruturalmente, a mitocôndrias das células do hospedeiro.
toxina mostra-se como uma mistura de dois dipeptídeos
análogos, contendo os aminoácidos tabtoxinina e treo- • Siringomicina - esta toxina, que e;,,:ibe um amplo espectro
nina (tabtoxina) ou tabtoxinina e serina (2-serina tabto- de atividade antimicrobiana e fitotóxica, é produzida por
xina) (Figura 34.20). A tabtoxina e a 2-serina tabtoxina várias cepas de Pseudomonas syringae pv. syringae. A
são sintetizadas como formas biologicamente inativas bactéria pode infectar um grande número de espécies
(pré-toxinas), as quais sofrem a ação de aminopeptidases vegetais pertencentes a diferentes gêneros de impor-
presentes nas bactérias ou nas plantas, liberando, respec- tância econômica (gramíneas, pereira, pessegueiro, etc.)
tivamente, treonina ou serina e o P-lactam da tabtox.i- causando, por exemplo, manchas em folhas e frutos,
nina (P-LT). O P-LT é o componente tóxico, inibindo queima de inflorescências e cancros em hastes. A fito-
a sintetase da glutamina (SG) nas plantas. A sintetase é tox ina, que é um importante fator na agressividade do
uma enzima chave no metabolismo celular, envolvendo a patógcno, causa sintomas de encharcamento, clorose e
assimilação do nitrogênio. Em função da inibição da SG, necrose em folh<1s de milho, companíveis aos sintomas
observa-se um acúmulo de amônia suficiente para desaco- causados pela presença da própria bactéria no hospe-
plar a fotofosforilação, o que resulta na inibição da fotos- deiro. A siringomicina mostra-se como um polipeptídeo
síntese e da fotorespiração (Figura 34.21), com a conse- contendo serina, arginina e fenilalanina, bem como os

406
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Sintetase do 100 necroses em tecidos de tubérculos de batata. Estudos


Glutamino
{% do Controle)
o .,_.,
l

demonstraram que as taxtominas causam alterações no
fluxo de ions, como o Ca 2• e H-, através da membrana

...~·
2.0
plasmática, além de morte celular programada e bloqueio
1.6
0 / da biossíntese de celulose. A estrutura básica das toxinas
~
... ~12
é representada por uma molécula de 4-uitroindol-3-il
J
~ lo.e
0.4 y .~
•--o-o o
contendo 2,5-dioxopiperazina, um dipeptídeo derivado
da fenilalanina e um aminoácido triptofono com radical
o nitrato, cuja biossíntese ocorre por via não-ribosomal.
-.°--o---°------_ • Fusicoccina é produzida pelo fungo Fusicoccwn amyg-
.,,4> -
'.li
80
1 o
doli, agente causal da murcha e seca de ramos em pesse-
!!!. "I EE
..s..., "40
• gueiro e amendoeira. Quando introduziJa no xilema ou
8 1
"' aplicada na superfície foliar dessas frutíferas ou em outras
~
& 120 t plantas não-hospedeiras, a toxina ocasiona sintomas simi-
t"'-~------- lares àqueles causados pelo patógeno. A fusicoccina é trans-
locada do sítio de infecção através do apoplasto para pontos
distantes no hospedeiro, onde causa os sintomas da doença.
Estruniralmentc. a toxina mostra-se como uma molécula
complexa. um glicosídeo diterpcnoide (Figura 34.19). Em
função da capacidade da fusicoccina em estimular drastica-
mente a plasticidade Ja parede celular, causando aumento
no tamanho das células, a toxina despertou também o inte-
resse de fisiologistas vegetais e passou a se constituir na
toxina fúngica melhor compreendida. A toxina liga-se a um
receptor proteico na membrana plasmática das células vege-
tais e passa a exercer seu efeito tóxico através da ativação
O0~~20~--,40~--,,.60,----110..__ _.100---'
120 da ATPase ligada à membrana, o que inJuz alterações no
sistema de transporte iônico celular. Como resultado da
Tempo Ch) ativação da ATPase, a célula passa a perder íons tt-, ocasio-
nando a imediata hiperpolari:c.ação da membrana (potencial
Figura 34.21 - Efeito da tabtoxina (Pseudomonas syri11gae pv. laba- da membrana toma-se mais negativo). o influxo de K- e
ci) sobre diferentes processos fisiológicos em tecido outros cátions, a entrada de glicose, sacarose e amino-
foliar de fumo. Folhas infiltradas com a toxina (• ) ou ácidos, a alcalinização do citoplasma e a acidificação
água (o) foram mantidas no escuro durante as pri- ex.tracelular (Figura 34.22). Em consequência da alcali-
meiras 16 horas; após esse periodo, as plantas foram nização do citoplasma, observa-se o acúmulo de maiato
expostas à luz (setas). e a inibição do caminho da pentose fosfato, enquanto que
Fonte: Adaptada de Tumer ( 1989). a acidificação do apoplasto mostra-se imponante na alte-
ração do crescimento celular. As alterações a nível celular
refletem-se, também, na nutrição mineral e em aumentos
ácidos 2,4-diaminobutírico, 2-amino-2-dehidrobutírico e na respiração e na transpiração das plantas. O au11Jento
P-hidroxidodecanoico. O principal modo de atuação da na taxa de transpiração ocorre devido ao desbalanço de
fitotoxina envolve alterações na membrana plasmática solutos nas células-guardas dos estômatos, o que resulta
das células vegetais e, dependendo da concentração, pode na abertura pennanente dos mesmos. Em função dessa
também, por exemplo, afotar a respiração e a produção de alteração no componamento dos estômatos, a planta
ATP em mitocôndrias isoladas de folhas de milho. A toxina passa a sofrer estresse hídrico, que leva ao dessecamento
pode formar multimeros que se inserem nas membranas foliar e à consequente morte dos tecidos.
causando a formação de poros, causando alterações no
transporte iônico e consequente lise celular. Isolados de • Tentoxfoa - é produzida por Alternaria alternata, ante-
P. syringae pv. syringae patogênicos a algumas espécies riormente conhecida como A. tenuis, fungo causador de
de citros exibem a capacidade de produzir uma toxina clorosc em plântulas de algodão e em várias outras espé-
denominada de siringotox.ina e não produzir a siringo- cies vegetais não-hospedeiras. A teotoxina é caracterizada
micina. A siringotoxina exibe atividade biológica similar como um tetrapeptideo cíclico, contendo os aminoácidos
àquela da siringomicina e aparenta ser um polipeptideo leucina, metil-alanina, glicina e metil-dihidrofenilalanina
contendo treonina, serina, glicina e oniitina. (Figura 34.19). Causa clorose nos tecidos vegetais através
da interferência no desenvolvimento dos cloroplastos e na
• Taxtominas-as taxtorninas A e B e seus diferentes análogos, inibição do acúmulo de clorofila. O mecanismo de ação
são produzidos por espécies de Streptomyces, principal- da toxina envolve a ligação da mesma ao fator de acopla-
mente por S. scabies. agente causal da sarna da batata. Em mento (C'F 1) nos cloroplastos, especificamente a um sitio
baixas concentrações (O, 1 uM) interferem no crescimento das subunidades da ATPasc. o que ocasiona a inibição
de plantas de diferentes famílias botânicas e induzem da CF 1ATPase e do transporte eletrônico na fotofosfori-

407
Manual de Fítopatología

FUSICOCCINA

Receptores proteicos

ATPose Membrcno
plosmótlca
Hlperpolorizoçoo

l
Acidlfioocõo Aleolinlzoc& do Influxo~
extrccelulor citoplasma
j K+ e cotions

!
Aumento no
plostlcldode do
parede celular
molofo'
Slntese de

Acúmulo de
moloto e K+
► Diminuiçõo do
potência/
osmótico

Gradiente de H+
Cotronsporte de solutos

AUMENTO NO Aumento no
VOUJME CEWLAR tugor ce/ulor

ABERTURA 00S
ESTOMATOS

Figura 34.22 - Efeito da fusicoccina (Fusicoccum amygdoli) em alguns processos celulares e fisiológicos. Alterações visíveis macroscopica-
mente mostram-se circundadas per linhas duplas na figura.
Fonte: Adaptada de Goodman et ai. (1986).

lação. Em função de sua ligação ao CFI' a tentoxina foi fusárico, uma das toxinas causadoras de murcha mais
a primeira fitotoxina a ter um sítio específico de ligação estudadas, ocasiona decréscimo na atividade respiratória
conhecido. Dependendo da família vegetal, a toxina em hastes de plantas de tomate, enquanto que a infecção
pode afetar todas as espécies de plantas, todas as espé- natural dos tecidos por F. oxysporum f. sp. lycopersici é
cies dentro de certos generos ou detenninadas espécies caracterizada por aumento inicial na respiração, seguido
dentro de um gênero. Aparentemente, essa seletividade é por decréscimo após o aparecimento dos sintomas.
determinada pela forma do CF1 que a planta possui nos Quimicamente, o ácido fusárico mostra-se como um deri-
cloroplastos. Espécies vegetais possuidoras de uma forma vado de piridina (ácido 5-butil-picolínico) (Figura 34. 19),
do CF, que se liga fortemente à toxina mostram-se sensí- e a presença do grupo carboxila na posição a do anel
veis e tomam-se cloróticas. Por outro lado, uma segunda nitrogenado é essencial para a toxicidade. O ácido fusá-
forma do CF I não se liga à tentoxina. Espécies vegetais rico é tóxico às células das plantas provavelmente devido
portadoras dessa forma, portanto, mostram-se resistentes à capacidade de ligar íons metálicos (agente quelante),
à toxina e pennanecem verdes. principalmente ferro, formando quelatos e, consequen-
• Ácido fusárico e licoma rasmina - essas toxinas são temente, inibindo enzimas oxidativas possuidoras de
produzidas por várias espécies de Fusarium oxysporum íons metálicos e alterando a respiração. Essa fitotoxina
(Tabela 34.3), agente causal de murchas vasculares em também causa, no hospedeiro, aumento na penneabili-
diferentes espécies vegetais (veja capítulo 25 desta obra). dade das membranas, o que resulta em alterações no equi-
O papel dessas toxinas na síndrome das murchas de Fusa- líbrio iônico e perda de eletrólitos pelas células. A licoma-
rium (caracterizadas por epinastia, obstrução e escureci- rasmina, caracterizada como um peptídeo contendo ácido
mento dos vasos do xilema, necrose e murcha dos tecidos aspártico, glicina e ácido pirúvico (Figura 34.19), também
dos hospedeiros) constitui objeto de controvérsia, pois se mostra como um forte agente quelantc, complexando
as murchas resultam de umâ interação complexa de dife- Cu 2+ e Fe2·. Aparentemente, a toxicidade da licomaras-
rentes toxinas, enzimas e honnônios. Aparentemente, as mina é aumentada pela presença de ferro e diminuída pela
toxinas mostram-se capazes de produzir somente uma presença de cobre, o qual forma um complexo estável com
parte dos sintomas da doença nos hospedeiros. O ácido a toxina. O quelato férrico, que se mostra solúvel em água

408
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

e induz um aumento inicial na respiração em tecidos de Stassen e Ackerveken (2011) que a proteína tóxica NLPPp.
tomateiro, é transportado para as folhas, onde é liberado, por exemplo, produzida por P. parasitíca pode desencadear
causando manchas necróticas nas extremidades foliares. morte celular em dicotiledôneas.
Embora seja produzida facilmente pelo fungo em meio
de cultivo, o papel da licomarasmina nas doenças não se 34.S.3. Fitotoxinas e Patogênese
mostra claro, visto a mesma ainda não ter sido detectada
com segnrança em tecidos doentes, provavelmente devido De acordo com Durbin (1983), do ponto de vista de um
à instabilidade dessa toxina quando em solução. patógeno em potencial, o hospedeiro pode ser visto simples-
mente como uma fonte de nutrientes. A taxa de utilização desses
• Piricularina e ácido a.-picolínico - essas toxinas são nutrientes controlaria a habilidade do microrganismo em crescer,
produzidas pelo fungo Magnaporthe grisea (Pyricularia reproduzir-se e/ou formar estruturas de sobrevivência. Nesse
oryzae), agente causal da brusone do arroz. A piricularina sentido, para ter sucesso nessas atividades, o patógeno deve
mostra-se tóxica a plantas superiores bem como a vários promover a degradação e a consequente assimilação de subs•
microrganismos. Quando aplicada em plantas de arroz tâncias do hospedeiro, bem como vencer os mecanismos de
suscetíveis ou resistentes, a toxina (mesmo em diluições resistência da planta. Dentro desse contexto, as toxinas podem
de 1:5.000.000) ocasiona aumento na atividade respira- apresentar um número variado de atividades potenciais, como
tória. Em variedadcis susc~tíveis, porém, induz sintomas mostrado no Boxe 34.2.
de clorose, manchas foliares e enfezamento de plântulas.
A fitotoxina mostra-se como um composto contendo
nitrogênio (C 18H1.Np 3) e altamente tóxica aos próprios Boxe 34.2 Atividades potenciais das fitotoxinas
conídios do patógeno (aproximadamente 10 vezes mais
tóxica ao fungo do que à planta hospedeira). Esse efeito As toxinas podem exibir um grande númer o d e
inibitório é evitado pelo fungo, que produz uma proteína atividades p otenciais durante a patogên ese, como por
contendo cobre, que se liga à piricularina, fonnando um exemplo:
complexo não tóxico ao patógeno, mas, ainda, altamente
• atuar como moléculas s upressor as, alterando
tóxico à planta hospedeira. M. grisea também produz o
o início e/ou a manutenção d a expressão dos
ácido a-picolínico, altame.ote tóxico a plantas de arroz
m ecanismos de resistência do hosp ed eiro;
(0,5 ng do ácido é suficiente para produzir uma lesão
necrótica na folha após a infiltração). O ácido picolínico, • danificar as células da planta e promover a libe-
da mesma forma que o ácido fusárico, tem propriedades ração d e nutrientes para as atividades m et a bó-
quelantes, sequestrando íons de ferro e cobre do inte- licas do patógeno;
rior dos tecidos da planta. Esses efeitos tóxicos podem • ocasionar a liberação de enzimas d egrad ativas
ser revertidos pelo fornecimento désses íons metálicos presentes em organelas do hosp edeiro;
à planta.
• propiciar um microambiente adequad o para o
• Elicitinas - são proteínas de baixa massa molecular (em patógeno;
tomo de 10 kDa) isoladas de espécies de Phytophthora e • facilitar o movimento do patógeno através da
Pythium. Embora as elicitinas exibam como característica planta;
principal a indução de respostas de hipersensibilidade em
plantas de fumo e brássicas, com consequente necrose, em • promover e acelerar a senescência do hospe-
alguns casos elas parecem exibir um papel duplo de toxinas deiro;
e eliciadores. Por exemplo, PhytopJuhora nicotianae, pató- • inibir a invasão secundária da planta por o utros
geno de tomateiro, secreta um peptídeo denominado de fito- microrganismos.
forina (3,3 kDa e 25 aminoácidos), o qual é muito menor do
que as elicitinas. Esse peptídeo ocasiona murcha e clorose
em folhas de tomateiro, além do que forma agregados com
componentes não-tóxicos, causando a perda de eletrólitos Os fitopatógenos produzem uma variedade de compostos
por parte dos tecidos da planta. secundários em meio de cultivo, os quais exibem atividade fitotó-
xica. Somente uma pequena proporção desses compostos, porém,
• NEP-like proteins - existem duas famílias de pro-
desempenha alguma função nas doenças. Para estabelecer o papel
teínas tóxicas sintetizadas por oomicetos: proteínas PcF/
de uma toxina no processo doença, o que nem sempre é fácil.
SCR e proteínas do tipo NEPl (Nepl-Like Proteins,
algumas questões devem ser respondidas (Boxe 34.3).
NLPs). NLPs são melhor descritas entre diversas espé-
cies, especialmente aquelas do gênero Phytophthora. A elucidação da estrutura química das toxinas mostra-se
Sua função está estritamente associada à indução de como um ponto chave no eutendimento do papel das mesmas no
morte celular, ou necrose, em hospedeiros, facilitan- processo doença, visto proporcionar subsídios para os estudos
do o desenvolvimento e a colonização dos tecidos pe- envolvendo estrutura e função biológica, sítios de ação e cami-
los patógenos, principalmente em suas fases necrotróficas nhos metabólicos de biossíntese e degradação.
(Stassen & Ackerveken, 2e11). Proteínas dessa família As toxinas podem induzir nas plantas muitos dos sintomas
contam com urna distribuição relevante entre espécies de comumente observados nas doenças, quando na presença dos
Phytophthora, entre elas NPP I de P. parasitica, PsojNlP de patógenos, como clorose, necrose, murcha, encharcamento e alte-
P. sojae, e PiNPPl de P. infestans. Foi relatado ainda por rações no crescimento. Assim, a reprodução dos sintomas típicos

409
Manual de Fitopatologia

C. victoriae possuem a victorina. a qual é liberada dentro de 3 horas


Boxe 34.3 Estabelecimento do papel de uma toxina
durante a ge1T11inação dos mesmos sobre lâminas de vidro ou folhas
na patogênese
de aveia. De modo semelhante. os conídios d,e C. heterostrophus
(B. maydís). raça T, liberam a toxina T dentro de 5 a 10 minutos
Algum as questões, coroo as exemplificadas abaixo, após a suspensão dos mesmos em água, sugerindo a existência da
devem ser respondidas para se avaliar o possível papel toxina ou de um precursor imediato da mesma nos esporos não
de um composto durante o processo doença (Knoche genninados. Os conídios dormentes de A. alrernata(A. kik11chiana)
& Duvide, 1987): não possuem a toxina AK, mas. dentro de quatro horas durante a
• o composto tóxico mostra-se como um agente germinação, são capazes de sintetizá-la e cada esporo libera uma
causal da doença, um a rtefato de cultivo ou uma quantidade suficiente de toxina ( I 0-6 µg) capaz de alterar as ativi-
substância acidental produzida nos estádios dades metabólicas de aproximadamente 100 c-élulas cm folhas de
finais da doença? cultivares de pereira suscetíveis.
• quando a toxina é produzida durante o processo A maior parte das informações disponíveis sobre o papel
doença? das fitotoxinas na patogênese é baseada nos t:ventos envolvendo
a penetração e o estabelecimento inicial dos pntógenos nos hospe-
• qual ou quais funções metabólicas no hospe- deiros. A penetração de folhas de aveia por isolados do patógeno
deiro são especificamente afetadas pela toxina? C. victoriae, produtores ou não de victorina, e por C. carbnnwn.
• qual ou quais mecanismos moleculares são um patógeno do milho. mostra-se a mesma 12 horas após a
utilizados pela toxina para exercer sua interfe- inoculação dos tecidos com os conídios s1L1spensos em água.
rência no metabolismo do hospedeiro? Até o final desse período, o crescimento dus hifas dos fungos
• de que maneira a interferência da toxina 110 ocorre nas células epidélTllicas da planta. A colonização exten-
metabolismo do hospedeiro contribui para o siva dos tecidos do mcsófilo foliar ocorre 36 horas mais tarde e
desenvolvimento da doença? é realizada somente pelos isolados de C. victoriae, produtores da
toxina. Entretanto, quando as folhas de plantas de aveia suscetí-
• a toxina contribui para com a seletividade do veis são inoculadas com conídios de C. cm·bonum ou de isolados
patógeno em relação ao hospedeiro? de C. 1·ic:toriae não toxicogênicos na presença de victorina, esses
• qual o mecanismo de síntese da toxina e como fungos adquirem a capacidade de colonizar as folhas de maneira
a regulação da mesma é exercida durante o similar à dos próprios isolados toxicog<!1nicos do patógeno
processo doença? C. victoriae. Estudo similar em milho mostrou que a penetração
de tecido foliar pelo patógcno C. carhn1111m ou pelo não pató-
• qual a impo rtância da toxina na sobrevivência
geno C. victoriae ocorre de forma semelhante. A coloni1ação
do patógeno na ausência da planta.hospedeir,t?
das folhas suscetíveis, porém, é conseguida somente pela raça de
C. carbonum produtora da toxina HC ou ·por C. victoriae na
presença da referida toxina. Da mesma maneira, estudos com um
da doença no hospedeiro, a nível ultraestrutural e macroscópico, isolado não patogênico de A. alternara (A. kikuchiana) demons-
quando da aplicação de uma toxina em concentrações füiológicas, traram a capacidade do fungo em colonizar folhas de pereira
constitui-se em critério útil na avaliação do papel da toxina na suscetível somente quando os tecidos eram inoculados com
doeuça. Não se deve esquecer, porém, que as toxinas nem sempre conidios na presença da toxina AK. Os resultados dos experi-
são as responsáveis exclusivas pelos sintomas observados, haja mentos acima e de outros de natureza similar fornecem subsí-
vista que os mesmos podem ser induzidos por outros fatores. Por dios para o possível entendimento do papel das toxinas seletivas
outro lado. deve-se ressaltar a importância de estudos ultraestru- liberadas durante a germinação dos esporos, levando a conclu-
turais envolvendo a observação de alterações induzidas por fito- sões como: a) as moléculas de toxinas liberadas antes da pene-
toxinas nas plantas. Essas alterações a nível subcelular podem tração da superficie do hos~deiro mostraJm-se indispensáveis
ocorrer rapidamente, em segundos ou minutos após o tratamento para a subsequente colonização dos tecidos da planta; b) essas
dos tecidos com a toxina. fornecendo informações valiosas quanto toxinas têm como função inicial promover pequenas alterações
ao possível sítio primário de ação do composto. No estabeleci- nas atividades metabólicas do hospedeiro, gerando algum tipo
mento do papel de uma fitotoxina no processo doença. a detecção de irritação nas células do mesmo, facilitando o crescimento do
da toxina no tecido doente, bem como o isolamento da mesma patógeno; o acúmulo posterior dessas toxinas na planta contri-
a partir dos tecidos lesionados, mostra-se também como critério buiria para a mone das células e consequenti: necrose dos tecidos
da mais alta importância. Esse feito, porém, tem sido conseguido dos hospedeiro: c) a ação dessas toxinas resulta na supressão
somente com algumas fitotoxinas, pois as concentrações desses da expressão do mecanismo geral de resistência presente nas
compostos são geralmente baixas e os tecidos doentes das plantas plantas suscetíveis.
hospedeiras também exibem a capacidade de produção de outros Os resultados mais conclusivos sobre a importância das
compostos tóxicos. fitotoxi nas na patogencse resultam de estudos genéticos conven-
Dependendo do microrganismo produtor, as fitotoxinas cionais. envolvendo as plantas hospedeiras e os respectivos
podem estar envolvidas em parte ou em todos os estádios da 11atógenos fúngicos. O controle genético dai resistência e susce-
infecção e colonização dos tecidos c!o hospedeiro pelo patógeno. tibilidade em aveia e milho, rcspcctivamentc, a C. victoriae e
Em alguns fungos, as toxinas seletivas podem estar presentes C. carhonum, raça 1, envolve um único par de alelos, onde
nos conídios não gelTllinados ou podem ser sinteti✓.adas e libe- a resistêm,--ia a C. victoriae é recessiva e a C carbonum, domi-
radas durante a germinação. Cooidios de isolados patogênicos de nante. A tolerância e a sensibilidade desses hospedeiros às toxinas

410 .
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

produzidas por esses fungos são controladas pelos mesmos Inúmeros microrganismos 6topatogênicos podem sintetizar
pares de alelos envolvidos na resistência e suscetibilidade dessas hormônios de crescimento. Essas substâncias, porém, são consi-
plantas aos respectivos patógenos. Dessa maneira, todos os genó- deradas como fatores de agressividade. Diferentemente das fito-
tipos de aveia e milho snscetíveis a esses fungos mostram-se toxinas (compostos produzidos pelo patógeno e não sintetizados
sensíveis, respectivamente, à toxina victorina ou à toxina HC. pela planta), muitas substâncias exibindo atividade hormonal
Por sua vez, todas as espécies vegetais e genótipos de aveia ou produzidas pelo fitopatógeno também são produtos do metabo-
milho resistentes a esses fungos mostram-se tolei:antes às fito- lismo da planta. Embora essas substâncias honnonais geralmente
toxinas produzidas pelos mesmos, enquanto que g;enótipos com não se mostrem tóxicas quando produzidas pelas próprias plantas,
resistência intermediária mostram-se intermediários na sensibi- o desequilíbrio honnonal criado no hospedeiro devido à síntese de
lidade às toxinas. No caso das toxinas seletivas, pdo menos em um fitohormônio por um microrganismo invasor mostra-se como a
três situações C. heterostrophus (B. maydis), raça T, C. victoríae e verdadeira causa de expressão da agressividade, o que pode levar
C. carbonum, raça 1, a produção das mesmas foi demonstrada a alterações no crescimento e/ou "aceleração" da senescência em
estar geneticamente correlacionada com a patogenicidade ou órgãos da planta (Figura 34.24). Em l'unção dessa alteração no
agressividade fúngica. Tomando como exemplo C. carbonum l;quilíbrio hormonal, as plantas passam a cxibir um cn.:scimcntu
é C victoriae, todos os isolados que produzem as respectivas anormal, evidenciado por uma variedade de sintomas, como enfe-
toxinas induzem doença nos respectivos hospedeíro,s. Os isolados zamento. supcrcrescimcnto, roseta (cncu11amento dos entrenós),
que não produzem a toxina HC ou a victorina, consequente- excessiva ramificação das raízes e ramos, epinastia, desfolha e
mente, não incitam a doença cm milho ou aveia, respectiva- supressão do crescimento das gemas. Como apontado por Dianese
mente. Essas relações são observadas tanto em isolados fúngicos ( 1990), os distúrbios hormonais nas plantas são característicos de
selvagens como em mutantes não produtores de toKina. A desco- interações patogênicas mais evoluídas, como nas murchas vascu-
berta e a caracterização do ciclo sexual em Coc/1/iobolus spp. lares, tumores, galhas, hérnias, como também nas ferrugens,
(fomrn perfeita de Helminthosporium spp.) abriu as portas para a nos carvões, nos míldios, nos oídios e nas vassouras-de-bl'Uxa.
análise genética desses fungos. Cruzamentos de C. victoriae com As alterações no metabolismo hormomil de plantas sadias, que
C. carbonum, raça 1, resultaram em progênies qiue produziam ocorrem em função da presença de agentes fitopatogênicos, são
victorina ou toxina HC, ambas as toxinas ou nenhuma dai; toxinas abordadas no Capítulo 36 desta obra e em Broekaert et ai. (2006),
numa razão de 1: 1: 1: 1. A progênie produtora de victorina causava Stangarlin & Leite (2008) e Shigenaga & Argueso (2016).
doença somente em aveias portadoras do gene Vb, enquanto • Auxinas - constituem o principal grupo de hom1ônios
que as produtoras da toxina HC causavam doença somente em envolvidos no controle de vários processos de crescimento
milho portador do gene hm. As progênies produtora1s de ambas as nas plantas, em geral aumentando a plasticidade da parede
toxinas, por sua vez, podiam causar doença em genótipos susce- das células e promovendo o crescimento através do alon-
tíveis de aveia ou milho, o que não ocorria com as progênies não gamento celular. Aparentemente, esse mecanismo de ação
produtoras das toxinas. Nesses estudos, sem exee,;-;ão, a capaci- envolve a síntese de mRNA, com a consequente produção
dade dos fungos em causar doença foi correlacionada com a habi- de enzimas especificamente ligadas ao controle do meta-
lidade dos mesmos em produzir as respectivas toxiinas. bolismo da planta. A principal auxina encontrada nos
Atualmente, em função dos avanços na biologia mole- vegetais éo ácido indolil-3-acético (AIA) (Figura 34.23),
cular, os trabalhos de pesquisa envolvendo os estudos das corre- que é sintetizado em folhas e brotações jovens a partir
lações em progênies segregantes de microrganismos fitopatogê- do aminoácido triptofano e translocado rapidamente em
nicos produtores de fitotoxínas começaram a ser suplementados direção às raízes, para os tecidos mais velhos. Nos vege-
pelo uso das poderosas ferramentas moleculares disponíveis tais, o AIA é constantemente oxidado por um complexo
(ver Capítulo 37 desta obra). Em vista da tecnologia
já existente, através da qual, por exemplo, patógenos
fúngicos produtores de toxinas podem ser transfor-
mados, os genes Tox, que detemlinam ou regulam a CITOCININA
biossíntese desses compostos, começaram a ser isolados AUXINA GIBEREUNA
e clonados. A disponibilidade desses genes clonados
já vem contribuindo para a melhor compreensão da
importância das fitotoxinas no processo doença.
HO

34.6. HORMÔNIOS ÁCIDO INOOLIL -:5- ZEATJNA


ACÊTJCO (AIA) ÁCIDO GIBERÉUCO
Hormônios ou substâncias de crescimento :são (GA )
compostos que ocorrem naturalmente nas plantas, ativos
em concentrações baixas e que possuem a capacidade, de
promover, inibir ou modificar qualitativamente o cres-
C 2H4
cimento das plantas, geralmente agindo à distância do
sítio de produção. Tradicionalmente, cinco grupos de ETILENO
substâncias sâo considerados como hmmônjos vegetais: Ac!OO ABSCÍSICO
1) auxinas, 2) giberelinas, 3) citocintnas, 4) etileno
(hormônios gasosos) e 5) ácido abscísico (inibidores)
(Figura 34.23). Além desses grupos, pode-se citar os Figura 34.13 - Hormônios vegetais de ocorrência natural.
jasmonatos, o ácido salicílico e os brassinoesteroidei:. Fonte: Adaptada de Elstner (1983 ).

4.ll
Manual de Fitopatologia

Expressão Mudanças nas


gênica -► Membranas

Citocininas Fatores de senescência


Giberelinas Acido JU>sclsico
Auxinas Etileno

Aumento na síntese Dec:llnio na slntese


Alto "tumover" de Aument,o na degradação de
macromoléculas macromoléculas

Manutenção da
Percla da integridade
integridade das
das membranas
membranas

Longevidade Senescência

..
Figura 34.24 - Regulação hormonal da senescência em plantas. Fitopatógenos podt!m "acelerar" a senescêncía em função da produção de
hormônios e consequente desequilíbrio hormonal no hospedeiro.

enzimático conhecido como AIA oxidase, o que resulta auxinas como, por exemplo, extremidades de caules e
em baixos níveis da auxina nos tecidos. O AIA mostra-se ramos jovens, folhas jovens, sementes e embriões em
ativo nas plantas em concentrações muito baixas (10·5 a des1~nvolvimento, sendo transportadas de forma apoiar
1Q.6 M), seudo também produzido por inúmeros fitopató- no interior das plantas. Essas substâncias são diterpeoos
genos fúngicos e oomicetos (Fusarium oxyspornm f. sp. cíclicos e mostram-se ativas nos tecidos das plantas em
cubense, Gymnosporangium juniperi-virginianae, Phyto- concentrações de 0,001 µgim!. Nos vegetais, as gibere-
phthora infestans, Plasmodiophora brassicae, Taphrina linas estão envolvidas no alongamento dos entrenós, na
deformans, Ustilago maydis, Verticillium albo-atrum) e rev,~rsão do uanismo, na indução da floração, na manu-
bacterianos (Agrobacterium tumefaciens, Pseudomonas ten,,ão da divisão celular e dominância apícal, bem como
savastanoi pv. savastanoi, Ralstonia solanacearom), na indução de enzimas, principalmente para a produção
além de microrganismos saprófitas. de amido e síntese da parede celular. Em função do papel
• Giberelinas - mostram-se como substâncias relacionadas que desempenha na promoção do crescimento, exibindo
ao ácido giberélico (GA3) (Figura 34.23). O ácido gibe- efeitos similares ao das auxinas, tem sido sugerido que os
rélico, bem como outras substâncias giberelínicas, foram efeitos do ácido giberélico podem aumentar a ação e esti-
isolados e purificados pela primeira vez a partir de mular a síntese das auxinas nas plantas.
extratos do fungo Gibberella fujikuroi (forma perfeita
de Fusarium moniliforme), um patógeno causador de • Ciltocininas - são os principais hormônios envolvidos no
superalongamento em plantas de arroz. Em segnida, controle do ciclo celular (indução da divisão das células).
as giberelinas foram isoladas e caracterizadas a partir No,rmalmente, exercem seus efeitos em conjunto com
de tecidos de vegetais superiores. Várias outras espé- outros reguladores de crescimento corno, por exemplo,
cies füngicas (Phellinus pomaceus, Verticillium albo- as auxínas. As citocininas estimulam o crescimento de
atmm, V. dahliae) e bacterianas (Pseudomonas spp.) gemas laterais, inibem a senescência dos tecidos vege-
podem também produzir giberelinas. A síntese das gibe- tais e promovem a germinação de sementes dormentes.
relinas parece ocorrer nos mesmos locais de síntese das Alteram, também, o transporte e o acúmulo de nutrientes,

412
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

direcionando o fluxo dos mesmos para os locais com altas nas plantas, por exemplo, podem resultar de alterações nos níveis
concentrações do hormônio. A biossíntese das citoci- de auxinas e gibe.relinas, enquanto que a qneda prematura de
ninas ocorre principalmente em células de raízes, sendo folhas pode ser um reflexo de alterações no nível de auxinas, ácido
posterionnente translocadas através do xi lema para outras abscisico e etileno. Além disso. fungos e bactérias fitopatogênicos
regiões da planta. Esses hormônios podem, também, ser podem sintetizar muitos dos hormônios produzidos pelas próprias
sintetizados por vários microrganismos (Agrobacterium plantas, na maioria das vezes através da mesma rota biossintética.
tumefaciens, Rhodococcus fascians, Exobasidium sp., o que toma dificil discernir se. os efeitos observados devem-se aos
Nectria galligena, Taphrina cerasi). A primeira citocinina hormônios produzidos e liberados pelos microrganismos ou se as
conhecida, a cinetina. foi isolada a partir de esperma de alterações hormonais nas plantas devem-se a efeitos decorrentes
arenque. A zeatina, por sua vez, foi a primeira citocinina das atividades dos fitopatógenos. Finalmente, os microrganismos
isolada de plantas. Quimicamente, as citocininas são deri- fitopatogênicos, além da capacidade de produção de fitohormô-
vadas da base nitrogenada adenina e exibem uma cadeia nios, podem também produzir outros compostos que atuam ou
lateral isoprenoide (Figura 34.23), mostrando-se ativas funcionam de maneira similar ao das substâncias de crescimento
nas plantas em concentrações muito baixas (I µg/quilo de produzidas pelas plantas. Entre esses compostos, os· quais difi-
peso fresco de tecido vegetal). cultam o estudo dos honnõníos produzidos por microrganismos
durante o processo doença, pode-se citar algumas füotoxinas
• Etileno - caracterizado como um hormônio vegetal gasoso,
como, por exemplo, a fusicoccina (Fusicoccum amygdali) e o
um hidrocarboneto insaturado (Figura 34.23), é sintetizado
helmintosporal (Cochliobolus sativum).
a partir do aminoácido merionina, na presença de luz. Pode
ser produzido por vegetais superiores e microrganismos A despeito das dificuldades acima apontadas, pelo menos
fitopatogênicos ( Ceratocystis fimbriata, Fusarium oxys- para três fitopatógenos bacterianos (Pseudomonas savastanoi
porum f. sp. tulipae, Vertici/lium albo-atrum, Erwinia pv. savastanol, Rhodococcus fascians e Agrobacteri11m spp.) as
carorovora, Ralstonia solanacearum) c é efetivo nos evidências indicam que a biossíntese de fitohonnônios por esses
tecidos vegetais em concentrações baixas (l ng/litro). O microrganismos constitui fator importante nas interações com
etileno está envolvido em vários aspectos do controle de as plantas. No caso de P. s. pv. savastanoi, patógeno causador
crescimento e desenvolvimento dos vegetais, induzindo, de galhas em tecidos de oliveira, espirradeira (Nerium oleander)
por exemplo, a germinação de sementes e a fomrnção e ligustre (Ligustrum v11lgare), a bactéria produz quantidades
de raízes adventícias, a maturação de frutos, a floração elevadas de ácido indolil-3-acético em meio de cultivo (Aragon
de plantas, a senescência (degradação de pigmentos), a et ai., 2014). As enzimas chaves (triptofano monooxigenase
epinastia, a desfolha e a inibição do crescimento. Pode. e indolacetamida hidrolase) envolvidas na síntese do AIA pelo
também, promover aumentos na permeabilidade das microrganismo já foram caracterizadas e têm os seus genes codi-
membranas celulares. ficadores localizados em um plasmideo. O AIA mostra-se neces-
sârio para a formação de galhas nas plantas, um sintoma de hipe-
• Ácido abscísico - é o principal inibidor do crescimento rauxinia, e para a virulência do patógeno. Estudos com mutantes
em plantas. O ácido abscísico (ABA) pode estar envol- bacterianos AIA deficientes, os quais não produzem o fitohor-
vido na dormência de gemas, na inibição do crescimento, mônio, revelaram que esses mutantes não causavam galhas,
na inibição da germinação de sementes, no fechamento enquanto que mutantes com alta capacidade de produção do AIA
dos estômatos e na abscisão de folhas e frutos. O ABA (duas vezes mais do que o isolado selvagem) eram responsáveis
é um isoprenoide (Figura 34.23), sintetizado através do pelos sintomas mais severos nas plantas. O tamanho das galhas
caminho metabólico do ácido mevalônico. Embora seja induzidas pela bactéria podia, em grande parte, ser correlacio-
quimicamente similar ao ácido giberélico (GA3) e produ- nado com a quantidade de AJA sintetizado in vitro pelo micror-
zido através do mesmo caminho bioquímico, o ABA ganismo. Embora a incapacidade de produção do AIA represente
praticamente ocasiona efeitos opostos aos efeitos do uma perda de agressividade pelo patógeno, o crescimento da
GA3 nos tecidos vegetais. Alguns fungos fitopatogênicos, bactéria em meio líquido ou na planta não é afetado, o que indica
como Botrytis cinerea e Mycosphaerel/a cruenta, podem a não essencialidade do AIA no crescimento parasítico e na sobre-
produzir ácido abscísico. vivência de P. s. pv. savastanoi.
Rhodococcus fascians causa fasciação e proliferação exces-
34.6.1. Hormônios e Patogênese siva de ramos, sintomas conhecidos como vassoura-de-bruxa,
Embora existam inúmeras interações planta-patógeno onde em inúmeras plantas dicoti\edôneas. Em meio de cultivo, essa
as mudanças no equilíbrio honnonal das plantas podem ser quan- bactéria produz substâncias que exibem atividade de citocininas
tificadas e associadas com sintomas de crescimento anormal dos quando aplicadas nas plantas. Em plantas de ervilha, por t?xemplo,
tecidos (galhas, tumores, superalongamentos, encurtamento de essas substâncias induzem pane dos sintomas característicos dn
entrenós, etc.) (Stangarlin & Leite, 2008), o papel -das substân- infecção natural dessa leguminosa pela bactéria. Uma correlação
cias de crescimento produzidas por fitopatógenos no desenvol- positiva já foí demonstrada entre a produção dessas citocininas
vimento das doenças ainda não é bem compreendido. Inúmeros pelo patógeno em meio de cultivo e a agressividade do mesmo.
fatores parecem contribuir para n limitação dos estudos nessa ãrea. Aparentemente, a produção de citocininas por R. fascians é codi-
O controle hormonal do metabolismo vegetal mostra-se compli- ficada por um grande plasmídeo. Isolados baeterianos contendo
cado, visto que as substâncias de cre~cimento geralmente atuam esse plasmideo mostraram-se mais agressivos do que os isolados
em conjunto (Shigenaga & Argueso, 2016). Assim. toma-se dificil contendo pequenos plasmídeos, enquanto que os isolados despro-
estudar isoladamente a importância dos fitohonnônios produzidos vidos de plosmídeos mostraram-se avirulentos. Os experimentos
por patógenos durante o processo doença. Sintomas de nanismo acima, além de apontarem para a importância das citocininas na

413
Manual de Fitopatologia

agressividade de .R. fascians, sugerem que esses fitohormônios fasciens). Com relação ao papel dos fitohonnônios nas doenças,
podem estar envolvidos nos sintomas de vassoura-de-bruxa em sob condições adequadas, as agrobactérias podem produzir in
várias doenças de plantas. Porém, pesquisa recente aponta que vilro auxinas e citocininas. As bactérias sem os piasrníde.os Tí
somente a isopenteniladenina citocinina seria suficiente para ou contendo os plasmídeos Ti, porém sem a região T, causam a
Rhodococcus exibir patogenicidade, o que não é consistente com tumefação dos tecidos vegetais invadidos, mas são incapazes d.e
a ideia de que urna mistura de citocininas é necessária para a induzir tumores. A formação de tumores requer at transferrência
bactéria causar galhas nas folhas {Creason et ai., 2014). e a expressão dos genes do T-DNA nas células vegelais, o que
O gênero Agrobacterium possui vários membros que se constitui no principal determinante da doenç.ai. No entanto,
podem induzir a fomrnção de galhas ou tumores em raízes, ramos os hormônios produzidos pelas bactérias poderiam ft.mdo11ar da
e pecíolos de inúmeras espécies vegetais. A. tumefasciens cons- seguinte maneira durante o início da interação: pma a forma.ção
titui-se no fitopatógeno bacteriano mais conhecido e estudado. dos tumores, as agrobactérias requerem ferimentos nos tecidos
A capacidade de induzir tumores deve-se à presença de plasmí- das plantas, o que resulta na indução da divisão celular e. ai. conse-
deos, denominados Ri e Ti. A indução dos tumores é acompa- quente transformação das células vegetais durante esse períod~;
nhada pela transfe:rência de partes específicas desses plasmídeos em tecidos feridos, mas não inoculados com bactérias, a, divisão
para o interior dais células vegetais, onde são incorporadas ao celular cessa após alguns ciclos; mostra-se, porém, c.onllmJa em
D"Nf\. óo núc\eo ô.a cé\u\a. "Essa parte específica à.os -p\asmí.àeos \ec,à.o':. teúdos e '\)Ortaàore':. das bactér\as; ass\m1 ª"' au1úwa$ 1:
é chamada, enquanto na bactéria, de região T, e de T-DNA, após citocininas produzidas pelas agrobactérias poderiam causar a
a incorporação ao ácido nucleico das plantas. O DNA transfe- manutenção da divisão celular desencadeada pelos ferimentos alé
rido das células bacterianas é responsável pelo aparecimento de que o região T fosse completamente transferida das bactérias e
novas propriedades nas células vegetais transformadas. Essas ativada nas células vegetais.
células passam a sintetizar, por exemplo, novas substâncias que
34.7. POLTSSACARÍDEOS EXTRACELULARES
são utilizadas de maneira seletiva pelas agrobactérias, e os genes
envolvidos no catabolismo dessas substâncias encontram-se nos Muitas bactérias fitopatogênicas produzem pollssacarldeos
plasmídeos. Essas substâncias são denominadas opinas e os plas- extracelulares (PSE) na planta hospedeira ou em meio de cultivo
mídeos são normalmente classificados conforme o tipo de opina (Ghods et al., 2015). Os PSEs podem estar associados corm a célula
que induzem nas céfulas vegetais. As células das plantas passam bacteriana ou serem secretados para o meio, sendo represemados
também a produzir quantidades excessivas de auxinas e citoci- por homo ou heteropolissacarídeos (Tabela 34.5).. Além. disso,
ninas. Os T-DNAs também causam a multiplicação desordenada as bactérias também podem produzir lipopolissacairideos (LSP),
das células vege1tais transformadas, o que resulta, por exemplo, os quais são encontrados na membrana extemat das. bac:tirias
na proliferação 1!xcessiva de raízes (no caso de infecção com Oram-negativas. Durante a vida saprofítica ou epifítico, os, PSF.s
A. rhizogenes) e em tumores (no caso de infecção com A. fl11ne- podem proteger as bactérias contra o dessecametifo, auirn:e.11laf a

Tabela 34.5 -. Ex1:mplos de polissacarideos extracelulares produzidos por bactérias fitopatogênicas.

Bactéria 1 rodutora l'olissacarídco Principais rnmponcntes

Celulose Glicose
Agrobacterium tumefaciens Glicana-P-1,2 cíclica Glicose
(Rhizobium 1•adiobacter) Succinoglicana Glicose, galactose

Levana Frutose
Envinia amylovora Galactose, ácido glicurônico
Amilovorana

Clavibacter michiganensis Tipo A Fucose, galactose, glicose


subsp. insidiosus TipoB Galactose, fucose, ramnose, manose, glicose

C. michiganensis Fucose, galactose, glicose


Tipo A
subsp. michiganensis

C. michiganensis Tipo A Manose, fucose, galactose, glicose


subsp. sepedonicus TipoB Manose, fucose, galactose, glicose, ramnose, ribose

Pantoea (Envínia) stewartii Stewartana Glicose, galactose, ácido glicurônico

Levana Frutose
Pseudomofi'as syringae Ácido manurônico, ácido glicurônico
Algínato

Xanfomonas campestris Xantana Glicose, manose, áciclo glicurónico

Pseudomonas syringae pv. Ranmana-a-D ramificada Ramnosc. fucose, glicose


actinoidíae Glicana-U-1,4 Glicose

414
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

adesão à superficie, concentrar nutrientes e reduzir o contato com A fitoalexina pisatina, produzida em tecidos de ervilha, é
determinadas macromoléculas. Quando os PSEs formam a cápsula, metabolizada através de desmetilaçào para um composto menos
as bactérias mostram-se mais resistentes à ação de detergentes e fungitóxico (Capítulo 35 desta obra). A enzima pisatína demeti-
determinados antibióticos. Além disso, os PSEs também pode atuar lase, responsável por essa detoxificação, foi estudada em isolados
como fatores de patogenicidade ou agressividade. de Haemotonectria haemotococca. Observou-se que a patogeni-
Muitas vezes, os PSEs podem estar envolvidos nos sintomas cidade desse fungo em ervilha é dependente da existência de um
em murchas, visto que os mesmos podem efetuar a oclusão sistema demetilase ativo produzido pelo mesmo. Assim, uma
vascular. Por exemplo, R. solanacearum, agente causal de correlação existe entre a patogenicidade de H. haematococca
murcha bacteriana em batata e tomate, produz um PSE, o qual se sobre ervilhas e a habilidade do fungo em detoxíficar e mostrar-se
acumula ao redor das células bacterianas. Quando a bactéria se insensível à fitoalexina.
multiplica no sistema vascular, esse PSE pode contribuir com Vários patógenos, como Ascochyta sp., Mycosphaerella sp..
a murcha em função da obstrução do xilema e, consequente Phytophthora sp. e Uromyces sp. podem produzir, no sitio de
redução do fluxo de ágna. infecção, moléculas denominadas de supressores, as quais inter-
Vários mutantes não produtores de PSEs, pertencentes a ferem nos mecanismos de defesa das plantas. Por exemplo,
diferentes espécies bacterianas, como P. stewanii, E. amyfovora, Mycosphaerella pinodes, um patógeno de ervilha, secreta glico-
X campestris e R. sofanaceraum, exibiram redução na agressividade peptídeos aptos a impedir o acúmulo de pisatina. Muitos desses
ou mesmo perda da patogenicidade. Por exemplo, os PSEs amilovo- supressores podem atuar impedindo o reconJ1ecimento do elicitor
rana e stewartana são considerados responsáveis pelos sintomas pelo receptor, a transdução de sinal, a transcrição de genes de
de murcha causados por E. amyfovoro e P. slerwarlii, respectiva- defesa e pós-transcricionalmente, ligando-se a proteínas de defesa
mente. Estudos com mutantes dessas bactérias mostraram que a e alterando a especificidade das mesmas. Em geral, os supres-
multiplicação das mesmas era reduzida no hospedeiro e que esses sores também podem ser considerados "efetores" (mais detalhes
polissacarídeos eram essenciais para que os sintomas fossem abaixo).
incitados. Em X campestris pv. campestris, a obstrução dos vasos
ocorria quando a multiplicação bacteriana era máxima, e os 34.8. 1. Efetores nas Interações Planta-Patógenos
mesmos estavam preenchidos principalmente de goma xantana. Microrganismos do solo e do ar. nematoides e insetos
sendo que mutantes deficientes na produção da goma exibiam tentam incessantemente obter nutrientes das plantas para comple-
redução na agressividade. tarem seus ciclos de vida. A co-evolução com esses atacantes
produziu um sistema de vigilâocia imunológica composto por
34.8. O UTROS FATORES ENVOLVIDOS
receptores de reconhecimento de padrões moleculares associados
NA PATOGE ICTDADE a micróbios/patógenos (MAMPS/PAMPS, do inglês microbel
Além do fatores descritos anteriormente, os patógenos pathogen associated molecular patterns) e ativa uma defesa
também possuem genes, cujos produtos são importantes no basal chamada imunidade desencadeada por padrões (PT!, do
processo de patogenicidade por evitarem a ativação do sistema inglês pattern triggered immunity), um estado que impede a
de defesa das plantas (Medeiros et ai., 2003). Como ilustrado colonização do hospedeiro por '"patógenos não adaptados". Em
na Tabela 34 .6, os mesmos podem estar envolvidos na proteção contraste, patógenos ditos "adaptados" evoluíram moléculas
contra espécies reativas de oxigênio, aJesão de propágulos, dife- efetoras que são codificadas por genes de virulência e secretadas
renciação de estruturas, bloqueio da reação de hipersensibilidade, por estruturas de invasão. Essas molécnlas atuam em uma varie-
supressão da expressão dos mecanismos de resistência, detoxifi- dade de locais, fora e dentro das células das plantas, para superar
cação de moléculas, movimento de partículas (vims), etc. a PT! e promover a "suscetibilidade desencadeada pelo efetor"

Tabela 34.6 - Exemplos de diferentes metabólitos envolvidos na patogenicidade.

Gt>nc/,\kt.ibúlito, Patúi::t·no Pa11cl na intl'ra,·ãn

Xantomonadina Xamhomonas citri subsp. citri Proteção contra espécies ativas de oxigênio (EAOs)
Glucana cíclica X ciM subsp. citri Adesão da bactéria

Proteína Pthl I p Magnaporlhe grisea Diferenciação do apressório


Melanina 1\1. grisea Manutenção do turgor no apressório
Glomerella cing1.1fata Bloqueio da reação de hipersensibilidade
CgDN3
( Colle1otrichum gloeosporioides) (RH) em S,yfosanthes sp.

Proteínas BRI e BLI Vírus do mosaico anão do feijoeiro (BDMV) Proteínas de movimento
Glicopeptídeos Mycosphaerr::1/a pínodes Supressores do acúmulo da fitoalexina pisatina
Pisatina desmetilase Haematonectria (Nectria) haematococca Detoxificação da pisatina
Sideróforos E, D2, Xl-7, Gl Erwinia amylovora Envolvidos na assimilação de ferro do hospedeiro

415
Ma11ual de Fitopatologia

-
(ETS. do inglês effector triggered susceptibility). A supressão de
PT! por efetores pode ser feita por um bloqueio de sua sinali- Histórico, nomenclatura e evolução no
zação ou inibição de ação após cascata de sinais. As protéinas estudo da biología dos efetores
efetoras são conhecidas por terem diversas atividades na célula,
não apenas na supressão ou ativação do sistema de defesa, mas O fato de alguns microrganismos serem patogênicos
também enzimas degradantes, fatores de transcrição, regula- a determinadas plantas e não a outras sempre despertou
dores hormonais, reguladores da maquinaria de microRNA. a curiosidade de fitopatologistas. No início do século
etc. (DeWit, 20 16). No entanto moléculas efetoras nem sempre passado, i:m torno de 1914, E. C. Stackman, da Univer-
são benéficas ao patógeno (ver abaixo "imunidade desenca- sidade d1e Minnesota, estudando Puccinia graminis,
deada por efetor"). Desse modo, as moléculas efetoras podem percebeu que havia diferenças entre isolados do patógeno
ser entendidas como reguladores da fisiologia do hospedeiro. referente ao seu grau de agressividade frente a plantas de
Ao longo dos últimos anos, uma variedade de definições acerca trigo (Stackman, 1914). Estabeleceu-se então o conceito
de efetores foi apresentada. Apesar de ainda não haver um de "raças fisiológicas" para patógenos e ficou claro na
consenso, a definição adotada aqui se baseia em: qualquer molé- época que o conhecimento acerca da variação genética
cula associada a um microrganismo que modifica a fisio logia da ferrugem era essencial para a obtenção de resistência
do hospedeiro ( Dalio et. ai.. 2017). Nessa perspectiva. enzimas, à doença em programas de melhoramento do trigo.
toxinas e hormônios Gá apresentados anteriormente) também Décadas depois, durante a segunda guerra mwidial,
se enquadram na categoria de efctores. Por motivos didáticos H. Flor forneceu uma explicação genética para o conceito
estes foram separados neste texto. A seguir será apresentada a de raças fisiológicas ao perceber que alguns únicos genes
biologia de efetores que tem outras funções que não enzimas, tanto 110 fungo causador da ferrug,m1 como cm plantas
toxinas e hormônios. O Boxe 34.4 apresenta uma discussão de linho eram responsáveis pelas relações de resistência
sobre o histórico, a nomenclatura e a evolução da biologia dos e suscetibilidade na interação. Ficou então estabele-
efetorcs a partir do século passado. cida a te,orla do gene-a-gene, em que há um gene espe-
cífico do patógeno que interage com wn gene de resis-
A cada ciclo reprodutivo uma série de mutações, recombi-
tência da planta (Flor, 1942). Com a descoberta do DNA,
nação gênica e outros fatores genéticos levam ao aparecimento
do desenvolvimento da biologia molecular e a partir
de novas proteínas que podem ser vantajosas ou não a fisio-
desses conceitos, em 1984, o pesquisador B. Staskawicz
logia do individuo. Como estão em constante pressão de seleção
e colaboradores clonaram um gene de "avirulência" da
imposta pelo ambiente, os patógenos podem desenvolver conti-
bactécia,Pseudomonas syringae e provaram que um único
nuamente novos repertórios de moléculas efetoras que interferem
gene era responsável por causar doença em cultivares de
com o reconhecimento/defesa das plantas. Por sua vez, as plantas
soja. A p•artir de então os termos fatores de avirulência e
desenvolveram genes de resistência à doença que percebem
fatores dle virulência passaram a ser amplamente usados
moléculas efetoras diretamente (ou seja. uma interação proteina-
na década de 1990 e no início deste século. Entretanto,
proteína) ou através da detecção indireta de perturbações nas
conforme os estudos de biologia molecular associados
células hospedeiras. Isso evidencia uma "'corrida armamentista'· à fitopaltologia foram se aprofundando, fui descoberto
entre patógeno e plantas onde o primeiro desenvolve novas armas que um mesmo gene, anteriormente dito como um fator
enquanto o segundo desenvolve novas estratégias de reconheci- de avirulência para uma determinada interação planta-
mento ou defosa. Após o reconhecimento do efetor, um sistema microrganismo era fundamental para a virulência do
de defesa mais complexo chamado " imunidade desencadeada por patógeno frente a outra espécie de planta ou até mes mo
efetor'' (ETI, do inglês ejfecror triggered ímmunity) é induzido. outras variedades de uma mesma planta. Isso causava
Este foi resumido de fonna elegante no modelo zig-zag (Figura uma grande confusão na literatura porque um mesmo
6.2). de Jones e Dangl (2006), e compreende uma explicação gene poderia ser descrito como um fator de virulência ou
molecular do modelo "'gene-a-gene", no qual genes de aviru- avirulencia dependendo da interação. Ao mesmo tempo,
lência (Avr) codificam efetores que são reconhecidos por um na medicina e em bioquímica, o termo efetor já estava
gene correspondente dn resistência a doenças (R) (Flor, 1971 ). sendo usado para se referir a proteínas secretadas por
Tanto PTI como ETI induzem programas de defesa similares que um age111te, com alguma função regulatória. Desse modo,
geralmente incluem a produção de compostos antimicrobianos. cada ve:i mais o termo efetor foi sendo usado ao se referir
acúmulo de calose, alteração honnonal e reação de hipersensi- a uma proteína que tinha alguma ação durante a patogê-
bilidade. que limitam a progressão dos patógenos. ETI é regu- nese. Em 2006, Jones e Dangl apresentaram um elegante
lannente mais prolongado do que o PTI e, pelo menos em cenos modeloi, denominado de modelo zig-zag (Figura 6.2),
casos. pode ser ativado de forma mais rápida e robusta (ver Capí- ao expJJcar as linhas de defesa do sistema imune das
tulo 35 desta obra). plantas (Jones & Dangl, 2006). Esse trabalho tomou-se
As características comuns de efetores já caracterizados são um mairco da fitopatologia moderna e até hoje recebe
usadas por fitopatologistas para encontrar possíveis candidatos a um número imenso de citações na área. Neste modelo, os
efetores. Esses candidatos são geralmente proteínas pequenas e autores utilizaram o termo efetor e, a partir de então, esse
segregadas, que são ricas em cisteína e não mostram nenhuma termo jpassou a ser definitivamente mais usado. Hoje em
homologia óbvia com outras prweínas conhecidas (Gohre & dia é comum o uso do termo efetores, no entanto ainda
Robatzek, 2008). Os efetores secretados alcançam seu alvo na existem trabalhos que mencionam um determinado
interface intercelular entre células hospedeiras e o patógeno efetor como um fator de virulência ou avirulência para
(efetores apoplásticos) ou dentro das células hospedeiras (efctores descre1ver suas funções na interação.
citoplasmáticos) (Djamei et ai., 20 11 ).

416
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

Efetores apoplásticos - Ao reconhecer um patógeno. as infectadas por Phytophthora (enrugamento cio tecido infectado)
plantas se defendem secretando diversas enzimas na tentativa (Torto et ai., 2003). CRN são efetores citoplasmáticos desco-
de romper a parede ou membrana plasmática dos atacantes ou bertos pela primeira vez em P if!festans, mas também foram
interferir com sua fisiologia normal. Essas enzimas podem estar encontrados em outros oomicetos patogênic-os de plantas como
incluídas entre as proteínas-RP, como as quitinases, glucanases P. sojae, P. ramorum, P phaseoli, P parasítico, H. arabidopsidis,
e proteinases. Como contra defesa. fungos. oomicetos e bacté- Bremia lactucae e Pylhi11m ultimum. O grupo de efetores Crinkler
rias secretam ativamente vários tipos de efetores intercelulares. compartilha uma estrutura modular N-tenninal com domínio alta-
A maioria deles são inibidores enzimáticos, os quais, portanto, mente conservado Leu-Xaa-Leu-Phe-Leu-Ala-Lys (LxLFLAK)
compreendem a primeira classe de efetores apoplásticos, os de cerca de 50 aminoácidos (Haas et ai., 20091). Estudos de carac-
chamados inibidores de enzimas. Alguns inibidores de enzima terização funcional de CRN (PsCRN70) de P. sojae em Nicotiana
foram descritos entre espécies dePhytophthora (Kamoun, 2006). benthamiana demonstraram atividade de s.upressão da morte
Por exemplo. inibidores de serina-protease (EPI I e EPI I O) e celular induzida por elicitina fNF-1. Em suma, INF- 1 teria carac-
inibidores de cisteína protease (EPICI e EPIC2) foram caracteri- terísticas de um padrão molecular associado ao patógeno (PAMP)
zados pelo seu potencial de inibir proteases de defesa sintetizadas que induziria a morte celular. Em contrapartida, o. PsCRN70
pela planta hospedeira. Outros efetores nessa categoria podem ser suprime a ação deste PAMP, contribuindo para a virulência do
mencionados, como os inibidores de glucanase (01P 1 e GIP2) patógeno. Desta maneira, por possuírem um motivo molecular
secretados por P sojae e encarregados por bloquear a ação de pré-definido, o que lhes dá a condição de íacill identificação, e por
P-1-3-glucanase derivada de plantas de soja. Dentre outros tipos serem fortes candidatos a efotores essenciais para a virulência de
de efetores apoplásicos temos as proteínas da família NLP (peptí- P parasilica, o grupo de efetores Crinkler acaba sendo objeto de
deos indutores do acúmulo de etileno e necrose), proteínas de estudo. A família de proteínas CRN mostrou extensa expansão
25 kDa que são amplamente distribuídas entre bactérias, fungos cm todas as espécies de Phytophthora sequeinciadas (Haas et ai.,
e oomícetos. Elas foram originalmente descritas a partir de Fusa- 2009), no entanto a presença destes efetores não é encontrada
rium oxysporum e têm a capacidade de induzir a morte celular em na maioria das espécies de patógcnos fúngicos que tiveram seus
muitas espécies de plantas (Djamei et ai., 2011 ). Temos também genomas sequenciados.
as proteínas ricas em cisteína, como as elicitinas (descritas ante- Predição de. efetores - Varias estrattégías encontram-se
riormente) e Avrs 2, 4 e 9, que contêm pontes dissulfeto formadas disponíveis na literatura acerca da predição de efetores de micror-
por pares de ciste[nas, induzindo respostas de defesa. Finalmente, ganismos. A maioria baseia-se no uso de fem1rnentas de bioinfor-
oomicetos também possuem transglutaminases de GP-42 e prote- mática para a procura de peptídeos sinais. O pcptideo sinal é uma
ínas de elicitor de ligação de celulose (CBEL) que podem desen- extensão amino-terrninal de uma proteína endereçada a uma locali-
cadear a necrose e a expressão de genes de defesa (Djamei et ai., zação celular específica. Em outras palavras, o peptideo sinal sina-
2011). liza que a proteína que o detém deve ser secretada ou transportada a
Efetores citoplasmáticos - Bactérias intemalizam efotores um sitio especíJico da célula. Como todo efetor deve ter uma função
no citoplasma do hospedeiro através de sistemas de secreção espe- no corpo do hospedeiro, seja no apop!asto ou no simplasto, estes
cializados. Os efetores intracelulares bacterianos podem suprimir devem ser, portanto, secretados. O destino da proteína depende da
inespecificamente a maquinaria de proteínas quinase compro- clivagem do peptideo sinal por uma peptidase sinal e liberação da
metendo a defesa das plantas (Dodds et al., 201 O). O conheci- proteína madura. O peptídeo sinal tem tipicannente 15-30 aminoá-
mento sobre efetores eucarióticos é escasso em comparação com cidos de comprimento e uma arquitetura dividida em uma n-região
o disponível para efetores bacterianos. Oomicetos são conhecidos carregada positivamente (l-5 aminoácidos de comprimento), uma
por secretar duas famílias de efetores intracelulares, os RxLRs região hidrofóbica h (7-15 aminoácidos) e uma região c polar com
(Morgan & Kamoun, 2007) e os efetores Crinkler (CRN) Oiaas resíduos não carregados (3-7 aminoácidos).Apesardestas caracte-
et ai., 2009). rísticas gerais, não se observa conservação em relação ao compri-
E.fetores RxLRs - As proteínas da família RxLR são mento, forma e composição de aminoácidos de peptídeos sinais
efetores citoplasmáticos moduladoras que carregam peptídeos entre procariotos e eucariotos. Devido à sua importância para o
N-terminais com domínios conservados como os RxLR (R: argi- estudo da secreção de proteína, vários métodos foram desenvol-
nina; x: qualquer aminoácido; L: leucina; R: arginina) ( Birch et vidos para se prever peptideos sinais e seu local de clivagem com
ai., 2006). O motivo RxLR é particularmente interessante porque base nas características acima mencionadas. O mais utilizado
define um domínio que, semelhantementc aos de parasitas de atualmente é o software SignalP, gratuito e de uso amigável para
malária, viabiliza a entrada de proteínas que contém tal motivo não bioinformutas. Porém, nem toda proteína secrei:ada é neces-
no interior da célula do hospedeiro. Foi descoberto que a entrada sariamente um efetor. Outras características como por exemplo,
destes efetores no citoplasma pode ser feita independentemente homologia com efetores conhecidos, presença de repetições de
da presença do patógeno e utiliza a maquinaria da própria planta. cisteína, tamanho pequeno (5 a 50 kDa) e localização em regiões
Um dos efetores RxLR mais estudados até então~ o AVR3a de esparsas na arquitetura do genoma, dentre ot11tras, podem auxiliar
Phytophthora in.festans. O AVR3a suprime a morte celular indu- na predição de candidatos a efetores.
zida pela elicitina INF-1, também secretada por P if!festans. Caracterização funcional de efetores: - A agroinfiltração,
lNF-1 teria características de um padrão molecular associado ao um ensaio baseado na inoculação de Agrobacterium tumefaciens
patógeno (PAMP) que induz morte celular. Em contrapartida, o transformada com algum gene de interesse,. é um dos sistemas
AVR3a suprime a ação de-ste PAM'U, contribuindo para a viru- mais simples para se avaliar a função efeta,ra nas plantas. Este
lência do patógeno (Bos et ai., 2009). método permite a expressão transiente de construções genéticas
E/etores CRNs - O nome Crinkler foi dado devido à expressão (neste caso, genes dos efetores) em cucarioto:;; e é uma abordagem
do fenótipo de morte celular observado em folhas de plantas valiosa para se estudar a ativação e supressiio da imunidade das

417
Manual de Fitopatologia

plantas por proteínas efetoras. Normalmente, as plantas de Níco- Esta abordagem combina expressão transiente de efetores em
tiana benthamiana ou Solanum sp. de quatro a cinco semanas germoplasma de plantas que estão em programas de melhoramento
de idade são usadas para a agroinfiltração (Du & Vleeshouwers, genético. Esta estratégia foi originalmente realizada em plantas de
2014). batata usando efetores de P ínfestcms como sondas resultando em
As inoculaçõe:s de suspensões de Agmbacterium são reali- um catálogo de genes de R dessa solanácea (Hcin et ai.. 2009).
zadas por infiltração via seringas, em que é feita pressão com Uma das experiências pioneiras onde se utilizou a efetorômica foi
a ponta da seringa (sem agulha) contra o lado abaxial da folha. realizada por Vleeshouwers et ai. (2008), os quais utilizaram um
Durante este processo, é possível observar a suspensão se espa- repertório de 54 efetores de P. infestans para descobrir genes R
lhar na folha. Para s:e obter bons resultados, folhas jovens e bem em espécies de Solanwn. Conhecer o repenório de diversidade de
desenvolvidas devem ser usadas. É importante incluir controles efetores em populações de agentes patogênicos pode contribuir
negativos e positivos na folha inoculada. Uma suspensão de Agro- para o desenvolvimento de resistência durável contra um amplo
bacterium transformada com um vetor vazio é bem adequada espectro de isolados. A principal desvantagem da efetorômica é
como um controle negativo e uma construção contendo um gene que a mesma requer ensaios funcionais baseados em testes de
indutor de HR é adi:quado como controle positívo. Neste último complementação transiente, ou seja, métodos baseados cm Agro-
caso, a elicitina INF 1 de P. infestans, uma proteína cxtracelular bacterium, como a agroinfiltração e a agroinfecção do vírus X
que induz a morte celular, é comumente usada. As respostas da batata (PVX). Essas metodologias são efetivas em plantas de
podem ser observadas cerca de 2-3 dias após a inoculação. Dasi- Nicotianae e Solanum, mas ainda não são viáveis para a maioria
camente, o efetor é testado em sua capacidade de induzir a morte das outras plantas economicamente importantes.
celuhir ou suprimir a morte celular desencadeada por INFl. Perspectivas do uso de efetores na agricultura - Ao longo
Os ensaios de expressão transicntc não devem ser o único das últimas décadas, muitas infonnações foram apresentadas
procedimento para a caracterização funcional de um cfctor, uma sobre a biologia dos cfetorcs e sua importância nas inleraçôes
vez que nem todos os efetores causam uma resposta de hiper- planta-patógeno. Em particular, muitas estratégias para predizer
sensibilidade típica ou suprimem defesa em tais experimentos. e catalogar efetores estão disponíveis e a função de vários deles
Em outras palavras, os efetores podem ter outras funções que como fatores de avirulência foi apresentada. No entanto, ainda
não estejam relacionadas à ativação ou supressão de defesa. há muito esforço para se decifrar a função molecular dos efetores
Nesta situação, as t:ransfonnações de Arabidopsis ou plantas de que atuam como fatores de viruJência ou como reprogramadores
fumo podem ser realizadas para se avaliar alterações estruturais de transcrição. As principais dificuldades para se decifrar as
ou metabólicas induzidas por uma proteína efetora. MacLean funções dos efetores são que, frequentemente, a) o genoma do
et ai. (2011 ), por exemplo, transformaram plantas de Arabi- patógeno deve ser sequenciado, b) não há tantos dados disponí-
dopsis com um efetor SAP54 do phytoplasma Candidalus Phyto- veis quanto ao nível de expressão dos efetores durante infecções
plasma Asteris e observaram alteração no desenvolvimento da nos hospedeiros, e c) os principais protocolos para se avaliar a
flor induzida pelo efetor. Em outra publicação ·pesquisadotes caracterização funcional dos efetores ainda dependem de ensaios
encontraram evidência de efetores de Puccínia monoíca repro- de agro infiltração que não estão disponíveis para todas as culturas
gramando a transcrição da planta Boechera stricta. no qual de plantas. Espera-se que as dificuldades impostas acerca da
256 processos biológicos foram alterados, resultando no desen- caracterização funcional de efetores sejam amenizadas em futuro
volvimento de uma pseudoflor, totalmente diferente em formato e próximo. Neste cenário, tecnologias como edição do genoma e
cor da flor natural desta espécie, atraindo insetos específicos para indução de silenciamento gênico pelo hospedeiro podem vir a ser
a dispersão de esporns do fungo (Cano. 2013 ). Levando isso em empregadas em paralelo com o conhecimento acerca de efetores
consideração, conht::cer a biologia do patógeno estudado e o tipo para o controle de doenças de modo sustentável na agricultura.
de interação com seu hospedeiro pode contribuir para um melhor Outro lado pouco explorado é a predição e estudos de efetores
planejamento das estratégias a serem utilizadas para a caracteri- de microrganismos benéficos para as plantas. A identificação
zação de seus efetores. Estudos de microscopia também podem ser de efetores que diretamente manipulam a fisiologia da planta
conduzidos para se detenninar a deposição de calose e o acúmulo gerando maior produtividade pode levar ao desenvolvimento de
de espécies reativas de oxigênio (EROs) induzidas pelos efetores produtos que podem aumentar a eficiência e a produção agrícola.
avaliados, além do possível uso do sistema de duplo híbridos de
leveduras para se idt:mtificar alvos de efetores nas plantas. 34.9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Efetorômica - A efetorômica é um termo que tem sido A utilização da biologia molecular, engenharia genética e
usado com frequência nos últimos anos para se descrever duas de técnicas de microscopia eletrônica envolvendo a localização
abordagens relacionadas, mas distintas. O sufixo ômica refere-se das proteínas e carboidratos nas células vegetais, vem acelerando
a um campo de estudo em biologia, e como tal. a efetorômica se o entendimento das interações hospedeiro-patógeno ao nível dos
refere ao estudo dos efetores. Nesse sentido, inclui, por exemplo, processos degradativos em função das enzimas, os quais ocorrem
toda análise da biologia de efetores, como a predição e seleção, a durante a penetração e crescimento dos fitopatógenos nas células
clonagem, a expressão de genes efetores, a busca de motivos ou a vegetais hospedeiras. Além disso, os estudos envolvendo a
estrutura 3D. a caracterização füncional, a localização celular e as química e os mecanismos de ação das fitotoxinas, bem como o
respostas das plantas: aos efetores. Um A.uxo normal de trabalho em papel desses compostos no processo doença, tiveram um grande
efetorômica apresenta três etapas principais: 1 - "seleção efetiva avanço. Com a emergência da genética molecular e o seu poten-
de candidatos"; 2 - '"'clonagem recombinãnte"; 3 - "caracteriLação cial uso nos estudos das fitotoxinas. trabalhos combinando a genética
fünciona l". Outro uso do termo "efectoromics" refere-se à abor- molecular e a bioquímica tomaram-se comuns, visando esclarecer
dagem de genômica1 funcional para se identificar genes de resis- os eventos críticos do desenvolvimento das doenças. Por sua vez,
tência em plantas qiue utilizam moléculas efetoras como sondas. embora a literatura seja repleta de trabalhos demonstrando a exis-

418
Fisiologia do Parasitismo: como os Patógenos Atacam as Plantas

tência de alterações honnonais em diferentes interações planta-pató- DeWit, P.J.G .M. Cladosporium ji1/vwn effectors: weapons in the arms
geno, estudos envolvendo o papel dos fitohonnônios produzidos por race with tomato. Annual Review of Plant Pathology 54: 1-23,
patógenos durante o processo doença continuam escassos. Os polis- 2016.
sacarídeos ea importância dos mesmos como mecanismos de pato- Dianese, J.C. Patologia Vegetal: Agressão e Defesa em Sistemas Planta/
genicidade em algumas interações também continuam carecendo Patógeno. Brasília, Universidade de Brasília, 1990. 139 p.
de mais estudos. Finalmente, na última década, além das tradicio- Dickman. M ..B.; Patil. S.S. Cutinase deficient mutants of Co//etolrichum
nais enzimas, toxinas, hom1ônios e polissacarídeos, inúmeros traba- gloeosp,orioides are nonpathogenic to papaya fruit. Physiological
lhos envolvendo moléculas efetoras secretadas por fitopatógenos, and Mo,lecular Plant Pathology 28: 235-242, 1986.
abriram as portas para o estudo de outros fatores envolvidos na
patogenicidade, o que vem gerando um grande volume de novas Djamei, A.; Schipper, K.: Rabe, F.; Ghosh, A; Vincon, V.; Kahnt, J.;
Osorio, S.; Tohge, T.; Fernie, A.R.: Feussner, I.; K. Fussner, K.;
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419
CAPÍTULO

35
FISIOLOGIA DO PARASITISMO:
COMO AS PLANTAS SE DEFENDEM
DOS PATÓGENOS
Sérgio Florentino Pascholati e Ronaldo José Durigan Dalio

ÍNDICE

35.1. Fatores de resistência estruturais ........................ 424 35.3. Reação de hipersensibilidade ............................... 441
35. 1.1. Fatores de resistência estruturais
35.4. Fenômeno da resistência induzida ..................... 442
pré-formados ........................................... 424
35.1.2. Fatores de resistência estruturais 35.5. Especificidade nas interações
pós-formados ....................... :..................: 426 hospedeiro-patógeno ........................................... 447
35.2. Fatores de resistência bioquímicos....................... 429 35.5.l. Reconhecimento, sinalização e ativação
35.2.1. Fatores de resistência bioquímicos dos sistemas de defesa ............................. 447
pré-formados ........................................... 429
35.6. Considerações finais ............................................ 449
35.2.2. Fatores de resistência bioquímicos
pós-formados ........................................... 435 35.7. Bibliografia consultada........................................ 450

e ada interação hospedeiro-patógeno pode ser enca-


rada como uma luta entre dois organismos pela
sobrevivência. Nessa batalha entre planta e pató-
geno, a fisiologia do parasitismo procura explicar as bases
bioquímicas e fisiológicas do fenômeno (Pascholati et ai.,
HOSPEDEIRO 1 DEFESA 1

INTERAÇAO
RESISTÊNCIA

2008b). De um lado, o patógeno lança mão de suas armas


químicas para atacar o hospedeiro em potencial (Capítulo 34 PATÓGENO 1 ATAQUE 1 SUSCETIBILIDADE
desta obra), enquanto este último, através de mecanismos estru-
turais e/ou bioquímicos, procura se defender do patógeno.
Embora os mecanismos de ataque e defesa sejam subdivididos Figura 35.J - Mecanismos de ataque e defesa nas interações planta-
em função de objetivos didáticos, a interação hospedeiro-pató- patógeno.
geno deve ser visualizada como um sistema único, que depende
da planta, do patógeno e do ambiente. O hospedeiro mostra-se A resistência de um hospedeiro, dentro do contexto da
como vencedor da batalha quando fr doença não ocorre (resis- fisiologia do parasitismo, pode ser definida como a capacidade da
tência), enquanto o aparecimento de sintomas e o desenvol- planta em atrasar ou evitar a entrada e/ou a subsequente atividade
vimento da doença (suscetibilidade) indica o patógeno como de um patógeno em seus tecidos. Embora as plantas, na natu-
vencedor (Figura 35.1). reza, estejam normalmente expostas a um número incalculável de

423
Manual de Fitopatologia

microrganismos, a resistência das mesmas mostra-se como regra.


enquanto a suscetibilidade aos agentes fitopatogênicos mostra-se PRÉ-FORMADOS PÔS-FORMADOS
como exceção. A resistência é caracterizada pela sua naturexa dinâ- (Passivos, Constitutivos) (Ativos, Induzíveis)
mica e coordenada, onde a efetividade depende da expressão dos seus
Estrutural Estrutural
mecanismos em uma sequência lógica, após o contato do patógeno
em potencial com o hospedeiro. Além disso, mostra-se como um • Cutícula • Papilas
sistema multicomponeme, onde o nível de resistência resulta da • Tricomas • Halos
somatória das contribuições individuais de diferentes mecanismos • Estômatos • Llgnificação
de resistência. Essa complexidade funcional, espacial e temporal • FibrasNasos condutores • Camadas de cortiça
inicia-se com o reconhecimento pela planta. de sinais exógenos • Tiloses
originários do patógeno. ditos PAMPs ou MAMPs (padrões mole.- Bioquímicos • Glicoproteinas ricas
culares associados a patógenos, do inglês: Pathogen/Microorga-
• Fenôis em hldroxiprolina
nism-Associated Molecular Patterns) (Jones & Dangl, 2006; Cui
et ai., 2015) . Como alguns exemplos de PAMPs conservados, • Alcaloides Bioquímicos
temos flagelina em bactérias, quitina em fungos e ~,-glucanas em • lactonas insaturadas • Espécies ativas de
oomicetos (Dalio et ai., 2017b). Os PAMPs são reconhecidos por • Glicosideos clanogênicos oXigênio
receptores especiais chamados PRRs (do inglês: PAMP/Pattern • Glicosldeos sulfurados • Fitoatexinas
recognition receptors). Os PRRs reconhecem PAMPs de pató- • Fototoxínas • Protelnas relacionadas
genos e ativam mecanismos de transdução de sinais, o que resulta • Protefnas!Peptideos à patogénese
na reprogramação do metabolismo da célula vegetal, envolvendo
alterações gênicas que culminam no processo de defesa (Macho
Figura 35.2 Fatores de resistência pré- e pós-formado.~.
& Zipfel, 2014) (item 35.5 deste Capítulo). Os patógcnos, por
sua vez, evoluíram outras estratégias para impedir seu reconhe-
cimento pela planta. consequentemente impedindo a ativação de
respostas de defesa. As principais estratégias de ataque do pató- em função de idade da planta, órgão/tecido afetados, estado nutri-
geno e inibição do reconhecimento de seus PAMPs são feitas vias cional e condições ambientais.
moléculas efetoras (Anderson et ai., 2015; Para mais detalhes, ver O estudo dos diferentes mecanismos de defesa nas intera-
Capítulo 34 desta obra). No entanto, as plantas também evolu- ções planta-patógeno tem sido faci litado pelo uso das ferramentas
íram sistemas de reconhecimento específicos para os efetores dos da biologia molecular, onde. por exemplo, a geração de mutantes
patógenos. Os cfetores podem ser reconhecidos JPOr proteínas do patógeno ou da planta tem fornecido subsídios para essa fina-
R (proteínas de resistencia), as quais apresentam sítios especí- lidade (Capítulos 6 e 3 7 desta obra; Lowe et ai., 2015). Deve-se
ficos de reconhecimento de efetores. Após o reconhecimento, as mencionar o uso de Arabidopsis tha/iona, planta herbácea da
proteínas R induzem mecanismos de transd ução dle sir1t1is para família Brassicaceae, primeiro vegetal a ter seu genoma sequen-
a ativação de respostas rápidas e robustas de defosa (Jones & ciado, e que vem servindo de modelo para estudos em áreas da
Dangl, 2006). Finalmente, no contexto da resistênc:ia evidências biologia vegetal e genética, inclusive no contexto fisiológico.
recentes indicam a possibilidade da planta influenciar a microbiota bioquímico e molecular das interações dessa planta com seus pató-
em contato com a mesma, levando a hipótese de que as plantas genos em potencial (AbuQamar et ai., 2017; Burow & Halkier,
podem modificar e recrutar essa microbiot.a visando o aumento de 2017), o que tem gerado novos conhecimentos que podem ser
sua resistência contra patógenos (Karasov et al., 2017). extrapolados para uma grande parte das interações hospedeiro-
As plantas podem se defender dos agentes fitopatogê- -patógeno em geral (Davis, 1998; Kim & Mackey. 2008). Por sua
nicos passiva ou ativamente. Nesse sentido, para facilitar os vez. plantas de Nicotiana bemhamiana. fumo e arroz também têm
estudos sobre a naturexa dos sistemas de defesa, os mecanismos sido bastante empregadas como modelo para o estudo molecular
de resistência. também denominados de fatores de resistência, das interações planta-patógenos.
são geralmente subdivididos em duas categorias: pré-formados
(passivos, constitutivos) e pós-formados (ativos, induzíveis) 35.1. FATORES DE RESISTÊNCIA ESTRUTURAIS
(Figura 35.2). Os fatores de resistência pré-formados incluem Os mecanismos estruturais podem ser vistos como defesas
aqueles já presentes nas plantas antes do contato c;om os pató- tisicas, que evitam ou restringem o desenvolvimento da doença.
genos. No caso dos pós-formados. estes se mostram ausentes ou As estruturas existentes nas plantas, ou produzidas em resposta à
presentes em baixos níveis antes da infecção, sendo produzidos infecção, resultam de processos bioquímicos e exibem caracterís-
ou ativados em resposta à presença dos patógenos. Em ambas ticas peculiares importantes para o seu papel na resistência.
as categorias, os fatores podem ser subdivididos em estrutu-
rais e bioquímicos. Os fatores estruturais da planta atuam como 35.1. 1. Fatores de Resistência Estruturais
barreíras físicas, impedindo a entrada do patógeno e a coloni- Pré-Formados
zação dos tecidos, enquanto as reações bioquímicas que ocorrem A superfície das plantas constitui-se na primeira linha de
nas células do hospedeiro produzem substâncias guie se mostram defesa contra fitopatógenos em potencial, os quais devem ultra-
tóxicas ao patógeno ou criam condições adversas para o cres- passá-la para causar infecção (Capítulo 34 desta obra). Dentre as
cimento do mesmo no interior da planta. Obviamente, o grau estruturas existentes nas plantas antes da chegada dos fitopató-
de envolvimento dos fatores estruturais e bioquímicos pré- e genos, e que podem contribuir para a resistência, pode-se citar
pós-formados nas respostas de resistência varia entre as dife- a cutícula. os tricomas. os estômatos (tamanho e formato). bem
rentes interações hospedeiro-patógeno e, numa mesma interação, como a presença de fibras e de vasos condutores.

424
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

• Cutícula No tocante à localização dos estômatos e ao desenvol-


O contato inicial entre o patógeno e a planta geralmente vimento das doenças, experimentos mostraram que folhas de
ocorre ao nível da cutícula. A cutícula recobre a parede celular das pessegueiros, quando inoculadas com suspensões de Xantho-
células epidém1icas em contato com o meio externo (Figura 34. l ). monas arborícola pv. pruni, exibiam sintomas somente quando
Como apontado no Capítulo 34 desta obra, a cutícula mostra-se as células bacterianas eram aspergidas na superficie inferior das
corno uma camada lipídica, ocorrendo sobre folhas, flores, frutos folhas, onde os estômatos estão situados.
e talos jovens, sendo composta por uma mistura de ceras e um Embora vários patógenos possam forçar a entrada através
polímero insolúvel denominado cutina. Em função dessa compo- de estômatos fechados, outros devem esperar a abertura dos
sição, a cutícula comporta-se como uma superficie hidrofóbica, mesmos, o que pode se constituir em desvantagem para os
que impede a formação de um filme de água, sobre o qual os últimos. O fungo Puccinia t·econdita f. sp. iritici, agente causal
patógenos podem ser depositados para, posterionn.ente, germinar da ferrugem da folha do trigo, por exemplo, pode ter acesso ao
(fungos) ou multiplicar-se (bactérias). Dessa forma, a "molhabi- interior do hospedeiro através dos estômatos sob condições de
lidade" da cutícula pode alterar o curso da infecção durante uma luz ou escuro. P. graminis f. sp. trifiei, causador da ferrugem
interação bospedeiro-patógeno. Por exemplo, maçãs inoculadas do colmo, por sua vez, penetra através dos estômatos somente
com o fungo Venturia inaequalis, agente causal do sarna em sob condições de luminosidade. A incapacidade de P graminis
macieira, mostram uma quantidade elevada de sintomas nos penetrar as folhas de trigo sob condições de escuro deve-se à
tecidos vermelhos, enquanto o lado verde dos mesmos frutos sensibilidade do fungo ao cor A concentração desse gás no
mostra-se praticamente isento de sintomas. Essa diferença na interior das folhas aumenta no escuro, cm funçào da respiração,
infecção dos frutos é atribuída à molhabilidade diferencial da e diminuí sob condições de luz, devido à fotossíntese. Assim,
cutícula, a qual, por ser mais espessa do lado verde c conter variedades de trigo que possuem estômatos que se abrem tardia-
uma maior quantidade de cera epicuticular, não pode ser facil- mente durante o dia podem mostrar-se resistentes a P graminis,
mente molhada e, portanto, reter as gotículas de suspensão Jos visto que os esporos germinados durante o período de orvalho
esporos. noturno acabam por sofrer dessecamento, mesmo antes dos
estômatos se abrirem.
A espessura da cutícula, aparentemente, também pode
contribuir na resistência das plantas contra patógenos que pene- A morfologia dos estômatos também pode contribuir para
a resistência dos hospedeiros contra fitopatógenos, fato que pode
tram diretamente os tecidos do hospedeiro. Embora a espessura
ser ilustrado através da resistência das folhas de algumas espécies
da cutícula não esteja sempre correlacionada com resistência,
de citros contra a bactéria Xanthomonas citri subsp. citri, agente
devido a resultados contraditórios, no caso de algumas intera-
causal do cancro cítrico. A tangerina 'mandarína' (Citrus nobilis)
ções, como Fusarium solani f. sp. pisi - ervilha e Colletotricfmm
mostra-se resistente enquanto a 'grapefruit' (Citrus grandis)
gloeosporioides - mamão, inúmeros trabalhos apontam a cutícula
mostra-se suscetível à bactéria. Embora os estômatos em ambas
como uma possível ba1Teira à penetração.
as espécies sejam iguais no tocante ao tamanho e mecanismos de
Além de funcionar como uma barreira estrutural, a cutí- abertura, os mesmos diferem quanto à morfologia da crista cuti-
cula também pode ser vista como uma barreira tóxica. Substân- cular junto ao ostíolo. Na espécie resistente, a crista da fenda dos
cias antifúngícas já foram isoladas da cutícula de muitas plantas, estômato tem suas paredes internas perpendiculares à superficie
como macieira, algodão e fumo. Embora a maioria das substân- da folha, originando aberruras bem pequenas (Figura 35.3). Esta
cias isoladas não apresente um efeito inibidor especifico, algumas característica dificulta tanto a entrada de água na câmara sub-
se mostram seletivas para determinados fungos. A germinação dos -estomática como a formação de um filme contínuo de água entre
esporos de Cladosporium fulvum e Botrytis cinerea é altamente a superfície externa da folha e o mesófilo. Assim, a penetração de
inibida, enquanto a germinação dos esporos de Mycosphaerella células bacterianas no interior dos tecidos da planta é impedida
ligulicola é pouco inibida quando em contato com substâncias ou dificultada.
extraídas da cutícula de crisântemo. Esses fungos mostram-se,
respectivamente, como não-patógeno, patógeno fraco e patógeno e
agressivo de crisântemo. Esporângios de Peronospora hyoscyami

~
f. sp. tabacina exibem uma alta germinação sobre a superficie de
folhas de Nicotiana debneyi. Sobre folhas de N. tabacum, porém, a
ge1minação é baixa. Essa diferença foi atribuída à presença de um
inibidor de genninação, denominado 4,8, 13-duvatrieno- l ,3-diol,
extraído da cutícula de N. tabacum, mas ausente na cutícula de
N. debneyi. Figura 35.J - Estômatos de espécies de citros resistente e suscetível
• Estômatos a Xanthomonas citri subsp. citri. Observe a estrutura
da crista cuticular (c) envolvendo a fenda dos estô-
Em função do número, morfologia, localização e período
matos.
de abertura, essas estruturas podem contribuir para a resistência Fonte: Adaptada de Royle ( 1976).
das plantas em algumas interações com fitopatógenos. Os estô-
matos normalmente ocorrem em densidade de 100-300/mm2 na
• Tricomas
superficie das folhas e. quando completamente abertos, apre-
sentam o ostíolo com uma área aproxirtiada de 90 µm 2. Esse grau Tricomas são prolongamentos unicelulares ou multice-
de abertura mostra-se suficiente para a penetração ativa de tubos lu!ares que se estendem a panir da epiderme, podendo ocorrer
germinativos de fungos, bem como para a penetração passiva de em difere.ntes superficies das plantas e exibir várias formas.
células bacterianas. Embora a possível contribuição dos pêlos, que são os tricomas

425
Manual de Fitopatologia

mais comuns, na resistência tenha sido aventada, pouca evidência sob ataque do patógeno, e estruturas de defesa histológica, que
existe demonstrando o envolvimento dessas estruturas. Por envolvem tecidos da planta normalmente à distância do sítio de
exemplo, em função do número de pelos por área de tecido, os penetração do patógeno.
mesmos poderiam interferir na continuidade do filme d'água
sobre as superficies do hospedeiro, dificultando, portanto, a 35.1.2.1. Estruturas de defesa celular
germinação dos esporos e a multiplicação das bactérias. Além
disso, como os tricomas podem repelir insetos, poderiam contri- • Agregação citoplasmática
buir de maneira indireta para com a resistência das plantas, visto De maneira geral, a formação de barreiras celulares loca-
manterem as mesmas livres de insetos vetores de microrganismos lizadas depende da habilidade da célula vegetal em acumular
patogênicos. urna massa de citoplasma, denominada de agregado citoplasmá-
No tocante à produção de possíveis substâncias tóxicas aos tico, no sítio de ataque do patógeno (Figura 35.4). Esse acúmulo
fitopatógenos, alguns tricomas mostram-se conectados a glândulas ocorre rapidamente, em tomo de 20 segundos, nas células dt:'
que secretam, através dos mesmos, terpenos, fenóis e alcaloides. pelos absorventes de raízes de repolho, na presença de zoós-
Variedades de Cicer arietim1m, resistentes à queima de Jvlycosphae- poros cncistados de Plasmodiophora brassicae, e· dentro de
rella sp., possuem um maior número de glândulas que secretam 5 a 1O minutos, cm células de coleópLilus de cevada, em resposta
ácido málico do que as variedades suscetíveis. Esta alta concen- à formação de aprcssórios por Bfumeria graminis f. sp. hordei.
tração de ácido málico nas variedades resistentes mostra-se e_tetiva Os agregados possuem estruturas celulares, como retículo endo-
na inibição da germinação dos esporos e crescimento do patógeno. plasmático rugoso e complexo Je Golgi, ligadas aos processos
normais de biossíntese, evidenciando a possibilidade dos mesmos
• Paredes celulares espessas
secretarem materiais que podem ser utilizados na formação dt:'
A presença de tecidos com células de paredes espessas papilas e halos.
pode contribuir para com a restrição da colonização das plantas
por fitopatógenos (Malinovsky et ai., 2014). No caso das folhas, • Halos
por exemplo, o .xilema e as fibras esclerenquimáticas, ricas em Ocorrem em tomo dos sítios de penetração, como resultado
lignina, podem interromper o avanço de fungos e bactérias nesses de alterações na parede superior das células epidém1icas e, algumas
tecidos, originando sintomas denominados de manchas angu- vezes, das paredes laterais adjacentes, provavelmente devido à
lares. Esses sintomas, como os que ocorrem em folhas de pepino degradação das mesmas pelos fungos invasores (Figura 35.4). Em
infectadas por Pseudomonas ~yringae pv. fach,ymans e folhas de função da presença de calose, lignina, lipídeos cuticulares e silício.
algodoeiro infectadas por Xanthomonas axonopodis pv. mafva- alguns autores sugerem que os halos mostram-se como locai~
cearum, resultam da capacidade dos patógenos em colonizar específicos para a deposição dessas substâncias, podendo, conse-
somente as áreas entre as nervuras. Essa restrição da cqlonização quentemente, funcionar na redução da perda d'água nos sítios
pode levar a uma redução do inóculo, bem como a um menor de penetração. Além disso, visto serem resistentes a tratamentos
número de folhas doentes por planta. químicos e enzimáticos, os halos poderiam contribuir para a
resistência de plantas contra fungos, como demonstrado em
35.1.2. Fatores de Resistência Estruturais
trigo inoculado com fungos não patogênicos e no fenómeno da
Pós-Formados
resistência induzida sistemicamente em plantas de pepino contra
Embora as estruturas superficiais ou internas pré-formadas Colfetotrichum gloeosporioides f. sp. cucurbitae. A fonnação de
possam contribuir para a resistência do hospedeiro, a maioria halos mostra-se comum em folhas de gramíneas em resposta à
dos patógenos consegue ter acesso ao interior das plantas. Nesse penetração fúngica.
sentido, os hospedeiros continuam a se defender dos invasores
através da formação de novas barreiras estruturais, as quais inter- • Papilas
ferem com o progresso dos fitopatógenos nos tecidos. Esses São caracterizadas pela deposição de material hetero-
fatores de resistência podem ser agrupados em estruturas de gêneo entre a membrana plasmática e a parede celular no sítio dt:'
defesa celular, as quais geralmente envolvem células individuais infecção, sob a hifa de penetração (Figura 35.4). As papilas podem

A 8 e D

Figura 35.4 - Possíveis alterações estrtlturais em células epidérmicas de plantas em resposta à tentativa de penetração por íungos. Durante o
desenvolvimt:'oto das estrururas de infecção do fungo (apressório e tubo de penetração), pode ocorrer a agregação do citoplasma
da célula vegetal no sítio de penetração e a formação de papíla. A part:'de epidérmica adjacente t.ambém pode ser afetada c dar
origem a um halo.

426
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

ser fonnadas dentro de 2-3 horas após a inoculação com fungos.


Existem evidências que a deposição de material papilar pode ser
iniciada antes da penetração (fase 1) e continuar após a penetração
(fase 2). Em geral, são constituídas de calose (P-1,3-glucana),
podendo também conter Iignina, derivados fenólicos, celulose,
suberina e silício (Wang et ai.. 20 l 7). Com base na constituição
química e característica fisica (elasticidade), as papilas poderiam
funcionar como barreiras contra a penetração e troca de metabó-
litos entre o hospedeiro e o patógeno, além de servirem como um
mecanismo de reparo da parede celular após a invasão.
Como os halos, as papilas são comumente formadas em
folhas de gramíneas em resposta à presença fúngica, como por
exemplo em trigo- Gaeumannomyces graminis var. trifiei, cevada -
Blumeria graminis f. sp. hordei, milho - Exserohilum turcicum -
Bípolaris maydis - Colletotrichwn graminicola. O papel dessas
estrnturas na resistência das plantas contra fitopatógenos, porém, Parede celular
não se mostra claro em todas as interações.
• Lignificação Figurn 35.5 - Formação de bainha ("tubo lignífero") devida ao acú-
mulo de calose e lignina ao redor da bifade penetra-
A lignina constitui-se em uma das substâncias mais impor- ção de um fungo.
tantes na parede celular das células, podendo estar presente na Fonte: Adaptada de Agrios (2005).
lamela média e nas paredes primária e secundária (Figura 34.6). A
lignina pode ser visualizada como um polímero tr'i-dimensional,
amorfo, constituído de unidades de fenilpropano (Figura 34.12). proteínas estruturais encontradas na parede das células vegetais
cuja polimerização final ocorre devido à oxidação de hidroxilas dos (Capítulo 34 desta obra). Além d.e serem constinttivas, o acúmulo
grupos fenólicos pela enzima peroxidase. A lignificação, a qual pode das mesmas também ocorre em resposta a injúria e infecção, prin-
ocorrer em citoplasmas em degeneração, em depósitos extracelu- cipalmente em interações incompatíveis. Essas proteínas forta-
lares e nas paredes das células, exibe um alto potencial de contri- lecem a parede celular podendo contribuir na restrição da invasão
buição na defesa das plantas. A lignina ou o processo de lignifi- da célula vegetal pelo patógeno, visto que a degradação enzimá-
cação podem interferir com o crescimento de patógenos através da tica dessas glicoproteinas mostra-se diftcil. O acúmulo de GPRHP
modificação química das paredes celulares, tendo como resultado ocorreu na parede de células de raízes de tomateiro, em tomo
um aumento na resistência das paredes à ação dê enzimas degra- de 96 a 120 horas, após a inoculação com Fusarium oxysporum
dadoras da mesma, na difusão de toxinas do patógeno em direção f. sp. radicis-lycopersici. sendo que essas glicoproteínas estavam
ao hospedeiro e de nutrientes do hospedeiro em direção ao pató• presentes em baixa quantidade nas células de plantas não inocu-
geno. Compostos fenólicos de baixa massa molecular, precursores ladas (Be.nharnou ct al., 1990a). As GPRHP também foram obser-
da lignina, e radicais livres podem também mostrar-se tóxicos aos vadas em associação com tecido necrótico em plantas de fumo na
patógenos. Além disso, patógenos também podem ser lignificados resposta de hipersensibilidade ao vírus do mosaico (Benhamou
e o crescimento dos mesmos interrompido. A hifa de penetração et ai., 19906). Em milheto (Pennisetum glaucum) foi observada
dos fungos pode sofrer a deposição de material celulósico (calose) a deposição e a ligação cruzada de GPRHPs na parede das células,
e lignina, dando origem a uma bainha ou "tubo lignífero", que indicando que as mesmas contribuem na formação de uma barreira
impede o progresso da hifa no interior do citoplasma (Figura 35.5). de resistência contra o oomiceto fitopatogênico Sclerospora grami-
nicola (Deepak et ai:, 2007). Da mesma forma, através do moni-
Embora a maior parte das pesquisas sobre a deposição de
toramento do conteúdo de hidroxiprolina e de análises com anti-
lignina como resposta de defesa seja conduzida com fungos, evidên-
corpo monoclonal, demonstrou-se o acúmulo e a ligação cruzada
cias indicam a possibilidade da lignina e/ou precursores da mesma
de GPRHPs em genótipos de sorgo resistentes ao Colletotrichum
contribuírem na resistência das plantas contra bactérias (multipli-
sublineolum, evidenciando-se que essas glicoproteinas fazem
cação) e vírus (restrição do movimento) (Nyalugwe et ai., 2016). No
parte do mecanismo de defesa dessa gramínea contra o patógeno
caso de fungos, podem-se citar algumas interações hospedeiro-pató-
(Basavaraju et ai., 2009). Atualmente, os estudos em andamento
geno onde a lignificação e/ou seus precursores tóxicos mostram-se procuram identificar, purificar e caracterizar essas glicoproteínas.
importantes na resistência: batata - Phytophthora in.festans, linho - visando elucidar cada vez mais o papel das mesmas nas diferentes
Melampsora tini var. tini, tomate - Bot,ytis cinerea, pepino - interações patógeno-planta (Rashid, 2016).
Cladosporium cucumerinum e trigo - Puccinia graminis f. sp.
triiici. Em interações envolvendo bactérias, a ligni.ficação e a alta 35.1.2.2. Estruturas de deíesa histológica
atividade da peroxidase, que ocorrem nos tecidos de hidatódios
em folhas de repolho resistentes a Xanthomonas campestris pv. • Camadas de abscisão
campestris, mostram-se como importantes componentes na defesa Na maioria das espécies vegetais, a abscisão de folhas,
(Gay & Tuzun, 2000). flores, frutos ou partes de alguns desses órgãos é precedida pela
formação de uma camada ou zona de abscisão. No caso de folhas,
• Glicoproteínas ricas em hidroxiprolina zonas de abscisão podem ser formadas .em tomo dos sítios de
As glicoproteínas ricas no aminoácido hidroxiprolina infecção fúngica, bacteriana ou virai. Essas zonas podem ser
(GPRHP), bem como aquelas ricas e,m prolina e/ou glicioa, sãQ precedidas pela formação de zonas de lignificação internamente

427
Manual de Fítopatologia

ãs mesmas. A zona de abscisão é caracterizada pela dissolução da tecidos sadios da planta por esses patógenos, além de interromper o
lamela média entre duas camadas de células adjacentes. através fluxo de nutrientes e água em direção ao invasor e o fluxo de metabó-
da ação de enzimas, principalmente celulolíticas e pectinolíticas litos tóxicos em direção ao hospedeiro. Os tecidos mortos envoltos
(Figura 35.6A). Essa dissolução causa a separação das células, pelas camadas de coniça, os quais incluem o patógeno, podem
com o consequente afrouxamento dos tecidos envolvidos. o que pennanecer na planta, originando manchas necróticas (lesões).
pode levar à queda dos tecidos contendo o patógeno. Dessa forma, como as observadas em folhas de morangueiro infectadas por
nas interações planta-patógeno. a camada de abscisão separa o Mycosphaerellafragariae, ou podem ser empurrados pelos tecidos
tecido sadio do tecido doente. protegendo o restante da planta sadios em direção ao exterior da planta, originando sintomas como
contra a subsequente invasão pelo patógeno e contra a ação de os que ocorrem na sarna da macieira (Venturia inaequa{ís).
metabólítos tóxicos do mesmo. A formação de zonas de abscisào
• Tiloses
é observada, por exemplo, nas interações pessegueiro - Wilso-
nomyces carpophilus e ameixeira - Xanthomonas arboricola São fonnadas nos vasos do xilema em resposta a estresse
pv. pruni, onde os sintomas de perfurações ('"furo-de-bala") nas abiótico, envelhecimento e/ou invasão por patógenos vasculares.
folhas devem-se à queda de pequenos círculos de tecidos doentes. O protoplasma das células parcnquimáticas adjacentes .io xilema
sofre um processo de hipertrofia e cresce para o interior do xi lema
• Camadas de cortiça através das pontuações (Figura 35.6C). Essas projeções proto•
Podem ser formadas em resposta à injúria mecânica e plasmáticas podem aumentar em tamanho e número no interior
à presença de patógenos, principalmente fungos c bactérias <los vasos, levando à obstrução parcial ou total dos mesmos. Essa
(Figura 35.6B). As camadas de cortiça originam-se de células obstrução irá restringir o transporte de água, bem como podera
formadas a partir do felogênio (tecido meristemático). Essas conter o avanço do patógeno para outros locais do hospedeiro.
células caracterizam-se pela presença de suberina (polímero inso- Obviamente. a fonnação de tiloscs pode contribuir com a resis-
lúvel associado com ceras solúveis) e protoplasma morto. A ativi- tência da planta apenas quando esta ocorre precocemente e na~
dade do felogênio nos pontos de penetração e crescimento dos pató- áreas próximas ao sítio inicial de infecção. De maneira geral.
genos origina as células de cortiça. as quais impedem a invasão dos plantas resistentes a murchas vasculares exibem a capacidade de

(A) Camada de abscisão (B) Camada de cortiça

Zona de abscisio
( Camada de cortiça
Células sadias suberizadas Zona de llgnlficação
Tecido doente
I
- Tecido doente
Tecldo sadio - ,

Floema

(C) Tiloses

Célula parenquimática

Tilose

Célula rarenqulmitlca

Figura 35.6 - Estruturas de defesa histológica: (A) camadas de abscisão; (B) camada de cortiça; (C) tiloses.
Foote: Adaptada de Kenaga (1974).

428
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

formar maiores quantidades de tiloses do que plantas suscetíveis. 35.2.1. Fatores de Resistência Bioquímicos
Na interação algodoeiro - Verticillium albo-atrum (v. dahliae), por Pré-Formados
exemplo, a rápida obstrução dos vasos do xi lema por tiloses contribui Inúmeras substâncias pré-formadas, também conhecidas
para a resistência das plantas, reduzindo o avanço sistêmico do füngo
como fitoantecipinas (Clive Lo & Nicholson, 2008; Pedras &
a partir das raízes para outros tecidos. Essa restrição no movimento
Yaya, 2015), exibem atividade antimicrobiana e estão envolvidas
do patógeno é seguida pelo acúmulo de terpenoides fungitóxicos.
na resistência das plantas contra fitopatógenos (Tabela 35.1; Stoessl,
35.2. FATORES DE R ESISTÊ~CIA BIOQUÍMICOS 1985). Geralmente, essas substâncias estão presentes em altas
concentrações nos tecidos sadios das plantas, e, em alguns casos,
As reações bioquímicas que ocorrem nas células do hospe- como resultado da infecção, podem ser convertidas em substân-
deiro produzem substâncias que se mostram tóxicas ao patógeno cias altamente tóxicas. Dentre as substâncias pré-formadas, a
ou criam condições adversas para o crescimento do mesmo no inte-
natureza química das mesmas pode ser representada por fenóis,
rior da planta. Embora os mecanismos estruturais possam atuar,
alcaloides, lactonas, terpenoides e, recentemente, até mesmo, por
em diferentes níveis. na defesa das plantas contra alguns pató-
proteínas e peptídeos (expressos constitutivamente; Tabela 35.2),
genos, pesquisas mostram que, na maior pane das interações, são
dentre outras.
as substâncías produzidas nas células do hospedeiro. antes ou após
a infecção, que contribuem significativamente para a resistência 35.2.I.1. Compostos fenólicos
(Piasecka et ai., 2015).
• Ácido protocatecoico e catecol
Da mesma forma que os fatores estruturais, os fatores bioquí-
micos de resistência podem ser subdivididos em pré-formados Foram os primeiros compostos pré-formados envolvidos na
ou p6s-íormados, em fünção da chegada do patógeno nos tecidos resistência de plantas contra fitopatógenos a ser isolados e carac-
da planta (Figura 35.2). De maneira geral. as substâncias pré- ou terizados quimicamente. Esse trabalho de pesquisa. realizado por
pós-formadas, para contribuírem na resistência, devem estar J.C. Walker e colaboradores, na Universidade de Wisconsin, nos
presentes e/ou ser acumuladas em concentrações adequadas nas E.U.A., 85 anos atrás (1930-1933), com o patossistema cebola-
panes invadidas e em fonnas acessíveis ao patógeno. Além disso, Colletotrichum circinans, é tido como o exemplo clássico de fatores
alterações na concentração dessas substâncias devem ser correla- bioquímicos envolvidos na resistência. O fungo C circinans, agente
cionadas com mudanças na expressão da doença. causal da antracnose da cebola, é um parasita fraco, exibindo pouca

Tabela 35.1 - Exemplos de substâncias antimicrobianas pré-formadas envolvidas na resistência das plantas contra patógenos.

Es11rcic, l'getal Substânria Forma atÍ\ a Grupo qulmico'

Acer platanoides Fenol


Áéido gáljco
("Norway mapple")
Allium cepa Ftmol
Ácido protocatecoico e catecol
(cebola)
Avena sativa Saponina triterpenoide
Avenacinas
(aveia)
Hordeum vulgare Derivados de cumaroilagmatina
Hordatinas
(cevada)
Trítícum aestivum Glicosídeo de dihidroximetoxibenzoxazinona Hidroxamato cíclico
DIMBOA
(trigo) (DIMBOA)
Lotus cornículatus Cianeto de hidrogênio
Linamarina
(comichão)
Tulipa gesneriana Lactona
Tuliposídeos A e B Tulipalinas A/B
(tulipa)
Ma/us syfrestris
Floridizina e Aorctina o -Quinonas
(macieira)
Pyrus communis Hidroquinona
Arbutina
(pereira)
Solanum lycopersicum Saponina alcaloide
Tomatina
(tomateiro)
a - Solanina Saponiaa alcaloide
Solanwn tuberosum
a - chaconina
(batateira) Ácidos clorogênico e cafeico Fenol

1Indica que a substância exibe atividade antimicrobiana na sua fonna natural de ocorrência na planta e não requer a conversão hidrolítica para
uma forma ativa.
Fonte: Modificada e adaptado de Mansfield ( 1983 ).

429
Manual de Fitopatologia

Tabela 35.2 • Exemplos de proteínas e peptideos anti-microbianos envolvidos na resistência das plantas contra patógenos.

Ti(ln ,\ti\ idade biológica


Quitinase; ~-1,3-glucanase Ação sobre componentes da parede celular do patógeno
Proteínas ligantes de quitina Interferência na síntese da parede celular do patógeno
Tioninas/Defensinas Desestabilização da membrana fiíngica
Proteínas de transferência de lipídeos Possivelmente desestabilização da membrana fúngica
Proteínas inativadoras de ribossomos Inibição da elongação de peptídeos
Lisozima Digestão dos polímeros da parede celular bacteriana
Inibidores de proteases Inibição de enzimas digestivas de pragas e patógenos
Inibidores de poligalacturonase Inibição da ação de poligalacruronases

capacidade para infectar panes da planta em ativo crescimento. inicialmente resistentes, à medida que o conteúdo de ácido cloro-
O conídio germina em água, sobre os escamas externas mortas e gênico diminuía nas raízes, em função da idade, o tecido come-
secas dos bulbos brancos de cebola, desenvolvendo-se saprofi- çava a exibir um aumento na suscetibilidade.
ticamente. A seguir, quando o micélio está bem estabelecido no
• Floridizina e arbutina
tecido morto, o mesmo penetra diretamente para o interior das
escamas internas vivas e carnosas, passando a crescer como um São glicosídeos fenólicos (Figura 35.7). A floridi;ána contribuí
parasita. Os bulbos brancos mostram-se altamente suscetíveis na resistência de macieiras contra Venturia inaequalis, agente
ao ataque do patógeno, enquanto os bulbos coloridos (verme- causal da sai.ma. Sob a ação de ~-glicosidases, a íloridizína
lhos ou amarelos) mostram-se resistentes. A resistência é devida origina a aglícona floretina. O glicosídeo fcnólico bem como
ao ácido protocatecoico e ao catecol (Figura 35.7), da classe sua aglicona. através da ação de polifenoloxídases, são oxidados
dos compostos feoólicos, que são incolores, solúveis em água e e convertido s, via o-difenóis, em o-quinonas altamente instá-
tóxicos aos esporos em fase de genninação. Esses compostos são veis e fungitóxicas. Por sua vez, a arbutina presente cm folhas e
produzidos nas escamas coloridas do bulbo, mas são indepen- ramos de pereira mostra-se envolvida na resistência dessa frutí-
dentes dos pigmentos (flavonas e/ou antocianinas) presentes. O fera contra a bactéria Erwinia amylovora, agente causal do fogo
ácido protocatecoico e o catccol difundem-se facilmente para o bacteriano ("firc-blight''). A molécula de glicose é removida da
exterior das escamas mortas e inibem a gem1inação dos conídios, arbutina através de hidrólise catalisada por 13-glícosidase, origi-
causando alise dos mesmos. São incapazes. porém, de difundir-se nando a aglicona dihidroquinona. a qual passa a exibir atividade
para o exterior das escamas vivas e carnosas. As escamas vivas, antíbacteriaoa em função de sua oxidação para semiquinona.
portanto, não possuem proteção contra o patógeno, mostrando-se
35.2.1 .2. Saponinas
suscetíveis ao mesmo.
As saponínas ocorrem amplamente no reino vegetal e são
• Ácido clorogênico
metabólitos secundários glicosilados, contendo. por exemplo, agli-
É um composto fenólico caracterizado como um éster conas do tipo alcaloide ou triterpenoide, e provavelmente se cons-
de ácido cafeico e ácido quínico (Figura 35.7). É amplamente tituem no maior grupo de compostos antifúngicos pré-formados
distribuído em diferentes partes de muitas plantas e, geralmente, (Piasecka et ai., 20 15). Uma das características das saponínas é a
ocorre nos tecidos em quantidades facilmente detectáveis. Pode lise de células que contenham esteróis na membrana.
ser oxidado por enzimas do tipo polifenoloxidase, usando 0 2
como aceptor de elétrons, dando origem a quinonas altamente • a.-Tomatina
tóxicas aos microrganismos (Figura 35.8). As quinonas atuam É um alcaloide glicosídico encontrado em plantas de tomate
em processos enzimáticos vitais de fungos e bactérias, inibindo. e incluído no grupo das saponinas. Alcaloides são compostos
por exemplo. a ação de fosforilases, desídrogenases, carboxi- aromáticos nitrogenados encontrados em muitas plantas, sendo
lases e coenzimas. O ácido clorogênico pode também funcionar que normalmente o átomo de nitrogênio localiza-se em um anel
nas plantas como um intermediário metabólico na formação heterocíclico. A tomatina, tem sido envolvida na resistência
de compostos fenólicos insolúveis (lignina e polímeros seme- de tomates a Sclerotium rolfsii. O sítio de ação desse alcaloide
lhantes à lígnina) associados com a resistência. Em.função dessas envolve a membrana plasmática fúngíca. Como as saponinas em
características, o ácido clorogênico tem sido apontado como um geral, a tomatína reage com os esteróis da membrana, formando
composto importante na resistência das plantas contra fitopató- complexos insolúveis, fato que leva à alteração dos poros exis-
genos. Como exemplo clássico, pode-se citar a resistência da tentes na m esma. Em função dessa mudança irreversível na
batata contra Verticil/ium albo-arn,171. O conteúdo de ácido cloro- permeabilidade seletiva da membrana, o conteúdo celular extra-
ginico nas raízes de plantas de batata está diretamente relacio- vasa para o meio externo, ocasionando a morte da célula füngica.
nado com a resistência à murcha de Verticillium. Os cultivares Alguns patógenos mostram-se pouco sensíveis ou mesmo insen-
resistentes exibem maior concentração do ácido que os cultivares síveis à tomatína, o que explica o sucesso dos mesmos como
suscetíveis. Estudos demonstraram que, em alguns cultivares patógenos do tomateiro. A tomatina não exibe ação fungicida

430
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

CH.OH -o~. HH H
Ho-Q-~ c-c-c-OOH
H H H
HO-o-~C-C-C__A__OH
~
OH
H
H0 OH :H -
orbutioa
- li
OHO H H
I I - D
O H H
1
0-9licose
.~

f loretino floridizina
arbutina

ÃOH ~e o
li
H2 C-C=CH 2
1 1
VOHOH
HO-CH2-CH2 -C-C-O~licose
li
H2 c
\I
c=o

tulipos(deo A
dcido protocatecofco lactono A

0
yoH HO H2 C O
1 li U
OH HO-CHz-CH-C-C-0-GlicoH

cotecot tulipos(deo B loctono B

HOObo-LH=cJ\.OH
. "=< OH
HO OH
HO

ovenocino ácido clorogênlco

R: ~ - D-glieose, 1,4 - 13- D-glicose,


1,2 - a- L - orabinose - 1,3

Figura 35.7 - Estruturas de algumas substâncias pré-fonnadas envolvidas na resistência das plantas contra fitopatógenos.

o
HO
0
~o-0unato
HO
OXIDAÇÃO
ºN .
Figura 3S.8 - Oxidação do ãcido clorogênico com a consequente produção de quinonas fungitóxicas.

431
Manual de Fitopatologia

em pH menor ou igual a 4,5. Para ser efetiva, C=N C= N


o pH necessita ser maior ou igual a 6,0. Alguns 1 1
dos patógenos causadores de podridão do fruto (A) ~- Glicose - O-C-CH3
1
Ho-9- CH 3 + Glicose
corno, por exemplo, Bot1J1tis cinerea, S. rolfsii e ~- gllcosldase
CH3 CH3
Monilinia .fructigena, podem diminuir o pH do
Llnamarina Hldroxilsobutlronitrilo
meio, inibindo a ação desse alcaloide. Por outro
lado, patógenos insensíveis à tomatina podem
ser capazes de inativar essa saponina. Septoria
0xlnltrilase
lycopersici possui a capacidade de inativar a
tomatina in vitro e nas folhas infectadas de
tomateiro. O fungo possui uma enzima extrace- o
lular, constitutiva, que promove a hidrólise de li
uma unidade de glicose da molécula de toma- H3C-C-CH3 + H- CSN
tina, dando origem à tomatidina. Este composto Acetona Cianeto de
mostra-se inativo e tem baixa solubilidade. Hidrogênio

• Avenacinas
(B) H-C:N + HzO
Formam Ida ~
H-C-NH2
Plantas de aveia contêm dois tipos Je sapo- hldrollase
Formam Ida
ninas. Nas raízes são encontradas as avenacinas Cianeto de
(triterpenoidcs glicosídeos), enquanto na parte Hidrogênio
aérea ocorrem os avenacosídeos (derivativos
do furostanol). As avenacinas começaram a ser
Figura 3S.9 - (A) Hidrólise do glicosídeo cianogênico linamarina com a consequente
estudadas 50 anos atrás, em função do possível
produção de glicose, acetona e cianeto de hidrogênio: (B) Mecanismo
envolvimento na resistência de plantas de aveia
de detoxificaçào do HCN, com a produção de formamida, através da
a Goeumannomyces graminis. Esse patógeno
ação da enzima fonnamida hidroliase. produzida por fungos que atacam
causa o mal-do-pé do trigo. Isolados patogênicos
plantas cianogênicas.
ao trigo (G. gruminis var. trifiei) não se mostram
aptos a colonizar os tecidos de plantas de aveia.
Entretanto, as raízes de plantas de aveia mostram-se suscetíveis à maioria dos organismos e microrganismos devido à sna ação
ao G. graminis var. avenoe. Estudos envolvendo o uso de extratos inibitória sobre enzimas contendo metal como cofator, interferindo
de raízes de aveia sobre o crescimento de vários fungos in vitro principalmente na cadeia respiratória. Vários estudos têm demons-
demonstraram que G. graminis var. lritici era iuibido, enquanto trado a liberação de HCN em plantas cianogênicas em resposta à
G. graminis var. avenae crescia nonnalmente no meio._O extrato infecção por fungos nccrotróficos. Porém, com relação ao papel
obtido a partir de um ápice de raiz, colocado em 2 mi de água, dos glicosideos cianogênicos na resistência dessas plantas. não se
mostrava-se capaz de causar uma redução de 50% no crescimento observa uma correlação consistente entre o nível dos mesmos e a
de G. g,·aminis isolado do trigo. Esse princípio tóxico foi ísolado resislência a patógenos específicos. Suporte para a possível contri-
e caracterizado quimicamente, sendo denominado de avenacinas, buição dos glicosídeos na resistência é fornecido pela descoberta
visto possuir quatro componentes (Figura 35.7). A capacidade que patógenos fúngicos de plantas cianogênicas são tolerantes ao
de G. graminis var. avenae mostrar-se insensível às avenacinas HCN. Esses patógenos produzem a enzima formamida hidroliase.
e colonizar os tecidos de aveia deve-se à produção, pelo fungo, que convene o HCN em formamida não tóxíca (Figura 35.9B).
de urna glicosidase extracelular, denominada de avenacinase, que No caso de plantas de sorgo. quando as folhas dessa gramínea
efetua a remoção do açúcar tenninal da cadeia de carboidrato são inoculadas com Gloeocerscosporo sorghi, agente causal da
dessas moléculas, dando origem às avenaminas, as quais não mancha zonada, observa-se um aumento de aproximadamente
exibem atividade biológica inibitória. Assim, a patogenicidade de 20 vezes na atividaue de P-glicosidase durante as pnmeiras
G. grominis var. avenae em plantas de aveia é dependente de sua 24 horas, atividade esta que permanece elevada e constante por
habilidade específica em hidrolizar os compostos tóxicos, através 72 horas. Esse aumento na atividade enzimática é correlaci0nado
da ação da avenacinase, dando origem às agliconas inatívas. com a elevação do conteúdo de HCN no tecido foliar da planta
Por sua vez, nas primeiras 18 horas após a inoculação, a ativi-
35.2.1.3. G licosíd eos cia n ogên icos dade da formamida hidroliase (cianeto hidratase) produzida pelo
patógeno começa a se elevar nos tecidos atingindo, 36 horas mais
• Lina ma rina e durina tarde. um valor 200 vezes maior do que o valor inicial. Em função
Esses compostos são classificados como glicosídeos ciano- desse aumento na atividade da fonnamida hidroliase, pode-se
gênicos (Figura 35.9). Mais de 3.000 espécies de plantas são ciano- observar o acúmulo de formamida nos tecidos da planta, o que
gênicas (Gleadow & Mo Iler, 2014), sendo esses compostos encon- evidencia a capacidade do fungo em inativar o HCN e colonizar
trados nas raízes, ramos, folhas, flores e frutos. São, aparentemente, o hospedeiro.
armazenados no vacúolo das células. Em decorrência da injúria
mecânica ou ação de patógenos. os glicosídeos entram em contato 35.2.1 .4. Glicosideos sulfurados
com enzimas hidrolíticas como, por exemplo, ~-glicosidase e oxini-
trilase em plantas de trevo (Lotus comiculatus) contendo linama- • Glicosinolatos
rina (Figura 35.9A). o que resulta na produção instantânea do gás Glicosídeos apresentando enxofre em sua estrutura são deno-
cianeto de hidmgênio (HCN). O HCN mostra-se altamente tóxico minados de glicosinolatos e estão presentes nas plantas. princi-

432
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

paimente em crucíferas (Brassica spp.) (Pastorczyk & Bednarek, constitutivamente, o que é comum em órgãos de armazenamento e
2016). A injúria do tecido vegetal por fitopatógenos e insetos leva a reprodução, enquanto em outros órgãos, como as folhas, eles são
hidrólise dos mesmos, através da ação de uma tioglicosidase espe- produzidos em resposta ao ataque de patógenos. Nesse contexto,
cífica denominada de mirosinase, mantida na planta separada dos aqui serão considerados as proteínas e peptideos que podem ser
glícosídeos por compartimentalização, liberando produtos alta- constitutivos e contribuir para a defesa das plantas.
mente tóxicos, como isotiocianatos voláteis, nitrilos e tiocia-
• Quitinases e ~1 ,3-glucanases
natos. Esses produtos são conhecidos coletivamente como "óleos
de mostarda". Por exemplo, o espectro de atividade fungitóxica São enzimas líticas que lúdrolisam a quitina (um polímero de
dos glicosinolatos é amplo, sendo que ín vitro os mesmos podem N-acetilgluc-0samina) e as P-1,3-glucanas, respectivamente. Essas
ser efetivos contra patógenos e não-patógenos. Embora os meca- lúdrolases ocorrem n.ormalmente nas plantas (flores, folhas, raízes)
nismos de ação não estejam completamente esclarecidos, a hipó- e podem estar envolvidas n.a defesa das mesmas contra fungos,
tese mais plausível, por exemplo, para os isotiocianatos, aponta uma vez que os polímeros acima se mostram como os principais
para a ocorrência de uma interação não-específica e irrever- constituintes da parede celular fúngica. AJém disso, a atividade
sível com grupos sulfidrila, ligações disulfeto e arnino grupos de dessas enzimas também pode ser elevada nos tecidos vegetais em
proteínas e resíduos de aminoácidos. Por sua vez, o tratamento ín resposta à infecção e a tratamentos hormonais (etileno) e químicos
vitro com alil-isotiocianato ocasionou a perda de eletrólitos por (metais pesados). As quitinases e P-1,3-glucanases são agrupadas
parte de células de bactérias não fitopatogênicas, como Esche- dentre as "Proteínas Relacionadas à Patogêncsc" (Proteínas-RP)
richia coli e Listeria monoc.ytogenes. Dessa maneira, o sistema (item 35.2.2). Planlas superexpressando constitutivamente alguns
glicosinolato/mirosinase pode ser visto como um mecanismo de genes codificadores de protcínas-RP exibem aumentos na resis-
defesa das plantas contra patógenos, embora alguns desses orga- tência contra fitopatógenos, visto que essa estratégia garante a
nismos possam evitá-lo. Além disso, a possibilidade do uso de presença das proteínas em níveis adequados para a resistência antes
alguns desses produtos como medida alternativa no controle de da chegada do patógeno. Por exemplo, plantas transgênicas de
doenças em pós-colheita, por exemplo, através da biofumigação, tomate superexpressando simultaneamente transgcnes para quiti-
vem sendo estudada (Mari et ai., 2008). nase e P-1,3-glucanase mostrnrnm-se altamente resistentes a Fusa-
rium oxyspomm f.sp. lycopersid do que plantas não ellpressando
35.2.1.5. Ácidos hidroxicarboxílicos ou expressando somente um dos genes.
• TuJiposídeos • Lisozimas
São exemplos de ácidos llidroxicarboxílicos insaturados São enzimas que inibem o crescimento bacteriano através
ocorrendo como glicosídeos em tecidos de plantas de tulipa. da hidrólise do peptideoglicano presente na parece celular, sendo
Aparentemente, os tuliposídeos são armazenados nos vacúolos que as da clara do ovo e dos bacteriófagos são as mais estu-
das células. Esses compostos mostram-se instávejs em pH m~ior dadas. Existem trabalhos mostrando a ocorrência dessas enzimas
que 5,0 e são fácil e rapidamente convertidos em lactonas insa- em plantas, porém muitas vezes as mesmas também apresentam
turadas, em função de aumentos no pH {7,5) ou pela ação de atividade de quitinase. O papel dessas enzimas na resistência das
P-glicosidases (Figura 35.7). As lactonas são compostos biologi- plantas ainda carece de mais estudos, embora plantas tTaosgê-
camente ativos e que exibem propriedades antibacteriana e anti- nicas de maçã e batata expressando genes codificadores da liso-
fúngica. Os tuliposídeos mostram-se envolvidos na resistência de zima, obtidos a partir de um fago, tenham exibido aumentos na
bulbos de tulipa a Fusarium oxysporum f. sp. tulipae e de pistilos resistência contra Erwinio spp. Uma lizozima vegetal exibindo
a Botrytis cinerea. No caso de bulbos em desenvolvimento, estes atividade antibacteriana e anti fúngica foi isolada de feijão-mungo
são atacados por F oxysporum somente algumas semanas antes (Phoseolus mungo) (Wang et ai., 2005).
da colheita, mesmo que o bulbo-mãe plantado esteja infectado ou
contaminado coro conídios. Durante esse curto período de susce- • Tionines
tibilidade, a escama branca externa, que nonnalmente possui São peptídeos com cerca de 5 kDa e ricos em cisteína e
uma alta concentração de tuliposídeos e mostra-se resistente ao aminoácidos básicos, sendo que as mesmas podem ser constitu-
fungo, muda sua coloração para marrom palha e fica praticamente tivas ou induzidas por patógenos (item 35.2.2 Proteinas-RP -
desprovida de substâncias antimicrobianas. Coincidentemente, família PR-13) e encontradas em sementes e folhas (Stec, 2006).
as escamas brancas internas, que se mostram temporariamente Esses peptídeos são tóxicos a fungos, bactérias, bem como células
suscetíveis à colonização pelo fungo, exibem um baixo conteúdo vegetais e animais, provavelmente devido a capacidade em formar
de tuliposídeos. Entretanto, alguns dias após a colheita, a concen- canais iônicos nas membranas celulares, e consequentemente alte-
tração de tuliposídeos aumenta rapidamente nas escamas brancas, rando a concentração de íons importante para a homeostase da
que se tomam novamente resistentes à infecção. Essa coinci- célula. Evidências existem mostrando a possível importância
dência do aumento na suscetibilidade das escamas do bulbo com das tioninas na resistência das plantas a patógenos. Por exemplo,
a diminuição no conteúdo de tuliposídeos indica que esses inibi- quando plantas de arroz foram transformadas com um gene codi-
dores constitutivos estão envolvidos na proteção das escamas ficador do peptídeo, os transformantes mostraram-se resistentes a
brancas e, consequentemente, do bulbo em crescimento, contra a infecção pela bactéria Buvkholderia plantarii, enquanto as plantas
infecção por F. oxysporum f. sp. tulipae. não transformadas foram mortas pelo patógeno.
35.2.1.6. Proteínas e peptídcos antimicrobianos • Defensinas
Em adição as proteínas estruturais, as plantas possuem famí- As defensinas vegetais possuem de 45 a 54 aminoácidos,
lias de multi-genes que codificam proteínas e pequenos peptídeos, massa molecular em tomo de 5 a 7 kDa e apresentam carga posi-
os quais são antimicrobianos (Tabela 35.2). Alguns são expressos tiva, sendo que as posições relativas de oito resíduos de cisteina,

433
Manual de Fítopatologia

um resíduo aromático e um glutamato são conservadas (Carvalho e diminuição na suscetibilidade a B. cinerea foram observados
et ai., 2009). Esses peptídeos foram inicialmente descritos em em tomateiro e videira superexpressando o gene pgip de pere-
sementes de trigo e cevada e são similares as defensinas encon- reira, bem como em fumo e Arabidopsis superexpressando o gene
tradas em insetos e mami foros, sugerindo que as mesmas pertencem pgip (Pvpgip2) de feijoeiro. Nesse sentido, pesquisas procuram
a uma super-família de peptideos antimicrobianos. As mesmas aumentar a resistência através do uso de plantas transgênicas
são agrupadas dentre as Proteínas-RP na familia PR-12 (item superexpressando as PI.PGs.
35.2.2). As defensinas causam respostas rápidas em fungos, como
• Proteínas ligantes de quitina (PLQs)
efluxo de K., entrada de Ca2- , alcalinização do meio e mudanças
no potencial da membrana. Existem vários trabalhos mostrando Essas proteínas são caracterizadas pela presença de uma sequ-
o papel das dcfensinas na resistência das plantas, principalmente ência conservada de aminoácidos, conhecida como domínio ligante
ecn sementes germinando e plâotulas. Por exemplo. sementes de quitina ("chitin-binding domain"), consistindo geralmente de
de rabanete produzem quantidade de defensinas suficiente para 30 a 43 aminoácidos. Muitas dessas proteínas já foram isoladas de
protegê-las durante os estádios iniciais da emergência. Por outro diferentes espécies vegetais, especialmente a partir de sementes.
lado, plantas de fumo transgênicas, expressando uma defensina Dentre elas, temos as lectinas, as quais se ligam as• glicanas
de rabanete, mostraram-se mais resistentes ao fungo Alternaria presentes nas glicoproteínas, glicolipídeos ou polissacarídcos. A
longipes. maior parte das lectinas já caracterizadas são proteínas secretó-
rias, as quais acumulam nos vacúolos, parede t:elular ou espaços
• Inibidores de proteases e poligalacturonases intercelulares. Algumas das PLQs são constitutivas, como a~
As enzimas proteolíticas prouuzillas por fitopatógenos obtidas do fluído de lavagem intercelular de folhas de beterraba,
podem atuar na hidrólise de proteínas da membrana e parede enquanto outras são produzidas cm resposta a injúria e ao ataque
celular de plantas (Capitulo 34 desta obra - itens 34.3 e 34.4), de füopatógenos (item 35.2.2 Proteínas-RP - família PR-4). Por
facilitando a penetração e a infecção. Essas enzimas podem ser exemplo, heveina é uma proteína de 4.7 kDa, rica cm cistcína, a
classificadas segundo o tipo de reação catalisada, a natureza química qual basicamente consiste do domínio ligante de quitina, sendo
do sitio catalítico e de acordo com sua estrutura. Nesse sentido, temos seu acúmulo induzido por injúria em folhas, látex e tronco de
como exemplos, a família das seríno proteases, aspártico prote- seringueiras (Hevea brasiliensis). Por outro lado, as vicilinas são
ases, metalo proteases e das cisteíno proteases. Por outro lado, é PLQs presentes nas sementes de leguminosas e outras plantas.
comum a ocorrência de inibidores para essas proteases no reino Trabalhos já demonstraram in vitro que as vicilinas do feijão-de•
vegetal (item 35.2.2 Proteínas-RP - família PR-6), o que pode corda (Vigna unguic11/ata) podem alterar o crescimento e inibir a
representar um mecanismo de defesa. Os inibidores de proteases germinação de esporos de fitopatógenos, como Fusarium solani.
(IPs) são frequentemente agrupados com base nos mecanismos de Fusarium oxysporum, Co/letotrichum musae e Ustilago maydis. A
reação, origem ou similaridades estrutw-ais, e a massa molecular atividade antifüngica das PLQs deve-se principalmente a habilidade
geralmente varia entre I O e 90 kDa. Quanto a especilic'idade; os das mesmas em se ligarem a quitina presente na parede ela hifà, o que
altera a polaridade celular e leva a inibição do crescimento.
inibidores podem reagir com mais de uma classe de pfoteases,
podem ser específicos para uma das classes ou podem apresentar • Proteínas inativadoras de ribossomos (PlRs)
uma alta especificidade para uma única protease. Como exemplos
Essas proteínas ("ribosome-inactivating protcins'' RIPs)
de IPs, temos o inibidor de tripsina em soja e as famílias dos inibi-
foram inicialmente reconhecidas como proteínas inibidoras de vírus,
dores I e II de batata. É comum a presença de lPs em sementes sendo provenientes de espécies de Cmyophyllales. A atividade das
e tubérculos, onde atuam como agentes regulatórios de proteases
PfRs se deve ao fato das mesmas exibirem atividade de N-glico-
endógenas e/ou como mecanismo de proteção contra proteases de sidases. quebrando as ligações N-glicosídicas da adenina em uma
insetos e/ou patógenos. No caso de patógenos, um inibidor espe- sequência específica nos ribossomos de eucariotos, evitando a elon-
cífico para uma protease de Col/etotrichum lindemuthianum foi gação do peptídeo. As P!Rs vegetais inibem a síntese de proteínas
isolado de sementes de feijoeiro. Inibidores de tripsina, obtidos de em mamíferos, plantas, fungos e bactérias tanto in vivo quanto in
trigo sarraceno (mourisco). inibiram in vilro proteases de Bouytis vitro. Os ribossomos das plantas hospedeiras mostram-se insensí-
cinerea. A superexpressão heteróloga de genes PI de Nicotiana veis as PIRs através de mecanismos desconhecidos. Algumas PIRs
alata em fumo transgênico resultou no aumento da resistência consistem de uma única cadeia polipeptídica (Tipo 1), enquanto
contraB. cinerea. Porém, essa área ainda carece de trabalhos rela- outras são proteínas dimérícas, com uma cadeia polipeptídica catalí-
cionando IPs de plantas a enzimas presentes em patógenos, tica e a outra cadeia responsável pela translocação nas células, através
As poligalacturonases produzidas por fitopatógenos são do reconhecimento de receptores proteicos (Tipo 11), enquanto nas
essenciais em muitas doenças (Capítulo 34 desta obra - item PlRs tipo 111, ambos os domínios estão contidos em um único poli-
34.3.1). Portanto, inibidores dessas enzimas podem contri- peptídeo. Como exemplos de PlRs, temos a ricina da mamona e as
buir para a resistência das plantas. Várias proteínas inibidoras a- e ~-pisavinas das sementes de ervilha. Uma PIR isolada de grãos
de poligalacturonases (PIPGs) já foram isoladas de·dicotiledô- de cevada inibiu in vilro o crescimento de Trichoderma reesei e
neas e de maneira semelhante aos genes de resistência, possuem Fusarium sporotrichioides e um efeito inibitório sinergístico ocorreu
domínios repetidos ricos em leucina (Di Matteo et ai., 2006). As em função de duas outras proteínas presentes nas sementes, uma
PIPGs contribuem na resistência contra fungos não somente pela P-1,3-glucanase e uma quitinase. Por sua vez, o gene b-32 codifi-
inibiç.ão dessas enzimas, mas também pelo fato de prolongarem cador de uma PIR em milho, a qual é encontrada no endosperrna.
a vida de oligômeros constituídos dei 0-13 resíduos de galac- foi utilizado para a obtenção de plantas transgênicas, tendo sido
turonato, os quais são eliciadores da defesa das plantas. como verificado que a PIR estava presente em extratos proteicos de
a resposta de hipersesibilidade, lignificação e síntese de fitoale- folhas de milho e que as plantas nllo transgênicas eram mais
xinas. Aumentos significativos na atividade inibitória de PIPG suscetíveis ao Fusarium verticíllioides (Lanzanova et ai., 2009).

434
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

• Proteínas de transferência de lipídeos (PTLs) para a restrição do desenvolvimento de organismos patogênicos após
As PTLs ("lipid transfer proteins'' - LTPs) são proteínas a infecção. Por exemplo. plantas de Tagetes sp. produzem a fototo-
pequenas (9 a I OkDa), básicas (contendo oito resíduos de cisteína) xina a-tertienil, que quando exposta a radiação ultra-violeta, como
e estabilizadas por quatro pontes disulfeto, as quais efetuam a a presente na luz solar, conduz a formação de "singlet oxygen"
transferência de fosfolipídeos entre membranas. Elas possuem tóxico. o qual funciona como nematicida (Wang ct ai., 2007).
uma estrntura interna típica, representada por uma cavidade hidro- 35.2.2. Fatores de Resistência Bioquímicos Pós-Formados
fóbica, semelhante a um túnel, que se estende pela molécula. O
mecanismo envolvido na ação antifúngica é desconhecido, porém Os fatores bioquímicos pós-formados mostram-se ausentes
é sugerido que as PTLs se inserem na membrana das células. onde ou estão presentes em baixos níveis nas plantas antes da infecção.
a cavidade central da molécula fom1a um poro, o que permite a São produzidos ou ativados em resposta à presença dos patógenos.
saída de ions intracelulares, com a consequente morte do fungo. As Por uma questão didática, Jeveriam ser incluídas nesta categoria
PTLs de diferentes plantas possuem uma faixa de especificidade na apenas as substâncias sintetizadas a partir de prccun.ores remotos
atividade contra fungos fitopatogênicos e algumas também podem após a infecção, sendo as fitoalexinas o exemplo clássico. Subs-
exibir ação antibacteriana. Por exemplo. csnidos já demonstraram a tâncias do tipo glicosídeos fenólicos, glicosídeos cianogênicos e
capacidade de PTLs na inibição de diferentes fitopatógenos, como enzimas hidrolíticas (por exemplo, quilinases e 13-1,3-glucanases),
RalsronilJ solanacearum. C/avibacrer michiganensis, F11sari11m que são simplesmente ativadas ou exibem aumt:nto na atividade
solani e Rhizoctonia sofani, além do não-patógeno Tricl10dem1a após a infecção, podem ser colocadas na categoria de fatores de
1•íride. Em beterraba, foi demonstrado que o Auído de lavagem resistência bioquímicos pré-formaJos. Obviamente, essa subdi-
visão não é rígida. haja visto que as prote ínas e peptídeos anti-
intercelular continha duas proteínas, as quais foram classificadas
microbianos também podem ser produzidos a partir de precur-
como PTLs não-específicas. Essas proteínas exibiram in vitm
sores remotos, caso se considere os diferentes aminoácidos que
atividade antifúngica contra Cercospora hetico/a, agente causal da
as compõem. Além disso, existem as espécies ativas de oxigênio.
macha da folha, em concentrações menores do que 10 µg/ml.
produzidas quando da infecção <la célula vegetal por um patógcno,
35.2.1.7. Fototoxinas e que não são originárias <le precursores remotos.

As fototoxinas ou fotossensores são moléculas produ- • Espécies utivas de oxigênio


zidas por vegetais e apresentam a capacidade de se tornar tóxicas As espécies ativas de oxigênio. também conhecidas corno
(biacidas inespecíficos) na presença de luz, devido à absorção de espécies reativas de oxigênio (EROs), são moléculas reduzidas,
energia principalmente na faixa entre 320 e 400 nm. Inúmeras transitórias e altamente reativas, produzidas no caminho metabó-
fototoxi nas já foram isoladas, sendo as mesmas produzidas através lico de transformação do oxigênio molecular (02) a água (Hp). A
de diferentes caminhos biossintéticos e pertencendo a várias partir da adição de um elétron, o oxigênio molecular é convertido
classes químicas (Tabela 35.3). Essas molécula,s podem l"el!gir e ao radical superóxido (O;). processo mediado provavelmente por
danificar componentes celulares vitais, como ácidos nucleicos t a peroxidases, NAD(P)H Õxidases ou mesmo por lipoxigenases.
membrana plasmática, além de contribuírem na produção de radi- Por sua vez, o O; pode passar por reações de oxidorredução ou
cais tóxicos e espécies ativas Je oxigênio (item 35.2.2 Espécies ser dismutado e regenerar O, e peróxido de hidrogênio (11,0,),
ativas de oxigênio). A presença de fototoxinas em tecidos vegetais o que pode ocorrer espontanêamente em pH neutro ou ptla ãção
sadios sugere que essas moléculas funcionam como mecanismos da superóxido dismutase. O Hp2 pode ser reduzido ao radical
de resistência pré-formados. Além disso. também podem aumentar hidroxil (OH·), convertido a H.,O e O, pela ação da catalase ou
em concentração nas células ou tecidos expostos a fitopatógenos ou convertido a H,O pela oxidação de moléculas, como ascorbato,
outros agentes bióticos/abióticos, consequentemente contribuindo via peroxidases~

Tabela 35.3 - Exemplos de fototoxinas exibindo ação bactericida ou fungicida sobre alguns fitopatógenos.

Cl:1SSl' química G~nl'ro, dl' mkrorganismos ,uscclÍ\l'is

Acetilenos Agrobacterium. Bipolaris. Botrytis, Clado~7Jorium, Fusarium, Helmithosporium, Phytophthora. Pseudomonas


Furanocumarinas Alternaria. Botrytis. Ceratocy,çtis. Colletotrich11111, lfrwi11ia, Fusarium, Geotricl,um, Cloeosporium, Penici/lium
Furanoquinolinas Fusari11m, Penicillium
1soquinolinas Phymatotrichum
Lignanas Pythium, Rhi=octonia, Rhizopus
Botrytís, Co/letotrichum, Erwinia. F11sari11m, Helminthospol'iwn. Phytophrhora, Pseudomonas, Rhizactonla.
Pterocarpanos
Sclerotima. Stemphylium
Sesquiterpenos Xanthomonas
Agrobac~rium, Alternaria. C/adosporium. Colle101rich11m, Fusarium, Pythium, Pseudomonas. Rhi::ocronia,
Tiofenos
Rhizopus

Fonte: Pascholati & Leite ( 1994).

435
Manual de Fitopatologia

As EROs podem se acumular rapidamente no inicio do lizada e caracterizada químicamente. Essa fitoalexina foi deno-
processo infeccioso em interações patógeno-bospcdeiro compa- minada de pisatina (Figura 35.10), um derivado pterocarpano,
tíveis ou incompatíveis, fenômeno conhecido como explosão tendo sido isolada de vagens de ervilha inoculadas com Moni-
oxidativa (Kaurilind et ai., 2015). A explosão tem sido verifi- linia fructicola e pennanecendo como uma das fitoalexinas mais
cada comumente em reações de hipersensibilidade em resposta a estudadas.
infecção fúngica on bacteriana. Essa resposta ocorre no intervalo A síntese de fitoalexinas em plantas pode ser induzida por
de segundos ou minutos depois da infecção, sendo que a geração de agentes denominados de cliciadores (alguma vezes chamados
EROs pode ocorrer em duas fases: uma fase inicial que ocorre no de elicitores; item 35.4) ou indutores (item 35.4), os quais
intervalo de minutos após a infecção, e uma fase secundária, que se podem ser, por exemplo. de origem microbiana (exógeno) ou
inicia vãrias horas depois da fase inicial. Embora essas duas fases da própria planta (endógeno). Quimicamente, os eliciadores são
possam envolver substratos similares. ambas são regu-
ladas de maneira independente, visto que patógenos
incompatíveis iniciam ambas as fases de produção.
enquanto patógenos compatíveis induzem somente a
OH
fase inicial.
OH
No contexto da resistência das plantas a pató-
genos. as EROs podem contribuir de diferentes
rishitina gossipol
maneiras, como: atuando diretamente sobre o pató-
geno e consequentemente inibindo o seu desenvolvi-
mento nos tecidos; reforçando a parede celular em vista
do favorecimento da formação de ligações cruz.adas
com proteínas estruturais; fortalecendo a integridade
~=Oic=CCOÜcH=CHCOOCH
da membrana plasmática, devido a redução da sua 0 3

fluidez, em função da peroxidação de lipídeos. Além


disso, dentre as EROs, o peróxido de hidrogênio, por w lerona
ser a espécie mais estável e prontamente transpor-
OH
tada através da membrana, pode estar envolvido na
expressão de genes requeridos na resistência ou na gliceolina 1
formação de mensageiro secundãrio, como o ácido
jasmônico.
Diferentes trabalhos já demonstraram que concen-
trações mícromolares de R,O, inibiam a genninação
de esporos de vários patógênõs fúngicos, enquanto a
concentração de 0,1 mM f\02 inibia completamente o
crescimento de Erwinia carotovora subsp. carotovora e
resultava em mais de 95% de inibição do crescimento
faseolina pisatina
de Phytophthora infesta1is.

• Fitoalcxinas
São definidas como compostos antimicrobianos
OH
de baixa massa molecular, que são sintetizados pelas
plantas e que se acumulam nas células vegetais em
resposta à infecção microbiana (Paxton. 1981 ). A ação
D
HO~-<>-
l)J -
011

desses compostos na resistência de plantas a fitopató- OH

genos tem sido estudada por mais de cinco décadas e luteolinidina


apigeninidina
inúmeros artigos de revisão e capítulos de livros estão
disponíveis (Ahuja et ai., 2012; Arruda et ai., 2016;
Jeandet et ai., 20 13; Man-Ho & Lee, 2015; Resende
et ai., 2008). A existência das fitoalex.inas foi demons-
trada por MUiier & Bõrger (1941) através de experi- OH
mentos envolvendo tubérculos de batata e raças de HO
Phytophthora infestmis. Quando pedaços de tubérs
culos eram inoculados com uma raça incompatível -oz.cJo-?'t
do oomiceto, os mesmos eram protegidos da infecção OH H ~
subsequente quando se inoculava uma raça compa- H HO
tível. Müller & Bõrger sugeriram que um princípio
antioomiceto, que impedia o desenvolvimento da raça éster do ácido cafeico com arabinosil 5 - O • apigeninidina
compatível nos tecidos, era produzido pelas células
do hospedeiro. Devido à 2• Guerra Mundial, somente
20 anos mais tarde a primeira fitoalexina foi crista- Figura 35.1O- Estruturas de algumas fitoalexinas.

436
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

fonnados, de modo geral, por moléculas complexas, englobando não um metabólito secundário vegetal. As fitoalexinas pertencem a
carboidratos, glicoproteínas, polipcptídeos, enzimas ou lipídeos. diferentes classes quimicas, como fenóis do tipo flavonoide (pisa-
Por sua vez, os indutores de origem microbiana, por exemplo, tina, faseolina, gliceolinas, luteolinidina e apigeninidina), polia-
podem ser representados por estruturas intactas ou partes de cetilenos (wierona) e isoprenos, incluindo terpenoides (rishitina e
fungos, células bacterianas, partículas virais, homogenatos livres gossipol) e esteroides (Figura 35. 10). entre outras, sendo que até
de células, etc. No caso dos eliciadores endógenos, os mesmos um determinado grau a classe química das fitoalexinas é relacio-
podem ser formados por fragmentos de material constituinte da nada a família vegetal. Estes compostos são sintetizados através
parede celular da planta (oligogalacturonídeos), os quais são libe- de três caminhos metabólicos: acetato-mevalonato, acetato-malo-
rados pela ação de enzimas degradadoras da parede, produzidas nato e acetato-shiquimato (Figura 35. 11 ). [nibidores da síntese de
por fungos e bactérias ou pelas próprias células danificadas da RNA e proteína geralmente inibem a síntese de fitoalexinas, indi-
planta. Além disso, as fitoalexinas podem também acumular-se cando a necessidade de ambos. Por outro lado, evidências diretas
nos tecidos em resposta a elíciadores de origem abiótica, como demonstraram a ocorrência de aumentos na tradução e transcrição
luz ultravioleta ou metal pesado (HgC1:i), os quais normalmente de genes codificadores de enzimas responsáveis pela síntese de
causam alguma forma de estresse nas plantas (Tabela 35.4). intermediários, bem como das próprias fitoalexinas.
Até hoje, um grande número de fitoalexinas já foi caracte- Embora a maior parte dos estudos envolvendo as fitoale-
rizado (mais de 300 compostos), a partir de plantas de mais de xinas tenha demonstrado a capacidade antifúngica das mesmas,
40 famílias (por exemplo, Leguminosae, Solanaceae, Orchida- esses compostos são classificados como agentes biacidas, visto
ceae e Gramineae), envolvendo desde árvores até arbustos (Ahuja não exibirem uma seletividade toxicológica e mostrarem-se
et ai., 2012; Harbome, 2003). Esses compostos foram isolados, também prejudiciais a bactérias, nematoides, vegetais superiores
principalmente, de dicotilcdôneas (a maior parte deles a partir e animais (Ahuja et ai., 2012). No caso dos fungos, as fitoale-
de leguminosas). Nas monocotiledôneas, por exemplo, já foram xinas afetam o desenvolvimento dos mesmos através da inibição
identificadas fitoalexinas em plantas de arroz, sorgo, milho, da elongação do tubo germinativo, do crescimento da colônia
trigo, cevada, cana-de-açúcar e cebola. Quimicamente, a füoale- (taxa de crescimento radial) e do acúmulo de matéria seca. Geral-
xina mais simples é o ácido benzoico, fonnado em macieira, em mente, o ápice das hifas mostra-se altamente sensível às fitoale-
resposta à infecção por Nectria galligena, embora trabalhos tenham xinas, devido, principalmente, à inibição da atividade de enzimas
mostrado que o enxofre produzido na forma de ciclo-octaenxofre envolvidas na síntese da parede celular, o que resulta no intumes-
(S8) pode ser considerado uma fitoalexina em cacaueiro em resposta cimento e ruptura das hifas. Para as bactérias, a ação das fitoale-
à inoculação com Verticillium dahliae. O enxofre S8 pode ser consi- xinas envolve, principalmente, a restrição da multiplicação das
derado como a primeira fitoalexina que é um composto elementar e mesmas no espaço intercelular, sendo que geralmente as bacté-

Tabela 35.4 - Influência de agentes bióticos e abióticos no acúmulo de fitoalexinas em mesocótilos estiolados de sorgo.

ftg/grama ele p<'so fresco


Agentes Culti, ares .
Lutcoliniclina :\pigcninidina Ester de :111igcninidina
1

A bióticos
se 175-14 0,129
Luz U.V. Brandes 0,064
DK-18 0,406 0,028 0,027

SCl75-14 0,251
HgCll Brandes 0,072
DK-18 0,458 0,050

Bióticos
se 175-14 0,059 +
Bípolarís zeicola Brandes 0,180
DK-18 0,378 0,011 +

Saccharomyces cerevisae DK-18 0.412 0.ü31 +


SC175-14 0,062 +
Thuricide
DK-18 0,786 0,054 +
Controle
se t75-14
Água Jarandes
DK-18

Fonte: Freitas et ai. ( 1994 ).

437
Manual de Fitopatologia

AÇÚCARES
e~--~~
7 - ._ Cominho da pentose fosfato
Glicólise +
.
+ .
Fiosf oenolp1ruvoto+ Entrose -4- fosfato ____...fenilalonino ,
. ~ Acido benzoico
Caminho do ácido shiquímioo ____..
Cumarinas

F lovonoides
>------~ lsoflovonoides
Estilbenos

Acetilenos
/ / .....----------;:.......----,---1►►
Pir♦voto 1/ 1 / Policet{deos

Acetil-CoA~ - Molonil-CoA

\ ~ Monoterpenos
Ácido mevolõnico _.,. Diterpenos
Ciclo do ácido Sesquiterpenos
tri - carboxílico

Figura 3S.11 - Caminhos metabólicos (acetato-shiquimato, acetato-malonato, acetato-mevalonato) envolvidos na síntese de fitoalexinas.
Fonte: Modificada de Mansfield (1983).

rias Oram + mostram-se ma is sensíveis. A nível fisiológico, o prin- 2014) são flavonoides da classe das 3-deoxiantocianidinas e
cipal efeito das fitoalexinas resume-se em alterações na membrana incluem, por exemplo, luteolinídina, apigeninídina e um éster do
plasmática do microrganismo, o que resulta na perda da integridade ácido cafeico com arabinosil 5-o-apigenioidina (Figura 35. l O).
estrutural dessa membrana, tendo como consequência a perda exage- Através de bioensaios in vitro, esses metabó lítos mostraram-se
rada de eletrólitos e a morte ce lular. Além disso, esses compostos altamente inibitórios a Colletotrichum sublineolum, agente causal
podem também afetar diretamente o metabolismo respiratório. da antracnose do sorgo, em concentrações menores que 9 µM.
No tocante ao envolvimento das fitoalexioas na resis- Como essas fitoalexinas são coloridas, o acúmulo das mesmas
tência das plantas às doenças. uma série de evidências ligando pôde ser visualizado no interior de uma a três células em folhas
a produção desses metabólitos à expressão da resistência é vivas de sorgo, o que corresponde a uma área aproximada de
mostrada no Boxe 35.1. 2.300 µm 2. Essas fitoalexioas seguem um padrão específico de
Para melhor entender o papel das fitoalexinas nas interações acúmulo no interior das células individuais, associadas ao sítio
planta-patógeno, alguns aspectos devem ser destacados. As fito- de infecção. Por exemplo, quando C. sublineolum era colocado
alexinas são sintetizadas nas célnlas vivas afetadas pelo ingresso nos tecidos, a fonnação dos apressórios estava completa 20
do patógeno, e, à medida que a doença progride, esses metabó- horas após a inoculação. Logo após a formação do apressório,
litos acum ulam-se nas células mortas ou nas que estão morrendo. vesículas (inclusões) incolores (inicialmente menores que 1 µm
Na maior parte das interações, as Jitoalexinas são encontradas em diâmetro) apareciam no citoplasma da célula sob ataque e
nos tecidos que circundam o sítio original de infecção, mas não começavam a coalescer (chegando a atingir diâmetros em tomo
necessariamente nas células que foram as primeiras a entrar em de 15-20 µ m) e a locomover-se em direção ao ponto de adesão do
contato com o patógeno. Corno a rmaioria das fitoalexinas são apressório. Durante esse processo, as vesículas passavam a exibir
invisíveis, a localização celular das mesmas mostra-se dificil. uma coloração vermelha intensa, que corresponde à pigmen-
Fitoalexinas identificadas a partir de tecidos de plantas de sorgo tação de uma mistura dessas fitoalexinas. A seguir, essas inclu-
(Nícholson & Hammerschmidt, 1992; Polooi & Schirawski, sões estouravam, liberando o conteúdo no interior do citoplasma

438
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

do fungo. finalmente, com base no aparecimento das vesículas


Boxe 35.1 Fi oalexinas e resistência de plantas nos tecidos de sorgo e na mudança de coloração das mesmas,
à doenças pode-se concluir que a síntese das fitoalexinas ocorre no interior
das vesículas, à medida qne as mesmas movem-se em direção
Inúmeras evidências relacionam a produção de ao sítio de adesão do apressório. Dessa maneira, as enzimas e os
fito alexinas em plantas com a expressão da resistência substratos necessários à síntese das fitoalexinas estariam empaco-
a fitopatógenos (Keen, 1990): tados no interior das inclusões, o que pode sugerir uma maneira
• as planta.s resistentes, invariavelmente, produzem pela qual a célula do hospedeiro evitaria o contato com as fitoale-
altos níveis de fitoalexinas quando comparadas xinas tóxicas q ue ela mesma produz.
às plantas suscetíveis. O aumento na concen- A importância das fitoalexinas na resistência de plantas a
tração das fitoalexinas é acompanhado de alte- patógenos pode também ser evidenciada pela habilidade do para-
rações mas enzimas-chaves das vias biossinté- sita em inativar esses compostos, à medida que o mesmo colo-
ticas de jprodnção das mesmas; niza o hospedeiro (Soledade et ai., 2017). Inúmeras evidências
• a remoçiio de fitoalexinas de um sítio de infecção apontam para a capacidade dos patógenos, principalmente fungos
diminui a resistência da planta, enquanto a apli- necrotróficos, em transformar as fitoalexinas em substâncias com
cação de fitoalexinas awnenta a resistência; menor ou nenhuma ação tóxica. Vários mecanismos podem estar
• a liberação de moléculas que atuam como envolvidos no processo. No caso de fitoalexinas do tipo isoflavo-
supresso,res da produção de fitoalexinas, por noide, por exemplo, a hidroxilação e a desmetilação simultâneas
fitopatógenos, diminui a resistência d a planta; aumentam a solubilidade desses compostos em água e tomam os
• a aplicação de inibidores químicos da síntese de anéis aromáticos mais suscetíveis à quebra oxidativa, com a even-
proteínas ou inibidores de enzimas das vias bios- tual produção de CO,. A fitoalcxina mcdicarpina, prodiuida em
sintéticas de fitoalexinas diminui a produção trevo (Meli/0111s sp), é metabolizada pelo fungo Bollytis cinerea,
destas e compromete a resistência da planta; como mostrado na Figura 35.12. Essa fitoalexina exibe elevada
• elicitores específicos, isolados a partir de wna atividade antifúngica (ED50 = 25 µg/ml em ensaios envolvendo
raça do p atógeno, mostram-se capazes de induzir o crescimento micelial de Cochliobolus carbonum). O produto
a síntese de fitoalexinas na planta tão eficiente- da metilaçiio fúngica, a 6a-hidroximcdicarpina, porém, exibe
mente quanto a raça a partir da qual os elicitores baixa atividade antifúngica (ED 50 > 100 µg/ml). Uma segunda
foram is,olados; oxidação, a qual é efetuada por Colletotrichum cojfeanum, mas
• as fitoak xinas acumulam-se no local e no tempo não por Botrytis, produz o metabólito 6a,7-dihidroximedicarpina,
apropriados para causar a inibição do patógeno desprovido de propriedades fungitóxicas.
nos tecidos do hospedeiro. A pisatina, produzida em tecidos de ervilha, também é
metabolizada através de desmetilação para um composlo menos
fungítóxico, denominado de 6a-hidroximaackiaina. A en,óma
da célula da planta, o que resultava na mort~ da célula. Além disso. pisatina dcrnetilase. responsável por essa detoxificação, foi estu-
as fitoalexinas também extravasavam para o exterior da célula, dada em um grande número de isolados de Nectria haematococca
entrando em contato com o apressório e matando o fungo. Esses (forma imperfeita Fusarium solam). Observou-se que a patoge-
eventos ocorriam de maneira sincronizada e requeriam apenas nicidade desse microrganismo em ervilha é dependente da exis-
5 a 8 horas após a formação de um apressório maduro no tecido do tência de um sistema demetifo.se altamente ativo produzido pelo
hospedeiro. Anális1~s microespectrofotométricas indicaram que a fungo. Assim, uma correlação existe entre a patogenicidade de N.
concentração das fitoalexinas no interior das vesículas mostrava-se haematococca sobre ervilhas e a habilidade do fungo em detoxi-
ao redor de 150 mtvt, e que o acúmulo total em urna única célula ficar (desmetilação) e mostrar-se insensível à fitoalexina pisatina.
individual podia ch1!gar ao uivei de ng. Essas concentrações dentro Por outro lado, estudos com transfonnantes de Cochliobolus hete-
de uma única célula sob ataque do patógeno excedem aquelas rvsrrophus, um patógeno de milho, obtidos pela transformação
necessárias para a inibição do crescimento do fungo in vitro. do fungo com o gene codificando a pisatina demetilasc, eviden-
As observações acima demonstraram que a síntese de fito- ciaram a capacidade dos transfonnantes em causar uma infecção
alexinas em sorgo ocorre antes da morte celular, que a mesma limitada em tecidos de ervilha. Esses resultados também apoiam
ocorre primeiramente no sítio de penetração e que as concentra- a ideia de que as fitoalexinas contri buem para a resistência das
ções dos metabólitos excedem aquelas necessárias para a inibição plantas contra fitopatógenos.

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medícorpino Ga - hídroximedlcorplno Ga .7 - dihidroximedicorpino


( altamente ativQ.) ( fracamente ativa ) ( inativo l

Figura 35.12 Detoxificação da fitoalexina medicarpina por Bo11ytis sp. e Co/Jetotrichum sp.
Fonte: Adaptada de Harbome ( 1988).

439
Manual de Fitopatologia

• Proteínas relacionadas a patogênese (Protefnas-RP) as ilustradas no Boxe 35.2, além de englobarem vários grupos
Essas proteínas ("pathogenesis related proteins"; "PR-pro- de proteínas. as quais não são funcional e estruturalmente rela-
teins'') foram det1ectadas pela primeira vez em torno de 1970 em cionadas, e que tem sido agrupadas em famílias de proteínas.
folhas de fumo Samsun NN, exibindo reação de hipersensibili- de acordo com as sequências similares de codificação, relações
dade ao v(rus do mosaico do fumo (TMV). Esse foi o sistema sorológicas e/ou atividades enzimáticas ou biológicas. Como
que permitiu a caracterização da maior parte das proteínas-RP, ilustrado na Tabela 35.5, existem 17 famílias de proteínas-RP.
cujo conceito inicial designava qualquer proteína produzida pela numeradas na sequência em que foram sendo descobertas (RP- 1
a RP-17), sendo que a função de muitas dessas proteínas ainda é
planta hospedeira, porém induzida somente em situações pato-
desconhecida (Guzzo, 2003). Porém, duas novas famílias foram
lógicas ou relacionadas, incluindo infecções por vírus, fungos e
propostas. as quais incluem as PR-18 (Custers et ai., 2004) e as
bactérias, ataque:s por nematoides parasitas. insetos fitófagos e
herbívoria por animais superiores (Sudisha et ai., 2012). Estresses PR-19 (Sooriyaarachchi et ai.. 2011 ). Na maioria dos casos, um
conjunto de proteínas-RP das diferentes famílias é induzido, ao
abióticos e desordens não eram considerados como indutores
invés de um único membro de urna única família, sendo comum
de protcínas-RP, embora algumas condições fisiológicas não
para algumas protcínns-RP a ocorrência de si.nergism,;> entre e las
infecciosas, como por exemplo. a clorose e/ou necrose indu-
(SouLa et ai. 2017). Finalmente, o sinal para o acúmulo sistêmico
zidas por toxina:;, frequentemente levem ao acúmulo de deter-
das proteínas-RP é desconhecido, embora existam vários candi-
minadas proteínas-RP. Inicialmente, as protcinas-RP encontradas
datos, como o ácído salicílico, etileno, sistemina (peptídeo com
possuíam como caraterísticas serem ácidas, baixa massa molc-
dezoito aminoácidos, móvel e que induz a síntese de inibidores de
cu lar, resistentes a degradação proteolítica e a valores baixos de
proteases em tomateiro) e o jasmonato (o qual atua como regu-
pH, e localizadas predominantemente no espaço intercelular das
lador vegetal natural na senescência).
folhas. Após a infecção, acumulavam nas folhas e outros órgãos,
podendo compreender mais de 10% do total de proteiuas solúveis.
Trabalhos demoustraram a indução de proteínas-RP como Boxe 35.2 Algumas características tisico-químicas
resultado da colonização dos tecidos por fungos e bactérias oão das proteinas-RP
patogênicos ou benéficos. Além disso, demonstrou-se que as
proteínas-RP também são induzidas em resposta a diferentes situ- Essas características são comuns a maior parte
ações de estresse, como seca, salinidade, injúria. metal pesado, das proteínas-RP (modificado de Schwan-Estrada et
tratamento com elicitores endógenos e exógenos, e reguladores ai., 2008):
do desenvolvim1:nto vegetal, sendo que alguns autores, nessa • São estáveis em pH baixo (em torno de 2,8);
situação, as clas:sificam como proteínas de estresse. Em função
• Mostram-se resistentes à ação de enzimas
das pesquisas sobre o tópico, o conceito de proteinas-RP vem
proteolíticas;
sendo alterado. Por exemplo, o termo "proteínas-semelhantes a
RP" ("PR-líke proteins") foi proposto para acomodar proteínas que • Geralmente ocorrem como monômeros, com
massa molecular variando de 5 a 70 kDa;
estão presentes em plantas sadias, sendo inJuzidas essencialmente
de maneira contr,olada e específica em função do desenvolvimento • Podem estar localizadas no vacúolo, parede
do tecido. Essas proteínas não seriam sintetizadas em resposta a celular e/ou apoplasto;
infecção com patógenos ou estresses relacionados, sendo predo- • São estáveis sob altas temperaturas (60-70 °C).
minantemente básicas e localizadas intracelulanncnte no vacúolo.
Porém, uma distinção clara entre proteínas-RP e proteínas-seme-
lhantes a RP muitas vezes toma-se difícil, visto que glucanases Algumas dessas protefnas já foram abordadas no item
e quirinases básicas em folhas maduras podem ser expressas em 35.2. L.6 (Proteínas e peptideos antimicrobianos) (Yan et ai..
função do desenvolvimcuto do tecido ou induzidas em resposta 2015), porém vamos destacar aquelas que exibem atividade de
a infecção no m1~smo órgão. Por sua vez, glucanases e quitinases ~-1,3-glucanase e quitinase. As ~-1,3-glucanases estão agru-
ácidas ou básicas, as quais podem ser expressas constitutivamente padas na família RP-2 (Balasubramanian et ai., 2012), enquanto
em órgãos florais também pode ser induzidas por patógenos nas as quitinases estão agrupadas principalmente na família RP-3,
folhas. Em 2006, Van Loon e colaboradores introduziram o termo e alguns membros nas famílias RP-4. RP-8 e RP-LI (Grover,
geral "proteínas. induzíveis relacionadas a defesa" ("inducible 2012). Essas proteínas-RP exibem formas ácidas e básicas, sendo
defence-related proteins") para incluir proteínas que são principal- que as formas básicas ocorrem, de modo geral, intracelulannente
mente não detectáveis em tecidos sadios, cuja indução seja demons- (nos vacúolos) e as ácidas, extracelularmente (nos espaços inter-
trada após o ataque do patógeno. Portanto, esse tenno englobaria celulares) (Figura 35.13). Vários trabalhos indicam que as formas
as famílias da proteínas-RP e proteínas não-classificadas, mas falha extracelulares possuem uma função imediata na defesa das
na inclusão de várias proteínas que estão presentes no tecido sadio plantas, com ação direta sobre as hifas invasoras (ação fungicida).
e são induzidas quando da infecção microbiana. Esta ação provoca a liberação de elicitores oligossacarídicos a
Em função do exposto acima e com base na revisão de partir das paredes fúngicas, os quais podem levar à ativação de
Ferreira et ai. (2007), pode-se estabelecer a seguinte definição outros mecanismos locais ou sistêmicos de resistência nas plantas
de trabalho pam o presente capítulo: protefnas-RP podem ser (ação antimicrobiana indireta). Por sua vez, as formas intrace-
produzidas pelas plantas durante o desenvolvimento normal, em lulares parecem poder atuar tardiamente nas reações de defesa
resposta a estímiulos abióticos ou col'tlo pane de um sistema indu- das plantas. Caso as formas extracelulares não sejam capazes
zível de defesa contra patógenos em potencial, contra os quais de impedir o crescimento do patógeno nos tecidos vegetais,
exercem algum tipo de controle. Nesse sentido, as proteínas-RP ocorreria o colapso da célula e a liberação das formas intrace-
podem apresentar algumas propriedades fisico-químicas, como lulares básicas dos vacúolos, como ilustrado na Figura 35.13.

440
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

Tabela 3S.S - Famílias e principais propriedades das proteínas-RP.

.. , . :\la ,,a moll-l'ular típica p . ,\h o mirrohiano


F a11111ia ,,lcmhro llpo rupnr<1adr, .
(kl) a ) pn" a, cl
RP-1 Fumo PR-la 15 Aatifúngico Desconhecido
RP-2 Fumo PR-2 30 /3-1,3-glucanase ~-1,3-glucana

RP-3 Fumo P.Q 25-30 Quitinase

(Classes I, ll, IV, V, VI, VII) Quitina

RP-4 Fumo·'R"" 15-20 Quitinasc (Classe I, II) Quitina

RP-5 FumoS 25 "Similar à taumatina" Membrana

RP-6 Tomate Inibidor I 8 Inibidor de proteínase

RP-7 Tomate P69 75 Endoproteinasc

RP-8 Pepino quitinase 28 Quitinase (Classe III) Quitina

Fumo "'peroxidase
RP-9 35 Peroxidase
formadora de lignin"

RP-10 Salsa "'PR-1" 17 ·'Similar à ribonuclease"

RP-11 fumo quitinase "classe V" 40 Quitinase (Classe 1) Quitina

RP-12 Rabanete Rs-AFP3 5 Defensina Membrana

RP- 13 Arabidopsís TIB2.l 5 Tionina Membrana

RP-14 Cevada LTP4 9 Proteína de transferência de lipídeo Membrana

RP-15 Cevada Oxüa (germina) 20 Oxidase do oxalato

RP-16 Cevada OxOLP 20 "Similar à oxidase do oxalato"

RP-17 Fumo PRp27 27 Desconhecida

• Atividade antimicrobina in vítro não relatada.


Fonte: Modificada de Van Loon et ai. (2006); Seis et ai. (2008).

As quitínases mostram-se importantes na resistênc:ia de Stylo- sobreviver por algum tempo, em baixas concentrações, porém
santhes guianensis a Colletotrichum gloeosporioides, enquanto sem possibilidade de movimentação para fora da área lesionada.
o aumento na atividade total da j3-l,3-glucanase em milho está A RH pode ser vista como uma espécie de "suicídio" de
correlacionado com a expressão da resistência dos tecidos ao algumas poucas células da p lanta em prol da sobrevivência das
Setosphaeria lllrcica. demais, o que a toma um dos mecanismos de defesa mais impor-
Embora importantes na defesa das plantas contra fitopató- tantes nas plantas (Gill et ai., 2015; Vandelle et al., 2016). A
genos, alguns trabalhos mostram o potencial das PR-proteínas resposta ocorre em função do reconhecimento da infecção, por
como alérgenos para humanos (Sinha et ai., 2014). parte do hospedeiro. como urna consequência da incompatibili-
dade entre a planta e o patógeno. Portanto, a RH ocorre em inte-
35.J. REAÇÃO DE HIPE RSENSIBILIDA DE rações incompatíveis, envolvendo a infecção da planta por vírus,
Essa reação mostra-se como uma resposta celular extrema bactérias e fungos. Na sua forma clássica, a RH mostra-se como
por parte da planta, podendo levar a um alto grau de resistência uma pequena necrose, visível a olho nu, que ocorre em diferentes
à doença (Király et ai., 2007). A reação de hipersensibilidade órgãos das plantas, sendo considerada como sinônimo de morte
(RH) ("hypersensitive reaction": HR) resulta na morte· repentina celular. Vários trabalhos evidenciam similaridades entre a RJI e
de um número limitado de células do hospedeiro circundando os a apoptose animal (morte celular programada), com base, por
sítios de infecção. A reação é considerada como urna resposta exemplo, nos seguintes aspectos: ambas são controladas gene-
de defesa induzida, culminando na parada do crescimento e do ticamente; similaridades entre proteínas elicíadoras produzidas
desenvolvimentro do patógeno nos tecidos da p lanta. No caso ou liberadas por patógenos de plantas ou de animais; presença
de fungos e bactérias presentes no local ·de expressão da RH, os de proteases do tipo caspases nas plantas (Reape & McCabe,
mesmos são isolados pelos tecidos necróticos e morrem rapida- 2008). A magnitude do poder destrutivo da RH mostra-se compa-
mente. Nas doenças causadas por vírus, a RH resulta na formação rável àquela induzida pelas substâncias biológicas mais tóxicas
das chamadas lesões locais, nas quais as panículas virais podem conhecidas do homem como, por cx.emplo, a toxina tipo A da

441
Manual de Fitopatologia

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Figura 35.13 - Interação da célula vegetal com um patógeno füngico, ilustrando a complexidade de eventos, com destaque para as proteínas
relacionadas a patogênese quitinase e f{- 1,3-glucanase.
Fonte: Adaptada de Paxtoo & Groth (1994).

bactéria Clostridium botulinum. Baroa et ai. (1983) calcularam bilidade mais do que um determinante primário de resistência à
que a RH em folhas de fumo, causada por Pseudomonas pisi, doença. Portanto, a morte celular na RH na planta e a morte ou
reflete o efeito de uma célula bacteriana (aproximadamente igual impedimento do movimento do patógeno durante a RH são duas
a 1µ 3) sobre uma célula do parênquima da folha (aproximada- reações distintas. De fato, resistência significa inibição ou morte
mente igual a 30.000 µ 3). dos patógenos na planta hospedeira incompatível e a necrose
Após a chegada do patógeno na planta resistente, as células celular no hospedeiro (RH) pode ou não ser associada com a resis-
infectadas rapidamente perdem a turgidez, tomam-se de cor tência a doença. Finalmente, as respostas bioquímicas associadas
marrom (devido a oxidação de fenóis) e morrem. O processo de com a RH mostram-se similares àquelas que ocorrem após a injúria
morte celular na RH é caracterizado pela agregação do citoplasma, mecânica, na senescência ou como respostas ao estresse.
parada dos movimentos citoplasmáticos, perda da permeabilidade Dife.rentemente da RH existe a reação imune ("immune
das membranas (devido à despolarização das mesmas, com reaction"), onde esse tipo de resistência específica não é associada
a consequente perda de eletrólitos para o espaço extracelular), com o aparecimento de áreas necróticas nos órgãos vegetais resis-
degeneração do núcleo e organelàs, além de aumento acentuado tentes. Um exemplo dessa resistência extrema é visto em batata,
da respiração e do acúmulo de compostos fenólic-0s e fitoalexinas onde o gene Rx confere resistência à infecção pelo Potato virus X
(Figura 35.14). A RH, para uma detenninada interação planta- (PVX). A inativação ou o impedimento do movimento da partí-
patógeno, parece ser caracterizada principalmente pela capa- cula virai ocorre rapidamente na planta infectada, antes do desen-
cidade metabólica da planta e mostra-se pouco dependente do volvimento da Rl-1.
patógeno envolvido. Embora a sequência dos eventos associados
com a RH seja matéria de controvérsia, existem eviJências de 35.4. FENÔMENO DA RESISTÊNCIA INDUZIDA
que o crescimento do patógeno é infüido antes da manifestação Como visto até aqui, as plantas possuem diferentes meca-
dos sintomas macroscópicos da necrose. Além disso, evidências nismos estruturais e bioquímicos que podem contribuir para a
sugerem que o RH é provavelmente um sintoma de incompati- resistência das mesmas contra fitopatógenos. Esses mecanismos

442
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

Elicitor (E) inativo


na célula sadia

Elicitor liberado após


injúria causada
Citoplasma torna - se granular pelo penetração
7

A síntese
Degeneração do núcleo de fitoalexinos ( F J
é estimulada

Perda da permeabilidade As fitoalexinos se acumulam


seletivo do membrana no célula infectada
e do turgor em fase de morte
Deqeneracão das organelas O crescimento fúngico é inibido

Acúmulo de compostos fenólicos J!tii?j e As fitoalexinas localizam-se


no interior da
célula hipersens(vel
i í l / o crescimento fúngico e' inibido
Necrose
7(
Figura 35.14- Mudanças morfológicas e fisiológicas durante a resposta de hipersensibilidade (RH) de células vegeiais à presença de patógenos.
Papel dos eliciadores constitutivos no acúmulo de fitoalexinas nessas células.
Fonte: Modificada de Isaac (1992).

de resistência são geneticamente determinados e sua efetividade 24 horas mais tarde, pela inoculação do mesmo tecido com uma
mostra-se depend1!nte da expressão dos mesmos no momento raça compatível do oomiceto (Figura 35.15). A inoculação prévia
certo, em magnitude adequada e em uma sequência lógica, após com a raça incompatível originou uma reação de hipersensibili-
o contato do patógeno com o hospedeiro. A possibilidade da dade e o acúmulo de fitoalexinas, impedindo o crescimento da
ativação dos genes responsáveis por esses mecanismos de resis- raça compatível nos tecidos.
tência, sob condições espe.ciais, tomando as plantas mais resis- A proteção induzida é dependente do intervalo de tempo entre
tentes aos patógenos, abriu as portas para estudos envolvendo o o tratamento inicial (tratamento indutor) e a subsequente inocu-
fenômeno da indm;:ão de resistência em plantas (Burketova et ai., lação do patógeno (tratamento provocador ou desafiador). Essa
2015; Gozzo & Faoro, 2013; Oliveira et ai., 2016). dependência indica que mudanças específicas no metabolismo da
A resistênciia induzida em plantas, como vista inicial- planta, envolvendo a síntese e/ou acúmulo de substâncias, são
mente no Capítulo 6 e também mencionada no Capítulo 17 desta importantes no fenômeno da resistência induzida. Com base
obra, é também conhecida como indução de proteção ou imuni- em Bonaldo et ai. (2005), visamlo a padronização de algumas
dade adquirida e envolve a ativação d.os mecanismos latentes de definições, no presente capítulo um agente indutor é conside-
resistência em umia planta através de tratamentos com agentes rado qualquer composto ou fator capaz de ativar mecanismos
externos, que podem ser bióticos (por exemplo, microrganismos de defesa da planta, e eliciador (algumas vezes referido como
viáveis ou inativacilos) ou abióticos (por exemplo, metais pesados elicitor) a molécula presente em um indutor responsável direto
ou acibenzolar-S-rnetílico). sem alteração do genoma da mesma pela ativação dos mecanismos de defesa. Além dessa caracterís-
(Cavalcanti et ai., 2005b). A indução de proteção já foi observada tica envolvendo o intervalo de tempo, o fenômeno exibe algumas
em diferentes espécies vegetais, como batateira, cafeeiro, cevada, outras que merecem ser destacadas:
cravo, feijoeiro, fu11TI0, macieira, melancia, melão, pepino, pereira,
tomateiro e videira. Um experimento clássico que demonstrou • Proteção local ou sistêmica
esse fenômeno nos tecidos vegetais foi conduzido por Müller & A proteção induzida pode se manifestar local ou sistemica-
Bõrger ( \ 941) com tubérculos de batata inoculados, inicialmente, mente, à distância do ponto de aplicação do indutor e penetração
com urna raça incompatível de Phytophthora infestans, seguido, do patógeno (Figuras 35.15 e 35.16). Como exemplo, pode-se

443
Manual de Fitopatologia

Inoculação da zona
intermediária do tubérculo
com uma raça Tubérculo
incompatível não inoculado

o
l \
Reação de hipersensibilidade
vírus
e produção de fitoalexinas bactérias
fungos
HgC/2
Folhas co,trole
nao trotados nitrogênio lfquldo
Toda a superfície dos tubérculos é inoculada
Injúr ia mecanico
com uma raça compatível 24 h mais tarde
Figura 35.16 - !lustração do fenômeno da resistência sístêmica in-
duzida em folhas superiores de plantas con1ra dife-
rentes fitopatógenos através do tratamento prévio da~
Zona intermediária Formação abundante folhas inferiores por agentes biótic.-os (fungos, bac-
do tubérculo exibindo de micélio térias, vírus) ou abióticos (HgCl 2, NaCL nitrogênio
resistência induzida líquido).
Fonte: Adaptada de Goodman d ai. (1986).

desse indutor também era sistêmico. propagando-se na planta


nas direções ascendente, descendente, lateral e, na mesma folha,
da superfície adaxial para a superficie abaxíal. Mesmo após a
Figura 35.15 - Jndução de resistência local em tubérculos de batata excisão da folha tratada com o indutor. o efeito protetor sislêmico
em resposta à inoculação com raça incompatível de podia ser observado nas folhas remanescentes, evidenciando que
Phytophthora infestans seguida, 24.horas mais tárde, o contato do indutor com as plantas induzia a formação de um
por inoculação com uma raça compativel do oomiceto. sinal de proteção, que se translocava para outras partes da mesma.
Fonte: Adaptada de Goodman et ai. (1986). No tocante a proteção sistêmica em plantas, deve-se
mencionar a resistência sistêmica adquirida (RSA) ("systcmic
acquired resistance": SAR) e a resistên cia sistêmka in duzida
citar a indução de proteção local em folhas de plantas de melão (RSI) ("induced systemic rcsistance"; !SR) que são fenômenos
contra Didymel/a b,y oniae, através do uso do não patógeno
distintos, mas fenotipicamente semelhantes (Fu et ai., 2013).
Cochlioóulus carbonum, ou do próprio patógeno inativado termi- Como comentado, as plantas, após a exposição a um agente
camente, tendo como consequência uma redução no número e indutor, têm seus mecanismos de defesa ativados não apenas no
tamanho das lesões ocasionadas por D. bryoniae no tecido foliar.
sítio de indução, como também em outros locais distantes dele. A
A proteção sistêmica induzida tem sido estudada em dife- RSA, induzida geralmente por patógenos necrotróficos, é contro-
rentes patossistemas, como Arabidospis thaliana - Pseudomonas lada por um caminho de sinalização dependente do acúmulo de
syringae pv. tomato e Alternaria brassicicola, pepino - Col!eto- ácido salicílico (AS) e da proteína de regulação NPR 1. Enquanto.
trichum gloeosporioides f. sp. cucurbitae e fumo - Peronospora por sua vez. a RSI, promovida por bactérias não-patogênicas e
tabacina. A infecção prévia das folhas inferiores de fumo e promotoras de crescimento (rizobactérias), funciona independen-
pepino por fungos, bactérias e vírus induz resistência sistêmica temente do iicido salicílico, porém requer a proteína NPRl e é
nas folhas superiores contra patógenos fúngicos, bacterianos ou regulada por ácido jasmônico e etileno (Capítulo 6 desta obra).
virais (Figura 35. 16). De modo similar, HgCI, . NaCI ou nitro-
gênio líquido e abrasão mecânica aplicados sobre as folhas infe- • Duração do efeito protetor
riores de pepino podem induzir resistência nas folhas superiores Dependendo do indutor e da planta utilizados, o efeito
contra patógenos. No Drasil, trabalhos visando à pro~eção dt- cafe- protetor pode durar desde poucos dias até algumas semanas ou
eiros contra a ferrugem causada por Hemileia vastatrix demons- mesmo por todo o período de vida da planta. No caso de plantas
traram que o tratamento da metade de uma folha com indutor de pepino, inoculadas repetidamente com C. gloeosporioides f. sp.
(filtrado autoclavado de urediniósporos de H. vastarrix) desenca- cucurbitae, a proteção das folhas contra o mesmo fungo mostrou-se
deava um estímulo protetor que se propagava para a outra metade efetiva por 10 semanas.
da folha, não tratada, ou, mesmo, que o tratamento de uma folha
com o indutor protegia também a folha oposta. Essa proteção era • Ausência de especificidade
evidenciada pela redução do número de lesões (soros) por folha. A não especificidade da resistência induzida em plantas é
Da mesma maneira. o tratamento de folhas com um preparado refletida não somente pelos diferentes indutores passíveis de uso,
comercial de Bacillus thuringiensis, mostrou que o efeito protetor mas também no amplo espectro de fitopatógenos contra os quais

444
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

a planta é protegi-da. Plantas de pepino submetidas a tratamentos dores chegaram à conclusão de que o fungicida potencializava
foliares tendo C. gloeosporioides f. sp. cucurbitae ou vírus da as respostas bioquímicas e moleculares das plantas por meio do
necrose do fumo (Tobocco necrosis virus - TNV) como indu- pré-condicionamento/sensibilização (''priming") contra a subse-
tores mostram-se protegidas sistemicamente contra C. gloeos- quente infecção pelos patógenos. Com base nas pesquisas condu-
porioides f. sp. cucurbitae, Cladosporium cucumerinum, Didy- zidas nessa área nos últimos 15 anos (Goellner & Conrath, 2008;
mella bryoniae, Fusarium oxy sporum f. sp. cucumerinum. Mauch-Mani et ai., 2017), demonstrou-se que o "priming" é parte
Phytophthora injéstans, Pseudoperonospora cubensis, Pseudo- integrante do fenômeno da resistência das plantas contra estresses
monas syringae pv. lachry mons, Erwinia tracheiphila, vírus do bióticos e abióticos, pennitindo que as plantas ativem suas respostas
mosaico do pepino (Cucumber mosaic virus - CMV) e TNV. de defesa mais rapidamente e/ou efetivamente quando desafiadas
por esses estresses (Figuras 35.17 e 35.18). Além disso, recente-
• Transmissão via enxertia e regenerantes
mente demonstrou-se o chamado "Estado de priming transgene-
Deve-se destacar que a resistência induzida nas plantas racional" (Figura 35.17), o qual ocorre em plantas geradas a partir
pode ser transmitida através de enxertia, como exemplificado de sementes provenientes de plantas paremais pré-condicionadas
para pepino protegido por C. gloeosporioides f. sp. cucurbitae ("priming memory"f 'plant immunological rnemory'), as quais se
ou TNV contra C. gloeosporioides f. sp. cucurbitae e de regene- tornaram aptas a reagir mais rapidamente e mais adequadamente
rantes via cultura de tecidos, como mostrado em plantas de fumo quando desafiadas por um agente estressante (Balmer et ai., 2015).
protegidas contra P hyos<.yami C sp. tabacina. Esse fenômeno é bastante interessante para o desenvolvimento de
novos conceitos no controle de doenças, visto que pmpicia resis-
• Primi11g (pré-condicionamento/sensíbilização)
tência de amplo-espectro sem afetar significativamente o cres-
No início dos anos 2000, Henns e colaboradores (Herms et cimento das plantas e a frutificação ou a produção de sementes
ai., 2002), trabalh:ando com plantas de fumo pré-tratadas com um (Karasov et ai., 2017; Mauch-Mani et ai., 2017).
fungicida a base de estrobilurina, evidenciaram a possibilidade de
aumentar a resisti!ncia dessas plantas contra o vírus do mosaico • Mecanismos de resistência ativados
do fumo (Tabacco mosaic virus) e contra a bactéria Pseudomonas A proteção induzida em plantas envolve a ativação de meca-
syringae pv tabaci. Com base nesses resultados, os pesquisa- nismos de resistência representados por barreiras bioquímicas e

Fase de primíng Fase de primingapós desafio Estado de priming transgeneracional

Glucoslnolatos / Fitoalexinas / Fenóls / 1


Metabólitos TCA
ro Amino ácidos _Calose / PRs / Ácido salicíllco / Acido 1
jasmõnlco
1: Ai;úcares 1 Ácido jasmõnico
fl'.l ROS 1 PRs
a. PHs 1 Açúcares
l'!.:l Ác:ido salidlico Amlno ácidos
"C 1
o Modificações
iro 1
u, hlstonas
ro 1
(1)
a: 1
1

t t 't Tempo

Estímulo priming Desafio Desafio
Figura 35.17 -Os vários estados no fenômeno do priming (pré-condicionamento/sensibilização). O estado de príming é disparado por um
estimulo e dura até o momento em que a planta é exposta ao desafio por um estresse. Na "Fase de priming", os níveis de vários
me·tabólitos primários e secundários, enzimas, hormônios e outras moléculas são levemente alterados colocando a planta em
um estado de alerta ("standby state"). · Em resposta ao desafio com um agente estresse, a planta entra na "Fase de primíng
após desafio'', momento em que reações (fenóis, fitoalexinas, proteínas relacionadas à patogênese, etc) para combater o agente
estressante são induzidas rapidamente. Por sua vez, o ·'Estado de priming transgeneracional'' ocorre em plantas geradas a partir
de sementes provenientes de plantas parentais pré-comlicíonadas ("priming memo1Ji"), as quais se tomaram aptas a reagir mais
rapidamente e mais adequadamente quando desafiadas por um agente estressante. A linha verde representa o nível e a veloci-
dade da reação das plaiitas que foram cond.icionadas ("prímed"), enquanto a linha azul mostra o nível de reação das plantas
não condicionadas. TCA - ciclo do ácido tricarboxílico; EROs - espécies reativas de oxigênio; PRs - proteínas relacionadas
à patogênese.
Fonte: Adaptada de Balmer et ai. (2015).

445
Manual de Fitopatologia

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Tempo Bpós inoculaçilo Tanpo após inorul11ção
Tempo após inoe-ulaçio (h)

Figura 35.18 - Atividade das enzimas fenilalanina amônia-liase (FAL) (a) e chalcona isomerase (CI-11) (b) e o acúmulo da fitoalexina faseolidina
(c) em hipocótilos de plântulas de caup,i (Vigna unguiculata) tratadas, via sementes, com acibenzolar-S-metílico (ASM) e desafia-
das com Colletotrichum orbicular-e (♦ );desafiadas na ausência de indução(■) ou induzidas com ASM, mas não desafiadas (.à).
Fonte: Adaptada de Latundc-Dada & Lucas (2001).

estruturais (Oliveira et ai., 2016). Dentre esses m.ec:anis1nos P.Ode


se mencionar aumento na atividade da enzima oxidativa pero- 0,3

xidase, acúmulo de fitoalexinas, quitinases, P- l ,3-g\ucanases,


proteínas-RP em geral e glicoproteínas ricas cm hídroxipro- 0,2
lína (extensinas), bem como a lignificação dos te!cidos (Caval-
canti et ai., 2005a). No caso de pepino protegido siistemicamente 0,1
contra Cladosporium cucumerinum por inoculações prévias
com C. gloeosporioides f.sp. cucurbitae, observa-s,e um aumento
no conteúdo de lignina nos tecidos protegidos e inoculados com o 12 24 36

o patógeno (Figura 35. 19), enquanto os tecidos protegidos Horas após o trotamento desafiador
mas não inoculados não acumulam esse polímero fenólico. A
restrição no desenvolvimento de C. cucumerinum foi associada Figura 35.19 - Conteúdo de lignina em tecido de pepino após a ino-
com a capacidade das células epidérmicas de tecidos prote- culação desafiadora com Cladosporium cucumerínum.
gidos em responder rapidamente à presença do patógeno com Os tratamentos são representados por: (ll-ll) resis-
o acúmulo de lignina. tência sistêmica induzida com C. gloeosporíoides
f.sp. cucurbitae e desafiada com C. cucumerinum;
• Uso no controle de doenças
( ♦-♦ ) resistência não induzida, tecido desafiado;
A indução de resistência em plantas, além de ser utilizada (6-·-Á) resistência induzida, tecido não desafiado;
como uma ferramenta para os estudos bioquímicos e fisiológicos (♦--- ♦) resistência não induzida, tecido não desa-
dos mecanismos de resistência e suscetibilidade das plantas contra fiado.
fitopatógeoos, pode lambém ser vista como uma possível medida Fonte: Adaptada de Kuc ( 1982).
para o controle de doenças vegetais (Capítulos 6 e 17 desta obra;
Burketova et ai., 2015; Cavalcanti et ai., 2005b; Gozzo et ai.,
2013; Kuhn et ai., 2006; Llorens et ai., 2017; Oliveira et ai., 2016; planta permanece em "estado de alerta" ("príming"; Figura 35. 17)
Walters & Fountaine, 2009). A proteção mostra-se viável em casa e os mecanismos de resistência são ativados mais rapidamente e
de vegetação e condições de campo, exibindo várias vantagens, somente na presença do patógeno; a presença do potencial gené-
como: a efetividade contra vírus, bactêtias, fungos e nematoides; tico para resistência em todas as plantas suscetíveis. Deve-se
a estabilidade devido à ação de diferentes mecanismos de resis- ressaltar que a resistência induzida raramente é completa, sendo
tência; o caráter sistêmico, persistente e natural da proteção; a que a maior parte dos agentes indutores promove controle das
transmissão por enxertia; a economia de energia metabólica - a doenças entre 20% e 85% em relação às plantas não induzidas.

446
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

Em função do possível uso comercial da indução de resis- uma interação do tipo sim/não, a qual, subsequentemente, permite
tência, em tomo de 1995, na Europa. ocorreu a liberação do ou impede a evolução de uma cadeia de respostas necessárias para
primeiro produto comercial, no contexto de uma nova classe deno- o desenvolvimento ou restrição do crescimento do patógeno. Para
minada de "Ativador de Planta" ("plant activator'''), representado os fitopatologistas, Sequeira (1978) sugere a seguinte definição
pelo Bion®, o qual é um éster S-metil do ácido benzo (1,2,3) tiadia- para reconhecimento: "Um evento específico inicial que desenca-
zole-7-carbotioico, também conhecido como acibenzolar-S-metil deia uma resposta rápida e direta por parte do hospedeiro, que faci-
ou acibenzolar-S-metilico (ASM) e considerado como um análogo lita ou impede o posterior crescimento do patógeno''.
funcional do AS. Após a liberação do ASM, vários novos produtos Portanto, a ativação das respostas de defesa por parte
têm surgido, explorando a capacidade de ativação dos mecanismos da planta se inicia pelo reconhecimento de padrões mole-
de defesa das plantas. Dentre eles, pode-se citar, Axiom Harpin culares associados ao microrganismo (PAMPS e MAMPS),
Proteins® (antigo ProActTMx e Messenger®), Elexali), Oxycom~ conforme descrito inicialmente e no Capítulo 6 desta obra,
e Phytogard®, os quais representam uma nova geiração de defen- mediado pela interação entre os genes de resistência da planta
sivos, com possibilidades de emprego em programas de manejo (R) e efetores ou pela ligação de eliciadores não-especí-
de doenças de plantas. ficos (fatores abióticos, produtos do patógeno, frações da
A pesquisa sobre o fenômeno da indução de: resistência em parede celular da planta ou do próprio microrganismo) a
plantas mostra um grande volume de trabalhos, al,5m do interesse possíveis receptores da planta (PRRs) (Piguras 35.20 e 35.21;
da iniciativa privada, visando a utilização da prote:ção em casa de Boxe 35.3). Os mecanismos de defesa desencadeados podem
vegetação e campo para o controle das doenças e o consequente incluir a resposta de hipersensibilidade, a produção de espécies
repasse da mesma para os produtores. Atualmente, procura-se a ativas de oxigênio, a ativação de genes de defesa, a síntese de fito-
identificação do sinal químico transloeado através das células das alexinas e de compostos aptos a promover mudanças estruturais
plantas protegidas sistemicamente {Archana et ai.. 2017), bem na parede celular. Em adição, sinais podem ser translocados para
como o emprego das técnicas da biologia molecular para o escla- partes distantes do sitio onde o reconhecimento ocorreu, aumen-
recimento das bases moleculares do fenômeno (Balmer et ai., tando os níveis de resistência (Archana et ai., 2017).
2015; Mauch-Mani et ai., 2017). Nesse sentido, para que os mecanismos de defesa sejam
ativados, existe a necessidade da percepção molecular de sinais
35.5. ESPECIFICIDADE NAS INTERAÇÕIES
por parte da planta. Moléculas receptoras, em sua grande maioria
HOSPEDEIRO-PATÓGENO
proteínas, ficam ancoradas ou em disposição transmembranar
Um alto grau de especificidade existe nas interações hospe- na membrana plasmática com o sítio antena (reconhecimento)
deiro-patógeno. Apesar do grande número de patóg:enos em poten- voltado para o ambiente extracelular e no citoplasma e/ou núcleo
cial no ambiente, somente umas poucas espécies vegetais ou culti- para sinais que ocorrem intracelulam,ente, como no caso de
vares tomam-se infectados. Além disso, somente certos biótipos vírus e bactérias. Os efetores dos patógenos podem ser apoplás-
de fitopatógenos são capazes de induzir doençã cm· c~rtos culti- licos ou citoplasmáticos (Lo Presti et ai., 2015). Os apoplásticos
vares de uma única espécie de planta. O fenôme:no de especifi- são secretados pelos patógenos e ficam no ambiente extracelular,
cidade não é restrito somente às interações planta-patógeno, mas em espaços intercelulart:s. Em muitos casos, efetores apoplásticos
é também uma característica das interações animal-patógeno e podem ser também reconhecidos por receptores de membrana.
planta-planta, sendo dependente do genoma das partes em inte- Efetores citoplasmáticos apresentam um motivo molecular especi-
ração (veja terminologia no Capítulo 6 desta obra). De acordo fico que lhes dão a habilidade de entrar no citoplasma das células
com Heath ( 1981 ), a especificidade nas interações planta-pató- utilizando a maquinaria da planta. Exemplos clássicos deste tipo
geno pode ser distinguida de duas maneiras: mma, em nível de efetor são aqueles das famílias RxLR e Crinkler (CRN) de
de espécie (especificidade espécie-espécie) e, outra, em nível oomicetos (Stam et ai., 2013). Por apresentarem uma sequência
de cultivar (especificidade raça-cultivar). A resistência cm específica de aminoácidos formando domínios (RxLR: arginina,
nível de espécie é comumente referida como resistência d e qualquer aminoácido, seguido por leucina e novamente arginina,
não-hospedeiro ("non-host resistance"), eoquanitO a resistência ou no caso dos CRN o motivo LFLAK) estes efetores entram
em nível de cultivar é frequentemente referida como resistência na célula, podendo ate interferir com a expressão de genes no
de hospedeiro ("host resistance") (Bettgenhaeuser et ai., 2014; núcleo. Os et"etores citoplasmáticos são reconhecidos por plantas
Gill et ai., 2015). através de proteínas R. Outros efetores eliciadores de defesa tem
sido estudados, como os peptídeos (ex. genes avr4 e avr9) purifi-
35.5.1. Reconhecimento, Sinalização e Ativação dos cados de Cladosporium fulvum na interação com tomateiro, e no
Sistemas de Defesa patossistema Rhynchosporium seca/is e cevada, onde urna proteína
Independentemente das especulações sobre os mecanismos codificada pelo gene de avirulência nipl interage com o produto
envolvidos na especificidade, as reações diferenciais de hospe- do gene Rrs 1, conferindo resistência as plantas. Outra classe de
deiros, não hospedeiros e cultivares implica na e,dstência de um receptore.s específicos é representada pelas proteínas codificadas
reconhecimento especifico entre plantas e patógeiOOS (Gíll et ai., pela família de genes da qual faz parte o Pto do tomateiro. Esse
2015; Lee et ai., 2017; Medeiros et ai., 2003; Resernde et ai., 2007). gene de resistência é um dos mais estudados e o primeiro que
O fenômeno de reconhecimento é definido por Clarke & Knox foi clonado. Os produtos do gene Pto conferem resistência a
(1978) como o "evento inicial na comunicação célula a célula, o isolados de Pseudomonas syringae pv. tomato portadores do gene
qual evoca uma resposta bio4uímica; fisiológica ou morfológica de avirulência avrPto. Além disso, o sistema de reconhecimento
definida''. Nessa definição, deve-se atentar para a distinção entre o que envolve o gene Pto não é um sistema simples de interação
processo (o evento da comunicação), que determina uma resposta, eliciador-receptor, existindo a participação de vários fatores de
e a natureza da resposta. O reconhecimento pode ser visto como transcrição.

447
Manual de Fitopatologia

Patógeno

~~~
Genes de patogenicidade Genes de avirulência
~
Exemplo: adesão, produção de toxinas,
enzimas degradadoras de parede e cutícula

Elidadores ♦ Eliciador
Ataque microbiano não específicos especifico

Defesa do hospedeiro
+ Receptor
específico

Alterações na parede celular, síntese de


fitoalexinas, proteínas relacíonadas à
patogênese, lignina, enzimas líticas, etc.
Transdução /
de sinais
f
Genes de respostas de defesa Genes de resistência

Célula Vegetal
Figura 35.20 - Modelo molecular simplificado ilustrando a interação planta-patógeno.
Fonte: Adaptatla de Lucas (1998).

Diferentes dos produtos de genes avr, compostos presentes fração lipídica, representada pelos ácidos araquldônico e eico-
na parede celular e outros secretados pelo patógeno constituem-se sapentanoko, foi isolada de esporos de Phytophthora infestans,
em elicíadores não específicos, para os quais existem os respec- e a mesma era efet1va como eliciador do acúmulo de fitoalexinas
tivos receptores. As plantas possuem um sistema capaz de perceber do tipo terpenoides em batata.
sinais químicos e detectar a presença de invasores, consequente- Após efetuada a percepção do sinal, mediada pelos recep-
mente acionando o seu sistema de defesa. Além desses, temos as tores celulares, tem lugar a transdução do sinal gerado pela inte-
elicitínas, pequenas proteínas (cerca de I O kDa), produzidas por ração eliciador-receptor, a qual consiste na amplificação desse
espécies de Phytophthora e Pythium, as quais induzem necrose sinal para o sítio de ação no interior da célula (Figura 35.20).
sistêmica em fumo e outras solanãceas (Pascholati et ai., 2008a). Essa amplificação pode ser direta ou indireta, por exemplo, via
Além disso, as clicitinas podem induzir respostas de defesa, como mensageiros secundários, fosforilação de proteínas ou ativação
é o caso da criptogeína, a qual é produzida por Phytophthora de proteínas G. A fosforilação de proteínas se apresenta como
cryptogeo, e induz alterações na penneabilidade da membrana, um mecanismo-chave para a transdução de sinais em organismos
produção da fitoalexina capsidiol e a fosforilação de proteínas procarióticos e eucarióticos. Nesse processo, quinases de prote-
em células de fumo em cultivo. Por outro lado, a elicitina ínas efetuam a catálise de substratos como histidina, serina, treo-
alfa-plurivorina de Phytophthora pillrivora não elicita defesa, nina e tirosina. Dentre essas enzimas, as proteínas denominadas
pelo contrario, este efetor foi descrito como tendo ação na de quinases de proteínas ativadas por mitógenos (MAP-quinases)
supressão das três vias do sistema de defesa (vias do ácido sali- mostram-se de especial interesse (Cui et ai., 2010). Diversos
cílico, jasmonato e etileno) em plantas de faia europeia (Fagus compostos foram identificados como mediadores no processo
sylvatica), sendo responsável pela agressividade do patógeno e de sinalização para respostas das plantas a diferentes patógenos
suscetibilidade da planta (Dalio et ai., 20 17a). As harpinas são ou fatores abióticos. Dentre eles, pode-se citar o ácido salicílico
proteínas produzidas por espécies de Pseudomonas e Erwinia (possível sinal endógeno secundário), o ácido jasmônico e seu éster
e induzem reação de hipersensibilidade em várias plantas. Por meti! (também possíveis mensageiros secundários), etileno e o
exemplo, uma proteína de 44 kDa, produto do gene hrpN de óxido nítrico. Finalmente, ocorre a tradução do sinal, onde ocorrem
E. amylovora, elicia a produção de espécies reativas de oxigênio as respostas celulares. em função da ativação de genes envolvidos
em células de fumo em poucos minutos. De maneira similar. o na síntese de proteínas-RP, de enzimas de rotas metabólicas de
gene hrpZ de Pseudomonas syringae pv. syringae codifica urna fitoalexinas e de mecanismos de defesa estruturais. Em resumo,
proteína de 35 kDa, a qual induz RH em fumo e batata. Uma após o reconhecimento do fitopatógeno ou agente provocador de

448
Fisiologia do Parasitismo: como as Plantas se Defe ndem dos Patógenos

ETI
Alta Boxe 35.3 MAMPs, PAMPs e efetores

As plantas possuem a capacidade de reconhecer


PTI ETS moléculas derivadas do patógeno, as quais ativam
as respostas de resistência (Figura 35.21). Molé-
culas estruturais originárias da superfície do pató-
Priming Efetores do patógeno geno, como as constituintes da parede celular dos

•••
•••
fungos (quitina, glucana, proteínas e glicoproteínas)
e lipopolissacarídeos bacterianos (LPS) e flagelina,
elidam respostas de defesa em um grande número
de plantas. Esses eliciadores não-específicos são
geralmente componentes estruturais conservados de
microrganismos, sendo denominados de "padrões
moleculares associados a microrganismos" ("micro-
V organism-associated molecular pattems"; MAM_Ps)
ou "padrões moleculares associados a patógenos"
(pathogen-associated molecular patterns"; PAMPs),

•--
PRRs os quais são reconhecidos como resultado da "imuni-
dade ínata" das plantas. Outro grupo de eliciadores é
reconhecido por um número específico de plantas ou
Baixa
••• cultivru:es. Originalmente, os elkiadores específicos
eram denominados de proteínas de avirulência (Avr),
pois eram identificados como determinantes de Avr
1'
MAMPs 'DAMPs
\ " PAMPs de fitopatógenos. Atualmente, os mesmos passaram
a ser chamados de "efctores" ("effectors"), visto que

/
também são frequentemente fatores de virulência para
patógenos durante as interações com plantas suscetí-
veis (Capítulo 34 desta obra). Ambos os eliciadores,
específicos ou não, induzem um conjunto similar de
Químicos Não r>atógenos Insetos Patógenos reações de resistência nas plantas as doenças.
Herbívoros

Figura 3S.21 - As plantas reconhecem eliciadores químicos. padrões estresse, b;isicamente três eventos estão envolvidos na transdução
moleculares associados a microrganismos não-pato- do sinal gerado desde a ligação entre o eliciador e receptor até a
gênicos (Microbe-Associared Molecular Pattems ativação dos genes envolvidos na defesa: 1) abertura de canal de
- MAMPS), padrões moleculares associados a pa- íons na membrana; 2) ativação de quinases de proteínas no cito-
tógenos (Parhogen-Associared Molecular Pattems plasma; 3) produção de mensageiros secundários.
- PAMPS), padrões moleculares associados ao dano Vários modelos têm sido propostos para explicar o processo
produzidos pelas plantas em resposta ao ataque de in- de sinalização na resistência das plantas a patógenos ou outros
setos, herbívoros ou pat6genos (Damage-Associared agentes capazes de induzir os mecanismos de defesa. Um modelo
Molecular Patrerns - DAMPS), via receptores de simplificado, ilustrado na Fignra 35.20, mostra esse processo
reconhecimento transmembrana (Transmembrane que pode ser utilizado nas interações gene a gene, bem como
Partem Recognirion Receprors - PRRs). O reconhe- no fenômeno da indução de resistência. Nesse modelo, produtos
cimento ativa uma i.lefesa basal chamada imunidade de gene avr ou produtos relacionados à patogênese (toxinas,
desencadeada por padrões (Pattern triggered imnm-
enzimas, oligômeros de constituintes da parede celular) podem
nity - PTI), um estado que impede a colonização do ser passíveis de reconhecimento pela planta, a qual pode então
hospedeiro por "patógenos não adaptados". Patóge-
expressar genes envolvidos na defesa. Obviamente, trata-se de
nos adaptados secretam efetores que promovem a
um modelo simplificado, visto que as interações entre as molé-
"suscetibilidade desencadeada por efetores" (Effec-
culas eliciadoras e receptoras são mais complexas. Atualmente,
tor lriggered susceptibility - ETS). O tratamento
com o rápido avanço das técnicas moleculares e sistemas bioló-
das plantas com compostos eliciadores (químicos,
gicos disponíveis, tem sido possível entender cada vez mais e em
MAMPs, DAMPs ou PAMPs), na ausência de pa-
detalhes o fenômeno do reconhecimento, sinalização e ativação
tógenos adaptados, ativa o "estado de priming'· e/ou
imunidade baseada em PTI que coloca as plantas em dos sistemas de defesa das plantas.
um estado de alerta para defesa, aumentando a resis- 35.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
tência contra outros patógenos virulentos.
Fonte: Adaptada de Wiesel et ai. (2014). A tentativa de infecção dos tecidos de uma planta por um
patógeno inicia uma progressão complexa de interações bioló-
gicas e moleculares. que culmina nos sintomas visuais associados

449
Fisiologia do Para.sitismo: como as Plantas se Defendem dos Patógenos

ETI
Alta Boxe 35.3 MAMPs, PAMPs e efetores

As plantas possuem a capacidade de reconhecer


PTI ETS moléculas derivadas do pa tógeno, as quais ativam
as respostas de resistência (Figura 35.21). Molé-
culas estruturais originárias da superfície do pató-
Primina Efetores do patógeno geno, como as constituintes da parede celular dos
fungos (quitina, glucana, proteínas e glicoproteínas)
......
   e lipopolissacarídeos bacterianos (LPS) e flagelina,
eliciam respostas de defesa em um graude número
de plantas. Esses eliciadores não-específicos são
geralmente componentes estruturais conservados de
microrganismos, sendo d enominados de "padrões
moleculares associados a microrganismos" ("micro-
organism-associated molecular patterns"; MA1"1Ps)
ou "padrões moleculares associados a patógenos"
(patboge n-associated molecular patterns"; PAMPs),

..--•-
PRRs os quais são reconhecidos como res ultado da " imuni-
dade inata" das plantas. Outro grupo de eliciadores é
reconhecido por um número específico de plantas ou
Baixa cultivares. Originalmente, os eliciadores específicos
e ram denominados de proteínas de avirulência (Avr),
t '\~ pois eram identificados como determinantes de Avr
d e fitopatógenos. Atualmente, os mesmos passaram
OAMPs PAMPs
a ser chamados de "efetores" ("effectors"), visto que

I
também são frequentemente fatores de virulência para
patógenos durante as interações com plantas suscetí-
veis (Capítulo 34 desta obra). Ambos os eliciadores,
específicos ou não, induzem um conjunto similar de
Químicos Não patógenos Insetos Patógenos reações de resistência nas plantas as doe nças.
Herbívoros

Figura 35.21 - As plantas reconhecem eliciadores químicos, padrões estresse, basicamente três eventos estão envolvidos na transdução
moleculares associados a microrganismos não-pato- do sinal gerado desde a ligação entre o eliciador e receptor até a
gêo icos (Microbe-Associated Molecular Patlerns ativação dos genes envolvidos na defesa: 1} abertura de canal de
- MAMPS), padrões moleculares associados a pa- íons na membrana; 2) ativação de q uinases de proteínas no cito-
tógenos (Pathogen-Associ01ed Molecular Pa11ems plasma; 3) produção de mensageiros secundários.
- PAMPS}, padrões moleculares associados ao dano
Vários modelos têm sido propostos para explicar o processo
produzidos pelas plantas em resposta ao ataque de in-
de sinalização na resistência das plantas a patógenos ou outros
setos, herbívoros ou patógenos (Damage-Associated
agentes capazes de induzir os mecanismos de defesa. Um modelo
Molecular Pauerns - DAMPS), via receptores de
simplificado, ilustrado na Figura 35.20, mostra esse processo
reconhecimento transmembrana (Transmembrane
que pode ser utilizado nas interações gene a gene, bem como
Partem Recognílion Receprors - PRRs). O reconhe-
no fenômeno da indução de resistência. Nesse modelo, produtos
cimento ativa uma defesa basal chamada imunidade
de gene avr ou produtos relacionados à patogênese (toxinas,
desencadeada por padrões (Pallern triggered immu-
enzimas, oligômeros de constituiutes da parede celula r) podem
nity - PT[), um estado que impede a colonização do
ser passíveis de reconhecimento pela planta, a qual pode então
hospedeiro por "patógenos não adaptados". Patóg1:-
expressar genes envolvidos na defesa. Obviameute, trata-se de
110s adaptados secretam efetores que promovem a
"suscetibilidade desencadeada por efetores" (Ejfec- wn modelo simplificado, visto que as interações entre as molé-
tor triggered susceptibilil)• - ETS). O tratamento culas eliciadoras e receptoras são mais complexas. Atualmente,
das plantas com compostos eliciadores (químicos, com o rápido avanço das técnicas moleculares e sistemas bioló-
MAMPs, DAMPs ou PAMPs), na ausência de pa- g icos disponíveis, tem sido possível entender cada vez mais e em
tógenos adaptados, ativa o "estado de priming" e/ou detalhes o fenômeno do reconhecimento, sinalização e ativação
imunidade baseada em PTI que coloca as plantas em dos sistemas de defesa das plantas.
um estado de alena para defesa, aumentando a resis-
35.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
tência contra outros patól:eoos virulentos.
Fonte: Adaptada de Wiesel et ai. (2014). A tentativa de infecção dos tecidos de uma planta por um
pat6geno inicia uma progressão complexa de interações bioló-
gicas e moleculares, que culmina nos sintomas visuais associados

449
Manual de Fitopatologia

com resistência ou suscetibilidade. A natureza, tempo e coorde- la1i. S.f.; Resende, M.L. V.; Romeiro. R.S. (cd.) Indução de Resistência em
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mente no final da década de 1950, iniciando a produçiio de um BurO\\, M.; Halkier, B.A. How does a plant on:hestrate defense intime and space?
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450
CAPÍTULO

ALTERAÇÕES FISIOLÓ Gl CAS 1 1

EM PLANTAS D,OENT.ES
Ronaldo José Durigan Dalio e Sérgio Florentino Pascfmtati

ÍNDICE

36.1. Introdução ............................................................. 453 36.7.2. Fotossí ntes.e e patogênese........................ 464


36.2. Afterações na estrutura e na função celular......... 454 36.7.3. Translocação ............................................ 466
36.3. Alterações nas relações hídricas ........................... 456 36.8. Alterações hormonais .......................................... 466
36.4. Alterações nutrkionais ........................................ 459 36.8.l. Auxinas..................................................... 467
36.4.1. Nutrientes inorgânicos ............................ 459 36.8.2. Gibere.linas ................................................. 468
36.4,l. Metabolismo de carboidratQs ................: 459 36.8.3. Citocin'inas ............................................... 469
36.4,3. Metabolismo de nitrogênio ...........~......... 459 36.8.4. Etileno ...................................................... 469
36.5. A!lterações n.a transcrição e tradução de genes ...... 459 36.8.5. Ácido absdsico ........................................ 470
36.6. Alterações ,n a atividade de enzimas .................... 461 36.8.6. Dhtúrbios hormonais e produção de
36.7, AJterações na fotossíntese e na respiração ......... 462 alimentos .................................................. 470

36.7,A. Res:piração e patogênese .......................... 462 36.9. Bibliografia cons,ultada ........................................ 470

36.1. lNTRODUÇ..\O microrganismos do ambiente e raramelilte há desenvolvimento


de doença. lsso acontece porque plantas apresentam sistemas
s p.lantas terrestres. que evoluíram de um grupo

A de algas verdes, surgkam entre 400 e 500 mBl:lões


de anos atr.i.s no per5odo Devoniano. No ambiente
ter,restre, estas ;planlas já estabeleceram interações com microrga-
inatos de reconhec'inu.,-nto de potenciais organismos invasores
QJ1.le levam a ativação de respostas de defesa (para mais detalhes
acerca dos mecanismos de defesa das plantas ver Capítulo 35
desta obra). No entanto, palógenos adaptados causam doenças
nismos p.ré-eústeliltes (Rox.e 36.1) e isso moldou a evolução de
porque subvertem os mecanismos de reconhecimento da planta
]Plantas superiores que hqje oc\ilpam c.co:ssiMernas naturais ou são ou ativamente suprimem as respostas de defesa vegetais.
1utihzadas ma agricuHura,
As plantas possuem receptores ,de reconhecimento de molé-
A co,.evolução de plantas com microrganismos do solo culas dos pató_genos ínti:r e íntracclularrnenle. !Fora da célula, as
ou da pame aérea. sejam eles patogênicos ou simbíontes, Qevou plantas reconhecem padrões moleoulares associados aos pat~
ao desenvolvimento de complexos mecanismos moleculares de genos (s•igla em inglês PAMP.s, da expressão Pathogen-Associated
interação. O mecanismo básico que induz o desenv·o'lvimento de Molecular Pattem) vja receptores de reconhecimento (siglas em
doença por certos patógenos em uma determinada planta hospe- Í'ogUês: PRRs, da eXipressào Pat,tern Rccognítion Receptor, ou
deira e não em out>ras tem intrigado fitopatologistas por muito 1PAMPs recognition rec~ptor). Dentro da célula, moléculas de
tempo. Em regra, as plantas apvesenlam um sistema de defesa inva:so.res podool ser reconhecidas por proteínas de resistência
eficiente e robusto, já que estão em constante coolato com (R-proteínas). Este reconhecimento. seja via PRRs ou R-proteínas,

453
Manual de Fitopatologia

256 processos biológicos do hospedeiro para facilitar a infecção


Boxe 36.1 Evidência de interações entre plantas
e disseminaç!ío de esporos (Cano et ai., 2013). A incapacidade
terrestres e patôgenos datando de
do hospedeiro em resistir aos efeitos danosos resultantes da inte-
320 milhões de anos atrâs
ração com patógenos determina a vulnerabilidade aos mesmos e
a predisposiçHo a invasões secundárias.
Em 2010, StrulJu-Derrien e colaboradores publi- Desde os primórdios da agricultura. o homem percebe os
caram pela primeira vez na história da ciência evidên- efeitos dos patógenos em plantas suscetíveis (embora sem saber
cias fósseis de parasitismo em plantas por oomi- que de fato os sintomas eram causados por patógenos ou como
cetos. Os oomicetos são eucariotos microscópicos que estes o faziam). Em alguns casos, ainda hoje não se sabe como
podem ser saprófitas ou parasitas de plantas animais determinados patógenos causam alguns sintomas em plantas. Não
e fungos. Algumas espécies tem extrema importância obstante, o estudo dos mecanismos que causam sintomas e susceti-
econômica na. agricultura por causarem doenças em bilidade em plantas pode levar ao desenvolvimento de estratégias
diversas culturas. Alguns exemplos de fitopatógenos de controle d,e doenças na agricultura ou na proteção de ecossis-
oomicetos são Phytoplttl1ora infestans, P. parasitica e temas naturais. Neste capítulo, procurar-se-á explorar como pató-
Pythium ultimum. Naquele trabalho, foram apresen- genos rompei n a fisiologia normal da planta causando sintomas.
tados fósseis de uma pteridosperma extinta, chamada Ainda, serão comparadas as atividades nonnais do tecido vegetal
de Lyginopteris oldltamia infectada por um oomiceto, com aquelas observadas no tecido parasitado. Além de procurar
nomeado Combresomyces williamsonii (holótipo) há
explicar a meicânica do dt!senvolvimento de quadros sintomato-
320 milhões de anos. A co-evoluçâo de plantas e micror-
lógicos, o esl!ado geral da planta afetada também será avaliado,
ganismos ao longo de tanto tempo desenvolveu uma
incluindo alt,erações na estrutura e função celular, nas relações
complexa e intrincada rede de interação molecular
hídricas, no balanço nutricional, na fotossíntese. na respiração, na
entre esses o rganismos que hoje é alvo de estudos e
transcrição e tradução de genes e no equilíbrio bonnonal.
entendimento por fitopatologistas.
36.2. ALTERAÇÕES NA ESTRUT URA E
NA FUNÇÃO C ELULAR
leva à ativação de mecanismos de defesa que na maioria das vezes Ao entrar em contato com tecidos vegetais, a ma10na
impede n desenvolvimento de sintomas e doeoça. Patógenos, dos patógenos, sejam eles biotróficos ou neerotróficos, ativam
por sua vez, durante a evolução, produziram moléculas efetoras uma programação genética/transcricional que origina tanto
que, entre outras funções, podem impedir o reconhecimento ou estruturas relacionadas à infecção, por exemplo, formação de
mesmo desligar o sistema de defesa das plantas. Sem reconheci- apressório (para mais detalhes, ver Capítulo 37 desta obra),
mento ou sem resposta de defesa, as plantas acabam sucumbindo como secrec;:ão de moléculas efetoras. Um efetor pode ser
ao ataque de patógenos que, sem resistência, invadem e ocupam a qualquer molécula secretada/associada a um patôgeno que
planta, utilizando os uutrientes disponíveis para concluírem seus altera a estrutura ou função do hospedeiro (Dalio et al., 2017).
ciclos de vida. Como algur1s exemplos citam-se toxinas, enzimas e proteínas
Uma vez que o patógeno tem sucesso na invasão de tecidos supressoras de defesa. Deste modo. o conjnntn de estruturas
vegetais, inicia-se uma série de alterações fisiológicas e bioquí- de infecção do patógeno, aliado ao bombardeamento do tecido
micas através de ativação e/ou bloqueio de detenninadas ativi- vegetal com efetores, pode causar danos à estrutura e à função da
dades celulares. Posteriormente. mudanças morfológicas visíveis célula hospedeira. Alterações mais comuns ocorrem na estrutura
poderão surgir em decorrência destas alterações. É frequente a e ultra-estrutura celular. na integridade do tonoplasto (degradação
ocorrência de redução de crescimento, clorose, necrose. malfor- da parede celular e disfunção da pem1ea1'ilidade da membrana
mação, tombamento, etc., situação denominada, genericamente. plasmática) e no funcionamento de orgauelas.
de 'quadro sintomatológico' (ver Capítulo 3 desta obra). O estilo de vida do patógeno tem grande influência nas alte-
Geralmente, os siutomas se desenvolvem a partir de altera- rações da estrut\lra e da ultra-estrutura celular. Patógenos biotró-
ções causadas por patógenos em processos vitais para o desenvol- ficos colonizam células vegetais jovens com metabolismo ativo
vimento das plantas. como por exemplo: divisão celular, fotossín- e secretam um arsenal imenso de moléculas efetoras para inibir
tese. respiração. relações hídricas, balanço hom1onal, entre outros. o recouheci mento da infecção ou suprimir respostas de defesa
O modo como o patógeno altera estes processos vitais depende das plantas. Há um estádio mutualista duradouro onde estes
do tecido ou órgão infectado ou do estilo de vida do microrga- patógenos não destroem estruturas celulares do hospedeiro até o
nismo invasor. que pode ser biotrófico (alimenta-se de tecido momento da esporulaçào. Duraute seu estádio parasítico, pató-
vivo), necrotrófico (alimenta-se de tecido necrosado) ou hemi- geuos biotróficos podem até estimular a formação de novas estru-
biotrófico (inicia a infecção como biotrófico e muda para necro- n1ras hospedeiras. tais como novos complexos de membrana.
trófico no decorrer da colonização). Alguns patógehos desenvol- dictiossomas e cisternas de retículo endoplasmático polarizadas
veram estratégias especificas para explorar detenninados hospe- de modo a explorar a maquinaria biossintética das plantas, indu-
deiros. Alguns deles mantêm um afinado grau de intimidade com zindo células infectadas a competirem com regiões dreno (gemas,
a planta e conseguem desviar o metabolismo da célula afetada em flores e frutos em desenvolvimento) por assimilados. O fungo
proveito próprio. Um exemplo extremo é observado nas viroses, Puccinia graminis, causador de fem1gem em diversas culturas,
onde o ácido nucleico virai passa a controlar totalmente o meta- pode alterar a posição de organelas. principalmente do núcleo e
bolismo da célula parasitada. Outro exemplo extremo vem da cloroplastos aproximando-as de seus haustórios (Figura 36.1).
interação entre a planta Boechera s11·icta com o fungo causador No entanto, não rompem a membrana plasmática das células,
de fenugem Pucdnia monoica. em que o patógeno altera mantendo a integridade do tonoplasto. Núcleo e cloroplasto são

454
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes

tubo germinativo

I substomática
,
' .,
• •
-'
-.célula mãe do haustório

núcleo - .. \
(~ -~
I ' ,
....
r;' , ,- - -~ J!___ cloroplasto
--.! -.,_,.,
•✓
Figura 36.l - Esquema da penetração de patógeno biotrófico em célula do hospedeiro. Detalhe para a proximidade de haustórios com núcleo
e cloroplastos. Em interações biotrófü:as raramente há rompimento de membrana plasmática.

alvos frequentes de patógenos. Uma parcela s.ignificativa de Patógenos necrotróficos por sua vez, inundam o tecido do
efetores tem localização subcelular no núcleo e no cloroplasto. hospedeiro com toxinas e enzimas que podem, no caso de enzimas,
No núcleo, os efetores podem allerar a tradução ~: transcrição de degradar a parede celular e romper tanto a membrana plasmática
genes, manipulando a fisiologia celular do hospedleiro. No c1oro- como as membranas das demais organelas, expondo o conteúdo do
plasto, local de síntese de compostos da via de defesa do ácido citoplasma e nncleo. Os nutrientes disponíveis são então assimi-
salicílico, os efetores podem manipular uma parte importante das lados pelos patógenos. A Figura 36.2 mostra hifas de Bol!J'lis cinerea
respostas de defesa da planta. atacando e degradando tecido foliar de Arabidopsis thaliana.

Figura 36.2 - Fotomicrografia de ataque do patógeno necrotrófico Botrytis cinerea em Arabidopsís thaliana. A) Penetração das hifas em
espaços intercelulares de A. thalianu. B) Colonização avançada de B. cinerea leva à degradação e à destruição de células.
cm - células do mesófilo; cp - citoplasma da célula; ei - espaço intercelular; hf - hifa; pc - parede celular; pm- parede do mesófilo.

455
Manual de Fitopatologia

Patógenos hemibiotróficos possuem um arsenal de efetores Mudanças na fluidez e penneabilidade da membrana são
bastante vasto, desde moléculas que diretamente causam morte eventos comuns durante interações compatíveis. A presença de
celular até aquelas que suprimem reações de hipersensibilidade, haustórios diminui a fluidez das membranas e a presença de
portanto podem estabelecer relações biotróficas ou necrotróficas hifas e toxinas dos patógenos podem alterar o potencial elétrico.
dependendo da fase da infecção ou até mesmo do tipo de hospe- degradar e romper a membrana plasmática liberando eletrólitos
deiro. A Figura 36.3 mostra uma micrografia de Phy10phthora para o meio intercelular. A perda de eletrólitos é um dos primeiros
plurivora, um hemibiotrófico bastante agressivo. atacando raiz de eventos detectáveis que marcam o início de doenças em plantas.
Fagus sylvatica (faia). O patógeno inunda previamente o tecido Entre outros patógenos, que sabidamente causam desequilíbrios na
da planta com um efetor (alfa-plurivorina) que suprime respostas permeabilidade celular por ação de toxinas durante a patogênese.
de defesa das três principais vias (ácido salicílico, Jasmonato e estão o fungo Bipolaris i·ictoriae, causador da queima das folhas
etileno), comportamento este típico de um patógeno biotrófico. e podridão do colo e raízes de aveia, e a bactéria Pseudomonas
Concomitantemente. as hifas do patógeno penetram nos espaços syringae pv. tabaci, causadora do fogo selvagem em soja. Outros
inter e intra-celulares. sem formação de haustório e com rompi- eventos detectáveis em início de infecção são mudanças na estru-
mento c degradação de células. Neste caso. o comportamento é tura de membranas de organelas. Comumente membranas do retí-
típico de necrotróficos. lsso mostra a capacidade/flexibilidade dos culo endoplasmático. cloroplastos e mitocôndrias apresentam um
patógenos hemibiotróficos em empregar estratégias complexas espessamento e inchaço após a infecção e durante a colonizaçã('
tanto de biotróficos quanto de necrotróficos ao atacar e infectar Jos tecidos pode haver rompimento <lestos membranas, compro-
hospedeiros. metendo a função das organelas e por consequência, comprome-
tendo a fisiologia celular e da planta como um todo.

36.3. ALTERAÇÕES NAS RELAÇÕES HÍDRICAS


O bom funcionamento da fisiologia de qualquer planta
depende de um status hídrico adequado. Tanto absorção de água
pelas raízes quanto distribuição desta água ao longo dos tecidos
da planta devem ser apropriados.
Para que haja absorção de água nas raízes, estas devem estar
em seu estado normal de organizaçào e com potencial hídrico mai5
baixo do que o do meio exterior. Assim. é possível a entrada de água
por osmose até que essa atinja os vasos do xilema. Diversos pató-
genos, principalmente aqueles que vivem no solo e atacam raízes.
podem interferir com a absorção de água das plantas. Quando
se dá a infecção, a simples presença de hifas ou haustórios ou
até mesmo padrões moleculares associados aos patógenos podem
interferir com o potencial hídrico da raiz, impedindo ou incre-
mentando a entrada de água. Em situações de infecção de raízes
mais severa, pode haver rompimento de membranas e degradação
de tecidos, comprometendo também a absorção.
Após a absorção de água nas raízes, os vasos de xilema a
distribuem por toda a planta por meio de um mecanismo chamado
coesão-tensão, onde a água, através de capilaridade e em função
da pressão negativa exercida no vaso do xilema pela perda de
vapor de água por transpiração, acaba se movimentando para
Figura 36.3 Fotomicrografia de microscópio de fluorescência con- todos os tecidos das plantas, inclusive vencendo a gravidade, até
focal evidenciando o ataque do patógeno hemibio- as folhas mais altas (Figura 36.4). Essa distribuição de água pode
trófico Phywphthora plurivoro em Fagus sylvatica. ser gravemente afetada por patógenos que ocupam os vasos do
Detalhe para hifas (coloração azul escura) que pene- xilema ou mesmo por aqueles que interferem com o fechamento
tram as células. rompendo-as, enquanto outras perma- estomático, diminuindo a transpiração.
necem no espaço intercelular. Aumento de 40 vezes. Alguns patógenos podem atacar, entre outros tecidos, os
vasos condutores do x ilema e floema, outros são específicos e lim1•
A membrana plasmática tem um papel fundamental na fisio- tados a tais vasos. Por exemplo, as bactérias Xylella fastidiO!>a
logia celular e da planta como um todo. Suas principais funções são (causadora de diversas doenças em citros, videira, ameixeira.
revestimento. proteção e penneabilidade seletiva. A suscetibilidade oliveira, etc.), Leifsonia xyli subsp. xyli (causadora do raquitismo
d<! várias plantas pode ser originária de alterações no funcionamento da cana-de-açúcar) e Pseudomonas syzygii (causadora de doença
da membrana, causadas por patógenos. Estas alterações sào frequen- em cravo) são limitadas ao xiJema. A Figura 36.5 mostra X fasu
temente relacionadas à degradação de lipídeos e de proteínas que diosa em vasos de xilema de citros.
dão estrutura à membrana, interferência no reparo ou manutenção Alguns patógenos são restritos ao floema e, em sua maioria.
do filme fluido ou fluidez da membnrna. estímulo ou inibição de ao contrário dos restritos ao xilema, ainda não são cultivados in
enzimas que controlam o bombeamento de prótons ou íons cálcio, vitro. Entre os patógenos de floema, destacam-se as bactérias
ATPases, aquaporinas ou ainda interferência com receptores anco- Candida111s Liberibacter americanus e Ca. Liberibacter asiaticus.
rados na membrana que podem ativar mecanismos de defesa. este último responsável pelo huanglongbing (HLB) dos citros.

456
Alteraçôes Fisiológicas em,Plantas Doentes

estômato

Ar do lado de fora
=-100,0 MPa
água

atmosfera

adesão por ligação de


hidrogênio
IL---==~~-
parede celular
folh

coesão por ligação


de hidrogênio

partícula
xilema do tronco de solo
=-0,8 MPa

xllema do tronco
=-0,6 MPa água

Solo consumo de água do solo


=-0,3 MPa

Figura 36.4 - Translocação de água dô solo até as folhas. Qualquer distúrbio em tecidos ou órgãos vegetais causado por patógenos pode inter-
ferir no status hídrico das plantas. À direita, detalhes da translocação da água desde as raízes até as folhas. À esquerda, valores
de potencial de água em cada órgão ou tecido da planta.
Fonte: Adaptada de Pearson Education lnc..

457
Manual de Fitopatologia

Figura 36.5-Xylel/afastidiosa ocupando o xilema de Cill'O$. Aumento Figura 36.6 - Candidaws Liberibacter asiaticus ocupando floema de
de cerca de 10.000 vezes. vinca. PC - parede celular. Setas indicam as células
Crédito da micrognd ia: Elliot W. Kitajima. bacLerianas. Barra = 1 ~•m.
C rédito da micrografia: Elliot W. Kitajima.

doença que dizimou pomares na Flórida (EUA) e provocou uma mkrorgonismos filamentosos (Figura 36.713), através de hifas.
crise na citricultura do Estado de São Paulo na última década. A Nos dois casos há grnve comprometimento de trocas gasosas.
Figura 36.6 mostra bactérias de Ca. Liberibacter asiaticus experi- transpiração e estado hídrico das plantas.
mentalmente inoculadas em vasos de floema de vinca. De maneira geral, em relação à transpiração, pode-se afinnar
Além de alterações na condução de água nos vasos, alguns que: a) doenças que causam ·murcha' determinam redução na
patógenos podem interferir na transpiração de plantas. Geral- taxa de transpiração; b) plantas atacadas por vírus normalmente
mente, quando uma planta reconhece a infecção por um patógeno, não sofrem alteração na taxa de transpiração; c) quadros sintoma-
inicia-se uma programação transcricional que leva a mudanças no tológicos que levam a urna ruptura da superflcie culinizada dos
metabolismo de ácido abscísico que sinalizam para fechamento vegetais causam aumento na taxa de transpiração. A análise de
estomático (mais sobre esse tema no sub-item Alterações na cada caso separadamente revela a lógica do controle nu da perda
Fotossíntese, adiante). Este é um mecanismo dirc:Lo de resposta do balanço hídrico. Assim. é razoável considerar que plantas com
da planta a uma infecção, porém alguns patógenos podem ativa- pústulas de 'ferrugem' deverão apresentar taxas de transpiração
mente ocupar as regiões próximas aos estômatos, inclusive o substancialmente aumentadas em relação às taxas vcrincadas ante:.
espaço sub-estomático e interferir com as trocas gasosas do estô- da ruptura das mesmas. A mesma lógica po<le ser utilizada para se
mato. Diversos patógenos utilizam as aberturas estomáticos para explicar porque plantas com doenças vasculares, em cujos tecidos
penetração no tecido foliar, sejam bactérias (Figura 36.7A) ou verifica-se um declínio na quantidade de água, transpiram menos.

Figura 36.7 - Penetração cm càmaras subestomáticas através da abertura de estômatos por A) bactérias e B) microrganismo filamentoso.

458
Alteraçõ1es Fisiológicas em Plantas Doentes

36.4. ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS acúmulo de proteínas muito maior do que o verificado em tecidos
sadios. O crescimento das galhas causado por esta bactéria parece
36.4.1. Nutrientes Inorgânicos estar na dependência da diponibilidade de nitrogênio.
Os nutrientes minerais são essenciais para o crescimento e Tecidos infectados com o vírus do mosaico do fi.1mo
o desenvolvimento de plantas e são fatores importaintes nas intera- (Tobacco mosaic vírus - TMV) apresentam pronunciada deficiência
ções planta-patógeno. Plantas bem nutridas têm maior chance de de nitrogênio não-proteico.
resistir ao ataque do patógeno. O contrário também é verdadeiro,
plantas com qualquer deficiência mineral ou orgânica tendem a ser 36.5. ALTERAÇÕES NA TRANSCRIÇÃO E
mais suscetíveis ao ataque de patógenos primários ou secundários. TRADUÇÃO DE GENES
Como cada nutriente afetará a resposta de uma planta à doença, Todo organismo vivo possui em seu genoma as informações
seja positiva ou negativamente, dependerá da interação planta- necessárias para a produção de proteínas. As proteínas são funda-
patógeno (mais detalhes no item 7.3.1. do Capítulo 7 desta obra). mentais para a forma e função das células e do organismo como um
Os nutrientes podem afetar a suscetibilidade ao patógeno através todo. A passagem da informação de um gene resultando em uma
de alterações metabólicas das plantas, criando assim um ambiente proteína requer dois passos principais: transcrição e ·tradução.
mais favorável ao desenvolvimento da doença. Quando um pató- Transcrição é o processo em que a enzima RNA polimerase II
geno infecta uma planta, altera a fisiologia desta, particularmente no transcreve DNA de um gene para uma fita simples de RNA, mais
que diz respeito à absorção, assimilação, translocaç:ão e utilização especificamente cm um RNA mensageiro (mRNA). Na tradução,
de nutrientes minerais. Patógeoos podem imobilizar nutrientes o mRNA serve de molde e é "traduzido'" em runção do código
no solo ou em tecidos infectados. Eles também podem interferir genético: cada três bases nitrogenadas correspondem a um amino-
com a translocação ou utilização de nutrientes, induzindo deficiên- ácido. Dessa forma, através destes dois passos, um gene (formado
cias ou toxicidades. Alguns agentes patogênicos podem consumir por uma sequência específica de bases nitrogenadas) origina uma
nutrientes, reduzindo sua disponibilidade para a planta. Patógenos proteína que segue a sequêncía pré-definida no DNA.
de solo comumente infectam raízes de plantas. reduzindo a capaci- Os processos de transcrição e tradução são alvos de uma
dade da planta em absorver água e nutrientes. As deficiências resul- gama imensa de patógenos. Patógenos cm interações compatíveis
tantes podem levar a infecções secundárias por outros patógenos. A podem interferir indiretamente com estes processos, já que uma
deficiência de cálcio, por exemplo, pode comprometer a membrana simples infecção já seria responsável por um aumento na síntese
celular e provocar liberação de açúcares, aminoácidos e outros de proteínas. sejam elas relacionadas à defesa, ou mesmo para
compostos de baixa massa molecular que são assimilados por amenizar os danos causados nos tecidos. Pode-se adiantar que
patógenos. Alguns metais têm amplas propriedade:s bactericidas; a transcrição é sempre afetada em tecidos infectados. sendo este
os patógenos podem direta ou indiretamente redu:zir ou realocar efeito mais facilmente notado em interações onde o patógeno e o
estes nutrientes para beneficio próprio. Na interação citros • hospedeiro mantêm íntimo contato. como em infecções causadas
Ca. Liberibacter asiaticus. por exemplo, há sintomas nas plantas, por vírus ou por outros patógenos biotróficos, como por exemplo
principalmente folhas, de deficiência de nutrientes. Análises os causadores de ferrugem. A transcrição é. invariavelmente,
comparativas de folhas sintomáticas, proverúentes de árvores infec- mais intensa nos primeiros estádios da infecção e a concen-
tadas com a bactéria, e folhas assintomáticas, de árvore sadia, indi- tração de RNA é maior em plantas infectadas quando compa-
caram que a presença do patógeno aumentou a quantidade de K e rada à de plantas sadias. Em alguns casos, como nas infecções
diminuiu a quantidade de Mg, Ca e B (Spann & Scbumann, 2009). virais, ocorre a mobilização de todo o maquinário da célula para
a produção de ácido nucleico virai e, consequentemente, a síntese
36.4.2. Metabolismo de Carboidratos de partículas virais. Por vezes, é possível notar, inclusive, altera-
Em consequência da contínua comunicaçiào entre dife- ções na cromatina associada ao DNA da célula atingida. Vários
rentes porções de plantas vasculares sadias, ficai naturalmente patógenos, no entanto, interferem diretamente na transcrição/
estabelecido um gradiente entre as áreas produtoras de carboi- expressão de genes e tradução de proteínas, mudando ativamente
dratos e as áreas de consumo dos mesmos (relação fonte-dreno). a fisiologia das células para seu próprio beneficio. Este fenômeno
Pode-se eleger uma folha, por exemplo, como a fonte, que gera é bastante semelhante ao conceito biológico chamado fenótipo
produtos do processo de fotossíntese, e considerar o restante da extendido, descrito por Richard Dawkins em 1982.
planta como áreas de consumo destes ruesruos produtos. Os principais "fatores de interferência" que patógenos
O equilíbrio entre as áreas de produçã.o e çonsumo pode utilizam para controlar a regulação metabólica de hospedeiros
ser comprometido por um patógeno. O que se observa, em linhas são os efetores (veja Capítulo 34 desta obra). Moléculas efetoras,
gerais, é o aumento do aAuxo de grandes corncentrações de sejam elas proteínas ou microRNAs, têm como alvo o núcleo/
ruetabólitos (especialmente carboidratos) para áreas infectadas. DNA. fatores de transcrição. epigenética da célula e proteínas.
Portanto, a exportação de nutrientes oriundos da atividade fotos- Núcleo: Vários patógenos têm no núcleo o seu principal
sintética das folhas para o resto da planta fica prejudicada. alvo. Em interações de plantas com vírus, o RNA virai atua no
núcleo e a partir de mudanças transcricionais usam a maquinaria
36.4.3. Metabolismo de Nitrogênio da célula do hospedeiro para se replicarem. Bactérias, patógenos
O metabolismo de nitrogênio em plantas sadias ou iJ1fec- filamentosos e nematoides secretam efetores que apresentam
tadas sofre mudanças consideráveis. Nos tecidos infectados com sinais de localização nuclear que dão a capacidade a estas molé-
fungos causadores de ferrugem existe at:úmulo de compostos nitro- culas de atravessarem as membranas da célula e do núcleo atuando
genados. O acúmulo awntece em virtude do aume111to da atividade diretamente no DNA ou em fatores de transcrição. Na interação
biossintética geral decorrente da infecção. Na mesma linha, veri- Boechera stricla c o patógeno causador de ferrugem Puccinia
ficou-se, em infecções causadas por Agrobacterium lumefaciens, monoica, efetores induzem mudanças transcricionais que inter-

459
Manual de Fitopatologia

ferem com 256 processos biológicos da planta, resultando na Fatores de transcrição: são proteínas envolvidas no
formação de uma pseudo-flor totalmente diferente em cor e fonna processo de conversão, ou transcrição, de DNA em RNA. Os
da flor comum da planta sadia (Figura 36.8). A pseudo-flor, origi- fatores de transcrição incluem um grande número de proteínas.
nada pela interferência do patógeno, tem o propósito de aumentar excluindo RNA polimerase, que iniciam e regulam a transcrição
a dispersão de esporos por atrair um polinizador específico, que de genes. Uma característica distinta dos fatores de transcrição é
só é atraído pela pseudo-flor (Cano et ai., 2013). Outro exemplo sua capacidade de ligação ao DNA. Alguns fatores de transcrição
está na bactéria Agrobacterium rumefaciens, causadora da galha ligam-se a uma sequência promotora de DNA próxima do local de
da coroa em angiospenuas dicotiledóneas. Essa bactéria tem a início da transcrição e ajudam a fonnar o complexo de iniciação
capacidade de infectar plantas e transferir seus genes para o DNA da transcrição. Outros fatores de transcrição ligam-se a sequên-
do hospedeiro. A infecção ocorre devido à presença do plasmídeo cias reguladoras, tais como sequências intcnsificadoras, e podem
Ti (Tumor-inducing). Este apresenta duas regiões essenciais: estimular ou reprimir a transcrição do gene relacionado. Regu-
a região do T-DNA, que é transferida, e a região vir (região de lação da transcrição é a fonna mais comum de controle de genes.
virulência), que codifica proteínas responsáveis pelo processo de A ação dos fatores de transcrição permite a expressão única de
transferência do T-DNA para o genoma da célula vegetal. Após a cada gene em diferentes tipos de células e durante o desenvol-
transferência, o T-DNA codifica proteínas que alteram o balanço vimento é alvo de proteínas efetoras secretadas por patógenos
hormonal do hospedeiro, em essência, os honnônios auxina e (Figura 36.9). Uma família de fatores de transcrição bastante
citocinina, levando à proliferação e ao crescimento exacerbados importante para a fisiologia das plantas é a WRKY. Os WRKY
de células que receberam o T-DNA, causando tumores e a galha são fatores de transcrição estreitamente ligados à ativação de
da coroa. Hoje em dia, a bactéria A. tumefaciens é bastante utili- vias de def~sa das plantas e acabam tendo sua ação inibida por
zada em biotecnologia exatamente por sua capacidade de trans- patógenos. Por exemplo, as bactérias Pseudomonas syringae e
ferência de DNA. Pesquisadores utilizam a bactéria para trans- Ralsronia solanacearum secretam os eletores AvrRps4 e PopP~
formar plantas geneticamente, inserindo genes de interesse no que interagem com genes WRKY. Estes efetores atuam direta-
plasmídeo da bactéria para que estes sejam posterionnente trans- mente na inibição de via de defesa de plantas J.ependente de sina-
feridos ao genoma das plantas. lização por genes WRKY, conferindo suscetibilidade a plantas de
A. thaliana (Sarris et ai., 2015).
A Epigenética: é o estudo de alterações potencialment~ here-
ditárias na expressão gênica (genes ativos versus inativos) que
não envolvem mudanças na sequência de DNA subjacente - uma
mudança no fenótipo sem uma mudança no genótipo - o que.
por sua vez, afeta como os genes se expressam nas células. A
mudança epigenética é Ltma ocorrência regular e natural, mas
também pode ser influenciada por vários fatores, incluindo
idade, ambiente e doenças. As plantas infectadas com um pató-
geno compatível geram um sinal de recombinação sistêmica que
resulta em alterações na frequência de recombinação somática e
meiótica. A progênie de plantas infectadas exibe alterações no5
padrões de metilação do DNA e rearranjos genômicos (Boyko &
Kovalchuk, 2011 ).
O silenciamento de RNA é um regulador central da expressão
B gênica na maioria dos eucariotos e age tanto no nível transcricional.
através da metilaçiio do DNA quanto no nível pós-transcricional
através da interferência direta de mRNA mediada por pequeno~
RNAs. Em plantas, as mesmas vias também funcionam direta-
mente na defesa do hospedeiro contra os vírus levando o RNA
virai à degradação. Os vírus, por sua vez, têm consequentement~
desenvolvido diversos mecanismos para evitar o silenciamento.
mais notavelmente através da expressão de supressores virais de
silenciamento de RNA. O mesmo fenômeno foi também consta-
tado em patógenos oomicetos. Phytophthora parasitica, P sojae
e P infestans utilizam mecanismos de supressão de silenciamento
em plantas por inibição da biogênese de pequenos RNAs (Qiao
et ai., 2013).
Proteínas: A comparação dos níveis de síntese de proteína;;
entre tecidos infectados e sadios revela que os tecidos infectados
Figura 36.8 - Flores de Boechera srricta sadias (A) e infectadas (B) sofrem aumento considerável desta atividade. O aumento deve
por Puccinia monoica. As alterações transcricionais ser encarado como sendo proveniente da ação conjunta dos orga-
em B. stricla causadas por P. monoica levam ao desen- nismos envolvidos (patógeno e hospedeiro). A planta, de um lado.
volvimento de pseudoAores que facilitam a dispersão procura ativar todas as linhas de defesa para evitor o estabeleci-
de esporos do patógeno. mento de relações parasitárias e o patógeno, por outro lado, tenla
Crédito das fotos: Cano et ai.(2013). anular os efeitos inibitórios gerados pelo hospedeiro. Assim. o

460
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes

Núcleo da célula vegetal

Fator de transcrição

DNA
Ativação de gene / Ativação de defesa
- - - -

Fator de transcriçào
Molécula
Efetora

DNA
Gene inativo/ Supressão de 1ml.!l'ilidade

Figura 36.9 - Esquema de efetor modulando fator de transcrição em hospedeiro.

aumento na síntese de proteínas é observado principalmente em Dentre algumas proteínas produzidas pelo hospedeiro e que
tomo dos sítios de infecção e em estruturas do fitopatógeno. Nas geralmente estão ligadas à reação de hipersensibilidade, encon-
ilhas verdes (Figura 36.10), por exemplo, o acúmulo de prote- tram-se as proteínas-RP {proteínas relacionadas com a patogênese),
ínas exibe aumentos acentuados, enquanto que nas áreas cloró- entre as quais pode-se citar as quitinases e as ~-1 ,3-glucanases, já
ticas observa-se um declínio. Complementando este quadro, discutidas no Capítulo 35 desta obra. A importância destas proteínas
deve-se ter em mente que o balanço proteico é alterado no tecido foi avaliada em sistemas hospedeiro-patógeno, sob efeito de inibi-
infectado c, apesar do aumento generalizado, algumas proteínas dores rle <,Íntese de proteínas, onde demonstrou-se a dimmuição
sofrem diminuição na sua concentração. dos níveis de resistência da planta (Seis et ai., 2008). No caso das
proteínas-RP, é necessário ressaltar também que muitas são
produzidas em diferentes estádios do desenvolvimento da planta,
como na época das floradas e durante os processos de senescência.
FOLHA
Enzimas respiratórias, enzimas envolvidas com a fotossín-
Degradação de clorofila tese e enzimas relacionadas com o metabolismo de fenilpropa-
ILHA VERDE
Amarelecimento dos tecidos noides exibem aumentos na atividade em tecidos infectados e têm
Hifas ocorrendo ao acaso
Clorofila mantida
Area fotossinteticamente ativa
1 sido sistematicamente correlacionadas com a ativação de meca-
nismos de reparo dos tecidos infectados e/ou injuriados.
Fixação ativa de CO 2
36.6. ALTERAÇÕES NA ATIVIDADE DE ENZll\1AS
Várias enzimas têm sua produção e/ou atividade alte-
radas nas plantas em resposta à presença de patógenos. Quiti-
nase, glucanase, glicosidase, NADPH oxidase e fenilalanina
amonialiase são exemplos de enzimas geralmente envolvidas
no processo de resistência das plantas contra fitopatógenos.
Não há, contudo, um padrão universal de resposta: a atividade
de enzimas específicas pode estar correlacionada tanto positiva
corno negativamente com a infecção. A participação de enzimas
no processo de resistência deve ser vista com certa precaução.
ESPOROS PÚSTULA MADURA A Tabela 36.1 mostra que as mudanças que ocorrem durante a
Hifas presentes reação de hipersensibilidade são similares às reações em plantas
Alta degradação de clorofila não-infectadas submetidas a um processo de envelhecimento ani-
Fotosslntese reduzida drasticamente ficial. Note que um padrão comparável também é observado em
Baixa fixação de co2 tecidos injuriados, contrastando com o obtido para plantas em
processo de senescência natural. Estudos mostram, em geral, que
Figura 36.10 - As infecções por fungos biotróficos (ferrugens e o(- muitas das enzimas atuam mais como indicadoras do início e da
dios) caracterizam-se pela formação de ilhas verdes evolução da resposta de resistência do que como elementos desti-
(áreas infectadas onde a clorofila é mantida). Estas nados a exercer a defesa (Hoagland, 1990). O patógeno, entre-
áreas são circundadas por um halo clorótico caracte- tanto, também produz enzimas hidrolíticas, que têm como alvo
ristico. O fenõm~no é atribuído, primariamente, ao au- o hospedeiro, diretamente ou através da atividade de hidrólise,
mento da atividade de citocininas no sítio de infecção. que liberam moléculas elíciadoras (Capítulo 35) que intensificam

461
Manual de Fitopatologia

Tabela 36.1 - Comparação de alterações na atívidade enzimática causadas por senescência, injúrias e hipersensibilidade do hospedeiro à in-
fecção patogênica.

Ribose bifosfato carboxilase o o


Fosfocnolpiruvato cnrboxilase +
Glicolato oxidase o
Glicose-6-fosfato desidrogenase o + + +
6-Fosfogluconato desidrogenase o + + +
Fenilalanina amonialiase + + +
Ácido cinãmico 4-hidrolase +
Ácido cafeico metiltransferase +
Polifenol oxidase + + +
Peroxidasc + + + +
Catalasc + +
Protease + + +
Fosfatase ácida o + + +
(+)aumento;(-) diminuiçiio; (O) sem alteração; (HR} hipersensibilidade induzida por vírus.
Fonte: Modificada de Van Loon & Callow (1983).

a resposta da planta por outros meios. Como exemplo, glucanas de carboidratos, ou seja, a planta aumenta a atividade metabó-
e derivados de quitina foram caracterizados como importantes lica e muita energia faz-se necessária para suprir a demanda. Ao
indutores não-específicos de defesa no hospedeiro (Ôkmen & mesmo tempo, a biosssíntese e o acúmulo de diversos compostos
Doehlernann, 2016). Em revisão recente, glucanases e quitinases é iniciada, alguns destes diretamente ligados aos mecanismos de
são encaradas como importantes componentes do sistema de defesa. A Figura 36.12 mostra algumas allerações que ocorrem
defesa em plantas, atuando sinergisticamente na hidrólise dos polí- na célula vegetal imediatamente após o contato com um pató-
meros da parede celular füngica (Capítulo 35 destat>bra; Ôkmen & geno fúngico e o início do processo de penetração. O diagrama
Doehlemann.2016). A produçãl1 de enzimas hídrolíticas, tanto pelo serviní de base para outras alterações abordadas neste capítulo.
patógeno quanto pelo hospedeiro, estabelece um intrincado jogo Como pode ser notado, várias vias metabólicas são mobilizadas
metabólico envolvendo en,dmas e seus inibidores (Figura 36.11 ). A no interior da célula afetada, que passa a estimular células adja-
importância das enzimas produzidas por patógenos nos processos centes. Em geral, o aumento do nível de respiração dá-se logo
de infecção e colonização é discutida com detalhes no Capítulo 34 após o início da infecção e permanece elevado até a fase de multi-
desta obra. plicação do patógeno, chegando a níveis normais, ou mesmo
inferiores aos observados em tecido sadio, assim que estádios
36.7. ALTERAÇÕES NA FOTOSSÍNTESE E NA avançados de evolução da doença sejam atingidos. Em outras
RESPIRAÇÃO palavras, a respiração diminui quando o patógeno cessa o desen-
A respiração e a fotossíntese constituem funções básicas volvimento e o processo de degeneração do tecido infectado
das plantas e o balanço entre estes dois processos está diretamente tem início. Também é importante ressaltar o fator temporal rela-
relacionado com o estado geral das plantas e com a qualidade dos tivo às respostas de resistência e suscetibilidade. Plantas resis-
produtos por elas fornecidos. Plantas frutíferas com crescimento tentes alteram rapidamente a respiração porque necessitam de
prejudicado devido a deficiências no sistema fotossintético apre- energia para ativar os mecanismos de defesa. Plantas suscetíveis
sentam frutos de baixa qualidade, além de aspecto indesejável. Da respondem vagarosamente e mantêm a respiração em níveis mais
mesma maneira, distúrbios na respiração podem comprometer as altos por muito mais tempo (Agrios, 2005). Um claro exemplo
resenras de carboidratos em um hospedeiro atacado por patógenos. deste comportamento foi obsenrado por Smedegaard-Petersen
Pode-se dizer. em tennos gerais, que a taxa de respiração ( 1984), que trabalhou com plantas suscetíveis e resistentes de
aumenta em um tecido doente ou injuriado e, contrariamente, a cevada e Erysiphe graminis f. sp. hordei. Ao observar a Figura
taxa de fotossíntese rende a diminuir. Os mecanismos.envolvidos 36.13, adaptada deste trabalho, nota-se que nas interações incom-
no aumento da respiração e no comprometimento da fotossíntese patíveis (com a raça 15-0, avirulenta) há uma rápida elevação
serão discutidos, por motivos didáticos. separadamente. apesar de na taxa de consumo de oxigênio na fase inicial, ao passo que na
serem partes integrantes do conjunto de respostas de um vegetal interação com a planta suscetível (coma raça 1-4, virulenta) não
submetido às condições de estresse geradas por um patógeno. ocorrem grandes mudaoças na fase inicial. A taxa de consumo d<!
O)(igênio aumenta em etapas avançadas do processo.
36.7.1. Respiração e Patogênese O aumento de respiração está ligado ao metabolismo geral
A respiração de um hospedeiro infectado geralmente da célula. especialmente ao metabolismo de carboidratos para a
aumenta porque os tecidos doentes passam a utilizar suas resenras produção de energia. Para entender a mecânica do aumento de

462
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes

~ Quitinases

PATÕGENO
8
INIBIDORES

E 1

Figura 36,11 - Representação esquemática da ação de enzimas liticas na interação patógeno-hospedeiro.

respiração é preciso entender as estapas envolvidas no metabo- energia. Veja que a situação em questão é dramática, pois a planta
lismo aeróbico da glicose. Existem etapas de processamento da respira intensamente c não há retomo em forma de energia (ATP).
glicose no interior das células. A primeira delas tem inicio na A oxidação enzimática de materiais orgânicos em compostos
conversão da glicose até o ácido pirúvico, através da glic.ólise simples e com fornecimento de energia para a célula é denomínda
(via Embden-Meyerhof-Pamas), que pode acontecer na ausência respiração aeróbica (Boxe 36.2). A energia liberada encontra-se
de oxigênio. Nas etapas subsequentes, o ácido pinívico gerado na fonna de ATP (trifosfato de adenosina) e o processo é consi-
é oxidado até C02 e Hp, via ciclo de Krebs (ciclo do ácido derado bastante eficiente. Numa célula sadia, covcrtcndo glicose
cítrico) e transporte de elétrons acoplado à fosforilação oxidativa, em piruvato na presença de oxigênio, os níveis de ADP (difos-
em presença de oxigênio (Figura 36. 14). Caso estas vias sejam fato de adenosina) são mantidos baixos, pois durante o processo
bloqueadas, as células podem ainda explorar uma via alternativa de reoxidação das coenzimas NADP (nicotinamida adenina
do metabolismo de carboidratos, a via da pentase-fosfato ou do dinucleotídeo fosfato) e FAD (flavina adenina dioucleotídeo), via
fosfogluconato (via Warburg-Dickens) (Figura 36.15). Aparen- cadeia transportadora de elétrons, ATP é formado. O acúmulo de
temente, é isto que acontece em alguns tecidos doentes, onde a ADP, portanto, estimula a respiração.
falta de oxigênio causa a diminuição da produção do ácido pirú- Existem também evidências de que o aumento da respiração
vico através do ciclo de Krebs e o acúmulo de intermediários pode ser resultado do desacoplamento da fosforilação oxidativa
da via glicolítica determina o desvio do metabolismo para a via nas mitocôndrias das células da planta doente. Normalmente, a
da pentose-fosfato. A produção de energia via pentose-fosfato é mitocondria oxida FADH, e NADH quando existe uma fonte de
ineficiente quando comparada com a via normal de formação de ADP e de fosfato inorgânico (Pi) para a formação de ATP. Os
ATP. Contudo, a via da pentose-fosfato está também envolvida processos assim estão acoplados e a interdependência é deno-
na produção de compostos fenólicos, que têm participação ativa minada "controle respiratório". Certos compostos chamados de
nos mecanismQs de defesa (veja Capítulo 35 desta obra), o que "desacopladores", como por exemplo o 2,4 dinitrofenol (DNF),
reforça a opção das células por este metaholismo. Em plantas têm a capacidade de causar um curto-circuito no gradiente de
afetadas por fungos causadores de femJgem ocorre desvio da prótons que estabelece uma diferença de potencial entre compar-
respiração normal (via glicolítica) para a via da pentose-fosfato, timentos mitocondriais, pois as formas de DNF neutra e carregada
que normalmente é pouco utilizada. Foi demonstrado que o fluo- negativamente coexistem nas membranas fosfolipídicas e em
reto de sódio, que inibe a via glicolítica, não tem efeito sobre as meio aquoso. Desta maneira, o DNP desativa a produção de ATP e
referidas plantas, sugerindo que, neste estado particular, o meta- dispensa o ADP, a oxidação de NADH e o transporte de elétrons.
bolismo não é dependente exclusivamente da via glícolítica. De modo similar, toxinas fúngicas podem atuar como desacopla-
Uma vez estabelecidas as possibilidades oferecidas pelas dores e a energia liberada pala oxidação de NADH pode levar ao
diferentes vias que podem ser seguidas, deve-se entender, agora, awnento de temperatura. efeito comum em tecidos doentes.
como o metabolismo aeróbico pode ser perturbado e resultar O processamento aeróbico de carboidratos constitui urna
em elevado nível de respiração, sem aumentQ de produção de via bastante eficiente para a obtenção de energia. Enlretaoto,

463
Manual de Fitopatologia

esporo germinado membrana plasmática

~ apressório

~~
DANOS EM
MEMBRANA

r
r--7- S(NTESED1PBQTE(NAS
despolarização
perda de eletrólitos -.
etileno

qultinase
proteínas • RP J
~la dos fenllpropanóldes

B-1,3 -glucanase sfntese de fltoalexlnas

MODIFICAÇÕES NA PAREDE CELULAR SINp.15 INTERCELULARES


compostos fenóllcos Indução de transcrição de genes de defesa
suberificação síntese de fitoalexlnas
llgniflcação

Figura 36.12 - Diagrama mostrando as respostas que se verificam no metabolismo do hospedeiro após o contato com o patógeno.

32
apesar da necessidade crescente de ATP nos hospedeiros doentes,
A o aproveitamento de carboidratos apresenta-se menos eficiente.
28
Neste caso, considera-se que houve perda do "efeito Pasteur" (Boxe
36.3), pois os níveis de ADP e Pi, que deveriam baixar devido à
24 demanda do ciclo aeróbico, permanecem acima do esperado.

I 20
Outros fatores, além dos discutidos acima, podem levar a um
aumento na taxa de respiração em plantas infectadas. Resnmida-
mente, de acordo com Hutcheson & Buchanan (1983), o aumento
l
"'
16 pode ser devido à combinação de nm ou mais mecanismos que estão
relacionados a seguir: a) mecanismos de proteção e regeneração
E
o 12 em tecidos fisicamente injuriados por um patógeno invasor,
!,;
,a, o 2 3 4 5 6 como os processos de isolamento e regeneração de tecidos dani-
.2
e 32 ficados através da deposição de lignina e suberina (veja Capi-
'.fo B tulo 35 desta obra); b) desacoplamento do transporte mitocon-
~ 28 drial de elétrons da síntese de ATP por ação de toxinas produ-
o zidas pelo patógeno; c) aumento do consumo de ATP, NADPH
E
:,
24 e outros compostos ricos em energia através do aumento gene-
8"' ralizado da atividade biossintética; d) aumento dos níveis de
atividade de enzimas envolvidas na degradação de carboidratos;
20
e) perda da compartimentalização de enzimas e metabólitos-
chave, devido ao aumento da permeabilidade da membrana (possi-
16
velmente pela ação de. toxinas); f) aumento dos níveis de alguns
substratos, como amido e açúcares solúveis, que se acumulam,
12
resultando em bloqueio de translocação; g) aumento na atividade
o 2 3 4 5 6
de ox.idases envolvidas na biossíntese de compostos secundários,
Dias após a primeira inoculação como os fenilpropanoides, incluindo lignina, flavonoides, isofavo-
Figura 36.13 - Respiração em interações compatíveis e incompatíveis noides, cumarinas, etc.
de cevada com Erysiphe graminis: (A) Plantas inocu-
36.7.2. Fotossíntese e Patogêncse
ladas somente uma vez, no tempo zero. (B) Plantas
inoculadas três vezes aos O, 2 e 4 dias: incompatlvel A diminuição na atividade fotossintética (Boxe 36.4) em
(quadrado); compatível (triângulo); controle (círculo). tecidos doentes foi demonstrada por um grande número de inves-
Fonte: Adaptada de Smedegaard-Petersen (1984). tigadores. Na verdade, pode-se verificar um aumento desta ativi-

464
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes

Alllido

1
Glicose - l-to1fato AOP ATP

' "'-► J
AmT;~ ::r:
GlicoH
.
Í--------:j•6·GhcoM-6-fosfoto ----
A),
cidos graxos 1 6NADP.
11
1 1
'r,:;::::;:::;:::;::;:=~ 1
Mobilização
da !: IJsNADPH n ---
66PG
::
acetil-CoA
""2+co. :1

'=== -L
6NADP. _
1
:
_ _.,

,rarn-11
Acetil·CoA : l6NAOPH!'---- ~ I

1 l•rl
Citrato
Oxo lacetoto
. \. / / IB5P
~5P
Ciclo do
Cc1s-Acomtatol
\
2X5P
ácida lsoc1troto
tricarboxílico
k- lco.
Sood,oto ~~:;t-r
~;_;
1

r.:7
~

\p NAD+
l.
Flavoyoteinol CADP + P,

Coenzimo Q IATP !
Tronsporte
de elétrons
e fosforilaçõo
oxidativa
l
Citoclmo b le ADP + P,
Chave:
CitocrolTIO e;

. J
c,tocrorno a.
l
l CADP
l ATP 1

I ATP 1
P,
6PG = 6 - fosfogluconato
Ru5P = ribulose-5-toafoto
R5P = ribose-5-fosfato
X5P = xilulote-5-fosfato
S7P = sedoeptulose-7-fosfoto
G3P = gliceraldeído-3-fosfoito
G6P = glicote-6- fosfato
2H+ + l º• -1 H, O1 E4P = eritrose-4-fosfato
OHAP = diidroxiacetona-foafato
FOP = frutose 1,6-difosfato
FSP = frutose-6- fosfato

Figura 36.14 - Esquema do fluxo da respiração. Acetil CoA é produ-


zida e utilizada no ciclo do ácido tricarboxílico; em Figura 36.15 - Representação esquemática da via da pentose-fosfato
seguida, ocorre o transporte de elétrons acoplado à ou via do fosfogluconato. Notar a oxidação com-
fosforilação oxidativa. Os produtos finais da respira- pleta da glicose-6-fosfato até C02 com produção de
ção estão destacados nos retângulos. NADPH.
Fonte: Adaptada de Nelson & Cox (2014). Fonte: Adaptada de Nelson & Cox (2014).

465
Manual de Fitopatologia

Boxe 36.2 Respiração aeróbica Boxe 36.4 Fotossíntese

A respiração aeróbica da glicose obedece à seguinte Na fotossíntese, a energia solar é convertida em


equação: energia química nos cloroplastos das células dos vege-
tais. A energia química oriunda do processo, na forma
de ATP e NADPH, é utilizada na biossíntese de carboi-
dratos a partir de CO2 (gás carbônico) e H 2 0 com libe-
Trata-se de processo mitocondrial gerador de
ração de oxigênio, como mostra a equação abaixo:
ATP (energia) através do qual um composto inorgâ-
nico (oxigênio) serve como aceptor final da oxidação Luz
de substâncias orgânicas (glicose) até compostos 6 co2 + 6 H 0
2 - - - 6 C 6 H 120 6 +6 0 2
mais simples como água e gás carbônico. O ciclo do Clorofila
ácido cítrico gera NADH e FADH 2 e, para cada uma
dessas moléculas oxidadas, dois elétrons são direcio-
nados para a cadeia transportadora de elétrons, que
reduzem um átomo de oxigênio, formando H 20. dade imediatamente após o início da interação com o patógeno,
por um período bastante reduzido, seguido, invariavelmente, pela
diminuição da taxa de fotossíntese, devido ao surgimento de áreas
cloróticas a necrosadas, onde ocorre a destruição de moléculas
de clorofila. Em algumas doenças causadas por vírus, áreas do
membrana externa tecido foliar podem apresentar um número elevado de moléculas
de clorofila. Entretanto, a resposta geral da folha após a infecçà(l
cristas
membrana interna é a diminnição da atividade fotossintética (Rajas et ai., 2014).
Na maioria dos casos, a influência dos patógenos sobre a
fotossíntese é resultante dos danos causados aos cloroplastos e do
processo de envelhecimento dos tecidos afetados. A resposta parece
estar mais ligada à destruição generalizada da atividade fotossinté-
tica do que a uma propriedade específica do patógeno invasor.

36.7.3. Translocação
A translocação é responsável pela equilibrada distribuição
de substâncias. aos diferentes níveis e compartimentos da orga-
nização vegetal. Estruturalmente, o movimento de metabólitos é
garantido porque, além dos vasos (íloema e xilcma), as células
comunicam-se entre si por extensões citoplasmáticas. que atra-
vessam a parede celular e conectam os protoplastos de células
espaço intermembranas
adjacentes, denominadas plasmodesmas (veja Capitulo 34 desta
obra). O transporte através de plasmodesmas é chamado de trans-
Figura 36. 16- Diagrama de uma mitocôndria.
porte de simplasto e a comunicação contínua, de constituição
não-protoplasmática, existente entre as paredes celulares e o
material intercelular é denominada apoplasto (Figura 36.17). Por
1
apresentar barreiras citoplasmáticas. a comunicação via simplasto
Boxe 36.3 Efeito Pasteur
oferece maior resistência, cerca de 50 vezes, ao fluxo de água
quando comparada ao apoplasto (Tootill & Blackmorf', 1984 ).
Pasteur observou que a fermentação de açúcares Um mecanismo bastante estudado de mudanças na trans-
por leveduras em condições anaeróbicas era rever- locaçào de mateóais resultantes de um processo infeccioso é o
tida pela introdução de oxigênio no sistema. A injeção caso do cancro dos ramos do pessegueiro. causado pelo fungo
de oxigênio causava interrupção da fermentação e as Fusicoccum amygdali, e caracterizado pela murcha e seca dos
reações de oxidação tinham início. Foi demonstrado ramos. O fungo produz uma toxina, a fusicoccina (veja Capítulo 34
que esse fenômeno, chamado de "efeito Pasteur", é desta obra) que. uma vez translocada, via apoplasto, pelos tecidos
ativo em diferentes formas de vida. A explicação para do hospedeiro, causa disfunções em pontos distantes dos sítios
o efeito está ligada à competição entre as vias glico- de infecção. A toxina atua ao nível de membrana, causando alte-
líticas (anaeróbicas) e o ciclo do ácido cítrico (aeró- rações no transporte iônico celular ou na penneabilidade celular,
bico) por ADP e fosfato inorgânico (Pi). Em condi- resultando em alcalinização do citoplasma e acidificação extrace-
ções anaeróbicas, níveis suficiente d e ADP e de Pi lular. Estas mudanças comprometem a regularidade do processo
encontram-se disponíveis para o máximo de glkó- de translocação.
lise. A situação muda radicalmente em presença de
oxigênio, pois a demanda por ADP e Pi aumenta dema- 36.8. ALTERAÇÕES HORMONA[$
siadamente, causando a inibição da \·ia glicolitica.
A influência de substâncias de crescimento produzidas
pelos fitopatógenos na interação com o hospedeiro foi explorada

466
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes

~ epiderme

estria de
Caspary
l
+-....;;::i._tr---- - pê lo
absorvente

água
r
cortex

partícula do solo

Figura 36.17 - Esquema de uma rai1, indicando o movimento de água (cm azul) do solo para o xilcma, atrnvl'.'!> das paredes celulares (apoplasto, A)
e atra,és do protoplasma (simplasto, B). As áreas escuras entre as células da endoderme constiruem as estrias de Caspary, que
são áreas impenneávcis à água, forçando sua passagem através da membrana citoplasmática.

no Capítulo 34 desta obra. O enfoque agora recai sobre as alte- podem redirecionar a atividade metabólica <lo hospedeiro para
rações do tecido hospedeiro em função da alteração dos níveis favorecer o desenvolvimento do pat6geno. Entre as mudanças no
honnonais. Como já foi explicado anterionnente, a separação é morfologia dos tecidos vegetais, destacam-se aquelas orinndas
apenas didática, pois a análise do efeito de substâncias de cresci- de hipertrofia (aumento do tamanho das células) e biperplasia
mento produzidas pelo fitopatógeno e pelo hospedeiro no sítio de (aumento do número de células), como superalongamento, galha,
infecção é concomitante e pouco compreendida. tumor e proliferação exagerada de caules e raízes. Por outro
Considerando que a estrutura molecular e a importância de lado, existem alterações decorrentes de inibição de crescimento.
cada um dos bonnônios (auxinas, giberelinas, citocininas. etileno. denominadas de enfezamento. As substâncias de crescimento
ácido abscísico) foram descritas anteriormente (Capítulo 34 desta produzidas por fitopatógenos e por tecidos vegetais são sinteti-
obra). aqui serão relatados e examinados casos específicos de alte- zadas através de vias metabólicas similares e a aplicação dessas
rações fisiológicas e morfológicas resultantes de modificações nas substâncias sobre plantas sadias in vitro frequentemente leva ao
concentrações e inter-relações dl"ssas substâncias de crescimento. desenvolvimento de sintomas idênticos aos observados na planta
De maneira geral, a planta sadia mantém um equilíbrio das infectada. Na Tabela 36.2 são apresentados alguns exemplos de
concentrações dos hormônios que controlam o crescimento e o doenças correlacionadas com disfunções honnonais. Os estudos
processo dl" senescência. Pode-se considerar, em linhas gerais, a respeito da síntese destes compostos e seus efeitos sobre o
que o balanço hormonal é influenciado por fatores que estimulam metabolismo da planta atacada vêm evoluindo e, futuramente.
a síntese de macromóleculas (citocinínas. giberelinas c auxínas) algumas perguntas poderão ser respondidas com maior segurança.
e por fatores que estimulam a degradação de macromoléculas O que tem intrigado os pesquisadores é que determinados tl!cidos
(ácido abscísico e etileno), ou seja, que atuam como inibidores com evidente distúrbio metabólico, evidenciado pelas concen-
de crescimento. É importante notar que essas sub~tâncias regu- trações anormais de substâncias de crescimento, não apresentam
ladoras de crescimento, apesar de produzidas através de dife- alterações morfológicas visíveis.
rentes vias metabólicas, apresentam sobreposição de atividades
e, muitas vezes, aluam de maneira sinérgica. Assim, os efeitos 36.8.J. Auxinas
da aplicação de um honnônio sepai;adarnente é quase insignifi- O aumento da concentração de auxinas, principalmente o
cante quando comparado â aplicação de duas ou mais substân- ácido indolil-3-acético {AIA) (Figura 36. 18), está diretamente rela-
cias de crescimento ao mesmo tempo. Os distúrbios hormonais cionado com o Jesenvolvimento de sintomas em muitas doenças. As
manifestam-se de maneira distinta e originam mudanças dramá- auxinas estão envolvidas em uma série de atividades que controlam
ticas nos tecidos vegetais. Aceita-se que as alterações hormonais o crescimento e a diferenciação celulares. Desta maneira, o <lese-

467
Manual de Fitopatologia

Tabela 36.2 - Exemplos de doenças cujos sintomas podem ser correlacionados com alterações no metabolismo hormonal.

Doença Ai.:ente causal Principais hormônios em olvidos

"Bakanae" Gibere//a fujikuroi Giberelinas / auxinas


Carvão do milho Ustilago maydis Auxinas
Crespeira do pessegueiro Taphrina deformans Auxinas / citocininas
Fasciação Corynebacterium fascians Citoc.:ininas
Ferrugem branca Albugo candida Auxinas
Ferrugem Urvmyces sp. Auxinas
Galha da coroa Agrobacterium h,mefaciens Auxinas / citocininas
Galha das raízes Meloidogyne sp. Auxinas
Hérnia das crucíferas Plasmodiophora brassicae Auxinas
Murcha de Fusarium Fusarium oxysporum Etileno/ auxinas
Murcha de Verticillium Verticillium albo-atrum Ácido abcísico
Murchas bacterianas Ralstonia solanacearum Auxinas / etileno
Requeima da batata Phytophthora infestans Auxinas
Super alongamento da mandioca Sphaceloma manihoticola Giberelinus
Vassoura de bruxa Fungos e micoplasmas Citocininas

Fonte: Agrios (2005); Goodman et ai. (1986); Isaac ( 1992).

quilíbrio nas concentrações destes hormônios comurnente resullam 36.8.2. Giberelinas


em sintomas bastante evidentes e, portanto, de fácil diagnóstico, Atuam como fatores estimulantes de crescimento através
como, por exemplo, o carvão do milho, oriundo da infecção pelo
do aumento da velocidade de elongamento. Podem ter efeito
fungo Ustilago maydis. Os efeitos das auxinas nos vegetais são:
amplificado quando em presença de auxinas, pela ativação da
a) alongamento e diferenciação de células; b) comprometimento
da permeabilidade de membranas; c) aumento de respiração; expressão de vários genes que resultam na síntese de RNA e,
d) aumento na síntese de RNA mensageiro; e) aumento na síntese consequentemente, na síntese de enzimas. As giberelinas foram
de enzimas e proteínas estruturais (Agrios, 2005). primeiramente detectadas em plântulas de arroz infectadas pelo
O aumento na concentração de auxinas parece fungo Giberella fujikuroi, sendo vistas como produtos tóxicos
ocorrer em plantas independentemente da natureza do
agente infectante. O efeito do aumento da concentração 12
micélio uredini6sporos
de auxinas foi avaliado em hipocótilos de Carthamus sp.,
por exemplo, inoculados com o fungo Puccinia carthami 10 -! ······-··········-··· 1-·······- ..... .
(Daly & lnman, 1958). Os investigadores encontraram
□Controle sadio
aumento nos níveis de auxinas durante o período de cres- 8 □Tecido infectado
cimento do hipocótilo infectado com o fungo (Figura
36.18).
6
Uma das interações mais intensamente estudas,
e que é resultante de desequílibrio hormonal tanto de
4
auxinas como de citocininas, é a galha da coroa causada
pela bactéria Agrobacterium tumefaciens, que ocorre
em um grande número de hospedeiros. O processo 2
tem início quando bactérias entram em ferimentos de
um hospedeiro suscetível e a formação de tumores é o
determinada por um mecanismo bastante especializado, 9 12 14 16 19
onde as células do tecido afetado incorporam o plasmídio Idade dos hipocótilos (dias)
bacteriano T-DNA. O plasmídio transforma células
normais em células tumorais, que altf!ram o balanço Figura 36.18- Concentração de auxinas em hipocótilos de Carthamus sp.
hormonal e crescem independentemente do tecido que sadios (controle) e inoculados com Puccinia carthami, avaliada
as cercam. Essa interação é comentada em detalhe no durante o desenvolvimento dos sintomas.
Capítulo 34 desta obra. Fonte: Adaptada de Daly & lnman (1958).

468
Alterações Fisiológicas em Plantas Doentes

provenientes da interação. Posteriomente, após estudos das gás etileno ou etrel (ácido 2-cloro etilfosfônico) têm a infecção
culturas do fuugo in vitro, o composto foi isolado, caracterizado e os sintomas da doença reduzidos; b) alterações uas atividades
e suas propriedades de honnônio reconhecidas. As plântulas de de enzimas (alfa-amilase, catalase, celulase, quitinase, glucanase,
arroz infectadas com o fungo apresentavam-se mais altas do que ácido cinâmico hidroxilase, invertase, peroxidase, fenilalanina
aquelas sadias, livres do patógeno, e a doença ficou conhecida amonialiase, polifenoloxidase e pectina esterase) induzidas por
como 'bakanae'. Outra doença cujos sintomas estão correlacio- etileno que, presumivelmente, estão associadas com resist~ncia;
nados com distúrbios nos niveis de giberelinas é o superalonga- c) biossíntese de compostos com atividade: anti-fúngica estimu-
mento da mandioca, causado por Sphaceloma manihoticola. A lada por etileno. Muitas destas enzimas aumentam em decorrência
principal característica desta doença é o alongamento excessivo de injuria ou reação de hipersensibilidade, independentemente do
dos entrcnós de hastes jovens, os quais se tornam finos e enfra- tratamento com etileno (veja Tabela 36.1 ). Admitir que a síntese
quecidos. As plantas infectadas, de modo geral, mostram-se mais destas enzimas também é estimulada por etileno é bastante razo-
altas do que as sadias (Alvarez et al., 2000). ável, principalmente porque a síntese dess.e hormônio acontece
O tenno 'giberelinas' identifica um grupo de aproximada- em um número considerável de doenças estudadas.
mente 60 compostos com estrutura moh:cular similar ao ácido Wiese & DeVay (1970) demoostrau-am qué tecidos de
giberélico. Isaac (1992) resumiu cm alguns itens a ação destes plantas de algodão tratados com dois isolados de Vertic//lium
compostos: a) estimulam enzimas envolvidas na síntese de amido a!ho-atrum exibiram visível aumento na produção de etileno
e da parede celular; b) estão envolvidos no crescimento e na e que o tecido inoculado com a linhagem apresentando efeito
manutenção dos meristemas apicais; c) intensificam e estimulam desfolhante respondeu com maior intensidade (Figura 36.19). Os
a ação das auxinas. autores sugeriram que o etileno pode estar diretamente ligado aos
fenômenos de epinastia e desfolha. O desequilíbrio na produção
36.8.3. Citocininas de etileno pode levar ao desenvolvimento de um grande número
São potentes fatores de crescimento estreitamente envol- de sintomas como crescimento exagerado de raízes, abscisão
vidos com crescimento, divisão e diferenciação celulares. Além foliar, clorose e epinastia. Pode-se observar a importância do
disso, por atuarem como inibidores da degradação de proteínas etileno no desenvolvimento de sintomas na interação banana-
e de carboidratos, funcionam como elementos anti-senescência. Ralstonia solanacearum, onde foi verificada uma forte corre-
As citocininas também afetam a mobilização de nutrientes, tanto lação entre o amarelecimento de frutos e altos níveis desta subs-
no que se refere ao transporte como no acúmulo dos mesmos. A tância de crescimento. O etileno também parece estar envolvido
atividade desta substância de crescimento ocorre sempre a baixas em várias doenças vasculares que ocasionann epinastia e desfolha.
concentrações e, usualmente, em conjunto com outros regula- como aquelas causadas por espécies de Verticillium e Fusarium.
dores. A Tabela 36.2 mostra que, no desenvolvimento dos sintomas Além disso, o crescimento exagerado do pirotoplasma de células
das doenças galha da coroa e crespeira do pessegueiro, as citoci- parenquimatosas na luz de vasos do xilema, fonnando as tiloses,
ninas compartilham a atividade com outros hormônios. Na cres- também ocorre em função de disfunções nai produção de auxinas
peira do pessegueiro, por exemplo, causada pelo fungo Taphrina e etileno em doenças vasculares.
deformans, o aumento na concentração de citocininas
manifesta-se pelo seguinte quadro sintomatológico 100-,--------------------------,
típico: folhas tornam-se mais espessas e à medida
que se desenvolvem, curvam-se para dentro, o que se 90

deve ao crescimento exagerado das células da lâmina


80
superior da folha (parênquima paliçádico) em relação
ao extrato inferior de células (parênquima espon-
joso) {Isaac, 1992). Por outro lado, em ferrugens e
oídios, as citocininas originam um quadro sintoma-
tológico diferente: são as características ilhas verdes
(Figura 36. lO) que se formam em tomo dos sítios de
infecção nas folhas. A aç-ào das citocininas parece
ocorrer desde o início do desenvolvimento das ilhas
até a evolução de um quadro de senescência em tomo
delas. Este fenômemo deve-se ao fato de que, durante
a interação, as folhas tornam-se cloróticas, mas, ao
redor dos sítios de infecção, a clorofila é mantida. A
20 • •
10
aplicação de citocininas na superficie foliar resulta em
sintoma similar ao mencionado acima.
o 2 4 8 8 10 12 14
36.8.4. Etileno Dias após a inocolação
Este hormônio tem sua produção aumentada
em tecidos que sofrem alguma forma de estresse. Figura J6.19 - Produção de etileno por plantas de algodão sadias e infectadas.
O aumento da produção de etileno, nestas condi- O isolado de Verticill/11m albo-atrum comi ação desfolhante oca-
ções, parece estar ligado à ativação de mecanismos sionou uma maior produção de etileno que o isolado não desfo-
de resistência. Pegg ( 1981) lista algumas evidências lhante.
que suportam essa idéia: a) plantas tratadas com o Fonte: Adaptada de Wiese & DeVay ( 1970).

469
Manual de Fitopatología

36.8.5. Ácido Abscísico Boyko. A. & Kovalchuk. 1. Genetic and epigenetic effects of plant-
pathogen interactions: an evolutionary perspective. Molecular
O ácido abscísico pode ser caracterizado como um inibidor
Plant 4: 1014-1023, 2011.
de crescimento que age nos processos de indução de dormência,
inibição de germinação, inibição de crescimento e fechamento Cano, L.M.. Raffaele, S., Haugen, R.H., Saunders, D.G.O., Leonelli, L.
de estômatos. O entendimento do papel do ácido abscísico na Transcriptome reprogramming onderlies floral mimicry induced by
expressão de sintomas é, de certa forma, complicado, visto que lhe rust fungus Puccinia monoica in 8oechera stricta. PLOS ONE
pode ser confundido com a atividade de outros inibidores. Um 8:e75293. 20l3
exemplo da ação coordenada com outros fatores é relatado por Dalio, R.J.D .• Magalhães. D.M.. Rodrigues, C.M., Arena, G.D., Oliveira,
Wiese & DeVay (1970), pesquisa já parcialmente discutida no T.S., Souza-Neto. R.R., Picchi, S.C.. Martins, P.M.M., SanlOs,
item anterior. Estes pesquisadores demonstraram que ocorria um P.J.C., Maximo, H.J., Pacheco, I.S.• De Souza. A.A., Machado.
aumento na concentração de ácido abscísico cm tecidos de algo- M.M. PAMPs. PRRs, effcctors and R-genes associated with citrus-
doeiro inoculados com um isolado desfolhante de Ver1icillium pathogen interactions. Annals of Botany Il i>: 749-774. 2017.
a/bo-atnim. Frente ao isolado não-desfolhante, não havia alte- Daly. J.M. & Jnman, R. E. Changes in au,xin leveis in safflower lzypocotyls
rações significativas nos tecidos (Tabela 36.3). Neste mesmo
intected with Puccinia car1l111mi. Phytnpathology 48: 91-97, 1958.
sistema, como foi mostrado antcrionncnte, ocorrem aumentos
nas concentrações de etileno após a inoculação com o isolado Dawkins, R. The cxtended phenotype. Oxford University Prcss, 1982. 307 p.
desfolhante, superiores aos níveis detectados na presença do Goodman, R.N.; Király, Z.: Zaitlin, M. Thc Biochemistry and Physi-
isolado não-desfolhante. Como a produção de etileno é estimu- ology nflnfcctious Plant Dise11ses. Columbia, University Missouri
lada pelo ácido abscísico, o aumento concomitante desses fatores Prcss, 1986. 435 p.
no processo reforça a idéia da ação conjunta das substâncias de Hoagland. R.E. Biochcmical responses of plants to palhogcns. ln
crescimento. Hoagland. R.E. (ed.). Mícrobc 110d Microbial Produt:ts as llcrbi-
cides. Washington, Amcrican Chcmical Society, J990. p. 87-113.
Tabela 36.3 - Produção de ácido abcísico em tecidos de algodão
sadios e infectados com dois isolados de Venicil/i11m Hutcheson. S.W. & Ilnchanan, 8. Biomergctic and metabolic distur-
albo-atrum. um Jos quais causa desfolha do ho~-pedeiro. bances in diseased plants. ln Callow. J.A. (ed.}. Biochemical Plant
Pathology. Chichestcr. Wilcy, 1983. p. 327-345.
Isaac. S. J•ungol-Pla nt lnteraction~. New York, Chapman & Hall, 1992.
May-<le-Mio, L.L., Purisi. M.C.M.. Ueno, B.. Fajardo, T.V.M.. Amorim.
L. Doenças das Rosáceas <le Caroço. ln: Amorim, L., Rezcn<lc,
J.A.M., Bergamin Filho, A., Aranha, L.E.A. (Ed.). Manual de Fito-
p11tologia. Doenças das Plnntns Cultivadas. Vol.2. 5" edição.
Folhas CGL 4,0 3,8 8,6 Editora Agronômica Ci:rcs, 2016. Cap. 65. p. 629-646.
eco 1,2 1,6 2,8 Nelson, D.L. & Cox. M.M. Princípios de Bioquímk11 de Lebninger. 6"
ed. Artmed, 2014.
Hastes eco 0.6 0,3 0,4
Okmen. B. & Doehlemann. G. Clash betwccn the borders: spotlight on
• Método de detecção do ácido abcísico: CGL - cromatografia gás-lí- apoplastic processes in plant microbe interactions. .:'tlew Phylolo-
quido, CCD - cromatografia de camada delgada; bTecidos coletados gist 212: 799-801, 2016.
12 dias após a inoculação. Pegg, G.F. Toe involvement of growth regulators in discased plants. ln
Fonte: Adaptada de Wiese & DeVay (1970). Ayers, P. (ed.). Effect of Disease un thc l'bysiology of t he Growing
Plant. Cambridge, Cambridge University Press, 1981. p. 149-177.
36.8.6. Distúrbios Hormonais e Produção de Alimentos Qiao. Y., Liu, L., Xiong, Q., Flores, C.. Wong, J ., Shi, J., Wang, X., Liu. X.,
Xiang, Q.. Jiang, S.. Zhang, F.. Wang, Y., Jutlelson, H. S., Chen, X.•
O impacto econômico gerado pelos desequilíbrios na função
Ma, W. Oomycete pathogens encode RNA silencíng suppressors.
hormonal de plantas cultivadas é muito maior do que se imagina.
N11.ture Genetics 4S: 330-333. 2013.
Simplificadamente, pode-se dizer que os distúrbios metabólicos
comprometem o deseuvolvimento normal das plantas. Em conse- Rojas, C.M., Senthil-Kumar. M.• Tzín. V., Mysore, K. Regulation of
quência disso. ocorre uma diminuição da produção e a cultura primary plant metabolism during plant-patbogen iateractions and its
pode se tornar economicamente inviável. Crescimento lento, contribution to plant defense. Fronders in Plant Science - Plant
plantas pouco desenvolvidas, diminuição na atividade fotos- Microbe lnteractions S: anicle 17. 2014.
sintética, redução do valor nutricional e queda na produção de Sarrís P., Duxbury z., Huh S. U., Ma Y., Segonzac C, Sldenar J., et ai. A
sementes são alguns dos problemas que podem ser gerados. Em plant immune receptor detects pathogen effectors that target WRKY
todos estes casos, o valor comercial do produto tem queda signi- transcription factors. CelJ 161: 1089-1100, 2015.
ficativa, afetando diretamente os produtore.s.
Seis. J., Mathys, J., De Coninck, B. M. A., Cammue, B. P. A.. De Bolle.
M. F. C. Plant pathogenesis-rclated (PR) proteins: a focus on PR
36.9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA peptides. Plant Physiology and Biochemistry 46: 941-950, 2008.
Agrios, G.N. Ph1nt P11thology. San Diego, J'\.cademic Prcss, 2005. 803p. Smedegaard-Petersen, V. The role ofrespíratioo and encrgy gcneration in
Alvarez. E., Mejia. J.F.. Valle, T.L. Molecular and pathogenicity charac- diseased and discasc-rcsístant plants. ln Jcllis, J.G. & Wood, R.K.S.
terization of Sphace/oma manilwticola isolates !Tom Soulh-Cenlral (ed.). Plaat Diseases: lnfcction, Dam11ge, and Loss. Oxford.
BraziJ. Plant Disease 87: 1322-1328, 2000. Blackwell Scientific Publications, 1984. p. 73-85.

470
CAPÍTULO

37
GENÔMICA APLICADA
À FITOPATOLOGIA
Luis Eduardo Aranha Camargo

ÍNDICE

37.1. Introdução............................................................ 473 37.4. Genômica de fitopatógenos ................................. 477


37.2. Transcritômica vegetal e a identificação de 37 .5. Caracterização do microbioma vegetal:
genes de defesa ...................................................... 473
a microbiômica e o patobioma............................ 4 78
37.3. Associação entre genes e resistência a patógenos
através do sequenciamento genômico total ......... 476 37 .6. Bibliografia consultada ........................................ 478

37.1. INTRODUÇÃO De maneira simplista e um tanto redundante a Gemômica


dedica-se ao estudo de genomas inteiros. Como fruto de revo-

F
reeman Dyson. em seu interessante livro Mundos
Imaginados (Dyson, 1997) nos ensina que novos lução instrumental, geram um corpo gigantesco de infomiaç.ão
rumos na ciência são ditados por revoluções e estas que precisa ser ex.plicado a posteriori. Como ciência, apresemla
podem ser de dois tipos: as conceituais, estimuladas por novos várias especialidades, como Genômica Comparativa, que ~usca
conceitos, e as instrumentais, impulsionadas pelo desenvolvi- identificar padrões genômicos entre organismos e a Genômica
mento de novos instrumentos de análise. A característica das Funcional, ocupada com o estudo de padrões de expressão genica
primeiras é explicar coisas antigas de maneiras novas, a exemplo de organismos submetidos a diferentes condições. Imprescindlível
da Teoria da Relatividade de Einstein, ao passo que a das segundas para lidar com um corpo tão grande de informação foi o de:sen-
é descobrir coisas novas que ainda precisam ser explicadas. volvimento de algoritmos e softwares específicos para a área,
Podemos encaixar a Ciência Genômica na segunda categoria, tema da Bioinformática.
pois é largamente fruto do desenvolvimento de cada vez mais
37.2. TRANSCRJTÔMICA VEGETÁL E A
sofislicados aparelhos que permitem detenninar, de maneira auto-
rDENTIFICAÇlO DE GENES DE DEFESA
matizada e em um curto espaço de tempo, a sequência de nucleo•
tídeos de uma molécula de DNA. Apenas a título de exemplo, Sequenciar o genoma de uma bactéria é tarefa fácil compa•
quando lançada na década de 70 do século passado, a técnica de rado ao sequenciamento de um genoma vegetal. Enquanto, o
sequenciamento de Sanger baseada na utilização de didesoxir- genoma médio de uma bactéria está entre 3 e 5 milhões de pares
ribonucleotídeos, permitia sequenciar 100 pares de base por dia. de base (com uma densidade média de 1 gene a cada 1.000 pares de
Já os primeiros sequenciadores semi-automáticos de primeira base). o de um vegetal fica entre 350 milhões (trigo) e 1,7 bilhões
geração lançados no final do século passado permitem sequenciar (milho). podendo chegar a 3 bilhões no caso de cana de açúcar
aproximadamente 40.000 pares de bases por dia. Atualmente, as (http://data.kew.org/cvalues/). Genomas vegetais são maiores
técnicas de segunda geração, (denominadas no início sequencia- não apenas por conterem mais genes, mas principalmente por
mento da próxima geração - nexr gentration sequencing - NGS) conterem sequências de DNA intergênicas que ni'lo são tradu-
sequenciam bilhões de bases por dia. ao passo que as técnicas da zidas em proteínas. Na verdade, a quantidade deste tipo de DNA
terceira geração permitem sequenciar moléculas únicas (Heather excede a quantidade de DNA codificador, o que faz com que a
& Chain, 2016). densidade gênica em genomas vegetais (de 1 gene a cada 8 mil Ol!I

473
Manual de Fitopatologia

10 mil pares de bases, no caso de O,J'za sativa) seja bem inferior suas sequências serem longas demais para serem sequenciadas
à daquela em bactérias. Assim, quando se objetiva estudar apenas de uma vez e então o mais comum é sequenciannos partes deles.
a parte do genoma de um vegetal que é transcrita em RNA mensa- Desta forma, após o sequenciamento faz-se necessária uma deta-
geiro. podemos recorrer a técnicas de sequenciamento de RNA lhada análise bioinfonnática dos dados (Boxe 37.1 ).
usando platafonnas NGS. Assim, ao invés de sequenciarmos o Outra técnica de análise de expressão gênica alternativa à abor-
genoma de uma planta, estaremos sequenciando especificamente dagem descrita acima é a baseada em hibridizações de transcritos
o seu transcritoma. em microarranjos. Essencialmente, sequências gênicas previamente
Existem várias técnicas que pcnnilem sequenciar moléculas dispon1biliu1clas a partir de projetos de sequenciamento sl!o fixadas
de RNA por NGS (Taehibana, 2016). Uma limita1;ão da técnica, covalentemente a uma matriz química. que pode ser um pequeno
no entanto, reside no fato que nem todos os genes são expressos chip ou mesmo uma lâmina microscópica especial. Estas por sua
em todos os tecidos, fases da vida e condições de cultivo da ve, são hibridizadas separadamente com cDNA sintetizado a partir
planta. Assim, ao sequenciarmos as moléculas d1! RNA de um de populações de mRNA extraído de diferentes tecidos (tecido
Jado órgão de uma dada planta em um dado momento, obteremos infectado e sadio, por exemplo). Durante a síntese do cDNA,
uma fotografia da expressão gênica no momento cm que ocorreu no entanto. um pigm.:nto fluorescente (cianina 3 ou cianina 5) é
a extração do mRNA, mas não um filme. Não obstante esta limi- incorporado às moléculas do ácido nuclcico para tomar possível
tação, a técnica se presta para quantificar os níveis de expressão sua visualização após sua hibridiaiçào com seu homólogo fixo ao
dos genes em uma amostra, pois quanto mais expresso for um chip. Pode-se assim distinguir as populações de mRNA extraídas
gene, maior será a frequência de seu RNA mensageiro na amostra de tecido infectado e sadio usando Auoróforos diferentes durante
e, por conseguinte, mais vezes ele será sequenciado. Assim, a a síntes.: de cDNA que podem ser discernidos por suas cores. As
frequência de um dado transcrito em uma amostra é proporcional cianinas 3 e 5 (Cy3 e CYS), por .:xemplo, emitem fluorescência no
ao nível de expressão de seu gene correspondente e esta relação comprimento de onda verde e vcm1elho. Neste caso. o chip pode
pode ser utilizada paro esrudar quais genes da planta respondem ser hibridizado simultaneamente com cDNA proveniente de tecido
ao ataque de um patógeno, por exemplo (Figura 37 .1 ). Na figura, sadio marcado com Cy3 e de tecido infectado marcado com Cy5.
o gene 1 não é diferencialmente expresso entre plantas inoculadas Após a hibridização, o chip é analisado por um scanner de alta reso-
e não inoculadas pois as frequências de seus trarnscritos são as lução que identifica os pontos fluorescentes e não fluorescentes que
mesmas entre os dois tratamentos. Por analogia, a transcrição do cmTespondem aos genes do chip e cria uma imagem do mesmo. Se
gene 2 é ativada e a do gene 3 é reprimida cm fun1;ão da infeção não houver fluorescência em um detenninado ponto. conclui-i.e que
pelo patógeno. Embora a lógica desta abordagem seja fiícil de o gene correspondente àquele ponto não foi expresso em nenhum
entender, é preciso ter em mente que ela exige uma elaborada dos dois tecidos, pois não hibridizou a nenhum cDNA fluores-
análise por se tratar de \1m volume muito grande tfo dados. Outro cente. Se emitiu luminescência no comprimento do verde, signi-
complicador é que raramente sequenciamos um gc:ne inteiro por fica que apenas cDNA de tecido sadio hibridizou naquele local,
indicando que o gene só foi expresso no tecido
sad10 e não no doente. ao passo que se emitiu luz
DNA ~ no do vennelho, conclui-se o contrário. Genes
expressos cm amhas as condições aparecem
como pontos laranja, que é 11 comhinaçõo <las
<luas cores tFigura 37.2). É possível também
planta Tra nscrição detectar dili:renças quantitativas na expressão de
de genes

~
inoculada um gene levando-se em conta a razão da quanti-
dade de luz emitida nos dois comprimentos.
mRNA 1\/\J\ A contribuição da revolução genômica
__________. Sequenciamento para avançar no conhecimento sobre meca-
nismos de resistência a patógcno. discutido no
e agrupamento de
transcritos Capítulo 6 - Genética da interação patógeno-
planta não t -hospedeiro, e identificar genes de defesa tem
inoculada sido muito grande. O trabalho de Maleck et ai.
Comparnção de abundâncias de mRNAs
(2000) é seminal pois ilustra o potencial das
entre tratamentos
técnicas de análises de expressão. Os autores
transcrito 1 transcrito 2 transcrito 3 utilizaram um microarranjo contendo genes de
Arabidopsis e compararam perfis de expressão

~ ~
~ destes sob diversas situações. como inoculação
~ ~ com não-patógeno. com raça virulenta e com
~ ~ ~ ~
~ 1\/V\
'VIA ~ raça avirulenta. A primeira grande generalização
""" 1\/V\
inoculada i'I inoculada inoculada ninoculad;1 inoculada i'I inoculada
é que o sistema de defesa da planta é muito diníi-
mico e se caracteriza por rápidas mudanças em
padrões de expressão gênica em resposta a qual-
Figura 37.1 - O sequenciamento de tran::critos de genes (RNA mensageiros) em larga quer um dos tratamentos indutores, seja de um
escala pode ser utilizado para identificar genes que respondem ao ataque patógeno ou de um não-patógcno. De um total
de patógenos comparando a frequência de seus transcritos entre plantas de 7.000 genes analisados (número que corres-
inoculadas e não inoculadas. ponde de 25% a 30% dos genes de Arabidopsis).

474
Genômica Aplicada à Fitopatologia

413 (6%) tiveram expressão oherada. A análise comparativa dos


Boxe 37.1 Análise bioinformática perfis de transcrição destes genes pennitiu identificar grupos
("regulons'') que respondem da mesma maneira frente a dife-
Após o sequenciamento, as sequências parciais dos rentes estímulos, sugerindo que atuam sob um mesmo controle
transcritos gênicos são comparadas entre si através de de transcrição.
algoritmos de alinhamento de sequências qu,e permitem Os resultados de Maleck et ai. (2000), de modo geral, se
agrupar aquelas semelhantes em clusters conforme parâ- aplicam a vários outros envolvendo diferentes patossistemas
metros que avaliam a semelhança. Somente ao final deste (Wise et ai., 2007). A comparação destes estudos possibilita a
processo é que se segue a análise estatística comparativa identificação de um conjunto de genes que respondem a infecção
entre tratamentos das abundâncias dos transc:ritos, agora
por patógenos, independente do patossistema, e consequentemente
já devidamente agrupados e identificados.. A última de rotas metabólicas que participam do sistema de defesa vegetal.
parte compreende identificar os genes q1J1e geraram
Como exemplos deslas últimas. temos as vias que levam à
os transcritos e isto é feito comparando-se a sequência
produção de corismato (via do shikimato), de compost~s fenólicos
de cada cluster com sequências de outros s:enes depo-
e das titoalexinas íenilpropanoides (via do ácido cinâmico), de
sitadas em bancos de genes (o banco mais conhecido é
compostos alcaloides (via do triptofano e tirosina) e das vias
o GenBank (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/gcnbank/),
bonnonais, especialmente ácidos jasmônico, salicílico e abscísico
um processo chamado de busca que demaL11da muito
recurso computacional A busca se dá atnlvés de um e etileno. entre outras (Wisc ct ai.. 2007). Outra gramle conclusão
algoritmo de comparação de sequências, semdo o mais geral é a de que genes destas vias são ativados tanto em genótipos
comum o BLAST (basic locai alignment search tool} e resistentes como em suscetíveis, porém em tempos e intensidades
seus variantes. Sua popularidade é tanta qm: é comum, diferentes; em reações de incornpatihilidade (resislência) verifica-se
em linguagem informal, pesquisadores falarem cm uma expressão mais intensa e rápida do sistema de delesa da planta
"blastar'' sequências, como se o verbo e.ristisse. Se uma comparada a uma reação de compatibilidade. Portanlo, genótipos
busca for bem-sucedida, ou seja, se no banco pesquisado resistentes e susc.:tiveis diferem não em relação aos genes que são (ou
existir um gene d e sequência semelhante à do transcrito não) expressos. mas sim em seus padrões de expressão. No entanto,
que foi sequenciado, então a informação disp1:mível deste esta é uma conclusão geral que nilo descarta a existência de vias
gene é usada para inferências sobre as possíveis funções metabólicas que sejam expressas preferencialmente a di:Lermüiadas
do transcrito. Os resultados das buscas são armazenados raças ou patógcnos cm determinados genótipos. Daí surge outra
em bancos de dados relacionais que compilam as infor- generalização: genes da via do ácido salicílico normalmente são
mações dos bancos acessados e as agregam ,ms dnsters ativados cm resposta a patógenos biotróficos, ao passo que os
correspondentes de modo a agregar a ma:ior quanti- das vias do ácido jasmônico e etileno o são preferencialmente em
dade possível sobre a possível natureza hio.lógica de u1.11 resposta a estresses que causam danos celulares intensos, como os
cluster, bem como racionalizar o acesso à iinformação patógenos necrotróticos e insetos mastigadores.
após análise muito cuidadosa por parte do 11•esquisador Nada levar a supor, no entanto, que todos estes genes
para verificar a consistência dos resultados das compara- contribuam para resistência. A expressão de certa fração destes
ções à luz do conhecimento biológico. cenamente ocorre em decorrência de alterações celulares resul-
tantes da ação do patógeno e, ponanto. seria consequência e não
causa da resistência. Como distinguir estes genes daqueles cujas

mRNAde

---
..___
cDNA
Hlbrkllzação
em chip
-------
Slntese de cONA e
marcação com
fluoróforos
planta não
inoculada

cDNA

mlcroarranjo de genes

mRNAde
planta
inoculada
Figura 37.2 - Esquema de experimento de transcritõmica por meio de hibridização de transcritos Auoresccntes em microarranjos (chips) con-
tendo genes previamenle.identificados. Pontos vermelhos correspondem a genes onde houve hibridização somente com cDNA
de plantas não inoculadas, indicando que estes são expressos somente nesta condição. De maneira análoga, pontos verdes cor-
respondem a genes expressos somente cm plantas inoculadas e pontos de cores intermediárias correspondem a genes expressos
nas duas condições, porém em intensidades diferentes.

475
Manual de Fitopatologia

variações em níveis de expressão estão diretamente ligadas a alte- variedade resistente X variedade suscetível
rações nos níveis de resistência? Esta é a grande questão da atua- (5% AFA) (65% AFA)
lidade e de grande importância ao controle genético de doenças. gene sequência
Em última instância, para afirmannos que um gene contribui para
resistência é necessário obter uma planta mutante que não seja g1 ...t t g g º-._a t e t... ... t t g gI.a t e t...
...t t g g º-._ate t... .,.t t g g I.a t e t ..
funcional para o gene e que esta mutação seja acompanhada por
uma mudança no fenótipo da planta, ou seja, aumento da susce-
tibilidade. Outra abordagem seria superexpressar o gene em uma
híbrido F1 (G/T)
planta transgênica e ver se há aumento da resistência em relação
(35%AFA)
ao nível já existente. Em ambos os casos, as abordagens são
muito limitadas devido aos altos custos e também às dificuldades gene sequência
técnicas iuerentes a ela, haja vista que a eficiente transformação g1 ... t t g g iã...a te t...
genética ainda é di6cil para muitas espécies vegetais. No entanto, ... t t g g I.a te t ...
uma abordagem surge como alternativa a estes eotraves baseada
na comparação exaustiva de genomas de indivíduos devidamente
caracterizados em relação ao seu grau de resistência :i determi-
nado patógeno apresentado a seguir.
l
plantas F2
gene plantas G/G plantas GfT plantas TfT
37.3. ASSOCIAÇÃO ENTRE GENES E RESISTÊNCIA A
PATÓGENOS ATRAVÉS DO SEQUENCIAMENTO g1 ..t t g g 2.,a te t... ...11 g g 2.,a te t... ...1t g g I.a t e t...
GENÔMICO TOTAL ...tt g g-º._a t oi.. ... t t g g I.a t e t... ...t t g g I.e te L .

Na internet há anúncios de laboratórios que oferecem AFA 20% 27% 33%


sequenciar seu genoma por menos de R$ 3.000,00. E não é só isto.
O serviço inclui também analisar sequências de vários genes para Figura 37.3 - Esquema de associação de polimorfismo gênico do
identificar variantes que indiquem riscos de doenças ou outras tipo SNP com resistência usando populações segre-
condições, como melanoma, taquicardia ventricular, ataque gantes para resistência (P < 0,01 ).
cardíaco, câncer de mama, aneurisma cerebral, alcoolismo, etc.
Estas variantes refletem modificações na sequência nucleotídica
dos genes causadas por mutações; uma modificação detectada em tipo do híbrido F 1 é G/f, como esperado, ao passo que indivíduos
uma única base é denominada de. polímorfismo e.m nucleotídeo da progênie resultante do auto cruzamento do F 1 podem apre-
único, ou "single nucleotide polymorphism " - SNP. Antes destes sentar três genótipos: G/G, G/T ou Tff nas proporções 1:2: l já
serviços, porém, numerosos estudos foram feitos para associar que SNPs seguem herança do tipo mendeliana. Em um estudo de
a presença destes SNPs gênicos a estas condições. Via- de regra, associaç:ão, o grau de resistência destes indivíduos F2 deve ser
estes estudos são feitos em famílias afetadas por certa condição precisamente avaliado para que seja possível estabelecer correla-
nos quais se comparam a sequência dos genes entre indivíduos ções entre a presença do SNP e resistência. No exemplo, nota-se
portadores e não portadores da mesma. Testes estatísticos apro- que há uma diferença significativa entre as três classes genotí-
priados são aplicados para verificar a significância da associação picas para a variável AFA. Indivíduos G/G são mais resistentes
de determinado polimorfismo em determinado gene com a que indivíduos orr e T/f, indicando que o SNP neste gene está
condição em análise; este é o campo da Genética Estatística. associado a uma variação oo nível de resistência ao patógeno em
Este tipo de análise só é possível graças ao poder de sequen- questão e que, portanto, este gene está associado à resistência.
ciamento das técnicas de NGS e pode ser igualmente aplicado Outro ponto importante é notar que os indivíduos G/G não são
a plantas seguindo a mesma lógica com uma vantagem muito tão resistentes quanto a cultivar genitora resistente, cujo genótipo
relevante: em plantas, é possível fazer cruzamentos dirigidos e neste geoe também é G/G e isto se explica pelo fato de esta resis-
analisar centenas de indivíduos destes cruzamentos. Quando se tência ser quantitativa e estas geralmente serem controladas por
trata de estudar as bases genéticas da resistência temos ainda outra vários genes, cada qual contribuindo com certa fração da resis-
vantagem sobre estudos em humanos, pois podemos inocular as tência (Capítulo 15 desta obra). Assim, outros SNPs além do estu-
plantas sob condições controladas para determinar qual seu grau dado em gl devem ser examinados da mesma maneira na tenta-
de resistência a determinado patógeno (o que não se faz com tiva de identificar os demais genes de resistência desta cultivar
humanos!). Somadas estas duas vantagens, temos que estudos e esta é o grande apelo dos SNPs para estudos de associação:
de associações em vegetais são muito mais robustos do ponto de por serem muito abundantes no genoma podem ser encontrados
vista estatístico. com frequência quando se comparam duas variedades, de modo
Os SNPs são herdáveis e, portanto, segregam entre plantas que a associação entre SNPs e resistência pode ser estudada em
de urna mesma família. Assim, podemos desenvolver uma família inúmeros genes de uma só vez e em um único cruzamento.
cujos indivíduos segregam para os níveis de resistência quantita- Outra abordagem é a de estudar a associação de SNPs em
tiva a certo patógeno como ilustrado na Figura 37.3, onde uma uma coleção de genótipos da espécie vegetal que foi detalha-
cultivar resistente (R), que apresenta apenas 5% de área foliar damente caracterizada quanto aos graus de resistência de seus
afetada (AFA) é cruzada com uma suscetível (S com 65% de componentes. Além de dispensar o uso de cruzamentos experi-
AFA). Comparando-se a sequência do gene gl verificamos que mentais, esta estratégia é mais exaustiva pois amostra um número
existe um SNP G/T eutre elas e que ambas são homozigóticas muito maior de SNPs dado que a coleção seja representativa da
para o SNP, ou seja, o genótipo de Ré G/G e de Sé Tff. O genó- variabilidade genética do material em estudo.

476
Gen6mica Aplicada à Fitopatologia

Embora estas abordagens não permitam afirmar categorica- do agente causal do raquitismo das soqueiras da cana de açúcar,
mente que certo gene é responsável por certa característica, elas Leifsonia xyli subsp. xyli, esta a primeira bactéria fitopatogênica
nos dizem, com ce:rto grau de confiança estatística. que o gene se Gram-positiva a ter seu genoma sequenciado.
correlaciona com a característica. Em outras palavras: sabemos Da análise de sequências genômicas pode-se inferir múlti-
que uma variação no gene será acompanhada por outra no grau plos aspectos biológicos e evolutivos de patógenos (Monteiro-
de resistência. Esta limitação se deve ao fato de genes serem Vitorello et ai., 2017), permitindo racionalizar a condução de
herdados em bloc,os devido à sua ligação tisica no cromossomo experimentos voltados para a confirmação destas inferências. No
(salvo algum evento de recombinação entre eles) e, por conse- caso de Xylel/a fattidiMn, por exemplo, a disponibilização da
guinte, pode ser que o responsável pela característica não seja o sequência de seu genoma levou a um aumento significativo de
gene cujo SNP esi:eja sendo analisada, mas sim um gene desco- estudos sobre este até então pouco conhecido microrganismo e
nhecido, porém muito proximamente ligado a ele. Para efeitos as doenças que causa, bastando constatar que o número de publi-
práticos de melhoramento, no entanto, não interessa saber qual cações relativos a este assunto aumentou significativamente após
gene é o verdadeiro responsável pela resistência. O que interessa 2000, ano da publicação do genoma (Figura 37.4). Os resul-
é encontrar um SNP que possa ser usado como um marcador tados mais promissores indicam, por exemplo, que a formação de
que identifique uma região cromossômica que contenha gene(s) biofilrnc é essencial para a virulência da bactéria,já que mutantes
de resistência, assim permitindo selecionar plantas resistentes. para dois genes necessários para a produção do cxopolissaca-
Para este efeito, e5.taS abordagens são extremamente satisfatórias rídeo necessário para agregar as bactérias não conseguem se fixar
e hoje são amplamente usadas em programa de melhoramento a superficies, são deficientes para a translocação dentro da planta
(Brachi et ai., 201 n. e não são retidos pelo inseto vetor sendo, portanto, transmitidos
com pouca eficiência. Com base nisto, uma estratégia de controle
37.4. GENÔMICA DE FITOPATÓGENOS seria aplicar produtos que inibam a formação do biofilme, como
A revolução genômica chegou ao Brasil na esteira do por exemplo agentes mucolíticos iguais aos que são usados em
Projeto Genoma de Xylella fastidiosa. É claro que antes deste humanos como expectorantes das vias respiratórias.
projeto já havia projetos em gcnõmica, mas a diferença é que Sequências genômicas se prestam também a out;as finali-
a iniciativa disseminou conhecimento básico em larga escala dades, como a Gcnôrnica Comparativa. Nestes casos, genomas
em diversos laboratórios de pesquisa. Para tal, foi criada urna inteiros ou vários de seus genes são comparados na busca de
organização virtual de sequenciamento (denominada de ONSA padrões evolutivos que possam explicar fenômenos biológicos.
- "Organization for Nucleotide Sequencing and Aoalysis") em No caso de fungos da ordem Magnaporthales, a qual pertence
l 998, composta por vários laboratórios do Estado de São Paulo. A Pyricularia (Magnaporthe) oryzae por exemplo, a comparação
bactéria foi escolhida devido à sua relevância para a citricultura na de mais de 200 genes (Luo et ai., 2015) revelou que esta ordem
época, o tamanho adequado de seu genoma (cerca de 2,9 milhões é monofilética, ou seja, todos os membros da ordem apresentam
de pares da base) •e por não existir nenhum genoma de bactéria um ancestral comum e que a ordem é mais próxima de Ophios-
fitopatogênica sequenciado até aquele momento, o que prometia tomatales, resolvendo a questão sobre a proximidade de Magna-
dar uma visibilidade especial à empreitada. Ainda se tratando do porthales com esta ordem em detrimento de Diaponhales. Em
sequenciamento de fitobactérias, a rede contribuiu também com adição, seus membros podem ser agrupados em três classes que
o sequenciamento de dois patovares de Xanthomonas, de uma refletem modos nutricionais distintos: gêneros saprófitas aquá-
estirpe de Xylella causadora da doença de Pierce em videira e ticos, gêneros com haustório que infectam partes aéreas de mono-

Totol d• pul>lleeçou

1.445
,,.

,.

.,


______.11
199:3, 2000

Figura 37.4 - Número de artigos publicados anualmente sobre Xylellafastidiosa.


Fonte: Web of Science (outubro de 2017).

477
Manual de Fitopatologia

cotiledôneas (por exemplo, Pyricularia) e gêneros que atacam syringae passaram a secretar ativamente ácido málico pelas
raízes e se nutrem através de hifopódios (ex. Gaeumannomyces). raízes. levando a um aumento na densidade de Bacillus subtilis
Trata-se, ponanto, de uma "árvore da vida" dos Magnaporthales na rizosfera, um conhecido indutor de RSI. O aumento deu-se em
que traça com clareza os passos evolutivos de seus membros em função do uso da substância como fonte de carbono pela bactéria
direção à ocupação de habitats e nichos específicos. que resultou no estímulo à formação de biofilme (Rudrappa et
Sequências de genes específicos também são intensiva- ai., 2008).
mente usadas para inferências filogenéticas e taxonômicas, mas Para alguns cientistas, a microbiômica deve mudar o
para cada finalidade e organismo são usados genes diferentes. conceito de doença baseado na Teoria Microbiana da Doença,
Para inferências em níveis taxonómicos mais elevados, como segundo a qual uma doença é causada por um único organismo
gênero, são comumente utilizados os genes ribossomais. Para (Vayssier-Taussat 1:t ai., 2014). Para estes, os seres vivos não são
alguns organismos, no entanto, outros genes são necessários para entidades individuais, mas sim complexos ecossistemas depen-
resolver complexos de espécies ou ainda para revelar diversidade dentes de um vasto microbioma (Dove, 2012). Em consequência,
genética em nível intraespecífico. O uso de sequências gênicas doença decorre não apenas da interação patógeno x hospedeiro
para estas finalidades se tornou tão disseminado hoje a ponto de x ambiente, mas sim da interação do patobioma (que representa
ser a ferramenta mais utilizada no caso de identificação de bacté- o patógeno e suas relações com o microbioma) x hospedeiro x
rias em nível de espécie em substituição aos testes bioquímicos, ambiente (Figura 37.5).
por serem estes mais demorados e até mais custosos. No caso de
vírus, informações genômicas são necessárias hoje em dia para a
descrição de novas espécies. Hospedeiro
37.5. CARACTERIZAÇÃO DO MICROBIOMA
VEGETAL: A MICROBIÔMICA E O PATOBIOMA
Embora a inte.ração entre plantas e organismos patogê-
nicos seja retratada metaforicamente como uma "corrida arma-
mentista" entre um patógeno e seu hospedeiro, a situação é mais
complexa, pois não levam em consideração os milhares de espé-
cies de microrganismos que habitam um grama de solo da rizos-
I
Microbioma
fera (Mendes et ai. 2011 ). Este microbioma, diferente do que se
pensava, não é neutro, dado que pode influenciar grandemente o
resultado da interação entre plantas e seus patógenos (Berendsen
et ai., 2012; Doornbos et ai., 2012). A melhor evidência deste
fenômeno vem dos solos supressivos (Mendes et ai., 20'\l ),
onde plantas não ficam doentes muito embora estejam-expostas
Patógeno Ambiente
ao patógeno. O efeito supressivo está relacionado à presença de
microrganismos benéficos específicos, que não apenas competem Figura 37.5 - O triângulo da doença incorporando o microbiorna.
com os organismos patogênicos por nutrientes ou produzem
substâncias antagônicas, mas também indiretamente ativando a Entender o papel do microbioma no triângulo possibilitará,
resistência sistêmica induzida (RSI). Em adição a isto, além da por exemplo, desenvolver estratégias de controle biológico mais
RSI, estes organismos benéficos podem estimular o crescimento eficazes, além de fornecer explicações sobre o comportamento
vegetal e conferir resistência a estresses de natureza abiótica, de organismos endofiticos que colonizam a planta sem causar
como a seca ou deficiência nutricional. Fato interessante é que a sintomas até o ponto que sua população atinge certos limites,
capacidade supressiva do solo se desenvolve após cultivos suces- quando passam a ter comportamento parasítico. É sabido que
sivos da mesma espécie. fatores do ambiente (estresse hídrico e térmico) e do hospedeiro
Um grande entrave sempre se apresentou aos estudos (estádio fonológico, estado nutricional) controlam os níveis endo-
de microbioma: apenas 1% de toda a comunidade procariótica fiticos destes organismos, mas muito provavelmente em decor-
do solo é cultivável, impossibilitando o entendimento da dinâ- rência de alterações no patobioma e não apenas no patógeno em si.
mica da mesma em resposta a fatores do ambiente e da planta
hospedeira. O desenvolvimento de metodologias de análise do 37.6. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
microbioma baseadas no sequenciamento massivo do gene ITS Brachí, B.; Morris, G.P.; Borevilz, J.O. Genome-wide association studies
(Internai Transcribed Spacer, por exemplo), por outro lado abriu in plants: the missing heritabiliry is in the field. Genome Biology
nova perspectiva aos estudos nestas áreas já com grandes avanços 12: 232, 2011.
(Dove, 2012). No caso dos solos supressivos, por-exemplo, a
Berendsen, R.L.; Pieterse, C.M.J.; Pahm, B. The rhizosphere microbiome
hipótese é que, quando atacadas, seja na parte aérea, seja nas
and plant health. Trends in Plant Science 17: 4 78-486, 2012.
raízes, as plantas ativamente recrutam espécies microbianas que
auxiliam na defesa contra patógenos, resultando em alterações na Doombos, R.; van Loon, L; Bakker, P. Impact ofroot exudates and plant
composição do núcrobioma ao longo do tempo que passa a ser defense signaling on bacterial communities in the rhizosphere. A
antagônico a patógenos (Mendes et ai:. 2011: Berendesen et ai.. review. Agronomy for Sustainable Devclopment 32: 227-243,
2012). Artigos relacionados a patossistemas diversos dão suporte 2012.
a esta hipótese. Um exemplo mais específico foi relatado em Dove, A. Microbiomics: TI1e germ theory of everything. Sciencc 340:
Arabidopsis. Plantas atacadas na parte aérea por Pseudomonas 763-765, 2013.

478
CAPÍTULO

38
BIOLOGIA DE POPULAÇÕES
DE FITOPATÓGENOS
Eduardo Seítí Gomide Mizubuti e Paulo Cezar Ceresini

ÍNDICE

38.1. Introdução ............................................................ 481 38.3.5. Seleção ...................................................... 488


38.2. Variabilidade genética e resiliência das 38.4. Aplicações de estudos de genética de
populações de fitopatógenos ................................ 482 populações p ara o manejo de d oenças
de plantas.............................................................. 489
38.3. Mecanismos evolutivos ........................................ 482
38.3. 1. Mutação .................................................... 482 38.5. Exemplo de estudo da estrutura genética
de populações de fitopatógenos .......................... 489
38.3.2. Recombinação .......................................... 484
38.3.3. Deriva genética ........................................ 485 38.6. Considerações finais e perspectivas futuras ....... 493
38.3.4. Migração .................................................. 487 38.7. Bibliografia consultada ........................................ 495

38.1. INTRODUÇÃO de redução drástica da eficiência de proclntos q11ímicos no con-


trole de determinada doença. Compreender os mecanismos que
a natureza, microrganismos, patogênicos ou não,

N em geral estão presentes em populações nume•


rosas, compostas por indivíduos distintos. Esta
variabilidade. tão importante para assegurar a existência das
afetam a variabilidade genética em populações de fitopatógenos é
uma das tarefas mais importantes para estabelecer estratégias de
manejo eficientes.
A constatação de existência de variabilidade genética em
diferentes fonnas de vida pode, sob determinadas situações. ser
populações de fitopatógenos ocorreu há mais de um século. Em
motivo de preocupação quando indivíduos variantes são capazes
1911, Morthier Franklin Barrus relatou haver variantes de Co/le-
de comprometer o desenvolvimento de outros organismos. Popu•
rotriclwm lindemuthianum, agente causal da antracnose do fei-
lações de plantas tanto em sistemas agrícolas, como nos sistemas
joeiro, que apesar de serem morfologicamente idênticos, apre-
naturais interagem com populações de vários organismos her- sentavam constituição genética distinta e esta era responsável
bívoros ou não, tais como animais de pequeno e grande portes; pela capacidade ou não de causar doenças em plantas (Barrus,
insetos pragas, polinizadores e comensais: microrganismos bené- 1911 ). Esta constatação somente foi possível após Barrus analisar
ficos (noduladores. dccompositores de matéria orgânica etc.) e vários indivíduos de uma população. Entende-se por população
também patogênicos - os fitopatógenos. o conjunto de indivíduos de uma mesma espécie coexistentes
De maneira mais específica e sob o prisma da agricultura, num dado momento no tempo, em um espaço próximo o sufi-
populações de fitopatógenos com certa variabilidade genética ciente para que haja interação entre si. Quase que concomitante
podem representar uma ameaça às populações de plantas culti- às constatações de Barrus, outro pesquisador, Elvin C. Stakman,
vadas e não cultivadas. Assim, nos ~istemas agrícolas, frequen- relatou a presença de variantes de uma espécie de fungo que eram
temente cof!statam-se problemas de suplantação de resistência, separadas de acordo com as variedades do hospedeiro nas quais
processo populannente conhecido como "quebra" de resis- o patógeno era capaz de causar doença. Stakman denominou estas
tência, de variedades antes pouco afetadas ou imunes, ou relatos variantes de raças. Apesar de atualmente ser um conceito questio-

481
Manual de Fitopatologia

nado e considerado por muitos como obsoleto, as raças foram tempo a população do patógeno poderia extinguir-se. No entanto,
fundamentais para avançar programas de melhoramento vegetal a realidade é outra. Mesmo sob aplícação frequente do fungicida.
que tinham ou têm como objetivo o desenvolvimento de varie- os indivíduos geneticamente diferentes que não são afetados pelo
dades resistentes. O conhecimento e as aplicações d o conceito de fungicida, ou seja. os indivíduos resistentes. podem ser selecio-
raças permitiram, ao menos em parte, a concretiza<;ão da Revo- nados. aumentar em número e constituírem nova população. É o
lução Verde idealizada por Nonnan Borlaug, um e)(-aluno de E. que constatamos ocorrer em várias regiões do Brasil com populações
C. Stakman e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1970, ao de Phytophthora ínfestans (Reis et ai., 2005), Pyrícularia 01J1zae
estabelecer um programa de melhoramento de trigo que originou patótipo triricum (Castroagudín et ai., 2015), lvfonilinia .fructi-
variedades resistentes à ferrugem do colmo (Puccinia graminis f. cola (Lichtemberg et ai., 2017). Bot1:l'lis cinerea (Lopes et al.,
sp. trifiei) (Swaminathan, 2009). 2017), Phakopsora pachyrhizi (Godoy et ai., 2016), dentre várias
Ao longo do último século, variações em outros atributos 0Lttras, resistentes a fungicidas. No caso de P. pachyrhizi, agente
foram analisadas sempre com o intuito de determinar a quanti- causal da ferrugem asiática da soja, a alta variabilidade genética
dade de variação genética existente nas populações de fitopató- do patógeno, aliada às populações numerosas desenvolvidas em
genos, sua distribuição e os principais mecanismos que afetam áreas extensas plantadas com variedades suscetíveis e sujeitas a
esses processos. Neste contexto, os p1imeiros estudos buscavam aplicações de fungicidas sítio-específico (que atuam em um pro-
investigar a dinâmica de raças de determinado patóg:eno ao longo cesso específico no metabolismo do fungo). levou ao desenvol-
do tempo e/ou em diferentes locais. Apesar de informativo, o uso vimento de populações resistentes a fungicidas (Godoy et ai.,
de raças como marcas genéticas associadas à variação tem como 2016). Atualmente, há evidência de populações de P. pachyrhizi
desvantagem a baixa resolução; isto é, em muitos casos. as raças resistentes a fungicidas sitio-específicos associados a três princí-
são definidas por apenas uma ou poucas regiões genômicas. Por- pios ativos distintos: triazóis, estrobilurinas e carboxamidas.
tanto. variações existentes em outras partes do genoma perma- Cenário parecido pode ser imaginadti para o caso da inte-
necem inexploradas. ração população do patógeno-população de hospedeiros resis-
Há pouco mais de 50 anos, descohriu-se que as aloenzimas. tentes. Com a monocultura de genótipos do hospedeiro resistentes
variantes alélicas de um enzima codificada por um gene de cópia a certo patógeno, seria possível imaginar redução drástica Lia
única (loco único), constituíam-se em excelentes marcadores população do patógeno, a ponto de comprometer sua existência,
para estudos de variabilidade genética em populações de fito- como por exemplo no caso de organismos biotróficos, hospedeiro-
patógenos. A partir dos anos 1980 começaram a g;anhar ímpeto específico. não forn1adores de estruturas de resistência. Nova-
os marcadores moleculares. Porém, a grande revolução ocorreu mente. esta não é a realidade. Pelo contrário, são comuns os
no final dos anos 1980 e início dos anos l 990 com o desenvol- relatos de suplantação da resistência e o desenvolvimento de epi-
vimento de marcadores baseados em técnicas que empregam a demias que comprometem a produtividade das culturas (Palloix
reação em cadeia da polimerase (PCR). Finalmente, com a revo- et ai., 2009). Tal fenômeno é altamente influenciado pela variabi-
lução genômica, tomou-se possível o sequenciamento completo lidade genética existente nas populações.
do genoma de vários indivíduos de uma população de patógenos Evolução
e descobrir com exatidão quanta variação encontra-se presente.
Atualmente, marcadores do tipo microssatélites (:SSR) e poli- Evolução pode ser definida como as mudanças das frequên-
morfismos de nucleotídeos únicos (SNPs) são considerados bons cias dos diferentes genes presentes numa população ao longo do
marcadores para estudos de genética de populações em comple- tempo (Futuyma & Kirkpatrick, 2017). Pode-se deduzir então
mentação à análise de regiões genômicas ou do genoma completo. que a variabiJidade genética de uma população é a "matéria-
prima" da evolução. Diferentes alelos, ocorrendo com diferentes
38.2. VARIABILlDADE GENÉTICA E RESILIÊNCIA frequências são importantes para tolerar mudanças e aumentar as
DAS POPULAÇÕES DE FITOPATÓGENOS chances de adaptação às novas condições. Basicamente, cinco
mecanismos evolutivos podem atuar, isoladamente ou em com-
Nas populações de microrganismos patogênicos a plantas, à binações, como moduladores da variabilidade genética das popu-
semelhança do que ocorre nas populações dos demais seres vivos, lações de fitopatógenos: mutação, recombinação, deriva genética,
há variações genéticas entre indivíduos. A variação é essencial migração (ou fluxo gênico) e seleção.
para a perpetuação da espécie. Se todos os indivíduos apresen- Comumente, trabalhos são realizados para estudar a variabi-
tassem a mesma composição a\élica (aleios = diferentes ÍOTTllas de lidade genética da(s) população(ões) de um fitopatógeno, porém,
um gene), então, qualquer alteração do ambiente ou ide outro fator constatar que populações são, muito ou pouco, variáveis é apenas o
externo capaz de afetar a população de maneira drástica, repre- primeiro passo em projetos de genética de populações. Ainda mais
sentaria alto risco para sua manutenção e aumentaria a chance interessante é entender a estrutura genética das populações, isto é,
de extinção. Todos os indivíduos teriam alta chance de ser elimi- determinar a quantidade e analisar a distribuição da variação gené-
nados. Por outro lado, havendo variantes na população, alguns tica existente nas populações. Nesta visão, muitas vezes busca-se,
poderiam naturalmente tolerar melhor os efeitos do ambiente ou também, quantificar a contribuição dos mecanismos evolutivos
das alterações impostas por um fator externo, e sobreviveriam. para compreender como estes afetam as populações.
Naturalmente, as populações tendem a manter variarntes, ou seja, a
coexistência de indivíduos que possuem alelos distintos, para que 38.3. MECANJSMOS EVOLUTCVOS
suas chances de persistir sejam maiores. Imagine o que ocorreria
se não houvesse variantes em uma popuTação de fungos uni forme- 38.3. 1. Mutação
mente sensíveis a fungicidas. Teoricamente, após sucessivas apli- Mutação é qualquer alteração herdávd presente no mate-
cações de um principio ativo haveria alta mo11andade (assumindo rial genético. Estas alterações podem se restringir a um único
vários outros fatores e condições atendidas). Em curto espaço de nucleotídeo ou envolver grandes porções do genoma, como reor-

482
Biologia de Populações de Fitopatógenos

ganização de cromossomos. por exemplo. A mutação é a prin- tica e sua distribuição em populações). Duas estimativas são fre-
cipal fonte de variação genética para que mudanças evolutivas quentemente relatadas na literatura: frequência de mutação e taxa
ocorram (Hartl & Clark, 2007). Em fitopatologia. muitos pro- de mutação. A frequência de mutação pode ser estimada com base
blemas associados ao manejo de doenças de plantas têm relação em alteraçõ,~s fenotípieas que surgem ao longo de gerações. Em
com mutações que ocorrem em patógenos. Por exemplo, a ocor- animais, principalmente em humanos, é possível estimar a fre-
rência de mutações pontuais (mudança de um único nuclcotídeo quência de mutação monitorando, por exemplo, a ocorrência de
numa posição da sequência do DNA) na sequência do gene da doenças raras ao longo do tempo em uma população. Em micror-
beta-tubulina é capaz de conferir resistência a fungicidas benzi- ganismos é possível usar abordagem semelhante, como o moni-
midazóis. Especificamente, a troca de uma adenina (A) -+ por toramento de resistência a substâncias antimicrobianas (antibió-
uma citosina (C) no códon 198 (GAG-+GÇG) acarreta a alte- ticos, fungicidas. etc.). A taxa de mutação é a frequência com
ração do aminoácido glutamina para alanina (E 198A) do gene da que as mutações ocorrem por sítio ou regíiio genômica a cada
beta-tubulina, o que resulta na resistência ao fungicida (lshii & divisão celular. Estimar a taxa de mutação é mais complexo do
Hollomon, 2015). que estimar a frequência de mutação. Felizmente, pode-se fazer
Outra consequência de mutações pontuais é a suplantação estimativas de taxa de mutação precisas por meio da análise de
da resistência em variedades Je plantas que antes não eram afe- sequências de DNA. Regiões genômicas ou, quando possível,
tadas por determinada raça do patógcno. Por exemplo, sabe-se genomas co,mpletos de indivíduos distintos podem ser compa-
que o gene pot-1 confere resistência do tomateiro ao mosaico rados quanto à composição de nudeotídeos. As mutações que
( ou risca do tomateiro) causado pelo Porato vírus Y (PVY). Uma foram fixadas na população (substituições) após a divergência
mutação pontual acarretou em substituição na posição 119 do (isolamento genético que impede a troca de genes entre indiví-
aminoácido arginina para histidina (Rl19II) de uma proteína duos e a formação de descendentes férteis após o acasalamento)
(VPg) do PYY que está envolvida na virulência (sensu Sacristán ou longo tempo de equilíbrio são computadas. É possível estimar
& García-Arenal, 2008) e que interage com pot-1. Os mutantes a taxa de mutação por genoma, por região genômica OLt por sítio,
R l l 9ll foram capazes de suplantar a resistência de tomateiros com base em modelos de substituição. Para uma revisão sobre
com este gene e causar mosaico (Moury et ai., 2014). modelos de substituição, suas pressuposições e características
As consequências epidemiológicas da mutação podem ser vide Arenas (2015). Comumentc, para estimar a taxa de mutação
relevantes e por essa razão a quantificação da frequência de ocor- por geração, se realiza uma comparação direta de trechos de DNA
rência destas alterações e o local no genoma dos patógenos onde sem função çonhecida entre espécies cujos tempos de divergência
mais eomumente incidem são alguns exemplos de objetivos de c de geração são conhecidos.
pesquisas realizadas com populações de fitopatógenos. O avanço De modo geraL percebe-se que a taxa de mutação está
das tecnologias de sequenciamento de DNA viabilizou muitos inversamente relacionada ao tamanho e complexidade dos
estudos que visam entender o potencial impacto da mutação em genomas (Figura 38.1). Apesar de os dados apresentados nessa
doenças de plantas. Com o emprego destas técnicas, é po,:;sível figura não serem específicos e exclusivos para fitopatógenos, é
estudar a associação de mutações a fenótipos de interesse. possível perceber que os viroides e os vírus (principalmente os
de RNA) apresentam taxas de mutação muito superiores às dos
Estimativas de mutação fungos e nematoides.
Quantificar a mutação é um dos principais objetivos de pra- Praticamente todo estudo de genética de populações apre-
ticamente a maioria dos trabalhos conduzidos para detenninar a senta uma estimativa da taxa de mutação. São várias as opções
estrutura genética de populações (quantificação da variação gené- disponíveis. Antes de escolher um estimador é necessário com-

Taxa de mutação por geração


10·3 1O-4a 10·6 10-a 10·9 10,10
Viroides Vírus de RNA e ssDNA VírusdsDNA Bactérias

-=-

Tamanho do genoma (pb)


103 104 105 106 107 109

Figura 38.1 - Estimativas de taxas de mutação por sítio em função do itamanho do genoma.
Fonte: Adaptada de Gago ct ai. (2009).

483
Manual de Fitopatologia

preender as pressuposições aas quais está baseado. Em geral, a ao menos três maneiras pelas quais pode ocorrer recombinação:
taxa de mutação popu lacioaal é dada por 8 = 4Ne.µ ou 8 = 2Ne.µ, conjugação, transdução e transformação. Em vírus podem ocorrer
para populações de individuos diploides e haploides, respectiva- recombinação ou pseudorecombinação. Os nematoides podem se
mente. A letra grega teta (9) é a taxa de mutação escalonada para re produzir por meio do acasalamento entre indivíduos de sexos
a população; Ne é o tamanho efetivo da população (vide defi- opostos (anfimixia), à semelhança do que ocorre em animais
nição no tópico "Estimativa de deriva genética e tamanho efetivo superiores. Os fungos também podem se reproduzir por cruza-
da população-Ne" deste capítulo) e µ é a taxa de mutação por mentos que envolvam talos geneticamente distintos (heterotá-
geração (probabilidade de mutação por evento de meiose). licos), mesmo não havendo dimorfismo sexual (diferenças mor-
A estimativa da taxa de mutação por geração (µ) po<le ser fológicas, além das notadas nos órgãos sexuuis, entre doadores e
baseada em diferentes modelos e, por conseguinte, diferentes rcceptClres de núcleos de gametas).
pressuposições. Por exemplo, um modelo comumente utilizado Ao longo da história evolutiva, os microrganismos adqui-
para estimar mutação é o de alelos infinitos proposto por Kimura riram ou desenvolveram a capacidade de !focar material gené-
& Crow (1964). O modelo assume que cada alelo mutante que tico por outros processos que diferem do meiótico clássico. Por
surge é único e que este nunca existiu naquela população. Adicio- exemplo, em vírus e baetérias pode ocorrer conversão gênica, pro-
nalmente, o modelo de alelos infinitos admite apenas a mutação cesso no qual ocorre incorporação de segmentos não-homólogos
em uma direção, por exemplo de A -+ a. Não há possibilidade (que não compartilham mesma origem) de DNA ou RNA. Fungos
de mutação reversa, isto é, A +- a. De modo análogo. porém p<.xlem apresentar processos atípicos de recombinação como
pensando em sequências de ácidos nucleicos, outro modelo de crossing-over mitótico ou parassexualismo. Porém, no caso de
mutação muito utilizado atualmente é conhecido como infinitos fungos, apesar de serem constatados em condições de laboratório,
sítios (Kimurn, 1969). O modelo assume que há um número infi- não se sabe se estes processos oco~m na nature7.a.
nito de sítios onde as mutações podem ocorrer, que cada nova A recombinação é importante porque pode gerar novos
mutação ocorre em um sítio que não havia sido mutado anterior- genótipos na população de füopatógenos, eliminar mutações
mente e que a recombinação não ocorre nestas sequências. ddetérias e gerar combinações alélicas favoráveis de maneira
As estimativas de taxa de mutação populacional são impor- rápida. Porém, na maior parte dos casos, a recombinaç/Jo em si
tantes para estimar a variabilidade genética das populações e não gera variabilidade genética. Apenas em situações quando
compará-las umas às outras. Estas comparações podem ser inte- ocorre recombinação intragênica pode haver geração de novos
ressantes para auxiliar na interpretação de questões epidemio- alelos na população. Este é um evento raro e aparentemente é
lógicas e ajudar a sanar algum problema prático. Por exemplo, pouco expressivo para a estrutura genética das populações.
se um melhorista quer efetivamente avaliar se as variedades que No caso de fungos e nematoides fitopatogênicos, além
estão sendo selecionadas para resistência a algum patógeno são das consequências para a composição genética da populaçãu,
promissoras, ele deve procurar um local onde a população do a recombinação tem efeito ecológico importante. A reprodução
patógeno apresente alta taxa de mutação. Assim, há maior chtmce sexuada pode envolver a formação de estruturas resistentes que
de haver neste local indivíduos com distintos níveis de virulência. permitem a sobrevivência durante períodos adversos. Como
Apesar de bem conhecida e de ser um mecanismo evolutivo exemplo, pode-se citar o caso de Helerodera glycines, nematoide
de ocorrência ampla em todas as populações de fitopatógenos, se dos cistos da soja; ou de estruturas sexuadas de espécies causa-
analisada de fonna isolada (desconsiderando outros mecanismos), doras de oidios com a fonnação de cleistotécios ou da fonnação
a mutação não é um processo eficiente para alterar uma popu- de teliósporos (esporos de parede espessa) em fungos causadores
lação em curto espaço de tempo. Em geral as taxas de mutação de ferrugem. Adicionalmente, para a epidemiologia de doenças
variam de I04 (vírus e viroides) a 10.s (fungos e ncmatoides) fúngicas, nos patossistemas em que o patógeno tem modo de
mudanças por geração. Se uma população depender apenas de reprodução misto (pode reproduzir-se tanto assc:xmulamente
mutação para gerar combinações alélicas favoráveis a uma con- quanto sexuadamente) dois tipos <le inóculo podem influenciar o
dição, será necessário um longo período de tempo para que tal desenvolvimento das epidemias. Por exemplo, no caso da Siga-
combinação seja conseguida. Porém, na natureza, diferentes pro- toka amarela da bananeira, conídios podem ser importantes para
cessos evolutivCls afetam as populações simultaneamente. A ocor- dispersão via respingo de gotas de água (da chuva ou irrigação)
rência conjunta de mutação e recombinação, pnr exemplo, pode enquanto os ascósporos podem ser facilmente dispersos pelo
permitir alcançar muito mais rapidamente a combinação de alelos vento (Rocha et ai., 2012).
favoráveis para a população.
Estimativas de recombinação
38.3.2. Recombinação Antes de listar as maneiras como a recombinação pode ser
A recombinação pode ser definida como qualquer evento estimada ou quantificada é imponante compreender de forma m11.is
que tem como consequência a troca de material genético entre completa possível os aspectos reprodutivos do pat6geno em estudo.
indivíduos (Posada et ai., 2002). Processos clássicos .de recom- Especificamente, sugere-se tentar responder às seguintes perguntas:
binação são aqueles que envolvem crossing-over entre cromos- O patógeno pode reproduzir-se sexuadamente nas condições ou
somos homólogos (que compartilham mesma origem) por meio locais onde o esrudo será conduzido? Tem-se alguma estimativa de
da meiose. Usualmente, este processo caracteriza a reprodução quão frequente a reprodução sexuada ocorre? São conhecidos meca-
sexuada em animais superiores e plantas. Entretanto, em popu- nismos alternativos de troca de material genético? Apesar de sim-
lações de microrganismos fitopatogênieos, o processo clássico ples, as perguntas servem para avaliar a real oecessidade do estudo
não é o mais frequentemente constatado. A maioria dos fitopató- ou para determinar a abordagem mais adequada a ser empregada.
genos é haploide e diferentes processos contribuem para a troca Um conjunto de evidências pode ser facilmente obtido
de material genético entre indivíduos. Em bactérias se conhecem antes de partir para estudos envolvendo análises detalhadas de

484
Biologia de Populações de Fitopatógenos

sequências de ácidos nucleicos. Se houver possibilidade, é sempre na ausência de outros mecanismos evolutivos, as frequências dos
desejável que se utilize marcadores simples, desde que sejam genes não s,erão reproduzidas exatamente na geração seguinte,
informativos. Por exemplo, havendo dimorfismo sexual, no caso simplesmente por um "erro de amostragem" (Griffiths et ai.,
de nematoides, a presença de machos e fêmeas fornece evidên- 2000). Na p,opulação humana, durante a fonnação dos gametas,
cias para a possibilidade de recombinação. De forma análoga, a ocorrerá cro:ssing-over e diferentes combinações alélicas poderão
presença de indivíduos geneticamente compatíveis ocorrendo em resultar em gametas com constituição genética distinta. Porém,
proporções semelhantes também suporta a possibilidade de aca- apenas um par de gametas originará o zigoto. Considerando
salamento na população. Utilizando marcadores de menor custo milhões de gametas masculinos (espennatozoides), muitas
é possível genotipar indivíduos e estimar a diversidade genotí- combinações alélieas (após a fusão do espermatozoide com o
pica usando vários índices (Chao et al., 2014; Jost, 2007). Em óvulo) podem, em teoria, surgir de um acasalamento. Entretanto,
populações recombinante.s espera-se alta diversidade genotí- apenas urna única combinação alélica resultará deste processo,
pica. Caso o patógeno seja diploide é possível empregar o teste assumindo que apenas um espermatozoide fecundará o óvulo e
clássico para saber se a população está em equilíbrio de Hardy- originará o ,dgoto. Portanto, apenas uma fração ínfima da varia-
Weinberg (EHW) (a frequência dos genótipos pode ser estimada bilidade genética estará representada na próxima geração. Claro
pela frequência dos alelos) (Hartl & Clark, 2007). No entanto, a que outros a,casalamentos ocorrerão e certos alelos continuarão a
maioria das populações de füopatógenos não pode ser analisada existir na população (um alelo não passado adiante por um casal,
desta forma, pois são constituídas de indivíduos haploides. poderá ser mantido na população porque um outro indivíduo
Há vários métodos analíticos para detectar ocorrência de oriundo de outro acasalamento está presente). Entretanto, as fre-
recombinação em populações de fitopatógenos haploides. Atual- quências alélicas entre gerações podem variar aleatoriamente
mente, há quase uma centena de testes para esta finalidade (http:// (Figura 38.2).
bioinf.man.ac.uk/robertson/recombination/programs.shtml). A deriiva genética pode ser causada por amostragem de
Quando se utilizam marcadores do tipo binário ou mesmo micros- alelos como descrito anteriormente, assim como pode ser ocasio-
satélites (Simple Sequence Repeat ou repetições de sequências nada por restrições drásticas no tamanho da população, impostas
simples - SSR), um dos métodos mais comumente empregado é por fatores d.iversos. Com a diminuição do número de indivíduos,
uma variante do índice associação IA, denominado rd (Agapow & muitos alelos serão perdidos. Apenas uma fração dos alelos exis-
Bun, 2001). Quando o estudo é basea<lo em sequências de DNA tentes na população estará representada na nova população a ser
ou RNA o software RDP (Martin et ai., 2015) pode ser bastante estabelecida pelos poucos indivíduos sobreviventes. A redução da
útil. O RDP é uma plataforma que integra diforentes programas variabilidade genética decorrente da diminuição do tamanho da
voltados para a detecção de ocorrência, localização de pontos de população é conhecida em genética de populações como "efeito
recombinação e identificação de possíveis sequências parentais. gargalo" (Figura 38.3).
Os métodos analíticos disponíveis no RDP podem empregar filo- O efeiito gargalo pode ser indesejável para fins de con-
genia, comparação de sequências, padrão de sítios _ou emnregar servação da variabilidade genética em populações de microrga-
abordagem de genética de população. Infelizmente, não há um nismos benéficos, como por exemplo agentes de controle bio-
método que sirva a todos os propósitos ou que seja superior aos lógico, micorrizas, ou de gennoplasma de espécies de interesse
demais. agronômico,. pois quanto maiores e mais variáveis forem as popu-
Combinando diferentes métodos é possível buscar evidências lações, maiores serão as chances de se dispor de um "reserva-
da ocorrência de recombinação na história evolutiva do patógeno, tório" de genes desejáveis (resistência a doenças, tolerância a
localizar potenciais pontos de recombinação e também estimar a estresse, produção etc.). Por outro lado, o efeito gargalo pode ser
taxa. Para diferentes objetivos ou questões devem ser procurados usado estrat,egicarnente em programas de manejo de doenças de
os métodos mais adequados. A taxa de recombinação populacional plantas. Por exemplo, o estabelecimento do vazio sanitário na
é usualmente representada pela letra grega p ("rô" ). E possível cultura da soja no Brasil permite, em tese, reduzir o tamanho da
estimar a taxa de recombinação escalonada para a população por população de P. pachyrhizi. Este patógeno é parasita obrigatório
meio da fónnula p = 4Ne.r (diploides) ou p = 2Ne.r (haploides), e com a implantação do vazio sanitário, a não disponibilidade
onde Ne = tamanho efetivo da população e r = taxa de recombi- do hospedeiro durante o período da entressafra reduz o tamanho
nação estimada por geração. efetivo da p,opulação e sua variabilidade genética. A população
de P. pachyrhizi que iniciará a epidemia na próxima estação de
38.3.3. Deriva Genética cultivo terá apenas uma pequena fração da variabilidade gené-
Todas as populações de tamanho finito estão sujeitas aos tica existente na safra anterior. Portanto, esta população é for-
efeitos da deriva genética. Em todas as populações ocorrem flutu- temente afe1tada pela deriva genética. Considerando que quanto
ações aleatórias nas frequências dos alelos nelas presentes. Estas mais numerosa é a população, maior a probabilidade de haver
flutuações caracterizam o mecanismo evolutivo denominado mutantes capazes de suplantar resistência de variedades ou de
deriva genética. Há uma relação inversa entre tamanho popu- tolerar fungicidas, com o vazio sanitário haveria uma redução
lacional e impacto de deriva genética: quanto me~or o tamanho dos riscos associados a estas duas consequências indesejáveis da
das populações, mais pronunciados serão os efeitos da deriva monocultura e do uso intensivo de poucos ingredientes ativos de
genética. fungicidas a.liados aos plantios sucessivos ao longo do ano.
Basicamente, três processos estão comurnente associados Outra situação de deriva genética interessante e que fre-
à deriva genética: não representatividade na progênie dos genes quentement,e ocorre em populações de fitopatógenos é o "efeito
existentes nos parentais; efeito gargalo, e efeito do fundador. do fundado1r'' (Figura 38.4). Este efeito é um caso especial de
Numa população finita, um par de parentais originará uma efeito garga1lo no qual apenas alguns indivíduos saem de uma
progênie de tamanho reduzido em relação à população. Mesmo população fonte e "fundam" uma nova população em outro local.

485
Manual de Fitopatologia

1,0

0,9

0,8

0 ,7

0,6

P(A) 0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

o.o ---------- --· •·······+·····---···-···· ---·-+·······-•·· •--"--=--+----=--=-----1--------I Perdidos• 2


O 20 40 60 80 100
- EvC!tüç;.Jo o,n <Jc:" a qr n~1Jca
E\IOkJÇIO f\l'T\ t1or1 1D gonolJCd Gerações

Figura 38.2- Variação aleatório na frequência do a\elo "A" ao longo de 100 gerações par.s 10 populações evoluindo sob os efeitos da deriva
genética. Simulação realizada com o sollware PopG. Ao longo processo em 5 populações obscrva•se a fixação do alelo A e em
duas, este alelo foi extinto.

D
l:,.
◊ o ◊
'°o*<>.c:i
D O D
*
T1
. . __ _--'--TEMPO-'---_ _)
T2 T3 T4 T1
.____ _ _ _.....:cTEM=.::...=PO_ _ _ _
T2
__,>T3

Figura 38.3 - A população no tempo 1 (Tl) tem tamanho grande e Figura 38.4. O efeito do fundador ocorre quando poucos indivíduos
seis ale los estão presentes (cruz, triângulo, quadrado, da população original (TI) dispersam e atingem áreas
círculo, estrela e losango) em diferentes frequências. i ndenes (T2) e fundam uma nova população. A variabi-
No tempo 2 a população passa por uma redução drás- lidade genética da nova população (T3) é reduzida em
tica de tamanho, o gargalo, e apenas uns poucos indi- relação àquela da população original.
víduos com os alelos estrela e cruz sobreviveram. A
partir deste indivíduos sobreviventes, a população vol- Estima.tiva de deriva genética e tamanho efetivo da
ta a expandir {T3) e pode eventualmente adquirir seu população (Ne)
tamanho original (T4) ou maior. Novos alelos (pentá- Face à ,estreita relação entre deriva genética e tamanho da
gono e estrela negros) podem ser introduzidos nesta
população (quanto menor a população, maiores serão os efeitos
população seja por mutação ou provenientes de indi-
da deriva ger.iética), pode-se inferir a intensidade da deriva por
víduos migrantes de outras populações, por exemplo.
meio do tamanho efetivo da população (Ne = número de indi-
víduos necessários para constituir uma população sujeita à uma
dada magnitude de deriva genética). O tamanho efetivo da popu-
O efeito do fundador ocorre quando há introdução do patógeno lação é uma •~stimativa teórica e que na maioria das vezes não
em área indene. Por exemplo, aparentemente, apenas alguns corresponde ao tamanho real (ou do censo) da população. Por
indivíduos de Hemileia vastatrix, agente causal da ferrugem exemplo, o Ne estimado para populações de Cucumber mosaic
do cafeeiro, chegaram ao Brasil vindos nas correntes aéreas da vints (CMV) que passaram por uma seleção imposta pelo afideo
África e causaram as primeiras epidemias no início da década de transmissor foi estimada ser de apenas 1 ou 2 vírions (Betancourt
1970 {Bowden et ai., l 971 ). Assim, provavelmente, apenas uma et ai., 2008), enquanto para o Cauliflower mosaic vírus (CaMV),
pequena fração da variabilidade genética existente na África foi que coloniza o hospedeiro sistemicamcnte, o Ne foi de 300 a 500
trazida até o Brasil. vírions (Monsion et ai., 2008).

486
Biologia de Populações de Fitopatógenos

Ontra maneira relativamente comum de se estimar a magni- A migração é um mecanismo evolutivo que tem amplas con-
tude da deriva genética parte do princípio que populações pequenas sequências aplicadas ao manejo de doenças. Por exemplo, hoje uma
estariam sujeitas aos efeitos da deriva e que rapidamente alguns das mais sérias ameaças à produção de bananas na América Latina é
alelos são fixados (quando todos os indivíduos têm o mesmo alelo). a introdução da raça 4 tropical de Fusarium oxysporum f.sp. cubense
Considerando uma outra população pequena, da mesma espécie, é (R4T). Esta raça é capaz de causar a murcha de fusarium em bana-
possível que diferentes alelos tenham sido fixados. Como a alte- neiras do grupo Caveodish, atualmente as mais plantadas no mundo
ração nas frequências alélicas são aleatórias, muito provavelmente, (Ploetz, 2015). A introdução da R4T via migração implicaria em
diferentes alelos serão fixados ou extintos (quando alelos são per- sério risco à produção de banana nas Américas. De modo similar,
didos e não mais existem nos indivíduos daquela população). comumcntc constata-se a movimentaç.ão de indivíduos resistentes
Como resultante deste processo, as populações podem apresentar a drogas entr,e diferentes populações. Demonstrou-se que o lluxo
alta diferenciação genética quando comparadas umas às outras. gê1úco é um mecanismo importante para ev()lução de resistência ao
Assim, em geral, quando se comparam duas ou mais populações ciproconazol ,em p()pulações de Rhynchosporium commune, agente
de tamanho reduzido, quanto maior a diferenciação genética entre causal da csca.ldadura da cevada (Mohd-Assaad et ai., 2016).
elas, mais evidentes foram os impactos da deriva genética. Outra consequência prática interessante da migração é a
utilização de sua intensidade para inferir sobre a dinâmica do
38.3.4. Migração
iuóculo. Durante muitos anos, diversos estudos epidemiológicos
Na natureza há fragmentação de áreas ocupadas por indi- foram realizüdos visando ao entendimento das relações entre
víduos de urna mesma espécie em fünção de diferentes fatores, fonte de inóeulo (local ou substrato onde o inóculo é produzido
por exemplo ausência de planta hospedeira, delimitação imposta ou encontra-s,e disponível para dispersão) e sua contribuição para
por caracteristicas fisico-química de uma mancha de solo, pre- o estabelecimento da doença. Porém, em muitos casos, não era
sença de uma barreira física como um rio ou cadeia de monta- possível assegurar que o inóculo que chegava até determinado
nhas, dentre outros. Assim, populações de fitopatógenos podem sítio dt! inoculação (local no hospedeiro onde o inóculo é depo-
estar subdivididas tanto fisicamente como gem:ticamente. Con- sitado) via processos de dispersão característicos para um dado
forme mencionado no item anterior, a deriva genética atua cm patógcno era realmt:>nte o que fora produzido na suposta fonte.
populações finitas levando a diferenças nas frequências alélicas. Com a disponibilidade de marcadores moleculares as estimativas
Entretanto, à semelhança com o que acontece com as popula- de taxa de migração se tomaram mais acuradas e possibilitaram
ções de humanos, indivíduos fitopatogênicos podem deslocar-se assegurar a origem do inóculo. /\lém disso, cm casos em que se
de uma população a outra. Se ao se estabelecerem cm um novo constata a oc:orrêncía da doença, mas que a origem do inóculo
local os migrantes contribuírem para o conjunto gênico da popu- é ainda desconhecida. é possível usar análises de migração para
lação, então fica caracterizado o processo de migração ou fluxo rastrear a fonte e a potencial rota percorrida. Esta possibilidade é
gênico. Especificamente, a migração pode ser definida como "a interessante para estudos de natureza forense quando se suspeita
troca ou movimento de gametas, de indivíduos e populações em de introdução criminal de doença em uma área. Por exemplo,
uma escala geográfica" (McDennott & McDonald, 19<).3). poder-se-ia i:nvestigar a origem da introdução da vassoura-de-
A migração atua de. modo a homogeneizar as frequências bruxa do cac:aueiro, doença fúngica causada por Moniliophthora
alélicas entre as populações, pois com a movimentação dos indi- perniciosa, que causou sérios problemas sócio-econômicos no
víduos, alelos de uma população são introduzidos em outra. Assim, sul da Bahia onde a produção de cacau era a principal atividade
se um alelo é extinto em uma população, a migração de um indi- econômica. Ainda hoje é possível empregar análises de migração
víduo pode reintroduzi-lo e diminuir a diferenciação genética entre se forem analisadas amostras de populações do fungo coletadas
as populações. A migração atua como "cola genética", homoge- no sul da Bahia. Com um pouco de esforço é possível rastrear
aeizando as populações (Figura 38.5) (Hartl & Clark, 2007). A o local de onde se originaram os materiais que foram íntrodu-
migração não altera as frequências alélicas no âmbito da espécie, zídos no sul da Bahia em 1988/89. Outra contribuição das aná-
mas pode alterar as frequências nas populações. lises envolvendo fluxo gênico ou migração é a possibilidade de
elucidar o papel de outros hospedeiros como possíveis fontes de
inóculo para epidemias em culturas de interesse agronômico ou
A
florestal. A análise de vários isolados de lvl. perniciosa obtidos
de solanácea·s e de cacau demoostrou que a população do pató-
geno está estruturada confom1e o hospedeiro, haja vista que as
frequências alélicas são diferentes nas populações oriundas de
cacau ou de solanáceas (Patrocínio et ai., 2017).
B Taxa c!le migração
A taxa de migração mensura o número médio de mjgrantes
trocados entre as populações a cada geração. Em geral, a esti-
mativa é feita com base no grau de diferenciação genética entre
as populaçõf:s . Intuitivamente, quando a diferenciação é baixa,
Figura 38.5 - Na ausência de fluxo gênico ou migração entre po- a migração é alta. A taxa de migração escalonada para a popu-
pulações, a diferenciação genética é maior (A) que a lação pode se~r obtida por diferentes abordagens, sendo uma delas
verificada em populações que trocam indivíduos (B). a baseada na estatística de diferenciação genética de Wright (Fst).
O flmw gênico contribui para reduzir as di fercnças ge- A taxa de migração populacional é Ne.rn = l( l /fst)-1)/4 para
néticas entre as populações. populações dle indivíduos diploídes ou Ne.m = [( l/ Fst)-1 ]/2 para

487
Manual de Fitopatologia

haploides. A variável Fst mede a diferenciação genética entre • Seleção direcional: aquela que favorece um caráter com
as populações que trocam migrantes entre si. Além desta abor- valor extremo em detrimento ao outro extremo.
dagem, a taxa de migração pode ser obtida por estimadores de Por exemplo, indivíduos mais virulentos predominando
máxima verossimilhança ou por métodos que simulam o processo numa dada população do hospedeiro. Aqui virulência é
coalescente nas genealogias gênicas (Beerli, 1998). definida como o grau de dano causado por uma infecção
em um hospedeiro.
38.3.5. Seleção
Seleção ocorre como resultado de uma taxa diferenciada de • Seleção estabilizadora: aquela que favorece os fenótipos
reprodução e sobrevivência de um genótipo. Se alguns genótipos intermediários. Os fenótipos extremos não são selecio-
são capaze.s de se reproduzir mais eficientemente ou se possuem nados ou são desfavorecidos.
boa capacidade de sobrevivência numa dada condição, então Por exemplo: Em Rhynchosporium commune, patógcno
maior número de genes serão deixados na próxima geração. Por- causador da escaldadura d.a cevada, constatou-se haver
tanto, para que ocorra seleção é necessário que: (i) haja variação evidência para ocorrência de seleção estabilizadora para
fenotípica; (ii) a variação fenotípica seja herdável; (iii) a variação os atributos quantitativos tamanho de conidios·, melani-
fenotípica afete a adaptabilidade ou valor adaptativo (em inglês: zação, número de esporos, virulência e iaxa de cresci-
fitness ) dos indivíduos. A adaptabilidade de um indivíduo é a con- mento a 18 "C (Stefansson ct ai., 2014).
tribuição esperada de um fenótipo para o conjunto gênico da pró-
xima geração. A adaptabilidade é um atributo de um fenótipo e • Seleção disruptiva: Aquela que favorece os fenótipos em
tem grande implicações para o manejo. Uma das preocupações ambos os extremos da distribuição em detriment0 dos
fenótipos intem1ediários.
com indivíduos resistentes a fungicidas é quanto aos eventuais
custos de adaptabilidade que os mutantes podem apresentar. Ainda não se conhece um bom exemplo para casos de
Em outras palavras, um mutante pode ter menor adaptabilidade fitopatógenos (Mjlgroom, 2015).
pelo fato de a mutação implicar em alterações em outras funções
importantes para o patógeno. Quando mui.antes ocorrem em uma Para caracteres qualitativos, outros três modos de se.leção
população, uma questão de interesse para fins práticos é: haveria são considerados:
algum custo de adaptabilidade associado à mutação? O mutante • Seleção purificadora: aquela que elimina alelos que con-
resistente a fungicidas, por exemplo, possui a mesma capacidade ferem menor adaptabilidade em detrimento aos demais
de reprodução e sobrevivência (adaptabilidade) que indivíduos aklos.
não mutantes ou tipo-selvagem? Para responder a perguntas desta Por exemplo: Efctorcs de A·eudomonas .1yringae que
natureza é necessário avaliar o desenvolvimento dos indivíduos modificam alvos em hospedeiros (Rohmer et ai., 2004).
mutantes na ausência do fator de seleção. Por exemplo, ao não Genes que codifieam para proteínas de domíniu transmem-
se aplicar fungicidas ou ao substituir uma variedade resistente brana e para uma subunidade da proteassoma envolvidas
por uma suscetível, se não houver custo de adaptabilidade, os na interação do fungo Microbotryum lychnidis-diuicae
mutantes resistentes ao fungicida ou virulento para a variedade com o hospedeiro Silene latifo/ia (Gladieux ct ai., 2013 ).
resistente, respectivamente, poderão persistir na população.
A unidade de seleção é o individuo. Assim, analisando apenas • Seleção balanceadora: aquela que mantém vários alelos
sob o paradigma da seleção namral Darwiniana, "genes mutam, em um dado loco ocorrendo em frequências acima das
indivíduos são selecionados e populações evoluem" (Colby, 1996; esperadas pelo modelo do balanço mutação-seleção.
http://www.talkorigins.org/faqs/faq-intro-to-biology.html). O indi- Por exemplo: A alta variabilidade genética encontrada
víduo não evolui! Apenas pode ser selecionado. O conjunto de em populações do nematoide de vida livre e organismo
indivíduos, ou seja, a população, evolui. modelo Caenorhabditis elegans (Thompson et ai., 2015).
Alguns genes relacionados à patogenicidade de Colleto-
Modos de seleção trichum graminicofa a vários hospedeiros (Rech et ai.,
Diferentes atributos de um indivíduo podem, eventual- 2014). É possível que genes envolvidos em compatibi-
mente, ser selecionados. O modo ou tipo de seleção pode variar lidade sexual (mating type) e genes de incompatibili-
caso o caráter em questão seja de natureza qualitativa ou quan- dade para formação de heterocárions em fungos também
titativa. Um caráter quantitativo é aquele em que há variação possam estar sob seleção balanceadora.
continua entre os indivíduos, ou seja diferentes valores podem • Seleção positiva: aquela que aumenta a frequência de
ser observad0s entre os indivíduos que constituem a população.
mutações benéficas que aumentam a adaptabilidade e
Em geral, os caracteres quantitativos são controlados por muitos
conduzem rapidamente à ·fixação.
genes. Como exemplos de caráter quantitativo associado a fito-
patógenos citam-se: capacidade de esporulação, agres.sividade de Por exemplo: Alguns aminoácidos presentes na proteína
colonização, quantidade de ovos produzidos, etc. Por outro lado, fitotóxica NEP (Necrosis and Ethylene-índucing Protein)
há também caracteres de natureza qualitativa, geralmente contro- de várias espécies de Bot1J,tis (Staats et ai., 2007). Onze
lados por um gene e que pennitem clara distinção do fenótipo. sítios localizados no domínio rico em repetições de leu-
E xemplos de caráter qualitativo associado a fitopatógenos são: cina (LRR) no gene efetor RipG7 de Ralsronia solanace-
resistência qualitativa u fungicida, difeoontes patótipos (ou raças) arum estiveram sob seleção positiva (Wang et ai., 2016).
de determinada espécie, dentre outros. Na maioria dos casos, a seleção acarreta em redução da
Para caracteres quantitativos três modos de seleção são variabilidade genética nas populações. Os alelos selecionados
mais comumente observados: aumentarão em frequência na população ou, no caso de populações

488
Biologia de Populações de Fitopatógenos

em que ocorre seleção purificadora, um número menor de alelos é da estrutura genética da população do fitopatógeno e dos meca-
mantido, pois os que são contra selecionados, ou que tiveram sua nismos evollutivos que a afetam contribuem para aumentar a efi-
frequência reduzida na população, acabam por serem eliminados, ciência de todas as medidas de controle de doenças de plantas.
reduzindo a diversidade gênica. Alguns exemplos são apresentados na Tabela 38.2.
Dentre os fatores que afetam a estrutura genética e o poten-
Detecção
cial evolutivo de populações de fitopatógenos citam-se:
Nos estudos de seleção, normalmente se busca detectar evi-
dências de ocorrência deste mecanismo evolutivo. As abordagens • Mutação: mecanismo responsável pela introdução de
a serem empregadas assim como os métodos de detecção dispo- novos alelos na população.
níveis variam. A escolha do melhor método depende da pergunta • Sistema de cru7amento/reprodução: com a ocorrência de
que se quer responder e também do tipo dos dados disponíveis reprodução sexuada por meio de acasalamento entre indi-
para análise. De modo geral, pode-se classificar os métodos con- víduos geneticamente distintos ocorrem novas combina-
forme a Tabela 38.1 . çõe·s de alelos antes não presentes na população. Caso
o microrganismo se reproduza exclusivamente de forma
38.4. APLICAÇÕES DE ESTUDOS DE GENÉTICA DE
ass,exuada, combinações alélicas favoráveis serão man-
POPULAÇÕES PARA O MANEJO DE DOENÇAS
tidas na população.
DE PLANTAS
A biologia de populações de fitopatógenos visa compre- • Fluxo gênico/fluxo genotípico: permite a mistura de
genótipos de populações que se encontram separadas
ender o desenvolvimento de populações afetado por fatores ecoló-
gicos e genéticos. Num sentido amplo, ao analisar as populações geograficamente.
de fitopatógenos, pode-se considerar a epidemiologia de doenças • Tamanho populacional: afeta diretamente o impacto de
de plantas como uma área da biologia de populações. Especifica- dois mecanismos evolutivos importantes: a deriva gené-
mente, aquela que considera os fatores ecológicos e seus efeitos tica e a seleção. Populações de pequeno tamanho efetivo
sobre doenças de plantas, principalmente ao afetarem as popula- sàc1 mais afetadas pela deriva genética. Especificamente,
ções do hospedeiro e do patógeno. Pode-se também considerar a variabilidade genética de populações pequenas tende a
que a biologia de populações de fitopatógenos compreende o ser drasticamente reduzida pelo efeito gargalo e ev1:ntos
estudo de epidemiologia e genética de populações (Milgroom, fundadores.
2001 ). Nesta visão, a genética de populações tem auxiliado na
resolução de questõei. importantes relativas a doenças de plantas. • Seleção: sob forte pressão de seleção exercida por varie-
Adicionalmente, o tempo é outro fator importante cm biologia de dades resistentes e fungicidas, aumenta a frequência de
populações. O tempo é necessário para que o tamanho da popu- genes ou genótipos.
lação aumente e para que a epidemia se desenvolva (epidemio-
logia) e, ainda a mais largo prazo, o tempo é fundamental para 38.5. EXEMPLO DE ESTUDO DA ESTRUTURA
que as populações de patógeno evoluam (McDonald, 1997). GENÉTICA DE POPULAÇÕES DE
FITOPATÓGENOS
Por que se preocupar com a genética de populações de fito-
patógenos? Porque fitopatógenos evoluem; populações de pató- Escolhemos o elegante estudo de González-Vera et ai.
genos são dinâmicas e respondem de forma ativa às práticas (20 1O), pela riqueza de análises que apresenta. Nesse estudo, os
agrícolas. Estratégias de controle de doenças de plantas devem autores buscaram elucidar o modo reprodutivo e estimar parâme-
ser baseadas na população, não no indivíduo. O conhecimento tros demog1áficos da divergência entre populações do basidiomi-

Tabela 38.1 - Métodos de detecção de seleção agrupados conforme a natureza da pesquisa e dos dados.

Populacional: Genética de Combinação interespecífico +


Abordagem Comparativa: Análise interespecífica
populações genética de populações

Isolados (ou strains) de uma


A\elos ou sequências de DNA de Isolados (ou straíns) de uma
mesma espécie e de espécies
Tipo de dados isolados (ou straíns) de diferentes mesma espécie podem ser
diferentes podem ser
espécies podem ser comparados comparados
comparados

Exemplo de método Métodos baseados na relação DJD5 Espectro da frequência de sítios. Razão de verossimilhança
[substituições não sinônimas (DN) e Ex: Tajima D, Fu & Li D e F composta (CLR), teste OH, etc.
sinônimas (DJ] (e suas variantes•), Fay & Wu
Desequilíbrio de ligação
Exemplo: McDonald-Kreitman:
Análises de discordâncias
Huclson-Kreitman-Aguadé; SLAC,
(mismatch)
FEL, REL, etc.
Métodos baseados em
di ferenciaçào genética (Fsr)

489
Manual de Fitopatologia

Tabela 38.2 - Alguns exemplos de como o conhecimento da genética de populações pode afetar a eficiência do controle.
1

\,lélodo de controle Como afeta"?

Legislativo (Exclusão) O controle legislativo é mais eficiente quando se conhece a distribuição de variantes de
determinados patógenos que são quarentenários para um país. Exemplo: R4T de F. oxysporum
f. sp. cubense.
Físico Saber se um patógeno fonna ou não estruturas de resistência ou corpos de frutificação capazes de
conferirem proteção aos propágulos pode determinar maior ou menor chance de sucesso de uma medida
fisica de controle, como a solarização.
Cultural Medidas de escape podem ser mais efica:tes caso haja na população ec6tipos do patôgeno encontrados
apenas em determinados locais.
O modo predominante de reprodução de um dado patógeno. se sexuado ou assexuado determina o
principal tipo de inóculo produzido e, consequentemente, permite avaliar qual melhor forma de
dispersão (por exemplo, se água ou vento). Dependendo do tipo de inóculo. práticas como quebra-vento
ou manejo de irrigação podem ter suas eficácias aumentadas ou diminuídas.
Biológico Patógenos muito variáveis representam um grande desafio para implementação do controle biológico,
pois o antagonista tem que provar ser eficaz contra os variantes da população. A presença de estruturas
de resistência também pode influenciar o sucesso desta medida.
Químico A ocorrência de mutações em populações de patógenos contribui para aumentar os riscos de resistência
a compostos químicos (fungicidas, antibióticos, nemalicidas etc.).
Resistência Mutações podem levar ao surgimento de isolados capazes de suplantarem a resistência em certos
genótipos de plantas. A durabilidade de variedades resistentes depende da estrutura genética do
patógeno.

ceto fitopatogênico Rhizoctonia solani AG-1 IA (AO = grupo de exemplo, para determinação do modo reprodutivo predominante
anastomose, neste caso, grupo de anastomose 1, sub-grupo lA) nas populações <.lo patógeno dete1111inou-se a fração clonai (% dlJ.
associadas à queima da bainha do arroz e à mancha bandeada população que é constituída por clones), a diversidade genotípica.
do milho na América Latina, determinados com base na variação a conformação ao EHW (vide tópico Recombinação neste capí-
detectada em !O locos microssatélites (Figura 38.6). tulo). o coeficiente de endogamia (F,s), que mede o grau de endo-
O fungo emergiu na Venezuela em 1995 como patógeno da gamia e o quanto uma população desvia de uma condição de aca-
mancha bandeada do milho, um caso clássico de mudança de hos- salamento aleatório, e o índice multilocos de associação(!), um
pedeiro, denominado em inglês host shift. Esse fenômeno ocorre estimador de acasalamento aleatório na população que considera
quando um patógeno que nonnalmente infecta uma ou poucas espé- vários !ocos na análise (Tabela 38.3 e Tabda 38.4).
cies de plantas passa a infectar outra espécie, expandindo assim sua Para detemiinar níveis contemporâneos de diversidade
gama de hospedeiros. No caso da mancha bandeada do milho havia gênica e de fluxo gênico entre populações determinaram-se os
indícios de especialização incipiente, processo de isolamento gené-
índices de diversidade gênica e riqueza alélica (Tabela 38.3) e o
tico que poderá acarretar na fonnação de uma espécie diferente,
índice de fixação <J)ST' que reflete o grau de diferenciação entre
em áreas onde o milho substituiu os campos tradicionais de cul-
pares de populações (Tabela 38.5). Usando o modelo coalescente.
tivo de arroz. isolados de R. solani AG-1 IA derivados do arroz ou
foram estimados, também, teta (que indica tamanho populacional
do milho foram capazes de infectar ambas as espécies de plantas.
mas foram mais agressivos em seus hospedeiros de origem, consis- efetivo), as taxas de migração M entre populações e as taxa de
crescimento populacional (g) (Figura 38.8).
tentes com especialização por hospedeiro (Figura 38.7).
Os objetivos do estudo foram elucidar (i) os efeitos da Evidenciou-se subdivisão populacional entre populações
recente especialização por hospedeiros no fluxo gênico e diver- simpátricas do hospedeiro distintas do patógeno na Venezuela
gência entre populações simpátricas (que se originam de uma (<Dsr= 0,17, p :'S 0,001 , Tabela 38.5), semelhante aos níveis de
mesma região geográfica, com sobreposição de distribuição) diferenciação detectados entre pares de populações alopátricas
amostradas de arroz e de milho, comparando-as com popula- do mesmo hospedeiro amostradas na Colômbia e no Panamá
ções do patógeno amostradas na Colômbia e no Panamá; e (ii) o (<l\r variando de O, 15 a O, 19, p 50.001 , Tabela 38.5). Rejeitou-se,
modo reprodutivo do fungo, buscando evidências de ocorrência assim, a hipótese inicial de que as populações de R. solani AG-1
de reprodução sexuada e recombinação. Testou-se a hipótese que IA do arroz e do milho eram homogêneas. Detectou-se, entretanto,
populações de R. solani AG-1 IA do arroz e do milho na Vene- migração simétrica histórica entre populações do patógeno obtidas
zuela eram geneticamente homogêneas, ou seja, não subdivididas do arroz e do milho (Figura 38.8), o que sugere que a população de
ou diferenciadas, e que estas popula,ões apresentam estrutura R. solani AG-1 1A do arroz ( de ocorrência desde os anos 1940 na
típica de modo reprodutivo recombinante. Venezuela) pode ter sido a população fundadora que contribuiu com
Foram detem1inadas estimativas gerais clássicas para inferir migrantes para a população do patógeno que emergiu na década de
processos associados à estrutura genética de populações. Por 1990 infectando milho. Como as populações que infectam o arroz

490
Biologia de Populações de Fitopatógenos

Locos microssatélites
TC0l TC02


Populações

o•
Panamá, arroz (PAN R)

-•
Colômbia, arroz (COL R)

Venezuela, milho (VNZ M)


• o
Venezuela, arroz (VNZ R)

9 10 11 12 n 14 15 16
• • 11 12 13

•• •
TC03, TC05

PANR

COLR oçç(Joo ••
(Joo o
-•·
1
VNZM • ♦

VNZR

38 40 42 44 46 6 8 10 12 14 16 18
TC06 TC07

PANR

COLR
· -o •4
o
• ~I)
oo •
Q
VNZM
º. º4
VNZR
t

25
. tt•.
26 27 2:8
TC1Ct
Q

29
0

30 26 27 28 29 30 31 32 33
TCll
•·
PAN R

COLR o
•o ~- •
VNZM

VNZR

19 20 21
••
22 23
TCl:2
24 25

·•···
13
ocooo
15 17
..
19
TC17
21 23

PANR

COLR
• •
VNZM o
VNZR • •
16 18 20 22 24 26 28 6 7 8 9 10 11 12
Número de unidades repetidas

Figura 38.6 - Distribuição de frequência de alelos paira I O !ocos microssatélites em quatro populações de Rhizoctonia solani AG-1 IA associadas
ao arroz ou ao milho no Panamá, na Colômbia e na Venezuela. Cada quadro representa um loco microssatélíte (por exemplo
TC0 1, TC02). Os tamanhos dos a leios em cada loco são apresentados na abcissa de cada quadro. As áreas dos círculos são
proporcionais à frequêncla dos alelos. Cores representam as populações geográficas ou hospedeiro do fungo (verde = Panamá,
arroz; cinza = Colômbia, arroz; laranj:a = Venezuela, milho; e lilás = Venezuela, arroz); as linhas nos quadros correspondem às
populações de origem, à esquerda•.
Fonte: ' Os dados utilizados para construir essa figura foram de González-Vera et ai. (201 O).

491
Manual de Fítopatologia

Índice médio de doença (de 1 a 9) em arroz e milho

Hospedeiro de origem dos Isolados Hospedeiro de origem dos Isolados

■ arroz o milho ■ arroz :i milho


9 9 +----

8
7 ..__ __
B -1---------
7 - + - - - - - - - - -1
6 + - -- - 6
5 -t---- s
4 4 +----
3 3

2 +-- -- 2

o o
Arroz cv. Lemont MIiho cv. D3273
'---
Contraste entre grupos C.ontrast2 entre grupos
de liOlados - -= -"'-a:at"'lv;.;:a: ..-_~F-_ _ P
Esca.:t~lm de Isolados Estimativa F JL_
Mllhovs.arroz -14,9 17,3 <0,0001 MIiho YS. arrot 31,1 20S,7 <0,001
Média de nove isolados de milho e dez isolados de arroz, de diferentes MLMSG por hospedeiro.

Figura 38.7 - Patogenicidade cruzada de grupos de isolados de Rhi.zoctonio soloni AG-1 IA com genótipos multilocos microssatélites associados
ao arroz e ao milho na Venezuela (González-Vera et ai., 20 LO). A comparação entre os dois grupos de isolados com genótipos
multilocos microssatélites associados ao milho e ao arroz resultou cm <I>sr arroz vs. milho= 0,099, p S O,Ol, indicando diver-
gência genética significativa entre grupos. A severidade da doença foi avaliada utilizando-se índices baseados na razão entre
o comprimento das lesões típicas da queima-da-bainha de arroz (Jia ct ai., 2007) ou das lesões da mancha bandeada do milho
(Pineda et ai., 2005) e a respectiva altura das plantas.

Tabela 38.3 - Medidas gerais da diversidade genotípica e gênica de populações de Rhizoctonia solani AG-1 IA associada ao arroz e ao milho na
Venezuela, na Colômbia e no Panamá'.

Fração Diversidade
Tamanho Número de Diversidade Riqueza
Po pulações clonai genotlplca de Equitatividade"d
amostral {N) genótipos gênica {HE)..1 aléllca'•
{%) Stoddart (Gi''

Venezuela. arroz 139 82 41 20.4 B 0,25 C 0,50 A 3,84 A

375 184

• Adaptada de González-Vera et ai. (201 O).


' Calculada de acordo com Stoddan e Taylor (Stoddart, I 983; Stoddan & Taylor, 1988).
º Letras maiúsculas comparam as populações regionais de hospedeiros distintos do patógeno; médias seguidas pela mesma letra não são significativa-
mente distintas (p :S 0,05) com base no teste de bootstrap entre pares de populações quanto à diferenças nos índices de diversidade genotípica e equi-
tatividade, calculados usando o programa GenoDive (Meinnans & Van Tienderen, 2004); bootstrap com 1.000 permutações e sub-amostragens para
correspondência à população de menor tamanho.
d 0 padronizada pelo número máximo de genótipos esperados; um valor de equitatividade = 1,0 indica que todos os genótipos têm frequências iguais
0
na população.
• Diversidade gênica nao-enviesada de Nei (Nei, 1978), também conhecida como heterozigosidade esperada, obtida pela média da diversidade de todos
os loci e corrigida para o tamanho da amo~tra.
r Para testar se os pares de populações diferiram quanto diversidade gênica não-enviesada de Nei e à riqueza alélica. usou-se FSTAT v.2.9.3.2 (Goudet,
1995), baseando-se em bootstrap com 1.000 permutações.
v Calculada de acordo com EI Mousadik & Petit (El Mousadik & Petit, 1996).

492
Biologia de Populações de Fitopatógenos

Tabela 38.4 -Test<:s de equilíbrio de Hardy-Weinberg e genotipico para populações de Rhizoctonia solani AG-1 IA associadas ao arroz e ao
milh,o na Venezuela, na Colômbia e no Panamá'.
Número de Pares de locl em
2N corrigido Modo reprodutivo
Populações locl em F,sº p d I,4 • p' desequllfbrlo o/o
para clone predominante
EHW b significativo o- h
164 3 / 1O 0,07 O, 13 NS 1,04 < 0,01 21 / 45 46,7 Clonai

• Adaptada de Gonz.ilez-Vera et ai. (2010).


b Teste análogo ao te:ste exato de Fisher (Guo & Thompson. 1992). Valores de p obtidos usando o método de cadeias de Markov Monte Cario (MCMC).

gerando uma distribuição exata de probabilidade não enviesada por alei os raros ou tamanho amostral reduzido, implementado em ARLEQUIN versão
3.11 (Excoffier et ai., 2005), a p::: 0,05. após ajuste de Bonferroni para múltiplas comparações (Bonterroni, 1935).
' Índice de endogamia (FIS).
d respectivo valor d,: p determinados usando-se o programa ARLEQUIN versão 3.11.

• TA é um índice de desequilíbrio multilocí.


r Valores de significíincia determinados usando o programa MU1.TILOCUS versão 1.3 (Agapow & Burt, 200 l ), testando-se a hipótese nula de completa
panmixia na população (ou seja, resultando em nenhuma ligaçi'lo entre pares de loci), com base em 1,000 alcatorizaçõcs.
, Teste exato de Fisher (Gamier-Gere & Dillmann, 1992), usando o programa GENEPOP versão 3.4 (Raymond & Rousset, 1995), li p 5 0,05, após ajuste
de Bonferroni (Bomferroni, 1935) para múltiplas comparações.
b Um locus monomórfico.

Tabela 38.5 - Distribuição da diversidade gênica e grau de diferen- baixa fração clonai, elevada diversidade genotípica, maioria dos
ciaçHo entre pares de populações simpátricas de Rhi- loci em EHW, coeficientes de endogamia (/-~,) não significativos,
zoctonia solani AG-1 IA associadas ao arroz e ao mi- e predominância de equilíbrio gamético (Tabelas 38.3 c 38.4),
lho na Venezuela e populações a\opátricas associadas enquanto que as populações associadas ao an-oz apresentaram ou
ao anoz na América Latina (Panamá· e Colômbiaj'. um sistema reprodutivo misto (Panamá) ou essencialmente clonai
(Colômbia e Venezuela).
fndic.e de fixação !l>sr entre pares de populações
Essas observações refletem, de fato, a biologia do patógeno,
Populações mM... ■:zjH;■ que em fase inicial do ciclo biológico produz estruturas sexuadas
Panamá, arro7 ■itJHI (basidíósporos), com importante papel na geração de genótipos
Colômbia, arroz • • O,19 recombinantes e variação genética nas populações. Também reflete
Venezuela, milho ltMltl 0,19 0,35 a importância da fase assexuada (micélio e escleródios) na multi-
Venezuela, arro7 ifü,jl O. 15 0,16 º· 17 plicação clonai do patógeno.

• Adaptada de González-Vera et ai. (2010). O grau de diferenciação 38.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS
entre populações expresso pelo índice de fixação <I>5T foi determi- FUTURAS
nado com base em análise de variância molecular (AMOVA) por Conhecimentos sobre a estrutura genética de populações e
contrastes entre populações usando o programa ARLEQUIN versão sobre o potencial evolutivo dos fitopatógenos podem contribuir
3 .11 (Excoffier et ai., 2005). Método de distância genética baseado para o manejo sustentável (duradouro) das doenças de plantas.
na soma de quadrados da diferença entre dois haplótipos, para dados Entretanto, as estratégias ainda utilizadas para manejo, principal-
microssatélites, conforme Slatk.in (1995). O número de permutações mente resistência varietal e fungicidas, têm sido aplicadas sem
para cálculo da significância do índice de fixação foi de 1.023. Valo-
considerar adequadamente o potencial evolutivo, bem como a
res significativos a p :5 0,001.
provável resposta dos patógenos às pressões de seleção impostas
pelas diferentes medidas de controle.
e o milho ainda têm patogenicidade cruzada (Figura. 38. 7), é pro- Por sua vez, é notável o aumento na percepção de que a apli-
vável que a diferenciação genética observada (Tabela 38.5) tenha cação de princípios evolutivos pode tomar sistemas de manejo sus-
ocorrido recentemente e mediada por mudança de hospedeiro. tentável e duradouro de doenças de plantas uma realídade. Nesse
Nenhuma d.as quatro populações do patógeno amostrado de sentido, com o uso de ferramentas teóricas e experimentais contem-
arroz ou milho mostrou redução do tamanho populacional (efeito porâneas, tem havido aumento considerável da abordagem de ques-
de gargalo), uma vez que as taxas de•crescimento (g) não foram tões evolutivas a respeito da origem da infectividade/virulência,
significativamente! diferentes de zero (Figura 38.8). padrões de adaptação de patógenos e de hospedeiros, padrões
A população do patógeno que ínfecta o milho apresentoú comparativos de interações patógeno-hospedeiro em ecossistemas
indícios de um sistema reprodutivo sexual e reeombinante, com narurais e agricolas e efeitos de práticas culturais sobre a evolução

493
Manual de Fítopatologia

20
1,4 1.S
Taxas de crescimento
A. Parâmetros demográficos Tamanho populacional 1,0
1,2 g
Teta((:))
1,0 0,5

Venezuela
0,8

0,6 f +t o.o
0,5

Panamá {PAN R)


VNZR
VNZM()
0,4

0,2

o.o
VNZ M VNZ R COL R PAN R
VNZM VNZR COLR

i" 1,0

1,5

Colômbia (COL R)
0 ,-----------:::--:-::---,---,-----,:---------,
B. População recipiente
Padrões de mi ra ão
População doadora
Venezuela, associada ao milho (
e)- b ~--QCOLR
~ a a - ~ PANR

- ~ - - - - VNZR
Venezuela, associada ao arroz (VNZ R)
b
... b ~COLR
~ a a
b
-~PANR
1000
Colômbia (COL R) e Panamá (PAN R), associadas ao arroz
~A t~ PANR
, 500 0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0

~· t--t 95% I.C. Migrantes permutados/ geração


M=8*(m/µ)
0km
-20 '--- - - - -------:::--::-- ::--=========:-:-:=------=:-----'1--
-80 -60 -40
Lonqitude

Figura 38.8- Estimativas de parâmetros demográficos relativos à divergência entre populações simpátricas de Rhizoctonia so/ani AG-1 IA
associadas ao arroz e ao milho na Venezuela e alopátricas (que não compartilham mesma região geográfica) associadas ao arroz na
Colômbia e no Panamá, baseadas na variação detectada em I O )ocos microssatélites. A. Adaptado de González-Vera et al. (201 O).
Valores de teta (0) representam medida do tamanho efetivo das populações (para fungos diploides 0 = 4Neµ onde Ne = tamanho
efetivo da população eµ= taxa de mutação por loco). Taxas M de migração foram estimadas usando modelo de isolamento com
migração entre populações. Tanto 0 quanto as taxas de migração M foram estimadas com o programa MIGRATE 2 v.3.0.3., que
se utiliza do modelo coalescente (Beerli & Felsenstein, 200 I ). A direção da migração entre populações recipientes e doadoras são
e
indicadas por setas. Estimativas de e M apresentam intervalo de confiança a 95% indicado por barras verticais ou horizontais.
Todos os valores de 0 e Mforam significativamente diferentes de zero baseando-se em testes de razão de verossimilhança (TRV
ou LRT, da sigla em Inglês like/ihood ratio test). Taxas de migração M seguidas pela mesma letra não são significativamente dife-
rentes, baseando-se em TRV implementado no programa MIGRATE v.3.0.3. As estimativas mais prováveis da taxa de crescimen-
to exponencial da população (g) foram calculadas usando análises Bayesianas implementadas no programa LAMARC v.2.1.3
(Kuhner & Smith, 2007). B. Sintomas de queima da bainha do arroz e de mancha bandeada do milho; esc = escleródios tipo
"sasakii" na superfície da bainha de pla~ta de milho.

494
Biologia de Populações de Fitopatógenos

dos patógenos. A aplicação de tais conceitos ev,olutivos, com- Qol fungicídes is widespread in Brazilian populations of the wheat
binados ao avanço em tecnologias, como melho:ramento assis- blast pathogen Magnaporthe 01yzae. Phytopathology 105: 284-294,
tido por marcadores, e abordagens sofisticadas de agricultura de 2015.
precisão no campo, aumentam a possibilidade r,eal de colocar Chao, A.; Gotelli. N.J.; Hsieb. T.C.; Sander, E.L.; Ma, K.H.; Colwell.
as populações dos patógenos sob pressões seletivas disrruptivas R.K.; Ellison, A. Rarefaction and extrapolation with Hill numbers: a
sustentáveis (Zhan et ai., 2014). framework for sampling and estimation in species diversity studies.
A popularização dos recursos de sequenciamento de alto Ecological Monographs 84: 45-67, 2014.
desempenho constatada na última década pennitiu uma rápida El Mousadik, A. & Petit, R.J. High levei of geneLic differentiation for
expansão dos estudos acerca da variabilidade genética nas popu-
allelic richness among populations of the argan tree [A1;gania spi-
lações de fitopatógenos. Em paralelo, os pesquisadores passaram nosa (L.) Skeels] endemic to Morocco. Theoretkal and Applicd
a dispor de poderosos recursos computacionais, a111tes acessíveis Genetics 92: 832-839. 1996.
apenas aos grandes centros de pesquisas do mund,o. Atualmente,
com a computação em nuvem é possível realizar análises com- ExcofTicr, L.; Lavai. G,; Schneicler, S. Arlequin (version 3.0): An inte-
plexas em máquinas espalhadas em diversas panes do planeta. grated software package for population genctics data ani;llysis. Evo-
A genotipagem de centenas ou até milhares de indivíduos com lutionary Bioinformatics 1: 47-50, 2005.
marcadores de alta resolução ou usando até mesmo, sequências de Fenille. R.C.; Sow:a, N.L.; Kuramae. E.E. Characterization of Rhízoctoniu
genomas completos ilustra o potencial destas análises. A variabi- solani associated with soybean in Brazil. European Jou rnal of
lidade genética de populações poderá ser em breve monitorada Plant Pathology 108:783-792, 2002.
em tempo real. A abordagem de epidemiologia molecular será Futuyma, D. & K.irkpalrick, M, Evolution. Ed. Sinauer. 2017.
efetivamente translacional, ou seja, com aplicaçâ10 imediata de
Gago. S.: Elena, S.F.; Flores, R.; Sanjuán, R. Extrcmcly high mutation
pesquisas básicas para solucionar problemas práti,cos no campo.
rate ora hammcrhcad viroid. Science 323: J308-1308, 2009.
Nos países tropicais ainda bá um vasto campo de trabalho vol-
tado para o entendimento da evolução de popula\;ôes de fitopa- Gamier-Gere, P. & Dillmann, C. A computer program for testing pairwisc
tógenos de plantas tropicais ou de interesse nest,es sistemas. A linkage disequilibria in subdivided populations. Journal of Here-
abordagem do tipo big data será onipresente na fitopatologia e na dity 83: 239, 1992.
epidemiologia em particular. Vislumbra-se um futuro desafiador Gladieux, P.; Devier, B.; Aguileta, G.; Cruaud, C.; Giraud. T. l'urifying
e extremamente interessante para os fitopatologistas interessados sclcction aftcr cpisodcs of recurrent adaptive diver.;ification in fungai
em biologia de populações. pathogens. lnfcction, Gcnctics and E,•olution 17: 123-13 l, 2013,
Godoy, C.V.; Seixas, C.D.S.; Soares, R.M.; Marcelino-üuimari!es, F.C.;
38.7. BJBLIOGRAFIA CONSULTADA Meyer, M.C.; Costamilan, L.M. Asian soybean rust in Rrazil: past,
Agapow, P-M.: Burt. A. lodices of multilocus linkagc t.liscquilibrium. present. and fuLure. Pesquisa Agropecuária Bnisilcira St: 407-
421, 2016.
Molecular Ecology Notes 1: 101-102. 200 l. •
Artero, A.S.: Silva, J.Q.; Albuquerque, P.S.B.; Bressan, E.A.; Leal, G.A.: González-Vera, A.D.; Bernardes-de-Assis, J.: laia, M.: McDonald, O.A.;
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495
Parte VI

EPIDEMIOLOGIA:
ANÁLISES TEMPORAL E ESPACIAL
CAPÍTULO

39
FENOLOGIA, PATOMETRIA E
QUANTIFICAÇÃO DE DANOS
Lilian Amorim e Armando Bergamin Filho

ÍNDICE

39.1. Fenologia .............................................................. 500 39.2.3. Metodologia de amostragem para


avaliação de doenças................................510
39. 1. 1. índice de área foliar (IAF) ....................... 500
39.2.3.1. Técnicas de amostragem .......... 510
39.2. Patometria ............................................................ 502
39.2.3.2. Unidade amostrada e tamanho
39.2.1. Métodos diretos de avaliação de da amostra ................................ 511
doenças ..................................................... 503
39.3. Quantificação de danos ........................................ 511
39.2.1.l. Quantificação da incidência de
39.3.1. Métodos para a quantificação de
doença........................................ 503 danos ....................................................... 512
39.2.1.2. Quantificação da s.everidade de 39.3.2. Modelos para estimar danos ................... 512
doença ........................................ 504
39.3.3. Quantificação de danos a partir da área
39.2.1.3. Relação incidência-severidade .... 508 foliar sadia remanescente na cultura ......514
39.2.1.4. Sensoriamento remoto ............. 509 39.3.4. Quantificação de danos "poliéticos" em
culturas perenes ....................................... 515
39.2.2. Métodos indiretos de avaliação de
doenças ..................................................... 510 34.4. Bibliografia consnltada ....................................... 516

m várias partes desta obra já foi mencionado que a adoção de medidas de controle promove, na maior parte das

E doenças bióticas podem ser represenradas por um


triângulo cujos vértices correspondem a hospedeiro
suscetível, patógeno virulento e ambiente favorável. Conhecer
vezes, redução na quantidade de sintomas e de danos, em compa-
ração à sua não adoção. Quantificar doença e dano é, portanto,
fundamental para avaliar a eficácia de medidas de controle. Além
cada um desses vértices, bem como suas inter-relações, permite desse aspecto eminentemente prático, a quantificação de doenças
ao homem modificá-los, de forma a tomá-los inoperantes, o que é também fundamental para qualquer tipo de estudo epidemio-
leva ao controle da doença. Cada componente do triângulo da lógico. A quantificação de doenças deve sempre ser realizada
doença já foi discutido cm capítulos anteriores, especificamente em amostras representativas da população doente e para tal é
no Capítulo 6, que aborda a genética das interações patógeno-
imprescindível conhecer as épocas em que as amostras devem
hospedeiro, e no Capítulo 7, dedicado ao papel do ambiente no
ser coletadas, além, é claro, do tamanho da amostra. A época
desenvolvimento de doenças. A intenção deste capítulo é discutir
como medir o resultado da interação entre esses três componentes, de coleta das amostras está relacionada ao estádio fenológico do
já que a quantidade de doença pode variar num continuum de O a hospedeiro, pois nem todos os patógenos são capazes de infectar
100% de sintomas. O controle de doenças pode ser considerado o hospedeiro em qualquer estádio de desenvolvimento. Para
bem sucedido quando a quantidade de sintomas for insuficiente muitos patógenos, apenas determinado órgão, em determinada
para ocasionar redução de produção, ou danos. Dessa forma. fase, é suscetível à infecção.

499
Manual de Fitopatologia

39.1. FENOLOGIA
Boxe 39.1 Escalas de desenvolvimento da cultura
Fenologia é a parte da botânica que estuda vários fenômenos
periódicos das plantas, como a brotação, a floração e a frutificação.
marcando-lhes as épocas e os caracteres. O estádio de desenvol- Inicialmente, escalas de desenvolvimento de plantas
vimento da cultura e o órgão da planta amostrado devem ser bem foram elaboradas com a descrição dos diferentes estádios
definidos em qualquer tipo de levantamento amostral que visa à da cultura. A escala de Feekes (citado por Zadoks &
quantificação da intensidade de doenças. A observação do estádjo Schein, 1979) é uma das mais populares para a cultura
fenológico do hospedeiro é a mais antiga fonna de avaliação do do trigo. A cada descrição corresponde um índice
desenvolvimento da cultura, utilizada desde a primeira metade do numérico que facilita sua identificação. Large {1954)
século XV111 (Seem, 1988). Mesmo não sendo uma medida quan- elaborou uma ilustração da escala de Feekes (Figura
titativa, a observação do estádio fonológico do hospedeiro permite 39. l ) que vem sendo utilizada até hoje para vários
a obtenção de diversos dados de interesse epidemiológico, como cereais. Posteriormente, Zadoks et ai. (1974) deta-
o número aproximado de folhas por p lanta, a época em que houve lharam a escala de Feekes, originalmente composta de
florescimento ou o tempo de maruração dos írutos. O conheci- 19 itens e subitens, transformando-a em uma escala
mento da fenologia do hospedeiro sadio é também necessário para com 100 itens. A escala de Feekes e sua correspon-
que partes natwalmente senescentes sejam claramente diferen- dência (entre parênteses) com aquela de Zadoks ct ai.
cia.das de panes da planta perdidas devido à ação do patógcno. (1974) encontram-se a seguir:
A determinação do estádio fonológico é feita com o auxílio • OI. Plantas recém-emergidas, com uma ou mais
de chaves descritivas ou diagramáticas, onde são apresentadas as folhas (Estádio 10)
várias fases do desenvolvimento do hospedeiro, durante um ciclo
• 02. Início do perfilhamento (Estádio 20)
de cultivo, desde a germinação ou brotação até a reprodução.
Atualmente, há chaves fenológicas para os mais d iversos hospe- • 03. Perfilhos formados, folhas curvadas em espiral
deiros, tanto de culturas anuais (Boxe 39.1 e Figura 39.1) como de (Estádio 26)
culturas perenes (Figura 39.2). O número de níveis de uma chave • 0-1. Inicio do aparecimento do pseudo-colmo e do
fonológica varia em função da cnltura e do objetivo do estudo. elon1tamento das bainhas (Estádio 29)
Um mínimo de três níveis, com a representação dos estádios de
estabelecimento da cultura, período vegeLativo e período reprodu- • 05. Pseudo-colmo desenvolvido (Estádio 30)
tivo, é requerido. De modo geral, as chaves feno lógicas apresentam • 06. Primeiro nó do colmo visivcl na base da gema
10 a 15 fases de desenvolvimento do hospedeiro, embora existam (Estádio 31)
exceções, como a escala de Zadoks et ai. ( 1974), um desdobra- • 07. Segundo nó do colmo já formado (Estádio 32)
mento da escala de Feekes, que identifica 100 fases distinta<; na
culrura do trigo (Boxe 39.1 ). Em frutíferas perenes, são comuns • 08. Folha bandeira visível, enrolada. Inicio de
chaves fonológicas descrevendo unicamente o período reprodutivo emborrachameoto (Estádio 37)
(Figura 39.2). Nesse caso, essas chaves são também utilizadas para • 09. Ugula da folha bandeira vis(vcl (Estádio 39)
orientar as épocas de aplicação de defensivos.
• 10. Bainha da folha bandeira completamente
39.t.1. Índice de Área Foliar (IAF) desenvolvida e espigas não ,isíveis (Esti\dio 45)
O crescimento do hospedeiro pode ser quantificado por • 10.1 Primeira espiga apenas visível (Estádio 50)
diferentes variáveis, das quais as mais comuns são o peso seco e a • 10.2 25% do espigamento completo (Estádio 52)
área foliar total da planta (Seem, 1988). Como a primeira variável
só pode ser obtida com amostras destrutivas, a maior parte dos • 10.3 50% do espigamento completo (Estádio 54)
estudos epidemiológicos utiliza área foliar para estimar o cres- • 10.4 75% do espigamento completo (Estádio 56)
cimento do hospedeiro. Para fins de correlação com produção,
• 10.5 Todas as espigas fora da bainha (Estádio 58)
a variável mais relevante do crescimento do hospedeiro é a área
foliar total por unidade de área de terreno. Esta variável é conhe- • 10.5. l Começo do ftorescimento (Estádio 60)
cida como índice de área foliar (lAF). A estimativa do índice de • 10.5.2 Florescimento completo na parte apical da
área foliar pode ser realizada através de métodos diretos, onde as espiga (Estádio 64)
medidas de área são feitas diretamente oa copa da planta, métodos
alométricos, onde a área foliar é estimada empiricamente a partir • 10.5.3 Florescimento completo até a base da espiga
de um parâmetro de fácil avaliação, não necessariamente relacio- (Estádio 68)
nado à copa, e métodos indiretos, onde algumas propriedades da • 10.5.4 Final do florescimento, grãos no estádio
copa, como transmissão ou reHetância da luz solar, são relacio- aquoso (Estádio 71)
nadas à área foliar (Campbell & Nonnan, 1989).
• 11.1 Grãos no estádio Jeitoso (Estádio 75)
Métodos diretos, como (a) integração entre a contagem do
número de folhas e a estimativa de sua área, (b) peso de folhas • 11.2 Grãos no estádio de massa (Estádio 83)
secas caídas sob a copa, muito utilizado para essências flores- • 11.3 Grãos maduros (Estádio 91)
tais decíduas, e (e) estimativa visual dá área coberta por folhas
• l l .4 Maturação no ponto de colheita, palhas s~as
e da área descoberta de terreno com molduras quadriculadas, de
(Estádio 92)
tamanho padrão, colocadas sobre a cultura, são, em geral. muito
laboriosos e exigem grande número de repetições.

500
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

Maturação

Espigamento

Perfilhamento a Emborrachamento

----------------
Germinação a Perfilhamento

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 10.1 10.5 11

Figura 39.1 - Diagrama padrão dos estádios de desenvolv imento de cereais baseado na escala de Feekes e ilustrado por Large ( 1954): 1 - germinação;
2 - início do perfilhamento; 3 - perfilbos formados; 4 - aparecimento da bainha das folhas; 5 - bainha das folhas bem visível;
6 - pímeiro nó visível; 7 • segundo nó visível (seta); 8 - aparecimento da última folha (seta); 9 - lígula da última folha visível
(seta); 1O - última folha cobrindo a es1piga (seta); 10.1 - espigamento; 10.5 - final do florescimento; 11 - grão leitoso.

Figura 39.2 - Diagrama padrão dos esládios fenoló,gicos da macieira: A= gema dormente; B = gema inchada; C = pontas verdes; C3 = meia
polegada verde; D2 = meia polegada verde com folhas; E =botão verde; E2 = botão rosado; F = início da floração; F2 = floração
plena; G = final da floração; H = queda de pétalas; 1 = frutificação efetiva; J = frutos formados.

501
Manual de Fitopatologia

Métodos alométricos, como aquele utilizado


para algumas essências florestais, que relaciona a área
foliar com a área do albumo da árvore (Campbell &
Norman, 1989), devem ser extensivamente testados,
pois são específicos de uma situação particular (confi-
áveis para uma única espécie e sob determinadas
condições de ambiente).
Por outro lado, desde a proposta de Monteith
( 1977), sobre a análise do crescimento da cultura em
termos de quantidade de energia interceptada pelas
folhas e eficiência de seu uso, os métodos indiretos
vêm ganhando importante espaço na estimativa do
crescimento do hospedeiro. A área foliar e o ambiente
radiante que a contorna podem ser relacionados por
diferentes abordagens, tanto pela radiação incidente
como pela radiação refletida pela planta. Radiação
incidente sob a copa e refletida por ela (Figura 39.3)
têm apresentado boa correlação com o índice de
área foliar e, consequentemente, com a desfolha.
Vários equipamentos têm sido utilizados para medir a
radiação incidente ou transmitida pela copa, como os
solarímetros e os analisadores de copa, estes últimos
fonnados por um sistema portátil de sensores, que
mede a luz difüsa incidente acima e abaixo da copa
(Figura 39.4A,B). A relação entre a luz incidente fora
da cultura e sob a copa das plantas fornece a transmi-
tância de cada ângulo de luz incidente, que é inver-
samente proporcional ao IAF (Chason et ai., 1991 ).
Radiômetros de múltiplo espectro, abordados no item
39.2.1.4 também podem ser utilizados para essa finali-
dade (Figura 39.4C).

39.2. PATOMETRIA
A quantificação de doenças é fundamental para
estudos epidemiológicos e para avaliação de estraté-
gias de controle. A quantificação de uma variável que
expresse a intensidade de doença, seja ela medida
pela incidência (porcentagem ou frequência de plantas
doentes ou partes de plantas doentes em uma amostra
ou população) ou pela severidade (porcentagem da área
Figura 39.4 -Analisadores de copa capazes de captar e registrar a radiação
incidente (A, C) e a radiação refletida (B) pelo dossel das plantas.
i
Cll 1.0 -r-- - - -- - - - --,,- - - - ---,
-!::! ou do volume de tecido coberto por sintomas), é necessária, tanto
êii para descrever o progresso da epidemia e sua relação com o clima
oê ou com medidas de controle, quanto para validar modelos de
e:: 0.8 - previsão ou para fazer uso do manejo integrado. Portanto, erros
(\) •• na quantificação da doença podem ser magnificados na análise
~ •
(1)
.;:: epidemiológica subsequente, interferindo em maior ou menor
~ grau, nas conclusões alcançadas (Campbell & Madden, 1990).
o
t(\)
Para que os erros sejam minimizados, o método utilizado na
(.>, quantificação da doença deve ser capaz de fornecer resultados

1 o 2 4
Índice de área foliar
6
acurados e precisos. Acurácia refere-se à proximidade entre o
valor amostrado (média) e o valor real da quantidade de doença,
enquanto precisão refere-se à repetibilidade, ou seja, à variação
associada com a estimativa da quantidade de doença na amostra
Figura 39..3 - Radiação refletida nonnalizada (comprimentos de onda (Campbell & Madden, 1990). A Figura 39 .5 é bastante ilustra-
810 e 660 mn) da copa sadia de feijoeiro em função do tiva com respeito a estes dois termos: alta precisão e alta acurácía
índice de áre'<1 foliar das plantas. estão representadas em A; alta precisão e baixa acurácia, cm Il
Fonte: Adaptada de Canteri et ai. (1998). e E; baixa precisão e alta acurácia, em C e F; baixa precisão e

502
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

baixa acurácia, em D. A baixa acurácia é expressa pelo erro siste- feita diretamente através dos sintomas. ou métodos indiretos, onde
mático que ocorre a cada estimativa. de tal fonna que o valor a quantidade de doença é estimada pela população do patógeno.
médio estimado é claramente diferente Jo real. Na Figura 39.SE
o erro de cada estimativa não ocorre de maneira aleatória, ele J9.2.l. Métodos Diretos de Avaliação de Doenças
se repete, sendo sempre de aproximadamente 5% superior ao Dentro dos métodos diretos encontram-se a estimativa das
valor real. Essa repetibilidade indica alta precisão. Na situação variáveis incidência e severidade e as técnicas de sensoriamento
inversa, de baixa precisão e elevada acurácia (Figura 39.SF), a remoto.
regressão dos pontos, que representa a média das estimativas, é
39.2. l. 1. Quantificação da incidência de doença
próxima à dos valores reais. Nesse caso, as estimativas indivi-
duais mostram valores muito diferentes do real, com erros distri- A variável incidência é a de maior simplicidade, precisão e
buídos de maneira casualizada, ora superestimando ora subesti- facilidade de obtenção. A contagem do número de espigas de milho
mando a quantidade de doença, e. portanto, sem repetibilidade com carvão, do número de frutos de pêssego com podridão parda e do
(baixa precisão). número de plantas de berinjela com murcha de Verticillium fornece
É posshel quantificar estatisticamente acurácía e precisão. uma ideia clara da intensidade de cada doença, sem. nenhuma
A acurácia pode ser quantificada pelo coeficiente angular e pela subjetividade. Os dados obtidos por contagem são reprodutí-
interseção de linhas de regressão estabelecidas entre a seve- veis, independent~mente do avaliador. Estes valores podem ser
ridade real e as estimativas da severidade de uma determinada expressos em porcentagem ou através de outros índices. Embora a
amostra. A acurácia será tanto maior quanto mais próximo de transformação seja desejável na maior parte das vezes, em alguns
1,0 for o coeficiente angular e mais próximo ele zero for a inter- casos específicos o próprio número não transformado pode trazer
seção. A precisão pode ser quantificada pelo coeficiente de deter- informações interessantes. É significativo dizer, por exemplo,
minação de regressões lineares estabelecidas ~ntre a severidade que a doença holandesa do olmo, causada por Ophiostoma ulmi
real e as estimativas da severidade de uma detenninada amostra. (syn. Ceratocystis ulmi, um parasita sistêmico que mata a planta)
A precisão será tanto maior quanto mais próximo de 1,0 for o reduziu a apenas 145 o número de olmos da região da Normandia
valor do coeficiente de determinação (R!). Obviamente. o melhor (França) onde, na década de 1960, havia dois milhões de árvores
método de avaliação para a estimativa da quantidade de doença (fleul)', 1988).
deve possibilitar ao avaliador obter o máximo de precisão e de Do pomo de vista epidemiológico, a incidência, expressa
acurácia em sua avaliação. em porcentagem, pode ser utilizada na elaboração de curvas de
Os métod0s de avaliação de doenças podem ser agrupados progress0 de doenças. Quando a epidemia está cm sua fase inicial,
em métodos diretos, onde a estimativa da quantidade de doença é incidência é uma variável satisfatória para avaliar a maioria das

A B e D

40 40
~ E F
• • •
(1)
-o 30 30
l1l
E • /

ui
<.> 20 20 • • •
<.>
-o
co
,
• •
-e
·e 10
(l) • 10
• • • •
>
(l)
(/') o o •
o 10 20 30 o 10 20 30

Severidade real(%)

Figura 39.5 - Acurácia e precisão na avaliação de doenças. Estão representadas avaliações com altas precisão e acurácia (A), alta precisão
e baixa acurácia (B, E), alta acurácia e baixa precisão (C, F) e baixas precisão e acurácia (D). Em (E) e (F) linhas pontilhadas
representam siniações ideais, com estimativas idênticas à realidade. Linhas cheias e pontos representam estimativas.
Fonte: Adaptada de Amanal. 1977. cilado por Kranz ( 1988).

503
Manual de Fítopatología

doenças já que, nesta fase, ela pode ser correlacionada com seve- diagramáticas publicadas na literatura o paitir de 1991 está dispo-
ridade. Em fases mais avançadas da epidemia, entretanto, a inci- nível online (http://emdelponte.github.io/sadban.k/), na forma de
dência, geralmente, não pode ser utilizada independentemente banco de dados, com informações sobre o hospedeiro, a doença, o
da severidade por não representar com clareza a intensidade da ano de publicação e a referência de cada uma delas (Dei Ponte et
doença. Tomando-se o exemplo da ferrugem marrom da cana-de- ai., 2017). Iniciativas como essa são louváveis e muito úteis para
açúcar (Puccinia melanocephala), uma avaliação baseada apenas na quem precisa desse tipo de ferramenta ou para quem quer anali_Sar
incidência forneceria dados alarmantes para a maioria das variedades tendências na pesquisa em fitopatometria.
cultivadas em São Paulo nos periodos de primavera e outono, onde As escalas diagramáticas devem ser simples, aplicáveis em
praticamente todas as plantas apresentam pelo menos uma pústula. diferentes condições e ter intervalos suficientes para representar
Este nível (incidência de 100% de plantas) não reflete a intensi- os diferentes níveis de severidade de uma determinada doença.
dade da doença no campo, onde as diferenças varietais são signi- Na elaboração de uma escala d.iagramática, alguns aspectos
ficativas. Embora os sintomas estejam presentes em praticamente devem ser considerados, como as quantidades mínima e máxima
todas as plantas, a severidade da doença é extremamente variável. de doença observadas no campo e representadas na escala, a
Do ponto de vista da quantificação de danos, a utilização da representação dos sintomas da maneira mais próxima possível da
incidência está sujeita também a algumas limitações. Neste caso, realidade e os illíveis de severidade, respeitando as limitações da
ela só pode ser usada para aquelas doenças que atacam a planta acuidade da vista humana.
toda, como as viroses sistêmicas e as murchas vasculares, ou para Horsfall & Barratt ( 1945) propuseram uma escala de ava-
aquelas em que uma única infecção é suficiente para impedir a liação da ferrugem do trigo com 12 classes de severidade: O; O a
comercialização do produto, como as podridões de frutos. 3; 3 a 6; 6 a 12; 12 a 25; 25 a 50; 50 a 75; 75 a 88; 88 a 94; 94 a 97;
97 a 100; 100. A escolha destas 12 classes foi feita após a "desco-
39.2.1.2. Quantificação da severidade de doença
berta", por aqueles autores, das leis de Weber e de Feclmer, mais
A variável severidade é mais apropriada para quantificar conhecidas como lei Weber-Fechner, que diz que ·'a acuidade
doenças foliares como ferrugens, oídios, míldios e manchas. Nestes visual é proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo".
casos, a porcentagem da área de tecido coberto por sintomas retrata De acordo com a lei de Weber-Fechner, o estímulo proporcio-
melhor a intensidade da doença que a incidência, onde unicamente nado pelos sintomas de uma doença deve crescer exponencial-
a frequência de órgãos doentes é anotada. Quantificar precisamente mente para que a vista humana consiga diferenciá-lo. Assim,
a área doente, por sua vez, é urna tarefa extremamente laboriosa. pode-se distinguir folhas com 3% de doença daquelas com 6%,
A contagem de lesões com posterior medida de seu comprimento nas escalas logarítmicas, mas não se consegue diferenciar folhas
e largura para determinação da área são atividades que só podem com 25% de outras com 30% de doença, utilizando-se uma escala
ser realizadas em trabalhos experimentais. Mesmo assim, quando com incrementos constantes de 5%, por exemplo. Como a vista lê
o número de amostras é elevado e quando as lesões são numerosas tecido doente até 50% e tecido sadio acima deste limite, a curva
e irregulares, este trabalho toma-se praticamente inexequível. Para de calibração para converter os índices de uma escala em severi-
contornar este inconveniente, várias estratégias têm sido propostas dade segue o modelo logístico, com ponto de inflexão em 50%.
para a avaliação da severidade de doenças. Merecem nota as Durante praticamente 60 anos, escálas foram construídas
chaves descritivas, as escalas diagramáticas e as análises de com essa prerrogativa, praticamente sem contestação. A maior
imagens computadorizadas. parte das escalas assim construídas foi e continua sendo útil. O
Chaves descritivas utilizam escalas arbitrárias com certo uso dessas escalas garante maior precisão nas avaliações da seve-
número de graus para quantificar doenças. Cada grau da escala ridade da doença quando comparadas às avaliações sem auxilio
deve ser apropriadamente descrito ou definido. São numerosos os das mesmas. No entanto, alguns trabalhos esparsos mostravam
exemplos de utilização de chaves descritivas. Algumas são bastante que as premissas da lei de Weber-Feehner não estavam comple-
úteis e largamente empregadas, pois representam uma metodologia tamente corretas. quando aplicadas à avaliação da severidade de
uniforme de coleta de dados. Muitas, por outro lado, são mal elabo- doenças. De fato, em psicofisica, ramo da psicologia que estuda
radas e têm fracassado na avaliação sistemática de doenças. Exem- a relação entre estímulos fisicos e as respectivas sensações, há
plos destes dois tipos de chaves são apresentados no Boxe 39.2. nabalhos mostrando que a resposta aos estímulos é variada. Por
Escalas diagramáticas são representações ilustradas de uma exemplo, Stevens (1957), avaliando 14 estímulos diferentes (som,
série de plantas (Figura 39.6) ou partes de plantas (Figuras 39.7 a choque elétrico, sabor, vibração, flash luminoso, etc.), concluiu que
39.9) com sintomas em diferentes níveis de severidade. Estas escalas a relação estímulo/ resposta é uma função potência ('P = k S º. onde
constituem-se na principal ferramenta de avaliação da severidade 'I' é a percepção do estímulo, k é uma constante e Sé o próprio
para muitas doenças. A primeira escala diagramática desc1ita na lite- estimulo), com o expoente variando de 0,3, quando o estímulo
ratura foi proposta por Cobb, em 1892 (Horsfall & Cowling, 1978), é um som, a 2, para flashes de luz. A função potência, quando
para avaliação da ferrugem do trigo. Esta famosa escala apresenta convertida na fonna logaritmica ( coordenadas log-log), pennite
o diagrama de cinco seções de folhas de trigo com 1%, 5%, 10%, a obtenção de uma equação linear, cuja inclinação corresponde
20% e 50% de área foliar atacada. Através da comparação desta ao coeficiente n. Outras formas de reposta percepção-estímulo
escala com folhas verdudeiras, Cobb conseguiu diferenciar quan- foram também estabelecidas com curvas côncavas ou exponen-
titativamente plantas de trigo resistentes de plantas suscetíveis à ciais quando plotadas nas coordenadas log do estímulo (x) e log
ferrugem. A escala de Cobb foi elaborada empiricamente e sua utili- da percepção (y). Considerando que a lei de Weber-Fechner nunca
zação pennite a distinção clara dos cinco níveis de doença repre- havia sido apropriadamente testada para avaliações de severidade
sentados. Apesar de muito antiga, ainda é utilizada com sucesso. de doença, em 2006, Nutter e Esker avaliaram a acuidade da
Desde o trabalho seminal de Cobb, centenas de escalas diagramá- vista humana em distinguir diagramas com três valores de seve-
ticas têm sido desenvolvidas. Uma compilação das diferentes escalas ridade de ferrugem da folha do trigo e do míldio da videira: 25%.

504
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

Boxe 39.2 Sucesso e fracasso na avali ção da severidade com o uso de chaves descritivas

De um bom método de avaliação dependem o sucesso ou o fracasso da quantificação da severidade de uma doença.
Algumas chaves descritivas têm encontrarlo grande aceitação entre pesquisadores e são usadas com frequência. É o
caso da chave proposta pelo subcomitê de avaliação de doença da Sociedade Britânica de Micologia, para a avaliação
1

da requeima da batata (Chester, 1950). Seu uso tem proporcionado resultados uniformes e comparáveis entre
diferentes observadores. Nesta chave, a severidade é expressa por número de lesões nas notas inferiores a 25, pois
quando a intensidade de doença é baixa, a avaliação através do número de lesões é facilmente obtida. A partir da nota 25,
com o aumento na intensidade da doença,, a severidade é expressa em porcentagem da área destruída.
Ch.ave descritiva da requeima da batata

l\otas Grau de intensidade da doença

O Sintomas ausentes no campo


O, 1 Algumas plantas afetadas, ai'é 1 ou 2 lesões em um raio de 10.6 m
Até 10 lesões por planta ou h1fecções leves
5 Ao redor de 50 lesões por pla1nta ou até 10% de folíolos atacados
25 Quase todos os folíolos afetados, plantas ainda normais
50 Todas as plantas afetadas co1m cerca de 50% da área destruída, campo parece verde manchado de marrom
75 Cerca de 75% da área destruída, campo sem predominância da cor verde ou marrom
95 Apenas algumas folhas verdtis no campo, colmos ainda verdes
100 Todas as folhas mortas, colmos mortos ou em fase de seca

Chaves mal elaboradas são, infelizmente, frequentes na literatura. Um exemplo típico das aberrações cometidas na
avaliação de doenças, citado por Chester ('I 950), pode ser ilustrado pela chave destinada a avaliar uma "miscelânea" de
doenças de cereais, utilizada no passado pelos cerealistas e colaboradores do Departamento de Agricultura dos E. U.A.
Nesta chave são definidos seis graus de intensidade de doença:
.
O ausência de infecção
1 muito leve - l ou 2 espécies/acre
2 l~ive - 8 a 10 espécies/acre
3 c,onsiderável - 30 a 40 espécies/acre
4 abundante - 25 a 50% de plantas doentes
5 muito abundante (> 50% de plantas doentes)

Além de utilizar ape.nas a variável incidência, a escala apresenta um grave erro na distribuição das notas. Como em
um acre desenvolvem-se, normalmente, 8,00.000 perfilhos, as classes 1, 2 e 3 representam, respectivamente, 0,0001%,
0,0013% e 0,0050% de plantas doentes, enquanto as classes 4 e 5 representam, respectivamente, 25 a 50% e mais de 50%
de plantas doentes. Tanto para efeito de es:tudos epidemiológicos como para avaliação de danos, as classes l, 2 e 3 têm
a mesma grandeza, enquanto valores compreendidos dentro do intervalo 0,01 % e 25% de plantas doentes são descon-
siderados.

37% e 50% (três categorias com aumento linear no intervalo de escala de Horsfall & Barrat (com seus 12 níveis entre O e 100%
25-50%). Os resultados obtidos mostraram que a1 vista humana é de doença), quando comparada à avaliação sem escala. Isso tem
capaz de diforenciar severidades de ferrugem do !trigo e de míldio levado muitos pesquisadores a criticarem escalas diagramáticas
da videira nesses três valores. Com esses resultados, os autores que utilizam intervalos exponenciais, por confundirem aumento
sugerem que os intervalos propostos por Horsfall & Barrat sejam exponencial com a escala de Horfall & Barrat para representar
revistos na construção das escalas e que se considere a utilização os diferentes níveis de severidade. É notório que os níveis
de incrementos lineares no estabelecimento dos diferentes níveis propostos por Horsfall & Barrat não são os mais adequados para
das escalas diagramáticas. No entanto, é preciso considerar que avaliação de doenças foliares. A conclusão de que avaliação da
incrementos lineares em severidade~ baixas mai:s confundem do severidade sem auxílio de escala é melhor do que avaliação com
que auxiliam (Figura 39. l O). auxílio de escala com os níveis de Horsfall & Barrat não signi-
Mais recentemente, Bock e colaboradores (Bock et ai., fica que a avaliação a olho nu seja sempre melhor. Em vários
2008a; 2008b; 2009a; 2009b; 201 O) têm critiicado o uso da casos, comprovou-se que o uso de escalas diagramáticas real-

505
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

Boxe 39.2 Sucesso e fracasso na avalia ão da severidade com o uso de chaves descritivas

De um bom método de avaliação dependem o sucesso ou o fracasso da quantificação da severidade de uma doença.
Algumas chaves descritivas têm encontrado grande aceitação entre pesquisadores e são usadas com frequência. É o
caso da chave proposta pelo subcomitê de avaliação de doença da Sociedade Britânica de Micologia, para a avaliação
d.a. requeima da batata (Chester, 1950). Seu uso tem proporcionado resultados uniformes e comparáveis entre
diferentes observadores. Nesta chave, a se:veridade é expressa por número de lesões nas notas inferiores a 25, pois
quando a intensidade de doença é baixa, a a•valiação através do número de lesões é facilmente obtida. A partir da nota 25,
com o aumento na intensidade da doença, a severidade é expressa em porcentagem da área destruída.
Chave descritiva da requeima da batata

Notas Grau de intensidade da doença


O Sintomas ausentes no campo
0,1 Algumas plantas afetadas, até I ou 2 lesões em um raio de 10.6 m
1 Até 10 lesões por planta ou infecções leves
5 Ao redor de 50 lesões por pla1nta ou até 10% de folíolos atacados
25 Quase todos os folíolos afetad10s, plantas ainda normais
50 Todas as plantas afetadas com cerca de 50% da área destruída, campo parece verde manchado de marrom
75 Cerca de 75% da área destruída, campo sem predominância da cor verde ou marrom
95 Apenas algumas folhas verdes no campo, colmos ainda verdes
l 00 Todas as folhas mortas, colmos mortos ou cm fase de seca

Chaves mal elaboradas são, infelizmente, frequentes na literatura. Um exemplo típico das aberrações cometidas na
avaliação de doenças, citado por Chester (1.950), pode ser ilustrado pela chave destinada a avaliar uma "miscelânea" de
doenças de cereais, utilizada no passado pdos cerealistas e colaboradores do Departamento de Agricultura dos E. U.A.
Nesta chave são definidos seis graus de int•~nsidade de doença:

O aüsência de infecção
1 muito leve - l ou 2 espécies/acre
2 leve - 8 a 10 espécies/acre
3 considerável - 30 a 40 espécies/acre
4 abundante - 25 a 50% de plantas doentes
5 muito abundante(> 50% de plantas doentes)

Além de utilizar apenas a variável incidência, a escala apresenta um grave erro na distribuição das notas. Como em
um acre desenvolvem-se, normalmente, 8()0.000 perfilhos, as classes 1, 2 e 3 representam, respectivamente, 0,0001%,
0,0013% e 0,0050% de plantas doentes, enq1uanto as classes 4 e 5 representam, respectivamente, 25 a 50% e mais de 50%
de plantas doentes. Tanto para efeito de estudos epidemiológicos como para avaliação de danos, as classes 1, 2 e 3 têm
a mesma grandeza, enquanto valores compreendidos dentro do intervalo 0,01 % e 25% de plantas doentes são descon-
siderados.

37% e 50% (três categorias com aumento linear no intervalo de escala de Horsfall & Barrat (com seus 12 níveis entre O e 100%
25-50%). Os resultados obtidos mostraram que a vista humana é de doença), quando comparada à avaliação sem escala. Isso tem
capaz de diferenciar severidades de ferrugem do trigo e de míldio levado muitos pesquisadores a criticarem escalas diagramáticas
da videira nesses três valores. Com esses resultados, os autores que utilizam intervalos exponenciais, por confundirem aumento
sugerem que os intervalos propostos por Horsfall & Barrai sejam exponencial com a escala de Horfall & Barrat para representar
revistos na construção das escalas e que se considere a utilização os diferentes níveis de severidade. É notório que os níveis
de incrementos lineares no estabelecimento dos diferentes níveis propostos por Horsfall & Barrat não são os mais adequados para
das escalas diagramáticas. No entanto. é preciso, considerar que avaliação de doenças foliares. A conclusão de que avaliação da
incrementos lineares em severidade!' baixas mai:, confundem do severidade sem auxílio de escala é melhor do que avaliação com
que auxiliam (Figura 39. 10). auxílio de escala com os níveis de Horsfall & Barrat não signi-
Mais recentemente, Bock e colaboradore:s (Bock et ai., fica que a avaliação a olho nu seja sempre melhor. Em vários
2008a; 2008b; 2009a; 2009b; 201 O} têm criticado o uso da casos, comprovou-se que o uso de escalas diagramátícas real-

505
Manual de Fitopatologia

1 6

Figura 39.6 - Escala diagramática para avaliar a intensidade de Setosphaeria twúca (syn. lle/minthusporium 111rcic11m) em milho, considerando-se a
planta toda: 1 = infecção fraca, uma ou duas lesões restrhas às folhas inferiores; 2 - infecção fraca, algumas lesões esparsas nas folhas
inferio:res; 3 = infecção leve, número moderado de lesões nas folhas inferiores; 4 = infecção moderada, lesões abundantes nas folhas
inferio.res, poucas em folhas medianas; 5 = infecção pesada, lesões abundantes nas folhas inferiores e medianas estendendo-se às folhas
superiores; 6 = infecção muito pesada, lesões abundantes em todas as folhas, plantas podem morrcr precocemente.
Fonte: Chester ( 1950).

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Figura 39.7 - Escalas diagramátícas para avaliação da severidade(%) de cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. citri) em folhas de citros
para ]lesões pequenas (A), médias (B), grandes (C) e associadas com o ataque da larva minadora dos citros (D).
Fonte: Belasque et :ai. (2005).

506
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

mente melhora a acurácia e a precisão dos avaliadores (Godoy


et ai., 1997; Nutter Jr. et ai.; 2006). Os elevados níveis de severi-
dade indicados na escala de Horsfall & Barrat raramente ocorrem
no campo e a maioria das escalas diagramáticas publicadas na
literatura. ao menos no período 1991 a 2016, tem como limite
máximo valores inferiores a 50% (Dei Ponte et ai., 2017).
Ademais, muitas das escalas não seguem rigidamente incre-
mentas exponenciais ou lineares. É comum que durante a elabo-
ração de uma escala diagramática níveis intermediários aos
calculados sejam incluídos ou retirados, caso, durante o teste de
validação, mostrem-se necessários. Aliás, essa foi a recomen-
dação de trabalho experimental que, ao comparar uma escala
linear com uma logarítmica, no intervalo de severidades de 0,6
a 36% de área foliar sintomática, concluiu que nenhuJiia delas é
sempre melhor que a outra (Schwanck & Dei Ponte, 2014). De
acordo com os autores, provavelmente, a melhor escolha seria
uma escala híbrida, com incrementos logarítmicos nos níveis
mais baixos de severidade da doença.
3,9 A eficiência das escalas diagramáticas em produzir avalia-
ções precisas depende não apenas da forma como a intensidade
do estímulo é representada (em incrementos exponenciais ou
lineares), mas também do tipo de estímulo e da capacidade indi-
vidual dos avaliadores (Sherwood et ai., 1983; Forbes & Jeger,
1987; Bock et ai., 20 IO). O erro na avaliação da severidade da
doença varia, dependendo do tipo de órgão da planta e do tipo de
sintoma representado na escala.
A utilização de escalas diagramáticas serve, na verdade. de
guia para o avaliador que vai ao campo determinar a severidade
de uma doença. Quando avaliações muito precisas são necessá-
rias, o avaliador deve ser treinado previamente, pois frequente-
Figura 39.8 - Escala diagramática para avaliação da severidade (%) mente a vista humana superestima a doença. Além de escalas, o
de antracnose (Colletotrichum lindem11thianum.) em treinamento destes técnicos conta com recursos computacionais
folhas de feijoeiro. que pennitem a "aferição'' da vista do avaliador em curto prazo
Fonte: Adaptada de Godoy et ai. (I 997). (Boxe 3Q.3).

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0,5 1,7 5,0 11,5 22,5 49,0

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1,1 4,5 15,0 31,0 53,0 68,0

Figura 39.9 - Escala diagramática pa!'ll avaliação da severidade (% da área do fruto coberto por sintomas) da mancha preta (Phy/losticta
cilricarpa) dos cilros. Os diagramas da parte superior são representações do sintoma de mancha dura e os da parte inferior,
representações do sintoma de falsa melanose.
Fonte: Spósito et ai. (2004).

507
Manual de Fitopatologia

· :.' : ~}-: 1;•.: g: Boxe 39.3 Programas de treinamento para avaliação

D Ü
.. ·:. :· ... ' .·: 1:1
:);\ /(; 1{~
da severidade de doenças

O treinamento de pessoal técnico na avaliação

o
da severidade de doenças tem no microcomputador
uma ferramenta preciosa. Notadamente os programas
' Distraín (Disease training-Tomerlin & Howell, 1988),
'
. ' Dispro (Disease program - Nutter Jr. & Worawitlikit,
1990), Conibro (Canteri & Giglioti, 1998) e Severity.
Pro (Severity program - Nutter Jr. & Litwiller, 1998)
têm sido usados para formar técnicos na avaliação de
doenças foliares de diversas plantas cultivadas; Distrain
é utilizado para cereais, Dispro, para amendoim,
Combro, para cana-de-açúcar e Severity.pro oferece
ampla gama de formatos de folhas e de lesões, capazes
de simular diferentes patossistemas. Os programas
reproduzem no monitor de vídeo de computadores
a imagem de folhas doentes. O operador do sistema
escolhe o tipo de doença e o nível de severidade em que
3.7 7.4 deseja ser treinado. Ele pode optar entre níveis baixo,
médio, alto ou ainda deixar que o computador sele-
Figura 39.1 O- Escala diagramática para estimar a severidade de fer- cione níveis aleatórios de severidade. Após a escolha
rugem do trigo. Os níveis da escala seguem incremcn- da opção desejada, observa-se no monitor a imagem
. tos lineari::s. Note que a vista humana praticamente não da folha doente. Deve-se, então, digitar a estimativa da
consegue diferenciar dois níveis contíguos. severidade representada na imagem, que será imedia-
Fonte: Peterson, 19-18, citado por Zadoks & Schein ( 1970). tamente comparada à área real ocupada pela doença.
Ao final da sessão de treino, o programa permite ao
Análises de imagens digitais - Há vários programas compu- operador verificar seu desempenho, que será clas-
tacionais capazes de avaliar severidade de doença~ dt: plantas; sificado em excelente, bom, regular e fraco, de acordo
alguns deles, especificamente produzidos com essa finali- com a precisão das estimativas.
dade como é o caso do Quant (Vale et ai., 2001) e do Ass.ess
(Lamari, 2002; 2008). Com tais sistemas, pode-se obter estima-
tivas não subjetivas da qnantidade de doença, mesmo com amos-
tras de folhas compostas ou com bordos recortados. A análise de 39.2.1.3. Relação incidência-severidade
imagens digitais não está sujeita aos problemas inerentes à vista A incidência é uma variável satisfatória para a avaliação de
humana, já que a resposta ao estímulo ótico segue. neste caso, doenças sistémicas, como murchas e viroses, porque, nestes casos,
um modelo linear. A precisão deste tipo de avaliação é, portanto,
existe alta correlação entre incidência e severidade. Assim, se
muito elevada. Apesar da alta eficiência, os sistemas de análise
numa parcela com 100 plantas de tomate, 30 apresentarem murcha
de imagens digitais não prescindem de interferência humana.
bacteriana. tanto incidência quanto severidade serão iguais a 30%
A diferenciação entre tecido doente e sadio. na maior parte das
(30 plantas murchas). Como a severidade é representada pela média
vezes, deve ser verificada pelo operador, pois ele deve indicar
de todas as plantas amostradas, incidência e se\eridade são iguais.
manualmente sobre a imagem que cores que representam o tecido
Com este mesmo raciocínio pode-se deduzir que a severidade média
doente, para que o sistema o identifique como tal. Algumas vezes.
de uma amostra nunca será maior que a incidência (expressos na
a folha pode apresentar injúrias não relacionadas à doença. que
mesma unidade). Esta relação direta só ocorre em alguns casos espe-
têm a mesma cor do tecido doente; nesse caso, cabe ao operador
cíficos. Além das doenças sistêmicas, a relação aplica-se também
desconsiderar a seleção do programa. Além disso, e ainda mais
para aquelas doenças em que uma única lesão destrói a planta toda
frequentemente. o operador não indica todas as matizes que
ou um órgão da planta, inviabilizando a produção.
representam o tecido doente e parte dele não é assim conce-
bido pelo sistema, levando à subestimativa da severidade. Essa Para a maioria das doenças não sistêmicas, a relação entre
seleção de cores e a verificação da correta seleção pelo programa incidência e severidade é menos evidente. Uma relação linear
tomam a avaliação da severidade laboriosa nesses sistemas. Na entre essas duas variáveis só tem sido estabelecida para níveis
segunda versão do programa Assess, lançada em 2008, foi intro- muito baixos de severidade (Fignra 39.1 1). Isto ocorre porqne,
duzida uma nova rotina, que possibilita medidas automáticas, no início de uma epidemia, a doença cresce no espaço, com o
independentes do operador do sistema, o que toma a quantificação aumento da incidência (aumento no número de unidades doentes),
bem mais rápida. No entanto. quando essa rotina foi testada para e no tempo, com o aumento da incidência e da severidade. Assim,
folhas de laranjeiras com cancro cítrico. as avaliações da severi- a doença cresce inicialmente graças a novas unidades infec-
dade da doença foram menos precisas que aquelas obtidas quando tadas. Quando a maioria das plantas já apresenta sintomas (inci-
o operador do sistema interfere na seleção das áreas doentes. As dência elevada). praticamente não há mais crescimento espacial.
avaliações automatizadas pelo sistema foram comparáveis àquelas A evolução da doença no tempo dá-se quase que exclusivamente
realizadas por estimativas visuais (Bock et ai., 2009). pelo aumento da severidade.

508
Feno/agia, Patometria e Quantificação de Danos

12 (West et ai., 2003). Essa assinatura decorre de inte-


o
I\ o o c rações das radiações transmitidas, absorvidas e
8 o o
o o o refletidas por tecidos da planta. As propriedades
o radiantes de tecidos de plantas sadias diferem
4 o
o daquelas d.e tecidos de plantas doentes e também
entre diferentes tipos de doenças, de fonna que
o
o 10 >< .. "' .. . o
·~ XI .. o
'º o 10 .. .. IO
a "assinatura espectral" da planta doente não é
a mesma da planta sadia. Folhas sadias exibem
16 o e o r tipicamente baixa refletância na região espectral
12 º• visível (400-700 nm) e na região do infravermelho
ºº curto (1.200-2.400 nm) e alta refletância oa região


8
do infravermelho próximo (700-1.200 nm). Como
4
as doenças podem afetar as propriedades ópticas
o
20
o 20 .. .. .. D ,..
"' .. ., o ... 'º .. 10 100
das folhas, sistemas de detecção e quantificação de
doenças podem se basear em medidas do espectro
16 G o tt ºº em diferentes combinações de comprimentos de
Q)
"O onda (West et al., 2003). Essa tecnologia é espe-
IIJ
12
"O ciahnente útiJ na detecção de doenças cujo controle
8
-~ depende da erradicação de plantas doentes, como o
iii huanglongbing dos citros no Brasil, affosvencence
(j)

20 ......- - - - - - - ~
10
•• .. 10 100 0 :,o .. ,.. ao
dorée da videira na França e o Tulip hreaking vinis
da tulipa na Holanda. A eficiência da erradicação
o K L
é tanto maior quanto mais rápido plantas doentes
16 o
o forem identificadas no campo e essa tecnologia,
12
associada a equipamentos móveis, como droues, por
8 exemplo, pode reduzir o tempo de vistoria de plantas
4 quando comparada à tradicional prospecção visual.
0-+-~~~~~~~-1
,.
"'- - ~
20 ......- - - - -

o
•• 100
• 20
•• . "' IOC o lO
"" .. .. 100
O uso de imagens espectrais para identificar videiras
comjlavescence dorée (Albctis ct ai..2017) e tulipas
com Tulip breaking vinis (Polder et ai., 2014) foi
...
o o ~

1- ~
16 t,I li
bem sucedido experimentalmente e prevê-se para

j
12 breve sua aplicação em mais larga escala.
o o o
8
As técnicas disponíveis para medir a refle-
4
90
tância das plantas incluem fotografia aérea, onde
o-1--.....................................-1 podem ser utilizadas diferentes combinações de
O 20 40 60 80 100120 O 20 40 60 80 100 120 O 20 40 60 80 100 120 filmes, filtros e câmeras (Chiang & Wallen, 1977,
Incidência (%) Steddom et ai., 2005) e radiômetros de múltiplo
espectro (Nutter Jr. et ai., 1993; Figura 39.4C).
Figura 39.11 - Relação íncidência/severidade da mancha preta dos citros em laran-
Filmes coloridos infravem1elhos e, mais
jas das variedades 'Hamlin' (A, D, G, J, M), 'Pera· (B, E, H, K, N)
recentemente, câmeras digitais capazes de captar
e 'Valencia' (C, F, I, L, 0), em diferentes pomares do Estado de São
diferentes comprimentos de onda podem ser utili-
Paulo nas safras 2000 a 2002.
Fonte: Modificada de Spósito (2003). zados na avaliação de doenças por pennitirem a
distinção entre tecidos sadios e sintomáticos. No
entanto, muitos estresses abióticos podem ocasionar
A vantagem de obter uma expressão matemática que modificações no espectro de forma semelhante às provocadas por
forneça a estimativa da severidade através da incidência reside doenças, de forma que o uso isolado dessa técnica para a diagnose
na facilidade operacíonal e na precisão da avaliação da inci- e quantificação de doenças de plantas não tem se mostrado acurada.
dência. Num programa de previsão e avisos de epidemias como A reAetância do infravermelho pode ser afetada por outros fatores,
o EPIPRE, por exemplo (ver Capítulo 19 desta obra), a fonte dos como o estresse hídrico e mesmo pela maturidade dos tecidos das
dados que alimenta o sistema vem dos próprios agricultores, que plantas. Assim, o uso de fotos aéreas na quantificação de doenças
devem estimar a incidência de doença em seus campos de trigo. não prescinde da amostragem in loco e ainda não alcançou a escala
Se severidade fosse usada, uma estimativa errônea. deste parâ- que se vislumbrava no passado. Seu uso tem sido restrito à quanti-
metro comprometeria todo o programa. A avaliação da incidência ficação de doenças em espécies arbóreas, para as quais a coleta de
diminui significativamente esta eventual fonte de erros. amostras de folhas é muito trabalhosa e, em deterrninadas situa-
ções, nas quais amostragens representativas de todo o terreno são
39.2.1.4. Sensoriamento remoto prejudicadas pelo dificil acesso às plantas, como no caso de regiões
Por sensoriamento remoto entendf!'-se um conjunto de técnicas montanhosas (Meenterneyer et al., 2008). No entanto, a utilização
capazes de obter informações de um objeto sem que haja contato de sensores de radiação em veículos autônomos não tripulados
físico com este objeto. As informações da radiação refletida pelas deverá ampliar o uso dessa tecnologia na detecção e na quantifi-
plantas formam uma espécie de "assinatura espectral'' do dossel cação de doenças de plantas (Sugiura et ai., 2016).

509
Manual de Fitopatologia

A utilização de radiõmetros de múltiplo espectro para medir


a refletância das folhagens e estimar a quantidade de doença é de
uso relativamente recente (Aquino et ai., 1992; Nutter Jr., 1989;
Nutter Jr. et ai., 1990; 1993). Esses equipamentos quantificam a
radiação refletida pelas plantas por meio de sensores colocados a
distâncias dela 1,5 m acima do dossel. Apesar de negligenciar a
severidade da doença em folhagens da parte mais baixa da copa, o
uso de radiômetros tem sido eficiente na quantificação de doenças
de cereais (Kobayashi et ai., 2001; Workneh et ai., 2009), feijoeiro
(Canteri et ai., 1998), amendoim (Nutter Jr., 1989; Canteri et ai.,
1999) e soja (Silva et ai., 2009).

39.2.2. Métodos Indiretos de Avaliação de Doenças


A quantificação da doença é bastante dificultada quando a
planta não apresenta sintomas típicos na parte aérea, como em
algumas viroses e nematoses nas quais os sintomas envolvem
apenas redução de vigor, diminuição de produção ou enfeza-
mento. A principal estratégia utilizada para quantificar este tipo
de doença é a determinação da população do patógeno nas plantas
infectadas. Há várias viroses que não apresentam sintomas espe-
cíficos em seus hospedeiros. No Brasil, a maioria das viroses rela-
tadas para as culturas do morangueiro, videira e macieira, por
exemplo, não apresenta sintomas muito evidentes nos cultivares
comerciais. A avaliação da incidência deste tipo de doença é feita
com técnicas de diagnose, como indexação do vírus em plantas
indicadoras, técnicas sorológicas, como ELISA, ou moleculares.
como PCR e RT-PCR (mais detalhes, no item 3.3.1, Capítulo 3
desta obra). Métodos sensíveis de serologia e de detecção do
material genético do vírus têm permitido, inclusive, a quantifi-
cação de partículas virais no hospedeiro (Mackay et ai., 2002).
A PCR quantitativa em tempo real ampliou a aplicação da PCR
convencional, pois além da detecção patogt1nica permite, como o
e
próprio nome diz, a quantificação do patógeno no tecid0 vegetal. Figura 39.12 - Diferentes modelos de annadilhas caça-esporos,
Essa técnica tem sido utilizada para quantificar todo tipo de fito- da mais simples (A) às mais sofisticadas (8 e C). A
patógeno com vistas não apenas à diagnose, mas também à seleção energia para o funcionamento das armadilhas pode
de indivíduos resistentes (Beoni et ai., 2016; Knufer et ai., 2017) e ser fornecida naturalmente pelo vento (A) ou por
a levantamentos epidemiológicos (Leiminger et aL 2015). fontes externas (B e C). Esporos do ar são capturados
A população patogênica de nematoides é avaliada através de por impacto (A e C) ou por sucção (B).
métodos específicos. envolvendo amostragem de solo e raízes com Crédito das fotos: A - Giselda Alves; C • David G. Schmale Ili.
posterior extração e contagem de indivíduos. Os dados obtidos
desta forma servem tanto na orientação de medidas de controle que a amostra seja representativa da população original. A amos-
quanto na estimativa de danos causados por aqueles organismos. tragem é uma maneira de reunir informações de um campo sem
Em algumas situações, como no uso de detem1inados sistemas que seja necessário percorrê-lo por completo. Uma amostragem
de previsão de epidemias (ver Capítulo 19 desta obra), ao invés de se mal conduzida pode por a perder todo o trabalho de avaliação de
quantificar doença, quantifica-se o inóculo na área de plantio. Nesses doença, trazendo consequências prejudiciais ao produtor. Num
casos, diferentes técnicas são utilizadas, a depender da natureza do programa de manejo integrado, a subestimativa ou superestirnativa
inóculo. Caso se trate de inóculo disperso pelo vento, lança-se mão de da quantidade de doença, causadas por amostragem incorreta, pode
equipamentos destinados a coletar o inóculo do ar, conhecidos como conduzir o agricultor a tomar uma decisão equivocada, o que impli-
armadilhas caça-esporos. Esses equipamentos têm variados graus de cará em perdas futuras.
sofisticação, podendo ser constituídos de lâminas de vidro cobertas Na avaliação de doenças, uma amostragem apropriada é
com vaselina e colocadas em tubos de PVC sobre postes no campo o segundo componente mais importante (depois do método de
até a placas de Petri com meios de cultura específicos expostas ao ar avaliação) capaz de assegurar sua acurácia.
de toda a área a ser amostrada com o auxílio de veículos autônomos
não tripulados (Figura 39.12). 39.2.3.1. Técnicas de amostragem
A escolha da técnica de amostragem depende da distri-
39.2.3. Metodologia de Amostragem para Avaliação
buição espacial da doença no campo (ver Capítulo 41 desta obra).
de Doenças
Para cada tipo de doença. e dependendo também do objetivo da
Para que os métodos de avaliação de doenças discutidos ante- avaliação, pode-se utilizar uma técnica particular. As principais
riormente possam ser utilizados em campos de cultivo comercial, a técnicas utilizadas na amostragem de plantas para avaliação de
população de plantas deve ser amostrada de maneira criteriosa para doenças são (Figura 39.13):

510
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

amostragem ao acaso - a utilização de amostragem intei- deve ser o órgão da planta em que níveis de severidade da doença
ramente casualizada é recomendada principalmernte para doenças possam ser correlacionados com a queda de produção. Se o obje-
que se distribuem de maneira unifonne num campo. Como isto tivo for estimar a ocorrência de doenças em uma região, a planta
raramente ocorre, a amostragem ao acaso raramente tem sido pode ser tomada como unidade de amostragem. Já em programas
empregada em estudos fitopatológicos. As unidades a serem de previsão e avisos de epidemias, esta unidade de amostragem
amostradas podem ser determinadas por tabelas casualizadas. passa a ser o órgão da planta mais suscetível ao patógeno em um
amostragem sistemática - numa amostragem deste tipo, determinado momento.
as amostras são coletadas de maneira sistemática. Por exemplo, a O tamanho da amostra depende, além do objetivo do levan-
cada dez linhas deve-se atravessar o talhão escol.hendo-se como tamento, também do modelo de distribuição da doença no campo,
amostra uma planta a cada 20 m. Este tipo de amostragem é muito da disponibilidade de tempo e recursos e dos cúveis de acurácia
usual em trabalhos que envolvem avaliação de dcienças. e precisão desejados. O tamanho ideal de uma amostra varia,
Tanto a amostragem ao acaso quanto a amiostragem siste- portanto, de acordo com cada situação particular. Uma maneira
mática podem ser feitas em estratos, sendo neste caso denomi- simples de estimar o tamanho ideal de uma amostra pode ser obtida
nadas de amostragem estratificada. Esta técnica de amostragem com um levantamento preliminar onde a intensidade da doença é
é recomendada para casos em que a população é heterogênea estimada para um número n de amostras. A média e a variância
(distribuição de plantas doentes em agregados). Desde o prin- obtidas com amostras crescentes de I a n devem ser indicadas
cípio, a população deve ser dividida em estratos homogêneos, num gráfico como aquele da Figura 39.14. As curvas apresentam
de maneira a diminuir a variabilidade e aumentar a acurácia da variações iniciais significativas. No entanto, à medida que o
avaliação. A intensidade média de uma doença avaliada por este número de amostras aumenta, as variações diminuem. O tamanho
método é calculada através da média ponderada obtida com os ideal de uma amostra é detenninado pelo início da estabilização
valores de cada estrato. das curvas da média e variância. De modo geral, os procedimentos
de amostragem são delineados de maneira a obter estimativas Je
A B e severidade da doença. Um caso particular que contraria esta regra

• • •• ••••• é a amostragem conduzida para detectar a "chegada" da doença em

...,
er----=- • uma determinada população de plantas. Neste caso, a amostragem

••• • • l •• utiliza unicamente o parâmetro incidência, que representa presença

•••• •• • · 1_ __L•:•
ou ausência da doença. Além disso. em lugar de proceder a uma
casualização da amostra, deve-se dirigi-la para locais favoráveis
ao patógeno e aumentar significativamente o número das unidades
~
••• •• amostradas. Equações específicas para esta finalidade são comen-
tadas por Krnnz ( 1988). A amostragem de doenças de plantas está
bastante detalhada em Madden et ai. (2007).

16 214
14 212

o 12 210
...
u:c
"O 10
("(l ("(l
o. 208 'õ
o 8 •Q)
·s:
1/) 206
~
Q)
Cl 6
204
4

2 202

o 200
4 8 12 16 20 24
Figura 39.13 - Modelos de técnicas de amostragem: (a) inteiramente
casualizada; (b) e (c) inteiramente casualizada e estrati-
Número de amostras
ficada; (d), (e) e (f) sistemática diagonal; (g) sistemática Figura 39.14 - Variação dos valores da média (vermelho) e desvio
em escada; (h) sistemática ~m V; (i) s1istemática em M. padrão (azul) em amostras de diferentes tamanhos.
Fonte: Disthapom ( 1987). Fonte: Kranz ( 1988).

39.2.3.2. Unidade amostrada e tamanh,o da amostra


A unidade de amostragem deve ser definidai de acordo com 39.3. QUANTIFICAÇÃO DE DANOS
o objetivo do levantamento. Assim, se a finalidade da inspeção Estimativas confiáveis dos prejuízos causados pelos pató-
for obter dados para estimar danos e perdas, a unidade amostrada genos são um pré-requisito para o desenvolvimento de qual-

511
Manual de Fitopatología

quf!r programa bem sucedido de controle de doenças. A quan- produção das parcelas saJias. Dano é calculado, portanto, como
tificação de danos é, portanto, um ponto chave na definição de a diferença de produção. usualmente expressa em porcentagem,
qualquer estratégia de controle. A definição precisa de alguns dos entre parcelas com diferentes níveis de doença e parcelas sadias.
termos que serão utilizados neste item é dada a seguir, seguindo a Normalmente, nos tipos de experimento discutidos neste
proposta de ZaJoks (1985). Num sentido amplo, qualquer agente item. todos os fatores passíveis de variação são mantidos cons-
biológico que danifique uma plantação pode ser cbamado de orga- tantes, exceto o nível da doença em estudo. Há diversas possibi-
nismo nocivo, seja ele inseto, planta daninha. nematoide. fungo, lidades para obter, num mesmo ensaio, parcelas com diferentes
bactéria ou vírus. Produção é o produto mensurável de valor níveis de injúria. As mais utilizadas são diferentes épocas de
econômico de uma plantação. Qualquer sintoma visível causaJo inoculação do patógeno. diferentes quantidades de inóculo inicial
por um organismo nocivo é coletivamente chamado injúria. e emprego de fungicidas em várias concentrações.
Qualquer redução na qualidade e/ou quantidade da produção é
Método da planta individual - Neste caso, indivíduos
chamada dano. A redução em retomo financeiro por unidade
doentes e sadios substituem as parcelas do método anterior.
de área devida à ação de organismos nocivos é chamada perda.
Num campo, comercial ou experimental, de 50 a 2.009 plantas
Injúria geralmente leva a dano. No caso contrário, emprega-se o
(ou mesmo perfilhos. para o caso de gramineas) são escolhidas,
termo injúria aparente. Esta é a situação quando tolerância (um
etiquetadas, avaliadas para intensidade de doença e, finalmente,
atributo do hospedeiro) estiver envolvida. Dano geralmente acar-
colhidas. quando atingirem a maturidade. A escolha das plantas
reta perda, mas não necessariamente, já que mecanismos de preço
é feita procurando-se representar a maior variação possível Je
podem interferir. A demanda por produtos agrícolas é usualmente
intensidade da doença. não se esquecendo da referência sadia.
inelástica, ou seja, os preços caem caso o mercado tenha excesso
Ao final, caJa planta é considerada como um dado para a análise
de oferta e sobem em caso de escassez.
de regressão. As vantagens deste método, em relação ao anterior.
Densidades populacionais de organismos nocivos podem são evidentes: menor espaço e trabalho para instalar os experi-
ser determinadas diretamente através de contagem como, por mentos; campos comerciais podem ser usados para a pesquisa;
exemplo, com insetos, ou indiretamente através da quantificação uma variação completa no nível de intensidade da doenç11 pode
da injúria como. por exemplo, com patógenos foliares. A função ser conseguida durante uma única estação de cultivo; resultados
de dano relaciona dano (D) com injúria(/) através da equação: conclusivos podem ser obtidos num espaço de tempo conside-
D= f(l) (39. 1) ravelmente menor; o uso de fungicidas, com todas as suas limi-
tações, é desnecessário para obter diferentes níveis de injúria.
A função de perda relaciona perda (P) com dano (D): Desvantagens, porém, também existem: a começar pela maior difi-
P=tW) (39.2) culdade de quantificação do fenômeno da compensação (planlas
sadias que crescem ao lado de plantas doentes tendem a produzir
A equação matemática que descreve a função de dano pode mais, minimizando o dano causado pelo patógeno), passando
ser estabelecida com razoável precisão para qualquer patossis- pela mais filosófica restrição do uso de dados conseguidos num
tema. Os parâmetros variarão de acordo com o cultivãr, local, determinaJo nível biológico de organização (planta individual)
tipo de solo e muitos outros fatores. A função de perda é mais para prever o que acontecerá num nível mais elevado (plantação)
di ficil de ser determinada, especialmente em países de economia e tenninando no aspecto mais importaute. a variação natural de
instável, pois depende de fatores econômicos típicos da região e produção que existe enlrc plantas individuais. mesmo que gene-
do momento. ticamente idênticas, devido, principalmente, a condições de
Obter dados para estabelecer a função de dano é o obje- ambiente. Esta variação, muitas vezes de magnitude superior aos
tivo da fase experimental de um projeto de pesquisa que vise à próprios danos causados pelos patógenos, tem acarretado baixos
determinação dos prejuízos causados por um patógeno. Injúria, valores para os coeficientes de detenninação obtidos neste tipo de
oeste contexto, pode ser traduzida por incidência ou severidade experimento. Uma das maneiras utilizadas para reduzir a variabi-
da doença. Ensaios que contêm parcelas com plantas sadias e lidade na produção de plantas individuais é transfonnar os dados
parcelas com plantas doentes, estas exibindo diferentes níveis de em porceutagem de produção em relação à produção média
injúria, são geralmente empregados para o estabelecimento da das plantas sadias. Com essa abordagem, diferentes campos de
função de dano. Deste modo, obtém-se um conjunto de variáveis cultivo podem ser comparados, já que o dano de cada planta
independentes (níveis de doença) que pode ser relacionado com doente de um campo será relativo à produção da planta sadia do
um conjunto de variáveis dependentes (níveis de dano). mesmo campo (Figura 39.15).
39.3.1. Métodos para a Quantificação de Danos 39.3.2. Modelos para Estimar Danos
Método da parcela experimental - De todos os métodos Experimentos especificamente projetados para estimar
relatados na literatura. o método da parcela experimental é o mais danos geram uma grande quantidade de dados, difíceis de inter-
frequentemente empregado. No passado, utilizou-se-bastante o pretar e usar, a menos que sejam sintetizados na forma de rela-
chameJo tratamento pareado. que consiste de parcelas gêmeas. ções quantitativas. usualmente chamadas modelos. A posse de
sadias e doentes. Cada par dá origem a um conjunto de dados um modelo que consiga capturar a essência da relação injúria-
com diferentes intensidades de doeuça e consequentes danos. dano permite a quantificação de danos a níveis local. regional ou
Mais recentemente, tem-se dado preferência a experimentos de nacional, além de possibilitar uma abordagem econômica para o
tratamentos múltiplos, nos quais dois olf. usualmente, mais níveis controle de doenças. Modelo pode ser definido como uma repre-
de intensidade de doença compõem o mesmo experimento. Um sentação simplificada de um sistema. Modelos simbólicos mate-
mínimo de três repetições é suficiente para ambas as abordagens. máticos são os mais empregados em proteção de plantas. No caso
O cálculo do dauo, invariavelmente, implica na determinação da particular do estudo de danos, os dados que abastecem a maioria

512
Fenologia, Patometria e Quantificação de Danos

o
1(0
foram propostos, resultantes deste estudo, específicos para epide-
mias de longa e curta durações. Um deles, para epidemias de
~
o
e.
1.4 D longa duração, no qual o sétimo período da estação foi desconsi-
o
.... derado, é apresentado a seguir:
e. 1.2
!/) % dano= 1,87 x 1 + 0,45 x 2 + 1,14 .:c3 + 0,63 x, + 0,19 x-1 +
(O
·2 1.0 0,18x6 +o,34.:c8 + 0,83x9 (39.4)
~
~ 0.8 onde x. é o incremento da doença entre períodos semanais.
Q)
'O 0.6 Exemplo do segundo caso é o trabalho de Burleigh et ai. ( 1972),
com trigo-Puccinia recondita f. sp. trifiei: três estádios de desen-
-
l1l
•.?:
l 1l 0.4 volvimento foram escolhidos (10. 1LI e 11.2 - escala de Feekes)
~ para a avaliação da severidade da doença. A equação
o
>(ti
0.2
o- % dano = 5,3788 + 5,5260x1 -0,3308 x.1 + 0,50T9 x 7 (39.5)
"B O.O
onde x1 é a severidade da ferrugem por perfilho no estádio 10,
ct O.O 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
xP a severidade da ferrugem na folha bandeira no estádio 11. l e
Severidade de huanglongbing (proporção)
x 1, a severidade da ferrugem na folha bandeira no estádio 11.2,
explicou 79% da variação do dano.
Figura 39.15 - Relação entre severidade de huanglongbing (proporção
da área da copa com sintomas), causada por Ca. Libe- Modelo integral - modelos integrais relacionam danos com
ribacter asiaticus. e produçilo de laranjeiras Humlin e alguma variável que represente a totalidade de uma epiJemia
Westin (proporção em relação à produção média de
como, por exemplo, a área abaixo do curva de progresso da
árvores sadias) cultivadas na região central do Esta<lo
doença. Um exemplo do uso deste tipo de modelo é o trabalho
de São Paulo.
de Schneider et ai. ( 1976), com Vigna unguiculata e Cerr:ospora
Fonte: Modificada de Bassanczi ct al. (2010).
spp. Chegou-se à equação:

% dano= 0,43 x + 14,95 (39.6)


dos modelos são parâmetros referentes à doenc~a (como nível
de injúria, por exemplo) e os dados fornecidos pelo modelo são onde x é a á rea abaixo da curva de progresso da doença.
produção ou dano. Os modelos descritos na litcrntur:i são, geral- Modelo de superficie de resposta - este tipo de modelo,
mente, empíricos, derivados de dados obtidos em experimentos ao contrário dos anteriores, estima o dano a partir de dois dife-
de campo. ·
rentes tipos de dados, segundo o equação geral:
Há muitos tipos de modelo para relacionar injúria com dano
ou produção (Teng & Johnson, 1988): modelos de ponto crítico. % dano = f(x, t) (39.7)
de múltiplos pontos, integrais, de superfície resposta e sinecoló- onde x usualmente é o severidade do doença e t, o estádio de
gicos. A seguir, uma breve caracterização de cada um deles. desenvolvimento do hospedeiro. Os mesmos tipos de ensaio
Modelo de ponto crítico - para muitas doenças, é possível descritos anteriormente são utilizados para a obtenção de dados
identificar um determinado estádio de desenvolvimento do visando a construção de modelos de superticie de resposta.
hospedeiro no qual a intensidade de doença presente está alta- No entanto, modelos construídos empiricamente ou através de
mente correlacionada com o dano futuro. Neste tipo de modelo, regressão linear, geralmente não apresentam relação causal entre as
ponanto, urna só variável independente reflete, com maior ou variáveis independente (severidade e estádio de desenvolvimento)
menor exatidão, toda a epidemia. Um exemplo de modelo deste e dependente (dano). Recentemente, Gonçalves et ai. (2012) utili-
tipo foi publicado por Leite et a!. (2006), para o sistema girassol- zaram um modelo de superficie de resposta que relaciona produção
Alternaria helianthi, relacionando injúria com produção: de laranjas à intensidade de clorose variegada dos citros (CVC),
cuasada por Xylella fastidiosa, e ao volume da copa da árvore
Produção (kg ha-1) = -2600*exp(-0,279x) (39.3)
(Figura 39.16). Nesse caso particular há relação causal evidente
onde x é a severidade da doença no estádio de dc!senvolvimento entre as variáveis independentes e a dependente.
R3 do girassol, que corresponde à segunda fase de elongação da Modelo sinecológico - a maioria dos modelos tem sido
florescência. desenvolvida consideram.lo uma só doença. Na prática, porém,
Modelo de múltiplos pontos - este tipo ele modelo rela- isto raramente acontece, uma vez que a regra é a ocorrência
ciona dano com variáveis derivadas de avaliações sucessivas do concomitante, sobre as culturas, de diferentes organismos
progresso da doença durante o ciclo de crescimento do hospe- nocivos. Kra.01 & Jõrg ( 1989) introduziram o termo sinecológico
deiro. Estas variáveis podem ser tanto os incrementos de doença para descrever uma abordagem de pesquisa que permite a cons-
entre períodos consecutivos ou a severidade da doença em está• trução de modelos para múltiplos fatores limitantes da produção,
dios de desenvolvimento determinados. Exemplo tio primeiro bióticos ou abióticos. A abordagem, em essência, pouco difere
caso é o trabalho de James et ai. ( 1972), com batat.a-Phytophthora daquelas já tlisc utitlas. a não ser no número desejável de dados,
infesrans: a estação de cultivo da batata foi divididla em nove perí- muito mais elevado. em vista da necessidade de obter diversos
odos, o primeiro até o dia 5 de agosto e os subsequentes, com níveis de intensidade de ataque para cada um dos diferentes orga-
duração de 7 dias cada um, até 30 de setembro. Vários modelos nismos nocivos considerados.

513
Manual de Fitopatologia

assim, com o índice de área foliar e com a insolação através da


A equação

w::::: Jeftdt + w0
,,
= Jel(I-exp(-kIAF(t)))dt + w 0 (39.10)
,~to

Caso a eficiência de conversão e (g MJ- 1) seja constante


durante o período de integração e w0 desprezível, pode-se escrever

w=e Jlfdt (39.11)

Os conceitos fisiológicos desenvolvidos por Watson ( 1947)


e refinados por outros autores (Monteith & Elston, 1983; Charlcs-
-Edwards, 1982), podem agora se juntar aos efeitos da doença
sobre a folhagem das plantas hospedeiras. Para relacionar a curva
de progresso da doença e o crescimento da planta é suficiente
subtrair a área foliar <loenle da duração da área foliar (LAD).
Isto se faz através da integração da área foliar sadia e operacional
durante o período de crescimento do hospedeiro[(] -x)JAF]. Esta
Figura 39.16 - Relação entre incidência de clorose variegada dos integração resulta no que Waggoner & Berger (1987) chamam
citros - CVC (porcentagem de ramos sintomáti- de duração da área foliar sadia (HAD) (dias) e é calculada por
cos), volume de copa (m3) e produçíio (kg de fru-
tos assintomáticos/planta). descrita pela equação no-1

[Y=(a+bl. V)*(l-b2.Dl), onde Y é a ]Produção, V é HAD= L[UF,(l-x,)+UF,.,.1(1-x,, 1)]/2(t;. 1 -r,) (39.12)


1~1
o volume de copa e DI é a incidência de CVC] em
laranjeiras 'Natal' irrigadas. A inclusão da absorção da radiação fotossinteticamente
Fonte: Modificada de Gonçalves et ai. (2012). ativa na equação 39.12 produz a absorção da área foliar sadia
(HAA) (MJ m·2)
39.3.3. Quantificação de Danos a Partir da ·Área
_,
HAA = L/[(l-.:r,Xl-eir.p(-.tL4F,))+(1-.:r,.1)(1- exp(-WF,.,))]/ 2(11. , -1,)
Foliar Sadia Remanescente na C111lturã ,..
De acordo com Waggoner & Berger (1987), produção, (39.13)
ou matéria seca, de uma planta é função, em grande parte, da Pode-se também introduzir a fração de área foliar sadia
fotossíntese que ocorre nas folhas. Não é surpreendente, assim, (1 - .r) para calcular a produção de matéria seca w (g rn-1) de urna
que Watson (1947), há mais de meio século, tenha encontrado cultura através de
alta correlação entre produção e índice de área foliar. O mesmo ,,
Watson ( 1947) foi mais longe em sua análise a,o propor que
produção correlaciona-se ainda melhor com a duração da área w =e fJ(l- x(t))(l- exp(-klAF(t)))dt + w 0 (39.14)
foliar, definida como a integral em função do tempo do índice de l=to

área foliar, de acordo com a equação


A abordagem proposta por Waggoner & Berger ( 1987) para
...,_!
a quantificação de danos já mostrou resultados promissores em
LAD = -~)(IAF; + /AF;+1)/2)(1;..1 -t;) (39.8)
i=I
doenças do feijoeiro (Bergamin et ai., 1997, Figura 19.37}, do
girassol (Leite et ai., 2006) e da soja (Koga et ai., 2007; Tsuma-
onde LAD é a duração da área foliar (expressa em dias), IAF,, nurna et ai., 2010).
o índice de área foliar no tempo t. (sem dimensão) e t, o tempo. Uma dificuldade, porém, tem impedido a rápida prolite-
Pesquisas mais recentes pennitira:n o refinamento das hipóteses ração de trabalhos nesta linha. A determinação de HAD e HAA
de Watson (1947): a fotossíntese está mais diretamente relacio- é muito mais trabalhosa que a detenninação da intensidade de
nada com a absorção da radiação solar pelas folhas do que com doença (x), uma vez que esta é uma medida relativa, estimada
a área foliar ou mesmo com o índice de área foLiiar. (Monteith, geralmente com o auxílio de escalas diagramáticas e, aquelas,
1981 ). Geralmente, a lei de Beer é usada para expiressar a trans- medidas absolutas que, normalmente, exigem a detenninação
missão da insolação / (MJ m-2) através da folhagem. Assim, a real da área foliar. Na prática, no campo, a dificuldade é ainda
fração absorvida/é dada por maior. Esta dificuldade tem impedido, até aqui, o uso de HAD
e HAA em sistemas integrados de manejo de doenças (Lopes et
.f = (1- exp(-k/AF) (39.9)
ai., 1994). Adicionalmente, em algumas doenças foliares, a fotos-
onde k é o coeficiente de extinção (valor próximo da unidade para síntese não é homogênea no tecido verde aparentemente sadio.
plantas com folhas horizontais e ao redor de 0,3 para plantas com Áreas próximas a lesões, embora assintomáticas, podem apre-
folhas eretas). A produção de matéria seca w (g m-2) relaciona-se, sentar fotossíntese reduzida. Essas áreas receberam a alcunha de

514
Fenologia, Patometría e Quantificação de Danos

800 realizada com equipamentos como o analisador


A B de gás infra-vermelho (JRGA, do inglês lnfra-
600 Red Gas Analyser, Figura 39.19) e para a obtenção
o
,(ti do parâmetro f] é necessária a avaliação de
o,
:::i 400 grande número de amostras com diferentes n{veis
"O
o de severidade. Valores estimados de f:J maiores
'-
a.. 200 do que 1 indicam existência de lesão virtual
(Bastiaans, 1991 ). Em alguns sistemas, como na
antracnose do feijoeiro (Colletolrichum linde-
o muthianum) e na ferrugem da videira (Phakop-
o 40 80 120 160 o 200 400 600 800
sora euvitis) a lesão virtual pode alcançar áreas
HAD HAA muito maiores que a área da lesão (Figura 39.20).
Isso justifica a baixa produtividade de plantas nas
Figura 39.17 - Relações entre produção de feijoeiro 'Carioca' e as variáveis HAD
quais a severidade (visual) dos sintomas não é
e HAA, derivadas da área foliar sadfa em três plantios distintos
realizados em São Paulo e no Paraná no verão e no inverno. tão elevada (Bassanezi et ai., 2001; Nogueira Jr.
Fonte: Modificada de Bergamin Filho et ai. ( 1997). et ai., 201 7).

"lesão vinual" (Figura 39.18, Bastiaans, 1991) e irepresentam um


empecilho no uso da variável HAA, na qual todo o tecido verde
remanescente é considerado fotossinteticamente ativo. A relação
entre lesão virtual e visual pode ser determinada experimental-
mente pelo parâmetro Pdo modelo
y= l-(l-xY (39.15)

onde y corresponde à proporção da folha com lesão virtual


e x, à proporção da folha com lesão visual (_Figura 39.18).
A determinação dos valores de P é realizadf1 experimental-
mente, relacionando a severidade da doença com a razão P/P0 ,
na qual P, representa a taxa fotossi ntética líquida de folhas
doentes e P 0 , a taxa fotossintética líquida em folhas sadias.
A quantificação da taxa fotossi ntética líquidla de folhas é Figura 39.19 -Avaliação da taxa líquida de fotossíntese com anali-
sador de gás infr.1-vennelho (IRGA, do inglês Infra
Red Ga~ Analyser).

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(l)
e 04
"<i>
(/} 02
o
.....
o o.o
u.
00 0.2 O4 O6 0.8 1.0
Severidade (proporção)
Figura 39.20 - Relação entre a ta.xa liquida de fotossíntese relativa
e a severidade da antr<1cnose do feijoeiro (Colleto-
lrichum lindemuthiam,m) em folhas artificialmente
inoculadas da cv. Carioca. A função que descreve a
ralação é Fotossíntese relativa= (1-x)7•97•
Fonte: Adaptada de Bassanezi et ai. (2001 ).

39.3.4. Quantificação de Danos "Poliéticos" em


Figura 39.18 - Representação esquemãtica de uma lesão virtual,
Culturas Perenes
que corresponde à área•na qual a fotossíntese é nula.
mesmo na ausência de sintomas visíveis. À direita está Os modelos de quantificação de danos, descritos nos itens ante-
representada a lesão visual, que inclui1o halo clorótico, riores, referem-se ao dano ocasionado na produção em uma determi-
e à esquerda a lesão virtual. nada safra causado por doenças incidentes sobre a cultura naquela

515
Manual de Fitopatologia

mesma safra. No entanto, em culturas perenes, doenças que ocorrem Beoni, E.; Chrpová., J.; Jarosová, J.; Kundu, J.K. Survey ofbarley yellow
majoritariamente após a colheita não causam danos à produção dwarf virus incidence in winter cereal crops, and assessroent of
daquela safra, que já foi colhida, mas pode vir a fazê-lo nas safras wheat and barley resistaoce to the virus. Crop & Pasture Science
posteriores, principalmente se ocasionar redução no acúmulo de 67: 1054-1063, 2016.
carboidratos nas raízes das plantas. A ferrugem da videira (Phakop- Bergamin Filho, A.; Carneiro, S.M.T.P.G.; Godoy, C.V.; Amorim, L.;
sora euvitis), da mesma forma que a ferrugem do pessegueiro Berger, R.D.; Hau, B. Angular leaf spot on phaseolus beans: rela-
(Tranzschelia discolor), alcançam níveis epidêmicos nos meses tionships between disease, healthy leaf area and yield. Phytopa-
de verão, em plantações do sudeste brasileiro. De modo geral, tbology 87: 506-515, 1997.
quando a doença se instala na cultura, a colheita já foi realizada.
Bock, C.H.; Cook, A.Z.; Parker, P.E.; Gottwald, T.R. Automated image
As folhas que permanecem nas plantas nessa época contribuem
analysis of the severity of foliar citrus canker symptoms. Plant
para o acúmulo de carboidratos nas raízes, os quais serão utili-
Disease 93: 660-665, 2009.
zados na brotação da safra subsequente. Tanto P euvitis quanto
T discolor provocam desfolha em plantas com elevada seve- Bock, C.H.; Gottwald, T.R.; Parker, P.E.; Cook, A.Z.; Ferrandino, F.;
ridade. Além de reduzir o transporte de carboidratos às raízes, Pamell, S.; van den Bosch., F. Horsfall-Barratt scaling and replicated
a desfolha precoce pode induzir a planta a brotações extem- severity estimates of citrus cankcr. European Journal of Phmt
porâneas, que resultam em desvio de carboidratos para novas Pathology 125:23-38, 2009a.
folhas, as quais irão naturalmente cair no início do inverno. A Bock, C.li.; Gottwald, T.R.; Parker, P.E.; Ferrandino, F.; Welham, S.; van
magnitude dos danos provocados pela doença é elevada mesmo den Boscb, f.; Parnell, S. Some consequences of using the Horsfall-
em baixos níveis de severidade e de desfolha (Nogueira Jr. et Barratt scale for hypothesis testing. Phytopatbology 100: 1030-
ai., 2017). A redução de carboidratos nas raízes de videiras no 1041, 2010.
período de dormência já foi associada ao atraso nas brotações
Bock, C.H.; Parker, P.E.; Cook, A.Z.; Gocrwald, T.R. Visual assessment
e à redução em até 50% nas tlorcs e inflorescências formadas
and Lhe use of image analysis for assessing dilTerent symptoms
no ano subsequente. Mesmo se tratando de doenças po\icí-
of citrus canker on grapefiuit leaves. Plant Disease 92: 530-541,
clicas, o dano ocasionado pelas ferrugens da videira e do pesse-
2008a.
gueiro pode ser cumulativo, ou poliético, e reduzir a vida útil
das lavouras em condições favoráveis a epidemias. Danos poli- Bock. C.H.; Parkcr, P.E.; Cook, A.Z.; Gottwald, T.R. Charactcristics of
éticos, assim como doenças poliétícas, são de difícil quanti- the perception of dilferent severity measures of citrus caoker and
ficação experimental, pois requerem anos de avaliação. No the relations between the various symptom types. Plant Discase
entanto, sua estimativa pode ser realizada através de técnicas de 92:927-939, 2008b.
modelagem mecanística (ver Capítulo 42 desta obra). Bock, C.H.; Parker, P.E.; Cook, A.Z.; Rilcy, T.; Gotrwald. T.R. Compar-
ison of asscssment of citrus cankcr foliar symptoms hy cxpcricnccd
39.4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA and inexperienced visual raters. Plant Discasc 93: 412-424, 2009b.
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516
1
CAPÍTULO

40
ANÁLISE TEMPORAL DE EPIDEMIAS
Armando Bergamín Filho

ÍNDICE

40.1. Classificação epidemiológica de doença ............ 520 40.2.5. Modelo de Richards ................................. 524
40.1.1. Taxas de juros e capital ............................ 520 40.2.6. Modelo dependente do tempo ................ 524
40.1.2. Taxas de infecção e doença...................... 520 40.3. Exemplos e aplicações .......................................... 524
40.2. Modelos matemáticos e as curvas de progresso 40.3.1. Como escolher o melhor modelo? .......... 524
da doern;;a .............................................................. 522 40.3.2. A importância da escolha do melhor
40.2.1. Modelo exponencial ................................ 522 modelo ...................................................... 527
40.2.2. Modelo logístico .....................................~ 522 40.3.3. A importância da redução do inóculo
40.2.3. Modelo de Gompertz .............................. 523 inicial ........................................................ 528
40.2.4. Modelo monomolecular.......................... 523 40.4. Bibliografia consultada ........................................ 530

curva de progresso da doença, usualmente expressa Modelos matemáticos de crescimento são capazes de

A pela plotagem da proporção de doença versus


tempo, é a melhor representação de uma epidemia.
Por meio dela, por exemplo, interações entre patógeno, hospe-
resumir, na fonna de expressões matemáticas relativamente
simples, a relação existente entre doença e tempo. Estas expres-
sões facilitam a análise dos dados de progresso da doença, dados
deiro e ambiente podem ser caracterizadas, estratégias de controle, obtidos, por exemplo, em experimentos onde produtos químicos
avaliadas, níveis futuros de doença, previstos e simuladores, veri- ou variedades com diferentes níveis de resistência são testados. A
ficados. capacidade de permitir comparações já se constitui numa justifi-
cativa suficiente para o estudo das curvas de progresso de uoenças
A análise de epidemias por meio da curva de progresso da
e para o desenvolvimento de expressões matemáticas (modelos)
doença constitui-se apenas em um segmento de uma especiali-
que as descrevam. Além desse interesse prático, modelos mate-
dade mais ampla, conhecida dos ecologistas por análise da curva máticos de curvas de progresso da doença também podem contri-
de crescimento. Crescimento é definido como uma mudança de buir para um melhor entendimento do processo epidêmico.
magnitude de qualquer característica mensurável1 como peso,
Curvas de progresso da doença podem ser construídas
número, comprimento ou, neste contexto, proporção de doença. para qualquer patossistema: o hospedeiro, por exemplo, pode ser
A análise de curvas de crescimento tem uma história muito mais anual, perene ou semiperene, de origem tropical ou temperada; o
antiga que a auálise da curva de progresso da doença. Enquanto patógeno, por sua vez, pode ser um fungo, um vírus, uma bactéria
esta tem sua origem no trabalho pioneiro de Vanderplauk ( 1963 ), ou qualquer outro agente causal; a epidemia pode ser de curta,
aquela pode ser seguida desde o famoso trabalho de Malthus, média ou longa duração; a área na qual a doença está ocorrendo
no longínquo 1798, sobre o crescimento humano, passando por pode ser desde uma pequena parcela experimental até um conti-
Verhulst e o crescimento logístico, de 1838, até os biomatemá- nente inteiro. Independentemente da situação considerada, os
ticos modernos (ver, por exemplo, Newby, 1980). parâmetros impo11antes da curva de progresso da doença - como

519
Manual de Fitopatologia

a época de inicio da epidemia, a quantidade de inóculo inicial 3.0


(y0). a taxa de aumento da doença (r), a forma e a área sob a curva
de progresso da doença, as quantidades máxima (yma) e final ()J)
de doença e a duração da epidemia - podem ser caracterizados. --
ü
2.5

40.1. CLASSIFICAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DE m


_.. 2.0
DOE ÇA ·5.
l'l3
40.1. 1. Taxas de Juros e Capital ü 1.5
Vanderplank ( 1963), no clássico livro "Plant diseases:
epidemies and contro/ ", baseou toda sna teoria epidemiológica 1.0
na analogia entre crescimento de capital (dinheiro) e crescimento
de doença. Dois tipos de crescimento de capital foram conside- o 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
rados: a j uros simples e a juros compostos. Um exemplo será Anos
útil para recordar esses conceitos: capital guardado na gaveta do Figura 40.l -Aumento de capital (C) sob diferentes tipos de juros: juros
criado-mudo não cresce. Em termos matemáticos, o capital C, no simples descontínuos (linha pontilhada), juros compostos
tempo t será o mesmo qne o capital C0 no tempo t0 , descontínuos (linha cht!ia cm escada) e juros compostos
contínuos (linha cheia contínua). A taxa de juros para as três
e,= c0 (40.1) situações é 1/ 10 por unidade por ano e o capital inicial é 1.
lsto é equivalente a dizer que o capital tem uma taxa de
crescimento nula dC/dt=rC (40.7)
dC/dt =O (40.2) Usando logaritmo, a equação 40.6 pode ser escrita como
Se. porém, este mesmo capital for depositado num banco,
lnC"" rt + lnC0 (40.8)
a urna taxa de juros de 10% ao ano, e se os juros ganhos ao final
de cada ano forem guardados no já citado criado-mudo, o capital que é o mesmo que
total acumulado (banco + criado-mudo) crescerá a uma taxa
r=(l/t) ln(C/C0) (40.9)
constante. Esta situação caracteriza um crescimento descontinuo
a juros simples (Figura 40.1 - linha pontilhada). Após I anos, o A equação 40.8 toma cluro que a curva de crescimento de
capital inicial C0 modificou-se para capital é uma linha reta caso utilize-se urna escala logarítmica
( ordenada)-linear (abscissa).
(40.3)
40.1.2. Taxas de Infecção e Doença
onde ré a taxa de juros, no exemplo igual a O, 1 por ano. A corres-
pondente taxa média de crescimento é expressa por Neste item, taxas de juros tomam-se taxas de infecção e
capital toma-se doença. Como no item anterior, dois grupos são
dC/dt =r (40.4) conceituados: doenças de juros compostos (ou policíclicas) e
Considere agora uma situação diferente: os juros ganhos doenças de juros simples (ou monocíclicas) (Vanderplank,
anualmente, ao invés de serem guardados no criado-mudo, são 1963). No primeiro grupo, plantas infectadas durante o ciclo da
deixados no banco para serem adicionados ao capital inicial. cultura servirão de fonte de inóculo para novas infecções durante
Assim, os juros ganhos no ano anterior irão, eles mesmos, render o mesmo ciclo. É o caso típico da ferrugem do trigo, por exemplo,
cujo agente causal (Puccinia graminis f. sp. tririci), em condi-
juros nos anos subsequentes. A consequência disso, não é difícil
ções favoráveis, pode produzir urna geração a cada 1Odias. Esta
imaginar, é que os ganhos são crescentes a cada ano. Essa situ-
situação é análoga ao crescimento de capital a juros compostos,
ação caracteriza um crescimento também descontínuo, mas
onde os juros ganhos rendem novos juros; no caso de doenças de
agora, a juros compostos (Figura 40.1 - linha cheia em escada).
juros compostos, plantas doentes rendem novas plantas doentes
Após t anos, o capital inicial C0 modificou-se para
durante o ciclo da cultura. Para que isto ocorra, está implícita
C, =Cp + r)' (40.5) uma movimentação do patógeno a partir de plantas doentes em
direção a novos sítios de infecção. No segundo grupo, plantas
A unidade de tempo que tem sido empregada até aqui é o infectadas durante o ciclo da cultura não servirão de fonte de
ano, mas a equação 40.5 mantém sua validade ainda que meses, inóculo para novas infecções durante o mesmo ciclo. É o caso
dias ou qualquer outra unidade seja escolhida. O cálculo mostra típico da murcha do algodoeiro, por exemplo. cujo agente
que a equação 40.5 transforma-se em causal (Fusarium oxyspomm f. sp. vasinfect11m) coloniza prin-
e,= eº exp(rt) (40.6) cipalmente o interior do x.ilema das plantas infectadas. Esta situ-
ação é análoga ao crescimento de capital a juros simples, onde
caso a unidade de tempo seja infinitesimamente pequena. Nesta os juros ganhos não rendem novos juros; no caso de doenças de
equação, exp representa e (base dos logaritmos naturais, com juros simples, o aumento gradativo do número de plantas doentes
valor aproximado de 2,7182) elevado, a uma potência especí- durante o ciclo da cultura não é devido, primariamente, à movi-
fica. Esta situação caracteri1.a um crescimento contínuo a juros mentação do patógcno a partir de plantas doentes cm direção a
compostos (Figura 40.1 - linha continua). A correspondente taxa novos sítios de infecção e, sim, ao inóculo original, neste caso
média de crescimento é expressa por: clamidósporos, previamente existente no solo.

520
Análise Temporal de Epidemias

Uma vez conceituados os dois grupos epidemiológicos de efetivos. Como se vê, a equação 40. 12 é semelhante à 40.4, subs-
Vanderplank (1963), é tempo de voltar a atenção para o tema deste tituindo-se C (capital) por y (doença) e r (taxa de juros) pelo
capítulo: curvas de progresso da doença. Como seria a curva típica produto QR (inóculo pré-existente e taxa de infecção). Tanto r
de cada um deles? quanto QR são considerados constantes. A integraçãn de 40. l 2
Para o caso das doenças de juros compostos, conside- resulta em
rando q ue plantas doentes (ou lesões) dão origem a novas plantas (40.13)
doentes (ou novas lesões) no mesmo ciclo da cultura, a veloci-
dade de aumento da doença é proporcional à própria quantidade onde y0 é a quantidade de doença no tempo /0• A curva descrita
de doença em cada instante. Assim, se uma lesão der origem a pela equação 40.13 é uma linha reta (Figura 40.2A).
1O lesões, 1O lesões darão origem a 100, 100 a 1.000, 1.000 a Seriam os modelos exponencial (equação 40.11, Figura
10.000 e assim por diante. Essa cinética de crescimento é expressa 40.2A) e linear (equação 40.13, Figura 40.2A) espelhos fiéis da
matematicamente através da equação diferencial realidade? Simulariam eles com razoável precisão o crescimento
dy/dt = ,y (40.10) da dnença em condições naturais? As epidemias reais, para vários
patossistemas, mostram um acordo parcial entre esses modelos
onde dyldt é a velocidade de aumento da doença, y. a quantidade e a realidade: aparentemente. com quantidades pequenas de
de doença e r, a taxa de infecção. Como se vê. a equação 40.1 Oé doença, os modelos ficam próximos da realidade; à med ida que a
idêntica à 40.7. substiruindo-se C (capital) por y (doença). A inte- quantidade de doença aumenta, aumenta também o divórcio entre
gração de 40.1 Oleva a realidade e modelo. E. pensando bem. as coisas não poderiam ser
y = y 0 exp(rt) (40.1 1) diferentes: tanto o modelo exponencial quanto o linear pemlitem
à quantidade de doença crescer até o infinito. Nenhum processo
onde y0 é a quantidade de doença no tempo t0 • A curva descrita biológico comporta-se dessa maneira: leveduras ou bactérias
pela equação 40.11 tem a fonna típica de um J (Figura 40.2A) e é cultivadas em meio de culrura não crescem ao infinito, pois o
conhecida como curva exponencial. meio. entre nutras causas, esgota-se; a quantidade de doença, do
mesmo modo, não pode tender ao infinito, pois seu crescimento
é limitado. entre outras causas, pela disponibilidade de tecido
sadio. Um fator de correção nbviamente faz-se necessário, fator
este que reduza a velocidade de crescimento da doença propor-
cionalmente à diminuição da oferta de tecido sadio. A equação
40.10 (juros compostos), assim, pode ser alterada para
dyldt "' ry(l - y) (40.14)
onde ( 1 - y) representa a quantidade de tecido sadio (y, neste
o.o~- ..,.::,.....,......_,-,.......,,-,--! . -......-.-_ _,........,,........,_ _---1 contexto, é sempre expresso em proporção de doença). A inte-
O 10 20 30 40 500 10 20 30 40 50 gração de 40.14 produz
Tempo (dias) Tempo (dias)
ln(y/(l -y)) = ln(y/ (1 - yJ) + rt (40. 15)
l<'igura 40.2 - Crescimento exponencial (quadrado cheio) e linear (qua-
drado vazio} (A} da quantidade de doença (para o crescimento Em consequência. o valor da taxa r (chamada de taxa
exponencial, y 0 = 0,001 e r = 0,25: para o crescimento linear, aparente de infecção por Vanderplank, 1963) é calculado por
y 0 '"' 0,001 e QR = 0.002). Crescimento logístico (quadrado
cheio) e monomolecular (quadrado vazio) (B) da quantidade
r = (1/t)(ln(y/(I - y))- ln(y/ (1 -y0 ))) (40. 16)
de doença(para o crescimento logístico,y0 =0,00 1e r = 0,25; A curva descrita pela equação 40.15 tem a forma de S
para o crescimento monomolecular.y0 '"' 0.001 e QR = 0,02). (Figura 40.2B), é conhecida pelo nome de cnrva logísdca e
pode ser linearizada. plotando-se, na ordenada, ln(y/(1 -y)) ao
Para o caso das doenças de juros simples, considerando invés de y. O valor de Ln(v/(l - y)) é conhecido pelo nome de
q ue plantas doentes (ou lesões) não dão origem a novas plantas logito de y. É digno de nota que este modelo, o modelo logístico,
doentes (on novas lesões) no mesmo ciclo da cultura, a veloci- confunde-se com o modelo exponencial para baixas quantidades
dade de aumento da doença não tem qualquer relação com a quan- de doença (5% ou 0,05 de proporção de doença). As diferenças
tidade de doença em cada instante. Como já discutido, o aumento são crescentes à medida que y aproxima-se de 1 (Figura 40.3A).
g radati vo do número de plantas doentes durante o ciclo da cultura Pelo mesmo raciocínio, a equação 40.12 (juros simples) pode ser
é função do in6culo original previamente existente. A quantidade alterada para
de inóculo existente é, na maioria dos casos, desconhecida, mas
dy!dt = QR (1 -y) (40.17)
por conveniência, considerada constante durante cada período de
vegetação. A fração de plantas que se toma doente (y) depende onde (1 - y) represeota a quantidade de tecido sadio. A integração
da frequência de contatos efetivos entre hospedeiro e pató- de 40.17 produz
geno (inóculo original). Contato efetivo é definido como aquele
ln(l/(1 - y)) = ln(l/(1 - yJ) + QRJ (40. 18)
contato que leva à doença. Assim,
O produto QR (quantidade de inóculo inicial e taxa de
dyldt = QR (40.12)
infecção) é calculado por
sendo Q a quantidade de inóculo previamente existente e R, a
taxa de infecção. O produto QR representa o número de contatos QR = (1/t)(ln( 1/( 1 -y)) - ln(l/(1-yJ)) (40. 19)

521
Manual de Fitopatologia

A curva descrita pela equação 40.18 (Figura 40.2B) é 40.2.l. Modelo Exponencial
conhecida pelo nome de curva monomolecular (inicialmente O modelo exponencial é um dos primeiros e mais simples
usada para descrever reações químicas monomoleculares de modelos empregados para o estudo de aumento de populações.
primeira ordem) e pode ser linearizada plotando-se na ordenada
Como já visto, pode ser escrito como
ln(l/(1 - y)) ao invés de y. O valor ln(l/(1 - y)) é conhecido
pelo nome de monito de y. A exemplo dos modelos exponen- (40.20)
cial e logístico, aqui também, para baixos valores de y (até 5%
onde rE é a taxa de aumento específica para o modelo exponen-
ou 0,05), os modelos linear e monomolecular se confundem. As
cial. Se, por exemplo, dyldt representar novas lesões por dia, rE
diferenças, porém, acentuam-se à medida que y aproxima-se de 1
terá o significado de novas lesões por lesão por dia. Neste item,
(Figura 40.38).
para maior precisão e clareza, um subscrito identificará a taxa de
crescimento (no caso E, de exponencial) e o respectivo modelo
A considerado.
"'g" 0.8 A interpretação biológica da equação 40.20 indi~a que a
[IJ velocidade de aumento da doença, dy/dt, também chamada de taxa
~ 0.6 absoluta de aumento da doença, é proporcional à própria quanti-
"O
o dade de doença. Isto é o mesmo que dizer que níveis maiores
·~ 0.4 de doença levarão sempre a incrementes maiores de doença, fato
o
e.
e 0.2 claramente visível no gráfico de dyldt e tempo (Figura 40.4A).
e. Taxas absolutas de aumento da doença são muito úteis para se ter
o.o......-...,::;._~~~~~...--< +-~.-~.-~.-~--,-~-1 uma idéia de como cresce a população. Na prática, entretanto, o
o 10 20 30 40 500 10 20 30 40 50 que se observa é o nível de doença (y) em diferentes tempos (f).
Tempo (dias) Tempo (dias)
t\ equação que descreve a variação de y cm função de I é obtida
Figura 40.3 - Diferenças entre os modelos exponencial (quadrado cheio) pela integração de 40.20 (Figura 40.48)
e logístico (quadrado vazio) (A) e linear (quadrado cheio) y= Yu exp(ri t) (40.21)
e monomolecular (quadrado vazio) (B). Em (A), y 0 =
0,001 e 1· - 0,25; em (B), y0 = 0,001 e QR = 0,02. O modelo exponencial, apesar de demasiado simplista,
pode ser empregado para as fases iniciais da epidemia, enquanto
40.2. MODELOS MATEMÁTlCOS E AS CURVAS DE a quantidade de doença não exceder 5%. Experimentalmente, o
PROGRESSO DA DOENÇA valor de rE pode ser determinado conhecendo-se dois valores de
quantidade de doença em tempos diferentes (y e y 0) através da
Tem sido prática usual entre fitopatologistas, desde 1963, o lõrmula
emprego do modelo logístico para analisar o comportamento' de
rF. == (1/t) ln(y/y0) (40.22)
doenças cujos patógenos movimentam-se entre plantas (ou lesões)
e do modelo monomolecular para analisar o comportamento de ou, quando vários valores de y forem conhecidos, por meio da
doenças cujos patógenos não se movimentam entre plantas (ou regressão linear entre ln(y) e tempo.
lesões), em ambos os casos levando em conta apenas um mesmo
ciclo de cultivo do hospedeiro. Também tem sido prática usual 40.2.2. Modelo Logístico
a classificação de detenninadas doenças como sendo de juros
simples ou compostos dependendo de qual modelo, monomo- O modelo logístico, originalmente proposto por Verhulst
lecular ou logístico, ajusta-se melhor aos dados experimentais. (1838), tem sido o modelo mais empregado para descrever o
Ambos os procedimentos são incorretos e a literatura tem aler- progresso de epidemias desde que Vanderplank ( 1963) redesco-
tado para este fato (Pfender, 1982; Campbell & Madden, 1990). A briu-o em seu clássico livro. A equação diferencial do modelo
inclusão de detenninada doença no grupo de juros simples ou de logístico pode ser escrita como
juros compostos é função de características biológicas e não mate- (40.23)
mático-estatísticas; por outro lado, o uso de detenninado modelo
matemático para a análise de curvas de progresso da doença, ao onde rL é a taxa de aumento específica para o modelo logístico
contrário, é função de um ajuste apropriado entre o modelo e os e 1, a quantidade máxima de doença. O fator de correção (1 - y)
dados e não de considerações biológicas. Nuoca é demais lembrar representa a quantidade de tecido sadio. Vanderplank (l 963)
que modelos teóricos são baseados em premissas que nem sempre chamou a taxa r L de taxa aparente de infecção uma vez que. nas
ocorrem na natureza. Um bom exemplo é a taxa de infecção cons- avaliações de doença no campo, o que realmente se determina é o
tante usada na construção das curvas da Figura 40.2B: taxas cons- tecido com aparência doente, ou seja, aquele tecido infectado que
tantes, num ambiente natural, constituem-se mais na exceção que já passou pelo período de incubação. A taxa ri tem o significado
na regra. de, caso dy/dt represente novas lesões por dia, novas lesões por
Além disso, os modelos monomolecular e logístico, junta- lesão por dia.
mente com seus antecessores mais simples, os modelos linear A interpretação biológica da equação 40.23 indica que a
e exponencial, não são os únicos que se adaptam ao progresso velocidade de aumento da doença, dyldt, é proporcional à própria
da doença em função do tempo. Outtos há que, em determi- quantidade de doença y e à quantidade de tecido sadio dispo-
nadas situações, aproximam-se mais dos dados experimentais nível (1 - y). Para quantidades pequenas de doença (abaixo de
possibilitando, assim, conclusões, inferências e previsões mais 5%), o modelo logístico confunde-se com o modelo exponencial
acuradas. (Figura 40.3A). Quando dyldt é plotado contra o tempo, incre-

522
Análise Temporal de Epidemias

O 10 10 40.2.3. Modelo de Gompertz


A B
0.08 08 Apesar do modelo de Gompertz ter sido introduzido na
epidemiologia vegetal algum tempo depois do modelo logístico,
O 06 0.6
sua origem é mais antiga (Gompertz, 1825). Hoje em dia, no
0,(1.1 04 domínio das doenças de plantas, ambos os modelos são bastante
empregados (Berger, 1981; Waggoner, 1986; Campbell & Madden,
O 02 02
1990). A equação diferencial para o modelo de Gompertz pode ser
O 00 o.o escrita como
o 10 20 30 40 50 o 10 20 30 40 50
dyldt = rGy(ln(1 )-(ln(y)) (40.25)
0.07 g 1O que é o mesmo que
(ll D
0.06
g" 08 dyldt = rc;y(- ln(y)) (40.26)
0.05 Q)
o
"O 06
~ O04 Q) onde rG é a taxa específica para este modelo. A plotagem de dyldt
"x "O
contra o tempo, a exemplo do que acontece com o modelo logís-
"O O03

·~
o 0.4
O02 tico, mostra incrementos crescentes até que o ponto de inflexão
0,01
O
e.
0.2 seja atingido, seguindo-se incrementas decrescentes que tendem
o a zero. O ponto de inflexão, diferentemente do modelo logístico,
a': 00
ocorre no ponto y = 0,37 (1 /e), fazendo com que a curva de dyldt
10 20 30 40 50 60 70 80 o 10 20 30 40 50 60 70 80
seja assimétrica, inclinada para a esquerda (Figura 40.4E).
0.10 10 A integração de 40.25 ou 40.26 produz

0.08 0.8 (40.27)


O06 0,6 A plotagem de y contra o tempo origina uma curva também
em fonna de S que difere, porém, do S logístico por apresentar
0.04 0.4
um crescimento mais acentuado em seu início (Figura 40.4F). A
O02 0.2 equação 40.27 pode ser linearizada, transfonnando-se em

00 (40.28)
10 20 30 40 o 10 20 30 40
Tempo (dias) Tem~o (dias) A taxa rG pode ser determinada, quando se dispõe das esti-
mativas de y e y 0, por
Figura 40.4 - Modelo exponencial: (A) taxa absoluta dyldt versus tempo
com r = 0,25 e r = 0, 15; y0 = 0,001; (Il) intensidade de (40.29)
doençay versus tempo com r = 0,25 e r = 0,15;y0 = 0,001.
Modelo logístico: (C) taxa absoluta dyldt versus tempo Quando várias estimativas de y para diferentes tempos forem
com r = 0,25 e r = 0, 15; y0 = 0,001; (D) intensidade de conhecidas a taxa de infecção r0 pode ser calculada por meio de
doençay versus tempo com r = 0,25 e r = 0,l5;y0 = 0,001. regressão linear, utilizando-se o gompito de y (- ln(- ln(y))) contra
Modelo de Gompenz: (E) taxa absoluta dyldt versus tem- o tempo.
po com r = 0,25 e r = 0,15;y0 = 0,001; (F) intensidade de
doençay versus tempo com r= 0,25 er= 0,15;y0 = 0,001. 40.2.4. Modelo Monomolecular
Maiores valores de r, quadrado cheio, menores valores de
r, quadrado vazio. Os três modelos que foram examinados neste item até o
momento ( exponencial, logístico e Gompertz) têm em comum
que, neles, a velocidade de aumento da doença (dyldt) é propor-
mentos crescentes ocorrem no início, com uma taxa absoluta cional à própria quantidade de doença (y). Este, porém, não é o
máxima ou ponto de inflexão quando y = 50% (0,5), seguidos por caso do modelo monomolecular. Aqui, a velocidade de aumento
incrementos decrescentes que tendem a zero. Como se pode ver da doença é proporcional ao inóculo inicial e a uma taxa, que
na Figura 40.4C, a curva é simétrica em tomo de seu ponto de em 40.1.2 foram chamados de Q e R, respectivamente, ambos
inflexão. A integração de 40.23 produz supostos constantes. A equação 40.17, já discutida, pode ser
reescrita, apenas para fins de uniformização, como
(40.24)
(40.30)
A plotagern de y contra o tempo origina uma curva em onde rM é a taxa de aumento específica para o modelo mono-
forma de S, conhecida como curva logística, simétrica em tomo molecular (rM = QR) e (1 - y), como sempre, representa tecido
de y = 0,5 (Figura 40.4D). A equação 40.24 pode ser linearizada
sadio. A plotagem de dyldt contra o tempo mostra que os
(ver equação 40.15) e r L pode ser avaliado (ver equação 40.16).
incrementos são sempre decrescentes, e aproximam-se de zero à
Quando várias estimativas de y para diferentes tempos forem
medida que se esgota o tecido sadio (Figura 40.5A). A integração
conhecidas, a taxa aparente de infecção r L pode ser calculada por
de 40.30 leva a
meio de regressão linear, utilizando-se o logito de y {ln(y/( 1- y)))
contra o tempo. (40.31)

523
Manual de Fitopatologia

que, plotado conn·a o tempo, produz uma curva côncava em 0.25 10

relação à abscissa, aproximando-se assintoticamente da quantidade A


020 0.8
máxima de doença (Figura 40.5B). A equação 40.31 pode ser
linearizada fazendo-se O15 06

ln(\/(1 -y)) '= ln(l /(1 -yJ) + r 1, / (40.32) O10 04

e r,,1 pode ser avaliado, desde que y e y 0 sejam conhecidos, o.os 02


através de 00
10 15 20 25 o 10 15 20 25
r.14 = (l/t)(ln( l/(l -y))- ln(l/l -y0)) (40.33)

Quando várias estimativas de y para diferentes tempos O 10 g 10


(ti
forem conhecidas, rM pode ser calculado por meio de regressão 0.08 o 08
e
linear, utilizando-s,e o monito de y (ln(l/(1 - y))) contra o tempo. (1)
o
"O
0.06 0.6
40.2.5. Mod1elo de Richards ~
"O
Q)
"O
O04 o 0.4
•<ti
O modelo de: Richards (Richards, 1959) difere dos demais
0.02
...o
u,
0.2
aqni discutidos por ser o único flexível, ou seja, o único que pode o..
o
tomar várias forma.s. Sua equação diferencial é ~
10 20 30 40 50 10 20 30 40 50
(40.34)
O06 1.0
onde rR é a taxa de aumento em, o parâmetro de forma (m tem
E F
uma gama de valores de O a infinito). Quando m = O, a equação O05
o.e
40.34 reduz-se à diferencial do modelo monomolecular ( equação 0.04
40.30); quando m = 2, à do modelo logístico (equação 40.23); 06
O03
quando m tende a l, à do modelo de Gompertz ( equação 40.25 ou 04
40.26); com outros, valores de m, um número ilimitado de curvas O02

dyldt versus tempo, pode ser gerado (Figura 40.SC). A integração O01
0.2
de 40.34 produz
O00 00
o 5 10 15 20 25 30 35 o 5 10 15 20 25 30 35
(40.35)
.. Tempo (dias) Tempo {dias)

Aqui também, param = O a equação 40.35 transforma-se na


Figura 40.S - Modelo rnonomolecular: (A) taxa abso1utadyldtversus tem-
função monomolecular (equação 40.31 ); param = 2, na logística po com r = 0,25 (quadrado cheio) e r "'- 0,15 (quadrado va-
(40.24); param tendendo a 1, na de Gompertz (40.27) (Figura zio); y0 = 0,001 ; (B) intensidade de doença y versus tempo
40.5D). É importante notar qne valores de rR não podem ser com r = 0,25 (quadrado cheio) e r = 0, 15 (quadrado vazio);
comparados diretamente caso tenham sido estimados com dife- y 0 =0,001. Modelo de Richards: (C) taxa absoluta dy/dt ver-
rentes valores de m. sus tempo com r = 0,25 em = O{círculo), m = 2 (quadrado
cheio) em tendendo a 1 (quadrado vazio);y0 = 0,001; (D)
40.2.6. Mocllelo Dependente do Tempo intensidade de doença y versus tempo com r = 0,25 em = O
(círculo), m = 2 (quadrado cheio) em tendendo a I quadra-
Tanto no 1111odelo monomolecular quanto nos modelos do vazio). Modelo dependente do tempo: (E) taxa absoluta
logístico e de Go,mpertz, a decrescente quantidade de tecido dy/dt versus tempo com r = 0,39 (quadrado cheio) e r =
sadio é um dos fatores que limita o crescimento de uma epidemia. 0,35 (quadrado vazio);y0 = 0,001; T= 35; (F) intensidade
No entanto, como discutido por Kiyosawa (1972), a curva de de doença y versus tempo com r = 0,39 (quadrado cheio) e
progresso da maioria das epidemias mostra uma assíntota mesmo r = 0,35 (quadrado vazio);y0 = 0,001; T= 35.
com grande disponibilidade de tecido sadio. Este fato levou
aquele autor a propor a equação diferencial O gráfico de y versus tempo também produz uma curva em
dyldt = r rCl - t/7) (40.36) forma de S (Figura 40.SF), curva que pode se adaptar àquelas
doenças que têm seu crescimento limitado mais pela diminuição
como um novo modelo epidemiológico, onde rr é a taxa de da suscetibilidade do hospedeiro ou pela desfavorabilidade do
aumento específica para este modelo e T, o valor máximo de t clima do que pela falta de tecido sadio disponível.
(tempo), no qual r r =O.A estimativa de T como o valor máximo
a ser considerado é muito importante, pois após este período, os 40.3. EXEMPLOS E APLICAÇÕES
incrementas tornam-se negativos e y decresce. A plotagem de 40.3.1. Como Escolher o Melhor Modelo?
dyldt contra o tempo produz uma curva assimétrica, com ponto de
A estatística dispõe de diversos critérios para escolher
inflexão deslocado, para a direita (Figw-a 40.5E), ao contrário do
o modelo que melhor se ajuste a um detenninauo conjunto de
que acontece com o modelo de Gompertz (figura 40.4E). A inte-
dados. No entanto, o coeficiente de detenninação (R2), obtido da
gral de 40.36 tem a forma regressão linear entre os valores transformados de. proporção de
y = y 0 exp(rr1(1 - tl2T)) (40.3 7) doença (variável dependente) e o tempo (variável independente),

524
Análise Temporal de Epidemias

apesar de largamente empregado na literatura, não pode servir Experimentos reais servirão de exemplo. A Tabela 40.1 e a
como critério (Jeger, 1986). Em compensação, o coeficiente de Figura 40.6 apresentam o progresso de três diferentes epidemias:
determinação (R* 2), obtido da regressão linear entre os valores Cerr:ospora apii em aipo (Berger, 1973), Sporisorium scitamineum
previstos (variável dependente) e observados (variável inde- (Ustilago scitaminea) em cana-de-açúcar (Amorim & Bergamin
pendente), ambos sem transformação, é uma boa escolha. Além Filho, 1991) e Phytophthora infestans em batata (Campbell &
desse critério, a forma da curva da derivada (dy/dt), as estima- Madden, 1990). Qual seria o modelo mais apropriado para cada
tivas do desvio padrão dos parâmetros r* e y 0 e, mais importante, caso? Didaticamente, vamos nos ater aos modelos exponencial,
a plotagem do resíduo padrão (y observado menos y previsto) em logístico, de Gompertz e monomolecular. Antes da estatística, uma
função da variável independente são procedimentos estatistica- atenta observação visual dos dados constitui-se numa prática útil.
mente aconselháveis (Campbell & Madden, 1990). As duas primeiras curvas (Figura 40.6A e 40.6B) mostram clara-

Tabela 40.1 - Progresso de três epidemias, medido em severidade(%): Cercospora apii em aipo, Sporisorium scitamineum em cana-çle-açúcar
e Phytophthora infestans em batateira.

C. upii s. ,citu111i11e11111 P. itife.\ft/11\

0.1 22 3.9 11 O.O


2 o.o
3 O.O
7 0.7 28 20.0
4 O.O
14 1.0 34 43.7 14 l 0.7
2 1.7
29 4.2 49 66.2 3 1.0
4 1.4
35 7.4 63 82.4 18 8.5
2 4.2
42 10.1 78 ,. 91.3 3 4.2
4 5.8
49 19.6 91 94.4 21 11.3
2 9.5
56 28.1 105 96.0 3 11.5
4 22.5
62 38.2 119 97.1 24 l 26.8
2 31.8
70 50.1 133 98.0 3 29.3
4 36.3
76 67.6 147 98.5 29 42.0
2 48.0
83 80.9 163 99.0 3 45.3
4 56.5
91 84.4 32 1 65.3
2 70.5
98 93.0 3 65.0
4 65.3
105 97.1 37 1 75.5
2 79.5
119 99.2 3 83.0
4 78.0
133 99.9

Fonte: Dados de Berger (1973), Amorim & Bergamin Filho (1991) e Campbell & Madden (1990), respectivamente.

525
Manual de Fitopatologia

1.0
e
~ •
e 0.8
Q)
o
"O
Q) 0.6
'O
o
t(Q
o 0.4
L.. •
o
a.
o
L..
0.2
a.
O.O
o 40 80 120 o 40 80 120 160 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (dias) Tempo (dias) Tempo (dias)

Figura 40.6- Curvas de progresso da doença para II"ês patossistemas: Cerr:ospora apii-aípo (A), Sporisorium scitamineum-cana-de-açúcar (H) e
Phytophlhora infe~·,ans-batateira (C).
Fonte: A- Berger (1973), B -Amorim & Bergamin Filho {1991), C - Campbell & Madden (1990).

mente uma assíntota, assfutota esta menos evidente mas mesmo Neste ponto da análise, portanto, tudo indica que a progressão
assim perceptível na terceira curva (Figura 40.6C). A presença de C. apii ajusta-se melhor ao modelo logístico, a progressão de
de assíntota é incompativel com o modelo exponencial (Figura S. scitamineum, ao monomolecular e pouco se pode dizer quanto a
40.4B). A primeira e última curvas em nada se parecem com a curva P. infestans. É chegada a hora de pedir auxílio à estatística (Boxe
típica do modelo monomolecular (Figura 40.58): no entanto, dizer 40.l). A Tabela 40.2 contém um resumo da análise de regressão
que uma ou outra está mais próxima do modelo logístico (Figura linear a que foram submetidos os dados dos três patossistemas
40.4D) que do modelo de Gompertz (Figura 40.4F), ou vice-versa, considerados.. Não se deve esquecer que o coeficiente de determi-
seria temerário a esta altura. A segunda curva, ao contrário, forte-
nação (R't) nã.o permite comparação direta entre diferentes modelos
mente se parece com a curva monomolecular (Figura 40.5B).
(Boxe 40.1 ). Esta tarefa é desempenhada, porém, pelo coeficiente
Que infonnação nos traz a plotagem de dyldt conJra o
de determinação obtido da regressão entre valores observados não
tempo (Figura 40. 7)? Como previsto, para S. scitamineum a curva
transformados e previstos não transfonnados de y (R• 2). A compa-
da derivada tem a mesma fonna da derivada do modelo mono-
molecular (Figura 40.5A); para C. apii a semelhança recai sobre ração dos diferentes valores de R•1 confirma serem os modelos
a curva da derivada do modelo logístico (Figura 40.4C), com o logístico e monomolecularos mais adequados para os patossistemas
ponto de inflexão quando y = 0,5 (veja quando ocorre o ponto de C. apii-aipo e S. scitamineum-cana, respectivamente, e aponta
inflexão em 40. 7A e determine graficamente quanto de doença uma ligeira vantagem do modelo de Gompertz sobre o logístico
existe nesse dia em 40.6A); para P. infestans, os dados experi- para o patossistema P. infes1ans-batata. Os valores do desvio
mentais, por serem em pequeno número e muito variáveis, não padrão do inóculo inicial (yJ e da taxa de infecção (r*) para cada
permitem, ainda, uma conclusão. modelo tamlbém confirmam as três indicações (Tabela 40.2).

0.030 0.07 0.07


A 0.06 B 0.06 e
0 .025
o.os 0.05

-
~
0.020

0.01 5
0.04

0.03
0.04
0.03
"O
0.0 10
0.02 0.02
0.005 0.01 0.01

0.000 0.00 0.00


o 30 80 90 120 o 30 60 120 150 180
90 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (dí.as) Tempo (dias) Tempo (dias)

FiKurs 40.7 - Estimativa de d)'ldt versus tempo para os patossistemas: Cerr:ospora api.i-aipo (A}, Sporisorium scitamine11m-cana-de-açúcar (B) e
Phytophthora infesrons-batateira (C).
Fonte: A- Berger (1973), 8 -Amorim & Bcrgamin Filho (1991), C - Campbell & Maddcn (1990).

526
Análise Temporal de Epidemias

A plotagem do resíduo padrão (y observado menos y


Boxe 40.1 Regressões não-lineares no ajuste de
previsto, ambos transformados) em função da variável indepen-
curvas de progresso da doença
dente (tempo) é o próximo critério a ser examinado, critério este
considerado por Campbell & Madden (1990) como sendo o de
Pacotes estatísticos atuais permitem que os maior sensibilidade para a seleção de modelos. Os valores dos
modelos de crescimento apresentados anteriormente resíduos, caso o modelo se ajuste bem aos dados, devem estar
sejam ajustados aos dados de progresso de doença por distribuídos ao acaso ao redor do eixo zero, não mostrando qual•
meio de regressões não lineares. Diferentes técnicas de quer tipo de tendência. A Figura 40.8 mostra a plotagem dos resí•
iterações (cálculos para solução de equações mediante duos para os três patossistemas. O melhor ajuste proporcionado
uma sequência de operações em que o objeto de cada pelo modelo logístico para C. apii-aipo. pelo modelo monomole•
uma é o resultado da que a precede) são realizadas até cular para S. scitamineum-cana e pelo modelo de Gompertz para
que o coeficiente de determinação atinja seu maior P i,ifestans-batata é evidente.
valor. Os parâmetros da equação são assim escolhidos. Finalmente, apenas a título de ilustração, são apresentados
Essa metodologia não fornece resultados estanques, graficamente, para cada modelo, a curva prevista e os níveis de
pois é comum que u.m mesmo valor de coeficiente de doença observados (Figura 40.9) e a curva prevista transformada
determinação seja obtido com parâmetros diferentes; e os níveis de doença observados transformados (Figura 40.1 O),
numa espécie de compensação em que um parâmetro considerando os três patossistemas estudados.
maior pode ser compensado por outro menor. Para
que os parâmetros finais tenham significado biológico, 40.3.2. A importância da escolha do melhor modelo
é importante que, no início do processo, sejam forne- Modelos epidemiológicos podem ser usados, entre outros
cidos parâmetros iniciais que ajudam a nortear as itera- fins, para a previsão de níveis futuros de doença. Este conheci-
ções que se sucedem. Experiência na escolha desses mento, como é fácil perceber, permite uma tomada de decisão
parâmetros iniciais é, portanto, requerida na análise (aplicar ou não aplicar um fungicida, por exemplo) com a antece-
não linear. Uma vantagem do método de iterações dência necessária para que danos econômícos não sejam causados
sobre o tradicionalmente utilizado na regressão linear
à cultura.
é a possibilidade de utilizar dados não transformados.
Voltemos aos dados da Tabela 40.1, especificamente para
Normalmente, as equações são ajustadas à intensidade
o patossistema Cercospora apii-aipo. Suponha, como exemplo,
da doença expressa em proporção. Consequentemente,
que somente os levantamentos compreendidos entre o 1º e o 56º
não há necessidade do cálcuJo de R2 •• Outra vantagem
dia tenham sido efetuados. Suponha também que uma previsão
dessa análise é a possibilidade d.e ajustar os modelos
a curvas com assíntotas inferiores a 100%, situação a respeito do nível da doença no 105º dia seja crucial para que
medidas adequadas de controle possam ser tomadas (ou não
comum na maioria dos patossistemas. O parâmetro
assintótico é definido pela regressa não linear. tomadas) cm tempo hábil. A previsão do nível de doença alcan•
çado no 105° dia, tomando por base os oito níveis conhecidos
até o 56º dia, pode ser feita usando-se qualquer dos modelos

Tabela 40.2 - Resumo da análise de regressão linear' usada na avaliação do ajuste de três modelos (logístico, monomolecular e Gompertz) para
três patossistemas2 (Cercosporo opii-aipo, Sporisorium scitamineum-cana-de-açúcar, Phyrophthora i'!festons•batateira).

\I d R' ('1/c U''' (º/, ) . Des, iu padrão ·k Ocs, io 1rndnio


, o eIo o} o ) 11 lr ) r (r'' )
li

Patossistema C. apii - aipo

Logístico 98.8 99.6 - 6.14 0.19 0.092 0.002


Monomolecular 76.4 49.5 - 1.36 0.47 0.044 0.006
Gompertz 90.2 94.3 - 2.96 0.37 0.060 0.005
Patossistema S..5citami11e11m - cana

Logístico 88.0 92.4 - 2.24 0.55 0.047 0.005


:tvfonomolecular 98.3 99.1 - 0.49 0.14 0.033 0.001
Gompertz 95.1 96.6 • 1.21 0.28 0.039 0.002
Patossistema P. i11festans - batateira

Logístico 94.2 96.3 · 7.34 0.31 0.25 0.012


Monomolecular 87.8 82.6 - 0.92 0.10 0.061 0.004
Gompertz 97.9 98.3 - 3.38 0.10 0.131 0.004

' R 2 = coeficiente de determinação, R' 2 = coeficiente de determinação para ajuste entre valores observados e previstos de y (sem transfonnação),
y O = coeficiente linear (interseção), r' = coeficiente angular (inclinação).
z Dados de Berger ( 1973) para C. apii, Amorim & Bcrgamin Filho (1991) para S. scitaniineum e Campbcll & Madden ( 199U) para P. infestans.

527
Manual de Fitopatologia

C.rcospora ap/1 Ustfla~o scltami"nea Phytophthora in~5tan• já discutidos. É claro que a acurácía da previsão dependerá do

.... .. . ..
A grau de ajuste existente entre o modelo escol'hido e os dados. A

-
D G

o
.. .. o
1 • ■
Figura 40.1 IA mostra os oito pontos reais avaliados no campo
(quadrados cheios) e as curvas dos três modelos ( logístico,

., '
■ • ••
. 1. -

_, _,
monomolecular e de Gompertz) aj ustados a estes dados através
de regressão linear. Adicionalmente, os demais pontos reais
-2 -2
(quadrados vazios) também aparecem na fig1ura. Fica evidente,
·2
assim, o enonne erro que se comete quando ]~revisões baseadas
2 ,.o
e E H em modelos inadequados (neste caso os modellos monomolecular
2
o~ e de Gornpertz) são feitas. No 105º dia, por ex.emplo, o dado real
o:, , '•
;g o
1
.-. . •• 1. -
.. 00
:t
~ de campo indica 97, 1% de doença, enquanto os modelos logís-
"'
~
o,/' -
1 tico, monomolecular e de Gompertz prevêem 98,3%, 38,9% e
·1

·2
······· -1 -05 71,0%, respectivamente (Figura 40.1 lA). Para as outras avalia-
.3 -2 ., o ções, entre o 62º e o 133º dia, os erros dos rtrês modelos estão
representados na Figura 40. 11 B.
1,0
e
1 "
... 0.5
Cerco$pora apil U$lilego $Oitsmins• Ph;iophthors infsstsn•

. • 1-
./
• ■ ■ ■
o -• •
1 -
o.o 1 ■
• ■ -
: G

..

■ • ■
., •• •• 1
., -05
1

·2 ·2 .,.o
o JO 80 90 120 o 30 80 90 no 150 ,ao 10 15 20 25 30 3S 40
Variável Independente (dôas) / ·2

Figura 40.8 - Resíduo (y real - y previsto) versus a variável independen-


te (tempo). Cercospora apii-aípo: logístico (A), rnonomo-

lecular (B) e de Gompertz (C). Dados de Berger (1973).
Sporisorium scitamineum-cana-de-açúcar: logístico (D),
monomolecular (E) e de Gompertz (F). Dados de Amorim
& Bcrgamin Filho (1991). Phyrophthora iefestans-batateira:
logístico (G), monomoleeular (H) e de Gompertz (T). Da- o •
·•···
... 'º .
00~
/
-

dos de Campbell & Madden ( 1990).

..
/. '/
C•rcoipora •Pii U5til■po •cit.min■- Phytophthora infHt1n• 6 e

D G

·2
/ ..
·2-'-- - - - - - ' -2+'--r / ' ~~~~,......,
o :,o 50 90 120 o ao 50 90 120 150 ,ao ,o 15 20 2s 30 35 •o
Tempo(oiu)

j 1.0
0,8
B
•• E H Figura 40. 1O- Dados reais transfonnados e a curva prevista transfor-
mada de doença. Cercospora apii-aipo e os modelos

i
~ o.e

o•
0.2

o.o
1 1
1
logístico (A). monomolecular (B) e de Gompertz (C).
Dados de Berger (1973). Sporisorium scitamineum-cana-
de-açúcar e os modelos logístico (D), monomolecular
(E) e de Goinpertz (F). Dados de Amorim & Bergamin
Filho (1991). Phytophthora iefestans-batateira e os mo-
1O

0,8
e .. delos logístico (G), monomolecular (H) e de Gompertz
(/). Dados de Campbell & Madden (1990).
oe
o.•
0.2 1
. 40.3.3. A Importância da Redução d.o lnóculo Inicial
Os modelos epidemiológicos descritos neste capítulo
0,0 deixam claro que uma das maneiras de diminuir a quantidade
o JO 5() 90 120 o 30 60 90 120 150 180 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (dias) final de doença (y) é reduzir o inóculo inicial (y0 ou Q). Para as
doenças de juros compostos esta redução, no entanto, não tem igual
Figura 40.9 - Dados reais e a curva prevista de doença. Cercospora apii-
eficiência sob qualquer circunstância. A título de exemplo, consi-
aipo e os modelos logístico (A), monomolecular (B) e de
dere-se o modelo exponencial que. como já discutido, 6 apropriado
Gompertz (C). Dados de Berger (1973). Sporisorium sci-
1ami11eum-cana-de-açúcar e ps modelos logístico (D), mo- para descrever epidemias em seu início (até 0,05 de proporção de
nomolecular (E) e de Gompenz (F). Dados de Amorim & doença). Considere-se também que, com a utilização de determi-
Bergamin Filho (1991). Phytophthora in/esfans-batateira nada medida de controle, consegue-se reduzir o inóculo inicial de
e os modelos logístico (G), monomolecular (H) e de Gom- y 0 parayu,,Y~ aqui definido como o inóculo inic:ial após a aplicação
pertz (I). Dados de Campbell & Madden ( 1990). da medida de controle (uma medida de sanitizaçi'io, por exemplo).

528
Análise Temporal de Epidemias

1.0 0.6 ...


A B
... ...
• ... ...
r3
e
0.8
0.4 ...
(l)
Monomolecular
o
-o 0.6 o:::) o o o
Q)
-o ~
... o o
0.2 o
o (/)

'5.
... 0.4
(l)
o:: • o
Gompertz o
oa. o
e
a.. 0.2
O.O

• • • •
• - Logístico

O.O -0.2 • 7 l l 7 7
o 20 40 60 80 100 120 140 60 ' 120 130 140
70 80 90 100 110
Tempo (dias) Tempo (dias)
Figura 40.11 - Importância da escolha do melhor modelo: (A) curvas previstas de progresso da doença, segundo os modelos logístico, monomolecular
e de Gompcrtz, com base nas oito primeiras avaliações de proporção de doença (quadrados cheios). Os demais pontos (quadrados
vazios) representam os outros dados reais. (B) diferenças entre a proporção de doença real e a proporção de doença prevista pelos
modelos logístico, monomolecular e de Gompenz.
Fonte: Dados de Berger (1973) para o patossistema Cercospora apii-aipo.

Usando o modelo exponencial pode-se, portanto, escrever


Boxe 40.2 Seria r~ dependente de y 0 ?
(40.38)

onde y 0 , y 05 e t5 substituem y, y 0 e t, respectivamente, na equação No item 40.3.3 foi definida a relação de saniti-
40.21. Esta nova equação descreve, simplesmente, o aumento de zação como sendo
Yus até y 0; IS' portanto, é o tempo necessário para que este incre- (40.40)
mento ocorra, sob a taxa rE. Em outras palavras, Is é o tempo
ganho pelo produtor, resultante da medida de controle empre- para os estádios iniciais da epidemia. Esta relação
gada. A equação 40.28 pode ser escrita como pressupõe ser a taxa rF independente da quantidade
de inóculo inicial y0 • Seria esta suposição verdadeira?
(40.39)
Berger (1988) garante que não. Usando seus próprios
ou dados (Plaut & Berger, 1981) para os patossistemas
(40.40) Cercospora arachidicola-amendoim, Botrytis cinerea-
begônia e Uromyces appendiculatus-feijoeiro, aquele
Como se vê, t5 é inversamente proporcional a rc Ou, mais
autor mostrou que epidemias que começaram com
claramente, à medida querE. aumenta, 15 diminui, diminuindo também inóculos menores progrediram a taxas maiores (três
a eficiência e a conveniência do emprego de medidas de controle que níveis de inóculo foram usados). Estes resultados,
reduzam somente o inóculo inicial (Figura 40. 12 e Boxe 40.2). como enfatiza Berger (1988), são de grande impor-
tância na análise de epidemias e no controle de doenças.
Caso este fenômeno seja generalizado, medidas de
120
cii" ~ 10 controle que atuem unicamente no inóculo inicial,
.!11 ...._ 100 como o uso de sementes tratadas ou sadias, podem ter
~ 100 -G- 1.000
ti:)
eficiência menor do que a imaginada até aqui.
.E 80
___. 10.000
....,.___ 100.000 Outros patossisternas que exibem o mesmo fenô-
(l)
"t:l
_...._ 1.000.000 meno são milho-Cochliobolus heterostrophus (Helmin-
·5. 60 thosporium maydis) (Gregory et al., 1981) e trigo-Ery-
<I>
ti:) siphe graminis (Rouse et ai., 1981).
e 40
o
C/l
Cll 20
~ o
0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 A equação 40.40 deixa claro que os valores reais de Yu e
O.O
Taxa exponencial Yos não inAueociam o atraso (t5) conseguido na epidemia. O que
importa é a relação (y/yos), também chamada de relação de
Figura 40.12 - Relação entre o atraso na epidemia (r5 ) em função de sanitização (Yanderplank, 1963). Assim, consegue-se mesmos
diferentes relações de sanitização ( 10, 102, 10', 10', valores de ts com diferentes combinações de y0 e Yos como, por
10' e l 0 6 - as diferentes curvas de baixo para cima) e exemplo, 0,0 l e 0,001 ou 0,00 l e 0,0001: em ambos os casos a
diferentes taxas exponenciais de infecção (rcl- relação de sanitização é I O.

529
1
CAPÍTULO

41
ANÁLISE E,S:PA,CIAL
DE EPID EMIA,S
Bernhard Hau, Lifían Amorim e Armando Be1,gamin Filho

ÍNDICE

4 l. l. Dispersão espacial de epidemias ......................... 531 41.2.J. Padrões,espaciais ao acaso e agregado ...... 538
41.1.1. Mecanismos de dispersão espacial 41.2.2. Padrões espaciaís em linhas de plantio ..... 538
de patógenos ............................................ 53 l
4L2.3. Padrões eSipadaís cm parcelas ou
41.1.2. Modelando a dispersão espacial
de doenças ................................................ 532 campos exper,imentaís ............................. 540
41.1.3. Modelando gradientes............................. 532 41.2.4. Exemplos de análise espacial aplicada a
41.l.4. Modelando a dinâmica de gradientes .... 535 epidemias de doenças de plantas,............ 542

41.2. Padrões espaciais de doenças ............................... 537 41.3. Bibliografia consultada........................................ 547

T
aylor (1984) vê a distribuição espacial como uma gcno que é disperso principalmente 1p elo vento pode atingir longas
das propriedades eculúgü:us mais características distâncias dentro de um curto período de tempo, enquanto que
das espécies e o mesmo pode ser dito dos patos- patógcnos ireiculado.s por respingos de chuva dispersam-se lenta-
sistemas. O padrão espacial da doença no campo geralmente mente ao redor dos focos primários, O padrão .espacial da doença
expressa o processo de dispersão do patógeno. Essa é a principal guarda eSitPeita relação cum os mecanismos de dispersão. Assim,
razão para o estudo desses padrões. Uma advertência, no entanto, um (Padrão espacial ao a.caso <le p~ antas doentes relaeiona-sc geral-
deve ser feita: a inferência de mecanismos ecológicos a partir de ru.iente a pató,genos dispersados pelo vento, enquanto que pató-
padrões observados frequentemente resulta em interpretações genos veiculados por resp~ngos de chtrna costumam dar origem
errôneas uma vez que diferentes mecanismos podem dar origem a padrões agregados .de planltas doentes. A natureza, no entanto,
a mesmos padrões. riw1rn1em1e ,ê tão simpl.es. A maioria ,dus patógenos possui mais de
A análise espacial de patossistemas teve grande impulso llln mecanismo ide .clâsp.ersüo, os ,quais garantem distribuição tanto
nas três últimas décadas (Campbell & Madden, 1990; Madden a cnrtas e quMIO a longas ,cliistãnc:ias.
& llughes, 1995; Hughes et ai., 1997; Madden et ai., 2007) e O pr,imeiro ,epidemiologista vegetal a se preocupar com a
permitiu uma melhor compreensão tanto da estrutura quanto imronància relativa cla diSlJ).ersão a clmas e longas distâncias foi
do comportamento de diversos patossistemas, especialmente Van<lerplank ( 1967). Ele baseou s,ua argumentação na dispersão
daqueles mais complexos e ainda não bem elucidados. de Phytuphthoru infestans em batata e sua conclusão foi surpre-
endente para a época: ..Patógenos t:um apenas um mecanismo
41.1. DISPERSÃO ESPÀClAL DE EPIDEMIAS de disseminação - seja para curlas distâncias, seja para longas
dislâncias - estão mal servidos". Mecanismos de dispersão a
41.1.l. Mecanismos de Dispersão Espacial de Patógenos
cu.ntas dlstfrmdas confinam o rpatógeoo a focos já ocupados por
A dispersão espacial de patógenos e o resultante padrão llesões orui phmtiis do1mt,es,, lim itandl1 ,o ttiv~e pl'o.gr.::sso da epidemia
espacial da doença são determinados pelos mecanismos de às áreas Jimítrofos do foco, cada vez memrres em .r elação à área
dispersão do patógeno e da doença, respectivamente. Um pató- total do foc,o. :t-.focmií:i;mos de d ispersà\i, a lloing.as distâncias levam

531
Manual de Fitopatologia

propágulos do pató;geno para bem longe da fonte primária de esporos é diluída em função da distância da fonte, fato que implica
inóculo, muitas vezes para fora da plantação, impedindo o rápido em menores deposições a maiores distâncias. Já para o gradiente
progresso da epidemia. de doença (expresso, por exemplo, como o número de lesões por
Uma mistura dos dois mecanismos, portanto, parece ser planta em função da distância da fonte de inóculo), os esporos
indispensável para que patógenos possam ter sucesso na ane de necessariamente devem se depositar num hospedeiro suscetível e
causar epidemias (e, consequentemente, na arte de sobreviver). encontrar todas as condições favoráveis para a infecção. Assim,
Dispersão a curta dis:tância é necessária para que o patógeno colo- um gradiente de dispersão ocorre mesmo em plantas resistentes,
nize e reproduza-se abundantemente numa área recém-conquis- mas um gradiente de doença só pode ocorrer em plantas susce-
tada; dispersão a lo:nga distância é necessária para que o pató- tíveis e sob condições favoráveis. Normalmeute. o gradiente de
geno escape do loca,I já conquistado e, assim, amplie sua distri- doença é uma consequência do gradiente de dispersão. Entre-
buição geográfica. Vanderplank ( 1967; 1975) postula, ainda, que tanto, em alguns casos, é possível que o gradiente de doença
o mecanismo para curtas distâncias deve se repetir com maior seja causado por uma mudança sistemática no ambiente. Para o
frequência, já que es,ta é uma atividade recorrente durante o ciclo oídio da cevada (E,ysiphe graminis f. sp. hordei), por exemplo,
da doença, ao contrário do mecanismo para longas distâncias, que Koch ( 1980) observou um claro gradiente a partir de um· lado do
deve se constituir num evento raro (mas não menos importante). terreno que fazia divisa com uma floresta, a qual, obviamente,
Vanderplank (1967; 1975) também deixa claro que dividir os não poderia ser a fonte de inóculo. As maiores severidades de
mecanismos de disp,ersão em apenas dois grupos (curtas e longas doença, explica o autor, ocorriam naquela região do campo que
distâncias) é um simplificação excessiva que não espelha a reali.- permanecia mais tempo na sombra fornecida pelas árvores da
dade: na verdade, cada patógeno bem sucedido certamente desen- floresta. Assim, o gradiente de doença era devido à maior duração
volveu durante sua e,volução inúmeros mecanismos de dispersão, de condições favoráveis à infecção.
cada um mais apropriado para detenninadas distâncias, o que
permite sua sobrevivência sob várias condições de ambiente. 41.1.3.2. A lei da potência e a lei exponencial
Foram necessários 25 anos e o desenvolvimento do compu- Os modelos para gradientes descrevem a relação entre a
tador para que essas previsões de J.E. Vandcrplank pudessem ser distância x (variável independente) e a intensidade de doença y
verificadas por meio de modelo de simulação. Num trabalho de (variável dependente). Esta última pode ser qualquer medida do
grande repercussão, Zawolek & Zadoks ( 1992) não só confir- patógcno ou da doença como, por exemplo, o número de esporos
maram a necessidade de mais de um mecanismo de dispersão depositados por folha ou o número de lesões por cm2. Dois
para que patógenos possam ser bem sucedidos, como chegaram a modelos empiricos foram propostos para descrever matematica-
quantificar, ainda qu.e de forma preliminar, a frequência de ocor- mente os gradientes: a lei da potência e a lei exponencial.
rência de cada um deles numa situayão ideal para o patógeno;
80% para eventos d,e disseminação a curta distância e 20% para A lei da potência foi introduzida na fitopatologia por
eventos de disseminação a longa distância. Gregory (1968) e é dada pela equação:

41.1.2. Modelando n Dispersão Espacial de Doenças y,,(x) = Op ,:-b,, (41.l)


As abordagens usadas na modelagem dos processos de Esta função tem as seguintes características:
transporte envolvidos na dispersão de patógenos ou doenças
variam amplamente quanto à sua complexidade. Nos modelos • br detennina a inclinação do gradiente;
mais simples, as forras horizontal e vertical, ou seja, a velocidade • bf> não tem dimensão e, portanto, não é afetado pela
horizontal do vento e a força vertical da gravidade ou de turbu- unidade empregada para medir a distância;
lências, são expressas por fórmulas matemáticas que permitem
calcular a distância e altura de voo, além de sua duração (para • aP é a intensidade de doença na distância 1 [y1, ( 1) = a,,].
esporos de características conhecidas). O valor do parâmetro depende da unidade de distância;
Numa segunda abordagem, modelos físicos mais complexos • se x tende a zero, yP aumenta indefinidamente, de tal
(equações de difusã,o) descrevem mudanças na concentração de modo que a detcnninação da intensidade da doença na
esporos tanto no tempo como no espaço. Esse tipo de equação fonte não pode ser feita;
diferencial foi des,envolvido originalmente para calcular a
diluição de gases poluentes ou partículas pequenas lançadas por • se x aumenta, Yp diminui até zero, de tal modo que a
chaminés. Para detallhes, consulte McCartney & Fitt ( 1985) e Fitt intensidade da doença é zero a altas distâncias da fonte
& McCartey ( 1986).. de iuóculo;

41.1.3. Modelando Gradientes • a função pode ser linearizada com o uso de logaritmo:
ln(yp(x)) = ln(ap) - bP ln(x).
41.1.3.1. Gradientes de dispersão e de doença
Para doenças dle plantas, gradientes de dispersão e gradientes Kiyosawa & Shiyomi ( l 972) foram os primeiros a empregar
de doença precisam ser diferenciados: o gradiente de dispersão a lei exponencial para descrever gradiente-S de doenças:
(expresso, por exemplo, como o número de esporos de um deter-
minado patógeno depositados por cm2 c1e área foliar em função (41.2)
da distância da fonlte de inóculo) é consequência de processos
físicos de transporte que causam a dispersão dos esporos. Quando Esta função tem as seguintes características:
esporos são dispersos pelo vento, a concentração da nuvem de • b" determina a inclinação do gradiente;

532
Análise Espacial de Epidemias

• bE tem a dimensão de 1/m ou !/km e é, portanto, depen- no maior coeficiente de determinação (R2) e na menor soma dos
dente da unidade de distância; quadrados dos desvios (SQD). A transformação dos dados para
logaritmo e posterior regressão linear produz (Figura 41.1 C, D):
• aE é a intensidade de doença na fonte [ye(0)=aE] e,
consequentemente, não é influenciada pela unidade de ln(yp(x)) = 8,6536-1,8116 ln(x) R2 = 0,984
distância;
ln(yix)) = 2,1119 - 0,0083x R2 = 0,734
• se x aumenta, yE diminui até zero, de tal modo que a
Também neste caso a função da potência possibilita um
grandes distâncias da fonte a intensidade de doença é
melhor ajuste. Note que os valores calculadlos de b são dife-
zero;
rentes de acordo com o método usado (1,5260 versus 1,8116 e
• a função pode ser linearizada com o uso de logaritmo: 0,0845 versus 0,0083, para os procedimentos 1não-linear e linear,
ln(l,ix)) = ln(aE) - b. x; respectivamente), fato devido a diferentes siste:mas para o cálculo
dos quadrados médios.
• uma medida útil derivada desta função é a meia-distância
Se a distância for medida em metros ao invés de centíme-
(xH), isto é, a distância necessária para reduzir a intensi-
tros, as funções calculadas pelo procedimento não-lineâr serão:
dade da doença pela metade: x 11 = ln(2) / b,;·
Uma comparação entre os dois modelos pode ser feita com R2 = 0,9'99 SQD= 0,90
um experimento real. Os dados são de fried et ai. (1979) para
y.(x) = 159,4678 exp(-8,446x) R2 = 0,998 SQD=7,29
o oídio do trigo (E,ysiphe graminis f. sp. trit/c1) e referem-se à
distância amostrada (em cm) e o respectivo número de lesões por Está claro que aE (a intensidade estimada de doença na
colmo: 12 cm/57,86 lesões por colmo; 25/19,23; 84/2,80; 160/0,29; fonte) não muda, mas ai' é muito menor agora, uma vez que esta
250/0,26; 500/0, 1O; 800/0,03. O gradiente observado é bastante é a intensidade estimada a 1 m, comparada com a intensidade a
inclinado (Figura 41. lA, 8). Ambas as funções foram ajustadas 1 cm no caso anterior. Com relação às inclinações dos gradientes,
aos dados por meio de procedimento não-linear (Figura 41.1 A, B): b,, permanece constante enquanto hr: aumenta por um fator de
yp(x) = 2570,63.:< 1•526º R2 = 0,999 SQD= 0,90 100. A meia-distância xH é de 8,2 cm ou 0,082 m.
Como dois modelos estão disponíveis para descrever
yix) = 159,4678 exp(-0,0845x)R2 = 0,998 SQD= 7,29
gradientes (Equações 41.l e 41.2), urna pergunta pertinente é
Obviamente, neste exemplo, a função da potência propor- qual deles se ajusta melhor à maioria dos casos. Revisões deta-
ciona um melhor ajuste ao gradiente observado, o que se reflete lhadas sobre o assunto estão disponíveis ua literatura (Gregory,
1968; Fill et ai., l 987). Grcgory ( 1968) analisou 124
60 60 gradientes de patógenos veiculados pelo vento: em
59 casos a lei da potência (Equ:ação 41.1) propor-
A B cionou melhores ajustes; em 65 casos, no entanto,
o
E a vantagem foi da lei exponencial (Equação 41.2).
õ 40 40 Fitt et ai. ( 1987) publicaram trabalho semelhante,
-u
cn
<li
,o
com a análise de 325 gradientes: nenhuma recomen-
dação clara sobre qual dos dois modelos é superior,
cn 20 20 porém, foi apresentada. Parece, portanto, que ambos
<li os modelos são mais ou menos bem adaptados à
-' correta descrição de gradientes na área fitopatoló-
o o • gica. Pode-se dizer que a lei exponencial é um pouco
mais conveniente, uma vez que permite a determi-
o
200 400 600 800 o
200 400 600 800 nação da intensidade de doença na fonte, além de
Distância (cm) Distância (cm) possibilitar o cálculo da meia-dis,tância (xH).
5 5
41.1.3.3. Comparação d•~ gradientes
ô e D
E • Frequentemente gradientes precisam ser com-
õ
-o
u parados. Em princípio, duas abordagens para
• tal existem. Na primeira, do,is gradientes são
cn
<li
o considerados iguais se as respectivas derivadas

li) dy/dx nas mesmas distâncias forem iguais. Se essa

-
<li
...J premissa for aplicada a todas as distâncias, dois
e: gradientes somente podem ser iguais se eles forem
criados por um deslocamento ao llongo do eixo y. Na
-5 segunda abordagem, dois gradientes são considerados
2 3 4 5 6 7 o 200 400 600 800 iguais se as respectivas derivadas dy/dx nas mesmas
ln (Distancia (cm)) • Distancia (cm) intensidades de doença forem iguais. Se essa premissa
for aplicada a todas as intensidades de doença, dois
Figura 41.1. Gradientes (observado e transformado) de oídio do trigo e funções gradientes somente podem ser iguais se eles forem
ajustadas pela lei da potência (A e C) e pela lei exponencial (B e D). criados por um deslocamento ao longo do eixo x.

533
Manual de Fitopatologia

A derivada da lei exponencial pode ser calculada como O comportamento de ambas as funções toma-se mais claro se os
dy/dx = akbE) exp(-bE x) = -b,;,E. Neste caso, a derivada gradientes forem expressos em logaritmo (figura 41.28). Assim, um
depende apenas da intensidade de doença. Para a lei da potência, gradiente que segue a distribuição de Pareto (ou a lei da potência)
a seguinte fórmula é válida: dy)d'" = ap(-bP)x-bP · I = -bP yP I x. possibilita mais deposição longe da fonte, dando ensejo à fonnação
Assim, neste caso, a inclinação depende não somente da inten- de focos secundários ou satélites. Em contraste, um gradiente expo-
sidade de doença, mas também da distância da fonte de inóculo. nencial diminui mais rapidamente com a distância que qualquer
Consequentemente, a comparação de gradientes descritos pela lei função de potência (como é a distribuição de Pareto) e, ponanto, a
da potência não é possível com esta abordagem. Para maiores fonuação de focos secundários ou satélites é menos provável.
detalhes, consulte Minogue ( 1986).
41.1.J.5. Função de gradiente generalizada
41.l .J.4. Modificaçilo da lei da potência Lambert. et ai. (1980) propuseram uma função de gradiente
Como já discutido, a lei da potência tem a desvantagem de generalizada com três parâmetros:
não ser definida na fonte. Essa desvantagem pode ser solucionada
(41.4)
com a adição de um parâmetro (cp) que provoca um deslocamento
do gradiente para a esquerda. A lei da potência modificada é tntào Esta funçào tem a vantagem de poder gerar tanto a lei
dada por: exponencial quanto a lei da potência com valores apropriados
y,,(.r) =: aP (x + cp)""P (41.3) do parâmetro e,,· Obvi~mente, para cc;=l, tem-se a função expo-
nencial (Figura 41.3). E possível demonstrar que a equação 41.4
Agora, um valor finito pode ser calculado na fontt: transforma-se na função da potência quando cG tende a zero. A
yp(O) = aP c/p. O parâmetro aP descreve a intensidade de doença Figura 41.3 mostra exemplos para cr; - 0,5 e c0 - 2.0. Neste
na distância (1 - cP): aP = yP(l - e,.). Também neste caso a linea- último caso, a função é semelhante à densidade de probabilidade
rização do gradiente é possível, desde que cP seja conhecido: dn distribuição normal (curva de Gauss). Kampmtijer & Zadoks
ln(.y,.(x)) =ln(a,,)- bP ln(x + cp)- De acordo com Mun<lt & Leonard (1977) aplicaram essa função para descrever gradientes de depo-
( 1985), o parâmetro cP pode ser interpretado como o raio da fonte sição de esporos no simulador de epidemias por eles desenvol-
de inóculo. Mundt ( 1989) tentou provar essa interpretação em vido (EPIMUL).
experimentos com micro-parcelas, mas os resultados não foram
conclusivos. Por ter um parâmetro a mais (cr), deve-se ter em 41.1.3.6. Fuoçcies de crescimento decrescente para
mente que a lei da potência modificada produzirá quase sempre modelar gradientes
melhor ajuste aos dados quando comparada à lei original. De modo geral, Ioda função decrescente e que se aproxima
M inogue ( 1989) chamou a atenção para a semelhança entre de .tero a grandes distâncias da fonte podt ser usada para modelar
a equação 41 .3 e a função de densidade de probabilidade .f{x) da gradientes. Em vista disso. parece razoável usar as bem conhe-
d istribuição de Pareto com dois parâmetros positivos (a e 8): cidas curvas de progresso de doença para modelar gradientes.
.f(x) = a8~(x + O)~" ' 1• Em experimentos de simulação, ele mas agora como funções decrescentes. As funções mais usadas
demonstrou que a dispersão espacial de esporos pode ser melhor para expressar o progresso de doença sllo a exponencial, a logís-
descrita por meio de gradientes que seguem a distri buição de tica e a de GompcrtZ. Todas elas podem ser linearizadas com a
Pareto quando comparados com gradientes que seguem a lei expo- transfonnação adequada:
nencial. Assumindo-se a mesma distância média de dispersão, mais
• para o crescimento exponencial: ln(y)
esporos serão depositados próximos à fonte e a longas distâncias da
fonte se o gradiente de Pareto for aplicado; a distâncias intermedi- • para o crescimento logístico: logito(.y) = ln[y / ( 1 - y)]
árias, no entanto, menos esporos serão depositados (Figura 41.2A). • para o crescimento de Gompertz gompito(y) = -tn[-ln(.y)].

1/1
o
100

80
Distribuição exponencial
Distribuição de Pareto
-"'
o
~
o
4
~
o Q. :-...
Q.
1/1
Q) 60 "'
Q)

,,
2
''
'
Q)
,,
Q)

o
o ~

e 40 ~
a, '-.::
Q)

E
E
,::,
-2
''
,::,
z
20

o
A
-
z
e -4 ' e' '
o 2 4 6 8 o 2 4 6 8
Distância x (m) Distância x (m)

Figura 41.2 - Comparação de gradientes de dispersão (A: não-transformado; 8: transformação logarítmica) baseados nas distribuições expo•
nencial e de Pareto (a.= 2, 0 = 1} com a mesma distância média de voo de I m.

534
Análise Espacial de Epidemias

e =1 A equação 41.8' é similar àquela usada por Aylor & Ferran-


CG:.: 0,5 ··········· CG = 2
G dino ( 1990) para descrever gradientes da ferrugem do feijoeiro
100 (Uromyces appendiculotus): y(x) =A I (1 + ili L2). Uma rápida
comparação com a equação 41.8' mostra que ambas são idênticas
no caso de b = 2 e a••= -IIU. O parâmetro L está relacionado
80 com o tamanho da planta e A estima a intensidade de doença na
fonte (neste caso, número de pústulas).

-
~
)(
60 Assim, diversas funções de diferentes formas estão dispo-
níveis para descrever gradientes (Figura 41.4). Algumas delas já
foram usadas na prática, mas um estudo abrangente que compare
~ 40 todos os modelos apresentados aqui nunca foi conduzido.

41.1.4. Modelando a Dinâmico de Gradientes


20
Considerando que gradientes de doença podem mudar em
função do tempo. é conveniente examinar com detalhes a dinâ-
o mica dos gradientes. Para tal, funções y(x,t) serão consideradas.
o 2 4 6 8 10 nas quais a doença y depende tanto da distância x da tbnte como
Distancia x (m) do tempo 1. Por meio de tais funções, a intensidade de doença a
qualquer distância em q ualquer tempo pode ser estimada. Num
Figura 41.J- Função generalizada de gradiente para três valores de gráfico tridimensional, a doença y é a superfície sobre os eixos da
cc (uc;= 100; bG = 0.3).

100 100
Para criar fuuções de gradiente, considera-se a (41.5') (41.6')
severidade transformada de doença como uma função
80 80
linear decrescente com a distância ou com o logaritmo da
distância. Neste último caso tem-se: --
~
L 60 60
lnú-) = a-bx
ln(>,)= a - b ln(x)
( 41.S)
(41.6) -
i<' 40
>, 40

Essas equações, como se recorda, são as equações 20 20


linearizadas da lei exponencial e da lei da potência. De
modo similar, outnis funções de gradiente podem ser-cons- o o
truídas, substituindo-se ln(y) por logito(>i) ou gompito{y): 100 100
(41.7') (41.8')
logito(y)=o-bx (41.7)
80 80
logito()') = a - b ln(x) (41 .8)
gompito(y) = a - b x (41.9) l 60 60
gompito(y) = a - b ln(x) (41.10) x 40 40
~
Para descrever gradientes, a equação 4 1.7 foi apli- 20 20
cada por Minogue & Fry ( 1983a; 1983b), a equação
41.8, por Berger & Luke ( l 979), e a equação 41.1 O, por o o
Danós et ai. ( 1984) e Headrick & Pataky ( 1988).
100 100
As equações lineares (Equações 4 1.5 a 41.1 O} (41.9') (41.10')
podem ser rearranjadas para expressar y(x) sem trans- 80 80
fonnaçâo. Usando as abreviações a• = exp(o) e
a•• = -exp(-a). as seguintes fórmulas podem ser deri- ~ 60 60
vadas:
x 40 40
y(x) = a* exp(-b x) lei exponencial (41.5') ~

y(x) = a• xb lei da potência (41.6') 20 20


;,{x) = 11(1 - u** exp(b x)] função logística (41.7') o o
o 2 4 6 8 10 o 2 4 6 8 10
y(x) = 11 ( 1 - a..., .~) fuução log-logística (41.8') Distância x (m) Distancia x (m)
y(x} = exp[o. . exp(bx)] função de Gompertz (41.9')
figura41.4-Gradientes de acordo com as equações 41.5' a 41.10' com
;,{x)=exp(a**.xb) funçãodegradientegeneraliZJlda (41.10') y(I) = 80 ey(5)= 20%.

535
Manual de Fitopatologia

distância x e do tempo t (Figura 41.5). Caso a superfície doença


(composta de espaço e tempo) seja considerada a uma distância
fixa, a doença dependerá somente do tempo. o que resultará numa
curva de progresso d a doença. Por outro lado. fixando-se o tempo,
a doença será função apenas da distância, o que resultará numa
curva de gradiente.

.........._
100

8o
~
6o -..;.
<lo '.;)
")(
\.:,
~o ~
Fi~ura 41.6- Gráfico da equação 41.11 [y(x,I) = 51, 1 - 43,3x + 9,0x2
o - 0,54.t3 + 0,0111 + 0,0059fj com valores negativos
fixados em zero.
·o t (fY1)
dic:is) o,s· to"''
o mesmo tipo de função e, numa segunda etapa, é calculada a
Figura 4 1.S - Doença y em função do tempo I e da distância x da dependência temporal dos parâmetros da função do gradiente.
fonte. Naturalmente. é também possível o processo inverso. começando
com o progresso temporal e tenninando com o espacial.
41.1.4. J. Equações de regressão múltipla para Na literatura, exemplos são encontrados que descrevem a
superfícies de doença em fun ção de primeira etapa desse procedimento. Berger & Luke (1979), para
espaço e tempo a ferrugem da folha da aveia (Pucc:inia coronata f. sp. avenae),
Regressão múltipla constitui-se numa abordagem simples usaram uma função linearizada (Equação 4 1.8) para descrever
para descrever doença em função do tempo e da distância. gradientes cm diferentes pontos no tempo. Pela figura apresen-
Um exemplo deste tipo de esrudo foi conduzido por Headrick tada naquele trabalho, vê-se que a inclinação b permanece mais
& Pataky (1988) com a ferrugem comum do milho (Puccinio ou menos constante em função do tempo ou decresce ligeira-
sorghi). A severidade de doença para um dos híbridos estudados mente, o que se reflete num achatamento dos gradientes. Danós et
(Figura 4 1.6) foi descrita por: ai. ( 1984), para o cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. citri),
aplicaram outra função linearizada (Equação 41.1 O) e encon-
y(x,t) = 51, 1 - 43,3x + 9,0,r - 0,54:2 + 0,011 t + 0,0059t" (41.11)
traram que as inclinações b aumentavam com o tempo, produ-
Duas desvantagens desta abordagem são: (i) os parâmetros da zindo gradientes cada vez mais inclinados.
equação não têm significado biológico; (ii) não se pode extrapolar
fora da gama de dados analisada. Essas desvantagens podem ser 41.1.4.3. Abordagens teóricas para descrever
facilmente demonstradas se as cwvas de progresso da doença e os superfícies de doença cm fu nção de
gradientes de doença forem derivados da equação obtida (Equação espaço e tempo
41 .11 ). Assim. fixando-se t em I O, o gradiente resultante é dado Nos exemplos discutidos até aqui, a dinâmica de gradientes
por y(x, 1O) = 51.8 - 43,3x + 9,0x2 - 0,54x3• Esta equação é um poli- foi estuda<la utilizando-se dados obseivados experimentalmente.
nômio de terceiro grau que prevê valores negativos para grandes Jeger ( 1983), no entanto, fez uso de considerações teóricas para
distâncias (o tenno cúbico tem sinal negativo). Por outro lado, se descrever os aspectos espacial e temporal de epidemias. Sua
a distância é fixada em x = 5, a curva de progresso da doença é dada primeira abordagem foi usar equações diferenciais já conhecidas
por J{S.t) = -8,4+0,011 t + 0,005912. Essa curva de progresso é uma para gradientes e para curvas de progresso da doença. Dos oito
função quadrática do tempo, o que resulta em intensidades negativas modelos propostos por Jeger ( 1983), somente dois serão discu-
de doença para pequenos valores de t. Assim, nem os gradientes, tidos neste item, os modelos (ii) e (iv). Para o modelo (ii), o autor
nem as curvas de progresso fazem sentido biologicamente. assumiu a função logística tanto para gradientes quanto para
curvas de progresso. Para estas, a doença aumenta com o tempo;
41.1.4.2. Abordagem 'stepwise' para para aquelas, diminui com a distância. As seguintes equações
superfícies de doença.em função diferenciais parciais para a função y(x,t) foram empregadas:
de espaço e tempo
• curva de progresso da doença: 8 yl Ô t = e y ( 1 - y)
Nesta abordagem, numa primeira etapa, os gradientes em
diferentes pontos no tempo são detenninados empregando-se • gradiente de doença: Ô yl à x = -b y (1 - y)

536
Análise Espacial de Epidemias

Por integração a função y(x,t) pode ser detenninada: A equação 41.14 indica que a velocidade decresce com
maiores intensidades de doença, mas aumenta com o tempo. Isto
y(x,t) = 11 [l + A exp(b x- e t)] (41.12)
é equivalente à conclusão ohtici::i a partir da equação '11.15, isto
Uma característica interessante do aspecto espacial e temporal é, que a velocidade aumenta com o aumento da distância. Assim,
de epidemias é a velocidade com a qual um certo nível de doença os gradientes dispersam-se a partir da fonte com velocidade
está se movimentando para mais longe do foco. Se essa velocidade crescente e. adicionalmente. há mudança na forma do gradiente
for conhecida, pode-se prever quando um detem,inado nível crítico (Figura 41.8).
de doença irá ocorrer a uma dada distância. A velocidade, como se
sabe, é definida como a derivada parcial 8 xi 8 t. Para detenninar
essa velocidade para a equação 41.12, a equação é solucionada para
- - t=20 -·-·- t=40 ··········· t = 60
x, de tal modo que: x == ln[(! / y - 1) / A] I b + e t / b. Segue-se, então.
a diferenciação para t. Como o primeiro tenno não é dependente 100
de t. tem-se: 8 xi 8 t = e / b. Neste caso a velocidade é constante
e independente da intensidade de doença. Assim, os gradientes 80
movem-se a partir do foco com velocidade constante e a forma
~
do gradiente não sofre alteração. A doença, portanto, está
mudando no espaço como uma onda de velocidade constante
(Figura 41.7).
-
~
)(
~
60

40

20
--t=20 -·-· - ·t = 40 ........... t = 60

100 ................... o 10 20 30 40 50
Distância x (m)
80
Figura 41.8 - Gradientes resultantes da equação 41.13 cm três tem-
'\ \ ··---........ pos 1 (A= 10; b = 1,5, e = 0.1).
60 \
\

40 4 J.1.4.4. Ondas epidêmicas


\
A equação 41.12 mostrou que o gradiente move-se a partir
\
20 do foco a velocidades constantes e sem mudar sua forma em
' .. função do tempo. Isso leva a frontes de doença similares a ondas
"·• ........
0+---r--,.--,,=:;,,-_,.;·;..:::-~
- !"-..,;;.;.:.=;,--....,...--, epidêmicas em movimento. Berger & Luke ( 1979) introduziram
o 10 20 30 40 50 o termo isópata (isopath), definido como linhas no espaço com
Distância x (m) a mesma intensidade de doença. Usando esse conceito, pode-se
dizer, a partir da equação 41.l 2, que a velocidade das ísópatas é
Figura 41.7 - Gradientes resultantes da equação 41.12 em três constante. Exemplos adicionais de ondas epidêmicas em movi-
tempos 1 (A = 10; b == 0,2, e = 0,1). mento e velocidades constantes para isópatas são apresentados
por van den Bosch et ai. ( 1988a; 1988b; l 988c). Na Tabela 41.1 ,
algumas velocidades de isópatas para doenças de plantas são
O modelo (iv) de Jeger (1983), no entanto, mostra que apresentadas.
essas conclusões não são sempre válidas. Nesse modelo, também De acordo com a equaçào 41.13, no entanto, a forma do
é assumido que a curva de progresso da doença é dada por uma gradiente é variável com o tempo e, assim, a velocidade do movi-
função logística crescente, mas o gradiente é descrito por uma mento do gradiente é maior para valores menores de intensidade
função log-logística decrescente. Assim, as seguintes equações de doença. Isso resulta numa fronte de doença que é uma onda
diferenciais parciais são usadas: epidêmica dispersiva com velocidades de isópatas variáveis.
curva de progresso da doença: 8 yl 8 t = e y (l - y) Aylor & Ferrandino (1989) descreveram comportamento similar
para a dinâmica e dispersão da ferrugem do feijoeiro (Uromyces
gradiente de doença: 8 y/ 8 x = -b y ( 1 - y) / x appendiculatus). Ferrandino (1993) e Sche.n n ( 1996) propuseram
A função correspondente y(x,t) pode ser determinada como: modelos para a dinâmica de epidemias no tempo e no espaço que
também implicam em ondas dispersivas. Uma discussão mais
y(x,t) = l / [l + A xh exp(-c /)] (41.13) d~talhada do assunto é encontrada em Minogue (1986).
Solucionando para x, com o objetivo de calcular a velocidade: 41.2. PADRÕES ESPACIA IS DE DOENÇA
x == [(I /y- l) / A] 11bexp(ct l b)
Padrão espacial em fitopatologia foi definido por Gilligan
Após a diferenciação, a velocida?e resulta em: ( 1983) como o arranjo de entidades doentes umas em relação às
axf 8 t = f(y) exp(c t l b) comjt,,) = [(1 / y- l) / A] ~e / b (41.14) 1 outras. Os padrões espaciais de doença originam-se das intera-
ções de fatores fisicos, químicos e biológicos que influenciam os
ou processos de dispersão e infecção. A análise de padrões espaciais
8xl8 t=cxl b (41.1 S) pode ser usada para gerar hipóteses sobre processos ecológicos

537
Manual de Fitopatologia

Tabela 41.1- Exemplos de velocidades de linhas isópatas para algumas doenças de plantas.

Patúg no 1111,pedeiro h·locid.ide Lilenitura

Tomato ringspot ~·irus 'raspbeny' 2 m/ano Converse & Stace-Smith ( 1971)


Peronospora farinosa espinafre 0.023 m/dia van den Bosch et ai. ( 1988c)
Puccinia striiformis trigo 0,094 m/dia van den Bosch et ai. ( 1988c)
Pseudocercosporella herpotrichoides 1rigo 0,2-0,3 m/dia Rowe & Powelson (1973)
Puccinia coronata aveia 0,2-1,2 m/dia Berger & Luke (1979)
Septoria nodorum trigo 0,3 m/dia Jegcr ( 1983)
Phytophthora infesrans batateira 3-4 m/dia Minogue& Fry ( l983b) .

fundamentais (como reprodução, dispersão,


competição, sobrevivência, etc.) ou para
A B e
• •• ••• • •• • • • • •• •
sugerir mecanismos que deram origem a
esses processos. Além disso, pode fornecer
...• •
• •
....••••....:.•:.=·.... . • •
• • •
• • • •
...• ,...• ..
infonn ação quantitativa sobre a dinâmica • •
• •
•• ••
•••• • • • • •• • •
• ••
populacional do patôgeno, pode ajudar no
delineamento de experimentos epidemioló- • • •
gicos, no desenvolvimento de metodologia
de amostragem e monitoração do pató-
geno, além de poder ser útil no processo de
tomada de decisão para o manejo do patos-
•• •

~
....
• :

•• • • • •
• • • •• . •
•-



•• • •

• • •
• •
• •
• •
•• • • • • •
• • • ••
•• • • •

sistema considerado.
Figuru 41.9 - Padrões espaciais ao acaso (A), agregado (8) e regular (C) de pontos.
41.2.1. Padrõ,es Espaciais ao Acaso
e Agrc·gado
O padrão espacial de uma doença numa linha de plantio uma distância mínima entre si, nunca estando lado a lado; esse
ou numa parcela pode ser ao acaso ou agregado. Padrão ao acaso padrão. portanto, não é ao acaso mas, sim, regular. Na figura
em doenças cujos patógenos são veiculados pelo ar significa que 41.9A os pontos estão distribuídos ao acaso, o que pennite um
a probabilidade de um esporo cair sobre uma planta hospedeira certo número de situações com plantas lado a lado.
é igual para todas as plantas hospedeiras. Assim, a ocorrência da
doença não é influenciada pela distância da fonte de inóculo, seja 41.2.2. Padrões Espaciais em Linhas de Plantio
a fonte localizada na mesma planta ou na vizinhança próxima.
Dois tipos de análise serão apresentados neste item para
Padrão espacial ao a.caso está intimamente relacionado a iguais investigar o padrão espacial de plantas doentes numa linha de
oportunidades de infücção. Se, no entanto, em condições naturais, plantio. Em ambos os casos assume-se que o 'status' de uma
o patógeno for dispeirso apenas a curtas distâncias (por respingos planta poJ.: ser caracterizado apenas como sadio ou doente;
de chuva, por exemplo). a probabilidade de uma planta ser infec- severidaJe de doença não é considerada neste contexto. Se as
tada é maior para aquelas plantas situadas próximas à fonte de categorias binárias forem designadas por O (sadia) e 1 (doente),
inóculo do que para aquelas situadas longe da fonte de inócuJo. o padrão da doença na linha é dado por determinada sequência
Nesse caso, o padrão espacial da doença não será ao acaso e, sim, de Oe 1, por exemplo, O O I O I OO 1 1 O 1 O I O 1 O 1 1 O l para
agregado, com focos visíveis ao redor das fontes primárias de urna linha contendo 20 plantas. A questão pertinente é se essa
inóculo. Agregação é apenas um dos possíveis desvios para o sequência reRete um padrão ao acaso ou agregado de plantas
padrão espacial ao acaso ou aleatório. O outro desvio possível é a
doentes.
regularidade ou unifonnidade. Padrão espacial regular de doença
existe numa linha de plantio, por exemplo, caso plantas doentes e
41.2.2.1. Teste ' run'
sadias ocorram de forma alternada. Esse padrão regular não ocorre
de forma natural, mas pode ser provocado, por exemplo, com o Neste teste, o número de ·runs' é considerado como um
plantio alternado de variedade suscetível e resistente. critério de padrão aleatório. Um 'run' é definido como uma
Na Figura 41.9 as três possibilidades de padrão espacial sequência de um ou mais símbolos idênticos, os quais são
numa parcela são mostradas (cada ponto representa a posição de seguidos ou precedidos por um símbolo diferente ou por símbolo
uma planta doente). Na Figura 41.9A e 41.9C as plantas doentes nenhum (no começo ou no fim de uma linha). A sequência de
estão distribuídas por toda a parcela, ênquanto que na Figura \O plantas apresentada a seguir tem seis 'runs':
41.9B há maior concentração de plantas doentes no centro da
parcela, com quase nenhuma ocorrendo nas bordas (padrão agre- QJ! li º! ºl.U
gado). É digno de nota na Figura 4 l.9C que os pontos exibem 2 345 6

538
Análise Espacial de Epidemias

Se uma doença está se disseminando de planta para planta, tese da nulidade não pode ser rejeitada e a sequência de plantas
plantas doentes devem estar agregadas, o que leva a poucos ainda é considlerada aleatória.
'runs •. Por outro lado, se plantas doentes estiverem distribuídas
Exemplom. Pl l l l l l00OLU0000.LU
ao acaso na linha, o número de 'runs • deve ser grande.
1 2 3 4 5 6 R=6
Para que se possa concluir estatisticamente a respeito de
agregação ou distribuição espacial ao acaso, é necessário saber Com esBes valores, ZR é detenninado como:
o número de ' runs' e sna variação esperada teórica. Assim, caso
existam N plantas numa linha e m dentre elas estejam doentes, as ZR= [6 + 0,5 · 10,6]/4,3453112 = - 1,967
fórmulas seguintes podem ser usadas para calcular o valor espe-
rado E(R) de 'runs' e sua variância o 2(R), assumindo-se padrão Aqui, como ZR é menor que -1,64, a hipótese da nulidade
é rejeitada e o padrão espacial na linha é considerado agregado.
espacial ao acaso:
Os três exemplos discutidos mostram que é necessário
E(R)=l+2m(N-m) I N (41.16) haver um considerável desvio da aleatoriedadc para que a hipó-
tese alternativa de agregação seja aceita. Um exame superficial
o 2(R) = 2 m (N - m)[2 m(N • m)-N] / [N2(N - 1)] (41.17)
do exemplo 11 levaria a maioria das pessoas a optar pelo padrão
Para realizar o teste, os 'runs' observados (R) e os espe- agregado, fato, desmentido pelo teste objelivo.
rados E(R) são comparados. Para um número razoavelmente alto
de plantas (usualmente N > 20), é útil proceder-se a uma estan- 41.2.2.2: Teste de 'doublet'
dardização por meio do cálculo de ZR, o qual tem distribuição Na análise de 'doublet', o número de 'doublets', isto é, duas
nonnal: plantas doenws adjacentes, é usado como o critério de decisão.
ZR = [R + 0,5 - E(R)] / o(R) (41.18) As plantas dentro da linha são outra vez caracterizadas como O
(planta sadia) e l (planta doente). Se existirem 1O plantas numa
A constante 0,5 é chamada de correção para continuidade linha exibindo, o padrão OO J 1 O I O 1 1 1, três 'tloublets' podem
e é introduzida para minimizar o efeito da natureza discreta do ser identificados. Se o padrão espacial da doença for agregado,
número de 'runs'. O valor de ZHserá um grande número negativo o número de ' doublcts' será grande; o contrário é verdadeiro no
se houver agregação porque R serei, nesse caso, muito menor que caso de um padrão espacial ao acaso.
E(R). Como o teste é usualmente aplicado somente para diferen- O número observado de ·doublcts' será comparado com
ciar distribuição espacial agregada de distribuição espacial ao o número esp,erado de acordo com a hipótese da aleatoriedade.
acaso, rejeita-se a hipótese de distribuição espacial ao acaso se Considerando N plantas numa linha, com m plantas doentes, as
ZR<-1 ,64. fórmulas seguintes são válidas para o cálculo do número esperado
Alguns exemplos teóricos serão apresentados a seguir, de 'doublets' E(D) e de sua variância cr2(D):
sempre considerando 20 plantas numa linha, 12 das quais doentes:
E(D) =m(m -1)/ N (41.19)
ponanto, N = 20 em= 12.
cf(D) = m(m · l )[N (N • l )+2 N(m • 2)+N(m • 2)
Exemplo l. Ql.lº-212 LU Q1ºl.l 210.U (m-3)-(N- l )m(m· l)]I N2(N - \ )] (41.20)
12 3 4 5 6 7 8 9 10 ( ...) 14 R= 14 Na literatura, outra fónnula para a variância, desenvolvida
por Vanderpla nk ( 1946), é frequentemente citada. Converse et ai.
Número de 'runs' esperados para distribuição espacial ao
( 1979), no entanto, mostraram que a fórmula é incorreta, uma vez
acaso de acordo com a equação 41 . 16; que resulta em variância positiva mesmo quando N = m, caso em
E(R)= 1 +2 · 12· 8/20= 10,6 que a variância deve ser zero.
Para conduzir o teste, o número observado de 'doublets'
A variância correspondente é (Equação 41.17):
(D) é comparado com o número esperado E(D). Para um grande
o 2(R) = 2 · 12 · 8(2 · 12 · 8 - 20]/[20 · 20 · 19] = 4,3453 número de plantas (N > 20), é novamente possível calcular um
valor estandardizado de Z0 com base na distribuição normal:
Para o valor estandardizado (Equação 41 . l 8):
Z0 = (D + 0,5 • E(D)] I o(D) (41.21)
ZR = [14 + 0,5 - !0,6]/4,3453112 = l,87
No caso de agregação, o valor observado D será maior que
Como o número observado de 'runs' é maior que o número o esperado E(D) e, assim, Z0 terá um grande valor positivo. Uma
esperado, a sequência examinada não exibe um padrão agregado, linha de plantas exibirá padrão agregado se Z0 > 1,64 (P = 0,05).
o que também é mostrado pelo valor positivo de 2 1,..
As mesmas sequências dos três exemplos anteriores serão
apresentadas a seguir para o teste de 'doublet' (com 20 planta
Exemplo II. Q.LU0 00 UQlJ.00 il..LU.Q
numa linha, 12 das quais doentes: N=20 e m=l2).
12 3 4567 8 9 R =9
Exemplo l. O 1 1 OO 1 O 1 1 1 O 1 O 1 1 O I O1 1 D=5
Como N e m são os mesmos do exemplo anterior, E(R) e
Deve-se notar que uma sequência 111 define dois 'doublets';
cf(R) também têm o mesmo valor. ZR pode ser determinado por:
uma sequência 11111 define quatro 'doublets', etc. O número
ZR = [9 + 0,5 - 10,6]/4,34531'2 = _. 0,527 esperado de ',doublets', segundo a hipótese de aleatoriedade, é
dada pela equação 41.19:
Neste caso, o número observado de ' runs' é menor que
aquele esperado no caso de padrão espacial ao acaso, mas a hipó- E(D) = 12 · 11/20 = 6,6

539
l'vlanual de Fitopatologia

A variância dos 'doublets', de acordo com a equação 41.20, é: ( 1985), Maddcn (l 989), Campbell & Madden ( 1990), Collett
(1991), Cressie (1993), Campbell & Benson (1994), Bailey &
cr(D) = 12 · 11[20 · 19 + 2 · 20 · 1O+ 20 · 1O· 9 - 19 · 12 · 11 ]/(20 ·
Gatrell (1995), Cliff ( 1995), Madden & Hughes ( 1995), Kitanidis
20 · 19] = 1,25
(I 997) e Johnston ( I 998) possibilitam uma visão completa do
Com a equação 41.21, calcula-se o valor estandardizado assunto. Uma descrição desses métodos será dada a seguir.

ZD= [5 + 0,5 - 6,6)/1,25 111 = - 0,98 41.2.3.1. Comparação com distribuições estatísticas

Como o número observado de 'doublets' é menor que o Para analisar o padrão espacial da doença em parcelas ou
campos experimentais, uma moldura pode ser colocada sobre a
número esperado, o padrão da doença certamente não, é agregado,
o que também se reflete no valor de Z0 . parcela de tal forma a dividi-la em 'quadrats'. 'Quadrat' é defi-
nido como uma unidade de amostragem e tem usualmente a
Exemplo II. O 1 1 1 OO O 1 1 O 1 1 O O 1 1 1 1 1 O D= 8 lbnna retangular, com dimensões a critério do pesquisador. Em
Valores de E(D) e cr2(D) são idênticos ao exemplo anterior cada 'quadrat', o número de pontos (ou plantas docntes)_é deter-
(mesmos valores de Nem). O valor de 2 0 é calculado de acordo minado e uma distribuição de frequência é construida. A distri-
com a equação 41 .21: buição de frequência, obviamente, dependerá do número de
' quadrats' ou do tamanho do 'quadrat' . Como o tamanho ideal
ZD= [8 + 0,5 - 6,6)/1,25 112 = 1,70 do ' quadrat' para cada situação não é conhecido, recomenda-se a
Neste caso, o número observado de ' doublets' é maior que análise utilizamlo-se diferentes tamanhos.
o esperado sob a hipótese de aleatoriedade. O valor de 2 0 mostra Para analisar o padrão espacial ela Figura 41.9, cada parcela
que a hipótese da nulidade pode ser rejeitada em favor da hipó• foi dividida em 36 'quadrats' (Figura 4 1.10). A próxima etapa da
tese alternativa, o que significa que as plantas doentes exibem análise é contar os 'quadrats' que contêm nenhum ponto (ausência
padrão agregado na linha de plantio. de plantas doentes), um ponto, dois pontos, etc. A distribuição ele
Exemplo III. O 1 1 I 1 1 1 OOO 1 1 1 OOOO 1 1 1 D = 9 frequência conseguida para os três casos está apresentada na Tabela
41 .2. As três distribuições de frequência são obviamente diferentes:
ZD = [9 + 0,5 - 6,6]/I,25 1' 2 = 2,59 a Figura 41.10B tem alta incidência de 'quadrnts' com nenhum
Neste caso, 2 0 é muito maior que 1,64 (o lirniitc a 5% de ponto, consequência da concentração de plantas doentes em deter-
probabilidade) e, assim, o padrão de plantas doentes é conside- minada área da parcela; a Figura 41.1 0C tem predominância de
rado agregado. 'quadrats' com um ou dois pontos (com uma exceção com três
Para o exemplo teórico II, como demonstrado, os testes pontos), o que é umu clam indicação de padrão regular; a Figura
'run' e de 'doublet' apresentam resultados diferentes. No teste 41. l 0A tem alia incidência de 'quadrais' com O, 1 c 2 pontos.
'run', concluiu-se que o padrão espacial de plantas doentes éra De modo semelhante aos outros testes discutidos neste
ao acaso enquanto que no teste de 'doublet' a aleatoried-ade foi capítulo, a pergunta que precisa ser respondida é qual a distri-
rejeitada e o padrão agregado, aceito. Qual desses testes é mais buição de frequência esperoda no caso dos pontos apresentarem
confiável? Após comparação dos dois testes com dados simu- um padrão espacial ao acaso. A resposta pode ser dada com base
lados, Madden et ai. (1982) dão preferência à análise: de ' runs'. na distribuição binomial, que é caracterizada pelos parâmetros
Para parcelas experimentais com muitas Iinha:s de plantio, p e 11. O parâmetro p é a probabilidade de um ponto se localizar
sugere-se que as diversas linhas sejam combinadas para formar num determinado 'quadrat'. Como há um total de 36 'quadrals',
uma linha maior. Esta é, então, analisada com os métodos apre- esta probabilidade é dada por p = 1/36 = 0,027. O parâmetro n é
sentados anteriormente. Deve-se levar em conta, no entanto, a o número de todos os pontos (plantas doentes) existentes, neste
transição entre diferentes linhas: assim, um par de plantas doentes caso n = 54. A probabilidade que um 'quadrat' contenha r pontos
não deve ser contado como um ' doublet' se as pla111tas doentes pode ser calculada usando-se a distríbuição binomial:
estiverem em linhas adjacentes. Converse et ai. (1979) desenvol- n
veram um teste de ' doublet' generalizado que aborda o caso de P(r)=(r)p'(l -p)',.., com (r) =n!/[r!(n-r)!] (41.22)
várias linhas de plantio.

41.2.3. Padrões Espaciais em A B e


Parcelas ou Campos
Experimentais • •• ••• • ••
.. • 1: •
Diversos métodos estão disponíveis na
literatura para a análise de padrões espaciais
... •

•••
• 1

~-····..
••• :•. ••~

~
• •

• • • •• • •
1


• • 1

•• •

em parcelas ou campos experimentais como, •!
• 1. • .• •••
•• ·-·· •• • • ► •
• • • . 1 •


,
por exemplo, comparação com distribuições • • • .• it• • •• :~
• • • • • • • • • I•• • •
.. .. .
• 1
estatísticas, índices de dispersão, autocorre-
lação, áreas isópatas, lei de Taylor, etc. Há • : ·- •
••
1
• • • • •
•• 1•• •• • 1 • •

• • ·1• • •
excelentes artigos e livros que tratam da inter- • ••
pretação de dados espaciais nos contexêos da • • •
epidemiologia e da ecologia. Os trabalhos
de Cliff & Ord (1981 ), Ripley ( 1981 ; 1988), Figura 41.lO - ' Quadrats' (6 x 6) para determinar as distribuições de frequência dos três
Campbell & Noe ( l 985), Upton & Fingleton padrões espaciais da Figura 41.9.

540
Análise Espacial de Epidemias

O número de 'quadrats' com r pontos esperados é obtido Há também alto grau de similaridade quando se compara a d istri-
multiplica ndo-se P(r) pelo número total de 'quadrats' na parcela. buição binomial com a distribuição de Poisson (Tabela 41.3):
As frequências observadas e esperadas para a figura 41.1 0A ambas descrevem situação de aleatoriedade. Uma diferença entre
estão apresentadas na Tabela 41.3. Há alto grau de semelhança as duas distribuições é que, para a binomial, o número máximo de
entre elas, o que indica padrão espacial aleatório para a Figura pontos uum 'quadrat' é restrito (valor máximo = n); para a distri-
41. l 0A. Um método objetivo para comparar as duas distribuições buição de Poisson, ao contrário, probabilidades positivas podem
de frequência é o teste Chi-quadrado. ser calculadas mesmo para valores mais altos.
A distribuição de Poisson só deve ser aplicada para dados
Tabela 41.2 - Distribuição de frequência para os padrões espaciais binários caso a frequência de doença seja menor que 20%. Além
da Figura 41.1 O. das d istribuições binomial e de Poisson, ambas específicas para
padrões espaciais ao acaso, outras distribuições estatísticas podem
l'ontos por ~11mcrn de ·11uadrats" em
ser ajustadas às frequências observadas no caso de ocorrer agre-
'quadrai' Figura 41.I0A Figura 41.108 figura 41.IOC gação. como as distribuições binomial negativa (para dados de
contagem) e beta-binomial (para dados binários). Para detalhes,
o 9 16 o consulte Ma<lden & Hughes ( l 995), Hughes el al. ( 1997) e
li 7 19 Madden et ai. (2007).
2 9 4 16 41.2.3.2. Mapas
3 4 3 1 O mapeamento (bi ou tridimensional) é uma técnica útil na
4 2 3 o visualização e discernimento de possíveis relações cnlre daJos e
variáveis, tais como fatores cdáficos. hídricos e, lambém, fontes de
5 1 o inóculo. Neste último caso, atenção especial é dada àquelas foutes
6 o o localizadas fora da área avaliada.. que podem ajudar a melhor
7 o o compreender o patossistema. Em adição ao mapeamento, áreas
ou linhas isópatas podem ser construídas, por meio de ·softwares'
apropriados, evidenciando locais de mesmo nível de doença.
O cálculo das probabilidades P(r) com a equação 41.22
41 .2.3.J. Índices de dispersão
pode ser muito trabalhoso para altos valores de n. Se n for grande
e p, pequeno, a distribuição binomial pode ser substituída pela O cálculo da maioria dos índices de dispersão O (relação
mais conveniente distribuição de Poisson. Essa d istribuição esta- variância/média, índices de Lloyd, índice de Morisita. etc.}
tística depende somente de um parâmetro (À), que J etennina o descritos na lite ralura (Upton & fingleton, 1985; Campbell &
número médio de poutos por •quadrat'. A probabilidade que r Ma<lden, 1990) é baseado na relação entre a variância e a média
pontos ocorram num deten11inado 'quadrai' é dada por~ do conjunto de dados da área experimental considerada. Esses
indices podem indicar padrões espaciais regulares (D < 1), alea-
P(r) = À' exp(-À) / r! (41.23) tórios (D = 1) ou agregados (D> 1) e são válidos para dados de
Para a determinação do número esperado de ' quadrats', a contagem (como o número de lesões por planta ou o número de
probabilidade P(r) é novamente multiplicada pelo número total insetos por folha).
de 'quadrats', neste caso 36 (Figura 41.1 0A). O parâmetro À é O índice de Morisita (JMJ, por exemplo, é calculado pela
o número total de pontos dividido pelo número de 'quadrats': fórmula:
À = 54/36 = 1,5. As distribuições de frequência observada e Q

esperada mostram grande concordância entre si (Tabela 4 1.3). JM=Q[L X,(x;-1)] /[N(N- I)] (41.24)
,. l

Ta bela 41.3 - Frequências observadas e esperadas para as distribuições binomial e de Poisson na Figura 41. l0A.

DistTibuição binomia l
~í1111cro dr ponto~ por ·quadrai'
O 1 2 3 4 5 6
Frequência observada 9 ll 9 4 2 o
Frequência esperada 7,86 12,13 · 9,19 4,55 1,65 0,47 0,11

Distribuição de Poisson
:\iimt•ro de ponro, por ·quadrai'

Frequência observada 9 li 9 4 2 o
Frequência esperada 8,03 12,05 9,04 4.51 1,69 0,51 0,131

541
Manual de Fitopatologia

onde Q é o total de 'quadrats', X,, o total de pontos no 'quadrat' i, Para o caso de dados binários (como incidência de doença)
e N, o total de todos os pontos(= tx,). Para o exemplo da Figura a variância teórica é a variância binomial (Vbin), já referida ante-
41.10 (N = 54, Q = 36), os resultados são os seguintes: riormente. Assim,
Figura 41.1 0A: IM = 36·86 / (54·53) = 1.082 log(V..,) = log (A)+ b log(V1,,) (4 1.27)
Figura 41.108: IM=36·154 /(54·53)= 1,937 Uma distribuição espacial ao acaso é indicada por b = 1 e
Figura 4 l.l 0C: IM= 36·38 / (54·53) = 0,478 A= 1 [log(A) =O], isto é, Iog(Vob.) = log (Vi,), ou, variância obser-
vada = variância binomial. Isso é o mesmo que dizer que D = 1
Esses resultados indicam que o padrão da Figura 41.l0A para todo o conjunto de dados. Se h ; l e A> 1, então D é fixo e
é ao acaso, o da Figura 41.108. agregado, e o da Figura 41.1 0C, igual a A para todo o conjunto de dados, isto é, D não varia com p.
regular. O teste de Chi-quadrado pode ser empregado para c-0nfim1ar Se h > 1, entllo logU(,,J aumenta com log(Vb,) numa taxa maior
objetivamente essas indicações. que Vbm' isto é, D varia com mudanças em p. Nesse contexto, h é
Madden & Hughes (1995) demonstraram que índices de considerado um índice de agregação, embora a interpretação do
dispersão de modo geral (corno o índice de Morisita), baseados valor de h nunca deva ser separada da interpretação do vafor de A.
que são nas premissas da distribuição de Poisson, não devem ser A grande vantagem da lei de Taylor sobre outros métodos
usados para dados de incidência (especialmente para incidências de estudo do padrão espacial de doenças é que a agregação de
maiores que 20%). Para esse tipo <le dado (binário), a melhor todo o conjunto de <lados é descrito pelo menor numero de parii-
aproximação de uma condição de aleatoriedade é dada pela distri- metros (A eh). Outras abordagens (como os índices de dispersão,
buição binomial e, assim, o índice de dispersão apropriado deve por exemplo) requerem um parâmetro (D) para cada subcon-
ser outro. De fato, índice de dispersão, a rigor, é a relação entre a junto de dados. Adicionalmente. os parâmetros da lei de Taylor
variância observada e a variância teórica do processo em estudo permitem uma visão dinâmica de como muda a agregação da
(D= variância observada / variância teórica). Deriva dessa defi- doença em função do tempo (e de maiores incidências). Quando
nição a sempre utilizada relação variância observada c média a lei de Taylor for usada para comparar diferentes doenças ou
(D = variância observada/ média). uma vez que a variância da uma mesma doença ern diferentes condições, cuidado deve ser
distribuição de Poisson é sua própria média. Já para a distribuição tomado para que as amostragens sejam feitas considerando-se
binomial, a variância é igual a Vbm ""p( 1 - p) / n, onde pé a inci- gama semelhante de intensidades de doença, caso contrário resul-
dência na parcela e n, o número de plantas por ·quadrat'. Já a tados errôneos podem ser obtidos.
variância observada é calculada por i,;,.., = l:(X, - np)2 / n2(N - 1),
onde rx, é o somatório do número de plantas sintomáticas em 4 1.2.3.5. Análise de autocorrclaçiio espacial
cada 'quadrat'; e N é o número total de ·quadrais' em cada área. Autocorrelação espacial é uma característica geral de variá-
A utilização de índices de dispersão apropriados para dados veis ecológicas e pode ser definida como a propriedade que variá-
de incidência vem, de forma gradual, ocupando espaço na literatura veis aleatórias têm de. tomadas duas a duas. em sítios separados
fitopatológica (Gottwald et ai., 1995; Madden et ai., 1995; Laran- por uma certa distância, serem mais (autocorrelação positiva) ou
jeira et ai., 1998; Spósito et al., 2007). Apesar de muito usados, os menos (autocorrelaçã.o negativa) similares que o esperado para
índices de dispersão têm a grande limitação (assim como a compa- pares de observações associadas ao acaso. A análise de autocor-
ração com distribuições estatisticas) de não levarem em conta a relação espacial é uma técnica potente. na medida em que pode
posição relativa de cada medida (Nicot et ai., 1984). analisar dados discretos, como contagem, ou dados continuos,
como área foliar afetada. No entanto, para trabalhar com inci-
41.2.3.4. Lei de Taylor dência, os dados precisam ser transformados de fonna conve-
niente. Os resultados da análise de autocorrelação espacial são
Taylor ( 1961) foi o primeiro a demonstrar que populações
expressos em intervalos de espaço (/E 2'. l) em que os valores
de diferentes espécies apresentam graus de agregação caracterís-
dos dados mantêm relação uns com os outros, ou seja, até qual
ticos. A partir de dados de distribuição espacial de diversas popu-
intervalo de espaço !E uma certa medida (número de lesões, por
lações de uma espécie, pode-se relacionar linearmente o loga-
ritmo da variância observada u:b) e o logaritmo da média:
exemplo) numa posição E tem relação com as medidas nas posi-
ções E + !E em dadas direções. Ao contrário das técnicas ante-
log(l,'.,b,) = log (A)+ b log(média) (41.25) riores, e por considerar a posição espacial das medidas, a análise
de autocorrelação espacial fornece informação não só do arranjo
Essa é a chamada lei de Taylor. Os parâmetros da equação,
espacial dos dados, mas também da relação entre medidas. Pode-
assim, representam a característica espacial de uma dada espécie. se, assim, identificar não ap4:nas a agregação, mas em quais locab
Mais especificamente, Taylor ( 1961) enfatizou o emprego do
da área experimental ocorreu o fenômeno estudado e sua direção
parâmetro b como um indice de agregação: quando b > 1, o
preferencial. entre outros atributos.
padrão espacial é agregado (tanto mais agregado quanto maior
for o valor de b); quando b = 1, ao acaS-O; quando b < 1, regular. 41.2.4. Exemplos de Análise Espacial Aplicada a
Epidemias de Doenças de Plantas
Madden & Hughes (1995) demonstraram a inadequação da
lei de Taylor para dados de incidência e propuseram uma modifi- 4 l.2.4. 1. Padrão espacial do cancro cítrico em São
cação, confirmando a previsão do próprip Taylor (1961 ). de que Paulo antes e depois da larva minadora
dados binários provavelmente necessitariam de tratamento esta- asiática
tístico especial. A lei de Taylor modificada tem a forma:
O cancro cítrico, causado pela bactéria Xanthomonas
log(Vo1,.r) = log (A)+ b log(variância teórica) (41.26) citri subsp. citri, é um grave problema fitossanitário dos citros.

542
Análise Espacial de Epidemias

O método de controle recomendado para os países ou regiões Com base nessas infonnações e após análise de 203 mapas
onde o patógeno ainda não se tomou endêmico é a erradicação espaciais de pomares infectados, Bergamin Filho et ai. (2000)
da planta sintomática mais todas as plantas assintomáticas loca- propuseram a seguinte hipótese para explicar os fatos: a larva
lizadas dentro de um determinado raio (variável de acordo com minadora altera o gradiente de doença (mas não altera o gradiente
o país) a partir da planta sintomática. A dispersão da doença no de dispersão), que passa da lei exponencial [ver Equação 41.2:
pomar dá-se com o auxílio de respingos de chuva e respingos de yi;(x) = aEexp(-bE'Y) e Figura 41. l B, D e4 l.2) para a lei da potência
chuva aliados ao vento. Em ambos os casos, o padrão espacial (ver Equação 41.l: yp(x) = a,,x-bp e Figura 41. IA, 41.1 C e 41.2].
resultante é fortemente agregado (Figura 41.1 IA), o que facilita a Como já discutido anteriormente, gradientes descritos pela lei
erradicação do patógeno. exponencial resultam em padrões espaciais bastante compactos
Em São Paulo, a partir de 1997, um acentuado aumeuto no (como era o cancro cítrico ante1> da introdução da minadora,
número de focos da doença foi detectado: partindo-se de 45 focos Figura 41. li A), ao passo que gradientes descritos pela lei da
identificados em 1996, esse número passou para 190 (! 997), 457 potência dão 01ige m a focos secundários ou satélites a considerá-
(1998) e 4.180 (1999). Somente em 1999, 299.856 árvores sinto- veis distâncias dos focos primários (como vem acontecendo cm
máticas foram identificadas, o que levou à erradicação adicional São Paulo desde a introdução da larva minadora, Figur.a 41.11 B).
de 1.737.545 árvores assintomáticas (usando-se o raio de 30 m). Trabalhos recentes sobre a disseminação do cancro cítrico na
Esse aumento epidêmico temporal da doença foi concomitante a Flórida e em São Paulo dão suporte à hipótese proposta (Gottwald
uma acentuada mudança no padrão espacial: de fortemente agre- e t ai., 2001; 2002; 2007 Schubert et ai., 2001 ), o mesmo aconte-
gado (D > 3,5 - Figura 41.11 A), o padrão passou a moderada- cendo com simulações em computador (Minogue, 1989; Zawolek
mente agregado (l,0 <D < 3,5 - Figura 41 .1lB), com muitos casos, & Zadoks, 1992; Ferrandino, l993; Shaw, 1994: Zadoks & van
inclusive, de padrão espacial ao acaso (D = 1,0 - Figura 41.11 C). den Bosch, 1994).
Levantamento efetuado em São Paulo no período 1999/2000 identi- A epidemiologia do cancro cítrico em São Paulo ilustra
ficou, em 203 pomares avaliados, 53% com padrão espacial mode- clara e didaticamente a diferença entre gradiente de dispersão
radamente agregado, 26% com padrão fortemente agregado e 21 % e gradiente de doença: enquanto que o gradiente de dispersão
com padrão ao acaso. Antes de 1996, a quase totalidade dos pomares ( de X citri subsp. citrí) não se alterou com a chegada de
com cancro mostravam padrão espacial fortemeute agregado. P. citrella (a dispersão do patógeno por meio de aerossóis sempre
Na busca da causa para uma mudança de comportamento ocorreu), o gradiente de doença foi fortemente influenciado pelo
dessa magnitude, a identificação em São Paulo, em 1996, da larva inseto (só depois de sua chegada é que os aerossóis tornaram-se
minadora asiática dos citros (Phy llocnistis cifrei/a) logo chamou funcionais como facilitadores de infecção), com drásticas conse-
a atenção dos epidemiologistas, a despeito desse inseto, com base quências para a epidemiologia da doença.
nas informações disponíveis na literatura (Stall & Civerolo, 1993; A aplicação da lei de Taylor [ Equação 41.27: log( ":b) =
Gottwald et ai., 1997b; Belasque Jr. et ai., 2005), não ser vetor de log (A)+ t, log(Vb1.)] a mapas de 340 talhões do cancro cítrico
X citri subsp. citri. A larva minadora asiática, no eµtanto, pode também dá suporte à hipótese proposta por Bergamin Filho el
causar graude impacto na epidemiologia do cancro c,.ítrico por ai. (2000). Na análise conjunta de todos os pomares obteve-se
diversos motivos: (i) os ferimentos causados pelo inseto tomam b = 1,28 e logA = 1,21, com R2 = 0,95 (Figura 41.12A). Tanto
a folha dos citros altamente suscetível à infecção por meio de b quanto A diferiram estatisticamente de 1, mostrando que o
aerossóis (mesmo aerossóis contendo poucas células bacte- cancro cítrico, de modo geral, tem padrão espacial agregado, o
rianas); na ausência das minas, aerossóis raramente contribuem que não causa surpresa. O exame atento da Figura 41.12A, no
para a epidemia; (ii) infecção na presença de ferimentos causados entanto, mostra algo incomum na análise espacial de e pide-
pela minadora (em comparação com aberturas naturais) pode mias: há pomares com padrão espacial ao acaso (pontos sobre
ocorrer com concentrações de inóculo 100 a 1000 vezes menores; a linha binomial), pomares com padrão espacial altamente agre-
( iii) a cicatrização dos ferimentos causados pela minadora pode gado (pontos bem acima da linha binomial) e pomares com
levar de I Oa 14 dias, comparado a apenas um dia para ferimentos padrão espacial moderadamente agregado (pontos pouco acima
causados por vento, poda ou outros meios fisicos. da linha binomial) em praticamente toda a gama de incidências

e
A B
l"TI'l+TTTI

Figura 41.1 l - Exemplos reais de pomares com cancro cítrico (quadrados cheios) e diferentes padrões espaciais: (A) fortemente agregado (D>
3,5); (B) moderadamente agregado (1 < D < 3,5}; (C} ao acaso (D = 1).

543
Manual de Fitopatologia

o vetores. Gottwald et ai. (] 997a) sugerem que A. gossypii tem o


A hábito de, ao deixar uma planta cítrica, voar para plantas discantes
-1 (entre 100 e 200 m), muitas vezes deixando o pomar e interrom-
IJ) pendo a cadeia de transmissão do patógeno. Esse comportamento
.D -2
~
do vetor produz uma padrão espacial ao acaso de plantas com
O)
-3 sintomas de tristeza, fato comprovado por meio da lei de Taylor,
.2 para pomares da Califórnia e da Espanha: os parâmetros A e b
-4 não diferiram da unidade. Em pomares onde T. citricida estava
presente, ao contrário, a lei de Taylor mostrou padrões espaciais
-5 agregados de plantas sintomáticas, tanto na Costa Rica (onde h
-5 -4 -3 -2 -1 o -5 -4 -3 -2 -1 o foi maior que 1) quanto na República Dominicana (onde A foi
maior que 1). fato explicado pelo hábito de T. citricida, ao se
logVbin
locomover, voar para plantas próximas daquela previamente
Figura 41.12 - A lei de Taylor para 203 pomares com c:ancro cítrico. colonizada. •
(A) todos os pomares juntos; (B) pomares agrupados
41 .2.4.3. Quem governa o padr!lo espacial das
de acordo com o índice de agregação (D - 1, círculos
vazios; 1 < D < 3,5, quadrados; D > 3,5, círculos fitoviroses?
cheios). Para a grande maioria das doenças causadas por füngos e
bactérias, o padrão espacial de plantas doentes é governado pelas
da doença, como se o cancro fosse produto de diferentes meca- características intrínsecas ao patógeno e por suas relações com o
nismos de dispersão, cada um deles capaz de produzir seu próprio meio ambiente. Assim, a título de exemplo, as ferrugens exibem
padrão espacial característico. A Figura 41.128 c,onfüma essa padrão espacial moderadamente agregado em vinude do balanço
impressão, com as três linhas de regressão ajustadas aos dados entr~ disseminação pelo vento (longa, média e curta distâncias) e
para pomares agmpados de acordo com o índice de dispersão D disseminação pela chuva (curta e média distâncias); neste caso, os
(D= 1; 1 <D< 3,5; D> 3,5): ao acaso (b = 1,05; logA = 0,19), urediniósporos formados na snperficie foliar podem ser dispersos
moderadamente agregado (b = 1,05; logA = 0,46) e fonemente pelos dois agentes de disseminação. Já muitas bactérias, como
agregado (b = 1,09; log,1 = 0,96). Esses três grupos são pouco Xanthomona.s citri subsp. citri, agente causal do cancro cítrico,
influenciados pela incidência de cancro no pomar e ,estão ligados exibem padrão espacial altamente agregado (no caso do cancro
aos três processos de dispersão predominantes (i) sem o minador cítrico, especialmente na ausência da larva minadora, Phyllocnistis
(fonemente agregado), (ii) com o minador (moderadamente agre- citrel!a), em virtude do papel indispensável desempenhado pela
gado) e (iii) com o minador c alto potencial de inóculo nas proxi- chuva na dissolução da mucilagem que envolve as células bacte-
midades (ao acaso). • rianas na superficie da lesão e, consequentemente, na disseminação
da bactéria.
4 1.2.4.2. lnftuência da espécie do vetor na O caso dos vírus é diferente. Aqui, os padrões espaciais de
epidemiologia da tristeza dos citiros plantas doentes variam desde altamente agregados. passando por
A tristeza dos citros foi observada pela primeira vez no inúmeros padrões levemente agregados, até casos de distribuição
Brasil em 1937, na região do vale do rio Paraíba, São Paulo. Seu ao acaso: tudo depende das características intrínsecas ao vetor ( ou
agente causal, o vírus da tristeza (Citrus tristeza virus), é um dos aos vetores) e de suas relações com o meio ambiente (que inclui
patógenos de maior importância econômica da cultura, afetando- o próprio vírus).
-a em todos os países produtores. No Brasil, o vírus é transmitido Assim, patógenos diferentes (bactérias, fitoplasmas/espi-
de maneira semipersistente por diversas espécies de afídeos, prin- roplasmas ou vírus), mas com vetores do mesmo grupo, devem
cipalmente Toxoptera cirricida e Aphis gossypii. A primeira colo- exibir padrões espaciais semelhantes. Quase nada há na literatura
niza o citros, que é seu principal hospedeiro, e transmite o vírus sobre o assunto, mas o pouco que há indica que o conceito pode
com alta eficiência; a segunda migra apenas acidentalmente para ser útil. como exemplificado pelos patossistemas:
o citros, não o coloniza, e transmite o vírus com baixa eficiência. (i) citros/Xylellafostidiosaldiversos vetores (Cicadellidae),
Toxoptera citricida não ocorria nos Estados Unidos e nos países
(ii) milho/complexo do enfezamento (fitoplasma - 'maize
da América Central e Caribe até o início da década de 1990.
Ainda não ocorre na região mediterrânea. bushy stunt phytoplasma' - e espiroplasma - Spiroplasma
kunkelii)/Dafbulus maidis (Cícadellidae) e
O progresso temporal da tristeza quando r
citricida está
presente no pomar é tão mais rápido que a causa para tal não deve (iii) milho/vírus do 'rayado fino' (MRFV)/Dalbulus maidis
ser apenas sua maior eficiência de transmissão. Estudos experi- (Cicadellidae).
mentais conduzidos na Espanha, Flórida e Califórnia (na ausência Apesar de envolverem. respectivamente, bactéria, fito-
de I citricida e presença de A. gossypi1) mostraram que, em média, plasma/espiroplasma e vírus, todos eles exibem padrões espa-
95% das plantas de um pomar tomam-se sintomátic;as após 8 a ciais semelhantes. O parâmetro b da lei de Taylor modificada,
15 anos; na Costa Rica e República Dominicana (na presença de um atributo imponante na caracterização espacial de espécies,
T cítricida e A. gossypii), no entanto, a mesma incidência de tris- assume valores de 1, 13 (P< 0,05). paraXylellafastidiosa (Laran-
teza é alcançada em apenas 2 a 6 anos (Otittwald et ai., 1997a). jeira. 1997), 1, 1O (P < 0,05), para o complexo do enfezamento
Uma explicação adicional (além da maior E:ficiência de do milho (Folegatti, Amorim. Lopes & Bergamin Filho, dados
transmissão) para essa dramática mudança no progre!Sso temporal não-publicados) e 1, 19 (P > 0,05), para o vírus do 'rayado fino·
da tristeza deve ser procurada no comportamento espacial de seus (MRFV) (dados de Gámez & Saavcdra, 1986), o que indica

544
Manual de Fitopatología

o , vetores. Gottwald et ai. ( 1997a) sugerem que A. gossypii tem o


A hábito de, ao deixar uma planta cítrica. voar para plantas distantes
-1 (entre 100 e 200 m), muitas vezes deixando o pomar e interrom-
(/)
.o -2 pendo a cadeia de transmissão do patógeno. Esse comportamento
o do vetor produz uma padrào espacial ao acaso de plantas com
>C) sintomas de tristeza, fato comprovado por meio da lei de Taylor,
..Q -3
para pomares Ja Califórnia e da Espanha: os parâmetros A e b
-4 não diferiram da unidade. Em pomares onde T. citricida estava
presente, ao contrário, a lei de Taylor mostrou padrões espaciais
-5 agregados de plantas sintomáticas, tanto na Costa Rica (onde b
-5 -4 -3 -2 -1 o -5 -4 .3 -2 -1 o foi maior que 1) quanto na República Dominicana (onde A foi
logVbin maior que 1), fato explicado pelo hábito de T. citricida, ao se
locomover, voar para plantas próximas daquela previamente
Figura 41 .12 - /1. lei de Taylor para 203 pomares com cancro cítrico. coloninda.
(A) todos os pomares juntos; (8) pom21rcs agrupados
41.2.4.3. Quem governa o padrão espacial das
de acordo com o índice de agregação (D - 1, círculos
fitoviroscs?
vazios: 1 < D < 3,5, quadrados; D >· 3,5, círculos
cheios). Para a grande maioria das doenças causadas por fungos e
bactérias, o padrão espacial de plantas doentes é governado pelas
da doença, como se o cancro fosse produto de diferentes meca- características intrínsecas ao patógeno e por suas relações com o
nismos de dispersão, cada um deles capaz de produzir seu próprio meio ambiente. Assim, a título de exemplo, as ferrugens exibem
padrão espacial característico. A Figura 41. l 2B confirma essa padrão espacial moderadamente agregado em virtude do balanço
impressão, com as três linhas de regressão ajustadlas aos dados entre disseminação pelo vento (longa, média e curt3 distâncias) e
para pomares agrupados de acordo com o índice de dispersão D disseminação pela chuva (curta e média distâncias): neste caso, os
(D= 1; 1 <D< 35; D> 3,5): ao acaso (b = 1,05; logA = 0,19), urediniósporos formados na superfície foi iar podem ser dispersos
moderadamente agregado (b = 1,05; logA = 0,46) c fortemente pelos dois agentes de disseminação. Já muitas bactérias. como
agregado (b = 1,09; logA = 0,96). Esses três grupios são pouco Xan1homona.1· cifl•i subsp. citri, agente causal do cancro cítrico,
influenciados pela incidência de cancro no pomar e estão ligados exibem padrão espacial altamente agregado (no caso do cancro
aos três processos de dispersão predominantes (i) sem o minador cítrico. especialmente na ausência da larva minadora, Phyllocnistis
(fortemente agregado), (ii) com o minador (modcradlamente agre- citrella). em virtude do papel indispensável desempenhado pela
gado) e (iii) com o minador e alto potencial de inóculo nas proxi- chuva na dissolução da mucilagcm que envolve as células bacte-
midades (ao acaso). • rianas na supt:ríície da lesão e, consequentemente. na disseminação
da bactéria.
41.2.4.2. Influência da l'Spécie do vetor nn O caso dos vírus é diferente. Aqui, os padrões espaciais de
epidemiologia da tristeza dos citros plantas doentes variam desde altamente agregados, passando por
A tristeza dos citros foi observada pela prirneir.1 vez no inúmeros padrões levemente agregados, até casos d<l distribuição
Brasil em 1937, na região do vale do rio Paraíba, Sfio Paulo. Seu ao acaso: ludo depende das características intrínsecas ao vetor (ou
agente causal, o vírus da tristeza (Citrus tristeza virus), é um dos aos vetores) e de suas relações com o meio ambiente (que inclui
patógenos de maior importância econômica da cultura, afetando- o próprio vírus).
-a em todos os países produtores. No Brasil, o vírus é transmitido Assim, patógenos diferentes (bactérias, fitoplasmas/espi-
de maneira semipersistente por diversas espécies de :afideos, prin- roplasmas ou vírus), mas com vetores do mesmo grupo, devem
cipalmente Toxoptera citricida e Aphis gossypii. A primeira colo- exibir padrões espaciais semelhantes. Quase nada há na literatura
niza o citros, que é seu principal hospedeiro, e transmite o vírus sobre o assunto, mas o pouco que há indica que o conceito pode
com alta eficiência; a segunda migra apenas acidentalmente para ser útil, como exemplificado pelos patossistemas:
o citros, não o coloniza, e transmite o vírus com bai.,ca eficiência. (i) citros/Xy/ella/astidiosaldiversos vetores (Cicadellidae),
Toxoptera citricida não ocorria nos Estados Unidos e nos países
da América Central e Caribe até o início da década de 1990. (ii) milho/complexo do enfezamento (fitoplasma - 'maize
Ainda não ocorre na região mediterrânea. bushy stunt phytoplasma' - e espiroplasma - Spiroplasma
kunkelii)/Dalbulus maidis (Cicadellidae) e
O progresso temporal da tristeza quando T. citricida está
presente no pomar é tão mais rápido que a causa parn tal não deve (iii) milho/vírus do 'rayado fino' (MRFV)/Dalbulus maidis
ser apenas sua maior eficiência de transmissão. Estudos experi- (Cicadellidae).
mentais conduzidos na Espanha, Flórida e Califórnia (na ausência Apesar de envolverem, respectivamente, bactéria, fito-
de T. citricida e presença de A. gossypii) mostraram que, em média, plasma/espiroplasma e vírus, todos eles exibem padrões espa-
95% das plantas de um pomar tomam-se sintomáticas após 8 a ciais semelhantes. O p:irâmetro b da lei de Taylor modificada,
15 anos; na Costa Rica e República Dominicana (n~1 presença de um atributo importante na caracterização espacial de espécies,
T citricida e A. gossypii), no entanto, a mesma incidência de tris- assume valores de 1, 13 (P < 0,05), para Xylellafastidiosa (Laran-
teza é alcançada em apenas 2 a 6 anos (Gottwald et al ., 1997a). jeira, 1997), 1, 1O (P < 0,05), para o complexo do enfezamento
Uma explicação adicional (além da maior eficiência de do milho (Folegatci. Amorim, Lopes & Bergamin Filho, dados
transmissão) para essa dramática mudança no progresso temporal não-publicados) e 1,19 (P > 0,05), para o vírus do 'rayado fino'
da tristeza deve ser procurada no comportamento espacial de seus (MRfV) (dados d.: Gáme7 & Saavcdra. 1986), o que indica

544
Análise Espacial de Epidemias

padrão ao acaso ou de baixa agregação, provavelmente devido ao dências consideravelmente mais elevadas (19, 1% < p < 34,4%). A
hábito dos vetores (Homoptera: Cicadellidae), que se instalam ao julgar por esses indícios, os processos que dão origem aos padrões
acaso na cultura e que, posterionnente, não costumam voar para espaciais de urna doença de causa biótica ('rnarchitez sorprcsiva')
plantas imediatamente vizinhas àquelas em que se encontravam. e os processos que dão origem aos padrões espaciais do AF são
Mais estudos sobre o assunto, nessa e em outras combinações bastante diferentes.
hospedeiro/patógeno/vetor. são necessários antes que a generali- Houve relação significativa entre log(V...,) e log(V""') para
zação aqui proposta seja validada. cada uma das situações analisadas, com valores de R 2 entre 0,970
Pelo mesmo raciocínio, um mesmo patógen,o. quando disse- e 0,997. Os valores de b e de A foram estatisticamente maiores
minado por diferentes vetores (com diferentes comportamentos), que l, para todas as análises, mostrando agregação de plantas
deve apresentar padrões espaciais distintos em cada situação. O sintomáticas em todos os blocos. A amplitude de variação do
vírus da tristeza do citros (CTV) é um bom exemplo desse prin- parâmetro b entre blocos foi pequeno (1,321 < b< 1,597). Análise
cípio (ver item anterior). conjunta dos dados, considernndo todos os blocos e todas as datas
de avaliação, resultou em b = 1,282, log(A) = 0,891 e R2 = 0,901.
41.2.4.4. Padrão espacial e etiologia do amareiecimt>nto Neste caso, também, b e A diferiram de 1, confinnanélo o padrão
fatal do dendezeiro espacial agregado do AF. Os resultados obtidos com a lei de
Um aspecto raramente discutido na literatura fitopatológica, Taylor confirmam e ampliam aqueles obtidos com os índices de
em contraste com a literatura médica, é o emprego de padrões dispersão, ou seja, plantas com sintomas de AF exibem acentuada
espaciais de plantas doentes para inferir a respe:ito da natureLa agregação desde incidências extremamente baixas, tendência que
(biótica ou abiótica) do agente causal. Um dos motivos para tal é se acenn1a em função do tempo e do consequente aumento da
que a obtenção de dados consistentes sobre o padrão espacial de incidência.
plantas doentes requer, via de regra. vários anos de coleta, tempo A análise de ãreas isópatas não permitiu a identificação
geralmente suficiente para que o agente causal (biótíco ou abió- de nenhum padrão espacial definido para o AF. Assim, áreas
tico) seja identificado por outros meios. de maior incidência de plantas sintomáticas (focos) podem ser
O trabalho de Laranjeira et ai. ( 1998), aqui discutido, analisa encontradas nas bordas dos blocos, mas podem, também. ser
a distribuição espacial de plantas de dendê (Elaeis guineensis) encontradas no centro dos blocos. Em alguns casos, a situação é
com sintomas de amarelecimento fatal (AF) como contribuição ainda mais confusa, pois focos de plantas sintomáticas são encon-
ao esclarecimento de sua etiologia. Mesmo tendo ciência que um trados tanto nas bordas como no centro dos blocos (Laranjeira ct
determinado padrão não indica necessariamente o processo que ai., 1998). Com relação ao crescimento dos focos, os mapas de
o originou, a premissa básica do trabalho é que dloenças bióticas áreas isópatas mostram progrc:ssílo radial, às vezes com veloci-
de causa desconhecida devem apresentar padrão espacial de dades iguais em todas as direções, dando origem a formas circu-
plantas doentes semelhante ao padrão espacial encontrado em lares, às vezes com velocidades maiores na direção Norte-Sul
doenças de causa biótica já devidamente caracterizad_as. Apesar (ou Sul-Norte), dando origem a formas alongadas nesse sentido,
de ser assunto recente e ainda controvertido, as doenças de causa às vezes com velocidades maiores no sentido Leste-Oeste (ou
biótica, especialmente quando o hospedeiro é perene, exibem Oeste-Leste), dando origem a formas alongadas nessa direção
padrões definidos de aparecimento e de crescimento de focos, (Laranjeira et ai., 1998).
além de mostrarem agregação estatisticamente significativa de A ausência de padrão que caracteriza o aparecimento e o
plantas doentes a partir de incidências relativamente elevadas, crescimento de focos de AF também sugere o envolvimento de
usualmente entre I O e 15%. processos formadores abiótícos. Em sua análise de áreas isópatas
Duas propriedades marcantes caracterizaram as epidemias para a clorose variegada dos citros, Laranjeira ( 1997) encontrou, de
deAF em Benevides, Pará, sob o enfoque espacial, ,conforme quan- forma consistente, os primeiros focos de plantas doentes nas bordas
tificado pelo índice de dispersão (D = ~b/Vb,,,) (Laranjeira et ai., dos blocos, indicação clara que o patógeno, e seu vetor, sobrevivem
1998): primeiro, a forte e frequente agregação de plantas afetadas nos pomares mais velhos infectados por X fastidiosa. Nenhum
(plantas sintomáticas encontravam-se agregadas 1~m 93,75% das padrão pôde ser definido para o AF, uma vez que focos foram
situações analisadas) e, segundo, as incidências p extremamente encontrados indistintamente nas bordas e no centro dos talhões.
baixas nas quais a agregação foi estatisticamente, detectada. Via Deve-se mencionar, finalmente, a associação entre proxi-
de regra, doenças de causa infecciosa (ou biótica), por sua própria midade de riachos ou áreas alagadas e maiores incidências de
infecciosidade, necessitam de limiares de incidência maiores AF (Figura 41. 13). Essa associação também sugere causa abió-
para que agregação significativa seja detectada, quando compa- tica para o Af e está de acordo com as conclusões de análise
radas com doenças de causa não infecciosa (ou abiótica). Para as epidemiológica temporal feita na mesma área e na mesma época
epidemias de AF analisadas por Laranjeira et ai. ( 1998), valores (Bergamin Filho et ai., 1998). Essas conclusões sobre a etio-
de incidência tão baixos como 3,2% ou 3,8% foram suficientes logia do AF, no entanto, não são unânimes na literatura: para uma
para que agregação significativa fosse detectada. Discorrendo visão oposta à aqui apresentada, consulte van de Lande & Zadoks
sobre o mesmo assunto, van de Lande ( 1993) vai além e relata ( 1999).
agregação significativa para o AF em Victoria, Suriname, para
incidência de 0,7% (P < 0,05). Em outros blocos., incidências de 41 .2.4.5. Padrão espacial e sobrevivência de
1,5%, 8,3% e 9,3% também foram suficientes para que agregação
Colletotricltum
significativa fosse detectada. No mesmo estudo (van de Lande, A podridão floral dos citros, causada por espécies dos
1993), ainda com o dendezeiro, uma doença sabidamente de causa complexos Colletotrich11m aCL/tatum e C. gloeosporioides, é de
biótica ('marchitez sorpresiva', causada por Phytomonas e trans- ocorrência esporádica na maior parte dos pomares do Estado de
mitida por insetos peutatomídeos) só mostrou agregação a inci- São Paulo, mas pode ocorrer de forma devastadora quando há

545
Manual de Fitopatologia

fevereiro - 96
...... .
. ::~:: f }}~
. . - . . •.
-:;.:::.;::t·:_: -:- ._..·;, .
ele, ada frequência de chuvas durante a florada (Silva Jr. et ai.,
... ,•
2014b). Em 2009, a condição climática foi de tal maneira favo-
rável à ocorrência da doença que mesmo com a aplicação de fungi-

..:.;~~!,:•1·; ;;iii\sí:Itt:.· ~ :-
cidas. houve significativa redução na produção e elevado prejuízo
aos citricultores (Silva Jr. et ai., 2014a). Colletotríchum produz
conidios envolvidos por mucilagem no interior de acérvulos. Os
conídios são dispersos por respingos de chuva a curtas distâncias
a partir da fonte. F.ssa fo1ma de dispersão, teoricamente, deveria
produzir distribuição altamente agregada de plantas doentes.
mesmo para baixos valores de incidência. No entanto, esse não é
o caso para a podridão floral dos citros no Estado de São Paulo.
Tipicamente as epidemias começam com distribuição aleatória
•' ::"' . --~- :-..
J'
de plantas doentes e só apresentam padrão de agregação quando
a incidência se aproxima de 15% de plantas doentes. Mesmo com
a evolução das epidemias, os índices de dispersão permanecem
relativamente baixos (Tabela 41.4). Ah:m do padrão de distri-
buição espacial de plantas doentes ser atípico na podridão floral
dos citros. a velocidade de evolução das epidemias é surpreen-
dentemente elevada para um pa1ógeno que se dispersa exclusiva-
mi;nte via respingos de chuva a curtas distâncias (Silva Jr et ai..
2014 b; figura 41.14). Duas são as hipóteses que explicam esse
comportamento inusitado: (i) o patógeno possui outros meca-
nismos eficientes de dispersão e (ii) a sobre, ivência epifítica do
patógeno é tão eficaz que. quando as condições de ambiente são
favoráveis, ele rapidamente infecta as flores. Essa duas hipó-
teses já foram comprovadas. As espécies dos complexos Cofle-
totrichum acutatum e C. gloeosporioides que causam a podridão
floral Jos citros podem ser dispersas por abelhas (Gasparoto et
ai.. 201 7). Esses vetores transportam conídios aderidos ao corpo
(Figura 41.15) e os depositam em flores sadias, o que explicaria
a distribuição aleatória de plantas doentes. Além disso, e talvez
Figura 41.13 - Distribuição de plantas coin amarelecimento fatal até mais importante. o patógeno é capa7 de sobreviver de forma
do dendenzeíro, avaliadas de fevereiro d,; 1997 a se- cpifitica (assintomática) por meses tanto na superfície de folhas
tembro de 1997, cm propriedade localizada no Pará. cítricas (Pereira, 2014) como na superficie de plantas daninhas
Círculos cheios representam plantas doentes. A área (Frare et ai.. 2016). Dessa fom1a. logo após o florescimento, o
em branco que cruza os mapas no sentido longitudi- patógeno, já dissseminado na área. passa a produzir conídios, os
nal corresponde a um riacho. quais infectam as flores, causando epidemias explosivas.

Ta~la 41.4 - Índices de dispersão (variância observada/variância binomial). com quadrats de tamanho 3 x 2, e padrões de distribuição espa-
cial resultante das avaliações de incidência de plantas com podridão floral dos citros em um pomar localizado do Estado de São
Paulo, avaliado durante o florescimento das plantas de 2008 a 2010.

Data Incidência ('1/.,) Índin· de di,11l'nào Oi\trihuição das 1>lanlas

09/09/08 0,6 0,99 Ao acaso


18/09/08 4.4 1.00 Ao acaso
26/09/08 15,4 1,09 Ao acaso
03/10/08 25.2 1,29 Agregado
05/08/09 3,8 1,16 Ao acaso
18/08/09 5.0 1.10 Ao acaso
27/08/09 72,6 2,27 Agregado
01/09/09 80.4 2,22 Agregado
13/10/10 0.2 1,00 Ao acaso
Ao acaso
21/10/10
03/11/ 10 45,0
'·º 0,97
1.42 Agregado
08/ 11/ 1O 47,2 1,48 Agregado

Fonte: Modificada de Silva Jr. (201 1).

546
Análise Espacial de Epidemias

05/08/2009 18/08/2009 27/08/2009 08/09/2009

Figura 42.14 - Mapas de distribuição de plantas com podridão floral dos citros {espécies dos complexos Col/e101rich11m acutawm e C. gloeoJ-
porioides) em um pomar de 500 plantas localizado no sudoeste do Estado de São Paulo. Quadrados va;,:ios representam árvores
sadias e quadrados cheios, árvores sintomáticas.
Fonte: Modificada de Silva Jr. (201 1).

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547
CAPÍTULO

42
MODELOS DE SIMULAÇÃO DE .
EPIDEMIAS DE DOENÇAS DE PLANTAS
Serge Savary e Laetitia Wil/ocquet

ÍNDICE

42.1. Introdução............................................................ 551 42.3.2. Componentes de um modelo


epidemiológico preliminar ..................... 554
42.2. Análise de sistemas em epidemiologia de
doenças de plantas ...............•.......•.................•...... 552 42.3.3. Principais equações do modelo .............. 555
42.2.1. Análise de sistemas, sistemas e modelos ... 552 42.3.4. Inicializando o modelo ........................... 555
42.2.2. Integração numérica e analítica.............. 553 42.3.5. Desenho do fluxograma do modelo ....... 556
42.2.3. Simbologia de Forrester e terminologia .... 553 42.3.6. Verificação do modelo: a primeira
si.Jnulação ................................................. 556
42.2.4. Dimensões................................................ 553
42.3.7. Explorando o comportamento do
42.2.5. Constantes de tempo e intervalo de
modelo...................................................... 556
integração................................................. 554
42.3.8. Revisitando hipóteses .............................. 558
42.3. U~ ~o.delo epidemiológico para doenças
policid1cas ............................................................ 554 42.4. Considerações finais ............................................ 559
42.3.1. Revisitando alguns conceitos 42.5. Bibliografia consultada........................................ 559
epidemiológicos sob a perspectiva da
análise de sistemas ................................... 554

42.l. INTRODUÇÃO A modelagem tem muitas aplicações na ciência, incluindo


epidemiologia das doenças de plantas considera a a fitopatologia, com dois propósitos principais e distintos. O

A interação entre plantas e patógenos ao nível popu-


lacional. Essa interação. que é chamada de doença.
é relevante por muitas razões, incluindo os efeitos negativos que
primeiro objetivo é prever. A previsào está associada cm muitos
casos à necessidade de antecipar a ação. Por exemplo, a previ-
são do tempo permite escolher as roupas do dia. A previsão é
um contributo essencial da ciência - pense sobre a epidemiolo-
as doenças têm no desempenho das culturas, nos ecossistemas
e na biodiversidade. É uma interação populacional porque as gia médica e sobre as decisões relativas às vacinas em crianças.
populações de agentes patogênicos interagem com populações de Muito trabalho em fitopatologia tratou de previsão da doença.
plantas, o que pode resultar em epidemias. Também pode haver com a ação antecipada de usar pesticidas. Essa aplicação de
diferentes padrões de doença ao longo de temporadas sucessivas. modelagem permanece, de longe, a mais importante e a mais
Muitos fatores influenciam as epidemias de doenças ele plantas: visivcl. Trata-se de questões do tipo "será necessário pulverizar
a composição genética do hospecleira e a do patógeoo; a variabi- amanhã?'" Essa aplicação de modelagem, portanto, envolve uma
lidade do ambiente tisico, incluindo muitas facetas do clima e do maneira de responder perguntas.
solo; os efeitos do manejo das culturas e também as característi- O que importa nesta primeira aplicação de modelagem é
cas (f1sicas. mas também econômicas e sociais) da paisagem onde a própria predição - não nos impona muito a fonna de como a
as plantas e as culturas crescem. previsão do tempo foi feita, desde que tenhamos a roupa certa

551
Manual de Fitopatologia

para o dia. Na .fitopatologia, uma previsão incorreta da doença de elementos conectados, como o sistema de transporte público
às vezes pode significar doença muito severa e perdas econômi- de uma grande cidade, com ônibus e metrô. Neste texto, a palavra
cas muito grandes. Da mesma fonna, no domínio da previsão sistema é usada com um significado mais preciso. Nós nos referi-
de epidemias, o que mais irnpona é a precisão da previsão: as mos aqui a um s istema como (1) uma série de elementos selecio-
formas através das quais essa previsão é gerada são secundárias nados, escolhidos, com (2) limites especificados e (3) caracterís-
e, mesmo, sem importância. Prever não é sinônimo de entender. ticas pré-determinadas. Um exemplo para um sistema é uma sala
O segundo objetivo da modelagem é entender. Há muitas de aulas com um (1) número detenninado de alunos, (2) todos
maneiras diferentes de entender na ciência, mas uma imponante dentro da sala, e, (3) cada aluno com suas habilidades especificas
consiste em ver que um princípio se aplica e que os eventos estão (e limitações). Cada um dos três pontos: ( 1) os elementos que são
em conformidade com esse princípio. O princípio pode, por exem- escolhidos para fazer parte do sistema, (2) os limites do sistema e
plo, ser o seguinte: "esta variedade é resistente à doença" . O prin- (3) as características dos componentes do sistema correspondem
cípio pode ser testado através de um experimento fonnal. levando a hipóteses - explícitas ou implícitas: decidimos quais alunos
ou não à sua confirmação. O princípio também pode assumir a fazem parte do sistema (ou não, talvez porque alguns alunos
forma de uma teoria - um conjunto de princípios combinados, faltem à escola naquele dia); nós escolhemos considerar esta
de resultados que são derivados de experiências anteriores e classe e não out1ra; e consideramos um tipo de habilidades (<liga-
experiências fom,ais. Por exemplo, há uma grande quantidade mos, matemática e filosofia), e não outras (esportes e inglês).
de estudos que mostram que dias nos quais há chuva (<ligamos, Olhamos o s sistemas porque eles mudam ao longo do tempo.
1-10 mm) e temperatura (digamos, 5-15 ºC) moderadas são favo- Outro exemplo de um sistema poderia, por exemplo, ser uma
ráveis à requeima da batata (tais condições favorecem, por exem- cafeteria nas proximidades. Essa cafeteria tem clientes que fazem
plo, liberação de esporos, transporte e infecção), em oposição a pedidos e funcionários que os processam. Pode haver, às vezes.
dias muito quentes (15-30 ºC) e secos. Essas diferenças nos padrões poucos clientes.. enquanto que, em outros momentos, o lugar
climáticos nos permitem entender porque cm algumas estações e está muito cheio (por exemplo, porque a cal'eteria está perto da
em algumas áreas a requeima da batata causa epidemias severas ou Universidade e item wi-fi gratuito, que os alunos usam enquanto
não: a compreensão, nesse exemplo, deriva da conformidade dos desfrutam de um café e conversam com seus amigos). Assim, para
fatos observados com o conhecimento prévio. Os modelos podem os clientes, e o s funcionários também, o tempo não é neutro. Em
ser usados para reunir conhecime nto prévio, o que, por sua vez, seguida, é útil observar o nosso sistema de cafeteria em uma série
pennite a compreensão. O conhecimento prévio pode ser consi- de intervalos de tempo que compõem um dia. Talvez um inter-
derado uma teoria, que pode assumir a fonna de um modelo. Esse valo apropriado seja de uma hora: esse intervalo é mai~ <lo que
modelo, por sua vez, pode ser testado contra fatos observados: a suficiente para e,xplicar as longas horas quando pouco acontece,
confiança ua teoria é aumentada quando os fatos estão em confor- mas 6 muito justo para capturar eventos no horário de pico. Muita
midade com a teoria; e quando os fatos não estão em conformidade coisa, porém, pode acontecer em uma hora quando o lugar está
com a teoria, surgem novas questões. Essas novas questões podem ocupado, as pessoas se encóntnim, muitas ordens silo colocadas,
ser enquadradas em novas pesquisas: a modelagem se toma um muitas mensagen1s recebidas. Talvez, um intervalo de 30 minutos, ou
instrumento de investigação - uma maneira de fazer perguntas. mesmo 15 minutos, seja melhor. Então, embora muitos segmen-
A modelagem é fundamental na exploração de sistemas tos quase vazios de 15 minutos possam ser um desperdício de
complexos, como as epidemias. Modelos são especialmente úteis tempo de comp1L1tação, esses pequenos intervalos garantem que
para abordar as questões do tipo "e se": "e se o clima estiver mais eventos importantes não serão perdidos no horário de pico. No
seco ou mais quente?'", "e se cultivarmos variedades mais resis- entanto, muitas coisas ainda podem acontecer durante um período
tentes?", "e se a cultura for plantada mais cedo?" ou ainda "e de 15 minutos. Um intervalo de 5 minutos pode ser mais seguro?
se for usado menos fertiliz.ante?". Muitas vezes, o uso de mode- Esta é uma perg1L1nta difícil.
los em epidemiologia foi reduz ido à questão: "e se um produto De qualqU1er forma, uma decisão deve ser tomada, e cabe
químico for aplicado?" ou "e se o produto químico for aplicado ao modelador fazê-lo. Cada sistema, como o sistema da cafeteria,
nesta ou naquela data?". Perguntas do tipo "e se" são difíceis, mas tem uma constante de tempo, que podemos simplesmente definir
muito imponantes, na ciência. Na verdade, a modelagem epide- como o intervalo em que o sistema pode mudar. Uma maneira de
miológica tem sido, em parte, associada ao surgimento das ques- escolher empiricamente uma constante de tempo é baseada na
tões-chave "e se" de nossos tempos: "e se a população mundial experiência e conhecimento do sistema em mãos. Note-se que
exceder a capacidade de carga da biosfera?", ou "e se o clima no sistema da cafeteria, nem todos os elementos que são impor-
global for profundamente alterado?". tantes para o sistema estão incluídos na própria cafeteria, como,
Este capítulo deriva de Savary e Willocquet (2014), que por exemplo, possuir wi-fi gratuito. Portanto, podemos chamá-lo
fornece um curso on-line (http://www.apsnet.org/edcented advanced/ de um sistema Bemiaberto. Os sistemas biológicos, os sistemas
topícs/ Botaníca!Epidemiology/ Pages/default.aspx) com práticas, fitopatológicos em particular, são semiabertos: recebem e trans-
exemplos e programas de simulação. mitem infonnaç,ões, componentes, biomassa ou energia de e para
o meio ambiente.
42.2. ANÁLISE DE SISTEMAS EM EPlDEMlOLOGIA Um modello é um programa de computador que descreve a
DE DOENÇAS DE PLANTAS mecânica do sistema considerado. A codificação de um modelo
pode ser feita de vá1ias maneiras. Aqui, nos referimos a mode-
42.2.1. Análise de Sistemas, Sistemas e Modelos los de simulação d inâmicos. A cada intervalo do tempo, o estado
Um sistema é uma representação simplificada da realidade. do sistema muda: no sistema da cafeteria, os clientes vão e vêm,
"Sistema" é uma palavra comum, muitas vezes usada com signi- as ordens são co,locadas, o café é bebido, as contas são pagas, as
ficado amplo. Por exemplo, sistema às vezes significa uma série mensagens são :recebidas, a notícia é compartilhada, às vezes o

552
Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas

café é derramado nos computadores. Em cada intervalo de tempo, A primeira equação afirma que, em cada passo de tempo,
o modelo atualiza o status do sistema e está pronto para contabili- .6.t, a quantidade A de bactérias no tempo t, A (t), é incrementada
zar os eventos do próximo intervalo de tempo com base no novo pela quantidade RA • .6.t, e a segunda, que RA é, por sua vez, o
staws que ele acabou de adquirir. produto: RRA • A .
Simulação, simplesmente, é a execução de um modelo. Isso Equações diferenciais simples, tais como: dy/dt = r • y
requer a definição adicional das condições iniciais do sistema podem ser facilmente integradas (como acima) de forma analí-
em consideração e valores especificados de parâmetros. o que tica. No entanto, assim que processos mais complexos são consi-
implica num certo conhecimento do sistema em questão. No derados, a integração numérica toma-se uma ferramenta de
sistema da cafeteria. é preciso decidir algumas coisas imponan- cálculo muito poderosa. Esta é a razão pela qual os modelos de
tes: quando o modelo começa? Quantos clientes e funcionários já simulação mecanística usam muito a integração nnmérica.
estão lá naquele momento? Quanto dinheiro há no caixa? Quais
42.2.3. Simbologia de Forrester e Terminologia
são os preços dos diferentes tipos de café? Quais são as taxas
de entrada e saída de clientes (e o que as determina)? Qual é a O modelo (e a integração numérica associada) apresen-
taxa de entrada de mensagens? O modelador. simplesmente, tem tado na seção anterior pode ser representado usando un1 diagrama
que definir a cena e decidir algumas regras, as quais podem ser como na Figura 42.1. Nessa figura, usamos a representação simbó-
simplificadas no inicio. lica desenvolvida por Jay Forrcster, onde:
• os retângulos representam variáveis de estado (aqui.
42,2.2. 1ntegração Numérica e Analítica apenas uma variável de estado é considerada, o número de bacté-
Um exemplo clássico para a integração analítica é o cresci- rias, A);
mento exponencial. Consideremos um sistema no qual um orga- • as válvulas representam taxas ou processos (aqui, apenas
nismo (digamos. uma bactéria) possui nutrientes ilimitados e uma taxa é considerada, a taxa bacteriana de crescimento, RA);
condições adequadas para sua manutenção, crescimento e multi- • as setas simples representam lluxos de materiais ou indi-
plicação. Uma pergunta é: quantas bactérias haverá no momento t? víduos (aqui um fluxo de bactérias):
A integração analítica do problema pode ser escrita da seguinte
forma: digamos que y é o número de bactérias, e t, o tempo decor- • os círculos representam parâmetros (aqui, apenas um
parâmetro está envolvido, a taxa relativa ou intrínseca de aumento
rido. Vamos assumir que o processo considerado é muito simples:
bacteriano, RRA);
o aumento ao longo do tempo, 1, de urna quantidade dada, y , é
proporcional ao valor da quantidade atualmente ex.istente y: • as relações quantitativas silo mostradas por setas traceja-
da~ (RA numericamente depende de A e RRA).
dyldt= r *y
Na equação acima, a velocidade na qual as bacté1ias
aumentam, dyldt é proporcional ao número de bactérias, y. À
medida que o tempo aumenta, r • t aumenta, assim como dyldt.
Portanto, a taxa de aumento em y (ou seja, dyldt) aumenta ao
longo do tempo, ou novamente: a velocidade na qual y cresce
A
aumenta continuamente ao longo do tempo com o próprio y. Esta
é a definição de crescimento exponencial. A integração analítica
da equação acima leva à equação: RA
Y, =Yq • exp (r • t)

Esta é a função de crescimento exponencial típica, que


afirma que a população de bactérias, y. aumenta exponencial-
mente com um valor inicial de y 0 ( quando t = O. e<'·,, = eº = 1), e
esse crescimento é infinito.
1

'--------'
e
A integração numérica do mesmo problema agora pode Figura 42.1 - Fluxograma para um modelo de crescimento exponen-
ser abordada da seguinte forma. Digamos que: (1) a quanti- cial. A quantidade de bactérias é A, a taxa de aumento
dade de bactérias deve ser indicada por A, o número de bacté- bacteriano é denotada RA em cada intervalo de tempo,
rias no sistema em um determinado ponto do tempo; (2) a taxa .6.t, com uma taxa relativa (ou intrínseca) RRA.
de aumento da população bacteriana é denotada RA; e (3) a taxa
relativa de aumento da população bacteriana, ou seja, a taxa de
aumento da população bacteriana em relação à quantidade de 42.2.4. Dimensões
bactérias presentes no sistema é denominada R.RA. As dimensões podem ser representadas entre colchetes.
Observa-se que. em comparação com a integração analí- Por exemplo. [L], [T] e [KJ representam dimensões de compri-
tica, agora temos: A = y; RA = dy/dt, e RRA = r = (dy/dt) / y. A mento, tempo e temperatura, respectivamente. A velocidade de
integração numérica deste problema envolve apenas duas linhas um objeto, por exemplo, teria dimensão: [L.1' 1], ou seja. distância
de código: por onidade de tempo:
A (t + .6.t) =A (t) + RA (t) • .6.t velocidade = distância / tempo

RA (t) = RRA • A (t) com dimensões: [L.1'1] =[L] / [T] =[LJ. [1' 1
].

553
Manual de Fitopatologia

Observe que o símbolo entre L e T- não representa um sinal


1
taxas. Pode-se considerar que a constante de tempo de tal sistema
de multiplicação no sentido algébrico. é igual ao inverso da taxa de mudança relativa mais rápida de nma
Uma equação como: RA = RRA * A no exemplo acima de suas variáveis de estado. Quanto menor a constante de tempo
implica dimensões. de um sistema, menor será o intervalo do tempo.
• A, o tamanho da população bacteriana tem por dimensão 42.3. UM MODELO EPIDEMIOLÓGICO PARA
[bactérias] ou [N]; DOENÇAS POLICÍCLJCAS
• RA, a taxa de crescimento da população bacteriana tem
por dimensão [bactéria.tempo- 1] ou de fonna simplificada [N.1'11; e 42.3.1. RevisitandoAlgunsConceitos Epidemiológicos
sob a Perspectiva da Análise de Sistemas
• RRA, a taxa de crescimento da população bacteriana em
relação ao tamanho da população bacteriana tem por dimensão Uma epidemia pode ser vista como um touo, uma entidaue a
[bactéria.bactéria· 1.tempo- 1] ou [N.N· 1.r- 1J. ser estudada, à qual podemos nos referir corno um processo. Através
A dimensionalidade da equação: RA = RRA * A do processo epidêmico, os tecidos vegetais saudáveis tomam-se
progressivamente doentes. Este processo epidêmico resulta de
portanto, é: [N.T-1] = [N.N·1.T1] * [N]. vários mecanismos, os subprocessos. que são os elementos bási-
Uma vez que as dimensões de número, [N I e JN· 1 J. cance- cos da epidemia de doenças <le plantas. Pura um patógeno disperso
lam-se no lado direito da equação de dimensionalidade, pode-se pelo ar, por exemplo, pode-se considerar os seguintes subproces-
assim ver que os dois lados da equação para RA têm as mesmas sos: produção de propágulos, liberação de propágulos, transporte
dimensões. de propágulos, deposição de propágulos, infecção, período de
latência e período infeccioso. O processo epidêmico consiste em
Verificar as dimensões de uma equação é uma boa maneira
subprocessos interconectados dos elos sucessivos de uma "cadeia
de verificar se a própria equação está correta. Observe, no entanto,
de infecção" (Kranz. 1974), que também são chamados de compo-
que o reverso está incorreto: as dimensões idênticas de ambos os
nentes monocíclicos. É a concatenação das cadeias de infecção que
lados de uma equação não são prova de sua correção (e, claro, de
leva a uma epidemia. Este capítulo trata da modelagem de uma
sua validade científica). No entanto, é uma maneira muito conve-
epidemia, como um processo. com base no conhecimento dos
niente de verificar erros grosseiros.
processos do nível interior de integração, isto é, os componentes
Ao contrário da integração analítica, a integração numérica do monociclo (ver itens 5.3 e 5.4 no Capítulo 5 desta obra).
aborda as dimensões. Em particular, a dimensão das variáveis de
A biologia, cm geral. está preocupada com hierarquias de
estado que estão envolvidas cm um modelo é uma decisão adicio-
processos. Este capítulo se concentra em epidemias de doenças
nal chave que um modelador deve fazer. Nesse sentiuo, a inte-
de plantas. Para expressar o parágrafo acima em palavras ligeira-
gração numérica nos aproxima do domínio das ciências flsicas,
mente diferentes: epidemias, como fenômenos biológicos, podem
embora, é claro, a correção matemática seja necessária. Escolher,
ser decompostas em subproccssos, que por sua vez podem ser
verificar e ponderar as dimensões de cada um dos elementos de um
decompostos em sub-subproccssos. Usando modelos de simula-
modelo não causa problemas adicionais. Pelo contrário, fornece um
ção, por sua vez, a análise de sistemas pennite investigar e enten-
instrumento crítico para controlar se a estrutura de modelagem é
der o comportamento de um nível da hierarquia de um sistema,
consistente. Isto é particulam1ente útil quando um modelo envolve
fazendo uso do conhecimento adquirido no nível imediatamente
várias variáveis de estado, taxas, parâmetros e funções direciona-
inferior de integração dentro de uma hierarquia biológica.
doras (drivingfunctions). Observe que as dimensões estão relacio-
Este tópico concentra-se em uma das principais estrutu-
nadas às unidades. No entanto, uma dada dimensão pode corres-
ras da epidemiologia de doenças de plantas. Esta estrutura conti-
ponder a unidades diferentes, e as unidades devem, naturalmente,
nua a ser um campo de investigação importante e bastante atual.
ser consistentes em toda a estrutura de um modelo.
embora tenha sido publicado há mais de quatro décadas, por
42.2.5. Constantes de tempo e intervalo de integração J.C. Zadoks (Zadoks, 1971). O modelo baseia-se nos fundamen-
tos desenvolvidos por Van der Plank ( 1963 ), com os conceitos de:
Voltemos à noção de constante de tempo. À medida que o (1) infecção, (2) período de latência e (3) período infeccioso, que
modelo é executado, um programa é executado. A sua execução são capturados pela equação de diferencial:
baseia-se num intervalo de tempo escolhido, L\t. A cada intervalo
de tempo, durante o tempo de execução do programa, cada vari- dy,fdt=R0 (y1 P- y, 1 _P)(l-y1)(equação8.3, p.100, Van
ável de estado em t + iit é igual ao valor da variável de estado no der Plank, 1963 ),
tempo t, mais a taxa no tempo t multiplicada por L\t. Este procedi- onde Y, é a quantidade de doença no tempo 1, R, é a taxa de infec-
mento de integração numérica produz os novos valores das vari- ção básica corrigida após remoções, p é a duração do período de
áveis de estado. latência. e i ~ a duração do período infeccioso.
O intervalo de tempo do modelo, l'!.t, deve ser suficiente-
mente pequeno para que as taxas não mudem notavelmente no 42.3.2. Componentes de um Modelo Epidemiológico
decorrer de L\t. Para evitar instabilidade, L'lt deve ser muito menor Preliminar
do que a constante de tempo do sistema considerado. A constante O modelo de simulação desenvolvido por Zadoks ( 1971)
de tempo de um sistema muíto simples, como o modelo de popu- fornece uma integração numérica da equação acima (8.3) de Van
laçilo bacteriana considerado neste capítulo, é l / RRA (note que: der Plank. Precisamos primeiro definir o sistema em consideração
L / RRA = [T]). e seus componentes.
Dependendo dos autores, o intervalo de tempo usado deve Consideremos uma doença que afeta uma cultura, como o
ser 1/3 a 1/5 da constante de tempo do sistema. A maioria dos trigo, onde produz infecções, por exemplo, na forma de lesões na
sistemas, no entanto, envolve vários processos e, portanto, várias folhagem. O sistema em consideração é uma área de cultivo de

554
.Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas

1 m 2 cercada por áreas de cultivo semelhantes (uma área de campo onde o CORF, um ''fator de correção" para disponibilidade de
de I m1 cercada por um grande número de áreas similares em um sítios, representa a proporção de sítios sadios que ainda estão
campo de trigo). Dentro desta área de sistema de I m2, a cultura é disponíveis para infecção ou a probabilidade de um sítio ser
constituída por sítios, que podem ser sadios (HSites), ou infecta- sadio (CORF é estritamente compreendido entre O e 1). Sendo
dos. Os sítios que foram infectados podem ser divididos em três uma proporção de quantidades com as mesmas dimensões, [N], a
categorias que não se sobrepõem:(!) sítios que foram infectados, dimensão de CORF. é [N.N·1] = [!].
mas ainda não são infecciosos e, portanto, estão latentes (LatS), No decorrer de qualquer dia, propágulos são produzidos,
(2) sitias que são infecciosos e, portanto, estão gerando propâgu- liberados, transportados e depositados, e a infecção pode ocor-
los (IafS), ou (3) sítios que não são mais infecciosos e, portanto, rer em sítios sadios. A taxa de infecção pode ser expressa como:
são removidos do processo infeccioso (RemS). A noção de sítio
refere-se aos tecidos vegetais que podem sustentar uma infecção
INFECTION = DMFR*CORF*InfS
e dar origem a novos sítios doentes. Os sítios, portanto. não serão Nesta equação, INFECTION é uma taxa e, portanto, tem a
os mesmos, dependendo do patossistema. Por exemplo, no caso dimensão de velocidade [N.T']. lnfS é o número de sítios infec-
de manchas foliares, como aqui, um sitio refere-se a uma lesão ciosos em um detenninado momento, com dimensão [N], CORF
(potencial ou e~:istente), enquanto que para doenças sistêmicas, é o fator de correção, e DM}'R é um fator de multiplicação diário
um sitio refere-se a uma unidade de planta inteira. (do inglês Daily Multiplication FactoR). DMFR é o número de
Para ser mais específico concentremo-nos no caso de uma infecções diárias novas provenientes das lesões infecciosas exis-
doença que é dispersa de forma aérea e causa lesões nas folhas. tentes. O DMFR também pode ser visto como o número diário de
Esta é uma consiideração importante, porque detennina a natureza lesões-filha por lesão-mãe, com dimensão [N.N''.T 1]. O DMFR,
das variáveis de estado que são de principal interesse no sistema na redação mecanistica utilizada neste modelo, corresponde
considerado. Es1tamos, portanto, lidando com uma população de exatamente à taxa básica de infecção corrigida para remoções, R,.,
sítios, cujas tran.sições de sadios, latentes, infecciosos e removi- na equação 8.3 de Van der Plank (1963 ).
dos são rastread,os dinamicamente. A dimensão de INFECTION é, portanto: [N. N·'.T']. [!].
Além da escolha dos limites do sistema ( I m2), adotemos [N] = [N.1'']. Tem a dimensão de uma taxa, ou seja, da velocidade
que a constante de tempo é um dia. Muitos modelos epidemio- de um processo.
lógicos usam esse intervalo de tempo, em grande parte porque, Conforme indicado anteriormente, a equação lNFECTION
em muitos conjuntos de dados meteorológicos disponíveis, o dia engloba uma série de sub-sub-processos: produção, liberação,
climático começa às 7 horas e termina no dia seguinte, à mesma transpone e deposição de propágulos e infecção. Em outras pala-
hora. No período intennediário - um dia inteiro - ocorrem muitos vras, em relação à taxa diária de infecção, tudo o que acontece c:m
eventos epidemiológicos nesse sistema: por exemplo. os espo- qualquer dia é resumido na equação da taxa lNFECTION.
ros são produzidos, liberados e depositados e as infecções ocor- O período de latência e o período infeccioso devem ser incor-
rem. Os epidemiologistas estão conscientes de que __esses· even- porados ao modelo. Sítios que estão nas fases latente e infecciosa
tos dependem de fatores ambientais (como o clima ou o estado correspondem a duas variáveis de estado. Essas variáveis de estado,
fisiológico das plantas hospedeiras), que podem variar com uma no entanto, são de um tipo particular, porque os sítios permanecem
constante de tempo muito menor do que um dia (por exemplo, nesses estados, latentes e, então, infecciosos, por durações especi-
urna rajada de vento no dossel, uma chuva curta ou a remoção ficadas. A manutenção da situação inalterada em um detenninado
progressiva da U1midade nas folhas). No entanto, esses fatores só estado é chamada de tempo de residência, que corresponde ap dias
podem influenciar os mecanismos que são eles próprios proce.s- na latência e i dias na fase infecciosa. Essas variáveis de estado são
sos de um subprocesso (ou seja, o processo de infecção). Em chamadas de "vagões de caixa" (para refletir uma série de caixas
outras palavras, esses fatores influenciam os sub-subprocessos, através das quais cada indivíduo progride) ou "transportadores".
enquanto nosso esforço é integrar numericamente os subproces- Vamos assumir que p = 6 dias e i = 10 dias.
sos e quantificar suas consequências ao nível do processo epidê- Vamos também assumir, por simplicidade, que os valo-
mico. Outra fonna de justificar a escolha de um intervalo de um res para p e i são fixos ao longo da duração de uma epidemia.
dia é dizer que a. constante de tempo de uma epidemia, corno um Isso também é uma simplificação: por exemplo, à medida que
todo, é maior d,:> que um dia - dentro de um dia, as mudanças as plantas se tomam mais velhas, tanto p como i podem variar,
certamente oconrem, mas não a ponto de alterar completamente o expressando aumento ou díminuição. Ambos os parâmetros
status da epidemia. também mudam durante uma epidemia de acordo com mudanças
nas variáveis climáticas. Modelos de simulação permitem incor-
42.3.3. Principais Equações do Modelo porar as mudanças diárias nos valores de p e ia partir de variáveis
Uma vez qiue os sítios são categorias que não se sobrepõem, direcionadoras, como o estádio de desenvolvimento da cultura
pode-se expressar o número total de sítios infectad_os, AC!, corno ou a temperatura. Suponhamos ainda que, no início da epidemia,
uma adição: ambas as variáveis de estado não contêm indivíduos, ou seja, que
não existem sítios infectados nas fases latente ou infecciosa.
ACI = LatS + InfS + RemS
42.3.4. Inicializando o Modelo
Em cada ponto do tempo, uma infecção só pode ocorrer em
sítios que ainda são sadios (HSites).•Esta fração é: É necessário fazer várias pressuposições para executar o
modelo. Primeiro, é necessário especificar o tamanho da popu-
CORF = li-ISites / (AC! + HSites), que pode também ser
lação do hospedeiro. Deixe-nos assumir que o número inicial de
escrita como:
sítios sadios (HSites) é de 100.000. Vamos assumir ainda que a
CORF = 1-(ACI/(ACI + HSites)), duração de uma epidemia é de 100 dias.

555
Manual de Fitopatologi.a

Em seguida, precisamos definir um valor para o fator de


multiplicação diário, DMFR. Consideremos que DMFR = 0,3.
Um valor de 0,3 para DMFR significa que todos os dias um sítio

(
infeccioso (mãe) (lnfS) pode potencialmente dar orig(:m a 0,3 sítio
infectado (filha) através da taxa rNFECT!ON. "Potencialmente"
deixa implícito que há espaço suficiente para 0,3"'lnfS novas
infecções ocorrerem a cada dia, ou seja, que os propágulos alcan-
çarão sítios sadios (HSites). Ao fazê-lo, apenas expressamos as
hipóteses subjacentes da equação 8.3 de Van der Plartk ( 1963).
Outro elemento que diz respeito à inicialização da epidemia
é a quantidade de inóculo primário. Para isso, criamos um parâ-
metro INOCPRJM que representa essa quantidade, a qual se torna
ativa em um ponto de tempo escolhido no decorrer da estação
de crescimento. Também criamos um paràmetro DAY conectado,
que simplesmente acompanha o tempo no modelo. Va1mos decidir
ainda agora que o INOCPRlM gera um único influ:<o de novas OMFR

infecções através da íNFECTJON. Assim, criamos um disposi- INOCPRIM OAY


tivo inicial, escrito como:
Fi~ura 42.2 - Fluxograma de um modelo epidemiológico preliminar
rNFECTION = (DMFR*CORF*InfS) + INOCiPRIM para um agente patogênico de dispersão aérea. HSites:
DAY=TIME sítios sadios; LatS: sítios latentes; JNFS: sítios infeccio-
INOCPRJM = IF (DAY=l)THEN 100 ELSE O sos; RemS: sítios removidos; Di~: sítios (visivelmente)
doentes: ACI: sítios infccw.dos acumulados: CORF:
As equações acima indicam que, em um dete1minado dia fator de correção para infecção no local; DMFR: fator
(aqui, dia 1), há um influxo único de inóculo primário ativo de multiplicação diário; rNOCPRIM: inóculo primá-
(INOCPRlM), resultando em 100 locais infectados (latentes). rio; DAY: dia de simulação.
42.3.5. Desenho do Fluxograma do Modelo
Nosso diagrama de fluxo do modelo é mostrado na Figura desenvolvida por Van der Plank há cerca de 50 anos (as saídas de
42.2. Este diagrama mostra as variáveis de estado, os parâme- simulação também podem ser exibidas de forma tabular, o que
tros, bem como suas relações no modelo. Note-se que as variáveis não é mostrado aqui).
de estado para sítios latentes e infecciosos são mostradas como Um elemento-chave que a simulação traz é a possibíliJaJe
transponadoras. Há também uma série de elos que deiterminam·a de ver o que não é visível: a Figura 42.3 mostra a dinâmica das
taxa de infecção (rNFECTLON), que refletem a série· de premis- lesões latentes, que, claro, não podem ser monitoradas no campo.
sas feitas em variáveis de estado e parâmetros e que detenninam A mesma observação aplica-se aos locais removidos e infeccio-
seu valor diário. sos, que em quase todos os casos seria impossível distinguir,
mesmo para o patologista de campo mais experiente. A simu-
42.3.6. Verificação d o Modelo: a Primeira Simulação lação, ponanto, permite a visualização do comportamento não
Uma primeira etapa na avaliação do modelo consiste ern veri- apenas do processo, mas dos subprocessos considerados.
ficar se o programa executa as instruções pretendidas, conforme
projetado originalmente. A Figura 42.3 fornece um resultado 42.3.7. Explorando o Comportamento do Modelo
gráfico da dinâmica de uma epidemia. Podemos fazer as seguin- Os efeitos das variações de uma série de parâmetros no
tes observações: modelo são mostrados na Figura 42.4. Esta análise de sensibilidade
• a quantidade de sítios visivelmente infectados (Ois= InfS pode ser resumida da seguinte forma: (!) aumentar os valores de
+ RemS, curva 5) aumenta em um padrão sigmoide, à medida DMFR de 0,0 1 a 0,5 lesões.lesão.dia·' aumenta fortemente a velo-
que o estoque de sítios sadios está sendo esgotado e o efeito de cidade das epidemias (Figura 42.4A); (2) os valores crescentes de
CORF em INFECTION entra em vigor, diminuindo a velocidade p de 1 a 12 dias suprimem fo1temente as epidemias (Figura 42.4B);
do epidemia; (3) valores crescentes de i de 1 a 20 dias aumentam o nível final
de doença (Figura. 42.4C); e (4) arrasar a epidemia de 1 a 30 dias
• a quantidade de lesões latentes (curva 21) aumenta
também reduz o nível final de doença (Figura 42.4D).
progressivamente e depois diminui, correspondendo à inclinação
Estes são os efeitos conhecidos dos principais parâmetros
da curva de progresso da doença (Ois, curva 5);
epidemiológicos (Van der Plank, 1963; Zadoks, 1971; Zadoks
• a quantidade de sítios infecciosos (curva 2) segue o e Schein. 1979; ver item 5.5.2 no Capítulo 5 desta obra) sobre
mesmo padrão que a quantidade de lesões latentes, com atraso de epidemjas de doenças de plantas envolvendo um grande número
cerca de 6 dias, ou seja, como esperado, em relação a p ; de cadeias de infecção sobrepostas e concatenadas. Isso indica
• sítios removidos (curva 4) acumulam-se regularmente, à a inda que a estrutura do modelo que desenvolvemos está em
medida qoe os locais infectados saem do estádio infeccioso. conformidade com o que se tomou conhecido como teoria epide-
O comportamento geral do modero está, portanto, como miológica clássica.
esperado e mostra os padrões de progresso da doença dlescritos em Outro resultado dessas simulações é que o modelo de simu-
muitos estudos epidemiológicos. Este modelo fornece uma solução lação permite "ver" a cadeia de infecção de Kranz (1974) em ação
visual e quantitativa para a equação diferencial (dy/dt = ry'( 1-y)) em um processo policíclico. Muitas vezes, as mudanças no valor

556
Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas

1HSites 2 lnfS 3 LatS 4 RemS s.o~


1)()000 ,-- ----""'F====::::::--- , - -- - - ,- - - -- - 1

0,00

25,00 f"
tl0,00
50.00
Dias

Figura 42.3 - Resultado de uma simulação preliminar: sítios sadios, latentes, infecciosos, removidos e visivelmente doentes. Os valores dos pa-
râmetros utilizados são DMFR = 0,3 lcsões.lesão 1.dia·1,p-6 dias, i= 1Odias c dataJe início é 1. Legenda das curvas: 1 =sítios sa-
dios; 2 = sítios infecciosos; 3 =sítios latentes; 4 =sitiosremo\ idos do processo epidemiológico; 5 sltios acumulados visivelmente
doentes (infecciosos e removidos). Eixo horilontal: tempo (dias); eixo vertical: números de sítios.

1JOOOO ,-- - - - - - , - -- - - - , - - - - -= .--- - - - - ,


a

0.5

000 21100 5000 7MO 0000 0.00 2&00 50.00 7500 'llOOO
Dias oi.,

1l0000..-------.- - - ----.----- -~------.


e
'00000-d- -----,------.------,-------.

000 2&00 50.00 75,00 1)1)00


000 5000 7600 1)000
Dias Dias

Figura 42.4 - Análises de sensibilidade com variações na DMFR, no período de latência, no período infecciosoenadatado iníciodaepidemia. O nú-
mero simulado de sítios doentes (infecciosos c removidos) é exibido em todos os gráficos. a: efeitos de diferentes valores de DMFR;
b: efeitos de valores do período de latência; e: efeitos de valores variáveis do período infeccioso; d: efeitos de datas variadas
de início das epidemias. Os valores dos parâmetros padrao são DMFR = 0,3 lesões. lesão· 1.dia•1, p = 6 dias, i = 1Odias e a data de
início é 1. Os valores dos parâmetros que são variados são indicados nas curvas simuladas. Eixo horizontal: tempo {dias); eixo
vertical: números de sítios.

557
Manual de Fitopatologia

de um parâmetro têm pouco efeito imediato, mas, à medida que governada por DMFR e CORF. A experiência mostra que, em
os ciclos da doença se sobrepõem no decorrer de uma epidemia condições de campo, o DMFR varia mnito com o tempo: alguns
(Teng, 1983), o efeit,o dos juros compostos toma-se maís force, às dias são extremamente favoráveis ao progresso da doença e
vezes com grandes consequências. outros são completamente desfavoráveis. Essas mudanças ao
longo do tempo podem ser o resultado de condições climáticas
42.3.8. Revisitando Hipóteses variáveis. Isso pode ser facilmente introduzido em modelos que
O desenvolvimento da estrutura do modelo apresentado na usam funções direcionadoras, ou seja, tabelas que forneçam a
Figura 42.2 baseia-s-e em uma série de hipóteses. Explorar essas variação nos valores de DMFR com condições climáticas e tabe-
hipóteses é motivo de pesquisa muito atual e ativa. Podemos las que indiquem a variação nas condições climáticas ao longo do
abordar brevemente algumas dessas hipóteses. tempo (isto é, em dias sucessivos).
A mudança no valor do DMFR também pode resultar da
Tamanho do siJ,tema-A hipótese de "campo representativo•· mudança na suscetibilidade do hospedeiro ao longo do tempo.
Uma primeira hipótese diz respeito à área do sistema consi- Por exemplo. a suscetibilidade à doença pode diminuir com o
derado e seus limite:s. O sistema considerado aqui consiste em aumento da idade dos tecidos das plantas (isto é, a resistência
uma área de cultivo de I m 2 cercada por sistemas similares. Uma aumenta com a idade). Se DMFR diminui exponencialmente com
área de cultivo de I m2 pode, por exemplo, ser relevante para a idade, pode-se escrever:
uma cultura de cereais ou leguminosas. Se considerarmos uma DMFR= 0.J*exp(-k*DAY)
cultura perene (por exemplo, árvores frutíferas, videira) ou semi-
perenes (por exemp,lo, mandioca, bananeira), seria necessário onde k é um coeficiente de extinção positivo para a resistên-
aumentar esse taman1ho de sistema. A suposição também implica cia, e DAY é o tempo de execução do modelo. As saídas de três
que esses limites permitem que fluxos de propágulos entrem e valores para k (O: sem resistência, 0,005: resistência moderada e
saiam do sistema em estado estacionário. O que está implícito 0,01: resistência elevada) são plotadas na Figura 42.5. À medida
em "sistemas de culturas similares" em tomo do nosso sistema que k aumenta, o nível de doença (representado pelo número de
é que a quantidade de doença é a mesma em sistemas circun- sítios doentes) diminui fortemente. A Figura 42.5 também mostra
dantes. Isso também implica que a estrutura da cultura não varia novamente como o DMFR influencia o comportamento geral <lo
muito, de modo que as condições microclimáticas seriam, em modelo.
nosso sistema, representativas das condições que prevalecem em
sistemas vizinhos e equivalentes. Neste exemplo epidemiológico 1l0000T"""---- -, -- -- - - . - - - - - - - , - - - - - - - ,

preliminar, o sistema em consideração é mantido tão simples


quanto possível; o ta1manho limitado do sistema, a variabilidade
do tamanho da população do hospedeiro ao longo do tempo, as
consequências que o tamanho da população do hospedeiro pode
ter no microclima o·u propagação da doença, por exemplo, são
desconsideradas por razões de simplicidade. A hipótese de um
sistema limitado cerc:ado por sistemas similares com os quais está
em um equilíbrio dinâmico (por exemplo, fluxos de propágulos,
calor, vapor de água)! é muitas vezes referida como a hipótese do
"campo representativo". Embora o modelo possa ter utilidade em
sua capacidade de entender e comparar subprocessos quantitati-
vamente (componentes do monociclo) na determinação do resul-
tado dos processos (1:pidemias), o "campo representativo" é uma Figura 42.5 - Progresso simulado da doença com valores exponen-
hipótese muito forte que deve levar a uma interpretação cautelosa cialmente decrescentes de DMFR. O número simu-
de resultados. lado de sítios doentes (infecciosos e removidos) são
exibidos. As curvas superior, média e inferior são
Dispersão aérea e tamanho do sítio simuladas com coeficientes de extinção (k) de O, 0,01
Outra hipótesti é que nos referimos aqui a doenças de e 0,005, respectivamente. Veja o texto para detalhes.
dispersão aérea (fúngicas ou bacterianas). Isso tem duas implica-
ções: uma é que a estrutura do modelo trata de processos que são
típicos da dispersão :aérea; a outra implicação é que a população Variáveis i e p
de sítios consiste em frações de tecidos foliares que potencial- Dificilmente pode-se imaginar que, no mundo real, tanto o
mente podem se tomar lesões. Em relação a esta segunda impli- período de latência.p, como o período infeccioso, i, permaneçam
cação, deve-se notar que a mesma estrutura do modelo pode ser constantes ao longo de uma epidemia de 100 dias. A arquitetura
efetivamente usada para abordar sítios de outras dimensões em do modelo atual é suficientemente flexível para incorporar tais
uma hierarquia de população de hospedeiros, desde frações de mudanças na latência e nas durações dos periodos infecciosos.
folhas, folhas, brotos ou plantas inteiras. Por exemplo, a taxa TRANSFERT (Figura 42.2) entre os dois
vagões que representam a latência e o período infeccioso pode
Inten,alo e constante de tempo do .'í,jstema: DMFR variável ser expressa também como função da temperatura. Suponhamos
Outra premissa no modelo é a escolha do intervalo de tempo que, por exemplo, durante os 100 dias, as condições ambientais
de um dia. Isso nos leva a agrupar os processos de liberaçào- (por exemplo, uma temperatura crescente) resultam em valores
transporte-deposição-infecçâo cm uma taxa única, INFECTION, crescentes de p. Isso pode ser simulado e as saídas de simulação

558
Modelos de Simulação de Epidemias de Doenças de Plantas

são mostradas na Figura 42.6. O valor crescente d,e p leva, como R, representa o valor instantâneo (a primeira derivada ao
esperado, a um progresso mais lento e a uma mentor intensidade longo do tempo) de R0.
final da doença. R0 é parâmetro importante que deve ser considerado ao
analisar a expansão do foco da doença. R0 é um conceito muito
1>0000 , . ·----------- ------------1--·--··--·---·-- atraente, devido à sua definição clara, seu significado biológico,
! 1 sua possível decomposição em processos biológicos e porque
l -~----·---------- ____.._________!__________ _ permite comparações entre epidemias. R0 é, no entanto, dificil de
1
l estimar. Várias abordagens foram propostas, incluindo:
1
1
1 • derivar equações relacionadas com r, a taxa aparente de
50000i----·---·---·-·- -·-----·---·-·· infecção, ou ri' a taxa de infecção logarítmica (sensu Van der
: Plank, 1963) a R0 ou R,:
~------------- -·---------------- -------- -------1-.,.. --------- • usar modelos de população matricial;
• medir experimentalmente; e
O
•"i~--.. . "'-""--=--;:;,!:,._::,_=--::::..:ã.:ãâ:. _-';:·~.;;::~:~ j____________
0.0 0 ZSOO 50.00 7Sll0 "00.00
• usar abordagens que combinam experimentos e modelos.
O modelo de simulação epidemiológico preliminar aqui
descrito pennite a computação do produto aritmético de DMFR
Figura 42.6 - Curvas simuladas de progresso da do-ença com uma (que é equivalente a R<) por i. cm etapas sucessivas e discretas. A
temperatura constante (carva superior) ou variável soma dessa sucessão de produtos Rc*i ao longo do tempo, por sua
(curva inferior) influenciando a duração do período de vez, corresponde a R 0 •
latência,p. A curva inferior está associada aos dias em
R0 abrange todo o tempo de vida infecciosa de uma lesão,
que a temperatura é mais alta, levando, a um aumento
enquanto R0 considera cada intervalo de tempo (infinitamente
em p. O número simulado de sítios tlo,~ntes (infeccio-
pequeno) durante o período infeccioso. Assim, da mesma forma
sos e removidos) é exibido.
que R0 , R0 varia ao longo do tempo e depende de variáveis climá-
ticas, por exemplo, temperatura e umidade das folhas.
A taxa básica de infecção corrigida R,. e o número de repro-
dução básica R 0 O teorema do limiar
Van der Plank ( 1963) afirmou que nenhuma epidemia de
Consideremos novamente a equação diforendal de Van der doença de planta pode começar a menos que Rc. i > 1, uma desi-
Plank gualdade conhecida pelos epidemiologistas como "o teorema do
dy,fdl = R< (y,_p - y 1 _ 1_ ) (1-y,) limiar". Essa desigualdade simplesmente aflnna que, se um sítio
infeccioso não gerar uma nova infecção, eutão nenhuma epide-
e lembremos que o modelo preliminar de simulação discutido mia ocorre. Essa desigualdade é equivalente a escrever: R 0 > 1.
aqui fornece uma integração numérica desta equação. Duas prin- Muitos trabalhos têm se dedicado ao teorema do limiar (Madden
cipais diferenças entre a integração analítica e numérica podem d al., 2007).
ser destacadas. Primeiro, enquanto as equações que são resolvi-
das analiticamente produze m soluções exatas, a int,~gração numé- 42.4. CONSfDERAÇÕES FINArS
rica em um intervalo de tempo escolhido, 6.t, apenas gera estima- Seja qual for a abordagem escolhida, seja analítica ou numé-
tivas numéricas. Mas, em segundo lugar, as soluções numéricas rica, o modelo considerado aqui baseia-se na suposição principal de
podem, no entanto, ser facilmente derivadas, mesmo quando os que todos os sítios sadios são igualmente acessíveis para infecção
parâmetros variam ao longo do tempo, enquanto que a solução ou qne, inversamente, todos os propágulos têm probabilidades
analítica para a equação acima pode se tornar bastante compli- iguais de alcançar e (possivelmente) infectar sítios sadios. Isto é
cada (Madden et al., 2007). o que pode ser chamado de bipótese de campo representativo. As
O número total de indivíduos recém infectados resultantes de copas de plantas e culturas são, no mundo real, heterogêneas;
um único individuo infectado em uma população tc,talmente sadia folhas ou frutos - sítios, ern geral -, não estão todos igualmente
foi referido como o número (ou proporção) de reprodução básica, expostos ao inóculo; os tecidos variam em sua suscetibilidade;
R0 • R0 tem sido amplamente utilizado na epidemiologia humana e os gradientes de dispersão de propágulos variam amplamente
animal. R0 é a proporção progenitor-parente, ou em epidemiolo- em todos os sistemas e esses gradientes dependem frequente-
gia botânica, o número de lesões filhas por lesão imãe, quando a mente de vários mecanismos de dispersão; o microclima em um
lesão mãe é estabelecida em uma população de indivíduos saudá- dossel (digamos, em uma árvore de maçã, mas em um campo
veis (Van der Plank, 1963; Zadoks e Schein, 1979; Madden et al., de trigo ou arroz também) sempre mostra variabilidade espacial.
2007). Todos esses elementos são deixados de lado nesta fase. O que foi
Consideremos o período infeccioso - a vida reprodutiva - de mostrado neste capítulo é apenas um modelo preliminar. A simu-
uma lesão. Este tempo de vida abrange de t = Oa t = i. Consideremos lação, como vimos, é uma abordagem que permite explorar mais
também que esta lesão é a primeira infecção que e.stá sendo esta- profundamente as questões de "e se·• que temos.
belecida em uma população de sítios que são todos suscetíveis.
Pode-se então escrever: 42.5. BTBLIOGRAFIA CONSULTADA
t:=i Allorent, D. & Savary, S. Epidemiological characteristics of angular leaf
R0 = J. Rc .dt spot of bean: a systems analysis. Europcan Journlll of Plant
t:=0 Pathology ll3: 329-341 , 2005.

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