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“Eu não sei por que, Paulo, mas fazer filhos é o que há de mais
importante.”
Você vai se rir de mim ao saber que comecei a crônica desse jeito depois de
procurar em vão meu bloco de papel. Pois se ria a valer: o desaparecimento
de certos objetos tem o dom de conclamar, por um rápido edital, todas as
brigadas neuróticas alojadas nas províncias de meu corpo. Sobretudo
instrumentos de trabalho. Vai-se-me por água a baixo o comedimento
quando não acho minha caneta, meu lápis-tinta, meu papel, minha cola…
Quando isso acontece (sempre) até taquicardia costumo ter; vem-me a
tentação de demitir-me do emprego, de ir para uma praia deserta, de voltar
para Minas Gerais, renunciar… Ridículo? Sim, ridículo, mas nada posso
fazer. Creio que seria capaz (talvez seja presunção) de aguentar com
relativa indiferença uma hecatombe que destruísse de vez todos os meus
pertences.
Eu não fui – diz o primeiro; – eu não fui – diz o segundo; – eu não fui – diz
o terceiro. Poppy, cuja especialidade é comer meias e sapatos, não diz
nada, mas abana o rabo negativamente. Não foi ninguém, foi Mr. Nobody,
foi o diabo, foi a minha sina. Minha mansão tem apenas três quartos e
uma sala. Pois é inacreditável a quantidade de objetos que estão
desaparecidos aqui dentro. Um dia, quando me mudar, a gente vai achar
tudo. E sorrir um para o outro com uma nostalgia imprecisa, e dizer em
silêncio que, filhos, e pais, melhor tê-los.