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Coonlenadar do Forum _'_\ 0 ( ”*
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de Ciéncia e Culrum Afonso Carlos Marques dos Santos \ J, [ Q/
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EDITORA UFRJ .-J f V‘


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Direloru Yvonne Maggie
Editors Execuiiva Maria Teresa Kopschilz dc Barros
Edirora Assisrenre Cecflia Moreira ‘
Coonienadora de Produpfio Ana Carreiro
Conselha Ed:':ar1'a! Yvonne Maggie (presidents)
Afonso Carios Marques dos Santos
Ana Cristina Zahar u!.\1B¢-50 %
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Hermann Vinnna
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Peter Fry
Silviano Santiago
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”Ftulo original: The City of Women
Copyright © 1947 by Ruth Landes
Traduqfio da 1' edigfio americana (The Macmilian Company, 1947) pubiicada peia Edilora
Sn maéria
Civiiizaqao Brasiieira, 1967
Direitos para a presente edigao em Efngua poriuguesa rescrvados it Editora UFRJ
Ficha Caiaiogrfifica elaborada pela Divisao de Processamento Técnico — SIBI/UFR}
i..256c Landes, Ruth, iaos-i991. 3M ” 2
A cidade das rnulheres I Ruth Landes; tradu§fio de Maria Lucia do Eirado Silva;
revisfio e nolas dc Edison Cameiro - 2. ed. rev. - Rio de Janeiro : Editora UFRJ,
DNULGAQAO
2002.
360 p.; 15 x 21 cm.
Tftulo original: The city of women Prefécio
L Feminilidade ~ Aspeclos religiosos - Candomblé. 2. Religiao - Brasii - Bahia.
3. Candornblé ~ Bahia. 4. Bahia - Vida e Costumes. I. Tilulo. II. Carneiro, Edison. Apresentagfio 23
CDD 299.673
Nota 51 P edigfio brasileira
ISBN SSJEOB-244-B

Capo Prologo
Victor Burton
A cidade das mulheres 35
Fora do Capa
Pierre Verger, Relmtos da Bahia, Edilora Corrupio, 1980
Anexos _
Edigfio de iexro e Reviscio
Maria Teresa Kopschitz de Barros Aspectos particulares 317
Projero Grdfico e Ediroraqvio Eletrcinicn
Ana Carreiro Matriarcado cultuai e homossexualidade masculina 319
Digi'ta;;ri0
Claudia Senra O culto fetichista no Brasil 333
Fora do Cflpfl do J“ Edigrria
Escravidfio negra e status feminino 347
Marius Laurilzen Bern
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Forum de Ciéncia e Cuiiura
Editora UFRJ
Avenida Pasteur, 250 I saia 107
Praia Vermeiha — CEP 22295-900
Rio de Janeiro — RI
Tei.: (21) 229$-1595 ramai H1, 124 a I27
Fax: (2!) 2542-3899
E-mail: edilora@edi£ora.ut‘rj.br
htlp:/Iwww.editora.ufrj.br
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muims idéias n respeiro dos perigos sexuais


srio meflror imerpretados como sfmboios do relagcio
entre panes do sociedade, espeihanda esbopos
de hierarquia rm de simerria que e.ri.rlem
no sistema social mais amplfl.
Mary Douglas

A curta temporada que Ruth Landes passou no Brasil redundou em


quatro artigos e um iivro,‘ mas provocou muito fuxico nas hostes de
pesquisadores nacionais e internacionais, a ta] ponto que é dificil reier,
hoje, A cidade day mulheres sem procurar os indicios do escfindalo que
sua presenea, jé ela ausente, representou no meio dos pesquisadores
brasileiros, no final da década de 1930.’ E importante, assim, relembrar
:1 trajetoria dc sua permanéncia aqui, e rememorar brevemente sua carreira
académica, para situar este livro no contexto da época e na historia da
antropologia brasileira. _
No outono de 1938 chegavam ao Brasil os primeiros pesquisadores
norte-americanos de uma longa série a vir para cii, inaugurando uma
cooperaofio entreinstituigoes universitérias brasiieiras e norte-americanas
que se mostrou duradoura. Com uma pa1'ticula1'idade: os primeiros a chegar,
gragas a uma coiaboragfio estabelecida entre o Museu Nacional e a Co-
lumbia University, cram antropologos. Em 1938 chegavam William Lipkind
e sua esposa, Buell Quain, definido na documentaefio da época como seu
assistente, e Ruth Landes. N0 a_n0 seguinte chegaria Charles Wagley, que
manteve nrelaeoes de amizade e trabalho no Brasil ao longo de quase toda
sua vida, tendo casado com uma moea brasileira, e, nos anos seguintes,
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formal do que seu pai, um autodidata, e continuara a trabalhar durante


James e Virginia Watson e Robert e Yolanda Murphy. Wagley afirma que
alguns anos depois de casada. Cole observa que as diferenqas de classe
foi por iniciativa da entfio diretora do Museu Nacional, Heloisa Alberto
e educacao entre sens pais, o desinteresse de Anna pela vida doméstica
Torres, em carta dirigida a Franz Boas sugerindo a vinda de jovens
e a crescente importancia de Joseph como lider sindical tinham tornado
antropologos para trabalhar no Pais, que a cooperagfio teve inicio. Ruth
a mae distante de seu marido e filhos, Ruth e um irmao’ dois anos mais
Landes lembra que Jules Henry fol o primeiro aluno de Columbia a vir
jovem que ela, e especiaimente zispera com a jovem, e aproximado Ruth
para ca, para estudar os kaingang, e que fora gragas a ele que Ruth
do pai - a quem ela acompanhava com freqtiéncia aos comicios dos
Benedict e Franz Boas se interessararn pelo Brasii como campo de estudos.
trabaihadores. Seria facil supor, assirn, que a intensa afeigzao de Ruth
Seja como for, todos os jovens antropologos que trabalharam sob a tutela
Landes por sua orientadora, Ruth Benedict, somada a sua forte ligagao
de Heloisa Alberto Torres, que, nao so como diretora do Museu Nacional,
com uma nativa dos ojibwa, uma avo e visionaria, e, mais tarde, sua afei-
mas principaimente como integrante do Conselho de Fiscalizacfio das
gao e admiragao pelas trades de ascendencia africana na Bahia, eram mo-
Expedicoes Artisticas e Cientificas no Brasii, criado em 1933, tinha um
dos de compensar a falta de afeicao materna. Essa pode ser parte da his-
papel preeminente na antropologia brasileira, vieram para 0 Pais com 0
toria, mas nao creio que seja a mais importante. Penso, antes, que o modo
objetivo de estudar as popuiacoes indfgenasi Com uma excegao, Ruth
como Landes iniciou sua pesquisa de campo no Canada foi fundamental
Landes. l
para estabelecer uma estratégia de pesquisa que ela seguiria com os dois
Ruth Schlossberg Landes nasceu em Nova York, em 1908, fiiha de primeiros grupos sociais com os quais trabalhou e taivez também a estra-
imigrantes judeus. Seu pai, Joseph Schlossberg, era um alfaiate que viera tégia de publicagao dos resultados de sua pesquisa.‘
da Russia com 13 anos e foi um dos fundadores da Amalgamated Garment Ruth Landes tinha 23 anos ao chegar ao Canada para estudar os
Worker’s Union of America (AGWUA), importante sindicato norte-ameri- ojibwa, quando ja havia defendido sua dissertagao de mestrado e acabara
cano, tendo criado Ruth num ambiente que incluia intelectuais — judeus de se separar do marido, o estudante de medicina Victor Landes, cujo
e-negros, alguns deles importantes personagens da renascenca do Harlem. sobrenome manteve até morrer. La chegando estabeleceu contato com
Sua dissertacfio de mestrado (1929 [l967]) tratava, justamente, de um uma nativa, de ascendéncia escocesa, Maggie Wilson, conhecida de outros
fenomeno religioso no Harlem: os negros judeus que seguiam a iideranca antropologos por ser bilinglle, e que nao so lhe deu informagoes sobre a
de James Garvey. . tribo, como escreveu (de fato, ela ditava para a filha suas cartas para
Quando comecou seu doutorado em Columbia, no entanto, e gracas Landes) as narrativas que formam o capltulo 5 de seu livro The Ojibwa
it influéncia de Ruth Benedict, Landes passou um periodo trabalhando woman, as historias de vida. Sobre ela, Landes observou numa carta a
com populagoes indigenas, tendo publicado dois livros sobre os ojibwa do Ruth Benedict: “Acho que agora ela é tfio boa etnologa quanto qualquer
411']
Canada (1937;l938 [ 1997]) antes de vir para o Brasii.‘ Além disso, depois de uma de nos . ,
defender sua tese de doutorado, continuou a trabalhar com Ruth Benedict Ela poderia ter feito a mesma observacao sobre Edison Carneiro, a
e recolheu material para dois livros que seriam publicados bem mais quem teve a sorte de encontrar ao ir para Salvador fazer pesquisa de
tarde, sobre os potawatami do Kansas e os dakota.5 J campo um pouco mais tarde.“ _Ao chegar, Ruth tinha 30 anos e Edison
A mae de Landes, Anna Grossman, que viera de Berlim jtt aduita, Carneiro, 26. Formado em Direito, jornalista e defensor do direito de os
para morar com um irmfio e a cunhada, tinha recebido mais educaciio grupos de candomblé manifestarem suas crencas, ele tinha também recém-
‘f2 *- Rkfkianda ~51 C/‘a/aa/c 4/a1J%u/Kara -~ 1'3

publicado dois livros. Ambos, Religioes negras (1936) e Negros bantos que conserva, de forma vivida, a memoria de tantos personagens
(1937), sairam na Biblioteca de Divulgaeao Cientifica, colegao dirigida por irnportantes na construgao de um campo antropologico dc estudos sobre
Artur Ramos na Editora Civilizagao Brasileira. Em 1937, Edison Carneiro ' as relagoes raciais no Brasil.
organizou também o II Congresso Afro-Brasileiro. D0 congresso partici-
Se Sally Cole tem razao ao dizer que o Eivro sobre as mulheres oji-
param todos os intelectuais brasileiros que na época se interessavam pelas
bwa “iniciou a vida publica de controvérsias de Landes na antropologia”,“
relaqoes raciais, alguns pesquisadores internacionais, que comecavam a
nao é rnenos verdade que A cidade das mulheres teve igualmente um
por a Bahia no mapa das relagoes raciais no cenario internacional (Donald
papel controverso, ainda que pioneiro (ver Peter Fry, na Apresentagao),
Pierson, Melville Herskovits), mas principalmente figuras de Iideranga do
no campo do estudo das religioes afro-brasileiras, e certarnente contribuiu
candomblé baiano: Martiniano do Bonfim; Eugenia Ana dos Santos, Mae
também para um certo desconforto entre seus colegas academicos, par-
Aninha; Manuel Bernardino da Paixao, 0 Bernardino do Bate Folha, e
ticularmente Melville Herskovits e Margaret Mead nos Estados Unidos.
Manuel Vitorino dos Santos, 0 Manuel Falefa da Formiga, entre outros.
O babalao Martiniano do Bonfim, antigo colaborador de Nina Rodrigues Mead dizia, numa carta a Benedict, em 1939, que Landes deveria ser en-
e, mais tarde, do romancista Jorge Amado, e que também foi entrevistado corajada a “transformar (...) 0 quadro social urbano, complexo, desorga-
por Pierson, Landes e Franklin Frazier, foi o presidente dc honra do nizado, com prostituicfio, num quadro mais tipico de travestismo social-
Congresso e fez parte também da primeira diretoria da Uniao das Seitas lmente aceito e integrado" — o que ela nao fez, pois tomou 0 partido de
Afro-Brasileirasda Bahia, criada em setembro de 1937, como resultado acompanhar a interpretacao de Carneiro e das maes dos terreiros de can-
politico do II Congresso e gracas ao trabalho de organizagao de Bdison domblé que conheceu. A crltica de Mead e a critica inicial de Artur Ramos,
Carneiro. Carneiro,ina época reporter de O Estado do Bahia, participava eram provavelmente dirigidas a um relatorio encomendado a Landes por
ainda, com Jorge Amado e outros intelectuais locais, de uma Academia Gunnar Myrdal, no fimbito da pesquisa coordenada por ele e que redundaria
dos Rebeldes, e escreveu, em colaboragao com o jornalista Osvaldo Dias em An American dilemma, aparentemente o primeiro trabalho escrito por
da Costa e com Jorge Amado, urn romance, Lenira? Quase todos sairiam ela depois de voltar do Brasil. Parte de sua argumentagfio ai exposta esta
de la em seguida, por razoes polfticas: eram todos membros ou simpa- em dois artigos. (1940) que Landes pubiicou antes de escrever seu livro
tizantes do Partido Comunista. e num outro posterior (1953) apresentados como anexos na primeira ediqao
brasileira e mantidos na presente edigao. Nas edigoes em inglés (1947,
Foi a esse grupo de jovens rebeldes que a rebelde Ruth Landes se
1994), esses artigos nao foram inclufdos — deixando de lado urn im-
juntou ao chegar a Bahia no inicio de 1938.“) A historia de sua relagao
portante aspecto da sua analise e que foi a base de muitas criticas ao livro.
com esses jovens intelectuais e com as figuras do candomblé baiano esta
Sua inclusao na prirneira edigao brasileira deve-se a iniciativa de Edison
bem documentada nas paginas deste livro e é desnecessario reproduzi-la
Carneiro, que nfio apenas reviu a tradugao original," mas, segundo infor-
aqui. Mas cabe enfatizar a importancia de Edison Carneiro para sua
macao de Sally Cole, também fez as corregoes sugeridas por Landes, por
pesquisa. Ele representou sua vinculagao com a sociedade local, do mesmo
ocasiao de sua visita ao Brasil em 1966, um ano antes de sua publicaeao."
modo que Maggie Wilson fora seu elo de ligaeao com 0s ojibwa — e, na
Bahia como no Canada, Landes optou por seguir a interpretaeao dos Landes voltara ao Brasil, segundo Cole, para dar inicio ao primeiro
nativos em sua narrativa sobre a vida cotidiana deles. Ambas as pesquisas projeto em sua nova posigao de professora permanente na McMaster
sfio,certamente,c1'6nicas de juventude, mas este livro é também urn registro University, em Ontario, e aqui ficou de maio a setembro. O tema de sua
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pesquisa era urbanizagao, mas Landes esteve doente durante quase toda estivesse dis osta a se uir humildemente seu marido até a aldeia dele 9 ela
a sua estada e nao publicou nada sobre esse assunto. Mas durante esse poderia deixar de lado sua ansiedade a respeito da poluicao sexual”.
tempo leu a tradugfio de seu livro e sugeriu algumas revisoes. Estaria liberada dela, isto é, se ela nfio quisesse, ao mesmo tempo, ser
Depois da pesquisa com os candomblés da Bahia, Landes escreveu “livre e inde endente” e “manter seu marido” - um caso, diz Dou las de l

0 curto relatorio ja referido, para o projeto chefiado por Myrdal, trabalhou, querer ter o bolo e comé-lo.
durante a II Guerra, de 1940 a 1945, no Committee on Fair Employment Normas contraditorias de comportamento sfio o pao de cada dia dos
Practices — trabalho citado por ela no prologo deste livro. Trabalhou antropologos: ao tratar delas, justamente, como contraditorias, tanto em
depois nurn projeto da area metropolitana de Los Angeles, relacionado sua primeira monografia, quanto neste livro, Ruth Landes desafiou, ela
com criangas negras e rnexicanas; no American Jewish Committee em mesma, uma norma de sua disciplina na época ~ a de que os individuos
Nova York; recebeu uma bolsa da Fulbright para estudar a migracfio se adequam a sua cultura. Ela, aolcontrario, corno bem mostra Sally Cole,
caribenha em Londres; e foi professora de antropologia em duas faculdades nfio so nao se adequou aos padroes culturais esperados de uma boa rnoca
arnericanas antes de, finalmente, obter um contrato permanente no Canada,
judia (e branca), como em sua “analise do candornblé afro-brasileiro
aos 56 anos de idade, la ficando até sua morte, em 1991, aos 83 anos.“
descreveu as lutas em torno dos significados e dos papéis sociais, em vez
Quase cinqlienta anos depois de sua pesquisa no Brasil, Landes de enfatizar a integragao e a coeréncia centrais aos retratos de cultura de
descrevia numa carta uma foto tirada no jardim do Museu Nacional em Mead e de Benedict".'5
1939: “D. Heioisa a encomendou porque nos trés estrangeiros farnos partir
Sua narrativa sobre as vicissitudes das macs nago na Bahia — lutando
logo ~ Lévi-Strauss e eu para Nova York, Wagley para Mato Grosso, acho
para estabelecer um padrao cultural por oposigao a poluicfio que elas
— e ela queria uma lembranga. Ela gostava mais dos americanos. L.-S.
viam representada nos cultos caboclos - é, assim, tanto um capitulo da
estava infeliz, claro, a Franga fora invadida pelos nazis; sua esposa 0
historia da antropologia, quanto o registro de uma disputa local que ajuda
tinha deixado cerca de um ano antes. D. Heloisa nos fez escrever nos-
a esclarecer as relagoes entre sexo e raga na nossa sociedade. A0‘ aderir
sos nomes nas costas de cada copia. (...) [A foto] rnostra ela [d. Helofsa],
aos valores de uma fracao do grupo estudado, Landes se expos, ela mesma,
Lévi-Strauss (da minha idade), eu, Charles Wagley (alguns anos mais
a ser vista como parclal em relacao a sociedade que se propunha estudar:
jovem), Luiz de Castro Faria, Raimundo Lopes e Edison Carneiro”. Tal
as criticas que recebeu, na época, mostram bem que ela estava remando
grupo nunca mais se reuniria, mas as imagens do Brasil que todos eles
contra a mare. A visao coirente - nao obstante todas as evidéncias empiri-
deixaram gravadas na cena textual sao parte integrante de nossa rnemoria
cas registradas nos trabalhos de Nina Rodrigues e seus seguidores ~ era
antropologica.
a de que a dominacao masculina, vigente na sociedade brasileira como
Segundo Mary Douglas, (1966) “B preciso dois para manter uma um todo, era tarnbérn vigente nos cultos afro-brasileiros. Ao desmontar
relacfio sexual, mas basta um para cozinhar uma refeigao". Assim Douglas este esquema simplista, mostrando a preeminéncia das mulheres nos cultos
explicava porque, entre os bemba, a poluicao era atribuida as ITlU1ll6l'6S — nago e dos homossexuais nos cultos caboclos, Landes expos uma fratura
responsaveis pelfl" comida cozida. E continua: “Se a mulher bemba nao de género na analise dos cultos afro-brasileiros que merece atengao ate
quisesse ficar em sua aldeia e at tornar-se uma influente matrona, se ela hoje.
_._-. _

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E, apesar da énfase que retrospectivamente atribuimos a questéio B irnportante lembrar que 0 proponente de uma “cultura propria" para os negros
racial no seu livro, creio que ela sera lembrada também como uma fina americanos, Herskovits, fez _uma critica negativa a este livro — tendo ele proprio
observadora de detalhes que sao, afinal, a marca da boa antropologia, recebido criticas negativas em relagao a sua proposta, de Benedict e outros
como nessa, uma entre tantas, observagao logo na chegada ao Brasil: antropologos e sociologos americanos, ao publicar seu The myth of the Negro
past, em 1941. Lido hoje, o artigo de Landes, “O culto fectichista”, parece tam-
Passei, pols, trés meses no Rio, adquirindo, como podla, »
bém uma reivindicagao da existencia de mais “africanismos” no Brasil do que
a intrincada e idiomatica linguagem e aprendendo também
entre os saramacca que Herskovits estudara...
a linguagem que nfio é de lfngua, mas se exprime pelos J Sobre a vinda dos piimeiros antropologos, suas trajetorias e a importancia do
1 dedos e pelas maos, até mesmo por movimentos ondulantes
1 Conselho, e de d. Heloisa, nas pesquisas da época, ver L. D. Benzi Grupio-
dos bragtos e dos ombros, pelo brilho do olhar e por muitos ni, Coiecoes e expedicoes vigiadas. .
movimentos sutis que se desenham levemente sobre um rosto 4
No mesmo periodo, Landes tambom sofreu a influéncia da psicanalise, tendo
e dao cor as tonalidades da voz (p. 41). 1 publicado um artigo sobre a personalidade ojibwa em 1937 e sido uma das
O_espelho que Ruth Landes volta para nos com tanta-graga esta candidatas a um curso de introdugfio a psicanalise para antropologos, projetado,
1.
1,. coberto de pequenos esbogos de analise como este e é certamenteessa mas nunca-criado, por Edward Sapir. Ver R. Darnell, Personality and culture:
i qualidade que torna este livro merecedor de ser relido.
5
the fate of_ the Sapirian alternative. 9
A biografa de Landes, Sally Cole, observa: "O registro feito por Landes das
1I praticas shamanisticas dos americanos nativos e seu interesse antigo pela sexua-
I
lidade podem ser atribuidos ao livro de Benedict, Padroes de culture, e a seu
J\/afar artigo “A antropologia e os anormais”, ambos publicados em 1934. Benedict
._. _. _ descrevia como oatras culturas integravam o comportamento considerado ‘des-
‘ O llvro é este, agora em sua segunda edicao brasileira; trés dos artigos, aqui viante’ na-Aniérica e como a possessao por espiritos, a homossexualidade, a
l. inclutdos como anexos, nao fizeram parte da edigao americana; o quarto é a paranoia e a megalomania, por exemplo, sao as vezes 0 fundamento da autoridade
ii memoria de Landes sobre sua pesquisa no Brasil: “A woman anthropologist in e da lideranga. O trabalho de Benedict continha uma critica explicita a intolerancia
Brazil”. - _ da sociedade americana, e ela insistia na pesquisa etnografica a respeito desses
2
Ha outros indfcios interessantes a perseguir, no entanto, ainda que eies nao temas. Nesse contexto historico, o estudo de Landes sobre 0 candomblé na
caibam num curto prefacio como este. Lembrando a énfase da antropologia Bahia deve muito a influéncia de Ruth Benedict." (Cole, Ruth Landes in Brazil).
norte-americana na cultura, nao deixa dc ser instrutivo reler um dialogo entre Sally Cole completou recentemente sua biografia de Ruth Landes, que sera
Landes e seus amigos a respeito da cultura dos negros americanos. Diz ela: publicada pela University of Nebraska Press: Gleaning in the fields of Boas:
“- Bem, os norte-americanos pensam em termos de raga. Um preto é inferior a Ruth Landes and American Anthropology. Sou grata a ela peias inforinagoes
-r._- ma: um branco por causa da sua raga. adicionais que me deu sobre a publicagao de A cidade das mulheres e pelos
- E a cultura do negro? textos que me enviou sobre Ruth Landes, citados no decorrer desta apresentagfio.
- Isso nao importa. Nao se imagina que um negro tenha cultura alguma [no 6
N50 sei se tal estratégia — a de se aliar a uma ou a um especialista nas questoes
original inglész nenhuma culturapropria], a nao ser a que lhe vem do branco; I
4.1;-.4_ ar locals e a de pubiicar os nomes reais das pessoas envolvidas em sua narrativa
e mesmo esta supoe-se que ele oculte. (...) '
- foi seguida por ela ‘em outras obras. Na segunda edicao de The Ojibwa
- Norte-americanps! (...) Que se importam eles com a cultural" (p. 149) _ _
1l 1 T‘ ;_\, / _.-» ..
woman, Sally Cole observa que os nomes foram substituidos por pseudonimos.
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E embora Cole observe que Landes reescreveu A cidade “num estilo popular”
por seus colegas ltomens, no que poderia ser desqualificado como um movimento
(“Pilgrim souls”, p. 24), numa carta a Artur Ramos, no final de 1939, Landes
machista. Margaret Mead, ja uma antropologa preeminente nos Estados Unidos,
ja anunciava sua intencao de escrever o livro "num estilo mais popular”. A
criticava o_ trabalho de Landes na Bahia, logo depois de ela ter voltado_do
questao da identificacfio dos pais-de-santo homossexuais nunca foi mencionada
Brasil, e dizia, na mesma carta a Ruth Benedict: “Se houvesse alguma maneira
na discussao sobre sua pesquisa. Ver Carneiro, “Uma falsela dc Artur Ramos”,
de ensina-la a ser ou (a) uma senhora ou (b) uma mulher academica comam, que
em Ladinos e crioulos. , ' A
se comportasse de maneira rotineira em situacoes académicas, isso ajudaria”.
1 Citado em Cole, Apresentagao a The Ojibwa woman. Sobre esta interessante
Citado em Cole, “Pilgrim souls, honorary men, (un)dutiful daughters: sojoumers
etnologa nativa, ver, de Sally Cole, ‘.‘Dear Ruth: this is the story of Maggie
in modernist Anthropology”. Cole dzi outros exemplos para fundamentar sua
Wilson, Ojibwa etnologist", in E. Cameron e J. Dickin (org.), Great domes.
observacao de que “... ao passo que Benedict apreciava o individualismo do
8 No trecho que se segue, utilizo as informacoes contidas nos excelentes artigos Landes e sua originalidade academics, Mead aclrava a personalidade de Landes
e notas de Waldir Freitas Oliveira e Vivaldo da Costa Lima, no livro-organizado in-itante e nfio concordava com suas referéncias teoricas, para a analise da cultura.” \-n'I\>‘.|u'|l\.;IuA1-':1

- por ambos, Carras de Edison Carneiro a Artur Ramos. ~ 1


" “Pilgrim souls...", p. 24. A citacao seguinte é da p. 25.
- Nascido em 1912, Bdison Cameiro faria 90 anos em 2002, mas, tendo falecido
‘Z _Vivaldo da Costa Lima observa pelo menos a exclusao de uma palavra, o
‘em 1972, neste ano se completam trinta anos de sua morte. Sobre sua trajetoria
adjetivo "politicos" na frase: “Edison disse que Menininha se agastara com ele
depois de sair da Bahia, ver Waldir Freitas den Oliveira, em Cartas de Edison
por motivos [politicos] ligados com a Uniao dos Candomblés, em que ele e
Carneiro a Artur Ramos, e Luis Rodolfo Vilhena,-‘Projeto e missiio.
Martiniano se haviam empenltado, e a qual pertencera 0 Gantois (...)”. E comenta:
9 A nota de Waldir Freitas Oliveira, em Carlos de Edison Carneiro a Artur Ramos, ‘.‘... é preciso nao esquecer que a traducfio brasileira do livro de Ruth Landes foi
é a (mica mencao queconheco desse romance, publicado em 1930: “inconseqtiente rrevista e anotada por Edison Carneiro” (Carlas ale Edison Carneiro a Artur
aventura de trés jovens dispostos a romperem com-ospadroes literarios da Ramos, p. 133). Um cotejo entre as duas edicoes certamente valeria a pena para
_ época”. Oliveira menciona ainda outra publicagilo politica
,-
da qual Edison Car- /< o especiaiista no estudo das relacoes raciais, mas nao é demais enfatizar a
neiro participou, a revista*Flamma, aparentemente comapenas quatro nrimeros importancia das notas de Carneiro, so existentes na edicao brasileira, e das
publicados, em 1937, 0 quarto tendo sido apreendido pela policia politlca
1' antes correqoes feitas durante a revisao: na edigao arnericana, por exemplo, 0 nome
de ser distribuido. Numa 'de suas cartas a Artur Ramos, Cameiro lhe agradece da mulher de Martiniano do Bonfim é Elena, na brasileiraé Matilde. V
pela colaboracao enviada para a revista. Landes menciona pelomenos outro
'3 O primeiro é o artigo no qual Landes estabelece a relagao entre o “matriarcado”
* integrante do grupo, Aidano do CoutolFerraz, pelo nome, no capitulo 11.
nos cultos nago e a predominancia de homossexuais noscultos caboclos e foi
‘° B bem conhecida a historia da relacao amorosa que Landes manteve com dois publicado originalmente em julho de 1940. O segundo artigo foi publicado em
negros: primeiro em Fisk, onde esteve antes de vir para o Brasil, para “aprender outubro do mesmo.ano, no mesmo ntimero do The Journal ofAmerican Folklore
a etiqueta dos negros”, como dizia; depois, na Bahia, com Edison Carneiro. em que saiu também uma traducao, feita por Landes, do artigo de Bdison
Essas reiacoes lhe custariam caro: tanto uma carta de “des-recomendacao” de Carneiro: “The structure of African cults in Brazil”. Oito anos depois, Carneiro
um professor de Fisk -ao entao mais prestigioso pesquisador da area no Brasil, publicou este artigo, em inglés, como apéndice ao seu Candomblés do Bahia:
o titular da cadeira de Antropologia e Etnologia da Faculdade Nacional de 0 nlimero total de pais e macs-de-santo permanece 0 mesmo, mas sua distribuicao
Filosofia, Artur Ramos, quanto duas resenhas muito negativas de A cldade das muda. Apesar de enfatizar a “importfincia superior das mulheres no candomblé",
mulheres, uma assinada por Ramos, a outra por Melville Herskovits. Analisei Carneiro observa que havia 37 pals e 30 macs no universo estudado, concluindo
o contexto dessas relagoes em outros textos (2000; no prelo) e nfio vale a pena -
que “hoje o mimero de pais e macs é igual”. O artigo deixou de ser incluldo nas
- s
repetir aqui a analise. Mas vale acrescentar que Landes nao foi apenas acusada edigoes seguintes do livro. . _ A A
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“ Ver a saga de Landes em busca de um emprego permanente em Sally Cole, . Introduction. In: LANDES, Ruth. The Ojibwa woman. Lincoln e Londres:
“Pilgrim souls...". Cole comenta que Landes sentia sua vida-no Canada como University of Nebraska Press, 1997.
um “exilio”. Numa carta que me enviou, Landes disse que chegara ao Canada . Dear Ruth: This is the story of Maggie Wilson, Ojibwa ethnologist. In:
"devido at enorme necessidade de escapar de meu marido alcoolatra.” (Carla de CAMERON, E.; DICKIN, J. Great domes. Toronto, Buffalo e Londres: Univer-
24 de agosto de 1986). Na mesma carta ela recusava um convite para vir ao sity of Toronto Press, I997.
Brasil porque estava planejando um novo livro sobre seus estudantes em Fisk . Pilgrim souls, honorary men, (un)dntifu1 daughters: sojourners in modemist
na década de 1930, organizando suas notas de campo e livros para enviar a Anthropology. In: BRIDGMAN, R.; COLE, S.; HOWARD-BOBIWASH, H.
Smithsonian Institution e viajando entre 0 Canada e os Estados Unidos em ‘ (org). Feminist fields: ethnographic insights. Canada: Broadview Press, 1999.
busca de um lugar para se estabelecer.
CORREA, Mariza. O mistério dos orixas e das bonecas: raga e género na antropo-
'5 S. Cole, “Pilgrim souls...”, p. 26. Algo muito semelhante ao que mostrara no
gt
logia brasiielra. Einograjica, v. 4, n. 2, 2000. '
livro sobre os ojibwa: ainda que houvesse uma estrita divisao de trabalho entre
1.
. All the women are white, all the blacks are men — but are they? Race and
homens e mulheres, as detaihadas narrativas de Maggie Wilson rnostram as mu-
gender in Bahia candomble. Contours (no prelo).
lheres o tempo inteiro escapando ao roteiro previsto para elas.
ll DARNELL, Regna. Personality and culture. The fate of the Sapirian alternative.
i
In: STOCKING Jr., G. (org.). Molinoi-vsld, Rivers, Benedict and others. Madison:
The University of Wisconsin Press, 1986. V. 4: Essays on culture and personality.
.7€g[eréiwi'ro Brhoaérrhikar (History of Anthropology). _
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CARNEIRO, Edison. Religioes negras. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, taboo. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1966.
1936. GRUPION1, Luis Donisete Benzi. Colecoes e expedicoes vigiadas. Os etnologos
. Negros bantos. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 1937. ' no Conselho de Fiscolizocao das Expedicoes Arllsficas e Cientificos no Brosil.
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v. 53, n. 210, 1940. HEALEY, Mark. Os desencontros da tradicao em A cidade das mulheres: raca e
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de Educacao e.Sat’1de, n. 8, 1943. LANDES, Ruth. Ojibwa sociology. Nova York: Columbia University Press, 1937
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2)
VILHENA, Luis Rodolfo. Projeto e missfio. O movimento foiclorico brasileiro, Peter Firy
1947-1964. Rio cle Janeiro: Funarte/Fundagfio Getfiiio Vargas, 1997

As observagoes de Landes sobre a presenga de mulheres e ho-


mossexuais no candomblé da Bahia, que agora, no infcio do século XXI,
parecem até coniqueiras, foram intensa novidade na época e "contribuiram
em grande parcela para 0 desentendimento ja referido entre Landes e par~ 2

cela importante do entao establishment da antropologia brasileira e da an~


tropologia sobre o'Brasi1: do lado brasileiro, Artur Ramos, entao professor,
catedrético de Antropologia na Universidade do Brasil no Rio de Janeiro,
e do lado dos Estados Unidos, Margaret Mead, "do~Museu de Historia
Natural de Nova York, e Melville Herskovits, da Northwestern University.
Se é possivel que Margaret Mead tenha reagido ao relatorio que
Ruth Landes encaminhou a Gunnar Myrdal, foi com certeza este reiatorio
e o artigo denominado “Matriarcado cultual e homossexualidade mas-
cuiina”, que provocaram a crudeifssima crftica de Artur Ramos, publica-
daano seu livro A acultttragfio negro no Brasfl (Ramos, 1942),‘ no qua}
Ramos negou a preeminéncia das mfies-de-santo e alegou nfio existir
nenhuma .i'elag'ao entre homossexualidade e candomble. Alias foi além da
_ propria Landes, negando 0 que ela de fato nao disse, ou seja, que havia
“homossexuaiidade ritual” nos candombiés.’ Ramos e Herskovits trocaram
correspondéncia onde compartilharam 0 seu desprezopelo -trabalho de
Landes.“ Herskovits (1947) publicou uma resenha de A cidade das mulhe-
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res na revista American Anthropologist em que reconheceu a vitalidade da
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antropologicas da época; o status das mulheres na sociedade brasileira, o uma relacao entre pobreza e “matrifocalidade” mais tarde muito bem docu-
lugar da dtfrica na interpretagao da “cultura negra” no Novo Mundo e a re- cumentada na literatura, agora classica, tanto em familias negras do Caribe
lagao entre homossexualidade mascutina e religiosidade afro-brasileira. (Clarke, 1957; Smith 1956) quanto em farnilias operarias “bi-ancas” e
De fato, Landes nunca fez mengfio a uma relagao estatica e perene européias (Kerr, 1958; Young e Willmott 1957).
entre feminilidade e lideranca dos candomblés. Ela sugeriu uma tendéncia; Desta forma Landes se aliava it posieao de Frazier (1943b) tao
l um gradual aumento do mimero do maes-de-santo nos candomblés mais criticada por Herskovits (1943), o quai insistia numa interpretacao que con-
tradicionais e um aumento do mimero de “homossexuais passivos" nos siderasse a heranga cultural africana. O desentendimento entre Frazier e
l
candomblés dc caboclo. Talvez por se preocupar menos em estabelecer Herskovits estava fundado em duas visoes bastante distintas sobre 0 papel
linhas genealogicas entre tragos culturais da Africa e manifestacoes aqui da “cultura” na interpretagao dos fenomenos sociais, no caso a “famflia
no Brasil, no estilo _de Herskovitsisobretudo, e mais em compreenderfa negra a_fro~bahiana”. Frazier, ele proprio negro, sugeriu que entre os "assim
logica e o funcionaniento das instituiqoes afro.-brasileiras na Bahia con- chamados negros {negroes]” da Bahia as formas familiares seguiam as
temporanea, -Landes pode enxergar um campo em movimentoe regras da pobrezaorasileira e nao deviam nada a uma “heranga africana”,
u
mutacao. 0 seuguia maior, Edison Carneiro, compartilhava com as macs a qua], segundo ele, estaria mais aparente nas esferas da religiao e do
I
tradicionais um desdém em relagao aos novos cultos de caboclo cuja “fei- folclore. No seu artigo, Herskovits fez criticas muito parecidas as que di-- -\

tura’-’ era rapida demais, porém Landes, mais “antropologa”, questionou a rigiu _a Landes, sugerindo que Frazier, com sua ignorfincia sobre a Africa,
razao do ser desta novidade e indagou sobre o seu signifi'cado~parah os nao poderia sequer enxergar os africanismos presentes na Bahia. Invocando
1.
participantes, em particular os “homossexuais passivos". E ainda viu que, a sua “autoridade” de africanista, interpretou os arranjos de combina-
.1
para muitos destes, 0 candomblé representava um caminho para alcangzar goes dc casamento e amasiamento como heranca da cultura ioruba. Na sua
status e riqueza que a prostituicao e pequenos crimes de rua jamais pode- replica, Frazier langou mao de fina ironia para sugerir que tudo 0 que
riam garantir; F Herskovits havia enxergado como africano entre os negros baianos era, de
Mas de que forma a aurora interpreta a tendéncia dc aumento do fato, brasileiro. E isso, entre outras razfies, devido ao intenso intercambio
poder “feminino" que observa no candomblé (seja o feminino das macs sexual e social entreas varias “ragas” presentes na Bahia ea auséncia do
nos grandes terreiros tradicionais como Gantois e Aké Opo Afonja ou 0 fe- um grupo negro cultural e espacialmente estanque.‘ No-fundo, Frazier
minino dos “homossexuais passivos” nos terreiros de cahoclo)? N50 ape- negava uma cultura especffica aos negros. No fimbito desta Apresentagfio,
lou para a “tradicfio africana“, primeiro, porque ja achava que nao inte- 0 importante é que Frazier, ao contestar a autoridade de Herskovits, buscava
ressava tanto e segundo, porque as sociedades ioruba sempre foram noto- apoio nosudois protagonistas maiores de A cidade das mulheres, Ruth
riamente patriarcais. Indica dois fatores fundamentais: a vontade das Landes -e Edison Carneiro. Confirmou alguns "fatos” sobre uma deter-
mulheres de construir trajetorias independentes dentro do candomblé e, minada famflia citada no artigo de Herskovits com a “dra. Ruth Landes,
significativamente, na sociedade envolvente em geral também. Landes que passou mais de um ano no Brasil e que conhecia hem esta famflia”,
percelqe quepo “matriarcado" nao é exclusividade das “famiiias dc santo", e, numa discussao (sobre a semantica de “pai-de~santo"pe “mac-dc-santoif’
e a sua tradugao para 0 inglés, consultou Landes e Carneirofi F. como"‘s‘€~::.»Fr1 .
para_'_uti11zar_ 0 termo consagrado por Vivaldo Costa Lima (1977),_ mas
,.
, 1
s
—,.__. existe”ta'mbém nasifamilias negras e pobres em geral - Assim » ela identifica as posicoes teoricas fossem sinais diacriticos para as aliancas de amizadei z- L_€_v?ir- '-' .
. . .. 3 J 3- . . p _, - . , ou, quem sabe, vice-versa.
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Mas foi a sua posigao sobre a homossexualidade masculina, presente ‘Q


J1

em A cidade das mulheres e mais desenvolvida no artigo “Matriarcado inglés ver, mostrei uma_relac?:io entre os poderes magicos dos pais-de-
cultual e homossexualidade masculina,” que provocou a ira do establish- santo e a sua sexualidadeconsiderada desviante na sociedade envolvente
ment e causou tanta magoa a Ruth Landes. Ramos negou qualquer relagfao e, ao mesmo tempo, sugeri terem combinado bem os papéis de género
entre homossexualidade mascuiina e candomblé: feminino e masculino nas suas trajetorias dentro do culto. Patricia Birman,
mais fiel a Ruth Landes, concentrou-se em deslindar a logica degénero
N50 ha homossexualismo ritual ou religioso entre os negros _ nos candomblés do Rio de Janeiro, baseada na associacfio entre a femi-
do Brasil. O que a_ A. observou foram aiguns indivfduos ho- nilidade e a possessao. J. Lorand Matory, por sua vez, engenhosamente
mossexuais, na Bahia, que, por coincidéncia, tinham encar- reconheceu a logica simbolica da relagao na situacfio contemporanea
gos religiosos. Mas isso é um fenomeno puramente indi- brasileira mas também na cosmologia ioruba que entende a relacao entre
vidual, e nada tem que ver com as praticas religiosas; nao uma pessoa e seu espirito no momento da possessao como relagao entre
ha significacao ritual ou cultural. Eu mesmo conhego alguns feminilidade e masculinidade. Argumentou convincentemente que a relacao
pals-de-santo homossexuais; como sao homossexuais alguns entre “desvio" e possessao por mim postulada simplesmente nao explica
negros, mulatos e caboclos, queinada (em que ver com o 0 prestigio das mulheres no candomble. “Na articulagfio entre concepcoes
culto. Os casos isolados que a A. observou nao tém, pois, populares brasileiras de género e o abrangente simbolismo ioruba-de
significado étnico nem cultural; nao estao Iigados a nenhuma relagoes cosmicas, as bichas e as mulheres sac depositarias normals do
. tradigao africana. (Ramos, .1942, p.-.188) poder divino" (Matoi-y,,'1988, p. 230, 231). Mesmo assim, segundo o
Herskovits foi mais cauteloso na sua crftica, admoestando a autora esquema e a légica de‘Matory, os candomblés mais tradicionais “deve-
apenas por ter enfatizado demais a homossexualidade de sacerdotes.mas- riam ser os mais tolerantesa presenca do filhos femininos quandode fato
culinosz ‘lharmuitos sacerdotes tanto ‘ortodoxos’ quanto-de icaboclo que é o oposto que ocorre.-De acordo com Landes, sao justamenteios can-
nao tém nenhuma tendencia at .inversao".(Herskovits, _'1947, p. 7125). domblés “de caboclo” que possuem o maior nlimero-de filhos e, pais-de-
santo homossexuais. - p ' N ' i 9
‘Desde entaoiha iritensa discussaowsobre o tema. A antropologia
-A questfio do status da "Africa para_a interpretacao do Brasil con-
posterior defendeu at posigao de ‘Landes, mesmotenvdoltomadoatitude
‘ ‘L ~ “I ltemporfineo, que foi 0 centro da disputa entre Landes, Carneiro e Frazier,
mais crttica em relagao a sua posigao umtanto essencialistajsobre a
-ode-um lado, e Ramos -e Herkovits, de outro, continua até os enossosdias.
homossexualidade “passiva” e “ativa". Estes termos,-supostamente uni-
Mas agora essa questao é mais cornplexa, porque esta cada "vez mais
versais e correntes nas ciencias sociais e médicas da época,-sac,‘ no fundo,
prdxima aos sentimentos e apolitica. <Uma crescente énfasena questfio
“tradug6es” de termos nativos brasileiros hoje em dia: “bicha” ou “viado"
racial no.Brasil incentiva a busca de origens africanas e a celebracfio
e “bofe". Estudos posteriores confirmaram as tendencias observadas por
idestas no cenario contemporfineo brasileiro. Quao distinto parece ser o
Carneiro e Landes: Rene Ribeiro em Recife (Ribeiro, 1954),’Seth e Ruth
Brasil do final do século XX daquele outro Brasil da década de
Leacock e Peter Fry Fem} Belém_(Fry, 1982; Leacock, 1975), e -Patricia
3
Binnan no Rio de__Janeiro (Birrnan, 1995). Como ‘Landes, estes autores De fato, estas poucas palavras de apresentagao nfio seriam completas
.' _. .-
11509 pr<)icurararn;n_a:7_15ttric_aiuiiia_‘inter-pretagilo para as suas observacoesz sem uma referéncia a questfio das relacoes raciais, que, como notamos, foi
<- =.-~ - -,=.*- sf 11', _if=..";:z’
0 que conduziu Ruth Landes a Salvador..E muito comum paraos an-V¢»,,;;_-,_-‘,,f%}§;_,§,§_
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encontrada nocampo. Mas neste caso nao ha mudanga propriamente dita, afirma que o artigo foi rejeitado pela revista Sociologia, de S50 Paulo (Carneiro,
mas sim uma reviravolta quase completa. Como declara Landes no seu 1964, p. 227). _
prologoz “Este livro acerca do Brasil nao discute problemas raciais all —~' 2 E possfvel que Landes tenha utilizado esta expressao no seu relatorio para
porque nao havia nenhum. Descreve, simplesmente, a vida de brasileiros Gunnar Myrdal. '
de raga negra, gente graciosa e equilibrada, cujo encanto é proverbial na 3 Uma parte desta correspondéncia se encontra em Barres, 2000.
sua propria terra e imorredouro na minha mem6ria”~ (p. 34). ‘ Veja Correa, 2000. '
Lendo estas palavras hoje, 0 leitor pode concluir que faltava a Lan- 5 “Nae encontrei na Bahia nenhum grupo de ‘negros puros’ ou negros que
des qualquer senso critico, por nao perceber 0 racismo a brasileira; Mas, estivessem isolados dos brancos, amarelos ou pardos. E possivel, é claro, que
nos idos das clécadas de 1930 e 1940, esta imagem sobre 0 Brasil era am- o professor Herskovits tenha achado tais grupos e que entre estes grupos tracos
plamente aceita,‘ no Pais e no resto do rnundo. Na verdade, ha boas razoes da cuitura africana estivessem presentes na sua vida familiar" (Frazier, 1943a,
para supor que a idéia ‘de “democracia racial” tenha sido consolidada por p. 402). _
ativistas, escritores e intelectuais que olhavam para 0 Brasil a partir de 6 “Um antropologo brasileiro e um antropologo americano traduziram o termo
terras onde a regra era a segregagao. Por cxemplo,*negr0s dos Estados ‘pai-de-santo‘, para o ingles, como _ffather-in-saintliness’” (Frazier, 1943a,
Unidos que visitavam o Brasil voltavam cheios do elogios. Lfdcres como P- 404) , _ A -
Booker T. Washington e W. E. B. DuBois escreveram positi-vamente sobre T Ver Michael George Hanchard, 1994.
a experiéncia negra no Brasil, enquanto o nacionalista negro Henry McNeal 3, Yer Spitzer, 1989 e Zweig, 1960.
Turner e o jornalista radical Cyril Biggs chegaram ao ponto de defender
a emigragfio para o Brasil como reftigio a opressao nos Estad0s’Unidos."
Em 1944, o escritorjudeu Stefan Zweig achou que 0 Brasil era a sociedade _ 25’;'eZr'%rt§‘;'ca.r
racialmente mais harmoniosa que havia visitadof‘ Na época dc DuBois e
Landes, entao, considerava~se 0 Brasil uma ‘fdemocracia racial", onde. as BIRMAN, P. Fazer estilo criando género: possessfio e diferenga de género cm
relagoes entre pessoas de cores diferentes eram fundamentalmente teneiros deumbanda e candomblé no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Eduerjl
consonantes. Ha boas razoes para se pensar que alguns problemas, assim Relume Dumarfi, 1995.
como algumas belezas, estao nos olhos de quem os vé. CARNEIRO, E. Uma falseta de Artur Ramos. In: Ladinos e crioulos. Rio dc
Janeiro: Civilizagfio Brasileira,'l964. ,
CLARKE, E. My mother who fathered me: a study of the family in three selected
communities in Jamaica. Londres: George Allen & Unwin, 1957. .
Warm FRAZIER, F. Rejoinder by E. Franklin Frazier. American Sociological Review,
n. 8, p. 402-404, 1943. "
' Luitgard Oliveira Cavalcanti Barros publicou uma versao mais ampla desta
critica que ela encontrou na Coiecfio Artur Ramos na Biblioteca Nacional do . The Negro family in Bahia, Brazil. American Sociological Review, n. 7,
Rio de Janeiro. Nesta versao, Ramos comeca com cépias da correspondéncia 1943.
entre ele e Guy Johnson sobre o relatdrio (Barros, 2000). Edison Carneiro FRY, P. Homossexualidade masculina e cultos afro-brasileiros. In: ’. Para
_. p _, I . ,.__.; inglés ver. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. '
_ __ _. A. st.
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York: Anchor Books, 1975. g
LIMA, Vivaldo da Costa. A famllia de samo nos candomblés gége-nagos ria E com alegria e desvanecimento que vejo este meu livro traduzido
Bahia: um estudo das relagoes intergmpais. 1977. Dissertagfio (Mestrado em no Brasil. '
Antropologia) — Universidade Federal da Bahia, Bahia. I ' l Vinte anosdepois, relendo esta cronica juvenil da maravilhosa Bahia,
MATORY, J. L. Homens montados: homossexualidade e simbolismo da possessao percebo com prazer que, no intervalo, o candomblé ganhou novas forcas
nas religioes afro-brasileiras. In: _REIS, JL J. (org.).'Escravida'o e invencfio (la
.e se fez amado e admirado em todo o pals, e que a heranga africana, tao
liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. S50 Paulo: Brasiliense, 1988.
-ciosamente-guardada e preservada -pelas mulheresdo culto,-esta sendo
RAMOS, A. Pesquisas estrangeiras sobre 0 negro brasileiro. In: ' . A ocular-
incorporada doce e firmemente ao patrimonio cultural de todos os bra-
racfio negro no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Pedagogica Brasileira, 1942.
sileiros, em escala cada vez maior. _ _ .
. O ethosdo negro no novo mundo. In: BARROS, L. O. C. (org.). Arthur
Ramos e asdimimicas sociais de seu tempo. Maceio: Universidade Federal de 'Desejo agradecer, de todo 0 coragao, ao eminente scholar (e
Alagoas, 2000. _ . _ _ . . g p .1 candomblezeiro) dr.oEdison Carneiro o cuidado e to interessecom que
R1BEIRO,*R. Problemzitica pessoal e interpretagfio divinatoria nos cultos afr0- -reviu, reajustouejanotou esta tradugao, em especial quanto -a nomes e
-brasileiros 'do"Recife. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE "AMERI- -pessoas,-costumes e particularidades-locais. Desde 0 comego,--em -1938-
CANISTAS, 3i, 1954.’ "‘ - i ' -1939, as=minhas pesquisas muito se enriqueceram com a sualorientacao
SMITH, R.'I‘.‘The Negro family in British Gmhna.*_Londres: Routledge & Kegan I-e "ajuda; mas asinterpretagoes sao de minha responsabilidade.
Paul, 1956. - g . A
SPITZER, L. Lives in between: assimilation and marginality-in _Au'stria,iB_rasil,
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‘West Africa 1780-1945. Cambridge: Cambridge University Press, I989.
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O material para este livro foi coihido durante uma pesquisa an-
tropologica de campo na Bahia e no Rio de Janeiro, em 1938 e 1939, ge-
nerosamente apoiada pelo Conselho de Pesquisas em Ciéncias Sociais da
Universidade de Columbia e dirigida pelo Departamento de Antropologia
da Universidade. Muitas pessoas, de diversas maneiras, ajudaram, de todo
co1'agao,_com orientacao, conselhos e criticas indispensaveis. Nos Estados
Unidos a dra. Ruth Benedict e o dr. Franz Boas, da Universidade de Co-
ltirnbia, ja falecidos, deram-me simpatia e_ apoio seguros. Igualmente ama-
veis e instrutivos foram 0 dr. Charles S. Johnson, o dr. e a sra. Donald
Pierson, o falecido dr. Robert E. Park, da Universidade de Fisk, o falecido
sr. Walter White, da Associagao Nacional para o Progresso dos Homens
de Cor, a dra. Margaret Mead, do Museu Americano de Historia Natural.
Os srs. Morris Ernst, Alexander Lindey e Drew Pearson proporcionaram-
me valiosas apresentacoes.
No Brasil, todas as pessoas que encontrei ensinaram-me muito. Os
meus constantes tutbres, sem os quais me perderia - e cuja indulgente
1 t
paciéncia sempre recordarei - foram o etnologo dr. Edison Carneiro, os
eminentes missionarios dr. e sra. Hugh C. Tucker, d. Heloisa Alberto Tor-
res, entfio diretora do Museu Nacional, d. Dina Venancio, que me ensinou
r
1 portugues, e minhas amigas particulates no Rio, srta. Isabel do Prado, sra.
Kate di Pierri e srta. (hoje sra.) Maria Julia Pourchet. Além disso, mantive,
u
na Bahia, valiosas conversacoes com o_d_r.'g Nestor Duarte, que entfio
v estudava o papel das mulheres negrasgnalhistoria brasileira; com o dr.
Hosannah de Oliveira, notavel 6Sp€Cl3llSit‘l:?‘tj.‘.l11‘d0€n(}flS infantis; com o
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conego Manuel Barbosa, l1’derI_'_de'ipensrlmenloiliheraij como jovem e
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<- talentoso poeta dr. Aidano do Couto Ferraz; com 0 consul americano
!
Fp Robert Janz e sua equipe, em especial George Hasselman; com 0 mis- :'».an--_..|.
-,.,.1!-'

sionzirio Peter Baker; com todas as outras pessoas mencionadas no Iivro 7


e com algurnas outras que preferem nfio ser mencionadas
I

p O Brasil me deu uma compreensfio totalmente inesperada da


facilidade com que diferentes racas poderiam viver juntas, de maneira
civil e proveitosa. Assim, quando regressei ao men pafs, passei a enca1'a-
lo com um espfrito crftico novo. Mais tarde, trabaihando durante os anos
* de guerra na equipe do Comité Presidencial de Préticas Eqiiitativas de
‘x
Emprego, e vlvendo por algum tempo no Dee South genli-mg Como Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, a Universidade de Co1L'1m-
7
} perdrda ante os interminaveis casos de “conflito racial“ que eram de bia me enviou ao Brasil para realizar uma pesquisa antropologica sobre
U minha atribuicfio. Finalmente, apos seis anos, voltei as minhas recordacfies a -Vida dos neg'r0s naquele pafs. .Ouv1’1"amos contar-que a =sua rgrande
de harmonia do Brasil. Este Iivro acerca do Brasil nfio discute problemas populacao negra vivia facil e livremente -em meio a populacfio geral e
raciais afi — porque nfio havia nenhum. Descreve, simplesmente,.a vida dc’ queriamos cdnhecer-pormenores.--Desejavamos, também, saber de-que
brasileiros de raga negra, gente graciosa e equiiibrada, cujo encanto .é forma a situacfio inter-racial diferia da nossa, nos Estados Unidos. Tratava-
proverbial nasua prépria terra e imorredouro na minha _mem6ria. ' se de um projeto sociolégico que excitava a imaginacfio de poucas pessoas.
Somente um ano mais.tarde o impacto da_guerra fez do negro e dos seus
372.. 1.. , _.r..-7,
-—¢..~|--:__3 ._,;- -,- problemas parte do noticiario cotidiano. " ’ r
4;u,._,. r
1% —, ’SabIamos muito pouco acerca do Brasil por essa época; entre os
¢ ~
meus colegas havia o "sentlmemo geral de que-eu estava sendo mandada
Yao extremo do tabuleiro do mundo, de"0ndesomente' a sorte me pouparia
iI
de cair. Tensamente, eu considerava as precaucfies recomendadas. Inocu-
laram-me cinco ou seis soros, iguais aos ministrados, alg1ins' anos rmais
l;
!. I
tarde, as tropas combatentes no Pacffico. Comprei muitos vestidos e sapa-
tos, porque tinhamos a nogao de que ra nfio poderiam ser comprados.
Enchi -uma mala inteira com sabonetes e outros artigos de toalete, de
modo que, mais tarde, os guardas aduaneiros no Rio deram tratos A bola
para saber se cobrariam ou nfio a taxa regularmente arrecadada sobre
m'ercado1'ias comerciais; e so abandonaram essa idéia quando_ os convenci
J
a verificar a minha carta de apresentacao a Divisao lnternacional de Sande
l , da Fundacfio Rockefeller. Fui instrufda na condutapapropriada a jovens
1", ; , I
senhoras em pafs latino. _ _ r " '3 Q:
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Grande parse dos nossos conhecimentos sobre__o_Brasilfrraquele 7-_.--:, ._
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“inferno verde", de acordo com um romancista inglés; a enorme seiva


Mais ou menos por essa ocasiao soube que a Universidade de Fisk,
entre 0 Planalto Oriental e os Andes, chamada Mato Grosso, era uma terra
escola de negros de Nashville, Tennessee, possuia a melhor colecao de
onde indios bravios erravam, rnatando os brancos. Apenas o general
livros e material diverso sobre 0 assunto, a leste do Mississipi. De fato,
Rondon penetrara esses domfnios selvagens, a firn de dirigir a construcao
aiguns membros do corpo docente haviam dedicado anos de pesquisa em
de linhas telegraficas. O literal era a zona mais segura, com uma populacao
centros da raga negra no Brasil. Soube-0 por acaso, numa festa, e quase
densa vivendo em grandes cidades. O presidente Vargas se fizera ditador,
tao casualmente fui convidada pela Universidade a ensinar, estudar a
Iiquidando, da noite para o dia, todas as instituigoes democraticas: eleicoes
colegao e “acostumar~me com os negros”, antes de partir para a sombria
populares, congressos federal e locais, imprensa livre, sindicatos livres,
e ‘verde terra a0 sul do Equador.
reunioes pflblicas livres. Algumas revistas e jornais norte-americanos
noticiavam como a oposigao era perseguida, os seus membros denunciados Oito anos ja se passaram‘ e iloje parece incrfve] que a distancia
como “comunistas", forgados a se esconder ou exilar, as vezes presos, as entre as ragas no nosso pais fosse tao grande a ponto de justificar a minha
vezes torlurados. estada durante um ano entre negros, apenas por ser branca e, portanto,
precisar ac0stumar—me com eles. Retrospectivamente, parece surpreendente
p Quanto ao povo, 0 mundo nfio-polftico, praticamente nada sabiamos.
que eu tenha sido enviada a outro pais para estudar a operaqao da sua
Nao possuia 0 fascfnio e a simpatia associados ao Mexico e as 'Antilhas. politica racial, com base na simples suposicao de que a coexisténcia
O Rio de Janeiro estava a 4 mil milhas marftimas do porto de'Nova York pacifica de dois tipos ffsicos de homem requer dispositivos reguiadores
- distancia enorme antes da Guerra, como o indicava 0 prego da passagem. especiais. Acho que o consul brasileiro também se surpreendeu, quando
Do fundo da nossa mente espiavam os estereotipados rostos escuros de estive no seu escritorio em Nova York para obter o meu visto e expliquei
sul-americanos, que O. Henry nos apresentara, uma geracao antes, em esse proposito. '
satiras arrasadoras. E a lingua portuguesa dolBrasi1, bastante diferente do
espanhol e falada apenas naquele palS—Bn£I'6 todos os.da~América Latina, - Negros! — Exclamou. — Por que vocé deve estudci-ios? Nao sao
diferentes dos outros cidadaos do meu pais!
dificultava ainda mais a nossa simpatia. O filtimo contato-de importancia
entre a nagao americanae o Brasil se dera durante a Primeira Guerra E pediu para ver a minha ficha-rpolicial.
Mundial, quando a Marinha estacionara navios na Bahia e no Rio; mas
Mas, nos Estados Unidos, os negros eram considerados, mesmo
nem mesmo as Eembrangas desse perfodo permaneciam. pelos liberais e pelos homens de ciéncia, como uma espécie de tribo - niio
Especialistas tinham ido ao Brasil, como acontecia comigo daquela a mesma dos homens brancos, nao a mesma dos homens modernos.
vez, e escrito informes excelentes nos campos da geologia, da engenharia Relembro como isto estava cristalizado em mim, dez ou doze anos antes,
e da historia. Esses livros, pouco divulgados, estavam recolhidos a umas quando me ofereceram a oportunidade de realizar uma pesquisa antro-
tantas bibliotecas de regioes distantes do pals, em beneficio de um punhado pologica numa reservation de indies americanos ou entre negros.
de estudiosos. Assim, quando eu, como pesquisadora 'da’Universidade de Fui, entao, para Fisk. Era ousadia, nao porque a escola fosse sulista,
Columbia, tentei obter informagoes sobre o Brasil nasnragnificas biblio~ 3
mas porque era de negros. Havia a tradigao do Tennessee de Jim Crow e
tecas da cidade de Nova York, na verdadequase nada *eAii;contiei.?'As fontes
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eram incrrvelmente restrltas. .=='—‘1=~.-V-,>.r*§-e:-=‘.~¢=:r~-we-15¢“;-1--.
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=7-7*1~2»~-a —f§‘-$»§»*r -,- -.--+1.‘ ‘Z . ‘- - -r,- . ‘ Este livro surgiu em 1947. (Nota de Edison Carneiro).

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de linchamentos ocasionais, com o sinistro acompanhamento de édio, s obter emprego numa escola branca respeitavel. Estao nos explorando. Se
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predade, horror, hrsteria. Criada na rebelde Nova York, treinada na provoca- fossem realmente competentes na sua profissao, seriam contratados por
tiva dialética da minha ciéncia que declara serem todas as racas igualmente uma escola branca.
humanas, e nesse sentido iguais, cheguei a estagzao de Nashville preparada
para a controvérsia. Veio ao meu encontro 0 chefe do departamento no Esta afirmativa desafiadora, carregada de desconfianga ate mesmo
qual eu deveria trabalhar - um professor negro de reputacao internacionai, para com simpatizantes brancos, era peculiarmenle norte-americana.,Com0
de fala suave e lromca. Note: que estava tenso e alerta. Naqueles dias, era eu deveria entender ma_is_tai'de, nada tinha a ver com as atitudes da raga
uma experiéncia extravagante para brancos e negros trabalhar como iguais, negra no Brasil. it J‘
num campo profissional; e somente agora, enquanto escrevo, compreendo . "air-x
perfeitamente com que habilidade aquele professor conteve a efervescéncia
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de um C3ld61l'fl0 borbulhante.
A viagem maritima para o Rio foi longa - doze dias calmos e -M»\-4"»!-1 .7. .-
».
Acostumei-me aos negros, como se esperava que acontecesse, mas
luminosos de abril sobre o Atlantico. Latino-americanos de diferentes
de maneira imprevista e extenuante. Os negros da Universidade - os meus
nacionalidades voltavam aos seus Iares.'Um argentino de Buenos Aires,
superiores e colegas do corpo docente, osrmeus alunos, a maioria deles
produtor da nova indtistria cinematografica do seu pals, demonstrou-me
de origem muito humilde - sentiam-se irritados e autoconscientes quanto
como o seu grupo estava aprendendo bem uma espécie nortc-americana
a sua posicao na América e talvez se tenham aborrecido ainda maisao. me
tde intolerancia. p ,_
verem e aosrdois ou trés outrosinstrutores brancos trazidos da‘Universidade
de Columbia. ‘Nos, os nortistas, éramos tao inocentes e entusiastas! Os — Vocé vai para o pais dos macacosl - exciamou, com escarnio e
negros nos ensinaram algo sobre 0s estilos raciais do Sul, como os haviam desapontamento, quando eu disse que planejava passar cerca de ano e
aprendido, com medo edesconfianca, e de.um modo ou de outro logome meio no Brasil. —-Ora,'sao todos pretos, atrasados como na Africa.
fizeram ver que seria melhor nao pretenderagir como uma igual, dentro Surpreendi-me com a sua veeméncia, pois, entao, estavamos menos
de uma equagao honesta de ragas e classes, ‘mas como uma. patroa bem familiarizados com as ideoiogias da Argentina. _ g - . '
educada segundo os padroes classicos. Assim haveria menos sofrimento
para todos. O -Sul, acreditavameles, corrompe todos os que la chegam. i - .. , __.__ _- Vocé os encontrara balangando-se nas arvores, suspensos ‘pelo
rabo - continuou. —~ Seria melhor ir a Argentina, onde estao os brancos,
_ N50 era isso 0 que os meus companheiros tinham em mente quando
instaram por que me preparasse para estudar os negros do Brasil vivendo _. Lernbrando a minha experiéncia na Universidade de Fisk,'tentei ser
enlre os negros da Universidade de Fisk. Os intelectuaisde Nova York razoavel. Disse-lhe: —Talvez vocé mudasse de opinifio se chegasse a
nao conhecem o Sul e sempre se sentem chocados a um breve contato conhecer umnegro amavel, bem educado. E aiguns tém a pele t'ao clara
com aquela regiao. Por outro;lado,‘os meus amigos negros do Sul jamais quanto eu... E bem possfvel que vocé nao os reconhecesse!
haviam experimentado a ausencia do obsessivo pensamento em termos dc _ r Ele me olhou de alto a baiiro. ~ Entao, voce é u_ma negra...! - disse
raga que distingue o Brasil. N ' r -p _ t _ , r em tom desconcertado e surpreendido,_ sem que eu me preocupasse em
. — Vocés, os brancos vém aqui nos ensinar — disse-me confiden-' 4 corrigi-lo. . _ Mal posso acreditar - acrescentou — e sirito nao poder vé-la
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Deixou-me um bilhete, ao desembarcar, dirigido a “minha querida


cialmente a sua situacao politica, e, uma vez que vai estudar os negros,
Negrita”.
devo dizer-lhe que 0 nosso atraso polltico, que tornou esta ditadura neces-
A0 chegar ao Rio, eu precisava apresentar-me a altos funcionarios saria, se explica perfeitamente pelo nosso sangue negro. Infelizmente. Por
do governo e da policia federal, a fim de provar a minha identidade e a isso, estamos tentando expurgar esse sangue, construindo uma nacao para
inocencia polftica dos estudos propostos. O governo receava espioes, na todos, “enbranquecendo” a raga brasrlerra.
i ocasiao, e todas as pessoas suspeitas eram atormentadas como “comu- Isto deixou~me um tanto confusa e perturbada.
nistas”. Um professor do Norte do Brasil, muito conhecido, de excelente
familia, mas de politica adversa, foi rotulado de “comunista", com a Eu estava dolorosamente atordoada naqueles dias. A maneira pela
explicapao oficial de que estudara no Teachers College da Universidade qual a vida estava arrumada em Nova York, em Nashville e no Rio de
de Columbia, e atirado na prisao. E agora la estava eu, da Universidade Janeiro variava como diferentes mundos em diferentes planetas. No Rio
de Columbia. Aconselharam-me a nao “falar”, a nao discutir a p.0li'IiCfl eu estava na orla do mundo que conhecera. O clima e o povo, os sons e
brasileira, nem o governo ou os princlpios democraticos, nem a Russia, os olores eramestranhos, discrepantes, hostis. Mas a principal dificuldade
nem 0 comunismo, nem figuras publicas como 0 presidente Roosevelt; era o meu desconhecimento da lfngua.
nao fazer perguntas, nao bater fotografias, nao conversar com a classe _ Suponho que somente um norte-americano pode sentir-se impaciente
inferior, que poderia estar descontente por causa da inflagao e da inse-‘ ante a necessidade de aprender uma nova llngua, de memorizar regras e
guranca politica gerat. _ excecoes gramaticais, de captar as expressoes idiomaticas que realmente
fazem de alguém um cidadao daquele universo. A impaciencia me domi-
Finalmente, fui apresentada a um notavel ministro do governo} de
reputagao internacional, merecidamente respeitado pela sua lealdade as nava, mas, obviamente, nada seria possivel se nao me tornasse capaz de
nacoes democraticas e aos seus principios. Era um homem alto e simpati-
usar o portugues. E indizivel esta impotencia de nao ter uma linguagem,
uma fala humana. N50 se pode transmitir nem receber coisa alguma, o
co, louro, natural do prospero e europeizado estado do Rio Grande do
pensamento fica paralisado e todas as nossas intuicoes falham. O esforco
Sul, perto da Argentina. Entreguei~lhe uma carta de amigo comnm de
de aprender a falar, a urgéncia de compreender tumultuam 0 cérebro, a
Washington.
tal ponto que, as vezes, eu pensava, estupefata, na engenhosidade dos
- Seja bem-vinda! — disse-me, com um sorriso amavel, apertando- primitivos ancestrais humanos que se preocuparam com a invencao da
me a mao. ' linguagem falada.
Ofereceu-me uma poltrona ao lado da sua escrivaninha, no seu Passei, pois, trés meses no Rio, adquirindo, como podia, a intrincada
enorme e arejado cscritorio, que dava para um delicioso patio cor-do-rosa, e idiomatica linguagem e aprendendo também a linguagem que nao é de
onde uma fonte central faiscava ao sol, atirando um jorro d’agua no ar. lingua, mas se exprime pelos declos e pelas maos, ate mesmo por mo-
-=.—~"_-Yt=.e"-:.*_T“r'-"—~"“.‘~"-“‘".“
iV. — Esta carta diz que a senhora nao é um desses reporteres sensa- vimentos ondulantes dos bracos e dos ombros, pelo brilho do olhar e por
1 cionaiistas. Otimo. O Brasil precisa ser corretamente conhecido. Espe- muitos movimentos sutis que se desenham levemente sobre um rosto e
I dao cor as tonalidades da voz. Tudo isto forma 0 cidadao do Rio, a
i personalidade especialdo cariocafe ‘foi Ta ponte através da qual penetrei
na vida ainda mais estranha e mai_s_7re_ii;o_ta'da‘cidade nordestina da Bahia,
2 Osvaldo Aranha. (Nota de E.C.);
onde planejava concentrar os meus é§1aae§,;.*.,',_.,_' - 5 .
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A Bahia foi, desde o comeco, o meu objetivo. Grande porto de alma estaria sempre doente. Na Bahia, todo negro podia andar de cabeca
mar, capital do rico estado da Bahia e, outrora, capital do pais, sempre erguida, dizia-se, mas no Rio achava-se graca (ou fingia-se fazé-lo) dos
desempenhou um papel decisivo nos .neg6cios internos e externos do seus modos africanos. A gente do Rio, em particular ~ mas n'ao os erudi-
Brasil. Por causa da antiga escravidao e da sua rica economia agrfcola, tos -, me preveniu contra os grupos de cultos herdados da historia africana
possui uma densa populacao negroide. Também a possuem outros estados do seu povo. Saochamados candomblés na Bahia e macumbas no Rio,
do Nordeste, mas a Bahia é conhecida pela qualidade excepcionai da vida variando a terminologia devido as diferentes lfnguas africanas que anti-
folclorica dos seus negros. O que os negros fazem na Bahia é “tipico” do gamente se falavam nessas cidades. Espalhavam-se historias de arrepiar
Brasil. Os versos e as melodias por eles compostos e inspirados, o seu os cabelos de feiticaria praticada por esses grupos, levando a ioucura, a
modo de cantar, os tipos de orquestragao, as dancas, os esportes, diversoes, violéncia e a morte. A Bahia era a Meca de tudo isso; e assim a cidade
alimentos, bcbidas, vestuario, literatura, o Camaval que durameses, as era asvezes chamada “A Mulata Velha”. 1

formas de culto religioso, atémesmo a personaiidade ea beleza fisica das - Vocé precisa mesmo ir? — gemeu a minha professora brasileira.
mulheres sao parte preciosa do Brasil. -Da Bahia vém as Jfonnas e os
Contorceu o rosto jovem e simpatico, simulando horror, e depois
simbolos a que se apegou o chauvinismo nacional. Mais tarde, Carmem
riu, citando uma cancao: - A Bahia é boa terra; ela la e eu aqui."
Miranda levou-os a Broadway e a Hollywood. "Heitor'Vila-LobosVapre-
sentou-os em- harmonia e temas melodicos, not Carnegie ‘Hall. Candido - Uma mulher branca, sozinha, la? ~ disse um americano da Georgia,
Portinari pintou 0s ecos cariocas dessa vida, que o Museu de'Arte‘Moderna em tom reprovador. — Vocé sabe o que os negros farfio.
de Nova York exibiu apos o encerramento=da mostra da Feir,a‘Mundial. Nao pude partir antes de ser liberada pelo Ministério da Agricultura
Os negros da>Bahia inspiraram uma literatura rica e variada,-motivaram e obter aprovacao militar. Eu era uma estrangeira, na-verdade indesejada,
cientistas e romancistas. Os jornais tratam das suas atividades como coisa mas Vtoleradapor me ter identificado como “cientista”, que nao buscava
normal. Os cientistas sociais do Brasil se dedicam a esses cidadaosnegros emprego pago, antes gastaria dinheiro. Esperava-seque eu entrasse em
tao completamente como os seus colegas mexicanos 0 fazem-_c0m»os contato com as autoridades da Bahia e,-como deixei:_de faze-lo - pensando
fndios, com oimesmo carater de apreciacao lisonjeira-e deexpiacao do que as cartas amaveis eram simples cartas de apresentacao a serem usadas
passado. _ " H ' ' A r ‘ A apenas em caso de necessidade — a policia secreta foi notificada e eu fui
Assim, parti para a Bahia, e pelaprimeira vez_nessa.expIoraga'o -seguida constantemente e afinal recebi ordem de sair da regiao. Mas isto
através de diferentes mundos_de idéias estava.conscientemente.pouco.a se den meses mais tarde. A
vontade. E o estava porque ja aprendera osuficiente para compreender -Esta bem-intencionada pesquisa de reiacoes raciais nao podia furtar-
que nao tinha ponto dereferéncia, nem teoria ou crenca aesustehtar ou se ao fragor dos tempos. Naturalmente que nao, pois as ideologias fascistas
demolir. Sabia, porem, que nnnca mais deveria ser tao.inge‘nua’quanto a eram apenas versoes mais novas de amplas motivacfies que se haviam
linguagem de “igualdade racial” como quando cheguei a Nashville. La, cristalizado, no nosso pais, como intolerancia racial. O Rroera uma area
um homem poderia ser torturado e morto pela sua cor fisica. NofBrasil, de dumping para mercadorias alemas,-italianas e japonesas, e o Brasil w
isso so poderia acontecer pela sua cor politica. Mas podia acontecer e, figurava entre os muitos paises sul-americanos atratdos por acordos comer-
s — 1 ‘
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assim, a questao nao era “seguranca ou “liberdade?’, apesarda diferenga' ciais faceis, e propicios, com as nacoes do Eixo.Em pconseqfiencia, tran-g;,_a___V_g,.i
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_ ‘iri- dos_ termos. Em Nashville, um negro poderia chegar ao college,_ mas a sua satlanticos do Erxo atulhavam
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44 -- I/‘air/r .La:ua/r:r
J2 C124./an/e a/41,78/ta//rarer *~\ 45

aos passageiros um servigo do cabotagem muito mais eticiente do que o


fornecido pelas frotas de outros paises ou do proprio Brasil. Eu poderia O comissario-de-bordo examinou cuidadosamente os meus papéis.
ter viajado de aviao para a Bahia, mas era incomparavelmente mais Eu olhava, desolada, os retratos oficiais de Hitler nas paredes. Aquela
economico embarcar num navio alemao. Ao subir o portalo do limpo e face me infundiu horror aquela cilada flutuante e uma frfinéiitlfl flflsiedade
belo navio, passei pelos seus oficiais elegantemente vestidos que saudavam pela hora de escapar para a Bahia. Hitler ja invadira dois paises europeus,
os amigos com um rapido “Hell Hitleri”. O Exército do Reich acabava de mas eu nao imaginava que viesse encontrar as suas forcas e os seus
anexar a Austria e dezenas de grandes familias alemas tinham vindo do sfmbolos no. Hemisfério Ocidental. Quando terminou, 0 comissario apertou-
estado agrfcola de Santa Catarina, no Sui, e comprado passagem para a me a miio e disse com simpatia: — Por Deus! Entristece-me ver a senhora
Grande Alemanha. Enxameavam por toda parte e falavam com franqueza na Bahia com todos aqueles negros! Quando acabar o seu trabalho, va a
da necessidade economica de expulsar os judeus — talvez os judeus Alemanha. Precisamos de genie boa como a senhora.
pudessem tomar o seu lugar no Brasil; cantavam, dangavam, saboreavam
Era de manha cedo, num domingo quente, de céu claro, e a cidade
a excelente comida e a musica durante as refeicoes e sentiam-se incri-
velmente felizes por deixar o Brasil, que lhes dera um lar e sustento por de dois andares da Bahia - a Cidade do Salvador - estendia-se branca e
muitos anos. Para eles, 0 Brasil era uma terra hfbrida, brutal — e Hitler os ofuscante acima das aguas. Estivadores negros se aglomeravam nas docas,
salvara dela. esperando o navio atracar. Senti-me completamente suspensa no espago,
no tempo, nos pensamentos. Quao longe, quao longe estava isto dos livros,
Preciso dizer que me sentia insegura e confusa? A minha pesquisa da bibiioteca e mesmo das salas do aula de Fisk!
antropologica encontrava-se agora privada da seguranga, da santidadeda
torre-de—marfim. Eu deixara a minha terra democratica, de lfngua inglesa,
com as suas leis fidedignas que permitiam a uma cientista branca estudar,
com toda dignidade, a prolongada mas incruenta batalha das ragas; eu a
deixara para o pafs de um ditador, cuja lfngua diffcil e cujos costumes
desagradaveis —; pois as mulheres eram tao cerceadas nos seus movimentos
quanto a oposicfio politica — me faziam sentir desorientada e desesperada,
como se estivesse nab selva; e, alérn disso, dc--repente via~me frente a
frente com pessoas que davam voz a crengas nazistas e embarcavam para
lutar por elas. O meu treinamento em ciéncia pura nao 'me preparara. para
tais‘ acontecimentos (acho, entretanto, que muitos jovens americanos
honestos também estavam mal preparados entao, mesmo aqueies que
insistiram em combater na Guerra Civil Espanhola) e eu imaginava, um
tanto alarmada, o que aqueles nordicos diriam ou fariam se soubessem I

que a obra cientffica do meu mestrea fora langada as chamas nas primeiras
fogueiras de Heidelberg 1 -.~ » .
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- i_ - '13
- * " “r i"';§l.€1*i:t1¢!§;"_:§fr':§-."';Tire
3 Franz Boas. (Nota de E.C.). ;, '1 ' >
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671 C';'c{¢a.’c tl{4'.rJ\/£l£(ACTfl ""“ 47

- ZV . Assim que cheguei, travei conhecimento com membros da pequena 1

eolonia norte-americana, que levavam uma vida irritada e aborrecida nos


altos mais bonitos e arejados da cidade. Vinham do Texas, de Oklahoma
e da Georgia e obedeciam a normas rfgidas nas relagzoes com “natives ,
“neg,-03"., "rate" e judeus. Foi omeu primeiro contato com um grupo
assim ..~ e en estava vulneravel. Os casais se separavam por infidelidade
Be por excesso de lazer re ociosidade. Por outro lado, o grupo, como pm
Nao era facil viver na Bahia. Quero deixar claro este ponto e dizer todo, estava ligado pelaspintimidades resultantes da tristeza, das paixoes
que quase tudo ali era dificil. Como “Alice no pafs das maravilhas”, eu e das afeicoes fugazes,ie pela proteciio vital que cada qual prometia
chegara aquela terra eiiuberante, de colorido dramatico, sem consciéncia contra a solidao total." O conjunf0 i1TIP°T[a"a i““’“Sam?“t°* mnguem
da minha propria personalidade, da diferenca constante entre ela e as importava Pessoalmente; e certos acontecimentos posteriores demons-
outras. A mulher norte-americana moderna é rum Vfenomeno estranho e traram-me que nao tinha qualquer espécie de lealdade, seja-par-a.coni a
v
familia, com o pais ou com os amigos. Alguns clontaram-me historias
incomodo num-ambiente daqueles. Nos meses seguintes entendi-o um
sobre as suas proprias pessoas, as vezes pormenorizadaipente, as veres
pouco, ao observar turistas passeando pela cidade. _ A
em fragmentos, as vezes com franqueza; e, em certa ocasiao, preveniram-
Na Bahia, velhas tradigzoes. ganhavamameagzadora vidaidianteide me de que, sem a menor intencao de minha parte, eu era a terceira fignla
mim. Para comeqar, nao havia possibilidade de alojamento ou diversao ’ '=num trio amoroso. Lembro com carinho, P°1'ém= de “ma senhora de um
para uma mopa solteira, desacompanhada, sem familia e independente. A -
25 anos, graciosa - -
e inteligente, '
que animava aquela c 0 lonia
t. macabra
av idacomo
P620
- - '
uma rosa silvestre numavinha. Mas ate mesmo e a e s n ia-se in B .
minha pele ciara e saude atlética destoavam naquela cidade tropical, de -,_ . . - - " d' te abor-
gente de compleicao escura. Os meus bons vestidoseram idemasiadamente A ‘tedio tropical, desesperadamente infeliz na Bahia, desespera amen
bem talhados, assexuados, indiferentes. E os sapatosl Nao me embvaracava recida com o seu casamento, com um desesperado sentimento de culpa
o fato de serem maiores do que os de qualquer outra pessoa; mas, de vez -quanto aos seus Vdese_|os
- de fuga.
' A modo de se castig ' ar5 contou-me
h_ c0In0
a sua
em quando, o seu estilo se tornava muito incomodo. Por exemplo, eu procurava desencaminhar outras pcsS0flS. 3-fir" de M Comliznqtgfialta da
. .. - a ar a .
tinha um lindo par de sapatos de lagzo, deicouro preto e can*iurca,Vdo estilo solidao. Depots, trouxe-me flores do campo pfltfl HP 3 _p
chamado ghillies nas lojas da Quinta Avenida. Achava-os comodos e sua disposicao de ammo.
bonitos. Certa noite, porém, por volta das 11 horas, uma jovem, que pas-
_ -
Nenhuma dessas pessoas se interessava pela vida da Ba
" hia , p elas
N
sava na rua com um vestido de cauda, pos os olhos em mim, parou,,fitou- "grandes transagoes agricoias, pela atarefada navegacfloi P613 PT°$P°°§‘-“°
' ' idosas feiras e
me e de repente comecou a gritar. Eu sumi, depressa. No dia seguinte, it Ade petroleo,-pelas famosas
. . escolas- superiores, P6135' T"
.mercad0s, pela colorida vida folclorica a sua volta. Tinhain um comp e o 1 t
soube tratar-se de uma prostituta devidamente autorizada, que deveria ter
. a
desprezo pelo ambientc, I60 flmafgo 6 fuili que chcgavf 3 3 °_
r - d ece-los
percebido nao sereu do seu tipo,*mas temevra q'ue_fos__se uma competidora
no seu campo deiacao, porque:_osg.meus ghi'l!iesjs'e_Eassemelhavam aos fisicamente. Era possivel ve-los gmurchar, de mes P313 "IP5-
. g. . _ _, -. -V) , 5 _-'-,',,-'§‘¢o._-‘,_ _‘-';_.>., _' ‘TL __-_;_.= -.
sapatos usados na sua profissao._F;,6‘;;.figi,,*gi;;g%\,§§,;ga-;.%,=§.pi.,,;,%.?iE?
-v F _ _: Q ._“-?-V_-V¢._- . »-= ii__-If -_;:;_"_.___.:__ _r -¢_}__;._7.; - __'~ 3-.~{_V_‘, .p,' _ -' r
— Estou parado neste impresiavel buraco _ dizra
' ' - med0J'0vem consul
,
~ " ‘T--' -‘*' i" - A; ; - >.-,=1-.-,_-1=-
-‘rfiflé 13. '*"'—§ -'."‘,Vs‘-,.=;_2-.\ V. -. ' ' to e um ano ara
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$1,-1; :-_,.v=-_.v- ;-_ ;;‘_q_‘fv;4;,=__ ,\.L‘..V F‘ > -t texano — por causa da aposentadoria. Mas apenas vege P
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outro. Vivo para o dia em que possa me aposentar e voltar a civilizaeao.


Em especial quando, ao escutar um negro falar inglés no cais, lhe perguntei,
Nao posso esperar ate os 40 anos.
com prazer: — Oh, voco 6 de Chicago?
Todos bebiam demais para 0 clima; sonhavam com 0 adultério; e, - Que lhe importa? — retrucou. — Estou no Brasil agora, e sou livre!
com excecao da minha encantadora amiga, ninguém se preocupava em
aprender portugués ou fazer amizade com os “nativos”.' A colonia britanica Assim desfiz as malas no hotel, onde fiquei cerca de um ano, com
era um pouco mais bem ajustada e os alemaes realmente casavam e viviam os olhos de gaviao do jovem e suave gerente alemao constantemente
entre os baianos. sobre mim. Se ele nao era um nazista, o garpoin da sala-de-jantar era, e
0 dominava. Esta impressao se robusteceu, sobretudo quando o gargrom,
Os meus patrfcios me condenavam porque nao me associei ao late
nédio e ma]-encarado, se tornou intimo do alto e garboso coronei das
Clube, nem me juntei ao seu circulo. Eu nao poderia estar com eles, pois
tropas federais, e os dois me espiavam sorrateiramente, logo que um
isso perturbaria a paz conjugal. Nao havia casas ou apartamentos que eu negro ia buscar-me para um passeio pelos arrabaldes. Havia olhares e
pudesse alugar. Aluguei, entao,-um quarto no melhor hotel da cidade. murmurios por toda parte e medo - sim, medo por toda parte. Ocasio-
Esta frase devia ser incrustada de estrelas vermelhas e douradas. nalmente, corria a noticia de que um conhecido do ensino superior fora
Porque as mulheres decentes — outra frase a incrustar — nao devem viver arrastadopara a cadeia, perto da praca da cidade, ou de que um candomblé
desse modo nas regioes obedientes a tradicao no Brasil. E assim apareceu fora invadido por suspeita de dar refugio a um iiiimigo politico e, fi-
uma leve nuvem no meu horizonte polftico, a qual, -nos ultimos meses, nalmente, até eu mesma recebi telefonemas misteriosos. Talvez isso
escureceu e cobriu todo o céu. Como soube mais tarde, eram mulheres de significasse que eu fazia parte, agora, do mundo em que me precipitara;
certo estofo, embora de classe alta, que viviam sozinhas em hotéis, vindas mas nao era divertido. Nao. E, de certo modo, era uma experiéncia inutil,
em bando do Rio, por causa dos muitos oficiais das tropas federais entao pois nada provava quanto a relacoes raciais.
no Nordeste. Parecia-se admitir, todavia, que eu nao era uma mulher Ainda que como a ingenua Alice, fiz alguns amigos. Cartas de
assim e se esperava que eu tivesse um marido, um amante certo, uma 2tpl‘6S€Ilifl§§0 de ei'uditos da Uiiiversidade rle Fisk e do Rio de Janeiro
dama de companhia. Mas, nos meses seguintes,-nao-apresentei nada disso. levaram-me em particular a um jovem etnologo baiano, chamado Edison
Foi entao quese decidiu, parece, que, como en vinha da Universidade de Carneiro. O dr. Edison tinha apenas 27 anos, mas 0 iiumero e a originalidade
Columbia e estava em contato com membros de Congregacoes de escolas dos seus estudos sobre 0 negro brasileiro e os candomblés e a soiidez da
superiores da Bahia — muitos dos quais tinham sido exilados ou detidos sua reputacao faziam-me esperar um homem muito mais idoso. Por outro
em diferentes ocasioes por oposigao politica a Vargas — e dedicava minha lado, 27 anos significam maturidade muito mais adiantada no Brasil do
atengfio a gente negra nos arrabaldes abaiidonados, cu devia ser uma espia que nos Estados Unidos - e Edison ja estivera homiziado e preso por
de Moscou. A polfcia secreta observou-me durante meses, trés vezes por causa da sua oposicao a Getulio Vargas e devia ser preso nov-amente,
dia, mas niio tomei conhecimento disso por muito tempo e, quando 0 durante a minha permanoncia. _ _ l
soube, ja completara os meus estudos. O consul americano parecia . . . _ I . p

concordar com a policia da Bahia, e assim me vi obrigada a recorrer ao . Pareceu-me significativo que Edison fosse um mulato, da cor
consul britfinico e isso tambem contribuiu para confundir a minha antiga trigueira chamada parda no Brasil. Era significativo porque as cartas de
admirapao pelos direitos do cidadao sob a bandeira dos Estados Unidos. apresentacao vinham de colegas brancos, que nao haviam mencionado a
l _- ' '. T 1
sua
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raga~ ‘i ou cor. Para eles isso'n'ao in-iportava.i Aceitavam-no
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61 Cidade a'a.r Jvin/Lmzr -—~ 51
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provado valor como jornalista o como erudito. Em momento algum porcebi,
de sua parto, qualquer preocupaoao especial com a minha raga. . para estar A vontade naqueias partes do Brasil. Mas Edison, que vivera
entre eles toda a sua vida e os doscrevia na imprensa diaria, apresontava-
Vinha do famflia pobre mas boa, quaiificada do fidalga. O pai, do me e era considorado 0 meu ‘Fproteto1"’.
tez clara, ora professor do ongonharia, aposontado, do otima roputagao por
trabalhos originais. A tia parecia India e era dirotora do uma escola. Um
dos tios era juiz. Um irmfio mais velho era advogado conhecido. Uma das
irmas mais mogas era ruiva, a outra morena, o ambas estudavam para
serem profossoras. Era o tipo do familia as vezes chamada do “negros
brancos”, por muito rospeitada- Nao, nao ligava a raoa aassuntos pessoais
ou sociais, pois planojava, ontao, uma viagom pelo Sul dos Estados Unidos,
para ostudar as condigoes locais. Quando lhe disso: — Nao, vocé nao pode
fazor isso - ele protestou: - E por que nao? — insistiu. Tive do oxplicar:
- La existe o Jim Crow'o eles o incomodarfio com o protoxto da sua cor.
— O sou rosto so contorcou como so eu 0 tivesse chicoteado sobre os
olhos. Pensoi, agoniada, que um amoricano nao devia ter de fazer tais
coisas a outros sores humanos. " " ‘
Edison ompreondia as suas proprias posquisas do campo ontreifos
negros, colhendo material para o jorrial que op contratara como reporter e
para 0 novo livro que-projetava oscrever. De modo que concordamos em
fundir os nossos recursos, os nossos conhecimentos, o nosso tempo, as
nossas observagoes. Preciso dizor que Ha-dovedora fui ou? Na verdade, a
sua companhia convencou a poifcia do que ou era politicamonte culpada;
mas, naquoia terra, onde a tradigao trancava as mulheres solteiras em_ casa
ou as langava a sarjeta, eu»teria sido jncapaz do me locomover,-aymenos
que escoltada por um homem do boa reputagao. E ali ostavaole. Além do
mais, para os negros era a melhor garantia possfvel do que ou nao era uma
espia da ciasse alta, nem uma simples onxorida; e, até certo ponto, ele
anulava 0 mal~esta1' que sentiam na prosonea doostrangeiros. Ainda que
ou nao fosse tfio obviamonte uma -gringa (— Orosto dela é branco como
um longol - diziam as criangas, arregalando os olhos. — E por isso que ola
faia gringo), os negros toriam hesitado em falar cornigo sozinha, para meu E
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~91 Cfv/ad: a/a.r Jvin//acre: *"-~ 53

roupa limpa, o riam calmos, cantando, as vozos, os ostribilhos do filtimo


3 Camaval. Afinal, tardo da noito, quando a maioria das famflias so proparava
para dormir, algumas nogras velhas vaguoavam polas ruas sombrias o,
olhando o céu baixo, ontoavam cantos, do molodias claras o moianoolicas
do origom africana, o do vorsos om parto africanos o om parto portuguosos,
comorciando as gulosoimas, comidas o bobidas, que tinham para vendor.
E ossos cantos posarosos eram tornos ao ouvido, ombalavam a cidade.
Sabia que nao seria possfvol ostudar a Bahia como o faria com uma
Na Bahia ha alegria do vivor, alegria tangivo] como as jovons pal-
galoria do arto, nem com cortas tribos indfgonas das nossas reservalions,
moiras que omolduram igrojas nas colinas o ascendom nogras o vividas ondo so podom contratar individuos que so plantom numa cadoira, duranto
contra o horizonto incandosconto. Era o quo ou sentia cortas manhas no
moses soguidos, o falom do si mosmos. Toria do porsuadir os baianos a mo
meu quarto do hotel, quando 0 som do mfisica distanto ecoava ao longo
doixarom participar da sua vida. Toria do abrir caminho para o fluxo
das ruas ostroitas o mo despertava para a luminosidado das 5 horas. Son-
humano o tornar-mo parto dole. Para ostudar as pessoas, dovoria vivor
tia-o quando perambulava poia cidade o passeava nosbondos abortos,
com olas, aprocia-las o proourar, constantomonto, fazor com quo gostassom
vendo moninos do po-no-chao, caloa curta o imonsos chapéus-do-palha
do mim.
aprogoando docos o jornais om costas que traziam—nos bragos;-rolhando
negros doscalgos ou do ruidosos tamancos, subindo o descendo, ao iado Nao era simples. S50 gente muito ocupada, para quom cada hora
dos sous _burricos, as ingromos was calgadas do podras rodondas; obser- tom uma finalidado o que, do modo poculiarmonto latino — talvoz também
vando nogras, com vostidos muito armados do algodao, andando do pés africano -, mantém os ostranhos 21 distancia.A1guns a considoram arroganto.
nus ou com poquonas sandalias para muitos dostinos ignorados, parando Acho quo os sous modos sfio orgulhosos, mas amavois. As mulheres
a todo momento para solrir o tagareiar com os conhecidos. Haviaaigo na- mostram isso no sou porto, oretas como arvoros quando passam pelas ruas
qgolo fiuxo do transeunios apressados nas ruas limpas o ensolaradas ou principais balangando a cabooa tabuloiros do docos, as saiasongomadas
doscondo os superlotados olevadoros ao ar livro que iigam a Cidade Alta ondulando a'o passodocidido e largo, a face esoura o calma protegida do
a Cidade Baixa, algo quo convoncia a mim, uma ostrangoira, do um grando sol. “ "
bom-humor. Sentia que era bom estar entro ossas pessoas o queria ser uma
As pessoas da classe alta, om geral bom~oducadas e exorcendo pro-
doias. O céu Iimpido o som nuvons formava uma moldura do oncantamonto fissoos Iiberais, gostam imonsamonto dos negros o adoram exibi-los. Quan-
para todas as coisas o tudoso tornava gracioso. Meiodias eram difundidas
do dizom “negros”, dosignam apenas 0 tipo que vi nas ruas — a gente tra-
pelos alto-falantos a porta das lojas o, do certa maneira, isso ora agradavol.
baihadora mal-romunor-ada, que so distinguo pelas roupas, pelas mfisicas
Os meus tfmpanos reclamavam, mas o meu coragao assogurava que era
e por outras caractoristicas incomuns. Nao protendem indicar meramonto
bom. Rocordava amiddo 0 aviso do um ontondido:,— Tome cuidado com 0
indivfduos do determinada cor; o, do fato, gorahnonte dizom “africanos”
latino quando estiver quieto. Mas, onquanto ostivor animado, tudo vai bem.
__ ' __,. ,1‘ ‘_ 5'23,
. 3 ‘-._;, ____ §_; ,1 ’ .:1 . ou “afro~baianos”, em voz do “negro” que é considorado pejorativo. Um
_g A noite, a alegria segtransformavaiom mfisica, quando as pessoas tormo proforido é “preto”. Mas nom “preto”, nem “negro”, nem “africano”
so visitavam o_0s joyens‘ safam
J _
em grandes
,.._.
bandosr apenas para andar, do sao usados com roforéncia a pessoas desse tipo ffsico que ocupom posigoos
‘. - : ' f.E}l=-éf-_‘§,'_, f-T - "‘.*:~‘~ ' V s
-. " ‘ 1 _ 3'" 3 '32:15;'_ifi£:§:i§%‘_-§i1‘;__f7r‘?‘J;~. 7 Z. ~_ _ V ' I
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