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ISBN: 978-85-63735-20-1
Diálogos com a História 2
Trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF
(março de 2015)
Diálogos com a História 2
Trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF
(março de 2015)
Organizadores:
Niterói,
PPGHistória-UFF
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Ficha catalográfica
“Só o que me exalta ainda é a única palavra, liberdade. Eu a considero apropriada para
manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano. Atende, sem dúvida, à minha única
aspiração legítima”2.
INTRODUÇÃO
1
Graduando em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista de Iniciação
Científica FAPERJ. Email: kairu172@hotmail.com
2
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo. Tradução de Eliana Aguiar Nau, Rio de Janeiro, 2001, 1 pp.
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objetivo maior a busca do reencantamento do mundo, ou seja, a tentativa de
restabelecimento do “brilho” da vida humana apagado pela civilização burguesa3.
3
LOWY, Michael. A estrela da manhã: surrealismo e marxismo. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, 9 pp.
27
Grandes Guerras Mundiais. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de
Sigmund Freud (1856-1939), enfatizou o papel do inconsciente na atividade criativa,
pautando uma arte emancipadora com relação à mecanização da vida moderna. Em
linhas gerais, o Surrealismo tratava-se de “um protesto contra a racionalidade
limitada, o espírito mercantilista, a lógica mesquinha, o realismo rasteiro de nossa
sociedade capitalista-industrial, e a aspiração utópica e revolucionaria de ‘mudar a
vida’” 4.
4
Idem.
5
Essa definição se ancora na análise daquilo que Hans Gumbrecht chama de “terceiro momento da
modernidade”, a intitulada alta-modernidade, baseada, a partir das vanguardas de início do século XX,
na compreensão geral do moderno como constante autossuperação. Ver ARAUJO, Valdei Lopes. Para
além da auto-consciência moderna: a historiografia de Hans Ulrich Gumbrecht. Varia História, v. 22, p.
314-328, 2006.
6
CARVALHO, R. C. M. R.; MUDESTO, R. P. Crítica e sentido na modernidade: Marx e Simmel. CSOnline
(UFJF), v. 1, 2008, p. 215.
28
trabalho e da monetarização das relações sociais, consolida a modernidade sob o
triunfo da tragédia da cultura. Em suma, ambos procuram denotar o caráter alienante
(no sentido marxista) da modernidade capitalista, que racionaliza a vida cotidiana em
prol de uma ordem econômica e social estabelecida. É preciso, por isso mesmo, uma
espécie de ação efetiva contra o engessamento do mundo moderno e capitalista. E a
arte, nesse amalgama, é indispensável, ainda que haja uma discussão fundamental
sobre seu potencial pretensamente “libertário” e seu caráter “dirigido” 7.
7
Ibidem, p. 225.
8
LOWY, Michael, op. cit, p. 13.
9
Ibidem, p 15.
29
como o mito novo, mas também no conjunto dos sonhos, das revoltas e utopias do
movimento, ou seja, partilha-se a tentativa de reencantar o mundo, não através da
religião, mas pela poesia. Seguindo Benjamin, Löwy explica que a convergência mais
profunda entre surrealismo e o comunismo estava na idéia do pessimismo
revolucionário.
Löwy destaca Benjamin Péret, que aparenta ser o surrealista mais engajado na
ação política no seio do movimento operário e revolucionário marxista,
primeiramente como comunista, em seguida, durante os anos 30, como trotskista e,
finalmente, no pós-guerra, como um marxista revolucionário independente. Péret
escreveu, entre 1955-56, um ensaio sobre Palmares, comunidade de negros
quilombolas fugitivos do Nordeste brasileiro que resistiu, ao longo do século XVII, às
expedições holandesas e portuguesas que tentavam dar um fim àquele reduto de
insubmissos. Péret procurou reinterpretar a tese marxista clássica, segundo a qual a
história é o eterno movimento da luta de classes, isto é, a luta dos explorados contra
seus exploradores, dando-lhe uma roupagem libertária, ressaltando os aspectos
“anárquicos e antiautoritários”. Por isso sua admiração pelo quilombo de Palmares,
que para ele se caracterizou pela “ausência de coação” e pela “liberdade total”. O
Surrealismo, portanto, foi atravessado pelo “fio vermelho e negro”, comunismo e
anarquismo, concentrando suas forças na tentativa de uma revolução.
10
LOWY, Michael, op. cit, p. 16.
30
não somente a material e social, mas a interior, da escravização, que prendia o homem
moderno nas jaulas racionalizantes.
Posto que haja claramente uma relação fundamental entre arte, no sentido
lato, e estruturas econômicas é necessário, antes de tudo, pautar os limites da
liberdade artística moderna. György Lukács pensa que a noção de liberdade da arte
não pode ser aplicada de maneira mecânica, sendo apenas continuação das idéias
deste tema no campo da teoria pura ou da filosofia. Isso não significa aderir ao
preconceito moderno que diz que as experiências sociais gerais não teriam ligação
com os problemas da arte. Ao falar da relação entre a explosão de instintos humanos
e o alcance da liberdade da arte, ressalta que até Nietzsche foi cauteloso: para ele a
vida instintiva do artista produz, em sua consciência, o bom e o ruim, o essencial e o
inútil; por isso, o que caracteriza o artista de fato é sua capacidade de escolha nesse
domínio12.
11
EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. Tradução de Matheus Corrêa. São Paulo: Editora Unesp,
2011, p. 24-25.
12
LUKÁCS, György. Arte Livre ou Arte Dirigida? In: _______. Marxismo e Teoria da Literatura. Tradução de
Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Civilização Brasileira, 1968, p. 257.
31
submissão; a chamada vida pública, portadora de um momento ideológico e político,
ou seja, um campo de ação, não é uma unidade rígida e imóvel à qual o artista apenas
se incorpora mecanicamente, mas sim uma unidade resultante de contradições, de
forças antagônicas complexas e que mudam constantemente. Assim,
13
Ibidem, p. 258.
32
liberdade de servidão. O que se sucede, portanto, é que este novo artista se encontra
na situação de mero produtor de mercadorias em relação ao mercado abstrato. Ocorre
que sua liberdade é tão grande quanto à do produtor de mercadorias em geral, mas
há a clara sobreposição das leis do mercado. A evolução capitalista, com isso,
transformou em mercado as relações entre o público e todas as produções artísticas.
A arte de modo geral - tanto a boa como a ruim, tanto a obra-prima como a mais
convencional vulgaridade, tanto a arte mais clássica como a mais moderna, foi
subordinada ao capitalismo.
Até mesmo a originalidade e a invenção artísticas, que podem ser entendidas na chave
da autonomia do produtor, são concessões do capital, como fala Lukács:
14
Ibidem, p. 264.
15
Ibidem, p. 265.
33
Ou seja, ao afastar-se das formas operacionais de arte, tentando levar ao limite,
através da transfiguração, a representação do mundo, em um combate claro à
tendência moderna e burguesa da pura descrição, o Surrealismo também se
distanciou da objetividade do mundo exterior buscando salvar a soberania subjetiva.
Assim, “de uma maneira paradoxal, o mais violento dos protestos contra os efeitos
desumanizadores da sociedade capitalista produziu, em suas consequências, a
desumanização do artista”16. Citando Ortega y Gasset (1883-1955), Lukács afirma que
não é necessário mudar a essência das coisas, mas sim mudar seus valores, isto é, criar
uma arte onde os traços secundários da vida estejam no primeiro plano. E citando
Liev Tolstoi (1828-1910), reafirma a necessidade de retomada das formas de vida
popular com a finalidade de retirar a arte autêntica do labirinto da vida moderna.
16
Ibidem, p. 269.
17
Ibidem, p. 262
34