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O AMOR COMO ESTADO DA ALMA EM PLOTINO

Eduardo Emanuel Ferreira Leal1

RESUMO: Esse artigo tem como objetivo analisar a visão plotiniana acerca
do amor, a partir do tratado III, 5 [50], Enéada, tendo como base a
premissa a qual Plotino discorre sobre o amor como estado da alma,
inerente a todo ser humano. Mais precisamente a interpretação de tal
pensamento a partir da chave de leitura dada na obra Plotino Escultor de
Mitos. O amor nascente do encontro entre o ente que contempla seu objeto
contemplado, e a alma sendo divisa e indivisa, aquela que anima os corpos
e os conecta com o Um. Esse amor como estado da alma se dá de duas
formas; pelos homens que desejam a Beleza, usando-a como um meio para
atingir a Beleza suprema, transcendendo a beleza material, e pelos homens
que se contentam com a beleza física se preocupando, então, com a
descendência. De modo que o amor é dividido em duas formas qualitativas,
que denotam o grau de elevação que o amante se encontra para com a
finalidade que é alcançar o Uno, transcendente.

Palavras-chave: amor, estado da alma, Plotino, Afrodite.

ABSTRACT: This article aims to analyze the Plotinian view of love, based
on the treatise III, 5 [50], Enéada, based on the premise to which Plotinus
talks about love as a state of the soul inherent to every human being. More
precisely the interpretation of such thinking from the key of reading given
in the work Plotinus Sculptor of Myths. The rising love of the encounter
between the being which contemplates its contemplated object, and the
soul being divining and undivided, that which animates the bodies and
connects them with the One. This love as a state of the soul occurs in two
ways; by men who desire Beauty, using it as a means to attain supreme

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Mestrando em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
eduleal@hotmail.com
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Contemporânea – Revista de Ética e Filosofia Política, Caruaru, v. 4, n. 1, p. 43-53, jan./jun. 2018. ISSN 2447-0961
Beauty, transcending material beauty, and by men who are content with
physical beauty caring then for offspring. So love is divided into two
qualitative forms, which denote the degree of elevation that the lover finds
for the purpose which is to reach the transcendent One.

Keywords: love, state of the soul, Plotinus, Aphrodite.

INTRODUÇÃO

No tratado III, Sobre o amor, Plotino faz uma exegese do


pensamento platônico acerca do amor. Resta claro, no pensamento de
Plotino, a importância do mito, usando-se das distintas genealogias de Eros,
como em um esquema do Uno ao múltiplo, se atendo a relação entre alma
e intelecto. A bem dizer, o tratado das Enéadas se indaga se Eros é um
deus, um Daímon ou um estado da alma. Plotino, para falar sobre o amor,
compila os diálogos de Platão: O Banquete e o Fedro, para assim falar do
amor considerando-o como um deus. Falemos das duas Afrodites: a Afrodite
Celeste, filha de Urano, e a Afrodite Filha de Zeus e Dione. “A Afrodite
Celeste dirigiu seu ato para Kronos [a inteligência divina], foi atraída por
ele e enamorando-se completamente por ele, gerou o amor, com o qual
continuou a contemplá-lo” (Plotino, 2000: 104).
Assim, Erôs é uma hipóstase (substância, natureza) cuja a natureza
é afeiçoar-se sempre por uma nova Beleza e sua função é ser um intermédio
entre o amante e o amado (Plotino, 2000: 105). Neste caso, o amor (Erôs)
é filho de Afrodite e que sua função é cuidar das crianças belas,
despertando, então, nas almas, essa poderosa busca pela Beleza celeste e
intensificar na Alma a busca pelo transcendente, que já existe nela, como
na máxima do Oráculo de Delfos: “Ó homem, conhece-te a ti mesmo, e
conhecerás os deuses e as estrelas”. E a segunda Afrodite que não é
totalmente pura quanto a primeira, pois abita o Mundo (Kósmos), já tendo

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então mistura com a matéria corruptiva, também criou o amor que está no
Mundo, que como ela, está relacionado aos Matrimônios, que são a versão
carnal, logo mais baixa, do amor.
Plotino continua a desenrolar seus argumentos sobre a origem do
amor, ainda se baseando nas concepções míticas de Platão. Já é de se
observar que nesta definição como em todas as definições de amor, já
falamos do estado da alma em Plotino, deixando claro que é indissociável a
concepção e definição de amor com o estado da alma, ou seja, um
movimento da própria alma em busca do Uno. O amor é um estado da alma
em todos os aspectos e definições, mas claro que tem que haver uma
disposição por parte do homem, pois as inclinações ele tem, depende do
homem cultivá-las por meio de atos virtuosos, como exposto:

Assim como Platão considera a virtude o maior tesouro do mundo:


“Todo o ouro sobre a Terra e debaixo dela não basta para dá-lo em
troca da virtude”, também Plotino não lhe fica atrás, dizendo: “(...)
a alma disposta a amar o Bem não atende a nenhum reclamo das
belezas deste mundo (...).” (ULLMANN apud PLOTINO, 2008: 184)

Com vistas a suprimir as aparentes divergências sobre o amor


apresentadas na obra de Platão, em O Banquete e Fedro, Plotino empenha-
se em conciliar as visões de tal sentimento enquanto “deus e daímôn” e
mesmo como um “estado da alma”, apresentadas respectivamente nas
referidas leituras. Para tanto, apresenta-nos o amor a partir de uma
hierarquia dotada de três níveis, como exposto no livro Plotino Construtor
de Mitos:
De fato, Plotino hierarquiza os diferentes amores de acordo com as
divisões internas da Alma: é um deus, quando corresponde à Alma,
e um daímon quando é amor da alma do mundo ou das almas
individuais. O amor é estado de alma, quando provém de algo
exterior à alma, ou seja, quando é acidental. (OLIVEIRA, 2014: 143)

Plotino caracteriza a alma como sendo um ser divino, e já que ela


procede do Supremo, todas as almas são uma natureza que transcende

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desse mundo sensível para se unirem ao uno [Supremo]. A alma estando
em um lugar, pela transcendência, pode facilmente estar em outro, não
com uma parte dividida de si mas com a mesma parte ao mesmo tempo
dividida e indivisa (Plotino, 2000: 171). A alma permanece “inteira consigo
mesma, mas está dividida nos corpos porque os corpos, por sua própria
divisibilidade, não são capazes de recebê-la de maneira indivisa.
Concluindo: a divisão é uma afeição própria dos corpos, não da Alma”
(Plotino, 2000: 171). Convém salientar que a Alma é uma pura hipóstase
(substância), também há a “Alma do todo” que é a alma enquanto criadora
do mundo e do universo físico, e por fim as “Almas particulares”, aquelas
que “descem” aos corpos para animá-los, todas as almas derivam da “Alma
hipóstase”, da qual mantém com ela a relação de uma em muitas e também
sendo distintas da Alma suprema, mas ao mesmo tempo ligada a ela.
Afrodite é a alma e Eros consiste no amor que a Alma sente pelo
belo e pelo Bem. De modo que para Plotino, Eros nasce do ato de
contemplação de Afrodite, sendo idêntico a este ato. De modo que se Eros
pode corresponder a um deus, a um daímôn, e ainda a um estado da alma,
Afrodite igualmente apresenta faces distintas. Assim como Eros apresenta
várias faces, Afrodite também o faz, de modo que busquemos compreendê-
las.

Faces de Afrodite

No capítulo IV do livro Plotino Escultor de Mitos, a autora desenvolve


uma apresentação das várias faces de Afrodite, mostrando a necessidade
do mito, em Plotino, para a compreensão de diferentes realidades
metafísicas. De tal modo, nos apresenta:
Ao percorrer a poesia épica, encontram-se diferentes faces de
Afrodite, duas das quais foram postas em um esquema hierárquico

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por Platão. Segundo Hesíodo, na Teogonia, 189 ss., ela desce de
Urano. Em Homero, na Ilíada, Afrodite não descende de Urano, mas
figura como uma deusa Olímpia, filha de Zeus e Dione.². Essas
diferentes faces de Afrodite resultaram em duas Afrodites distintas,
cunhadas pela imaginação platônica no Banquete. (OLIVEIRA, 2014,
p.146)

Para Plotino, a primeira Afrodite, ou Afrodite Urânia nasceu de


Cronos ( III, 5 [50] 2, 19), filho de Urano; desse modo, a alma representada
por Afrodite Urânia, é “somente Alma”, (III,5[50] 3,31), isto é, uma alma
pura e existente por si só, sem relação com outra coisa ou corpo.
Em relação à segunda Afrodite, Plotino não tece grandes explicações,
mostrando apenas suas diferenças para com a primeira, conforme
apresentado pela autora:

Ao informar que há duas Afrodites, e distingui-las segundo a


genealogia, Plotino também as diferencia por uma tarefa: a Urânia
está acima das uniões, pois no céu não há uniões (III, 5 [50] 2,18).
A segunda é supervisora das uniões daqui. [...] Em primeiro golpe
de vista, tal distinção faz com que a Afrodite Urânia permaneça
afastada do comércio corporal, aqui simbolizado pela união
(gámos). O fato de a segunda Afrodite ligar-se a tal tipo de relação
está de acordo com aspectos tradicionais do mito de Afrodite, deusa
do amor, das estratégias de sedução e da procriação. (Oliveira,
2014: 164-165)

Neste caso, temos que o amor (Erôs) é filho de Afrodite e sua função
é cuidar das crianças belas, despertar nas almas a busca pela Beleza celeste
e intensificar na Alma a busca pelo transcendente, que já existe nela. A
segunda Afrodite, que não é totalmente pura como a primeira – pois habita
o Mundo (Kósmos) – também criou o amor que está no Mundo e com ela
se relaciona, o amor dos Matrimônios. Ao dizer isso, se faz necessária a
compreensão de alma, para Plotino, para desse modo, compreendermos o
amor puro, o amor que eleva a virtude, ou a primeira Afrodite, como um
estado da Alma.

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Da alma

Utilizando as noções de Platão, notadamente em relação às


concepções metafísicas, Plotino revela-se pragmático e assertivo ao definir
o que chama de “alma”. Ao fazê-lo, argumenta sobre a ideia do mundo
sensível e suprassensível. Ora, no mundo suprassensível mora a verdadeira
essência, e “no mundo Inteligível, toda inteligência constitui uma unidade,
não é algo separado nem dividido, e em tal mundo de unidade todas as
almas estão unidas sem distanciamento espacial, num mundo que é
eternidade” (Plotino, 2000: 163-164). Sendo assim, ele discorre sobre a
alma que vem de um mundo inteligível, onde reside a inteligência imutável
e indivisível, a Alma, sendo, portanto, indivisível e ao mesmo tempo
divisível quando entra na esfera sensível. Isso se dá pelo fato da alma não
se afastar por inteiro do mundo suprassensível; a esse respeito, vejamos:

(...) algo dela permanece ali: aquilo que não pode se dividir.
Portanto se ela é descrita como sendo constituída de uma essência
indivisa e de uma essência que se divide nos corpos, isso equivale
a dizer que a Alma contém uma essência que está em cima, ligada
ao Supremo, mas que ao mesmo tempo desce a esta região inferior
como um raio que parte de um centro.2 (Plotino, 2000: 164)

Além disso, na visão plotiniana, a alma escorre do mundo Inteligível


para o mundo sensível, de onde – por meio de anamnese3 – já conhece e
apenas relembra do belo que contemplou no outro mundo. Ao aprofundar-
se no estudo sobre a essência da alma, Plotino afirma ser ela (a alma) que
governa o mundo, bem como que dela procedem todas as formas de seres
sensíveis; por conseguinte, a alma está em profundo contato com o Uno,
em relação direta com o intelecto, já que ela procede da fonte. A base, pois,

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É o processo indutivo pelo qual o filósofo parte do autoconhecimento e, a partir daí,
começa a recordar de verdades perenes indo até o conhecimento mais universal possível;
através da anamnese, a alma é capaz recordar verdades que a auxiliarão na experiência
concreta.
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para a reminiscência será a contemplação, como nas palavras do filósofo
francês Louis Lavelle: “O amor inicia na contemplação” (Lavelle, 2014:
126).
A alma, para Plotino, é invariavelmente um ser Divino e, uma vez
que procede do Supremo, sua natureza transcende este mundo – sensível
– para unir-se ao Uno. Sobre o “Uno”, cumpre dizer que na visão de Plotino
este representa “a potência de todas as coisas”; em seguida, esclarece:

(...) se ele não existisse, nada existiria, nem seria o intelecto a vida
primeira e universal. O que está além da vida é a causa da vida,
pois a atividade da vida, sendo todas as coisas, não é a primeira,
mas ela deflui, por assim dizer, como se de uma fonte. (BACARAT
JÚNIOR apud PLOTINO, 2000: 87)

Logo, uma vez que a alma procede do Uno, ela, estando em um lugar
– pela transcendência – pode facilmente estar em outro, não com uma parte
dividida de si, mas com a mesma parte ao mesmo tempo dividida e indivisa
(por contemplação). Nesse sentido, afirmam REALE e ANTISERI (2003:
361) que “pode-se dizer que a alma é divisa-e-indivisa, uma-e-múltipla”,
uma vez que pode gerar o corpóreo (material/diviso) e relacionar-se com o
ele de maneira incorpórea (imaterial/indivisa) sem perder a sua essência.
A alma permanece inteira consigo mesma, embora dividida nos corpos
porque os corpos, por sua própria divisibilidade, não são capazes de recebê-
la de maneira indivisa. Concluindo: a divisão é uma afeição própria dos
corpos, não da Alma. Convém salientar que a Alma é uma pura hipóstase
(substância); também há a “Alma do todo” que é a alma enquanto criadora
do mundo e do universo físico e, por fim, as Almas particulares, aquelas
que “descem” aos corpos para animá-los; todas as almas derivam da “Alma
hipóstase” e mantêm com ela a relação de uma em muitas e também sendo
distintas da Alma suprema, mas ao mesmo tempo ligada a ela. Como é
função própria da Alma ordenar, dirigir, comandar, gerar e fazer viver as
coisas, ela é o princípio do movimento, e, também, o movimento em si

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mesma. Assim, a Alma possui uma posição dupla e intermediária: gerando
o corpóreo, ela se relaciona com o corpóreo; portanto, pode entrar em
qualquer corpo sem desviar-se da unidade de seu ser e permanecer
incorpórea, tornando-se toda (ou plena) em tudo que há.

Amor e estado da alma: a ligação

Para Plotino, no que diz respeito ao estado da alma, correspondente


ao amor, ninguém desconhece que ele nasce das almas desejosas de se
unirem a alguma coisa bela e que esse desejo tem duas formas, claras, de
se apresentar: nos homens que praticam a temperança e nos outros que os
impele aos atos que fazem corar. O homem tem inclinações para o que é
belo, pois a feiúra, em si, é contrária à natureza e ao Ser, logo; “a Natureza
tem sua origem no alto, isto é, no Bem e, portanto, no Belo” (Plotino, 205-
270 d.C.:100). Ele discorre com sua argumentação acerca da diferença do
homem que sabe contemplar a beleza de uma mulher e o homem que a
admira, e, ao mesmo tempo, quer possuir a beleza da mulher, se
preocupando com a sua descendência. Ambos se encontram no caminho
certo, mas o primeiro – que contempla a beleza – está numa via mais nobre,
mais acertada para o alcance do Bem-Uno, enquanto o segundo se satisfaz
com a beleza terrestre e não procura o Belo em si, posto que este se
encontra na transcendência ou no “além mundo”. Plotino faz referência,
aqui, ao mundo das ideias de Platão:

Aqueles que, por meio da beleza terrena, chegam a se relembrar da


Beleza arquetípica, amam a daqui de baixo apenas como uma
imagem da outra. Quanto aos que não se elevam a essa
reminiscência por não compreenderem a natureza do que sentem,
estes tomam a beleza terrena pela Beleza verdadeira. (PLOTINO,
2000: 101)

Ademais, em que pese não haver – na visão de Plotino – um caminho


“correto” para a contemplação do ser amado, é forçoso dizer que os homens

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que estão adstritos aos aspectos físicos provavelmente se desviarão do
objetivo do amor enquanto estado da alma. A esse respeito: “Mas se algum
dentre estes homens fixar-se nos reflexos, ele se desviará, e ao invés de se
elevar, vai se abismar na matéria” (OLIVEIRA, 2013: 94).
Portanto, existe aquele que por reminiscência, venera tanto a Beleza
do alto como a Beleza terrestre; esse tem consciência de que a Beleza
terrena é um efeito menor da Beleza do alto, usando-se da primeira para
contemplar ou unir-se a segunda. Em síntese, para Plotino, aquele que
reconhece o Bem e o Belo como algo que vem do alto e que pode ser
contemplado já na terra, vive o amor como estado da alma. Evidentemente,
para que isso ocorra, é necessário que haja o desapego às coisas terrenas,
à beleza terrena, a fim de atingir um estado contemplativo, que faz da
beleza terrena um tipo de “escada”, por rememoração (Anamnese), da
verdadeira beleza – Una, imutável, transcendente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com essa breve exposição, longe de esgotar a abrangência do tema


proposto por Plotino, autor influente e de ampla visão, que levou uma vida
ascética, colocando em prática o que pregava e, notadamente, afirmando o
autoconhecimento como forma de descobrir também o universo (herança
advinda da máxima de Delfos), o presente trabalho pretende demonstrar
como este filósofo grego corrige possíveis mal entendidos na filosofia
platônica e a potencializa, elegendo o amor como o caminho contemplativo
para a transcendência e a ligação plena com o Uno, Supremo, que é uma
predisposição natural de todos os seres humanos.
Em sua obra, Plotino trata de maneira particular das questões
atinentes à alma, posto que a enxerga como parte do próprio Bem. Para
ele, a alma é o princípio de tudo; é aquilo que move e anima todos os
homens e, por conseguinte, o atributo que os distingue dos demais seres.
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Além disso, é possível dizer que Plotino inova também ao discriminar
as principais formas de contemplação do amor enquanto estado da alma,
uma vez que – conforme visto – o caminho que o amante (homem) decide
tomar é determinante para levá-lo (ou não) ao Uno. Deixando-se guiar pelo
lado baixo da alma, ligado a questões meramente físicas, o ser humano
jamais chegará a transcender este mundo, o mundo sensível e imperfeito.
De outra sorte, contemplando o ser amado em sua forma mais pura,
contemplar-se-á também a beleza e o bem Supremo. A título de exemplo,
temos a visão das faces de Afrodite, explanada pelo filósofo e pontuada no
início deste artigo.
É curioso e imperioso notar como a ideia de contemplação do ser
amado e fusão de almas influenciou até mesmo a literatura portuguesa,
como nos célebres versos de Camões: “Transforma-se o amador na cousa
amada,/ por virtude do muito imaginar;/ não tenho logo mais que desejar,/
pois em mim tenho a parte desejada/ Se nela está minha alma
transformada,/ que mais deseja o corpo alcançar?” (Camões, 2013: 36).
Por fim, percebe-se que, para além de deus ou daímon, o amor pode
se manifestar particular e sublimemente a cada homem e, inclusive, traçar-
lhe o destino, de modo que os que almejam tão-somente prazeres carnais
apenas destes usufruirão.
Em que pese não haver um caráter eminentemente moral na obra
de Plotino, é evidente que o leitor consciente extrai dela – até os dias atuais
– grandes lições para o bem-viver. Dentre elas, destacamos o apreço pela
Beleza, a capacidade de contemplar, o amor pelo intelecto, a sabedoria para
discernir o que é digno de ser amado e a forma mais pura de fazê-lo.
Ademais, os escritos de Plotino exerceram forte influência sobre
outros grandes filósofos, como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, de
modo que a semente de suas ideias foi brilhantemente plantada e
disseminada na cultura cristã, tornando-o um dos importantes elos entre
esta e a filosofia grega antiga.
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