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Datados
[2014 / 2018]
juniores
FLORIANÓPOLIS
2022
1
Capa feita com papelão coletado na via pública de São Thomé das
Letras-MG e pintada à mão, em maio de 2022, no
atelier itinerante da
KATARINA KARTONERA
Datados
[2014 / 2018]
www.katarinakartonera.wikidot.com
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição poderá ser reproduzida
sem autorização desta editora.
2
SUMÁRIO
3
4
Faz algum tempo que surgiu, na Argentina, Buenos Aires, 2003, o
fenômeno editorial “cartonero”. A palavra tem origem em “cartón”,
papelão em espanhol. Os catadores de papelão são chamados de
“cartoneros”. Foi aí que Washington Cucurto, escritor, e Javier Barilaro,
artista plástico, criaram pela primeira vez o objeto livro feito a partir de
capa de papelão, “cartón”, com uma cooperativa de publicação de livros,
aliados aos trabalhadores “cartoneros”. Deram o nome de Eloisa
Cartonera: “Mucho más que libros”. Transformaram o lixo em luxo.
Publicaram escritores consagrados ou não, entre outros, Cesar Aira e
Douglas Diegues. Vendem as pequenas obras no atelier, instalado na
região onde está o famoso estádio do Boca Juniors. Também
comercializam os produtos pelas ruas, praças, bares, etc.
A iniciativa chamou atenção de leitores e da imprensa internacional.
Foram convidados a participar de inúmeros eventos, inspirando outros
agentes culturais, escritores, leitores, artistas e pesquisadores sem
fronteiras. Estiveram em 2007 na 27ª Bienal de São Paulo, em contato
com Lúcia Rosa, incentivaram na criação do coletivo Dulcinéia Catadora,
que destaca seus títulos mais relevantes Homens de Papel, de Plínio
Marcos (teatro), O Monstro e o Minotauro, de Laerte e Paulo Scott
(cartoon e poesia) e Auto-retrato aos 90 anos, de Manoel de Barros
(poesia).
Aos poucos, “brotam como flor na bosta da vaca”, diz Diegues, se
expandem pelos países da Sudaka Ameríndia até América do Norte,
Europa e África. Essas editoras perfazem em centenas, mais que centenas
de títulos publicados, com milhares de exemplares comercializados. A arte
contemporânea pede outras vias de passagem. Segundo o francês Nicolas
Bourriard, curador e crítico de arte, anuncia então projetos por espaços
públicos e privados, buscando sobreviver nas relações de contato e
convivência:
5
A questão não é mais ampliar os limites da arte, e sim testar sua
capacidade de resistência dentro do campo social global. Assim,
a partir de um mesmo conjunto de práticas, vemos surgir duas
problemáticas totalmente diversas: ontem, a insistência sobre as
relações internas do mundo artístico, numa cultura modernista
que privilegiava o ‘novo’ e convidava à subversão pela
linguagem; hoje, a ênfase sobre as relações externas numa
cultura eclética, na qual a obra de arte resiste ao rolo compressor
da ‘sociedade do espetáculo’. As utopias sociais e a esperança
revolucionária deram lugar a microutopias cotidianas e a
estratégias miméticas: qualquer posição crítica ‘direta’ contra a
sociedade é inútil, se baseada na ilusão de uma marginalidade
hoje impossível, até mesmo reacionária. Há quase trinta anos,
Félix Guattari já saudava essas estratégias de proximidade que
fundam as práticas artísticas atuais (BOURRIAUD, 2009, p.43).
Seja bem-vindo!
Do editor
6
“Todo me lo has dado, Señor.
Me diste a mi padre y la muerte de mi padre,
a mi madre y su muerte,
a mi hermano Juan y a su destino,
a Jorge, el verdadero y el fantasma,
a mi mujer, Chepita, y a mis hijos,
a mi cama me diste y a mis huesos
que reclaman más tiempo.
Me diste todo, sí,
y me he entregado
a vivir y a morir con calendario.
Sólo te pido que me dejes solo
a punto de las ocho porque es hora
de dormir.”
7
8
[26/09/14]
Eu preparo
um prato novidade
eu encarno a pedra
presente é passado
as preocupações voam
com as gotas de sabão
pano de prato
na panela lavada
lava lava lava
de pronto o pranto
de cebola que
passado é presente
[26/09/14]
O prato vazio
antes da refeição de não vem
o prato no armário
quando vai sair
dar-se ao mundo
o prato de esmalte carcomido
lembra
da comida de dias
e de noite cala
nos sonhos ecoa o arranhar
dos garfos aposentados
que, do fundo da gaveta,
roncam sem nenhuma culpa
9
[06/02/15]
Jó
o que me resta
ri
dessa miséria
que me testa
10
[12/03/15]
Paira o ponto no ar
no fim
de tarde
eu acordo pro mundo
mudo
de roupa e de cabelo
de olhar pesado
pesadesço
as escadas
e imagino o que seria
uma alameda
os pontos pairando
nem alados nem flutuados
no fim de tarde
guardando esse mistério
de não ter mistério algum
[12/03/15]
JAZZ
sinto essa confusão
fudida
11
[12/03/15]
Vou sair
só a porta impede
mas com jeitinho
eu peço
ela cede
e se torna cúmplice
desse tolo escapismo
[12/03/15]
Todo o resto -
este caroço
esta casca
esta gota no piso
este fiapo no sorriso -
me pertence
[12/03/15]
“Furniture” -
junto com “queue” -
é minha palavra preferida em inglês
há muitos anos
vi um gringo num palco
maravilhado
com a palavra “guardanapo”
12
[24/03/15]
Toda pedra
perda
toda perca
peco
todo preço
peço
todo prego
pego
noite e martelo
13
[02/09/15]
[02/09/15]
O caminho corre
uma corrida injusta
cada passo passa
mas o caminho fica
(pegada indecifrável
que a chuva enlameia)
14
[09/09/15]
[09/09/15]
As asas recolhidas
não escondem
você ser um Anjo
seja bem-vindo
Estrela da manhã
[09/09/15]
O turista -
sem acidente -
assemelha-se à paisagem
O turista -
incidentalmente -
assemelha-se à paisagem
15
[09/09/15]
[09/09/15]
A criança imóvel
o mundo sem margens
lágrimas plácidas
[09/09/15]
A educação
pela pedra
pela perda
perdão
16
[24/09/15]
Os gatos me seguem
pela casa
pelos muros
espreitam
atravessam a rua
quando é de noite
sabem meus destinos
gastam
suas sete ou nove
vidas
aparecendo e deslizando
sobre minha sombra
os gatos sabem
que quando sorrio
algo falta
mas fingem que tudo
está muito bem
eles piscam
olham à sua volta
e voltam pros becos
eu sigo -
seguido -
e alcanço a servidão
Saudade
17
[24/09/15]
Caminheiro noturno
vai que a rua é sua
é caminho de estrelas
é chão madrugada
oirado e perfumado
por essas mulheres -
flores trans -
tramas da noite
tecidos solares
sodomas e
salmouras
sexo e tédio -
na mesma moeda?
18
[27/09/15]
19
[29/09/15]
Seguir junto
nessa estrada
que se chama
solidão
rumo a todos
os corações
de partidas e chegadas
[29/09/15]
Mala é um saco
nela cabe o apenas
[29/9/15]
20
[10/03/16]
21
[03/05/16]
Universo
me vem à mente
um inverso simples
datado
ditado de estrelas -
extraterrestres
ets
etc.
[03/05/16]
Doce
de tudo
visível imediato
como pode tanto saber
nessa tarde de passeio
não adianta inventar
não adianta
a via vai pra lá
pra passar na faixa
tem que dar o passo
assim
22
[03/05/16]
Incrível
que no tempo
que no tampo
que no trampo
rompe a gota
e escorre e corre e cor
rompe a gota
23
[06/05/16]
Uma imagem
sempre a margem
sempre à margem
do não visto
imprevisto
ruído branco
surdo
o ponto cego
não importa se
trezentos e sessenta
24
[06/05/16]
o ciclope se acalma
ninguém passa
mas o nunca
{nunca} tem fim
25
[19/o5/16]
documento
doc
cu
memento
me
em
si
mento
:
ductibilidade
[19/05/16]
célula:
cédula:
onde circula
verdadeiramente
a vida
26
[19/05/16]
Num canto
a vida
de gaiola
violada
voou
voou
voou
vou ou
27
[25/05/16]
Acontece:
a qualquer momento
mono
de um lado
tudo igual
sereia do entulho
me chamou e não ouvi
prefiro Iara
que fala na cara
e encurrala
solidão é sólida
é trajeto
rio cinza e duro
nas margens, fuligem
fogem os bichos
com o som do canto
com o tom do tanto
o tato ausente
: encanto
28
[12/07/16]
29
[18/09/16]
Enquanto espero
perco o foco
esqueço as regras
deixo o leite derramar…
{a espera
esperar
não é algo que se aprende
no máximo
se entende…}
esperança
30
[18/09/16]
31
[23/08/16]
Eu vivo em pílulas
com horário marcado
alarme-relógio
minha identidade secreta
é secreta
de mim
de todos
a euforia contida de um riso
que eu não sei quem me emprestou
eu conto as gotas do relógio
e quando o monstro acorda
eu engulo a dose
e durmo
de cinco a seis horas-relógio
e acordo
pro pesadelo do ofício
que não sei
quem me deu
quem me empurrou
a dor de cabeça é só
sintoma
eu conto a conta-corrente
me aprisiono
sem vontade
sem rancor
32
[25/09/16]
É uma traição
a/os poetas
não darem títulos
[25/09/16]
o cansaço e a noite
se misturam
autobiografagia
que as pílulas resolvem
33
[26/09/16]
esse plágio
34
[03/10/16]
O que narrar
em manhãs todas nubladas?
o fio de sol conduz
a algum fim?
o que me contam
casas acordando
e corpos adormecidos
em pleno ofício?
35
[03/10/16]
os homens caminham
as mulheres caminham
o mundo é feito todo dia
{narrativa}
36
[30/10/16]
[30/10/16]
Jornada
noite madrugada
janela morta
sem alma
requadro triste
no blackout
resiste esse fio de luz
artificial
como o sono que
às pílulas
abre seu caminho
37
[04/11/16]
38
[28/11/16]
Ideias amarelas
aladas
esse sol é só
memórias cinzas
cinzeladas
esse Bolor que
afeta o papel
esse Bolor
céu e mel
Bolor Bolor Bolor
não sol
Bolor que embola
minha língua
um dia minha língua provou
e se perdeu no labirinto
do Bolor
39
[06/04/17]
40
[17/10/17]
Eu sou um alvo
indescritível
sempre sabem
onde me acertar
[17/10/17]
41
[17/10/17]
ou de
coco
42
[17/10/17]
a atenção
se
des
43
[09/11/17]
Quero o sol
e o que eu puder…
não se eleva nada
sem dor
[10/11/17]
Ó formas alvas
brancas e musselinosas
que me assombram
na voz negra d’O assinalado
44
[13/11/17]
Cada agulha
é um palheiro
cada poema
é um
ponteiro inerte
sem de morte
precisão
previsão
[13/11/17]
Cabeças cabeças
cabeças
serão almas
serão
mortuários
peças de um museum
num futuro esquecido
45
[28/12/17]
Sou um homem
quase
poeta
quase
fiz uma música
quase chiclete
e agora
quando me pedem pra cantar
quase engasgo
rio amarelo
e
quase não sei o tom
pra pedir desculpa
[28/12/17]
46
[28/12/17]
Não é preciso apagar a luz
nosso relógio
não tem hora
eu fecho os olhos
e tudo está iluminado
pelas velas das almas
talvez
pelo amanhecer sem aviso
pelo rio de sol
dos olhos
da única testemunha
um homem cego
uma mulher mágica
há uma onomatopeia
de puro brilho
que morre e morre
entranhada
nas gargantas dos anjos
faça-se o breu
47
[28/12/17]
Um espectro -
lá fora, as cores de
uma bandeira
com a qual brincam
os velhos crianças
mimados
cá dentro, uma raiva
sem alvo
pois pra todos os lados
voam os patos
[28/12/17]
As retas
as arestas
os cristais na mesa
um sonho de ateliê
morsas
e madeira
metal e parafusos
ferramentas em punho
e toda essa lembrança
que não se tornou
mobília
48
[28/12/17]
49
[28/12/17]
50
[29/12/17]
51
[29/12/17]
Acordo
estando acordado
é a noite que se estende
os sinais chegam
o sol não passa
pela espessa cortina
a tevê permanece
ligada
na minha imaginação
o corujão
nunca acaba
52
[29/12/17]
eu só consigo fazer
pastel de vento
e eu tento tanto
que me dá até
azia
53
[29/12/17]
54
[29/12/17]
55
[29/12/17]
Desnoite:
tudo
que pode
acontecer
deve ficar
no guarda-volumes
[29/12/17]
Pedra
terra
raiz
impossível anular essa
voz
56
[29/12/17]
57
[29/12/17]
Confundo as pedras
qual será valiosa?
pedras são como vinhos?
o rótulo define o valor
boca
nariz
olhos
alguém escuta as pedras
antes do esmeril?
tenho ouvido
mas
só escuto a mim mesmo
58
[30/12/17]
A chuva cai
- já é dia trinta -
e estala
como labaredas
lambidas de tinta
na ferida aberta
da vida
o sopro veio
do mar
a vida alerta
voltar também é
caminhar o meio
certeza são cinzas
como as transições
em Escher
59
pois a flauta é oca
sem o ar
da vida doada
são camadas
dessa pele que chora
sem hora de parar
não importa
o quanto doa
e se repita
crepita a chuva
e é sempre a
mesma
o mesmo gesto
o musgo
a flor que se abre
os titãs se levantam
o titânio os contém
lendas são lentas
para surgir
60
para parar
para sumir
como a chuva
que é uma ideia
que não se vai mesmo
quando não vem
negociando férias
(quem
já entendeu a voz
aquela voz do fogo
já estendeu as mãos
e saudou a chuva)
61
[31/12/17]
62
[31/12/17]
andar de lado
e voltar de costas
63
[02/01/18]
Há na tela
um movimento que assombra
nunca se viu
tamanha virtude
em verdade, nunca se viu
o monstro da caverna
na tela
o horror herda a tez
a tela é espelho
nela te vejo
e repito
a pantomima sórdida
uma bomba atômica
não mudaria uma vez
o fantasma
alegoria
a mancha no pano de projeção
64
[02/01/18]
65
[03/01/18]
66
[03/01/18]
67
[03/01/18]
68
[05/01/18]
Unhas
são constelações
nos mostrando a passagem
do tempo
unhas não têm volta
apontam o futuro
são feitas
de puro passado
não deixam
furos e são
marcas da vida
de cada universo
e são camadas um
sambaqui
de memórias
unhas não contam histórias
elas são
você
eu
o Cosmos
enquanto são varridas
pra debaixo
do tapete
69
[10/01/18]
70
[21/06/18]
71
[12/06/18]
72
[19/06/18]
73
[21/06/18]
Associo coisas
a coisas e coisas
nenhuma
é a mesma coisa
só o fato de ser tão
possível
só o olfato impossível
desse cão
já enche de medo
todas as coisas
mas o que o cão não
sabe
são as palavras das
coisas
o cão não sabe da
seiva
de som com cor e letra
do cinza da gaiola
sabe
o apertado da coleira
74
[26/07/18]
Não há sono
se alguém morre agora
se há o sol banhando do lado de lá
um bêbado e
uma criança ao mesmo tempo
eu economizo
porque acho que se morre
alguém
não há sono no
além
75
[25/11/18]
76
[25/11/18]
77
[25/11/18]
Eu queria uma
ilha
isolada de tudo
que é meu
eu queria o
cálice
a certeza
eu queria ter
o poder de
poder ter
paciência
a espera é uma
ilha
ocupada
pelas saudades incuradas
78
São José da Terra Firme / SC
2014-2018
79
Sobre o autor
80
Sobre a editora
KK
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82
KATARINA KARTONERA
83
Este livro foi impresso em fonte Georgia.
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