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GT 07 – Planejamento e gestão territorial, bens públicos e privatizações, expansão urbana e as relações

urbano-rurais

CIDADES INTELIGENTES PARA QUE(M)? UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS


PROJETOS BRASILEIROS
Paulo Pereira da Silva1
Bruno Lopes Ninomiya 2

1 INTRODUÇÃO

Transcorridos 20 anos de vigência do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) – grande marco


na legislação urbanística brasileira – urge refletir quais foram as conquistas alcançadas neste
campo e quais desafios reverberam no tempo presente. Dentre algumas temáticas que se
destacam, é de suma importância pensar no papel que as múltiplas tecnologias podem exercer no
território. No que diz respeito às inovações tecnológicas acopladas ao espaço urbano, para cumprir
determinadas finalidades, existe um termo que ganha cada vez mais relevância: “cidade inteligente”.
O conceito, seus propósitos e características, são recepcionados com entusiasmo por
alguns e com ceticismo por outros. Embora não haja um conceito estanque, ou consensual, que
estabeleça definições exatas para o termo cidade inteligente, quando se invoca a expressão, a
mensagem que se deseja passar é a de que a tecnologia deve ser empregada como um instrumento
vital para a construção de uma infraestrutura urbana orientada para a inclusão social,
sustentabilidade e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico e social.
Além das produções acadêmicas sobre o assunto, algumas instituições internacionais
classificam determinadas cidades em rankings, conforme os critérios estabelecidos a depender da
metodologia. Por exemplo, de acordo com um estudo realizado em 2021 pela “Eden Strategy
Institute”, Singapura, na Malásia, lidera como a cidade mais inteligente do mundo, seguida por Seul,

1 Pesquisador no Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público da FGV (CEPESP/FGV); pós
graduando em Direitos Humanos na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); bacharel em Direito pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduando em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de
São Paulo (USP). E-mail: paulo.psilva97@gmail.com
2 Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Pesquisador do Núcleo de Direito

e Descolonização (USJT/CNPq), do Laboratório de Socio logia do Direito (UPM), do Grupo de Pesquisa “O


Sistema de Seguridade Social” (UPM/CNPq) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científ ica
(PIBIC/UPM), com f omento do MackPesquisa. E-mail: blopesn@hotmail.com

1
na Coreia do Sul, e Londres, na Inglaterra. Todavia, nenhuma cidade brasileira está incluída no “top
50”.3
O projeto de cidade inteligente em Angra dos Reis visa ampliar o acesso à internet para o
município, incluindo, gratuitamente, pontos de internet em diferentes locais da cidade. Já o projeto
em Juazeiro do Norte discute a implementação de energia renovável para serviços públicos, o
acesso à internet gratuito e um sistema de vigilância voltado para a segurança pública. Neste ponto,
é relevante citarmos que ambos projetos foram elaborados para serem implementados por meio de
concessão patrocinada, isto é, a partir de Parcerias Público-Privadas (PPP). Ocorre que, uma
concepção mais crítica do conceito e das experiências internacionais, classifica esse movimento
como um projeto neoliberal que estaria se utilizando de um discurso pró-inovação e progresso, em
nome de interesses privados de determinados grupos e da descentralização do Estado na gestão,
planejamento, na oferta de serviços de mobilidade e infraestrutura no espaço urbano, além de coleta
e exploração de dados.
Desse modo, partimos da hipótese de que os projetos de cidade inteligente tão somente
vislumbram o emprego de novas tecnologias desprovidas de um potencial de mudança substancial
em termos de redução da desigualdade, promoção da cidadania. O tema das cidades inteligentes
têm instigado muitos pesquisadores e fomentado discussões interdisciplinares que contribuem para
a construção de um arcabouço teórico expressivo e relevante, no entanto, ainda são muito
incipientes os estudos que se debruçam em análises que contemplem a experiência prática em
cidades brasileiras. Portanto, neste artigo, propomos analisar duas experiências em andamento no
Brasil: Juazeiro do Norte e Angra dos Reis.
A pesquisa original dividiu-se em três seções. Primeiramente, nos atentamos a realizar uma
explanação conceitual de cidade inteligente. Em seguida, investigamos os projetos brasileiros com
a implementação desse tipo de sistema. Em um último momento realizamos uma análise das
cidades inteligentes, trazendo considerações críticas de teóricos quanto a viabilidade e a realidade
por trás desse conceito.

2 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS

Realizadas as análises teóricas e empíricas, identificamos um certo hiato entre o que se


promete e o que ocorre, de fato, na prática. Os projetos de Angra dos Reis e Juazeiro do Norte são
inovadores e possuem caráter promissor, uma vez que estão entre as primeiras cidades brasileiras
a explorarem o conceito de cidade inteligente e, a partir disso, elaborar políticas concretas e
mensuráveis.
Ocorre que, embora ainda sejam “projetos piloto” e estejam em fases preliminares – o que
nos impede de aferir resultados por ora – a maneira pela qual estão estruturados e as motivações
dos agentes públicos indicam que trata-se de processos de modernização e de novos usos da

3 (EDEN STRATEGY INSTITUTE, 2021, p. 6).

2
tecnologia na cidade que não suprem problemas crônicos presentes nos espaços públicos e que
não atendem as demandas das populações mais vulneráveis.
A título de exemplificação, diante de tantos problemas socioeconômicos e urbanísticos, será
que as soluções que as cidades inteligentes podem oferecer se resumem a transformações na
iluminação pública ou na instalação de câmeras de reconhecimento facial? Quais seriam as
propostas para o aumento da qualidade na mobilidade urbana e na democratização dos espaços?
A cidade inteligente chega nas periferias? Quais propostas poderiam ultrapassar a superfície dos
projetos apresentados?
Chama a atenção que ambos os projetos sejam realizados por meio de Parcerias Público
Privadas, o que desperta o olhar para a atuação das empresas envolvidas e para agentes que
acreditam que a desestatização seja a solução para todos os problemas públicos.
É de se notar a presença de acenos neoliberais e a discursos popularmente persuasivos,
como é a questão da segurança pública. O tema é disputado por diversos setores da sociedade e
costuma receber bastante atenção, o que faz com que iniciativas que prometem entregar melhorias
neste âmbito recebam adesão significativa. Mas a que custo? Considerando que as experiências
nacionais e internacionais demonstram que o uso de tecnologias de reconhecimento facial para fins
de segurança é ineficaz e, somado a isso, contribui para a criminalização de pessoas negras.

2.2 Citações - Cidades Inteligentes: Questões conceituais

Em um mundo cada vez mais urbanizado, os centros urbanos vêm enfrentando novos
desafios ambientais, econômicos, climáticos, políticos e de infraestrutura. Conforme relatório de
2018 divulgado pela ONU, 55% da população mundial vive em áreas urbanas e, até 2050, essa
porcentagem tende a aumentar para aproximadamente 70% (ONU NEWS, 2019). Portanto, o
grande desafio que se impõe é encontrar formas de organização com o intuito de melhorar e facilitar
a vida das pessoas inseridas nesses contextos, visto que mais do que metade das pessoas do
mundo residem em centros urbanos. Uma dessas propostas, que está ganhando notoriedade nas
últimas décadas – decorrente do avanço tecnológico e a crescente globalização – é o projeto de
cidades inteligentes.
O conceito de cidades inteligentes, conforme cunhado pelo Conselho de Cidades
inteligentes, refere-se a cidades que utilizam a “tecnologia da informação e comunicação (TIC) para
melhorar sua habitabilidade, trabalhabilidade e sustentabilidade” 4. Ou seja, trata-se de um projeto
de modernização urbana que pretende aprimorar a qualidade de vida das pessoas por meio de
5
sistemas de inteligência e gestão de dados.
Uma cidade inteligente aplica sistematicamente tecnologias digitais para reduzir a entrada
de recursos, melhorar a qualidade de vida de seu povo e aumentar a competitividade da economia

4 No original, em inglês: “inf ormation and communications technology (ICT) to enhance its livability, workability
and sustainability.” (SMART CITIES COUNCIL, s.p., tradução nossa)
5 (ALBINO; BERARDI; DANGELICO, 2015; ROTUNA et al., 2017; SHAHAT OSMAN; ELRAGAL, 2021).

3
regional de forma sustentável. Isso implica o uso de soluções inteligentes para infraestrutura,
energia, habitação, mobilidade, serviços e segurança, baseadas na tecnologia de sensores
integrados, conectividade, análise de dados e processos de valor agregado funcionais
independentes.
Destarte, a ideia de criar, ou tornar, as cidades em polos inteligentes decorre da ideia de
usar tanto o conhecimento quanto a tecnologia para melhorar as cidades , ao mesmo tempo que as
transformam em centros sustentáveis .“As metas de desenvolvimento sustentável são as mesmas
com os objetivos das cidades inteligentes. Precisamos investir em nossa localidade para melhorar
a qualidade de vida. Nas cidades inteligentes, o progresso técnico é o suporte para um menor
consumo de recursos.”
Para que uma cidade seja, de fato, considerada como inteligente, ela precisa possuir um
sistema interconectado de recursos que tornem a vivência de seus habitantes mais prática, moderna
e sustentável. À vista disso, uma cidade inteligente:

[...] deve necessariamente incorporar aspectos relativos à melhoria da governança,


do planejamento, da inf raestrutura e de como isso se ref lete no capital humano e
social. Apenas quando tomam esses elementos de f orma conjunta, cidades se
tornam ef etivamente inteligentes e conseguem promover desenvolvimento
sustentável e integrado [...]. 6

Destarte, a ideia de criar, ou tornar, as cidades em polos inteligentes decorre da ideia de


usar tanto o conhecimento quanto a tecnologia para melhorar as cidades7, ao mesmo tempo que as
transformam em centros sustentáveis8.“As metas de desenvolvimento sustentável são as mesmas
com os objetivos das cidades inteligentes. Precisamos investir em nossa localidade para melhorar
a qualidade de vida. Nas cidades inteligentes, o progresso técnico é o suporte para um menor
consumo de recursos.”9
Para que uma cidade seja, de fato, considerada como inteligente, ela precisa possuir um
sistema interconectado de recursos que tornem a vivência de seus habitantes mais prática, moderna
e sustentável10. À vista disso, uma cidade inteligente:

[...] deve necessariamente incorporar aspectos relativos à melhoria da governança,


do planejamento, da inf raestrutura e de como isso se ref lete no capital humano e
social. Apenas quando tomam esses elementos de f orma conjunta, cidades se

6 No original, em inglês: “A smart city systematically applies digital technologies to reduce resource input,
improve its people’s quality of lif e, and increase the competitiveness of the regional economy in a sustainable
manner. It entails the use of intelligent solutions f or inf rastructure, energy, housing, mobility, services, and
security, based on integrated sensor technology, connectivity, data analytics, and independently f unctional
value-added processes.”(GASSMANN; BÖHM; PALMIÉ, 2019, p. 25, tradução nossa.
7 KITCHIN, 2015; 2018; KUMMITHA, 2017; GREEN, 2019; BRIA; MOROZOV, 2020)
8 (SILVA NETO; NALINI, 2017; CALGARO, 2020)
9 No original, em inglês: “[...]the goals of sustainable development are the same with the objectives of smart

cities. We need to invest in our locality f or improve quality of lif e. In smart cities technical progress is the
support f or a less consume of resources.”(Lorena Bătăgan, 2011, p. 81, tradução nossa)
10 (ANGELIDOU, 2015)

4
tornam ef etivamente inteligentes e conseguem promover desenvolvimento
sustentável e integrado [...]. 11

3. CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES FINAIS

Expostas as profusas críticas teóricas desenvolvidas ao longo do estudo, podemos


categorizar o projeto de cidades inteligentes como possuidor de duas faces: uma que ressalta as
reais intenções e resultados de sua implementação; e outra que demonstra a ineficiência prática
dessa ideia.
Em suma, ainda existem muitos campos a serem explorados nesta seara, principalmente
quando se trata da pesquisa jurídica. O tema das cidades inteligentes é extremamente relevante e
deve ser examinado com esmero, lançando olhares críticos para a teoria e prática e construindo
mecanismos que façam com que a tecnologia seja um meio para a redução de desigualdades e
promoção do desenvolvimento social.

REFERÊNCIAS

ALBINO, Vito; BERARDI, Umberto; DANGELICO, Rosa Maria. Smart citi es: Definitions, dimensions, performance, and initiatives. Journal
of urban technology, v. 22, n. 1, p. 3-21, 2015.
ALDERETE, María Verónica. ¿Las ciudades inteligentes ayudan a combatir el desempleo? Un análisis multinivel/Do smart cities h elp to
confront unemployment? A multilevel analysis. Estudios demográficos y urbanos, v. 34, n. 1 (100), p. 43-70, 2019.
ANGELIDOU, Margarita. Smart cities: a conjuncture of four forces. Cities, v. 47, p. 95-106, 2015.
ARAÚJO, Douglas da Silva; GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Perspectivas sobre políticas públicas
de inclusão digital e fomento às cidades inteligentes. Revista Do Direito, v. 3, n. 56, p. 33-44, 2018.
BĂTĂGAN, Lorena. Smart cities and sustainability models. Informatica Economică, v. 15, n. 3, p. 80-87, 2011.
BOUSKELA, Maurício et al. Caminho para as smart cities: da gestão tradicional para a cidade inteligente. São Paulo: Banco
Interamericano de Desenvolvimento, 2016.
BRENNER, Neil; MARCUSE, Peter; MAYER, Margit (Ed.). Cities for people, not for profit: Critical urban theory and the right to the city.
New York: Routledge, 2012.
BRIA, Francesca; MOROZOV, Evgeny. A cidade inteligente: Tecnologias urbanas e democracia. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
EDEN STRATEGY INSTITUTE. Top 50 Smart City Government. 2021. Disponível em:
<https://static1.squarespace.com/static/5b3c517fec4eb767a04e73ff/t/6063814af4d39b693379
597d/1617133979623/Eden_Top+50+Smart+City+Governments+2020-21_DIGITAL.pdf>.aceso em: 8 dez. 2021.
GASSMANN, Oliver; BÖHM, Jonas; PALMIÉ, Maximilian. Smart cities: introducing digital
innovation to cities. Bingley: Emerald Group Publishing, 2019.
KITCHIN, Rob. Making sense of smart cities: addressing present shortcomings. Cambridge
Journal of Regions, Economy and Society, Oxford University Press, p. 131-136, 2015.
PPP ANGRA DOS REIS. PPP - Cidade Inteligente. Disponível em: <https://ppp.angra.rj.gov.br/ppp-cidade-inteligente.asp>. Acesso em:
10 dez. 2021.
PREFEITURA DE JUAZEIRO DO NORTE. SEDECI discute projeto de Cidade Inteligente em Juazeiro do Norte. 9 fev. 2021. Disponível
em: <https://www.juazeirodonorte.ce.gov.br/informa.php?id=23424>. Acesso em: 10 dez. 2021.
SILVA NETO, Wilson Levy Braga da; NALINI, José Renato. Cidades inteli gentes e
sustentáveis: desafios conceituais e regulatórios. Revista de Direito da Administração
Pública, v. 1, n. 1, p. 184-201, 2017.
SMART CITIES COUNCIL. The definition of a smart city. Disponível em:&lt;https://rg.smartcitiescouncil.com/readiness-
guide/article/definition-definition-smart-city&gt;.Acesso em: 28 nov. 2021.

11
(BOUSKELA et al., 2016, p. 16).

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