Você está na página 1de 102

resenha

de política exterior do brasil


número 80, 1º semestre de 1997

ministério das relações exteriores


2008
RESENHA DE POLÍTICA EXTERIOR DO BRASIL
Número 80, 1o semestre de 1997
Ano 24, ISSN 0101 2428

A Resenha de Política Exterior do Brasil é uma publicação semestral do Ministério das Relações Exteriores, organizada e editada pela
Coordenação de Documentação Diplomática (CDO) do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD).

Ministro de Estado das Relações Exteriores


Embaixador Celso Amorim

Secretário-Geral das Relações Exteriores


Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

Subsecretário-Geral do Serviço Exterior


Embaixador Paulo Cesar Meira de Vasconcellos

Diretor do Departamento de Comunicações e Documentação


Ministro Hélio Vitor Ramos Filho

Coordenação de Documentação Diplomática


Primeiro Secretário Henrique Archanjo Ferrari
Secretário Igor de Carvalho Sobral

Padronização
Hilton Ferreira da Silva

Editoração eletrônica
Hilton Ferreira da Silva / Daniel Bastos de Oliveira Bomfim

Endereço para correspondência:


Coordenação de Documentação Diplomática (CDO)
Ministério das Relações Exteriores, Anexo II, 1o subsolo
CEP 70170-900, Brasília, DF
Telefones: (61) 3411-9273, (61) 3411-9037, fax: (61) 3411-6591

© 2008 Todos os direitos reservados. A reprodução ou tradução de qualquer parte desta publicação será permitida
com a prévia permissão do Editor.

Resenha de Política Exterior do Brasil / Ministério das Relações Exteriores. –


Ano 1, nº 1 (jun. 1974) -.- Brasília, Ministério das Relações Exteriores,
1974 –.
102p.

ISSN 0101 2428


Semestral

1.Brasil – Relações Exteriores – Peródicos. I.Brasil. Ministério das Relações Exteriores

CDU: 327 (05)

Departamento de Comunicações e Documentação


SUMÁRIO

DISCURSOS
Assistência a brasileiros no exterior
Discurso do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, por
ocasião da abertura da reunião de instalação do Conselho de Cidadãos. Madri, 7 de fevereiro de 1997 ........ 7

Recebimento do título de doutor honoris causa da Universidade de Bolonha


Aula proferida pelo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião do
recebimento do título de doutor honoris causa da Universidade de Bolonha. “Alguns aspectos da questão
da democracia nos dia de hoje”. Bolonha, 13 de fevereiro de 1997 ...................................................... 9

“Brasil: Reforma do estado”


Senhor Marco Maciel, Vice-Presidente da República “Brasil: Reforma do estado, desenvolvimento auto-
sustentado e parcerias estratégicas”. Colonia, Alemanha, 18 de fevereiro de 1997 ............................... 15

Encontro do Vice-Presidente com o Presidente do Estado Livre da Paziera


“Discurso pronunciado em Munique” - Encontro do Senhor Vice-Presidente da República, Marco
Maciel, com o Presidente do Estado Livre da Paziera. Munique, Alemanha, 20 de fevereiro de 1997 .. 21

II Reunião Hemisférica de Vice-Ministros Responsáveis pelo Comércio


Discurso do Senhor Luiz Felipe Lampreia, Ministro de Estado das Relações Exteriores, na Solenidade
de Abertura da II Reunião Hemisférica de Vice-Ministros Responsáveis pelo Comércio. Recife, 25 de
fevereiro de 1997 ............................................................................................................................... 25

Conselho Argentino de Relações Internacionais


Conferência do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia,
no Conselho Argentino de Relações Internacionais. “La política exterior de Brasil frente a la democracia
y la integración”. Buenos Aires, 6 de março de 1997 ........................................................................... 31

Segurança alimentar
Discurso do senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, no almoço
que ofereceu ao diretor-geral da FAO, Doutor Jacques Diouf. Brasília, 25 de março de 1997 .................... 37

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 3


A política externa brasileira e a inserção internacional do Brasil
“A política externa brasileira e a inserção internacional do Brasil”. Palestra proferida pelo Senhor Ministro
de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, no Núcleo de Pesquisa em Rela-
ções Internacionais da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1º de abril de 1997 .............................. 39

III Reunião Hemisférica de Vice-Ministros Responsáveis pelo Comércio


Discurso do Senhor Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, Embaixador Sebastião do
Rego Barros, na III reunião de Vice-Ministros responsáveis por comércio do hemisfério. Rio de Janeiro,
14 de abril de 1997 ............................................................................................................................ 45

Formatura da turma “Darcy Ribeiro” do Instituto Rio Branco


Discurso do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, por
ocasião da formatura da turma “Darcy Ribeiro” do Instituto Rio Branco. Brasília, 25 de abril de 1997 .. 49

Comitê de representantes da ALADI


Discurso pronunciado pelo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, durante a sessão
extraordinária e solene do comitê de representantes da ALADI. Montevidéu, 6 de maio de 1997 ................ 55

Convênio para a fixação do estatuto jurídico da fronteira Brasil-Uruguai


Discurso de Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da cerimônia da
assinatura do ajuste complementar ao convênio para a fixação do estatuto jurídico da fronteira Brasil-
Uruguai. Rivera, 6 de maio de 1997 .................................................................................................... 61

Conselho de Relações Exteriores de Nova York


Palestra do Senhor Luiz Felipe Lampreia , Ministro de Estado das Relações Exteriores, no Conselho de
Relações Exteriores de Nova York. “Brasil: Novas Tendências e Seu Impacto Sobre a Política Externa
Brasileira e Sobre as Relações Brasil-Estados Unidos”. Nova York, 18 de maio de 1997 .................... 63

XVII Reunião Ministerial do Grupo de Cairns


Discurso de boas-vindas do senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe
Lampreia, aos participantes da XVII Reunião Ministerial do Grupo de Cairns. Rio de Janeiro, 5 de junho
de 1997 ............................................................................................................................................. 69

Tratado sobre a não-proliferação de armas nucleares


Discurso do Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da cerimônia de
assinatura da mensagem que envia o tratado sobre a não-proliferação de armas nucleares ao exame do
Congresso Nacional. Brasília, 20 de junho de 1997 ............................................................................. 73

Assembléia-Geral das Nações Unidas para avaliação da implementação da Agenda 21


Palavras de boas-vindas do Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião
da abertura da sessão especial da Assembléia-Geral das Nações Unidas para avaliação da
implementação da agenda 21. Nova York, 23 de junho de 1997 .......................................................... 77

4 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


ATOS INTERNACIONAIS ............................................................................................................ 79

COMUNICADOS, NOTAS, MENSAGENS E INFORMAÇÕES


Notas para a apresentação do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz
Felipe Lampreia, na sessão de abertura do II Seminário “A Mulher e Mercosul”. São Paulo, 29 de abril
de 1997 ............................................................................................................................................. 81

Notas para o discurso do Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em almoço
organizado pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Toronto, 23 de abril de 1997. ........................... 82

Brazil: new trends and their Impact on Brazilian Foreign Policy and Brazil-Us Relations”. Nova York,
Talking Points, New York Council On Foreign Relations. 18 De Março De 1997 ................................ 85

Notas para a aula Magna Ministrada pelo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso,
em cerimônia na Universidade da República. Montevidéu, 5 de maio de 1997 ..................................... 89

ARTIGOS
Assistência aos brasileiros no exterior.
“A nova política de assistência aos brasileiros no exterior”, artigo publicado pelo Senhor Secretário-Geral
do Ministério das Relações Exteriores, Embaixador Sebastião do Rego Barros, Em Política Externa,
vol.5, n.3, dez/jan/fev 1996-1997. ...................................................................................................... 93

ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................................................... 99

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 5


Assistência a brasileiros
no exterior

Discurso do Senhor Ministro de Estado das Relações


Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, por
ocasião da abertura da reunião de instalação do
Conselho de Cidadãos. Madri, 7 de fevereiro de 1997

Eu queria apenas dizer umas palavras para desenvolvimento, criando uma base sólida,
agradecer a presença de todos e manifestar o meu insubstituível nas relações entre os Estados, para dar
reconhecimento pela disposição de colaborar nesta força à amizade hispano-brasileira. Agora, os
iniciativa do Conselho de Cidadãos. Junto com os brasileiros revivem em certa forma essa saga humana.
Consulados Itinerantes, os Conselhos de Cidadãos Nos anos, em função de uma série de fatores
são uma imagem de marca da política consular do ligados inclusive ao fenômeno da globalização,
Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. também os brasileiros passaram a buscar no exterior
Mas são também, sobretudo, um reflexo pleno do oportunidades de vida e emprego. A Espanha, com
exercício da cidadania pelos brasileiros, onde quer seu dinamismo econômico e sua projeção, não
que se encontrem. poderia deixar de ser o destino de muitos desses
Ao iniciar minha visita oficial a Madri, quis brasileiros. Trata-se de um processo novo que coloca
que o meu primeiro ato fosse justamente esta reunião desafios inéditos ao Governo e, em particular, ao
com representantes da comunidade brasileira aqui Ministério das Relações Exteriores e nossa rede
residente para a instalação do Conselho de Cidadãos diplomática e consular em todo o mundo.
Brasileiros. Este tema se insere no quadro mais amplo da
Foi com grande satisfação que aceitei convite política de apoio e proteção dos brasileiros no exterior
do meu colega espanhol, o Ministro de Assuntos que o Governo brasileiro, sensível ao movimento
Exteriores, Abel Matutes, para realizar esta visita à migratório que se passou a verificar no Brasil a partir
Espanha no quadro da política dos dois Governos dos anos 80, tem desenvolvido através do Ministério
de promover uma intensa melhoria qualitativa nas das Relações Exteriores. Desde que assumi o
nossas relações, em função dos desenvolvimentos Itamaraty, cumprindo determinação expressa do
positivos que se registram tanto aqui quanto no nosso Senhor Presidente da República, tenho procurado
país. adequar o perfil da rede consular brasileira e os
O Brasil e Espanha acham-se vinculados por recursos disponíveis para as atividades relacionadas
uma história comum e por um número cada vez maior à crescente demanda de serviços de assistência por
de interesses concretos, políticos e econômicos, que parte de nossos nacionais domiciliados ou de
os aproximam. A imigração espanhola no Brasil passagem no exterior.
enriqueceu a nossa cultura e ajudou o nosso A importância, hoje, da assistência e proteção

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 7


consular ao brasileiro fora de seu país indiscutível. positivos, chegados de repartições consulares em
Constitui uma das prioridades de nossa política todas as partes do mundo onde o projeto já se
externa, expressa diretamente pelo Senhor Presidente implementou, comprovam sua utilidade para melhorar
da República, quando do lançamento, em 1995, do a vida do brasileiro no exterior, ou pelo menos, para
“Programa Governamental de Assistência aos tornar mais férteis as suas vinculações, tanto dentro
Brasileiros no Exterior’’. Ao fazê-lo, o Governo e o da comunidade quanto com as autoridades
Itamaraty, em particular, procuraram responder consulares brasileiras. Dessa forma podemos
demanda que este assunto hoje suscita, com toda encontrar soluções comuns para as situações que
justeza, na opinião pública nacional. enfrentamos juntos.
O projeto de criação de Conselhos de Queria agradecer muito especialmente aos
Cidadãos visa a encurtar a distância ainda existente conselheiros que aceitaram a responsabilidade de
entre os nacionais brasileiros e a rede consular, representar a comunidade brasileira nesta jurisdição
instituindo dessa forma um elo entre o governo e a consular. Trata-se de um grupo de pessoas
sociedade civil e um embrião da organização dessa provenientes dos mais diversos extratos profissionais.
mesma sociedade no exterior. Os Conselhos de Nele temos empresários, artistas e trabalhadores no
Cidadãos são uma das formas de manifestação da comércio. Estou seguro que desempenharão essa
cidadania brasileira no exterior. importante tarefa com sentido social e espírito
O Conselho de Cidadãos constitui um desinteressado — como cidadãos que exercem um
essencialmente apolítico e, como o próprio nome direito e têm consciência dos seus deveres para com
indica, um foro de aconselhamento, onde as a sua comunidade e mesmo para com a sua identidade
repartições consulares e as comunidades brasileiras nacional.
se encontrarão para examinar a melhor maneira de O Itamaraty e a Embaixada do Brasil em
atender ao nacional em suas necessidades Madri estarão sempre à disposição da comunidade
consulares, de aperfeiçoar os serviços prestados e para tornar possíveis os ideais que levaram à criação
de organizar a comunidade brasileira dentro da deste Conselho.
jurisdição consular. Importante que se identifiquem Ao dar por instalado o Conselho de
os problemas da comunidade e que se apontem Cidadãos Brasileiros, faço-lhes votos de um trabalho
soluções, com o sentido de responsabilidade profícuo e recompensador e peço aos seus integrantes
compartilhada e solidária. que transmitam a toda a comunidade brasileira na
Hoje, quase um ano após o início do processo Espanha a certeza do apoio do Governo e meus
de implantação dos Conselhos de Cidadãos, estou votos de uma vida cheia de alegrias e recompensas.
convencido do acerto da iniciativa. Os resultados Muito obrigado.

8 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Recebimento do título de doutor honoris
causa da Universidade de Bolonha

Aula proferida pelo Senhor Presidente da República,


Fernando Henrique Cardoso, por ocasião do recebimento
do título de doutor honoris causa da Universidade de
Bolonha. “Alguns aspectos da questão da democracia
nos dia de hoje”. Bolonha, 13 de fevereiro de 1997

Quero agradecer, inicialmente, aos meus nem soluções acabadas: resolvê-la no momento em
colegas da Universidade de Bolonha a generosidade que a individualidade do pesquisador se realiza
da concessão do título de Doutor Honoris Causa. plenamente.
Neste momento me grato por muitas razões. Hoje, na posição onde me encontro, em que
Nesta Universidade em que se têm cultivado, ao longo lido permanentemente com as tramas da política, em
de séculos, os melhores valores da vida acadêmica, que as exigências de decisão nunca se oferecem com
a solenidade e a tradição desta cerimônia renovam, simplicidade, os momentos de reflexão — julgados
em mim, o respeito à liberdade de pensamento. pelos padrões acadêmicos — parecem sempre
Recebo esta homenagem como sociólogo para quem curtos.
a reflexão tem sido sempre um exercício crítico, na A decisão política não pode, porém, estar em
busca permanente de aperfeiçoamento da débito com o pensamento, ainda que este tenha outro
compreensão do que são as sociedades latino- andamento e outro tempo, definidos pelo complexo
americanas, do que queremos como cidadãos, dos encontro das vontades e dos interesses sociais, em
limites e possibilidades de nossa capacidade de que os rigores do método deverão, muitas vezes, ser
transformação. substituídos pela sensibilidade e pela coragem.
Na minha formação, aprendi que a obrigação De qualquer maneira, com meus anos de vida
de rigor e o cuidado na pesquisa não devem nunca parlamentar e de cargos no Executivo, que já não
significar o abandono de ideais, a noção de que as são poucos, espero não ter perdido as satisfações e
sociedades progridem e as formas de convivência gratificações que significam a oportunidade de, com
podem ser mais humanas e justas. alguma distância, pensar os problemas em que estou
Nem sempre o equilíbrio entre o rigor e a envolvido, como o da construção da democracia em
necessidade de agir se dá naturalmente. Às vezes é uma sociedade marcada pela desigualdade.
difícil, quase impossível, evitar que a vontade molde Por isto, a alegria de voltar ao convívio
a reflexão e faça com que queiramos mais do que a acadêmico, de lembrar o convívio de amigos, como
realidade permite. E o segredo da melhor criação Giorgio Alberti, Guillermo O’Donnell, Ralph
acadêmica talvez esteja em resolver, a cada passo, Dahrendorf, Lawrence Whitehead, Gianfranco
essa tensão. Para isto, não haverá métodos firmes, Pasquino e tantos outros, com quem me reuni, aqui,

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 9


no Centro Europeo di Studi della Democratizzazione, forças e grupos a responsabilidade de reimplantá-la
para estudar e debater as questões da democracia no Brasil e na América Latina. Era a perspectiva
contemporânea. natural do intelectual latino-americano, que via, na
A lembrança de Bolonha é, assim, a do melhor ausência da democracia, tantos males e deficiências
estímulo intelectual, da troca aberta de opiniões, da para a sociedade que era necessário ir além da análise
franqueza do debate. A volta, hoje, nesta e transformar em “dever” a luta anti-autoritária.
homenagem, que recebo como alguém que terá Naqueles momentos, para a contabilidade da
procurado ser sempre fiel aos ideais acadêmicos, me construção democrática, a sociedade era o positivo
emociona a gratifica. Muito obrigado aos professores e o Estado era o negativo, já que este encarnava e
da Universidade de Bolonha pelo título. executava o “contrário” do que entendíamos por
Minhas visitas a Bolonha representaram democracia, ao negar a plenitude dos direitos civis e
também oportunidades de contato com o dinamismo adotar políticas econômicas excludentes. Ainda que
econômico nas regiões que cercam esta bela cidade. houvesse transformações — e as houve no Brasil —
Aqui, pude compreender facetas do mundo , vinham marcadas por uma limitação, a da distância
empresarial, objeto de pesquisas minhas no Brasil e dos interesses reais da sociedade.
em outros países da América Latina, que sem dúvida Não creio que deva retomar, aqui, a análise
enriqueceram a minha compreensão das formas do processo de democratização brasileiro, afinal bem
múltiplas que podem dar sentido ao desenvolvimento conhecido. Sabemos que revelou claramente formas,
econômico. até inesperadas, de organização de uma sociedade
A democracia — que propiciou aqui debates que “andou na frente do Estado”, forçou mudanças,
tão interessantes — continua a ser o tema central da em um complexo jogo de pressões e negociações,
política no mundo contemporâneo. Não se esgotou ora explícitas ora implícitas, mas sempre na direção
no plano analítico, e, como prática política, ainda de recuperar condições reais de participação política.
lança questões cruciais quando se pensa no progresso Não tenho dúvidas de que os ganhos na luta
social e no desenvolvimento político. Mesmo no pela democracia são permanentes no Brasil. Por
mundo desenvolvido, segue como um marco crítico. muitas razões, a sociedade brasileira aprendeu as
Lembro as análises sobre o déficit democrático na formas fundamentais do que convivência
Europa como instrumento para entender as possíveis democrática. Sabe reivindicar o que a transforma e,
deficiências da União Européia e os dilemas que se por isto, impossível entender os processos políticos
revelam quando examinamos os problemas da brasileiros a partir do ângulo exclusivo do Estado.
integração étinica. Lembro ainda os complexos Mas, a democracia se completa quando o Estado se
processos diplomáticos quando estamos diante da torna, ele mesmo, parte da vida democrática da
necessidade de defender e projetar os valores nação, quando o Estado aprende a servir à
democráticos no plano internacional, estabelecendo sociedade.
mecanismos para bloquear a interrupção de cursos Em que condições isto ocorre? A resposta
institucionais e assegurar o respeito aos direitos não é fácil. De qualquer maneira, de um muito
políticos e humanos. limitado, o de um dos poderes do Estado, o
Mas, se me permitirem, gostaria de voltar a Executivo, gostaria de falar de democracia da
algumas de minhas reflexões sobre a democracia. perspectiva de quem tem responsabilidades de
Recordo que, durante o tempo do autoritarismo governo. Tentarei a dose mínima de objetividade para
brasileiro, examinei-a do da sociedade, de alguém que estas notas tenham algum interesse acadêmico,
de fora do Estado e que atribuía a determinadas embora respondam, reconheço, ao que aprendo com

10 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


as tensões da política (e, certamente, a cadeira não nunca um processo que se esgote nas instituições.
presidencial não será o melhor lugar para a pesquisa Estas são essenciais, é impossível qualificar de
sociológica). Neste sentido, minha pergunta seria, democrático um regime em que faltem a
nesta aula, a seguinte: de que maneira possível que o independência dos poderes, as eleições periódicas,
governante, em seu cotidiano de decisões, trabalhe a instituição das liberdades civis. O que dá vida a
para aperfeiçoar a democracia. Como o Estado pode essa moldura, porém, são práticas cotidianas, os
atuar positivamente, aproveitar as forças modos de participação e engajamento dos cidadãos
democratizantes que vêm da sociedade, fazer com nas decisões que lhes afetam, em suma, modos de
que transformem a realidade? conviver em sociedade. São as formas pelas quais,
Gostaria de chegar a essa questão partindo para usar um conceito de Hirshman, as vozes se
de umas poucas reflexões sobre o próprio sentido organizam e se manifestam e criam a vida
da democracia contemporânea, que, para muitos, democrática.
vive formas de crise, como se precisasse ser renovada Essa perspectiva — a da efetiva prática
para continuar a “ser democracia”. democrática como elemento de validação das formas
Antes de ir adiante, voltaria a idéias expostas institucionais — não elude a questão da norma e dos
há mais de vinte anos, articuladas, portanto em outro valores democráticos. A formulação de Bobbio sobre
contexto, mas que me permitem retomar o que penso o tema precisa e esclarecedora:
deva ser o núcleo da compreensão moderna de “Pur partendo da due punti di vista diversi,
democracia. Kelsen dalle norme e dal diritto come ordinamento
“... preciso ir tecendo os fios da sociedade di norme, Weber dal potere e dalle varie forme di
civil de tal forma que ela possa expressar-se na ordem potere, i due autori hanno finito per incontrarsi pur
política e possa contrabalançar o Estado, tornando- facendo cammino oposto: Kelsen dalla validità
se parte da realidade política da nação (...). À formale delle norme alla effettività, attraverso le varie
superação verbal fácil dos problemas reais em nome forme di potere degradanti dall’alto al basso, Weber,
de um futuro mistificado, preciso contrapor o desafio invece, dal potere di fatto alle varie forme di potere
das reivindicações específicas, que são múltiplas e legittimo. La norma ha bisogno del potere per
diferenciadas, de cada grupo ou setor social. (...) diventare effettiva, e il potere di fatto ha bisogno
redemocratização (...) como prática cotidiana e não dell’obbedienza continuata al comando e alle regole
como gesto de benevolência política de cúpulas che ne derivano per diventare legittimo. (...) Potere e
esclarecidas que dificilmente poderão passar da legittimità si rincorrono. Il potere diventa legittimo
intenção ao ato, se não houver estruturas reais de attraverso il diritto mentre il diritto diventa efferito
apoio político e formas organizadas de pressão a partir attraverso il potere”. (Norberto Bobbio, De
dos segmentos da sociedade que não estão Senectute, Einaudi, Turim, 1996, pg. 171)
encastelados no Estado. (...) uma ordem compatível Uma análise, mesmo superficial, das
com a real democratização que parta da diversidade sociedades ocidentais, desenvolvidas e ainda em
e da heterogeneidade e que busque formas de desenvolvimento, revelará, nos anos, um fenômeno
convivência racional efetivamente arraigadas em do que se poderia chamar de “ampliação das
valores capazes de criar uma Nação, tolerando e demandas democráticas” ou, mais apropriadamente
legitimando conflitos”. (Autoritarismo e para as sociedades como as latino-americanas, de
Democratização, Rio, Paz e Terra, 1975, pág. 239). “ampliação da demanda por equidade”. O que isto
Estas idéias, que expressei há alguns anos, significa? Sem entrar na explicação das origens do
resumem a minha percepção de que a democracia fenômeno, o que se observa que o leque de demandas

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 11


dos cidadãos se torna múltiplo, talvez disperso, e, um complexo processo de demandas, sempre
sobretudo, encontra canais variados de manifestação, renovadas. E, paradoxalmente, já que as demandas
diferentes dos tradicionais da representação política. se dirigem essencialmente ao Estado, preciso
Multiplicam-se as vozes, suas expressões, formas e recuperar a coerência no processo de atendê-las.
alcance. O vigor das democracias contemporâneas
O conceito de cidadania se transforma: não identifica-se, cada vez mais, com processos
mais exclusivamente o simples exercício do voto que multiformes de articulação de demandas por
o define e resume, mas também a luta por um meio transformação, demandas estas que deixam de ser
ambiente saudável, pela garantia de emprego, por orientadas por objetivos unificadores e passam a
segurança, por direitos de minorias, por educação e refletir a própria diversidade e complexidade do
saúde de qualidade, por remuneração adequada de mundo moderno. O fortalecimento da representação
aposentados, por lazer, por um ambiente sadio supõe naturalmente que as suas instituições
eticamente (daí, aliás, a preocupação com o “capturem” as novas dinâmicas. Essencial que o
fenômeno da corrupção e da droga), etc. Em muitos façam porque, queira-se ou não, as “novas
casos, houve, de um lado, um “atraso” na demandas” não podem ser repelidas ou escamoteadas
representação tradicional (partidos) em compreender nas decisões de governo, já que compreendê-las e
e introduzir, nos mecanismos políticos clássicos, esse atendê-las passa a constituir o cerne da democracia
conjunto de reivindicações. Sobretudo, introduzi-los moderna. Além disso, em sociedades ainda fortemente
com eficácia e coerência. De outro lado, a própria desiguais, como as latino-americanas e a brasileira
dispersão das “constituencies” de cada conjunto de em particular, persistem as demandas clássicas (por
demandas torna difícil aglutiná-las consistentemente terra, por saúde, por educação, etc.) que devem ser
em um marco ideológico que seria a base natural a preocupação inicial e prioritária da ação política.
para a plataforma clássica dos partidos políticos. Afinal, aí está o próprio núcleo da dignidade humana.
Ainda, parte dessas demandas — como as que se Porém, o atendimento daquelas demandas
referem a meio ambiente — se situam em um plano hoje modelado pelo contexto das reivindicações
de exigências técnicas cuja incorporação pelos contemporâneas. O problema não apenas o de dar
modelos ideológicos clássicos, sobreviventes do escola elementar, mas o de preparar o estudante para
século XIX, não simples. enfrentar as questões “modernas” que o
Também sabemos que a partidarização de desenvolvimento tecnológico impõe. A saúde supõe
reivindicações fragmentárias, como no caso dos acesso a medicamentos de geração. Um meio
verdes, uma solução limitada. Articulam-se, ainda, ambiente sadio exige capacidade científica. Justiça
demandas tipicamente parciais, como as que dizem social significa efetiva igualdade de oportunidades em
respeito identidades de minorias, por sua própria um mundo que parece crescentemente diferenciado.
definição refratária a se incorporarem em agregados O próprio fato da globalização faz com que sejamos
reivindicatórios maiores. Se as doutrinas políticas que forçados a abandonar a possibilidade de seqüência
modelam os partidos clássicos deveriam organizar no atendimento das demandas, antes as antigas,
visões mobilizadoras do bem comum, o problema depois as modernas. Elas convivem, reforçam-se, e,
que temos hoje a própria ampliação da definição do sobretudo, mudam os tempos da política. Não se
que o bem comum, do que constitui, como queriam pode mais atender ao drama imediato da pobreza
os clássicos, o caminho para a felicidade do cidadão. sem que sua solução se inscreva em processos de
Talvez não possamos mais contar com uma meta mais longo prazo de transformação e modernização
predefinida e abrangente e tenhamos que lidar com das sociedades.

12 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Um segundo tema necessário quando se trata da contribuição que trazem ao processo democrático.
de entender a democracia moderna o da comunicação Esses são alguns dos problemas da
de massa. A primeira reação de um governante diante democracia contemporânea. Volto agora pergunta
da imprensa naturalmente a de defesa, e mesmo de com que comecei o texto: que contribuição o
“irritação” com a freqüência e a abrangência das governante deve ou pode dar para a implantação
críticas, que são o cotidiano das notícias nos países democrática?
onde existe imprensa verdadeiramente livre. O elogio Tomemos a realidade de um regime
é exceção rara. presidencialista, em que a carga simbólica, combinada
O fato, porém, que, se as ONGs e os a um imenso complexo de obrigações, caracteriza a
movimentos sociais “descobrem” e, em parte, ação do Chefe de Estado.
organizam as novas demandas, são os meios de Neste sentido, o primeiro dever democrático
comunicação de massa que lhes dão relevância justamente o de aceitar a complexidade da sociedade,
política. Ainda que não seja de forma completa e que se manifesta pela multiplicação e variedade das
nem reflitam adequadamente a complexidade dos demandas, pelo poder dos meios de comunicação,
processos sociais e econômicos, o jornal, o rádio e pelo fato de que a “convivência democrática” reúne
a televisão traduzem modalidades de sensibilidade heterogeneidade e uma vontade permanente de
da cidadania e criam uma agenda pública, inescapável transformação (sobretudo se estamos pensando em
para o homem de Estado (não conheço qualquer Brasil, em América Latina).
autoridade pública que não comece o dia pela leitura A expressão simbólica da aceitação da
de jornais). Os meios modernos de informação complexidade a tolerância, que se exprime na
definem, assim, parte essencial da realidade política. abertura permanente para ouvir os que discordam e,
A sua contribuição para a democracia nasce de que sobretudo, garantir o espaço do dissenso. Consensos
articulam — vezes precariamente, verdade — uma perfeitos são raros em democracias de sociedades
realidade psicológica para o comum dos cidadãos complexas e desiguais. Assim, a expressão política
de participação nas coisas coletivas, passando a da aceitação da complexidade a negociação, o
constituir um instrumento de treinamento político. incorporar a opinião alheia até o limite que não
Sem o sistema amplo de meios de distorça ou bloqueie a vontade da maioria. Negociar
comunicação de massa que temos no Brasil, para transformar uma das chaves do processo de
dificilmente teríamos conseguido levar adiante a consolidação democrática. Outra reconhecer que
democratização ou o Plano Real. Ou, se não existe, naturalmente, uma disparidade de poder entre
houvesse a combinação ONGs-imprensa, dificilmente os diversos setores da sociedade que entram em
a causa indígena teria a força política que tem no negociação e que a função do Estado saber arbitrar,
Brasil. Impossível não agir quando a desigualdade, sem temer compensar os que negociam de posições
a violência, as expressões de injustiça, aparecem sob fracas, e fazer-se sempre de voz dos que não têm
a forma dramática da notícia jornalística. A meios de participar dos processos decisórios.
informação, como veiculada pelos meios de Cabe aqui repetir Bobbio outra vez: “Dalla
comunicação, assim, fundamental para a osservazione della irriducibilità delle credenze ultime
governabilidade democrática. Os riscos da distorção, ho tratto la piú grande lezione della mia vita. Ho
os exageros, a preocupação em “escandalizar imparato a rispettare le idee altrui, ad arrestarmi
processos e personalizar acontecimentos” — davanti al segreto di ogni coscienza, a capire prima
previsíveis e normais nos meios de comunicação de di discutere, a discutere prima di condannare. E
massa — acabam por tornarem-se pequenos diante poiché sono in vena di confessioni, ne faccio ancora

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 13


una, forse superflua: detesto i fanatici con tutta De fato, para atender demandas do nosso
l’anima.” (Bobbio, idem, ibidem, p. 174, tempo, estão-se incorporando à prática política
reproduzindo texto in Italia civile). democrática novos atores extra e intra-
A tarefa mais do Governo democrático em governamentais, que tecem relações fora das
sociedades complexas justamente a de dar rumos instituições tradicionais do Estado (Congresso,
aos processos que permitam a transformação. O que burocracias, partidos, etc.).
isto significa? Em primeiro lugar, dar sentido nacional Essa reorganização do Estado, e também da
aos movimentos da sociedade. As nações têm sociedade, se no início apareceu como uma
percursos históricos que estão incorporados às “generosidade” das burocracias ONGs, hoje muito
estruturas sociais e econômicas e cultura. A mais do que isso. Conselhos com atores que mais
negociação necessária não pode impor visões parciais “participam” por suas idéias e posturas renovadoras,
que rompam com o sentido nacional. Ao contrário, do que “representam” por seus votos os diferentes
o ponto de equilíbrio a referência a um interesse segmentos da sociedade, formam o chamado
nacional, não mais definido abstratamente, Terceiro Setor, de importância crescente nas
tecnocraticamente, mas a partir de uma “escuta” sociedades atuais.
cuidadosa e sensível do que a nação quer. No espaço Diante de pressões e de objetivos que se
nacional que reagimos eticamente desigualdade e, formam “entre” o Estado e a sociedade civil —
portanto, esse o primeiro espaço da ação solidária. enlaçando-os de forma inovadora —, de quase-
Neste sentido, no caso brasileiro, a democracia organizações, em parte voluntárias, em parte
significa sensibilidade para mudar, para criar ancoradas no poder público, cabe ao homem
condições dignas de justiça social. E o mais difícil político, ao líder, criar formas não-tradicionais de
trabalho de quem reflete e tem posições de poder é interlocução e de interpelação.
o de desvendar o caminho mais rápido, mais E aí, novamente, o papel simbólico e até
consistente, mais seguro, para a realização dos fins mesmo legitimador do “novo” será a marca do líder
que a democracia exige. político de envergadura que seja realmente
E, para finalizar, retomo o tema do Estado democrático. Tarefa imensa que a poucos dado
perante a multiplicidade de demandas de hoje. cumprir com consciência e grandeza.
Não basta reconhecer a pluralidade e a Não aspiro ser capaz de tanto. Que pelo
especificidade complexa das demandas da sociedade menos a lucidez da Academia — a dos senhores —
civil. É preciso reconhecer que a dicotomia clássica ajude-me a formular, senão a exercer, os papéis que
Estado e Sociedade Civil, bem como sua simplificação a democracia contemporânea exige dos Presidentes
na oposição Estado e Mercado, são insuficientes para e demais dirigentes políticos.
definir o locus da política e a arquitetura das Muito obrigado, outra vez.
instituições políticas contemporâneas.

14 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


“Brasil: Reforma do estado”

Senhor Marco Maciel, Vice-Presidente da República


“Brasil: Reforma do estado, desenvolvimento auto-
sustentado e parcerias estratégicas”. Colonia,
Alemanha, 18 de fevereiro de 1997

Ao lado da fidalga acolhida que expressa um desenvolvimento nacional e que resultam em uma
dos traços característicos desse País, quero agradecer estrutura social injusta. As reformas podem ser
a gentileza do convite para esta palestra, sintetizadas em três linhas de atuação claramente
extremamente grata para mim, na medida em que definidas: a) as de caráter político-institucional; b) as
me permite tecer algumas considerações sobre o de natureza fiscal e previdenciária patrimonial, e c)
processo de desenvolvimento político e, sobretudo, as de cunho social.
econômico e social do meu País, e as possibilidades As reformas institucionais abrangem as
de cooperação com a Alemanha. estruturas, os processos e, a funcionalidade do
No quadro da nova ordem internacional que modelo político do País, aí contempladas as reformas
se instaurou, com a consolidação, na área econômica, que se convencionou chamar de “engenharia
de um modelo de integração produtiva internacional, constitucional” para usar a expressão de Giovanni
o Brasil conscientizou-se de que era necessário Sartori. Inclui-se nesse conjunto de medidas a
promover um conjunto de reformas estruturais que necessidade de se redefinir o próprio sistema
alavancassem a posição do País e o nível de vida federativo que, em um país como o Brasil, dada a
dos seus cidadãos. Essa percepção, embora sua base territorial e expressão demográfica, tem
relativamente tardia, se considerarmos os processos enorme relevância. Esta redefinição implica equilibrar
adotados há mais tempo em outros países, foi poderes, competências e a distribuição de recursos
aprofundada e amadurecida de forma a abranger tributários entre a União, os Estados e o Distrito
todos os setores e assimilar o conjunto da população. Federal e os municípios, requisito essencial para
Nesse contexto, o conjunto de reformas eliminar o déficit do setor público, na medida em que
estruturais por que passa o Estado, a economia e a boa parte da dívida pública nacional é gerada por
própria sociedade brasileira não é um simples elenco entidades federativas sobre as quais a União não tem
de medidas tendentes a modernizar as instituições controle.
ou melhorar o desempenho econômico. Trata-se, ao Trata-se de objetivo alcançado, em grande
contrário, como assinalou o Presidente Fernando parte, com a renegociação das dívidas públicas, que
Henrique, em seu discurso de posse, de um processo incluiu o equacionamento das questões dos bancos
de transformações cujo objetivo final é o de superar de propriedade estadual, por meio da “securitização”
estrangulamentos que constrangem o dos passivos. Também tem contribuído para o novo

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 15


delineamento do sistema federativo a própria responsabilidade exclusiva, e Emenda Constitucional
redefinição das atribuições do estado em suas que pôs fim à discriminação entre empresa nacional
diversas esferas, com a concessão de serviços e empresa nacional de capital estrangeiro.
públicos nos âmbitos federal, estadual e municipal. Quanto às concessões de serviços públicos
Outra vertente dessas reformas institucionais para a iniciativa privada, é oportuno ressaltar que,
diz respeito à efetividade do modelo político definido computando-se apenas as empresas estatais dos
pela Constituição. Com referência ao funcionamento setores siderúrgicos, químicos e de transporte, foram
do Poder Judiciário, a Constituição reestruturou de privatizadas mais de 50 empresas até 1996. Para
forma completa os órgãos considerados essenciais 1997 está programada a transferência ao setor
ao funcionamento da Justiça, de forma a propiciar o privado de importantes empreendimentos como, para
equacionamento mais acelerado dos contenciosos. exemplificar, a Companhia Vale do Rio Doce, a
O próprio sistema político-partidário é objeto de segunda mineradora do mundo. Ademais, já estão
amplo debate e examinam-se os parâmetros que sendo licitadas as concessões de serviços a
possam tornar a já consolidada democracia operadores de telefonia móvel em todo o País e de
representativa brasileira em uma democracia real, em serviços, no âmbito federal e estadual, nas áreas de
que todos os atores da sociedade possam participar energia e de administração de portos. O processo
direta ou indiretamente do processo de deliberações. de concessão de ferrovias estará concluído este ano
Em última instância, trata-se de ampliar o espectro com a licitação da Malha do Nordeste do País, a
de debate e de participação. qual, após pequenas obras, permitirá a integração
No âmbito das reformas fiscais e outras de total da malha ferroviária nacional. Também no campo
natureza patrimonial está uma extensa pauta de da concessão de rodovias, os Governos federal e
iniciativas que têm por objetivo redefinir o papel do estaduais têm atuado de forma dinâmica.
Estado em relação às atividades produtivas, o que São todos desdobramentos essenciais do
implica, em última análise, redesenhar o Estado programa de estabilização executado pelo governo,
brasileiro, para permitir a inserção mais adequada chamado de Plano Real que, a partir de 1994, pôs
do País na economia internacional, por meio do fim a quase três décadas de elevadas taxas de inflação
crescimento da produtividade e da competitividade, e gerou mudanças extremamente positivas na
da integração econômica com outros mercados, do economia, especialmente no setor financeiro. Para
aumento do intercâmbio comercial, à luz das diretrizes que se tenha uma idéia do que representou o fim da
da Organização Mundial de Comércio, e do inflação, basta assinalar que os bancos e financeiras,
aprofundamento das parcerias estratégicas. que chegaram a representar 15% do produto
A fase inicial dessa ampla reformulação foi brasileiro, em dois anos reduziram sua participação
concluída com as reformas constitucionais que para cerca de 8%. A transferência de renda desse
puseram fim aos monopólios do Estado nas áreas de setor para outras atividades produtivas representou
prospecção, refino, importação e distribuição de um ganho para a população de menor renda de U$
combustíveis, produção de energia elétrica, 13 bilhões.
navegação de cabotagem, telecomunicações, Essas reformas deverão ser complementadas
operação dos portos, gestão de ferrovias e rodovias, por uma reforma tributária, que tem o objetivo de
e distribuição de gás entre outras. Ao mesmo tempo simplificar o sistema fiscal brasileiro, embora algumas
aprovou-se lei geral de concessões que permite ao operações legais já tenham logrado enormes e
Estado delegar a gestão de virtualmente todas as significativos avanços. Cito, especialmente, a lei que
atividades do setor produtivo, que eram antes de sua exonerou do tributo estadual sobre a circulação de

16 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


mercadorias as importações de produtos primários sobrevivência por meio da agricultura familiar.
beneficiados e a que criou, a partir de 1º de janeiro Como assinalei anteriormente, as
deste ano, um sistema simplificado de tributação para transformações sociais decorrem não apenas dessas
as pequenas empresas. Finalmente, lei de reforma iniciativas específicas. Materializam-se, também,
administrativa, ainda em curso no Congresso, deve como conseqüência das demais mudanças e, mais
definir as áreas de atuação específica do Estado, significativamente, do fim do processo inflacionário,
como diplomacia, ministério público, auditoria fiscal, com a adoção do programa de estabilização da
segurança pública e forças armadas e aquelas em economia. Cabe assinalar, em primeiro lugar, o
que a gestão pode ser compartilhada com a iniciativa expressivo aumento do poder aquisitivo dos
privada, como habitação, assistência hospitalar, assalariados, em razão de três fatores: a manutenção
educação, ciência e tecnologia. do valor da chamada cesta básica de alimentos, que
A terceira linha de atuação refere-se, como é um indicador estatístico dos produtos de
mencionei, às reformas sociais. A primeira e a mais alimentação mais consumidos pelas camadas de mais
urgente, em face dos desequilíbrios que afetam os baixa renda; o aumento efetivo do valor real do
sistemas previdenciários em quase todo o mundo, é salário mínimo, que praticamente dobrou entre
a reforma da seguridade social, em apreciação pelo dezembro de 94 e janeiro de 95; a transferência de
Senado Federal. Ela visa a estabelecer um sistema renda do setor financeiro para os setores que não se
único, geral e obrigatório de pensão, com beneficiavam dos mecanismos de correção
financiamento público, até o limite de 10 salários monetária, conforme já mencionado.
mínimos, a ser complementado pelo sistema de fundos O Governo brasileiro reconhece que os
públicos, privados ou mistos para as pensões acima ganhos obtidos estão longe de corrigir os graves
dessa importância. A segunda é a reforma do sistema índices de concentração de renda que ainda
educacional, que modificou os critérios de estigmatizam a estrutura da sociedade brasileira.
financiamento do sistema público de ensino, vinculou Trata-se, no entanto, de uma tendência que deverá
a aplicação prioritária desses recursos ao ensino alterar profundamente, até o início do próximo século,
básico e estabeleceu padrões mínimos de a distribuição da renda nacional, tornando possível
investimentos em função da população escolar e da eliminar a chamada pobreza absoluta do País e
remuneração dos professores. Por outro lado, criou- aumentar significativamente o mercado nacional. O
se um sistema nacional de avaliação, de caráter reflexo dessa tendência já se pode constatar na
permanente, da qualidade do ensino universitário, mudança do perfil do consumo interno, que teve
aplicado indistintamente às universidades públicas e crescimento expressivo, especialmente na área de
privadas. A terceira refere-se ao programa nacional bens duráveis, como refrigeradores, receptores de
de reforma agrária e assentamento rural de famílias TV em cores, fogões, automóveis, e no setor de
de baixa renda que beneficiará, até o final do atual alimentos.
governo, 240 mil famílias, envolvendo um contingente As conseqüências desse processo já se fazem
de cerca de um milhão de pessoas. Trata-se do maior sentir em diversas dimensões: em primeiro lugar, criou
programa dessa natureza em curso hoje no mundo e um clima de autoconfiança na população que se traduz
exigiu mudanças profundas na legislação fundiária, em empreendimentos que visam o longo prazo, em
para acelerar os processos de desapropriação de substituição a perspectivas de vantagens imediatas e
terras para esse fim e a imissão imediata na sua posse. que se revelam apenas aparentes; em segundo lugar,
Seu objetivo é eliminar as graves tensões e conflitos a criação de externalidades favoráveis aos
nas áreas rurais, melhorando as condições de investimentos oferece um clima mais propício ao

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 17


desenvolvimento de negócios; em terceiro lugar, a e da incidência de alguns tributos.
abertura econômica enseja o aprofundamento da Apreciaria, ainda, referir-me, no quadro das
integração produtiva que possibilita posicionar o transformações estruturais do Brasil, ao Mercosul.
Brasil em escalas mais elevadas da divisão Além de ampliar o mercado de consumidores,
internacional do trabalho; em quarto lugar, essas sobretudo em vista da crescente expansão do bloco,
transformações permitem corrigir desníveis intra- o Mercosul constitui um elemento adicional de
regionais no Brasil, de forma a promover o estabilidade. Efetivamente, a harmonização de
crescimento harmônico e a participação eqüitativa parâmetros políticos e econômicos requerida por essa
de todas as regiões e de todas as camadas da união assegura aos investidores a continuidade das
população no processo de desenvolvimento; em regras vigentes.
quinto lugar, cria as condições necessárias para o O sucesso do projeto de reforma e
desenvolvimento sustentado do País. modernização institucional do País se reflete,
O desempenho da economia traduz os sobretudo, no extensivo apoio que a opinião pública
reflexos favoráveis desse processo. Com o vem manifestando ao longo do governo presidido pelo
crescimento constante do produto bruto nos últimos Presidente Fernando Henrique Cardoso, apurado em
quatro anos, o PIB alcançou U$ 754 bilhões em virtualmente todas as pesquisas nesse período e nas
1996, e a renda individual atingiu U$ 4.780. As eleições municipais realizadas em outubro do ano
reservas cambiais ultrapassaram U$ 60 bilhões. As passado.
inversões do capital estrangeiro no setor produtivo, É importante assinalar que embora as
que em 1993 tinham sido de pouco mais de U$ 500 mudanças sejam mais ostensivamente notadas na área
milhões, cresceram geometricamente: triplicaram em econômica, em face do processo de estabilização,
1994, dobraram em 95, atingindo U$ 3.5 bilhões, e os resultados se espraiam em todas as dimensões,
voltaram a quase triplicar no último ano, quando especialmente na área social. A percepção desses
chegaram a U$ 9,4 bilhões. resultados pelos cidadãos torna o atual processo
As perspectivas para 1997 e para o médio irreversível, pois o povo habitua-se aos novos padrões
prazo são ainda mais favoráveis. Estima-se para este de consolidação democrática, de melhoria de
ano um crescimento do PIB de quatro a cinco por qualidade de vida e de crescimento cultural.
cento, inflação de sete a oito por cento e investimentos Esses resultados refletem-se na ampliação da
externos que podem atingir mais de U$ 16 bilhões, base partidária do Governo, que hoje representa mais
se considerados os recursos a serem aplicados no de 70% dos votos no Congresso, e criam uma
processo de privatização, especialmente na Vale do percepção, como demonstrada pela aprovação em
Rio Doce. A meta é atingir um PIB de U$ 1 trilhão primeiro turno na Câmara dos Deputados da Emenda
no ano 2.000, e um produto per capita da ordem de Constitucional que permite a reeleição, de que o
U$ 6.000. enfoque adotado pelo atual governo e a manutenção
Naturalmente, há determinadas dificuldades do curso das reformas empreendidas constituem
a serem equacionadas, como a questão do déficit condições fundamentais ao desenvolvimento
público e a progressiva redução do chamado custo sustentado do País, e ao estabelecimento de parcerias
Brasil. As reformas em curso anteriormente estratégicas com as nações amigas.
analisadas visam exatamente a abordar essas É nesse contexto que desejo analisar as
questões, e já se podem visualizar sensíveis melhoras crescentes possibilidades de parceria estratégica entre
para este ano, com a redução estimada do déficit o Brasil e a Alemanha. O Brasil já é o maior
para 2.5%, e a diminuição dos custos de transporte destinatário dos investimentos alemães em países em

18 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


desenvolvimento, com um estoque da ordem de U$ entendimentos nos diferentes campos da atividade
9,5 bilhões em dezembro de 1995. A Alemanha é o econômica, científica e tecnológica, cultural, social e
terceiro parceiro comercial do Brasil em volume de política.
intercâmbio, que alcançou U$ 8,5 bilhões em 1995, A esse respeito, recordo palavras do
nos dois sentidos. Assim mesmo estou seguro de que Presidente Fernando Henrique Cardoso, que reiteram
a colaboração bilateral tem um futuro ainda mais a confiança brasileira nessa colaboração: “A
promissor. Alemanha tem dado, de novo, o exemplo, agora ao
Ambos os países, por seu porte econômico ter uma posição muito clara na União Européia, no
e por sua capacidade de influência, têm uma posição sentido de que é preciso ampliar as relações
estratégica em suas respectivas regiões. comerciais, ao invés de fechar mercados. A RFA
Historicamente já se habituaram a conjugar a exporta, talvez, quase a metade de seu produto. A
tecnologia alemã com a capacidade operacional e Alemanha é, portanto, o tipo de parceiro de que o
os baixos custos de produção no Brasil. O Brasil precisa.”.
adensamento das relações entre os dois países, Estas são, enfim, algumas observações que
fundamentado nas oportunidades que se abrem com desejava fazer neste instante, colocando-me à
as reformas empreendidas, ensejará uma parceria disposição do seleto auditório para indagações e
estratégica, ampliando o universo de nossos esclarecimentos.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 19


Encontro do Vice-Presidente com o
Presidente do Estado Livre da Paziera

“Discurso pronunciado em Munique” - Encontro do


Senhor Vice-Presidente da República, Marco Maciel, com
o Presidente do Estado Livre da Paziera. Munique,
Alemanha, 20 de fevereiro de 1997

É uma grande satisfação para mim estar em Augsburg, realizou, após estudos na Academia de
Munique, capital vibrante do estado mais próspero Munique, duas viagens ao Brasil, a partir de 1821.
deste dinâmico País. A calorosa acolhida do Ministro- Das suas visitas produziu centenas de desenhos,
Presidente Stoiber torna a missão de buscar o croquis e trabalhos de aquarela que retratam com
estreitamento dos laços de cooperação com a Baviera fidelidade as paisagens brasileiras de então. Em 1850,
uma tarefa importante e agradável ao mesmo tempo. a princesa Thérèse da Baviera, que tinha
Os entendimentos nesse sentido fluem conhecimentos profundos de ciências naturais,
naturalmente, tendo em vista que a convergência de paleontologia e etnologia, produziu um extraordinário
interesses atuais é fundamentada não somente em livro sobre a sua “viagem aos trópicos brasileiros”.
valores e em posturas que nos aproximam, mas De forma que a atual convergência de
também em laços que vêm do passado. interesses, fundamentada na busca de crescente
Ao lado de valores como o respeito à integração internacional, dispõe, reitero, de uma base
liberdade individual e à democracia, a preocupação sólida de laços individuais comuns para apoiar a
com os direitos fundamentais do cidadão e a formação colaboração bilateral. A esse respeito, gostaria de
cristã, brasileiros e bávaros compartilham da referir-me preliminarmente, às possibilidades de
confiança na economia de mercado e participam cooperação no campo industrial-tecnológico. O Brasil
ativamente do processo de construção de nossas e a Baviera evoluíram, igualmente, de economias
sociedades. agrícolas para um perfil de sólida e diversificada base
Quanto à postura individual de nossos industrial.
cidadãos, a harmonia entre a descontração, a alegria Nesse sentido, as recentes abertura e
de viver e a busca da eficiência, também comum a estabilização da economia brasileira, e o programa
nossos povos, impulsiona o processo de edificação de privatização e de concessão de serviços públicos
de nossas sociedades, e facilita os nossos em curso, que focalizará, agora, os setores de
entendimentos. telecomunicações, energia e mineração, inclusive com
Já em diversas ocasiões, nos séculos a venda da Companhia Vale do Rio Doce, a segunda
passados, esses laços de amizade foram fecundos. maior empresa neste ramo no mundo, criam as
Johann Rugendas, filho de famosos pintores de condições propícias para uma parceria estratégica

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 21


que possa alavancar a nossa posição na nova ordem é hoje uma exigência da própria sociedade, que já
econômica. se habituou aos novos padrões de vida resultantes
Nesse aspecto, a tecnologia das indústrias da da modernização e da abertura econômica. Essa
Baviera pode unir-se à capacidade operacional e aos reestruturação, como mencionei, fortalece o papel
baixos custos de produção no Brasil, não somente do país no continente e a sua posição internacional.
para aproveitar o extenso mercado local, ampliado As condições de evolução da sociedade européia
com o Mercosul, mas também para explorar o requerem uma atitude dinâmica da já sólida
mercado mundial. Alemanha, da qual a Baviera é o estado mais pujante.
As posições do Brasil e da Alemanha em seus Estou certo, pois, de que estão criadas
respectivos contextos regionais constituem um fator condições as mais favoráveis para uma parceria
adicional de impulso dessas possibilidades. De um estratégica duradoura, especialmente nas áreas
lado, o Brasil, com um PIB que atingiu US$ 754 automotiva, de energia, agro-industrial e tecnologias
bilhões em 1996, reservas internacionais que ambientais. Nesse quadro, a integração das pequenas
ultrapasssaram US$ 60 milhões e um desempenho e médias empresas no processo produtivo, dada a
econômico sustentado, à luz das reformas estruturais experiência alemã nesse campo e a prioridade que o
em curso, e da agregação de novos contingentes da governo brasileiro vem atribuindo a esses modelos,
população ao mercado, como conseqüência das dadas as possibilidades de emprego que daí advêm,
medidas já adotadas, fortalece a sua condição de constituem um aspecto fundamental do
país que lidera o processo de integração na América relacionamento bilateral a ser explorado.
Latina. Apreciaria, ainda, tecer breves considerações
A esse respeito, cabe mencionar que o sobre o caráter multi-regional de meu país. O
Mercosul, na qualidade de bloco de integração Governo e a sociedade brasileiros têm a consciência
aberto, expande progressivamente os seus de que é necessário promover a integração das
entendimentos com os países da região e com outros diferentes regiões aos processos de modernização
mercados, como a União Européia. Nesse sentido, econômica e de abertura internacional do país e têm,
o Mercosul não somente amplia as oportunidades em consonância com essa percepção, estabelecido
de negócios dentro de sua esfera, mas também instrumentos que viabilizam esse objetivo.
assegura, ao requerer a convergência de políticas Desta maneira, muitas oportunidades
nacionais, a consolidação do processo de interessantes de parceria podem surgir entre a
estabilidade econômica de seus integrantes. Alemanha e o Brasil, nas áreas de fruticultura, de
De outro lado, a Alemanha, com a sua siderurgia, de turismo, de química e automotiva, por
capacidade produtiva, a força de sua economia, exemplo. Desejo, pois, estender o convite para que
acrescida com a unificação do país, com o papel de os empresários da Baviera possam explorar essas
interlocução que exerce no quadro da evolução oportunidades, seja por meio de contatos diretos com
recente da ordem internacional, inclusive por sua as contrapartes locais, seja por intermédio de
localização estratégica, consolida a sua posição de iniciativas de apoio do Governo brasileiro, sempre
principal elo no quadro da integração européia. E, que forem necessárias.
dentro da Alemanha, considero que a Baviera pode O meu otimismo encontra, pois, sólido
ser o nosso parceiro privilegiado. respaldo na realidade. E estou certo de que o
De forma que estamos no centro de um Ministro-presidente Stoiber compartilha desse
processo irreversível que nos aporta oportunidades entusiasmo. É por essa razão que esperamos Vossa
inigualáveis. A reestruturação da economia brasileira Excelência com honra e alegria no Brasil. Contamos

22 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


com poder retribuir todas as gentilezas dessa fidalga de entendimentos entre nossos povos e nossos
acolhida e estabelecer, no nosso nível pessoal, uma governos.
amizade que seja representativa dos sólidos laços

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 23


II Reunião Hemisférica de Vice-Ministros
Responsáveis pelo Comércio

Discurso do Senhor Luiz Felipe Lampreia, Ministro de


Estado das Relações Exteriores, na Solenidade de
Abertura da II Reunião Hemisférica de Vice-Ministros
Responsáveis pelo Comércio. Recife, 25 de fevereiro de
1997

Introdução e os Precedentes Históricos Denver, em 1995, e em Cartagena das Índias, em


Queria, em primeiro lugar, agradecer a março do ano passado. No encerramento deste
impecável hospitalidade que o povo pernambucano último encontro, os demais 33 países confiaram ao
tem estendido a todos os integrantes das delegações Brasil a organização da III Reunião Hemisférica dos
presentes a esta II Reunião Hemisférica de Vice- Ministros Responsáveis pelo Comércio, que terá
Ministros Responsáveis pelo Comércio. Recife traduz lugar em Belo Horizonte, no mês de maio próximo.
com perfeição o interesse e a participação do Esta reunião de Vice-Ministros, que ora tem
Nordeste nos mais importantes projetos de política início, é o segundo dos três encontros vice-ministeriais
externa do Brasil. previstos nos trabalhos preparatórios para Belo
A presença do Senhor Vice-Presidente da Horizonte. Sua importância é clara: traduz o
República nesta oportunidade é a mais legítima compromisso de todos com a preparação cuidadosa
expressão da cortesia com que a gente de e substantiva de uma reunião destinada a definir o
Pernambuco tradicionalmente recebe seus amigos e como e o quando das negociações da ALCA.
visitantes. Sublinha também a alta prioridade que o
Governo brasileiro empresta ao projeto de Postura Construtiva, mas Realista
construção da Área de Livre Comércio das Américas, Senhor Vice-Presidente,
a ALCA. As atenções dos demais países do continente
Este projeto teve origem na Cúpula de americano voltam-se para Recife e as expectativas
Miami, em dezembro de 1994, quando os Chefes são de que aqui sejam confirmados e aprofundados
de Estado e de Governo das 34 democracias do os progressos verificados na primeira reunião vice-
continente determinaram que, no mais tardar até o ministerial, em Florianópolis, em setembro do ano
ano 2005, sejam concluídas as negociações para a passado.
conformação da ALCA. Ao Brasil interessa que as negociações
Os negociadores brasileiros vêm a Recife avancem de forma consensual, impulsadas por
com o mesmo espírito construtivo, mas prudente, que vontade política fundamentada nos conceitos de
orientou a posição do Brasil nas duas primeiras equilíbrio, realismo e pragmatismo.
Reuniões Ministeriais hemisféricas realizadas em Para nós, brasileiros, o fortalecimento das

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 25


relações com os países do continente, por meio do hemisférica com as várias entidades e setores
crescimento do comércio intra-regional e dos fluxos representativos de nossa sociedade. Trabalhadores,
de investimentos diretos, é etapa indispensável do empresários, consumidores, acadêmicos e jornalistas
processo de plena inserção do Brasil na economia devem comprometer-se ainda mais com a reflexão
internacional. Esta meta inequívoca do Governo do sobre os benefícios, oportunidades e riscos do
Presidente Fernando Henrique Cardoso não deve processo de conformação da ALCA.
ser confundida, porém, com a busca afoita e irrefletida No Brasil, os vários Ministérios e órgãos da
de acordos comerciais a qualquer custo. Queremos esfera governamental vêm mantendo permanente
avançar de forma segura e refletida — de forma diálogo entre si, além de consultas regulares com
responsável e irreversível. lideranças empresariais e trabalhistas. De todo esse
A ALCA que almejamos deve abrir exercício de reflexão sobre a iniciativa de Livre
mercados para favorecer a todos e a cada um dos Comércio hemisférica, emerge um diagnóstico claro
nossos países. Deve fortalecer e promover a e inequívoco da realidade brasileira e dos interesses
estabilidade das nossas economias, numa perspectiva elementares do País no contexto negociador da
de longo prazo, tendo como objetivo final o bem estar ALCA.
de nossas populações e um desenvolvimento social
sustentado e justo. Deve ser produto do consenso, a Diagnóstico 1: Ritmo e amplitude da abertura
cada passo. Não apenas do consenso internacional Uma primeira constatação é a de que o Brasil
logrado entre os Governos contratantes mas, acima experimenta momento de adaptação a um ambiente
de tudo, do consenso nacional emanado de debate econômico estável e a regras de mercado bem mais
abrangente entre todos os setores das sociedades competitivas e transparentes. A economia brasileira
participantes. A integração não é um projeto entre atravessa, desde o início desta década, período de
Governos, é um compromisso entre Nações. forte abertura do mercado nacional, graças a uma
Por isso, a futura ALCA, para ser duradoura expressiva redução de barreiras tarifárias e não-
e estável a partir de 2005, necessita ser fruto de uma tarifárias. Primeiro, em razão da reforma tarifária
negociação ampla, cuidadosa e, sobretudo, unilateral implementada a partir de 1990 e da
transparente. Deste exercício negociador devem suspensão de práticas protecionistas não-tarifárias.
participar intensa e permanentemente todos os 34 Depois, como efeito direto da aplicação prática dos
países que estiveram em Miami, há dois anos atrás. acordos alcançados no âmbito do MERCOSUL e
Para tanto, é fundamental que sejam concluídos, com também em decorrência dos compromissos
rigor científico e sem açodamentos, os trabalhos assumidos na Rodada Uruguai do GATT.
preparatórios que encomendamos aos técnicos dos Como resultado dessa composição de
nossos Governos nos 11 Grupos de Trabalho que se fatores, nossa tarifa média de importação caiu de 52
reúnem desde 1995. para 14 %. Foram eliminadas várias restrições ao
O êxito deste esforço, contudo, dependerá comércio externo que, em muitos casos,
de um único pré-requisito, imprescindível e asseguravam reservas setoriais de mercado. A
insubstituível: que as delegações estejam investidas indústria brasileira foi submetida a um intenso choque
de mandato emanado da vontade de suas respectivas de competitividade, sem que a essa abertura
cidadanias. correspondesse maior acesso brasileiro a mercados
O Governo brasileiro está perfeitamente onde nossos produtos são competitivos, mas são
ciente dessa realidade e tem procurado estimular impedidos de ingressar.
debates sobre todos os aspectos da iniciativa Não é razoável, assim, esperar que o Brasil

26 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


se disponha a avançar rapidamente em um novo americanos. O MERCOSUL, em especial, acaba de
esforço de ampla liberalização comercial, em estabelecer áreas de livre comércio com o Chile e
particular quando essa abertura envolve relações com a Bolívia. Estão também em curso negociações
patentemente assimétricas, com parceiros que no mesmo sentido com os países do Grupo Andino.
dispõem de economias bem mais desenvolvidas, A bem sucedida experiência de associação
sofisticadas e competitivas. Nossos agentes econômica com seus vizinhos reforça a firme
econômicos necessitam de tempo suficiente para convicção dos quatro membros do MERCOSUL de
completar sua adaptação às novas regras e situações que a estrutura da ALCA deve repousar sobre os
de mercado. Não devemos permitir a confusão, agrupamentos regionais já existentes no continente
interessada ou não, entre a defesa de um ritmo — os “building blocks”. Em lugar de procurar
adequado para essa liberalização comercial adicional sucedê-los, devemos consolidar os agrupamentos
e o suposto ressurgimento do protecionismo. Não regionais, sobretudo aqueles que, como o
há mais lugar no Brasil para o protecionismo MERCOSUL, experimentam coesão política e
comercial, nem para a autarquia econômica. identidade cultural entre as partes, mais além da estrita
Afirmaremos isso sem constrangimentos. aproximação econômico-comercial. O MERCOSUL
Apesar de insinuações mais ou menos veladas em é uma realidade de sucesso que veio para ficar, que
sentido oposto, é evidente o crescimento da nossa reforça a identidade internacional dos seus membros
interface comercial externa e são notáveis o impacto e confere massa crítica ao projeto da ALCA. Não
e a importância da liberalização comercial e da vai diluir-se no hemisfério, nem constitui uma mera
abertura econômica, não apenas no Brasil, mas em etapa de transição.
toda a região. O Brasil é hoje um país de amplas e
variadas oportunidades comerciais e de investimentos. Diagnóstico 2: Reciprocidade na abertura de
As estatísticas demonstram, sem ambigüidades, os mercados
resultados positivos desse processo. Outra questão que surge com clareza nas
No caso do MERCOSUL, por exemplo, o discussões internas promovidas pelo Governo com
comércio entre os quatro países membros mais do os vários segmentos de nossa sociedade é a
que triplicou desde a assinatura do Tratado de necessidade de existir garantia de reciprocidade nos
Assunção, em 1991, ultrapassando o patamar dos esforços de abertura de mercados. A experiência
US$ 14 bilhões no ano passado. Por sua vez, as brasileira da última década e meia demonstra que à
importações extra-zona mais que dobraram de valor, abertura de nossas fronteiras não correspondeu, em
atingindo montantes superiores a US$ 55 bilhões. E contrapartida, maior acesso aos nossos tradicionais
o Brasil recebeu em 1996 mais de US$ 9 bilhões de ou mais expressivos mercados de exportação.
investimentos diretos. É uma realidade de abertura Apesar dos produtos estrangeiros terem hoje
que fala por si só e com eloqüência. um acesso significativamente facilitado ao consumidor
brasileiro, os principais itens de nossa pauta de
Preservação dos “building blocks” exportações seguem enfrentando fortes restrições nos
Senhor Vice-Presidente, mercados externos. Na verdade, quanto mais
O êxito inconteste do processo de abertura competitivos são os nossos produtos em escala global
de mercados no âmbito regional tem reflexos positivos — como calçados, produtos siderúrgicos e
importantes nas negociações da ALCA à medida que metalúrgicos, suco de laranja, têxteis, açúcar, tabaco,
inspira novas iniciativas de aproximação econômica entre outros — mais elevadas são as barreiras
e de liberalização comercial entre os países latino- protecionistas, ostensivas ou disfarçadas, que eles

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 27


precisam superar para ingressar nos maiores mercado global.
mercados do continente. A agricultura não é, ao contrário do que se
As sucessivas reduções de nossas proteções possa pensar, coisa do passado, ramo de atividade
tarifárias e não-tarifárias de pouco ou nada serviram superado pelo fenômeno da industrialização. A
para provocar alterações, ainda que modestas, nesse agricultura, na verdade, constitui um dos mais
quadro. Temos que buscar, com firmeza, as garantias importantes setores da atividade econômica
de que as negociações da ALCA terão em conta a moderna, um dos setores que maior impacto tem na
queda das barreiras comerciais propiciada pelas busca de um desenvolvimento social equilibrado e
reformas econômicas levadas a cabo em vários países sustentável.
da região, notadamente o Brasil. Um país como o Brasil, com vastas extensões
Com efeito, e numa projeção para o futuro de terra agricultável, abundantes recursos hídricos,
pós 2005, em escala continental, que amplitude de insolação adequada para a maioria das culturas e clima
acesso estaríamos prontos a explorar? Quais em geral benigno tem o dever de priorizar os temas
segmentos da produção de bens e de serviços agrícolas no contexto das trocas comerciais externas.
poderiam dispor-se a investir para elevar sua É o que temos feito no âmbito da Organização
competitividade, sem receios de que, justamente em Mundial do Comércio, e é o que deveremos fazer na
função do seu êxito na redução de custos e no Área de Livre Comércio das Américas.
aumento da qualidade, poderiam vir a encontrar Devemos procurar dar ao setor agrícola do
obstáculos nos mercados do continente? MERCOSUL o tratamento capaz de estimular e
É indispensável, assim, antes de se começar aperfeiçoar a produção, a industrialização, a
a negociar a abertura dos mercados, saber com que distribuição e a comercialização de nossos produtos
mandato comparecerão os parceiros. Temos que em escala continental. Devemos eliminar práticas
previamente conhecer as latitudes que nortearão sua protecionistas — tarifárias e não-tarifárias — que
capacidade de assumir compromissos cuja impõem virtuais reservas de mercado. Devemos
importância será vital para as decisões estratégicas desmantelar políticas de apoio e de subsídios que
das nossas empresas. distorcem o mercado, sempre favoráveis aos países
com maior poder de alavancagem de recursos
Diagnóstico 3: Agricultura financeiros.
Senhoras e Senhores, A agricultura é um importante e indispensável
Um importante corolário da constatação de elemento na composição final e no equilíbrio do “single
que precisamos ter acesso onde somos competitivos undertaking” das negociações da ALCA.
é o empenho por condições de competição
internacional mais eqüitativa no setor agrícola. Os Trabalhos em Recife; a proposta do
Trabalhos de pesquisa e de desenvolvimento MERCOSUL
tecnológico conduzidos em todo o Brasil, inclusive Senhor Vice-Presidente,
aqui no Nordeste, resultam em sementes Ao longo de todo o processo negociador da
geneticamente adaptadas a nossas condições ALCA, nossos representantes estarão sempre
climáticas, novos métodos de irrigação e de correção pautando suas decisões em função dos interesses e
de solos, modalidades produtivas inovadoras e das aspirações da sociedade brasileira, cujos
gerenciamento moderno de armazenamento, componentes centrais acabo de delinear.
transporte e comercialização. Nosso “agribusiness” Essas diretivas estão plenamente refletidas na
é cada vez mais moderno e melhor compete no proposta que o MERCOSUL apresentará

28 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


formalmente aqui, em Recife, sobre quando e como relevância da redução dos custos para os agentes
deverão ter início as negociações da ALCA. Trata- econômicos é particularmente reconhecida pela
se de sugestão abrangente, realista, coerente e, sociedade brasileira, empenhada em mitigar o
sobretudo, exeqüível, que defenderemos com espírito denominado “custo Brasil”. Acreditamos, portanto,
firme, em busca do consenso. que a primeira etapa das negociações permitirá uma
Como parâmetros gerais para a condução colheita antecipada de resultados palpáveis e de
das negociações, propõe o MERCOSUL, em síntese, impacto imediato sobre as operações comerciais no
que a ALCA: hemisfério.
· seja objeto de consenso hemisférico e 2. As matérias a serem abordadas na segunda
voltado para o livre comércio; etapa de negociações, conforme propõe o
· se fundamente nos esquemas mais profundos MERCOSUL, teriam um traço comum: a capacidade
de integração existentes no hemisfério, a exemplo do de facilitar a discussão posterior sobre a abertura de
MERCOSUL e de outros agrupamentos regionais; mercados propriamente dita. Seria o caso da
· resulte de negociações de caráter gradual e harmonização, em escala hemisférica, de normas e
progressivo, cujo ritmo seja compatível com a regulamentos técnicos e dos procedimentos
consolidação e o aperfeiçoamento das várias administrativos das alfândegas, da eliminação de
iniciativas de integração em curso no continente; injustificadas restrições não-tarifárias; da definição
· seja construída sobre compromissos de um mecanismo para a solução de controvérsias
equilibrados, eqüitativos e vantajosos para cada uma no interior da área de livre comércio, entre outros
das partes, a serem assumidos completa e temas.
simultaneamente pelos 34 Governos; 3. A terceira e última etapa teria início somente
· contemple a possibilidade de que os países depois de concluídas as duas anteriores. Nela
definam produtos e/ou setores econômicos aos quais trataríamos do núcleo da questão: a abertura dos
possam ser aplicados tratamento especial, dadas suas mercados, inclusive no setor de serviços. Suas
peculiaridades; conclusões deverão estar acordadas dentro do prazo
· promova a mais ampla participação dos fixado em Miami pelos nossos Chefes de Estado e
diversos setores da sociedade civil dos nossos países, de Governo: o mais tardar em 2005.
em especial os empresários, os trabalhadores e os A metodologia proposta pelo MERCOSUL
consumidores; somente assim a abertura dos para a construção da ALCA permitirá a aproximação
mercados continentais terá legitimidade e significará gradual dos países hemisféricos, em convergência
um bem comum a ser preservado e fortalecido. para disciplinas comuns também em temas menos
Quanto ao cronograma das negociações, tradicionais relacionados ao livre comércio, tais como
propõe o MERCOSUL que estas ocorram em três os investimentos diretos, os direitos à proteção da
etapas sucessivas: propriedade intelectual, as políticas da concorrência
1. A primeira examinaria, em detalhe, as e os regimes de compras governamentais.
medidas de facilitação de negócios ou, por outras
palavras, de redução do custo de transação para os Agradecimentos
agentes econômicos. Aí estariam incluídas medidas Senhor Vice-Presidente,
nas áreas de documentação aduaneira, certificação A simples enumeração dos temas nos
de origem, simplificação do transporte de provoca funda impressão da complexidade e da
mercadorias, reconhecimento de certificados grandiosidade desse projeto comum que o hemisfério
sanitários e fitossanitários, entre várias outras. A abraçou em Miami.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 29


Não será possível realizá-lo sem o respeito à participação decidida e decisiva dos pernambucanos
diversidade. Tampouco o completaremos sem seria bem mais complexa, senão impossível, a tarefa
observar o consenso. de estender a hospitalidade do Brasil aos visitantes
E ele apenas perdurará se for desenhado do continente que comparecem a este encontro.
conforme aos anseios do conjunto das nossas Finalmente, Senhor Vice-Presidente, não
sociedades, expressados, debatidos e decididos com posso furtar-me ao testemunho público do
transparência e em democracia. reconhecimento do Itamaraty a Vossa Excelência
Exemplo dessa ampla participação temos aqui pela iniciativa do convite para que esta Reunião de
mesmo, em Recife. É com orgulho de brasileiro que Vice-Ministros se realizasse aqui, na sua terra.
registro o apoio e a colaboração inesgotáveis que Agradeço-lhe, em especial, pela liderança segura e
nos dão o Governo do Estado, a Prefeitura, o setor democrática com que Vossa Excelência aglutinou as
privado, a mídia, enfim toda a sociedade vontades e as forças da gente de Pernambuco em
pernambucana. Os Senhores Vice-Ministros torno desta responsabilidade do Brasil.
comprovarão as excelentes facilidades e atenções Muito obrigado a todos, e bom trabalho aos
que, ademais, a SUDENE nos oferece como anfitriã Vice-Ministros.
das sessões de trabalho desta reunião. Sem a

30 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Conselho Argentino de
Relações Internacionais

Conferência do Senhor Ministro de Estado das Relações


Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, no
Conselho Argentino de Relações Internacionais. “La
política exterior de Brasil frente a la democracia y la
integración”. Buenos Aires, 6 de março de 1997

Quisiera, antes de todo, agradecer a la importancia que su Gobierno atribuiría al debate


Dirección del Consejo Argentino de Relaciones franco y abierto sobre nuestra política externa y, por
Internacionales — el CARI — por la amabilidad de lo tanto, a ese eje central de la diplomacia brasileña
esta invitación para hablarles sobre la política externa que constituyen las relaciones con Argentina. Otros
brasileña y por la oportunidad de intercambiar ideas brasileños, visitando Buenos Aires, han demostrado
con ustedes sobre todos los temas que interesan al el mismo entusiasmo en participar de las actividades
conjunto de las relaciones Brasil-Argentina. del Consejo y en beneficiarse del aporte intelectual
Es un gusto estar aquí y comprobar una vez de una presentación ante esta audiencia que
más que también los argentinos, al igual que nosostros representa la mejor tradición del interés argentino por
los brasileños, les atribuyen una importancia singular el mundo.
a nuestra relación, quizás aquélla que con más Una institución como el CARI adquiere un
propiedad pudiéramos llamar de especial y de valor fundamental hoy día para el trabajo de las
estratégica en el universo de nuestra política externa Cancillerías, especialmente en países como los
— en el sentido de que está estrechamente vinculada nuestros en los que existe una separación muy
a nuestro proyecto nacional y es determinante. marcada entre el mundo académico y el mundo
El CARI ya se ha transformado en una oficial.
referencia obligatoria para todos los que, viviendo Para mí es una satisfacción poder anunciarles
en Argentina, o estando de paso por este país, que, al lado de otras instituciones similares en varios
reflexionan sobre las relaciones internacionales, sobre países del mundo desarrollado, el CARI, en su forma
la política externa y sobre el presente y el futuro de actual y con el papel que ha empezado a desarrollar
nuestra región. en la política externa argentina, también ha servido
Los brasileños no podríamos ser una de inspiración para la propuesta de creación del
excepción. Durante su visita a Argentina como Centro Brasileño de Relaciones Internacionales, el
Presidente-electo, en 1994, el Presidente Fernando CEBRI, que se encuentra en la etapa de formulación.
Henrique quiso significar, con su presencia en el Se trata de una asociación en la que
Consejo y la conferencia que aquí pronunció, la participarán, en calidad propia, personas que en este

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 31


momento se encuentran ocupando puestos en el las muchas identidades que, en lo político, lo
Gobierno y representantes de diversos sectores de económico y lo cultural, nos han permitido concebir
la sociedad civil, especialmente del mundo e implementar esa historia de que son el Mercosur y
académico, empresarial, financiero y de prensa, la asociación Brasil-Argentina.
interesados en las relaciones internacionales o con La Historia de la Humanidad es cada vez más
actuación directa en el plano internacional. una Historia colectiva y convergente, la cual es más
El CEBRI vendrá a completar, en cierta que la suma de las historias individuales de cada país.
forma, el esfuerzo sustentado que ha venido haciendo Esa presencia más intensa del mundo exterior en la
Itamaraty desde la gestión del entonces Canciller vida cotidiana de los pueblos trae las relaciones
Fernando Henrique Cardoso, en 1992 y 1993, para internacionales a un plan de mayor relieve en las
abrir la política externa al debate con la sociedad. La preocupaciones de las sociedades.
orientación era clara y precisa: desarrollar y fortalecer Hoy día, en países como los nuestros,
lo que hemos convenido en llamar “diplomacia intensamente involucrados en la integración regional
pública”, una vertiente poderosa de la diplomacia y comprometidos con una apertura competitiva de
moderna, que combina transparencia y sensibilidad sus economías, la política externa afecta más
a las demandas directas de la opinión pública en directamente la vida y los destinos individuales de
general y de los sectores organizados. ciudadanos y agentes económicos.
Ahora estamos ayudando a promover el No hay ninguna exageración al decir que la
CEBRI como una forma de ampliar la interlocución política externa ha alcanzado, hace algún tiempo ya,
del Itamaraty y del Gobierno en general con aquéllos los estantes de los supermercados y las ferias. El
que se dedican de alguna forma a las relaciones consumidor, esa vertiente económica del ciudadano-
exteriores de Brasil, ya sea a través de la acción, ya elector, es cada vez más parte de las ecuaciones de
sea a através de la reflexión. Contar con un espacio la política comercial de los Gobiernos democráticos,
de debate semejante al CARI y con una fuente y es una realidad insoslayable en la diplomacia
independiente de análisis y opiniones será, para Brasil, contemporánea.
un elemento importante para ayudar a ampliar nuestra Y, en cuanto a los agentes económicos y
visión del mundo y el intercambio de ideas con otros sociales — los empresarios, los ejecutivos, los
países en el de las relaciones internacionales y para sindicatos y organizaciones no-gubernamentales, la
ampliar las bases conceptuales y la legitimidad de prensa y el mundo académico —, la democracia y la
nuestra política exterior. libertad económica, las dos fuerzas que ordenan y
La receptividad a la idea ha sido excelente. homogenizan en cierta forma las relaciones
Esperamos brevemente contar en Brasil con una internacionales de hoy, les ha conferido un papel de
institución sólida, independiente y plural, que sea primer relieve como participantes en los procesos
activa y que ofrezca la misma contribución a la decisorios, ya sea en la condición de objetivos, ya
reflexión sobre las relacions intenacionales y la política sea calidad de actores y co-participantes. Estamos
externa brasileña y las mismas oportunidades de lejos de los tiempos en los que los Gobiernos, aislados
diálogo y debate que encontramos aquí en el CARI. en la torre de marfil del Estado, se creían capaces de
Porque necesitamos compensar el déficit en concebir e implementar políticas impuestas o hacer
el análisis y el la concepción de nuestras relaciones, acuerdos o entendimientos exclusivamente oficiales,
será fundamental que haya una simetría entre Brasil y confiando en la indiferencia más o menos generalizada
Argentina también en ese campo tan fundamental de de la sociedad civil.
la diplomacia pública. Sólo así podremos completar Hoy día, al contrario de la de la diplomacia

32 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


de las grandes alianzas estratégicas, está comprobado eslabón de un proyecto nacional. Y sufrimos con las
que, sin la participación, sin el compromiso, sin el visiones del mundo que intentaban reducir las
interés y la comprensión de aquellos agentes relaciones internacionales a un juego de conflictos
económicos y sociales de alguna forma afectados por insuperables, de desconfianzas, en el que un país
las decisiones, las políticas de interacción entre los como Brasil necesariamente perdería.
Estados no prosperan. Eso está cambiando. En el plano interno,
De ahí que la planeación y la ejecución de la evidentemente, la democracia ha sido el elemento
política externa se haya vuelto un ejercicio definitorio de una nueva visión del mundo, más
democrático de interacción entre los Gobiernos y las permeable y sensible a los intereses sectoriales. En
sociedades. En una sociedad democrática, los el plano externo, ese cambio ha ocurrido en gran
Gobiernos no crean intereses aislados, sino que los medida gracias en primer lugar al desarrollo de la
identifican e interpretan en el diálogo y la interacción relación con Argentina.
constantes con la sociedad civil en general y los Ése ha sido el campo de pruebas de una
diferentes sectores en particular. política externa democrática en Brasil: desarrollar la
Ese aspecto de la diplomacia pública ya me conciencia de que la relación con Argentina es
ha permitido avanzar bastante el análisis del tema que esencial, y de que no existe un desarrollo brasileño
me propuse en esta conferencia: la relación entre en contra de la Argentina o en competencia con ella.
nuestra política externa, la democracia y la La democracia ha sido central en los dos países para
integración. que pudiéramos dar ese paso y comprender que
Como todo país continental, Brasil tiene nuestra circunstancia geográfica es decisiva para
indudablemente una cierta tendencia a la introspección nuestra identidad internacional.
y al cierre, a la autosuficiencia. Gracias al impacto hasta sicológico que el
Con fronteras establecidas y seguras desde desarrollo de las relaciones con Argentina tuvo en
hace muchas décadas, Brasil no amenaza a nadie ni Brasil, incluso en materia de transparencia militar, ha
tampoco se siente amenazado. La política nacional sido posible ampliar bastante el horizonte
de defensa que recientemente ha aprobado el internacional de la sociedad brasileña. Hemos vencido
Presidente de la República traduce esa percepción una barrera importante a partir de los acuerdos de
sobre los cambios de y de prioridades en la actuación integración con Argentina y posteriormente con el
de las Fuerzas Armadas en defensa del patrimonio Mercosur. Con ello, cambiamos la percepción que
territorial y material del país, en harmonía con las teníamos de nosotros mismos y la que de nosotros
tendencias del mundo contemporáneo — la tenía el mundo.
integración y el fin de la confrontación ideológica. Ese impulso se ha multiplicado a partir del
En parte por aquello, se había desarrollado inicio del Gobierno Fernando Henrique Cardoso.
en Brasil una sociedad que, a excepción de los Gracias al éxito del Plan Real, a las reformas y a la
segmentos profesionales y de parte del mundo de apuesta en la apertura competitiva de la economía
los negocios y de las finanzas, no tenía un interés brasileña, el País ha ganado credibilidad y capacidad
especial por la política externa y los hechos de iniciativa en el plano internacional. Es cierto que
internacionales. las reformas obedecen a tiempos y ritmos propios
No se trataba de un sentimiento de de nuestra democracia, pero su curso es firme y su
superioridad. Al contrario, sufrimos durante mucho impacto en la proyección externa de Brasil se
tiempo por esa dificultad de comprender, como comprueba a cada instante. Hemos vuelto a ser un
Nación, la importancia de un proyecto regional como actor en el escenario regional e internacional.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 33


Hemos superado la etapa de timidez y individualidad de cada uno de sus miembros, y darle
encierre propia de las de crisis. Hoy día tenemos una una creciente proyección regional e internacional,
diplomacia afirmativa, activa, en la que la retórica como una entidad con personalidad propia y en
está al servicio de la acción y no al revés; en que ninguna forma como una etapa transitoria en el
domina la vertiente del interés nacional concebido proceso de integración en círculos geográficos más
de manera muy concreta: la establidad y el amplios;
crecimiento sustentable de la economia brasileña. 5 - participar activamente en el proceso de
La diplomacia es un instrumento de ese integración hemisferica, pero guardando un
proyecto y actúa en su apoyo. No buscamos prestigio paralelismo con el desarrollo de las relaciones con
falso, liderazgos autoproclamados o principismos Europa y los demás núcleos que dan un perfil
desvinculados de los intereses materiales de la equilibrado a nuestras relaciones económicas
sociedad brasileña, como los del empleo, la captación internacionales;
de inversiones productivas, el acceso a tecnologías 6 - en el proceso de integración regional,
indispensables a nuestro desarrollo, el acceso a los explorar en todo su potencial el peso y la dimensión
mercados, la protección en contra de prácticas de la economía brasileña como factor positivo en el
desleales de comercio. Esos intereses se han hecho desarrollo del comercio y de las relaciones
patentes a través de los canales de la democracia. económicas en Sudamérica.
La diplomacia que los pasara a segundo plano para Es evidente que, en ese programa de acción
dedicarse a construcciones retóricas o a ejercicios diplomática, las relaciones con la Argentina y el
de abstracción estaría condenándose a la irrelevancia. Mercosur constituyen prioridades absolutas. Basta
El hecho de que el Presidente de la República señalar la importancia que han adquirido las
esté personalmente involucrado en la tarea relaciones comerciales, económicas y financieras entre
diplomática brasileña señala el grado de pragmatismo Brasil y Argentina y dentro del Mercosur — los
y sentido de prioridad que le estamos dando a la números del comercio y el impacto que la integración
acción externa brasileña, siguiendo líneas muy subregional ha tenido en la proyección internacional
precisas de actuación que resumidamente son las de todos nuestros países — para comprobar que
siguientes: esa prioridad es correcta. Basta señalar que hoy día
1 - consolidar y perfeccionar las relaciones el Noreste de Brasil, aisladamente, es el quinto socio
con nuestros principales socios atento en el mundo comercial de Argentina. Son realidades que hablan
desarrollado como en el mundo en desarrollo. Los por sí solas.
viajes presidenciales brasileños son una realización Un análisis objetivo de los resultados
cabal de esa orientación y sirven directamente a ese obtenidos con el Mercosur y la relación Brasil-
propósito; Argentina, en lo que se refiere al incremento del
2 - desarrollar las relaciones con nuevos comercio, a la dinamización del intercambio y al
socios o con socios no-tradicionales de Brasil, empuje de nuestras economías hacia niveles más
especialmente en Asia, la gran frontera de la elevados de competitividad, muestra que esas dos
diplomacia brasileña; iniciativas no están concebidas como políticas en
3 - participar activamente de la construcción contra de nada ni de nadie, sino en favor de los países
del multilateralismo comercial bajo la Organización que las desarrollan.
Mundial de Comercio; Son acciones afirmativas en un proceso de
4 - en combinación con o anterior, consolidar desarrollo compartido, de una estrategia constructiva,
el Mercosur, como una dimensión adicional de la que sigue el ejemplo de otras regiones y está

34 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


perfectamente de acuerdo a los compromisos la participación amplia y comprometida de todos los
multilaterales de nuestros países. La opción del segmentos sociales que son directamente o
regionalismo abierto se ha revelado correcta, indirectamente afectados por el proceso — las más
moderna y productiva. Su impacto en las realidades veces en forma benéfica, pero también, algunas veces,
económicas — y políticas — de nuestros países y con retos decisivos.
sobre sus relaciones externas ha sido extremamente Entre esos segmentos, además de los agentes
positivo. Las resistencias han venido de los sectores económicos que tienen que adaptarse al nuevo
que naturalmente se sienten afectados por la dinámica ambiente económico y comercial y a los retos intensos
de la integración y por la quiebra de antiguos de la competencia, figura en primer lugar la
privilegios. Y han venido de los que comprenden la burocracia. Acostumbrada a ritmos, consignas,
fuerza presente del Mercosur y el potencial de su formas de actuar y de pensar y jerarquías
desarrollo. institucionales dominadas por una concepción
Pero, para seguir adelante en ese proyecto estrictamente nacional del mundo, cuando no
conjunto de tanta trascendencia para nuestras corporativa, la burocracia es quizás el sector que más
economías, es fundamental que actuemos retos y dificultades tiene para adpatarse a las nuevas
conjuntamente para eliminar o circunscribir las circunstancias impuestas por la integración. Y es
diferencias o problemas que inevitablemente surjen natural y comprensible que así sea.
en las complejas relaciones económicas Distintamente a los agentes económicos, cuya
contemporáneas. Que sepamos comprender cómo lentitud, resistencia o equivocaciones en el proceso
el proceso nos beneficia a todos por un efecto de adaptación cuestan muchas veces su misma
multiplicador — en términos de actividad productiva, supervivencia en el nuevo ambiente, la burocracia tiene
de inversiones y de capacidad de consumo — que una resistencia más grande por sus mismas
nos es tan sólo interno a los países, sino que abarca características, por su capacidad de resistencia.
el todo el Mercosur. No recuerdo haberlo visto expresado en esta
El crecimiento de la actividad económica, del forma, pero la integración es, en cierta manera, una
nivel de empleo y de la generación de riqueza en una revolución, aún más en un Continente como el
región de Brasil, por ejemplo, en consecuencia de nuestro, en el que las rivalidades sub-regionales fueron
inversiones que para allá se hayan direccionado, frecuentes e intensas y el cierre de las economías una
necesariamente trae beneficios a Argentina, porque constante en la mayor parte de este siglo.
incrementa el consumo de productos argentinos y La integración no es un hecho que se da entre
agrega escala y fuerza a la totalidad del mercado Estados o entre Gobiernos, sino entre Naciones;
interno del Mercosur. pero es también un fenómeno que se da dentro de
Ya no se trata más, hay que insistir, de un cada Nación. La integración moviliza y homogeiniza
juego de suma cero, en el que los beneficios de uno los países, dándoles un rumbo y un horizonte
representan pérdidas para los otros. Comprender esa intenacional muy preciso, construido en base a
nueva dinámica es un reto importante para nuestros compromisos legales. Por eso, la integración es una
países. revolución no sólo en la medida en que se alteran
Sin embargo, no es una tarea exclusiva de la normas importantes que afectan la producción y la
diplomacia o de los Gobiernos involucrados. comercialización de bienes y servicios, sino porque
En un universo democrático, una directiva la integración, para consolidarse y producir el nivel
fundamental de política exterior y con tanto impacto máximo de beneficios, implica el desarrollo de una
como la integración debe necesariamente basarse en verdadera cultura integracionista.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 35


Esa cultura se basa en un hecho todo su potencial de gran opción estratégica y de
aparentemente sencillo, pero en verdad de una enorme verdadero patrimonio diplomático de nuestros países.
complejidad: la integración presupone, en el caso de Como diplomático y económico, el Mercosur
Mercosur, la concertación soberana, en condominio, concentra hoy una enorme atención de los agentes
de alguna parte de la política comercial e industrial económicos y Gobiernos de todo el mundo. Brasil y
de los países que lo conforman. Argentina, al igual que los demás socios en el
Ello quiere decir que, en función de emprendimiento, tienen en el Mercosur un elemento
compromisos libremente asumidos por las partes, se adicional y básico de identidad y de afirmación.
requiere una atención especial, un espíritu de plena La consolidación del Mercosur depende de
conciencia sobre esos compromisos donde antes las que sigamos con el camino hecho hasta aquí. Ello
concepciones y las acciones tenían un carácter significa profundizar el Mercosur hacia el mercado
esencialmente nacional, fundamentalmente individual. en las relacionadas al comercio, como la protección
Donde antes el mundo se estratificaba para a las prácticas comerciales desleales y la defensa del
nosotros en dos niveles, lo nacional y lo extranjero, consumidor, y en extenderlo horizontalmente, a través
hoy día el mundo se estratifica en tres niveles, lo de acuerdos de libre comercio, par abarcar las
nacional, el Mercosur y lo extranjero. En muchas relaciones con nuestros principales socios en
instancias y los dos primeros niveles se superponen. Sudamérica, en el Hemisferio y en el resto del mundo.
Pero lo que constituye un dato obvio para los Y significa también profundizar la vertiente cultural e
diplomáticos y negociadores no necesariamente lo intelectual de la integración, la vertiente del
es para toda la burocracia o todos los agentes conocimiento recíproco, que ablanda las divergencias
económicos. Esa cultura del Mercosur ya se impuso y da un sentido de misión conjunta a los
en muchos sectores, pero es natural que lleve tiempo emprendimientos.
hasta permear toda la sociedad y todas las instancias Y, evidentemente, esa misma consolidación
gubernamentales. depende también de que el Mercosur incorpore cada
Así se explica en parte el episodio que ocurrió vez más como directiva la diplomacia pública, esa
en enero cuando una oficina gubernamental, que por respuesta de la política externa de nuestros países a
sus características había perdido de vista esa cultura la realidad omnipresente de la democracia.
del Mercosur, dictó lo que serían normas que no Es fundamental que cada vez más nuestras
llevaban en cuenta compromisos expresos en el del sociedades asuman el Mercosur y la relación
Mercosur y provocó una justificada reacción de parte estratégica entre el Brasil y la Argentina como hechos
de nuestros socios. El error se corrigió tan fundamentales en un cambio duradero de perspectivas
rápidamente cuanto posible, y la misma cultura del para los dos países. Que sepamos ver al otro como
Mercosur que impuso la corrección se encargó de parte de nuestro interés más esencial, como eje de
circunscribir el episodio y superarlo. Pero ha quedado nuestra propia inserción en el resto del mundo. Y que
una lección importante que no quisiera dejar de generemos, en bases duraderas, esa cultura de la
recordar. integración que significará el paso definitivo de nuestra
Solamente en la fuerza que resulta de la región y de nuestros países en particular a una nueva
coordinación y del entendimiento, en lo interno y en etapa de su desarrollo histórico.
lo externo, será posible desarrollar el Mercosur en Muchas gracias.

36 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Segurança alimentar

Discurso do senhor Ministro de Estado das Relações


Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, no almoço
que ofereceu ao diretor-geral da FAO, Doutor Jacques
Diouf. Brasília, 25 de março de 1997

Monsieur le Directeur-Général, processus de préparation de la conference, soit dans


Permettez-moi, tout dabord, au nom du le cadre du GRULAC de Rome, soit dans le cadre
Gouvernement brésilien, de vous donner la bienvenue. du Groupe des 77, ainsi que lors des négotiations
Votre Excellence vient au Brésil pour ouvrir la voie globales mêmes.
aux actions concernant la mise en oeuvre des Dans ce sens, nous constatons avec
engagements entrepris lors du Sommet Mondial de satisfaction, encore une fois, que plusleurs principes
l’Alimentation. La FAO a été et demeure un instrument contenus dans le Plan d’Action adopté lors du
politique et un organe technique essentiel dans cette Sommet coïncident avec ceux qui gouvernent les
tâche. Nous désirons travailler ensemble dans le but politiques de sécurité alimentaire du Gouvernement
d’éradiquer et d’assurer la faim dans le monde l’un brésilien. Parmi eux, se trouvent les actions vouées
des plus des droits de l’Homme: le droit l’alimentation. la réduction de la pauvreté et des inégalite’s sociales
Le Brasil affirme souvent que la capacité d’un et ainsi qu’á l’engagement d’un partenariat entre l’E’
pays de satisfaire aux besoins de son peuple dépend tat et la société civile.
d’indicateurs sociaux positifs, de la stabilité politique,
de la compétitivité et du progrès scientifique et Monsier le Directeur-Général,
technologique. Sans le développement durable et la Le Gouvernemet brésilien souligne
coopération internationale, néanmoins, les problèmes l’importance qu’il accorde la responsabilité de la
causés par la pauvreté, la famine, le chômage, et la communauté internationale pour accomplir la sécurité
marginalisation de grands contingents de la population alimentaire travers la cooperation technique. Il
dans les pays en voie de développement n’ auront incombe la FAO la fonction-clé de catalyseur des
pas de solution. efforts en faveur de cet objectif ambitieux.
Le Sommet Mondial de l’Alimentation a un Par conséquent, dans le cadre de la
important pas en avant dans l’effort continu pour la coopération technique tripartite - laquelle notre
dissémination des informations sur la nature et la Gouvernement attribue un intêret spécial, surtout en
dimension du probléme, ainsi que pour réveiller une ce qui concerne les pays africains d’expression
plus grande sensibilité au sein de la communauté portugaise -notre plus grand objectif est la mise en
internationale vers les actions d’urgence requises pour oeuvre de programmes de coopération efficaces.
l’éradication de la faim et de la malnutrition. Nous espérons, pour autant, pouvoir compter sur
Le Brésil a joué un role important dans le l’appui de la FAO pour aider les pays bénéficiaires

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 37


atteindre les conditions qui leur permettront de national, et la solidarité palmi les pays ouvrent la voie
viabiliser la contrepartie requise pour le bon l’e’radication du fléau de la faim et de la malnutrition
fonctionnement du mécanisme de la coopération. au monde.
S’Ayant engagé avec fermeté á la recherche Je tiens rappeller, ce propos, que la chambre
de la mise au point de la sécurité alimentaire l’échelle des Députés brésilienne a récemment approuvé un
nationale et l’échelle mondiale, le Brésil espére que projet de bi, présent sous l’examen du Sénat, qui
la coopération technique, l’accés aux technologies autorise le Gouvernement Fédéral faire des dons de
actuelles et appropriées aux cultures locales, le nourriture certains pays. Le Cuba, la Namibie, le
renforcement de la capacité de recherche au nivau Mozambique et l’Angola en seront les bénéficiaires.
A política externa brasileira e a
inserção internacional do Brasil
“A política externa brasileira e a inserção internacional
do Brasil”. Palestra proferida pelo Senhor Ministro de
Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe
Lampreia, no Núcleo de Pesquisa em Relações
Internacionais da Universidade de São Paulo. São Paulo,
1º de abril de 1997

Introdução gabinetes ou nos corredores de organismos


Antes de dar início propriamente a uma troca internacionais. A política externa é cada vez mais
de idéias sobre a política externa brasileira, eu queria parte inseparável da política econômica e social, na
agradecer ao Reitor Flávio Fava de Morais e ao busca de objetivos concretos e palpáveis
Professor José Augusto Guilhon Albuquerque pela permanentemente medidos pela opinião pública.
oportunidade de falar aqui no Núcleo de Pesquisa Quem ignorar o mundo estará condenado à
em Relações Internacionais da Universidade de São paralisia, à regressão, ao enfraquecimento. Da mesma
Paulo. forma que uma empresa, ao investir ou ao lançar um
Não preciso insistir na importância que tem produto, tem hoje de ter em conta uma série de
para o Governo brasileiro em geral e para o Itamaraty variáveis próprias da dimensão externa, o país, como
em particular que uma instituição acadêmica com o um todo, não pode ignorar ou menosprezar o peso
grau de excelência da Universidade de São Paulo se das relações externas, porque delas depende em
dedique a refletir sobre as relações internacionais e a grande medida a nossa capacidade de investir, a
formar profissionais nessa área. escala da nossa economia, a competitividade interna
O Brasil cada vez mais tem sido chamado a e internacional dos nossos produtos e o
assumir responsabilidades nos cenários regional e aperfeiçoamento tecnológico da nossa indústria , dos
internacional e cada vez mais depende de uma nossos serviços e da nossa agricultura.
interação transitiva e construtiva com o mundo Embora a diplomacia seja uma função de
exterior para viabilizar o seu próprio projeto de Estado por excelência, indelegável e inalienável, o
desenvolvimento econômico e social. Estado brasileiro só tem a ganhar com que uma
Uma característica definitiva da política parcela cada vez maior da sociedade se interesse por
externa de hoje é que ela alcança facilmente as política internacional e desempenhe um papel
prateleiras dos supermercados, a vida quotidiana do afirmativo na identificação e projeção externa dos
consumidor e as principais decisões dos agentes interesses do país.
econômicos. Ninguém mais tem a ilusão de que a Nos Estados Unidos, o número de instituições
política externa pode ser feita unicamente nos acadêmicas - universidades e conselhos de relações

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 39


internacionais - que se dedicam ao debate e à reflexão dólares no início do próximo século. Somos uma
sobre relações internacionais e política externa norte- democracia consolidada e um importante mercado
americana é impressionante; eles têm uma relação emergente.
direta com o papel ativo que os Estados Unidos O Brasil é também parte do Mercosul, uma
desempenham no mundo e que o mundo desempenha história de sucesso em matéria de integração regional
no projeto nacional norte-americano. e um compromisso firme e duradouro entre seus
É preciso que essa tendência se instale no membros. O MERCOSUL acrescenta uma dimensão
Brasil, definitivamente, e por isso instituições como à realidade internacional dos seus participantes e uma
o Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais força em favor de laços mais fortes na América do
da USP têm um papel fundamental, precursor, Sul em todos os campos, especialmente, mas não
mesmo, em muitos sentidos. Proximamente estará apenas, na de comércio. Desenvolvimentos
sendo lançado, pela iniciativa independente de recentes têm sido eloqüentes a respeito da pujança
formadores de opinião, empresários, acadêmicos e diplomática no MERCOSUL e da sua capacidade
também pessoas que hoje ocupam cargos no de gerar comércio intra-regional e com outras regiões
Governo, o Centro Brasileiro de Relações do mundo.
Internacionais, que terá sede no Rio de Janeiro, na O apoio à democracia no Paraguai, Acordos
casa que pertenceu ao Chanceler Afonso Arinos e de Liberalização comercial entre o Chile e a Bolívia,
que por isso mesmo adquire um simbolismo. conversas com os países Andinos, um papel ativo
O CEBRI, como será conhecido, será uma nas negociações da de Livre Comércio das Américas
instituição independente, criada nos moldes dos e com a União Européia, conversas com a SADC e
Councils on Foreign Relations dos Estados Unidos. a ASEAN são alguns exemplos da intensa atividade
Estará voltada para ser um lócus de debate e reflexão diplomática proporcionada pelo MERCOSUL.
sobre as relações internacionais e a política externa
brasileira e dos nossos principais parceiros, Características da política externa brasileira
oferecendo ao mesmo tempo um foro para que A política externa brasileira é universal.
visitantes estrangeiros possam expor a sua visão do Tradicionalmente ela tem se dedicado a ampliar as
mundo e de seus países. possibilidades da inserção externa do Brasil; a partir
O CEBRI ampliará, assim, o trabalho que já do Governo Fernando Henrique o nosso projeto de
faz o Núcleo em São Paulo e reforçará essa tendência, política externa está claramente voltado para
para a qual o Brasil parece finalmente ter despertado, assegurar a inserção competitiva do Brasil no mundo
de refletir sistematicamente sobre a política e a ser um elemento fundamental das políticas de
internacional e seus múltiplos impactos sobre o país. estabilização e desenvolvimento adotados pelo
Governo. O próprio Presidente tem estado pessoal
O Brasil como parceiro internacional e ativamente comprometido com a concepção e a
Basta olhar o mapa-múndi para perceber que execução da política externa.
o Brasil tem uma situação internacional destacada e Sob a liderança do Presidente Fernando
complexa. Somos a um tempo um país continental, Henrique, temos fortalecido nossas parcerias
com um território maior do que o território continental tradicionais e temos construído novas parcerias, tudo
dos Estados Unidos, com dez vizinhos com os quais isso tanto no mundo desenvolvido quanto no mundo
vivemos em paz há mais de 125 anos e uma em desenvolvimento. O interesse que o Brasil gera
população igual à da Rússia. Nosso PIB, de mais de no exterior pode se medir hoje, entre outros
880 bilhões de dólares, estará na casa do trilhão de indicadores pelo número de visitantes de alto nível
que vêm ao país para um contato pessoal com as principal núcleo de países, que se encontra no
suas realidades e com as suas oportunidades de Hemisfério Norte, mais precisamente na América do
negócios. Os Primeiros-Ministros do Japão, da Norte, Europa e Ásia Setentrional e do Sudeste. Não
Alemanha e da China e o Presidente da França são fazemos fronteira com nenhum dos grandes pólos
alguns dos nossos interlocutores mais recentes. econômicos ou estratégicos do mundo e por isso a
Proximamente, estaremos recebendo também o proximidade física que polariza tantos países em
Primeiro-Ministro da Espanha. desenvolvimento não opera sobre nós.
Essa característica nos obriga a procurar
Perfil do relacionamento econômico-comercial desenvolver as nossas relações fora do dos
O Brasil tem ainda um comércio exterior determinismos geográficos e que ao mesmo tempo
equilibrado e diversificado, tanto em termos de nos abre muitas opões não-excludentes. Estando
destino e origem das trocas quanto da composição longe de todos os pólos, temos liberdade para
da pauta. Em 1996, 28% das exportações brasileiras procurá-los; não sendo sujeitos a uma polarização
dirigiram-se à União Européia, 22% ao NAFTA e natural ditada pela geografia, temos a liberdade de
21% à América do Sul e cerca de 20% para a Ásia ser, de certa forma, o nosso próprio pólo, o que gera
Bens manufaturados, entre os quais se incluem até também muitas responsabilidades.
mesmo aeronaves, constituíram cerca de 55% das Nossas dimensões e nossa condição periférica
nossas exportações em 1996. Bens semi- explicam em grande parte que tenhamos um projeto
manufaturados foram cerca de 22% e matérias primas nacional tão próprio, tão independente, para o qual
cerca de 23% do total de exportações. a política externa tem servido de instrumento. Não
O perfil dos investimentos estrangeiros no temos um projeto próprio, nem procuramos contribuir
Brasil, que tem crescido exponencialmente, também para que a nossa região o tenha, para ser contra
é muito equilibrado entre os Estados Unidos e ninguém, nem para gerar falsas corridas de prestígio
Canadá, a União Européia, o Japão e alguns outros e liderança.
pólos investidores, como a Coréia, Hong Kong, Há uma naturalidade na busca do Brasil e da
Taiwan, Chile, Argentina e do Sul. Dentro da própria América do Sul por um espaço próprio, que nos
União Européia, há um grande equilíbrio entre os permita aliar a disposição de cooperar com o mundo
vários investidores, como a Alemanha, o Reino Unido, ao mandato expresso para buscar o desenvolvimento
a França, a Itália e outros. sustentável e a justiça social. E isso se torna muito
mais possível hoje em dia, em que estamos
O caráter “periférico” do Brasil na geografia perfeitamente afinados com o “mainstream”
mundial internacional em como não-proliferação, direitos
Entretanto, a essas características que humanos, democracia e liberdade econômica.
constituem um conjunto de importantes trunfos
internacionais, pelo que eles representam em termos Um patrimônio funcional
de poder nacional relativo, preciso acrescentar uma É preciso colocar esse patrimônio em
outra que não sem conseqüências para a nossa política movimento permanente, como um instrumento da
externa: O Brasil é um país “periférico”, não continuada promoção do interesse nacional no
propriamente no sentido cepalino ou da teoria da exterior. Não basta ser grande individualmente, é
dependência, mas no sentido geográfico. preciso ser grande na capacidade de gerar parcerias.
Somos periféricos no sentido de que não E isso se consegue acrescentando, características
estamos situados sequer nas proximidades do materiais do país, elementos hoje fundamentais na

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 41


avaliação de qualquer potencial nacional: a internacionais.
estabilidade da economia, o dinamismo do mercado A redução na inflação teve também um outro
interno em função do fortalecimento da sua base impacto extraordinário na projeção externa do Brasil,
social, sua capacidade de interagir com o mundo em porque proporcionou um aumento qualitativo e
precisas como investimentos, tecnologia e comércio quantitativo no mercado brasileiro. O aumento do
de bens e serviços e sua contribuição afirmativa, poder aquisitivo de uma vasta parcela da população
engajada, para a estabilidade e a paz. É isso o que brasileira que era penalizada com o imposto
gera credibilidade, confiabilidade e interesse para inflacionário agregou uma escala importante a um
qualquer país. É isso que gera ação diplomática. mercado que, pelas suas dimensões - 160 milhões
de habitantes, aos quais se somam 40 milhões do
Tendências atuais e seu impacto na inserção MERCOSUL -, já se destaca no mundo.
externa do Brasil A liberalização econômica e comercial tem
O Brasil conta hoje com um importante sido cuidadosamente consolidada e vem sendo
acréscimo de qualidades, que lhe dão um novo perfil submetida aos ajustes necessários. Há um sentimento
internacional. Acrescentamos muitos trunfos com os geral de que estas políticas servem a muitos
quais a diplomacia brasileira, há três ou quatro anos propósitos complementares: dar mais opções,
atrás, apenas, não podia contar. menores preços e melhor qualidade nos bens e
As tendências atuais no Brasil reforçam a serviços oferecidos aos consumidores; aumentar a
percepção de que o nosso país se transformou em competitividade e a produtividade da economia
um dos mais importantes parceiros econômicos e brasileira; manter o nível de oferta para aliviar
comerciais no mundo em desenvolvimento. Essa pressões inflacionárias; e permitir mais investimentos
importância se soma a uma percepção também diretos voltados para aquele mercado fortalecido.
crescente de que o Brasil é um ator político confiável, O compromisso com a liberalização comercial
capaz de fazer a ponte, nas grandes discussões é firme. O decréscimo nas tarifas de importação - de
internacionais, entre os mundos desenvolvidos e em uma média de 52% para 14% -, a estabilização
desenvolvimento. econômica e a privatização de companhias estatais
As tendências no campo econômico, por combinada com a abertura de monopólios,
exemplo, mostram uma consolidação firme das proporcionam importantes oportunidades de
políticas do Governo Fernando Henrique Cardoso. negócios para os nossos parceiros, aumentando o
A derrubada da inflação, trazida ao nível de interesse pelo Brasil, multiplicando as nossas
7% ao ano neste ano, com o apoio sustentado da parcerias e, portanto, dando- nos muito maior poder
população, corrige o que vinha sendo um dos mais de barganha nas nossas relações internacionais.
graves handicaps que afetavam adversamente a Aliás, é sempre bom lembrar a dimensão
percepção externa do Brasil e a credibilidade das impressionante das empresas brasileiras que vêm
suas políticas e do seu modelo econômico. Uma sendo privatizadas e o potencial econômico dos
inflação mensal de dois dígitos, que chegou a alcançar monopólios que vêm sendo abertos. Uma
até 45% ao mês, era um obstáculo imediato e comparação com vários outros países em
incontornável em qualquer conversa internacional. desenvolvimento que também desestatizaram suas
Quem está na linha de frente do diálogo internacional economias nos colocam certamente em grande
do Brasil pode avaliar o impacto positivo que a vantagem em termos de atrativos.
correção dessa distorção tem nas tratativas com Pela primeira vez o Governo brasileiro conta
outros Governos ou com agentes econômicos com um decisório, a Câmara de Comércio Exterior,
que permite uma melhor coordenação e a adoção Uma diplomacia equilibrada e abrangente
de políticas e decisões consensuais pelos vários Tudo isso nos permite ver com muita clareza
Ministérios com responsabilidades na de comércio. quais são as áreas de maior interesse para o
Essas políticas também estão desenhadas para lidar prosseguimento dessa política de reinserção do Brasil
com desafios como a Área de Livre Comércio das no mundo que o Presidente Fernando Henrique tem
Américas e a consolidação do MERCOSUL. perseguido.
O Governo também vem adotando Em primeiro lugar não vamos fazer opções
providências para dotar a economia brasileira de excludentes. Temos condições de perseguir uma
mecanismos mais de proteção contra práticas política externa equilibrada e voltada a consolidar o
desleais de comércio. Estamos começando a corrigir perfil abrangente das nossas relações econômicas e
uma distorção que se criou com a própria abertura comerciais e o diálogo político que temos com todas
da economia brasileira no início dos anos 90, isto é, as regiões do mundo.
o desmantelamento de todo um aparato protecionista Isto significa que o MERCOSUL, a Área de
que não foi substituído por ferramentas adequadas Livre Comércio das Américas, as relações com a
para lidar com as novas realidades de um comércio União Européia, as relações com o Pacífico e com
internacional mais livre e regulado por normas outras do mundo são concebidos como opções que
multilaterais. se reforçam, que aumentam nosso poder de barganha
A aprovação, por larga maioria na Câmara e potencializam os nossos trunfos diplomáticos.
dos Deputados, da Emenda Constitucional que Dentro de cada região, também os países
permite a reeleição do Presidente mostra uma individualmente se apresentam como opções não-
consolidação do apoio parlamentar reformas que excludentes.
ainda devem completar e dar sustentação de longo O programa de visitas internacionais do
prazo ao Plano Real e à abertura competitiva da Presidente Fernando Henrique Cardoso exemplifica
economia brasileira ao exterior. A partir de agora o muito bem essa abordagem; equilíbrio e não-exclusão
caminho das reformas deve ser mais fácil, são diretrizes básicas da nossa ação externa, porque
concentrando-se em três principais: a reforma um país periférico como o Brasil, no sentido que defini
administrativa, a reforma fiscal, e a reforma da mais acima, só tem a ganhar se puder manter abertas
Previdência Social. Várias leis deverão ainda e desimpedidas todas as suas relações com o mundo.
regulamentar mudanças constitucionais que Nossa estratégia de dar operacionalidade ao Acordo
flexibilizaram monopólios. Mercosul-União Européia obedece ao propósito de
Essas tendências, se se sustentarem, compensar, no que for possível, o grande impulso
acrescentam um enorme interesse ao Brasil como que a ALCA deverá dar nossas relações intra-
parceiro e devem, por isso mesmo, ter uma influência hemisféricas, com potencial de afetar adversamente
muito positiva no prosseguimento da política externa o equilíbrio do nosso perfil externo de comércio e de
que temos seguido até aqui. recepção de investimentos.
Esse conjunto de tendências positivas vem, Mas temos também consciência de que todas
portanto, somar-se a um patrimônio diplomático que essas relações devem necessariamente ser uma via
já vinha sendo consideravelmente reforçado com os de duas mãos. Essa é uma diretriz fundamental. Por
nossos compromissos nas de apoio à democracia, isso temos buscado cada vez mais valer-nos do nosso
de desarmamento, de não-proliferação, de proteção acrescido poder de barganha e da força política da
aos direitos humanos e de preservação do patrimônio nossa opinião pública para buscar reciprocidade no
ambiental. acesso aos mercados dos nossos parceiros, na

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 43


mesma proporção das oportunidades comerciais e a sua competitividade econômica, inclusive através
de investimentos que a economia brasileira lhes tem da redução decidida do chamado custo Brasil, que
proporcionado. tanto prende o desempenho do nosso comércio
Toda a nossa estratégia de negociação da internacional e onera o nosso consumidor. Temos
ALCA, por exemplo, parte desse pressuposto. Não também consciência de que, sem a participação mais
temos condições de oferecer ainda maior acesso ao ativa da sociedade, será mais difícil identificar e
nosso mercado e mais oportunidades de promover os interesses nacionais no exterior.
investimentos se não pudermos, de forma vinculada Mas é justamente o entusiasmo crescente que
resolver as graves e variadas questões de acesso de a política externa e as relações internacionais vêm
produtos brasileiros ao mercado norte-americano, despertando no Brasil que me anima a dizer que
onde enfrentam barreiras as mais distintas justamente estamos no bom caminho. A procura pelo Instituto
porque são competitivos. Rio Branco, que forma os diplomatas brasileiros, tem
Estamos também empenhados em tirar o alcançado níveis sem precedentes, possibilitando uma
máximo de proveito possível das regras da melhor seleção da nossa principal matéria-prima, que
Organização Mundial de Comércio que nos podem o recurso humano com que vai contar a diplomacia
garantir, com base nos compromissos dos acordos brasileira.
negociados na Rodada Uruguai, um acesso A atenção com que os Senhores me
desimpedido a importantes mercados para produtos distinguem também é um alento nesse sentido. Por
brasileiros. isso, após esta breve apresentação, necessariamente
genérica e incompleta, da política externa brasileira,
Conclusão eu gostaria de poder discutir com os Senhores alguns
Eis aqui uma amostra do que o Itamaraty tem pontos de interesse que porventura não tenham sido
procurado fazer. Temos consciência de que muito tocados ou que só de passagem tenham sido
da nossa ação depende do que o país seja capaz de mencionados.
realizar para fortalecer a sua base social e melhorar Muito obrigado.

44 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


III Reunião Hemisférica de Vice-Ministros
Responsáveis pelo Comércio

Discurso do Senhor Secretário-Geral do Ministério das


Relações Exteriores, Embaixador Sebastião do Rego
Barros, na III reunião de Vice-Ministros responsáveis por
comércio do hemisfério. Rio de Janeiro, 14 de abril de
1997

É uma grande satisfação abrir esta sessão do MERCOSUL, do Canadá, dos Estados Unidos,
inaugural da III Reunião de Vice-Ministros da Comunidade do Caribe e da Comunidade Andina
Responsáveis por Comércio do Hemisfério, nesta sobre o momento e o modo de negociar a integração
cidade do Rio de Janeiro. A amplitude do nosso hemisférica. Será por meio da identificação dos
objetivo nesta reunião, discutir o livre comércio para pontos comuns e da paciente e realista superação
todo o continente, encontra moldura perfeita na ampla das diferenças que avançaremos na direção da meta
e dinâmica perspectiva oferecida pela paisagem fixada para 2005.
carioca, em que o povo, o mar e a montanha 3. Há muito por fazer. O Brasil considera que
expressam juntos a grande diversidade geográfica e as atividades preparatórias da futura ALCA vêm
cultural brasileira. Desejo agradecer ao Governo do progredindo em ritmos diferenciados, e que alguns
Estado, Prefeitura da cidade e á Federação das Grupos de Trabalho, por serem mais recentes ou pela
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro pela dedicada natureza e complexidade dos temas de que se
e inesgotável colaboração que prestam para que ocupam, certamente necessitarão de mais tempo que
possamos todos trabalhar em favor do processo de outros para produzir resultados satisfatórios. Essa
integração das Américas. etapa preparatória não deve, no entanto, ser
2. Esse encontro constitui a principal e mais ultrapassada sem o necessário amadurecimento, sob
extensa das três reuniões preparatórias da III Reunião pena de que o projeto idealizado pelos Presidentes
de Ministros Responsáveis por Comércio do de uma Área de Livre Comércio das Américas se
Hemisfério, que se realizará na cidade de Belo transforme num exercício mecânico de negociação,
Horizonte, no próximo dia 16 de maio. Já dispomos que desconsidere as reais necessidades e capacidade
os 34 governos do hemisfério, pela primeira vez, de de adaptação de nossas economias.
cinco perspectivas diversas sobre quando e como 4. Na orientação geral de nossos trabalhos
iniciar a negociação da futura Área de Livre Comércio aqui no Rio de Janeiro, e em todas as etapas desta
das Américas. O Governo brasileiro está seguro de iniciativa comum, devemos recordar que o projeto
que o processo preparatório da ALCA experimentou da ALCA foi concebido, em Miami, pelos líderes do
um salto qualitativo a partir da apresentação, desde hemisfério, com um propósito mais amplo do que a
a Reunião de Vice-Ministros de Recife, das propostas estreita produção de normas e regulamentos. Vale

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 45


repetir que os objetivos então fixados pelos nossos Chile, constitui contribuição fundamental para o
Chefes de Estado e de Governo não se confundem processo de conformação da ALCA. Uma
com a conformação automática e açodada de uma contribuição espontânea da parte brasileira, que nos
de livre comércio desprovida de sentido e dimensão faz participar do projeto da ALCA com a perspectiva
social. O projeto da ALCA é antes um instrumento de que nossos importantes sócios comerciais no
de desenvolvimento social e econômico do que um continente promoverão melhorias correspondentes
fim em si mesmo. nas condições de acesso dos produtos de exportação
5. Será a partir das deliberações dos brasileiros. Enquanto se observa um aumento da
Ministros em Belo Horizonte que poderemos competitividade em diversos setores da produção do
começar a fazer convergir o exercício do livre País, inclusive acentuado aumento da de cultivo e da
comércio com os outros temas que, pelos seus fortes produtividade agrícola nacionais, as estatísticas
impactos sociais, estarão no centro da Segunda comerciais apontam para uma tendência
Cúpula das Américas, em Santiago do Chile, em desaceleração nas exportações desses produtos para
março de 1998. Esta é a maneira de assegurar a mercados consumidores no hemisfério. Inversamente,
unicidade dos propósitos dos nossos Chefes de as liberalizações empreendidas pelo Brasil e pelo
Estado e de Governo. MERCOSUL até o presente traduzem-se, nas
6. Nesse contexto que deve ser entendida a estatísticas, em aumento exponencial das exportações
dada pelo Ministro de Estado das Relações desses mesmos parceiros comerciais do hemisfério
Exteriores do Brasil, em seu discurso inaugural do para o mercado brasileiro e do MERCOSUL.
encontro do Recife, ao diálogo com as nossa 9. Com vistas a dotar o exercício hemisférico
sociedades sobre a formação da ALCA. Queremos de instrumentos eficazes na avaliação desses
que o livre comércio hemisférico seja acorde com os desequilíbrios que o Governo brasileiro insiste na
interesses legítimos, perenes e múltiplos dos nossos importância da mais ampla participação possível no
povos. Nesse sentido, deve a integração continental processo dos diversos segmentos das sociedades
ser compatível com o fortalecimento e a estabilidade civis nacionais. Almejamos que a conformação da
das nossas economias. ALCA alcance máxima legitimidade democrática,
respondendo — em toda e cada etapa do processo
Senhores Vice-Ministros, preparatório e negociador — aos anseios,
7. Quero registrar a percepção brasileira — expectativas e preocupações dos diferentes
que não apenas uma percepção do Governo, mas segmentos da sociedade cujos interesses estarão em
de amplos segmentos da sociedade civil — de que jogo medida que a iniciativa ganhar corpo e forma.
os esforços de abertura econômica empreendidos 10. O processo de construção da ALCA já
pelo Brasil nos anos devem ser avaliados do ponto dispõe de importante mecanismo de expressão dos
de vista do seu impacto sobre a economia nacional e interesses dos segmentos empresariais de nossos
de suas conseqüências sociais, sobre o emprego e a países, o Foro Empresarial das Américas, que se
distribuição de renda. reúne previamente a cada reunião de Ministros,
8. Considera o Brasil que o progressivo desde a Reunião Ministerial de Denver. O processo
processo de abertura comercial brasileira, iniciada de consulta junto sociedade não se esgota, no
em começos da década e realizado em multilateral e entanto, no valioso e indispensável diálogo com os
no contexto da participação brasileira no empresários. É firme a convicção do Governo
MERCOSUL e dos acordos de livre comércio com brasileiro de que os trabalhos ganharão em conteúdo,
outros países sul-americanos, como a Bolívia e o alcance e credibilidade medida que se amplie ainda

46 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


mais a base de consulta aos interesses sociais. brasileiro temos plena consciência do enorme alcance
11. Devemos buscar um consenso que histórico do projeto comum que ora preparamos.
permita o recebimento, pelos Ministros, da expressão Igual consciência temos do fato de que será impossível
dos interesses dos trabalhadores. Somos favoráveis realizá-lo sem a firme disposição de debater com
à idéia de um Foro Sindical, que se reúna serenidade, de constatar as diferenças e de procurar
paralelamente às reuniões Ministeriais, como já o superá-las com realismo e espírito construtivo. A
fazem há três anos os empresários. indispensável riqueza das Américas encontra-se na diversidade que
dar conseqüência prática a esse novo espaço de nos conforma e nos identifica. A ALCA, por ser um
diálogo: suas conclusões e sugestões devem poder projeto comum, deve valer-se desta diversidade no
chegar aos Ministros em Belo Horizonte, da mesma propósito de promover os objetivos fixados por
forma como acontecerá com as contribuições do III nossos líderes na Cúpula de Miami de alcançar maior
Foro Empresarial. prosperidade e bem-estar para as nossas sociedades.
Muito obrigado.
Senhores Vice-Ministros,
12. A Presidência Pro Tempore e o Governo

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 47


Formatura da turma “Darcy
Ribeiro” do Instituto Rio Branco

Discurso do Senhor Ministro de Estado das Relações


Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, por
ocasião da formatura da turma “Darcy Ribeiro” do
Instituto Rio Branco. Brasília, 25 de abril de 1997

Senhor Presidente, assessoram em tantas iniciativas de política externa


Estamos mais uma vez reunidos para por todo o mundo.
acompanhar os novos diplomatas do Itamaraty na Graças a esse perfeito entrosamento entre a
sua formatura e trazer-lhes os nossos cumprimentos Presidência e o Itamaraty, temos hoje condições
neste dia simbólico do início formal das suas carreiras. inigualáveis para a concepção e a execução de uma
O Presidente Fernando Henrique Cardoso nos dá política externa afinada com o projeto nacional que
uma honra muito grande ao prestigiar mais uma vez o Presidente da República tem conduzido com intenso
esta cerimônia, e não só porque se trata do Presidente e sustentado apoio da sociedade brasileira.
da República, mas porque ele há muito tempo um
membro desta Casa, que dirigiu, conhece e prestigia Senhoras e Senhores,
como poucos Presidentes na nossa História. O Dia do Diplomata é uma ocasião para que
Queria saudar também a presença, entre nós, todos nós nos unamos, simbolicamente, em torno dos
dos Diretores das Academias Diplomáticas dos ideais de serviço ao país e ao Estado, que a figura
demais países-membros do Mercosul - Argentina, singular do Barão do Rio Branco tão bem representa
Paraguai e Uruguai - e da Bolívia e do Chile. Eles se e encarna. Por isso, nosso pensamento se dirige muito
encontram em Brasília no quadro de uma cooperação especialmente, a todos aqueles colegas e amigos que,
que se intensifica entre os nossos países. É um prazer passageiros nesta aventura humana que nos conduz
podermos ver que as diplomacias dos países vizinhos pelas paragens mais remotas e diversas da Terra,
se unem a nós, nesta celebração tão importante para levam a outros povos e governos a presença e a
a Casa de Rio Branco. palavra de um Brasil novo, que dá orgulho representar
Os diplomatas brasileiros têm muitas razões e defender.
para comemorar o dia de hoje, com ainda maior Mas esta é uma cerimônia que pertence
orgulho, com a sensação do dever cumprido que se sobretudo aos nossos novos colegas, que se iniciam
transforma em novo desafio a cada dia. O Itamaraty na carreira pelas mãos amigas do Presidente da
sabe que o Presidente da República prestigia e República, de todos os companheiros e dos amigos
incentiva os seus quadros, disso dando muitas e familiares que os vêm saudar e festejar.
mostras a todos os que com ele convivem e a ele Neste ritual que se repete todos os anos, há

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 49


mais de meio século, nós homenageamos, nas boas- deste um país um pouco mais justo e orgulhoso das
vindas às gerações que chegam, a memória das suas heranças e das suas raízes.
gerações que, no passado, construíram o patrimônio
diplomático brasileiro. Um patrimônio que é de todos Meus caros formandos,
os brasileiros: o legado de fronteiras estáveis e De vocês, novos colegas, a inspiração da
seguras, mais de 125 anos ininterruptos de paz com escolha do patrono, do paraninfo e do professor
os nossos vizinhos e uma visão serena e madura de homenageado.
uma diplomacia ao serviço do desenvolvimento e da De vocês, nas palavras com que se
integração do Brasil no nosso continente e no mundo. apresentam à Casa por intermédio do orador da
Graças a essa diplomacia seguida com turma, a liberdade de expressar a sua visão do
tenacidade, perseverança e uma dose certa de mundo e da carreira e a responsabilidade de reiterar
prudência e ousadia, temos amigos em todos os compromissos assumidos desde que, pela primeira
quadrantes do mundo, mas principalmente na nossa vez, viram o futuro nesta carreira que escolheram e
própria região. Nossos parceiros são hoje muito mais buscaram com consciência cidadã.
ligados a nós pelo interesse e pela estima recíproca A vocês, muito particularmente, se dirigem
graças aos muitos avanços que temos feito como as exortações que aqui fazemos, porque aos mais
Nação confiável e com credibilidade. velhos, aos iniciados, cabe a tarefa de orientar e
incentivar, de mostrar o caminho, de estender uma
Senhor Presidente, mão amiga nesse início de caminhada que os levará
Esta cerimônia se desenvolve sob a inspiração muito longe, no tempo e no espaço, na defesa do
de Darcy Ribeiro, feito patrono de uma turma que seu País.
assim revela sensibilidade aos melhores valores Este é o seu primeiro grande momento na
brasileiros. carreira que escolheram, empurrados por muitos
A escolha de Darcy Ribeiro como patrono sentimentos, o mais nobre dos quais o do serviço ao
uma bela homenagem que os formandos do Rio país, o do sentido de comunidade que a lembrança
Branco fazem ao professor, ao intelectual, ao político da Pátria deve inspirar onde quer que estejamos.
e ao ser humano generoso e sensível que foi Darcy Muitas vezes nos referimos a este momento
Ribeiro, cuja vida está ligada à História das como um rito de passagem. Ele confirma, perante o
transformações que estão moldando o Brasil que Presidente da República, a autoridade máxima do
todos nós almejamos. país, e diante de representantes de toda a sociedade
Mais do que uma homenagem, essa escolha brasileira em geral, a vocação e o compromisso de
expressa também um compromisso muito especial trabalhar pelo país, que passarão a marcar a vida de
com essa brasilidade que Darcy Ribeiro ajudou a todos vocês, jovens diplomatas, nas próximas
identificar, a promover e a proteger, nos seus décadas.
trabalhos magistrais de antropologia e nos seus Por este rito de passagem, formaliza-se,
ensaios de interpretação da realidade e da história poucos dias depois de que começarem a
brasileiras. desempenhar as suas funções, uma disposição, que
Que essa brasilidade os inspire e conduza ao deve ser inquebrantável e permanente, de
longo da carreira e das suas vidas pessoais, e que corresponder, a cada instante, confiança daqueles que
nunca se esqueçam das lições de vida e dos delegaram aos diplomatas a representação e a defesa
sentimentos de devoção ao homem e à natureza que dos interesses do seu País no exterior: os cidadãos
Darcy Ribeiro nos legou a todos, ajudando a fazer brasileiros.

50 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


O Itamaraty vai-lhes ensinar, ao longo de de um país como o Brasil alcança e transforma a
muitos anos, muitas vezes de forma árdua e vocês vida diária dos seus cidadãos e dos agentes
irão aprender, quase sempre com enorme satisfação econômicos; porque cada vez mais o mundo se faz
—, que a realização pessoal do diplomata se presente nos lares e nas vidas do Brasil.
confunde em grande parte com a realização do seu Esse mundo que nos chega por todos os
País como ator internacional e como Nação justa meios de comunicação, pela linguagem, pelos padrões
para com todos os seus filhos. Sem um país forte e de consumo e pela cultura exige cada vez mais que a
generoso como fundamento, sem a força de uma sociedade brasileira o compreenda e possa com ele
realidade que se deve impor sem qualquer artifício, a lidar. Sem intimidar-se. Sem fechar-se sobre si
diplomacia não se sustenta. mesma. Sem falsos temores, mas também sem o
Por isso, para a diplomacia brasileira, as deslumbramento perigoso e insensível.
reformas, o progresso social, a estabilidade e a A diplomacia tem, por isso mesmo, um
pujança da nossa economia e da nossa sociedade acúmulo de tarefas. Ás suas funções tradicionais de
são os instrumentos básicos de trabalho. O diplomata representar, informar e negociar se soma, hoje, uma
de um país democrático não é um ilusionista; opera quarta tarefa, que ganha uma dimensão
com realidades e interesses palpáveis e rende contas extraordinariamente importante para um país como
de um país real sociedade e opinião pública nacional o Brasil, em intensa transformação, em plena abertura
e internacional. para o mundo após décadas de fechamento e até de
Vocês vieram ao Itamaraty não para buscar localizadas manifestações de xenofobia estéril: a tarefa
privilégios ou a simples realização pessoal, mas para de explicar.
serem instrumentos do desenvolvimento brasileiro e Explicar o mundo e as relações internacionais,
representantes deste povo generoso, que lhes provê chamar a atenção para as variáveis externas que hoje,
os meios, os recursos materiais e a própria identidade como nunca, balizam o exercício da soberania,
cultural e nacional para desempenhar as suas tarefas. condicionando e viabilizando o nosso projeto de
Esse mesmo povo, chefe de todos nós, está desenvolvimento econômico e social.
atento ao trabalho que cada um de vocês vai produzir, A diplomacia não tem certamente o
forma como ajudarão a projetar lá fora os seus monopólio do conhecimento e da experiência
interesses, coadjuvando os esforços de todos os internacional, nem pode aspirar a tanto. Cada vez
brasileiros para que o País possa desenvolver-se e mais, os brasileiros voltam-se para o mundo exterior,
crescer como Nação e como sociedade democrática. em busca de formação, cultura, negócios, parcerias,
Vocês ingressam na carreira diplomática em lazer.
uma etapa da vida brasileira em que se encerrou o Contudo, não quer isso dizer,
ciclo das grandes políticas concebidas e executadas necessariamente, que essa interação mais ou menos
em gabinetes fechados. Nunca como hoje a política freqüente com o mundo seja sempre precedida ou
externa alcançou tão extensamente, e de forma tão acompanhada de uma reflexão que estabeleça as
determinante, a vida quotidiana dos cidadãos e dos relações necessárias entre o que acontece lá fora e o
agentes econômicos. que queremos que ocorra aqui dentro. A sociedade
Nunca como hoje o Itamaraty e as políticas brasileira, apesar de muito mais madura e aberta,
que ajuda a conceber e a implementar foram tão ainda improvisa em muito do que faz nas suas relações
cuidadosamente acompanhadas pela opinião pública, com o mundo.
pela imprensa e pelo Congresso Nacional. Chamar a atenção para essas relações, alertar
E isso porque cada vez mais a política externa para os desafios, os riscos e as oportunidades que o

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 51


mundo apresenta para o nosso projeto nacional, eis empregos, investimentos, produtividade e
uma vertente cada vez mais dominante do trabalho competitividade.
diplomático; eis uma nova razão para que os Por isso, devemos continuar nos empenhando
diplomatas trabalhem sempre, e cada vez mais, em na consolidação de um conjunto de credenciais de
sintonia com as necessidades de informação e de credibilidade e de confiabilidade como parceiro
análise que a sociedade sente ao estar mais exposta internacional, deixando claro, de forma perene, que
aos ventos das relações internacionais. nos conduzem as principais forças que orientam o
mundo de hoje: a democracia, a liberdade econômica
Senhor Presidente, e compromissos inequívocos com os direitos
O Dia do Diplomata é por tradição, uma humanos, a preservação ambiental e o
oportunidade para que se passem em minuciosa desenvolvimento sustentável e a não-proliferação
revista as realizações da política externa no ano que nuclear e de armas de destruição em massa.
transcorreu desde a cerimônia. Temos de continuar a traduzir em iniciativas
Não pretendo aqui enumerar todas as muitas concretas o que concebemos como uma política
realizações e os difíceis embates diplomáticos, externa universalista e não-excludente, e por isso
sobretudo na comercial, que marcaram a nossa Vossa Excelência determinou que completássemos
política externa neste ano que passou. o projeto de diplomacia presidencial que o está
Deles deu conta, e com intensidade, a levando aos nossos principais parceiros no mundo
imprensa, cuja atenção cada vez mais se tem detido, desenvolvido e em desenvolvimento, ao mesmo
felizmente, sobre a nossa relação com o mundo. tempo em que nos ajuda a explorar novas parcerias
Deles estão conscientes, e muito nos tem ajudado, o que ainda não tínhamos podido desenvolver na África
Congresso, os meios empresariais e sindicais, os e na Ásia sobretudo. Estamos recebendo grande
meios acadêmicos e a própria sociedade, porque a número de visitantes dos países com os quais temos
diplomacia pública hoje, felizmente, uma realidade. interagido em alto nível.
E o envolvimento direto e pessoal que Vossa Continuaremos a concentrar boa parte das
Excelência tem tido na política externa catalisa as nossas energias diplomáticas no trabalho de
atenções e coloca muito mais sob o foco da opinião seguimento das visitas presidenciais realizadas, de
pública o que temos feito e os desafios que consolidação do Mercosul e de uma “cultura do
continuamos a enfrentar. Mercosul”, de ampliação da integração física e
Mas, Senhor, Presidente, acho que esta energética da América do Sul, complemento
também uma boa oportunidade para lembrarmos aos indispensável da integração econômica e comercial,
nossos novos colegas o trabalho que os espera, o de aprofundamento das negociações sobre a
muito que nos resta a fazer para cumprir minimamente integração hemisférica e de melhoria do acesso a
o propósito, tantas vezes assinalado por Vossa mercados externos.
Excelência, de atualizar e oxigenar a tradição e o São tarefas que decorrem de uma perfeita
patrimônio diplomáticos do Brasil. sintonia entre a diplomacia e os imperativos da política
Temos feito isso, e vamos continuar a fazê- econômica traçada por Vossa Excelência, tendo
lo, através de uma ação voltada a ampliar a nossa como diretriz a necessidade de afinarmos os canais
participação nas relações internacionais, nas de diálogo e cooperação internacional tão bem
parcerias que importam e nos foros e mecanismos revigorados pela nova projeção internacional do
cujas decisões têm relevância e sentido prático para Brasil.
o povo brasileiro e para os esforços internos que Esses e muitos outros objetivos constituem a
estamos fazendo em busca de mais crescimento, agenda a cumprir no futuro que espera estes novos
52 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997
diplomatas. transformações necessárias para que a carreira seja
Estou seguro de que, com a orientação sempre um espaço de oportunidades e de realização
sempre serena e interessada de Vossa Excelência, o para quem a abraça como um verdadeiro sacerdócio.
Itamaraty estará altura dos desafios, que não são Nós já avançamos bastante, mas vamos avançar
pequenos. Para isso, a Casa tem de modernizar-se, ainda mais.
de adequar-se aos novos tempos, de criar nova Com esse espírito, estamos preparando uma
mentalidade. reforma criteriosa, voltada a ampliar os incentivos
Ainda quando Chefe desta Casa, coube a funcionais indispensáveis em uma carreira movida pelo
Vossa Excelência dar o primeiro impulso ao projeto mérito e pela competência.
de fortalecimento institucional do Ministério, com Queria também dizer uma palavra sobre as
financiamento do Banco Interamericano de demais carreiras que formam o serviço exterior
Desenvolvimento, que completa agora 18 meses de brasileiro. O trabalho dos diplomatas depende do
execução. Grandes e necessárias mudanças trabalho desses funcionários, cuja valorização tem
começam a ser introduzidas em chave do Itamaraty: sido uma preocupação desta Administração. Temos
recursos informáticos e comunicações, consular, conseguido alguns avanços, inclusive na
jurídica e de atendimento a brasileiros no exterior, especialização de alguns quadros, mas sei que falta
gestão administrativa e promoção comercial, estas muito ainda. Queria reiterar mais uma vez o meu
duas com o apoio de empresas de consultoria de compromisso com o continuado aperfeiçoamento e
grande renome. a valorização das carreiras do serviço exterior, porque
Graças a esses esforços, a máquina sei que posso contar com o apoio de Vossa
administrativa do Itamaraty vai operar com maior Excelência, Senhor Presidente, e com o engajamento
agilidade, menor custo e sobretudo melhor controle de toda a Casa nesse projeto comum.
gerencial; a promoção comercial passará por uma
reestruturação profunda; mudanças de métodos e Meus jovens colegas,
processos deverão continuarão a ocorrer na consular Sei que o mesmo espírito e a mesma
e de atendimento a brasileiros no exterior; e consciência cidadã que os trouxeram ao Itamaraty
começaremos a colher os primeiros resultados na de vai conduzi-los pelo resto de suas vidas. Vocês iniciam
treinamento e aperfeiçoamento de recursos humanos agora uma extraordinária aventura humana, que será
dentro do serviço exterior brasileiro. generosa com vocês se recordarem sempre que o
Tenho consciência, Senhor Presidente, de que que os trouxe até aqui foi também um gesto de
os novos colegas encontram também alguns generosidade ao se oferecerem ao serviço do seu
problemas que os preocupam e mobilizam. A carreira, País.
as oportunidades de acesso, os vencimentos, o apoio Sejam muito felizes, ao lado das suas famílias,
aos familiares e o auxílio escolar no exterior, o e que a magia deste momento de iniciação os
aperfeiçoamento profissional e até os apartamentos acompanhe ao longo de toda a vida.
funcionais são algumas das em que algumas E lembrem-se de que, como dizia um velho e
providências são reclamadas. respeitado Chefe desta Casa, não importa se os
Alguns desses problemas não têm solução diplomatas têm ou não punhos de renda — e
fácil. Mas quero dizer que estou ciente dessas certamente que há muito deixaram de tê-los —,
preocupações, que são as minhas próprias, e de que porque na hora de trabalhar nós arregaçamos as
tenho procurado, pessoalmente, promover, com o mangas.
apoio do Presidente Fernando Henrique, as Muito obrigado.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 53


Comitê de representantes da ALADI

Discurso pronunciado pelo Senhor Presidente da


República, Fernando Henrique Cardoso, durante a sessão
extraordinária e solene do comitê de representantes da
ALADI. Montevidéu, 6 de maio de 1997

Embajador Jesús Sabra, Presidente do queria saber o efeito da ALALC sobre a percepção
Comité de Representantes, Senõr Antonio Antunes, que os empresários de alguns dos nossos países
Secretario General de la ALADI, Señores tinham quanto ao fenômeno da integração. E fiz uma
Representantes Permanentes, Senõras e Señores: yo pergunta, escrevi um trabalho que foi apresentado,
creo que el hecho de que la ADALI hoy dia tenga el se não me falha a memória, em Viña de Mar, não, foi
significado que ha sido expresado esta manãna, tanto em Mar del Plata.
por el Presidente del Comitê de Representantes como Para minha não surpresa a verificação foi Os
por el Secretario General muestra el acierto de las empresários simplesmente desconheciam a ALALC.
decisiones anteriores de los gobiernos de la región. Os empresários paulistas, isso foi em 1961, esses
Y como acá estamos en un sitio donde hay la então mal sabiam do Rio de Janeiro, como iam se
possibilidad de que cada cual hable sua propio idioma preocupar com o ficava além do rio Tietê, que o rio
yo la voy a pedir permiso para hablar en português, que passa por São Paulo, passava naquela altura como
que as otra consecuencia positiva de ALADI, que rio, hoje passa um pouco mais penosamente como
podemos hablar cada cual en su propio idioma y esgoto. Não havia a mais remota consciência da
siempre que hablemos un poco más lento y sin usar importância da integração. Ainda nos anos 60, em
palabras muito “esdrúxulas”, como “asdrúxulas”, que algum momento, a pedido do Doutor Raúl Previs, eu
possamos nos entender. fui à América Central e lá se conversava, se estava já
Eu queria, se me permitem, dar um pequeno organizando o mercado comum-americano e se
depoimento pessoal sobre as questões de integração tratava da criação de um banco de desenvolvimento
que alguns dos aqui presentes acompanham o regional. Entrevistei alguns dos dirigentes de vários
processo há muito tempo. daqueles países e realmente a idéia ainda era muito
No início a ALALC foi, efetivamente, uma elementar sobre quais seriam as conseqüências da
quase que decisão de vontade de um grupo pequeno integração e basicamente o interesse era objetivar,
de intelectuais, de profissionais, com o paio limitado organizar o banco. Os bancos sempre tiveram mais
de algum setor político. No início dos anos 60 coube força do que os comitês de integração. É natural
a mim fazer um estudo a pedido da CEPAL, a pedido que tenham.
mais especificamente do Diretor de Assuntos Sociais De lá para cá a transformação foi imensa.
da CEPAL, que na se chamava José Medina Todo o trabalho já foi aqui comentado pelos que me
Echevarria, um grande sociólogo espanhol que antecederam mostra que a partir da decisão de 1980

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 55


a constituição da ALADI, o impulso foi muito grande. certa visão de que deveríamos construir a pátria
E esse impulso correspondeu, por um lado, ao grande, para utilizar a expressão comum.
avanço, ao aperfeiçoamento das próprias Não foi assim na Europa. Na Europa do início
organizações encarregadas do processo integrador havia até relação, o De Galle queria a Europa das
que perceberam com maior realismo quais eram as pátrias, não queria saber de pátria grande e o
possibilidades, os limites desse processo e, mais processo que começou a se desenvolver na Europa
ainda, treinaram pessoas capazes de fazer esta teve outras motivações. Mas também o processo
negociação, treinaram nos ministérios de relações europeu foi atropelado por um processo, esse sim
exteriores principalmente, treinaram nos ministérios inclusive abrangente, que o que hoje nós chamamos
de indústria e comércio, até mesmo na fazenda que de globalização, que embora desistisse, obviamente,
sempre mais difícil de ser conquistado o bastião onde que nos seus albores, nos seus começos, nos anos
se precisa fazer alguma coisa a ser conquistada o 60 não se tinha dele a consciência que se tem hoje,
ministério da fazenda. Onde se conquistou a fazenda até porque nos anos 60 o que havia de novo nesse
tem-se a impressão de que o Presidente prisioneiro processo hoje se chama de globalização, era o fato
da fazenda. Por isso foi primeiro Ministro da Fazenda de que algumas empresas de porte internacionalmente
para poder ser Presidente sem ser prisioneiro. começava a operar não apenas no país sede mas
Pois bem, esse processo ganhou força e essa nos países que antigamente teriam sido apenas
força hoje não deriva, embora tenha sido originada mercados para os países sedes das empresas de porte
desses organismos internacionais e do esforço dos mundial.
técnicos de algum setor político, mas já hoje essa Isso era o fenômeno que estava ocorrendo
força não deriva apenas disso. Os números são nos anos 60. Era a expansão, mas dentro de uma
eloqüentes. Deriva de que existe realmente um escala tradicional, aí numa visão tradicional, era a
processo que tem a ver com a prática econômica da expansão do sistema produtivo que ia integrando
nossa região. Há vantagens na associação e as mercados além do que na linguagem da CEPAL
vantagens se traduzem em resultados concretos de chamava o centro, ou seja, parte da periferia tinha
comércio e investimento, de parcerias novas, enfim, ligações diretas com o centro.
da configuração de um espaço econômico, que um Hoje é distinto, hoje independentemente de
espaço econômico mais favorável aos negócios. E centro de periferia, do que seja, o modo de produzir
no mundo de desenvolvimento capitalista ou se levou globalização, mundialização. Por quê? Por
alcança esse grau de compreensão, de motivação causa da revolução tecnológica, que não havia
no setor empresarial ou realmente as iniciativas de ocorrido ainda nos anos 60. Quando começava a
estiolam na boa vontade de quem propõe, na existir a idéia de integração, quando começava a
competência angustiada dos técnicos e na existir uma reorganização em termos empresariais,
incapacidade de que daí derive alguma coisa mais de mercados e deslocamento da produção não existia
concreta. Mas, hoje não é mais assim. Hoje existe o ainda a internacionalização do processo produtivo,
sentimento efetivo de que a integração resulte em algo o que se fazia era transferir partes dos sistema
positivo. produtivo anteriormente concentrado nas matrizes
Mas, mais ainda, nós, de alguma forma, para as filiais, do centro para a periferia, mas dentro
estamos sendo alcançados por um processo de outra da fábrica tudo era igual. Apenas as fábricas que
natureza, distinto daquele que ocorreu na América vinham para aqui não contemplavam ou não faziam
Latina, e que leva integração. A idéia latino-americana toda a gama de produtos que era o que se fazia nas
de integração era uma idéia muito envasada numa matrizes.

56 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Aqui hoje é diferente, hoje houve uma renascimento porque permite pensar o mundo de
participação do processo produtivo, que decolou de uma maneira diferente, e até mesmo na comparação
uma maneira vigorosíssima e o mesmo produto que fiz sobre o renascimento tinha a ver com o fato
parcialmente fabricado em regiões das mais distintas que o renascimento, como foro cultural, como o que
através de técnicas que são inovadoras e que só deu depois o racionalismo que mais tarde vai dar
puderam existir por causa da reforma da informática, uma filosofia iluminista, séculos depois, tem a ver com
do sistema de computadores e da capacidade que o fato da expansão também do comércio, tem a ver
nós temos hoje de informação imediata de tudo o com o fato da descoberta do outro. Os europeus
que ocorre, de controles que possam estar localizados descobrem outros mundos e percebem que, embora
num sítio, mas que diz respeito ao planeta todo. Este eles quisessem ser o centro do mundo havia outros
é um outro processo já. Muitas vezes nós centros, só olhar para a China e eles olhavam para a
confundimos as coisas, então nós estamos sofrendo China e se assustavam porque o mundo não era só a
aqui uma espécie de terremoto, “temblor de tierra Europa.
fuerte”, que está realmente um “rebesón”, que está Hoje, todo mundo sabe que o mundo não
realmente, digamos, modificando as bases do sistema pode ser só mais nada. Ele é ao mesmo tempo muitas
produtivo mundial e do sistema de organização das coisas diferenciadas. Isso nos leva a fazer uma
empresas do mundo e, por onde, por conseqüência, revolução mental. Ou fazemos uma revolução mental
também do sistema político, do sistema de decisão, ou não vamos ser capazes de estar à altura dos
porque o sistema de decisão também, se possível, desafios do nosso tempo e, portanto, se essas
de alguma maneira, ele com que evapora de algum condições que estão se formando aí requerem
lugar fixo. Ele pode ser tomado a partir de redes de pensamento novo é necessário que haja realmente
informação que se localizam em qualquer parte do os renascentistas, alguém que pense de uma maneira
planeta e isso não impede que a decisão possa ser que não seja a maneira tradicional, com todas as
tomada e o poder não estar mais ligado proximidade conseqüências disso. Nós aqui estamos sofrendo as
com o modo nem de produzir nem de decidir. É conseqüências disso. Nós aqui estamos sofrendo as
uma verdadeira revolução. Há um tempo atrás eu conseqüências disso de um certo ângulo mas dá para
insistia em um tema que foi mal compreendido lá no perceber deste ângulo, não é o conjunto de
Brasil, de que nós estamos vivendo uma implicações desta revolução pela qual a humanidade,
correspondente ao do Renascimento. como se não é um país, passa. Aqui, também, de alguma
pessoas costumam ver a globalização como exclusão. maneira, quando nós pensamos em integração nós
Que é o que eu posso fazer se o espírito, temos que tomar em consideração que as idéias de
vezes, não a grandeza de julgar ao outro com um integração foram mudando, em parte, em funções
pouco mais de bondade e penso sempre que o outro dessas grandes transformações que ocorreram por
está simplificando para o lado negativo. Não, existem trás delas. A integração da qual eu falei, Ministros,
os dois processos ao mesmo tempo, existe um dos anos 60, 61, que era uma tentativa que, digamos,
processo de exclusão por causa do sistema produtivo desse pedaço da América do Sul, da América Latina,
que já não tem mais a ver exclusivamente com o de se pensar, ainda não tinha muito a ver com a
sistema político e econômico. Não é o regime de revolução, não tinha nada a ver com a revolução do
produção, o modo de produzir que leva a essa setor produtivo. Tampouco tinha a ver ainda com a
exclusão, por um lado, mas, por outro lado, existe questão das transformações das multinacionais. Ela
também toda uma gama nova de oportunidades que tinha a ver somente com o fato de que se buscavam
permite um novo perneamento, daí falar de mercados maiores. E isto é pouco, isto que parecia

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 57


muito naquela escala, a busca de escala pouco. Os Por outro lado, esses processos estão se
paulistas não se preocupavam com a ALALC porque dando isoladamente no mundo. Existe a Europa, a
tinham escala no Brasil para o sistema produtivo nosso União Européia, existe a existe a China, existe o
da Então para que se preocupar com o resto. Não Japão, existe a ACE, existe uma série de alternativas
tinha sentido. Era uma idéia intelectual, chegar lá e e nós já temos uma história aqui já assinalada de
perguntar que acha da integração, não acha nada, discussão integracionalista, de negociações entre
não sabe nada. Ele acha de vender uma maquininha nossos países, de interesses que vão perfilando,
de costurar, ali perto, na periferia de São Paulo, tudo definições que se vão formando, nós temos, portanto,
bem. Isto já mudou. algum grau de opção e temos a responsabilidade de
A questão que está posta aqui, está posta que exercer as nossas opções, tendo em vista os
nós estamos agora diante, vamos dizer as coisas interesses de nossos povos.
como são, de duas visões nesse momento. A visão, Acredito que nesta matéria, como em
digamos assim, que foi aqui exposta ALADI, qualquer outra matéria de política nacional, não cabe
negociações crescentes entre nós e a visão ALCA uma atitude de exclusão e uma atitude de imposição.
que já responde ainda sem ter noção concreta de Os países todos que aqui estão se homogeneízam
tudo, mas já começa a querer responder revolução em certos aspectos e se diferenciam em outros e seus
do sistema produtivo mais amplo. São coisas interesses são, aqui uso uma expressão que se usou
psicológicas em planos distintos. Politicamente cabe aqui, de uma espécie de geometria variável no nosso
a pergunta que foi feita aqui. Por quê? Porque, entrosamento, uma certa geometria variável. Eu estava
evidentemente, uma coisa eu conhecer que existe um nesta Sala, não me lembro se foi nesta, estava aqui
processo no mundo, outra coisa eu perguntar como em Montevidéu quando o então Chanceler do
aqui meu país entra nesse processo no mundo, outra México Solana informou que o México ia marchar
coisa eu perguntar como aqui meu país entra nesse para o NAFTA. A posição do Brasil qual foi?
processo, ele entra sem precauções, ele entra como Apoiou.
se se tratasse de uma coisa cujo efeito eu não sei ou O Presidente Itamar Franco, eu era
vou saber do efeito e vou medir as conseqüências, chanceler, colocou no seu discurso uma frase
vou limitar que forem negativas e tirar proveito das encorajadora ao México. Por quê? Porque queríamos
que são positivas. Esse é o nosso desafio. O nosso nós que o México não participasse mais da ALADI
desafio agora, dito em termos da linguagem da ou não viesse a formar parte da comunidade das
diplomacia brasileira, é saber se nós vamos baixar nações latino-americanas? Não. Porque entendemos
para a integração hemisférica via “building blocks” que o México, dadas suas peculiaridades tem a
ou saber se se trata de algo que de repente surge liberdade, obviamente, de se adaptar circunstâncias
como se nada houvesse do passado e de repente se que impõe novos desafios ao México. No momento
propõe uma só, de uma só vez o .......... em que o Chile discute se vai ter ou não vai ter “fast
Evidentemente a prudência indicaria que o ........... track” nós temos a mesma atitude. A economia chilena
um jogo de escala. Mas não temos que entender as tem certas peculiaridades diferentes da economia
realidades do mundo e estamos entendendo. brasileira e de outras mais que dão ao Chile a
Como este processo de integração possibilidade de examinar esse caminho condição,
hemisférica corresponde a uma estrutura mais penso eu, para que seja proveitoso para todos, de
complexa de desafios do que o nosso processo que esse não seja um caminho excludente e fizemos
integracionista, ele também tem muitas possibilidades a Bolívia e faremos outros acordos mais, sempre que
de convencimento, se não para todos, para alguns. possível, dentro do guarda-chuva, do “sombrero” da

58 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


ALADI. do MERCOSUL e como membros ativos da
Acho, já que os desafios são múltiplos e se ALADI, negociando tratados com nossos vizinhos
colocam em planos muito diversos, respondem a da América do Sul, negociando tratados com o
questões muito diversas, objetivas no mundo México, negociando o que seja possível no sentido
contemporâneo, nós também não podemos nos que seja positivo para os que estão nesta negociação,
fechar num só caminho. Isso implica que nós não mas entendendo que o mundo está se transformando,
podemos fechar também a idéia de que a ALCA já e requer formas de integração, porque a base produtiva
como uma só negociação bateu o martelo e acabou, mudou, porque tudo mudou e essa mudança implica
porque isso seria prejudicial nossa acumulação em que os mercados locais estão insuficientes, não
histórica e aos nossos interesses concretos atuais. só pela questão de escala, com problemas de
AALADI vai continuar sendo indispensável organização, com problemas das novas formas de
nessa negociação. Na medida em que nós produção, dos novos nichos de comércio que se vão
entendamos a questão dos “buildings blocks” como abrir pelo mundo afora e, portanto, nós teremos
uma questão não contra a integração hemisférica, mas posição construtiva.
como um caminho seguro para a integração Eu quero terminar ao reafirmar aqui o
hemisférica que seja beneficiosa para todos o guarda- agradecimento brasileiro a tudo o que está sendo feito
chuvas o “paraguas” da ALADI passa a ser na ALADI, ao Presidente do Comitê, ao Secretário-
fundamental. Executivo, que meu compatriota e com ele mesmo
Eu creio que era esta mensagem que queria fiz, foi meu companheiro nos tempos da CEPAL, ao
trazer de confiança na ALADI no seu papel neste nosso Embaixador Denot Medeiros aqui presente,
momento tão decisivo em que nós, de espírito aberto, aos demais embaixadores, ao reiterar esses
nos aproximamos de negociações que são agradecimentos, que quero terminar dizendo-lhes
negociações que vão definir, pelo menos, o começo que, pelo menos, na visão que eu tenho de que nós
do próximo século e a nossa capacidade de estamos passando por uma fase criativa, inovadora
participação e para o limite dela nesse novo mundo da humanidade que vai produzir, está produzindo
que está se formando. problemas terríveis, mais também está produzindo
Não cabe a mim falar pela ALADI nem falar condições para que nós enfrentemos esses problemas
pelo conjunto dos países, mas sim pelo Brasil. O Brasil da pobreza, esses problemas da exclusão, est., etc.,
um país que tem uma estrutura de comércio, uma dizendo que por isso mesmo, porque esse nosso
estrutura de produção e requer a sua permanência modo de organizar a produção, ele cria também seus
como “Block on trade”. O Brasil um país que parte problemas, as formas integracionistas não podem se
de sua economia não se pode “encajonar” ficar preso esgotar nos tratados, de comércio, nos tratados de
numa só linha, como imagine que os Estados Unidos tarifa, de “aranceles” tem que haver algumas idéias
também o seja e como a Europa também o é ou mais amplas que resgatem, simplesmente, a fase
como a China também o é e o Japão. Nós humana de um processo histórico, mas não estamos
pertencemos à família de países que necessitam de lidando com mercadoria, estamos lidando com gentes
um espaço de oxigênio mais amplo, portanto, essa que produzem mercadorias e que consomem
vai ser nossa atitude. Vamos prestigiar a questão da mercadorias. Não nos alienemos ao ponto de pensar
integração hemisférica, mas vamos olhar também que ao discutir as formas de segurar as mercadorias
como muita objetividade os nossos interesses próprios nós estamos resolvendo os problemas do ser humano,
na negociação ponto por ponto. E a nossa vontade, não estamos. E nós temos que insistir como políticos,
essa sim, inabalável de nos mantermos como parte aí já não mais, em termos de uma compreensão

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 59


analítica, mas como políticos, portanto, como alguém discutir integração venha colocar uma questão mas
que tem valores que acredita que possível mudar o essa será nossa força até mesmo na discussão na
mundo, nós temos que insistir em qualquer que seja ALCA, porque essa discussão hoje ela ultrapassa
a nossa decisão nessas formas de integração no fato os governos e os estados nacionais que se levantem
de que nós não podemos aceitar a assimetria, questões e bandeiras que vão facilitar que o processo
desigualdade e injustiça e quando estivermos de integrador realmente seja beneficioso para as
discutindo a integração no nível hemisférico temos, nossas sociedades.
de novo, insistir nesses pontos. Nós estamos vivendo Com esse espírito aberto, com uma ALADI
em países cujas sociedades são muito desiguais e capaz de ser o grande guarda-chuvas não apenas de
entre elas também muito desiguais. E se nós negociações importantíssimas comerciais, mas
quisermos, tivermos também que pensar em termos também que introduza a sua jerga idéias, valores, eu
renascentistas que implicam um novo humanismo, tenho a impressão que nós podemos marchar juntos
esse humanismo hoje não se trata mais, apenas de para construir sociedades melhores para nossos
dizer que o homem a medida de todas as coisas, povos.
esse humanismo hoje implica em alguma dimensão Muito obrigado aos Senhores, por toda a
de solidariedade, em alguma dimensão e pode gentileza.
parecer estranho que o Presidente da República ao

60 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Convênio para a fixação do estatuto
jurídico da fronteira Brasil-Uruguai

Discurso de Senhor Presidente da República, Fernando


Henrique Cardoso, por ocasião da cerimônia da
assinatura do ajuste complementar ao convênio para a
fixação do estatuto jurídico da fronteira Brasil-Uruguai.
Rivera, 6 de maio de 1997

Eu queria dizer apenas algumas palavras para usa a energia que cada vez mais compartilharemos.
expressar, antes de mais nada, o meu agrado por A história tem comprovado que a integração
concluir a minha visita de Estado ao Uruguai por é sem dúvida um fato político, mas que deita raízes
Rivera e Santana do Livramento. fundas na geografia. E aqui, a geografia comum do
O ato cuja assinatura acabamos de Uruguai e do Brasil se estende diante dos olhos, a
testemunhar apenas uma dimensão daquilo que nos perder de vista, com a mesma imensidão da amizade
trouxe até aqui. que nos une há tantas décadas, mostrando o caminho
Este lugar, esta região é o símbolo por da integração e da parceria permanente.
excelência da amizade e da parceria entre o Brasil e Nossos Governos felizmente compreenderam
o Uruguai, de tudo aquilo que compartilhamos e do que essa característica singular do espaço fronteiriço
que podemos fazer juntos. entre o Uruguai e o Brasil exige também uma atenção
De um lado e outro da fronteira, a perder de singular. Por isso o Presidente Sanguinetti e eu
vista, o pampa e as coxilhas mostram como nos une quisemos vir aqui, juntos.
a geografia. De um e outro lado da fronteira, Viemos não apenas para testemunhar a
brasileiros e uruguaios mostram como nos une uma assinatura de um novo Ajuste Complementar que
história compartilhada e um projeto comum. moderniza, agiliza e facilita procedimentos,
Aqui se faz realidade o ideal de que as contribuindo para a melhoria da qualidade de vida
fronteiras não devem separar e sim unir os povos. dos cidadãos dos dois países. Viemos também para
Os brasileiros e uruguaios destas regiões limítrofes homenagear essa comunidade singular que realiza
criaram, ao longo de séculos, uma verdadeira quotidianamente os ideais mais elevados da boa
civilização da fronteira, uma cultura que mescla e convivência entre irmãos.
associa dois povos que convivem em perfeita Temos uma obra diplomática em andamento
harmonia e entendimento. aqui. Em 1993, ao assinarem o Convênio para a
Por aqui passa também o Mercosul, que não Fixação do Estatuto Jurídico da Fronteira, os
é uma abstração, mas um projeto muito concreto que Governos do Uruguai e do Brasil criaram um
roda sobre a nossa malha viária, atravessa pontes e instrumento jurídico próprio para regular e facilitar

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 61


as relações nesta de fronteira terrestre, que bilaterais entre nossos países voltam-se para a região
reconheciam como sendo a mais viva e a mais aberta da fronteira. Recentemente, no final do mês de
de seus países. janeiro, por ocasião de sua visita a Brasília, Senhor
Contamos também, para o aperfeiçoamento Presidente, para receber expressiva homenagem do
desse convívio, com mecanismos de intercâmbio entre Congresso Nacional, tivemos a oportunidade de
as autoridades e os setores sociais de Rivera e presenciar a assinatura dos contratos para a
Santana do Livramento. construção, nesta cidade de Rivera, de uma estação
Os Comitês de Fronteira, que agora se conversora para a interconexão energética binacional.
estendem pelos mil quilômetros de nossa linha E estão progredindo bem os trabalhos
divisória, constituem uma experiência de especial técnicos que levarão a uma interconexão de grande
significado para dar voz a essas comunidades e para porte entre as redes elétricas de nossos países. Temos
dar-lhes maior capacidade de influir no também trocado idéias e informações para promover
encaminhamento para a solução de seus problemas. o aperfeiçoamento da malha viária que vincula o
Desde 1990, esses Comitês dão testemunho Brasil ao Uruguai e nossos dois países aos demais
de uma integração democrática em que os diferentes sócios do Mercosul.
níveis de Governo interagem com as sociedades civis O processo de integração das economias de
na busca criativa de alternativas as situações especiais nossa região abriu novas potencialidades e gerou
criadas pela convivência na fronteira. desafios que já vêm afetando profundamente a região
A agenda desses encontros abrange questões da fronteira. Tenho certeza quanto ao dos esforços
de muita relevância e interesse direto para as de renovação e de adequação novas circunstâncias
comunidades locais, como a segurança, a saúde, o que a economia da região fronteiriça esta
saneamento, o meio ambiente, aduanas integradas, empreendendo luz da progressiva homogeneização
turismo, transporte, cultura e educação. do espaço econômico regional conduzida no contexto
do Mercosul.
Senhor Presidente,
Recentemente, os Chanceleres Ramos e Luiz Senhor Presidente,
Felipe Lampreia tiveram oportunidade de encontrar- No obelisco instalado sobre a linha que marca
se em Rivera para, no contexto de um amplo o encontro dos territórios de nossos dois países,
intercâmbio sobre o relacionamento bilateral, passar inauguramos hoje uma placa que registra este nosso
em revista a cooperação fronteiriça para dar-lhe ainda encontro.
mais dinamismo. Como qualquer um dos históricos marcos
Na ocasião, entre outras iniciativas, foi criado desta fronteira comum, essa placa simboliza a amizade
o Grupo de Trabalho para a elaboração do Plano de uruguaio-brasileira, que permanece forte e fraterna
Desenvolvimento Conjunto Rivera-Santana do como sempre. Nós devemos muito do patrimônio
Livramento, que já se encontra em atividade. de amizade brasileiro-uruguaia contribuição deste
Nesse entendimento, como em tantos outros povo da fronteira. Ninguém melhor do que a gente
na região da fronteira, contamos com o inestimável de Rivera e Santana do Livramento compreende o
apoio do Governador Antônio Britto, ilustre sentido da nossa amizade, que se confunde com esse
santanense, que tão bem conhece a fronteira e que a privilégio de ver sempre refletida, no horizonte, a
ela tanto se dedica. imagem do destino comum que nos une e associa.
Não é sem razão que muitas das iniciativas Muito obrigado.

62 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Conselho de Relações
Exteriores de Nova York

Palestra do Senhor Luiz Felipe Lampreia , Ministro de


Estado das Relações Exteriores, no Conselho de Relações
Exteriores de Nova York. “Brasil: Novas Tendências e
Seu Impacto Sobre a Política Externa Brasileira e Sobre
as Relações Brasil-Estados Unidos”. Nova York, 18 de
maio de 1997

Introdução que os do Conselho de Relações Exteriores de Nova


Agradecimento ao Conselho de Relações York. Também esperamos estabelecer um
Exteriores de Nova York pela renovada oportunidade relacionamento construtivo com aquele Conselho.
de falar aos atores envolvidos nas relações Brasil-
Estados Unidos sobre a política externa brasileira e Interesse crescente nas relações Brasil-Estados
sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Unidos
A conscientização crescente no Brasil no que O interesse pelo Brasil e por assuntos
se refere à importância do debate público sobre brasileiros vem aumentando nos Estados Unidos,
política externa. Acaba de encontrar uma delegação graças a um melhor entendimento das tendências
do Conselho Nacional Americano de Organizações atuais das políticas econômicas e sociais no Brasil,
de Assuntos Mundiais; há um enorme potencial para sob a liderança do Presidente Fernando Henrique
o intercâmbio acadêmico no campo de assuntos Cardoso. Como demonstra a visita a ser realizada,
internacionais e gostaríamos de nos beneficiar da em breve, pelo Presidente Clinton ao Brasil, há uma
experiência americana. Os Conselhos de Relações nova percepção no que refere à importância do país
Exteriores podem ser úteis na promoção das relações no contexto de um panorama mais abrangente da
Brasil-Estados Unidos, com base em um política externa norte-americana.
entendimento mais sólido entre nossos dois povos. Parece-nos que os norte-americanos
Estamos no processo de criação de uma começam constatar a importância do mercado latino-
instituição brasileira inspirada nos Conselhos americano e, especialmente, da parceria brasileira.
Americanos de Relações Exteriores, preliminarmente Os números são eloqüentes: de cada dólar
denominado Centro Brasileiro de Relações obtido pelos EUA em exportações, 40 cêntimos
Internacionais (CEBRI). Seu objetivo é criar um provêm da América Latina. Nosso hemisfério foi
fórum independente para o debate e a pesquisa de reconhecido como o mercado mais importante e um
assuntos internacionais e política externa. Esperamos dos que oferecem maior potencial para produtos e
que, em breve, venha a servir aos mesmos propósitos serviços norte-americanos. O fluxo de capital norte-

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 63


americano na região está aumentando. Estamos fortalecendo nossas parcerias
O Brasil é uma vitrine para esse renovado tradicionais e estabelecendo novas parcerias, tanto
interesse dos EUA em nossa região: o comércio total no mundo desenvolvido quanto no mundo em
entre o Brasil e os EUA praticamente duplicou nos desenvolvimento; o grau de interesse gerado pelo
últimos quatro anos. De 1994 a 1995, as importações Brasil é medido, entre outros indicadores, pelo
brasileiras de produtos norte-americanos cresceu número significativo de visitantes de alto nível que
cerca de 55%. Os EUA continuam a ser o segundo vêm ao Brasil para um contato em primeira mão com
maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da a realidade do país e para estabelecer transações
União Européia. comerciais (os primeiros-ministros do Japão, da
Alemanha e da China e o presidente francês são
Política externa do Brasil: algumas vantagens alguns desses visitantes mais recentes);
permanentes O Brasil tem um comércio exterior equilibrado
O Brasil tem vantagens que o apóiam em uma e diversificado, tanto em termos de destinação quanto
liderança mais forte em matérias regionais e de composição. Em 1996, 28% das exportações
internacionais: brasileiras destinaram-se à União Européia, 22% à
O território brasileiro é maior do que a área NAFTA e 21% a países da América do Sul (15% ao
continental contígua dos EUA; sua população equivale MERCOSUL);
à da Rússia; seu PNB aproxima-se de um trilhão de Os produtos manufaturados (na sua maioria
dólares; tem dez vizinhos com os quais tem vivido calçados, maquinário, suco de laranja, peças de
em paz durante os últimos 125 anos; é uma automóveis e aeronaves) responderam por cera de
democracia consolidada e um dos mercados 55% de nossas exportações em 1996; produtos semi-
emergentes mais importantes; manufaturados (couro, ferro e alumínio semi-
O Brasil faz parte do MERCOSUL, um processados e celulose), foram responsáveis por
exercício bem sucedido de integração regional, um cerca de 22% das exportações; e os produtos básicos
compromisso firme e duradouro por parte de todos representaram 23% do total de nossas exportações.
os seus membros, uma dimensão adicional para a
identidade internacional de seus membros individuais Tendências atuais no Brasil
e uma força em prol de laços mais fortes na América As tendências atuais intensificam a percepção
do Sul em todas as áreas, especialmente na do de que o Brasil tornou-se um importante parceiro
comércio. Acontecimentos recentes demonstram com econômico e comercial no mundo em
eloqüência a orientação diplomática do MERCOSUL desenvolvimento, bem como um ator político de
(apoio à democracia no Paraguai, acordos de crescente relevância.
liberalização comercial com o Chile e a Bolívia, As tendências mostram uma consolidação
conversações com países andinos, papel ativo nas constante das políticas governamentais:
negociações da ALCA, negociações com a União A inflação está abaixo de dois dígitos e deve
Européia, com a SADC e ASEAN, etc.); manter-se em cerca de 7% neste ano; há amplo apoio
A política externa brasileira é universal e à consolidação sustentada das políticas que levaram
dedicada à consolidação das políticas internacionais a essa conquista histórica; a acentuada redução dos
que modificaram a natureza e as perspectivas da índices inflacionários beneficiou os segmentos mais
interação do Brasil com o mundo exterior. O carentes da sociedade, cortando a assim chamada
Presidente está pessoal e ativamente comprometido taxa inflacionária que era imposta aos pobres,
com a política externa; fortalecendo o poder aquisitivo da população e

64 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


permitindo que cerca de 13 milhões de brasileiros privatização de empresas estatais e o fim do
superassem sua condição de extrema pobreza; monopólio estatal. Já privatizamos e estamos
A liberalização comercial e econômica foi privatizando empresas sólidas e importantes, não
cuidadosamente consolidada; há um sentimento apenas as de pequeno porte, como também as de
crescente de que essas políticas servem a diversos setores como o de telecomunicações, que podem
propósitos complementares: ampliar a gama de atrair grandes investimentos;
opções, diminuir preços e aprimorar a qualidade de O investimento estrangeiro direto – cerca de
produtos e serviços para os consumidores; aumentar 9,4 bilhões apenas em 1996 – é uma prova de que
a competitividade e a produtividade manufatureira e há confiança internacional no potencial do mercado
industrial; preservar o nível de oferta, a fim e aliviar brasileiro e nas políticas governamentais;
as pressões sobre a inflação; e permitir o aumento A emenda constitucional que permite a
do investimento direto, a fim de explorar o potencial reeleição presidencial foi aprovada por uma
de um mercado de cerca de 160 milhões de pessoas, esmagadora maioria na Câmara dos Deputados e
agora intensificado pelo MERCOSUL; está para ser aprovada no Senado. Este fato
A abertura do mercado brasileiro trouxe demonstra que o Presidente Cardoso e suas políticas
efeitos positivos para a economia brasileira. A contam com o apoio de uma vasta maioria;
liberalização econômica é amplamente reconhecida A partir de agora, parece que o caminho da
pela sociedade brasileira como um benefício para o reforma será mais suave, concentrando-se em três
país, a despeito de divergências pontuais de opinião áreas principais: reforma do Estado e administrativa,
no que concerne à política governamental em áreas reforma fiscal e reforma da seguridade social. Da
específicas. Essas divergências são inerentes ao mesma forma, várias leis que regulamentam as
contexto democrático no qual o processo de mudanças institucionais implementadas no início do
liberalização se desenvolve; governo serão colocadas em vigor
O compromisso com a liberalização (telecomunicações, indústria do petróleo, etc.).
comercial é firme; pela primeira vez o Governo Além dessas tendências bastante positivas e
brasileiro pode confiar em um corpo decisório sustentadas, podemos contar com algumas outras
intergovernamental, a Câmara de Comércio Exterior, iniciativas que continuarão a produzir um impacto
que permite uma maior coordenação e um consenso positivo sobre nossas relações com o mundo exterior:
entre os diversos ministérios envolvidos na área Nos últimos anos, o governo reestruturou seus
comercial; órgãos responsáveis pela aplicação de medidas “anti-
As políticas traçadas para enfrentar os atuais dumping” e compensatórias, a fim de torná-los mais
desafios tais como a ALCA e a consolidação do eficientes e confiáveis. [Medidas de salvaguarda sobre
MERCOSUL são sólidas e refletem extensas reuniões a importação de têxteis e brinquedos vêm sendo
com todos os setores envolvidos, bem como estreita aplicadas desde o último ano, a fim de permitir a
coordenação entre os órgãos federais responsáveis reestruturação da indústria nacional];
pelas políticas comerciais e econômicas; Não deveria haver dúvidas, agora, de que o
A diminuição das tarifas de importação – de Brasil está pronto para proteger suas empresas contra
uma média de 52% para 14%, aliada à estabilização práticas injustas de comércio que afetem
econômica, propiciou aos nossos parceiros negativamente as exportações brasileiras. O
oportunidades novas e singulares – os números da envolvimento do Governo brasileiro em processos
importação brasileira em 1996 assim o comprovam; de resolução de controvérsias na
O investimento foi impulsionado pela é prova disto. Acredito que todos os

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 65


participantes estão hoje plenamente cientes dos política externa brasileira.
resultados da primeira controvérsia julgada pelo painel Estamos traduzindo os interesses no Brasil
da OMC e pelo Órgão de Apelação, no que se refere em oportunidades comerciais. As visitas presidenciais
às restrições às nossas exportações de gasolina para visam não apenas a contatos oficiais; a comunidade
os EUA; empresarial em todo o mundo tem sido um alvo
Do lado do acusado, o Painel da OMC constante e tem respondido positivamente às nossas
manteve a posição do Brasil no que se refere às abordagens.
medidas compensatórias aplicadas pelo Governo O Brasil acrescentou algumas de suas
sobre as importações de coco dissecado subsidiado tendências internas atuais como novas vantagens:
das Filipinas. Esse caso está, no momento, sendo A possibilidade da reeleição para presidente
julgado pelo Órgão de Apelação da OMC; mostra a disposição do Brasil em dar prosseguimento
Portanto, deveria ficar claro que o Brasil não às políticas atuais; mais do que isso, mostra o firme
irá entreter negociações comerciais que resultem em compromisso do país com essas políticas;
compromissos e benefícios unilaterais. Na medida A “maioria desorganizada de apoio” com a
em que os produtos de exportação brasileiros se qual o Presidente vem contando, parece consolidar-
tornam mais competitivos no mercado internacional, se; os muitos desafios com os quais nos
restrições mais severas são impostas à defrontaremos testará essa maioria repetidas vezes.
comercialização desses produtos. Calçados, Entretanto, essa tendência parece irreversível;
derivados do aço, suco de laranja, têxteis, açúcar e As questões externas que se nos apresentam
tabaco, por exemplo, estão enfrentando severas produzem um forte impacto interno, uma vez que se
barreiras protecionistas nos EUA, quer devido a relacionam com comércio, política industrial,
medidas tarifárias ou a medidas não-tarifárias. E isso concorrência estrangeira, equilíbrio comercial, fluxos
sem mencionar os subsídios concedidos a produtos de investimentos, etc. O MERCOSUL, a ALCA, as
agrícolas na Europa e nos EUA e os efeitos negociações entre o MERCOSUL e a União
distorsivos desses subsídios sobre o comércio e os Européia, o futuro fortalecimento de nossas parcerias
preços internacionais de produtos básicos; no hemisfério, na Europa, na Ásia e na África – afetam
os consumidores, o emprego, a atividade econômica
Impacto das atuais tendências sobre a Política em geral e, mais importante ainda, a consolidação
Externa Brasileira: alguns exemplos das inúmeras conquistas brasileiras.
O Brasil está aproveitando o renovado A reciprocidade em termos de acesso a
interesse que despertou em todo o mundo, bem como mercados tornou-se prioridade máxima para o Brasil.
as oportunidades para conquistar parceiros Quaisquer novas negociações sobre acesso a
tradicionais e novos. mercado (seja no nível multilateral ou hemisférico)
A política externa do Brasil tem perseguido deve ser precedida de francas discussões sobre o
uma estratégia sustentada no sentido de intensificar acesso de produtos brasileiros aos mercados de
parcerias. A diplomacia presidencial no Brasil foi nossos parceiros comerciais.
concebida como um instrumento primordial na As negociações para o lançamento da ALCA
promoção da nova imagem do país no exterior. Visitas são prioridade máxima. O Brasil está participando
presidenciais foram planejadas, a fim de demonstrar ativamente nessa iniciativa e sediará, em maio deste
um senso de equilíbrio entre parceiros desenvolvidos ano, a III Reunião de Ministros de Comércio das
e em desenvolvimento, bem como um senso de Américas, em Belo Horizonte. Os pontos de vista
equilíbrio regional, refletindo o caráter universal da do MERCOSUL sobre o processo de negociação

66 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


da ALCA são os seguintes: se refere à liberalização comercial e econômica, em
As negociações devem ser responsáveis e termos regionais ou sub-regionais, não deve ser
irreversíveis; devem ser progressivas, permitindo que prejudicado pelas negociações da ALCA. Na
cada participante avalie sua posição a qualquer realidade, vemos o processo hemisférico avançando
momento durante o processo; sob uma abordagem de “tijolinhos”, no qual nosso
As partes devem ter um mandato claro para compromisso com o regionalismo aberto seja
negociações; totalmente respeitado.
Os compromissos devem ser equilibrados e Finalmente, estamos engajados em intensa
vantajosos para todos os participantes; deve-se atividade diplomática com a OMC. O Brasil deseja
prever tratamento diferenciado para produtos ou acelerar o processo de liberalização comercial, de
setores específicos; conformidade com as normas da OMC e com o
O sucesso das iniciativas existentes no que princípio de reciprocidade de interesses.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 67


XVII Reunião Ministerial
do Grupo de Cairns

Discurso de boas-vindas do senhor Ministro de Estado


das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe
Lampreia, aos participantes da XVII Reunião Ministerial
do Grupo de Cairns. Rio de Janeiro, 5 de junho de 1997

Em nome do Governo brasileiro, o Ministro agricultura na agenda multilateral do comércio e foi


Arlindo Porto e eu lhes damos as boas-vindas a esta um primeiro passo no caminho que nos propomos
cidade do Rio de Janeiro que tão bem representa o seguir e completar, com o exercício constante da
Brasil e sua gente. uma grande honra sediar esta nova cooperação e do diálogo no nosso Grupo e com
reunião ministerial do Grupo de Cairns e, em particular, todos os demais parceiros.
saudar nesta oportunidade o Paraguai que pela Os números da FAO registram que a média
primeira vez participará de nossos trabalhos como anual das importações agrícolas mundiais, no período
membro do Grupo, e dizer da satisfação com que de 1984 a 1987, inclusive, foi de US$ 25 bilhões,
recebemos, como observadores a do Sul e Bolívia. cerca de 11% das importações totais do mundo. Anos
Antes do batismo com o nome da cidade de depois, no período de 1992 a 1994, as importações
Cairns, conhecidos como o Grupo dos 14 e como agrícolas atingiam a média anual de US$ 377 bilhões,
os Países Defensores do Comércio Agrícola Justo embora reduzidas então a 9,5% das importações
(The Fair Traders Countries in Agriculture). A totais. Os dados mais recentes sugerem que o
descrição corresponde à realidade e o epíteto, que comércio internacional dos produtos agrícolas
nos cai bem, resume perfeição nossas propostas e continua a crescer significativamente, conquanto a um
esforços em favor da maior liberalização do comércio ritmo menor que o da vigorosa expansão do comércio
internacional de produtos agrícolas. mundial como um todo.
A existência do Grupo de Cairns garantiu Entre 1984 e 1987, as importações de
terceira e importante referência ao debate sobre o produtos agrícolas dos 15 países que formam hoje o
comércio de produtos agrícolas na Rodada Uruguai. Grupo de Cairns, foram em média de US$ 14 bilhões
Contribuiu assim, para que o diálogo não se limitasse anuais, e as exportações, de US$ 50 bilhões. Entre
à expressão dos parceiros de maior peso. Os “Fair 1992 e 1994, essas médias subiram, respectivamente,
Traders”, fiéis a nossa bandeira sentimo-nos, por isso para US$ 27,4 c US$ 70,6 bilhões. Enquanto nossas
mesmo, em parte responsáveis pelos resultados importações de produtos agrícolas aumentaram,
obtidos. Terão sido poucos e ficado muito aquém de portanto, em 95% (contra uma expansão de 49%
nossas expectativas. nas importações agrícolas mundiais), as exportações
Marcarão, porém, a definitiva inclusão da cresceram em torno de 40% (percentual bem menor

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 69


que os 56% das exportações agrícolas totais inauguração de um novo milênio. No bojo dessa
observadas no período). negociação mais ampla ou nos limites específicos das
Nesses mesmos intervalos de tempo, as negociações já mandatadas ou incorporadas à agenda
importações anuais médias de produtos agrícolas de nossos trabalhos, será preciso dedicar, com
pelos Estados Unidos da América, União Européia decisão. O tempo e a disposição necessários para
e Japão aumentaram em 56%, e suas exportações que se logrem avanços efetivos e concretos no
em 76%. processo de liberalização do comércio internacional
A grande maioria dos analistas coincide em de produtos agrícolas.
que será cedo ainda para quantificar o impacto da É grande e extremamente valiosa a
Rodada Uruguai sobre o Comércio internacional de contribuição da agricultura para a vitalidade de nossas
produtos agrícolas. A experiência assinala, economias e o bem-estar de nossos povos. As
inequivocamente, porém, que há espaço para uma propostas dos “Fairs Traders” continuam, mais do
expansão contínua e sustentada desse comércio da que nunca, válidas. Nunca, no entanto, reivindicamos
qual todos os parceiros, a começar pelos maiores a exclusividade da bandeira e, na verdade,
deles, têm se beneficiado grandemente. esperamos, no Grupo de Cairns, vê-la compartida
A maior liberalização do comércio agrícola por todos os parceiros que tanto tem se beneficiado,
no mundo será, assim, o instrumento, por excelência, como indicam os números, com o aumento do
para a promoção desse crescimento desejável por comércio internacional de produtos agrícolas.
todos. Condições mais eqüitativas de acesso a Sem ter a pretensão de esgotar a pauta de
mercados serão, por sua vez, o elemento necessário temas de importância para os membros do Grupo
para assegurar-lhe a continuidade. de Cairns, vejo, do ponto-de-vista do Brasil, como
Há, seguramente, muito por fazer, e nossa pontos prioritários na promoção da maior
agenda no Rio de Janeiro reflete a importância dos liberalização do comércio internacional de produtos
desafios que temos pela frente. Ano passado, em agrícolas: o desmantelamento das barreiras não-
Cingapura, endossamos a recomendação do Comitê tarifárias remanescentes; a continuada redução dos
de Agricultura da Organização Mundial de Comércio subsídios exportação até sua eliminação; a maior
que definiu o início de um processo de análise da disciplina no recurso aos créditos a exportação; a
experiência acumulada e de intercâmbio de condução eficiente e dentro dos princípios que
informação com vistas melhor preparação de todos fundamentam o Acordo Agrícola das negociações de
para a rodada de negociações sobre agricultura acesso a OMC por novos membros; a progressiva
mandatada pelo Acordo Agrícola de Marraqueche. eliminação de picos tarifários com eventual recurso
Em Genebra, os “Fair Traders” de ontem e de hoje a fixação de tetos universais e específicos; e a
aprestamo-nos a participar ativamente das consultas igualmente progressiva, mas sustentada, redução das
informais e abertas que se celebram para tanto no medidas de apoio interno que projetem impactos
Comitê, convencidos que estamos de sua importância adversos sobre o comércio internacional de produtos
para a Consecução do objetivo da liberalização do agrícolas.
comércio agrícola internacional a que estamos A pauta extensa e de extraordinária
cometidos. importância para nossas sociedades e o sistema
Muitos de nós e dos nossos parceiros internacional de que somos todos partes. Nesse
comerciais têm considerado com atenção e crescente processo de diálogo e cooperação em que estamos
interesse a eventual celebração de uma nova rodada engajados, permanece válida a razão de ser de
ampla de negociações com que marcaríamos a Cairns. Requer-se ainda uma referência adicional,

70 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


positiva e construtiva, na interação de que depende do Ministro Tim Fischer, nossos trabalhos, permitam-
a maior liberalização do comércio internacional de me uma palavra de agradecimento à Presidência
produtos agrícolas. Nosso Grupo, heterogêneo na australiana, às delegações que contribuíram com
composição, não-excludente nas proposições e estudos para nossos debates e, enfim, a todos os
reunido na dedicação comum dos seus Membros à membros do Grupo de Cairns que colaboraram com
causa do comércio justo na agricultura pode, uma entusiasmo para a boa preparação desta Reunião
vez mais, assegurá-la. Ministerial.
Bem-vindos, pois. Antes de convidá-los, com Muito obrigado.
o Ministro Arlindo Porto, a iniciar, sob a coordenação

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 71


Tratado sobre a não-
proliferação de armas nucleares

Discurso do Senhor Presidente da República, Fernando


Henrique Cardoso, por ocasião da cerimônia de
assinatura da mensagem que envia o tratado sobre a não-
proliferação de armas nucleares ao exame do Congresso
Nacional. Brasília, 20 de junho de 1997

Quero agradecer a presença de todos nesta Por isso o Brasil vem adotando, nos últimos
cerimônia. anos, uma série de medidas que traduz, no plano
Este é um momento importante nas relações internacional, o compromisso assumido na
internacionais do Brasil. Por meio desta Mensagem, Constituição.
estou solicitando formalmente ao Congresso Junto com a Argentina, e a partir do programa
Nacional a autorização para que o Brasil ingresse no de ação exposto na Declaração de Foz de Iguaçu, o
Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Brasil renunciou ao desenvolvimento do artefato
Nucleares (TNP). nuclear explosivo; criou um sistema de inspeção
Assim, estamos dando mais um exemplo do bilateral; aderiu plenamente ao Tratado de Tlatelolco,
nosso compromisso com o desarmamento e a não que estabelece uma zona livre de armas nucleares na
proliferação e mais um passo para fortalecer as América Latina; e negociou um acordo comum de
credenciais do Brasil na política internacional salvaguardas com a Agência Internacional de Energia
contemporânea. Atômica (AIEA).
Esta é de certa forma, a conclusão de um Graças a iniciativas como essas, a América
processo iniciado pela sociedade brasileira e do Sul hoje vista como uma estável, democrática e
consagrado na Constituição de 1988. Nela está pacífica, empenhada em resolver problemas sociais
refletido fielmente o sentimento popular de rejeição prioritários. Deixamos de lado rivalidades estéreis e
à bomba atômica e de defesa da convivência pacífica ambições descabidas.
entre as nações. Todos os acordos que assinamos na área
Está madura há algum tempo no Brasil a nuclear foram intensamente debatidos e examinados
consciência de que a aquisição da arma nuclear não pelo Legislativo. Nenhuma medida foi adotada sem
corresponde aos interesses nacionais, não atende aos que o Congresso Nacional estivesse convencido de
valores da cidadania e não tem espaço no bom que correspondia ao interesse do País.
entendimento que mantemos com nossos vizinhos Em todos os casos a conclusão foi a mesma:
latino-americanos e com nossos demais parceiros o compromisso com o uso pacífico da energia nuclear
internacionais. projeta a imagem do Brasil, aumenta nossa influência

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 73


nas grandes questões internacionais e facilita a Era uma crítica essencialmente correta, sobretudo
promoção do desenvolvimento científico e porque a corrida armamentista nuclear representava
tecnológico. um descumprimento das obrigações das potências
Os acordos assinados até aqui são uma nucleares.
garantia juridicamente perfeita de que o Brasil não Mas isso também está mudando. Assistimos
desenvolverá a arma nuclear. atualmente a uma inversão da corrida armamentista.
Os acordos de redução de armas nucleares entre os
Senhoras e Senhores, Estados Unidos e a Rússia prevêem, pela primeira
A questão que se apresentava naturalmente vez, cortes significativos, que já vêm sendo
ao Governo neste momento diz respeito precisamente implementados. Esses cortes deveriam ser ainda mais
a deixar ainda mais claros os nossos compromissos rápidos, e envolver todas as cinco potências
com o desarmamento e a não-proliferação nucleares, nucleares, mas pelo menos o sentido do processo
aderindo ao TNP. agora é o correto. E o próprio processo tem gerado
A conclusão foi afirmativa. E nós chegamos uma pressão adicional da opinião pública mundial em
a ela após uma cuidadosa reflexão no da Câmara de favor do desarmamento completo.
Relações Exteriores e Defesa Nacional. A bomba atômica vem perdendo legitimidade
Queria compartilhar com os Senhores e com jurídica e importância política. Antes, a arma nuclear
o país algo dessas reflexões. estava no centro do planejamento militar das
Muito mudou desde o fim da Guerra Fria. O superpotências. Pensava-se que a bomba era
mundo de hoje é fundamentalmente diferente do que necessária para alcançar a condição de potência.
era há trinta anos. Há uma convergência cada vez Hoje, ao contrário, a bomba atômica é vista
maior sobre os objetivos do desarmamento e da não- apenas como fonte de riscos, custos e incertezas.
proliferação nucleares. Mesmo nas potências nucleares, a opinião pública
O Brasil quer inserir-se ativamente nesse vem reconhecendo que a bomba apenas aumenta a
processo. Era tempo de reavaliar, com pragmatismo insegurança.
e serenidade, a posição brasileira frente ao TNP. Era Ao mesmo tempo, países não-nucleares, mas
tempo de decidirmos influenciar o processo de dentro. fortes em produção econômica e em comércio, com
Não podíamos mais permanecer de fora, isolados e coesão social e estabilidade política, conquistaram
imobilizados. grande influência nas relações internacionais.
Sabemos que o TNP por si só não representa Estes são fatores essenciais de poder no
uma solução definitiva para o problema da arma mundo de hoje: competitividade e coesão social. É
nuclear. para isso que devemos dirigir todos os nossos
Ele foi concebido, no final dos anos sessenta, esforços.
como uma solução provisória. Os países não- A Corte Internacional de Justiça, o mais alto
nucleares comprometeram-se a não adquirir armas judiciário internacional, determinou que houvesse uma
atômicas. Em troca, as cinco potências nucleares obrigação jurídica não apenas de negociar, como diz
prometeram facilitar o intercâmbio de tecnologia o TNP, mas de concluir o processo de desarmamento
nuclear para fins pacíficos e a negociar o nuclear.
desarmamento nuclear. Por isso, ingressar no TNP não é uma
Muitos países, inclusive o Brasil, mantiveram manifestação de resignação com o armamentismo
inicialmente uma atitude crítica em relação ao TNP, nuclear. Ao contrário, será mais uma contribuição do
por considerar discriminatórios os termos do Tratado. Brasil para a causa do desarmamento e da não-

74 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


proliferação. participar desse processo, falar nesse foro, influenciá-
O TNP mudou, tornando-se mais universal, lo. E isso não corresponde a seu peso e papel no
dinâmico e participativo. A partir de 1992, muitos cenário internacional, nem, estou certo, ao desejo
países nele ingressaram, de forma que o TNP é hoje da sociedade brasileira.
o tratado com maior aceitação internacional na Ausentando-se do Tratado, o Brasil nada
história, num total de 185 membros, o mesmo número ganha. Entrando, nada perde, até porque já
que a Carta da ONU. Todos os nossos vizinhos e assumimos compromissos de não-proliferação na
todos os nossos principais parceiros internacionais Constituição de 1988 e em outros acordos.
são membros. Mas, ao ingressar no TNP, o Brasil pode
Só estão fora do Tratado cinco países. Destes, ganhar muito, em termos de projeção internacional e
quatro alegam razões específicas, políticas ou de participação em mecanismos de decisão. Estamos
segurança, para não entrar. O quinto é o Brasil. fortalecendo ainda mais as nossas credenciais e a
Nossa ausência não é compreendida. Pelo nossa credibilidade.
contrário, gera a perplexidade de nossos parceiros, Temos de renovar e fortalecer constantemente
até mesmo porque as críticas que sempre fizemos nosso compromisso com o desarmamento e a não-
aos aspectos discriminatórios do TNP são proliferação em todos os campos, especialmente o
compartilhadas pela maioria dos membros do nuclear.
Tratado. E porque temos uma história de luta pelo Vamos continuar a trabalhar pelo
desarmamento, que só poderemos prosseguir se desarmamento geral e completo, em bases de
pudermos influir nas discussões, participando equilíbrio e segurança. Vamos fazê-lo dentro do
integralmente delas. Tratado, atuando para corrigir seus desequilíbrios,
O TNP deixou de ser um instrumento de ao lado de nossos principais parceiros, o que se
validade temporária e teve sua vigência prorrogada espera de um membro responsável da comunidade
indefinidamente. Seu caráter dinâmico foi reforçado. internacional. É o que se impõe a um país que, como
Estabeleceu-se uma lista de princípios e objetivos o Brasil, quer dar uma contribuição relevante para a
de não-proliferação e desarmamento nuclear e um manutenção da paz e da segurança internacionais.
mecanismo de exame e revisão semi-permanente, Não é uma questão de Governo. É uma questão de
pelo qual os membros verificam em conjunto o Estado. E sobretudo, o que deseja a sociedade
cumprimento dos objetivos do TNP. brasileira.
O TNP é agora um foro ativo de Por isso, o Governo toma hoje a iniciativa de
desarmamento e não-proliferação, como manda o propor o ingresso do Brasil no TNP e conta com a
seu artigo VI. E pode ser um foro importante para o aprovação do Congresso Nacional, ao qual tenho a
desenvolvimento da cooperação para usos pacíficos honra de encaminhar agora esta Mensagem e o texto
da energia nuclear, como especifica o seu artigo IV. em português do Tratado.
O Brasil, como não é membro, não pode Muito obrigado.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 75


Assembléia-Geral das Nações
Unidas para avaliação da
implementação da Agenda 21

Palavras de boas-vindas do Senhor Presidente da


República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da
abertura da sessão especial da Assembléia-Geral das
Nações Unidas para avaliação da implementação da
agenda 21. Nova York, 23 de junho de 1997

Para mim é uma grande alegria estar nas anos, o quanto um encontro de cúpula pode angariar
Nações Unidas, e em nome do Brasil, anfitrião da em termos de liderança e visibilidade, elementos
Conferência das Nações Unidas sobre Meio imprescindíveis para fazer avançar os propósitos
Ambiente e Desenvolvimento - dar as boas-vindas a desta Sessão Especial, que são o fortalecimento dos
todos os que vieram tomar parte nesta Sessão nossos compromissos e a promoção ainda maior da
Especial da Assembléia-Geral, dedicada à avaliação cooperação internacional nas áreas do meio ambiente
dos resultados obtidos na promoção do e do desenvolvimento.
desenvolvimento sustentável desde o notável encontro O que nos traz aqui é a preocupação comum
de 1992, no Rio de Janeiro. com o nosso futuro e com o futuro dos nossos filhos.
Hoje, com muita expectativa, as atenções de Nos reunimos sob as luzes da atenção
todo o mundo voltam-se para as Nações Unidas. mundial. Em toda parte, este evento estará sendo
Desta organização, todos esperamos ações que acompanhado com interesse e com a sincera
contribuirão decisivamente para que o próximo esperança de que saberemos manter, traduzindo-a
século seja testemunha de um mundo melhor e mais em ações concretas, nossa promessa do lutar pelo
justo. desenvolvimento sustentável e por um meio ambiente
Fico encorajado ao ver que tantos Chefes mais seguro.
de Estado e de Governo, bem como outras altas Temos uma oportunidade singular para
autoridades, responderam ao chamado de trazer a renovar a parceria forjada no Rio de Janeiro em
voz de seus povos a este foro global. É gratificante 1992. Vamos utilizá-la com sabedoria.
ver tantos amigos e colegas comparecerem a um Confio em que seremos bem-sucedidos nessa
evento que certamente construirá mais um marco tarefa.
importante nas relações internacionais. Bem-vindos a esta Sessão Especial e muito
A conferência do Rio deixou claro, há cinco obrigado a todos.

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 77


ATOS INTERNACIONAIS

Protocolo de Prorrogação dos Acordos de Alcance Acordo Regional nº 7 de Cooperação e Intercâmbio


Parcial de Natureza Comercial, entre Brasil e México. de Bens nas Áreas Cultural, Educacional e Científica,
Montevidéu, 27 de janeiro de 1997 entre Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e
Segundo Protocolo Adicional ao Acordo de Venezuela. Montevidéu, 5 de março de
Complementação Econômica nº 35, entre os Estados
Partes do Mercosul e Chile. Montevidéu, 17 de Emendas de 1997 ao Código Internacional para a
fevereiro de 1997 Construção e Equipagem de Navios que
Transportem Produtos Químicos Perigosos a Granel.
Vigésimo Segundo Protocolo Adicional ao Acordo Londres, 10 de março de
de Complementação Econômica nº 2, entre Brasil e
Uruguai. Montevidéu, 20 de fevereiro de 1997 Acordo para o Estabelecimento do Centro de
Educação em Ciência e Tecnologia Espaciais para a
Protocolo de Registro do Acordo de América Latina e o Caribe entre o Governo da
Complementação Econômica nº 36, entre os Estados República Federativa do Brasil e o Governo dos
Partes do Mercosul e a Bolívia. Montevidéu, 27 de Estados Unidos Mexicanos. Brasília, 11 de março
fevereiro de 1997 de 1997

Terceiro Protocolo Adicional ao Acordo de Ata de Retificação do Primeiro Protocolo Adicional


Complementação Econômica nº 35, entre os ao Acordo de Complementação Econômica nº 35,
Governos dos Estados Partes do Mercosul e o entre os Estados Partes do Mercosul e Chile.
Governo da República do Chile. Montevidéu, 28 Montevidéu, 31 de março de 1997
de fevereiro de 1997
Quinto Protocolo Adicional ao Acordo de
Quarto Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 35, entre o
Complementação Econômica nº 35, entre os Estados Mercosul e o Chile. Montevidéu, 14 de abril de 1997
Partes do Mercosul e o Chile. Montevidéu, 3 de
março de 1997 Convenção de Direito do Uso Não-Navegável dos
Cursos de Águas Internacionais. Nova York, 21 de
1º Protocolo Adicional ao Acordo de Alcance Parcial maio de 1997
de Cooperação e Intercâmbio de Bens nas Áreas
Cultural, Educacional e Científica, entre Brasil, 11º Protocolo Adicional ao Acordo Regional de
Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, Abertura de Mercados da Bolívia (Acordo nº 1).
México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Montevidéu, 27de maio de 1997
Montevidéu, 5 de março de
Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 79
Texto Modificativo ao Convênio Constitutivo do Acordo Complementar ao Protocolo de
Banco Africano de Desenvolvimento, aprovado pela Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria
Resolução B/BG/97/05 Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa.
Assunção, 19 de junho de 1997
Declaração Presidencial sobre a Consulta e
Concertação Política dos Estados Partes do Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados
Mercosul. Assunção, 17 de junho de 1997 Partes do Mercosul. Assunção, 19 de junho de 1997

Instrumento de Emenda à Constituição da OIT. Protocolo de Admissão de Títulos e Graus


Genebra, 19 de junho de 1997 Universitários para Exercício de Atividades
Acadêmicas nos Países Membros do Mercosul e seu
Anexo feito em Buenos Aires, em 23 de julho de
1998. Assunção, 19 de junho de 1997

80 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


COMUNICADOS, NOTAS,
MENSAGENS E INFORMAÇÕES

Notas para a apresentação do Senhor Ministro como um espaço mais amplo, com uma dinâmica
de Estado das Relações Exteriores, Embaixador própria que já não respeita as fronteiras nacionais.
Luiz Felipe Lampreia, na sessão de abertura do Globalização e integração regional são os grandes
II Seminário “A Mulher e Mercosul”. São movimentos que estão na raiz dessa transformação
Paulo, 29 de abril de 1997 do sistema internacional contemporâneo. Não são
Introdução opções a fazer ou ideologias a professar ou combater;
- Quero, antes de mais nada, agradecer ao são uma realidade que apresenta oportunidades,
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, através desafios e riscos para os quais devemos estar
da Dra. Rosiska Darcy de Oliveira, bem como ao preparados.
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para
a Mulher - UNIFEM - pelo generoso convite para A Globalização e seu impacto nas relações
participar deste Seminário sobre a “Mulher e o internacionais
Mercosul”. - A globalização é a forma que se encontrou
(Prevê-se a presença, na sessão de abertura, para descrever um novo processo produtivo em
da Dra. Ruth Cardoso, da Sra. Rosiska Darcy de escala mundial. O que antes era feito por uns poucos
Oliveira, do Governador Mário Covas, do Sr. Juan países ou mesmo por um país hoje é parte de uma
Adolfo Singer, Presidente do Parlatino, e da Sra. Ana cadeia muito mais extensa, na qual predominam
Maria Brasileiro, Chefe da Sessão para a América fatores como custo, qualidade, competitividade,
Latina e o Caribe do UNIFEM). retorno. Os fluxos de investimento passam, assim, a
- Trata-se de um tema muito atual, pois se buscar aqueles países que encontram plenamente
coaduna com uma visão mais ampla do Mercosul no inseridos na cadeia produtiva.
circunscrita apenas esfera econômica. O Mercosul é - Aspectos básicos da vida dos Estados
uma obra conjunta das sociedades de seus quatro soberanos, como o nível da atividade econômica, o
países membros, cujo impacto vai muito além da nível de emprego, a competitividade de seus produtos
faci1itação de negócios, das reduções tarifárias ou com impacto sobre o bem-estar social, a estabilidade
do incremento do comércio. política e econômica - passaram a refletir
- O Mercosul é um projeto cujo objetivo final acontecimentos no plano externo.
é estabelecer um mercado no qual mão-de-obra, - Essa dimensão internacional mais importante
bens e serviços circulem livremente. Por isso, toca da vida de Estados levou a uma reorganização de
fundo o interesse de brasileiros, argentinos, prioridades. Hoje, o poder nacional mede-se pelos
paraguaios e uruguaios, que sentem a necessidade indicadores sociais, pela capacidade tecnológica e
de adaptar-se aos novos tempos de integração. pela competitividade econômica.
- Somos desafiados a entender o mercado - Mas a globalização não vai por si só resolver

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 81


problemas sérios como a pobreza, as desigualdades cartão de visitas com que se apresentar ao mundo.
sociais e regionais, a concentração de riqueza, o mau - O Mercosul já se consolidou como
uso do meio ambiente e as agressões contra os instrumento de política econômica para seus Estados-
direitos de grupos ou indivíduos nos países de todo membros. O comércio entre os membros
o mundo. Por isso, precisamos entender o fenômeno quadruplicou nos cinco anos, ao passo que o
para melhor lidar com ele. comércio internacional do Mercosul dobrou no
- É do sucesso econômico e social que mesmo período. Continuaremos a trabalhar por sua
dependem os elementos fundamentais para o consolidação e em seu aprofundamento em outras
fortalecimento do estado: estabilidade política social,
crescimento econômico sustentável, geração de Notas para o discurso do Senhor Presidente da
emprego bem-estar da população. Uma sociedade República, Fernando Henrique Cardoso, em
mal integrada e com baixo desempenho econômico almoço organizado pela Câmara de Comércio
é muito mais suscetível aos riscos da globalização. Brasil-Canadá. Toronto, 23 de abril de 1997.
- O Brasil tem buscado adaptar-se a essa Introdução
nova realidade. A liberalização econômica e as - Satisfação pela oportunidade de falar à
reformas estruturais em curso são fatores essenciais comunidade empresarial canadense, no contexto de
da inserção do Brasil no mundo globalizado. Tudo uma visita que expressa o interesse de Brasil e Canadá
isso sob a da democracia, que assentou raízes e de dar novos passos no sentido do aprofundamento
consolidou-se nos anos, conferindo transformações de suas relações, valendo-se do novo impulso
econômicas operadas pelo Governo o selo indelével adquirido por essas relações desde a visita ao Brasil
da legitimidade. do Primeiro-Ministro Jean Chrétien, em janeiro de
- Um fator sumamente importante na 1995, no primeiro mês de meu governo.
estratégia brasileira de inserção no mundo da - Para entender em sua plena dimensão as
globalização é a integração, através do Mercosul. perspectivas que se abrem no relacionamento
- O Mercosul é a tradução do salto qualitativo econômico Brasil-Canadá, é necessário
experimentado em nossas relações com os nossos compreender as mudanças recentes na economia
vizinhos ao Sul desde meados da década de oitenta. brasileira e a evolução do panorama regional e
Hoje, a palavra de ordem nessas relações é a hemisférico dos processos de integração.
parceria, sobretudo entre os dois maiores sócios do
empreendimento -Brasil e Argentina - que no Situação econômico-social no Brasil
passado se olhavam sob o Signo da competição. - Trago ao Canadá a palavra de um Brasil
(Acabo de estar no Rio de Janeiro, novo, de um Brasil que estabilizou sua economia e
acompanhando o Senhor Presidente da República sua moeda. As condições macro-econômicas são
em encontro com o Presidente Carlos Menem, extremamente favoráveis. O Plano Real fez cair a
cujos resultados são uma demonstração do nível inflação brasileira de cerca de 1.000% anuais em 1994
excepcional de cooperação a que chegamos com para cerca de 20% em 1995 e para
a Argentina e da maturidade de nossas relações.) aproximadamente 10% em 1996.
- O Mercosul é hoje mais do que uma - Já é igualmente conhecida nossa abertura
prioridade da política externa brasileira. parte ao comércio exterior. A média das tarifas aplicadas
integrante da personalidade internacional do Brasil e pelo Brasil a importações, que era de 52%, é hoje
dos seus demais membros, fortalecendo as de 12%. Paralelamente, eliminamos diversos
respectivas credenciais e constituindo um notável obstáculos não-tarifários que, no passado,

82 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


dificultavam o acesso de produtos estrangeiros ao positivo também sobre a questão social. Há sinais
mercado brasileiro. Esse fato, somado expansão da de melhora na distribuição de renda desde a aplicação
economia, proporcionou um aumento muito do Plano Real e verificou-se uma melhora significativa
significativo de nosso comércio exterior. Nosso na situação dos segmentos mais pobres. Desde 1993,
volume de comércio com o mundo, que em 1990 cerca de 13 milhões de cidadãos brasileiros
era de US$ 52,1 bilhões (o que correspondia a cerca superaram a linha da pobreza, passando a integrar-
de 12% do PIB), praticamente dobrou, alcançando se ao mercado de consumo de bens e serviços, o
o nível de US$ 101,1 bilhões em 1996 (cerca de que por sua vez constitui um vigoroso impulso ao
15% do PIB). crescimento econômico. A taxa de mortalidade infantil
- Foi particularmente notável o dinamismo de caiu, no plano nacional, em mais de 28%, desde o
nossas importações, que cresceram mais de 100% momento da implantação do Real até 1996. A justiça
desde o início da década. - Esse processo de social é hoje uma prioridade da sociedade brasileira,
aumento significativo das importações tem sido muito e a estabilidade econômica alcançada com o Real
importante para o País, como forma de propiciar nos permite dar conteúdo efetivo a essa prioridade.
acesso a matérias-primas, produtos intermediários, - As mudanças que estão se realizando no
mas sobretudo a máquinas e equipamentos Brasil têm a solidez das decisões que emanam de
importados a preços mais baixos, o que representa processos decisórios democráticos, abertos e
um fator de impulso considerável competitividade transparentes. Isso lhes assegura confiabilidade e
de nossa economia, além de contribuir para a sua previsibilidade. Os agentes econômicos conhecem
estabilidade. bem as decisões de política econômica e têm a
- Avanços na privatização. Recentemente, confiança para realizar com segurança, com
importantes iniciativas em setores de infra-estrutura capacidade de previsão, as suas próprias decisões
(elétrico, energia, mineração, comunicações, de investimento.
transportes). Ao final de seu quinto ano de
funcionamento (1996), o programa de privatizações Integração regional e hemisférica
alcançou uma receita acumulada de cerda de US$ - Éxito do MERCOSUL como fator de
15 bilhões. impulso do comércio e investimento entre os quatro
- Entre 1995 e 1996, o investimento direto países membros. Desde a assinatura do Tratado de
estrangeiro mais do que triplicou, passando de cerca Assunção (1991), o intercâmbio comercial entre os
de US$ 2,9 bilhões para aproximadamente US$ 9,4 quatros países mais que triplicou, alcançando mais
bilhões. de US$ 14 milhões no ano passado. O MERCOSUL
- Nossas reservas de divisas internacionais representa um mercado de cerca de 200 milhões de
estão próximas de US$ 60 bilhões. consumidores e um PIB de US$ 1 trilhão.
- Existe transparência na gestão da economia - Ampliaram-se também as trocas com as
e o Governo está empenhado na realização da demais regiões do mundo, registrando-se um
reformas necessárias para modernizar e racionalizar crescimento de 106% nas importações e 29% nas
o Estado brasileiro, assim como para assegurar as exportações. Modelo aberto de integração regional.
condições para preservar a estabilidade econômica Compatível com o perfil diversificado do comércio
em longo prazo. Criação das novas agências: ênfase exterior brasileiro e com nosso interesse em reforçar
no caráter público do Estado, eliminação de vícios o multilateralismo comercial e a OMC.
clientelistas e corporativistas. - Acordos de livre-comércio do
- As mudanças em curso têm tido efeito MERCOSUL com o Chile e a Bolívia. Novas

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 83


perspectivas de comércio e investimento. Estamos e metalúrgicos, suco de laranja, têxteis, açúcar,
em entendimento também com os países do Pacto tabaco, carne de frango), é essencial que as
Andino, com vistas à criação de um espaço negociações sobre livre-comércio envolvam o
econômico integrado na América do Sul. elemento indispensável de reciprocidade. O setor
- O Brasil sediará, em Belo Horizonte, dentro agrícola é um componente que não poderá estar
de poucas semanas, a II reunião de Ministros ausente de um resultado equilibrado das negociações
responsáveis pelo comércio do Hemisfério. Será um da ALCA.
evento crucial para o projeto de uma de Livre - Entendemos a ALCA como um resultado
Comércio das Américas (ALCA), onde se decidirá que se fundamentará nos agrupamentos regionais já
sobre o como e o quando para as negociações da existentes no hemisfério, que devem funcionar com
ALCA, com vistas à sua conclusão em 2005, building blocks com os quais se armará a estrutura
conforme previsto na Cúpula de Miami. do livre-comércio no continente.
- Importância que atribuímos ao objetivo de - É necessário, portanto, que as negociações
livre-comércio nas Américas. O fortalecimento de da ALCA tenham caráter gradual e progressivo,
nossas relações com os países do continente, através seguindo um cronograma compatível com a
do dinamismo do comércio intra-hemisférico e dos consolidação e o aperfeiçoamento dos diversos
fluxos de investimento - sem prejuízo de nosso padrão esquemas de integração já existentes.
equilibrado e diversificado de comércio com os - A integração não se resume apenas a
principais pólos econômicos do mundo - o aspecto negociações comerciais. Ela só tem sentido se
indispensável com vistas à plena inserção do Brasil contribui para melhorar as condições de vida dos
na economia internacional. Na presidência pro- povos. Especial importância da educação, fator
tempore do processo, o Brasil tem buscado contribuir crucial para a cidadania, o trabalho, o emprego, para
para que o projeto se materialize e para que a ALCA o dos investimentos e para a compreensão mútua
possa converter-se em realidade. entre as distintas culturas. Esse aspecto deve ser
- Necessidade de que os processos de incorporado aos esforços de construção de um
integração reflitam a indispensável legitimidade espaço de integração nas Américas.
democrática que os fundamenta. Para realizar-se, a
ALCA deve ser a expressão de um consenso dentro Brasil-Canadá
e entre os países, consenso que se deve construir - Importante relacionamento econômico,
com visão histórica e com a capacidade de tomar tanto na área comercial como na área de
em conta as diferentes situações vividas pelos investimentos. O intercâmbio revela, contudo, um
distintos países de nosso hemisfério. grande potencial de crescimento. Para isso, é
- É muito importante que o ritmo e as indispensável a capacidade dos empresários dos dois
modalidades adotados para a ALCA reflitam as países de identificar e aproveitar as oportunidades
preocupações dos vários países - especialmente que se abrem.
tendo-se presente as assimetrias de desenvolvimento - Comércio bilateral: o vaquem de comércio
econômico que se verificam no hemisfério. cresceu mais de 22% em dois anos (de cerca de
- Para o Brasil, que já realizou recentemente US$ 1300.00, em 1994, para aproximadamente
um grande esforço de abertura de sua economia, e US$ 1600.00 em 1996).
que continua a enfrentar inúmeras barreiras que - Esse crescimento se deveu ao aumento nas
limitam suas exportações, em particular as mais importações brasileiras do Canadá, que registraram
competitivas (como calçados, produtos siderúrgicos acréscimo de mais de 40% no mesmo período. As

84 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


exportações brasileiras para o Canadá reduziram- Brazil: new trends and their Impact on Brazilian
se, de US$ 500 milhões em 1994 para US$ 470 em Foreign Policy and Brazil-Us Relations”. Nova
1996. York, Talking Points, New York Council On
- Empresas canadenses têm presença Foreign Relations. 18 De Março De 1997
tradicional no mercado brasileiro e têm sabido Introduction
explorar as oportunidades que se abrem atualmente 1. Thank the New York Council on Foreign
no Brasil, graças à estabilidade da moeda e a Relations for the renewed opportunity to address
reformas que estamos efetuando. Em muitos dos active players in Brazilian-American relations on the
setores que o Brasil está abrindo participação do setor subject of Brazilian foreign policy and Brazilian-US
privado, como telecomunicações, mineração, relations.
transporte e energia, a indústria canadense tem uma 2. Growing awareness in Brazil of the
presença global importante. importance of public debate on foreign policy. Just
- Brasil e Canadá têm interesses convergentes met a delegation of the American National Council
na do comércio agrícola. Este um setor que tem of World Affairs Organizations; there is an immense
enorme impacto para a viabilidade do potential for academic exchange in the field of
desenvolvimento socialmente e ambientalmente international affairs and we would like to benefit from
sustentável, e que para o Brasil tem importância muito the American experience. The Councils on Foreign
especial. Impõe-se a necessidade de um esforço Relations can be instrumental in promoting Brazilian-
mundial para eliminar práticas protecionistas nessa US relations on the basis of a sounder understanding
para desmantelar as políticas distorsivas de apoio e between our two peoples.
de subsídio. 3. We are in the process of creating a Brazilian
institution inspired in the American Councils on
Perspectivas - Importância do diálogo Brasil- Foreign Relations, tentatively named the Brazilian
Canadá Center for International Relations (CEBRI). It will
- Desde a visita ao Brasil do Primeiro Ministro be aimed at providing an independent locus for the
Jean Chrétien, em janeiro de 1995, o relacionamento debate and the research on international affairs and
bilateral vem adquirindo maior densidade, com a foreign policy. We hope that soon it will offer it for
definição de novos mecanismos institucionais e o the same purposes that the New York Council on
amadurecimento de diversas iniciativas conjuntas. Os Foreign Relations serve. We also hope to build a
entendimentos com vistas à criação de um “quadro constructive relationship with this Council.
negociador” MERCOSUL-Canadá deverão permitir
dar maior estabilidade, previsibilidade e segurança Growing interest in US-Brazilian relations
aos agentes econômicos. 4. Interest in Brazil and in Brazilian affairs is
- Estamos ganhando qualidade e intensidade growing in the US thanks to a better understanding
em nossa cooperação. Os aspectos descritos acima of current trends in Brazilian economic and social
- a situação favorável da economia brasileira, sua policies under President Fernando Henrique
abertura, as importantes perspectivas na da Cardoso’s leadership. As the upcoming visit to Brazil
integração regional e hemisférica e a maior densidade by President Clinton demonstrates, there is a new
da cooperação bilateral - tornam o atual momento perception of the country’s importance in the broader
especialmente propício para a criatividade e a panorama of American foreign policy.
capacidade de iniciativa dos empresários de ambos 5. Americans now seem to realize the
os países. importance of the Latin American market and

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 85


especially of the Brazilian partnership. partnerships and building new ones, both in the
6. Figures are eloquent: of every dollar the developed and developing world; the amount of
US earns in exports, 40 cents come from Latin interest that Brazil generates is measured, among other
America. Our Hemisphere has been recognized as indicators, by the significant number of high-level
the most important market and one of most potential visitors that come to Brazil for a first-hand contact
for American goods and services. The flow of with its realities and to do business (Prime- Ministers
American capital to the region is on the rise. of Japan, Germany and China, and French President
7. Brazil is a show-case for this renewed are some of the recent visitors).
American interest in our region: total trade between - Brazil has a balanced and diversified foreign
Brazil and the US has almost doubled in the last 4 trade, both in terms of destination and composition.
years. From 1994 to 1995, Brazilian imports of US In 1996, 28% of Brazilian exports were directed to
products grew about 55%. The US remains Brazil´s the European Union, 22% to NAFTA and 21% to
second largest trading partner, behind only the EU. South American countries (15% to MERCOSUL).
- Manufactured goods (mostly footwear,
Brazil’s foreign policy: some permanent assets machinery, orange juice, auto parts and aircraft) were
8. Brazil has assets that support a stronger about 55% of our exports in 1996; semi-
leadership for it in regional and international matters: manufactured goods (leather, semi-processed iron and
- Brazil’s territory is larger than the contiguous aluminum, cellulose) were about 22% of exports;
continental US; its population equals Russia’s; its commodities were about 23% of total exports.
GDP is approaching one trillion dollars; it has ten
neighbors with which it has lived in peace for the last Current trends in Brazil
125 years; it is a consolidated democracy and one of 9. Current trends enhance the perception that
the most important emerging markets; Brazil has become an important economic and trade
- Brazil is part of Mercosul, a successful partner in the developing world, as well as a political
exercise in regional integration, a firm and lasting player of growing importance.
commitment by all its members, an added dimension 10. Trends show a steady consolidation of
to the international identity of its individual participants the Administration’s policies:
and a force towards stronger ties in South America - Inflation is below the two digit figure and
in all fields, especially in the area of trade. Recent should be held at around 7% this year; there is
developments have been eloquent about Mercosul’s widespread support for the sustained consolidation
diplomatic drive (support for democracy in Paraguay, of the policies that led to this historical achievement;
trade liberalization agreements with Chile and Bolivia, sharp reduction in inflation rates has benefited the
talks with the Andean countries, active role in FTAA poorer segments of Brazilian society, cutting the so-
negotiations, negotiations with the EU, talks with called inflationary tax that was imposed on the poor,
SADC and ASEAN, etc.); strengthening the purchasing power of the population
- Brazil’s foreign policy is universal and and allowing for around 13 million Brazilians to
devoted to the consolidation of the internal policies overcome extreme poverty;
that have changed the nature and the perspectives of - Trade and economic liberalization have been
Brazil’s interaction with the outside world. The carefully consolidated; there is a growing sense that
President has been personally and actively committed these policies serve several complementary purposes:
to foreign policy. to allow for more options, lower prices and better
- We have been strengthening our traditional quality goods and services for consumers; to increase

86 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


competitiveness and productivity of the Brazilian overwhelming majority in the House of
manufacture and industry; to maintain the level of Representatives and is on the way for approval in the
supply in order to ease pressures on inflation; and to Senate. This shows a wide majority in support for
allow for more direct investment in order to explore both president Cardoso and his policies;
the potential of a market of around 160 million people, - From now on it seems the path of reform
now enhanced by Mercosul; will be smoother, and will concentrate in three main
- The opening of the Brazilian market has had areas: State and administrative reform, fiscal reform
positive effects on Brazilian economy. Economic and social security reform. Also several pieces of
liberalization is widely recognized by Brazilian society legislation regulating constitutional changes brought
as a benefit to the country, in spite of punctual differences about earlier in the Administration will be enacted
of opinion regarding Government policy in specific areas. (telecommunications, oil industry, etc.).
Such differences are inherent to the democratic context 11. Besides those very positive and sustained
in which liberalization is taking place; trends, we can count on some other initiatives that
- The commitment to trade liberalization is will continue to have a positive impact on our relations
firm; for the first time the Brazilian government can with the outside world:
rely on an intergovernmental decision-making body, - In the last few years, the Government has
the Chamber of Foreign Trade, that allows for greater re-structured its agencies responsible for the
coordination and consensus among the several application of anti-dumping and countervailing
Ministries with responsibilities in the trade area; measures, so as to make them more efficient and
- The policies designed to deal with current reliable. [Safeguard measures on imports of textiles
challenges such as the FTAA and the consolidation and toys are being applied since last year, to allow
of Mercosul are sound and reflect extensive for redressing the situation of the domestic industry];
consultation with all sectors involved and strict - There should be no doubt by now that Brazil
coordination among the federal agencies dealing with is ready to protect its companies against unfair trade
trade and economic policies; practices which adversely affect Brazilian exports.
- The decrease in import tariffs — from an The involvement of the Government of Brazil in
average of 52 to 14% — and economic stabilization Dispute Settlement procedures in the WTO is an
have provided our partners with new and unique evidence of this. I think all participants today are well
business opportunities — the Brazilian import figures aware of the results of the very first dispute judged
of 1996 are proof of that; - Investment has been by a WTO panel and Appellate Body, regarding
boosted by the privatization of state companies and restrictions on our exports of gasoline to the US;
the end of state monopolies. We have already - On the defendant side, a WTO Panel has
privatized and are in the process of privatizing strong withheld the Brazilian position on countervailing
and important companies, not small ones, and of measures applied by the Government on imports of
opening up sectors, such as telecommunications, that subsidized disseccated coconuts from the Philippines.
can absorb large amounts of investment; This case is now under consideration by the WTO
- Foreign direct investment — around 9.4 Appellate Body;
billion in 1996 alone — is proof that there is - Therefore, it should be clear that Brazil will
international confidence in the potential of the Brazilian not entertain trade negotiations which result in one-
market and in the Administration’s policies; sided commitments and one-sided benefits. As
- The constitutional amendment allowing Brazilian export products become more competitive
presidential reelection was approved by an in the international market, higher restrictions are

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 87


imposed on the trade of such products. Footwear, foreign competition, trade balance, investment flows
steel products, orange juice, textiles, sugar and and so on. Mercosul, the FTAA, negotiations between
tobacco, for instance, are faced with high Mercosul and the European Union, the further
protectionist barriers in the US, be it through tariff or strengthening of our partnerships in the Hemisphere,
non-tariff measures. Not to mention subsidies which in Europe, in Asia, and in Africa — all affect
are granted to agricultural products in Europe and in consumers, employment, the economic activity in
the US and the distortive effects of these subsidies general, and, most important, the consolidation of the
on trade and international commodities prices; many conquests Brazilians have achieved.
17. Reciprocity in terms of market access has
Impact of current trends on Brazil’s Foreign become a top priority for Brazil. Any new negotiations
Policy: a few examples on market access (be it at the multilateral or
12. Brazil is actively taking advantage of the hemispheric level) must be preceded by a frank
renewed interest it has raised worldwide and of the discussion about access of Brazilian products to the
opportunities to reach out to traditional and new markets our trading partners.
partners. 18. Negotiations for the launching of FTAA
13. Brazil’s foreign policy has pursued a are a high priority. Brazil is participating actively in
sustained strategy of enhancing partnerships. this initiative, and will host, in May of this year, the III
Presidential diplomacy in Brazil has been conceived Meeting of Trade Ministers of the Americas, in Belo
as a prime instrument in promoting the country’s new Horizonte. MERCOSUL´s viewpoint as to how the
image abroad. Presidential visits have been planned FTAA negotiations should proceed is as follows:
in order to show a sense of balance between - Negotiations must be responsible and
developed and developing partners as well as a sense irreversible; they must be progressive, allowing each
of regional balance, reflecting the universal character participant to evaluate his position at any moment
of Brazil’s foreign policy. during the negotiations;
14. We are translating the interest in Brazil - Parties must have a clear negotiating
into trade and business opportunities. Presidential visits mandate;
are aimed not only at official contacts; the business - Commitments must be balanced and
community around the world has been a constant advantageous for each and every participant in the
target and has responded intensely to our approaches. negotiations; differential treatment for specific
15. Brazil has added some of its current products or sectors must be envisaged.
domestic trends as new assets: - The success of existing initiatives for trade
- the possibility of reelection for the President and economic liberalization, in regional or subregional
shows the country’s willingness to allow for the terms, must not be hampered by the negotiations of
continuation of present policies; more than that, it the FTAA. In fact, we see the hemispheric process
shows the country’s firm commitment to those policies; moving ahead according to a “building blocks”
- the “disorganized supportive majority “ on approach, in which our commitment to open
which the President had been counting seems to be regionalism is fully respected.
consolidating itself; many challenges lay ahead and 19. Finally, we are engaged in intense
will test this majority again and again, but this trend diplomatic activity in the WTO. Brazil is willing to
looks irreversible; further advance the process of trade liberalization,
16. Foreign issues before us have had a strong within the rules of the WTO and according to the
internal impact, as they relate to trade, industrial policy, principle of reciprocity of interests.

88 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Notas para a aula Magna Ministrada pelo conseqüências.
Senhor Presidente da República, Fernando 4. Embora seja possível aprofundar a análise
Henrique Cardoso, em cerimônia na teórica da distinção, é interessante verificar que essas
Universidade da República. Montevidéu, 5 de categorias têm uma representação histórica,
maio de 1997 encontram atores que a encarnam em determinados
Agradecimentos pelo convite. momentos. A minha formação na USP refletia, nos
Admiração pela tradição intelectual uruguaia anos 50, justamente a tentativa de dar bases
e pela preocupação com a educação. “científicas” ao trabalho do pesquisador social. O
1. Tema da palestra: a relação entre a esforço em São Paulo era o da superação do
atividade política e a reflexão sobre política: que “ensaismo” que caracteriza a reflexão social no Brasil
distância existe entre a tribuna e a sala de aula, a e, em certa medida, na América Latina até os anos
ação política e a pesquisa? 50. No caso brasileiro, um dos elementos decisivos
Que relações existem entre a vida para criar a mentalidade científica foi a presença de
contemplativa e a vida ativa, como diziam os mestres franceses, como Bastide, Levi Strauss, e
antigos? outros (em outros países da América Latina, terá sido
2. Vivi plenamente as duas experiências e, a influência Americana).
hoje, nesta aula, tento distanciar-me da condição de 5. Quem fazia a crítica dessa atitude era, no
político, de homem de Governo, para “pensar”, como Rio de Janeiro, o ISEB, que visava justamente a
professor, a minha atividade. É difícil esse exercício: propor, a partir de uma determinada reflexão filosófica
de uma certa maneira, quando fala quem exerce e política, doutrinas de transformação social.
função pública, não é o que se diz, mas quem diz que Jaguaribe, p.e., dava os contornos de um
importa e, assim, se predetermina, muitas vezes, a nacionalismo moderno. Os paulistas criticavam o
forma pela qual e interpretado o discurso. Os ISEB como “fábrica de ideologias”, como se fossem
políticos não teriam direito ao argumento objetivo. incompatíveis, a reflexão e o projeto político. A
Em certas circunstâncias, isto pode ser verdade. Será suposição era de que a escolha política contaminaria
sempre? necessariamente a pesquisa.
3. De qualquer maneira, a forma clássica de 6. Os dois lados da “controvérsia” tinham
começar o exame do tema é distinguir “razão”, lidavam com problemas reais: era preciso
conceitualmente as duas atividades, como se tivessem dar mais consistência ao conhecimento da realidade,
lógicas diferentes. ganhar condições de “rigor”, aperfeiçoar a qualidade
Assim, atribuem-se ao acadêmico as da pesquisa, e, de outro lado, era impossível, para
obrigações de pureza na pesquisa, isenção, um intelectual, afastar-se olimpicamente de uma
objetividade, um tanto no modelo da ciência pura. O realidade injusta, em que a desigualdade era a norma,
estatuto étca é a liberdade, no contexto de uma as formas autoritárias prevaleciam, etc. Poderia ir
separação supostamente absoluta entre fatos e adiante e, em termos mais abstratos, dizer que o
valores, que seria condição necessária para a discurso sobre política, mesmo se a intenção
busca da verdade, ou no plano abstrato de uma meramente científica, “buscasse a verdade” e não
étca da convicção. Em contrapartida, a atividade influir sobre a realidade, já representaria uma opção,
política seria necessariamente contaminada pela uma determinada maneira de pensar — e
ideologia, pelo interesse. Viveria as imposições do consequentemente agir sobre — o mundo. O
reino da necessidade e o estatuto étca é a desvendamento das coisas como elas são já em si
responsabilidade, a preocupação com as um primeiro passo para transformá-las. A pureza

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 89


uspiana, bem ou mal, representava uma opção sobre propostas históricas se esgotam? Assim, um tema
as formas de representar a vida brasileira. paralelo e que combina, dialeticamente, reflexão e
7. Se combinamos as duas tradições projeto, tem que ver com o problema da mudança.
(intelectual na torre de marfim e a teoria como Quem dá as pistas para a mudança?
trampolim necessário e ideal para a ação política), 10. A mudança, a transformação das
chegamos a algumas indagações interessantes: sociedades é um tema central para quem trabalha,
Olhando o problema do prisma acadêmico, como cientista social ou político, na América Latina.
a pergunta seria: e possível conciliar rigor e Quando se fala em transformação, a referência
projeto? Que papel tem o rigor do conhecimento necessária são valores, são os objetivos e rumos da
no projeto político? transformação. São os valores que podem mobilizar
Olhando o problema do prisma político: É politicamente, articular a base social da mudança.
possível conhecer, com alguma objetividade, o 11. Numa sociedade democrática, não devem
melhor projeto para determinadas circunstâncias existir “monopolistas” do valor, da verdade, dos
históricas? O conhecimento predetermina o ideais de mudança. As perspectivas — do intelectual,
projeto? do político e, agora, das lideranças dos movimentos
8. Recorrendo, de novo, à história do sociais (ONGs) — devem contribuir
pensamento latino-americano, poderíamos fazer simultaneamente, no debate público, para que se
algumas ilustrações. A CEPAL, especialmente com alcance o equilíbrio entre o ideal e o possível.
as reflexões de Prebisch, estabeleceu bases rigorosas Exatamente porque o diálogo é passo necessário
de análise da realidade econômica latino-americana para a construção da legitimidade (na tradição de
e, simultaneamente, liga a reflexão a um “projeto Habermas), as posições de quem participa não
necessário” (da deterioração dos termos de podem ser simplesmente de defesa de valores
intercâmbio, decorria a necessidade de substituição irrealizáveis para, simplesmente, ter ganhos de
de importações). Neste caso, o conhecimento mobilização, de vantagens de curto prazo o risco da
precede a proposta. De outro lado, as visões perspectiva intelectual é transformar os fins em
marxistas tendiam, em alguns casos, não todos, a tática. Uma das características dos valores a sua
simplificar a realidade, pelas exigências de ação inesgotabilidade, apontam sempre para algo que
política. A luta contra o autoritarismo abriu uma ainda pode ser feito. Mas, isto não isenta, nem ao
interessante reflexão sobre a questão da democracia intelectual nem ao político, da responsabilidade de
(transição, modelos, resistências sociais, etc.) Nestes pensar em tempos e modos de realizá-los nas
casos, a necessidade política precede o circunstâncias históricas dadas.
conhecimento. Não existe uma seqüência ideal, 12. O risco de o político esquecer os valores
portanto, e, na realidade, os movimentos — conhecer e tratar da atividade política como um fim em si,
por conhecer e conhecer para agir —normalmente como algo que diz respeito somente posições de
nascem juntos. poder, as vantagens pessoais ou de um grupo.
9. A influência da CEPAL foi ampla e serviu, Neste sentido, a política se converte em técnica, o
em termos latino-americanos para ganhos na mundo das “conseqüências” prevalece sobre os
qualidade da informação sobre a realidade. objetivos de bem comum.
Determinadas propostas foram funcionais em 13. Para o político, o benefício da referência
determinado tempo histórico (a própria CEPAL foi intelectual, do diálogo com os valores, é justamente
obrigada a mudar, renovar o seu repertório de a de ir além do mundo do jogo de poder, buscar a
sugestões de “policies”). Quando e por que certas orientação à pergunta: poderia ser feito melhor,

90 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


diferente, de forma que beneficiasse mais pessoas, bem comum. Que significado tem isto para a relação
etc., passa a ser uma referência obrigatória em cada entre teoria e prática política?
processo decisório. Em contrapartida, o intelectual Isto indica, em primeiro lugar, que a boa
pode aprender com a atividade política que o limite prática política envolve necessariamente reflexão,
também um valor que regula as formas fáceis de conhecimento, e não apenas uma reflexão de tipo
voluntarismo. Isto não significa que se diminua o técnico, mas sim de tipo que encontre lugar para o
impulso que a vontade de lutar por um mundo melhor universal, para os interesses da coletividade. Se não
arrefeça. Significa simplesmente entender que a for assim, não haveria como evitar os riscos do
vontade (de um homem, de um grupo, etc.) só uma corporativismo e o espaço público estaria seqüestrado
parte da realidade. pelos interesses de grupos privados.
14. Completaria o argumento com duas Em segundo lugar, o saber político, em função
observações, uma mais teórica e outra mais volta para do próprio conteúdo que o fundamenta, não alcança
o mundo da prática. pleno sentido se não se traduz em participação ativa,
14. A. Na vida republicana, como ensinava na construção da vida pública mediante o exercício
Montesquieu, o funcionamento do sistema político é do diálogo democrático, entre os diversos atores
inseparável da idéia de virtude política — tanto a do concretos.
cidadão como a dos líderes. Em uma república — Voltando às reflexões iniciais:
que remete à noção de participação democrática, Para a geração que se formou com a
livre e ativa dos cidadãos na definição e promoção preocupação de conhecimento rigoroso, a passagem
do bem comum, da res publica — é fundamental para a política (tanto dos intelectuais “participantes”
que a prática política esteja “iluminada” pelo como daqueles que assumiram diretamente funções
conhecimento das realidades da política, seus públicas) não é um elemento de acaso, mas uma
pressupostos sociais e econômicos, seus riscos, seus decorrência natural, uma exigência que nasce
perigos, seus desdobramentos no presente e no futuro. naturalmente com a luta pelo desenvolvimento
Em uma república, o ser cidadão é mais que (CEPAL) e pela democratização.
ser votar periodicamente, supõe a discussão, o 14.B. Passo agora à segunda série de
pensamento, um certo tipo de sabedoria política, sem observações. De que maneira essas observações
o qual a ação política não se distinguiria da conduta afetam as nossas formas de ver o mundo, como definir
baseada em interesses individuais ou de grupos. fins e responsabilidade num mundo globalizado e
Não se trata de demonizar ou ignorar numa América Latina democrática. Do lado do
interesses — afinal, parte da vida democrática a luta, conhecimento: é evidente que as chaves que nos
dentro de normas, a competição entre grupos por serviram historicamente devem ser revistas. Um dos
melhorar a sua posição na economia ou na sociedade. problemas: integrar de forma nova o internacional
Mas, da mesma maneira que o mercado um dado da e o externo; e não as fórmulas fáceis. O externo
realidade econômica, mas não resolve a direção da — que era o negativo na teoria do imperialismo e
economia, não tem o componente de valor, a era o positivo na visão dos desenvolvimentistas
competição política não é tudo, não resolve todos a la Parsons — agora ambíguo. Pode ser positivo
os problemas da república. e negativo simultaneamente. Pode trazer riqueza
O indivíduo não é mero consumidor ou e desigualdade e não existe um projeto ideal de
produtor, é também cidadão, participa da vida integração que permita maximizar o lado positivo.
nacional, como ator que deve estar consciente de (O que foi historicamente positivo, como a idéia do
valores políticos, consciência cívica, imperativos de Estado-empresário em países em que faltava capital

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 91


— para dar solidez ao poder nacional talvez não seja solucionar problemas sociais e, ao mesmo tempo,
mais). os instrumentos de solução daqueles problemas
Do lado da ação política: a democracia devem ser “negociados”.
significou um “ganho étco” em vários sentidos para Exatamente por isto, o trabalho das lideranças
nossos países (desde a vigilância sobre a corrupção políticas ganha novo alcance: o de articular, no
até um aumento da demanda por equidade), ao diálogo, de forma tolerante, falando às vezes em nome
mesmo tempo tornou o manejo cotidiano da política dos que não tem meios de estar plenamente presentes
muito mais complexo, muito mais difícil. As na vida política, a complexidade das demandas e
sociedades se reconhecem em suas injustiças de regulá-las por uma visão que as module à luz do
forma muito mais clara, pedem urgência para significado do bem comum.

92 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


ARTIGOS

Assistência aos brasileiros no exterior. fatores de ordem mais geral, não relacionados ao
“A nova política de assistência aos brasileiros no desempenho da economia brasileira na década,
exterior”, artigo publicado pelo Senhor Secretário- ressalta o avanço extraordinário das comunicações,
Geral do Ministério das Relações Exteriores, que permite divulgar oportunidades de trabalho fora
Embaixador Sebastião do Rego Barros, Em Política do Brasil, principalmente em países desenvolvidos.
Externa, vol.5, n.3, dez/jan/fev 1996-1997. Soma-se o fato de que a emigração, uma vez iniciada,
Um dos fenômenos mais importantes, e dos criou uma dinâmica própria: brasileiros estabelecidos
menos analisados, nas relações exteriores recentes no exterior passaram a atrair familiares e conhecidos,
do Brasil é o crescimento acelerado, a partir dos anos que chegam ao estrangeiro contando com uma base
80, do fluxo de brasileiros — emigrantes e turistas de apoio, o que torna menos traumática a inserção
— que se destinam ao exterior. Quando se discute a no novo meio. Como resultado deste conjunto de
atuação internacional do Brasil nos dez anos, muitos razões, o Brasil, a partir de meados de 80, deixou de
enfatizam a progressiva atualização da diplomacia ser um país de imigração para tornar-se também um
econômica brasileira a um modelo de país de emigração.
desenvolvimento menos autárquico, alguns chamam Para conhecer melhor essa nova realidade, o
a atenção para a apregoada revisão do terceiro- Ministério das Relações Exteriores efetuou um censo
mundismo dos anos 70, outros se detêm sobre uma de brasileiros residentes no exterior, fazendo uso de
suposta variação do peso específico do Brasil no sua rede de Embaixadas e Consulados. O
cenário internacional ao sabor do desempenho levantamento realizou-se com base em
irregular da economia brasileira no passado recente. recenseamentos locais, dados e estimativas dos
Poucos são, no entanto, os que buscam avaliar este serviços de imigração, matrículas consulares,
fenômeno menos aparente das relações externas do participação em eleições, teses e trabalhos
País que é o aumento expressivo de brasileiros no acadêmicos e fontes complementares. Apurou-se,
exterior e seus efeitos sobre a diplomacia brasileira. desse modo, a existência de aproximadamente um
O propósito deste artigo é justamente o de analisar, milhão e meio de brasileiros vivendo no exterior, cifra
em linhas gerais, a presença de brasileiros em outros superior à população de vários estados brasileiros.
países e as medidas que o Governo brasileiro e, em As maiores concentrações de brasileiros residentes
particular o Itamaraty, vem adotando para melhor foram encontradas em três países: nos Estados
assisti-los. Unidos, são cerca de 600 mil; no Paraguai, em torno
Diversos fatores, nos anos, levaram um de 350 mil; e no Japão, aproximadamente 200 mil.
número expressivo de brasileiros a buscar no exterior Ao milhão e meio de residentes permanentes
uma alternativa de vida. Entre as razões de ordem acrescem-se cerca de três milhões de viajantes
doméstica, destacam-se as sucessivas crises brasileiros ao exterior por ano, principalmente
econômicas do passado recente e a redução do turistas, mas também empresários, estudantes que
emprego no setor formal da economia. Entre os fazem estágios ou cursos de curta duração e pessoas

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 93


que viajam por motivos familiares ou de saúde. Os suas ações e projetos no campo consular. Em
principais destinos desses fluxos são Europa, Estados primeiro lugar, definiu-se com clareza a assistência e
Unidos e América do Sul. Temos, portanto, todos proteção aos brasileiros no exterior como uma das
os anos, um universo de quatro milhões e meio de prioridades da política externa brasileira, o que tem
pessoas que são candidatas em potencial aos serviços sido reiterado na freqüente menção ao tema em
consulares. discursos e documentos oficiais do Presidente da
Em sua maioria, os brasileiros que vivem no República e do Vice-Presidente, bem como do
exterior não romperam os vínculos com o País. Na Ministro das Relações Exteriores.
verdade, com seu trabalho, auxiliam familiares no Em segundo lugar, decidiu-se operar uma
Brasil, aqui criando riqueza e dinamizando certos mudança na cultura administrativa do Itamaraty no
setores. Para se ter uma idéia da importância tocante ao atendimento ao cidadão brasileiro que
econômica do fenômeno da emigração, basta dizer recorre aos Consulados e Embaixadas. No passado,
que as remessas dos emigrantes brasileiros somam, como eram poucos os brasileiros no exterior, o
em valores anuais, algo em torno de quatro bilhões atendimento fazia-se de maneira burocrática, quase
de dólares. Hoje, em qualquer análise do balanço de mecânica. Hoje se exige do funcionário consular um
pagamentos do Brasil, ressalta a importância do fluxo atendimento crescentemente profissional, em que
de transferências unilaterais de recursos. cortesia e eficiência se unam para facilitar a vida das
A existência de um numeroso contingente de pessoas.
brasileiros no exterior uma realidade que muito Uma terceira mudança conceitual prevê que
provavelmente veio para ficar, ainda que possa o Consulado, ou o Serviço Consular da Embaixada,
ocorrer um ou outro caso isolado de refluxo da deve ir ao encontro dos cidadãos, ao encontro das
corrente migratória. No geral, como disse o Ministro comunidades brasileiras, deixando sua posição
Luiz Felipe Lampreia, em recente palestra, “a anterior de mero receptor de demandas. O objetivo
tendência previsível nos próximos anos de estabelecer um Consulado dinâmico, em permanente
consolidação dessas comunidades, que começam a interação com a comunidade, a fim de que, também
participar intensamente da vida econômica e social no exterior, Governo e sociedade civil somem
de muitas cidades e regiões no exterior e parecem esforços na busca de um Estado que atenda com
estar destinadas a durar”. mais eficiência aos interesses do Brasil e necessidades
Tendo em conta este novo quadro emigratório dos brasileiros.
brasileiro, o Presidente Fernando Henrique Cardoso Um quarto aspecto diz respeito à divulgação
determinou a formulação de uma política consular, das funções consulares. O Itamaraty vem buscando
que, sem deixar de lado as funções tradicionais, divulgar, com maior regularidade e freqüência,
estivesse mais voltada para uma efetiva assistência e serviços quase desconhecidos do grande público. A
proteção ao nacional no exterior, que, como os demais cidadania pressupõe o conhecimento dos direitos e,
cidadãos brasileiros, têm pleno direito aos serviços nesse sentido, é fundamental que os brasileiros no
prestados pelo Estado. Em outras palavras, todos exterior conheçam seus direitos e os serviços
os cidadãos brasileiros no exterior têm o direito a oferecidos pela rede consular. Somente desta
uma correta e eficiente assistência consular. maneira, a ação consular não será meramente reativa,
Com a determinação presidencial de mas também preventiva.
preservar a plena cidadania do brasileiro no exterior, Esta reformulação da atividade de assistência
propôs-se o Itamaraty, na presente gestão, a ao brasileiro no exterior pressupõe uma visão
estabelecer algumas bases conceituais que norteariam moderna e democrática do que deve ser a política

94 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


externa brasileira. Para o público em geral, tratá-los de forma exclusivamente técnica e legalista,
diplomacia sempre pareceu algo distante do cotidiano com em seus aspectos consulares e jurídicos, como
de cada um, seja pelo fato de que a atividade se fazia no passado. Nesse sentido, duas são as
diplomática é enganosamente associada a uma preocupações maiores do Governo brasileiro. A
suposta aura aristocrática, de negociações secretas primeira delas é o efeito que determinadas questões
e de glamour social, seja porque a temática da podem ter sobre as relações do Brasil com outros
diplomacia envolve, quase sempre, questões cujos países. Há um cuidado todo especial de nossa
efeitos são de longo prazo e amplo escopo, como as diplomacia de evitar que dificuldades de natureza
negociações multilaterais, o tratamento do tema do consular degenerem em constrangimentos e atritos
desenvolvimento, e discussões sobre paz e segurança políticos. A situação dos chamados “brasiguaios” no
internacionais. Ocorre que a atividade diplomática Paraguai e a dos dentistas brasileiros em Portugal
não pode circunscrever-se somente aos grandes são exemplos da necessidade de enfrentar com
temas internacionais, por maior que seja o impacto, realismo e espírito cooperativo situações que exigem
muitas vezes negligenciado, destes temas sobre o dia- do Itamaraty a defesa dos interesses dos brasileiros
a-dia do País e de cada cidadão brasileiro, de que no exterior e a manutenção do bom relacionamento
são exemplos as negociações comerciais e a com países amigos.
preservação de relações pacíficas e cooperativas com A segunda preocupação diz respeito à
os países vizinhos. Numa sociedade crescentemente imagem do Brasil no exterior. O atento
democrática, como a brasileira, a diplomacia deve acompanhamento dos problemas enfrentados pelas
também voltar-se para uma assistência mais direta e comunidades brasileiras no estrangeiro e a pronta e
competente dos cidadãos brasileiros, que podem e eficiente assistência aos nacionais são importantes
devem exigir o atendimento de seus direitos. fatores da preservação da imagem positiva do País
Outra razão a exigir do Governo brasileiro no exterior. E quando menciono a importância da
toda a atenção para as questões consulares é o imagem internacional do Brasil não estou me referindo
processo recente de aproximação das agendas apenas ao tema da credibilidade do Governo no
consular e diplomática. No passado, estes assuntos exercício das suas relações exteriores, mas também
não se confundiam. A antiga estrutura do Itamaraty, e principalmente à maneira como são vistos, aceitos
por exemplo, em que as carreiras diplomática e e recebidos os brasileiros nos demais países. Os
consular eram distintas, refletia o fato de que as brasileiros serão tanto melhor tratados quanto menos
discussões internacionais de temas diplomáticos e a imagem do País for passível de associação com
consulares seguiam rumos independentes. Nas atividades eventualmente desempenhadas por
décadas, no entanto, com a ampliação da agenda cidadãos brasileiros em violação legislações locais e
internacional, que passou a incorporar questões como internacionais. O que está em jogo nessas situações
imigração, narcotráfico, lavagem de dinheiro e tráfico é, ao mesmo tempo, a credibilidade do País e a
de armas, alguns problemas de natureza consular respeitabilidade de seus cidadãos, dois conceitos que,
ganharam uma dimensão política inédita e passaram numa sociedade democrática, se complementam.
a ter importância crescente na condução da política Para dar cumprimento, na prática, novas
externa. diretrizes da política de assistência a brasileiros, o
Em razão da enorme sensibilidade destes Itamaraty elaborou alguns projetos, que estão em
novos temas, e de sua crescente importância e execução e que imprimiram novas e importantes
projeção tanto na opinião pública mundial quanto no características funções consulares. A seguir, são
relacionamento entre os países, já não se pode mais brevemente descritos alguns desses projetos e seus

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 95


resultados. Honorários, os quais, embora possuam funções
Criação dos Conselhos de Cidadãos junto limitadas, se constituem em importantes pontos de
aos Consulados e Embaixadas. Consistem os apoio para a prestação de assistência a brasileiros.
Conselhos em apolíticos de aconselhamento do Suas atividades podem estender-se a outros campos
Consulado, com vistas a uma melhor adaptação dos além da função consular propriamente dita, como,
brasileiros à realidade de cada país. São integrados, por exemplo, apoio a delegações brasileiras que
em forma rotativa, por uma variada gama de participem em eventos na sua de jurisdição. Nos dois
participantes, todos os cidadãos brasileiros residentes anos, foram abertos três Consulados Honorários nos
na jurisdição ou funcionários da repartição. Os Estados Unidos: em Birmingham, (Alabama), Phoenix
Conselhos permitem a apresentação regular de (Arizona) e Seattle (Estado de Washington). Também
sugestões da comunidade e a disseminação mais de foram abertos os Consulados Honorários em
informações. Servem como elemento aglutinador da Rovaniemi, na Finlândia, em Gdansk e Cracóvia, na
comunidade, com atuação nas áreas de seguro-saúde, Polônia, e Port Said, no Egito. Há planos para
aconselhamento psicológico, organização de eventos abertura em Riga, na Letônia, Tallim, na Estônia,
comunitários e apoio a cidadãos necessitados. Esta Cuenca, no Equador, Casablanca, no Marrocos,
é uma iniciativa de enorme relevância, pois constitui, Pointe- Pitre, no Caribe francês, Cancún, no México,
na linha de orientação do Presidente Fernando San Ignacio de Velasco e Trinidad, ambos na Bolívia,
Henrique Cardoso, um precioso canal de e Santander, na Espanha.
comunicação, cooperação e interação entre o Instituição do Sistema de Consulados
Governo e a sociedade civil no exterior. Já contamos Itinerantes. Experiência que começou no Paraguai,
com 29 Conselhos de Cidadãos, distribuídos pela consiste no deslocamento, a localidades de maior
Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão e América concentração de brasileiros, de uma equipe integrada
do Sul. Em 1997, o número de Conselhos de pelo Cônsul e outros funcionários consulares, a qual
Cidadãos deverá ser ampliado. presta atendimento “in loco”. Trata-se aqui da política
Abertura de novas repartições consulares de consular de ir ao encontro da comunidade, evitando-
carreira. Na medida da disponibilidade de recursos, se que o cidadão brasileiro, muitas vezes de baixo
está sendo ampliada a rede consular, para uma maior poder aquisitivo, deixe de praticar algum ato notarial
cobertura das necessidades dos brasileiros no ou de registro civil por falta de meios para deslocar-
exterior. Em 1995, foi inaugurado o Consulado-Geral se uma ou mais vezes ao Consulado, localizado longe
em Tóquio, que atende a cem mil brasileiros de sua área de trabalho e residência. Já se realizaram
residentes. Os outros cem mil brasileiros no Japão mais de 30 missões consulares itinerantes, com
são assistidos pelo Consulado-Geral em Nagóia. Em destaque para as feitas nos Estados Unidos, onde a
1996, foram instalados outros dois Consulados de comunidade de brasileiros é maior. Foram atendidos
carreira: um na Cidade do Cabo, do Sul, país que aproximadamente 4.000 cidadãos brasileiros, com
recebe um crescente fluxo de turistas e empresários o auxílio das próprias comunidades, que indicam, com
brasileiros, e outro em Atlanta, importante pólo freqüência, voluntários para assessorar os
regional dos Estados Unidos. Para 1997, está prevista funcionários consulares nos seus trabalhos.
a inauguração do Consulado em Córdoba, na No Paraguai, tem-se buscado atender
Argentina. necessidades de trabalhadores rurais brasileiros, dos
Ampliação da Rede Consular Honorária. O quais cerca de 70.000 não dispunham de permissão
Ministério das Relações Exteriores tem também de residência (e muitos sequer dos documentos
desenvolvido uma política de abertura de Consulados brasileiros que os habilitassem a obtê-la), vivendo,

96 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


por isto, em situação de ilegalidade. Após dos casos, são solicitados pareceres jurídicos para
negociações realizadas entre as Chancelarias de situações concretas, tópicas, de modo a orientar tanto
Brasil e Paraguai, foi possível realizar, entre 15 de a repartição brasileira quanto, principalmente, o
setembro e 30 de novembro de 1995, ampla cidadão brasileiro interessado. Em casos mais graves
campanha para a documentação de nacionais que se de violação de direitos, tem-se contratado advogado
encontravam à margem da lei. Por meio dessa para ajuizamento de ação.
operação, executada em conjunto pela rede consular Reserva de Assistência Consular. Tem por
brasileira, autoridades de imigração paraguaias e objetivo custear despesas urgentes e imprevistas de
funcionários da Polícia Federal, cerca de trinta e cinco assistência consular. Embora em montante limitado,
mil compatriotas receberam certificados de residência em razão da escassez de recursos, beneficia a mais
e oito mil os atestados de antecedentes criminais que de sessenta repartições no exterior, justamente as de
lhes permitem regularizar sua situação. maior movimento consular. uma espécie de fundo
Assistência a presos brasileiros no exterior. de recursos, que são adiantados preventivamente no
Dentro do universo de um milhão e meio de brasileiros início de cada exercício. A disponibilidade imediata
residentes no exterior e de três milhões de viajantes permite aos Consulados e Embaixadas o atendimento
por ano, é compreensível que muitos se envolvam ao brasileiro desvalido, evitando assim situações
em situações jurídicas as mais diversas, inclusive de constrangedoras para a repartição e, principalmente,
cunho penal. Consciente da necessidade de enfrentar para o cidadão.
também essa nova realidade específica, o Itamaraty, Edição de Cartilhas Consulares. As Cartilhas
desde 1995, vem efetuando levantamento sobre os consistem em folhetos bastante simples, com
brasileiros presos no exterior, por meio de conselhos práticos para evitar situações desagradáveis
solicitações, Embaixadas e Consulados, de e facilitar a vida das pessoas no exterior. Editou-se,
informações sobre os encarcerados, com vistas a por exemplo, uma cartilha especial para os Jogos
aprimorar o serviço de assistência que lhes é prestado. Olímpicos de Atlanta, que foi distribuída junto às
Segundo o mais recente levantamento, há cerca de companhias aéreas e nos hotéis onde se hospedavam
novecentos brasileiros presos no exterior, distribuídos brasileiros na cidade. Também estão sendo editados
em mais de quarenta países. Observada sempre a 500 mil exemplares de cartilhas de viajantes, em três
praxe internacional consagrada de respeito leis e versões, destinados a pessoas que se destinam para
autoridades do país onde estão situadas, as missões a Europa, América do Norte e Japão. Há ainda
diplomáticas e repartições consulares são orientadas cartilhas para brasileiros residentes em determinados
a verificar se o nacional está sendo bem tratado, se países e para estrangeiros que viajam ao Brasil. O
precisa de cuidados médicos e se conta com próximo passo nesse campo é desenvolver uma
assessoria jurídica. As repartições brasileiras também cartilha especial de instalação, destinada aos
realizam visitas periódicas aos presos, com vistas a brasileiros que chegam a certos países para neles
um acompanhamento regular de sua situação. residir.
Prestação de assistência jurídica em situações Criação da Direção-Geral de Assuntos
determinadas. Sempre que julgada necessária, de Consulares, Jurídicos e de Assistência a Brasileiros
acordo com o critério de desvalimento, tem sido no Exterior. Em 1995, foi criada essa Direção-Geral
prestada assistência jurídica aos cidadãos brasileiros no Itamaraty, tendo como uma de suas incumbências
no exterior. Em alguns países, dadas as específicas, como o próprio nome indica, a
peculiaridades locais, as repartições brasileiras assistência aos cidadãos brasileiros no exterior. Além
contam com assessoria legal permanente. Na maioria disso, a Direção-Geral de Assuntos Consulares,

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 97


Jurídicos e de Assistência a Brasileiros no Exterior no Brasil. dotado de telefone/fax próprio e faz uso
(DCJ) passou a responder diretamente Secretaria- de um boletim especial, o Boletim de Ocorrência
Geral do Itamaraty, o que lhe confere maior Consular, que facilita, em linguagem simples e direta,
autonomia, agilidade e acesso direto à alta direção as comunicações urgentes com a rede consular no
do Ministério. Essa elevação de categoria também é exterior.
clara sinalização da relevância política que a proteção Há ainda diversos outros projetos de reforço
a brasileiros ganhou dentro da estrutura do Itamaraty. das bases de assistência consular que estão em
Contatos diretos com as comunidades execução, como realização de reuniões consulares
brasileiras no exterior. Identificados, por intermédio de coordenação por geográficas para Cônsules e
do censo, os principais núcleos de presença de responsáveis pelo Serviço Consular de Embaixadas,
brasileiros no exterior, o Diretor-Geral de Assuntos programa de visitas fábricas - sobretudo no Japão -
Consulares, Jurídicos e de Assistência a Brasileiros que empregam grande número de brasileiros,
no Exterior desenvolveu e continua a desenvolver realização de palestras de divulgação dos serviços
programa de visitas às comunidades - intituladas consulares, revisão e atualização do Manual de
ouvidorias consulares -, em que promove contatos Serviço Consular e Jurídico, padronização dos
diretos com entidades e personalidades mais documentos consulares e atos notariais, intensificação
representativas da colônia. Julga-se, dentro do do treinamento dos funcionários consulares, entre
objetivo do Itamaraty de ir além das funções outros.
consulares clássicas, ser essa uma das formas de Esse conjunto de projetos traduz, na prática,
identificar as necessidades das comunidades e de a prioridade atribuída pelo Governo à assistência e
avaliar a melhor maneira de satisfazê-las. Com esse proteção ao brasileiro no exterior. A execução de
propósito, foram visitadas comunidades de brasileiros tais projetos está redefinindo as funções do Serviço
nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa, no Japão Consular Brasileiro, hoje cada vez mais voltado para
e no Paraguai. a comunidade e seus anseios. O que se busca é
Criação do Núcleo de Assistência ao aproximar o Consulado das colônias e aprofundar o
Brasileiro. Em 1995, foi criado, no da Divisão de diálogo entre ambos, de modo a poder recolher
Assistência Consular - que se subordina à Direção- comentários, ouvir problemas e promover soluções.
Geral de Assuntos Consulares, Jurídicos e de Esta interação confirma o compromisso do Governo
Assistência a Brasileiros no Exterior, um Núcleo de com o aperfeiçoamento e a democratização dos
Assistência ao Brasileiro, formado por funcionários serviços e assistência consulares, desenvolvimento
especializados no atendimento de situações de que permitirá a tantos milhões de brasileiros se
emergência. O Núcleo constitui elo ágil e sentirem crescentemente amparados, mais cidadãos
desburocratizado entre o brasileiro no exterior em e menos distantes do País.
situação de dificuldade e seus familiares ou amigos

98 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


ÍNDICE REMISSIVO
CEPAL 55, 56, 59, 90, 91
A
Chile
Abertura de Mercados 27, 29, 79 27, 40, 41, 46, 49, 58, 59, 64, 79, 84, 86
Agricultura 17, 28, 39, 69, 70, 71, 88 Colômbia 79
AIEA 73 Comércio
ALADI 55, 56, 58, 59, 60 8, 25, 26, 27, 29, 40, 41, 42, 43, 44,
ALCA 45, 46, 56, 57, 59, 64, 65, 66, 69,
25, 26, 27, 28, 29, 43, 44, 45, 46, 47, 58, 59, 60, 64, 70, 71, 74, 81, 82, 83, 84, 85
65, 66, 67, 84 Congresso Nacional 51, 62, 73, 75
Alemanha 15, 18, 19, 22, 41, 64 Conselho de Cidadãos 7, 8
Argentina Conselho de Relações Exteriores 63
31, 32, 33, 34, 35, 36, 41, 49, 73, 79, 82, 96 Cuba 38, 79
América Latina Consulados Honorários 96
10, 13, 22, 56, 58, 63, 73, 79, 81, 89, 90, 91
Armas Nucleares 73, 74
D
ASEAN 40, 64, 86
Assembléia-Geral 77 Darcy Ribeiro 50
Aula 9, 11, 89 Democracia
9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 21, 30, 32,
33, 34, 36, 40, 41, 43, 52, 64, 82, 90, 92
B
Diplomacia
Brasileiros no Exterior 17, 31, 32, 33, 34, 35, 39, 42, 43,
7, 53, 93, 94, 95, 96, 97, 98 44, 50, 51, 52, 58, 66, 93, 95
Belo Horizonte 25, 45, 46, 47, 66, 84, 88 Direito 79
Bolívia Doutor Honoris Causa 9
27, 40, 46, 49, 59, 64, 69, 79, 84, 96
Bolonha 9 E
Buenos Aires 31, 80
Educação 12, 17, 62, 79, 84, 89
Emigração 93, 94
C Estados Unidos
Câmara de Comércio 42, 65, 82 39, 40, 41, 45, 59, 63, 70, 74, 77, 79, 93,
Canadá 41, 45, 82, 84, 85, 98 96, 98
Caribe 45, 79, 81, 96 Estatuto Jurídico 61
CEBRI 31, 32, 40, 63, 85 Equador 79, 96

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 99


F P
FAO 37, 69 Paraguai
Fronteira 41, 61, 62 40, 49, 64, 69, 79, 93, 95, 96, 97, 98
Parceria 18, 19, 21, 22, 61, 63, 77, 82
G Peru 79
Pesquisa 9, 11, 28, 63, 89
Governabilidade 13 PIB 18, 22, 40, 83
Grupo de Cairns 69, 70, 71 Política Externa
8, 25, 31, 32, 33, 36, 39, 40, 41, 43,
44, 49, 51, 52, 63, 64, 66, 82, 94, 95
I Produtos Químicos 79
Instituto Rio Branco 44
Integração
10, 15, 16, 18, 21, 22, 26, 29, 40, 45, R
46, 50, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 60, Recife 25, 28, 45, 46
61, 62, 64, 81, 82, 83, 84, 85, 91 Reciprocidade 27, 43, 66, 69, 84
Reforma do Estado 65
M Relações Internacionais
39, 40, 42, 44, 51, 52, 63, 73, 74, 77, 81
Madri 7, 8
Reunião Hemisférica 25
Mercosul
Reunião Ministerial 46, 69, 71
18, 22, 26, 27, 28, 29, 40, 42, 43, 45,
Rio de Janeiro
46, 49, 59, 61, 62, 64, 65, 66, 97, 80,
40, 45, 55, 69, 70, 77, 82, 89
83, 84, 86, 87, 88
Rivera 61, 62
México 58, 59, 79, 96
Montevidéu 58, 79, 80, 89
Mulher 81 S
Munique 21 São Paulo 39, 40, 55, 58, 81, 89
Seminário 81

N
NAFTA 41, 58, 64, 86 T
Não-Proliferação 41, 43, 52, 73, 74, 75 TNP 73, 74, 75
Nova York 63, 79, 85 Toronto 82
Tratado 27, 73, 74, 75, 83, 97
O
OIT 80
OMC 66, 67, 70, 83 U
ONU 75 Nações Unidas 79, 81
UNIFEM 81

100 Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997


Universidade 9, 10, 39, 89 V
Uruguai 26, 44, 49, 61, 62, 69, 70, 79 Venezuela 79

Resenha de Pol. Ext. Brasil, a. 24, n. 80, 1º semestre 1997 101


RESENHA DE POLÍTICA EXTERIOR DO BRASIL
Número 80, 1o semestre de 1997
Ano 24
Capa / projeto gráfico Hilton Ferreira da Silva
Editoração eletrônica Hilton Ferreira da Silva / Daniel Bastos de Oliveira
Bomfim
Formato 20 x 26 cm
Mancha 15,5 x 21,5 cm
Tipologia Times New Roman 12 x 18 (textos);
Times New Roman 26 x 31,2 (títulos e subtítulos)
Papel Supremo 250 g/m2, plastificação fosca (capa),
e 75 g/m2 (miolo)
Número de páginas 102
Tiragem 500 exemplares
Impressão / Acabamento Dupligráfica Editora Ltda

Departamento de Comunicações e Documentação

Você também pode gostar