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BIBLIOTHECA DO EXERCITO

Casa do Barão de Loreto


- 1881 -

Fundada pelo Decreto no 8.336, de 17 de dezembro de 1881,


por FRANKLIN AMÉRICO DE MENEZES DÓRIA, Barão de Loreto,
Ministro da Guerra, e reorganizada pelo
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pelo Decreto no 1.748, de 26 de junho de 1937.

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Cíntia Vieira Souto

A diplomacia do
interesse nacional
A política externa
do governo Médici

2ª ed. rev.

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO
Rio de Janeiro
2013
BIBLIOTECA DO EXÉRCITO Publicação 897
Coleção General Benício Volume 499

Copyright © by Biblioteca do Exército

Coordenação Editorial: Paulino Machado Bandeira


Rogério Luiz Nery da Silva

Revisão: Marcio Costa e Ellis Pinheiro


Capa e Diagramação: Leonardo Dessandes

S728 Souto, Cíntia Vieira.


A diplomacia do interesse nacional: a política externa
do governo Médici / Cíntia Vieira Souto. - 2. ed. rev. - Rio
de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2013.
172 p.: 23 cm. – (Biblioteca do Exército; 897.
Coleção General Benício; v. 499 )

ISBN 978-85-7011-532-4

1. Brasil – Política e governo – 1974-1979. 2. Brasil –


Relações exteriores. I. Título. II. Série.

CDD 320.981

Impresso no Brasil Printed in Brazil


Apresentação

A Biblioteca do Exército reedita para seus assinantes


a obra A diplomacia do interesse nacional: política
externa do governo Médici, de Cíntia Vieira Souto, publicada em edição
única e esgotada, na Coleção Estudos Internacionais, pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Trata-se de um trabalho que analisa com objetividade e
sólida pesquisa documental a atuação diplomática do governo do presi-
dente Médici (1969-74), conduzida pelo ministro das Relações Exterio-
res, embaixador Mario Gibson Barboza.
Na abertura, é apresentada uma análise sucinta das eta-
pas da política externa precedente, importante para fins comparativos.
A autora busca inicialmente vincular o projeto político-econômico inter-
no à política externa do Governo. Trata a seguir do comportamento do
País nas esferas bilateral e multilateral, contempla suas relações hemis-
féricas e, por fim, examina as relações extra-hemisféricas. Na conclusão,
destaca como a “diplomacia do interesse nacional” foi efetivamente ino-
vadora, conseguindo operar a síntese das diretrizes de política externa
dos dois governos anteriores e preparar o terreno para o prosseguimen-
to pelos governos seguintes.
O trabalho ressalta a importância do Itamaraty na condu-
ção da política externa, apesar de os centros decisórios compreenderem
também os ministérios vinculados à área econômica.
O livro, ora entregue aos leitores da Bibliex, além das qua-
lidades intrínsecas de objetividade e amplitude, é um estudo minucioso e
6 A diplomacia do interesse nacional

muito bem documentado da profícua atuação diplomática do Itamaraty


e do governo do Brasil durante os anos 1970.

Boa leitura!

BIBLIOTECA DO EXÉRCITO
Ao meu marido, José Carlos,
e aos meus filhos, Arthur e Alice
Sumário

Apresentação .................................................................................................. 05
Introdução .................................................................................................. 11
Capítulo 1 – O projeto político-econômico interno e
a diplomacia do interesse nacional ................................. 19
Política interna e economia ................................................ 19
A diplomacia do interesse nacional,
o “Brasil Grande Potência” e a geopolítica ................... 30
Concepção da diplomacia do interesse nacional ...... 35
Diplomacia do interesse nacional e desenvolvimento ... 40

Capítulo 2 – Bilateralismo e terceiro-mundismo como


membros de uma mesma equação .................................. 45
O caráter do bilateralismo .................................................. 45
Multilateralismo ...................................................................... 49
Unctad e o G77 .................................................................. 53
O Brasil na ONU ................................................................ 58

Capítulo 3 – Relações hemisféricas .......................................................... 71


Contexto internacional e diplomacia do interesse
nacional ....................................................................................... 71
Brasil-Estados Unidos: um relacionamento
especial, mas não subordinado .................................. 82
Direitos humanos ............................................................. 87
Mar territorial de 200 milhas:
medida paradigmática ................................................... 89
10 A diplomacia do interesse nacional

A visita de Médici aos Estados Unidos:


uma visita de Estado ...................................................... 99
Brasil e América Latina ................................................. 101
Relações bilaterais: Brasil/América Latina .......... 104
Brasil/Argentina .............................................................. 111

Capítulo 4 – Relações extra-hemisféricas .............................................. 117


Brasil/Portugal e África ....................................................... 117
Colonialismo português e África ...................................... 118
Aproximação da África subsaariana ............................... 125
Egito-Israel-mundo árabe ................................................... 132
Europa Ocidental e Japão .................................................... 134
Países socialistas ..................................................................... 140

Conclusão ................................................................................................. 143


Notas ................................................................................................. 147
Referências bibliográficas ................................................................................ 167
Introdução

A produção intelectual brasileira na área de relações


internacionais e política externa aumenta de ano
para ano. A existência de excelentes publicações nacionais (Carta Inter-
nacional, política externa, Contexto Internacional) e de centros dedica-
dos a esses estudos corrobora a importância e o destaque atribuídos
a essa área. A política externa dos governos militares e seu desenvol-
vimento ao longo do processo de abertura política foram responsáveis
por considerável parcela dessa produção. Uma rápida passada de olhos
pelos eventos que marcaram os 20 anos de governo militar aponta para
uma série de questões interessantes a serem investigadas. Do ponto de
vista internacional, assistiu-se a um afrouxamento da bipolaridade rí-
gida do pós-Segunda Guerra e a evolução para um contexto muito mais
fluido e complexo. O declínio do poder relativo norte-americano compli-
cou-se por “uma segunda Guerra Fria” na década de 1980. Na perspecti-
va interna, uma rígida “correção de rumos” durante o primeiro governo
militar foi seguida por uma retomada de pressupostos de política ex-
terna daquele que fora deposto. Com as alterações econômicas desen-
cadeadas a partir da crise do petróleo, o País assumiu posicionamento
independente no cenário internacional, referendado pelo Acordo Nucle-
ar com a República Federal da Alemanha que quase produziu a ruptura
de relações com os Estados Unidos. Já no período final do poder militar,
o Brasil precisou se posicionar diante da Guerra das Malvinas. Todos
esses pontos, com diferentes intensidades, já mereceram algum esfor-
ço analítico. Os governos Geisel e Figueiredo são os mais estudados. O
primeiro pelo seu inovador “pragmatismo responsável”; o segundo pela
12 A diplomacia do interesse nacional

maior transparência em relação às questões de Governo no decorrer da


abertura. O governo Castelo Branco também desperta interesse, em fun-
ção da posição subordinada aos Estados Unidos que o Brasil assumiu
no período. A gestão Costa e Silva, embora em menor grau, é sempre co-
mentada, principalmente pela, à primeira vista inusitada, retomada dos
pressupostos da Política Externa Independente. Contudo, quase nada é
dito sobre o governo Médici.
A política externa desse período sempre aparece na bibliogra-
fia como uma lacuna. É fácil de compreender. Depois da “correção de
rumos” de Castelo Branco e da “resposta” independente de Costa e Silva,
as realizações diplomáticas do período Médici ficaram “sufocadas” pelo
discurso do “pragmatismo responsável” de Geisel. Aqueles quatro anos,
dolorosamente “tranquilos” do ponto de vista da política interna, pare-
ciam ter sido pouco interessantes em relação à política externa.
Aqui podemos começar a estabelecer uma espécie de escalona-
mento possível a partir da análise da bibliografia. Williams Gonçalves e
Shigenoli Miyamoto, no artigo “Os militares na política externa brasilei-
ra”,1 situam a política externa do governo Médici no domínio das fronteiras
ideológicas, ou seja, pautada pelo apoio incondicional ao ocidentalismo e
pelo alinhamento automático com o governo norte-americano. Cremos
que os autores incorrem em um problema de interpretação muito comum
em se tratando dessa época, qual seja, a confusão entre política externa e
interna. Um governo autoritário, sob forte repressão e sob o AI-5, muito
facilmente é associado à subordinação à potência norte-americana. Essa
confusão é ainda aumentada pela relação feita por muitos estudiosos en-
tre pragmatismo responsável e abertura do regime no governo Geisel.
Moniz Bandeira2 captou muito bem o aspecto ambíguo da in-
serção internacional do Brasil nesse período, bem como a relação con-
traditória com os Estados Unidos. Todavia, considera a política externa
do período Médici um desdobramento da diplomacia da prosperidade
de Costa e Silva em ambiente de crescimento econômico. No entanto,
precisamos considerar que o objetivo do autor não era propriamente a
análise da política externa, e sim as relações de conflito com os Estados
Unidos; daí sua tendência ao esquematismo.
Amado Cervo rompe um pouco com a percepção do “pragma-
tismo responsável” como algo totalmente original quando estende o que
ele denomina “pragmatismo de meios” como método desde o governo
Introdução 13

Costa e Silva.3 Também cria um modelo muito elucidativo quando perce-


be na política externa brasileira pós-1930 uma alternância do desenvol-
vimentismo associado e do nacionalismo desenvolvimentista. A partir
dessa interpretação, a política externa do período Médici se enquadra-
ria na última categoria.
Quanto a esse modelo, dois pontos podem ser levantados,
pois o fato de ser um modelo ressalta as semelhanças, mas não enfa-
tiza as diferenças; ele se complica para o período militar pela possível
superposição a outro muito difundido, qual seja, o modelo dualista de
interpretação das lutas intramilitares, como disputas entre liberais e li-
nha-dura. Essa superposição é de fato feita e só perde sua validade a
partir do governo Geisel. Para nós, o importante é ambos os modelos
se nivelarem e o que buscamos é particularizar um período. Não os
rejeitamos, apenas queremos ir além.
Carlos Estevam Martins discute em dois trabalhos,4 que reme-
tem à década de 1970, a política externa do governo Médici de forma
mais individualizada. O mais recente é muito mais elucidativo e apre-
senta algumas interpretações que utilizamos no presente estudo. Os
problemas que podem ser levantados são basicamente dois; um deles
sua tendência a utilizar o modelo dualista – liberal imperialismo-na-
cional autoritarismo – quase como configurações históricas concretas,
como afirma Maria da Conceição Tavares.5 Como bem aponta essa au-
tora, as manifestações ideológicas, denominadas liberal-imperialismo
e nacional-autoritarismo, são flutuantes e apresentam alternativas e
combinações as quais sequer configuram uma matriz ideológica clara.
Esse problema não é privilégio de Estevam Martins, mas de todos que
adotam o esquema dualista. Outro ponto é o que o autor designa como
pré-imperialismo, o qual haveria vigorado no período Médici. Essa cate-
goria é sem dúvida um exagero que mistifica a situação real do País nas
relações internacionais da época. O Brasil, apesar da maior independên-
cia no cenário internacional, não reunia condições de exercer imperia-
lismo, no sentido clássico do termo.
Assim, observamos uma variedade que vai desde o alinhamento
automático com os Estados Unidos, nos marcos das fronteiras ideológi-
cas, até um pré-imperialismo desafiador da potência do Norte. E encon-
tramos por toda parte as limitações do historiador e do cientista políti-
co na visão de Cervo, seja na valorização de postulados, sem respaldo
14 A diplomacia do interesse nacional

empírico, seja como a ideia de Estevam Martins de oposição entre duas


vertentes que não eram bem definidas, seja na apreensão da realidade
a partir de um único ângulo, como a confusão política externa/política
interna de Gonçalves e Miyamoto.

Assim, esclarecemos nossos objetivos:

a) Identificar o caráter da política externa do governo Médici


e tentar estabelecer suas semelhanças e diferenças com as políticas
externas de outros governos militares. Procurar individualizar as di-
retrizes de política externa desse período e esclarecer as contradições
presentes na bibliografia. As questões subjacentes a tal objetivo são:
que política externa era essa? Ela possuía individualidade? Qual era a
real face dessa política externa tratada en passant e de forma contradi-
tória pela literatura?
b) Identificar de que forma o Brasil nesse período operou em
um cenário internacional fluido, marcado pelo policentrismo econômi-
co, pela multipolarização das relações internacionais e pelo desgaste do
poderio norte-americano. No que diz respeito a esse questionamento,
nossas indagações seriam: de que forma a diplomacia brasileira operou
nesse contexto fluido? Houve identificação desse contexto e projetos
que visavam ao seu aproveitamento?

Procuramos utilizar os dados da bibliografia e as demais fontes,


de modo a individualizar nosso objeto de reflexão sem enquadrá-lo em
modelos já existentes. Desse ponto de vista, já podemos adiantar que
a diplomacia do governo Médici não será tomada como um reflexo do
nacional-autoritarismo no poder. Podemos usar isso como uma simpli-
ficação, não como uma explicação. O poder emana de diversos centros,
nem todos transparentes – em especial em um Estado autoritário. Cre-
mos não existir a coesão que a adoção dessa categoria implica. Havia
elementos nacional-autoritários na formulação dessa política externa,
mas também outros que não o eram.
Após uma rápida análise das etapas da política externa prece-
dente, importante para fins comparativos, serão apresentados os quatro
capítulos nos quais dividimos nosso estudo. O primeiro busca vincular
o projeto político-econômico interno à política externa do governo Mé-
Introdução 15

dici; o segundo pretende analisar o comportamento do País nas esferas


bilateral e multilateral. O terceiro contempla as relações hemisféricas do
Brasil e o quarto, as relações extra-hemisféricas.

Etapas e características da política externa precedente

A tomada de poder pelos militares em 31 de março de 1964


produziu uma solução de continuidade em um padrão de política exte-
rior brasileira que vinha sendo desenvolvido desde o segundo governo
Vargas, a partir de 1951. A barganha nacionalista, já ensaiada por ele
durante os anos 1930 e o Estado Novo, inaugurou um padrão de política
externa para o desenvolvimento que se tornaria um paradigma. Tal mo-
delo amadureceria com a Operação Pan-Americana de Juscelino Kubits-
chek e atingiria seu ápice com a Política Externa Independente de Jânio
Quadros e João Goulart. O movimento de 31 de março interrompeu esse
processo. Após algum tempo, a gestão Costa e Silva retomou os precei-
tos da política externa para o desenvolvimento.
Para os nossos fins, convém uma análise que remeta à Política
Externa Independente, por ser o modelo contra o qual o primeiro gover-
no militar reagiu.6
A política externa dos governos Jânio Quadros e João Goulart foi
denominada Política Externa Independente (PEI). A despeito das cinco
trocas de chanceler em período de pouco mais de três anos, não houve
quebra de continuidade na conduta externa brasileira. Clodoaldo Bueno
considera a PEI mais um processo do que um projeto concebido em deta-
lhes.7 Apesar da organicidade, a PEI pode ser vista a partir de três fases,
quais sejam, a primeira compreende o governo Jânio Quadros e foi mar-
cada pelo que Vizentini denomina uma espécie de neutralismo tempera-
do; a segunda fase, de agosto de 1961 a fins de 1962, é atrapalhada pela
crise interna e pela polarização ideológica; a terceira, que se estende até
o movimento de 31 de março, é influenciada por João de Araújo Castro e
se concentra nos aspectos relacionados ao desenvolvimento.8 A PEI pode
ser analisada a partir de um núcleo ideológico básico, o qual era enuncia-
do oficialmente e que se manteve por todo o período. Compreendia cinco
princípios, como a expansão das exportações brasileiras para todos
os países, inclusive os socialistas; defesa do Direito Internacional, da
16 A diplomacia do interesse nacional

autodeterminação dos povos e da não intervenção nos assuntos internos


de outros países; política da paz, desarmamento e coexistência pacífica;
apoio à descolonização completa de todos os territórios; formulação au-
tônoma de planos nacionais de desenvolvimento e de encaminhamento
da ajuda externa. De forma concreta, o Brasil reconhece países socialis-
tas, opõe-se às pressões diplomáticas contra Cuba, condena o colonia-
lismo português na África e aproxima-se dos países latino-americanos.9
Castelo Branco assumiu a presidência em 1964 e rejeitou todos
os pressupostos da PEI. Em julho de 1964, ele proferiu discurso no Itama-
raty, que ficou célebre por resumir os princípios da nova política externa:

[...] no presente contexto de uma confrontação bipolar,


com radical divórcio político-ideológico entre os dois
respectivos centros, a preservação da independência
pressupõe a aceitação de um certo grau de interde-
pendência, quer no campo militar, quer no econômico,
quer no político.10

Em outras palavras, o virtual perigo do comunismo tornava a


independência secundária. O alinhamento automático com a potência
norte-americana não só representava segurança contra as investidas de
Moscou mas também garantiria dividendos para o desenvolvimento. O
Brasil buscava a posição de aliado privilegiado e buscava recompensa
pela fidelidade. Nessa linha, o Governo rompeu relações com Cuba, de-
volveu concessões a empresas estrangeiras nacionalizadas por Goulart,
determinou a prisão e, posteriormente, a expulsão de nove chineses que
foram acusados de subversão,11 assim como, em 1965, enviou um con-
tingente de 1.100 homens do Exército Brasileiro para a República Domi-
nicana a fim de integrar uma Força Interamericana de Paz formada pela
Organização dos Estados Americanos (OEA).
A inoperância da parceria privilegiada já era patente quando
Costa e Silva assumiu a presidência em 1967. As dificuldades econô-
micas somavam-se à desorganização política e às pressões sociais. Na
verdade, os militares ainda não haviam se consolidado no poder. Costa
e Silva retomou, em um estilo nacionalista, alguns dos princípios da Po-
lítica Externa Independente. A chamada “diplomacia da prosperidade”
subordinou a segurança ao desenvolvimento. Nessa linha, recomeçaram
Introdução 17

os atritos com os Estados Unidos, principalmente a partir da negativa


brasileira em assinar o Tratado de Não Proliferação (TNP). No plano
multilateral, especialmente pela necessidade de neutralizar sua imagem
de país autoritário e como tentativa de institucionalização, o Brasil ado-
tou um discurso terceiro-mundista.12
A desorganização que ameaçou o governo com o afastamento
de Costa e Silva obrigou os militares a uma saída hegemônica, que não
produzisse cisões na corporação. Nessa lógica, deu-se a escolha de Emí-
lio Garrastazu Médici, um general de quatro estrelas, respeitado profis-
sionalmente, mas sem maior expressão política.
Médici colocou à frente de seu Ministério das Relações Exterio-
res Mario Gibson Alves Barboza, um diplomata de carreira com ampla
experiência profissional. Fora chefe de gabinete dos chanceleres Raul
Fernandes, entre 1954-55, Afonso Arinos de Melo Franco, em 1961, e
Clementino San Tiago Dantas, entre 1961-62. Foi subsecretário-geral,
em 1967, e logo secretário-geral do Itamaraty, entre abril de 1968 e ja-
neiro de 1969, quando assumiu o cargo de embaixador em Washington,
onde se encontrava quando Médici o chamou. É lógico que sua indicação
não foi por acaso. Gibson Barboza, além da vasta experiência, ocupa-
va um dos postos diplomáticos mais importantes quando foi chamado,
com serviços prestados ao longo de sua carreira por muitos anos nos
Estados Unidos e na Europa. Era também, obviamente, afinado politica-
mente com a orientação do Governo. Foi, sem sombra de dúvida, a figura
mais importante na política externa do período. Mario Gibson Barboza
fez um longo relato ao Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC), Escola de Ciências Sociais da Funda-
ção Getúlio Vargas (FGV), entre março e julho de 1989. A entrevista foi
conduzida por três pesquisadores, Zairo Cheibub, Letícia Pinheiro e Ale-
xandra de Melo e Silva, especificamente no estilo “história de vida”. São
80 fitas, convertidas em duas mil laudas, que não foram editadas e não
se encontram à disposição do público.13 A leitura dessa exposição foi
um importante apoio a nossa investigação. O embaixador Gibson escre-
veu uma autobiografia que reproduz muitas partes do relato. Todavia, os
pontos mais interessantes foram os que não apareciam nela. Há um pro-
blema, contudo, na utilização do depoimento em nossa pesquisa, qual
seja, o chanceler restringiu sua citação em todo ou em parte. Isso explica
o caráter de inferência geral nos pontos em que nos apoiamos no relato.
18 A diplomacia do interesse nacional

Um último ponto a ser destacado foi a denominação “diploma-


cia do interesse nacional”. Essa designação não é da época nem foi suge-
rida pelo chanceler. Pode-se comprovar isso no depoimento ao CPDOC,
no qual Gibson não só afirma que a política externa de sua gestão não
possuía nome mas rejeita a atribuição de rótulos à política externa. O
trabalho mais antigo no qual se encontra a denominação é o de Carlos
Estevam Martins, de 1975. Ignoramos se o termo foi utilizado anterior-
mente. Por razões de comodidade e para evitar repetições, adotamos a
expressão “diplomacia do interesse nacional”.
Capítulo 1

O projeto político-econômico
interno e a diplomacia
do interesse nacional

Política interna e economia

A o contrário de seus dois antecessores, Castelo Bran-


co e Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici era uma
figura desconhecida do público ao assumir a presidência. Aceitou a de-
signação como mais um dever militar a ser cumprido, e sua escolha foi
determinada pelo fato de ser o único general de quatro estrelas capaz,
naquele momento, de deter a divisão das Forças Armadas. A hesitação
de Médici em aceitar a presidência é bastante documentada.1 Ele ocupa-
ra alguns dos principais cargos da hierarquia militar e fora adido mili-
tar em Washington durante a presidência de Castelo Branco, bem como
chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI) no período Costa e Silva.
Em 1969, pouco antes de chegar à presidência, tornou-se comandante
do III Exército, na Região Sul, atualmente Comando Militar do Sul.
As características do governo de Médici diferiram bastante da-
quelas de seus antecessores militares, bem como de seu sucessor. Ele pos-
suía um estilo delegatório e assumia um posicionamento de coordenador
geral das questões de Governo. A triagem dos assuntos encaminhados ao
gabinete do presidente era bastante rigorosa. Dividiu o Governo em três
20 A diplomacia do interesse nacional

áreas, a militar; a política e a econômica. Os assuntos militares ficaram


a cargo de Orlando Geisel, ministro do Exército. A área econômica seria
coordenada pelo ministro da Fazenda, Delfim Netto. As questões políti-
cas couberam ao chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu. Esse último exer-
cia forte liderança ministerial, e seus despachos com os ministros eram
amplamente decisórios. A capacidade decisória de Delfim Netto na área
econômica dispensava Médici e Leitão de Abreu do manuseio de rotinas.
O modelo se reproduzia na administração dos assuntos de segurança,
em relação aos quais a liderança de Orlando Geisel dispensava o chefe
da Casa Militar, general João Batista de Oliveira Figueiredo, da necessi-
dade de levar questões menos complexas à consideração do presidente.
“O SNI despachava assuntos de interesse estratégico com Orlando Geisel
enquanto a canalização de informações para instruir as decisões presi-
denciais era feita através de Leitão de Abreu.”2 Seu ministério era compos-
to na sua maior parte por administradores, ao contrário dos ministérios
dominados por políticos profissionais de seus antecessores.
Não corresponde aos objetivos do presente trabalho discutir os
processos de política interna ao longo do período Médici. Todavia, no que
diz respeito aos estudos do período pós-1964, há um ponto específico
no qual um modelo utilizado para a explicação da política interna trans-
feriu-se para o entendimento da política externa dos governos militares.
Esse ponto não pode deixar de ser analisado, ainda que brevemente.
Trata-se do modelo hegemônico na análise dos conflitos intramilitares
do Brasil pós-1964, o qual compreende o mundo castrense a partir de
uma hipótese dicotômica e dualista que o define na oposição de dois
grupos fundamentais, isto é, um setor considerado “liberal”, “moderado”
ou “legalista”, portador de orientações econômicas internacionalistas, e
uma ampla área na qual estariam a “linha-dura”, os “radicais”, os “ultra”,
porta-vozes do nacionalismo militar. Eliezer Rizzo de Oliveira, impor-
tante estudioso do Brasil pós-1964, sintetiza essa tendência:

Os governos militares foram marcados desde 1964 por


um conflito permanente entre, de um lado, a orienta-
ção política da Escola Superior de Guerra (abertura da
economia ao capital estrangeiro, filiação política e ide-
ológica ao Ocidente, alinhamento aos Estados Unidos
quanto à política externa, manutenção do poder legis-
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 21

lativo e dos partidos políticos tradicionais etc.), prin-


cipal apoio da candidatura do general Castelo Branco
à presidência da República em 1964, e, de outro lado,
as pressões dos setores militares “duros”, partidários
da repressão sistemática dos movimentos sociais em
nome do combate contra o comunismo e a adoção de
uma política econômica nacionalista [...] Essas diferen-
ças táticas apareceram imediatamente após o golpe de
Estado, para o qual essas forças haviam estabelecido
um acordo político precário [...]3

João Roberto Martins Filho dedica uma interessante obra à crí-


tica desse modelo.4 Tal autor mostra como o modelo dualista deriva do
paradigma “elitista burocrático” consagrado na obra de Alfred Stepan,
Os militares na política, e nos diversos trabalhos de Guillermo O’Donnell.
Stepan, em sua obra, destaca a mudança do padrão de atuação
dos militares na política, de moderador para dirigente, e como isso se
refletiu ao longo do primeiro governo militar. O autor enfatiza especial-
mente as características sui generis do grupo ligado a Castelo Branco e
as enormes diferenças entre esse grupo e a massa dos militares. O autor
ressalta sua experiência na Força Expedicionária Brasileira (FEB) e a
consequente simpatia, em razão da convivência com os norte-america-
nos, pelo governo dos Estados Unidos; a experiência na Escola Superior
de Guerra (ESG) e a formação em escolas militares norte-americanas. As
reações nacionalistas da jovem oficialidade teriam feito com que Castelo
Branco perdesse o controle da sucessão presidencial, com a ascensão
de um elemento linha-dura, Costa e Silva.5 Para Stepan, a “elite paradig-
mática” constituída pelo grupo castelista teria sido de vital importância
para a alteração do padrão moderador para o padrão dirigente.
Martins Filho dedica-se a demonstrar como a busca de uma “eli-
te paradigmática” conduziu esses autores a superestimar um conjunto
de aspectos nos quais se incluíam o projeto, o discurso e a ideologia cas-
trenses, em detrimento de uma série de outros processos vinculados às
práticas, aos conflitos e às relações de força efetivas no seio das Forças
Armadas. Assim, tais estudos tenderam a perder a complexa configuração
do panorama das Forças Armadas durante o período militar e a especifici-
dade das práticas das várias correntes castrenses. Seu estudo visa suprir
22 A diplomacia do interesse nacional

essa lacuna. Ao longo do texto, Martins Filho dedica-se a demonstrar o re-


lativismo da atribuição do rótulo de liberais e linha-dura ao longo do perí-
odo por ele estudado. Mostra, por exemplo, como, após a “ofensiva institu-
cional” de Castelo Branco, em abril de 1966, os castelistas passaram a ser
criticados na imprensa como “duros”, e as esperanças de liberalização do
regime passaram a se polarizar em torno de Costa e Silva.6 Em contrapo-
sição ao dualismo, Martins enfatiza dois pontos. Em primeiro lugar, a difi-
culdade de atribuir a qualquer grupo a alcunha de “liberal” durante o go-
verno militar. O autor assinala como a prática do governo Castelo Branco
revelou um nítido componente “duro”. Em segundo lugar, a ideia de uma
configuração dual do quadro militar pós-1964 é incorreta. Tanto o dua-
lismo tradicional castelistas liberais versus nacionalistas duros quanto o
dualismo de sinais trocados pós-1966, castelistas duros versus naciona-
listas liberais, seriam reducionistas. Martins identifica quatro grupos di-
ferenciados após a polarização no final do governo Castelo Branco, quais
sejam, os castelistas; os “linha-dura” concentrados em torno dos coronéis
Boaventura e Rui Castro e do comandante do I Exército, general Sizeno
Sarmento; os albuquerquistas, concentrados em torno de Albuquerque
Lima, e um grupo “palaciano” concentrado em torno de Costa e Silva, ao
qual pertenciam o general Jaime Portella, o coronel Mário Andreazza e o
general Médici.7 O autor analisa com detalhes a dinâmica desses grupos
ao longo do governo Costa e Silva. Ele conclui que no final de 1968 parecia
se firmar no seio do aparelho castrense uma tensão entre duas vias possí-
veis de sucessão militar, que resultariam em variantes diversas de regime
militar. O veto da hierarquia a um candidato amparado pela oficialidade,
no caso, Albuquerque Lima, levou-os à eleição da variante hierárquica, em
torno do general Médici. De acordo com Martins Filho, durante o governo
Médici operou-se o “efeito da guerra revolucionária”, que contribuiu para
uma temporária suspensão dos elementos permanentes da crise política
do regime, os quais retornariam no governo Geisel.
A análise da política externa do período militar evidencia o
mesmo modelo dualista. Os trabalhos de Carlos Estevam Martins são os
que melhor refletem essa tendência. A interpretação de Amado Cervo,
mais abrangente, também recai no dualismo, quando identifica o caste-
lismo com desenvolvimentismo associado, e a diretriz a partir de Costa
e Silva, com o nacionalismo desenvolvimentista, as duas orientações ge-
rais da política externa pós-1930.
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 23

Não há dúvidas de que o modelo dualista é extremamente cô-


modo para a explicação, tanto das disputas internas do período militar
quanto para a política externa. Todavia, concordamos com Martins Filho
quando afirma que a visão dualista – com ênfase nos traços racionais
burocráticos e privilegiando o discurso e os projetos, em detrimento das
práticas políticas – ganhou força no final do governo Médici, quando o
general Geisel – um castelista – firmou-se como candidato do regime à
sucessão e trouxe à luz seu projeto de distensão política.8
No plano da política externa, o dualismo corresponde igual-
mente a uma simplificação. O fato de ela não emanar de um único centro
decisório complica uma apreensão dualista. Durante o governo Médici,
por exemplo, identifica-se, em um exame superficial, as duas tendên-
cias, a internacionalista e a nacionalista, representadas respectivamente
pelo Ministério da Fazenda e pelo Ministério das Relações Exteriores,
dois centros da máxima importância. Todavia, o ponto mais importante
a ser aproveitado da análise de Martins Filho para a nossa é a ênfase em
discursos e projetos, em detrimento da prática que essa visão implica.
O exame do desenvolvimento da política externa do governo Médici de-
monstra muito mais flexibilidade e fluidez do que sua inserção em um
paradigma dualista sugeriria. Parece-nos que foi construída a partir de
princípios gerais, mas foi moldada ao sabor da conjuntura interna e ex-
terna. A relação do Brasil com os Estados Unidos é um bom exemplo da
inadequação do paradigma dualista, uma vez que o Brasil não abraçava
nem o alinhamento automático nem o nacionalismo antiamericano. Em
outras palavras, a política externa do governo Médici não cabe na ideia
de “plano”, implícita no paradigma dualista. O depoimento de Mario Gi-
bson Barboza ao CPDOC corrobora esse propósito.
Os anos Médici são recordados principalmente pelos enormes
êxitos econômicos e pela dura repressão. Tal visão contraditória ilustra o
caráter de coerção e consenso que presidiu esse período de nossa histó-
ria. A censura era todo-poderosa e tornava inócuas as críticas da oposição
legal. Os órgãos de repressão foram eficientes ao desbaratar primeira-
mente a guerrilha urbana, que em princípio de 1972 estava desativada,
com seus líderes mortos ou na prisão, e, depois disso, a guerrilha rural,
totalmente aniquilada até 1974. Todavia, a face do consenso era muito
bem articulada. A Assessoria Especial de Relações Públicas encarregou-
se da divulgação de mensagens coerentes e convincentes que associavam
24 A diplomacia do interesse nacional

e usavam principalmente a televisão, futebol, presidente Médici e o pro-


gresso brasileiro. As marchinhas ufanistas e os slogans rapidamente se
associaram a eventos como a vitória do Brasil na Copa do México de 1970
e a comemoração do Sesquicentenário da Independência, em 1972.9
Entretanto, foram os sucessos no plano econômico que conferi-
ram legitimidade ao Governo, seduzindo as classes médias e dificultan-
do qualquer oposição consistente.
A política econômica do governo Médici tem de ser tratada em
bloco desde 1967, ano em que Delfim Netto assumiu a Pasta de Fazenda.
A orientação permaneceu a mesma até o final de 1973. Esse ano, com
a crise do petróleo, marcaria a mudança de orientação econômica do
Governo, a qual se processou no período Geisel.
A equipe econômica que assumiu em 1964, liderada por Rober-
to Campos e Otávio Bulhões, identificou a inflação como o principal pro-
blema a ser solucionado. A partir desse diagnóstico, optou-se pelas estra-
tégias de combate à inflação pelo corte de despesas públicas, a abolição
dos subsídios explícitos ou implícitos, o apoio às inversões privadas, so-
luções rápidas aos conflitos pendentes com grupos estrangeiros, como
a Amforp e a Hanna e, em longo prazo, a realização de reformas institu-
cionais, como a bancária, a tributária e a administrativa. Nessa linha, foi
elaborado um plano de atuação, o Plano de Ação Econômica do Governo
(Paeg). A prioridade absoluta era a estabilização, para a recuperação do
crédito internacional do País, com todos os demais objetivos subordina-
dos à contenção da demanda. A recessão consequente à política de arro-
cho salarial foi contornada com repressão aos sindicatos e aos críticos
do regime, e, em 1965, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial avalizaram a condição do Brasil como “parceiro confiável”. O
apoio da cúpula militar à política econômica levou a equipe a uma inflexão
ainda mais ortodoxa. A consequência foi a perda do suporte de parcelas
da elite que haviam apoiado o movimento em um primeiro momento.
A equipe de Delfim Netto e Hélio Beltrão assumiu durante a cri-
se de estabilização promovida pela administração anterior.

Se a herança de curto prazo da administração ante-


rior era uma recessão, também era inegável que nos
três anos anteriores tinham ocorrido profundas mu-
danças na condução da política econômica (cuja cre-
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 25

dibilidade fora restaurada), que tiveram impacto po-


sitivo inegável em diversas áreas da economia, ainda
que com efeitos distributivos bastante diferencia-
dos, notadamente no que dizia respeito à situação
dos trabalhadores.10

O significado básico das reformas de Roberto Campos e Otávio


Bulhões foi a capacitação do aparelho do Estado para intervir na eco-
nomia, bem como dotá-lo de instrumentação necessária. Enquanto no
governo Goulart predominara a retórica estatizante, mas limitada na
sua ação, no de Castelo, sob a bandeira do liberalismo econômico, saía
reforçado, na prática, o intervencionismo. Os tecnocratas passaram para
o primeiro plano e relegaram os políticos a uma posição secundária.11
A estratégia do novo governo seria semelhante à do governo
anterior, apenas com uma mudança de ênfase. A equipe de Delfim apre-
sentava um diagnóstico diferente da inflação. Esta era vista como uma
“inflação de custos”, e não como uma “inflação de demanda”. A nova
equipe apontava os elevados preços das tarifas de serviços fundamen-
tais como a energia elétrica, e os altos custos financeiros pagos pelas
empresas como os principais responsáveis pela continuação da inflação.
A mudança de orientação incorporava algumas das críticas dos adversá-
rios de Roberto Campos, mas a nova equipe se apresentava como con-
tinuadora do “modelo econômico da Revolução”. Esses objetivos, com
especial destaque na retomada do desenvolvimento, foram explicitados
nas “Diretrizes do Governo” e no resumo do Programa Estratégico de
Desenvolvimento (PED), publicados em julho de 1967 e retomados no
PED, publicado no final de 1967. Tais planos seriam complementados
por “Metas e Bases para a Ação do Governo”, de setembro de 1970, e
pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de 1972, com metas
por setores de atividade econômica.
A partir de 1967, a inflação se manteve em torno de 23% ao
ano, mas logo foi eclipsada pela rapidez do crescimento econômico.
De 4,8%, em 1967, chegou a 9,3%, em 1968, puxada pela indústria,
que obteve 15,5% de expansão. Essa nova fase ascendente foi impul-
sionada pela existência de uma grande capacidade ociosa na indústria
nacional, desde o Plano de Metas. Segundo Maria da Conceição Tava-
res, não havia ocorrido ainda a “digestão do pacote de investimentos”
26 A diplomacia do interesse nacional

da era Kubitschek.12 A política expansionista seguida a partir de 1967


acelerou o crescimento, por meio de uma série de medidas, como as
isenções fiscais para a compra de máquinas. Por um lado, facilitou-se o
crédito para a compra de bens de consumo duráveis; por outro, o sis-
tema de habitação começou a se expandir, graças ao suporte financeiro
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1966.
O Governo, aparelhado com os recursos da reforma fiscal e das ORTN
(Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), passou investir em
grande escala. Foi o início da fase das grandes obras capitaneadas por
ele. Em fins de 1968, deram início as minidesvalorizações cambiais
periódicas, que garantiam aos exportadores melhor remuneração em
cruzeiros. Coincidindo com um momento de boom da economia inter-
nacional, as exportações brasileiras começaram a crescer, com 1,6 bi-
lhão de dólares em 1967; 1,9, em 1968; 2,3, em 1969, e 2,7, em 1970.
Concomitantemente, foi-se modificando a composição da pauta, com o
crescimento dos manufaturados.
A propaganda oficial estimulava o otimismo, ao mesmo tempo
que as classes médias começaram a consumir e reforçar a legitimidade
do regime. O salário mínimo real foi mantido em níveis de 1967, mas téc-
nicos e profissionais de nível superior tinham sua remuneração aumen-
tada. O consumo ampliado consolidava a posição das multinacionais, que
dominavam a indústria automotriz, de material elétrico, da borracha, do
tabaco, dos produtos farmacêuticos, da química e da mecânica. O peso do
capital estatal aumentava com a ampliação e diversificação da Petrobras e
da Companhia Vale do Rio Doce. Deu-se início a falar no “tripé” do capita-
lismo brasileiro, isto é, o Estado, as multinacionais e o grande capital local.
“Com as elevadas taxas de crescimento, parece haver lugar para todos. As
poucas vozes críticas têm que enfrentar não só o clima político repressivo
como também a falta de eco para qualquer discordância.”13
As elevadas taxas de desenvolvimento desse período fizeram
com que este ficasse conhecido como “milagre brasileiro”. Não faz parte
de nossos objetivos discutir em detalhes a economia do “milagre bra-
sileiro”. Há diversos trabalhos, de especificidade variada, que discutem
tais questões.14 Em linhas gerais, a base dele foi uma política de desen-
volvimento acelerado, com expansão do mercado interno, moderniza-
ção do sistema de crédito, estabelecimento de uma nova política de ex-
portação, aliada a fatores conjunturais favoráveis, como maciça entrada
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 27

de capital estrangeiro; fortalecimento do setor estatal, nas áreas rele-


gadas pelo capital privado, em razão da baixa rentabilidade, e o apoio à
indústria nacional.
Lago afirma que nesse período ocorreram importantes mudan-
ças nas áreas de comércio exterior, da dívida externa e de investimen-
tos estrangeiros no Brasil. Essas mudanças resultaram tanto de fatores
internos, como política cambial e de incentivo às exportações, como
de fatores exógenos, a exemplo do crescimento da economia mundial,
a evolução favorável dos termos de troca e a liquidez no mercado in-
ternacional de capitais. A política cambial flexível, representada pelas
minidesvalorizações, fazia com que os produtos brasileiros não perdes-
sem competitividade no mercado internacional, em função da subida de
preços e de custos internos. A política de incentivos fiscais e creditícios à
exportação manteve o Brasil no mercado de café, de açúcar e de algodão,
bem como permitiu sua penetração no dinâmico mercado internacional
de soja, de suco de laranja e de carne. Entrou também no mercado mun-
dial de manufaturados e aumentou a exportação de produtos extrativos.
Com as exportações crescendo a 40% ao ano, o Governo pôde financiar
a importação de maquinaria e manteve a balança comercial equilibrada.
Paralelamente, ocorreu uma mudança da importância relativa de certos
parceiros comerciais.15
O desempenho favorável das exportações foi muito influencia-
do pelo aumento da participação dos produtos manufaturados no va-
lor total da exportação, de 20,7%, em 1967, para 31,3%, em 1973. Essa
tendência foi favorecida pela atuação de empresas multinacionais que
iniciaram ou ampliaram suas atividades no período. Todavia, Lago acen-
tua que elas também importavam em grande quantidade, de forma que
sua contribuição como um todo para o saldo da balança comercial pa-
rece haver sido negativa.16 A contribuição dos produtos primários para
o aumento das exportações também foi significativa, especialmente as
da soja, da carne, do algodão, do açúcar e do milho, enquanto a do café
declinou notadamente.
O considerável crescimento do comércio exterior do Brasil
levou a um aumento de participação do País no total das transações
mundiais de bens. De acordo com dados do FMI, no comércio mundial
aumentou de 0,88%, em 1967-68, para 1,2%, em 1972-73. Apesar de
o crescimento das exportações e importações ser mais acelerado do
28 A diplomacia do interesse nacional

que o do Produto Interno Bruto (PIB), os coeficientes de abertura da


economia brasileira para o exterior não foram elevados. Entretanto,
coeficientes de abertura modestos não foram incompatíveis com uma
maior diversificação dos mercados externos do País. O Mercado Co-
mum Europeu passou a ser o principal comprador de produtos bra-
sileiros, em detrimento dos Estados Unidos. A participação dos seis
membros originais da Comunidade Econômica Europeia (CEE) alcan-
çou 29,5%, em 1969, contra os 24,4% dos Estados Unidos da América,
bem como mostrou ganhos adicionais e alcançou 30,6%, em 1973, en-
quanto a participação americana descia para 18,1%. Em 1973, a CEE,
ampliada para 12 países, correspondia a 41,9% das exportações bra-
sileiras. A participação do Japão também aumentou de 3,4%, em 1967,
para 6,9%, em 1973.
A participação das exportações para a CEE, os EUA e o Japão
diminuiu de uma média de 71,7%, em 1967-68, para 67,1%, em 1972-
73, ocorrendo, portanto, um aumento da participação de outros pa-
íses, notadamente de países em desenvolvimento. A participação da
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Aladi) permaneceu
estável e atingiu 10,3%, entre 1969-70, e 10,6%, entre 1970-71. Já
para as importações, a participação da CEE, dos EUA e do Japão am-
pliou-se de 63,1%, em 1967-68, para 67,1%, em 1972-73, enquanto a
da Aladi se reduziu de 12,6% para 8,6%. Isso se deveu à composição
das exportações do Brasil. Excluindo o trigo, os produtos de consumo
tinham participação reduzida no total. Em 1972-73, a importação de
minerais, de produtos químicos, de metais comuns e manufaturados,
de equipamentos elétricos e de material de transporte correspondiam
a 77% do valor total das exportações.
Pode-se dizer que os objetivos da política governamental em
termos de comércio exterior, como aumento da competitividade dos
produtos brasileiros em geral; diversificação das exportações, espe-
cialmente de manufaturados, bem como diversificação e expansão dos
mercados externos foram em grande medida alcançados. A diversifica-
ção só não se deu no caso das importações, em decorrência da compo-
sição da pauta.
Do ponto de vista dos resultados do programa econômico como
um todo, não só do setor de comércio exterior, e entendendo desenvolvi-
mento econômico como crescimento econômico, a meta de crescimento
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 29

do PIB de 6% ao ano, fixada em 1967, foi amplamente ultrapassada, já


que a taxa de crescimento do PIB entre 1967-73 foi de cerca de 10,2% e
de quase 12,5%, entre 1971-73. O PIB per capita, com a meta de cresci-
mento fixada para 6%, cresceu à taxa média de 7,2% entre 1967-73. O
crescimento industrial, fixado em 11%, também foi excedido, pois, entre
1971-73, o aumento da produção foi da ordem de 14,3% ao ano. O au-
mento das exportações foi muito superior ao esperado.
A contenção da inflação se verificou durante boa parte do pe-
ríodo, mas em 1973 ela já se encontrava em ascensão. Com relação
ao balanço de pagamentos, tanto as exportações quanto importações
cresceram a taxas muito elevadas, mas o endividamento não foi evi-
tado, conforme constava nos planos de Governo. Assim, a inflação e a
dívida externa se apresentavam em 1973 como áreas problemáticas
para a administração seguinte. A crise internacional de 1973, combi-
nada a esses dois óbices, condicionaria a mudança de orientação da
administração seguinte.
A “facilidade” de adoção de várias medidas econômicas nesse
período tem de ser entendida do ponto de vista do autoritarismo, com o
Executivo respaldando amplamente o Ministério da Fazenda e com pe-
quena possibilidade de reação do Legislativo, do Judiciário e de setores
da sociedade.
Lago analisa o impacto social dessa política:

Parece claro que os trabalhadores, de uma maneira


geral, não se beneficiaram do crescimento da renda
real do país de forma proporcional a sua evolução. Os
salários, nos casos em que não sofreram declínio, cres-
ceram, na maioria das categorias, a taxas muito infe-
riores à da produtividade ou do produto per capita, e o
rendimento do trabalho não apresentou ganhos como
percentagem da renda total. A infraestrutura social
do país, no período, melhorou apreciavelmente, con-
trabalançando em parte a evolução dos rendimentos
monetários. Mas, ainda que a questão mereça estudo
mais detalhado, fica a impressão de que um cresci-
mento muito satisfatório teria também sido possível
com uma política salarial menos restritiva [...]17
30 A diplomacia do interesse nacional

A diplomacia do interesse nacional, o “Brasil Grande Potên-


cia” e a geopolítica

Discussões sobre a possibilidade de o Brasil se tornar uma


grande potência remetem a 1919, na obra em que Elyseo de Carvalho
reflete sobre a questão siderúrgica.18 A partir daí, a ideia se tornaria um
leitmotiv na produção brasileira sobre geopolítica e ingressaria de for-
ma retórica e difusa no discurso político.
A associação da ideia de “Brasil Grande Potência” com o gover-
no Médici é quase senso comum. A expressão era corrente na imprensa,
nos discursos e declarações de políticos, bem como nas censuras dos
analistas latino-americanos. Na verdade, o ufanismo relacionado ao
“Brasil Potência” forneceu farta munição para os estudiosos de geopo-
lítica latino-americanos, bem como para os opositores do regime. Ve-
ja-se a obra-denúncia de Paulo Schilling, O expansionismo brasileiro: a
geopolítica do general Golbery e a diplomacia do Itamaraty.19 A obra é
toda apoiada sobre citações de jornais, nem sempre referenciadas, de
declarações de políticos, de jornalistas ou de personalidades de desta-
que, nem sempre ligados ao Governo, mas vinculadas entre si pela ideia
de “Brasil Potência” e de expansionismo do Brasil, em detrimento dos
demais países latino-americanos.
Para nossos objetivos, não cabe analisar a concepção de “Brasil
Potência” nem mesmo sua prática. Cremos até que seria um tema inte-
ressante, principalmente se tratando da vinculação delas com a prática.
Todavia, para nossos fins é mister tentar compreender o que esse supos-
to projeto tinha a ver com a política externa do governo Médici, assim
como se a diplomacia do interesse nacional seria parte desse projeto
maior. Outra indagação pertinente é sobre a existência ou não de vincu-
lação entre a diplomacia do interesse nacional e a geopolítica.
Carlos Estevam Martins percebe uma vinculação entre “interesse
nacional” e “Brasil Potência”. Então, afirma: “A ideia-força que permitiu a
formulação dessa nova linha, a diplomacia do interesse nacional, tem sua
origem no redobrado ato de fé que se consubstanciou no famoso projeto
de um Brasil grande potência.”20 Para o autor, a diplomacia do interesse
nacional seria parte desse suposto projeto. Mas que projeto era esse?
É essa questão que aparece na imprensa na semana da
posse de Médici: “Que projeto é esse, que alguns jornais afoitamente
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 31

apresentaram como a meta de dar ao Brasil, em 1975, uma renda per


capita de 2.000 dólares?”21 A reportagem em questão afirma que o minis-
tro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, o assessor de Médici,
Marcos Vinícius Pratini de Morais, o chefe de gabinete do SNI, coronel
Miguel Pereira Manso Neto, e “mais uma pequena equipe de civis e mili-
tares”, cerca de oito pessoas, teriam se reunido na semana da posse para
preparar o “Projeto Brasil Grande Potência”. A matéria até especula a au-
toria de sua designação, que teria sido dupla, “Projeto Brasil”, sugestão de
Hélio Beltrão, antigo ministro do Planejamento, e “Grande Potência”, ideia
e [...]“ mais que isso, a revelação dos propósitos dos assessores militares
de Garrastazu, dos quais Manso Neto é uma das figuras mais importan-
tes”.22 A reportagem também comenta um possível desacordo entre civis
e militares, uma vez que os últimos julgavam os primeiros muito modes-
tos e sem ambição quando fixavam as metas a serem atingidas. Outra
informação interessante é que a tarefa de Velloso nos seus primeiros
meses de gestão seria a de colher informações para a elaboração do pro-
jeto, pois as estatísticas brasileiras eram incompletas e insuficientes.
Ora, o suposto projeto “Brasil Grande Potência” seria apresen-
tado no primeiro semestre de 1970 como Metas e Bases para a Ação do
Governo. Consistia em um Plano de Governo, como tantos outros que
o antecederam. A partir de outubro de 1969, a equipe governamen-
tal começou a se reunir para a elaboração de um plano, discutindo a
partir de um projeto inicial de Velloso, intitulado Roteiro e Definições
Iniciais das Bases do Programa do III Governo da Revolução. A impren-
sa destaca haver causado estranheza a linguagem do documento, tec-
nicamente econômica, aos ministros de áreas não econômicas, o que
teria levado Médici a adiar uma reunião de 17 de dezembro para 6 de
janeiro, para dar tempo ao estudo do documento. Também há registro
de o Ministério das Relações Exteriores haver preparado longa análise
crítica do projeto inicial.23
O Programa de Metas e Bases foi dividido em três partes, Obje-
tivos, Estratégia e Ação para o Desenvolvimento; Ação Setorial: Grandes
Prioridades e Ação Setorial em Outras Áreas. As “grandes prioridades”
eram revolução na educação e aceleração do programa de saúde e sane-
amento; revolução na agricultura e abastecimento e aceleração do de-
senvolvimento científico e tecnológico. As relações exteriores situavam-
se na seção “Outras Áreas”.
32 A diplomacia do interesse nacional

O documento apontava como objetivo principal o ingresso do


país no mundo desenvolvido até o final do século. O I Plano Nacional de
Desenvolvimento, de 1971, foi mais específico. Aqui os objetivos eram a
manutenção do Brasil na lista dos 10 países de maior nível global do PIB,
passando da posição de 9º para 8º colocado, e superação da barreira dos
500 dólares de renda per capita em 1974.24 Nenhum dos dois documen-
tos apresentava a expressão “Brasil Potência”. No entanto, logicamente,
pela abrangência e objetivos ambiciosos, ambos representavam uma es-
pécie de versão oficial do “Brasil Potência”.
No documento de 265 páginas (Metas e Bases), as relações ex-
teriores contam com apenas sete páginas. Após uma introdução com
os elementos de praxe, o plano estabelecia metas para o período 1970-
73, tais como programação e execução, no plano externo, de atividades
vinculadas diretamente ao desenvolvimento do País; expansão do valor
das exportações em ritmo anual que correspondia às necessidades da
economia; promoção, disciplinamento e orientação do influxo de inves-
timentos estrangeiros, públicos e privados; aceleração do processo de
transferência e incorporação de tecnologia; maior participação da ban-
deira brasileira no transporte de seu comércio e contenção substancial
de dispêndios nos serviços e invisíveis do balanço de pagamentos; me-
didas de reformulação de instrumentação administrativa e de progra-
mas internos a serem adotados para a execução de ações concretas.25
Esse último ponto recebia especial atenção, com um projeto para a cria-
ção de um centro de processamento de dados para informações das ex-
portações brasileiras, um projeto para modernização da estrutura e dos
métodos de trabalho do Itamaraty, projetos para a coleta e disseminação
de informações técnico-científicas e a criação da Fundação Alexandre
de Gusmão. Todos esses projetos já possuíam orçamento definido, mas
o I PND só mencionava objetivos de economia externa.
Conclui-se que o projeto “Brasil Potência” é uma espécie de figu-
ra de retórica, que servia muito bem ao discurso governamental da épo-
ca. Na prática, existiam dois planos de governo, ambiciosos, mas simples
planos de governo. A política externa se inseria nesses planos à medida
que seria orientada para o desenvolvimento; o objetivo maior dos planos
era o desenvolvimento acelerado. Cremos que durante o governo Médici
criaram-se algumas condições para que a ideia difusa de “Brasil Potência”,
existente desde a década de 1920, se materializasse; daí sua recorrên-
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 33

cia. O discurso do “Brasil Potência” teria alimentado o ufanismo dos go-


vernantes e dos partidários do governo militar, bem como servido como
instrumento de propaganda sem maiores consequências, se não tivesse
ecoado no mundo latino-americano como corolário de ideias geopolíticas.
A geopolítica, ciência muito em moda no princípio do século
passado, perdeu parte de seu prestígio nos centros desenvolvidos após
a Segunda Guerra Mundial pela associação com o nazismo. Em contra-
partida, na América Latina, o interesse pela abordagem geopolítica cres-
ceu muito, principalmente entre 1950-80. Certamente, esse fenômeno
se vincula ao desenvolvimento de regimes autoritários nesse período.
Os países latino-americanos mais destacados em termos de pensamento
geopolítico eram a Argentina, o Brasil e o Chile. Daniel Rótulo Decuadra
afirma apropriadamente que, apesar do prestígio os quais tais estudos
obtiveram no meio intelectual, militar e até diplomático, a verdadeira e
real influência desse pensamento nos processos decisórios de política
externa ainda permanece como um ponto obscuro na literatura analíti-
ca.26 O autor afirma que, embora essa influência permaneça desconheci-
da, é clara a contribuição da geopolítica no sentido de manter nas aná-
lises de política externa dos países da região certos pressupostos sobre
a conduta internacional dos Estados, “alguns deles tão repetidos que fo-
ram elevados à categoria de ‘mitos’”.27 O “mito” mais conhecido e pode-
roso foi a ideia do “imperialismo brasileiro” e foi muito alimentada pela
escola geopolítica argentina, especialmente por um grupo de autores
ligados à revista Estrategia. De acordo com tal visão, o Brasil ambiciona-
ria se tornar potência mundial e expandir-se, assim como e subordina-
se a si a América Latina. Assim, depois de os militares assumirem o po-
der, a política externa teria sido colocada a serviço desse propósito, com
Golbery do Couto e Silva na posição de mentor intelectual desse projeto
e os Estados Unidos da América como fonte ideológica. Eugênio Garcia,
ao analisar o pensamento dos militares em política internacional, entre
1961 e 1989, denomina essa concepção, identificada como recorrente,
de interpretação crítica tradicional. Garcia acerta quando conclui:

Trata-se de interpretação padrão bastante abrangente


que, embora levante alguns pontos pertinentes, falha
quando superestima a influência norte-americana e
tende ao determinismo e à generalização simplista.
34 A diplomacia do interesse nacional

Pouca atenção se dá às origens nacionais do pensa-


mento dos militares, à diversidade das forças políticas
existentes dentro das forças armadas, às diferenças
de orientação de governo a governo, ou à autonomia
das decisões brasileiras no que se refere às relações
exteriores. Procura-se explicar a Política Externa dos
governos militares à luz dos preceitos geopolíticos es-
critos por número restrito de autores, aos quais seria
atribuída a capacidade de representar a totalidade do
pensamento do oficialato.28

O primeiro estudo que busca investigar essa conexão é a tese


de Shiguenoli Miyamoto, Do discurso triunfalista ao pragmatismo ecu-
mênico: geopolítica e política externa no Brasil pós-64.29 Ele ressalta
que a ideia de expansionismo brasileiro tem de fato origem nos pres-
supostos de alguns dos principais expoentes da geopolítica brasileira,
como Álvaro Teixeira Soares, Golbery do Couto e Silva, Carlos de Meira
Matos e Therezinha de Castro, com obras escritas na maioria antes de
1964. Entretanto, com a ascensão dos militares ao poder, com indivídu-
os egressos da Escola Superior de Guerra ocupando cargos no Gover-
no, toda a política governamental é vista como reflexo das formulações
geopolíticas.30 Essa ideia recorrente se origina, de acordo com o autor,
no pensamento geopolítico “reativo” da Argentina, com seus estudiosos
fixados no exercício da primazia na região.
A conclusão do autor, com a qual concordamos ao longo da rea-
lização de nossa investigação para o período Médici, é que a geopolítica
não exerceu maiores influências na condução da política externa no pe-
ríodo militar. Por meio do estudo de questões visadas pelos geopolíticos
como corredores de exportação, interiorização e integração nacional, a
questão demográfica, a política de armamentos e a Escola Superior de
Guerra,31 Miyamoto demonstra que a política brasileira tanto no plano
interno quanto no âmbito externo obedeceu apenas à lógica do desen-
volvimento capitalista. Isso não significa considerar que as medidas to-
madas pelos governantes não apresentassem como desdobramentos o
envolvimento de países vizinhos em sua órbita de influência e a con-
quista de novos mercados necessários à expansão de capital. Ainda afir-
ma, e esse ponto é confirmado na entrevista de Mario Gibson Barboza
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 35

ao CPDOC, que as falas diplomática e militar trilhavam por caminhos


diferentes. E, entre tais discursos, as decisões se manifestavam apoia-
das nos interesses comerciais, muito mais próximas, portanto, da fala
do Itamaraty.32
Decuadra trabalha, na mesma linha de Miyamoto, a desmis-
tificação da política externa dominada pelo pensamento geopolítico e
procura desvendar as questões ligadas ao pensamento militar sobre o
Atlântico Sul. Lembramos que outro dos “mitos” referentes ao mesmo
assunto era o de que o Brasil estava se articulando com Portugal e a Áfri-
ca do Sul para assinar o Tratado da Organização do Atlântico Sul. Daniel
Decuadra investiga com profundidade tal questão.
A partir do pressuposto do domínio da política externa por
ideias geopolíticas, que se construíram obras como O expansionismo
brasileiro, de Paulo Schilling. O autor se dedica a mostrar, por meio prin-
cipalmente de declarações à imprensa e de publicações como as do ge-
neral Golbery, a realização de propósitos expansionistas por parte do
governo brasileiro. O problema é a utilização de declarações e opiniões
isoladas, nem sempre de indivíduos ligados ao Governo (o próprio gene-
ral Golbery não era ligado ao governo Médici e, inclusive, não tinha boas
relações com este), para corroborar essas ideias. Percebe-se o caráter de
denúncia do governo autoritário por parte da referida obra. O repúdio
ao autoritarismo e seus métodos é legítimo e defensável, mas deve estar
baseado em evidências históricas, caso contrário, perde a legitimidade.
A questão do possível envolvimento brasileiro em golpes militares na
América Latina será abordada em outra seção.

Concepção da diplomacia do interesse nacional

A principal questão que orientou nossa pesquisa é a referente


ao caráter da diplomacia do interesse nacional.
Conseguiu esta identidade própria? Em outras palavras, obteve
ela alguma originalidade ou foi uma continuidade por inércia da aber-
tura diplomática feita por Costa e Silva? A resposta é positiva, e a justi-
ficativa, praticamente a integridade de nossa pesquisa. Mas tal questio-
namento encaminha outro, de não menos importância: quem formulava
essa política externa?
36 A diplomacia do interesse nacional

Alguns poucos autores enfrentam a complexa questão de to-


mada de decisões no período militar; ponto esse diretamente ligado à
formulação da política externa. Lembramos os trabalhos de Wálder de
Góes, de Sônia de Camargo, de Letícia Pinheiro e de Shiguenoli Miya-
moto,33 nos quais todos abordam o período Geisel. Sabe-se que os esti-
los decisórios de Geisel e Médici eram bastante diversos, o que impede
qualquer transposição de análise de uma época para outra. Todavia, al-
guns elementos podem ser reunidos.
Fernando Henrique Cardoso em seu conhecido trabalho, O
modelo político brasileiro,34 aponta dois fenômenos significativos
ocorridos ao longo dos governos militares que atingiram a formu-
lação da política externa. Em primeiro lugar, o desempenho positivo
da economia fortaleceu sobremaneira a tecnocracia, o que ampliou o
número e a parcela de poder dos órgãos técnicos e administrativos.
Esse fenômeno produziu uma espécie de delegação da área política
para a econômica e concorreu para o fortalecimento de um poder
paralelo às Forças Armadas regulares, exercido pela Comunidade de
Informações e Segurança, a qual, em diversas esferas, possuía quase
autonomia decisória. Sônia de Camargo sugere que o fortalecimen-
to da área econômica e de segurança contribuiu para alguma erosão
do poder do Itamaraty, continuando um processo que se iniciou no
governo Juscelino Kubitschek com o projeto de desenvolvimento ace-
lerado, o qual desviou algumas decisões diplomáticas para as áreas
econômicas e técnicas.35
Miyamoto, cujo trabalho não versa sobre tomada de decisões,
faz as perguntas que se respondidas resolveriam a questão:

Com a estrutura de poder vigente nos últimos lustros,


em que o estamento militar ditou, pela força de uma
legislação excepcional, todas as leis, como assuntos
polêmicos que dizem respeito à política externa são
tratados? O Presidente decide e o Itamaraty cumpre
as decisões, ou o Conselho de Segurança Nacional, em
nome da segurança, interfere, criando um duplo co-
mando na política exterior, minando o poder do Itama-
raty? E quando se referem a temas econômicos, quem
tem mais peso?36
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 37

A resposta é a esperada: a política externa brasileira foi imple-


mentada em vários níveis, considerando as relações de poder existentes
entre os ministérios, os interesses nacionais prevalentes naquele mo-
mento, a situação interna do País e o quadro internacional. Desse ponto
de vista, as decisões em política externa brasileira foram tomadas em
três instâncias, ou sejam, a diplomática, a econômica e a militar, e, pelo
menos formalmente, a decisão final coube ao presidente.
Nossas considerações param por aqui, uma vez que não realiza-
mos trabalho empírico com vistas a responder a tais indagações. Todavia,
cabe-nos revelar o que apuramos nesse sentido sobre o governo Médici.
A maior parte do que sabemos remete ao depoimento de Ma-
rio Gibson Barboza ao CPDOC e alguns dados à cobertura jornalística
da época.
Gibson afirma repetidas vezes haver recebido “carta branca” no
que dizia respeito à política externa, não significando que não tivesse
sofrido pressões, inclusive dentro do ministério, e que, em última ins-
tância, a decisão cabia ao presidente da República. Concluímos, não só
a partir da leitura da entrevista mas também do exame da prática de
política externa, que o Itamaraty dispôs de considerável autonomia no
período; esta muito maior do que a ideia de delegação da política para
economia poderia supor.
Todavia, as tomadas de decisão narradas pelo ministro revelam
que o peso da pressão dos três setores sobre o presidente da República
terminava decidindo a questão, nem sempre sendo regra. Os três casos
que podem ser considerados, quais sejam, a decisão de Gibson de tentar
cancelar as manobras navais conjuntas com Portugal na costa africana,
em 1970; a exposição de motivos feita por Gibson no final do governo
com vistas a estabelecer algum tipo de relação, ainda que informal, com
a China Comunista; a decisão sobre a conduta a ser tomada para solucio-
nar os sequestros de diplomatas (não obedecendo à ordem cronológica)
e a discussão sobre as estratégias de aproximação da África.
No primeiro caso, ao saber que as manobras haviam sido acor-
dadas sem o conhecimento do ministro das Relações Exteriores, Gibson
elaborou uma exposição de motivos e detalhou a armadilha política que
tais manobras encerravam. Segundo o ministro, o trajeto da exposição
foi o Ministério da Marinha, o Estado-Maior das Forças Armadas, a Se-
cretaria-Geral do Conselho de Segurança e, finalmente, Médici. Os dois
38 A diplomacia do interesse nacional

primeiros eram a favor da manutenção das manobras; a Secretaria-Ge-


ral foi contrária, e Médici decidiu por suspender as manobras, de acordo
com a orientação de Gibson.
Na questão da China comunista, este afirma que Médici, em
um primeiro momento, reagiu com simpatia à proposta. Entretanto,
o Conselho de Segurança Nacional vetou a ideia, e o assunto caiu no
esquecimento.
No caso dos sequestros, Gibson descreveu uma reunião entre
ele e os ministros das três Forças por ocasião do sequestro do cônsul do
Japão, em São Paulo. Segundo o chanceler, todos os membros do Estado-
Maior das Forças Armadas eram contrários a negociar com os respon-
sáveis por aquela ação, pois julgavam que isso abriria precedentes para
uma avalanche de sequestros. Então, preocupado com os transtornos
políticos que resultariam em caso do assassinato do cônsul, era favorá-
vel à negociação. Médici, por meio de um telefonema no qual tomou
ciência das posições de todos os participantes da reunião, sustentou
a orientação de Gibson, a qual seria válida para os dois sequestros
posteriores.
Já a polêmica entre Gibson e Delfim a respeito da melhor estra-
tégia de aproximação da África era um embate entre duas vertentes de
política externa. Simplificando, pode-se dizer que foi entre o terceiro-
mundismo de Gibson (e do Itamaraty) e do primeiro-mundismo de Del-
fim (e do setor econômico). Médici, no caso, apoiou seu chanceler, pois
anteriormente já aprovara o programa de política externa dele.
Juntamente com o questionamento sobre as tomadas de deci-
são, surgiu outro, isto é, a diplomacia do interesse nacional obedecia a
um programa prefixado? Existia um programa por trás da atuação?
Cremos que os analistas sempre sucumbem à tentação de atri-
buir uma lógica muito racional ao objeto de suas análises. A leitura da
longa entrevista de Mario Gibson ressalta como, muitas vezes, os três
entrevistadores criam explicações ex post fato, nem sempre condizentes
com o real. Logicamente, isso é inerente ao ato de buscar explicações e
desvendar as aparências. Todavia, é necessária permanente vigilância
para não se criar “lógicas próprias”, distantes da realidade, ou pior, que
corroborem nossas teorias.
Quando se isola uma conjuntura, no caso, o governo Médici, e
uma temática, no caso, a política externa, o perigo de se criar uma ficção
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 39

lógica é ainda maior, uma vez que tende a se isolar aqueles anos e temas
de todo o restante. Cremos que é isso o que explica em parte a atribuição
de “nomes” à política externa – prosperidade, interesse nacional, prag-
matismo responsável –, fora, é claro, a facilidade de expressão que os
nomes permitem, bem como muito se reforça com o discurso “sobre” a
prática da política externa. Ressalvando os avanços que realmente ocor-
reram, é impossível não perceber a popularidade do “pragmatismo res-
ponsável” como resultado da militância do chanceler Azeredo da Silvei-
ra e, principalmente, na insistência de que estava iniciando algo “novo”,
“inédito”, quando seu caminho já havia sido ladrilhado por Magalhães
Pinto e Mario Gibson Barboza, sem falar nos formuladores da Política
Externa Independente.
Posto isso, acreditamos ser mais frutífero indagar como a polí-
tica do interesse nacional foi planejada. Assim, a um só tempo, reconhe-
cemos seu caráter próprio, individual, e fugimos da rigidez que a atri-
buição deste poderia conferir.
Parece-nos claro que quando Gibson assumiu a pasta não pos-
suía um plano arquitetado sobre qual seria a sua política externa. Deti-
nha algumas ideias gerais construídas ao longo de sua experiência di-
plomática. Como o ministro afirmou, era uma “plataforma” revelada no
discurso de Médici proferido no Itamaraty, por ocasião da inauguração
da nova sede em Brasília, no dia 20 de abril de 197037 que, segundo
relato, foi escrito por ele. O chanceler ressaltou que tais premissas
orientaram sua atuação, mas muitas questões e novos problemas sur-
giram ao longo da gestão. De fato, considerável parte do que aparece
nas relações multilaterais encontra-se no discurso, como a crítica às
estruturas de comércio internacional; o repúdio às tentativas de con-
gelamento do poder mundial; a defesa de livre acesso à tecnologia e a
necessidade de luta conjunta contra o subdesenvolvimento, especial-
mente em relação aos países latino-americanos. Aqui se divisa uma
característica muito marcada da política externa do governo Médici,
isto é, a total separação entre bilateralismo e multilateralismo. A “pla-
taforma” era obviamente multilateral. O bilateral, conforme o ministro,
precisava ser tratado individualmente e, conforme destacou, isso valia
especialmente para os países com os quais o Brasil possuía relações já
solidificadas, como os latino-americanos, os Estados Unidos, os da Euro-
pa Ocidental e o Japão. Uma abordagem mais geral, mais indiferenciada,
40 A diplomacia do interesse nacional

poderia ser adotada para aqueles com os quais o Brasil estava inician-
do aproximação, integrantes das repúblicas centro-americanas e da
África subsaariana.38

Diplomacia do interesse nacional e desenvolvimento

“A meta essencial de meu governo pode resumir-se numa pa-


lavra: desenvolvimento.”39 A frase foi extraída do discurso de Médici,
de 20 de abril de 1970, redigido por Mario Gibson Barboza. A meta
essencial da diplomacia do interesse nacional seria a mesma, qual seja,
o desenvolvimento.
Todavia, isso não constituiu nenhuma originalidade. O desen-
volvimento como prioridade nacional, bem como a política externa
a seu serviço remetiam à década de 1930. Nosso objetivo é analisar a
visão de desenvolvimento a qual inspirou a formulação da política ex-
terna do governo Médici e apreender o que possuía de original. Nossa
conclusão é que essa concepção de desenvolvimento deu origem a um
projeto com caráter próprio não assimilável a qualquer outro governo.
Em outras palavras, a política externa do interesse nacional foi diferen-
ciada e original.
Examinemos, por exemplo, a concepção de desenvolvimento
de Mario Gibson Barboza, chanceler de Médici e o principal articulador
de sua política externa. Gibson, discursando em uma seção do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas, em 10 de julho de 1970, criti-
cou o que ele denomina de mitologia associada à questão do desenvolvi-
mento. Tal mitologia compreende o subdesenvolvimento “autogênito”, o
subdesenvolvimento paternalístico e o subdesenvolvimento gradualísti-
co. O chanceler afirmava:

A falácia do subdesenvolvimento autogênito toma como


ponto de partida a ideia de que o mundo em desenvol-
vimento é uma unidade que existe em seu próprio inte-
rior, e que apenas coexiste especialmente com o mundo
desenvolvido, sem que se verifique entre os dois qual-
quer inter-relação [...] Essa interpretação é falsa, por ig-
norar os motivos de que decorreu originariamente a in-
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 41

suficiência do desenvolvimento, ignorando também os


motivos por que se acentua cada vez mais o subdesen-
volvimento na maior parte do mundo. Só começaremos
a enxergar os fatos, quando encararmos o subdesen-
volvimento como um processo mundial, com sua lógica
interna [...] Não se pode abolir o subdesenvolvimento
por meio de uma simples ação corretiva e localizada: é
mister adotar-se uma ampla estratégia.40

Passemos ao segundo “mito”:

A falácia paternalística acredita que o desenvolvimen-


to pode ser alcançado através dos laços especiais que
ligam certos países desenvolvidos a certos países em
desenvolvimento. A acreditar-se nessa teoria, alguns
países desenvolvidos têm determinadas responsabili-
dades, resultantes da história ou da geopolítica, em re-
lação a um certo grupo de países em desenvolvimento,
cabendo-lhes, por conseguinte, fiscalizar o processo de
desenvolvimento de tais países pelos quais são respon-
sáveis. Não há dúvida de que os ‘laços especiais’ são
uma realidade, e que deve ser bem recebida a assistên-
cia que provenha de qualquer país desenvolvido. Tais
laços, no entanto, devem inspirar-se num sentimento
de solidariedade autêntica, e em propósitos comuns, e
não em políticas – implícitas ou explícitas – destinadas
a manter, a restaurar ou a criar esferas de influência. A
associação é um objetivo desejável, mas o paternalismo
contém, em si mesmo, a semente de seu fracasso.41

Por último, Gibson ataca o gradualismo:

A falácia gradualística, finalmente, tem como coisa ad-


quirida que o desenvolvimento é um processo de lon-
go prazo, e que o melhor que se pode desejar é um
aumento progressivo da receita, durante um período
razoavelmente longo. Essa opinião não é mais que uma
42 A diplomacia do interesse nacional

extrapolação da experiência dos países desenvolvidos


[...] O erro aqui reside na ignorância de dois fatos im-
portantes. O primeiro é que, à época em que se iniciou a
revolução industrial, não havia subdesenvolvimento re-
lativo: havia apenas subdesenvolvimento absoluto [...] O
segundo fato consiste em que estamos testemunhando,
hoje em dia, uma aceleração geral da história. O desen-
volvimento econômico deve ser planejado de acordo
com um conceito de tempo adequado à era espacial, e
não segundo um conceito arcaico de tempo.42

A argumentação contrária às três falácias muito nos informa


sobre a concepção de desenvolvimento dos articuladores da política ex-
terna do governo Médici, bem como de sua proposta de inserção inter-
nacional do Brasil.
Em primeiro lugar, há uma rejeição da divisão internacional do
trabalho como inexorável, ou seja, uma não aceitação da perpetuação
da clivagem Norte-Sul. Na mesma linha, situa-se a rejeição da diploma-
cia brasileira ao conceito de Terceiro Mundo. Mario Gibson Barboza, em
discurso proferido em 2 de fevereiro de 1973, em Nairóbi, no Quênia,
declara:

Por identificarmos a provação do subdesenvolvimento


como um estágio de passagem, cuja superação se im-
põe, não aderimos jamais ao estranho conceito de ter-
ceiro mundo, que, enunciado num contexto histórico
de conflito latente, logo se expandiu e tomou foros de
verdade irrefutável [...] O Brasil recusa-se a aderir a con-
ceitos que separam o mundo entre países propulsores e
países reflexos, entre nações de gênesis e nações imita-
doras, a ser arrolado como parte de um terceiro mundo,
de uma humanidade especial e separada, a que conti-
nuem a aplicar-se capítulos estanques de cada uma das
ciências do homem e da natureza, como se fôssemos
exceções da regra coletiva, e não elemento importante
de uma realidade múltipla que é todo o planeta e toda a
humanidade.43
O projeto político-econômico interno e a diplomacia do interesse nacional 43

A tentativa de conciliação de ambos os argumentos, a rejeição


do desenvolvimento “autogênito” e a negativa de aceitação do conceito
de Terceiro Mundo têm confundido os analistas da política externa do
período Médici desde a época de sua formulação. À primeira vista, uma
afirmação contradiz a outra. Contudo, um exame mais criterioso de tais
questões permite identificar justamente em que pontos a diplomacia do
interesse nacional diferenciou-se daquelas dos outros governos milita-
res. Quando nega a divisão estanque de mundo desenvolvido e subde-
senvolvido, Gibson em nenhum momento menciona a necessidade de
mudanças estruturais no sistema; no entanto, prefere sugerir uma “am-
pla estratégia”. O objetivo da crítica à noção de Terceiro Mundo não era,
como apressadamente pode parecer, o de negar que o Brasil pertences-
se ao Terceiro Mundo, mas o de rejeitar uma categoria, que, na visão do
ministro, por si só classifica uma parte da humanidade em uma classe
especial, em uma espécie de “terceira classe” permanente.44 O status de
país diferenciado do Brasil era muito óbvio e dispensava esse tipo de
declaração.
Em seguida, Gibson rejeita os alinhamentos automáticos e o
pacto subimperialista. No que diz respeito a esse ponto, os analistas pa-
decem da tendência à confusão entre política externa e política interna.
O fato de o governo Médici haver permanecido em sua totalidade sob o
AI-5, de uma gestão em que ocorreram mais casos de excessos e na qual
a repressão foi mais dura, torna quase obrigatório um alinhamento com
os Estados Unidos no plano externo. Essa é em última instância a matriz
das acusações de pretensões geopolíticas na América Latina, sob a di-
reção do governo norte-americano. Carlos Estevam Martins apresenta
com muita propriedade o caráter errôneo de tal concepção. Segundo o
autor, o pacto subimperialista45 vigorou no governo Castelo Branco, uma
vez que estava de acordo com o grupo de militares no poder, por ele
denominados liberal-autoritários, e com o desenvolvimento econômico
do período. A partir de Costa e Silva, mas principalmente de Médici, esse
pacto se tornou desinteressante para os grupos no poder, que tinham
outra visão sobre a inserção mundial do Brasil. O fato de o Brasil não
haver obtido a reserva de mercado ambicionada nos Estados Unidos
e a estreiteza das relações previstas no pacto levaram o País a migrar
de um subimperialismo para um pré-imperialismo, o qual não mais
ambicionava uma zeladoria latino-americana sob a batuta do governo
44 A diplomacia do interesse nacional

norte-americano, mas possuía ambições mundiais, ainda que modestas


46
. Posteriormente, veremos que tal arranjo não pressupunha confronta-
ção com o imperialismo no âmbito mundial.
Por último, Gibson afirma, negando o gradualismo no desenvol-
vimento, sua crença no desenvolvimento rápido. Tanto o Plano de Me-
tas e Bases para a Ação do Governo, de 1970, quanto o I PND, de 1971,
previam o ingresso do País no primeiro mundo por volta do ano 2000. O
que parece, à primeira vista, manifestação de ufanismo, convenceu mui-
tos analistas estrangeiros, os quais acorreram, na época, ao Brasil para
conhecer sua “fórmula mágica” de desenvolvimento 47.
O exame da política externa do governo Médici permite-nos
afirmar que tal conceito original de desenvolvimento foi testado nesses
anos. Trata-se de uma via separada de desenvolvimento, que rejeita tan-
to os alinhamentos automáticos quanto o multilateralismo reivindicató-
rio, estilo não alinhados; portanto, da rejeição simultânea dos esquemas
de Castelo Branco e Costa e Silva. É tentador, inclusive, perceber uma
espécie de movimento dialético no qual dois projetos antagônicos resul-
tam em um terceiro, que os supera, guardando, todavia, elementos de
ambos. A diplomacia do governo Médici enquadrou a situação do Brasil
no mundo a partir de outro ângulo, daí a sua originalidade e a adoção
de políticas opostas a dos antecessores. Castelo Branco tentou resolver
a questão internacional aderindo ao subimperialismo, mas esbarrou na
limitação da soberania nacional inerente a essa opção. Costa e Silva op-
tou pelo multilateralismo reivindicatório, que se via limitado pela crítica
mordaz de tal linha ao sistema capitalista, no qual o País se inseria. Da
mesma forma, dentro do sistema capitalista, a “prosperidade” de Costa e
Silva não oferecia lugar para todos. Ora, a diplomacia de Médici resolvia
dois pontos aparentemente inconciliáveis, como a superação do subde-
senvolvimento com a simultânea salvaguarda do capitalismo em escala
mundial. Martins afirma que pela primeira vez percebe-se o fenômeno
de exploração imperialista como parte do funcionamento normal da or-
ganização capitalista do mercado mundial.48
Capítulo 2

Bilateralismo e
terceiro-mundismo como
membros de uma
mesma equação

O caráter do bilateralismo

O fato de trilhar uma via em separado não transforma a


conduta diplomática do governo Médici em isolacio-
nista. Normalmente, quando se fala na diplomacia do período, a primeira
característica apontada é a opção pelo bilateralismo. De fato, para Médici
e os formuladores de sua política externa, o desenvolvimento era um ca-
minho solitário. E tal ideia possui uma fundamentação bem clara. A apre-
sentação dos países do Terceiro Mundo em bloco para a interlocução com
as grandes potências os homogeneizaria e diminuiria substancialmente
as potencialidades de nações diferenciadas como o Brasil. Isso, contudo,
não significava o total abandono do multilateralismo terceiro-mundista
de Costa e Silva, uma vez que eram perspectivas complementares. A soli-
dariedade com o Terceiro Mundo era bastante clara e presente. A crítica
ao congelamento do poder mundial, uma constante nos discursos de Mé-
dici e Mario Gibson Barboza. Trata-se, portanto, de um duplo movimento,
46 A diplomacia do interesse nacional

isto é, solidariedade com o Terceiro Mundo e, simultaneamente, compro-


misso com o desenvolvimento nacional de forma individual.
Essa persistência do discurso de apoio ao Terceiro Mundo é
responsável pelas análises que caracterizam o governo Médici como
uma continuidade do governo anterior. De fato, há linhas de continui-
dade substanciais. A ordem internacional continuou a ser definida em
termos de congelamento do poder. No entanto, como já apontamos, a
estratégia de luta seria diversa de uma luta conjunta dos países do Sul
contra os países do Norte. O Governo continuou oficialmente as plata-
formas de luta contra a dominação do mundo pelas grandes potências
e de prestígio em propósitos de integração regional, com participação
ativa tanto em foros equivalentes à Comissão Especial de Coordenação
Latino-Americana (Cecla), que coordenava relações com os Estados
Unidos, como em similares à Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e Desenvolvimento (Unctad), na qual se realizam discussões
globais com os países desenvolvidos. No que diz respeito às negocia-
ções multilaterais, tudo se passava como se a herança do período Costa
e Silva houvesse sido transmitida intata.1 Aqui, deve ser considerada a
coerência da política multilateral do Brasil, que em alguns pontos per-
maneceu coerente mesmo durante a denominada “correção de rumos”
de Castelo Branco.
A organicidade do discurso multilateral do Brasil remete-nos
à questão bilateralismo versus multilateralismo. Aquele é uma das ca-
racterísticas mais conhecidas da diplomacia do interesse nacional e
aparece na bibliografia como uma espécie de sinônimo de egoísmo,
juntamente com a elisão de referência à participação ativa brasileira
nos foros multilaterais no período. A análise das relações internacio-
nais do Brasil no período revela uma clara opção pelo bilateralismo. As
ofensivas diplomáticas para a América Latina, em 1971, e para a Áfri-
ca, em 1972, foram marcadas pelas relações bilaterais. Aquelas com
os Estados Unidos e demais países desenvolvidos também avançaram
nessas bases. Todavia, consideramos a opção pelo bilateralismo muito
mais como a retomada da tradição de pragmatismo na política externa
brasileira, que atingiria seu auge no governo Geisel, do que um egoís-
mo baseado na certeza do ingresso no Primeiro Mundo. Amado Cervo
situa a origem do pragmatismo, na época de consolidação do Estado
Nacional, no início do Segundo Reinado. A consolidação haveria se
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 47

verificado com o Barão do Rio Branco e com a política externa de Var-


gas. O importante para a análise do bilateralismo é que o pragmatismo

[...] induz a adequação das percepções dos reais interes-


ses nacionais aos desígnios externos, de forma a fazer
prevalecer o resultado sobre o conceito, os ganhos con-
cretos e materiais sobre os valores políticos e ideológi-
cos, a oportunidade sobre o destino, a liberdade de ação
sobre o empenho do compromisso, o universalismo so-
bre as camisas de força dos particularismos, a aceitação
sobre a resistência aos fatos.2

Se atentarmos para a divisão efetivada por João Augusto de


Araújo Castro, um dos “diplomatas teóricos” mais importantes do Ita-
maraty e muito influente no período Médici, entre política externa bra-
sileira e política internacional do Brasil, a opção pragmática torna-se
cristalina. Em uma exposição aos estagiários do Curso Superior de Guer-
ra da Escola Superior de Guerra em Washington, em junho de 1971, ele
procede a interessante diferenciação. Política externa brasileira con-
sistiria na política externa que o Brasil sempre possuiu, desde a época
portuguesa, a qual passou pelo Império e pela República. A ela dizem
respeito princípios genéricos, como igualdade entre as nações, solução
pacífica de conflitos, autodeterminação dos povos, relação amistosa com
países americanos, entre outros. A política internacional do Brasil, que,
segundo Castro, não possuía tradição e estava se afirmando no período
em questão, definiria as normas de conduta brasileira na comunidade
das nações. Tal esforço deveria ser empreendido levando-se em consi-
deração o legado da política externa, mas, ser diferenciado. A política
internacional do Brasil compreenderia as diretrizes práticas que deter-
minam a conduta brasileira diante dos problemas particulares do mun-
do contemporâneo. Nesse campo, predominariam os critérios da racio-
nalidade, o cálculo dos custos e dos benefícios, o valor instrumental das
iniciativas e das omissões tendo em vista o objetivo básico de projetar o
poder nacional. Castro enfatiza:

O momento não poderia ser mais propício para essa


análise. Com seu espantoso progresso e desenvolvi-
48 A diplomacia do interesse nacional

mento, o país está cheio de esperança e de confiança


em si mesmo e já podemos permitir-nos o luxo do
realismo e do pragmatismo em nossas relações com
outros países. Estamos em condições de viver e de
prosseguir nosso caminho, sem ilusões e sem ressen-
timento, sem entusiasmos líricos e sem pessimismos
desarrazoados.3

Onde Castro fala de ilusões e entusiasmos líricos, leia-se Cas-


telo Branco. Onde se refere a ressentimento e pessimismos desarrazoa-
dos, leia-se Costa e Silva.
O pragmatismo era claramente invocado, e cremos que a opção
bilateralista era uma de suas faces. Celso Láfer aponta para a diferença
de peso entre a diplomacia bilateral e multilateral. As relações multilate-
rais eram consideradas relevantes apenas para estabelecer e promover
a presença global do País no cenário mundial. Com exceção das organi-
zações internacionais que lidavam com comércio, Acordo Geral de Tari-
fas e Comércio (GATT), produtos primários, Organização Internacional
do Café (OIC), e finanças, Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil
era bastante cauteloso quanto aos resultados do multilateralismo. A di-
plomacia considerava que “os melhores resultados das relações multila-
terais, o Itamaraty, regra geral, acredita poder colher nas relações bila-
terais que são vistas como substantivas”.4 O multilateralismo é utilizado
para reivindicações econômicas, que, quando atendidas, favorecem o
desenvolvimento brasileiro e para a busca de informações, que são apro-
veitadas nas negociações bilaterais. Não há dúvidas de que o discurso
de solidariedade com os países em desenvolvimento trouxe dividendos
bilaterais, tanto na América Latina como na África. Láfer mostra como o
bilateralismo avançou com Geisel nos marcos do policentrismo econô-
mico e recorda o Memorando de Entendimento com os Estados Unidos,
de 1976, bem como as importantes visitas ao Japão, à Inglaterra, à Fran-
ça e à Alemanha.5 Logo, a opção bilateralista de Médici nada mais foi do
que uma opção pragmática, pois diferenciava o Brasil no plano interna-
cional e trazia resultados mais imediatos. Gerson Moura e Maria Regina
Soares de Lima, analisando a trajetória do pragmatismo nas décadas de
1960 e 1970, identificam como característica desse movimento as duas
vertentes de inserção simultânea do Brasil no plano mundial, tais como
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 49

as relações com os países avançados do Norte e aquelas com os países


em desenvolvimento do Sul. Essa dupla inserção seria responsável pe-
las contradições multilateralismo-bilateralismo, segundo tais autores.6
Sua análise começa no governo Geisel, mas cremos que os elementos da
dupla inserção já se encontravam presentes no governo Médici. A dupla
inserção se relaciona diretamente com a ideia de superação do subde-
senvolvimento nos marcos do capitalismo. Logicamente, os termos des-
sa equação se modificariam muito com Geisel; todavia, parece certo que
já haviam sido lançados.

Multilateralismo

Todavia, a ênfase nas relações bilaterais não pode relegar a po-


lítica multilateral do período a um plano secundário. Apesar de os com-
promissos assumidos por um Estado nos foros multilaterais serem mais
difusos e menos imperativos, são eles que refletem as linhas gerais da
política externa de um país.7 Bueno demonstra a coerência do discurso
multilateral do período pós-Castelo Branco, em uma linha de continui-
dade com a Política Externa Independente. Quanto ao período Médici,
percebe-se claramente os acréscimos no discurso multilateral relacio-
nados a uma nova inserção do Brasil no cenário mundial como potên-
cia emergente. Um exame desses acréscimos permite particularizar um
pouco a atuação multilateral do período.
A expansão das relações multilaterais do Brasil nas décadas
de 1960 e 1970 não foi um fato isolado. Inseriu-se em um contexto de
ruptura do tradicional isolamento hemisférico da América Latina, até
então voltada para a esfera norte-americana. O Brasil, em função de sua
posição estratégica, dimensões e, cada vez mais, desenvolvimento eco-
nômico, foi um dos principais protagonistas dessa abertura da América
Latina para o mundo e um dos Estados mais ativos em participação nas
organizações intergovernamentais.
Esse movimento de maior participação internacional se iniciou
nos governos Quadros e Goulart e perdeu o respaldo, todavia, em fun-
ção dos modestos resultados destes em termos de desenvolvimento. A
partir de 1964, houve um real incremento na atuação internacional do
Brasil. Contudo, no governo Castelo Branco, as fronteiras ideológicas, os
50 A diplomacia do interesse nacional

círculos concêntricos e o pacto subimperialista com os Estados Unidos


limitaram consideravelmente essa atuação. Com o governo Costa e Silva,
o Brasil passou a operar nos foros multilaterais de forma mais articula-
da e com interesses definidos, em uma linha de continuidade até o final
do período militar.8 No entanto, ao longo de um desempenho, em termos
gerais, uniforme, houve nuanças que revelam influência de fatores inter-
nos e externos. As altas taxas de desenvolvimento, o auge da détente e
o declínio do prestígio dos Estados Unidos condicionaram algumas das
particularidades da atuação multilateral da diplomacia do interesse na-
cional. O Brasil assumiu nesse período um perfil único entre os países
em desenvolvimento que se tornaria sua marca registrada nos anos do
“pragmatismo responsável”. Pode-se dizer que a diplomacia multilateral
de Gibson, depois seguida por Azeredo da Silveira, operou uma síntese
entre as tendências terceiro-mundistas e primeiro-mundistas dos estra-
tegistas da política externa do período. O Brasil, na visão desses estra-
tegistas, estava entre o Terceiro e o Primeiro Mundo. E é exatamente
assim que se apresenta nos foros multilaterais, os quais representam
uma espécie de “vitrine” da política externa de uma nação.
Um dos marcos diferenciais da diplomacia do interesse nacio-
nal é o raciocínio em termos globais e sistêmicos, ou seja, a busca de
soluções para os problemas nacionais, no caso, o desenvolvimento, em
todas as esferas de atuação e espaços geográficos possíveis. Esse é o
pressuposto da formulação diplomática multidimensional desenvolvida
pelo Governo que, ao mesmo tempo, resolve o problema de dupla inser-
ção brasileira no Primeiro e no Terceiro Mundo. O País buscava enfren-
tar uma nova ordem internacional e utilizava a participação múltipla
em vários grupos, como a comunidade ocidental, as nações em desen-
volvimento, o sistema interamericano e a América Latina. A estratégia,
todavia, não é a de mimetismo, tais quais assumir posições terceiro-
mundistas na Unctad e alinhar-se aos países industrializados quando
em interlocução com eles. Essa maneira de proceder o Brasil rejeitava,
uma vez que acarretaria compromissos contrários aos interesses nacio-
nais. Ao assumir uma posição militante ao lado do Terceiro Mundo, o
País diluiria seu caráter diferenciado e perderia dividendos em relação
às potências ocidentais. Por outro lado, estabelecendo-se entre as na-
ções desenvolvidas, não se valeria dos privilégios de país em desenvol-
vimento. A solução encontrada pelos estrategistas da política externa
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 51

do período foi a adoção de um cômodo low profile nos foros multilate-


rais. Daí a rejeição pelo País em assumir qualquer papel de liderança
entre aqueles em desenvolvimento. Entre uma liderança incômoda e um
perfil pragmático, a opção natural foi pela segunda. O Brasil aproveitou
sua situação econômica favorável, a boa instrumentalização bilateral e
multilateral e o serviço diplomático diferenciado para uma nação em
desenvolvimento a fim de discriminar, declarar-se independente do que
estava acima ou abaixo de si na escala econômica.9
As relações do Brasil nos foros multilaterais com os países de-
senvolvidos e em desenvolvimento refletiam esse posicionamento inde-
pendente, descompromissado com grupos e com o low profile. De forma
geral, seus esforços a favor da redistribuição de oportunidades e vanta-
gens no sistema internacional buscavam ampliar o próprio poder. Nesse
sentido, a colaboração com países em desenvolvimento era uma tática
que tendia a mudar à medida que o país avançava na escala de desenvol-
vimento. Não é por acaso que muitas vezes discordâncias com países em
desenvolvimento em comitês primários convertem-se em convergên-
cias nas votações oficiais.10 As posições brasileiras são mais específicas
e flexíveis que as dos países em desenvolvimento em geral, e a tendência
ao compromisso com os países industrializados é bastante grande, com
o reconhecimento dos limites destes. O fato de ser um país diferenciado
do ponto de vista comercial acarreta preocupações com a estabilidade
financeira internacional que os países menos desenvolvidos não pos-
suem. Ao contrário dos países afro-asiáticos, que defendem uma redis-
tribuição mundial de riqueza, o Brasil enfatiza mais a criação de riqueza
global pela difusão de oportunidades iguais de comércio e tecnologia.
Fundamentalmente, mais do que buscar uma radical transformação da
ordem econômica, ele trabalha a fim de o que já existe opere de forma
mais eficiente.11 Novamente, a ideia subjacente é a de superação do sub-
desenvolvimento sem contestação à ordem capitalista.
A análise da atuação multilateral brasileira no período Médici
não deve, porém, perder de vista o caráter secundário da diplomacia
multilateral. O multilateral é utilizado pelos estrategistas fundamen-
talmente para metas sistêmicas, ao passo que interesses localizados
são tratados na esfera bilateral. O multilateral, igualmente, auxilia o
bilateral. Problemas mal resolvidos no plano bilateral são levados a
foros multilaterais. Questões controversas, como controle populacional
52 A diplomacia do interesse nacional

e meio ambiente, também são preferencialmente tratadas em esfera


multilateral.12
Os interesses que o Brasil busca multilateralmente podem ser
agrupados em econômicos, políticos e de segurança, com destaque para
os primeiros. Wayne Selcher relaciona as seguintes reivindicações da
diplomacia multilateral brasileira em assuntos econômicos no período
1970-77, como maximizar e estabilizar preços de matérias-primas por
meio de acordos comerciais; obter acesso preferencial aos mercados
dos países desenvolvidos, especialmente para manufaturados; expan-
dir a percentagem de produtos nacionais transportados em navios na-
cionais; atrair investimentos estrangeiros e empréstimos multilaterais
em termos vantajosos; aumentar a capacidade de importação; facilitar
o serviço da dívida externa; manter um balanço de pagamentos favorá-
vel; estimular a eventual criação de um mercado doméstico; facilitar a
transferência de tecnologia dos países industrializados; encorajar a tro-
ca de informações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e
de países em desenvolvimento entre si, e opor-se a qualquer medida
que favorecesse os países industrializados em termos de industrializa-
ção e de tecnologia.13
Os temas políticos e de segurança se concentram em questões
de terrorismo e de refugiados políticos, em temas ligados ao controle
populacional e ao meio ambiente, bem como assuntos ligados ao desar-
mamento e à limitação de testes com armas nucleares.
Os fins da diplomacia multilateral brasileira são mais clara-
mente perceptíveis na participação nas agências econômicas, técnicas
e sociais, independentemente da Assembleia Geral e do Conselho de
Segurança. Nesses foros, o País assumiu um perfil mais individualiza-
do, em comparação ao caráter mais genérico das questões em pauta
na Assembleia Geral e do Conselho de Segurança. Entre os organismos
especializados, os que melhor ilustram o perfil multilateral brasileiro
naquele período foram a Unctad e o G77, foros dos países em desen-
volvimento, os quais permitiam a um só tempo o exame das conver-
gências e divergências das nações com diferentes graus de desenvol-
vimento. O exame da atuação brasileira na ONU também era um bom
indicador, por ser o foro com maior número de países-membros e no
qual havia maior diversidade de temas em discussão, assim como per-
mitia comparações.
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 53

Unctad e o G77

O nascimento da Unctad, na década de 1960, originou-se da


atuação articulada dos países em desenvolvimento contra a estrutura
de comércio internacional e a divisão internacional do trabalho, re-
sultante da Revolução Industrial. A estrutura tradicional de comércio
internacional, fundamentada na liberdade de mercado e na fórmula
de nação mais favorecida, sempre penalizou os países subdesenvol-
vidos. Todavia, somente a partir da década de 1960 atentou-se para a
estrutura do comércio internacional com vistas a uma reação. Tal fato
permitiu aos países desenvolvidos concentrar sua atenção na ajuda
econômica e escamotear de forma eficiente as questões de fundo do
comércio internacional, das quais tinham clara consciência.14 As pri-
meiras manifestações de solidariedade entre os países em desenvolvi-
mento ocorreram na ONU, em razão do aumento do número de mem-
bros do Conselho Econômico e Social e das manobras que favoreceram
o deslocamento das questões econômicas e sociais para a Assembleia
Geral, em detrimento do Conselho de Segurança, ainda na década de
1940. A organização do GATT, a partir de 1948, pouco afetou as ques-
tões de desenvolvimento, em decorrência do papel periférico desem-
penhado pelos países subdesenvolvidos nessa instituição. Foi o ad-
vento da descolonização e o ingresso considerável de novas nações na
ONU que favoreceram a coesão necessária a uma ação mais articulada
do mundo em desenvolvimento. A convocação da Unctad I, em 1964,
foi um marco; com ela se estabeleceram mecanismos institucionais os
quais asseguraram a periodicidade e a continuidade das conferências.
Tais fatos equivaleram a fundação de uma nova agência internacional
das Nações Unidas, a qual, por sua natureza, correspondia mais aos
interesses do Terceiro Mundo do que aos dos países desenvolvidos.
Não é por acaso nesse período que as outras agências econômicas pas-
saram a adotar enfoques mais favoráveis ao desenvolvimento. O auge
da coesão e da solidariedade dos países subdesenvolvidos foi coroado
com a “Declaração dos 77”, em Genebra, em 1964, a qual instituciona-
lizou o “Grupo dos 77”.15 Após a Unctad I, a coesão entre as nações
em desenvolvimento declinou. Isso se deveu, sem dúvida, ao avanço
da détente e das brechas que abriu para países de desenvolvimento
diferenciado. O Brasil participou da Unctad I, em 1964, integrou o
54 A diplomacia do interesse nacional

“Grupo de 77” e participou da Unctad II, em 1967. A década de 1960


foi proclamada nesse fórum a Primeira Década de Desenvolvimento; a
de 1970 foi a segunda.
Quando Médici ascendeu ao poder, em 1969, estava em curso
o balanço da Unctad II e da “Primeira Década de Desenvolvimento”.
Os diagnósticos foram sombrios. O mundo em desenvolvimento cres-
cera menos na década de 1960 do que na de 1950. Além das questões
econômicas, desenvolveram-se vícios nos mecanismos institucio-
nais. Teoricamente, declarações e promessas eram feitas pelos repre-
sentantes dos países mais poderosos e aplacavam a ansiedade dos
países em desenvolvimento. Na prática, os avanços não ocorriam.16
Interessa-nos observar como a diplomacia do período trabalhou com
o saldo negativo da década de 1960; de que maneira procedeu na
preparação da Unctad III, ocorrida em 1972, e como percebeu os re-
sultados dessa conferência.
A estratégia para a Segunda Década das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, antes de ser levada à Assembleia Geral da ONU, foi
discutida na Unctad, na Junta de Comércio e Desenvolvimento e no Con-
selho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc). Na 49ª Sessão
do Ecosoc, em julho de 1970, os países em desenvolvimento divergiram
tanto dos países industrializados do Ocidente como dos países socialis-
tas. Estes desejavam imprimir conteúdo político à política de desenvol-
vimento; aqueles enfatizavam as questões de desenvolvimento social,
como as relativamente à educação, ao meio ambiente e ao controle po-
pulacional.17 Mario Gibson Barboza, em discurso proferido no encontro,
constatou o fracasso da Primeira Década para o Desenvolvimento, apon-
tou os erros cometidos e sugeriu soluções.
O chanceler declarou:

As estatísticas evidenciam uma terrível conclusão: a


chamada Década do Desenvolvimento foi, na realidade,
uma Década de Paradoxos. Os países ricos enriquece-
ram, e os países pobres se tornaram ainda mais pobres.
Em vez da prosperidade, foi o empobrecimento rela-
tivo, em última análise, o resultado final do grandioso
programa para os anos sessenta, lançado pela Assem-
bleia Geral em 1961.18
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 55

O ministro atribuiu o fracasso a duas imperfeições fundamen-


tais, tais como a incapacidade no plano da ação, ou seja, a insuficiên-
cia de medidas tomadas para problemas tão prementes, e a incapa-
cidade no plano da compreensão, que corresponderia ao diagnóstico
das soluções para o subdesenvolvimento a partir das três falácias, a
“autogênita”, a paternalística e a gradualística. A partir da conclusão
de o desenvolvimento desigual dever ser resolvido, Gibson apontava
dois caminhos divergentes, quais sejam, o que ele denominava estra-
tégia da estabilidade e a designada estratégia do desenvolvimento.
Aquela seria a mera estabilização da pobreza e se apoiaria no contro-
le populacional; no desenvolvimento da agricultura, em detrimento
da indústria, e em uma política estática de emprego. Percebe-se aqui
uma crítica direta aos países desenvolvidos. A estratégia do desenvol-
vimento para o ministro atenderia melhor aos anseios do mundo em
desenvolvimento. Gibson apontava os rumos para a efetividade de tal
estratégia, ou sejam, metas e objetivos que seriam ao mesmo tempo
realistas e ambiciosos para possibilitar o desenvolvimento; medidas
nos campos do comércio, financiamento e tecnologia e prazos para
a implementação dessas medidas.19 O ministro apresentou a mesma
proposta no discurso de abertura do Debate Geral da XXV Assembleia
Geral da ONU.20 Desta resultaria o documento oficial para o lançamen-
to da Segunda Década de Desenvolvimento. O embaixador na ONU,
Sérgio Armando Frazão, manifestou sua opinião brasileira a respei-
to do documento. Ele considerou que o documento não refletia uma
concepção de uma estratégia para o desenvolvimento ambicioso e de
longo alcance: “Assim, deixamos nesse documento somente o mínimo
aceitável de nossas propostas originais, mas nunca abriremos mão de
nossas aspirações básicas.”
E ainda completou:

Contém (o documento) somente um conjunto de ob-


jetivos tímidos para o comércio, financiamento, trans-
ferência de tecnologia, bem como cláusulas mínimas
aceitáveis para qualquer outra ação importante adi-
cional, tais como medidas de assistência às indústrias
e aos transportes.21
56 A diplomacia do interesse nacional

O mesmo embaixador, em outro momento da Assembleia,


apresentou uma análise do conjunto das atividades da Unctad duran-
te toda a existência desta. Identificou um hiato entre avanços teóricos
e medidas práticas na atuação da Unctad desde sua criação, em 1964.
Na opinião do embaixador, enquanto ela forjou um novo e sofisticado
approach relativamente ao crescimento e desenvolvimento econômico,
os minguados avanços reais, como o acordo sobre o esquema de pre-
ferências generalizado, foram ofuscados por tendências protecionistas
de certas nações industrializadas, principalmente dos Estados Unidos. O
embaixador concluiu que o reduzido avanço proporcionado pela Unctad
resultou da ausência de vontade política das nações desenvolvidas e que
a persistência desse procedimento levaria ao fracasso a Segunda Década
para o Desenvolvimento.22
A Unctad III, como já mencionado, ocorreu em abril de 1972,
em Santiago do Chile. A avaliação brasileira da Conferência se deu na
XXVII Assembleia Geral da ONU, no mesmo ano, por meio do discurso
do embaixador Sérgio Armando Frazão. Ele apontou as duas resoluções
referentes à participação dos países em desenvolvimento nos proces-
sos de tomada de decisão em assuntos comerciais, a resolução 39 (III),
sobre a transferência de tecnologia, e a resolução 62 (III), a respeito das
medidas especiais para os países menos desenvolvidos, como os docu-
mentos mais importantes aprovados pela Unctad III. Citou também a
resolução 42 (III) sobre seguro e resseguro, que propiciava aos países
em desenvolvimento lutar pela redução dos custos de seus seguros e
resseguros e para o adequado aumento em sua capacidade de reten-
ção. A resolução 81 (III), que apontava para a reforma institucional da
Unctad, havia muito defendida pela delegação brasileira, também foi
elogiada.23 Apesar da repetição das críticas, sempre presentes nos foros
dessa natureza, chamava a atenção o caráter otimista da apreciação,
que contrasta com as anteriores, principalmente com as referentes à
Unctad II e à Primeira Década das Nações Unidas para o Desenvolvi-
mento. A partir dali, começava-se a perceber o que singularizava a di-
plomacia do interesse nacional nos foros multilaterais. Se na Unctad II,
em 1967, a delegação brasileira era claramente a porta-voz dos inte-
resses latino-americanos, na Unctad III, a distância econômica brasilei-
ra da média do Terceiro Mundo limitou severamente suas iniciativas,
mesmo entre os latino-americanos.24 A Unctad III foi frustrante em seus
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 57

resultados para maioria dos países em desenvolvimento, mas o Brasil


se beneficiou justamente nos aspectos que o diferenciavam da média
do Terceiro Mundo, quais sejam, a reforma monetária internacional, a
questão dos seguros e a transferência de tecnologia.25 A apreciação de
Frazão na XXVII Assembleia Geral da ONU diferencia-se por seu tom
pragmático, em contraste com o retórico de outras manifestações do
gênero. O embaixador citou resolução por resolução e avaliou em que
medida serviam ou não para o desenvolvimento brasileiro. As críticas
de praxe, em contrapartida, estavam ausentes da declaração.
Apesar dos resultados relativos, a Unctad III consolidou o papel
da Unctad como órgão principal para o debate das questões relativas
ao crescimento e desenvolvimento econômico e preteriu outros órgãos
tradicionais da ONU, como o Ecosoc.
A reunião do “Grupo dos 77”, em Lima, no Peru, em outubro de
1971, foi uma das reuniões preparatórias da Unctad III. O Brasil optou
nessa ocasião por acentuar sua posição junto aos países em desenvol-
vimento. Mario Gibson Barboza iniciou seu discurso incitando os 77 a
se concentrarem em seus pontos comuns de interesse e fez um apelo
ao favorecimento dos países de menor desenvolvimento relativo. No
momento das críticas aos países desenvolvidos, contudo, ressaltou os
aspectos que atingiam diretamente os interesses brasileiros, como o
sistema financeiro internacional, a tentativa de os países desenvolvidos
estabelecerem regras para o controle do meio ambiente, a questão do
transporte de mercadorias e a transferência de tecnologia.26
No “Grupo do 77”, assim como no Grupo dos Países Não Ali-
nhados, do qual o Brasil nunca participou e somente aceitou atuar
como observador em suas conferências, como se deu em Argel, em
setembro de 1973, ficaram cada vez mais aparentes, principalmen-
te a partir de 1972, o status intermediário e os interesses diversi-
ficados do Brasil. Sua representação nesses foros foi contraditória
e conflituosa e enveredou para uma posição independente cada vez
que seus interesses chocavam-se com os de algum grupo. Wayne Sel-
cher sistematiza as principais diferenças entre o Brasil e a média dos
países em desenvolvimento nesses foros, entre 1970 e 1977, quais
sejam, um governo conservador pró-capitalista, que tem reservas a
pontos de vista radicais no Terceiro Mundo; as posições antiterro-
ristas militantes e muito acentuadas; a orientação pró-ocidental em
58 A diplomacia do interesse nacional

alguns temas de segurança; a oposição à expulsão de Formosa, em


1971, de Israel e da África do Sul de órgãos da ONU, assim como re-
lações amistosas com os dois últimos; moderação no nacionalismo
econômico, com ampla aceitação de investimentos estrangeiros e
empresas multinacionais; ausência de interesse em temas coloniais
marginais, como as Ilhas Malvinas, Porto Rico e o Canal do Panamá;
pouco interesse em temas de segurança política que não afetassem
diretamente o Brasil, como os relacionados ao Camboja, à Coreia e ao
Vietnã; denúncias de desrespeito aos direitos humanos no Brasil, e
posição brasileira favorável ao Chile de Augusto Pinochet nessa ma-
téria; suporte à manutenção das sanções da OEA a Cuba e recusa em
restaurar relações com Havana; acusações de prática imperialista do
Brasil por parte de países latino-americanos; resistência a um con-
fronto Norte-Sul direto e ênfase no pragmatismo; ênfase, também,
no tratamento conferido aos produtos manufaturados dos países em
desenvolvimento; maior moderação no trato com o Ocidente; rejei-
ção explícita da posição não alinhada; maior ênfase nos meios para
aumentar a riqueza global e menor preocupação com o reparo dos
erros do passado pelos países desenvolvidos.27
A relação apresentada pelo autor evidencia o pragmatismo em
questões econômicas e a fuga de temas políticos. Isso também explica
a maior compatibilidade do Brasil com o G77 em detrimento daqueles
não alinhados. Ao contrário do perfil eminentemente político dos não
alinhados, que deixava o Brasil em posição de isolamento, o G77 concen-
trava-se mais em temas econômicos relevantes aos interesses brasilei-
ros, com processos de negociação mais pragmáticos.28

O Brasil na ONU

No que diz respeito à ONU, convém analisar o perfil do Brasil no


Conselho de Segurança e na Assembleia Geral.
Apesar da atividade histórica brasileira como membro não
permanente do Conselho de Segurança e da aspiração a um assento
permanente, seu desempenho nunca foi inovador nesse foro. O estilo
brasileiro sempre foi conciliador e caracterizado por ativa participa-
ção em operações de paz. O Brasil também se destaca por apresentar
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 59

sugestões importantes em momentos de crise, como ocorreu em 1964,


na disputa entre o Panamá e os Estados Unidos, e na Guerra no Oriente
Médio, em 1967.29
No período em questão, destacou-se uma sugestão brasileira
para resolver questões controversas que paralisavam os trabalhos do
Conselho de Segurança. Mario Gibson Barboza, na abertura do deba-
te da XXV Assembleia Geral da ONU, em 1970, defendeu a criação de
comitês informais ad hoc para a solução pacífica de litígios de difícil
solução. Estes seriam integrados pelas partes em conflito e por outras
delegações escolhidas pelo Conselho mediante sugestão dos litigantes.
Seu mandato seria amplo, flexível e funcionaria sem atas e sem agenda
predeterminada, sob a autoridade do Conselho de Segurança. O obje-
tivo, segundo Gibson, seria a reativação diplomática das Nações Uni-
das.30 Apesar de muitas delegações considerarem a ideia interessante,
não foi implementada.
Quanto ao desempenho brasileiro na Assembleia Geral, entre
1969 e 1974, dividiremos nossa análise em dois momentos; em pri-
meiro lugar, aproveitando os dados levantados por Wayne Selcher em
Brazil’s Multilateral Relations, apresentaremos um perfil quantitativo.
Embora nosso estudo refira-se ao período de 1969 a 1974, utilizare-
mos dados de anos anteriores e posteriores, com finalidade compara-
tiva. Após isso, procederemos a uma comparação entre os quatro dis-
cursos de abertura do debate geral da ONU de Mario Gibson Barboza,
em 1970, 1971, 1972 e 1973.
Wayne Selcher apresenta uma ampla gama de dados quantita-
tivos referentes às votações do Brasil na Assembleia Geral da ONU entre
1965 e 1975. Os mais interessantes para a nossa análise são os que per-
mitem comparações entre o Brasil e grupos regionais e os que confron-
tam o Brasil com os países do Terceiro Mundo.
Os grupos regionais são compostos pelos países ocidentais, pe-
los comunistas, pelos árabes, pelos da África Negra, da Ásia, da Améri-
ca Latina, da China e da Albânia. As comparações são feitas por temas
agrupados em três grandes conjuntos, quais sejam, temas políticos e de
segurança; temas econômicos e temas coloniais. A metodologia empre-
gada calcula os acordos como a percentagem do total de membros em
cada grupo, em cada ano, que votaram pelo menos 75% das vezes na
mesma direção do Brasil. Essa opção não implica influência direta de
60 A diplomacia do interesse nacional

um grupo de países em outro, mas estabelece similaridades e diferenças


em definição de interesse nacional.
Os temas políticos e de segurança (tabela1) mostram uma com-
patibilidade inicial (1965-66) muito alta com o Ocidente, que declina ao
longo do período, caindo a zero em 1974. A concordância com os comu-
nistas é baixa ao longo de todo o período, sendo mais comum com a Iu-
goslávia, em razão de seu papel proeminente no Terceiro Mundo. A con-
cordância com os árabes também é baixa, com exceção de 1967 e 1973,
anos de maior compatibilidade política do Brasil com o Terceiro Mundo.
Isso ocorreu provavelmente pelo fato de esses dois anos marcarem con-
junturas de radicalização do movimento do Terceiro Mundo, com fortes
pressões pela adesão. A adesão ao grupo latino-americano é a mais re-
gular no período. O Brasil assumiu claramente uma posição não militan-
te em temas políticos e de segurança, uma vez que suas concordâncias
nestes são, via de regra, com os membros mais moderados da Ásia, da
África e da América Latina. Incompatibilidades com os membros mais
radicais do grupo produziram abstenções e votos negativos que fizeram,
a partir de 1974, cair o nível de concordância.31
O padrão em questões econômicas (tabela 2) indica indepen-
dência considerável até 1974, com clara tendência de alinhamento ao
Terceiro Mundo, sem, contudo, se deixar levar pelo grupo. Após anos
de votos indiferenciados nesse tema, o Brasil ingressou firmemente
com o Sul nas disputas Norte-Sul, a despeito das reservas de grau e
de estilo. Como a tabela mostra, esses foram anos de crescente isola-
mento do Ocidente em temas econômicos. Nesses temas, a situação a
partir de 1970 tornou-se muito polarizada, a qual impediu o Brasil de
permanecer à parte.32
Os temas coloniais (tabela 3) apresentam as diferenças mais
substanciais entre o Brasil e o Terceiro Mundo. O isolamento relativo
pós-1967 chama a atenção, com a exceção do acordo forçado com o Ter-
ceiro Mundo, em 1974, em função da política do petróleo e do interesse
pela descolonização da África. Antes desse ano, os poucos alinhamentos
eram com membros moderados, latino-americanos, asiáticos ou ociden-
tais. Em todos os anos, salvo 1974, o Brasil discordou nesse tema tan-
to do Ocidente quanto do Terceiro Mundo. Um alto grau de abstenções,
com alguns votos em ambos os lados (Ocidente e Terceiro Mundo), é a
principal causa do baixo número de concordâncias.33
Tabela 1 – Padrões de concordância regional do Brasil em ou acima de 0.75
(75%) nas votações do plenário da Assembleia Geral da ONU em temas políticos e de
segurança, 1965-1975 (expressos em percentagem de cada grupo regional)

nº de Grupo Comu- África América China,


ano total Árabes Ásia
votos Ocidental nistas Negra Latina Albânia

1965 13.0 66.0 88.0 0.0 38.5 41.4 61.5 85.7 50.0
1966 18.0 56.0 84.0 0.0 0.0 35.5 20.0 90.9 50.0
1967 6.0 71.0 24.0 18.2 85.7 56.2 66.7 95.7 50.0
1968 21.0 29.0 52.0 0.0 0.0 8.6 6.7 52.2 0.0
1969 33.0 18.0 4.0 0.0 0.0 14.3 6.7 47.8 0.0
1970 82.0 12.0 8.0 0.0 0.0 0.0 12.5 34.8 0.0
1971 63.0 27.0 24.0 0.0 0.0 22.9 31.2 34.8 0.0

Adaptado de SELCHER, W. Op. cit., p. 183.


1972 53.0 37.0 4.0 0.0 11.1 31.4 23.5 82.6 0.0
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação

1973 52.0 93.0 30.8 16.7 94.4 82.9 100.0 79.2 100.0
1974 60.0 7.0 0.0 0.0 5.6 2.8 5.9 16.0 0.0
1975 72.0 20.0 8.0 0.0 5.6 17.1 38.9 12.0 0.0
61
Tabela 2 – Padrões de Concordância Regional do Brasil em ou acima de 0.75
(75%) nas votações do Plenário da Assembleia Geral da ONU em temas econômicos,
1965-1975 (expresso em percentagem de cada grupo regional)
número Grupo Comuni- África América China,

Adaptado de SELCHER, W. Op. cit., p. 185.


ano total Árabes Ásia
de votos Ocidental stas Negra Latina Albânia
1965 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
1966 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
A diplomacia do interesse nacional

1967 5.0 7.0 0.0 0.0 7.1 0.0 0.0 21.7 50.0
1968 10.0 10.0 4.0 0.0 0.0 8.6 13.3 17.4 0.0
1969 1.0 24.0 60.9 54.5 0.0 11.1 22.2 0.0 0.0
1970 10.0 87.0 16.7 9.1 92.9 100.0 93.3 87.0 100.0
1971 10.0 7.0 8.0 0.0 11.8 3.0 0.0 9.1 0.0
1972 64.0 53.0 0.0 18.2 44.4 48.6 23.5 87.0 100.0
1973 29.0 26.0 3.8 0.0 0.0 26.5 18.7 50.0 50.0
1974 67.0 106.0 8.0 100.0 100.0 94.4 94.1 88.0 100.0
1975 7.0 107.0 24.0 100.0 100.0 89.7 100.0 68.0 100.0
62
Tabela 3 – Padrões Regionais de Concordância do Brasil em ou acima de 0.75
(75%) nas votações de Plenário da Assembleia Geral da ONU em temas coloniais e de
comércio, 1965-1975 (expresso em percentagem de cada grupo regional).

núme- Grupo Améri-


Comu- África China,
ano ro de total Ociden- Árabes Ásia ca Lati-
nistas Negra Albânia
votos tal na

1965 23.0 13.0 4.0 0.0 0.0 0.0 0.0 52.4 50.0
1966 9.0 25.0 36.0 0.0 0.0 6.7 26.7 40.9 50.0
1967 12.0 13.0 4.0 0.0 14.3 15.6 6.7 17.4 0.0
1968 34.0 2.0 0.0 9.1 0.0 0.0 0.0 4.3 0.0
1969 24.0 6.0 0.0 0.0 0.0 2.9 0.0 17.4 50.0
1970 27.0 1.0 4.2 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
1971 71.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0

Adaptado de SELCHER, W. Op. cit., p 188.


1972 35.0 1.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 4.3 0.0
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação

1973 51.0 1.0 3.8 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0
1974 17.0 112.0 32.0 100.0 100.0 97.2 100.0 80.0 100.0
1975 56.0 3.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 12.0 0.0
63
64 A diplomacia do interesse nacional

No que diz respeito à relação do Brasil com o Terceiro Mundo,


há um dado bastante elucidativo quanto ao perfil do País entre 1965 e
1975, período analisado por Selcher. Dos 1.593 votos considerados, hou-
ve um consenso dos países em desenvolvimento em 1.036 votos (65%).
O Brasil votou com o consenso dos países em desenvolvimento 47% das
vezes. Isso ilustra o fato de o Brasil não poder ser facilmente alocado
no Terceiro Mundo, já que uma concordância de quase 50% não sugere
tendência alguma, ou ainda sugere que o País discrimina de acordo com
seus interesses, independentemente de grupos 34
Individualizando esse perfil para o período Médici, percebe-se
um maior nível de coesão para os anos de 1969, 1970 e 1971. À medida
que a radicalização do Terceiro Mundo cresce, o Brasil torna-se reticen-
te em acompanhar tal tendência. Comparando 1973 a 1972, a coesão do
Terceiro Mundo aumentou em 15,8%, mas o nível de acordo do Brasil
caiu em 17,8%. De forma geral, sua queda deveu-se aos baixos níveis
de acordo em votos sobre refugiados, direitos humanos, bem como em
matérias sobre questões de independência coloniais.35
Mario Gibson Barboza, honrando a tradição, procedeu à aber-
tura de quatro Assembleias Gerais da ONU, a XXV, XXVI, XXVII e XXVIII,
nos anos de 1970, 1971, 1972 e 1973, respectivamente. O caráter desses
discursos de abertura foi sempre de análise do panorama internacional,
o qual relacionava esse panorama com os trabalhos da organização. Al-
guns temas abordados aparecem nos quatro discursos, já que envolvem
os preceitos da política externa brasileira e suas principais reivindica-
ções nos foros multilaterais. É o caso da defesa da solução pacífica dos
conflitos, da autodeterminação dos povos, da soberania nacional sem
restrições, da cooperação com os países da América Latina e da luta con-
junta com os países em desenvolvimento. A necessidade de reforma da
Carta, uma das bandeiras da política multilateral brasileira, se repetiu
nos quatro anos. No que diz respeito a esse tema, as exortações brasilei-
ras deram-se em dois sentidos. Em primeiro lugar, havia um apelo para
a aplicação dos preceitos presentes na Carta, a tentativa de solução de
conflitos com a utilização de mecanismos que já existiam, mas relega-
dos em detrimento do emprego de políticas de poder não condizentes
com o espírito da Carta. Em segundo lugar, existia a sugestão de reforma
propriamente dita. O argumento foi o envelhecimento institucional da
ONU, sua incapacidade para lidar com situações inexistentes e impre-
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 65

vistas em 1945. Em 1972, o chanceler lembrou preverem os próprios


formuladores da Carta sua revisão no artigo nº 109, bem como tal me-
canismo nunca foi considerado com seriedade pelas nações integrantes
da organização.36 O Brasil, nessa mesma ocasião, apresentou as suas su-
gestões, como a adoção operacional do conceito de segurança econômi-
ca coletiva, a importância das operações de paz, o estabelecimento de
comitês ad hoc para aumentar a eficiência do Conselho de Segurança e
a necessidade da discussão do papel e estrutura organizacional do Con-
selho.37 De forma geral, a proposição foi no sentido de uma revitalização
diplomática da ONU e de sua utilização como o foro principal das discus-
sões importantes. Em 1970, Gibson afirmou que, embora a ONU fosse o
foro que deveria ser dedicado à discussão da paz, da segurança coleti-
va e do desenvolvimento, estava sendo utilizada para a abordagem das
“novas tarefas” – tecnologia, meio ambiente e crescimento populacional
– as quais, na opinião do chanceler, deveriam ficar a cargo das agências
especializadas. Ele ressaltava ainda que a ONU sofria o risco de ser re-
duzida a um Instituto Internacional de Tecnologia.38 Apesar de atestar a
necessidade de revisão da Carta, o representante do Brasil manifestava
o temor de uma reforma que reafirmasse a divisão desigual de poder.39
O desenvolvimento também foi tema de destaque nesses qua-
tro anos, apesar da maior ênfase no ano de 1971. Nesse item há a defesa
veemente do conceito de segurança econômica coletiva. Este foi con-
cebido no princípio da década de 1950, quando o interesse dos países
desenvolvidos desviou-se parcialmente da reconstrução europeia para
os problemas de desenvolvimento. O Brasil teve ampla participação na
elaboração desse conceito, que já fora incluído nos anais da XV Assem-
bleia Geral. A segurança econômica coletiva, nas palavras de Mario Gib-
son Barboza,

[...] postula, em primeiro lugar, o direito de todas as


nações ao desenvolvimento econômico e social. Postu-
la, também, o dever dos países economicamente mais
desenvolvidos de contribuírem para eliminação, de
acordo com calendários negociados, e de toda manei-
ra, antes do término da Segunda Década para o Desen-
volvimento, dos obstáculos externos que as economias
desenvolvidas opõem à aceleração do crescimento dos
66 A diplomacia do interesse nacional

países em fase de desenvolvimento [...] pressupõe, ain-


da, a proteção de todos os Estados-Membros contra
agressões, ameaças ou pressões econômicas, especial-
mente quando ligadas ao comércio e financiamento in-
ternacionais; pressupõe, da mesma forma, o respeito à
soberania de todos os Estados sobre os seus recursos
naturais, e sua consequência político-econômica, isto
é, o direito de livremente protegê-los e explorá-los, em
benefício de suas populações e segundo suas próprias
necessidades.40

Apesar do caráter abrangente da proposta, percebe-se a alu-


são às pressões que o Brasil vinha recebendo em função da ampliação
do mar territorial para 200 milhas. O conceito de segurança econômica
coletiva foi incluído na Estratégia para a Segunda Década de Desenvol-
vimento, em 1970, e aparece com muita frequência nas manifestações
brasileiras em foros multilaterais por ser considerado uma formulação
brasileira.
Ainda quanto ao desenvolvimento, são feitas críticas à falta de
vontade política das nações desenvolvidas e à opção por essas nações
de uma estratégia da estabilidade da pobreza em detrimento de uma
estratégica dinâmica para o desenvolvimento. Questões mais caras em
relação a esse aspecto para o Brasil também são mencionadas como a
necessidade de reforma dos sistemas de comércio e monetário41 e as
decisões adotadas pelo governo norte-americano para corrigir o déficit
de seu balanço de pagamentos, que atingiam as economias dos países
em desenvolvimento.
As críticas ao descaso dos países desenvolvidos com as ques-
tões de desenvolvimento eram as mais contundentes, mas o chanceler
reconhecia serem as limitações da ONU nos planos políticos e de segu-
rança maiores do que nos econômicos e sociais.42 Quanto a esse ponto,
o diagnóstico se resumia a um esvaziamento da ONU no tratamento de
temas políticos e segurança, que eram, apesar de sua importância para
toda a humanidade, tratados em conversações restritas às potências e
de poucos resultados. A ideia de copresidência associada à détente e
de consequente paralisação do cenário internacional era bem presen-
te. Apesar disso, Gibson não se esquecia de apontar que a constatação
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 67

do congelamento de poder não significava a adoção de uma visão si-


métrica das superpotências.43 É claro para o chanceler que, enquanto
nas questões econômicas e sociais, os países menos desenvolvidos têm
alguma participação, eles estão totalmente excluídos dos debates de
temas políticos e de segurança. Um exemplo mencionado por ele foi o
ingresso da República Popular da China no Conselho de Segurança, de
acordo com a vontade dos grandes. Outro, citado de forma recorrente,
referia-se à morosidade e à inoperância das convenções sobre o desar-
mamento, defendido pelo Brasil de forma geral e irrestrita.
As críticas à despolitização e ao tecnicismo dos foros interna-
cionais revelam uma das maiores contradições entre a política externa
e a política interna do governo Médici. Carlos Estevam Martins lembra
que a tecnocratização dos processos decisórios era apresentada no pla-
no interno como meio para promover os interesses de todas as classes e
setores da população, ao passo que, no plano externo, denunciada como
arma dos países desenvolvidos contra os países pobres e em desenvol-
vimento.44 De fato, a diplomacia do interesse nacional apelava principal-
mente em foros multilaterais para a politização das discussões. Todavia,
era restrita, referente somente às questões de interesse nacional, prin-
cipalmente às de desenvolvimento e de jurisdição de recursos naturais.
De questões políticas controversas ou que exigissem posicionamentos
radicais, o Brasil mantinha-se estrategicamente afastado e angariava in-
clusive antipatia dos membros mais radicais do Terceiro Mundo.
Outra questão, que aparece com grande destaque em 1972, era
o repúdio brasileiro ao terrorismo. Nessa ocasião, Gibson criticava as
proposições adotadas pela ONU como muito brandas e quase levemente
tolerantes com o terrorismo, bem como registrava os resultados limita-
dos quanto a esse tema da Assembleia Extraordinária da Organização
dos Estados Americanos, em 1971.45 O Brasil sustentava posições bas-
tante radicais a respeito da punição do terrorismo. Os dois primeiros
anos do governo Médici corresponderam ao auge dos sequestros de di-
plomatas no Brasil. Esses eventos abalavam a imagem de estabilidade e
prosperidade que o Governo tentava forjar, assim como geravam situa-
ções de crise com outros países, atraindo a atenção mundial para o fato
de o Brasil encontrar-se sob um governo militar.
Apesar do caráter retórico desse tipo de discurso, constitui um
bom indicador das preocupações do Brasil em termos mundiais, bem
68 A diplomacia do interesse nacional

como indicam de que forma a diplomacia vinha recebendo as mudanças


no plano internacional. Os discursos dos quatro anos são semelhantes
em conteúdo e em contundência, mas com algumas diferenças percep-
tíveis. Em 1970, a ênfase maior era na ONU, no seu funcionamento e
limitações. Sem dúvida, isso se deveu ao fato de aquele ano ser o da
comemoração dos seus 25º aniversário. Em 1971, destacou-se a maior
agressividade do discurso de crítica ao descaso dos países desenvolvi-
dos com as questões de desenvolvimento, ao passo que nos dois subse-
quentes o foco se situava em reprovações à Realpolitik, não condizente
com os preceitos da Carta da ONU, e à exclusão dos países em desenvol-
vimento das grandes discussões mundiais.
Embora a diplomacia bilateral e multilateral sejam considera-
das inseparáveis quando se busca compreender a política externa de
uma nação em determinado período, elas não possuem o mesmo peso.
No Brasil do período Médici, apesar da participação intensa e atuante
nos foros multilaterais, as relações e conquistas substantivas davam-se
no plano bilateral. Todavia, o posicionamento nos foros multilaterais,
seja ele das agências especializadas, do G77, da ONU ou de outros, muito
nos revela a respeito do caráter dessa política externa. Em primeiro lu-
gar, a atuação multilateral define as linhas gerais da política externa, pois
se constitui no momento de confrontação entre o nacional e o estrangei-
ro. É a nação que mostra sua identidade para as outras. Isso explica o
caráter de continuidade evidenciado no discurso multilateral brasileiro,
que se assemelhava inclusive em períodos completamente diversos do
ponto de vista de política interna. Em segundo lugar, em razão da neces-
sidade de interlocução com diferentes nações, com diferentes posicio-
namentos ideológicos e diferentes parcelas de poder, pode-se perceber
o que é considerado mais importante para o país, já que, de certa forma,
as reivindicações são hierarquizadas. Será dado maior destaque ao que
é mais premente. Finalmente, o relacionamento multilateral permite a
percepção da forma com que a nação recebe e trabalha com as altera-
ções no sistema internacional, pois praticamente todas as mudanças são
levadas aos foros multilaterais.
A análise da política multilateral do período Médici nos per-
mite transitar por esses três níveis. Os princípios gerais da política ex-
terna brasileira, de tradição histórica, estão presentes de forma exaus-
tiva, como o não confrontacionismo, com o direito à autodeterminação
Bilateralismo e terceiro-mundismo como membros de uma mesma equação 69

dos povos, e a não intervenção; o jurisdicismo, e o realismo, de caráter


pragmático. Percebe-se também que, apesar de a diplomacia multilate-
ral brasileira haver atuado nos mais diversos foros e discutindo os mais
variados temas, o desenvolvimento foi, no período em questão, o car-
ro-chefe. Além do mais porque os dividendos relacionados ao desenvol-
vimento eram os mais fáceis de serem colhidos nos foros multilaterais
por uma potência média como o Brasil; logo, os eleitos. Lembremos que
para os formuladores da política externa do período, o aumento da par-
cela de poder viria somente com o desenvolvimento e de forma quase
natural. Daí a diferença do tom retórico para o tom militante quando o
chanceler falava de questões políticas e de segurança, ou de questões
sociais e econômicas. No que diz respeito ao impacto do sistema inter-
nacional sobre a diplomacia multilateral, os exemplos eram muitos. Os
discursos e declarações do chanceler e dos embaixadores nos foros mul-
tilaterais foram na maior parte das vezes análises refinadas da situação
internacional. A atuação nestes foram igualmente reveladoras e mostra-
ram a forma como as novas preocupações atingiam o País e como sua si-
tuação interna, sempre cambiante, refletia-se sobre elas. Era o caso das
discussões sobre meio ambiente e tecnologia, na ordem do dia na época.
Quanto ao meio ambiente, o posicionamento foi militante e agressivo,
pois a legislação internacional restritiva limitaria o desenvolvimento do
Brasil. Já quanto à monopolização de tecnologia pelos países desenvol-
vidos, o discurso foi mais suave, de caráter exclusivamente tecnológico e
fugia a considerações históricas ou políticas. O Brasil não desejava uma
nova divisão internacional do trabalho, mas se inserir de forma positiva
na que já existia. Daí o discurso mais brando, com tendência a se suavi-
zar consideravelmente à medida que o País atingia suas metas. Muitos
outros exemplos poderiam ser dados. No entanto, para nossa análise o
importante é justificar o estudo da política multilateral em um período
no qual as decisões fundamentais ocorriam nos foros bilaterais.
Capítulo 3

Relações hemisféricas

Contexto internacional e diplomacia


do interesse nacional

O período entre outubro de 1969 e março de 1974 tes-


temunhou uma série de mudanças substantivas no
cenário internacional. Tomando o século XX como referência, ele pode
ser situado dentro do embate entre o sistema capitalista e o subsistema
socialista, denominado após 1945 de Guerra Fria. Se, a seguir, tomamos
esta como foco de interesse, esses quatro anos se situam na fase deno-
minada pelos historiadores de coexistência pacífica, ou détente. Caracte-
riza tal espaço de tempo a multipolaridade política decorrente do afrou-
xamento dos laços do sistema capitalista e do subsistema socialista com
seus satélites; o policentrismo econômico, resultante da prosperidade
da Europa e do Japão, em grande parte patrocinada pelos EUA, e a ero-
são do sistema norte-americano, caracterizada pela crise financeira e
moral que atingiu aquele país nesses anos.
Eric Hobsbawm divide o período da Guerra Fria, entre 1945-
90, em dois e toma como marco divisório a década de 1970. Esta tam-
bém assinala o fim dos chamados “anos dourados”, de prosperidade
do mundo capitalista desenvolvido, findos com a violenta crise dos
anos 1970.1
72 A diplomacia do interesse nacional

Desses 45 anos, interessam para nossos objetivos os 30 ini-


ciais, encerrados na década citada. Os primeiros dez anos foram os de
Guerra Fria propriamente dita, quando houve maior possibilidade de
enfrentamento armado entre as superpotências. A partir de 1955, ini-
ciou-se uma fase de desanuviamento, que se consolida depois da crise
dos mísseis de 1962.2 Foi o intervalo conforme anteriormente denomi-
nado coexistência pacífica, ou détente, que resulta de um movimento
iniciado em meados da década de 1950, com o deslocamento do eixo
Leste-Oeste para Norte-Sul e a multipolaridade política. O cenário in-
ternacional começava a abandonar a rígida bipolaridade do imediato
pós-guerra. Concorreram para esse movimento os seguintes fatores,
quais sejam, a emergência de novos atores no sistema internacional,
as mudanças no campo socialista e a eclosão de novos polos de desen-
volvimento no campo capitalista, os quais passaram a concorrer com
a potência norte-americana. A détente da década de 1960 catalisaria o
processo de multipolaridade.
O processo de descolonização acrescentou novas nações
soberanas ao mapa e trouxe à tona suas reivindicações. Em 1952,3
foi cunhado o termo Terceiro Mundo para designar os países sub-
desenvolvidos, em contraposição ao mundo capitalista desenvolvido,
Primeiro Mundo, e aquele socialista desenvolvido, Segundo Mundo.
Foi a Conferência de Bandung, em abril de 1955, na Indonésia, que
marcou a emergência do Terceiro Mundo no cenário internacional.
Os 29 países-membros, afro-asiáticos, manifestaram pela primeira
vez após a Segunda Guerra Mundial o que nas décadas posteriores
seria conhecido como conflito Norte-Sul. A heterogeneidade das na-
ções representadas em Bandung não impediu sua união em torno
dos mesmos termos, pois todos eram países pobres; todos eram de-
pendentes; todos tinham governos que visavam ao desenvolvimento;
nenhum acreditava no mercado mundial capitalista para esse fim e
todos queriam se manter à margem da temida Terceira Guerra Mun-
dial.4 Apesar das acusações de neocolonialismo soviético na Europa
Oriental, os países neutralistas não eram igualmente hostis às duas
superpotências.5 Os fundadores do movimento eram ex-revolucioná-
rios coloniais radicais, como Jawaharlal Nehru, da Índia; Sukarno, da
Indonésia; Gamal Abdel Nasser, do Egito, e um dissidente comunista,
Josip Tito, da Iugoslávia, os quais se declaravam socialistas e estavam
Relações hemisféricas 73

dispostos a aceitar ajuda econômica e militar da URSS.6 Após a Revo-


lução Cubana de 1959, o não alinhamento atingiu a América e coop-
tou justamente os membros menos simpáticos aos Estados Unidos.
Em 1961, em Belgrado, ocorreu a Primeira Conferência dos Países
Não Alinhados.
Eles representavam, sem dúvida, uma nova força diplomática
no cenário internacional. Suas reivindicações se centravam no anticolo-
nialismo, na defesa do desarmamento, na crítica aos blocos nucleares e
às experiências nucleares. Até 1974, houve mais três conferências dos
países não alinhados, ou sejam, em 1964, no Cairo, Egito; em 1970, em
Lusaka, Zâmbia, e em 1973, em Argel, Argélia.
A importância desse novo ator verificou-se pela primeira vez
com a crise de Suez,7 de 1956. Ao mesmo tempo que evidenciava um
poderio crescente do Terceiro Mundo, marcava a diminuição da im-
portância europeia no cenário internacional. Além disso, a crise regis-
trou a confluência das duas superpotências e fortaleceu o nacionalismo
terceiro-mundista.
Os novos atores ingressavam na ONU e modificavam cada vez
mais o perfil desse foro. Após 1955, houve ingresso de um grande con-
tingente asiático, e, em menor escala, de países africanos. Até 1960, es-
tes compensavam seu pequeno número com a intransigência,8 quando,
então, ingressaram de forma considerável na entidade. A partir dessa
data, os afro-asiáticos passaram a constituir mais da metade da Assem-
bleia Geral.
Na década de 1970, a ONU tornou-se de fato uma instituição
mundial. Os países do Terceiro Mundo, sem influência no Conselho de
Segurança, começaram a utilizar as agências especiais econômicas, so-
ciais e tecnológicas como foros de discussão e decisões em relação ao
desenvolvimento desigual.
A fase de desanuviamento foi marcada também por profundas
mudanças no mundo comunista. A morte de Stalin, a ascensão de Niki-
ta Kruschev e o subsequente processo de desestalinização modificaram
tanto as relações internas na Europa Oriental quanto suas relações com
Moscou. A denúncia dos crimes de Stalin atingiu diversos líderes do Les-
te Europeu, que deviam sua legitimidade à fidelidade ao estalinismo. O
reconhecimento da via pacífica para o socialismo, um aceno ao Terceiro
Mundo, também colocava em questão o poder na Europa do Leste.9
74 A diplomacia do interesse nacional

Apesar dos problemas internos, o comunismo continuava pres-


tigiado no Ocidente, e a URSS terminava a década de 1950 com o status
de potência mundial. Isso levou Kruschev a abandonar o procedimento
defensivo e reativo de Stalin e a investir nas relações com o Terceiro
Mundo, que, por seu turno, muitas vezes alimentava seu nacionalismo
com socialismo e, mesmo quando não alinhado, não rejeitava ajuda eco-
nômica soviética.
Todavia, apesar da prosperidade soviética e dos avanços no
plano diplomático, iniciaram-se os efeitos de longo prazo da desesta-
linização. Após a morte de Stalin, Mao Tsé-Tung assumiu o posto de lí-
der carismático do Movimento Comunista Internacional. Ele não só se
opunha à desestalinização como não tinha interesse na coexistência
pacífica, que, pela imobilidade que impunha às relações internacionais,
relegava a China a uma posição marginal. Começou, então, a disputa pela
liderança do movimento comunista que levaria à ruptura sino-soviética
na década seguinte.
A URSS iniciou os anos 1970 sob a liderança de Leonid Brejnev,
época de maior prosperidade soviética. Foi atingido o equilíbrio nuclear
estratégico, e o entendimento sobre as questões principais se resumia
diretamente entre as duas superpotências.
Essa maior flexibilidade no mundo socialista, também econô-
mica, caminhava no sentido de uma maior abertura para o Ocidente. A
ideia subjacente era a de que trocas comerciais vantajosas poderiam ser
possíveis entre países de diferentes orientações ideológicas, desde que
os entendimentos se limitassem ao plano comercial.
Esses “anos dourados” foram marcados pela recuperação da
Europa Ocidental e pela emergência do Japão como um novo polo de
desenvolvimento do capitalismo. Esse processo gerou um policentrismo
econômico que atenuou as diferenças, antes abissais, entre a economia
norte-americana e as de seus aliados. Assim, os parceiros políticos pas-
saram a disputar mercados. O policentrismo econômico refletiu-se tam-
bém no plano político, como bem ilustram o nacionalismo gaullista da
década de 1960, a Ös politik da Alemanha Ocidental e a própria fórmula
da Comunidade Europeia.
A Guerra Fria foi um dos motores dessa prosperidade. A ne-
cessidade de estabilizar a Europa – onde, no final da guerra, o socialis-
mo era muito prestigiado –, protegendo-a do comunismo, e de plantar
Relações hemisféricas 75

um aliado poderoso no Oriente, principalmente após a tomada do po-


der pelos comunistas na China, em 1949, e da Guerra da Coreia, entre
1950-53, estimularam a generosidade e o empenho norte-americanos.
Outro ponto a ser salientado diz respeito aos benefícios que esses países
extraíram do guarda-chuva nuclear norte-americano, o qual os isentava
dos gastos militares. Isso conferia a estes o domínio do comporta-
mento internacional da Europa Ocidental. O desfecho da crise de Suez
muito bem ilustra esse fato. Todavia, os EUA não conseguiram impor o
modelo de uma Europa nos moldes norte-americanos. “A Comunidade
Europeia foi estabelecida como uma alternativa ao plano americano
de integração europeia.”10
À medida que avançava a Guerra Fria, a influência norte-ame-
ricana na Europa Ocidental situava-se cada vez mais no plano político
militar e menos no plano econômico. Dois fatores produziram o fluxo
de dólares para fora dos Estados Unidos na década de 1960, isto é, a
tendência norte-americana de financiar o déficit gerado pelos enormes
custos de suas atividades militares, principalmente a Guerra do Vietnã,
e um programa ambicioso de bem-estar social.

Durante a maior parte da década de 1960, a estabi-


lidade do dólar, e com ela do sistema de pagamento
internacional, não mais se baseava nas reservas dos
EUA, mas na disposição dos bancos centrais europeus
– sob pressão americana – de não trocar dólares por
ouro, e entrar num ‘Pool de Ouro’ para estabilizar o
preço do metal no mercado. Isso não durou. Em 1968
o ‘Pool de Ouro’ esgotou-se. De fato, acabou a conver-
sibilidade do dólar. Foi formalmente abandonada em
agosto de 1971 [...]11

Assim, o mundo chegava ao início da década de 1970 marca-


do pela multipolaridade política, policentrismo econômico e desgaste
do sistema norte-americano. No entanto, em que medida tal contexto
atingiu o Brasil, ou, mais precisamente, a formulação de sua política ex-
terna? Pode-se dizer que as mudanças iniciadas em meados da década
de 1950 já haviam atingido a política externa de Juscelino Kubitschek
e, em maior medida, a Política Externa Independente de Jânio Quadros
76 A diplomacia do interesse nacional

e de João Goulart.12 Todavia, nesses casos, a debilidade econômica do


Brasil, ainda na fase de substituição de importações, e a instabilidade
política (no caso do governo João Goulart) impediram o sucesso da im-
plementação de uma política externa mais avançada. A aposta do go-
verno Castelo Branco em uma parceria privilegiada com Washington
valia muito pouco em um cenário internacional congelado, no qual os
entendimentos faziam-se diretamente entre as superpotências. Nessa
perspectiva, Costa e Silva retomou os pressupostos da Política Externa
Independente, muito mais de acordo com o contexto internacional. A
situação econômica e a instabilidade política na época, pois o regime
militar ainda estava em fase de consolidação, impediram voos mais al-
tos. O boom econômico dos anos Médici, período do “milagre brasileiro”,
conferiu respaldo a uma maior ousadia no plano internacional. A partir
daí, a situação econômica do Brasil passou a sustentar uma maior inde-
pendência de sua política externa, sem desprezar o caráter de país dife-
renciado entre aqueles do Terceiro Mundo. Pode-se dizer que a partir do
governo Médici a formulação da política externa começou a combinar
com a situação econômica do País, de desenvolvimento rápido. Esse bi-
nômio, política externa/desenvolvimento econômico, encontrava-se em
descompasso desde o final da década de 1950.
Retomando a questão sobre em que medida a multipolarida-
de política, o policentrismo econômico e o desgaste do sistema nor-
te-americano atingiram a formulação da política externa brasileira no
período Médici, podemos dizer que o País passou a aproveitar-se das
contradições geradas por esse conjunto de fatores. Ora, o acordo tácito
entre as superpotências visava ao congelamento do poder, com vistas
à manutenção do status quo favorável a ambas. Falava-se, apropriada-
mente, em copresidência empreendida pelas potências rivais. Todavia,
a equivalência de forças de ambas no plano nuclear e a impossibilidade
prática de uma guerra, já que não existiriam vencidos nem vencedores,
terminaram por afrouxar os laços das alianças estratégicas, bem como
por conferir alguma margem de manobra às nações satélites, principal-
mente às mais bem situadas em termos econômicos. Esse fenômeno
relaciona-se diretamente ao policentrismo econômico e ao declínio da
hegemonia norte-americana. Ambos eram resultados do processo de in-
ternacionalização e interdependência entre os agentes econômicos, ini-
ciado em meados da década de 1950. Visto de outro ângulo, esse mesmo
Relações hemisféricas 77

processo era responsável pelo recrudescimento do conflito Norte-Sul, o


qual se refletia nos movimentos internacionais, que denunciavam o de-
senvolvimento desigual (Neutralismo; Não Alinhamento). No entanto,
ao mesmo tempo que se ampliava o hiato entre países ricos e pobres, o
policentrismo econômico era foco de novas oportunidades.
Segundo Antônio Carlos Morais Lessa:13

[...] as dificuldades no comércio internacional [...] consti-


tuem a face conjuntural de uma questão mais importan-
te, qual seja, a crise da divisão internacional do trabalho,
com a definição ainda tímida de um novo paradigma in-
dustrial que, se por um lado lança em crise setores in-
teiros das economias dos países centrais visando abrir
espaço para novos setores produtivos mais dinâmicos e
introdutores de novas tecnologias, por outro, abre jane-
las de oportunidades para países intermediários como o
Brasil, de economias razoavelmente infraestruturadas,
ocuparem os espaços relegados pelo rearranjo dos seto-
res tradicionais das economias do núcleo capitalista.

Assim, a diplomacia do interesse nacional visava melhorar gra-


dualmente a posição relativa do País no interior de uma ordem interna-
cional caracterizada pela onipresença das relações imperialistas.
Segundo Carlos Estevam Martins:14

[...] trata-se de cultivar o oportunismo (ou o pragmatis-


mo) no convívio com as demais nações, evitando situa-
ções de conflito agudo e explorando as oportunidades
de mobilidade internacional [...] Basicamente, tratava-
se de tirar o melhor partido possível das brechas, dese-
quilíbrios e anomias que porventura surjam no sistema
centro-periferia [...]

A leitura dos discursos e palestras do chanceler e de alguns em-


baixadores ao longo de todo o período Médici evidenciava uma aguda
percepção do contexto internacional, bem como das possibilidades que
este proporcionava a um país de porte intermediário.
78 A diplomacia do interesse nacional

Os textos são inúmeros, pronunciados em diferentes ocasiões e para


diferentes grupos. Os melhores, para os nossos fins, são os emitidos em foros
multilaterais – pela heterogeneidade de público a que se dirigiam –, muitos
por diplomatas “teóricos”, como Araújo Castro, e os mais didáticos, como os
proferidos na Escola Superior de Guerra ou em aulas inaugurais no Institu-
to Rio Branco. Comentaremos, então, alguns desses discursos, selecionados
com base na abrangência da análise realizada pelo orador.
Em pronunciamento na aula inaugural dos cursos de 1970 do
Instituto Rio Branco, em 10 de março daquele ano, o secretário-geral do
MRE, embaixador Jorge de Carvalho e Silva, apresentou uma verdadeira
teoria das relações internacionais na década de 1970. Ele identificava as
três principais características do início daqueles anos, como o bipolaris-
mo militar, o policentrismo político e o conflito Norte-Sul:

A ‘Guerra Fria’, tal como definida por teóricos da déca-


da de 50, também não existe mais. É verdade que per-
manece o bipolarismo de poder, que tipifica o mundo
desde o final da Segunda Guerra Mundial. Moscou e Wa-
shington continuam a ser, sem sombra de dúvida, os fo-
cos da força militar, tal como se compreende hoje, com
seus aspectos atômicos e balísticos [...]
Cada um dos dois polos de poder cria uma área de influ-
ência, na qual, entretanto, existem forças de degradação
que produzem o que alguns chamam policentrismo po-
lítico. A China de Mao Tsé-Tung, a França de De Gaulle e,
por breve período, a Tcheco-Eslováquia de Dubeck são
ilustrações típicas do policentrismo político ou, pelo
menos, de tendência policêntrica [...]
Nesse universo de dois centros de poder, cercado de
dissensões e tentativas de não enquadramento, vem-se
destacando, particularmente nos últimos 10 anos, o que
se pode denominar conflito Norte-Sul [...]15

O embaixador sintetiza:

Assim, numa visão esquemática da realidade interna-


cional, vê-se, dos ângulos político, ideológico e militar,
Relações hemisféricas 79

dois poderosos focos de irradiação, cercados de áreas


de maior ou menor influência, e, de uma forma ou de
outra, de possibilidades de poder e tentativas de inde-
pendência; e, do ângulo econômico, percebe-se a dife-
rença de interesses imediatos de pobres e ricos, com
estes mais capazes de defenderem suas posições. Para
os que gostam de nomes, bipolarismo, principalmente
militar, alguma tendência ao policentrismo político e
conflito Norte-Sul na economia.16

Na conferência intitulada “A Política Externa do Brasil na Dé-


cada de 1970” na Escola Superior de Guerra, em 17 de junho de 1970,
Mario Gibson Barboza identificou o que denominava “nacionalismo” das
potências médias e grandes, emergentes do afrouxamento de laços das
alianças pós-Segunda Guerra Mundial. É clara a preocupação em afas-
tar do nacionalismo brasileiro qualquer suspeita esquerdizante. Gibson
confessa em suas memórias: “Quanto ao nosso nacionalismo, tão exe-
crado, quando não ridicularizado em certos círculos, procurava fazê-lo
entender como defesa tranquila e legítima dos nossos interesses e ex-
plicar que não estávamos sozinhos nessa postura.”17 Chama a atenção o
fato de que aquilo considerado pelo chanceler como nacionalismo seria
mais bem caracterizado como realismo pragmático.
Gibson inicia citando Nixon:

Em 18 de fevereiro deste ano em sua mensagem ao Con-


gresso, intitulada ‘A política externa dos Estados Unidos
para a década de 1970’, disse o presidente Richard Ni-
xon: [...] Não estamos envolvidos no mundo porque te-
mos compromissos; temos compromissos porque esta-
mos envolvidos. Nossos interesses devem dar forma
aos nossos compromissos e não o contrário [o grifo
é do chanceler]. Veremos os nossos compromissos à luz
de uma cuidadosa avaliação dos nossos interesses na-
cionais e dos interesses dos outros países [...]
A isso chamaríamos no Brasil de nacionalismo, na con-
formidade com o vezo que ainda possuímos de simpli-
ficar as coisas [...]
80 A diplomacia do interesse nacional

Depois de acentuar que nem nos Estados Unidos nem em ou-


tras nações desenvolvidas existe a preocupação em rotular atitudes
como nacionalistas, e que isso é típico de países em desenvolvimento,
ele declarou:

[...] a conclusão inevitável parece ser a de que o nacio-


nalismo emergente nas potências médias e pequenas
constitui uma consequência natural e irrecusável. E é
também uma das tendências internacionais identificá-
veis como uma das linhas mestras do panorama que se
nos vislumbra para os anos que se aproximam.
Esse fato tem uma causa capital e uma consequência
maior. A causa, penso, é a fragmentação dos dois gran-
des polos de poder que no primeiro período do após-
guerra dividiram o mundo, ou antes, o aglutinaram em
dois imensos blocos [...]
Se recordo este passado tão próximo [...], é apenas para
situar, como causa principal do nacionalismo crescente
entre as médias e pequenas potências, essa fragmen-
tação dos dois grandes blocos em múltiplas estrelas
de variadas grandezas. Claro é que os interesses fun-
damentais dos componentes dos dois grandes blocos
permanecem essencialmente os mesmos, em caso de
conflagração mundial; e que em tal hipótese a agluti-
nação se faria de maneira praticamente automática.
Mas a convicção generalizada da impossibilidade, por
absurda, da destruição total da vida na Terra [...] levou
à eufórica certeza de que não haverá tal guerra. E, em
consequência, afrouxou os laços das alianças. Ao afrou-
xá-los, fez com que emergissem os interesses individu-
ais, ou seja, os nacionalismos, com a revelação de que
nem sempre os interesses do chefe do grupo coincidem
com os dos seus componentes.18

Mais adiante, o chanceler explicou a détente, por ele qualificada


de copresidência, e a ideia a ela subjacente de congelamento da realida-
de mundial:
Relações hemisféricas 81

Em benefício da manutenção do equilíbrio do terror


[...] estabelecem-se, às vezes, estranhas alianças. Aliás,
é digno de nota que hoje já não se usa mais a denomi-
nação pequenas e médias potências, que venho delibe-
radamente empregando. Agora o que se diz é: países
subdesenvolvidos, países em desenvolvimento, países de
desenvolvimento e subdesenvolvimento relativo, países
desenvolvidos, países superdesenvolvidos – toda uma
gradação, enfim, com base puramente econômica, como
a marcar que as separações no mundo se fazem hoje
precipuamente nesse plano.
[...] o conflito básico de interesses americano-soviéticos
nem deixou de existir, nem foi substituído por um en-
tendimento legítimo, contínuo e duradouro. O entendi-
mento existente, parcial e limitado, significa, sobretudo,
a identificação, quase instintiva e induzida, de áreas em
que os próprios interesses nacionais respectivos acon-
selham aceitação e tolerância.
Não parece que a verdadeira paz possa ser obtida por
esse novo método de copresidência [...]
Esse congelamento do poder não tem por objetivo, de-
vemos reconhecê-lo, antagonizar os países que procu-
ram romper as correntes da dependência econômica.
Mas o resultado é praticamente o mesmo.19

Os principais elementos da realidade internacional estão no-


vamente presentes no diagnóstico do chanceler, como a manutenção
do poderio militar das superpotências, a coexistência pacífica e copre-
sidência, o policentrismo econômico e o desenvolvimento desigual. To-
davia, mais importante é a consciência da margem de manobra que a
situação de détente proporcionava aos países pequenos e médios. E tal
diagnóstico, como se evidencia pela leitura da sequência do texto, é o
ponto de partida para a estratégia da diplomacia do interesse nacional.
Muitos outros poderiam ser mencionados, mas, de forma geral,
repetem as ideias acima enunciadas.
No que diz respeito àqueles de Araújo Castro, pode-se afirmar
que representam, em conjunto, análises muito precisas e refinadas, tanto
82 A diplomacia do interesse nacional

das relações internacionais quanto das diretrizes da política externa


brasileira. Castro foi, entre 1968-71, chefe da Missão Brasileira junto às
Nações Unidas e, entre 1971-75, embaixador do Brasil em Washington,
dois postos de máximo prestígio. Nesse período, esteve presente nos
eventos internacionais mais importantes para o Brasil. Sua vinculação
com a Política Externa Independente é conhecida.20 O pensamento de
Araújo Castro forma um todo coerente que não é passível de ser dividido
de acordo com as transformações advindas da mudança de governo.21
Todavia, a leitura dos discursos e palestras de Araújo Castro ao longo do
período Médici, em conjunto com alguns de vários diplomatas, eviden-
cia que suas ideias influenciaram a formulação da diplomacia do inte-
resse nacional, com suas considerações combinando com as de outros
emissários, bem como com as do chanceler.
As análises internacionais complexas e atuais que abundam
nos pronunciamentos dos diplomatas ao longo do período Médici torna-
ram ainda mais estranhas as interpretações de certos autores que viram
o Brasil naquela época alinhado aos Estados Unidos e atuando de forma
subimperialista. A maior dificuldade residia justamente em identificar o
caráter da relação com a superpotência do Ocidente, isto é, uma relação
nem de subordinação nem de antagonismo, e sim a tentativa de tirar
proveito de uma relação especial, mas não subordinada.

Brasil-Estados Unidos: um relacionamento especial,


mas não subordinado

A exígua literatura disponível sobre a política externa no perío-


do Médici é contraditória no que diz respeito às relações do Brasil com
Estados Unidos.22 Williams Gonçalves e Shiguenoli Miyamoto23 situam a
política externa brasileira do período Médici no domínio das fronteiras
ideológicas, juntamente com aquelas externas, de Castelo Branco e Costa
e Silva. Esses autores percebem a relação com os Estados Unidos como
privilegiada e subordinada. Nota-se claramente em sua interpretação o
peso da política interna. O Brasil, governado por militares, cercado de
países nacionalistas com tendências socializantes, buscava uma relação
privilegiada com os norte-americanos em troca do controle ideológico
da América Latina. No entanto, tal entendimento se aplica somente ao
Relações hemisféricas 83

governo Castelo Branco. Desde a ascensão ao poder de Costa e Silva, o


País já declinara de encenar o papel de zelador da América Latina.
Carlos Estevam Martins,24 pelo contrário, situa o Brasil do perío-
do Médici como “pré-imperialista” no plano internacional. Segundo ele, o
Brasil não só rejeitava o alinhamento com os norte-americanos como esta-
va pronto para disputar com esses mercados no cenário internacional. Tal
exame é bem mais satisfatório do que o de Gonçalves e Miyamoto. Contudo,
o uso da expressão “pré-imperialismo” exalta um pouco a ousadia do Brasil
de Médici no plano internacional, talvez pela maior ênfase do autor no dis-
curso da época – exagerado e grandiloquente – do que na prática.
A avaliação dos vínculos entre o Brasil e os Estados Unidos no
período Médici foi dificultada justamente pela impossibilidade de redu-
zi-la a uma fórmula simplificada. Considerar o País “amigo” ou “inimigo”
dos norte-americanos nesse intervalo banalizaria uma relação comple-
xa e contraditória. A do Brasil, tanto com os países desenvolvidos, dos
quais os Estados Unidos eram o principal, como com os países do Ter-
ceiro Mundo, foi assinalada pela tentativa de dupla inserção no plano
internacional.25 O esforço deu-se na direção de um tratamento ora como
país industrializado e desenvolvido, aceito no clube das nações ricas, ora
como em desenvolvimento, usufruindo dos benefícios e vantagens os
quais possibilitassem maior desenvolvimento econômico. A atuação do
País nos foros multilaterais bem ilustra esse movimento. Com o gover-
no Geisel, o mecanismo de dupla inserção foi ainda mais aperfeiçoado
em razão dos acordos bilaterais com os países desenvolvidos e com os
foros multilaterais, bem como serviu para justificar o “não alinhamento
automático” e a solidariedade com o Terceiro Mundo.26 Entretanto, po-
de-se considerar haver assumido o País efetivamente essa ambiguidade
vantajosa durante o governo Médici. Assim, as relações com os Estados
Unidos no período foram marcadas por tal contradição.
O enfoque realista e prático do “interesse nacional” inviabiliza-
va qualquer posição extrema. As teorizações também eram afastadas.
Tanto o extremismo quanto as “teorias” colocavam a diplomacia em in-
cômoda posição, uma vez que sempre haveria um grupo descontente. A
ideia seria tirar vantagem onde fosse possível e evitar atrito na maior
parte das situações. A consciência de que qualquer posicionamento ra-
dical ou alinhamento automático era contraproducente é explícita. Ma-
rio Gibson Barboza afirma:
84 A diplomacia do interesse nacional

O alinhamento automático com os Estados Unidos re-


presentava pesado ônus sobre nossa política externa,
havendo criado profundas raízes de convicção em sig-
nificativos segmentos de formação de nosso poder na-
cional. E inevitavelmente se inseria na falácia de uma
divisão ideológica maniqueísta entre direita e esquer-
da. Era um terreno minado, portanto, que tinha de ser
cuidadosamente atravessado e superado, sem o que
nossa diplomacia não se despiria da verdadeira camisa
de força que concepções equivocadas nos haviam im-
posto no passado.27

Que posição poderia ser mais cômoda do que rejeitar a alcunha


de direita ou de esquerda? Eram de senso comum os laços do Brasil com
os Estados Unidos, como também a orientação ideológica direitista do re-
gime militar. Não era, pois, necessário criar conflitos por questões já resol-
vidas, com riscos de perdas desnecessárias, como os atraentes mercados
africanos. Na hora de fazer negócio com os que estavam “do outro lado”,
adotava-se um discurso neutro, de exaltação de afinidades culturais, inte-
resses em comum e diversidade étnica, a fim de evitar questões espinho-
sas. Os ganhos eram garantidos, sem atritos, com qualquer um dos lados.
Um ponto interessante das relações do Brasil com os Esta-
dos Unidos diz respeito às diferenças de operacionalização da política
externa nos dois países. Mario Gibson Barboza aponta em suas me-
mórias as dificuldades que encontrava nas negociações, tanto como
embaixador em Washington quanto como chanceler, por causa da
complexidade do sistema. Acostumado a tomar decisões considerando
a posição do Itamaraty, do qual era a autoridade máxima, do presiden-
te da República e do Conselho de Segurança Nacional, a ele facilmente
acessível, e, em alguns casos, dos ministros das pastas econômicas, o
chanceler acentuava a complexidade e a independência dos órgãos in-
ternos do sistema norte-americano:

Frequentemente, após vencer os obstáculos no Depar-


tamento de Estado e convencê-lo a adotar nossa posi-
ção, era por ele remetido ao Departamento de Comér-
cio ou ao de Tesouro ou ao de Agricultura, conforme o
Relações hemisféricas 85

caso, para recomeçar tudo; e, se obtivesse êxito, rece-


bia a advertência fatal: ‘Agora procure obter o apoio do
Congresso’, isto é, faça o seu lobby junto aos senadores e
deputados, sabendo o que tudo o que podemos lhe pro-
meter é não criar obstáculos e, mesmo, se consultados,
dar uma palavra a favor. Tinha-se a impressão, às vezes,
de que a negociação nunca terminaria.28

O ministro acrescenta, inclusive, um exemplo dessas difíceis


negociações:

Foi o que sucedeu, por exemplo, quando reclamei dire-


tamente a Henry Kissinger, com quem mantinha muito
boas relações, desde o tempo em que eu era Embai-
xador em Washington e ele o todo-poderoso assessor
do Presidente Nixon contra a imposição dos direitos
compensatórios sobre nossos produtos. Ele concordou
totalmente comigo, prometeu-me advogar nossa cau-
sa, classificando-a de justa, mas me escreveu semanas
depois para explicar-me que não conseguira dobrar as
resistências de seu colega, o Secretário de Comércio, e
que, mesmo que viesse a consegui-lo, ainda teríamos de
travar uma dura e longa batalha no Congresso.29

A relação dos dois países no período é rica em situações com


divergências internas no governo norte-americano.
Convém ainda comentar um importante ponto das relações
dos Estados Unidos com o Terceiro Mundo no princípio da década de
1970. O fracasso dos EUA no Vietnã, bem como o endividamento que
a guerra no Sudeste Asiático acarretou, levou Richard Nixon a esta-
belecer novos parâmetros de relacionamento com o Terceiro Mundo.
A Doutrina Nixon, inicialmente denominada Doutrina Guam, era, no
princípio, dirigida apenas às nações asiáticas e depois ampliada para
todo o Terceiro Mundo. A tese central da doutrina era que, embora os
Estados Unidos continuassem a auxiliar seus aliados em questões de
segurança, a maior parcela do esforço deveria ser implementada pelas
nações diretamente envolvidas.
86 A diplomacia do interesse nacional

Nixon declarou:

Exceto se uma grande força intervenha no Terceiro


Mundo, os Estados Unidos não intervirão com forças de
combate. Nós forneceremos ajuda militar e econômica
às nações amigas na quantidade que for necessária para
barrar a influência soviética. Mas o país atacado deverá
arcar com a responsabilidade de providenciar as tropas
para sua própria defesa.30

A retórica era a do reconhecimento da soberania das nações.


Nixon criticava a Aliança para o Progresso, uma vez que a estratégia de
John Kennedy era baseada na ilusão de os norte-americanos saberem
o que seria melhor para todos. Na realidade, tratava-se de passar para
os países do Terceiro Mundo parte da conta da Guerra Fria. A Doutrina
Nixon marcou, com efeito, o início do armamento do Terceiro Mundo.
As estratégias norte-americanas de política externa para a
América Latina foram apresentadas em discurso de Nixon, em 30 de ou-
tubro de 1969, e na sua mensagem ao Congresso Nacional, em meados
de fevereiro de 1970, intitulada “O Estado do Mundo”.31
Ambos os textos carregam na retórica de praxe, como o apoio ao
sistema interamericano; o respeito pela identidade e pela liberdade nacio-
nais; o apoio às reformas comerciais que facilitassem o comércio latino-
americano, em total desacordo com a prática de então, dos direitos com-
pensatórios e a facilidade nos empréstimos. Os pressupostos da Doutrina
Nixon estão, todavia, presentes, tanto pela crítica sutil a políticas ameri-
canas adotadas anteriormente, especialmente a Aliança para o Progresso,
como pela ênfase em “maior participação latino-americana nas decisões”.
Alguns dias depois da divulgação dessa mensagem, Burke Elbrick, embai-
xador dos Estados Unidos no Brasil, foi bastante mais explícito:

O Presidente Nixon deixou bem claro que os Estados


Unidos, em suas relações com a América Latina, adota-
ram uma atitude diferente. Ao invés do chamado méto-
do paternalista, propôs uma sociedade que quer fazer
dos países latino-americanos parte de todo o sistema
que estudará e solucionará os problemas da área. Não
Relações hemisféricas 87

vamos dizer a ninguém como resolver seus próprios


problemas. Acho que devem existir soluções locais acei-
táveis para os habitantes do país em questão e não solu-
ções ‘made in USA’.32

Nesse contexto, compreende-se o tratamento especial conferido


por Nixon ao Brasil no período. Interessava aos propósitos da política ex-
terna norte-americana para a América Latina que o Brasil, o maior país e
um dos mais influentes do continente, estivesse sendo bem sucedido den-
tro do modelo capitalista, com um governo que mantinha a esquerda sob
controle. Além de afastar o perigo comunista do Brasil, intimidaria os par-
tidários desse sistema no resto da América Latina. Vale lembrar que nesse
período importantes países latino-americanos se encontravam dominados
por governos nacionalistas, com tendências esquerdistas, como o Peru, a
Colômbia, a Bolívia e o Chile, ou enfrentavam graves crises políticas, a exem-
plo da Argentina e do Uruguai. Entretanto, não se trata de subimperialismo.
Não era uma divisão de tarefas em troca de dividendos financeiros, mas a
delegação de autonomia no plano militar, para eximir os Estados Unidos de
custos e fortalecer a aliança ocidental no plano regional.
Os pontos de atrito entre o Brasil e os Estados Unidos entre 1969-
74 foram sobretudo relativamente aos direitos humanos e à decretação do
mar territorial de 200 milhas. Outras questões, de âmbito mais geral, di-
ziam respeito à preservação do meio ambiente, às imposições de direitos
compensatórios e à política africana, além das querelas tradicionais ligadas
à recusa de aderir ao Tratado de Não Proliferação (TNP), ao controle da
natalidade e a críticas ao sistema comercial. A questão do mar territorial
confluiu em 1971 com a crise do café, com a imposição de cotas para impor-
tação de produtos brasileiros e com a subcomissão norte-americana que
investigou os direitos humanos, autorizando a imprensa nacional a falar de
“crise com os Estados Unidos”.33 O ponto alto das relações entre os países foi
marcado com a visita de Médici aos EUA, em dezembro de 1971.

Direitos humanos

A questão dos direitos humanos não pode ser considerada uma


dissensão entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. Ao contrário
88 A diplomacia do interesse nacional

do que viria a ocorrer no governo Carter, o de Nixon não só foi omisso


como manifestou publicamente seu apoio ao governo brasileiro, o mes-
mo ocorrendo com importantes funcionários do governo americano,34
os quais ignoraram as denúncias da prática de tortura. A violação aos
direitos humanos forneceu munição à oposição democrata e exerceu in-
fluência na opinião pública, setores esses que passaram a pressionar o
governo dos Estados Unidos. A questão acabou colidindo inclusive com
os princípios da Doutrina Nixon, oportunidade em que tanto o Depar-
tamento de Estado como os críticos da política brasileira no congresso
norte-americano discordaram da decisão de vender caças supersônicos
ao Brasil.35 Entretanto, o próprio Departamento de Estado alegava que
não poderia avaliar as dificuldades do regime autoritário para conter os
atos de terrorismo.36
A ofensiva contra a guerrilha urbana causou uma piora subs-
tancial no tratamento dos direitos humanos em 1969. Em dezembro,
houve denúncia da Anistia Internacional, que estimulou a primeira das
muitas investigações oficiais do Governo, bem como, em 1970, da revis-
ta La Civiltà Cattolica, uma publicação jesuítica, e da Comissão Interna-
cional de Juristas. A primeira declaração norte-americana ocorreu em
abril de 1970, e, em agosto do mesmo ano, Médici criou o Conselho de
Direitos Humanos, subordinado ao Ministério da Justiça. Uma vez que o
ministro da Justiça negava as acusações de tortura, o Conselho perdeu
sua função. A partir daí, as acusações e desmentidos alternaram-se até
o final do Governo. Com a derrota da guerrilha, a cobertura externa à
tortura começou a diminuir, ao mesmo tempo que às denúncias de atos
similares em outros países, especialmente no Chile, desviaram parte da
atenção da mídia internacional em relação ao Brasil.37
Os relatos de tortura produziram discussões internas nos Esta-
dos Unidos. Críticos norte-americanos acusavam o Governo de pactuar
com as violações aos direitos humanos no Brasil.38 Em maio de 1971, o
senador Frank Church, democrata, presidiu uma comissão sobre “Pro-
gramas e Políticas dos Estados Unidos no Brasil”. Foram reunidos cerca
de 3.000 documentos provenientes de fontes oficiais, como a Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e a
Agência Central de Inteligência (CIA), e clandestinas, como os exilados
brasileiros em Argel, em Paris e em Santiago. Depuseram funcionários
do Departamento de Estado, da CIA, missionários e intelectuais espe-
Relações hemisféricas 89

cialistas em questões brasileiras.39 Foram investigadas as atividades do


Office of Public Safety no País e vieram à tona informações que com-
prometiam o governo norte-americano com a tortura.40 Em outubro de
1971, o senador Fred Harris pediu o corte da ajuda ao Brasil, mas sua
proposta não reuniu suficiente apoio.41 Em contrapartida, o Programa
de Segurança Pública da Usaid foi suspenso em 1972.
O depoimento de Gibson ao CPDOC aborda questões sobre os
direitos humanos. À parte questões pessoais, como a crença do mi-
nistro de que o presidente Médici não estava envolvido na prática de
tortura, mesmo com o reconhecimento de existir e ser levada a efeito,
há alguns itens interessantes. Na gestão de Gibson, foi descoberta uma
conexão dentro do Itamaraty a qual envolvia dois diplomatas e dois
funcionários, que remetiam informações pela mala diplomática a fim
de alimentar no exterior acusações de desrespeito aos direitos huma-
nos pelo governo brasileiro.
Gibson também relata que foi aventada a hipótese de não se
conceder passaporte especial a Dom Hélder Câmara, ao qual tinha di-
reito, por ser cardeal, em razão de críticas do arcebispo ao Governo
no exterior. A Folha de São Paulo publicou em 1997 reportagem com a
transcrição de documentos da embaixada do Brasil em Oslo, na Norue-
ga, a qual comprovava que o embaixador Jaime de Souza Gomes, titular
durante o governo Médici, atuou no sentido de minar a candidatura de
Dom Hélder Câmara para o Prêmio Nobel da Paz. Este era cotado espe-
cialmente em função de sua militância em relação ao desrespeito aos
direitos humanos no Brasil.42 Embora a reportagem não cite o nome de
Gibson, dificilmente essa atuação se daria sem o conhecimento dele.

Mar territorial de 200 milhas: medida paradigmática

Pode-se dizer que o maior atrito entre o Brasil e os Estados Uni-


dos nos anos Médici ocorreu em razão do limite de 200 milhas para o
mar territorial brasileiro, em março de 1970. Concordamos com Carlos
Estevam Martins quando considera essa decisão como paradigmática da
diplomacia do interesse nacional.43 A análise dessa medida é reveladora
tanto para compreensão das relações entre Brasil e Estados Unidos como
para a apreensão do real caráter da diplomacia do interesse nacional.
90 A diplomacia do interesse nacional

Até 1970, apenas uma dezena de países latino-americanos e al-


guns poucos afro-asiáticos haviam estendido além das 12 milhas seus di-
reitos soberanos ou jurisdição sobre as águas do mar adjacente e sobre
seus recursos.44 O conceito das 200 milhas se desenvolveu no continente
americano. Em 1970, oito países latino-americanos haviam decretado o li-
mite de 200 milhas.45 Além desses antecedentes, já existiam, em março de
1970, outras demarcações para além das 12 milhas decretadas por países
africanos, asiáticos e pela Islândia.46 No entanto, apesar dessas manifes-
tações de revisionismo em matéria de Direito do Mar por parte de alguns
países do Terceiro Mundo, inexistia uma norma de Direito Internacional,
consuetudinária ou convencional, a qual determinasse a largura máxima
do mar territorial ou das áreas marinhas submetidas à soberania ou à ju-
risdição nacionais.47 A disparidade de critérios passara a criar problemas
ao Brasil no Atlântico Sul.48 Depois de a Argentina estender sua soberania
para 200 milhas, barcos frigoríficos passaram a frequentar o sul do Brasil
para pescar merluza. Em 25 de março de 1970, por meio do Decreto-Lei
nº 1.098, o Governo determinou que “o mar territorial do Brasil abrange
uma faixa de 200 milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha
de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro”.49 Análise mais de-
talhada dos artigos desse decreto-lei, bem como das motivações oficiais,
foi explanada em artigo de Carlos Calero Rodriguez.50 Ao contrário de
outros países latino-americanos que, deliberadamente ou não, evitavam
empregar o termo “mar territorial” em seus textos legais, o governo bra-
sileiro deixou claro em sua legislação que sua reivindicação unilateral se
referia a um mar territorial. A expressão foi utilizada 11 vezes no texto
do decreto-lei.51 No preâmbulo, após assinalar que o Direito Internacio-
nal reconhece “o interesse especial do Estado costeiro na manutenção da
produtividade dos recursos vivos das zonas adjacentes a seu litoral”, afir-
mava que “tal interesse só pode ser eficazmente protegido pelo exercício
da soberania inerente ao conceito de mar territorial”. Até esse ponto, o
decreto poderia estar seguindo o modelo uruguaio, que denominou sua
área marítima nacional de mar territorial. Todavia, seu governo assegu-
rou um regime de liberdade de navegação na faixa entre 12 e 200 milhas
de distância da costa. O último parágrafo do preâmbulo faz referência às
“necessidades de sua população e sua segurança e defesa”.52 Tal alusão à
segurança e à defesa constitui a primeira manifestação explícita em legis-
lação latino-americana desse tipo de preocupação.
Relações hemisféricas 91

O artigo 3º define o regime de navegação para os navios estran-


geiros nas 200 milhas como “direito de passagem inocente”, tradicional-
mente considerado elemento essencial do instituto do mar territorial.
O parágrafo 1º do mesmo artigo define passagem inocente de forma
própria e a distingue de liberdade de navegação: “Considera-se passa-
gem inocente o simples trânsito pelo mar territorial, sem o exercício de
quaisquer atividades estranhas à navegação e sem outras paradas que
não as incidentes à mesma navegação”.
O 2º e 3º parágrafos afirmam que o governo brasileiro estabe-
lecerá, e que todos os navios deverão cumprir, “os regulamentos que,
por motivo de segurança, lhe pareça necessário fazer observar”.
O artigo 4º salvaguarda os interesses econômicos. Para o “apro-
veitamento racional e a conservação dos recursos vivos do mar territo-
rial” o artigo determina que o Governo regulamentará a pesca no mar
territorial e poderá fixar zonas de pesca reservadas exclusivamente a
navios brasileiros. O artigo afirma ainda que nas demais zonas embarca-
ções estrangeiras só poderão pescar “quando devidamente registradas
e autorizadas, e mediante obrigação de respeitarem a regulamentação
brasileira”. Há menção à possibilidade de estabelecimento de regimes
especiais de pesca “por acordos internacionais, em princípio na base da
reciprocidade”, o que se deu pelo Decreto nº 68.459, de abril de 1971.
Outros interesses econômicos estão também explicitados no
decreto-lei. A necessidade de preservar o meio ambiente aparece no
artigo 3º, parágrafo 2º: “[...] no mar territorial todos os navios devem
cumprir os regulamentos brasileiros destinados a evitar a poluição das
águas e o dano aos recursos do mar.” A disposição de controlar as ativi-
dades estrangeiras de investigação científica na costa brasileira aparece
no artigo 4º, quando se refere às “atividades de pesquisa e exploração”.
Outro ponto diz respeito, no artigo 2º, ao espaço aéreo, leito e
subsolo do mar: “[...] a soberania do Brasil se estende no espaço aéreo
acima do mar territorial, bem como ao leito e subsolo deste mar.”
Quanto às motivações que levaram à assinatura do Decreto-Lei
nº 1.098, Luiz Augusto de Araújo Castro considera, em ordem de im-
portância, fatores econômicos, de segurança, político-diplomáticos e de
política interna.
Os fatores econômicos, conforme se depreende da leitura do
decreto-lei, foram os de maior peso na decisão. Diziam respeito à pesca,
92 A diplomacia do interesse nacional

aos recursos não vivos, à pesquisa científica e à preservação do meio


ambiente. Apesar de ainda pouco desenvolvidas, as atividades pesquei-
ras brasileiras sofriam a concorrência desigual dos navios de pesca, a
longa distância, dos países industrializados. Os danos ao interesse bra-
sileiro ampliaram-se ainda mais com a decretação das 200 milhas pela
Argentina e Uruguai, já que as embarcações estrangeiras deslocavam-se
para o sul do Brasil. Luiz Augusto de Araújo Castro acrescenta ainda dois
elementos não explicitados no texto do decreto-lei:

[...]a jurisdição do Estado costeiro sobre o estabelecimento


e a utilização de instalações e estruturas na área das du-
zentas milhas; e o direito de soberania no que se refere a
outras atividades com vista à exploração e aproveitamen-
to da zona para outros fins econômicos, como a produção
de energia da água, dos ventos e das correntes.53

Não obstante a precedência da motivação econômica, houve


também aquelas de segurança, do contrário não se teria mencionado os
motivos de segurança e defesa ou a passagem inocente. Há que se con-
siderar que o Governo, tendo à sua disposição as fórmulas da Argentina,
200 milhas de soberania ou jurisdição, sem o nome de mar territorial,
com liberdade de navegação, além de uma faixa estreita, ou do Uruguai,
200 milhas de mar territorial, com um regime qualificado de liberda-
de de navegação a partir de 12 milhas do litoral, optou por uma mais
radical, o de 200 milhas de mar territorial, propriamente dito, porque
entendeu que a proclamação unilateral, embora destinada primordial-
mente a resguardar interesses econômicos, deveria também servir para
proporcionar proteção jurídica a interesses vinculados a objetivos de
segurança nacional e de defesa.54 Embora parecesse remota a possibili-
dade de uma agressão naval de tipo clássico contra as costas brasileiras,
havia interesse em impedir que as águas próximas ao litoral pudessem
ser empregadas por navios estrangeiros para atividades de espionagem
ou de pesquisa marinha para fins militares. Também se buscava evitar
a instalação de artefatos militares nas áreas adjacentes às costas bra-
sileiras por potências estrangeiras, ou, apesar do absurdo da hipótese,
evitar que estas se utilizassem do mar para armar grupos de guerrilha
em território nacional.55
Relações hemisféricas 93

Em termos político-diplomáticos, tratava-se de aproveitar a


coincidência do interesse nacional com o de outras nações latino-ameri-
canas para invocar o argumento de solidariedade, tanto como justificati-
va do ato unilateral brasileiro quanto como gesto político independente
de repercussão positiva no Terceiro Mundo, especialmente na América
Latina. É claro que, por outro lado, existia a perspectiva muito real de
reação negativa da parte das potências marítimas tradicionais com as
quais o País mantinha relações de amizade e entendimento. Todavia, fe-
z-se uma avaliação de custo-benefício, na qual os custos da decisão se-
riam atenuados pelas razões de interesse nacional e pelo fato de os an-
tecedentes regionais não deixarem o ato isolado. Em outras palavras, os
atritos com as potências desenvolvidas ocorreriam, mas estariam res-
paldados por antecedentes regionais respeitáveis; por outro lado, esses
atritos poderiam ser capitalizados pelo Brasil na repercussão positiva
em relação aos países do Terceiro Mundo.
Finalmente, deve ser considerado os fatores de política inter-
na. É óbvio que não havia reivindicação popular ou mesmo da opinião
pública para a ampliação do mar territorial para 200 milhas. Todavia, o
Governo estava ciente da necessidade de adotar medidas que tivessem
impacto positivo junto à população. Lembremos que a Assessoria Es-
pecial de Relações Públicas, criada em 1968, foi remodelada no sentido
de popularizar a figura do presidente e promover as medidas do novo
Governo, para atenuar o impacto da repressão e da censura.56 E, de fato,
este acertou na suposição. A reação nos meios políticos e de comunica-
ção foi de franco apoio à medida. Pela primeira vez, representantes do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) se uniram aos da Aliança Re-
novadora Nacional (Arena) para ratificar a decisão. E “Esse mar é meu”,
título de samba de João Nogueira,57 somou-se às marchinhas ufanistas
da época.
Os interesses mais atingidos com o decreto foram, sem dúvi-
da, os das nações industrializadas pesqueiras, principalmente da União
Soviética, dos Estados Unidos, do Japão, da França, da Inglaterra e dos
países escandinavos. Com o limite restrito a 12 milhas, essas nações pra-
ticavam a pesca sem qualquer regulamentação, inclusive a predatória.
Não tardaram a chegar notas nas quais os governos de outros países re-
gistraram seu protesto, seu não reconhecimento ou suas reservas quan-
to ao ato unilateral. Os arquivos do Itamaraty registram 11 notas desse
94 A diplomacia do interesse nacional

teor, todas recebidas de países desenvolvidos, tais como Bélgica, EUA,


Finlândia, França, Grécia, Japão, Noruega, Reino Unido, República Fede-
ral da Alemanha, Suécia e União Soviética. A linguagem variava, mas os
argumentos coincidiam. Veja-se a parte operativa da Nota Verbal nº 122,
de 1º de junho de 1970, da embaixada britânica em Brasília: “O Governo
de Sua Majestade protesta contra a extensão de soberania sobre o mar,
vista como contrária ao direito internacional, bem como excedendo os
limites marítimos proclamados pela maioria dos outros Estados.”58 A
Nota Verbal nº DNU/DEOC/48/502, do dia 10 do mesmo mês, é repre-
sentativa das respostas dadas aos protestos recebidos:

O segundo dos argumentos apontados não parece juri-


dicamente relevante, e o governo brasileiro se limita a
observar que o limite de duzentas milhas para o mar
territorial corresponde ao critério regional que tende
a prevalecer na América Latina. Quanto ao primeiro, o
governo brasileiro não pode considerar que sua nova
legislação seja contrária ao direito internacional, uma
vez que não existe norma de direito internacional em
vigor, convencional ou costumeira, que determine aos
Estados até que limite máximo podem eles estender
seu mar territorial [...] Prevalece assim, na opinião do
governo brasileiro, o critério de que o Estado costeiro
é livre de determinar ele próprio a largura de seu mar
territorial, dentro dos limites razoáveis e atendendo a
suas condições e interesses particulares [...]59

A maioria das embaixadas em Brasília se limitou a acusar rece-


bimento sem comentários ou a deixar sem resposta a Nota Circular de
31 de março de 1970, por meio da qual o Itamaraty transmitiu o texto
do Decreto-Lei nº 1.098.
Em contrapartida, a decisão foi recebida calorosamente pelos
países latino-americanos. Chile, Equador e Peru enviaram mensagens
de felicitações, e o governo uruguaio promoveu uma reunião de repre-
sentantes dos Estados latino-americanos que haviam ampliado suas ju-
risdições para 200 milhas. Esta ocorreu no início de maio de 1970, em
Montevidéu, e resultou na Declaração de Montevidéu sobre Direito do
Relações hemisféricas 95

Mar assinada pelo Brasil, Argentina, Chile, El Salvador, Nicarágua, Pana-


má, Peru e Uruguai.60 A redação do documento foi de minuciosa habili-
dade, e não somente ratificou o direito de cada país de estender seu mar
territorial até 200 milhas como também o dos países que não têm plata-
forma continental em definir, segundo seus interesses, as normas de ex-
ploração do subsolo. Essa segunda parte, do interesse do Chile, do Peru
e do Equador, os quais não possuem plataforma, abriria uma nova frente
de ação, pois a praxe internacional estabeleceu que a soberania nesses
casos deveria ir até 200 metros de profundidade. No caso do Equador,
isso significaria a perda do petróleo.61
Contudo, os protestos não se limitaram ao plano formal. Após
o Departamento de Estado declarar publicamente sua recusa em aceitar
as 200 milhas, pressões concretas entraram em cena. Em 7 de junho de
1971, o embaixador norte-americano no Brasil, Willian Manning Roun-
tree, foi recebido por Médici para expor as preocupações do governo Ni-
xon com as 200 milhas. Segundo ele, o governo norte-americano receava
que o exemplo brasileiro fosse seguido e viesse a dificultar a movimenta-
ção das frotas norte-americanas. Médici lhe assegurou que a utilização do
mar territorial pelas nações amigas estava aberta a discussões. O comedi-
mento e o tom conciliatório do encontro foram rompidos no dia seguinte.
Na Câmara dos Representantes norte-americana, três deputados, Wilbur
Mills, Tom Pelly e Sam Gibbons, conseguiram congelar a votação da pror-
rogação da participação dos Estados Unidos no Acordo Internacional do
Café e a condicionaram à revisão pelo Brasil das 200 milhas.62 O motivo
estava muito longe da preocupação com a segurança mundial. Pelo menos
Tom Pelly tinha por trás de si o eleitorado do porto pesqueiro de Tampa
na Flórida. Na quarta-feira, o Itamaraty divulgou uma nota de protesto na
qual obrigava o governo dos Estados Unidos a se posicionar. No sábado,
12, o subsecretário de Estado, Charles Mayer, declarou que as questões do
mar territorial e do café não poderiam ser misturadas, mas que “está fora
do nosso controle [...] manifestações individuais de membros do Senado
e da Câmara pelas quais não podemos responder”.63 De fato, a divergên-
cia entre o executivo e o legislativo norte-americanos era um extra entre
os problemas entre os Estados Unidos e o Brasil. Em casos nos quais o
Departamento de Estado possuía autonomia, as negociações eram faci-
litadas. Porém, na maioria deles, ele dependia do aval dos congressistas.
Quando havia divergências, as negociações ficavam paralisadas e tinham
96 A diplomacia do interesse nacional

de ser renegociadas pelas partes. Eram a essas dificuldades que o chance-


ler Gibson se referia em suas memórias.
Mesmo assim, alguns dias depois, circulou a informação de que
torpedeiros brasileiros haviam feito disparos de advertência sobre sete
pesqueiros norte-americanos que se encontravam a 40 milhas da costa.
O Departamento de Estado informou que apresentaria nota de protesto
se o incidente fosse confirmado. Entretanto, após alguns desmentidos, o
caso foi ocultado.64
Todavia, o que transformou a decretação das 200 milhas na de-
cisão de política externa mais importante do governo Médici? De acordo
com Carlos Estevam Martins, essa medida foi paradigmática quanto ao
método e ao estilo, por contar com algumas características. Em primeiro
lugar, foi gerada no interior dos círculos burocráticos65 e prescindiu de
qualquer apoio popular. Tipicamente, a decisão se situava fora das áreas
explosivas, nas quais as reações de autodefesa de Washington davam-
se de forma automática, como seria o caso da nacionalização de uma
empresa estrangeira. A motivação que a inspirou era mais de cunho po-
lítico-diplomático do que de significado econômico efetivo,66 apesar de
os fatores econômicos serem formalmente citados em primeiro lugar. O
processo não foi tão longe a ponto de exigir o reconhecimento interna-
cional mas também não suficientemente tímido para renunciar ao res-
peito pelo ato de soberania praticado pelo País.

Na medida em que era conflitiva, suas chances de êxito


foram maximizadas, pelo fato de que opunha a interesses
norte-americanos genéricos e difusos um interesse bra-
sileiro bem localizado e específico. Em nenhum momen-
to lançou-se mão de qualquer argumentação emocional
ou ideológica vazada em termos de imperialismo ou co-
lonialismo. Finalmente, os possíveis riscos de represália
foram de antemão reduzidos ao mínimo, na medida mes-
ma em que foi evitado todo e qualquer comportamento
suscetível de ser qualificado como desleal, ilegítimo ou
subversivo em função da ordem internacional vigente.67

Martins acentua que a medida tornou-se importante mais pela


forma do que pelo conteúdo; menos em si mesma e mais pelo que re-
Relações hemisféricas 97

presentava como modelo de diplomacia. Na verdade, tratou-se de uma


providência que demonstrou independência, pois, afinal, era realmente
contestada pelo governo dos Estados Unidos e pelos demais países in-
dustrializados, mas não uma independência excessiva, em um setor que
realmente atingisse Washington, como ocorreria em caso, por exemplo,
do reconhecimento de um governo comunista ou do apoio ao retorno
de Cuba à OEA. Era o sinal de que o Brasil estava dentro do sistema, mas
queria crescer nele, e de que estava ligado aos Estados Unidos, porém
com aspirações que escapavam de uma relação de subordinação.
Em outros termos, tratava-se do exercício do realismo pragmá-
tico nas relações com a grande potência do Norte. O ufanismo e os sonhos
dela não encobriam as noções reais de poder no cenário internacional.
Em exposição na Escola Superior de Guerra, em janeiro de 1974, Araújo
Castro declarou:

Não podemos conceber as relações entre o Brasil e os


Estados Unidos apenas como relações entre dois Esta-
dos soberanos, mas como relações entre dois Estados-
membros que atuam na comunidade internacional,
com desigual parcela de poder e de responsabilidades,
mas com igual determinação de sustentar posições e
pontos de vista que se ajustam aos seus específicos in-
teresses nacionais.68

No entanto, não existia mais preocupação com a concordância


e as afinidades de pontos de vista. Araújo Castro, em outro momento,
alude ao clima de “naturalidade” das relações entre o Brasil e os Estados
Unidos.69 Por outro lado, as discordâncias eram de baixo impacto e na
medida certa da independência que o Brasil desejava, isto é, baseada no
aumento da parcela de poder a partir do desenvolvimento, dentro da
ordem capitalista e que não prescindia do reconhecimento e da “amiza-
de” norte-americanos. Araújo Castro, astutamente, assevera em relação
aos Estados Unidos: “Não temos medo de discordar, mas não há razão
alguma para que tenhamos receio de concordar, quando isso se conciliar
com nossos pontos de vista e com nossos interesses nacionais.”70
Conforme Carlos Estevam Martins bem identificou, ambos os
países, adaptando-se ao contexto internacional de détente, evoluíram
98 A diplomacia do interesse nacional

para uma política externa desideologizada. Os Estados Unidos, com a


Doutrina Nixon, rejeitavam tanto as alianças incondicionais quanto ini-
mizades irreconciliáveis e dividiam suas responsabilidades internacio-
nais com as potências médias amigas. O Brasil, por sua vez, igualmen-
te repeliu os extremos e excluiu tanto a satelitização, os alinhamentos
automáticos como o nacionalismo anti-imperialista e, igualmente, sua
versão mais suave, o integracionismo terceiro-mundista.71 O naciona-
lismo, assumido e exacerbado pelo boom econômico, era oportunista e
francamente pragmático.
Mario Gibson Barboza, em suas memórias, compara o compor-
tamento brasileiro nos tempos da Guerra Fria com o mesmo no tempo
da détente:

Em tais condições [de Guerra Fria], era natural que os


interesses particulares de cada país passassem após os
interesses coletivos do seu respectivo grupo, pois tra-
tava-se de sobreviver [...] Mas agora as condições eram
outras. E isso mesmo nos era ensinado pela própria
superpotência com a qual nos identificávamos ideolo-
gicamente [...] Assim, procuramos nos posicionar com
clareza diante da opinião pública nacional e, ao mesmo
tempo, sinalizar, com serenidade, com total transparên-
cia e clareza, que os tempos de alinhamento automáti-
co, os de nossa intervenção na República Dominicana,
eram coisa do passado [...]72

A partir dessas constatações, compreende-se a importância da


decretação do mar territorial de 200 milhas, uma vez que foi a primeira
medida desse novo estilo diplomático. Os pontos de confrontos tradicio-
nais, como a desigualdade no comércio internacional, bem como a rejei-
ção ao controle da natalidade e à assinatura do TNP, continuavam a ope-
rar principalmente nos foros multilaterais. A questão do mar territorial
introduziu outros em torno de novos temas, menos genéricos e mais de
acordo com o status de potência média diferenciada, quais sejam, o mar
territorial; as dificuldades em inserir os manufaturados nos mercados
dos países desenvolvidos, isto é, os direitos compensatórios; a questão
do meio ambiente e a política africana.
Relações hemisféricas 99

A visita de Médici aos Estados Unidos:


uma visita de Estado

A possibilidade de uma visita de Médici aos Estados Unidos era


aventada desde 1970. Entretanto, com a crise resultante da recusa da-
quele país em aceitar o mar territorial de 200 milhas, ela foi adiada por
quase um ano.
Mario Gibson Barboza comenta sobre a possibilidade do agra-
vamento da questão se fosse discutida pelos chefes de Estado. Aponta,
igualmente, para a inevitável exploração pública que se faria no sentido
de que Médici pudesse ir aos Estados Unidos para prestar uma explica-
ção a Nixon.73 Assim, só houve acerto depois da negociação do Acordo de
Pesca com os Estados Unidos.74
A visita foi minuciosamente preparada, com assessores e docu-
mentos de ambos os países circulando em profusão. O resultado final fo-
ram três volumes de informação, com o agendamento para 7 de dezem-
bro de 1971. Na verdade, quando se soube que Nixon viajaria à China e
à União Soviética no princípio de 1972, houve um esforço para a visita
de Médici ocorrer antes, o que conferiria importância ao encontro. Esse
empenho foi de ambas as partes, pois coincidia tanto com a aspiração do
Brasil de ampliar sua parcela de poder no cenário mundial quanto com
os princípios da Doutrina Nixon.75
O presidente Médici permaneceu durante três dias nos EUA, e
houve a preocupação de o governo brasileiro marcar o aspecto político
do encontro. Nenhuma reivindicação econômica ou de qualquer outra
ordem, a não ser política, deveria ser incluída, tanto que foram cancela-
dos uma visita de Médici à ONU e um jantar com Nelson Rockefeller.76 O
objetivo era o encontro de dois chefes de Estado igualmente soberanos
para discutirem questões internacionais. O Brasil apresentava-se, por-
tanto, com sua face primeiro-mundista, privilegiava o político e elimina-
va qualquer possibilidade de “pedidos” ou “solicitações”.
O governo norte-americano, por sua vez, conferiu ao Brasil um
tratamento conforme os princípios da Doutrina Nixon. O caráter de po-
tência média foi abertamente reconhecido. O Brasil foi incluído no redu-
zido grupo de países que seriam consultados a respeito da visita de Ni-
xon à China e à União Soviética, juntamente com Japão, Canadá e países
da Europa Ocidental.
100 A diplomacia do interesse nacional

A agenda previa duas entrevistas com Nixon, uma no dia 7, e


outra no dia 9, os pontos mais importantes da visita. Além disso, es-
tavam previstos um almoço oferecido pelo secretário de Estado norte-
americano, no dia 7, e um jantar na Casa Branca, na noite desse dia. No
dia 8, ocorreria um almoço oferecido pelo vice-presidente norte-ameri-
cano e uma sessão solene do Conselho Permanente da OEA.
Os discursos proferidos por Médici na presença de Nixon usa-
vam as fórmulas de praxe, como a amizade histórica entre os dois paí-
ses, o fortalecimento desta por ocasião da visita, a ideia de que o fato de
alguns pontos de vista não serem coincidentes não significava a falta de
harmonia.
Do ponto de vista político, o discurso mais importante de Médi-
ci foi o proferido no almoço com o vice-presidente. E isso não se deu por
acaso, uma vez que estava de acordo com a política de baixo impacto do
interesse nacional. Nessa ocasião, Médici criticou as políticas de poder
como anacrônicas, rejeitou o congelamento do poder mundial e as esfe-
ras de influência e afirmou que “não tolera o povo brasileiro qualquer
intervenção em assuntos de sua exclusiva jurisdição doméstica”.77 Já no
discurso na OEA, Médici adotou o “idioma” multilateral.78
Os cuidados de Médici com a denúncia das esferas de influên-
cia e da retórica de solidariedade latino-americana não o pouparam do
embaraço produzido por uma declaração de Nixon. No discurso de im-
proviso no jantar na Casa Branca, Nixon declarou que “nós sabemos que
para onde o Brasil for irá o restante do continente americano”.79 Gibson
Barboza, em suas memórias, qualificou a declaração de “beijo da mor-
te”, pois fortaleceu as suspeitas latino-americanas de posicionamento
imperialista do Brasil.80 Já no dia seguinte à declaração, Rafael Caldera,
presidente da Venezuela, repudiou a posição de Nixon, alegando que
seria um erro dos Estados Unidos basear sua política hemisférica na
preponderância de um país latino-americano.81 Na verdade, o próprio
Nixon reparou a afirmação após: “Não estou analisando a questão da
liderança política [...] E é por isso que eu digo que se o Brasil for bem, o
resto irá bem. Se falhar, os outros falharão.”82 Todavia, a força da afirma-
ção mal calculada ofuscava qualquer explicação.
O balanço da visita foi positivo. De fato, não resultou em nada
de concreto do ponto de vista diplomático. Contudo, no aspecto político
foram concretizadas as expectativas brasileiras em ver seu desenvolvi-
Relações hemisféricas 101

mento reconhecido. Logicamente, os estrategistas tinham consciência


de que o fato de Nixon, em seus discursos, colocar o Brasil ao lado das
nações desenvolvidas do Primeiro Mundo não significava uma equipa-
ração a estas. Todavia, havia uma sinalização de o País estar no caminho
e que se destacava das demais nações latino-americanos.

Brasil e América Latina

Não é possível, em face das dimensões do presente trabalho,


uma análise minuciosa das relações do Brasil com a América Latina no
período Médici. Tal propósito seria factível somente com um estudo ex-
clusivo delas. Casos como o da Bacia do Prata, por sua vez, talvez mere-
cessem uma abordagem individual. Assim sendo, concentraremos nossa
análise no caráter das relações do Brasil com os países latino-america-
nos no período, bem como na forma pela qual essas relações se articula-
ram com os propósitos do interesse nacional. Igualmente, optamos pela
análise das relações bilaterais por sua maior importância nesse espa-
ço de tempo. Considerações sobre os foros multilaterais serão tratadas
quando necessário.
Antes de discutir as relações bilaterais do Brasil com seus vi-
zinhos latino-americanos, convém comentar rapidamente o contexto
sociopolítico da região naquela oportunidade. Naquele desgaste hege-
mônico vivido pelos Estados Unidos no final da década de 1960 e da
reordenação do sistema mundial arquitetada por Nixon-Kissinger, tem
início nessa época um amplo processo de questionamento da supre-
macia norte-americana na América Latina. No princípio da década de
1970, pelo menos três países da América Latina possuíam governos
com orientação nacionalista e socialista. No Peru, o general Juan Velas-
co Alvarado ascendeu ao poder em 1968 com uma política nacionalista
radical, isto é, expropriou a International Petroleum Company, estabe-
leceu relações diplomáticas com a União Soviética e com alguns países
socialistas, iniciou uma reforma agrária radical e esteve na iminência de
romper relações com o governo norte-americano. O discurso ideológico
de Alvarado rejeitava tanto o capitalismo quanto o comunismo, com a
opção por uma “terceira posição”, terceiro-mundista e não alinhada. Na
Bolívia, o general Ovando Candia governava desde meados de 1969 com
102 A diplomacia do interesse nacional

medidas nacionalistas e com um ministério que se declarava socialista.


A partir de 1970, iniciou-se uma grave crise nas Forças Armadas e o
renascimento da guerrilha rural, os quais culminaram com a derrubada
de Candia por Juan Jose Torres, em outubro de 1970. Este, embora mais
conservador, também era nacionalista. O nacionalismo militar assumia
conotações esquerdistas à medida que o general Torres, pressionado
pela Central Obrera Boliviana (COB), procurou isolar e neutralizar os
setores conservadores do país, convocando uma Assembleia Popular,
dominada pelos sindicatos de operários, camponeses e partidos políti-
cos progressistas. Nesse período, circulavam comentários a respeito da
possível formação de uma frente socialista capitaneada pelo Peru e pela
Bolívia, com a participação de Cuba.
No Chile, o socialista Salvador Allende foi eleito em setembro
de 1970. Tratava-se do primeiro governo socialista do continente a
chegar ao poder pela via eleitoral e pacífica. O governo da Unidade
Popular implementou a reforma agrária e colocou em execução um
programa de recuperação das riquezas básicas do país, tais como o
cobre, o ferro e o salitre, e nacionalizou três grandes consórcios norte-
americanos, o Anaconda, o Kennecot e o Cerro Corporation. Allende
desenvolveu uma política externa independente e filiada ao movimen-
to não alinhado. Portanto, o Brasil se encontrava cercado de países de
orientação política oposta. Além disso, outros dois importantes, o Uru-
guai e a Argentina, passavam por violenta crise política.
O primeiro, governado pelo colorado Pacheco Areco, encontra-
va-se em situação econômica caótica e politicamente desestabilizado
pela guerrilha dos tupamaros. A aproximação das eleições de 1971 e a
possibilidade de vitória da Frente Ampla, coalizão de esquerda seme-
lhante à chilena Unidade Popular. Aquela representava uma alternativa
para os blancos e colorados e aumentava a agitação.
Na Argentina, o conturbado governo do general Juan Carlos
Ongania foi interrompido por um golpe militar em julho de 1970. Uma
junta militar nomeou o general Roberto Marcelo Levingston, que não
passaria de um testa de ferro, até que o general Alejandro Lanusse assu-
misse o poder, em março de 1971. No entanto, o governo de Lanusse se
encontrava desestabilizado pela ação guerrilheira e pela iminência do
retorno de Perón, que, de fato, ocorreria em novembro de 1972.
Relações hemisféricas 103

Apesar da retórica de defesa da autodeterminação dos povos e


da não intervenção nos assuntos internos de outros países, obviamente,
tal situação preocupava o governo brasileiro. Sabia-se que muitos mem-
bros da oposição ao regime militar buscavam abrigo justamente nos
países vizinhos de tendência esquerdista. Quanto à intervenção ativa
do governo brasileiro muito se especula. Apesar da ausência de fontes
seguras, das acusações e desmentidos, é praticamente certo ter havido
alguma intervenção em três casos, quais sejam, no golpe em que Hugo
Banzer derrubou Juan Jose Torres na Bolívia, em agosto de 1971; nas
eleições de novembro de 1971, no Uruguai, e no golpe que depôs Salva-
dor Allende no Chile, em setembro de 1973.
No que diz respeito a esse ponto, deve-se tomar cuidado em
razão do caráter viciado das fontes de ambos os lados. Da parte do go-
verno brasileiro, logicamente, este nega todas as acusações, pois alega
que as denúncias são na maioria das vezes exageradas e fundamentadas
em ideias errôneas.
No caso da Bolívia e do Uruguai, por exemplo, temos a versão de
Paulo Schilling, na obra O expansionismo brasileiro,83 escrita “no calor da
hora” e mesclada de ideias acertadas e outras totalmente sem fundamen-
to. Não resta dúvida de que o governo brasileiro se interessava na instala-
ção de um outro, de direita, nesses países, bem como, sempre que pudes-
se, facilitaria isso. Todavia, o autor se utiliza como embasamento factual
de declarações isoladas de militares ou de jornalistas conservadores, os
quais muitas vezes não tinham relações com o Governo, mas emitiam
opiniões pessoais. Igualmente, faz complexas lucubrações geopolíticas,
baseadas em obras teóricas, sem verificar se os pressupostos eram de
fato empregados pelo Governo. Assim, a participação brasileira no golpe
da Bolívia e a montagem da Operação Trinta Horas, a ocupação militar
do território uruguaio em caso de vitória da Frente Ampla, são temas
ainda abertos para investigação.
A intervenção brasileira no golpe que derrubou Salvador Allen-
de também não se apoia em fontes seguras. Todavia, em 1985, o ex-
embaixador dos Estados Unidos em Santiago, Nathaniel Davis, publicou
em suas memórias que, em 1973, Antônio Câmara Canto, embaixador
do Brasil no Chile, o convidara durante um almoço para “um esforço co-
mum no sentido de derrubar Salvador Allende”. Segundo Davis, o Bra-
sil ajudou no golpe militar por meio da atuação de empresários e de
104 A diplomacia do interesse nacional

autoridades, os quais financiavam greves e boicotes em Santiago. Talvez


o diplomata norte-americano quisesse dividir as responsabilidades dos
EUA nos golpes em outros países. Gibson Barboza, então embaixador do
Brasil em Londres, negou veementemente e afirmou que naquela épo-
ca o Brasil, pelo contrário, “ajudou Allende”.84 A discussão na imprensa
produziu a declaração do deputado Maurílio Ferreira, que se encontrava
exilado no Chile, em setembro de 1973: “Na madrugada de 9 de setem-
bro Allende me disse que a embaixada brasileira em Santiago era um
dos principais focos de subversão contra o seu governo, tendo uma ati-
vidade mais ostensiva que a embaixada norte-americana.” Segundo Fer-
reira, o presidente chileno preparava a denúncia internacional, a qual
ele chamava de “conexão Brasil”, quando eclodiu o golpe. O deputado
também acusou Câmara Canto de negar assistência aos exilados brasi-
leiros, que passaram a sofrer perseguição política após o golpe.85 Mario
Gibson Barboza escreveu duas semanas depois uma carta à redação da
revista e desmentiu o conteúdo da reportagem.86 Assim, apesar do tes-
temunho de pessoas que estiveram no Chile na época, o assunto fica ba-
seado em acusações e desmentidos. Trata-se, portanto, de uma parte da
História do Brasil que ainda está para ser escrita.

Relações bilaterais: Brasil/América Latina

A partir de meados de 1971, a administração Médici iniciou


com a América Latina um movimento de aproximação. A imprensa o
qualificava como de “ofensiva latino-americana”,87 o que, de certa forma,
corrobora a retórica do Governo de colaboracionismo com os países os
quais a integram. Essa “ofensiva” teve caráter eminentemente comer-
cial. As inúmeras visitas do chanceler Gibson, a despeito da exaltação
da identidade cultural e étnica, visavam ao estabelecimento de acordos
comerciais e técnicos e, no caso dos países menores, financiamento do
comércio e empréstimos de governo a governo. Hélio Jaguaribe sinteti-
za perfeitamente as duas premissas que orientaram o comportamento
brasileiro na América Latina:

A primeira é a de que, dispondo de uma base de recur-


sos suficiente para enfrentar o mundo por conta pró-
Relações hemisféricas 105

pria, o país só tem a ganhar, nas relações com o resto


do mundo, se maximizar sua flexibilidade de manobra,
que poderia se tivesse de coordenar suas políticas com
a de outros países latino-americanos. A segunda é a de
que, em suas relações com o resto da América Latina, o
país tem pouco a lucrar, por se tratar de países de nível
econômico-tecnológico igual ou inferior ao seu, razão
pela qual lhe convém manter um regime de relações
estritamente bilaterais, corretas, mas não demasiado
estreitas, inclusive porque um maior estreitamento,
ou uma mais efetiva multilateralização terminariam
impondo ao país encargos sem contrapartida, em
nome da solidariedade regional.88

As duas premissas definem o caráter das relações do Bra-


sil com a América Latina naquele período. Na verdade, tratava-se
do mesmo tipo de relação que o País buscava em toda a parte do
mundo, mas que, no caso específico, eram facilitadas pela proximida-
de geográfica e laços culturais. A opção bilateral, a mesma utilizada
para a aproximação com a África, isentava-o de tomadas de posições
radicais e de acusações ideológicas. Considerações geopolíticas ti-
nham menos peso do que o senso comum, e até alguma literatura,
principalmente hispano-americana, leva a acreditar nisso. Roberto
Campos acerta quando afirma:

No tocante à política em relação à América Latina, temos


que observar princípios negativos e empreender ações
positivas. Os negativos são: a) evitar tentativas ocasio-
nais de isolamento do Brasil pela formação de um bloco
hispânico; b) combater acusações de hegemonia e ex-
pansionismo. A hegemonia, como subproduto do po-
der econômico, é acidente inevitável; como objetivo de
política, é irritante dispensável [...] Como ação positiva
cabe-nos ajudar os países de menor desenvolvimento
relativo [por meio de] a) integração por via comercial e
b) integração mediante projetos de investimento [...] Se
são magras no momento as perspectivas de integração
106 A diplomacia do interesse nacional

comercial – objetivo que deve, entretanto, continuar


prioritário – fez-se progresso na integração por via de
investimento.89

As inúmeras viagens de Mario Gibson Barboza a países da Amé-


rica Central e do Sul atendiam aos quatro itens apontados por Rober-
to Campos, ou sejam, combater as acusações de hegemonia, bem como
tentar evitar o isolamento do Brasil e estabelecer relações comerciais e
financeiras com os países de menor desenvolvimento relativo. Quanto à
questão da hegemonia, há de se fazer uma ressalva na relação do Brasil
com a Argentina, na Bacia do Prata. Ela se desenvolveu de acordo com
os padrões tradicionais de disputa entre dois países pela hegemonia na
região platina. No caso, as contendas se deram em função do Tratado de
Itaipu.
Mario Gibson Barboza em suas memórias trata a América Cen-
tral e do Sul de maneira diferenciada. Destaca o pioneirismo de sua via-
gem de 1971 à América Central, pois foi a primeira de um ministro das
Relações Exteriores do Brasil à região, e explica a razão pela qual adotou
o mesmo padrão de relacionamento com os cinco países visitados, quais
sejam, a Guatemala, El Salvador, Honduras, a Nicarágua e a Costa Rica.
Gibson percebia um sentido de unidade na América Central consubs-
tanciada na criação do Mercado Comum Centro-Americano e expressa
politicamente no fato de todos os países se denominarem “República
Centro-Americana de...”. A América do Sul, por outro lado, em razão das
diversidades, requereria um tratamento bilateral.90
De fato, a América Central recebeu tratamento homogêneo, em-
bora em bases bilaterais. Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e
Costa Rica foram visitados em sequência, em julho de 1971. Os entendi-
mentos compreenderam a celebração de acordo para elevação do inter-
câmbio comercial bilateral e diversificação das respectivas pautas de ex-
portação, com a identificação dos produtos passivos de serem objeto de
exportação recíproca; concessão, por parte do Brasil, de linha de crédito
para a realização desses objetivos, no valor de 1 milhão de dólares para
cada um dos países; celebração de acordo de cooperação técnica pelo
qual o País se comprometia a conceder bolsas de estudos em entidades
técnicas, centros educativos ou organizações industriais e proclamação
do direito e dever dos Estados ribeirinhos de fixar a extensão de sua
Relações hemisféricas 107

jurisdição sobre o mar adjacente a suas costas em conformidade com as


suas particularidades.91
O chanceler também comunicou em todos os países a decisão
do governo brasileiro de estabelecer uma linha regular de navegação
marítima para a América Central. Em seguida, foi criada uma linha quin-
zenal do Lloyd Brasileiro para os principais portos da América Central,
no Atlântico e no Pacífico, a qual, posteriormente, se tornou semanal.92
Em entrevista, Gibson qualificou o esforço em direção à América Central
de “modesto para nossas aspirações, mas ambicioso pelo que já se veri-
ficou até agora”.93
Os chanceleres da Guatemala e da Costa Rica retribuíram a visita
brasileira na gestão Gibson. O primeiro, Roberto Herrera Ibarguren, com-
parou, por ocasião de sua visita em fevereiro de 1972, a extensão de linhas
de crédito do Brasil para a América Central e do Sul com o Plano Marshall,
plano norte-americano de recuperação da Europa após a Segunda Guerra
Mundial. Exageros à parte, surgiu nessa época a ideia de que o Brasil pode-
ria se constituir em uma alternativa vantajosa aos países ricos doadores de
assistência, levando em conta fatores como a similaridade de condições geo-
econômicas e a experiência adquirida na criação e adaptação de tecnologias.
Gibson afirma, relatando uma conversa com Médici sobre as
divergências do Itamaraty e do Ministério da Fazenda quanto à polí-
tica africana:

Um milhão de dólares, Presidente, para cada país. Um


milhão. Isso é uma quantia para pessoa física, para um
particular. É até irrisório. Mas dar essa linha de crédito
significava uma vantagem para o Brasil, porque se tra-
tava de um crédito vinculado, um crédito ‘buy Brasil’.
Era importante que eu fizesse esse gesto de abertura
de comércio, num momento em que pela primeira vez
um ministro das Relações Exteriores do Brasil visita-
va os cinco países da América Central. Isso é o que os
americanos, os ingleses, os franceses etc. fizeram co-
nosco a vida inteira.94

Martins afirma que essas dotações, uma espécie de BRAS-AID,


elevaram-se com o passar do tempo e foram vinculadas à execução do
108 A diplomacia do interesse nacional

programa de entidades estatais ou paraestatais, como o Banco Nacio-


nal de Habitação (BNH), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai) e a Eletrobras.95 Praticamente, todos os países latino-america-
nos, com exceção de Cuba, se beneficiaram com o programa.
Aqueles da América do Sul foram visitados por Gibson Barboza,
intercaladamente, entre 1971 e 1973. Em 1971, foram o Paraguai, Trini-
dad e Tobago, a Guiana e o Suriname; em 1973, a Colômbia, a Venezuela,
a Bolívia, o Equador e o Peru. Do grupo de 1971, somente a Guiana rece-
beu linha de crédito, no valor de 6 milhões de dólares. As visitas de 1973
foram todas em retribuição. Desse conjunto, o Peru, o Equador e a Bo-
lívia receberam linhas de crédito no valor de 10 milhões de dólares, as
quais foram oferecidas por ocasião das visitas dos respectivos chancele-
res, em março e junho de 1971 e em janeiro de 1972, respectivamente.
As visitas à Guiana, ao Suriname e a Trinidad e Tobago tiveram
caráter de primeira aproximação. Dela resultaram o estabelecimento de
comissões mistas (Guiana e Trinidad e Tobago) e um acordo cultural
(Trinidad e Tobago). Com os do grupo andino, foram negociadas medi-
das para aproximação comercial e integração física na Região Amazô-
nica. Os países dos quais o Brasil mais se aproximou em termos comer-
ciais e financeiros foram o Equador, o Paraguai e a Bolívia e obedeceu
à lógica de integração com países de menor desenvolvimento relativo.
Além disso, os dois últimos desempenhavam papel chave na disputa
com a Argentina. A relação do Brasil com eles não poderia se restringir
ao plano comercial.
O exame das declarações conjuntas do Brasil com esses três paí-
ses revela, pelo seu número de itens e detalhes, a precedência deles nas
preocupações bilaterais brasileiras,96 principalmente no que dizia res-
peito a investimentos e à doação de assistência. Os principais exemplos,
como a assistência na construção da via interoceânica em solo equato-
riano, que seria coordenada pela Comissão Mista Brasil-Equador; a assi-
natura do Tratado de Itaipu com o Paraguai, em abril de 1973, pelo qual
os dois governos se comprometeram a construir uma usina hidrelétrica
de 11 milhões de KW; a construção de uma usina siderúrgica por Brasil
e Paraguai, com a capacidade de produção de 100 mil toneladas anuais,
que seria construída pelo Brasil em solo paraguaio e a assinatura com
a Bolívia de um acordo pelo qual o Brasil participaria da exploração de
gás natural e da instalação de um polo de desenvolvimento econômico,
Relações hemisféricas 109

com a construção de um complexo siderúrgico e de um gasoduto que


atingiria o porto de Santos.97 Outros projetos similares foram empreen-
didos com outros países da América Latina, mas em menor número e
com menos abrangência.
O Uruguai, por sua vez, recebera o mesmo tratamento que os
demais países de menor desenvolvimento relativo por ocasião de uma
visita de Pacheco Areco ao Brasil, em maio de 1969, na gestão Costa e
Silva. Além de vantagens comerciais, o governo uruguaio recebeu uma
linha de crédito no valor de 15 milhões de dólares. Ao longo de todo o
governo Médici, o único contato direto entre os dois países se deu em
um encontro de fronteira entre Médici e Pacheco Areco, em maio de
1970.98 O projeto bilateral mais importante era para o aproveitamento
conjunto da Lagoa Mirim. Todavia, os dois países enfrentaram proble-
mas em agosto de 1970 por ocasião do sequestro do cônsul brasileiro
em Montevidéu, Aloísio Dias Gomide, pelos tupamaros, no Uruguai. Os
responsáveis por aquela ação exigiam a libertação de 150 prisioneiros
políticos. A pressão brasileira sobre o governo Areco foi a maior até
então realizada por um país com um diplomata sequestrado. O fato de
o Brasil haver trocado em três ocasiões diplomatas sequestrados por
presos políticos, em um total de 60 prisioneiros, dava uma justificativa
ao governo brasileiro para pedir o “possível” do uruguaio. Em contra-
partida, os Estados Unidos se referiam ao que fosse apenas “praticável”.
Entretanto, as enérgicas mensagens de Gibson e de Médici e a permissão
para que a esposa do cônsul Gomide apelasse ao presidente Areco em
uma rádio uruguaia pela vida do marido não surtiram o menor efeito.
Além do discreto apoio norte-americano, o governo uruguaio contava
com o respaldo da Argentina.99 A mudança da exigência da libertação
dos presos por uma soma em dinheiro resolveu a situação de forma sa-
tisfatória, com a libertação do cônsul em troca do pagamento de resgate
por sua esposa sem a participação do governo brasileiro, em 22 de feve-
reiro de 1971.100 Apesar do estremecimento circunstancial, o sequestro
não chegou a abalar as relações entre os dois países.
Assim, no plano regional, a diplomacia do interesse nacional
se empenhou em intensificar relações comerciais, financeiras e técni-
cas com o maior número de países, com uma precedência aos de menor
desenvolvimento relativo e superando as fronteiras ideológicas em to-
dos os casos, com exceção de Cuba, pois com este implicaria confronto
110 A diplomacia do interesse nacional

direto com os EUA. A opção pelo marco bilateral incluía algumas inova-
ções alinhadas por Carlos Estevam Martins:

[...] a) abertura de linhas de crédito vinculadas à aqui-


sição de produtos brasileiros; b) celebração de acordos
culturais que canalizam a vinda, por períodos prolon-
gados, superiores a quatro anos, de estudantes latino-
americanos em nível de graduação, além das bolsas de
estudos concedidas aos de nível de pós-graduação; c)
criação de um programa brasileiro de cooperação téc-
nica com os países menos desenvolvidos.101

Finalmente, observa-se a mudança ocorrida no que Carlos Es-


tevam Martins denomina setor político-estratégico. Apesar de impor-
tantes países da América do Sul possuírem governos orientados para a
esquerda, alguns declaradamente socialistas, como o Peru de Alvarado,
nenhum deles foi excluído das relações diplomáticas e econômico-finan-
ceiras do Brasil. A opção bilateral também era cômoda nesse sentido,
com os compromissos assumidos país a país, de forma específica e lo-
calizada. O pragmatismo prevalecia sobre os posicionamentos ideoló-
gicos. Um bom exemplo foi a linha de crédito de 10 milhões oferecida
à Bolívia durante o governo esquerdista de Juan José Torres. Martins
sugere que o bilateralismo teria sido a saída encontrada para superar as
formas de integracionismo propostas pelos governos anteriores, como o
pan-americanismo de Castelo Branco e o latino-americanismo de Costa
e Silva.102 A sugestão é interessante. Entretanto, não poderia ser de ou-
tra forma, uma vez que o Governo raciocinava de forma pragmática. As
duas opções anteriores eram problemáticas, pois o Brasil não desejava
se isolar na América Latina como gendarme americano, bem como não
lhe convinha se apresentar perante o Primeiro Mundo com a alcunha de
país radical do Terceiro Mundo. O bilateralismo permitia o ajuste caso a
caso. Para cada um deles, era invocado algum dos princípios gerais da di-
plomacia brasileira ou qualquer dado conjuntural: nos Estados Unidos,
falava-se da ligação histórica entre os dois países; na América Latina e
na África, apelava-se para o desenvolvimento desigual que, a um só tem-
po, aproximava os demais países do Brasil e permitia que seu Governo
prestasse assistência; nos países socialistas, invocava-se o princípio de
Relações hemisféricas 111

autodeterminação dos povos e a não ingerência em assuntos internos;


na Europa Ocidental, recorria-se ao “milagre” e aos vultosos índices de
crescimento econômico. Para cada situação, a diplomacia sacava uma
carta da manga, pois lograva os resultados desejados, não muito ambi-
ciosos, e não se comprometia com apelos ideológicos, nem de esquerda
nem de direita.

Brasil/Argentina

As relações do Brasil com a Argentina no período Médici foram


um capítulo à parte. Nelas percebemos ultrapassarem o viés comercial,
bem como envolverem outros países da região, como o Uruguai, o Pa-
raguai e a Bolívia. A aproximação com esses últimos foi, desse ponto de
vista, comercial-estratégica.
O relacionamento com a Argentina se insere no padrão pendu-
lar identificado por Jaguaribe, o qual vigorou desde o início do século
XIX, com alternância de conflito e cooperação.103 A época em questão
é fundamental, uma vez que nela se iniciam as mudanças no sistema
internacional, que levariam os dois países à superação da rivalidade e à
colaboração, alguns anos depois. Aqui, concordamos com o modelo ela-
borado por Leonel Itaussu Almeida Mello: no período Médici, o desfecho
da questão Itaipu-Corpus produziu uma oscilação da balança de poder
regional, de conflito na década de 1960 para a preponderância brasi-
leira. Esta resultaria de dois fatores, quais sejam, a política de poder na
região, consagrada pela aproximação comercial, financeira e política de
países de menor desenvolvimento relativo, como o Uruguai, a Bolívia
e o Paraguai, e a política de modernização conservadora na economia
brasileira.104
Há um interessante ponto há ser ressaltado quanto a essa ques-
tão, pois o comportamento brasileiro no sistema internacional, que pas-
sou a ser alterado durante o governo Costa e Silva, para uma equidis-
tância em relação aos Estados Unidos, gerou somente consequências no
subsistema platino alguns anos depois, mais precisamente em 1979, com
a assinatura do Acordo Tripartite, com a Argentina e Paraguai, o qual so-
lucionou a questão de Corpus-Itaipu. Enquanto modificava seu proce-
dimento no sistema internacional e obedecia às alterações produzidas
112 A diplomacia do interesse nacional

pela détente nesse sistema, o Brasil atuava no subsistema platino de


acordo com a lógica da década de 1960. Assim, o contencioso Corpus-I-
taipu foi um episódio de competição que alterou o equilíbrio da década
de 1960 para uma preponderância brasileira.105
Deve-se levar em conta as diferenças entre as políticas exter-
nas brasileira e argentina no período em questão. Com a derrubada de
Frondizi, em 1962, a Argentina modificou sua política externa e alinhou-
se aos Estados Unidos. A partir de 1966, com Juan Carlos Ongania, ela
passou a defender a doutrina das fronteiras ideológicas e convergiu com
o governo Castelo Branco. Nesse intervalo, o aumento da colaboração
com o Brasil, em virtude da semelhança de regimes, provocou em alguns
círculos argentinos o respeito à anuência de subordinação ao país-chave
ou à posição de satélite do satélite. A partir do governo Costa e Silva e sua
guinada nacionalista, a Argentina passou a disputar com o Brasil a posi-
ção de país-chave. A orientação econômica e pragmática da diplomacia
brasileira contrapunha-se ao viés geopolítico da diplomacia argentina
e sua ideia de reconstruir uma espécie de Vice-Reino do Rio da Prata e
estabelecer seu predomínio sobre a Bolívia e o Paraguai. Assim, o Tra-
tado da Bacia do Prata de 1969 foi utilizado para mediar o conflito com
o Brasil. A ideia era criar obstáculos para o desenvolvimento industrial
brasileiro com a utilização do Direito Internacional, a fim de impedir a
construção da usina brasileiro-paraguaia na região das Sete Quedas.
A ascensão de Alejandro Lanusse produziu o distanciamento do
governo dos Estados Unidos, mas não alterou as relações com o Brasil.
A alternativa seria a aproximação com os países andinos de orientação
nacionalista. Daí a defesa por Lanusse da “pluralidade ideológica”. Com
a guinada direitista na Bolívia, no Uruguai e no Chile, a Argentina termi-
nou isolada.106 Foi o processo que resultou na preponderância brasileira.
É necessário o conhecimento de alguns antecedentes do
contencioso do início da década de 1970. Por ocasião da assinatura pelo
Brasil e Paraguai da Ata das Cataratas, em junho de 1966, a Argentina
tomou a iniciativa de convidar os países da região para uma discussão
conjunta. Assim, a primeira com os cinco chanceleres dos países inte-
ressados, a Argentina, a Bolívia, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai, ocor-
reu em fevereiro de 1967. Nos anos seguintes, foram criadas diversas
instituições que viabilizassem as metas fixadas pelo Tratado dos Países
da Bacia do Prata, de abril de 1969. As regras de funcionamento dessas
Relações hemisféricas 113

instituições, Reunião dos Chanceleres, anualmente; Comitê Intergover-


namental Coordenador e, mais tarde, Fundo Financeiro para o Desen-
volvimento da Bacia do Prata, revelavam com clareza que não visavam
ao desenvolvimento integrado ou qualquer integração econômica.107
O processo esbarrou no conflito político-diplomático em tor-
no da compatibilização das represas de Corpus e Itaipu. Segundo Mello,
a acirrada disputa entre os dois países se desenvolveu em dois níveis
distintos, um ostensivo e oficial; outro camuflado e oficioso. O primei-
ro dizia respeito aos trâmites técnicos e diplomáticos que envolviam a
construção de ambas as represas em um rio internacional contíguo e de
curso sucessivo; o segundo envolvia a questão estratégica e geopolítica,
com repercussões no equilíbrio de poder regional.108
Os interesses contrapostos iriam encontrar expressão jurídica
em duas teses opostas, de um lado, a argentina, que requeria consulta pré-
via aos ribeirinhos de jusante antes de empreendimentos hidrelétricos
em rios internacionais de curso sucessivo; do outro, a posição brasileira,
que admitia apenas a responsabilidade a posteriori de indenização por
danos significativos.109 Assim, de acordo com a posição argentina, o em-
preendimento brasileiro-paraguaio, situado a montante do Rio Paraná,
deveria estar subordinado a um mecanismo de consultas prévias entre
as partes interessadas, como forma de evitar prejuízos sensíveis e perma-
nentes à futura hidrelétrica de Corpus, projeto argentino-paraguaio a ser
implantado 200km a jusante de Itaipu, no trecho fluvial partilhado por
Argentina e Paraguai. Os técnicos argentinos alegavam que o aproveita-
mento ótimo de Corpus, para a geração de 5,5 milhões de KW, era funda-
mental para a indústria de seu país e somente viável com uma cota de 105
a 115m acima do nível do mar. Os especialistas brasileiros, por sua vez,
alegavam que, dependendo da altura da barragem, o nível de água repre-
sada no reservatório prejudicaria a geração de energia em Itaipu e inun-
daria territórios brasileiros e paraguaios situados a montante de Corpus.
Os brasileiros propunham como alternativa uma cota máxima de 100m,
que, segundo os argentinos, retiraria do projeto de Corpus qualquer via-
bilidade econômica. A diplomacia brasileira também rechaçava o efeito
suspensivo no mecanismo de consulta prévia e o considerava contrário à
soberania nacional e ao direito do Estado de dispor livremente de seus re-
cursos naturais. Assumia, assim, o compromisso de facilitar informações
e de não causar prejuízos à outra parte interessada.110
114 A diplomacia do interesse nacional

Subjacentemente aos aspectos técnicos e diplomáticos, o con-


flito Itaipu-Corpus possuía uma dimensão geopolítica e estratégica.
Os argentinos temiam que a construção de Itaipu junto à sua frontei-
ra nordeste implicasse a implantação de um polo de desenvolvimento
econômico que irradiasse a influência brasileira até a subdesenvolvida
e despovoada região de Misiones, como ocorrera nos departamentos
paraguaios limítrofes ao Brasil. Temiam, igualmente, a inviabilidade
econômica de Corpus, a qual faria a Argentina perder seu poder com-
pensador na balança de poder platina, bem como neutralizador da pre-
ponderância brasileira no Paraguai.111
Fora do âmbito regional, a Argentina tomou diversas inicia-
tivas para conseguir respaldo para a sua tese de consulta prévia com
efeito suspensivo. Na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, em
Estocolmo, em junho de 1972, a controvérsia argentino-brasileira re-
fletiu-se no 20º ponto, qual seja, os Estados devem fornecer informa-
ções sobre o que ocorre em seu território se isso puder evitar prejuí-
zos fora de sua jurisdição nacional. Em setembro de 1973, a Argentina
conseguiu o apoio dos não alinhados em Argel. Na XXVIII Assembleia
Geral da ONU, em 1973, o país conseguiu fazer aprovar seu projeto
como Resolução nº 3.129, que recomendou o uso de “um sistema de
informação e de consultas prévias” entre os países que possuem “re-
cursos naturais compartidos”.112
Enquanto isso ocorria, persistiam as controvérsias diplomáticas.
Na IV Reunião dos Chanceleres dos Países da Bacia do Prata, foi aprovada
a resolução nº 25, conhecida como Declaração de Assunção, que estabele-
cia a soberania nos rios internacionais contíguos e sucessivos. Outra fase
de negociações resultou em um acordo firmado em Nova York, em setem-
bro de 1972, pelos chanceleres Mario Gibson Barboza e Eduardo McLou-
ghlin, quando ambos participavam da XXVII Assembleia Geral da ONU. Tal
acordo foi formalizado como Resolução nº 2.995 da XXVII Assembleia da
ONU. Basicamente, o Brasil ficava livre de obrigações formais com o ribei-
rinho inferior, e a Argentina, em troca do fornecimento de informações
sobre as características de seus projetos, aceitando comentários sempre
que houvesse a possibilidade de provocar danos no curso argentino das
águas.113 Após intensa campanha crítica realizada pela imprensa porte-
nha, o acordo de Nova York foi denunciado por Buenos Aires, em julho de
1973.114 Em março de 1973, o enchimento das comportas de Ilha Solteira
Relações hemisféricas 115

produziu intensa polêmica entre os representantes brasileiros e argenti-


nos do Comitê Intergovernamental Coordenador dos Países da Bacia do
Prata (CIC). O órgão se tornou, naquele momento, o palco de expressão
da rivalidade argentino-brasileira, por meio de trocas de ásperas notas
diplomático-jurídicas.115 O round seguinte do conflito ocorreu por ocasião
da visita do general paraguaio Alfredo Stroessner para a assinatura do
Tratado de Itaipu, em Brasília, em abril de 1973. Uma semana antes de sua
chegada, o Paraguai pediu a revisão de dois pontos do Acordo de Itaipu:
exigia a obrigatoriedade da manutenção da navegabilidade do Rio Paraná
no trecho em que seria construída a usina e exigia o usufruto apenas pelo
Paraguai dos royalties a serem pagos pela empresa paraguaio-brasileira
encarregada da construção da usina. Essas exigências eram fruto de uma
carta enviada por Perón a Stroessner. Estas foram retiradas depois de al-
gumas discussões. Em 25 de abril, o embaixador Julio Barberis, consultor
jurídico da chancelaria argentina, apresentou protesto contra a decisão
brasileira de encher a represa de Ilha Solteira. O governo Lanusse se quei-
xou da maneira pela qual o Brasil lhe informara sobre o enchimento da
citada ilha. O aviso teria sido dado em Brasília ao embaixador José Maria
Alvarez de Toledo pelo ministro Expedito Rezende, chefe do Departamen-
to das Américas do Itamaraty, em conversa informal na beira da piscina
da residência oficial do diplomata argentino. Segundo nota apresentada,
seria uma demonstração de pouco caso diante de um assunto tão impor-
tante. No entanto, o documento não cumpriu o objetivo de perturbar a
assinatura do Tratado de Itaipu.116
Em março de 1972, no calor da polêmica Corpus-Itaipu, o pre-
sidente Lanusse realizou uma visita oficial ao Brasil. Conforme Gibson,
esta foi forçada pelo presidente argentino, uma vez que a diplomacia
brasileira tinha noção de que Lanusse visava tirar proveito político do
fato. Quando o governo argentino doou uma estátua de San Martin à
Cidade do Rio de Janeiro, o governo brasileiro foi obrigado a convidar
Lanusse para inaugurá-la. O discurso referente ao evento fora ante-
riormente examinado por diplomatas de ambos os lados. A parte ar-
gentina se comprometera a retirar um trecho no qual Lanusse defen-
deria a consulta prévia. No momento de seu enunciado, Lanusse leu o
trecho anteriormente eliminado. O embaraço resultante implicou que
o encontro entre os dois presidentes, inicialmente, de 45 minutos, du-
rasse somente 15 minutos.
116 A diplomacia do interesse nacional

Depois desses eventos, houve outros episódios nas negocia-


ções, alguns bastante complicados, solucionados somente em 1979, por
meio do Acordo Tripartite. A Argentina aceitou uma cota de 105m para
Corpus e abandonou sua reivindicação de 115m acima do nível do mar;
em troca, o Brasil e o Paraguai se comprometeram a instalar em Itaipu
apenas as 18 turbinas originais e renunciaram as complementares.117
O acordo marcou a distensão, que alguns anos mais tarde resultaria no
processo de integração regional.
Dessa forma, as relações com a Argentina eram pautadas pela
relativa autonomia do subsistema regional platino. Prova disso foi a dis-
crepância entre o comportamento brasileiro no sistema internacional
e no subsistema platino. Brasil e Argentina disputavam a primazia na
Bacia do Prata e jogavam com sua influência sobre os países menores,
como o Paraguai, o Uruguai e a Bolívia. Nessa equação, o País saiu for-
talecido, tanto pela solidez de sua modernização econômica conserva-
dora, ancorada na estabilidade do governo militar, em contraposição
às mudanças de orientação frequentes no campo argentino, como pelo
sucesso de sua política externa na região platina, que aliava objetivos
políticos a empreendimentos econômicos.
Capítulo 4

Relações extra-hemisféricas

Brasil/Portugal e África

A s relações do Brasil com a África ao longo do período


Médici não podem ser divorciadas das relações do
Brasil com Portugal. A aproximação do País com o continente africano
foi dificultada pela atitude de apoio ao colonialismo português por parte
de sucessivos governos brasileiros. O Brasil era visto com desconfian-
ça, principalmente nos foros multilaterais, pela manutenção das alega-
das “relações especiais” com a antiga Metrópole. De fato, obedecendo
ao pragmatismo low profile, o País tentou discretamente exercer uma
mediação na questão da independência das colônias portuguesas. Dis-
cretamente, ou seja, sem ruptura com Portugal nem apoio declarado à
independência, assim como mantendo os votos na ONU de apoio ao go-
verno português, pelo menos até 1973.
Além disso, a política africana foi o setor da política externa no
qual se expressou o embate entre as tendências primeiro-mundistas e
terceiro-mundistas dos formuladores da política do interesse nacional.
As diferenças, normalmente resolvidas no interior dos gabinetes, vaza-
ram para a imprensa e geraram um conflito que quase levou o chanceler
à demissão. A solução pelo terceiro-mundismo suave marcou a aproxi-
mação brasileira com a África, que muito se aprofundaria nos governos
seguintes.
118 A diplomacia do interesse nacional

Como reconhece Henrique Altemani de Oliveira:

[...] é no governo Médici que se começa a estruturar o


que posteriormente seria classificado como ‘a política
africana do Brasil’. A histórica viagem do ministro
Gibson Barboza, em outubro-novembro de 1972, a
nove países africanos [...] e completada em janeiro-
fevereiro de 1973 com a viagem ao Egito e Quênia,
marca simbólica e efetivamente o restabelecimento
das relações do Brasil com as nações africanas.1

Na verdade, 1972, “o Ano da África” na ONU e, contraditoria-


mente, “O Ano da Comunidade Luso-Brasileira”, em função das comemo-
rações do Sesquicentenário da Independência, marcou uma tomada de
posição brasileira na até então ambígua questão do colonialismo portu-
guês. E foi a viagem de Gibson que marcou a opção pela África indepen-
dente.2

Colonialismo português e África

Da parte dedicada por Gibson Barboza em autobiografia refe-


rente a sua gestão no Ministério das Relações Exteriores, é à questão do
colonialismo português que o ministro dedica o maior número de pági-
nas. Sem dúvida, trata-se de uma tentativa do ex-chanceler de explicar
o posicionamento brasileiro de aparente suporte à desgastada política
colonialista portuguesa. Sua versão é a de que o Brasil se opunha ao
modo de pensar português e tentou mediar sem sucesso o tema colonial
entre Portugal e suas colônias.
A preocupação em relatar o processo com minúcias expõe al-
guns pontos reveladores, que, inclusive, ultrapassam a questão da África
portuguesa. Um dos pontos diz respeito à formulação da política exter-
na; outro, à forma pela qual o presidente Médici administrava decisões.
Depois de relatar sumariamente sua opinião contrária ao colonialismo
português desde quando foi chefe de Gabinete na gestão Afonso Arinos,
durante o governo Jânio Quadros, Gibson Barboza afirma que “a nova
linha de política externa” para a África foi ideia sua: “Em Exposição de
Relações extra-hemisféricas 119

Motivos ao Presidente Médici, em dezembro de 1971, propus, formal-


mente, uma nova linha de política externa.”3 Na sequência, reforça essa
ideia: “E ele [Médici] decidiu a favor da minha posição, consciente de
que ela se inseria na linha de política externa que eu propusera e que
ele aprovara sem reserva.”4 Não menciona qualquer debate ou discussão
de a linha de aproximação da África haver sido escolhida por ele e acei-
ta por Médici. Fica claro que as dificuldades surgidas com o ministro
da Fazenda, Delfim Netto, foram consequência da existência de centros
diferentes de decisão, os quais obviamente funcionavam para áreas di-
ferentes, mas ocasionalmente colidiam. O vazamento de debate para os
jornais foi resultado da ausência de coordenação no Governo.
A despeito da relativização de Gibson quanto ao caráter dele-
gativo de Médici, a narrativa do embate entre o Itamaraty e o Ministério
da Fazenda evidencia a larga margem de autonomia dos ministros e a
dificuldade de Médici em firmar uma posição: dois ministros com auto-
nomia e com posições opostas; em um primeiro momento, o presidente
apoiava Delfim Netto; depois, Gibson Barboza e demonstrava a ausência
de posição formada e vulnerabilidade a opiniões diversas.
Voltando à Questão Africana, podemos considerar que ela se
divide em duas partes; em primeiro lugar, o choque entre o Itamaraty e
o Ministério da Fazenda; em segundo, os esforços na tentativa de media-
ção da questão colonial africana pelo Brasil.
No final de dezembro de 1971, Gibson elaborou uma Exposi-
ção de Motivos, relatando que aceitaria o convite feito a ele para uma
visita à Costa do Marfim e Senegal, a qual se estenderia a Gana, a Da-
omé, à Nigéria, a Camarões e ao Zaire. Relata ele: “O Presidente Médici
aprovou, sem qualquer modificação, essa nova linha de política externa e
autorizou minha visita aos países africanos mencionados, deixando-me
as mãos livres para a ação diplomática decorrente.”5. A consequência,
segundo o ministro, foi a ofensiva contrária do lobby português, que mo-
veu uma forte campanha na imprensa com o apoio da extrema direita,
que identificava o terceiro-mundismo africano com o comunismo inter-
nacional. As críticas aumentavam à medida que a viagem se aproxima-
va e obrigaram o chanceler a interpelar diretamente o embaixador de
Portugal no Brasil.6
O obstáculo seguinte foi a obstinação do general Ernesto Gei-
sel, presidente da Petrobras, no sentido de que o Brasil se associasse
120 A diplomacia do interesse nacional

a Portugal na exploração de petróleo em Angola. Na visão de Gibson,


o interesse daquele país nessa associação era vincular o Brasil ao seu
domínio nas colônias africanas, e tal aliança deixaria o País em situação
internacional desconfortável, pois a independência da África lusitana
era iminente. Médici, chamado a arbitrar, decidiu a favor do chanceler.7
O ponto mais espinhoso e sério foi o entrevero com o ministro
da Fazenda, Delfim Netto. Com a data da viagem já acertada, o chance-
ler se deparou com uma declaração nos jornais do chefe da Assessoria
de Política Internacional do Ministério da Fazenda, diplomata Vilar de
Queirós, o qual dizia que o Brasil deveria penetrar na África “através das
províncias ultramarinas portuguesas”, bem como qualquer estratégia
diferente, como a então em curso, estava fadada ao insucesso. Era um
recado direto de Delfim Netto.
No início de agosto, a visita de Nyoroge Mungai, ministro das
Relações Exteriores do Quênia, complicou a situação. Ele declarou à im-
prensa haver vindo ao Brasil pedir ao Governo a intercessão junto a Por-
tugal pela independência das colônias africanas. A revista Veja comen-
tou que nos círculos governamentais fazia-se a distinção entre a África
gibsoniana, negra, e a África delfínica, branca.8
Não havendo desmentido da Presidência da República, Gibson
Barboza determinou que o secretário-geral do Itamaraty, embaixador
Jorge de Carvalho e Silva, convocasse a imprensa e lesse nota na qual
afirmava: “As declarações sobre política externa feitas pelo Assessor
Internacional do Ministério da Fazenda representam sua exclusiva opi-
nião pessoal, pois é ao Presidente da República que cabe definir essa
política e ao Itamaraty executá-la.”9 Alguns dias depois, Médici relatou
ao chanceler seu desgosto com a declaração de Jorge de Carvalho e Sil-
va. A sequência do relato foi um diálogo ríspido, no qual Gibson acusou
Delfim de ser um “superministro”, que já havia derrubado Cirne Lima,
ministro da Agricultura, e outros.10 No final, Gibson colocou seu cargo
à disposição. Médici rejeitou o pedido de demissão e garantiu a ele que
sua política teria todo apoio; e assim o caso foi encerrado.11
É digno de nota o apuro com que o chanceler relata em sua
autobiografia a tentativa de mediação por parte do Brasil da questão
colonial portuguesa. Não é difícil de compreender, pois oficialmente o
Brasil dava suporte ao colonialismo tardio de Portugal. Em 14 de no-
vembro de 1972, o País votou contra a resolução da XXVII Assembleia
Relações extra-hemisféricas 121

Geral da ONU, que proclamou os movimentos de libertação de Angola,


da Guiné Portuguesa e de Moçambique como representantes autênti-
cos das populações desses territórios e, na XXVIII Assembleia Geral da
ONU, em novembro de 1973, contra o apoio ao acesso à independência
da Guiné Portuguesa.12 O próprio ministro reconheceu isso quando afir-
mou que o Brasil votava com Portugal na ONU e contou como usou essa
atitude para barganhar por um novo posicionamento português, com a
ausência e abstenção em dezembro de 1973, quando a Assembleia Ge-
ral votou duas resoluções condenatórias de Portugal.13 Entretanto, não
podemos nos esquecer de um ponto, qual seja, em outubro, quando se
iniciou a Guerra no Oriente Médio, quem apoiasse Portugal e África do
Sul sofreria boicote de petróleo. Em 24 de novembro de 1973, uma re-
solução de 17 nações do centro e do leste africano incluíram o Brasil
em uma lista de nações sujeitas às sanções econômicas e diplomáticas,
exceto se suspendessem relações com a África do Sul. No mesmo mês,
os países africanos apoiaram no Ecosoc a posição argentina na questão
de Itaipu-Corpus.14 Isso significa que poderia estar em curso as tentati-
vas de mediação, mas o Brasil sofria pressões bastante concretas para
mudar de posição.
O chanceler atribuiu à sua gestão a clarividência em relação à
questão portuguesa, pois, com a percepção de o domínio português na
África ser anacrônico e de a independência como desfecho ser inevitá-
vel, ficaria o Brasil em posição diplomática desvantajosa caso perma-
necesse aliado a Portugal. Um bom estratagema foi o empenho para a
suspensão das manobras militares conjuntas das marinhas de guerra
do Brasil e Portugal, agendadas para meados de 1970 nas proximidades
do Arquipélago de Cabo Verde.15 Esse fato foi interessante por revelar
uma real mudança de ponto de vista da diplomacia brasileira em relação
ao colonialismo. Quando Gibson assumiu, as manobras já haviam sido
ajustadas para junho de 1970. Em 1968, já havia ocorrido esse tipo de
exercício, em desacordo com o Itamaraty, mas Costa e Silva autorizou-as
a pretexto da comemoração do nascimento de Pedro Álvares Cabral. No
final de 1969, Gibson tomara conhecimento de que os treinamentos já
haviam sido combinados entre as marinhas de guerra portuguesa e bra-
sileira com a participação do embaixador de Portugal no Brasil, Manuel
Rocheta. Gibson percebeu por parte daquele país a tentativa de envol-
ver o Brasil na questão colonial. Uma vez que já tinha delineado uma
122 A diplomacia do interesse nacional

política de aproximação com a África, o ministro se convenceu do peri-


go implícito na realização dessas manobras. Depois de conversar com
o ministro da Marinha, que negou a possibilidade de suspensão delas,
Gibson fez uma Exposição de Motivos ao presidente da República que,
antes de tomar uma decisão, submeteu-a ao Ministério da Marinha, ao
Estado-Maior das Forças Armadas e à Secretaria-Geral do Conselho de
Segurança Nacional. Somente a última era contrária às manobras. Médi-
ci, então, decidiu pela suspensão.16 Outro episódio foi a intervenção de
Gibson, em novembro de 1973, para evitar a venda a Portugal de veícu-
los blindados Urutu, os quais seriam usados para reprimir revoltas nas
colônias portuguesas.
O ministro relatou em sua Exposição de Motivos:

Considero [...] não haver interesse comercial


que justifique o irreparável prejuízo político que
inevitavelmente resultará para o Brasil se nos
envolvermos, ainda que indiretamente, num conflito
que não é nosso [...] cuja sorte já está evidentemente se-
lada contra Portugal [...]17

Médici novamente deu suporte a Gibson Barboza, e as vendas


foram canceladas.
Considerando as duas opções extremas, quais sejam, o rompi-
mento com Portugal, um aliado preferencial, ou o alinhamento com o
colonialismo português, comprometendo por muito tempo um relacio-
namento amistoso e promissor com a África Negra, Gibson afirmou a
opção por uma terceira via, isto é, a tentativa de mediação pela posição
ímpar do Brasil em relação às duas partes.18 O ministro acreditava que
Portugal poderia, a exemplo da França, tornar independentes as colô-
nias africanas, mas permanecer ligado cultural e afetivamente a elas, e
o Brasil, por ser ex-Colônia, com relações especiais com a ex-Metrópole,
reunir credenciais para realizar tal mediação.
De acordo com Gibson, a linha “filosófica” adotada foi a de sepa-
ração entre o Portugal metropolitano e as colônias. Com o primeiro, tra-
tou-se de promover o desenvolvimento das relações bilaterais em vários
planos, como intercâmbio comercial e cultural; convenção sobre igualdade
Relações extra-hemisféricas 123

de direitos entre brasileiros e portugueses assinada em 1972; participa-


ção portuguesa nas comemorações do Sesquicentenário da Independên-
cia do Brasil, com o translado dos restos mortais do imperador Pedro I
de Lisboa para o Monumento do Ipiranga, em São Paulo; visitas do presi-
dente de Portugal ao Brasil e do presidente brasileiro a Portugal; encon-
tros anuais entre os chanceleres e diversos acordos e convênios. Já com o
Portugal colonialista, como denominava o chanceler, evitou-se qualquer
envolvimento de caráter político, militar ou comercial. O ministro citava,
além do cancelamento das manobras conjuntas e da proibição da venda
de armamentos, que se evitou a visita de embaixadores e membros do go-
verno brasileiro às colônias portuguesas; não se aceitou em documentos
a caracterização dos territórios coloniais como “províncias ultramarinas”
bem como se resguardou a associação do Brasil a Portugal na exploração
do petróleo em Cabinda e a abertura de entrepostos comerciais em Ango-
la e Moçambique. Destacou ainda o descarte do discurso sobre a “comuni-
dade afro-luso-brasileira”, que, em sua concepção, seria uma tentativa de
atrelar o Brasil ao colonialismo português.19
Paralelamente a essa linha defensiva, o chanceler destacou o
desenvolvimento de “intensa” atividade diplomática no sentido de con-
vencer o governo português a encaminhar-se para uma solução pacífica
e gradual. Relatou encontros diversos com o presidente do Conselho,
Marcelo Caetano, e com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Pa-
trício. Acentuou especialmente um deles, secreto, em janeiro de 1973,
em Roma, com Rui Patrício, quando estava a caminho do Egito, Quênia e
Israel. Após acenar com a possibilidade de o Brasil vir a se opor a Portu-
gal na ONU, Gibson Barboza teria sugerido a Patrício uma reunião com
chefes de Estado ou ministros das Relações Exteriores da África, possi-
velmente no Brasil, proposta que haveria sido aceita pelo ministro por-
tuguês e tal passo transmitido ao ministro do Exterior do Quênia, o qual
teria aceitado o papel de mediador com os africanos. Depois da viagem
ao Quênia, Egito e Israel, Gibson voltou a encontrar-se com Patrício, que
reforçou a sugestão. Quando os possíveis países participantes já esta-
vam sendo contatados, esbarrou-se na negativa de Portugal em aceitar a
presença dos movimentos de libertação angolano, moçambicano e gui-
neano. A partir daí, o entendimento esmoreceu.
Outra tentativa frustrada teria ocorrido por ocasião da visita de
Médici a Portugal, em abril de 1973. Marcelo Caetano haveria sugerido
124 A diplomacia do interesse nacional

uma possível independência à Guiné Portuguesa. O presidente do Sene-


gal, Léopold Senghor, teria sido contatado como possível mediador, mas
novamente as iniciativas foram frustradas. Gibson, em seu depoimen-
to, destacou uma entrevista de Marcelo Caetano ao jornal O Globo, em
dezembro de 1973, na qual declarou que Portugal descartava qualquer
mediação na questão da África. Após esse recado, Gibson afirmou que o
Brasil marcou sua mudança de posição com a ausência e abstenção na
ONU na votação de resoluções condenatórias a Portugal.20 Segundo o
ministro sugere em seu relato ao CPDOC, foi proposta inclusive uma li-
nha definida que marcava essa mudança de posição, que foi passada por
Médici a Geisel e por este a Azeredo da Silveira. A ausência e abstenção
na ONU em 1973 teria sido o marco inicial dessa mudança de posição.
O relato de Gibson data de 1992. Percebe-se a preocupação do
ex-chanceler em desfazer a imagem internacional negativa do Brasil ao
longo de sua gestão, isto é, a de compactuar com o colonialismo portu-
guês. O mesmo pode ser dito a propósito do depoimento ao CPDOC. As
dúvidas naturais que surgem quando se analisa a questão são basica-
mente duas, quais sejam, por que motivo ação tão distinta não foi torna-
da pública? Por que o Brasil, se era contrário à maneira colonialista de
Portugal, votava na ONU com seu Governo?
Segundo Gibson, a publicidade foi evitada, pois não queria que
fosse acentuado o caráter de pressão da iniciativa brasileira, a qual afeta-
ria principalmente a opinião pública portuguesa. Quanto à ONU, o minis-
tro forneceu mais detalhes no depoimento ao CPDOC. Menciona que foi
uma espécie de “voto de confiança” aos acenos portugueses de resolução
pacífica dos problemas. Tanto que, quando foi confirmada a indisposição
ao debate, o posicionamento brasileiro teria se alterado. Comenta também
– daí não podermos ignorar sua caracterização como parte interessada –
que o voto na ONU era “secundário” em relação às outras medidas e que
se dava importância excessiva a essa instância pela pressão africana na
ONU, o que considerava justa, pois estavam lutando por uma causa nobre.
Também comentou o exagero nas resoluções da ONU, as quais expunham,
entre outros aspectos, que estaria ocorrendo guerra bacteriológica e fuzi-
lamentos de população civil, tudo patrocinado por Portugal na África, com
os quais ele não concordava. Em resumo, não era uma resolução que con-
denasse o colonialismo português, mas um feixe de resoluções que incluía
diversos itens com os quais a diplomacia brasileira não transigia.
Relações extra-hemisféricas 125

Os argumentos do ministro eram plausíveis, embora discutí-


veis. Entretanto, cremos que a imagem do Brasil nesse período como
aliado incondicional do colonialismo português fosse falsa. O esforço
realmente ocorreu. Se a motivação foi o real apoio à independência ou
às pressões a favor do boicote do petróleo não nos cabe discutir. Na ver-
dade, tratava-se de um momento delicado no qual a independência ou o
status das colônias ainda não estava definido, muito diferentemente do
contexto em que foram, com grande alarde, reconhecidas as indepen-
dências na gestão Geisel. Julgamos que há dois pontos que não são leva-
dos em consideração, quais sejam, o Itamaraty possuía grande margem
de autonomia, e o Brasil, com o desenvolvimento acelerado e visando
aumentar sua parcela de poder no cenário internacional, se encontrava
em sintonia com esse cenário. O colonialismo no período estava total-
mente anacrônico, não sendo defendido nem pelo mundo em desenvol-
vimento, que o país cortejava, nem pelo mundo desenvolvido, ao qual o
Brasil desejava pertencer.
José Flávio Sombra Saraiva é sintético e didático quando identi-
fica que, até o governo Médici, as posições brasileiras em relação à ques-
tão portuguesa haviam sido pautadas pela ambiguidade ou pela defesa
do direito colonial português na África. A partir daí, três fatores concor-
reram para uma mudança de posição, isto é, a aliança de interesses en-
tre África Negra e países árabes; a tendência dos países da África Negra
em acompanhar a Argentina na questão Corpus-Itaipu e a redefinição da
política externa brasileira, com a busca de autonomia e de novos espa-
ços, nos quais se incluía a África Negra.21

Aproximação da África subsaariana

De acordo com Mario Gibson Barboza, uma política de aproxi-


mação da África subsaariana já vinha se delineando desde que assumiu
a pasta, no final de 1969. A partir do início de sua gestão, houve um
incentivo a missões comerciais africanas para o Brasil e vice-versa. Fez
parte desse programa o convite ao ministro de Informações da Nigé-
ria, Sir Anthony Enahoro. Todavia, os estudos que prepararam a viagem
de 1972 teriam se iniciado no princípio de 1971. O ministro contou em
seu relato ao CPDOC que ela envolveu muito planejamento. A turma de
126 A diplomacia do interesse nacional

formandos do Itamaraty em 1972 foi designada em sua totalidade para


auxiliar na preparação da visita. Destacou que a ênfase dela não era
somente comercial, apesar de o incremento do comércio para ambas
as partes estar entre uma das prioridades. Outro aspecto importante,
que também estava sendo implementado para a América Latina, seria
a cooperação técnica entre países em desenvolvimento, uma novidade
na época em termos de relações internacionais. Contudo, a intenção da
visita, como arquitetada, era diversa daquelas à América Latina. Gibson
Barboza enfatizou em suas memórias os receios com o tratamento indi-
vidualizado das nações latino-americanas e o caráter bilateral das visi-
tas. Para a África, embora existisse a preocupação com a individualidade
de cada país, estava presente outra, a coletiva. Daí a visita haver sido
planejada da forma como ocorreu, isto é, no espaço de um mês, com
cada país se sucedendo. Segundo o ministro, pretendia-se apresentar os
pontos de vista brasileiros sobre as grandes questões internacionais e
atraí-los como agentes da vida internacional: “[...] a viagem passou a ser
entendida principalmente como um gesto de abertura de política exter-
na, mais do que como visitas bilaterais.”22
Houve uma atenção com o “equilíbrio” no planejamento das vi-
sitas. O primeiro e o último país do programa eram moderados e mais
próximos do Brasil, como a Costa do Marfim e o Senegal, respectivamen-
te. Também foram incluídos aqueles mais radicais do grupo africano,
isto é, Nigéria e Gana. A ordem inicial seria a Costa do Marfim, Gana,
Togo, Daomé, Zaire, Camarões, Nigéria e Senegal. No primeiro país, Gib-
son recebeu convite do presidente do Gabão. A visita, então, foi inserida
entre a do Zaire e a de Camarões.
Henrique Altamani de Oliveira cita Carlos Conde para explicar
que a escolha dos países visitados foi derivada do fato de:

[...] o Senegal e o Daomé [Benin] desfrutarem de grande


influência cultural na África. A Nigéria era o mais popu-
loso e rico dos países africanos. O Zaire possuía uma das
maiores reservas mundiais de minerais nobres. A Costa
do Marfim era o principal parceiro africano no processo
de ‘disciplinar’ os mercados do café. Com Nigéria, Gana,
Costa do Marfim e Togo o objetivo era ‘ordenar’ o mer-
cado do cacau.23
Relações extra-hemisféricas 127

Nilda Beatriz Anglarill e Mercedes Kerz chamam a atenção para


o aspecto político da visita:

Muitos países visitados nessa viagem não ofereciam


perspectivas econômico-comerciais; o Brasil mantinha
relações diplomáticas apenas com quatro deles – Costa
do Marfim, Gana, Nigéria e Senegal; e não existia qual-
quer tipo de intercâmbio econômico com o Benin e com
o Togo. O objetivo que se perseguia era, sobretudo, o
estreitamento dos laços políticos, bem como dar nova
vida aos laços culturais e históricos que os haviam uni-
do na época colonial.24

O caráter da viagem era de primeira aproximação, o que estava


refletido nas declarações conjuntas com cada um dos países. O ministro
revelou haver tentado inseri-lo em todos assuntos do interesse do Bra-
sil, como o mar territorial e o uso soberano dos recursos naturais, em
função de Itaipu. Alguns governos aceitaram; outros não. As declarações
conjuntas seguiram um formato mais ou menos idêntico, com alguma
variação local. De forma geral, continham princípios gerais, como igual-
dade jurídica das nações; autodeterminação dos povos; não intervenção
nos assuntos internos de outros Estados; solução pacífica das contro-
vérsias; repúdio a todas as formas de discriminação; fortalecimento da
ONU; transferência de tecnologia dos países industrializados para os
países em desenvolvimento; direito soberano dos Estados a proteger e
a dispor livremente de seus recursos naturais; condenação do protecio-
nismo por parte dos países industrializados; reafirmação do direito dos
povos à autodeterminação e independência; reordenamento do comércio
internacional em bases mais justas e equitativas; cooperação entre países
fornecedores de produtos primários; em alguns casos, criação de linha
de navegação do Lloyd Brasileiro para portos locais e estudo de ligação
aérea via Varig. É interessante perceber que uma condenação explícita
ao colonialismo não foi inserida em qualquer comunicado. Foram ado-
tados os termos mais suaves “autodeterminação” e “não intervenção”. Já
no comunicado conjunto firmado por ocasião da visita do ministro dos
Negócios Estrangeiros da Costa do Marfim, em novembro de 1973, alu-
diu-se ao “direito de autodeterminação dos povos e independência”. Pela
128 A diplomacia do interesse nacional

primeira vez, a palavra independência foi empregada em um comunicado


conjunto.25 Os países que permitiram a inserção do tema mar territorial e
comentários mais apurados sobre o uso soberano dos recursos naturais
foram Togo, Daomé, Gabão, Camarões e Senegal. Em quase todos os países
foram assinados acordos comerciais, culturais e de cooperação técnica,
com alguns deles utilizados como instrumentos de pressão sobre o Brasil.
Mobutu Sese Seko, do Zaire, suspendeu as negociações entre a Varig e a
Air-Zaire para um voo Rio de Janeiro-Kinshasa, muito importante para o
comércio brasileiro com aquele país, pois a empresa brasileira insistia em
incluir conexões com Luanda, Cape Town e Lourenço Marques.26
A questão portuguesa, de acordo com o ministro, não criou obs-
táculos para as visitas. Em dois países, Gana e Nigéria, o tema surgiu
com certa agressividade. No primeiro, o ministro das Relações Exterio-
res, general Nathan Aferi, teria dirigido a Gibson Barboza enérgicos pro-
testos contra o apoio do Brasil ao colonialismo português. Entretanto, o
ministro relatou que as acusações eram absurdas e facilmente desmen-
tidas.27 Na Nigéria, Gibson afirmou haver encontrado posição mais ra-
dical contra o colonialismo português. Todavia, o chanceler foi enfático
ao afirmar que em país algum recebeu pressões ou percebeu ressenti-
mentos contra o Brasil, isso considerando que corria novembro, mês das
votações no plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas. Gibson
atribuiu tal êxito à ação mediadora empreendida pelo Brasil, a qual sa-
tisfazia aos países da África. No relato ao CPDOC, o ministro acrescentou
haver sido o Brasil naquele período o país a obter o maior número de
votos no Ecosoc, bem como o embaixador brasileiro reeleito nesse ór-
gão, resultados que não ocorreriam caso estivesse sob pressão.
Gibson afirmou que as conversações mais importantes sobre
o colonialismo português ocorreram no Senegal, com Léopold Senghor.
Segundo Gibson, ele possuía visão articulada sobre o colonialismo por-
tuguês, e, para ele, o colonialismo precisava ser extinto, mas Portugal
deveria continuar mantendo relações com os países africanos, como,
naturalmente, nações independentes. Senghor tinha ligações tanto com
António Spínola, governador militar da Guiné Portuguesa, como com
Amílcar Cabral, líder do Partido Africano da Independência de Guiné
e Cabo Verde (PAIGC). Cabral enviou telegrama a Gibson quando este
se encontrava em Dacar. Saudou-o e desejou que o Brasil tivesse boas
relações com Guiné-Bissau, como nação já independente. Senghor foi o
Relações extra-hemisféricas 129

interlocutor africano de Gibson quando Marcelo Caetano acenou com a


possibilidade de independência da Guiné Portuguesa, ideia que depois
arrefeceu para o governante português.
Mario Gibson Barboza destacou em suas memórias os pontos
comuns dos países da África em relação ao colonialismo português, quais
sejam, não seria tolerada a manutenção demasiadamente prolongada
do status quo; haveria preferência por uma solução pacífica e negocia-
da do problema; na ausência de negociação por parte de Portugal, se
imporia uma ação armada coletiva e, uma vez obtida a independência,
seria desejável a continuação dos laços estreitos entre as ex-colônias e
Portugal, a exemplo do ocorrido com o Brasil.28
Conforme Carlos Estevam Martins já afirmava na década de
1970, seria ilusório julgar a posição brasileira a partir simplesmente do
apoio dado na ONU às teses portuguesas. A política africana do governo
Médici foi exitosa e abriu uma via de cooperação Sul-Sul, que viria a ser
explorada com sucesso daí em diante. Todavia, esses avanços não ocor-
reram sem resistências. No âmbito interno, as empresas estrangeiras
sediadas no Brasil tendiam a tratar os mercados africanos como reser-
vas de suas respectivas matrizes. Além disso, o poderoso Ministério da
Fazenda inclinava-se por uma aproximação vantajosa das colônias por-
tuguesas na África. No plano externo, além de complicar as relações com
Portugal e considerar toda a sua especificidade, havia a oposição velada
dos Estados Unidos e dos países da Europa Ocidental, os últimos ainda
auferindo vantagens no estilo colonial dos mercados africanos. Os tão
divulgados avanços brasileiros na Questão Africana no governo Geisel
não “podem ser explicados sem referência à mudança de orientação que
se verificou durante o governo Médici”.29 Esse relacionamento revestiu-
se naturalmente de um sentido muito mais político do que econômico,
pelo menos em um primeiro momento. Mas a ideia era original, isto é,
apresentar o Brasil como um possível parceiro desenvolvimentista das
nações africanas, mediante a concessão de empréstimos, o estreitamen-
to de intercâmbio, a oferta de assistência técnica e o estímulo “[...] a
investidores públicos e privados para participarem do processo de in-
dustrialização a ser encetado do outro lado daquilo que, não por acaso,
passou a ser com mais frequência chamado de Fronteira Leste”.30
O único país da África Oriental onde Mario Gibson Barboza
esteve foi o Quênia. Tratou-se de uma visita de retribuição àquela do
130 A diplomacia do interesse nacional

ministro dos Negócios Estrangeiros daquele país, além de haver sido es-
trategicamente inserida entre a de Gibson ao Egito e a Israel. Ela contou
com dois pontos importantes, como a conversa com Njoroge Mungai so-
bre a negociação secreta a qual tivera com Rui Patrício, em Roma, a res-
peito de uma possível reunião de ministros das Relações Exteriores de
países africanos e de Portugal. Mungai aceitou servir de intermediário
entre Portugal e os governos africanos. Todavia, a negativa dos lusos em
aceitar a presença de membros da resistência africana nas conversações
inviabilizou a empresa.
O segundo ponto foi o discurso que Mario Gibson Barboza pro-
feriu por ocasião do almoço oficial a ele oferecido. Em suas memórias,
relata que resolveu com aquele discurso fixar alguns aspectos da polí-
tica externa do Brasil, que “naquele momento, em fevereiro de 1973, já
assumira feição definida e própria, através de intensa atuação diplomá-
tica”.31 Tal detalhe é importante, pois sua gestão já se encaminhava para
o final. A impressão registrada é a de a diplomacia do interesse nacional
ser menos articulada do que se imaginava em um primeiro exame, por-
quanto “assumira feição definida” quase ao término do governo Médici.
Logicamente, existe coerência, a qual pode ser individualizada. Contudo,
é discutível que ela já houvesse no início do governo e viesse a se desen-
rolar como um plano. Parece-nos mais um conjunto de ideias, algumas
das quais foram postas em operação; outras não, por diversos fatores,
mas não um plano minuciosamente concebido.
Gibson Barboza assim caracterizou o que ele chama “filosofia
de nossa postura”:

[...] é indispensável instaurar-se um novo ordenamento


das relações internacionais, com a rápida correção
do enorme desequilíbrio entre as nações altamente
industrializadas e as que não conseguiram até agora
obter a justa remuneração por seu trabalho e por
suas riquezas; o Brasil fez a opção por um conceito de
paz que é essencialmente dinâmico, que não significa
a manutenção do status quo, nem a estratificação
de posições de poder, mas que tem por sinônimo o
desenvolvimento, o pronto acesso às conquistas da
ciência e da tecnologia, a mudança das estruturas do
Relações extra-hemisféricas 131

comércio internacional e da repartição mundial do


trabalho; estabeleceu o Brasil como um dos pilares de
sua política externa a defesa do sistema de segurança
econômica coletiva, paralelo e justaposto à segurança
política mundial; por identificarmos a provação do
subdesenvolvimento como um estado de passagem,
cuja superação se impõe, não aderimos ao estranho
conceito de um ‘terceiro mundo’, que, enunciado num
contexto histórico de conflito latente, logo se expandiu
e tomou foros de verdade irrefutável. Para nós, este foi
sempre mais um daqueles mitos da sub-História, com
tudo o que nele se contém de imobilismo fatalista; essa
formulação de uma teoria do terceiro mundo exprime
eufemisticamente, sob a aparência generosa, o dese-
jo inconfessado de permanência de uma esdrúxula – e
para nós inaceitável – divisão entre povos que fazem a
história e povos que sofrem a história; o que existe, para
nós, é a responsabilidade una e solidária de todos os pa-
íses, ricos e pobres, de eliminar o subdesenvolvimen-
to; o Brasil recusa-se a aderir a conceitos que separam
o mundo em países propulsores e países reflexos, em
nações de gênesis e nações imitadoras, a ser arrolado
como parte de um terceiro mundo, de uma humanida-
de especial e separada [...] nós, brasileiros, não perten-
cemos ou queremos pertencer a um mundo separado
e reduzido a um destino empobrecido pela ressentida
discórdia ou pelo isolamento [...] rejeitamos a tese pela
qual se separa e afasta da constelação central de Es-
tados, do centro de confluência das linhas de força da
política internacional, das grandes decisões mundiais,
um mundo periférico, um ‘terceiro mundo’, um conjun-
to marginalizado de países com interesses limitados; a
todas as teses que propõem imobilismo, neutralidade
conformista, oposição e conflito, o Brasil, coerente com
sua predisposição pacífica e pacificadora, prefere a
alternativa aberta da convivência da cooperação e da
conciliação [...]32
132 A diplomacia do interesse nacional

A citação é longa, mas procede. Parece-nos claro a tentativa por


parte do ministro em dar uma coesão a seu programa de política exter-
na. Para nós, mais um indício de que tal política foi construída ao lon-
go do Governo, a partir de um conjunto de ideias e, naturalmente, com
acertos e erros.
Esse discurso foi utilizado por jornalistas na época e por ana-
listas alguns anos depois para exemplificar o fato de a diplomacia do
governo Médici negar que o Brasil fosse um país de Terceiro Mun-
do e inseri-lo já entre as nações industrializadas, ou para mostrar a
subordinação dessa política externa ao governo norte-americano. O
ministro reconheceu em seu depoimento ao CPDOC que na ocasião ce-
deu à “tentação retórica” e fez uma construção sobre um conceito já con-
sagrado, que é o de Terceiro Mundo. Todavia, a leitura do discurso deixa
bastante clara sua diretriz, qual seja, a oposição em tratar os países em
desenvolvimento como países de “terceira classe”. De qualquer forma,
o teor da íntegra do discurso é incompatível com interpretações de su-
bimperialismo ou de primeiro-mundismo infundado, mesmo se alguns
membros do Governo fossem favoráveis a tais teses.

Egito-Israel-mundo árabe

De acordo com Antônio Barbosa, antes da década de 1970, os


contatos da política externa brasileira com o mundo árabe podem ser ca-
racterizados como episódicos. A partir do governo Médici, a motivação
econômica em busca de novas áreas de investimentos somou-se à crise
energética como estímulo para maiores contatos com o mundo árabe.33
Logo, a aproximação deste não foi simples “ampliação” dos contatos da
diplomacia brasileira, como a retórica de amizade e laços culturais pode
sugerir. O mundo árabe era um parceiro fundamental para o novo tipo
de inserção internacional que o Brasil almejava. Além de área promis-
sora para investimentos, se encaixava perfeitamente nos projetos de co-
operação Sul-Sul a qual o Brasil ambicionava. Isso sem falar na relativa
independência energética dos centros industrializados que tal parceria
proporcionaria. Assim como em relação à África, foi o governo Médici
que iniciou os primeiros passos em direção a um maior entrosamento
com o mundo árabe.
Relações extra-hemisféricas 133

No que diz respeito à questão árabe-israelense, a diplomacia


brasileira declarava a opção por uma cuidadosa equidistância. Em todas
manifestações públicas relacionadas ao mundo árabe ou a Israel, o Bra-
sil revelava seu apoio à Resolução nº 242, da Assembleia Geral da ONU.
Todavia, vale reconhecer que até essa época aquela escolha era mais
orientada para Israel, enquanto, depois do choque do petróleo, passou a
ser direcionada para o mundo árabe.
Gibson relatou que, a partir da assunção da Pasta, recebia in-
sistentes convites de Israel, os quais eram polidamente rejeitados. Uma
visita, no clima de tensão que sucedeu à Guerra dos Seis Dias, seria in-
terpretada como apoio do Brasil a Israel. Depois de o País receber em
1972 a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da República Árabe
do Egito, criou-se a possibilidade de uma visita aos dois países. Para evi-
tar o embaraço da presença em um após o outro, a chancelaria brasileira
optou pelo Quênia, entre a permanência no Egito e em Israel. A trânsito
por outro país deveria ocorrer de qualquer forma, pois não havia voos
diretos do Cairo para Tel-Aviv. As datas acordadas foram de 28 a 31 de
janeiro de 1973, para o Egito; de 1º a 4 de fevereiro, para o Quênia, e de
4 a 8 de fevereiro, para Israel.
O ministro expôs que mesmo até a elaboração do programa de
viagem seria delicado, porquanto pequenos detalhes poderiam acarre-
tar graves problemas políticos. Por exemplo, a hospedagem de Gibson
fora planejada para Jerusalém, com um banquete oferecido à delega-
ção brasileira pela prefeitura dessa cidade. O ministro recusou, pois
percebeu a tentativa de comprometer o País no reconhecimento de Je-
rusalém como capital de Israel, o que não havia sido nem referendado
pela ONU.
No Egito, os aspectos mais importantes foram a participação da
Petrobras na pesquisa e prospecção do petróleo local por meio de um
contrato entre a empresa brasileira e a Egyptian General Petroleum Cor-
poration, bem como um acordo de cooperação técnica. Gibson destacou
a conversa mantida com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Moha-
med Assan-el-Tayad, na qual sugeriu alguns pontos para consideração
das partes no conflito árabe-israelense. O ministro reconheceu em seu
relato ao CPDOC que estava ciente da impossibilidade de o Brasil opinar
ou intervir para sua solução. Entretanto, seria impolido por parte do go-
verno brasileiro não demonstrar interesse pela questão.
134 A diplomacia do interesse nacional

Gibson também relatou sua conversa com Anwar el-Sadat. Este


lhe pediu que transmitisse à primeira-ministra israelense, Golda Meir,
sua disposição em negociar.
Em Israel, o ministro narrou a diferença de sua conversa ofi-
cial com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abba Eban, pautada por
grandiloquência e exaltação da superioridade do povo israelense, assim
como da reunião privada, na qual houve efetiva troca de ideias sobre
questões internacionais. A audiência com a primeira-ministra Golda
Meir, que estava programada para durar 20 minutos, estendeu-se por
duas horas. Nesse encontro, Gibson transmitiu-lhe as impressões de sua
visita ao Egito.34 Dela resultaram três acordos importantes, quais sejam,
o primeiro para dar prosseguimento à colaboração de Israel com o Bra-
sil no programa de irrigação e valorização de áreas atingidas pela seca; o
outro para expandir o programa de cooperação entre o Centro de Estu-
dos de Colonização Rural e Urbana de Rehovot, o Banco do Nordeste do
Brasil e a Universidade Federal do Ceará e o terceiro para promover um
programa de cooperação no campo da pesquisa científica e do desenvol-
vimento tecnológico.
Ainda no mundo árabe, foram criadas embaixadas na Arábia
Saudita e no Iraque e designados encarregados de Negócios para a Líbia
e o Kuwait. Além dos ministros dos Negócios Estrangeiros do Egito, em
1972, e de Israel, em 1973, o Brasil recebeu ainda nesse ano o chanceler
Omar Sakkaf, da Arábia Saudita, e firmou acordos de cooperação com
Israel e com o Egito, assim como um de cooperação comercial com o
Iraque.35

Europa Ocidental e Japão

O projeto de desenvolvimento em curso desde 1967 e que re-


sultou no crescimento acelerado ao longo do governo Médici previa, por
meio de sua política externa, uma nova inserção do Brasil no cenário
internacional. Ela encerrava outras formas de cooperação com os paí-
ses em desenvolvimento, a exemplo das implementadas com a América
Latina, com a África subsaariana e com o Oriente Médio, bem como al-
ternativas ao relacionamento com Washington, no mundo desenvolvido.
O incremento das relações bilaterais e comerciais com as capitais euro-
Relações extra-hemisféricas 135

peias e com Tóquio apontam para o sucesso dessa estratégia. A assina-


tura do Acordo Nuclear com a Alemanha Federal, em 1975, representou
o ápice dessa política. Durante o governo Médici, conjugaram-se as con-
dições materiais de desenvolvimento a um projeto de maior indepen-
dência brasileira da órbita norte-americana no cenário internacional. A
retórica de aproximação da Europa e do Japão, existente desde o go-
verno Kubitschek, finalmente encontrara meios para materializar-se. Na
verdade, houve a conjugação de fatores internos e externos que condi-
cionou essa abertura do Brasil para os novos centros de poder político e
econômico emergentes da multipolarização das relações internacionais.
As transformações na economia e a manutenção do crescimento econô-
mico geravam necessidade de capitais, investimentos e tecnologias não
disponíveis no plano interno. A estratégia de desenvolvimento visava a
uma inserção mais vantajosa da economia brasileira no mercado inter-
nacional e necessitava dos insumos para a operacionalização de seus
projetos. Esses grandes planos de infraestrutura e a necessidade conse-
quente de tecnologias esbarravam nos limites do modelo de relação que
o Brasil possuía com os Estados Unidos e impunha-se uma ampliação
dos parceiros externos entre os países do Primeiro Mundo. No âmbito
externo, o declínio relativo do poder norte-americano conjugou-se ao
fortalecimento econômico e político dos polos capitalistas desenvolvi-
dos, cujas políticas externas tornaram-se mais independentes dos Esta-
dos Unidos. Acirrou-se a concorrência intercapitalista, com a busca por
parte desses países de regiões até então vistas como área de influência
norte-americana.
Em seu relato ao CPDOC, Gibson Barboza afirmou que não pôde
atender a diversos convites de países da Europa Ocidental por suas prio-
ridades em relação à África e à América Latina. No entanto, isso não sig-
nificou esfriamento das relações brasileiras com os países europeus. Em
termos comerciais, no final de 1973, a Comunidade Europeia já absorvia
mais de 30% das exportações brasileiras.
Em março de 1971, esteve no Brasil o ministro das Relações Ex-
teriores da Espanha, Gregório López Bravo. Nessa ocasião, foi assinado
o Convênio Básico de Cooperação Técnica Bilateral e efetuada a troca de
Notas que aprovou o acordo entre a Embratel e a Companhia Telefônica
Nacional da Espanha para a instalação de um cabo submarino ligando o
Brasil à Europa pelo território espanhol.
136 A diplomacia do interesse nacional

Em abril do mesmo ano, visitou o País o ministro dos Negó-


cios Estrangeiros da República Federal da Alemanha, Walter Scheel,
que inaugurou a sede da embaixada alemã em Brasília. Nessa oportu-
nidade, foi assinado um convênio especial entre a Comissão Nacional
de Energia Nuclear e o Centro de Pesquisas Nucleares de Jülich, no
âmbito do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica de 1969. A
partir da Comissão Mista Teuto-Brasileira de Cooperação Científica
e Tecnológica foram firmados diversos convênios, tais como, entre o
Centro Técnico Aeroespacial e o Instituto Alemão de Pesquisa e Ensaio
para Navegação Aérea e Espacial; entre o Conselho Nacional de Pes-
quisas e o Centro de Pesquisas Nucleares de Jülich, o qual abrangeu co-
operação em diversos domínios; sobre cooperação nos campos da ma-
temática pura e aplicada e da computação entre o Conselho Nacional
de Pesquisas e a Sociedade de Matemática e Processamento de Dados
de Birlinghoven; sobre a entrada de navios nucleares em águas brasi-
leiras e a permanência deles em nossos portos; acordo administrativo
entre o Ministério do Exército Brasileiro e o Ministério de Defesa ale-
mão, o qual visava regulamentar a situação dos oficiais brasileiros em
treinamento na República Federal Alemã. Como é possível perceber,
os entendimentos para o Acordo de 1975 já estavam em curso. Segun-
do Léon Bieber, essas manobras não chamaram a atenção por respon-
derem a uma nova tendência de formas de cooperação entre nações
subdesenvolvidas e altamente industrializadas que começaram a se
espalhar pelo mundo desde o final dos anos 1960.36
Entre os principais acordos bilaterais assinados pelo Brasil com
outros países da Europa Ocidental, entre 1969-74, destacam-se o Acor-
do Básico de Cooperação Técnica com a Itália; o Acordo Sanitário com
a Itália, com a finalidade de facilitar a exportação de carnes brasileiras
para aquele país; o Acordo de Previdência Social Brasil-Espanha; o Acor-
do Complementar ao Convênio de Cooperação Social de 1964 com a Es-
panha, o qual contém diretrizes para concessão de bolsas de estudo nos
campos de formação profissional e previdência social; o Acordo Sanitá-
rio-Veterinário Hispano-Brasileiro para Produtos Pecuários; o Projeto
COBRA, entre a Comissão Nacional de Energia Nuclear e o Commissariat
à l’Energie Atomique da França, bem como os mecanismos de consulta
bilateral para problemas de transporte marítimos com a Suécia, a Dina-
marca e a Noruega.37
Relações extra-hemisféricas 137

Durante o governo Médici, foi assinado o primeiro Acordo de


Cooperação com a Comunidade Europeia. A ideia e os passos prelimi-
nares para o acordo remetem a 1970, mas somente em 1973 as nego-
ciações se iniciaram em caráter oficial. Em 1972, o ministro do Plane-
jamento, José Paulo dos Reis Velloso, visitou a Comunidade Europeia
para apressar as negociações, e o embaixador Jorge de Carvalho e Silva,
secretário-geral do Itamaraty, acompanhado de Delfim Netto, visitou
as capitais dos seis países, com a mesma missão. As divergências eram
muitas, tanto entre os negociadores da Comunidade como no próprio
governo brasileiro. O acordo só foi concluído em dezembro de 1973 e
entrou em vigor em agosto de 1974, já na gestão Geisel.
Antônio Corrêa do Lago, embaixador do Brasil junto à Comu-
nidade Europeia, precisou enfrentar ainda outras dificuldades além do
acordo. Em 1970, surgiram as primeiras manifestações de preocupação
com os direitos humanos no Brasil no Parlamento Europeu. Em 1971,
este enviou uma missão que, bem recebida no Itamaraty, no Congresso e
pelo presidente da República, colheu boa impressão e prometeu melho-
rar a imagem brasileira junto àquela instituição. Em 1973, por ocasião
da Feira de Bruxelas, os protestos contra o Brasil atingiram o ponto má-
ximo, com a invasão por manifestantes do Consulado da Antuérpia, do
escritório da Varig e até do gabinete do primeiro-ministro belga.38
Míriam Saraiva lembra que a “opção europeia”, que se delineou
no princípio dos anos 1970, não significou uma ação norteadora para a
CEE como instituição nem uma política única para todos os seus Esta-
dos-Membros:

Apesar de existir um núcleo comum em termos de ob-


jetivos a serem alcançados, o Brasil implementou uma
linha de ação para cada Estado, de acordo com as expec-
tativas criadas em relação a cada um deles de per si, cujo
eixo principal foi o conjunto de ações implementadas
para os países política e economicamente mais forte da
região: República Federal da Alemanha, Reino Unido e
França [...] as relações entre o Brasil e a CEE como um
todo limitavam-se ao campo comercial, e não eram nor-
teadas por uma linha de ação preestabelecida, assumin-
do, portanto, um caráter mais reativo.39
138 A diplomacia do interesse nacional

Vale lembrar que os países integrantes da Europa Ocidental


encontravam-se na esfera de atuação bilateral da diplomacia brasileira.
Os entendimentos com eles ao longo da gestão Geisel confirmam essa
ausência de uma política para a Europa conjuntamente. Além disso, a
política comercial comum da CEE possuía instrumentos protecionistas
que dificultavam o intercâmbio com os países da América Latina e, em
particular, com o Brasil.
Embora as relações econômicas fossem as mais importantes,
as possibilidades abertas estendiam-se também ao campo político. O
posicionamento brasileiro de se apresentar como “moderado” no diálo-
go Norte-Sul agradava aos europeus interessados em cooptar possíveis
líderes do Terceiro Mundo favoráveis a mudanças graduais na ordem
econômica internacional.40 Todavia, as acusações de desrespeito aos di-
reitos humanos impediam uma maior aproximação política entre o Bra-
sil e a Europa Ocidental, conforme ilustram os incidentes em torno da
assinatura do Acordo de Cooperação.
A relação do Brasil com o Japão, em termos de investimentos
de capitais, remete ao pós-Segunda Guerra Mundial. O país, em desen-
volvimento econômico, estabeleceu algumas de suas maiores trading
companies no Brasil e aproveitou-se da mão de obra barata para o su-
primento de produtos primários para o parque industrial japonês. No
princípio da década de 1970, os desígnios de desenvolvimento eco-
nômico baseado em independência do Ocidente por parte do Japão41
encontraram-se com o projeto brasileiro de nova inserção no cenário
internacional. Daí, resultaram o avanço das relações bilaterais e o im-
pulso do comércio nipo-brasileiro. Na verdade, o estreitamento das re-
lações nipo-brasileiras somente foi possível a partir do momento em
que o Brasil reuniu condições de exportar matérias-primas das quais
o Japão necessitava e de incorporar capitais, assim como equipamen-
tos japoneses ao seu esforço de industrialização. O ponto de partida
dessa relação foi a Missão Comercial Brasileira que se dirigiu ao Japão
em 1965. Dessa viagem, resultaram dois exemplos de transferência
de capitais e de know-how japonês para o Brasil, quais sejam, a Usina
Siderúrgica de Minas Gerais e o estaleiro da Ishikawajima, no Estado
do Rio de Janeiro. Contudo, até 1967, foram modestos os níveis de
troca entre o Brasil e o Japão, só ocorrendo o incremento entre 1969-
73.42 Paiva Leite destaca que esse crescimento se deu tanto em termos
Relações extra-hemisféricas 139

absolutos quanto relativos, pois cada país se tornou por comparação


mais importante para o comércio exterior do outro.43
O crescimento das relações comerciais entre os dois países foi
notável nesse período. Em 1970, o comércio do Brasil com o Japão ex-
pandiu-se de 290% em relação ao período 1964-68, as exportações au-
mentaram em US$ 100 milhões, principalmente em razão da venda de
minério de ferro, e as importações, em 318%, compondo-se basicamen-
te de manufaturas, máquinas e equipamentos. Além da ampliação do in-
tercâmbio comercial, destacou-se a transferência de créditos japoneses
que financiariam grandes projetos brasileiros, em especial nas áreas de
produção de energia e na siderurgia. Acordos para desenvolvimento de
hidrelétricas foram celebrados entre abril de 1971 e dezembro de 1973
e contemplaram as obras de Marimbondo, em Furnas; de São Simão, na
Cemig; de Itumbiara, em Furnas, e Paulo Afonso, na Chesf. Os projetos de
expansão de siderúrgicas, aprovados em 1972, beneficiaram a CSN, em
Volta Redonda; a Usiminas, em Ipatinga, e a Cosipa, em Cubatão.44
Mario Gibson Barboza visitou o Japão, em julho de 1970, e rece-
beu seu ministro dos Negócios Estrangeiros, em setembro. Vale recordar
haver ocorrido em março desse mesmo ano o sequestro do cônsul-geral
do Japão, em São Paulo, fato que poderia ter afetado as relações bilate-
rais. Com esse país foi assinado o Acordo Básico de Cooperação Técnica e
aquele que regulamentava o tratamento zoosanitário de carnes brasilei-
ras cozidas e congeladas a serem importadas pelo Japão.
A visita de Ernesto Geisel ao país, em setembro de 1976, con-
solidaria as relações nipo-brasileiras. Nesse período, a solidez das re-
lações empreendidas desde o princípio da década de 1970 já fazia do
Japão, juntamente com a Europa Ocidental, um sólido contraponto a
Washington.
A aproximação do Brasil dos centros capitalistas desenvolvidos
baseou-se em benefícios econômicos e, em menor grau, políticos, para
ambas as partes. Para as capitais da Europa Ocidental e Tóquio era ex-
tremamente vantajosa a ampliação de relações com um país diferencia-
do do Terceiro Mundo, com um parque industrial razoável e mercado
consumidor de dimensões amplas, o qual pertencia tradicionalmente à
área de influência norte-americana. Para Brasília, era a oportunidade de
angariar os capitais e a tecnologia necessários para o desenvolvimen-
to acelerado, bem como os dividendos políticos, nos planos externo e
140 A diplomacia do interesse nacional

interno, resultantes da independência dos Estados Unidos. A aproxima-


ção, a um só tempo, de países em desenvolvimento e de países desen-
volvidos, para além do âmbito norte-americano, fornecia os argumentos
para a retórica que colocava o Brasil como país de ligação entre o Ter-
ceiro e o Primeiro Mundo,45 além de atender aos projetos das diferentes
esferas de formulação da política externa no período.

Países socialistas

Não há dúvidas de que o ponto menos inventivo da diplomacia


do interesse nacional corresponde às relações com países socialistas.
Estas permaneceram somente no âmbito econômico, e os próprios do-
cumentos oficiais reconheceram que ficaram aquém de suas potenciali-
dades, e permaneceu a pauta brasileira para esses países praticamente
composta apenas de produtos primários.
Em 1961, com a Política Externa Independente, deu-se o res-
tabelecimento das relações diplomáticas com a União Soviética, bem
como o estabelecimento destas com países do Leste Europeu. O ponto
alto nesse aspecto com o mundo socialista foram os sete meses de go-
verno de Jânio Quadros. João Goulart, sob suspeição ideológica, mode-
rou essas relações, que, com a correção de rumos de Castelo Branco,
viram-se ainda mais dificultadas.
Durante o governo Médici, apesar da movimentação no âmbito
comercial, a participação dos países do Leste Europeu nas exportações
e importações brasileiras era muito pouco expressiva, pois, de um total
de US$ 3 bilhões de exportações e US$ 3,7 bilhões de importações, a
Europa do Leste somente participava com US$ 120 e US$ 110 milhões,
respectivamente, ou seja, em torno de 4,5% do total de exportações e
com menos de 3% do total de importações brasileiras.46 O pequeno va-
lor das importações dos países do Leste acarretava geralmente saldos,
o que era agravado pelo fato de os pagamentos das importações brasi-
leiras, constituídas de bens de capital, serem feitos a prazo, e o das im-
portações do Leste Europeu, de bens de consumo, à vista. O comércio se
constituía de exportação de café e produtos primários, como o algodão,
o cacau e a hematita, e importação de trigo, produtos da indústria quí-
mica, equipamentos e maquinaria pesada.
Relações extra-hemisféricas 141

Apesar dos parcos números, houve alguma iniciativa. Existia


uma diretriz oficial de expandir e diversificar o intercâmbio comercial
entre o Brasil e os países de Europa Oriental, particularmente por meio
de uma maior colocação de produtos manufaturados brasileiros naque-
les mercados. A Comissão de Comércio com a Europa Oriental (Coleste)
patrocinou a participação brasileira em diversas feiras no Leste Euro-
peu. Nessas ocasiões, procurava-se enfatizar os artigos industrializados
e atrair as atenções para esses produtos.
Em 1971, o Brasil recebeu a visita de diversas missões comer-
ciais dos países do Leste Europeu. Em janeiro, o vice-ministro de Comér-
cio Exterior da URSS; em maio, o vice-ministro de Comércio Exterior da
Bulgária e o vice-ministro de Comércio Exterior da Iugoslávia; em se-
tembro, o secretário-geral de Comércio Exterior da Romênia, e, em no-
vembro, o ministro de Comércio Exterior da Polônia. Todas as missões
tinham por fim ampliação do relacionamento comercial dos respectivos
países com o Brasil. Ainda nesse ano, a Rede Ferroviária Federal S. A.
comprou da empresa iugoslava Rudnar Export Import 1.750 vagões de
diversos tipos e, da empresa húngara, Ganz-Mavag, 12 trens automotri-
zes. Tais operações ajudaram a equilibrar a balança comercial entre os
dois países. Esteve também nesse ano no Brasil uma delegação soviética
para conhecer o parque de calçados brasileiros e negociar uma remessa
do produto segundo suas especificações técnicas para exame e futuro
contrato. Em outubro de 1971, outro grupo do Conselho Nacional da
Indústria Siderúrgica visitou a Polônia para negociar a compra de seu
carvão metalúrgico.
Entre as diversas missões comerciais de 1972, duas se destaca-
ram, quais sejam, a do ministro das Minas e Energia à Polônia e à Tche-
coslováquia, bem como a do secretário-geral adjunto para Assuntos da
Europa Oriental e da Ásia, ministro Paulo Vidal, a todos os países da
área. O objetivo era a realização de reuniões de Comissão Mista, previs-
tas nos acordos de comércio com todos os países da área. Entre setem-
bro e outubro, foram visitadas Varsóvia, Praga, Budapeste, Bucareste,
Moscou, Sófia e Belgrado.
Em 1972, os esforços para a ampliação da pauta de exportação
mostraram algum êxito, com a inclusão de açúcar, fios de lã, tecidos de
raiom e de algodão, assim como câmaras de ar para alguns países do
bloco. Nesse ano, foi redefinida por meio de um decreto a composição
142 A diplomacia do interesse nacional

da Coleste, com o objetivo de dinamizar seu funcionamento. Em maio


de 1972, visitou o Brasil o secretário de Estado de Comércio Exterior da
Romênia.
Em 1973, a avaliação do comércio entre o Brasil e o Leste Eu-
ropeu foi favorável. As exportações passaram de U$S 123,5 milhões, em
1970, para US$ 421,4 milhões, em 1973, e as importações, de U$S 66
milhões, em 1970, para U$S 115 milhões, em 1973. Todavia, o desequilí-
brio se ampliou com o aumento do saldo favorável ao Brasil.
Também nesse ano, foram celebrados um Acordo sobre Coo-
peração no Campo Siderúrgico com a Bulgária para o suprimento pela
parte daquele país de bobinas laminadas a quente e chapas; um contra-
to com a Polônia, para a venda de minério de ferro brasileiro e compra
de carvão metalúrgico polonês, e outro para compra de trilhos e acessó-
rios ferroviários da empresa polonesa Stalexport. Em fevereiro, visitou
o Brasil o ministro de Comércio Exterior da Tchecoslováquia.
Ainda em 1973, foram estabelecidas relações diplomáticas com
a República Democrática Alemã, por troca de Notas, em 22 de outubro.47
Como os dados sugerem, o fato de haver se constituído em área
de menores avanços da diplomacia do interesse nacional não represen-
tou imobilidade ou ausência de iniciativas. Percebe-se o avanço da op-
ção pragmática, com a dinamização das relações comerciais com países
de orientação socialista.
Há um interessante ponto no relato de Gibson ao CPDOC que
não consta em suas memórias. O ministro relata haver sugerido no prin-
cípio de 1973 que o Brasil estabelecesse relações com a República Popu-
lar da China, mesmo não oficialmente. Entretanto, a ideia não foi aceita
pelo Conselho de Segurança Nacional.48
Conclusão

N o presente estudo, realizamos uma análise de


conjunto da política externa do governo Médici. A
opção por uma abordagem geral, ou seja, de todas suas esferas, nos im-
pôs uma série de restrições. Não foi possível tratar de forma detalhada
cada um dos pontos. Com certeza, cada subtítulo de nosso estudo po-
deria gerar um trabalho de dimensões semelhantes. Por diversas vezes,
sofremos a tentação de aprofundar um ou outro tema, para nós, mais
interessantes. Todavia, a inexistência de bibliografia sobre a política ex-
terna desses quatro anos nos motivou a realizar a presente tentativa de
generalização. Cremos que, a partir dela, muitos aspectos poderão ser
detalhados e mais bem elucidados.
Concluiremos o presente estudo retomando nossos objetivos:

a) Esclarecer o caráter de política externa do governo Médi-


ci e tentar estabelecer suas semelhanças e diferenças das
políticas externas dos outros governos militares. Procurar
individualizar as diretrizes de política externa desse perí-
odo, bem como esclarecer contradições existentes na bi-
bliografia.
b) Identificar de que forma o Brasil nesse período operou em
um cenário internacional fluido, marcado pelo policentris-
mo econômico, pela multipolarização das relações interna-
cionais e pelo desgaste do poderio norte-americano.
144 A diplomacia do interesse nacional

Cremos haver contemplado de forma


geral tais objetivos

A política externa do governo Médici, a qual denominei diplo-


macia do interesse nacional, teve caráter próprio, não comparável a
qualquer outro dos governos militares. Os articuladores dessa política
externa resolveram de certa forma o impasse criado pelas diretrizes di-
plomáticas dos dois primeiros governos militares. Rejeitando a inter-
dependência que cerceava a soberania nacional e o terceiro-mundismo
reivindicatório, problemático no contexto do sistema capitalista, o go-
verno Médici conciliou a ideia de desenvolvimento independente com
o capitalismo, do qual pretendia participar como importante protago-
nista. Essa conciliação se consubstanciou no caráter ao mesmo tempo
bilateralista e terceiro-mundista do Governo; o bilateralismo, fonte das
realizações substantivas, para as nações com as quais o Brasil já pos-
suía relações históricas; o terceiro-mundismo, como bandeira para a
aproximação de novos parceiros, fundamentais para a expansão de
mercados. Todavia, esse terceiro-mundismo permaneceu low profile na
medida certa para angariar as simpatias do Terceiro Mundo e garantir
vantagens nos foros multilaterais. Um bom exemplo foi a relação com
Portugal e com a África. Houve uma tentativa de mediação brasileira da
questão colonial, mas sem rupturas nem pressões explícitas, ao mesmo
tempo que o Brasil se aproximava da África subsaariana.
Essa síntese operada pela diplomacia do interesse nacional
das diretrizes de política externa dos dois governos anteriores, com a
superação dos impasses e conservação dos avanços, somente foi pos-
sível porque, pela primeira vez, o País conseguiu reunir condições ma-
teriais de alterar as bases de sua inserção mundial. Durante o período
da Política Externa Independente, as ideias avançadas esbarravam na
debilidade da economia nacional. Com o malogro da parceria privile-
giada de Castelo Branco, que, apesar da opção pelo alinhamento auto-
mático, também visava ao desenvolvimento, os formuladores da polí-
tica da prosperidade de Costa e Silva começaram a atuar em contexto
econômico favorável, embora ainda sem a solidez do primeiro lustro
da década de 1970. Além da opção pelo terceiro-mundismo entrar em
franca contradição com o projeto de desenvolvimento nos moldes ca-
pitalistas dos militares, o regime, na esfera interna, ainda estava em
Conclusão 145

fase de consolidação, com as lutas internas e disputas pelo poder difi-


cultando a implementação de um projeto mais claro. Em Costa e Silva,
a retórica é, sem dúvida, muito mais arrojada que a prática. A ascensão
de Médici marcou, entre outras coisas, a consolidação dos militares no
poder. As disputas internas ficariam em suspenso por um tempo. E, fi-
nalmente, desenvolveram-se as bases materiais que alicerçariam uma
nova colocação do País no concerto mundial.
Os diplomatas brasileiros compreendiam com perfeição as
mudanças pelas quais passava o cenário internacional nesse período. O
condicionamento à bipolaridade desapareceu do discurso diplomático,
e a percepção do policentrismo econômico e do desgaste do poder norte
-americano fundamentou as novas parcerias comerciais com a Europa,
o Japão, o mundo árabe, a África, a América Latina e o Caribe e uma nova
forma de inserção no sistema internacional. A ampliação da parcela de
poder brasileiro no cenário internacional, consubstanciada nas parce-
rias com outros polos desenvolvidos e com países em desenvolvimen-
to, coincidiu com o declínio de poder norte-americano. Essa ocorrência
produziu a espécie de desideologização das políticas externas de ambos
os países. O Brasil adotou um comportamento pragmático e buscou as
brechas que se abriam no sistema internacional. Os Estados Unidos pas-
saram a evitar o desgaste nos moldes do Vietnã e adotaram uma inge-
rência mais branda, e também menos onerosa, em negócios internos de
outros países. Esse foi o fundamento das boas relações Brasil-Estados
Unidos nesse período, apesar de algumas discordâncias em questões de
baixo impacto. Essas vinculações eram ainda facilitadas pela conjuntura
continental, de avanço do nacionalismo de esquerda e de desorganiza-
ção política, com a abertura de espaço para a subversão. Um país das di-
mensões e da importância econômica do Brasil, com um governo “con-
fiável”, era um aliado fundamental para a desgastada potência do Norte.
As brechas resultantes da détente permitiram a articulação de
uma promissora cooperação Sul-Sul, tanto com países de menor desen-
volvimento relativo como com potências médias. Com os primeiros, se
buscava ampliar a parceria comercial para cooperações técnicas e for-
necimento de tecnologia e de know-how, com vistas ao estabelecimen-
to de uma espécie de dependência. Esse era o fundamento das linhas
de crédito distribuídas na América Latina e Central, bem como dos in-
vestimentos na Bolívia e no Paraguai. Com as potências emergentes do
146 A diplomacia do interesse nacional

período, passou-se a estabelecer uma nova forma de cooperação no ce-


nário internacional, fundamentada na troca de tecnologias e nas parce-
rias técnicas. Além da cooperação Sul-Sul, o País encontrou nas capitais
da CEE e em Tóquio importantes alternativas à relação preferencial com
os Estados Unidos. Além do contexto de fortalecimento dessas econo-
mias do Primeiro Mundo, o Brasil começou, além dos produtos primá-
rios, a oferecer os industriais visados por esses países.
Nesse processo, o Itamaraty desempenhou o papel principal.
Apesar de os centros decisórios compreenderem também os ministérios
econômicos e militares, o grau de autonomia conferido ao Ministério das
Relações Exteriores, na pessoa do ministro Mario Gibson Barboza, garan-
tiu a preeminência diplomática nesse espaço de tempo. Daí, a improprie-
dade das análises que percebem a política externa desses anos como uma
emanação da geopolítica. Esta não teve maior importância na elaboração
da política do interesse nacional. A concepção errônea de o Itamaraty es-
tar a serviço da área de segurança e aparelhado com as ideias do general
Golbery do Couto e Silva resultou muito mais da apropriação destas pelos
analistas latino-americanos e sua denúncia do pretenso “imperialismo
brasileiro”. Cremos, igualmente, que nesse ponto operou com frequência
a confusão entre política externa e a interna. O autoritarismo e o conser-
vadorismo do Governo impediram muitas vezes se perceber o que sua
diplomacia tinha de inovadora. Conjuga-se a isso a força do discurso do
“pragmatismo responsável” e sua automática associação à abertura po-
lítica conduzida pelo general Geisel. Em uma abordagem superficial, pa-
rece que o chanceler Azeredo da Silveira iniciou uma nova era na política
externa brasileira. O caráter dinâmico e arrojado do “pragmatismo” é in-
discutível. Entretanto, sua originalidade, não. Ele não seria possível sem
a Política Externa Independente, a diplomacia da prosperidade de Costa
e Silva e, especialmente, a diplomacia do interesse nacional. O “drama”
pode ter se iniciado em 1974, mas o cenário já estava preparado, e os ato-
res já haviam decorado o texto.
Notas

1
GONÇALVES, Williams da Silva; MIYAMOTO, Shiguenoli. Os mili-
tares na política externa brasileira: 1964-1984. Estudos Históri-
cos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 242-243, 1993.
2
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Brasil-Estados Unidos: a rivali-
dade emergente (1950-1988). Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 1989.
3
CERVO, Amado Luiz. A política exterior do nacionalismo pragmá-
tico. In: ______; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do
Brasil. São Paulo: Ática, 1992. p. 348.
4
MARTINS, Carlos Estevam. Brasil-Estados Unidos: do 60 aos 70.
Cebrap, São Paulo, n. 9, 1975.; MARTINS, Carlos Estevam. Capita-
lismo de Estado e modelo político do Brasil. Rio de Janeiro: Graal,
1977.
5
TAVARES, M. da C. Comentario al artículo de C. E. Martins. In:
COTLER, J.; FRAGEN, R. Relaciones políticas entre America Latina
y Estados Unidos. Buenos Aires: Amorrutu, 1974. p. 336.
6
Para análise das políticas externas do período anterior, cf. CERVO;
BUENO, op. cit. e VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Relações internacio-
nais e desenvolvimento: o nacionalismo e a política externa indepen-
dente (1951-1964). Petrópolis: Vozes, 1995.
7
BUENO, C. Dos alinhamentos ao nacional desenvolvimentismo.
In: CERVO; BUENO, op. cit., p. 278.
148 A diplomacia do interesse nacional

8
VIZENTINI, op. cit., p. 194.
9
Ibid., p. 228.
10
Apud BANDEIRA, op. cit., p. 146.
11
China ameaça Brasil por causa de agentes presos. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, p. 1, 18 abr. 1964.
12
O termo Terceiro Mundo foi pela primeira vez enunciado em 1952
pelo demógrafo Alfred Sauvy, que fez uma comparação entre a
conquista de direitos políticos pelo Terceiro Estado e a conquista
de direitos políticos pelos países que passaram pela descoloniza-
ção. A primeira manifestação de “ingresso” desses países no ce-
nário internacional ocorreu na Conferência de Bandung, em abril
de 1955. Apesar de não mais constituírem possessões coloniais,
o Terceiro Mundo permanecia como um conjunto de “nações pro-
letárias”, à medida que se situam na periferia do centro capitalista
desenvolvido e fornecem matérias-primas, mão de obra barata e
produtos industriais que não exigem emprego de alta tecnologia.
Em 1961, o Terceiro Mundo enunciou uma ideologia justificativa
de sua unidade, o neutralismo, com o nascimento do Movimento
Não Alinhado. A expressão terceiro-mundismo será tomada no
presente texto como apoio aos ideais de desenvolvimento do Ter-
ceiro Mundo, a partir da identificação do conflito Norte-Sul, como
mais importante que o conflito Leste-Oeste, e não como sinônimo
de neutralismo. Reservamos o termo neutralismo somente para
países que integraram o Movimento Não Alinhado. MOREAU DE-
FARGES, P. Les Grandes Concepts de la Politique Internacionale.
Paris: Hachette, 1995. p. 144-145.
13
Consultamos o relato graças à gentileza de Maria Inês Niedo, que
nos permitiu o acesso ao documento. Todos os funcionários do
CPDOC – Fundação Getúlio Vargas com quem tivemos contatos
merecem nossos sinceros agradecimentos.

Capítulo 1 – O projeto político-econômico interno e a diplo-


macia do interesse nacional
1
Sobre o primeiro discurso de Médici, depois de proposto para
presidência, o qual indica o caráter de “missão” dessa tarefa, cf.
Notas 149

MÉDICI, E. G. O jogo da verdade. Brasília: Secretaria de Imprensa


da Presidência da República, 1971. p. 9, bem como o relato de
Mario Gibson Barboza, BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia,
o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, 1992. p. 129-130; o
depoimento de Roberto Nogueira Médici, em MÉDICI, R. N. Mé-
dici, o depoimento. Rio de Janeiro: Mauad, 1995; SKIDMORE, T.
Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988 e
SCARZETINI, A. C. Os segredos de Médici. São Paulo: Marco Zero,
1985.
2
GÓES. Walder de. O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1978.
3
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Conflitos militares e decisões po-
líticas sob a presidência do General Geisel. In: ROUQUIÉ, Alain
(Org.). Os partidos militares no Brasil. Rio de Janeiro: Record,
1980. p. 119-120.
4
MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna: a dinâmica
militar das crises políticas na ditadura (1964-1969). São Carlos:
UFSCar, 1995.
5
STEPAN, Alfred. Os militares na política. Rio de Janeiro: Artenova,
1975; cf. notadamente o capítulo 11: unidade militar e sucessão
militar: uma análise da elite do governo Castelo Branco.
6
MARTINS FILHO, op. cit., p. 82-83.
7
Ibid., p. 115-120.
8
Ibid., p. 113.
9
Sobre informações gerais a respeito do governo Médici, cf. DROS-
DOFF, D. Linha dura no Brasil: o governo Médici (1969-1974). São
Paulo: Global, 1986; D’ ARAÚJO, M. C.; SOARES, G. A. D.; CASTRO,
C. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 1994; CARVALHO, Aloísio H. C. de.
O governo Médici e o Projeto da Distensão Política (1969-1973).
1989. Dissertação (Mestrado)–Iuperj, Rio de Janeiro, 1989; PAS-
SARINHO, J. Um híbrido fértil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,
1996; SILVA, Hélio; CARNEIRO, Maria Cecília. Os governos mi-
litares. In: SILVA, Hélio. História da República brasileira. Rio de
Janeiro: Três 1975; CASTELLO BRANCO, Carlos. Os militares no
poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979. v. 3; SKIDMORE, op.
cit; SCARZETINI, op. cit.
150 A diplomacia do interesse nacional

10
LAGO, Luiz Aranha Corrêa do. A retomada do crescimento e as
distorções do “milagre”: 1967-1973. In: ABREU, Marcelo de Paiva
(Org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica re-
publicana (1889-1989). Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 235.
11
AURELIANO, Liana. Economia, 1960/1964: entre a crise e a pre-
paração do milagre. In: Nosso século (1960/1980). São Paulo: Abril,
1980. p. 174.
12
Ibid., p. 176.
13
Ibid., p. 177.
14
Existem diversos trabalhos que discutem a economia brasileira
no período Médici, entre eles SINGER, P. I. “O milagre brasileiro:
causas e consequências”. Cadernos Cebrap, n. 6, 1972; CASTRO, A.
B. de; SOUZA, F. E. P. de. A economia brasileira em marcha forçada.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; FURTADO, C. A nova dependên-
cia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; LAGO, op. cit. Há também
muitos estudos de brasilianistas, citados em SKIDMORE, op. cit.
15
LAGO, op. cit., p. 272.
16
Ibid., p. 275.
17
Ibid., p. 294.
18
Cf. CARVALHO, Elyseo. Brasil potência mundial – inquérito sobre a
indústria siderúrgica no Brasil. Rio de Janeiro: Monitor Mercantil,
1919. A respeito de comentários sobre a ideia de Brasil potência
na bibliografia brasileira, cf. MIYAMOTO, Shiguenoli. Geopolítica
e poder no Brasil. Campinas: Papirus, 1995.
19
SCHILLING, Paulo R. O expansionismo brasileiro: a geopolítica do
general Golbery e a diplomacia do Itamaraty. São Paulo: Global,
1981.
20
MARTINS, op. cit., 1977, p. 407-408.
21
Projeto para grande potência. Veja, São Paulo, n. 60, p. 30, 29 out.
1969.
22
Mario Gibson Barboza em seu depoimento ao CPDOC nega que
Manso Neto tivesse o papel de destaque no Governo, o qual a im-
prensa lhe atribuía.
23
VELLOSO e seus “grandes impactos”. Veja, São Paulo, n. 71, p. 18-
25, 14 jan. 1970.
24
BRASIL. Metas e Bases para a ação do Governo. Brasília: Secreta-
ria de Imprensa da Presidência da República, 1970. p. 15; BRA-
Notas 151

SIL. I Plano Nacional de Desenvolvimento. Brasília: Secretaria de


Imprensa da Presidência da República, 1971. p. 7.
25
BRASIL. Metas e Bases para a ação do Governo, op. cit., p. 249-251.
26
DECUADRA, Daniel Rótulo. Geopolítica, política externa e pensa-
mento militar brasileiros em relação ao Atlântico Sul. 1991. Dis-
sertação (Mestrado)–Instituto de Relações Internacionais, Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1991.
27
Ibid., p. 11.
28
GARCIA, E. V. O pensamento dos militares em política internacio-
nal (1961-1989). Revista Brasileira de Política Internacional, ano
40, n. 1, p. 22-23, 1997.
29
MIYAMOTO, Shiguenoli. Do discurso triunfalista ao pragmatismo
ecumênico (geopolítica e política externa no Brasil pós-64). Tese
(Doutorado)–Universidade de São Paulo, 1985.
30
Ibid., p. 220.
31
Miyamoto procede a uma interessante análise da importância
atribuída à Escola Superior de Guerra (ESG). Em sua visão, tra-
ta-se de mais um mito, pois a ESG não haveria exercido o funda-
mental papel o qual se costuma lhe atribuir. Quanto à produção
intelectual da instituição, Miyamoto comenta: “[...] a qualidade
discutível dos trabalhos apresentados pelos estagiários[...]” e
que “[...]os escritos individuais considerados de ‘boa qualidade’
são, quase sempre, de pessoas ligadas aos meios diplomático ou
acadêmico [...]”. Ibid., p. 404. A ESG não constituiu objeto de nossa
pesquisa. Todavia, consultamos seu acervo em busca de elemen-
tos para nosso estudo e constatamos o mesmo que o professor
Miyamoto.
32
Ibid., p. 260-261.
33
GÓES, op. cit.; CAMARGO, Sônia. Diplomatas, militares e tecno-
cratas. A política exterior dos governos Geisel e Figueiredo. IN:
CAMARGO, Sônia; OCAMPO, José Maria Vasquez. Autoritarismo e
democracia na Argentina e no Brasil. São Paulo: Convívio, 1988;
PINHEIRO, L. de A. Foreing policy decision-making under the Gei-
sel government: the President, the military and the foreign minis-
try. Thesis for Degree of Ph. D., London School of Economics and
Political Science, 1994; MIYAMOTO, op. cit., 1985.
152 A diplomacia do interesse nacional

34
CARDOSO, F. H. O modelo político brasileiro. São Paulo: Difel, 1973.
p. 50-82.
35
CAMARGO; OCAMPO, op. cit., p. 36.
36
MIYAMOTO, op. cit., 1985, p. 276.
37
MÉDICI, E. G. A verdadeira paz. Brasília: Secretaria da Presidência
da República, 1973.
38
BARBOZA, op. cit., p. 209.
39
MÉDICI, op. cit., p. 7.
40
Documentos de Política Externa (DPE), v. IV, p. 145.
41
Ibid., p. 145-146.
42
Ibid., p. 146.
43
DPE, v. VII, p. 14.
44
No depoimento ao CPDOC, Gibson discorre longamente sobre
esse discurso proferido no Quênia. O chanceler reconheceu haver
cedido a uma “tentação retórica” ao fazer uma afirmação que foi
facilmente distorcida. Ele menciona inclusive alguns jornalistas
de se utilizarem do discurso para afirmar estar se comportando
o Brasil como vassalo norte-americano, e ele, Gibson, receber or-
dens diretas de Washington. É fácil compreender o que o minis-
tro quis dizer. Todavia, também é fácil, para quem possui ideias
preconcebidas, distorcer o sentido das afirmações.
45
Segundo Carlos Estevam Martins, o chamado pacto subimperia-
lista pressupõe obrigações políticas e econômicas. Esse autor o
caracteriza como um processo de desenvolvimento que implica
divisão de funções entre os Estados Unidos e seus aliados pre-
ferenciais no contexto do sistema interamericano. Em termos
políticos e militares, o aliado preferencial preencheria em nível
regional o vácuo de poder gerado pelo retraimento norte-americano.
No aspecto econômico, os Estados Unidos daria mais espaço
para os produtos do aliado preferencial tanto na esfera periférica
quanto central. Convém lembrar haver sido um arranjo rígido, o
qual conferia muito pouca margem de manobra ao país depen-
dente. MARTINS, op. cit., 1975. Sobre a teoria do subimperialis-
mo, cf. MARINI, Ruy Mauro. Subdesarrollo y Revolución. Mexico:
Siglo Veintuno Editores S. A., 1969; FRANK, Andre Gunder; CO-
CKROFT, James D.; JOHNSON, Dale L. Economia Politica do Subde-
sarrollo en America Latina. Buenos Aires: Signos, 1970.
Notas 153

46
MARTINS, op. cit., 1975, p. 41.
47
A partir de 1974, diversos trabalhos com abordagens diferentes
trataram da questão da posição do Brasil no sistema interna-
cional. Sônia de Camargo comenta alguns destes em CAMARGO;
OCAMPO, op. cit., p. 24.
48
MARTINS, op. cit., 1977, p. 405.

Capítulo 2 – Bilateralismo e terceiro-mundismo como mem-


bros de uma mesma equação


1
Ibid., p. 401.

2
Ainda segundo Amado Luiz Cervo, o pragmatismo da política ex-
terior do Brasil produziu outros dois resultados históricos, quais
sejam, o abandono da ideia de construção, bem como o uso da
potência para obter ganhos externos e a despolitização, depois
desideologização da conduta. Tais resultados tiveram consequên-
cias importantes, como a preocupação em reforçar por outras
vias o poder nacional e a orientação para uma espécie de diplo-
macia econômica; em outros termos, a baixa densidade política e
a alta densidade econômica nas relações internacionais do Brasil.
CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais do Brasil. In: ______
(Org.). O desafio internacional. Brasília: Universidade de Brasília,
1994. p. 27.
3
ARAÚJO CASTRO, João Augusto de. O congelamento do poder
mundial. In: AMADO, Rodrigo. Araújo Castro. Brasília: Universi-
dade de Brasília, 1982. p. 198.
4
LAFER, Celso. Política exterior brasileira: balanço e perspectivas.
Dados, Rio de Janeiro, n. 22, p. 55, 1979.
5
Ibid., p. 57.
6
LIMA, Maria Regina Soares de.; MOURA, Gerson. A trajetória do
pragmatismo: uma análise da política externa brasileira. Dados,
Rio de Janeiro, v. 25, n. 3, p. 352, 1982.
7
BUENO, C. A política multilateral brasileira. In: CERVO, op. cit.,
1992, p. 59.
8
SELCHER, W. Brazil’s Multilateral Relations. Boulder: Westview
Press, 1978. p. 3.
154 A diplomacia do interesse nacional

9
Ibid., p. 15.
10
Ibid., p. 18.
11
Ibid., p. 20.
12
BUENO, op. cit., p. 132.
13
SELCHER, op. cit., p. 41-42.
14
VICUÑA, O. Las nuevas estructuras del comercio internacional. In:
SOBERON, Oscar. Las Nuevas estructuras del Comercio Internacio-
nal: una perspectiva latinoamericana. México: Fondo de Cultura
Económica, 1974. p. 9.
15
PAOLILLO, Felipe H. Apuntes sobre la solidariedade de los paises
em desarrollo en su lucha internacional por reivindicaciones eco-
nomicas. In: SOBERON, op. cit., p. 308-341.
16
Sobre maiores detalhes sobre essas questões, cf. PAOLILLO, op.
cit.
17
BUENO, op. cit., p. 102.
18
DPE, v. IV, p. 143.
19
Ibid., p. 143-153.
20
Ibid., p. 203-204.
21
Ibid., p. 232.
22
DPE, v. IV, p. 247-253.
23
DPE, v. VI, p. 238-253.
24
SELCHER, op. cit., p. 283.
25
BUENO, op. cit., p. 103; DPE, v. VII, p. 238-246.
26
DPE, v. V, p. 257-264.
27
SELCHER, op. cit., p. 282-283.
28
Ibid., p. 287.
29
Ibid., p. 176.
30
DPE, v. IV, p. 206.
31
SELCHER, op. cit., p. 184.
32
Ibid., p. 186.
33
Ibid., p. 189.
34
Ibid., p. 198.
35
Ibid., p. 198.
36
DPE, v. VI, p. 203.
37
Ibid., p. 203.
38
DPE, v. IV, p. 202.
39
Ibid., p. 205.
Notas 155

40
DPE, v. V, p. 240.
41
DPE, v. VII, p. 193.
42
DPE, v. VI, p. 200.
43
DPE, v. V, p. 237.
44
MARTINS, op. cit., 1975, p. 46.
45
DPE, v. VI, p. 196. Mario Gibson Barboza comenta detalhadamen-
te em seu depoimento ao CPDOC a posição do Brasil na referida
Assembleia. Em junho de 1970, a Assembleia Geral da OEA em
Washington discutiu a possibilidade de incluir o terrorismo em
uma categoria nova de crimes de lesa-humanidade, o que impli-
caria a negação de asilo político para terroristas. O Brasil apoiava
essa ideia. Foi marcada uma reunião de consulta de chanceleres,
em 1971, para discutir um projeto de tratado. Nessa reunião, di-
versos países divergiram da ideia, e o Brasil se retirou da reunião
acompanhado por Argentina, Paraguai, Equador, Haiti e Guate-
mala. Segundo o chanceler, a reunião se transformou em uma es-
pécie de julgamento do tipo de Governo de cada país e se afastava
do objetivo inicial.

Capítulo 3 – Relações hemisféricas


1
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p. 223.
2
Pode-se considerar para a maior precisão que a coexistência pa-
cífica ocorreu em duas fases: a primeira, de meados de 1950 até
o final dessa década; a segunda, após 1963. O curto período entre
1960 e 1963 foi de tensão internacional. A Revolução Cubana, a
militarização empreendida por John Kennedy e a crise dos mís-
seis estimularam o antagonismo entre as superpotências.
3
HOBSBAWM, op. cit., p. 349.
4
Ibid., p. 350.
5
PACAUT, M.; BOUJU P. M. O mundo contemporâneo. Lisboa: Estam-
pa, 1979. p. 161.
6
Cf. HOBSBAWM, op. cit., p. 350. O autor lembra que no período os
Estados Unidos passaram a apoiar os países mais conservadores
do Terceiro Mundo, como o Iraque, antes de 1958; a Turquia; o
156 A diplomacia do interesse nacional

Paquistão e o Irã, integrantes da Organização do Tratado Central


(Central Treaty Organization – Cento), e o Paquistão, as Filipi-
nas e a Tailândia, da Organização do Tratado do Sudeste Asiático
(The Southeast Asia Treaty Organization – Seato). Ambas as or-
ganizações eram complementares da Otan.
7
Por ocasião da nacionalização do Canal de Suez, empreendida
por Gamal Abdel Nasser em 1956, França e Inglaterra, juntamen-
te com Israel, planejaram uma operação militar para a derrubada
dele. A URSS exigiu a retirada das tropas europeias, e os Estados
Unidos não intervieram. Uma força internacional da ONU foi
enviada para render as forças anglo-francesas.
8
PACAUT; BOUJU, op. cit., p. 203.
9
VIZENTINI Paulo G. Fagundes. Da Guerra Fria à Crise: as relações
internacionais no século XX. Porto Alegre: Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, 1996. p. 40.
10
HOBSBAWM, op. cit., p. 238.
11
Ibid., p. 239.
12
Sobre detalhes a respeito da Operação Panamericana e em rela-
ção à política externa independente, cf. VIZENTINI, op. cit., 1995.
13
LESSA, Antônio Carlos Moraes. A estratégia de diversificação de
parcerias no contexto do Nacional-desenvolvimentismo (1974-
1979). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, IBRI,
v. 38, n. 1, p. 29, 1995.
14
MARTINS, op. cit., 1975, p. 41.
15
DPE, v. IV, p. 65.
16
Ibid., p. 65,
17
BARBOZA, op. cit., p. 202.
18
DPE, v. IV, p. 161-162.
19
Ibid., p. 162-163.
20
Cf. VIZENTINI, op. cit., 1995.
21
Cf. a interessante compilação dos principais discursos de Araújo
Castro em AMADO, op. cit.
22
Na verdade, como foi expresso na introdução, essa literatura é
contraditória quanto à política externa do período Médici de for-
ma geral. A importância das relações do Brasil com os Estados
Unidos ressalta sobremaneira esse ponto.
23
GONÇALVES; MIYAMOTO, op. cit.
Notas 157

24
MARTINS, op. cit., 1975; Id., 1977.
25
LIMA; MOURA, op. cit., p. 352-353.
26
LAFER, op. cit., p. 57.
27
BARBOZA, op. cit., p. 200.
28
Ibid., p. 201.
29
Ibid., p. 202.
30
McNair Paper Number 33, Chapter 3, p. 1, January 1995.
31
Nixon – aqui a nova política dos EUA para a América Latina. Zero
Hora, Porto Alegre, p. 12, 1o nov. 1969; Nixon mostrou o estado
do mundo. Zero Hora, Porto Alegre, p. 12, 19 fev. 1970.
32
Chega de soluções made in USA. Veja, São Paulo, n. 78, p. 5, 4 mar.
1970. Entrevista com o embaixador Burke Elbrick.
33
A referência a uma crise com os Estados Unidos, a qual envolve-
ram diversos aspectos, aparece com frequência em revistas e jor-
nais. A revista Veja, em agosto de 1970, dedica uma reportagem
especial a essa crise e aponta como problemas o café, o comércio,
o congresso, o mar e as dificuldades de entendimento. O CARDÁ-
PIO brasileiro de Kissinger. Veja, São Paulo, n. 152, p. 19-20, 4 ago.
1971.
34
Cf. SKIDMORE, op. cit., p. 307-308.
35
Ibid., p. 308.
36
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil e o continente. In: CER-
VO, op. cit., 1994, p. 170.
37
Ibid., p. 304-305.
38
Todavia, a imprensa norte-americana se encontrava dividida e
apresentava posições conflitantes a respeito do Brasil. Enquanto
alguns veículos e jornalistas denunciavam a prática de tortura,
outros, igualmente confiáveis, exaltavam o modelo brasileiro e
sugeriam que o Brasil assumisse a liderança na América Latina.
QUE Brasil é esse? Veja, São Paulo, n. 134, p. 22, 31 mar. 1971.
39
Ibid.
40
O depoimento do embaixador norte-americano no Brasil, William
Manning Rountree, na Subcomissão do Hemisfério Ocidental da
Comissão de Relações Exteriores do Senado, encarregada dos
“Programas e Políticas dos Estados Unidos no Brasil”, foi liberado
pelo congresso americano em agosto de 1971 e publicado na re-
vista Veja. As perguntas se concentram em questões de economia
158 A diplomacia do interesse nacional

e investimentos e passam também por direitos humanos e mar


territorial. Vários trechos estavam censurados pelo senado nor-
te-americano. AS RAZÕES da amizade. Veja, São Paulo, n. 152, p.
3-7, 4 ago. 1971. Documento: Rountree no Senado.
41
Ibid., p. 306.
42
GOVERNO Médici sabotou Nobel de Dom Hélder. Folha de São
Paulo, São Paulo, p. 17, 20 jul. 1997.
43
MARTINS, op. cit., 1977, p. 412.
44
ARAÚJO CASTRO, Luiz Augusto de. O Brasil e o novo direito do
mar: mar territorial e zona econômica exclusiva. Brasília: Funda-
ção Alexandre de Gusmão/IPRI, 1989. p. 11.
45
Ibid., p. 12.
46
Ibid., p. 12.
47
Ibid., p. 13.
48
Brasil cresce para o mar. Veja, São Paulo, n. 82, p. 28, 1o abr. 1970.
49
DPE, v. IV, p. 71.
50
RODRIGUEZ, Carlos C. O problema do mar territorial. Revista
Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano XIII, n. 49-50, p.
118-130, mar./jun. 1970; cf. também ARAÚJO CASTRO, op. cit.,
1989 e RASSELI, Luiz Antônio. Mar territorial de 200 milhas. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1976.
51
ARAÚJO CASTRO, op. cit., 1989, p. 15.
52
Ibid., p. 83.
53
Ibid., p. 18-21. Araújo Castro baseou-se para sua análise na Ex-
posição de Motivos nº 011/70 do secretário-geral do Conselho,
general de brigada João Batista Figueiredo.
54
Ibid., p. 22.
55
Ibid., p. 23.
56
SKIDMORE, op. cit., p. 221-222.
57
“Esse mar é meu/leva o seu barco pra lá desse mar/vá jogar a sua
rede/das duzentas para lá/pescador de olhos verdes/vá pescar
noutro lugar.” ARAÚJO CASTRO, op. cit., 1989, p. 29.
58
Ibid., p. 30.; tradução nossa.
59
Ibid., p. 30.
60
Ibid., p. 31.
61
Mar de problemas. Veja, São Paulo, n. 88, p. 26, 15 mai. 1970.
62
BARBOZA, op. cit., p. 205.
Notas 159

63
A diplomacia fulmina os cowboys. Veja, São Paulo, n. 115, p. 20-
24, 16 jun. 1971.
64
Duzentas milhas fora da agenda do encontro Médici-Nixon. Cor-
reio do Povo, Porto Alegre, p. 1, 4 dez. 1971.
65
Em fins de 1969, o Ministério das Relações Exteriores e o Minis-
tério da Marinha constituíram um grupo de trabalho informal
que passou a se reunir a partir de janeiro de 1970. Presidido pelo
secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, compu-
nham-no o vice-almirante Elmar Mattos Dias e dois oficiais su-
periores pelo Ministério da Marinha; o subsecretário-geral e o
secretário-geral adjunto para Organismos Internacionais pelo
Ministério das Relações Exteriores; mais um representante do
Departamento Jurídico e serviços de assessoria e secretariado do
Itamaraty. A partir da segunda reunião, em meados de janeiro,
foi designado um grupo de redação que sintetizou em um quadro
comparativo as vantagens e desvantagens das 12 e 200 milhas.
Além das questões relativas à pesca, à pesquisa e à segurança, o
quadro revisava as prováveis repercussões de ambos os sistemas
interna e externamente. O texto foi encaminhado com comen-
tários ao grupo de trabalho que nele introduziu pequenas mo-
dificações. Após, foi submetido aos ministros da Marinha e das
Relações Exteriores que, o tendo aprovado, encaminharam-no ao
presidente da República. Aprovado pelo presidente e submetido
à aprovação do Conselho de Segurança Nacional, foi assinado em
25 de março de 1970 o Decreto-Lei nº 1.098 que alterava para
200 milhas o limite do mar territorial. Ibid., p. 125-126.
68
Há de se considerar que a medida foi tomada sem que a Marinha de
Guerra estivesse aparelhada para realizar o controle. Um dos argu-
mentos da Marinha era inclusive o de que a decisão estimularia o
poder marítimo do Brasil. O Nordeste, área crucial para a vigilância,
estava relativamente bem aparelhado, contando com nove corvetas
ligeiras, apoiadas por aviões Albatroz, baseados em Recife, Forta-
leza, Natal e Belém. O Sul encontrava-se mais vulnerável, exigindo
modernização da esquadra, até porque essa região tornara-se pre-
ferencial para os pesqueiros que não mais podiam frequentar a área
argentina. Brasil cresce para o mar, op. cit., p. 28-29.
66
MARTINS, op. cit., 1977, p. 412.
160 A diplomacia do interesse nacional

67
ARAÚJO CASTRO, op. cit., 1989, p. 270.
68
Ibid., p. 246.
69
Ibid., p. 246.
70
MARTINS, op. cit., 1977, p. 414.
71
BARBOZA, op. cit., p. 203.
72
Ibid., p. 205.
73
O Acordo entre Brasil e Estados Unidos sobre a pesca do Camarão
foi publicado em nove de maio de 1972, mas sua negociação foi
iniciada em meados de 1971. O chanceler Gibson afirma, em suas
memórias, que pelo acordo “eles praticamente reconheceram o
nosso mar territorial de 200 milhas” (p. 205). No texto do acor-
do, todavia, ambos os governos marcam suas posições contrárias.
DPE, v. VI, p. 141-149.
74
VISITA teve resultado satisfatório. Zero Hora, Porto Alegre, p. 12,
10 dez. 1971.
75
Uma visita política. Veja, São Paulo, n. 170, p. 20, 8 dez. 1971.
76
DPE, v. V, p. 283.
77
DPE, V. V, p. 285- 288.
78
Nixon diz que o continente irá para onde for o Brasil. Correio do
Povo, Porto Alegre, p. 1, 10 dez. 1971.
79
BARBOZA, op. cit., p. 204.
80
Venezuela não aceita liderança brasileira para a América Latina. Cor-
reio do Povo, Porto Alegre, p. 1, 10 dez. 1971.
81
Os resultados da visita aos EUA. Veja, São Paulo, n. 171, p. 14, 15
dez. 1971.
82
SCHILLING, Paulo R. O expansionismo brasileiro: a geopolítica do
general Golbery e a diplomacia do Itamaraty. São Paulo: Global,
1981.
83
Em seu relato ao CPDOC, Gibson explica de que forma o governo
brasileiro ajudou o Chile no conturbado período de Allende. Gi-
bson teria dado ordem direta ao presidente do Banco do Brasil
para que a agência desse banco não fosse fechada em Santiago,
quando todos os bancos estrangeiros já haviam saído do país. O
Brasil também enviou medicamentos e forneceu crédito para Al-
lende comprar mil ônibus da Mercedes Benz.
84
Página negra: as tenebrosas transações do Itamaraty no Chile.
Veja. São Paulo, n. 897, p. 91, 13 nov. 1985.
Notas 161

85
Cartas. Veja. São Paulo, n. 899, p. 12, 27 nov. 1985.
86
Uma visita política. Veja. São Paulo, n. 170, p. 20, 8 dez. 1971.
87
JAGUARIBE, Hélio. Brasil: crise e alternativas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1974. p. 116.
88
CAMPOS apud MARTINS, op. cit., 1977, p. 419.
89
Gibson comenta o fato de os Estados Unidos da América carece-
rem dessa percepção da América do Sul como um conjunto de paí-
ses diversificados. Segundo o chanceler, o malogro das políticas
norte-americanas para a região explica-se por essa falha. Gibson
aborda uma conversa que teve com Henry Kissinger durante a
Assembleia Geral da ONU, em 1973, em que fez tal sugestão. BAR-
BOZA, op. cit., p. 211-212.
90
BARBOZA, op. cit., p. 207-208; DPE, v. V.
91
A criação da linha marítima brasileira para a América Central in-
forma-nos um pouco a respeito do processo de tomada de deci-
sões durante o governo Médici. Gibson conta que falou com Mé-
dici, que disse, por sua vez, que autorizaria caso o ministro dos
Transportes Mário Andreazza concordasse. O chanceler conver-
sou então com este, o qual ponderou a inexistência de comércio
com a região que justificasse tal medida. Gibson, então, conven-
ceu Andreazza valer à pena correr o risco, o que veio logo a se
confirmar. Ao que parece, decisões desse tipo eram tomadas nas
altas esferas, sem maiores debates ou consultas. Isso explica o
embaraço do chanceler na interlocução com os Estados Unidos.
BARBOZA, op. cit., p. 208.
92
As novas relações. Veja, São Paulo, n. 152, p. 21, 4 ago. 1971.
93
Gibson teve essa conversa com Médici quando discutiram a opo-
sição de Delfim Netto à política do Itamaraty para a África. Segun-
do o chanceler, Médici haveria comentado que Delfim havia se
queixado, por ocasião da visita de Gibson à América Central, de
as linhas de crédito haverem sido concedidas sem o conhecimen-
to dele. BARBOZA, op. cit., p. 251.
94
MARTINS, op. cit., 1977, p. 420-421.
95
Cf. DPE, v. IV, V, VI, e VI.
96
Ibid.
97
DPE, v. IV, p. 79-82.
98
A diplomacia do Prata. Veja, São Paulo, n. 102, p. 35-36, 19 ago. 1970.
162 A diplomacia do interesse nacional

99
Para um relato minucioso do sequestro do cônsul Aloísio Dias
Gomide, cf. BARBOZA, op. cit., p. 176-182.
100
MARTINS, op. cit., 1977, p. 420.
101
Ibid., p. 422-423.
103
JAGUARIBE, Hélio. Novo cenário internacional. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1986. p. 167-175.
104
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Argentina e Brasil: a balança de
poder no Cone Sul. São Paulo: Annablume, 1996. p. 54.
105
Mello utiliza as categorias equilíbrio, preponderância e hegemo-
nia de R. Aron, com algumas adaptações, para o estudo das rela-
ções Brasil-Argentina entre 1970 e 1986. O autor opta por uma
abordagem teórica clássica e tenta mostrar como “a ruptura do
equilíbrio de poder brasileiro-argentino abriu espaço para uma
preponderância do País no contexto contíguo platino; essa posi-
ção preponderante no subsistema regional não se transformou
em hegemonia porque estava subordinada, por sua vez, à posição
hegemônica exercida pelos Estados Unidos no âmbito do sistema
interamericano” (MELLO, op. cit., p. 53). O contencioso Corpus-
Itaipu de 1973 marcaria a passagem do equilíbrio para a prepon-
derância brasileira.
106
BANDEIRA, op. cit., 1994, p. 194-196.
107
CAUBET, Christian G. Diplomacia, geopolítica e direito na Bacia
do Prata. Política e Estratégia, II, v. 2, p. 338-339, abr./jun. 1984;
cf. também CAUBET, Christian G. As grandes manobras de Itaipu.
São Paulo: Acadêmica, 1991.
108
MELLO, op. cit., p. 145.
109
RICUPERO, Rubens. O Brasil, a América Latina e os EUA desde
1930: 60 anos de uma relação triangular. In: GUILHON ALBU-
QUERQUE, Jose Augusto (Org.). Crescimento, modernização e po-
lítica externa. Coletânea Sessenta Anos de Política Externa Brasi-
leira. São Paulo: Programa de Relações Internacionais/Cultura,
1996. p. 49-50.
110
MELLO, p. 146-148.
111
Ibid., p. 148.
112
CAUBET, op. cit., 1991, p. 339.
113
A energia do Itamaraty. Veja, São Paulo, n. 121, p. 22-30, 27 set. 1972;
Fez-se a paz no Prata. Veja, São Paulo, n. 213, p. 15, 4 out. 1972.
Notas 163

114
Um entendimento inevitável. Veja, São Paulo, n. 240, p. 20-25, 11
abr. 1973.
115
CAUBET, op. cit., 1991, p. 340.
116
A cordialidade dos quilowatts. Veja, São Paulo, n. 243, p. 17-20, 2
maio 1973.
117
MELLO, op. cit., p. 149.

Capítulo 4 – Relações extra-hemisféricas


1
OLIVEIRA, Henrique Altemani. As relações comerciais Brasil-
África nos governos Médici e Geisel. Política e Estratégia, São
Paulo, v. VII, n. 2, p. 189, abr./jun. 1989.
2
SELCHER, W. Brazilian Relations with Portuguese Africa in the
Context of the elusive ‘Luso-Brazilian Community’. Journal of In-
teramericam Studies and World Affairs, v. 18, n. 1, Feb. 1976.
3
BARBOZA, op. cit., p. 239.
4
Ibid., p. 244.
5
Ibid., p. 241.
6
Mario Gibson Barboza relata uma conversa extremamente ríspi-
da, que poderia ter gerado graves hostilidades entre os dois go-
vernos. A consequência, todavia, foi o esmorecimento da campa-
nha jornalística. Ibid., p. 243-244.
7
Mario Gibson Barboza conta que, após Geisel assumir a presidên-
cia, reconheceu a inconveniência do acordo para a exploração de
petróleo. Ibid., p. 246.
8
O método Mungai. Veja, São Paulo, n. 205, p. 239, ago. 1972.
9
BARBOZA, op. cit, p. 247.
10
Mais uma observação que corrobora o caráter delegativo de Mé-
dici. Ibid., p. 248-249.
11
Gibson conta que em um encontro com Delfim em Roma, já no
governo Figueiredo, aquele reconheceu publicamente o acerto da
política africana de Barboza. Ibid., p. 253.
12
OLIVEIRA, op. cit., p. 191.
13
BARBOZA, op. cit., p. 272.
14
SELCHER, op. cit., 1976, p. 37.
15
Aqui estou usando o relato de Barboza ao CPDOC, mais completo
164 A diplomacia do interesse nacional

do que o do livro, mas sem a permissão do ministro para cita-


ções literais.
16
Não é objetivo desse trabalho análise sob o ponto de vista de to-
mada de decisão. Todavia, os relatos do ministro Gibson, tanto do
seu livro quanto o depoimento ao CPDOC, bem como o exame da
bibliografia e de documentação jornalística, dão alguma ideia de
como se davam as tomadas de decisão. Uma impressão pessoal
é a de tais processos serem muito mais subjetivos e desorgani-
zados do que o pesquisador costuma crer. As decisões de Médici
não obedecem a uma lógica: por vezes concorda com Gibson, por
vezes, com setores militares, sendo extremamente difícil apreen-
der a coerência de tais decisões, se é que tal coerência existe.
17
BARBOZA, op. cit., p. 258.
18
Ibid., p. 256.
19
Ibid., p. 259-260.
20
Ibid., p. 272-275.
21
SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: as relações do Brasil com
a África. In: CERVO, op. cit., 1994, p. 310.
22
Ibid., p. 279.
23
CONDE apud OLIVEIRA, op. cit., p. 194.
24
ANGLARILL, Nelda Beatriz; KERZ Mercedes M. G. A política exter-
na brasileira para a América Latina e África. Estudos Afro-Asiáti-
cos, Rio de Janeiro, n. 6-7, p. 233, 1982.
25
DPE, v. VII, p. 231.
26
SELCHER, op. cit., 1976, p. 38.
27
Segundo o ministro, Aferi teria acusado o Brasil de fornecer arma-
mentos para Portugal lutar na África, de abrigar campos de concen-
tração para prisioneiros africanos e de estar prestes a assinar um
acordo de defesa com Portugal e com a África do Sul. Ibid., p. 286.
28
Ibid., p. 308.
29
MARTINS, op. cit., 1977, p. 424.
30
Ibid., p. 425.
31
BARBOZA, op. cit., p. 231.
32
Ibid., p. 231-232.
33
BARBOSA, Antônio José. Outros espaços: África do Norte, Oriente
Próximo, Continente Asiático e Japão nas relações internacionais
do Brasil. In: CERVO, op. cit., 1994, p. 246.
Notas 165

34
Ibid., p. 226-228.
35
DPE, v. VII, p. 302.
36
BIEBER, L. Brasil e Europa: um relacionamento flutuante e sem
estratégia. In: CERVO, op. cit., 1994, p. 242-261.
37
DPE, v. VII, p. 294-297.
38
CAVALCANTI, Geraldo Holanda. O Brasil e a CEE: 30 anos de re-
lações. In: GUILHON ALBUQUERQUE, Jose Augusto (Org.). Diplo-
macia do desenvolvimento. Coletânea Sessenta Anos de Política
Externa Brasileira (1930-1990). São Paulo: Programa de Rela-
ções Internacionais–USP/Cultura, 1996. p. 185-187.
39
SARAIVA, M. G. A opção europeia e o Projeto de Brasil Potência
Emergente. Contexto Internacional, n. 11, p. 95, jan./jul. 1990.
40
Ibid., p. 102.
41
CERVO; BUENO, op. cit., 1992, p. 352.
42
BARBOSA, op. cit., 1994, p. 342.
43
PAIVA LEITE, C. Brasil-Japão: uma relação especial. Revista Brasi-
leira de Política Internacional, v. 17, n. 65/68, p. 35, 1974.
44
BARBOSA, op. cit., 1994, p. 342-343.
45
SARAIVA, op. cit., p. 103.
46
BIEBER, op. cit., 1994, p. 238.
47
Todas as informações relativas ao Leste Europeu foram retiradas
dos Relatórios do Ministério das Relações Exteriores de 1970,
1971, 1972 e 1973.
48
O ministro faz em sua entrevista ao CPDOC um relato minucioso
dessa questão. Lembramos de ele restringir citações de sua entrevista,
o que nos impede de detalhar a questão.
Referências bibliográficas

AMADO, Rodrigo. Araújo Castro. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.


ANGLARILL, Nelda Beatriz; KERZ, Mercedes M. G. A política externa bra-
sileira para a América Latina e África. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Ja-
neiro, n. 6-7, p. 224-239, 1983.
ARAÚJO CASTRO, Luiz Augusto de. O Brasil e o novo direito do mar: mar
territorial e zona econômica exclusiva. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão/IPRI, 1989.
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