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SEGUIR JESUS HOJE DA MODERNIDADE À

SOLIDARIEDADE -VICTOR CODINA


 PONTO DE PARTIDA - A IRRUPÇÃO DOS POBRES NA TEOLOGIA
CONTEMPORÂNEA:
Há três momentos bem diferenciados na teologia dos últimos decênios.
1. Nos anos anteriores ao Vaticano II a preocupação teológica dominante se
concentra na teologia da pobreza espiritual. Pobreza se acha presente, o pobre
ausente.
2. Temos depois do vaticano II. Uma expressão de Joao XXIII sobre a “Igreja dos
pobres”. O cardeal Lercano na assembleia fala sobre a importância do Mistério
de Cristo nos pobres e sua evangelização.
3. Desde os anos 70, a voz dos pobres começa a ser escutada na teologia. Se falara
em Medellín e em Puebla a questão dos pobres.
Linhas de fundo da teologia tradicional da pobreza de espirito. No artigo de
sacramentum mundi: uma pobreza voluntaria, á imitação de Cristo, que, sendo rico, se
fez pobre para enriquecer-nos. A vida religiosa procura realizar essa renuncia com a
vida austera e a dinâmica de partilha. “Ex opere operato” – A justiça de Deus triunfa
onde o homem não tem razão alguma para triunfar. Deus não tem nada que fazer. Mas
se preocupa benevolentemente com ternura do Pai para com os pobres.
O falso espiritualismo de um intimismo estético e aristocrático é superado pela visão
pneumatologia mais coletiva, mais histórica e mais questionante. A atitude de pobreza
espiritual é a que permite viver tal solidariedade e todas as suas consequências em clima
de infância espiritual e de confiança do senhor.
Os pobres como mediação teológica: O lugar teológico da vida crista são os pobres.
Há uma justiça de Deus que liberta o pobre, e perdia o pecador. Quando a mediação dos
pobres desaparece, a fé e a teologia se convertem na mais perigosa das ideologias. Na
droga mais estimulante para todos os satisfeitos e poderosos deste mundo, que buscam
na religião a confirmação de seu caminho de iniquidade. Os pobres são o sal da teologia
crista. O sabor evangélico.
 Graça é entrar no dinamismo de solidariedade divina com os pobres, pecado é
permanecer na injustiça, na in - solidariedade e na autossatisfação.
 A VR deve ser atualização profética do seguimento de Jesus pobre, em
solidariedade com o povo pobre.
 Os sacramentos, mas que momentos litúrgicos da celebração eclesial da
solidariedade de Jesus e dos cristãos com os pobres de nosso mundo.
 A escatologia nos leva a ser sinal e instrumento do reino de Deus na vida de
hoje.
 É um kairos. Onde os pobres nos evangelizam e nos revelam a parcialidade de
Deus com seu povo amado. Não podemos ser cúmplices da injustiça.
 Os teólogos devem exercer uma função de crítica profética. Denunciando as
situações de injustiça. E fazer conexão teológica e histórica.
 Não esquecer que Deus é o senhor da história e é quem levanta do pó os
oprimidos.

 O TEÓLOGO E A IGREJA:
Dimensões dos teólogos:
1. Dimensão sapiencial: Captar os aspectos espirituais e vitais da fé.
2. Dimensão missionaria: Paulo houve na teologia uma orientação ad gentes.
3. Dimensão profética: além do puro acadêmico e formal. Citemos a Bartolomeu
das Casas precursor da teologia da libertação. E figuras como Dom Romero o
Casaldaliga.
4. Dimensão comunitária: formação de grupos de humanização.
5. Dimensão laical: preocupação pela formação dos leigos as Igreja.
6. Dimensão Obscuras: os grandes erros que provocaram uma divisão na igreja.
Fundamentação Bíblica: Deve existir uma preocupação existencial da vida humana,
não metafísica. Existe uma falsa sabedoria, dos profetas enganosos. Ao longo da
história temos escribas e fariseus. A sabedoria de Deus é paradoxal: revela-se não os
sábios e aos prudentes deste mundo, mas aos pequenos. A sabedoria da cruz, demostra
como Deus escolheu o pobre e o fraco do mundo.
Reflexão sistemática: O dom do espirito – é a penetração profunda e ardoroso do
mistério da fé. A traves da palavra. O serviço da comunidade eclesial – trabalham na
obra da salvação do seu povo. O teólogo, como todo cristão recebe o dom do espirito
“in ecclesia” e deve exerce-lo “cum ecclesia”. Não “extra ecclesia”. O teólogo deve
evitar as tentações racionalistas ou solipsistas.
 RELAÇÃO ENTRE TEÓLOGO E IMAGEM DA IGREJA:
Modelo eclesial do vaticano I: a imagem eclesial em torno do Vaticano I acrescenta às
notas típicas da eclesiologia da cristandade medieval (clericalismo, juridicismo e
triunfalismo).
Modelo eclesial do vaticano II: volta eclesiológica de comunhão da tradição mais
primitiva. Noções como mistério, povo de Deus, tensão escatológica, carismas, laicado.
Uma liturgia mais ecumênica e mais dialogante.
Modelo da igreja dos pobres: Uma práxis liberadora e as CEBs constituem o lugar
teológico primordial sobre o qual o teólogo deverá fazer incidir sua palavra.
Interrogantes e tarefas para o teólogo de hoje: não se pode manter o statu quo.
Devemos questionar as bases atuais de nossa sociedade. Somos servos inúteis.
Igreja: O Vaticano II – chaves de interpretação: o vaticano II promoveu o
ecumenismo. O cardeal Hume, no ultimo sínodo episcopal, contrapôs a imagem de
Igreja fortaleza, símbolo de eclesiologia oitocentista, a imagem da igreja, tenda de
acampamento: ágil, móvel, simples, aberta a todo mundo. Uma igreja acolhedora e
dialogante, sempre com a mesa preparada para a comunhão. É uma igreja que quer ser
fiel aquele que estabeleceu sua tenda no meio de nós (Jo 1,14) o espirito transcendente
toda letra.
Limitações de grande concilio: Os pobres devem ter lugar prioritário na vida e na
reflexão eclesial, como a tradição do NT. Da igreja dos pobres. Os pobres nos ensinam
em sua profundidade mais evangélica.
 VATICANO II – FENOMENOLOGIA DO MODELO:
Se o modelo eclesiológico pré-conciliar estava centra lizado na autoridade e no poder
(eclesiologia da potestas), o do Vaticano II se concentra na comunhão: é uma
eclesiologia da comunhão com Deus e com os homens. Os documentos conciliares,
especialmente Lumen gentium, Ad gentes e Gaudium et spes, apresentam nova imagem
da Igreja.
Diante do clericalismo anterior, que reduzia pratica mente a eclesiologia à hierarquia, o
Vaticano II introduz a noção bíblica de povo de Deus (LG II), povo todo ele sacerdotal
(LG 10-11) que possui a infalibilidade da fé (sensus fidei) e pluralidade de carismas
(LG 12). A dimensão hierárquica não era evidentemente negada, porém, sim, inserida
no povo de Deus e a seu serviço (LG III). As mesmas definições do Vaticano I sobre o
primado e seu magistério infalível são "acolhidas" pelo Vaticano II e se restituam no
seio da colegialidade episcopal (LG 22 e 25). Atenção especial merecem os leigos (LG
IV) e os religiosos (LG VI), sobre os quais a eclesiologia do Vaticano I não falou.
Diante da eclesiologia triunfalista típica da cristandade, a do Vaticano II estabelece que
a Igreja não se identifica com o reino, mas que caminha para a escatologia (LG VII) e
reconhece que a Igreja peregrinante traz consigo a imagem do mundo que passa, vive
criaturas que gemem em dores de parto (LG 48, 4) e confessa que ela própria, apesar de
santa, necessita de contínua purificação (LG 8,4) e de maior amadurecimento (GS 43,
6). Fora uma visão juridicista, agora a Igreja é ministério.
 PRESSUPOSTOS TEOLÓGICOS DO MODELO ECLESIAL CONCILIAR
A articulação teológica deste modelo de eclesiologia de comunhão se concentra na
noção de Igreja sacramento universal de salvação (LG 48, 2; AG 1, 1; GS 45, 1),
sacramento da unidade entre Deus e os homens (LG 1,1;2,3; AG 5; SC 5,1)
Já não se concebe a salvação como ligada a alguns poucos espaços sagrados concretos,
mas como oferta uni versal dirigida a todos os homens, como a graça de Cristo que
percorre toda a história da humanidade e a fermenta para seu amadurecimento
escatológico. A Igreja não se identifica com o reino, mas este é, como diz de maneira
bela L. Boff, 20 o arco-íris sob o qual estão a Igreja e o mundo; o mundo é o lugar de
construção do reino, aberto à escatologia. Neste horizonte a Igreja é sacramento, isto é,
sinal e instrumento (LG 1, 1) da ação oficial, pública e comunitária do espírito de Cristo
no mundo, já que Deus, embora salve todos os homens que o temem e praticam a
justiça, quis santificar e salvar os homens não isolada mente, mas formando um povo
(LG 9,1).
A Igreja deverá estar especialmente atenta para auscultar e discernir os sinais dos
tempos, já que por meio deles se expressa o espírito do Senhor que conduz a história
(GS 4, 11, 44). Como afirmava a tradição patrística, a comunidade eclesial é o primeiro
fruto da eucaristia e as duas constituem um mesmo mistério de comunhão entre Deus e
os homens: "communio sanctorum", koinonía.
De Medellín a Puebla: A eclesiologia é vista a partir do reverso da história, a partir dos
crucificados do mundo, dos "Cristos açoitados das Índias", para adotar expressão de Las
Casas que Gustavo Gutiérrez faz sua com frequência. Se o modelo do Vaticano II era o
de uma eclesiologia de comunhão, o da América Latina insiste em que os pobres devem
ser o centro dessa comunhão. Deste modo, os conceitos básicos do Vaticano II são
reformulados a partir dos pobres.
Assim, a noção de povo de Deus, típica do Vaticano II, se concretiza muito mais: este
povo nasceu para ser libertado por Deus da opressão do Egito, como lembra Medellín
em sua Introdução (Medellín, Introdução 6) e nos oferece deste modo um referencial
para compreender o sentido da iniciativa salvadora de Deus. Deus salva libertando
integralmente, fazendo passar de condições de vida menos humanas para condições de
vida mais humanas. Neste sentido, é lógico que Puebla, seguindo Medellín, faça opção
preferencial pelos pobres (Puebla 1. 134-1.165).
Miséria e pobreza desumana em Puebla e Medellín: Diante da eclesiologia pós-conciliar
europeia que produz certa impressão de ingravidez histórica e de neutralidade abstrata, a
eclesiologia latino-americana parte da dolorosa realidade da América Latina. Não é por
acaso que tanto Medellín quanto Puebla comecem analisando a realidade latino-
americana antes de falar da Igreja e da evangelização (Medellín), Promoção humana;
Puebla, Visão histórica da alidade latino-americana 15-17). O centro da Igreja está fora
de seus muros eclesiásticos; não são seus direitos, nem seus privilégios, nem suas
instituições, mas os direitos e as necessidades da maioria da humanidade empobrecida.
Para dizê-lo com uma frase já clássica, este modelo eclesiológico aspira a ser não só
Igreja para os pobres, mas uma Igreja dos pobres e com os pobres. Vaticano II brotou o
famoso documento de 17 bispos do terceiro mundo, encabeçado por Helder Câmara.
Onde se afirma que os povos do terceiro mundo são o proletariado do mundo atual. É
uma igreja libertadora, popular, comprometida com os pobres.
Nessa nova configuração da Igreja dos pobres, atua o espírito de Jesus. O Espírito de
justiça que formou e ungiu Jesus de Nazaré (At 10,38; Lc 4,18) é o que agora faz nascer
está eclesiologia do seio do povo pobre, que faz brotar esta espiritualidade popular, que
geme pela boca dos que clamam, que reparte novos carismas e fortalece os mártires.
Esse modelo eclesiológico pressupõe nova pneumatologia.
Deste modo, a Igreja dos pobres se torna sacramento histórico de salvação. Sacramento
histórico de libertação. Esta expressão historiza a formulação do Vaticano II:
"sacramento de salvação". Graça e pecado são dimensões históricas que se cristalizam
em estruturas e acontecimentos. Se a injustiça institucionalizada encarna o pecado do
mundo, a Igreja deve encarnar historicamente a salvação e converter-se em sacramento
histórico de libertação para todos os oprimidos pela injustiça e pela violência. Se a
Igreja é sacramento do reino e este possui conteúdo concreto, a Igreja tem de ser o sinal
e o instrumento histórico do reino, e isto não só em nível litúrgico, mas em toda a sua
práxis eclesial.
"São Romero da América, nosso pastor e mártir, ninguém fará calar tua última homilia!
“Mediante estes testemunhos concretos compreende se melhor o que significa "igreja
dos pobres, sacramento histórico de libertação". Como nos tempos de Ireneu, também
aqui a teologia e a eclesiologia estão em conformidade com a eucaristia: são realização
do ministério da solidariedade.
Avaliação crítica: Os riscos desse modelo eclesiológico são os mesmos que se
costumam atribuir à teologia da libertação: risco de reduzir a salvação ao sociopolítico,
risco de absolutizar as ciências sociais, risco de regionalismo eclesial.
Antônio Montesinos, Bartolomeu de las Casas, João Zumárraga, Vasco de Quiroga,
João del Valle, Julião Garcés, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e tantos outros que
defenderam os índios perante os conquistadores, até com a própria morte, como o bispo
Antônio Valdivieso, demonstram, com a evidência dos fatos, como a Igreja faz a
promoção da dignidade e da liberdade do homem latino-americano (Puebla 8).
Puebla menciona também grandes figuras de santos como Toribio de Mogrovejo, Luís
Beltrão e Pedro Cláver e a aventura admirável das missões de religiosos (Puebla 7 e 9).
Todos eles são precursores da atual imagem da Igreja libertadora.
Histórico Paradoxal: A Igreja do terceiro mundo, se encerra um paradoxo que se repete
constantemente na história da salvação: Deus age sempre, não no centro, mas
começando pela margem, pela periferia. O biblista Carlos Mesters assim formula está
misteriosa lei bíblica:
"Na leitura da Bíblia aparece uma constante desde Abraão até o fim do Novo
Testamento: a voz de Deus toma forma, profundidade e sentido sempre nos
marginalizados. Nas épocas de crise e renovação, Deus interpela seu povo a partir da
marginalização e este começa a recuperar o sentido e o dinamismo perdido em sua
caminhada. Também hoje, no seio das igrejas pobres e marginalizadas do mundo, Deus
interpela a Igreja universal: o Espírito chama hoje as igrejas a optarem pelos pobres.
 ECLESIOLOGIA LATINO-AMERICANA DA LIBERTAÇÃO:

A) A irrupção dos pobres na história. Esta expressão de G. Gutiérrez no encontro


mencionado não necessita de demasiadas explicações: os ausentes da história
começam a tornar-se presentes nela, às vezes violentamente, passando de
sujeitos passivos e dependentes para protagonistas históricos. Os pobres, "os não
convidados para o banquete", começam na América Latina a tomar consciência
de sua miséria - fruto não casual de séculos de exploração e de dominação
exterior e começaram a lutar por sua libertação.
B) O surgimento de comunidades de base e o compro misso dos cristãos com a
libertação de seu povo são os fatos maiores destas últimas décadas na igreja
latino-americana. Em um continente majoritariamente cristão, a luta pela
libertação não podia realizar-se sem a presença cristã. E essa nova presença
cristã encontrou nas comunidades de base sua configuração eclesial mais
significativa e seu lugar de convocação eclesial.
C) Medellín-Puebla. Estas duas conferências do Celam, apesar dos onze anos de
distância que as separam (1968 1979).
D) A teologia da libertação, que se desenvolve nos anos 70, é a matriz teológica da
atual eclesiologia latino-americana. Os temas-chave da teologia da libertação:
reflexão teológica partindo da práxis, não neutralidade da teologia, historicidade
da salvação, revalorização da práxis messiânica do Jesus histórico, centralidade
da mensagem do reino.

 CHAVES HERMENÊUTICAS DA ECLESIOLOGIA LATINO-


AMERICANA:

I. Eclesiologia a partir do reverso da história: G. Gutiérrez em seu livro: A força histórica


dos pobres inclui um estudo anterior seu intitulado Teologia a partir do reverso da
história, 13 em que distingue a reflexão teológica da América Latina da reflexão da
teologia moderna europeia. Está sempre pretendeu e tentou dialogar com a
modernidade, entendendo com este conceito todo o amplo movimento que, desde a
Reforma e o Renascimento, passando pelo Iluminismo, pela Revolução Francesa e pela
Industrial, invadiu a consciência ocidental. O Vaticano II fez grande esforço para
estabelecer diálogo com essa modernidade, à qual a Igreja católica durante séculos
voltara as costas.
A preocupação teológico-eclesial latino-americana não é somente sobre o "sentido",
mas busca uma "libertação" da miséria, mediante a transformação da realidade social
objetiva, com o uso das ciências sociais do chamado "segundo Iluminismo". Na
expressão de J. Sobrino, os pobres constituem o lugar teológico da eclesiologia.
Fruto desta opção pelos pobres como lugar teológico focal da eclesiologia, surge uma
eclesiologia dos pobres, isto é, que se estrutura não em torno da riqueza e do poder, não
como grande instituição fazendo para isso uso da aliança com a riqueza e o poder, nem
uma Igreja simples mente povo de Deus, se esta noção não se concretiza a partir dos
pobres, nem uma Igreja que se ocupe assistencialmente com os pobres.
"O núcleo da igreja dos pobres-afirma J. Sobrino é antes a quenose e o abaixamento de
muitos que sofrem como destino imposto, ainda quando se querem libertar da miséria, e
de outros como destino escolhido solidaria mente com os pobres".
II. Eclesiologia das comunidades de base: As comunidades eclesiais de base (CEBs), um
dos maiores fatos da Igreja latino-americana do pós-concílio, O constituem o ponto de
partida concreto da eclesiologia latino-americana. São comunidades de pobres/
populares/ comunidades que configuram uma nova imagem de Igreja/Deus sempre age
na marginalidade, da periferia para o centro.

III. Eclesiologia histórica do seguimento do Jesus crucificado: I. Ellacuría, discípulo de K.


Rahner e de X. Zubiri, mas sobretudo do povo crucificado salvadorenho, considera a
Igreja sacramento histórico de libertação. Tanto o peca do quanto a salvação são
realidades históricas. A Igreja deve ser o corpo histórico de Cristo, a encarregada de
levar adiante a missão libertadora de Jesus, o Reino.

IV. Nesta mesma linha teológica é preciso situar as colaborações eclesiológicas de J.


Sobrino, recompiladas ultimamente em sua obra Resurrección de la verdadera iglesia.
Los pobres lugar teológico de la eclesiología.31 Idêntica preocupação por historizar a
salvação e por seguir o Jesus histórico: centralidade do reino na pregação de Jesus,
opção pelos pobres, experiência do Pai como o Deus dos pobres.
V. O relatório Rockefeller de 1969 é explícito: dada a situação de instabilidade da América
Latina, somente duas instituições oferecem garantias de estabilidade, a Igreja e o
exército. Mas a Igreja -dizia o relatório-está através sando momento excessivamente
idealista e é vulnerável à tentação subversiva (Medellín...!). Só a instituição militar era,
pois, capaz de levar esses povos à ordem e ao progresso. A doutrina da segurança
nacional (DSN) não fará senão dar cobertura ideológica a essa decisão de política
internacional que protege os interesses dos Estados Unidos na América Latina e os das
oligarquias nacionais, prolongando, assim, a dependência colonialista destes países a
uma elite no caso, as forças armadas. A DSN permite a passagem do caudilhismo
militar ao acesso institucional do exército ao poder, graças a uma concepção de Estado
que, para proteger a segurança nacional e seus interesses geopolíticos, assume todos os
poderes: políticos, econômicos, sociais e militares. A nova espiritualidade: Deus-Cristo-
Espirito: Comunidade eclesial com seus carismas e ministérios.

Crer na Igreja? Ao cristão crítico de hoje parecem mais adequadas as palavras do


Vaticano II que definem a Igreja como "santa ao mesmo tempo que necessitada de
purificação constante" (Lumen gentium 8, 4) e reconhecem que muitos cristãos
"velaram mais do que revelaram o genuíno rosto de Deus e da religião" (Gaudium et
spes 19, 3).

A fé não é nem uma ideologia racionalista nem uma moral, mas uma experiência
eclesial do Ressuscitado, constituindo parte de seu corpo comunitário e visível, que é a
Igreja, uma Igreja que se edifica pelo batismo e se alimenta da eucaristia.
Ao cristão lúcido toca uma difícil missão: lutar dentro da Igreja para transformá-la
evangelicamente, aceitar sua pecaminosidade e caminhar continuamente para a
conversão, manter ao mesmo tempo a fidelidade e a liberdade crítica, tender para o
reino, porém, sem esquecer que ainda estamos em tempo de agonia.
O cristão tem que ter os olhos limpos para reconhecer e amar esta Igreja, que, apesar de
seus anos, de suas rugas e de suas debilidades, é a mãe que nos gerou para a fé e nos
comunicou o mistério de Jesus. O melhor da Igreja de hoje é fruto de um passado quiçá
pouco glorioso, mas que fermentou a história.

 SACRAMENTOS:

Sequestro e libertação dos sacramentos: A solidariedade humana se abre à koinonía


trinitária. O sacramento requer de todos uma conversão ao reino e ao seguimento
concreto de Jesus. Sem desejo real de solidariedade evangélica, o sacramento se
converte em burla, em anti-sacramento, e de simbólico passa a ser diabólico, sinal de
insolidariedade. Percamos as esperanças: não há reforma litúrgica sem mudança de
esquema teológico, mas mudança teológica não ocorre sem mudança de práxis social.
Libertar os sacramentos pressupõe optar prioritariamente pelos pobres e oprimidos deste
mundo.

Analogia sacramental da eucaristia á solidariedade:


1) O sacramento não é uma coisa (água, pão, vinho, óleo...) nem um sucesso certo e
individual, mas é processo simbólico, relacional e comunitário dentro da Igreja
de Jesus Cristo.
2) Quanto mais profundo e autêntico for este processo, mais expressivo for seu
simbolismo e mais comunitária sua participação, tanto maior será sua
sacramentalidade.
3) Posto que a eucaristia, em nível sacramental, é o sacramento principal e a mais
plena autorrealização simbólica da Igreja, um sacramento será tanto mais
autêntico quanto maior for a sua conexão com a eucaristia.
4) Dado, porém, que a eucaristia é essencialmente comunitária, a plenitude
sacramental estará ligada à real participação de seus membros (pessoas,
ministro) na vida da comunidade concreta. Exatamente por isso, um sacramento
celebrado à margem da eucaristia não tem o mesmo sentido que quando se
celebra dentro dela.
5) O elemento comum a toda sacramentalidade eclesial, que alcança seu princeps
analogatum na eucaristia, é a visibilização simbólica e comunitária da comunhão
eclesial (koinonia). À medida que isto se dá, embora seja de forma incipiente, há
sacramentalidade. Quando isto se dá plenamente, há autêntica sacramentalidade.
6) Não só os sacramentos remetem à Igreja como sacramento primordial, mas, dada
a relação da Igreja com o reino, a sacramentalidade eclesial remete
necessariamente ao reino, fora de cujo horizonte não pode realizar se nem
compreender-se.
Sacramentalidade humana: Não é equívoco chamar sacramentos as diferentes etapas
deste projeto de koinonía: a criação do cosmo e do homem, a eleição de Israel e sua
libertação, a vinda de Jesus, o Deus-conosco, sua morte para reunir os filhos de Deus
dispersos (Jo 11,52), sua ressurreição como início de uma nova humanidade, a efusão
do Espírito prometido como vínculo interno de comunhão, a Igreja como símbolo
comunitário deste plano de Deus sobre o mundo, os sete ritos litúrgicos chamados
sacramentos como momentos fortes da comunhão eclesial, a escatologia como
culminação plena do reino, onde não haverá pranto nem dor, mas Deus será tudo em
todos (1Cor 15,28).
Os pobres, como os sinais dos tempos, não são simples mente momentos transparentes
da presença interpelante do Senhor, mas lugares privilegiados de comunhão, com base
nos quais é possível fazer avançar a história de comunhão dos homens com Deus e entre
si, e, por isso, são um sacramento.
Se, do ponto de vista da história trinitária de Deus com o mundo, o sacramento é o
símbolo de sua presença solidária e atuante, do ponto de vista humano é sacramental
todo esforço visível e real de participar deste plano de comunhão de Deus com a
humanidade. Isto pressupõe acolher tal plano, colaborar com este dinamismo de
solidariedade, de que a Igreja é símbolo visível e os pobres um teste escatológico.
A eucaristia expressa de forma privilegiada esta realidade sacramental. De um lado, é
memorial de Jesus que se fez solidário entre nós, optou pelos marginalizados e nos
amou até o extremo e, por isso, foi ressuscitado. É Jesus que agora nos convida a formar
parte de seu projeto.
 MARIOLOGIA:
Mariologia no meio dos pobres: Jesus e a Maria são uma reação providencial a esta
grave situação de afastamento e desamparo que o povo sofre. Como dirá Puebla: "Sem
Maria o evangelho se desencarna, se desfigura e se transforma em ideologia, em
racionalismo espiritualista" (Puebla 301). Ninguém pode estranhar que neste contexto
surjam exageros, heresias ou seitas; isto não é mais do que a ganga impura do rico veio
espiritual.
Puebla nos fala de Maria como "de grande sinal, de rosto materno e misericordioso, da
proximidade do Pai e de Cristo (Puebla 282), "presença sacramental dos traços
maternais de Deus" (Puebla 291). Ora, esta misericórdia materna de Deus, de que Maria
é sinal e sacramento, não é outra senão a ternura de Deus para com os pobres que ele
defende e ama (Puebla 1142, com citações de Mt 5,45 e Tg 2,5). Maria personifica a
opção preferencial de Deus pelos pobres, o triunfo de Deus no fraco, a parcialidade de
Deus para com quem sofre, principalmente para com quem sofre a injustiça do
poderoso. Maria tipifica a forma de agir de Deus na história da salvação; simboliza a
pedagogia divina revelada na Escritura.
Deus escolhe como mãe de seu Filho uma filha de Israel, uma mulher do povo, pobre e
desconhecida; e para que apareçam melhor sua misericórdia e o poder de seu Espírito,
não só é estéril, mas virgem, pois para Deus não há nada impossível (Lc 1,37; cf. Gn
18,14). Jesus, seu Filho, continuará esta trajetória: nascido pobre, vem evangelizar os
pobres (Lc 4,16) e se compadece de todos os que passam fome e estão como rebanho
sem pastor (Mc 6, 34; 8,2). Precisamente isto o levará a ser rejeitado pelos poderosos de
seu tempo e o levará à cruz.
A assunção de Maria é a participação de Maria na vitória gloriosa de Jesus. A mulher
que teve o coração transpassado por uma espada de dor (Lc 2,35), que com partilhou da
humilhação e da pobreza de Jesus e não se envergonhou de estar ao pé da cruz como
mãe do injustiçado (Jo 19,25) foi exaltada. Maria, que teve de padecer junto com a
primeira Igreja apostólica as primeiras persegui ções e o medo diante da prepotência dos
poderosos, é a que, sem dúvida, depois de morte humilde e desconhecida, foi assunta
aos céus. A que foi elevada aos céus é a que deu à luz junto a um presépio de animais e
esteve de pé junto ao patíbulo de um executado. A assunção nada mais é do que a
culminação gloriosa da misteriosa predileção de Deus pelos pobres e pequeninos deste
mundo e, por isso, é sinal de esperança para todos os pobres e os que se solidarizam
com eles: a última palavra nunca é a injustiça nem a prepotência; o verdugo é vencido
afinal por sua vítima.
A mariologia se entrelaça com a pneumatologia e também se abrem perspectivas
ecumênicas. É significativo que o IV Congresso de Teólogos do Terceiro Mundo fale de
Maria como "mulher pobre, livre e comprometida do Magnificat, como crente que
acompanhou Jesus até a páscoa".
Finalmente, uma mariologia a partir dos pobres ajuda a configurar necessariamente uma
imagem de Igreja dos pobres, uma Igreja pobre e do povo. Encerremos com um trecho
de um poema do bispo Pedro Casaldàliga: Perguntas-me por minha fé. Respondo-te
francamente? Creio em Deus, Creio no homem, Creio no Senhor Jesus, Creio na pobre
Maria e em toda a Igreja pobre.
 ESPIRITUALIDADE:
Espiritualidade de acusada a interpelante: Falou-se do divórcio que na Idade Média se
consumou entre teologia e espiritualidade, mas o que não se disse é que esse divórcio
representa apenas um aspecto de outra separação mais dolorosa entre os setores
poderosos da Igreja e o povo pobre e simples.
Aprender a orar com os pobres:
1. Os anos cinquenta se caracterizaram por certa conaturalidade com a oração. Esta
não é questionada. Suas formas variam segundo escolas e tendências, mas
sempre
do pressuposto comum de sua necessidade e de sua eficácia. A oração se definia
como "elevação do coração a Deus para pedir-lhe seus dons". Era a definição
tradicional, que já Santo Tomás havia sintetizado (II-II, q. 83 a. 1).

2. Na década de sessenta ocorre grande sacudida. A oração entra em crise e é


questionada não só quanto a seus métodos e acentos, mas sobre seu próprio
sentido. Os mestres da suspeita - Marx, Freud, Nietzsche - ciências humanas e
sociais e a própria teologia da secularização -Bonhöffer, Tillich e seus
divulgadores-obrigam a purificar a oração de toda sombra de alienação. A
oração não pode ser nem ilusão ingênua e infantil, nem excusa para a resignação
passiva diante da miséria, nem jogo psicológico projetivo, nem apelação ao
Deus "tapa buracos". Experimenta-se "o silêncio de Deus" e vive-se na "noite
escura" da secularidade. Nascem neste clima formulações seculares da oração
(como "orar é comprometer se", "orar é abrir-se ao irmão", "toda a vida é
oração", "orar é abrir-se à profundidade do ser"...), com toda a riqueza e
ambigüidade das reações unilaterais.

3. Nos anos setenta assistimos a um despertar religioso. Descobre-se o gratuito, o


festivo, ressurge a dimensão ritual e simbólica da existência humana, ao "homo
faber" sucede o "homo ludens", à "cidade secular" as "festas dos loucos", aos
revolucionários utópicos os neomísticos com todas as outras variadas gamas.
Renasce o gosto pela experiência espiritual e religiosa, a mística oriental, os
êxtases e as "viagens" alucinantes, a volta à natureza e o anseio por comunhão
ecológica. Dentro do cristianismo brotam os movimentos de renovação
carismática e os grupos de oração. Parece que, diante da crise do progresso
ilimitado e do desencanto crescente em face da impossibilidade de transformar
as estruturas, não restará outra alternativa do que a fuga para a experiência
religiosa no seio da intimidade cotidiana e do cálido redobramento sobre a
oração.

Pai revelou aos pequeninos 0 que havia ocultado aos sábios e prudentes deste mundo
(Lc 10,21-22; Mt 11,25-27); mas no fim de sua vida sua oração é clamor com lágrimas
pedindo ao Pai para ser salvo da morte (Hb 5,7; Mt 26,26-46; Mc 14,32-42 Le 22,40-46;
Jo 12,27-30). Sua oração culmina no clamor da cruz ao sentir-se abandonado pelo Pai
(Mt 27,46; Mc 15,34) e no grito final, oração confiante entregando toda a sua vida nas
mãos do Pai (Mt 27,50; Le 23,46; Mc 15,37).
Esta é a óptica para compreender a oração da Igreja primitiva (assim At 4,24-31; 7,33-
34.60) e a oração de todos os que são perseguidos (Ap 6,10; 21,4). Também para Paulo,
o cristão e toda a criação gemem em dores de parto, esperando a libertação plena e total
dos filhos de Deus (Rm 8,20-23). Este gemido, porém, é cheio de espe rança, porque
nasce de filhos que clamam: Abbá! Pail (Rm 8,15; Gl 4,6) e brota do Espírito, que com
gemidos inenarráveis vem em nossa ajuda e intercede por nós (Rm 8,26-27; GI 4,6).
A oração cristã possui tensão contínua escatológica para a Jerusalém celeste: "Vem,
Senhor Jesus" (Ap 21,20). Nos céus novos e na terra nova não haverá pranto, nem
morte, nem queixa, pois Deus habita rá definitivamente em meio de seu povo (Is 35,10;
65,19; Ap 21,3-4). Mas, enquanto peregrinos na história desta vida, a Igreja continua
repetindo: "Escuta, Senhor, minha oração e suba até a ti o meu clamor". A própia oração
eucarística de ação de graças é o clamor da Igreja e uma invocação ao Espírito para que
transforme os dons e a comunidade no corpo de Cristo, antecipando assim, sacra
mentalmente, a terra nova do reino, onde tudo será transfigurado definitivamente em
Cristo.
A vida religiosa como seguimento de Cristo:
Senhor que chamava a viver a uto pia do reino e o seguimento de Jesus com nova
intensidade. Há dois temas que se repetem em cada nova fundação: o desejo de imitar a
comunidade apostólica dos discípulos de Jesus e o de atualizar a comunidade da Igreja
primitiva descrita nos Atos dos Apóstolos. Cada época redescobre novos aspectos da
vida apostólica e da Igreja de Jerusalém, mas sempre surge como básico um projeto de
vida que quer concentrar-se no seguimento de Jesus. A vida religiosa é uma vida que
une à fé em Jesus a práxis do seguimento. As outras estruturas da vida religiosa (votos,
comunidade, missão...) nada mais são que expressões simbólicas necessárias para viver
na história esta experiência espiritual do seguimento de Jesus, e deixariam de ter sentido
evangélico se se desvinculassem do amor preferencial por Jesus e do desejo de segui-lo.
Os mendicantes se situarão na periferia, iniciando um seguimento de Jesus a partir dos
pobres e em solidariedade com eles, em meio a uma situação de Igreja triunfal e de
cristandade.
Vida religiosa como vida profética: De fato a vida religiosa constitui, em suas origens
carismáticas, uma crítica evangélica da sociedade e da própria Igreja. Sem pretendê-lo
diretamente, nem orquestrá-lo, monges e religiosos de vida apostólica foram um
revulsivo evangélico, uma "terapia de choque" na expressão de J. B. Metz, para a
comunidade cristã. Difícil mente podemos hoje avaliar o sentido de contestação
evangélica que supôs para a Igreja constantiniana a marcha para o deserto dos monges,
ou para a Igreja medieval.
Se à vida religiosa compete certa anormalidade estrutural, ela entra em crise quando se
tende à normalidade, quando não se está presente nem no deserto, nem na periferia, nem
na fronteira.
À medida que a vida religiosa deixa a fronteira e a periferia, para instalar-se em um
cômodo centro, ela deixa de ser sinal escatológico da esperança do reino e se converte
em sinal da força domesticadora e mundana da história. O mais triste e alarmante é que
muitos religiosos inúmeros vezes não estão conscientes disto, contentando-se por vezes
com sublimar certa mediocridade espiritual e até se admiram de que deles se exija uma
dimensão profética em sua vida. Quando o Vaticano II insistiu com os religiosos para
que voltassem ao evangelho e ao carisma fundacional, e até obrigou todas as
congregações a convocarem um capítulo especial de renovação, no fundo nada mais fez
do que questionar os religiosos sobre sua fidelidade à sua vocação profética na Igreja.
1. Submergir-se nos lugares onde a vida está ameaçada.
2. Solidariedade com as aspirações de vida. A "descida aos infernos" se ordena à
ressurreição e à vida.

 Seguir Jesus significa hoje, na América Latina, se gui-lo na luta crucial contra os
poderes de morte e em sua entrega da vida ao Pai pelo bem dos irmãos;
 Ser sinal do reino significa, na América Latina, testemunhar que o reino de Deus
surge quando são expulsos os demônios da injustiça e da morte, em continuidade
com a missão exorcística de Jesus e de seus discípulos (Mc 16,17);
 ser sinal de transcendência significa, na América Latina, crer que o Deus de
Jesus é o Deus da vida, desqualificando todos os outros deuses terrenos e
mundanos que causam a morte do povo;
 Ser sinal da escatologia significa, na América Lati na lutar pela construção de
uma humanidade que antecipe, ainda que de forma parcial e sacramental, as
dimensões de fraternidade e de filiação da nova humanidade;
 Ser testemunha da ressurreição significa, na América Latina, crer que a força do
Ressuscitado é maior que todo poder de morte.
Puebla (721-776). Deste itinerário dos religiosos parecem deduzir-se quatro linhas
fundamentais:
a) maior inserção no meio dos pobres;
b) nova ênfase nas relações fraternas da comunidade;
c) maior insistência nas tarefas da evangelização missionária, em conexão com a
Igreja particular;
d) experiência mais profunda de Deus.

 TESTEMUNHOS:
Opção pelos pobres na cristandade colonial: os bispos protetores do índio (séculos XVI-
XVII) uma opção preferencial pelos índios. A opção pela misericórdia.
O fato de o índio ser a parte privilegiada de sua tarefa apostólica implicava em primeiro
lugar um reconheci mento da dignidade e da liberdade do índio, que o tornava apto para
ser evangelizado e para ser sujeito dos sacramentos da Igreja. Isto obriga também a dar
prioridade à evangelização, à pregação e à catequese. Os bispos protestam contra
qualquer forma de violência moral e defendem a liberdade do índio à conversão: deve
ser atraído pela verdade do evangelho e pela lei da graça e da liberdade. Já Loaysa,
primeiro arcebispo de Lima, protesta contra algumas coações. Tudo isso, é uma opção
humanizadora. Também é uma opção profética. Uma opção conflitiva.
Sua posição é geralmente paternalista e consideram os índios rudes e infantis; não
souberam compreender de forma positiva o sentido das religiões indígenas em vista da
evangelização; suas próprias posições eclesiais não superaram os limites da cristandade
colonial. No entanto sua figura é exemplar e sua opção pelos pobres já antecipa as
linhas da eclesiologia libertadora da América Latina. Do ponto de vista teológico,
chegam à intuição de que a fé sem justiça é coisa vã e que a pregação evangélica deve
incluir compromisso solidário com os pobres, porque a salvação de Deus é libertação
integral e tem a ver com a justiça para os pobres (Puebla 1144).
Os índios foram para eles o lugar teológico privilegiado onde leram a palavra de Deus e
repensaram sua missão eclesial... Os evangelizadores foram primeiro evangelizados.
Assim se realizou, desde então, o que Puebla expressou como sendo o "potencial
evangelizador dos pobres" (Puebla 1147). De cada um desses bispos vale o que o bispo
Casaldáliga dirá de dom Romero: Os pobres te ensinaram a ler o evangelho.
 DOM ROMERO: TESTEMUNHO DE UMA IGREJA LIBERTADORA
Dom Romero mártir, testemunha de uma Igreja perseguida: Dom Romero vivia em
modesto quartinho do hospital da Divina Providência para cancerosos incuráveis. Na
tarde de 24 de março de 1980, celebrava missa no primeiro aniversário de dona Sara de
Pinto-dona Sarita-mãe do editor do jornal El Independiente. Na homilia falou sobre o
sentido da vida e da morte:
Quem se entrega por amor a Cristo ao serviço dos outros viverá como o grãozinho de
trigo que morre, mas morre aparentemente. Se não morresse, ficaria só. Se há colheita é
porque morre, é porque se deixa imolar nesta terra, é porque se deixa desfazer e
somente desfazendo-se, produz a colheita.
Quando ia começar o ofertório da missa, às 18:30 soou o disparo que lhe tirou a vida.
No caminho do pronto socorro, pronunciou suas últimas palavras: "Que Deus os
perdoe". Assim morria, mártir da libertação, uma das figuras mais representativas da
Igreja contemporânea. Sua mor te abalou o país, a América Latina, o mundo inteiro.
O martírio é coma a semente da libertação. O pastor da segurança a seu rebanho. A voz
dos sem voz. Denuncio a riqueza dos opressores. Também estigmatizou o servilismo
dos militares á oligarquia do dinheiro. Para defender seus interesses da instituição
armada em si mesma. Criticou os governantes. Denunciou a intervenção imperialista
dos Estados Unidos. Desmascarou as mentiras dos meios de comunicação social a
serviço dos poderosos. E criticou, a atitude intransigente e imobilista de muitos
cristãos. Don Romero, testemunho de uma igreja encarnada nos pobres. É protetor do
índio. Ele diz: os pobres o evangelizaram. Ele experimentou Deus na história. Jesus
nos pobres. Sinal de seguimento da paixão de Jesus.
 LUÍS ESPINAL: SINAL DE ESPERANÇA PARA O POVO BOLIVIANO
O contexto e o homem: A Bolívia é um país maravilhoso, situado no coração
geográfico da América do Sul. Mas sua grande riqueza humana e material acha-se
submetida aos interesses de algumas minorias nacionais e estrangeiras, que em pobre
ceram a maioria do país¹ e o converteram em cenário de contínuos golpes e
contragolpes militares.² A Igreja, por sua vez, acostumada ao regime de cristandade,
mais habituada a abençoar do que a profetizar, desde Medellín vem abrindo os olhos
para a nova tarefa de libertação que dela exige o evangelho.
Provavelmente as críticas ao narcotráfico serão um dos motivos da morte de espinal...
Este sistema de morte, morte rápida ou morte lenta de todo um país, submetido a
condições subumanas por uma minoria nacional que está aliada ao grande capital
internacional, não tem possibilidade de reforma. É preciso uma mudança radical, uma
alternativa diferente. Tudo está corrompido. Até a justiça é venal e os crimes políticos
permanecem impunes.
A vida e a morte de Luís têm explicação óbvia: foi um homem que amou a justiça e a
liberdade, que se colocou ao lado do povo oprimido e sofreu a repressão dos poderosos.
Há um nível de compreensão de sua vida facilmente inteligível. Os milhares de pessoas
que o acompanharam ao cemitério em gesto de dor espontâneo e bem sincero
compreenderam que Luís havia sido homem do povo e seu porta-voz.
Espinal vê, por outro lado, que o povo e os cristãos comprometidos com o povo só
recuperarão a esperança e sairão da paralisia do medo, se tais ídolos forem
desmascarados e se forem anunciados o verdadeiro Deus da vida, o evangelho de Jesus,
sem covardias, nem reticências, se se recuperar realmente a verdade que nos torna
livres.
No entanto, esta luta pela liberdade não é superficial. A libertação do povo não é
simplesmente assunto social, econômico ou político, mas escatológico, sendo que este,
incluindo os aspectos anteriores, os supera e transcende. Suas armas não são puramente
temporais ou políticas, mas são evangélicas: o amor, a justiça, a entrega, a oração, o
jejum, o seguimento de Jesus. A luta é contra a morte, a crucifixão, como a de Jesus. A
libertação autêntica é salvífica, vai além de todo reducionismo. E Espinal oferece,
sacerdotalmente, sua vida pelo povo.

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