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ARTIGO ARTICLE
Saúde Mental e os Planos de Saúde no Brasil

Mental Health and Health Insurance Plans in Brazil

Paulo Fagundes da Silva 1


Nilson do Rosário Costa 1

Abstract The article examines the regulatory Resumo O artigo analisa o regime de regulação
regime of mental healthcare implemented by the da assistência à saúde mental implantado pela
National Health Agency (ANS). It describes the Agência Nacional de Saúde Suplementar. Descre-
conditions observed between the provision of ve as condições observadas entre a provisão de ser-
mental health services in the private healthcare viços de saúde mental no setor de planos privados
sector in relation to the international experience de assistência à saúde em relação à experiência
and the Unified Health System (SUS). The arti- internacional e ao Sistema Único de Saúde (SUS).
cle shows that the mental healthcare provision O artigo demonstra que a assistência à saúde men-
by the sector has the failings associated with the tal do setor apresenta as falhas associadas ao mer-
health insurance market. The health insurance cado de seguro saúde. As empresas de planos de
companies have recourse to copayment mecha- saúde adotam mecanismos de copagamento, esta-
nisms, set limits for outpatient use, emphasize belecem limites de utilização para consultas am-
short duration hospitalizations for the treatment bulatoriais, enfatizam o tratamento dos casos gra-
of severe cases and residually offer support servic- ves por internação hospitalar de curta duração e
es to the patient after discharge. Since the decade oferecem residualmente serviços de suporte ao pa-
of 2000 the expansion of the number of psychiat- ciente após a alta. Existem evidências de um des-
ric hospitalizations that resulted in high rates of compasso entre o processo de desinstitucionaliza-
admission compared to the public sector has been ção em curso no SUS e a regulação implantada
observed in Brazil. pela ANS. Em fins da década de 2000, foi observada
Key words Mental health, Health insurance, a expansão da quantidade das internações psiqui-
Prepaid health plans, Brazil, Psychiatric reform átricas que resultaram em taxas elevadas de ad-
missão se comparadas ao setor público no Brasil.
Palavras Chaves Saúde mental, Seguros de saú-
de, Planos de Saúde Pré-pagos, Reforma Psiquiá-
trica
1
Departamento de Ciências
Sociais, Escola Nacional de
Saúde Pública, Fiocruz. Rua
Leopoldo Bulhões 1480/
912, Manguinhos.
21041-21 Rio de Janeiro RJ.
paulofagundes@ensp.fiocruz.br
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Introdução das empresas no mercado setorial2,3. No contex-


to anterior à atual regulação, os estudos sobre o
O objetivo deste artigo é descrever o regime de setor identificavam problemas de exclusões e de
regulação da assistência à saúde mental pela Agên- variações no escopo e na natureza da cobertura
cia Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O em quase todos os planos privados, permitindo
mercado de planos privados de assistência à saú- que opções desfavoráveis fossem oferecidas ao
de no Brasil está submetido a condições regula- consumidor, acarretando uma lógica prevalente
tórias específicas desde a implantação da Lei 9.656 de seleção de risco.
em 1998 e a criação da ANS em 2000. O regime de Esta estratégia afetou os beneficiários de pla-
regulação nasceu no mesmo contexto institucio- nos individuais que contraíssem enfermidades de
nal da implantação da Lei 10.216, promulgada alto custo ou de tratamento de longa duração,
em 2001, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). como o caso dos transtornos mentais, que não
Quais as iniciativas desenvolvidas pela interven- eram cobertos pela maioria dos contratos, e fi-
ção da ANS acompanham o modelo normativo caram sob a gestão e a assistência do SUS. Esse
presente na Lei 10.216/2001? A política de saúde fato fortaleceu a preocupação sobre as relações
mental no SUS tem buscado a mudança do mo- público e privado no âmbito da saúde, abrindo
delo assistencial, privilegiando o direito indivi- espaço para a regulação na perspectiva inicial do
dual do paciente e a interação com a família e a direito do consumidor e do respeito a contratos
comunidade em lugar do isolamento. A reforma e, posteriormente, na construção de um regime
psiquiátrica tem sido bem sucedida na implan- regulatório que interfere fortemente sobre a ati-
tação de uma agenda estratégica de substituição vidade empresarial do setor de seguro saúde.
progressiva dos hospitais psiquiátricos, pois bus- A intervenção normativa da ANS é, assim,
ca a indução das internações necessárias em hos- orientada para garantir o desenvolvimento de
pitais gerais e enfatiza o tratamento ambulatori- novos contratos que contemplem a equidade nas
al em novos serviços territoriais. A reforma psi- condições de cobertura, a extinção dos limites de
quiátrica brasileira filia-se à agenda de transfor- internação, a proibição de aumento por faixa etá-
mação das instituições psiquiátricas clássicas no ria após 60 anos com 10 anos de contribuição e a
bojo do movimento de redemocratização e de qualidade mínima nos padrões de atenção4.
ampliação dos direitos sociais no âmbito do se- Pretende-se demonstrar e discutir no presen-
tor público. te artigo o padrão de resposta das empresas de
As motivações para a instituição de um regi- planos de saúde ao regime de regulação e as prin-
me de regulação para os planos de saúde no Bra- cipais diferenças e similitudes observadas entre a
sil foram de outra natureza. Este mercado seto- provisão de serviços de saúde mental do setor de
rial desenvolveu-se em um contexto institucio- saúde suplementar e o padrão normativo da
nal de baixa regulação, até fins da década de 1990, política pública do SUS.
pela ausência de barreiras de entrada e saída das A assistência aos transtornos mentais suscita
empresas. Estas, também foram muito favoreci- questões teóricas adicionais ao já complexo tema
das por incentivos fiscais para à aquisição de se- da provisão de serviços na saúde: maior incerte-
guro saúde por indivíduos e empresas. za e variabilidades nas escolhas de tratamento;
Costa1 chama atenção para as extraordinári- grande ambiguidade na definição dos interesses
as condições institucionais que possibilitaram a do paciente, consequências sociais e externalida-
ampliação da clientela e a abertura de empresas des negativas e custosas. Os transtornos mentais
de diferentes escalas, intermediadoras do acesso mais graves – esquizofrenia, transtornos bipola-
à atenção à saúde em todas as cidades de médio res e outras formas de depressão – afetam a cer-
e grande porte. Por essa razão, o segmento de ca de 4% da população a cada ano e emergem em
planos de assistência à saúde compreende até os uma faixa etária relativamente jovem – entre 15 a
dias atuais de um universo heterogêneo de mo- 30 anos. Os quadros mais graves reduzem a ca-
dalidades organizacionais: empresas de medici- pacidade de consumidor individual e interferem
na de grupo, empresas de autogestão (públicas e nas suas redes sociais, enfraquecendo as cone-
privadas), seguradoras e cooperativas médicas e xões com os que podem atuar como cuidadores
odontológicas. ou responsáveis5.
A instituição do novo marco pela Lei 9.656/ Estas características apontam para as gran-
1998 modificou significativamente esse cenário, des dificuldades de mercado de planos privados
pela definição de novas regras de proteção aos de assistência à saúde em lidar com o conjunto de
consumidores e de entrada, permanência e saída problemas associados aos transtornos mentais.
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No sistema de saúde norte-americano, com forte buição para previdência pública. No campo dos
predomínio da indústria de seguro saúde, as em- seguros privados, muitos países permitem expli-
presas privilegiam a seleção de risco, provendo o citamente a exclusão da cobertura de transtor-
mínimo de serviços para os pacientes com maior nos mentais de natureza crônica ou que levam a
gravidade, entre os quais os pacientes de trans- intervenções de maior custo9.
tornos mentais para reduzir a seleção adversa5. Como consequência das particularidades do
Em geral, esta situação está também relacio- cuidado em saúde mental, sistemas de atenção
nada com o temor do mercado segurador de que em saúde mental na maioria dos países ociden-
a cobertura de serviços de saúde mental possa tais demandam um amplo papel ao sistema de
resultar em altos custos relacionados com psico- prestação direta de serviços públicos para a maio-
terapias intensivas de longo termo e longas inter- ria das pessoas com transtornos mentais severos.
nações hospitalares6. No caso das psicoterapias, Na Espanha, por exemplo, o papel dos segu-
a cobertura tem sido objeto de intensas contro- ros de saúde privados é secundário, mas em ex-
vérsias em face da percepção de que sua indicação pansão, abarcando 13% da população em 2002.
poderia ser arbitrária e seu uso fortemente afeta- Para 2,7 % da população, eles representam o prin-
do pela cobertura através de seguros. Afora a sim- cipal meio de financiamento da saúde, enquanto
ples recusa de cobrir o tratamento para transtor- 10,3 % os utilizam como um complemento ou
nos mentais, as empresas de seguro de saúde cos- suplemento, de sua utilização do sistema públi-
tumam restringir a cobertura a episódios agudos co. No que tange à saúde mental, a cobertura é
ou impor limites de utilização de procedimentos mais limitada com vários planos excluindo psi-
ou mecanismos de copagamento7. coterapias e internações psiquiátricas10.
Do ponto de vista da economia da saúde, No quadro brasileiro, a opção da seleção ati-
considera-se que a atenção aos transtornos men- va de risco e a provisão mínima de serviços seri-
tais pode ser particularmente afetada pelo fenô- am teoricamente impraticáveis em razão da in-
meno denominado risco moral, que ocorre quan- tervenção da agência reguladora setorial e do
do as pessoas protegidas de risco se comportam quadro institucional mais geral, definido pela Lei
de forma diferente de quando estão totalmente 10.216/2001. Entretanto, para responder de modo
expostas ao risco, gerando altas taxas de utiliza- apropriado ao problema, cabe mostrar o quan-
ção5. Ou seja: As pessoas, em face de não terem to o setor de planos privados de atenção à saúde
de arcar com o custo total dos procedimentos, se responde ao desafio da assistência à saúde men-
comportam de maneira diversa do que o fariam tal dos segurados.
no caso de pagamento integral.
O segundo fenômeno intrinsecamente, rela- A Fragmentação do sistema de saúde
cionado aos mercados de seguro, que afeta par- e o mercado de planos privados
ticularmente o cuidado em saúde mental é a sele- de assistência à saúde
ção adversa, que ocorre quando planos que ofe-
recem a cobertura mais abrangente atraem as O padrão fragmentado do sistema de saúde
pessoas que têm as necessidades de cuidado mais brasileiro, assinalado por Londoño e Frenk11, tem
intensas, levando a elevadas taxas de utilização se consolidado nas últimas décadas. O arranjo
de serviços e, consequentemente, altos custos para fragmentado é composto pelo tripé: gasto priva-
os seguradores5. do por desembolso direto, gasto privado em pla-
Nos EUA, em face às restrições de cobertura nos de saúde e gasto público pela estrutura fede-
impostas, as pessoas pagam por desembolso di- rativa do SUS12. Em 2009, os gastos privados em
reto por uma significativa proporção de serviços saúde eram os mais relevantes, totalizando 54,3
e se defrontam eventualmente com perdas finan- % dos gastos totais em saúde. Do total de gastos
ceiras catastróficas ou têm seu cuidado transfe- privados, 57,1% foram por desembolso direto e
rido para o setor público quando os gastos exce- 41,2 % com planos privados13.
dem seus limites financeiros8. Em março de 2011, existiam 46.634.765 be-
Em contraposição aos Estados Unidos da neficiários de algum plano de saúde de assistên-
América, onde o mercado de seguros privados é cia médica, o que correspondia a 24,4 % da po-
mais desenvolvido e ocupa um papel mais im- pulação brasileira. A distribuição regional mos-
portante na prestação de serviços de saúde men- tra elevada disparidade com a cobertura. Era de
tal, os países europeus apresentam sistemas pre- 37,8 % no Sudeste, enquanto no Nordeste en-
dominantemente com financiamento público, contrava-se em 11,1 %. Em algumas capitais, a
através de alguma forma de taxação ou contri- cobertura é significativamente alta: 54,1 % em
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Belo Horizonte, 55,6 % no Rio de Janeiro, 59,8 % cipais dispositivos são os Centros de Atenção
em São Paulo e 75,8 % em Vitória14. Assim, o Psicossocial. A integração da saúde mental com
sistema de saúde brasileiro apresenta a peculiari- o cuidado primário em saúde tem sido também
dade da convivência de um subsistema cuja pro- buscada16,17. Esta composição de serviços é con-
posta é o acesso universal e a atenção integral siderada, pela maioria dos autores, menos estig-
com um grande peso do segmento privado no matizante e mais acessível18,19.
financiamento e provisão dos serviços.
A aquisição ou acesso aos planos de saúde A regulação da assistência à saúde mental
está fortemente associado à renda. Como mos- no setor de planos de saúde no Brasil
tra a Tabela 1, quanto maior é a renda familiar,
maior é a proporção de famílias com planos de Até 1998, a atenção aos transtornos mentais
saúde15. estava excluída da quase totalidade dos contratos
O padrão estratificado e socialmente desigual das operadoras de planos e seguros privados de
do acesso aos planos de saúde torna bastante assistência à saúde no Brasil. A partir da promul-
frágil a tese geral do uso compartilhado da rede gação da Lei 9.656/98, a cobertura passou a ser
de serviços hospitalares, ambulatoriais, diagnós- obrigatória a todos os contratos celebrados a par-
tico e de terapias do sistema público e privado de tir de janeiro de 1999 ou nos planos antigos que
planos de saúde. A hipótese alternativa desse es- foram adaptados em consonância com a Lei20.
tudo é que a utilização dos serviços de saúde A regulamentação da cobertura para os trans-
mental pelos usuários de planos de saúde é resi- tornos mentais foi implantada através da Reso-
dual por duas razões: 1) o dinamismo da oferta lução do Conselho de Saúde Suplementar de nú-
de internações psiquiátricas de curta duração e mero 11 (CONSU 11)21. Nos planos e seguros
2) o foco na oferta de cobertura para transtor- do segmento hospitalar foi estabelecido um li-
nos mentais agudos pelos planos de saúde. mite de cobertura de 30 dias de internação por
No setor público, como já assinalado, encon- ano de contrato em hospital psiquiátrico ou em
tra-se em curso, no campo da assistência pública hospital geral. No caso do uso prejudicial de ál-
em saúde mental, um processo de reforma insti- cool e outras drogas, o limite era de 15 dias e as
tucional, iniciado nos anos 90, que afeta intensa- internações só poderiam se dar em hospitais ge-
mente a configuração de serviços e dispositivos rais. Ultrapassados estes limites, as operadoras
de cuidado às pessoas acometidas por transtor- poderiam estabelecer mecanismos de copartici-
nos mentais graves: a opção pela atenção de base pação crescentes.
comunitária em detrimento ao procedimento de A atualização do Rol de Procedimentos e
internação psiquiátrica, que passa a ser, na nova Eventos em Saúde, implantada pela Resolução
modelagem, uma intervenção de exceção. Con- Normativa 21122 e pela Instrução Normativa 2523,
comitante tem sido implantada uma rede de re- que passou a vigorar a partir de Junho de 2010,
cursos assistenciais de base comunitária. Os prin- abandonou a discriminação em dias de cobertu-
ra entre internações para usuários de drogas e
relativas aos demais transtornos mentais e esta-
beleceu um limite comum de 30 dias. Foi supri-
mida também a especificidade de internação em
Tabela 1. Percentual de pessoas, na população hospitais gerais para as internações motivadas
residente, com cobertura de planos de saúde, pelo uso prejudicial de álcool e outras drogas. A
segundo as classes de rendimento mensal domiciliar partir de Janeiro de 2012, o copagamento para
per capita – Brasil – 2008.
internações psiquiátricas que excedam 30 dias por
Classes de Rendimento % de Cobertura de ano de contrato foi limitado em 50% do valor
Planos de Saúde contratualizado com o prestador24.
Sem rendimento e ¼ do 2,3 Ainda no segmento hospitalar, a assistência
salário mínimo em hospital-dia, instituída em 1999, teve sua co-
Mais de ¼ a ½ salário mínimo 6,4 bertura ampliada em 2010, quando foram supri-
Mais de ½ a 1 salário mínimo 16,1 midos os limites de duração de tratamento, desde
Mais de 1 a 2 salários mínimos 33,7 que fossem preenchidos os critérios de diagnósti-
Mais de 2 a 3 salários mínimos 54,8 co estipulados - transtornos mentais e compor-
Mais de 3 a 5 salários mínimos 68,8 tamentais devidos ao uso de substância psicoati-
Mais de 5 salários mínimos 82,5 va, esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e
Fonte: IBGE. transtornos delirantes, transtornos de humor
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(episódio maníaco e transtorno bipolar do hu- O perfil de oferta e provisão de serviços
mor) e transtornos globais do desenvolvimento. de saúde mental pelas empresas
No segmento ambulatorial, até junho de 2010,
além do atendimento médico por psiquiatra, a Os resultados da Tabela 2 apontam que, de-
cobertura mínima estava restrita a 12 sessões de corridos nove anos desde a obrigatoriedade da aten-
Psicoterapia por ano e seis sessões de terapia ocu- ção assistencial aos eventos decorrentes dos trans-
pacional25. Os atendimentos de emergências po- tornos mentais, continuavam existindo importan-
diam ser seguidos também de psicoterapias de tes lacunas de disponibilidade de serviços em quase
crise com a duração máxima de 12 semanas e 20% para os quadros relacionados aos diagnósti-
limitadas a 12 sessões por ano de contrato21. cos de neuroses e psicoses graves e ao uso de álcool
A atualização do rol de procedimentos imple- e drogas. Em relação às demências, 22,3 % das
mentada pela ANS em 2010 elevou o número mí- empresas não dispunham de serviços26.
nimo de consultas por psicólogos e terapeutas A Tabela 3 mostra que a maior disponibili-
ocupacionais para 40 por ano de contrato para dade de serviços hospitalares é a internação em
um grupo de diagnósticos que incluem as esqui- hospital psiquiátrico (73,2%), seguido da inter-
zofrenias, os transtornos afetivos bipolares, os nação psiquiátrica em hospital geral (62,8%) e
transtornos depressivos recorrentes, os transtor- do dispositivo hospital-dia (47,8%). O porte das
nos de alimentação e os transtornos globais de operadoras não influencia a oferta de serviços27.
desenvolvimento como o autismo. Para outros Os dados de oferta são extremamente homogê-
diagnósticos, como por exemplo, os transtornos neos, com exceção de uma maior oferta de inter-
neuróticos e os transtornos mentais devidos a nações em hospitais gerais por parte das opera-
substâncias psicoativas, a cobertura ficou restrita doras de grande porte.
a 12 sessões de psicoterapia por psicólogos ou Apesar das lacunas de oferta observadas nas
médicos. Os planos de saúde devem ainda cobrir duas tabelas anteriores, os dados de produção
12 consultas de terapeutas ocupacionais por ano mostravam um crescimento da ordem de 28%
de contrato para alguns diagnósticos específicos, nas internações psiquiátricas do ano de 200528
como demências e retardo mental. até 201029 no sistema de saúde suplementar, se-
gundo o Sistema de Informação de Produtos
(SIP), através do qual as operadoras informam
sua produção para a ANS. No mesmo período,
os beneficiários de planos de saúde com cober-
Tabela 2. Proporção de empresas sem informação de tura no segmento hospitalar aumentaram em
provisão de serviços para transtornos mentais. 61% (Tabela 4).
Grupo de Transtornos Ausência de
Em 2007, foram registradas 10.116 interna-
Cobertura ções psiquiátricas por usuários com planos de
saúde realizadas no SUS30 em um total de 248.968
Transtornos mentais leves e 8,5% internações31, o que representa 4,1 % do total. A
moderados
escala da oferta de internações psiquiátricas no
Neuroses e psicoses graves 17,9%
sistema de saúde suplementar parece impactar o
Relacionados ao uso de álcool e 17,9%
outras drogas
nível relativamente baixo de utilização deste pro-
Demências 22,3% cedimento no SUS pelos seus segurados.
Fonte: Requerimento de Informações da ANS 2007-2008

Tabela 3. Oferta de serviços de saúde mental por porte das operadoras - segmento hospitalar - em números
absolutos e percentagem (N=749*).
Porte por beneficiários Operadoras Internação em HP Internação em HG Hospitais-Dia
Pequenas (<20.000) 488 (100 %) 354 (72,5%) 303(62,1%) 220(45,1%)
Medias (<100.000) 196 (100 %) 145 (74%) 120(61,2%) 101(51,5%)
Grandes (>100.000) 65 (100 %) 49 (75,4%) 47(72,3%) 37 (56,9%)
Total 749 (100%) 548 (73,2%) 470(62,8%) 358(47,8%)

Fonte: Requerimento de Informações da ANS 2007-2008; Anuário ANS 2007. *Em face de um grupo de operadoras não terem tido
suas demonstrações contábeis reportadas no Anuário, a amostra analisada foi de 749 operadoras.
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A comparação da taxa de internações psiqui- aos seus leitos públicos32. Este movimento orga-
átricas no setor de saúde suplementar com a taxa nizacional está amparado em fortes evidências
do Sistema Único de Saúde em 2010 mostrava que indicam que a atenção centrada em hospi-
uma relevante diferença. Enquanto a taxa na Saú- tais psiquiátricos, principalmente funcionando
de suplementar foi de 284 por 100 mil usuários, desarticulados de uma rede assistencial extra-
no SUS, a taxa foi de 149 por 100 mil habitantes: hospitalar, acarreta barreiras ao efetivo cuidado,
91 % menor (Tabela 5). entre elas o reforço do estigma.
A comparação da evolução do número de in- Os dados disponíveis no SIP não apresentam
ternações psiquiátricas nos dois sistemas mostra discriminação sobre qual modalidade de dispo-
tendências inversas: de redução de 16% no SUS de sitivo hospitalar está sendo utilizado para reali-
2005 até 2010 e um aumento de 28% na saúde zar as internações psiquiátricas. As respostas ao
suplementar no mesmo período (Tabela 6). requerimento de informações da ANS apontam
Estes resultados parecem indicar uma dispa- que é mais comum que o procedimento seja ofer-
ridade entre as políticas de saúde mental nos dois tado em hospitais psiquiátricos (73,2 %) do que
sistemas no que tange a assistência hospitalar. em hospital geral (62,8 %). Com os dados dis-
Como se verificou anteriormente, o aumento de poníveis não é possível avaliar se a significativa
internações psiquiátricas não tem acompanhan- disponibilidade de leitos psiquiátricos em hospi-
do na mesma proporção o crescimento da base tal geral referida pelas operadoras está relacio-
de beneficiários dos planos de saúde com cober- nada com a padronização da ANS vigente em
tura hospitalar, mas este achado não pode ser 2007-2008 de que as internações dos agravos re-
relacionado a nenhum procedimento específico lacionados à abstinência e a intoxicação pelo uso
de desestímulo da hospitalização. de álcool e outras drogas deveriam ser realizadas
Convém destacar que tem sido preconizada em hospital geral (CONSU 11).
uma migração da alocação de leitos localizados Deste ponto de vista, pode-se considerar
em hospitais psiquiátricos especializados para como um retrocesso a supressão da restrição
enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais. Os contida na CONSU 11, através da RN 211, vi-
países com assistência à saúde mental consolida- gente a partir de junho de 2010. Deste momento
da têm feito a conversão de dispositivos de for- em diante, pode-se dizer que o sistema de saúde
ma resoluta. A Itália, cujo modelo assistencial é suplementar não formaliza nenhum mecanismo
frequentemente tomado como referência pelo indutor que possa desestimular o procedimento
Brasil, efetivou a transição completa em relação “internação em hospital psiquiátrico”, o que

Tabela 4. Internações psiquiátricas realizadas no setor de saúde suplementar e evolução do número de


beneficiários de planos de saúde com cobertura no segmento hospitalar. Brasil 2005-2010.
2005 2010 Variação %
Internações psiquiátricas (1) 78.720 100.650 + 28%
Beneficiários (2) 22.024.778 35.490.641 + 61 %
Fonte: (1) Sistema de Informações de Produtos/ANS. (2) Beneficiários de planos com cobertura para o segmento hospitalar com
contratação posterior à Lei 9.656/98 em dezembro de 2005 e dezembro de 2010 (ANS TABNET).

Tabela 5. Comparação da Taxa de Internações psiquiátricas realizadas no SUS e no setor de saúde


suplementar – Brasil – 2010.
Descritor Internações Beneficiários Internações por
Psiquiátricas 100.000 Beneficiários
Sistema Único de Saúde (SUS) 230.629 (1) 155.242.053 (3) 149
Saúde Suplementar 100.650 (2) 35.490.641 (4) 284
Fonte: (1) DATASUS (2) Sistema de Informações de Produtos/ANS (3) Diferença entre o total da população brasileira
(190.732.694-IBGE) e os beneficiários de planos de saúde (4) Beneficiários de planos com cobertura para o segmento hospitalar
com contratação posterior à Lei 9.656/98 em dezembro de 2010 - ANS TABNET.
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marca uma importante diferença com as estra- países. Uma revisão de seis estudos sobre com-
tégias implantadas pelo SUS, onde a forte regu- parações sobre internações mais curtas ou mais
lação tem ocasionado uma redução importante longas mostrou que uma política planejada de
do número de leitos localizados em hospitais psi- internações psiquiátricas mais breves não parece
quiátricos33. acarretar em problemas de efetividade34.
Outro indicador disponível através da con- Outra revisão da literatura realizada em 2009
sulta feita pala ANS às operadoras é o relativo ao apontou, entretanto, que para que as interna-
tempo médio de permanência das internações ções mais curtas funcionem de forma adequada
psiquiátricas. Os dados apresentam importante é necessário que o sistema de cuidado extra-hos-
homogeneidade no que tange a limitação dentro pitalar entre em cena imediatamente após a alta,
do padrão de cobertura integral definido pela com respostas qualitativamente adequadas. O
ANS de até 30 dias (Tabela 7), sendo que as pe- efeito benéfico da curta estada é modulado pelas
quenas e médias operadoras apresentam as mé- condições de alta e seguimento35.
dias mais baixas (em torno de dezessete dias). A Um fator importante de análise sobre a pos-
análise das medianas mostra que metade das sível efetividade da opção regulatória da ANS no
operadoras pequenas e médias encontra-se com que tange aos usuários com transtornos severos
o tempo médio de internação inferior a 15 dias e é a integração das unidades de internação com
as grandes empresas com metade das operado- os demais dispositivos externos, para garantir a
ras com médias abaixo de 20 dias. continuidade de cuidados. Entretanto, como se
O tempo de internação hospitalar tem sido pode observar na Tabela 8, as operadoras não
objeto de interesse crescente nos estudos inter- têm enfatizado programas para usuários que
nacionais em face da tendência de que a atenção sofreram internações psiquiátricas.
aos pacientes com transtornos mentais deva ocor- O processo de desospitalização da assistência
rer em “settings” menos restritivos. psiquiátrica envolve diversas variáveis, sendo
Ao longo do processo de desinstitucionaliza- uma delas o fator econômico. Mesmo em países
ção da assistência psiquiátrica, o número de lei- que reduziram significativamente o papel da in-
tos psiquiátricos e a média de tempo de ocupa- ternação psiquiátrica, os custos hospitalares se-
ção dos leitos existentes diminuíram em diversos guem sendo a principal fonte de dispêndio atra-
vés de gastos diretos com os transtornos men-
tais severos36.
A estratégia desenvolvida pela ANS para as
internações envolve dois constrangimentos. O
primeiro responde à necessidade de controle fi-
Tabela 6. Evolução das internações psiquiátricas no nanceiro por parte das operadoras, que impeli-
SUS e no setor de saúde suplementar - 2005-2010. das a efetivar a cobertura aos transtornos men-
Subsistema 2005 2010 Variação % tais, mantém um determinado controle sobre o
risco. O segundo funciona como fator limitador
Saúde Suplementar 78.720 100.650 +28 %
SUS 267.256 230.629 - 16 %
Fonte: Sistema de Informações de Produtos/ANS e DATASUS.

Tabela 8. Oferta de programas específicos para


Tabela 7. Tempo de permanência (em dias) das egressos de internações psiquiátricas por porte das
internações psiquiátricas por porte das operadoras. operadoras – em números absolutos e percentagem.
porte operadoras média mediana porte Operadoras Sim Não
Pequenas 375 16,89 15,00 Pequenas 488 (100%) 20 (4,1%) 468 (95,9%)
(<20.000) (<20.000)
Medias 152 17,58 15,00 Medias 196 (100%) 13 (6,6%) 183 (93,4%)
(<100.000) (<100.000)
Grandes 51 26,08 20,00 Grandes 65 (100%) 04 (6,2%) 61 (93,8%)
(>100.000) (>100.000)
Total 578 * 17,88 15,00 Total 749 (100%) 37 (5,0%) 712 (95%)
Fonte: Requerimento de Informações da ANS 2007-2008. *578 Fonte: Requerimento de Informações da ANS 2007-2008.
Operadoras responderam este quesito. Anuário ANS 2007.
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Silva PF, Costa NR

sobre a longa permanência hospitalar, que para mia por ocasião da alta40. Entretanto, no panora-
resultar em benefício para os usuários é necessá- ma internacional, esta modalidade de cuidado vem
rio analisar se a limitação não está ocasionando se tornando superada por novas abordagens,
altas prematuras motivadas pela limitação de co- como a atenção domiciliar41 e vem assumindo
bertura. Para fins de desembolso direto das famí- um papel residual no Sistema Único de Saúde bra-
lias, o período que exceder 30 dias pode resultar sileiro, no qual a atenção diária para pacientes
em significativo ônus financeiro para uma parce- com transtornos severos, tanto para situações de
la dos usuários de planos de saúde, podendo che- crise, quanto em situação de atenção de longo
gar a apresentar as características de gasto catas- curso, vem sendo desenvolvida no âmbito dos
trófico, como se convencionou chamar os gastos Centros de Atenção Psicossocial.
que excedem intensamente a capacidade financei- Esta disposição está explicitada de forma ca-
ra das famílias, ou acarretar a procura do serviço tegórica em documento do Ministério da Saúde
público para continuação do tratamento. de 2007, conforme trecho abaixo:
Considere-se que o período de 30 dias está “O hospital-dia de saúde mental [...] é hoje
dentro de padrões aceitáveis para a evolução de em dia um serviço em processo de superação,
uma crise em ambiente hospitalar até a data da especialmente face ao papel desempenhado pe-
alta, apesar de muitos países operarem com um los Centros de Atenção Psicossocial [...], o Mi-
tempo médio de internação superior37. Entretan- nistério da Saúde deverá recadastrar nos próxi-
to, por exemplo, na Itália, estudo de âmbito na- mos anos os hospitais-dia que já funcionam
cional, realizado em 2001, apontou que a percen- como CAPS, e rediscutir aqueles que permanece-
tagem de pacientes em “revolving door”, defini- rem com um perfil hospitalar, os quais têm mos-
dos como os pacientes que tiveram três ou mais trado baixa efetividade na reintegração social dos
admissões na mesma unidade psiquiátrica pú- pacientes egressos de internações. Espera-se que
blica de internação no período de um ano, foi de a implantação de serviços comunitários (CAPS e
8,7% do total de internados. Além disso, 22,3% ambulatórios) e a expansão da atenção psiquiá-
dos pacientes internados estavam em sua segun- trica em hospitais gerais conduza à superação
da internação no mesmo ano38. Como a cober- progressiva deste dispositivo, que teve importân-
tura da ANS se restringe a 30 dias por ano de cia histórica na mudança do modelo de atenção
contrato, a soma dos dias de mais de uma inter- em saúde mental”.
nação pode impedir a cobertura integral por parte A intenção dos formuladores da política do
da operadora. SUS, ao diminuir a ênfase na implantação e de-
No período analisado, que vai de meados de senvolvimento dos hospitais-dia, parece estar
2007 até começo de 2008, o dispositivo hospital- relacionada com a ligação implícita dessas estru-
dia ainda se encontrava em processo de expan- turas com os hospitais psiquiátricos e pelas difi-
são. Na Resolução Normativa 211/2010 é defini- culdades de se constituírem como referência para
do como “recurso intermediário entre a interna- o restante da rede assistencial em um modelo
ção e o ambulatório, que deve desenvolver pro- que se pretende marcado pela territorialização e
gramas de atenção e cuidados intensivos por equi- pela integração com a atenção primária.
pe multiprofissional, visando substituir a inter- Porque a ANS, em sua revisão do rol que foi
nação convencional...” (Parágrafo 1° do artigo 18). implantada em junho de 2010, manteve a mode-
Pode-se depreender pela definição, adotada da lagem dos hospitais dia como única modalidade
Portaria SNAS 224 de 1992 do Ministério da Saú- de cuidado extra-hospitalar, além das consultas
de39, e pelo seu posicionamento no segmento hos- de cunho ambulatorial, apesar do flagrante des-
pitalar dos planos de saúde, que o dispositivo está colamento com as políticas desenvolvidas pelo
direcionado para pacientes em situação aguda ou SUS? Provavelmente porque acarretaria na neces-
de crise, funcionando o dispositivo hospital-dia sidade da constituição pelas operadoras de novos
como uma alternativa à internação convencional, serviços, de modalidade diversa dos já constituí-
mas não direcionado para portadores de trans- dos, com o consequente aumento das despesas
tornos mentais severos em quadro persistente, operacionais, mas também e fundamentalmente
que necessitam de abordagem específica, voltada porque implicaria na assunção da cobertura mais
para a reabilitação psicossocial. A literatura dis- abrangente voltada para pacientes com transtor-
ponível sugere que a utilização de hospitais-dia nos severos persistentes, no espectro da cronici-
para pacientes em crise pode ser tão efetiva quan- dade e do cuidado de longo curso.
to a internação usual, com vantagens no que tan- Um dos mais importantes achados na epide-
ge à capacidade de reintegração social e à autono- miologia da esquizofrenia em termos de impli-
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cações para os serviços é que uma alta propor- informar as questões inerentes a este risco, a ANS
ção de pacientes pode sofrer de incapacidades não oferece as condições de uma escolha suficien-
sociais moderadas e severas. As implicações para temente informada para os usuários seleciona-
o planejamento da atenção em saúde mental é a rem os locais mais adequados para o cuidado
necessidade de provisão de intervenções integra- institucional das crises derivadas dos transtor-
das de longo prazo42. O padrão de utilização de nos mentais.
serviços costuma ser heterogêneo e influenciado Outro possível efeito indesejado é a indução
pela gravidade dos casos43. de padrões de consumo de serviços de saúde
Os programas que devem ser oferecidos para mental, o que pode gerar expectativas na popu-
esta população desejavelmente vão além de con- lação em geral, levando ao recrudescimento de
sultas ambulatoriais médicas ou de outras cate- crenças difusas sobre os valores terapêuticos do
gorias profissionais. Os tratamentos efetivos pre- isolamento e da hospitalização.
vêem o controle e/ou redução dos sintomas atra- Outro aspecto preocupante e contraditório é
vés da psicofarmacologia, que, entretanto, não é que a regulação da assistência à saúde mental do
suficiente para um segmento importante dos mercado de seguro saúde brasileiro apresenta simi-
pacientes, onde a combinação com psicoterapias litudes ao observado em outros países ao não
e intervenções psicossociais resulta em aumento inibir o uso do mecanismo de copagamento espe-
de eficácia18,44. cífico para saúde mental, relacionado com as inter-
Assim, a carteira de serviços oferecida pelas nações psiquiátricas. Apresenta também uma limi-
empresas de planos de saúde reguladas pela ANS tação de quantitativo de consultas ambulatoriais
pode estar limitada em eficácia para um segmen- não médicas, que é mais intensa em alguns gru-
to de usuários com um determinado perfil. O pos diagnósticos. Nesta situação, encontra-se um
provável efeito das medidas restritivas é a absor- segmento altamente vulnerável, os usuários que
ção dos gastos excedentes pelas famílias ou a fazem uso prejudicial de álcool e de outras dro-
transferência do cuidado para o SUS dos pacien- gas, que só podem se beneficiar de 12 consultas
tes cujas necessidades de serviços extrapolem a psicoterápicas por ano de cobertura. Destaque-se
modelagem prevista. Neste perfil de pacientes a significativa ampliação de cobertura de consul-
podem se encontrar os casos de transtornos mais tas de psicologia e terapia ocupacional (de 12 para
severos e os de longo curso. 40 por ano de contrato) para outros diagnósticos
de transtornos severos como o autismo e os trans-
tornos do espectro da esquizofrenia.
Conclusões Em que medida a normatização instituída pela
ANS está desenhada para reduzir mecanismos
A ANS tem ampliado a regulação sobre as ope- de mercado que afetam a provisão da assistência
radoras dos planos de saúde no que tange à as- à saúde mental pelas empresas de planos e segu-
sistência dos transtornos mentais desde a sua ros de saúde, ou se está favorecendo barreiras de
criação em 2000. Ainda assim, este artigo identi- acesso e lacuna assistencial, é uma questão em
fica falhas na oferta de serviços para pacientes aberto carecendo de estudos posteriores.
com quadros de demências, neuroses, psicoses Uma possível resposta está associada às limi-
graves e ao uso prejudicial de álcool e drogas em tações deste estudo. O Sistema de Informações
fins da década passada em empresas pequenas, de Produtos da ANS não oferece informações
grandes e médias. Chama atenção também a ofer- sobre a natureza e a estrutura dos serviços dis-
ta de internações psiquiátricas em expansão. A ponibilizados pelas operadoras, permitindo ape-
comparação com o SUS indica uma taxa de in- nas analisar o quantitativo de produção. Foram
ternação mais elevada no setor de saúde suple- estudadas ainda as informações da consulta da
mentar. Qual o significado normativo dessa alta ANS junto às operadoras de planos de saúde,
prevalência das internações psiquiátricas no mer- respondida no período de agosto de 2007 a mar-
cado de planos privados de assistência à saúde? ço de 2008, que não refletem o possível impacto
Pode-se dizer que a população detentora de das modificações da regulação ocorridas deste
planos de saúde está exposta ao risco decorrente momento em diante.
da internação em hospital psiquiátrico. Por não
4662
Silva PF, Costa NR

Colaboradores Referências

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Apresentado em 08/09/2011
Aprovado em 30/09/2011
Versão final apresentada em 05/10/2011
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