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Análise dos escritos de Beckford sobre música e teatro no final do Século XVIII
Como base para o presente artigo servi-me das transcrições e traduções de algumas
entradas quer do diário de Beckford – a partir de agora denominado por diário – e do livro
Letters from Italy with sketches of Portugal and Spain – a partir de agora denominado Sketches
– que foram disponibilizados no âmbito da disciplina de História da Música Portuguesa. Anexa-
se a este documento uma tabela síntese das entradas do diário com a respetiva divisão
temática para facilitar a consulta dos eventos vivenciados pelo milionário inglês.
Este gosto pela dança é característico do gosto de Beckford por formas musicais mais
ligeiras, no qual se inclui a modinha, canção em língua portuguesa com mistura de ritmos
indígenas dos povos das várias colónias de Portugal, a que o autor se refere várias vezes e
tecendo-lhe sempre os maiores elogios e admirações. O primeiro contacto com esta forma
acontece a 07 de Junho de 1787 na casa do senhor Horne onde ouviu D. Luísa de Almeida
cantar “modinhas brasileiras” que o autor descreve como algo como nunca ouvira antes e
inspirar “delírios profanos”. Beckford vai descrever mais encontros com esta forma como ocorre
1 Grand Tour é a designação dada às viagens que os jovens da aristocracia e da alta burguesia faziam no
final da sua adolescência. A viagem era um ritual de passagem e uma forma de cultivarem os seus
interesses culturais, percorrendo os principais centros artísticos do centro da Europa.
dois dias mais tarde do primeiro contacto, a 09 de Junho, e no dia 13 de Junho – dia de Santo
António – que aborrecido com a música religiosa que escutara se refugia em casa onde se
“consola com modinhas”. Das primeiras três vezes que ouve modinhas o autor coloca a forma
em grande estima como se pode observar na caracterização que faz: “Trata-se de um género
original de música, diferente de tudo o que alguma vez ouvi, e o mais sedutor, o mais
voluptuoso que se possa imaginar e o melhor calculado para apanhar os santos desprevenidos
e inspirar delírios profanos” [Entrada 21] e o deleite que tem a ouvir esta música tal como o faz
na entrada 30: “Bati em retirada assim que me foi possível e regressei a casa encolhendo os
ombros. O resto do grupo em breve fez o mesmo e consolámo-nos com modinhas.” Ao longo
do diário o autor vai descrevendo os sucessivos encontros com esta forma. Já em Sketches –
onde trata os assuntos de forma mais trabalhada, com linguagem mais cuidada, onde se
observa a preocupação de manter uma imagem imaculada, Beckford faz menção à modinha no
episódio de 14 de Junho na casa dos Lacerdas onde as jovens, acompanhadas pelo mestre de
canto – um frade com olhos esverdeados – trinam modinhas brasileiras, ora esta descrição é
bastante semelhante à que o autor faz no seu diário a 07 de Junho onde a D. Luísa cantava
com o seu mestre de canto – também ele frade de olhos esverdeados – modinhas brasileiras.
Será que Beckford usou parte do episodio de dia 07 de Junho para complementar o que
descreve nos Sketches em data posterior? Ou será o frade o mesmo mestre que influencia as
alunas a cantarem modinhas?
Presume-se que Beckford fosse anglicano, quer pela origem, quer pelo sepultamento
em cemitério desta confissão, contudo a presença do autor em cerimónias religiosas católicas
é bem expressiva ao longo das sucessivas entradas quer no diário, quer em Sketches, sendo
que menciona algumas vezes o tédio que passas nas longas celebrações e as críticas que faz
à música. Apesar de tudo não é estranho que o autor esteja presente em celebrações católicas
num país predominantemente católico, com uma corte onde se sente um fervor religioso e
onde todos os seus amigos nobres também participavam – deve-se entender a celebração
religiosa mais como evento social do que como cultro devocional – e, além de tudo isto,
Beckford faz-se rodear do grão-prior e necessita das suas amizades para aceder à Patriarcal,
aos seus músicos e, em especial, a Franchi.
Observemos os vários relatos que Beckford faz sobre a música sacra que escuta.
Salvo raras exceções – como quando escuta Jomelli na Patriarcal – Beckford não se
deslumbra com o contexto da música sacra em Lisboa, dando-nos referências bastante
importantes sobre que tipo de música existia, como na descrição da Festa de Santa Cecília, ou
nas menções à execução de hino em canto gregoriano acompanhadas ao órgão [entrada 37,
87 e 90, por exemplo]. Um dado importante é a referência ao grande órgão que figurava no
Igreja do Mosteiro dos Jerónimos – presumivelmente de Cerveira – que desapareceu no
Século XIX/XX. Relata várias vezes os longos serviços religiosos e que a música era muitas
vezes enfadonha e executada por músicos de pouca qualidade [entrada 34]. Não deixa de
referir os momentos com execuções de referência como no relato que faz da “nova igreja de
São Pedro de Alcântara” – que anteriormente refutei ser a Igreja de São Pedro em Alcântara,
esta sim é de construção pós-terramoto, e não do convento de S. Pedro de Alcântara junto ao
Príncipe Real – que indica a boa execução da missa por músicos da Capela Real que
menciona estarem entre os melhores executantes da Europa.
Além destes grandes planos onde nos foi possível encaixar os vários momentos
musicais vivenciados por Beckford, são referidos outros momentos com música, como a
tourada que é descrita na entrada 73 de 10 de Agosto: "Havia um grupo de negros que
andavam às cambalhotas por todo o anfiteatro, vestidos de macacos, e que agitavam os rabos
ao som lamentoso de alguns fagotes e violinos miseráveis" e a Banda Regimental no dia em
que visita Guildermeester e à qual o autor concede duas menções distintas, uma no diário e
outra no Sketches.[entradas 66 e 67] Nota-se a preocupação que tem em procurar as
descrições dos momentos musicais e em fazer apreciações crítica dos mesmos.