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E MOVIMENTOS DISCURSIVOS Se Oe ea ba arfamos, em primeiro lugar, de insistir na dificuldade que existe mM perceber, em termos linguisticos tradicionais de sintaxe F semantica, o que se passa, quando homens e, mais particularmente eriangas, dialogam ou cantam, ostariamos também, o que € certamente muito pretensioso, de or alguns elementos de uma lingiiistica menos abstrata ou do que aquelas que parecem, hoje, majoritarias. Certamente, entar construir modelos sintiticos que conservem certos das "Vinguas naturais', imitando cestos aspectos dos formalisms -matemfticos. E preciso ainda nao escuecer que estes modelos sintaxe separada" tém pouca coisa a ver com didlogos ou discursos 5, sobretucdo com o modo pelo qual as criangas entram na linguagem. que nao pensamos que seja a combinatéria sintética que, jalmente, dé conta da “criatividade" da linguagem. a lingitistica da circulago do discurso que gostariamos de desenvolver nao é nem uma lingtiistica de uturas, nem. uma lingiistica dos supostos processos mentais, nem sociolingiiistica, se esta consiste em derivar de uma situacao social ‘tipo de discurso. Falaremos, antes, de uma lingiiistica da LINGUA, 410605 DF UINGUAGEM € HONIMENEIOS DISCURSIVOS sontsungsia solNawKoW 3 YaO¥NONN 30 S090 ¥NON circulacao do discurso. - Circulagao "material", por assim dizer, quando a crianga retoma- modifica a forma do discurso do adulto. - Circulagao "ideal" da significacdo, quando uma forma lingtiistica, utilizada em outras situagées distintas daquelas na qual ela foi recebida, significa necessariamente de uma maneira diferente. Como nos exemplos wittgenstianos onde se d ortlens, ou onde se colocam questoes para si mesmo. - Enfim, circulac&o "monolégica", como no exemplo dado como explicacio, onde, o que faz (tem) sentido, € a co-presenca de dois enunciados que nao foram construidos para ficar juntos. Para aqueles que nao sabem do que se trata, este primeiro enunciado € freqiientemente utilizado por um publicitério da cerveja em questi, sobre fundo de abadia ou de vitral, o que constitui um primeiro deslocamento; a maior parte dentre n6s nao colocaria sem diivida espontaneamente, em rela¢2o © infinito © uma cerveja embora ela fosse mais forte do que a média. Quanto ao segundo enunciado, ele pertence ao registro dos aniincios obrigatérios da luta anti-flcool, nao aquilo que podemos recomendar em nossa relacto ao infinito. Como vernos, é difiell fazer, aqui, comentirios muito elegantes... Para esclarecer a significagaio do que é proposto, aqui, gostarfamos de sugerir algumas reflexdes criticas sobre o objeto da lingitistica, 1a partir da divisao tradicional introduzida por Morris, que opde: - asintaxe, como ciéncia da relacao dos signos entre si - a semAntica, como ciéncia da relagio dos signos com aquilo para que eles valer; - enfim, a pragmatica, como ciéncia do modo pelo qual a linguagem age sobre os interlocutores, sobre o que fazemos falando. 1 \\O fantasma da gramatica anilise das formas de sintagmas, de frases, de coordenacio ‘ou de subordinagao esteve historicamente no centro da reflexio sobre a lingua. Falar de *fantasma da gramitica" nao € um modo superficial e amadoristico de ver as coisas? Nao é, na melhor das hipsteses, a visio ingénua do usudrio que se ocupa contetido € nao do modo de dizé-lo? Pois foram escritas tantas gramaticas diferentes, que nao vemos como|]_. © poderia fazer um exame completo. Com uma certa imprecisao,|| © oe rlamosso propor alguns argumentos que convergem, paral, que "o gra isquer que sejam as diversas formas, fol icionalmente reavaliado. ‘er E preciso, antes de mais nada, partir de uma constatag&o: as crian, a im, antes de mais nada, unidades lexicais isoladas, 36 a_ situacio vontade de interpretacao dos interlocutores item atualizar o sentido destas unidacles isoladas, de construir iciados. Em seguida, os enunciados das criangas tomam forma de jinagdes de termos lexicais, sem elementos gramaticais especializados ‘lacionamento!. Em outras palavras, o relacionamento se faz, entao, dos fatores anteriormente isolados, pelas implicacdes lexicais oviveis dos termos considerados. Em bebé bombom, comer bebé, ou jombom comer, 2 margem da sintaxe, no cometemos engano sobre a terpretaclo das relagdes entre os termos em questao. O que vamos ncontrar, mais tarde, nos telegramas, titulos de jornais, antncios blicados ou nas afasias chamadas agramaticais*. No_mesme sentido, lembramos os estudos* que mostraram que a mpreensio € cao das relacdes gramaticais se apoiavam nas plicacSes seminticas, © que se manifesta pela defasagem temporal iire possibilidade precoce de imitar a aco indicada por enunciados emanticamente orientados: o menino pega a caixa, ou seu respondente passivo, enquanto que os énunciados reversiveis do > 0 menino vence a menina sao imitados-compreendidos muito mais dle, Aqui, com efeito, a compreensao sintitica torna-se necesséiria, Nia vez que cada um dos dois termos pode designar o agente. Poderiamos alegar que isto é verdade no comeso, mas que © jolescente ou 0 adulto “letrado" & aquele que é capaz de usar, econhecer, ctc., as relagdes gramaticais "puras", exceto implicagdes sxicais. F certamente verdade, uma vez que isto é um dos componentes \cesso escolar, o que nado impede que mesmo no adultg, a gramética Quando ha unidades em inventiti limitado e recorentes do tipo ainda, pe, cla carkcterizarh ma telac30 dos objeos, apdes ou pessoas para aquele que fla, nao ima rlagto dis palavras tre elas. A Broun, "Lenfant, le publictaee et linformation syntarique",Pratiques, 1986 J.P, Browcxan, M Kail, G. Noses, Pycholingutstique de Peart, rchercbee sur Vacutsion dis ‘Delachaux et Niesé, 1983, a \ 4060s DE UNGUAGEM E MOMIMENTOS DISCURSIVOS LUNGuA, ‘Sontsanasa SOLNaKIKOW 3 WRO¥NONN 30 SOD0r NONI 1, AFINIDADES E NATURALIDADE 1 Afinidades léxico-gramaticais, Poderfamos, antes, propor inicialmente que hé afinidades léxico- gramaticais: nao importa qual verbo esteja Id para poder ser conjugado em todos os tempos, todos os modos, todas as pessoas, Pensemos, por exemplo, na afinidade entre os verbos de estado € o imperfeito, os dois ligados alias & relagio de pano de fundo na narrativa?, que torna, no minimo, ultrapassada a vontade de apresentar sob forma de paradigma os temas verbais, uma vez que na verdade ha pouca possibilidade de que, num ponto da cadeia, "tenhamos a opgao" entre imperfeito e pretérito perfeito, M4 afinidade na seqiiéncia: eu estava em casa, subitamente eu vi acontecer alguma cotsa de espantoso, afinidade entre 2 ordem imperfeito/perfeito, o verbo estare o imperfeito, o verbo ner ¢ 0 pretérito perfeito © subitamente. 1 Afinidades entre tipos de modalidades... Encontraremos do mesmo modo afinidades no sintagma nominal, por exemplo, entre tipos de modalidades, classes de palavras ¢ funcdes sintaticas, o que recoloca em questio também os modelos paradigmaticos muito simples. Assim, sabemos que o sujeito gramatical tem mais possibilidade de ser animado, singular, definido, e o objeto gramatical, inanimado, paciente, indefinido, plural; uma seqiéncia como oamador comprou livros, € mais provavel do que a de Hvras encontraram 0 comprador. @ Naturalidade das relagdes Num dos sentidos da palavra, podemos dizer que sto estas afinidades que dao conta da ‘naturalidade" das relagdes, por exemplo, se comparamos 0 menino estd ao lado do obstdculo ¢ © obstdculo esta ao Jado do menino, 0 chaptu esta na mesa © a mesa esta sob 0 chapéu. Todas as probabilidades que colocam o problema de seu aspecto potencial universal por oposicao a especificidade das formas lingUisticas: a "regra" "alids, todas as coisas iguais, localiza-se num objeto menor e mével em relagio a um objeto maior e mais estivel", tem alguma coisa de universal? 1 Afinidade no nivel de género e do lugar nos textos A verdade € que podemos falar também de afinidades num nivel 4. Harald Wem, Le Temps, 1964, 1. Le Seu, 1973. ds elevado: aquele dos géneros € aquele lo lugar nos textos. Veremos Ailtimo capitulo que as criangas pequenas sabem contar hist6rias nplexas, mesmo se certos elementos gramaticais* néio so dominados. supée uma mistura de tipos de usos da linguagem: é 3© apresentar os personagens, descrever, qualificar, introduzir 0s reportados ou manifestar as intengdes ou sentimentos dos nagens... Todos estes "subgéneros' vao condicionar a utilizagio lingitisticas diversificadas. Por exemplo: 'é" ou "hd" apresentar, imperativos ou questOes para se relatar os discursos, introduzindo verbos regidos por que ou no infinitive (eu creio eu tenbo vontade de), quando se trata de relatar os "atos mentais € atitudes"... Em compensagio, se uma crianga reconta uma hist6ria em 08, limitando seu discurso a relatar agdes, os procedimentos i uma conseqiiéncia. Num dado momento da anilise, ¢, sobretudo, aindo se trata de estabelecer semelhangas ou diferencas entre as linguas, itével isolar unidades, encontrar suas regras de combinagdes ou incompatibilidades. Isto nao significa que o funcionamento da cada vez que apresentamos um enunciado como malformado, rum lado, deveriamos, antes, dizer "enunciados estranhos para os is € preciso fazer um esforco de interpreta", € nio "enunciados providos de sentido", porque absurdos. Hé algumas dezenas de anos, ybson mostrou que o enunciado apresentado como absurdo por omsky, sdélas verdes dormem furiosamente, era facilmente 1, para retomar certos exemplos que acabamos de dar, de tais regras iveis que podem ser violadas por raz6es heterogéneas. Por exemplo, LUNoUA, 2060s bE untcuacem € movivienTOSIscURSIOS lodalidades nominas, marces da co-eferénea, da Wentidade dos panieipantes,hieraruizagio lidades verbo soutsinasia soln wiAoW 3 ¥G9"NONN 30 s090F VnON localizar o obsticulo em relagao ao menino, € nao o inverso, pode se fazer por razdes de tematizagio, se é do menino que jé falamos. Ou enlo, por razdes do género discursivo ou de condigées referencias, se se trata de brinquedos, 0 que levanta a oposigio animado-inanimado. Vemos, pois, as dificuldades que existiriam para pretender precisar, com tais regras, ¢ fornecé-las por exemplo a um computador, para que ele no produza seno "enunciados naturais". Ja insistimos na diferenca entre o que a lingua permite fazer € © que se deve fazer com ela, Haveria em termos bergsonianos uma "ilusio retrospectiva de necessidade" de fazer, como se os possiveis da estivessem inscritos, desde sempre, "ern algum lugar", 2. QUAL ESTATUTO PARA OS ELEMENTOS GRAMATICAIS? © liame entre gramética € Iéxico é complexo. Poderfamos, talvez, dizer que, geralmente, é a gramética que atualiza o Téxico, faz passar do sentido potencial ao sentido atual e, na mesma casio, a 7ererEnCa, mas que, correspondentemente, € 6 Téxico e/ou a globalidade do texto_ _que nos 10 funciona "decodificador" gramatic Por exemplo, € o semantismo lexical, assim como aquele que € produzido pelo conjunto da mensagem, que faz interpretar a forma “presente” de ex como, como relagao com um indeterminado, um atual, um futuro, respectivamente em: ~ quando vocé esta contente? quando eu como. ~ eu nao posso vir, voce ve bem que eu como. ~ 0 que vocé faz esta noite: eu como com X. A mesma coisa para o sentido universal/genérico ou particular do artigo definido: "eu ignoro a verdade" v. "eu vou buscar @ pa", E é assim para todos os elementos gramaticats, 2 medida que eles sto polissémicos. Nao se trata, pois, de retirar toda realidade do que depende da gramatica/sintaxe, mas de lhe recusar 0 estatuto de regra estrita e @ autonomia em relagio as implicacdes lexicais. No quadro desta superestimagao da sintaxe, gostarfamos de lembrar a forte tendéncia em se dedicar a um objeto, no minimo ficticio: a frase, ow antes, um certo tipo de frase, préximo da forma do julgamento privilegiado pela l6gica aristotélica e pés-aristotélica. Antes de mais nada, subestimamos, assim, os enunciados como: oh!, wn cachorro, vejal, ordens, questoes, exclamagoes, respostas. E importante, aqui, reavaliar 08 enunciados compostos de uma tinica unidade ou de uma palavra € de um elemento gramatical em relagio & suposta forma candnica tema- opésito, ou como quisermos chamé-la. Quer se trate de interpelar, nomear, dizer "ha", so fungdes do discurso 9 importantes quanto o tradicional julgamento predicativo. Ao mesmo empo, os modelos predicativos tradicionais do tipo, Sécrates é imortal u Pedro vence Paulo, separam a frase de seu contexto enunciativo, sem. al ela no seria, de fato, enunciada, Sabemos que nao se diz Pedro e Paulo, mas, antes, alguma coisa como eh bem!, vocé sabe, Pedro, Jo 0 venceu, Nao se trata, aqui, somente de retomar as formas nao- \Onicas de discurso, mas de ver que os apelos, as tematizacoes, etc zem parte da colocacao em palavras. Do mesmo modo, na escrita, 10 Se as formas nao sao as mesmas, o que é completo, nao é Pedro ince Paulo, mas alguma coisa como: eu encontret Paulo, ele tinha oar jado, Pedro o tinba vencido: um conjunto que comporta uma certa stificaclo enunciativa fornece as razdes de sua propria enunciaco. Vemos, pois, aqui, se combinarem as afinidades léxico-gramaticais, juelas que fazem com que ew encontrei Paulo seja mais "normal" do eu encontro Paulo ¢ a indicacao das relagdes pelas implicagées dos punciados que se sucedem. Antes de mais nada, os encadeamentos ais, vocé me irrita, voc® néio ouve nada, o tempo esta bom, eu saio. is também os casos em que o encadeamento € menos banal. ente, € mais provavel ter um organizador sintitico, quando os inciados nao sto coorientados: 0 fempo estd bom, eu saio, 0 tempo 4 feto, mas eu saio, apesar de tudo. Mas os elementos que relacionam s dois enunciados, nao ligados por seus implicites, pociem ser também. zacio formal. A existéncia de questdes, por exemplo, que nao ontém nem a pintura nem os algoritmos légicos, a possibilidade infinita modulagdes ou de pardfrases. * A segunda observagio 6 a existéncia de procedimentos gnificativos de habitos njo levados em conta nas sintaxes: os jos vocais que mimetizam © outro no discurso reportado ou toda a iniza¢ao grafica da pagina, ao escrito. _Antecipando sobre a andlise semantica, observaremos, enfim, que a entralizacao na sintaxe e a identificacao de tipos de enunciados alteram realidade. Certamente, encontramos muitos enunciados do tipo x fem LINGUA, 20605 DE LMOUACEM E MOMMENTOS DISCURSIYOS % x faz y, E y. Mas, se nos perguntarmos se muitas significagdes podem ser reconduzidas a estes esquemas ou a esquemas também gerais (rdizy, x pensa y), a resposta pode ser dupla: sim, se quisermos, podemos Classificar os enunciados assim e, portanto, fazer categorias dominantes do sentido. Mas, a questo colocar-se-4, ento, em saber se as semelhancas entre as diferencas predicativas, por exemplo em "tem" ou em *6" tm, entre elas, mais semelhancas ou diferencas. O efeito comico das coordenagdes (ele tem uma mulher e pulgas), se queremos a diversidade dos tipos de sentido dos grandes verbos categoriais, como fem ou é' tudo isto torna estes modelos candnicos bem longe da realidade efetiva. Ainda uma vez, nao se trata de negar que haja alguma coisa que se possa chamar sintaxe. Seria preciso dizer, de preferéncia, que aunidade da sintaxe como conjunto de regras € um efeito de longe ligado a uma vontade mal colocada de rigor formal. E, neste dominio, é 2 reflexdo sobre a aquisicao que explica, sem diivida, 0 estado "tardio" ou “adulto” da lingua, restituindo sentido a sintaxe e colocando-a em suas condigdes lexicais e dialégicas de aparigao. Mas, lembrando também_ que a sintaxe nao é prépria da linguagem. Isto no_sentido no qual podemos observar com Bruner?, que a idéia de regras gerais de combinagio caracteriza 0 conjunto da atividade humana. Fazenios also, aqui, na parte consagrada ao jogo e & precocidlade, Retornaremos de um “out “humanotem, inicialmente, a capacidade de os esquemas a diferentes objetos, € dé aplicar'ao mesmo to diferentes esquemas. Podemos passar um pente nos cabelos, assim ‘como qualquer outro objeto em forma de pente. Podemos também Scovar os dentes ou sica com ia peri. nfm, ado Ta Somere— ‘combinat6ria, Por outro lado, aagio comporta a capacicade de inteégrar SubsTolinas a conjuntos mais vases. Aqui, também, esta capacidade de integracto € particularmente desenvolvida na lingua, & medida que els comporta uma maior liberdade combinatéria do que a acao de obedecer mais estritar “principio de realidade’. Mas, independentemente dos pontos que acabamos de desenvolver: anterioridade das implicagdes lexicais sobre as relagdes propriamente sintaticas, importancia das afinidades, das relacdes interenunciadas sem marca, gostarfamos de lembrar que muitas "regras" da gramitica sio restrigdes & combinatéria que nao contribuem diretamente & 1. Sem contar sa modifcagio por um outro temo que muda radicalmente seu sentido; fem quase ou écomo, 2 Jere Bat, "Lontogenése des actes de langage’, in Le développement de ayant avo faire ‘sivotr die, PLE, 1985, sonisinosia solNaMIOW HRO¥NONN 30 5090F “voON so do sentido', mas, nfo respeitar estas pressdes, no impede a linguagem de funcionar. E, inversamente, um grande nimero procedimentos de construgao do sentido no discurso, e, mais -cisamente, no diélogo oral, sio movimentos bem distanciados da plicacto de regras sintaticas. Assim, toda a reformulagao progressiva seu proprio discurso, ou todas as retomtadas, todas as modificagoes jo discurso do outro, podem se fazer sem instrumentos sintéticos plicitos. Propomos que, se tais movimentos sto possiveis, é que o discurso io tem seu sentido nele mesmo, mas se remete a um horizonte 2 Horizonte discursivo e implicito alar de horizonte discursive é falar de tudo o que esté em torno do discurso, necessirio A sua significago, ¢ que constitui, assim, um conjunto aberto por oposicao aquilo que esta "na mensagem" propria. F claro, esta relacio entre a mensagem e sua situaglo de enunciagio é encontrada também, 10 caso de toda outra espécie de signo. ISERVACOES, ‘Duas observacdes: este "horizonte de sentido" pode ser ele mesmo hado ou, ao contrario, ser o elemento central da tensio entre participantes de um didlogo. Por outro lado, hé uma ambigitidade da nog&o do contexto que fica, as veves, o que cerca Yobjetivamente" um discurso, quer sejam as ondigoes materiais ou as caracteristicas do mundo, que permanecem, estiveis, quer falemos ou nos calemos. E, depois, inversumente, €0 proprio ‘que indica explicitamente, ou no, o que é preciso, ouo que evar em conta no "entourage" real ou abstrato. LINGUA, 10605 DE LINGUAGEM € MOMMENTOS BISCURSWOS 8 sontsinasia soussamiAoW 3 WGOWNONN 4a 8090F WnORN § O implicito como horizonte Para evitar confusdes, distinguimos o implicito como o horizonte de que falamos aqui, o que implica lexicalmente uma palavra ou uma frase: tomando um exemplo conhecido, quando dizemos Pedro parou de fumar, isto indica, ao mesmo tempo, que ele furnava antes € que ele parou de fumar, Certamente, a particularidade segundo a qual a posigao de "ele fumava antes", nao dita explicitamente, € colocada tanto pela assercao Pedro parou de fumar quanto pela negacio Pedro ndo parou de fumar. A-verdade é que se trata de significagdes produzidas pela mensagem e nao por aquilo que procurames cercar sob o nome de implicito ou horizonte. Tentamos distinguir trés aspectos deste implicito: * 0 implicito como um dado suposto comum estivel; * 0 implicito como saber local, normalmente nao-atualizado; * 0 implicito como pressuposicto reciproca de tipos de enunciados diferentes. Cada um destes niveis é constitutive da diferenga entre o que é dito € © que € necessirio para compreender o que € dito. Todos os trés comportam tragos comuns: a) Ha impossibilidade de dizer tudo, o que justifica que uma andlise em termos de colocago em palavras ("hmise en mois") apareca como mais adequada do que uma anilise em termos de significado. Quando dizemos alguma coisa, a significagao deste dizer se estabelece pela relacao entre o dito € 0 nao-dito b) A diversidade dos sujeitos, em particular sua diversidade segundo © estatuto social, manifesta-se mais por sua articulacio diferente entre o dito c o nao-dito do que pelas estruturas As quais eles recorrem. Em particular, cada_grupo homogéneo caracteriza-se_por certas eae expectativa, ¢ 0 discurso daquélé que nao pertence-ao- Cepcionard estas expectativas, seja.como discurso inadequado, ‘Seja, ao contririo, como surpresa feliz. Vemos, aqui, que um discurso ino se manifesta primeiramente como rerdadeiro ou falso, mas como esperado, chocante, etc. €) Se este nio-dito € 0 ponto essencial do sentido, entao, isto faz. com que estejamos sempre em situacao de interpretag3o ¢ que, correspondentemente, o mal-entendido seja sempre possivel. Mesmo ‘se a compreensio literal possa ser idéntica, nao € possivel nao enfatizar diferentemente a interpretagio, comparando o que entendemos em outros discursos reais ou possivels, ou quando nos perguntamos: Por que ele diz isto? d) E sem diivida preferivel, aqui, distinguir um implicito homogéneo 1m implicito heterogéneo. O primeiro é aquele que se manifesta dois primeiros casos que isolamos. Com efeito, € sempre possivel pasar do implicito ao totalmente explicito, mas substituir um dado © por um outro discurso homdlogo mais explicit. Podemos jr uma palavra menos conhecida por uma outra mais conhecida, im sintagma, por uma frase. & claro, modificamos também a cago, mas permanecemos no mesmo tipo de discurso.. contrario, falaremos, no iiltimo caso, de implicito heterogéneo, do a significacto de um discurso for esclarecida por um outro tipo surso, por exemplo, uma orcem remetendo a uma constatacao inte nao dita: feche a porta A porta aberta ou 2 faz frio. A Ancia pode originar-se da possibilidade de responder & ordem resposta que diz respeito ao estado de fato que normalmente i ‘Mas ela ja esta fechada. Retornaremos rapidamente trés aspectos do implicito. |. © IMPLicITO COMO DADO COMUM ESTAVEL Poderiamos dizer, talvez, que € tudo o que faltaria a anjos ou a anos, munidos de uma (muito boa) gramatica ¢ de um (muito 1) diciondrio, para participarem de alguma conversa entre humanos, walquer que fosse. “Poderiames falar, aqui, de toda a codificagao pré-lingtiistica da riéncia que torna possivel a percepeao como significante. Por xemplo, a possibilidade de isolar um mesmo objeto sob diferentes sparéncias. Ou a capacidade que tem a crianga de isolar precocemente Iguma coisa como uma familia dos animados, como mais ou menos capazes de movimentos espontineos, de iniciativa, a quem podemos atribuir pensamento ou dor: pais, outros humanos, espiritos, bonecas, misticos, coletivos, etc. Vemos neste exemplo como se trata de um enjunto com limites imprecisos, mas, sobretudo, que esta imprecisto no tem de ser pensada como falta lamentavel de rigor, mas, ao contrario, omo condigio de aparigio de significagdes nao programadas. Implicito ¢ loucura Podemos, talvez, esclarecer @ contrario a natureza deste implicito, supondo que é ele que esta perturbado na “loucura”. Se a "loucura” nos nquieta, nao 6 sendio além de tal ou tal extravagdncia lingifstica, sentimos _que os limites comuns do familiar e clo estranho, do interior e do exterior, "do esperado € do inesperado, do humano e do nao-humano sio mais ou menos subvertidos. E preciso notar que € dificil colocar com certeza um tal implicito, porque estes elementos supostos comuns nao sao jamais 105 LinoUA, 10605 DE UNOUAGEM E MOVIMEHTOS BISCURSIYOS sousan2si0 SOLNaMIAOH 3 WHOWNONNT 3a 50906 YON apresentados em si mesmos isoladamente, Certamente, este mundo ‘comum é a base a partir da qual compreendemos os discursos estranhos. Mas, da mesma maneira que nao estamos na linguagem sendo através de uma lingua ou da comparagio de varias linguas, cla mesma maneira, ‘0 mundo comum nao é dado senao a partir de experiéncias particulares. Acrescentando que a experiéncia do estranho ¢ do excepeional faz parte da vida de cada um de nés, e que pretender fazer do louco o outro absoluto nao comesponde a esta continuidade da experiéncia banal ¢ extraordinaria, quer se trate da experéneia banal-extraordinsria do sonho ou de nossa capacidade de viver pela imaginacao das experiéncias que nao sio, na verdade, as nossas. Observaremos, pelo contririo, que, ‘na maior parte dos casos, a experiéncia pritica do "louco" o faz. viver no mesmo mundo que n6s. E poderiamos propor que, enquanto nao teorizamos, vivemos num mundo comum. Mas justapor os discursos te6ricos, uns aos outros, rompe a imagem de um mundo comum. Dito isto, é evidente que, mais que o animal, o homem conhece a divisto do trabalho, modos de ser € correspondentemente modos de falar. O que conduz a levar em conta os implicitos especificos. 2. 0 impticito, SABER LOCAL NORMALMENTE NAO ATUALIZADO (© segundo tipo de implicito € aquele que € representado pelos saberes especificos, subjacentes 2 divisto dos conhecimentos € dos grupos. Quando dizemos "saberes", seria talvez preferivel dizer "pré- construido": 9 que nao temos, num dado momento, para justificar, & Sbvio, mas que pode, € claro, tornar-se o duvidoso ou 0 recusado do periodo seguinte, Falar de crenga no sentido explicito seria também um equivoco: assim como no nivel anterior ndo precisamos afirmar, dizer explicitamente que acreditamos que 0 mundo existe, da mesma maneira nao precisamos de uma crenca explicita que remeta por exemplo ao conjunto das técnicas que manipulamos, Tais pré-construidos espectficos penetram nosso mundo cotidiano ido. Retomando um exemplo trivial, percebemos, de um certo modo, © Sol como maior que a Terra, temos em nossa percepgio © saber segundo o qual, se 0 vemos como o vemos, & porque ele est muito longe, Ou, tomando um exemplo mais simples, perceber igrejas e, eventualmente, igrejas romanas, ou perceber prefeituras, ou "liberdade, igualdade, fraternidade" escrito numa igreja, é perceber um horizonte de saberes transmitidos, de discursos possiveis. Todos estes horizontes como conseqtiéncia que € inteiramente impossfvel descrever uma ira experiéncia perceptiva, um puro mundo vivido. Nao o fazemos, liltimo caso, sentio por uma fic¢ao. Tomando este problema por um. itro extremo, diremos que é inteiramente dificil distinguir o que é ismitido pela lingua e o que € transmitido através da lingua. Mais jue os sistemas de nomeagio, os aspectos ou os tempos, o que nos orma € muito mais os géneros de discurso, as narrativas, as formas discursivas que nos dizem o que € para fazer ou nao, 0 profano € 0 A conseqtiéncia pratica é que isto nao esti tanto do lado da lingua no ntido estrito, palavras e estruturas em que € preciso procurar as liferencas entre os grupos, mas do lado desses saberes "pré-construfdos", seguramente isto que faz a diferenca dos grupos sociais, é também o ue faz a diferenca dos adultos € das criangas. Mas é, sem davida, em vo, que procuramos representar em n6s a percepcio "natural" da crianga, diante das realidades sobrecarregadas culturalmente que vivemos, quer trate da igreja ou da escola, ou mesmo do oceano ou da montanha. Mas sabemos que nao chegamos jamais a reconstituir realmente esta lidade fora da aculturacao. ‘Chegamos somente a reconhecer que esta aculturagio lenta: por exemplo, o tempo da crianca € um tempo "fora da cronologia', onde manh@ nao & uma palavra facil para compreender e usar. Tomando um exemplo muito diferente, é surpreendente que as eriancas pequenas tenham muita dificuldade para compreender as sio compreensiveis em funglo de uma lingtiistica das estruturas, mas de horizonte, Tomando um exemplo entre mil: "Era uma vez um ditador muito sangiiinario que tinha decidido rminar todos os jucleus e todos os cabeleireiros.. "Por que 0s cabeleireiros” £, naturalmente, aquele que coloca esta questio age como "racista", enquanto fizer parte do saber social que combinar neste contexto judeus e cabeleireiras coloca um problema, nao simplesmente por no se tratar lo mesmo tipo de palavra, mas porque temos como pano de fundo os ampos dla morte também o saber negativo segundo o qual, em nosso conhecimento, nao houve jamais persegui¢ao aos cabeleireiros; ¢ que les nao constituem um grupo odioso como o sto para alguns os judeus, “classes perigosas", para outros os "aproveitadores", para outros... E fard parte do mesmo tipo de implicito, "como pano de fundo", nao iferente que a maior parte das hist6rias, das quais Freud fala em Ze Mot d'espritetses rapports avec linconscient, sejam hist6rias de "pobres judeus"; nao basta o puro mecanismo formal para explicar no enunciado LINGUA, JOGOS DE UNGUAGE E MOVIMENTOS DIscUREIVOS Sigmund Patu, Le Mot despite rapports avec Hnconscient, 905, tf. Gallimard, 1930, 10; s sonisano3ia soinaninow 3 naovnoNn 30 S90 van recolocado de Henri Heine, quando‘ pobre dono da tabacaria-calista Hirsch Hyacinthe (tendo os dois nomes, as mesmas iniciais...) nos diz que ele conhece muito bem o bario de Rothschild, que o trata amavelmente, de modo completamente familiar € miliondrio, Nao poclemos eliminar a perspectiva de sentido de Heine, de Freud lendo Heine, de Heine nos lendo Freud, no prazer que a hist6rla proporciona,.. ‘Do jo que passamos aqui continuamente do lingtifstico a0 cultural, : nde dos Passamos do mes: aspecto da sexualidade, faz parte também dos implictos locais da linguagem. Avverdade que, seguindo aqui Freud, 0 prazer ou o embarago que Podem provocar em nés as *palavras de criangas" depende de uma outta distribuictio dos tabus, portanto, do fato que a troca de linguagem comporta tanto um pélo de diferenga quanto de comunidade. Parece-nos que isto nos conduz ao terceiro aspecto que procuramos isolar: 3. A pressuposi¢Ao RECiPROCA DE TIPOS DE ENUNCIADOS DIFERENTES © que recobre esta formulagao estranha? Nés sabemos que, com uma dose nao nula de simplificacao, podemos distinguir enunciados de tipo constatativo ¢ enunciados de tipo performativo: 0 tipo hale o tipo faga! & dicotomia € discutivel, ela permanece importante como caracterizagao da linguagem humana, visto que na linguagem animal Parece que nio ha enunciados puramente factuais e, ainda menos, constatacdes do tipo negative ou genérico “nao hd ninguém" ou "as criangas so gentis" Nao podemos, entao, propor que, para cada enunciado, dependendo de um tipo, haja condigdes de felicidade num implicito de outro tipo? Suponhamos alguém a quem se diga: obi, 0 belo x. € que nao volte o olhar na diregao implicada: havera de fato uma transgressio da ordem ou do conselho implicitos. Da mesma maneira, a ordem supde (o que pode também ser implicito ou ser dito) que o estado das coisas se presta a isso. Retomando um outro exemplo trivial, {feche a portal supde que haja uma porta e que ela esteja aberta. Mas, emt seguida, aparecem muitas outras condigdes factuais de felicidade: que aquele a quem eu digo isto possa faz#-lo, que eu esteja em situacho de Ihe dar ordens, que haja uma razo para fazer isto, ou melhor, de mandar fazer isto. Vernos que cada um desses elementos faz parte do implicito heterogéneo do enunciado. Enunciados de tipos diferentes podem parecer que explicitam, ou, a0 contririo, que recolocam em questic significagdes pressupostas. Poderfamos imaginar um sistema de ficagdes fortemente codificadas em que, no enunciado feche a porta, rlocutor nao poderia reagir sendo pela reagto adequada. Em todo #0, os homens podem se recusar a explicitar 0 pressuposto, dizendo -qué? ou a um outro pressuposte dizendo Porque ndo vocé? ou a um erceiro: Vocé acha que faz frio? ow ainda Nao se tem nada a esconder. O onto importante aqui é que enunciados de tipo, que diferem ou nao jomam_ os elementos lexicais que acabam de ser ditos, tém todavia inidade" e encadeiam-se normalmente. ‘Mas tais relagdes nilo se encontram somente entre ordens e enunciados tuais potencialmente ligados: poderfamos dar urn outro exemplo: aquele dos enunciados gerais. espantoso entrar numa pega dizendo odos as homens sdo mortais ou dois e dots so quatro. Ao paso que nko nada de espantoso em comegar uma entrevista por eu tenbo fome ou reencontrei M. X. Seri que podemos generalizar dizendo que os uunciados se remetem definitivamente a enunciados particulares? E, sm divida, muito geral. Diremos alguma coisa com: Nestas possibtidades de de_encaceamento, poder jorta quem "tem o direito dé Continuidade e movimentos smovimentos de que falamos aqui no dependem de uma espécie de sintaxe estendida aos limites do texto: trata-se, antes, em primeiro lugar, do que faz com que um texto funcione ou nao; da 0 recurso ao termo de felicidade. FELICIDADE E IRRUPCAO Certamente, em alguns casos, "felicidade” se remete quase a "cumprir LiNoUA, 10005 De UNGUAGEM E MOMMENTOS OISCURSIVOS. Sonlsun9610 SOLN3HKOM 3 HBOHNONN 3a 50908 ‘NONI 08 atos que admitimos realizar"; portanto, a alguma coisa como cumprir 98 atos social mente previstos: decorar, batizar um barco, declarar aberta a sessao..., distinguindo o que € esperado de todo locutor € 0 que depende de um papel especifico. Falaremos, ao contririo, de inrupeao, para designar 0 conjunto do que faz sentido & medida que ele nao é pré-programado. A brincadeira € um exemplo, mas também todos os deslocamentos associativos em relagao aquilo que acaba de ser dito ou, em todo caso, por que nao, 0 romance policial ou 0 conto que nito obedecem pura e simplesmente a "leis do género" © Oliame como jogo ‘Vemos o liame que isto apresenta com o tema de jogo: os trés sentidos de "jogo" - ludus, ter jogo, jogo de linguagem - tem pelo menos um elemento em comum: que aquilo que se passa nao seja considerado unicamente em relacao ao que devia acontecer, em conformidade com as regras. Dito isto, reconheceremos com prazer que ha "condigoes de felicidade” da imupcao. Assim, no plano dos signos, resta "uma certa relacdo" entre o que acaba de ser dito € o que segue. No plano social, o grau de conivéncia que permite aceitar a irupgao do discurso do outro, © novo, para que ele nao faa escindalo. no logo Certamente podemos chamar de didlogo a troca pritica daquele que vem 2 estacto ferrovidria perguntar ao empregado se haverd um trem 3 noite. Admitiremos também que isto nao é muito dialégico: nao havera didlogo no sentido forte a nao ser quando acontece alguma coisa, se o diélogo nao faz senio satisfazer uma expectativa de informacao. Em particular, no didlogo consigo, parece-nos que o proprio "sujeito" deve poder se surpreender. Com efeito, supde-se que ele é capaz de colocar junto o que "no real" nao estava destinado a estar junto. Deste ponto de vista, evidentemente, nem toda irrupgio faz sentido, mas aquela que nos manifesta um outro aspecto do real, em particular que o mostra de um outro modo, se pretendemos substitui-lo num outro mundo. Sera entao "verdade", nao o que esta de acordo com o real, mas antes © que ‘nos mostra urn aspecto do real que nao podiames ver. 2. CoMUNIDADE E DESLOCAMENTOS Muitos termos diferentes sio utilizados para codificar estes campos. Optamos por recorrer ao termo Comunidade (entre interlocutores) para designar a partilha de referéncias, de significagoes. Optamos, de preferéncia, pelo termo coeréneia, mais "logico", e que nao leva em conta a conivéncia, o implicito, o fato de que seria ingeénuo acreditar ie um texto € coerente em si mesmo ¢ no, antes, pela partilha de guns implicitos entre os locutores. Conservaremos coeréncia para aquilo que, da comunidade, diz respeito A possibilidade de unificar a so de um texto €/ou o objeto que ele mostra. Quanto & coesao, omames a palavra no sentido especifico de "inteligibilidade do liame s partes de um texto, enquanto ela é indicada gramaticalmente”. E evidente que nao pedimos somente a um texto, didlogo, narrativa, Monstracao ou a outros, que seus elementos estejam numa relagao inteligivel. Ele pode ou deve comportar um certo nimero de ‘ou de deslocamentos. Alguns desses movimentos ou locamentos sto eles mesmos codificados ou esperados. Assim, aquele Jue consti, eu enconireé alguém, pressupde uma seqiiéncia heterogénea, alificando o alguém ou dizendo 0 que ele fez. de notavel. Utilizamos s acima irrupgao, que qualifica mais o efeito produzido em relagao "deslocamento", mais neutro. Chamaremos "ruptura" a um slocamento do qual nao percebemos 0 que o liga ao que precede. eremos que os textos podem se caracterizar por um grau mais ou menos clevado de coeréncia ou deslocamentos tematicos. Enfim, liscurso, em particular de géneros ¢ mundos, de que trataremos mais Dois pontos gerais para comecar. Em fungao da importincia dos implicitos partilhados e das expectativas reais © supostas dos interlocutores, em fungao também dos temas abordados, a parte na comunidade da conivéncia implicita e da neia explicita vai variar. Alguns exemplos: nos didlogos adulto-crianga, a comunidade se nstr6i geralmente na base de implicitos partilhados e nao de coeréncia cada, Inversamente, a exigéncia normativa escolar pode se transforma sobrenorma, se ela faz da presenga da coesto gramatical o trumento necessirio ¢ suficiente da coeréncia, ou ainda mais, da wunidade. Sabemos que, quando falamos a nés mesmos, uma grande das marcas explicitas de liame nao € mais necessétia... Por outro lado, é na prépria medida em que coesio e coeréncia tem ilo sistematicamente privilegiadas na andlise dos textos que gostariamos a0 conitrio de insistir, sobretudo, na capacidade de fazer movimentos iscursivos, de reaproximar o que habitualmente nao vai junto, de mudar Ponto de vista como aspecto fundamental do espago discursivo. E porque muitos fatores diferentes, explicitos e, sobretudo, implicitos, Permitem assegurar a continuidade do texto, que pode haver locamento sem ruptura da inteligibilidade. LINGUA, 20605 DE LINGUAGEM E MOMMENTOS DISCURSWVOS. Snisyn9510 SOLNaHIKON 3 WBOYAON 30 5000F NONI 3. ALGUNS ASPECTOS DA COESAO GRAMATICAL Os trés aspectos mais freqiientemente levados em conta sao: - a co-referéncia nos sistemas nominais; ~ os marcadores verbais de sucessio, de contemporaneidade ou de antilinearidade; - os marcadores globais de liames interfrasticos. Nao faremos senao algumas observagdes sobre estes pontos, no encarando tanto 0s procedimentos gramaticais em si mesmos, mas em seus liames com as implicagdes lexicais. No que diz respeito A capacidade de marcar a co-referéncia forte Creferéncia ao mesmo ser) pocemos constatar a precocidace com a qual as crlancas aprendem rapidamente o uso anafrico do pronome: Havia um garoto. Ele... Em compensacio, veremos na parte consagrada & narrativa que a retomada numa fungio sintética diferente é muito mais dificil e que a indicacao dos participantes se torna completamente dit quando ha varios participantes que podem ser pronominalizados.. Sobretudo, passamos de modo continuo da co-referéncia estrita retomada visando uma mesma realidade sem mudanca de nome, as modificagdes diversas: - co-referéncia com mudanga de denominagio: Ext vi meu filbo ontem... Este Pedro & realmente. - retomada lexical ou léxico-gramatical sem co-referéncia: Meu filbo é muito ajuizado. Omeu nao. Um outro tipo de deslocamento codificado € do tipo metonimico. Depois de ter falado da gentileza de seu filho, podemos falar de seu trabalho. E, notaremos que a indicagao da co-referéncia pode ser mais ou menos explicit: Meu filbo é muito gentil. Na classe, ele trabalba bem. Meu filbo é muito gentil. Na classe, tudo bem. Um outro modo de comunidade-teslocamento vai ser aretomada "associativa’ de um termo que pertence ao mesmo campo; por exemplo: ~ a casa; - a escola; - de manba; - anoite... Aqui, os liames sio, por assim dizer, precodificados, mas a identidade de forma sintética, assim como a dependéncia de um mesmo dominio \dicagao do tempo) podem ser acompanhadas de uma mudanga de de discurso: esta manba, eu tenho (narrativa); eu, todos os alias (codificagao genérica). BSERVACOES SOBRE AS MODALIDADES VERBAIS No que diz respeito as modalidades verbais, apenas algumas vacdes. O caso mais freqiiente €, sem diivida, aquele em que ha jidade entre gramética e implicagdes lexicais: - seja, por exemplo, quanto a indicacio de uma sucesso: ele entrou, ele se instalou, ele pediu sua refeicao, + seja, a0 contririo, de uma relagio figura/fundo: ele passeava [de repentel ele viu. -seja também numa relagao acontecimento/conclusio: ele Cait, comecou a sangrar. - seja de relagdes de antilinearidade: ele cait, ele tinba se machucado, ‘Mas, uma outra possibilidade é que, mesmo que elas se tornem dificeis interpretar, as relagoes estiveis gramaticalmente marcadas permitirao, construir relacdes lexicalmente improvaveis: ele entrou na sala de aula cheia, despiu-se e partiu sem dizer uma laura. Os marcadores sintaticos Jé dissemos mais acima algumas palavras da coesio sintaticamente arcadia ou nao. Dizemos somente que os marcadores sintaticos permitem arcar, como acabamos de ver, no caso dos tempos verbais, um certo yu de comunidade antiprobabilista. ‘Uma vez mais, em, ew ndo tenbo nada para fazer, eu me aborreco, um instrumento sintético é necessirio. Em compensagio, em a € maravilbosa, mas, apesar de tudo, eu me aborreco, a presenga de tas, de apesar de tudo ow dos dois é mais "Gtil". Ainda aqui também um o-termo lexical pode introduzir a coeréncia sem coestio gramatical: ‘vida é maravilbosa. X nao esta ld. Eu nao me aborreco. Nio se trata, portanto, de nao levar em consideraglo as marcas imaticais, mas de recolocar sua fungdo no desenvolvimento do texto de levar em conta sua afinidade mais ou menos grande com as licagdes lexicais. LINGUA, 10005 BE LNGLAGEM E MovIMENTOS DIsCURSIVOS sonisunosia SOLNHMAON 3 NIOWNONT 36 5090F YroHN 4. MARCAS LOCAIS E SIGNOS PERMANENTES Weinrich! introduziu a nogao de relages figura-fundo entre verbos que se sucedem. Da mesma maneira, foi ele quem modificou a imagem que podemos fazer da gramitica, desenvolvendo a nogao de signos permanentes. Ele entencle por isso 0 fato muito geral que, se um signo esté forgosamente localizado em um ponto da frase, seu valor se exerce ainda por um certo tempo, até que alguma coisa nao venha indicar que seja preciso suspendé-lo, EXEMPLO Se introduzimos um aniincio: "f a hist6ria de Michel..." © se continuamos: "Havia uma vez um senhor vildio que era um ogro. Ele se chamava Pedro...", podemos dizer que existe ai uma forma de subordinagao textual independente de toda subordinagio sintatica. Isto 6,0 primeiro personagem anunciado fiz do segundo um ser "textualmente subordinado", cujas acées sero dle algum modo forgosamente remetidas Aquelas de quem dissemos que ‘amos falar. QUTRO EXEMPLO eee Se um texto comega por"Uma bela manha...", este signo transpord os limites das frases, até que um outro signo, permanente ou nao, venha fazer com que o primeiro nao valha mais. Pode tratar-se de um signo da mesma ordem que ele, Aqui, uma outra marca temporal, Quando a notte chegou... Mas, sem divida, de modo mais geral, € a mudanga de género de discurso que pode interromper o valor do signo permanente. Por exemplo, em toda narrativa, a aparigao de um discurso reportado fard com que o que é dito nao esteja no mesmo tempo do que o que € dominado pelo signo permanente, que marca o encontro dos personagens que se falam: Um dia, eu encontrei Pedro. Ele me disse "eu conheco alguém que pode Ihe ajudar..". © fato de dizer esti no mesmo tempo que © do encontro, nao o do conhecimento. Ser da mesma maneira, quando passamos da enunciagio de um acontecimento particular a uma assergao de ordem geral. Assim, quando o valor permanente de uma bela manba... é interrompido pelo salto em tais dias sio muito raros. Estas observacoes sobre o signo permanente nos parecer indicar dois aspectos da organizagio do discurso. Por um lado, os signos nao ‘operam unicamente no interior das frases em que se situam. Por outro lado, os géneros de discurso dominam de algum modo as 1. He, Were, Ze fomps, 1964, Le Seul, 1971 sintiticas dos enunciados. ‘Mas, além da importancia desses signos permanentes, da mesma ineira como dissemos anteriormente que o discurso das criangas se anizava primeiramente em torno das implicacdes lexicais, podemos dizer que, geralmente, a permanéncia ou o deslocamento temiticos se poem como condi¢ao primeira do funcionamento textual. CoNTINUIDADE E DESLOCAMENTOS TEMATICOS Fator de comunidade Parece-nos que é a continuidade tematica que faz com que enunciados continuidade sintética marcada "vao juntos" sem problema: no estilo jedade". A atmosfera estava quente, Comecaram a chover tapas. Mas, 20 mesmo tempo, os campos tematicos so por natureza juntos abertos', podemos, sem dificuldade, introduvzir as formigas © papel maché numa discussio sobre gastronomia, ou nao importa o Conhecemos o termo a propésito para aproximar nao importa o qué importa o qué: 0 deslocamento tematico € um dos mais banais, ele € ‘Vemos, aqui, em qué é preciso distinguir a relacio estrita: escolha. do tema enquanto objeto sobre o qual dizemos alguma coisa, ¢ 0 yajunto mais indeterminado do campo no qual falamos, mas nao ‘qual falamos. Falar da guerra nao implica nem que "guerra" seja 0 fema gramaticalmente marcado de cada frase, nem que as frases sejam yarcadas de modo homogéneo, tendo cada uma por tema um aspecto guerra: destruigdes, ferimentos, morte, terror, etc. E, muitas vezes, no ior desta unidade, no sintaticamente marcada do campo, que vai stalar um sistema de movimentos, justamente inteligiveis Porque sao movimentos num campo. ‘A oposi¢io PARALELA=COMPLEMENTAR Foi Bateson quem introduziu estes dois tipos de relagho para descrever condutas humanas em geral e nao principalmente o encadeamento dos enunciados. Se alguém faz alguma coisa - sorrir, oferecer dinheiro - © outro pode fazer a mesma coisa ou um ato paralelo, por exemplo sorrir ainda mais, oferecer ainda mais dinheiro. Ele pode, 20 contriirio, “1. Salvo 0s campos téenlcos. LINGUA, 30608 bE UNGUAGEM E MOMMENTOS OISCURSWOS SonIsun9s10 SOLNAHIKON 3 WHOW NON 30 50D0F vnONN responder por uma conduta diferente: 0 sorriso pode provocar um cumprimento, a oferta de dinheiro uma aceitagio. Muitos encadeamentos de discurso se deixam descrever segundo estes dois modos. Assim, muitos sujeitos estarao em situagao de construir enunciados paralelos aqueles de seu interlocutor, seja sob forma de repetig2o estrita, seja sob forma de enunciados em série: eu fe amo eu gosto de rir euteamo "eu gosto de chorar Enquanto que, em outros casos, os enunciados serao complementares, do tipo questao-resposta ou enunciado-acréscimo. Notamos que estas duas caracteristicas so mais gerais do que a distingao sintatica entre coordenagio € subordinaga0. Dois enunciados podem ser paralelos sem que haja um indicador de coordenagao. Eles podem ser complementares, assim como na relagaio enunciado-acréscimo, sem que uma marca sintética venha indicé-la. Notamos também que esta dicotomia é muito geral e que ela nao basta para caracterizar 0 sentido produzido pelos encadeamentos por ‘oposigao Aquele do enunciado isolado. Assim, enunciados paralelos podem ser repetico estrita, com todo o problema colocado do sentido produzido por esta repeticaio. Eles podem corresponder & atualizaciio de uma série précodificada: eu gosto de "croissants" ‘eu gosto de "brioche" ‘ou comportar os deslocamentos ligados & dependéncia dos termos. * em conjuntes diferentes: eu gosto de criancas eu gosto de ervithas. Mas é necessirio sobretudo precisar que, caracterizar os ‘encadeamentos por estas duas tinicas modalidades, faz perder um aspecto fundamental da linguagem: os encadeamentos metadiscursivos. 7. Os ENCADEAMENTOS METADISCURSIVOS Por oposicao a condutas relativamente codtificadas, como aquelas de definicao, constatamos que 0 encadeamento, que constitui também um comentério do que 0 outro ou eu mesmo acabo de dizer, toma um grande ntimero de formas diferentes, Assim, podemos escandir uma troca de tipo paralelo ou complementar por uma marca que indique a relacao dos dois enunciados, em: eu teamo que voce quer? ‘mas eu te detesto Ot eu te responderei que eu nao sei, mas eu © te responderei constituem tais indicadores. Falamos mais acima da repetic&io, Podemos dizer que repetir o enunciado de outrem significa, geralmente, alguma coisa como "voce realmente disse isto?" ou Yo que € que isto quer dizer?" Parece-nos que esta nogio de metalinguagem implicita é ndamental. Assim, geralmente, um enunciado indica, por seu tinico conteiido, se ele € sério ou para fazer rir. S6 0 fato de responder a alguém indica que aceitamos Ihe responder. E, inversamente, nao é preciso metadiscurso explicito para significar iscordincia com 0 que o outro acaba de dizer. 8. Nora SOBRE SIMETRIA, COMPLEMENTARIDADE, (METALINGUAGEM E TUTELA Retornaremos ao capitulo IV sobre a diversidade clas relagdes dial6gicas, adulto-crianca e, em particular, sobre a relagio de tutela em que o adulto ea crianca fazem, a dois, o que a crianca nao poderia fazer sozinha, Mas " corremos o risco de ter sobre a tutela uma visio muito restrita se limitamos a tutela & relagio adulto-crianga. Veremos, em particular, ao final deste capitulo, que hi modos especificos de tutela na relagao entre pares, aqui, criangas-adultos, que chegam a dizer a varios que nao poderiam dizer sozinhos. ‘Atutela, em algum sentido que seja, toma as diferentes formas sobre as quais acabamos de falar: forma paralela do modelo imitado ou da “série, Forma complementar, quando a questio, 0 esboco desencadeia a seqiiéncia no outro. Forma metalingtistica, quando um desenvolve, jodifica, resume, etc., o discurso do outro. Enfim, nao é até a ruptura que podemos considerar como uma forma de tutela, no sentido amplo: preciso que a crianga aprenda a ser diferente de seus pais. ‘Mas, sobretudo, levaremos em conta que: ‘© mesmo nas relagées de tipo mimético, estas nao podem ser ompanhadas de diferengas de €nfase. Nao seria sento porque fazer “em segundo lugar nao tem 0 mesmo sentido que fazer em primeiro, ou porque a crianca que repete como teste para brincar nao pode nao ‘modificar 0 que repete; '* todos os dominios, em que ha tutela, nao funcionam do mesmo modo: ha, pelo menos, a dicotomia: aprendizagem de acoes codificadas ‘no sentido estrito: amarrar seus Sapatos ou pronunciar de modo inteligivel. E, ao contriirio, todos os casos em que o adulto pode ajudar a crianga a fazer alguma coisa que ele, adulto, nao poderia fazer: contar um pesadelo como o faz.a crianga, por exemplo. De modo préximo, distinguiremos tutela especifica: ensinar @ outro a ter sucesso em tal tarefa em que ele fracassa, e a tutela global, aquela que faz com que © outro, presente ou mesmo ausente, seja, Por ‘assim dizer, aquele em fungao de quem falamos. Deste ponto de vista, LINGUA, 10605 DE UNGUAGEM E MOVIMENTOS DISCURSIVOS a sonisynasia SOLNIHIMOM 3 HOWNONN 30 5ODOr WON podemos tutelar simplesmente pelo fato de aceitar © que o outro diz, de Ihe manifestar interesse. 4 Géneros, mundos e lugares sies trés aspectos sto, sem dtivida, inseparaveis. Comecaremos pela anilise em termos de géneros, porque € ela, evidentemente, que € mais traduzivel sob forma de organizadores lingtifsticos. 1, LINGUAGEM E GéNEROS DiScuRSIVOS SEGUNDO BAKHTINE Pensamos que foi Bakhtinet quem mais nitidamente caracterizou a linguagem pela presenca de géneros diferentes. Ele os introcuziu dizendo que a linguagem acompanha ou pode acompanhar todas as atividades humanas. Haver tanto géneros de discurso como atividades humanas Deste ponto de vista, os géneros caracterizam-se pelo que fazemos com a linguagern: mostrar, descrever, expficar... Do ponto de vista dos meios lingiifsticos, os generos manifestar-se-Ao, antes de tudo, pelos tipos de enunciados e 05 modos de encadeamento desses enunciados. Sem diivida, é no caso da narrativa que tais movimentos foram mais estudados: amincio do tema, apresentagao dos personagens, das cincunstancias, problema, solugto, conclusto; é um modelo, entre outros, € que nada tem de obrigatério no modo pelo qual uma narrativa pode se organizar. Da mesma maneira que hd uma sucesso esperada da receita de cozinha: falamos dos ingredientes, antes de falar do modo de combind-los ¢, assim por diante. Em outros casos, as sucessoes poderao ser mais homogéneas, tanto na enumeracao como na descri¢ao. Quer se trate de sua definicto como pritica social ou de sua manifestagao como modo de encadeamento dos enunciados, 0 que diferencia 08 géneros, sem

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