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Neurofisiopatologia da Obesidade (rascunho)

Hélio Tonelli

Introdução

A obesidade é um sério problema de saúde pública. Um terço da população adulta nos


Estados Unidos sofre com ela 1, e no Brasil, onde até recentemente esta condição não era
considerada epidêmica, 17,5% da população adulta é obesa e cerca de 50 % está acima do
peso, segundo o Ministério da Saúde 2. A grande maioria dos casos de obesidade resulta de
uma combinação de fatores genéticos, comportamentais e ambientais e pode ser agrupada, do
ponto de vista etiológico, sob a denominação obesidade induzida por dieta (OID) 3. No
entanto, alguns casos de obesidade severa têm um caráter predominantemente genético
(obesidade genética, OG) e sua compreensão baseia-se em estudos com animais mutantes,
como os ratos ob/ob, que apresentam deficiência genética de leptina, ou os ratos db/db, que
apresentam deficiência na expressão de receptores de leptina, as quais os levam a comer
excessivamente e ganhar peso 3. Este capítulo abordará principalmente a OID.

Múltiplas influências obesogênicas estão por trás da epidemia de obesidade dos


grandes centros urbanos e alguns fatores tornam esta condição clínica um desafio para os
profissionais envolvidos na sua compreensão e tratamento. Entre elas temos, em um nível
fisiológico, a complexidade dos mecanismos centrais e periféricos de controle do
comportamento alimentar e do gasto energético e, em um nível comportamental, as
diferenças individuais na susceptibilidade às oportunidades ambientais para comer 4.

Não comemos apenas para nos nutrir, mas também por prazer. A evolução favoreceu
que tenhamos prazer ao comer para garantir que, em ambientes ancestrais onde o acesso aos
alimentos era escasso ou difícil, os indivíduos continuassem a se alimentar apesar de já terem
satisfeito suas necessidades nutricionais. O comportamento alimentar associado ao prazer é
denominado alimentação hedônica e ele explica porque às vezes continuamos a comer
mesmo quando não nos sentimos mais com fome, bem como que possamos sentir prazer ao
comermos alimentos não palatáveis em situações de privação alimentar 5. Por sua vez, o
comportamento alimentar cujo principal objetivo é suprir o organismo com os nutrientes
necessários para a sobrevivência é chamado de alimentação homeostática 5. Embora
controladas por circuitos neuro-humorais distintos, alimentação homeostática e hedônica
estão intimamente relacionadas, o que faz com que o estudo das alterações do comportamento
alimentar do obeso deva ser feito sem perder de vista a interface entre corpo, cognição e
emoção, já que a maneira tradicional de se explicar o problema, focada no balanço
energético, deve ser aperfeiçoada pela abordagem moderna, que considera adicionalmente
variáveis psicológicas como a motivação para comer, o impacto hedônico agudo do alimento
e o condicionamento, o aprendizado e as memórias associadas à alimentação.

Este capítulo tem por objetivo discutir os circuitos neuro-humorais associados à


alimentação hedônica e homeostática, suas relações, e as razões por trás de suas disfunções
levando a ganho de peso, particularmente as alterações inflamatórias associadas à obesidade.

Alimentação homeostática

O controle do comportamento alimentar no ser humano é feito através de mecanismos


em que entram em jogo várias substâncias apresentando ações periféricas e/ou centrais. Este
controle visa a obtenção da melhor relação entre a ingestão de alimentos e o gasto calórico e
é normalmente realizado com extrema precisão.

Os mamíferos regulam a quantidade de energia armazenada no corpo na forma de


tecido adiposo, fazendo-o por meio de um balanceamento entre o uso destas reservas e sua
reposição. Em indivíduos saudáveis o gasto de energia faz com que sejam desencadeados
estímulos para a recuperação dos estoques de gordura, e o aumento destes estoques, a
cessação destes estímulos.

O hipotálamo integra funções autonômicas e endócrinas ao comportamento e é o


centro de onde a alimentação homeostática é regulada. Ele recebe informações sensoriais de
praticamente todo o organismo, comprara esta informação com “pontos de regulagem” pré-
estabelecidos de uma ampla variedade de processos biológicos tais como glicemia,
osmolaridade e níveis hormonais e, ao detectar desvios destes pontos, ativa respostas
autonômicas, endócrinas e comportamentais, a fim de restabelecer seus níveis ideais. No
terço medial do hipotálamo encontram-se quatro regiões importantes para a regulação
homeostática da alimentação: o núcleo arqueado, o núcleo paraventricular, a área
hipotalâmica lateral e o hipotálamo ventromedial.

O núcleo arqueado do hipotálamo apresenta dois grupos celulares, chamados de


neurônios de primeira ordem, que se destacam por produzirem substâncias distintas e
projetarem suas fibras para neurônios de segunda ordem no núcleo paraventricular, área
hipotalâmica lateral e hipotálamo ventromedial: um destes grupos sintetiza
proopiomelanocortina (POMC), um precursor de vários peptídeos, entre eles o hormônio
alfa-estimulador de melanócito ( -MSH), que perifericamente controla a pigmentação da
pele, mas centralmente parece ter efeitos anorexígenos; e transcrito regulador de cocaína e
anfetamina (CART) 6.

O segundo grupo celular sintetiza proteína agouti-relacionada (AgRP), que provoca


aumento do apetite. -MSH e AgRP parecem deflagar suas ações sobre o comportamento
alimentar através de efeitos contrários no receptor 4 da melanocortina (MC4-R) localizados
nos neurônios de segunda ordem: o -MSH é um agonista e o AgRP, um antagonista
competitivo deste receptor. O neuropepptídeo Y (NPY) é coproduzido com o AgRP e
também tem potentes propriedades orexígenas 6 mediadas através de receptores Y1 e Y5 dos
neurônios do núcleo paraventricular. Os neurônios de primeira ordem do hipotálamo recebem
sinais da periferia, através de peptídeos intestinais, como a leptina e a grelina, a insulina e
corticosteroides.

A leptina atua estimulando os neurônios produtores de POMC e inibindo os neurônios


produtores de AgRP/NPY, provocando, assim, diminuição do apetite 6. Ratos ob/ob e db/db
engordam porque neles a leptina não participa da regulação do balanço energética 3. As ações
da leptina não parecem se restringir aos neurônios do hipotálamo; ela também atua
modulando a sensibilidade de células receptoras do paladar na cavidade oral, de
mecanoceptores no aparelho digestório e da percepção visual de alimentos. Ratos ob/ob e
db/db encontram alimentos escondidos muito mais rapidamente do que animais selvagens,
um efeito que tende a desaparecer após o tratamento com leptina 7. Além destas funções, ela
melhora a sensibilidade à insulina e tem propriedades pró-inflamatórias.

No sistema límbico a leptina estimula a recaptação de dopamina, bloqueando o prazer


com a alimentação, além de ativar o sistema nervoso simpático levando ao aumento do gasto
energético 8. Catecolaminas como a dopamina e noradrenalina influenciam a produção de
leptina, mas outras substâncias também participam de sua regulação, como os
glicocorticoides. Todavia, o principal determinante da secreção de leptina é o metabolismo da
glicose, na medida em que seus níveis circulantes diminuem no jejum ou em períodos de
restrição calórica 8 .

Na inflamação a leptina age diretamente nos macrófagos, estimulando sua atividade


fagocítica, embora também tenha efeitos sobre monócitos, células-T, neutrófilos e células
endoteliais. A administração de leptina aumenta os níveis de proteína C reativa, reforçando o
fato de que tenha propriedades inflamatórias; de fato, a perda do excesso de peso coincide
com diminuição de sua concentração sérica e dos níveis de marcadores inflamatórios
associados à obesidade 8.

A insulina parece exercer seus efeitos anorexígenos através de mecanismos


semelhantes aos da leptina. Tanto a insulina quanto a leptina apresentam receptores em
neurônios que fazem parte dos centros reguladores da alimentação hedônica, o que é
sugestivo que estas substâncias funcionem como sinalizadores da periferia para o Sistema
Nervoso Central (SNC) 6, conduzindo informações sobre os estoques de energia do
organismo. Através de suas ações em regiões do controle da alimentação hedônica, a leptina e
a insulina agem diminuindo os efeitos reforçadores e motivadores do alimento em situações
em que o balanço energético é positivo.

A grelina é um polipeptídio produzido no estômago com ações antagônicas às da


leptina e da insulina, isto é, ela aumenta o apetite. Receptores para a grelina são encontrados
no núcleo arqueado do hipotálamo, onde ela estimula os neurônios produtores de AgRP/NPY.
A atividade destes neurônios parece inibir os neurônios produtores de POMC através de
sinapses gabaérgicas. As ações orexígenas da grelina são, portanto, diretas (aumentando a
liberação de AgRP e NPY) e indiretas (através da inibição da ação da POMC causada pelo
aumento dos níveis de AgRP e NPY) 6. Também já foi demonstrado que a grelina age
diretamente sobre neurônios hipocampais induzindo a formação de novas sinapses na região
CA1 7. Estas mudanças induzidas pela grelina na densidade sináptica do hipocampo também
parecem se correlacionar com aprendizado espacial, pois ratos deficientes em grelina exibem
comprometimento desta capacidade, reversível pela administração de grelina. Tais achados
são consistentes com a ideia de que a grelina esteja envolvida na fase apetitiva do
comportamento alimentar, quando é importante encontrar o alimento no ambiente. Humanos
reportam uma imagem vívida de seus alimentos preferidos quando são experimentalmente
tratados com grelina 7. Da mesma forma do que ocorre com a leptina e com a insulina,
existem receptores para a grelina em regiões do cérebro relacionadas à regulação da
alimentação hedônica, todavia, suas ações aí consistem em aumentar os efeitos reforçadores
do alimento quando o balanço energético é negativo.

Leptina, insulina e grelina são, portanto, peptídeos produzidos na periferia que agem
na regulação do balanço energético diminuindo ou aumentando o apetite, na medida em que
são liberados pelo organismo em diferentes situações de balanço energético. Elas agem
centralmente não apenas em centros reguladores da alimentação homeostática, mas também
nos centros de regulação da alimentação hedônica, onde são processados os sinais de
recompensa relacionada à alimentação, os quais incluem o núcleo accumbens (NA), o
estriado ventral e a área tegmental ventral (ATV) do mesencéfalo. Prova disso é que a
atividade neural deflagrada por estímulos visuais de alimentos no NA é extremamente alta
em adolescentes com deficiência de leptina e retorna ao normal após a administração deste
peptídeo 7.

Alimentação hedônica

A alimentação hedônica distingue os comportamentos alimentares existentes apesar


de já satisfeitas nossas necessidades nutricionais, assim como algumas experiências
gustativas em estados de privação alimentar. Exemplos destes comportamentos e
experiências incluem nossa capacidade de continuar comendo apenas por prazer, mesmo sem
sentirmos fome, assim como o prazer associado a nutrientes sabidamente não palatáveis em
circunstâncias de fome 3.

O prazer associado à alimentação foi “dissecado” por Berridge e colaboradores (2009)


9
em diferentes componentes: gostar, querer e aprender. De acordo com estes autores, o
gostar refere-se ao prazer agudo proporcionado pela comida. Ele é mediado primariamente
por circuitos opióides, endocanabinóides e gabaérgicos e pode ser medido objetivamente
tanto por comportamentos característicos em animais experimentais (e expressões faciais
típicas de seres humanos), quanto por estudos de neuroimagem funcional mostrando que esta
sensação é acompanhada de ativação de estruturas corticais e subcorticais onde hotspots
10
hedônicos são encontrados . Estes hotspots hedônicos localizam-se predominantemente no
NA e no pálido ventral e são áreas cerebrais em que os neurotransmissores potencializam a
sensação de prazer 9, 10.

O querer dissocia-se fisiológica e neuropsicologicamente do gostar mais por ser uma


experiência subjetiva de motivação para procurar e consumir um determinado alimento do
que uma mera sensação de prazer, e também foi chamado pelo grupo de Berridge de saliência
de incentivo 9. Esta resposta comportamental é mediada por estruturas subcorticais que
incluem as projeções dopaminérgicas mesencefálicas, as quais enviam suas fibras para o NA,
amígdala e hipocampo através do feixe prosencefálico medial (FPM). O principal
neurotransmissor envolvido na regulação da alimentação hedônica é a dopamina, cujas vias
são resumidas no quadro abaixo. A ativação das vias dopaminérgicas parece aumentar o
querer sem afetar o gostar; inversamente, antagonistas dopaminérgicos podem diminuir o
querer sem afetar a experiência hedônica aguda da alimentação (gostar). Por ser processada
subcorticalmente, a experiência do querer é mais simples e muito diferente de formas mais
elaboradas de querer, normalmente associadas ao impulso para consumir tipos específicos de
alimentos. Estes desejos específicos abrangem mais características cognitivas do que as
características meramente motivacionais da saliência de incentivo, sendo processados pelo
córtex cerebral.

Vias dopaminérgicas centrais


A dopamina é um dos principais neurotransmissores envolvidos na fisiopatologia da obesidade, na
medida em que ela medeia uma série de componentes da alimentação hedônica. Como vimos,
neurônios dopaminérgicos processam a variável hedônica querer proposta pelo grupo de Berridge,
entretanto, estes neurônios estão ativos em praticamente todos os domínios neurais envolvidos na
configuração do comportamento alimentar hedônico. As vias dopaminérgicas centrais são
constituídas por neurônios que sintetizam dopamina em seus corpos celulares e suas projeções, que
constituem diferentes rotas deste neurotransmissor. São estudadas quatro vias dopaminérgicas em
separado. A via mesolímbica é composta por neurônios cujos corpos celulares estão localizados na
ATV do mesencéfalo e enviam projeções para estruturas do sistema límbico. As principais regiões
inervadas por estas vias são o NA, a amígdala, o hipocampo, o giro do cíngulo e o bulbo olfatório. A
via mesolímbica parece estar muito ativa em portadores de esquizofrenia e esta hiperatividade
estaria, pelo menos em parte, relacionada ao aparecimento de alucinações e delírios destes pacientes.
Os neurônios dopaminérgicos da via mesocortical também têm corpos celulares localizados na ATV,
mas projetam seus axônios para o córtex frontal. O córtex pré-frontal (CPF) recebe input das fibras
mesocorticais, as quais regulam sua atividade dirigida pela recompensa. Assim, quando o CPF recebe
um influxo de dopamina dos neurônios mesocorticais, ele acaba por fortalecer conexões entre
eventos cronologicamente separados. Uma importante função do CPF é a capacidade de manter a
atenção sustentada em uma tarefa, característica da memória de trabalho. Esta função do CPF reforça
representações mentais, protegendo-as da interferência de estímulos externos. Além de eleger os
inputs sensoriais através da atenção dirigida, o CPF integra a eles outros tipos de informações, como
memórias e conceitos, além de selecionar a melhor resposta motora. Os corpos celulares dos
neurônios da via nigroestriatal localizam-se na substancia negra e projetam seus axônios para o
estriado. Esta via relaciona-se predominantemente ao controle motor. Finalmente, a via túbero-
infundibular constitui-se de neurônios cujos corpos celulares estão localizados no núcleo arqueado do
hipotálamo, os quais projetam suas fibras para a região infundibular. A dopamina liberada por esta
via controla a liberação do hormônio prolactina pela hipófise anterior.
O córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) exerce uma influência inibitória “de cima
11
para baixo” sobre a atividade dos circuitos hedônicos subcorticais , desencorajando os
comportamentos de busca por alimentos disparados pelo querer. Trata-se da atividade de
11
controle inibitório do córtex pré-frontal, a qual se supõe esteja alterada em indivíduos
obesos. Neles, a falta de inibição cortical faz com que as vias corticais dopaminérgicas
fiquem inconvenientemente ativas, resultando em uma experiência subjetiva de intenso
desejo por alimentos calóricos. Muitos pacientes obesos descrevem esta experiência como um
estado no qual pensam obsessivamente em alimentos calóricos, associada a uma sensação de
incapacidade para resistirem ou se livrarem destes pensamentos.

No entanto, o CPFDL também recebe inputs da circuitaria dopaminérgica


mesencefálica, os quais são cruciais para o processo de aprendizado através da decodificação
11, 12 7
de recompensas . O aprender envolve condicionamento pavloviano e sinalização de
13
predição de erro , no qual eventos imprevistos disparam a atividade de neurônios
dopaminérgicos a fim de mobilizar a atenção e favorecer a incorporação de nova informação
pelo córtex. A dopamina parece participar tanto da alocação da atenção em um estímulo
saliente quanto da associação entre representações mentais previamente construídas, o que,
13
sob uma perspectiva cognitiva, caracteriza o aprendizado . Portanto, através do
aprendizado, podemos acrescentar mais informações ao nosso repertório de preferências
alimentares e, por conseguinte, passar a querer mais um tipo muito particular de alimento.

Sendo assim, é possível distinguir quatro componentes/circuitos cerebrais do


comportamento alimentar hedônico: recompensa – saliência; motivação – impulso;
aprendizado – condicionamento e função executiva 14.

O componente recompensa – saliência abrangeria o prazer hedônico agudo (gostar) e


a saliência (ou maior atenção) despertada nas mentes de quem o experimenta. Embora
Berridge e colaboradores tenham utilizado o termo saliência (de incentivo) ao descrever o
10
querer , não é inadequado utilizá-lo juntamente do componente recompensa (mais
relacionada ao gostar do grupo de Berridge), já que o papel da recompensa é despertar
saliência, “chamar a atenção”, para que seja possível deslocar a atenção para um estímulo
ambiental específico, a fim de aprender mais sobre ele. Além disso, a separação entre os
circuitos neurais relacionados ao processamento do gostar e do querer não é estanque, mas
apenas um recurso didático. Na realidade, estes circuitos compartilham vias.
O componente motivação – impulso abrange a atividade de desejo e busca pelo
alimento (querer), o componente aprendizado – condicionamento caracteriza as associações e
o aumento da sofisticação das representações mentais associadas à alimentação promovidos
pela dopamina, que são característicos do aprender e o componente função executiva engloba
os circuitos cerebrais relacionados ao processamento da inibição comportamental e regulação
emocional, tendo como sede o CPFDL.

Como foi afirmado acima, reguladores homeostáticos periféricos como a leptina, a


insulina e a grelina têm ações sobre a alimentação hedônica. Por exemplo, a insulina atenua a
ativação do hipocampo e do córtex visual em resposta a figuras de alimentos e indivíduos
com resistência à insulina têm maior ativação de regiões límbicas frente a estímulos
alimentares – isto é, alimentos calóricos ativam muito mais as emoções destas pessoas. A
leptina atenua a resposta de centros hedônicos e aumenta a ativação de regiões cerebrais
relacionadas ao controle cognitivo 14.

Alterações do processamento da alimentação hedônica na obesidade

Obesos parecem ter problemas em todos os quatro componentes que medeiam o


comportamento alimentar hedônico, isto é, têm distorções do gostar, do querer, do aprender
e da capacidade de se controlarem (eu acrescentaria que não conseguem resistir a comidas
calóricas), em virtude de falhas em mecanismos neurais relacionados ao controle cognitivo.
Estudos têm demonstrado que estes indivíduos sofrem de uma diminuição na sinalização
dopaminérgica à custa da diminuição de receptores dopaminérgicos do tipo 2 (receptores D2)
e da liberação de dopamina, tanto no NA quanto no estriado dorsal 14, 15.

A diminuição na sinalização D2 provavelmente reduz a sensibilidade a recompensas


naturais no momento em que elas são consumidas (ela diminui a sensação de gostar ou
diminui a recompensa consumatória), um déficit que pode ser compensado através do
14
aumento da ingestão de alimentos calóricos . Em contrapartida, estudos de neuroimagem
funcional mostram que indivíduos obesos ativam mais intensamente áreas de recompensa e
motivação como o NA, o estriado dorsal, o córtex órbitofrontal (COF), o córtex cingulado
anterior (CCA), a amígdala, o hipocampo e a ínsula quando lhes são apresentadas pistas
14, 16
alimentares. Estas áreas cerebrais ficam ativas quando há expectativa de recompensa .É
possível que obesos sofram de um estado de maior ativação de circuitos relacionados à
antecipação de uma recompensa alimentar e um estado de diminuição da ativação de circuitos
relacionados à recompensa consumatória, o que pode resultar em comportamentos
alimentares compulsivos.

Portanto, de acordo com este modelo, disfunção dopaminérgica faz com que obesos
comam mais tanto porque não sentem sabor ou, segundo o grupo de Berridge, não gostam (e
compensam isso comendo mais), quanto porque se sentem mais excitados diante da
expectativa de consumirem alimentos ricos em calorias, envolvendo-se mais facilmente em
comportamentos de busca por estes alimentos (segundo o grupo de Berridge, estes indivíduos
querem mais). Isso sem falar que eles têm maior dificuldade de resistir ao consumo de
determinados alimentos.

Vários estudos de neuroimagem confirmam que indivíduos obesos mostram respostas


cerebrais frente à ingestão de alimentos ou a pistas alimentares visuais ou auditivas que são
17
muito diferentes daquelas de indivíduos magros . Também já existem muitos estudos
mostrando que a cirurgia bariátrica parece reverter, pelo menos agudamente, estas respostas
anômalas 17.

Estas respostas anormais derivam de problemas envolvendo muitos sistemas de


neurotransmissão e diferentes áreas cerebrais e também resultam em comprometimento de
funções cognitivas como a função executiva, atenção e memória, além do processamento de
emoções. A influência adversa da obesidade sobre a cognição reflete-se na alta comorbidade
de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, doença de Alzheimer e outras demências,
atrofia cortical e doença da matéria branca com a obesidade 3, por exemplo.

O precuneus está localizado no córtex parietal pósteromedial e supõe-se que tenha


várias funções, dentre as quais o processamento da consciência, de relações espaciais
egocêntricas e alocêntricas, do automonitoramento e da memória 23. Em relação a processos
mnêmicos, sugere-se que o precuneus atue processando a memória episódica, utilizada para o
armazenamento e recuperação de lembranças de eventos previamente vividos, além da
elaboração de imagens mentais. O precuneus está muito ativo em estudos de neuroimagem
em que palavras altamente imagináveis são apresentadas aos sujeitos experimentais. Por esta
razão alguns autores especulam se esta região poderia ser o equivalente a um olho da mente
23
. A maior ativação do precuneus diante de pistas auditivas de alimentos em sujeitos obesos
documentada em muitos estudos poderia ser explicada como resultante de maior influência
das aferências da ATV, estriado ventral e amígdala a esta região, dando origem a imagens
mentais de alimentos muito carregadas emocionalmente.
A ínsula também participa da elaboração de imagens mentais a partir de informações
provenientes da periferia e é altamente ativada durante cravings por alimentos e substâncias
psicoativas; isso parece ser mais pronunciado em indivíduos obesos. A ínsula recebe inputs
24
do núcleo do trato solitário e do núcleo parabraquial via tálamo ; estes núcleos conduzem
24
informações básicas sobre o meio interno – tratam-se, portanto, de informações
homeostáticas – da periferia ao córtex insular. No entanto, esta região do cérebro parece
desempenhar outras importantes funções não homeostáticas, dentre elas, o processamento da
consciência interoceptiva, do controle e do aprendizado motor, do senso de self e agência, de
emoções sociais, além do querer e da saliência 25.

Outra região importante para a compreensão da neurofisiologia da obesidade é o COF.


Esta região compreende regiões do córtex pré-frontal medial, hipotálamo, amígdala, insula,
opérculo, mesencéfalo dopaminérgico e estriado e recebe informações das cinco modalidades
sensoriais clássicas, além de input sensoriais, caracterizando-se, portanto, como um dos
26
córtices mais polimodais . Pelo fato de integrar informação visceral, sensorial e motora,
considera-se que o COF esteja envolvido no processamento emocional e no comportamento
objetivo dirigido, participando de processos como tomada de decisões em comportamentos
relacionados a emoções e recompensas, bem como monitoramento, aprendizado e memória
26
dos valores de reforçadores . COF e ínsula parecem gerar representações mentais de
experiências alimentares a partir da convergência de informações de todas as modalidades
sensoriais e nestas áreas estas representações polimodais são armazenadas, atualizadas e
recobradas para guiar futuros comportamentos alimentares 7. No entanto, o COF também
parece participar do controle inibitório, já que lesões nesta área do cérebro costumam causar
falta de controle e perseveração.

Obesidade: uma doença inflamatória afetando o sistema nervoso central

A descoberta das alterações da resposta cerebral ao consumo e à expectativa do


alimento na obesidade, bem como de suas repercussões sobre a cognição e sobre o
processamento emocional (e, em consequência, sobre o comportamento alimentar) foi
decisiva para aumentarmos nossa compreensão sobre desta doença e sobre os mecanismos
neurofisiológicos envolvidos nas alterações neuropsicológicas que ela produz. No entanto,
uma pergunta ainda precisa ser respondida: quais são as causas destas alterações da resposta
cerebral? Uma possível resposta envolve mecanismos inflamatórios: a obesidade tem sido
18
considerada uma condição inflamatória sistêmica crônica de baixo grau que, como
qualquer doença sistêmica, pode ter efeitos no SNC. Ao longo das últimas décadas a pesquisa
no campo da psiconeuroimunoendocrinologia demonstrou que existe uma complexa rede de
19
dimensões bidirecionais entre o sistema imune e o SNC . Por exemplo, pacientes
deprimidos apresentam alterações em funções imunes que incluem desde os antigos relatos de
supressão imunológica até evidências de aumento da atividade inflamatória 19.

O tecido adiposo é encontrado em nosso corpo sob as formas de tecido adiposo


marrom, que é rico em mitocôndrias e envolvido com a atividade termogênica, e de tecido
adiposo branco, composto por adipócitos, macrófagos e fibroblastos, cuja função é o
3, 8
armazenamento de energia . O tecido adiposo pode ser considerado um órgão endócrino
que, além dos adipócitos, possui uma fração estromal vascular, composta de células
sanguíneas, células endoteliais, precursores do tecido adiposo, células-tronco, macrófagos e
outras células imunes 3. Como um órgão endócrino, o tecido adiposo (branco) produz e
secreta hormônios e citocinas, os quais têm ações metabólicas, inflamatórias, sobre a
coagulação e que também podem afetar a sinalização central da fome a da saciedade, através
de mecanismos explicados a seguir.

As citocinas liberadas pelo tecido adiposo são chamadas de adipocinas ou


adipocitocinas e recebem este nome porque funcionam como citocinas clássicas, isto é,
compõem-se de uma estrutura protéica, são liberadas por determinadas células e afetam o
comportamento de outras células. Interferon, interleucinas (interleucina-1 [IL-1], IL-6) e
fatores de necrose tumoral (como o fator alfa de necrose tumoral, ou TNF- ) são exemplos de
citocinas liberadas por células imunes ativadas durante a resposta do hospedeiro à invasão
19
por um patógeno e também no contexto de lesão tecidual e estresse psicossocial . As
adipocinas são liberadas tanto pelos adipócitos quanto pela fração estromal do tecido adiposo,
particularmente pelos macrófagos 3. Elas incluem o inibidor do ativador do plasminogênio
tipo 1 (PAI-1), o TNF- , resistina, IL-6, leptina e adiponectina 8. O TNF- foi uma das
primeiras citocinas identificadas e está envolvido na resposta inflamatória sistêmica, tendo
sido relacionado ao desenvolvimento de resistência à insulina, obesidade e diabetes. Um dos
mecanismos através dos quais o TNF- exerce seus efeitos de resistência à insulina é o
bloqueio da síntese de adiponectina, uma proteína com importantes propriedades reguladoras
da homeostase energética, metabolismo da glicose e dos lipídeos, além de apresentar
atividade anti-inflamatória. A adiponectina melhora a sensibilidade à insulina, diminui a
quantidade de ácidos graxos e estimula sua oxidação. O aumento de seus níveis circulantes
está associado a perda de peso. Da mesma forma que o TNF- , a IL-6 também antagoniza a
adiponectina e o aumento de seus níveis séricos está associado a aumento do índice de massa
corporal e resistência à insulina. O PAI-1 participa da regulação do suprimento sanguíneo
para o tecido adiposo e do fluxo de ácido graxos a partir dele. Os níveis plasmáticos de PAI-1
relacionam-se diretamente com acúmulo de gordura visceral e uma alta concentração desta
substância está associada a resistência à insulina e à presença de citocinas pró-inflamatórias 8.

O aumento do tecido adiposo na obesidade causa hipóxia e estresse, levando a necrose


destas células por prejuízos à sua irrigação sanguínea. Isso acaba por atrair macrófagos, que
atuam removendo o entulho resultante. Os macrófagos são atraídos por citocinas e
marcadores inflamatórios liberados para a circulação pelos adipócitos destruídos e também
liberam citocinas pró-inflamatórias. Os adipócitos hipertróficos e hiperplásicos exibem menor
densidade de receptores de insulina e maior densidade de receptores beta-3 adrenérgicos,
fatores que promovem a diapedese de monócitos ao estroma do tecido adiposo, iniciando uma
resposta inflamatória 18. Os efeitos das adipocinas nos músculos e no fígado contribuem para
aumentar ainda mais a resistência à insulina existente na obesidade. Isso porque as citocinas
18, 19, 20
ativam proteínas quinases que fosforilam o substrato do receptor da insulina . Como
vimos anteriormente, no SNC a insulina promove um efeito anorexígeno, portanto, na
obesidade, a resistência à insulina compromete seus efeitos anorexígenos. Não obstante, os
mecanismos através dos quais a obesidade leva à resistência à insulina ainda não estão
completamente estabelecidos.

A obesidade também se relaciona a alterações da flora intestinal e aumento da


permeabilidade da parede intestinal, permitindo a passagem de lipopolissacarídeos para a
circulação, o que leva ao desenvolvimento de uma endotoxemia de baixo grau, perpetuando a
produção de fatores inflamatórios. Em relação às alterações da flora intestinal, observou-se
que em animais obesos ela ocorre independentemente do tipo de dieta, notavelmente na
forma de diminuição das espécies Bacterioidetes e Bifidobacterium e aumento de Firmicutes.
Em humanos já foi demonstrada a relação entre modificações da flora intestinal e aumento do
nível sérico de marcadores de endotoxemia, como a proteína de ligação de
lipopolissacarídeos (PLLPS) e a presença de marcadores inflamatórios através da observação
de que ocorre normalização da relação Bacterioidetes/Firmicutes e dos níveis de PLLPS com
a perda de peso 3.

A inflamação sistêmica da obesidade contribui para a propagação da atividade


inflamatória para o SNC, notavelmente no hipocampo e no hipotálamo, o que parece explicar
a correlação inequívoca entre excesso de peso e alterações neuropsiquiátricas. A inflamação
hipotalâmica desregula o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o que, do ponto de vista
cognitivo causa comprometimento de processos atencionais, de aprendizado e de memória, e
21
do ponto de vista clínico, depressão, ansiedade e declínio cognitivo . Esta progressão da
inflamação para o SNC é explicada pela ativação de células da glia, particularmente da
micróglia (que é composta dos macrófagos residentes no SNC) pelas citocinas liberadas pelo
22
tecido adiposo, que acessam o cérebro por rotas humorais, neurais e celulares . A ativação
da micróglia e consequente liberação de citocinas pró-inflamatórias comprometem a função e
o metabolismo de neurotransmissores e interferem na neuroplasticidade cerebral. Mais
especificamente, estas citocinas induzem a síntese das enzimas indolamina 2,3-dioxigenase
(IDO) e GTP-ciclohidrolase-1 (GTP-CH1) em macrófagos e células dendríticas, provocando
3, 18, 19
alterações na síntese de serotonina e dopamina . A ativação da IDO faz com que haja
aumento da produção de metabólitos do glutamato, os quais promovem morte neuronal. A
inibição da ativação da IDO parece relacionar-se com proteção contra comportamentos
18, 19
ansiosos ou depressivos em animais experimentais possivelmente como resultado do
impacto disso sobre neurotransmissores envolvidos na regulação do humor, da cognição e do
controle da impulsividade.

Além de induzirem febre e ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, as citocinas


promovem uma ampla gama de comportamentos tradicionalmente descritos na literatura
como “comportamento de doença” (sickness behavior), que é tipicamente associado a sinais
observados tanto em animais de laboratório quanto em humanos sofrendo de infecções
microbianas e que incluem depressão, anedonia, fadiga, lentificação psicomotora, diminuição
27
do apetite, alterações do sono e aumento da sensibilidade à dor . Não é difícil notar que a
maioria, se não todos os sinais e sintomas observados pelo comportamento de doença
induzido pela citocinas pró-inflamatórias são muito parecidos com os apresentados por
pacientes deprimidos. A administração de antagonistas de citocinas, como o antagonista do
receptor de IL-1 (IL-1ra), bloqueia o comportamento de doença, dando suporte à noção de
que de fato ele seja induzido por estas substâncias 19. Tais observações constituem elementos
principais da hipótese de que as citocinas inflamatórias possam estar envolvidas na
fisiopatologia de transtornos neuropsiquiátricos como a depressão. É verdade que muitos
pacientes sofrendo de condições médicas crônicas associadas à inflamação, como artrite
reumatoide, câncer, doenças infecciosas e autoimunes também sofrem de depressão e outros
transtornos neuropsiquiátricos. Da mesma forma, pacientes não deprimidos recebendo
tratamentos específicos para doenças como câncer ou doenças virais crônicas (por exemplo,
hepatite viral C) com substâncias como interferon costumam desenvolver comorbidades
psiquiátricas, principalmente depressões maiores.

As citocinas são moléculas relativamente grandes que não ultrapassam facilmente a


barreira hematoencefálica. Todavia, sugere-se que sinais provindos das citocinas alcancem o
cérebro através de vias humorais, neurais e celulares. Estas vias incluem pelo menos cinco
mecanismos: 1. Passagem de citocinas através de regiões da barreira hematoencefálica, como
o plexo coroide e órgãos periventriculares; 2. Transporte ativo através de moléculas de
transporte específicas e saturáveis do endotélio cerebral; 3. Ativação de células endoteliais,
responsáveis pela subsequente liberação de segundos mensageiros como prostaglandinas e
óxido nítrico para o parênquima cerebral; 4. Transmissão de sinais das citocinas através de
fibras nervosas aferentes; 5. Entrada para o parênquima cerebral via monócitos ativados 19.

Além disso, as citocinas funcionam como parte de uma rede integrada, cada uma
induzindo sua própria síntese enquanto também induzem a produção de outras citocinas,
incluindo TNF- , IL-1 e IL-6. No SNC esta rede é composta de células, como neurônios,
células da micróglia e astrócitos, as quais, além de produzirem estas substâncias, expressam
receptores para elas e são capazes de produzir amplificação de seus sinais. Como vimos, este
substrato neural de sinalização imune está por trás dos efeitos potentes das citocinas liberadas
perifericamente sobre estruturas do SNC, compreendendo a ativação do eixo hipotálamo-
hipófise-adrenal, mas também a alteração do metabolismo de monoaminas cerebrais
(dopamina, serotonina e noradrenalina). Vejamos um pouco mais detalhadamente como as
adipocinas afetam estes neurotransmissores tradicionalmente implicados na fisiopatologia de
muitos transtornos neuropsiquiátricos.

A serotonina parece ter seu turnover profundamente alterado em diversas regiões do


28
cérebro de animais de laboratório expostos aguda ou cronicamente às citocinas , os quais
expressam comportamentos depressivos. O papel da serotonina no aparecimento destes
sintomas é reforçado através de observações de que a paroxetina, um potente inibidor de
29
recaptação de serotonina, parece reduzir significativamente estes comportamentos . Além
disso, foi sugerido que polimorfismos no transportador de serotonina estejam associados ao
desenvolvimento de depressão no contexto do tratamento com determinadas citocinas. Vimos
acima que a enzima IDO é estimulada por citocinas 3. Esta enzima “quebra” o triptofano, o
aminoácido precursor da serotonina, em quinurenina (KYN), cuja presença na circulação
periférica já foi associada ao desenvolvimento de depressão em pacientes recebendo
determinadas citocinas. Além do mais, a queda dos níveis séricos de triptofano parece
19
favorecer a precipitação de sintomas depressivos em populações vulneráveis à depressão .
Mas a KYN parece ter efeitos diretos sobre a serotonina, na medida em que sua
administração isolada pode desencadear comportamentos depressivos em animais
experimentais. Esta substância pode ter efeitos sobre outros neurotranmissores, como o
glutamato. A KYN é convertida em ácido quinurênico (KA) nos astrócitos e em ácido
quinolínico em (QUIN) na micróglia. O KA parece ser capaz de inibir a liberação do
glutamato, o que acarreta a inibição de liberação de dopamina, já que a liberação desta
monoamina é em parte regulada pelo glutamato. Em contraste, a QUIN promove a liberação
de glutamato através da ativação de receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), induzindo
estresse oxidativo e excitotoxicidade no SNC. O aumento das concentrações de KYN, KA e
QUIN no líquor parece se relacionar diretamente com o aparecimento de sintomas
depressivos; portanto os efeitos da ativação da IDO parecem representar um mecanismo
importante através do qual citocinas podem desencadear alterações comportamentais 3, 19.

A molécula sinalizadora proteína quinase ativada por mitógeno p38 (MAPK) parece
19
também promover efeitos no metabolismo de neurotransmissores . Esta molécula entra em
ação estimulada por citocinas e parece reduzir a disponibilidade de serotonina.

Da mesma forma que a serotonina, a dopamina parece ter sua síntese e recaptação
influenciadas pelas citocinas. A administração de determinadas citocinas em ratos pode
30
diminuir as concentrações de terahidrobiopterina (BH4) e dopamina no SNC , em
associação com a estimulação do óxido nítrico. A BH4 é um importante cofator da enzima
tirosina hidroxilase, que catalisa a reação de conversão da tirosina até L-Dopa e também é
requerida para a síntese do óxido nítrico, de forma que o aumento da produção central de
óxido nítrico secundário à ativação da micróglia associa-se à maior utilização de BH4 e,
portanto, menor quantidade desta substância para dar suporte à atividade da tirosina
hidroxilase (e consequente menor produção de dopamina) 19, 31. É fortemente sugestivo que as
influências das citocinas sobre a BH4 via óxido nítrico possam ser um mecanismo comum
através do qual as citocinas reduzam a quantidade de dopamina no SNC.

A liberação de glutamato pelas células da glia parece ser estimulada pelas citocinas
ativadas no cérebro. Também parece haver uma diminuição da recaptação do glutamato, em
parte por conta de uma regulação para menos (downregulation) dos transportadores deste
neurotransmissor em resposta ao aumento de sua disponibilidade. O excesso de glutamato
estimula receptores NMDA, os quais medeiam excitotoxicidade e diminuição de produção de
fatores tróficos cerebrais, como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), gerando
dano à circuitaria central e sintomas neuropsiquiátricos 32.

A estreita relação entre atividade inflamatória e sintomas neuropsiquiátricos é


reforçada pelas observações de que marcadores inflamatórios como a proteína C reativa
associam-se a sintomas depressivos em indivíduos obesos e com síndrome metabólica. É
interessante que a diminuição da expressão de marcadores inflamatórios após a cirurgia
bariátrica parece também se correlacionar com diminuição de escores para sintomas
psiquiátricos 19.

Conclusões

Os comportamentos alimentares anormais presentes na OID parecem ter suas origens


em alterações de estruturas cerebrais responsáveis pelo processamento da alimentação
hedônica e se caracterizam por problemas na sensação de saciedade frente à comida (gostar)
e em comportamentos de busca por alimentos (querer), onde entram em jogo variáveis como
motivação, memória e aprendizado, além da participação de substâncias envolvidas no
processamento da alimentação homeostática, como a leptina, a insulina e a grelina.
Mecanismos inflamatórios afetando o SNC parecem estar por trás das alterações centrais
presentes na obesidade. Estes mecanismos compreendem o papel das adipocinas liberadas
pelo tecido adiposo e seu efeito indutor de outras citocinas inflamatórias no SNC, cujas
consequências sobre o metabolismo de neurotransmissores como a dopamina, a serotonina e
o glutamato, bem como sobre a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, geram efeitos
sobre a cognição e o processamento de emoções, e, em conseguinte, sobre a maneira como os
indivíduos afetados se alimentam.

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