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Hélio Tonelli
Introdução
Não comemos apenas para nos nutrir, mas também por prazer. A evolução favoreceu
que tenhamos prazer ao comer para garantir que, em ambientes ancestrais onde o acesso aos
alimentos era escasso ou difícil, os indivíduos continuassem a se alimentar apesar de já terem
satisfeito suas necessidades nutricionais. O comportamento alimentar associado ao prazer é
denominado alimentação hedônica e ele explica porque às vezes continuamos a comer
mesmo quando não nos sentimos mais com fome, bem como que possamos sentir prazer ao
comermos alimentos não palatáveis em situações de privação alimentar 5. Por sua vez, o
comportamento alimentar cujo principal objetivo é suprir o organismo com os nutrientes
necessários para a sobrevivência é chamado de alimentação homeostática 5. Embora
controladas por circuitos neuro-humorais distintos, alimentação homeostática e hedônica
estão intimamente relacionadas, o que faz com que o estudo das alterações do comportamento
alimentar do obeso deva ser feito sem perder de vista a interface entre corpo, cognição e
emoção, já que a maneira tradicional de se explicar o problema, focada no balanço
energético, deve ser aperfeiçoada pela abordagem moderna, que considera adicionalmente
variáveis psicológicas como a motivação para comer, o impacto hedônico agudo do alimento
e o condicionamento, o aprendizado e as memórias associadas à alimentação.
Alimentação homeostática
Leptina, insulina e grelina são, portanto, peptídeos produzidos na periferia que agem
na regulação do balanço energético diminuindo ou aumentando o apetite, na medida em que
são liberados pelo organismo em diferentes situações de balanço energético. Elas agem
centralmente não apenas em centros reguladores da alimentação homeostática, mas também
nos centros de regulação da alimentação hedônica, onde são processados os sinais de
recompensa relacionada à alimentação, os quais incluem o núcleo accumbens (NA), o
estriado ventral e a área tegmental ventral (ATV) do mesencéfalo. Prova disso é que a
atividade neural deflagrada por estímulos visuais de alimentos no NA é extremamente alta
em adolescentes com deficiência de leptina e retorna ao normal após a administração deste
peptídeo 7.
Alimentação hedônica
Portanto, de acordo com este modelo, disfunção dopaminérgica faz com que obesos
comam mais tanto porque não sentem sabor ou, segundo o grupo de Berridge, não gostam (e
compensam isso comendo mais), quanto porque se sentem mais excitados diante da
expectativa de consumirem alimentos ricos em calorias, envolvendo-se mais facilmente em
comportamentos de busca por estes alimentos (segundo o grupo de Berridge, estes indivíduos
querem mais). Isso sem falar que eles têm maior dificuldade de resistir ao consumo de
determinados alimentos.
Além disso, as citocinas funcionam como parte de uma rede integrada, cada uma
induzindo sua própria síntese enquanto também induzem a produção de outras citocinas,
incluindo TNF- , IL-1 e IL-6. No SNC esta rede é composta de células, como neurônios,
células da micróglia e astrócitos, as quais, além de produzirem estas substâncias, expressam
receptores para elas e são capazes de produzir amplificação de seus sinais. Como vimos, este
substrato neural de sinalização imune está por trás dos efeitos potentes das citocinas liberadas
perifericamente sobre estruturas do SNC, compreendendo a ativação do eixo hipotálamo-
hipófise-adrenal, mas também a alteração do metabolismo de monoaminas cerebrais
(dopamina, serotonina e noradrenalina). Vejamos um pouco mais detalhadamente como as
adipocinas afetam estes neurotransmissores tradicionalmente implicados na fisiopatologia de
muitos transtornos neuropsiquiátricos.
A molécula sinalizadora proteína quinase ativada por mitógeno p38 (MAPK) parece
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também promover efeitos no metabolismo de neurotransmissores . Esta molécula entra em
ação estimulada por citocinas e parece reduzir a disponibilidade de serotonina.
Da mesma forma que a serotonina, a dopamina parece ter sua síntese e recaptação
influenciadas pelas citocinas. A administração de determinadas citocinas em ratos pode
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diminuir as concentrações de terahidrobiopterina (BH4) e dopamina no SNC , em
associação com a estimulação do óxido nítrico. A BH4 é um importante cofator da enzima
tirosina hidroxilase, que catalisa a reação de conversão da tirosina até L-Dopa e também é
requerida para a síntese do óxido nítrico, de forma que o aumento da produção central de
óxido nítrico secundário à ativação da micróglia associa-se à maior utilização de BH4 e,
portanto, menor quantidade desta substância para dar suporte à atividade da tirosina
hidroxilase (e consequente menor produção de dopamina) 19, 31. É fortemente sugestivo que as
influências das citocinas sobre a BH4 via óxido nítrico possam ser um mecanismo comum
através do qual as citocinas reduzam a quantidade de dopamina no SNC.
A liberação de glutamato pelas células da glia parece ser estimulada pelas citocinas
ativadas no cérebro. Também parece haver uma diminuição da recaptação do glutamato, em
parte por conta de uma regulação para menos (downregulation) dos transportadores deste
neurotransmissor em resposta ao aumento de sua disponibilidade. O excesso de glutamato
estimula receptores NMDA, os quais medeiam excitotoxicidade e diminuição de produção de
fatores tróficos cerebrais, como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), gerando
dano à circuitaria central e sintomas neuropsiquiátricos 32.
Conclusões
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