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Olhares Cruzados no

Caminho Saint Hilaire


Copyright ©2021 LUCIANO AMADOR DOS SANTOS JR. (ORG.).

Editor ÁLVARO GENTIL


Produção executiva PAULA PESSOA
Editoração MÔNICA TOLENTINO
DANIELLE PIUZANA MUCIDA
Revisão FABIANE NEPOMUCENO DA COSTA
CARLOS VICTOR MENDONÇA FILHO
Edição de texto e revisão final PEDRO VIANNA
Produção gráfica editorial ANDREZZA LIBEL

Catalogação na Publicação (CIP)

Santos Jr., Luciano Amador dos, (Org.)

S237 Minas Gerais e Orléans : olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire / Luciano
Amador dos Santos Jr. (organizador). - Belo Horizonte : Ramalhete, 2021.
215 p. : il. p&b. color.

ISBN 978-65-88959-33-6

1. Turismo – Minas Gerais 2. Caminho Saint Hilaire – Minas Gerais 3. Saint-Hilaire,


Auguste de, 1779-1853 I. Título.

CDD: 981.51

Bibliotecária responsável: Cleide A. Fernandes CRB6/2334

Todos os direitos desta edição reservados a


Instituto Auguste de Saint-Hilaire

Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização, por escrito, do(a) autor(a) e da editora.
Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Luciano Amador dos Santos Jr.
(Organizador)

Olhares Cruzados no
Caminho Saint Hilaire
Agradeci-
mentos
Luciano Amador dos Santos Jr‚
Diamantina, Primavera de 2020
Mato Dentro, que são as instituições proponentes do projeto
e que celebraram um ato histórico ao se irmanarem para,
num esforço conjunto, trabalhar para criarem o ambiente
necessário na sua implementação. Gratidão aos Prefeitos,
pelas visões empreendedoras e compreensão ampla e positiva
do projeto para geração de oportunidades socioeconômicas
e turísticas ao território, que possibilitou a empatia e a união

G
de todos em prol do Caminho Saint Hilaire.
ostaria de começar agradecendo a Deus pela graça de
ser o canal para a materialização do projeto Caminho
Saint Hilaire que vem consolidando de maneira positiva nos Auguste François César de Saint-Hilaire
últimos seis anos, por meio de suas conquistas como de ter Caminho Saint Hilaire
grandes parceiros; in memoriam ao naturalista Auguste de
Saint-Hilaire, pela generosidade de suas inspirações, intuições
e grandeza dos registros sobre a região; a minha família pela
cumplicidade e fé em todos os momentos. Carinhosamente,
referenciar aos coautores e articulistas, que doaram o tempo
e a inteligência necessários para a concretização deste
livro. Registre-se também o reconhecimento aos fotográfos
e designers que emprestaram suas imagens e criatividade
para este trabalho, bem como agredecer a todas as pessoas,
profissionais, comunidades e instituições que de alguma
maneira estão contribuindo para o progresso do Caminho,
como exemplos, a Université D’ Orléans, o Instituto de Arte e
Cultura de Diamantina – Diarte, Sebrae/MG, e a Associação
Rede Brasileira de Trilha de Longo Curso com destaque
para as instituições pioneiras de apoio, que aderiram aos
objetivos para que o seu desenvolvimento viabilize de modo
sustentável e permanente: a Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri, o Instituto Estadual de Florestas
e a Embaixada da França, na pessoa do Adido Cultural para
Minas Gerais, que tornou possível a publicação deste livro.
Por fim, e não menos importante, agradecer imensamente
as Prefeituras de Diamantina, do Serro e de Conceição do

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Prefácio

Philippe Makany
Adido de Cooperação e Ação Cultural para o
Estado de Minas Gerais
Embaixada da França no Brasil
atual das descobertas e dos seus relatos. O conjunto de
palestras, apresentadas com um grande rigor científico e bem
ilustradas, contribuiu para a elaboração de um inventário
das riquezas do território do CaSHi, em especial no que diz
respeito à biodiversidade, às paisagens, aos conhecimentos, à
gastronomia e, à produção de queijo e de vinho.
Os trabalhos efetuados por ASH na região cujas cidades de

Q uando, em maio de 2018, fui convidado para ir a


Diamantina participar das manifestações por ocasião
Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro, proponentes
do CaSHi, mantêm seu caráter de referência nos dias atuais e
dos 200 anos da viagem de Auguste de Saint-Hilaire (ASH) conferem à Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha
a Minas Gerais, e do lançamento do projeto “CAMINHO e Mucuri (UFVJM) e aos seus pesquisadores uma vantagem
SAINT HILAIRE (CaSHi)”, não poderia imaginar como local, dando lugar ao estabelecimento de cooperações
o naturalista francês, proveniente da cidade de Orléans científicas de alto nível.
– França, poderia continuar inspirando cientistas,
Este livro, resultado de um trabalho colaborativo entre
historiadores, artesãos e ambientalistas em Minas Gerais.
as prefeituras de Diamantina, Serro e Conceição do Mato
As cidades do Estado de Minas Gerais – Diamantina, Serro e Dentro, a UFVJM, a Universidade de Orléans e o Serviço
Conceição do Mato Dentro, próximas umas das outras, têm de Cooperação e de Ação Cultural da Embaixada da França
em comum o fato de terem sido visitadas por ASH durante no Brasil para o Estado de Minas Gerais, permite ao leitor
a sua expedição exploratória e de pesquisa no Brasil. Essas descobrir as riquezas do território brasileiro, além de
três cidades se irmanaram oficialmente para implementar compreender a perspectiva e o encantamento do célebre
um projeto visando à valorização do seu patrimônio naturalista francês. Não restam dúvidas de que, as propostas
cultural, histórico e científico, baseado em um eixo do do projeto Caminho Saint Hilaire, apresentados em conjunto
“CAMINHO SAINT HILAIRE”. dos artigos, constituirão um bom argumento para dar
Em vista dessas circunstâncias, pareceu-me interessante maior visibilidade e permitir a redescoberta do personagem
verificar, 200 anos depois, o legado dos trabalhos de Auguste de Saint-Hilaire no Brasil e na França, em particular
Saint-Hilaire em Minas Gerais e em Orléans. O seminário em Orléans.
“Minas Gerais – Orléans: Olhares cruzados sobre Auguste
de Saint-Hilaire” - em francês “Minas Gerais – Orléans:
Regards croisés sur Auguste de Saint-Hilaire”– , organizado
em Diamantina em maio de 2019, para lançamento da
marca do Caminho Saint Hilaire e celebrar os 240 anos de
nascimento de ASH, promoveu a demonstração do caráter

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Apresen-
tação
Juan Pedro Bretas Roa
Professor e coordenador do projeto de extensão
“Caminho Saint Hilaire” junto à Pró-reitoria de Extensão e
Cultura (PROEXC) da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
A natureza e os costumes do povo foram descritos, com
riqueza de detalhes, pelo ilustre naturalista Auguste de
Saint-Hilaire há mais de 200 anos. Seus relatos inspiraram
este livro e suas descobertas continuam encantando pessoas
de todas as partes do mundo.
Percorrendo o maciço do Espinhaço, da Serra do Cipó até a
Serra dos Cristais, é possível fazer uma imersão pelas Minas

A Serra do Espinhaço é um território único, com seus


rochedos e biomas. Um lugar ainda a ser descoberto
e redescoberto inúmeras vezes. A cordilheira gentilmente
Gerais em um território onde se experimenta a essência do
“ser mineiro” e lugar com o mais bem preservado acervo de
construções a céu aberto do Brasil colonial. Cidades e povo
ancorada no coração do Estado de Minas Gerais abriga marcados em diversos capítulos da História do Brasil, desde
cenários capazes de encantar seus visitantes e moradores. a riqueza do diamante e do ouro de outrora, passando pela
Lugar de gente hospitaleira e acolhedora, terra de
Inconfidência Mineira, pela gastronomia e pela música. Terra
encantos e de caprichos da natureza como em nenhum
marcada pela ousadia de Juscelino Kubitscheck, que até hoje
outro lugar do mundo.
inspira nosso povo, seja pela política progressista ou pela
Do lugar mais alto do sertão mineiro – o Pico do Itambé, vida boêmia encarnada ao tom seresteiro da viola.
com 2.052 metros de altitude – desenha a vertente de três
Restaurantes e bares de gastronomia diversificada, do
das principais bacias hidrográficas de Minas Gerais e do
tradicional pão de queijo a vinhos e queijos de sabor único.
Brasil. Imponente, observa altivo todos os seus visitantes e
A região guarda ainda o requinte das notas musicais, na
suas belezas, dentre elas a magnífica cachoeira do Tabuleiro,
batuta do Mestre Lobo de Mesquita, que no século XVIII
com seus 273 metros de queda livre na cidade de Conceição
do Mato Dentro. É nessa vitrine, em meio a cachoeiras e construiu um importante capítulo da música sacra colonial e
montanhas, que se construiu um dos grandes capítulos da que dá nome a uma das mais importantes escolas de música
História do Brasil. do Estado. É possível se deliciar com a Bossa Nova de João
Gilberto e seus refinados acordes dissonantes que inspiram
A Vila do Príncipe, sede da comarca do Serro Frio, ainda no
a vida cotidiana. Cerrando os olhos por alguns segundos,
século XVIII atraiu viajantes de todas as partes do mundo
podemos nos transportar para as composições de Milton
em busca de ouro e diamantes, na região onde hoje estão as
Nascimento, do Clube da Esquina e ainda brindar com
cidades de Conceição do Mato Dentro, Serro e Diamantina.
entusiasmo os diversos anônimos, que compartilham seus
Joias no meio da Serra do Espinhaço, com seus vilarejos
dons e nos encantam com suas serestas e vesperatas.
que ainda guardam grande parte da arquitetura colonial,
paisagens e costumes que transcendem o tempo e nos O sagrado e o profano coexistem nas manifestações
convidam a mergulhar na história e nas cores da natureza culturais. A força e a beleza de Chica da Silva reforçam
colossal que a cerca. a garra de um povo em todos os sentidos. A luta dos

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Inconfidentes por liberdade, igualdade e fraternidade, mesmo A UFVJM, nos seus 5 campus, nas cidades de Diamantina,
hoje nos aproximaram do povo francês. Ideais capazes de Teófilo Otoni, Janaúba e Unaí, conta com mais de 10.000
inspirar a sociedade a ser mais equilibrada e menos desigual alunos. Desde a década de 1950 vem lapidando jovens
social e economicamente. profissionais, pessoas nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri,
no Noroeste e no Norte mineiro, ofertando, após 67 anos de
Região de chuvas irregulares – abundância no verão e longos
história, mais de 50 cursos de graduação, além de cursos em
períodos de seca que castigam a terra, as pessoas e os sonhos
nível de especialização, Mestrado e Doutorado. A UFVJM
durante o inverno. O berço do Vale do Jequitinhonha, que,
conta ainda com um Centro de Inovação Tecnológica.
frente a um regime hídrico peculiar, renasce com as primeiras
O Centro é responsável por promover ações de apoio às
chuvas, como se cada ano fosse o último a ser vivido. Um
empresas juniores e aos projetos inovadores, o que permite
Vale de uma gente forte, de cultura vasta, da música, do
impulsionar ações que buscam o desenvolvimento regional.
artesanato. Vale que se reinventa a cada estação e que
encanta pela coragem do seu povo, pela força no olhar e pela É nesse espírito que a UFVJM se apoia para desenvolver
inigualável gana de viver e de construir o presente e o futuro. parcerias nacionais e internacionais em ações que envolvam
o ensino, a pesquisa e a extensão. Esperam-se muitos frutos
É na Serra do Espinhaço, na região do Alto Jequitinhonha
da aproximação entre a Universidade de Orléans, na França,
e do Vale do Mucuri, que nasce a Universidade Federal dos
e a UFVJM, com foco na geração de Conhecimento. Esse
Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) – a Universidade
movimento conduz à irmanação da cidade francesa de
dos Vales –, criada em 2005 e que continua o legado iniciado
Orléans, terra natal de Auguste de Saint-Hilaire, com as
por Juscelino Kubitscheck em 1953 com a fundação da
cidades mineiras que recebem e guardam o Caminho Saint
Faculdade de Odontologia. Escola projetada por Oscar
Hilaire: Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro. São
Niemeyer na convidativa rua da Glória, um dos cartões
ações de cooperação que visam ressignificar os valores de
postais da cidade de Diamantina.
um povo e superar desafios científicos.
Atualmente a UFVJM é uma universidade em um dos
Esta obra mostra os olhares cruzados entre as belezas
territórios mais desiguais do Brasil, abrange uma região
e os encantos da região da Serra do Espinhaço em um
com 185 municípios, mais de 3 milhões de habitantes e tem
mundo contemporâneo. Um caminho de muitos encontros,
como área de influência cerca de 45 % do Estado de Minas
descobertas, sabores e experiências inesquecíveis pelo
Gerais, área um pouco maior que o território do Reino
coração de Minas Gerais inspirados nos caminhos de
Unido. Nesse território, a UFVJM está presente para prover
Auguste de Saint-Hilaire.
o desenvolvimento à região menos populosa do Estado de
Minas Gerais. Região de Vales conhecidos por sua miséria,
que abrigam um povo sertanejo de cultura singular em meio
às serras, ao cerrado e à caatinga.

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Mosaico das cidades de Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro
Ricardo Luiz, 2020
Carta de
Diamantina
Juscelino Brasiliano Roque
Prefeito Municipal de Diamantina
Destacamos ainda outra enorme contribuição do Caminho
Saint Hilaire: a sua força de integração, levando a cidade de
Diamantina a se irmanar com as cidades de Serro e Conceição
do Mato Dentro e assim, como proponentes do projeto, criando
um pensamento estratégico comum de desenvolvimento
do território ao integrarem dois circuitos turísticos: o dos
Diamantes e o do Parque Nacional da Serra do Cipó, por meio

S abemos que o prestigiado naturalista e botânico francês de um projeto que potencializa as especificidades naturais,
Auguste de Saint-Hilaire poderia ter conquistado e culturais e históricas da região, buscando promover ainda mais
mantido seu prestígio profissional se tivesse permanecido a atividade turística do território.
em Paris, lecionando como professor no Museu de História Nesse sentido, o município de Diamantina através de sua
Natural da capital francesa. Mas Saint-Hilaire aspirava mais Secretaria de Cultura, Turismo e Patrimônio se coloca como
e audaciosamente embarcou numa jornada exploratória grande parceiro, coprotagonista e entusiasta do projeto
pelo Brasil, então colônia portuguesa, em 1816, e aqui Caminho Saint Hilaire, enxergando nele um potencial
suas aventurosas viagens e indeléveis registros elevaram econômico, turístico e cultural de destaque para a região e
o professor de Orléans ao título de “viajante do mundo”, que se estende para além do Atlântico, até onde remonta
deixando um importante legado não apenas científico no as origens desse filho tão ilustre e que certamente enche
campo da Botânica, mas sobretudo no que diz respeito à de orgulho o povo francês. Com o mesmo compromisso,
história e aos costumes do nosso povo em formação. também ressaltamos a importância da constituição do
Resgatar e valorizar esse rico legado histórico e cultural é, Instituto Auguste de Saint-Hilaire para que a condução desse
sem dúvida, uma das mais importantes contribuições que a projeto possa encontrar os profissionais e ferramentas
efetivação do projeto Caminho Saint Hilaire poderá trazer ao institucionais mais adequadas ao alcance do seu potencial.
município de Diamantina e região. No entanto, não é a única
e nem a mais importante. Se bem desenvolvido pelos órgãos
e entidades proponentes, e futuramente bem conduzido
pelo Instituto Auguste de Saint-Hilaire, este projeto poderá
estender o seu grande potencial turístico e econômico
para mais além. Poderá também inspirar os profissionais
envolvidos, às comunidades inseridas e aos turistas que se
aventurarem a seguir os passos do emblemático viajante
francês a aspirarem mais para suas vidas ao encarar jornadas
tão desafiadoras quanto as aventuras de Saint-Hilaire pelo
Brasil do século XIX.

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Carta de
Serro
Guilherme Simões Neves
Prefeito Municipal de Serro
Gestão 2017/2020
Dentro e as tratativas junto aos órgãos parceiros, como a
Embaixada da França, a Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri, que fornecem juntos às demais
prefeituras a sustentação institucional e oficial ao projeto.
Dessa união surgiu o amálgama entre o extenso trabalho de
Saint-Hilaire e as nossas riquezas naturais e culturais, e liga
definitivamente este importante naturalista à nossa História.

A porção da majestosa Serra do Espinhaço, que abrange


as cidades de Serro, Diamantina e Conceição do mato
Dentro, incluindo seus distritos, deve passar por uma
Ao concluir esta ambiciosa iniciativa, que envolve poder
público, iniciativa privada, instituições de ensino e
comunidade organizada, seguramente poderemos oferecer
das mais importantes transformações de sua História - O
à população e aos turistas um núcleo de desenvolvimento
Corredor Cultural e Natural Caminho Saint Hilaire, um sólido
turístico e econômico de grande impacto na geração de
projeto de resgate dos valores naturais e culturais das trilhas
renda e empregos nas comunidades absorvidas.
percorridas pelo Naturalista Auguste de Saint-Hilaire, no
século XIX, nas suas reconhecidas obras publicadas. Será um salto gigantesco nas condições de vida do nosso
povo e mais uma importante iniciativa de preservar as
Com ampla participação das populações locais, valorizando
raízes culturais e o frágil meio ambiente desta que é uma
seus hábitos e suas tradições, a proposta de revitalizar,
das regiões mais belas do planeta. A partir da consolidação
preservar e fornecer estrutura de atendimento em cerca de
do projeto, estaremos todos disponíveis para o Brasil e
170 km no percurso das trilhas percorridas pelo naturalista,
para o mundo e ainda mais orgulhosos do privilégio de
possibilitará elevar esta região do Estado de Minas Gerais a
vivermos aqui.
um dos mais promissores circuitos de turismo do país, além
de transformar os centros urbanos elencados na proposta em
um poderoso “cluster” de desenvolvimento regional.
O lampejo de criatividade ao propor a criação do Instituto
Auguste de Saint-Hilaire – IASHi como órgão gestor do
empreendimento, revela o alto nível de responsabilidade e o
compromisso de seus idealizadores com o desenvolvimento
regional pautado na sustentabilidade e na valorização do
patrimônio natural e cultural da nossa região.
Os passos fundamentais que garantem as bases para a plena
efetivação do IASHi são os tratados de Irmanação já existentes
entre as cidades de Serro, Diamantina e Conceição do Mato

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Carta de
Conceição do
Mato Dentro
José Fernando Aparecido de Oliveira
Prefeito Municipal de Conceição do Mato Dentro
hospitalidade, surge um novo olhar acerca das rotas, que
buscam por meio do turismo agregar valor regionalmente,
aliando a identidade cultural à geração de renda por meio do
desenvolvimento turístico.
Neste contexto, o projeto Caminho Saint Hilaire – CaSHi –
será um grande elo de integração para consolidar a política
de regionalização do turismo, possibilitando o crescimento

A o integrar a comitiva do Duque de Luxemburgo,


Auguste de Saint-Hilaire vislumbrou a oportunidade
de desbravar lugares remotos e pouco conhecidos pelos
socioeconômico, resguardando a cultura e preservando
o meio ambiente. Em Conceição do Mato Dentro, o
CaSHi irá corroborar com a vocação do município para o
europeus, chegando ao Brasil em 1816 e permanecendo até turismo, valorizando os atrativos naturais, reconhecendo
1822. As imensas extensões de mata ainda intocada, a incrível a identidade, melhorando a qualidade de vida de seus
quantidade de plantas, flores e animais de inúmeras espécies, habitantes por meio da geração de emprego e renda, além
formando um todo que se estendia a perder de vista, era algo de perpetuar a memória e a história trilhada por Auguste
que praticamente ultrapassava o entendimento humano do de Saint-Hilaire. Percorrendo o Caminho Saint Hilaire no
francês e impressionava por sua imponência. município, é possível encontrar pedaços da história de Minas
Em suas andanças pelo Espinhaço, dedicou um capítulo Gerais, como trechos coloniais da Estrada Real, igrejas e
especial à Serra do Intendente e talvez tenha sido o primeiro casarios que atravessam o tempo, cercados por campos e
a se impressionar com as belezas da Serra do Espinhaço e serras, corredeiras e cachoeiras, fauna e flora preservados.
de Conceição do Mato Dentro, como fez em relato quando Dessa forma, a importância de criarmos o Instituto
passou pela área que envolve a cachoeira Rabo de Cavalo, Auguste de Saint-Hilaire como um centro de referência a
no distante ano de 1817. Saint-Hilaire já destacava a região esse pioneiro franco-brasilianista se faz pertinente, pois
como um divisor natural entre as bacias do Rio Doce e do além de ser um agradecimento e reconhecimento ao seu
Rio São Francisco, quando viu claramente pequenos cursos legado, será também uma fundamental ferramenta para a
d’água descendo para uma ou outra borda, bem na crista do gestão do Caminho, atuando como um catalisador de ações
Maciço do Espinhaço. impulsonadoras para o turismo, fortalecendo a identidade
Muito mais do que descrever a natureza física das paisagens, das cidades irmãs de Conceição do Mato Dentro, Serro e
Saint-Hilaire era um atento observador e descritor do Diamantina no propósito de consolidar um desenvolvimento
cotidiano das populações que encontrou em seu caminho, integrado regionalmente.
tornando sua fértil obra um legado extraordinário.
Desbravados os caminhos e considerando a presença
humana do povo mineiro em sua modéstia, simplicidade e

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Os autores
Danielle Piuzana Mucida
Entendedora das pedras e admiradora das
plantas. É professora da UFVJM.
http://lattes.cnpq.br/1730953268502384

Evandro Luiz Mendonça Machado


Dedicado ao conhecimento das matas, selvas,
campos e serras. É professor da UFVJM.
Anne Priscila Dias Gonzaga http://lattes.cnpq.br/3154666906400484
Observadora dos campos, matas e registros
rupestres. Apaixonada pelas plantas e suas
variações na paisagem. É professora da UFVJM.
http://lattes.cnpq.br/3457070198865502
Fabiane Nepomuceno da Costa
Admiradora e estudiosa das plantas das serras
e dos campos. É professora da UFVJM.
Carlos Victor Mendonça Filho http://lattes.cnpq.br/1305205346683231
Das plantas das serras, dos campos e matas,
segue conhecendo o Espinhaço. Botânico, é
professor da UFVJM.
http://lattes.cnpq.br/9251503287241388
Flávia Aparecida Amaral
Apaixonada por História e pelo período
medieval, leva a vida seguindo pistas sobre
mulheres singulares. É professora da UFVJM.
Cleube Andrade Boari http://lattes.cnpq.br/7617600252068860
Zootecnista com experiência na área de
produção de queijos artesanais. É professor
da UFVJM.
http://lattes.cnpq.br/2685875786267997

Cristiane Fernanda Fuzer Grael


Entendedora de fazer planta virar remédio. É
professora da UFVJM.
http://lattes.cnpq.br/2697383234729515

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Luciano Amador dos Santos Jr.
Sabedor de turismo, apaixonado pela Serra
do Espinhaço, território do CaSHi e suas
comunidades. Idealizador do projeto Caminho
Saint Hilaire.
http://lattes.cnpq.br/3820866558905146

Marcos Guião
Entendedor e contador de histórias das plantas
do sertão. É produtor e instrutor de plantas
Hebert Canela Salgado medicinais do Senar Minas.
Viajante, errante, aventureiro de olhar www.ervanariamarcosguiao.com
caminhante entre o Sertão Gerais, as Serras do
Espinhaço e o mundão devir. É observador das
viagens e Professor da UFVJM.
http://lattes.cnpq.br/6969797795006664
Mônica Martins Andrade Tolentino
Arquiteta e restauradora, encontrou em
Diamantina fonte inesgotável de inspiração e
Jean Pierre Vittu prazer. É professora da UFVJM desde 2010.
Professor Emérito da Universidade de Orléans http://lattes.cnpq.br/9725102677803443
- França, estudioso de História Moderna e
estudos sobre Saint-Hilaire.
jean-pierre.vittu@univ-orleans.fr

João Francisco Meira


Diamantinense, é apaixonado por viticultura e
gastronomia. Gosta de causos e estórias. Entre
uma taça e outra, escreve sobre esses temas ou
visita o vinhedo, esperando as boas safras.
http://lattes.cnpq.br/3729801094481718

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Sumário
Campos limpos e sujos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
A Mata Atlântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Floresta Ombrófila . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Florestas Estacionais Semideciduais. . . . . . . . . . . . . . . 68
3.3 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
As plantas e as flores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4.1 De Diamantina a Serro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Parte I: O inspirador Saint-Hilaire . . . . . . . . . . . . . . 25
4.2 De Serro a Conceição do Mato Dentro. . . . . . . . . . . . 84
Saint–Hilaire de Orléans . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.1 Um herdeiro da alta nobreza de Orléans. . . . . . . . . . . 27 A serventia das plantas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
1.2 O nascimento de uma vocação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 5.1 Tem plantas medicinais nos caminhos de
Saint-Hilaire.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
1.3 As estratégias da construção de uma carreira. . . . . . 33
5.2 Apresentação das plantas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
A idealização de um caminho e seu território. . . . 39 5.3 Considerações Finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
2.1 O território. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Parte IV: O caminho histórico e cultural . . . . . . . 119
Parte II: O caminho natural e medicinal . . . . . . . . 49
As construções pelo caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
A paisagem‚ as plantas e os saberes: uma 6.1 Diamantina. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 6.2 Serro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

A paisagem e a vegetação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 6.3 Conceição do Mato Dentro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

3.1 Espinhaço: A serra, o Supergrupo e a Reserva da A celebração da cultura: queijos, vinhos e arte. . .135
Biosfera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
7.1 O queijo: arte do fazer. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
A Serra do Espinhaço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
7.2 Um brinde: descobrindo o vinho com Saint-Hilaire. . 143
O pacote rochoso: Supergrupo Espinhaço. . . . . . . . . . 56
7.3 O sagrado e o feminino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
A Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. . . . . . . 59
7.3.1 Quem é essa Donzela? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
3.2 Domínio Fitogeográfico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
7.3.2.Sibilas do Tijuco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
O Cerrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
7.3.3 Quem é essa Senhora?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Matas Ciliares e de Galeria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
7.3.4 Memórias que se cruzam pelo caminho . . . . . 154
Cerrado sentido restrito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
7.3.5. Cinema, memória e história. . . . . . . . . . . . . . . 156
Campo rupestre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Parte IV: O Caminho Saint Hilaire . . . . . . . . . . . . . . 161

O corredor turístico, histórico, cultural,


natural e medicinal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
8.1 Uma inspiradora trilha de longo curso. . . . . . . . . . . 169
8.2 Um Caminho para o desenvolvimento. . . . . . . . . . . 171
8.3 O destino que se deseja para o Caminho . . . . . . . . . 173
8.4 A marca e a pegada do Caminho . . . . . . . . . . . . . . . . 175
8.5 Fim do Caminho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

Viagens pelo caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
trecho entre Conceição do Mato Dentro, Serro e Diamantina.
Invocamos, a partir de suas obras, a paisagem, as plantas e
flores encontradas nesta região, bem como a “serventia” de
inúmeras dessas plantas para o ser humano, seja na cozinha,
seja pela medicina.
Apesar de sua formação em Botânica, nada fugia ao seu
olhar de naturalista. Neste sentido, a Parte III conta

Introdução
com capítulos que buscam descrever, a partir das obras
do naturalista, a riqueza das construções pelo caminho
percorrido entre os municípios, um patrimônio que conta
sobre nossa História. Pontuamos partes específicas com o
viés da manufatura dos queijos – patrimônio dos mineiros

A concepção deste livro surgiu da vontade do Adido


Cultural da Embaixada da França Sr. Philippe Makany,
que desejara realizar os anais do Seminário ocorrido em 2019,
e do processo alquímico da fabricação de vinhos. O último
capítulo desta parte é agraciado com a celebração do sagrado
feminino – a história, arte e memória pelo elo de duas
intitulado “Minas Gerais e Orléans, olhares cruzados sobre
guerreiras femininas: Chica da Silva, nascida e criada nesta
Auguste de Saint-Hilaire”, ação idealizada pela gestão do
região, e Joana d’Arc, heroína de Orléans, cidade natal de
projeto CaSHi junto a Embaixada da França, que foi promovido
Auguste de Saint-Hilaire.
pela Prefeitura de Diamantin, pelo Sebrae/MG com apoio da
UFVJM e, das prefeituras de Serro e Conceição do Mato Dentro. Por fim, apresentamos a Parte IV do livro, composta por
Teve por objetivo a comemoração de 240 anos de nascimento capítulos que remetem à concepção do projeto Caminho
do naturalista Auguste de Saint-Hilaire. Saint Hilaire, uma inspiradora trilha de longo curso entre
Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro. Este
Nesse sentido, o livro foi dividido em quatro partes. Na
Caminho foi concebido com a intenção de ofertar àqueles
Parte I, em seu primeiro capítulo, abordamos um pouco
que a trilharem um pouco de toda a riqueza natural e
da vida de Saint-Hilaire na França: sua origem, vocação e a
cultural desta região, uma volta ao passado e a possibilidade
carreira como botânico antes de sua vinda ao Brasil, em 1816.
de desenvolvimento para as comunidades locais – redutos de
No segundo capítulo apresentamos a concepção do Caminho
sabedoria deste território.
Saint Hilaire e características do seu território.
Finalizamos este volume com uma “viagem” pelo Caminho,
Na Parte II, dividida em 3 capítulos, buscamos reverberar
que retrata a beleza deste território.
a importância paisagística e sua biodiversidade quando
da passagem de Saint-Hilaire por Minas Gerais, mais Esperamos que você, leitor, viaje conosco na companhia de
especificamente na Serra do Espinhaço Meridional, no Saint-Hilaire!

23
Parte I:
O inspirador
Saint-Hilaire

Colagem do Auguste François César de


Saint-Hilaire e suas exsicatas
Fonte: Domínio Público

25
Vista de Orléans, a partir da margem sul do rio Loire (leste).
Fonte: Museum de Orléans.

26 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Saint-Hilaire pratica inicialmente a Botânica como um
agradável passatempo, o que era muito popular entre as
pessoas pertencentes ao círculo de leitores de Rousseau
(BEAUREPAIRE, 2010; WILLIAMS, 2001). Mas após alguns
anos de coleta de plantas no Loiret, o amador esclarecido
se tornou um verdadeiro especialista, reconhecido pelos
cientistas estabelecidos (LAMY et al., 2016).

1.
Pouco conhecidas até o momento, as origens orleanenses
da carreira de Auguste de Saint-Hilaire podem ser
reconstituídas graças a duas fontes principais – seu
herbário dos anos 1805-1813 e suas primeiras publicações
- que testemunham o interesse crescente pela Botânica e a
constituição de uma rede acadêmica.

Saint–Hilaire 1.1 Um herdeiro da alta nobreza de Orléans

de Orléans Augustin François César de Saint-Hilaire (chamado Auguste)


nasceu em 4 de outubro de 1779, filho de Augustin François
Prouvençal de Saint-Hilaire e Anne Antoinette Jogues de
Guédreville, em meio à alta nobreza orleanense, o que
Jean Pierre Vittu lhe forneceu as bases materiais, sociais e culturais da sua
Flávia Amaral (tradução) carreira de botânico.
Seu pai, antigo oficial na Artilharia Real, pertencia a uma
família de administradores e de militares que ascenderam à
Pode parecer estranho que Auguste de Saint-Hilaire,
nobreza por ocasião da ocupação de um cargo de secretário do
tão conhecido no Brasil, tenha sido, em Orléans, quase
rei pelo avô de Auguste, François-César Provençal de Saint-
esquecido após um período de celebridade no século XIX.
Hilaire, cavaleiro de São Luís, esposo de uma Massuau, família
No entanto, é nessa cidade que a vocação de botânico de
de onde saíram muitos prefeitos de Orléans. O pai de Auguste,
Saint-Hilaire e sua carreira encontram sua origem, em
que pertencia assim à “nobreza de função”, foi escolhido, em
um ambiente rico e aberto às ciências, um meio composto 17891, como redator das demandas da nobreza local. Esse ramo
por “nobres de função”, do lado paterno, e de grandes paternal tinha assim relação com a importante sociedade de
negociantes, do lado materno. Incentivado por sua família
a escolher entre os negócios e a alta administração, 1
Archives Municipales d’Orléans, Registre paroissial de Notre-Dame de Recouvran-
ce, 1779, f°32 verso, 5 octobre 1779, baptême d’Auguste de Saint-Hilaire.

27
juristas letrados e clérigos nascida das diversas instituições empresa situada na Rua Notre-Dame-de-Recouvrance, onde
estabelecidas em Orléans: a intendência administrativa ainda se vê o hotel que eles tinham construído (Figura 1.1).
orleanense; os tribunais de baillage (entidade territorial) e
O melaço das Antilhas, que desde o século XVII era
présidial (tribunal de justiça do antigo regime); o colégio; a
tratado pelos refinadores para produzir um açúcar de cana
Biblioteca Pública da cidade, uma das primeiras fundadas na
largamente apreciado no Reino, desembarcava em Nantes
França, em 1694, por um jurista; a Universidade de Direito,
e subia pelo rio Loire, em barcos, até chegar na cidade de
que tinha 400 anos de idade; a Escola Real de Cirurgia, aberta
Orléans, que controlava uma encruzilhada maior: a da
em 1762; o Bispado, o Seminário e, enfim, inúmeros conventos
direção oeste-leste, que constitui o Loire, e do eixo Norte-
femininos ou masculinos (DEBAL, 1982).
Sul, que ia de Paris à Espanha (CAILLET, 2012). A figura da
abertura do capítulo retrata esta área.
Esse tipo de Aliança entre “nobreza de funções” e negócios
era muito frequente entre os orleanenses notáveis do século
XVIII. Por seus dois ramos familiares, Auguste de Saint-
Hilaire era aparentado a muitas grandes famílias notáveis
de Orléans: os Massuau já citados, os Vandeberge de
Villebouré (de onde também veio um prefeito da cidade); os
Sarrebourse, grandes refinadores; os Rocheron d´Amoy; os
Velard e, enfim, o antigo lugar-tenente da polícia de Paris,
Jean Charles Pierre Lenoir.
Não é de se espantar que esses mesmos grupos, de
empresários e administradores, participassem da criação
de novas instituições culturais no fim do século XVIII, a
Escola de Desenho e, sobretudo, a Academia de Ciências
Figura 1.1: A casa da família Jogues, da cidade, que foi, de início, intitulada Sociedade de
Rua Notre-Dame-de-Recouvrance.
Física. Em abril de 1781, essa Sociedade de Física, História
Fonte: arquivo pessoal - 2019
Natural e Artes foi fundada por um grupo de notáveis e de
“capacitados” orleanenses: trinta e seis membros titulares
Por outro lado, o ramo materno pertencia ao grande negócio. moradores de Orléans, que eram médicos, boticários,
A família Jogues de Guédreville possuía uma das mais juristas ou antigos oficiais tanto do Exército quanto da
importantes refinarias de açúcar em Orléans, desenvolvida Marinha. A esses titulares foram adicionados, de uma
pelo avô e depois pelo pai de Anne-Antoinette Jogues, ambos parte, vinte associados livres, estabelecidos em diversas
chamados Augustin, que tinham ampliado o espaço de sua cidades dos arredores e que pertenciam ao grupo dos

28 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


“capacitados” (especialmente os médicos), e, de outra parte,
oitenta e dois correspondentes, entre os quais se contam
numerosos parisienses, representantes de academias de
cidades do interior, assim como uma dezena de sábios
estrangeiros vivendo em Amsterdã, Berlim, Göttingen,
Florença ou ainda no Haiti, no Cap Français2.
Numerosos membros dessa sociedade se interessavam
particularmente pela Botânica: Huet de Froberville, Prozet
ou Roussel, entre os titulares, ou entre os correspondentes,
Johan Andreas Murray, o responsável pelo Jardim Botânico de
Göttingen, que havia reeditado, em 1774, a parte botânica do
Systema Naturae de seu mestre Lineu, ou ainda o físico Jean
Sénebier de Genebra, que estudava a influência da luz sobre os
vegetais, e Joseph Priestley de Edimburgo, que havia isolado o
oxigênio, em 1774, sem ainda tirar conclusões definitivas.
Conforme o programa impresso, a Sociedade de Física se
Figura 1.2: Planta do Jardim da Cidade que veio a se tornar Jardim
propunha a promover as ciências físicas que ela dividia
Botânico em 1781.
em gerais (matemáticas e Astronomia), e em particulares Fonte: AD Loiret, DD Suppl.4, Jardin Botanique, 1781-1783.
(Química, Meteorologia e ciências naturais, entre as quais
figurava a Botânica). É nesse espírito que a nova Sociedade
começa a criar um Jardim Botânico em Orléans e que ela Desde o fim de 1782, os responsáveis pelo Jardim foram
pede ao município, desde abril de 1781, a concessão do direito em busca de plantas para esta escola, solicitando colegas
de usufruir do Jardim da Cidade, situado a Oeste, sobre as amadores de Botânica e também especialistas em viveiros
antigas fortificações que dominaram o Loire nesse terreno que faziam, desde muito tempo, em toda a França, a
de quase 4000 metros quadrados (VITTU, 2018). O perímetro
reputação de Orléans em matéria de horticultura.
permaneceu aberto ao passeio e no meio foram estabelecidas
porções de terra de uma escola botânica, destinadas a receber Depois, seguindo o conselho do responsável pelo jardim
os espécimes de plantas coletadas pelos responsáveis pelo do rei, André Thouin, eles solicitaram plantas em várias
jardim. Além disso, o piso térreo de um edifício antigo foi partes da França aos diretores dos jardins botânicos que
transformado em uma estufa aquecida, enquanto no andar se correspondiam com a instituição. Graças aos envios
de cima uma grande sala deveria receber as reuniões da anuais do jardim do Rei e, aos mais ocasionais, dos jardins
sociedade, assim como os cursos oferecidos (Figura 1.2). provinciais (plantas das Américas enviadas por Brest,
plantas da China enviadas de Nova York a Paris, que
2
Médiathèque d’Orléans, Mss 943-954, Lettres autographes.

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 29


compartilhou o envio com Orléans), a Escola de Botânica 1.2 O nascimento de uma vocação
de Orléans logo contou com cerca de 2000 espécies, ou
seja, tanto quanto o jardim da Universidade de Poitiers. É nesse quadro geográfico, social e cultural que Auguste de
Muitos elementos sugerem o sucesso desse Jardim de Saint-Hilaire recebe sua formação geral, após se iniciar na
Orléans: de início a impressão de um pequeno guia que era Botânica e antes de reconhecer sua verdadeira vocação. De
oferecido ao visitante para apresentá-lo à classificação da acordo com o costume da época, quando criança recebera
coleção inspirada pela taxonomia de Jussieu; em seguida, a provavelmente a formação inicial em sua família, por um
repercussão dada pela imprensa local às aulas de Botânica preceptor ou parente. Segundo a França Literária, não fora seu
oferecidas na grande sala do jardim; e finalmente, a presença avô, Jogues, quem publicou um ano antes do seu nascimento
de vinte obras de Botânica no catálogo da principal livraria um método simples e fácil para aprender a ler em francês?
da cidade, impresso em 17873 (Figura 1.3).
Por outro lado, o próprio Saint-Hilaire indica em sua
Viagem ao Distrito dos Diamantes e ao Litoral do Brasil,
que ele tinha estudado em Pontlevoye, um Colégio Real
Militar mantido pelos beneditinos da congregação de Saint
Maur, estabelecido em Solesme, que foi aberto a outros
pensionistas depois de 1786 (Figura 1.4).

Figura 1.3: Instrução sobre a ordem e o engajamento do Jardim


Botânico estabelecido no Jardim da Cidade em Orléans.
Fonte: Orléans, [Couret de Villeneuve], 1783, in-18.

Figura 1.4: Abadia beneditina e Colégio Real de Pontlevoye


3
Chicago, Newberry Library, Case Wing Z 45 15, Ser. 4, n°23, Catalogue du fonds de
librairie de Couret de Villeneuve, année 1787 Fonte: Museu de Orléans

30 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Quando criança, teve como mestre Dom Marquet, autor história dos insetos que se encontram nos arredores de
de uma gramática alemã, língua ensinada em Pontlevoye Paris”, de Étienne Louis Geoffroy, publicada em 1762, mas
junto com o inglês. Ele reencontra no Brasil alunos que que foi reeditada justamente em 1798. No entanto, Saint-
o beneditino formou durante o seu exílio em Portugal, Hilaire teve logo de interromper essas coletas para ir à
depois da supressão da sua congregação. Da formação Alemanha, devido a um assunto de família ou para aprender
muito variada oferecida por esse colégio – Matemática, novas técnicas de refino adotadas pelos empresários de
Arquitetura, línguas modernas, História, Geografia, desenho, Hamburgo6. Essa estadia, que dura ate 1802, lhe deu a
lavis (técnica de pintura) etc. –, Saint-Hilaire só pôde assistir possibilidade de aprofundar sua prática em alemão, o que
às primeiras aulas, uma vez que os beneditinos foram lhe permitiu familiarizar-se com a publicação de obras
afastados em 17924. de Alexander Von Humboldt (JENKIN, 1970) e as teorias
de Goethe sobre a metamorfose das plantas, “Versuch die
De volta à sua família, Saint-Hilaire foi iniciado na gestão
metamorphose der pflanzen zu erklären”, publicado em
da refinaria. Além disso, é possível ter uma visão geral da
Gotha, em 1790.
sociabilidade familiar através dos poemas compostos durante
muitas celebrações e aniversários no castelo de Plissay De volta a Orléans, ele retoma com o Dutour de Salvert
(pertencente aos Jogues), situado nas margens do Loiret, onde suas buscas entomológicas, mas eles ficam rapidamente
muitos notáveis orleanenses possuíam uma propriedade. Os desapontados com um “trabalho muito ruim”, sem dúvida
poemas que ele compôs para essas festas, em 1795 e 1796, a “Breve história dos insetos das redondezas de Paris”, de
também testemunham seus passeios de barco sobre essa Charles Athanase Walckenaer, sendo que em 1804 os dois
ressurgência do Loiret e as excursões às suas margens, onde amigos se voltam para a Botânica. O herbário que Saint-
ele logo exerceu sua curiosidade pelos insetos5. Hilaire constitui durante essas coletas, realizadas de 1805
a 1813 em torno de Orléans, com seu primo, nos permite
Com efeito, em 1796 Auguste fez amizade com seu primo
reconstituir sua formação como botânico e até mesmo suas
Amable Dutour de Salvert, estabelecido em Orléans após
estratégias de carreira.
a morte de seus pais, e cujo avô paterno, naturalista e
físico, era amigo de Buffon. “Nos veio a ideia de estudar os De fato, 1.800 pranchas que são mantidas no Museu de
insetos”, explicou Saint-Hilaire no obituário de seu amigo, Orléans em treze caixas de mogno e contêm cinco tipos de
que descreve as cavalgadas dos dois adolescentes – Auguste indicações que podem ser colocadas em ordem cronológica
tinha então dezessete anos e Amable quinze – à procura de e cruzadas7 (Figura 1.5). Trata-se das denominações
besouros que eles então classificavam consultando a “Breve
6
Bibliothèque Centrale du Muséum National d’Histoire Naturelle, Ms 2673, Lettre
4
A supressão da congregação, bem como o afastamento dessa ordem foram decor- d’Auguste de Saint-Hilaire à Deleuze, Orléans, avril 1815: « Tendo morado na Ale-
rentes de uma série de medidas anticlericais promulgadas no contexto da Revolução manha durante quase cinco anos (...) nessa encantadora cidade de Wandsbeck onde
Francesa. Nota da tradutora. aprendi alemão e onde passei os oito meses mais felizes da minha vida. »
5
Médiathèque d’Orléans, Ms 2063, Le Chansonnier d’Olivet, f°354sq Recueil de chan- 7
Muséum d’Orléans, Herbier d’Auguste de Saint-Hilaire, numérisation: e-ReColNet
sons et vers faicts [sic] à Plissay et a Beausejour ou ailleurs. (ANR-11-INBS-0004).

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 31


científicas, assim como das denominações populares, do observa-se que, em 1806, os dois amigos foram recebidos no
espécime, referências a grandes floras ou catálogos de castelo de la Touche e realizaram coletas ao longo do canal
plantas, a data da coleta, o local onde foi feita e, muitas de Orléans. Então, a partir de 1807 a prospecção se estendeu
vezes, o nome de um companheiro de campo ou mesmo do ao entorno de Pithiviers, do castelo de Ascoux, propriedade
doador do espécime. dos Saint-Hilaire, e em torno de Malesherbes, cujo castelo
pertencia a Lamoignon.
Os nomes dos companheiros ou dos doadores escritos em
certas placas confirmam o papel das relações familiares
ou de amizade que nos são sugeridas nas etapas desses
trabalhos de campo. Assim, já em 1805 Saint-Hilaire
trabalha também com Jules-Martial Pelletier-Sautelet, que
foi posteriormente escolhido para dirigir o Jardim Botânico
de Orléans. Em 1806, Antoinette de Salvert lhe dá plantas;
em 1807, o abade François Dubois, autor do “Método para
conhecer as plantas dos arredores de Orléans”, de 1803, abriu
seu jardim para ele e o encorajou em seus estudos.
Finalmente, em 1808 Saint-Hilaire trabalhou na companhia
Figura 1.5: Uma das caixas em mogno contendo amostras do
herbário francês de Auguste de Saint-Hilaire. de Ferdinand de Tascher, um primo da imperatriz Josefina,
Fonte: Museu de Orléans. Herbier d’Auguste de Saint-Hilaire. e recebeu plantas de Thérèse Seurat de Meule (Figura 1.6),
que desenhou uma Flora de Orléans após ter frequentado
as aulas do pintor de flores Van Spaendonck, no Jardim das
Assim, a evolução da localização desses trabalhos de campo Plantas de Paris (VITTU, 2018). Desde 1806 esses botânicos
a partir de 1805 testemunha a construção progressiva de também puderam contar com o Jardim Botânico, restituído
um projeto de estudo sobre a região orleanense. Com efeito, pela Escola Central ao município, que concedeu fundos
entre junho e setembro de 1805 as primeiras cavalgadas consideráveis para seu desenvolvimento e enriquecimento.
de Saint-Hilaire e Salvert seguiram o Loiret, ao longo do
qual puderam ser recebidos no castelo da família (Plissay)
ou naqueles de seus amigos (La Source, Le Couasnon, La
Fontaine). As outras excursões desse ano foram também
ao sul de Loire, em Sologne, e ao redor do castelo de
Turpiniére, que também pertencia a Saint-Hilaire. Entre
outros exemplos de acolhida pelos seus pais ou parentes,

32 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Auguste de Saint-Hilaire em relação aos botânicos da
capital, com os quais ele entrou em contato durante um
trabalho de campo na floresta de Fontainebleau. Foi assim
que, na primavera de 1808, ele recebeu espécimes de Jean-
Louis- Auguste Loiseleur-Deslongchamps, cuja “Flora
Botânica” acabara de ser publicada e que, no outono daquele
mesmo ano, fora companheiro de Alexander von Humboldt
na Colômbia, e de Aimé Bonpland, então encarregado dos
jardins da imperatriz Josefina, em Malmaison, que lhe deu
quatro plantas (DROUIN, 2008)8.
A análise dos livros que Auguste de Saint-Hilaire mencionou
em seu herbário, como referência para suas identificações,
também atesta seu crescente profissionalismo, uma vez que,
aos clássicos Lineu e Wildenow, ele adicionou vários livros
publicados durante seus trabalhos de campo: a terceira
edição da “Flora Francesa”, de Lamarck, publicada em 1805
por Candolle; o Synopsis Plantarum de Cristian Hendrick
Persoon, editado de 1805 a 1807; a “Flora de Anjou”, dada em
1809 por Toussaint Bastard, ou ainda o suplemento “A Flora
da França”, publicado em 1810 por Deslonchamps-Loiseleur,
que também citou Saint-Hilaire por ter encontrado plantas
em Sologne e em Limagne.

1.3 As estratégias da construção de uma carreira


Figura 1.6: Foto de uma exsicata do herbário francês de Auguste
de Saint-Hilaire, pertencente à espécie Ranunculus falcatus L. Tendo sido descartada a possibilidade de um recrutamento
(basiônimo de Ceratocephala falcata (L.) Pers.), doado pela Sra. como auditor no Conselho de Estado, por ocasião das
Thérèse de Meules, em 1808 ao Muséum d’Orléans. grandes jornadas de 1806 a 1808, destinadas a reunir, no
Fonte: Museu de Orléans
8
Nota-se também que na maior parte dos verões de 1807 a 1814, Auguste de Sain-
t-Hilaire herboriza em Limagne, onde seu primo Dutour de Salvert tinha sua casa
de família, na comuna de Riom. Informação que consta no Herbier d’Auguste de
No entanto, a partir de 1808 os nomes mencionados pelo Saint-Hilaire, numeração: e-ReColNet (ANR-11-INBS-0004), assim como no herbário
numerado do Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris: science.mnhn.fr/all/
herbário testemunham uma ampliação do círculo de list?originalCollection=Hb+A.+de+Saint-Hilaire.

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 33


Império, os descendentes das antigas famílias notáveis,
Auguste de Saint-Hilaire entrou em contato com os
botânicos do Jardim das Plantas em Paris e frequentou as
aulas de Jussieu, uma vez que ele conserva os espécimes
coletados em Chaville durante um trabalho de campo.
A partir de então, no início da década de 1810 uma série de
palestras diante das sociedades acadêmicas e as publicações
em suas memórias marcaram seu reconhecimento por
botânicos já estabelecidos. Saint-Hilaire atraiu pela
primeira vez a atenção desses profissionais por dois
estudos apresentados diante de seus colegas da Sociedade
de Ciências físicas e médicas de Orléans, que o acolheram
desde sua fundação, em 1809. O primeiro, intitulado
“Réponse auxreproches que les gens du monde font à
l’étude de la botanique” (“Resposta às censuras que as
pessoas do mundo fazem ao estudo da Botânica”), pretendia
mostrar que a Botânica não consiste em mero exercício de
nomenclatura, contrariamente ao que sugerem as análises
sucessivas próprias do método dicotômico criado por
Lamarck, que permitia encontrar o nome de uma planta por
uma sucessão de perguntas (Figura 1.7). Para Saint-Hilaire,
a Botânica permite “o exercício do corpo ao ar livre” e,
acima de tudo, é uma “ciência filosófica” que busca “o lugar
de cada espécie em uma ordem natural da qual se devem Figura 1.7: Publicação de respostas às censuras no Bulletin de la
descobrir as linhas principais”. Société des sciences physiques d’Orléans.
Fonte: Bibliothèque de l’Académie d’Orléans

Saint-Hilaire retoma, assim, por conta própria, uma prática


originada por volta de 1750: a de reutilizar reimpressões de
artigos de periódicos acadêmicos distribuídos pelos autores
para estabelecer sua reputação diante das autoridades
científicas (VITTU, 2016). Podemos, portanto, supor que a

34 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


maioria das cópias dessas brochuras, agora preservadas em uma rede nacional, e mesmo europeia, graças à sua entrada
bibliotecas públicas, é resultado das correspondências de nas sociedades eruditas e à utilização das vias de acesso
Saint-Hilaire com Coquebert de Montbret, em Rouen, um clássicas: a publicação científica, as revistas acadêmicas e as
membro da Sociedade Filomática desde sua criação; com reimpressões das memórias que elas recebiam.
Bastard, em Angers, que enviou espécimes para Saint-Hilaire
Além desse reconhecimento por botânicos renomados,
em 1811 e até mesmo com Candolle, em Montpellier, ou
Saint-Hilaire pôde também se preocupar em adquirir
Wildenow, em Berlim9.
uma posição nesse meio, aos 37 anos. Ele acionou essas
Essas duas publicações abriram a Saint-Hilaire as portas mesmas redes no momento em que se escolhia um botânico
de diversas sociedades científicas da capital, o Museu de para acompanhar o embaixador da França junto ao rei de
História Natural, a Sociedade Filomática de Paris, o próprio Portugal. Não tenho a pretensão de ensiná-los o episódio da
Instituto, para os quais nos anos seguintes ele escreveu seis Guerra da Espanha que me fascina desde os 14 anos: Junot
memórias de Botânica, uma para o Journal de Botanique e chegando, em novembro de 1807, à frente de sua cavalaria
quatro para a Sociedade de Física de Orléans10. Mais uma no cais do porto de Lisboa e vendo desaparecer no horizonte
vez Saint-Hilaire teve o cuidado de ter as reimpressões que as frotas portuguesa e inglesa. É assim que – caso único nos
ele distribuía. A maior parte desses onze artigos se ligava ao tempos modernos – uma colônia, o Brasil, torna-se uma
estudo de um gênero particular, alguns de uma espécie, mas metrópole pela presença de seu Rei. Para regularizar uma
todos se baseavam no estudo dos órgãos reprodutores: um questão de fronteiras do lado da Guiana, o governo francês
estudo comparativo dos pistilos, órgão reprodutor feminino decide enviar, em 1816, uma comitiva que conduziria o duque
das plantas. Piney-Luxembourg11 e que acompanharia artistas e homens
de Ciência.
Assim, em dez anos Auguste de Saint-Hilaire passou
do estatuto de amador esclarecido ao de profissional da Segundo uma compatriota de vocês, a professora Lorelai
Botânica, apoiando-se em um meio local para construir Brilhante Kury (2014), que consultou os arquivos franceses,
Saint-Hilaire tinha tomado conhecimento desse projeto
9
Auguste de Saint-Hilaire, « Réponse aux reproches que les gens du monde font à
l’étude de la botanique », in Bulletin de la société de physique [...] d’Orléans, 1810,
por uma relação de sua família, e teria apresentado
pp. 27-52 ; Catalogue de la bibliothèque scientifique de MM. de Jussieu, Paris, Henri sua candidatura ao cargo de botânico, salientando que
Labitte, 1857, n°1260 ; « Notice sur soixante-dix espèces de plantes phanérogames »,
in id., pp. 97-103 e ainda Notice sur soixante-dix espèces de plantes phanérogames, tal missão poderia permitir reconhecer plantas úteis e
Orléans, Huet-Perdoux, 1811, 30p.
aclimatáveis na França. Diante dessa solicitação, o governo
10
Auguste de Saint-Hilaire, « Observations sur le genre hyacinthus », in Bulletin de
la Société de physique [...] d’Orléans,1810, pp. 200-205 ; « Observations sur le genre francês pede a opinião dos professores do Museu de Paris,
tragus », in Nouveau bulletin des sciences de la Société philomatique de Paris, 1810, p. que exaltaram as capacidades de Saint-Hilaire, o que
310, « Sur une nouvelle espèce de scabieuse », in idem, 1812, pp. 149-150, « Observa-
tions sur le genre glaux », in idem, 1814, pp. 157-158, « Mémoire sur les plantes aux- influenciou na decisão do ministro.
quelles on attribue un placenta central libre », in idem, 1815, pp. 16-24 ; « Mémoire su
la formation de l’embryon du tropéolum et sa germination », in Annales du Muséum,
1811, pp. 461-471, « Examen du genre ceratocephalus », in idem, 1812, pp. 463-470 ;
« Description du scirpe à plusieurs tiges », in Journal de botanique, 1814, pp. 14-16. 11
Charles Emmanuel Sigismond de Montmorency-Luxembourg (1774-1861).

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 35


Após uma estadia de seis anos no Brasil, Saint-Hilaire a pesquisa realizada por Saint-Hilaire e seus companheiros,
continua ligado a Orléans por sua família e bens, mas suas sobre células vegetais e sua reprodução, abrira caminho
atividades se desenvolvem, sobretudo, em Paris. Após haver (CHEVALIER, 1929).
defendido um doutorado consagrado às plantas brasileiras,
Por fim, o interesse pelo trabalho de Auguste de Saint-
ele obtém, em 1834, uma cátedra de Botânica na Faculdade
Hilaire parece renascer devido ao sucesso do pensamento
de Ciências e se dedica à publicação das observações
ecológico que desperta uma nova curiosidade pela Botânica.
reunidas ao longo dessas duas viagens.
Estou convencido de que o Seminário “Minas Gerais-
Ainda que a maior parte de suas atividades tenham se Orléans”, que nos une hoje, certamente contribuirá para
desenvolvido em Paris, Saint-Hilaire continua ligado a essa redescoberta na cidade onde ele nasceu há duzentos e
Orléans, onde contribui regularmente para as sessões da quarenta anos12.
Academia na década de 1830. Depois, sofrendo de uma
doença nervosa, ele se retirou para sua propriedade de
Turpinière, situada em Sennely, ao sul de Orléans, onde
morreu, em 1853.
Para concluir, podemos nos perguntar sobre as origens do
relativo esquecimento no qual Saint-Hilaire caiu em sua
cidade natal. Vejo para isso algumas explicações.
De início, o afastamento de Orléans por muitos anos,
aliado ao desenvolvimento internacional da carreira de
Saint-Hilaire, que provavelmente tornou-se um estrangeiro
em uma cidade menos aberta do que outras aos circuitos
internacionais. Saint-Hilaire também teve má sorte com
publicações sobre sua vida. Em 1852, o Dicionário dos
Homens Ilustres de Orléans recenseou apenas celebridades
defuntas, e nunca foi atualizado.
No entanto, o esquecimento no qual caiu o trabalho de
Auguste de Saint-Hilaire pode ser explicado, sobretudo,
pela evolução das disciplinas científicas. A Botânica
classificatória que ele praticava já estava sem fôlego no final
do século XIX, como todos os ramos da história natural, e foi
gradualmente sendo substituída pela Biologia, para a qual Agradeço à amiga, professora Flávia Amaral, pelo cuidado dedicado à tradução do
12

meu texto.

36 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Tijuco

Villa do Principe

Conceição

Detalhe da região entre Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro no novo mapa da
Capitania de Minas Gerais (Eschwege, 1821).
Modificado de Renger et al. (2004)

38 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


2.
de Conceiçao do Mato Dentro e com a fundamentação
histórica da passagem de Saint-Hilaire por Conceição,
vislumbrou-me a oportunidade única de unir as três cidades
de maior potencial turístico do território, consolidando
definitivamente sua concepção.

A idealização de O processo de construção do projeto se deu da vivência


e pela percepção de trabalhar como consultor de

um caminho e
desenvolvimento territorial por meio de um processo
turístico nas comunidades da região.Desta maneira

seu território
despertou oo desejo de desenvolver um projeto (que poderá
ser melhor entendido na sua totalidade no capítulo 8º deste
livro) que comunga com as especificidades regionais e que
seja uma ação endógena, desenvolvida com as inteligências
locais com oportunidades para um processo econômico
Luciano Amador dos Santos Jr. turístico includente, pensando nas comunidades que
abarcam o CaSHi.

O projeto Caminho Saint Hilaire foi planejado para estimular O nome do projeto surgiu pela busca de um elo de
a conservação do meio ambiente, do patrimônio histórico conectividade e sentido ao que se propunha para o território.
e cultural e valorizar a importância do naturalista Auguste Assim, Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) descortinou com
de Saint-Hilaire, bem como o meio de vida local com toda a magnitude de suas anotações, disponíveis atualmente
suas tradições e costumes. Neste sentido, almeja-se que na forma de livros conhecidos como “literatura de viagem”,
características locais sejam respeitadas e ‘experienciadas’ com inspirações que dão significado a tudo o que fora
pelas pessoas, promovendo a autoestima dos membros projetado.
comunitários ao fortalecer o sentimento de pertencimento O nome Caminho Saint Hilaire homenageia este
pelo território, ajudando a impulsionar o desenvolvimento extraordinário cidadão francês de espírito aventureiro, que
socioeconômico regional por meio do turismo responsável. como naturalista despertou o interesse de conhecer novas
A idealização e escrita do projeto Caminho Saint Hilaire – paisagens ainda inexploradas. Com a mudança do Rei D.João
CaSHi – ocorreu entre os anos de 2014 à 2016, tendo o marco VI para terras brasileiras liberando as fronteiras, agusou o
o ano de 2017, quando pela primeira vez foi apresentado desejo de Saint-Hilaire de conhecer a Terra Nova. Assim,
na sua totalidade para as municipalidades de Diamantina articulou sua vinda na missão diplomática do Duque de
e do Serro. Somente no ano 2018, pelo desejo da cidade Luxemburgo, Embaixador da França, que viria ao Brasil.

39
“[…]o observador sente a necessidade de examinar ou- paisagens, de grande parte do território brasileiro no
tros, e daí esse desejo ardente, que experimentam quase período colonial.
todos os naturalistas, de visitar terras longínquas […] o
Rei D. João VI […] ainda prometia aos naturalistas as Dessa sua extensa missão exploratória, que resultou em
mais ricas messes; foi ela que eu me dispus a percorrer um importante registro literário, grande parte do acervo
[…]Embaixador da França[…] Solicitei-lhe a honra de
bibliográfico é dedicado ao território de Minas Gerais:
acompanha-lo; acedeu a meu pedido[...] e, a 1.° de abril
de 1816, parti de Brest, com o embaixador, na flagata “Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”;
Hermione.” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.17). “Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil;
“Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e São
Em 2021 celebra-se, 204 anos (1817) de sua passagem pela
Paulo”; “Quadro Geográfico da Vegetação Primitiva na
Paróquia de Conceição, Vila do Príncipe e Arraial do Tijuco,
Província de Minas Gerais” e “Viagem às nascentes do Rio
atualmente cidades de Conceição do Mato Dentro, Serro e
São Francisco”. Os dois primeiros volumes contêm narrativas
Diamantina. Aqui, nas Minas Gerais, quando demonstrou
capturadas do seu convívio na região entre Diamantina,
sua grande afeição pela sua gente em decorrência do grau
Serro e Conceição do Mato Dentro, bases na idealização do
de cultura e hospitalidade encontrados, o que resultou em
território deste Projeto.
um importante registro histórico: “[…] Em toda a província
de Minas encontrei homens de costumes delicados, cheios de Saint-Hilaire retornou à França pouco antes da Independência
afabilidade e hospedeiros[…]” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.33). do Brasil, cheio de interesse humano e de real carinho pelas
terras brasileiras, expressando todo seu sentimento:
O naturalista esteve no Brasil no período entre 1816 e 1822.
Quando retornou à Europa levou uma coleção de cerca de “Vivi no meio de brasileiros; sou ligado a eles pelas for-
ças da simpatia e da gratidão; amo ao Brasil quase tanto
30.000 espécimes, dos quais em torno de seis a sete mil
quanto à minha pátria” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.221-222).
espécies de plantas13. Destas, milhares de espécies foram
descritas por ele e podem ser encontradas nos três volumes
da Flora Brasiliae Meridionalis (1825, 1829 e 1832-1833),
personificando seu nome de maneira definitiva à flora
nativa brasileira.
Observador que conseguiu captar e escrever não somente
a Botânica, mas também aspectos geológicos, geográficos,
zoológicos, históricos, culturais e sociais. Assim, nos
presenteou, a partir da leitura de suas obras, com um vasto
acervo de informações sobre sua viagem de múltiplas

13
http://hvsh.cria.org.br/history

40 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


estadual e é de relevância nacional e internacional. Os
municípios são detentores de vastíssimo patrimônio natural,
englobando geodiversidade e biodiversidade, patrimônio
histórico, com igrejas e casarios do período colonial e
manifestações culturais, folclóricas, ofícios e modos de
fazer. A região encontra-se em parte da Reserva da Biosfera
da Serra do Espinhaço, assim declarada pela Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura –
UNESCO, em 2005. O patrimônio histórico e cultural desta
região é reconhecido pelo Instituto de Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – IPHAN e pelo Instituto Estadual de
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA.
O município de Diamantina, com mais de três séculos
de história, que pode ser observado pelo belo conjunto
arquitetônico colonial e que preserva um forte apreço pela
cultura, que fez parte da sua formação e que, com o passar
dos séculos, consolidou a sua identidade como ressaltado por
Saint-Hilaire: “[…] Encontrei nesta localidade mais instrução que
em todo o resto do Brasil, mais gosto pela literatura e um desejo
mais vivo de se instruir[…]” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.33).
A cidade apresenta importantes títulos relativos à sua cultura
e patrimônio. Possui o título de Patrimônio Nacional desde
Mapa do trajeto de Saint-Hilaire pelos estados de Minas Gerais, 1938, concedido pelo IPHAN; o título de Patrimônio Cultural
Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e a da Humanidade desde 1999, concedido pela UNESCO, e
antiga província de Cisplastina, Uruguai.
de Patrimônio Agrícola Mundial14 desde 2020, concedido
Fonte: http://hvsh.cria.org.br/caderno?roteiro2
pela FAO/ONU, primeiro nesse gênero no Brasil, além de
encontrar-se inserida no Circuito Turístico dos Diamantes15.
2.1 O território
14
Apanhadoras e apanhadores de flores sempre-vivas recebem, em 2020, reconheci-
A história de Diamantina, Serro e Conceição do Mato mento internacional da FAO como o primeiro Patrimônio Agrícola Mundial do Bra-
Dentro, assim como de outras cidades mineiras coloniais, sil. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1265788/.

teve sua origem ligada às atividades de exploração de ouro


15
O Circuito Turístico tem como objetivo ordenar o turismo de acordo com a política
de regionalização e descentralização adotada pelo Governo do Estado: http://circui-
e pedras preciosas. Ocupa papel de destaque na história todosdiamantes.com.br/

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 41


Diamantina é um destino indutor16 para o turismo,
atraindo inúmeros turistas para a região, pelas
características supracitadas e pela forte e cativante cultura,
destacadamente a musical, que aliada à beleza patrimonial
e natural, faz da cidade um destino diferenciado pela
profusão da musicalidade admirada há tempos, como
afirma Saint-Hilaire: “[…] Os habitantes do Tijuco são
principalmente notáveis na arte caligráfica [...] tanto quanto
pude julgar eles não são menos hábeis na arte musical[…]”
(SAINT-HILAIRE, 1974, p.33).
O município possui extensão territorial de 3.869,830
Km²17. Sua constituição administrativa atual é integrada
pelo distrito-sede e mais dez distritos: Conselheiro Mata,
Desembargador Otoni, Extração (Curralinho), Guinda, Inhaí,
Mendanha, Planalto de Minas, São João da Chapada, Senador
Mourão e Sopa, além de mais de uma centena de povoados.
A sede urbana situa-se a uma altitude média de 1.280 metros.

16
São aquelas cidades que possuem infraestrutura básica e turística além de atrativos
qualificados e são capazes de atrair e/ou distribuir significativo número de turistas
Vista de Diamantina para sudeste, com a Igreja do Amparo em para seu entorno e dinamizar a economia do território em que está inserido: http://
destaque, Pico do Itambé um dos símbolos do CaSHi ao fundo. www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/noticias/acontece/download_acontece/
AirtonPereira_ Destinos_Indutores_manhx_0408.pdf
Foto: Ricardo Luiz – 2020 17
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/diamantina/panorama

42 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Conceição do Mato Dentro e Serro, interligando com a LMG
735. Há, ainda, rodovias estaduais, como a MG-220, que
acessa a região oeste em direção às cidades de Monjolos e
Corinto; a MG-451, que dá acesso à BR-367 no sentido norte,
em direção a Montes Claros. A BR 367, também permite
a interligação de Diamantina com a BR-040, que une as
cidades de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas
Gerais, e Brasília, capital da República Federativa do Brasil.
Parte do que hoje é o município do Serro foi, no Brasil
Colônia, uma das quatro primeiras comarcas da Capitania
das Minas Gerais. A antiga Vila do Príncipe do Serro Frio
é a primeira cidade histórica tombada pelo Instituto do
Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) em 1938
Casario Colonial com destaque para Fachada da Igreja Nossa e ainda preserva as particularidades das vilas setecentistas
Senhora do Carmo e ao fundo o Palácio Arquiepiscopal- mineiras, com um conjunto urbano harmônico e que
Diamantina.
preserva suas tradições seculares, como as celebrações da
Foto: Luciano Amador Jr. 2020
Semana Santa relatadas por Saint-Hilaire, que até os dias
atuais conservam todo a sua religiosidade:
Localiza-se na região sudeste do Brasil, nordeste do Estado “[…] Durante a quaresma três vezes por semana ouvia
de Minas Gerais, na Serra do Espinhaço Meridional, passar pela rua uma dessas procissões que chamam
procissão das almas […] No domingo de Ramos, após o
mesorregião do Vale do Jequitinhonha (Alto Jequitinhonha),
por do sol, houve também uma procissão de penitentes
abrangendo três bacias hidrográficas federais – São da irmandade de São Francisco. Estavam vestidos com
Francisco, a oeste, e rios Doce e Jequitinhonha, a leste. De uma espécie de alva branca que lhes cobria a nuca […]
acordo com o Censo do IBGE de 2010 o município possui quinta feira santa celebrou na Igreja Matriz de Vila do
Príncipe, uma missa com música […] Os músicos todos
45.880 habitantes. Entretanto, a sede municipal conta com
habitantes do local […] Vários dos cantores tinham
uma população flutuante de cerca de cinco mil estudantes ótima voz, e duvido que em qualquer cidade no norte
devido à presença de instituições de ensino superior, da França, de população equivalente, se executassem
com destaque para a Universidade Federal dos Vales do uma missa musicada tão bem quanto essa o foi. […]”
Jequitinhonha e Mucuri. (SAINT-HILAIRE, 2000, p.150-151).

O principal acesso ao município se dá pela rodovia BR-367,


que liga o município de norte a sul. Outro acesso é pela
rodovia MG 010, que passa por Lagoa Santa, Serra do Cipó,

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 43


Casario colonial no Serro e Igreja de Nossa Senhora do Carmo ao
fundo
Igreja Matriz do Serro
Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. - 2020
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020

O município está inserido no Circuito Turístico dos


Segundo dados do IBGE, a população do Serro, em 2010,
Diamantes, que se destaca, turisticamente, pela história,
era de 20.835 pessoas e a estimada (2019) 20.993 habitantes.
expressões culturais únicas, belezas naturais e pela
Distante 230 quilômetros de Belo Horizonte, o município
gastronomia, que tem como destaque o Queijo do Serro,
possui extensão territorial de 1.217,813 Km²18, com altitude de
iguaria tradicional de mais de 200 anos de produção. Neste
835m. Sua constituição administrativa atual é integrada pelo
município encontra-se a nascente do rio Jequitinhonha,
distrito-sede e cinco distritos: Milho Verde, São Gonçalo do
próximo ao povoado de Pedra Redonda. O rio e sua
Rio das Pedras, Três Barras, Pedro Lessa e Mato Grosso (Vila
bacia hidrográfica são de grande importância histórica e
Deputado Augusto Clementino), assim como dezenas de
econômica para o Brasil e para o mundo. Em seu leito e de
povoados no território.
seus afluentes foram descobertos os primeiros diamantes
do mundo ocidental, sendo esta região a maior produtora
da gema por quase 100 anos de exploração ainda no
período colonial. Até sua foz, na cidade de Belmonte, no
sul da Bahia, o Jequitinhonha percorre cerca de 1.100 Km,
enraizado na cultura dos povos tradicionais ribeirinhos ao
longo de seu trajeto.
18
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/serro/panorama

44 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


É possível aproveitar de sua beleza no trecho de Pedra
Redonda a São Gonçalo do Rio das Pedras, passando pelo
Ausente, Baú, Três Barras e Milho Verde. No ano de 1987,
celebrou o Decreto municipal Lei Nº 349, declarando como
Área de Preservação Permanente uma grande extensão areal
junto à nascente do rio Jequitinhonha.
A formação do município de Conceição do Mato Dentro,
como na maioria dos povoados oitocentistas, ocorreu
intimamente associada à exploração do ouro, semelhante às
lavras auríferas do Quadrilátero Ferrífero e por toda a borda
leste da Serra do Espinhaço Meridional. O município mantém
ricas lavras de minério de ferro, que outrora, no seu antigo
Conceição do Mato Dentro, praça D. Joaquim com Chafariz
distrito de Morro Gaspar Soares, atualmente cidade de Morro
colonial, destaque os jardins de plantas do cerrado em homenagem
do Pilar, constituiu em 1809, a Real Fábrica do Morro Gaspar a Saint-Hilaire.
Soares, com início da produção de seu alto forno em 1815 Foto: Ascom - 2020
para fundição de ferro em alta escala, tornando-se a primeira
fábrica da América Latina. Quando de sua passagem pela
região, Saint-Hilaire fez referência ao seu desenvolvimento, O município de Conceição do Mato Dentro possui extensão
mas que por questões técnicas pouco produziu, tendo uma territorial de 1.720,011 Km²19, está situado a 740m de altitude,
vida útil pequena “[…] Construiu-se inicialmente um alto forno com relevo montanhoso, situado na região central de Minas
no plano dos da Alemanha[…] Esse forno tem vinte e oito pés de Gerais. Sua população no último censo (2010) foi de 17.908
profundidade; sua abertura superior mede três diâmetro e nele pessoas e estimada (2018) em 17.641 pessoas, segundo dados
se podiam fundir trinta quintais de minério de cada vez […]” do IBGE. Sua constituição administrativa atual é integrada
(SAINT-HILAIRE, 2000, p.132). pelo distrito-sede e dez distritos: Brejaúba, Córregos, Costa
Sena, Itacolomi, Ouro Fino do Mato Dentro, São Sebastião do
A profusão cultural e religiosa transcorre por toda a história
Bom Sucesso, Santo Antônio do Cruzeiro, Santo Antônio do
do município, pelo seu patrimônio arquitetônico formado
Norte, Senhora do Socorro, Tabuleiro do Mato Dentro, além
por igrejas, capelas, chafarizes e outras edificações e pela das
de dezenas de povoados. Dista cerca de 167 quilômetros de
mais tradicionais festas religiosas do Estado, como o Jubileu
Belo Horizonte, com acesso pela rodovia MG-010, passando
do Bom Jesus do Matozinhos, criado em 1787.
por Lagoa Santa e pela Serra do Cipó.

19
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/conceicao-do-mato-dentro/panorama

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 45


Vista panorâmica de Conceição do Mato Dentro.
Foto: Dilson Ferreira - 2019

É importante cidade do Circuito Turístico Parque Nacional “A povoação de Conceição [...] se compreendem flores-
da Serra do Cipó e considerada por muitos o melhor local tas desabitadas […] está situada em um vale á margem
de um regato […] Por todos os lados é rodeada de coli-
para a prática do ecoturismo, pela diversidade ambiental
nas […] apresentam em abundância uma espécie curio-
da região, rodeada por serras, morros, rios e deslumbrantes sa […] conhecida no país pelo nome de candeia […]”
cachoeiras, como destacado por Saint-Hilaire: (SAINT-HILAIRE, 2000, p.135).

46 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Cabe destacar que em seu território encontra-se a mútua entre os municípios (mais detalhes no capítulo 8).
Cachoeira do Tabuleiro, a mais alta de Minas Gerais e a Trata-se de um grande passo para manter conexões vívidas e
terceira do Brasil, com 273 metros de queda livre, eleita por com claro potencial de dinamização, seja nas áreas culturais
duas vezes consecutivas como a mais bela do Brasil pelo e ambientais, na troca de experiências comunitárias e
antigo Guia 4 Rodas. naturais, em ambientes, “instragamáveis”20, desejáveis de
serem consumidos a fim de fomentar as oportunidades
No contexto desses três municípios inseriu-se o território de
socioeconômicas por meio da atividade turística.
origem da ‘Terra Mãe Comarca do Serro Frio’, que compôs,
na história do Brasil Colônia, uma teia singular de estrutura Na leitura dos capítulos subsequentes revelarão, para você,
de poder e exploração da riqueza. Os deslocamentos leitor, que o Caminho Saint Hilaire se torna um conceito que
populacionais ocasionados pela atividade mineradora busca descortinar os olhares cruzados sobre o território de
alteraram o perfil da vida na Colônia e na região, tornando-a algumas das facetas de todas as potencialidades naturais e
diferenciada e objeto de observação e de admiração de antrópicas, que estão presentes ao longo do Caminho.
pesquisadores e viajantes europeus, principalmente no
Século XIX, com referência para Auguste de Saint-Hilaire,
George Gardner; Richard Francis Burton, Johann Baptist
Spix, Carl Friedrich Philipp von Martius e Wilhelm Ludwig
von Eschwege, entre outros.
A origem comum entre os municípios de Diamantina,
Serro e Conceição do Mato Dentro constituiu um território
que mantém, nos dias atuais, a cultura e hospitalidade de
sua gente, como destacado por Saint-Hilaire, quando faz
menção a essas caraterísticas locais no início do século
XIX. Desta formação cultural projetada, registram-se
ilustres filhos que germinaram dessas terras e que foram
fundamentais para o progresso do Brasil. Destaca-se, com
alta estima, o estadista Juscelino Kubitschek de Oliveira,
o jornalista e progressista Teófilo Benedito Ottoni e o
embaixador José Aparecido de Oliveira.
Assim, por meio do Projeto CaSHi, a região visa retomar
sua vocação histórica de progredir com laços fraternais pelo
desejo comum: um desenvolvimento territorial fortalecido 20
https://www.mundodomarketing.com.br/artigos/felipe-morais/37971/ambientes-
pelas Leis Municipais de Irmanações, para a cooperação -instagramaveis.html

Parte I: O inspirador Saint-Hilaire 47


Parte II:
O caminho natural
e medicinal

Paisagem do Caminho Saint Hilaire - entorno do


distrito de Milho Verde, Serro.
Foto: Danielle Piuzana Mucida - 2016

49
Caminhantes em busca de plantas medicinais, Distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, Serro.
Foto: Danielle Piuzana Mucida - 2019

50 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Para tanto, os autores dos capítulos dedicam-se à elucidação
da literatura de viagem de Saint-Hilaire referentes a este
universo. Iniciamos a escrita com a explicação dos inúmeros
usos do termo Espinhaço: a unidade de relevo - Serra do
Espinhaço; o pacote de rochas - Supergrupo Espinhaço e o
território prioritário à Conservação - Reserva da Biosfera da
Serra do Espinhaço.

A paisagem‚
Adentramos os grandes domínios vegetacionais, onde
encontram-se vegetação do Cerrado e suas formações
campestres e as florestas ou matas.

as plantas e os Passamos à descrição de espécies vegetais estudadas pelo

saberes: uma
naturalista, muitas delas, coletadas e descritas por ele.
Descrevemos também plantas exóticas e ou invasoras que já
podiam ser vistas em 1817.

apresentação Por fim, apresentamos um conto, escrito por Marcos Guião,


que tentou retornar à época da passagem do naturalista
pelo Caminho Saint Hilaire. Escolhemos, cuidadosamente,
12 plantas que remetem à singularidade da região e sua
importância medicinal ou como alimento. Apresentamos, ao
Danielle Piuzana Mucida
final, cada uma delas e o que a Ciência sabe sobre seu uso
para o ser humano.

P ode-se dizer que uma das maiores paixões de


Saint-Hilaire, em especial na Serra do Espinhaço
Meridional, vincula-se às plantas. O naturalista dedicou-se,
Esta região, tão única, é um berço de aprendizado ainda nos
dias atuais e que merece toda a atenção quanto às práticas
conservacionistas e preservacionistas para a manutenção do
incansavelmente, à descrição e análise do mundo vegetal na
seu patrimônio natural.
Serra. Isso se deve, sem dúvida, à pluralidade e diversidade
de espécies que aqui se encontram.
Nesta parte apresentaremos três capítulos: (i) A Paisagem
e a Vegetação; (ii) As plantas e as flores e (iii) as Plantas
Medicinais, todos voltados para o Caminho Saint Hilaire.
Ou seja, nosso eixo norteador são as plantas em diferentes
ambientes e contextos nos quais se desenvolvem.

51
Paisagem do Caminho Saint Hilaire - entorno da comunidade do Condado, Serro
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2020

52 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


aos europeus não portugueses ou brasileiros ligados à Coroa,
em particular sobre riquezas minerais, flora e fauna. Suas
incursões podem ser lidas em obras denominadas “literatura
de viagem”, que apresentam riqueza de detalhes quanto aos
aspectos naturais e humanos, elementos fundamentais no
entendimento da paisagem rural/urbana e da identidade do
Brasil no século XIX.

3.
Dentre os caminhos de acesso para Minas Gerais, tem-
se o Caminho do Diamante, localizado na Serra do
Espinhaço Meridional. O Espinhaço é um relevante marco
territorial de diversidade geológica, a geodiversidade21 e
a biodiversidade, analisadas por naturalistas, incluindo

A paisagem e a
Saint-Hilaire. O trecho de maior detalhamento é a rota que
liga os municípios de Conceição do Mato Dentro, Serro e

vegetação
Diamantina, aqui intitulado Caminho Saint Hilaire. Nossa
intenção é apresentar a paisagem deste território, a Serra
– as formações rochosas, a diversidade biogeográfica e a
especificidade, muitas vezes endêmica, da flora e fauna.

Danielle Piuzana Mucida


3.1 Espinhaço: A serra, o Supergrupo e a Reserva
Anne Priscila Dias Gonzaga
da Biosfera

A beleza cênica e as atividades econômicas vinculadas


aos recursos naturais da Serra do Espinhaço foram
propulsores de interesse por esta região por parte de
A Serra do Espinhaço

Na segunda metade do século XVIII e ao longo do século


cientistas estrangeiros do século XIX. A mudança da Família XIX a mineração já se encontrava em decadência no Brasil,
Real de Portugal para o Rio de Janeiro, em 1808, incentivou motivo pelo qual a Coroa Portuguesa contratou Wilhelm
explorações científicas por naturalistas estrangeiros – dentre Ludwig von Eschwege com a função aprimorar técnicas de
eles Auguste de Saint-Hilaire –, que objetivavam realizar
estudos no Brasil em diferentes áreas de conhecimento. 21
A Geodiversidade (ou diversidade geológica) é compreendida por uma variedade
de ambientes, fenômenos e processos geológicos que dão origem a paisagens, rochas,
A vinda destes cientistas pautava-se no interesse científico minerais, águas, solos, fósseis e outros depósitos superficiais que propiciam o desen-
volvimento da vida na terra, tendo como valores intrínsecos a cultura, o estético, o
de aspectos naturais, sociais e econômicos, outrora vedado econômico, o científico, o educativo e o turístico (CPRM, 2019).

53
Figura 3.1: Parte do novo mapa da Capitania de Minas Gerais (Levantado por W. von Eschwege) de 1821. Delimitação em vermelho
tracejado da Cadeia do Espinhaço. Área retangular em vermelho é apresentada à direita. 55,0 x 45,5 cm. Litografia; BN (CEH 11945. Direita:
Detalhe da região entre Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro, bem como para a região do Pico do Itambé, denominado à época
de Serra do Itambé).
Modificado de Renger et al. (2004, p. 191).

54 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


extração dos bens minerais, realizadas ainda de forma muito Abrange uma área com cerca de 1200 km de extensão e é
primitiva em reservas já conhecidas. O termo “Espinhaço” subdividida em Serra do Espinhaço Meridional, Setentrional
foi cunhado para a região por Eschwege, em 1822, em e Chapada Diamantina (Figura 3.2). A Serra do Espinhaço
trabalho intitulado “Quadro geognóstico do Brasil e a provável Meridional (~300 km) abarca as serras do Cipó, Cabral e o
rocha matriz dos diamantes” (ESCHWEGE, 2005 [1822]). A Planalto de Diamantina, em Minas Gerais. Possui grande
terminologia proposta por Eschwege refere-se a uma unidade importância no tocante aos recursos hídricos, divisor de
de relevo mais elevada, em forma de uma “espinha” com águas de três grandes bacias hidrográficas: rios Doce,
direção geral Norte-Sul, como visto no mapa Capitania das Jequitinhonha e São Francisco (Figura 3.2).
Minas Gerais (Figura 3.1) . Apresenta importantes marcos
geográficos, dentre eles o Pico [serra] do Itambé (Figura 3.1 -
detalhe). Naquela ocasião já era evidente a importância não só
geológica, como também ecológica, do território Espinhaço:
“Uma dessas principais cadeias montanhosas […] en-
cerra os pontos mais altos do Brasil, tais como o Pico
do Itacolumi [Itacolomi] perto de Vila Rica, a Serra
do Caraça junto a Catas Altas e o majestoso Pico do
Itambé, perto da Vila do Príncipe [Serro] […]. A ela de-
nominei Serra do Espinhaço (“Rückenknochengebirge”),
não só porque forma a cordilheira mais alta, mas, além
disso, é notável, especialmente para o naturalista, pois
forma um importante divisor […]. As regiões ao leste
desta cadeia, até o mar, são cobertas por matas das
mais exuberantes. O lado oeste forma um terreno on-
dulado e apresenta morros despidos e paisagens aber-
tas, revestidas de capim e de árvores retorcidas, ou os
campos cujos vales encerram vegetação espessa apenas
esporadicamente” (ESCHWEGE, 2005 [1822], p.99).

O termo “Espinhaço” foi mantido como unidade de relevo,


ou seja, Serra do Espinhaço. Atualmente, sua ocorrência é
reconhecida na região central do Estado de Minas Gerais
e Bahia (Figura 3.2). A Serra do Espinhaço apresenta
paisagens de maneira singular, do ponto de vista geológico Figura 3.2: A Serra do Espinhaço e setores Meridional, Setentrional
e geomorfológico, devido à especificidade dos agentes e Chapada Diamantina (Minas Gerais, Bahia) e seus principais rios.
e processos que foram responsáveis por sua formação. Fonte: MMA - 2019. Elaboração própria

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 55


O pacote rochoso: Supergrupo Espinhaço “Esse distrito, um dos mais elevados da província de
Minas, está encravado na comarca do Serro Frio; ele faz
parte da grande cadeia ocidental [Espinhaço]. Rochedos
Outra designação do termo “Espinhaço” vincula-se ao sombranceiros, altas montanhas, terrenos arenosos e esté-
conjunto de rochas encontradas na serra, o Supergrupo reis, errigados por um grande número de riachos, sítios os
Espinhaço (PFLUG, 1965), descrito na porção do Espinhaço mais bucólicos, uma vegetação tão curiosa quão variada,
eis o que se nos apresenta no Distrito dos Diamantes; e é
Meridional. O supergrupo relaciona-se ao conjunto de rochas
nesses lugares selvagens que a natureza se contenta em
encontradas na porção centro-norte de Minas Gerais e na esconder a preciosa pedra que constitui para Portugal a
Bahia. Este pacote rochoso é responsável pelo relevo mais fonte de tantas riquezas.“ (SAINT-HILAIRE, 2004, p. 13).
abrupto em relação ao seu entorno e caracteriza-se pela
Ao percorrer o trecho que liga o arraial do Tijuco
presença expressiva de afloramentos quartzíticos (Figura 3.3a).
(Diamantina) a Milho Verde, passando pelo povoado do
As rochas deste supergrupo possuem origem sedimentar, Vau e distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, em 1817,
com idade de deposição muito antiga, entre 1,8 a 1,0 Saint-Hilaire descreve a paisagem e marcos geográficos
bilhão de anos (CHEMALE Jr. et al., 2012). Com o passar de inestimável valor paisagístico. Dentre eles, pode-se
do tempo geológico, os sedimentos inconsolidados foram citar o Itambé e o Mata-mata (Figura 3.3 c, d). Este último,
transformados em rocha e metamorfizados durante um importante serviço de diamantes desde o período colonial.
evento colisional há cerca de 600 milhões de anos atrás. Nas suas palavras sobre o Mata-mata: “atravessando a aldeia
Na Serra do Espinhaço Meridional as rochas da base [Tijuco, atual Diamantina] na direção N-S, desfrutei ainda
possuem características continentais, representadas pelas uma vez o panorama encantador que eu já havia admirado ao
formações São João da Chapada e Sopa-Brumadinho. Nesta viajar para Mata-mata. […]” (SAINT-HILAIRE, 2004, p.20).
última encontra-se o conglomerado rico em diamantes, Dados da produção total de diamantes durante os mais de
que moveu a ocupação colonial da região e primordial para duzentos e cinquenta anos de exploração são desconhecidos
sua economia até os dias atuais. A formação territorial para a região, já que a maior parte provavelmente saiu do
promovida pela extração do diamante, vinculada ao país ilegalmente. Este extrativismo possui importância ainda
Supergrupo Espinhaço, suas encostas, córregos e rios nos dias atuais, como representado na fotografia de Juvenal
auríferos e diamantíferos deixou marcas nas diversas Pereira, intitulada “Mãos e Diamantes”, que contém cerca
paisagens da região e definiu um território: o Distrito de 500 quilates de diamantes na mão de um garimpeiro de
Diamantino, ou Distrito dos Diamantes (Figura 3.3b). Diamantina (Figura 3.4). O trabalho do negro como mão
de obra escrava à época foi fundamental para geração de
Inúmeros locais ainda hoje remontam à história da
riquezas para a Coroa Portuguesa. Saint-Hilaire buscou
mineração de diamantes desde o Século XVIII e são
conhecer detalhes vinculados aos trabalhadores e processos
considerados sítios de geodiversidade. Saint-Hilaire
de extração do diamante, dos lugares e pessoas. O naturalista
descreveu, em várias passagens, a região rica em diamantes,
informa, inclusive, que a atividade foi responsável pela criação
o Distrito dos Diamantes:
do termo “garimpeiro”. (Figura 3.4).

56 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Figura 3.3: a) Mapa geológico esquemático da Serra do Espinhaço Meridional e adjacências.
Retirado de Kuchenbecker (2019); b) Demarcação das terras que produz diamantes (demarcada
em vermelho), datado de cerca de 1734, aquarela, 26 x 33 cm. Retirado de Renger et al. (2004);
c) O Mata-mata, que possui no sopé um dos serviços de diamantes mais importantes do Brasil
Colônia, visada para leste e d) Pico do Itambé no último plano, foto com visada para leste, entre
Serro e distrito de Milho Verde. As fotos 3c e d são importantes marcos geográficos citados por
Saint-Hilaire.
Fotos: Danielle Piuzana Mucida - 2018

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 57


geográficos na paisagem (figuras 3c e d; Figura 3.4). Na
região dos Borbas, às margens do Caminho Saint Hilaire,
nota-se a presença destes quartzitos em território almejado
para a criação de um parque natural (Figura 3.5). Além disso,
a Fomação Galho do Miguel é de extrema relevância para
a Arqueologia brasileira, pois conta com centenas de sítios
arqueológicos pré-históricos e históricos já descobertos
(ISNARDIS, 2009; FAGUNDES, 2013).

“Alguns deles ficavam de esculca em lugares elevados,


avisando os demais à aproximação dos soldados e o
bando se refugiava nas montanhas de difícil acesso, as
mais escarpadas. Foi isso que fez dar a esses homens,
aventureiros, o nome de grimpeiros, donde se formou, Figura 3.5: Região dos Borbas, entorno da comunidade do Vau,
por corrupção, a palavra garimpeiro, que se manteve” Diamantina, com afloramentos rochosos das formações Sopa
(SAINT-HILAIRE, 2004, p.20) Brumandinho e Galho do Miguel, Supergrupo Espinhaço. Neste
local há um sítio arqueológico histórico de garimpo de diamantes
Figura 3.4. Lote de mais de quinhentos quilates de pequenos do século XVIII (DEMETRIO, 2019).
diamantes nas mãos de um garimpeiro de Diamantina, Minas Foto: Paulo Donizete Ribeiro - 2019
Gerais, composta com a citação de Saint-Hilaire sobre a origem do
termo garimpeiro.
Foto cedida por Juvenal Pereira
Em direção oeste, rumo a Conselheiro Mata, os pacotes
rochosos do Grupo Conselheiro Mata foram formados
a partir da deposição de sedimentos de águas marinhas
O pacote rochoso de maior extensão areal do Supergrupo
calmas. Esta porção da serra foi um mar no passado
Espinhaço corresponde às rochas predominantemente
geológico (KNAUER, 2007). Atualmente, quando se analisa
quartzíticas da Formação Galho do Miguel, de grande
mapas geológicos da região, não se vê mais a estrutura da
relevância para a geodiversidade, pois consistem em marcos
bacia onde foram depositados os sedimentos. O que se nota

58 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


é uma estruturação atribuída a um sistema de empurrões de Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Em 2005,
direção geral Norte-Sul e pacotes rochosos que normalmente esta agência declarou como Reserva da Biosfera da Serra do
mergulham em direção geral Leste. Isso ocorreu há cerca Espinhaço (RBSE) uma área com cerca de 3.200.000 hectares
de 600 milhões de anos, em evento chamado “Orogenia (32.000 km2). A RBSE é uma das sete reservas existentes no
Brasiliana”, quando rochas mais antigas da região de Brasil, e devido à sua relevância em 2019 houve aceitação
Guanhães (MG) colidiram com o material depositado da de sua expansão em 220% (10,2 milhões de hectares) para o
Bacia Espinhaço (ALCKMIM, 2018). norte do Estado de Minas Gerais, abarcando grande porção
do Espinhaço Setentrional (Figura 3.6).
Já na borda leste do Supergrupo Espinhaço destacam-
se contínuos e espessos pacotes de formações ferríferas Nesse território insere-se a serra do Espinhaço Meridional,
bandadas, das formações Itapanhoacanga e Serra do Sapo, Setentrional e rochas mais antigas ao sul, localizadas no
que ocorrem entre Conceição do Mato Dentro e Serro. Quadrilátero Ferrífero, importante distrito mineral brasileiro.
Nessa região, o extrativismo mineral vinculado ao ouro, no A geodiversidade nessa porção condicionou e ainda
passado, deu lugar a processos minerários para retirada do condiciona os processos de uso e ocupação da terra, cujas
minério de ferro. A busca pelo ouro no período do Brasil marcas estão impressas desde o século XVII, vinculadas à
Colônia/Império deixou marcas da degradação ambiental busca de riquezas minerais (PIUZANA et al. 2011).
na paisagem, descritas minuciosamente por Saint-Hilaire
Com a expansão, a Reserva da Biosfera abriga, atualmente,
(MUCIDA et al. 2019). Pelo relato do naturalista, no início
três biomas brasileiros de alta relevância: Cerrado, Mata
do processo minerário, bastava arrancar bolseiras de
Atlântica e Caatinga. Além disso, é um importante centro de
capim para se retirar o ouro que se misturava as raízes.
diversidade e endemismo de espécies, além de sua história
Com o passar dos anos, o ouro tornou-se mais difícil de
ambiental (ECHTERNACHT et al. 2011, MMA, 2019).
ser encontrado e Saint-Hilaire apresenta também uma
preocupação com a devastação: No sentido do que já foi exposto ao longo deste texto
e neste tópico, nota-se que há forças antagônicas neste
“O metal precioso, porém, que constituía o objeto de suas
território: o extrativismo mineral, de grande importância
pesquisas não se reproduz como os frutos e os cereais; e,
revolvendo imensas extensões de terra, despojando-as para a economia do Estado de Minas Gerais (desde o Brasil
do seu humus pela operação das lavagens, estereliza- Colônia aos dias atuais) e a necessidade de conservação
ram-nas para sempre” (SAINT-HILAIRE, 2000, p. 89). de áreas prioritárias. Portanto, é cada vez mais urgente o
diálogo entre setores para o estabelecimento de políticas de
governo em prol deste território. Neste contexto, o Caminho
A Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço
Saint Hilaire foi idealizado em momento e com premissas
oportunas, como será apresentado no Capítulo 8.
Uma nomenclatura mais recente que utiliza o termo
“Espinhaço” foi cunhada pela UNESCO - Organização das

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 59


Em sequência, trataremos dos Domínios Fitogeográficos 3.2 Domínio Fitogeográfico
deste território e, em especial, do Caminho Saint Hilaire.
O Caminho Saint Hilaire é caracterizado em termos de
vegetação como área ecotonal, ou seja, um ambiente de
transição entre duas formações vegetais diferentes. Na área
em questão, especialmente na porção mais oeste, região de
Diamantina, observa-se o predomínio do bioma Cerrado, com
grande influência das formações campestres (Figura 3.7a).
À medida que se avança a leste, nas imediações do Serro,
essa vegetação é substituída de forma abrupta ou em
gradiente para uma vegetação vinculada ao bioma da Mata
Atlântica. Esta é amplamente representada na região de
Conceição do Mato Dentro (IBGE, 2004; SANTOS et al.
2020). Essa transição vegetacional da região já chamava a
atenção de Saint-Hilaire quando o naturalista aqui esteve,
em 1817, e foi descrita em trecho do seu livro “Viagem pelas
províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”:
“Toda a região [Minas Gerais] se divide em matas e
campos. As matas, ou pertencem à flora primitiva ou
são o resultado do trabalho do homem. As primeiras
são as florestas virgens (ou matas virgens) [Florestas
Ombrófilas ou Estacionais] [...]; os carrascos [Cerrado
sentido restrito], espécie de florestas anãs, compostas
de arbustos de 3 a 4 pés, aproximados uns dos outros”
(SAINT-HILAIRE, 2000, p. 232-233).

Aqui, cabe a ressalva de que esses dois biomas (Cerrado e


Mata Atlântica) são importantes representantes da vegetação
brasileira, pois abrigam extensas áreas do território nacional,
Figura 3.6: Mapa do território da Reserva da Biosfera da Serra do apresentando ampla biodiversidade de plantas e animais,
Espinhaço - Fase 2 no contexto do Estado de Minas Gerais. elevados índices de endemismos, além de estarem entre
Fonte: Base de dados do MMA (2019) os mais ameaçados ecossistemas do Brasil (RIZZINI, 1997;
BUENO et al., 2016; SOS MATA ATLÂNTICA, 2019a).
Por essa razão, ambos são classificados como Hotspots

60 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


mundiais de biodiversidade, que segundo Myers (1988) são O bioma compreende um mosaico de diferentes tipos de
locais caracterizados por apresentarem níveis excepcionais vegetação, determinados principalmente pelas condições
de endemismo de plantas, assim como taxas notáveis de do solo, especialmente aquelas relacionadas à fertilidade
destruição de habitats. e regime de drenagem, além de aspectos climáticos
(estacionalidade) e de regime de incêndios (IBGE, 2012).
Além desses aspectos, como já mencionado anteriormente,
A sua vegetação apresenta como principal característica
a rota do projeto Caminho Saint Hilaire está inserida da área
a existência um estrato lenhoso, composto por árvores
da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. Desta forma,
e grandes arbustos; e do herbáceo subarbustivo, que é o
fica clara a importância da região sob os aspectos florísticos,
predominante no Bioma (IBGE, 2012). A flora lenhosa é
faunísticos e paisagísticos, e de modo especial para a rota
marcada pela presença de caules tortuosos (Figura 3.7b).
do Projeto, que tem como um de seus objetivos conhecer
e conservar as particularidades dessa biodiversidade que De acordo com a “Flora do Brasil 2020”, são registrados para
há séculos desperta o interesse de cientistas brasileiros e o Bioma 12.134 espécies nativas de angiospermas (plantas
estrangeiros, como Auguste de Saint-Hilaire. espermatófitas que possuem sementes protegidas por uma
estrutura denominada fruto), com 182 famílias, 1568 gêneros,
Desta forma, para se compreender melhor a importância do
235 subespécies e 968 variedades; deste total, estima-se que
projeto Caminho Saint Hilaire, é imprescindível estar atento
44% são endêmicas (espécies com ocorrência exclusivas)
que essa região é composta por um mosaico de vegetações.
(MENDONÇA et al., 2008). Além disso, estimativas sugerem
Assim, visando uma melhor compreensão dessa variação
que 1/3 da biota brasileira e cerca de 5% da fauna e flora
presente ao longo desse trecho, segue uma breve descrição
mundial ocorrem nesse bioma (RIBEIRO; WALTER, 2008).
dos biomas sob o qual esta região está submetida, assim
Algumas das espécies endêmicas do Cerrado apresentam
como das suas diferentes fitofisionomias.
grande potencial econômico para fins ornamentais e
medicinais (SANO et al., 2000), como já descrito por Saint-
O Cerrado Hilaire em sua passagem pelo Brasil no século XIX (SAINT-
HILAIRE, 2009). Por esta razão, as plantas do bioma têm sido
Este bioma é considerado o segundo maior bioma do Brasil exploradas de forma irregular, acarretando severas alterações
e ocupa aproximadamente 21% do território nacional, além neste ambiente. De fato, várias de suas espécies encontram-
de abrigar aproximadamente 33% da diversidade biológica se na “Lista das Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de
brasileira. Situa-se entre 5º e 20º de latitude Sul e 45º a 60º Extinção” (MMA nº 6/2008). De 472 espécies listadas, 132 são
de longitude Oeste, e possui dois milhões de quilômetros encontradas no Cerrado, ou seja, 28% das espécies do país
quadrados, cuja maior parte está localizada no Planalto ameaçadas de extinção pertencem a este bioma.
Central do Brasil (RIBEIRO; WALTER, 2008).
Além disso, o Cerrado abriga três de oito das maiores bacias
hidrográficas brasileiras: Araguaia-Tocantins (com 71% da

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 61


Figura 3.7: a) Domínios fitogeográficos existentes no Caminho Saint Hilaire; Foto: Thaís
Ribeiro Costa (b) Espécimes características da flora lenhosa do Cerrado, com caules
tortuosos e cascas grossas, típicas de ambientes que se queimam.
Foto: Anne Gonzaga (c) Esquema ilustrativo das fitofisionomias do Bioma Cerrado segun-
do proposta de Ribeiro & Walter (2008)

62 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


água que nasce no bioma), São Francisco (94%) e Paraguai- solos, fauna silvestre e aquática (RIBEIRO; WALTER, 2008;
Paraná (71%). Por essa razão é considerado o berçário das BRANCALION et al., 2016; GONZAGA et al., 2019). Essas
nascentes brasileiras (AQUINO et al., 2012). Sendo assim, vegetações dificultam a existência de efeitos negativos, como
é de extrema importância documentar e conservar áreas o assoreamento dos cursos d’água, sendo fundamentais
desse bioma, antes que os padrões originais de diversidade na criação e manutenção de fluxo gênico, vegetal e animal
e distribuição da fauna e flora, já escassos em várias áreas, (BRANCALION et al., 2016; PEREIRA et al., 2018).
sejam modificados de forma irreversível e que espécies não
De modo geral, as duas formações se diferenciam em virtude
sejam conhecidas.
das suas fisionomias: as Matas Ciliares acompanham os
Quando se considera a extensão e relevância do Cerrado cursos dos rios de médio e grande porte. Esta vegetação
para a conservação da biodiversidade, nota-se que o arbórea não forma “túnel” ou galeria e tem sua largura
bioma é pouco representado no sistema brasileiro de normalmente proporcional ao do leito do rio, ocorrendo,
áreas protegidas: apenas 8,3% de sua área correspondem a muitas vezes, em terrenos acidentados (RIBEIRO; WALTER,
unidades de conservação, sendo 2,9% de proteção integral e 2008). Já as Matas de Galeria margeiam rios de pequeno
5,24% de uso sustentável (CNUC/MMA, 2019). porte, formando corredores fechados, a partir das copas das
árvores (parte superior) que se tocam, formando um tipo de
Apesar de sua aparente uniformidade, o Cerrado abriga
“túnel” ou galeria (por essa razão a nomenclatura utilizada
diversas fitofisionomias com grande variedade de espécies,
para essa vegetação) (Figura 3.8a). É uma fitofisionomia que
sendo reconhecido como a savana mais rica do mundo
pode ocorrer em transição abrupta com formações savânicas
(MENDONÇA et al. 2008; BUENO et al., 2014). Essas diferentes
e campestres ou quase imperceptível quando trancisiona
fitofisionomias são descritas em onze tipos principais, segundo
para Matas Ciliares, Matas Secas ou Cerradões (RIBEIRO;
Ribeiro & Walter (2008): formações florestais (Mata Ciliar,
WALTER, 2008).
Mata de Galeria, Mata Seca e Cerradão), savânicas (Cerrado
sentido restrito, Parque de Cerrado, Palmeiral e Vereda) e As famílias de plantas de maior importância nesse tipo de
campestres (Campo Sujo, Campo Limpo e Campo Rupestre) formação são: Apocynaceae, Fabaceae, Lauraceae, Rubiaceae
(Figura 3.7c), detalhadas na página anterior. e Myrtaceae. Entre as espécies já registradas para a região
do Caminho Saint Hilaire podemos citar: Bauhinia rufa
(Bong.) Steud. (pata-de-vaca), Copaifera langsdorffii Desf.
Matas Ciliares e de Galeria (copaíba), Myrcia fenzliana O.Berg (pimenteira), Schefflera
morototoni (Aubl.) Maguire et al. (morototó), Cupania rugosa
São formações florestais associadas aos cursos d’água e
Radlk. (tabotão), Tetracera empedoclea Gilg, algumas dessas
ambientes de drenagem que, em geral, abrigam elevada
coletadas por Saint-Hilaire em sua passagem pela Vila do
riqueza de espécies vegetais, diversidade genética e,
Príncipe (hoje Serro).
portanto, são importantes na proteção dos recursos hídricos,

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 63


Figura 3.8: Variações vegetacionais do Cerrado presentes no trajeto do Projeto Caminho Saint Hilaire. (a) Mata de
galeria registrada em Diamantina, com as copas das árvores formando o túnel (galeria) que caracteriza esta fisionomia;
(b) Cerrado sentido restrito no interior do Parque das Sempre Vivas (Diamantina), com presença marcante de herbáceas
e espécies arbustivo-arbóreas; (c) Campo Rupestre no interior do Parque Estadual do Biribiri, em Diamantina, com
evidente influência rochosa (quartzito) e presença marcante das herbáceas; (d) Em primeiro plano Campo Limpo, em
Diamantina, com a ausência de árvores, baixa contribuição de arbustos e predomínio de herbáceas (ao fundo nota-
se existência de Campo Rupestre); (e) Campo Sujo, em Diamantina, e que se diferencia do Campo Limpo pela maior
contribuição de arbustos com presença pontual de árvores de pequeno porte. Ao fundo, em áreas de afloramento de
quartzito se desenvolve o Campo Rupestre e a Serra do Raio.
Fotos: Anne Priscila Dias Gonzaga

64 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Cerrado sentido restrito Diamantino. Cabe uma ressalva de que esta última espécie
é endêmica do Estado de Minas Gerais (HARLEY et al.,
Vegetação caracterizada pela presença de árvores de 2010). Na literatura de viagem do naturalista, o Cerrado
pequeno porte e arbustos distribuídos de forma espaçada, sentido restrito é por vezes descrito como Carrascos por
que em geral se apresentam com folhas rígidas e/ “equivalência” ecológica e florística (SANTOS et al., 2020).
ou coriáceas, troncos inclinados e/ou tortuosos, com Neste sentido, Saint-Hilaire relata:
bifurcações irregulares e retorcidas e cascas do tipo cortiça “Encontrei no meio dos carrascos a mesma mimosa,
espessa (podendo ser fendida ou sulcada) com evidências os mesmos Hyptis, finalmente, a composta de folhas
de fogo frequentemente presentes (RIBEIRO; WALTER, urze, que chamam alecrim-do-campo, e que nessa
2008) (Figura 3.8b). Esta é considerada a fisionomia mais ocasião estava coberta de flores. Nessa época flores-
cia ainda a encantadora malvácea de corolas ora
representativa do bioma, com cerca de 70% da sua área rósea, ora de um vermelho carregado, que chamam
(FELFILI, SILVA-JÚNIOR, 2005; LEMOS, 2017). É marcante rosa-do-campo; e reconheci que ela devia ser consi-
nesta fitofisionomia uma flora rica em espécies com usos derada uma das espécies características dos carrascos
múltiplos para a população local. (SAINT-HILAIRE, 2000, p. 293).

A presença de espécies periféricas, ou seja, oriundas de


outras formações vegetacionais, especialmente de formações Campo rupestre
florestais, são frequentes na composição da flora do Cerrado
sentido restrito. Por esta razão, na sua flora são registradas Trata-se de uma vegetação predominantemente herbáceo-
espécies de ampla distribuição, como Curatella americana arbustiva com a presença eventual de arvoretas (árvores
L. (lixeira), Caryocar brasiliense Cambess. (Pequi), Lafoensia de pequeno porte) pouco desenvolvidas, sempre associada
pacari A.St.-Hil. (pacari), Kielmeyera coriacea Mart. & Zucc. a afloramentos rochosos de forma descontínua (RIBEIRO;
(pau santo), dentre outras (RATTER et al., 2000). A espécie WALTER, 2008; FERNANDES, 2016). Na região, o Campo
Lafoensia pacari A.St.-Hil. (pacari) foi descrita por Saint- rupestre associa-se aos quartzitos e crostas ferruginosas
Hilaire, que coletou material botânico desta espécie na (Figura 3.8c).
região que compreende o projeto Caminho Saint Hilaire. A flora é caracterizada pela elevada riqueza de espécies
Dentre as espécies típicas da fitofisionomia no trecho do herbáceas (ervas), endêmicas, bastante especializada e única
Caminho Saint Hilaire pode-se citar: Oxalis hirsutissima (RIBEIRO; WALTER, 2008; FERNANDES, 2016). Suas plantas
Mart. & Zucc. (azedinha), Rhynchospora consanguinea possuem grande habilidade de fixação ao substrato rochoso
(Kunth) Boeckeler, coletadas pelo naturalista na região da e resistentes à ausência prolongada de água, com folhas
Vila do Príncipe (Serro) e Blepharocalyx salicifolius (Kunth) pequenas, espessadas, coriáceas e fibrosas (RAPINI et al.,
O.Berg. (Maria-preta), Cuphea fuchsiifolia A.St.-Hil., Hyptis 2008). Geralmente ocorre em áreas com altitudes acima de
complicata A.St.-Hil. ex Benth., coletadas no antigo Distrito 900 m, com ventos e radiação intensos, grande amplitude

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 65


térmica diária (dias quentes e noites frias), em solos (Figura 3.8e), enquanto o Campo Limpo possui vegetação
consideravelmente pobres, que favorecem o surgimento dominada pelas ervas graminóides, que formam verdadeiro
de especializações nas plantas (RIBEIRO; WALTER, 2008; campo natural (RIBEIRO; WALTER, 2008) (Figura 3.8d).
RAPINI et al., 2008). Neste sentido, é muito recorrente na
O Campo Sujo pode ser encontrado em solos profundos e de
Serra do Espinhaço (Minas Gerais e Bahia - vide figura 3.2)
baixa fertilidade ou com presença de fragmentos de rochas
(SILVEIRA et al., 2016).
(RIBEIRO; WALTER, 2008). A ocorrência do Campo Limpo
A diversidade de condições existente no Campo Rupestre é mais ampla quanto ao relevo, umidade, profundidade e
favorece a ocorrência de várias famílias: Cyperaceae, fertilidade do solo. Entretanto, é encontrado, com frequência,
Eriocaulaceae, Xyridaceae, Asteraceae, Orchidaceae, em encostas, chapadas e olhos d’água, circundando as Veredas,
Bromeliaceae, Cactaceae, Melastomataceae, Velloziaceae. e em borda das Matas de Galeria (RIBEIRO; WALTER, 2008).
São comuns os gêneros: Baccharis, Dyckia, Melocactus,
Nos Campos sujos e limpos destacam-se as famílias:
Paepalanthus, Microlicia, Epidendrum, Vellozia (bom
Poaceae, Cyperaceae, Droseraceae, lridaceae, Orchidaceae,
indicador da fitofisionomia), dentre outros (RAPINI et al.,
Asteraceae, Malpighiaceae e os gêneros: Aristida, Axonopus,
2008; RIBEIRO; WALTER, 2008). Algumas das espécies da
Echinolaena, Rynchospora, Panicum, Paspalum, Drosera,
fitofisionomia coletadas por Saint-Hilaire foram: Eriope
Utricularia, Cleistes, Habenaria, Sisyrinchium. As espécies
crassifolia Mart. ex Benth., Styrax ferrugineus Nees & Mart.
Drosera tomentosa A.St.-Hil., D. ascendens A.St.-Hil. ex
(Laranjinha-do-cerrado, Benjoeiro) no Serro e Declieuxia
Planch e D. spiralis A.St.-Hil, Caamembeca oleifolia (A.St.-
juniperina A.St.-Hil. e Lippia pseudothea (A.St.-Hil.) Schauer
Hil. Moq.) J.F.B. Pastore e Pombalia lanata (A.St.-Hil.) Paula-
(chá de pedestre, rosmaninho) na região de Diamantina.
Souza estão entre as coletas feitas por Saint-Hilaire em sua
passagem pela região de Diamantina. Utricularia nana em
Serro. Pombalia foi descrita por Saint-Hilaire com o nome
Campos limpos e sujos
de Ionidium lanatum e sua ocorrência na fitofisionomia.
As fitofisionomias caracterizam-se pelo predomínio das O naturalista descreveu os padrões fitogeográficos das
espécies herbáceas, ervas graminóides (Figura 3.8d e 3.8e) formações campestres como:
(RIBEIRO, WALTER, 2008). Ocorrem, normalmente, na “A palavra campo indica um terreno coberto de ervas,
transição entre Matas (galerias e ciliares) e Cerrado sentido ou se quiserem tudo o que não é nem mata virgem, nem
capoeira, nem carrasqueiro. O campo é natural (campo
restrito. Associam-se a solos pouco espessos e de baixa
nativo), quando jamais teve florestas; é pelo contrário,
fertilidade e encharcamento estacional da camada superficial artificial quando as ervas sucederam às matas des-
(EITEN, 1993). Sua flora é composta por espécies quase truídas pelo homem. Frequentemente se vêm nos cam-
exclusivas. A principal diferença observada entre as duas pos nativos árvores retorcidas, raquíticas, esparsas ao
fitofisionomias é que o Campo Sujo se caracteriza pela maior acaso; essa modificação, porém, não impede os terrenos

presença de arbustos e subarbustos no estrato herbáceo

66 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


que a apresentam de conservar seu nome de campos” levando à perda da cobertura vegetal natural, alterando
(SAINT-HILAIRE, 2000, p. 232). ecossistemas, fragmentando habitats e paisagens (PINTO
Em outra passagem da obra “Viagem pelo distrito dos et al., 2006). Por esse motivo, sua área é hoje protegida pelo
diamantes e litoral do Brasil”, refere-se aos campos nas Decreto 750/1993, que proíbe a supressão e exploração da
proximidades de Diamantina: sua vegetação (BRASIL, 1993).

“Entre Tijuco e Bandeirinha o terreno é árido e arenoso e O bioma ainda abriga relevante parte da diversidade
não apresenta senão campos, compostos de plantas herbá- biológica do Brasil, com estimativas em torno de 20.000
ceas. Apesar da extrema secura encontrei em flor cerca de espécies de plantas vasculares, sendo 8.000 (40%) de
30 plantas que ainda não possuía. Eram, entre outras, 2 ou espécies endêmicas (PINTO et al., 2006). Registra, ainda,
3 belas Melastomatáceas, 2 Ericáceas, o Ionidium Ianatum
ASH., várias Polygala, enfim a encantadora Deucliexia
o recorde mundial de diversidade de plantas lenhosas (458
muscosa Aug. S. Hil., que se assemelha a um musgo por espécies), em um único hectare no sul da Bahia. Por essa
suas pequenas folhas e seus caules estendidos sobre o chão” razão, 33% do seu território é considerado área prioritária
(SAINT-HILAIRE, 2004, p. 39). para a conservação, e 55% indicado como de extrema
importância biológica (SOS MATA ATLÂNTICA, 2019). Em
termos fitofisionômicos, a Mata Atlântica está representada
A Mata Atlântica
especialmente nas encostas dos morros pelas Florestas
Estacionais Semideciduais e em trechos mais restritos à
Este bioma pode ser compreendido como conjunto florestal
Floresta Ombrófila na região do projeto Caminho Saint
e de ecossistemas que abrigam grande riqueza florística
Hilaire (Figura 3.9).
e diversidade vegetal, com elevada presença de espécies
endêmicas e/ou raras e ameaçadas de extinção (RIZZINI,
1997). É considerada a mais antiga floresta do território
Floresta Ombrófila
brasileiro, estabelecida há cerca de 70 milhões de anos
(LEITÃO-FILHO, 1987). Originalmente a Mata Atlântica A Floresta Ombrófila Densa (Figura 3.9a) é caracterizada
estendia-se do cabo de São Roque (RN) a Osório (RS), com por árvores de grande porte (25 a 30m), copas entrelaçadas,
área aproximada de 1.350.000 km². Atualmente, encontra- formando dossel contínuo (LINGNER et al., 2015), além
se reduzida a fragmentos de mata em locais de topografia de cipós lenhosos e plantas como bromélias e orquídeas
acidentada, principalmente concentrada nas regiões Sudeste em abundância, que as diferenciam das outras formações
e Sul, com menos de 8% da sua extensão original (SOS florestais do bioma Atlântico (IBGE, 2012). Sua característica
MATA ATLÂNTICA; INPE, 2019). ecológica principal reside nos fatores climáticos tropicais
A degradação deste bioma é resultado da colonização do de elevadas temperaturas (~25° C) e de alta precipitação
território brasileiro e de exploração irregular de recursos durante o ano. Apresenta ampla complexidade biológica e
naturais, que ao longo do tempo atuaram de forma drástica com elevados índices de diversidade e riqueza de plantas.

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 67


Na região ocorrem as espécies Tapirira guianensis Aubl. Espécies das famílias Lauraceae, Rubiaceae, Fabaceae,
(pau-pombo), Calophyllum brasiliense Cambess. (guanandi), Myrtaceae, Anacardiaceae e Moraceae são comuns ao
Protium heptaphyllum (Aubl.) Marchand (breu branco, longo do caminho. As espécies arbóreas mais comuns
amescla), Ormosia arborea (Vell.) Harms (olho de cabra), são: Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex DC.) Mattos
Euterpe edulis Mart. (Juçara), Endlicheria paniculata (Spreng.) (ipê-amarelo), Plathymenia reticulata Benth. (vinhático-
J.F.Macbr. (canela de frade) e Weinmannia pinnata L. As duas da-mata, amarelinho), Handroanthus impetiginosus (Mart.
últimas foram coletadas por Saint-Hilaire na região do Serro ex DC.) Mattos (ipê-roxo) e Paubrasilia echinata (Lam.)
e Diamantina, respectivamente. Gagnon, H.C.Lima & G.P.Lewis (pau-brasil). Plantas deste
tipo florestal coletadas por Saint-Hilaire foram: Duguetia
lanceolata A.St.-Hil. (Pindaíba), coletada e descrita pelo
Florestas Estacionais Semideciduais naturalista no Serro, e Campomanesia adamantium
(Cambess.) O.Berg. (Gabiroba) em Diamantina.
A principal característica ecológica desta fitofisionomia
é decorrente do clima estacional, ligado a clima menos
úmido em certa época do ano, que causa semideciduidade
na vegetação, ou seja, a perda parcial das folhas (Figura
3.9c) entre 20% e 50% do conjunto florestal (IBGE, 2004). Na
região do Caminho de Saint Hilaire podem ser encontradas
as Florestas Estacionais Montanas, com porte arbóreo
e o dossel em torno de 20 metros, que ocorrem na faixa
altimétrica entre 600 e 2000 metros de altitude, em solos com
baixa fertilidade natural (IBGE,2004; 2012). Já próximo ao
contato com o Cerrado é comum encontrar essa fitofisiomia
em locais onde o lençol freático está próximo ou sobre a
superfície do terreno, os capões de mata (Figura 3.9b). Estes
caracterizam-se como ilhas naturais de distintas dimensões
e formatos (frequentemente circulares) de elevada relevância
ecológica e florística, com considerável número de espécies
raras e exclusivas cercados por tipos de vegetação distintas
(COELHO et al. 2017). São considerados fundamentais para a
conectividade da flora regional, já que compartilham espécies
de todo o mosaico vegetacional da região (COSTA, 2017).

68 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Figura 3.9: Variações florestais das Mata Atlântica presentes no trajeto do Projeto Caminho Saint Hilaire. (a) Floresta Ombrófila
em encostas registradas na região do Distrito de Itapanhoacanga (atualmente pertencente ao município de Alvorada de Minas e
que na ocasião da passagem de Saint-Hilaire pela região recebia o nome de Rio do Peixe) Foto: Danielle Piuzana Mucida. (b) Capão
de Mata registrado em Diamantina Foto: Anne Priscila Dias Gonzaga. (c) Floresta Estacional Semidecidual (ao fundo) registrada
próximo ao distrito de Vau, na região dos Borbas.
Foto: Paulo Donizete Ribeiro

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 69


3.3 Considerações finais

Ao percorremos o percurso do Caminho Saint Hilaire,


inserido na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço,
torna-se claro que a região apresenta ampla complexidade
ambiental, bem como marcos geográficos, geomorfológicos
e geológicos que remontam à importância da biodiversidade
e geodiversidade em todo o território. Em função dos
fatores abióticos, a vegetação e demais elementos bióticos
variam imensamente e são responsáveis pela elevada
riqueza, diversidade e endemismos florísticos, assim como
de paisagens e elementos geográficos. Tais fatores tornam
a região sem precedentes em vários aspectos, reforçando a
necessidade de mais estudos científicos que visem melhor
compreender o padrão de distribuição das espécies ao longo
desse mosaico geoambiental.
Neste sentido, o título de Reserva da Biosfera da Serra
do Espinhaço para este território é de extrema relevância
para o avanço de pesquisas e resguardo do patrimônio
natural. Além disso, é importante estar atento a como as
informações tratadas aqui podem contribuir para a criação
e implementação de políticas de conservação e incentivo
ao turismo sustentável, para que cada vez mais aspectos
relevantes da paisagem cultural e que vêm sendo apontados
desde o século XIX por naturalistas como Auguste de Saint-
Hilaire sejam finalmente descritos.

70 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Actinocephalus bongardii - Espécie descrita por Saint-Hilaire.
Foto: Paulo Takeo Sano

72 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


variações nas condições geológicas, geomorfológicas,
climáticas e edáficas, resultando em uma gama de
fitofisionomias e variações na vegetação (GIULIETTI et al.,
2005; DRUMMOND et al., 2009; FORZZA et al., 2012).
Desde o século XIX, com a vinda da Coroa Portuguesa
para o Brasil, o país abriu as portas para o amplo comércio
e para a curiosidade científica. Assim sendo, por meio de

4.
Missões Científicas, viajantes e/ou naturalistas puderam
descrever e interpretar as riquezas do país em diversos
aspectos, principalmente aqueles relacionados às jazidas
minerais (AMORIM FILHO, 2008; SAINT-HILAIRE, 2011).
Apesar do foco nas pedras preciosas, esses viajantes e/

As plantas e as ou naturalistas descreveram em seus cadernos de campo


(que posteriormente foram publicados como “literatura

flores
de viagem”) aspectos de cunho biológico, antropológico,
mineralógico, sociológico, geográfico e geológico do Brasil
oitocentista (LOPES et al., 2011).
Cabe ressaltar que, entre todos os viajantes estrangeiros que
estiveram no Brasil no século XIX, Auguste de Saint-Hilaire
Anne Priscila Dias Gonzaga
é talvez o de maior notoriedade no país. Isso possivelmente
Carlos Victor Mendonça Filho
está relacionado às mais de 23.000 amostras botânicas que
Evandro Luiz Mendonça Machado
o naturalista coletou durante os seis anos que percorreu
Fabiane Nepomuceno Costa
diversos estados brasileiros e algumas regiões da Argentina
e do Paraguai (PIGNAL et al., 2013). Este destaque se deve

C onsiderado como líder mundial de diversidade botânica,


o Brasil possui mais de 41.000 espécies de plantas,
assim como uma das maiores taxas de endemismos22
também ao comprometimento e à obstinação do naturalista
francês em observar e descrever tudo o que podia, não se
limitando à Botânica, que era sua especialidade. Como pode
(aproximadamente 56%), o que ressalta a importância do país ser visto no prefácio de um de seus livros:
em relação à proteção da biodiversidade do planeta (BFG,
“Consagrei seis anos inteiros a percorrer uma vasta por-
2015). A elevada riqueza é resultante da extensão territorial, ção do Império do Brasil; corri cerca de duas mil e qui-
principalmente no sentido latitudinal, que apresenta nhentas léguas; visitei as províncias […] e ouso esperar
que a relação da minha viagem acrescenta numerosas
22
Espécies que ocorrem exclusivamente em determinada região geográfica

73
noções novas às que já se possuem relativamente à parte e oferece muitas vezes uma coloração de verde diferente
oriental da América do Sul.” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.3). daquela das árvores vizinhas. Vegetais gigantescos que
pertencem às famílias mais longínquas misturam seus
Em outro trecho cita que: galhos e confundem sua folhagem. As Bignoniáceas26
de cinco folhas crescem ao lado das Caesalpinia27, e as
“O estudo dos produtos vegetais do Brasil constituía, sem
flores douradas das Cassias28 se espalham ao cair sobre
dúvida, o objetivo principal de minha viagem; não ne-
fetos arborescentes29. Os ramos mil vezes divididos das
gligenciei no entanto, de recolher fatos que possa, sob
Myrtes30 e das Eugenia31 fazem ressaltar a simplicidade
outros aspectos, dar uma ideia perfeita de região tão in-
elegante das Palmeiras, e entre as Mimosas32 de folíolos
teressante. Não me limitei a seguir os caminhos frequen-
delicados, a Cecropia33 exibe suas largas folhas e seus
tados. Internei-me pelos lugares mais desertos e estudei
galhos que parecem imensos candelabros. Há árvores
as tribos indígenas. Favorecido pelas autoridades locais,
que têm uma casca perfeitamente lisa; algumas são
acolhido em toda parte com a mais generosa hospitali-
defendidas por espinhos, e os enormes troncos de uma
dade, pude ver tudo o que há de mais notável e reunir
espécie de Figueira selvagem estendem-se em lâminas
preciosas informações. Escrevi cada dia um diário minu-
oblíquas que parecem sustentá-la como arcobotantes”
cioso do que se me oferecia à vista, e aí consignava, na
(SAINT-HILAIRE, 2000, p.20).
medida em que me permitiam os conhecimentos, o que
pudesse contribuir para dar uma ideia exata das zonas Outros pontos que merecem destaque nos relatos e que
que percorria.” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.3).
chamavam a atenção de Saint-Hilaire referem-se à enorme
Sua contribuição para a Botânica foi enorme, com uma diversidade de produtos, serviços e benefícios que as plantas
coleção que até os dias atuais é fonte de estudos de presentes no território nacional possuem. O que nos faz
diversos pesquisadores, principalmente na área da Botânica
Sistemática23. Dentre as suas contribuições para a flora Família que inclui árvores, arbustos e lianas, com aproximadamente 110 gêneros e
26

brasileira, não se pode deixar de mencionar sua fascinação 800 espécies. Possui vasta distribuição, nas regiões tropicais e subtropicais. Conheci-
da por ser a família dos ipês.
pela elevada riqueza florística observada ao percorrer o Brasil 27
Gênero de plantas da família Fabaceae. As espécies deste gênero são plantas lenho-
e que está muito bem documentada em diversos trechos da sas que ocorrem em zonas tropicais e subtropicais.

sua “literatura de viagem”, como é destacado abaixo: 28


Gênero de plantas arbóreas da família Fabaceae. Antigamente incluía muitas es-
pécies brasileiras, mas foi estudado e muitas foram realocadas em outros gêneros.
Atualmente conta com apenas 13 espécies no Brasil.
“Para conhecer toda a beleza das florestas equinociais
é preciso penetrar nesses refúgios tão antigos quanto o 29
Termo que se refere a samambaias que crescem com um tronco elevando as folhas
acima do nível do solo. Popularmente são conhecidas por xaxins. As espécies são
mundo. Ali nada lembra a fadiga monótona de nossos pertencentes às famílias Dicksoniaceae e Cyatheaceae.
bosques de Carvalhos24 e de Pinheiros25 cada árvore tem 30
Termo que se refere a samambaias que crescem com um tronco elevando as folhas
um porte que lhe é próprio; cada uma tem sua folhagem acima do nível do solo. Popularmente são conhecidas por xaxins. As espécies são
pertencentes às famílias Dicksoniaceae e Cyatheaceae.
23
Ciência que encontra, identifica, descreve, classifica e nomeia plantas. 31
Gênero de Myrtaceae, que inclui o popular araçá.
Árvore que tem como nome científico Quercus robur, ocorre no sul da Europa, na
24
Gênero da família Fabaceae, que inclui 680 espécies, maioritariamente arbustos e
32

Ásia menor e no norte de África. herbáceas.


Nome comum das árvores do gênero Pinus, da família Pinaceae, do grupo das Gim-
25
Embaúba é a designação comum de várias espécies de árvores, do gênero Cecropia,
33

nospermas. pertencente à família Urticaceae.

74 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


refletir quanto à importância da sua conservação e o quão desconhecidas pela Ciência. Saint-Hilaire coletou cerca de
estratégico será, tanto para a sociedade brasileira quanto 23.000 exsicatas34 de plantas, de aproximadamente 8.900
para a humanidade, o conhecimento dessas plantas (FAO, espécies diferentes. Todo esse material foi criteriosamente
2010; ARNOLD et al., 2011). Saint-Hilaire assim comentou: catalogado e numerado por ele nos seus cadernos de coletas
“Se fossem mais conhecidos, esses frutos seriam cer-
de campo. Posteriormente essas amostras foram distribuídas
tamente procurados como especiaria, e poderiam dar em diferentes herbários35 do mundo (PIGNAL et al., 2013).
lugar a um novo ramo do comércio; mas, infelizmen- Muitos desses materiais foram utilizados na descrição de
te, os brasileiros se acostumaram a desdenhar todas novas espécies36, como relatado por Saint-Hilaire:
as vantagens que a natureza lhes prodigou, e na des-
truição das florestas, que progride tão rapidamente, “Mil arbustos diversos, Melastomatáceas37 Boragináceas38,
a árvore que acabo de analisar não está sendo menos pimentas39, Acantháceas40, etc., nascem ao pé das grandes
poupada do que tantas outras espécies preciosas, que árvores, preenchem os intervalos que estas deixam entre
acabarão, talvez, por desaparecer totalmente” (SAINT- si, e oferecem suas flores ao naturalista, consolando-o de
HILAIRE, 2009, p.195-196). não poder atingir aquelas das árvores gigantescas que
elevam acima de sua cabeça seu cimo impenetrável aos
Infelizmente, a observação de Saint-Hilaire acerca do raios do sol” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.21).
(des)interesse da população brasileira quanto à sua
De todas as coletas realizadas por Saint-Hilaire no Brasil,
flora, bem como as potencialidades do seu uso, estão
mais de 20% foram feitas na “Provincia Minarum” (Minas
presentes ainda hoje na maioria da população. Visando
Gerais), e a maioria era de espécies ainda desconhecidas
ressaltar a importância dessas plantas, além de coletar e
pela Ciência, sendo as descrições destas realizadas
descrever espécies da flora brasileira Saint-Hilaire (2009)
posteriormente por ele e por outros botânicos da época.
também apresentou descrição detalhada sobre as plantas
utilizadas no Brasil para o tratamento ou cura de alguma Apenas para o Estado de Minas Gerais estima-se que o
enfermidade (Plantes usuelles des Brasiliens). Em estudos naturalista tenha descrito mais de 160 novas espécies,
recentes, pesquisadores de diversas áreas buscam conhecer
e difundir as potencialidades da rica flora regional. Aliás, 34
É uma amostra de planta prensada e em seguida desidratada, fixada em papel espe-
muitas plantas observadas por Saint-Hilaire com potencial cífico de tamanho padrão acompanhadas de etiqueta contendo informações sobre o
vegetal e o local de coleta, para fins de estudo botânico.
medicinal ocorrem na região do Caminho Saint Hilaire, 35
É uma coleção dinâmica de plantas secas prensadas, de onde se extrai, utiliza e
como o chá de pedestre, descrita com o nome de Lantana adiciona informação sobre espécies de plantas conhecidas e novas.

pseudothea A.St.-Hil. (atualmente Lippia pseudothea); a quina Esses exemplares utilizados para descrição científica de uma espécie nova são de-
36

nominados tipos nomenclaturais.


do campo (Strychnos pseudoquina A.St.-Hil.), o cipó de carijó 37
Família Botânica, que inclui 188 gêneros e cerca de 5.000 espécies.
(Davilla rugosa Poir.), entre outras. 38
Família Botânica, que inclui cerca de 200 gêneros e 2.600 espécies.
O outro aspecto que se destaca na obra de Saint-Hilaire 39
Designação comum de várias espécies de árvores, do gênero Xylopia, pertencente
à família Annonaceae.
é sua inquietude acerca do grande número de plantas
40
Família botânica que inclui 200 gêneros e cerca de 3.500 espécies.

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 75


publicadas nos três volumes da Flora brasiliae meridionalis Hilaire durante os trechos percorridos no Estado e da
(1825-1833), sendo que a maioria dos exemplares botânicos existência de três diferentes biomas: a Caatinga, o Cerrado e
correspondentes está depositada no herbário do Muséum a Mata Atlântica (SOBRAL; STEHMANN, 2009).
National d’Histoire Naturelle, em Paris, e nos herbários
Dentre as muitas regiões mineiras que apresentam elevada
da Universidade de Montpellier e de Clermont-Ferrand,
riqueza de espécies destaca-se a Serra do Espinhaço. Está
também na França.
localizada no planalto Atlântico e é responsável pela
Atualmente, encontra-se disponível on-line o “Herbário divisão entre as redes de drenagem do Rio São Francisco e
Virtual de A. de Saint-Hilaire”, que disponibiliza a coleção dos rios que correm diretamente para o Oceano Atlântico,
botânica do naturalista, incluindo as plantas do Brasil. especialmente os rios Jequitinhonha e Doce, sendo
Neste ambiente é possível ter acesso às anotações de campo, também região de ocorrência de dois hotspots mundiais43,
mapas, ilustrações e imagens em alta resolução das amostras o da Mata Atlântica e do Cerrado (MYERS et al., 2000).
depositadas nos herbários do Muséum National d’Histoire Fitogeograficamente a região está inserida em complexo
Naturelle e de Clermont-Ferrand. Essas informações e mosaico de florestas estacionais e de savana, com diversas
imagens disponibilizadas facilitam um pouco o trabalho de fitofisionomias relativamente bem preservadas. Essas,
investigação acerca das descobertas e impressões de Saint- segundo pesquisas recentes, detêm aproximadamente 2/3
Hilaire sobre a flora brasileira (Figura 4.1). das espécies vegetais consideradas ameaçadas de extinção
em Minas Gerais, além da ocorrência de um elevado número
É importante destacar que A Flora brasiliae meridionalis
de espécies endêmicas (SOBRAL; STEHMANN, 2009).
é considerada o primeiro tratamento sistemático da flora
do Brasil e foi base para a proposta da Flora Brasiliensis, Em Minas Gerais, Saint-Hilaire percorreu a porção oeste e
elaborada pelo também naturalista von Martius, que está leste do Estado e a região centro-norte, incluindo aí grande
sendo atualizada pela primeira vez com o advento da Flora parte da Serra do Espinhaço (de Ouro Preto até Bocaiuva) e
do Brasil 202041. Segundo a Flora do Brasil 2020, Minas Gerais todo o trecho que compreende o que estamos chamando de
é o estado brasileiro com maior riqueza de espécies vegetais. Caminho Saint Hilaire. Segundo Saint-Hilaire:
Dados recentes indicam a ocorrência de cerca de 11.800 “Dividindo a província das Minas em duas partes, uma
espécies de plantas. Destas, cerca de 2.300 são classificadas muito montanhosa, a outra simplesmente ondulada, a
como endêmicas42 (BFG, 2015). Essa elevada diversidade Serra do Espinhaço divide-a também em duas zonas ou
é resultante da variedade de condições ambientais (solos, regiões vegetais igualmente muito distintas: a oriente, a
das florestas, a ocidente a das pastagens ou campos; re-
relevo, clima), que foram amplamente analisadas por Saint-
giões que, paralelas à cadeia, estendem-se, como ela na
direção dos meridianos” (SAINT-HILAIRE, 2011, p.21).
41
Projeto em andamento, que conta atualmente com a participação de quase 700
pesquisadores do mundo todo, trabalhando em rede, com objetivo de divulgar des-
crições, ilustrações e chaves de identificação para todas as espécies de plantas, algas
e fungos conhecidos para o país, até o ano de 2020. 43
Ambientes que abrigam a elevada diversidade biológica e estão entre os mais ame-
42
Espécies que ocorrem exclusivamente em determinada região geográfica. açados do planeta.

76 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Durante sua passagem pelo Caminho Saint Hilaire,
a c
provavelmente ele tenha amostrado mais de duas centenas de
plantas. No entanto, é difícil estimar ao certo quantas foram,
pois os dados das fichas das exsicatas são muito sucintos, e a
numeração e anotações dos cadernos de campo são de difícil
entendimento. Além disso, parte considerável de sua coleção
de plantas encontra-se depositada em grandes herbários,
juntamente com outros milhares de exemplares, o que
dificulta a localização e estudo de uma amostra específica.
b
No entanto, é possível observar nos relatos sobre sua
passagem pelo Distrito dos Diamantes, que Saint-Hilaire
apresentou uma gama de informações sobre a estrutura e
formas de trabalho no garimpo e os diferentes impactos
causados por esta atividade, principalmente devido ao fogo
e remoção da vegetação. Por onde passava descrevia as
características do relevo, do solo e do clima e relacionava
essas condições ambientais ao tipo de vegetação daquela
região. Entretanto, seu trabalho botânico fora prejudicado
Figura 4.1: Recorte de informações disponíveis on line no
devido a uma limitação ambiental, isto porque Saint- “Herbário Virtual de A. de Saint-Hilaire” (http://hvsh.cria.org.br/).
Hilaire chegou à região durante o auge do período seco (A) Mapa com o roteiro da viagem de Saint-Hilaire pela região que
engloba o Caminho Saint Hilaire; (B) Página do caderno de campo
(setembro de 1817). Esse fato provavelmente levou o
(B2 utilizado por Saint-Hilaire em sua passagem por Minas Gerais,
naturalista a subestimar a riqueza florística da região, Rio de Janeiro e Espírito Santo); (C) Uma das amostras Botânicas
uma vez que algumas espécies poderiam não apresentar coletadas por Saint-Hilaire em Diamantina, MG.
estruturas reprodutivas (flores e/ou frutos), dificultando sua Fonte: “Herbário Virtual de A. de Saint-Hilaire” (http://hvsh.cria.
org.br/)
visualização ou correta identificação (SANTOS et al., 2020).

4.1 De Diamantina a Serro

No seu trajeto do Tijuco até Vila do Príncipe, Saint-


Hilaire vivenciou diferentes situações um tanto quanto
contraditórias. Nessa primeira parte da viagem, o naturalista
descreveu uma natureza agreste e selvagem, que lhe

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 77


imprimia uma sensação de solidão44. Descreve os “rochedos dura, produzia uma artista geral de uma delicadeza
como de um tom pardo escuro, no meio dos quais cresce um irreproduzível” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.119).
relvado de cuja cor não difere do próprio rochedo”. Relata que Ainda observou a ocorrência de duas espécies de árvores
não teve prazer de ver flores e que tudo estava dessecado que apresentam ampla distribuição no Planalto de
nas encostas pedregosas, o que reforça a ideia acerca da Diamantina, o monjolo50, e outra espécie chamada de
influência da sazonalidade nas suas coletas pela região. pereira-da-serra51. Segundo ele, estas espécies, dada à sua
Anotou também a ocorrência de plantas exóticas45 e dureza, eram empregadas na construção de casas, objetos
invasoras46, como a piteira47, muito abundante em diferentes e aparelhos destinados à extração de diamantes. Apesar
áreas de garimpo, e que segundo relatos recentes de da extrema secura, como descrito por Saint-Hilaire, em
garimpeiros era usada para lavar roupa, devido à presença algumas localidades ele encontrou plantas com flores, como
de saponinas em suas folhas (Figura 2B). Cita também a representantes de Droseraceae52, em uma área de campo com
presença de samambaias48 (Figura 2A) e capim-gordura49 terreno árido e arenoso e próximo a pequenos cursos d’água.
(Figura 2C), resultantes do processo de degradação que Saint-Hilaire coletou várias amostras, dentre elas algumas
ocorre no ciclo de derrubada de árvores, fogo e atividade ainda desconhecidas pela Ciência (Figura 4.3).
minerária (Figura 2D e E). Saint-Hilaire registrou a
ocorrência destas plantas:
“Quando, nessa região, se corta uma floresta virgem e
se põe fogo, […] logo se vê nascer uma grande samam-
baia” (SAINT-HILAIRE, 2011, p.24).

“Os morros […] estavam cobertos de capim-gordura;


uma única planta disputava-lhe o terreno; era esse
Sacharum, chamado sapé, cuja cor amarelada, mescla-
da ao verde mais escuro e acinzentado do capim-gor-

44
Descrição da região do Distrito de Pinheiro, Diamantina.
Espécies que se instalam ou são introduzidas em locais onde não são naturalmente
45

encontradas.
Espécies que proliferam sem controle e passam a representar ameaça para espécies
46

nativas, ocupando e transformando o ambiente.


47
Furcraea foetida, espécie da família Agavaceae, originária da América Central.
50
Pterodon emarginatus, espécie da família Fabaceae, também conhecida na região
48
Pteridium aquilinum, espécie da família Dennstaedtiaceae, planta extremamente por “sucupira branca”.
adaptável, que coloniza rapidamente áreas com distúrbios.
51
Aspidosperma dispermum, espécie da família Apocynaceae.
49
Melinis minutiflora, espécie da família Poaceae, originária da África, que veio
nos navios negreiros para formar pastagens por ser uma planta rústica e de rápido 52
Família botânica de plantas insetívoras, conhecidas popularmente como plantas
crescimento. carnívoras.

78 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


a c

Figura 4.2: Fotografias de espécies exóticas e invasoras, bem como de ações degradatórias que foram
documentadas por Saint-Hilaire no século XIX ao longo do Caminho Saint Hilaire. (A) ocorrência
de Pteridium aquilinum, samambaia; (B) ocorrência de Furcraea foetida, piteira; (C) ocorrência
de Melinis minutiflora, capim gordura; (D) registro de ocorrência de incêndios nos arredores de
Diamantina, MG; (E) registro de atividade minerária de diamante do século XIX abandonada no
Parque Estadual do Biribiri.
Fotos: Elisa de Morais Paschoal (A), Evandro Luiz Mendonça Machado (B), Forest & Kim Starr (C),
Simone Nunes Fonseca (D) e Israel Marinho Pereira (E)

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 79


Todas foram descritas posteriormente por ele com os J.F.B.Pastore (coletada e descrita por ele com o nome de
nomes de Drosera ascendens A.St.-Hil., Drosera tomentosa Polygala oleifolia e que posteriormente foi transferida para o
A.St.-Hil., Drosera spiralis A.St.-Hil. e Drosera sessilifolia gênero Caamembeca), endêmica do Estado de Minas Gerais e
A.St.-Hil. (Figuras 4.3 A, B, C e D). Para este ambiente que chama a atenção pelas belas flores alaranjadas. De forma
descreveu também as espécies Utricularia nana A.St.-Hil. semelhante, chama a atenção, pela diversidade de cores
& Girard e Genlisea aurea A.St.-Hil. (Figuras 4.3 F e G), das pétalas, a Pombalia lanata (Figura 4.4B), que na ocasião
ambas pertencentes à família Lentibulariaceae, outro grupo da descrição feita por Saint-Hilaire foi nomeada Ionidium
de plantas insetívoras que possuem diminutas armadilhas lanatum. Esta planta apresenta ampla variação de cores em
para capturar pequenos insetos e digeri-los em seguida. suas flores, que podem ser alvas, azuis, creme e amarelas.
Utricularia nana apresenta flores amarelas e frutos secos, que
Em relação às “belas Melastomatáceas”, citadas por ele,
na maturidade se abrem para liberar as pequenas sementes.
não é possível saber exatamente quais foram as espécies
Genlisea aurea também apresenta flores amarelas ou branco-
mencionadas, visto que todas são belas e frequentes nos
amareladas e que é endêmica do Brasil, ocorrendo em
Campos Rupestres de toda a Serra do Espinhaço. No
vários estados. É possível atualmente encontrar todas essas
entanto, é sabido que Saint-Hilaire também descreveu
plantas nos solos úmidos ou alagadiços, em áreas de Campo
algumas espécies novas desta família, entre elas Marcetia
Rupestre, ao longo do Caminho Saint Hilaire (Figura 4.3D).
taxifolia (A.St.-Hil.) DC. (Figura 4.4C), planta herbácea de
Ainda em Diamantina, Saint-Hilaire fez várias incursões pequeno porte com belas flores que podem ser brancas,
nos arredores e coletou diversas amostras botânicas, sendo róseas a magentas dependendo do solo local. Também teve
algumas espécies novas, descritas posteriormente por ele. uma espécie descrita em sua homenagem, Cambessedesia
Dentre elas, a Declieuxia muscosa (Figura 4.4A) e Declieuxia hilariana (Kunth) DC. (Figura 4.4D), planta herbácea de
juniperina, plantas pequenas, com lindas flores azuis, ambas belas flores alaranjadas, presente nos Campos Rupestres ao
endêmicas da região. Sobre elas Saint-Hilaire cita: longo de todo o Caminho Saint Hilaire.
“Apesar da extrema secura encontrei em flor cerca de 30
plantas que ainda não possuía. Eram, entre outras, 2 ou
3 belas Melastomatáceas, 2 Ericáceas, o Ionidium lana-
tum53 várias Polygala, enfim a encantadora Declieuxia
muscosa Aug. S.-Hil. que se assemelha a um musgo por
suas pequenas folhas e seus caules estendidos sobre o
chão.” (SAINT-HILAIRE, 2004, p.39).

Dentre as Polygala, também citadas pelo naturalista,


provavelmente está a Caamembeca oleifolia (A.St.-Hil. Moq.)

53
Hoje conhecida por Pombalia lanata

80 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


a b c

e f g

Figura 4.3: Fotografias do ambiente natural e detalhes de plantas coletadas por Saint-Hilaire na região de
Diamantina: (A) Drosera ascendens A.St.-Hil.; (B) Drosera tomentosa A.St.-Hil.; (C) Drosera spiralis A.St.-
Hil.; (D) detalhe de ambiente ciliar na região do Caminho Saint Hilaire; (E) Drosera sessilifolia A.St.-Hil.; (F)
Utricularia nana A.St.-Hil. & Girard; (G) Genlisea aurea A.St.-Hil.
Fotos: Paulo Sergio Minatel Gonella Silva (A, B, C, E, F, G) e Bruno Vinícius da Silva (D)

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 81


a b c

d e f

Figura 4.4: Fotografias de plantas coletadas por Saint-Hilaire na região de Diamantina, trecho do
Caminho Saint Hilaire. (A) Declieuxia muscosa A.St.-Hil.; (B) Pombalia lanata (A.St.-Hil.) Paula-Souza;
(C) Marcetia taxifolia (A.St.-Hil.) DC.; (D) Cambessedesia hilariana (Kunth) DC.; (E) Campomanesia
adamantium (Cambess.) O.Berg.; (F) Schwartzia adamantium (Cambess.) Bedell ex Gir.-Cañas.
Fotos: Evandro Luiz Mendonça Machado (A), Jair Eustáquio Quintino de Faria Júnior (B, E), Darliana da
Costa Fonseca (C), Leonardo Jorge (D), Thiago José Ornelas Otoni (F)

82 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Um aspecto interessante a ser comentado sobre o trecho Ainda neste trecho o naturalista descreveu a construção de
que compreende a região de Diamantina se refere ao epíteto um bicame56 na região do Mata-mata, conhecida hoje como
específico54 “adamantium”, que em latim significa “diamante” Capão Maravilha, feito com tábuas calafetadas com estopa
e que é uma clara referência ao Distrito Diamantino, onde retirada de uma árvore denominada imbiruçu57.
foram coletadas as espécies Campomanesia adamantium
Já no seu trajeto passando pelo Vau em direção a Milho
e Schwartzia adamantium (Figura 4.4E). A Campomanesia
Verde58, que à época eram locais de fiscalização de quem
adamantium é popularmente conhecida como guabiroba,
ia para o Serro, Saint-Hilaire relatou na região do Borbas
tem grande potencial econômico, seja como alimento
a abundância de uma espécie que ele chamou de candeia,
in natura ou na preparação de diversos alimentos e
mas que se tratava de Lychnophora59 (Figura 4.5D). Essas
na medicina popular (VIEIRA et al., 2011), ocorrendo
plantas ocorrem agrupadas e, segundo ele, na montanha
amplamente nas formações abertas do Cerrado. Já
caracterizava as vertentes mais íngremes e pedregosas.
Schwartzia adamantium (na época descrita como Norantea
Durante essa parte do trajeto as chuvas haviam iniciado e
adamantium) (Figura 4.4F), é uma espécie que ocorre em
segundo ele davam à folhagem das plantas um tom agradável,
áreas sob afloramentos rochosos (Campo Rupestre e Cerrado
e os relvados60 produziam, às vezes, belo efeito em meio
Rupestre), bem como em locais próximos a cursos d’água
aos rochedos. Até a chegada em Três Barras61 Saint-Hilaire
(Matas Ciliares e de Galeria).
relatou que o terreno era igual ao de Diamantina. Entretanto,
Também nas áreas abertas da região (Campo Limpo e após passar esta localidade este tornou-se argiloso e
Campo Sujo) são encontrados frequentemente espécies avermelhado, indicando ter chegado à Zona das Florestas62.
como Erythroxylum suberosum (Figura 5A), que apresenta
A vegetação mudou, sendo abundante os grandes fetos63
alta capacidade de tolerância aos incêndios, graças à sua
que nasciam por toda parte (Figura 4.6). Na sua chegada
espessa casca (suber). Assim como Davilla angustifolia e
Duguetia lanceolata (Figuras 5B e 5C), que apresentam frutos
carnosos bastante atrativos para aves, recurso escasso para 56
Leito artificial de madeira com que desvia o fluxo de um rio ou riacho para permitir
a mineração no seu álveo primitivo.
fauna nessa região, o que demonstra a relevância ecológica
Possivelmente trata-se de Eriotheca gracilipes, espécie da família Malvaceae, a mes-
57
dessas espécies. ma família da paineira.

Mais ao sul de Diamantina55 Saint-Hilaire continua seu 58


Vau é um povoado existente entre Diamantina e Serro.

relato sobre as cores pardo-acinzentadas dos rochedos e Gênero pertencente à família Asteraceae com cerca de 39 espécies, hoje conhecida
59

popularmente por arnica.


o aspecto ainda mais agreste da paisagem, causado pelos 60
Relativo à relva, um tipo de campo natural com gramíneas e outras plantas.
revolvimentos e a desordenada extração dos diamantes. 61
Distrito de Serro.
62
Mata Atlântica.
Designação dada à palavra latinizada que se segue ao nome do gênero no binome
54

de uma espécie na nomenclatura binominal dos seres vivos.


63
Termo que se refere a samambaias que crescem com um tronco elevando as folhas
acima do nível do solo. Popularmente são conhecidos por xaxins. As espécies são
55
Na chegada a Curralinho, outro distrito do município de Diamantina. pertencentes às famílias Dicksoniaceae e Cyatheaceae.

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 83


ao Serro, em novembro de 1817, sob pesada chuva, Saint numa localidade chamada de Tapera, Saint-Hilaire
Hilaire desabafou: descreveu um terreno de natureza diferente, com terra
“Durante os últimos meses de minha viagem um calor
negra misturada com areia e rochas arredondadas, com
insuportável e uma seca extrema haviam produzido em muitas gramíneas e a pequena palmeira da montanha66.
mim uma irritação nervosa que não permitia ver com Neste trecho relatou ainda a ocorrência de matas virgens
bons olhos as coisas que me cercaram. Tal não se deu (Florestas Estacionais), mas de pequeno porte, devido a
quando deixei a Vila do Príncipe. A doce frescura que
este tipo de solo arenoso. Na região das florestas virgens, à
se espalhava na atmosfera mergulhou-me logo numa
calma deliciosa e pude dedicar-me perfeitamente à con- época Saint-Hilaire observou poucas espécies em flores, mas
templação da natureza”. (SAINT-HILAIRE, 2004, p.45). entre Vila do Príncipe e Tapanhoacanga viu uma espécie de
Cássia67 com flores amarelas, além de uma ou duas espécies
4.2 De Serro a Conceição do Mato Dentro da família das Mirtáceas68.

Ao chegar à Vila do Príncipe, Saint-Hilaire observou que


estava agora a 123 léguas64 do Rio de Janeiro, e exclamou:
“Parecia-me que repentinamente eu havia transposto uma
imensa distância que me separava da França”. Nesta região,
coletou e posteriormente descreveu algumas novas espécies,
como a Luxemburgia speciosa, coletada no distrito de Milho
Verde, endêmica dos Campos Rupestres do Planalto de
Diamantina (Figura 4.7A) . Essas são plantas delicadas, com
alturas variando de 0,5 a 2 m, e atualmente está na lista de
espécies ameaçadas de extinção, devido principalmente à
destruição dos ambientes onde ela ocorre (CNCFlora, 2019).
Outra espécie encontrada com grande frequência era a Styrax
ferrugineus (Figura 4.7B), conhecida como laranjinha-do-
cerrado e que possui flores brancas a creme, polinizadas por
insetos, principalmente por abelhas (LENZA; CLINK, 2006).
Continuando o seu caminho e passando por
Tapanhoacanga65 indo em direção à Paróquia de Conceição,
66
Provavelmente trata-se de Syagrus glaucescens, espécie da família Arecaceae.
64
A distância percorrida a pé por uma hora, sendo de aproximadamente 6 quilôme-
tros; 123 léguas = 733km 67
Possivelmente trata-se de Cassia ferruginea espécie da família Fabaceae.
65
Hoje Itapanhoacanga, antigo distrito do Serro do Frio e atual distrito de Alvorada Myrtaceae, família com cerca de 132 gêneros e mais de 5950 espécies. Conhecida
68

de Minas. por ser a família da goiaba, da jabuticaba e do eucalipto.

84 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


a b c

Figura 4.5: Fotografias do ambiente natural e detalhes de plantas coletadas por Saint-Hilaire. (A)
Erythroxylum suberosum (Mart.) A.St.-Hil.; (B) Davilla angustifolia A.St.-Hil.; (C) Duguetia lanceolata A.St.-
Hil. (D) população de Lychnophora pohlii Sch. Bip. nos arredores de Diamantina (MG), trecho do Caminho
Saint Hilaire.
Fotos: Manoel Cláudio da Silva Júnior (A, B), Helton Josué (C) e Evandro Luiz Mendonça Machado (D).

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 85


a

b c

Figura 4.6: Fotografias do ambiente natural e detalhes de dois fetos arborescentes (xaxins) que
despertaram tanto o interesse de Saint-Hilaire. (A) vista geral do interior de um remanescente florestal
em Conceição do Mato Dentro, MG trecho do Caminho Saint Hilaire; (B) Cyathea delgadii Sternb. (C)
Dicksonia sellowiana Hook.
Fotos: Cassiano Cardoso Costa Soares (A) e Evandro Luiz Mendonça Machado (B, C)

86 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Já nos campos não viu mais do que meia dúzia de espécies brasileiro, especialmente nos domínios da Mata Atlântica
em flor, às margens de pequenas fontes comuns nos montes, e Cerrado e sempre associadas às formações florestais. Foi
local onde encontrou belas espécies do gênero Sauvagesia69. descrita por Saint-Hilaire, inicialmente, com o nome de
Aliás, Saint-Hilaire descreveu várias espécies pertencentes a Rubia noxia, segundo consta em suas literaturas de viagem,
esse gênero, entre elas a Sauvagesia elegantissima A.St.-Hil. onde também é descrita como tóxica para cavalos e mulas
(Figura 7C), que é um arbusto ereto, com altura variando que eventualmente a comiam (BRANDÃO et al., 2012).
entre 1–1,5 m, ocorrente na região do Planalto de Diamantina Prosseguindo em seu relato deste trecho, Saint-Hilaire
e endêmica de Minas Gerais, sempre associada aos Campos citou a utilização do cipó imbé74 para fazer a armação na
Rupestres nos municípios de Buenópolis e Diamantina, fabricação de chapéus de algodão.
tendo como habitat70 preferencial as fendas entre rochas a
Após Tapera, em sentido a Congonhas do Norte, Saint-Hilaire
partir de 1200 a 1300 m de altitude (QUEIROZ-LIMA et al.,
descreveu a subida da Serra de Santo Antônio, relatando que
2018). Cabe aqui a ressalva de que esta espécie se encontra
tratava-se de vasta chapada, onde o solo se compõe da mistura
atualmente, segundo os critérios da IUCN71, classificada
de areia branca e terra negra, com rochas esparsas. Descreveu
como criticamente em perigo, categoria mais elevada em
a ocorrência de ervas e o predomínio de duas espécies da
relação ao risco de extinção. Outra curiosidade acerca desta
família das Ciperáceas, uma com invólucro75 branco76 . E
espécie é que, para Saint-Hilaire, esta era a mais bonita
outra que ele se referiu como de tamanho muito maior,
planta encontrada durante sua viagem no interior da
geralmente caracterizando ambientes semelhantes e com
“Provincia Minarum”.
folhas esverdeadas e ao mesmo tempo flores hermafroditas
Saint-Hilaire continua seu relato narrando que na região e flores unissexuais77. Outras espécies observadas por ele,
de Tapera quase todos trabalham com tecidos de algodão, neste trecho, foram uma Melastomatácea de folhas pequenas,
colchas, lençóis e toalhas. Para tingir o tecido de azul era uma espécie de Vellozia78, de caule longo e folhas tenras
utilizado o anil. Já a tinta vermelha era retirada de uma e uma Asterácea79. Piptolepis buxoides, que é uma espécie
árvore das matas virgens, conhecida como araribá72, ou arbustiva que pode atingir até 2 metros de altura, endêmica
das raízes de uma planta chamada de erva de rato, ou de Minas Gerais, mais especificamente da Serra do Espinhaço,
ruivinha73 Galium noxium (A.St.-Hil.) Dempster, que é uma tendo como habitat as áreas de Campo Rupestre, ocorrendo
erva terrícola, presente em ampla extensão do território
74
Possivelmente trata-se de Philodendron bipinnatifidum, espécie da família Araceae.
75
Envoltório parcialmente, de uma flor ou de um grupo de flores.
69
Gênero da família Ochnaceae , com 37 espécies.
Possivelmente trata-se de uma espécie do gênero Rhynchospora, pertencente à fa-
76

70
Área ecológica ou ambiental que é habitada por uma determinada espécie. mília Cyperaceae.
71
International Union for Conservation of Nature/União Internacional pela Conser- 77
Possivelmente trata-se Lagenocarpus rigidus.
vação da Natureza. 78
Gênero pertencente à família Velloziaceae, com 121 espécies.
72
Possivelmente trata-se de Centrolobium tomentosum, espécie da família Fabaceae. 79
Piptolepis monticola Loeuille, espécie da família Asteraceae, que foi inicialmente
73
Galium noxium, espécie da família Rubiaceae, que foi descrita por Saint-Hilaire. descrita por Saint-Hilaire como Vernonia pseudomyrtus.

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 87


especialmente entre rochas e, de acordo com a IUCN, Infelizmente há muitas espécies descritas já há algum
classificada como criticamente em perigo de extinção. tempo, e que até os dias atuais apresentam informações
insuficientes sobre sua conservação, enquanto outras
Devido às características do tipo de solo, da altitude e de
encontram-se na lista de espécies ameaçadas. O que significa
espécies que são comuns nesses ambientes, possivelmente
que, entre as estudadas e que conhecemos bem, muitas já
neste trecho temos a primeira descrição de ambiente
estão sob algum grau de ameaça. Além de tantas outras
conhecido atualmente como “turfeiras”. Saint-Hilaire,
que provavelmente estão sob alguma pressão antrópica,
inclusive, compara esta região com a encontrada nas Serras
mas encontram-se ainda categorizadas como “deficiente
Mães dos Homens, da Penha e Curimataí, Serro Frio e de
de dados” devido à falta de informações básicas, como
próximo a Bandeirinha, em Diamantina. Enfim, ele relatou
área de ocorrência da espécie, estratégias reprodutivas,
que estas serras se assemelham a outras por onde passou
dados populacionais e outros que possam indicar se essas
na Serra da Canastra, Pirinéus (Rio de Janeiro), Ibitipoca,
populações estão estáveis ou em declínio. E toda essa
Papagaio, e considerou este tipo de vegetação como
carência de informações dificulta a criação de estratégias de
pertencendo aos planaltos das mais altas montanhas do
conservação para as mesmas.
Brasil. Em seu deslocamento em direção à Serra do Cipó80
Saint-Hilaire relata que:
“uma erva fina e muito densa compõe o conjunto dessa
vegetação, e as plantas que crescem com mais abun-
dância no meio dessa erva são: uma espécie de flo-
res amarelas e caules ascendentes; várias espécies de
Rubiáceas; a Melastomatácea denominada Microlicia
juniperina; enfim a mesma Ciperácea com envólu-
cro branco que encontrei na Serra de Santo Antônio”
(SAINT-HILAIRE, 2004, p.51).

Microlicia juniperina, citada anteriormente, é endêmica da


Serra do Espinhaço Meridional e foi coletada no Caminho
e descrita por Saint-Hilaire em 1833 e que atualmente ainda
se encontra classificada como espécie “Deficiente de dados”
sobre o seu status de conservação. Ou seja, até a presente
data sabemos muito pouco sobre a distribuição geográfica
da espécie, os locais de ocorrência, sua biologia, entre outras
informações importantes e necessárias para a sua conservação.

80
Citada por ele como serra da Lapa.

88 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


a c

Figura 4.7: Fotografias de plantas coletadas por Saint-Hilaire. (A) Luxemburgia speciosa A.St.-Hil.; (B) Styrax
ferrugineus Nees & Mart. (C) Sauvagesia elegantissima A.St.-Hil. (D) Syagrus glaucescens Glaz. ex Becc.
Fonte: imagem de coleta realizada por Saint-Hilaire (A)
Fotos: Manoel Cláudio da Silva Júnior (B), Domingos Cardoso (C) e Evandro Luiz Mendonça Machado (D)

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 89


A beleza e a riqueza da nossa flora têm causado
encantamento e perplexidade desde os tempos da passagem
de Saint-Hilaire até os dias atuais. Mas também causa
estranheza e indignação a destruição irracional à qual nossa
flora vem sendo submetida.
“Não é crível que todos estes montes despojados da an-
tiga vegetação devem essa perda às culturas. Aconteceu
aqui a mesma cousa que em muitos outros lugares onde
existiam minerações. Os descobridores exploradores
dessas minas quiseram por a zona a descoberto e, para
chegarem a tal fim, incendiaram as florestas” (SAINT-
HILAIRE, 2004, p.48).

Estes eventos degradatórios que ocorrem até hoje, e já


descritos por Saint-Hilaire, assim como aquelas decorrentes
de ações atuais, podem ter comprometido a existência de
espécies da nossa região, impondo a elas as condições que
podem tê-las levado à extinção antes mesmo que tenham
sido conhecidas pela Ciência.
Assim, em um país megadiverso como o Brasil, e em um
Estado como Minas Gerais, que detém um terço das espécies
conhecidas, ainda é extremamente importante e necessário a
intensificação de pesquisas científicas em áreas estratégicas
Cambessedesia hilariana(Kunth) DC., espécie frequente nos
como o Caminho Saint Hilaire, que visem o conhecimento campos rupestres do Caminho Saint Hilaire e que traz no nome
da flora e que forneçam subsídios para a sua conservação. É uma homenagem ao naturalista Saint-Hilaire
também fundamental divulgar para a sociedade a riqueza e Foto: Luciano Amador Jr. 2019
importância da manutenção dessa flora e do fortalecimento
de políticas públicas que visem a conservação desse
importante patrimônio biológico, com grande potencial de
uso, que sequer conhecemos.

90 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Pranchas com desenhos de plantas usuais dos brasileiros, por Saint-Hilaire, 1824.
(Saint-Hilaire, 1824. In: Brandão; Pignal , 2009)
paisagem de campos e cerrados rupestres onde plantas
crescem em meio aos afloramentos rochosos.
É certo que esses vegetais não são altos e frondosos como
aqueles encontrados nas florestas tropicais. Apesar disso,
as plantas dos ambientes rupestres apresentam uma beleza
peculiar: flores coloridas, cascas grossas, galhos retorcidos,
folhas espessas como couro, ou estreitas – para perderem

5.
menos água. Essas são adaptações desenvolvidas ao longo
de centenas de milhares de anos para garantir melhor
sobrevivência e sucesso nesse ambiente hostil. Sim, hostil. Há
períodos prolongados de seca; o solo é pobre em nutrientes e
pouco profundo para as raízes se desenvolverem; há muitos

A serventia das
predadores que se alimentam de vegetais como fungos,
bactérias e vírus; existe a ocorrência de fogo de origem natural

plantas
devido a uma combinação de mato seco e raios atmosféricos...
As plantas desses ambientes hostis apresentam muitas
adaptações para sobreviver e interagir com o entorno. Essas
adaptações, que muitas vezes não são visíveis aos nossos
olhos, incluem a produção de substâncias químicas especiais
Marcos Guião e muito específicas, de restrita distribuição na natureza.
Cristiane Fernanda Fuzer Grael Algumas dessas substâncias podem ter sabor ou cheiro
Danielle Piuzana Mucida desagradável, para afastar os herbívoros ou serem tóxicas
para parasitas e predadores. Outras protegem os tecidos
vegetais da radiação solar, que causa danos à vida.

V amos imaginar Auguste de Saint-Hilaire, lá pelos


idos de 1817, em seu caminho por essas bandas de cá,
saindo do antigo Arraial do Tijuco, até Conceição, passando
Há, ainda, substâncias que servem para atrair abelhas,
outros insetos e animais polinizadores, que possuem
pela Vila do Príncipe... parte do que hoje “batizamos” importante função para reprodução de plantas, favorecendo
como Caminho Saint Hilaire. A paisagem vislumbrada a continuidade da espécie vegetal no espaço e no tempo.
por ele mudou muito. Afinal, já faz mais de 200 anos que Substâncias que atraem animais normalmente são coloridas,
o naturalista percorreu a região. Mas nem tudo mudou... se concentrando nas belas flores de vegetais dessas
Ainda há locais intactos e, porque não dizer, imaculados, formações rupestres; outras têm cheiro que atraem certos
com toda a sua exuberância natural. Uma belíssima agentes polinizadores e dispersores de frutos e sementes.

93
A Natureza vem desenvolvendo seus experimentos: as plantas contado com o apoio de gente daqui, como Nhô Chico, que o
produzem certas substâncias consideradas adaptativas ou acompanhava na viagem.
favoráveis àquele ambiente e momento... E assim chegamos
Na segunda parte, apresentamos as plantas medicinais citadas
a uma vasta quimiodiversidade (diversidade química) que se
ao longo do conto, fornecendo informações de como Saint-
traduz também em biodiversidade (diversidade de vida). Nessas
Hilaire descreveu os seus usos pela população à época e dados
bandas de cá, pelo Caminho Saint Hilaire, a biodiversidade e a
científicos recentes sobre a ação dessas plantas como remédio.
quimiodiversidade da vegetação são imensas!
Por fim, é importante registrar que na abertura deste
O ser humano, que é parte desse ambiente, utiliza várias
capítulo, utilizamos desenhos da obra “Plantas Usuais dos
das plantas que contém tais substâncias químicas. A
Brasileiros”, de Saint-Hilaire, escrita em 1824, traduzida para
riqueza de conhecimento acumulada por populações
o português e publicada em 2009 no Brasil. As fotografias
indígenas, tradicionais e comunidades locais sobre o uso
utilizadas neste capítulo foram gentilmente cedidas por
de plantas medicinais foi descrita por Saint-Hilaire e hoje
Marcos Guião e Danielle Piuzana Mucida.
é uma ferramenta de investigação científica, etnobotânica
e etnofarmacológica. Ou seja, estudamos as plantas e as
formas como elas são utilizadas pelo ser humano, como 5.1 Tem plantas medicinais nos caminhos de
os chás, garrafadas e banhos, dentre outras formas de uso. Saint-Hilaire...
Esses preparados com essa ou com aquela raiz ou folhas, ou
cascas, ou frutos nos ajudam a suportar determinada dor ou Marcos Guião
a tratar uma infecção ou outras doenças e, ainda, prevenir
outros males à saúde.
O sol já tava alto quando finalmente conseguimos dar
Neste capítulo, escolhemos algumas plantas medicinais saída do Arraial do Tijuco com nosso pequeno cortejo
que ocorrem entre Diamantina, Serro e Conceição do Mato serpenteando por entre as ruas e vielas. As pedras arranjadas
Dentro, com as quais Saint-Hilaire teve contato no século caoticamente no piso dificultavam o início daquela que seria
XIX. Elas foram interlocutoras em uma primeira parte deste uma das viagens mais marcantes de toda a minha existência.
texto, na forma de um conto: “Tem plantas medicinais
nos caminhos de Saint-Hilaire…”. No conto, o Auguste A comitiva se compunha do naturalista francês Auguste
de Saint-Hilaire aparecerá como “Seu Augusto”, um jeito de Saint-Hilaire, seu criado Prégent, o muladeiro João
brasileiro e carinhoso de nomeá-lo. Voltamos ao passado Moreira, além do índio botocudo Firmiano. Eu, Nhô Chico,
e tentamos nos colocar no lugar desse ilustre naturalista. tava atendendo a um pedido do intendente Câmara,
Buscamos retratar, por meio de muita imaginação e leitura poderoso senhô destas terras de diamantes, pra conduzir
de suas obras – seus diários de viagens, como ele conheceu em segurança o grupo no trecho do Arraial do Tijuco até
e descreveu essas plantas nativas e seus usos medicinais Conceição, passando pela Vila do Príncipe, que distava
tradicionais. Imaginamos que, para tal tarefa, ele teria pouco mais de 10 léguas.

94 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Essa era a melhor oportunidade pra prosear com o francês pela região. A derrubada das matas para retirada de lenha,
afamado de ser conhecedor da natureza, já que por vezes o fogo colocado no constante, além da proximidade com
sem conta gente homem e mulher me solicitavam remédios aquela montoeira de gente, associado ao grande trânsito de
do mato pra uma tanteira de padecimentos. animais, arruinou uma grande área do entorno do arraial e
Os animais da tropa foram escolhidos a dedo pelo intendente, aquilo aos poucos foi mudando a paisagem. Daí ele explicou
e aquela égua baia de passo certeiro e macio acomodava seu que quando se dá uma bulida na natureza daquele tamanho,
“Augusto” por demais. Outros dois cavalos de passo mais isso provoca o brotamento de algumas espécies que sempre
pesado levavam Prégent e Firmiano, eu montava a mula mostram que o lugar tá muito mexido, surgindo daí plantas
Formosa e mais duas mulas de carga completavam a tropa desbravadeiras, aquelas que dão conta de dar saída em lugar
carregando a tralha de viagem, composta principalmente das desfavorável, abrindo caminho para outras que carecem de
broacas que acomodavam as coletas realizadas no caminho. O um terreno com mais recursos.
João ia a pé fechando o cortejo e zelando dos animais. E foi justo nessa área que topamos com a Lobeira (Solanum
O francês num era alto, mas tinha uma elegância natural pra lycocarpum), uma arvoreta que aparenta fragilidade, de
se manter em cima do animal; parecia que tava num desfile. folhas disfarçadas por uma penugem que lhe dá uma
Mesmo sob aquele sol escaldante ele num dava nenhum sinal coloração esbranquiçada.
de esmorecimento, e debaixo do chapelão nada escapava ao
seu olhar de minúcias protegido por grossas lentes. Era só
topar com uma florzinha atoinha ou um besouro avoando, Lobeira
que parava-se tudo, dando início a fadiga de amarrar os
animais, cavucar uma planta aqui, dá buscação de um
bichinho acolá, sempre na faina de fazer os amarrados das
amostras recolhidas sem descaprichar com nadica de nada.
Ele gostava de conversar e foi só dar início na prosa, falando
de meu interesse nas medicinais, que ele logo comentou que
“em uma região onde não há médico, quase todos os homens
idosos são botânicos e naturalistas”. Daí em diante me senti
no inteiro e à vontade pra palpitar, apontando as plantas que
conhecia, sempre me preparando para depois responder uma
infinidade de perguntas, tudo devidamente anotado na sua
inseparável caderneta.
Na saída do Arraial do Tijuco ainda tinha um bocado de
gente indo e voltando das áreas de serviço esparramadas

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 95


As flores são pontiadas aqui e acolá, enfeitando sua copa depositado no fundo para secar direto no sol. Se forma aí
de um azul profundo, e os frutos grandes como um abacate, tipo umas placas que devem ser quebradas para se obter um
tamém são recobertos dessa penugem. Dei sentido de que os finíssimo porme acinzentado. Tá pronto seu polvilho.
frutos são mais utilizados na medicina caseira e na tentativa
“Tem outras partes da planta que são utilizadas?”. – As flores
de coletar um deles a coisa ficou feia, pois seus recatados
têm serventia no preparo de um bom xarope pro tratamento
espinhos dispersos pelas folhas e galhos invariavelmente se
de tosse de catarro, resfriado e até gripe.
prendem na roupa do vivente e só a poder de muito jeito ou
safanão o cabra se livra do agarramento despropositado. Eu tava inté gostando daquele proseio, e pra esticar um pouco
disse que os frutos podem ser comidos de colherada ou então
Depois de vencer essa canseira e de ele coletar suas amostras,
se fazer uma boa geleia. Com aqueles olhos interrogativos me
deu-se de perguntar seus usos. Expliquei que os frutos
encarando por riba dos óculos, nem precisou da pergunta que
mais maduros são ralados e a massa apurada é levada prum
a receita já saiu inteirinha: vamos precisar de açúcar, limão
cozimento rápido e depois se junta a banha da capivara ou de
e só vai prestar se os frutos tiverem maduros, senão o doce
porco. Essa pasta formada é um ótimo remédio pra aplicação
fica apertento. Tem de tirar a casca e as sementes do fruto e
em calcanhar rachado, sofrimento muito comum no período
bota a polpa apurada com um tiquinho de água num tacho
da seca naqueles que andam descalços ou de sandália. Os
até levantar fervura. Daí é preciso passar numa peneira de
frutos aquecidos também têm aplicação diretamente sobre
palha fina, acrescentando para cada prato de massa metade de
feridas, perebas e furúnculos. Me alembrei ainda que as
açúcar. Tem de misturar tudo e acrescentar meio copo de suco
entrecascas da lobeira podem ser raspadas e aplicadas no
de limão e umas casquinhas pra dá um gostinho diferençado.
umbigo da bezerrada nova pra evitar inflamação.
Por fim volte tudo pro fogo mais uns vinte minutos ou até
Quando falei da possibilidade de uso do polvilho preparado meia hora pra que ela fique pronta, lembrando que o paladar
com os frutos, aí a admiração se estampou em seu rosto e sempre é mais puxado pro azedinho.
com os olhos arregalados soltou a primeira pergunta: “E com
Foi assim que deu-se o início da nossa amizade na jornada
qual serventia?”. – A indicação é pra essa gente que tem o
até o pequeno arraial de Conceição. A partir daí num tive
sangue doce, derivando a dificuldade em cicatrizar qualquer
mais paz, pois a todo momento fui perguntado da serventia
feridinha ou reclamação de dor e queimação no estômago.
de tudo que é planta. O Seu Augusto era homem muito
“E como se prepara este polvilho?”. – Bom, de premeiro estucioso e fazer parceria com ele foi deveras um presente.
tem de se colher os frutos ainda verdolengos, que devem
Dando seguimento na andança, se demos com uma descida
ser ralados. Essa pasta apurada precisa ser lavada e a água
arrumada e lá de cima dava pra ver o Ribeirão do Inferno
leitosa obtida é reservada numa gamela. É bom deixar
com suas águas escuras serpenteando por meio das pedras
descansar sem bulir na vasilha, até que a água fique limpa
e alguns pequenos bancos de areia, com o serviço correndo
por cima e no fundo se junte um porme bem fino. Em
solto nas berolas.
seguida tem de escorrer devagar a água, levando o polvilho

96 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


O risco de um trupico ou queda em terreno tão escôncio Dei ciência dessa cisma ao francês e ele ouviu calado, mas
era grande e o cuidado maior tava focado no resguardo num deu sinal de dar prestígio a nossa Arnica. Talvez
dos animais para que não escorregassem em meio ao trilho seja derivado de que por lá, nas terras dele, devesse ter
enlameado do sobe e desce dos mineradores e mercadores outra planta que também tivesse esse nome com o mesmo
trazendo suas especiarias ao arraial. Esse trânsito intenso serventuá, mas bem deferente no jeito de se apresentar.
de animais deu uma travada no ritmo da jornada, pois Engano meu, pois num delatou minutos e ele deu ponto de
tinha uma tanteira de mula que se empacavam e até dar coletar amostra pra juntar nos seus guardados.
convencimento aos animais de seguir viagem era um sufoco.
Enquanto ele e seu ajudante Prégent se davam ao trabalho
Por isso tudo a travessia do Ribeirão era dos Infernos!
de cortar, dispor e embalar, destrambelhei a falar sobre as
Aos poucos fomos vencendo o trecho e num tardou pra serventias dessa Arnica, que por ali muitos usavam nos
dar reparo que por ali grassava dum lado e doutro da casos de machucão, torção ou contusão. Mal acabei de falar
estrada uma tanteira de Arnica (Lychnophora sp.). Fiquei e o muladeiro João se animou pra dar o testemunho de ter
cismando essa coincidência do risco de uma queda e suas tomado um coice bem no meio dos peito há alguns meses
consequências, com aquele roçado imenso de uma planta atrás, e o que lhe valeu por demais na recuperação do
que cura justamente o que o ladeirão travessado por uma machucão foram os banhos e compressas preparadas com a
montoeira de corguinhos podia provocar. Só podia ser Arnica. Seu Augusto tirou a caderneta de anotações e danou-
providência divina. se a rabiscar um bocado lá dentro e ficamos por ali na espera
pra seguir adiante. Paciência era palavra que ele vivia nos
pormenores, com absoluta falta de açodamento. Afinal ele
havia despencado lá dos estrangeiro pra chegar até aqui e
Arnica
fazer aquilo que tava fazendo. Então tinha de sê bem feito e
assim ele fazia.
Num tardou e a tropa rompeu adiante, agora topando um
morro arrumado pela frente. Aquilo deu canseira, pois pra
num lesar com os bichos, apeamos e fomos puxando os
animais morro acima, pulando de pedra em pedra prá num
escorregar no Barro Amarelo, lugar que a lama garrava no
fundo da bota e era difícil de sair com ela ainda no pé.
Quando finalmente chegamos no tope daquele absurdo de
morração que o francês teimava em chamar de “outeiro”,
se demos num campo fechado de Macela do Campo
(Achyrocline satureioides) e daí o encantamento foi certeiro,

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 97


bem no coração. Pra tudo que é lado de se olhar era Macela as serventias da Macela e de primeiro me alembrei de falar
na flor, soltando seu perfume recatado e lavando nossos que suas flores são colocadas nos travesseiros carinhosamente
olhos, emprestando sua belezura dourada refletida pela preparados pra descansar a cabecinha dos recém-nascidos e
luz do sol. De sua folhagem discreta de coloração verde tamém dos marmanjo. Essas mesmas flores que encantam os
esbranquiçado brotava a formosura da florada alourada que olhos, também ajudam quando o caso é de dor de qualquer
só se aloja nas gripas das grandes alturas das serras. qualidade, cuidando da gripe, daquele desconforto de comer
um trem e ficar no enjoo, dando até estufamento da barriga.
Mas como o gosto do chá puxa pro amargoso, aquilo dá ânimo
e força pro doente. “Você usa ela pra mais alguma coisa?”
Macela do
Matutei um tiquim e me alembrei que já tinha visto gente
Campo
lavando a cabeça da meninada infestada de piolho. Fica um
perfume gostoso e dá bão resultado.
Num pude deixar de contar prele que pra doença de mulher
num tem igual. Chega ser tida como milagrosa, pois facilita
as regras, diminui as cólicas e acalma os incômodos nesse
período da vida da mulherada. Minha dona era o “cão
chupando manga” de tão arretada que ficava no tempo
das regras. A coisa lá ia de mal a pior, pois eu dormia
com uma mulher e me acordava com outra. Só de olhá
pra ela o mundo se acabava. Quem que guenta um trem
desses? Foi quando soube desse serventuá da Macela e
mesmo desconfiado apreparei um vinho com as flor. Ela
tomou por uns três meses, tempo suficiente pra ir se dando
desaparecimento daquela angústia, amiudando a nervosia,
reavendo uma alegria que tava escondida. Hoje ela tá
boazinha, conversadeira e eu mais ainda de num ter de lidar
com aquele carrancismo mensal.
Nos caminhos da estrada aos poucos foi se escasseando o
povão que se amontoava pelas trilhas e demos de ficar mais
tranquilos pra seguir adiante sem muito tumulto que sempre
Em mais uma parada, atentei que a aparência ressecada das acompanha multidão. Num descampado que ladeava a trilha,
flores esconde o aroma doce que enche as narinas do vivente. Firmiano provocou um fogo e Seu Augusto saiu de lado prá
Seu Augusto já tava de caderneta na mão me inquirindo sobre se agarrar com suas anotações. Com o fogo já lavorando, o

98 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


café saiu ligeiro e tirei de meu embornal a farinha de milho Aquilo já tava virando festa e daí quem se deu de ficar
e a rapadura, misturamos tudo pra aprontar a Jacuba. A em calma fui eu. Me assentei num lajedo e dei começo na
alegria vem das tripas, né mesmo? Com a barriga cheia, reparação do jeitão diferençado da Carqueja, pois ela é
nosso pequeno grupo deu foi risada com a contação de só uma varinha arrodeada por três asinhas e seu lugar de
causos, mas de repentemente arribei os olhos pro céu, e com achado é ali, nos recantos brejosos. Variei um pouco e disse
o tempo se fechando nos levantamos no susto e tocamos em que a água é companheira do sangue e pro isso a Carqueja
frente buscando evitar uma chuvada no lombo. tem a força de ser depurativa. O francês me cortou a fala e
perguntou de chofre: “O que significa ‘depurativo’”? – Sabe
Já montados nos animais, logo adiante se mostrou um capão
o que é não? Ara! – Ele abanou a cabeça e daí expliquei que
de mato descendo pelo espigão, dando sentido de que ali corria
ela tem a qualidade de limpar o sangue, limpando também
uma aguada. Desgarrei da tropa e ainda de longe dei de ouvir
todo o corpo do vivente pro dentro. Igualinho as águas de
a verteção caprichosa duma água fria brotada naqueles altos.
onde ela brota fazem com nosso corpo quando ele tá sujo
Depois de matar a sede, lavei o rosto e dei atenção de que logo
por fora. São essas coisas que Deus escreve na natureza e a
abaixo a mata se abria para dar lugar a um pequeno banhado,
gente tem de lê ali no simples...
onde uma imensa quantidade de Carqueja (Baccharis trimera)
tomava conta. Achei que deveria dar sentido do achado ao Seu Dei seguimento na sua serventia já agora com os animais,
Augusto e de longe abanei as mãos de modo como que pedindo quando no constante ela era indicada se acontecia de eles
socorro. Ele era um cabra dos mais reparoso que já conheci, e apresentar aquele barrigão inchado e nervosia derivado de
num tardou um tim já se acercou inquirindo qual era a planta, ventosidade. Aquilo se acabava logo depois de despejar o
onde tava, sua valença e por aí se foi. sumo espremido pela goela deles e daí pouco tempo se dava
início na soltação dos ventos.
Pois esse mesmo sumo tomado em antes do almoço tanto em
Carqueja gente homem quanto em gente mulher, provoca uma fome
medonha, mas tamém aliveia os empachos provocado quando a
comida é das mais pesada, dano disposição e energia pro cabra.
Já vi gente tomando Carqueja prum treco e dar conserto em
outro. É o caso de dona Mudesta de seu Leocádio, que tava
usando o chá dela pra extinguir uma dorada nas dobra da
munheca e daí rompeu-se uma febre nascida de uma dor na
garganta. Ela não largou mão da Carqueja e num demorou
um tim pra lhe romper um suadô desabusado e a febre se foi.
Ele levantou os olhos das anotações e perguntou mais uma
vez: “Você tem conhecimento de mais algum uso?” – Ara!

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 99


Com essa perguntação destampada, a gente fica até avexado, trote, pois o dia já ia pra se acabar e com ele nossa esperança
pois num se podia escapar nadica que o francês tava de olho de chegar num canto mais agasalhadeiro pra passar a noite.
e ouvido caçando relato. Seu Augusto ouviu, mas refugou, dizendo que a região era
das mais belas e observar a natureza, coletar as plantas e os
Foi daí que me alembrei que uma vez apareceu lá em casa
seus insetos, além de travar as prosas eram mais importantes
uma mãe carregando um fiapinho dum menino na maior
que uma boa cama...
dificulidade de respirar, com aquela fadiga da faltação de
ar e mãe no desespero, só garrada na casaca de Jesus. Pois Eu cá nas minhas caraminholagens fiquei cismando de
tive um lampejo e naquela precisão dei-lhe um banho de onde saía tanta opinião pra num se render a nada que fosse
Carqueja e uns golinho da danada, que ele refugava de ruim desafiação encontrada pelos caminhos. Ladeando sua égua
que é, mas boa de remédio sem base. Num tim ele foi se durante a subida do ribeirão, ele havia me contado algumas
aprumando, deu de urinar com gosto e pediu comida. de suas aventuras em antes de seguir esse trecho e realmente
fiquei no espanto e no respeito de ver gente tão fina vinda
Aquilo foi mesmo que um milagre vindo das orações da
dos estrangeiros se meter a caminhar naquelas lonjuras
mãe e inté hoje ela me agrava. Dando um arremate na tal
debaixo de tanto espicaçamento largado pelos caminhos.
da carqueja, ela ainda se presta na expulsão das bichas
moradeiras dos intestinos da meninada que apresenta aquele Acostumado que tava nas andanças pelo sertão, sempre
barrigão despropositado, transitando a massa intestinal. levava comigo uma matulagem que desse socorro quando a
fome brotava nas tripas. Além disso, havia sido alertado pelo
Pois foi assim que se arresumiu nossa prosa e dei saída
intendente que deveria cuidar no capricho de Seu Augusto,
da roda pra servir minha mula de água e afrouxar a sela
pois o homem só tinha cabeça pra ficar na espiação do
enquanto ele acabava de fazer seus registros.
entorno. No embornal tava o feijão, o toucinho, a farinha, a
O francês era um homem estudado deveras, e quando falava carne seca, a rapadura e o inhame prontinhos pra saltar pra
mais no devagar entendia-se tudo, mas quando o falatório fora e fazer o de comer. E com o adiantado das horas deu-se
derivava pro seu ajudante, juntava-se o desarranjo da língua uma fome mais avultada e daí sugeri de se fazer uma janta
estrangeira com o carrancismo absurdo do Prégent e aquilo ainda no meio da tarde e todos aprovaram sem ressalva.
virava um vixe. Mas isso não impedia de nossa marcha Enquanto João soltava os animais por ali mais na larga e o
seguir adiante no leve e sem tréguas. Prégent garrado no apreparo das plantas pra colocar nas
Lá de cima daqueles altos se via uma imensidão de campos bruacas, chamei Firmiano pra fazer o fogo, que rapidamente
salpicados de cores miúdas num sortimento infinito de flores voltou a lavorar em meio a uma roda de pedras ajuntadas
brotadas em meio ao cascalho arenoso e esbranquiçado por ali mesmo.
que sustentava nossos passos. Várias vezes se deu um Ele era de pouca fala, manso e tranquilo, além de muito
estravancamento pra buscação das plantas floridas que zeloso com os animais, mas era tamém bem esgabilado,
cruzavam o caminho e dei conselho da gente se apurar no comendo qualquer coisa e muito. Por isso a rapidez no

100 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


apreparo do fogo, sabedô de que dentro da panela o feijão Seu Augusto logo quis saber o que era aquilo, mas dessa
amasiado com o toucinho lá se ia dando ponto e levantando planta eu num tinha muita ciência de seu serventuá, ficando
um cheiro. Ele voltou pra junto de Seu Augusto pra ajudar só mesmo nessa coisa do gostinho bão no ajeito do feijão e
na catação das plantas e bichos, enquanto eu ficava por ali da carne. Pra num deixar esfriar a prosa, me alembrei que
velando nosso arranjo. nalgumas comunidades tinha-se o costume de tomar o chá
das folhas, da casca ou do fruto pra prevenção de inflamação
Resolvi fazer uma quantidade maior pra criar uma sobra e
ou quando a digestã dava emperro. Rastreada mesmo era sua
economizar de novo cozimento mais adiante, e assim fiz.
madeira, que dá um pau liso e reto tal qual uma vela e na
No tempo, chamei os companheiros e arrodeamos a panela
fazeção de telhado era muito perseguida.
que tava com o feijão no jeito já agregado com a carne seca
e uma pitada de Pimenta de macaco (Xylopia aromatica) Deixei a farinha livre pra cada qual se servir na fartura,
dando um gosto diferençado, que todos deram sentido. mas dei sentido de que tanto o índio como o Prágent caíram
de queixo com força em nosso ajantarado, e no final quase
deram de lamber o fundo da panela. Ara! Eles acabaram
por estorvar meu plano de guardar um bocado pra mais
adiante, mas daí tirei a lição de fazer só um tanto que desse
fim a fadiga da fome, sem sobrança. Cada qual guardou sua
vasilha, desfiz a roda de comida levando os mantimentos pra
dispor na mula e aos poucos demos seguimento ao trecho.
Mas num andemos nem meia légua e o ajudante francês
Prégent deu ponto de se enjoar, provocando até quase se
acabar na beira dum pequeno corguinho que cruzava o
caminho. Ele tava amarelo que nem gema de ovo, botando
pra fora o de comer do qual tinha se desagerado.
Seu Augusto se apreucupou e me olhou no fundo como que
pedindo ajuda. Corri os olhos ao derredor e num vi muita
coisa que desse reparo no estrago digestivo que ele tinha se
feito, mas vi que Firmiano tava inteirinho e ele me chamou
de lado pra dizer que aquele lugar ali era ponto de brotação
de uma planta das boas pra resolver a moléstia de seu
companheiro de pratada. Lépido, montou em seu animal e
Pimenta de disparou por um descampado mais a frente.
Macaco Segui ele no trote e num tardou um tim pra topar com a
Quina de Remijo ou Quina da Serra (Remijia ferruginea)

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 101


esparramada em pequenas touceiras, com suas varas dava jeito.” E na sequência saiu-se de lado, deixando o juízo
apontando pro azul do céu. Tamém conhecia ela, só num de dar outros proveitos da Quina nas minhas mãos.
tinha atinado que por ali era seu endereço. Rapidamente
A cada movimento, Seu Augusto olhava com encantamento
tiramos um bocado de varas com raiz e no apressamento
e gosto, e num tardou pra brotar as perguntas: “Essa num
de dar retorno. Já me ia indo, mas Firmiano deu trava nos
é uma planta que se usa pra combater febres?”. Depois de
arranco e me disse: “Se não tapar o buraco de onde tiramos a
concordar, dei explicação de que pra essa vomitação estúrdia
raiz, aquilo vai virar é a cova do doente”.
ela tamém era boa, mas que isso naturalmente não abortava
sua serventia nas febres de qualquer qualidade. Ainda
tinha sua prestação quando da parição, que a mulherada
Quina de
dava de sangrar e as avós aprontavam uma garrafada com
Remijo
aguardente de suas raízes meses antes do parto pra dar
socorro às filhas durante o tempo de resguardo, que durava
trinta dias se fosse menina mulher e quarenta dias se fosse
menino homem. Num pude deixar de afamar suas pequenas
flores que exalam um perfume divino, do qual por muitas
vezes me senti envolvido no meio do mato e custei pra dar
ciência de seu berço.
A conversa daí em diante se resvalou na atenção da gente
num desagerar na hora da comida, pois as significâncias
tavam ali esparramadas por riba do couro de boi estendido
pra dar algum conforto ao nosso companheiro Prégent. Já
com o chá no pronto, levei até ele uma canecada, que foi
Fiquei no espanto do dizer, enquanto ele no ligeiro puxava refugada no imediato. Ele era um cabra dos mais carrancista
o gorgulho pra tapar o estrago feito na terra. Isso deu que já conheci e daí arresolvi falar grosso pra encaminhar o
atraso pouco e demos retorno no galope pra dar socorro ao tratamento, senão ele poderia se arruinar por demais. Limpei
carrancista, que tava se acabando. Com a caneca num fogo a garganta e disse bem no sério: “Tome tenença seu moço,
atoinha levantado nas pressas, demos lavação e separo nas pois fique sabendo que a fé cura, mas a cisma mata! Não se
cascas da raiz, que se apresentou num vermelho intenso. aduvide do remédio tão bem apreparado pra tratamento de
Dispus na água fervente aquilo bem picado e no ligeiro a sua mazela”. Daí Seu Augusto entrou na prosa e falando no
água se tingiu de carmim, dando sentido de que o remédio seu dizer estrangeiro, senti que ele foi severo. Num demorou
tava no quase. Firmiano afirmou no seguro que o cabra um tim pra ele dar início na tomação de pequenas goladas
“podia tá arrotando cachorro doido que essa Quina da serra da Quina, fazendo cara de refugo derivado do gosto dos

102 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


mais margoso que se tem. Foi tamém nesse tempo que todos Fiquei matutando aquilo pra num perder o sentido, já que
decidiram que nosso pouso deveria se dar por ali mesmo e aquele francês num abria a boca pra falar bobagem e quem
João saiu mais Firmiano pra buscar local mais protegido e sabe no futuro alguém ou inté os poderosos iam colocar
próprio pra deixar os animais mais na larga. tento nesse cuidado que a natureza requer. Demos uma
boa volta pra num correr o risco de dar enfrentamento
A manhã seguinte se apresentou com o horizonte carregado
com as labaredas que subiam velocíssimas em direção
de nuvens e um vento frio soprando no cangote. Firmiano se
aos céus, como que pedindo socorro. Nesse carecimento
levantou e ficou arrodeando o Prégent pra ter certeza que ele
de sair da rota, entramos num campo recoberto de capim
tava bem, o que se confirmou no logo e daí ele mostrou um
nativo e seguimos arrodeando uma morração até que se
largo sorriso de pureza e alegria.
demos com uma pequena cascata descendo barulhenta,
Com o estômago no oco derivado do esvaziamento forçado se fazendo riachinho de águas muito limpas num assento
da tardinha anterior, Prégent foi logo pedindo comida e mais adiante. Apeamos dos animais e fui acompanhando
aproveitei pra levar no cozimento um bocado do inhame que Seu Augusto até o paredão da cascatinha pra beber de sua
carregava comigo, pois aquilo bem cozidinho misturado com água fresca e cristalina.
melado era um luxo, mas dei a ele regrado pra num ofender
Foi quando de repentemente ele estacou e danou-se a falar
as entranhas novamente. Inconformado deu de reclamar
com o Prégent, que imediatamente deu retorno até os
demasiado e Seu Augusto foi duro outra vez, colocando
animais pra buscar seus apetrechos de coleta. Vendo meu
pra ele a ciência de sua mania do para mais, que podia
interesse na sua lida, o francês me mostrou uma coisica
novamente dar motivo de travar o trabalho. Resmungando,
de nada, uma plantinha vermelhinha que tava grudada no
saiu pra cuidar das broacas enquanto cada qual deu de
limo das pedras úmidas. Ele chamou aquilo de Drosera
ajuntar as tralhas dando seguimento no trecho. Conforme as
(Drosera communis) e nesse momento a coisa se virou,
horas andavam, o tempo foi se abrindo e num tardou pro sol
pois daí eu que dei de perguntar sobre aquela nadica
se apresentar no esquentamento do dia.
miudíssima. Ouvi que nas terras dele lá no estrangeiro
Mais adiante dava pra ver uma fumaceira, alertando que existem fazendas de criadores de ovelhas na intenção de
um fogaréu tava dando cabo no mato seco, sabe-se lá com se tirar a lã pra dar conta da grande friagem, e uma planta
que propósito além do da destruição da natureza. Quando parecida com essa é muito maligna para esses animais.
encostei minha mula à égua de Seu Augusto, ele tava Se eles comerem dela podem até dar uma morridinha,
arreparando o fogo colocado e me disse: “Diariamente causando prejuízos aos fazendeiros. Será que num tinha
árvores preciosas caem sem utilidade sob o machado do outro serventuá? Seu Augusto contou que uma gêmea com
lavrador imprevidente. É provável que, no meio de tantos essa espécie venenosa dá tratamento de resfriados quando
e repetidos incêndios, desapareça uma série de espécies de acompanhados de tosse acatarrada.
plantas úteis às artes e à medicina, e dentro de alguns anos
essa Flora não será mais que um monumento histórico.”

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 103


pasmo. A vida é mesmo um mistério e o Criador fala com
Drosera nóis através da natureza, num é deveras? Tem horas que
acredito que Ele fica só na brincação, fazendo um sol
nascente dos mais lindos, apurando na luz de trevessa das
nuvens do fim do dia, emprestando formosura nos campos
com uma florada de coloração infinda, parecendo que cada
árvore, cada arbusto, cada flor ou pássaro é uma ferramenta
Dele dizer que tá ali, pertim. Inté planta que come carne...
Aquela brincadeira era realmente um espanto.
Os dias foram se seguindo nesse ramerrão de subir e
descer morro no lento, ajuntado com a catação de plantas
e os escrevinhados sem fim. Tudo isso trespassado pela
carranquice do Prégent, as risadas abertas do Firmiano e a
caladice de João, que ficava só nos entorno dos acontecidos.
No frequente Seu Augusto me convocava pra dar alguma
explicação do serventuá de qualquer planta e nem sempre
eu conseguia acudir a seu peditório. Por vez isso me deixava
avexado, mas ele num dava sinal de se importar, chamando
de novo, outra vez e sempre... Acabei por me acostumar
e fui me habituando a dar mais tento nos detalhes que ele
mostrava pacientemente quando de suas coletas.
Daí fiquei matutando que algumas plantas que são
No alto de uma chapada botei os olhos no Pau santo
aparentadas podem ter muita distinção na hora de se usar,
(Kielmeyera speciosa), uma arvoreta tapada de graciosas
pois uma pode ser remédio e a outra peçonhenta... Daí a
flores roseadas, pontiando aqui e acolá nas berolas do
importância da gente dar bem reparo em cada qual, pra não
caminho. Em antes deu dar seguimento nas ideias, Seu
se usar errado.
Augusto me demandou no longe: “Ôoo, Nhô Chico! Conhece
Mas ele contou ainda que aquela era uma planta carnívora! essa planta aqui?”.
Essa coisica milúscula come carne? Ara! Ele pacientemente
me explicou que as gotinhas melosas colocadas nas
pontinhas das folhinhas vermelhas grudavam os insetos
que avoavam por ali. Daí ela dissolvia os bichinhos e se
sustentava daquilo pra manter a vida. Fiquei deverasmente

104 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


nesse trabalho com as plantas e na anotação de tudo que
era merecedor de apontamento.
Um de nossos pousos se deu na Aldeia dos Borbas, onde
a afamação do francês chegou em antes da gente, e daí
fomos tratados na maior das importâncias. Aproveitamos
pra descansar uns dias, mas aquele arrepio que ele tinha de
num se sossegar no nunca, lhe fez me convocar pra dar um
revolteio nos entorno da propriedade no dia seguinte de
nossa chegada ainda bem no berço da manhã.
Seguimos por uma trilha estreita que saía por detrás da
Pau santo casa donde távamos instalados e logo abaixo se demos num
riacho, do qual fomos ladeando até dar ponto de trespassar
em direção a uma morração de pedra bem a frente. O
Encaminhei a mula na direção dele pra atender ao chamado capim nativo que dominava aquelas paragens ainda tava
e ocê acredita era a mesma planta que eu tava dano atenção carregado do orvalho matutino, deixando minha calça
lá nas beiras da estrada? Daí já fui divulgando o Pau Santo, pesada derivado do encharcamento do joelho pra baixo.
tamém chamada de Malva do campo, Folha santa ou ainda Quando sucedeu a saída num limpo mais arenoso, distingui
Rosa do Campo. No meu modesto entender, sua maior uma touceira de Lobo-lobô (Conohoria lobolobo) e dei
riqueza é a formosura, que encanta quem lhe dá reparo, alarme do achado. Seu Augusto só me olhou arregalando
com suas pétalas roseadas parecendo que foram torcidinhas um pouco os olhos destacados por riba das lentes e entendi
de lado. Pois nóis aqui se usa dela só as folhas bem que tinha de dar a ficha da tal. Na verdade eu num tava
amassadinhas, assentadas na água prela soltar mesmo que garrado na vaidade de ficar falando de planta, mas tava
uma baba, boa de ser usada quando a demanda é um corpo sim na intenção de dar um adjutório pra cozinheira da
cansado, merecedor de alívio da fadiga que os caminhos aldeia no apreparo de uma galinha pro almoço. Daí ele me
impõe no vivente. Tamém presta nos casos de ferimento no perguntou: “Como assim?”.
corpo que tá carecendo de cuidado e já vi gente dispondo
dela num apreparado de xarope, mas confesso que tenho
suspeita desse uso...
Seu Augusto balangava a cabeça dando sentido de que
tudo que eu dizia era importante. Me sentia como um
soberano da cura, pois afinal ele era um caboclo zeloso

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 105


coração que ele tava tentando me explicar que chegaria um
tempo em que tanto o povo quanto a pova entenderiam que
nosso sustento era a maior fonte de cura.
Pra dar arremate, disse ainda que com certeza tínhamos uma
tanteira de hortaliças em meio as nossas milhares de plantas,
bastava dar procura e experimento, num carecendo de ficar
no arremedo das verduras lá das terras dele. Agradei por
demais desses ditos e a partir daí sempre dei de aplicar este
saber arriscando na começão das novidades que surgiam.
Sem mais delonga já fui despelando as varas do Lobo-lobô na
intenção de levar pra dona Geralda, a cozinheira galega que
Lobo-lobô
cigarrava no disagero, mas que tinha uma mão abençoada
na temperança das comidas e tava tratando de nóis só nos
capricho. Num tardei no retorno, dando destaque que nosso
– Por aqui nós tiramos as varas de Lobo-lobô, despelamos achado deveria ser entregue a quem de direito no pronto, pra
as folhas e raspamos a casquinha que fica no entorno das num embaçar a galinhada. Rumei cozinha adentro alertando
varinhas e já usamos direto nos apreparados. Tamém se dona Geralda do nosso achado, do qual ela se alegrou por
pode levar pra secar no sol, pois a casca é bem fininha e se demais. Enquanto ficamos por ali na esticação de conversa,
seca no ligeiro, mas ainda carece de levar no pilão e pisar até ela já se apontou com a galinha despenada, me pedindo pra
dar ponto de porme. buscar lenha nos fundo do quintal pra dar sustento no fogo.
Ele continuava me olhando com cara de interrogação e Firmiano foi bater o arroz no pilão e quando terminei minha
expliquei que o porme seria colocado no caldo da galinha, pra lida, a galinha já tava refogada, o arroz na segunda água,
dar grossura. Aquilo adensava sem se intrometer na gustação uma pratada de couve tava picadinha esperando a vez de
e nem no tempero. Ele se abriu num sorriso e a pergunta entrar no fogo, enquanto ela explicava pacientemente a Seu
inevitável brotou: “Tem mais algum uso na saúde?”. Augusto que assim que a galinha estivesse no quase, ela iria
colocar as raspas do Lobo-lobô no caldo e ele se ia engrossar,
Aquela era uma planta mais garrada no ajeito da comida
como de fato se deu. Demandou um tim pra tudo se aprontar
e nunca tive palpite de sua valença na farmácia. Eu
e ficar disposto por riba do fogão a lenha. Aquilo foi uma
era sabedô que a maioria do povo e da pova tirava sua
festa e Seu Augusto comeu de se lamber os dedos.
mantença mais pra encheção do bucho, pois o de comer
num tinha feição de acudir a saúde. Ele deu de me Aquela pausa na viagem teve seu sucesso não só na cozinha,
interrogar sobre esses palpites e discorreu uma tanteira de mas tamém na arrumação das plantas e bichos coletados,
coisas que num distingui muito bem no ali, mas senti no além do descanso dos animais, porém ainda havia um bom

106 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


trecho a ser vencido. Por isso demos saída no despontar do nomes que ela tamém atende. Seu serventuá mais soberano
dia seguinte e num gastou muito pra toparmos com o rio é nas mordeduras de bicho mau, esse animalejo malino
Jequitinhonha num trecho onde havia uma pequena aldeia que se fica no arrasto e de tocaia esperando o vivente na
numa área de baixio, dando ponto de travessia sem revés. Do distração. Ara! Aquilo num presta, pois perdi meu compadre
outro lado do rio subimos um ladeirão gigante até chegar no Afonso pra uma jaracuçu há dois anos e num gostei. Mas
pigogo daquela morração, passando por dentro de uma mata tem de se tomar uma tanteira do chá loguinho depois da
mais encorpada. Ali dava pra ver que as terras eram boas pra ofensa, senão num tem valença não. Ela tamém atiça uma
cultivo, mas no avanço pouco se demos de novo nos terrenos mijação desmedida, o cabra tem de verter água no ligeiro,
de pedras, gorgulho e areia branca trespassando tudo. Foi senão urina na roupa. Outra serventia é quando se apresenta
quando dei avistamento numa plantinha miúda, de caule a sífilis, doença marvada que vai arruinando o cabra nos
avermelhado e folhas lanzudas, bem ásperas. tiquim, dando começo com uma feridinha besta e aquilo vai
se alargando por dentro inté arruinar por inteiro se num der
Pronto, tava ali a Canela de perdiz (Croton antisyphiliticus),
socorro. Quando ela dá de sinalizar aumentando as bouba
planta de muita valença pra uma tanteira de coisas e daí
das virilha, tem de se fazer uma muqueca com as folhas e as
veio a faina de trazer tudo nos detalhes pra registro no
raízes trituradas curtidas um tiquim na água quente, além de
caderninho de Seu Augusto.
tomar o chá. De todos os remédios que conheço pra debelar
essa mazela, esse é dos mais influente.

Canela de perdiz Falava recostado no tronco de um pequizeiro, e no correr os


olhos no entorno, distingui no rápido uma mancha escarlate
miudamente disposta no limpo da areia, em meio a uns
poucos tufos de capim nativo.
Aquilo se era uma das mais lindezas flores que eu conhecia
e apreciava, o Paratudo (Gomphrena officinalis). Seu
Augusto ficou meio abestado em vendo minha pessoinha
cortando prosa pra sair no limbo do campo, e saiu atrás me
perguntando: “Onde você está indo? Pra que mais ela vai
servir?”. Num dei nem assunto de tão maravilhado que tava
em se dar com ele assim no acanho simples dos campos e
somente depois de me abaixar e apontar nosso novo achado
é que soltei a fala: – Esse é o Paratudo, das maior belezura
Com o adjutório de uma finca fui instigando o gorgulho inté que o Criador já pôs neste mundo.
ver brotar a raiz avermelhada da Curraleira, ou Cocolera,

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 107


memo? Num tinha nem se acabado as notícias de uma,
já tava se falando de outra. Daí dei retorno e completei
o dizer da Canela de Perdiz, exaltando que as folhas
secas transformadas em porme são colocadas sobre
qualquer qualidade de ferimento, ajudando por demais
na cicatrização. O chazinho dela é gostoso e ajuda a tirar
essas doradas no corpo, febre e inté inflamação das doenças
de barriga de mulher. Mas comparação: ela tamém é
depurativa. Porém, o Paratudo é mumió nesse ponto, pois
o cabra pode tá com o corpo todo pocado de pereba que
em poucos dias de tomação do Paratudo aquilo se alisa que
nem uma garrafa. Quando é febre dessas que vão e que vem,
Paratudo
ele tamém dá jeito de se acabar com o incômodo. Mas no
aproveito de que já tamos na falação do Paratudo, tem de
se alembrar que essas caganeiras derivadas de cólica nos
Planta é igualim roupa. Tem umas que a gente usa inté se intestinos tudo se aresolve com ele. Essa planta é muito
acabá, mas tem outras que a gente refuga e nem corre os farturenta de resultados!
olhos nelas. Pois essa aqui é uma das que eu me acabo com
No sempre Seu Augusto ouvia tudo e parecia que anotava
ela, tenho até aflição no tirar do chão, na pena de arrancar
tudinho o que ouvia. Mas como ele era um homem das
essa boniteza. Essa planta tem o poder de curar quase todo
ciências, estudado por demais e deverasmente astucioso,
tipo de moléstia que o vivente pode apresentar, mas no
eu tinha esperança de que tudo aquilo que vivíamos ali
principal ela trabalha na depuração, limpando e fortalecendo
no simples da vida de sertão pudesse ele conferir lá no
o cabra por dentro, soltando os intestinos e consumando a
estrangeiro e dar validamento desse saber. Dei ciência a ele
provocação se tiver carência de limpar o bucho tamém. Pois
da minha angústia e ele assentiu, mas disse que isso seria
olha que ela tamém tem grande valença nas mordedura de
um longo trabalho de muita pesquisa que consumiria muitos
cobra de qualquer qualidade, trabalhando de pareia com a
anos e envolveria muitas pessoas. Talvez nem ele mesmo iria
Canela de Perdiz, que tá se dando aqui do lado. Coisa de
ver os resultados desses estudos. Mas quem sabe, né mesmo?
Deus mesmo, colocar as duas no rente uma da outra.
Finalizou nossa prosa, deixando essa esperança no ar e daí
Seu Augusto deu trava no desenrolar do proseio, dizendo: segui adiante ruminando esse acerto.
“Por favor, vamos terminar com os proveitos da Canela de
Assim que entramos num campo mais aberto o sol se
Perdiz e depois voltamos no Paratudo, está bem? Concordei
escondeu, e se vimos num assentado com um misto de areia
de pronto, pois com ele num se podia descaprichar, né

108 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


quase preta disposta num local bem mais encharcado já
próximo dos baixios.
Um vento gelado entrou pesado esfriando no mais e deu de
incomodar. Mirando o ambiente ao derredor, dei tenência
de que ali era endereço certo do Chá de Pedestre (Lippia
pseudothea) ou Rosmaninho e fiquei no atento pra
distinguir ela no longe. Num deu outra. Acabamos por dar
entrada num campo fechado só dele e daí desci do animal
na catação de um maço das varas ornadas com suas folhas
duras, lixentas e muito carregada no cheiro. Convoquei
Firmiano pra levantar um fogo, enquanto buscava água num
regato que corria bem pertinho e no ligeiro távamos todos
arrodeando o fogo, tomando um saboroso chá quentinho
de suas folhas e roendo umas quitandas generosamente
preparadas e cedidas pela galega Geralda. Aquilo foi uma
grandeza só e Seu Augusto se admirou por demais da
gostosura do sabor de bebida tão fina. Num tardou em
perguntar as serventias e num economizei. Essa tal dava
concerto em falta de sono e carrancismo, mas no apreparo
de um xarope pra prevenção ou tratamento de gripe e tosse,
Chá de pedestre
era soberana. Podia-se inté juntá outras plantas, mas seu
participamento era a base do resultado e tamém da gustação
dada ao remédio. Esticamos a prosa por mais um tanto, mas
távamos pertim de chegar na aldeia do Milho Verde e pro O chá deu disposição e leveza no grupo e pra dar descanso
isso levantamos acampamento. nos animais, se demos de caminhar seguindo a estrada,
soltando a prosa no leve de assuntos desimportantes. Demos
entrada na aldeia já no final da tarde, onde conseguimos nos
arranchar num pequeno galpão próximo a uma fonte de águas
cristalinas e frias. Eu tava muito agradecido a Seu Augusto
por tanto conhecimento e sabedoria que ele havia passado e
mostrado na prática durante nossa pequena jornada e queria
cá com meus poucos saberes dar a ele um conforto.

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 109


Depois de todos se ajeitarem, dei saída na vila e consegui Minas Geraes deu o nome “Espinhaço” a essa morração de
uma pequena bacia no empresto, na qual enchi de água pedras que tavam ficando por ali. Daí em diante demos de
fresca e voltei ao galpão, onde mais uma vez convoquei entrar numa formação de mata cada vez mais fechada, com
Firmiano pra botá fogo pra lavorá. Num demorou um tim vinháticos gigantescos entremeados com embaúbas no bem
pra ter a água no fervente, onde coloquei um bocado das alto e jacarandás cheios de elegância e porte, já na portaria
folhas do Chá de Pedestre que havia trazido no prevenido da Vila do Príncipe.
e esperei dar curtição. Temperei o chá com um tiquim de
Com essa sabência deu-se urgência no chegar, mas aí mais
água fria prá chegar no suportável, despejei na bacia, e
uma vez Seu Augusto me surpreendeu. Ele cismou de se
no delicado pedi a Seu Augusto pra tirar as botas. Ele já
embrenhar nas bordas do caminho na desculpa de buscação
tava na observância daquele arranjo, mas daí me olhou no
de alguma planta enflorada e por vezes o rumo se mostrava
espanto e assim meio na dúvida atendeu ao solicitado. Com
no incerto. Daí foi necessário dar entrada em antes dele e
cuidado coloquei seus pés na bacia enquanto lhe agradecia
fazer o facão lamber o mato no ligeiro pra abrir o trecho,
por tudo que távamos vivendo naquele pequeno trecho de
enquanto ele caminhava calmamente atrás, correndo os
sua longa viagem.
olhos naquele cipoal por riba da cabeça da gente. Seu rosto
Essa é uma das serventias do Chá de Pedestre que ainda num mostrava um encanto tal, que parecia inté que tava dentro
tinha dado fala, que é dar conforto a quem tá com os pés de uma igreja matriz lá das terras dele. Esse encantamento
estrompados pelas dificuldades dos caminhos que a vida nos aos cadinhos deu de me contaminar, e fiquei no perto pra
leva e traz. Ele ficou deveras agradecido enquanto se largava desfrutar das descrições das planta nos detalhes que só ele
no conforto de ter os pés quentes e relaxados. Tenho minha via e entendia. Inté que eu fazia esforço, mas...
crença de que aquela foi uma boa noite de sono pra todos
Pois foi só na borda da noite que demos entrada na Vila
companheiros, pois depois cada qual tamém experimentou
do Príncipe, debaixo de uma chuvada prazenteira, onde
do agrado de ter os pés cuidados pelo Rosmaninho.
num foi difícil conseguir acolhimento. Enquanto os céus
No dia seguinte bem cedo ainda esperamos os finalmentes derretia-se em águas, o tempo de parada teve serventia pra
de uma pequena chuvada madrugadeira para depois seguir dar arrumação naquela tanteira de coleta cuidadosamente
viagem quase que no escorrega e levanta pela ladeira do disposta dentro das broacas, separando, amarrando,
Mata Cavalo. Pouco mais adiante demos encontro pela descartando e escrevendo, num sem-fim de detalhes e
segunda vez com o Rio Jequitinhonha, onde ele ainda é um cuidados. Nessa faina gastou-se dois dias inté dar nossa
riacho pouco, sem muita fartura dágua, derivado de ser retomada ao trilho, agora mais sombreado pelas matas e
pertim de sua cabeceira. Fomos deixando pra trás as pedras, com o calçamento ora levantando poeira vermelha, ora
nossas companheiras de viagem desde o Tijuco. afundando os pés numa lama preguenta.
Seu Augusto, conhecedor do povo dos estrangeiros, me Dei reparo que Seu Augusto tava mais tranquilo indesde
disse que teve um barão alemão, que vindo pras bandas das que as águas deram de cair sobre a terra, aliviando o calor

110 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


e mudando a cara da paisagem. A natureza agora dava manifesto na terra e que Ele entrega nos nossos braços,
mostragem de muita samambaia onde a mata tinha sido mãos e coração, a tarefa de cuidar de sua obra.
derrubada pelo fogo, o que lhe dava profundo desgosto.
Mas tamém teve passagem por trechos de mata virgem, 5.2 Apresentação das plantas
onde a paração pra cata das amostras era amiudada. No
sempre ele usava uma lente pra dar aumento nas minúcias 1-Lobeira
que se revelavam de forma que nunca mais vi, cortando Solanum lycocarpum A.St.-Hil.
cuidadosamente pedacico por pedacico, principalmente
Família: Solanaceae
das flor. Ele nem dava ligança se tava esturricando no sol
ou se encharcando na chuva, aquilo num tinha a menor Por quais nomes a planta é conhecida? Fruto de lobo,
das importâncias, pois o valoroso era anotar cada coisica Baba de boi
examinada e recolhida. Qual parte da planta é utilizada? Frutos
Dava gosto e admiração ver ele nesse trabalho. E quando Usos descritos por Saint-Hilaire: Em seus cadernos de
topávamos com algum vivente? - Ara! Aquilo se dava numa campo descreveu a fruta-do-lobo como fruto que tem sabor
perguntação sem fim: “O caminho tá certo? O que vocês tão doce, utilizado como alimento por pessoas no Brasil à época
plantando por aqui? Quem são os donos das terras? Onde de sua passagem (BRANDÃO et al., 2012).
tem algum serviço de mineração sendo tocado?” Tinha gente
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
que até refugava de tanta explicação requerida.
Foi evidenciado o valor nutricional dos frutos da espécie
As prosas levadas com o povo que nos hospedava nos (CLERICE; CARVALHO-SILVA, 2011). Estudos indicam
caminhos, tinham sempre deslumbre e encantamento dos dois potencial antioxidante, antimicrobiano, citotóxico e
lados, todo o tempo ele dando palpitação no que plantar, como antiinflamatório das folhas e frutos da planta (COSTA et
apurar as sementes, nos animais que melhor se dariam ali, al., 2015; VIEIRA et al., 2003). Há patentes estrangeiras
sempre na guiança do que poderia melhorar a vida do colono envolvendo a lobeira, como uma nos EUA que trata de
perdido no meio daquele mundão de meu Deus. E assim extração de substâncias para aplicações cosméticas e
seguimos subindo e descendo morro, até que ao final de um medicinais (ELEJALDE et al., 2015).
dia carregado de mormaço despontou o pequeno arraial de
Conceição. Tinha chegado a hora de nossa apartação.
Depois de um longo abraço, nos despedimos e fiquei na
certeza de que essa foi uma das maiores experiências 2- Arnica
que tive em vida. Agradeci por demais a companhia e a Lychnophora sp. Mart.
distinção dele pra com minha pessoinha no trato com as
Família: Asteraceae
plantas medicinais e no ensino de que a natureza é o Criador

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 111


Por quais nomes a planta é conhecida? Falsa-arnica, O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
Arnica do campo Estudos científicos indicaram atividades anti-herpes,
anti-inflamatória, analgésica e genotóxica de extratos.
Qual parte da planta é utilizada? Folhas
A genotoxidade exige prudência no uso de produtos
Saint-Hilaire descreve a presença da planta: Saint- da planta (BIDONE et al., 2015; CARIDDI et al., 2015;
Hilaire descreve a presença do gênero no trajeto que fez YAMANE et al., 2016).
do Tijuco (Diamantina) a Milho Verde, em 1817: “[…] achei
em grande abundância uma espécie de folhas pequenas do
gênero Lychnophora Mart. (vulgo candeia), gênero que, nas
montanhas caracteriza as vertentes pedregosas.” (SAINT- 4- Carqueja
HILAIRE, 2004 [1830], p.25). Hoje chamamos de candeia o Baccharis crispa (Spreng.) Joch. Muell.; Baccharis trimera
gênero Eremanthus (Asteraceae), mas é bem diferente do (Less.) DC.
gênero Lychnophora. As Lychnophora são usadas há tempos
Família: Asteraceae
contra dor e inflamação (uso tópico). A espécie L. ericoides e
a L. pinaster são as mais utilizadas. Por quais nomes a planta é conhecida? Carqueja-
amargosa, Quina-de-condaime
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
Há vários estudos com L. ericoides indicando atividades anti- Qual parte da planta é utilizada? Folhas
inflamatória e analgésica, antioxidante, dentre outras (GOBBO- Uso descrito por Saint-Hilaire: para tratar febres
NETO et al., 2005; BORSATO et al., 2000; MÜLLER, et al. 2019). intermitentes; a planta inteira é extremamente amarga, mais
amarga do que quinino (BRANDÃO et al., 2012).
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
Pesquisas indicam diversas atividades da planta:
3- Macela antiinflamatória, antioxidante, protetora gástrica e
Achyrocline satureioides (Lam.) DC. hepática, dentre outras (PÁDUA et al., 2013 e 2014;
OLIVEIRA et al., 2012).
Família: Asteraceae
Por quais nomes a planta é conhecida? Marcela,
Macelinha, Alecrim-de-parede, Camomila-nacional, Macela-
amarela, Macela-do-campo, Macela-do-sertão, Paina 5- Pimenta de Macaco
Qual parte da planta é utilizada? Flores Xylopia sericea A.St.-Hil.; Xylopia aromatica (Lam.) Mart.

Uso descrito por Saint-Hilaire: Indicada na forma de Família: Annonaceae


banhos para dor (BRANDÃO et al., 2012). Por quais nomes é conhecida? Pindaíba, Embira

112 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Qual parte da planta é utilizada? Folhas, fruto Uso descrito por Saint-Hilaire: “Depois de passar por
Inficionado, atravessamos um terreno inteiramente ferruginoso,
Saint-Hilaire a descreve: “Existe nas florestas do Brasil um
coberto de matas, e aí recolhemos grande número de belas
monte de árvores cuja casca, tenaz e flexível, é empregada
plantas, principalmente de apocináceas. Observamos que em
pelos habitantes para fazer cordas, e poderia fornecer amarras
geral, os terrenos dessa natureza são os que apresentam a flora
e excelentes cordames. (...) Na realidade, seus frutos, muito
mais variada. As plantas são em geral menos vigorosas que
aromáticos, têm o odor da pimenta do reino; e se o sabor não é
em outros lugares, mas estão longe de conter tantas partes
tão forte, eles são, no entanto, mais agradáveis. Se fossem mais
aquosas. Certos vegetais indicam quase com segurança absoluta
conhecidos, esses frutos seriam certamente procurados como
a presença do ferro e, entre eles, devem citar-se principalmente
especiaria, e poderiam dar lugar a um novo ramo do comércio;
três espécies de quinquina de caule muito delgado que, sendo
mas, infelizmente, os brasileiros se acostumaram a desdenhar
muito próximas, são confundidas pelos habitantes da região
todas as vantagens que a natureza lhes prodigou, e na destruição
sob o nome de Quina da Serra ou de Remijo, e empregadas com
das florestas, que progride tão rapidamente, a árvore que
êxito como febrífugas (Cinchona ferruginea, vellozii, remijlana
acabo de analisar não está sendo menos poupada do que tantas
Aug. Saint-Hill.) (SAINT-HILAIRE, 2000 [1833], p.88)
outras espécies preciosas, que acabarão talvez por desaparecer
totalmente.”(SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.195-196). O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
OBS: St-Hil escreveu sobre a X. sericea, embora X. aromatica Estudo com ratos tratados com extrato etanólico da casca
também seja conhecida como pimenta-de-macaco. do caule indicou atividade antimalárica (ANDRADE NETO
et al., 2003).
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
A X. sericea possui atividade antimalárica e X. aromatica
apresentou atividade antimicrobiana (NASCIMENTO et al.,
2018; GONTIJO et al., 2019).
7- Drosera
Drosera communis A.St.-Hil.
Família: Droseraceae
6- Quina de Vara
Por quais nomes é conhecida? Drosera
Remijia ferruginea (A.St.-Hil.) DC.; Cinchona ferruginea A.St.-
Hil.; Cinchona vellozii A.St.-Hil.; Cinchona remyana Spreng. Qual parte da planta é utilizada? A planta é tóxica, não se
utilizando partes dela para preparo de remédio
Família: Rubiaceae
Saint-Hilaire descreve que a drosera pode ser danosa
Por quais nomes é conhecida? Quina Mineira, Remijo
para animais, como o carneiro: “Não basta conhecer as
Qual parte da planta é utilizada? folhas. plantas úteis; é necessário ainda saber distinguir as que são
nocivas, para poder prevenir o mal que possam causar […]

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 113


Descrevi aqui a espécie mais comum do Brasil, e como as outras, 9- Lobo-lobô
que são aproximadamente em numero de doze, apresentam Rinorea laevigata (Sol. ex Ging.) Hekking; Conohoria lobolobo
quase o mesmo aspecto, será fácil distingui-las quando se A.St.-Hil.; Conohoria castaneifolia A.St.-Hil.
conhecer uma delas.”(SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.93).
Família: Violaceae
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
Por quais nomes é conhecida? Lobolobo
Apesar da toxicidade, estudos demonstraram atividade
antimicrobiana de D. communis (FERREIRA et al., 2004). Por Qual parte da planta é utilizada? Toda a planta
outro lado, a espécie de Drosera rotundifolia, na Europa, é Usos descritos por Saint-Hilaire: “Eu lhes recomendo
usada para tratar resfriado (BARANYAI; JOOSTEN, 2016). aqui as Conohoria lobolobo e C. castanefolia, porque já há
dados para se crer que cultivando-as, poder-se-á delas tirar
partido. Suas folhas cruas não têm senão um gosto herbáceo,
mas cozidas, tornam-se viscosas, e os negros de várias regiões
8-Pau santo das proximidades do Rio de Janeiro comem-nas com seus
Kielmeyera speciosa A.St.-Hil. alimentos. Seria necessário transplantar a Lobolobo nas boas
terras, colocá-la na sombra, tentar mesmo alguns meios para
Família: Calophyllaceae
debilitá-la, ou como dizem os jardineiros, para tornar brancas
Por quais nomes é conhecida? Malva do campo, Folha suas folhas; e deve-se presumir que se acabaria obtendo um
santa e Pinhão legume agradável” (SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.63-64).
Qual parte da planta é utilizada? Folhas O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
Usos descritos por Saint-Hilaire: “As folhas dessa espécie Não foram publicadas pesquisas recentes desta planta
abundam em mucilagem; e servida em decocção para preparar envolvendo ensaios biológicos.
banhos emolientes. Essa propriedade calmante, que reside
nas folhas dessa planta brasileira, merece ainda mais ser
assinalada por contrastar singularmente com as propriedades
estimulantes próprias das mesmas partes na Thea, gênero 10 - Canela de perdiz
que, pelo conjunto de seus caracteres, e sobretudo por suas Croton antisyphiliticus Mart.; Croton perdicipes A.St.-Hil.
sementes desprovidas de perisperma, parece muito próximo da
Kielmeyera” (SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.326). Família: Euphorbiaceae

O que a ciência sabe sobre sua ação como remédio? Não Por quais nomes é conhecida? Pé de perdiz, Curraleira
há pesquisas farmacológicas recentes com esta espécie. Qual parte da planta é utilizada? Toda a planta
Saint-Hilaire descreve para os seguintes usos: “A
decocção dessa planta é diurética; ela é também empregada

114 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


contra a sífilis. Sabe-se que meios bastante suaves, os particularmente nas febres intermitentes, nas cólicas, na
sudoríferos, por exemplo, são suficientes para curar essa doença, diarréia; pretendem que é boa contra a mordida de serpentes;
que, no nosso clima mais frio, só cede a um tratamento mais dizem que fortifica o estômago, os intestinos, etc. Não se
enérgico. A propriedade excitante que existe tão frequentemente poderia acreditar em tantas virtudes diferentes reunidas
nas Euforbiáceas está presente nessa, em graus diversos, e num só vegetal e, infelizmente, a analogia não pode aqui nos
produz consequentemente efeitos variáveis, segundo a espécie ajudar a descobrir a verdade, porque até o presente, como bem
ou a parte que é utilizada. O gênero Croton oferece um exemplo observaram Candole e Martius, nenhuma planta da família
notável: as sementes de algumas dessas espécies fornecem das Amarantaceas tinha sido assinalada por suas propriedades
à medicina um desses efeitos mais violentos e drásticos; a medicinais. Por outro lado, entretanto, a raiz do Para tudo é
madeira ou a casca de algumas outras é emético, sudorífico ou geralmente louvada demais para que não tenha, em certos
simplesmente aromático. A que acabamos de apresentar (C. casos, produzido efeitos: logo, e de se desejar que algum
perdicipes) é ainda célebre na província de Minas, pela virtude médico instruído faça experiências sistemáticas com a planta
que se lhe atribui, qual seja a de se curar das mordidas das em questão, e que procure distinguir o que há de verdade nos
serpentes. Pretende-se, enfim, que a aplicação das folhas, se relatos maravilhosos sobre as curas atribuídas a essa mesma
frescas e moídas, isto é, secas e reduzidas a pó, favorece a cura planta” (SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.185-186).
das feridas” (SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.331).
Saint-Hilaire relata que a G. arborescens tem raiz amarga,
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio? Há sendo usada para a garganta e como anti-escorbútico
estudo indicando atividade anti-inflamatória da planta (REIS (BRANDÃO et al., 2012).
et al., 2014).
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
Não foram publicadas pesquisas farmacológicas recentes
com esta espécie.

11- Paratudo
Gomphrena arborescens L.f.; Gomphrena officinalis Mart.
Família: Amaranthaceae 12- Chá de Pedestre
Lippia pseudothea (A. St.-Hil.) Schauer; Lantana pseudothea
Por quais nomes é conhecida? Para-todo, Perpétua, Raiz-
A.St.-Hil.
do-padre-salerma, Para-tudo
Família: Verbenaceae
Qual parte da planta é utilizada? Toda a planta
Por quais nomes é conhecida? Rosmaninho, Capitão
Usos descritos por Saint-Hilaire: “A acreditar nos
do mato
agricultores do interior do Brasil, a raiz dessa planta
seria própria para curar todos os males. Eles a empregam Qual parte da planta é utilizada? Folhas

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 115


Usos descritos por Saint-Hilaire: “Essa espécie é comum na encarregasse de submeter, a exame minucioso, todas as
Serra da Candonga [distrito de Itapanhoacanga], na província plantas de que se utilizam os colonos para aliviar seus
males. Por esse meio, poder-se-ia chegar a constituir,
de Minas Gerais, onde ela vegeta no meio dos rochedos
para os vegetais, uma matéria médica brasileira, que
quartzíferos; é encontrada também no distrito dos diamantes. elucidaria os colonos a respeito de remédios ineficazes
[…] Usos. As folhas exalam um odor muito aromático; secas ou perigosos e, ao mesmo tempo, daria a conhecer aos
e tomadas como infusão, elas dão uma bebida extremamente nacionais e aos estrangeiros grande número de plantas
benéficas. Trabalho de tal envergadura não se poderá
agradável e muito estimada no país. A cultura da Lantana
fazer, sem dúvida, senão daqui a longos anos” (SAINT-
pseudothea poderia, pois, tornar-se um dia um objeto HILAIRE, 1975, p.229).
importante para o Brasil; e livrar esse país de uma importação
onerosa” (SAINT-HILAIRE, 2009 [1828], p.386-387). Ainda hoje, apesar dos atuais avanços tecnológico, científico
e médico, a maioria dessas plantas de uso tradicional ainda
O que a Ciência sabe sobre sua ação como remédio?
carece de estudos que possam comprovar sua atividade
Não há pesquisas farmacológicas recentes com esta espécie.
medicinal e verificar efeitos colaterais ou mesmo tóxicos
advindos de seu uso. Ou seja, há um extenso caminho a
ser percorrido que vincule o conhecimento tradicional aos
estudos científicos, inclusive no que concerne à divulgação
5.3 Considerações Finais científica das informações junto à população em geral.
Além disso, esta região de significativa importância do
As plantas descritas por Saint-Hilaire, e tão bem conhecidas ponto de vista de quimiodiversidade e biodiversidade já era
do Nhô Chico, continuam sendo utilizadas até hoje pelas motivo de preocupação por parte do naturalista, tamanho o
pessoas. Essas plantas compreendem um pequeno universo extrativismo degradatório observado por ele e a consequente
de inúmeras espécies observadas, descritas e registradas nos perda de plantas com potencial de curar doenças. Em
cadernos de viagem de Saint-Hilaire. O naturalista considera nosso levantamento sobre essas plantas, averiguamos, por
o território que apresentamos no conto como uma grande exemplo, que várias espécies de Lychnophora encontram-
farmácia a céu aberto: “[ ] entre tantas plantas às quais se vulneráveis, já consideradas em risco de extinção e que
falsamente se atribuem propriedades maravilhosas, algumas ainda carecem de estudos (BRASIL, 2014).
existem que realmente fornecem remédios eficacíssimos” Finalizamos aqui, mais de 200 anos pós passagem de
(SAINT-HILAIRE, 1975, p.229). O naturalista critica a falta Auguste de Saint-Hilaire, com as palavras deste sábio à
de políticas públicas para melhoria e aprimoramento deste frente de seu tempo e que continuam ecoando em pleno
conhecimento desde o Brasil Colônia. Em suas palavras: século XXI: “É possível que, no meio de tantos e repetidos
incêndios, não tenha desaparecido uma série de espécies
“Se existisse no Brasil maior número de homens instruí-
dos, o governo desse país faria obra de grande utilida- úteis às artes e à medicina e, dentro de alguns anos, a Flora
de, nomeando em cada província uma comissão que se que neste momento acabo de publicar, não será mais, para

116 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


certas regiões, senão um monumento histórico” (SAINT-
HILAIRE, 1975, p.229).
Ou seja, que paisagens com suas rochas e plantas idílicas
que nos proporcionaram as viagens imaginárias do francês
Augusto, Nhô Chico, Prégent, João Moreira e do índio
Firmiano sejam efetivamente reconhecidas pelas mais
distintas esferas do poder público e conservadas em prol de
sua inestimável relevância ecológica e potencial medicinal.

Macela do campo
Foto: Marcos Guião

Parte II: O Caminho Natural e Medicinal 117


Parte IV:
O caminho histórico
e cultural

Legenda: Capelinhas e casinhas pelo Caminho: topo,


esquerda: Capela de Nossa senhora das Dores, no
alto da Serra do Caroula, região do Mato Grosso
(atual distrito Vila Deputado Augusto Clementino);
topo, direita: Capela de São José no povoado de Pedra
Redonda; centro, esquerda: foto de casarios do povoado
do Vau; centro, direita: Capelinha de Nosso Senhor dos
Passos, Curralinho (atual distrito de Extração); base:
Capela de Nossa Senhora das Dores e casas do povoado
de Capão da Maravilha.
Fotos: Luciano Amador dos Santos Jr. e Felipe Marcelo
Ribeiro, 2020

119
Medalhão do forro da capela-mor da Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – Serro.
Tratamento da Imagem: Mônica Tolentino
Foto: Luciano Amador Jr. 2020

120 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


e Artístico Nacional (IPHAN), em 1938, e tem hoje como
principais atividades econômicas o turismo, a agricultura,
a pecuária leiteira e a produção de laticínios. Trazido pelos
colonizadores portugueses, o modo artesanal de fazer
o queijo do Serro foi o primeiro bem registrado como
Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais (2002).
Diamantina também foi tombada pelo IPHAN em 1938.

6.
Em 1999, dado o estado de preservação do seu traçado
urbano e de seus bens arquitetônicos e a peculiaridade de
sua implantação junto à Serra dos Cristais, a cidade foi
reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial, título
que fortaleceu ainda mais o setor turístico.

As construções Próximo ao Serro, encontra-se o distrito de Itapanhoacanga


e a Tapera. Entre as cidades de Diamantina e Serro, merecem

pelo caminho
destaque os pitorescos distritos de Curralinho, Borbas e
Vau (pertencentes a Diamantina) e São Gonçalo do Rio das
Pedras, Milho Verde e Três Barras (pertencentes a Serro),
todos eles visitados por Saint-Hilaire. Originados por conta
das minas de ouro e diamantes encontrados na região, quem
Mônica Martins Andrade Tolentino ali atualmente vive dedica-se à pecuária, à agricultura de
subsistência e à coleta de flores sempre-vivas.

T ivesse Saint-Hilaire visitado hoje as cidades de


Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro, os
registros do viajante certamente lhes seriam mais favoráveis.
Ocorreu que, no início do século XIX, época de suas andanças
pelo Brasil, estas cidades, outrora prósperas regiões onde
se extraía grandes quantidades de ouro e diamantes, já se
encontravam exauridas e em franca decadência.
Serro, considerada cidade-mãe de Diamantina e de vários
outros municípios de uma extensa região, foi a primeira
cidade a ser tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico

121
Igreja de São Geraldo – distrito de Três Barras, município do Serro.
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020

Conceição do Mato Dentro, embora não tenha seu conjunto


urbano tombado, possui cinco monumentos tombados
de forma isolada pelo IPHAN e recuperou sua economia
através da exploração do minério de ferro. Além deste
acervo, merecem destaque os bens presentes nos distritos de
Córregos e Santo Antônio do Norte. Ainda em área próxima
a Conceição do Mato Dentro, receberam a visita de Saint-
Hilaire os municípios de Congonhas do Norte, Ferros e
Morro do Pilar.

Igreja Nossa Senhora do Rosário, distrito de Extração, município


de Diamantina.
Foto: Raquel Galiciolli, 2017.

122 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


características extremamente refinadas, em uma paisagem
hostil e grandiosa que resulta em um cenário singular e
tem, neste fato, uma de suas peculiaridades mais sedutoras
(IPHAN, 2020).

Igreja de Santo Antônio – distrito de Santo Antônio do Norte


(Tapera).
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020

Passadiço da Casa da Glória com casario e Serra dos Cristais ao


O restabelecimento econômico, juntamente com a ação fundo – Diamantina.
efetiva do IPHAN em toda essa região, viabilizou a Foto: Raquel Galiciolli - 2019

restauração de seus templos e do casario típico e possibilita,


hoje, àqueles que visitam as três cidades-irmãs e seus
Como nas demais regiões do Circuito dos Diamantes, a
arredores, vislumbrar a rica fisionomia dos séculos passados.
adoção dos sistemas construtivos pautados na utilização
da madeira e taipa ou da alvenaria de adobe (e não da
6.1 Diamantina cantaria típica do Barroco tradicional presente em Ouro
Preto, Mariana e São João Del Rei, por exemplo), foi o
Passados mais de três séculos desde sua formação,
padrão durante os séculos XVIII e XIX. Embora o partido
Diamantina ainda hoje atesta a capacidade dos
arquitetônico geométrico, com suas plantas retangulares
seus fundadores em adequar os modelos europeus,
e torres de secção quadrada cobertas de telhadinhos de
particularmente os portugueses, à realidade do Brasil,
quatro águas tenha prevalecido, a pintura em cores vivas
criando uma paisagem inédita e genuína.
dos esteios e cunhais de madeira, os frontões ricamente
Incrustada em uma encosta da Serra dos Cristais, a cidade é entalhados e a pintura em perspectiva dos forros das igrejas
fruto da implantação de um núcleo colonial português, com

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 123


colocam Diamantina em posição de relevância no contexto Também na arquitetura civil, a cidade merece destaque.
da arquitetura religiosa mineira colonial. Neste âmbito, a repetição de elementos construtivos
e ornamentais próprios da colonização portuguesa, a
colorida pintura externa do casario e a predominância das
construções assobradadas resultaram em uma paisagem
extraordinariamente harmoniosa.

Igreja de São Francisco – Diamantina.


Foto: Raquel Galiciolli - 2017

124 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


primeiros povoamentos: o Arraial de Baixo, o Arraial do Rio
Grande, o Arraial de Cima e o Arraial dos Forros. A segunda
fase, vinculada à descoberta do diamante e compreendida
entre os anos de 1720 a 1750, marcou a definição dos caminhos
de ligação entre os quatro arraiais e a criação de novas ruas e
becos. Após 1750, fase em que foi considerado o maior centro
de extração de diamantes do mundo, deu-se a última etapa
de formação do Tijuco. Ocorreu, então, a consolidação do seu
traçado urbano básico e a construção das principais igrejas
e da maioria do casario residencial e público de maior porte
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1994).
A partir do final do século XVIII e durante todo o século
XIX, a queda da produção do diamante atuou para que não
se modificasse muito o traçado urbano do Arraial do Tijuco.
A estagnação da sua economia não oferecia condições para
investimentos em melhoramentos urbanos ou em novas
construções. Saint-Hilaire, ao passar pelo Arraial do Tijuco
em 1817, assim descreveu as características do casario, de
seus jardins e decoração interna:
“As ruas de Tijuco são bem largas, muito limpas, mas
muito mal calçadas; quase todas são em rampa; o que é
consequência do modo em que a aldeia foi colocada. As
casas, construídas umas de barro e madeira, outras com
adobes, são cobertas de telhas, brancas por fora e geral-
Casa da Chica da Silva – à esquerda, sacada para a rua do mente bem cuidadas. A cercadura das portas e das ja-
Contrato; ao fundo, Igreja de Nossa Senhora do Carmo; acima,
nelas é pintada de diferentes cores, segundo o gosto dos
detalhe da varanda coberta – Diamantina.
proprietários, e em muitas casas as janelas têm vidraças
Fonte: Giselle Oliveira - 2019 […]. As paredes das peças onde fui recebido estavam
caiadas, os lambris e os rodapés pintados à imitação de
mármore” (SAINT-HILAIRE, 2004, p.28).
O processo de formação urbana da cidade, então chamada
Arraial do Tijuco, compreendeu três etapas. A primeira, Quanto aos jardins,
relacionada à exploração do ouro, em fins do século XVII e “pareceram-me geralmente melhor cuidados que os que
início do século XVIII, caracterizou-se pelo surgimento dos havia visto em outros lugares; entretanto eles são dis-

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 125


postos sem ordem e sem simetria. De qualquer modo re- Júlia Kubitschek (que abriga ainda um belíssimo painel
sultam perspectivas muito agradáveis dessa mistura de de Di Cavalcanti) e a Faculdade Federal de Odontologia
casas e jardins dispostos irregularmente sobre um plano
de Diamantina (hoje Universidade Federal dos Vales do
inclinado” (SAINT-HILAIRE, 2004, p.28).
Jequitinhonha e Mucuri).
Nesta época, alguns distritos passaram a ocupar-se da
atividade agrícola, com o cultivo de milho, arroz, mandioca
e cana-de-açúcar, e no fim do século XIX as plantações
de algodão e a viticultura adquiriram relevância e
impulsionaram o surgimento de unidades têxteis (como a
fábrica de tecidos de Biribiri) e de fabricação de vinho.
Somente no início do século XX, com a implantação da
Estação Ferroviária, o processo de expansão urbana foi
retomado. Surgiram, então, as vilas Operária e Santo Antônio
e os bairros Bom Jesus, Fátima, Presidente e Bela Vista.

Hotel Tijuco. Projeto Modernista de Oscar Niemeyer– Diamantina.


Foto: Raquel Galiciolli - 2019

Situando-se entre as mais importantes cidades históricas


brasileiras pelo valor de seus monumentos artístico-
religiosos e a homogeneidade do conjunto urbanístico e
arquitetônico, Diamantina conjuga de modo admirável a
Antiga Estação Ferroviária – Diamantina. representatividade como pa- trimônio singular do passado
Foto: Raquel Galiciolli - 2017 nacional e o seu papel de cidade viva e atualizada. Vencidas
as antigas limitações do isolamento geográfico, os fatores de
atração de seu acervo histórico, as sugestivas tradições locais
São representativas desta época quatro obras modernistas de e a beleza paisagística da região fazem do antigo Tijuco um
Oscar Niemeyer: o Diamantina Tênis Clube (primeira obra dos principais centros de potencial turístico do país.
assinada pelo arquiteto na cidade, hoje incorporado à Praça
de Esportes); o Hotel Tijuco; a Escola Estadual Professora

126 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


6.2 Serro a talha dourada e policromada dos retábulos é muitas vezes
complementada por pinturas de forros em perspectiva de
Serro, enquanto cidade histórica colonial, goza de grande qualidade extraordinária. Neste campo, é importante destacar
prestígio. Isto se deve principalmente à homogeneidade do o trabalho do consagrado artista Silvestre de Almeida Lopes,
seu patrimônio arquitetônico e ao alto nível de qualidade autor da pintura do forro e dos painéis colaterais da capela-
alcançado na ornamentação interna de suas igrejas. mor da Igreja do Bom Jesus de Matozinhos (IPHAN, 2020).

Casario colonial da Praça João Pinheiro com escadaria para Igreja


de Santa Rita – Serro.
Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. - 2020

A utilização dos sistemas construtivos característicos do


início da mineração (madeira e taipa), pode ser observada em
todo o acervo religioso do município, assim como a fidelidade
aos partidos tradicionais: plantas retangulares, frontispícios
terminando em empena e ladeados por duas torres de seção
quadrada com cobertura de telhas. De maneira oposta à
simplicidade revelada na arquitetura, a decoração interna Forro da capela-mor da Igreja do Bom Jesus de Matozinhos - Serro.
das igrejas e capelas do município do Serro apresenta Tratamento da Imagem: Mônica Tolentino
interiores ricamente ornamentados em estilo rococó, onde Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. 2020

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 127


A atual cidade do Serro conserva um traçado básico que Entre 1740 a 1780, foram construídas as capelas de Nossa
remonta à metade do século XVIII, quando era conhecida Senhora da Purificação (hoje desaparecida), Santa Rita,
por Vila do Príncipe e já se encontrava urbanisticamente Rosário, Carmo e Bom Jesus de Matozinhos e calçadas
definida. O surgimento do povoado, no início daquele século, algumas vias, como a ladeira da Matriz e as ruas de Cima
aconteceu junto aos córregos dos Quatro Vinténs e do Lucas, e a Direita. Saint-Hilaire, em sua visita à vila, em 1817,
nos locais onde se fixaram, por conta da proximidade com assim a descreveu:
as lavras do ouro, os primeiros mineradores. Surgiram, em “Vila do Príncipe compreende cerca de 700 casas e uma
seguida, os arraiais de Baixo e de Cima, que logo se fundiram população de 2.500 a 3.000 indivíduos. Esta vila está
num só, em virtude do fluxo de novos exploradores e da edificada sobre a encosta de um morro alongado; e suas
construção de novas casas nos terrenos que interligavam casas dispostas em anfiteatro, os jardins que entre elas
se vêem, suas igrejas disseminadas formam um con-
os dois núcleos pioneiros. Também a construção de várias
junto de aspecto muito agradável, visto das elevações
igrejas atuou como fator de adensamento urbano, uma vez próximas. […] As ruas são pouco numerosas, e, na
que a edificação de cada uma atraía moradores e estimulava maioria, calçadas. As principais estendem-se de leste a
o surgimento de novas ruas e novas casas. oeste, paralelamente à base do morro; e cada uma delas
acha-se assim traçada em todo o comprimento, quase
no mesmo plano. Só as ruas transversais seguem o de-
clive do morro; têm, porém, pequena extensão”. (SAINT-
HILAIRE, 2000, p. 145).

“As casas são, na maioria caiadas, e as portas e caixi-


lhos das janelas são, geralmente, pintados em cinzento
imitando mármore. […] Cada casa possui um peque-
no jardim em que se plantam, sem ordem, bananeiras,
mamoeiros, laranjeiras, cafeeiros, e se cultivam, a mais,
couves e algumas espécies de cucurbitáceas. Das janelas
que se abrem para o campo goza-se de agradável pa-
norama: avistam-se as casas próximas entremeadas de
massas espessas de verdura formada pelo arvoredo dos
jardins; mais além descortina -se o vale estreito que se
estende ao pé da cidade e em cujo fundo corre o Quatro
Vinténs; do outro lado do vale o olhar repousa em altu-
ras quase que completamente cobertas da mais linda
relva; finalmente, nos planos mais distantes, algumas
moitas de arvoredo se avistam entre os morros” (SAINT-
HILAIRE, 2000, p. 145-146).
Panorama da cidade de Serro.
Fonte: Arquivo Central do Iphan Com o declínio da mineração do ouro, a cidade sofreu
esvaziamento de sua vida social e econômica e a cidade

128 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


do Serro pouco ou nada mais se desenvolveu. Apesar da
expansão verificada atualmente nas periferias da cidade,
grande parte da população continua condensada no núcleo
histórico, que, com suas igrejas e seu casario típico, ainda
preserva autêntica a fisionomia do Serro dos séculos passados.
Se no Serro a proximidade das lavras de ouro fez surgir
os primeiros povoados, em Milho Verde e São Gonçalo foi
o diamante o responsável por atrair mineradores para as
margens de seus rios e córregos.
O distrito de Milho Verde, distante 27 Km da sede, destaca-
se pela beleza natural e pela presença das singelas Capela
do Rosário e Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres. Erigida
em 1781, a matriz foi o único templo citado por Saint-Hilaire
por ocasião de sua visita, em 1817. Estruturada em adobe e Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres – Milho Verde.
madeira, tem como curiosidade a presença de uma varanda Fonte: Mônica Tolentino, 2019
sineira anexa à fachada lateral esquerda para compensar a
ausência de torres.
Curiosa também é a fachada chanfrada da Capela do
Rosário, datada do século XIX. Isto somado à surpreendente
implantação, no alto de uma colina com vista para o Pico
do Itambé, resulta em um dos espaços mais visitados e
fotografados pelos turistas na região (FUNDAÇÃO JOÃO
PINHEIRO, 1994).
Distante 6 Km de Milho Verde, o Distrito de São Gonçalo
do Rio das Pedras, cuja fundação estimada é anterior a 1732,
possui uma das mais belas topografias da região e apresenta,
hoje, um dos acervos mais bem conservados dentre as
localidades coloniais mineiras.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário – Milho Verde.
Foto: Mônica Tolentino - 2019

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 129


Também um antigo centro de mineração, guarda de seus
tempos áureos dois requintados bens: a Igreja de São José,
tombada pelo IPHAN, e a Capela de Nossa Senhora do
Rosário. Embora a Capela tenha a época de sua construção
estimada como mais recente que a Igreja, um detalhe que
chama a atenção é a riqueza da talha que decora as portadas
de ambas as edificações.

São Gonçalo do Rio das Pedras.


Foto: Mônica Tolentino - 2019

Matriz de São Gonçalo - São Gonçalo do Rio das Pedras.


Foto: Mônica Tolentino - 2019

Portada da Igreja de São José – Itapanhoacanga.


Além de Milho Verde e São Gonçalo, merece destaque, Fonte: Mônica Tolentino - 2019
nas proximidades do Serro, o Distrito de Itapanhoacanga.

130 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - Conceição do
Mato Dentro.
Capela de Nossa Senhora do Rosário – Itapanhoacanga.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de
Foto: Mônica Tolentino - 2019
Conceição do Mato Dentro

6.3 Conceição do Mato Dentro


Como ocorre em toda a região, é a pintura dos forros ou
dos painéis parietais que constitui, mais do que a arquitetura
O patrimônio arquitetônico e artístico de Conceição do Mato
e a escultura, o maior legado setecentista do município
Dentro está entre os mais valiosos e importantes dentre
de Conceição. Ainda assim, podem ser encontrados na
os municípios que constituem o Circuito dos Diamantes.
cidade retábulos, imagens e trabalhos em jacarandá, como
Seus monumentos, estruturados em taipa81 ou adobe82,
balaustradas, arcazes e oratórios ricamente talhados.
apresentam fachadas e plantas singelas que abrigam um
interior ricamente ornamentado.

81
Taipa é um sistema construtivo baseado no uso de barro e madeira. Existem dois
tipos de taipa: a taipa de mão e a taipa de pilão. A taipa de mão, ou pau a pique,
consiste no entrelaçamento de tronquinhos de madeira para formar uma grade que,
posteriormente, é preenchida com barro. A taipa de pilão, por sua vez, é executada
socando o barro previamente amassado em formas de madeira (ou taipais). Cada
camada de barro tem espessura de quarenta a oitenta centímetros e altura de vinte
centímetros que, após o apiloamento, passa a ter de dez a quinze.
82
Adobes são paralelepípedos com dimensões aproximadas de 0,20x0,20x40m com-
postos de barro, fibras vegetais e estrume de boi secados ao sol.

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 131


atividade de extração do ouro. Primeiramente surgiram,
próximos das principais lavras e junto aos pequenos cursos de
água que banham a cidade, os agrupamentos de casebres de
madeira e capim. Então, a partir de 1702, quando foi erguida a
capela (que mais tarde viria a ser substituída pela matriz), esta
passou a direcionar, à direita e à esquerda da sua esplanada, a
organização territorial do povoado. Os anos seguintes viram
a formação do Bairro Vintém (junto ao Córrego Vintém),
do Bairro Maranhão (que abrigava os ranchos de tropas), do
Bairro do Rosário (junto à capela de mesmo nome) e do Bairro
da Bandeirinha (junto ao Córrego da Conceição). Entretanto,
já na segunda metade do século XVIII, a estagnação do
povoado, em decorrência do enfraquecimento da atividade
mineradora, pode ser sentida. O próprio Saint-Hilaire, quando
visitou a cidade, registrou sua impressão de decadência e
abandono, com muitos moradores deixando o arraial em
busca de melhores terras para a lavoura:
“Conceição pode ter cerca de duzentas casas que se
alinham em duas ruas paralelas. […]. Essa povoação
jamais esteve, certamente, na altura de Santa Bárbara
e Catas Altas; no entanto, o tipo das casas prova que
seus primeiros ocupantes gozavam de abastança. Nessa
época o ouro retirava-se sem dificuldade dos terrenos
próximos à povoação; as minas, porém, se empobre-
ceram, e os atuais proprietários não possuem recursos
para fazê-las explorar. Afastam-se sucessivamente de
uma zona que não mais produz ouro e é imprópria para
Balaústre do Coro da Matriz de Nossa Senhora da Conceição –
a agricultura; o mato que cresce nas ruas de Conceição
Conceição do Mato Dentro.
esconde quase completamente as pedras do calçamento;
Tratamento da Imagem: Mônica Tolentino
grande número de casas já foi abandonado, e as outras
Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. 2020 caem em ruína” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.135).

Com a elevação do povoado à condição de vila (1840) e depois


A formação urbana de Conceição do Mato Dentro, assim à de cidade (1851), a vida local experimentou algum estímulo,
como a da maioria dos núcleos coloniais de Minas, resultou sendo dessa época a construção do antigo prédio da Casa da
diretamente do modelo de ocupação do solo decorrente da Câmara e Cadeia. Em fins do século XIX, a cidade apresentava

132 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


cerca de trezentas casas que ocupavam oito ruas e quatro Nossa Senhora Aparecida de Córregos, hoje simplesmente
praças, contava com seis chafarizes para distribuição de água Córregos, é apontado como o povoado mais antigo do
à população e tinha bem conservadas as suas igrejas e capelas. município de Conceição do Mato Dentro. Fundado em 1702,
foi núcleo de mineração tanto de ouro quanto de diamantes.
A única igreja, datada de 1872, está situada no ponto central
da localidade e conserva o muro de pedra que delimita o adro.

Matriz de Nossa Senhora da Conceição – Conceição do Mato


Dentro.
Foto: Mônica Tolentino - 2019

Matriz de Nossa Senhora da Aparecida – Córregos.


Foto: Mônica Tolentino - 2019
Porém, iniciado o século XX, começou a manifestar-se um
desejo maior de modernização urbana, com melhores recursos
em equipamentos e serviços e uma tendência generalizada Para escrever este relato, foram usadas três fontes
para novos padrões construtivos. As transformações por que principais: os livros de Auguste de Saint-Hilaire “Viagem
foi passando a cidade levaram-na a uma gradativa perda da pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais” e
antiga fisionomia colonial, especialmente quanto ao aspecto “Viagens pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil”
geral do velho casario, de que hoje restam poucos exemplares. e o livro publicado pela Fundação João Pinheiro, “Minas
Ainda assim conservou-se no centro histórico o primitivo e Gerais: Monumentos Históricos e Artísticos – Circuito do
espontâneo desenho urbano, peculiaridade que representa, ao Diamante”, além das observações feitas durante a expedição
lado dos monumentos religiosos, das festas de tradição local e Diamantina – Serro – Conceição do Mato Dentro, realizada
dos seus atrativos naturais, um dos encantos de Conceição do em agosto de 2019.
Mato Dentro.

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 133


134 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire
começava com uma breve refeição consistente de rapadura,
chá de congonha, ou mate e, quando havia, biscoitos. Para
variar, às vezes tomava-se uma jacuba, infusão de farinha de
milho ou de mandioca, rapadura e água quente ou café.
Nas duas principais refeições, o almoço (segundo Libânio
Christo, 1977, a palavra, de origem árabe, significa mordida
rápida) feito muito às pressas no meio da manhã; e o jantar,

7.
quando terminava a caminhada do dia, ao fim da tarde;
eram momentos de comer algo quente, em geral feijão
com toucinho e farinha ou fubá, arroz e alguma verdura
comestível quando havia, como couve, quiabo, serralha,
taioba ou ora-pro-nobis; essa era a rotina da viagem,

A celebração da
principalmente quando as paradas eram feitas em pousos
– simples pontos de pernoite sem qualquer abrigo, ou nos

cultura: queijos,
ranchos e barracões cobertos, onde as tropas e viajantes
podiam pernoitar (FRIEIRO, 1982).

vinhos e arte
Quando os pousos eram feitos em estalagens ou fazendas
à beira do caminho, havia comida melhor, aquela que
D. Lucinha (NUNES, 2010) chama de molhada e cujos
quitutes eram cozidos ou assados nos grandes fogões a
lenha: carne de porco sob diversas denominações, galinha
João Francisco Meira para as ocasiões especiais, arroz, farofas e verduras mais
abundantes. Em tais lugares também havia, frequentemente,
os fornos de adobe em forma de cupinzeiro, onde eram

P ara falar de gastronomia ao tempo em que Saint-Hilaire


andou entre nós, é preciso considerar as condições em
que essas viagens aconteciam.
engendradas deliciosas quitandas, ora importadas da terra
dos brancos, como a doçaria portuguesa, ora concebidas
graças às mães pretas escravizadas da África, como os beijus
Os caminhos existentes naquele período eram precários e e os belins. Quando hospedado nessas acomodações, à noite,
o deslocamento das pessoas e das tropas de carga se dava pelas 20h, costumava-se servir uma ceia leve, composta de
muito lentamente. Uma vez que feita a pé, a cavalo ou em canjica com leite e açúcar, chá de laranja, biscoitos e bolos
lombo de mula, as viagens, normalmente, só eram feitas à (BURMEISTER, 1952).
luz dia, quase sempre iniciadas ao amanhecer. A jornada

135
Em algumas ocasiões, como relembra sua passagem por
Catas Altas Do Mato Dentro (atual Catas Altas), e também na
residência do Intendente em Tijuco, os pratos eram servidos
em baixela de prata em homenagem ao visitante. Noutras,
participou de festas populares, como a de Pentecostes em
Minas Novas, onde participou de um lauto jantar:
“[…] que consistia em grandes assados, aves, leitões,
arroz e saladas. Cada um dos convivas tinha diante de
si um pequeno pão e, por bebida, ofereceu-se aos con-
vivas cachaça misturada com café e açúcar” (SAINT-
HILAIRE 2000; p.284).

A comida das cidades e vilas, por sua vez, além de dispor dos
ingredientes fornecidos pelos jardins, quintais e fazendas
próximas, como hortaliças e frutas, também incorporava
mercadorias importadas como sal, azeite, licores, vinhos e
queijos, trazidas justamente pelos tropeiros que, por sua vez,
adquiriam mantimentos como toucinho, feijão e milho para
suas longas jornadas pelo sertão nos armazéns e empórios
urbanos (ROCHA, 1897, apud FRIEIRO, 1982).
É fácil perceber que as viagens do nosso visitante retratam
com clareza as características da dicotomia apontada
por Dona Lucinha como a constituição básica da comida
tradicional de Minas Gerais: entre a comida do tropeiro e a
comida da fazenda, a comida molhada e a comida seca.
A comida do tropeiro – seca, porque todos os mantimentos
tinham de ser passíveis de transporte e conservação para
durar durante a viagem – e, por outro lado a da fazenda, onde
se cozinhava de um tudo: cereais, verduras, carnes frescas,
comida molhada, portanto, além das quitandas e doces que
vieram a constituir o cânone da gastronomia mineira.
Dona Elizabete, doceira conhecida pelo seu famoso doce de
marmelo, feito em tachos de cobre. Distrito de Milho Verde, Serro.
Fotos: Luciano Amador dos Santos Jr. - 2019

136 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Assim, ao longo dos séculos, consolidou-se o núcleo da “Existem formas de madeira de cerca de 2 pollegadas de
nossa ementa gastronômica, trajetória tão bem documentada altura, cujo meio apresenta um espaço circular inteira-
mente vazio, mais ou menos do tamanho de um prato.
pela literatura regional, na qual se destaca o clássico de
Estes moldes se collocam sobre uma mesa estreita de
Eduardo Frieiro “Feijão, Angu e Couve”. plano inclinado, enche-se-os de leite coalhado, que se
teve o cuidado de separar em pequenos pedaços; compri-
Quitutes como o pastel de angu de fubá, em Conceição do
me-se com a mão o coalho assim grumoso; o leitelllho
Mato Dentro; a “queijaria que ganhou o mundo”, do Serro, escorre vae cahir em uma gamella colocada á extremi-
e o bambá do garimpo de Diamantina, são alguns dos dade mais baixo da mesa” (SAINT-HILARIE, 1937, p. 73)
exemplos do que essa longa experiência de fogareiro, forno
e fogão legou aos dias de hoje, constituindo a parte mais 7.1 O queijo: arte do fazer
saborosa do nosso patrimônio cultural.
Cleube Andrade Boari

Possivelmente, a produção de queijos no


Brasil tenha acontecido, em escala de subsistência, desde
a chegada das primeiras vacas em nosso território. Isto
aconteceu em 1532, quando Martin Afonso de Souza e sua
esposa Ana Pimentel de Souza desembarcaram em São
Vicente com 32 cabeças de gado oriundas do arquipélago
de Cabo Verde. Esses animais foram inicialmente trazidos
com o propósito de força motriz, produção de carne e couro.
A importância do leite viria em subsequência. Para fins
históricos, considera-se que a primeira ordenha oficial e
documentada do Brasil tenha acontecido em 1641, em uma
fazenda pernambucana.
A construção de um histórico preciso da produção de queijos
em nosso país é dificultada pela falta de relatos históricos.
Em algumas obras raras, como “Cultura e Opulência do
Brazil, por suas Drogas e Minas”, de André João Antonil,
1997 [1711] e nos três volumes de “History of Brazil”, de
Queijeiras em mesa de queijo, típicas dos séculos XVIII e XIX.
Robert Southey (1819), são feitas algumas menções à
Salão do Queijo, Serro.
Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. - 2020
produção brasileira de queijos, desde seus primórdios.

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 137


Entretanto, para o contexto em questão, um dos relatos separar em pequenos pedaços; comprime-se com a mão
mais detalhados da produção e comercialização do Queijo o coalho assim grumoso; o leitelho escorre vae cahir
em uma gamella colocada á extremidade mais baixo
Minas Artesanal foi feito pelo botânico e naturalista francês
da mesa. A’ medida que a coalhada se comprime no
Auguste de Saint-Hilaire, em sua obra “Viagem as Nascentes molde, ajunta-se mais e continua-se a comprimir até
do Rio S. Francisco e pela Provincia de Goyaz”. que este fique cheio de coalho bem compacto. Cobre-se
de sal a parte superior do queijo, e deixa-se-o assim até
Saint-Hilaire fez menção a um queijo amarelo, com sabor á tarde; então volta-se-o e aplica-se-lhe o sal do outro
adocicado e agradável, produzido na região de São João del lado. No dia seguinte se expõe o queijo ao ar em local
Rey, Minas Gerais. Embora o relato tenha sido feito nesta sombrio, tendo-se o cuidado de voltal-o de tempos a
região, é inquestionável o fato de que o queijo era produzido, tempos, e está feito antes do prazo de 8 dias” (SAINT-
HILAIRE, 1937, p. 73).
de forma muito parecida, em outras regiões, especialmente
na histórica Comarca de Serro Frio. A produção brasileira de queijos ganhou notoriedade durante
o Ciclo da Mineração, ambientado na região dos atuais
estados de Goiás, Mato Grosso, Bahia e, especialmente, Minas
Gerais, a partir do final do século XVII.
Durante o extrativismo do ouro e das pedras preciosas,
muitos centros urbanos surgiram, dando origem a cidades
como Diamantina, Serro e Conceição do Mato Dentro. Esses
centros urbanos receberam muitos imigrantes, vindos de
outras regiões do Brasil e também da Europa. Para atender
a demanda alimentar das crescentes populações, produzir
alimentos in situ foi fundamental.
As dificuldades de rápido escoamento do leite cru das roças
“Fazem-se, em geral, muitos queijos na comarca de S.
para as cidades, especialmente devido ao relevo montanhoso
João d’El Rei; mas a zona do Rio Grande é a que produz
mais delles, que constituem, mesmo, um dos seus arti- de Minas Gerais e ao lento transporte com animais, fizeram
gos de exportação. Eis a maneira por aqui se fabricam. da produção de queijos a estratégia para conservar os
Logo que se extráe o leite, addiciona-se-lhe a presura, e nutrientes do leite cru e também para distribuí-los para o
ele se coagula instantaneamente; dá-se preferencia á de
mercado consumidor. 
capivara quando é possível obtel-a. Existem formas de
madeira de cerca de 2 pollegadas de altura, cujo meio Com a decadência do Ciclo da Mineração, a pecuária leiteira
apresenta um espaço circular inteiramente vazio, mais e a produção de queijos ganharam notoriedade na geração
ou menos do tamanho de um prato. Estes moldes se
de riqueza e ocupação. Acompanhando o tropeirismo,
collocam sobre uma mesa estreita de plano inclinado,
enche-se-os de leite coalhado, que se teve o cuidado de o “saber fazer” dos queijos se disseminou para diversas

138 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


regiões, nas quais, dia a dia, foi sendo incorporado à sua Embora hoje com tal importância tecnológica, acredita-se
cultura, gastronomia e ao estilo de vida do seu povo. que a maturação dos queijos tenha sido antes realizada de
forma empírica, com a finalidade de tornar os produtos
Os queijos que surgiram a partir do Ciclo da Mineração são
mais estáveis e resistentes para que pudessem ser
basicamente feitos da mesma forma até hoje. São produzidos
transportados em balaios e no lombo de animais. Saint-
com o leite cru de vaca, coalho, sal e ‘Pingo’, que é definido
Hilaire (1937) assim relatou:
como um soro-fermento, contendo microorganismos
naturais e típicos da propriedade. O uso de prateleiras de “Quando se quer transportar os queijos para o Rio de
madeira para a maturação dos queijos é mantido, como nos Janeiro, são collocados em cestos jacás quadrados e
achatados, feitos com lascas de bambú grosseiramente
primórdios. Ao contrário, a utilização de bancas e fôrmas de
trançadas; cada jacá contém cincoenta queijos, e dois
madeira é proibida, até o presente momento, pelo Serviço de deles constituem a carga de um jumento” (SAINT-
Inspeção brasileiro. HILAIRE, 1937, p.74).

A maturação, tão famosa em nossos dias, basicamente pode Provavelmente, comer um queijo fresco e
ser definida como uma etapa de fabricação nas quais os branco fosse privilégio de quem morava na roça. Os queijos
queijos são mantidos em condições ambientais específicas vendidos nas vendas das cidades eram mais amarelos, mais
(temperatura e umidade relativa do ar), por tempos firmes e, supondo-se o tempo de maturação e o tempo gasto
variáveis. Durante este tempo, diversas transformações para o transporte, provavelmente tinham sabor e aroma
microbiológicas e bioquímicas acontecem, propiciando a diferenciados, devido à atividade dos microrganismos e de
formação e sabores, aromas, texturas e aparências bastante diversas enzimas. A respeito, Saint-Hilaire (1937) relatou:
peculiares e apreciados. É uma forma de se transformar
“Estes queijos, ao que não se dá outro nome mais do
um queijo branco, de baixo valor e mais apropriado para os
queijo de Minas, são muito afamados: sua substan-
lanches em Queijos maturados, com maior valor agregado e cia é compacta; a côr assemelha-se aos dos queijos de
com maior complexidade sensorial, ideal para momentos de Gruyéres, mas é, eu creio, de um amarello mais carre-
celebração gastronômica. gado; seu gosto é doce e agradavel” (SAINT-HILAIRE,
1937, p.73-74).
Com o passar do tempo, o Queijo começa a expressar em si
os efeitos da propriedade e da Queijaria onde foi produzido, Ouve-se dos moradores mais antigos de nossa região, que
especialmente em função de sua altitude, do solo, da água, os queijos eram maturados em prateleiras de madeiras
das raças e do manejo dos animais, do saber fazer e da nos porões das casas e em gavetas de móveis de madeira.
receita de cada produtor, bem como dos micro-organismos Alguns produtores costumavam maturar os Queijos
ali existentes e da forma como eles se desenvolvem. envoltos em tecidos. Utilizar prateleiras presas ao teto e sem
Tudo isto faz com que os queijos sejam muito especiais e pés (sem contato com o chão) era uma estratégia para evitar
peculiares, repletos de manifestação do seu terroir de origem. o ataque de ratos.

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 139


Após quase 500 anos da chegada das primeiras vacas
leiteiras ao Brasil, os produtores de Queijo Artesanal vivem
uma nova fase histórica, basicamente iniciada no ano de
2002, com a publicação da primeira lei brasileira que trata da
regulamentação da produção de Queijos Artesanais – a Lei
nº 14.185 de 31/01/2002, da Assembleia Legislativa do Estado
de Minas Gerais.
Neste mesmo ano foi feito o registro, pelo Instituto Estadual Fotos: Cleube Andrade Boari - 2020
do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
(IEPHA), do modo de fazer do Queijo Artesanal da Região
do Serro como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado No entanto, nem sempre a história do queijo foi bonita.
de Minas Gerais. Seguindo-se ao pioneirismo mineiro, Vivemos momentos áureos e outros bastante sombrios! O
ações em âmbito nacional, como a recente publicação “culpado” pelos piores momentos sombrios? Adolf Hitler!
e regulamentação do Selo Arte, tem contribuído para a Após o caos instalado na Europa, decorrente da Segunda
disseminação e fortalecimento da produção de queijos em Guerra Mundial, o mundo buscou caminhos para
todo o território brasileiro. reorganizar o comércio entre as nações. Em se tratando
Definitivamente, todo esse processo de reconhecimento da produção de alimentos, foi necessário estabelecer
e de consolidação foi fortemente marcado pela união dos regulamentos e normas sanitárias visando garantir qualidade
produtores, especialmente a partir de 2010. Costuma-se e segurança. O Brasil, já aclamado como celeiro de produção
dizer que o ‘whatsapp salvou o Queijo Artesanal’ (Tulio de alimentos do mundo, para se manter sintonizado a seus
Madureira, Serro, Minas Gerais). Diversos movimentos nas compromissos internacionais, iniciou a regulamentação da
redes sociais congregam milhares de Produtores, Técnicos industrialização dos produtos de origem animal.
e Apreciadores: #salveoqueijoartesanal; #soudeleitecru; Como inspiração para a criação de nossa legislação havia
#queijovivo e #eucomocultura. dois modelos. De um lado o modelo sanitário europeu, que
Nossos Queijeiros contemporâneos, espalhados pela nossa incluía a produção artesanal de queijos, e de outro o modelo
região e por todo o Brasil, maturam seus queijos não sanitário americano, baseado na pasteurização, no uso do
mais apenas para conservá-los ou para prepará-los para aço inoxidável e na concentração do processamento de leite
o transporte, mas sim para nos oferecer sabores, aromas, em laticínios. De um lado a Europa destruída ... de outro, os
texturas e aparências complexas e desafiadoras... uma Estados Unidos enriquecidos, inclusive pela Segunda Guerra.
verdadeira explosão de sensorialidade do Queijo Minas Enfim, não nos restam dúvidas de qual foi o modelo
Artesanais: região do Serro (foto à esquerda) e região de sanitário adotado. Como resultado, em 1952 foi publicado o
Diamantina (à direita). Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos

140 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


de Origem Animal (R.I.I.S.P.O.A.), trazendo grandes As roças têm se reinventado e descoberto novas
empecilhos à tradicional e até então valorizada produção do possibilidade de usufruir da produção dos Queijos
Queijo Minas Artesanal. Artesanais, dentre as quais a prática do turismo, da
gastronomia, da cultura, da comercialização de queijos e,
De 1952 a 2002 (ressurgência) foram 50 anos de “caça ao
também, da educação queijeira.
Queijo artesanal”. Muitas apreensões! Muita publicidade
negativa! O Queijo Artesanal quase foi embora... mas como Com certeza absoluta, nossas Queijarias Artesanais têm
uma semente forte, manteve-se vivo na mente e no coração imensurável valor histórico, turístico e gastronômico
do povo, assim como nas mãos de corajosos produtores no âmbito do Caminho Saint Hilaire, e nossa boa gente
‘clandestinos’, que não desistiram, por mais dificuldades e sempre disposta a abrir as porteiras de nossas roças aos
ameaças que tenham sofrido. Graças a eles nosso queijo não olhares do Mundo!
morreu. Ao contrário, está mais vivo do que nunca.
Voltando aos nossos dias, estima-se haver dentre as regiões
de Diamantina e de Conceição do Mato Dentro, passando pela
região do Serro, mais de mil produtores de Queijos Artesanais.
Esta região pode ser considerada como uma das maiores e
mais antigas das Américas – e por que não do Mundo – na
produção de Queijos Artesanais utilizando o leite cru.
Há ainda longo caminho para que esta produção seja de
fato reconhecida por todo seu valor e importância, mas
muitas iniciativas têm acelerado este processo. O sucesso
de nossos queijos e sua qualidade têm sido atestados pela
grande quantidade de medalhas que nossos produtores
vêm conquistando em diversos concursos de relevância
internacional, como na terceira e quarta edições do
Mondial du Fromage et des Produits Laitiers (Tours, França, Casario colonial destinado ao Salão do Queijo, Serro.
2017, 2019)83, Prêmio Queijo Brasil84 e o Mundial do Queijo Foto: Luciano A. Jr. - 2020
de Araxá85.

83
Para mais informações ver o site: https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/minas-
-dos-queijos/noticia/2019/06/04/queijos-de-mg-conquistam-serie-de-premios-em-
-concurso-mundial-na-franca.ghtml.
84
http://premioqueijobrasil.com.br
85
https://mundialdoqueijodobrasil.com

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 141


Vinhedos em Diamantina: Quinta do Campo Alegre (superior e inferior, uvas da variedade Syrah), fotos cedidas pela Empresa Cultivar –
Meio Ambiente e Quinta D’Alva (centro, com uvas da variedade Chardonnay)
Foto: João Francisco Meira

142 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


7.2 Um brinde: descobrindo o vinho com de vinhos no Brasil em favor da exportação do produzido
Saint-Hilaire na Metrópole e vendido com reserva de mercado na Colônia
(DICKENSON, 1995).
João Francisco Meira No auge da exploração do ouro e diamante na Capitania
das Minas, houve mesmo um embargo geral imposto pela
Metrópole à vinificação comercial na Colônia, que apenas
Em muitos lugares que percorreu nas suas viagens pelo
fora levantado. Durou, no entanto, entre 1785 e 1810 (SOUZA,
Brasil, Auguste de Saint- Hilaire (ASH) se deparou com um
1959). Dessa forma, somente a partir da Independência e
significativo número de fazendas, jardins e quintais em que
particularmente no Segundo Império é que a vitivinicultura
se verificava o cultivo de flores, frutas e grãos de origem
brasileira se tornaria economicamente expressiva.
europeia. Tão importantes lhe pareceram tais iniciativas
que, para além do empenho taxonômico em relação à flora Se não era volumosa, a atividade vinícola atraiu o olhar de
autóctone, também se dedicou a descrever, contextualizar Saint-Hilaire certamente em face das peculiaridades que
e refletir sobre a adaptação de várias espécies exóticas aos notou acerca do comportamento da espécie importada de
distintos contextos ambientais do Brasil Meridional. seu continente, na adaptação à diversidade de terroirs em
que verificou a existência de tal cultivo.
Observou macieiras, ameixeiras, craveiros, roseiras,
jasmineiros, pereiras, trigais, campos de centeio (SAINT- Embora não tenha dedicado sequer um capítulo de
seu legado analítico a desenvolver uma reflexão
HILAIRE, 2000) e ainda muitas parreiras; estas, por vezes
mais aprofundada acerca das perspectivas futuras da
apenas a embelezar varandas senhoriais; doutras, em cultivo
vitivinicultura no subcontinente, Saint-Hilaire deixou
sistemático para beneficiamento (SAINT-HILAIRE, 2002).
registros e observações muito significativas espalhadas
Na verdade, tendo sido introduzido no país desde o início em quase toda a sua obra. Não chegou a organizar seus
da colonização portuguesa (DARDEAU, 2003; DICKENSON, achados numa ordem espacial ou temática, deixando aqui
1995), o cultivo de Vitis vinifera já se fazia notar em e ali fragmentos de informação ou pontos de vista que, no
praticamente todas as províncias do Sudeste e do Sul, entanto, permitem formar um quadro do que encontrou e
quando das viagens do naturalista francês. seu potencial econômico para o Brasil.
Contudo, o cientista não encontrou produção local de À medida em que se familiariza com os diferentes biomas
vinhos em quantidade relevante. Diferentemente da que percorre e desvenda as peculiaridades edafoclimáticas de
colonização hispânica, que estimulou o surgimento de cada território, sua reflexão se torna mais densa, recordando,
várias áreas de cultivo hoje em territórios da Califórnia, por vezes, lugares que antes tinha visto e suas condições de
México, Peru, Chile e Argentina (PINNEY, 1989; UNWIN, cultura. Assim é, por exemplo, quando se refere à vocação do
1996), a Coroa Portuguesa preferiu estabelecer controles e Distrito dos Diamantes como uma das melhores áreas para
restrições ao cultivo da uva e principalmente à fabricação a vitivinicultura no país: faz a constatação já ao final de sua

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 143


quinta e última jornada, de Porto Alegre a Montevideo, antes europeias na região, particularmente as da Vitis vinifera.
do retorno ao Rio de Janeiro e à França: Percebe Tijuco como um lugar de bom potencial, haja vista o
“A introdução generalizada de todo tipo de vinho entre que encontrou nos pomares urbanos do arraial:
os brasileiros seria, pois, um verdadeiro benefício e, con- “O clima temperado da capital do Distrito dos
sequentemente, o governo deveria encorajar, por todos Diamantes é propício a produções europeias e várias
os meios possíveis, o plantio da vinha e a fabricação frutas de nosso país estão, por assim dizer, naturaliza-
de vinhos nas partes do Brasil onde pode haver expec- das nas ruas de Tijuco. Os pessegueiros, as figueiras, os
tativas de sucesso, tais como esta Capitania (RS); a de
marmeleiros produzem bons frutos nos pomares dessa
Goiás; o Distrito de Diamantes e a Comarca de Sabará,
aldeia […]. Segundo o Sr. Da Câmara, o tempo da seca
na Capitania das Minas” (SAINT-HILAIRE, 2002, p.59).
é mais favorável […] desde que se tenha o cuidado de
irriga-los” (SAINT-HILAIRE, 2004, p.31-32).
Entretanto, seu primeiro encontro com a fruta que lhe remetia
aos vinhedos de sua terra natal ocorrera cinco anos antes.
Logo no início de sua primeira viagem do Rio de Janeiro
a Minas Gerais, ao transpor a Mantiqueira, na parada de
Registro Velho, hoje município de Antônio Carlos (MG), iria
ver o primeiro parreiral, registrando a presença de parreiras,
dentre outras variedades europeias (SAINT-HILAIRE, 2000).
Nessa mesma jornada ainda observará videiras em
residências na Vila de Barbacena e diversos parreirais:
na Fazenda Santa Quitéria (perto de S. Bárbara, MG); na
Fazenda Itanguá (próxima ao distrito de Penha de França,
hoje município de Itamarandiba, MG) e na Fazenda de
Ribeirão, no caminho entre a Vila de Minas Novas e a
localidade de Formiga (atual Montes Claros, MG). Exceto os
dos dois primeiros sítios, todos os parreirais estão situados
dentro dos então limites da Comarca do Serro Frio, antiga
subdivisão administrativa da Capitania das Minas, que
incluía, também, o Distrito dos Diamantes.
Precisamente no volume que dedica à sua excursão
pelos arredores do Tijuco, bem como seu retorno à Vila
do Príncipe (Serro, MG) e além, é que Saint- Hilaire Uvas da variedade Tempranillo, safra de 2019, Quinta do Campo
enfoca aspectos climáticos e topográficos que considera Alegre. Diamantina.
Foto cedida pela empresa Cultivar – Meio Ambiente - 2019
determinantes das possibilidades do cultivo de espécies

144 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Exceto nos jardins e quintais urbanos, o autor não vai “Em meados de janeiro […] chupei saborosas uvas;
encontrar nos arredores do arraial muitas áreas dedicadas à mas em junho e julho, tempo da seca, a vinha dá novos
frutos, que tem gosto mais agradável que a de janeiro,
agricultura, dada a prevalência e mesmo a imposição legal contendo menor quantidade de água, amadurecendo
do extrativismo mineral naquele entorno. melhor e não apodrecendo com facilidade” (SAINT-
HILAIRE, 2004, p.76).
Mas na periferia muito próxima de Tijuco, ainda na
Comarca do Serro Frio, na localidade de Congonhas (atual Em diversos desses lugares, registrou, os viticultores
município de Congonhas do Norte-MG), Saint-Hilaire volta mineiros já praticavam o que hoje chamamos de “dupla
a identificar um vinhedo, e este já com volume capaz de poda” e produziam os “vinhos da seca”, como os chamou
vinificação (SAINT-HILAIRE, 2004). Saint-Hilaire, nossos hoje muito apreciados vinhos de
inverno: “Após a colheita da estação das chuvas as folhas
Não se tratava, porém, de produto de boa qualidade, tanto
caem, podam-se as plantas e obtém-se, como disse, uma
que o seu fabricante preferia extrair vinagre, aparentemente
segunda colheita em junho e julho; uma nova poda prepara a
para consumo próprio. Saint-Hilaire achou-o também de
colheita do ano seguinte” (SAINT-HILAIRE, 2004, p.78).
sabor muito forte.
Sobre os tipos de uva com que deparou, Saint-Hilaire deixou
É também nesse local que Saint-Hilaire faz algumas
muito poucos registros. Prefere mencionar a presença
preciosas observações sobre aspectos microclimáticos que
de uvas e parreiras, mas sem maiores preocupações em
afetam o ciclo vegetativo da videira em diferentes lugares
identificar os cultivares presentes. Percebe, no entanto, que
da região. Nota que em Congonhas, de clima montanhoso e
todas as parreiras que encontra no país seriam de origem
muito frio, a videira só frutificaria naturalmente uma vez por
portuguesa, chegando a mencionar, uma única vez, uma
ano, e no verão, acompanhando aproximadamente o ciclo do
determinada variedade lusitana, a Ferral, reconhecida pelo
hemisfério norte, porém sob a forte pluviosidade meridional
taxonomista nas proximidades do Arraial de Meia Ponte,
que coincide, aqui, com a etapa final de maturação, meses de
hoje Pirenópolis (GO), lembrando que esta também era
janeiro e fevereiro. Sob tais condições, as bagas amadurecem
cultivada noutras localidades.
de maneira completa, mas com baixa concentração de
açúcares e outros componentes solúveis necessários à Na verdade, Ferral designa uma versátil “família” de
produção de vinhos de boa qualidade. cultivares encontradas em Portugal, França e Espanha; boas
tanto para mesa como para vinho, e que tem variedades
Ele notou, no entanto, que em regiões mais quentes, como tintas, negras e brancas. Como é comum em Portugal, seu
no Sertão (como observou na Fazenda Ribeirão), em Sabará nome pode mudar de um lugar para outro. A Ferral Branca
e em Goiás, era possível obter duas ou mais colheitas (VIVC 4105), por exemplo, é também conhecida como “Dedo
anuais, inclusive de inverno, para produção de uvas. de Dama” e a Ferral Tinta (VIVC 4101) também se chama
Nessas condições de clima seco, as frutas podem atingir as “Ferral Tâmara”86.
concentrações adequadas à vinificação:
86
Vitis International Variety Catalogue: www.vivc.de

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 145


Introduzidas no país desde os primórdios da colonização,
as diferentes “ferrais” (variedades de Ferral) devem ter
sido predominantes no tempo de Saint-Hilaire, inclusive
permanecendo seu registro de cultivo em Minas Gerais
pelo menos até o final do século XIX (SOUSA, 1969;
OLIVER, 2007).
No tocante aos problemas ou variáveis desfavoráveis ao
plantio das videiras, para além da pluviosidade na safra de
verão, Saint-Hilaire aponta uma praga prevalente em todo
o país: trata-se das formigas saúvas (Atta cephalotis), que
ele chamou de “formigas gigantes”. Longe ainda estavam
os dias da grande moléstia que iria exterminar a viticultura
brasileira com base em cultivares européias. De fato, as
larvas da Filoxera (Daktulosphaira vitifoliae) somente
chegariam ao Brasil a partir de 1880, em consonância
com a difusão de variedades vitáceas norte-americanas
contaminadas (SOUSA, 1959). Mas já nos tendo deixado em
1853, Saint-Hilaire não teve o desprazer de vivenciar esse
trágico momento da vitivinicultura.
Depois de cerca de um século sem presenciar cultivares de
vinífera, a região dos diamantes voltou a produzi-las em
escala considerável a partir do início dos anos 2000. E se Um brinde a Saint-Hilaire e a diversidade dos vinhos das ‘Terras
Altas do Jequitinhonha’.
tivesse a oportunidade de voltar ao Brasil nos dias de hoje,
Quinta Dalva, Diamantina.
Saint-Hilaire talvez apreciasse muito perceber que nessa
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020
região, agora, pela primeira vez se encontram algumas das
uvas mais típicas (ANGLADE, 1995; JOHNSON, 1999) de
seu amado vale do Loire: a tinta Cabernet Franc e a branca
Sauvignon Blanc.

146 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


como uma atividade cultural atrelada ao Seminário “Olhares
cruzados sobre Auguste Saint Hilaire”, ocorrido no dia 02
de maio de 2019 na cidade de Diamantina. O objetivo foi
homenagear a cidade francesa de Orléans, onde nasceu o
naturalista francês, no mês de comemoração dos 590 anos da
libertação desta cidade por Joana d’Arc.
A irmanação das cidades do Serro, Diamantina, Conceição
do Mato Dentro e Orléans, proposta pelo projeto Caminho
Saint Hilaire, nos dá a oportunidade de vislumbrar aspectos
que aproximam esses municípios de grande importância
histórica para seus países. Essas cidades contam com figuras
históricas femininas que se tornaram importantes na
construção da memória local e nacional. A exposição propôs
uma aproximação dos municípios a partir da apresentação
de duas personagens que protagonizam a construção da
memória local nessas regiões: Joana d’Arc e Chica da Silva.
Joana d’Arc libertou a cidade francesa de Orléans, em maio
de 1429, liderando o Exército Real no auge da Guerra dos
Cem Anos. Uma jovem, vinda da fronteira do Reino Francês,
ouvia vozes lhe dizendo que sua missão era tirar os ingleses
daquela cidade e coroar o legítimo rei, Carlos VII. Após a
vitória, profetizada por ela, Joana torna-se figura central
para a construção da memória da cidade, sendo considerada
sua salvadora e recebendo o epíteto de A Donzela de
Orléans. Até hoje sua memória é onipresente na cidade,
que exibe uma enorme quantidade de estátuas, imagens,
7.3 O sagrado e o feminino estabelecimentos comerciais, praças e ruas com o nome
“Joana d’Arc”.
Flávia Amaral
Chica da Silva nasceu escrava no Serro, em 1732. Mais
tarde, alforriada, tornou-se mulher de João Fernandes
A exposição Chica da Silva recebe Joana d’Arc: memórias de Oliveira, que ocupava um dos postos mais altos da
que se cruzam no Caminho Saint Hilaire foi concebida administração da Colônia: Contratador de Diamantes. Dessa

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 147


forma, Chica fora alçada de uma posição desprivilegiada sobre como a construção e os usos da memória impactam e
na sociedade aristocrática local a um patamar elevado, modelam a formação das identidades:
gozando de confortos e prerrogativas disponíveis apenas às “A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos
senhoras brancas da elite colonial brasileira. Sua trajetória e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta
marca profundamente a memória da região onde viveu, à dialética da lembrança e do esquecimento, inconscien-
fomentando uma narrativa marcada por lendas e projeções te de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os
usos e manipulações, suscetível de longas latências e de
que consolidaram sua imagem como a Rainha do Tijuco.
repentinas revitalizações.” (NORA, 1984, XVIII).
Mulheres com percursos improváveis, que ocuparam espaços
E assim, a partir da vivacidade das memórias que
não destinados a elas. Mulheres que até hoje provocam
produziram diferentes narrativas sobre essas mulheres, a
reflexões e polêmicas na interpretação das suas trajetórias
exposição foi organizada em ambientes que permitiram ao
de vida. Quem foi Chica da Silva? Quem foi Joana d’Arc?
público ter acesso tanto às discussões mais acadêmicas e
Poucos se atrevem a dar uma resposta definitiva, mas todos
especializadas sobre Chica da Silva e Joana d’Arc quanto
temos de concordar que as memórias construídas em torno
às produções artísticas, permitindo uma experiência que
dessas duas figuras femininas moldaram e continuam
provocou não só uma aproximação maior com a história
delineando o imaginário de seus países de origem. Brasil e
dessas regiões como também a reflexão sobre a construção
França lançam sobre essas personagens históricas luzes e
das identidades e dos usos do passado.
sombras na interpretação de seu próprio passado, buscando
nessas mulheres algo que possa conduzir esses países na
encruzilhada de seus desafios ao longo do tempo.
7.3.1 Quem é essa Donzela?
Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês nascido na
cidade de Orléans, em 1779, chega ao Brasil em 1816. Em A exposição, cujo cartaz é a nossa foto de abertura do
1817 passa pela Paróquia de Conceição, Vila do Príncipe e subcapítulo, foi pensada em torno de uma ideia central:
Arraial do Tijuco, trazendo consigo a memória da Donzela Chica da Silva recebendo Joana d’Arc para uma visita,
que libertara sua cidade. Ao chegar à região, encontra visto que o evento, em Diamantina, ocorreu na Casa da
outra memória, da ex-escrava que um dia se tornou a Chica onde, atualmente, funciona o Escritório Técnico do
mais importante dama da sociedade tijucana do século IPHAN na cidade. Dessa forma, em um primeiro momento,
XVIII. É fato que Saint-Hilaire jamais mencionara em seus o objetivo era apresentar a Donzela de Orléans à dona
escritos sobre o Brasil qualquer relato a respeito de Chica daquela casa e aos moradores da cidade, a partir de alguns
da Silva e tampouco realizou a aproximação entre as duas documentos históricos.
mulheres, conforme proposto pela exposição. No entanto, Joana d’Arc surgiu no cenário político francês em 1429,
ao homenagear sua cidade natal, buscamos aproximar durante a Guerra dos Cem Anos, atribuindo-se a missão
essas trajetórias trazendo à baila um importante debate divina de levar o Delfim ao trono e expulsar os ingleses

148 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


do reino. Tal aparição foi seguida de reações no meio
letrado, o qual produziu uma série de textos, com objetivo
de se posicionar diante da veracidade ou falsidade das
palavras daquela suposta “mensageira dos céus”. Nesse
primeiro ambiente da exposição, trouxemos testemunhos
documentais do século XV, cujo objetivo principal é
desvendar a verdadeira personalidade de Joana d’Arc. Em
De quadam puella, texto anterior à vitória em Orléans, a
pergunta essencial é “Quem é essa jovem”?

A partir do reconhecimento de Joana d’Arc como uma


sibila, tem início a conexão entre a heroína francesa e a
história do Tijuco.

7.3.2.Sibilas do Tijuco

“As sibilas estão entre aqueles mitos que tiveram um


alcance temporal longo e a sobrevivência em muitos e
distintos espaços. Representadas especialmente na Itália
desde o século IV, de lá se difundiram para o restante
do mundo em diferentes linguagens: pintura, escultu-
ra, iluminura, tapeçaria, dentre outras. O registro mais
Já na obra Sibilla Francica - “Sibila Francesa” - o autor remoto dos oráculos sibilinos se dá na Babilônia, mi-
proclama Joana como uma profetisa pertencente a um grando daí para a cultura greco-romana. Nessa mito-
grupo reconhecido pelo cristianismo como as mulheres logia as sibilas são profetisas de Apolo e têm a função
que profetizaram além dos destinos de gregos e romanos, a de dar a conhecer os seus oráculos. Como seres mortais,
as profetisas faziam o elo entre o profano e o sagrado
Encarnação de Jesus - as Sibilas.
atendendo à necessidade humana tanto de se comunicar
com o transcendente, como de saber dos acontecimen-
tos porvindouros. Os oráculos sibilinos, adaptados pelos

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 149


judeus, foram adotados pelos cristãos desde o cristianis-
mo primitivo. A sua forte e diversificada sobrevivên-
cia, deve-se a um principium vitae que remete à sua
primordial composição humano-religiosa. De errantes a
enclausuradas em seus antros; de virgens a eróticas; de
portadoras do logos humano ao discurso divino e deli-
rante; de mito a mulheres reais; da Babilônia à Grécia
e aos povos de cultura helenizada do Mediterrâneo;
de Roma e dos judeus helenizados à cultura cristã; da
Europa à América colonizada, entre mistérios e reve-
lações, a sobrevivência da sibila na literatura, na mú-
sica, na liturgia, na pintura, intriga e permanece entre
nós. Sinônimo de profetisas em geral, o mito ainda vive,
tendo sido ao longo da história usado para designar mu-
lheres com saberes e práticas especiais como Hildegard
von Bingen (a sibila do Reno) e Joana D’Arc (a sibila
de França). Amplamente representadas na Europa e na
América de colonização espanhola, as sibilas têm em
Diamantina sua única representação na colônia por-
tuguesa da América. Temática provavelmente trazida
pelo pintor português José Soares de Araújo ao Arraial
do Tijuco, as profetisas encantam pela erudição do tema
e pela exclusividade da representação no universo colo-
nial português. Na abóboda da Igreja de Nosso Senhor
do Bonfim e em véus quaresmais dos séculos XVIII e
XIX, as sibilas em Diamantina, reafirmam seu caráter
de universalidade (MAGNANI, Maria Cláudia Orlando
– Texto escrito para a exposição).”

150 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Dentro do contexto da exposição, a apresentação de Como testemunho científico sobre o tema, exibimos uma
Joana d’Arc a seus anfitriões – Chica da Silva e o povo de entrevista da historiadora Júnia Ferreira Furtado87,, autora do
Diamantina – teve o seguinte percurso. mais importante livro a respeito de Chica: “Chica da Silva
1. Uma pergunta inicial: “Quem é essa Donzela, quem é Joana
e o Contratador dos Diamantes – o outro lado do mito”,
d’Arc?”. A partir dos documentos apresentados, o público publicado em 2003 pela editora Companhia das Letras. Nesta
poderia construir sua resposta. Além dos trechos dos dois obra, Júnia Furtado descortina o emaranhado de projeções
documentos já expostos DE QUADAM PUELLA e SIBILA direcionadas à Chica, que teve sua memória, na maioria
FRANCICA, foi colocado à disposição do público um das vezes, construída em torno do mito da sensualidade
livreto com trechos do processo que condenou Joana d’Arc exacerbada associada às escravas do Brasil Colonial.
à morte, na fogueira, em 1431, do processo que anulou A pesquisa de Júnia Furtado aponta para outra direção,
a condenação, em 1456, e do processo que a beatificou, revelando uma Chica que buscava se adequar às regras
tornando-a santa em 1920. da elite e irmandades brancas da cidade como estratégia
2. A apresentação de Joana d’Arc como uma sibila pela obra de sobrevivência, no intuito de amenizar a mácula social
SIBILA FRANCICA aproxima essa personagem histórica atrelada à sua origem.
dos anfitriões. Familiarizados com suas sibilas, Chica “O reconhecimento social que alcançara foi demonstra-
da Silva e os diamantinenses passam a ter condições de do em seu sepultamento: Chica foi enterrada na tumba
decifrar a personalidade da visitante. 16, no corpo da igreja da Irmandade de São Francisco de
Assis, que teoricamente congregava apenas a elite bran-
ca local, merecedora do privilégio de dispor de todos os
ritos e sacramentos funerários que distinguiam os ir-
7.3.3 Quem é essa Senhora? mãos” (FURTADO, 2003, p.245).

Após a identificação da visitante, é a dona da casa, Chica da Em um trecho do vídeo, a historiadora diz:
Silva, quem deve ser apresentada. Nesse ambiente, procuramos “No mito, pegamos os valores do presente e projetamos
levar o público a refletir sobre as diferenças entre a Chica (sobre o mito). Então, quais são valores importantes
histórica, tal como interpretada pelos pesquisadores, e a pra gente hoje? A autonomia feminina, a sexualidade,
Chica mítica, cuja trajetória passou por diversas apropriações, são valores importantes que ao longo do tempo foram
projetados em cima da figura da Chica da Silva. Esses
ganhando diferentes significados ao longo do tempo.
valores, autonomia feminina, independência feminina,
não eram os valores cultuados ou dominantes ou de-
sejados nessa sociedade. Então a Chica é uma figura
AINDA VAI CHEGAR O DIA
interessante para entender o passado, mas não para se
DE NOS VIREM PERGUNTAR:
– QUEM FOI A CHICA DA SILVA, QUE VIVEU NESTE LUGAR?

CECÍLIA MEIRELLES,
87
Entrevista disponível em https://www.youtube.com/watch?v=NUjLIiwSSJg. Exi-
ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA, 1953 bida com a devida autorização da historiadora e do Museu das Minas e do Metal,
MM Gerdau

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 151


projetar sobre ela valores que são importantes para a
sociedade contemporânea. O meu ponto de vista é que é
muito interessante estudar Chica, como eu estudei, para
exatamente entender esse passado colonial e como ele
deixou heranças na sociedade contemporânea. E uma
dessas heranças é a exclusão da camada de negros que
são descendentes desses ex-escravos.”

Após esse testemunho tratamos de exemplificar a forma


como a memória de Chica da Silva tem sido registrada e
divulgada. Exibimos uma obra de Théa Gladis, de 1975, onde
Chica aparece como figura imponente e sedutora em um
ambiente de luxo e abastança. Em seguida, reproduzimos alguns poemas criadas pelos
estudantes do 6º Ano das turmas “Girassol” e “Jasmim”,
da Escola Estadual Maria Augusta Caldeira Brant. Essa
atividade foi coordenada pelo PIBID/HISTÓRIA da UFVJM,
no ano de 2018, sob a coordenação da professora Flávia
Amaral e supervisão da professora Tatiely Rocha. Abaixo,
algumas dessas poesias.

152 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


A partir da leitura desses poemas, os visitantes da exposição
puderam se aproximar dos principais estereótipos
Chica da Silva difundidos a respeito de Chica da Silva e que continuam
Aluno (a): Eloan
a ser reproduzidos pelos moradores da cidade. A imagem
Chica da Silva era uma guerreira negra que tinha sorte de uma Chica luxuosa, guerreira, forte e solidária compõe
pois se casou com um homem forte a construção da memória e da identidade local na cidade
saiu do lixo para o luxo
ajudou crianças pobres
de Diamantina, conforme percebemos nos versos desses
Chica da Silva era uma mulher de fé estudantes de 11 anos.
mulher batalhadora, mulher guerreira
nunca baixou a cabeça para ninguém
amava sua cor negra
mulher guerreira com seu dinheiro
para todos uma rainha
muito odiada
mulher de fé

Chica da Silva
Alunas: Millene; Mariana, Katia, Élen, Isabel, Ana
Leticia.

Chica da Silva já foi uma escrava


que foi alforriada
e se casou com um contratador
Chica da Silva nasceu lá no Serro
de Minas Gerais
passou sua vida inteira aqui
Seus vestidos extravagantes
mostrava a todos
seu brilho
ô brilho
casada com João Fernandes
contratador e marido
Ela queria conhecer o mar
não ia viajar
e pediu ao seu marido
um lago particular. Baiana (1850), anônimo.
Fonte: Acervo do museu paulista (USP)

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 153


Ao final desse ambiente, expusemos dois oratórios que
remetem à devoção religiosa de Chica como uma de suas
características mais marcantes, haja vista seu pertencimento
a inúmeras irmandades religiosas tijucanas do século XVIII.
Ao lado dos oratórios, a reprodução da imagem de uma
escrava liberta do século XIX, muitas vezes associada a
Chica da Silva, que não conta com nenhuma representação
próxima à sua verdadeira aparência. No entanto, sendo
uma alforriada de posses, é mais provável que se vestisse e
se portasse como essa senhora, estando distante da figura
voluntariosa e de sensualidade exacerbada, conforme as
representações do cinema e da televisão. Essa imagem está
no livro de Júnia Furtado como representação das condições
Cartões postais, cartazes e selos. Da esquerda para a direita: 1 -
e aparência de uma forra do século XIX. Joana d’Arc. Cartão postal, 1914. 2 - Fronteira Alemanha/França.
“Joana d’Arc, diante da batalha, rogue a Deus para proteger a
França”. Cartaz, 1914. 3 - Joana d’Arc salvou a França. Mulheres
da América, (EUA) salvem seu país comprando os selos de guerra.
7.3.4 Memórias que se cruzam pelo caminho
4 – “Uma visão na trincheira. Mensageira de Deus, Astro da
nossa França, nossa irmã Joana d’Arc, Estrela da Esperança. Salve
O terceiro ambiente da exposição apresentou uma série de nossa Pátria, dignai-vos a conceder nossos desejos. Torne-nos
referências visuais e artísticas aos usos do passado a partir vitoriosos”. Cartão Postal, 1914. 5 - Joana d’Arc a Guilherme II,
após o incêndio da Catedral de Reims. “Não te foram suficientes as
da construção das memórias de Joana d’Arc e Chica da mortes de crianças, tu, o rei dos bandidos e dos vândalos. Diante
Silva. Além disso, exibimos trechos de filmes sobre essas dos aliados, vendo-te impotente, tu blasfemas e destróis nossas
personagens que são marcos na popularização da história belas catedrais”. Cartão Postal, 1914. 6- Joana d’Arc, condecorando
um Poilu (soldado francês), após a vitória na Primeira Guerra.
dessas mulheres e, ao mesmo tempo, contribuíam para Cartaz, 1918. 7 - “Os assassinos sempre voltam ao local do seu
cristalizar algumas interpretações a seu respeito. crime.” Cartaz do regime de Vichy (que colaborou com a ocupação
nazista na França), após o bombardeio de Rouen pelos ingleses,
Para explorar os usos da memória de Joana d’Arc na 1943. 8 - “Eu preferia entregar minha alma a Deus, do que estar
Primeira e na Segunda Guerra Mundial, apresentamos uma nas mãos dos ingleses”. Joana d’Arc. Cartaz do regime de Vichy,
Segunda Guerra Mundial.
série de cartões postais, cartazes e selos que circularam
durante esses conflitos.

A participação dos artistas locais foi de fundamental


importância para a composição desse ambiente onde as
memórias de Chica e de Joana se cruzaram a partir de

154 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


olhares diversos. Exemplos são o estandarte produzido por onde Chica da Silva recebe Joana d’Arc no Caminho
Marcelo Brant especialmente para a exposição e o quadro Saint Hilaire.
Não costumo pintar encomendas, mas adoro desafios,
Luxúria, de Marcial Ávila.
e achei este um desafio instigante. Mas qual seria o
O destaque desse ambiente foi o quadro da artista fio que liga essas personalidades de épocas e contex-
tos tão diferentes? Sabia apenas que Saint-Hilaire foi
belorizontina Gisele Moura, encomendado para a exposição.
um botânico que nasceu em Orléans, França. A mesma
Trata-se do encontro entre Chica da Silva e Joana d’Arc a cidade libertada por Joana d’Arc na Guerra dos Cem
partir das referências do projeto Caminho Saint-Hilaire. Com Anos. Sabia também que Chica da Silva e Joana d’Arc
a palavra, a artista: foram mulheres fortes, que desafiaram e marcaram
sua época. Mas elas não têm nada em comum! O que
as uniria? Seria o fato de Chica ter sido quase a dona
da região onde mais tarde teria passado Saint-Hilaire?
Chica receberia Joana porque ela é a anfitriã da terra
dos Diamantes, enquanto Joana possui um diamante
dentro do coração, que a santificou?
Comecei então a procurar símbolos que pudessem unir
tanta história numa única tela. A região das Minas, es-
pecialmente Diamantina, possui como símbolo, em seu
escudo, o diamante, principal riqueza que deu nome à
cidade. O diamante também representa nobreza, poder,
e acima de tudo, espiritualidade. A cidade de Orléans
possui no escudo, o símbolo da flor de lis, que repre-
senta a pureza, a virgindade, e por coincidência, tam-
bém a espiritualidade. Embora Chica seja uma mulher
comum e Joana uma santa, ambas têm algo que as
une: a coragem, ou seja, um coração forte. Daí ambas
trazerem suas mãos direitas sobre o peito, enquanto as
esquerdas sustentam os símbolos de suas respectivas ci-
Esquerda: Representação de Joana d’Arc. Estandarte de Marcelo Brant. dades. A flor de lis está abaixo, pois a pureza é necessá-
Foto: Raquel Galiciolli ria para que o diamante do espírito possa ser lapidado.
Direita: “Luxúria”. Da série Sete pecados de Chica, por Marcial Ávila. Ambas, juntas, sustentam o caminho em direção ao céu,
Foto: Raquel Galiciolli representada aqui pela escadaria da igrejinha do Serro,
que aponta para cima, com sua forma que lembra um
cristal. Mais acima, emoldurando a pintura, está o pas-
“Recebi uma encomenda da professora de História sadiço, que para mim, é a representação arquitetônica
Medieval da UFVJM, Flávia Amaral, para uma expo- mais forte da cidade de Diamantina. O passadiço, que
sição que pretende irmanar as cidades de Diamantina, tem a forma de um arco, simboliza aqui a proteção.
Serro e Conceição do Mato Dentro, no Brasil, e a cida- E possuindo ao centro duas janelas iguais, juntas, me
de de Orléans na França. A encomenda: uma pintura remetem a Jesus e Maria, cujos nomes estavam inscri-

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 155


tos no estandarte que Joana d’Arc levava durante suas 7.3.5. Cinema, memória e história
batalhas, e que certamente a protegeram. Mais abaixo
e nas laterais, a pintura está emoldurada com os dese-
Um dos maiores responsáveis pela difusão da história de
nhos que Saint-Hilaire fazia para registar as plantas
dessa região. Por fim, a cidade de Conceição do Mato Joana d’Arc e pela construção de uma memória associada
dentro foi representada por um monumento natural, a a ela no século XX foi, sem dúvida, o cinema, que produziu
Cachoeira do Tabuleiro, que, para minha surpresa, tem 34 filmes sobre a Donzela. A relação é tão próxima que o
a forma de um coração, tendo sido pintada logo abaixo
primeiro filme a seu respeito – Jeanne d’Arc, de Georges
do nome de Maria, para que a água da vida, abençoada
pela Mãe de Deus, possa irmanar essas quatro cidades, e Hatot - fora exibido já em 1898, pelos próprios irmãos
quem sabe um dia, todas as cidades do mundo, tornan- Lumière, sendo ela o primeiro personagem histórico
do todos irmãos e filhos da Mãe Terra, tão amada por retratado no cinema (BOUZY, 2012).
Saint-Hilaire. Acho que ele merece ser aqui representa-
do por estas mulheres incríveis, e abençoado pelo Filho e
pela Mãe de Deus, aqui, nas Minas Gerais!”

Imagem do cartaz de divulgação do filme Joana d’Arc, de


Chica da Silva recebe Joana d’Arc no caminho de Saint Hilaire
Luc Besson
Gisele Moura
Foto: Raquel Galiciolli

156 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Na exposição, trouxemos dois exemplos. Exibimos alguns Em relação a Chica, apresentamos trechos do filme de
trechos do filme A paixão de Joana D’ Arc (1927), dirigido 1976, dirigido por Cacá Diegues – Xica da Silva. Segundo
por Carl Dreyer, que buscou inspiração nos manuscritos Júnia Furtado:
oficiais do julgamento da “Donzela de Orléans”. O longa “O cinema democratizou o mito e o tamanho da tela
reforça a imagem de Joana como uma mártir que tinha como foi proporcional às dimensões que ele alcançou tanto
seu único objetivo servir a Deus e salvar seu país, a França. no Brasil como no exterior. (...) tendo como missão
O filme enfatiza o lado místico da história da heroína, com conquistar o espectador, o cinema, ao enfatizar a
sensualidade da mulher negra, construiu um mito
cenas muito teatrais e expressivas. Já em The Messenger:
que se ajustava ao imaginário coletivo da época”
The Story of Joan of Arc (1999) – no Brasil apenas Joana (FURTADO, 2003, p.282).”
d’Arc - Joana é representada como uma camponesa desde
sempre muito religiosa, mas atormentada, com expressões Sendo um filme de alto orçamento e grande sucesso
constantes de loucura. A abordagem proposta pelo diretor comercial, acabou corroborando a imagem de Chica,
trabalha com a ambiguidade da história de Joana, pois no moldada ainda no século XIX pelas Memórias do Distrito
decorrer do enredo a personagem passa a questionar suas Diamantino, de Joaquim Felício dos Santos, para quem Chica
visões: seriam elas realmente verdadeiras? da Silva era voluntariosa e dominadora. De fato, o diretor
assim definiu seus objetivos:
“Não é intenção do filme discutir a crônica históri-
ca do país, se bem que possamos colaborar com ela.
Pretendemos apenas acender uma luz nova sobre um
importante personagem mítico brasileiro e, através
dele, fazer o elogio poético da liberdade, da imagina-
ção criadora e da sensualidade de um povo – o nosso”
(Entrevista, Cacá Diegues. In: SILVA, 1975, p.21).

A mensagem final da exposição foi apresentada no


cruzamento das palavras-chave que nortearam a mostra,
relacionando a construção e os usos da memória com o
processo de formação dos mitos e das identidades. Todo o
processo parte da permanente ressignificação da história e de
seus personagens, que não estão presos nos fatos objetivos do
passado. Nossa exposição procurou divulgar o conhecimento
histórico a partir de uma compreensão teórica que privilegia
Cena do filme A paixão de Joana d’Arc, de Dreyer (1927)
“não os acontecimentos, por si mesmos, mas suas reutilizações
permanentes, seus usos e seus abusos, sua pregnância sobre os

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 157


presentes sucessivos; não a tradição, mas a maneira como ela se
constituiu e transmitiu.” (NORA, 1993, p.26).

Cena do filme Xica da Silva de Cacá Diegues, com Zezé Mota no


papel principal

Chica da Silva e Joana d’Arc, sem dúvida, são ícones de um


processo contínuo de mobilização do passado, nem sempre
evocado com o rigor histórico acadêmico, mas que toma
Casa Chica da Silva, em Diamantina. Construída provavelmente
diferentes caminhos a depender de quem, como, onde, em meados do século XVIII, constante no Inventário de João
quando e com que objetivos suas trajetórias forem acionadas. Fernandes de Oliveira, marido de Chica da Silva. Hoje, no local,
funciona o Escritório Técnico do IPHAN.
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020

158 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Casa de Joana d’Arc, na cidade de Orléans, França. Joana foi hóspede de Jacques Boucher, nesse
local, entre os dias 29 de abril e 09 de maio de 1429, quando libertou a cidade do exército inglês.
Atualmente funciona um museu dedicado à Joana d’Arc no local.
Foto disponível em: https://paris1972-versailles2003.com/2019/01/10/maison-musee-jeanne-darc-
-orleans/ Acesso: 27/10/20.

Parte III: O Caminho Histórico e Cultural 159


Parte IV:
O Caminho
Saint Hilaire

Idas e vindas pelo Caminho. Trecho do calçamento


colonial, região do distrito de Três Barras, Serro.
Fotos: Felipe Marcelo Ribeiro - 2020

161
Idas e vindas pelo Caminho. Região entre Capão Maravilha e Córrego do Mel,
Diamantina.
Fotos: Luciano Amador dos Santos Jr., 2020.

162 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


mais importante produto turístico de integração regional
ao promover o desenvolvimento do corredor cultural,
histórico, gastronômico, ambiental e medicinal dos povos
tradicionais88, entre as cidades de Conceição do Mato Dentro,
Serro e Diamantina, que são interligadas por povoamentos
do século XVIII, agregando toda potencialidade etnográfica,
no exuberante território ‘instragamável’ do Caminho Saint
Hilaire, na Serra do Espinhaço.

8. Destacada no CaSHi encontra-se a ciência dos povos


tradicionais, ou seja, os conhecimentos holísticos oriundos
de técnicas ancestrais que tenham origem no território ou
fora dele, mas que são incorporadas na região, como as

O corredor
culturas dos benzedeiros, raizeiros, ervarias, espagirias,
terapias, dentre várias outras, que remete à ciência espiritual

turístico,
ou antroposófica que, segundo Bernardo Kaliks, “[…]baseia-
se nos métodos das ciências naturais, que nos permitem

histórico,
penetrar em todos os detalhes da natureza física ou corporal do
organismo humano[…] para o conhecimento das organizações
vital, anímica e espiritual […]”89.

cultural, natural O entendimento da sua criação é transformar parte do


caminho histórico percorrido por Saint-Hilaire pela Serra

e medicinal do Espinhaço (1817), em um produto turístico, onde a


cultura e a natureza são onipresentes, permeando qualquer
experiência na região e, assim, trabalhar o conceito do
turismo de base comunitária, que abraça as crenças do bem
viver, do bem comum e do comércio justo, seguindo as
Luciano Amador dos Santos Jr. diretrizes da Lei estadual de turismo de base comunitária
(MINAS GERAIS, 2021), numa mistura, blend de segmentos
turísticos: ecoturismo, pela contemplação da natureza;

C omo pôde ser apreciado nos capítulos anteriores, o CaSHi


lança-se como conceito para valorização de uma região,
multissegmentada e multifacetada, a partir das especificidades
88
Este conhecimento tradicional foi abordado no capítulo 5, no conto: Tem plantas
medicinais nos caminhos de Saint-Hilaire... e será abordado, ainda, no capítulo 9,
Viagens pelo Caminho.
antrópicas e naturais com a intenção de se transformar no 89
http://www.sab.org.br/portal/medicinaeterapias/213-oqueeamedicinaantroposofica.

163
de aventura, por meio do trekking, do mountain bike de volta, como realizado pelo naturalista: ida a partir de
praticantes do cicloturismo; do geoturismo, na observação Conceição do Mato Dentro até o Serro e volta de Diamantina
da geodiversidade do Caminho; gastronômico, por apreciar a até o distrito de Santo Antônio do Norte (Tapera), fazendo,
cozinha mineira e saborear os vinhos finos, os queijos, cafés, assim, um desvio em ambos os sentidos do caminho original,
cervejas e cachaças artesanais...locais, turismo místico de passando pelo histórico distrito de Córregos.
saúde, para autoconhecimento nas práticas das ciências dos
Segue um pequeno relato de Saint-Hilaire do percurso que
povos tradicionais, dentre outros.
fez para chegar região de Conceição e também do trajeto de
O georreferenciamento da Trilha Regional de Longo Curso sua volta saindo do Tijuco.
Caminho Saint Hilaire90 (Figura 8.1) foi realizado entre 2019
“Para ir de Itambé a Vila do Principe, segui pela estra-
e 2020 e levou em consideração a topografia do terreno, da real […] apensar do nome pomposo que tem, esta
trilhas pré-existentes e valorização da beleza cênica a partir estrada, […] não é, em certos lugares, mais que uma
da pesquisa das obras que compõem os “Diários de Campo de picada tão estreita, que às vezes se tem dificuldade de
Auguste de Saint-Hilaire” (SAINT-HILAIRE, 1974; 2000). O seguir-lhe o traçado “[…] A povoação de Conceição[…]”
“Saindo de Bandeirinha segui um caminho mais curto
trabalho resultou em vários registros fotográficos, que ajudam
que a estrada anteriormente traçada e que vai entro-
a ilustrar este livro com as admiráveis imagens do CaSHi. car-se nela a cerca de uma légua de Toporoca: esse
caminho tem o nome de Caminho Novo. […]” (SAINT-
Na idealização do projeto ressaltou-se as cidades históricas
HILAIRE,2000, p.130,135,136).
por onde Saint-Hilaire passou, que hoje são destinos
indutores consolidados para a geração de fluxo turístico na “Deixei Tijuco a 30 de outubro de 1817[...]” “O inden-
tende dos diamantes havia me induzido a não seguir o
região. Apesar da cidade de Alvorada de Minas não estar
caminho já meu conhecido[…] mas a passar pelo lado
inserida, seu território é contemplado, com destaque para a dessa[…] cadeia chamada Serra da Lapa[…] Segui tal
passagem do CaSHi pelo distrito de Itapanhoacanga. Como conselho” “[…]deixando Tapera para ir a Congonhas[…]
premissa de seu objetivo, o CaSHi privilegiará, na medida subimos uma alta montanha chamada Serra de S.
do possível, as comunidades que se encontram relatadas Antônio […] O caminho de Congonhas me havia sido
mal indicado; fiz duas léguas mais do que devia [...]”
nos “Diários de Campo”, pertencente aos municípios
(SAINT-HILAIRE,1974, p.43, 45, 47, 48).
pioneiros ou que estão no trajeto proposto com núcleo
urbano formado com atratividade de interesse turístico e/ Estima-se que o CaSHi terá em torno de 170km de extensão,
ou infraestrutura básica de atendimento aos turistas. A sendo trecho de Conceição do Mato Dentro a Serro 92km e do
partir desses parâmetros, considerando que Saint-Hilaire trecho Serro a Diamantina 76km. Foi planejado o seu marco
não fez um trajeto direto entre Conceição do Mato Dentro zero a partir do bairro Bandeirinha, na cidade de Conceição
a Diamantina, propõe-se a junção dos percursos de ida e do Mato Dentro, de onde Saint-Hilaire partiu em direção à
cidade de Serro: “Fui acampar […] hospedaria Bandeirinha em
90
O trabalho de campo do georrefereciamento foi realizado pelo geográfo Júlio César
de Paula e o turismólogo Felipe Marcelo Ribeiro, com apoio da Prefeitura de Concei- frente à casa estava uma cruz com vários indivíduos de uma
ção do Mato Dentro e do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

164 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


espécie de Furnarius, tinham construído os ninhos […] pássaro Hilaire normalmente realizava de herborizar: pernoitava
que o constrói o nome é João-de-Barro[…]” (SAINT-HILAIRE, no povoamento e explorava seu entorno durante o dia,
2000, p.135). Percorrendo entre povoamentos oitocentistas, descrevendo as paisagens e fazendo coleta de espécimes local
destacadamente Córregos, Santo Antônio do Norte, por meio de pequenas incursões. “Aproveitei minha estada
Itapanhoacanga, Mato Grosso, Pedra Redonda, Condado, Três em Tapera para herborizar no meio das antigas minerações do
Barras, Milho Verde, São Gonçalo do Rio das Pedras, Vau, vale onde se acha situada a aldeia, mas não encontrei nenhuma
Capão da Maravilha, Curralinho e outros. planta nova. […]” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.47)
O CaSHi será composto por trilhas para caminhantes e Dessa maneira, o CaSHi se constitui com uma identidade
praticantes de mountain bike, serpenteando a Reserva da no território a partir de um processo organizacional, que
Biosfera da Serra do Espinhaço. Em alguns trechos, as duas busca a participação ampla das populações em uma das mais
rotas irão se cruzar e unificar e passarão entre Unidades de belas regiões da Serra do Espinhaço Meridional, que conecta
Conservação, com destaque para APA das Águas Vertentes, três cidades com maior potencial turístico: Diamantina, a
Monumento Natural Várzea do Lajeado e Serra do Raio, no cidade musical do Brasil; Serro, cidade-berço da gastronomia
entorno do Parque Estadual do Pico do Itambé e do Parque mineira, da ilustre Chefe Serrana, Dona Lucinha (Maria
Estadual Serra do Intendente, inúmeros sítios arqueológicos Lúcia Clementino Nunes), que elevou a outro patamar
históricos e pré-históricos. a cozinha mineira (NUNES, 2010), e Conceição do Mato
A segunda etapa de georreferecimento, em fase de Dentro, cidade-capital do ecoturismo de Minas Gerais.
plajeamento, contemplará os roteiros circulares em regiões
do entorno das comunidades e cidades, como exemplo os
roteiros circulares91: Caminho dos Escravos à comunidade
de Mendanha, Diamantina, que Saint-Hilaire faz uma
possível menção ao seu idealizador o Indentente Manoel
Ferreira da Câmara Bethencourt e Sá, administrador da Real
Extração dos Diamantes. “[…] admirei o caminho que conduz
de Tijuco a Mendanha, quase todo cavado na rocha. Esse
caminho é fruto dos cuidados do Sr. Da Câmara e honra sua
inteligência.” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.40) a Rota das Dez
Cachoeiras, em Conceição Mato Dentro. Assim, caminhantes
e ciclistas poderão percorrer e desfrutar dos atrativos
adjacentes às comunidades, remetendo à prática que Saint-
Caminho Saint Hilaire - momento de recompor as energias, região
91
Os roteiros circulares são possibilidades de como o viajante do Caminho Saint Hi- de Capão Maravilha, Diamantina.
laire poderá desfrutar de inúmeras experiências no território integrado pelo CaSHi,
que será revelado no capítulo seguinte, “Viagens pelo Caminho”. Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. 2020

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 165


Nesta concepção, as prefeituras de Diamantina, Serro
e Conceição do Mato Dentro apresentam-se como
proponentes do Caminho Saint Hilaire, diante da
possibilidade de unificar, sustentavelmente, suas políticas
estratégicas de desenvolvimento turístico regional, criando
os ambientes favoráveis para que o CaSHi desenvolva, tendo
o Instituto Auguste de Saint-Hilaire, organismo idealizado
como a instituição orientadora e gestora, que salvaguarda
os conceitos norteadores de toda inteligência do processo
descrito. Para isso, o projeto conta com os apoios das
instituições pioneiras: Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Embaixada da França e o
Instituto Estadual de Florestas.
A oficialização política de integração dos municípios
proponentes do CaSHi constituiu-se um fato histórico; a
declaração de irmanação entre as cidades, como preconizado
pelo projeto, que ocorreu por meio de leis municipais
que dispõem sobre os acordos de cooperação entre os
territórios conforme os protocolos assinados entre os
municípios que fundamentaram os processos: Leis 4.049 e
4.050 de 16/09/2019 (Diamantina); Leis 3.136 de 08/10/2018
- 7.207 09/10/2020 - 7.208 09/10/2020 (Serro) e Lei 2.271 de
26/12/2019 (Conceição do Mato Dentro).
O Caminho Saint Hilaire é proposto no momento em que
as estradas que dão acesso à região ganham pavimentação
asfáltica: a rodovia LMG-735, que liga Diamantina ao Serro,
passando pelo distrito de Milho Verde (que tem como
proposta do projeto homenagear o explorador naturalista
Auguste de Saint-Hilaire, com o batismo da rodovia com o
Figura 8.1 – Mapa esquemático da trilha de longo curso Caminho
seu nome) e a conclusão da MG10, entre Serro e Conceição
Saint Hilaire entre Conceição do Mato Dentro, Serro e Diamantina.
do Mato Dentro. Estas melhorias aproximam ainda
Fonte: Júlio César de Paula
mais a região da capital mineira, o que pode aumentar,
significativamente, o fluxo turístico que já ocorre na área.

166 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Percebe-se, portanto, a necessidade de ações contínuas e associados ao turismo, fortalecimento da identidade e
efetivas a fim de melhor ordenar o processo no território. autoestima das comunidades, expansão do mercado para
produtos locais, conservação e valorização do patrimônio
histórico, cultural, arqueológico e natural. Entretanto, a
preocupação com a massificação de uma população flutuante
desordenada, desencadeando ações desagregadoras com a
identidade histórica, cultural e natural da região, é um dos
impactos negativos que deve ser observado.
Assim, a diversificação da oferta de atrativos no território
contribui para a ampliação do interesse e a permanência
dos turistas, ao promover a sensibilização daqueles que
visitam à região, com experiências mais enriquecedoras,
que serão lembradas e propagadas por um longo período de
tempo. Paralelamente, diversos outros elementos também
contribuem fortemente para potencializar: as vivências
Trecho da Rodovia LMG 735, que pretende dar o nome de Via a vida nas comunidades, com suas peculiaridades, é um
Saint-Hilaire, na antiga região do Borbas, onde Saint-Hilaire
pernoitou. Povoado de Vau, Diamantina. dos motivos que representa a especificidade desejada na
Foto: Paulo Donizete Ribeiro - 2019 concepção do território criativo.
Dessa maneira, o pensamento norteador do Caminho Saint
Hilaire tem como influência o economista inglês Charles
O CaSHi vem de encontro a essa realidade ao potencializar
o turismo como um fenômeno social, econômico e cultural, Landry, que nos anos 1990 desenvolveu o primeiro projeto
propondo-se à análise de aspectos socioeconômicos, de Cidade Criativa, na Inglaterra chamado, “Glasgow: The
bem como aumentar a captação de recursos, atrair Creative City & Its Cultural Economy.” As Cidades Criativas,
empreendedores e gerar empregos, conforme estabelece a identificam pelos processos permanentes de inovação,
politica estadual de turismo (MINAS GERAIS, 2017). Todos tecnológicos e em diversos outros aspectos, que concatenam
esses aspectos visam à melhoria da qualidade de vida das entre sim e tem na identidade territorial da cultura, do
comunidades e dos serviços ofertados. Consequentemente, ambiente, da infraestrutura e da corrente de produção,
e por vias naturais, ampliar a oferta turística, buscando um entrelaçados as áreas do saber, constituindo as inspirações
salto pungente qualitativo de turistas, entendendo como primárias de criatividade, para o diferencial competitivo da
essas ações poderão impactar na região. uma região nos feitios: social, econômico, urbano e natural,
como maneira de atrair e propiciar oportunidades para a
Neste sentido, dentre os impactos positivos gerados pela
população local e flutuante (LANDRY, 2013).
atividade turística destaca-se o incremento aos serviços

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 167


O andar do caminhante. Trecho do calçamento colonial das regiões
do Córrego do Mel e Três Barras, Diamantina e Serro
Fotos: Felipe Marcelo Ribeiro - 2020

O pedalar do ciclista. Pelos campos rupestres do Caminho Saint


Hilaire
Fotos: Luciano Amador dos Santos Jr. 2020

168 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


8.1 Uma inspiradora trilha de longo curso

A concepção da Trilha de Longo Curso foi desenvolvida por


Benton Mackey, em 1921, quando lançou o documento “Uma
trilha dos Apalaches, um projeto de planejamento regional”.
Benton apresentou a proposta de uma trilha de 3.600 Km,
entre a Montanha Springer, na Geórgia, e o Monte Katahdin,
no Maine, na Serra dos Apalaches, EUA. Assim surgiu, em
1932, a Appalachian Trail (Trilha dos Apalaches). Atualmente
há cerca de 1000 trilhas de longo curso pelo mundo92.
(MENESES,2017)
No Brasil, a inspiradora Trilha Regional de Longo Curso
- Caminho Saint Hilaire - vem no encalço do Programa
Nacional de Conectividade de Paisagens - CONECTA, Caminho Saint Hilaire – entorno do Córrego do Mel, com vista
instituído pelo Ministério do Meio Ambiente,este lançou as para o Pico do Itambé ao fundo. Diamantina
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2020
bases para a criação da Rede Brasileira de Trilhas de Longo
Curso.(BRASIL, 2018). O CaSHi será implementado, nos
antigos caminhos formados por rotas usadas desde o período
O Caminho Saint Hilaire segue as normas para a
colonial, que foram realizados estudos para o levantamento
conectividade de paisagens e ecossistemas, a recreação em
histórico de parte do trajeto que o naturalista Auguste de
contato com a natureza e o turismo, mantendo seu valor
Saint-Hilaire percorreu na região, nos idos de 1817.
ambiental, social, cultural e histórico, conforme os objetivos
da Rede Trilhas :

i. Promover as trilhas de longo curso como instrumento de


conservação da biodiversidade e conectividade de paisagens;

ii. Reconhecer e proteger as rotas pedestres e de outros


meios de viagem não motorizados de interesse natural,
histórico e cultural;

iii. Sensibilizar as comunidades sobre a importância da


conexão de paisagens naturais e ecossistemas;
92
https://www.oeco.org.br/colunas/pedro-da-cunha-e-menezes/o-aprendizado-bra-
sileiro-das-trilhas-de-longo-curso-no-mundo

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 169


iv. Valorizar o trabalho voluntário no estabelecimento de segurança dos caminhantes e praticantes de mountain bike,
trilhas de longo curso; a fim de enriquecer a vivência do turista vinculados à beleza
v. Ampliar e diversificar a oferta turística, de modo a cênica, patrimônio natural ou cultural, ou por questões de
estimular o turismo em áreas naturais. (BRASIL, 2018) segurança, como mirantes, lagos, cachoeiras, etc. Neste
mesmo sentido, sinalizações voltadas aos locais de atenção
negativa como pontos que devem ser evitados pelo traçado
da trilha para proteção da fauna ou flora ou trechos que são
mais suscetíveis à erosão ou outros processos degradatórios.
(BRASIL, 2020).
A intenção, para o CaSHi, é gerar uma condição que leve o
turista a sentir emoções e se inspirar nos diversos ambientes
da região, sendo possível a adaptação de com acessibilidades
sensoriais próximos às localidades, além de proporcionar a
compreensão e a consciência da importância de conservar a
natureza, a história e a cultura dos lugares.

Caminho Saint Hilaire - Trecho entre Córregos e Tapera, local para


desenvolver a acessibilidade sensorial. Conceição Mato Dentro.
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2019

Projetou-se o CaSHi para maior trajeto em ambiente


natural, buscando rotas pré-existentes que demandam
pernoites e cerca de catorze dias de caminhada para que a
Trilha seja percorrida. Estrategicamente, busca-se a mais
eficiente estruturação à acessibilidade e sinalização, que
serão viabilizadas por meio de estudos técnicos que ajudem
no deslocamento e na interpretação histórica e ambiental
do território.
Caminho Saint Hilaire - experiência na travessia de bike nos
Desta maneira, serão identificados os locais de atenção
Campos rupestres.
positiva: trechos que irão estimular a interpretação e a
Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. – 2020

170 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


8.2 Um Caminho para o desenvolvimento os objetos inteligentes nos conceitos de Internet das Coisas-
IoT – Internet of Things -, com a utilização do Big Data, para
Deseja-se que o Caminho Saint Hilaire possibilite um a capacidade de obter conhecimentos sobre o fluxo turístico
desenvolvimento no território ao democratizar o processo e aplicá-los de maneira assertiva no ambiente, gerando uma
turístico de maneira includente, favorecendo o bem-estar maior interação com os turistas transformando no ‘Destino
geral, conforme estabelece a política nacional de turismo Turístico Inteligente’ - DTI -(AHMED et al., 2016, CORRÊA,
(BRASIL, 2008). Com este pensamento é proposto, dentre S. C. H.; GOSLING, M. S., 2020).
outras iniciativas: (i) gerar um processo turístico de Outra meta do IASHi é criar o Parque Natural Auguste
qualidade e oportunidades socioeconômicas por meio do de Saint-Hilaire em uma área do CaSHi que possui
turismo responsável; (ii) atender a necessidade do turista, aproximadamente 140 hectares. Esta área localiza-se no
mas, primariamente, estimular ações que visem o bem-estar município de Diamantina e apresenta uma extensão natural
coletivo das populações e da ambiência nas comunidades. relativamente bem conservada de vegetação secundária. Em
Para tanto é fundamental o fortalecimento do Instituto seu perímetro encontra-se um sítio arqueológico cadastrado
Auguste de Saint-Hilaire – IASHi. Que tem como função junto ao IPHAN, catalogado com remanescentes de
objetiva realizar a gestão para a implantação e promoção estruturas de garimpo de diamante do período oitocentista
do CaSHi, por meio do turismo responsável e projetos, que (DEMETRIO, 2019), onde Saint-Hilaire e outros viajantes
possam reverenciar as especificidades naturais e antrópicas, pernoitaram, segundo seus relatos históricos:
desenvolvendo benefícios para o território. Desta maneira, “[…] encontramos uma pequena palhosa habitada
vem sendo organizado um processo que estimule o seu por negros. Um padre, que ia de Vila do Principe para
crescimento institucional de maneira sustentável com o Tijuco achava-se já deitado sobre tábuas, ao lado
autonomia e identidade própria e que poderá propor ações de um braseiro feito no meio do quarto; fiz arrumar
minhas cobertas sobre um couro do outro lado do
isoladamente ou por meio de cooperação com entidades de fogo[…]antes de deitar tive ainda ânimo para escrever
natureza pública ou privada, nacional ou internacional. meu diário. […] partir no dia seguinte[…] de Borbas,
esta pobre palhoça onde passei a noite. […]” (SAINT-
Desta maneira estruturar e promover com parcerias
HILAIRE, 1974, p.44).
institucionais a Trilha Regional de Longo Curso Caminho
Saint Hilaire para caminhantes e praticantes de mountain Esta seria uma maneira de conservar a história do local,
bike com a sinalização (interpretativa e direcional, outrora denominado “Aldeia do Borbas”, nome que se
estruturas de apoio) e com trechos de acessibilidade dá também ao córrego às margens da área. Além disso,
sensorial e disponibilizar o CaSHi em plataforma digital, o território encontra-se próximo às comunidades do
com levantamento do trajeto, principais serviços e atrativos Vau, Santa Cruz e São Gonçalo do Rio das Pedras, todas
regional. Desta maneira dotar o território de novas originalmente garimpeiras desde o século XVIII. Portanto,
tecnologias - smartness, ao propiciar a conectividade com o local possui grande potencial para se tornar um espaço

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 171


de pesquisas interdisciplinares, turisticamente atrativa prova de reconhecimento da importância histórica desses
e promotora de oportunidades para as comunidades territórios, mas principalmente pela visão de futuro que
localizadas em seu entorno. emana dos municípios proponentes do CaSHi. Visa também
estimular o termo de cooperação técnico-acadêmica entre a
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
com a Université d’ Orléans como marco de integrações de
pesquisas vinculadas ao CaSHi.
O empreendedorismo com foco na qualificação profissional
de pessoas e produtos para geração de renda e emprego, a
projeção e veiculação do CaSHi como vetor de atratividade
com a marca (brand) de conceitos de responsabilidade
social, ambiental, com rastreabilidade e qualidade. Estimular
sua escalabilidade em âmbito nacional embasado em:
registros históricos e por estudo de viabilidade estratégica
da inteligencia competitiva regional e econômica, a
fim de proteger da banalização do processo; na busca
Região dos Borbas, entorno do povoado do Vau, local que se
almeja a criação do Parque Natural Auguste de Saint-Hilaire. do desenvolvimento territorial criativo, que promova
Diamantina o movimento do localismo de defesa sistemática dos
Foto: Paulo Donizete Ribeiro - 2019 produtos da região, estimulando a economia solidária e
criativa, na prática do preços justo, com valor agregado,
para o incremento da produção associada ao turismo;
Deste modo, a proposição de criação do Parque Natural
acessibilidade em todos os níveis, a conservação histórica,
Auguste de Saint-Hilaire baseia-se na necessidade de se buscar
ambiental e paisagística e a valorização sociocultural das
instrumentos para a conservação deste importante patrimônio
comunidades e por fim a sustentabilidade do processo com
natural e histórico, e sua evidência como talpassaria a ser
ações permanentes de planejamento, são pontos basilares
também parte fundamental para a valorização da história de
do projeto, inspirados nos conceitos da Cidade Criativa
formação dos povoados citados acima.
pelas “conexões de ideias, pessoas, territórios, entre público,
O IASHi visa, ainda, apoiar e fortalecer, internacionalmente, privado e áreas do saber”.
a irmanação entre as cidades de Diamantina, Serro
Assim, o IASHi terá uma composição de membros de
e Conceição do Mato Dentro pertencentes à antiga
uma equipe multidisciplinares que envolva técnicos de
Comarca do Serro Frio com a cidade natal de Saint-
diversas áreas do saber, para que possam desenvolver
Hilaire – Orléans, na França. Esse título se dá como
conhecimentos, gerando projetos e ações de projeções,

172 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


que possam beneficiar a região, muito fortemente, com locais para avivar a identidade cultural, do culto à natureza,
as instituições de apoio pioneiras do projeto, prefeituras, agregando aos fazeres e costumes regionais; (v) a formação
dentre outras e atuar nas articulações junto com os do cluster turístico93 com sinergia de ideias, lugares, pessoas
representantes locais de cada segmento da cadeia de e instituições para soluções, que acarretarão facilidades para
serviços que compõe o território. o convívio mútuo dos nativos e turistas; (vi) o sentimento
de pertencimento fortalecido provoque atitudes positivas
Para isto, o projeto CaSHi terá atenção primordial
nas comunidades e nos turistas, que vão usufruir dos
nas comunidades, procurando fortalecer o processo
produtos turísticos comunitários: os atrativos, equipamentos
com o maior envolvimento da população por meio do
e conjunto de serviços que se mantém ativos de maneira
planejamento participativo, ou seja, trabalhar em harmonia
sustentável, que geram fluxo turístico e oportunidades
para o incremento do turismo responsável. O projeto
socioeconômicas para as comunidades; (vii) ter o nome da
trabalha com a visão de longo prazo a partir dos 20 anos
rodovia LMG-735 oficializado como ‘Via Saint-Hilaire’ para
divididos em 5 ciclos de 4 anos para sua consolidação e
o fortalecimento da identidade territorial; (viii) impulsionar
maturidade de desenvolvimento.
a integração entre as cidades que compõe o Caminho
e articular para a irmanação com a cidade de Orléans,
8.3 O destino que se deseja para o Caminho França, estimulando dentre várias possibilidades o fluxo
turístico e externar para a terra francesa o reconhecimento
Este projeto regional com especificidades pensadas e
da importância de Auguste de Saint-Hilaire, bem como
potencializadas diante das necessidades do território objetiva
a UFVJM ter celebrado o termo de cooperação técnica-
a consolidação do destino turístico Caminho Saint Hilaire
acadêmica com a Université de Orléans, a fim de possuírem
diante de resultados a serem alcançados.
projetos compartilhados que estreitem os relacionamentos
Para o desenvolvimento territorial criativo pretende- institucionais e territoriais.
se: (i) Tornar o território referência para prática do
Na produção associada ao turismo almeja-se: (i) ter
trekking e mountain bike, com no mínimo, 300km de
aprimorado a produção, preferencialmente, de grupos
trilhas estruturadas, somando-se com a criação ou junção
organizados e depráticas artesanais, tradicionais e
dos roteiros circulares, a fim de que o turista possa ser
inovadoras cujos atributos naturais e culturais são
estimulado a vivenciar as atratividades de cada lugar; (ii)
identificados com o território; (ii) estar consolidado a cultura
ter uma governança que promova o Destino Turístico do localismo como valor agregado do uso da produção de
Inteligente , formando redes de inovação e integração num origem local para abastecer os empreendimentos; (iii) A
território criativo com sustentabilidade; (iii) articulação com
a iniciativa privada e instituições públicas para intercâmbio 93
Conjunto de atrativos com destacado diferencial turístico, concentrado num es-
paço geográfico contínuo ou não, dotado de equipamentos e serviços de qualidade,
de experiências empreendedoras para segmentos turísticos eficiência coletiva, coesão social e política, articulação da cadeia produtiva e cultura
associativa, com excelência gerencial em redes de empresas que geram vantagens
compatíveis na região; (iv) o envolvimento com os atores estratégicas comparativas e competitivas (BENI,2007).

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 173


promoção constante do território na produção gastronômica de projetos que promova a conservação e valorização
de vinhos finos, queijos, cafés, cervejas, cachaças, entre ambiental, etnográfica no CaSHi, com as chancelas da
outros, além das iguarias da tradicional cozinha mineira. Embaixada da França e Universidade Federal do Vales do
Jequitinhonha e Mucuri dentre outras instituições.
Para a acessibilidade vislumbra-se: (i) ações estruturantes
da Trilha Regional de Longo Curso para caminhantes e Na valorização sociocultural e da ambiência das
praticantes de mountain bike e cicloturismo, com sinalização comunidades, almeja-se: (i) ter conquistado melhorias nas
direcional e a interpretativa, que além de propiciar uma infraestruturas básica e de segurança das localidades; (ii) a
maior interação com o bioma e a paisagem terá os relatos de valorização das várias manifestações culturais, respeitando
partes das narrativas de Saint-Hilaire na região. Pensado para suas especificidades, promovendo a autoestima local como
contar com estruturas de padrão internacional, que use ao geradora de atratividade e admiração; (iii) o apoio a projetos
máximo de tecnologias para maior segurança e conectividade de conservação da ambiência nos seus aspectos histórico,
com os turistas, com as informações em trilíngue (português, cultural, etnológico e patrimonial, dentre outros.
francês e inglês); (ii) com a identificação de trechos adaptados No empreendedorismo turístico vislumbra-se: (i) ter o
para as pessoas com deficiência visual ou motora; (iii) estar a IASHi constituído o plano de negócio da marca Caminho
difusão do aprendizado de línguas fortalecido, gerando maior Saint Hilaire, a fim de buscar fontes de recursos para
acessibilidade cultural, indutora de melhoria na prestação dos sua sustentabilidade econômica, com posicionamento de
serviçosde integração do território com seus visitantes. valores, que provoque o desenvolvimento de conhecimentos
e capacidades, para adquirir atitudes necessárias e
Para a conservação histórica, ambiental e paisagística
atender a demanda do mercado turístico regional; (iii)
deseja-se: (i) a conservação histórica e arqueológica dos
ter os parceiros-stkeholders, atuantes para fortalecimento
ambientes que circundam o Caminho Saint Hilaire; (ii) ter
do CaSHi; (iv) a qualificação e melhoria da gestão dos
o Parque Natural Auguste de Saint-Hilaire, como espaço de
empreendimentos; (v) incremento de produtos com design
estudo, lazer, pesquisa, educação ambiental e patrimonial
e identidade com o território do CaSHi; (vi) a promoção
com um Centro de Interpretação do Patrimônio Regional,
do destino turístico e dos seus produtos associados o
do sítio histórico material, imaterial e natural pertencente
brand Caminho Saint Hilaire, compondo uma estratégia
ao território do CaSHi, com o espaço de memória dos
de marketing de influencers94 para trabalhar em diversas
viajantes naturalistas que visitaram a região; (iii) ações plataformas por meios dos influenciadores digitais,
que visam o planejamento do uso sustentável do território produzindo conteúdos, gerando mídia espontânea, a
turístico pelas comunidades e turistas, que permitam que exemplo, matéria no programa Terra de Minas - Rede
as atividades em áreas naturais e possam ter um impacto Globo de Televisão95 e, assim, leve o turista a desejar e
controlado que não cause danos permanentes e nem altere,
negativamente, os ambientes; (iv) o IASHi ter instituido 94
https://inovacaosebraeminas.com.br/tendencias-do-marketing-de-influencers/

a Medalha Auguste de Saint-Hilaire para premiação 95


Quando foi produzido o programa a cidade de Conceição do Mato Dentro não fazia
parte do projeto https://globoplay.globo.com/v/6886548/?s=0s

174 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


experienciar as multi-especificidades do destino; (vii)
estar fortalecido à economia solidária e criativa com a
responsabilidade social e ambiental, como valor agregado
do CaSHi; (viii) possuir o ponto físico e online de vendas
e promoção dos produtos originários do CaSHi; (ix),
estaros empreendimentos privados parceiros cooperados,
evidenciado as oportunidades de negócios para geração de
renda e empregos no território do Caminho Saint Hilaire;
(x) incitar, e ter promovido competições esportivas que
agregue valor ao CaSHi;(xi) ter o Caminho Saint Hilaire
consolidado em outros territórios brasileiros.
Para a sustentabilidade do processo pretende-se: (i) estar o
Caminho Saint Hilaire - Localidade de Rancho Novo, entre
brand Caminho Saint Hilaire, gerando valor agregado aos
Itaponhacanga e comunidade de Mato Grosso, seguindo para
produtos e serviços, associados a marca e ao território, com Mirante do Treme - Serro
ações permanentes junto aos atores locais: comunidades, Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2019
produtores, empreendedores, empresas - players de
mercado...; (ii) na estruturação da Trilha Regional de Longo
Curso a fim de minimizar os impactos negativos e que 8.4 A marca e a pegada do Caminho
tragam melhoria nos serviços e manutenção das estruturas;
(iii) com a consolidação institucional e econômica do A logomarca foi pensada na visão territorial aliada a
IASHi tendo-o conveniado com instituições afins para o peculiaridades e símbolos que remetem ao naturalista
desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental Auguste de Saint-Hilaire (Figura 8.2). A Folha estilizada
regional (iv) o IASHi junto aos parceiros-stkeholders simboliza o território do CaSHi, com ondulações em
públicos manter, continuamente, a promoção do CaSHi- referência ao relevo montanhoso da região de Diamantina,
em todos os níveis e permanente em todas as mídias, do Capão da Maravilha, Pedra Lisa e Pedra Redonda, no
principalmente a digital pois, se não estiver online, não está Serro, os inselbergs (formação rochosa, popularmente,
cobiçável de ser apreciado. conhecido como Pão de Açúcar). A marca também apresenta
referências dos dois maiores acidentes geográficos da
região: o Pico do Itambé, com seus 2.052 metros de altura,
terceiro cume mais alto da Serra do Espinhaço96, e a
Cachoeira do Tabuleiro, com 273 metros de altura, a terceira

96
http://www.serradoespinhaco.com.br/destaque?cod_destaque=181&pagina=0

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 175


maior do Brasil em queda livre. A parte longitudinal central Tanto o layout da pegada, remete a silhueta logomarca do
da folha remete ao Caminho, o grande produto turístico do CaSHi Busca-se com isso que as comunidades do território se
projeto (Figura 8.2). identifiquem com esses símbolos, estimulando o sentimento
de pertencimento e participação ativa no processo.
O formato da folha, que lembra uma caneta bico de pena,
foi pensado para simbolizar todo o trabalho de Saint-
Hilaire em fazer os registros históricos pelos territórios que
visitou. Já a caligrafia que compõe a marca foi inspirada na
própria escrita de Saint-Hilaire, onde pelo design retirou-
se a preposição ‘de’ e o hífen da grafia. Por fim como que
prensada na folha a abreviatura do Caminho Saint Hilaire –
CaSHi de maneira estilizado utilizando-se das letras inicias
da marca (Figura 8.2).
Outra simbologia, a flor da árvore conhecida como “Pau
Santo”, que possui muitas variedades e é bastante comum
pelo território. Com destaque para a Kielmeyera speciosa A.
St.-Hil. (Calophyllaceae), que tem a Flor da cor branca, sendo
esta identificada por Saint-Hilaire (Fotocopia do documento
original do Museu História Natural de Paris) bem como a
espécie da cor rosa, a Kielmeyera rubriflora. Cambess, que Figura 8.2 - Logo do Caminho Saint Hilaire
Saint-Hilaire também fez sua coleta (Figura 8.3). Autoria: Luciano Amador dos Santos Jr.- 2018

Uma logomarca no formato de pegada (Figura 8.4) foi


idealizada para sinalização rústica ao longo do CaSHi,
garantindo que o direcionamento seja entendido sem
nenhuma dificuldade. Desta maneira, seguindo as diretrizes
da Rede Trilha para a padronização das informações nas
Trilhas de Longo Curso pelo Brasil, deliberada pela Portaria
Conjunta nº 500 de 15 de setembro de 2020 (BRASIL,
2020) que caracteriza a identidade visual a ser utilizada
nas sinalizações das Trilhas por pegadas nas cores preta e
amarela, que darão sentido da direção a seguir. A pegada no
fundo preto: sentido norte (ida). A pegada no fundo amarelo:
sentido Sul (volta).

176 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Figura 8.4 – Logos da Pegada do Caminho, pensadas para
utilização na trilha.
Autoria: Luciano Amador dos Santos Jr. e Ricardo Luizz, 2021

8.5 Fim do Caminho

Diante do exposto ao longo deste capítulo, reafirma-se que


o Caminho Saint Hilaire é o projeto de desenvolvimento
Figura 8.3: Fotocópia da exsicata do Pau Santo, obtida no Museu territorial, que deseja transformá-lo em um destino turístico
de História Natural de Paris. As flores são variedades de Pau Santo nacional, internacional, criativo, inteligente, e que possa ter
encontradas ao longo do CaSHi. escalabilidade para outros territórios brasileiros a fim de
Foto à direita, acima: Luciano Amador dos Santos Jr. levar a importância de Auguste de Saint-Hilaire e a geração
Foto à direita, abaixo: Manoel Claudio da Silva Junior
de oportunidades socioeconômicas, turísticas, ambientais e
Fonte da exsicata: http://hvsh.cria.org.br/hv?action=byName&search=1&fa-
mily=CALOPHYLLACEAE&genus=Kielmeyera&species=speciosa&typus= culturais. Assim, os pressupostos para que o CaSHi perpetue
como fora projetado, de maneira sustentável, é necessário
que seus ambientes naturais e urbanos, se mantenham
atrativos em vários aspectos da arquitetura, cultura, História,

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 177


etnografia natureza, dentre outros, para serem admirados,
consumidos por ávidos turistas.
Em simbiose o CaSHi irá interagir com todos esses aspectos,
buscando a responsabilidade social por meio das ações do
IASHi, com projetos socioculturais, ambientais..., que tragam
benefícios regionais e, impulsione o brand Caminho Saint
Hilaire, que favoreça: a promoção dos produtos, a geração
de renda e emprego e que contribua para sustentabilidade
do IASHi pois dificilmente, o Caminho terá seu pleno
desenvolvimento e sucesso sem a participação ativa dos
atores locais para sua consolidação como um diferencial
competitivo do território.
A sustentabilidade envolve, portanto, criteriosa utilização
de recursos com a máxima inclusão das comunidades, a
fim de que todos, ou a grande maioria, possam se sentir
incluídos no universo de oportunidades e sentimentos
gerados por um processo turístico responsável, norteado
pela consciência do trabalho em rede, com atitude de
almejar a qualidade na prestação de serviço, no incremento
Serra do Espinhaço, Reserva da Biosfera, Pico do Itambé.
da cadeia produtiva do turismo. Foto: Luciano Amador Jr, 2021

Desta maneira, trará possibilidade ao turista que transitar


o CaSHi conhecer a região pelas perspectivas cultural,
ambiental, histórica..., com uma rede de serviços compatíveis
à sua expectativa e, assim ele possa consumir, degustar e
experenciar o território do Caminho Saint Hilaire.

178 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Caminho Saint Hilaire, pelo Bioma do Cerrado na Serra do Espinhaço,
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro, 2020

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 179


Caminho Saint Hilaire - Mirante do Treme: um dos vários locais “instragamáveis” do CaSHi, com vista para a Pedra Lisa (plano principal);
ao fundo, canto direito, o Pico do Itambé, e à sua esquerda a Serra da Bicha. Trecho entre Itaponhacanga e Mato Grosso (atual distrito Vila
Deputado Augusto Clementino), Serro.
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2019

180 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


estudioso e atento viajante aguçam desejos e sonhos pela
experiência andarilha da observação e do reconhecimento
dos cantos de mundo por ele percorridos. Trata-se de um
chamamento ao percurso pelos trechos e paragens “de uma
terra hospitaleira” (SAINT-HILAIRE, 1938) apresentada
na diversidade paisagística mineira e geraizeira – suas
peculiaridades culturais, suas gentes e seus costumes. Viajar
por Minas Gerais, como fez o botânico francês no início do

9. século XIX, significa transpor horizontes culturais, físicos


e simbólicos em razão da marcante geo-história de suas
regiões mineiras e geraizeiras (COSTA, 2003; DAYRELL,
1998). Seja pela leitura das aventuras naturalistas, outrora

Viagens pelo
registradas em inúmeros cadernos de viagem, pela visitação
ou permanência nas cidades, comunidades e vilarejos

caminho
descritos, seja pelo apreço dos diversos olhares dos novos
viajantes, agora virtualizados em redes sociais, a experiência
de conhecer os incríveis lugares do estado, suas diferentes
temporalidades, territorialidades e de vivenciar suas
diversas realidades constitui um deleite inevitável à razão e
à sensibilidade daqueles que apreciam localidades especiais
Hebert Canela Salgado
na vastidão do mundo. Isso por despertar, na imersão, os
sentidos errantes para a fruição estética das paisagens
“Tive a esperança, (...) e me puz a caminho.” culturais regionais, para as artes, para os distintos gêneros
de vida (LA BLACHE, 2012,1954) e tipos de habitat (SORRE,
Auguste de Saint-Hilaire 1984, 1982) para as humanidades emanadas da simplicidade e
da força do bem-viver, nessas terras “sempre-vivas”.

O espírito expedicionário de Auguste de Saint-Hilaire “Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas”,
permanece vivo na Serra do Espinhaço após duzentos registrou o escritor mineiro João Guimarães Rosa, no
anos de sua passagem pela incrível região de Diamantina, livro “Ave Palavra” (ROSA, 2009). Viajando com e sem
Serro e Conceição do Mato Dentro, celebrando um deslocamento pelas belas paisagens do estado e atento a
convite perene às conquistas caminhantes pelas belezas figuras marcantes que inspiraram personagens como o
da região. As vivências, percepções, olhares e palavras do vaqueiro Manuelzão, a obra roseana também referenciava

181
as viagens naturalistas do século XIX apresentando no opções de atividades e atrativos e a reconhecida conexão
conto “O recado do morro”, do livro “No Urubuquaquá, entre belezas naturais, culinária, artesanato, tradições,
no Pinhém”, a personagem “seu Alquiste ou Oulquiste” religiosidade, arte, criatividade e conhecimentos que
(ROSA, 2001), uma referência inevitável à figura celebram a sua identidade são, cada vez mais, procuradas
dos viajantes que caminharam os sertões brasileiros por viajantes que desejam conhecer o que há de melhor
observando e descrevendo a vida cotidiana, os hábitos e no Brasil.
ambientes que atravessaram suas experiências sensoriais,
No Estado de Minas Gerais, com rica formação étnica e
intelectuais, culturais, físicas, sociais, geográficas e
segundo mais populoso do país, onde é celebrada a passagem
históricas. A forte conexão desse estado com as viagens,
do pesquisador francês e cuja capital, Belo Horizonte,
narrada por Guimarães Rosa e descrita por inúmeros
é reconhecida como Cidade Criativa da Gastronomia
observadores como Saint-Hilaire, Peter Lund, Johann
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Spix, Carl Martius, Wilhelm Eschwege, Richard Burton,
Ciência e a Cultura (UNESCO, 2019a), encontra-se o maior
Johann Tschudi, George Gardner, John Mawe e tantos
número de bens reconhecidos como Patrimônio Cultural da
outros (LOPES et al, 2011); (BOLLE, 2018); (MARTINS,
Humanidade no país, dentre os quais se destaca o Centro
2008); (ANDRADE, 2017), ambientou um cenário que
Histórico da Cidade de Diamantina-MG (UNESCO, 2019b),
ocupa, permanentemente, o imaginário daqueles que
integrado ao Caminho Saint Hilaire - CaSHi. O estado abriga
desejam visitar e conhecer os sertões, vales e serras da
o maior centro de arte contemporânea da América Latina,
região mais montanhosa do país, especialmente quando
a maior concentração espeleológica do país, além de fontes
os olhares se voltam para a intensidade dos fluxos e
hidrominerais, destinos de inverno, de ecoturismo, de
trocas interculturais entre grupos étnicos quilombolas
aventura e rurais, diversidade musical, povos e comunidades
e indígenas, exploradores, desbravadores, bandeirantes,
tradicionais, importantes festas, eventos culturais e
escravos, viajantes, tropas e comitivas de passagem, nas
científicos, feiras de negócios, tecnologia, paisagens
várias localidades, ao longo da história. É nesse contexto
emocionantes e uma sociedade culturalmente expressiva.
que a diversidade sociocultural, paisagística e biológica
Destaca-se, ainda, por possuir um dos maiores sistemas
de Minas Gerais, traduzida nas inúmeras populações,
de Unidades de Conservação do país, com mais de cinco
povos e comunidades tradicionais (BRANDÃO, 2015,
milhões de hectares distribuídos em áreas federais, estaduais,
2010; ALMEIDA, 2011, 2004; DIEGUES, ARRUDA, 2001),
municipais e reservas particulares, em parte conectadas aos
suas peculiaridades históricas e especificidades culturais,
Mosaicos de Áreas Protegidas e à Reserva da Biosfera da
na variedade de formas de relevo, de solos e cobertura
Serra do Espinhaço, reconhecida pelo Programa “O Homem
vegetal, nas particularidades climáticas, gastronômicas,
e a Biosfera-MAB-UNESCO” como um “modelo adotado
arquitetônicas e musicais, faz desse canto de mundo
internacionalmente para gestão integrada, participativa
uma das mais potentes plataformas para as viagens e
e sustentável dos recursos naturais” (UNESCO, 2005).
para o turismo nacional e internacional. As inúmeras

182 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


A Reserva integra uma das regiões de maior exploração
mineral do mundo, com pecuária extensiva, agricultura
de subsistência, extrativismo vegetal, turismo e pesquisa
científica em um espaço de grande significado cultural
e histórico, abrigando uma das maiores diversidades de
plantas no mundo (MMA, 2019; 2015); (UNESCO; 2017);
(ANDRADE; DOMINGUES, 2012)..
Ao tratar a viagem como escolha intelectual e estilo de vida
focado na preocupação com a pesquisa e o rigor científico,
assuntando e ambientando estudos sobre o ambiente
natural, etnografia regional, agricultura, produtos, práticas
culinárias e hábitos alimentares, à luz de uma peculiaridade
descritiva vinculada à pesquisa botânica, da intuição e da
sensibilidade das suas descrições e espírito caminhantes, Caminho Saint Hilaire – vista para o Capão da Maravilha –
Saint-Hilaire conduz nossos olhares a uma conexão direta Diamantina.
com as inúmeras possibilidades de viagens e do turismo Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2020
em Minas Gerais, principalmente se observada a marcante
cultura da hospitalidade no estado. A contemplação das
O Caminho Saint Hilaire, trecho da Serra do Espinhaço
inúmeras serras, chapadas, planaltos, depressões, águas
Meridional, permite o encontro entre as percepções e
e suas paisagens imperdíveis; o contato com diversidade
rigores do viajante naturalista francês pelas trilhas nos
de espécies de fauna e flora; as vivências emocionantes
vales dos rios Jequitinhonha, São Francisco e Rio Doce,
em festas, costumes, crenças e tradições; a fascinante
os olhares atentos e curiosos dos novos viajantes, os
riqueza musical e literária; a dedicação multissensorial
autênticos modos de vida, meios de viver e cosmovisões das
às especificidades gastronômicas e o estímulo às práticas
comunidades locais e seus lugarejos, genuinamente mineiras
de aventura nos convidam a imaginar um dos paraísos
e culturalmente constituídas nas peculiaridades serranas da
escondidos do mundo – e assim o é.
geografia regional.
Pelo Caminho, a aventura das travessias, as possibilidades
sensoriais, o envolvimento emocional, a eleição da
busca, o estabelecimento de propósitos e o engajamento
na jornada. Ainda a conexão com a ancestralidade, a
descoberta das raízes, a recomposição das capacidades,

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 183


o despertar das conquistas, a valorização da saúde, do permanente aos sossegos, hábitos, costumes e cotidiano no
lazer e o apreço pelo espírito desportista caminhante, interior de Minas Gerais. (FURTADO, 2008; MACHADO
montanhista e ciclista, dentre outros. O exercício dos FILHO, 1980; SANTOS, 1976).
olhares, o encontro com a simplicidade, o compartilhamento
de conhecimentos, a produção científica, a religação dos
saberes, o reconhecimento de técnicas e da complexidade da
diversidade são inevitáveis pelo trecho.
Dos cadernos de campo de Saint-Hilaire deságua um
caminho que sensibiliza e humaniza pelas inúmeras
vivências e experiências no território. Trata-se de uma
viagem pela variedade inventiva, dos saberes e fazeres
locais. Quitandas, queijos, vinhos, cervejas e cachaças, usos
e costumes, crenças, linguagens e canções, versos, anedotas
e superstições, histórias, contos e feitos tecem os convites.
O espaço das cozinhas, o calor dos fogões, a culinária, seus
aromas e sabores ambientam as curiosidades. A relação com
a natureza, o plantar e o colher, as formas de agricultura
e de extrativismo, os modos de preparo, as ferramentas e
utensílios, os hábitos, a mesa e a gastronomia revelam a
Casa Muxarabiê, onde funciona a Biblioteca Antônio Torres,
mágica das travessias possíveis. na rua da Quitanda, local em que acontece a famosa Vesperata.
Diamantina.
Refazer o percurso do viajante naturalista na região
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020
significa imergir nas culturas tropeira e garimpeira, em um
convite profundo à imaginação pelas descobertas sobre a
história regional e suas sertanices. Um primeiro passo em Na cidade que ainda preserva um importante acervo
Diamantina situa as expectativas no destino reconhecido arquitetônico colonial português, o curioso turista conhecerá
como ‘Patrimônio Cultural da Humanidade’. Fundada como o Mercado Velho, o Memorial do Tropeiro e do Ferreiro,
Arraial do Tijuco em 1713, e atualmente destaque na região a praça e a feira, visitará o Museu Casa de Juscelino
do Alto Rio Jequitinhonha com preservada arquitetura Kubistchek, o Museu do Diamante, o Museu Casa da Chica
colonial e bela paisagem cultural e natural, a cidade tem da Silva, a Casa da Glória e o Passadiço (DIAMANTINA,
a sua história ligada à ocupação por povos indígenas e, 2019; SCALCO, MAGNANI, ARAÚJO, 2019). Perambulando
posteriormente, à mineração de diamantes e ouro pela Coroa pelos becos cheios de histórias, perceberá o conjunto
Portuguesa. Suas peculiaridades constituem um convite arquitetônico modernista de Oscar Niemeyer em destaque

184 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


no centro colonial português. Aprofundando os passos, de confecção dos tapetes devocionais na solenidade de
verá os Tapetes Arraiolo e chegará às pontes de Mendanha Corpus Christi e se envolverá com a ancestralidade da
e do Acaba Mundo. Conhecerá o Museu da Tipografia, a “Festa de Nossa Senhora do Rosário”. Degustará da culinária
Estação Ferroviária, a Casa Muxarabiê - Biblioteca Antônio regional nos festivais gastronômicos como o Diamantina
Torres, a antiga Casa da Intendência e, com sorte, a Fazenda Gourmet”, o ‘Festival de Gastronomia dos Distritos
do Intendente Câmara, dentre outros importantes espaços. ‘Garimpando Sabores” e o “Festival Artesanal de Cervejas,
(DIAMANTINA, 2019) Vinhos e Queijos”, com suas potenciais experiências
turísticas (INSTITUTO MARCA BRASIL ,2010) e o que há de
Na Cidade Musical do Brasil, participará das Vesperatas,
melhor nas produções dos vinhedos, queijarias e cervejarias.
observando a harmonia entre os músicos e naipes de
Nos roteiros, poderá conhecer sobre histórias fantásticas,
instrumentos nas sacadas do casario colonial, regidos por
contos, lendas e assombrações que percorrem o imaginário
maestros no meio da tradicional Quitanda. Percorrerá as ruas
local e vivenciará as práticas do garimpo artesanal. (VIVA
serpeantes acompanhando a magia das serestas, a poética das
DIAMANTINA, 2019).
serenatas. Se emocionará com as manhãs de saraus e visitas
à feira do Mercado Velho. Apreciará o concerto do órgão
histórioco Almeida e Silva/Lobo de Mesquita. Conhecerá a
cultura dos sineiros e as Igrejas das Mercês, São Francisco de
Assis, Nossa Senhora do Carmo, a Catedral Metropolitana
de Diamantina, a Capela Imperial do Amparo, a Igreja do
Bonfim e de Nossa Senhora do Rosário, dentre outras (VIVA
DIAMANTINA, 2019; NASCIMENTO, et al, 2019).).
Atento ao calendário de festas e eventos poderá aproveitar
uma programação cultural diversificada. Assistirá às peças
no Teatro Santa Izabel e a arte das performances cênicas.
Pulará carnaval ao som de inúmeros e animados blocos de
rua e batucadas. Testemunhará as tradições da Semana Santa
com as procissões e encenações da Via Sacra pelas ruas
do centro e a exposição de raros Véus Quaresmais em um
conjunto de figuração colonial e representação das sibilas Torre da Igreja Nossa Senhora do Rosário de 1728, onde se
na América Portuguesa (MAGNANI et al. 2017). Ainda celebram os ritos da Festa do Rosário. Diamantina.
presenciará a pompa da tradicional “Festa do Divino Espírito Foto: Luciano Amador Jr. - 2020
Santo”, a celebração do Padroeiro da cidade na “Festa de
Santo Antônio” e suas quadrilhas, os momentos marcantes

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 185


Em seus distritos, charmosos povoados guardam histórias Ainda: a história e o sossego do distrito de Conselheiro
marcantes e preservam práticas antigas da vida no lugar. Mata, que reúne uma antiga estação ferroviária inaugurada
Dentre os roteiros, olhares ao Caminho dos Escravos, em 1911; a centenária Igreja de Nossa Senhora das Dores;
caminhada de grande valor histórico-cultural por um trecho os roteiros místicos nos Templos da Terra, da Lua, do Sol
remanescente de calçamento construído por escravos, que e de Kali; as práticas terapêuticas e as belas cachoeiras do
corta o Parque Estadual de Biribiri, com opção de percurso Telésforo, das Fadas, dos Três Desejos, das Borboletas, do
até o distrito de Mendanha e sua interessante paisagem Tombador, das Andorinhas, do Triângulo, da Raiz e o Poço
cultural. Com uma pequena mudança no trajeto, é possível das Sereias.
visitar a charmosa Vila de Biribiri. Ainda, inúmeras
O percurso vinculado à jornada de Sanit-Hilaire, onde se
cachoeiras: da Sentinela, dos Cristais, da Toca, dentre
insere o Caminho, constitui um convite a diferentes roteiros
outras; o Parque Nacional das Sempre-Vivas, com densos
e experiências nas cidades co-irmanadas pela memória
campos rupestres de altitude, floridos em área de grande
dos feitos do naturalista francês. E, independentemente da
concentração de nascentes e suas incríveis trilhas que
escolha do sentido, seja saindo de Conceição do Mato Dentro
conectam localidades muito especiais. Merecem destaque:
(marco zero), Serro ou Diamantina, a viagem pelos marcos
a vila de Curimataí, distrito do município de Buenópolis, o
referenciais da travessia sempre possibilitará uma conexão
distrito diamantinense de São João da Chapada, o vilarejo
com a história. Aqui, toma-se como base a perspectiva do
da comunidade Quartel do Indaiá e seus três séculos
retorno de Saint-Hilaire para o litoral, em seu caminho de
de história, e a região das comunidades tradicionais de
volta. Nesse caso, partindo de Diamantina, a fuga do trecho
Lavra e Pé-de-Serra, também situadas no município de
comum às passagens ligeiras do cotidiano local conduz o
Buenópolis, Macacos, Mata dos Crioulos e Vargem do Inhaí,
viajante ao Bairro da Palha, patrimônio territorial da cidade,
localizadas em Diamantina, e o povoado de Raiz, localizado
situado a poucos quilômetros do centro colonial, onde se
em Presidente Kubitscheck. Juntas, essas comunidades
localizava a antiga Chácara da Chica da Silva. (ALVES;
formam o Sistema de Agricultura Tradicional da Serra
BORGES, 2018).
do Espinhaço “Apanhadores de Sempre-Vivas”, primeiro
patrimônio agrícola tradicional brasileiro reconhecido pelo Com mais alguns avanços, chegará ao distrito de Extração,
programa de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola antigo Curralinho, e à região do Garimpo de Linguiça
Mundial-Sipam, título concedido pela Organização das “[…] subimos por instantes um ligeiro declive e logo nos
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura-FAO encontramos à beira de profunda garganta. O rochedo
em razão do sistema de agricultura tradicional no território sobre o qual nos achavámos tem o nome de Lingüiça, que
Alto Jequitinhonha e seus “conhecimentos ancestrais no ele empresta ao serviço colocado logo abaixo[…]” (SAINT-
manejo das flores, no cultivo de roças e na criação de raças HILAIRE, 1974, p.35, 36). Passos atentos não perderão o
caipiras de animais desenvolvidos por comunidades rurais caminho para conhecer as peculiaridades de seu entorno,
tradicionais” (CODECEX, 2019; ONU, 2020). como a Cachoeira das Andorinhas, as interessantes

186 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


formações rochosas da Gruta do Salitre, com a imponência América Latina, no Ribeirão do Inferno, afluente do rio
de seus salões, paredões e cânion, que remete a um lugar Jequitinhonha, edificada em 1883 por ingleses, um ano após
mítico, sagrado por natureza: as Barragens de Curralinho a inauguração da primeira barragem hidrelétrica do mundo
e de Boa Vista, a Ponte do Acaba Mundo, onde o rio em Appleton, Wisconsin, nos Estados Unidos. Ligando a usina
Jequitinhonha Preto encontra o Jequitinhonha Branco, ao garimpo, representou a primeira iniciativa brasileira
e a serena simplicidade de seus povoados: Bom Sucesso, na área de geração de energia (CEMIG, 2012; OLIVEIRA,
Capão da Maravilha, Capão Pinheiro, Santa Cruz e Vau 2018). Passos adiante é possível percorrer as regiões do
(DIAMANTINA, 2019; SILVA, 2016). antigo garimpo Mata-mata, do Capão da Maravilha e do
Córrego do Mel “[…]no serviço de Lingüiça[…] nos dirigimos
ao de Mata-mata[…]” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.36). No
caminho, registros de calçamentos originais do período,
inselbergs, pequenos cursos e poços d’água para banho e
mirantes. Em um respiro de sossego, é possível conhecer
projetos de agroflorestas, bioconstrução, apicultura, manejo
de hortas; experimentar o preparo de sucos verdes, leites
vegetais e alimentos vivos; vivenciar práticas terapêuticas,
de consciência corporal, de meditação dinâmica, quiropraxia,
crânio sacral e banhos de lama, integrando rodas de estudos
e participar de oficinas de cozinha vegana, panificação,
capoeira angola e percussão ofertados, por exemplo, no
Centro de Pesquisa em Educação, Saúde e Sustentabilidade
Córrego do Mel (CÓRREGO DO MEL, 2019).
No Borbas, antiga aldeia de garimpo onde Saint-Hilaire
Caminho Saint Hilaire - Barragem de Curralinho, Diamantina.
Foto: Felipe M. Ribeiro - 2020
pernoitou e se pretende a implantação do Parque Natural
Auguste de Saint-Hilaire, os olhares podem percorrer
um espaço de mata secundária com importante sítio
De um pequeno curral da fazenda (curralinho) ao arqueológico em estudos sobre garimpo de diamante de
importante posto de parada de tropeiros, o espaço registra massa. A passagem seguinte é feita no povoado do Vau,
uma preciosa história musical de bandas e partituras do onde, no período do garimpo, se cruzava o rio Jequitinhonha
século XIX, que se confunde com a importante produção em seu ponto mais raso, com destino a São Gonçalo do Rio
alimentícia, somada a uma notável culinária e aos das Pedras, município de Serro.
registros de instalação da primeira usina hidrelétrica da

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 187


Sua história foi contada pela semióloga Vera Lúcia Felício
Pereira no livro “O Artesão da Memória no Vale do
Jequitinhonha” e, posteriormente, adaptada para o filme
“Narradores de Javé” (2003), dirigido por Eliane Caffé,
na coprodução entre Brasil e França, com Vania Catani e
André Montenegro.

Comunidade do Vau e o rio Jequitinhonha, com visão ampla da


paisagem - Diamantina.
Foto: Paulo Donizete Ribeiro - 2019

A peculiaridade do Vau se evidencia, primeiramente, no


fato de todo o contorno da comunidade ser um garimpo
que guarda traços remanescentes dos séculos XVIII e XIX
Comunidade do Vau, casarão do antigo do Posto dos Correios e
e, também, na história do senhor Pedro Cordeiro Braga, que Telégrafos - Diamantina
de acordo com Souza (2006), constitui a “mistura de poeta Foto: Luciano Amador Jr. - 2020
e homem-memória, escritor de verso e prosa e guardião da
história vivida por ele e por sua comunidade”. Morador do
vilarejo que, nas palavras de Pereira (1996), alimentou “a Atravessando o Vau pelos caminhos centenários, os
palavra com a essência do vivido, moldando-a aos conteúdos sossegos do povoado de São Gonçalo do Rio das Pedras
que obteve no fato e na prática do viver”, ficou muito evidenciam novas possibilidades transformadoras. O
conhecido em matérias, pesquisas e documentários por cenário bucólico do interior, os residuais marcantes do
impedir, de maneira inusitada, o fechamento de uma ociosa período colonial traduzidos por elementos arquitetônicos e
agência do correio local enviando cartas para si e para paisagísticos dos séculos XVIII e XIX, a calmaria das ruas
outros moradores.

188 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


e a ruralidade, traduzida no cotidiano do lugar, guardam
as belezas de vida campestre na simplicidade apurada dos
saberes e fazeres dos moradores locais. As águas do Rio das
Pedras, na Serra do Espinhaço, produzem uma fascinante
quietude para que a viajante aprecie as maravilhas da
culinária local ao som das boas prosas, da generosidade
dos habitantes, a exemplo da comunidade quilombola de
Vila Nova “Junto do riacho chamado Rio das Pedras, no
lugar chamado Vau, vi casas pertencentes a um serviço de
diamantes” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.44).
Aos chegantes, um descanso nas sombras das frondosas
árvores do Largo Félix Antônio e uma visita às igrejas Matriz
de São Gonçalo, Nossa Senhora do Rosário e ao Presépio
de Dona Lena prepara uma acolhida no espaço que reúne
religiosidade e encantamento.O encontro da fé nas vozes
populares e suas lendas, e dos saberes tradicionais com a
Ciência, fazem de São Gonçalo um espaço mágico de trocas
e compartilhamento de percepções, práticas e visões de
mundo, especialmente pela possibilidade de dedicação do
visitante à aproximação e compreensão sobre as dimensões
do convívio comunitário, da preservação da natureza, do
plantio e beneficiamento via agroecologia – comércio justo,
economia criativa e solidária.

Dona Helena, conhecida como “Dona Lena” e seu presépio, distrito


de São Gonçalo do Rio das Pedras, Serro.
Fotos: Luciano Amador dos Santos Jr. - 2019

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 189


No percurso trilhado por Saint-Hilaire é possível especiais, cosméticos naturais e souvenirs, conhecer mestres
aprofundar experiências acerca das ciências dos povos raizeiros e benzedeiras, suas simpatias e curas, o turista
tradicionais benzedeiros e raizeiros e das práticas tem a oportunidade de conhecer um casario e um rancho
milenares sobre transformação pessoal, desenvolvimento tropeiro extremamente preservados.
humano e holístico, botânica, agroecologia, permacultura,
fitoterapia, homeopatia, espagíria e manejo sustentável
em diálogos integrativos e complementares, como Yoga,
Reiki, Shiatsu, acupuntura, florais, além de vivências,
meditação e relaxamento no Centro de Estudos e Práticas
de Espagíria e Alquimia, na Ervanaria Marcos Guião, na
Associação Cultural e Comunitária de São Gonçalo do
Rio das Pedras Sempre Viva, no Instituto de Permacultura
Ecovila São Miguel e seus núcleos Sítio Céu e Terra,
Sítio Incadeia e Terra da Unidade/Escola da Unidade. Por
meio de visitas guiadas, oficinas, consultorias, retiros e
voluntariado é possível integrar atividades de formação e
cursos sobre astrodiagnose, destilação de óleos essenciais,
astrologia egípcia, tabuletas de argila, tarô egípcio, além
da aprendizagem em encontros de saberes sobre sistemas e
designs orgânicos, bioconstrução, agricultura sustentável,
energias renováveis, plantas medicinais, jardins produtivos
e farmácias caseiras envolvendo a produção de chás
medicinais, tinturas e alcoolaturas, xaropes, pomadas,
soluções nasais, incensos e argilas medicadas (ESCOLA Marcos Guião e sua secadora de plantas para chás.
DE ESPAGÍRIA, 2019; ERVANARIA MARCOS GUIÃO, Distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, Serro.
2020; INSTITUTO DE PERMACULTURA ECOVILA SÃO Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. - 2019
MIGUEL, 2019).
Após o acolhimento, andanças e prosas sobre aromas,
Nas Festas de São Gonçalo e de Santa Cruz, a oportunidade
texturas, sabores e propriedades medicinais das ervas
de conhecer a riqueza cultural dos quilombolas de Vila Nova
nativas, experimentar uma sessão de escalda-pés, ritual
e, na comunidade Santa Cruz, perceber a fé no levantamento
milenar de banhos terapêuticos para purificação e
dos mastros e o colorido dos Ternos de Congado que
relaxamento, adquirir uma incrível variedade de chás
sensibilizam os olhares e entusiasmam os fotógrafos.

190 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Cavalgadas, Festas Juninas, oficinas culinárias e festivais suas memórias e identidades socioculturais, o valor histórico
gastronômicos, como o Festival de Tira-Gostos e o Festival de e poder simbólico do patrimônio, a musicalidade viva e as
Frango Caipira dão destaque às comidas típicas, às saborosas paisagens inspiradoras indicam um infinito percurso de
receitas e ao preparo das quitandas. No calor das fogueiras, partilha de conhecimentos, valorização das humanidades e,
ao som da música regional na viola caipira, do Forró Pé consequentemente, “indicando um alargamento da noção
de Serra, do Baião, dos Xotes, do Samba, dos Chorinhos e de patrimônio e de cultura que abre novos caminhos ao
Serestas, contadores de histórias, poetas e performistas se turismo” (LOUSADA; AMBROSIO, 2017).
enlaçam à cultura quilombola, à tradição tropeira e à cultura
As diferentes percepções produzidas ao longo da história
garimpeira em rituais repentinos, que dizem das surpresas
sobre a região percorrida por Auguste de Saint-Hilaire
do encantado vilarejo. Nesse tranquilo distrito do Serro,
remetem aos encontros e desencontros entre os diferentes
com ruas calçadas com pedras e antigos casarões do século
modos de vida que nela se estabeleceram e as inúmeras
XVIII, há diversas opções de bares, mercearias, quitandas,
experiências de viagem nela manifestadas. Observada
restaurantes e hospedagens, entre hostel, pousadas, chalés,
nos períodos de penúria, fartura, pujança e progresso,
casas e quartos. Banhistas e apreciadores das águas podem
a sociedade regional, culturalmente surpreendente e
conhecer, nos arredores do vilarejo, as belas cachoeiras
ambientada em um exuberante espaço natural, guarda
Comércio, Grota Seca e Rapadura. Com os expositores locais
singularidades ligadas à formação sociocultural brasileira,
o visitante encontrará frutas, legumes e hortaliças, trocas de
ao extrativismo mineral, ao charme dos vestígios do período
sementes crioulas, artesanato de capim e retalhos, tapeçaria,
colonial e às relações com um delicado arranjo produtivo.
doces, queijos e vinhos.
A espiritualidade e a determinação, a força e a sensibilidade
O aventureiro pode, ainda, conhecer sítios de arte rupestre daqueles que vivem o cotidiano no Caminho Saint Hilaire
na Serra do Raio, onde nasce o Ribeirão das Pedras, e alguns possibilitam a conexão real entre os modos de vida
muros de pedra construídos por escravos, sempre com a tradicionais e o estilo de vida contemporâneo, fundamental
possibilidade de visualizar nos deslocamentos o imponente às viagens transformadoras. A coragem e o idealismo dos
e convidativo Pico do Itambé. No eixo da descoberta dos viajantes do passado encontram na potência dos lugares,
primeiros diamantes da América, e seguindo o curso das na inventividade e no entusiasmo dos moradores locais o
andanças de Auguste de Saint-Hilaire, a viagem ganha espaço propício para os desejos dos viajantes do presente.
contornos de aventura extraordinária ao olhar do flâneur
Seguindo viagem para Milho Verde, cuja origem remonta
(PIRES, 2017). Aos viajantes, persistentes e pacientes,
ao período de mineração do ouro na região no início do
envoltos por uma curiosidade latente diante dos fatos
século XVIII e lugar pitoresco de parada inevitável (SILVA;
históricos e lugares pitorescos, os sossegos dos lugares vão
CASTRIOTA, 2018), as diversas opções de hospedagem
sendo revelados nas chegadas, conversas e partidas. O brilho
e alimentação, as trilhas com fácil acesso, a proximidade
das pessoas, a beleza das gemas, o eco das vozes populares,
das cachoeiras do pequeno povoado e a tranquilidade das

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 191


pessoas, onde o tempo parece ter parado, fazem do apreciado
vilarejo um palco permanente de encontros culturais. A
localidade situada em passagem estratégica entre o Arraial
do Tijuco e a Vila do Príncipe, já abrigou posto alfandegário
avançado com destacamento militar da Coroa Portuguesa
como portal de entrada no Distrito Diamantino. “[…] É aí a
sede do destacamento de soldados encarregados de inspecionar
os viajantes que vão do Tijuco à Vila do Príncipe. […]”
(SAINT-HILAIRE, 1974 p.44).
Entre os diversos fatos marcantes que contam sobre a vida
e o cotidiano local, o antigo Arraial de Milho Verde registra,
dentre outras histórias, o nascimento da escrava alforriada
Chica da Silva, que viveu a maior parte da vida no antigo
Arraial do Tijuco. Nesse trecho de calmaria, repleto de
saberes populares e inúmeras cachoeiras como Carijós,
Piolho, Lajeado e Canelau, a vida comunitária milhoverdense
é guardiã de uma devoção à natureza do lugar e das
manifestações culturais. Durante a passagem, o Monumento
Natural Estadual Várzea do Lajeado e Serra do Raio convida
os olhares ao encantamento de suas belezas, à sua relevância
biológica e científica e ao expressivo acervo histórico-
cultural que representa. Na paisagem de campos rupestres,
a força da fé, na Festa de Nossa Senhora dos Homens Pretos
reúne Festeiros, Rainhas do Congado Marujada, Caboclos
e Catopês e Irmandades que podem ser conhecidos nas
comunidades de origem Banta, Ausente e Baú, situadas
próximas dali, onde ainda é possível ouvir cantos vissungos
nas celebrações (SERRO, 2019).

Caminho Saint Hilaire - caminhantes no Lajeado arenoso e a


cachoeira do Canelau, na região do distrito de Milho Verde, Serro.
Fotos: Júlio César de Paula - 2020

192 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


O Encontro Cultural de Milho Verde, com uma diversificada da fé e das manifestações religiosas locais desde o período
programação de apresentações artísticas e oficinas, promove colonial, convida a um momento particular de renovação
um expressivo e importante trabalho de valorização cultural espiritual no descanso dos passos que se aproximam da
e ambiental, de modo colaborativo, criativo e voluntário. O baixada da ponte, onde se transpõe o rio Jequitinhonha. Ao
viajante interessado na promoção da vida cultural do lugar encontro de um povo hospitaleiro, as indicações levam o
poderá engajar a sua expertise e seus sonhos na cocriação do aventureiro às límpidas águas das cachoeiras do Moinho de
festival, juntamente com o Instituto Milho Verde, o Ponto Dico, do Moinho de Beijo e do Poção, com clima agradável
de Cultura e o Centro Comunitário. No evento, que acolhe e ótimas opções de banho. Mais de vinte cantos populares
pessoas de diversas regiões do Brasil e de outros países, as sobre histórias locais já foram identificados em Três Barras.
cores e formas dos artesanatos, os brilhos das fotografias, a O distrito guarda as raízes do teatro cantado, que será
qualidade musical, os sabores e aromas da cozinha mineira, encontrado no vizinho distrito de Capivari, uma das portas
os remédios naturais, o compartilhamento de alimentos de entrada para o Parque Estadual do Pico do Itambé e, para
e sementes crioulas, o encantamento das contadoras de as cachoeiras do Tempo Perdido, Amaral, Maria Bruna e
histórias e poetas, das danças e brincadeiras desenham dos Coqueiros, caso queira experienciar outras opções de
um especial canto de mundo no Caminho Saint Hilaire. roteiros circulares do CaSHi. 
(INSTITUTO MILHO VERDE, 2019; IDENE, 2013).
“[…] Deixando Milho Verde, percebem-se montanhas
semelhantes àquelas que se têm sob as vistas desde a capital
do Distrito dos Diamantes. […] No lugar chamado Três Barras,
o terreno que, desde Tijuco, havia sido constatemente arenoso,
tornou-se argiloso e avermelhado. […]” (SAINT-HILAIRE,
1974 p.44 “[...]. No percurso de paisagens bucólicas do
Serro, tal como fez Saint-Hilaire, terá a oportunidade de
conhecer o pacato distrito de Três Barras da Estrada Real.
No sossegado lugar, poderá ouvir sobre um tempo outrora
marcado pela triste história da morte do escravo Bernardo,
fato que ecoa na lembrança dos moradores mais velhos,
ocorrido no povoado de Condado, região citada por Saint-
Hilaire como limite do Distrito Diamantino. “[…] O território
deste Distrito estende-se até mais longe, ao lugar chamado
Caminho Saint Hilaire - localidade de Condado, região de Três
Cabeça de Bernardo.” (SAINT-HILAIRE, 1974, p. 44). Por ali,
Barras percebe-se o tom avermelhado da terra - Serro.
a simplicidade nos traços da Capela de São Geraldo, onde
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2020
se celebra, em outubro, a festa ao Santo Padroeiro, marco

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 193


No Serro, Cidade-Berço da Gastronomia Mineira, sede da
antiga Ivituruí, posterior Vila do Príncipe, importante centro
econômico e político da Coroa no século XVIII, o turista
terá alcançado a cabeceira do rio Jequitinhonha na secular
“Terra do Queijo”, com opção de conhecer um importante
patrimônio arquitetônico colonial. Na antiga Comarca
do Serro Frio, uma das quatro primeiras da Capitania de
Minas Gerais, que supera os trezentos anos de história,
ganha destaque a produção do famoso “Queijo do Serro”,
o primeiro bem registrado como Patrimônio Cultural
Imaterial de Minas Gerais pelo IEPHA, em 2002, e também
como Patrimônio Imaterial do Brasil pelo IPHAN, em 2008.
Poderá conhecer centenárias fazendas produtoras de queijo,
a exemplo da Fazenda Ouro Fino, rancho que acolhe Saint-
Antiga Chácara do Barão – Serro.
Hilaire quando, segundo ele, um quadro febril se declara em
Foto: Luciano Amador Jr. - 2020
meio à jornada (SAINT-HILAIRE, 1938). Terá a possibilidade
de realizar roteiros circulares ana região do Queijo do Serro
e seus onze municípios, dos quais Serro e Conceição do Mato Poderá saber da história dos ilustres serranos mestre
Dentro fazem parte, integrando um território de produtores Valentim da Fonseca e Silva e o músico sacro José Joaquim
protegidos por Indicação de Procedência (IP). Emerico Lobo de Mesquita, dentre outros. Admirará festas
A caminhada convida a uma visita à Chácara do Barão, de grande expressão, como a Festa do Queijo e inúmeras
ao Museu Regional Casa dos Ottoni, às Igrejas de Senhor festas religiosas, como a tradicional Festa de Nossa Senhora
do Bom Jesus de Matozinhos e da Matriz, ao Salão do do Rosário. Apreciará as Boleratas, evento onde os músicos
Queijo, à Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a subir a das bandas ficam dispostos pelas varandas e janelas dos
escadaria da Igreja de Santa Rita para apreciar o pôr do sol. casarios coloniais e da bela Praça João Pinheiro, em um
Ainda conhecerá os bordados Barra da Cega, a produção de cenário barroco.
quitandas, cachaças, farinha de mandioca, rapadura, doces Ampliando o passo, poderá conhecer e desfrutar das
e geleias, o artesanato em capim e teares, belos lugares e numerosas cachoeiras, como a de Malheiros, no povoado
a singular hospitalidade que encantaram Saint-Hilaire em de Pedra Redonda, e seus belos mirantes onde se localiza
1817 (SERRO, 2019). uma das nascentes do rio Jequitinhonha. Seguindo o trecho,
encontrará a cachoeira de Buraquinho, no Distrito de Mato
Grosso, que dá acesso à adjacente Vila de Capelinha, lugar

194 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


sagrado para os peregrinos do Jubileu de Nossas Senhora ambos os lados da estrada[...]” (SAINT-HILAIRE, 2000, p.
das Dores. A curiosidade da localidade está na ocupação do 136). No distrito, poderá conhecer a Igreja de São José de
espaço por fiéis e romeiros, que ocorre apenas no mês de Itapanhoacanga, datada do século XVIII e tombada pelo
julho, transformando o cenário com pequenas casas e uma Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico
capela no alto da Serra do Carola (Caroula), em uma ‘Vila Nacional, e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, ambas
Fantasma’ nos demais meses do ano (SERRO, 2019). com características marcantes do barroco mineiro, como
suas belas pinturas artístico ornamentais. Outros destaques
da localidade são as Festas do Rosário, com atenção aos
ternos de congado, de Santa Cruz, o Encontro de Cavalgada,
as opções de banho nos rios Campina e Landim e a
observação da região na Serra de São José (ALVORADA DE
MINAS, 2019; ESTRADA REAL, 2005).
Embora apresente diversas opções de visitas capazes de
ampliar o percurso na região, o CaSHi guiará ao povoado
de Santo Antônio do Norte, também conhecido como
Tapera, distrito de Conceição do Mato Dentro. Na chegada,
conhecerá a Igreja Matriz de Santo Antônio, tombada
pelo IEPHA em 1985, a Capela de Sant’Ana da Tapera e
Caminho Saint Hilaire - Alto da Cachoeira de Malheiros, no
aproveitar, de repente, o típico aconchego de uma praça
entorno da comunidade de Pedra Redonda - Serro.
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2019 do interior mineiro, ouvindo histórias sobre a produção de
tecidos e chapéus de algodão que, por tempos, estimulou a
economia local após o declínio da atividade mineradora do
Na sequência dos passos cruzará Itapanhoacanga, ouro (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2019).
antigo Arraial de Tapanhoacanga, distrito do Serro Frio “Fazem-se ainda, em Tapera chapéus de algodão, que são
e, atualmente, do município de Alvorada de Minas. A vendidos a 2 patacas (4 francos), e que são usados na própria
localidade, antiga referência para tropeiros, garimpeiros e região, nas aldeias vizinhas e até no sertão. […]” (SAINT-
inúmeros viajantes, tem história vinculada à exploração, HILAIRE, 1974, p.47). Em devaneios pelas ruas da tranquila
ascensão e declínio da exploração do ouro na região e localidade encontrará o delicado e curioso oratório de Nossa
também registra a passagem e o pouso de Saint-Hilaire, em Senhora Aparecida. Após renovar o espírito andarilho,
1817. “A povoação de Tapanhuacanga em que fui passar a poderá conhecer as cavernas do complexo Curral de
noite, está situada em um vale, a cerca de oito a dez léguas de Pedras, visitar sítios arqueológicos e aproveitar as inúmeras
Conceição e pode contar uma centena de casas que marginam cachoeiras de águas cristalinas, tais como as da Escadinha,

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 195


do Senhor Nazareno, a do Pica-pau, no rio Santo Antônio, e cinematográfica paisagem bucólica do interior mineiro que
as do Poço de Zé de Juca. serviu de cenário para o filme “Santino e o Bilhete Premiado”
(2016), produzido por Guilherme Fiuza Zenha. Pitoresca, a
pequena vila reserva a possibilidade de assistir o modo de
preparo de queijos, biscoitos e quitandas caseiras ao calor
dos fornos e braseiros e de um revigorante café com prosa.
Das particularidades que se evidenciam no Caminho salta a
sua vocação cinematográfica, sempre visitada por cineastas
e documentaristas apreciadores da sétima arte, que projetam
para os olhares atentos a magia de seus lugares.

Caminho Saint Hilaire - Cachoeira da Escadinha, entre as


comunidades de Tapera e Itapanhoacanga.
Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2019

Percorrendo matas nativas e expressivas ruralidades,


chegará ao distrito de Córregos, antigo povoado de Nossa Caminho Saint Hilaire - Distrito de Córregos, Igreja de Nossa
Senhora Aparecida de Córregos. Nas proximidades do Senhora Aparecida, com o casario típico do interior mineiro -
rio Santo Antônio encontrará, distribuídas em duas ruas, Conceição do Mato Dentro.
charmosas construções coloniais com pequenas varandas Foto: Felipe Marcelo Ribeiro - 2019

oferecendo vistas do tranquilo lugar no ponto mais alto do


povoado. Conhecerá a Igreja de Nossa Senhora Aparecida
A Capital Mineira do Ecoturismo, distante algumas léguas
de Córregos, que abriga um órgão do século XVIII esculpido
de Diamantina e se aproximando lentamente dos duzentos
em cedro com 329 tubos de metal e madeira, e a Capela
anos de história de criação do município, Conceição do Mato
dos Passos, também tombada em 1985 pelo IEPHA. Na vila,
Dentro desponta como importante destino brasileiro para o
ganham destaque o belo casario restaurado, os sossegos da
mountain bike com estruturas modernas para apoio à prática
infância e da pequena agricultura, capazes de ambientar uma
e realização de eventos, a exemplo da Estação Mountain

196 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Bike e da Trilha do Chicão desenvolvida a partir do conceito Cachoeiras”, passando pelo Parque Estadual da Serra do
de trail building97 sustentável (CONCEIÇÃO DO MATO Intendente e pelo Parque Natural Municipal Tabuleiro.
DENTRO, 2020). Localizada na vertente oriental da Serra Caminhando, cavalgando ou pedalando, poderá contemplar
do Cipó, na Serra do Espinhaço Meridional com importante vales e serras e encontrará inúmeros atrativos como o Rio
beleza paisagística, biodiversidade e expressiva produção Cubas e o Córrego Teodoro, os cânions do Rio Preto e
artesanal, guarda interessante tradição folclórica e religiosa. do Peixe Tolo, a Prainha do Roncador, a Lagoa Azul, os
Poços Pari, Proibido e do Val, além das cachoeiras Zé
Cornicha, Fumaça, Élida, Sossego, Gurita, Sumitumba,
Bocaina, Três Barras, Peixe Cru, Quedas do Ribeirão do
Campo, Congonhas, Altar, Rabo de Cavalo e a famosa
Tabuleiro, registrada como a mais alta do estado e a terceira
do país, com 273 metros. O praticante de rapel e escalada
se surpreenderá com a imponência dos paredões e suas
desafiadoras vias. Disposto a um novo roteiro circular no
território do Caminho Saint Hilaire realizará a travessia
Lapinha-Tabuleiro, uma das mais incríveis do mundo
(CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2019; MINAS GERAIS,
2019; ESTRADA REAL, 2005).
Nos acumulados da jornada, a aventureira pode ainda
conhecer o Parque Municipal Salão de Pedra, variadas
cavernas e seus silêncios, os sítios arqueológicos Abrigo
Cicloturismo para praticantes de mountain bike no Caminho Saint
Hilaire do Anjo, Pedra Polida e Colina da Paz, aproveitando, sobre
Foto: Luciano Amador dos Santos Jr. 2020 afloramentos rochosos, a vista panorâmica que mistura
campos rupestres, de cerrado e matas de galeria. Na cidade,
conhecerá a Casa da Cultura, o Cruzeiro dos Tropeiros, as
Na cidade, o turista poderá conhecer as importantes igrejas Matriz de Nossa Senhora da Conceição e o Santuário
comunidades de Três Barras, Cubas, Tabuleiro, Parauninha, do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, Nossa senhora do
Candeias e Baú, dentre outras, em um percurso de Rosário e a Capela de Santana.No Mercado Municipal, o
aproximadamente 45 quilômetros na “Rota das Dez importante patrimônio arquitetônico e degustar a culinária
local, experimentando os famosos pastéis de angu com
97
Trata-se dos processos de planejamento, desenvolvimento de projetos, construção, cervejas artesanais, prestigiando inúmeras manifestações
adequação, otimização e gerenciamento de trilhas sustentáveis e traçados em áreas
urbanas ou montanhosas para as práticas de diversas modalidades com bicicletas. artístico-culturais ao longo de todo o ano, a exemplo do
(IMBA, 2018, 2000; DELONG, 2020).

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 197


Projeto Matriz, do “Festival Cultural e Gastronomia”, do arqueológico, botânico, histórico-cultural, pedagógico, da
“Festival Artesanal da Cachaça, Queijo e Cerveja” e o melhor idade, de saúde e bem-estar, gastronômico, científico,
“Tabuleiro Jazz Festival”. O Jubileu das Almas, em Cemitério religioso, místico, esotérico ou devocional, cinematográfico, de
de Peixe, do Bom Jesus de Matozinhos, as Festas do Divino, estudos e intercâmbio, de negócios e eventos, rural, fotográfico,
Festa do Rosário de Santana e a Marujada em Três Barras de memórias, de assombração, literário, cênico-performativo,
são exemplos de celebrações marcantes da cultura local. de lendas, contos e mitos, dentre outros. (SEBRAE, 2020;
BRASIL, 2010; PANOSSO NETTO, ANSARAH, 2009).
A passagem do naturalista Saint-Hilaire pela cidade ainda
desenha um percurso inevitável pela Serra da Ferrugem
e pelo Coreto do Largo do Rosário, o bairro Bandeirinha,
lugar de onde o naturalista descreve seus olhares sobre as
casas de Joões-de-Barro e seus curiosos ninhos sobre um
cruzeiro à porta de sua hospedaria (SAIIINT-HILAIRE,
1938). Aventurando-se em novos roteiros circulares, poderá
pesquisar sobre a curiosa e lendária história do ermitão
Juquinha (José Patrício), considerado embaixador e símbolo
da Serra do Cipó, visitando a sua incrível estátua, feita pela
artista plástica Virgínia Ferreira, em uma das mais belas
vistas da Serra.
O Caminho Saint Hilaire está inserido em um território
com expressivo patrimônio ambiental e singular identidade
sociocultural, traços marcantes traduzidos na história das
três cidades, distritos, vilarejos, povoados e comunidades que
formam o eixo central – Diamantina, Serro e Conceição do
Mato Dentro, conectando os dois expressivos Mosaicos de
Áreas Protegidas Alto Jequitinhonha-Serra do Cabral e Serra
do Cipó. (BRASIL, 2010; 2018). Trata-se de uma região com
mais de três séculos de ocupação socioeconômica, cultural
e política. Pela riqueza do patrimônio material e imaterial
que a caracteriza é possível atestar que as potencialidades
turísticas do CaSHi estão direta e indiretamente relacionadas Roteiro circular do CaSHi, Cachoeira do Tabuleiro, município de
aos segmentos de ecoturismo, cicloturismo, espeleoturismo, Conceição do Mato Dentro.
geoturismo, enoturismo, afroturismo, turismo de aventura, Fonte: Ascom - Prefeitura de Conceição do Mato Dentro

198 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


São possíveis caminhadas interpretativas, observação de em momentos de tranquilidade e apreço pela arte da boa
espécies fauno-florísticas, cavalgadas, tropeirismo, esportes cozinha mineira.
de aventura como trekking, rapel, escalada, canoagem,
O curioso viajante poderá colher e plantar nas pequenas
mountain bike, roteiros de cachoeiras, tratamentos
hortas, visitar pequenos currais, apreciar a beleza e riqueza
terapêuticos alternativos, conhecimento sobre plantas
dos jardins, assistir aos preparos e sentir o calor dos fornos
medicinais, retiros místico-espirituais, participações em
enquanto degusta um café, garimpando receitas, revisitando
festivais gastronômicos, musicais, culturais e roteiros
origens e imaginando tropas, tropeiros e seus ranchos do
fotográficos. Ainda: experiências em brassagens e produção
passado, nas boas prosas dos finais de tarde. As formas e
de cervejas artesanais, de imersão sensorial, degustação
curas dos queijos, o terroir das fazendas e seus terreiros
e harmonização em fazendas produtoras de queijos e nos
cuidados também serão conhecidos. As cachaças curtidas
vinhedos. Sobre práticas históricas de garimpo tradicional,
em raízes e plantas diversas, estrelas, serras e águas,
de artesanato com capim-dourado e flores sempre-vivas.
bordadeiras, artistas plásticos e aromas diversos dão o tom
Visitação aos sítios arqueológicos, travessias entre Unidades
de encantamento dos dias de paz nas encostas da Serra do
de Conservação com vivências em áreas protegidas e no
Espinhaço com as comunidades do Caminho Saint Hilaire
cotidiano de comunidades tradicionais rurais e quilombolas
e da vida que nele existe. Nos silêncios da noite poderá se
a partir dos princípios do turismo criativo, responsável e de
renovar na erosão do cansaço de um dia inteiro, para um
base comunitária.
despertar caminhante nos períodos de floração de espécies
No território do Caminho Saint Hilaire diversos eventos endêmicas, em meio ao balé das borboletas e escutando
se destacam, como carnaval, feriados religiosos e eventos o canto das seriemas. E, de repente, será escolhido pela
desportivos. O viajante que busca na culinária das serras e natureza para um encontro com lobos-guará, raposas,
vales o caminho das receitas e das experiências da cozinha jaguatiricas, tatus, tamanduás e os mais diversos anfíbios
mineira, das trempes e panelas tropeiras, também o irá e pássaros, como o pedreiro-do-espinhaço, beija-flor-de-
encontrar. Doceiras, cozinheiras, quitandeiras, ingredientes, gravata-verde e o asa-de-sabredo-do-espinhaço, que habitam
temperos e fogões artesanais, pratos, preparos e utensílios. o cenário montanhês (WIKIAVES,2020; BIOTRÓPICOS,2009;
Doces de marmelo, figo e goiaba, conservas e geleias, licores WWF, 1997; IEF, 2014).
e vinhos de uva e jabuticaba, vinagres de hibisco, quitutes,
O CaSHi conecta os Circuitos Turísticos dos Diamantes e
bolos de jabuticaba, puba e mandioca, biscoito assado, de
do Parque Nacional da Serra do Cipó, envolvendo políticas
torresmo e de rapadura, rosquinha de nata, fubá de munho
públicas, ações e projetos da Secretaria de Estado de
d’água, feijão ferrado, pastel folhado, chico angu, frango ao
Cultura e Turismo, da Rede Brasileira de Observatórios
molho pardo, bambá do garimpo, fubá suado, pastel de angu,
de Turismo, da Federação Estadual de Circuitos de Minas
cuscuz e outros diversos pratos marcantes e especiais, que
Gerais e Ministério do Turismo. Reúne também diversos
poderão ser percebidos à mesa, tal como fazia Saint-Hilaire,
representantes do mercado turístico dos setores de meios

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 199


de hospedagem, alimentos e bebidas, guias de Turismo, gastronômica e o bem-viver que liga moradores, viagens e
condutores ambientais, agentes e operadores de viagens. viajantes, tal como salta dos relatos de Saint-Hilaire.
Ao abrigar a proposta de criação do Parque Natural Auguste O Caminho Saint Hilaire está diretamente vinculado aos
de Saint-Hilaire como mais um espaço de valorização das Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da
potencialidades ambientais locais, o Caminho fortalece o Organização das Nações Unidas – ONU, por meio do Setor de
Mosaico de Áreas Protegidas Alto Jequitinhonha-Serra Viagens e Turismo, fortalecendo seus princípios norteadores
do Cabral, que engloba Unidades de Conservação-UC’s (OMT, 2019). Imerso no potente ambiente cultural e natural
municipais, estaduais, federais e particulares e é reconhecido regional, o CaSHi se apresenta com singularidades históricas
pelo Ministério do Meio Ambiente (BIOTRÓPICOS, 2009). importantíssimas para o turismo brasileiro, considerando
todas as peculiaridades que ainda preserva dos séculos XVIII
Interage, ainda, com o Caminho dos Diamantes, rota da
e XIX, bem como as características e dimensões socioculturais
Estrada Real de Minas Gerais, maior Rota Turística do
do presente. Os contributos à cultura nacional, a original
país, com 1630 km de extensão (INSTITUTO ESTRADA
biodiversidade, a dimensão dos acervos e manifestações das
REAL, 2019). Também com a Trilha de Longo Curso
comunidades fazem do espaço um sementeiro de futuro para
Transespinhaço (700km), em fase de estruturação, que
a natureza, para os deslocamentos humanos no século XXI e
pretende conectar diversas UC’s pela Serra do Espinhaço,
para as humanidades.
e com a Trilha Verde da Maria Fumaça (100km), antigo
ramal ferroviário transformado em rota para caminhantes, Das experiências de viagens às viagens de experiência,
mochileiros, ciclistas e cavaleiros, que surge como do período colonial e minerador ao tempo das liberdades
opcional aos viajantes que desejam explorar a região em contracoloniais e do desenvolvimento do turismo, o
um dos roteiros circulares do Caminho Saint Hilaire a Caminho Saint Hilaire, enquanto percurso conectado aos
partir de Diamantina. (DEBERDT, MELO, ARAGÃO, 2020; olhares do dedicado viajante naturalista, se apresenta como
MOREIRA, 2018; MOREIRA, ARAÚJO, 2016). uma incrível oportunidade educacional sobre a história
dos lugares e das pessoas dessa simpática região. E, desse
Enquanto proposta de desenvolvimento regional, o Caminho
modo, traduzindo a natureza dos quintais das casas e dos
Saint Hilaire apresenta perspectivas positivas para o
parques, dos acervos mobiliários e sacros, do patrimônio
turismo nas localidades conectadas com o seu percurso,
arquitetônico e musical, das espécies em extinção e do
por meio da geração de oportunidades de trabalho e
elevado endemismo, dos saberes e fazeres, bens e poderes
empregos, do fomento ao empreendedorismo, às economias
simbólicos, das paisagens, pessoas e manifestações em uma
da experiência, criatividade, do compartilhamento e da
importante e transformadora viagem.
solidariedade. A diversidade de segmentos turísticos no
território, somada à multiplicidade de atrativos no eixo A revelação do Caminho Saint Hilaire se relaciona, também,
principal do percurso, celebra o encontro das genéticas das à intensidade das travessias na consolidação de seu percurso.
culturas garimpeira, tropeira e sertaneja com a fronteira A mobilidade suave pelos campos rupestres e pela topografia

200 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


rochosa das íngremes vertentes e seus terrenos ondulados despertar novas compreensões e visões de mundo. Os sons
prepara os respiros e o respeito que a complexidade da estrada, o envolvimento criativo, as cores, perfumes e
geológica aguarda. As surpreendentes e inesquecíveis sabores das alturas, suas raízes, flores, arbustos e o vento
experiências registradas em seu leito marcam inspiradoras ameno, a poeira solta e a lama nas botas, o tom das vozes e
vivências, onde os ritmos e sons de cada instante visitado os olhares de acolhimento que dizem da hospitalidade local
reanimam as percepções sobre o passado, ressignificam os anunciam um caminhar que desperta e produz sentimentos.
olhares sobre as pegadas e renovam os sentidos do caminhar Sonhos intraduzíveis e reflexões impronunciáveis por
que ecoam nas “almas dos trilheiros”. (ESPINHAÇO, 2015). paisagens que acalmam os silêncios e transbordam as mais
A lembrança do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso belas percepções. Nesse sertão, músicas, poesias, livros,
permite pensar que nenhum viajante jamais pisará no receitas, filmes, tratamentos, histórias, enredos, roteiros,
mesmo caminho duas vezes, especialmente considerando ensaios, pesquisas, projetos e ações diversas fazem do
que a cada experiência caminhante, nessas terras Caminho um dos mais criativos do mundo. Viajar em seu
meridionais, novas ambiências sensíveis se realizam. Um percurso é se encher de esperança e lançar-se ao caminhar,
permanente devir viajante, onde a contemplação da vida e o como fez Saint-Hilaire.
aguçar das dimensões sensoriais são afetadas pela magia das
paisagens e pelo afloramento das humanidades que brotam
no Caminho. Nesse sentido, após duzentos anos da passagem
de Saint-Hilaire e considerando o dinamismo dos caminhos
no tempo/espaço, tocar os mesmos lugares por onde passou
e pisar os mesmos terrenos que percorreu constitui um
elevado exercício de imaginação e criatividade, em meio
ao garimpo de novas referências, percursos, experiências e
possibilidades interpretativas.
Para aqueles que passeiam suas vidas nas serras, matas e
comunidades da região, longe de ser um ente e, à luz do
pensamento aristotélico, o tempo vivido, nesse sertão, habita
a experiência sensível do devir caminhante que, entre o
ser-no-Espinhaço e ser-do-Espinhaço, flui pelo conhecimento
das novas dimensões do existir a partir do “movimento ao
Expedição turística pioneira do Caminho Saint Hilaire.
redor de um ponto central ou eixo’’ e seu retorno (Tour). Foto: Júlio César, janeiro 2021
(BARBOSA, 2002, p.67-68). No Caminho, lugares afetivos
da memória do naturalista Saint-Hilaire são capazes de

Parte IV: O Caminho Saint Hilaire 201


Olhar da redescoberta (geógrafo Júlio César) - Caminho Saint Hilaire - trecho entre os distritos de Córregos e Tapera - Conceição do Mato
Dentro.
Foto: Felipe Ribeiro - 2019

202 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


Considerações
finais
Este livro é apenas um dos primeiros passos do Caminho. Nossa Por fim terminamos o livro no ano em que se completará 204
mirada, agora, deve voltar-se para o que nos reserva o futuro. anos de sua chegada a região e para nossa homenagem final
A trilha georreferenciada entre as cidades-irmãs, para encerramos com o seu relato de despedida da região ao mais
caminhantes e ciclistas, foi demarcada. “mineiro” dentre os naturalistas estrangeiros que estiveram
em Minas Gerais no século XIX:
Nossa identidade visual, criada. Somos Membros Fundadores
da Rede Brasileira de Trilha de Longo Curso. “Fui perfeitamente acolhido pelo cura de Vila do Príncipe,
Sr. Francisco Rodrigues Ribeiro de Avelar, e fiquei ainda
O Instituto Auguste de Saint-Hilaire, em fase de uma dezena de dias em sua casa, tratando da embala-
estruturação, logo se tornará o núcleo de pensamento e gem de minhas coleções. A estação chuvosa estava vir-
tualmente iniciada. Durante o tempo em que permaneci
atividade para o território do CaSHi. Projetos, pesquisas,
em Vila do Príncipe não se passou um dia sem chuva;
eventos e celebrações poderão ser articulados com a entretanto resolvi partir (12-11-817). Apesar da chuva o
preservação da história e do ambiente natural, realizando, excelente cura acompanhou-me durante algum tempo.
assim, um ideal saint-hilairiano. Tinha meu coração apertado quando dele me despedi.
Ele me havia cumulado de provas de amizade; recebera-
Nossa capacidade de admirar a paisagem única do -me duas vezes em sua casa; aí recuperara minha saúde,
Caminho, e no curso da viagem pesquisar, criar e vivenciar seria possível dizer-lhe sem emoção - nunca mais nos
permanecerá atenta: veremos!?” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.45)

Que segredos ainda nos há de revelar essa jornada?


Os autores

203
Os olhares cruzados dessa jornada encerram-se com a luz escrita de Dona “Lena”, fechando sua porta com o cintilar em suas mãos e chave
presente, que abrirá o vau de novas histórias e paisagens na Serra do Espinhaço, nos quase infinitos empedrados deste lugar que nos nutre
e cura, pelo Caminho Saint Hilaire...
Foto: Luciano Amador Jr. 2019

204 Minas Gerais e Orléans: Olhares cruzados no Caminho Saint Hilaire


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______ Organização das Nações Unidas para a Educação, a
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Disponível em <http://editora.iabs.org.br/site/wp-content/
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Espécies que se instalam ou são introduzidas em locais onde não são naturalmente
encontradas.

Referências 215
Esse livro foi impresso no formato 24,0 x 22,0 cm, em papel Couche Fosco 150g
tipologias
Esse livro Playfairno
foi impresso Display e Linux
formato 24 xLibertine,
22 cm, em napapel
3i Editora.
XXX,
tipologias Playfair Display e Linux Libertine, na XXX.
Belo Horizonte, julho de 2021.
Belo Horizonte, XXX de 2021.
IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL
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