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CAPA: Andréia Custódio

REVISÃO: Karina Mota

EDITORAÇÃO:Teima Custódio

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

L727

Linguística aplicada na modernidade recente: festschrift para Antonieta


Celani / organização l.uíz Paulo da Moita Lopes. - 1. ed. - São Paulo:
Parábola Editorial, 2013.
23 cm (Lingua[geml; 55)

ISBN 978-85-7934-074-1

1. Linguística aplicada. 2. Linguística. 3. Linguagem e línguas.


4. Língua portuguesa - Estudos e ensino. I. Lopes, Luiz Paulo da Moita,
1951-. 11. Série.

13-07184 CDD: 401.41


CDU:81"42

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ISBN: 978-85-7934-074-1

Esta edição conta com O apoio da Cultura Inglesa-SP.

l ' edição, 3' reimpressão: novembro de 2018

© do texto: Luiz Paulo da Moita Lopes, 2013.


da edição: Parábola Editorial, São Paulo, dezembro de 2013.
Formação de professores de línguas:
da eficiência à reflexão
crítica e ética
Inés Kayon de Miller

Temos que voltar os nossos pensamentos para o mundo que estamos vendo} vivendo
(Rajagopalan, 2011).

Introdução

m sintonia com a Linguística Aplicada contemporânea, discuto, nes-


te texto, tendências nacionais e internacionais na pesquisa em forma-
ção de professores e apresento questões específicas que necessitam
ser formuladas e/ou investigadas no Brasil. Nesse processo, apresento ca-
minhos contemporâneos que possamos percorrer para "reinventar formas
de produzir conhecimento" (Moita Lopes, 2006: 85) no campo da pesquisa
sobre formação de professores na área de línguas.

A pesquisa em formação de professores


e a Linguística Aplicada contemporânea

A pesquisa na área de formação de professores à luz da Linguística


Aplicada (doravante, LA) se justifica por quatro razões. Como área de in-
11 LINGUlSTICA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

vestigação, ela traz) em primeira instância) fortalecimento acadêmico para


as práticas de formação de professores) já que ajuda a aprofundar o enten-
dimento dos processos de formação) tanto inicial quanto continuada. A se-
gunda contribuição tem se manifestado no campo metodológico, a partir
do momento em que as investigações na área têm desenvolvido inovações
alinhadas com a pesquisa qualitativa e interpretativista nas ciências sociais.
A terceira contribuição da pesquisa é de ordem política dentro da academia)
já que ela tem alavancado o status institucional dos formadores de profes-
sores) tanto no Brasil quanto no exterior. A quarta contribuição da área) e
talvez a mais significativa dentro da LA contemporânea) é a que se relaciona
a questões de transformação social) de ética 1 e de identidade dos diversos
agentes envolvidos em processos de formação de professores.
O fortalecimento acadêmico alcançado progressivamente a partir da
pesquisa em LA na área de formação de professores retroalimentou vá-
rios movimentos na própria formação. Ao me referir a esses movimentos)
não desejo contrapor o "passado" ao "presente") como se algumas práticas
desenvolvidas há alguns anos já tivessem sido ultrapassadas ou abandona-
das. Busco delinear e problematizar o que enxergo hoje no horizonte hí-
brido como abordagens coexistentes. Percebo um caminhar da noção de
treinamento em direção às noções de educação) formação) trabalho e de-
senvolvimento profissional (Charlot, 200Sj Machado) 2004j Telles, 2009j
Miccoli, 2010j Rornero, 2010j Szundy et alii, 2011) dentre outros), da busca
pela eficiência a partir da subserviência às abordagens e métodos prescri-
tos em direção à criticidade e à ética na época "pós-método" (Prabhu, 1990j
Kumaravadivelu, 2003j Jordão et alii, 2011) Magalhães e Fidalgo) 2011j
Celani, 200Sj Moita Lopes, 2006) 2009j Silva et alii, 2012) dentre outros),
da prática reflexiva à pesquisa colaborativa e à pesquisa-ação (Nunan, 1990)
1993j Carr e Kemmis, 1986j Perrenoud, 2002j Gimenez, 2003j Magalhães)
2004j Vieira-Abrahão, 2004) dentre outros), realizada) em geral) pelo pro-

Alinho-me a Soltis (1990: 247): "A ética é ubíqua. Ela permeia todos os aspectos de nos-
sas vidas". Defendo a honestidade, a confiança, o respeito, o direito à privacidade, dentre outros
aspectos, que atravessam ou coexistem em nossas vidas em sala de aula, como professores e como
alunos, como formadores de professores, consultores, orientadores e dinamizadores (Miller,201O).
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LINOUAS

fessor pesquisador ou coordenador pesquisador à pedagogia investigativa e


inclusiva denominada prática exploratória (Allwright, 2003a, 2003b, 2006j
Miller, 2001, 2009j Moraes Bezerra, 2007, 2012j Sette, 2006j Allwright e
Hanks, 2009j Allwright e Miller, 2012), realizada conjuntamente por coor-
denadores, professores e alunos.
Considerando que o formador de professores que pesquisa suas pró-
prias práticas de formação e as de outros formadores é um linguista aplica-
do, podemos situar seu trabalho em um continuum metodológico no qual
seria possível destacar dois dos quatro paradigmas propostos por Sarangi
(2012: 3): o paradigma da "pesquisa aplicada, no qual o pesquisador procura
fazer a diferença de uma maneira tangível e, se possível, imediata - o pro-
fessor passa a ensinar melhor ... " e o paradigma consultivo, que

envolve reflexividade de mão dupla - da nossa parte, como pesquisa-


dores, bem como a daqueles com quem nos envolvemos na pesquisa.
Uma condição chave na contemporaneidade é a colaboração, i.e., os
problemas que surgem são abordados juntamente com aqueles cujo tra-
balho queremos transformar.

Um investimento explícito na agentividade do "colaborador", ou na


postura investigativa inclusiva do formador de professores que decide apro-
fundar seus entendimentos sobre sua própria prática como formador junto
com os professores em formação inicial ou continuada com quem traba-
lha, nos levaria a incluir no continuum a noção de "pesquisa do praticante"
ou practitioner research (Allwright, 2006, 2009j Allwright e Hanks, 2009j
Moraes Bezerra, 2011j Miller, 2012).
Ressalto a importância política da produção de conhecimento em LA
através da pesquisa sobre formação nos contextos acadêmicos onde ela é
desenvolvida. No contexto internacional, de acordo com Grabe e Kaplan
(1992), Davies (1999), McCarthy (2001), Schmitt (2002), dentre outros, o
fazer investigativo na área de formação de professores começa a ganhar re-
conhecimento e a se institucionalizar como uma das áreas mais sólidas a
partir da formação da Association lnternationale de Linguistique Appliquée
UNGulSTICA APLTCADA NA MODERNlDADE RECENTE

(AILA, em 1964), da British Association of Applied Linguistics (BAAL, em


1966) e da AmericanAssociation ofApplied Linguistics (AAAL, em 1977).
Em texto seminal publicado no Brasil, Celani (1992: 20-21) também asso-
cia o respeito acadêmico maior que os linguistas aplicados passam a ter, em
face dos que faziam aplicação da Linguística, à fundação da Associação de
Linguística Aplicada do Brasil (ALAB, em 1990), como "um indicativo de
maturidade dos profissionais da área".
Quanto aos ganhos institucionais que a pesquisa na área de formação
trouxe para os formadores tradicionalmente responsáveis pelos estágios su-
pervisionados das licenciaturas, eles são de ordem acadêmica e política. No
Brasil, por exemplo, esses profissionais especializados em formação inicial
e continuada de professores começam a construir reconhecimento e res-
peito na academia a partir do momento em que se dedicam a coordenar,
a partir de 2007, Programas de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID),
a pesquisar práticas de formação docente em contextos de programas de
pós-graduação (lato e stricto sensu), a apresentar seus entendimentos em
eventos científicos e a publicar artigos e livros sobre suas pesquisas na área
de formação de professores.
Os diversos periódicos que publicam pesquisa sobre formação de pro-
fessores (the ESPecialist, D.E.L. T.A: Documentação de Estudos em Linguística
Teórica e Aplicada) Linguagem e Ensino) Revista Brasileira de Linguística
Aplicada) Trabalhos em Linguística Aplicada) Revista X), o primeiro livro or-
ganizado pela ALAB (Freire, Vieira-Abrahão e Barcelos, 2005) e os inúme-
ros textos publicados na forma de livros, capítulos em livros e artigos em
periódicos, que foram divulgados nos últimos oito anos, ilustram o cresci-
mento da área. Celani aborda e reforça a questão do prestígio profissional
quando escreve os prólogos de diversos livros (Telles, 2009; Gil e Vieira-
-Abrahão, 2008; Magalhães e Fidalgo, 2011; Gimenez e Góes, 2010, den-
tre outros). Celani parabeniza a área por estar se enriquecendo com todas
as pesquisas sistematicamente publicadas nessas obras e apresentadas nos
Congressos Brasileiros de LinguísticaAplicada (CBLA) e, a partir de 2006,
nos Congressos Latino-americanos de Formação de Professores de Línguas
(CLAFPL).
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LINGUAS

Em total concordância com Rajagopalan (2011: 2») acredito que) para


que tais questões sejam ouvidas em pesquisas de Linguística Aplicada)
precisamos:

pensar a linguagem no âmbito da vida cotidiana que nós estamos levan-


do. Não fazendo grandes elucubrações ... É pensar) não como se pensou
durante muito tempo: levar a teoria para a vida prática. Mais que isso)
é usar a prática como próprio palco de criação de reflexões teóricas) ou
seja) neste âmbito) teoria e prática não são coisas diferentes. A teoria é
relevante para a prática porque é concebida dentro da prática.

Especificamente com relação ao ensino-aprendizagem de línguas e


à área de formação de professores de línguas) compartilho) também) com
Allwright (2006: 15»)o desejo de que a área da LA "reconsidere professores
como produtores de conhecimento") "veja os praticantes como pessoas que
podem buscar entendimentos locais e úteis") "inclua os alunos como pessoas
que buscam entendimentos") "[perceba] que professores e alunos desenvol-
vem simultaneamente seus entendimentos sobre o que estão fazendo como
professores e alunos".
Em sintonia com a crescente preocupação com a transformação social
na educação e com a urgência de encontrar novas formas de produzir co-
nhecimento) busca-se no século XXI) formar um professor crítico-reflexivo
e ético) bem como investigar sua formação. O formador se insere na pesqui-
sa) buscando atuar e entender sua própria postura crítica) reflexiva e ética.
Tornam-se vitais questões como o cuidado) o respeito) a inclusão) a respon-
sabilidade e a metarreflexão constante sobre as experiências de formação
inicial e continuada (Wells e Claxton, 2002; Gimenez, 2003; Celani, 2005;
Allwright, 2008; Gimenez e Góes) 2010; Miller, 2010; Mateus, 2011; Souza)
2011; Day, 2012). É inspirado r o posicionamento ético de Zeichner (2003:
16») quando ele defende a necessidade de melhorar a educação para diferen-
tes grupos da sociedade) relacionando essa ação à melhora dos salários e das
condições de trabalho dos professores no mundo inteiro. Quanto à forma-
ção de professores) e à educação em geral) ele defende que devemos lutar por
LINGulST1CA APLICADA NA MODERNTDADE RECENTE

um mundo melhor que "ofereça a todas as crianças o que desejamos para as


nossas" (Zeichner, 2003: 16).
Pensando na "sanidade mental da humanidade", incluindo a dos alunos
e professores de línguas, Allwright (2006: 14-15) lança seu olhar antitecni-
cista para o desenvolvimento da LA, interpretando que a área passou:
• de uma postura prescritiva a uma postura descritiva, a caminho da
busca pelo entendimento:
• de visões simplificadoras em direção ao reconhecimento da
complexidade,
• da busca de resoluções generalizantes a problemas gerais no estudo
de situações locais e idiossincráticas,
• da precisão como forma ilusória de ensino-aprendizagem à aborda-
gem disseminadora de múltiplas oportunidades de aprendizagem
(cf. A "scattergun" approach, p. 14)j
• da atribuição das oportunidades de aprendizagem ao trabalho nelas
investido à valorização da "qualidade da vida em sala de aula" onde
elas emergemj
• do entendimento dos acadêmicos como produtores de conhecimen-
to à aceitação dos praticantes como agentes de teorizações sobre
suas próprias práticas profissionais.
Nas próximas seções, busco ancorar minha percepção da pesquisa
em LA sobre formação de professores nas "seis direções promissoras para a
Linguística Aplicada" (Allwright, 2006: 11-16), apresentadas acima.

Tendências identificadas na pesquisa em formação


de professores na perspectiva da LA

Nas abordagens tradicionais do surgimento da LA, encontradas em


publicações internacionais (Grabe e Kaplan, 1992j Davies, 1999, dentre
outras) e brasileiras (Paschoal e Celani, 1992j Castro e Silva, 2006j Vieira-
-Abrahão, 2010j Almeida, 2012, dentre outras), vemos que, entre 1950 e
1960, década posterior à Segunda Guerra Mundial, o foco da pesquisa re-
caiu sobre como ensinar línguas estrangeiras com eficiência e dentro do
FORMAÇAO DE PROFESSORES DE LíNGUAS

menor tempo possível. É importante dizer que a formação de professores


como área de investigação é mais recente do que a emergência da LA, tanto
no horizonte internacional (Tsui, 2011: 21) quanto no brasileiro, tanto na
área de formação do professor de inglês (Souza, 2011) quanto na área de for-
mação do professor de português (Kleiman, 2001). Os linguistas aplicados
da época buscavam identificar e comparar métodos, abordagens e técnicas,
com a intenção de prescrever os mais eficientes para professores de línguas
estrangeiras em serviço, que esperavam melhorar os resultados da aprendi-
zagem de seus alunos. Entendo que tais desejos estavam em sintonia com
o momento histórico em que a LA, como ciência aplicada, se comprometia
a "resolver" problemas da sociedade que envolvessem o uso da linguagem
(Paschoal e Celani, 1992). Não é de surpreender, então, que a pesquisa so-
bre ensino de línguas e formação do professor tenha buscado descobrir "o
melhor método" de ensino, "como" formar o professor mais eficiente e, indi-
retamente, o "melhor método" de formação de professores.
Poderíamos questionar se, apesar de estarmos vivenciando o que
Kumaravadivelu (1994, 2003, 2005) chama de era pós-método, existem
pessoas ou instituições que, ainda hoje, no século XXI, estão presas à busca
pelo "melhor método" de ensino de línguas e de formação de professores.
Com base na literatura produzida na última década, acredito que na área de
formação de professores esse desejo esteja se dissipando graças às pesquisas
desenvolvidas na área. Observo um afastamento progressivo do paradigma
da racional idade técnica, pelo menos em contextos acadêmicos contempo-
râneos nos quais circulam "novas teorizações" (Moita Lopes, 2006), emer-
gem espaços de "desaprendizagem" (Fabrício, 2006) e são problematizados
conceitos lineares, hierárquicos e não complexos (Jordão e Fogaça, 2012:
493). Mas o desejo parece persistir na sociedade em geral. O dilema é gran-
de para os que se dedicam tanto à formação inicial quanto à continuada.
Na inicial, o embate se estabelece com o próprio futuro profissional, que
ainda espera ser "ensinado" a usar técnicas que funcionem. Na continuada,
o embate costuma surgir no relacionamento com os gestores de instituições
privadas e públicas, que ainda esperam resultados claros e diretos, como
se a formação consistisse no aprendizado rápido de técnicas. Como aponta
LlNGuiSTlCA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

Celani (2009: n), as autoridades públicas (eu acrescento) e privadas) ainda


buscam "receitas prontas de 'sucesso garantido' ao invés de verdadeiros es-
paços para reflexão sobre o ensinar e aprender de línguas".
Em consequência do fracasso da busca pelo melhor método (Prabhu,
1990j Allwright, 1991j Souza) 2011j Almeida 2012)) a pesquisa na década de
1960 a 1970 se debruçou sobre o papel do professor. Alguns especialistas)
como Moskovitz (1968) e Fanselow (1977)) marcaram época na formação
de professores) ao oferecerem a descrição do trabalho do professor em sala
de aula como sistema de feedback para os professores que quisessem mu-
dar suas práticas. Outros) no final da década de 1980 e início da década de
1990) mais focados em pesquisa do que em práticas de formação) passaram
a adotar uma abordagem descritiva sobre o que acontecia em sala de aula)
alinhando-se ao conceito inovador de "pesquisa em sala de aula" (Allwright,
1988j Van Lier, 1988j Cavalcanti e Moita Lopes, 1991j Moita Lopes, 1996)
para citar só alguns), em consonância com estudiosos do discurso de sala
de aula (Sinclair e Coulthard, 1975j Mehan, 1985j Cazden, 1988). Assim)
desenvolveram-se estudos mais ou menos longitudinais) de maior ou me-
nor cunho etnográfico, com produção de extensos dados discursivos e com
potencial para análise qualitativa e interpretativista (Erickson, 1986j Moita
Lopes, 1996j Allwright e Bailey, 1991j Kleirnan, 2001).
.. A intenção era utilizar a pesquisa como forma de aprofundar os enten-
dimentos do que acontecia localmente em sala de aula) mas com a verdadeira
finalidade de melhorar a prática profissional dos professores. Em retrospec-
to) vemos que ainda se trabalhava em prol da melhoria das práticas) em busca
da performatividade (Breen, 2006) e de resultados mais e mais eficientes
(Allwright e Baíley, 1991j Allwright e Miller, 2012). Em termos de formação)
buscava-se construir um olhar descritivo que pudesse informar a noção de
"educação" do (futuro) professor) ao mesmo tempo em que se buscava um
afastamento da visão de "treinamento") de uma postura prescritiva. A dis-
tinção dessas duas perspectivas é recorrente na literatura da área de forma-
ção de professores (Widdowson) 1987j Richards e Nunan, 1990j Medgyes
e Malderez, 1996)) na qual a instrução ou preparação do futuro professor é
posta em oposição ao costumeiro período curto de treinamento pré-serviço.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LlNGUAS

A partir do inicio da década de 1990, o incentivo para desenvolver pes-


quisa em sala de aula foi forte em programas de mestrado e doutorado inse-
ridos em departamentos de LinguísticaAplicada, tanto no exterior (Davies,
1999; Schmitt, 2002, dentre outros) quanto no Brasil (Castro e Silva, 2006;
Castro, 2006; Telles, 2009, por exemplo), com base em orientações ofere-
cidas em obras que se tornaram clássicas na área (Allwright e Bailey, 1991;
Nunan, 1993; Richards, 2003; Paschoal e Celani, 1992; Moita Lopes, 1996,
dentre outros). Mesmo reconhecendo sua substancial contribuição para o
desenvolvimento da pesquisa na área, precisamos hoje lançar um olhar crí-
tico para essa tendência e perceber que se tratou do que Allwright e Hanks
(2009) chamam de "third-pariy research", por ser pesquisa feita com pouco
envolvimento ou participação ativa dos professores e alunos observados que
eram, na verdade, considerados fontes de "dados" para serem "analisados" e
"interpretados". Para uma discussão singular em que uma professora ameri-
cana compara sua participação e envolvimento em dois projetos de pesquisa
diferentes com a mesma pesquisadora, um no qual ela se sentiu "observada"
e o outro no qual ela foi convidada a "colaborar" (cf. Hall e Grant, 1991).
Segundo Vieira-Abrahão (2010: n), como resultado de questionamen-
tos e investigações, linguistas aplicados internacionais e brasileiros dedica-
dos à formação de professores desde meados da década de 1980 e com maior
intensidade na década de 1990, foram

[dJeixando de lado a racionalidade técnica e a visão de ensino como


transmissão de conhecimento e assumindo gradativamente uma pers-
pectiva sociocultural de ensino e aprendizagem (VygotskYI 1978, 1986)
e uma perspectiva crítico-reflexiva (Zeichner e Liston, 1996; Zeichner,
2003 e 2008).

Essas mudanças paradigmáticas se deram quando a LA se orientou para


a busca de entendimentos mais profundos de questões que surgem em práti-
cas sociais situadas que envolvem linguagem e para um desejo de teorização
(cf Davies 1999: 16-41), especialmente quando o autor discute a importân-
cia da experiência para defender a noção de "doing being applied iinguists",
LlNGUlSTICA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

A área de formação de professores reconhece, finalmente, a importância da


linguagem como instrumento semiótico para a construção sociocultural
do conhecimento e da reflexão profissional (van Lier, 1994j Lantolf, 2000j
Kramsch, 2000j Ponte corvo, 2005j Szundy, 2009j Fabrício, 2011), da for-
mação do professor reflexivo (Zeichner e Liston, 1996j Perrenoud, 2002j
Liberali, Magalhães e Romero, 2003j Liberali, 2010) e da colaboração nesses
processos (Edge, 1992j Edge e Richards, 1993), ainda que por vezes perdure
a busca pela "melhora" do trabalho do professor (Nunan, 1993j Beaumont e
O'Brien, 2000, dentre outros) por meio da pesquisa e da reflexão.
A pesquisa em formação de professores passa, então, a identificar como
fulcral a necessidade de envolver, primeiramente, o professor participante e,
gradativamente, o professor formador. Ambos são considerados indivíduos
reflexivos capazes de construir conhecimento através de processos inter-
pretativos e reflexivos sobre suas próprias experiências docentes (Castro,
2006j Vieira-Abrahão, 2010, dentre outros). Foi o início do período em que,
seguindo os fundamentos de Stenhouse (1986) e de Carr e Kemis (1986),
dentre outros teóricos, a formação do professor se identifica com a chamada
prática reflexiva, movimento que dá origem ao envolvimento do professor
, pesquisador na chamada pesquisa do professor. É no horizonte da pesquisa
e da reflexão profissional, quando o foco está na geração de oportunidades
para aprofundar os entendimentos, que os professores vivenciam processos
de "desenvolvimento" profissional ou o que na literatura em língua ingle-
sa tende a se denominar de teacher development (Allwright, 1996: 1O,200lj
Zeichner, 2003, dentre outros).
Refletindo esta tendência, são publicadas pesquisas realizadas nas
linhas da pesquisa-ação, prática reflexiva, reflexão crítica, sobre a super-
visão de prática de ensino ou estágios supervisionados, saberes docentes
e formação do professor reflexivo, no âmbito internacional, em livros or-
ganizados por especialistas na área (Richards e Nunan, 1990j Freeman
e Richards, 1996j Bailey e Nunan, 1996, dentre outros) e periódicos da
área (TESOL Quarterly, Applíed Linguistics, Journal of Teacher Educaiion,
Educatíonal Researcher, dentre outros). No Brasil, Freire, Vieira-Abrahão
e Barcelos (2005), Castro e Silva (2006), Telles (2009), dentre outros, or-
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LíNGUAS
11
ganizam coletâneas na mesma direção das internacionais. Periódicos tais
como a D.E.L.TA., a Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Linguagem
e Ensino, The ESPecialist e outras publicações afins passam a incorporar
sistematicamente pesquisa sobre formação de professores de autoria dos
próprios professores ou dos formadores. O mesmo acontece em congres-
sos internacionais (TESOL, AAAL, IATEFL, AILA, dentre outros) e bra-
sileiros (ABRALIN, ENPULI, INPLA, CBLA, dentre outros), bem como
em congressos ou eventos promovidos por centros que se especializam
em formação de professores, tais como o Congresso Latino-americano de
Formação de Professores de Línguas (CLAFPL), a Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), The Center for
Advanced Research on Language Acquisition (CARLA), o Centre for
Applied Research in Education (CARE), por exemplo. Essas práticas evi-
denciam a força com que se estabeleceu a presença da reflexão e da pesqui-
sa do professor, do futuro professor e do professor-formador. No entanto, é
preocupante saber que, desde seu surgimento, a pesquisa desenvolvida por
professores luta para se ajustar ao gênero aceito em veículos de cunho acadê-
mico (Sornekh, 1993j Elliott, comunicação pessoal), tendendo a não "contar
como pesquisa", tanto em contexto internacional quanto brasileiro (Borg,
2010j Ludke, 2009).
Enorme desafio para a prática reflexiva é ter se institucionalizado
como um caminho adotado pelas instituições para buscar a melhora do tra-
balho docente, para implantar inovações nesse trabalho ou, ainda, como um
instrumento para outorgar promoções. No direcionamento dos formado-
res-pesquisadores e dos próprios professores-pesquisadores, parece persis-
tir a ênfase na competência e na eficiência do professor (Breen, 2006). No
contexto internacional, encontramos, por exemplo, Breen, Candlin, Dam e
Gabrielsen (1994[1989]) refletindo sobre a importância de o consultor aten-
der às necessidades dos professores. De forma semelhante, Zeichner (2003),
a partir de sua experiência como consultor internacional, reconhece os de-
safios enfrentados na aceitação ou manutenção de sua própria proposta de
prática reflexiva no contexto mundial, que, infelizmente, ainda se caracteri-
za pela predominância do modelo de transmissão de conhecimento ou do
LlNGulSTlCA APLICADA NA MODERNIDADE RECENTE

modelo bancário de educação (Freire, 1970). Zeichner (2003) e outros auto-


res citados em seu texto (Fullan, 2001j McGinn, 1998) se ressentem do pou-
co envolvimento dos professores em processos de elaboração e implantação
de reformas curriculares, tanto em países desenvolvidos como em "países
em desenvolvimento". Sobre trabalhos de formação realizados em contexto
brasileiro, Celani (2006) discute um projeto de formação continuada lon-
gitudinal, desenvolvido por instituições de prestígio que, mesmo sob sua
coordenação, se concentrou mais na formação linguística e técnica do que
no aprofundamento dos entendimentos dos professores e dos formadores.
Esses são só alguns exemplos de formadores reflexivos que compartilharam
suas reflexões em publicações. Há, com certeza, muitos outros.
A questão epistemológica e metodológica da autenticidade da cola-
boração "solicitada" ao (futuro) professor pelo pesquisador-formador em
pesquisas colaborativas já foi problematizada por autores em diversos con-
textos e por diversos motivos (Richards, 2003j Holliday, 2006j Gimenez,
comunicação pessoal). Na contemporaneidade, recoloco a questão como
uma preocupação ética relacionada à reflexividade, especialmente quando
ela é adotada de forma instrumental aos resultados esperados pelo "cliente"
ou evitada também de acordo com seu desejo. Poderíamos dizer que, em
alguns contextos profissionais de ensino de línguas, de formação inicial e/ou
continuada de professores, estaríamos vivenciando uma reflexividade "téc-
nica", na qual a reflexão do professor não é necessariamente autônoma -
agentiva e autoral (Zeichner, 2003j Miller, 2010j Fabrício, 2011). Se, como
formadores de professores, não nos pronunciarmos nessas situações, estare-
mos compactuando com a reflexão profissional a serviço da produtividade
(Breen, 2006), do autoritarismo dos sistemas educacionais ou do isolamen-
to do professor (Zeichner, 2003j Day, 2012).
Em busca de envolvimentos autênticos dos indivíduos em processos
de pesquisa reflexiva e inclusiva, surgem propostas que se aproximam e que
comparecem de forma a serem reconhecidas como um novo paradigma de
pesquisa qualitativa (Lincoln e Guba, 2006: 173): o da pesquisa participati-
va, termo inspirado em Heron e Reason (1997). Nesta modalidade, buscam-
-se maneiras de trabalhar em grupos com pessoas que desenvolvem diversas
FORMAÇAO DE PROFESSORES DE LíNGUAS

atividades (assistentes sociais) alcoólatras etc.), envolvendo-as na reflexão


sobre suas questões) com a consequente conscientização a respeito do co-
tidiano) porém com "preocupações profundamente espirituais" (Lincoln e
Guba, 2006: 177) de compensar as desigualdades de poder) de forma que
aqueles que foram anteriormente marginalizados agora conquistem a "pros-
peridade humana" (Heron e Reason, 1997 apud Lincoln e Cuba, 2006:
180). No âmbito da LA) surgiu a prática exploratória, desenvolvida por au-
tores como Allwright (2000-2012)) Miller et alii (2008) 2009)) Allwright
e Hanks (2009)) Moraes Bezerra (2007)) Santiago (2009)) Sette (2006))
dentre outros) que) por sua vez) se recusam a prometer a melhora da "qua-
lidade de vida" em sala de aula ou fora dela. Outros especialistas da área)
tais como Kumaravadivelu (2003)) Wright (2006)) Breen (2006)) Barcelos
(2009\ Tarone e Swierzbin (2009)) Borg (2010)) reconhecem a importância
da proposta pedagógica) investigativa, inclusiva e ética da prática explorató-
ria como uma forma inovadora de "pesquisa do praticante") mas) em alguns
casos) ainda têm certa dificuldade em aceitar sua postura antitecnicista. A
prática exploratória promove a integração das pessoas (professores) futuros
professores) alunos e formadores de professores ou outros profissionais) e de
suas atividades na busca de entendimentos aprofundados de suas questões
da vida em sala de aula) na escola ou em outros contextos (Miller, 200lj
Moraes Bezerra) 2007) dentre outros). Emergem) assim) as atividades pe-
dagógicas ou profissionais com potencial exploratório, que dependem das
questões e da criatividade investigativa do grupo envolvido) seja ele com-
posto por coordenadores pedagógicos) ativistas sociais) (futuros) profes-
sores e alunos de línguas ou de outras áreas (Borges, 2007j Moura, 2007j
Lima) 2009j Moraes Bezerra e Rodrigues, 2012).
Esses novos caminhos paradigmáticos, com características explicita-
mente participativas e inclusivas) podem ser mais bem percorridos por aque-
les para quem os resultados de pesquisas em formação de professores inse-
ridos na área de LA deixaram de ser entendidos como "resolução" de pro-
blemas identificados em práticas sociais (não somente profissionais) e estão
sendo ressignificados como "entendimentos" emergentes em vivências do
dia a dia integradas a processos de reflexão investigativa (Moita Lopes, 2006 j
UNGuíSTICA APLICADA NA MODERNIDADE RECENTE

Fabrício, 2006). Os que enfrentam os desafios das pesquisas participativas


e inclusivas consideram que a pesquisa qualitativa desenvolvida por meio de
narrativas, entrevistas, diários etc., inseridas no paradigma sócio-histórico
(Lincoln e Guba, 2006), se afasta da concepção de resultados como "produ-
to", permitindo-se conceber os resultados como "processo" (Gieve e Miller,
2006). Tal perspectiva processual implica considerar que os entendimentos
vivenciados, no caso da pesquisa em formação de professores, por formado-
res-pesquisadores e por (futuros) professores participantes de reuniões de
trabalho (Liberali e Magalhães, 2009; Miller, 2001, por exemplo), dos rela-
tórios de estágio (Szundy, 2009), da escrita de diários reflexivos (Miccoli,
2010) ou do compartilhamento de narrativas de aprendizes (Paiva, 2011;
Barcelos, 2011) e de narrativas autobiográficas de professores de línguas
(Romero, 2010) costumam ter maior relevância intrínseca para as pessoas
envolvidas do que para sua produtividade ou eficiência profissional. A pers-
pectiva processual ajuda a valorizar os processos de "participação" ou de "in-
vestigação coletiva", mas apresenta desafios ontológicos, epistemológicos e
metodológicos no que diz respeito à validade dos saberes ou entendimentos
locais, da (im)possibilidade de expressá-Ios e da necessidade de estender as
fronteiras dos gêneros acadêmicos para criar oportunidades de "análise con-
junta". Talvez o maior trunfo dessas pesquisas seja manter o foco na agentivi-
dade dos participantes e nos processos de conscientização individualmente
vivenciados pelos membros dos grupos de investigação.
Se transpusermos para a formação de professores o convincente argu-
mento de Souza (2011: 279, 289) a respeito da urgência dos professores de
língua materna e/ou estrangeira se tornarem "mais responsáveis sobre [nos-
sa] atuação como educadores" e de que "está na hora de aprendermos com
nossos alunos", podemos imaginar que a ética da responsabilidade também
precisa permear nosso trabalho de formação. Concordo com Celani (2005,
2010), quando ela defende a obrigação de pensar em novas formas de atua-
ção em sala de aula e na pesquisa junto a nossos professores em formação
inicial e continuada. Tenho a esperança que tais vivências éticas, acompa-
nhadas da devida reflexão crítica e da conscientização pedagógica, ajudem
tanto professores em formação quanto professores formadores "a aceitar a
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LíNGUAS

responsabilidade que cai sobre ele]s]" (Souza) 2011: 295). Estamos enfren-
tando o sofrimento imbricado na formação do professor como intelectual
transformador (Giroux, 1997)) para que ele também trabalhe criticamente
na era do pós-método.
Na conternporaneidade, alinhando-me a Moita Lopes (2006: 86\ acre-
dito que precisamos enfatizar a relevância social das pesquisas em LA) ou-
vindo "as vozes dos que estão à margem" e compartilhando vivências do
"sofrimento humano" (Mushakoji, 1999: 207 apud Moita Lopes, 2006: 94).
Mas) quais seriam as vozes dos que estão à margem na área de formação de
professores? À semelhança do que percebo na maioria das pesquisas sobre
ensino-aprendizagem) nas quais considero que alunos são pouco ouvidos)
acredito que as vozes dos licenciandos ou dos professores em formação con-
tinuada estavam silenciadas antes de começarmos a pesquisar os processos
de formação dentro da perspectiva da LA. Os próprios formadores de pro-
fessores entraram nas pesquisas tardiamente.
Outra questão refere-se ao sofrimento humano na formação de pro-
fessores. Um desses sofrimentos é o dos estagiários) que habitam um "en-
trelugar" (Miller et alii, 2008)) já que na universidade eles são considerados
alunos e futuros colegas e) nas escolas) ora são tratados como "professores")
ora como alunos-estagiários. Sofrem) também) ao longo de processos de
formação continuada) os professores que se sentem) em alguns casos) pres-
sionados a estudar e/ou refletir para se tornarem mais eficientes) serem pro-
movidos ou (não) serem demitidos. Há os que sofrem em sala de aula e fora
dela, por perceberem que a qualidade de vida em sala de aula não é satisfa-
tória (Cardozo, em andamento). Sofrem aqueles professores que percebem
que seu trabalho pedagógico não está satisfazendo as necessidades de seus
alunos e sofrem aqueles alunos que intuem que são merecedores de uma
educação ética) com respeito e responsabilidade social. Alinho-me a Liston
2012)) quando afirma que se faz imprescindível investir mais na pesquisa
sobre emoção na área da educação) fazendo articulações teóricas com es-
tudos sobre identidades profissionais e pessoais e com estudos que investi-
guem as emoções dos professores em projetos educacionais de justiça social)
na tradição da teoria crítica e da pedagogia crítica como fazem) por exemplo)
LINGUiSTICA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

Zembylas e Chubbuk (2012). Na área de formação de professores no Brasil,


encontramos articulações entre questões de afeto e questões de (re)cons-
trução identitária quando, por exemplo, Romero (2010) compila narrativas
autobiográficas de professores e as analisa a partir do olhar crítico-reflexivo
e Moraes Bezerra (2012) analisa o afeto discursivamente socioconstruído
na interação em reuniões de orientação das quais participam uma (futura)
professora-pesquisadora e a professora formadora e pesquisadora. Miccoli,
Murphey, Prober, Gonzales, Barcelos e Coelho também exploram conexões
ao trabalhar com emoções, reflexões e (trans)formações de alunos, profes-
sores e formadores de línguas (Barcelos e Coelho, 2010).
Os formadores também passam por momentos difíceis ao tentar cons-
truir as tão sonhadas parcerias universidade-escola ou quando, às vezes, os
agentes institucionais ~ diretores de escola, professores regentes, professo-
res universitários, licenciandos ~ não convergem em suas interpretações a
respeito de funções nos processos de formação. Essa diversidade, que cons-
titui a complexidade de nossa vida em sociedade, além da diversidade de
contextos sócio-históricos dos professores em formação e dos formadores,
também se apresenta como fonte de sofrimento, devido à dificuldade de li-
dar com diversidades individuais e culturais, bem como com diversos sabe-
res linguísticos, ou seja, devido à falta de preparo para lidar com o conflito}
com o dissenso (Souza, 2011: 297). Nesse sentido, vale a pena considerar a
proposta contemporânea das línguas adicionais (Schlatter e Garcez, 2012}
dentre outros) que orienta os Referenciais Curriculares do Rio Grande do
Sul (2009). Esse documento apresenta o inglês e/ou o espanhol como "uma
adição a outras línguas que o educando pode ter em seu repertório, por fazer
parte de uma comunidade de imigrantes, de surdos ou indígenas, entre ou-
tros" (Sturm e Schroeder, 2012: 4). Dessa forma, considera-se que "a escola
estende a circulação do estudante nas sociedades contemporâneas com-
plexas, preparando-o para enfrentar a diversidade e o trânsito intercultu-
ral" (Welp, 2012: 3). No entanto, vemos na pesquisa de Sturm e Schroeder
(2012: 13), que, para uma implantação satisfatória da proposta, será preciso
percorrer um "longo e difícil" caminho de formação continuada, comincen-
tivo para muita reflexão e renegociação de crenças sobre o ensino de língua
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LíNGUAS

estrangeira. Espera-se que essas oportunidades, desde que eticamente ge-


rencíadas, sejam entendidas por professores e formadores como vivências
de sofrimento profissional fundamentais na preparação para lidar com pers-
pectivas conflitantes ou não consensuais.

Questões específicas que necessitam ser formuladas


e/ ou respondidas no Brasil

Tendo delineado uma breve narrativa de alguns períodos que conside-


ro significativos no desenvolvimento da área de formação de professores na
perspectiva da LA, abordo, nesta seção, questões sobre as quais ainda pre-
cisamos refletir. Espero que a presente metarreflexão contribua para cons-
truir a agenda da futura pesquisa sobre formação de professores de língua
estrangeira ou materna no contexto brasileiro.
Na contemporaneidade, a pesquisa reflexiva é considerada mola propul-
sora para a aprendizagem em geral e para a formação inicial, ou continuada
do professor, com vistas à formação do professor crítico, reflexivo e ético.
Portanto, precisamos investigar mais os espaços e os processos de formação
do aluno-pesquisador em geral e, mais especificamente, do licenciando-pes-
quisador. De forma bem ampla, esse "pesquisador em formação" pode estar
cursando tanto a escola fundamental, o ensino médio, a graduação ou a pós-
-graduação, nos níveis de especialização, mestrado ou doutorado. Pode pes-
quisar temas de interesse próprio ou participar de projetos de pesquisa com
pares mais ou menos experientes e/ou com um professor-orientador. A ideia,
na verdade, não é tão inovadora na universidade brasileira, na qual existem
programas de formação de bolsistas de graduação para iniciação à pesquisa
e à decência. O Ministério da Educação oferece a possibilidade inovadora de
outorgar bolsas para a formação do licenciando-pesquisador, a fim de envolvê-
-10 em processos de iniciação à decência, com foco em projetos de pesquisa
desenvolvidos no ambiente escolar. Busca-se incentivar o aluno a ser um pes-
quisador dentro e fora da sala de aula da escola e dentro e fora da universidade.
Alguns aspectos desafiadores que, a meu ver, precisamos entender me-
lhor com relação à pesquisa formadora de (futuros) docentes seriam:
LlNGuiSTlCA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

• A inclusão, de forma ética, de pesquisadores iniciantes, buscando


minimizar as relações assimétricas que costumam se estabelecer em
grupos de pesquisa (Celani, 2005) ou, dito de outra forma, prestando
atenção à qualidade da vida construída nas relações interpessoais en-
tre pesquisadores em formação e seus formadores (Barcellos e Miller,
2012j Brandão, 2012j Femandes, Dias, Amaral e Luzzen, 2012).
• O respeito pelas questões dos pesquisadores individuais e/ou dos
grupos, com a finalidade de criar oportunidades para a renovação
de problematizações, a partir das vivências profissionais, tanto na
docência quanto na formação de professores. No contexto contem-
porâneo, é importante investigar, de forma crítica e ética, os dilemas
enfrentados por quem ensina, aprende, se forma ou forma professo-
res de língua materna, ou professores para trabalhar com uma visão
convencional de língua estrangeira ou aqueles que inovam ao adotar
a perspectiva do inglês ou do espanhol, por exemplo, como línguas
adicionais. Para uma discussão relevante sobre a busca de enten-
dimentos por membros de uma comunidade de prática integrada
por professores, alunos e professora formadora, cf. Moraes Bezerra
(20U)j para uma discussão sobre a articulação entre a perspectiva
das línguas adicionais, a prática cotidiana de sala de aula e tarefas
pedagógicas com base em noções de letramento, de educação lin-
guística e de gêneros do discurso, cf. Welp (2012).
• A urgência de nos envolver de forma colaborativa - alunos, Iicen-
ciandos, professores e formadores de professores - em processos de
formação inicial ou continuada, podendo gerar reflexões investigati-
vas sobre o sofrimento do aluno [por exemplo, a ansiedade no uso ou
aprendizagem de línguas estrangeiras (Silveira, 2012)], do licencian-
do diante da elaboração do gênero plano de aula [especificamente,
as questões instigadoras de um grupo de licenciandos e de sua for-
madora a respeito desse gênero exigido nos estágios (Villela, 200S)],
do professor em geral ou o de línguas [particularmente, o desejo de
se manter professor, apesar da violência nas escolas (Kramer, 2012j
Colornbo, em andamento)]. Também merece atenção, dentre outros
FORMACÃO DE PROFESSORES DE LlNGUAS
11
temas, o medo do professor investigado por ele mesmo, com ajuda
dos alunos (Cardozo, em andamento), as contribuições da psica-
nálise e da prática exploratória na escuta das questões que alunos
e professores vivem na escola (Souza, em andamento). Na mesma
orientação, a relação entre o desejo de "controle" e sua relação com
a noção de "método" ainda precisa ser investigada, na esperança de
aprofundar entendimentos sobre a complexidade envolvida no con-
texto específico da formação inicial (Góes, Barreto e Miller, 2013) .
• O cuidado com a criação de oportunidades para desenvolver a criati-
vidade metodológica de comunidades investigativas, especialmente
no que se refere a formas inclusivas de reflexão, de análise e de di-
vulgação das situações vivenciadas. Para uma busca de transforma-
ção do gênero acadêmico em investigações de prática exploratória
(Moura, em andamento): para uma integração inovadora entre prá-
tica exploratória e pesquisa baseada nas artes (cf. Reis, 2013).
• O compromisso com a busca de credibilidade associada às pesquisas
situadas em contextos pedagógicos, com o indispensável envolvi-
mento, na conternporaneidade, de alunos, licenciandos, professores,
diretores, enfim, das comunidades escolares. Braga et alii (em anda-
mento) estão coconstruindo um conjunto de narrativas explorató-
rias geradas ao longo do processo de iniciação à docência de cinco
licenciandas de português-inglês, com o envolvimento das próprias
licenciandas, dos alunos da escola, da professora das turmas, da su-
pervisora e de outros membros da comunidade escolar.
Com relação às oportunidades de formação que emergem na integra-
ção das experiências cotidianas vivenciadas nas escolas e nas salas de aula
universitárias, ainda seria necessário buscar entender melhor, em diversos
contextos, as inúmeras questões levantadas por formadores e por licencian-
dos durante os períodos de estágio nas escolas e na universidade. Como
mentora da prática exploratória no Brasil, acredito que essa proposta seja
um dos caminhos disponíveis para reinventar a formação inicial de profes-
sores, pois consideramos formadores, (futuros) professores e seus (futuros)
alunos como praticantes produtores de conhecimento em desenvolvimento
LINGlJÍSTlCA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

(Allwright e Hanks, 2009) e como intelectuais transformadores (Giroux,


1997) em busca de transformação social (Gimenez e Góes, 2010).
Na última década, conforme discutido em Miller et alii (2008) e em
Góes, Barreto e Miller (2013), inovamos ao integrar licenciandos de portu-
guês-inglês e de português-literaturas do curso de Letras da PUe-Rio, com
o devido aval do departamento, em turmas mistas de estágio supervisiona-
do de Português e de Inglês. Tal integração dos licenciandos e dos forma-
dores ajuda a concretizar alguns dos princípios da prática exploratória na
busca por entendimentos do que acontece tanto nas salas de aula das escolas
que recebem os estagiários quanto das salas de aula das disciplinas cursadas
na universidade, inclusive as disciplinas dos estágios. Assim, priorizamos a
busca do entendimento da "qualidade de vida" vivenciada nas salas de aula,
"trabalhamos para entender" as diversas interpretações do que acontece,
"integramos" as pessoas e a busca por entendimentos ao trabalho cotidia-
no de formação inicial (leitura e discussão de textos, análise de materiais
didáticos, elaboração de atividades pedagógicas, planejamento das aulas
ministradas na universidade e discutidas com os licenciandos e das aulas
ministradas e avaliadas nas escolas). No entanto, apesar de nossas intenções
exploratórias, encontramos alguns desafios nas nossas tentativas de "envol-
ver todos", "trabalhar para a união de todos" e "trabalhar para o desenvol-
vimento mútuo". Ainda não perdemos as esperanças de conseguir algum
dia envolver as professoras regentes das turmas onde estagiam nossos licen-
ciandos em busca de entendimentos conjuntos sobre o que acontece com os
alunos no dia a dia da sala de aula (de línguas) ou fora dela [recreio, cantina,
outrats) disciplinats) etc.], Também, enfrentamos a resistência de alguns
licenciandos à nossa proposta de trabalho em conjunto, evidenciando con-
flitos a serem negociados entre nossas crenças sobre a construção conjunta
do trabalho e do conhecimento e a de transmissão unilateral e hierárquica
do conhecimento consolidado, que muitos trazem de sua formação escolar
e, de forma geral, ainda observam nas escolas frequentadas bem como em
alguns contextos universitários. Quando há resistência, nossa preocupação
ética nos exige redobrado respeito, cuidado e foco crítico-reflexivo. Fica, em
alguns casos específicos, comprometida nossa intenção de formar um fu-
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE L1NGUAS

turo professor que consiga, no exercício de sua profissão, "fazer com que o
trabalho para o entendimento e a integração das pessoas sejam contínuos".
Ainda no terreno da inovação pedagógica dentro de sala de aula, pre-
cisamos entender como fazer para que nossos licenciandos entrem em con-
tato com práticas pedagógicas inovadoras nos colégios conveniados. Como
podemos buscar que os licenciandos ganhem segurança para tomar, o mais
cedo possível no exercício da vida profissional, decisões pedagógicas agen-
tivas e crítico-reflexivas que caracterizam a era pós-método? Em quais pro-
fessores regentes poderão os licenciandos se inspirar para se construírem
identitariamente como futuros professores que atuarão politicamente, pen-
sando o ensino de línguas e a metodologia adotada em função da política
linguística adotada no país (Rajagopalan, 20l1)? Será que eles consegui-
rão "reinventar a vida social" em sala de aula e assim criar oportunidades
para promover a "reinvenção de formas de produzir conhecimento", como
clamam a LA "promissora" e aLA "indisciplinar" (Allwright, 2006j Moita
Lopes, 2006)? Ressalto, aqui, com Celani (2010), a relevância da pesquisa
sobre formação de professores como atividade geradora de reflexão sobre
práticas de desenvolvimento profissional que incluem tanto professores
quanto seus formadores.
Em se tratando da formação de (futuros) pesquisadores, sejam alu-
nos, licenciandos ou professores, parece relevante que a área de formação
de professores se empenhe em mapear entendimentos aprofundados a res-
peito das questões que professores pesquisadores iniciantes trazem para re-
flexão (Ewald, em andamento). O que entendem por pesquisa? Quais são
as características dos seus projetos? Com que paradigmas os pesquisadores
iniciantes se alinham? O que eles esperam do processo de "fazer" pesquisa,
do orientador, das leituras teóricas, da possibilidade de envolver alunos, ou
não? Seria interessante delinear a multiplicidade de visões ou a inclinação
para o pensamento crítico-reflexivo, buscando interpretar o que (futuros)
professores pesquisadores entendem por criticidade e reflexividade, bem
como seus posicionamentos com relação a questões de (trans)formação
pessoal profissional, social e ética. Nesse sentido, me questiono, com Souza
(2011: 280), como sair da lógica linear, ou será que precisamos conviver com
LINGUiSTICA APLICADA NA MODERNlDADE RECENTE

ela para subvertê-Ia aos poucos? Aceitar os paradoxos (Palmer, 1998), a com-
plexidade (Morin, 1999), a ética (Celani, 2005), a metarreflexão teórica e
metodológica (Cavalcantí, 2006) e o conceito de língua como caleidoscópio
(César e Cavalcanti, 2007) são opções urgentes na formação de professores
e na pesquisa desenvolvida na contemporaneidade para essa área.
Professores pesquisadores em formação inicial e continuada e seus
formadores, preferencialmente trabalhando em conjunto, podem passar a
entender melhor seus contextos, suas crenças e suas práticas investigativas
a partir da reflexão contínua sobre suas próprias práticas. Paralelamente a
esse macromovimento reflexivo, faz-se necessário reconhecer e valorizar a
complexidade do trabalho de pesquisa sobre formação de professores, espe-
cialmente a necessidade de articular teorizações a respeito dos contextos pe-
dagógicos de formação (licenciaturas em universidades públicas e privadas,
programas de pós-graduação, outros espaços de formação continuada, es-
cola pública e privada, cursos livres, aulas particulares), das teorias de cons-
trução de conhecimento e de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras,
de línguas adicionais e de língua materna, das concepções de lingua(gem)j
discurso, das visões sobre desenvolvimento profissional, dentre outras ques-
tões de ordem sócio-histórico, político e cultural.
Quaisquer entendimentos gerados em investigações sobre processos
de formação de professores serão sempre situados e locais. Assim, parece
fundamental estudar de que forma as histórias de vida dos (futuros) pro-
fessores pesquisadores e de seus formadores estão presentes na construção
de seus processos de formação. Na mesma linha, estudos sobre as (rejcons-
truções identitárias dos professores-pesquisadores em formação e dos seus
formadores nos informam sobre seus processos de formação.

Considerações finais

Tanto na pesquisa, quanto na formação, a partir da ênfase no treina-


mento e na racionalidade técnica com foco na eficiência, caminhou-se para
o que chamo de reflexividade técnica, na qual o foco ainda permaneceu, di-
reta ou indiretamente, no aprimoramento ou na eficiência do (futuro) pro-
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LíNGUAS

fessor. Quando a área passou a valorizar paradigmas crítico-reflexivos de


pesquisa, fundamentados na teoria sociocultural de construção do conheci-
mento e da interação interpessoal em contextos culturais locais e situados,
houve um deslocamento das práticas de formação para questões emergentes
na socioconstrução discursiva de identidades pessoais e profissionais, de
afeto, de agentividade, de transformação social e de ética. Precisamos seguir
nesta linha, mesmo enfrentando grandes desafios. Dentre eles, considero
essencial um dos apontados por Souza (2011: 287), quando o autor reflete
sobre o professor do século XXI e diz: "Quando percebemos a complexida-
de do mundo, nós temos a obrigação de pensar em novas formas de atuação".
A relevância da área de formação de professores de línguas é inegável, já
que saber agir com a linguagem no mundo contemporâneo significa muito
mais do que "aprender línguas". Para formar professores conscientes dessa
complexidade, faz-se imprescindível que a metarreflexão sobre transcultu-
ralídade, linguagem e educação (Cavalcanti e Bortoni-Ricardo, 2007) se
torne parte do cotidiano dos cursos de formação inicial e continuada de pro-
fessores. Essa reflexividade, quando praticada coletivamente por (futuros)
professores, seus alunos e seus formadores, com o devido respeito e cuidado
pelas interpretações dissonantes, criará oportunidades para a "reinvenção"
da vida em sala de aula como um espaço para debates crítico-reflexivos e para
o compartilhamento do "sofrimento humano" percebido em contextos peda-
gógicos, sempre permeados de emoções. Assim (futuros) professores, alunos
e formadores, entendidos como colegas e aprendizes, poderão desenvolver
suas vozes para expressar suas próprias questões e buscar o aprofundamento
de seus entendimentos em diálogo com seus parceiros no cotidiano escolar.

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