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LÁGRIMA VERMELHA

DO
CICLONE IDAI

ADEUS MÃE

Bique

2019
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Epigrafe

Os livros são espelhos: neles só se vê o que


possuímos dentro.
(Carlos Ruiz Zafón)
Último Adeus Mãe

Era um dia de júbilo para mim, também um belo dia. Peguei no


meu telefone e disquei para minha mãe, Infelizmente, sem
resposta. Pensei que fosse de sempre. Tentei mais vezes, sem
sucesso, mais vezes, também, sem êxito. Percebi-me do mau
estado de tempo que estava agoniar a minha terra natal.
Aí, a melancolia abalou o meu rosto. As macambúzias notícias
de mortes e de destruição dos bens não paravam. Imaginei na
morte súbita da minha mãe.
Como seria a vida de um órfão de pai, de repente, ser de ambos.
A vida de um jovem que ingressou na universidade pela bolsa
do estudo. O pão de cada dia era conseguido pelo tomate sápido
vendido pela mãe no mercado Munhava, nas periferias da cidade
da Beira.
Os três dias transcorreram, com o celular na mão. Inúmeras
ligações feitas, mas, sem triunfo.
Sem força para ir a universidade. Arrisquei-me, viajei para Beira
e as estradas não me deixavam passar. Pela vontade de Deus,
cheguei. A situação estava caótica.

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Perdi a localização da palhota da minha mãe.
Sem ninguém, para me contar histórias.
Lágrimas impregnaram a minha cara.
Ajoelhei pedindo uma solução ao Senhor. Ele fortificou-me,
dizendo-me que a despretensiosa mãe estava ao lado dele, e o
humilde filho académico encontrar-lhe ia no paraíso.
Moçambique, vamos genufletir pedindo a Deus. Clamando a
salvação ao Senhor. O único dono dos céus e da terra. Ele tem
elucidação para nós.
O ciclone IDAI retirou-me a vontade de continuar a ler e
escrever.
A vontade de voltar para Maputo estudar, também desvaneceu.
Sumiu com o desaparecimento físico da minha mãe.
O ciclone IDAI levou todos os meus sonhos.
Parece que a respiração da minha mãe me dava mais força para
continuar a batalhar. A palhota dela transformou-se em areia, e
aí não consegui localizá-la.

Assim que ela parou de respirar, fiquei também sem força.


Antes deste acontecimento, eu sempre pensava assim:
- Sou o último indigente.
Descobri que eu não era.

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Pensamentos negativos, virados ao sofrimento não paravam de
mexer a minha mente.
Assim, chegava mais uma etapa da vida. O percurso que marcou
piedade no coração dos Moçambicanos. Afinal, eu não sabia que
um dia a cidade da Beira ficaria assim:
-Tudo arruinado e a cidade transformando-se em uma praia mais
profunda da história.

Eu pensava que o choro sairia do meu rosto, com o calar dos


mais temidos estrondos produzidos pelos grandes canhões da
artilharia mecanizada, na zona centro do pais, que também
ceifou a vida dos inocentes. Mas afinal, o que está
acontecendo?

O sangue humano não é tão valioso?


Será que merecemos tanto suplício?
Até quando mamã?
Dou-te o meu último Adeus, sem ver o seu corpo pela última
vez.
Eu não sabia que aquela era a última despedida.
Liguei-te pedindo socorro.
Queria dinheiro para atender as despesas da universidade. Mas,
você não tinha nada mamã. Mesmo eu sabendo que você não

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tinha dinheiro. Tive que te pedir, uma vez que não tinha a quem
recorrer. Se tivesse teria-me dado mãe.
Naquele dia, as pessoas tinham dispensado o tomate para as suas
refeições. Você levou todo o dia sem vender, nem um tomate se
quer. Alias, o amor que me oferecia bastava. O sorriso que
sempre me deu foi suficiente para eu continuar com a batalha da
vida.

Partiu para além, fiquei sozinho.


Mãe, é mãe.
Mãe, não se compra.
Mãe, não se vende.
Mãe é uma bênção que Deus nos deu. O único senhor do
mundo, levou-a.
Pai, você partiu quando eu estava no ventre. Eu queria tanto te
conhecer. Também, queria tanto ver o seu sorriso. Queria
passear contigo na cidade. Ainda mais, queria ser como os
outros que vivem com os seus pais.
Pai, Você morreu nas minas. Morreu procurando dinheiro para
sustentar o seu primeiro filho, que Sou eu.
Pai, tinha tanta coragem, porque você queria ser pai.
A terra fértil de Manica, tapou-te. De modo que, ninguém mais

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possa-te ver. O nosso Deus, levou-te. Mesmo assim, sem você
em vida, nasci e cresci.

Defunta mãe, ela teve coragem de me sustentar. Hoje ela está ao


seu lado pai, no paraíso.
Vocês partiram para além.
Quero que o vosso amor continue intenso, lá no paraíso.
Eu sei que vocês conseguem-me ver. Também, conseguem-me
ouvir. Ainda mais, sei que estão junto e ao lado de Deus.
Eu queria ser como os outros que têm irmãos. Nasci sozinho na
minha família.
Não tenho com quem dividir as ideias da complicação de vida.
Não tenho com quem compartilhar a minha felicidade ou a
tristeza.
Estou sozinho, no mundo que contém muita gente. Mas, sem
ninguém da minha família.
Pai, eu não sei onde posso deixar as flores.
Não sei, onde o seu corpo se tornou areia.

Mãe, eu não sei onde posso realizar sua cerimónia fúnebre.


Perdoa-me. Eu não tenho iniciativa e não tenho força.
Eu não sei como posso fazer? Só sei que você já não existe. O
seu corpo foi arrastado pela fúria das águas. O seu corpo foi

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ferido pela força de vento.
Não sei quantas vezes você chorou pedindo socorro. Só sei que
morreu e a hora não conheço.
Será que o seu corpo foi arrastado até no Oceano Índico?
Será que os tubarões alimentaram-se do seu corpo?
Será que você ainda vive?

Mas, se vivesse, teria já te encontrado.


Andei em todos centros de acomodações e não existiu sinal da
sua sobrevivência.
Jovens morreram, não conseguiram fugir.
Então, não imagino você que era da terceira idade.
Não me resta dúvida que partiu.

Enquanto eu estava na Beira. As aulas não paravam na


Universidade. Também, os colegas não paravam de investigar.
Entretanto, eu fiquei perdendo tudo:
-Mãe e Aulas.
O bolso estava furado, sem nenhuma moeda para auto sustento.
A minha sobrevivência era suportada pelo dinheiro da bolsa. As
renovações das bolsas aconteceram enquanto eu estava na Beira.
Aí, como solução, pedi ajuda aos amigos para que renovassem
para mim. Eles mostraram todo interesse, mas a Universidade

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exigiu a minha presença. Caso contrário, perdia a bolsa.
Realmente, depois do prazo, perdi a bolsa e a minha vida
complicou-se cada vez mais.
Fui-me enquadrar num centro de acomodação, como solução.
A vida não era fácil.
“Será que terei uma vida feliz?

Até quando esse sofrimento?”


Essas eram sempre as incógnitas que navegavam na minha
mente. Mas não tinha opção, a vida tinha que continuar.
O ciclone IDAI, desorganizou a minha vida. Esta que custou
muito suor para a sua organização.
A sorte foi se embora com a fúria das águas.
O vento trouxe desgraça.
“Bloco e bloco”
“Tijolo e tijolo”
“Chapa e chapa”
“Gota e gota”
Tudo isso foi se juntando ao longo dos anos, para se construir
uma casa, para se construir uma cidade. A cidade que recebeu o
nome de Beira. A casa que se destruiu num piscar de olho. A
palhota que se destruiu num piscar de olho.

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Foi possível juntar tudo isso.
Porque, a idade e o tempo permitia.
“Agora, por onde começar?”
“Quanto tempo levaremos para juntar?”
“Bloco e bloco”
“Pedra e pedra”
“Areia e areia”
Construir uma casa, não é uma tarefa fácil.
Os custos de materiais de construção estão tão altos.
As vidas humanas perdidas nunca mais serão recuperadas.
Homens e mulheres que tinham muito por dar para o seu país,
para a sua família, foram-se embora. Nunca mais serão
recuperados.
Eu não sei. Só sei que ficou desgosto no coração de cada
moçambicano
Eu não sei.
Só sei que ficou lágrimas no sorriso dos moçambicanos.
Eu não sei. Só sei que ficou luto nas nossas famílias.
Como iria fazer? Será que poderia voar para viver num outro
mundo?
Será que isso seria possível?
Se voasse, iria para que direção?!

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Poderia ter escolhido uma direção aonde as coisas eram piores.
No local onde eu poderia morrer.
Também, poderia escolher uma direção aonde as coisas seriam
melhores.
Portanto, o que faria?
Continuar ou sair.
Estava sozinho, sem ninguém para me dar ideia. Aliás, não é
possível sentir a dor que está no corpo do outrem. De tudo,
obrigados aqueles que tiveram a coragem de doar, o pouco que
tinham. De ajudar um terceiro que nem conhecem, de nós dar o
calor que eles têm. Mais uma vez, obrigado.
Sai da Beira para Maputo, em busca de melhor solução de vida,
estudar. O meu sonho de me tornar um Engenheiro tinha-se ido
embora.
Eu tinha regressado sem nenhum sucesso. Talvez, se eu não
tivesse ido para Maputo, minha mãe não teria morrido. Até o
sofrimento ter-se-ia minimizado. Ou se eu não tivesse ido
estudar. Teria morrido também. Então, fiquei sem saber, qual
seria a melhor ideia.
Fiquei conformado, porque já tinha acontecido.
A menina bonita de Maputo que eu tinha escolhido, a única que
furou o meu coração e introduziu uma rosa romântica de amor,

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como a minha parceira. Ela me abandonou. Todas as promessas
que fazíamos eram falsas. Qual é o motivo de nos enganamos
dizendo:
“Te amo”
Amo-lhe, mas ela não está comigo. O Ciclone levou o coração
da minha vida. A querida mãe que me consolava, sempre me
dizia:
“Sou a sua mãe e sempre serei.
Não deposite cem por cento de confiança numa mulher.
Ela pode ser a sua esposa hoje e manhã, a esposa de outrem.”
Mãe, não levei em conta as suas palavras. Mas hoje é a
realidade. Agora, assim que você partiu. Quem fará o mesmo?
A dor de amor.
A perda de ente querido.
Todas as perdas num único coração. Desse jeito, como
sobreviver faces as perdas incomparáveis.
A solidão está-me dominando e sou o inimigo dela.
-Quem virá-me salvar?

Quem beijará com um pobre órfão de pai e mãe? O Jovem


humilde que não tem nenhum centavo na carteira, para o pão de
cada dia.

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Quem terá essa coragem?
Afoiteza de se enfiar no rumo de martírio que eu padeço.
Agora, tudo voltando a normalidade. O nível das águas voltando
também a sanidade.
O sol brilhando para todos os sobreviventes e fazendo enxugar
as lágrimas que mana nas bochechas de milhares dos
moçambicanos.
O apagão, ainda dominando o espaço.
A iluminação artificial, sem sucesso. Porque os danos foram
piores e irreparáveis.
Os órgãos de comunicação social interrompidos.
Nós ficamos isolados do mundo social. Tanto como do mundo
virtual. Até quando com esse episódio da novela de morte sem
título?

Outros dizem:
- É a penitência de Deus.
Eu digo, não se galhofa com o nome de Senhor.
O senhor nunca traria essa ânsia para provar a sua existência.
Nós sabemos.
As coisas voltaram a normalidade. A ajuda de caridade vinda de
deferentes pontos do mundo:

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-Europa, América, Ásia e África.
A solidariedade existe.
O mundo é solidário.
A redenção, a lazeira, o asilo e as mazelas são os pontos
comuns por onde o mundo se juntou, para apoiar as vítimas de
Ciclone IDAI. O apoio chegou. Compareceu sem reparar as
etnias que constituem o país. Veio, sem reparar a cor da pele,
nem da raça.
Os centros de acomodações estão bem lotados. Abarrotado pelos
médicos e para médicos.
Sendo homens e mulheres de deferentes cores que juraram para
salvar a vida. Vindo de deferentes pontos do mundo. Mais uma
vez. Obrigado!
Moçambique é um país. Mas nele, três cenários deferentes:
-A queda normal de chuva, no norte;
-Cheias, no centro;
-Seca, no sul.
Fora de calamidades naturais. Regista-se matanças no norte do
país protagonizado pelos desconhecidos. Afinal, o que está
acontecendo?

Até quando com esse sofrimento?

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Situações perigosas e anormais, causadas pelos fenómenos
naturais e pelos homens desonestos.
A cólera segue atrás, poucos dias depois das cheias. Afinal, até
quando com esse sofrimento?

Quem pode-me explicar? Acredito que ninguém.


Mãe, você me faz falta. Mas, como está ao lado de Deus.
Parabéns!

Descansou o sofrimento que está abalando o nosso meio:


mortes, matanças, epidemias e fome.
Mando as minhas saudações para o meu querido pai, que
morreu nas minas de Manica. Em atividades de garimpo.

Reservem um espaço condigno no vosso meio. Um espaço


confortável para o vosso filho.
Sei que, onde vocês estão, não tem calvário, não tem sangue,
não tem matanças. A crueldade ficou aqui na terra onde o seu
filho está fazendo essas declarações. Molhando o papel pelas
lágrimas por onde ele escreve, com uma caligrafia esquisita.
A beleza das letras não importam, mas sim, o que elas
expressam.
As letras tornando-se invisíveis.
Mas, ele continua a escrever.

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As palavras já inscritas no papel estão se apagando, pela fúria
das lágrimas. Mas ele não para de escrever. Não é
constrangimento para ele. Porque, elas já estão na mente. Em
nenhum dia se apagaram na memória dos moçambicanos. Mas
no papel estão se apagando.
Mãe, esse é o meu último ano na faculdade. As organizações de
caridade apoiaram-me. Assim, voltei na capital dos pais.
Recuperei a bolsa de estudo. Também, a matéria dada. Estou
caminhando com os outros. O que aconteceu, aconteceu.
Partiu, aonde eu não conheço.
Partiu, aonde eu ainda não cheguei.
Partiu, eu fiquei.
Encontrar-te-ei com o meu pai quando o meu dia chegar. Afinal,
cada um tem o seu dia de partida. Por Isso, nascemos nos
tempos deferentes e cada um tem o seu dia de partida.

Mãe! Estou recuperando o meu sorriso perdido.

Lembrando as suas palavras:


- Filho, se eu morrer, não fique mais preocupado comigo.
-Fique preocupado com a sua vida e sua família.
Entretanto, arranjarei uma outra namorada, que será a sua nora.
Cuidarei dos seus netos, até aonde eu poder. Formarei uma

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família feliz, que tanto sonhamos quando você estava em vida.
Você será sempre a minha mãe.

Último Adeus mamã!!!

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