Você está na página 1de 22

Breves considerações sobre

a análise econômica do Direito

Robson Nunes Vieira1


1. Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);
professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi), MG.

RESUMO: O presente trabalho tem como escopo


apresentar considerações acerca da aplicação da
teoria econômica – envolvendo as ciências do Di-
reito e da Economia –, na busca de diagnósticos
sobre os impactos econômicos não só na estrutura
legal, mas na própria realização da justiça enquanto
fenômeno social. O trabalho descreve, também, as
várias categorias que nascem da aplicação da teoria
econômica ao direito, bem como explica as conse-
qüências dessa aplicação no direito público e seus
reflexos na organização jurídica e administrativa.
Palavras-chaves: Economia, Direito, eficiência, in-
tervenção estatal, concorrência.

RESUMO: Breves consideraciones sobre el


análisis económico del Derecho. El presente trabajo
tiene como objetivo presentar consideraciones so-
bre la aplicación de la teoría económica – que
envuelve las ciencias del Derecho y de la Economía
– en busca de diagnósticos sobre los impactos
económicos, no solamente en la estructura legal,
mas en la propia realización de la justicia como
fenómeno social. El trabajo describe, también, las
varias categorías que nacen de la aplicación en el
derecho público y sus reflejos en la organización
jurídica y administrativa.
Palabras llaves: Economía, Derecho, eficiencia,
intervención estatal, concurrencia.
ABSTRACT: Brief considerations on the economical
analysis of the Right. The present work has the
purpose to present considerations about the
application of the economic theory – involving the
sciences of the Law and of the Economy –, in the
search of diagnoses about the economic impacts
not only in the lawful structure, but in the
achievement of justice as a social phenomenon. The
work describes, also, the several categories which
come from the application of the economic theory
to the Law, as well as it explains the consequences
of this application in the public right and its reflex in
the administrative and legal organization.
keywords: Economy, Law, efficiency, state
intervention, competition.

I– Significado da análise econômica do Direito


A análise econômica do Direito (economic analysis of Law ou Law and
economics) pode ser definida, de forma simples, como a aplicação da teoria
econômica e dos métodos estatísticos ao estudo da formação, estrutura, pro-
cessos e impacto da lei e das instituições jurídicas.1
Aplicada ao direito, data do surgimento da Economia como disciplina
autônoma (século XVIII), podendo ser encontrada na obra de Adam Smith (1996)
ao tratar da regulação dos mercados explícitos, sistema econômico, concorrên-
cia (primeiro ramo) – ou nos trabalhos de Jeremy Bentham (1984), ao em-
pregar a análise econômica do direito ao regramento de condutas fora do
mercado – acidentes, crimes, casamento, poluição, e o processo legislativo
e político (segundo ramo).2

1 Cf. CHIASSONI, Law and economics: l‘analisi economica del diritto neglio stati
uniti, 1992, p. 15-23.
Cf. ALPA, A análise econômica do direito na perspectiva do jurista, 1997, p. 5 et seq.
STIGLER assinala que “The legal scholar is asked to employ a type of economic
logic and a set of statistical techniques which are not part of his traditional training”.
STIGLER, The law and economics of public policy: a plea to the scholars, apud
CHIASSONI, Law and economics: l`analisi economica del diritto neglio stati uniti,
1992, p. 15. Sem grifos no original.
2 POSNER, Some uses and abuses of economics in law, 1979, p. 281-282. O autor
esclarece que, embora o trabalho de BENTHAM tenha sido antecipado pelo de
BECCARIA (Essay on crimes and punishments), a análise de BECCARIA foi menos
sistemática do que a de BENTHAM. POSNER, op. cit. p. 282.

122 MURIAÉ – MG
O primeiro ramo progrediu rapidamente junto com a Teoria Econômica e
a expansão da regulação governamental dos mercados (Direito Antitruste3 ,
regulação de infra-estrutura básica, Direito de Patentes, Direito Autoral, Tributá-
rio e regulação do sistema financeiro e do comércio internacional). O se-
gundo só veio a ter maior desenvolvimento, chamado por Posner de
renascimento, com os estudos empreendidos pela nova análise econômica
do direito (1979, p. 282-283).
A nova análise econômica do direito (AED – Law and Economics) surgiu
nos Estados Unidos no início da década de 1960, com um artigo de Ronald
Coase (1990, p. 133-185) sobre os problemas dos custos sociais e outro
artigo de Guido Calabresi (1961) tratando da distribuição dos riscos e a
responsabilidade civil.4

3 No âmbito antitruste a AED é conhecida como “Escola de Chicago” e representa


uma reação ao modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (“Escola de Harvard”)
que teria utilizado de forma equivocada e não sistematizada a teoria
microeconômica para demonstrar que varias condutas (restrições verticais, dife-
renciação de produtos, vendas a baixo do custo) reduzem a concorrência. A
Escola de Chicago sustenta que essas condutas não trazem restrições à concorrên-
cia e via de regra aumentam a eficiência dos mercados. Destacam ainda que o
modelo E-C-D não demonstrou téorica nem empiricamente que a concentração
traz prejuízos. A elevada concentração de mercado não é vista pela Escola de
Chicago como sinônimo de poder de mercado e resultados insatisfatórios do pon-
to de vista do bem-estar. Ao contrário, a concentração é encarada, freqüentemente,
como fruto do desempenho eficiente de empresas que logram alcançar eco-
nomias de escala, reduções de custos e melhor qualidade nos produtos, am-
pliando seu mercado. SANTACRUZ, Prevenção antitruste no Brasil – 1991/
1996, 1998, p. 49 e p. 55.
4 PACHECO, El análisis económico del derecho: una reconstrucción teórica,
1994, p. 27.
CHIASSONI enumera, entre outras características da AED, a seguinte: “In terzo
luogo, l’analisi economica del diritto è un movimento di pensiero per nulla unitario,
i cui esponenti sono economisti delle più diverse correnti, privi d’istruzione giuridica
formale (Armen Alchian, James Buchanan, Ronald Coase, Harold Demsetz, Aaran
Director, (...) George Stilger, Oliver Williamson), giuristi privi d’istruzione economica
formale (Bruce Ackerman, Robert Bork, (...) Richard Posner), e infinite, studiosi
dotati d’istruzione giuridica formale nonché d’istruzione economica formale (Guido
Calabrei, Henry Manne, A. Mitchell Polinsky).” CHIASSONI, Law and economics:
l‘analisi economica del diritto neglio stati uniti, 1992, p. 21.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 123


Posner considera também importante a obra de Gary Becker em 19575
sobre a discriminação, na qual é feita uma análise da posição econômica das
minorias, com o exame do setor trabalhista e da relação entre negros e brancos.
Considera essa análise, por uma questão cronológica, o ponto de partida da
AED, cujo debate se abre claramente com o teorema de Coase que é inter-
pretado na perspectiva normativa por Calabresi e positiva pelo próprio Posner.6
Posner esclarece ser crucial para o entendimento do movimento da AED,
a distinção entre análise econômica do direito positiva e normativa. A análise
econômica do direito positiva – adotada por Posner, consiste no que é ou tem
sido a realidade, o mundo como ele é, enquanto o enfoque normativo – pers-
pectiva de Calabresi, faz críticas para modificar a realidade, para torná-la me-
lhor, prediz como deve ser o mundo. CALABRESI em seu livro O custo dos
acidentes quer demonstrar como a sociedade pode controlar melhor a ocor-
rência de acidentes adotando uma estrutura de regras e princípios fundamenta-
das essencialmente na Economia. Para tal, Calabresi critica o sistema existente
de responsabilidade por acidentes (the tort system) e propõe a adoção de seu
sistema. A abordagem de Posner é diferente: procura descobrir de que modo o
sistema de responsabilidade suporta a hipótese do common-law como
promovedor da eficiência econômica. Ao tratar do tema em Uma Teoria da
Negligência, Posner procurou testar a hipótese anterior por intermédio de um
exame detalhado das decisões sobre o assunto no período de 1875 até 1905.
Enfim, o interesse de POSNER sobre o tort system é positivo, enquanto o de
Calabresi é normativo. 7

5 BECKER, The economics of discrimination. The University of Chicago Press,


1957, apud DURÁN Y LALAGUNA, Una aproximación al análisis económico
del derecho, p. 87.
6 Cf. POSNER, Some uses and abuses of economics in law, 1979, p. 283.
Cf. DURÁN Y LALAGUNA, Una aproximación al análisis económico del derecho,
1992, p. 83-108.
7 “The field of law and economics is too large to be surveyed adequately in a short
article, but a few distinctions may help orient reader. One that I have already
touched on is the distinction between the analysis of laws regulating explicit markets
and those that regulate nonmarket behavior. Another important distinction is
between normative and positive economic analyis of law – between the use of
economic analysis to explain what is or has been or to predict what will be. This
distinction is illustrated by the contrast between Guido Calabresi’s work on tor law
an my own. Professor Calabresi’s work has been mainly normative, especially in
his book The Costs of Accidents (...). He wants to show how society can better
control accidents by adopting a structure of rules and institutions based primarily

124 MURIAÉ – MG
Retomando o argumento sobre a evolução histórica e corroborando as
afirmações anteriores, temos que antes de 1960, a Análise Econômica do Direi-
to consistia basicamente na análise econômica do Direito Antitruste (e alguns
trabalhos em Direito Tributário, Direito das Sociedades por Ações e discussões
sobre serviço público e temas correlatos) o que proporcionou informações vali-
osas sobre o mercado, permitindo aos economistas uma maior compreensão
do mecanismo de funcionamento, da racionalidade econômica e das conseqü-
ências das práticas monopolísticas. Tais descobertas proporcionaram um trata-
mento jurídico mais compatível com a realidade (POSNER, 1998, p. 25). A
‘velha’ AED, na perspectiva de Adam Smith, se refere a leis que afetam o
funcionamento da economia e dos mercados. Examina os efeitos que a lei tem
sobre a concorrência, o desempenho dos mercados, indústrias e empresas,
bem como sobre variáveis econômicas como preços, investimentos, lucro, dis-
tribuição de renda e utilização de recursos. Inclui as leis que afetam a concor-
rência, a regulação das atividades econômicas, os impostos e o comércio, cujas
aplicações evidenciaram-se diante das privatizações e novo modelo
liberalizatório inspirado na economia de mercado, os quais paradoxalmente
colocam em primeiro plano a regulação das atividades econômicas
(VELJANOVSKI, 1994, p. 21-22).

on economics. A reformer in the Bentham tradition, Calabresi is highly critical of


the existing system of accident liability – the tort system – because he regards it as
an obstacle to the adoption of his version of optimal accident regulation. My
approach to torts is different. I have been interested primarily in discovering to
what extent the tort system supports the hypothesis that common-law rules and
institutions tend to promote economic efficiency. My 1972 article A Theory of
Negligence attempted to test that hypothesis by a detailed examination of tort
decisions in the period of 1875-1905 (...). My interest in the tort system is, in short,
positive and Calabresi’s normative.
The distinction between positive and normative, between explaining the world
as it is and trying to change it to make it better, is basic to understanding the law-
and-economics movement.” POSNER, Some uses and abuses of economics in
law, 1979, p. 284-285. Sem negritos no original.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 125


Não é nova a aplicação da teoria econômica ao direito. Nova é a
multiplicidade de problemas jurídicos a que hoje se aplica a teoria econômica,
especialmente em campos do common law (POSNER, 1998, p. 23-24) como
responsabilidade civil, contratos, teoria e prática da pena, processo civil, penal
e administrativo, teoria da legislação, aplicação da norma jurídica e administra-
ção judicial e mesmo ao direito constitucional, administrativo, direito de família
e teoria geral do direito (1998, p. 25).
Os dois trabalhos, de Calabresi e Coase, mencionados acima, se desta-
caram pela contribuição ao desenvolvimento da AED. Ambos trataram da res-
ponsabilidade civil por acidentes (responsabilidade por danos a terceiros – The
Law of Torts) (VELJONOVSKI, 1994, p. 30).
Os artigos de Coase e Calabresi não trataram da regulação dos servi-
ços de utilidade pública, foco principal da análise econômica do direito
empreendida na época. A respeito da análise econômica da regulação
Veljanovski assinala:

(...) a importância crescente da intervenção governamental


na economia norte-americana estimulou alguns
economistas a dedicarem atenção aos modelos e à
mensuração dos efeitos da regulação sobre as atividades
econômicas. ‘Entre outros’, o artigo de Stigler (What can
regulators regulate? The case of electricity. Journal of Law
and Economics, v. 5, 1962) marca o começo de tentativas
rigorosas dos economistas de estudar a assim chamada
regulação dos serviços de utilidade pública. Outra
contribuição marcante foi o livro ‘The Economics of
Regulation’, de Alfred Kahn (...). De uma maneira
diferente, George Stigler, economista de Chicago, elaborou
os rudimentos de uma teoria positiva da regulação,
indicando que os governos não tinham interesse na
eficiência ou em algum conceito geral de interesse público.
A hipótese central de Stigler é a de que a regulação é
conseguida por grupos eficientes de interesse,
invariavelmente produtores ou setores da atividade
econômica regulada, e não por consumidores. ’Em geral’,
argumenta Stigler, ‘a regulação é conseguida pelo setor
econômico interessado e é destinada e executada
primeiramente em seu benefício’, por meio de uma
redistribuição de renda que lhe é vantajosa, ensejada por
políticos que, em troca, recebem apoio eleitoral. (...) Muitas
normas reguladoras são vistas como barreiras à competição
econômica, comprometendo assim o processo criador de
riqueza (1994, p. 29-30).

126 MURIAÉ – MG
II – Coase e o problema dos custos sociais

Em seu artigo, The problem of social cost, Coase trata do custo social
ou das externalidades8 produzidas pelas atividades econômicas, sendo, em ter-
mos gerais, uma crítica à postura intervencionista outorgada ao Estado pela
teoria econômica nas soluções dos problemas das falhas de mercado. Coase
ressalta a incoerência da teoria econômica ao ignorar o problema dos custos
que a própria intervenção do Estado cria ao procurar corrigir as falhas do merca-
do. Para o autor, tal intervenção só seria admissível se implicasse em um custo
menor que o custo da falha de mercado que se buscava corrigir. Seu ensaio
contém as premissas fundamentais desta nova abordagem e constitui o ponto
de partida de toda a análise econômica do Direito permitindo a introdução da
análise custo-benefício ao processo de tomada de decisões jurídicas e a utiliza-
ção pelos juristas do aparato analítico dos economistas para examinar e quantificar
os efeitos do direito (COASE, 1990, p. 133-185).
A questão principal analisada por Coase relaciona-se aos atos que provo-
cam danos a terceiros. O ponto de partida do autor (1990, p. 133-185) é a
discordância às conclusões feitas por Pigou a respeito dos prejuízos sofridos por
terceiros, cujas propriedades localizam-se nas vizinhanças de uma fábrica
emissora de fumaça. Os custos suportados pela empresa são chamados custos
privados, enquanto a soma total dos custos é denominado custo social
(PIGOU, 1950).
Coase critica a posição de Pigou, segundo a qual, o dono da fábrica seria
responsabilizado pelo dano causado e como solução para o caso, deveria exigir-
se o pagamento de um imposto ou o equivalente em dinheiro para indenizar o

8 A externalidade ou custo externo é um custo ou benefício advindo de uma ativida-


de econômica e que incide sobre terceiros alheios a essa atividade. São
externalidades a fumaça gerada por uma indústria, o ruído (barulho) dos aviões em
um aeroporto localizado em áreas residenciais ou próximo a reservas ambientais,
a contaminação de um rio por lixo industrial. Também é externalidade a valoriza-
ção de um terreno em conseqüência de urbanização. Cf. PACHECO, El análisis
económico del derecho: una reconstrucción teórica, 1994, p. 27-28.
STIGLER assinala: “Não pode haver dúvida quanto à existência destes efeitos exter-
nos no comportamento de um indivíduo. De fato, na mais estrita as lógicas, há
muito poucas ações cuja totalidade de conseqüências beneficia o agente. Se eu
educar bem meus filhos, a comunidade (espera-se) se beneficiará pela redução em
delinqüência, por cidadãos mais esclarecidos, e assim por diante; se eu planto um
gramado, meus vizinhos ficam satisfeitos (...).” STIGLER, A teoria dos preços, 1970,
p.117-118.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 127


dano provocado, ou ainda, seria proibido o funcionamento de fábricas em zo-
nas residenciais ou onde pudessem provocar prejuízos a terceiros.
Coase considera a solução do problema em termos recíprocos, apontan-
do que a obrigação de indenizar não deve necessariamente ser atribuída ao
dono da fábrica. A questão principal implica em decidir se o valor provoca-
do pela poluição da fábrica é maior ou menor que o valor de terceiros não
sofrerem danos.
Durán y Lalaguna assinala:

(...) COASE utiliza, entre otros ejemplos, el defendido por


Stigler referido a la contaminación de um arroyo. El efecto
dañoso producido por la polución es la muerte de los peces.
La cuestíon a decidir es la siguiente: el valor de los peces
es mayor o es menor que el valor del produto que facilita
la contaminación del arroyo .
(...) no siempre los bienes que se plantean en conflito son
idénticos, en cuyo caso habría que establecer una mínima
jerarquía. Y una ves establecida quizá lo más problemático
sería delimitar cuáles son los criterios en función de los
cuales los bienes se traducen monetariamente. Es decir,
cuando se está planteando aquí el término ‘valor’. Coase
parece centrarlo en el orden económico. Y si efectivamente
es así, estamos ante un supuesto de interpretación positiva
(...).
(...) Coase analiza com detalle el sistema de precios, com
responsablidad por daños, del que lógicamente discrepa
entendiendo que prescinde de la relación recíproca (...).
(...) analiza otra possibilidad, diferente, que sería un sistema
sin responsabilidad por danõs. Y en ese supuesto, el
resultado último al que se llegue (que maximizará el valor
de la producción) es independiente de la posición legal, si
se asume efectivamente el trabajo sin costes (1992, p.
111-112).

Ao considerar a responsabilidade recíproca pelos danos envolvidos nas


atividades produtivas e seu impacto sobre os custos sociais e privados, foi de-
senvolvido o “Teorema de Coase”9 , segundo o qual: em uma sociedade de

9 Cf. exposição detalhada e didática sobre o Teorema de COASE e custos de transa-


ção em COOTER e ULEN, Law and economics, 1997, p. 79-89.

128 MURIAÉ – MG
livre mercado, pressupondo concorrência perfeita, informação perfeita e sem
custos de transação, a distribuição dos recursos será eficiente e não afetará as
disposições legais, respeitando o impacto inicial dos custos que resultam das
externalidades – ou seja, quando os custos de transação ou negociação são
nulos, os direitos de propriedade serão transferidos aos agentes que atribuam o
maior valor a estes direitos. Coase demonstrou ainda que o nível de poluição
seria o mesmo, quer a lei atribuísse a responsabilidade ao poluidor ou não,
desde que as partes envolvidas pudessem reunir-se para negociar a custos
não proibitivos. Os ganhos da não negociação e não os decorrentes da lei,
determinariam o destino dos recursos entre suas utilizações alternativas
(VELJANOVSKI, 1994, p. 310).
Embora a hipótese de ausência de custos de transação seja irreal, do
ponto de vista de um modelo teórico, traz vantagens para a análise jurídico-
econômica do mundo real, tal como ocorre com a concorrência perfeita ou a
teoria dos mercados contestáveis. 10
Stigler, no capítulo 6 de sua Teoria dos Preços, ao tratar de custos priva-
dos e custos sociais, faz considerações relacionadas ao artigo seminal de Coase,
em que relaciona conceitos jurídicos e econômicos, ficando clara a
interdisciplinaridade entre Teoria Econômica, Direito de Defesa da Concorrên-
cia, Law and economics e Direito Econômico.11

10 STIGLER faz algumas obervações sobre princípios metodológicos (baseados em


MILTON FRIEDMAN, The structure of social action): “The purpose of the study of
economics is to permit us to make predictions about the behavior of economic
phenomena under specified conditions. The sole test of usefulness of an economic
theory is the concordance between its predictions and the observable course of
events. Often a theory is criticized or rejected because its assumptions are
‘unrealistic’. Granting for a moment that this charge has meaning, it burdens
theory with an additional function, that of description. This is a most
unreasonable burden to place upon a theory: the role of description is to parti-
cularize, while the of theory is to generalize – disregard an infinite number of
differences and capture the important common element in different phenomena.”
STIGLER, Monopolistic competition in retrospect, in STIGLER, The organization
of industry, 1983, p. 319-320. Sem negritos no original.
11 “Uma das perguntas mais tendenciosas em economia tem sido: quando os custos
privados e sociais divergem apreciavelmente, a competição conduzirá a quantida-
des e preços corretos? Sob concorrência, não irá a fábrica de produtos químicos
vender a preços que não cobrem os custos da poluição, de maneira que seus
custos sejam demasiadamente baixos, e seu volume de produção demasiadamen-
te alto?

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 129


Para responder a essa pergunta, transportemo-nos para um outro exemplo que tem
uma longa história com aspectos jurídicos – a do gado que invade a propriedade
vizinha. Numa região, até então não cercada e usada para a plantação de trigo,
chega um criador de gado. A menos que esteja cercado, o gado desse criador
ocasionalmente penetrará nos campos de trigo, danificando a safra.
Levando em consideração os danos, sob o ponto de vista social, usar a fazenda
para criar gado é desejável, somente se o rendimento líquido adicional da terra é
maior do que plantar trigo. Deve-se apurar qual o menor dos dois (1) o custo anual
de cercar a fazenda de gado, ou (2) o custo do dano para as culturas vizinhas.
Imaginemos que a criação de gado se enquadra neste teste.
Se o criador não tem responsabilidade, ou somente responsabilidade parcial,
pelos custos impostos aos outros pela penetração de seu gado, parece que ele
obterá um maior rendimento com gado do que com trigo. Como resultado, mais
agricultores se converterão em criadores, e então haverá muita carne e insuficiente
quantidade de trigo na comunidade.
(...) Em nosso caso do gado que pasta livremente, é claro que a imposição legal
fazendo com que o criador seja responsável pelo custo de cercar ou pelo prejuízo
causado à plantação equalizará os custos privados e sociais; uma lei contrária
(segundo parece) não ocasionaria isso. Mas, suponhamos, para inverter a situaçõ
toda, que a área tenha originalmente sido destinada à criação de gado e que nela
aparecesse um plantador de trigo. O argumento é absolutamente análogo, mas
desta vez chega à conclusão de que o plantador de trigo deve pagar pela cerca! É
a sua chegada que cria o problema do gado errante, e, por conseguinte, para obter
o verdadeiro custo (social) de seu trigo, devemos tomar em consideração os danos
que ele infligiria aos criadores de gado se estes tivessem, por exemplo, de levantar
cercas. Precisamos de duas leis: uma impondo os custos de cercar sobre os
plantadores de trigo, e outra impondo os custos aos criadores.
A simetria fundamental nas relações entre plantadores de trigo e criadores de gado
– não importa a que lado a lei responsabilize por danos – merece elaboração.
Consideremos mais de perto o criador intruso.
(...) Quando o criador aumenta seu rebanho de 10 para 11 cabeças, sua receita
aumenta em $ 5, mas isto se dá ao custo de $ 1 – o dano marginal para os
plantadores. Logo, seu ganho líquido é $ 4. De modo semelhante ele adiciona $ 4
à receita, e $ 3 ao custo (pelos danos) para o 12º animal, ao ganho líquido de $ 1.
O 13º animal adicional mais ao custo ($ 4) do que à receita ($ 2) e, portanto, esse
animal não será criado.

130 MURIAÉ – MG
Se a lei responsabilizar o plantador pelos danos, o rebanho ainda será de 12
cabeças. Porque agora os plantadores oferecerão ao criador somas iguais ao dano
marginal se ele não aumentar o rebanho. Se, por exemplo, o rebanho for de 12
cabeças,os plantadores oferecerção até $ 4 para o criador não acrescentar a 13ª
cabeça de gado. Desde que ele peder esta receita pela inclusão do 13º animal,
este é o custo (porque os custos são alternativas prévias). A maneira por que a lei
determine a responsabilidade não afetará o custo marginal privado da produ-
ção de gado e de trigo.
Mas este procedimento obviamente conduz aos resultados sociais corretos – os
resultados seriam obtidos se tanto a fazenda de gado como as de trigo perten-
cessem ao mesmo dono. O teorema de Coase, assim assevera, que sob concor-
rência perfeita os custos sociais e privados serão iguais. Esta proposição é tanto
mais notável para nós, economistas mais velhos que, durante uma geração, acredi-
tamos no oposto disso, do que será para o jovem leitor que nunva esteve errado
neste ponto.
A proposição de que o volume de produção não será afetado pela maneira pela
qual a lei determina a responsabilidade por danos parece surpreendente. Mas
não deveria ser. Muitas vezes, as leis provam não ter importância: as leis especifi-
cando que o vendedor ou alternativamente, o comprador deve pagar o imposto
sobre vendas a varejo são em efeito completamente equivalentes. De modo igual,
a determinação de responsabilidade por danos pode ser ignorada: é só imagi-
nar que o mesmo fazendeiro cria gado e planta trigo, e se torna óbvio que a
determinação de seu volume de produção será independente da responsabili-
dade. Ou será proveitoso criar gado e plantar trigo, e então, um ‘produto’ ’pagará’
o quantum necessário para maximizar a soma dos volumes de produção dos dois
(não importa quais sejam os arranhos legais), ou não será proveitoso, e então, um
dos produtos não será produzido.
A proposição precisa, com certeza, ser qualificada por um fato importante.
Quando uma fábrica lança fumaça sobre milhares de residências, a solução
ideal é arranjar um sistema de compensação pelo qual os proprietários de
residências paguem à fabrica para instalar um redutor de fumaça, até o ponto
em que o custo marginal da redução de fumaça seja igual à soma dos ganhos
marginais dos proprietários. Mas os custos dessa transação podem ser proibitivos
– de reunir os proprietários, de avaliar os danos, etc., – de modo que, somente
uma intervenção reguladora pode ser exeqüível. Uma política reguladora em si

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 131


está longe de ser um sistema simples: o quantum da redução de fumaça, social-
mente ótimo, depende da tecnologia de redução desta, do número de pessoas
envolvidas, e assim por diante(...).
As diferenças entre custos privados e sociais, ou rendimentos têm proporcionado
um campo fértil para o controle público da atividade econômica. De fato, pode-se
atribuir a maioria das limitações à propriedade privada ou controle da proprieda-
de a tal controle público. Estes controles são de todos os graus, indo do controle do
tráfego (onde contratos privados entre dois motoristas que convergem rapidamente
seriam difíceis de negociar) às restrições nas importações de petróleo (objetivando
conservar o suprimento de petróleo doméstico)”.
(...)Embora a maioria dos controles públicos seja devida a esta fonte, eles nem
sempre são os controles mais importantes. Algumas medidas têm bases pura-
mente éticas – a redistribuição de renda, a censura a certas formas de compor-
tamento (o jogo, por exemplo).” STIGLER, A teoria dos preços, 1970, p.118-121.
Sem negritos no original. STIGLER faz exposição extensa e utiliza uma tabela anual
de produção do criador de gado, contendo quantidade de gado, total do rendi-
mento líquido privado e danos aos plantadores. Reparar a forma como o econo-
mista desenvolve o raciocínio, o que é constantemente criticado por não econo-
mistas. Esse raciocínio deve ser apreendido pelo jus-economista.
POLINSK inicia seu livro tratando do modo de raciocinar dos economistas: “When
noneconomists want to make fun of economists (...) they often tell the following
story: A shipwreck has left a physicist, a chemist, and a economist without food on
a desert island. A few days letter a can of beans is washed up on the shore: The
physicist proposes the following method of opening the can: I´ve calculated (...). If
we place a rock under the can the impact should just burst the seams without
spilling the beans. The Chemist’s response is: (...) Let’s start a fire and heat the can (...)
we can push the can off the fire if it stars to burst sooner. The economist’s reaction
is: Both of your methods may work, but they are too complicated. My approach
is much simpler: Assume a can opener.” POLINSK prossegue: “(...) The can opener
story illustrates one important truth and one important lie about economists. The
truth is that they approach problems by making assumptions. The lie is that they
make ridiculous assumptions (though, unfortunately, this is not always a lie).”
Cf. POLINSKY, An introduction to law and economics, 1989, p. 39-52. Sem
negritos no original.

132 MURIAÉ – MG
III – Calabresi e a crítica ao sistema de regulação dos acidentes

Calabresi publica em 1961 ensaio no qual utiliza a teoria econômica para


examinar o alcance dos diferentes significados contidos na noção de distribui-
ção do risco. Ressalta neste artigo a aplicação da teoria econômica à tarefa de
definir os fins que devem ser perseguidos pela responsabilidade civil resultante
de danos em acidentes, bem como avaliar quais sejam as normas ou regras
mais eficazes para se alcançar o resultado tido como ótimo.12
O artigo de Calabresi foi o primeiro esforço sistemático feito por um
jurista para analisar as leis de responsabilidade por danos a terceiros do pontos
de vista econômico.13
Segundo o autor, o objetivo da lei sobre acidentes era o de “minimizar o
total de custos dos acidentes e dos custos para evitar acidentes”. Os custos dos
acidentes seriam minimizados se a parte que poderia ter evitado o acidente ao
menor custo fosse responsabilizada pelas perdas decorrentes, o que foi chama-
do por Calabresi, “o custo-mais-baixo-da-prevenção”. A idéia pode ser assim
exemplificada: um taxista atropela um pedestre, causando-lhe danos no valor
de $ 200. Descobre-se que o acidente resultou de uma falha do motorista em
equipar seu carro com freios novos, no valor de $ 50. Resulta claro que os
usuários das vias públicas e a comunidade em geral teriam sido beneficiados se
o motorista tivesse trocado os freios do carro. Esse benefício seria de $ 150 (a
perda de $ 200 menos o custo dos freios, $ 50). No caso do motorista ser
obrigado a pagar $ 200 à vítima, sem a menor dúvida, teria preferido comprar
freios novos. Uma regra de responsabilidade que transfere a perda sempre que
estimulasse o motorista a colocar novos freios em seu carro, torna a solução
mais barata para o indivíduo e maximiza a riqueza da sociedade com uma
solução mais eficiente (produzir mais, ao custo mínimo), racional e que atende
melhor aos interesses envolvidos.14

12 CALABRESI, Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts, Yale Law
Journal, v. 68, 1961, p. 499 e ss., apud PACHECO, El análisis económico del
derecho: una reconstrucción teórica, 1994, p. 29.
Cf. CHIASSONI, Law and economics: l‘analisi economica del diritto neglio stati
uniti, 1992, p. 113-140.
13 MERCURO e MEDEMA, Economics and the law: from Posner to post modernism,
1999, p.66-83.
Cf. ALPA, A análise econômica do direito na perspectiva do jurista, 1997, p. 18.
14 Cf. POLINSKY, An introduction to law and economics, 1989, p. 39-52.
Cf. CALABRESI, La responsabilità civile como diritto della società mista, 1982, p.
496-516.
Cf. CALABRESI e MELAMED, Modelli di analisi economica e regole giuridiche
nella disciplina della proprietà, 1982, p.145-154.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 133


A qualidade especial da contribuição de Calabresi consistiu em mostrar o
poder de alguns simples princípios de economia para racionalizar toda uma lei,
e desenvolver uma base coerente para o seu aperfeiçoamento (COOTER; ULEN,
1997, p. 98-99).
15
IV – A eficiência de Posner
O desenvolvimento da Análise Econômica do Direito como disciplina
autônoma surgiu no início dos anos 70 com o manual Economic Analysis of
Law de Richard Posner,16 em que é feito um estudo sistemático da maioria dos
setores do sistema jurídico norte-americano sob a perspectiva da análise econô-
mica. O grande desenvolvimento dos estudos foi acompanhado de contunden-
tes críticas (POLINSKI apud ALPA et al, 1982, p. 588). Na década seguinte a
Análise Econômica do Direito adquiriu maturidade como disciplina autônoma
dentro da teoria jurídica e se expandiu além dos Estados Unidos.17
A doutrina econômica tradicional utiliza o conceito de eficiência (alocativa)
formulado pelo economista italiano Wilfredo Pareto, conhecido como “ótimo
de Pareto” ou “Pareto superior” , segundo o qual é eficiente qualquer alteração
econômica que coloque alguém em situação mais vantajosa sem que outro
fique em situação desvantajosa.18

15 MORGAN dá alguns conceitos de eficiência: a eficiência alocativa representa “(...)


the allocation of economic goods to the people who value them most (...)”.
‘Productive efficiency,’ i.e., letting firms achieve the size at which the cost of production
is least, even if that means there will be only a relatively few, large firms in some
industries. ‘Dynamic efficiency,’ i.e., the desire to protect the competitive process
itself and especially to preserve the opportunity for new firms to enter existing
markets or create new ones.” MORGAN, Cases and materials on modern antitrust
law and its origins, 2001, p. 31.
16 Cf. a quinta edição. POSNER, Economic analysis of law, 1998.
Cf. ALPA, A análise econômica do direito na perspectiva do jurista, 1997, p. 37-38.
17 Cf. CHIASSONI, Law and economics: l‘analisi economica del diritto neglio stati
uniti, 1992, p. 141-177.
Cf. PACHECO, El análisis económico del derecho: una reconstrucción teórica,
1994, p. 30.
18 AMARTYA SEN no capítulo V (Mercados, Estado e oportunidade social) ao tratar de
Mercados e Eficiência afirma que na ausência de imperfeições de funcionamento
do mercado “(...) têm sido usados modelos clássicos de equilíbrio geral para de-
monstrar os méritos do mecanismo de mercado na obtenção da eficiência econô-
mica. Esta é tradicionalmente definida por meio do que os economistas denomi-
nam “otimalidade de Pareto”: uma situação na qual a utilidade (ou bem-estar) de
qualquer pessoa não pode ser aumentada sem reduzir a utilidade de alguma
outra.” SEN, Desenvolvimento como liberdade, 1999, p. 141.
Cf. POLINSKY, An introduction to law and economics, 1989, p. 7.

134 MURIAÉ – MG
Esta hipótese dificilmente é encontrada na realidade conforme aponta
Hovenkamp, ao lembrar que mesmo uma lei prescrevendo a punição ao furto
é Pareto ineficiente, uma vez que estabelece uma situação desvantajosa para
os criminosos, o mesmo ocorrendo quando normas de defesa da concorrência
incidem sobre condutas anticompetitivas. Daí ser mais apropriado considerar a
eficiência alocativa pelo critério “Pareto Potencial”.19
Posner utiliza o conceito de eficiência que mais se aproxima da realida-
de, o de “Kaldor-Hicks”,20 também chamado “Pareto Potencial”. Nessa hipóte-
se, situação eficiente é aquela em que os benefícios são superiores às
perdas e os prejuízos sofridos por terceiros podem ser compensados, ainda
que isso não ocorra.
Desse modo, eficiência para Posner significa o resultado da maximização
do valor, obtido na exploração dos recursos necessários à satisfação das neces-
sidades econômicas do homem. Há eficiência quando se atinge o valor máximo
proposto pelo vendedor, comparado ao valor máximo que se tem a intenção de
pagar, situação em que ocorre incremento de riqueza para ambas as partes
(POSNER, 1998, p. 13-17).

19 «The concept of Pareto-superiority is so rigorous that it would be satisfied by only


the most trivial of social changes. (...) All legal changes – even outrageously good
ones–have adverse effects on at least one person. The adoption of a rule condemning
robbery, for example, makes robbers worse off. Likewise, the adoption of a legal
rule against monopolization or price fixing is not Pareto-superior for the same
reason: it makes monopolists and price fixers worse off than they were before the
rule was adopted.” HOVENKAMP, Federal antitrust policy: the law of competition
and its practice, 1999, p. 74.
20 MERCURO e MEDEMA observam que: “(...) the ‘Economics’ in Law and Economics
is a body of literature that it is comprised primarily (...) of the concepts within
neoclassical microeconomics and welfare economics, where the operative
organizing concepts are Pareto efficiency in exchange, Pareto efficiency in
production, and Kaldor-Hicks efficiency (i.e., wealth maximization). MERCURO e
MEDEMA, Economics and the law: from Posner to post modernism, 1999, p.13.
BORK trata da eficiência alocativa e da produtiva: “(...) Allocative efficiency, as used
here, refers to the placement of resources in the economy, the question of whether
resources are employed in tasks where consumers value their output most.
Productive efficiency refers to the effective use of resources by particular firms.“ O
autor acrescenta que estas eficiências compõem a eficiência geral que determina
o nível de riqueza de nossa sociedade, ou bem-estar do consumidor. Toda a
atuação antitruste pode ser resumida no esforço de aperfeiçoar a eficiência
alocativa sem prejudicar a eficiência produtiva de tal forma que implique em
um não-ganho ou perda no bem-estar do consumidor. BORK, The antitrust
paradox: a policy at war with itsef, 1993, p. 91-92.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 135


Posner baseando o fundamento da norma jurídica no conceito econômi-
co de eficiência, afirma que o common-law21 deve ser visto como um esforço
para vincular custos à violação de princípios que operam para acentuar a efici-
ência de uma economia de mercado.22 As regras do common-law tendem à
realização de uma lógica econômica de maximização da eficiência23 na alocação
dos recursos sociais, sendo pois um método de análise mais adequado para a
compreensão das regras e instituições jurídicas. A eficiência passa a ser conside-
rada o principal objetivo do Direito (NUSDEO, 2002, p. 178).
Uma breve comparação entre análise tradicional e a abordagem da aná-
lise econômica do Direito pode ser feita no estudo das barreiras à entrada
aplicadas ao Direito Antitruste.24 Para a manutenção de um mercado competi-
tivo as barreiras à entrada devem ser baixas.25 Na análise tradicional, os atos de
concentração, geralmente, resultam na formação de barreiras à entrada. A Law
and economics critica este entendimento ao afirmar que nem sempre as barrei-
ras são formadas em conseqüência da concentração de mercado. 26

21 POSNER afirma que as regras da common law, formuladas em grande parte no


século XIX, quando a ideologia dominante era a do laissez-faire, são superiores, em
termos de eficiência, à legislação escrita, que incorpora pressões distributivistas por
certos grupos de interesses. Idem, bisidem, p. 23.
22 VANDEVELDE, ao tratar da eficiência no common law sob o enfoque da escola da
Análise Econômica do Direito (as normas jurídicas no common law encarnariam o
valor da eficiência), cita a fórmula do Juiz LEARNED HAND, segundo a qual “o
direito de negligência torna responsáveis aqueles que não tomam precauções para
evitar acidentes quando o custo da prevenção é menor que a responsabilidade
potencial, descontada a probabilidade de que a perda vá ocorrer; no entanto,
isenta os que não tomam precauções quando o custo da prevenção é maior que a
perda provável. Desse modo, o direito de negligência só responsabiliza um agente
quando ele revela ineficiência.” Ou seja, o exame dos efeitos das normas jurídicas
levaria à constatação de que essas normas promovem resultados eficientes.
VANDEVELDE, Pensando como um advogado: uma introdução ao raciocínio
jurídico, 2000, p. 167-168. Cf. ALPA, A análise econômica do direito na perspec-
tiva do jurista, 1997, p. 39-40.
23 Cf. POSNER, The economics of justice, p. 103 (“Why the Common Law Is Efficient”).
24 Direito Antitruste, Direito Econômico da Concorrência, Direito de Defesa da Con-
corrência, Direito Concorrencial e Política de defesa da concorrência são, neste
contexto, termos sinônimos.
25 BAIN, Barriers to new competition, 1993, p. 17-25.
26 POSNER, Antitrust law, 1976, p. 25.

136 MURIAÉ – MG
POSSAS afirma que estas barreiras se existirem, são logicamente
preexistentes à própria configuração do mercado e suas estruturas de parcelas
de mercado (market shares) atuais, porque elas decorrem de condições estrutu-
rais, técnico-produtivas e de mercado, que não são essencialmente alteradas
por eventuais operações de concentração.27
Possas (1996) considera como distorcidos os critérios de dimensionamento
do mercado relevante. Há uma tendência de subestimação do potencial com-
petitivo e inibidor de práticas abusivas, visto que a própria definição de merca-
do relevante torna a possibilidade de substituição de serviços ou produtos pelo
consumidor muito restrita.
Posner (1976) adverte que nestas condições o poder de mercado das
empresas se torna superestimado fazendo com que um número surpreendente
de fusões inócuas possam vir a parecer perigosamente monopolísticas.28

27 POSSAS et al, Política anitruste: um enfoque schumpeteriano, in Revista de Direito


Econômico, n. 22, jan./mar. 1996, p. 60.
28 SCHUARTZ compara o paradigma E-C-D (Escola de Harvard), a análise antruste do
movimento Law and Economics (Escola de Chigago) e o enfoque Schumpeteriano:
“(...) O desenvolvimento da dogmática do direito de defesa da concorrência está
caracterizado por uma interação cada vez mais íntima entre direito e teoria econô-
mica. Se tal interação praticamente inexistia nos primórdios desse processo, hoje
ela é absolutamente indispensável (...).
Seja como for, o que restou de positivo do confronto entre as escolas de Harvard e
de Chicago é a certeza de que o paradigma estrutura-conduta-desempenho não
deve ser absolutizado, o que complexifica ainda mais as coisas, demandando uma
especialização cada vez mais intensa e muita sutileza analítica. Resumindo bastante
o argumento decisivo: se a unilateralidade do paradigma estrutura-conduta-de-
sempenho pôde ser desnudada mediante a constatação de que o sentido de
casualidade pode ser invertido (conduta-estrutura), ela também é passível de con-
testação a partir de reflexões bem mais profundas, como por exemplo, a hipótese
schumpeteriana bem fundada de que o atributo econômico essencial da concor-
rência está na constante busca pelos agentes de lucros superiores aos respectivos
custos - lucros monopolísticos - mediante a geração contínua de inovações nos
produtos e nos processos produtivos. E o que é mais importante: que é justamente
aí, isto é, nesse processo de destruição/criação de estruturas econômicas e sociais
mediante inovações no sentido do aumento da eficiência, que reside a vantagem
desse sistema econômico (em relação aos outros historicamente existentes), além
de constituir o motivo principal - senão o único - pelo qual a concorrência poderia
ser defendida.” SCHUARTZ, Fundamentos do direito de defesa da concorrência
moderno, p. 5, disponível em : <http://www.ie.ufrj.br/grc/artigos.htm>.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 137


V – Crítica e importância da análise econômica do Direito

Nusdeo alerta para as polêmicas envolvendo a Law and Economics:

(...) o enfoque da Análise Econômica do Direito é alvo de


intensas críticas, as quais apontam desde a dificuldade de
se realizarem efetivamente transações em grande parte
das situações, exigindo a imposição de uma solução pelo
Direito, até a impossibilidade de contabilização dos custos
e benefícios de todos os indivíduos envolvidos numa
determinada alocação. A crítica mais fundamental, no
entanto, diz respeito à validade da eficiência como objetivo
a ser perseguido pela sociedade. Contrariamente, outros
objetivos ou valores definidos pelo processo político devem
ser promovidos pelo Direito independentemente de o
montante das perdas incorridas pelos prejudicados ser
superior ao ganho dos beneficiados.
Por outro lado, a análise econômica da eficiência de
determinadas situações jurídicas tem um caráter
instrumental bastante útil na definição não dos fins, mas
dos meios a serem utilizados na consecução das finalidades
previamente definidas, permitindo conhecer e avaliar os
custos e benefícios de uma determinada medida jurídica
(2002, p. 178-179).

No início da década de 1970 a análise econômica da concorrência elabo-


rada pela Law and Economics (Escola de Chicago) passou a ser aplicada pela
Suprema Corte dos EUA.29
Hovenkamp afirma ser o modelo da eficiência um critério poderoso,
mas limitado. A análise de Chicago peca pelo simplismo em pretender atribuir
exclusivamente à eficiência o direcionamento de políticas públicas e uma com-
preensão ampla do comportamento das empresas no mundo real. 30

29 Cf. United States v. General Dynamics Corp, 415 U.S. 486 (1974). Continental T.V.,
Inc. v. GTE Sylvania Inc., 433 U.S. 36 (1977). MORGAN, Cases and materials on
modern antitrust law and its origins, 2001, p. 485.
30 HOVENKAMP, Antitrust policy after chicago, in GAVIL, An antitrust anthology,
1996, p. 417.
MORGAN destaca em 1992 divergências na Suprema Corte quanto ao uso dos
postulados da Escola de Chicago. No Caso Eastman Kodak Co. v Image Techinical
Services, Inc., 504 U.S. 451 (1992), a eficiência é criticada como critério consisten-
te à aprovação de atos concorrenciais.

138 MURIAÉ – MG
Não obstante, Hovenkamp destaca a indiscutível, essencial e definitiva
contribuição estabelecida pela Law and Economics à política de defesa da con-
corrência, com o que corrobora Guido Alpa ao afirmar que os instrumentos da
análise econômica não se restringem ao Direito Antitruste podendo ser usados
no estudo dos demais ramos do direito e instituições jurídicas, tanto do common-
law como dos ordenamentos romanos-germânicos, ainda que se julgue no sen-
tido do sistema não tender à eficiência e mesmo admitindo que a eficiência
não deva ser considerada como um objetivo importante (1997, p. 33-34).

Referências bibliográficas

ALPA, Guido et al. Interpretazione giuridica e analisi economica. Milano:


Dott. A. Giuffrè Editore, 1982.
______. L’analisi economia del diritto nella prospettiva del giurista. In: ALPA,
Guido et al. Interpretazione giuridica e analisi economica. Milano: Dott. A.
Giuffrè Editore, 1982.
______. A análise econômica do direito na perspectiva do jurista. Tradução
de João Bosco Leopoldino da Fonseca. Belo Horizonte: Movimento Editorial da
Faculdade de Direito da UFMG, 1997.
BAIN, Joe S. Barriers to new competition, their character and consequences
in manufacturing industries. Cambridge: Augustus M. Kelley, Publishers, 1993.
BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legisla-
ção. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
BORK, Robert H. The antitrust paradox: a policy at war with itsef. New York:
The Free Press, 1993.
CALABRESI, Guido. Prefazione. In: ALPA, Guido et al. Interpretazione giuridica
e analisi economica. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1982.
______. La responsabilità civile como diritto della società mista. In: ALPA, Guido
et al. Interpretazione giuridica e analisi economica. Milano: Dott. A. Giuffrè
Editore, 1982.
CALABRESI, Guido; MELAMED, A. D. Modelli di analisi economica e regole
giuridiche nella disciplina della proprietà. In: ALPA, Guido et al. Interpretazione
giuridica e analisi economica. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1982.
CHIASSONI, Pierluigi. Law and economics: l‘analisi economica del diritto neglio
stati uniti. Torino: Giappichelli, 1992.
COASE, Ronald H. The firm, the market, and the law. Chicago: The University
of Chicago Press, 1990.
______. La empresa, el mercado y la ley. Madrid: Alianza Editorial, 1994.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 139


______. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, Chicago,
n. 3, p. 1-44, out. 1960.
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and economics. 2. ed. New York:
Addison-Wesley, 1997.
DURÁN Y LALAGUNA, Paloma. Una aproximación al análisis económico
del derecho. Granada: Editorial Comares, 1992.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard Universtiy
Press, 1978.
DWORKIN, Ronald. Why efficicency? Hofstra Law Review, v. 8, n. 563, s/r.
EASTERBROOK, Frank H.; POSNER, Richard A. Antitrust: cases, economic notes
and other materials. 2. ed. St. Paul: West Group, 1999.
FARIA, Guiomar T. Estrella. Interpretação econômica do direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1994.
FRIEDMAN, Milton. Capitalism and freedom. Chicago: The University of
Chicago Press, 1962.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. São Pau-
lo: Malheiros, 2000.
HOLMES, Oliver Wendell. O caminho do direito (the path of the law). Harvard
Law Review 10, 457 (1897). In: MORRIS, Clarence. Os grandes filósofos do
direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
HOVENKAMP, Herbert. Antitrust policy after chicago. In: GAVIL, Andrew I. An
antitrust anthology (Cap. X – Antitrust and ideology – The emergence of the
chicago school paradigm and responses to it). Cincinnati: Anderson Publishing
Co, 1996.
HOVENKAMP, Herbert. Federal antitrust policy: the law of competition and
its practice. St. Paul: West Publishing, 1999.
LANDE, Robert H. Ascensão e queda (próxima) da eficiência como reguladora
do antitruste. Revista de Direito Econômico, Brasília, n. 23, p. 39-65, abr./jun.
1996.
LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito econômico: políticas eco-
nômicas. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG,
1997.
______. Admissibilidade de atos que limitam a concorrência. Revista de Di-
reito Comparado, Faculdade de Direito/UFMG, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jul.
1997.
______. Direito econômico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

140 MURIAÉ – MG
______. Lei de proteção da concorrência – comentários à legislação
antitruste. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
MATTEI, Ugo. Comparative law and economics. Ann Arbor: The University of
Michigan Press, 1998.
MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the law: from Posner
to post modernism. 3. ed. Princeton: Princeton University Press, 1999.
MORGAN, Thomas D. Cases and materials on modern antitrust law and its
origins. 2. ed. St. Paul: West Group, 2001.
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da concorrência e globalização
econômica: o controle da concentração de empresas. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
PACHECO, Pedro Mercado. El análisis económico del derecho: una
reconstrucción teórica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994.
PIGOU, A. C. The economics of welfare. 4. ed. London: Macmillan & Co.,
1950.
POLINSKY, A. Mitchell. Costi transattivi ed equilibrio del mercato: le teorie de
Richard Posner sono um prodotto difettoso? In: ALPA, Guido et al.
Interpretazione giuridica e analisi economica. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore,
1982.
______. An introduction to law and economics. 2. ed. Boston and Toronto:
Little, Brown and Company, 1989.
POSNER, Richard A. The economic approach to law. Texas Law Review, v. 53,
n. 4, p. 757-782, may 1975.
______. Antitrust law, an economic perspective. Chicago: The University of
Chicago Press, 1976.
______. Economic justice and the economist. The public interest, v. 33, p.
109-119, 1973.
______. Some uses and abuses of economics in law. The University of Chica-
go Review, Chicago, v. 46, n. 2, p. 281-306, 1979.
______. The economics of justice. 7. ed. Cambridge: Harvard University Press,
1998.
______. El análisis económico del derecho. Mexico: Fondo de Cultura
Económica, 1998.
______. Economic analysis of law. 5. ed. New York: Aspen Law &
Business, 1998.

REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 2, N. 1, 2006 141


POSNER, Richard A.; EHRLICH, Isaac. An economic analysis of legal rulemaking.
The Journal of Legal Studies, University of Chicago, Chicago, v. III (1), jan., p.
257-286, 1974.
POSSAS, Mário Luiz; FAGUNDES, Jorge; PONDÉ, João Luiz. Política anitruste:
um enfoque schumpeteriano, Brasília, n. 22, jan./mar. 1996.
POSSAS, Mário Luiz. Os conceitos de mercado relevante e de poder de merca-
do no âmbito da defesa da concorrência. Revista do IBRAC, São Paulo, v. 3,
n. 5, 1996. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/grc/artigos.htm>. Acesso
em: 12 fev. 2002.
SANTACRUZ, Ruy. Prevenção antitruste no Brasil – 1991/1996. Rio de Janei-
ro: Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IE/UFRJ,
1998. (Tese, Doutorado em Economia).
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
SCHUARTZ, Luís Fernando. Fundamentos do Direito de Defesa da Concorrên-
cia moderno. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/grc/artigos.htm>. Acesso
em: 12 fev. 2002.
SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Abril Cultural, 1996.
STIGLER, George J. A teoria dos preços. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1970.
STIGLER, George J.; FRIEDLAND Claire. What can regulators regulate? The
case of electricity. In: STIGLER, The cititzen and the state: essays on regulation.
Chicago: The University of Chicago Press, 1975.
STIGLER, George J. The organization of industry. Chicago: The University of
Chicago Press, 1983.
VANDEVELDE, Kenneth J. Pensando como um advogado: uma introdução ao
raciocínio jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VARIAN. Hal R. Macroeconomia: princípios básicos. Rio de Janeiro: Campus,
2000.
VELJANOVSKI, Cento. A economia do Direito e da Lei: uma introdução. Rio
de Janeiro, Instituto Liberal, 1994. (do original: The economics of law - An
introductory text. London: The Institute of Economic Affairs, 1990).
WILLIAMSON, Oliver E.; WINTER, Sidney G. The nature of the firm: origins,
evolution, and development. New York: Oxford University Press, 1993.

142 MURIAÉ – MG

Você também pode gostar