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Artigo Revisado Fernanda (10463) (10476)
Artigo Revisado Fernanda (10463) (10476)
1. INTRODUÇÃO
No mundo todo, cidades buscam novas soluções para os impasses trazidos pela pandemia
de Covid-19 e outros por ela agravados, como os de saneamento, moradia e mobilidade. No Brasil,
um dos desafios urgentes a serem enfrentados visa reverter o quadro de precarização habitacional
de parte da população nas grandes cidades, que vive em ocupações irregulares, em situação de
risco à saúde e à vida. A pandemia expôs a falta de planejamento das cidades para o enfrentamento
tanto da pandemia como de suas consequências, e as incertezas que se vislumbram no atual
cenário obrigaram governos locais e setores da economia a repensar a “nova normalidade”.
A expressiva parcela da população que vive em situação precária, em domicílios
considerados “subnormais”, reclama ações de curto prazo e intervenções de regularização fundiária
para a redução de sua vulnerabilidade. Foi justamente esta parcela da população que mais se expôs
ao vírus da Covid-19, pela necessidade de utilizar o transporte coletivo e realizar longas viagens,
em face da localização periférica da maior parte desses assentamentos.
Por outro lado, tem-se previsão de crescimento do mercado imobiliário3, especialmente para
unidades residenciais de médio e alto padrão, o que contribui para as classes de mais alta renda
concentrarem-se em regiões específicas das cidades, concentrando-se nelas, também, os
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Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos. E-mail:
maria.fernanda.maymone@unisantos.br.
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Professor Doutor José Marques Carriço, Universidade Católica de Santos. E-mail: jose.carrico@unisantos.br
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIÁRIAS (ABRAINC); FUNDAÇÃO
INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS (FIPE). Indicadores. Disponível em:
https://downloads.fipe.org.br/indices/abrainc/release-indicadores-202201.pdf Acesso em: 28 mar 2022.
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investimentos e os benefícios da urbanização4.
Seguindo essa lógica, a dinâmica imobiliária em Santos, no litoral paulista e polo da Região
Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), destaca-se em grande parte por empreendimentos
verticais, com a produção de imóveis concentrados nos bairros próximos à orla marítima do
município, atraindo incorporadoras de outras regiões, com produção destinada especialmente para
classes A e B5, valorizando imóveis do entorno, provocando expulsão paulatina de população de
renda inferior para localizações distantes. Ao mesmo tempo, a área central da cidade caracteriza-
se pelo nível satisfatório de infraestrutura e esvaziamento contínuo desde início do século XX,
apresentando atualmente um elevado número de imóveis desocupados6.
O deslocamento da parcela da população mais vulnerável, para áreas periféricas e
municípios vizinhos, gera pendularidades, posto que a maior parte dos serviços e postos de trabalho
se concentra entre a área central e a orla marítima de Santos, onde se concentra a população com
maior renda7.
Com os impactos da pandemia no mundo, trazendo reflexos em vários setores da economia
brasileira, inclusive o imobiliário, como traçar uma estratégia que alie os estoques de imóveis
subutilizados ou abandonados ao cumprimento da função social da propriedade urbana? A
aplicação dos instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001, ainda
se configura um meio para o cumprimento da função social da propriedade?
Assim, o escopo desse trabalho é analisar a atuação do mercado imobiliário privado, em
Santos, e como esta dificulta o atendimento do Direito à Cidade para toda a população, avaliando-
se como a aplicação do parcelamento, edificação e utilização compulsória (PEUC), visando ao
cumprimento da função social da propriedade, pode mitigar as disfunções provocadas pela referida
atuação, buscando-se a construção de uma cidade mais sustentável, justa e igualitária.
Esta pesquisa qualitativa utilizou como base estudos técnicos e acadêmicos sobre o
Município de Santos/SP, assim como de documentos oficiais, como normas e relatórios técnicos,
entre outros, disponíveis para domínio público.
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RIOS, L. G.; CARRIÇO, J. M. Reflexões sobre o princípio da Função Social da Propriedade e a
aplicação do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóveis urbanos. Risco Revista
de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v.19. São Carlos: Universidade de São Paulo (IAU), 2021.
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AMBRÓSIO, R. P.; CARRIÇO, J. M. Ampliação dos impactos socioambientais negativos da legislação
urbanística de Santos/SP. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v.19. São Carlos:
Universidade de São Paulo (IAU), 2021.
6 BARROS, M. F.; CARRIÇO, J. M. Esvaziamento e transformação morfológica da área central de
Santos/SP: gênese e perspectivas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, n. 11. Curitiba: Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, 2019.
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PINHO, R.M.L; CARRIÇO, J. M. A urbanização na zona costeira e os impactos ambientai-o caso da RMBS
no estado de São Paulo. Revista Leopoldianum, v. 47, n. 131, 2021. p. 36.
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2. APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS
RIBEIRO, M. G. (eds.) Metrópoles brasileiras: síntese da transformação da ordem urbana 1980 a 2010.
1. ed. Rio de Janeiro: Letra Capital. 2018.p. 204.
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determinantes do acesso ao solo e moradia15.
Em Santos, o Plano Diretor prevê a aplicação do Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios (PEUC), assim como o IPTU Progressivo no Tempo, previstos no Estatuto da Cidade
e regulamentados pelo Decreto nº 8.455/201916, e a arrecadação de imóveis abandonados, entre
outros. O foco de aplicação desses instrumentos são imóveis localizados na área central de Santos,
que perdeu 90% da população entre 1950 e 2010, e teve um expressivo aumento no número de
imóveis desocupados, conforme pesquisa realizada pela própria Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Urbano (SEDURB), entre 2014 e 201617.
Segundo a Prefeitura, foram identificados e notificados 4 imóveis passíveis de aplicação do
PEUC até o momento. Na mesma base de dados, foram identificados o enquadramento e
notificação de 7 imóveis abandonados, todos na Macrozona Centro, sendo 4 destes na Zona
Especial de Renovação Urbana (ZERU) Paquetá. Deste número, 2 imóveis tiveram suas
notificações impugnadas, visto que os proprietários entraram com recurso e estes foram deferidos.
Além dos 7 imóveis notificados, outros 3 aguardam deliberação da Comissão de Análise e
Gerenciamento dos Instrumentos do Estatuto da Cidade (CAGIEC), para notificação18.
Porém, a Lei Complementar nº 1.006/201819, assim como as versões anteriores do
zoneamento de uso e ocupação do solo, não conseguiu trazer benefícios significativos para a maior
parte da população, já que ela amplia o potencial construtivo e incentiva um padrão imobiliário cujo
acesso restringe-se à minoria da população, delineando áreas habitadas quase que exclusivamente
por população de poder aquisitivo elevado, incentivando ainda mais a produção imobiliária nessas
regiões, enquanto a produção habitacional e a regularização fundiária voltadas para a baixa renda
está distante de atingir a demanda da maioria da população.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
15 FERNANDES, E.; Direito urbanístico e política urbana em tempos de pandemia. Le Monde Diplomatique
Brasil. 23 de abr. 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/direito-urbanistico-e-politica-urbana-em-
tempos-de-pandemia/?fbclid=IwAR0VXXdQrpZe9wc-q7mn43XzJZa6i-gFT1VF-jpZS7bffaxZZcLKeK1-NtQ.
Acesso em: 28 mar. 2022.
16 SANTOS (Município). Decreto nº 8.455, de 20 de maio de 2019. Regulamenta aplicação do Instrumento
Santos/SP: gênese e perspectivas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, n. 11. Curitiba: Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, 2019.
18 SANTOS (Município). Diagnóstico - Instrumentos Urbanísticos. Santos: Prefeitura de Santos; Secretaria
Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular do Município de Santos, e dá outras providências. Santos: Diário
Oficial de Santos, 17 jul. 2018. Disponível em:
https://diariooficial.santos.sp.gov.br/edicoes/leitura/mobile/2018-07-17/2. Acesso em: 22 mar. 2022.
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propriedade, inclusive em relação ao tempo demandado para seu cumprimento, ampliação da
delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o instrumento, considerando a existência
de infraestrutura e de demanda para utilização
Contudo, desafios cada vez mais complexos, como a identificação dos imóveis que não
cumprem a função social nos termos da legislação, assim como a notificação de seus proprietários
e a oferta de unidades habitacionais de interesse social em áreas com infraestrutura consolidada,
precisam ser enfrentados de modo a garantir o exercício do direito à cidade e à moradia digna,
infraestrutura básica, valorização de espaços públicos que propiciem a interatividade, o lazer e a
conectividade para todos os cidadãos, especialmente no período pós pandemia. Neste sentido,
torna-se interessante a identificação dos estoques imobiliários que se tornaram ociosos durante a
pandemia, para construção de estratégias de reconversão em moradias para as camadas inferiores
de renda da população, como é o caso de muitos condomínios de salas comerciais.
Moradia digna é um direito social assegurado pela Constituição brasileira, cabendo ao
Estado garantir o bem-estar de todos os cidadãos. E o agravamento da segregação socioespacial,
com a pandemia, exige soluções rápidas e eficientes.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Jr. Número de projetos de edifícios residenciais dobra em Santos. Jornal A Tribuna. Santos,
30 jan.2022. Disponível em: https://www.atribuna.com.br/noticias/economia/numero-de-projetos-de-
edificios-residenciais-dobra-em-santos. Acesso em: 22 mar 2022.
BRANDÃO, M. V. M. et al. Baixada Santista: desigual, periférica e complexa. In: RIBEIRO, L. C. Q.;
RIBEIRO, M. G. (eds) Metrópoles brasileiras: síntese da transformação da ordem urbana 1980 a 2010.
1. ed. Rio de Janeiro: Letra Capital. 2018.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil – 2016-2019. Belo Horizonte: FJP, 2021.
PINHO, R.M.L; CARRIÇO, J. M. A urbanização na zona costeira e os impactos ambientai-o caso da RMBS
no estado de São Paulo. Leopoldianum, v.47 n. 131, p. 21-39, 2021.
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RIOS, L. G.; CARRIÇO, J. M. Reflexões sobre o princípio da Função Social da Propriedade e a aplicação do
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóveis urbanos. Risco Revista de Pesquisa em
Arquitetura e Urbanismo, v.19, 2021. Disponível em:< https://www.
https://www.revistas.usp.br/risco/article/view/161825>. Acesso em 22 mar. 2022.