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Folha de rosto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


CIP – Brasil – Catalogação na Fonte
___________________________________________________________

Marins, Ezequias Amancio


Orando com sonhos – quando a tragédia chega em nossa casa! / Ezequias
Amâncio Marins - 1. ed. - Belo Horizonte, MG: Ed. Koinonia, 2017.
125 p.; 21 cm.

Inclui índice
1. Religião. 2. Evangelismo 3. Devocional. I Marins, Ezequias Amâncio
II. Título.

CDD: 200

ISBN 978-855990040-8
Orando com os Salmos
© 2017 de Ezequias Amancio Marins

1ª Edição: Agosto de 2017

Todos os direitos reservados por;

EDITORA KOINONIA
Rua Lindolfo de Azevedo, 1793 - Jd. América
Belo Horizonte - MG - CEP 30421-428
TEL: (31) 3657-5799
www.editorakoinonia.com.br

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Este livro foi diagramado pela:

AMS DIAGRAMAÇÃO
www.amsdiagramacao.com.br
Dedicatória
A Deus, o autor da inspiração para as exposições bíblicas
contidas nesse livro.
A minha família (Débora e João Marcos), esteio da minha
vida, e que contribuíram (cada um em sua especificidade) para
o exercício dessas lições aprendidas com os Salmos.
A minha igreja, IBACEN pelo espaço cedido em seu púlpi-
to ao longo desses 23 anos de ministério.
Aos meus colegas pastores, do nosso colegiado na IBACEN
(Léo, Macário e André Lopes) e colaboradores (Alessandro,
André Herdy e Rogério), esses são os meus amigos leais.
Agradecimentos
Também expresso meu tributo aos autores que consultei ao
longo do preparo dessas mensagens, em sua maioria já faleci-
dos, mas que, cada um a seu modo formataram meu pensamen-
to nas Escrituras Sagradas.
Sumário
Apresentação (Débora Marins)........................................................................09

Prefácio (Alessandro Clayton)..........................................................................13

Introdução............................................................................................................17

Capítulo 1 - O que fazer nos momentos difíceis da vida?..............................21

Capítulo 2 - Deus é o nosso defensor por excelência!....................................43

Capítulo 3 - Aprendendo a orar em meio ao caos!.........................................71

Capítulo 4 - Na desordem emocional, orando com lágrimas!......................97

Conclusão........................................................................................................... 123
Apresentação
Em seu livro “Oração: o refúgio da alma”, Richard Foster
cita Bernardo de Claraval dizendo: “Se você é sábio, mostra-
rá ser você mesmo, um reservatório e não um canal. Porque
um canal espalha amplamente a água que ele recebe, mas um
reservatório espera até ser cheio antes de transbordar, e então
transfere, sem perder de si, sua água em profusão.”
“Orando com os Salmos: Quando a tragédia chega em nos-
sa casa” é uma obra, escrita com muita propriedade, por alguém
que, tenho testemunhado (pelo simples fato de ser uma só car-
ne com ele), tem sido um reservatório.
De maneira simples, mas profunda, Ezequias, transfere sem
perder de si para a Igreja de Cristo, por meio de um transbordar
do Espirito Santo de Deus, a verdade da Palavra afim de com-
preendermos o propósito de Deus ao permitir que a tragédia
chegue em nossa casa.
Isso é feito em profusão, através da exposição dos Salmos 3,
4, 5 e 6. Orações onde Davi expõe a sua angústia da alma dian-
te da tragédia de uma rebelião em sua própria casa. Orações
que revelam a fragilidade humana contrapondo a soberania
de nosso Deus diante das hostilidades da vida. Orações que se
traduzem em palavras quando, nas ondas violentas do mar de
tragédias, nos falta o que dizer. Enfim, orações proferidas nos
momentos mais difíceis do nosso dia.

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Desta forma, Ezequias apresenta o Salmo 3 como a “Oração
da Manhã”. A oração que começa o dia expressando uma fé su-
prema naquele que é soberano. Aquele que sustenta a esperan-
ça da sua presença em meio a tragédia. Absalão, filho de Davi,
havia usurpado a autoridade de seu pai, por isso Davi estava em
fuga. Sua atitude: expressar sua fé unicamente em seu Senhor.
No Salmo 4, o “Salmo da Noite”, Davi, ora àquele que é o
seu defensor. Diante das ofensas, das opiniões dos homens, do
julgamento de sua própria consciência, do mau imaginário e
real. Davi recusa-se a recorrer a sua própria justiça. Seu defen-
sor por excelência e direito: o Senhor, é a quem ele recorre.
No Salmo 5, outro “Salmo da Manhã”, Davi revela a condi-
ção de sua alma a Deus. Destaca Ezequias de que a forma como
você lida com a oração revela quem você é. Tanto no aspec-
to público como secreto. Mesmo diante de um “nó teológico”
(“vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pe-
dirdes”, Mateus 5:8). A oração revela a condição de nossa alma
diante de Deus. “Deus não muda, nós mudamos”. O segredo
está em confiar.
No Salmo 6, outro “Salmo da Noite”, a oração que quebran-
ta Davi diante de Deus é a mesma que sela a sua vitória diante
das adversidades. O cenário é de uma oração feita num contex-
to de doença. Davi se derrama diante do Senhor. É uma oração
de penitência, marcada pela sinceridade de uma alma que não
teme se expor diante de seu Senhor. Mesmo estando sofrendo
no corpo, Davi sabia que a sua forte convicção de pecado era o
que causava a angústia. Diante disso ele ora.
Esta obra é marcada por um forte senso do valor da inti-
midade com Deus. Se você é alguém que tem ansiado conhecer

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mais do Senhor; é visitado constantemente, por um desejo de
desnudar-se diante dele; reconhece de que é impotente diante
das hostilidades da vida; incapaz de, por si só, encarar as tragé-
dias naturais e sobrenaturais da vida.
Este livro será um reservatório da graça de Deus, e a água
viva, que é Jesus lhe encherá até transbordar para os da sua casa,
indo até os confins da terra.
Professora Débora Fritz Santos Marins, Bacharel em Teo-
logia e em Educação Cristã pelo “Seminário Teológico Batista
do Sul do Brasil, e Graduada em Pedagogia pela “Universidade
Federal Fluminense”.

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Prefácio
Estamos vivendo em uma sociedade em que o imediatismo
domina. Cresce cada vez mais diante do caos presente a desi-
gualdade social, o desemprego, a corrupção e as diferentes pra-
gas que assolam a sociedade. Ainda há o desejo de obter solu-
ções rápidas, os problemas resolvidos imediatamente, as curas
imediatas, o dinheiro em abundância, tudo isso resumido na
frase: “queremos ter saúde para dar e vender”.
Diante deste grito por soluções imediatas na sociedade está
também os cristãos – servos do Deus vivo – a Igreja. Muitos já
têm se entregado ao pragmatismo do: “o importante é o que
está dando certo, não aquilo que é propriamente certo”, e com
isso não se entregam ao Senhor, e rejeitam toda e qualquer re-
comendação que vem das Escrituras a terem uma vida basea-
da na perspectiva de Deus, que nem sempre é o que pensamos
e sonhamos, e nem sempre acontece na hora que desejamos,
mas com certeza é o que precisamos. Nesta perspectiva divina
não existem ingredientes secretos, “pulos do gato”, ou algo mais,
contudo somos incentivados como novas criaturas em Cristo a
fazer uso do que os reformadores falavam dos “meios de graça”–
leitura das Escrituras, vida de oração.
A proposta deste excelente livro é nos levar aos Salmos
– livro de orações, revelações de Deus expressadas por expe-
riências humanas - e demonstrar de forma clara, concisa e en-
cantadora pontos como o que parafraseio do livro: Diante dos
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desafios e caos da vida o crente precisa expressar sua suprema
fé em Deus, diante de todos os males, Deus estabelece-se como
defensor por excelência de seu povo, que na oração o crente
revela a condição de sua alma diante de Deus e que a oração
que nos quebranta diante de Deus, trabalha ao mesmo tempo
selando a nossa vitória em meio às adversidades.
Com isso, Pr. Ezequias leva seu leitor a mergulhar nos sal-
mos três a seis, atribuídos a Davi. E tendo Davi como persona-
gem evidenciado, o escritor apaixonado por História incentiva
seus leitores a entender o contexto ou o pano de fundo que estes
salmos foram escritos. O seu plano é demonstrar que o cenário
não era nada favorável, nem tranquilo, pois somos arremetidos
ao momento em que o Rei Davi estava sofrendo um golpe de
estado e seu inimigo agora não vinha de fora, como o foi com o
Rei Saul e sua terrível perseguição, mas vinha de dentro de sua
casa, seu próprio filho, Absalão.
O rei então não podia reinar, não tinha mais o coração e
lealdade do seu filho e muito menos o do seu povo que estava
apegado a soluções de vingança e justiça humana de Absalão.
Ainda pior do que isso, o rei estava enfrentando tudo isso como
consequência direta dos seus pecados: homicídio, adultério e
por desprezar a lei do Senhor. E se tinha alguém que merecia
ser julgado e condenado nas palavras do profeta Natã, “este ho-
mem era ele”.
O autor então propõe e nos convida a enxergar que diante
deste drama vivido por Davi, a despeito de ser falho e pecador,
ele reconheceu a supremacia divina e na medida que reconhece
a Deus enxerga sua própria miséria.
Nisto, como lhe é característico, o autor faz esse livro ba-
seado em sermões expositivos, destrinchando cada capítulo
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proposto e demonstrando sempre o contexto externo que o rei
Davi estava enfrentando, em constante aflição, perseguição e
angústia e o contexto interno pessoal em seu confronto com o
pecado, reconhecimento de sua miséria e o seu contexto espi-
ritual. Sem deixar de destacar a confiança notável do rei na su-
premacia de Deus que o tinha escolhido, algo que não mudaria.
Também de forma bem apropriada, o autor faz um link
com o Novo Testamento, com exemplos correlatos de interven-
ção divina, por meio da expressão de fé e convergindo no exem-
plo maior por Excelência – Jesus Cristo.
Somos brindados também neste livro, com citações que
abrilhantam ainda mais seu conteúdo, falas de reformadores,
teólogos e crentes piedosos que são citados pelo autor que nos
acrescentam a importância de tirar os olhos de nós diante de
angústias e tribulações e fixarmos os nossos olhos em Deus, ci-
tando John Piper (o que o autor faz neste livro), exemplificando:
“Deus muitas vezes nos tira, nos desmama da autossuficiência,
para que passemos a vê-lo como nosso único provedor e como
única fonte de satisfação que temos”.
Ainda somos presenteados no término de cada capítulo
com uma oração, ratificando que o autor acredita piamente na-
quilo que propõe no livro, a oração é a única forma que temos
de falar com Deus e de sermos forjados conforme seu caráter e
querer.
Por fim, “Orando com os salmos” é um livro que arrebata
nosso coração, desacelera nosso imediatismo e nos torna im-
potentes, contudo se contarmos com nossas habilidades para
resolver problemas; nos remete a vida de Davi, enfrentando um
inimigo que vinha de sua própria casa, tendo que lidar com o

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pior inimigo de todos, sua própria natureza pecaminosa, mas
que achou em Deus – sua soberania, providência, eleição e su-
ficiência, o segredo de continuar caminhando em triunfo. Para
isso não rejeitou a oração, não abriu mão da piedade e justiça,
não comeu o “pão da preguiça”, mas confiou somente no Se-
nhor e sua salvação.
Nesta época em que vivemos crises, no contexto munici-
pal, estadual, federal e mundial, as perguntas são: Qual resposta
você procura? Qual solução você deseja? A proposta do livro é:
vamos aprender e reaprender a orar com os salmos!
Recomendo com louvor este profundo manuscrito. Que
Deus em Cristo Jesus lhe abençoe na leitura deste precioso livro!
Pr. Alessandro Clayton da Silva, Pastor Colaborador na Igre-
ja Batista Central em Japuiba; Bacharel em Teologia pelo Seminá-
rio Teológico Interdenominacional de Angra dos Reis, RJ

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Introdução
Abraham Lincoln confidenciou a um amigo a respeito de Sal-
mos: “Eles são ótimos. Encontro alguma coisa neles para cada dia
do ano”. Martinho Lutero chamou-os de “a Bíblia em miniatura”.
Salmos é o livro mais longo da Bíblia. Ele contém mais capítulos
que qualquer outro livro da Bíblia, como também os capítulos
mais longos e mais curtos da Bíblia. O Novo Testamento cita o
livro de Salmos mais que qualquer outro livro. Sem dúvida, é o
livro mais popular do Antigo Testamento, se não de toda a Bíblia.
Esses dados já seriam suficientes para nos despertarmos
para a leitura e apreciação do livro de Salmos. Entendo que não
haja drama humano que não seja descrito nesse livro e de uma
forma bem peculiar, esse é o livro das orações do povo de Deus.
É fato que cristãos do mundo inteiro têm sido abençoados com
a meditação nos Salmos bíblicos. Por um tempo considerável
na história do século XVII um grupo de crentes ingleses, que
foram chamados de “puritanos”, cantavam apenas os Salmos
nos cultos, inspirados pelo exemplo de Calvino, na Suíça, no
século XVI, no período de seu ministério em Genebra.
Me comprometi a expor alguns Salmos em nossa igreja,
aqui em Angra dos Reis, no ano de 2016. Foram ao todo 21
Salmos expostos, nas quintas feiras, em nosso “Culto de Oração
e Estudo Bíblico”. Semana após semana eu me punha a estudar
e a me preparar para pregar com fidelidade as verdades desse
verdadeiro “raio x” da alma humana.

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Quando pensei em escrever esse livro, me revigorei com
a ideia de que os Salmos 3, 4, 5, 6 poderiam render princípios
que, se convertidos em livro poderiam abençoar famílias que
vivem o drama de ter de lidar com traições, decepções, amargu-
ras, cisões e divisões em seu próprio seio. Infelizmente o lugar
onde deveríamos encontrar aconchego, muitas vezes lidamos
com conflitos, em outras palavras, onde deveriam haver encon-
tros, temos na maioria das vezes, confrontos.
Logo, procurei para ser fiel na exposição bíblica, aprofun-
dar as discussões a respeito do contexto em que o rei Davi com-
pôs esses Salmos: a sua experiência de deserção do seu próprio
filho que toma o seu trono e o leva ao limite de suas forças,
uma vez envergonhado e afastado do centro do poder. De fato,
Davi enfrenta o seu pior inimigo, que seria o seu próprio filho,
conhecedor de todos os seus “pontos fracos”. O pior inimigo é
aquele que nos conhece mais de perto! Sem dúvidas.
Mas, o que me encanta em Davi é que em todo esse con-
texto ele se apresenta consciente de seus próprios erros, de que
ele estava vivendo aquilo que mais tarde, Paulo vai chamar de
“princípio da semeadura”:

Gálatas 6:7-8
7 - Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o
que o homem semear, isso também ceifará.
8 - Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a
corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a
vida eterna.

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A minha proposta neste livro é que você se veja em cada
um dos temas expostos, em tudo procuro falar da importância
da oração em meio às tragédias que assolam a nossa casa. E falo
de oração como alguém que está aprendendo a orar. Na verda-
de, todos nós estamos aprendendo a orar!
Eu lhes introduzo ao conteúdo dos Salmos, com uma frase
de Martinho Lutero: “É muito benéfico ter palavras prescritas
pelo Espírito Santo, que homens piedosos podem usar em suas
aflições”. Logo, aproveitem a leitura e lhes recomendo, que ao
fim de cada capítulo, pare a fim de orar e a colocar seu coração
diante do Senhor, daquele que conhece todas as coisas, mas que
optou em criar a oração justamente para sermos sinceros e ge-
nuínos diante dele. Pode ser?

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1 O que fazer nos
momentos difíceis da vida?
Diante das hostilidades da vida, o crente precisa
expressar sua suprema fé em Deus.
Salmos 3:1-8
1 - SENHOR, como se têm multiplicado os meus adversá-
rios! São muitos os que se levantam contra mim.
2 - Muitos dizem da minha alma: Não há salvação para ele
em Deus. (Selá.)
3 - Porém tu, SENHOR, és um escudo para mim, a minha
glória, e o que exalta a minha cabeça.
4 - Com a minha voz clamei ao SENHOR, e ouviu-me des-
de o seu santo monte. (Selá.)
5 - Eu me deitei e dormi; acordei, porque o SENHOR me
sustentou.
6 - Não temerei dez milhares de pessoas que se puseram
contra mim e me cercam.

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7 - Levanta-te, SENHOR; salva-me, Deus meu; pois feriste a to-
dos os meus inimigos nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios.
8 - A salvação vem do SENHOR; sobre o teu povo seja a tua
bênção. (Selá.)

Ao longo da história da igreja, o livro de Salmos tem sido


usado como inspirações para as nossas orações e canções. Na
Reforma Protestante quando os reformadores quiseram centrali-
zar o culto em Cristo; na Bíblia, tirando os paramentos católicos
apostólicos romanos e tudo aquilo que lembrava o romanismo,
fizeram questão de cantar apenas os Salmos. João Calvino, gran-
de reformador suíço metrificou os Salmos transformando-o em
um “Saltério”, e o próprio nome já lembra isso: “Saltério Gene-
brino”, que evoca o canto dos Salmos sem instrumentos musicais
pois na ótica desses nossos irmãos, os instrumentos musicais po-
deriam roubar, competir e ofuscar a beleza das letras dos Salmos.
Mas no sec. XIX, com a influência da crítica textual, os
Salmos passaram a ser considerados como uma “piedade do
passado” e foram destrinchados como uma literatura comum,
e então foi se perdendo a beleza da reflexão em cima dos Sal-
mos. Houve depois um resgate, e nesse ponto há de se recordar,
Dietrich Bonhoefer que escreve um livreto já no período de seu
encarceramento na Segunda Guerra: “Orando com os Salmos”
e diz em seu texto: “Os Salmos nos foram dados para apren-
dermos a orar em nome de Jesus”. A sua citação completa é:
“Portanto, se a Bíblia também contém um livro de orações, isso
nos ensina que a Palavra de Deus não engloba apenas a palavra
que Deus dirige a nós. Inclui também a palavra que Deus quer
ouvir de nós... (...) Que graça imensurável: Deus nos diz como

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podemos falar e ter comunhão com Ele! E nós podemos fazê-lo
orando em nome de Jesus Cristo. Os Salmos nos foram dados
para aprendermos a orar em nome de Jesus Cristo”.
Eugene Peterson, um pastor presbiteriano nos EUA, autor
da paráfrase da Bíblia “A mensagem”, diz que estava ensinan-
do a sua igreja orar por conta das dificuldades que ele percebia
neste tema em sua igreja, sobretudo nos termos de orações pro-
fundas, e diz que a sua igreja cresceu bastante na intimidade
com o Senhor quando ele fez uma versão mais contemporânea
do Livro de Salmos e distribuiu ao seu povo.
Isso porque na ausência de fórmulas e palavras para orar-
mos, é muito importante lembrarmos de que a Bíblia tem um
livro de orações, e Deus não quer apenas que oremos a Palavra
de Deus, mas ele também deu condições para que a Palavra dele
fosse ministrada a nós em termos igualmente humanos.
Caio Fábio (quando estava produzindo em nosso meio
evangélico) disse que o livro de Salmos é um livro psicoteo-
lógico, pois parte da revelação de Deus, mas é expressado por
experiências humanas, extremamente sofridas.
Todos os Salmos que iremos trabalhar neste livro fazem
parte de um contexto histórico bem particular na vida de Davi.

01 - Como são grandes as nossas adversidades!


Vez por outra enfrentamos períodos desesperadores na vida.
Quem nunca teve uma experiência com relação às hosti-
lidades da vida? Quantos dos meus leitores não tiveram seus
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tapetes sendo retirados? Foram traídos, enganados, “passados
para trás”? Depois de confiar em pessoas próximas, se viram
decepcionados? Já se viram perdendo posições de trabalho por
conta de intrigas, calúnias, decepções das mais diversas? Quan-
tos já foram alvos de “jogos sujos”, de conspirações? Quantos já
não pensaram em desistir do próprio Deus por conta das inimi-
zades, traições, sofrimentos, provocados por aqueles que estão
perto de nós?
Se isso já aconteceu com você, há alguém nobre em sua
companhia: Davi, o rei em Israel sabe o que é passar por tudo
isso! Ele viveu isso na pele e tudo está registrado em II Samuel
15.
Davi estava enfrentando um dos momentos mais desespe-
radores de sua vida. Só para destacar a você: Absalão, seu filho
havia declarado um golpe de Estado! Ele ficava no portão de
Jerusalém, na cidade do rei, chamando atenção das pessoas, e
perguntando aos transeuntes se eles procuravam algum tipo de
justiça por parte do rei, ao que ele respondia: “não há rei para
lhe atender! Não há justiça aqui!”. E as pessoas ficavam encan-
tadas com Absalão, um homem que a Bíblia vai dizer que era
por demais formoso em sua cabeleira e seu peitoral bem de-
senvolvido, além de uma lábia carismática. Com isso ele fazia
com que: “o coração de cada um em Israel passasse a seguir a
Absalão”.

(2Sm 15:6) Desta maneira fazia Absalão a todo o Israel que


vinha ao rei para juízo e, assim, ele furtava o coração dos ho-
mens de Israel.

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Absalão capturou o coração do povo. Isso porque o povo
quer ser ouvido, valorizado e Davi com o passar dos anos esta-
va deixando muito a desejar em relação ao seu povo e aos seus
filhos, em especial à Absalão. O texto de II Samuel 11 apresenta
um Davi ocioso, mesmo sendo “tempo dos reis irem para a ba-
talha”, passeando pelo terraço em seu palácio onde ele vê e dese-
ja uma mulher de nome, Bete Seba, a possui e depois a despede.
E ao descobrir que ela estava grávida, Davi não fala a verdade e
resolve montar uma estratégia macabra, envolvendo o marido
da mulher, seu leal soldado Urias.
O contexto desta passagem bíblica é triste: Davi chama
Urias da batalha e o libera para que ele tivesse uma noite de
amor com a sua esposa, para que tudo ficasse bem controlado,
calculado, mas Urias que era mais justo do que Davi, ficou à
porta do rei. E ao ser perguntado porque ele não iria para casa,
a resposta de Urias foi identificadora de sua fidelidade: “Como
irei para a casa, desfrutar da minha mulher, do conforto do meu
lar, enquanto o exército do meu rei está na guerra?”. Mesmo
assim Davi monta uma outra estratégia: escreveu uma carta,
entregou para o próprio Urias (por isso, um pregador do pas-
sado disse que Urias “morreu por que não leu”) onde ele leva
sua sentença de morte ao comandante Joabe em uma carta que
dizia: “Ponha esse cidadão na frente da batalha, no lugar mais
perigoso”. Com isso, Urias é morto no campo de batalha e Davi
chama a Bete Seba para que vá ao palácio.
De repente, Davi pensa que estava tudo resolvido, “tranqui-
lo e favorável”, quando o profeta Natã, bate à porta de sua casa,
pois era alguém com acesso ao rei. E Natã lhe conta uma his-
tória: “Havia um homem pobre que só tinha uma cordeirinha
que tratava como uma filha, até mesmo dormindo com ela, ele a

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amava. E do seu lado havia um homem rico que possuía grande
rebanho, e que irá receber uma visita de um amigo a quem vai
oferecer um churrasco, uma refeição, e qual não foi a surpre-
sa que ele não pegou uma das suas criações, mas sim resolveu
apanhar a única ovelhinha de seu vizinho para o repasto”. Davi
pega em sua espada, e diz “Fale o nome desse homem, vou ma-
tá-lo agora”. E Natã prega o menor sermão de toda a Bíblia: “Tu
és o homem”.
E Deus vai dizer em II Samuel 12, que este homem (da his-
tória) deveria sofrer quatro vezes mais. E Natã vai dizer a Davi
“que até a quarta geração, a espada não se apartará de sua fa-
mília”. Depois de algum tempo (II Samuel 13) Amnon, um dos
filhos, se enamora, tem um desejo carnal por sua meia irmã, e
irmã de Absalão. E aquele desejo transforma-se em obsessão
sexual e será consumada em estupro, por conta do conselho
de Jonadabe, “homem mui sagaz”, uma vez que ele se finge de
doente, e pede ao rei que sua irmã seja enviada para cuidar dele,
e antes disso, mesmo ela dizendo “Não faça essa loucura”, ele a
possui e se enoja dela em seguida. Amnon, que pensa através de
seu membro viril, despreza sua irmã, e ela sai da sua casa com as
suas roupas rasgadas, logo ela que se vestia de uma roupa talar
lindíssima, própria das filhas virgens do Rei!
Absalão espera uma resposta do rei por dois anos e Davi não
faz nada! Então Absalão faz um banquete e pede permissão ao
rei para que todos os seus irmãos estivessem presentes, Davi não
desconfia de nada, uma vez que ele é um pai negligente. No ban-
quete, Absalão faz questão de embebedar a Amnon e o mata.
Absalão foge e fica em uma cidade de nome Gesur e mesmo
Davi sabendo onde ele estava, não o procurou, mesmo sentindo
saudades, e manda que Joabe o busque, depois de três anos!
26
Pasmem! Depois disso, Absalão fica em Jerusalém dois anos
“sem ver a face do rei”, e essa expressão é bíblica: “E Absalão fi-
cou dois anos sem ver a face do rei” (II Samuel 14:28). E depois
de dois anos, e isso está no final do capítulo 14 de II Samuel,
Davi o recebe e lhe dá apenas um beijo no rosto, e se dá por
satisfeito. Depois de tantos anos, tantas tragédias, Davi dá ape-
nas um beijo em Absalão! Era o que faltava para que Absalão se
revoltasse contra o rei. Ele levantou para si, então um número
de pessoas, de adversários, conforme o texto:

II Samuel 15:13-14
13 - Então veio um mensageiro a Davi, dizendo: O coração
de cada um em Israel segue a Absalão.
14 - Disse, pois, Davi a todos os seus servos que estavam
com ele em Jerusalém: Levantai-vos, e fujamos, porque não po-
deríamos escapar diante de Absalão. Dai-vos pressa a caminhar,
para que porventura não se apresse ele, e nos alcance, e lance
sobre nós algum mal, e fira a cidade a fio de espada.

Davi pensa então na seguinte direção: Absalão vai se forta-


lecer! Ele tem motivos para se levantar contra mim! Davi aqui
tem a noção exata do que estava acontecendo. Ele reconheceu
o poderio ideológico de Absalão em sua insurreição contra o
seu próprio pai, que era rei. Daí então Davi para evitar uma
guerra civil, resolve fugir e o texto abaixo mostra como se deu
essa retirada:

27
II Samuel 15:30
30 - E seguiu Davi pela encosta do monte das Oliveiras,
subindo e chorando, e com a cabeça coberta; e caminhava com
os pés descalços; e todo o povo que ia com ele cobria cada um a
sua cabeça, e subiam chorando sem cessar.

Não existe nada mais vexatório do que um homem fugir,


com seus pés descalços! No Brasil Colônia, no período da es-
cravidão, mesmo os escravos que trabalhavam nas casas e ti-
ravam até algumas fotos com seus senhores, poderiam estar
bem vestidos, mas sempre estavam descalços. Isso é símbolo
de escravidão e de vergonha. Davi, o rei deixa o palácio para
caminhar descalço e com a cabeça coberta, todo o povo que ia
com ele, também cobria a cabeça e subia a “chorar”. Davi que
fora ungido, agora é um foragido! Ele está envergonhado, e tem
diante de si alguns amigos leais, mas o número de seus inimigos
é bem maior!

É isso que ele expõe neste Salmo, no verso 01:

Salmos 3:1
1 - SENHOR, como se têm multiplicado os meus adversá-
rios! São muitos os que se levantam contra mim.

A palavra hebraica para “adversários” é a mesma para aque-


la usada para “pedra dura, pederneira, inimigo, opressor”. Davi
estava rodeado de dificuldades, de opressões, por conta de ini-

28
migos que se transformaram em verdadeiras pedreiras. Eram
muitos, e se não fosse o bastante, eles ainda diziam:

Salmos 3:2
2 - Muitos dizem da minha alma: Não há salvação para ele
em Deus. (Selá.)

Em outras palavras: Davi era considerado uma “causa per-


dida”! Nós estamos diante de uma trinca de adversidades, como
pontuou Derek Kidner: a maré da deslealdade que vinha subin-
do (vv. 1, 6, 2 Sm 15.13), o boato que dizia que Deus se afastara
dele (v. 2; 2 Sm 15.26), e o estado precário do seu povo (v. 8).
Muitos foram os homens capturados pela simpatia dian-
te das causas de Absalão! Ele tinha uma proposta de governo
ultrajante, e na ocupação do terraço do rei, há um abuso de
suas concubinas! Natã já havia avisado a Davi: “aquilo que você
fez em secreto, virá alguém para fazer em público” (II Samuel
12.12). Davi fez em secreto com Bate Seba, e agora Absalão o
faz em público, com todas as mulheres no terraço do Rei. Davi é
vilipendiado, seu nome é afrontado, e ele se transforma em um
fugitivo, um rei afastado e envergonhado.
Por isso, então, todos os dias e noites, Davi se põe a orar.
Neste livro estaremos refletindo nas orações de Davi nesse pe-
ríodo em que ele passa, fugindo de seu filho golpista. A maior
dor para Davi era saber que para muitos do seu povo, Deus o
havia abandonado!
Davi, o homem segundo o coração de Deus, agora é tido
como o homem abandonado por Deus. “Não há salvação para
29
ele”, era o que muitos diziam. João Calvino vai dizer a esse res-
peito que: “Davi, assim, nos ensina, por meio de seu próprio
exemplo, que, mesmo que o mundo inteiro, a uma só voz, tente
infundir-nos desespero, em vez de atentar para ele, devemos,
antes, dar ouvidos unicamente a Deus, e acalentar sempre a es-
perança da salvação que ele prometeu; e como os ímpios em-
pregam seus esforços com o fim de destruir nossas almas, te-
mos de defender-nos recorrendo às nossas orações.”
Então essa primeira porção tem como proposta exclamar:
“como são grandes as nossas adversidades!”. E se eu parasse por
aqui, nestes dois versos apenas, não teríamos esperança algu-
ma, isso porque são muitas as vezes em que nós também co-
lhemos pelo que plantamos. É o mesmo que dizer que pagamos
por boletos que não esperávamos que viessem até nós.

02 - Como é grande o nosso Deus!


É preciso que o nosso foco nos momentos difíceis na vida
esteja em Deus e não em nós mesmos.

Repare que a partir do verso 3 Davi muda o tom:

Salmos 3:3
3 - Porém tu, SENHOR, és um escudo para mim, a minha
glória, e o que exalta a minha cabeça.

Há uma mudança de foco aqui. O foco sai do homem e


passa a estar em Deus! Davi confia no Senhor, ele diz que o Se-
30
nhor é o seu “escudo ao seu redor”. Eugene Peterson vai traduzir
assim esse verso: “Mas tu, ó Eterno, me proteges por todos os
lados. Firmas os meus pés, ergues minha cabeça.”
Davi era defendido pelo poder divino em todas as lutas, em
todos os embates. Deus estava protegendo a Davi por todos os
lados, e mais do que isso, Ele é chamado de “a minha glória, a
minha riqueza”, uma espécie de mantenedor da glória real.
Davi ainda era rei, não tinha status de rei, mas tinha a gló-
ria de rei. Status é aquilo que o homem dá; e glória é aquilo
que apenas Deus pode dar ou tirar! Em todas as orações, em
todo o tempo de busca, Davi tinha a certeza daquela promessa
que Deus havia feito a ele: de que a sua lâmpada, a sua geração,
a sua descendência, nunca se apagaria. No Novo Testamento,
Jesus era chamado de “Filho de Davi”, sobretudo por aqueles
que estavam em condições bem miseráveis, como Bartimeu:

Marcos 10:47
47 - E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar,
e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim.

E neste momento, Davi está confiando apenas em Deus: Ele


clamava: “Tu és a minha glória”. E ele ainda dizia que Deus
é aquele que “levanta a minha cabeça”. E para relembrar, Davi
estava com a sua cabeça coberta, andando de cabeça baixa, e
estava recebendo pedras enquanto caminhava. E em nenhum
momento ele se defende e jamais estabeleceu planos para re-
conquista de seu trono, por ora, ele apenas orava!

31
Davi não queria que Israel se transformasse em um campo
de batalha fratricida, em uma guerra entre irmãos, preferiu reti-
rar-se. São essas virtudes de Davi que se não compensaram seus
defeitos ao menos encantava o coração de Deus!
Relembrando algo de seu passado (I Samuel 24), Davi teve
chances claras de matar a Saul, enquanto era igualmente per-
seguido, mas em nenhum momento ele quis tocar em um “un-
gido do Senhor”. E mesmo assim, quando cortou apenas parte
do manto do rei, sentiu dor na consciência, quando poderia ter
matado o rei Saul. Davi agora estava diante de Absalão e em
nenhum momento passava em sua mente agir com ele como
Saul agira consigo. Por isso, Davi prefere fugir e se refugiar no
Senhor, para escrever: “Mas tu, Senhor, és o escudo ao meu re-
dor, a minha glória, aquele que levanta a minha cabeça”. E pros-
segue em sua oração:

Salmos 3:4
4 - Com a minha voz clamei ao SENHOR, e ouviu-me des-
de o seu santo monte. (Selá.)

O verbo “clamo” aqui é “clamar em voz alta, gritar”, e pelo


tempo verbal dá ideia de uma ação habitual, como se fosse as-
sim: “sempre que eu clamo, ele me responde”. Não é um clamor
esporádico, é algo permanente. E pensando ainda nessa insis-
tência em clamar, Davi prossegue no verso seguinte, dizendo
que ele segue a sua rotina normal de vida: “deitar, dormir, acor-
dar”!

32
Salmos 3:5
5 - Eu me deitei e dormi; acordei, porque o SENHOR me
sustentou.

Será que você conseguiria manter o seu ritmo normal de


vida, confiando no Senhor? Ao ponto de seus adversários, mes-
mo querendo lhe engolir vivo, tal fato não afetasse sua rotina de
“deitar, dormir e acordar” sem o uso de remédios? Há um texto
precioso em Provérbios:

Provérbios 3:24
24 - Quando te deitares, não temerás; ao contrário, o teu
sono será suave ao te deitares.

Quero refletir essa ideia ainda mais: esse salmo é uma ora-
ção matutina. Davi deita, dorme e acorda e o Senhor está com
ele. Não por ele ser uma pessoa sobre-humana, absolutamente,
nem por conta de alguma unção que meros mortais não tem
acesso. O que Davi não abria mão era estar ciente de que ele já
não tinha mais controle sobre a sua vida. E eu fico pensando
que muitos são os que perdem o sono, justamente porque pen-
sam que possuem algum tipo de controle de sua vida!

Davi deitava, dormia e acordava porque ele sabia que Deus


estava com ele, e era por ele. Quer ver um exemplo no Novo
Testamento que me encanta muito?

33
Atos 12:6-7
6 - E quando Herodes estava para o fazer comparecer, nessa
mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, liga-
do com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam
a prisão.
7 - E eis que sobreveio o anjo do Senhor, e resplandeceu
uma luz na prisão; e, tocando a Pedro na ilharga, o despertou,
dizendo: Levanta-te depressa. E caíram-lhe das mãos as cadeias.

Preste atenção: era a última noite de Pedro, não sabia que a


igreja orava por ele, e que Deus tinha um plano de que ele fosse
liberto da prisão. Tiago, que havia sido preso com ele, já havia
sido morto ao fio da espada. Pedro só esperava ser chamado na
manhã seguinte por Herodes para ser executado também. Mas,
Pedro estava dormindo! Como que se pode dormir assim? E o
texto fala que o sono era tão profundo que o anjo precisou to-
car na ilharga (Cada uma das duas partes laterais entre as falsas
costelas e os ossos do quadril.).
O que faz um homem dormir na noite que antecedia sua
execução? Tenho para mim que é a confiança de que ele não
estava controlando absolutamente nada em sua vida! E quando
você não dorme, você está sendo idólatra, pois está colocando a
sua vontade como seu deus! Foi assim com Davi, foi assim com
Pedro! Eles confiavam apenas no Senhor!
Davi havia aprendido algo precioso com seu amigo Jônatas:
o texto que relembra esse princípio para a vida é:

I Samuel 14:6
6 - Disse, pois, Jônatas ao moço que lhe levava as armas:
Vem, passemos à guarnição destes incircuncisos; porventura
operará o SENHOR por nós, porque para com o SENHOR
34
nenhum impedimento há de livrar com muitos ou com pou-
cos.

Para Deus, livrar um filho seu, uma filha sua, com muitos
ou com poucos, não há impedimento algum! Por isso, Davi vai
dizer adiante neste Salmo 3:

Salmos 3:6
6 - Não temerei dez milhares de pessoas que se puseram
contra mim e me cercam.

Davi estava com seus valentes, gente com a “faca nos den-
tes”, com “sangue nos olhos”, “gente valorosa”, mas Davi confia-
va no Senhor. Ele pôde dizer: “não tenho medo”. O mesmo que
ele havia professado em outro salmo:

Salmos 23:4
4 - Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não
temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu
cajado me consolam.

E ainda no verso 07, do Salmo 3, Davi pede para que Deus


manifeste seu poder para julgamento de seus inimigos. “Le-
vanta-te, Senhor” não era um pedido de socorro apenas, mas
um pedido para que Deus intervisse em sua história de modo
apressado. O comentário Beacon vai destacar que essa expres-
são é frequentemente usada no AT como o chamado para uma

35
manifestação do poder de Deus para salvação ou julgamento.
Davi pede uma condução divina em suas batalhas. Era um pe-
dido por salvação!
Salmos 3:7-8
7 - Levanta-te, SENHOR; salva-me, Deus meu; pois feriste a to-
dos os meus inimigos nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios.
8 - A salvação vem do SENHOR; sobre o teu povo seja a tua
bênção. (Selá.)

Davi diz que ficará em silêncio aguardando a intervenção


do Senhor; ele ficará quieto, aguardando a sua salvação. Pois é o
Senhor “quem ferirá os seus inimigos e quebrará os dentes aos
ímpios”. Em outras palavras, Davi está dizendo que aquilo que o
Senhor estava prestes a fazer não teria participação dele.
E a palavra “salvação” neste texto é o verbo “Yesha”, que será
o radical para o nome em hebraico de Jesus, a saber “Yeshua”!
Davi diz que a salvação viria do Senhor e sobre o teu povo a
benção do Senhor viria. Deus tem uma aliança com o seu povo,
um compromisso com ele. Mesmo sendo perseguido, ultraja-
do e afrontado publicamente, Davi sabia que Deus tinha uma
aliança para com o seu povo!
Charles Spurgeon vai dizer: “Cremos que Deus tem um
povo escolhido. Essas pessoas são redimidas e a elas será dada
vida eterna. Cremos que a graça de Deus produz convicção dos
pecados nos corações dessas pessoas. Primeiramente Deus lhes
mostra seus pecados. Em seguida, Deus as leva a crerem em
Cristo. Pelo fato de que Cristo é justo, Deus vê os Seus filhos que
confiam em Cristo como justos também. Cremos ainda que es-

36
tas pessoas escolhidas e eleitas certamente serão levadas à gló-
ria no céu. Essas doutrinas da graça são como uma corrente,
cada uma está ligada às outras. Cada elo na corrente, isto é, cada
doutrina necessita das outras.”
A benção do Senhor estava sobre o seu povo. E essa convic-
ção fazia com que Davi cresse que a sua “salvação”, ou em outras
palavras, sua “cura” só poderia vir pelo Senhor, e não de outro
meio. Deus era tudo o que Davi tinha e ao mesmo tempo era o
que ele precisava ter.

Aplicando mais um pouco


(a) Todos nós teremos em um momento ou outro, nossas
“noites escuras da alma”. E elas sempre são permitidas por Deus.

É difícil aceitar isso! Mas as noites escuras da alma sempre


são permitidas por Deus! Cá para nós: Davi estava muito sos-
segado no palácio. Usando uma expressão popular, ele estava
“se achando”... tanto que era época de os reis irem à guerra e
ele resolveu ficar em casa, confiando em seus homens treinados
para todas as batalhas.
Além disso, estavam acontecendo as coisas mais absurdas
em sua família: estupro, irmão matando irmão e Davi estava
sossegado! Por isso eu creio que Deus muitas vezes permite
que passemos por tribulações para que nos despertemos! John
Piper vai nos dizer que Deus muitas vezes nos tira, nos desma-
ma da autossuficiência, para que passemos a vê-lo como nosso
único provedor e como única fonte de satisfação que temos.
37
A “noite escura da alma” não é para ser praguejada, não é
para ser reclamada. Por isso: não murmure, louve a Deus em
meio essa noite.
Em outro salmo, Davi disse:

Salmos 30:5
5 - Porque a sua ira dura só um momento; no seu favor está
a vida. O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela
manhã.

Logo, todos nós temos as nossas “noites escuras da alma”.


Que não tem nada a ver com uma noite de doze horas, mas sim
com períodos de dias, meses ou anos, são períodos nebulosos.
Mas assim como foi com Davi, será com você! E em nenhum
momento ele vai deixar de ser seu Deus!

(b) Deus quer que o consideremos em confiança quando


estivermos passando por aflições em nossa alma.
Nos versos 01 e 02, Davi exclama, “como é grande o núme-
ro das minhas adversidades! ”, e de 03 a 08 ele declara, “como é
grande o meu Deus! ”. Ele fala “mas, tu Senhor” (v. 3), como se
dissesse “eu tenho um Deus”.
Mattew Henry vai dizer: “Algumas vezes Cristo vê que pre-
cisamos da doença para o bem de nossa alma do que da cura
para o alívio de nosso corpo”. Um outro puritano, Richard Si-
bbes vai dizer: “O período de enfermidade é um tempo de pu-
rificação para aquela contaminação que havíamos em nossa

38
saúde... Uma boa doença tende a produzir a saúde da alma”.
E por fim, Abraham Wright: “Sou abençoado por minhas en-
fermidades, enriquecido por minha pobreza e fortalecido por
minha fraqueza”.
Confie, descanse, considere em confiança ao Senhor quan-
do estiver passando por aflições.

(c) Lute para não ser atingida a normalidade da rotina em


tempos difíceis.
E qual seria a “normalidade da rotina”? Deitar, dormir e
acordar! Vez por outra permitimos que determinadas situações
mexam tanto com a rotina da nossa vida, e eu sei o quanto isso é
difícil, mas precisamos dar prosseguimento a ela, mesmo quan-
do enfrentamos severas provações. A vida continua!
Tenho experiências nesse sentido, e o aprendizado que te-
nho recebido é que as pessoas que sofrem de angústias de almas,
não deveriam procurar terapeutas com formação humanista.
Pois quem deve cuidar da alma do povo de Deus, é o próprio
povo de Deus! Por isso, os pastores no passado eram chamados
de “curas de almas”. Mulheres aconselhando mulheres. Homens
aconselhando homens. Esse é o método de Deus para tratar o
seu povo.
E mesmo em meio a dor, deve haver retorno da “normali-
dade da rotina”. Alguém já disse no passado: “O fogo é a prova
do ouro; a adversidade, dos homens fortes”. Ainda um outro:
“A água que jorra contra a roda mantém o moinho girando;
assim as provações conservam a graça em uso e movimento”.
Mesmo com a alma doída, em aflição, Davi deitava, dormia e
acordava porque ele tinha certeza de que quem o sustentava
era o Senhor.
39
Certo dia preguei uma mensagem em Êxodo 16 na igreja,
e o tema era esse: “É Deus quem me sustenta”. E a ideia que de-
fendi do texto era essa: “Deus sempre providenciará o que for
necessário para a sobrevivência digna de seu povo escolhido”.
Não é o governo, não é o seu emprego, e muito menos as suas
habilidades, mas DEUS.

(d) A nossa salvação não está em coisas, eventos ou estraté-


gias humanas, mas em Deus!
Jó vivenciou isso:

Jó 42:1-6
1 - ENTÃO respondeu Jó ao SENHOR, dizendo:
2 - Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus pro-
pósitos pode ser impedido.
3 - Quem é este, que sem conhecimento encobre o conse-
lho? Por isso relatei o que não entendia; coisas que para mim
eram inescrutáveis, e que eu não entendia.
4 - Escuta-me, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me
ensinarás.
5 - Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem
os meus olhos.
6 - Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza.

Jó sabia o que era sofrer, e ao fim do seu sofrimento ele


pôde dizer: “antes eu lhe conhecia só de ouvir falar, mas agora
os meus olhos te veem”.

40
(e) E enfim, Deus estará sempre presente em sua “noite es-
cura da alma”.
R. C. Sproul vai dizer: “Somos ensinados que é totalmente
legítimo que cristãos passem por aflições. Nosso Senhor mes-
mo foi um homem de dores e estava familiarizado com aflições.
Apesar de que a aflição possa atingir as raízes das nossas almas,
não precisa resultar em amargura. Sofrer é uma emoção legíti-
ma, às vezes até uma virtude, mas não pode haver lugar em nos-
sas almas para a amargura. Da mesma maneira podemos ver
que é algo bom ir à casa onde há luto, mas mesmo no luto, este
sentimento profundo não pode dar lugar ao ódio. A presen-
ça de fé não dá a garantia de ausência de depressão espiritual;
porém, a noite escura da alma sempre abre o caminho para o
brilho da luz do meio dia da presença de Deus.”
Deus não vai deixá-lo em trevas espirituais, sempre vai
raiar um novo dia em sua experiência. Por isso não se esque-
ça da grande ideia dessa passagem: “Diante das hostilidades da
vida, o crente precisa expressar sua suprema fé em Deus”.
Eu quero terminar esse capítulo, considerando como ilus-
tração um trecho de uma das Crônicas de Nárnia, obra de C. S.
Lewis, “A Viagem do Peregrino da Alvorada”:
Por favor, Aslam - disse Lúcia -, antes de partirmos, pode
dizer-nos quando voltaremos a Nárnia? Por favor, gostaria que
não demorasse...
- Minha querida - respondeu Aslam muito docemente,
você e seu irmão não voltarão mais a Nárnia.
- Aslam! - exclamaram ambos, entristecidos.
- Já são muito crescidos. Têm de chegar mais perto do pró-
prio mundo em que vivem.
41
- Nosso mundo é Nárnia - soluçou Lúcia.
- Como poderemos viver sem vê-lo?
- Você há de encontrar-me, querida - disse Aslam.
- Está também em nosso mundo? - perguntou Edmundo.
- Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhe-
cer-me por esse nome.
Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-
-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.

Orando
Muito obrigado Senhor, pela sua Palavra, porque o Senhor
recreou a nossa alma. São muitos momentos que nos sentimos
sós, e como Davi, olhamos de um lado e para o outro e vemos
como são grandes as nossas adversidades, mas também que-
remos como Davi declarar “como é grande o nosso Deus”! E
que possamos estar renovados em nossa rotina diária de vida. E
que o Senhor persista em ser nosso escudo, nosso socorro bem
presente na hora da angústia. Que o Senhor tenha misericórdia
de nós e seja gracioso em nos abençoar, e na nossa “noite escura
da alma” não permita que nos desesperemos a ponto de desejar
dar cabo a nossa vida, porque a nossa salvação vem do Senhor.
Cremos que Jesus é a nossa salvação. Amém.

42
2 Deus é o nosso
defensor por excelência!
Diante de todos que tramam pelo nosso mal, Deus
estabelece-se como nosso defensor por excelência!
Salmo 4:

Salmos 4:1-8
1 - OUVE-ME quando eu clamo, ó Deus da minha justiça,
na angústia me deste largueza; tem misericórdia de mim e ouve
a minha oração.
2 - Filhos dos homens, até quando convertereis a minha
glória em infâmia? Até quando amareis a vaidade e buscareis a
mentira? (Selá.)
3 - Sabei, pois, que o SENHOR separou para si aquele que é
piedoso; o SENHOR ouvirá quando eu clamar a ele.
4 - Perturbai-vos e não pequeis; falai com o vosso coração
sobre a vossa cama, e calai-vos. (Selá.)
5 - Oferecei sacrifícios de justiça, e confiai no SENHOR.

43
6 - Muitos dizem: Quem nos mostrará o bem? SENHOR,
exalta sobre nós a luz do teu rosto.
7 - Puseste alegria no meu coração, mais do que no tempo
em que se lhes multiplicaram o trigo e o vinho.
8 - Em paz também me deitarei e dormirei, porque só tu,
SENHOR, me fazes habitar em segurança.

Sem sombra de dúvida, os Salmos 03 e 04 foram compostos


no mesmo dia. E eu sigo a ideia de que o Salmo 3 foi escrito pela
manhã e o 4 ao fim do mesmo dia. E você verá que os temas são
intercambiáveis. Davi ainda está angustiado com a fuga de Ab-
salão, envergonhado, vilipendiado e com um grupo reduzido
de colaboradores.
Muitos são os seus adversários, e esse número vem cres-
cendo a cada hora desse dia. Os colaboradores de Absalão são
muitos e por mais que Davi não pretendesse isso, houve uma
batalha em um vale de Efraim e nela vinte mil pessoas foram
mortas! (II Samuel 18.7). Foi uma batalha cruenta entre os ho-
mens de Davi e os homens de Absalão.
Em II Samuel 16.22, Absalão está na cidade do rei, no pa-
lácio do rei e se apoderou das mulheres do rei; está cercado de
generais, sábios conselheiros e sacerdotes que antes serviam ao
rei! Por outro lado, Davi está entrincheirado, pressionado por
todos os lados, está amedrontado, a despeito de sua fé em Deus,
como um humano, estava apavorado.
Mas, Davi resolve fazer algo que muitos de nós, vez por ou-
tra não fazemos: ao invés de estar se deprimindo, fechando-se
em si mesmo, ele resolve orar, falar com Deus, abrir o coração e
expressar a sua necessidade diante de Deus.
44
Eugene Peterson, no livro “O pastor segundo o coração de
Deus” vai dizer que “Não existe outro lugar em que se possa en-
xergar de forma tão detalhada e profunda a dimensão humana
da história bíblica como nos Salmos. A pessoa em oração reagia
à totalidade da presença de Deus, partindo da condição huma-
na, concreta e detalhada.”
Precisamos entender o livro de Salmos como um livro de
orações a Deus, e isso em cima de situações humanas, concre-
tas e detalhadas. Os salmos não são meras elaborações pontua-
das pela intelectualidade humana. Percebemos emoções e alma
nestes textos. Por isso alguém vai dizer que todos os espectros
das emoções humanas encontrarão eco no livro de Salmos!
Nessa passagem temos a ideia de que: “Diante de todos que
tramam pelo nosso mal, Deus estabelece-se como nosso defen-
sor por excelência”. É preciso caminhar com Deus e ter pro-
ximidade com Ele para chegar à essa conclusão. E Davi tinha
essa sensibilidade espiritual. A despeito de todos os seus erros,
Davi era um homem sujeito as nossas paixões, com percalços e
dificuldades, mas cria que Deus era com ele, era o seu defensor!
Por isso, ele começa esse salmo falando em Deus como “sendo
a minha justiça”.

01 - A oração de um homem em agonia de alma por


conta de suas adversidades.
Diante de um quadro de injustiça, podemos invocar o
Senhor como Deus da nossa justiça.
45
Neste salmo Davi começa falando que eram muitos os que
estavam em seu encalço. Era patente que o seu drama era inten-
so! Em II Samuel 15:23 fala que:

II Samuel 15:23
23 - E toda a terra chorava a grandes vozes, passando todo
o povo; também o rei passou o ribeiro de Cedrom, e passou
todo o povo na direção do caminho do deserto.

II Samuel 15:30
30 - E seguiu Davi pela encosta do monte das Oliveiras,
subindo e chorando, e com a cabeça coberta; e caminhava com
os pés descalços; e todo o povo que ia com ele cobria cada um a
sua cabeça, e subiam chorando sem cessar.

O quadro era de uma derrota absoluta, total. As pessoas


diziam: “Deus abandonou a Davi”. O que fazer quando em
sua impressão, percepção bem clara, Deus não tem atendido
mais as suas orações? Deus está permitindo que seus inimigos
triunfem sobre você? Parafraseando Harold Kushner, “o que
fazer quando coisas ruins acontecem às pessoas boas?”. O que
fazer?
Davi era um homem justo que amava ao seu povo. Mas Ab-
salão se posta no portão da cidade do rei e captura o coração
dos seus súditos com um discurso rebelde, dizendo, “não há da
parte do rei ninguém para ouvir o seu clamor”. Davi para evitar
um confronto em sua cidade e arredores, resolve fugir e duran-
te o dia faz uma oração ao Senhor dizendo: “Clamo ao Senhor
46
com a minha voz, e ele me responde do seu santo monte. Eu me
deito, durmo e acordo, pois o Senhor me sustenta”.

E agora, ele diz para o Senhor:

Salmos 4:1
1 - OUVE-ME quando eu clamo, ó Deus da minha justiça,
na angústia me deste largueza; tem misericórdia de mim e ouve
a minha oração.

Diante desse quadro de dor, Davi chama Deus de “Deus da


minha justiça”, ou usando uma tradução proposta por Calvino,
“meu protetor, aquele que mantém o meu direito”. Davi tinha
consciência de que ele era o rei por direito. Ele tinha consciên-
cia de quem ele era diante de Deus!
E uma das tragédias na vida da gente acontece quando nos
esquecemos de quem nós somos diante de Deus. Ele é o nosso
direito! Ele é a nossa justiça! E nós não confiamos em homens,
pessoas ou instituições, mas sim em Deus!
Jeremias vai nos revelar esse nome de Deus: “Deus da nossa
justiça”:

Jeremias 23:6
6 - Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e
este será o seu nome, com o qual Deus o chamará: O SENHOR
JUSTIÇA NOSSA.

47
Davi não pensava em recorrer a qualquer tipo de estratégia
para recuperar o que era seu, resolveu esperar, mas antes ele
declara: Deus alivia a minha angústia!
Há um desabafo no verso 02, referindo-se aos seus inimi-
gos:

Salmos 4:2
2 - Filhos dos homens, até quando convertereis a minha
glória em infâmia? Até quando amareis a vaidade e buscareis a
mentira? (Selá.)

Davi está com angústia. E preste atenção do que se trata


esse sentimento tão comum em situações limites de nossa alma
em aperto diante do Senhor: Angústia é uma sensação que es-
treita a garganta, o estômago, as veias e até reduz, quase para-
lisando a nossa capacidade de pensar. O alívio vindo da parte
de Deus nos deixa respirar livremente, com largueza de mente
e libertação da tensão.
Davi quer ser ouvido! Os verbos nestes versos estão no im-
perativo, e ele clama aos “filhos dos homens”, que serão cha-
mados em uma versão de “homens poderosos”. Me parece que
o que dava combustível a Davi a clamar para Deus e apontar
aos seus inimigos, perguntando “até quando?”, era o fato de que
Deus havia sido fiel no seu passado por diversas vezes! E Davi
não tirava isso de sua mente.
O que nos mantém tranquilos e serenos em meio às adver-
sidades, é a lembrança das experiências de ajuda que o Senhor
já ministrou a nós em nosso passado!
48
Quer se manter tranquilo no presente? Reflita no que Deus
lhe fez no passado! Davi tinha caminhado com o Senhor, havia
enfrentado inimigos severos e claro que agora o seu inimigo
estava dentro de sua casa, mas ele sabia que Deus estava pre-
sente. Absalão confiava em sua liderança, exército, estratégias e
popularidade, mas não confiava no Senhor, por isso seu plano
estava condenado ao fracasso.
Vemos aqui o “caminho de Absalão” e o “caminho de Davi”.
Davi tinha apenas um grupo de pessoas fiéis que o tinham
como líder, mas ele não confiava em homens, ele confiava no
Senhor. É o que vemos:

Salmos 4:3
3 - Sabei, pois, que o SENHOR separou para si aquele que é
piedoso; o SENHOR ouvirá quando eu clamar a ele.

Há uma indicação aqui de um princípio bíblico que, infeliz-


mente são muitos os crentes que não gostam de refletir: a ideia
de que Deus em toda a Bíblia está separando para si um povo!
É um engano achar que Deus ama a todas as pessoas indistin-
tamente. Há claramente base nas Escrituras para entendermos
que Deus ama mais a uns dos que a outros! Há pessoas que
Deus ama de modo leal. No Egito, houve várias distinções nas
pragas, onde o seu povo era preservado! (Êxodo 7-12)
Davi percebe-se aqui parte desse povo eleito, usando uma
linguagem mosaica, uma “propriedade peculiar de Deus”, “te-
souro particular de Deus”. No Novo Testamento temos essa
ideia em I Pedro:

49
I Pedro 2:9
9 - Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação
santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele
que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;

Esse é o entendimento de Davi quando ele fala nos termos


de Deus distinguindo para si “um povo piedoso”. É facilmente
destacável de que esse verbo “distinguir”, é o mesmo que “sepa-
rar para honra”. Calvino colabora nesse sentido: “O termo he-
braico significa “separar” e aqui ele se refere à separação para
honra e dignidade; como se dissesse: vós não admitis ninguém
como rei senão aquele que é escolhido pelo vosso voto ou que
vos agrade; mas a prerrogativa peculiar de Deus é fazer ele a
escolha de quem quer escolher”.
E Paulo vai dizer isso aos Romanos também:

Romanos 9:18
18 - Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a
quem quer.

Davi se coloca aqui como alguém que estava recebendo um


favor especial do Senhor e o que doía mais em seu coração era
que ele estava sendo disciplinado por sua própria desobediên-
cia. Deus havia perdoado os seus pecados, o chamado para ser
rei, e por isso somente Deus poderia justificá-lo. Por isso, há um
apelo diante do povo:

50
Salmos 4:4
4 - Perturbai-vos e não pequeis; falai com o vosso coração
sobre a vossa cama, e calai-vos. (Selá.)

Na Nova Versão Internacional:

Sl 4:4 Tremam de medo e parem de pecar. Sozinhos e quie-


tos nos seus quartos, examinem a sua própria consciência.

Davi está dizendo ao povo que a despeito de tudo o que eles


estavam vivendo, Deus estaria cuidando deles, e isso exigia um
quebrantamento espiritual, em reflexão diante do caráter santo
de Deus! “Examinem a sua própria consciência”! Consultem o
coração no travesseiro, mas fiquem quietos, entendendo que a
despeito de tudo, Deus está com o seu povo.
Davi está fazendo coro com aquilo que mais tarde, Paulo
vai dizer:

Romanos 8:31
31 - Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós,
quem será contra nós?

E ainda no verso 5, Davi faz um convite ao povo para que


sejam oferecidos a Deus “sacrifícios de justiça”. O que seriam
tais sacrifícios? Para entender temos de recorrer a outro salmo:

51
Salmos 51:17
17 - Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a
um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.

Salmos 51:19
19 - Então te agradarás dos sacrifícios de justiça, dos holo-
caustos e das ofertas queimadas; então se oferecerão novilhos
sobre o teu altar.

Em II Samuel 15:12, Absalão também oferece sacrifícios


ao Senhor para autenticar e ratificar a sua posição como rei, e
ele chama sacerdotes mancomunados com ele para esse ritual.
Mas, Davi sabendo disso, fala aqui em sacrifícios, mas “de
justiça”. Trocando em miúdos: Absalão está no palácio, ofere-
cendo sacrifícios reais injustos, mas Davi exilado no deserto
apresenta sacrifícios justos. Absalão está no lugar do rei, mas
não era rei. Davi em confiança ao Senhor, apresenta “sacrifí-
cios de justiça”.
A Palavra de Deus nos garante que podemos e devemos
confiar no Senhor em meio às angústias e demais dificuldades
da vida. Em outro texto por exemplo:

Jó 36:16
16 - Assim também te desviará da boca da angústia para
um lugar espaçoso, em que não há aperto, e as iguarias da tua
mesa serão cheias de gordura.

52
Deus tem o desejo para cada um de nós, de nos levantar em
meio à angústia, da luta e nos colocar diante dele, para desfru-
tarmos do melhor dele:

Isaías 54:17
17 - Toda a ferramenta preparada contra ti não prosperará,
e toda a língua que se levantar contra ti em juízo tu a condena-
rás; esta é a herança dos servos do SENHOR, e a sua justiça que
de mim procede, diz o SENHOR.

Esse texto tem estreita relação com os salmos 03 e 04! Absa-


lão apresentava sacrifícios de injustiça, Davi convida as pessoas
do povo de Deus para ministrarem “sacrifícios de justiça”, que
na literatura de Salmos são expressões de um espirito quebran-
tado.
Quando nos humilhamos, é que o Senhor nos exalta! Davi
está vivendo um dos momentos mais tenebrosos de sua vida:
em nenhum momento chama a atenção para si, em nenhum
momento defende a sua postura, em nenhum momento diz que
estava sendo injustiçado, esquecido ou abandonado. Em ne-
nhum momento, ele rompe com o Senhor, nega a sua fé, ou re-
clama da própria sorte. Ele prefere olhar para Deus e chamá-lo
de “Minha justiça”. Ele confia na doutrina da eleição que reforça
a ideia de que Deus distingue um povo piedoso para si, separa
para honra e cuidado especial. Deus trata os seus de maneira
diferente, essa era a convicção de Davi.

53
02 - A determinação de um homem que
descansa na segurança divina.
Que consolação tem o meu coração, descansando
no poder de Deus!
Repare comigo no verso 6, mais uma vez o Salmista fala em
“muitos”. E essa palavra é sintomática porque quando passamos
por várias dificuldades é muito comum termos o nosso senso
lógico distorcido. É o que acontece quando em nosso ambien-
te de trabalho temos uns dois ou três desafetos, mas quando
nos referimos a Deus em oração, falamos sempre em “muitos”,
quando na realidade são “poucos”.
E nós pastores, pensamos muitas vezes em redefinirmos
muitas coisas em nosso ministério a partir da oposição de “um
ou outro”, porque insistimos em chamá-los de “muitos”! Enten-
do que esse “muitos” já é uma expressão de alguém que está em
profundo desespero de alma, precisando descansar na seguran-
ça que vem da providência de Deus.
Elias viveu isso, ele venceu os profetas de Baal, e se depri-
miu depois de tudo. Daí alguém dizer que não existe um mo-
mento em que estamos mais vulneráveis do que quando saímos
de uma vitória, de uma conquista. Não podemos nos esquecer
que Jesus foi tentado depois do batismo! (Mateus 3-4).
Às vezes ensinamos às pessoas que após ao batismo elas já
estarão em vitória, bem protegidas, mas as maiores tentações

54
são depois das vitórias. A igreja termina um evento grandioso
e depois as intrigas aparecem! Na vida pessoal é assim também:
quando chegamos a um determinado patamar em nossa carrei-
ra, pensamos que chegamos ao topo, então é que começamos a
declinar em nossa fé.
Pois é, Elias chega a audácia de dizer para Deus que só ele
havia permanecido fiel em todo o Israel! Elias estava se sentindo
a “última Coca Cola do deserto!”. E Deus chega para Elias e diz
que ele tinha ainda outros 07 mil profetas em Israel! I Reis 19.
Esse complexo de essencialidade de Elias nos persegue, quando
nos sentimos essenciais demais, até mesmo, únicos. Davi me
parece que não sofre desse complexo de essencialidade porque
ele opta em descansar na fidelidade de Deus.
Os salmos por mais que nos falem dos dramas humanos,
refletem também sobre Deus. É um livro que fala sobre Deus.
Questiono autores, pastores, que afirmam que o salmo 73, refe-
rindo-se ao “mal de Asafe”, diga respeito apenas a Asafe em seu
estado depressivo. Mas, na realidade o protagonista do salmo é
Deus! Ele é quem atua por meio das experiências humanas. A
Bíblia não é um livro de registros das histórias de homens fan-
tásticos. Não existem na realidade “homens de Deus”, mas sim
“homens grandemente usados por Deus”. O que Davi está viven-
ciando é o fato de que ele confiava que podia descansar em Deus:

Salmos 4:6
6 - Muitos dizem: Quem nos mostrará o bem? SENHOR,
exalta sobre nós a luz do teu rosto.

55
Uma outra versão:

Sl 4:6 Muita gente anda dizendo: “Deus não é capaz de nos


salvar! “ Ó Senhor, mostra que eles estão enganados. Coloca
sobre nós a luz do teu rosto!

Não se esqueçam de que esse é o salmo da noite. Pense co-


migo: Davi estava estabelecido em tendas, estava em fuga. E no
arraial, uma espécie de acampamento, com tochas acesas, mas
não com o máximo de claridade para não atrair a atenção dos
seus inimigos, em um breu, na noite, olhando de um lado para
o outro, Davi ora: “faze resplandecer sobre nós, a luz do teu
rosto!”. No escuro, Davi diz, “não dá para lhe ver, não sei onde
estou, e nem para onde vou, mas lhe peço: resplandece sobre
nós, o teu rosto”.

Salmos 4:7
7 - Puseste alegria no meu coração, mais do que no tempo
em que se lhes multiplicaram o trigo e o vinho.

Esse reconhecimento de Davi me encanta: ele se sentia mais


alegre com o favor do Senhor em sua história do que com a sa-
tisfação material oriunda das reservas dos homens ímpios. Ele
saiu fugido do palácio, deixando para trás as suas reservas de
cereais, de vinho e demais iguarias, mas Davi se sentia preen-
chido por Deus! Não lhe faltava nada! Davi está dizendo: “a ale-
gria que eu tenho em sua presença, é maior do que a deles que
só tem cereal e vinho à vontade”. Na realidade, existem pessoas
56
tão ricas que só tem ao Senhor e outras que são tão pobres, que
só tem dinheiro!
Na versão Almeida Revisada segundo os melhores textos:

Sl 4:7 Puseste no meu coração mais alegria do que a deles


no tempo em que se lhes multiplicam o trigo e o vinho.

Davi sabia que toda essa confiança iria valer a pena, e mais
tarde, ele vai dizer em outro salmo:

Salmos 16:11
11 - Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presença há far-
tura de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente.

Calvino vai dizer em seu comentário que: “Davi, ao contrá-


rio, testifica que, embora estivesse destituído de todas as demais
coisas desejáveis, o amor paternal de Deus era suficiente para
compensar a perda de todas elas”.
Davi e seus homens viviam com o estoque de cereal e vinho
nos limites da razoabilidade, mas ele sabia que o nosso Deus é o
Deus da fartura, é o Deus da abundância, mas também é o Deus
que nos mantém nos períodos de escassez. Paulo vivenciou isso:

Filipenses 4:11-13
11 - Não digo isto como por necessidade, porque já aprendi
a contentar-me com o que tenho.
57
12 - Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda
a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter far-
tura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer
necessidade.
13 - Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.

E sempre é bom reforçar que esse “posso todas as coisas”,


não fala de possibilidades de conquista, mas na verdade Pau-
lo fala de alguém “experimentado”, o mesmo termo que Isaías
53 fala do Messias. A ideia é de que você nunca é um homem
(no sentido genérico) completo enquanto você não passar pelos
dois extremos da vida: da penúria e da abundância. O da priva-
ção e o da fartura. A maioria de nós não entendemos que Deus
também está presente quando estamos sofrendo, mas Davi ti-
nha essa consciência. E Davi diz: “do que me adianta ter tudo e
não ter ao Senhor”.
Deus precisa nos tirar muito do que temos para que apren-
damos a viver apenas por ele, e com ele, porque senão não es-
taremos “experimentados”. O pai que dá tudo para o seu filho,
impede-o de ter as suas experiências pessoais com Deus, e cria
homens e mulheres que terão uma visão errada da vida. É pre-
ciso que permitamos, por mais que seja doloroso, que nossos
filhos passem por apertos, para que haja aprendizado na segu-
rança de Deus.
Ai, sim poderemos cantar: “Que segurança sou de Jesus, eu
já desfruto as bênçãos da luz”.
Mas, e quando o cereal faltar? Quando a alegria faltar? O
prazer acabar? O que acontecerá? Quando você só tiver Deus,
é tudo o que você precisa! Alguém já disse acertadamente que
58
Deus só será o melhor para nós, se ele for o único que tivermos.
O cristianismo contemporâneo é um “cristianismo adicionado”.
Nós temos dificuldades de compreender o cristianismo só com
Cristo. A centralidade de Jesus é algo que deve ser absoluto na
cabeça do crente em Jesus.
Por isso fiquei surpreso quando soube de um diácono que
perguntou ao seu pastor, que ficou assustadíssimo, se uma pes-
soa iria para o inferno só por que não aceitou a Jesus!
O salmista fala que Deus coloca tanta alegria no coração
que isso gera uma convicção plena:

Salmos 4:8
8 - Em paz também me deitarei e dormirei, porque só tu,
SENHOR, me fazes habitar em segurança.

E repare que ele não fala “e me levanto”, porque esse é um


salmo da noite! O termo hebraico para “paz” (shalom) significa
muito mais do que a ausência de conflitos. Dá a ideia de ade-
quação, confiança e plenitude de vida. Talvez o Senhor tenha
lembrado Davi de:

Deuteronômio 33:12
12 - E de Benjamim disse: O amado do SENHOR habitará se-
guro com ele; todo o dia o cobrirá, e morará entre os seus ombros.

Um comentarista vai dizer que: “Quando temos por com-


panhia o Senhor na hora de dormir, como seremos perturba-
59
dos em nossos sonhos pela nossa consciência ou por qualquer
problema? É por isso que quem está no Senhor deita em paz e
dorme tranquilo, ainda que no meio dos inimigos, como anda-
va Davi na época de feitura deste lindo salmo.”
Olha que contrassenso! Davi estava em guerra, mas a guer-
ra estava fora dele! Dentro dele, ele tinha paz. É o mesmo em re-
lação a essa crise sem precedentes que passamos em nosso país
em suas histórias de golpes, rupturas e contradições: ela está
fora de nós! Não está dentro de nós! Assusta? Sim! Nós estamos
em Cristo! A crise está fora de nós: não digo que não nos afeta,
absolutamente! Temos sim, de tomar decisões, promovermos
ajustes dos mais diversos, mas não podemos nos desesperar!
Porque a crise está fora e dentro de nós há Cristo.
Fora de Davi, tinha guerra, mas ele podia dizer: “em paz eu
deito e durmo”. A paz entra na guerra! Cristo é evidenciado na
crise! Não podemos, e Paulo vai dizer isso, não podemos nos
desesperar diante da morte, pois a vida também entra na morte:

I Tessalonicenses 4:13-14
13 - Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca
dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os de-
mais, que não têm esperança.
14 - Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, as-
sim também aos que em Jesus dormem, Deus os tornará a tra-
zer com ele.

João 11:25-26
25 - Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem
crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
60
26 - E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá.
Crês tu isto?

Precisamos aprender a termos olhos espirituais em meio ao


nosso contexto. Não podemos nos desesperar como os ímpios.
Davi em todo o texto expressa que a despeito dos burburinhos
que ele ouve, daquilo que ele pressente, das situações de bata-
lhas incríveis, diante das artimanhas de Absalão e do seu cora-
ção rebelde, ele cria que o Senhor estava ao seu lado, ele era o
seu defensor! É interessante que ele sempre trata esses termos
em suas orações em termos pessoais. Para ele o Senhor era a:
“minha justiça”.

Aplicando um pouco mais


(a) Aprenda a dormir o “sono dos justos”.
O grande desafio em meio às provações do nosso cotidia-
no, das demandas relacionadas às privações da falta de saúde
daqueles que estão em nosso meio, e das calamidades que nos
assolam, é mesmo assim dormirmos em sossego. Alguém já
disse: “Uma boa consciência nos ajuda a dormir em quaisquer
circunstâncias; muitas insônias se devem a mentes perturbadas,
que não confiam em Deus.”

Provérbios 3:24
24 - Quando te deitares, não temerás; ao contrário, o teu
sono será suave ao te deitares.
61
Eclesiastes 5:12
12 - Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer
muito; mas a fartura do rico não o deixa dormir.

Salmos 127:2
2 - Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde,
comer o pão de dores, pois assim dá ele aos seus amados o sono.

Gosto de pensar como Tony Compolo em uma mensagem:


“Deus trabalha no turno da noite”. Alguém já disse: “trabalhe
como se tudo dependesse de você, ore como se tudo dependes-
se de Deus”. O sono é de Deus, ele próprio descansou no sétimo
dia! Deus teve um dia de descanso. E você não pode ter?
Deus não criou o sábado para ser um dia fixo, mas como
um período onde aprendemos que a vida envolve trabalho e
descanso. Todos os dias precisamos ter um tempo de “sába-
do”, um estado de espírito, onde meditamos no descanso que
Deus nos dá diante da natureza criada, no tempo de louvar a
Deus por tudo em nossa volta, e em nosso tempo de sono, onde
aprendemos a descansar.
Sabe porque eu descanso? Porque eu me satisfaço! Se você
não descansa, é porque você não está satisfeito. E se você não
está satisfeito é porque você vem exigindo muito de si mesmo!
Aprenda a dormir o sono dos justos!

(b) Seja humilde diante de Deus e corajoso diante dos ho-


mens.

62
Se eu fosse sintetizar quem era Davi, eu diria que ele era ex-
tremamente humilde diante de Deus, e por isso era o “homem
segundo o coração de Deus” (I Samuel 13.14). Mas diante dos
homens ele era corajoso, era impetuoso, franco com as palavras.
Davi antes de falar aos homens, sempre falava com Deus.
É fato que nós teríamos mais coragem para falar diante
dos homens, se tivéssemos mais tempo de conversa com Deus.
Antes de falar aos homens, fale com Deus!
Quando alguém me questiona do que se deve fazer dian-
te dos homens maus, minha resposta sempre é: “Ore, fale com
Deus”. Davi só tinha coragem diante dos homens, porque era
humilde diante de Deus! Davi era novo quando enfrentou Go-
lias, quando disse: “quem é você para falar mal do meu Deus”
(I Samuel 17).
Seja humilde diante de Deus e ele vai lhe honrar diante dos
homens! Tem muita gente que faz a ordem inversa: é humilde
diante dos homens (complacente demais) e acaba assumindo
para si uma postura de subserviência, de ser escravo das opi-
niões e gostos dos homens, escravo de agradar aos outros ho-
mens, porque não tem sido humilde o bastante diante de Deus
para que ele pleiteie suas lutas e suas guerras. Antes de falar aos
homens, fale para Deus. Seja humilde diante de Deus, para ser
corajoso diante dos homens.

(c) Aprenda o valor de uma vida dedicada à oração.


Alguém já disse: “Assim como o avião voa acima das nu-
vens de tempestade, assim nós, nas asas da oração, podemos
voar acima das decepções. Ajoelhemo-nos em nossa fraqueza,
e depois nos levantemos revestidos de poder.”
63
Há um pastor já falecido, pr. David Gomes que era um ho-
mem marcado pela oração. Foi pastor no centro da cidade do Rio
de Janeiro, e lá ele idealizou uma igreja ali, em um edifício que
ele chamou de “Edifício da Fé”. Ali ele plantou as bases da “Esco-
la Bíblica do Ar”, e o lema desse ministério era: “o Sol nunca se
põe sem que subam aos céus do Brasil e do mundo as mensagens
de Deus pela Escola Bíblica do Ar”. Naquele edifício a igreja se
estabeleceu com o nome sugestivo de “Igreja Batista da Esperan-
ça”. E quando pastor, David Gomes tinha um costume: do lado
do seu gabinete tinha uma sala de oração. As pessoas marcavam
atendimento com a secretaria e quando chegavam eram encami-
nhadas para a “sala de oração”, para ficarem meia hora de oração.
E era impressionante o número de pessoas que quando iam para
o gabinete, só cumprimentavam ao pastor e diziam: “já recebi a
resposta do que precisava”, e ainda, “Deus já me ajudou bastante”.
Aprenda o valor de uma vida dedicada a oração! Davi sabia
disso muito bem! Era isso que fazia com que Davi vencesse a si
mesmo e às batalhas que esteve envolvido em toda a sua vida!

(d) Deus sustenta aos seus filhos.

Mateus 7:11
11 - Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará
bens aos que lhe pedirem?

“Aos que lhe pedirem”. John Wesley disse certa feita que
“todas as bênçãos que Deus nos dá são respostas às nossas ora-
64
ções”. Eu sei que Deus é soberano para nos dar o infinitamente
muito mais de tudo o que pedimos ou pensamos (Efésios 3.20),
mas a minha experiência particular é que Deus só dá determi-
nadas coisas se pedirmos:

Mateus 7:7-8
7 - Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-
-se-vos-á.
8 - Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encon-
tra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á.

Eu penso que determinadas bênçãos Deus só compartilha


conosco a partir de nossa comunhão como filhos. Algo como
um “segundo nível” em nosso relacionamento com o Senhor!
Como pai, eu sei das necessidades de meu filho, e estou inte-
ressado em supri-las. Esse seria o primeiro nível. Mas, quando
meu filho me pede, um relacionamento mais íntimo é estabele-
cido. Esse seria o segundo nível. Há vários textos da Bíblia que
falam da importância de pedir:

Mateus 7:11
11 - Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará
bens aos que lhe pedirem?
Lucas 18:7
7 - E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam
a ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles?
65
Me lembro de uma história, contada por Bruce Wilkerson,
em seu livro, “A oração de Jabez”:
Conta-se uma pequena estória na qual seu João morreu e
foi para o céu. Pedro o aguardava junto aos portões para leva-
-lo a um passeio. Ali no meio do esplendor das ruas de ouro,
das mansões celestiais e dos coros de anjos, seu João observa
um prédio bastante estranho. Para ele aquilo se parecia com um
enorme armazém – não tinha janelas e havia apenas uma porta.
Porém, quando ele pede para entrar, Pedro hesita um pouco:
– Olha, acho que você não quer ver o que existe lá dentro –
diz o apóstolo ao recém-chegado.
Mas porque deveriam existir segredos no céu? Fica pensan-
do seu João. Que surpresa tão grande poderia me esperar ali?
Quando o passeio oficial termina, seu João continua pensando
naquele edifício e pede novamente para ver o que há lá dentro
daquela estrutura.
Pedro finalmente cede. Quando o apóstolo abre a porta, seu
João quase o atropela em sua ânsia de desvendar aquele misté-
rio. Percebe que o prédio tem corredores e mais corredores com
prateleiras, do chão ao teto, cada uma delas repleta de caixas
brancas amarradas com fitas vermelhas.
“Estas caixas têm nomes escritos nelas”, nota seu João, pen-
sando em voz alta. Então, ele se vira para Pedro e pergunta:
– Há alguma com o meu nome? – Sim – responde o após-
tolo. Pedro tenta levar seu João para fora do prédio: – Franca-
mente, seu João – diz Pedro – acho que se eu fosse o senhor…
Mas seu João já está bem próximo do corredor “J”, procurando
a sua caixa.

66
Pedro vai seguindo atrás, balançando a cabeça. Ele alcança
seu João no momento exato em que este já puxou a fita de sua
caixa e está quase tirando a tampa. Ao olhar o interior da caixa,
seu João reconhece o conteúdo instantaneamente. Deixa esca-
par um enorme suspiro, semelhante aos muitos que Pedro já
escutara tantas outras vezes.
A caixa continha todas as bênçãos que Deus queria ter
dado a seu João enquanto ele estava na terra…, Mas seu João
nunca pedira.
Em suma: eu creio que Deus dá tudo o que precisamos!
E que através do Espírito Santo temos as nossas orações inter-
pretadas, por Ele. Por isso eu apelo para que estejamos nos re-
lacionando com o Senhor, na perspectiva de quem pede para
receber! Deve haver uma relação que devo fazer entre aquilo
que está na mente de Deus e na mente do homem!

(e) Não perca o otimismo, mesmo com todas as condições


adversas.
Eu vejo Davi sempre mantendo o seu otimismo! Mas não
na raça humana! Ele não era um piadista, ele era alguém que
confiava no Senhor. O seu otimismo tinha como base as suas
experiências com Deus no passado. E repetindo o que eu já dis-
se: “ a serenidade no tom de Davi era o resultado de suas expe-
riências de ajuda de Deus em seu passado”.
Deus não mudou! O crente não pode ser influenciado pelo
que vê, mas sim pelo que crê! Um pouco de fé nos transfor-
ma em otimistas! Se formos olhar para a situação no nosso
país ficamos pessimistas, perdemos facilmente a esperança.
Os telejornais nos frustram! Na política, roubos, corrupções
67
generalizadas, enfim! E o que anima o coração da gente é saber
que Deus é por nós! Deus é a nossa justiça. Em outro salmo:

Salmos 91:7
7 - Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não
chegará a ti.

Temos de crer e passarmos a confiar nas promessas de Deus,


as recitarmos, cantarmos e vivermos os Salmos e as orações.
(f) Pouco com Deus é muito. Muito sem Deus, é nada.
É melhor ter a comunhão com Ele, e não possuir outras
coisas, do que possuir tudo, sem Ele.

Salmos 29:11
11 - O SENHOR dará força ao seu povo; o SENHOR aben-
çoará o seu povo com paz.
Salmos 119:165
165 - Muita paz têm os que amam a tua lei, e para eles não
há tropeço.

Charles Spurgeon disse certa feita que “as Bíblias mais gastas,
pertencem às pessoas mais íntegras”. Elas são gastas por conta das
leituras que representam corações inteiros diante de Deus.
Segue agora, parte da biografia de George Müller: Viveu
de 1805 a 1898, teve 50 mil orações respondidas, e cuidou de
10000 órfãos em 63 anos de ministério. Certa vez, estava con-

68
tando a um amigo como sua fé se desenvolvera em vinte e cinco
anos. O amigo estava curioso para saber o segredo. O Sr. Müller
levantando bem alto uma velha Bíblia, respondeu: “Amigo, eu
conheço o Livro e o Deus do Livro, porque o li acerca de cem
vezes.” Vocês já experimentaram esta receita? A Bíblia diz que
“a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. Romanos
10:17. É por causa da negligência na leitura da Bíblia que pre-
domina a incredulidade em nossa geração.
Muitos de nós não temos experiências assim, mesmo de-
sejando ter, são muitos os que leem biografias e estão desejo-
sos de ter essas experiências. Mas, será que estamos dispostos a
pagarmos o preço? O segredo de George Muller era uma vida
de inteira comunhão com o Senhor, afinal de contas ele lera a
Bíblia cem vezes, nos últimos 25 anos de sua vida.
Por fim, eu penso que Deus não nos defende por sermos
justos. Ele nos defende, porque ele é a nossa Justiça. E isso faz
toda a diferença! É ele quem tem um povo precioso para si. É
Ele que, a despeito dos nossos merecimentos, mais do que isso,
dos nossos “desmerecimentos”, nos favorece, pois, a Graça está
em Deus nos amar a despeito dos nossos deméritos! Deus é
quem nos defende!

Orando
Obrigado pela tua Palavra exposta. Obrigado por que esse
Salmo 4 tem muito que ver com o Salmo 3, porque são realida-
des de vida bem próximas: o de número 03 é do dia, o do 4 é o
da noite. A situação humana, concreta e detalhada nos foi mos-

69
trada, bem como aplicações para o nosso dia a dia. Ajuda-nos a
vivermos na dependência do Senhor e sobretudo a pagarmos o
preço de sermos íntimos do Senhor. Em seu nome que oramos.
Amém.
3 Aprendendo a orar
em meio ao caos!
A oração do crente revela a condição de sua alma
diante de Deus.
Salmos 5:1-12
1 - DÁ ouvidos às minhas palavras, ó SENHOR, atende à
minha meditação.
2 - Atende à voz do meu clamor, Rei meu e Deus meu, pois
a ti orarei.
3 - Pela manhã ouvirás a minha voz, ó SENHOR; pela ma-
nhã apresentarei a ti a minha oração, e vigiarei.
4 - Porque tu não és um Deus que tenha prazer na iniquida-
de, nem contigo habitará o mal.
5 - Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que
praticam a maldade.
6 - Destruirás aqueles que falam a mentira; o SENHOR
aborrecerá o homem sanguinário e fraudulento.
7 - Porém eu entrarei em tua casa pela grandeza da tua be-
nignidade; e em teu temor me inclinarei para o teu santo templo.
71
8 - SENHOR, guia-me na tua justiça, por causa dos meus
inimigos; endireita diante de mim o teu caminho.
9 - Porque não há retidão na boca deles; as suas entranhas
são verdadeiras maldades, a sua garganta é um sepulcro aberto;
lisonjeiam com a sua língua.
10 - Declara-os culpados, ó Deus; caiam por seus próprios
conselhos; lança-os fora por causa da multidão de suas trans-
gressões, pois se rebelaram contra ti.
11 - Porém alegrem-se todos os que confiam em ti; exultem
eternamente, porquanto tu os defendes; e em ti se gloriem os
que amam o teu nome.
12 - Pois tu, SENHOR, abençoarás ao justo; circundá-lo-ás
da tua benevolência como de um escudo.

O grande reformador Martinho Lutero disse que os salmos


não colocam diante de nós somente a palavra dos santos, mas
nos desvenda também o seu coração e o tesouro íntimo de suas
almas. Ele ainda disse que através dos salmos aprendemos a fa-
lar com seriedade em meio a todos os tipos de vendavais.
É inevitável eu ter de me referir aos salmos anteriores e falar
do contexto de todo esse bloco de textos expostos neste livro. O
tema que vai caminhando em meio a todos esses salmos, escritos
por Davi enquanto ele fugia de Absalão será o da oração. Nessa
passagem do salmo 5 a oração do crente revela a condição de
sua alma diante de Deus. É fato que os cristãos são conhecidos
mediante as suas orações. O modo como você identifica se um
cristão é maduro ou não, sensível ou não, piedoso ou impiedoso
em sua vida com Deus é o modo como ele lida com a oração.

72
Muito mais do que o modo como ele articula as suas pala-
vras, seu discurso religioso, quer através de sua mensagem ou
testemunho é como ele lida com a sua intimidade com a oração,
tanto em nível particular (secreta) quanto comunitária (pública).
Jesus fala do modo como devemos lidar com as nossas ora-
ções, em seu famoso “sermão do monte”:

Mateus 6:5-8
5 - E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois
se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das
ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que
já receberam o seu galardão.
6 - Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechan-
do a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que
vê em secreto, te recompensará publicamente.
7 - E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios,
que pensam que por muito falarem serão ouvidos.
8 - Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe
o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.

Então temos o “nó teológico”: se o Pai sabe o que nos é


necessário antes de pedirmos algo a ele, porque temos então de
pedir? Eu tenho para mim que a dica para começarmos a enten-
der isso, é que Deus quer manter um relacionamento conosco.
A oração revela a condição da nossa alma diante de Deus. Deus
não muda, mas nós mudamos. Na oração revelamos esse espíri-
to de quebrantamento. E a Palavra de Deus vai dizer que diante
de “um coração quebrantado, ele não rejeita” (Salmo 51.17).
73
C. S. Lewis, escritor inglês, autor das “Crônicas de Nárnia”
e de outras obras, teve uma experiência com a sua esposa. Ele
casou-se com uma americana em um leito de hospital onde ela
tratava de um câncer em estado terminal. Depois de alguns
anos ela falece, ele entra em uma crise de fé e certa feita um
“amigo de Jó” lhe pergunta se ele não havia orado pela cura de
sua esposa, e ele respondeu: “orei, orei, orei, orei, mas as minhas
orações não mudam a Deus, elas mudam a mim mesmo”.
Estamos diante desse nó que pode ser desatado apenas com
um espírito de humildade, isso porque o que ouvimos hoje em
muitos movimentos religiosos fica difícil de compreender, mas
é fato que diante de Deus não temos de determinar nada, no
mínimo nós temos que solicitar. Todos os verbos emprega-
dos no grego para “pedir”, são sempre vocábulos que partem
do pressuposto de que o suplicante está em posição inferior a
quem se suplica. Não há relações entre iguais na Bíblia entre
homem e Deus. Até mesmo a Aliança, não acontece nos mol-
des de outras alianças no mundo bíblico, mas sim como aquela
que o suserano entra com tudo, e o outro entra apenas com
obediência, subserviência mesmo.
Essa alma suplicante é a que vemos em Davi o tempo intei-
ro. É a verdade de que nenhum perigo ou desconforto deve nos
impedir de ter nossa comunhão matutina com o Senhor. E essa
comunhão tem de estar diretamente ligada ao nosso sofrimento.

01 - Deus atenta para a oração que nasce no contexto


do nosso sofrimento.
74
Podemos expor as questões mais íntimas diante do Senhor
os gemidos de nossa alma.
Recapitulando:

Salmo 3 – Salmo da manhã (v. 5)


Eu me deito e durmo, e torno a acordar, porque é o Senhor
que me sustém.

Salmo 4 – Salmo da noite (v. 8)


Em paz me deito e logo adormeço, pois só tu, Senhor, me
fazes viver em segurança.

Salmo 5 – Salmo da manhã (v. 3)


De manhã ouves, Senhor, o meu clamor; de manhã te apre-
sento a minha oração e aguardo com esperança.

Salmo 6 – Salmo da noite (v. 6)


Estou exausto de tanto gemer. De tanto chorar inundo de
noite a minha cama; de lágrimas encharco o meu leito.

Nessa primeira porção temos a palavra “gemido”, que é a


mesma palavra para “meditação, murmúrio”. Uma espécie de
gemido que insiste em sair mesmo abafado pela dor. O que te-
75
mos nos primeiros versos é Davi fazendo questão de clamar
para ser ouvido pelo Senhor e ele pede que o Senhor atente para
o seu “gemido”, em uma espécie de casamento entre a nossa ora-
ção e a nossa meditação.
E é salientada aqui a relação de pessoalidade de Davi com
o Senhor: “minhas palavras”, “meus gemidos”, “Rei meu”, “Deus
meu”, “meu clamor”. Em nenhum momento Davi perdeu de
vista de que ele mantinha com o Senhor um relacionamento
pessoal. A despeito de todo o sofrimento, ele sabia que tinha
um Deus e que esse Deus era o Rei da vida dele. Não o “rei” aos
moldes da rainha Elizabeth da Inglaterra que “reina, mas não
governa”, mas um Rei que de fato tem acesso a todos os detalhes
de sua vida.
Davi tinha uma consciência clara da providência de Deus,
não um conceito teológico desenvolvido como temos, mas por
experiência de fé e caminhada com o Senhor. A obra de Louis
Berkhof, “Teologia Sistemática”, fala sobre Providência de Deus
e a define assim: “Pode-se definir a providência como o perma-
nente exercício da energia divina, pelo qual o Criador preserva
todas as Suas criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e
dirige todas as coisas para o seu determinado fim.”
Davi sabia que estava sofrendo, mas que esse sofrimento
estava embutido em uma ideia de Deus, em um plano maior, e
por mais que seja difícil compreendermos isso, precisamos crer
que o nosso sofrimento não é aleatório, não é fruto de um jogo
de Deus, de uma aposta de Deus, faz parte de algo organizado,
concatenado, providente.
A Bíblia vai dizer que: “os olhos de Deus estão sobre a terra”
(Provérbios 15.3). Eu creio que todas as coisas que nos aconte-

76
cem fazem parte do plano de Deus, até mesmo as nossas esco-
lhas pessoais que os teólogos vão chamar de “livre agência”, as
decisões corriqueiras da vida. Até mesmo estas vão estar con-
vergindo para o plano de Deus. Em outro texto, temos:

Nova Versão Transformadora:

Romanos 8.28: E sabemos que Deus faz todas as coisas coo-


perarem para o bem daqueles que o amam e que são chamados
de acordo com o seu propósito.

Eu tive um aluno no Seminário que não compreendia bem


isso, e perguntou em sala de aula se essa compreensão de Deus
não seria fatalista. Eu respondi de pronto: não, isso é providên-
cia. Seria fatalismo se eu ensinasse sobre um deus amoral, como
os deuses dos pagãos. Mas o que a Bíblia ensina é que o nosso
Deus é um Deus pessoal, que em santo amor guia, sustenta e
governa todas as coisas. Um Deus que segundo a Bíblia faz com
que todas as coisas concorram para o bem, não de toda a hu-
manidade, mas para todos os que amam a Deus e são chamados
segundo o seu propósito.
Há um propósito de Deus mesmo nas decisões mais corri-
queiras: onde vou estudar, com quem vou me casar, onde vou
trabalhar, que igreja vou congregar, qual profissão seguir, enfim
escolhas que a vida vai lhe oferecendo. A liberdade do homem
está embutida na soberania de Deus e então entramos em um
mistério onde temos de crer, mesmo sem compreender. Como
disse Jó:

77
Jó 42:2
2 - Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus pro-
pósitos pode ser impedido.

Não há como perscrutar, esquadrinhar a mente de Deus.


Como Paulo vai testemunhar:

Romanos 11:33
33 - Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como
da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis os seus caminhos!

Deus está provendo algo. Há uma proposta aqui de que pelo


que Davi conhecia de Deus ele sentencia que Deus não estava
se agradando de todo o contexto que estava vivendo, por isso
ele estava sendo provado. Deus estava exercendo sua disciplina
sobre a vida de Davi. Por isso ele diz:

Salmos 5:3-6
3 - Pela manhã ouvirás a minha voz, ó SENHOR; pela ma-
nhã apresentarei a ti a minha oração, e vigiarei.
4 - Porque tu não és um Deus que tenha prazer na iniquida-
de, nem contigo habitará o mal.
5 - Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que
praticam a maldade.
6 - Destruirás aqueles que falam a mentira; o SENHOR
aborrecerá o homem sanguinário e fraudulento.
78
Davi está olhando para si, e não para Absalão. Nesse ponto
Davi está dizendo que Deus não tem prazer na justiça, não há
mal em Deus e o quanto ele havia sido arrogante.
Uma dica para entender esse texto são os salmos peniten-
ciais (32, 51) quando Davi “cai em si” depois do pecado com
Bate Seba. Pois ele tinha uma consciência de que quando se
peca, o boleto sempre vem! Todo mês, todo dia ele vem! E Davi
por isso diz: “tu destróis os que falam mentira, e aborrece o as-
sassino, e o roubador” e ele faz isso tudo olhando para si! Davi
está orando para Deus e contra si mesmo! Foi Dietrich Bonhoe-
fer que disse que devemos ler a Bíblia contra nós, por que ler
a favor de nós é bem mais fácil. Davi faz aqui uma oração de
confissão. Ele está teologando uma teologia que emerge do so-
frimento.
Não é nada como percebemos em movimentos neopente-
costais, da teologia chamada da prosperidade, em meio a al-
guns pastores ditos conservadores, de que temos de nos suceder
sempre como prósperos na vida, abençoados, “cabeças e não
caudas” e outras sandices mais!
Mas, Davi não faz aqui teologia do sofrimento, mas sim a
que nasce no sofrimento. John Piper vai dizer que: “Deus tem o
controle de quem fica doente e quem fica bem, e todas as suas
decisões são para o bem de seus filhos, mesmo se elas forem
muito dolorosas e duradouras. Foi Deus quem sujeitou a cria-
ção à futilidade e corrupção, e é ele quem pode libertá-la”.

E há três textos que tenho de salientar:

79
Deuteronômio 32:39
39 - Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum deus há
além de mim; eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e nin-
guém há que escape da minha mão.

Salmos 119:71
71 - Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os
teus estatutos.

Salmos 119:75
75 - Bem sei eu, ó SENHOR, que os teus juízos são justos, e
que segundo a tua fidelidade me afligiste.

Quem é que faz o mal atingir as pessoas do bem ? Deus.


Enquanto sofremos, não percebemos, mas Deus está na direção
de tudo o que passamos. A teologia que emerge do sofrimento
não é a teologia que gosta do sofrimento, mas a que em meio ao
sofrimento enxerga Deus como o propósito, mas do que isso,
como o autor de todas as coisas. A história segue e chegamos à
conclusão de que “foi-me bom ter afligido”.

Deus conhecia a índole dos opositores de Davi, mas ele co-


nhecia Davi muito mais. Davi não estava lutando contra Absa-
lão, ele estava lutando contra ele mesmo! Há um livro fantástico
chamado “Perfil de três reis”, de Gene Edwards. Ele é para toda
a liderança machucada por perseguição, traição e sedição. O li-
vro é em um formato ficcional, à luz de todo o contexto vivido
80
por Davi em sua relação com Saul e com Absalão. Há um trecho
que quero destacar aqui:

— Esta é uma hora escura para mim. Quando tiver termi-


nado de falar com Absalão, irei para os meus aposentos. Ama-
nhã mande-me um dos profetas para que eu o consulte. Ou um
escriba. Pensando melhor, envie-me Zadoque, o sumo sacerdo-
te. Pergunte-lhe se pode vir ter comigo aqui depois do sacrifício
vespertino.

Abisai falou de novo, agora em voz baixa. A admiração bri-


lhava em sua face.

— Bondoso rei, muito obrigado.


— Por fazer o quê? — perguntou perplexo o rei enquanto
se voltava na porta.

— Não pelo que fez, mas pelo que não fez. Obrigado por
não arremessar lanças, por não se rebelar contra reis, por não
expor um homem em autoridade no instante mesmo em que
era tão vulnerável, por não dividir o reino, por não atacar os jo-
vens Absalões, que se parecem tanto com os jovens Davis, mas
não o são.

Fez uma pausa e continuou:

81
— E, muito obrigado também por sofrer, por estar dispos-
to a perder tudo. Obrigado por dar plenos poderes a Deus para
terminar o seu reino, até mesmo destruí-lo, se for da vontade
dele. Obrigado por ser um exemplo para todos nós. E sobre
tudo — sorriu discretamente — muito obrigado por não con-
sultar feiticeiras.
Essa cena desenvolve o contexto em que Davi sabe que Ab-
salão está conspirando contra o seu governo e ele toma uma
decisão importante: não se tornaria louco como Saul, não agiria
como Saul agiu em relação a ele! Não deu crédito ao Saul que
havia dentro dele! Davi não foi o Saul de Absalão, continua sen-
do Davi! Não mudou quando era vítima e não mudou quando
tinha o poder em suas mãos. Por isso essa frase: “Obrigado
por dar plenos poderes a Deus para terminar o seu reino, até
mesmo destruí-lo, se for da vontade dele. Obrigado por ser um
exemplo para todos nós.”
Davi tinha a chance em mãos de debelar aquela rebeldia,
rebelião, era apenas chamar Joabe que ele resolveria a situação.
Mas, ele não fez nada, optou em se tornar um homem que orava
em fuga!
R. David Jones comentou que em Jerusalém Davi havia
cometido um grande crime contra Urias, marido de Bateseba.
Davi sofreu quando seu filho primogênito Amnom cometeu
incesto e depois foi assassinado por Absalão, mas a profecia so-
bre os males que lhe viriam por causa do seu crime ainda não
estava cumprida por completo. Deixar a cidade fortificada de
Jerusalém colocaria a vida de Davi em perigo, mas ele estava
acostumado com isso. Estava mais preocupado com a seguran-
ça dos outros, a do seu filho rebelde, e em fazer a vontade de
Deus do que consigo próprio.
82
Era como se ele dissesse que estava merecendo tudo o que
estava passando em sua vida. E esse reconhecimento está implí-
cito nas palavras desse verso:

Salmos 5:5-6
5 - Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que
praticam a maldade.
6 - Destruirás aqueles que falam a mentira; o SENHOR
aborrecerá o homem sanguinário e fraudulento.

Em outras palavras, Davi está dizendo que Deus pode fazer


tudo o que estava em sua vida, para que ele pudesse ter o maior
e o mais preciso conceito de Deus em sua vida. Não mude os
outros, mas mude a mim!

02 - Deus quer que o conheçamos como a nossa


única proteção diante dos nossos adversários.
Em meio ao sofrimento, em oração, reivindicamos o
privilégio de desfrutar da intimidade com o Senhor.
Davi reivindica o privilégio de desfrutar da presença do Se-
nhor em sua vida.

7 - Porém eu entrarei em tua casa pela grandeza da tua be-


nignidade; e em teu temor me inclinarei para o teu santo templo.
83
Mas os mais atentos vão perceber que, por este tempo ain-
da não havia templo em Jerusalém, logo o que Davi quer dizer
com “santo templo”? No hebraico, a palavra também pode ser
traduzida como “palácio”. E nesse palácio certamente havia um
quarto que representava o lugar onde Davi fazia as suas ora-
ções. Davi então está dizendo em fé que voltaria ao lugar onde
ele se encontrava com Deus em sua intimidade. Por isso ele fala
em “teu santo templo”. Vemos aqui um senso de quebrantamen-
to muito grande de Davi.

8 - SENHOR, guia-me na tua justiça, por causa dos meus


inimigos; endireita diante de mim o teu caminho.

Charles Swindoll vai dizer que muitos dos sentimentos de


ira e frustração enclausurados em nosso tanque emocional in-
terior são difundidos quando revemos o caráter de Deus; ele
nos lembra de que Ele é por nós, e não contra nós.

Ao passo que na primeira parte Davi está orando focando


em situações que ele estava contra Deus, agora ele fala a partir
do entendimento do que Deus tinha para ele. Ele muda o seu
foco, pois ele pede para que o Senhor o guiasse na justiça.

Então Davi fala de seus inimigos:

9 - Porque não há retidão na boca deles; as suas entranhas


são verdadeiras maldades, a sua garganta é um sepulcro aberto;
lisonjeiam com a sua língua.
84
10 - Declara-os culpados, ó Deus; caiam por seus próprios
conselhos; lança-os fora por causa da multidão de suas trans-
gressões, pois se rebelaram contra ti.
Davi está dizendo ao Senhor que na realidade quem os seus
inimigos querem atingir é o próprio Deus. Eugene Peterson em
sua paráfrase vai traduzir assim:

9-10: Toda a palavra que pronunciam é um campo minado;


os pulmões exalam gás venenoso.
A garganta é uma sepultura aberta;
a língua, escorregadia como uma ladeira enlameada.
Declara-os culpados, ó Deus!
Que a “sabedoria” deles os arruíne.
Chuta-os para fora! Eles já tiveram sua chance.

Parece estranho essa oração, mas não é...Davi está partindo


do pressuposto de que o Senhor como justiça dele, provedor
dele, assumiria para si os inimigos que estavam se levantando
contra ele, pois na realidade estavam tramando contra um pla-
no do próprio Deus.
Olhando para seu passado, Davi está consciente de que es-
tava cuidando do rebanho do seu pai, e foi Deus que o buscou,
através de Samuel, conforme temos no texto:

85
I Samuel 16:1-13
1 - ENTÃO disse o SENHOR a Samuel: Até quando terás
dó de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que não reine sobre
Israel? Enche um chifre de azeite, e vem, enviar-te-ei a Jessé o
belemita; porque dentre os seus filhos me tenho provido de um
rei.
2 - Porém disse Samuel: Como irei eu? pois, ouvindo-o Saul,
me matará. Então disse o SENHOR: Toma uma bezerra das va-
cas em tuas mãos, e dize: Vim para sacrificar ao SENHOR.
3 - E convidarás a Jessé ao sacrifício; e eu te farei saber o
que hás de fazer, e ungir-me-ás a quem eu te disser.
4 - Fez, pois, Samuel o que dissera o SENHOR, e veio a Be-
lém; então os anciãos da cidade saíram ao encontro, tremendo,
e disseram: De paz é a tua vinda?
5 - E disse ele: É de paz, vim sacrificar ao SENHOR; santifi-
cai-vos, e vinde comigo ao sacrifício. E santificou ele a Jessé e a
seus filhos, e os convidou ao sacrifício.
6 - E sucedeu que, entrando eles, viu a Eliabe, e disse: Cer-
tamente está perante o SENHOR o seu ungido.
7 - Porém o SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a
sua aparência, nem para a grandeza da sua estatura, porque o
tenho rejeitado; porque o SENHOR não vê como vê o homem,
pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o SENHOR
olha para o coração.
8 - Então chamou Jessé a Abinadabe, e o fez passar diante
de Samuel, o qual disse: Nem a este tem escolhido o SENHOR.
9 - Então Jessé fez passar a Sama; porém disse: Tampouco a
este tem escolhido o SENHOR.
86
10 - Assim fez passar Jessé a seus sete filhos diante de Sa-
muel; porém Samuel disse a Jessé: O SENHOR não tem esco-
lhido a estes.
11 - Disse mais Samuel a Jessé: Acabaram-se os moços? E
disse: Ainda falta o menor, que está apascentando as ovelhas.
Disse, pois, Samuel a Jessé: Manda chamá-lo, porquanto não
nos assentaremos até que ele venha aqui.
12 - Então mandou chamá-lo e fê-lo entrar (e era ruivo e
formoso de semblante e de boa presença); e disse o SENHOR:
Levanta-te, e unge-o, porque é este mesmo.
13 - Então Samuel tomou o chifre do azeite, e ungiu-o no
meio de seus irmãos; e desde aquele dia em diante o Espírito
do SENHOR se apoderou de Davi; então Samuel se levantou, e
voltou a Ramá.

Davi tinha em sua mente o tempo todo esse pensamento:


“eu estava tranquilo em casa, foi o Senhor quem meu chamou
para ser rei”. Há uma rememoração do quanto o Senhor havia
estabelecido Davi no trono e dado vitórias sobre seus inimigos.
E a despeito dos seus pecados cometidos, Davi tinha uma cons-
ciência de que ele havia sido perdoado pelo Senhor!

11 - Porém alegrem-se todos os que confiam em ti; exultem


eternamente, porquanto tu os defendes; e em ti se gloriem os
que amam o teu nome.
12 - Pois tu, SENHOR, abençoarás ao justo; circundá-lo-ás
da tua benevolência como de um escudo.

87
Deus tem um compromisso leal com quem é justo, com o
seu próprio povo eleito. Um detalhe aqui sobre esse “escudo”.
Há duas palavras hebraicas para “escudo” na Bíblia: em Salmo
3:3, a palavra é “mêginnah”, escudo leve. A outra palavra é “tsin-
nah”, escudo pesado. Então, Deus é tanto escudo leve, arredon-
dado, quanto é um escudo pesado, que cobre toda a parte do
corpo. Há dois salmos de Davi em que ele usa as duas palavras
no mesmo texto:

Salmos 35:1-2
1 - PLEITEIA, SENHOR, com aqueles que pleiteiam comi-
go; peleja contra os que pelejam contra mim.
2 - Pega do escudo e da rodela, e levanta-te em minha aju-
da.

Salmos 91:4
4 - Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas
te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel.

Só no livro de Salmos, “Deus é o nosso escudo”, é citado


vinte vezes! Vou destacar algumas dessas passagens:

Salmos 18:2
2 - O SENHOR é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o
meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem con-
fio; o meu escudo, a força da minha salvação, e o meu alto re-
fúgio.
88
Salmos 28:7
7 - O SENHOR é a minha força e o meu escudo; nele con-
fiou o meu coração, e fui socorrido; assim o meu coração salta
de prazer, e com o meu canto o louvarei.

Salmos 84:11
11 - Porque o SENHOR Deus é um sol e escudo; o SENHOR
dará graça e glória; não retirará bem algum aos que andam na
retidão.

Salmos 119:114
114 - Tu és o meu refúgio e o meu escudo; espero na tua
palavra.

Davi está afirmando que o Senhor Deus tem compromis-


so com os seus! O salmo 1 é a introdução de todo o livro de
Salmos, o fundamento de todo o livro e, ele tem duas divisões:
“como são abençoados os justos! ” e “como são amaldiçoados
os ímpios! ”. Naquele salmo temos o relato de “dois caminhos e
dois destinos”. O resumo desta porção bíblica seria: No mundo
há dois tipos de pessoas: as que recebem a benção de Deus e
aquelas que precisam da benção de Deus.
Charles Swindoll propõe a seguinte tradução para Salmos
1.6: “Porque o Senhor está inclinado na direção dos seus justos
e está ligado a eles através de amor e cuidado especiais; mas o
caminho daquele que vive sem o Senhor conduzirá apenas à
ruína eterna”.

89
Jesus também vai falar de dois caminhos: o que leva à salva-
ção e ao que leva à perdição eterna. Na cruz, Jesus está no meio
de dois homens que fizeram opções distintas no último ato de
suas vidas: um pediu para ser lembrado e o outro perdeu sua
chance ao ficar escarnecendo de quem poderia ter sido o seu
salvador.
Na vida temos esses dois caminhos. Charles Swindol sugere
que Davi está terminando o Salmo 6 falando do Senhor e não
do seu desânimo: “Davi termina a sua canção com os seus olhos
voltados ao Senhor e longe das fontes do seu desânimo. Tendo
entregado a Deus o seu “fardo da manhã”, o desânimo de Davi
fugiu.”
Como você tem começado o seu dia? O modo como você
começa o seu dia determina como você vai terminá-lo.

Aplicando um pouco mais


(a) Esse salmo foi eternizado no cancioneiro hebreu como
uma música em tom de lamento.
Há um detalhe aqui: o título desse salmo é: “ao regente do
coro para flautas”. Mesmo eu não sendo um especialista, posso
garantir que a flauta é um instrumento de sopro que provoca
uma sensação melancólica, de lamento mesmo. Uma música ao
som de uma flauta eleva o seu pensamento de dor. É diferente
de uma música com instrumentos de cordas, percussão.
Pensando nessa direção que Leandro Peixoto vai dizer que
esse cuidado de Davi com a música deveria nos ensinar que
para cada mensagem há uma melodia apropriada. Cada mo-
90
mento impõe seu próprio ritmo. Cada circunstância tem sua
melodia única.
Estamos diante de um texto em tom de lamento, sofrimen-
to mesmo! Só pode fazer essa oração quem está vivendo em
“fogo cruzado”. A situação de vida de Davi o inspirava a escre-
ver esse salmo em angústia de alma. Lutero tinha razão quando
dizia que “a oração é o suor da alma”. E é fácil identificar no tom
desse salmo um desabafo em forma de lamento, e que termina
com o reconhecimento de que tudo o que Davi precisava não
era o que Deus poderia lhe dar, mas sim o próprio Deus.

(b) Há uma pedagogia no sofrimento: existem lições de


Deus que você só aprenderá em meio ao sofrimento.
Existem lições que no tempo de bonança, você não apren-
derá de Deus. Olhe esse texto:

I Pedro 4:12-13
12 - Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre
vós para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse;
13 - Mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das afli-
ções de Cristo, para que também na revelação da sua glória vos
regozijeis e alegreis.

O que Pedro compartilhou aqui é que não devemos estra-


nhar o fato de que vez por outra estaremos em “ardente prova”.
Não devemos além disso julgarmos que seja algo inapropriado,
mas devemos nos alegrar pelo fato de estarmos sofrendo as
“aflições de Cristo”. Nessa mesma linha, temos Paulo:
91
Colossenses 1:24
24 - Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha
carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que
é a igreja;

John Piper vai escrever um livro de biografias só em cima


desse texto, falando de homens que sofreram e que através do so-
frimento Deus permitiu que acontecessem coisas terríveis a estes
para que através de suas vidas pudéssemos ser abençoados!
Não adianta: essa “ardente prova” tem um propósito, que é
o de nos tornar melhores e abençoarmos outros com aquilo que
nos aconteceu. Esse é o “para que”, antes de sabermos o “por que”.

(c) O que o homem faz quando sua alma está sendo aperta-
da, revela de qual material é feito o seu interior.
Quer conhecer um homem? Perceba-o no seu contexto de
sofrimento! Recorde que Davi estava fugindo de Absalão, com
a cabeça coberta, pés descalços e acompanhado por uma mino-
ria de colaboradores. E esses eram os “amigos leais”, de acordo
com Charles Swindoll.
E repare esse outro episódio que aconteceu a Davi enquan-
to ele estava vivendo esse contexto:

II Samuel 16:5-12
5 - E, chegando o rei Davi a Baurim, eis que dali saiu um
homem da linhagem da casa de Saul, cujo nome era Simei, filho
de Gera, e, saindo, ia amaldiçoando.
92
6 - E atirava pedras contra Davi, e contra todos os servos
do rei Davi; ainda que todo o povo e todos os valentes iam à sua
direita e à sua esquerda.
7 - E, amaldiçoando-o Simei, assim dizia: Sai, sai, homem
de sangue, e homem de Belial.
8 - O SENHOR te deu agora a paga de todo o sangue da
casa de Saul, em cujo lugar tens reinado; já deu o SENHOR o
reino na mão de Absalão teu filho; e eis-te agora na tua desgra-
ça, porque és um homem de sangue.
9 - Então disse Abisai, filho de Zeruia, ao rei: Por que amal-
diçoaria este cão morto ao rei meu senhor? Deixa-me passar, e
lhe tirarei a cabeça.
10 - Disse, porém, o rei: Que tenho eu convosco, filhos de
Zeruia? Ora deixai-o amaldiçoar; pois o SENHOR lhe disse:
Amaldiçoa a Davi; quem pois diria: Por que assim fizeste?
11 - Disse mais Davi a Abisai, e a todos os seus servos: Eis
que meu filho, que saiu das minhas entranhas, procura a minha
morte; quanto mais ainda este benjamita? Deixai-o, que amal-
diçoe; porque o SENHOR lho disse.
12 - Porventura o SENHOR olhará para a minha miséria; e
o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia.

Na vida nós sempre vamos encontrar pessoas que jogam


pedras, que aproveitam os nossos momentos de vulnerabilida-
de, para se promoverem à nossa custa, usando de covardia para
se especializarem em infligir sofrimento, escárnio e injúria con-
tra nós. Mas, vemos aqui que Davi mesmo sendo chamado de
“homem sanguinário”, “homem de Belial” (um endemoninha-
93
do) resolveu, confiar de que o Senhor estava trabalhando em
seu sofrimento para lhe tratar!
Essa é a postura que podemos esperar de um homem de
Deus, um gigante espiritual. Olha o que Davi disse: “O Senhor
olhará para a minha miséria”.

(d) Conhecer a Deus é o segredo para a superação em todas


as pressões que a vida nos reserva.
A NVI traduziu assim os versos 11,12 deste Salmo:

Sl 5:11 Alegrem-se, porém, todos os que se refugiam em


ti; cantem sempre de alegria! Estende sobre eles a tua proteção.
Em ti exultem os que amam o teu nome.
Sl 5:12 Pois tu, Senhor, abençoas o justo; o teu favor o pro-
tege como um escudo.

Um autor, ligado à Igreja Presbiteriana Betânia em Niterói


argumenta algo que contribui a esse meu argumento: “Mas, o
que significa confiar em Deus? Sem dúvida, o vocábulo “con-
fiança” também significa fé – ou pelo menos carrega consigo
este significado. Neste aspecto, ambos funcionam como si-
nônimo teológico. Todavia, confiança não significa somente fé.
Confiança no Senhor implica em depositar a vida, as escolhas,
os problemas e esperanças nas mãos de Deus. Quem confia en-
trega tudo aos cuidados do Senhor. Confiança significa entre-
gar-se a soberania e ao poder de Deus.”
Pode-se ter fé na fé, fé em si mesmo, não a fé que é neces-
sária para fazer com que vençamos as adversidades da vida. Por
94
isso que “confiar em Deus” é a chave para a nossa vitória. Deve
ficar claro aqui que a oração revela a nossa condição diante de
Deus.
Um equilibrista apresentou-se em determinada cidade. Ele
era maravilhoso. Tinha um talento fora de série. Começou o seu
número perguntando se a plateia acreditava que ele conseguiria
atravessar andando sobre uma corda dois grandes prédios que
havia naquele lugar. Todo mundo disse “sim”. Ele atravessou e
recebeu os aplausos. Depois perguntou se o público acreditava
que ele conseguiria atravessar o mesmo percurso, empurrando
um carrinho de mão com alguém dentro. A plateia, eufórica,
disse: “sim”! Fez outra pergunta: “quem quer entrar neste carri-
nho? ” Houve um grande silêncio. Alguns minutos depois, um
menino levantou a mão e foi até onde estava o artista. O núme-
ro foi realizado com sucesso – para delírio do público. Depois,
quando o menino desceu, perguntaram-lhe: “como você teve
coragem de ir? ” O menino respondeu: “ele é meu pai. Eu confio
plenamente nele”.
O segredo é confiar, porque podemos dizer como esse me-
nino: “Deus é o meu pai. Eu confio plenamente nele”.

Orando
A sua palavra é a verdade e ela nos conforta, dirige, guia e
constrange a nossa vida. Na vida tomamos decisões que real-
mente precisamos compreender que fazem parte da sua pro-
vidência, porque senão já teríamos nos matado. O que nos
impede de darmos cabo a nossa vida é a certeza de que todas

95
as coisas (boas e ruins) concorrem para o bem daqueles que
amam a Deus e são chamados pelo seu propósito (de nos tor-
namos parte do “povo da aliança”). Davi tinha essa consciência,
ele estava fora do palácio, mas ainda era ainda rei. Podia ter a
sua coroa na cabeça do outro, mas ele ainda era rei. Ele tinha a
consciência de quem ele era, e a sua identidade não estava atre-
lada às circunstâncias, mas sim a uma promessa. Nós também
somos assim: cada um aqui em seu contexto, nesse momento
da nossa vida cremos que o Senhor tem algo para nós. A nossa
identidade é tirada do Senhor, não de nós. Por isso obrigado,
pois a nossa oração diante do Senhor revela o quanto intensa ou
pequena e frágil tem sido a nossa condição espiritual. Que nes-
tes dias, à luz desse Salmo tenhamos nossa vida marcada pelo
Senhor, em um espírito de renúncia, diante de tudo que temos
vivido nestes dias. Obrigado Deus, pelas oportunidades que o
Senhor nos tem dado.

96
4 Na desordem
emocional, orando com
lágrimas!
A oração que nos quebranta diante de Deus,
ao mesmo tempo sela a nossa vitória sobre nossas
adversidades..
Salmos 6:1-10
1 - SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me casti-
gues no teu furor.
2 - Tem misericórdia de mim, SENHOR, porque sou fraco;
sara-me, SENHOR, porque os meus ossos estão perturbados.
3 - Até a minha alma está perturbada; mas tu, SENHOR,
até quando?
4 - Volta-te, SENHOR, livra a minha alma; salva-me por
tua benignidade.
5 - Porque na morte não há lembrança de ti; no sepulcro
quem te louvará?

97
6 - Já estou cansado do meu gemido, toda a noite faço nadar
a minha cama; molho o meu leito com as minhas lágrimas,
7 - Já os meus olhos estão consumidos pela mágoa, e têm-se
envelhecido por causa de todos os meus inimigos.
8 - Apartai-vos de mim todos os que praticais a iniqüidade;
porque o SENHOR já ouviu a voz do meu pranto.
9 - O SENHOR já ouviu a minha súplica; o SENHOR acei-
tará a minha oração.
10 - Envergonhem-se e perturbem-se todos os meus inimi-
gos; tornem atrás e envergonhem-se num momento.

Você já teve a experiência de “orar com lágrimas”? Esse é


um salmo que Davi escreveu quando estava doente e me parece
pelo contexto que ele parece estar febril, em choro compulsivo,
com uma expectativa bem próxima de morte. Trata-se de um
contexto angustiante e tenebroso, como já comentei aqui em
outros momentos.
Davi está vivendo o seu “Getsêmani”, o seu lugar de sofri-
mentos. Davi está com poucos colaboradores, cabeça coberta,
pés descalços, chorando e recebendo impropérios por onde ele
passa. Charles Swindolll vai dizer que nas tribulações iremos
olhar de um lado e outro e vamos encontrar poucos, mas leais
amigos.
Em II Samuel 17.27 a 29 encontramos Davi e seus homens
sendo recebidos por um grupo de apoiadores em Maanaim (o
mesmo lugar que Jacó recebeu orientação divina em Gênesis
32.2) com camas, bacias, vasilhas de barro, trigo, cevada, fa-
rinha, grão tostado, favas, lentilhas, torradas, mel, manteiga,
98
ovelhas e queijos feitos com leite de vaca. Nesse lugar (que em
hebraico quer dizer “acampamento dos anjos”) Davi recreia o
seu coração, e toma fôlego para persistir sua caminhada. Deus
sempre cuida dos seus, sobretudo em meio às mais severas ad-
versidades.
Quando queremos conhecer a têmpera, o caráter de um
homem temos de ver como ele reage diante das provações. O
mesmo sol que endurece o barro, amolece a cera. As aflições
são as mesmas, o que ela vai fazer, depende do material que é
formado o homem ou a mulher. Se ele ou ela for quebrantado
(a), ou tem o coração obstinado. Verdade é que tem gente que
quanto mais sofre, mais arredio, endurecido fica.
O salmo 6 é uma oração vespertina! E Davi tinha um co-
ração maleável, que se derramava diante do Senhor. Eu creio
que ele havia recebido promessas de Deus e que em toda a sua
jornada de sofrimento ele tinha certeza que voltaria à sua ci-
dade, ao desfrute de seu palácio e ao aconchego do seu povo.
Mas é claro que nesse processo ele optou em se derramar diante
do Senhor, crendo que tudo o que lhe estava acontecendo fazia
parte de um plano maior. A oração era a lembrança para ele
mesmo do que Deus lhe havia prometido.
Qual o valor da oração? O que ganhamos com a oração?
Há algumas frases de grandes homens de Deus sobre o livro de
Salmos:
João Calvino: “A genuína e fervorosa oração provém, antes
de tudo, de um real senso de nossa necessidade, e, em seguida,
da fé nas promessas de Deus.”
Martinho Lutero: “Portanto deixemos que a oração seja nos-
sa primeira atividade logo de manhã, e a última ao findar o dia.”
C. H. Spurgeon: “Oração deve ser a chave que abre o dia e o
99
cadeado que tranca a noite. Devoção deveria ser tanto a estrela
da manhã quanto a estrela da noite.”
Albert N. Holmes: “A oração é um retiro silencioso onde,
pelo arrependimento e disciplina do espírito em comunhão
com Deus, recuperamos um verdadeiro sentido dos valores e
recebemos o bálsamo reparador da fé silenciosa”.
O salmo 6 é um salmo penitencial. No salmo penitencial a
confissão pessoal do pecado domina toda a lamentação. A con-
fissão do pecado pode estar implícita como no caso do salmo 6
ou declarada, explícita. Os autores desses salmos sentem triste-
za e repugnância pelo que haviam se tornado. Sentem-se afas-
tados de Deus. Perceberam que estão perecendo e nada podem
fazer senão clamar a Deus por misericórdia.
Davi está se penitenciando pelo pecado, ele está cons-
ciente de que tudo o que ele está passando é por conta do seu
merecimento. Ele estava (usando uma linguagem do Novo Tes-
tamento), “colhendo o que havia plantado”. Ele havia pecado, há
uma citação nesse sentido:

Salmos 32:5
5 - Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não en-
cobri. Dizia eu: Confessarei ao SENHOR as minhas transgres-
sões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado. (Selá.)

O que chamava a atenção em Deus a respeito de Davi era a


sua sinceridade, ele não procurava culpar outros pelos seus er-
ros, em nenhum momento ele falou de seu contexto, atribuindo
qualquer tipo de merecimento em si mesmo para que Deus o
abençoasse. Ele apenas disse: “Senhor, seja a minha justiça!”.
A oração que nos quebranta diante de Deus, ao mesmo
tempo sela a nossa vitória sobre nossas adversidades.

100
01 - Davi expõe a radiografia da sua alma.
Diante de Deus não podemos nos esconder em nossa
autojustiça. Temos de ser francos e transparentes!
Salmos 6:1-7
1 - SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me casti-
gues no teu furor.
2 - Tem misericórdia de mim, SENHOR, porque sou fraco;
sara-me, SENHOR, porque os meus ossos estão perturbados.
3 - Até a minha alma está perturbada; mas tu, SENHOR,
até quando?
4 - Volta-te, SENHOR, livra a minha alma; salva-me por
tua benignidade.
5 - Porque na morte não há lembrança de ti; no sepulcro
quem te louvará?
6 - Já estou cansado do meu gemido, toda a noite faço nadar
a minha cama; molho o meu leito com as minhas lágrimas,
7 - Já os meus olhos estão consumidos pela mágoa, e têm-se
envelhecido por causa de todos os meus inimigos.

Nesse tipo de radiografia da alma que Davi expõe diante


do Senhor nestes sete primeiros versos ele está se quebrantando
diante de Deus. Ao mesmo tempo que Deus nos quebranta em
meio às tragédias da vida que enfrentamos, ele nos esmigalha.

101
Não sei se você é defensor de algum conceito de autoestima,
mas é fato de que a sua autoestima não pode estar baseada em
sua própria opinião acerca de si mesmo, ou ainda no que as
pessoas pensam a seu respeito, mas sim deve estar alicerçada na
sua identidade em Deus!
Recentemente estava ouvindo Jonas Madureira dizendo
que ele era contra alguns cânticos que dizem que os crentes de-
sejam se esvaziar. Ele dizia que na realidade isso não é neces-
sário, pois já somos vazios! É claro que na ideia de quem canta
é a ideia de alguém que quer se esvaziar do que já está cheio,
como a oração do falecido pastor presbiteriano Antônio Elias:
“Senhor, me esvazie do que estou cheio, e me encha do que es-
tou vazio”.
Mas a oração que nos quebranta diante de Deus sela a nossa
vitória sobre as nossas adversidades, quando a gente expõe a
nossa radiografia sendo sincero como Davi, reconhecendo que
o nosso estado é resultado de nossos próprios pecados cometi-
dos no passado. Relembramos então quando Natã chegou para
Davi, e disse “Tu és o homem”. Essa palavra foi muito dura, mas
necessária, e ainda foi lhe dito o seguinte:

II Samuel 12:11-12
11 - Assim diz o SENHOR: Eis que suscitarei da tua pró-
pria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus
olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mu-
lheres perante este sol.
12 - Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei este negócio
perante todo o Israel e perante o sol.

102
O filme estava passando na mente de Davi. Deus estava exer-
cendo a sua ira. Por isso, logo no início do salmo, Davi diz: “não
me repreendes na tua ira, nem me castigues no teu furor”. Davi
vai abrindo o seu coração diante de Deus. É fato que nosso Deus
exerce sua ira desde os céus. Mack Stilles vai dizer: você não pode
anunciar as boas notícias sem antes deixar claro quais são as más
notícias. E a maioria do nosso evangelismo começa equivocado
quando começamos a falar do plano maravilhoso que Deus tem
para com o homem, quando na realidade devemos começar fa-
lando da ira que Deus exerce por conta dos nossos pecados!
Isso, o pecado é ofensa contra o caráter santo de Deus. O
erro que cometemos aos outros seres humanos é pecado contra
quem é igual a gente, mas o pecado contra Deus é cosmica-
mente maior, porque Deus é um ser perfeito. A. W. Pink vai
colaborar nesse ponto, falando sobre o atributo da ira de Deus,
dizendo que: “A indiferença para com o pecado é uma nódoa
moral, e aquele que não o odeia é um leproso moral. Como
poderia Aquele que é a soma de todas as excelências olhar com
igual satisfação para a virtude e o vício, para a sabedoria e a es-
tultícia? Como poderia Aquele que é infinitamente santo ficar
indiferente ao pecado e negar-Se a manifestar a Sua “severida-
de” (Romanos 11:22) para com ele? Como poderia Aquele que
só tem prazer no que é puro e nobre, deixar de detestar e de
odiar o que é impuro e vil? A própria natureza de Deus faz do
inferno uma necessidade tão real, um requisito tão imperativo
e eterno como o céu o é. Não somente não há imperfeição ne-
nhuma em Deus, mas também não há nEle perfeição que seja
menos perfeita do que outra.”
O mesmo Deus que ama é justo. O mesmo Deus que se ira
é santo. Há bases bíblicas para este ponto:

103
Romanos 11:22
22 - Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus:
para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benig-
nidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira
também tu serás cortado.

Romanos 1:18
18 - Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda
a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em
injustiça.

O inferno é uma necessidade tão real, um requisito tão im-


perativo quanto o céu, pois não há imperfeição nenhuma em
Deus! E uma pessoa não poderia conviver diante de Deus man-
tendo-se em pecado. Por isso que o inferno ainda é um aditivo,
um exercício da misericórdia divina porque a lógica seria a des-
truição total. Nenhum injusto, ímpio poderia permanecer de pé
diante de Deus. Por isso Davi apela:

Salmos 6:2
2 - Tem misericórdia de mim, SENHOR, porque sou fraco;
sara-me, SENHOR, porque os meus ossos estão perturbados.

E sobre a misericórdia de Deus, vou me recorrer novamente


a A.W. Pink: “A misericórdia de Deus tem sua origem na bondade
divina. O primeiro fruto da bondade de Deus é Sua benignidade
ou generosidade, pela qual Ele dá liberalmente a Suas criaturas
104
como criaturas; assim deu Ele o ser e a vida a todas as coisas. O
segundo fruto da bondade de Deus é Sua misericórdia, que deno-
ta a pronta inclinação de Deus para aliviar a miséria das criaturas
caídas. Assim, “misericórdia” pressupõe pecado.”
Misericórdia tem que ver com o reconhecimento de nossa
miséria! Faço um jogo de palavras aqui: do latim “misere” e do
grego “kardia”, entendo que “misericórdia” tem que ver com
esse conceito de que o coração de Deus se atenta (que se incli-
na) diante da miséria do homem.
Davi reconhece sua fraqueza, fala de seus ossos abatidos, e
seu ser está perturbado. Sua expressão de alma pode ser sinteti-
zada em outro salmo:

Salmos 32:3-4
3 - Quando eu guardei silêncio, envelheceram os meus os-
sos pelo meu bramido em todo o dia.
4 - Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o
meu humor se tornou em sequidão de estio. (Selá.)

Davi está experimentando aqui, o que se fosse nos nossos


dias, e ele procurasse um pastor integracionista, que trabalha
ladeando seu pensamento com a psicologia, ou a um terapeu-
ta formal e seu diagnóstico seria “transtorno de ansiedade” ou
“síndrome do pânico”. Seria lhe dito “existe algo em sua alma
que não está bem”. Mas, na linguagem bíblica, o nome que Deus
usa é “pecado”. Não é transtorno ou vício, é pecado!
Em seu livro, “Pecados Escravizadores”, Edward T. Welch
vai dizer que: “De acordo com as Escrituras, o maior pecado de
105
todos é ainda mais secreto: eu não amo o Senhor meu Deus de
toda a minha mente e de todo o meu coração. Se nossa falha em
adorarmos consistentemente ao verdadeiro Deus é a caracterís-
tica-chave do pecado, então somos todos pecadores.”

NVI:

Sl 6:2 Misericórdia, Senhor, pois vou desfalecendo! Cura-


-me, Senhor, pois os meus ossos tremem:
Sl 6:3 Todo o meu ser estremece. Até quando, Senhor, até
quando?

Preste atenção, o problema de Davi não é de fundo físico!


Qualquer médico honesto diria que ele não tem absolutamente
nada! O problema de Davi era a sua forte convicção de pecado
e isso estava fazendo com que ele estremecesse e seu corpo pa-
decesse. Por isso o apelo dele é por Deus: “Cura-me, Senhor”. É
a mesma pergunta que Habacuque fará mais tarde:

Habacuque 1:2
2 - Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escuta-
rás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás?

E então? O que fazer diante do silêncio de Deus? O que


fazer diante da aparente passividade divina. Charles Feinberg
vai dizer que: “O silêncio de Deus nos negócios humanos, tanto
ontem como hoje, tem sido difícil de aceitar. Mas isso não quer
106
dizer que não haja uma resposta e que a sabedoria divina é in-
capaz de lidar com a situação. Tudo está sob o seu olhar e todas
as coisas estão debaixo do controle de suas poderosas mãos”.

É preciso saber lidar com o silêncio de Deus. Há um texto


no NT que me encanta:

Mateus 15:22-28
22 - E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas
cercanias, clamou, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem miseri-
córdia de mim, que minha filha está miseravelmente endemo-
ninhada.
23 - Mas ele não lhe respondeu palavra. E os seus discípu-
los, chegando ao pé dele, rogaram-lhe, dizendo: Despede-a, que
vem gritando atrás de nós.
24 - E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às
ovelhas perdidas da casa de Israel.
25 - Então chegou ela, e adorou-o, dizendo: Senhor, socor-
re-me!
26 - Ele, porém, respondendo, disse: Não é bom pegar no
pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.
27 - E ela disse: Sim, SENHOR, mas também os cachorri-
nhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores.
28 - Então respondeu Jesus, e disse-lhe: Ó mulher, grande
é a tua fé! Seja isso feito para contigo como tu desejas. E desde
aquela hora a sua filha ficou sã.

107
Essa mulher se sentiu parte do povo de Deus, mesmo não
sendo da linhagem do povo de Deus. Ela era uma estrangei-
ra, mas pede humildemente a Jesus, para que a despeito de seu
silêncio inicial, ele interviesse em sua sorte. Ela se apresenta
como uma “cachorrinha”, o que demonstra sua humildade ex-
trema, uma vez que os cachorros neste tempo não tinham esse
status doméstico que damos a eles hoje! Eram animais margi-
nalizados! Ela se coloca diante de Jesus como alguém indigna
da graça, da compaixão. Como se ela dissesse: “Eu quero miga-
lhas! Eu quero o seu favor!”.
Davi também suplica ao Senhor pedindo que considerasse
a aliança que havia estabelecido com o seu povo. E no verso
5 ele dialoga com Deus falando a respeito do seu conceito de
morte:

Salmos 6:5
5 - Porque na morte não há lembrança de ti; no sepulcro
quem te louvará?

Temos aqui a exposição vívida do que se pensava a respei-


to da morte, nesse período do desenvolvimento da revelação
divina! A morte era a cessação da existência, enquanto memó-
ria! Nesse tempo, Davi pensava que a morte era o fim, ele não
tinha a ideia de uma eternidade que se poderia viver louvando
a Deus constantemente. Por isso, a morte para Davi seria o final
de tudo! Davi reflete sobre a morte e ele a define como sendo o
estado de existência de quem não se lembra mais de Deus! Nós
temos um conceito mais elevado de morte, pois lemos, o que
Paulo escreveu:
108
Filipenses 1:21-24
21 - Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho.
22 - Mas, se o viver na carne me der fruto da minha obra,
não sei então o que deva escolher.
23 - Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo
de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor.
24 - Mas julgo mais necessário, por amor de vós, ficar na
carne.

O cristão olha para a morte como uma partida da imperfei-


ção para a perfeição. Paulo viveu uma vida espiritual progressi-
va. Ela não foi ausente de dificuldade, perseguição e sofrimento.
Contudo, essa vida estava em preparação para a morte, pois ele
aguardava a experiência com confiança alegre e expectativa es-
perançosa.

II Timóteo 4:6
6 - Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sa-
crifício, e o tempo da minha partida está próximo.

J.B. Phillips:

“Quanto a mim, sinto que as últimas gotas da minha vida


estão sendo derramadas para Deus. Chegou a hora de minha
partida”.

109
Davi não tinha essa esperança, nós a temos! Davi está de-
sesperado, cansado, o quadro que ele narra, usando a paráfrase
de Eugene Peterson é tocante:

“Estou cansado de tudo isso — muito cansado! Minha cama


está inundada, há quarenta dias e quarenta noites,
No dilúvio das minhas lágrimas.
Meu colchão está encharcado, ensopado de lágrimas.
As órbitas dos meus olhos são buracos negros:
quase cego, vou piscando e tateando.”

O que você faria no lugar de Davi? Com mensageiros di-


zendo a ele que Absalão era seguido por grande parte do povo
de Israel?
É bom relembrar esse contexto:

II Samuel 15:13-14
13 - Então veio um mensageiro a Davi, dizendo: O coração
de cada um em Israel segue a Absalão.
14 - Disse, pois, Davi a todos os seus servos que estavam
com ele em Jerusalém: Levantai-vos, e fujamos, porque não po-
deríamos escapar diante de Absalão. Dai-vos pressa a caminhar,
para que porventura não se apresse ele, e nos alcance, e lance
sobre nós algum mal, e fira a cidade a fio de espada.

110
II Samuel 15:30
30 - E seguiu Davi pela encosta do monte das Oliveiras,
subindo e chorando, e com a cabeça coberta; e caminhava com
os pés descalços; e todo o povo que ia com ele cobria cada um a
sua cabeça, e subiam chorando sem cessar.

Essa é a radiografia da alma de Davi: ele estava morrendo!


Se ele terminasse o salmo no verso 07, isso iria registrar o seu
tempo de dor e mágoa.
Quantas vezes também pensamos assim a respeito das pes-
soas que a gente ajuda e depois de algum tempo ficamos des-
gostados e traídos.
Vivemos sempre situações na vida onde pessoas que antes
tínhamos como amigos depois de um tempo nos traem! Já vivi
contextos onde pessoas que antes nutriam de minha intimida-
de, mais tarde acabaram trabalhando contra meu ministério!

02 - Davi declara vitória sobre seus inimigos.


Quando Deus ouve a nossa oração, podemos ter como
certa a vitória diante dos nossos inimigos.
A pergunta que não quer calar é: O que aconteceu com
Davi? Porque ele mudou tão radicalmente o tom? De 01 a 07
ele expõe a sua alma ferida, agora 08 a 12 ele declara a vitória.
Eu deduzo que de alguma forma, como acontece com a gente,
111
enquanto oramos Deus vai revelando pontos incríveis da nossa
alma e por conta disso a nossa fé é renovada!
Davi começa dizendo acerca dos seus inimigos e termina
afirmando que Deus já tinha ouvido a sua oração! Preste aten-
ção: Deus muda o seu humor, e a sua face, quando você está
diante d’Ele! Ele fala com você e transforma o seu lamento em
festa! E há vários momentos que você chega diante de Deus
derrotado cantando a sua miséria, sai de uma hora para outra,
depois de uma ministração em seu coração, e como Davi, você
diz: “ O Senhor já ouviu a voz do meu pranto”.

Salmos 6:8-9
8 - Apartai-vos de mim todos os que praticais a iniquidade;
porque o SENHOR já ouviu a voz do meu pranto.
9 - O SENHOR já ouviu a minha súplica; o SENHOR acei-
tará a minha oração.

Destaco aqui as expressões: “O Senhor já ouviu a voz do meu


pranto, ouviu a minha súplica, acolheu a minha oração”. O princí-
pio que aprendo: Deus responde cada oração que a Ele é elevada.
O que devemos nos lembrar é que às vezes Deus responde “não”
ou “espere”. Deus somente promete conceder o que pedimos em
oração quando pedimos de acordo com Sua vontade.

I João 5:14-15
14 - E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos
alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve.

112
15 - E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos,
sabemos que alcançamos as petições que lhe fizemos.

Essa era a consciência de Davi: “o Senhor já ouviu”. Não


tem nada racional, estamos diante de uma relação supra racio-
nal! Davi cria em sua vitória sobre os seus inimigos, até mesmo
porque um dia ele havia dito, em relação ao seu apedrejador,
Simei (II Samuel 16.12): “O Senhor pagará com o bem a sua
maldição neste dia”.

Salmos 6:10
10 - Envergonhem-se e perturbem-se todos os meus inimi-
gos; tornem atrás e envergonhem-se num momento.

Teve uma batalha que morreram 20 mil homens no vale de


Efraim (II Samuel 18.7), e em se aproximando o tempo em que
Absalão iria direto para a guerra, seguindo conselho de Husai
(um infiltrado de Davi na corte de Absalão), ele acaba despre-
zando o conselho de Aitofel. Nesse ponto temos um testemu-
nho da loucura de Absalão, pois a Bíblia vai dizer em um texto:

II Samuel 16:23
23 - E era o conselho de Aitofel, que aconselhava naqueles
dias, como se a palavra de Deus se consultara; tal era todo o
conselho de Aitofel, assim para com Davi como para com Ab-
salão.

113
E como resultado desse conselho equivocado (premedita-
do) de Husai, Absalão vai na frente da batalha e fica preso em
seus cabelos, numa árvore, e posteriormente é executado por
Joabe. A passagem bíblica está em:

II Samuel 18:9
9 - E Absalão se encontrou com os servos de Davi; e Ab-
salão ia montado num mulo; e, entrando o mulo debaixo dos
espessos ramos de um grande carvalho, pegou-se-lhe a cabeça
no carvalho, e ficou pendurado entre o céu e a terra; e o mulo,
que estava debaixo dele, passou adiante.

II Samuel 18:14
14 - Então disse Joabe: Não me demorarei assim contigo
aqui. E tomou três dardos, e traspassou com eles o coração de
Absalão, estando ele ainda vivo no meio do carvalho.

Me parece, e isso é uma inferência minha, que Davi cria na


reconciliação com Absalão. Ele cria que haveria uma oportunidade
em tempos de paz para que ele reconquistasse seu afeto e admira-
ção entre pai e filho. Por isso, Davi fala no verso 10: “abruptamente
eles se retirarão de vergonha”. Eu vejo isso, porque quando Davi
sabe da notícia da perda de seu filho, ele fica desconsolado:

II Samuel 18:33
33 - Então o rei se perturbou, e subiu à sala que estava por
cima da porta, e chorou; e andando, dizia assim: Meu filho Ab-
114
salão, meu filho, meu filho, Absalão! Quem me dera que eu
morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!

Davi fica em pranto por longos dias. Mas eu devo denun-


ciar algo aqui para os pais homens! Um dos grandes pecados de
Davi é que ele transferia responsabilidades intrasferíveis. Davi
vencia gigantes, mas não sabia confrontar os filhos olhos nos
olhos. Mais tarde, Adonias, um outro dos seus filhos vai tomar
o trono, no lugar de Salomão, quem Deus havia dito a Davi que
reinaria em Israel, e Davi se silencia porque, repare nessa ex-
pressão:

I Reis 1:5-6
5 - Então Adonias, filho de Hagite, se levantou, dizendo: Eu
reinarei. E preparou carros, e cavaleiros, e cinquenta homens,
que corressem adiante dele.
6 - E nunca seu pai o tinha contrariado, dizendo: Por que
fizeste assim? E era ele também muito formoso de parecer; e
Hagite o tivera depois de Absalão.

Davi tinha um problema seríssimo em relação à sua pater-


nidade. Repetindo: ele vencia gigantes, mas não sabia confron-
tar seus filhos nos olhos! Existem muitos pais assim em nossos
dias, excelentes profissionais, vencem conflitos enormes em seu
trabalho, ministério, mas fracassam no lugar onde eles deve-
riam triunfar. Ignoram o conselho de James Dobson: “Nenhum
sucesso na vida compensa um fracasso dentro de casa”.

115
Mas Davi até então, tinha essa esperança de que se reconci-
liaria com o seu filho, e tudo voltaria a ser o que era antes. Isso
não aconteceu. Deus reconstitui a Davi o seu trono, mas permi-
te que seu filho morra!
É difícil entender os caminhos de Deus, às vezes ele nos
dá determinadas coisas e não outras! E talvez você esteja
perguntando: “por quê?”. E eu respondo que no caso de Davi,
para que ficasse em sua lembrança, o tempo todo, de que o que
lhe havia acontecido foi por conta de sua desobediência. Ele esta-
va no trono, seu trono era o mesmo, mas ele não era mais o mes-
mo. Por toda a vida, Davi ficaria remoendo o fato de que ele havia
vencido uma batalha, mas não uma guerra. Ele tinha fracassado
desde quando tomou para si uma mulher que não lhe pertencia
(II Samuel 11).
Deus nos deixa marcas e oramos em meio às lágrimas por
conta disso! Deus perdoa os nossos pecados, mas não alivia as
consequências dos mesmos! Deus não é um avô bonachão, que
passa a mão em nossa cabeça e diz que vai dar tudo certo! Ele é
um pai justo, que diz que as coisas vão melhorar, mas algumas
marcas ficarão!

Aplicando um pouco mais


(a) Todo pecado vem com uma “etiqueta de preço”. Um dia
o boleto vem!

I João 1:8-10
8 - Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a
nós mesmos, e não há verdade em nós.

116
9 - Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para
nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça.
10 - Se dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso,
e a sua palavra não está em nós.

Deus nos perdoa os pecados, mas não nos alivia das conse-
quências! Que duro preço Davi pagou! A única vez que vamos
encontrá-lo chorando e chamando pelo seu filho foi justamente
quando ele recebe a notícia de sua morte: “Absalão, Absalão,
meu filho Absalão”.
Quantas oportunidades ele perdeu de estar próximo dele!
Mas, você se lembra de que quando a sua irmã Tamar foi estu-
prada pelo seu meio irmão, Amnon, Davi fica em silêncio. De-
pois Absalão trama a morte de Amnon e Davi fica em silêncio.
Em seguida Absalão foge fica três anos fora de Jerusalém e Davi
pede para ele voltar, mas fica dois anos sem receber o filho. Ab-
salão ficou na cidade do rei, sem ver o rei e sendo filho do rei!
De repente, Davi chama o seu filho e lhe dá apenas um beijo!
Ora, você pode demonstrar com um beijo o seu desdém!
Foi o que Judas fez em relação a Jesus. Lembra-se?

Lucas 22:48
48 - E Jesus lhe disse: Judas, com um beijo trais o Filho do
homem?

Beijos não resolvem problemas na família! Beijos, carinhos,


presentes! Nada disso! Há familiares que não conversam e os

117
conflitos vêm se agigantando com o tempo. O tempo da negli-
gência!

(b) O silêncio aparente de Deus é a preparação para uma


intervenção sobrenatural.
Aquela canção é verdadeira: “Quando Ele fica em silêncio é
porque está trabalhando”. Foi assim com Habacuque! Ele come-
ça reclamando o silêncio aparente de Deus, e Deus entra com
providência, enviando os caldeus para serem instrumentos da
sua disciplina em relação ao povo de Deus:

Habacuque 1:2
2 - Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escuta-
rás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás?

Habacuque 1:5-6
5 - Vede entre os gentios e olhai, e maravilhai-vos, e admi-
rai-vos; porque realizarei em vossos dias uma obra que vós não
crereis, quando for contada.
6 - Porque eis que suscito os caldeus, nação amarga e impe-
tuosa, que marcha sobre a largura da terra, para apoderar-se de
moradas que não são suas.

Na realidade, o silêncio aparente de Deus é a preparação


para uma intervenção sobrenatural. Não reclame do silêncio de
Deus!

118
(c) Temos de aproveitar a vida para louvar ao Senhor. Ela é
muito curta, para ser pequena!

João 9:4
4 - Convém que eu faça as obras daquele que me enviou,
enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.
Davi pensou que já que Deus estava em silêncio, ele iria
louvar crendo que ele já tinha sido ouvido em seu clamor, e ele
bendisse o Senhor em toda a sua vida!

(d) As suas lágrimas jamais serão desprezadas pelo Senhor.

Jamais! Lembre-se disso! Deus guarda as suas lágrimas em


um odre, com zelo as suas orações. Olha o que a Bíblia diz:

Apocalipse 5:8
8 - E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte
e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos
eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as ora-
ções dos santos.

E temos no Antigo Testamento, uma história sobre Hagar.


Expulsa de casa por Abraão e Sara com um filho adolescente,
no deserto, indo em direção ao Egito, ela deparou-se em uma
situação limite:

119
Gênesis 21:15-20
15 - E consumida a água do odre, lançou o menino debaixo
de uma das árvores.
16 - E foi assentar-se em frente, afastando-se à distância de
um tiro de arco; porque dizia: Que eu não veja morrer o meni-
no. E assentou-se em frente, e levantou a sua voz, e chorou.
17 - E ouviu Deus a voz do menino, e bradou o anjo de
Deus a Agar desde os céus, e disse-lhe: Que tens, Agar? Não
temas, porque Deus ouviu a voz do menino desde o lugar onde
está.
18 - Ergue-te, levanta o menino e pega-lhe pela mão, por-
que dele farei uma grande nação.
19 - E abriu-lhe Deus os olhos, e viu um poço de água; e foi
encher o odre de água, e deu de beber ao menino.
20 - E era Deus com o menino, que cresceu; e habitou no
deserto, e foi flecheiro.

Deus jamais desprezará as lágrimas de seus filhos! Mesmo


que sejam filhos de Ismael. Já preguei uma mensagem neste
tema: “O choro dos filhos de Ismael” baseada nesta porção bí-
blica. Nela eu defendi que a ideia central dessa passagem é que
“o desprezo dos homens é a oportunidade para Deus se mostrar
favorável ao desprezado”.
Entendo que Deus tem um povo que transcende limites
étnicos, e entendo que aqui houve uma preservação desta ge-
ração, que se tornará os árabes contemporâneos. Eu creio que
importa ainda que o Senhor salve pessoas de todos os povos,
tribos, línguas e nações, de acordo com o texto de Apocalipse:
120
Apocalipse 7:9-10
9 - Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a
qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e po-
vos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordei-
ro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos;
10 - E clamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao
nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro.

(e) O Senhor tem ouvidos atentos ao clamor de seus filhos.


Os salmos penitenciais mostram-me mais sobre meu peca-
do do que às vezes quero saber. Mais do que isso, revelam um
Deus digno de que abandonemos tudo que este velho mundo
tem para oferecer, só para aquecermo-nos em seu amor.
O que nos impede de vivenciarmos essa oração que nos
quebranta diante de Deus e sela a nossa vitória sobre as nossas
adversidades? A minha sugestão é o fato de que estamos cor-
rendo demais! Vez por outra, Deus nos mandar parar.
George MacDonald, em seu excelente livro: “Ponha Ordem
no seu Mundo Interior”, contou a história de um explorador
do século 19, que estava viajando pela África, mapeando um
território ainda inexplorado daquele continente. Esse homem
contratou um grupo de africanos como seus auxiliares. Nos três
primeiros dias da jornada, eles conseguiram avançar num ritmo
rápido, adiantando bastante o trabalho. O cientista ficou mui-
to animado. No quarto dia, porém, tudo mudou. Quando ele
se levantou pela manhã, percebeu que seus auxiliares ficaram
parados. Aliás, o intermediário entre ele e os africanos infor-
mou-lhe que estes tencionavam ficar o dia todo parados ali. Ele

121
indagou a razão disso e lhe disseram que os homens explicaram
que tinham viajado com muita pressa nos primeiros dias. Agora
teriam de parar para que a alma deles os alcançasse.
Eugene Peterson vai dizer que tem pastor que perde a alma
no dia de sua consagração ao ministério pastoral! Quando Jesus
fala que nós deveríamos tomar cuidado para não perdermos a
nossa alma, ele não estava falando de morte, mas sim da perda
da razão de viver! Tem gente perdendo a alma por aí, e devemos
parar um pouco em nossa correria diária a fim de recuperar-
mos nossa inspiração para a vida. Nossa alegria muitas vezes
fica entulhada em meio às nossas obrigações diárias!

Orando
Obrigado por essa palavra tão preciosa aos nossos corações
e que vez por outra precisamos ouvir, ouvir e ouvir. E não são
as nossas atividades e trabalhos que fazem com que encontre-
mos sentido nas nossas vidas. A razão de nossas vidas está em
nos quebrantarmos diante do Senhor reconhecendo que o que
temos vivido hoje é resultado de erros e acertos em nosso pas-
sado. Mas isso não pode nos levar ao desespero, porque temos
de crer que todas as vezes que oramos de acordo com a sua von-
tade o Senhor nos dá tudo o que pedimos. Que as nossas ora-
ções não sejam mais as mesmas depois de mergulharmos nestas
orações de Davi. É o meu desejo, em nome do Senhor Jesus!

122
Conclusão
Chegamos ao fim de nossa jornada pela alma de Davi, e por
que não dizer pelo nosso coração, ao encararmos o modo como
devemos lidar com as tragédias que se avolumam em nossas
famílias.
Gosto de pensar que, a partir dos Salmos nossas orações
estarão encontrando eco ao próprio coração de Deus, pois es-
taremos orando as suas próprias palavras, uma vez que cremos
na inspiração plena das Escrituras Sagradas. Como diria Agos-
tinho: “o que a Bíblia diz, Deus diz”.
Os salmos escolhidos para esse livro retratam um contexto
da vida do rei Davi que se assemelha a realidade de muitas das
nossas famílias. Filhos que se rebelam contra seus pais. Homens
que caem seduzidos pelo encanto do adultério. Pais e filhos que
não dialogam mais, não abrem mais o coração um para o outro.
Enfim, famílias onde a intimidade é “artigo de luxo”, e palavra
estranha no vocabulário do cotidiano.
Além disso tudo, é fato sabido que o tempo em oração tem
sido preterido por grande parte das pessoas que, controlados
por uma agenda que nunca alivia nada, nem ninguém e oprime
as pessoas numa espécie da “tirania da urgência”.
Em meio a essa tragédia, de não se relacionar mais com
Deus em oração por conta das questões ameaçadoras da vida,
todos nós somos desafiados a adaptar os Salmos em nosso con-
123
texto de vida, fazendo a Deus essas mesmas orações, que fica-
ram eternizadas no texto bíblico.
Faço coro com as palavras de Dietrich Bonhoefer, em seu
livro já citado, “orando com os Salmos”: “Ao repetir as próprias
palavras de Deus, começamos a orar a Ele. Não oramos com a
linguagem errada e confusa de nosso coração; mas pela palavra
clara e pura que Deus falou a nós por meio de Jesus Cristo, de-
vemos falar com Deus, e Ele nos ouvirá”.
Entendo que se após a leitura desse livro você acordará para
o fato de que precisa orar mais e que o livro de Salmos é uma
verdadeira “escola de oração”, e nela encontram-se matricula-
dos todos os carentes da graça de Deus. Ficarei feliz em saber
que cumpri o meu propósito nessa escrita.
E ainda vou dizer que, além do Senhor Jesus, que morreu
recitando um Salmo (22), Agostinho, quando sua última doen-
ça o derrubou, pediu aos seus irmãos que fixassem nas paredes
de sua cela cópias em letras grandes dos salmos penitenciais
(Salmos 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143), para que ele os lesse con-
tinuamente.
Vou terminar, então com as palavras inspiradas do Senhor
Jesus, em João 15.7, na Nova Versão Transformadora:

“Mas se vocês permanecerem em mim e minhas palavras


permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e isso lhes
será concedido”.

124

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