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Interpretação psicológica de Carl Gustav Jung sobre o Parsifal de Richard Wagner:

“A partir de agora já não é difícil entender qual foi a imagem primordial que colaborou
na solução do problema no Parsifal de Wagner.O sofrimento está na tensão dos
opostos entre o graal e o poder de Klingsor que reside na posse da lança sagrada. Sob
o feitiço de Klingsor está Kundry, a força vital instintiva, ainda natural, que falta a
Amfortas. Parsifal liberta a libido da condição de permanente instintividade, de um
lado, porque não sucumbe ao seu poder e, de outro, porque também está separado do
graal. Amfortas está junto ao graal e sofre por isso, isto é, porque não tem a outra
parte. Parsifal não tem nenhum dos dois, ele é "nirdvandva", livre dos opostos e, por
isso, é também o salvador, o dispensador da cura e da renovada força vital, o
unificador dos opostos, nomeadamente o claro, o celeste, o feminino do graal e o
escuro, o terreno, o masculino da lança. A morte de Kundry se explica como a
libertação da libido da forma natural e não domesticada (da "forma do touro", cf.
acima) que dela se desprende como forma morta, enquanto a força, qual novo fluxo
de vida, irrompe ao reluzir do graal. Pela abstenção, em parte involuntária, dos
opostos, Parsifal deu origem ao represamento que possibilitou um novo "declive" e,
com isso, uma renovada manifestação de energia. A linguagem nitidamente sexual
poderia facilmente induzir a se considerar, de modo unilateral, a união entre a lança e
o vaso do graal como libertação da sexualidade. O destino de Amfortas mostra, porém,
que não se trata de sexualidade; ao contrário, foi sua descida para uma atitude
naturalista e animal que causou seu sofrimento e a perda de seu poder. A sedução
levada a efeito por Kundry tem o valor de um ato simbólico, indicando que não foi
tanto a sexualidade que produziu tais feridas, mas muito mais a atitude da
instintividade naturalista, a submissão cega ao prazer biológico. Esta atitude expressa a
supremacia da parte animal de nossa psique. Quem for vencido pelo animal, receberá
a ferida sacrificial destinada ao animal (em benefício do ulterior desenvolvimento do
homem). Conforme já acentuei em meu livro Símbolos da transformação, trata-se, no
fundo, não do problema sexual, mas da domesticação da libido e da sexualidade
apenas na medida em que ela é uma das formas mais importantes e mais perigosas de
expressão da libido. Se no caso de Amfortas e na união da lança e do graal víssemos
apenas o problema sexual, cairíamos numa contradição insolúvel, pois o que fere seria
ao mesmo tempo também o que cura. Um tal paradoxo só seria permitido ou
verdadeiro se víssemos a união dos opostos num plano superior, isto é, se
entendêssemos que não se trata de sexualidade, nem nessa nem naquela forma, mas
única e exclusivamente da atitude à qual está sujeita toda a atividade, inclusive a
sexual.

Devo repetir sempre que o problema prático da psicologia analítica é mais profundo
do que a sexualidade e sua repressão. Este enfoque é, certamente, útil para explicar
uma parte infantil e, portanto, doentia da alma, mas é insuficiente como princípio
explicativo do todo da alma humana.”

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Orth.
Petrópolis: Vozes, 2013, pgs 231-232. (OC, 6, § 421-422.)

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