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• - =evolução de 1930 — Borís Fausto

• E-asi. História — Vol. 3 — República Velha — A. Mendes Jr.,


= Maranhão/L. Roncari (org.)

Coleção Tudo é História


• - =ebelião Praieira — Izabel Marson
• - Revolta da Princesa — Inês C. Rodrigues
• Soraeste Insurgente (1850-1890) — Hamilton de M. Monteiro
• Z Cangaço — Carlos Alberto Dória
• Z Coronelismo — Maria de Lourdes Janotti
• -evolução de 30: A Dominação Oculta — ítalo Tronca
Antonio Pedro Tota

CONTESTADO:
a guerra do novo mundo

40 anos de bons livros


T'Tight © Antonio Pedro Tota

123 (antigo 27)


Artistas Gráficos

’isáo:
Rosângela M. Dolis

jj|_J

editora brasiliense s.a.


01223 — r. general jardim, 160
são paulo — brasil
Indice

Introdução ....................................................... 7
A região e sua história ........................................ 14
A guerra incendeia a região ................................ 34
Conclusões ............................................................ 91
Indicações para leitura ........................................ 95
¿ gradecimento,
rela leitura atenta,
- Ana Luíza

^niliano e Daniel
INTRODUÇÃO

Quando a Guerra de Canudos acabou, todos


os setores do país que tinham acesso à comunicação
tomaram conhecimento do episódio. A maior parte
dos jornais chegou a noticiar praticamente o dia-a-
dia da guerra. Um dos mais famosos repórteres e cro­
nistas de Canudos foi Euclides da Cunha, que, de­
vido à guerra, escreveu Os Sertões, clássico da lite­
ratura brasileira.
Aproximadamente 15 anos depois da morte de
Antônio Conselheiro nos sertões da Bahia, iniciava-
se no Sul do país, numa região situada entre os Es­
tados de Santa Catarina e Paraná, uma guerra que
teve vários pontos de semelhança com a Guerra de
Canudos. Essa guerra ficou conhecida como a Guer­
ra do Contestado por ocorrer numa região cujos limi­
tes eram dúbios e, portanto, tendo territórios contes­
tados“ tanto pelo Paraná como por Santa Catarina.
A Guerra do Contestado iniciou-se aproxima-
3 Antonio Pedro Tota

damente em fins de 1912 e estendeu-se até o início de


1916, com combates quase ininterruptos. A Guerra de
Canudos teve os combates mais intensos entre os
anos de 1896 e 1897, apesar de alguns pequenos inci­
dentes antes dessa data. Vemos, portanto, que a
Guerra do Contestado durou em extensão muito mais
que a Guerra de Canudos. No Contestado envolve­
ram-se, de uma forma ou de outra, cerca de 20 mil
sertanejos. O conflito do Contestado atingiu uma '
área equivalente a 0,3% do território nacional, ocu­
pando uma área semelhante à do Estado de Alagoas.
Apesar destes dados concretos e reveladores,
numa análise comparativa, a Guerra de Canudos é
mais conhecida do que a Guerra do Contestado. E
por que isto ocorre?
A Guerra de Canudos teve como cronista um
nome como o de Euclides da Cunha, que, além de
repórter de O Estado de S. Paulo, produziu Os Ser­
tões, essa verdadeira mea culpa nacional, como diz
Walnice Nogueira Galvão. Os Sertões acabaram di­
vulgando, quer queira quer não, as atrocidades na
repressão ao movimento sertanejo, como se a divul­
gação de tais atrocidades pudesse expiar a má cons­
ciência nacional. Além disso tudo, Canudos, muito
mais que o Contestado, contou com ampla cobertura
jornalística de todo o país. Contestado, no máximo,
teve uma repercussão muito mais local do que nacio­
nal, pelo menos na época. A má consciência nacional
não podería ser novamente açulada.
Mas, como Canudos, o movimento do Contes­
tado pode ser inserido no tipo de movimento messiâ-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 9

nico. Ou seja, um movimento religioso que tem como


base a crença em futuras catástrofes das quais só se
salvarão os que forem adeptos do messias. Apesar
disso, o Contestado, diferentemente de Canudos, não
“precisou” de uma personalidade mística central i
marcante. A existencia de monges, principalmente o
último José María, que iniciou a luta, foi efémera e o
movimento continuou sem um líder específico.
O messianismo do Contestado se insere perfei-
tamente no que se chama de Catolicismo Rústico do
interior brasileiro. Historicamente, podemos dizer
que esse catolicismo coexistiu com o Catolicismo Or­
todoxo durante um bom tempo. Não só coexistiu
como, na verdade, foi incentivado pela Igreja oficial.
Isto se deu por força das transformações que a Igreja
Católica brasileira vinha passando na segunda me­
tade do século XIX que, segundo Ralph Delia Cava,
são de três ordens: um retomo da Igreja ao povo,
jurisdição e estruturação eclesiástica e a revitalização
espiritual no meio dos leigos e principalmente no
centro do clero. A Igreja, por essa época, se encon­
trava numa espécie de defensiva, e, com esse “apoio”
do catolicismo popular rústico, procurava combater
o avanço da maçonaria e do protestantismo. Com
isso, vemos o crescimento dos beatos e monges, que
de certa forma nasceram no próprio seio da Igreja
oficial dentro de uma espécie de programa que aca­
bou formando quadros leigos auxiliares dos quadros
oficiais.
Essa situação tendeu a se transformar nos perío­
dos próximos da Proclamação da República e princi-
Antonio Pedro Tota

pálmente depois do advento do Brasil Republicano.


É um período de críse do mandonismo local e ascen­
são do coronelismo. Tudo isso inserido num contexto
de transformações sócio-econômicas de peso. Era um
Brasil se adequando às transformações da economia
mundial, que, por exemplo, exigia grande produção
de borracha e algodão. Dava-se a penetração de capi-
lais estrangeiros em setores como a ferrovia, que
percorria o sertão transformando as relações sociais
existentes e retirando essas regiões de um antigo
isolamento.
É neste contexto que iremos entender por que,
de certa forma, a Igreja Católica, apesar de algumas
relutâncias, acabou perfeitamente adequada às trans­
formações que culminaram com a República. E
mais: na verdade pode-se dizer que a Igreja Católica
referenda a República. Concordando com Duglas
Monteiro, é neste sentido que alguns grupos acabam
rompendo um velho processo de submissão trilhan­
do caminhos de rebeldia sem projeto, seguindo na
maioria das vezes vias místicas.
Assim foi Canudos e assim foi Contestado. E
dessa forma podemos entender-o seu monarquismo.
Mas não se pode dizer que o monarquismo aspirado
pelos sertanejos de Contestado era exclusivamente
político. Era mais uma realização de um reino esca-
lológico. Uma monarquia que esperavam retornasse
pelos exércitos de D. Sebastião (daí o sebastianismo);
mas também era uma monarquia que representou,
para os que viviam da terra, tempos não tão mise­
ráveis como os que chegaram com a Proclamação da
2 Antonio Pedro Tota

República.
Isto explica por que o sertanejo que lutava con­
tra os soldados do exército regular tinha plena con­
vicção de estar pelejando numa Guerra Santa. Ele se
considerava um elemento de uma “irmandade” onde
c igualitarismo e a fraternidade tomavam-se fatores
básicos. A maioria dos membros da “irmandade”
tinha que se declarar crente aos monges José e João
Maria. A maior parte desses crentes que lutaram no
Contestado eram sertanejos sem terra. Mas havia
ainda fazendeiros, um juiz de paz, pequenos comer­
ciantes, foragidos da justiça e perseguidos políticos
que, nos redutos, encontravam proteção contra os
desmandos dos coronéis.
Há ainda que se destacar as diferentes formas de
atuação das forças repressivas em Canudos e Contes­
tado. “Sobre as cinzas da aldeia sagrada de Canu­
dos, a República, finalmente, estava salva e consoli­
dada”, no dizer de Carlos A. Dória. Quem a conso­
lidou foi o exército brasileiro; a duras penas, pois era
um exército republicano que mal estava se formando.
O exército que combateu no Contestado não era o
mesmo exército que havia combatido Canudos. O
exército da campanha de Canudos havia ultrapas­
sado a sua fase amadora e reprimiu com maior téc­
nica o movimento popular do Sul do país, utilizando-
se. inclusive, de pequenos aviões para reconheci­
mentos.
A Guerra Santa do Contestado foi, portanto, tão
importante ou mais do que Canudos. No entanto,
não é tão conhecida. Mesmo o filme de Silvio Back,
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 13

A Guerra dos Pelados, parece não ter recebido a


divulgação merecida.

>
A REGIÃO E SUA HISTORIA

A ecologia e a economia
As condições naturais da região foram ricamente
descritas por Maurício Vinhas de Queiroz. Lembra,
principalmente, que é uma região com fartura de
aguadas. Isto parece afastar qualquer explicação pró­
xima ao determinismo geográfico que marcou alguns
estudos sobre a Guerra de Canudos, que atribuíam
às condições ecológicas do Nordeste responsabilidade
pela guerra. Ao contrário da aridez da região nordes­
tina, o trecho que se vê no mapa entre o Paraná e
Santa Catarina é uma região de clima temperado.
O gado e as pessoas podem encontrar condições rela­
tivamente favoráveis para a alimentação. Florestas
de pinheiros (a chamada araucária) predominam na
paisagem. Vários rios cortam a região de solo fértil,
formando vales. Os mais importantes são o rio dos
Peixes e o rio Iguaçu, em cujas margens se desen­
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 15

rolarão varias batalhas no auge do conflito.


Os campos onde o gado pastava foram conquis­
tados 100 anos antes dos acontecimentos, com a
expulsão paulatina dos indios que ali habitavam.
Eram frentes de lavradores e fazendeiros que iam
espalhando o gado, primeiramente solto e depois
amansado e sob controle. O fato de os conquista­
dores avançarem sem nenhum entendimento prévio
várias vezes provocou disputas violentas pela posse
das terras recém-conquistadas. Na verdade, pode­
mos ver aí os princípios de disputas de zonas frontei­
riças que irão resultar nas questões limítrofes entre o
Estado do Paraná e de Santa Catarina. Para se ter
uma idéia da extensão da frente pastoril, muitos dos
criadores que se fixaram na região de Campos Novos
eram descendentes de fugitivos da Guerra dos Far­
rapos.
"Uma outra atividade econômica muito impor­
tante na região era a extração da erva-mate. O hábito
de tomar o famoso chimarrão foi herdado dos gua­
ranis. O costume depois difundiu-se por toda a re­
gião do Prata. Por essa razão, a produção da erva-
mate passou de uma produção para uso interno para
uma produção destinada a um mercado externo. A
erva-mate nascia geralménte na floresta, o que de­
mandava um outro aspecto de pioneirismo para co­
lhê-la, beneficiá-la e depois colocá-la no mercado.
Na época da Guerra do Paraguai, por exemplo, a
região tomou-se a maior exportadora de erva-mate
para os habitantes do Prata. Este fato favoreceu o
aparecimento de fortunas, ao mesmo tempo em que
lé Antonio Pedro Tota

se dava o empobrecimento de grande parte da popu­


lação que se dedicava a esta atividade econômica. De
modo geral, essa atividade não exigia aparato téc­
nico: era a família do mateiro que se embrenhava nos
ervais, colhia, beneficiava e vendia o mate nas vilas
próximas. O intermediário é que auferia grandes
lucros, enquanto que o trabalhador mal ganhava
para o seu sustento durante o ano.
Mas o sustento básico do caboclo catarinense e
paranaense vinha de sua roça: pequenas plantações
de milho e feijão, às vezes de sua própria posse ou
coexistindo nos latifúndios, que, pelo fim do século,
tendiam a aumentar. Do milho saía a farinha, parte
da tradicional e parca alimentação do caboclo brasi­
leiro. Vez por outra, um naco de carne misturado ao
feijão, palmito colhido no mato e o pinhão dos pi-
nheirais. Eis o que o caboclo comia.

A questão da terra, os limites e o poder


Para se ter uma idéia de como a posse da terra
na região foi de crucial importância para explicar a
guerra, basta atentar para o que estava escrito em
um pedaço de papel amassado e ensanguentado que
foi encontrado no bolso de um caboclo guerrilheiro
que combateu na Guerra Santa: “Nóis não tem di­
reito de terras tudo é para as gente da Oropa”.
Os caboclos que lutaram no que eles chamavam
de “guerra santa” tinham uma consciência muito
clara de sua situação de espoliados, isto é, ha-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 17

viam perdido a terra para os “coronéis” podero- ;


sos aliados a companhias estrangeiras. Uma noção í
da estrutura do regime de propriedade e do poder 4
na região se faz necessária para melhor entendi­
mento da questão da terra e suas implicações no
conflito.
O regime de propriedade da terra, na região que
ficou conhecida com o nome de Contestado, era bas­
tante variado. Até meados do século passado, po-
diam-se encontrar grandes propriedades, que leva­
vam mais de três dias de viagem para serem percor­
ridas. Fazendas com 20 mil cabeças de gado. Mas
havia também as médias fazendas e as pequenas
posses.
No entanto, somente o “coronel” é que tinha o
título da propriedade, isto é, o único que era reco­
nhecido como dono legal das terras. O pequeno e o
médio lavrador não eram proprietários legais das
terras, apesar de as estarem cultivando sob o regime
de posse há longos anos. Tanto um como outro tipo de
propriedade tinham sido adquiridos depois da expul­
são violenta dos índios da região.
Maurício Vinhas de Queiroz nos dá uma idéia
geral dos diferentes “graus” na estratificação social
da região. No topo da escala social encontrava-se o
grande proprietário, que era chefe político de um
município que mantinha estreita ligação com as auto­
ridades do governo estadual. Detinha, enfim, o mo­
nopólio do poder político na região e era “coronel”
na hierarquia da velha Guarda Nacional. Logo abai­
xo do “coronel”, grande proprietário, vinha o fazén-
lê Antonio Pedro Tota

¿eiro, que poderiamos chamar de médio, o “capi­


tão” na hierarquia da Guarda Nacional; ele tinha a
posse de sua terra, mas não a propriedade legal. Esse
é um dado importante para entendermos algumas
das adesões à Guerra Santa, como veremos mais
adiante. Os lavradores eram os trabalhadores que
possuíam uma pequena posse, geralmente afastada
dos centros da fazendas e mais próxima às frentes
de ervais para extrair o mate. Alguns ainda se dedi­
cavam à criação de pequeno rebanho bovino.
Os agregados e os peões viviam nas fazendas dos
grandes ou médios proprietários. Exerciam toda a
sorte de funções: cuidavam do gado, extraíam erva-
mate, eram lenhadores, domadores etc. Havia um
laço de dependência entre os “coronéis” e os agrega­
dos. No dizer de Duglas Teixeira Monteiro, esse laço
de dependência vinha do domínio que aquele tinha so­
bre os recursos materiais e vinha também, principal­
mente, de uma estrutura de troca de favores, confi­
gurada na proteção.
Alguns “coronéis” estabeleciam poder absoluto
sobre determinadas regiões. Um exemplo típico é o
caso do “coronel” Francisco de Albuquerque, senhor
todo-poderoso de Curitibanos, que, como veremos,
terá um papel importante na deflagração da Guerra
do Contestado. “O ‘coronel’ Francisco de Albuquer­
que, de Curitibanos, principiou relativamente pobre;
seus inimigos políticos diziam que na juventude se
dedicara a tocar trompa na banda de música de
Campos Novos. Abriu venda em Curitibanos e, acu­
mulando as funções de comerciante com as de agente
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 19

da poderosa família Ramos, os maiores latifundiá­


rios pecuaristas de Lajes, é que venceu na política.
Ao vencer, procurou, desde logo, comprar ou apo­
derar-se de toda a terra que lhe caía às mãos: ao
morrer deixou 100 milhões de metros quadrados.”
(Queiroz, Maurício Vinhas, p. 38.)
Quando um “coronel” não tinha o monopólio
político da região, passava a figurar como membro
de uma tênue oposição ao “coronel” que dominava
essa região. Para isso se valia de estratagemas, como
se colocar, em alguns casos, ao lado de algum peão,
ou lavrador que havia sido expulso das terras ou que
não havia recebido corretamente a jornada de tra­
balho. Ele se fazia ver como “pai dos pobres”, prote­
tor dos desamparados. Este foi o caso do “coronel”
Henriquinho de Almeida, também de Curitibanos, e
arquiinimigo do “coronel” Francisco de Albuquer­
que. Mas esta oposição tinha um limite muito frágil:
quando a guerra principiou, o “coronel” Henriquinho
pôs-se logo ao lado das forças repressoras que dizi­
maram os caboclos na Guerra Santa.
Outra atividade dominada pelos “coronéis” era
o comércio. Quase sempre eles monopolizavam o
fornecimento de gêneros para uma região.

As contradições se acirram
Como dissemos,, os grandes fazendeiros abriga­
vam em suas terras um grande número de agregados.
Esses agregados tinham inicialmente alguns direitos:
Antonio Pedro Tota

podiam criar o próprio gado nas terras da grande


fazenda. Mas a tendencia era seu rebanho ir cres­
cendo, e o mesmo acontecia com sua própria família.
Aos poucos, tanto o rebanho como a família do agre­
gado passavam a ser uma espécie de excedente den­
tro dos limites da fazenda. Os fazendeiros, preocu­
pados com esse crescimento, de modo geral “impe­
liam” o agregado a que procurasse terras para que se
estabelecesse por conta própria. Este ia com rebanho
e família à procura das terras devolutas públicas
para ali se instalar como posseiro. Até meados do
século passado essa solução era relativamente fácil,
mas, aos poucos, as áreas vazias iam se rareando.
Diante disso, as tensões sociais tendiam a aumentar.
Essa situação tensa entre ex-agregadõs e grandes fa­
zendeiros piorou com a Proclamação da República.
Com a República, as terras devolutas que antes
estavam sob a autoridade do governo central impe­
rial passaram para a jurisdição estadual. Este fato
deu maiores condições para que as oligarquias esta­
duais aperfeiçoassem o seu esquema político de favo­
res com os “coronéis”, donos dos poderes munici­
pais. Foi por essa razão que as terras devolutas do
Estado passaram, pouco a pouco, para as mãos dos
“coronéis”, correligionários das oligarquias esta­
duais. Os primeiros tinham necessidade de expandir
suas terras diante da demanda de gado, mate e ma­
deira e, graças às ligações que possuíam com as
oligarquias, transformaram-se em proprietários das
terras devolutas do Estado. De modo geral, estas
terras eram habitadas por posseiros, pequenos cria-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 21
22 Antonio Pedro Tota

dores e lavradores, e agora, com a “aquisição” das


terras devolutas pelos “coronéis”, essa gente viu-se
na estranha contingência de ser “intrusa” em sua
própria posse. A partir daí os jagunços e capangas
dos “coronéis” começaram a expulsar esses “intru­
sos”. Os intrusos expulsos não tinham mais para
onde ir e ficavam perambulando pelo sertão, pelos
pinheirais e campos. Gerava-se desta forma um foco
bastante forte de tensões que tendia a explodir a
qualquer momento. E note-se que, para esses recém-
despossuídos, o grande culpado passava a ser a Re­
pública oligárquica.
Um exemplo citado por Duglas Teixeira Mon­
teiro ilustra claramente o significado e a origem dos
conflitos fronteiriços entre os dois Estados que vão
somar mais um fator de tensão gerador do conflito
que se desenrolará na região. Diz o autor: “... após o
estabelecimento de grandes fazendas na região de
Lajes, a expansão da pecuária continuava mais ao
norte. Tem-se nesse sentido, a título de exemplo, o
caso de Francisco de Paula Pereira, grande proprie­
tário de terras em S. Bento, Paraná, que abandona a
sua região por causa de perseguições políticas e al­
cança os rios Putinga e Canoinha. Entendendo que o
local era bom para estabelecer-se, volta para bus­
car a família e agregados. Ali surge o que viria a
ser a sede do município de Canoinhas. Região rica
em erva-mate, o Estado do Paraná a reivindica como
parte de seu território, mas Francisco de Paula repele
a autoridade policial paranaense e não se submete à
jurisdição do vigário de Rio Negro (Paraná). Ao
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 23

mesmo tempo, fazendo contato com Curitibanos


(Sta. Catarina), se coloca sob a proteção de Albu­
querque, ‘coronel’ e chefe político do lugar” (Mon­
teiro, Duglas T., p. 3). Desta forma, teremos uma
grande área de terras, rica em ervais, de onde pode­
ría ser tirada através de impostos sobre os pro­
dutos extraídos, renda para os Estados. Daí a dis­
1
puta entre Santa Catarina e Paraná pela região. A
disputa entre os dois Estados fomentou o regiona­
lismo entre os “coronéis”, que eram manipulados
pelas oligarquias estaduais. Ao mesmo tempo, os
“coronéis” utilizavam-se de seus agregados, que
muitas vezes transformavam-se em jagunços mani­
pulados* em defesa dos interesses de cada “coronel”.
A questão dos limites entre os dois Estados,
apesar de aumentar o clima já tenso da região, não
deve ser vista como fator determinante do conflito,
pois, como veremos, essas divergências ficaram diluí­
das no conjunto das contradições sócio-econômicas.
Um dos exemplos do conjunto dessas contradições
foi a construção da estrada de ferro São Paulo—Rio
Grande.
A concessão dessa estrada de ferro foi dada pelo
governo brasileiro ao chamado Sindicato Parcival
Farquhard em meio a denúncias de corrupções, su­
bornos e pressões políticas que o magnata americano
soube manipular com destreza. Os investimentos de
Farquhard no Brasil no começo do século foram diri­
gidos aos mais variados setores e regiões do país.
Márcio Souza, em seu romance Ma d Maria, descreve
as atrocidades na construção da famosa Madeira-
24 Antonio Pedro Tota

Mamoré pelo grupo desse mesmo capitalista ameri­


cano.
Esse grupo, dono da “Brazil Railway Com-
pany”, conseguiu a concessão da construção da fer­
rovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, e
parte de seu traçado passava exatamente pela região
do Contestado. Nessa parte, deveria ligar União da
Vitória (ou Porto União) à cidade de Marcélio Ra­
mos. Mas as implicações com o conflito não decor­
rem somente devido à concessão. É que ficou estipu­
lado no contrato entre o governo, via oligarquias es­
taduais e “coronéis”, que a companhia tinha direito
de propriedade de toda a área que estivesse dentro de
uma faixa de 15 quilômetros ao lado de cada margem
da estrada. A leitura de um edital da “Brazil Railway
Company” de 1911 pode dar bem uma idéia do que
representou para os caboclos e posseiros da região a
instalação da companhia: “Este faz saber a todos
que é expressamente proibido invadir ou ocupar ter­
renos pertencentes à Companhia Estrada de Ferro
São Paulo—Rio Grande, situadas em ambas as mar­
gens do Rio do Peixe e em outras localidades onde,
por concessão estadual, a Companhia de Estrada de
Ferro possui terras que já foram ou estão sendo medi­
das e demarcadas por ela”.
Este edital, na prática, veio agravar a situação
de pequenos e médios proprietários e posseiros que
tinham suas terras na região sobre a qual a “Brazil
Railway” passou a ter direito. Novos “intrusos” vie­
ram engrossar as fileiras dos que antes já haviam
sofrido o fenômeno em relação às terras devolutas,
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 25

como já vimos.
Para a construção da estrada de ferro foram
recrutados inicialmente 4 mil trabalhadores, número
que atingiu pouco depois 8 mil. A maioria desses
trabalhadores vinha dos grandes centros urbanos do
país, de modo geral recrutados entre desempregados
e desocupados. Qualquer tipo de reivindicação por
parte desses trabalhadores, visando à melhoria de
condições e salários, era prontamente reprimido pela
polícia particular da “Brazil Railway”.
No dizer de Duglas T. Monteiro, essa era a vio­
lência inovadora. Em outras palavras, numa região
que era marcada por uma violência tradicional (Guer­
ra dos Farrapos, Revolução Federalista e as lutas
entre os “coronéis”), agora vinha somar-se uma nova
violência representada pela vinda de contingentes
dos grandes centros urbanos e pela implantação de
empresas estrangeiras que tomavam as terras dos
habitantes da região.
O aparecimento dessa nova violência não se.li­
mitou à construção da estrada de ferro. Em 1911,
uma subsidiária da “Brazil Railway”, portanto fa­
zendo parte do grupo de Farquhard, chamada
“Southern Brazil Lumber and Colonization Co.”,
comprou 180 mil hectares na área contestada. O
objetivo dessa empresa era a produção madeireira.
Em pouco tempo a região foi invadida por maqui­
narias modernas destinadas à implantação de serra­
rias com grande capacidade de produção. Toda essa
madeira destinava-se à exportação e, no dizer de
Maurício Vinhas de Queiroz, a “Lumber” transfor­
26 Antonio Pedro Tota

mou-se na maior empresa madeireira da América


Latina. Para o transporte da madeira para os portos
catarinenses foi construída mais uma estrada de ferro
ligando União da Vitória a São Francisco, constru­
ção esta também concedida à “Brazil Railway”.
O fato é que a implantação desse complexo in­
dustrial madeireiro arruinou uma grande quantidade
de pequenos serradores que existia na região. Ao
mesmo tempo, os antigos posseiros que habitavam a
terra que passou a ser propriedade da “Southern
Lumber” foram considerados “intrusos” e expulsos.
Mais uma vez a história se repetia, e o contingente
dos descontentes aumentava mais e mais.

Os monges do Contestado
Na região do Contestado existia uma tradição
(que de certa forma se estende até hoje) de movi­
mentos messiânicos bastante marcantes. Esses movi­
mentos eram em geral liderados poç elementos conhe­
cidos como monges. Estes monges não tinham ne­
nhuma ligação oficial com a Igreja ou com qualquer
ordem monástica; eram muitas vezes chamados de
beatos ou profetas.
O fenômeno do messianismo foi e é bastante
estudado pelos especialistas. Um dos estudos mais
conhecidos no Brasil sobre o assunto é o da profes­
sora Maria Isaura Pereira de Queiroz: O Messia­
nismo no Brasil e no Mundo. Maria Isaura nos dá
uma idéia geral dos fenômenos messianismo e mes-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 27

sias.
Quem seria o messias? Seria alguém enviado
pelas divindades com a função de liderar um movi­
mento de luta do Bem contra a Mal. Liderar os
homens, guiá-los para atingir o Paraíso. Para Max
Weber, esse messias necessita ter qualidades pessoais
imprescindíveis para marcar sua ascendência sobre o
povo a ser dirigido, ao mesmo tempo que essa lide­
rança é exercida carismaticamente: “a qualidade
extraordinária que possui um indivíduo (condicio­
nada de forma mágica em sua origem, quer se trate
de profetas, de feiticeiros, de árbitros, de chefes de
bandos ou de caudilhos militares); em virtude dessa
qualidade, o indivíduo é considerado ora como pos­
suidor de forças sobrenaturais ou sobre-humanas, ou
pelo menos específicamente extracotidianas, que não
estão ao alcance de nenhum outro indivíduo, ora
como enviado de Deus, ora como indivíduo exemplar
e, em conseqüência, como chefe, caudilho, guia,
líder” (citado por Queiroz, M. I. P., p. 5).
Esse messias tinha por incumbência, como se
disse, transformar a realidade na terra. Tinha, en­
fim, objetivos políticos a serem atingidos mas ope­
rados religiosamente. Vem para acabar com as injus­
tiças existentes na terra. Ê importante notar que a
proposta de transformação e de salvação não é um
fenômeno individual: a salvação deverá ser usufruída
coletivamente.
Essa explicação introdutória é necessária para
que possamos entender a natureza do fenômeno no
Contestado.
2S Antonio Pedro Tota

Pois bem, a região do Contestado foi campo


fértil para o aparecimento de líderes messiânicos com
os aspectos e características descritas anteriormente
mas com as peculiaridades das condições da região.
O primeiro monge de que se tem noticia de que
perambulou pela região foi o famoso João Maria.
Andou pela região nos meados do século passado
seguido de grande número de adeptos.
O segundo monge que surge na região foi tam­
bém um de nome João María. Este começou sua
peregrinação pela região depois da Guerra do Para­
guai. A descrição da figura é muito interessante: lon­
gas barbas grisalhas, utilizava um cajado para se
apoiar em suas andanças; era sírio de origem e dizia-
se incumbido de missões religiosas, jamais aceitava
dinheiro, dormia sob as árvores. Os sertanejos logo o
consideraram um verdadeiro enviado de Deus com a
qualidade de curador. De modo geral, bastava o
monge João Maria rezar pelo doente e receitar um
determinado chá feito de vassourinha (arbusto da
região) que a cura seria alcançada. Quando, em 1893,
estourou a chamada Revolução Federalista, a região
do Rio Grande do Sul e proximidades viu-se dividida
em dois setores: de um lado os chamados maragatos,
que não reconheciam a autoridade de Floriano Pei­
xoto, e de outro os pica-paus, que apoiavam o go­
verno militar de Peixoto. Antes dos combates os
maragatos recebiam as bênçãos dos monges e acre­
ditavam que a vassourinha tinha propriedades de
fechar o corpo durante as lutas.
Quase sempre, o monge substituía o padre ofi­
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 29

ciai da Igreja Católica, que raramente aparecia pela


região. Casava, batizava, benzia o gado, curava bi­
cheira dos animais. As cinzas das fogueiras de seus
acampamentos eram rapidamente transformadas em
patuás com poderes mágicos de cura e fechamento
do corpo. Conta-se que quando o chefe maragato
Gumercindo Saraiva morreu, João Maria preveniu o
povo da região que este voltaria em breve à frente de
um exército de anjos.
O monge João Maria declarava-se um anti-repu­
blicano convicto. Dizia, entre outras coisas, que a
“República era a ordem do demônio, enquanto a
monarquia era a ordem de Deus” (Queiroz, M. V.,
p. 60). É importante relembrar que a República,
para a maioria dos caboclos, era a instituição que
lhes havia roubado suas posses para dá-las aos “co­
ronéis”. Mais ainda: é preciso lembrar, como o faz
Duglas Monteiro, que o Império significou para a
região um longo período de paz, com exceção da
Revolução Farroupilha. E esse período de paz só foi
interrompido com as agitações políticas advindas da
Proclamação da República, culminando com a Revo­
lução Federalista, que ensangüentou a região. Por
essas razões é que entendemos como o monarquismo
de João Maria foi rapidamente assimilado pelos ca­
boclos.
Houve também uma outra questão que acirrou
as contradições no nível institucional religioso: trata-
se do choque entre o catolicismo rústico dos caboclos
e a ortodoxia da Igreja Católica.
Inicialmente não havia antagonismo entre uma
Antonio Pedro Tota

prática e outra, pois a incidencia das visitas de pa­


dres na região era pequena. Raras vezes aparecia um
sacerdote, talvez uma ou duas vezes por ano, para
batizar ou realizar casamentos de velhas uniões natu­
rais. Somente pelos fins do século XIX é que a região
começou a receber um pouco mais de atenção por
parte das autoridades eclesiásticas. Em 1892, por
exemplo, chegou em Lajes o frei Rogério Neuhaus,
de naturalidade alemã, que pretendeu estabelecer
um novo tipo de relação com os caboclos. Este frei,
de certa forma, utilizava-se de métodos semelhantes
aos dos monges: andava com uma pequena farmácia
portátil de homeopatía, distribuía remédios para os
lavradores, e com isso instava o sertanejo a se sub­
meter a alguns dogmas, tais como confissão, comu­
nhão etc. Começou, enfim, a fazer certa concorrên­
cia ao monge João Maria. Mas havia diferenças mar­
cantes entre um e outro. Nas palavras de Maurício
Vinhas ”... o catolicismo popular e sincrético da­
quela área recebia, apesar de tudo, com uma certa
desconfiança a palavra de Rogério Neuháus e a dos
raros padres estrangeiros, (...) porque (os padres) co­
bravam pelos batismos, casamentos e missas. Se­
gundo o sistema de valores local, os maiores santos
deveríam dar provas de absoluto desprendimento.
João Maria nunca tocava em dinheiro” (Queiroz, M.
V., p. 56).
Em outras palavras, o padre ligado à Igreja
oficial representava de certa maneira uma instituição
estranha, saía de uma cidade e entrava no sertão,
para logo depois voltar à cidade, permanecendo
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 31

alheio à realidade do caboclo e, além do mais, a


maioria dos padres era de origem estrangeira e não se
fazia assimilar. Os monges, pelo contrário, apesar
de o primeiro e o segundo João Maria serem estran­
geiros, passaram a fazer parte integrante da vida
social sertaneja. “Representava o monge, desse mo­
do, um papel equivalente ao do padre, mas estava a
serviço e era a expressão da autonomia do mundo
religioso rústico” (Monteiro, D. T., p. 69).
Eis um exemplo do conflito latente entre a orto­
doxia católica e o catolicismo rústico dos caboclos,
no áspero diálogo travado entre João Maria e frei
Rogério:

— A minha reza vale mais do que uma missa


— disse João Maria.
— Nem as orações de Nossa Senhora têm o
valor de uma missa, pois nesta Jesus Cristo vem des­
cendo sobre o altar — respondeu frei Rogério Neu-
haus.
— Para aqui também vem — retrucou João
Maria, apontando para um altar portátil que o acom­
panhava em suas andanças pelo sertão.

O caráter místico/rústico em torno de João


Maria ganha novo corpo com seu desaparecimento
em torno de 1908. Desapareceu sem deixar qual­
quer pista. Este fato instaurou, entre os caboclos,
um verdadeiro sebastianismo: os sertanejos desse
momento em diante passaram a esperar o retorno
glorioso de João Maria. Veremos mais adiante que
Antonio Pedro Tota

: aparecimento de outro monge e curandeiro será


je nial importância no desencadeamento dos fatos
incendiarão toda a região do Contestado.
Mas, alguns anos antes do desaparecimento do
mmge e 15 anos antes de começarem os conflitos na
-egião. ocorreu um episodio que serve de amostra-
ge— para os futuros acontecimentos. Trata-se do
¿ñamado Canudinhos de Lajes, uma espécie de en-
saii geral para a Guerra do Contestado.
Por volta de 1897, surgiu na região próxima a
Lres um monge que se dizia irmão de João Maria.
Pregava o fim do mundo próximo e também fazia
snas curas. Assim, juntou em torno de si considerável
=i _l:idão de sertanejos que, de modo geral, peram-
’nãvam à procura de trabalho.
Aos poucos, os fanáticos seguidores do monge
çne se fazia passar por irmão de João Maria davam
- zsira de que iam se fixar na região. Os grandes
nrcnrietários começaram a ficar alarmados e a temer
p»:r seu gado e pelas propriedades. As autoridades de
Campos Novos, atendendo pedido dos proprietários,
enviaram uma força policial para dispersar a concen-
mação dos fanáticos. A força policial encontrou resis-
lêzcia e teve dois de seus homens mortos pelos serta­
nejos.
O pavor de que se repetisse no Sul o que mal
acabara nos sertões da Bahia tomou conta dos pro-
nneiários e das autoridades estaduais. Rapidamente
mna força do exército do Rio Grande do Sul foi
enviada para reprimir a concentração de fanáticos. O
massacre foi geral: poucos sobreviventes, grande nú-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 33

mero de prisões e a maioria dos caboclos se dispersou


pelo sertão.
A importancia desse episodio, de caráter anun­
ciador da guerra que se deflagará alguns anos depois
na região, é analisada por Maurício Vinhas de Quei­
roz:
“Está implícito (...) neste ensaio um tanto tragi­
cómico de movimento messiânico (o próprio nome
‘Canudinhos’ (...) é um índice de sua relativa comi-
cidade) um problema de maior importancia. Não
resta, dúvida que o ambiente que propiciou a sua
eclosão era aquele que havia revitalizado antigos mi­
tos apocalípticos e dado força a crenças escatológi-
cas. Em outras palavras já estávamos observando os
primeiros sintomas de desagregação de um sistema.”
(Queiroz, M. Vinhas, p. 66.)
A GUERRA INCENDEIA A REGIÃO

As tensões precursoras
O ano de 1911 traz a sensação de que todas as
agruras e sofrimentos da população da região che­
garam ao ponto máximo. Se atentarmos para os
falos, veremos que este foi o ano do processo de
introdução e de implantação de forças externas e
modemizadoras. Foi o ano em que as empresas, com
claros moldes capitalistas, tais como serrarias, a pe­
cuária e, principalmente, a estrada de ferro inicia­
ram o verdadeiro enraizamento na região.
Tanto é verdade que, naquele ano, a Estrada de
Ferro implantou algumas dezenas de quilômetros,
iniciou, ao mesmo tempo, a expulsão à força dos que
se haviam transformado em “intrusos” e, alguns
anos mais tarde, teve reconhecido pelo Estado o di­
reito de propriedade sobre 6 bilhões de metros qua­
drados de terra. Efetivava-se, enfim, como diz Du-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 35

glas T. Monteiro, as premissas da violencia inova­


dora acelerando de certa forma os fatores da já tra­
dicional violencia da região. O mesmo autor analisa
aposição dos “coronéis” diante da introdução das for­
ças inovadoras que tendem a desarticular os velhos la­
ços de dependencia entre estes e seus agregados e de­
pendentes: “Os coronéis, ou se tornavam incapazes
de manter posições tradicionais de ascendência mo­
ral em relação a essa gente espoliada, ou se associa­
vam abertamente às forças espoliadoras econômicas
e políticas que estavam emergindo” (Monteiro, Du-
glasTeixeira, p. 31).
E para agravar ainda mais a vida do seftanejo
ocorreu uma praga de ratazanas que destruiu todas
as reservas dos já pobres paióis dos caboclos. Parecia
que as profecias do monge João Maria, que predis­
sera as desgraças futuras, se efetivavam.
Por volta de 1912, surgiu no município de Cam­
pos Novos uma figura vestida de calças de brim
barato, cabelos compridos e um barrete na cabeça,
do tipo usado pelo monge João Maria. Fumava ca­
chimbo e se dizia curandeiro.
Os sertanejos da redondeza começaram a se
agrupar em torno desse novo messias, crendo que o
monge João Maria havia voltado. Este monge, no
entanto, se denominava José Maria de Santo Agos­
tinho. Sua fama cresceu principalmente depois que
curou a mulher de um importante fazendeiro da
região. Em agradecimento, esse fazendeiro ofereceu
a José Maria terras e dinheiro, mas este prontamente
recusou. O fato da recusa de riquezas o caracterizou
36 Antonio Pedro Tota

como desinteressado pelos bens materiais, fato que


atraiu ainda mais os seus seguidores.
As origens de José Maria são obscuras, mas
sabe-se que era um ex-soldado do exército que havia
desertado em dèterminada ocasião. Depois da deser­
ção, dedicou-se a pequenas tarefas que exercia nas
fazendas, mas sua principal atividade era a prática
do curandeirismo. Antes de aparecer no município de
Campos Novos tinha vivido entre os posseiros da
região de Irani dedicando-se também à atividade de
curandeiro e já reunia um pequeno séquito de admi­
radores. Este monge tomava o cuidado de deixar
passar para os sertanejos que não era o santo monge
João Maria, mas sim uma espécie de irmão. E esta
categoria de irmão pode ser entendida na medida em
que já se notava alguns traços de uma “organização”
de fraternidade no seio do pequeno grupo que se
aproximava de José Maria. Ao mesmo tempo José
Maria deixava transparecer que trazia a mensagem
do velho monge João Maria desaparecido alguns anos
antes.
Ao contrário do seu antecessor, que preferia
viver no isolamento, José Maria gostava de se ver
cercado de adeptos. E, aos poucos, começou a dar
alguma organização ao grupo que passou a segui-lo.
Por exemplo, utilizando-se de seus parcos conheci­
mentos militares herdados do tempo do exército,
organizou grupos aos quais chamou de “quadros
santos”. O comando desses quadros foi entregue a
adeptos mais aptos. Esses “comandantes” ficavam
encarregados de organizar as rezas e também as cha-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 37

madas formas: filas de sertanejos que se dedicavam a


uma espécie de treinamento militar e que entoavam
canções e davam vivas a São Sebastião, a João María
e a José María.
José María sabia ler e escrever. Anotava em um
caderno os nomes e as propriedades das ervas e raízes
com qualidades medicinais. Suas rezas eram copia­
das e passadas de mão em mão e se dizia que tinha a
qualidade de “fechar o corpo”.
Aos poucos, formou uma espécie de guarda es­
pecial que ficou conhecida como os “Doze Pares de
França”. Era uma guarda de “elite” que mais tarde
só montará cavalos brancos com um arreiamento
bastante adornado. Somente os sertanejos mais há­
beis e mais fortes podiam participar dos Doze Pares
de França, que por sua vez jamais usavam armas de
fogo, sua única arma era o facão que manipulavam
com destreza.
Tudo indica que a inspiração dos Doze Pares de
França foi buscada por José Maria na leitura da His­
tória de Carlos Magno e dos Doze Pares de França
que, segundo Câmara Cascudo, era o livro mais co­
nhecido no interior do Brasil. Ê dessa época que se
formou o conceito de “irmandade”, ou seja, um
espírito igualitário religioso já se fazia anunciar. José
Maria fazia uma leitura pública das estórias do livro
e o povo reunido em torno do monge ouvia comple­
tamente absorvido. O sertanejo que fazia parte do
grupo (irmandade) acreditava que a guerra de Carlos
Magno completaria mil anos, fato que criava condi­
ções para a vinda de D. Sebastião para empreender
Antonio Pedro Tota

urna Guerra Santa. A Historia de Carlos Magno não


era uma leitura que tinha por objetivo um sentido
recreativo; ela era encarada com fervor místico-reli­
gioso. Wainice Nogueira Galvão interpreta o fato
como o único momento em que um povo sem historia
• acha sua historia: “Historia e estória se confundem
para o sujeito em busca de uma concepção de si
mesmo, de sua vida. O acontecido ontem e aqui
ombreia com o acontecido em eras remotas e bem
longe”.
Em determinado dia do ano de 1912 o monge
José Maria recebeu a visita de um grupo de homens
i vindos da região de Curitibanos. Eram festeiros que
j tinham por incumbência convidar o monge para os
I festejos de São Bom Jesus que se realizariam no dia 6
de agosto daquele ano no arraial de Taquaruçu. O
grupo era composto principalmente por um pequeno
comerciante (Práxedes Damaceno), um pequeno cria­
dor (Chico Ventura) e ainda um conhecido sertanejo
de certa posse (Euzébio dos Santos). Esse grupo, de
uma forma ou de outra, fazia parte da clientela do
“coronel” Henriquinho de Almeida, tradicional ini­
migo político do superintendente do município de
Curitibanos, o todo-poderoso “coronel” Francisco
Albuquerque.
José Maria, diante do convite para ir dar um
colorido mais santo à festa, partiu para Taquaruçu
liderando uma comitiva de cerca de 300 adeptos.
De modo geral, era hábito entre os caboclos
passar os tempos da festa de São Bom Jesus entre
atos religiosos e folguedos. Muito foguetório, chur-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 39

ráseos e mesmo algumas danças e músicas. E sempre


que os festejos chegavam ao fim todos os caboclos
iam para seus casebres e suas pequenas posses para
cuidar de seus afazeres. Mas naquele ano de 1912 foi
diferente: os sertanejos foram atraídos pelo monge
José Maria, que continuava suas pregações e curas,
mas também porque uma boa parte deles não tinha
mais aonde ir, pois tiveram suas terras tomadas ou
pelos “coronéis” ou pela “Brazil Railway” e pela
“Lumber and Colonization Co.”.
EmTaquaruçu o monge foi ficando. Acampado
com seus fiéis seguidores, rezava e curava, como dis­
semos.
O “coronel” Francisco de Albuquerque, supe­
rintendente de Curitibanos, e portanto de Taqua-
ruçu, que ficava em sua jurisdição, começou a ficar
preocupado com toda aquela gente aglomerada. E,
mais do que isso, para ele, ao que tudo indicava, essa
gente estava ali sob a tutela do “coronel” Henriquinho
de Almeida, o líder da oposição e cognominado “pai
dos pobres”. Sabemos que a vinda do monge acirrou
as contradições entre as duas facções de poder na
região, pois o “coronel” Henriquinho tinha claras
intenções de usar o monge e seus seguidores como
instrumento político contra o dono do poder, tanto
assim que o monge José Maria foi presenteado por
Henriquinho com uma espada de “coronel” da Guar­
da Nacional.
A preocupação do “coronel” Francisco Albu­
querque tinha sua razão de ser, pois parte dos novos
seguidores do monge José Maria eram “vítimas” dos
4 Antonio Pedro Tota

aes—.i-dos do superintendente de Curitibanos. Por


-¿zão, intimou o monge a comparecer em Curi-
para parlamentar. José Maria recusou pron-

Em Curitibanos os boatos correram rapida-


-e-zie. O enviado de Francisco Albuquerque chegou
i iñrmar que “os fanáticos haviam proclamado a
— :z¿rquia nos sertões de Taquaruçu”, informação
o “coronel” passou imediatamente para o go­
bernador de Santa Catarina. As noticias de “urna
s^blevação com o intuito de restaurar a monarquia”
¿hegaram até o presidente Hermes da Fonseca.
José Maria e seus adeptos, diante de tamanho
alarde, resolveram não enfrentar a repressão que se
preparava e rapidamente cruzaram o rio do Peixe e se
dirigiram ao Estado do Paraná. Logo atingiram os
Campos de Irani, local onde o monge já havia estado
antes e onde dizia ter muitos amigos.
Em Irani, as noticias de que José María havia
chegado naquela região fez com que mais pessoas o
procurassem para curas, rezas e outros tipos de
ajuda. Muitas delas permaneciam acampadas em
redor da gente do monge, aumentando assim os seus
seguidores. Rapidamente espalhou-se a notícia de
que uma força policial do Paraná estava marchando
para dispersar os crentes. Aos adeptos do monge so­
maram-se cerca de cem homens armados do ex-ma-
ragato Miguel Fragoso.
E, realmente, tropas do Regimento de Seguran­
ça do Estado do Paraná, sob o comando do coronel
João Gualberto Gomes Sá Filho, desembarcavam em
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 41

Porto União na noite de 12 de outubro de 1912.


No dia 20 de outubro as forças do coronel Gualberto
se aproximaram do local onde estavam o monge e os
sertanejos seus adeptos. Os objetivos do coronel
Gualberto eram violentos e não davam margem ao
diálogo, como atesta o bilhete enviado pelo militar ao
chefe religioso:

“Acampamento do Regimento de Segurança nos Campos


do Irani em 20 de outubro de 1912. Senhor José Maria:
Deveis comparecer a este acampamento com maior urgên­
cia a fim de me explicardes o motivo da reunião da gente
armada em tomo da vossa pessoa, alarmando os habi­
tantes dessa zona e infringindo as leis do Estado e da
República. Caso não atenderdes a essa intimação que me
ditou o cumprimento do dever e o sentimento de humani­
dade, comunico-vos que dar-vos-ei já franco combate e a
todos que foram solidários convosco, em verdadeira guerra
de extermínio a fim de voltar a essa zona do Estado o
regime da ordem e da lei. Avisai a todos que vos acom­
panham que os considerarei criminosos se não concor­
darem... No caso de resistência deveis... retirar as mulhe­
res e as crianças que aí estiverem.

Cel. João Gualberto, Comandante do Regimento de Segu­


rança do Paraná.”

De nada adiantaram as tentativas de mediação e


pacificação levadas por um líder político da região, o
“coronel” Domingos Soares, que não queria derra­
mamento de sangue próximo a suas terras. José Ma­
ria chegou mesmo a esboçar em suas respostas o de-
42 Antonio Pedro Tota

sejo de retirar-se da região com sua gente, mas queria


garantias, coisa que o coronel Gualberto jamais con­
cedeu. Sua vontade era a de exterminar o monge e
seus seguidores, pois o espirito belicista revelava-se
I não só no bilhete que vimos, mas também em sua
atitude: havia já mandado preparar cordas para
amarrar os “criminosos” e tinha uma metralhadora
que estava ansioso para usar.
' Na madrugada do dia 22, o coronel Gualberto
iniciou o ataque comandando-o pessoalmente. A
tropa marchou um longo trecho sem nenhuma resis­
tencia, até alcançar a porteira de alguns casebres
i onde urna guarda avançada dos sertanejos de José
Maria abriu fogo. Este fato pegou os soldados de sur-
. presa, mas prosseguiram a marcha.
Um cronista que mais tarde acompanhou a mis-
sao do general Setembrino de Carvalho diz que os
| sertanejos encontravam-se rezando no momento em
| que as tropas de Gualberto se aproximaram, mas
logo se prepararam para reagir. Eis como Mauricio
Vinhas descreve o encontro: “Uns a cavalo, outros a
pé, eles (os sertanejos) evitaram ao máximo o tiro­
teio e, atravessando uma funda canhada onde desa­
pareciam da vista das forças legais, caíram de supe-
tào, a garrucha e a facão de pau sobre os soldados”.
Nota-se aqui a tática guerrilheira que os caboclos
utilizaram para enfrentar as forças da repressão. E
esta será a tática até o fim da guerra.
A luta prosseguiu por um bom tempo, a maior
parte dos soldados procurava fugir de um inimigo
que conhecia perfeitamente o terreno em que lutava.
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 43

No combate, urna bala atingiu mortalmente o monge


José Maria. O coronel Gualberto, que havia perdido
seu cavalo, viu-se cercado de um pequeno grupo de
sertanejos “fanatizados” e foi morto a golpes de fa­
cão sob o comando de um sertanejo que gritava:
“Piquem este desgraçado, que ele é o único cul­
pado”. O primeiro combate de uma longa guerra que
estava por vir havia terminado, e o ajuntamento dos
sertanejos crentes e seguidores de José María, longe
de ser dispersado, ganhava agora nova força. Nova
força não só espiritual como material, pois os sol­
dados mortos e os que fugiram deixaram grande
quantidade de armamentos e munições no local, que
foram apoderados pelos caboclos.
A morte do monge José Maria trouxe no meio
dos sertanejos, cada vez mais fanatizados, a crença
de que ele na verdade estava prestes a ressuscitar à
frente do exército de São Sebastião para dar prosse­
guimento à Guerra Santa. O sebastianismo renascia.
Mito que se espalhava ao mesmo tempo em que os
sertanejos deixavam o antigo reduto do Iraní depois
da batalha.
Uma grande parcela dos caboclos havia cruzado
a estrada de ferro e retornado ao Estado de Santa
Catarina; coincidentemente, em Curitibanos havia
começado uma crise política com a relativa deca­
dência da autoridade política do “coronel” Francisco
de Albuquerque diante da oposição articulada pelo
“coronel” Henriquinho de Almeida.
É curioso lembrar que 20 anos antes do combate
em Irani o monge João Maria (o segundo) havia
44 Antonio Pedro Tota

anunciado que a Guerra Santa iria começar. Pois era


assim que os sertanejos da região pensavam: a pre-
dição de João María começara a se efetivar. Por isso
no arraial de Perdizes Grandes, distante aproxi­
madamente 40 quilómetros de Curitibanos, a agi-
lação era intensa. Havia uma espécie de ansiedade
coletiva para se obter informações acerca de Irani e
se era realmente o começo da Guerra Santa. Aos
poucos, não só o monge José Maria iria ressuscitar,
mas também os sertanejos que morreram lutando
voltariam com o exército de São Sebastião, que pas­
sou a ser chamado de Exército Encantado.
Perdizes Grandes ficou sendo o reduto mais im­
portante dos sertanejos adeptos da “santa religião”,
como eles diziam. A liderança, a organização das
rezas e dos chamados quadros ficavam a cargo dos
mais antigos adeptos de José Maria, que eram Chico
Ventura, Manoel Alvez de Assumpção e Euzébio
Ferreira. A partir desse momento começa a entrar
em cena um elemento: a figura do vidente. Este tipo
estará se revezando constantemente no cenário e
desempenhará um papel bastante importante. Neste
primeiro momento, o papel foi desempenhado por
Teodora, neta de Euzébio, que começou a ter visões
anunciadoras. Ela dizia que o monge aparecera ga­
rantindo o seu retorno. Há que se destacar a crença
mística no sertanejo inserido no contexto do catoli­
cismo rústico, agora fanatizado, na menina e na vir­
gem, única com inocência suficiente para receber os
anúncios do monge. Mas, às vezes, o papel de vi­
dente também recaía sobre um jovem, como foi o
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 45

O monge José Maria, morto pela repressão, não foi mais


do que um estopim que incendiou uma região já bastante
tensa.
Antonio Pedro Tota

case de Manoel, filho de Euzébio, que se transfor­


mou em intermediário entre o monge e os fiéis. Desta
forma, o “poder” ficava mais ou menos concentrado
zas mãos de Euzébio.
Dentro do quadro místico que acabamos de ver
é que se criou a idéia de que os sertanejos fiéis a José
Maria deveriam se fixar em Taquaruçu e ali erigir
uma cidade santa. Foi assim que, a começar pelo
próprio Euzébio, os sertanejos venderam ou aban­
donaram tudo o que lhes pertencia e começaram a
se preparar para ir para Taquaruçu, pois ali, segun­
do criam, “nada faltará”.
Chegaram ao arraial, que logo se transformou
em reduto, no dia 1? de dezembro de 1913. Famílias
inteiras iam chegando a Taquaruçu, faziam seus
casebres de madeira, fixando-se ao redor da pequena
igreja que já havia no local. Estavam, como diziam, à
espera do monge João Maria, que deveria voltar para
comandar o Exército Encantado de São Sebastião.
Aos poucos foi se instituindo uma série de re­
gras, comportamentos militares e uma sui generis
liturgia. Os novos adeptos ou simplesmente simpati­
zantes não podiam mais abandonar o acampamento;
organizavam-se as formas (filas) onde se davam
vivas à monarquia e a São João e São José Ma­
ria; tinham que dar provas de que desejavam perten­
cer à irmandade; instituiu-se o beija-pé diário; nos
quadros rezava-se pelo monge e quem não o fizesse
era duramente castigado e, para se diferenciarem dos
outros mortais, instituiu-se que todo o crente deveria
cortar o cabelo bem curto (escovinha). Ê a partir daí
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 47

que se autodenominaram “pelados”, enquanto que


os que não pertenciam à irmandade eram os “pelu­
dos”.
O crescimento dos fanáticos no arraial de Ta-
quaruçu novamente chamou a atenção do “coronel”
Francisco de Albuquerque, que imediatamente tele­
grafou para o governador do Estado de Santa Cata­
rina. Este imediatamente ordenou que tropas do
exército se incumbissem da dispersão dos fanáticos.
Fez-se também uma tentativa de mediação entre o
governo municipal e os fanáticos através do velho frei
Rogério Neuhaus, ocasião em que ficou patente o
total rompimento entre o catolicismo rústico e a Igre­
ja Católica: o frei foi insultado e ameaçado de morte.
O ataque iniciou-se no dia 28 de dezembro de
1913 sob o comando do capitão Adalberto. Mas as
vanguardas dos sertanejos estavam esperando as for­
ças militares e as pegaram de surpresa pela reta­
guarda. Este fato provocou a fuga desenfreada dos
soldados do exército, que deixaram no local apreciá­
vel quantidade de armas, munições, roupas, víveres
etc. Conta-se, inclusive, que um caboclo, a cavalo,
conseguiu laçar a metralhadora que se preparava
para atirar contra o reduto. A vitória dos caboclos
contra as forças de repressão só fez aumentar a cren­
ça de que aquele era o verdadeiro Exército Encan­
tado de São Sebastião, e portanto invencível.
Depois da vitória em Taquaruçu uma boa parte
do “exército” de José Maria mudou-se para um re­
duto vizinho de nome Caraguatá. Mas mesmo assim
ainda permaneceram em Taquaruçu aproximada-
4Í Antonio Pedro Tota

rúenle 600 pessoas entre homens, mulheres e crian­


ças. E diante dos informes que as forças do governo
foram derrotadas começou-se a preparar nova inves­
tida contra a concentração dos sertanejos no arraial
¿e Taquaruçu.
No dia 3 de fevereiro de 1914 chegou à região
um contingente de aproximadamente 750 homens
entre soldados do exército e da Força Pública de
Santa Catarina, equipados com alguns canhões
Krupp, de fabricação alemã. Ãs 4 horas da tarde do
dia 8 do mesmo mês, as forças do governo cercaram
Taquaruçu e iniciaram violento bombardeio sobre o
reduto. O fogo continuou pela noite adentro até a
manhã do dia 9. O resultado: cerca de 90 pessoas
mortas entre mulheres, crianças e combatentes, os
corpos jaziam despedaçados entre os escombros do
que restou da antiga cidade santa. Mas a grande
maioria dos moradores de Taquaruçu tinha conse­
guido retirar-se para Caraguatá antes dos soldados
entrarem no reduto destruído.

Caraguatá
O novo reduto de Caraguatá teve sua população
acrescida dos antigos crentes de Taquaruçu. Habi­
tantes das regiões vizinhas iam chegando para visitar
o novo lugar santo e iam ficando. Um dado explica
ainda melhor o crescimento da população dos crentes
que queriam “militar” no movimento: toda essa re­
gião havia sido tomada por protegidos do “coronel”
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 49

Albuquerque. Por exemplo, a tradicional familia de


Manoel Alves de Assumpção Rocha sempre havia
habitado as terras de Caraguatá e tivera suas terras
roubadas por elementos ligados ao “coronel”. Desta
forma, os Assumpção Rocha engrossaram as fileiras
dos crentes de José Maria.
Aos poucos o comando das forças dos crentes
em Caraguatá foi ficando nas mãos de Elias de Mo­
raes, major da velha Guarda Nacional, fazendeiro e
que por razões não muito claras acabou se transfor­
mando num dos líderes dos crentes. Foi por essa
mesma época que surgiu o boato da coroação do
imperador. Oswaldo R. Cabral, em seu João Maria
— Interpretação da Campanha do Contestado, trans­
creve o que foi chamado de Carta Aberta à Nação
Brasileira, que possui vários itens do programa do
novo governo. Eis alguns mais significativos: “4?)
Dar ao país uma constituição completamente liberal
(...); 7?) Fazer garantir a inviolabilidade do lar e do
voto, tão menosprezados pelo decaído regime (...); f
29?) À agricultura nacional será dada uma área de j
terra independente de pagamento, em terras nacio­
nais”. O autor do livro citado nos diz que não há ¡
nenhuma razão para acreditar que tal documento |
tenha sido elaborado pelos sertanejos. Talvez esse
aspecto da paternidade do texto não seja o mais
importante, pois saltam aos olhos as denúncias dos I
pontos mais tensos onde o caboclo sentia o peso da
República oligárquica. Curiosamente, a Carta Aber­
ta à Nação vinha assinada pelo “Imperador da Mo­
narquia Constitucional Sul Brasileira — D. Manoel
Antonio Pedro Tota

Alves de Assumpção Rocha”.


Os grupos de combate dos sertanejos iam cada
vez mais sofisticando a tática de guerrilhas através
□cs treinamentos nos acampamentos. O treinamento
dos grupos ficou sob a responsabilidade de um antigo
marinheiro, antigo preador de gado e aventureiro
que perambulava pela região. Era Venuto Bahiano.
Homem experimentado, havia tomado parte em al­
guns acontecimentos militares importantes, a Re­
volta da Armada por exemplo. Era tido pelos pro­
prietários e pelos poderosos da região como, perigoso
bandido. A propósito, foi a partir desse momento
que os sertanejos “militantes” da santa religião fo­
ram estigmatizados com o termo “bandido”. Um
cronista militar da época, tenente Herculano Teixei­
ra d’Assumpção, reforça esse sentido etnocêntrico
dado aos caboclos: “O desprezo do sertanejo pela
lavoura e as condições miseráveis da gente que habi­
tava os reductus do fanatismo e do banditismo (...) O
typo sertanejo, os seus aferrados modos, a sua grande
agilidade, a sua combatividade e as suas tendências
para o mal”, são alguns títulos dos capítulos do livro
A Campanha do Contestado, editado em 1917 pela
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais.
A partir da organização de grupos do tipo lide­
rado por Venuto Bahiano é que se começaram a
efetuar expedições para a apropriação de gados nas
fazendas vizinhas. O cronista Assumpção, citado
acima, diz-nos que a população de Caraguatá con­
sumia cerca de 30 cabeças diárias de gado, fato que
nos dá uma idéia do número de habitantes do reduto
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 51

e as implicações de volume das razias que se faziam


nas fazendas da vizinhança. Importante lembrar que
o grupo de Venuto Bahiano engrossou o número de
seus homens com a adesão de varios pequenos madei­
reiros que tiveram seus pinheirais tomados pela
“Lumber”, a grande serraria do grupo Farquhard.
Desta forma, o grupo de Venuto torna-se um dos
mais importantes e combativos entre os sertanejos.
Paulatinamente, modificava-se a estrutura orga­
nizativa da comunidade no reduto de Caraguatá.
A “organização político-militar” passou a contar com
uma centralização maior; os eventuais vacilantes não
tinham mais nenhuma chance de sair do reduto; efe-
tivou-se a organização de piquetes com a incumbên­
cia de confiscos de alimentos e armas nas fazendas
vizinhas; consolidou-se a figura estritamente militar
dos Doze Pares de França; acentuou-se a divisão das
funções dos comandos (Elias de Moraes era o coman­
dante das formas: todos os homens tinham que se
postar em fila pela manhã e submeter-se a uma con­
tagem para se verificar se não ocorrera nenhuma
deserção; Venuto Bahiano era o comandante geral
militar: organizava as marchas e treinamentos de
tiros diariamente, e os bombeiros: que infiltravam-se
nas tropas do governo para “bombear” informações
para os redutos).
As tro*pas do exército chegaram a Perdizes Gran­
des no dia 8 de março de 1914, sob o comando do
tenente-coronel José Capitulino Freire Gameiro. O
arraial de Perdizes Grandes estava completamente
abandonado. Diante das informações que os serta-
Antonio Pedro Tota

nejos fanáticos estavam concentrados em Caraguatá,


o oficial deu ordens para se iniciar a marcha na di­
reção daquele reduto. Alguns dias a tropa marchou
poF uma picada no meio de uma floresta de pinheiros
e matagais cheios de espinhos. Logo no início, a
'.aguarda da tropa foi fustigada pelo fogo dos ja­
gunços, fato que não causou grandes problemas ma-
:eriais, mas semeou o medo e o nervosismo entre os
soldados. A coluna continuou sua marcha quando,
segundo Maurício Vinhas, alguns soldados viram al­
gumas mulheres atravessando a picada e se embre­
nhando mata adentro. Os soldados, atraídos pelas
mulheres, seguiram-nas. Logo em seguida podia-se
ouvir os gritos de terror: os soldados foram mortos a
facão pelos jagunços travestidos de mulher.
Depois deste incidente, as forças continuaram a
avançar e foram surpreendidas por cerrado fogo de
oarabinas que vinha dos matos ao redor da picada.
Os soldados não conseguiam ver o inimigo. Não
adiantava atirar com a metralhadora ou com os ca­
nhões contra um inimigo invisível. Eis como o capi-
lão-médico Antônio Cerqueira descreve parte do
combate: “Enquanto isto se passava na frente, o pri-
meiro-tenente Belisio Leite e o segundo-tenente Ed-
gard Facó pedem permissão ao capitão Nestor para
desalojar à baioneta o inimigo oculto na mata, que
tiroteava sobre os nossos.
.“Obtida a licença, avançam os dois bravos ofi­
ciais & frente dos seus pelotões por dentro da mata,
desalojando os fanáticos — e assim continuaram até
uns 500 metros; (...) De repente, deram em um gro-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 53

tão ocupado por numeroso grupo de fanáticos. Ai o


encontro foi violento. Deu-se o entreveró. A facili­
dade com que os jagunços manejavam o facão supe­
rava em muito a dificuldade com que a carga de
baioneta era dada dentro da mata, onde o manejo da
carabina é dificultado pelo comprimento.
“O tenente Belisio tève até de lutar corpo a
corpo, tendo nesta ocasião sido picado a facão (...).”
(in: —Assumpção, p. 272).
Em seguida, os sertanejos atacam violentamente
a retaguarda onde iam os enfermeiros e o médico do
qual citamos o testemunho acima. O pavor tomou
conta dos soldados. A retirada se fez de forma desor­
denada. O resultado foi que os soldados tiveram um
elevado número de mortos e mais armas perdidas,
que foram apreendidas pelos jagunços.
“O comando militar, à vista do acontecido, soli­
citou do governo enérgicas providências e, assim, no
fim do mês, já se haviam concentrado na região cerca
de 1500 homens, divididos em três colunas, sob o
comando geral do general Carlos Frederico de Mes­
quita.” (Cabral, Oswaldo, p. 236.)

A guerra se expande
Depois da derrota das tropas do governo em
Caraguatá os sertanejos foram tomados de uma ale­
gria incontida. Tinham certeza, agora, de que eram
invencíveis. As incursões sobre as propriedades au­
mentaram bastante o raio de ação, distanciando-se
54 Antonio Pedro Tota

cada vez mais do centro do reduto. Os piquetes, com


total atrevimento, chegavam aos arredores de Curiti-
banos.
Em determinado momento desponta uma nova
virgem vidente, Maria Rosa, que previu a investida
de novas forças do governo sobre a concentração dos
crentes de José Maria. A partir daí organizou-se a
mudança de toda a população para um novo reduto.
Em fins do mês de março de 1914, mais de 2 mil
pessoas chegaram acompanhadas de seus pertences
ao local chamado Pedras Brancas. Maria Rosa veio
no centro de um cortejo de 100 cavaleiros armados de
Winchester 44.
Simultaneamente formavam-se outros redutos,
destacando-se o de São Sebastião, sob a liderança dò
sertanejo Manoel Machado. Este reduto chegou a ter
2 mil pessoas acampadas. Ê importante notar que a
existência de vários redutos dificultava ainda mais o
estabelecimento de uma estratégia por parte das for­
ças governistas. A extensão e o alcance das atividades
dos fanáticos atingiram terras do Paraná, onde a
Vila Nova de Timbó foi tomada e as autoridades
paranaenses expulsas.
Ao lado de chefes como Venuto Bahiano iam
surgindo novos líderes, como foi o caso de Alemão-
zinho, que recebeu da vidente Maria Rosa total auto­
nomia para formar seu próprio piquete e estabelecer
seus próprios conceitos de disciplina, mas, de modo
geral, sempre subordinado à vontade do comando
geral e das visões de Maria Rosa.
Ao mesmo tempo em que se desenvolvia a conso­
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 55

lidação dos novos redutos, as forças do governo, sob


o comando do general Mesquita, veterano de Canu­
dos, preparavam-se para o novo ataque. O general
Mesquita constatou a total falta de recursos com que
os soldados estavam lutando e mesmo assim não
conseguiu condições materiais suficientes para orga­
nizar um ataque decisivo sobre os jagunços.
O ataque do general Mesquita contou com o au­
xílio de 60 vaqueanos mercenários para tentar vencer
os sertanejos. A figura do vaqueano daqui em diante
será de grande valia para as forças da repressão.
Esses vaqueanos eram comandados pelo “coronel”
Fabrício Vieira, velho protegido do famoso Pinheiro |
Machado, a eminência-parda da República oligár-
quica. No dia 16 de maio de 1914, as colunas^ sob o k
comando do general Mesquita, se aproximam de um
reduto de nome Santo Antônio. Imediatamentè os
sertanejos iniciaram violento ataque, que chegou a
envolver o Estado-Maior do general Mesquita. Na
verdade, esse reduto nunca chegou a ser importante
e, na verdade, o militar havia feito uma avaliação
errada da localização. Mesmo assim os homens do
general Mesquita prosseguem a marcha, enfren­
tam alguns pequenos grupos de sertanejos em peque­
nas escaramuças e depois, sob as ordens do Estado-
Maior, os soldados retiraram-se, É importante trans­
crever aqui as palavras do general Mesquita, para
que se tenha uma idéia de como alguns oficiais pen­
savam o conflito no Contestado: “... Solicitei tam­
bém minha exoneração por ter concluído (...) a mi­
nha missão, não me competindo mais andar com
56 Antonio Pedro Tota

forças federais à caça de bandidos, como capitão-


de-mato do tempo da escravatura” (in: — Mauricio
Vinhas, p. 177).
Depois da partida do general Mesquita ficou na
região um pequeno destacamento sob o comando do
capitão Matos Costa, que tinha participado do com­
bate de Caraguatá. O capitão Matos Costa era um
dos oficiais que tinha uma percepção mais progres­
sista acerca das razões da guerra. Achava que os des­
mandos dos “coronéis” e as investidas de compa­
nhias estrangeiras eram os elementos responsáveis
pela situação. Por essa razão, ele começou uma luta
solitária no sentido de pacificar a região. Penetrava
disfarçado em alguns redutos, procurava ouvir os re­
clamos dos sertanejos. Muitas vezes fazia-se acom­
panhar de um mágico para atrair os sertanejos. Evi­
dentemente essa luta solitária e utópica estava fa­
dada ao fracasso.
Ao mesmo tempo em que o capitão Matos Costa
fazia sua tentativa de pacificação, os sertanejos co­
meçavam a mudar de tática. Aos poucos espalhou-se
que todos os caboclos que se encontravam na região
deflagrada deveriam ir para um novo grande reduto
que estava sendo criado em Caçador; quem não o
fizesse seria considerado “peludo”. Aí, neste grande
reduto, os sertanejos começaram a articular uma
grande ofensiva, trocando, desta forma, radical­
mente a tática de defesa utilizada até agora pelos ja­
gunços pelo ataque frontal e direto contra as forças
do governo.
As forças dos sertanejos foram novamente au-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 57

mentadas por varias razões. As obras da estrada de


ferro haviam sido paralisadas e um grande número
de operários foram despedidos e encontraram abrigo
nos redutos, convertendo-se às idéias religiosas dos
fanáticos. Uma crise em Curitibanos, provocada pe­
los desmandos do “coronel” Albuquerque, empur­
rou um pequeno fabricante de refrigerantes e um
marido traído e mais 46 homens armados para o re­
duto de Bom Sucesso. Quase o mesmo fenômeno
aconteceu em Canoinhas, onde um velho maragato
formou seu próprio reduto contra a política do “co­
ronel” da vila. Desta forma, os sertanejos sentem-se
com condições de iniciar a grande ofensiva.
Pelos meados do ano de 1914 os piquetes au­
mentaram grandemente sua intensidade. A partir de
julho, as vilas foram, uma após outra, caindo sob o
domínio dos fanáticos sertanejos: primeiro Canoi­
nhas, que foi atacada pelo norte e pelo sul, depois
Papanduva, por Alemãozinho e seu grupo, que des­
truíram todos os papéis do cartório da vila. No dia 5
de setembro atacaram Calmon, estação da estrada de
ferro próxima a uma grande serraria da “Lumber”.
A serraria foi incendiada e todos os homens mortos.
E assim os sertanejos foram tomando as pequenas
estações da “Brazil Railway”.
O capitão Matos Costa, a quem nos referimos
anteriormente, foi chamado para dar ajuda a São
João, estação que estava prestes a ser tomada pelos
jagunços. O capitão seguiu comandando 40 homens
armados e deixaram o trem um pouco antes da es­
tação São João. Foram surpreendidos por 600 serta-
Antonio Pedro Tota

nejos armados. O corpo do capitão só foi encontrado


no día 11 de setembro. Todos os soldados foram
mortos.
A ofensiva dos sertanejos espalhou o pavor pelas
vilas próximas. Curitibanos vivia sob o espectro do
¿taque dos sertanejos fanatizados, pois esta vila era o
centro do “coronel” Francisco Albuquerque, o mais
importante dos “peludos”. Diante do clima de inse­
gurança, o “coronel” resolveu fugir para Lajes e
depois se refugiou em São Joaquim.
No final de setembro deste ano estavam “santi­
ficadas”, isto é, nas mãos dos sertanejos crentes da
“Santa Religião”, toda a margem esquerda do Igua­
çu, a estrada de ferro entre Porto União e Canoinhas
e a Vila Nova do Timbó. Na região sob o domínio dos
sertanejos fanatizados estabeleceu-se um complexo
sistema econômico. Os sertanejos mantinham rela­
ções comerciais com alguns pequenos comerciantes
da região que tinham uma posição neutra diante do
conflito. Trocavam couro de gado e de caça por sal,
produto indispensável para a alimentação dos cabo­
clos. Chegaram a manter contatos comerciais com
negociantes de São Paulo, com os quais trocavam
cavalos por produtos alimentícios, armas e munições.
Praticavam, nas regiões sob seu domínio, uma agri­
cultura comunitária, onde “os que tinham, repartiam
com os que não tinham”. O gado, depois de morto e
carneado, era dividido por todos os membros da
“irmandade”. Os produtos que não tinham tempo de
manufaturar dentro dos redutos, tais como farinha,
quantidades suficientes de feijão, milho, alguns ani­
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 59

mais (porcos), eram confiscados das fazendas vizi­


nhas pelos piquetes. O caráter igualitário do qual já
falamos anteriormente ficou ainda mais claro com a
proclamação do “programa” da revolução cabocla
do Contestado, exposto por Elias, um dos líderes do
movimento: “Seria uma revolução sistemática e du­
radoura (...) Os cinco mil homens em armas conti­
nuariam na comum criação dos animais e cogitando
suas plantações de cereais assim como da colheita do
mate: nada lhes faltaria para uma guerra de muitos
anos; contavam com recursos de fora e as proprie­
dades dos que não acompanhassem seriam tomadas
e saqueadas em favor da Guerra Santa” (in: — Quei­
roz, Maurício Vinhas, p. 205).

A repressão e o recrudescimento
da guerra
Apesar de todas as condições materiais com que
os caboclos contavam, à medida em que a guerra
tendia a ganhar corpo havia uma tendência crescente
de diminuir as condições de sobrevivência.
A partir do segundo semestre do ano de 1914
começou-se a preparar racional e sistematicamente a
repressão ao já amplo movimento messiânico dos
caboclos do Contestado. A 11 de setembro chegou a j
Curitiba o general Setembríno de Carvalho para as- $
sumir o comando da XI Região Militar e tomar em
suas mãos a organização da repressão ao movimento
popular do Contestado, que, de certa forma, estava |
Antonio Pedro Tota

questionando alguns dos interesses da República oli­


gárquica. O general Setembrino trazia grandes re­
cursos materiais, o apoio inconteste do ministro da
Guerra e o nihil obstat do todo-poderoso “ministro”
Pinheiro Machado. Cabe lembrar aqui que Setem­
brino de Carvalho representava um exército mo­
derno, com grande experiência em repressões a movi­
mentos populares. Não era o inexperiente exército
republicano que enfrentou o início do movimento em
Canudos. Contava com armas sofisticadas, homens
mais preparados, mais profissionalizados, oficiais
com clara consciência de seu papel de defensores da
elite cafeeira, como foi o caso do capitão Potiguara,
como veremos adiante.
Uma das primeiras medidas tomadas por Se­
tembrino foi reestabelecer o pleno funcionamento da
estrada de ferro. Não é preciso descrever aqui o total
apoio material dado ao projeto do general Setem­
brino pela “Brazil Railway” e pela “Lumber Co.”. A
partir dessa providência em relação à estrada de
ferro, todas as viagens eram feitas com uma guar­
nição de soldados fortemente armados.
O general Setembrino de Carvalho, como que
seguindo parte dos ensinamentos de Clausewitz, ti­
nha em seus planos projetos políticos, além dos mili­
tares. Numa tentativa de arrefecer o ânimo comba­
tivo dos caboclos, ele faz um apelo que mandou di­
vulgar por toda a área conflagrada.
“Fazendo um apelo aos habitantes da zona con­
flagrada, que se acham em companhia dos fanáticos,
eu vos convido a que se retirem, mesmo armados,
Contestado: A Guerra do Novo Mundo

para os pontos onde houver forças, a cujos coman­


dantes devem apresentar-se. Aí lhes serão garantidos
os meios de subsistência, até que o Governo lhes dê
terras, das quais se passarão títulos de propriedade.
“A contar, porém, desta data em diante, os que
o não fizerem espontaneamente e forem encontrados
nos limites da ação das tropas, serão considerados
inimigos e assim tratados com todos os rigores das
leis da guerra”. O documento estava datado do dia
26 de setembro de Í914 e assinado pelo general.
Ironicamente, no mesmo dia, como que em res­
posta ao apelo de Setembrino, os sertanejos, num pi­
quete de mais de 200 homens liderados por um tal de
Castelhano, invadiram e tomaram a vila de Curiti-
banos por 5 dias. Saquearam a maior parte das casas
da vila e destruíram completamente a casa do “co­
ronel” Albuquerque, superintendente de Curitiba-
nos. A partir daí, animados pelo êxito em Curiti-
banos, os piquetes tornam-se cada vez mais atrevidos
e ao norte da região tomaram a vila de Salseiro e
outras pequenas vilas. Nesta onda expansionista é
que ocorreu um episódio que ficou famoso e que cabe
transcrevê-lo: os caboclos já há um tempo haviam
planejado tomar a sede de uma grande fazenda co­
nhecida como Corisco. Mas ocorre que a sede da
fazenda era guarnecida de altos muros, como se fosse
um castelo medieval. Os sertanejos se dividiram em
dois grupos e iniciaram o ataque durante a noite por
dois setores diferentes. Os dois grupos encontraram-
se no meio da propriedade, e na escuridão da noite
mataram-se uns aos outros, pensando tratar-se dos
*2 Antonio Pedro Tota

defensores da fazenda.
Mas de modo geral os resultados das incursões
foram positivos, pois conseguiram aumentar o esto­
que de alimentos, de animais e de armas, principal­
mente aquelas nas vilas de colonização alemã. Mesmo
assim os piquetes continuam sua função “expansio-
nista”. O chefe geral, Elias, encarrega Castelhano, o
hábil gaúcho que havia aderido ao movimento, de co­
mandar um forte piquete e percorrer a rica região do
município de Lajes. Com cerca de 200 homens, mui­
tos dos quais aderiram no caminho, tomaram uma
vila próxima de Lajes, mas que logo foram obrigados
a abandonar por causa da forte pressão de forças
policiais. Os policiais que perseguiam os sertanejos
foram mortos numa emboscada alguns quilômetros
adiante.
Ao mesmo tempo, o processo de repressão idea­
lizado pelo general Setembrino recebe retoques de
sofisticação: foi organizada, ao norte do rio Iguaçu,
uma forte linha de vigilância nas estradas, nos cami­
nhos e na estrada de ferro para impedir que qualquer
comércio continuasse a ser feito com os fanáticos do
Contestado. Este foi o primeiro passo para se orga­
nizar um grande cerco em torno da região em que se
desenvolvia a guerra.
Vários combates secundários foram ocorrendo
antes que a guerra tomasse aspectos de um conflito
total. Um dos mais famosos foi o do rio das Antas.
Os sertanejos resolveram atacar algumas proprieda­
des de colonos alemães que haviam comprado suas
terras da “Lumber”. Esta, por sua vez, havia se
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 63

apossado da térra dos sertanejos, que agora preten­


diam fazer uma “reforma agrária” imediata e com
armas nas mãos. Os colonos alemães resolveram re­
sistir e defender o que eles achavam que era deles. A
resistência foi tenaz. Os sertanejos não conseguiram
tomar as propriedades e ainda tiveram 11 mortos e
foram obrigados a bater em retirada. Foi nesta ba­
talha que se destacou o sertanejo Adeodato, que
impediu que as baixas de seus companheiros fossem
ainda maiores. Este sertanejo, como ainda veremos,
ficará famoso. j
Paulatinamente, o plano desenvolvido pelo ge­
neral Setembrino começou a surtir efeito. Tornava-se
cada vez mais difícil a expansão dos fanáticos. Diante
dessa situação, começaram a surgir, no interior do
movimento, correntes que defendiam a rendição.
Mas a corrente mais forte e mais numerosa era a que
defendia a idéia de que deveríam lutar até a vitória
final. Para isso, esta última propunha que o mo- ,
vimento deveria se retirar e se reforçar em regiões *
absolutamente inexpugnáveis, como era o caso do
vale do arroio de Santa Maria. A esta situação, que
demonstrava um certo enfraquecimento da primitiva
coesão do movimento, acrescente-se uma violenta
Juta pelo poder que começou a se travar no interior
dos redutos. Foi por essa ocasião que Elias, chefe
reconhecido, propôs o nome de Adeodato para o
comando geral. A consagração de Adeodato só se faz
quando ele volta vitorioso à frente de um pequeno
piquete de 10 homens de uma incursão por fazendas
vizinhas. A partir desse momento, alguns elementos
Antonio Pedro Tota

que haviam feito oposição a Elias e Adeodato come­


çaram a se entregar, os que ficaram iam aos poucos
sendo eliminados.
Em outubro de 1914, teve início a ofensiva idea­
lizada pelo general Setembrino de Carvalho. Um des­
tacamento de mais de 1600 homens comandados
í pelo major Onofre Ribeiro partiu de uma vila de
I nome Canoinhas e avançou sobre o importante re-
l duto de Salseiro. A operação se fez com poucos tiros,
pois os sertanejos foram surpreendidos por um ata­
que vindo dos flancos. É preciso lembrar aqui que as
forças de repressão já haviam aprendido bastante nos
combates anteriores, fato que auxiliará bastante da­
qui para diante.
A ofensiva continuou com a tentativa de tomar o
reduto liderado por um famoso cabecilha chamado
Aleixo Gonçalves, que, incrustado na serra, ofereceu
tenaz resistência. De qualquer forma, um dos resul­
tados mais importantes desta fase da ofensiva do
exército foi o estabelecimento de ligações telefônicas
entre Salseiro e Canoinhas. Mas os fanáticos não
desistiram facilmente de tentar retomar essas duas
vilas. Na noite de 8 de novembro assediaram com
longo fogo cerrado a vila de Canoinhas e, no dia se­
guinte, não deram um minuto de descanso aos sol­
dados que guarneciam Salseiro. A força militar desta
última vila viu-se obrigada a retirar-se para Canoi­
nhas, que passou a ser fustigada todas as noites, por
mais de um mês, por franco-atiradores caboclos.
Mas os soldados do exército não cederam, apesar do
constante fogo noturno dos sertanejos. E aqui come­
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 65

çou a ocorrer um fato que vai aos poucos agravando


as condições dos sertanejos: a cada retirada, os faná­
ticos deixavam razoável quantidade de munições, ví­
veres e armas. O último ataque a Canoinhas deu-se
em 23 de dezembro; somente depois desse dia sol­
dados e habitantes da vila puderam andar pelas rue­
las sem medo de serem atingidos pelas balas dos
franco-atiradores caboclos.
O plano estratégico desenvolvido pelo general
Setembrino de Carvalho consistia em ir apertando o
cerco com poderosas forças que deveríam ir avan­
çando do norte, do sul, do leste e do oeste e ir
convergindo para a região onde se localizavam os re­
dutos mais importantes.
Obedecendo o plano geral traçado pelo general,
chegou a Curitibanos a chamada coluna sul, que
desempenhou importante papel na repressão do prin­
cipal reduto dos fanáticos. Os soldados dessa coluna,
comandados pelo coronel Estillac Leal, chegaram a
essa importante vila do sul da região conflagrada
‘aproximadamente às llh do dia 29 de novembro de
1914. O tenente Herculano D’Assumpção, que parti­
cipou do 58? batalhão nesta coluna, descreve, com
forte teor etnocêntrico e em estilo parnasiano, como
encontraram a vila depois da longa marcha entre
Blumenau e Curitibanos:
“Desolador era o aspecto da vila de Curitibanos,
quando nela o 58? de caçadores penetrou.
“Nas ruas, os papéis dos cartórios, atirados à
lama, nela amalgamados, de envolta com o lixo as­
queroso, formavam, em pontos diferentes, repulsivos
66 Antonio Pedro Tota

esterquilínios.
“Os escombros das casas incendiadas pelos ban­
doleiros ali continuavam como que, dolorosamente,
atestando as negras cenas vandálicas por elas sofri­
das, fazendo sua população verter correntes de dori­
das lágrimas. (...) Um tufão de desgraça havia pas­
sado de permeio da simpática vila sertaneja” (in: —
Assumpção, p.311e 312).
O exército que tomou a vila de Curitibanos para
daí iniciar o assalto contra os sertanejos vinha imbuí­
do de objetivos cívicos e sociais. Uma das tarefas mais
importantes desenvolvidas pelos soldados foi a recons­
trução da escola. Isto permitiu e auxiliou o seu fun­
cionamento, contribuindo assim para diminuir o nú­
mero de analfabetos, uma das causas da revolta dos
caboclos, segundo alguns oficiais. Reconstruíram
ainda os postes telegráficos, restaurando assim a
comunicação entre Curitibanos e a capital do Es­
tado; desenvolveram também intenso programa de
assistência médica entre os sertanejos que se encon­
travam na região, distribuindo remédios, principal­
mente vermífugos.
Os caboclos fanatizados, sentindo-se cada vez
mais cercados, começam a desenvolver novas táticas.
Uma delas foi o aparecimento dos chamados pique-
; tes chucros, que se caracterizavam pela sua feroci-
' dade contra os “peludos”. Se antes os piquetes não
tocavam nas famílias, isto passou a não acontecer de
um determinado momento em diante. Um exemplo
j foi o piquete chucro de Olegário, que invadiu a vila
- de Rio Bonito, trucidando a maior parte dos habi-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 6

tantes desta povoação.


Entre as providencias tomadas pelo general Se-
tembrino de Carvalho notou-se a preocupação de
impedir o vazamento de informações sobre movi­
mentos das tropas do exército para os ouvidos dos
líderes dos sertanejos. Tentou, para isso, evitar ac
máximo a atuação dos bombeiros; transferiu os ser­
viços de telégrafo diretamente para o quartel-gene­
ral, para impedir a cumplicidade de certos telegra­
fistas. Foi por essa época que chegaram os primeiros
monoplanos, que tinham por objetivo observar es
movimentos dos caboclos, chegaram a preparar três
“campos” de aviação, mas a densidade das matas
diminuía em muito o rendimento dessa nova arma de
guerra.

Santa Maria e a guerra total


Em dezembro de 1914, Adeodato já havia se
transformado no todo-poderoso chefe do movimente
dos caboclos do Contestado. Havia decidido, apoiado
em visões das virgens que o aconselhavam, que todos
os crentes da santa religião deveriam mudar-se de
Caçador para o vale do arroio de Santa Maria. A
mudança se concretizou no próprio mês de dezem­
bro, quando Adeodato, à frente de uma procissãe
de jagunços que carregavam um grande andor com a
imagem de São Sebastião, chegou no vale. No co­
ração do vale, logo foram erguidas as casas e a igreja.
Pequenas ruas cortavam a vila, que chegou a abrigar
68 Antonio Pedro Tota

mais de 5 mil pessoas. Mas aí estava localizado so­


mente o reduto-mor. Entre Caçador, o antigo reduto,
e Santa Maria, o novo reduto, pontilhavam vários
redutinhos e guardas avançadas dos sertanejos. Na
verdade, para o observador que passasse pela região,
parecería que não havia interrupção de casas e ran-
j chos entre Caçador e Santa Maria.
| Santa Maria estava situada num vale estraté­
gico, no meio de um taimbé (desfiladeiro) com estrei-
ras gargantas naturais, perfeitas para um sistema de
defesa. Para alcançá-la era preciso galgar uma en-
i costa de serra passando por um único e estreito cam* -
nho à beira de alturas consideráveis. Cercada por
densas florestas de pinheiros, embuias e cedros, que
facilitavam a formação de barricadas praticamente
invulneráveis aos tiros de fuzis do exército. Os densos
pinheirais facilitavam a feitura de jiraus, onde os
sertanejos instalavam suas guardas avançadas e dali
podiam, quase que impunemente, acertar quem se
aproximasse. Nas partes mais baixas do terreno
abundavam os xaxins, que em terreno pantanoso
dificultavam a penetração no centro do reduto. É
importante notar que qualquer pessoa que viesse do
sul e que pretendesse entrar no reduto de Santa
Maria era obrigada a descer um desfiladeiro de mais
de 300 metros de altura. E para, finalmente, chegar
ao centro era preciso ainda subir uma pequena co­
lina. Todas essas irregularidades naturais proviam o
reduto de Santa Maria de condições para uma defesa
prolongada.
Enquanto crescia o ajuntamento de Santa Maria
Contestado: A Guerra do Novo Mundo

e os redutos ao seu redor, o já tradicional reduto de


Taquaruçu renasceu das cinzas e crentes pretendiam f
transformá-lo numa nova Jerusalém. A resposta das
forças legalistas foi imediata: um destacamento gaú­
cho do exército no dia do Natal de 1914 arrasou com
o reduto que renascia. Pelas informações obtidas de
alguns espiões e de sertanejos que conseguiram aban­
donar o reduto, o comando geral das forças de re­
pressão ficou sabendo que o número de vacilantes
tendia a aumentar. Este fato encheu de júbilo o
general Setembrino, que imediatamente emitiu novo
“apelo” aos sertanejos:
“Desde o dia 11 de setembro que lutamos, e
nossos soldados cada vez mais se sentem encorajados
para a vitória final, que não tarda. Mas é preciso
parar; é forçoso que se termine esta luta; que o
sangue brasileiro não continue a manchar as nossas
terras, onde a natureza acumulou tesouros inesgotá­
veis, para a grandeza da nossa pátria.
“Não venho trazer-vos a morte ou o presídio
pela vitória das nossas tropas, senão concitarmos
(a) mais uma vez a que deponhas as armas, e aceiteis
as garantias que vos ofereço em nome do governo e
da lei. Impõe-se, portanto, que volteis novamente ao
trabalho, meio único capaz de garantir a felicidade
do lar e promover a felicidade da nossa grande pá­
tria, que na quadra atual tanto precisa do patrio­
tismo dedicado de seus filhos.”
Evidentemente, os apelos patrióticos do general
Setembrino não tinham ressonâncias numa popula­
ção absolutamente carente de quaisquer condições
Antonio Pedro Tota

de participar no conjunto geral da riqueza da nação


exatamente por causa desse “patriotismo” das elites
que haviam entregue as principais riquezas da região
nas mãos dos interesses estrangeiros e das oligar­
quias locais. Não foi essa a razão que fez dia a dia um
número cada vez maior de sertanejos entregarem-se
às forças do exército. Sem dúvida foi o medo, foi a
perda das esperanças da volta de João Maria à frente
do “Exército Encantado” para restaurar a sua mo­
narquia, foi o medo da chacina que os soldados e
vaqueanos vinham, ainda veladamente, praticando
contra os que caíam prisioneiros que levou um nú­
mero cada vez maior de fanáticos a abandonar seus
redutos e se entregar às forças de repressão.
Um dos primeiros cabecilhas de importância
dentro dos redutos a passar para o lado das forças de
repressão foi o famoso Alemãozinho, que bandeou
com mais de 200 homens, que passaram a servir
como vaqueanos junto às tropas do exército. Além
dos homens, Alemãozinho prestou os mais valiosos
serviços a Setembrino de Carvalho: localizou exata­
mente no mapa da região redutos, guardas e peque­
nos aglomerados de fanáticos. O comandante-em-
chefe, de posse dessas informações, elaborou o plano
de ataque final, que consistia no seguinte: a coluna
do norte deveria atacar o reduto localizado na Vila
Nova do Timbó; a coluna do sul, partindo de Perdizes
Grandes, atacaria o reduto-mor de Santa Maria e do
Tamanduá; a coluna do oeste, que inicialmente teve
o papel de vigilância do setor, deveria marchar tam­
bém sobre Santa Maria, incorporando-se o mais rá-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 71

pido possível à coluna do sul e, finalmente, a coluna


do leste marcharía sobre os sertanejos localizados no
reduto do rio da Areia.
Os vaqueanos, sertanejos que não aderiram ao
movimento e continuavam leais aos “coronéis” e
fazendeiros, prestavam serviços valiosos às forças de
repressão, servindo como guias e combatentes expe­
rimentados. Destacou-se a figura de um dos maiores
facínoras sanguinários que lutou ao lado das tropas
do exército. Tratava-se de Pedro Ruivo, responsável
pela degola sumária de todos os prisioneiros que lhe
caíam nas mãos. Pedro Ruivo e seus parentes fica­
ram ricos ao se apropriarem do gado, pertences e
inclusive de terras não só dos sertanejos fanáticos
mas também de qualquer pequeno fazendeiro que
lhe ficasse sob o domínio.
Todas as colunas iniciaram uma lenta marcha,
visando apertar o anel que começava a envolver os
caboclos fanáticos do Contestado. As incursões dos
piquetes dos fanáticos continuavam a assolar trechos
da redondeza, mas não chegavam a pôr em questão o
plano militar do general Setembríno.
A resistência dos caboclos ia, paulatinamente,
sendo quebrada. A falta de alimentos começava a
pesar. Um dos maiores problemas enfrentados era a
falta de sal. As primeiras vítimas foram as mulheres
e as crianças. O número de rendições aumentou no
mês de janeiro e fevereiro de 1915; calcula-se em
tomo de 3 mil sertanejos. Uma importante interpre­
tação acerca dessa rendição em massa foi feita pelo
oficial Demerval Peixoto: isso significava que os ser-
Antonio Pedro Tota

tanejos combatentes “desvencilhavam-se de urna car­


ga de crianças, mulheres famintas, ,de homens inú­
teis e velhos alquebrados... raros homens fortes, e
estes apareciam sem armas”. Demerval Peixoto es­
quece de dizer que quando os homens com armas se
rendiam, incorporavam-se nas forças da repressão.
A maior parte dos 3 mil sertanejos que se entregaram
foi internada em colônias agrícolas do Estado do
Paraná. Mas, como dissemos, em alguns setores,
parte dos prisioneiros que caíam em mãos de vaquea-
nos como Pedro Ruivo era degolada sumariamente.
O general Setembrino de Carvalho mudou de
surpresa o seu quartel-general de Curitiba para a
área conflagrada. O centro de operações passou a ser
a vila de Rio Negro. No mês de janeiro de 1915 emitiu
ordens de operações. Baseado nessa ordem, o coman­
dante da coluna do sul projetou para o dia 8 de
fevereiro um ataque ao reduto de Santa Maria. O
objetivo fundamental do ataque da coluna sul era
desbaratar o referido reduto, mas a sua localização
exata não era de domínio do comando. Por isso o
ataque seria feito com as informações que se possuía
até o momento e posteriormente é que se pretendia
melhorar os mapas.
A base geral de abastecimento da coluna sul
ficou sendo Perdizes Grandes, mas a base de opera­
ções foi instalada numa pequena localidade chamada
Tapera, distante aproximadamente 6 quilômetros de
Santa Maria. E, na madrugada do dia marcado, a
tropa iniciou a marcha. Este primeiro grande com­
bate foi ricamente descrito pelo cronista, já citado,
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 73

tenente Assumpção. Diz ele que o grupo que ia avan­


çando pela esquerda era comandado pelo próprio
coronel Estillac Leal. A tropa avançava aparente­
mente sem ser notada pelos sertanejos, mas um sol­
dado desavisado ateou fogo em velhos ranchos perto
de um bambuzal. Os estalidos dos bambus chama­
ram a atenção dos fanáticos concentrados a poucos
quilômetros adiante. Uma pequena guarda dos ser­
tanejos começou a atirar. Um sargento sai ferido,
mas a tropa segue a marcha. A vanguarda estanca
diante do cerrado fogo que partia das matas. Eram
já 8 horas da manhã. Eis como o tenente Assumpção
descreve o que ocorreu nos próximos momentos: “(...)
Desde então, com o recrudescimento do ataque hou­
ve um começo de pânico assustador. As praças que
estavam deitadas às margens do caminho, impressio­
nadas com a fuzilaria da vanguarda e ouvindo iso­
lados tiros dos nossos abnegados exploradores que
batiam o interior da mata, perderam a calma e, sem
ordem e sem objetivo, iniciaram um tremendo tiro­
teio para dentro da densa floresta. (...) E a sombra de
um horror que não se descreve macerou as nossas
faces! (...) A começar pelo comandante da coluna os
oficiais presentes procuraram conter as praças que
ensurdecidas pelos cerrados estampidos e com o espí­
rito conturbado pela sensação (...) não percebiam as
ordens nem ouviam os gritos de ‘cessar fogo’ que
repetíamos nos seus ouvidos. Foi preciso segurar pe­
los ombros as que se achavam tomadas de maior
estuação (...)”. Aos poucos a calma foi voltando,
descreve o tenente. A vanguarda tinha conseguido
'4 Antonio Pedro Tota

desalojar o grupo de sertanejos que se encontrava


numa dobra de terreno muito bem protegido. A mar-
i cha da tropa recomeçou. Vez por outra pipoqueava
i um tiro da mata, e, de modo geral, caía morto um
I soldado. A tática da guerra convencional não era
1 totalmente operante contra a guerrilha, como se
sabe. “Logo após mais três centenas de metros de
avanço”, continua descrevendo o tenente Assump-
ção, “recebemos uma chuva de balas: os tiros do
inimigo partiam de cima das árvores, por detrás das
trincheiras e de dentro da mata. A defesa dos bandi­
dos era vivíssima, mas a abnegação e a valentia dos
i nossos soldados esqueciam os perigos; de todos os la-
| dos ouviam-se os rudes e consoladores gritos dos nos-
I sos homens: avançar, avançar”. O avanço da tropa,
como se pode perceber, era feito com alto preço de
vidas. A resistencia dos caboclos era feroz. As maio­
res vítimas das balas dos guerrilheiros eram os ofi­
ciais e graduados. O quadro era desolador entre os
soldados e oficiais. “Os toques de padioleiros para
socorrer os feridos eram constantes e desanimadores.
Os companheiros, na nossa frente e ao nosso lado,
caíam repetidamente, uns dando endereço de fami­
lia, outros retratos de esposas e filhos, ainda outros
dinheiro para guardar, declarações íntimas, enfim
uma cena tristíssima.” (Assumpção, p. 181, v. II.)
A descrição feita pelo tenente Assumpção torna-
se cada vez mais preconceituosa à medida em que os
soldados se aproximam mais e mais das fortes guar­
das dos fanáticos e os oficiais podem ouvir seus gritos
e blasfêmias contra a República, destacando-se a voz
Contestado: A Guerra do Novo Mundo

de Adeodato: “A sanha dos bandidos redobrava de


furor. Do nosso posto ouvíamos os seus gritos, que
eram verdadeiros rugidos cheios de feridade. Adeo­
dato, o nefário cabecilha, estava imane. A voz do
mazorro, muito rouca, emitida pela sua laringe anor-
malizada (...) pronunciava frases infandas (...) insul­
tos soezes, vilanias nojentas (...) vomitava desprezí­
veis sandices (...) E a infernal canzoada dos molossos
que habitam o aldeamento fazia coro com os estru-
gidos das bestas humanas que se mantinham entrin­
cheiradas nos(...) esvãos das rochas, (...) de dentro
das trincheiras melhoradas com tocos de pau. (...
Além dos gritos de Viva São José Maria! Viva São
João! e Viva a Monarquia!, os convícios eram cuspi­
dos pelos bandidos de crassa ignorância, numa lin­
guagem vil, impudente e cínica” (Assumpção, p.
182, v. II).
Os violentos combates estavam se dando à beira
do desfiladeiro que dava passagem para o centro do
reduto. Os soldados não conseguiam transpô-lo. Os
mortos aumentavam a cada minuto, tanto de um
lado como de outro. Mas as baixas dos soldados
eram sensivelmente maiores. A natureza estava do
lado dos sertanejos. Muitos soldados não chegavam a
atirar e perdiam o equilíbrio na borda do desfila­
deiro, e os que chegavam vivos no fundo da grota
eram picados pelos facões dos “pelados”.
Contra a natureza e os guerrilheiros, tenta-se a
técnica da moderna guerra. Assestou-se uma metra­
lhadora e o fogo fez-se cerrado sobre os guerrilhei­
ros. O silêncio tomou conta da mata. Mas logo re-
Antonio Pedro Tota

cru desceu um vozerio de mulheres gritando e ati­


rando contra os soldados. Este era um fato surpreen­
dente para os soldados do exército: as mulheres em­
punhavam armas e participavam da luta lado a lado
com os homens. Batalhão por batalhão sofria a inin­
terrupta chuva de balas que vinha dos buracos nos
morros, de baixo, de cima, de todos os lugares, mas
que os soldados não conseguiam localizar. Uma ou­
tra dificuldade que os soldados enfrentavam era a
variada gama de armas que os fanáticos usavam,
pois os diferentes estampidos atrapalhavam ainda
mais a localização do atirador. Diante de tal situa­
ção, onde os seus soldados sofriam a mais terrível
pressão das armas dos guerrilheiros, o coronel Estil-
lac Leal ordenou a retirada da tropa para a Tapera.
As tropas, sob o fogo dos sertanejos, conseguem, a
duras penas, chegar ao posto de acampamento às 4
horas da tarde aproximadamente.
Com 70 baixas, entre mortos e feridos, a coluna
sul encerrava a sua primeira tentativa de cumprir as
ordens do general Setembrino de Carvalho de invadir
o reduto de Santa Maria. Dois oficiais mortos e
vários feridos diminuíam a inicial expectativa de
acabar rapidamente com o ajuntamento dos faná­
ticos. Os feridos foram transportados para Perdizes
Grandes, onde estava instalado o hospital da coluna
sul. O plano de atacar o reduto pelo sul precisou ser
adiado e modificado.
No mesmo mês em que a coluna sul iniciava o
ataque ao reduto de Santa Maria, o capitão Tertu­
liano Potiguara, com relativa independência em re-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 77
7» Antonio Pedro Tota

lação ao comando da coluna norte, iniciou um ata­


que que poderemos chamar de fulminante contra os
redutos do vale do Timbozinho. Contando com o
auxílio de vaqueanos liderados pelo bandido Pedro
Ruivo, o capitão Potiguara saiu à frente de 200 sol­
dados, foi marchando, partindo de Canoinhas até
Vila Nova do Timbó, que achou deserta. Ateou fogo
em tudo. A tática da terra arrasada ia ser a marca
registrada das tropas do capitão. Da vila partiu para
um reduto chamado Thomazinho e sob fogo cerrado
dos sertanejos conseguiu, com auxílio de metralha­
doras e bombas, desalojar o grosso do reduto. Gran­
de parte dos sertanejos foi morta. Não houve prisio­
neiros. Em seguida foi a vez do reduto do Pinhei-
rinho, que teve a mesma sorte. Nenhuma casa ficou
em pé. O capitão Potiguara retomou desse ponto e
acampou num local chamado Reichardt. Os feitos
desse capitão foram uma espécie de ensaio do que ele
e seus soldados e vaqueanos iriam fazer alguns dias
mais tarde quando conseguiríam penetrar pelo norte
no reduto de Santa Maria, como veremos mais
adiante.

O começo do fim
O forte reduto do cabecilha Aleixo Gonçalves, o
antigo maragato, sofreu uma defecção de mais de
300 pessoas, que se apresentaram em Canoinhas. O
relatório do general Setembrino, citado por Maurício
Vinhas, dá bem uma idéia da precária situação de
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 79

saúde em que se encontrava essa gente: “Minados


por privações de toda ordem (...) com as vestes em
farrapos esses fanáticos compostos principalmente
de mulheres e crianças (eram) bandos desolados cujo
aspecto inspirava compaixão. Notei que predomi­
nava neles uma disenteria, provavelmente efeito do
esgotamento orgânico”. Aleixo Gonçalves mudo1’ -se
com a maioria dos membros de seu reduto para o rio
das Areias, bem próximo ao reduto de Santa Maria.
Mas mesmo assim Aleixo ia sendo acossado pelas
tropas da coluna leste, que vinha submetendo várias
guardas e redutinhos que se encontravam no cami­
nho do rio das Areias. Pressentindo a aproximação
das tropas do exército, o líder ordenou a mudança de
seu pessoal para o reduto-mor de Santa Maria. Eis
como Demerval Peixoto descreve a chegada de Aleixo
no acampamento: “Aleixo fora recebido com ovação
estrondosa. Houve no reduto rufos de caixas, cânti­
cos e buzinar infrenes de permeio com descargas de
ronqueiras, ouvidos até nos acampamentos legais”
(in: — Queiroz, Maurício Vinhas, p. 253).
Passados alguns dias depois da derrota da co­
luna sul, seu comandante preparava nova investida
contra o reduto. O plano agora consistia em assestar
canhões de montanha e iniciar verdadeira chuva de
bombas sobre o reduto de Santa Maria. Pouco antes
houve mais uma tentativa de mediação pacificadora
através de um “coronel”, Salatiel de Paula, que era
velho amigo e compadre de Elias de Moraes, um dos
mais importantes chefes dos caboclos. A tentativa foi
frustrada, pois o enviado do “coronel” foi imedia­
ao Antonio Pedro Tota

tamente preso e fuzilado sumariamente.


Mais ou menos pelos fins do mês de fevereiro de
1915 fizeram-se várias tentativas de utilização de
aviões para reconhecimento, mas um avião aciden­
tou-se, matando o piloto; esse expediente foi aban­
donado apesar das esperanças do coronel Estillac
Leal obter dessa forma informações sobre a melhor
localização dos fanáticos no meio do vale de Santa
Maria.
Os oficiais e graduados especialistas de artilha­
ria encontraram um pequeno platô, de onde, se­
gundo eles, os tiros seriam certeiros sobre o reduto.
O bombardeio começou às 2h30 da madrugada do
dia 2 de março. Mas depois de várias horas de in­
tenso fogo sobre o reduto, já com o dia bastante claro,
verificou-se que as balas do canhão não faziam efei­
to. Quase nenhum tiro acertou o alvo; ou, quando
acertara em algum rancho, o projétil passara pela
parede sem encontrar resistência indo explodir bem
adiante sem causar danos. Os caboclos logo apren­
deram a coexistir com as bombas. Chegaram a orga­
nizar uma procissão e festas em agradecimento a São
João Maria por ter tornado o reduto invulnerável aos
terríveis explosivos.
A artilharia só conseguiu produzir algum efeito
depois que trocou os canhões por obuses de tiros
mais certeiros. O obus funcionou até aproximada­
mente as 3h da tarde. Diante da ameaça dos serta­
nejos em tomar o obus, ele foi retirado às pressas
com o auxílio de uma junta de bois.
Os soldados da coluna sul começaram a ser
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 81

novamente assediados pelo intenso fogo dos guerri­


lheiros invisíveis escondidos nas grotas e dobras de
terrenos no meio das matas. A coluna, como já dis­
semos, era auxiliada pelos vaqueanos do “coronel”
Fabrício. Os vaqueanos desse velho “coronel” tenta­
ram por várias vezes fazer um reconhecimento mais
preciso de onde vinham as balas. Missão impossível.
Cada vaqueano ou soldado que se aproximava era
imediatamente abatido por certeira bala de Winches-
ter. Nova ordem partiu do coronel Estillac Leal: reti­
rada total das tropas, que mais uma vez não conse­
guiram transpor a muralha de defesa natural que era
o vale de Santa Maria.
Depois desses episódios, o “coronel” Fabrício,
que sempre vivera e conhecia profundamente a re­
gião, emitiu sua opinião sobre a luta no reduto de
Santa Maria:
“Sr. Comandante. Nunca pensei que as dificul­
dades em Santa Maria fossem tão grandes. Pelo sul
V.S. não tomará o reduto com os elementos que
possui. Vou dizer ao general Setembrino que so­
mente uma coluna de 5 mil homens poderá, num
ataque combinado com forças do norte, penetrar em
Santa Maria. Eu, digo-lhe com franqueza, sem que
V.S. tenha taes recursos não mais entrarei na mata”
(in: — Assumpção, p. 266).
Apesar da tenacidade e da resistência dos cabo­
clos, sua situação ia ficando cada vez mais angus­
tiante. A fome ia aumentando na medida em que o
cerco se apertava em torno do reduto. O gado morto
era dividido igualmente entre os crentes. Mas a ração
c Antonio Pedro Tota

para cada família diminuía dia a dia. As crianças


ñcavam agrupadas em tomo do boi a ser morto para
aparar o sangue e bebê-lo avidamente. Algumas tes-
lemunhas citadas e ouvidas por Maurício Vinhas de
Queiroz disseram que em determinado momento os
sertanejos começaram a comer os cavalos e os ca­
chorros. E nos momentos mais desesperadores eles
passaram a comer os arreiamentos feitos de couro
cru. 3
As condições dos soldados também tinham sua
parte aflitiva, que se manifestava não só nos comba­
tes. Durante o intervalo das lutas é que se pôde
avaliar a pobreza de parte dos soldados. Muitos não
possuíam botas, esperava-se para breve um novo lote
delas, mas nunca chegavam. Alguns não possuíam
calças e para cobrir a nudez usavam capotes ou cal­
ções confeccionados com seus cobertores. Os ser­
viços médicos estavam cada vez mais precários. A
umidade invadia as barracas, que se mostravam im­
próprias para a estação das chuvas, era preciso usar
capim como forma de manter um mínimo de tem­
peratura suportável no interior das tendas.
As atividades militares diminuíram um pouco
de intensidade, mas mantiveram um ritmo regular
com bombardeios diários sobre o reduto. O general
Setembrino de Carvalho, comandante-em-chefe das
operações na Guerra de Canudos, convocou para o
dia 4 de abril de 1915 uma reunião dos comandantes
das quatro colunas. Aí, conclui-se que somente a
coluna sul não teria condições para penetrar no re­
duto, forçando-o pelo sul. Ao mesmo tempo estabe-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 83

leceu-se como estratégia a idéia de um ataque simul­


táneo das quatro colunas sobre o reduto, ou melhor,
de três colunas, pois uma delas ficou encarregada de
impedir a fuga dos fanáticos para os Campos do
Irani.
Maurício Vinhas de Queiroz afirma que não foi
isso exatamente o que aconteceu. Diz o autor que foi
o capitão Potiguara que iniciou sozinho o ataque,
vindo do norte. Há uma parcela de razão nesta afir­
mação, como veremos. Mas simultaneamente a co­
luna sul exerceu pressão constante sobre o reduto. A
propósito, a tática utilizada pelo comandante Estil-
lac Leal faz lembrar a tática utilizada pelos norte-
americanos na guerra do Vietnã, guardando eviden­
temente as devidas proporções. Tratou o coronel co­
mandante da coluna sul de armar seus soldados va-
queanos ou quem quer que seja com foices e serras,
além dos fuzis e metralhadoras. Pretendiam ir derru­
bando a mata, destruindo e transformando a defesa
natural utilizada pelos sertanejos. Isto se fez em meio
a constantes combates entre os soldados e os faná­
ticos.
Enquanto a coluna sul prosseguia em sua tarefa
de destruição das matas da região, o capitão Poti­
guara iniciava com seus homens uma das mais arro­
jadas e destruidoras marchas que ocorreu em todo o
conflito do Contestado.
O plano inicial era o avanço da pequena coluna
de Potiguara até um determinado ponto para aí fun­
dir-se à coluna leste antes de atacar efetivamente os
redutos que precediam o caminho de Santa Maria.
4 Antonio Pedro Tota

Mas o impetuoso militar desprezou qualquer auxílio.


Preferia confiar na violência de seus quase 500 sol­
dados, escolhidos a dedo, e dos mais de 100 vaquea-
nos, parte deles comandada pelo temível Pedro Rui­
vo. O ponto de partida de Potiguara e seus homens
foi Canoinhas, mas seu primeiro ponto de apoio
importante foi a localidade de Reichardt, situada al­
guns quilômetros adiante. Daí ele partiu em direção
a Caçador e Santa Maria. A região, apesar de já ter
sido percorrida por várias tropas, era “infestada”
pelos fanáticos, que haviam reconstruído vários re-
dutinhos. Terreno perigoso e desconhecido. O capi­
tão Potiguara, à medida que se afastava de suas
bases, só podería contar com seus próprios recursos.
Logo nos primeiros dois ou três dias de marcha os
soldados enfrentaram pequena resistência, mas ma­
taram 9 sertanejos; os outros fugiram embrenhando-
se na mata. A cada aglomerado de casas que encon­
travam seguia-se um tiroteio, vários sertanejos mor­
ros e o incêndio das habitações. Chegaram às bar­
rancas do rio Tamanduá. Para transpô-lo, construí­
ram uma balsa para a travessia dos cavalos e dos
homens. Do outro lado, mais de 300 sertanejos caí­
ram sobre os soldados, mas estes responderam e ma­
taram mais de 40 fanáticos. O capitão Potiguara
recebeu ordens para seguir em marcha forçada, pois
o comando geral temia pelo destacamento que seguia
pelo leste e se aproximava do reduto de Santa Maria.
Nem assim o destemido capitão modificou muito
seus planos. Seguiu destruindo, matando tudo o que
se movia e que encontrava pela frente.
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 85

Enquanto o destacamento de Potiguara prosse­


guia em sua razia, outros destacamentos tomavam
providências de construir um sistema de fortificações
num local chamado Lajeado, por causa de suas condi­
ções estratégicas bastante importantes. Dali podia-
se vigiar as picadas vindas das serras do Timbó, Ta­
manduá e de Santa Maria. A coluna sul, por sua
vez, intensificava os ataques às guardas incrustadas
no desfiladeiro que levava a Santa Maria. As forças
iam conquistando posições importantes para facilitar
o assalto final. Depois de conquistar uma pequena
guarda, viram que “no chão estavam estendidos dois
cadáveres de bandoleiros e, esparsos em diferentes
pontos, uma bandeira, um cantil, dez canudos de
taquara para água, uma carabina ‘Comblain’, três
pistolas de fogo central, quatro facões, duas facas,
duas clavians Winchester, um bocó com 46 cartuchos
(...) e espigas de milho verde assado” (in: — As-
sumpção, p. 348).
Potiguara prosseguia sua marcha destruidora.
Chegou no aldeamento do rio Caçador, o mais im­
portante reduto antes de Santa Maria, que havia sido
reconstruído. A resistência dos caboclos ali foi vio­
lenta. Mas os soldados, impelidos pelo comando,
empurraram os caboclos, que sofreram várias baixas.
Do outro lado do rio Caçador veio uma intensa sarai­
vada de balas que deixou, por alguns momentos, os
soldados de Potiguara paralisados. Logo em seguida
o reduto foi ocupado. Nenhuma casa ficou em pé.
Tudo foi destruído. Era preciso destruir todas as
qxxe pudessem servir òe firtura identificação do
Antonio Pedro Tota

sertanejo. Uma forma ainda atual de destruir psico­


logicamente o vencido em urna guerra. As forças do
capitão Potiguara perderam 6 homens e destruíram
mais de mil casas e ranchos. Nesta mesma ocasião
chegaram ao reduto de Maria Rosa, imediatamente
anterior ao reduto-mor. A partir daí a defesa dos
sertanejos, organizada pessoalmente por Adeodato,
foi feita por centenas de caboclos, que começaram a
enfrentar os atacantes corpo-a-corpo. A pressão dos
soldados de Potiguara era descomunal. Os sertanejos
não resistiam e caíam trucidados. Os Pares de Fran­
ça foram um último expediente utilizado neste mo­
mento. Dezoito deles tiveram morte imediata, os ou­
tros fugiram para o mato. Dia e noite, sem descanso,
sem dormir; os soldados avançavam sob o fogó ainda
intenso dos sertanejos fanáticos. Santa Maria, final­
mente, apareceu. Estava deserta. Potiguara entrou
com uma sensação de que ainda faltava muito para
consolidar a conquista. E tinha razão. Na praça cen­
tral fez uma trincheira com pinheiros grossos, “fez
da igreja a sede de seu comando e de uma casa
próxima... o hospital de sangue”. À noite os sol­
dados pressentiram o ataque que os sertanejos prepa­
ravam das encostas que rodeavam o vale. Os tiros
começaram. Potiguara, desesperado agora, pois seus
homens estavam extenuados, envia um bilhete a Es-
tillac Leal clamando ajuda: “Estou aqui neste in­
ferno, depois de 10 dias de marchas horrorosas,
sendo 8 de combate dia e noite, peço-te que avances
com a máxima urgência a fim de me auxiliar no resto
de nossa espinhosa missão. Tenho grande número de
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 87

feridos e já tenho enterrado oficiais e praças. Esperó­


te com urgência a fim de não perder mais gente, pois
estou com a tropa em preparativos de ataque. (...)
Espero-te hoje sem falta embora à noite, pois ela é
melhor para se viajar. Recado do amigo Potiguar a”
(in: — Cabral, Oswaldo, p. 253).
A coluna sul marchou com cerca de 2 mil sol­
dados em direção ao reduto. Passou por uma guarda
que antes não havia conseguido romper a resistência
e avançou para surpreender os sertanejos pela reta­
guarda, pois estes estavam ocupados em atacar as
forças de Potiguara. A batalha prosseguiu noite
adentro. O reduto de Santa Maria foi reduzido a
cinzas, mas uma boa parte dos fanáticos sumiu no
mato. Os comandantes consideraram a missão cum­
prida, apesar do coronel Estillac Leal reconhecer que
“nem todos os bandidos do Contestado” tinham de­
saparecido.

Os últimos momentos
Às margens do rio São Miguel nasceu um reduto
com os remanescentes dos combatentes sertanejos de
Santa Maria. As autoridades do exército não mais se
preocuparam com essa nova aglomeração, pois con­
sideravam que o problema daí em diante era um
“caso de polícia”. No entanto, uma reduzida força
do exército permaneceu na região e ainda assim não
conseguiu pressentir a formação do novo reduto.
Adeodato tornou-se o déspota do reduto. Senhor
Antonio Pedro Tota

! da vida e da morte, imperava numa vila que possuía


uma praça com cinco cruzes. Havia um sino amar­
rado em pedaço de madeira que servia para chamar
i os sertanejos para as formas. Todo o ritual conti­
nuava, como se nada tivesse acontecido alguns dias
' antes em Santa Maria.
| Mas a vida no meio do reduto exigia um mínimo
de condições materiais para a sobrevivência, e por
isso os piquetes começaram a repetir as incursões
para conseguir alimento e provisões mínimas. Logo
os piquetes dos sertanejos começaram a encontrar as
patrulhas de soldados e vaqueanos, que passaram a
ser financiados pelos fazendeiros interessados em que
a ordem fosse restabelecida o mais breve possível na
região.
O poder de Adeodato era ilimitado; somente
Elias mantinha ainda algum poder como chefe das
formas. Qualquer questionamento ou dúvida era cas­
tigado com a morte sumária. O famoso Aleixo, de
quem falamos anteriormente, foi executado pessoal-
; mente por Adeodato por razões fúteis. Algum tempo
i depois da construção do reduto de São Miguel, o
líder ordenou sua mudança para uma região perto do
Timbó que recebeu o nome de Cidade Santa de São
Pedro. Outros redutos nasceram, mas foram rapida­
mente destruídos pelos vaqueanos dos fazendeiros
auxiliados pela polícia e por algum pequeno desta-
( camento do exército. As condições de se conseguir
I alimento foram reduzidas praticamente a zero e pre-
' cariamente os sertanejos do reduto conseguiam so-
I breviver. Mas quase no final do ano de 1915 o reduto
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 89

O coronel Estillac Leal, comandante da Coluna do Sul,


um dos responsáveis pelo desmantelamento do Reduto de
Santa Maria.
90 Antonio Pedro Tota

foi tomado quase que de surpresa por um grande


destacamento de soldados e vaqueanos. Adeodato, à
frente de uns 40 homens, conseguiu fugir. Peram-
bulou pela mata com seus homens, mas em determi­
nado momento subiu numa parte mais alta do ter­
reno, reuniu seus homens e disse:
“Perdemos a guerra; a guerra está perdida.
Quem quiser ir para o mato, vá. Não quero ninguém
comigo. (...) E o cachorro que contar para a polícia
que eu estou aqui, vou matar.”
Adeodato foi preso no inverno do ano de 1916,
depois de perambular pelas matas. Julgado, foi con­
denado à pena máxima, isto é, 30 anos de cadeia.
Tentou fugir 7 anos depois e foi morto. Morria Adeo­
dato bem depois de todo o movimento revolucionário
do Contestado ter sido violentamente reprimido de­
pois de quase 4 anos de guerra.
CONCLUSÕES

O conflito do Contestado pode ser interpretado


como um conflito resultante de urna profunda crise
das estruturas da República Velha. As tensões so­
ciais que foram se acumulando durante um determi­
nado período se aceleraram na fase de desenvolvi­
mento de novas relações sociais de produção, intro­
duzidas no país nos fins do século passado e começo
deste. Estas tensões sociais manifestavam-se funda­
mentalmente pelo anseio da terra, como pudemos ver
pelos acontecimentos. Mas este anseio deveria mani­
festar-se através da melhoria das condições mate­
riais, da segurança e, de modo geral, do bem-estar.
Quando o sertanejo revoltou-se contra a presença de
estrangeiros, o fez contra as grandes companhias que
lhe espoliaram a terra. Mas não somente isso. Pro­
testava também contra a presença de colonos de ori­
gem européia, que, a seu ver, eram também respon­
sáveis pela tomada de terras que, pelo direito de
92 Antonio Pedro Tota

posse, sempre lhe haviam pertencido. Evidentemente


chegou-se a encontrar alguns colonos europeus que
haviam lutado no conflito ao lado dos sertanejos,
mas a grande maioria dos colonos estrangeiros via
os sertanejos como bandidos, tal como faziam as
forças da repressão. Esta atitude se explica quando
pensamos no significado de um pedaço de terra, de
uma propriedade, para um camponês europeu.
A figura do “coronel”, claramente aliado às
forças estranhas que “invadiram” o sertão, só fazia
aumentar ainda mais o clima de insegurança. Há que
se considerar que este é um momento de rompimento
das velhas formas de mandonismo local. Os velhos
“coronéis”, do tipo Henriquinho de Almeida, que se
identificavam com o mandonismo da época do Impé­
rio, tinham a tendência de diminuir sua influência ou
mesmo desaparecer. Os novos “coronéis”, do tipo de
Francisco de Albuquerque, que se identificavam com
as novas forças representadas pelas oligarquias esta­
duais da República, se consolidavam. A relação do
“coronel” com sua clientela tende a se romper nesse
período. E muitas vezes a própria autoridade do
“coronel” é superada por uma força externa, como
se deu no momento da presença massiva das forças
repressoras do exército.
O momento é de rompimento em todos os níveis.
Rompimento entre o padre e o fiel, entre o Catoli­
cismo Ortodoxo e o Catolicismo Rústico. Rompi­
mento das velhas estruturas de sobrevivência que
permitiam ao sertanejo da região possuir sua terra.
Rompimento aflitivo que se manifesta na explosão do
Contestado: A Guerra do Novo Mundo

surto messiânico. Pelo messianismo, a coletividade


do Contestado expressava a sua recusa diante das
intoleráveis condições de existência. Essas pessoas,
em “estado de exaltação”, cultuaram um monge
depois de morto, com isso mantinham-se unidas es­
perando a salvação da catástrofe universal que se
aproximava. A missão salvadora do messias na re­
gião do Contestado só se consolida depois de sua
morte. Enfim, vê-se uma situação de desespero cole­
tivo causado pela impossibilidade de participação das
condições mínimas para as “satisfações comuns das
necessidades vitais”. Mas o movimento messiânico dc
Contestado estava condenado à derrota, pois não
conseguiu romper o seu isolamento e principalmen:e
não pôde, e nem se cogitava, introduzir novas rela­
ções entre os homens que pudessem consolidar uma
posição para enfrentar as forças contrárias.
Quanto ao papel do exército, pode-se aventar a
idéia de que a Guerra do Contestado foi de grande
importância para a consolidação de um exército mo­
derno que, cada vez mais, teria participação na vida
política futura do Brasil. Vários nomes que mais
tarde ficaram famosos já participavam como oficiais
de baixo escalão no processo de repressão. Basta
citar alguns nomes como Henrique Teixeira Lom
que lutou como aspirante a oficial, e Daltro Filho,
que participou como primeiro-tenente. O Contes­
tado seria uma espécie de forjador de um novo tipo
de oficial que não vacilava em reprimir violentamente
qualquer movimento de caráter revolucionário que.
de alguma forma, pudesse questionar a República.
Antonio Pedro Tota

Setembrino de Carvalho consolidava a República en­


quanto destroçava a resistencia do fanático, da mes­
ma forma que Caxias salvava o Império quando des­
troçava a Balaiada. Também a corrupção surgiu no
seio de parte do exército, comprometido com as
negociatas da oligarquia da República Velha. Fica­
ram famosas as acusações que o tenente Gwaier de
Azevedo fez a Setembrino e principalmente a Poti-
guara em relação a grandes negociatas com as botas
que deveríam ir para os pés dos soldados que luta­
vam no Contestado e que nunca chegaram.
O tenente Gwaier fez essas acusações em uma
sessão pública no Clube Militar em junho de 1922.
Estávamos já no período de crises que desencadea­
riam a Revolução de 1930. Revolução que se faria,
segundo seus autores, para evitar guerras e atroci­
dades como o Contestado, para acabar com o predo­
mínio das oligarquias e dos ‘‘coronéis”.
INDICAÇÕES PARA LEITURA

A bibliografia sobre a Guerra do Contestado é


bastante exígua, fato que ajuda o acontecimento tor-
nar-se pouco conhecido. No entanto, existem publi­
cações que enfocam o conflito sob os mais variados
ângulos.
A obra mais conhecida dentro e fora dos meios
acadêmicos é o trabalho de Maurício Vinhas de
Queiroz, Messianismo e Conflito Social — A Guerra
Sertaneja do Contestado: 1912/1916, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1966. Neste trabalho, o autor
nos localiza de forma segura no tempo e no espaço,
ao mesmo tempo em que analisa as razões gerais do
conflito. Concluí que a Guerra do Contestado foi o
ponto mais alto de uma crise conjuntural que se
desenvolvia numa região do Brasil em época de tran­
sição.
Os trabalhos de Maria Isaura Pereira de Quei­
roz, La Guerre Sainte au Brésil: le Mouvement Mes-
96 Antonio Pedro Tota

sianique du “Contestado”, Boletim n. 187, Sociolo­


gia 1, n. 5, FFCL da USP, São Paulo, 1957, e prin­
cipalmente Messianismo no Brasil e no Mundo, co-
edição Dominus e EDUSP, São Paulo, 1965, abordam
o conflito sob o ângulo sociológico em detrimento do
histórico. A introdução de fatores modernizantes na
região, tais como a estrada de ferro São Paulo—Rio
Grande, não é considerada pela autora.
Os Errantes do Novo Século, um Estudó sobre o
Surto Milenarista do Contestado, Livraria Duas Ci­
dades, São Paulo, 1974, de Duglas Teixeira Mon­
teiro, é o mais importante trabalho interpretativo
publicado sobre o conflito. Em uma abordagem so­
ciológica, preocupado principalmente em demons­
trar metodológicamente o fenômeno, não descuidou
do enfoque histórico. Insere a Guerra do Contestado
num momento de grandes transformações que acir­
ravam as contradições, mas sem cair em explicações
de causa e efeito. Um dos documentos militares mais
importantes publicados é o do tenente Herculano
Teixeira d’Assumpção, editado pela Imprensa Ofi­
cial do Estado de Minas Gerais em 1917 sob o título
de A Campanha do Contestado (As Operações da
Coluna Sul). Como o título sugere, o autor trata
principalmente das operações da coluna que atacou o
reduto de Santa Maria pelo sul, mas descreve tam­
bém a atuação das outras forças do exército que com­
binadamente esmagaram o movimento popular. As
interpretações do tenente Assumpção são carregadas
da visão da classe dominante, tratando sempre o ser­
tanejo que lutou no conflito çom forte teor precon-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo

ceituoso. No entanto, trata-se de fonte primaria bas­


tante valiosa para o interessado na Guerra do Con­
testado.
João Maria — Interpretação da Campanha do
Contestado, de Oswaldo R. Cabral, Companhia Edi­
tora Nacional, col. Brasiliana, São Paulo, 1960. de­
dica quase a totalidade das páginas para falar d-t
monge João Maria e cerca de 30 páginas das 353 da
obra à campanha em si. De modo geral, bem docu­
mentado, mas também não se livra da interpretação
etnocêntrica em relação ao fenômeno.
Dentre os artigos publicados destacamos o de
Alfredo Margarido, “A Reciprocidade no Seio de
Movimento Camponês do Sul do Brasil”, in: —
uma História Antropológica, Edições 70, Lisbcz.
1974. Desenvolvendo pesquisa antropológica em so­
ciedades agrárias o autor analisa a prática do ignah-
tarismo entre os caboclos do Contestado. Hâ ainda :
artigo de Duglas Teixeira Monteiro, “Sertão e Civi­
lização: Compasso e Descompassos”, editado no Bz-
letim n. 21 dos Anais do Coloquio de Estudos Regio­
nais, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
1974, e o capítulo do mesmo autor, “Um Confronte
entre Juazeiro, Canudos e Contestado”, in: — O Bra­
sil Republicano, v. 9 da História Geral da Civilizaçãz
Brasileira, DIFEL, São Paulo, 1977, onde desenvolve
a idéia dos que ficaram à “margem” da história. que
na verdade é aprofundada no livro anteriormente ci­
tado.

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