Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONTESTADO:
a guerra do novo mundo
’isáo:
Rosângela M. Dolis
jj|_J
Introdução ....................................................... 7
A região e sua história ........................................ 14
A guerra incendeia a região ................................ 34
Conclusões ............................................................ 91
Indicações para leitura ........................................ 95
¿ gradecimento,
rela leitura atenta,
- Ana Luíza
^niliano e Daniel
INTRODUÇÃO
República.
Isto explica por que o sertanejo que lutava con
tra os soldados do exército regular tinha plena con
vicção de estar pelejando numa Guerra Santa. Ele se
considerava um elemento de uma “irmandade” onde
c igualitarismo e a fraternidade tomavam-se fatores
básicos. A maioria dos membros da “irmandade”
tinha que se declarar crente aos monges José e João
Maria. A maior parte desses crentes que lutaram no
Contestado eram sertanejos sem terra. Mas havia
ainda fazendeiros, um juiz de paz, pequenos comer
ciantes, foragidos da justiça e perseguidos políticos
que, nos redutos, encontravam proteção contra os
desmandos dos coronéis.
Há ainda que se destacar as diferentes formas de
atuação das forças repressivas em Canudos e Contes
tado. “Sobre as cinzas da aldeia sagrada de Canu
dos, a República, finalmente, estava salva e consoli
dada”, no dizer de Carlos A. Dória. Quem a conso
lidou foi o exército brasileiro; a duras penas, pois era
um exército republicano que mal estava se formando.
O exército que combateu no Contestado não era o
mesmo exército que havia combatido Canudos. O
exército da campanha de Canudos havia ultrapas
sado a sua fase amadora e reprimiu com maior téc
nica o movimento popular do Sul do país, utilizando-
se. inclusive, de pequenos aviões para reconheci
mentos.
A Guerra Santa do Contestado foi, portanto, tão
importante ou mais do que Canudos. No entanto,
não é tão conhecida. Mesmo o filme de Silvio Back,
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 13
>
A REGIÃO E SUA HISTORIA
A ecologia e a economia
As condições naturais da região foram ricamente
descritas por Maurício Vinhas de Queiroz. Lembra,
principalmente, que é uma região com fartura de
aguadas. Isto parece afastar qualquer explicação pró
xima ao determinismo geográfico que marcou alguns
estudos sobre a Guerra de Canudos, que atribuíam
às condições ecológicas do Nordeste responsabilidade
pela guerra. Ao contrário da aridez da região nordes
tina, o trecho que se vê no mapa entre o Paraná e
Santa Catarina é uma região de clima temperado.
O gado e as pessoas podem encontrar condições rela
tivamente favoráveis para a alimentação. Florestas
de pinheiros (a chamada araucária) predominam na
paisagem. Vários rios cortam a região de solo fértil,
formando vales. Os mais importantes são o rio dos
Peixes e o rio Iguaçu, em cujas margens se desen
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 15
As contradições se acirram
Como dissemos,, os grandes fazendeiros abriga
vam em suas terras um grande número de agregados.
Esses agregados tinham inicialmente alguns direitos:
Antonio Pedro Tota
como já vimos.
Para a construção da estrada de ferro foram
recrutados inicialmente 4 mil trabalhadores, número
que atingiu pouco depois 8 mil. A maioria desses
trabalhadores vinha dos grandes centros urbanos do
país, de modo geral recrutados entre desempregados
e desocupados. Qualquer tipo de reivindicação por
parte desses trabalhadores, visando à melhoria de
condições e salários, era prontamente reprimido pela
polícia particular da “Brazil Railway”.
No dizer de Duglas T. Monteiro, essa era a vio
lência inovadora. Em outras palavras, numa região
que era marcada por uma violência tradicional (Guer
ra dos Farrapos, Revolução Federalista e as lutas
entre os “coronéis”), agora vinha somar-se uma nova
violência representada pela vinda de contingentes
dos grandes centros urbanos e pela implantação de
empresas estrangeiras que tomavam as terras dos
habitantes da região.
O aparecimento dessa nova violência não se.li
mitou à construção da estrada de ferro. Em 1911,
uma subsidiária da “Brazil Railway”, portanto fa
zendo parte do grupo de Farquhard, chamada
“Southern Brazil Lumber and Colonization Co.”,
comprou 180 mil hectares na área contestada. O
objetivo dessa empresa era a produção madeireira.
Em pouco tempo a região foi invadida por maqui
narias modernas destinadas à implantação de serra
rias com grande capacidade de produção. Toda essa
madeira destinava-se à exportação e, no dizer de
Maurício Vinhas de Queiroz, a “Lumber” transfor
26 Antonio Pedro Tota
Os monges do Contestado
Na região do Contestado existia uma tradição
(que de certa forma se estende até hoje) de movi
mentos messiânicos bastante marcantes. Esses movi
mentos eram em geral liderados poç elementos conhe
cidos como monges. Estes monges não tinham ne
nhuma ligação oficial com a Igreja ou com qualquer
ordem monástica; eram muitas vezes chamados de
beatos ou profetas.
O fenômeno do messianismo foi e é bastante
estudado pelos especialistas. Um dos estudos mais
conhecidos no Brasil sobre o assunto é o da profes
sora Maria Isaura Pereira de Queiroz: O Messia
nismo no Brasil e no Mundo. Maria Isaura nos dá
uma idéia geral dos fenômenos messianismo e mes-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 27
sias.
Quem seria o messias? Seria alguém enviado
pelas divindades com a função de liderar um movi
mento de luta do Bem contra a Mal. Liderar os
homens, guiá-los para atingir o Paraíso. Para Max
Weber, esse messias necessita ter qualidades pessoais
imprescindíveis para marcar sua ascendência sobre o
povo a ser dirigido, ao mesmo tempo que essa lide
rança é exercida carismaticamente: “a qualidade
extraordinária que possui um indivíduo (condicio
nada de forma mágica em sua origem, quer se trate
de profetas, de feiticeiros, de árbitros, de chefes de
bandos ou de caudilhos militares); em virtude dessa
qualidade, o indivíduo é considerado ora como pos
suidor de forças sobrenaturais ou sobre-humanas, ou
pelo menos específicamente extracotidianas, que não
estão ao alcance de nenhum outro indivíduo, ora
como enviado de Deus, ora como indivíduo exemplar
e, em conseqüência, como chefe, caudilho, guia,
líder” (citado por Queiroz, M. I. P., p. 5).
Esse messias tinha por incumbência, como se
disse, transformar a realidade na terra. Tinha, en
fim, objetivos políticos a serem atingidos mas ope
rados religiosamente. Vem para acabar com as injus
tiças existentes na terra. Ê importante notar que a
proposta de transformação e de salvação não é um
fenômeno individual: a salvação deverá ser usufruída
coletivamente.
Essa explicação introdutória é necessária para
que possamos entender a natureza do fenômeno no
Contestado.
2S Antonio Pedro Tota
As tensões precursoras
O ano de 1911 traz a sensação de que todas as
agruras e sofrimentos da população da região che
garam ao ponto máximo. Se atentarmos para os
falos, veremos que este foi o ano do processo de
introdução e de implantação de forças externas e
modemizadoras. Foi o ano em que as empresas, com
claros moldes capitalistas, tais como serrarias, a pe
cuária e, principalmente, a estrada de ferro inicia
ram o verdadeiro enraizamento na região.
Tanto é verdade que, naquele ano, a Estrada de
Ferro implantou algumas dezenas de quilômetros,
iniciou, ao mesmo tempo, a expulsão à força dos que
se haviam transformado em “intrusos” e, alguns
anos mais tarde, teve reconhecido pelo Estado o di
reito de propriedade sobre 6 bilhões de metros qua
drados de terra. Efetivava-se, enfim, como diz Du-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 35
Caraguatá
O novo reduto de Caraguatá teve sua população
acrescida dos antigos crentes de Taquaruçu. Habi
tantes das regiões vizinhas iam chegando para visitar
o novo lugar santo e iam ficando. Um dado explica
ainda melhor o crescimento da população dos crentes
que queriam “militar” no movimento: toda essa re
gião havia sido tomada por protegidos do “coronel”
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 49
A guerra se expande
Depois da derrota das tropas do governo em
Caraguatá os sertanejos foram tomados de uma ale
gria incontida. Tinham certeza, agora, de que eram
invencíveis. As incursões sobre as propriedades au
mentaram bastante o raio de ação, distanciando-se
54 Antonio Pedro Tota
A repressão e o recrudescimento
da guerra
Apesar de todas as condições materiais com que
os caboclos contavam, à medida em que a guerra
tendia a ganhar corpo havia uma tendência crescente
de diminuir as condições de sobrevivência.
A partir do segundo semestre do ano de 1914
começou-se a preparar racional e sistematicamente a
repressão ao já amplo movimento messiânico dos
caboclos do Contestado. A 11 de setembro chegou a j
Curitiba o general Setembríno de Carvalho para as- $
sumir o comando da XI Região Militar e tomar em
suas mãos a organização da repressão ao movimento
popular do Contestado, que, de certa forma, estava |
Antonio Pedro Tota
defensores da fazenda.
Mas de modo geral os resultados das incursões
foram positivos, pois conseguiram aumentar o esto
que de alimentos, de animais e de armas, principal
mente aquelas nas vilas de colonização alemã. Mesmo
assim os piquetes continuam sua função “expansio-
nista”. O chefe geral, Elias, encarrega Castelhano, o
hábil gaúcho que havia aderido ao movimento, de co
mandar um forte piquete e percorrer a rica região do
município de Lajes. Com cerca de 200 homens, mui
tos dos quais aderiram no caminho, tomaram uma
vila próxima de Lajes, mas que logo foram obrigados
a abandonar por causa da forte pressão de forças
policiais. Os policiais que perseguiam os sertanejos
foram mortos numa emboscada alguns quilômetros
adiante.
Ao mesmo tempo, o processo de repressão idea
lizado pelo general Setembrino recebe retoques de
sofisticação: foi organizada, ao norte do rio Iguaçu,
uma forte linha de vigilância nas estradas, nos cami
nhos e na estrada de ferro para impedir que qualquer
comércio continuasse a ser feito com os fanáticos do
Contestado. Este foi o primeiro passo para se orga
nizar um grande cerco em torno da região em que se
desenvolvia a guerra.
Vários combates secundários foram ocorrendo
antes que a guerra tomasse aspectos de um conflito
total. Um dos mais famosos foi o do rio das Antas.
Os sertanejos resolveram atacar algumas proprieda
des de colonos alemães que haviam comprado suas
terras da “Lumber”. Esta, por sua vez, havia se
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 63
esterquilínios.
“Os escombros das casas incendiadas pelos ban
doleiros ali continuavam como que, dolorosamente,
atestando as negras cenas vandálicas por elas sofri
das, fazendo sua população verter correntes de dori
das lágrimas. (...) Um tufão de desgraça havia pas
sado de permeio da simpática vila sertaneja” (in: —
Assumpção, p.311e 312).
O exército que tomou a vila de Curitibanos para
daí iniciar o assalto contra os sertanejos vinha imbuí
do de objetivos cívicos e sociais. Uma das tarefas mais
importantes desenvolvidas pelos soldados foi a recons
trução da escola. Isto permitiu e auxiliou o seu fun
cionamento, contribuindo assim para diminuir o nú
mero de analfabetos, uma das causas da revolta dos
caboclos, segundo alguns oficiais. Reconstruíram
ainda os postes telegráficos, restaurando assim a
comunicação entre Curitibanos e a capital do Es
tado; desenvolveram também intenso programa de
assistência médica entre os sertanejos que se encon
travam na região, distribuindo remédios, principal
mente vermífugos.
Os caboclos fanatizados, sentindo-se cada vez
mais cercados, começam a desenvolver novas táticas.
Uma delas foi o aparecimento dos chamados pique-
; tes chucros, que se caracterizavam pela sua feroci-
' dade contra os “peludos”. Se antes os piquetes não
tocavam nas famílias, isto passou a não acontecer de
um determinado momento em diante. Um exemplo
j foi o piquete chucro de Olegário, que invadiu a vila
- de Rio Bonito, trucidando a maior parte dos habi-
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 6
O começo do fim
O forte reduto do cabecilha Aleixo Gonçalves, o
antigo maragato, sofreu uma defecção de mais de
300 pessoas, que se apresentaram em Canoinhas. O
relatório do general Setembrino, citado por Maurício
Vinhas, dá bem uma idéia da precária situação de
Contestado: A Guerra do Novo Mundo 79
Os últimos momentos
Às margens do rio São Miguel nasceu um reduto
com os remanescentes dos combatentes sertanejos de
Santa Maria. As autoridades do exército não mais se
preocuparam com essa nova aglomeração, pois con
sideravam que o problema daí em diante era um
“caso de polícia”. No entanto, uma reduzida força
do exército permaneceu na região e ainda assim não
conseguiu pressentir a formação do novo reduto.
Adeodato tornou-se o déspota do reduto. Senhor
Antonio Pedro Tota