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(II) A fantasia rarefeita nas manifestações psicossomática

A discussão sobre as doenças psicossomáticas advém de longa data. Sob a


pressão hegemônica ao longo da história, podemos encontrar a grande confusão em que
o mesmo esquema psicopatológico é observado tanto na loucura histérica como na
esquizofrenia, por exemplo. A medicina moderna avançada explica as doenças por meio
da fisiologia e da patologia geral, enquanto que, àquelas de origem obscura e,
frequentemente psíquica, não explicáveis por esses métodos, são deixadas à espera de
um futuro no qual, o conhecimento mais detalhado de processos orgânicos possa
eliminar o fator psíquico “relutante”.
. Pensando o psicossomático a partir da subversão tanto do campo da ciência,
como da psicanálise lembrei-me das palavras de Lacan em O Seminário, livro 2: O eu
na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-1955), “Como abordá-las, quando
reina toda confusão em todos os temas da psicossomática?” (LACAN, 1985, p.133).
Seguindo as elaborações teóricas de Freud e Lacan tentamos uma via possível para a
abordagem do fenômeno psicossomático na clínica. Essas escolhas teóricas implicam
não só uma aposta no inconsciente, mas também uma tentativa de pensar o
psicossomático não como fenômeno a ser descrito, mas como alguma coisa que faz
parte da estrutura psíquica do falante.
Buscando subsídios para a pesquisa sobre as manifestações psicossomáticas eis
que em O Seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud (1953-1954), no qual, logo
nas primeiras páginas, encontro a seguinte pérola:
Temos de nos aperceber de que não é com a faca que dissecamos, mas com
conceitos. Os conceitos têm sua ordem de realidade original. Não surgem da
experiência humana – senão seriam bem feitos. As primeiras denominações
surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas, toda
ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem.
(LACAN, 2009, p.10).

Freud sempre insistia que a construção teórica, qualquer que seja o campo de
saber, se desenvolve através de um processo de elaboração dos conceitos. E, assim,
considerava que a incompletude teórica não constituiria uma espécie de falha, mas devia
ser considerada a cláusula pétrea da elaboração do saber psicanalítico.
A definição de um fenômeno depende do instrumental teórico disponível, mas
Freud ousou dar importância ao que vivenciava, “às antinomias de sua infância, às suas
perturbações, aos seus sonhos.” (LACAN, 2009, p. 10). Foi nessa via que Freud abriu
sua experiência, e a sua obra é o testemunho de que introduziu algo de uma essência
diferente. “ Do ponto de vista do cientista, Freud pareceu ligar-se então ao pensamento
mais arcaico [...] o que está em jogo é a subjetividade do sujeito, nos seus desejos, na
sua relação com seu meio, com os outros, com a própria vida. ” (LACAN, 2009, p. 10).
Não basta dizer que Freud apareceu num século científico, pois o que ele fez foi um
retorno às fontes, o que nem mereceria o título de ciência. A descoberta freudiana do
inconsciente subverte a razão e aponta algo “que a própria razão desconhece”.
Nesse ponto me pergunto como fazer pesquisa em psicossomática já que seus
limites não são definíveis nem no campo somático nem no psíquico? Seria preciso ousar
como Freud o fez? Não seria o caso de praticarmos “uma psicanálise desavergonhada
diante da ciência”? Como proposto por Elia: “Ali onde o discurso científico não é
suficiente para dar conta de nossa experiência, é a ética que responderia, para dar conta
do sujeito em sua dimensão de puro ato, como sujeito do desejo”. (ELIA, 2011, p.1)
No texto “ O Lugar da Psicanálise na Medicina” (1966), Lacan diz que a
psicanálise tem um lugar marginal na medicina - “extra-territorial”, mas que não é sem
razão que os psicanalistas se encontram nesse lugar e, provavelmente, o queiram
conservar. Por que conservar esse lugar? Não seria possível uma prática que
aproximasse ambos os campos numa espécie de laboratório de pesquisa sobre a questão
do real?
Cabe também à psicanálise participar dessa discussão, propondo um outro olhar
à questão do sofrimento corporal e considerando-o em relação ao desejo e ao gozo do
sujeito.
Nesse sentido, Jorge (2017), em seu livro Fundamentos da psicanálise de Freud
a Lacan, vol.3: a prática analítica, enfatiza que:
[...] a psicanálise opera de modo pontual e se furta às generalizações próprias
ao saber psicológico, que servem para adormecer o sujeito ainda mais e fazê-
lo caminhar sonambúlico nas redes da aliança contemporânea entre ciência e
capitalismo. (JORGE, 2017, p. 11).

Desse modo, temos muito a contribuir às questões psicossomáticas, pois a


psicanálise oferece um dos mais eficazes métodos de abordagem, mais eficaz, diga-se
de passagem, do que qualquer outro método de psicoterapia.
Entendemos que, embora os progressos científicos ofereçam meios cada vez
mais avançados de intervenção no corpo, os problemas continuam insolúveis no que se
refere a “psicologia do médico”. O efeito que terá o progresso da ciência sobre a relação
da medicina com o corpo aponta para o que Lacan nomeou de falha epistemo-somática.
Quanto mais a ciência moderna ignora o “ efeito sujeito”, mais essa falha se abre entre o
saber científico sobre o corpo e o que seria possível a esse corpo. Em tempos de
ditadura científica e de apaziguadores químicos, o corpo testemunha a foraclusão do
sujeito. Dos diagnósticos médicos resultam tratamentos direcionados a aplacar o
sofrimento que incide no corpo. Corpo que poderá ser escaneado, radiografado,
diagramado e até condicionado, empenho nem sempre bem-sucedido, pois ao silenciar a
dor, exclui a dimensão do gozo e silencia o sujeito.
A discussão sobre as doenças psicossomáticas advém de longa data. Sob a
pressão hegemônica ao longo da história, podemos encontrar a grande confusão em que
o mesmo esquema psicopatológico é observado tanto na loucura histérica como na
esquizofrenia, por exemplo. A medicina moderna avançada explica as doenças por meio
da fisiologia e da patologia geral, enquanto que, àquelas de origem obscura e,
frequentemente psíquica, não explicáveis por esses métodos, são deixadas à espera de
um futuro no qual, o conhecimento mais detalhado de processos orgânicos possa
eliminar o fator psíquico “relutante”.
“O valor da psicanálise está em operar sobre a fantasia. O grau de seu sucesso
demonstrou que aí se julga a forma que se assujeita como neurose, perversão ou
psicose”. (LACAN, 1967: 364) Marco Antônio Coutinho Jorge (2010) em a “Clinica da
fantasia” ressalta “que o retorno do recalcado implica no retorno da fantasia através do
seu derivado mais ilustre, o sintoma”. (JORGE, 1952: 73). Por meio da operação
agenciada pelo significante o Nome-do-Pai surge a fantasia. Esta, por sua vez, vai barrar
a pulsão de morte – o real.
Dessa operação resulta na neurose o recalque, na psicose a foraclusão e na
perversão a recusa. Contudo, no “trilhamento” de nossas pesquisas percebemos que o
conceito de estruturas é insuficiente para responder as questões das manifestações
psicossomáticas, uma vez que, na clínica, percebemos reações psicossomáticas
desenvolverem-se em neuróticos e psicóticos. Assim, neuróticos manifestam sintomas
psicossomáticos incorporando-os às cadeias associativas significantes, psicóticos os
articulam a um delírio, assim como encontramos pacientes somatizantes com atividade
fantasística muito reduzida. Penso que, ou podemos estar diagnosticando
equivocadamente, ou a questão psicossomática ainda não esteja suficientemente
formulada para respaldar tais diagnósticos.
Observamos na construção teórica de Freud que já havia essa dificuldade de
responder as questões na diferenciação entre neuroses atuais (neurastenia, neurose de
angústia e hipocondria) e psiconeurose (histeria e neurose obsessiva). A ideia do trauma
sexual cumprirá um papel importante não apenas na histeria, como também na neurose
obsessiva, nas fobias e até mesmo nas psicoses. O sujeito se defende da representação
inconciliável surgida no plano sexual. O sexual é traumático não só porque encobre a
morte, mas também por causa das forças indomáveis das pulsões. O corpo, sem o
revestimento simbólico, fica reduzido à natureza brutal da coisa real.
Freud (1914), no texto sobre o narcisismo, desenvolve seus argumentos entre os
extremos da patologia à “normalidade”. Entre libido do eu e libido do objeto, o eu de
um poeta atormentado pela dor de dente, desinvestirá sua libido do mundo colocando-a
no buraco do dente.
Na histeria de conversão, o sistema psíquico é invadido por um afluxo de
moções pulsionais libidinais incapaz de controlar. Assim, o inconciliável como
representação psíquica será recalcado e retornará nas formas de sintomas na conversão
pela via da complacência somática. Entre princípio de prazer e o princípio de realidade
a libido insatisfeita busca, na formação do sintoma, uma outra via para satisfazer-se
Nas manifestações psicossomáticas, porém, ficamos sem uma resposta
satisfatória entre determinadas manifestações corporais que não são nem histéricas, nem
hipocondríacas. Mas que apontam para momentos existenciais traumáticos, também
inconciliáveis, porém, não se monta uma história. A cena traumática é terrível e não
pode ser incluída em uma cadeia simbólica, se manifestam no organismo e,
frequentemente, há relação com datas e números.
Freud se depara com esse impasse, quando, no contexto de pós-guerra, chegaram
ao seu consultório as vítimas que repetiam em sonhos cenas traumáticas. Em razão
disso, no texto “Introdução a Psicanálise das Neuroses de Guerra”, (1919), faz uma
revisão de seus conceitos iniciais quando ainda atribuía uma etiologia sexual às
neuroses atuais. Diante dos traumas psíquicos, que poderiam estar causando doenças
físicas, se vê obrigado a recuar e conclui que os fatos ainda eram obscuros à psicanálise.
Reconhece assim, a fragilidade da teoria da libido para explicar as doenças físicas e
descreve a falta de defesa contra excitações internas que causam distúrbios orgânicos,
comparando-os às neuroses traumáticas. Ainda que reconheça as dificuldades teóricas
sobre essa questão, diz:
Poderíamos até dizer que, nas neuroses de guerra, a diferença das neuroses
traumáticas puras e a semelhança no que se sucede com as neuroses de
transferência, o que se teme é um inimigo interior. Não parecem insuperáveis
as dificuldades teóricas, afinal, o recalque é a característica que está na base
de toda neurose como reação frente a um trauma, como neurose traumática
elementar. (FREUD, 1992, p. 208).
Contudo não consegue elucidar as diferenças da sintomatologia das neuroses
traumáticas e dos sintomas neuróticos já que, esses apresentam relações simbólicas com
a fantasia de desejo, e aqueles manifestam a mera repetição do fato traumático. O que se
coloca em questão é o princípio de prazer/desprazer, apontando para o impasse teórico.
Em Além do Princípio do Prazer (1920), Freud enfatiza, como tema principal, a
repetição, a qual vai servir de fundamento para a pulsão de morte – pulsão de destruição
e de agressividade. Foi nesse trabalho que Freud se deu conta de que algo não se
coadunava com a sua teoria sobre aparelho psíquico (primeira tópica), em que
predominava a dicotomia entre princípio do prazer e de realidade.
No texto Inibição, sintoma e angústia (1926), Freud retorna ao tema das
neuroses atuais, que seriam reações automáticas de angústia a uma situação de perigo
expressa no corpo e compara essas reações ao trauma do nascimento. Na revisão que faz
no texto acima citado, a angústia toma o lugar anterior ao recalcado. Freud retorna às
suas considerações iniciais no Projeto (1895), segundo as quais a angústia seria uma
reação de perigo desencadeada pelo desamparo do ser humano na sua prematuridade
física e psíquica. A esse respeito ele fala:
Um discernimento instintivo de perigos que ameacem de fora não aparece
inato no homem, já que o manifesta de modo muito limitado. As crianças
estão incessantemente fazendo coisas que põem em risco suas vidas e, por
isso mesmo, não podem prescindir de um objeto protetor. Em relação com a
situação traumática, frente a qual alguém está desamparado, coincidem
perigos internos e externos, perigos realistas e exigências pulsionais. Seja que
o Eu esteja vivendo uma situação de dor que não cessa ou experimentando
um êxtase de necessidade que não pode ser satisfeita, a situação econômica,
em ambas, é a mesma e o desamparo motor encontra sua expressão no
desamparo psíquico. (FREUD, 1992, p. 157).

Em Conferências introdutórias à Psicanálise XXXII sobre angústia e vida


pulsional, (1933), ele abandona a teoria da geração da angústia pelo excesso de
excitação sexual e afirma a tendência do homem para à autodestruição.
Em nota de pé de página, em adendos do texto “Inibição, sintoma e angústia”
(1926) anteriormente referido, Freud já menciona a pulsão de destruição como uma
porção de angústia pulsional agregada à angústia realística. Em suas palavras:
Frequentemente acontece que em uma situação de perigo apreciada
corretamente como tal, se agregue uma porção de angústia pulsional à
angústia realística. A exigência pulsional, ante cuja satisfação o Eu recua
aterrorizado, seria a masoquista: a pulsão de destruição se volta contra a
própria pessoa. (FREUD,1992, p.157).
A experiência clínica nos confirma a revisão teórica de Freud e nos remete aos
seus conceitos de pulsão de morte, de masoquismo e ao tempo primitivo do ser humano,
quando começa a se exprimir na linguagem mais antiga dos impulsos pulsionais orais.
Cabe aqui relembrar
Esses conceitos vão se desdobrar na obra de Lacan no conceito de gozo que se
contrapõe ao desejo. É o outro polo.
O que Lacan vai elaborar como gozo é o que o corpo experimenta na tensão que,
portanto, está além do princípio de prazer. Ao invés de um princípio econômico, trata-se
do excesso de excitação, do gasto, até mesmo da dor.

Os impasses teóricos continuam, Passo a falar de alguns outros autores que


questionam os limites da diferenciação dos diagnósticos de psicose e histeria.
As elaborações de Dejours (1989), em seu livro Repressão e Subversão em
Psicossomática, situa as somatizações como resultante da repressão da violência e da
destrutividade, constituindo, assim, uma expressão da pulsão de morte. Conforme o
autor isso permite explicar como podem ocorrer somatizações em qualquer estrutura
mental, em resposta à ativação de uma violência arcaica suprimida e que todo mundo,
em alguma medida, traz em si.
O médico é colocado nesse lugar para responder a uma demanda tanto do
“desenvolvimento científico” que oferece cada vez mais “o direito do homem à saúde”,
como do doente que nem sempre é de cura, mas muito mais de “autenticá-lo como
doente”. Revela-se, assim, “a estrutura da falha que existe entre demanda e desejo”.
(LACAN, 2001, p.10).
Se a medicina tropeça nessas questões, afinal, o que se espera de um
psicanalista nesse campo? Será que não há possibilidade de diálogo entre os campos da
medicina e da psicanálise? Certamente não podemos cair na armadilha de uma “má
linguagem”, à exemplo das “práticas nefastas” denunciadas por Lacan sobre a
psicologia do ego. Contudo, podemos sim seguir as técnicas de uma arte do diálogo.
“Como o bom cozinheiro, devemos saber que juntas” (juntas psicanálise e medicina),
“que resistências encontramos.” (LACAN, 2009, p. 12).

Se há distância entre os campos da medicina e da psicanálise, há também


possibilidade de aproximação à exemplo das palavras de Alberti (2011):
Para além das fronteiras em que se situam os dois campos: psicanálise e
medicina. Se há fronteiras entre ambas as clínicas, há sobretudo litoral. Isso
não quer dizer que não se possa frequentar ambos os campos, mas, ao
contrário, que é ao respeitar cada um no que lhe é mais genuíno, melhor se
pode aprofundá-los e mais o paciente ganha. (ALBERTI, 2011, p. 14)

Conforme Ribeiro (2004) no texto “O traço que fere o corpo”, está nas
proliferações de demandas de análise feitas por pacientes portadores de fenômenos
psicossomáticos, a evidência de que estão sem lugar, tanto na medicina quanto na
psicanálise. “[...] talvez seja essa, contudo, uma das aberturas por meio das quais a
psicanálise consiga introduzir o efeito de sujeito na reflexão da ciência. ” (RIBEIRO,
2014, p.49).
Por mais diversas que sejam as críticas a Groddeck, assim como o discernimento
que é preciso ter aos “excessos” de suas elaborações, ele nos estimula a transpor
fronteiras e limites ao dizer: “A psicanálise não deve deter-se – e não irá deter-se –
frente às moléstias orgânicas. Ainda veremos até onde chega o seu alcance”.
(GRODDECK, 2011, p. 7).

“O valor da psicanálise está em operar sobre a fantasia. O grau de seu sucesso


demonstrou que aí se julga a forma que se assujeita como neurose, perversão ou
psicose”. (LACAN, 1967: 364) Marco Antônio Coutinho Jorge (2010) em a “Clinica da
fantasia” ressalta “que o retorno do recalcado implica no retorno da fantasia através do
seu derivado mais ilustre, o sintoma”. (JORGE, 1952: 73). Por meio da operação
agenciada pelo significante o Nome-do-Pai surge a fantasia. Esta, por sua vez, vai barrar
a pulsão de morte – o real.
Lacan (1953-1954) em o Seminário livro 1: os escritos técnicos de Freud,
ressalta como essencial a noção de recalque originário de Freud. Núcleo primitivo na
experiência original do trauma será o centro de atração para todos os recalques
ulteriores. Para que o recalque, propriamente dito, seja possível é necessário que tenha
havido “algo para além do recalque, algo de derradeiro, já constituído primitivamente,
um primeiro núcleo do recalcado, mas que por não se formular, é literalmente como se
não existisse.” [...] E, entretanto, em certo sentido, está em algum lugar, porque, Freud
nos diz isso em toda parte”. (LACAN, 2009, p. 63).
Curioso que algo excluído da história do sujeito e impossível de se dizer será um
imperativo de gozo no limite muito particular na experiência de prazer/desprazer.

A esse respeito, no Seminário livro 7: a ética da psicanálise, Lacan (1959-1960)


diz que “o verdadeiro móvel do funcionamento no homem do processo qualificado
como primário – são as coisas como mudas.” (LACAN, 2008, p.71). E as coisas mudas
não quer dizer que elas não têm relação com as palavras.
Isso nos remete ao inconsciente ainda não-todo estruturado como linguagem.
Nessa etapa primitiva do bebê humano o que é julgado prazeroso é introjetado e o
desprazer é expulso. Freud desenvolve esta noção no texto “A Denegação” (1925),
quando diz que no início não há diferença entre o mal e o que é estranho ao Eu e tudo
aquilo que se situa fora dele. O Eu-prazer vai emitir juízo se uma coisa (Ding) que está
sendo psíquicamente representada, é boa, ou má e se ela existe. Essa experiência vai se
dar na extremidade sensorial do aparelho psíquico, junto as percepções sensoriais, num
processo ativo que “o Eu envia pequenas quantidades de cargas de investimento ao
sistema perceptivo por meio das quais ele prova e testa os estímulos externos para logo
recolher-se de novamente.” (FREUD, 2007, p. 150).

Ocorre que a realidade é abordada com os aparelhos do gozo, como diz Lacan
(1972-1973), em o Seminário livro 20: mais, ainda. Aparelho quer dizer de linguagem
e, a partir da qual o gozo é limitado. O que fazer então com o gozo, desde que prazer e
gozo são incompatíveis? O princípio do prazer busca a homeostase, por outro lado, no
gozo está implícito tensão e, até dor.
Em seu livro Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan: a clínica da
fantasia, Jorge (2010) diz que podemos situar dois polos da fantasia. No primeiro, o
polo inconsciente, do sujeito barrado, é constituído pela linguagem. No segundo, o polo
pulsional, o objeto “a” se inscreve na fantasia como mais gozar. A fantasia é o que vem
barrar o gozo absoluto e o transforma em gozo fálico, limitado pela linguagem. Assim,
o polo inconsciente pode ser designado de polo simbólico, enquanto que o pulsional é o
polo real da fantasia. “Desse modo, pode-se postular que a fantasia é, em essência, uma
fantasia de desejo de completude, construída em torno de dois polos diversos: o amor e
o gozo”. (JORGE, 2010, p. 82). No entanto falar de um mais gozar é também supor um
gozo Outro, sem limites.

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