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Apoio Pedagógico - FALE

O negro na literatura brasileira

Prof. Thales Moura


#módulo 3

aula 5: o que há em comum entre Machado e Lima?

Leitura de "Literatura e consciência" de Octavio Ianni


"Literatura e consciência" (1988) de Octavio Ianni

"A produção literária brasileira sobre o negro já permite falar de uma literatura
negra. Um segmento que se descola e autonomiza, se vemos a literatura brasileira
em perspectiva ampla. Forma-se um sistema de obras, autores e leitores,
articulados em torno de uma problemática, um imaginário povoado de
construções, imagens, figuras, ressoando o drama e a épica do negro brasileiro. Em
termos humanos, sociais e culturais, o negro se constitui em um núcleo bastante
nítido, marcante, da produção literária." (Ianni, 1988)
A literatura negra é um imaginário que se forma

Um movimento em transformação ao longo do tempo;

Um sistema: obras ligadas por denominadores comuns, notas dominantes (fases/


gênero);

Os denominadores: (língua, temas e imagens), bem como (elementos de natureza


social e psíquica);

Um conjunto de produtores conscientes de seu papel --> um conjunto de


receptores --> um mecanismo transmissor (uma linguagem, estilo);
Famílias literárias fundamentais da literatura negra

1839-1908
1861-1898 1881-1922
ironia fina, refinado domínio estético a vertente trágica ironia
mergulho psicológico visão do cotidiano
domínio da métrica despojamento: as questões raciais
musicalidade
Literatura negra: temática e autoria

o negro é o tema principal da literatura negra. Aspectos do indivíduo, da


família e dos povos negros

UNIVERSO SOCIAL ARTÍSTICO


HUMANO
CULTURAL

"A literatura negra é aquela desenvolvida por autor negro ou mulato que
escreva sobre sua raça dentro do significado do que é ser negro, da cor
negra, de forma assumida, discutindo os problemas que a concernem: religião,
sociedade, racismo." (Rodrigues apud Ianni, 1988, p. 92)
Sistema e tema: polarizações principais na formação da literatura negra

explícito, pleno

Luiz Gama Machado de Assis


Lima Barreto Cruz e Sousa
Solano Trindade

univ. humano, social, cultural


decantado, implícito
Resgaste dos escritores negros

cultura dominante x história dos dominados

arte e sociedade

literatura e consciência social

criador e criatura

Ultrapassar o mapeamento demográfico, racial, sociológico ou ideológico


Machado de Assis: a pirâmide e o trapédio - Raimundo Faoro

Machado de Assis não foi indiferente à problemática do negro;

Ceticismo em relação a libertação dos escravos. O abolicionismo era apenas um


bom negócio para o branco e a miséria do negro;

Conto "Pai contra mãe" ( 1906): descrição de ofícios e aparelhos da escravidão.


O trabalho com a escravatura e a negritude em uma espécie sublimada de
denúncia. Ele observa, critica e parodia o mundo social, ironiza os donos do
poder que procuram apagar a escravatura da história
"A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras
instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo
ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a
máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez
aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um
para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de
beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do
senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dous pecados
extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas
a ordem social e humana nem sempre se alcançava sem o grotesco, e alguma
vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas".

In: "Pai contra mãe" - Machado de Assis


Cruz e Souza e o simbolismo: obra totalmente isenta da negritude?

Temas: a mulher, o amor, a morte, o sofrimento, a loucura, o céu, as estrelas, o


espírito, a perfeição, a brancura;

Ler Cruz e Sousa em outra chave: O poema em prosa "Emparedado"

protesto contra as teorias racistas do final do séc. XIX

o poeta emparedado pelo preconceito, a ignorância, o não


reconhecimento. Parte do eu para o coletivo (a hipótese biográfica)
"Nos países novos, nas terras ainda sem tipo étnico absolutamente
definido, onde o sofrimento d'Arte é silvícola, local, banalizado, deve
ser espantoso, estupendo o esforço, a batalha formidável de um
temperamento fatalizado pelo sangue e que traz consigo, além da
condição inviável do meio, a qualidade fisiológica de pertencer, de
proceder de uma raça que a ditadora ciência d'hipóteses negou em
absoluto para as funções do Entendimento e, principalmente, do
entendimento artístico da palavra escrita".

Emparedado. In: Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar. Ed., 1961.
Lima Barreto: a resolução do dilema aberto por Machado e Cruz e Souza

Foge da literatura contemplativa, busca uma literatura militante;

O subúrbio e as implicações sociais. Raça, classe e gênero. Antecipação da


discussão sobre os estigmas sociais que associavam pessoas racializadas à
decadência moral, degeneração mental, predisposição para a loucura.

Recordações do escrivão Isaías


Clara dos Anjos (1948) Caminha (1906)

Cemitério dos vivos


(1956)
O critério da genialidade literária: Machado de Assis x Lima Barreto

•Sérgio Buarque de Holanda e o prefácio a Clara dos Anjos:

Para Sérgio, Lima não elabora eficientemente a “refundição estética”. Diferentemente de


Machado de Assis o autor não trabalha esteticamente o objeto literário de modo que a
obra se mostra como uma espécie de “confissão mal escondida”. Ressentimentos e
problemas íntimos estão em seus escritos como corpos estranhos, não absorvidos;
Lima Barreto: a visão crítica da sociedade a partir do subúrbio

"[...] O trem parara e eu abstinha-me de saltar. Uma vez, porém, o fiz; não sei mesmo em
que estação. Tive fome e dirigi-me ao pequeno balcão onde havia café e bolos.
Encontravam-se lá muitos passageiros. Servi-me e dei uma pequena nota a pagar. Como se
demorassem em trazer-me o troco reclamei: “Oh!”, fez o caixeiro indignado e em tom
desabrido. “Que pressa tem você?! Aqui não se rouba, fique sabendo?” Ao mesmo tempo
ao meu lado, um rapazola alourado reclamava o dele, que lhe foi prazenteiramente
entregue. O contraste feriu-me, e com os olhares que os presentes me lançaram, mais
cresceu a minha indignação. Curti durante segundos uma raiva muda, e por pouco ela não
rebentou em pranto. Trôpego e tonto, embarquei e tentei decifrar a razão da diferença dos
dois tratamentos [...]"

In: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909)

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