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A aplicação da lei no tempo

Quando uma situação já legislada é alterada surgem imensas dúvidas sobre o âmbito de
aplicação da lei antiga (LA) e da lei nova que a revogou (LN).

Solução

 O direito transitório
É a disciplina que a própria LN oferece para a resolução do seu conflito com a LA.
Pode ter caracter: formal – limita-se a determinar a lei que se aplica (LA ou LN) ou material
– estabelece uma regulamentação própria que não coincide com a disciplina da LA nem da
LN.

O direito transitório não constitui uma solução normal destes problemas , muitas das vezes
é lacunoso. Compete à doutrina e à jurisprudência a determinação de critérios racionais que
constituam uma forma de orientar a determinação da lei a aplicar.

a) Critério geral: o princípio da não retroatividade da lei

O princípio da não retroatividade significa que a lei não dispõe para o passado. Três graus
de retroatividade:

1. O grau máximo: a LN aplica-se imediatamente a todas as situações que têm a sua


origem no passado, incluindo aquelas já fixadas e decididas por sentença.
2. O grau agravado: a LN aplica-se a todas as situações do passado, mas respeita os
efeitos já definidos por decisão judicial ou título equivalente.
3. O grau ordinário: a LN respeita todos os efeitos já produzidos pela LA.

O grau máximo é excluído porque é constitucionalmente proibido.


Na base do problema encontram-se duas funções:
 Função estabilizadora: garante os nossos direitos, expetativas e assegura a
indispensável previsibilidade;
 Função dinamizadora: ajusta a ordem jurídica estabelecida à evolução social.

b) Fundamentação

 A doutrina dos direitos adquiridos


Segundo esta doutrina os direitos adquiridos à sombra duma lei devem ser respeitados
pelas leis posteriores.
Distingue os direitos adquiridos das faculdades legais e das expetativas: os primeiros
entram já no nosso domínio e não nos podem ser retirados, os outros dois enquanto não se
converterem em direitos adquiridos não têm de ser respeitados pela lei nova.
A LN tem de respeitar os direitos adquiridos, mas não as faculdades legais e as expetativas.
Esta doutrina é criticada e foi sendo posta de lado.

 A doutrina do facto passado


Sustenta que todo o facto jurídico é regulado pela lei vigente quando se produziu, por isso,
a LN não deve ser retroativa.

A LA (lei em vigor quando ocorreu o facto que os produziu) continua a ser aplicada sobre:
efeitos jurídicos já consumados sob o seu império; efeitos jurídicos ainda pendentes quando
a LN surge; efeitos jurídicos que ainda não se produziram, mas podem ocorrer como
consequência de um facto passado.

Quanto aos factos ainda pendentes quando a LN surge:


 Se os seus efeitos jurídicos já se produziram antes da entrada em vigor da LN aplica-
se a LA;
 Se os seus efeitos jurídicos ainda NÃO se produziram aplica-se a LN (não é
retroatividade, mas efeito imediato).

Quanto aos factos futuros:


 Deve aplicar-se a LN.
 A doutrina das situações jurídicas objetivas e subjetivas
Substituição do conceito de direito subjetivo pelo de situação jurídica que compreende
duas espécies:

 Subjetivas: resultam das manifestações da vontade dos indivíduos de harmonia com


a lei e têm um conteúdo individual. São livremente determinadas pelos indivíduos.
 Objetivas: simples poderes legais que a lei atribui às pessoas em virtude da
ocorrência de factos. São imperativamente fixadas pela lei.

Às subjetivas vindas do passado aplica-se a LA; às objetivas a LN.

 A doutrina das situações jurídicas de execução duradoura e de execução


instantânea
Constitui uma nova versão da teoria do facto passado. Distingue situações jurídicas de
execução duradoura e de execução instantânea.

 Duradoura: vivem mais ou menos indefinidamente e a sua execução ocorre


periodicamente;
 Instantânea: surgem para morrer, executam-se de um momento para o outro
mediante um ato isolado.

Nas situações de execução duradoura tem de se separar o passado, pertence à LA, e o


futuro, pertence à LN.
c) Prazos

Artigo 297º do CC
1. Se a LN estabelecer um prazo mais curto, aplicar-se-á também aos prazos ainda em
curso, mas o tempo só se conta a partir da sua entrada em vigor. Se faltar menos
tempo para o prazo acabar segundo a LA aplica-se a LA.
2. Se a LN fixar um prazo mais longo, aplicar-se-á aos prazos em curso, mas computar-
se-á o tempo decorrido antes.

Há prazos a que isto não se aplica: são os prazos não constitutivos, modificativos ou
extintivos de relações jurídicas. Como por exemplo, o período legar de gestação e o prazo
internupcial.
Nestes casos o prazo já decorrido não interessa: aplica-se a LN.

d) Referência aos estatutos

Da aplicação do artigo 12º do CC resultam os seguintes estatutos:

1. Estatuto pessoal: quanto à sua constituição, aplica-se a lei em vigor no momento, LA.
Quanto ao seu conteúdo aplica-se a LN.

2. Estatuto real: quanto à aquisição de um direito real, aplica-se a lei vigente nesse
momento, a LA. Mas, se a LN alterar o conteúdo desse direito, aplica-se logo a LN.

3. Estatuto do contrato: aplica-se a lei em vigor na altura da feitura do contrato, com


fundamento pelo respeito da vontade das partes. Com efeito é com base na lei
vigente que os indivíduos decidem contratar e seria mau aplicar a LN que altere o
equilíbrio do que queriam. A aplicação imediata da LN deve ser tida em consideração
se o interesse social determinar a tutela das categorias sociais mais fracas.

4. Estatuto sucessório: aplica-se a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.


Quanto à validade dos testamentos e etc, deve aplicar-se a lei vigente no momento
da sua feitura: LA.

5. Responsabilidade extracontratual (por facto ilícito, risco ou facto lícito): aplica-se a


lei em vigor ao tempo da ocorrência do facto que a gerou: a LA.
Lei interpretativa

A lei interpretativa realiza a interpretação autêntica: o legislador interpreta uma lei, LA,
através de uma lei nova, LN. É necessário, porém que os seguintes requisitos sejam
satisfeitos:
 O tempo: a lei interpretativa (LN) deve ser posterior à lei interpretada (LA).
 Finalidade: a lei interpretativa deve interpretar a LA, cuja solução se apresenta
controversa ou incerta.
 Fonte: a lei interpretativa não deve ser hierarquicamente inferior à lei interpretada.

 Retroatividade

Artigo 13º do CC.


Há certos efeitos que não podem ser atingidos por já se terem tornado certos. São os
efeitos produzidos:
1. Pelo cumprimento duma obrigação;
2. Por sentença passada em julgado;
3. Por transação;
4. Por atos de natureza análoga.

A lei interpretativa tem caracter retroativo integrando-se na lei interpretada, com que fica
constituindo um todo único e de que a essa retroatividade escapam os efeitos já
produzidos.
Tendo em conta o artigo 13º nº1 do CC, podem suscitar-se questões: quid iuris se uma lei
interpretativa não a respeitar?

 Se a lei interpretativa for hierarquicamente inferior, deve-se considerar ilegal;


 Se a lei interpretativa for do mesmo nível hierárquico (lei ou decreto-lei), dever-se-á
interpretar extensivamente a CRP: o artigo 282º, nº3 que ressalva o caso julgado,
estender-se-á às outras situações e a lei interpretativa será inconstitucional.

É importante distinguir-se lei interpretativa de lei inovadora: a lei só será interpretativa se


fixar uma das interpretações que, segundo as regras da interpretação jurídica, a LA
contenha.
Se o sentido da LA já se tornou certo por obra de uma corrente jurisprudencial uniforme, a
LN, que consagrar uma situação diferente é inovadora e não interpretativa.
 Lei confirmativa

Serve para aligeirar formalidades que a LA exige que são muito pesadas; dispensa
pressupostos que segundo a LA condicionavam negócios; elimina impedimentos que
justificavam a aplicação de determinadas sanções; admite atos que a LA considerava
inadmissíveis.

Constituindo a lei confirmativa uma LN aplica-se-lhe o regime jurídico disposto no artigo 12º
do CC, portanto não será em regra retroativa.
É possível, porém recorrer-se à ideia de retroatividade se a LN não confirmar
expressamente os atos anteriores, e for mais favorável aos interesses do particular.

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