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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Arquitetura e Urbanismo

História da Arquitetura, da Arte e da Cidade II – Coração Eucarístico – Tarde


Estudo dirigido III – Brasília: Cidade Planejada, Cidade Vivida
Alunos: Fernanda Maciel e Gabriel C. Aquino

Inaugurada em 1960, no intuito de ocupar o centro do país para impulsionar seu


desenvolvimento, Brasília foi planejada para ser a capital do Brasil, símbolo político e militar.
Transcendendo características únicas, a cidade contou com o urbanismo de Lúcio Costa e Oscar
Niemeyer, nomes de grande importância para a arquitetura brasileira e mundial. No entanto, a
criação da capital brasileira carrega em seu processo genitor diversas historicidades em relação
à sua disposição, funcionalidade, habitação e urbanização, dos quais estabelecem uma
intrínseca relação discursiva acerca da criação e experimentação das cidades modernas.

Em primeira análise, percebe-se que é abordado em diversos artigos e documentários a


temática da urbanização de Brasília. Nessa perspectiva analítica, nota-se que diversos são os
fatores incorporados na teoria posta no planejamento da capital, mas que, no entanto, não
tiveram tanto êxito como o esperado. A divisão da cidade foi feita a partir de um formato
crucifixo, mas que hodiernamente opera simbolicamente como um avião, representando a
decolagem para o modernismo. A morfologia territorial imposta diz respeito à divisão e
setorização de todos os equipamentos sociais presentes na bolha planejada, direcionando
setores bancários, culturais, monumentais e habitacionais. Todavia, a diferenciação de moradias
e acessos aos espaços entre os que trabalhavam na construção da cidade e os políticos frisava
ainda mais a criação de locais excludentes, reforçando a cultura separatista, fator que perpetua
até os dias atuais. Logo, a partir disso, surgem as cidades satélites, que emergem de uma
carência habitacional em meio a superquadras e grandes prédios planejados. As cidades
satélites, construídas também pelos os trabalhadores responsáveis por erguer Brasília e das
quais hoje somam mais de 90% de concentração populacional, foram criadas como aparato de
subsistência aos moradores, mas divergia do controle de desenvolvimento de ocupação da
capital. A necessidade de poderio desenvolvimentista da densidade demográfica e o desejo
populacional em encontrar em Brasília o oásis faz com que seja retomado a cultura à exclusão
social e aflora em seus progenitores a necessidade de incorporar ao plano piloto o planejamento
de uma das diversas cidades satélites que surgiram no entorno.
Destarte, associando diretamente o planejamento das quadras da cidade de
Barcelona executado por Cerdá, do qual o engenheiro e urbanista define uma constante conexão
com a natureza, Lúcio exprime em Brasília a mesma necessidade, estabelecendo a criação das
designadas superquadras já supracitadas. Sob grandes vãos e pilotis e cercadas por áreas verdes,
as superquadras tinham por seu objetivo tornar os espaços interativos entre os moradores e
conectá-los aos demais equipamentos de sociabilidade presentes e à natureza. Diferente de
Paris, a criação da cidade ultrapassa a questão estética e gera espaços convidativos, inspirados
nas vizinhanças e nas cidades jardins.

Analiticamente, além da questão ambiental, a industrialização automobilística da época


ocasionou a disseminação do óbice, ainda hodierno, relacionado ao asfalto e às cidades feitas
para os carros. Logo, a partir de tal preocupação com a viabilidade de trânsito dos automóveis,
o planejamento urbano da cidade amálgama a desnecessidade em locar semáforos e demais
aparatos de sinalização, proporcionando grandes vias longilíneas e largas. Desse modo, surge a
problemática entre cheios e vazios. Devido à chegada do modernismo e os afazeres diários, os
espaços de grande porte que poderiam ser ocupados pela população acabam perdendo sua
função normativa e estabelecem apenas a função de um local vazio, pois, como dito por Muniz
Sodré, "O espaço envolve completamente o observador, integrando-o no quadro de
experiências”, concluindo a conceituação de que não há a experimentação da cidade absentada
pelo olhar do observador.

Parafraseando o autor e urbanista Kevin Lynch, “Não somos somente espectadores,


somos atores que compartilham do mesmo cenário com os demais participantes”, retoma-se a
necessidade de vivenciar a cidade. Em uma relação proporcional, as pessoas definem a
identidade da urbe e a urbe define a identidade das pessoas, o que frisa o princípio de criação
da cidade para a sociedade, incluindo também a parcela dos que trabalharam duramente para
erguê-la, mas acabam sendo invisibilizados pela pecúnia. Devido a setorização supracitada
inicialmente, em Brasília existem grandes espaços abertos e inutilizados, considerados não
funcionais ergonomicamente - seja por sua grande extensão a ser percorrida, pela ausência de
assistência contra intempéries ou pela falta de iniciativa do uso - a experimentação da cidade
se restringe a participação dos carros e desencontros nos espaços físicos. Não obstante, é função
da cidade despertar um desejo de identificação pessoal com os espaços, facilitando a vivência
e evolução da urbe como um organismo vivo e contrapondo a vivência medrosa dos diferentes,
mesmo compreendendo a imposição dos corpos no território e a diferenciação de suas
experiências citadinas, como por exemplo entre homens e mulheres.

Portanto, assim como dito por Lina Bo Bardi, grande arquiteta modernista, as pessoas
são criadoras de espaços. A partir de tal contextualização, conclui-se que os espaços são
modelados de acordo com as necessidades e vivências de forma com que o ambiente caracterize
os grupos sociais presentes e formem uma identidade para o local e para o grupo. Além do mais,
de maneira crítica ao planejamento de Lúcio Costa, a análise ambiental, topográfica e de uso
populacional se fazem necessárias para concretizar uma ocupação exitosa, evitando setorização
de usos comuns e de habitações, fator notório na diferenciação entre as cidades satélites e as
superquadras. Dessarte, é inegável de que o urbanismo de Brasília foi pensado à risca e de
maneira genial, mas sem considerar a parcela populacional responsável grande parte pela
construção da cidade, transcendendo principalmente no quesito infraestrutura, devido a
setorização evitar encontros e trocas pela cidade, limitando suas transições e uso do território.
Logo, retomando o Plano Cerdá, percebe-se que se faz necessário o estudo de diversos fatores
antes de propor um planejamento íntegro, pois estabelecer uma construção transtemporal da
cidade, para que possa jamais perder sua essência e ainda sim ser funcional para a futura
geração, inspira novas cidades e gera uma população com qualidade de vida elevada, sendo
indissociável do direito à cidade a experimentação de tal. Para a cidade viver, viva.

Referências bibliográficas

COSTA, Camila; OLONA, Carol. Brasília 60 anos: como a realidade transformou a cidade idealizada por Lúcio
Costa e Niemeyer. BBC, 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-143f8aa4-dbeb-
4f4d-86a8-eeb3b0ac7191>. Acesso em: 01 dez. 2021.

MENSAGENS de candangos encontradas mais de 50 anos depois da construção do Congresso. Câmara dos
Deputados. 2017. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/arquivo/mensagens-de-
candangos-encontradas-mais-de-50-anos-depois-da-construcao-do-congresso>. Acesso em: 01 dez. 2021.

O CORPO e a Cidade Modernista. Direção de Pedro Rodolpho. UnBTV, 2020. 40min.

A MENINA de sessenta. Direção de Jimi Figueiredo. TV Senado, 2020. 26min.

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