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A Cartomante Adaptado 2013
A Cartomante Adaptado 2013
“Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha tua vã Filosofia”
Shakespeare
Prólogo /parte I
Machado de Assis
(Machado sentado à mesa escrevendo e pensando na composição de Rita. Entra Carolina, sua
esposa, e pergunta:).
Carolina – não, acho que não, mas não sei ao certo, devo sentir?
Machado – bem sabes que não, mas ando a vagar. (PAUSA)
Algo não me sai da mente, não é um romance, e acho que você me inspirou, escrevo
agora uma história de traição, de ciúmes e dos mistérios da vida. Escrevo sobre as dúvidas do
amor.
Machado – há pouco falei de Rita, pode ser que esteja enganado, mas senti uma ponta de
ciúmes.
Carolina- não era ciúmes. É que nunca ouvi você mencionar esse nome.
Machado – observo os seres humanos, uma simples desconfiança pode virar uma grande
tragédia, foi assim com Otelo...
Machado - Rita é uma mulher de 30 anos, madura, bonita e inteligente, mas também gosta de
coisas fúteis.
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Empregada – essa mulher deve ser o diabo mesmo!
Carolina – e quem é o ADÃO?
Empregada – Adão? Que história mais enrolada, que pena! Pensei que tinha alguma fofoca das
boas pra contar pra comadre, não acontece nada demais por aqui.
Machado – Nesse caso, não sei ao certo; Adão, Eva, serpente, Deus? Os papéis estão se
definindo.
Machado – sentar-me-ei à mesa e logo, logo tudo estará resolvido.
Carolina – sendo assim , melhor que eu me vá, deixo-o com a inspiração ( beijando a testa de
Machado).
(Sai a empregada)
(sai Carolina)
Prólogo /parte II
(Entra Carolina)
Carolina – terminaste?
Machado – creio que sim.
Carolina – Mas...
(Carolina ia interromper Machado sobre a tal cartomante, mas é interrompida por ele)
Machado – calma, minha querida, eis o manuscrito, seja minha leitora e minha crítica, depois
falamos sobre esse enredo. (Ele entrega o manuscrito a Carolina, beija-a na testa e se retira).
(Carolina, ao centro, inicia a leitura do conto, ao mesmo tempo que assume a postura de
narradora)
(Sai Carolina e entra Rita e Camilo andando de mãos dadas como marido e mulher. Camilo ria
de Rita)
Camilo – Foste procurar uma cartomante? (Camilo ri, meio debochadamente, mas sem que
tenha intenção de ferir os sentimentos de Rita).
Rita – ria, ria. Os homens são assim, não acreditam em nada. Pois saiba que fui e que ela
adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a
botar as cartas e disse-me: “ A senhora gosta de uma pessoa...” confessei que sim, e então ela
continuou a botar as cartas, combinou-as e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você
me esquecesse, mas que não era verdade...
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Rita – Não diga isso Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado por sua causa. Você
sabe, já lhe disse. Não ria de mim, não ria.
Camilo – juro que te amo, não precisa de uma cartomante, nem de ninguém para confirmar o
que sinto, por que não perguntou a mim? Pode ser imprudente de sua parte falar com estranhos.
Rita – sou cautelosa, a casa dela é misteriosa, ninguém por perto me conhece.
Carolina – pobre Rita! Não existe nada pior que uma mulher insegura no amor, mas como se
conheceram? Ah!! Vejamos: Vilela, Camilo e Rita, três nomes, vamos às explicações.
Vilela e Camilo eram amigos de infância, Vilela tornou-se advogado; e Camilo, funcionário
público. Vilela casou-se com Rita e esta, um tempo depois, fez-se amante de Camilo.
(Sai Carolina)
Vilela – Pensei em ti o dia todo, principalmente à tarde, acho que por causa de perfume que
parecia exalar no escritório, nem sei de onde vinha, mas a impressão que tive foi de que ele se
impregnou na minha memória e voltei no tempo, e ao dia em que te conheci. Se pudesses sentir
o mesmo, afinal, o que fizeste à tarde?
Rita – nada de mais, apenas li um romance, como costumo fazer (Rita disfarça, naturalmente e
prolonga detalhes para não gerar desconfianças, mas é interrompida pelo esposo).
Vilela – romance? Não era de poesia de que gostavas? Dos jornais? E de que trata o romance?
Rita – gosto das intrigas e cansei de poesia, precisava de algo mais denso e envolvente. Então
encontrei um novo escritor.
Vilela – um novo escritor? É estrangeiro?
Rita – novo sim. Estrangeiro não. É carioca e se chama Machado de Assis.
(Os dois são interrompidos por uma batida na porta, como a empregada não aparece, Rita vai
atender)
(Entra Camilo)
Camilo – também gosto muito dele. E ele tem uma esposa adorável!( no mesmo tom de ironia
de Rita)
Vilela – quantos elogios!! Mas vamos ao que interessa! Chamei-o por causa de uns papéis que
tua mãe deixou.
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(Saem os três)
Camilo –o quê? Imoral eu? Todo mundo sabe de minha aventura. Quem terá mandado isso?
Algum chantagista? Tenho que tomar cuidado, melhor diminuir as visitas e os encontros com
Rita.
(Entra Rita, abraçando Camilo por trás, sem nada saber ainda, mas percebe que algo está errado)
Rita- mostre-me o bilhete, pode ser que seja de meu marido ( ela pega o bilhete)
Camilo – será?
Rita – tudo é possível.
Rita – ah, não dá pra saber, está datilografado.
Camilo – calma! Não deve ser dele, vá para casa se ele agir estranho, você perceberá.
(Saem Rita e Camilo, mas antes Rita indo em direção oposta ao amante é puxada pelos braços,
caindo nos braços de Camilo e os dois se beijam)
Fecham as cortinas
Camilo – um outro bilhete? Dessa vez é de Vilela, vejamos o que ele diz.
“Vem já, já, à nossa casa, preciso falar-te sem demora.”( a voz é sussurrada, nesse caso ouvimos
a voz de Vilela)
Sai Camilo
Entra o Narrador/Carolina
Entra a cartomante (o ambiente é escuro, há pouca iluminação, apenas um feixe de luz incide
sobre uma cadeira em que sentam os clientes)
A cartomante senta à mesa com umas cartas. Está escuro. Batem desesperadamente à porta.
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Cartomante – quem será uma hora dessas? (pausa)
Tenho que ter calma. Se alguém me ouve falar desse jeito, vai pensar que não
adivinho nada. (Abre a porta) Ora!! Sei de quem se trata.
Camilo – posso entrar? (entra sem esperar resposta, mas é parado pelas mãos da cartomante)
Queria lhe consultar.
Cartomante – calma, vejamos o que lhe trouxe aqui. O senhor tem um grande susto...
(A cartomante convida Camilo a sentar, na cadeira onde incide a luz, seu rosto assustado fica
mais visível, ela também senta à mesa)
Cartomante – espere um pouco. (pega as cartas e as baralha, depois as estende, Camilo olha
fixamente nas cartas e na cartomante)
Cartomante – as cartas dizem-me ...- não tenha medo de nada. Nada acontecerá. Nem a você
nem a ela. O outro não sabe de nada. ( a cartomante recolhe as cartas)
(Camilo tira a nota de R$ 100 e dá a ela, a cartomante fica de olho no dinheiro, fuzilando-o)
Cartomante – vejo que o senhor gosta muito dela (em tom de ironia, mas natural)... e faz bem,
ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...
(Fecham-se as cortinas)
Parte Final
5
A porta se abre. E aparece Vilela.
Camilo vê Rita morta e ensangüentada ao fundo (fica assustado). Vilela pega-o pela gola e com
dois tiros de revólver, estira-o morto no chão.
FIM