Revisão Lilian Scaramussa Azevedo O Tigre Faminto e o Leão Covarde
The Cowardly Lion and the Hungry Tiger
— Publicado em 1913
No esplêndido palácio da Cidade das Esmeraldas, coração da
mágica Terra de Oz, fica a Sala do Trono, onde a Princesa Ozma, a Governante, fica por uma hora todos os dias, sentada em seu trono de esmeraldas brilhantes, ouvindo os problemas do seu povo, que anseia contá-los a ela. Em tais ocasiões, personalidades importantes de Oz, como o Espantalho, Jack Cabeça-de-Abóbora, Tique-Taque, o Pontual, o Homem de Lata, o Mágico de Oz, o Desajeitado, e outras criaturas mágicas se reúnem em volta do trono de Ozma. A Pequena Dorothy tem lugar garantido aos pés de Ozma e, agachadas, uma em cada lado do trono, ficam duas feras enormes, conhecidas como o Tigre Faminto e o Leão Covarde. Essas duas feras são guardiãs-chefes de Ozma, mas, como todos amam a bela Princesa, nunca houve problema algum na grande Sala do Trono, as guardiãs nunca fizeram nada além de parecerem ferozes e solenes, ficando em silêncio até que a Audiência Real acabasse e as pessoas fossem para suas casas. É claro que ninguém ousaria fazer nada de errado enquanto o Tigre e o Leão estivessem agachados ao lado do trono, mas a verdade é que é muito raro que o povo de Oz faça algo de errado. Logo, os grandes guardas de Ozma são mais ornamentais do que tudo, e ninguém sabe disso melhor que as próprias feras. Um dia, depois que todos haviam deixado a Sala do Trono exceto o Tigre Faminto e o Leão Covarde, o Leão bocejou e disse o seguinte ao seu amigo: — Estou ficando cansado desse trabalho. Ninguém nos teme nem presta atenção em nós. — Isso é verdade — respondeu o grande Tigre, ronronando baixinho. — Nós poderíamos muito bem estar nas grandes selvas onde nascemos ao invés de estarmos protegendo Ozma quando ela não precisa ser protegida, e eu fico faminto o tempo inteiro. — Eu tenho certeza de que você tem comida o suficiente — disse o Leão, abanando a cauda devagar de um lado para o outro. — Talvez seja o suficiente, mas não é o tipo de comida que eu gostaria de comer — respondeu o Tigre. — Estou com vontade de devorar crianças gordinhas. Tenho um grande desejo de devorá-las. Talvez com isso o povo de Oz teria medo de mim e eu me tornaria mais importante. — É verdade — concordou o Leão. — Você causaria um tumulto bem grande se devorasse pelo menos uma criança gordinha. Quanto a mim, minhas garras são afiadas como agulhas e fortes como pés-de-cabra, meus dentes são firmes o suficiente para rasgar uma pessoa em pedacinhos em poucos segundos. Se eu atacasse um homem e o partisse em pedacinhos, causaria um grande tumulto na Cidade das Esmeraldas, as pessoas se ajoelhariam diante de mim e implorariam pela minha misericórdia. Eu acho que isso me conferiria uma importância considerável. — Depois de partir a pessoa em pedacinhos, o que você faria? — perguntou o Tigre, sonolento. — Depois, eu rugiria tão alto que faria a terra tremer e fugiria para a selva para me esconder antes que alguém pudesse me atacar ou me matar pelo que eu fiz. — Entendo —, assentiu o Tigre. — Você é mesmo covarde. — Mas é claro. É por isso que me chamo Leão Covarde. Por isso sempre fui tão tranquilo e pacífico, mas estou muito cansado de ser tranquilo — acrescentou o Leão, com um suspiro. — Seria divertido causar uma algazarra para mostrar às pessoas a fera terrível que eu sou. O Tigre permaneceu em silêncio por alguns minutos, refletindo bastante enquanto calmamente lavava o rosto com sua pata esquerda. Então, ele disse: — Estou ficando velho e ficaria feliz em devorar ao menos uma criança gordinha antes de morrer. Suponha que surpreendamos o povo de Oz e provemos o nosso poder. O que você acha? Vamos sair daqui como sempre fazemos e vou devorar a primeira criança que encontrarmos, e você partirá em pedacinhos o primeiro homem ou mulher que encontrarmos. Depois, nós dois sairemos pelos portões da cidade, iremos galopar através do país e nos esconder na selva antes que alguém nos impeça. — Tudo bem, estou dentro — concordou o Leão, bocejando de modo que exibia duas fileiras de dentes terrivelmente afiados. O Tigre se levantou e esticou seu corpo grande e esguio. — Vamos — disse ele. O Leão se levantou e provou que era o maior dos dois, pois era quase tão grande quanto um cavalo pequeno. Eles saíram do palácio e não encontraram ninguém. Passaram pelos belos jardins, pelas fontes e pelos adoráveis campos de flores e não encontraram uma pessoa sequer. Então, destrancaram um portão, entraram numa rua da cidade e não encontraram ninguém. — Estou imaginando qual é o gosto de uma criança gordinha — destacou o Tigre, enquanto eles marchavam majestosos, lado a lado. — Eu acho que tem gosto de noz-moscada — disse o Leão. — Não — contestou o Tigre — acho que tem gosto de jujuba. Eles viraram a esquina, mas não encontraram ninguém, pois o povo da Cidade das Esmeraldas estava acostumado a tirar uma soneca nesse horário da tarde. — Estou imaginando em quantos pedaços eu devo partir uma pessoa — declarou o Leão, num tom pensativo. — Sessenta seria o bastante — sugeriu o Tigre. — Será que doeria mais que parti-la em cerca de doze pedaços? — questionou o Leão, com um tremor na voz. — Quem liga se doerá ou não? — rugiu o Tigre. O Leão não respondeu. Eles entraram em uma rua menor, mas não encontraram ninguém. De repente, ouviram uma criança chorando. — Aha! — exclamou o Tigre. — Aí está a minha carne. Ele correu, virando a esquina. O Leão o seguiu e eles encontraram uma bela criança gordinha sentada no meio da rua, chorando como se estivesse com um grande problema. — O que foi? Qual o problema? — perguntou o Tigre, agachando ao lado da criança. — Eu... Eu... Eu perdi a minha mã-mã-mamãe! — berrou a criança. — Ah, pobrezinha — disse a grande fera, afagando a cabeça da criança cuidadosamente com sua pata. — Não chore, minha querida, pois sua mamãe não pode estar longe e eu vou lhe ajudar a encontrá-la. — Vá em frente — asseverou o Leão, que estava ao lado. — Para onde? — perguntou o Tigre, olhando ao redor. — Vá em frente, devore essa criança gordinha. — Oh, criatura terrível! — disse o Tigre, em tom de reprovação. — Por que você quer que eu coma essa pobre criancinha perdida, que não sabe onde sua mãe está? — E a fera pegou a pequena em suas patas fortes e peludas e tentou confortá-la, balançando-a devagar de um lado para o outro. O Leão rugiu baixinho e parecia muito decepcionado, mas, naquele momento, um grito chegou aos seus ouvidos e uma mulher veio correndo de uma casa até a rua. Ao ver sua filha nos braços do monstruoso Tigre, a mulher gritou novamente e correu para resgatá- la, mas, na pressa, seu pé ficou preso em sua saia e ela tropeçou com tudo, caindo no chão com uma pancada tão forte que ela viu muitas estrelas no céu, apesar de ainda ser dia. E lá ela ficou, impotente, toda desajeitada e sem conseguir se mexer. Com um salto e um rugido alto como um trovão, o Leão chegou ao seu lado e, com sua forte mandíbula, ele a puxou pelo vestido e a levantou. — Pobrezinha! Você se machucou? — perguntou ele, gentilmente. Com a respiração ofegante, a mulher lutou para se soltar do Leão e tentou andar, mas ela estava mancando muito e caiu outra vez. — Meu bebê! — exclamou ela, implorando. — O bebê está bem, não se preocupe — respondeu o Leão. E acrescentou: — Fique quieta agora, vou te levar de volta para sua casa, e o Tigre Faminto levará a criança. O Tigre, que chegou ao local com a criança em seus braços, perguntou espantado: — Você não vai parti-la em sessenta pedaços? — Não, nem em seis — respondeu o Leão, indignado. — Não sou tão bruto a ponto de destroçar uma pobre mulher que se machucou tentando salvar sua filha perdida. Se você é tão feroz, cruel e sedento por sangue, pode me deixar e seguir sozinho, pois não quero me associar a você. — Está bem — respondeu o Tigre. — Eu não sou cruel, nem um pouco, só faminto. Mas, pensei que você fosse cruel. — Graças aos céus eu sou uma figura respeitável — disse o Leão, com dignidade. Então, levantou a mulher com muito cuidado e a levou para casa, onde a deixou em um sofá. O Tigre seguiu com a criança e a deixou em segurança ao lado da mãe. A pequena gostou do Tigre Faminto e, pegando a enorme fera pelas duas orelhas, deu um beijinho em seu nariz para mostrar que estava grata e feliz. — Muito obrigada — disse a mulher. — Já ouvi dizer, algumas vezes, como vocês são boas feras, apesar de seu poder para fazer mal à humanidade, e agora sei que as histórias são verdadeiras. Acho que vocês nunca tiveram um pensamento ruim sequer. O Tigre Faminto e o Leão Covarde abaixaram suas cabeças e não olharam nos olhos um do outro, pois ambos estavam envergonhados e abatidos. Eles saíram de fininho e voltaram às ruas até que, por fim, retornaram aos limites do palácio, onde voltaram aos lugares belos e confortáveis que ocupavam na parte de trás do lugar. Foram quietos até lá para refletirem sobre sua aventura. Depois de um tempo, o Tigre disse, sonolento: — Não acredito que crianças gordinhas tenham gosto de jujuba. Tenho quase certeza de que elas têm gosto de torta de framboesa. Como eu queria provar uma criança gordinha! O Leão grunhiu com desdém. — Você é um charlatão — disse ele. — Sou? — devolveu o Tigre, zombando. — Diga-me, então, em quantos pedaços você costuma partir suas vítimas, meu corajoso Leão? O Leão bateu a cauda no chão, impaciente. — Partir alguém em pedaços sujaria as minhas garras e mancharia meus dentes — disse ele. — Estou feliz que não me sujei nesta tarde machucando aquela pobre mãe. O Tigre olhou firme para ele e depois deu um bocejo bem, bem grande. — Você é um covarde — destacou ele. — Bem — concluiu o Leão —, é melhor ser covarde do que fazer o mal. — É claro — respondeu o outro. — E isso me lembrou de que quase perdi minha reputação, pois se tivesse devorado aquela criança gordinha, agora eu não seria mais o Tigre Faminto. Para mim, é melhor ter fome do que ser cruel a uma pequena criança. Então, eles apoiaram suas cabeças em suas patas e foram dormir. Sobre o Autor
Lyman Frank Baum nasceu em 15 de maio de 1856 na cidade de
Chittenango, EUA. Ele ficou muito conhecido por suas histórias direcionadas ao público infantil, sendo a obra mais notória a série O Mágico de Oz. O escritor tinha ancestrais alemães e britânicos, e era o sétimo dos nove filhos de Cynthia Ann e Benjamin Ward Baum. Foi educado em casa até os doze anos, quando foi enviado a uma academia militar onde passou dois anos. Devido à severidade do local, Baum sofreu um ataque cardíaco. O autor escrevia desde muito jovem. Com a ajuda de seu irmão Henry, ele produziu o The Rose Lawn Home Journal, que distribuíam de graça aos amigos e familiares. Aos dezessete anos ele criou outro jornal chamado The Stamp Collector, que o fez começar a trocar selos com os amigos. Em 1880, fundou um jornal de publicação mensal, o The Poultry Record e, quando tinha 30 anos, seu primeiro livro foi publicado. Baum iniciou a carreira nas artes com o teatro. Ele participou de algumas peças sob pseudônimos e em 1880 seu pai construiu um teatro para ele em Richburg, Nova York, fazendo com que Baum começasse a escrever peças e formar uma companhia. Sua peça, The Maid of Arran, a qual ele escreveu, estrelou e compôs a trilha sonora, fez certo sucesso, o que permitiu que a peça fosse apresentada em outros teatros. Enquanto estava em tour com a peça, o escritor se casou com Maud Gage. Em 1888, Baum e a esposa se mudaram para o estado de Dakota do Sul, onde ele abriu a loja Baum’s Bazaar, que acabou por falir. Com isso, o autor passou a editar o jornal local, chamado The Aberdeen Saturday Pioneer. As paisagens que ele viu nessa fase de sua vida inspiraram as descrições do Kansas nas histórias de Oz. O jornal em que Baum trabalhava também faliu, fazendo com que o escritor e sua família se mudassem para Chicago, onde ele começou a trabalhar no Evening Post. Em 1897, ele fundou a revista The Show Window e, nesse mesmo ano, publicou Mother Goose in Prose, uma coleção de histórias infantis que teve sucesso financeiro. Em 1900 publicou seu maior sucesso, O Mágico de Oz. Além dos livros da série de Oz, Baum escreveu outros trabalhos de ficção sobre vários pseudônimos como Edith Van Dyne, John Estes Cooke e Floyd Akers. Em 5 de maio de 1919, Baum sofreu um derrame, entrando em coma, mas o escritor acordou no dia seguinte, conseguindo se comunicar com sua esposa antes de falecer no dia 6 de maio.
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Primeira edição, 2020.
A versão original do texto, em inglês, está disponível no Domínio
Público.
E-mail para contato: literaturadescoberta@gmail.com
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