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GEN -- Grupo de Estudos Nietzsche

Edições Loyola

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WEREDAS

GEN- Grupo de Estudos Nietzsche

Dicionário Nietzsche

Edições Loyo/a

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dicionário Nietzsche/ [editora responsável Scarlett Marton]. -- São Paulo :


Edições Loyola, 2016. -- (Sendas & veredas)
Apoio: GEN - Grupo de Estudos Nietzsche.
ISBN 978-85-15-04384-2
1. Filósofos - Dicionários -Alemanha 2. Nietzsche, Friedrich Wilhelm,
1844-1900 - Dicionários -Alemão 1. Marton, Scarlett. 11. Série.
16-05338 CDD-193

Índices para catálogo sistemático:


1. Nietzsche : Filosofia alemã 193

Coleção Sendas & Veredas


GEN - Grupo de Estudos Nietzsche
Editora responsável: Scarlett Marton
Universidade de São Paulo (USP)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Av. Prof. Luciano Gualberto, 315
05508-900 São Paulo, SP
www.gen.fflch.usp.br

Capa: Walter Nabas


Retrato de Friedrich Nietzsche, 1882;
uma das cinco fotos do fotógrafo Gustav Schultze,
Naumburg, tiradas no início de setembro de 1882.
http://commons.wikimedia.org/wiki/Fi le:Nietzsche 1882.jpg
Diagramação: Ronaldo Hideo lnoue

Edições Loyola Jesuítas


Rua 1822, 341 - lpiranga
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ISBN 978-85-15-04384-2
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2016

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Sumário

Índice dos verbetes 7

Prefácio 17

Nietzsche, vida e obra 25

Os livros publicados 37
por Nietzsche

Índice das abreviações 97


das obras de Nietzsche

Verbetes 101

Índice remissivo 429

Bibliografia geral 443

Os autores 457

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Índice dos verbetes

Português -Alemão

Afeto (Affekt) 102


Afirmação (Bejahung) 103
Além-do-homem ( Übermensch) 106
Alma (See/e) 107
Amor fati (Amor fat,) 109
Anarquismo (Anarchismus) 111
Animal de rebanho (Heerdenthien 112
Antissemitismo (Antisemitismus) 114
Aparência (Schein) 115
Apolíneo (Apollinisch) 118
Aristocracia (Aristokratie) 120
Arte (Kunst) 122
Ascetismo (Ascetismus) 125
Ateísmo (Atheismus) 127
Avaliação ( Werthschiitzung) 129
Bom Europeu ( Guter Europiien 131
Budismo (Buddhismus) 132
Burguesia (Bürgertum) 134
Castigo (Strafe) 135
Causalidade (Kausa/itiit, Ursiich/ichkeirj 137
Certeza imediata (unmittelbare Gewissheit) 140
Ciência ( Wissenschaft) 142
Civilização (Civilisation) 145
Compaixão (Mitleic/J 147

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Dicionário Nietzsche

149 Conceito (Begriffl


152 Conhecimento (Erkenntnis)
154 Consciência (Bewul3tsein)
156 Consciência moral (Gewissen)
159 Corpo (Leíb)
161 Criação (Schaffung)
163 Cristianismo (Christentum)
166 Crítica (Kritik)
168 Crueldade (Grausamkeit)
169 Culpa (Schu/cf)
170 Cultivo (Züchtung)
173 Cultura (Bildung, Ku/tur)
175 Darwinismo (Darwinismus)
179 Décadence (Décadence)
180 Democracia (Demokratíe)
183 Desenvolvimento (Entwicklung)
185 Desprazer (Unlust)
Ver Prazer (Lust)
185 Deus (Gott)
188 Dionisíaco (Dionysisch)
190 Ditirambo (Dithyrambus)
193 Doença (Kran~heit)
Ver Saúde (Gesundheit)
193 Domesticação (Zãhmung)
Ver Civilização (Civílisation) e Décadence (Décadence)
194 Educação (Erziehung)
196 Egoísmo (Egoismus, Se/bstsucht, Eigennutz)
198 Erro (lrrthum)
200 Espaço (Raum)
202 Espírito de peso (Geist der Schwere)
203 Espírito Iivre (freíer Geist)
204 Esquecimento ( Vergessen)
206 Estado (Staat)
208 Estilo (St;n
210 Estoicismo (Stoizísmus)
211 Eterno retorno do mesmo
(ewíge Wíederkunft des Gleíchen)
213 Ética (Ethík)
216 Eticidade do costume (Síttlíchkeit der Sítte)

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Índice dos verbetes

Eu (/eh) 219
Experimento ( Versuch) 220
Extemporâneo (Unzeitgemass) 222
Fatalismo (Fatalismus) 223
Filisteu da cultura 226
(Bildungsphilister, Philister der Bildung)
Filologia (Phi/ologie) 228
Filosofia (Philosophie) 230
Filósofos do futuro (Philosophen der Zukunft) 233
Finalidade (Zweckmassigkeit) 234
Fisiologia (Physíologie) 236
Ver Fisiopsicologia (Physio-Psychologie)
Fisiopsicologia (Physio-Psychologie) 236
Força (Kraft) 238
Formação (Bildung) 240
Ver Cultura (Bildung, Kultur)
Forte (stark) 240
Fraco (schwach) 243
Ver Forte (stark)
Genealogia (Genealogie) 243
Gênio ( Genie) 245
Grande política (grosse Politik) 247
Grande saúde (grasse Gesundheit} 249
Hereditariedade ( Vererbung) 251
Hierarquia (Rangordnung) 253
História (Geschichte, Historie} 255
Homem superior (hoherer Mensd1) 258
Humanidade (Menschheit) 260
Idealismo (ldealismus) 261
Igualdade (Gleichheit) 263
Ilusão (lllusion, Tauschung) 264
Imoralista (lmmoralist) 266
Imperativo (lmperativ) 268
Impulso (Trieb) 270
Instinto (lnstinkt) 271
Interpretação (Aus/egung, lnterpretation) 273
Jovialidade (Heiterkeit) 276
Judaísmo (Judentum) 278
Justiça (Gerechtigkeit) 280

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Dicionário Nietzsche

282 Legislação (Gesetzgebung)


Ver Legislador (Gesetzgeber)
282 Legislador (Gesetzgeber)
283 Liberalismo (Liberalismus)
285 Linguagem (Sprache)
288 Livre-arbítrio
(freierWille, Freiheit des Willens, Willensfreiheit)
290 Lógica (Logik)
292 Luta (Kamp~
294 Má consciência (schlechtes Gewissen)
296 Materialismo (Materialismus)
298 Memória (Gedachtnis)
300 Mentira (Lüge)
302 Metafísica (Metaphysik)
304 Metáfora (Metaphen
307 Modernidade (Modernitat)
309 Moral (Moran
311 Moral dos senhores e dos escravos
(Herren-Moral und Sklaven-Moran
314 Morte (Too?
316 Música (Musik)
319 Nacionalismo (Nationalismus)
322 Natureza (Natun
324 Necessidade (Notwendigkeit)
326 Niilismo (Nihilismus)
329 Nobreza (Aden
Ver Aristocracia (Aristokratie)
329 Objetividade (Objektivitat)
330 Organismo (Organismus)
332 Pathos da distância (Pathos der Distanz)
334 Pensamento (Gedanke)
336 Perspectivismo (Perspektivismus)
338 Pessimismo (Pessimismus)
341 Prazer (Lust)
343 Probidade (Redlichkem
345 Progresso (Fortschritt)
348 Psicologia (Psychologie)
350 Raça (Rasse)
352 Razão ( Vernunft)

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Índice dos verbetes

Realidade (Realitiit) 354


Realismo (Realismus) 357
Redenção (Erlõsung) 359
Relativismo (Relativismus) 360
Religião (Religion) 362
Ressentimento (Ressentiment) 364
Romantismo (Romantik) 366
Saúde (Gesundheit) 369
Seleção (Se/ektion) 371
Sensação (Empfindung) 373
Sentido histórico (historischer Sinn) 377
Sintoma (Symptom) 378
Sintomatologia (Symptomatologie) 380
Ver Sintoma (Symptom)
Socialismo (Sozialismus) 380
Socratismo (Sokratísmus) 382
Solidão (Einsamkeit) 384
Substância (Substanz) 385
Sujeito (Subjekt) 387
Tempo (Zeit) 389
Teoria do conhecimento (Erkenntnistheorie) 392
Tipo (Typus) 394
Tipologia ( Typologie) 396
Ver Tipo (Typus)
Trágico (dasTragische) 396
Transvaloração de todos os valores 399
( Umwerthung allerWerthe)
Último homem (/etzter Mensch) 402
Utilitarismo (Utilitarismus) 403
Valor ( Werth) 406
Verdade (Wahrheit) 408
Vida (Leben) 411
Vingança (Rache) 414
Vir-a-ser ( Werden) 416
Virtude ( Tugend'J 418
Vivência (Erlebnis) 420
Vontade ( Wi//e) 421
Vontade de potência ( Wille zur Macht) 423
Vontade de verdade ( Wille zur Wahrheit) 425

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Dicionário Nietzsche

Alemão - Português

329 Adel (Nobreza)


Ver Aristokratie (Aristocracia)
102 Affekt (Afeto)
109 Amor fati (Amor fat,)
111 Anarchismus (Anarquismo)
114 Antisemitismus (Antissemitismo)
118 Apollinisch (Apolíneo)
120 Aristokratie (Aristocracia)
125 Ascetismus (Ascetismo)
127 Atheismus (Ateísmo)
273 Auslegung (Interpretação)
149 Beg riff (Conceito)
103 Bejahung (Afirmação)
154 BewuBtsein ( Consciência)
240 Bildung (Formação)
Ver Bildung, Kultur ( Cultura)
173 Bildung, Kultur (Cultura)
226 Bildungsphilister (Filisteu da cultura)
132 Buddhismus (Budismo)
134 Bürgertum (Burguesia)
163 Christentum (Cristianismo)
145 Civilisation (Civilização)
175 Darwinismus (Darwinismo)
179 Décadence (Décadence)
180 Demokratie (Democracia)
188 Dionysisch (Dionisíaco)
190 Dithyrambus (Ditirambo)
196 Egoismus (Egoísmo)
196 Eigennutz (Egoísmo)
384 Einsamkeit (Solidão)
373 Empfindung (Sensação)
183 Entwicklung (Desenvolvimento)
152 Erkenntniss (Conhecimento)
392 Erkenntnistheorie ( Teoria do conhecimento)
420 Erlebnis ( Vivência)
359 Erlõsung (Redenção)
194 Erziehung (Educação)

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[ndice dos verbetes

Ethik (Ética) 213


ewige Wiederkunft des Gleichen 211
(Eterno retorno do mesmo)
Fatalismus (Fatalismo) 223
Fortschritt (Progresso) 345
freier Geist (Espirita livre) 203
freierWille (Livre-arbítrio) 288
Freiheit desWillens (Livre-arbítrio) 288
Gedãchtnis (Memória) 298
Gedanke (Pensamento) 334
Geist der Schwere (Espírito de peso) 202
Genealogie ( Genealogia) 243
Genie (Gênio) 245
Gerechtigkeit (Justiça) 280
Geschichte (História) 255
Gesetzgebung (Legislação) 282
Ver Gesetzgeber (Legislador)
Gesetzgeber (Legislador) 282
Gesundheit (Saúde) 369
Gewissen (Consciência moran 156
Gleichheit (Igualdade) 263
Gott (Deus) 185
Grausamkeit (Crueldade) 168
grosse Gesundheit (Grande saúde) 249
grosse Politik ( Grande política) 247
guter Europãer (Bom Europeu) 131
Heerdenthier (Animal de rebanho) 112
Heiterkeit (Jovialidade) 276
Herren-Moral und Sklaven-Moral 311
(Moral dos senhores e dos escravos)
Historie (História) 255
historischer Sinn (Sentido histórico) 377
hõherer Mensch (Homem superior) 258
lch (Eu) 219
ldealismus (Idealismo) 261
lllusion (Ilusão) 264
lmmoralist (Imoralista) 266
lmperativ (Imperativo) 268
lnstinkt (Instinto) 271

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Dicionário Nietzsche

273 lnterpretation (Interpretação)


198 lrrthum (Erro)
278 Judentum (Judaísmo)
292 Kampf (luta)
137 Kausalitãt, Ursãchlichkeit (Causalidade)
238 Kraft (Força)
193 Krankheit (Doença)
Ver Gesundheit (Saúde)
166 Kritik (Crítica)
173 Kultur (Cultura)
122 Kunst (Arte)
411 Leben (Vida)
159 Leib (Corpo)
402 letzter Mensch (Último homem)
283 Liberalismus (liberalismo)
290 Logik (lógica)
300 Lüge (Mentira)
341 Lust(Prazerj
296 Materialismus (Materialismo)
260 Menschheit (Humanidade)
304 Metapher (Metáfora)
302 Metaphysik (Metafísica)
147 Mitleid (Compaixão)
307 Modernitãt (Modernidade)
309 Moral (Moran
316 Musik (Música)
319 Nationalismus (Nacionalismo)
322 Natur (Natureza)
326 Nihilismus (Niilismo)
324 Notwendigkeit (Necessidade)
329 Objektivitãt (Objetividade)
330 Organismus (Organismo)
332 Pathosder Distanz (Pathos da distância)
336 Perspektivismus (Perspectivismo)
338 Pessimismus (Pessimismo)
226 Philisterder Bildung (Filisteu da cultura)
228 Philologie (Filologia)
233 Philosophen der Zukunft (Filósofos do futuro)

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Indica dos verbetes

Philosophie (Filosofia) 230


Physio-Psychologie (Fisiopsicologia) 236
Physiologie (Fisiologia) 236
Ver Physio-Psychologie (Fisiopsicologia)
Psychologie (Psicologia) 348
Rache ( Vingança) 414
Rangordnung (Hierarquia) 253
Rasse (Raça) 350
Raum (Espaço) 200
Realismus (Realismo) 357
Realitãt (Realidade) 354
Redlic:hkeit (Probidade) 343
Relativismus (Relativismo) 360
Religion (Religião) 362
Ressentiment (Ressentimento) 364
Romantik (Romantismo) 366
Schaffung (Criação) 161
Schein (Aparência) 115
schlechtes Gewissen (Má consciência) 294
Schuld (Culpa) 169
schwac:h (Fraco) 243
Ver stark (Forte)
Seele (Alma) 107
Selbstsuc:ht (Egoísmo) 196
Selektion (Seleção) 371
Sittlichkeit der Sitte (Eticidade do costume) 216
•Sokratismus (Socratismo) 382
Sozialismus (Socialismo) 380
Sprache (Linguagem) 285
Staat (Estado) 206
stark (Forte) 240
Stil (Estilo) 208
Stoizismus (Estoicismo) 210
Strafe (Castigo) 135
Subjekt (Sujeito) 387
Substanz (Substância) 385
Symptom (Sintoma) 378
Symptomatologie (Sintomatologia) 380
Ver Symptom (Sintoma)

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Dicionário Nietzsche

264 Tãuschung (Ilusão)


314 Tod (Morte)
396 dasTragische (Trágico)
270 Trieb (Impulso)
418 Tugend {Virtude)
396 Typologie (Tipologia)
Ver Typus ( Tipo)
394 Typus ( Tipo)
106 Übermensch (Além-do-homem)
399 Umwerthung allerWerthe
(Transvaloração de todos os valores)
185 Unlust (Desprazer)
Ver Lust (Prazen
140 unmittelbare Gewissheit (Certeza imediata)
222 Unzeitgemãss (Extemporâneo)
403 Utilitarismus (Utilitarismo)
251 Vererbung (Hereditariedade)
204 Vergessen (Esquecimento)
352 Vernunft (Razão)
220 Versuch (Experimento)
408 Wahrheit ( Verdade)
416 Werden ( Vir-a-ser)
406 Werth ( Valor)
129 Werthschatzung (Avaliação)
421 Wille ( Vontade)
423 Wille zur Macht ( Vontade de potência)
425 Wille zurWahrheit ( Vontade de verdade)
288 Willensfreiheit (Livre-arbítrio)
142 Wissenschaft (Ciência)
193 Zahmung (Domesticação)
Ver Civilisation (Civilização) e Décadence (Décadence)
389 Zeit ( Tempo)
170 Züchtung (Cultivo)
234 Zweckmãssigkeit (Finalidade)

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Prefácio

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Dicionário Nietzsche

rimeira obra organizada em conjunto por integrantes do Grupo


P de Estudos Nietzsche (GEN), o presente Dicionório pretende ofe-
recer uma ferramenta de trabalho aos estudiosos da filosofia nietz-
schiana, sejam eles especialistas ou tão somente interessados. Visto
que a assinatura coletiva deste volume vem corroborar o princípio for-
mulado pela fundadora do GEN, Scarlett Marton, segundo o qual "o
grupo é mais do que a soma dos indivíduos que dele fazem parte"1,
este prefácio incumbe-se essencialmente de duas tarefas. Trata-se,
em primeiro lugar, de tecer uma breve apresentação do GEN, des-
tacando certos aspectos de sua história e descrevendo suas frentes
de atuação. Com isso, torna-se possível ao leitor formar uma noção
mais precisa da identidade do grupo que assume a autoria desta pu-
blicação, com a qual procura continuar a promover um de seus ide-
ais básicos, a saber, "imprimir seriedade aos estudos nietzschianos
no país" 2 • O segundo objetivo, mais tradicional num prefácio, consis-
te em apresentar a gênese e a composição do presente Dicionório,
indicando-se em particular o tipo de contribuição que dele se espera
resultar para a pesquisa ou para a simples leitura de Nietzsche.

***

Fundado por Scarlett Marton no Departamento de Filosofia da USP


entre 1989, ano das primeiras reuniões, e 1996, data de sua oficiali-
zação institucional, o Grupo de Estudos Nietzsche reúne atualmente,
em diversos estados do Brasil, bem como na França e na Itália, pes-
quisadores da filosofia nietzschiana, sendo eles professores e estu-
dantes em todos os níveis de formação, do pós-doutorado até a ini-
ciação científica. Não temos, é claro, a pretensão nem a capacidade
de aqui retraçar em detalhes todas as etapas desta história 3 • Gos-

1 MARTON. Scarlett. GEN - uma experiência de formação. Cadernos Nietzsche, v.


30,p. 303-319, 201 2, aquip. 31 2.
z lbid. , p. 314 .
3 A esse respeito, cf. ibid., p. 307 e seguintes, bem como MARTON, Scarlett. A ir-

recusóvel busca de sentido: autobiografia intelectual . São Paulo, ljuí: Ateliê Editorial.
UNIJUf. 2004, especialmente p. 184- 188.

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Prefácio

tarfamos apenas de evidenciar o processo que, ao longo dos anos,


constituiu este espaço de pesquisa e formação, hoje presente não
só no Brasil, mas também no exterior. Eem tal percurso, cabe subli-
nhar, jamais se perderam de vista seus ideais fundadores, os quais
presidiram igualmente a gênese deste Dicionórjo.
Entre as exigências fundamentais do GEN, figura a seriedade
metodológica, postura aplicada à leitura de um autor que, durante
um período particularmente longo, sequer foi considerado um legíti-
mo filósofo pelos especialistas acadêmicos de filosofia. Semelhante
fenômeno, é verdade, não se revela uma peculiaridade brasileira,
fazendo-se visível, por exemplo, nas palavras de Walter Kaufmann
sobre a apreciação de Nietzsche nos meios universitários ingleses e
americanos da década de 19504• Se o pensador alemão só chega à
universidade brasileira ao final dos anos 1960, conforme mostra
Scarlett Marton, àquela época tampouco era prática comum estu-
dá-lo de maneira metódica e sistemática. Fazia-se necessário, por-
tanto, construir Nietzsche como objeto de conhecimento, o que pres-
supunha, por sua vez. promover um ideal de leitura rigorosa de seus
escritos5 • A primeira atividade do GEN consistiu, de fato. num exame
crítico e minucioso de Assim falava Zaratustra. Reunindo um grupo
de estudantes sob sua coordenação na USP, Scarlett Marton deu
início, em 1989, a um seminário destinado a empreender uma aná-
lise estrutural e genética daquele livro notório, entre outras razões,
por seu difícil acesso6 . O alcance do trabalho deixa-se observar em
sua própria duração: cerca de cinco anos, ou seja, aproximadamente
um ano para cada parte, incluindo o prólogo.
Se tal esforço exegético atesta o empenho do GEN, já em sua
origem, em romper com o diletantismo que caracteriza muitas inter-
pretações de Nietzsche7, o princípio de leitura rigorosa permanece

4 Cf. KAUFMANN, Walter. Nietzsche: Phi/osopher, Psychologist. Antichrist. Prince-


ton: Princeton University Press, 1974, p. vii.
s MARTON, Scarlett. GEN- uma experiência de formação, p. 308.
6 lbid., p. 310-311 . .
1 Cf. MARTON, Scarlett. Nietzsche e a cena acadêmica brasileira: exame e avaliação
de um trabalho intelectual. ln: AZEREDO, Vânia Dutra de; SILVA Jr., Ivo da (orgs.).
Nietzsche e a interpretação . São Paulo: Editora CRV, Humanitas, 2012, p. 15-34,
especialmente p. 27.

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Dicionário Nietzsche

um traço distintivo do grupo através das décadas. O cronograma


das reuniões semanais na USP continua a contemplar explicações de
textos e, com frequência, de livros inteiros do filósofo, tais corno
Ecce Homo e, mais recentemente, O Caso Wagner e A Filosofia na
Época Trógica dos Gregos. A atenção conferida diretamente aos escri-
tos do autor não significa, porém, o abandono da literatura secundária.
Pelo contrário, preceito irrevogável é estabelecer o status quaestionis
e dele partir nos trabalhos de pesquisa. Por isso, a exigência de leitura
rigorosa aplica-se igualmente aos textos de comentadores em reu-
niões específicas que visam a assimilar, de modo crítico, os resultados
da Nietzsche-Forschung internacional. Ademais, outro procedimento
permanente consiste na leitura recíproca; nos Encontros Nietzsche,
que reúnem integrantes do grupo, seus textos são discutidos. de tal
modo que cada um deles tem a oportunidade de pôr à prova suas hi-
póteses de pesquisa - o que favorece o desenvolvimento de uma re-
flexão metodológica coletiva.
O modo de funcionamento do grupo, nota-se, está a serviço de
um ideal de formação que não se reduz às exigências da competição
acadêmica ou dos exames universitários. Semelhante ideal caracteri-
za-se antes de tudo por sua dimensão cultural. primando pela trans-
missão de uma cultura filosófica que ultrapassa os conhecimentos
especializados e a mera técnica argumentativa. Mais ainda, o GEN
se esforça para formar formadores , com a intenção de produzir um
"efeito multiplicador" no país. De fato, durante seus 25 anos de exis-
tência, nele formaram-se professores que se disseminam por diver-
sas partes do Brasil e, não raro, mantêm contatos com o núcleo ori-
ginal paulistano. Sem abandonar sua vocação formadora, mas exata-
mente em virtude dela, o GEN consolida-se hoje sobretudo como um
espaço de pesquisa e produção de conhecimento a atuar não só em
território brasileiro como também em âmbito internacional: vários
de seus membros, além de publicar trabalhos em revistas e livros
em diferentes idiomas, cultivam um estreito diálogo com estudiosos
estrangeiros e integram outros grupos de pesquisa internacionais.
como o Croupe lnternational de Recherches sur Nietzsche (GIRN).
fundado por Giuliano Campioni e Patrick Wotling em 2008 e atual-
mente codirigido por Scarlett Marton. Com efeito, a elaboração deste

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Prefácio

Dicionário, que constitui um acontecimento importante na vida do


grupo, não teria sido possível sem semelhante maturidade.
Tal amadurecimento se dá junto com a implementação e o de-
senvolvimento das diversas frentes de atuação do GEN, a começar
pelas publicações vinculadas ao grupo, que procuram fomentar a
pesquisa sobre Nietzsche no Brasil. Fundados em 1996 porScarlett
Marton e atualmente dirigidos por Márcio Lima e Ivo da Silva Jr., os
Cadernos Nietzsche vêm trazendo a público artigos de pesquisado-
res brasileiros e estrangeiros, desde especialistas mais experientes
até doutorandos e mestrandos. Assim, a revista consagra-se como
um espaço privilegiado de debates sobre os mais diversos temas da
filosofia nietzschiana; e o GEN, ao promover um periódico semestral
com essas características, afirma-se como um grupo de pesquisa
pluralista, que não visa a impor dogmas exegéticos. Éque uma ideia
diretora de nosso trabalho consiste em reconhecer que Nietzsche se
presta a uma diversidade de interpretações, conforme o seu próprio
perspectivismo, o que, por outro lado, não autoriza qualquer abor-
dagem. Os Cadernos Nietzsche, por conseguinte, sem abrir mão da
exigência de rigor, primam pela pluralidade dos trabalhos que vei-
culam. O reconhecimento da qualidade da revista se traduz tanto
em sua indexação no Scielo quanto em sua avaliação como A 1 atri-
buída pelo Oualis-Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior). A versão eletrônica da pu-
blicação, disponível desde 201 O, pode ser acessada gratuitamenteª
- o que prova a consciência por parte dos integrantes do GEN de
sua responsabilidade social.
Além dos Cadernos Nietzsche, vincula-se ainda ao GEN a Co-
leção Sendas & Veredas, que, criada em 2000 por Scarlett Marton,
também tem por ambição fazer avançar a investigação sobre Nietz-
sche no país. Desde o seu surgimento, publicaram-se não apenas tra-
balhos expressivos sobre o filósofo, mas também estudos de recepção
de suas ideias em diversos países e contextos9 • Uma nova frente edi-

8
Todos os números dos Cadernos Nietzsche encontram-se na página http://www.
cadernosnietzsche .unifesp.br/.
9
Uma lista dos títulos está disponível em http://www.cadernosnietzsche.unifesp.br/
GEN/pt/sendas-e-veredas/titulos-publicados.

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Dicionário Nietzsche

torial se propõe a publicar traduções das chamadas "fontes" de Nietz-


sche, ou seja, textos de pensadores com quem ele próprio dialogou.
Todas essas publicações associam vários integrantes do GEN a pesqui-
sadores consagrados, como a própria Scarlett Marton, António Mar-
ques, Gilvan Foge! ou Rosa Maria Dias. A leitura recíproca também no
âmbito da Coleção Sendas & Veredas pode ser considerada um dos
desafios futuros para o GEN, com o intuito de consolidar uma tradição
de trabalho em grupo que em geral falta nas Humanidades10 •
Por fim, além de ser um espaço de formação, pesquisa e publi-
cação, o GEN também constitui um campo de discussão. Tal aspecto
viu-se reforçado com a concepção, em 1996, dos Encontros Nietz-
sche. Organizados semestralmente e por vezes em parceria com ou-
tras universidades brasileiras, eles têm por objetivo reunir estudio-
sos da filosofia nietzschiana, bem como promover sua interface com
um público mais amplo, já que a programação é gratuita e aberta a
todos. A fim de promover o diálogo entre os integrantes do GEN e
os pesquisadores estrangeiros e brasileiros convidados, as edições
recentes vêm encorajando os participantes a apresentar pesquisas
em pleno andamento em vez de resultados de trabalhos já concluí-
dos. Nesse espírito de discussão crítica, vale lembrar os XXX/11 En-
contros Nietzsche, que levantaram a questão acerca da "Pesquisa
Nietzsche hoje", e osXXXIV Encontros Nietzsche, que se dedicaram
às "Metodologias no trato do texto nietzschiano". Assim, o GEN ins-
taurou princípios de funcionamento que se diferenciam do modus
operandi acadêmico dominante.

***

Mais um fruto da orientação de trabalho do GEN acima descrita, este


Dicionório Nietzsche visa a prover os leitores em língua portuguesa de
uma publicação diferenciada. A obra que ora vem a lume procura, já
em sua própria composição, distinguir-se de outros dicionários dedi-
cados a Nietzsche, uma vez que, em regra geral, não leva em conta

1
º Cf. MARTON, Scarlett. GEN - uma experiência de formação, p. 312.

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Prefácio

dados biográficos, pesquisa de fontes ou aspectos da recepção de


seu pensamento. Sua estrutura geral é dupla: aos 156 verbetes que
se destinam ao exame de conceitos centrais da filosofia de Nietzsche,
somam-se outros 13 consagrados à apresentação de seus livros. To-
das as entradas são assinadas por seus respectivos autores.
Ao lado de cada verbete conceituai em português, acrescenta-
se o termo correspondente em alemão. Com a remissão ao texto ori-
ginal, procura-se contribuir para o estabelecimento de um cânon pre-
ciso na tradução dos conceitos. Éque, além de não contar com uma
tradução padronizada da edição crítica da obra completa de Nietz-
sche, a Kritische Cesamtausgabe, o público brasileiro se depara com
uma pluralidade de versões, a.cuja discrepância terminológica se con-
juga, por vezes, a carência de rigor. Em si mesmo jamais prescindível,
o esmero na tradução se faz ainda mais necessário em se tratando de
um autor que sempre prezou o cuidado com a língua.
No que diz respeito à elaboração dos verbetes, prioriza-se uma
abordagem genética e conceituai dos textos nietzschianos, seguindo
assim um procedimento amplamente adotado nas pesquisas produ-
zidas pelos integrantes do GEN. No caso particular deste Dicionário,
considerando-se os seus princípios de concepção, tal metodologia
mostra-se apropriada na medida em que confere primazia ao exame
conceituai. Com efeito, o objetivo dos verbetes consiste em explici-
tar não apenas o significado de cada conceito nos contextos em que
é evocado, como também as diversas acepções que o mesmo termo
pode assumir no decorrer da obra de Nietzsche.
Para tanto, em vez de propor-se a tratar de elementos de con-
textualização ou ainda da literatura secundária, os verbetes concen-
tram-se acima de tudo na análise dos escritos publicados e dos frag-
mentos póstumos do filósofo. Embora se evite o recurso a citações,
menções aos textos serão feitas sempre que o autor do verbete jul-
gar necessário situar o conceito de maneira mais pontual no conjun-
to do corpus nietzschiano. Além disso, os principais textos de Nietz-
sche utilizados figuram em uma lista de referências ao término de
cada verbete, de maneira que o leitor possa, ele mesmo, consultá-
los. É que, pretendendo-se uma ferramenta de leitura da obra do
pensador alemão, este Dicionário encoraja e até mesmo considera

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Dicionário Nietzsche

insubstituível o contato direto com os seus próprios escritos. Mas,


como um conceito inevitavelmente se reporta a outros, todo verbe-
te indicará, igualmente ao fim, outros relacionados. Deste modo, ao
ser a cada vez remetido a outras entradas, o leitor também poderá
prosseguir sua pesquisa no interior do próprio Dicionório.

***

Por fim, seja-nos permitido mencionar que a publicação deste Di-


cionório também ganha sentido em um contexto internacional. A
colaboração com grupos de pesquisa internacionais e o diálogo re-
gular com especialistas estrangeiros tornam possível aos coautores
a apreensão da pluralidade de estilos que marcam o trato dos tex-
tos nietzschianos em diversos países, variedade comparável à mul-
tiplicidade dos idiomas. Por um lado, os colaboradores do presente
Dicionório, entre os quais se encontra um pesquisador estrangeiro,
beneficiam-se de sua experiência internacional; por outro, talvez
este volume possa contribuir para evidenciar um estilo brasileiro nos
estudos nietzschianos, tal como já existem um estilo italiano ou um
estilo francês. Esperamos assim dar mais um passo no sentido de
construir uma tradição de pesquisa em nosso país.

Eder Corbanezi
Emmanuel Salanskis

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Nietzsche, vida e obra

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Dicionário Nietzsche

riedrich Wilhelm Nietzsche nasceu na Prússia, no dia 15 de ou-


F tubro de 1844. Sua família era luterana e contava, tanto do lado
paterno quanto materno, vasta linhagem de pastores protestantes.
O pai, Karl Ludwig, responsável pela paróquia do vilarejo de Rõcken,
veio a falecer prematuramente. A mãe, Franziska, viu-se então obri-
gada a transferir-se com os filhos para Naumburgo.
Foi nessa cidadezinha que Friedrich iniciou a educação primária;
passou por diferentes escolas e, avesso ao convívio social, parecia
não se adaptar a nenhuma delas. Em 1858, aos catorze anos, ingres-
sou como bolsista no Colégio Real de Pforta, renomada instituição de
ensino. A falta que sentia da mãe e da irmã Elizabeth era preenchi-
da pelos livros; deixava-se absorver pela leitura horas a fio. Chegou
a elaborar vasto plano de estudos, que englobava desde botânica,
geologia e astronomia até latim e hebreu. Dedicava grande parte do
tempo ao estudo da teologia; queria ser pastor como o pai. Mas era
sobretudo pela música e pela poesia que se sentia atraído. Começara
então a escrever e compor.
Ao terminar os estudos secundários, o jovem Nietzsche inscre-
veu-se em setembro de 1864 na Universidade de Bonn. Contrarian-
do as expectativas da família, decidiu abandonar os estudos teológi-
cos. Porque era preciso escolher uma especialização, escolheu filo-
logia clássica . No ano seguinte, transferiu-se para a Universidade de
Leipzig; queria acompanhar os cursos de Ritschl, eminente helenista.
Convocado para o serviço militar, sofreu fratura num acidente a ca-
valo, sendo logo dispensado. Graças a uma estrita disciplina, seu de-
sempenho na Universidade foi excelente. Ao terminar o curso, plane-
java fazer uma longa viagem a Paris; livre das exigências acadêmicas,
pretendia nutrir-se das mais diversas leituras. Convidaram-no, no en-
tanto, para lecionar na Suíça. Nietzsche hesitou em abandonar seus
projetos, mas acabou por ingressar na vida profissional.
Em 1869, com vinte e quatro anos, foi nomeado professor na
Universidade da Basileia. Foram tranquilos os primeiros tempos de
sua estada nessa cidade. Passou então a frequentar o teólogo Franz
Overbeck, o historiador Jakob Burckhardt e o compositor Richard
Wagner, que nessa época residia em Tribschen, localidade próxima
d~ Lucerna . Nietzsche dava cursos regulares, fazia palestras e de-
dicava-se sobretudo à escrita. Quando a Prússia entrou em guerra

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Nietzsche, vida e obra

contra a França, em julho de 1870, obteve permissão junto às au-


toridades suíças para servir como enfermeiro. Apesar de breve, essa
experiência deixou marcas em seu espírito. Convenceu-se de que
importava mais trabalhar para preservar a tradição cultural do que
deixar-se levar pelo alvoroço político da modernidade. Imaginava
criar uma espécie de confraria, um convento moderno; deveria ser
uma instituição completamente desvinculada do Estado. Dela parti-
cipariam todos os seus amigos, trabalhando juntos, servindo de pro-
fessores uns aos outros e dedicando-se à renovação da cultura. Esse
projeto não encontrou, porém, receptividade; retomado em diversas
ocasiões, nunca chegou a concretizar-se.
Seu primeiro livro, O Nascimento da Tragédia no Espírito da
Música, foi publicado em janeiro de 1872. Nele, é notável a influência
de dois homens, com quem havia entrado em contato ainda quando
estudava·em Leipzig: Arthur Schopenhauer e Richard Wagner. Não
se trata propriamente de uma obra de filologia, mas sim de conside-
rações filosóficas a respeito da tragédia na Grécia Antiga. Quando de
sua publicação, agradou_a muito poucos.
Desconcertado, Nietzsche refugiou-se no trabalho: proferia con-
ferências, redigia ensaios e dava seus cursos. Mas se. de 1869 a 1872,
tinha grande número de alunos, em 1873, praticamente ninguém
apareceu. Por causa de seu livro, fora excomungado do círculo dos fi-
lólogos. Certa noite, confessou a um amigo seu desapontamento; em
música, poesia e filosofia, não passava de amador; em filologia, era
competente mas sentia-se entediado. Com quase trinta anos, nem
mesmo tinha uma vocação.
Contudo, continuava a escrever. Desta época datam vários tex-
tos que só foram publicados muito mais tarde, dentre eles o ensaio de
1873 Sobre Verdade e Mentira no sentido extramoral. Em 187 4.
teve a ideia de fazer uma série de brochuras polêmicas sobre diferen-
tes temas. Deveriam todas elas ser editadas com o título: Considera-
ções Extemporâneas. Publicou a primeira, David Strauss, o Devoto e o
Escritor, em agosto de 1873; a segunda, Da Utilidade e Desvantagens
da História para a Vida, em fevereiro de 1874; a terceira, Schopen-
hauer Educador, em outubro do mesmo ano. Embora tivesse planeja-
do várias outras, concluiu apenas mais uma, a quarta, Richard Wagner
em Bayreuth, que apareceu em julho de 1876.

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Dicionário Nietzsche

As Considerações Extemporâneas trazem, todas el~s, a marca


do desafio. Nas duas primeiras, Nietzsche critica de maneira radical a
cultura de sua época e, nas últimas, aponta a fil~sofia de Schopen-
hauer e a música de Wagner como signos anunciadores de uma re-
novação cultural na Alemanha. Contudo, em 1888, afirmará em Ecce
Homo que, quando então falara de Schopenhauer ou de Wagner, es-
tivera de fato a falar de si mesmo. A homenagem prestada aos mes-
tres, nas Considerações Extemporâneas, já tinha sabor de despedida.
Nietzsche não queria mais empenhar-se em divulgar ou levar adiante
ideias alheias. Refratário a compromissos, desejava empregar sua
força e inteligência na busca do próprio caminho; ambicionava tor-
nar-se um uespírito livre".
Humano, demasiado Humano - um livro para espíritos livres
foi publicado em maio de 1878, em comemoração ao centenário da
morte de Voltaire. Nietzsche reuniu todas as notas que vinha redigindo
há mais de um ano. Eram folhas e folhas cheias de reflexões, aparen-
temente desconexas, sobre diversos temas. Quis publicá-las sob essa
forma; escolheu então o aforismo como modo de expressão. Pensou
nos enciclopedistas, Diderot e Voltaire, e na sua aversão pelos siste-
mas filosóficos acabados; lembrou-se dos moralistas franceses, La
Rochefoucauld e Chamfort, e de suas máximas e pensamentos. Uma
obra que se apresenta em fragmentos não era necessariamente uma
obra fragmentária. Como apêndices a Humano, demasiado Humano,
apareceram no ano seguinte dois outros textos: Miscelânea de Opi-
niões e Sentenças e O Andarilho e sua Sombra, que virão a compor
em 1886 o segundo volume de Humano, demasiado Humano.
1879 foi um dos piores anos na vida de Nietzsche. Dores de ca-
beça e dores na vista impediam-no, com frequência, de ler ou escre-
ver. Esse tipo de indisposição parecia agravar-se com passar do tempo.
Sua saúde se deteriorava e as obrigações profissionais pesavam-lhe
mais e mais. Em maio, decidiu entregar a carta de demissão à Uni-
versidade da Basileia. Graças ao empenho de Overbeck, a municipa-
lidade, a "Sociedade Acadêmica " e a Universidade se cotizaram e lhe
concederam uma pensão anual pelos serviços prestados. Éo quanto
lhe bastará para viver modestamente até o fim de seus dias.
A enfermidade, porém, não o abandonava. Problemas estoma-
cais, náuseas e vômitos o retêm na cama, dores na vista interferem no

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Nietzsche, vida e obra

seu ritmo diário, insônias frequentes desorganizam o seu cotidiano,


violentas enxaquecas o lançam em profunda prostração. Nietzsche
atingira o ponto mais baixo de sua vitalidade; seu estado de saúde
era desesperador. Em 1879, atravessou mais de setenta horas de
dores ininterruptas, mais de cento e dezoito dias de crises graves.
Uma das crises mais violentas de toda sua existência sobreveio com o
final do ano. Mas os primeiros dias da primavera vieram atenuar seu
sofrimento: sentia-se renascer das próprias cinzas. Não mais supor-
tava a dor, aprendera a amá-la. Descobrira "a fórmula da grandeza
do homem": amor fati. Não evitar nem se conformar e muito menos
dissimular, mas afirmar o necessário, amar o inevitável.
Durante dez anos, a cidade da Basileia tinha sido seu ponto de
referência. Aí, tivera.casa, amigos, trabalho. Pertencera aos círculos
acadêmicos e atacara a senilidade e esterilidade do academicismo:
trabalhara no m_eio universitário e denunciara a erudição e o vazio da
universidade; fora mestre e discípulo e não poupara invectivas contra
a dependência do espírito. Nunca deixara de ser crítico; mas sem-
pre tivera objetivos. Abraçaria agora uma vida errante. Para onde ir?
- é a pergunta que se fará inúmeras vezes nos anos seguintes. Irá
percorrer as estradas da Suíça, Itália, França e Alemanha; sonhará
com lugares mais distantes, "horizontes mais longínquos": México,
Tunísia, Oriente. Durante dez anos, não se deixará reterem parte al-
guma por mais de seis meses.
Em fevereiro de 1881 , Nietzsche concluía em Gênova a elabo-
ração de Aurora -Pensamentos sobre preconceitos morais; um ano
depois, nessa mesma cidade, terminava A gaia Ciência. Esses livros,
junto com Humano, demasiado Humano, formavam no seu entender
uma cadeia de pensamentos. Consistiam no seu exercício enquanto
espírito livre. Nele, Nietzsche critica a imposição de normas de com-
portamento e maneiras de pensar. Examina o papel dos costumes,
direito, moral e tradição na vida em coletividade; investiga a educa-
ção familiar, cívica, política ou religiosa. E trata ainda de várias ou-
tras questões. Pensa sobre as relações entre arte e ciência e escreve
a propósito de literatura, música e poesia. Comenta suas leituras e
faz severas críticas à cultura alemã. Analisa sentimentos morais como
compaixão, vingança, remorso e culpa. Levanta questões a respeito
do casamento e da emancipação feminina, partidos políticos e situa-
ção da imprensa, sufrágio universal e exércitos nacionais. Segundo

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Dicionário Nietzsche

Reich e Bismarck, democracia e socialismo, desaparecimento das na-


ções e unificação da Europa. . .,.
Antes mesmo de elaborar A gaia CiênC1a, no rrncro de agosto de
1881 Nietzsche viveu uma experiência extraordinária. Na sua busca
de no~os recantos, descobriu na Suíça o vilarejo de Sils Maria. Alugou
um pequeno quarto e organizou seu cotidiano: trabalhava pel~ ma-
nhã, safa para longas caminhadas à tarde, regressava ao anoitecer
com os cadernos cheios de anotações e retomava o trabalho depois
do jantar. Certa tarde, ao fazer seu passeio habitual, foi atravessado
pela visão do eterno retorno. Tudo retorna sem cessar. Se o universo
tivesse algum objetivo, já o teria atingido; se tivesse alguma finalida-
de, já a teria realizado. Não existe um deus, soberano absoluto, com
desígnios insondáveis. Todos os dados são conhecidos: finitos são os
elementos que constituem o universo, finito é o número de combina-
ções entre eles; só o tempo é eterno. Tudo já existiu e tudo tornará a
existir. Atordoado com essas ideias, Nietzsche oscila entre estados de
euforia e depressão; pretende não participá-las a ninguém de ime-
diato, mas já na Caia Ciência começa a esboçá-las.
Nietzsche não se habituava à solidão; ela lhe pesava e talvez
lhe fosse indispensável. Em vão, tentara casar-se. As mulheres por
quem se interessava não lhe correspondiam. Numa manhã de abril
de 1882, conheceu em Roma uma "jovem russa ". Sua presença de
espírito e capacidade de escuta atraíram-no; seu ardor intelectual e
desejo de vida seduziram-no. Aos trinta e sete anos, apaixonou-se
por Lou Salomé. Embora o pedido de casamento tivesse sido recusa-
do, uma afetuosa amizade nasceu entre eles. Longos passeios, ani-
madas conversas, discussões fecundas. Mas todos pareciam cons-
pirar contra a sua paixão. A família de Nietzsche interpôs-se; temia
que uma ligação escandalosa viesse macular sua reputação. Mal-en-
tendidos, intrigas, trocas de injúrias, calúnias. Arrastado por senti-
mentos contraditórios, ele não sabia mais em quem confiar. Em de-
zembro, rompeu com Lou e interrompeu a correspondência com a
mãe e a irmã. Ideias de suicídio perseguiam-no; por três vezes, che-
gou a tomar uma quantidade abusiva de narcóticos.
Completamente desalentado, Nietzsche ainda encontrava for-
ças para escrever. Em janeiro de 1883, em Portofino, vilarejo da ri-
viera italiana, criou em dez dias a primeira parte de Assim falava Za-

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Nietzsche, vida e obra

ratustra - um livro para todos e para ninguém. Em julho do mesmo


ano, escreveu a segunda parte em Sils Maria também em dez dias.
Eapenas dez dias foram suficientes para redigir em janeiro de 1884
a terceira em Nice. Um ano depois, nessa mesma cidade, elaborou
em dez dias a quarta e última parte. Para publicar o livro, teve de
enfrentar vários obstáculos. A primeira parte levou meses para apa-
recer. Schmeitzner, seu editor, cumpria sem pressa o contrato com
um autor malsucedido, dando prioridade à impressão de cânticos
religiosos e brochuras antissemitas. Aceitou ainda editar, juntas, a
segunda e a terceira partes, mas diante da quarta mostrou-se intran-
sigente em sua recusa. Depois de tentativas humilhantes e estéreis,
Nietzsche viu-se obrigado a custear uma tiragem de quarenta exem-
plares. Era mais do que suficiente: não chegava a dez o número de
pessoas a quem pensava enviá-los.
Zaratustra é o anunciador do além-do-homem, é o arauto do
eterno retorno, é "aquele que sempre afirma". Se criar é ultrapassar-se,
a criatura deve prevalecer sobre o criador. Épreciso haver morte para
que surja o além-do-homem: ele indica a necessidade da superação
de si e com isso aponta para uma nova maneira de sentir, pensar, ava-
liar. A propósito de seu Zaratustra, Nietzsche chegou a escrever ao
amigo Overbeck: "É um livro incompreensível, porque remete exclu-
sivamente a experiências que não partilho com ninguém" . E acres-
centou: "Se pudesse dar-lhe uma ideia de meu sentimento de solidão!
Nem entre os vivos nem entre os mortos tenho alguém de quem me
sinta próximo". De fato, ninguém parecia interessar-se por seus es-
critos. Sobre eles, não se fazia comentário algum nas universidades,
não se publicava artigo ou resenha nas revistas. Até em seu próprio
país, o filósofo sentia-se no exílio.
Veneza, Sils Maria, Naumburgo, Leipzig, Basileia, Munique, Flo-
rença, Gênova, Nice. De um ponto a outro, Nietzsche expedia a mala
de cem quilos, com livros e manuscritos. Por vezes, sem saber o que
fazer, deixava-a durante dias no guarda-volumes; no bolso, o recibo de
todos os seus pertences. De quan90 em quando, chegavam-lhe pa-
cotes de livros enviados por Overbeck; o amigo conhecia suas dificul-
dades financeiras. Numa ou noutra cidade, detinha-se para trabalhar
nas bibliotecas públicas. Morava em pensões modestas e, por vezes,
aceitava a hospitalidade de conhecidos. Apesar da vida errante, em

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Dicionário Nietzsche

momento algum, deixava de ampliar seus horizontes- nem mesmo


a enfermidade chegava a ser um empecilho.
Nietzsche estudava os evangelhos e textos específicos sobre 0
cristianismo; percorria as obras de Heródoto, Tucídides e Platão e, den-
tre os modernos, Michelet, Voltaire e Diderot: deleitava-se com roman-
ces de Balzac, George Sand e sobretudo Stendhal e Dostoievski. Há
muito, sentia-se atraído pelas ciências naturais e biológicas. Ainda na
Basileia, começara suas leituras em ffsica e química. Em 1873, entu-
siasmara-se pelas ideias do astrônomo e matemático Boscovich. A par-
tir de então, familiarizara-se com a ffsica moderna - Vogt e Zoellner,
com a biologia -Roux e Rolph, com a psicologia francesa - Ribot e
Espinas, sem falar nos recentes estudos etnográficos. Quando seu es-
tado de saúde se agravava, seus olhos não podiam distinguir contor-
nos. percebendo apenas vultos e volumes. Recorria então a Peter Gast,
amigo devotado, que lia para ele em voz alta. transcrevia suas ideias e
o auxiliava na revisão dos textos.
No verão de 1885, Nietzsche pensava num profundo remaneja-
mento de Humano, demasiado Humano e na publicação de uma nova
Consideração Extemporânea sobre Richard Wagner. Não levou adian-
te nenhum dos projetos. No ano seguinte, acabou por elaborar um
novo livro, Para além de Bem e Mal - prelúdio de uma filosofia do
porvir, que pensa publicar por conta própria. Desde que Schmeitzner
se negara a imprimir a quarta parte de Assim falava Zaratustra, ele
estava às voltas com editores; todos se recusavam a publicar os seus
livros. Por fim, Fritzsch, o editor de Wagner, assumiu a publicação das
suas obras. Nietzsche lhe enviou, então, os prefácios às novas edições
de O Nascimento da Tragédia, do primeiro e do segundo volumes de
Humano, demasiado Humano, de Aurora e de A gaia Ciência, assim
como a quinta parte deste último livro. A ele encaminhará todos os
seus escritos posteriores, a começar por Genealogia da Moral - um
escrito polêmico em adendo a "Para além de Bem e Ma/" como com-
plemento e ilustração, que redige em julho de 1887. Nos dois livros,
Nietzsche examina como surgem os valores e, em particular, os valores
morais. Sustenta que eles não existem desde sempre, mas são criados
a partir de avaliações; assim avaliações diferentes geram valores dife-
rentes. Defende ainda a ideia de que essas mesmas avaliações podem,
por sua vez, serem avaliadas; aponta ainda o caráter necessário e ur-
gente de proceder à "transvaloração de todos os valores".

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- 1

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Nietzsche, vida e obra

Foi por essa época que Nietzsche descobriu Dostoievski, deixan-


do-se fascinar pela fina análise psicológica que ele faz do criminoso.
Em 1879, descobrira Stendhal, ficando encantado com as suas pala-
vras: "entro na sociedade por um duelo". Com esses autores, buscou
cumplicidades. Há tempo se sentia abandonado: nem discípulos nem
leitores. Há tempo percorria ansioso as livrarias; talvez fora publicado
algum artigo ou resenha sobre os seus próprios livros. Nada encon-
trava. Seu estado de saúde se agravava .
Em 1888, um de seus anos mais fecundos no que concerne à ati-
vidade intelectual, Nietzsche organizou seus últimos textos. Em O
Caso Wagner, faz um balanço da obra do compositor, em contrapar-
tida à homenagem que lhe prestara na Quarta Consideração Extem-
porânea. No Crepúsculo dos Ídolos - ou como filosofar com o mar-
telo, pretende auscultar velhos ídolos: o Estado, as instituições, a mo-
ral, o espírito alemão, as ilusões da filosofia, a verdade; quer mostrar
que são ocos e destruí-los a marteladas. Em O Anticristo, conta ful-
minar tudo o que é cristão ou está infeccionado pelo cristianismo. Em
Ecce Homo, subvertendo o estilo autobiográfico, fala de sua história
familiar, suas qualidades e necessidades; discorre sobre a doença, o
regime alimentar, a escolha do clima e dos lazeres; passa em revista
cada um de seus livros publicados. Em Nietzsche contra Wagner, reu-
nindo textos extraídos das próprias obras, quer provar que. pelo me-
nos, desde 1877. ele e o compositor são antípodas. E, em Ditirambos
de Dioniso, organiza uma coletânea de poemas.
Em seus manuscritos, Nietzsche revela a intenção de escrever
um livro intitulado A Vontade de Potência. Éapenas um título ao lado
de outros, um projeto literário dentre vários. De acordo com um úl-
timo plano datado de 29 de agosto de 1888. ele prevê a publicação
de uma obra composta de quatro partes. Desse plano. chega a redigir
apenas uma delas: OAnticristo. Portanto, foi por mera convenção que
se deu o nome de A Vontade de Potência ao conjunto das anotações
póstumas redigidas de 1882 a 1888. De fato, o livro nunca existiu.
Ano após ano, dia após dia. sua saúde se depauperava. Desde
1873, Nietzsche esteve de alguma forma doente. Submetera-se a
inúmeros diagnósticos, sem obter uma explicação de seu quadro clí-
nico; seguira inúmeros tratamentos, sem conseguir alteração signifi-
cativa de seu estado. Tornou-se, então, seu próprio médico: buscava

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Dicionário Nietzsche

as melhores condições climáticas, inventava as mais variadas dietas,


tentava todo tipo de drogas: sais, soporíferos, haxixe.
Entre os últimos dias de 1888 e os primeiros de janeiro de
1889, Nietzsche enviou aos conhecidos bilhetes com diferentes as-
sinaturas: Nietzsche César, O Crucificado, Dioniso. Em Turim, uma
forte tensão psíquica levou-o a mergulhar no delírio. Tomado por
convulsões, passava da agressividade à doçura. Em 1Ode janeiro, foi
internado na clínica psiquiátrica da Basileia e, logo, transferido para a
de lena. Mais de um ano depois, em 24 de março de 1890, deixou a
clínica sob a responsabilidade da mãe. Passou seus últimos dez anos
sob a tutela da mãe e, depois, da irmã. Alheio ao que ocorria à sua
volta, morreu em Weimar ao meio-dia de 25 de agosto de 1900.
As causas da enfermidade de Nietzsche não chegaram a seres-
clarecidas de modo conclusivo. Uns afirmavam que a paralisia cere-
bral se devia a disposições internas, certamente hereditárias; outros
sustentavam que as causas eram externas. Aí as opiniões divergiam:
uns asseguravam que a paralisia fora causada pelo abuso de drogas e
outros, que era de origem sifilítica. Houve, porém, aqueles que decidi-
ram colocar Nietzsche "no seu devido lugar"; tentaram detectar quais
dos seus textos haviam sido escritos sob o efeito das drogas. Houve
também os que se dispuseram a fazer uma reavaliação retrospectiva
de suas ideias, à luz do enlouquecimento, e atribuíram diferentes da-
tas à manifestação dos primeiros sintomas da doença mental. Enfim,
não foram poucos os que se aproveitaram do estado em que Nietz-
sche mergulhou, a partir de 1889, para desacreditar sua obra.
No final de 1890, sua irmã Elizabeth regressou endividada da
Alemanha. A colônia ariana "La Nueva Germania" no Paraguai fracas-
sara e seu marido, o antissemita notório Bernhard Fõrster, se suici-
dara. Surpreendendo-se com a procura sempre crescente das obras
de Nietzsche, ela levou a mãe, através de trâmites judiciários, a ce-
der-lhe a custódia de todos os seus escritos. Elaborou uma nova edi-
ção de seus livros, supervisionou as publicações, insistiu no lança-
mento de edições baratas. Leiloou os manuscritos das conferências
"Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos de Ensino"; autorizou a
publicação de O Anticristo em setembro de 1895; organizou uma
antologia de poemas para ser lançada antes do Natal de 1897.
. Elizabeth empenhou-se na difusão do nome de Nietzsche pela
imprensa e, entre 1893 e 1900, fez dele o ídolo das revistas. Escre-

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Nietzsche, vida e obra

veu artigos, introduções a seus livros e uma biografia em três volu-


mes. Não contente com isso, inventou uma "obra capital": A Vontade
de Potência. Para a primeira edição, reuniu 483 fragmentos póstu-
mos redigidos entre o outono de 1887 e janeiro de 1889; foram es-
colhidos a dedo no caos das notas escritas durante meses e organiza-
dos sem respeitar a ordem cronológica. A fim de legitimar sua empre-
sa, ela não hesitou em falsificar cartas do irmão; obteve os originais,
compôs o texto a partir del_es e depois os destruiu. Apresentando-se
como a destinatária das missivas, pretendia impor imagem de credi-
bilidade junto aos editores e amigos de Nietzsche; queria levar a crer
que conhecia as intenções dele melhor do que ninguém.
Com o capital proveniente de doações e dos direitos autorais,
Elizabeth adquiriu uma vil/a em Weimar, onde instalou os Arquivos
Nietzsche. Recebia altas personalidades do mundo cultural e político,
expondo o irmão a olhares curiosos. Mais tarde, irá permitir e incenti-
var a utilização da filosofia nietzschiana pelo Terceiro Reich. Será visita-
da pelo próprio Hitler e, em 1935, enterrada com honras nacionais.
Na verdade, até setembro de 1888, Nietzsche era praticamente
desconhecido. Seu primeiro livro, O Nascimento da Tragédia, embo-
ra bem acolhido nos círculos wagnerianos, provocou constrangimen-
to entre os filólogos e foi objeto de severas críticas. Se a Primeira Con-
sideração Extemporânea teve alguma repercussão, com artigos e re-
senhas publicados nos jornais de Augsburgo e Leipzig, a Segunda e a
Terceira passaram quase despercebidas e a Quarta, Richard Wagner
em Bayreuth, foi celebrada apenas pelos que se achavam ligados ao
compositor. Humano, demasiado Humano e os dois apêndices, Mis-
celânea de Opiniões e Sentenças e O Andarilho e sua Sombra, como
Aurora e A gaia Ciência, só encontraram resposta em cartas de ami-
gos - entusiasmadas, embaraçadas, consternadas. Assim falava Za-
ratustra - que, de seus livros, virá a ser o mais vendido - teve de
enfrentar grandes dificuldades para ser publicado. Sem alternativa, o
autor assumiu, desde então, todas as despesas com publicações.
Para além de Bem e Mal despertou o interesse do crítico e histo-
riador da arte Hippolyte Taine em Paris e suscitou, enfim , algumas re-
senhas; a Genealogia da Moral atraiu a atenção do professor de litera-
tura comparada Georg Brandes que, entusiasmado, decidiu difundir o
pensamento de Nietzsche em Copenhague. De São Petersburgo e de

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Dicionário Nietzsche

Nova Iorque, chegavam-lhe as primeiras cartas de admiradores de sua


obra. Nos últimos meses de 1888, exemplares do Crepúsculo dos Ido.
los foram enviados a amigos e a publicação do Caso Wagner causoL
reações imediatas, com artigos polêmicos em jornais da Alemanha e
da Suíça. Nietzsche fazia planos e estabelecia contatos para assegura,
a tradução de seus escritos: queria editar o Ecce Homo em 1889 e,
daí a dois anos, lançar o Anticristo em sete línguas simultaneamente.
Taine sugeria-lhe tradutores para a edição francesa do Crepúsculo d~
Ido/os; Brandes relatava-lhe o sucesso das conferências sobre sua fi-
losofia na Universidade de Copenhague; August Strindberg, escritor
sueco, participava-lhe a emoção causada pela virulência de suas pa-
lavras e coragem de suas ideias. Quando começava a ser conhecido,
teve de interromper as atividades intelectuais.
Repetidas vezes, Nietzsche tentara compreender as razões da
indiferença que o cercava. Na correspondência e nos livros, referiu-se
ao silêncio que pesava sobre a sua obra, à solidão que envolvia sua
vida. Raros amigos, escassos leitores. Nos últimos textos, acreditava
ter nascido póstumo; seus escritos antecipavam-se àqueles a quem
se destinavam. Dirigindo-se a um público por vir, de sua época só
podia esperar não entendimento ou descaso. Passava do desalento
à esperança; parecia oscilar entre a promessa da posteridade e a im-
possibilidade do presente.
Antes de tudo, não queria ser confundido. Que antissemitas e anar-
quistas se reclamassem dele causava-lhe horror. Ao longo de décadas.
porém, será evocado por socialistas, nazistas e fascistas, cristãos, ju-
deus e ateus. Pensadores, literatos, jornalistas e políticos terão nele
um ponto de referência - atacando ou defendendo sua obra, reivindi-
cando ou exorcizando suas ideias. No mais das vezes, operaram recor-
tes arbitrários em seu pensamento visando a satisfazer interesses ime-
diatos. Dessa perspectiva, quem julgou compreendê-lo equivocou-SE
a seu respeito; quem não o compreendeu julgou-o equivocado.

Scarlett Martor

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Os livros publicados
por Nietzsche
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Dicionário Nietzsche

O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA
(Die Geburt derTragõdie)

Nascimento da Tragédia foi _publicado em janeiro de 187~, épo..


O ca em que Nietzsche exercia o cargo de professor de filologia
clássica na Universidade da Basileia, na Suíça. A questão que seco-
loca como ponto de partida do livro reflete as preocupações do autor
com problemas trazidos por sua área de formação. Todavia, seria um
equívoco julgar que essa perspectiva esgota ou faça justiça ao livro.
Ao contrário, é possível mesmo considerar que Nietzsche transfor-
mou uma questão a princípio de interesse da comunidade filológica
num problema central da filosofia, das artes e, por que não dizer, da
cultura . A arquitetônica da obra pode ser vista a partir de três pila-
res centrais: o enfrentamento de um problema histórico-filológico; a
apropriação do legado filosófico de Kant e Schopenhauer; a adesão
ao projeto estético-musical de Wagner. Esses três elementos se unem
para dar corpo às teses sobre os impulsos dionisíaco e apolíneo.
O jogo entre o dionisíaco e o apolíneo é o núcleo do livro. e a re-
lação agonística e conciliatória entre os dois impulsos. exposta ao
longo do texto, retoma tanto a di_stinção kantiana entre coisa-em-si
e fenômeno. quanto sua análoga schopenhaeuriana entre vontade e
representação. Além disso. ao vincular a questão mítica da relação
entre as duas divindades a esses pressupostos filosóficos. Nietzsche
não apenás amplia sua perspectiva de análise, ultrapassando os limi~
tes impostos em sua época pelos estudos histórico-filológicos, como
também defende uma tese inovadora: a de que a cultura grega an-
tiga não está alicerçada apenas sobre os preceitos apolíneos da bela
forma. mas também foi fecundada pelo ímpeto dionisíaco ·da desme-
sura. As primeiras palavras de O Nascimento da Tragédia afirmam
que muito teremos ganho em favor de uma ciência estética [aesthe-
tische Wissenschaft] se nos ativermos à visão de que o contínuo de-
senvolvimento da arte está ligado à dualidade do dionisíaco e do apo-
líneo. No primeiro parágrafo, Nietzsche elabora o sentido geral de
sua metafísica de artista. retomando Kant e Schopenhauer. expondo
como o impulso correspondente a cada um dos dois deuses revela a
existência das coisas, o modo de ser do próprio mundo, numa apre-

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Os livros publicados por Nietzsche

sentação já recortada por uma perspectiva artística geral. No segun-


do parágrafo, explica como a arte, imitando a natureza, expressa
suas criações por meio dos impulsos dionisíaco e apolíneo.
Do ponto de vista da realização artística, é ainda por meio de uma
irrupção como impulso natural que o apolíneo e o dionisíaco, no ho-
mem, se expressam. Nesse caso, o sonho e a propensão à embriaguez
são as disposições fisiológicas com cujas manifestações os homens
irão dar vazão ao seu impulso à arte. Nietzsche aproveita dois dos
símbolos principais dos mitos de Apolo e Dioniso, o sonho e a embria-
guez, para defender que toda forma artística está a eles ligada. Além
disso, considera que a sabedoria expressa nos dois mitos gregos refle-
te aquilo que Kant e Schopenhauer expuseram sobre o duplo aspecto
do mundo, isto é, o numênico e o fenomênico. O sonho representa a
bela forma, e por isso mesmo toda arte figurativa é o desenvolvimento
desse mundo onírico de que trata o mito apolíneo. Daí Nietzsche con-
cluir que a poesia épica e as artes plásticas são apolíneas. Elas mos-
tram, ainda, os limites do mundo como fenômeno e representação,
das coisas submetidas ao tempo, ao espaço e à causalidade, e ao prin-
cípio de individuação, como ensinara Schopenhauer.
A embriaguez, estado dionisíaco por excelência, significa uma
ruptura com os limites impostos pelo impulso apolíneo. Sob o efei-
to da embriaguez e do transbordamento dionisíaco, rompe-se com
as formas do tempo, espaço, causalidade, e a própria individuação
é suspensa enquanto vigora o êxtase. No parágrafo 8, analisando o
coro ditirâmbico e sua importância para a constituição da tragédia,
Nietzsche afirma que as virgens que vão ao templo de Apolo conti-
nuam sendo o que são e mantêm o seu nome; já quem participa da- ·
quele coro, esqueceu-se de si, vivendo fora do tempo e de todas as
esferas sociais. Por isso, as artes dionisíacas serão essencialmente
o canto e a dança, daí a música ser a arte que melhor as simboliza.
Nietzsche retoma a exposição de Schopenhauer, para quem a mú-
sica é uma forma artística superior às demais, porque rompe com o
princípio de individuação e revela a essência do mundo. Ao associar
a música ao impulso dionisíaco, nosso autor concebe a embriaguez e
o esquecimento de si, porque são um rompimento com a individuali-
dade apolínea, como uma manifestação da vontade, da coisa-em-si.

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Dicionário Nietzsche

Portanto, o coro dionisíaco significa uma experiência que ultrapassa


o tempo, o espaço, a causalidade, pondo o servidor do deus báquico
em contato com a essência do mundo, que às vezes, na obra, é de,
nominado de Uno-Primordial, o verdadeiro existente, sendo a reali,
dade empírica sua mera aparência.
Além de considerar o canto, a música e a dança como as artes
dionisíacas, Nietzsche defende que a poesia lírica a elas se irmanam.
Se tradicionalmente o poeta lírico é aquele que está preso à sua pró-
pria subjetividade, necessariamente ele teria de ser um artista apolí-
neo, de acordo com sua própria estética. Mas não é essa a perspecti-
va que ele adota. Isso porque essa visão, que é a da tradição, padece
de uma incompreensão da essência da poesia lírica, pois, no fundo,
ela é música transposta em conceito. A aparência conceituai apolí-
nea que exprime a subjetividade do poeta esconde o fundo musical
dionisíaco, por meio do qual o artista sente a dor e a contradição
próprias da essência do ser. Como prova de sua tese, Nietzsche cita
uma carta de Schiller a Goethe; nela, o poeta afirma que a inspiração
lhe aparecia primeiro como forma musical e só depois é que lhe vi-
nham as imagens e os conceitos. Compreendendo as artes por meio
dessa divisão entre o dionisíaco e o apolíneo, Nietzsche argumenta
que os períodos históricos dos gregos estiveram marcados ora pelo
domínio do impulso de um deus, ora do outro. Se a tradição crista-
lizou uma interpretação em que fez sobressair a beleza e o comedi-
mento apolíneo, foi justamente porque os próprios gregos quiseram
expulsar o elemento bárbaro característico de Dioniso. Todavia, essa
proscrição é impossível, porque a força dionisíaca, em sua irrupção,
não pode ser contida indefinidamente.
Porque é impossível proscrever o dionisíaco, um ato miraculo-
so da vontade, como propõe a metafísica de artista nietzschiana, faz
nascer a arte trágica. Donde a tese central do livro de que a tragé-
dia é a forma artística em que os impulsos apolíneo e dionisíaco es-
tão em harmonia. É, pois, um ato da vontade helênica que faz cessar
a luta entre os dois deuses e impõe uma união deles numa mesma
forma artística. Se o coro ditirâmbico é a forma artístico-religiosa do
culto dionisíaco, Nietzsche propõe um desenvolvimento histórico em
que o processo de transformação desse culto, sofrendo uma interfe-

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Os livros publicados por Nietzsche

rência da linguagem apolínea; acaba por engendrar a tragédia, obra


de arte total em que as demais formas artísticas estão reunidas. À
pergunta filológica sobre os eventos que levaram ao surgimento da
tragédia, Nietzsche responde subsumindo as fontes histórico-filoló-
gicas em seus pressupostos filosóficos. Daí a tragédia ser vista por
uma ótica metafísica e atender a um apelo teleológico de um ser ver-
dadeiro cuja essência, porque padece da dor e do sofrimento, busca
consolo para seus padecimentos.
Se o jovem Nietzsche demonstrou uma grande admiração pela
cultura trágica grega, dando essa denominação não apenas ao que
ocorria em torno do drama e do teatro, mas a todas as manifestações
artísticas, científicas, filosóficas, ele também foi um crítico mordaz da
influência que Sócrates exerceu diante dos gregos. Com Sócrates,
inaugura-se uma nova forma de filosofar, instaurada sobre a cisão
entre razão e instintos. Condenando toda arte porque não está de
acordo com sua visão racionalista da realidade, Sócrates, por meio
de sua influência sobre Eurípedes, torna-se o responsável pela mor-
te da tragédia, dando início a uma civilização marcada por formas de
vida decadentes, que, postulando a existência de um mundo sensível
e inteligível, nega a própria realidade efetiva. À grandeza da cultura
cujo ápice foi a tragédia grega segue-se a civilização racionalista so-
crática, marcada não mais pelo que era próprio da tragédia, isto é, a
afirmação da vida, mas, ao contrário, por sua negação.
A superação dessa cultura socrática teria suas sementes germi-
nadas com a filosofia de Kant, precisamente pela crítica às faculdades
do espírito e pela demonstração da impossibilidade de um conheci-
mento do mundo suprassensível. Essa crítica seria complementada,
aos olhos de Nietzsche, pela obra de Wagner, cujos dramas musicais
retomavam o espírito da tragédia grega, inclusive por representar
uma obra de arte total. Seria o retorno da cultura dionisíaca.
Em 1886, quando acrescenta um prefácio a O Nascimento da
Tragédia, Nietzsche vai criticar com muita acrimônia muitas das te-
ses centrais de seu livro. Em grande medida, essa crítica tardia é
resultado 'do rompimento com o projeto artístico de Wagner e do
distanciamento da filosofia de Schopenhauer. Édigno de nota que o
subtítulo será alterado. Do título original "O Nascimento da Tragé-

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Dicionário Nietzsche

dia no Espfrito da Música" sairá a referência musical, entrando ern


seu lugar "Helenismo e Pessimismo" . Uma tentativa talvez de retirar
a alusão a Wagner já da capa.

Bibliografia

LIMA, Márcio José Silveira. As Máscaras de Dioniso: Filosofia e Tra-


gédia em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2006. (Cal.
Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. ONascimento da Tragédia. Da superação dos opos-
tos à filosofia dos antagonismos. ln : - -. Nietzsche e a arte
de decifrar enigmas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 17-32.
(Col. Sendas & Veredas)

Márcio José Silveira Lima

CONSIDERAÇÕES EXTEMPORÂNEAS 1, li, Ili, IV


( Unzeitgemiisse Betrachtungen /, li, Ili, IV)

Nas principais edições brasileiras dos textos de Nietzsche, o título


Unzeitgeméisse Betrachtungen é traduzido - no nosso entender, de
maneira satisfatória - por "Considerações Extemporâneas" . No léxi-
co da língua portuguesa, "extemporâneo" significa "aquilo que está
fora do tempo apropriado", ou ainda, "o que não é característico da
época em que ocorre". Enfim, "extemporâneo" serve para designar
algo que não está em consonância com o tempo no qual está inse-
rido. Ora, essa acepção está intimamente relacionada com a com-
preensão de Nietzsche acerca de "extemporâneo", pois o filósofo,
de fato, entende extemporaneidade como negação e afastamento
de sua própria época. Contudo, isso não esgota o sentido que esse
termo recebe no contexto do pensamento nietzschiano. Isso porque
a extemporaneidade a qual Nietzsche se refere não é uma espécie
de negação alienada de sua época, mas um afastamento reflexivo
que objetiva realizar um ataque "crítico" direcionado a ela. Ou seja,

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Os livros publicados por Nietzsche

"extemporâneo" em Nietzsche não é sinônimo de escapismo do seu


mundo e do seu tempo, já que a atitude do filósofo consiste, sobre-
tudo, num combate contra a mediocridade cultural de seu momento
histórico. A negação de sua própria contemporaneidade tem, portan-
to, o intuito do confronto, posto que essa negação é, na verdade, um
afastamento estratégico da cotidianidade e da mentalidade a serem
combatidas. De fato, as Considerações Extemporâneas são pequenos
textos ensaísticos- caracterizados pela polêmica e virulência - que
criticam de forma mordaz algumas instituições da cultura europeia da
segunda metade do século XIX. Inicialmente, o projeto de Nietzsche
era publicar vários desses opúsculos "panfletários" no espaço de cinco
anos. Contudo, só quatro foram, realmente, finalizados. Entre abril de
1873 e outubro de 1874, aparecem os três primeiros. O quarto e úl-
timo só vem a público em julho de 1876. Consideradas como escritos
da primeira fase da obra nietzschiana, as Extemporâneas apresentam
algo comum aos livros de Nietzsche publicados nesse período, a sa-
ber, a influência de Schopenhauer e Richard Wagner.
A primeira consideração extemporânea, David Strauss, o Devo-
to e o Escritor [David Strauss, der Bekenner und der Schriftsteller),
publicada em 1873, ataca de forma violenta a então recém-publi-
cada obra do teólogo hegeliano David Strauss (1808-1 874), A an-
tiga e a nova fé ( 1872). No entender de Nietzsche, Strauss seria "o
chefe dos filisteus da cultura", pois sua obra seria uma espécie de
"evangelho" de um tipo de erudito conformado com o cotidiano e
comprometido com o cumprimento da regra e com a execução do
dever. Devotado às tarefas burocráticas estabelecidas por instâncias
sociais superiores, o "filisteu da cultura" - do qual Strauss seria o
protótipo - tem seus esforços sempre voltados para a conservação
de sua vida pacata e segura.
Em 1874, aparece a segunda consideração extemporânea, Da
Utilidade e Desvantagem da História para a Vida [Vom Nutzen und
Nachtheil der Historie für das Leben). Este texto tem como alvo a
tendência exacerbadamente historicista que dominava a mentalida-
de acadêmica na segunda metade do século XIX. Nietzsche defende
a tese de que a história pode se expressar de três maneiras, a saber,
a história monumental, a história tradicionalista e a história crítica. O

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filósofo vai então elencar as vantagens e desvantagens de cada uma


dessas três manifestações em relação à conseNação e ao desenvol-
vimento da vida. A história monumental promove o conhecimento
acerca de passados grandiosos e, ao realizar essa tarefa, fornece Pa-
radigmas para o presente. Ou seja, a história monumental é útil à
vida porque pode estimular o homem do presente à conquista. Em
suma, uma vez que a história monumental mostra que a grandeza
que já existiu outrora-isto é, mostra que a grandeza foi possível em
civilizações passadas - ela pode incentivar o desejo do seu retorno.
A história tradicionalista, que se caracteriza por uma atitude de con-
seNação e veneração do passado, teria o poder de produzir um sen-
timento de "prazer e satisfação" ao fazer o indivíduo se sentir perten-
cente a uma tradição. Segundo o filósofo, a história entendida nessa
acepção evita a total dispersão das sociedades e a busca desenfrea-
da pela novidade banal. Quanto à história crítica, essa teria o papel
de promover rompimentos com partes do passado que precisariam
ser "julgadas" como nocivas e descartadas em função da promoção
de uma vida salutar. Essas três manifestações de história carrega-
riam consigo, todavia, possibilidades de degeneração. Algumas des-
sas degenerações seriam, por exemplo: a promoção da impotência
e a indolência frente à grandiosidade já alcançada num passado mo-
numental; o sufocamento da energia criativa do presente por conta
de uma exclusiva e excessiva conseNação da tradição; a condenação
e o descarte de "erros", "violências" e "desregramentos" que foram
necessários à manutenção da vida. Também é digna de nota a crítica
que Nietzsche desfere contra a concepção escatológica da historici-
dade cristã. Numa análise que adianta uma reflexão que vai aparecer
de maneira mais incisiva no final de sua obra, o filósofo vai defender
que a concepção histórica do cristianismo - concepção que estaria,
segundo ele, incrustada na noção moderna de história - promove
uma exacerbada preocupação com a morte e impede o interesse pela
vida. Enfim, de uma maneira geral, a Segunda consideração extem-
porânea visa submeter a história ao crivo da vida e criticar o desejo
cientificista de conquista de verdade histórica a todo custo.
A terceira consideração extemporânea, também publicada em
1874, tem como título Schopenhauer como Educador (Schopenhauer

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Os livros publicados por Nietzsche

ais Erzieher). Esse texto, que foi elaborado a partir das notas para sexta
e sétima conferências de Sobre o Futuro de nossos Estabelecimen-
tos de Ensino (Ueber die Zukunft unserer Bildungsanstalten), ataca
de forma agressiva a mentalidade e as instituições universitárias da
Alemanha da segunda metade do século XIX. Segundo o filósofo, o
ensino superior de sua época tinha o propósito de formar homens
subordinados e medíocres que viriam a servir às instituições e ao
Estado. Isso porque, conforme a mentalidade dominante da época,
o Estado seria o alvo máximo da humanidade. Em outras palavras,
nenhuma meta poderia ser entendida como superior à preservação
da existência do Estado. Esse sistema educacional seria, portanto,
eficaz para engendrar "tipos" resignados como o "erudito" estéril,
o "funcionário de Estado", o "negociante" e o "filisteu da cultura".
Todavia, esse mesmo sistema seria incapaz - e até mesmo impe-
diria - o florescimento e o desenvolvimento de indivíduos com ta-
lentos geniais. No entender de Nietzsche, todavia, uma verdadeira
educação deveria empenhar-se no "nascimento e maturação" do gê-
nio. No desenvolvimento do seu argumento, Nietzsche caracteriza,
ainda, dois tipos antagônicos, a saber, os "servidores filosóficos" e
os filósofos. O primeiro, integrado ao sistema educacional vigente,
caracterizar-se-ia por possuir um pensar domesticado e comprome:-
tido com os interesses do Estado - provedor de sua subsistência. O
"servidor filosófico" seria o erudito profissional perito em história da
filosofia que, especializado em "repensar" o pensamento dos gran-
des filósofos, impede o florescimento do verdadeiro filósofo. Este úl-
timo seria um livre pensador que retira de si mesmo as suas próprias
verdades sem intermediários.
A quarta e última consideração extemporânea, Richard Wag-
ner em Bayreuth (Richard Wagner in Bayreuth), foi publicada por
ocasião da inauguração do Festspielhaus, a sala de espetáculos de-
dicada à apresentação da obra de Wagner, construída na cidade de
Bayreuth, na Alemanha. O texto em questão, ao mesmo tempo em
que rende homenagem a Wagner, consiste também numa severa
crítica à decadência cultural da Europa. Esse declínio cultural poderia
ser observado através do exame da arte moderna alemã, sobretudo,
das instituições teatrais. Para Nietzsche, o público que frequentava

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os espetáculos teatrais buscava apenas um divertimento de fácil as- l


similação: os artistas caracterizavam-se pelo pedantismo e superfi-
cialidade: os empresários e organizadores buscavam unicamente 0
lucro desenfreado. Enfim, a arte, reduzida a uma mercadoria de luxo
e ostentação, tomara-se estéril e inofensiva. Nessa época, Nietzsche
enxerga Wagner como o antípoda extemporâneo dessa mediocri-
dade artística. O compositor seria a ponta de lança de uma revira-
volta cultural que teria o poder de combater a decadência da arte
moderna e instaurar um novo momento de grandiosidade na cultura
alemã. O teatro de Bayreuth seria a referência fundamental de uma
"revolução social " que poderia promover um "grande porvir" para
a sociedade europeia. Já durante a inauguração do Festspie!haus
Nietzsche viria a se decepcionar.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Distancia y combate: la (in)actualidad de Nietzsche.


EstudiosNietzsche, v. 12, p. 133-145, 2012.

João Evangelista Tude de Melo Neto

HUMANO, DEMASIADO HUMANO.


Um livro para espíritos livres
(Menschliches, Allzumenschliches.
Ein Buch für freie Geister)

Humano, demasiado Humano é o livro em que Nietzsche toma co-


ragem para se emancipar. Com o primeiro volume, publicado em
1878, Nietzsche decreta a sua independência intelectual, libertan-
do-se de Schopenhauer, de Wagner, da metafísica, do idealismo, do
romantismo, enfim, de tudo o que não fazia parte de sua índole. Nesse
sentido, as considerações feitas em retrospectiva por Nietzsche so-
bre essa obra - nos prefácios de 1886 e em Ecce Homo -, consi-
derações que veiculam a tese do reencontro consigo mesmo, ao invés

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Os livros publicados por Nietzsche

da ruptura intempestiva, não devem ser lidas tão somente como re-
flexos de uma manobra egocêntrica que busca, oportunamente, dei-
xar um autor mais confiável e palatável aos seus leitores. Pois não
estamos diante da gestação de uma nova fase, mas de uma decisão
de tornar público o que já se encontrava em estado latente numa
enorme massa de anotações privadas. O enaltecimento dos pontos
de vista das ciências naturais, da teoria do conhecimento e da filo-
sofia da linguagem, do realismo, do criticismo e do ceticismo - os
pontos de vista norteadores de Humano, demasiado Humano -,
permeia grande parte do espólio nietzschiano entre o final da década
de 1860 e início da década de 1870. Além do mais, essa obra não
somente corrobora posicionamentos filosóficos que já se encontra-
vam praticamente prontos, mas confere·também organização à pro-
dução que lhe sucede, caucionando um todo unificado e coerente.
Nietzsche almejava publicar Humano, demasiado Humano, incluindo
seus apêndices, com Aurora e A gaia Ciência numa única edição em
dois volumes que se chamaria, num primeiro momento, Vademecum
Vadetecum, e, depois, A Relha do Arado; ele também considerava
os livros Genealogia da Moral e Para além de Bem e Mal enquanto
retomadas da obra de 1878. Assim, Humano, demasiado Humano
não representa exatamente uma mudança súbita e pontual provoca-
da pelo acúmulo de vicissitudes, como as experiências das andanças
em Sorrento, os diálogos com Paul Rée ou o adoecimento. Com efei-
to, é o propagandista da causa de Bayreuth, que toma a palavra em
O Nascimento da Tragédia e as Considerações Extemporâneas, um
personagem moldado pelas expectativas de um público bastante pe-
culiar, que deve ser visto como um tipo de desvio inesperado de um
caminho que estava sendo trilhado. Perante esse cenário, o mais acer-
tado seria acolher o desejo expresso por Nietzsche ao seu editor de pu-
blicar Humano, demasiado Humano sob o pseudônimo de Bernhard
Cron não como um desejo de fugir de si, mas o inverso: tratar-se-ia de
uma estratégia para escapar de um nome banalizado que somente
referendava as idiossincrasias do wagnerianismo, ou seja, daquilo
que não lhe pertencia.
É em Humano, demasiado Humano que, portanto, Nietzsche
traz a público a sua filosofia. O nome dessa filosofia é mosofia histó-

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Dicionário Nietzsche

rica. Em antagonismo à filosofia metafísica, a filosofia histórica te


ç: .d . ni
como seu traço distintivo a primazia con,en a ao vir-a-ser em detrj.
mento do ser, ao sentido histórico em detrimento do supra histórico
Nietzsche torna público, nesse momento, a sua descoberta, realizad~
entre 1872-1873 em escritos não publicados, de que a realidade do
tempo ou do vir-a-ser é inconteste, o que provoca o desmoronamen.
to do edifício dos filósofos, sustentado pela metafísica e sua ciência
do ser. Essa nova filosofia evidencia que a necessidade metafísica
e
propalada pelos filósofos, como Schopenhauer, não uma conditio
sine qua non da atividade filosófica, podendo ser enfraquecida e su-
perada. Emesmo que a existência de um mundo metafísico não pos-
sa ser refutada de forma peremptória, o fato é que esse mundo nos
seria inacessível -tanto as tentativas de se revelar a coisa-em-si pelo
condicionado, quanto pela certeza imediata da lei lógica do princípio
da identidade, são infrutíferas.
Far-se-á notar os efeitos dessa destruição da antiga filosofia , a
filosofia perene, primordialmente nos horizontes metodológico e for-
mal. Em sendo o vir-a-ser a única realidade acessível ao filósofo, isso
significa que se deve partir do concreto. da experiência, ao invés da
especulação conceituai, fazendo com que o método historicista. fe-
cundado pelo indutivismo dos cientistas naturais, seja eleito como
sendo aquele gnoseo/ogicamente mais promissor. Isso não significa,
por certo, que a perspectiva científica seja desprovida de erros. Ain-
da assim. o caminho da ciência é o mais vantajoso por repreender a
ociosidade do intelecto ao invariavelmente privilegiar a mudança no
lugar da permanência.
Será também devido a essa centralidade do vir-a-ser que, ·pela
primeira vez, Nietzsche adota, em Humano, demasiado Humano, os
aforismos enquanto veículos para transmitir as suas posições. En-
quanto a filosofia metafísica apresenta sistemas, imobilizando a tare-
fa do pensamento, a filosofia histórica vê a si mesma como uma filo-
sofia em vir-a-ser, o que significa que, em concordância com o espí-
rito hipotético da ciência, as suas verdades são provisórias e sujeitas
a constantes ajustes. Nietzsche supõe existir uma dissimetria entre
o plano dos signos (estático) e o do pensamento (processual). de tal
modo que os aforismos devem ter como finalidade atrair os leitores

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Os livros publicados por Nietzsche

para o horizonte da fluidez através de sua incompletude -é o incom-


pleto que motiva o leitor a continuar pensando.
É, assim, desde essa perspectiva filosófica heterodoxa, que Nietz-
sche elege o grande objeto de investigação de Humano, demasiado
Humano: o homem. Éo próprio Nietzsche quem revela, numa carta
endereçada a Cosima e Richard Wagner no início de 1878, que esse
livro expressa os seus sentimentos mais íntimos acerca do homem
e das coisas. Dessa forma, pode-se dizer que essa obra é um tratado
de antropologia filosófica, mas de uma antropologia deveras muito
distinta daquela disseminada pela tradição metafísica. Pois enquan-
to os filósofos costumam apreender o homem como uma verdade
eterna, Nietzsche aponta para a historicidade que se oculta por de-
trás dessas afirmações. Quer dizer, os filósofos alienam-se de sua
própria historicidade, ignorando que aquilo que falam sobre o ho-
mem pertence a um momento particular do tempo. Para desfazer
essa ilusão, Nietzsche recorre à observação psicológica, inspirada
nos moralistas franceses, e também a investigações históricas cien-
tificamente respaldadas, o que inclui estudos etnográficos e natura-
listas. O método da história comparada, empreendido no campo
etnológico, mostra, de seu lado, de que maneira a imagem do ho-
mem atual foi, no essencial, moldada em tempos primitivos; estu-
dos biológicos revelam, por sua vez, que o homem representa ape-
nas um período no interior da evolução dos animais. Logo, alheios
ao sentido histórico, ao ceticismo e à desconfiança que move o es-
pírito cientifico, os filósofos foram ludibriados pela imagem do ho-
mem destacado da natureza e do tempo, não reconhecendo que, com
efeito, o homem veio a ser, mesmo que ele tenha mudado pouco nos
últimos quatro mil anos.
Enão só isso: os valores morais, religiosos e estéticos, norteado-
res da vida dos homens, também vieram a ser. Esses valores não pos-
suem uma origem divina, mas humana, de tal modo que o caráter his-
tórico dos homens necessariamente imprime um caráter contingente
aos seus valores mais estimados. Nietzsche se ocupará com esse pro-
blema em grande parte dessa obra, sendo especialmente profícuas
as suas considerações acerca da moral. A sua tese de que "bom " e
"mau" só são compreendidos enquanto valores em si pelo erro da

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Dicionário Nietzsche

razão de confundir os efeitos com as causas, pelo esquecimento de


raízes utilitárias desses valores, a serviço dos costumes, será o ponto
de partida para o desenvolvimento de Genealogia da Moral.
Doravante, o grande desafio que se impõe é o de como imple-
mentar essa nova perspectiva trazida pela filosofia histórica sem re-
quisitar unicamente uma revisão teórica dos fundamentos do conhe-
cimento, mas uma profunda transformação cultural- pois a filosofia
histórica só prospera no interior de uma cultura progressista, científi-
ca. Tendo isso em vista, Nietzsche elege o agente que deve execut~r
essa transformação cultural, que também é uma elevação cultural: o
espírito livre. O espírito livre, que é mais um novo paradigma do que
um indivíduo concreto, tem por finalidade inspirar a libertação das
convicções. Nesse sentido, deve-se entender o espírito livre em con-
traposição ao espírito cativo. Enquanto o espírito cativo representa o
senso comum, guiado pela fé e agindo unicamente por hábito, o es-
pírito livre solicita razões, uma solicitação que estimula o surgimen-
to de uma atitude de desconfiança para com tudo que é duradouro.
Essa atitude, quando levada pelo espírito livre para todos os campos
em que se estabelecem laços sociais- desde os laços com a família
até os com o estado-, cria um terreno fértil para que a necessidade
inercial por verdades absolutas seja enfraquecida, sendo substituída
pelo entusiasmo com o ceticismo e, enfim. com a mudança. Assim,
Humano, demasiado Humano pode também ser apreendido, em sua
faceta mais audaciosa, como um manual para o florescimento de
uma nova cultura: uma cultura de espíritos livres.

Bibliografia

ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche: Estilo e Moral. São Paulo, ljuí:
Discurso Editorial. Editora Unijuí, 2002. (Col. Sendas & Veredas)
SALANSKIS, Emmanuel. Moralistes darwiniens: les psychologies évolu-
tionnistes de Nietzsche et Paul Rée. Nietzsche-Studien , v. 42, n.
1. p. 44-66, 2013.

Eduardo Nasser

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Os livros publ,cocJo por N1otz, ch

AURORA. Pensamentos
sobre os preconceitos morais
(Morgenrothe. Gedanken
über die moralischen Vorurtheile)

Nietzsche preocupou-se bastante em apresentar o que há de especi-


fico e de mais relevante em sua obra Aurora. Dois momentos sào de-
cisivos para a autocompreensão do seu autor: o prefácio à segunda
edição (novembro de 1886) e o comentário de Ecce Homo ( 1888).
Apesar de mais breve, esse último é bem elucidativo para o sentido
da obra. O livro de 1881 seria o início de sua campanha contra a mo-
ral. Sem dúvida, a moral é o tema central de Aurora. Entretanto, não
é justo afirmar que a luta contra a moral tenha iniciado com Aurora.
Essa luta já foi travada anteriormente, nos dois volumes de Humano.
demasiado Humano, assim como nos escritos preparatórios e frag-
mentos póstumos de 1876 a 1879. É preciso, antes de mais nada.
afastar as preocupações próprias de Nietzsche, de 1886 a 1888, se
quisermos compreender o sentido das tarefas próprias de Aurora .
em seu contexto singular de elaboração, em 1880 e 1881 . Nesse sen-
tido, temos de relativizar a afirmação do Ecce Homo , de que Auroro
é o livro que "diz Sim " (a tudo o que é proibido, é bem verdade!).
Além de afirmativo, o livro de 1881 seria profundo, e, simultanea-
mente, "claro e benévolo" . A tarefa de preparar um "grande meio-
dia para a humanidade", contudo, surge com a "visão" do eterno
retorno do mesmo, em agosto de 1881 , depois da publicc1çào d
Aurora. Em sua pretensa obra afirmativa, a despeito das consid ra-
ções tardias de seu autor, há vários ataques à moral. e váritts pJla-
vras negativas. Como é enfatizado o "pessimismo alemão~ , no pr -
fácio de 1886 à segunda edição!
No Ecce Homo, Nietzsche ataca a moral da décad 110 • loa d
pois de dizer que não t1á nenhuma postura ofensiva, pas 21ndo r1 vai ri-
zar a fisiologia para combater a ruína da llumanidade. No pr~fáci d
1886, a ênfase é posta na profundidade do "ser subterrân ' O", qu
escava no passado "obscuro" da moral humana. Nietzscll enf'ltin
que tratou a moral como problema, expõe seu cetici mo m rcln tlO
à moral, à ética de Kant, para depois afirmar que ess livro .. pcssi-

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1
D,c, nft110 N101zsdm

mista ut moral adentro". No prólogo, Nietzsche chega até mesmo


a afirmar que os alemães Kant, Hegel, Lutero e ele próprio seriarn
pes imistas, até mesmo em relação à lógica. Mas é em companhia
dos imoralistas e dos ateus, herdeiros de uma vontade pessimista,
que se realizaria a "autossupressão da moral" (die Selbst-Aufhebung
der Moral). A análise da relação dos alemães com a moral tem corno
foco o caráter categórico dos imperativos, principalmente aos medos
como Lutero e Kant propõem que "tem de" haver no homem algo em
que ele possa confiar e obedecer incondicionalmente. O filósofo pes-
simista Schopenhauer teria ficado no meio do caminho. E o próprio
Nietzsche. em seu livro "claro e benévolo". fala também de si mesmo:
quando é forçado à solidão, o alemão obedece a si, torna-se profundo
e temerário; ele eleva-se "acima da moral"; é preciso que ele coman-
de algo em si ou nos outros. O apátrida Nietzsche, com olhar "mais
que asiático", com "calma e contemplatividade asiática" dispõe-se a
abalar os fundamentos da moral europeia. Ele já ouvia rumores. na
época de elaboração de Aurora, do niilismo russo-europeu .
O final de Aurora não corrobora essa pretensão desmedida de
Nietzsche: a referência indireta ao pessimista (italiano!) Leopardi nos
faz pensar que esse "nós" do final não é o mesmo dos escritos poste-
riores. Atenhamo-nos à errância dos "aeronautas do espírito", sua in-
certeza quanto ao destino a seguir: navegar para onde declina o sol da
humanidade (o Ocidente). "ou?-". A obra abre-se a um futuro inde-
finido, acerca do qual talvez alguém possa afirmar que os aeronautas
do espírito pretendiam chegar às Índias, mas seu destino seria naufra-
gar ao infinito. Ou rumo a novos mundos e a novas auroras!
A epígrafe da obra ("Há tantas auroras que não brilharam ain-
da"). do Rigveda, pode ser enganosa , se julgarmos que a obra foi
desde sempre pensada a partir dela. Lembremos que o primeiro tí-
tulo mencionado foi L'Ombro pi Venezia , das anotações de Veneza
[março -julho de 1880). Em junho de 1880, Nietzsche propôs o tí-
tulo "A Relha do Arado" (Die Pfugschar) . Ainda em 25 de janeiro de
1881 . quando Nietzsche envia a Peter Gasto manuscrito de Aurora,
o título era: "A Relha do Arado. Pensamentos sobre pré-juízos mo-
rais" [Die Pflugschar. Gedanken über die moralischen Vorurtheile) .
Por sugestão de Peter Gast, Nietzsche mudou O título para "Uma

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O livro publicado p0r ,~, u eh

ouroru .. (Eine Morgenrôthe). O final da obra é muíto evasivo e cnig·


mj tico. quisermos pensar ou imaginar para que ·aurora· ou ·au•
'I

r rJr. .. o autor acenava.


Auroro é um livro que marca uma decisiva transição no pensa•
,n 111to ue ictzscl1e. A fom1a aforística de Humano, demasiado Hu·
mano é 111JntidJ. Se Voltaire mereceu a epígrafe de Humano, Napcr
1 .~o upa um l11gJr importante emAurora, na análise do ·sentimento
(le potência .. (Oas Gefilhl der Machl). Lord Byron. Stendhal, Emerson,
S1 "ll er. Heine, Montaigne, Mérimée, Mill (e seus comentários à obra
d 1 A. omt ) e PJSCJI s5o ns principais leituras de 1880 e do início de
1881 . - in. tigJnte que Spencer sequer é citado na obra de 1881 , em-
oom t >nlln ido tão imponnnte para a nova análise do medo e da cruel-
dJ(l '. studos de antropologia e etnologia (de Lubbock e Virchow,
(ll l fo1~1m determinantes na época de Humano) são agora desenvol-
·cto om um vivo interesse a partir da obra de Spencer. com auxílio
(1J fi iologiJ (1 . G. Sernper). Mais significativo ainda é que Paul Rée, o
p1 incipJI nmigo e interlocutor dessa época, não é mencionado expli-
citJmente na obra, apesar de ser uma fonte importante, no que se re-
fer à psicologia moral. Temos de apontar, no entanto, para o progres-
ivo afílstamento do filósofo solitário em relação a Rée, como transpa-
rece em anotações do final de agosto de 1881 , com a recusa da visita
do amigo, para concentrar-se no trabalho solitário.
Até o início de 1882, os escritos para a obra que veio a se cha-
mar "A gaia Ciência" (Die fr6hliche Wíssenschaft). eram pensados
como continuação deAurora. As qualidades dessa última seriam ain-
da mais destacadas na gaya scienza. Nietzsche aborda em Aurora
"os processos fisiológicos desconhecidos", destaca o "fenômeno fi-
siológico" oculto nos preconceitos morais. Temos de ter em mente
que o filósofo solitário valoriza a fisiologia e as demais ciências para
propor novas "leis da vida e do agir". É o cerne da filosofia do espíri-
to livre (die Freigeisterei), na qual se reverbera a nova paixão, a pai-
xão do conhecimento. Os lampejos dos novos pensamentos devem
ser "dosados de modo alquímico", para usar uma metáfora de Colli.
Apesar de anunciar a "Grande política", de criticar a cultura. a socie-
dade, a religião e a arte modernas, a análise do "sentimento de po-
tência" é desenvolvida no silêncio, na valorização da vita contempla-

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, D1c1ontmo Nietzsche

tiva. A noção de valor (Werth) é central em Aurora, em relação a~


impulsos. o homem se denomina ·bom" quando eS tá de ~sse do
·sentimento de potência ". Nietzsche analisa a crueldade ascética nos
homens religiosos, nos artistas, filósofos e ·pe~~dore~ ~ trabalhado.
res científicos". A própria ciência seria uma pa,xao ascet,ca do espín,.
to livre na renúncia e na busca de si. É preciso criticar a moral na re.
ligião (~ristianismo). na arte (Wagner) e também nas filosofias de
Kant e de Schopenhauer. Com isso, Nietzsche pretende ir além da
moral do dever e da compaixão. O novo Colombo descobre um novo
mundo interior, o mundo da luta dos impulsos. Nesse sentido, Nietz.
sche opera apenas no âmbito das realidades fisiopsicológicas. Os im-
pulsos lutam entre si: com isso, ele não pretende simplesmente afir-
mar a veemência dos impulsos. Nesse "ensaio pré-genealógico". não
há ainda um pensamento acabado da "autorregulação dos impul-
sos". A "lógica imanente dos impulsos", para utilizar uma expressão
de Blaise Benoit, não é bem desenvolvida metodologicamente, visto
que as análises históricas e psicológicas dos sentimentos morais não
são ainda bem articuladas com a fisiopsicologia dos impulsos huma-
nos, e sua aspiração a mais potência. Os estudos das origens e de-
senvolvimentos da moral são decisivas para a construção do sentido
ético do indivíduo singular (der Einzelne), se entendermos "ética" a par-
tir do sentimento de potência. O estudo do caso Napoleão evidencia
que a "essência da moral" está no sentimento de potência.
Em Aurora há indicações valiosas sobre o modo como os im-
pulsos se relacionam, no sentido experimental pré-genealógico su-
pracitado. Nietzsche desenvolve ali não só a luta contra a moral da
compaixão. Ele ensaia também um combate, através dos seis mé-
todos para combater a impetuosidade dos impulsos, no intuito de
construir uma nova noção de valor e de potência. O filósofo solitário
perambulou por Veneza, Gênova, Marienbad, Riva della Carda, pro-
curando decifrar o "mundo desconhecido do 'sujeito"', a trama de
"nosso destino e caráter". Para isso, seria preciso uma nova abor-
dagem da relação entre prazer e desprazer, em suma , dos impulsos
humanos que a_lmejam mais potência. Logo depois da publicação
de Aurora, surgiram pensamentos no horizonte de Nietzsche como
ele nunca tinha visto antes. ·

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Os livro publicado"' p0, N1 t1 o

Bibliografia

1ARTON. Scarlett. Auroro. A caminho de um grande meio-dia. ln:


- -. Nietzsche e a arte de decifrar enigmas. São Paulo: Edições
Loyola, 2014, p. 73-86. (Col. Sendas & Veredas)

Clademir Araldi

A GAIA CIÊNCIA (''La gaya scienza")


(Die frohliche Wissenschaft [" La gaya scienza"])

Nietzsche publicou duas versões distintas de A gaia Ciência, a pri-


meira em 1882 e a segunda em 1887. A segunda edição se diferencia
da primeira pelo acréscimo do quinto livro, de um prefácio datado de
1886, das "Canções do príncipe Vogelfrei" (colocadas em apêndice)
e do subtítulo provençal "La gaya scienza". Além disso, a epígrafe
de Emerson escolhida em 1882 é suprimida em 1887 e substituída
por um breve poema de Nietzsche, onde declara, de modo significa-
tivo, que nunca imitou ninguém. A amplidão dessas alterações su-
gere que o ponto de vista retrospectivo de Nietzsche em 1887 não
coincide inteiramente com aquele que adotara em 1882.
A edição de 1882 se compõe de quatro livros. iniciados com
um "prelúdio em rimas alemãs" que tem o título goethiano HBrinca-
deira. astúcia e vingança ". A noção de "gaia ciência ", que dá seu tí-
tulo à obra. suscita de imediato uma interrogação, na medida em
que associa paradoxalmente a ciência com uma tonalidade afetiva,
a alegria ou a jovialidade [Frohlichkeit) . Esse paradoxo anuncia um
deslocamento de problemática: Nietzsche pretende colocar em ques-
tão a tradição metafísica de busca meramente espiritual da verdade.
ao defender uma concepção incarnada de conhecimento. Logo no
§ 1 (livro 1). a expressão "gaia ciência " é empregada para designar
uma certa atitude frente à "comédia da existência", que alia "o riso
[.. .] à sabedoria". Essa atitude consiste em rir de nós mesmos en-
quanto participamos. também nós, da comédia, inclusive quando
acreditamos obseNó-/a do exterior. Assim. Nietzsche desenvolve

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0 1 1 111'1110 N1 li' cJw

uma I lfl , 10 ~ot>rc c1 ln!> \rç O cJo olhar conlcm11lador no csnctá(ulrJ


ont .1nn111do. Tomar on~ lôncia cJessa inserção não pode nos 1,t)c,.
tar cJ \1, . mt1 provo a. no rnáxlrno, um riso sábio. A impossibilidad(;
cf urn nonlo de vi. ia trnn ccndcnle transparece. de novo, no irn.
port íllll , :J11 (livro 1), inliLUlado "A consciência da aparência". No
ãmtJito de urna mccJilaçào imf)licitamenle evolucionista, o autor anr-
ma que "descobriu" que os seus pensamentos e afetos se inscrevem na
lonea llistória da vida humana, animal e orgânica (uma história que,
secundo o§ l l , § l l Oe § l 11 , é a da incorporação de erros inte-
lectuais funcJamentais). Porém, tal descoberta não se equipara à su-
pressão de uma ilusão. Pois ela é comparada ao fenômeno do sonho
lúcido, que associa a consciência de sonhar com a continuação do
sonho: o homem de conhecimento não deixa de participar da apa-
rência da qual tomou consciência enquanto tal. O§ 333 (livro IV)
conlirmará que o conhecimento é apenas "um certo comportamento
mútuo dos impulsos", que não pode elevar-se por cima dos impulsos
e, por conseguinte, da vida .
No livro li, que contém obseNações sobre a arte no sentido mais
geral, Nietzsche se esforça para superar a oposição tradicional entre
a arte e a ciência. Por um lado, as próprias ciências chegam a conce-
ber a ilusão e o erro como "condição da existência que conhece e que
..,ente", corno bem mostra o§ 107 que conclui o livro. Por outro, en-
quanto "boa vontade com a aparência", a arte se revela psicologica-
mente necessária ao indivíduo que cultiva uma probidade intelectual
e uma "paixão do conhecimento", como o refluxo do mar deve suce-
der ao seu lluxo (§ 107). Mais ainda, o homem de conhecimento tem
que reconhecer que a aparência não dissimula nenhuma essência
u cclívcl de ser conhecida objetivamente. O que se chama cornu-
rncntc uces (meia é uma espécie de aparência incrustada, que atua
como e ·üncia em virtude de um prestígio acum ui ado no decorrer da
história. O §58 (livro li), inlitulado "Somente como criadores!", se-
(Jue esca linha de rcflexão para concluir que podemos transformares-
as pretcn as cs éncias, mas somente ao criar novas aparências e ve-
ros irnilhançac, cspccialrnenLc por meio da linguagem. Desse modo,
a Frôlilic/Jheíl uc Nietz chc também corresponde à boa consciênciJ
cJ quern ac •ita a de truiçao implicada pelo ato de criar.

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Os livros publicados por Niotzsche

O livro Ili se abre com o famoso anúncio da morte de Deus. For-


mulado pela primeira vez no§ 108, ele será desenvolvido no§ 125
através da alegoria do "homem louco", antes de ser retomado, em
t 887, no esclarecedor§ 343 (livro V). Como sugerido nesses três
parágrafos, a afirmação de que "Deus está morto" não significa que
ninguém, na Europa do século XIX, acredita mais em Deus. Pelo
contrário, a notícia da morte de Deus "não chegou ainda aos ouvi-
dos dos homens" (§ 125) e as "sombras de Deus" continuam, tal-
vez por muito tempo, a ser mostradas à humanidade(§ 108). Essas
sombras podem ser comparadas à luz proveniente de um sol já ex-
tinto, que continua a chegar à Terra com um atraso devido à distân-
cia percorrida (§ 343). Nesse contexto, o conceito de Deus deve ser
entendido num sentido amplo, não apenas como o fundamento da
moral cristã, mas também como o princípio em que subjaz, impli-
citamente, toda a metafísica e a ciência ocidental. De fato, o§ 109
(livro Ili) mostra que a natureza foi, também ela, divinizada por meio
de uma série de "sombras de Deus", tais como a própria noção de
leis da natureza. Essa última vem ocultar a possibilidade de um mun-
do sem ordem, cujo caráter geral seria "por toda a eternidade, o
caos". Assim se entende que a fórmula "Deus está morto" remete a
um vasto processo de desvalorização dos nossos valores fundamen-
tais: o "homem louco" o descreve como uma desaparição do hori-
zonte, enquanto a edição de 1887 chamará de niilismo a situação
resultante, em particular no§ 346 (livro V) . Em vez de abandonar-se
a um niilismo passivo, o adepto da gaia ciência tem que desenvol-
ver um niilismo ativo, ou seja, aprender a acolher com alegria e cria-
tividade uma perda de referências na qual os espíritos menos livres
veem somente um motivo de desesperança.
Aprender a ver a necessidade das coisas como o belo é, justa-
mente, a definição do amor fati que Nietzsche dá no início do livro IV
(§276). Essa expressão latina, que significa literalmente "amor ao
destino", designa uma nova atitude frente à existência. Pois o amor
fati deve tomar por objeto todos os aspectos da realidade e todas as
experiências da vida, conforme a epígrafe inicial de Emerson: Nietz-
sche quer tornar-se "apenas alguém que diz Sim". Contudo, não se
trata simplesmente de uma postura de resignação. pois, ainda segun-

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27 ,. 0 amor fali iam m m11tc tomar os coir;oJ br?I
1
í . 1,:
0
l"J "íl O dn uma gJ1a c1'jnc1a ativa transf1eurad rr1.,
1• ICII a. u , ~ ;) • 'l
1

e 11 ~ ru ão do II ro IV. o amor fali mantém uma r:laç~o d1rc a r;r


0 ~ 11 _;1 Ir nto do t mo retorno do mesmo. esse mais nesad d(!,
sos • ue intr uzido no§ 34 l , o penúltimo da edição de 1882
Com ito. 0 34 1 apresenta o eterno retorno do mesmo como u ,
desaho e Istenc1al lançado por um demônio ao próprio leitor: .,,~ á
que le e aceitar a perspectiva de uma vida que se repetiria ide .
Icamente inúmeras ezes? Ou melhor. será que ele pode amar ca13
Ins ante da sua vida ao ponto de querer o seu eterno retorno? 'es~
senudo. pode-se dizer que o eterno retorno do mesmo forneceu~ ,
quadro de referência ao amor foti. Ele se revela igualmente um instru-
mento de transformação ou até de metamorfose: tal pensamento, se
o 1ndi íduo conseguir incorporá-lo, • pesaria como o mais pesado dos
pesos sobre [seu] agir". Mas Nietzsche não quer desenvolver essa
ideia em A goio Ciência. O mestre do eterno retorno será Zaratustra:
o parágrafo seguinte inicia a "tragédia" de Assim falava Zorotustra e
conclui a primeira edição de A goio Ciência.
Parece surpreendente que Nietzsche tenha rompido retros-
pectivamente a transição natural entre o último parágrafo da A gaia
Ciência e o primeiro de Assim falava Zorotustro. ao acrescentar um
quinto livro à Caia Ciência . Talvez essa decisão denote uma vonta-
de de modificar a perspectiva introdutiva, a fim de reapropriar-se,
por assim dizer, de Assim falava Zorotustro [que sempre constituiu
uma obra axiologicamente capital aos olhos de ietzsche] . O suo-
título do quinto livro, "Nós, os sem-medo". parece anunciar uma
reinterpretação da figura do filósofo-espírito livre na qual o autor se
reconhece. A esse respeito, pode-se interpretar como um ponto de
di ergência entre as duas edições o estatuto da • paixão pelo conhe-
cimento" do filósofo. Esse conceito de Leidenschoft der Erkenntni ,
característico do início da década de 1880, implicava, em 1882,
uma concepção de vida corno experimentação do t1ornern de co-
nh cirn nto e até como meio de con t1ccirnento, conforme o 324
llivro IVJ . Em 1887, ietz ct1e de cnvolv urnt crítlc g )nc, lóg1·
a rnu1to rna1., radirnl da Mvontade de v 'rdadc": MI~ o pod 'ri,1 cr
urníJ el, cJa ontacJ d rnortcf , uI1 ,1, no§
I I
51,,,
(livr o V] . D, ftJ to.

Gfj

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Os livros publicados por Niotzscho

o § 344 mostra que a verdade foi divinizada por razões essencial-


mente morais, que devem, doravante, ser colocadas em questão. A
luz desse exemplo importante, pode-se observar que a gaia ciência
se inscreve, em 1887, num projeto axiológico de maior envergadu-
ra. Ela vem a designar o estado de espírito de um filósofo que em-
preende uma transvaloração de todos os valores, ou seja, que pre-
tende substituir "tudo o que até agora se chamou sagrado" por um
novo ideal. conforme o importante §382 (livro V) .

Bibliografia

SALANSKIS, Em manuel. Nietzsche. Paris: Les Belles Lettres, 2015. Ca-


pítulo 2.

Emmanuel Salanskis

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA.


Um livro para todos e ninguém
(A/so sprach Zarathustra.
Ein Buch für AI/e und Keinen)

Dos livros publicados por Nietzsche, Assim falava Zaratustra é sem


dúvida o mais controvertido. Diversas são as leituras que suscita;
de ordem variada os trabalhos a que se presta. O leitor sente-se de
imediato atraído por uma sucessão de parábolas que evidenciam o
talento estilístico do autor; deixa-se envolver numa teia de imagens
oníricas que revelam episódios de sua biografia; acaba arrebatado
por uma rede de discursos que põem a nu seus experimentos filo-
sóficos. Isso se explica, em parte, pelo estilo que Nietzsche adota
nesse livro. Ele é duplamente específico: constitui uma exceção no
contexto da escrita filosófica em geral e, outra, no conjunto de seus
próprios escritos. Em seus livros, Nietzsche não hesita em recorrer
ao estilo dissertativo ou polêmico, assim como ao aforismo ou ao
poema. Ao fazê-lo, não tem a intenção de encontrar um meio de ex-

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Dic,onório N1ot1acho

pre :io que seja Jdcquado nem de lançar-se em experimentaçõe~


cslllf tirns. Mas O pluralismo de estilos presente e~ sua obra n~o
vem privá-la de estrutura nem conferir-lhe c~ráter indeterminado.
se O estilos que nela se encontram são plurais, é porque traduzem
múltiplas perspectivas e, por conseguinte, exprimem múltiplas con.
diçõcs de vida. Não se poderia, pois, separar as ideias e as diferentes
maneiras de enunciá-las, distinguir os conteúdos do pensamento e
as formas específicas de exprimi-los.
Nietzsche compõe o livro em pouco mais de dois anos. Em ja.
neiro de 1883, ele redige a primeira parte; em julho do mesmo ano,
a segunda. Em janeiro de 1884, escreve a terceira; em janeiro do ano
seguinte, a quarta. Schmeitzner, seu editor, leva meses para publicar
a primeira parte; aceita ainda editar a segunda parte e a terceira jun-
tas: recusa-se, categórico, a publicar a quarta. Dela, Nietzsche cus-
teia urna tiragem de quarenta exemplares; nem mesmo dez são as
pessoas a quem pensa enviá-los em caráter confidencial.
A relação que Nietzsche estabelece com Assim falava Zaratus-
lra transforma-se à medida que escreve e publica as diferentes partes
da obra. Em abril de 1883, quando faz aparecer a primeira, ele con-
sidera o livro concluído. Em abril de 1884, quando prepara com Peter
Gasta edição da terceira, entende que esta é a última. Em abril do
ano seguinte, quando traz a público a quarta, faz questão de intitulá-la
"Quarta e última parte". Algum tempo depois, renega as três primei-
ras partes e pensa elaborar um novo Zaratustra a partir da quarta.
Planeja, ainda, compor a quinta e a sexta mas não chega a fazê-lo. Até
o outono de 1888 mantém a intenção de concluir o livro.
Em 1886, quando Fritzsch, o editor de Wagner, negocia com
Schmeitzner a compra dos exemplares de suas obras anteriores, o fi-
lósofo concorda que reedite as três primeiras partes de Assim falava
Zaralustra num único volume. Exige, porém, que a quarta seja man-
tida em segredo. Éapenas em 1891, depois da crise de Turim, que
Peter Gast acaba por torná-la pública, sem levar em conta a posição
do autor, que, aliás, nesse momento já se acha alheio do que se pas-
sa à_sua volta. ~m 1893, o editor Naumann encarrega-se da reedição
do llv~o_e publica, pela primeira vez, as quatro partes de Zaratustro
num urnco volume. Daí resulta que a obra que contou com a concor·

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_,J

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0 livro publtCc do , N1 tl"ch

dt1ncia do autor, um livro com três partes, tam~m roi rcn ead r
el . E a obra consagrada pela posteridade, um livro com quatro p r·
t s, não chegou a ser por ele autorizada.
As primeiras linhas do preíácio a Assim falava Zaratustra reto-
rnam ipsis litteris a última seção da quarta parte de A gaia Ciência
(§342). Se nela Nietzsche já põe em cena Zaratustra, na penúltima
seção, intitulada "O mais pesado dos pesos" (§ 341). expressa pela
primeira vez em seus escritos o pensamento do eterno retorno do
mesmo. Publicadas imediatamente antes da redação de Assim falava
Zaratustra, as duas seções antecipam o que virá a constituir o prota-
gonista central e a concepção básica da obra. As diíerentes atitudes
do protagonista esclarecem o que ele tem a dizer; seu pensamento
rnais abissal lança luz sobre quem deve anunciá-lo. Aliás, é o autor
mesmo quem fornece essa chave de leitura em fcce Homo.
Assim falava Zaratustra abre-se com o anúncio da transforma-
ção por que o protagonista acaba de passar. Durante dez anos, ele
viveu na solidão de sua caverna e de sua montanha, mas seu coração
transformou-se; ele teve conhecimento da morte de Deus. É para
partilhar sua sabedoria que Zaratustra desce em direção ao vale.
Uma vez na cidade, anuncia ao povo reunido na praça do mercado
que vem ensinar o além-do-homem . Se Deus está morto, será preci-
so substituir a concepção de homem como uma criatura em relação
a um Criador pela concepção de além-do-homem. Durante séculos,
o ser humano, dilacerado, acreditou ser composto de corpo e alma.
Agora, não mais se definindo em relação à divindade, ele deixa de
existir. Se o apogeu da humanidade, seu meio-dia, ocorre quando
desaparece o dualismo entre mundo verdadeiro e mundo aparente,
o homem que se supera identifica-se com o mundo.
Zaratustra apresenta-se como o promotor de uma completa re-
viravolta na nossa cultura. Desvalorizando este mundo em nome de
outro, que seria essencial, imutável e eterno, a cultura socrático-ju-
daico-cristã revela-se niilista desde a base. É a morte de Deus que
permitirá a Zaratustra fazer a travessia do niilismo. Se os valores en-
contraram sua legitimidade no mundo suprassensível. trata-se agora
de eliminar o solo a partir do qual foram estabelecidos para engen-
drar outros valores. É a morte de Deus que possibilitará a Zaratustra

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D1c1onár10 Nietzsche

. - de valores que este1·am em consonância


preparar a cnaçao . comes,,\(l
vida e este mundo. Contra o ressentimento, é prec1s~ lembrar quQ
não há vida eterna; é esta vida tal como a vivemos que e eterna. Con.
tra O ascetismo, é preciso suprimir o além e voltar-se para a Terra. E
não há afirmação mais incondicional da existência do que a afirma.
ção de que tudo retorna um número infinito de vezes. No decorrer do
livro, de anunciador do além-do-homem Zaratustra se converte ern
mestre do eterno retorno do mesmo.
A análise do título e do subtítulo de Assim falava Zaratustro
permite esclarecer tanto o protagonista central quanto a concepção
básica da obra. Zaratustra fala em circunstâncias diversas e de dife-
rentes maneiras. Discursa para o povo reunido na praça do mercado,
dirige-se aos discípulos e, por vezes, a apenas um deles em particu-
lar, entretém-se com várias personagens que cruzam o seu caminho.
Contudo, seria desmedido entender esse falar, também presente no
título da obra, como mera necessidade de comunicar-se. Zaratustra
fala, mas também canta; discursa e monologa; tem interlocutores e
volta-se para si mesmo; conversa com seus animais e troca segredos
com a vida. E, na maior parte das vezes, o falar esconde mais que o
calar; o silêncio revela mais que as palavras.
Éassim que fala Zaratustra, "o sem-Deus", "o porta-voz da vida,
o porta-voz do sofrimento, o porta-voz do círculo", "o mestre do eter-
no retorno ", "o que não em vão disse a si mesmo: 'torna-te quem
tu és' ". No decorrer do livro, esses são os atributos de que ele lança
mão para apresentar-se. Dando-se conta da morte de Deus, Zaratus-
tra, "o sem-Deus", suprime o solo mesmo a partir do qual se punham
os valores. Perfaz assim a travessia do niilismo, indispensável ao pro-
jeto de transvaloração dos valores, para chegar a um dionisíaco dizer-
sim ao mundo. Falando em favor da vida, do sofrimento e do círculo,
Zaratust;ª· "o porta-voz da vida, o porta-voz do sofrimento, o porta-
voz do cir:ul~", aponta a íntima relação entre a vida enquanto vonta-
de d~ potencia, o sofrimento enquanto parte integrante da existência
e O circulo en~uanto infinita repetição de todas as coisas. Assim aceita
tudo o que ha de mais terrível e doloroso mas também de mais ale-
gre e exuberante para t d · . . .
. · ra uz1r a necessidade dionisíaca de aniquilar
e de cnar. Anunciando t d •
que u o retorna sem cessar, Zaratustra, o
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O livro publlcocJo por Ni tz d1

mestre do eterno retorno", faz cair por terra o dualismo cnlrc mundo
verdadeiro e aparente. Inscreve-se assim de outro modo no mundo
e permite que através de si mesmo ele se expresse, para encarnar
0 caráter dionisíaco de toda existência. Intimando-se a converter-se
no que é, Zaratustra, "o que não em vao disse a si mesmo: 'torna-te
quem tu és"', abraça de modo incondicional o próprio destino. Eas-
sim assume o amor fati, para pôr-se dionisíacamente diante da vida.
Nos atributos a que ele recorre para apresentar-se, encontram-se os
temas centrais da filosofia nietzschiana da maturidade: a superação
do niilismo e o projeto de transvaloração dos valores, o conceito de
vontade de potência e a doutrina do eterno retorno do mesmo, oca-
ráter dionisíaco da existência e a ideia de amor lati.
ÉZaratustra quem assim fala. Ao contrário do profeta báctrio,
que teria introduzido no mundo os princípios de bem e mal, subme-
tendo a cosmologia à moral, o Zaratustra de Nietzsche quer precisa-
mente implodir a dicotomia dos valores para recuperar a inocência do
vir-a-ser. Éenquanto uma espécie de alter ego de Nietzsche que ele
conta refazer a obra do Zoroastro histórico.
Aqui quem fala é Zaratustra, aquele que vem para desvincular
a metafísica e a moral. É pela necessidade de doar e partilhar que ele
fala. E fala assim: através de discursos e monólogos, do canto e so-
bretudo do silêncio. Este é um livro para todos e ninguém. Zaratus-
tra começa discursando para o povo reunido na praça do mercado;
termina entretendo-se apenas com si mesmo. Criticando os valores
vigentes de sua época. Nietzsche é levado a assumir a condição de
extemporâneo. Portanto, enquanto o título do livro revela seu projeto
filosófico, o subtítulo traz à luz sua relação com os leitores.
De todas as suas obras, é aAssim falava Zaratustra que Nietz-
sche atribui maior importância. Na correspondência, deixa entrever
que o livro poderia ser visto como uma sinfonia ou uma espécie de
pregação moral, uma poesia ou um quinto Evangelho; em suma,
como algo para o qual não se tem nome. Ele tem ciência das múl-
tiplas implicações do estilo que adota; bem mais, está ciente das
dificuldades em encontrar a linguagem que julga adequada para
o que tem a dizer. Nesse livro, o autor recusa-se a conferir caráter
monolítico ao texto; o protagonista nega-se a pôr-se como senhor

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1 D1c1onô110 N1 11 th

'1utor1tJr1 do d1'. icur'..io. Nentlurn do) dol:.i procura on(ilr;Jng,:r 'JJtr.


1ntcrlocutore a , 1gu1r um llinerí'lrio preci(,o, otmE,Hórío e
1
rm,e,~'.
rn:1do; n ,,ntiurn do,. c.Joi' l)U'.JGJ, corri loneos riKiodnio e rn inu irt-1·,
cJcrnon· trM,õeJ , convencC-lo'..i da pertinência de Wi1 ~ icJ~ja•,._ o au ,,
nJo xpoc doutrinJ'.j, nno irnpôc preceitos; o protaeoni lí:J l1rníw-•i:
a d1stn1Julr en inarnentos, partilhJr vivências. Não é por é:JV1 ,o q ':
N1cll'.1ct1c cor1~1ícJcrél que, corn o ..,eu Zarotuslra ofereceu ao ~ r hu.
rnr1no o miJior r.>rtJ~ntc que até agora lhe foi dado.

Bibliografia

MARTON, Scarl1fü. /\~';irn lo/ovo Zoralu'5lra. A obra ao mesmo temp0


c.onr;;Jgr;1<J;J ,i reneea<Jé:l. ln: - -. Níetz;;che e a orle de decifrar
enigmo•;. :lo Paulo: cJi<.õe., Loyola, 2014, p. 107- 134. (Col. Sen-
cJw; t-J. Vcrcd;J'il
MAIHON, Scarlctl. Níetzr;chr! et sa rcct1crct1e cJ'interlocuteurs: une ana-
lt ie du prologue! d'/\in5i parloil Zoroll1ou'ilra. ln : DENAT, Céline;
WO r IN(1 , Patrick (OrE:>.). Niel/Sche. Un art nouveau du discours.
R<!irnr;: Épure, ?.O 1:5, p. H1- 1O1.

Scarlett Marton

PARA ALÉM DE BEM E MAL.


Prelúdio do uma filosofia do porvir
(Jonsoits von Gut und 86s0.
Vorsplol olnor Phllosophío dor Zunkunft)

PulJlic;içt10 que ~;e! i,en1m íJ /i 'jsim falovu Zorulustro publicada em


1HB!>, Paro olérn rle Dem e Mo/, que veio a público ~m 1886, tem
imi luwir central no pensamento rnauuro c.lc Nietzsche. Se em Zaro·
ltJSl~a, por 111 eio (J<! par{J tJol<1s, o lilósofo formula a sua filosofia afir·
111~~. 1va, c_
rn Pum olérn ele Dcm e Mo/, éJ outra face cJo mesmo projeto
tJe Um liv_ro pam lodos e ninguém", corno deixa entrever em Ecce
l lomo, 0 lilósolo cns;iiíl meios P0 ríl dar efetividade à sua filosofia

Otl

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Os ltvro p11bl1c11do por N1ot1 di

exposta no livro anterior. Essa íntima relaç~o entre c1 c.Juas ot)r,1) jl1
havia sido apontada de forma explícita num primeiro e boço para o
prólogo de Para além de Bem e Mal, redigido na primavera do rnc •
mo ano de sua publicação. Livro composto por muitos textos qu,
tiveram uma primeira redação já em 1881 , mas também por texto
redigidos no momento mesmo da escrita da primeira parte cie Assim
falava Zaratustra, entre 1882 e 1883, Para além de Bem e Mal,
segundo o filósofo, foi concebido sobretudo a partir de anotações
feitas nos entreatos da redação do conjunto das partes que vieram a
compor olaratustra. Longe de ser um comentário do seu livro mais
célebre, a nova obra teria a função de lançar luz sobre as inovações
conceituais trazidas por Zaratustra, abordadas agora numa forma
mais tradicional, com aforismos, máximas, dissertações e um poe-
ma. Noutras palavras, esta obra que, no limite, apenas esclarece, e,
portanto, trata do mesmo rol de questões, complementa a anterior
ao não mirar ao longe, mas ao ter o entorno como foco. Concebendo
esse escrito como sendo no essencial uma crítica da modernidade, o
filósofo entende ser necessário aniquilar todos os móveis metafísicos
que atingem em sua época seus desdobramentos máximos nas ciên-
cias, artes e política modernas. Acredita ainda que com este aniqui-
lamento as condições estariam dadas para possibilitar a transvalora-
ção de todos os valores, propiciando uma mudança efetiva daquilo
que havia anunciado em seu Zaratustra.
Perseguindo esse objetivo, Nietzsche perfaz em Para além de
Bem e Mal um caminho aberto a partir de uma problemática kan-
tiana, que procura imbricar aquilo que entendemos por teoria do
conhecimento e moral, ao estruturar o seu livro a partir desses dois
eixos, sendo que um deles se subsumirá ao outro. O filósofo conce-
be então sua obra com partes que se encadeiam numa sequência
lógica, visando à defesa de uma ideia muito precisa, qual seja, a de
uma civilização não decadente, pautada pela "grande política". Ter-
minando com um poema como epílogo, "Desde as elevadas monta-
nhas", que remete ao seu Zaratustra, Para além de Bem e Mal, que
é composto de nove capítulos, inicia-se com um prólogo que sinaliza
claramente os intentos da obra. Considerando que a modernidade
elevou a um grau exponencial a metafísica do povo, o cristianismo,

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( ()111 li li t' ll~,l ll,l l f líl(I I i ' lllíf I il e l kl ilU!>lr~I I o nolíti (), N1,111,1J .
jlllj!,) l l ' I PI l'í n, o ser ll11ll~ po ível levar acJ1iHll I o illilrg,1rn 'ílt<) rl .
1
11) 1<.t ,~ c1t' unho 111 1 tJfísico, pai éJ bu~1 a P 'lv vc~~ricJ n;i 1.n ~1
tPm st1us 11111 11 , e um certo laxismo polftico per on1f1 Jc.lo 1 rn nr1r"
11 ,1 1Pmocracia produz urn enfraquccirncnto moréll cJo t1orn m. I.
1

t'nt ' nd , que a tensào do momento presente poc.lcrá po itJilit, r ar;


lwmem europeu ultrapassar a modernidade, cm particulJr él mora
do b m e do mal. que tem suas raízes em Platdo e onstitui um cn.
tr.,1 e para o surgimento de um homem de traços nobres. sp 'ra PC<
f1rn que seu livro preludie esse porvir na figura do filósofo do futuro.
pois I,averia a seu ver, em sua época, indícios concretos ela imin n-
cia da transvaloração dos valores.
Em Para além de Bem e Mal, Nietzsche aborda t m s pr .
sentes em escritos anteriores, mas a partir de uma p rsp cliva in-
teiramente nova. Não apenas: a estrutura do livro as rnelha-se,
guardadas as devidas proporções, à de Humano, d ma iaclo Hu-
mano. Ele aborda nos dois primeiros capítulos a filo ofi . Em ·oos
preconceitos dos filósofos", critica os filósofos ctog111c ti o , qu n o
teriam atentado para aquilo que move efetivam nt ·11, fil sof1 as
a moral. Feito esse apontamento, verifi ca que o 111óv "I 111 r,11 s-
camoteado justamente porque tais fi lósofos a r dil, 111 11 n obj li\1-
dade. Crença essa que vai ao encontro de u111 d 1'1111i11t1cl tip d~
homem, no caso, o fraco, que não tem 011cli o)- ck 1l ;ir ·Jr LHllJ
compreensão mais pertinente do seu faz r fi losc Iico. 1or ', t '11 J .
Nietzsche mostra que a teoria do con l1e i111 nto oc11ltc1 u ,111 t' nJ
do domínio, que não se admite como tJI, l1íljt1 visl-1 d f1dqll 'Z1 Ll·
queles que a acolhem. Num traball,o críli o dil 111ett1l isk\ 1, que.1 1r
esta razão, segue de perto a estruture (lo. lrr.s t\ 1pft11los tld cll.ilt'
tica transcendental da Crftica da Ra1cio 1>11r ,. dl' l,d11t, u 111 ·0k1
desmascara essa falsa objetividade ilprn Itn1Ido p, 11 i1 o \ 11, lt't d 1 ll'í·
minante da vontade de potên iil, qu ., por s11c1 Vt'/ , pt•1 11 1itl' qlll' . t'
c~mpreenda o agir, pensar e av, liar <lo!, 1ilt ~,olos dot:r 11,HI ·os. ·I '
poe assim um termo à preteri. a iscnç, o 110 011l1t~rn 11t•11lo, 111t1.II111 l 1
a existência de um inter s;) , lntrír1.1e ·o d I u<lo ql tl' :t, l l'I fi1 . NL'" 1
canftulo e~tratéglco, cI11 qu • tlil •rftirt1 ~111 l\t' Slld inttllJHl'tdç,,u d'
mundo, N1el/sct1e colo a íl ~ tJ 1i)t:~1 p,11 ,, podt'r lrdtt1r <l.i q l 1t' t,,o Im

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O lrvro vt l,c dl tr

rJI. um contraponto ao filósoro doemático e ao do ,mt ti mo. no


~ undo capftulo, que tem por tftulo ·oespírito livre·, cl, apre •nta
J QU les que não mais estJo presos a pré-juízos, os espírito livr ,, ,
Jfastando-se dos livres pensadores, mas também apontando para o
surgimento do filósofo do futuro, a quem caberá criar novos valores.
fora das amarras dogmáticas. já que não se pautaria mais por dua-
lismos. E o mecanismo que explicita a maneira pela qual essa cria-
ção pode ocorrer recebe o nome de vontade de potência.
Na sequência desses dois capítulos iniciais, Nietzsche sai do
eixo especulativo e se encaminha em direção ao moral e político, de-
tendo-se, com relativo vagar, na metafísica para o povo. Para tanto,
no terceiro capítulo, "A religiosidade", o filósofo analisa as formas
gregas e judaico-cristãs do espírito religioso, para verificar em que
medida a religião é útil ou nociva. Com isso, pretende antes de tudo
avaliar a civilização cristã, que, a seu ver, tem legado à Europa um
destino funesto, diminuindo e enfraquecendo o homem. Nietzsche
não deixa de concluir que nas mãos do filósofo a religião, como ins-
trumento de cultivo e educação, pode não levar à degenerescência;
ela pode ser benéfica, desde que, evidentemente, suprimida a an-
tinomia valorativa. Como meio de transição para uma sequência de
capítulos em que se ocupará mais diretamente da moral e da políti-
ca, Nietzsche, no quarto capítulo, traz estrategicamente e de forma
cortante as suas "verdades", em "Sentenças e interlúdios".
No quinto capítulo, "Para a história natural da moral". o filóso-
fo passa primeiramente a descrever a moral, ou melhor, as morais,
como um fino psicólogo, sem nenhuma pretensão de a ela atribuir
algum "fundamento", fazendo referência à psicologia da vontade de
potência presente nos capítulos iniciais. Enfatizando o caráter não
natural do homem, fruto da exigência moral trazida pela domestica-
ção, Nietzsche afasta as concepções racionalistas da moral e dedica-
se à análise da moral cristã, começando pela versão kantiana. Passa,
na sequência, a abordar o aspecto reativo dessa moral, enfatizando
a sua raiz judaico-socrática, e concluindo que uma vontade doente,
que condena as paixões, pode vicejar em qualquer povo, cuja do-
mesticação resulte no enfraquecimento do homem. De posse des-
sa caracterização da moral. Nietzsche encaminha-se para delinear o

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D,c,onór,o Ni 11 d10

estado atual do homem europeu, que promove o cn~ra~uccirn ·ntr)


moral de rebanho contnbu1 para a ín•
da vontade. Faz ver que Uma . .
tauração do igualitarismo democráti~o e da _piedade ~orno virtude
extensão a h1erarqu1a e o sofrimento. Con.
suprema. negando. Por •
sidera por fim que cabe aos novos filós~fos a tarefa de _transvalora
esses valores, proporcionando a formaçao outrora perdida.
Se havia apontado O surgimento do filósofo do futuro no tercei-
ro capítulo, após dissecar a moral, Nietzsche começa, em "Nós eru-
ditos", sexto capítulo da obra, a dar os devidos contornos àqueles a
quem caberá a criação de novos valores. Começa criticando os filó-
sofos atuais, que perderam de vista a pesquisa pela existência, que
deixaram de ser criadores, assim como os que se contaminaram com
o ceticismo. Para colocar um termo ao enfraquecimento da vonta-
de, considera ser necessário haver uma grande ameaça à Europa,
que poderia levar a forjar uma vontade única. Neste momento, para
os seus intentos, vê com bons olhos o agravamento do perigo rus-
so, que poderia enfim despertar os europeus. Descreve então o per-
fil dos filósofos do futuro que estão surgindo: não dogmáticos. mas
espíritos livres, e céticos num novo sentido, portando a iniciativa da
afirmação de algo novo. Aponta ainda para o caráter desses filóso-
fos: severos e inflexíveis, para aguentar a grandeza, que deverá ca-
racterizar suas tomadas de posição. Indica em seguida as suas pro-
veniências: plantas raras, indivíduos excepcionaise e aristocráticos.
E traz por fim, a sua missão: comandar e legislar.
Procurando fornecer contornos cada vez mais precisos a esses
novos filósofos, em "Nossas virtudes ", sétimo capítulo, Nietzsche ad-
verte que a boa consciência ameaça a existência dos espíritos livres e
procura estabelecer em termos morais as virtudes dos novos filósofos
ao opô-las às virtudes dos filósofos decadentes. Parte de uma críti-
ca ao utilitarismo inglês e ao desinteresse kantiano para expor a sua
perspectiva sobre o desinteresse, podendo assim criticar a moral eLr
ropeia, em particular a advinda das chamadas "ideias modernas·.
Em "Povos e pátrias", oitavo capítulo Nietzsche investiga as
nd
co ições d~ .uma nova civilização, perscrut~ndo em pormenores. a
pe~uena pol1t1ca - democracia, socialismo, nacionalismo etc. - par.l
assinalar a necessidade de uma "grande política" (a uníficaçào cu-

os

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O livro puhl,cncJo p r r11 l eh

ro ia, a eleç~o d novas castas, novas tirania ctc.J, p r a qu I o


po o alemão, em particular, malgrado sua situação decadencial, m
uma função proeminente. Tanto que critica uma moral de cunho da~
I\Vinista, resguardando a moral kantiana, ao menos em sua forma,
qual seja, aquela que atribui o devido valor ao sacrifício e à coragem
moral, características próprias dos alemães. Já, no último capítulo
do livro, "O que é nobre", o filósofo fornece os devidos contornos
que deve possuir uma moral de cunho eminentemente aristocrático,
sustentada por uma nova religiosidade, calcada em Dioniso, visando
com isso trazer as bases para o advento da "grande política".
Com Para além de Bem e Mal, Nietzsche procura assim estabele-
cer os meios para transvalorar os valores, em um claro percurso que se
coloca como a parte complementar de Assim falava Zaratustra, perfa-
zendo, por dentro, um programa de difícil implementação, cujo obje-
tivo último é suplantar a modernidade em toda a sua dimensão.

Bibliografia

ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche: Estilo e Moral. São Paulo, ljuí:
Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2002. (Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Afternoon Thoughts. Nietzsche and the Dogmatism
of Philosophical Writing. ln: CONSTÂNCIO, João; BRANCO, Maria
João Mayer (orgs.). Nietzsche. on lnstinct and Language. Berlim:
De Gruyter, 2011 , p. 167-185.

Ivo da Silva Jr.

GENEALOGIA DA MORAL. Um escrito polêmico


(Zur Genealogie der Moral. Eine Streitschrift)

Inscrever-se na perspectiva de resgate das configurações morais que


se efetivaram ao longo da história, buscando determinar o próprio va-
lor da moral, caracteriza o empreendimento teórico de Nietzsche em
Genealogia da Moral; percorrendo com outro olhar inusitadas qu s-

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D,c,on r, N, tr 1

>. o Ili or introduz uma hipót se histórico-inLCrprc~Jt1v qu(! Ir


m1lt cf cobrir, como ele diz, o país da moral. Rcfcnnd ~q,,
lo qu 1 oculta por trás das normas da tradição, ª P~lavra desc_ ohr1
O
n m te ao objetivo de retirar as máscaras que encobnam sent1d0~
o valor da moral pela própria exclusão do exam_ e dela. Ao_centrar-!I:
na interpretação, já que não existem fatos morais, apenas interpreta.
ções que são tomadas pelos filósofos que o an~eced~ram c~mo fatos,
a análise nietzschiana vale-se do estudo filológico, et1mológ1co, histó-
rico e de uma psicologia da vontade de potência a fim de mostrar a
diversidade de interpretações manifestas na mudança de sígníficaçã
dos signos, uma vez que cada signo é uma interpretação introduzida.
As transformações de significação indicam uma mudança no medo
de valorar. A verdade, a universalidade, a essência, o ser e Deus são
interpretações introduzidas pelo homem no mundo, convenções que
referendam um modo de ser, que viabilizam uma dada existência. O
percurso da história da moral registrada em textos antigos possibilita
compreender o valor como algo humano, demasiado humano, em se
considerando a descrição dos costumes como reveladora do modo de
estabelecimento do valor e do tipo que a instituí.
Dedicando-se ao questionamento do valor da moral, a obra
propõe uma mudança de procedimento, já que ao investigar dirige-
se às interpretações e às avaliações introduzidas pelo homem para
perguntar pelo valor delas, ou seja, qual o valor do juízo de valor
bom e mau, qual o valor da moral? A questão agora se planteia em
outro campo, pois as interpretações e avaliações são referidas à vida,
em termos de sua apreciação ou depreciação. Em vista disso, há a
necessidade de uma crítica à moral, visando a mostrar, de um lado,
a negação da efetividade, e, de outro, uma vida decadente, um tipo
desprezível como base dessa interpretação e avaliação. A crítica à
moral r.equereu uma redefi nição da própria crítica, exigindo outras
bases, Já que, na ótica do filósofo, a realização dela foi desde sem·
pre comprometida, pela ausência de tematização do valor. Por isso.
~ autor_dirá que Kant empreendeu uma defesa dos direitos do cri·
llcado, Já ~ue o objeto da crítica, seja ele o conhecimento ou a mo-
~~~~~ão P?.5 em questão O próprio valor deles. Como indicativo dd
a acritica de proceder observa-se a definição do que seja born.

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ou orno quilo qu útil, o que r monta a nth m, ou mo
ont d , o qu r rnet a Kant. Ma há algo cm comum aproxíman o
dua avaliações, pois, de um lado, ambas se propõem à anã·
1, do juízo bom e, de outro, mais prorundamente, não perguntam
10 valor desse valor. Daí iníerir-se que a moral, seja explicando o
mó el da ação pela utilidade, seja a determinando como dever, está
previamente rora de questionamento. Assim , as duas posições que
seriam diametralmente opostas acabam por se aproximar. Em am-
bas está presente o elemento indiferente na determinação do valor:
ou vale para todos, de modo que a utilidade para o maior número
determina o valor, driblando-se a questão do valor do valor, ou vale
em si, é por si mesmo absolutamente bom.
Em Genealogia da Moral, a crítica principia necessariamente
pela determinação de toda e qualquer formulação como valor, pas-
sando a perguntar pelo valor dele, pois existem valores a partir dos
quais se avalia algo, mas existem interpretações e avaliações anterio-
res que determinam o valor desse valor. Éjustamente a ausência des-
sa compreensão que Nietzsche denuncia nas críticas que o antecede-
ram. O crítico é o genealogista, aquele que pesa, que interpreta, que
avalia e que, ao mesmo tempo, refere toda interpretação e avaliação
à produção, isto é, às condições de criação, ao elemento que deter-
mina o valor. Introduz-se, assim, a pergunta 'Quem?'. ou ·o que
quer?' Quem postula esse valor? O que quer aquele que postula esse
valor? Essas formulações fornecem um procedimento de desmasca-
ramento, pois remetem àquele que interpreta e avalia, reporta-se a
um tipo que organiza e dá forma à exterioridade através da postula-
ção de sentidos e do estabelecimento de valores. Por isso. a pergunta
pelo valor dos valores remete a um tipo, que, em Nietzsche, é deter-
minado pelas relações de forças. pelas relações das vontades de po-
téncia. Perguntar 'Quem?' é perguntar pela vontade de potência e.
através disso, pela determinação do tipo que através dela quer.
Romanos, judeus, cristãos. Napoleão são sempre tipos e esses
são determinantes do interpretar e do avaliar. São dois tipos básicos
que determinam o sentido e valor: o tipo senhor e o tipo escravo, que se
distinguem pela constituição mesma de cada um, forças e vontades,
que rererendam um modo de viver e de apreciar. enquanto configu-

11

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D,c, n r,o , tz 1

rJd 1 ~ 0 interpíí taçôcs morais, explicando.a ~if~rença cm terrn'%


d onstn, tio. A istência de tendências morais d1st1ntas, moral dr• ~;
nllor/moral de escravo, explicita mesmo essa diferença, pois mostraa
e 1st ~ ncia de duas formas de avaliação que, tomadas como um signo
um intoma se referem. em termos nietzschianos, à condição mesrn~
de uma ida. Se existe um tipo de vida ascendente e um tipo de Vidd
em declínio. a serviço de que tipo de vida se coloca a moral?
, ietzsche procede, ainda, à desmistificação de uma religião, de
uma moral e de uma filosofia universais. A análise do passado da hu.
manidade exclui terminantemente a universalidade, estabelecendo a
singularidade como dimensão imperante, remetendo a postulação a
um pathos, ao pathos da distância, da diferença que a partir de si cria
valores. A interioridade aparece como determinante, como movente
e. portanto, como organizadora da exterioridade mediante a introdu-
ção do sentido e do valor enquanto vontades de potência, que vem
a ser, em Nietzsche, impulso básico, afeto de comando, efetivar-se
como base do agir, do interpretar e do avaliar. Nesse sentido, a cri-
tica não se dirige ao falso conhecimento, à falsa moralidade, mas ao 1
ideal de conhecimento, ao ideal de moralidade, perguntando pelo 1

valor que eles têm; em que medida apreciam ou depreciam a vida. A


diferença do estudo da crítica nietzschiana à moral reside no fato de o
autor se colocar como o primeiro a se perguntar pelo valor dos valer
res morais, deslocando a questão da transcendência para a vida, da
projeção para o mundo. Os valores como signos, como sintomas pro-
venientes de determinada avaliação, expressam uma perspectiva, um
modo de ser e de viver que transparece como valor dos valores.
Remetida às condições de produção, a análise dos valores requer
que se verifique o estabelecimento dos juízos de valor bom e mau,
bom e ruim . Em vista disso, a primeira dissertação do livro ("Bom e
mau", "Bom e ruim ") tenciona vincular o interpretar e o avaliar aos
tipos disjuntivos senhor/escravo. A partir disso, analisam-se as duas
tendências morais distintas que se configuraram historicamente como
expr~ssão de interpretações e avaliações divergentes, que têm nJs
co~dições de ascensão ou declínio das forças a explicação. Ao cara ·
tcnzar O escravo como homem do ressentimento, Nietzsclle mostra ,
efeito que~ processam como decorrência da anomalia das força '

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e nsequ nt efeito disso sobr a relação senhor/escravo qu m nl•
re ta na percepção do outro como responsável pela dor sentida.
Compreender a transformação do senhor em escravo implica
m uma investigação minuciosa da cultura. Daí a segunda disserta-
ção rculpa". "Má consciência" & Companhia) principiar apresen-
tando a eticidade do costume enquanto ação da espécie sobre o
indivíduo, bem como a interposição de uma projeção entre o ades-
tramento do homem e a posterior supressão dele, que torna o tipo
doente. Para tanto, analisa-se a relação da responsabilidade en-
quanto ligada à dívida e à culpa, a fim de entender a dimensão da
doença no homem: a má consciência como consciência da falta. Na
base disso, está a proteção de uma vida decadente, tornando neces-
sária uma psicologia da vontade de potência, visando a determinar
as condições dela. É isso que aparece na má consciência, uma von-
tade de potência que, impossibilitada de expandir-se, se volta contra
si, torturando-se e destruindo-se. Nas relações contratuais encontra-
se a proveniência dos conceitos de culpa e dívida e a transposição da
dívida para Deus, tendo por base a relação credor-devedor.
Épreciso inserir, nesse momento, a figura e a ação do sacerdote
ascético como agente que viabiliza a projeção do Deus cristão e a con-
sequente sublimação da crueldade. A análise da significação do ideal
ascético é o tema da última dissertação (O que significam os ideais as-
céticos?), que apresenta os artifícios desse ideal para a manutenção e
preservação de uma vida decadente, sob a direção do sacerdote ascé-
tico. O ideal ascético é o substrato de toda metafísica, justificando a
primazia da transcendência em relação à efetividade. Ele tem por base
a sustentação da dualidade e, nesse sentido, manifesta-se em quais-
quer construções que a referendem, seja através da religião, da moral.
da filosofia ou da ciência. Logo, a necessária investigação da relação
existente entre a filosofia e esse ideal, mostrando, de um lado, sua vin-
culação ao ascetismo e, de outro, a possibilidade de superação me-
diante o filósofo do futuro como médico, artista e legislador.
Compreende-se, em Genealogia da Moral o sentido da filosofia
a marteladas, destruidora de ideias e de ideais. À crítica nietzschiana
cumpriu denunciar o ideal ascético na base da religião, da moral, da
filosofia e da ciência e, desse modo, apresentar as consequências

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vJI r.

Bibliografia
1
. . 0 t a de i tzsch a dissolução
E ED . \Ia111a ur . .. , do moro/. 2 ,
Paulo. ljuí: Discurso Editorial. Editora U1111u1. 2003. (Col. Sen. j

das & eredas)


~ ARTOi . Scar1ert. Genealogia dela mora/e: dalla premura didattica
fini strategici. ln: GIACOMI 1. Bruna; GORI, Pietro; GRIGE TI. Fa-
bio (orgs.). La genealogia dei/a moro/e. Letture e interpretazion;_ i
Pisa: ETS. 201 5. p. 29-53. 1

Vânia Outra de Azeredo 1

O CASO WAGNER. Um problema para músicos


(Der Fali Wagner. Ein Musikanten-Problem)

Publicado em 1888. O Caso Wagner. Um problema paro músicos fi..


gura entre os escritos do último ano de produção intelectual de ietz-
sche, entre os quais estão Crepúsculo dos Ido/os e Nietzsche contro
Wagner. além de O Anticristo e Ecce Homo. Sendo. pois. imprescin i-
vel ter em vista todo o contexto imediato em que se inscreve o li ro en
tela. mostra-se igualmente necessário. ao lê-lo. evitar o equívoco de
pensar que os temas ali tratados. inclusive o próprio ataque ao compo-
sitor. constituem novidades repentinas e absolutas em sua obra.
Se o título do livro explicita de partida que nele Wagner ocuµ 1 1

um papel central. cabe procurar saber sob que aspecto e, atamente


0
~aestro interessa a Nietzsct1e. A tal propósito destina-s jíl o pre·
fác,o. Suas primeiras palavras bem poderiam sugerir que íl inl n ~
ru nd amcntal das páginas subsequentes s reduzirit1 a urn 111 r ílt~

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O livro ubltc

que s oal. Com tal escrito, diz o início do prefácio. u autor qu r


porcionar a si mesmo uma Erleichterung, isto é, um alívio. 11 •
rando-se de algo, nomeadamente de Wagner e do wagnerianismo.
las, a bem dizer. dar as costas ao compositor e livrar•se. não sem
alegria, do wagnerianismo. com o qual Nietzsche, segundo sua pr6--
pria avaliação, estivera tão perigosamente vinculado e contra o qual
se defendera duramente, constituíram um longo processo, em que o
li roem questão vem inscrever-se.
A exemplo da ofensiva dirigida, entre outros, a Schopenhauer e à
assim designada humanidade moderna, a invectiva contra Wagner faz
parte de uma aspiração maior de Nietzsche, a saber, lutar contra tudo
o que nele próprio se manifesta como doença. Alvejando Wagner,
ietzsche porta-se, ademais, em sintonia com a exigência de extem-
poraneidade colocada a todo filósofo, que deve combater e superar o
que é, nele mesmo, filho do próprio tempo, isto é, o que representa
uma filiação aos valores da época. Mesmo tendo, como admite em
Ecce Homo, amado Wagner, Nietzsche terminou por reconhecer nele
um filho do tempo e, assim, um decadente, de sorte que, enquanto
filósofo, precisou defender-se contra ele.
Necessariamente extemporâneo, um autêntico filósofo tem de
ser a má consciência de seu tempo, o que requer, antes de tudo, um
profundo conhecimento da época. Éaí que reside, de fato, o interes-
se de Nietzsche por Wagner: na medida em que este resume a mo-
dernidade, a qual por meio dele fala a sua linguagem mais íntima,
então compreender o compositor se revela uma tarefa indispensá-
vel a todo e qualquer filósofo, que assim alcançará o exigido saber
a respeito de seu tempo. Não se trata, portanto, nem de interesse
nem de invectiva simplesmente pessoais, conforme o próprio autor
se preocupa em esclarecer. Com efeito, ao expor, em Ecce Homo,
o terceiro dos quatro princípios de sua prática guerreira, Nietzsche
afirma que não ataca pessoas, mas antes se serve delas como uma
lente de aumento que oferece a possibilidade de evidenciar um es-
tado de necessidade geral, embora pouco perceptível. Ao ocupar-se
do caso Wagner em particular, o filósofo pretendia, bem entendido,
obter um diagnóstico da modernidade e tornar manifesta a falsidade
de sua contemporânea Mcultura".

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D C• IIO I t/

cJ oCo~ Wor f, ,
I

A m ,n1( 1Ju •
,1 d hn pílo ,o
fltlíldO Ó
• . ,
mo diz 'r. ruma aus •n ,a de pr r
ruma fa l 1dad - o I11 bc r
dJd - qu caract nzJ por urn n o ~ucr r P rcc ~ o an a r,.
111
_ mos nquar,to aritagonismos · Para Nietzsche. a medida . . d fo r1 '(J

d cada é J determina quais virtudes 111e são pcr~1t1das e Qua,1.


pr ,bidas: urna época ou possui as vir~udes de u~a vida ascenden•~
·ste às irtudes de uma vida declinante ou vice-versa . Os me~
e res, , . é.
mos antagonismos se fazem notar no domIrno est t,co, _tratando-~
sempre ou de uma estética decadente ou ~e u~a estética ~lássica,
bem como no plano dos valores morais, CUJO maior antagonismo se
dá entre a moral dos senhores e a moral cristã: a primeira, sinal de
vida ascendente, equivale à afirmação e ao embelezamento do mun-
do, ao passo que a segunda, proveniente de um solo mórbido, traduz
a negação do mundo. Tais antagonismos, que se exprimem na ótica
dos valores, são, de resto, necessários, não se deixando dirimir por
razões e refutações: assim como não se refuta uma doença dos olhos,
de igual modo não se refutam o cristianismo e o pessimismo.
É preciso, entretanto, perceber os antagonismos como antago-
nismos, justamente o que o homem moderno não faz: trazendo em
valores de proveniências opostas, ele é, fisiologicamente falando. uma
falsidade. Em especial os alemães - insiste Nietzscl1e em suas con-
siderações sobre O Caso Wagner em Ecce Homo - não se decidem
diante dos antagonismos, admitindo, simultaneamente e com toda a
naturalidade, "a fé" e a científicidade, o "amor cristão" e o antissemi-
tismo, entre outras oposições. Em semelhantes falsidades. assevera
Nietzsche no epílogo de O Caso Wagner, o compositor se revela um
verdadeiro mestre, pois aspira à moral nobre ao mesmo tempo em
que dá voz à doutrina oposta, cedendo à necessidade de salvação,
pretensão cristã por excelência, um lugar central em sua obra, como
procura evidenciar o terceiro parágrafo do livro em questão.
O exame do caso Wagner, funcionando como uma lente de au-
me~to. permite a Nietzsche ver e fazer ver uma situação de caráter
mais geral, a decadência europeia, que logo no prefácio se apresenta
co~o um problema fundamental. Já o fato de a Europa não ter per·
ceb,do o compositor como decadente, defenderá Nietzsche no quin-
to parágrafo, é um sinal da própria decadência europeia, pois nj

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O liv,o puhl, ,

t lt ,,,,.H m 1 ' ll ut111t nocivo on1,lllu1, por ,,1~,ó. um inrJfc,o d(!


dl' ,H! ll lcl , clS\llll lll cJ 'I Jr- atrair lo nr 'jucJ1c1JI, urn ",fí{n
eL' '~H t,1m 1lll . O próprio ~u ' o da arte wagncn n ~. p rt, nto,
1 ,, t'll1dor. Aqu I obr o quai Wagner, que N1ct1s h não hc~1 ,3
' lll d ' llOllllllt ruma d nça nociva e corruptora, exerce atração não
1 d 111 rt ~nc r enão, pelo sim pie motivo de sentirem-se atraí-
1

do . ~ uma p cie de homens esgotada e fraca.


Ao por a ideia de que Wagner tornou doentes a arte e a músi-
a. 1,etz cl1e recorre. como ilustra de modo marcante. entre outros,
o quinto parágrafo. a um léxico fisiológico e médico - o que indica.
aliá . uma das conotações possíveis do termo "caso~ presente no tí-
tulo do escrito. Nas obras do compositor, o que se vê são problemas
de histéricos. afetos convulsivos e sensibilidade superexcitada; con-
siderados como tipos fisiológicos, seus heróis e heroínas compõem
uma galeria de doentes, e Wagner, ele mesmo, é uma neurose. O ar-
tista e sua arte não constituem, em suma, mais do que expressão de
degenerescência fisiológica.
Semelhante degenerescência se manifesta ainda, aos olhos de
ietzsche, na transformação do músico em ator, que ocorre de modo
inaugural em Wagner, e no predomínio do teatro sobre as artes em
geral. A instituição de um "estilo dramático" na música se deve. sus-
tenta o filósofo no sétimo parágrafo, à incapacidade do compositor
para o estilo propriamente dito, mais exatamente para a construção
de formas orgânicas. Em tal inaptidão se revelaria a decadência estilís-
tica de Wagner. Para chegar a essa conclusão, Nietzsche, inspirando-
se em Paul Bourget, parte da definição de decadência literária, que se
caracteriza pela soberania da palavra em relação à oração. da oração
em relação à página e, por fim, da página em relação ao livro, de tal
sorte que, destacando-se as partes, o todo não existe mais enquan-
to um todo organizado. E o mesmo se verifica, no entender de Nietz-
sche, em todo e qualquer estilo da decadência. Pois bem, se já no pri-
meiro parágrafo o autor considerara antagônicas a música de Bizet.
organizada e acabada, e a de Wagner, com sua "melodia infinita". ele
encontrará ocasião, agora no sétimo parágrafo, para retomar o tema,
só que desta vez à luz de suas observações sobre o estilo da dernd ~ n-
cia. Miniaturista da música, Wagner faz sobressair os mais ínfimo de-

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DI 10111'1110 N1 11~,c h

tnllle em ct 111m 1 nlo de u111 LOuo orgAnl o, 1110·,trdrnlo ·,1: ;,•,.,11 11 ur,,
tfpi o ct ad 1 1ll ', uja arte, üO 111w1ôr conwto, orror11pc o W>'ilc,.
LG nçando rn5o sobrcluuo do llngWJeern • cJ;J lll 11ri1tur,J, cJ,1 r,,
p1 senlJ .ão e ni ae dü gestuallclí1de, a rnú ic:J wí1 ~r1cri;,r1:Jt rir.ontr,i 1

é verdade, o entusln mo dns n1as~t1s. M;1s, 'eeurrcJo a apr •ciaç,i,, ,J,:


Nietzsche, uma música as lrn só pode ntmir urrr del •rrnlna<Jo pi'ibli<,;
notadamente pessoas fracas e escotadas. Sobre ült1f1 , o cornpo',it<i;
atua qual um hipnotizador, cujn música esUrnula e converr •, port rn
tão somente nervos cansados. Para Nietzsche, portanto, o .iUtC',rJ;
de Wagner permite dizer algo acerca do prórrio pútJlico junto no (JUiJI
sua obra se vê acolhida.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Modernidade e Décadence: Wagner e a cultura filis-


teia. ln : MARTON, Scarlett: BRANCO, Maria Jo5o Mayer; CONS-
TÂNCIO, João (orgs.). Sujeilo. Décadence e Arle: Nietzsche e a
Modernidade. Lisboa: Tinta da China, 20 l L1, p. 199-22 5.
SALANSKIS, Emmanuel. La médicalisation nielzschéenne du "cas Wag-
ner". ln: DENAT, Céline: WOTLING, Patrick (orgs.). Nietzsche. Les
textes sur Wagner. Reims: Épure, 201 5, p. 1 17- l 3L1.

Eder Corbanezi

CREPÚSCULO DOS (DOLOS


ou Como filosofar com o martelo
( Gotzen-Dammerrung oder Wie
man mit dem Hammer philosophirt)

O livro Crepúsculo dos Ido/os foi elaborado em meados de 1888.


em Sils Maria, com parte do material acumulado para a produção de
Vontade de potência (Wille zur Macht). Os projetos para essa obr;i
datam desde 1885 ou 1886, por exemplo: A vontade de potência:
Experimento de uma transvaloração de todos os valores em quatro

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O livro publ cndo por N1ot, <,h

livros: Primeiro ~ivro: o_ ~erigo dos perigos (Caractcri,aç~o cJo niilis-


mo); Segundo_L1vr?: C~1t1c~ dos valores; Terceiro Livro: o problema
do legislador (1nclu1 a história da solidão); Quarto Livro: o martelo (o
meio para sua tarefa). Entre 26 de agosto e 3 de setembro tJe 1888
Nietzsche abandona efetivamente esse projeto, sut)stituindo-o po;
um novo, também em quatro livros: Transvaloração de todos O va-
lores (Umwerthung a/ler Werthe). Em um fragmento póstumo de
setembro de 1888, temos o seguinte plano, um entre vários seme-
lhantes: Livro 1: O Anticristo. Ensaio de uma crítica do cristianismo;
Livro li: O espirita livre. Crítica da filosofia enquanto um movimento
niilista; Livro Ili: O imoralista. Crítica da mais funesta espécie de igno-
rância, a moral; Livro IV: Dioniso. A filosofia do eterno retorno. Essa
tetralogia acabou também não sendo produzida, e, ainda em 1888,
OAnticristo acabou por ser considerado a realização de todo o proje-
to da transvaloração. Inicialmente, o filósofo preparou um texto que
juntava partes do que veio a ser depois Crepúsculo dos Ido/os e O
Anticristo, mas o primeiro tornou-se uma espécie de resumo de sua
filosofia e o segundo, o primeiro livro do novo projeto.
Sendo parte de seus últimos escritos, Crepúsculo dos Ido/os é
mais do que um resumo de suas ideias: Nietzsche o considera, apesar
de ser uma pequena obra com dez seções, uma grande declaração de
guerra. Uma guerra que nada mais é do que uma distração de uma pe-
sada tarefa que o filósofo alemão se impôs, ou seja, um alívio para a
seriedade da transvaloração de todos os valores. Tarefa própria de um
psicólogo, cujo martelo não é utilizado apenas para demolir os ídolos
eternos, mas para investigá-los, diagnosticá-los. No prefácio de Cre-
púsculo dos Ido/os , escrito no mesmo dia do término de O Anticristo
(30 de setembro de 1888), o martelo é um instrumento que toca os
ídolos para ressoarem, como faz o médico que ausculta (aushorchen)
o corpo do paciente, o músico com seu diapasão ou ainda o geólogo
com sua pedra. Estamos diante do psicólogo que interroga o objeto
de sua investigação acerca de seus sintomas. O som emitido pelos
ídolos? Um ídolo que é considerado eterno, imutável e absoluto só
pode emitir um tipo de som: o oco, ou seja, o vazio.
O título do livro é um trocadilho e uma ironia em doissentidos. No
primeiro, Nietzsche atinge Richard Wagner, já que a última ópera da

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Dicionário Nietzsd1e

tetralogia o anel dos nibelungos é Crepúsculo dos ~euses (~ótlerdªrn·


memng). No segundo, temos a insinuação de Co~en-Héi~nmerung,
ou seja martelamente dos ídolos. Esta interpretaçao é validada Pelo
próprio· Nietzsche, pois, em uma carta de deze~b'.o de l 888 ~ Jean
Bourdeau {escritor e tradutor francês), o próprio filósofo alemao fala
de seu livro como Marteau des !doles para seu possível tradutor.
o texto foi concebido como o repouso, o ócio de um psicólogo.
Este é, aliás, 0 primeiro título imaginado por Nietzsche para ele: Ocio.
sidade de um psicólogo. O ócio que se exerce com luta, com sereni-
dade e alegria (Heiterxeit) no diagnóstico e na derrubada dos valores
absolutos, produzidos por organismos mórbidos que não suportam
a mutabilidade do mundo, o vir-a-ser. Em Ecce Homo, o filósofo ale-
mão fala sobre o novo título, explicando que "ídolo" significa simples-
mente o que até agora se chamou verdade, e que ela, acredita, se
aproxima de seu fim. Tarefa para a qual Nietzsche se sente habilitado
a contribuir, pois afirma que só a partir de seu trabalho há esperança
para a elevação da cultura. Contra a seriedade do filósofo metafísico
mórbido, o ócio do psicólogo nietzschiano saudável.
As noções de psicologia e de decadência que perpassam Crepús-
culo dos Ido/os, como também O Caso Wagner, estão sob a influência
das leituras nietzschianas da psicofisiologia francesa (Théodule Ribot.
Charles Féré e dos autores que aparecem nas páginas da Revue philo-
sophique de la France et de I,Étranger), e de outros franceses, como
Paul Bourget e Charles Baudelaire. Nesse contexto, a psicologia nietz-
schiana é propriamente uma fisiopsicologia, ou seja, a análise de sin-
tomas, ou seja, da relação que as produções humanas estabelecem
com a vida: uma investigação a partir da interpretação do homem
como um conjunto de impulsos em luta por mais potência. A investi-
g.ação psicológica nietzschiana coloca-se como antagonista da moral
vi~ente, das virtudes estabelecidas e da metafísica tradicional, pois
nao se baseia na dualidade de opostos qualitativos absolutos, como
c?rpo e alma ou bem e mal, mas no pressuposto do estado fisioló-
gico, ou melhor, na dinâmica da vontade de potência.
. A guerra e O ócio e5tão presentes na primeira seção do livro unt
1
conjunto de 44 b f . •
reves a,onsmos: Máximas e setas (ou flechas). A
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O livro publtcncJo por N, IL d 1

,u rrn tá no próprio título, e o ócio é cxprc O lona n . .


• u o pnmc,ro
aforismo. ou ja.♦ quando Nietzsche afirma que a ociosidadeé OInício
detoda psicologia. O psicólogo . em seu ócio , isto é, na sua desv1ncu-

laçao dos valores estabelecidos, confronta-se contra os sistemas fi-
losóficos e metafísicos tradicionais, desafiando-os.
Nietzsche não poderia escolher melhor o seu vício ou O de sua
filosofia. o ócio, pois a sua negação encontra-se na raiz mesmo da
meta física: Sócrates, ou a personagem Sócrates que aparece nos
cJiálogos de Platão, entende a filosofia como um esforço de busca
da verdade que afasta o vício do ócio. Não é à toa, portanto, que a
segunda parte de Crepúsculo dos fdo/os, logo após os aforismos, in-
titula-se "O problema de Sócrates". Esse texto, "Máximas e setas"
e as próximas quatro partes da versão final ("A 'razão' na filosofia";
"Como o 'mundo verdadeiro' acabou por se tornar fábula"; "Moral
corno contra natureza"; e "Os quatro grandes erros") faziam parte
dos planos da obra abandonada Vontade de potência, organizados
de forma diferente. Nessas e nas outras seções, os "ídolos" da hu-
manidade são investigados, ou seja, as noções eternas, imutáveis e
absolutas que sustentam a modernidade.
Em "O problema de Sócrates", a configuração fisiológica de-
cadente de Sócrates (anarquia dos instintos) é a mesma de todos
os filósofos que avaliaram que a vida não vale nada, o que quer di-
zer de praticamente toda tradição. A busca pela verdade, a dialéti-
ca e a moral socráticas são remédios que pretendem curar, mas não
curam, a decadência generalizada de Atenas; são formas de comba-
ter os instintos, já que eles estão doentes e não conseguem o domí-
nio do organismo.
Em "A 'razão' na filosofia", Nietzsche aponta a idiossincrasia dos
filósofos: a falta de sentido histórico e a postulação do incondiciona-
do como o conceito mais elevado. Isso resulta na rejeição do vir-a-
ser e na oposição entre realidade e aparência, também sintomas de
decadência.
A histqria da filosofia é sintetizada em "Como o 'mundo verda-
deiro' acabou por se tornar fábula", tendo como fio condutor a dua-
lidade realidade-aparência. Se, no início, a filosofia acreditava alcan-
çar o mundo verdadeiro, ela passa a considerá-lo inalcançável e de-

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\ t\ ll '1,1, d I llll'I '!, hlCdP/11('}, (10 !,unomr .iun l111pol nc a,
~ ) iu,ilr\) t:tdll<lmd)IIO';" 'iC I mr.tom todo à noçllo ele causa.
11 ,, i '. t' 11,, > l'~I~) ítpen u, 110 í11lll1llo cln lógica, mas r"'1 mbém no ela
rn 1,11, l) qrn• rdl ,lt o pcnsí1111cnto dtJ Nlctz hc que a verdade_é um
fJ' , ,11 l •ito 11 wrt)I. , o elc,,: confu., o entre causa. e con~equencia;
l,11~, · lll~dli iíl(iP: dlU1S llll[lf{illnílJ ; O llvrc-arbítno. 0 filósofo ale.
1 ,i t,11 u111- eluci<lílC< o p:icológirn parn esses erros: o medo, sendo
111 qu,1lqucr pxpllrílC<o ô niclllor do que nenhuma. O homem sente
1 • yssi i.11P (itl (irn•scnticfo ix1ríl as coisas, porém, segundo Nietzsche,
11i11t!ll 'lll (i,) ~1 ser IHI11Inno UílS características, nem Deus, nem seus
111 :t·,t,~11~. 11 )111 n soei cic1do, n mele próprio. Enfim, o homem não é
dlt_2 Sl'PI do cio llllllldO.
1,·1, cxi:tE111 fíltos morais, diz Nietzsche, apenas uma interpre-
t 1\t > rnor~1I cios í1contccimenlos. Assim, em "Os 'melhoradores' da
t,u,111r1i i 11t1~. r velíl-s q11e o que a moral cristã entende como me-
lt1 r,1n;, t1orne111. i to , . tomar o homem bom é, fisiopsicologicamen-
t~. > s u c1ci i111 nto instinlunl, seu amansamento, sua domestica-
i ) (Zô/Jlllllll(J).
Ern • ciu falta aos alemães", o declínio da cultura e da edu-
·t1 ·ii íll :11mis é inv stigado por meio de uma perspectiva fisiopsi·
· 1, ico: a incc pacidade de resistir a um estímulo, a falta de um ca-
ril ter sei ti o.
A ·1r1 m clr1dr1 com outros ternas, como a moral, a filosofia. a
:l,

3
i nckJe a µolítica, é apresentada como exemplo da decadência fisio-
1· i -1 da modem idade em "Incursões de um extemporâneo".
i tz clle, em "O que devo aos antigos", sempre numa pers·
P ti_c1 fi iop ic~lógica, apresenta aquilo do mundo antigo a que ele,
Sei t1v_m~nte, d1ss Sim. Afirma que O Nascimento da Tragédia foi
ua pnrne1ra transw1loraçào de todos os valores considerando-se o
últim di cípulo do filósofo Dioniso e o mestre d~ eterno retorno.

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1

O livro publtc do por N1 tl"ch '


A conclusão da obra, com um trecho do discurso "Da nova e
· 1t1as tábuas" do terceiro livro de Assim falava Zaratustra, parece re•
forçar a associação de Nietzsche com a personagem Zaratustra (mes-
tre do eterno retorno). Intitulado "Fala o martelo", o excerto exalta a
necessidade da dureza - entendida aqui como afastamento da nega-
ção da vida perpetrada pela religião e filosofia - para o criador, para
aquele que, diagnosticando com o martelo a decadência dos valores
eternos vigentes (o "crepúsculo dos ídolos"). possa-também com o
martelo- demoli-los e erigir uma nova cultura.

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. "O problema de Sócrates": um exemplo


da fisiopsicologia de Nietzsche. Revista de Filosofia Aurora, v. 20.
n. 27,p.303-320,2008.
MARTON, Scarlett. À la recherche d'um critere d'évaluation des évalua-
tions. Les notions de vie et de valeur chez Nietzsche. ln: DENAT. Céline;
WOTLING. Patrick (orgs.). Les hétérodoxies de Nietzsche. Lectures
du Crépuscule des idoles. Reims: Épure, 2014, p. 321-342.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

OANTICRISTO. Maldição ao cristianismo


(Der Antichrist. Fluch auf das Christenthum)

Livro que Nietzsche pretendia publicar depois de Ecce Homo, sua pri-
meira impressão ocorreu sete anos após o colapso psíquico do filó-
sofo. A versão de 1895, todavia, levada a termo por sua irmã, con-
tinha diversas falsificações do texto original - o qual somente veio a
público em sua íntegra no ano de 1961 , na edição realizada por Erich
F. Podach. Texto concluído em 30 de setembro de 1888, ele foi re-
digido num período em que Nietzsche se empenhava na elaboração
de uma obra intitulada "A transvaloração de todos os valores" (Um-
werthung a/ler Werthe), dividida em quatro tomos: "O Anticristo. En-

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Dicionário Nietzsche

saio de uma crítica do cristianismo", "O espírito livre. Crítica da filo.


sofia como movimento niilista", "O imoralista. Crítica da mais fatal es.
pécie de ignorância, a moral", "Dioniso: filosofia do et~rno retorno·.
Tal propósito, formulado no final de agosto de 1888, e mantido até
o início de novembro: em Ecce Homo , ao relacionar as obras realiza-
das no último trimestre, ele menciona a finalização do "primeiro livro·
do plano inicial) . A construção dos demais livros que compunham 0
projeto é, no entanto, logo em seguida abandonada, como atesta a
carta a Georg Brandes de 20 de novembro, onde Nietzsche dá por
concluída a "obra" da transvaloração. Decisão que, num primeiro mo.
menta, se materializa na primeira página do ensaio preparado para
publicação, ela, porém, não é a derradeira. Quando Overbeck chega
a Turim em 8 de janeiro de 1889, ele encontra o manuscrito intitula-
do: O Anticristo: transvaloração de todos os valores, sendo que 0
subtítulo estava riscado e fora substituído por Maldição sobre o cris-
tianismo (Fluch auf das Christenthum).
Filósofo da vontade de potência e do eterno retorno do mesmo,
Nietzsche concebe O Anticristo como uma declaração de guerra a to-
dos os valores de decadência que orientam a humanidade. Crítico que
visa a transvaloração de todos os valores niilistas por meio do ataque
a um único e central alvo, ele maneja uma artilharia pesada contra o
monoteísmo: investiga a proveniência do cristianismo a partir da raiz
do ódio que fizera crescer o poder dos sacerdotes do judaísmo; mede
a inferioridade do cristianismo em relação ao budismo, ambos con-
siderados religiões niilistas; contrabalança o cristianismo a partir do
desprezo do islamismo - último rebento do monoteísmo; de outra
parte, compara o Novo Testamento com o Código de Manu, o livro
dos brâmanes indianos, para mostrar a diferença de tratamento na
abordagem de temas como a sexualidade e o amor à vida. Domes-
mo modo, investigando filológica e filosoficamente os Evangelhos,
distancia-se de todos os intérpretes do cristianismo, entre os quais
Strauss e Renan: sustenta que "no fundo, houve apenas um cristãoe
ele morreu na cruz" (§ 39): busca mostrar todo o mal-entendido per-
petrado após a morte de Jesus e a falsificação que os apóstolos fize-
ram de sua "boa-nova": faz surgir um Cristo humano e coerente com
seus princípios, que teria sido completamente desfigurado por Mateus,
Marcos, Lucas e João, e, sobretudo, por Paulo de Tarso.

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o

o in ticar probl ma d ori


l t "' _, que i ll chc ustenta m cu livro: •I ~ con qu n í
da I ic;1do instinto judeu: o tipo psicológico do Galll u pod , " r r -
nl1 cí el nos Evangelhos, apesar da carga de traço alheio'" que
nele foram acrescentados para a finalidade de servir como redentor
da humanidade. Refletindo sobre a intersecção entre fisiologia e psi-
cologia, o filósofo busca então mostrar que o cristianismo é a ma-
nifestação da mais profunda forma de antinatureza. No que diz res-
peito ao legado dos instintos judeus, a doutrina cristã daria prosse-
guimento ao atentado contra os instintos vitais posto que nela nem
a religião nem a moral teriam ponto algum de contato com a reali-
dade. Pelo contrário, os sacerdotes e aqueles que possuem sangue
de teólogo nas veias teriam desvalorizado o regime inteiro da econo-
mia dos instintos em detrimento da valorização de um mundo de pu-
ras ficções, como causas imaginárias, efeitos imaginários, seres ima-
ginários. ciência natural imaginária, psicologia imaginária, teleologia
imaginária. De outra parte, ao analisar o problema da psicologia do
redentor, Nietzsche busca compreender aquele que poderia ter sido
um "santo anarquista", um "criminoso político"; quer, enfim, apre-
ender os principais traços psicológicos do "interessantíssimo deca-
dente", um "antirrealista" e "grande simbolista", o qual poderia ser
até mesmo qualificado como um "espírito livre" (§ 32).
Jesus é então descrito por Nietzsche como aquele que. porra-
zões fisiológicas. teria levado a termo uma única prática espiritual: a
de não resistir "nem ao mal nem ao mau". uma espécie de Buda num
solo pouco indiano, o pregador da montanha, do lago e do prado
(§32). Prática que consistia na anulação dos pares de opostos. Jesus
não oferecia resistência nem em seu coração nem em suas palavras
àquele que era mau para com ele (§ 33). Sua boa-nova. assim, não
era uma nova fé. mas uma nova prática: o que explica que para Cristo
o reino dos céus não era algo a ser esperado, mas sim um "estado
do coração" que está "em toda a parte e em parte alguma" (§34) . A
boa-nova. por conseguinte, estaria consumada numa só fórmula: "Não
defender-se. não enraivecer-se. não atribuir responsabilidade... Mas
também não resistir ao mau -amá-lo" (§35). Em decorrência disso.
por Cristo ser a expressão da "experiência de um coração" , o cristia-

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li '· <h '

llt 110 ,llll '111l 1( 0, Oll{'llltll, !-i 'lllf>I ' ~i<•r,) p<Y,'>ÍVCI (f '')) ; p Jr lt'í ,trri.,t~,
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• 1 m •ll1t11ll, ,10111 111110 s<, c 'rdotal judeu. buscou a cf t1vt1çc-j o cJ ~-1

1 e <ll' 1 11,)o 11<1pr, tIc,1 d il rnen J('em do Evangelho, m s no e (1~


1, t11H'nlo de 11111i1 nova doutrina da salvação. na in t1tuiçc10 cJc um~
rnw,1 l{,rl'Jd. r~ "co11 11 ccndo que. dezenove séculos depois. ele nró-
p110 q11i1. , 11 u111biu ante o mundo de ficções produzidas pelo cns.
11,1111.1110 ( 0). vi to que todos ainda possuem no próprio corpo os
111 111110 r11i11s ristãos (§ 59). Nietzsche então compreende que é
1 , , 1. o r '<1li1ar uma ruptura radical com aqueles que fal sificaram a
l)ot1-11ovJ, que se nota desde logo no título de seu livro.
ot ,. · que. como conhecedor da Bíblia, o autor da Ceneolog,0
cio tvto,al élbiél que o termo grego o:vr(xpwroç, com a qual se no-
111 •Ia o ílclvcr:Mio de Cristo, estava ausente das falas de Jesus. sendo
ncontrado somente nas Epístolas de João. Do mesmo modo. embora
co11l1e ls ) a palílvra alemã Widerchrist (Contra-Cristo). que Lutero
•111pr 1giHt1 1111 ua tradução das Sagradas Escrituras, enquanto flló-
1 co •I 'optil p llJ poli semia contida no termoAntichrist . Tendo clara
1 c1rt1 si i1 cli ti11çt10 e11trc Jesus e o Cristianismo. ietzsche, portanto.
11, o I lo , irnpl smente "Contra-Cristo", mas ele é. fundamental-
111 ·nt 1. 1m1 "Anl icristt10" . Ou seja: irrompe contra o cristianismo inven-
tacJo por P;111lo d ' Tr11 so (§ 4 7). con tra aquilo que. após a morte dv
ri to, 1d ou c1 t' ·tc:i r 011ticlo 110 símbolo do Cruci~cado. Trata-se. p r-
t.11110, <11' 11111 i1t •11ti1c1 1111,1 o cri tianismo a panir da própria lógicJ
f.ib11cddt1110 <l' 1 11 o i irn 1110 t lológico-crist3o. a qualidade de p_ ·
l I go, <'I<' P11fr •111;1 ',1. irnilíl, im. ílquela que sena a fie à nu
1 oc1t•r d 'Wrrier, ri,1P, ist )rllc' no int lri r do ri ti2111ismo a fim e gi.1-
rdr ~111 rn~t o irrnilo, 11111d irnrp ,io e 'PI ivil . Afrnc1I. e ap a m , ~
(IO (.ri~,I( O J P(llll' ll ) fll O\/llllClll O I ' "}1(1 . (- 7) n olld LI - e UCl'
°
íl 1 11 ), · 11 1tt•t11i111tlo t ) los os ·1111 . ·ulJt ll tlll) e\i·t .lrHl_) no 111·
tP11c r ,Jo 11111 t rio I~<llld1 10 (§'-H) dt forrn<r ri <li11a111ite ·n" ·td (§ ·21
u (llll ' f,111i111111 t 1( ·~ o~• v' li rtis- li l r l l, I dll lrg111(,1 I ', •r1tl1 1 -1 1 r t
,, . ,. . "º .ti>• >rWr o qrn• <h• 111c1Is llt't,dt1v) 11'1\'ld 11 :u . 1 d,1 µ:i<t1k

IJ

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0 l v, ~ p , ,;.oo,pi: 1•r

·a imaginária do cristianismo ra também e uzi•lo , 1


Ra~o pela qual é possível entender porque, na atx?rtura d ú • · e.a..
pítulo de Ecce Homo. ietzsche compreenda a sí m mo r 0 o
um homem. mas como uma dinamite.
Coerente com a afirmação realizada já na segunda di.. sert:J _ão
da Genealogia da Moral de que para se erigir um santuário era ~-
cessário antes destruir um santuário(§ 24), o que O fílóso O visa,
portanto, é à autossuperação do cristianismo. a começar pela as<·mj-
lação da carga de significado contida na noção do · Anticristo", ten-
do em vista a tarefa de transvaloração de todos os valores. A cri ica
dos valores cristãos é, portanto, realizada em vistas de alooo
mais
amplo, tal como está claro desde o prefácio do livro: ir além do ·de-
plorável palavrório atual acerca da política e do egoísmo dos po os·
e sair do ulabírínto" no qual se perdeu o homem moderno. Obra q e
possui um caráter axiológico e político, nela a compaixão é colocada
em questão e tratada não como um valor elevado, mas como o sin-
toma de uma vontade que é hostil à vida. Uma vontade niilista q e
teria destruído todos os tipos superiores que surgiram ao longo dos
últimos dois milênios, que penetrou em toda a teologia e se ramifi-
cou na filosofia, produzindo efeitos como a enganosa noção de igual-
dade, presente nos ideais da democracia moderna, e o fastio da vida,
inerente ao pessimismo de Schopenhauer. Nas páginas finais de seu
livro, Nietzsche lamenta tanto a destruição do Império Romano por
um inimigo interno quanto o advento da Reforma Protestante no mo-
mento em que o Renascimento propunha um novo âmbito de valo-
res para a humanidade.
Obra que foi recebida equivocadamente durante décadas como
tendo apenas um caráter destrutivo, a gênese, o contexto e determi-
nadas ideias de OAnticristo permitem constatar o caráter afirmati o
e construtivo da crítica nietzschiana. Ora, é desde o prefácio que o
filósofo deixa claro que seu ensaio é dedicado a um pequeno núme-
ro de leitores - aqueles que compreendem Assim falava Zaratus-
tra. obra cujo móvel é o pensamento do eterno retomo do mesmo. É
de se notar, neste sentido, que se O Anticristo é concluído com uma
*Lei contra o Cristianismo", na qual aparecem sete artigos com ca-
ráter inteiramente destrutivos, no Zaratustra existiria o contraponto

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.
1 1 Qll \ ~1 1 1 • ,nud t , 1, ro concluí e rn • ,
rt

U JI J
. d 1m e do Am m•. IJ tamb rn n nnrn · 1
4111 ; n O que a r mi sio ao hipcrbórco nJo '- •.
m 111 rána 111st rica. Afinal, se o fenómeno da cJurord
m qu na imensa noite do mundo existe um fcn
1 1 1 5 ue orre em pelo menos quatro meses do ano. .J

re s · , na , erdade. aqueles que vislumbram uma luz ern


pen ar e en ente contraste com as trevas, que não existe, inclu 1•
, e. se 1 elas. Algo que. de algum modo. se interliga também à m.
ra ·meio-dia e eternidade " através da qual Nietzsche sempre
re e e ao pensamento do eterno retorno do mesmo. Especulações
à e. o fato é que em O Anticristo parece convergir a totalidade
d pensamento nietzschiano. Sobretudo quando meditamos sobre o
significado que o filósofo atribuiu à derradeira frase de Ecce Homo:
·oioniso contra o Crucificado".

Bibliografia

BARROS, Fernando R. de Moraes. A Maldição Transvalorada: O Proble-


ma da Civilização em O Anticristo de Nietzsche. São Paulo. ljuí: Dis-
curso, Unijuí, 2002. (Col. Sendas & Veredas)
MARTO , Scarlett. O Anticristo. Cristianismo: da má filologia à corrup-
ção dos instintos. ln: - - . Nietzsche e a arte de decifrar enig-
mas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 227-244. (Col. Sendas
& Veredas).

Luís Rubira

ECCE HOMO. Como tornar-se o que se é


(Ecce homo. Wie man wird, was man ist)

~rn c~_rt.a ~o dia 30 de outubro de 1888, dirigida a seu amigo H in·


nch Kosel1tz (Pcter Gasl), Nietzsche comenta que, no dia de s u qu1·
dragésirno quarto aniversário, começara a e crev r obre i m rn

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O livro publ,c do por NI 11 ,,,

e sobre seus escritos, a fim de preparar o público para a tran valo


ração de todos os valores. Segundo o aparolo filolóeico presente na
edição crítica de Colll e Monlinari, podem-se Identificar seis fase da
produção do texto, com variações e correções de Nietzsche, que se
estendem até o final de dezembro de 1888. Antes de publicar o li-
vro, contudo, em 6 de janeiro de 1889, Nietzsche sofre um colapso
psíquico, que interromperia suas atividades intelectuais até sua mor-
te, em 1900. Ecce Homo, depois de intervenções de Peter Gaste de
sua irmã, Elisabeth Fõrster-Nietzsche, cuja extensão se desconhece,
só viria a ser publicado em 1908. Esse fato é apenas um dos ruido-
sos acontecimentos que permeiam a controversa história das diversas
edições das obras de Nietzsche, que parecem ter tido fim com a pu-
blicação, em alemão, da edição crítica. O motivo da retirada e depois
destruição de algumas passagens de Ecce Homo seria o tom agres-
sivo com que Nietzsche se dirigiria a pessoas de seu círculo familiar
e íntimo. Esses fatos atestam a singularidade de uma obra que, sem
querer, acabou sendo o testamento intelectual de Nietzsche.
Não devemos entender Ecce Homo, contudo, como um exem-
plo comum de autobiografia: é uma autobiografia intelectual, em que
a descrição dos fatos de sua vida e de sua obra já é realizada sob o
prisma dos seus conceitos filosóficos. Mais ainda, poderíamos dizer
que se trata de uma autobiografia filosófica, na qual, utilizando a fa-
mosa distinção entre escritor e autor feita por Foucault, o Nietzsche
que aparece na capa e narra sua vida não é o indivíduo Nietzsche,
mas o autor Nietzsche, quer dizer, um nome constituído publicamen-
te por suas obras. Um passo a mais poderia ser dado: utilizando uma
expressão feliz de Deleuze, o Nietzsche de Ecce Homo é um persona-
gem filosófico. Teríamos assim em Ecce Homo a apresentação do au-
tor/personagem Nietzsche, como sua vida representaria a realização
de sua filosofia e como esse Nietzsche - constituído por meio de sua
obra - seria um destino para a cultura ocidental. Assim, uma for-
ma de entender Ecce Homo em sua totalidade é interpretá-lo como
um desenvolvimento da questão do destino na filosofia de Nietzsche,
em associação ao projeto de uma transvaloração dos valores. O títu-
lo Ecce Homo e seu subtítulo já trazem consigo esses dois elementos
de análise. Como adversário dos ideais cristãos, Nietzsche retoma no

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Oici0nó110 t ll 1

título a passagem do evancclho cm que Pila to~ ,Jprc!' nta d rnulti(li 1


Jesuscom a coroa de espinhos e o manto púrpur,J, prorcrlncJo n fr,1 ~
·Eis o homem" (Jooo 19. 5). Nlcr.zschc aqui~! ldcntlHca nllo .,o~ ne
com Cristo. como antípoda, anticristo ou ant1crlritt10 (o amblguid d
em alemao da palavra Antíchrisl, que pode ser cntcncJlcJa c?mo t1nt~
cnsto ou anticristJo. é explorada por Nlc12schc J, mas com o Pilatos quo
0 apresenta à mullídJo. Em uma carta de J 4 de novembro ele 1888,
dirigida a Meta von Salís, Nietzsche afírma ser nao apenas o homo,
mas Oecce do título. Em ambos os casos, tanto no de Cristo como no
de Nietzsche, é apresentado um sofredor que tem, de aleuma manei.
ra. de abraçar o seu destino. A diferença é como, nao tanto o próprio
Cristo. mas o cristianismo, compreendeu esse destino e Interpretou
o sofrimento. A interpretação níctzschlana do destino encontra-se no
lema paradoxal do subtítulo, um verso de Píndaro adaptado e adota,
do por Nietzsche em vários momentos de sua obra como um impera-
tivo: "torna-te quem tu és".
No início do prólogo de Ecce Homo, Nietzsche anuncia sua ta•
refa, esclarecendo a necessidade de não ser confundido com aquilo
que ele não é. A primeira confusão a ser evitada é a de que, ao pro-
por a transvaloração dos valores cristãos, seu inluilo seja o de criar
uma nova mitologia, que seja confundido com um proíeta, um santo
ou um fundador de uma nova religião. Nielzsche tem então de dcs•
crever sua vida a partir de sua filosofia, e os primeiros capílulos ser•
vem como uma inlrodução à sua persona. A primeira quest~o que
ele se coloca é "por que é tão sábio". Para ele, sua sabedoria con•
sistíria em reconhecer, por experiência da doença, quando um indi•
vfduo ou uma cullura adoece. Em vários mornenlos de toda a obrn,
Nietzsche descreve sua doença física - com todas as privações que
ela o obrigou a suportar - como um cstím ulo tJ vida como um cri·
tério para o diagnóstico de estados mórbidos. Desse ponto de vist~.
ele pôde cntllo avaliar a cultura europeia corno cronlcarncntc cnfcr·
ma pelos valores crlstaos. Como alguém saudável no fw1<.lamcnto -
ou seja, como alguém que nao esmorece na doença o sabe escolti (
r,cu remédio certo - ele seria cntilo capaz de receitar os novos vt1I
resa serem adotados. A transvaloraçao será assim um rcrnódlo pJrl1
uma cultura doente, cont am Ina da desde a sua origem polo ntl·

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,nent d culpa in uk do lo cri tiJni mo, com u r ntim •nto,
_1i.1 in JpJCidcd de esquecer sua negação do corpo.
, cJpitulo s guinte, ·ror que sou tão inteligente". Nietzsche
l1pr enta como resposta uma série de conselhos prudenciais para
adquirir a saúde (física e espiritual). Se não fosse um livro que desde
início explicita seu interesse em trazer a corporeidade para o centro
da reflexão filosófica e que tem, em vez do intelectual lema socráti-
co do ·conhecer-se a si mesmo", o vivencial ·tornar-se a si mesmo·,
causaria espécie encontrar, em um livro de cunho filosófico, uma lon-
ga seção sobre hábitos de alimentação, localidades e climas, assim
como as maneiras de usufruir as horas livres. Na concepção de Nietz-
sche. essas não são coisas frívolas e secundárias, mas ao contrário
objetos que merecem extrema seriedade e atenção. Nessas ques-
tões. Nietzsche tem consciência de que sua filosofia nada tem a ver
com a filosofia moderna e suas preocupações metafísicas e éticas; a
filosofia de Nietzsche se aproxima mais de uma ética da virtude, ou
seja, uma filosofia voltada para o desenvolvimento do caráter moral.
que se ocupa com a promoção de determinadas virtudes e da busca
pelo cuidado e pelo cultivo de si (tudo aquilo que Nietzsche anterior-
mente havia chamado de "dar estilo ao caráter" e que agora ele cha-
ma de casuística do egoísmo). Esse cultivo de si tem como expressão
máxima o amor fati, o amor ao destino, um tema que percorre todo
Ecce Homo, unindo o projeto global da transvaloração com a pers-
pectiva individual de Nietzsche, e que aparece pela primeira vez em
Ecce Homo ao final desse capítulo.
Em seguida, antes de apresentar cada um dos seus livros já pu-
blicados, Nietzsche se vê na obrigação de explicar "por que escreve
tão bons livros". Neste caso, a imodéstia de Nietzsche parece mais
que justificada, dado que o seu virtuosismo estilístico não é questio-
nado nem por quem não o admira. Nesse capítulo, ele tece conside-
rações sobre o estilo, sobre o tipo de leitor que espera ter e os efeitos
que procura alcançar por meio de sua escrita.
No capítulo seguinte, analisando seu primeiro livro, Nietzsche
encontra no Nascimento da Tragédia uma concepção trágica da exis-
tência e uma afirmação dionisíaca do destino; no elogio de Heráclito,
uma defesa do vir-a-ser que poderia resultar no pensamento do eter-

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n retom do mesmo. e acima de tudo uma prefiguraçilo do seu la
riltustra. Nas Considerações Extemporâneas. _um~ prep~raçao p ra
0 cultivo de si e para a realização de tarefas h1stónco-universais: crn
sua existência como erudito - ele escreveu as Exte:'1porôneos Quan-
do ainda era professor de filologia - mais um desvio necessário Para
que ele se tomasse O que se tornou. Em Humano, demasiado Humo.
no. a libertação que a doença lhe permitiu, para abandonar a carreira
de professor de filologia e se tornar filósofo anti-idealista e imoralista.
Auroro representaria os primeiros passos para uma transvaloraçào:
uma critica da moral sem indignação ou maledicência. No curto texto
sobre A gaia Ciência, cuja extensão não corresponde à importância
da obra. Nietzsche ressalta sobretudo o aparecimento da figura de
Zaratustra, no final do quarto livro, e a divisa de Píndaro.
Econômico em sua análise de A gaia Ciência. Nietzsche não
poupa elogios aAssim falava Zaratustra. Maior presente já oferecido
à humanidade, como é afirmado no prólogo de Ecce Homo, em As-
sim falava Zaratustra Nietzsche enfatiza o aspecto exemplar e sim-
bólico da missão de Zaratustra: embora diga não a tudo o que até
então se tomou como verdadeiro, é antagonista do espírito de nega-
ção, pois Zaratustra realiza a mais elevada forma de afirmação que
se possa alcançar. Se criar novas tábuas de valores é a tarefa de Za-
ratustra, ele também é o anunciador do pensamento mais abissal de
Nietzsche, o eterno retorno do mesmo, e a afirmação dionisíaca da
existência, transformando o "foi" em "assim eu o quis".
Para além de Bem e Mal é apresentado como uma crítica mor-
daz à modernidade; Genealogia da Moral, como um ensaio psicoló-
gico prévio à transvaloração dos valores, em que o ressentimento, a
consciência moral e o ideal ascético são dissecados. A análise de Cre-
púsculo dos Ídolos e O Caso Wagner já é o próprio prelúdio à trans-
valoração, e Nietzsche assume a alcunha do alegre mensageiro, que
vem trazer a verdadeira boa-nova, o verdadeiro evangelho.
No último capítulo, "Por que sou um destino", Nietzsche procura
mostr~r por que a tarefa da transvaloração se lhe apresenta como
u~a sina (Laos), um destino (Schicksal) e uma fatalidade (Verhang-
ms) pa~a ~História.O cristianismo foi uma fatalidade de milênios, que
0
levana a sua própria destruição. A busca incondicional pela verdade

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Os livros publ1codo por N1otz eh

t v como resultado a descoberta de que os ideais. todos os valores


l

que sustentavam essa busca, eram uma mentira. Dessa descoberta é


que surge a possibilidade de uma transvaloração de todos os valores
e o estabelecimento de valores pós-cristãos, ou anticristãos, como
preferiria Nietzsche, valores que respeitariam a vida terrena, em sua
imanência e corporeidade. Se Zoroastro criou a metafísica em que
bem e mal travam uma luta cósmica, sendo a moral cristã apenas um
de seus ava tares, o Zaratustra de Nietzsche seria aquele que levaria a
veracidade de seu homônimo persa às últimas consequências. de tal
modo que a transvaloração se revela como um processo de autossu-
peração. Ese Nietzsche queria com Ecce Homo ser compreendido,
suas últimas palavras serão a declaração do fim de uma ordem moral
do mundo e a afirmação de uma concepção dionisíaca da realidade.
Nas suas próprias palavras, Dioniso contra o Crucificado.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Ecce Homo. Nietzsche: substantivo próprio ou subs-


tantivo comum? ln:--. Nietzsche e a arte de decifrar enig-
mas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 245-262. (Cal. Sendas
& Veredas)

André Luís Mota ltaparica

NIETZSCHE CONTRA WAGNER.


Dossiê de um psicólogo
(Nietzsche contra Wagner.
Aktenstücke eines Psychologen)

Único livro de Nietzsche em que seu próprio nome consta do título,


Nietzsche contra Wagner pode ser caracterizado, superficialmente,
como uma compilação autorreferencial de textos, na medida em que
sua fonte primária é constituída pelos próprios trabalhos do filósofo
alemão. Concebida na primeira quinzena do mês de dezembro de

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1 1 IOf' ' ' , , M t, (1

1BUB ,, rito veio a lurne em 1889 sob a forma de peq enos e


v 1 1 ,,' :xemplar ~:,, terminando por ser ínt~gr~do à edição da
r1JJ'lliJ' jm 1m J/t __ 0 que, não raro. contnbu1u para que se I i
puta· ,1 ~u,n lug:;,r menor no conjunto dos escritos nietz~hianos., 5
jU', ;i,n •nt porque seu autor tenciona indicar, ~r meio de tal e .
p >'.,iÇâo, Qu , ~ u rompimento com Wagner foi fruto de uma lo 3
pond •rvt5o - não devendo ser considerado, portanto, como u ,
1 p1~6dío iwlado na marcha de sua portentosa reflexão filosófica - .
Niclz hecontra Wagner refaz movimentos argumenta ti os de sum
importância, que remontam a publicações de 1876 e prestam tese-
rnunho da formação paulatina de inúmeros conceitos nietzschiano
Em tal coletânea, passagens pertencentes a obras cronologicamene
distintas entre sí são estrategicamente redimensionadas, no intui
de assumirem uma forma mais pontual e direta - subentendend
s , com isso, que sua função estrutural e teórica seria inteiramen e
outra. caso permanecessem inalteradas e imantadas aos seus respec.
tívos contextos originais. Organizados após um prólogo inédito. seus
capítulos correspondem aos seguintes textos publicados: ·o que ad-
miro": A gaia Ciência§ 87; .. A que faço objeções": A gaia Ciênci
§368; ulntermezzo": Ecce Homo "Porque sou tão esperto" § 7; ·wag-
ner como perigo" § 1: Miscelânea de Opiniões e Sentenças § 134;
"Wagner como perigo"§ 2: OAndarilho e sua Sombra§ 165: ·uma
música sem futuro": Miscelânea de Opiniões e Sentenças§ 171;
"Nós, antípodas" : A gaia Ciência§ 370; "De onde vem Wagner°:
Para além de Bem eMal §254 e §256; "Wagner como apóstolodJ
castidade"§ 1: Para além de Bem eMal§ 256; "Wagner como após·
tolo da castidade" § 2: Genealogia da Moral Ili § 2; "\Nagner com
apóstolo da castidade"§ 3: Genealogia da Moral 111 § 3; "Como me
livrei de Wagner"§ 1: Humano, demasiado Humano li "Prefácio" §3:
UCorno me livrei de Wagner"§ 2: Humano, demasiado Humano 11
UPrefácio" §4: uo psicólogo toma a palavra" § 1: Para além deBefl
eMal§ 269; uo psicólogo toma a palavra" § 2: Para além de Bem e
Mal§ 269; "O psicólogo toma a palavra" § 3: Para além de Bem
e M~I §~70:_ "Epílogo 1": A gaia Ciência "Prefácio" §3; "Epflogo 2":
A gwa Cíênc,a "Prefácio" §4; "Da pobreza do mais rico" (poenw Qll 1

também encerra os Ditirambos de Dioniso). o termo "doss!ê·. pn. 1


"

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O livro publicndo por N, tz cho

_ nt I no sul títul do livro, l S~l z rcv 'lodor, fornecendo Indícios da


tl ticJ po itiv n 1, ontld, , já qu SU8Crc, grosso modo, a moblli-
zJçJo oreanlz d catnloal dn cJc nnllnas neças de acusação; mas
n 1111 or I o o tatuto cJo livro deve ser reduzido à simples condição
1

1 r )vi ~ ou, nl o, ele m ro resumo. Sob o influxo dos célebres te-


ll1J 11 nt rn O Ca o Wagner, a obra parece limitar-se à gênese
d, n ô ín ita no contexto tardio da crítica estética nietzschiana
- t;iis como, por exemplo, "modernidade artística" e "décadence".
ntudo, lém d referir-se n uma pessoa ou a algum movimento cul-
tural m particular, Niel,sche contra Wagner é sintomático de uma
int nçào ampla e profunda, que leva em conta uma visão de conjunto
d I' ado ni tzschiano. À diferença do impactante e ruidoso O Caso
Wogn r. tal "dossiê" não pretende apenas dar a conhecer o resultado
final do rompimento com Wagner, senão o caminho mesmo pelo qual
Ni tzscl1e se tornou, por assim dizer, antiwagneriano, iluminando eta-
pas de um itinerário diacrônico que procura justificar-se teoricamente
a si mesmo. Mas, ao contrário do que se passa no registro autobio-
crófico habitual, onde o autor relata a si mesmo e ao mundo como
ua vida e obra terminaram por se tornar aquilo que são, em Nietz-
sche contra Wagner cabe aos próprios escritos do filósofo alemão a
tarefa de contar a si mesmos a sua história. Se nesse contexto é o
"psicólogo" Nietzsche que toma a palavra (vide Prólogo). é porque o
l1orizonte hermenêutico por ele descerrado não deve ser isolado de
conteúdos e tópicos de vasta envergadura, tais como o projeto de
transvaloração dos valores e a afirmação de si. Tanto é assim que, no
primeiro Epílogo de Nietzsche contra Wagner (elaborado a partir da
terceira seção do Prefácio de A gaia Ciência), seu autor traz à baila a
noção mesma de amor fati, enfatizando a perspectiva de uma exis-
tência que se permite, a despeito de todos decaimentos e reveses
psicofisiológicos, afirmar incondicionalmente a vida. E, se é enquanto
"antípoda" que se coloca, é porque pretende deixar claro que, entre
os que sofrem de abundância de vida e aqueles que padecem de em-
pobrecimentos de vida (vide "Nós, antípodas": A gaia Ciência§ 370),
ele se vê junto ao primeiro grupo de sofredores, carentes de uma arte
dionisíaca e defensores de uma hipótese trágica de interpretação do
mundo e da natureza. Não por acaso, o texto se encerra com o poe-

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-,

íl ·oJ 111,11 fl • • ( li" L 11 · 1111, i1~11,1lr11c111c , O. D 1(/{Qni .


fx dt. Oi ,·:: ). ÍJ: flni Jll ~ \' íl ,)e l11c1 ·lll ll. l ,11cf c. 111 ) ll I .
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ra 11 n_1 111 . 111 n!111:1fllt 1111 ít e. r<.ra, a
11 ~ '\rn . u pr pri f11 . hr.

Bibliografia

~ARTON. Scarlett. iet sch e ntre Wa n r. iet cl1 e cent re 'ietz.


sche. Uneanalyse de deux antipod . ln: DE I T. C line: WOTU 'C,
Patricl-- (orgs.) . Ni t eh . Lcs t xt - ur 1\'agn r . Reims: Épure,
201 5, p. 35-50.

Fernando R. de Moraes Barros

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,
lndice das abreviações
das obras de Nietzsche

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breviJmo os títulos dos ~extos de Nietzsche co~o ~elJ'~.A:
A abreviJçõe scrjo precedidas das datas da publ1 caçJo ,J-3 íX►
m ira d1çJo ou da elaboração dos textos inéditos.

1. Siglas dos textos publicados por Nietzsche

1.1. Textos editados pelo próprio Nietzsche

1872 NT Die Geburt derTragõdie aus dem Geiste der 1, ; ,


(O Nascimento da Tragédia no Espírito da Mús e.a,. 2•
edição: 1886, Die Geburt derTragõdie. Oder: Gr 7
chenthum und Pessimismus (O Nascimento d3h. ~

gédia. Ou: Helenismo e Pessimismo). acresc1d ó:.


11
11
Ensaio de autocrítica
1873 Co.Ext. 1 Unzeitgemasse Betrachtungen. Erstes Stück: o,,,~
Strauss: Der Bekenner und der Sch rifts teller (COí: -
derações Extemporâneas 1: David Strauss. o Devo::
e o Escritor)
1874 Co.Ext. li Unzeitgemasse Betrachtungen. Zweites Stück:
Nutzen und Naditeil der Historie fü r das Leben (Cor.s-
derações Extemporâneas li : Da Utilidade e Des :·-
tagem da História para a Vida)
1874 Co.Ext. 111 Unzeitgemasse Betrachtungen . Drittes Stück: S<T -
penhauer ais Erzieher (Considerações Extempocã-e:S
Ili : Schopenhauer como Educador)
1876 Co.Ext. IV Unzeitgemasse Betrachtungen.Viertes Stüd<: R - ~

Wagner in Bayreuth (Considerações Extemporà e-33


IV: Richard Wagner em Bayreuth)
1878 HH I Menschliches, Allzumenschl iches (vol. 1) (H a~:
demasiado Humano (vol. 1)); 2ª edição: 188ô, acres·
cido do prefácio
1879 os Vermischte Meinungen (Miscelânea de Op1 JÕ€5 e
Sentenças); 21 edição: 1886. HH li, Menschhches.A-
zumenschliches (vol. 2) (Humano. dema siado :
no (vol. 2)), acrescido do prefácio
1879 AS Der Wanderer und sein Schatten (O Andanl o e s..J
Sombra); 21 edição: 1886, HH li, Menschllches, A:'.;
menschhches (vol. 2) (Humano, demasiado H 3"'
(vol. 2)), acrescido do prefácio
1881 A Morgenrõte (Aurora). 21 edição: 1886, acres
prefácio
1882 IM ldyllen au s Messina (ldíl1os de Mess,na)

1 98

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fnd1c das abr V18Çôos da obra d N, ll eh

1 2 GC D,e frohllche W1ssenschaft (A gaIa C10nc1a): Livros Ia


1
IV; 2 edição: 1886, com acréscimo do Livro V e do
prefácio
1683 ZA Also sprach Zarathustra (Assim falava Zaratustra).
Primeira Parte
1884 ZA Also sprach Zarathustra (Assim falava Zaratustra).
Segunda e Terceira Partes
1885 ZA Ais o sprach Zarathustra (Assim falava Zaratustra).
Quarta Parte
1886 HH li Menschliches, Allzumenschliches (vai. 2) (Humano.
demasiado Humano (vai. 2)): 21 edição de OS e AS.
acrescido do prefácio
1886 BM Jenseits von Gut und Base (Para além de Bem e Mal)
1887 GM Zur Genealogia der Moral (Genealogia da Moral)
1888 cw Der Fall Wagner (O Caso Wagner)
1888 CI Gõtzen-Dammerung (Crepúsculo dos Ídolos)
1888 NW Nietzsche contra Wagner

Para os textos publicados por Nietzsche, o algarismo arábico in-


dica o aforismo; no caso de ZA. o algarismo romano indica a parte do
livro; no caso de GM. o algarismo romano anterior ao arábico remete
à parte do livro; no caso de CI e de EH. o algarismo arábico. que se
, seguirá ao título do capítulo. indicará a seção.

1.2. Textos preparados por Nietzsche para edição

1888 AC Der Antichrist (O Anticristo)


1888 EH Ecce Homo
1888 DO Dionysos-Dithyramben (Ditirambos de Dioniso)

11. Siglas dos escritos inéditos inacabados

1862 FH Fatum und Geschichte (Fado e História)


1862 LVF Willensfreiheit und Fatum (Liberdade da Vontade e
Fado)
1869 OL Vom Ursprung der Sprache (Da Origem da Linguagem)
1869 HFC Homer und die klassische Philologie (Homero e a Filo-
logia clássica)
1870 DM Das griechische Musikdrama (O Drama Musical Grego)
1870 ST Socrates und die Tragõdie (Sócrates e aTragédia)

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O,c,onário N,otzsche

1870 VD o,e d,onysisd10 Woltanschauung (A \1 tio d,001, 1 ,


do Mundo)
1870 NP Oie Geburl des tragisd1en G don~ ns 10 Nosc,rn n
do Pensamento Trágico)
1871 EFC Encyclopadie der klassisd1on Philologio (Enc,c10p
dia da Filologia clássica)
1871-1876 IDP Einleitung indas Studium der platonischon D1olo0e (1~
tradução ao Estudo dos Diálogos do Platõo)
1872 FPP Oie vorplatonischen Philosophen (Os Filósofos pr
platônicos)
1872 EE Über die Zukunft unserer Bildungsanstalten (Sobre 0
Futuro de nossos Estabelecimentos de Ensino)
1872 CP Fünf Vorreden zu fünf ungeshriebenen Büchern (Cinco
Prefácios a cinco Livros não escritos)
1873 FT Die Philosophie im tragischen Zeitalter der Grieche
(A Filosofia na Época Trágica dos Gregos)
1873 VM Über Wahrheit und Lüge im aussermoralischen S1nn
(Sobre Verdade e Mentira no Sentido extramoral)
1874 CR Darstellung der antiken Rhetorik (Apresentação da
Retórica antiga ou Curso de Retórica)

Para os escritos inéditos inacabados. o algarismo arábico ouro-


mano. conforme o caso, indica a parte do texto.

Ili. Fragmentos póstumos

FP Nachlass (Fragmentos Póstumos)

Para as anotações póstumas. os algarismos arábicos seguidos da


data indicam o fragmento póstumo e a época em que foi redigido.

Edições

Utilizamos as edições das obras do filósofo e de sua correspondência


organizadas por Giorgio Colli e Mazzino Montinari: Werke. Kritische
Studienausgabe (KSA}. Berlim: Walter de Gruyter& Co., 1967/1978.
15v., e Séimtliche Bn'efe. Kn'tische Studienausgabe (KSAB). Ber1im:
Walter de Gruyter & Co., 1975/1 98 4. Bv.

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Verbetes

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AFETO (Alfekt)

111 ,1 que esteJa presente em quase todo~ os esc_ritos e .


A che. o termo ·afeto· só adquire seu sentido seminal qua doea
'labomçc1o. em sua filosofia tardia, da chamad~ ·teoria d s a e ·
d jgnimdo uma tentativa de descrever imaget1camen e a a 1vi _
fundélmental da vontade de potência no próprio homem. Es a ·~
cendo uma relação polissêmica com expressões tais como ·i s i ·
(lnstinkl) e ·impulso" (Trieb). o afeto assumiria então a função de re-
meter a análise filosófica a um horizonte no qual a noção de espí
já não poderia ser pensada a partir da ideia de uma entidade ima e-
rial que se opusesse ao corpo, mas segundo um pensamento q e Se
incumbe justamente de abolir as versões canônicas de alma. E. pre-
cisamente porque a atividade exercida pelos impulsos não se dei. a
enfeixar por leis que permitissem calcular, de antemão, os resultados
da batalha por eles travada, é que se deve abrir mão da tentativa de
descrever de modo definitivo esse ou aquele estado afetivo. Ouai-
quer significação última do universo corporal precisa ser entendida,
aqui, como ilusão ou, melhor ainda, como uma ilusão metodológi .
Do contrário, facultar-se-ia à teoria nietzschiana dos afetos a possi ·:
lidade de descrever os complexos instintuais em si mesmos. E, se já
não se trata de declarar o primado da afetividade sobre a esfera da
representação, mantendo às avessas o dualismo corpo/alma, cum-
pre explorar, doravante, as instâncias infraconscientes que a concep-
ção tradicional de vontade insistia em dissimular. Uma das primeiras
aquisições dessa guinada é a descoberta do papel decisório exercid
por um afeto específico junto à pluralidade de quereres e sentimentos
que, segundo o filósofo alemão, perfazem e constituem todo ato ver
litivo. A Nietzsche parece impossível pensar o querer sem pressupo!,
ao mesmo tempo, sua divisão interna. O homem que quer e acredi·
ta deter o comando da volição também é condicionado por algo que.
nele mesmo, tem de obedecer. Na expectativa de que sua vontade
seja levada a cabo, ele apenas se identifica com um determinado ãff
to que nele se tornara atuante e vitorioso, transplantando-se. p11ra
além do emaranhado ínsito a outros processos de subjugação, a
lado desse querer bem-logrado. No homem, à luz de tal orientaçã ,
os_a'.etos e impulsos tenderiam a efetivar-se tanto quanto podeiT1,
e 1b1ndo e ampliando um desejo incontido de vir-a-ser-mais-forte.

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As im. sem ombrear com conhecimentos que visam a encontrar um
última e absoluta explicação para as funções reguladoras do homem,
a •teoria dos afetos" concederá a Nietzsche, outrossim. a possibilida- ' '.J , '
de de descrever determinadas perspectivas morais de avaliação como ~ · r; ·
fÕrmas especificamente humanas de vontade de potência, criadas é
~ ciadas segu.nd-~ condições de existência diferenciáveis umas das J}
õütras. Fruto de um processo de seleção e modelagem de forças ins-
tintuãis. a própria moral deveria ser considerada, sob tal ângulo de ví-
são. como uma,sintómatologia)jos afetos. Não se trata, porém, para
J
Nietzsche, de modelar e cultivar os afetos em prejuízo deles mesmos, ' \
quer dizer, de tornar operatória uma dada tábua de juízos morais ao
preço de um esgotamento da matéria-prima afetiva à base da anima-
lidade humana. Aniquilar os chamados "maus afetos" apenas para
prevenir possíveis arroubos ou injunções imediatas equivaleria, no
fundo, a pagar um preço irracional por um benefício ilusório.
Sobre AFETO, consultar A§ 129; BM § 12, § 19 e§ 187; GM 111 § 15, § 16 e
§ 19; CI "Os 'melhoradores' da humanidade" § 1.

VertambémALMA,AVALIAÇÃO, CORPO, FISIOPSICOLOGIA,fORÇA, IM- .,


PULSO, INSTINTO, MORAL, PSICÕLOGIA, SELEÇÃO, SINTOMA, VONTÀDE
DE POTÊN.CIA. . - - . . .

Bibliografia
MARTON. Scarlett. Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca.
Cadernos Nietzsche, v. 25, p. 53-82, 2009.
SILVA Jr., Ivo da. "Zeichensprache der Affekte": le langage et la morale
chez Nietzsche. ln: DENAT, Céline; WOTLING, Patrick (orgs.). Nietz-
sche. Un art nouveau du discours. Reims: Épure, 2013, p. 159-173.

Fernando R. de Moraes Barros

AFIRMAÇÃO (Bejahung)

Tributária de uma filosofia que não sabe separar o "dizer-sim" do "fa-


zer o não", a noção de afirmação assume, em Nietzsche, um signifi-
cado duplamente diverso, ora indicando um posicionamento teórico-

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l

Afirmaç:m

especulativo específico, ora revelando uma singular dim~nsão antro.


pológico-cultural ou, quando não, um modo pessoal de vida. Enqu,1~
to afirmação de si, o vocábulo distingue-se da asserção do sujeito Ó';
conhecimento, comumente requerida para.assegurar a compleme~
tariedade epistemológica entre mundo e representação. Ainda aco~
trapelo da tradição filosófica, a palavra tampouco representa uma
reafirmação da tese decorrente da negação da antítese, aos moldes
de um reconciliador movimento reflexivo, de sorte que a positivida~
afirmativa não se consuma e nem se deixa transferir, aqui, para a ne.
gatividade ínsita à lógica dialética. Aquele que afirma, nesse registro;
diz e "faz não" a tudo aquilo a que, até então, se disse "sim", mas.
não obstante, é o contrário de um espírito de negação. Relacional.
a afirmação nietzschiana fia-se, no limite. na diferença que constitui
os elementos em interação no pensamento, razão pela qual não se
quer síntese ou resultado de um desenvolvimento alcançado na tra-
jetória regular de uma suspensão dos antagonismos em jogo. Mas é
sobretudo sob o influxo da temática acerca do niilismo - atuante.
em especial, na filosofia da maturidade - que o sentido de afirma-
ção adquire o ápice de sua relevância, descerrando, aos poucos, um
horizonte hermenêutico marcado pela convergência pregnante entre
reflexão e vivência. Ocorre que, com a perda da força eficiente dos
supremos juízos de valor à base das axiologias ocidentais - tipifica-
da pela "morte de Deus"-, a total ausência de sentido para o agir
humano e o caráter trágico-randômico da existência assumem o pri-
meiro plano, impondo, a tudo e a todos, modalidades de valoração
negativas e decadenciais. Visando a ultrapassar tal estado de coisas,
Nietzsche julga possível tornar operatório um antídoto poderoso con-
tra o modo niilista de ser e pensar, mas cuja inoculação pode igual·
mente atingir as raias do insuportável, porquanto diz respeito à afir-
mação da repetição de todas as coisas - inclusive daquilo que não
se desejou e não se afirmou. Porque é fruto de uma atitude interna
de visceral positividade, que não se deixa sucumbir à vingança contra
o irrecuperável passar do tempo e as experiências nele vivenciadas.
a afirmação nietzschiana como que cria, a partir de si, o seu próprio
mundo de celebrações; e, ao consentir acintosa e inventivamente até
mesmo com os aspectos mais árduos do existir toma distância da
afirmação cega e convicta daqueles que se com~razem na obediên--
cia a um "tu deves" heterônomo. Embalado por suas próprias supe-

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Afirmação

rações e transmutações, o "fazer-sim" a que Zaratustra nos exorta é


diferente da afirmação impensada e auto-ofuscante do "espírito de
peso", o qual, na figura do camelo, toma sobre si tudo aquilo que es-
pera valer como inquestionável e verdadeiro desde sempre. E, pelas
mesmas razões, diverge do "1-A" (Ja ["sim"]] mecânica e incessan-
temente balbuciado pelo asno, o qual encarna e eterniza, na quarta
parte de Assim falava Zaratustra, a imagem-sentido da convicção
- representando a perspectiva introduzida por complexos de impul-
sos há muito cristalizados e calcinados pelo hábito irrefletido de ava-
liar o mundo. É também desse tencionamento e comunicabilidade
entre o "dizer-sim" e o "fazer o não" que nasce e cresce, como que
das brasas quase apagadas de uma negação que já se esgotou em
sua própria combustão, uma afirmação de índole pessoal, desonera-
da de seus atributos teóricos e liberada, por assim dizer, para atuar
num contexto vivencial. E, com isso, a afirmação também não deixa
de condensar, em sublime exemplaridade, a atitude requerida pelo
assim chamado amor fati. anuência à vida com tudo aquilo que esta
última possui de temerário, mas também de tonificante. Entranhada
na economia instintual e na dietética vital do próprio filósofo alemão,
aafirmação já não mais designaria, nesse patamar, apenas um ponto
de vista especulativo ou uma justificativa da realidade, mas uma or-
ganização engenhosamente "artística" e inconscientemente "sagaz"
das funções reguladoras do próprio corpo, o qual passa a se interpre-
tar e se afirmar sob a égide de perspectivas deslocadas com vistas à
sua própria vantagem e incremento potencial.

Sobre AFIRMAÇÃO, consultar GC § 27, § 276, § 301 e § 341; ZA 1 "Das três


transmutações"; EH "Assim falava Zaratustra" § 6.

Ver também AMOR FATI, CORPO, CRIAÇÃO, DÉCADENCE, ESPIRITO DE


PESO, INTERPRETAÇÃO, NIILISMO, REDENÇÃO,TRANSVALORAÇÃO DE
TODOS OS VALORES, VIDA, VIVÊNCIA.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Por uma filosofia dionisíaca. ln:- - . Nietzsche. seus


Leitores esuas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O, p. 143-156.

Fernando R. de Moraes Barros

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Além-00-homem

ALÉM-DO-HOMEM (Übennensch)

Com o termo além-do-homem Nietzsct1e bu ca exprimir e ideia de


que o homem é algo que de e ser superado. Noç~o que _ urge em seu
pensamento a partir do conceito de ontade de potência e do Pen.
sarnento do eterno retorno do mesmo, ela é a rc po tél ao problema
da ·morte de Deus· e do avanço do niilismo. Compreendendo o ho.
mem como O resultado de uma constituiÇílO fisiológica decadente Que
durante milênios estabeleceu os valores, Nietzscl1e julgJ Que ades.
alorização de todos os valores decorre da perda de fundamento do
mundo supras ensível como con equência do modo corno o homem
a aliou os alores. o ai m-do-t1ornen1, assim. pelo caráter intrfnse.
co de auto uperação da ontad d '.) potência. é aquele que POde ir
além do n111J mo e de ua po sibil1dade de repetição eterna.
Pela 1mportj nc1 que e ta noção tem ern sua articulação com
outro tema centra, dcl refie ão nietzscl1iana. embora o filósofo já
utiliza e o termo em obra ant nores, somente nas anotações de
188 2 que 1t1e dará contornos precisos para. em seguida, apresentá-
la na ~g,na 1r11c1a1s do rólogo deAssim falava Zaratustra. Équan-
do ntão. logo no primeiro coma to de Zaratustra com os homens, o
prata 0111 ta anuncia que Deus e os deuses estão "mortos", preco-
niza q e o homem é algo que necessita ser superado e que o além-
do-hornem de, e er o ent1do da terra. Já nas anotações de 1883, o
além-do-homem é caractenzado como um tipo que se assemelharia
a um "deus de Epicuro·. Esse tema segue sendo tratado em algumas
pouca ano a ões de 1887: nelas o filósofo almeja que surja uma es-
pécie mais forte, um wtipo superior .. . Mafirmador da vida"' Mdionisfa-
c?·· Do mesmo modo, nessas anotações, ele também avalia que em
diversos momentos da história sempre existiram tipos superiores.
mas que, se_até então eles surgiram ao acaso, a partir de agora de-
v~m ser cultivados. Em consonância com tais reflexões, na Ceneol~
g,a da ~oral ietzsche vê apoleão como uma Msíntese entre inuma-
no e. alem-do-home
. m~ e, em 0 Ant,cnsto.
· . explicita que um tipo su-
penor sempre irrompeu nos mais diversos lugares da terra tipo que.
quando comparado à h ·d . ·
, . umani ade em seu conJunto significaria algo
prox,mo de sua concepção do além-do-homem. .
pensar
Se no ,contexto de mui·tas de suas reflexões Nietzsche parece
O 1
a em-do-homem a partir da vontade de potência. em Ecce
106

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/\lm

Homo ele retorna a relação com o eterno retorno do me rno élO pen
saro além-do-homem pela via do imoralismo. Équondo, cnt, o, .•.
clarece que colocou tal expressão na boca de Zaratustra, o aniquila·
dor da moral, para designar um tipo antagônico aos homens mod r-
nos, aos bons, aos cristãos e a "outros niilistas".

Sobre ALÉM-DO-HOMEM, consultar ZA "Prefácio~ l "Da virtuda quo dá'; li


"Nas ilhas bem-aventuradas"; GM 1 § 16; AC§ 4; EH "Por quo oscrovo tão
bons livros" § 1; FP 3 [1] 385 do outono de 1882; FP 4 [751, [81 ], [941, [121 I o
(1321 de novembro de 1882/fevereiro de 1883; FP 10 (47) de Junho/Julho do
1883; FP 27 [58] do verão/outono de 1884; FP 10 (17] e (47) do outono de 1887;
FP 11 [413] de novembro de 1887/março de 1888.

Ver também DÉCADENCE, DEUS, DIONISIACO, ETERNO RETORNO DO


MESMO, FISIOPSICOLOGIA, HUMANIDADE, IMORALISTA, NIILISMO,TIPO,
TRANSVALORAÇÃO DETODOS OS VALORES, ÚLTIMO HOMEM, VONTADE
DE POTÊNCIA.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Assim falava Zaratustra. A obra ao mesmo tempo
consagrada e renegada. ln: - -. Nietzsche e a Arte de decifrar
Enigmas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 107-134. (Col. Sen-
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos . 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O.
MARTON, Scarlett. A morte de Deus e a transvaloração dos valores. ln:
- -. Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed.
São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 69-84. (Col. Sendas & Veredas)

Luís Rubira

ALMA (See/e)

Vocábulo bastante utilizado por Nietzsche, aparece em duas form~s


mais frequentes em sua obra. Há uma perspectiva mais usual e am- ,
pia, em que alma está ligada aos estados internos, ao caráter, traço?
de personalidade, ou mesmo àquilo que pode identificar culturas,

107

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Alm

povo , ~po cl • orno. por •xcrnplo. o nlrrw ,llcrn,l, íl alm;1<Jo ,1rr,·,1,i


ou ;1 l1l111L1 modcrnJ. O outro . 1 r1t lcJo, e ~urn ' urnn per,;,pcctIv,J rítIq
pois Nictz cl1 ~ ontr11põe-~, ,~ noç o que julca trc1dícionJI, n,1 r,10 ,r;
fia e llil relieiJo, da alma corno al{'o ' cparado cJo corpo, aquilo qy: 1

lt1 dá vida e, ao contrário do caráter LCrnporJI e perecível cJa corrJI).


ralidade, seria eterno e imortal. Critica também éJ ideia cJc almacomri
uma ubstfü1cia, una e indivisível, ou aincJa élSsociJcJa ao pcns,Jrn n-
to, que estaria em contraposiç~o às sensações, afetos e paixões. 0
primeiro caso, Nietzsche adota uma noção de alma ern que anal1S-1
traços de caráter, formas de produção artísticas e todo um ethosa
elas relacionado, e, em Humano, demasiado Humano, nomeia um
capítulo "Da alma dos artistas e escritores". No segundo caso, Nietz.
sche combate o dogmatismo filosófico e religioso porque este conce-
be a alma a partir de uma perspectiva que despreza o corpo e a efe-
tividade. Apesar de a ciência, na modernidade, ter contribuído para
suplantar muitos dogmas atávicos, a crença na alma e nos atributos
que se ligam a ela ainda resistiriam. Não apenas continuaria a exis-
tir, num âmbito filosófico e religioso, a crença na alma como também
em sua imortalidade, eternidade e indivisibilidade. Ou ainda persis-
tiria a ideia de alma como mônada ou átomo. Todavia, diferente do
que ocorre com muitas concepções que combate, Nietzsche não
pretende suprimir a crença na alma, visto que a polissemia do termo
guarda uma riqueza de possibilidades cujo significado está além do
uso dogmático. Por isso, em Assim falava Zaratustra, a alma será
compreendida como uma palavra para designar algo no corpo e, em
Para além de Bem e Mal, enunciam-se novas hipóteses para o con-
ceito, como a de alma mortal, alma como pluralidade de sujeitos ou
alma como estrutura social dos impulsos e afetos. Essas novas hipó-
teses filiam -se à noção de fisiopsicologia; nela, o corpo é uma multi·
plicidade com um só sentido, cujo processo revela como os afetos e
impulsos atuam. Em todo ato da vontade, como o pensar e as múl·
tiplas formas de querer, há uma pluralidade de afetos, tanto de uma
perspectiva afetiva quanto corporal, como é o caso de uma sensa-.
ção muscular. Nietzsche denomina almas esse grupo de afetos que
s~ reúnem e :ão constitulivos dos atos de vontade. Graças a meca·
nrsmos_~róprros da linguagem e da gramática, essa multiplicidade
será unrfic_ada em concepções de alma como substância, espírito ou
eu. Todavia, não se pode falar em unidade, mas em multiplicidade.

108

Digita lizado com CamScanner


Amor l,,rl I

1 ,11 d ronrrp lo da alma como pluralidade de sujeitos ou corno •.,·


11111111 ,1 ~o i;il guardar uma analogía com um sujeito plural ou com
1111,,lo Iildndc composta de vários indivíduos reunidos. Além dis-
!, , l~ndo apenas expressão dos processos corporais. essas muitas
Jlln s seriam mortais. Aqueles traços de personalidade, de caráter,
111e ornpõem um tipo psicológico, expressam esses atos de vonta-
<I (l llC ldcnliíi camos por querer, sentir, pensar, e que são frutos do
0111plexo de aretos que se arranjam no corpo.

Sobro ALMA, consultar NT "Ensaio de autocrítica" § 3 e§ 4; HH ! "Prefácio"


§ 3, § 22, § 45 e§ 152; OS§ 126 e§ 134;A "Prefácio"§ 3 e§ 52; GC § 335 e§ 357;
ZA l "Dos desprezadores do corpo':; BM § 10, § 12, § 19, § 20, § 22, § 45, § 54,
§ 188, § 244 e§ 245; GM "Prefácio"§ 7, Ili§ 9 e§ 25;AC § 15 e§ 38; EH "Porque
sou um destino" § 7 e§ 8; FP 9 [63) do outono de 1887; FP 11 [83) (339) e [3~2)
da novembro de 1887/março 1888; FP 14 [122) da primavera de 1888.

Ver também AFETO, CIÊNCIA, CONCEITO, CULTURA, FISIOPSICOLOGIA,


FORÇA, IMPULSO, INTERPRETAÇÃO, LINGUAGEM, METÁFORA, MO-
DERNIDADE, VIDA.

Bi bl iog rafia
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: A Superação
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.
ITAPARICA, André Luís Mota. Crítica da modernidade e conceito de sub-
jetividade em Nietzsche. ln: MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João
Mayer; CONSTÂNCIO, João. (orgs.). Sujeito, Decadência eArte: Nietz-
sche e a Modernidade. Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 39-60.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Consciência e inconsciente. ln: - -
Extravagóncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed. São
Paulo: Barcarolla, 2009, p. 167-182. (Col. Sendas & Veredas)

Márcio José Silveira Lima

AMOR FATI (Amor fat,1

Por amor fali, antiga expressão latina cujo sentido literal é amor ao
fado (destino) ou amor à fatalidade, Nietzsche compreende o amor

109

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A1t11)/ ftHI

"º o~,,.át/o. Frn '.,UJ'i anot;Jçõc:; ele passa a utilizar a c1.prf;·


f/111 1 , \ ,,,

,.. n 110 e111ono cJr. 1UH 1, nouco depois de ter o pensamento doe~r-
110 retorno elo mesmo. Trata-se, como ele explicitará anos dep01,
un / u.r J(nmo, de uma fórmula para medir~ gr~nd~~ da vonta~
,111rrn,1llvn cJo homr.m, sua capacidade de aqu1escencia incondicional
<ll;Jnl r. ele Lodos as coisas inscritas na ordem do tempo. Ou seja, não
q1Jcrr.r nada de ouLro modo: seja em relação ao passado (amar tudo
, quilo que já ocorreu e que não poderia ter ocorrido de outra manei-
m) ou ,10 futuro (amar tudo o que há de vir), seja em relação à eterni-
cJJdr. (amar o instante, posto que cada momento pode repetir-se de
forma idêntica, o eterno retorno do mesmo).
ÉlmnorL3nLe obseNar que já no primeiro momento em que uti-
liza a expressão, Nietzsche considera o amor foti como um imperati-
vo que ele mesmo define em sua anotação como: amo aquilo que é
necec;sário. Nas obras publicadas, apresenta o amor foti apenas ern
A gala Ciência e em Ecce Homo. Nesses dois momentos separados
nor 1.Jm ínLervalo de seis anos, é de modo diferente que ele se refere
ao amor fali em 1882 e o aborda em 1888.
Em A gaía Cíéncia, quando vem diagnosticar a "morte de Deus"
e anresenLar o nensamento do eterno retorno do mesmo, Nietzsche
inLrocJuz o amor fati na abertura do Livro IV na forma de um pedido
<JianLc <Jo ano que inicia: gostaria de, dali em diante, amar as coisas
lrll como elas se apresentam, sem julgar e abstendo-se de condenar
o que ocorre, desejando ser apenas "alguém que diz Sim!". Já em
Ecce Nomo, ele vincula o amor fati ao pensamento do eterno retorno
cJo rnesmo e considera o amor fatí não como algo que sua vontade
go;it.aría cJe conquistar, mas sim como aquilo que lhe é mais imanen-
W. Fórmula que r:iossui um vínculo estreito com a possibilidade de
rcnr.lição cíclica de todos os acontecimentos, amar o que é neces-
f/lrio irnr>lica , em sua radicalidade, em amar a possibilidade eterna
cJc retorno do próprio niilismo. Concepção que anula as noções de
"cao'.)", "contingência", "liberdade da vontade", "finalidade", oamor
fali é um cJíonisíaco cJizer Sim ao mundo, tal como ele é, sem des-
conto, exceçõo ou seleção .

Sohro AMOR FATI, consultar GC § 276; NW "Epílogo" § 1; EH "Por que sou


tão eáhlo" § 10, "O Caso Wagner" § 4; FP 15 (20) do outono de 1881; FP 16

110

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Anarquismo

1221de dezembro de 1881/janeiro de 1882; FP 25 (500) da primavera de


1884; FP 16 (32) da primavera/verão de 1888; FP 25 (7) de dezembro de
1888/início de 1889.

Ver também AVALIAÇÃO, ETERNO RETORNO DO MESMO, FORÇA, IDEA-


LISMO, MORAL, NECESSIDADE, NIILISMO, REALIDADE,TEMPO,TRANS-
VALORAÇÃO DETODOS OS VALORES, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
AZEREDO. Vânia Dutra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética.
São Paulo, ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: a celebração da vida. ln: SANTOS, Ma-
rio Vitor (org.) . Pensadores. São Paulo: Casa do Saber & Realejo
Livros, 2016, p. 262-279.
RUBIRA, Luís. Nietzsche: do eterno Retorno do mesmo à Transvalora-
ção de todos os Valores . São Paulo: Barcarolla, Discurso, 201 O.
(Col. Sendas & Veredas)

Luís Rubira

ANARQUISMO (Anarchismus)

Nos seus escritos, Nietzsche remete a noção de anarquismo ao con-


texto fisiopsicológico, nele subsumindo a acepção política. Ele con-
sidera que um organismo pode ter uma organização interna bem-
sucedida, o que caracterizaria uma vida ascendente. Neste caso. ha-
veria uma hierarquia das partes; umas se submeteriam a outras, de
modo que a luta que se estabelece entre elas não seria nunca uma
competição fraticida , mas, ao contrário, um princípio de hierarqui-
zação a partir de um instinto dominante. No entanto, um organis-
mo pode ter uma organização interna deficiente, caracterizando-se
por uma via declinante. Neste caso, haveria uma anarquia das suas
partes, a ausência de um instinto que comanda, acarretando adis-
solução do organismo. Nietzsche toma como exemplo de organis-
mo em declínio a figura de Sócrates, que, em sua degenerescência,
acompanhava o declínio da antiga Atenas. Mais ainda, atrela odes-

111

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l

Animal do robonho

tino da cidade grega ao anarquismo instintual que impera entre 0•


atenienses, ligando, nesta perspectiva, àquilo que compreende 00;
anarquismo no viés político do termo: o anarquista, como o cristAo
ressente-se frente a qualquer organismo bem logrado, como urn~
organização social. Contra este estado de desorganização que P<XJe
levar à dissolução de um organismo, inclusive o social, ele contraPõe
a hierarquia dos instintos como forma de impedir a anarquia. Eis as
razões que levam o filósofo a considerar a aristocracia peça funda-
mental em toda formação sócio-política bem lograda.
Sobre ANARQUISMO, consultar BM § 258; GM Ili§ 15; CI "O problema de
Sócrates" § 4 e§ 9 e "Incursões de um extemporâneo" § 34.

Ver também ARISTOCRACIA, DÉCADENCE, FISIOPSICOLOGIA, HIERAR.


OUIA, INSTINTO, ORGANISMO, SOCRATISMO, VONTADE DE POTÊNCIA

Bibliografia
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: a Superação
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.
MARTON, Scarlett. Modernidade e Décadence: Wagner e a cultura filis-
teia. ln: MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João Mayer; CONS-
TÂNCIO, João (orgs.). Sujeito, Décadence e Arte: Nietzsche ea
Modernidade. Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 199-225.
SILVA Jr., Ivo da. Em Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultu-
ra alemã. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2007. (Col. Sendas &
Veredas)

Ivo da Silva Jr.

ANIMAL DE REBANHO (Heerdenthier)

Nietz~che desenvolve uma interpretação do homem moral enquan-


to animal de rebanho nos fragmentos póstumos de 1884 e 1885,
antes de defender publicamente essa concepção em Para além de
Bem e Mal ( 1886) t d
. , no a amente no§ 202. Assistimos assim uma
verdadeira zoologiza çao
- da moral, especialmente
. · prevalece
tal como ·

112

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i.1 J_ if , 1 11 íl Ili r, rquicas <!lltl(' m, if1(livích10~.: ~1ir1i11', cfr.•,o !/10
1\ ,1! ri tl ~) dil omprii ão Píll d COIII 10(10., (b !,Ofr irnelllO', (! il r< !iVlrt
" 1 um i ualdade dos direitos político•,. Nit!l/'1< t11: JX! r1 1;d qu,:
111. d e modo, de promovtir 11111 tx~m (!Slíir Er tfi/11io ,io dtir1rio
11 d que inspirJm os indivíduos fort e . -,s porqu , <!IC or))e o tio
1 r 1-,rnimal de rebanho ao llorn -1111-;mirnal ele rí1pir1, . por ex1!rnplo
l 3 da primeira dissertação de Genealogia cJu Moral, oncJ•o icJ1al
·11 mern do ressentimento" é assimilJdo no (l I ovclt1a qu . tcriarn
rancor das aves de rapina. Emborn Nielzsct1 n, tome P<ru,lo cJe
m do incondicional pela rapina, ele certamente omb<te a cJinfüri i
t1istórica que levou à dominação do l1ornem de rcbanl10.
O§ 24 2 de Para além de Bem e Malfaz urnJ ob crvJç o ' _ n-
cial nessa perspectiva. As condições culturais que criam um llorncrn d 1

rebanl10, obediente e laborioso, também favorecem íl emergência d '


t1omens excepcionais capazes de comandar as massa crcEJn ·. . Poi
'ietzsche está ciente de que um rebanho (cspccialrncntc um rcb nt10
selvagem) não é um grupo inteiramente homogêneo e indiferenciado:
o fragmento 25 [99] da primavera de 188', chama a atenção para a
existência de "bois de frente" ou "bois de guia" (Vor-Ochsen). que vi-
vem afastados do rebanho, por serem aptos para crifrenlar um t1ori-
zonte desconl1ecido. Esses bois de guia cxi tirão ieualmcnte n Europa
democrática. Nesse sentido, a estratégia político-cultural de Nictzsct1
não consiste em fazer tábula rasa do homem de reharit,o, rnas sim cm
usá-lo a serviço de uma transformação aristocrática. Isso exig rej i-
tar. antes de mais nada, a ideia anarquista de um reban/Jo autônomo,
como se vê no§ 202 de Para além ele Bem e Mal.

11

Digitalizado com CamScanner


.. r ,.\ 'IMAL DE REBANHO, consultar GC 1352; BM 162, 1199, 120~
§ 1 e§ 242; GM 1§ 13; CI "Incursões de um e ternporâneo" 138; FP25
~" a primavera de 1884; FP 261449) do verão/outono de 1884; 3412~1
ri ~'ju ho de 1885; FP 36 (13) de junho/julho de 1885.

Ver também ARISTOCRACIA, COMPAIXÃO, CRISTIANISMO, CULTIVO,


DE tOCRAClA, FORTE, HIERARQUIA, HUMANIDADE, MODERNIDADE,
R~L. REALISMO, RESSENTIMENTO.

Bibliografia
i\ i\RT N. x arlett. i t eh . das Forças cósmicas aos Valores hum0.
n s. 3ª ed . B0 10 Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulos 111 e IV.

Emmanuel Salanskis

ANTISSEMITISMO (Antisemitismus)

Convém ressaltar, desde logo, que Nietzsche desprezava o antisse-


mitismo, empenhando-se, outrossim, em expor ao vexame aqueles
que dele se queriam partidários. E, de fato, poucos foram os influen-
tes antissemitas que saíram incólumes de suas apreciações condena-
tórias. Não apenas Ernst Renane Eugen Dühring, mas também, eso-
bretudo, Theodor Fritsch, membro do parlamento pelo Deutschv6/xi-
schen Freiheitspartei (Partido da liberdade do povo alemão). editor
da Correspondência antissemita, do periódico Hammer (Martelo) e
autor do Catecismo dos antissemitas; e, é claro, Bernhard Fõrster,
cunhado, fervoroso colonizador antissemita, cujas ideias eram por ele
desprezadas. A questão - sendo esta a principal fonte das infelizes
apropriações- é que justamente a maioria dos sentimentos imputa·
dos aos antissemitas - tais como, por exemplo, inveja e medo -é
usada, noutro horizonte hermenêutico, para descrever o estratage·
ma fnsito àquilo que o autor de Genealogia da Moral descreve como
sublevação dos "fracos" na história da moral. caracterizada pela ne·
gação e inversão da perspectiva de avaliação do assim chamado tipo
"fort_
e". Um olhar mais atento, porém, capaz de levar em conta 0
movimento integral da argumentação contida em tais escritos, reve·

114

Digit alizado com CamScanner


1l1 qu som nte à primeira vista tais aproximações poderiam assumir
umJ ac PÇdO eivada de preconceitos e prejuízos. Aves o à impo,. •
tura intelectual e às artimanhas ideológicas, o genealogista da mo-
ral desdenha precisamente os antissemitas, por ele descritos como
·I1omens cristãos e arianos de bem". Da mesma maneira, sua aná-
lise acerca da identidade nacional de Israel - cuja historiografia se
fia de fio a pavio, diga-se de passagem, nos Prolegômenos à história
de Israel, de Julius Wellhausen - só raz sentido quando associada à
elegia em enaltecimento ao período pujante e glorificador do reina-
do hebreu, ·na época dos reis". Jaweh então era tido em alta conta,
porque figurava como imagem-sentido de uma concreção antropoló-
gico-cultural bem resolvida em termos de suas superações, espelhan-
do e ampliando o sentimento de potência tonificante - que, por run-
ção, mantinha urdido um tecido social confiante em si mesmo. Como
atributo divinizado de nacionalidade, o Deus da justiça era também o
Deus da agricultura e expressava, como símbolo de condições gerais
de existência, a auto-afirmação de uma comunidade que se superou.
Assim, considerada na totalidade dos escritos nietzschianos, a contri-
buição hebraica para a cultura europeia vem à tona numa chave de
intensiva riqueza e prodigalidade.

Sobre ANTISSEMITISMO, consultar BM § 250; GM Ili § 26; AC § 25; FP 7


(67) do final de 1886/primavera de 1887; FP 23 (9) de outubro de 1888.

Ver também AFIRMAÇÃO, CRISTIANISMO, FORTE, JUDAiSMO, MORAL,


MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, RELIGIÃO,TIPO.

Bibliografia
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Nietzsche contra Darwin. 2ª ed. amplia-
da e revista. São Paulo: Loyola, 2014. (Col. Sendas & Veredas)

Fernando R. de Moraes Barros

APARÊNCIA (Schein)

Ao longo de sua obra, Nietzsche assume posturas distintas em relação 1

ao termo aparência, pois diferente da avaliação crítica a que está su-

115

Digitalizado com CamScanner


je1ta nas obras tardias, ela tem um caráter positivo em O Nascimentc
da Tragédia. 'essa obra, o filósofo defende uma metafísic~ de aniQa
em que aparência se contrapõe a essência, numa perspectiva estétl(a
que importa sobretudo uma investigação sobre as artes. ldentiHca
do aparência com o fenômeno, numa apropriação de Schopenhauer.
Nietzsche afirma que a realidade empírica é apenas uma represen-
tação fenoménica de uma essência, o véu de Maia que esconde urna
realidade em si. Na cisão entre mundo verdadeiro e mundo aparente,
essa realidade em si é o Uno-Primordial. o verdadeiramente existen-
te, que é encoberto pelas aparências fenoménicas. Há, ainda, um ca-
ráter teleológico nas aparências, pois são criadas pelo ser verdadeiro
para seu alívio, em uma busca por transfiguração e redenção da de<
que lhe são intrínsecas. Portanto, o mundo empírico é uma aparência
com a qual se reconforta o Uno-Primordial. Essa visão metafísica é a
base da ciência estética elaborada por Nietzsche. e o filósofo encon-
tra na mitologia grega o mais alto simbolismo para expressar a efe-
tividade e sua relação com a aparência. Como o mundo fenoménico
está sujeito ao princípio de razão suficiente, à causalidade, às repre-
sentações espaço-temporais, a simbologia contida no mito de Apolo
é utilizada como sendo uma outra forma desse processo. Nesse as-
pecto, a sabedoria mítica do apolíneo e sua relação com a arte divina-
tória leva Nietzsche a conceber os sonhos como o elemento principal
a unir sua concepção da efetividade em sua manifestação fenomênica
e aparente. Da mesma forma como a realidade empírica é a aparên-
cia de um mundo em si. os sonhos são a aparência da realidade em-
pírica. Igual à embriaguez. que é o elemento dionisíaco que suprime
o princípio de individuação e faz o homem esquecer-se de si próprio
para entrar numa comunhão extática com o mundo em si, o sonho é
a maneira como, por meio do impulso apolíneo, o homem entra em
contato com uma aparência redentora, que. tal qual a embriaguez. é
um modo de transfiguração da dor e do sofrimento.
Ao abandonar a metafísica de artista que orientou seu primei-
ro livro, Nietzsche adota uma crítica radical à metafísica, denuncian-
do-a por sua tendência a criar cisões, como a divisão entre essência
e,, ap~rência. Em A gaia Ciência, continua a considerar que a apa-
ren_ cia faz parte daquilo tudo que atua e vive e isso é indispensável
à vida. como ocorre quando o homem sonha. Trata-se, em suma.

11(3

Digita lizado com Ca mSca nner


AparOncia

de saber que direção se impõe à ~ontade de aparência como recur-


so da própria vontade de potência. No entanto, Nietzsche rechaça
que essa aparência possa ser contraposta a uma essência, pois essa
seria uma forma de pensar baseada em dicotomias e sedimentadas
na linguagem. Apenas a ambição dos metafísicos explicaria a manu-
tenção dessas dicotomias, pois neles operaria ainda uma vontade de
verdade que valoriza mais a certeza e a verdade do que a aparência .
Seria ainda uma ambição metafísica de manter um posto perdido, de
não deixar sucumbir uma crença que remonta à filosofia platônica.
ora, se a vida é vontade de potência, a valoração dessa efetividade
fez surgir a oposição entre, de uma lado, realidade, e, de outro, apa-
rência. Nesse sentido, categorias como ser e verdade foram conce-
bidas...a partir da negação do mundo efetivo. Na concepção metafí-
sica do mundo, quanto mais evanescente for uma coisa, maior será
seu valor. De acordo com esse procedimento, Platão conferiu valor
de realidade àquilo que não conta com o testemunho dos sentidos e
desprezou o mundo empírico como sendo aparente.
~Em Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche argumenta que os moti-
vos que levaram a interpretar este mundo como aparência justificam
sua realidade. Em contrapartida, as características dadas ao ser ver-
dadeiro são as do não-ser e as do nada - assim se construiu o mun-
do verdadeiro por meio da contradição ao mundo efetivo da vontade
de potência. Por isso, às teses em que a aparência está submetida
a contraposições como certeza, verdade, essência, corresponde a
afirmação de que, ao abolirmos o mundo verdadeiro, abolimos tam-
bém o mundo aparente. Essa oposição, surgida na esfera dos valo-
res e que ganha importância decisiva no âmbito metafísico, encon-
tra justamente no fetichismo da linguagem as condições para sua
cristalização. Para isso são necessários três pressupostos: aplicação
da noção de causalidade; unificar por meio de signos linguísticos a
multiplicidade própria do mundo; expor esses signos por meio de
oposições. O primeiro mostra que a crença na causalidade da von-
tade converte-se numa crença no "eu" como substância, que depois
será transposta para a ideia de ser; o segundo explica como se con-
fere unidade à multiplicidade das coisas da experiência; a terceira
mostra que o conceito de ser, formulado graças às duas tendências
anteriores, é pensado em oposição ao conceito de aparência. Abo-

117

Digita lizado com CamScanner


lir. rtJnto. o concei to de mundo verdadeiro implica dcnunc,ar ~-.~
metafísica da linguagem. Por isso não faz sentido permanecer ;Jrr(~,
tando em um dos polos da oposição. Abolindo o mundo verdarJ,:ir,,.
abole-se também o mundo aparente.
Sobre APARÊNCIA consultar NT "Ensaio de autocrítica"§ 5, NT § 1, § 4, ts
§ 11, § 12, § 15, §21, §22e §24;VD § 1-§4; ST § 1; FT §6, § 10, § 13, § 14et1s'.
VM § 1 e § 2; GC § 54, § 58, § 99, § 335 e § 354; BM § 3, § 10, § 34, § 36 e§ i-:,;
GM Ili§ 28; CI "A razão da filosofia"§ 3 e 6, "Como o mundo verdadeiroaca'.
bou por se tornar em fábula"; FP 19 [148] do verão de 1872/início de 1873;
FP40 (53) de agosto/setembro de 1885; FP 14 (18] da primavera de 1888;Fp
17 (3) de maio(junho de 1888.

Ver também APOLINEO, ARTE, CAUSALIDADE, DIONISÍACO, METAFÍSICA,


REALIDADE, REDENÇÃO,TRÁGICO, VERDADE, VIDA, VONTADE DE PO°rtN-
CIA, VONTADE DE VERDADE.

Bibliografia

AZEREDO. Vânia Outra de. EI Nacimento de la Tragedia en ietzsche. Uto-


pía y Praxis Latinoamericana, v. 14, n. 4 7, p. 115-126, 2009.
LIMA. Márcio José Silveira. As Máscaras de Dioniso: Filosofia e Trogéd.'a
em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso. Unijuí, 2006. (Col. Sendas
& Veredas)

Márcio José Silveira Lima

APOLÍNEO (Apollinisch)

Embora seja um conceito importante na filosofia de Nietzsche. o


apolíneo está quase completamente circunscrito aos textos de juven-
~ude. aqueles datados até 1873. Em O Nascimento da Tragédia. o
impulso apolíneo mantém uma relação indissociável com o dionisí-
aco. Nietz_
sc~e elabora na obra uma ciência estética em que o jogo
desse~ ?ois impulsos são expostos. O apolíneo é tanto um impulso
metafisico quanto fisiológico, pois revela a forma como o mundoé
ao mesmo tempo em que é uma manifestação natural, no homem.
desse aspecto do mundo. Esse impulso cósmico-natural e f1s1oló-

11a

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LI r• re .
1, # do_ a.a.
· deu da .tra-
n und da re se a à . e sas
stã , , me i as a temp . e, ço, causa i a e e a
ir ivi u à . Na relaçà entre o di nisíaco e o a t;e se
x ressa , mund metafísico também se stra a , -
n a a, p is a embriaguez é a rma como o e se es e e e ,
e tem uma e 'periência do em si, enquanto o sonho re rod as be-
las ~ rn,as. Embriaguez e sonho, p r sua vez, mani es ar-se-ã as
~ mias artísticas. Porque a essência do mundo é d r e co radiçâo.
as aparências são o meio pelo qual essa mesma essê eia. o 'e a-
deiramente existente e no-Primordial Utohrhaft-Seiende nd r-
Einel. procura alívio para seu sofrimento. buscando a rede çã a
visão extasiante da aparência prazerosa. Por isso Nietzsc e re li-
ca a versão do mito de Apolo. segundo a qual ele é uma divi a e
resplandecente [der Scheinende]. o deus solar da luz que domina a
bela aparência e a ham1onia. Aí também se apro, ima da filosofia de
Schopenhauer. afirmando que. em alemão, os atributos dos deuses
se traduzem na expressão "o que aparece· (der Erscheinende). pró-
xima. portanto, de fenômeno ou aparência (Erscheinung). tal como
ocorre em O Mundo como Vontade e Representação. Essa aparência
redentora encontra sua mais bem-acabada expressão no mundo da
arte. Se o próprio ser busca sua redenção no mundo da aparência e
esta também se manifesta no homem por meio do sonho. as artes
apolíneas são uma expressão desse processo. Há, pois, as artes dio-
nisíacas que simbolizam o impulso do deus báquico; há, igualmente,
as artes apolíneas que simbolizam o impulso do deus solar. As artes
plásticas, como a escultura e a arquitetura. e uma parte da poesia, a
épica, seriam apolíneas. Nietzsche considera que o desen olvimento
da arte e da mitologia gregas são o testemunho do jogo entre o dio-
nisíaco e o apolíneo. A mitologia homérica seria a vitória sobre o as-

119

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elo bt rb rodo impulso dionisíaco. Da perspectiva étiGl, N1 •ti
onsidera que os preceitos apolíneos do "conheça-te a ti rn Jmo-
• nada em demasia" revelam a prescriç_ ão d~ m~t~, cuja ~Pi nc,J
bu ca manter o homem preso ao princípio de 1nd1v1duaçt\o, im n
do-llle uma busca para que conheça seus limites e os observe p ,
que não seja levado a uma transgressão destruidora, perigo iminen.
te para aquele que está sob o efeito do impulso dionisíaco. APós 0
periodo inicial de sua obra, Nietzsche praticamente não tratará ma:s
do apolfneo. Num texto de 1876 volta à questão, assim como em 11•
vros e em poucos fragmentos da década de 1880, sempre em oco,.
r-ências escassas. Aí, traz apenas comentários às doutrinas que fo-
ram importantes em sua primeira obra.
SobreAPOLINEO consultar NT § 1, § 3-§ 6, § 8, § 9, § 12, § 16, § 19 e§ 21-125;
VD § 1, § 2 e§ 3; ST § 1; CI "Incursões de um extemporâneo" § 10 e§ 11; EH
"O Nascimento daTragédia" § 1; FP 2 (110) do outono de 1885/outonode
1886; FP 14 (14), (36) e (46) da primavera de 1888.

Ver também ARTE, DIONISIACO, ÉTICA, IMPULSO, TRÁGICO.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Dutra de. EI Nacimento de la Tragedia en Nietzsche. Uto-


pfa y Praxis Latinoamericana, v. 14, n. 47, p. 115-126, 2009.
LIMA, Márcio José Silveira. As Máscaras de Dioniso: Filosofia e Tra-
gédia em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2006. (Col.
Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. O Nascimento da Tragédia. Da superação dos opos-
tos à filosofia dos antagonismos. ln:--. Nietzsche e a Arte d~
decifrar Enigmas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 17-32. (Col.
Sendas & Veredas)

Márcio José Silveira Urna

ARISTOCRACIA (Aristokratie)

A postura característica da aristocracia, segundo Nietzsche, é or<7·


lhos da distância. As diferenças inegáveis entre os seres tiuninn ,

120

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Art5tocrac,

desse modo, cristalizaram-se em culturas e sociedades aristocráticas.


Os valores da moral dos senhores expressam as formas e condições
de vida da nobreza, sua prerrogativa de legislar. Com isso, evidencia-
se o aspecto antidemocrático dessa concepção de aristocracia, à me-
dida que a escravidão foi considerada necessária para a elevação do
tipo homem. Sendo minoria, a aristocracia teria privilégios a serem
sustentados pela maioria dos inferiores em relação a ela. A prerroga-
tiva de comandar, própria das aristocracias "sadias", seria justificada
a partir da "lei fundamental da vida", malgrado a instrumentação de
outros seres humanos. A tirania e a escravidão não se referem apenas
ao pathos da distância no interior da alma do homem nobre, mas di-
zem respeito também à distância enorme entre as classes sociais. Éa
concepção dinâmica de efetividade, a vontade de potência, que per-
mite a Nietzsche ressaltar a arte de dominar presente na moral aristo-
crática; os valores dessa moral emergiriam da vida ascendente. Nesse
sentido, a aristocracia do espírito é contraposta às tendências iguali-
t.aristas e niveladoras modernas, como a democracia. Os nobres glo-
rificam em si, por si e para si mesmos seus impulsos e estados aními-
cos superiores. O egoísmo do nobre teria sua realização nas nobrezas
históricas e na nobreza futura, na qual a liberdade, a responsabilidade
e os deveres decorrentes de sua posição hierárquica seriam conquis-
tados duramente através de longa disciplina e coerção. _
As sociedades e castas aristocráticas foram as primeiras a criar
valores "morais", segundo os quais "bom" equivalia a nobre, pode-
roso, guerreiro. Éo caso da aristocracia grega, dos heróis homéricos,
das nobrezas viking, japonesa e romana. Também na Renascença ita-
liana e na França dos séculos XVII e XVIII Nietzsche encontra mode-
los de culturas aristocráticas. Em todas essas exemplificações histó-
ricas há um "sentimento soberano de distinção", em contraposição à
marcha decadencial do movimento democrático. Com o declínio das
aristocracias, apenas em alguns indivíduos isolados, como Napoleão,
o ideal nobre reaparece, e logo perece . A questão que importa para
Nietzsche é a da construção de uma nova aristocracia. A educação
e a formação de novos hábitos, de novas maneiras de pensar, sen-
tir e avaliar pressupõem o acúmulo de forças em várias gerações.
Nesse sentido, é decisiva a hierarquia entre os tipos forte e fraco de
homem. A nova nobreza, anunciada já por Zaratustra, caracteriza-

121

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l

se .., 5 •a :-i s.
e se co a · m às virtu
i ·ã . A hierarquia inc1d ..,.,,,
t,.
,.1
s e s. so e o problema do ho ~~
u. ereia · s_. ?e~
~e as qua_is o no~re lena P•• :
es iri uai qua o fis1 1 _g,ca. A a~s ocrac,a do tu ro
e 5 as n 'as virt des e caracterls cas própnas, é quem P<XL ·
esta :ecer O q e é m ou ruim. enfim , novos valores que brota"'
da · a ascen ente. Diante da a_ mea~a da decadência do homem. es
novos nobres, distintos entre sr. tenam a grande responsabihdacti1
de assumir o futuro criador do homem a partir de si mesmos. Es;
é o caráter indefinido e promissor das tarefas de cultivar o si mes
superior e de estabelecer uma nova hierarquia entre os homens a
partir da própria época que negava a nobreza.

Sobre ARISTOCRACIA, consultar HH 1§ 243; ZA Ili "Das velhas e novas là-


buas" § 11; BM § 257, § 259, § 260 e§ 262; GM 1§ 2, § 7-§ 11, § 16 e§ 19.

Ver também CRIAÇÃO, CULTIVO, EDUCAÇÃO, FORTE, HIERAAOUIA,HO-


MEM SUPERIOR, MORAL, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS
'
PATHOS DA DISTÂNCIA, VALOR, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

ARALDI. Clademir Luís. Die Vergeistigung der Passion: Nietzsches ein-


zigartige "Moralisierung" der Triebe. ln: DENAT. Céline; WOTLING.
Patrick (orgs.J. Les hétérodoxies de Nietzsche. Lectures du Crépus-
cule des idoles. Reims: Épure, 2014, p. 225-240.
SILVA Jr., Ivo da. Em Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultu-
ra alemã. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2007. (Cal. Sendas(')
Veredas)

Clademir Araldi

ARTE (Kunst)

A a~e é_um dos temas mais presentes na obra de Nietzsche. e a irn·


porta_ncia dela para a vida será objeto de reflexão constante. Em O
Nasomentoda Tragédia, essa importância do papel da arte revela-se

122

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Arto

nJ rorma como o filósofo se apropria de muitas concepções de auto-


res alt1eios. sejam elas de ordem ontológica, epistemológica, mitoló-
gica. filológica, histórica. unificando-as em sua metafísica de artista.
o fio condutor do escrito é a interpretação da história, da cultura. do
pensamento e da filosofia desde os gregos até o século XIX. Nietz-
sche interpreta a cultura grega trágica como a mais elevada, aquele
momento histórico que viu surgir as obras de Homero e depois as de
Ésquilo e Sófocles. Mas, nessa interpretação histórica, não há apenas
a apresentação e defesa dos autores trágicos; há, também, uma ex-
posição de como essa cultura foi engendrada. Trata-se de um estudo
em que são articuladas várias e possíveis etapas histórico-artísticas
que tornaram possível o nascimento da tragédia. Para isso, Nietzsche
considera todo o mundo da arte grega e o papel de cada linguagem
artística, como a música. a poesia lírica e a épica, a arquitetura. a
dança, a canção popular, o mito, o teatro. Éimportante destacar que
essa visão da arte, no livro, está indissociavelmente ligada ao dioni-
síaco e ao apolíneo, pois Nietzsche considera cada linguagem artís-
tica como uma manifestação de cada um desses impulsos. Assim.
ou a arte está ligada à embriaguez ou ao sonho e à figuração. Daí a
música e a poesia épica, expressões respectivas de cada um desses
estados, terem sido decisivas para o nascimento da tragédia, e por
isso mesmo receberem de Nietzsche um lugar de destaque na ciência
estética de sua obra inaugural. Se o apogeu da cultura grega se deu
com a tragédia, o filósofo considera que a decadência teve como cau-
sa a influência de Sócrates. o qual, amparado em uma concepção de
razão, teria extirpado as condições vitais para a existência da tragé-
dia. Por outro lado, Nietzsche considera que a cultura socrática esta-
ria chegando ao fim, graças à crítica da razão efetuada por Kant, que
poderia abrir o caminho para uma nova cultura trágica, projeto que se-
ria realizado graças a uma nova era para a arte. Em Richard Wagner.
Nietzsche encontra o artista que irá realizar essa meta, graças à reto-
mada da tragédia como obra de arte total. No entanto, o rompimen-
to com Wagner faz com que Nietzsche se afaste de suas concepções
iniciais sobre a arte. levando-o a adotar. a partir de Humano, dema-
siado Humano, uma postura de confiança na ciência. Ela seria capaz
de livrar os homens de suas superstições, dogmas e das crenças me-
tafísicas e religiosas. Já nas obras de maturidade. Nietzsche adota

123

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1
Arte

outra ez uma atitude positiva em relação ao papel da arte. toaa-.


- . . 1
nao mais ocupando um lugar de destaque em seu mais amb· ry . 1,

projeto: o de transvaloração de todos os valores. Como escrever,


prefácio que acrescenta a O Nascimento da Tragédia. um dosOb;~· ~
os desse escrito foi ver a ciência com a óptica do artista, mas aart.;
com a da vida. Na interpretação que faz de seu primeiro livro, N.etz:
sche quer retirar os pressupostos metafísicos a fim de recuperar Oas.
pecto afirmativo da obra. Nesse sentido, a arte continuará a ser ur-
modelo, na medida em que artistas e obras podem servir de exem~,
para sua filosofia. Muitos artistas serão essenciais para o pensame :~
nietzschiano, como Stendhal, Dostoiévski, Bizet, Beethoven. Wag ,
continuará sempre como interlocutor privilegiado, independente
lugar que ocupa na obra de Nietzsche.
Sobre ARTE consultar NT "Ensaio de autocrítica" § 1-§ 7, § 1-§ 8; CP "A
disputa de Homero"; HH 1"Prefácio" § 1, § 10, § 27, § 31, § 108, § 147, § 150,
§ 153, § 159, § 212, § 221, § 222 e§ 276; GC § 80 e§ 107; BM § 240, § 245e
§ 256; GM Ili§ 6 e§ 25; CI "Incursões de um extemporâneo"§ 8, § 11, §20e
§ 24; EH "Por que escrevo livros tão bons" § 4 e "Assim falava Zaratustra·
§ 3; FP 11 (4151 de novembro de 1887/março de 1888; FP 14 [11, [14), [18]e
[25) da primavera de 1888.

Ver também APOLINEO, CIÊNCIA, CULTURA, DIONISÍACO, FILOSOFIA,


LINGUAGEM, MÚSICA, RAZÃO, TRÁGICO, TRANSVALORAÇÃO DETO-
DOS OS VALORES, VIDA.

Bibliografia

LIMA. Márcio José Silveira. As Máscaras de Dioniso: Filosofia e Tragé-


dia em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2006. (Col. Sen-
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Ideias em cena: Filosofia e arte. ln: AZEREDO. Wr
nia Dutra de (org.). Encontros Nietzsche. ljuí: Editora Unijuí, 2003.
p, 21-30.
RUBIRA, Luís. Do valor dos valores à fisiologia da arte: pressupostos
para a compreensão de O caso Wagner e Nietzsche contra Wag·
ner. Dissertatio, v. 38, p. 134-1 49 , 2013 _

Márcio José Silveira Lin1J

124

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A e t, mo

ASCETISMO (Ascet/smus)

N ntender de ietzsche, o ascetismo pode se manifestar em varias


reli iões como o budismo e o cristianismo, mas também estaria pre-
sente em determinadas filosofias como na de Sócrates e na de Platão.
De uma maneira geral, essas ·tradições ascéticas" se caracterizariam
por assumirem um pressuposto dualista, segundo o qual o homem
seria um composto de duas partes, a saber, um elemento de nature-
za corpórea e outro de natureza espiritual. O elemento espiritual, ge-
ralmente entendido como uma substância imortal, seria o verdadeiro
princípio que definiria o homem enquanto tal e, por isso, deveria ser
mais valorizado e cuidado do que o corpo. A relação entre o corpo e
o elemento espiritual seria, contudo, de antagonismo, pois cada um
destes teria exigências distintas que, na maioria das vezes, impulsiona-
riam a ação humana em direções opostas. Nesse contexto, o corpo é,
portanto. compreendido como uma espécie de adversário para o de-
senvolvimento espiritual. O elemento espiritual, entretanto. seria con-
cebido como uma espécie de centro diretivo do composto humano e.
por essa razão, teria a prerrogativa e o dever de controlar e, por vezes,
mortificar o corpo. Ora, é justamente esse tipo de raciocínio que, no
contexto do ascetismo, dá sentido e legitima o exercício de práticas
severas que visam à elevação do âmbito espiritual por meio da nega-
ção do corpo. No Cristianismo, por exemplo, a mortificação do corpo é
incentivada, pois esta atitude constituir-se-ia como uma das maneiras
de se conquistar a redenção no além-mundo. No que diz respeito ao
ascetismo filosófico, o Fédon de Platão é paradigmático, uma vez que,
nesse diálogo, o pensador grego recomenda que o verdadeiro filó-
sofo deve almejar o abandono do corpo, pois, só assim, poderia rea-
lizar tranquilamente o exercício filosófico. Ora, no entender de Nietz-
sche, promover a negação do corpo seria promover a negação da
própria vida, pois não haveria vida além do corpo. Nesse sentido, o
tormento do corpo difundido pelas doutrinas ascéticas consiste num
procedimento niilista que estimula a décadence. Enfim, o ascetismo
seria fruto de um tipo de vida degenerada que almeja o fim .
Nietzsche também entende o ascetismo como uma espécie de
estratagema que serve para promover a preservação da vida déca-
dente. O filósofo defende que o ascetismo tem sido difundido na his-

125

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Ase tismo

tória da humanidade por llom n. qu ', tl ir • 'r 'm (/ n 1


almejam o poder: esses eriam o 1C )rd t ". ~: 11 . \ trc.1
propagação de sua doutrina - isto , de id i~ ' LI'
do corpo conduz à elevação espiritu t1 I - , o ~:i r t ' li
o poder de promover a preservação da ida d) qu m t, a J
de sofrer nesta vida terrena. Em outras palavr,J , JO ctIr um
ao sofrimento, o sacerdote ascético conser a a ida d aa' l
quista o domínio sobre um rebanl10 de malogrJcio .
No que diz respeito ao caso especifico do ase ti rn ri lJo.
Nietzsche afirma que esse ascetismo consiste numa man ira d d r
sentido ao sofrimento impingido contra si. Segundo ele, o cri tiani 0
prega que a existência terrena estaria pem,eada por culpa e pe o.
Nesse contexto, o sofrimento ganha o significado de castigo, i toé.
o sofrimento passa a ser entendido como uma fonna de pagamento
pela culpa e pelo pecado que transpassa a vida terrena. Portanto. é
pagando com sofrimento que o pecador poderia redimir sua culpa e.
com isso, ganhar a salvação eterna. Dentro dessa lógica , as práticas
austeras que impingem dor ao próprio corpo aparecem corno meio
eficaz de purgar essa culpa original. É nesse sentido que o ascetis-
mo cristão teria cumprido a função de oferecer um significado ao so-
frimento imposto contra si próprio. Ou seja, o ascetismo propagado
pelo cristianismo teria ensinado que "fazer sofrer a si próprio" conduz
à elevação espiritual e à redenção. Portanto, o ascetismo cristão não
teria apenas promovido uma atitude de resignação frente ao sofrimen-
to; ele teria mesmo incentivado a prática do automartírio.
No contexto da filosofia nietzschiana, o ascetismo é compreen-
dido ainda como uma espécie de mecanismo redirecionador do res-
sentimento. Para o filósofo, todo sofredor sempre busca um culpJd
para o seu sofrimento. Isso porque o encontro com esse culpado pod~
ensejar o revide do sofredor. No entender de Nietzsct1e, o revide pro-
duz no sofredor uma espécie de alívio pela dor sofrida, pois a aç,10
de causar dor em outrem provocaria um entorpecimento que teriao
poder de mitigar a dor do sofredor. Em outras palavras, descarregJr
a agressividade seria um remédio para o sofrimento. Segundo Nietz·
sche, o sacerdote ascético toma para si a tarefa de encontrar o culp.1·
do pelo sofrimento de um tipo específico de sofredor, a saber, o dt.

126

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At r,mo

: ; 1t. \ tt,\\ l': tt n t '- d UlfÃl 'Cil ti o. o ziccrdotc asc~tico


t 'n,, cn:-111-, u ' p1 ~ 1i) (f '"'OdL't1t o culpado por seu sofrimento
t . ~ · L-, . t'k' lll ' Slll ct '\ 'r :1'-tar e m n mortifiG1ç~o do seu corpo. A
r,1ti •,, ' rn 11ifi \ \ ' ct 0 1p p1 posta pelo asceticismo constitui.
~ ' ltlllll\ um m 'i de 1\'din..' i 1k1r a agressividade do décadent con-
tr:1si ~ t ~ ti . N,, St'tll'i e:1i,x1z d exteriorizar sua agressividade con-
L dente descarrega a sua violência contra o
ti • 1 ). Em utt term s. ele satisfaz sua vontade de impingir
r , s utt " redit-e i rnndo essa vontade contra si mesmo.

Sobre ASCETISMO, consultar: GM 111 § 1, § 8, § 9, § 11, § 13, § 15, § 17, § 20,


§ 2-1, § 27 e§ 28; AC§ 38; EH "Aurora" § 2; FP 14 (9] da primavera de 1888.

Ver também ALMA. BUDISMO, CASTIGO, CORPO, CRISTIANISMO, CULPA,


DÉCADENCE, NIILISMO, RESSENTIMENTO, SELEÇÃO, SOCRATISMO,
VONTADE DEVERDADE.

Bibliografia
ARALDI, Clademir Luis. Niilismo, Criação. Aniquilamento: Nietzsche e a
Filosofia dos e.,tremos. São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora
Unijuf. 2004. (Cal. Sendas & Veredas)
AZEREDO, Vània Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Cal. Sen-
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche. das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos . 3ª ed . Belo Horizonte: UFMG, 201 O.

João Evangelista Tude de Melo Neto

ATEÍSMO (Atheismus)

De uma maneira geral, o pensamento nietzschiano não está preocu-


pado em fornecer argumentos para refutar a existência de Deus. Ou
seja, a filosofia de Nietzsche não é uma escolástica invertida, posto
que a inexistência de Deus não é um problema metafísico a ser prova-
do por meio de conclusões silogísticas. Ao contrário, a não existência

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l\t l"m

d1 111t1 110«1 como déicla • por i o. con lilUi urna "péc1e cJ,,! a1i0rri
1
l'1t111ir <lo qual o hló oro desenvolve uas reflexões. Ncs< ~n 11- • 1
od mo d11cr que o ateísmo de Nietzsche assume o papel de P<i ·
p,o \ n o d , unia conclusão que tenha sido derivada de uma lon~
deduç<io. A questões que eirarn em torno da "morte de Deus·. r,-1
e mplo. e tão ligadasàs consequências morais que esse advento tra-
na ~ civili1açào ocidental. Em outros termos, a morte de Deus s6 co 5-
litui um problema porque traz consigo o niilismo a uma civilização Que.
de de seus primórdios, teve sua moral norteada pela ideia de queu ,
ente todo poderoso e benéfico julga as ações dos homens.
No contexto do pensamento nietzschiano. o ateísmo é entend do
ainda como um desdobramento dos próprios princípios cristãos.
ótica de Nietzsche, a honestidade intelectual seria uma virtude cons-
Lltutiva do homem de ciência. Isso porque a mentalidade científica do
Ocidente teria herdado do cristianismo a exigência de obediênciaà
veracidade. Para o filósofo, essa exigência levaria a uma contradição
moral incontornável, pois afirmar a existência do principal fundamen
to da moral cristã - isto é. Deus - em pleno século XIX seria contra-
riar a própria cobrança de probidade imposta pela consciência cien-
tífica. Em outras palavras. não seria honesto continuar afirmandoa
existência de Deus e, ao mesmo tempo, acolher os resultados da ciên-
cia. Ora. essa incongruência entre Deus e ciência teria levado o cris-
tianismo a um colapso. Isso porque a exigência de obediência mora
para com a verdade se voltaria contra o próprio fundamento da mo-
ral cristã, a saber, a fé em Deus. O dogmatismo moral do Ocidene
teria. portanto. perecido pela justeza moral para com a verdade que
é exigida pela própria moral cristã. Em suma. a última consequênrn
do cristianismo seria o ateísmo.
Nietzsche defende ainda a tese de que o ateísmo é inversamente
proporcional ao sentimento de culpa. Em outros termos. quanto mJ·s
diminui a fé em Deus. mais diminui o sentimento de culpa.

SobreATEISMO, consultar GC § 125, § 153, § 343, § 344 e§ 357; ZA IV "for1


dosorviço";GM li §20, 111 §24e § 27; EH "Porque sou um destino• §4;FP 1
175 181 176) de Julho/agosto do 1882; FP 2 (5) do verão/outono de 1882,

Ver também CRISTIANISMO, CULPA, DEUS, MORAL, NIILISMO, PAOB


DADE, VONTADE DE VERDADE.

120

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,

\ tw,1,

Bibliografia

IARTON, Scarl~tt. Nietzsche, das Forças có mi o oo Vo/0((~1 huma-


nos. 3° ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 o.
IARTON. Scartett. A morte de Deus e a transvaloraç.~o dos valor, . ln:
- -. Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia do Nict~ h 1• 3'' cd.
São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 69-84. (Col. Sendéls & V r díls)

João Evangelista Tude de Melo Neto

AVALIAÇÃO ( Werthschatzung)

A noção nietzschiana de avaliação (ou perspectiva avaliadora ou ain-


da aprec1açãocle va or) está intimamente ligada à noção de valor. São
as avaliações que dão origem· aos valores e a eles conferem valor.
Exemplo dissOé a instituição do valor "bom" pela perspectiva avalia-
dora do cristianismo. Enquanto a avaliação da aristocracia guerreira
da antiga Grécia engendrou o valor "bom", identificando-o a nobre,
belo, feliz, a perspectiva avaliadora do cristianismo irá convertê-lo
em valor religioso, tornando-o equivalente a pobre, miserável, impo-
tente, sofredor, piedoso, necessitado, enfermo. Contudo, não basta
mostrar que os valores foram engendrados a partir de lógicas dife-
rentes, foram postos por pontos de vista de apreciação distintos. Não
basta relacioná-los com as perspectivas avaliadoras que os engen-
draram; é preciso ainda investigar de que valor estas partiram para
criá-los._Na ótica nietzschiana, a questão do valor apresenta duplo
caráter: os valores supõem avaliações, que lhes dão origem e con-
ferem_valor; estas, por sua vez, ao criá-los, supõem valores a partir
dos quais avaliam. Ç) procedimento genealógico comporta, assim,
dois movirpentos inseparáveis: de um lado, relacionar os valores com
avaliações e, de outro, relacionar as avaliações com valores. Reme-
tem-se os valores às avaliações que os engendraram, quando se afir-
ma, por exemplo, que "bom" (gut) e "ruim" (schlecht) foram criados
por um ponto de vista nobre de apreciação, enquanto "bom" (gut) e
"mau" (bõse) surgiram da perspectiva avaliadora dos escravos. Mas
isso não é tudo: é preciso ainda remeter a moral dos senhores e a
moral dos escravôs a valores; é necessário a~aliar essas duas avalia-

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A alt o

çôes. ào se trata, porém, de r lacion -1 s com cJ • r(J, ' ~ • • ,, ~.


ando se uma é verdadeira e a outra fal . Um v z qu ' v. tJ
é um valor, não se poderia tomá-la como o critério P rc1
avaliações. Não é, pois, no domínio da teoria do conhec,m~n o .
se deve considerar a questão. Não se trata tampouco de r lac,
moral dos senhores e a moral dos escravos com os valores •
·mal~, questionando se uma dessas avaliações é melhor ou p·
a outra. Na medida em que esses valores foram eles mesmos en _
drados por essas avaliações, não se poderia tomá-los como e é ~
para avaliá-las. Se Nietzsche se recusa a lançar mão dos proced .r-
tos lógicos usuais, é porque pensa que o fariam cair num círcu'o ,.
1
cioso. Deslocando por completo o problema da avaliação das a a :1
ções, ele se põe em busca de um critério que não se apresente co e
resultado de uma avaliação, ou seja, de um critério que não possa se
avaliado. No segundo capítulo do Crepúsculo dos Ido/os, deixa clar
que o único critério que se impõe por si mesmo é a vida. -
Ao intitular esse capítulo "O problema de Sócrates-. ie
quer sublinhar que pretende tomar Sócrates enquanto proble J.
melhor ainda, que pretende encará-lo como aquele que encarna u,
problema. E isso implica aplicar-se a examiná-lo justamente co
um tipo décodent que sempre foi tomado por alguém que conta.a
entre os mais sábios de todos os tempos; em outras palavras. isSJ
implica auscultar o consensus sopientium, para fazer ver que. pon o-
se de acordo fisiologicamente. os mais sábios de todos os tem
exprimem juízos de valor sobre a vida - e mesmo contra ela. PYa
_avaliar o valor da vida, o ser vivo precisaria ter uma posição fora dt 'J.
mas ele "é parte interessada, e até mesmo objeto de litígio. e nJ
juiz". Mais ainda. para apreciar o valor da vida. teria de con heç u
"~o bem quanto um, quanto muitos, quanto todos, que a vi ram·.
Juizos de valor sobre a vida e contra ela devem ser tomado e rr
sintoma de uma condição fisiopsicológica determinada; eles ~ 1•

ta dos por uma perspectiva avaliadora que nada mais faz do qu


pressar a própria décadence.

Sobre_AVALIAÇÃO, consultar A§ 104; ZA l "Oos mil e um alvos• 11 •o


peraçao de si"• BM § 3. G 1 17 •
12 .. M ' ' M § nota; CI "O problema do Sócr t • t 1•
' oral como contranatureza~ § 5.

130

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Bom Europeu

Ver também DÉCADENCE, FISIOPSICOLOGIA, GENEALOGIA, MORAL DOS


SENHORES E DOS ESCRAVOS,TEORIA DO CONHECIMENTO,TRANSVA•
LOAAÇÀO DE TODOS OS VALORES, VALOR, VERDADE, VIDA, VONTADE
DE POltNCIA.

Bibliografia
,
MARTON, Scarlett. Crepúsculo dos Ido/os: Em busca de um critério de
avaliação das avaliações. ln:--. Nietzsche e a Arte de decifrar
Enigmas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 205-226. (Col. Sen-
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.
f MARTON, Scarlett. A morte de Deus e a transvaloração dos valores. ln:
- -. Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed.
São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 69-84. (Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche e a Transvaloração dos Valores. 5ª ed.
São Paulo: Editora Moderna, 2006.

Scarlett Marton

BOM EUROPEU (Guter Europãer)


.
A figura do bom europeu tem suas primeiras ocorrências na obra de
Nietzsche a partir de Humano, demasiado Humano. Inicialmente,
ela é concebida em contraposição aos homens hodiernos do filósofo
que advogam posições nacionalistas. Embora se localize num con-
texto eminentemente de cunho político, ela visa, em última instân-
cia, à preservação de um cosmopolitismo cultural, que pode vicejar
de forma sólida apenas em uma Europa una. Aliás, é nessa direção
que a figura do espírito livre vem ao encontro da do bom europeu,
contribuindo para o afastamento dos pré-juízos que fomentam o na-
cionalismo. Recebendo novos desdobramentos a partir de 1885, em
particular com o prefácio escrito a Humano, demasiado Humano, a
figura do bom europeu que está presente nos textos póstumos con-
temporâneos à redação da quarta parte de Assim falava Zaratus-
tra, pode ser aproximada da figura da sombra, que é capaz de viver,

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como a do espírito livre. na condição de apátnd . '
1
uJ r; 1 ,"
'/~

a figura do bom europeu tem a íunção de contn uir -Jra ir, r , ,


configurações que o filósofo delineia do mundo mod r o.• rn ~ '
cular a partir da sua compreensão do niilismo europeu, do al, a- 1~
é profunda conhecedora por dele padecer. De Para além de Bt: ~
Mal em diante. essa figura passa a portar caracterís icas da : -~
que. por terem condições de contribuir para a implosào da ,. ~
cristã. pondo término ao niilismo dos valores. poderão or -se ,::.
gisladores do futuro. Assim. portadora de um espírito sup a a ~
apátrida. promotora de uma raça mista. a figura do bom e o ~"
tem por função também contribuir para a superação da mo ai e ,s'.J
'o entanto, a partir de 1887. essa figura desaparece dos te os :
ietzsche. que. por ter cumprido o papel estratégico até entã aE -
atribuído, acaba por perder a sua atribuição.

Sobre BOM EUROPEU, consultar HH 1§ 475; AS § 87; GC § 357 e § Jn; ZA


IV "A sombra"; BM § 242 e§ 254; FP 39 (9) de maio/julho de 1885.

Ver também CRISTIANISMO, ESPÍRITO LIVRE, FILÓSOFOS DO FUTURO, Lf.


GISLADOR, MODERNIDADE, MORAL, NACIONALISMO, NIILISMO, VAl

Bibliografia

SILVAJr., Ivo da. A verdadeira nacionalidadede Sócrates. ln:- -.~


Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultura alemã. São Pa .
ljuí: Discurso, Unijuí, 2007, p. 155-172. (Col. Sendas & Veredas)

Ivo da S11 a~

BUDISMO (Buddhismus)

Duplo, o i_nteresse de Nietzsche pelo budismo é de ordem his . -~')..


es~culat1va e. ao mesmo tempo, vi encial. refletindo ora as ~r .
t~oncos da doutrina religiosa ora diretrizes prático-dietéti as. T J-
~1a. ~or fazer ~m uso próprio do termo, o filósofo alemão tem1i J r
insen-lo e~ diferentes registros conceituais, que ariam de
com o penado de seu itinerário intelectual. Sua crescente un

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Ou1 ·rno

p•? r l 1~0 IS remonta s pnmcirar 1--1 ura d Schopenhauer e


11 oc "ão com o amigo sanr ri ta Paul Deussen, mas t.ambém,
Y'.l u o. ao e-- udo d obra e pecializada -como, por exern-
'o. A religião de Buda (Die Relígíon des Buddho), de Carl Friedrích
- _n, bem como do célebre Buda, sua vida, sua doutrino, suo or-
dem (Buddha. sein Leben. sein Lehre, seine CemeindeJ, livro escrito
Hermann Oldenberg em 1881 . Em termos de suas fontes primá-
as, apesar do acesso relativamente fácil à sua época, aos textos da
adição Mahõyõna - tardia e de corte lítero-filosófico -, o conhe-
cimPn o de 'ietzsche sobre o budismo deriva quase exclusivamen-
do cánone da tradição Pálí. Por se limitar, assim, à antiga ·escola
s lista·, também conhecida como a forma Theravãda de budismo -
cu·os textos se fiam no legado oral e refletem, em geral, um interesse
is órico pela própria personalidade de Buda -, pode-se inferir que
a estima do pensador alemão pela religião asiática se deve, em es-
pecial, ao seu conteúdo particularmente vivencial. No que se refere
às apropriações históricas do budismo, duas se destacam no legado
nietzschiano. A primeira delas, atinente aos seus primeiros textos, é
tributária de uma distinção cultural tripartite levada a cabo no centro
de ONascimento da Tragédia. Tal diferenciação dar-se-ia entre as di-
tas culturas socrático-alexandrina (vitimada, segundo Nietzsche, por
um otimismo auto-ofuscante), artístico-ática (pessimista em sua raiz.
mas "salva" pelo acordo apolíneo-dionisíaco que se firma no desper-
tar da tragédia) e trágico-budista (cuja veracidade nos seria insupor-
tável. por assim dizer, sem o auxílio de próteses artístico-metafísicas).
Em sua filosofia, todavia, a cisão entre arte e verdade é suplantada
por uma crítica radical aos supremos juízos de valor, a qual. entre ou-
tras consequências, trará à luz um processo de autossupressão da
crença na verdade - a qual, à força de levar a probidade intelectual
aos seus últimos efeitos, se proíbe a falsidade de crer num princípio
divino de ordenação do universo. O interessante é que, segundo o
filósofo alemão, tal estágio de "descrença" teria sido alcançado pelo
budismo cinco séculos antes do calendário europeu.
1ão se limitará à sua dimensão histórica, contudo, o elogio nietz-

schiano ao budismo. Em complemento ao aspecto vivencial de seus


escritos, o pensador alemão tratará de abordar tal religião como uma
dietética menos abrasiva dos impulsos, cuja diferenciação tipológica

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1 Burguesia

estaria justamente no fato de que, no budismo, os instintos não seriam


exauridos ou vampirizados em nome de um ideal divino e puro de ho.
mem. Isso porque, sendo uma religião sem pecado - ao menos nos
limites de um ciclo autoculpabilizante contínuo e insolúvel-, o budis-
mo, ainda que niilista, tomaria sobre si uma perspectiva menos ranco.
rosa da existência. Afirmada numa economia profilática das pulsões
sua doutrina não induziria aquele que sofre a uma tórrida descarga do~
afetos sobre si mesmo. Desse modo, colocando-se "para além de bem e
mal", o budismo apresentar-se-ia, pois, não como um cânone religioso
propriamente dito, mas como uma espécie de higiene vital face ao res-
sentimento e axiologias promotoras do esgotamento instintivo.
Sobre BUDISMO, consultar NT § 18; HH 1§ 144; A§ 96 e§ 558; GM Ili§ 27;
AC§ 23; EH "Por que sou tão sábio" § 6.

Ver também CRISTIANISMO, CULPA, CULTURA, IMPULSO, INSTINTO 1

NIILISMO, RELIGIÃO, RESSENTIMENTO.

Bibliografia

BARROS, Fernando R. de Moraes. Um Oriente ao oriente do Oriente: a


investigação de Johann Figl. Cadernos Nietzsche, v. 15, p. 69-82,
2003.

Fernando R. de Moraes Barros

BURGUESIA (Bürgertum)

Embora não trabalhe conceitualmente a noção de burguesia, Nietz-


sche nem por isso deixa de remetê-la a um seguimento preciso da
sociedade alemã. Nas raras ocorrências em sua obra o filósofo as·
'
socia essa noção à figura de David Strauss, tido como um difusor
da cultura moderna. Defensor do enobrecimento do espírito, ideia
ple_namente representada pelo termo formação (Bildung), Nietzsche
opoe-se a uma cultura mercantilizada, vista como um simples obje-
to de trocas comerciais, que suprime tudo o que enobrece e refina
mental e fisicamente o homem, exemplarmente personificada na fi·

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Castigo

gura do filisteu da cultura (Bildungsphilister). No seu combate à bur-


guesia, cujos valores se encontram presentes sobretudo nas "ideias
modernas", Nietzsche avança, a partir do exame genealógico dos va-
lores, todos os meios necessários para o estabelecimento de valores
nobres. Contra a burguesia alemã que conhece uma vigorosa aurora
após a guerra franco-prussiana, o filósofo propõe então a existência
de uma efetiva nobreza sobre a qual se assentaria um espírito nobre,
cuja nobreza procede diretamente de sua certidão de nascimento.
Ele compreende então que à burguesia e, portanto, ao mundo do
trabalho, não cabe aquilo que é traço distintivo, além de necessário,
para o devido cultivo da cultura do nobre: o ócio.

Sobre BURGUESIA, consultar FP 27 [2] e (47] da primavera/outono de 1873.

Ver também ARISTOCRACIA, CULTURA, FILISTEU DA CULTURA, LIBERA-


LISMO, MODERNIDADE, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, SO-
CIALISMO.

Bibliografia
SILVA Jr., Ivo da. Em defesa de benesses e privilégios. ln:--. Em
Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultura alemã. São Paulo,
ljuí: Discurso, Unijuí, 2007, p. 173-182. (Cal. Sendas & Veredas)

Ivo da Silva Jr.

CASTIGO {Strafe}

No contexto da filosofia nietzschiana, o homem não pode ser com-


preendido apartado de sua animalidade. Nesse sentido, como qual-
quer outro animal, o ser humano seria constituído por impulsos e
afetos que tendem necessariamente a se exercer. O filósofo defende
ainda que há uma relação diretamente proporcional entre a satisfa-
ção desses impulsos e o sentimento de prazer. Ora, é nesses termos
que Nietzsche interpreta a questão da agressividade humana. Ou
seja, o homem teria a necessidade animal de extravasar seus impul-
sos agressivos. A vazão desses impulsos produziria, por sua vez, pra-
zer no agressor. É nesse sentido, portanto, que o filósofo afirma que

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Castigo

"fazer sofrer" e "ver sofrer" faz bem. Na verdade, essa asserção as 4

sume o caráter de premissa na argumentação nietzschiana acerca da


origem do castigo. Nietzsche defende a tese de que a relação con.
tratual entre credor e devedor estaria na base da noção de castigo.
Em outros termos, o castigo seria uma espécie de ressarcimento Que
o infrator (devedor) é obrigado a oferecer à vítima (credor). O Que
está pressuposto nessa interpretação genealógica do castigo é que 0
dano sofrido pela vítima pode ser compensado com a dor impingida
ao criminoso. Ora, esse raciocínio só ganha sentido se assumirmos
como premissa aquela proposição anterior, isto é, que "causar dor
faz bem". Dito de outra forma, a lógica do castigo pressuporia que
o credor (vítima) desfruta de um prazer quando maltrata o devedor
(infrator). Enfim, através do castigo, o credor recebe o benefício de
causar sofrimento em alguém e, com isso, pode gozar da sensação
de exercer livremente sua agressividade.
O exame genealógico acima serviria para revelar que a noção
de castigo entendida como uma forma de corrigir e "melhorar" mo-
ralmente o infrator é, na verdade, uma interpretação tardia. Isto é, a
origem genealógica do castigo está no prazer de impingir dor e não
na suposta capacidade de despertar um sentimento de culpa no cri-
minoso. Longe de moralizar o infrator, o castigo torná-lo-ia mais pru-
dente. Isso porque o castigo seria uma maneira de forjar na memória
do homem uma cautela no que diz respeito à vazão de sua agressivi-
dade. Em outras palavras, apesar de não ter a capacidade de desper-
tar o remorso ou o sentimento de culpa, o castigo seria um meio de
regulação social, pois o medo de ser castigado passa a constituir uma
forma de controlar os impulsos. Essa repressão da agressividade que
produziria certa paz social não aniquilaria, entretanto, o desejo de ex-
travasar a crueldade. Este continuaria existindo e se voltaria contra o
próprio homem em forma de uma consciência de culpa que passaria
a maltratar o próprio homem. Portanto, por não poder exteriorizar a
sua crueldade, o homem castigaria a si mesmo pelo prazer de fazer
sofrer. Enfim, o castigo é apenas uma causa transversal da má cons-
ciência, já que ele tem tão somente o papel de desviar os instintos
que buscam satisfação com a crueldade.
Por vezes, Nietzsche também defende que em civilizações antigas
os infortúnios eram interpretados como castigo. Nesse sentido, as ad-

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,,, , , 11J1· ·, ( IJll 11, (d:,·, rr,!1·', ( ,J I J(,,I', I;,Hnf:(l'l~()l'j 1J:J', u,rnr, urn
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rn·, 1,inr ri'> 11 •,i:1 fr11 tJ <11;',';1 Vl~V:,, f/11', r: 1,~r 1J1~ q ] o c.a·},E ~1..:.rw~
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bro CA511 O, um ultnr A 116,118,172,177,178o1113; BM § 229; GM


11 §4-,7, l 11,, 14, &rn,, 10,, 100 ,22.

Vor t;1mbórn AFElO, ASCETI MO, CONSCIÊNCIA MORAL, CRISTIANISMO,


cnu LDAD , CULPA, GENEALOGIA, IMPULSO, INSTINTO, MÁ CONSCIÊN-
CIA, M(MônlA, PRAZER.

Bibliografia

I Z R D . Vhnia Dutr;; dé. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.


ão Pé.Julo, líuí: Dí~wrsu Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
dér, & Vuredas)

João Evangelista Tude de Melo Neto

CAUSALIDADE (Kausalítãt, Ursãchlíchkeit)

o· diferentes rnorncnto~ cJe seu percurso intelectual, Nietzsche as-


1 urne urna po~tura cética ern relação aos conceitos de causa e efei-
to, rnocJificancJo apenas as linhas cJe sua argumentação. De formas
distintas. ele aliar~ a crítica à causalidade a uma concepção da men-
te e a urna filo ofia da linguagem.
Ern .,cu primeiros textos, Nielzsche desenvolve, no chamado
Cur o Ue Rel6rica, uma crítica ao conceito de causalidade a partir de
urna reflexão ~obre as figuras de retórica. Nessa época, seguindo
·ctiop •nhéJuer, Nietz~chc distingue dois tipos de representações: as
intuitivai, [percepçõe ) e as ahstraLas (os conceitos, generalizações
lingufr Li iJ · aplicada~; a cs.)as 11ercepções). No interior dessa teoria
(Ja P 'r epç o, tocJt1~ as representações mentais são metáforas, to-
rnacJJ1 aqui em ~eu c·cnlido ctirnológico, ou seja, são transposições
que, partindo cJos eJtírnulo nervosos, produzem imagens mentais e
onceito~,. Ac1 fieura< <Jc retórica são para Nietzsche formas de pen-

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1

c,J,n ,nto on inadas d transpos1ç s arb1trána'; r 1"so túd r,1 •


s1 Jo e ser chamada de metáfora . e todos o cropos r cJ Li1-,,
a la. i\o chamar ind1scnminadamente diversos procedrmen 01 rt
metá foras. , ietzsche está indicando que o pensamento estaria cr; ·
d1cio do los tropas, entendidos tanto como flguras llnguís Cdí
quanto formas de representação. 'esse contexto amplo de tropa, a
metonímia é compreendida como troca entre causa e efeito. isto é,a
atn ui ão de uma qualidade presente na mente à entidade que a _
g1nou, como quando se atribui à pedra a qualidade de dureza. Pede.
se compreender essa teoria tropológica como uma forma de arg
mento transcendental naturalizado. no qual os tropos são condições
de possibilidade dos objetos do conhecimento. A causalidade. ass,m.
é uma das farmas pelas quais o sujeito organiza a realidade empírica,
por meio dos tropos, compreendidos em sentido amplo.
A partir de Humano, demasiado Humano. ietzsche permanece
cético em relação à causalidade, mas sem recorrer a uma teoria tro-
pológíca. Sua concepção de causalidade, contudo. continua íntima-
mente ligada a uma teoria da representação e a uma filosofia da L -
guagem. Nesse sentido. as relações causais dependem das represen-
tações humanas e se expressam em termos linguísticos. Quando se
percebe em um evento uma sucessão de estados, o intelecto concl 1
que houve uma relação de causa e efeito, quando o que se expen-
mentou foram apenas imagens mentais. Por isso, Nietzsche afirmará,
em A gaia Ciéncia. que a relação causal não é uma "explicação·, mas
sim uma "descrição" de imagens mentais: a representação de esta-
dos que se sucedem em um evento. Uma descrição, além disso, bas-
tante rudimentar, por depender de uma experiência seccionada do
tempo, que não permite observar os diversos processos que podem
ocorrer entre os dois momentos apreendidos pelo intelecto.
A partir de Assim falava Zaratustra, Nietzsche desenvolverá eSSJ
última linha de argumentação e considerará a causalidade como on-
gem privilegiada de erros metafísicos. Nesse momento, Nietzsche
questiona o conceito de causalidade seguindo os passos de Hume.
Na causalidade, o que é observado é apenas uma sequência tempo-
ral; a um determinado estado. segue-se outro. Que t1aja uma relJ ,o
de causalidade entre eles, isso é uma pressuposição tiumana. por ob-
servarmos frequentemente essa sequência. Nadíl garnnt . contu LI,

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u ~ 11,1p u111r1 n e s1dad ligando o dois estado , e vári ei u~,.
111 r tnbufdas ao mesmo íenômcno. Nietzsche para d .
Hum , no ntanto, quando considera que o hábito que determina a
J nsào causal não é o mero hábito de observar a mesma sequên-
cia de mudanças de estados nos eventos, mas a introdução de uma
intencionalidade nos íenômenos, tomando como modelo nossa auto-
compreensão, para Nietzsche equivocada, dos atos da vontade. Essa
transferéncia do modelo da atividade mental ao âmbito dos fenóme-
nos físicos é e pressa gramaticalmente na relação entre sujeito, predi-
cado e objeto. Na filosofia da maturidade, Nietzsche considera a cau-
salidade uma ficção linguística resultante de uma interpretação equi-
vocada dos estados mentais e sua posterior projeção ao mundo.
É importante ressaltar, contudo, que o ceticismo de Nietzsche
quanto à causação se refere apenas à compreensão metaffsica de cau-
salidade. Nietzsche não nega que descrições causais forneçam inteli-
gibilidade à experiência, tanto que ele mesmo recorre a explicações
causais em suas análises genealógicas. Sua crítica incide sobre a pre-
tensão de que as relações causais correspondam a uma realidade
metafísica e que tenham uma validade universal e necessária.

Sobre CAUSALIDADE, consultar CR;A § 121; GC § 112; BM § 21; CI "Os qua-


tro grandes erros" § 1 e§ 3; FP 19 (210] do verão de 1872/início de 1873; FP
34 (52] de abril/junho de 1885; FP 2 (83] de outono 1885/outono de 1886.

Ver também CONCEITO, ERRO, LINGUAGEM, LIVRE-ARBiTRIO, LÓGICA,


METÁFORA, PENSAMENTO, REALIDADE, SUJEITO, VONTADE.

Bibliografia
ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche e a "necessidade não-racionai·.
ln: AZEREDO, Vânia Outra de [org.). Falando de Nietzsche. ljuí: Uni-
juí, 2005, p. 131-146.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O.
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 2015. [Col. Sendas & Veredas)

André Luís Mota ltaparica

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CERTEZA IMEDIATA (unmlttelbare Gewl,,helt)

Ao contra no do que acreditam alguns observador s de sI. afirm... 1 .t .


sche em Poro além de Bem e Mal. não existem •certezas Imed1at.3~•
Geralmente concebida como a compreensão pura e sem fals1~ca~(Y..'5 Gj
objeto de conhecimento. J expressão ·certeza imediata·. assimco<ro
·conhecimento absoluto" e ·coisa-em-si·. encerra. contudo. uma COt,..
trodictio in odjecto que encontra amparo na sedução das palavras.
Colocando em questão seu estatuto. o filósofo assevera que tal
e pressão não constitui. ela própria. uma certeza. mas tão some .
te uma crença: contestando em particular a ideia de certeza. procura
evidenciar que se tomam por certas afirmações metafisicas e infunda-
das. além de simplificações de toda ordem: rejeitando o qualiflcati~o
"imediatas". esforça-se para mostrar que aquelas pretensas certezas
pressupõem uma série de decisões.
Para sustentar sua posição, Nietzsche se detém especialmen-
te no exame das proposições "eu penso·. que remonta a Descartes.
e ·eu quero". que se reporta a Schopenhauer: consideradas como
·certezas imediatas". ambas traduzem de modo exemplar. todavia.a
auto-observação grosseira por parte não só daqueles filósofos como
também de todos os que. de uma maneira ou de outra , subscre\e 1
a superficialidade deles.
A estratégia de Nietzsche consiste basicamente em decompor
aquelas proposições. procedimento negligenciado por seus interlo-
cutores. Recorrendo à análise. verifica que o cogito. embora se e.·
prima em uma palavra. implica diversas afirmações de difícil. se nJo
impossível, fundamentação: admite-se ali. entre outras suposições.
que deve haver algo que pensa e que esse algo é um ·eu·. assim
como que o pensar é uma atividade e um efeito daquele ·eu·. conce-
bido então enquanto sua causa. Além de explicitar semelt1antes ad-
missões metafísicas, o autor de Para além de Bem e Mal adverte que
a expressão ·eu penso" pressupõe que se saiba de antemão o que
significa "pensar'', sendo necessário, para tanto, ter-se compJra o
o estado presente com outros, de modo a se certificar de que aí nJ
ocorrem um "querer" ou um ·sentir". Por tais razõ s, não se p t
acreditar que o cogito encerre nem certeza nem caráter imedi to.
Também a vontade foi tomada enquanto ·c rtez irn d1-1tf· 1

os íilósofos a consideraram a coisa mais bem contiecid , S tio "íl

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C rt I 1m d t

1.1 ,, ,1 l I l':-lll ,, t' ll ·,u li 01110 íl ú111rn coi por nós conhecida,
,nt •1~1.111 l'l lt' · 1111 ' ·, 11. la. 11<10 é b rn assim: se o povo reserva
,1 ,, .b 111 ,1 ,1IJ ,·1 1 ~ ,,r,, il i ~º t11o comple o e múltiplo. semelhante
1· • , ·t·it :ul Jll\~ 11hu 1lrnent) os filósofos.
i\ ,t.,•:-"I '. 1r . u., p;i11r . julgél ter sido o primeiro a descrever a
ll' l t'. n:, '. Para el , longe de constituir uma unidade, o
~ .-. 1-'' 1.1 v nt,1 rLi te em uma pluralidade de sentimentos, à
rt c1mento, nomeadamente o pensamento que
. mando. 'esse ponto, toca-se em outro as-
y ·t .1 m► !exi:io dc1 vontade: um homem que quer é aquele que
·. --, , nso 110 1. m i mesmo, esperando obediência - isto é, um ho-
: 1. nk.sm tempo ordena e obedece. Dessa dualidade, porém,
l.1rg'- mo conceito sintético de "eu", dando origem assim
, 1 -1,s; s 'ne?ts e a avaliações falsas a respeito da vontade.
s fil ·s f s faltaram rigor e exigência ao "constatarem" suas
-• .r S-.1 ::- .. rte as imediatas", que no final das contas se revelaram
, l r 21s :1r1it- s de fé, a própria crença em "certezas imediatas· repou-
. . 'ef n e r fim o autor de Para além de Bem e Mal, em uma in-
- :)nui 21 m ral: que a verdade tenha mais valor do que a aparência
n:'- 21S$21 e um preconceito moral e de uma suposição indemons-
tra .. , uma vez que nenhuma vida subsistiria sem estimativas e apa-
rer "ias rs e tivísticas.
Sobre CERTEZA IMEDIATA, consultar BM § 16, § 17, § 19 e§ 34; FP 35 (35)
de mai junho de 1885; FP 38 (8) de junho/julho de 1885; FP 40 (20), (23),
1241 e (25) de agosto/setembro de 1885.

Ver ta mbém AFETO, APARÊNCIA, AVALIAÇÃO, CAUSALIDADE, CONHE-


CIMENTO, EU, METAFISICA, MORAL, PENSAMENTO, PERSPECTIVISMO,
VERDADE, VIDA, VONTADE.

Bibliografia
ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche e a "superficialidade· de Des-
Cílrtes. Cadernos Nietzsche, v. 9, p. 67-77 , 2000.
' SSER. Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 20 15. (Col. Sendas & Veredas)

Eder Corbanezi

141

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l(\f l( 111

CI NCIA (W/ nn olwft)

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l íUHIO :,( !f(!lll (l(!'. .<,()t)UI.W,, rnmi !)AO r.ría<1í1Srj(~lo próprio homf: L ~
, l~nclo, por 1rn:1cln rnflr><:arn da <lm:c:ohr,rtr.1 dr, verd;;de;~, _0.: (.
~um, v,i,(liHÜ!'.,, li .çõe:) úld!) parn r.1 ~ot>rtvívéncía 1: m::jnu f::n7,0 ,;,
t:~p(!cln OlJ clí1 wr.lrnJmJr: humana, umw no contf:iíto d': Sobre 'l i:;_
riu(/<:,: Me11tlt0 no. ·r:nl.lrlo exlmmora/, ou nara que haja co11:ç~
cl(i nrn)cl1rwrilo (ln poll]ncir:1, ou ~:<~ía, nara a autorsupe;ração, r ,íí/,
110 ('.Olll(:Xl(l (l(l ~;rnJ!i úlUrnO'í I.CXl.0~). N ASl.é GJ:,O, O írnportante · Jr ~
n v(:rcü1dc! rn1 ft fnl.>i(lmü: rle urna rrorxr íçr:io, mas o quanto ela cçr
1rlli11i 011 dlíicull,1(i nwnenl.o de noLéncía.
1r11tlorn a rejcik~Ho da vm<larJc ah.,oluta, de modo geral, se ma -
1e11lw colfl po11cé1i; rn0Uífíu1çôes no r ercurso da obra níetzschia a. ã
111m1clrn co1r10 ;1 cí{.ncín 6 posícíonacJa nesse cenárío muda signi ·e2-
llvwr1 nte: sotircLwlo n mlação que ela estabelece com a metafísica
1

, lwntióm corn ,1arl.c. N,sírn , nocJemos apontar três momentos a


ollríl <lo lílósolo alemr. o: (a) /\ntagonísmo entre a sabedoria trágicae
socrntis1no teórico no conL0xLo de O Na cimento da Tragédia: a ciên-
círi ilqul ó hcrdcim do socral.í: mo Lcórico que destrói a cultura tráb·ca.
E111L>ora lc:rnLo a cultura Lráfi,ica quanlo a cultura alexandrina ou teó-
rica riern ilusões í)élrn lixar o homem aexistência, a primeira faz isso
sem rcctJSélí a f iriílwJe trnrnana. O socralismo teórico propõe que só
aquilo que rocJc ser conhQ ido e conscienle é belo e moral. além de
urn olirnisrno rio qual LucJo f)Ode ser conhecido: o irracional, o incons-
ciente e o instintivo Sé o rcjeilaclos como empecilhos para o desenvol-
vi111cnlo t1urnano. O acúmulo do conhecimento científico, entretan-
to, rno lrn os seus nróprios limites: a ciência não é suficiente para dar
sieriificnclo à cxi Lêncié.l humana. Nessa situação, o homem percebe
Que precisa dn mlc, cspccialrnenle da arte trágica. Essa arte. por
meio cln vivência cJa finiLucJe tiurnana, possibilita o conhecimento me-
l?lrsico ~a conuiçüo t,umana: (b) Antagonismo entre a postura cientí-
li ü t nlrdogrnólica e i.l rncLafrsica, conforme principalmente Humano,

1'12

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Ciência

demasiado Humano e os quatro primeiros livros de A gaia Ci~ncia:


a ruptura de Nietzsche com a metafísica schopenhaueriana e com o
projeto cultural wagneriano ocorre simultaneamente com uma valori-
zação da ciência. A ciência, antes responsável pela destruição daquilo
que era o conhecimento propriamente dito, agora parece ser referên-
cia de conhecimento para Nietzsche. Os estudos científicos gradual-
mente afastarão o hábito dos filósofos de entender a vida e a expe-
riência (Erfahrung) como o desdobramento definitivo de algo eterno e
imutável e mostrarão o vir-a-ser e, consequentemente, a história e o
desenvolvimento de todas as coisas. Contra a metafísica, Nietzsche
valoriza a postura antidogmática da ciência, o seu pathos de tudo
questionar. O espírito científico deve introduzir dúvida e desconfiança
contra a certeza, pois não se agarra às suas hipóteses com fanatis-
mo, não considera suas opiniões como convicções. A importância de
se praticar a ciência não está propriamente em seus resultados, pois
sempre serão ínfimos em face do que pode ser conhecido: o princi-
pal é obter um aumento de energia (Energie) e aprender a alcançar
um alvo convenientemente (zweckméissig). O tipo que exerce esse
espírito científico é o espírito livre: a exceção, aquele que está desvin-
culado dos valores e dos hábitos vigentes, que não se prende às coi~
sas, caminha livremente. Apesar disso, o filósofo alemão ainda não
considera a ciência suficiente para satisfazer o homem, pois, numa
cultura superior, deve haver um controle mútuo entre a não ciência
e a ciência: as ilusões e as paixões devem ser a fonte de energia, o
que nos mobiliza, enquanto o conhecimento científico deve evitar as
consequências perigosas do excesso dessa energia. A gaya scienza
(frôhliche Wissenschaft), inspirada nos trovadores provençais, é uma
tentativa de integrar esses dois aspectos: promove a afirmação da
existência, o que significa viver como se criássemos uma obra de arte
(nós mesmos e o mundo). Neste momento particular, a arte se apro-
xima da ciência e, assim, deixa de carregar o perigo do sentimento
religioso ou metafísico: (c) Ciência enquanto um caso especial da me-
tafísica nos textos a partir de 1886: Embora a ciência substitua de
tempos em tempos suas verdades, ela ainda tem a verdade como um
valor supremo, isto é, a ciência também tem um caráter metafísico.
Ela não foi capaz de tratar da moral como problema, pois faz parte do
consenso geral sobre ela, não questionou a origem dos valores mo-

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CiOncia

rais, estes sempre são utilizados como p~essupost~s: Não há senara.


çáo entre ciência e moral, e os preconceitos metaf1s1cos são os me .
mos da ciência: considera-se um "mundo da verdade" que podem;
atingir com nossa razão, que podemos contar, calcular, pesar, ver e
pegar. A ciência do século XIX ainda necessita de certezas e, desse
modo, nega o mundo enquanto um vir-a-ser contínuo. A vontade de
verdade é, no fundo, uma vontade de morte, porque busca fixidez
tranquilidade e segurança, isto é, negação da vida . Nie~sche busc~
formas antagonistas a essa ciência, por exemplo, o procedimento ge-
nealógico e a fisiopsicologia, entendida como morfologia e doutrina
do desenvolvimento (Entwicklungslehre) da vontade de potência, as
quais, livres dos preconceitos morais, ousarão investigar as profun-
dezas humanas. Ainda que o filósofo alemão transponha nesses anta-
gonismos elementos da ciência de sua época, como a psicofisiologia
francesa, ele se apropria dos conceitos científicos conforme suas ne-
cessidades filosóficas: não como verdades absolutas sobre o mundo,
mas com um caráter mais estético que científico - eles não descre-
vem o mundo como ele é, eles dão significado ao mundo.

Sobre CIÊNCIA, consultar NT § 11, § 12, § 14, § 16-§ 18; HH 1 § 6, § 7, § 16,


§22, § 110, § 128, § 131, §225, §244, §251 e §635; GC §7, § 13, §46, §107,
§ 293, § 335, § 344, § 345, § 347 e§ 373; BM § 2, § 4, § 23 e§ 24; EH "Huma-
no, demasiado Humano" § 3.

Ver também ARTE, CONHECIMENTO, ESPIRITO LIVRE, FISIOPSICOLOGIA,


GENEALOGIA, HISTÓRIA, METAFISICA, SOCRATISMO, VIDA, VIVÊNCIA,
VONTADE DE POTÊNCIA, VONTADE DE VERDADE.

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Nietzsche e la scienza: la fisiopsicologia


come critica alia metafisica. ln: BUSELLATO, Stefano (org.). Nietz-
sche dai Brasile: Contributi a/la Ricerca contemporanea. Trad. Gian-
carlo Micheli, Federico Nacci, Stefano Busellato. Pisa: ETS, 2014,
p. 185-200.
ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche: crítica à metafísica como críti-
ca à linguagem. ln: LIMA, Márcio José Silveira; ITAPARICA. André
Luís Mota (orgs.). Verdade e Linguagem em Nietzsche. Salvador:
Edufua,2014,p. 105-119.

144

..l
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JL\1 \ Jr.. l\o díl. Conhecimento e r laçõcr, d domínio ern 1, , ~ '(h~.
lr1: ~ \ARTO . Scar1ett; BRA 'CO. MariaJ~ ;J er; C01 À CIO.
J J (or .). Sujoto. Décodencee Arte: Nielllheeo Modernidode.
Li boJ: Tinta da China. 201 '•· p. 143- 158.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

CIVILIZAÇÃO (Civilisation)

em sua origem renascentista o termo "civilizaçãon estava ligado às


- maneiras e ao comportamento na corte, na acepção de civilida-
'-2. e e assume. no século XIX, o sentido do ápice do desenvolvimento
mano. isto é, o sentido de progresso. ietzsche, por vezes. utiliza
e-se significado e também aquele que coincide com cultura. mas é
e. ·atamente contra essas acepções que o termo propriamente nietz-
schiano ai se constituir. É contra a perspectiva da civilização como
melh ramento do homem que a análise nietzschiana vai lançar suas
s speitas. Esse melhoramento é, para o filósofo alemão. um ideal.
uma mentira educativa (erzíeherische) que tenta produzjr uma esta bi-
li a e. ou seja, uma interpretação que apresente uma noção de mun-
d baseada em conceitos eternos e absolutos: daí a possibilidade de
en aminhar-se em direção a algo, ao progresso do homem. da civili-
zaçã . Há. para Nietzsche. um antagonismo entre o melhoramento e
o f rt.ale imento do homem: a civilização não fortalece o homem. pelo
c ntrário. enfraquece-o. pois ela realiza a domesticação (Zéihmung)
o animal homem. O enfraquecimento dos instintos humanos permi-
e que ele se transforme no homem bom e viva em sociedade: o cida-
ã bediente, o funcionário eficiente, o ser humano inofensi o e útil.
Assim, o fraco é visto como bom e superior. e o potente ou o forte,
e mo mau e inferior. O processo civilizatório, portanto. está indissolu-
\ !mente ligado ao cristianismo e à sua moral, ou seja, ao ódio contra
o desemolvimento dos instintos humanos.
O enfraquecimento dos impulsos humanos promo e ainda majs o
a imento do homem : problemas nervosos e psiquiátricos. ou seja,
e: ·rgên ias muito grandes para o sistema nervoso. enormes excitações
não habituais do cérebro e dos sentidos. produzem histeria, ep· epsia
e aumento do número de criminosos. A civilização impede que as d1fi-

145

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j C1v1l11 i'

culd11d' . própr1,1~ <fc texto povo t! d,! l<.x J,1 .JX>< ,, , '1!J,Hrt "'" r •,1fr 1111,'l
J)Jícl c1 ~UJ 'fC:IÇc)O I J)ílítl íJ elCV,lÇ,10 d,I ítllltH,), JJ<W,, fl, t <1V1li/,1r,,),,, tri
do o e rorço '!.il,1o apllu1cJ01, no nl,1•,lr,irrH!rll<> <J,, rlf1uu1'•11fo.
H~ umél co11trc1diç,io r,1dlc,1I cntw ,1 <.1vll11,1ç, o e,, tlt!v,1~:,<,,~,
homem . A noçJo cJ, proHre!/,O, :io la<Jo d1! ot1!rd', d, 11,1 1, rtl()( l,:rn.,·, 11
igualdade de direito~. a l1urnnnicJíJcJ '. íJ c.0111p,11x, o, ,1 dt rtl(Kr,JC,,l, ,1
loler~ncia. a cmancipaç:lo rcrnlnir1;1, a forrn;Jç,1o pop11l,1r). n,)o ~ ,,,r
de elevaçJo do homem, rrlél!, 'lntorna dt rn or t,í<l,HJe. cJ,, <:nír,1q 11
cimento ou de decadênciél de seui, lmpul',O~,. cJ;1 rcprt'.',:10 t ,1,n,1
sarnento dos instintos humano:>. A ivili1,1ç, o é wn !,ir11, rri,1 q111\ , 0
mesmo tempo, provoca e üproíuncJa a dcc,1cJ~n iit, p Jt', t!I.J 1mr,:,1,:
através da educação e das leis, a scleç:,o (Züclltufl!J) de llpry, rni11; íY;
tentes e criativos, como o gênio e o gramJ I t1orn 'rrl : t ia prornov 1 n,v.
lamento e mediocridacJe.
A civilização enquanto dornesticaç:Jo vai on t1tuir o nt<1eo ,)·
mo propriamente nietzschiano contra J cultura 111v cJa. L~c ant,l•
gonismo está relacionado diretamente corri íl crítiCJ , ullurJ I co
o projeto de uma nova cultura. Napolctw vparcc ·, n s a r fl ,1o 1

nietzschiana, como um homem superior, inirnieo p , oJI d c1v11tLJ


ção e continuador do Renascimento: cu otJjctivo ., ri r st1tu1r tlO
europeu a superioridade sobre o filisteu e sotxe o ri tiarn rno. lutar
contra o nivelamento do homem, contrél suél dom •ticJçJo.

Sobre CIVILIZAÇÃO, consultar BM § 242; GM Ili§ 13; CI "Os 'molhorado•


res' da humanidade"; FP 4 (71 Inicio do 1886/prirnovora <Jo 1886; FP 51501
11 do verão de 1886/outono do 1887; FP 9 (1251, (1421 o (1771 do outono
de 1887; FP 11 (1531 de novombro do 1887/morço do 1888; FP 14 ( 1341•
(182], 15 (40] e (67] da primavora do 1888; FP 101101, 1731 o 1821 da prima·
vera/verão de 1888.

Ver também CRISTIANISMO, CULTURA, D~CADENCE, DESENVOLVI·


MENTO, EDUCAÇÃO, IMPULSO, INSTINTO, MODERNIDADE, MORAL,
PROGRESSO, SELEÇÃO, SINTOMA.

Bibliografia

BARROS, Fernando R de Mora ''>. A Malcliçdo J,anwolowda. O Prt


blema da Civili1oçôo (!fll O Anticri to(/(! N, 'li · li('. PdlllO, ljUI ('º
Discurso, Unijuí, ,00) . ICol. 'll(liVi ~ Vl'r •cl,l<; )

140

Digita lizado com CamSca nner


11,r / I\ l TI Jr .. Wil Antonio. A crcnçn no nrocrcsso : civilizaçao <J
0 11
cl,m ini mo omo sintorn<s c_l decadôncia. ln : MAR flNS, André;
~1\Nl IAGO, 110111 ~ro: OLIVA, Luís César (orgs.). As 1/usôes do Eu:
p111om e Nirt1 clw. Rio de Jélnciro: Civilização Brasileira, 201 1,
p, • 18.
FREZZATTI Jr., Wil on Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: a Superaçóo
da Duntidndc Cull11m/Biologla . ljuf: Unijuf, 2006.
ILVA Jr., 1o da. "Da~ zum Wesen einer Kultur Sklaventhum gehõre~ :
Ni tz chc, trabalho e ócio. ln: DENAT, Céline; WOTLING, Patrick
(orgs. ). Nietzsche. Les premiers textes sur les Crecs. Reims: Épure,
201 G, p. 395-'104 .

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

COMPAIXÃO (Mitleid)

Compaixão significa sofrer com o sofrimento do outro. Se levarmos


cm conta essa definição, devemos concluir, seguindo Nietzsche, que
a compaixão, longe de cessar o sofrimento, tende a propagá-lo. Uma
vez que a compaixão é definida como o sofrimento causado em quem
observa a dor alheia, teríamos de entender que ela provoca dor em
quem não sofria . Logo, a compaixão torna o sofrimento contagioso:
a visão da dor do outro modifica o estado de espírito, comove, gera
tristeza, debilita. A compaixão propaga um efeito depressor em quem
se encontrava num estado de alegre vitalidade. É por essa razão que
Nietzsche denuncia o caráter nocivo da compaixão, caracterizando-a
corno urna espécie de doença contagiosa que difunde debilidade e
desgosto. Enfim, a compaixão produziria um efeito deprimente que
faz com que a vida tenda a se negar enquanto vida; ela produziria dé-
cadence. No contexto da filosofia nietzschiana, compaixão também
será compreendida como uma espécie de estratagema psicológico
que é usado como autodefesa do fraco. Não sendo capaz de se defen-
der diretamente do forte, o fraco usa a compaixão como último recurso
para tentar comovê-lo. Nesse sentido, a compaixão assume o caráter
de subterfúgio que protege o fraco contra a opressão do forte.

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Comp111)(/\o

Soírl'r com o sofrimento alheio constitui um dos valore~ :mJ :i.


c1íl moral cnst,). Todavia, parn Nietzsclle, a difus~o da compa 11,;,:
romo um valor mort1I constituir-se-ia como uma espécie de art,tíc.1,J
qu" os rrncos utilizmn para descarregar seu ressentimento con ra<f,
fortc's. Oprimidos pelos fortes e incapazes de concretizar uma re~r,,;r;
ctirctn contra eles, os rracos obtêm sua revanche por meio de um a,.
nil. Através dil exposição do seu próprio sofrimento, impingem dr;r
nos rortes. Dessa forma, a lógica da compaixão seria propagar o Y:r
frirnento em quem não sofre e, por esse meio, realizar a ardilosa Vin-
gança do fraco ressentido contra o forte. Na ótica de Nietzsche, essa
estratégia seria, na verdade, um meio de satisfazer um desejo d~
crueldade que não pode ser realizado de maneira franca, qual seja, 0
desejo de crueldade dos fracos. Ao realizar essa análise genealógica
da compaixão, Nietzsche pretende manifestar o caráter contraditóno
dessa virtude cristã, pois mostra que ela deriva de sentimentos que,
em tese, estariam em oposição aos ensinamentos do cristianismo.
Em outras palavras, a compaixão estaria enraizada na crueldade e na
vontade de vingança. Segundo Nietzsche, a compaixão também anda
lado a lado com o desprezo e com o sentimento de superioridade,
posto que para sentirmos compaixão devemos, num certo sentido,
desprezar e nos sentirmos superiores a quem vemos sofrer.

Sobre COMPAIXÃO, consultar: HH 1 § 50 e§ 103; A§ 132-§ 135, § 137 e


§ 138; GC § 118, § 271 e§ 345; BM § 202; AC§ 7.

Ver também ASCETISMO, CRISTIANISMO, CRUELDADE, DÉCADENCE,


FORTE, GENEALOGIA, MORAL, PRAZER, RESSENTIMENTO, SAÚDE, VIDA.
VINGANÇA.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Dutra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.


São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen·
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores humo·
nos. 3° ed. Belo Horizonte: UFMG. 201 O.

João Evangelista Tude de Melo Neto

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Cone. 1to

CONCEITO (Begriffl

,~,m.llise_ d Nietzsche sobre o papel do conceito estão fortcmcn-


lt' 111.1r t1d 1s pela influência que recebeu do legado kantiano. O seu
t'~-rito re \lerdade e Mentira no Sentido extramoral traz uma Sú·
llt' :it} reflexões sobre o lugar do conceito para o conhecimento e sua
-, nstituição na linguagem. Nesse texto, Nietzsche parte da visão
-1nti-11n do conceito como unificador da multiplicidade dada na ex-
~ ~nencia, negando em seguida tanto sua pureza lógica quanto epis-
temi a. Essa visão está relacionada com a teoria retórica da lingua-
~emem que a metáfora ocupa um lugar central. Nietzsche concebe a
lingur1gem a partir de seu desenvolvimento e transformações, numa
pêrspecti a evolutiva que mostra que ela está a serviço do conheci-
mento para fins de sobrevivência. Por isso, o conceito é o produto
t21rdio desse processo, uma vez que, sendo um componente da lin-
guagem, integra a mesma finalidade moral que exige a abolição da
dissimulação e da mentira para fins de paz social. Para atingir essa
meta. o primeiro passo foi a designação uniformemente válida para
as coisas. num processo de estabilização de valores morais. Supri-
mindo as diferenças individuais das coisas a fim de estancar a flui-
dez e transformação própria da realidade efetiva, o conceito surge
d igualação do não-igual. As folhas que são designadas pelo con-
e ito folha não são iguais, no entanto a linguagem conceituai as tra-
ta como sendo. É a inobservância da individualidade de cada coisa
que torna possível o conceito. Nietzsche afirma que os signos permi-
tem ao homem construir o mundo da linguagem e com ele dominar
o mundo da efetividade, criando a ilusão de que esse mundo estabi-
lizJdo e fixado da linguagem seja constituído pela verdade. Decisivo
pílrJ essa fixação, o conceito está a serviço de um dogmatismo epis-
t ·mico, lógico e ontológico que desconsidera aquilo que o caracteri-
Zíl, ou seja, de que ele é muito mais um resíduo da metáfora do que
um veículo para a verdade. Se toda palavra representa o culminar de
um processo de transposição fisiológica, daí sua condição metafóri-
ca incsrnpável, a noção de que o conceito contém uma homogenei-
dnd entre palavra e coisa é meramente uma crença arbitrária, pois
uma metáfora apagada que se esqueceu disso. Nos seus escritos

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l l li 1 111\

L11t11n•,, 11 11/\( IH' ern111111 1c11H1,ll1•.. 111cl< o< or1< t•ilo r11 ,rn,11 ·r ,i ri , 1
!(• lldllll,llil .i,.,o cl.i•, ( ri pei( 1(1,1( 1(11, ( OfllllllV,111, rwn< , ir,( l<J () prn , 1
<11 1 ll dll',ln1111.i '() ( 1(• 1,\, 11., (tl l)tl{ l( lt1<IC 1 p<'lo oltl,H ( Ili w~ncr1lo ,l,J [ rr,
11

l'i110 uh 111 , ,, , /11•111 , , tvlul, 1111111,1 cll'fiw~, o q11(• ~,, d ~'> ~m •Ih,, r1 <lri•,
l)l lllH' II ()\ 1( ln,, tl lllllld (llH' ()~ ({)Jl((• il o ~ ~,lO 'illl li 1m 1 i •n PJr
1,

gI1q u, dt'l t' llllllltl<lo•, (lt• l'll'1d ÇOC!,. Ü (OJl C<' II O, (1•~ a P rc;p Cl1•1..i ,
~11q11 dd l)t'c t'\'ilcl,HI(• 1111111,llld (lt OrntlrllCdÇc·10 ern c,ua bu Cc p r sr;
1 1
(

1)11vlVl rH1.1 , 111'< 1~.1nclo e0111p11•c:11clN o 't.,lilcfo inlcnor <; p ra co


llHll11( d l ~( , ti~ ~(1 ll~tlÇ ){!~ !-,C tl{'l llj)dlTl (' 'vbr Vic rn num processo
~,111plií1t .id )r. 1!)S,1 i1l)wv1i1çcio forrn, prirn iro um sinal-imagem. que
. L'ri1 o e )11 t•il o, <'('. 1(', por u;1v •1, s 'r , xpr so numa p lavra, tor.
n.il)(IOpos~íV<'I, n. s1111, cl on11111irnçllo cntr incJivíduos. Essa simplifi-
.1çi10 p1 ornovi<li1po1roricPilos, irnngcn , inais e palavras permitea
on111111 i1ç110, pois, cio ro1111 1. rio, ri linguag rn , como mecanismo de
. l)l('VIV ' rlCi,l , lldO S(' lltl Lllil CélSO o rrnilliplicidade de sensações não
p11tl1~~st1 . t11:1l)1cvicd,1. 1odo co11c ~,t o esconde éJ própria história qu
pu 111i1i1i . "'11 st11 gim 111 0. O 1mbüll10 genealógico, que por vezescon-
1

1 11111111n clll< li. e cio q11c Nict1 cl1 cl1arn a de semiótica, visa a trazer à
1011i1 ;1<'111 , íl •ncin cios µroe . os qu d sencadeararn a forrnação do
011ceilo e él q11c' fi11é1lic1í1d ,1 i'ltend li. O processo de simplificação
elo q11c1l rc' 111111111 os 011 ito r vclé111ma línguéJ de signos (Zeichen-
_pmc/1e) OIillllíld (l(' llOSSO llllllldO lógico-psíquico (logisc/J-psychi-
• /Je 11 We/1) . ss,1 lí11H11t1d ~signos q11 trr1d t1z o processos psíquicos
11,10 , lgo dc' qu 1 po . ·11110s nos livrc1r. Ni 1 tzscl1 . porém, combJte
,1. con. i j c 1llÇt>CS lll 'rc I n ' Ili ' lógic S da llc Lur L do l1omem. Antes,
IP (11 gt 1111c111:1q11c ílS fon11t1s lógi as o conh cimento por elas ex-
1

pr t'~ o . i10 11111 , •fl "Xo de nos o 111undo d 11saçõ s, que o filó ofo
tle no 111iné1 p1 t'C011ceitos do nlido , p1 , 0 11 ilo p icol gico (Sinnen-
Vo11111/lrJi/p '!Jt /10/o_qis /ir~Von11tl1r il) . Ni ~1zscl1 t1nali a J concepção
lll<'CcllliCiSlil do llllllldO C con·id ra Qll ela op riJ 0 117 fie Õ 'S, rn,111i-
l( Slcl lll( Ili (' (ÜlilS: os COIKC'il o. dr 111ovi111c 111 0 ctc Jt 1170. 0 pri111e1ro
(' 101n.1clo dn li11pt1él{J 1 111 1, 110.. o scnli<I ·: o segundo, or iundo Ul1
1105. d l' j)('I i 'llCi;i P- Í(llliCíl. P,1r,1 poder Olll [H", pr j dlllO do on
< <'11( ( !(' l111iCl,1CI 1, qup (j(~I iV,l lo (1 ll ). _d C p ' l i ' 11Cié1 i11te111J, P)í
IIH 'iO <ld (l ll,ll llt'(J1llllO." () no c10 Cl(l "e li " ' rolttVld, .ifirrntl Ni 'lL IIL',
0', 011u•i10. cll col.-1{' dt llllitl1 1dl' (lllP il'1iv )111 lkl n )Çt"lO I l'LI 11,

11,Q

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t1 egurarn que e istam unidade reJi . J\ uni 1tl 1, ,, 1 ut11 t., tu,11
0 conceito de eu é formada, bem como a n J c1' 1 :t t1111di1
des no mundo exterior. pro êm daquela rcduçJ da mult iJ 11 , t , 1'
à unidade. Além desse preconceito psicol i o. tlt d .. 'lltic1 . .
que explica o conceito de movimento. pois seguinc1 ( 111
0 tato e o olho representam o mundo, cria-se a n l)o d ' um 111t1n 1
movido. Somente por meio de ficções. como a d :) unid,11'~. 1
vel tomar o mundo calculável. Fingem-se unidad ca11~1i , , t( •
mos, por exemplo. cujos efeitos estão em constante 11111dt111 11. m
processo subjetivo de criação de um eu. por meio do qu;1I ' cllt' ti
ao conceito de sujeito, coisa, unidade. número. Portant . d e n ~1tc
de sujeito. cria-se o conceito de átomo. Em con , ão com a n i:'I
atividade. que separa a causa de um efeito. de um suj it qu ' pr duz
uma ação, formulando, finalmente. uma concepção d mo im 11110.
oriundo das sensações produzidas pelo olho e pelo tat .

Sobre CONCEITO, consultarVM § 1; HH 1 § 1; BM § 20, § 230 e§ 268; CI "A


'razão' na filosofia"§ 4 e§ 5, "Os quatro grandes erros" § 3 e§ 6-§ 8, "Incur-
sões de um extemporâneo" § 19, § 37 e§ 44 e "O que devo aos antigos"§ 1;
GM 1§ 17 e 11 § 13 e§ 21; AC§ 25, 26, § 29 e§ 39; FP 19 (2041, (2361 o (2421 do
verão de 1872/início de 1873; FP 35 [37) de maio/julho de 1885; FP 6 ( 131 do
verão de 1886/outono de 1887; FP 9 [91), (971 e [981 do outono do 1887; FP
14 [79), [81) e [122) da primavera de 1888.

Ver também CONHECIMENTO, EU, GENEALOGIA, ILUSÃO, LINGUAGEM, LÔ·


GICA, MENTIRA, METÁFORA, MORAL, REALIDADE, SENSAÇÃO, VERDADE.

Bibliografia

LIMA. Márcio José Silveira. Lógica e retórica no jovem Ni tz cll l, ln : Llt\ IA,
Márcio José Silveira; ITAPARICA. André Luís Mota (org.). \lcttla h1 •
Linguagem em Nietzsche. Salvador: Edufba, 20 14, p. 121- 13'1.
MARTON. Scarlett. Nietzsche e o problema da linguag 111: íl ríti íl l'll -
quanto criação. ln: LIMA. Márcio José Silveira; 1TAPARICA, Anel, . Luí ·
Mota (org.) . Verdade e Linguagem em Nietzsclt . ~I ilCl r: ctufb-1,
2014, p. 15-41.

Márcio José Silvoim Uni

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t 1111111111111111110

CONt ll C,IMI N O(l.1kn11 1ttnl,,)

( \\11\(l Pt'lllil'1',illll lOd l 1:,111 olir 1, íl'1 rnílm< )r,', (Jr, Ni<!t':r,<J1<! ./AJ((! ÍJ
i ()1IIH1 1111\l'lllO :,11 c1; o om tlllrno111,!:, cont(!Xtn~ í! ;1 nart1r cJr. ílrt)((J;i
1\l '1l'd IIV( 'I !,, l'. 1, CPI11 li (!(li 11!1)( 1 l, nnl mi rinto, 011':erva-",e nr,lfti o U'/) cJ;i
lllt ':,11111 ,•:,lidl nl.i: 0 (llt)• ,ofo ovl<lnncln o qur, !'.C r.nt.cncJc_n_ ormalmr:ntF;
p )1 ( ()1 llH 'Clll H'III () j)rll d ( nl, () .ril Ir.rir lnl c:onmr>Çr: Otm<J1c1onal e Clf)h-
( 11111 0 qiu', 11!11111 vnr, ,ln fnlo cnw,Ul1JI aquilo que cornumcnte ~ con-

:1ld111011 rn11l11:cln1rn110.
Di::,( ln :)rn mp111nnl1 o'.) r.:,c:rllo.)~ rmlr.s rnc.)mo, nortanto, de con-
lt 1111 i10 1on nll ()(ln v:1lor o:; contornos q1Jc rcccherá posteriormente -.
Nl(lli:;riHi nl>o1cln o 1r:rnn <Jo c:onl1cxlmcnlo crn Lermos axiológicos. e
11no Ili> l('f\h,110 clci 1J11111 l(!CHln elo conhccirncnto supostamente pura. É
11i,i1h11 q11u, lof•.o clr. lnfclo, p<!rn1m1.ri pelo valor do conhecimento e colo-
ri1 <!111 q11()!,I no II t),11 lrnnl.lvn .iuriremn a ele reservada. bem como as ili-
11111 ;Hln:; piulnnim(is 11eln deposiLacJas. Nesse conLexto, como se lê em
( Nw:r/111c·11/c,r./o Tm,r;é<Jio, ócmLcs íigura como um caso paradigmá-
llrn (J 11111 nlvo privllegimlo - na medida cm que, com seu otimismo
I<' li lrn, ;1c1<:<lil nvn na po,)sibilicladc ele conhecer a natureza da existên-
rln (J ítlr. 1nc1~i1110. pelo saber. ele corriç,Ha. Nielzsche, por sua vez. vê no
n •1 1,o <i illinllmlo linp1ilso rlo conhccimcnLo um perigo para a cultura e.
110 li111iiu. p;m, n viela, qw~rc!pousa crn ilusões. Éao filósofo do conhe-
ci111(11110 11 nnico qw! c;lt)crfl clornrir nquele impulso. restituindo à arte
sou di1 cilo <ln clda<lnnia e forncnLaneJo uma nova forma de vida.
Mns Nicl7sd1e nr: o concebe o conhecimenlo apenas como um
p 1igo 1xm1 íl viela 01i, ao rnenos, para Lodo modo de vida. Se não
1

poss1il víilor absohilo nem conslil.ui urn rim em si mesmo. o conheci-


lrt •1110 ronsi.1IC, por ouLro lacJo, crn um meio para a conservação eo
a11111c1110 (lC p0Lôncié1de uma determinada espécie de vida, ainda que
rr o :e! lml<! m!ccssarinrncnlc cJaqucla apreciada como superior pelo
filósofo. Nent1urn contiecimcnlo repousa em uma necessidade pu-
rw 11nn1 c leórirn e abslrnla, isolada de inlcrcsses práticos; revela-se,
í.l11les, funcsUJ n prcLen. a cllslinção entre Leoria e prática, conforme
r 1 ssüllm11 íinolnçõcs r>óslumas de 1888. Ora, corno um determinado
111odo ue 01111 cr conslilul condição de urn determinado modo de
vida, enteo um novo rnodo de existência, quiçá superior, pode confi-

152

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,(Att (,H IH fl((J

nur ·" ll v. ,,, IOtllld', (h! º"'" j 1t11,~11t, ), quo fl, ON,Hfl MI: <:rJl;i() r)t;U !',~
~\11t1~•. D! qu:ilq111•r ,111nolr,1, a con ,ip<;~o o,, 11111 ontl1!r.irru:r110 ,:m
. 1, tll)c,oluto t! ln oncll< lon:ido, 1110·,1 rn ~"! nty,u,cJn, pol•,, corno r, / /; •
v •ra o liló!>OfO e111 G1.•11<:v1kxJ/a <lo Moro/, 10<10 c:ontic er (: f)(:rrir,1 liVÍ', 1

11co, ou . cjn, oncllclonndo por u111n 1 •r:,pcctlv,1dl!lf!rrnlrwcJa.


Do • onlie lrnento" n,~o w:,ulta, portnnto. ncnhumn vnrcJadc
'ntcndlcln como íHJequrl(,,~o ti mnlldí1dc, o qu(; •xpll :i, cm rnuiUl'
p;is ac 'íl , o crnpr 'HO cJoquela:; íl~)r>íl~,. lrnpo.1' fvcl crn urn rnuncJo
que vem a cr, o ílS' lrn ctwrnado cont1cclrncnto pre~r;upôc, como
sua condíç~o ncccs [lrí;1, urn mun,Jo fictí lo, ri[HJO e i.lrwnjacJo cJc
modo a no arwreccr orno " ogno. cível", Asr,irn, o conhccimcnlo
repousa na crença em identlcJacJc, pcrrnt.1nôncin, leualcJacJc e muitas
outras noções por nós invcnt.a<Jéls, éb qunls, como cgqucrnél regula-
dores, forjarn um mundo calculjvel e forrnulávcl para nós. Da aplica-
ção dessas ficçõcsdecorrcrn apena simpliíiGlçôes e falsificações: e
são muitas vezes consideradas verdades ahsolutas, é porque po si-
bilitam a conservaçao de urna cJcterrnlnacJa esnécic de vida. Eis, con-
tudo. o maior erro: tornar aquele mundo cJc Ilusões como o mundo
verdadeiro e atribuir-lhe valor supremo.
O que se costuma denominar conhecimento não constitui uma
explicação, mas sim urna interpretação que introduz no mundo aqui-
lo que não raro se acredita nele descobrir. De fato, de acordo com
o autor de A gaia Ci&ncia, cont1ccer sicnílica reconduzir o que é es-
tranho ao que é familiar e habitual. Todavia, ao contrário do que se
pensa consensualmente, o que se afieura familiar e habitual é o mais
dirícil de conhecer e tomar corno problema. Por outro lado, enquanto
o estranho provoca medo e inquietude, o familiar e o habitual pro-
porcionam tranquilidade e segurança: nessa chave de leitura, oco-
nriecer vincula-se inllmamentc ao instinto de medo.
Mas não só. Para Nietzsche, outros Impulsos se utilizam do "im-
pulso do conhecimento" corno instrumento. É assim que, segundo
escreve cm Paro além de Bem e Mal, todos os impulsos fundamen-
tais do homem já fizeram, por exemplo, filosofia, cujo pai nao seria
en~o um "impulso do conhecimento" . À luz do conceito de vontade
de pot~ncia, porém, Nietzsche reconduz o assim chamado "impulso
do conhecirncnto" a um Impulso de apropriaçao e dominação.

163

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Consciência

Sobre CONHECIMENTO, consultar VM; NT § 15; HH 1§ 2 e § 630; GC 111:>,


§ 333 e§ 355; BM § 6; GM Ili§ 12; FP 26 (236) verão/outono de 1884; FP 36 f2!i
dejunho(julhode 1885; FP2 (86)dooutonode 1885/outonode 1886;FP9 ;2S;
do outono de 1887; FP 14 (93), (122), (142) e (152) da primavera de 1888.

Ver também ERRO, FILOSOFIA, ILUSÃO, IMPULSO, INTERPRETAÇÃO,


PERSPECTIVISMO, SOCRATISMO,TEORIA DO CONHECIMENTO, VALOR,
VERDADE, VIDA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-


nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG. 201 O.
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi
ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)
SILVA Jr., Ivo. Conhecimento e relações de domínio em Nietzsche. ln:
MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João Mayer; CONSTÂNCIO.
João (orgs.). Sujeito, DécadenceeArte: Nietzsche e a Modernidade.
Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 143-158.
SILVA Jr., Ivo. Lo svelamento della realtà: note sulla teoria della conoscen-
za in Nietzsche. ln: BUSELLATO, Stefano (org.J. Nietzsche dai Bro-
sile: Contribuli a/la Ricerca contemporanea. Trad. Giancar1o Micheli,
Fcderico Nacci, Stefano Busellato. Pisa: ETS, 2014, p. 41-55.

Eder Corbanezi

CONSCl~NCIA (BewuBtsein)

As primeiras reflexões de Nietzsche sobre a consciência encontram-


se. cm A ?aia Ci~ncia; ele introduz, então, a ideia de que ela teria
ongcrn biológica. A partir daí, em diversos momentos de sua obra.
deixa cl~ro que não admite que a consciência possa constituir o que
c?ractcnza a espécie 11umana. Tampouco aceita que exista uma opo-
içdo. entre sentidos, impulsos, instintos, de um lado, e espírito, co-
1~1cc.unento, consciência, de outro. No embate com o meio, os se-
res vivos: hon~ens e animais, munem-se de órgãos que lhes facilitam
íl sob, vivência: e a consciência seria apenas um deles. Ela surgiria

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-
Consciência

da relação do organismo com o mundo exterior, relação que implica


ações e reações de parte a parte. No bojo dessa dinâmica. aparece-
ria como ·um meio de comunicabilidade". ·um órgão de direção".
ietzsche entende que.·do mesmo modo que uma função pouco de-
senvolvida constitui um perigo para o organismo, a consciência. por
ser recente sua aparição, pode induzir a erros. Tudo se passa como se
o órgão com que o ser humano se mune para direcionar-se no mun-
do exterior fosse impróprio, comq se o meio de que o indivíduo dis-
põe para relacionar-se com o que está à sua volta se revelasse inade-
quado. Mas o filósofo não está a reclamar de um defeito congênito;
apenas procura salientar o que considera um traço característico da
consciência. Se aponta seu caráter falsificador, é para advertir que
aquilo que passa por ela acaba falsificado.
Nietzsche entende que a consciência se acha intimamente ligada
à linguagem; ambas se fundam no solo comum da gregariedade. O
que o homem pensa a respeito de si mesmo e do mundo já está im-
pregnado pela linguagem; são as palavras que possibilitam o tomar-
consciência-de-si do pensamento. Desenvolvendo-se sob a pressão
da necessidade de comunicação, a consciência não faz parte da exis-
tência do indivíduo enquanto tal, mas remete àquilo que nele há de
gregário. Uma vez que o pensamento é traduzido na consciência e na
linguagem, também ele se apresenta sob a perspectiva gregária. As
ideias, quando se tornam conscientes e se expressam em palavras,
podem vir a perder o que têm de pessoal, singular, único; passando
pelo filtro da gregariedade, correm o risco de tornarem-se comuns.
O filósofo acredita, porém, que é apenas uma pequena parte do pen-
samento, a mais superficial, que se torna consciente e se dá em pala-
vras, pois o homem não tem consciência de tudo o que pensa.
Criticando seus predecessores, Nietzsche julga que os filósofos
teriam tendência a considerar o homem um ser diferente de todos os
outros seres e a encarar a vida consciente como um conjunto de ati-
vidades que se distinguem dos processos da natureza. Em geral, eles
não levariam em consideração que essa maneira de proceder abriga
valores e provém , ela mesma, de uma avaliação. Superestimando a
consciência, não se dariam conta de que não existe traço distintivo
entre o homem e o animal. Ao contrário do que defendem a religião
cristã e a metafísica, Nietzsche sustenta que consciência e corpo não

155

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Consc,Oncio moro!

e opõem, mas acham-se estreitamente vinculados. A consC1 nc 1


nada mais é do que ·corpo· e ·carne· . No entanto, é precisarnen e
na inversJo que se operou entre o corpo e a consciência que residea
bJse da religião e da metafísica.
Sobre CONSCIÊNCIA, consultar GC § 11 e§ 354; BM § 3; GM Ili § 18; EH •Por
que sou tão esperto" § 9; FP 7 19) do final de 1886/primavera de 1887; FP
(249) 10 (137) do outono de 1887; FP (339) 11 (83) e (372) 11 (145) de novem.
bro de 1887/março de 1888; FP 14 (152) da primavera de 1888.

Ver também AVALIAÇÃO, CONHECIMENTO, IMPULSO, INSTINTO, LINGUA-


GEM, METAFISICA, ORGANISMO, PENSAMENTO, RELIGIÃO, VALOR.

Bibliografia
FREZZATTI Jr .. Wilson Antonio. Consciência e inconsciente no discurso
kDos desprezadores do corpo " de Assim falava Zarotustra : uma
perspectiva psicofisiológica da crítica nietzschiana ao sujeito. ln:
MARTON. Scarlett; BRANCO. Maria João Mayer; CONSTÂ CIO,
João (orgs.). Sujeito. Décadence e Arte: Nietzsche e a Modemidade.
Lisboa: Tinta da China. 2014. p. 61-97.
MARTON. Scarlett. Nietzsche: consciência e inconsciente. ln: - -
Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed. São
Paulo: Barcarolla. 2009, p. 167-182. (Col. Sendas & Veredas)

Scarlett Marton

CONSCIÊNCIA MORAL (Gewissen)

Para Nietzsche. a consciência moral surge da introjeção de impulsos


agressivos. Sua exteriorização é impedida em nome da preservação de
um grupo já organizado, que estabelece regras internas, punindo aque-
les que não as respeitam, por se constituir como uma ameaça para a
coesão e perpetuação do grupo. Sob a pressão dessa fom1a primitivJ
de organização social, a violência que antes seria externada contra o
semelhante passa a ser internalizada, formando assim a consci n iJ
moral. Esta nasce como uma violência contra o próprio indivíduo, j qu~

156

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Con ciência moral

sua exteriorização pode resultar em punição, por quebrar as regras im-


postas pelo grupo, tendo ele de pagar com sofrimento o desvio de con-
duta. Nesse momento, não se deve entender essa consciência ainda
como consciência moral, mas como uma forma primitiva dela, como
um sentimento de culpa em "estado bruto" (Rohzustand). Trata-se
aqui, enfim, de uma "má consciência animal" (tierischesschlechtes Ge-
wissen). Ela é uma "má consciência" inicialmente animal, sem caráter
consciente ou moral, uma matéria-prima que só ao fim de um longo
processo adquirirá o aspecto moral de uma consciência de culpa, de-
pois de entendida religiosamente como pecado.
A gênese da consciência moral como indissociável de um senti-
mento de culpa (Schuld) é descrita no início da segunda dissertação
de Genealogia da Moral. Ela faz parte de um processo que foi des-
crito anteriormente por Nietzsche em Aurora como a eticidade do
costume. Segundo essa concepção, a moralidade é constituída atra-
vés da obediência a normas impostas pelos costumes de uma co-
munidade, que pune aqueles que delas se desviam. O processo da
eticidade do costume, segundo Nietzsche, é muito anterior àquilo
que chamamos história universal, indicando, com isso, suas raízes
imemoriais, das quais só podemos nos acercar hipoteticamente. Foi
nessa pré-história da humanidade que a consciência moral teve ori-
gem, no âmbito de uma forma mais rudimentar do direito pessoal,
ou seja, uma relação contratual de reciprocidade entre credor e de-
vedor (Schuldner). O devedor empenha sua palavra garantindo que,
no futuro, manterá a promessa e restituirá ao credor a dívida. Caso
não faça o prometido, permitirá que o credor possa substituir o cum-
primento da promessa pelo castigo físico. A restituição se dará, as-
sim, como possibilidade do exercício de crueldade por parte do cre-
dor. Note-se que aqui não há ainda a noção moral de culpa (Schuld),
mas de uma dívida (Schuld), de uma obrigação pessoal entre dois in-
divíduos, que em comum acordo abrem a possibilidade do exercício
exteriorizado da crueldade que estava interiorizada na forma da má
consciência animal. Não que o castigo em si crie a má consciência
enquanto consciência de culpa; esta é resultado dos efeitos do cas-
tigo sobre aqueles que se arrependem de seus atos e se veem como
responsáveis por terem sido punidos, o que já se configura em um
momento posterior da história da consciência moral.

157

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1

E\,J lnt 1 Jo JJU ·


l,J e) f 1cular duc1:; rr, l'/,J', 'f ~, r
r e m rn momentos distinto~ no l o d Gcn l<Y. 1 ·
do prcx: s o de 1ntcnonzc1çJo d cru Idade e a n rrd ,va dJ r ' ,q,
Ju · 1cc1 entre cr 'dor d edor. Amb s a~ narrat1v s f zcm 1 t r1 _
um mesmo rcx:csso. que 1etzschc en cnd" como o proce"''lJ rJ-3 •,
c,da e do costume. A nJrrat,va da ,ntenonLaÇdO cJ cruelda ~. .J!
aparece depois nJ genealogia. é cronolog,camente an enor. E é 0
produto de urna forma primitiva de sociab1l1dacJe. que n o p °'1.Jl
nenhum tipo de moralidade, mas a matéria-prima de toda forma ~
moralidade. A noção moral de culpa só surge quando uma f , J
específica de religiosidade fomentada pelo sacerdote ascé ,co , e ....
a lume. recebendo posteriormente sua conhguraçào ma,s e er;-a
no cristianismo. O sacerdote ascético apro eita-se da ma éna-pr. a
da má consciência animal. a agressividade interiorizada. u 11,za •
a iolência que os ressentidos dirigem contra si mesmos como t.rJ
explicação para seu sofrimento. O homem passa a se sen ,r cu'{XJ(1o
pelo próprio sofrimento e a considerar suas ações e pensa e cs
corno passí eis de punição: ele se torna um pecador.

Sobre CONSCIÊNCIA MORAL, consultar A§ 9 e§ 18; GM 11 § 14, § 16, t 17


e§ 20; EH "Genealogia da Moral ~

Ver também ASCETISMO, CASTIGO, CONSCIÊNCIA, CRISTIAN ISMO,


CRUELDADE, CULPA, ETICIDADE DO COSTUME, IMPULSO, MÁ CONS-
CIÊNCIA, MEMÓRIA, MORAL, RESSENTIMENTO.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da I foral. 2J ed


São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí. 2003. (Col. n-
das & Veredas)
ITAPARICA. André Luís Mota. Sobre a gênese da consciência moral e
Nietzsche e Freud. Cadernos ietzsche, v. 30, p. 13-32, 2012.
MARTO . Scarlett. Nietzsctie: Consciência e inconsciente. ln: - -
E Ira agáncias. Ensaios sobre a Filosofia de ietzsche. 3J
Paulo: Barcarolla, 2009, p. 167- 182. (Col. Sendas & er

15B

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CORPO (Lt/b)

O__gircu~ofilorófi br 011oqu Niet1.rl)r 1• rWll ,,,q .HIII


1

d. Ar..~im falava Zorotu tm r' poncl, t1 prol)lr11h li ,)11 • 'fl 1.11". t 111
particular morai' "Pi t rn lógl ,b, que (\1rc1 lt'111.i111 • l' 111 c •, 1n
1
,

term .diárior, ~(' Í fl •x '.}J par ·rn J I l)íll tlí (} ll'lfl fl HlU 1 ,, ..,1
1 gia da vontr1cJc de pot n ia ocupc1r,1 n, ~ obr ,1 •• cl , m.111111 1,1 ll'.
- No âmbito moral. Nietz eh '.l Je 1Jíorç( pt1r,1 ornt),1lt11 ) · 1rt·
conceito morai "que levararn a interpr •1, çô 1.1 rr ôn('d. to e1,p
humano. O §86 de Aurora critica, a irn, o rro cio. intcrpr 'lt'. ·11.
tào que fizeram do corpo um fenômeno morJI e r llgio.,o,
seus estados fisiológico apontassem parc1 o divino. • pr i ·o v •n e,
essas representações ao naturalizar o l1omern, no •nticJo cio § 1O dt1
A goia Ciência. Tal perspectiva inclui aquele de urnJ tr,,nsfo111h1 , o
dos nossos sentimentos mornis. Por isso, Nielzs 11 tlJml rn rn l11l,)
sobre os processos de incorporação [Einvcrlailmng) p lo qu,,i$ um,
tendência consciente e voluntária chegJ a ser inslintivJ e i nt,)nf\l,
eventualmente através do princípio lamnrckiJno d 11 r "Clil, ri' t,,ct'
1

das modificações adquiridas. Nesse sentido, A gaia Ci(}n ia )v CJ urn


•projeto de "incorporação do saber" [§ 11 e§ 110) quer '.lpou llllllh)
ideia epistemológica diretora: erros rundamentais s incor po, JkHll 1'1
·nossa cognição no decorrer da evolução e da l1istóri , r1,n rJ2,10 l, uti·
lidade dessas representações para a conservação d vid . Ernb r'J nJo
seja possível libertar-nos radicalmente de tais erros. " qu 511..1 0 J cte
saber até que ponto a verdade suporta a incorporaç5o. E ssc qu st.1
exige indagar a lógica de funcionamento do corpo, o Qll" Nií)t . 11r1
faz ativamente nos primeiros anos da década de 1880.
O termo "incorporação" poderia sugerir que Ni Lzscll :i prr1 su-
põe a dualidade metafísica do corpo e do espfril.o. Todt1viJ, o discurso
de Zaratustra sobre os "desprezadores do corpo", n'- prirn 'ir,1 pJ1t :-.
de Assim falava Zaratustra, mostra claramente o contrJrio: "1 h11.1 NE ~

j pef)as uma palavra P-ara algo do corpo, ou seja, o corpo él t'ini J r:-.,1-
_lidade do homem e dos ser es vivos. Vale destacar que Ni tz cll n~o
concebe essa realidade de modo substancialista ou llk t )rinlistcl. O cor-
po é uma organização pulsional IJierarq~izado, que ob dece \'I I ui \1
~a vontade de potência. e não é menos psicológic'- do qu fi iol gi J .

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Corpo

Aliás. a psicologia e a fisiologia devem fundir-se no que o§ 23 de Para


além de Bem eMal chama de uma fisiopsicologia. r:,Jesse quadro con-
ceituai. 0 corpo possui um privilégio 121etodológico, ~a medida -~mqÚe
fornece um fio condutor filosófico muit9 mai? claro e_9is~into d9_ue-a
I_llera introspecção. conforme o fragmento 40 [ 15) de agosto/setem.
bro de 1885. Esse privilégio significa, in~lusive, que a "grande razão·
do corpo. ou do "si" corporal que seexprimenelepdeve, muitas vezes,
ser preferida à sabedoria superficial do espírito consciente.. Isso foi ne-
gligenciado por razões axiológicas. E. de fato, Zaratustra julga neces-
sário defender o corpo contra seus desprezadores tradicionais.
Do ponto de vista de uma fisiopsicologia da incorporação, oes-
pírito consciente aparece como um corpo incoati~o. O corpo, por sua
vez. é uma estrutura social de muitas almas, cujas relações de co-
mando e obediência se organizaram em função de _ÇQQdlçpes de_yida
duráveis. Isso tem consequências importantes para a genealogia eô
projeto de cultivo (Züchtung) de Nietzsche. Com efeito, .~Q!~ni~a-
ção pulsional do corpo é regida por valores e prefer~nc~as. Ora, esses
valores são, ao mesmo tempo, causa e efeito da história da cultura,
como Nietzsche explica no § 6 do prefácio de Genealogia da Moral.
Por um lado, as avaliações que triunfam numa determinada cultura
são o produto de um corpo particular. Por isso, o genealogista pode-
rá interpretar os valores culturais como sintomas de um corpo tipica-
mente são ou doente, forte ou fraco, organizado ou anárquico. Mas,
por outro lado, as culturas também promovem valores que transfor-
mam o corpo, especialmente se forem mantidos através das gerações
e traduzidos em hábitos de vid? concretos. Eis a razão pela qua·1Niêtz:
s~he concebe a cultura como um cultivo/criação (Zilchtung) do forp~
individual. E isso também justifica a afirmação ·capital, no Crepúsculo
dos Ido/os ("Incursões de um extemporâneo", §4 7). de que todo de-
senvolvimento cultural bem-sucedido exige convencer o corpo.

Sobre CORPO, consultar A§ 86; GC § 11; ZA 1"Dos desprezadores do cor-


po"; BM § 19; GM 1§ 7; Cl "Incursões de um extemporâneo" § 47; FP 37 141
de junho/julho de 1885; FP 40 (15) e (21) de agosto/setembr~ da 1885,

Ver também ALMA, CULTIVO, CULTURA, FISIOPSICOLOGIA, FORTE, HE·


REDITARIEDADE, INSTINTO, NATUREZA, PSICOLOGIA, SAÚDE, VIDA,
VONTADE DE POT~NCIA.

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e, ,~ i')

111 lionr ofio

1"' 1 1\ 111 J1.. \: 11 11 A1lll 11io. ll'iCi 11c1i1 e 1ncon , n o d 1 cu o


·1 '. cl " l ll'Z;1I 1 '., (lo ( rp • cl '/\ · irn folovo Zorotustro : Lma
1(, 1(' 11vl1 1,,i < li lol gi d <lél dli il nietzschiana ao su1e1o. ln:
11\l~l N, · 'tlll •tl: l3RAN , Maril Jo5o Mayer: CONSTÂNCIO,
.l :i._i le 11; .). ujcit . Dl adcncc e Arte: Niet,sche e a Modernidade.
l 1'. l ,1: 1i111;1 Lia lli,n, 201,,, p. 61 -97.
~ 11\l\ l , : l11ic t t. Ni l1 cite, da Forças cósmicas aos Valores humo-
,, 'i . ,.,, ctl. 0elo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.
~ I1\lx1< 1 , 'r,u 1'l l. Do dilacernrnento do sujeito à plenitude dionisíaca.
( cuf1'1110 · Niel1 che, v. 25, p. 53-82, 2009.

Emmanuel Salanskis

CRIAÇÃO (Schaffung)

1
(l llllll~I111<!I1lo do jovem Nietzsche, a criação possui um caráter emi-
lll'lll(1111eI1Ie a1Uslico: o artista lrágico abandona sua individualidade
IHl ,110 dt~e,k1çJo, ao fundir-se com o deus artista Dioniso. O autor de
Nox i111c 111lo da Tragédia eléJbora uma "metafisica de artista", à me-
di(i.1q11c visrl a superar os males advindos da individuação, por meio de
11111,1 i111 1Is, o 110 dionisíaco Uno-Primordial. Nietzsche reinterpreta a
oposiç,io 111eI~1física schopeni1éJueriana, entre coisa-em-si e fenômeno,
lx)111 roI110 a rnelaff ica déJ música do filósofo pessimista, de modo a
,1lil lll, ir o prJzer primordial que sobressai nas criações do gênio artís-
lirn. pr prio mundo é visto orno uma obra de arte que engendra e
Pt 11 '111,1a si 111esrno, sem referências à metafrsica transcendente.
O cone lito nietzscl1iano ele criação, no entanto, tem sua eiabora-
ç;1 111;1is 111~1dura corn a vonladc de poLência. É um sentido amplo de
ri, ç~ o, llJ medida ern que al1;1r a o mundo em seu todo. O caráter
h, sico do mundo é o éJOS, no nlido de acúmulo, resistência e con-
11011I 11tI as forças. Entr lílrllo, o qu sobresséJi nas forças em relação
1 v ntJd ince nt d rit1Çt o e d transmutação, no sentido da in-
t n if i JÇ o d polên ia. Com i so, e, dél entro de força logra dar for-
m Jo ir uncJanl . Na nrt •, prin ip1lrnentc, mas também no co-

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·1 1 ' ll C 11 'lltlillll ·. ' '. f( O llLHll,lílO parJ mo! 1r ,,. ):
1 ,l l.,l ·,1 5. \ ) 1111 ,lr ,l 111 t,1fi. 1Cil (10 C'mo, 1 lJSChc pro~ 1
r , ,, ·c 1tl t' n,l ,) . ,1 i 11t1r (1' ,~ im falava Zorotuslro . O t
1.:1 ,111 ~, t luun,m) 111i1i. elcvil to e lt no cnar para além de s, me
P1 :, 1~ nj ct~n'.. pr e oc1•crit1çc'lodenovo pcnsamcntose \ .
1 ): 1. , 11 "llll·. , i'l grt1videz. O mundo que diz respeito ao homem é
· d · 11-1 . e nhlr ado pelo pcrspcclivismo e pelo caráter interpre-
t,1ti, ln1111n11 . . , n ·cafÀ1ciciíldC P<lr<1 criar" está presente em tOdo se
Jni· . 11 11 111em obressílem t1firmações artísticas próprias.
x~ ri m nt de Nietzsche de criar novos valores possui um tra-
e tt?ti . e nsid ícldrt a P<1r1ir da vontade de potência, a arte passa
i1 - n isti.l 1110 n tentativa de tipos superiores de homem. de criar asi
111° 111 se ur1s formas de vida. O tipo nobre de homem, desse medo,
· quem ret'me todas as condições para as expressões mais acabadas
·superiores .. de criação. Somente criando o homem pode redim;r.
se d íltt,o eterno. A criação de cunllo artístico possui um vínculo for-
te e ma mentira e com a falsificação. Por meio de sua ·faculdade de
artista· todo existente e. principalmente. o homem poderiam ·vio[en-
tar". transfigurar e "falsificar" a efetividade do vir-a-ser. A posição de
ilusões perspecti istas. no entanto. é justificada. à medida que expres-
sa o transbordamento da força criadora do homem. No nobre. a cria~
çào de no os valores propicia a elevação do tipo homem. e pressupc€
a disciplina e o estabelecimento de condições culturais propícias.
ietzsct1e distingue as criações dos fortes das criações dos fra-
cos. Decisivo é perguntar se foi o excesso ou a carência que se tor-
nou criativo. Enquanto os valores afirmativos são criados pela ·espé-
cie mais nobre de homens .. , os valores da decadência. negadores dJ
vida, provêm dos fracos. Nos últimos ocorre. por fim. a paralisaçã
do impulso criativo; nos nobres e fortes. é o terrível e eterno texto
homo natura que triunfa em novas criações valorativas. É também
prerrogativa dos homens nobres estabelecer a hierarquia dos valo-
res. Para essa tarefa futura, tais homens deveriam ser dotados dJ
pulsão da força configuradora, dominadora, também nomeada de
dionisfaco. Nos últimos anos de produção filosófica, Nietzsche enfJ-
tiza essa noção de criação, enquanto ímpeto da força configurad ~,:
os ·mais fortes" são aqueles que conseguem configurar em si e em
torno de si os impulsos naturais e as forças acumuladas na cultura dJ

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Cri t1 r11 mo

11111n;inidíld ' . Com isso, s ria possível atingir uma postura criativa,
inter~ r ILlliva e afirmativa no mundo único do vir-a-ser.

Sobre CRIAÇÃO, consultar NT § 6 e§ 13; ZA l "Oo caminho do criador~ li


•Nas Ilhas bem-aventuradas" e "Do superar si mesmo~ Ili "De velhas e
novas tábuas" § 3, § 12 e§ 29; BM § 230; CI "O que devo aos antigos"§ 4;
FP 341204) abril/junho de 1886; FP 38 (12) junho/julho de 1886.

Ver também AFIRMAÇÃO, ARTE, DIONISIACO, EXPERIMENTO, FORTE,


GÊNIO, HIERARQUIA, INTERPRETAÇÃO, MENTIRA, PRAZER, VALOR,
VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. Niilismo, Criação, Aniquilamento: Nietzsche e a


Filosofia dos extremos. São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Uni-
juí, 2004. Capítulo 5. [Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Por uma filosofia dionisíaca. ln:--. Nietzsche. seus
Leitores e suas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O, p. 143-156.

Clademir Araldi

CRISTIANISMO (Christentum)

Para Nietzsche, o cristianismo representou um movimento de con-


tinuidade do ressentimento, do ódio e da vingança instaurados pela
moral judaica. Essa relação de parentesco com o judaísmo teria leva-
do a doutrina cristã a proceder moralmente da mesma maneira, se-
gundo a qual a moral judaica havia operado até então. Isto é, a moral
cristã também avaliaria o tipo "nobre" através de seu olhar bilioso e
ressentido, mantendo assim a mesma atitude de identificá-lo como
sendo moralmente "mau". Apesar de defender essa continuidade en-
tre judaísmo e cristianismo, o filósofo entende que a doutrina cristã
foi ainda mais extrema no caráter imaginativo de sua vingança. Im-
potentes para realizar uma reação efetiva contra seus opressores, os
cristãos "forjaram" a existência de um julgamento divino que promo-
veria uma revanche na vida do além. Essa desforra imaginária teria,

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Crist,onismo

por seu turno. a função de dar aos oprimidos cristao ~ n" <;,10
força. felicidade e conforto. No além. os ·oons cnstJos rccc rldrn,
como consolo pelas dores sofridas. a recompensa da ?cm-avcn u.
rança no Reino de Deus. Lá, eles seriam finalmente felizes e a s, 4
riam aos · maus" - bem logrados na vida terrena - pagarem P0f
suas · maldades". Enfim, o sofrimento, a invídia e a sensação de 1m.
potência seriam os elementos a partir dos quais teria sido engendra4
da a revanche fictícia do cristianismo. Além de promover a vingança
e o consolo. as noções de jufzo final e de vida eterna no além também
teriam a função de legitimar um modo de vida proposto pela doutrina
cristã. Isso porque a esperança de redenção do sofrimento terreno e
a expectativa de recompensa transcendente garantiriam a obediên4
eia moral dos sofredores. Uma vez que no Reino de Deus as virtudes
cristãs seriam, enfim, recompensadas, viver de acordo com essas ·r.
tudes - ascetismo, resignação, compaixão etc. - ganhou sentido.
Assim, o além passou a servir como justificativa para uma vida ter-
rena conforme os preceitos morais do cristianismo. Essa obediência
moral. contudo, teria conduzido quase toda a civilização ocidental à
negação da vida terrena. Isso porque o "embuste" cristão teria feito
o homem ocidental viver esta vida em função de uma vida ilusória.
Uma vez que deslocou o "centro de gravidade" desta vida para uma
vida fictícia num além-mundo, o "estratagema cristão" teria esva-
ziado a vida terrena de significado. Comparada à promessa de vida
eterna, a vida terrena pareceu não ter mais sentido nela mesma. Em
suma, o cristianismo contaminou o Ocidente com sua décadence.
pois fez proliferar uma vontade de perecimento.
No entender de Nietzsche, Paulo de lasso teria sido o maior res-
pon~vel pela disseminação do cristianismo assim compreendido. Po-
pularizado pelo apóstolo na cultura pagã, o "argumento do além·
mundo" teria contagiado todo o imaginário moral da civilização oci-
~ent.~I. O _ "medo" e a "esperança" suscitados pelas noções de •juízo
final e "vida eterna .. tenam
· ··
prop1c1ado um domínio cristão sobre a
cultura _p~gã_. Nietz_s~he sustenta, contudo, que há uma diferença en·
O
tre c_ nstiarnsmo vivido pelo próprio Cristo e o cristianismo difundido
no Oc1dente, poisª · fi rma que Cnsto
· não foi um ressentido, mas ape-
nas ~m décadent. Nesse sentido, Jesus seria um exemplo de um tipo
de vida sofredora que nega a si mesma enquanto vida. Apesar d r

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m umil f nna d vida dcclinant , Cn to nJo c;uir1
re ntirn nto e, por is o, nào teria elaborado r nhum 1
, 11 0 ;111 a ntra os eres vitalmcnte bem constituídos. a crda ,
1 Jra terizar-se-ia por aceitar todo tipo de injúria sem ofer e r
1al u r reação ou revanche. Esse modo de ser ter-lhe-ia levado a
n ticar e a ensinar uma doutrina da total resignação que, ao contrá-
ri d cristianismo paulino, não pretenderia mostrar que o sofrimen-
t e a renúncia levariam a uma recompensa futura num além-mundo.
N e nte to desse "cristianismo autêntico", a noção de reino de Deus
e\:eria ser compreendida, portanto, como uma experiência pessoal
processo de décadence e não como algo que viria após a morte
em fom1a de retribuição ou castigo. Enquanto a mensagem do ·evan-
gel110 de Cristo" teria ensinado, "apenas", a prática da resignação e
da negação da vida, a religião cristã popularizada pelos apóstolos te-
ria pregado a vingança através de suas noções de além-vida. Enfim. a
crítica de Nietzsche visaria mais aos cristãos do que ao Cristo. Inclu-
sive, é nesse sentido que o termo Antichrist foi, por vezes, interpretado
como "anticristão" e não como "adversário do Cristo".
No pensamento nietzschiano, o cristianismo também é com-
preendido como artifício de conservação da vida décadente. Por en-
sinar que o sofrimento purifica do pecado e que a prática do ascetis-
mo conduz o cristão à redenção no além-mundo, o cristianismo teria
o poder de conservar a forma de vida décadente. Em outras palavras,
o cristianismo dá um sentido a quem não suportaria mais viver o sofri-
mento da vida terrena, pois mostra que é justamente vivendo essa dor
que o sofredor alcançará outra vida repleta de recompensas. Enfim,
o cristianismo evita o que Nietzsche chama de "niilismo suicida".
Ainda é necessário ressaltar que Nietzsche defende a tese de
que existe uma íntima relação de semelhança e continuidade entre o
platonismo e o cristianismo. Ele afirma, por exemplo, que a negação
platônica dos sentidos consiste numa preparação para o cristianis-
mo. Essa maneira de ver baseia-se na tese de que, antes mesmo do
advento do cristianismo, a filosofia de Platão também teria erigido
o mundo suprassensível como a referência cardinal para promover a
legitimação de uma ética ascética e negadora da vida. Tanto os mi-
tos platônicos acerca do julgamento da alma no pós-morte quanto
a dualidade de "mundo inteligível" versus "mundo sensível" seriíllll

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1li I t

110c, > :1que lfJrimn clí1rJo f!mlJ:1 í)n1cnto rnctafí5íco a uma ~tíca d(:r.o.
1

cle11t ,. ·, ondo l~i',O <J rri rr 1•nl <!, Nict1. )ctlc dcíericJc que o cristiani',rrirJ
!,e,ili urna e',pé Ir, de pl,1lor1i ,mo adapwcJo bs ma~sas, pois essa rei,.
gl1 o t ri, populriri1íJd0 urn ;irg1Jmcnto retórico que já se encontrava
no p 1rbJrncnto rJc PlíJtno.
Sobro CRISTIANISMO, consultor IDP 1§ 3, li § 6 e § 11; A § 71 e § 72; ZA 1
"Dos ultromundonos" o "Dos virtuosos"; BM § 46; GM 1§ 8, § 14 e § 15,111
§ 11, § 13, § 27 o§ 28; CI "Incursões do um extemporâneo" § 5, § 34 e§ 47 e
"Mo rol como contranatureza " § 4; AC§ 24, § 27, § 29, § 32-§ 42, § 44, § 45,
§ 47, § 61 o§ 68; FP 7 158) do final de 1886/primavera de 1887; FP 11 13751
do novombro do 1887/março de 1888.

Vor também ASCETICISMO, ATEIS MO, COMPAIXÃO, DÉCADENCE, JU.


DAfSMO, METAFISICA, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, NII-
LISMO, REDENÇÃO, RESSENTIMENTO, SELEÇÃO, VINGANÇA.

Bibliografia
BARROS, Fernando R. de Moraes. A Maldição Transvalorada: O Pro-
blema da Civilização em O Anticristo de Nietzsche. São Paulo, ljuí:
Discurso, Unijuí, 2002. (Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. O Anlicristo. Cristianismo: da má filologia à corrup-
ção dos instintos. ln: - -. Nietzsche e a Arte de decifrar Enig-
mas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 227-244. (Col. Sendas
& Veredas).

João Evangelista Tude de Melo Neto

CRÍTICA (Kritik)

A noção de crítica é delimitada por Nietzsche como uma condição


para a tarefa filosófica criativa. É nesse sentido que pode ser enten-
dida a crítica estética à ópera, à "depravação da arte" nos escritos jtr
venis. A "crítica filológica" ao estudo das fontes de Diógenes Laércio,
por exemplo, distingue-se da erudição que tudo reduz a uma crítica
devastadora e estéril. A "crítica produtiva" a Eurípides, a Sócrates eà

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Critica

formação moderna tem em vista a "boa crítica", com efeitos positivos


na cultura humana. O excesso de crítica paralisa o impulso criativo.
por isso, é preciso criticar o impulso desmedido ao conhecimento.
Por outro lado, Nietzsche radicaliza a crítica do pessimismo até sua
época, como condição para seu aprofundamento. Ele critica Kant por
ter interrompido a crítica, para dar lugar à fé, ao reino moral. Com
isso, atingimos o cerne da compreensão e dos esforços de crítica dos
anos de maturidade. Através do método genealógico, a crítica da
moral atingiria seu mais alto nível de radicalização. É desde a pers-
pectiva não moral da vida ascendente que é feita a crítica dos valores
morais e das avaliações da tradição, principalmente da moral cristã.
Expressões do pessimismo e da décadence, as virtudes do rebanho
assumem múltiplas formas. Por isso, a crítica da moral é a instância
para criticar as ideias modernas, o Romantismo, o valor da verdade,
a ciência e as pretensões de "melhorar" a humanidade. Para o jovem
Nietzsche, a "única crítica possível " da filosofia seria aquela que colo-
ca a questão se é possível viver de acordo com ela. O Nietzsche tar-
dio critica a filosofia como um movimento negador da vida e da na-
tureza. A crítica à tradição filosófica metafísica e moral, no entanto,
é condição para o estabelecimento das tarefas próprias dos filósofos
do futuro, que seriam legisladores e criadores.

Sobre CRÍTICA, consultar NT § 22; Co.Ext. 1§ 12; Co.Ext. 11 § 5; Co.Ext. Ili § 8;


A "Prefácio"§ 3; GC § 307 e§ 345; GM "Prólogo" § 6, Ili§ 24; CI "Incursões
de um extemporâneo"§ 35 e§ 39;AC § 16 e§ 46.

Ver também ANIMAL DE REBANHO, AVALIAÇÃO, CRIAÇÃO, FILOSOFIA;


FILÓSOFOS DO FUTURO, GENEALOGIA, IMPULSO, METAFÍSICA, MO-
RAL, PESSIMISMO, VALOR, VERDADE.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Nietzsche, Kant et la métaphysique dogmatique.


Nietzsche-Studien, v. 40, p. 106-129, 2011.
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo Ili.

Clademir Araldi

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CRUELDADE (Grausan,ki ir,
u t n~ 1 ' 11'r m '' 'u , o tr 1
liza •e
a 1vi1d r 1 íi11t ,
-·.
t h1 11 m m.
. . 11 i C ira . él l ltl V(d ir{, <l
LI
p ·-11i t ric d r rnw t'l da ui:o ~
\ I / ch;unarád ·m móriada~ono . ·.
. u1 1 ins rum nt in ispen_flv 1 @ ena ao e o CL l , 0
· ni J num r1nimal capaz de fílzer promessas. b d:
i.:- 1. J 111el J e e nsiderada. não uma mera resposta emoci ai
·e ir ift"' r \ :i f:1 e à d r alheia ou. então. numa chave psicolób1ca.
11 sin r J líni e esp ífico vinculado ao sadomasoquismo. mas
sim um trcr e1711 e asilar do processo de domesticação e con r-
r J · "lL :12 n ss s instintos. A crueldade. sob tal àngulo. deveria ser
\ i::,tJ cn~uJnt 1 um d s mais antigos subsolos da cultura. igora a 1
i eL de ue. sem um ele ado grau de sacrifício. a eticidade do e s-
tume níl p :1erir1 arvorar-se a núcleo ontológico do de er, isto é.
s n nsebuisse. em estágios Msemisselvagens", empreen er
um lutr1 s r\=,renta no interior da alma do homem . neutralizan o
u simplesmente e. tirpando os contra-impulsos a essas ao amansa-
menta das f rças indóceis da animalidade humana. o entanto. com
o procedimento genealógico - bem como de suas aplicações. d,'oa-
mos, ad hoc, na filosofia da maturidade-, a crueldade, além de \e-
tor de amansamento e prazer decorrente do exercício de poder sobre
o outro. acaba recebendo uma elucidação mais específica : doravan-
te, ela em à tona como auto-imposição de sofrimento e, por conse-
guinte, como semente da assim chamada "má consciência ". Direcio-
nada centripetamente pela regularidade das punições e dos cJsti6 0S,
a crueldade internaliza-se e descarrega-se para dentro, voltJndo-se
contra o próprio indivíduo. Sofrendo consigo mesmo, este último é
então declarado, pela vitoriosa e hegemônica moral do ressentimen-
to, como culpado de seu próprio sofrer, o que também resultõ. ern
termos civilizatórios, no exaurimento e neutralização do antigo pra er
com o exercício externalizado de potência.

Sobre CRUELDADE, consultar A§ 221; BM § 229; GM 11 § 3 e§ 16.

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\ 1 1 tl\l' 111 , : 1100, (;IVll.llAÇAO, CUI.JJA, CULTIVO, ETICIOADE 00
,, 1\ IMI , 1 1NI AI O<llA, MA CON Cl~NCIA, MORAL, PRAZER, PS CO-
''' I· , 1\1 t I NIIMI NIO.

li bl ,,u1 ufl,
\ 'I W11, '. \'. 111111 illltd <11 1, Nl<'l1', llr, e o Dír,'lJ/uçóo da Moral. 23 ed.
, ., l\11111, ll11í: Ph1.t11'10 Edll orlal, Editora Unijuí, 2003. (Col. Se -
d,I'•, \l\ 1lt'd 11,)

Fernando R. Moraes Barros

CULPA (Schulcn

N., 1111 %\ "lt'lllíl, o termo Schuld comporta duas acepções. A pri


1 e
1,1 11.' 11 !,pl•llo ,) noção cJe débito material e pode ser traduzida para o
1

I\ 11 111 11 ~. por "uívi(Ja". Já a segunda acepção, expressa um co cei-


1

1~1 in 1111 q11( é cJc~ilgnacJo por nossa palavra "culpa". Tomando co o


1

1111•1nit, ,<1 ,, tc~.c de que a acepção de "culpa" é um desdobrame o


1

111. 1 tice> (líl noçc o de "dívida", Nietzsche vai tentar explicar a orige
t'.l'l\l'dl( {~I .a da ··culpa" a partir de uma primitiva relação contra uai
1·11111' C1( dor e rJcvedor. Em tempos remotos, o devedor afiançava
1

:,11,1dívi(ld clar1cJo como garantia ao credor o direito impingir-lhe d r.


11 . tJ , o crc(Jor passava a possuir o "privilégio" de exercer a cruel-
d,1 lt Cíl!10 o devedor não honrasse a dívida. Segundo ietzsche, essa
1

1 1:1d ontratual também estaria na base das relações religiosas que


11, n 11111nidaclcs tribais estabeleciam com seus antepassados. Isto é,
l,l 111 ceri1 e o éllual possuiria uma dívida para com a as gerações fun-
d111 >1i1 s e, por i so, teria de pagar constantes sacrifícios a esses an-
t'. tr11i • 111ortos. Concebidos como espíritos possuidores de poder de
vinf~,lll c1 1 cl r compensa sobre os vivos, os antepassados regozijar-
. ' i11111 0 111 imolações de animais e humanos. Num estágio histórico
1 .t ·, ior -- cJistante da época das gerações fundadoras-. o senti-
rn 'rll <I 'dívida teria se potencializado, pois os ancestrais passaram a
• l r ·11t nclidos corno divindades. Desdobrando essa tese de que sen-
tirn 1 111 d I dívi<Jo para com as gerações fundadoras aumentou com

169

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Cult1

,1 d1vmi1a ,)o de.. e. .in t • t,.ib, N1ct1 ,rlH! ron<h1 q11 • 11n1•r1,.111 in1i
1

di indnc1, única r 11,Htor,1 cl<' IO<lo 11111 t'r !,O t'lt'v0t 1<"1',c 1 '1( 1ntlrn,•, 110 ,,
lllt -..:imo crtl ll. É por t'. '.~,1 1,1/, O (lllt', p.lld O,,, ~
,oro. ,1ll1 IÔ11,1(l,1Clt I
11

da/culpél t 'rid cl1eg,1do ,10 se11 , pin' ·0111 ,,s n<><. 111 cio r eu•, ju 1,11
cri 110 cio pccJdo originéll. De11s, o rt'cfor. l<'r1.1cl,l(I0 il ti }fll'rn
a vida e o Jardim do -d ' ll, cnq11;m10 qw' o l1onH'lll r l11t)1 11 , .,1 cJ.\
1

diva (0111 o pecado. N ss ' novo Ollll'XIO, Olllll(I(), o cl1 rt'i1 1~ 10


''ª
lência do credor, paca111e1110 p ciívict.i. ê e cr .i<lo no ele t' i r 11)
próprio devedor! Isso porque o s 'Ili im 'Ili o ele clívi<lil é lnt roj 'l,1 Jo
se transforma em autossuplício psfq11ico. 1. to ., crn on i n 111 ,1,
culpa. Com essa argurnenté:lçi1o. Nict1s 11 ' . ubv rt 'Lllllt tr,1cl1,on,11
concepção acerca de culpa. Isso porque, e se. nli111 nt n,)o 1 1

ria mais ser entendido como umél instfincin m Ulfi i íl d il 0 11 , nci,1


que funciona como uma espécie de 1Jússolc1 1110ml qu ' 1'V,l o llom m
a apontar naturalmente para o "bem" íl s 'Ili ir- i11 m tl 1do m
praticar o "mal". Ou seja, a culpa rn1o um l 'm rllo él -hi. tórico e
locado, por Deus. na alma do homem, pois l,1foi rorj de. hi tor1cl1-
mente através do martírio.
Sobre CULPA, consultar GM li§ 5, § 8, § 19-§ 22.

Ver também ASCETISMO, CASTIGO, CONSCIÊNCIA MORAL, CRISTIA•


NISMO, CRUELDADE, DEUS, GENEALOGIA, JUDAISMO, MÁ CONSCllN,
CIA, MORAL, VINGANÇA.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Nictzsc/1r e a Oi 0 /11 do da l\lloml. 2 d


São Paulo, ljuí: Discurso Editorit1I, Editoríl U11ijuf, 00 . (Col. en
das & Veredas)

João Evangelisto Tudo do Molo Noto

CULTIVO (Züchtung)

A noção~de Züclltu11g, que é diffcil trad tuir por urn t'lnict1 J JI ivr,1 111
portueues, aparece crn fragmento pó turno do 111 'io dtl d J 1.1 d'

170

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Cultivo

1870. quando Nietzsche reinterpreta seu projeto educativo numa lin,.


guagem zoológica tributária da teoria da evolução.
Nietzsche sabe que a expressão "cultivo natural" (natürlíche
Züchtung) designa então comumente a seleção natural de Darwin.
Mas ele também está ciente de que, no contexto da domesticação,
o termo "Züchtung" remete ao processo de criação/cultivo pelo qual
um criador transforma as qualidades hereditárias dos seus animais e
plantas domésticos. Vale salientar que Nietzsche não tem uma inter-
pretação meramente eugenista da Züchtung, que a reduziria a uma
escolha de reprodutores. O filósofo considera, conforme o princípio
lamarckiano de hereditariedade das modificações adquiridas, que
um criador também age sobre a hereditariedade dos organismos ao
alterar seus hábitos e condições de vida. Com base nessa hipótese
evolucionista, é coerente defender que não há nenhuma diferença de
princípio entre a educação de um homem e a Züchtung de um ani-
mal. De fato, o§ 202 de Para além de Bem eMal e a seção "Os 'me-
lhoradores' da humanidade" do Crepúsculo dos !do/os reafirmarão a
necessidade de aplicar um vocabulário zoológico à humanidade,
contra as interpretações morais ou metafísicas. Isso permitirá justa-
mente opor a Züchtung ao mero amansamento da besta-homem
que a moral cristã realizou durante a Idade Média: a diferença fun-
damental é que o amansamento interioriza os instintos sem transfor-
má-los em profundidade.
Tal zoologização não é a única inflexão conceituai implicada
pela tradução da linguagem da educação na linguagem do cultivo
(Züchtung). a partir dos fragmentos póstumos de 1875. Com efei-
to, o pensamento educacional do jovem Nietzsche visava a formar
adequadamente os indivíduos pertencentes à "aristocracia inata do
espírito". Porém, ao falar de Züchtung nesse contexto, Nietzsche
também quer evidenciar a dimensão histórica e supra-individual da
educação. Nesse sentido, o fragmento 5 [25) da primavera/verão de
1875 observa que um "cultivo meticuloso" precede a emergência
da grandeza cultural. por exemplo no caso dos gregos da Antigui-
dade. Essa observação sugere que a perspectiva da educação é de-
masiadamente limitada. Deve ser alargada pela perspectiva do culti-
vo, que leva em conta os efeitos mais duráveis da história da cultura

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Cult,

br o or p llLmléHlO. Assim se explica, m particular, a~j '•l


,1 do cone 'ilo de cultivo (Züchlung) e disciplina (luchtJ mPoro
a/u11 d' 8 m E tvfal (Cí. § 188 e§ 203) .
A noção nicllscllicJna de cultivo é concebida principalmcn e
c mo um1-1opcrcJçJo llumana. Nietzsche t1esita em admitir um ·cul ivo
natLirL1I". Jté porque não subscreve sem reservas a teoria darwiniana
dr1 evoluçJo por seleção natural. Uma exceção interessante parece
r o§ 11 1 de A gaia Ciência, em que Nietzsche sugere que as estru.
tLJrdS lógicas da cognição humana roram cultivadas (angezüchtet) de
modo seletivo, na medida em que conferiam uma probabilidade maior
de sobrevivência e reprodução. Mas o filósofo não desenvolverá essa
ideia darwinista em sua obra publicada. No início da segunda disserta~
ção de Genealogia da Moral, a hipótese de que o homem (enquanto
animal "que pode fazer promessas") seria o produto de um cultivo da
natureza não se refere a uma seleção natural: trata-se, antes. de um
processo socio-cultural inconsciente, em parte hereditário, que Nietz-
sche chama de "trabalho pré-histón'co" da humanidade.
Herdeira do projeto educativo do período de Basileia, a noçào
de cultivo não é simplesmente descritiva. Também tem um caráter
programático: Nietzsche pretende substituir o cultivo inconsciente
que regeu a história humana até agora por um cultivo consciente
e metódico. Em Para além de Bem e Mal, a "filosofia do futuro· é
mesmo identificada a uma experiência de cultivo. que deverá deter-
minar o que se pode fazer do homem ao cultivá-lo. Isso supõe reu-
nir, durante séculos e pelo menos na escala da Europa, as condições
culturais que permitirão à "planta homem " crescer com maior vigor.
Saber se esse projeto inclui uma eugenia ou não é uma questão que
permanece controversa nos estudos nietzschianos. Se Nietzsche in-
cluir em sua noção de cultivo uma seleção metódica de reproduto-
res humanos, essa teria um duplo objetivo. Por um lado, tratar-se-iJ
de combinar a força com o espírito numa casta de indivíduos supe·
riores (eugenia positiva). Por outro, a intenção seria combater a de-
generescência europeia ao excluir da reprodução os fracos e os rnJ-
logrados (eugenia negativa) . É claro, em todo caso, que Nietzsche
apresenta o cultivo como uma experimentação arriscada e perigo
com o rutura da humanidade.

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Cultura

Sobre CULTIVO, consultar GC § 111; BM § 44, § 188, § 203, § 242, § 251 e


§ 262; GM 1§ 11, li§ 1-§ 3, § 7, § 8 e§ 16; CI "Os 'melhoradores' da humani-
dade" § 2-§ 5; AC § 2 e § 3; FP 6 [ 11] e (26] da primavera/verão de 1876; FP
12 (22] do verão/final de setembro de 1876; FP 19 (791 de outubro/dezem-
bro de 1876; FP 23 (11 de outubro de 1888; FP 26 (1] de dezembro de 1888/
inicio de janeiro de 1889.

Ver também CIVILIZAÇÃO, CORPO, CRISTIANISMO, CULTURA, DARWI-


NISMO, EDUCAÇÃO, FORTE, HEREDITARIEDADE, HUMANIDADE, INS-
TINTO, MORAL, SELEÇÃO.

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Nietzsche contra Darwin. 2ª ed. amplia-


da e revista. São Paulo: Loyola, 2014. (Col. Sendas & Veredas)
SALANSKIS, Emmanuel. Nietzsche. Paris: Les Belles Lettres, 2015.
SALANSKIS, Em manuel. Sobre o eugenismo e sua justificação maquiave-
liana em Nietzsche. Cadernos Nietzsche, v. 32, p. 167-201, 2013.

Emmanuel Salanskis

CULTURA (Bildung, Ku/tur)

A palavra latina cultura, que deu origem às suas equivalentes nas lín-
guas europeias, significava os processos que envolviam o trato do
homem com a natureza, tornando-a adequada à vida humana. Cícero
associou a cultura ao espírito: a alma assemelha-se a um terreno que
não pode ser produtivo sem cultivo adequado. Na França iluminista
do século XVIII, o sentido de ação desloca-se para o do estado do
espírito cultivado pela educação. Assim, o termo adquire o signifi-
cado de oposição à natureza. Ao espírito com cultura opõe-se um
espírito natural e sem cultura. Essa dualidade da palavra, que envolve
tanto o estado propriamente humano (intelectual] quanto o proces-
so para atingi-lo, provoca a intersecção dos termos cultura (Kultur)
e formação (Bildung) . O quadro torna-se ainda mais complicado,
quando consideramos que as palavras cultura e civilização também
coincidem em alguns de seus vários sentidos. Em Nietzsche, esses

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Cultur11

nt1dos ,solados ou intercamb1antes ocorrem, ma há ou rCY, r


· o próprios de seu pensamento.
'ietzsche vê os agrupamentos humanos como comple.<I½ d~
cu ltura: a cultura envolve todos os tipos de expressão humana. e .r
ses não estão isolados uns dos outros; não há separação en re µro-
duções espirituais e materiais. Cada agrupamento ou povo tem ua
e pressão característica. E Nietzsche encara isso como um estilo ar.
tístico num sentido estético mais amplo: cultura enquanto unidade
de estilo artístico em todas as manifestações da vida de um po• o.
Podemos entender essa unidade de estilo como o predomínio de
uma determinada perspectiva ou interpretação sobre a existência.
Como exemplo. temos o modo de existência cristão. ligado à moral
de rebanho, uma cultura insuficiente. Com a doutrina da vontade de
potência, essa abordagem aprofunda-se, tornando-se fisiológica. Q!J
seja, assume a perspectiva da dinâmica de forças ou impulsos e
luta por mais potência: a cultura é uma configuração de impulsos
que. se cresce em sua potência e é altamente hierarquizada. ésa -
dável e, se decai e é pouco hierarquizada, é mórbida ou decaden e.
'esse contexto, a formação (Bildung) também passa a ter o signifi-
cado de arranjo, configuração ou conformação de impulsos, inclusi\e
para se referir a estruturas orgânicas ou de pensamento.
Outro sentido propriamente nietzschiano é aquele que tema
conotação de cultura elevada . Cultura aqui é a expressão dos im-
pulsos humanos como afirmação da vida enquanto um fluxo contí-
nuo de autossuperação, como uma ação criadora que não propõe
ao mundo, como fim supremo, a felicidade do repouso, e que, por
amor ao futuro, trata duramente o presente e a si mesmo. A cultura
elevada é hierárquica, predominando o pathos da distância, o sen-
timento de ser diferente, o que, rejeitando o nivelamento dos ho-
mens, promove o surgimento das exceções, do gênio, de persona-
gens capazes de imprimir um estilo contra os valores vigentes deca-
dentes e criar uma nova cultura . A cultura elevada deve ser capaz
de preparar sua própria superação quando se esgotar.
. A cultura elevada é antagonista da civilização enquanto domes·
t,caç~o (Zah':1~ng) do homem. Embora em Nietzsche haja traços dJ
clássica opos,çao alemã entre cultura e civilização, ou seja, entre o s·

174

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( li Wlrn II lf> 1

, toe. p11ill1tll t'lt'Vt1Clo (,1t1vicl,l( lf!11 lnll'l(1( 111111'., ,1rl •111c,1•it rf'l,(W>',rl',}
1
l' L ,t l l' to l'>-ll'rior <' !,11p1:1 fl 1111d, vlcl 11111111,111,1 (,1t1v1<l,1,1,,,1 pr:,, 1

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11
111 pr pll,lllH'llll' llll'l/!,Clll,1110, do r, 11 /11,:r fl•,loltigic O, ('lllH: () ri1v<1r<•
c1111e11to cio 1(!~1C'il1l(' III O (11• pcMHH lil I! :1 ',llil 11111,1,,, o.
A in1 p( 1tfü 1rl;1<lit c:1111111,1 pil ríl ;, filo•,ofl,1 nl<:11 1.< t1i,tr1i1 p Jflr: 'l !r
perccbid,l qlldlHIO o Ili )!1010 i lh!lll,l(J ;1frr11 111 (jlH! íHllt~•. <l(:lt! " r1g1 ,~rri
il>i<i O que erii íl c:1111111;1, q1H! l!lc: lol n prirrir:lro ;, tqm:,r ;, r.11lt1 1ra um
pr ulem;1. Mais cio q11c: l11v<:~.t l1i;1r <: <ll,11ir10·1tl<;,r ;, c11l1 11r11, r 1,,:11•.rtv~
pr 1c11di;1111oclll ir;'1 lí1.

Sobro CULTURA, C(111!Jllltur Ct,.l:x1. 1n1 li,, í'; Cu.( xt. li'•
10; 2A "Prl)l()(J(JH
§5e l "Do novo ldolo";AC ~ 20, '• [11, '• !,"/ 11 ~ 00; f:ll "Cr11p1'1 ,;ulo do l,JolrJ1:
como filosofar u nolputt do m111tolo" ~ 2; FP i 101do vnr ,o/outono cfo 1882;
FP 7 171 do prlmnvoro/vur o do 1003; l~P :.! 11 í'OI 11 1MUI do ,,11ton,, d() lfjljS/
outono do 1880; FP !) l138I o 11421, 101211, llfll II ll 'lOJ do uutnrm d111fjlj7; FP
141301 do prlmnv0ru do 1080; FP 10 lül <111 prlrn11vm11/v11rf10 do lOUH.

Ver também AFIRMAÇÃO, CIVILIZAÇÃO, CULTIVO, EDUCAÇÃO, ESTILO,


HIERARQUIA, IMPULSO, INTEílPrH:TAÇÃO, MOílAL, PATJIOS DA 015·
TÁNCIA, VALOR, VONTADE DE POTÊNCIA

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson /\nlor1io. /1 / i'iÍOIO(jiO rle Niell',r.l,e: /\ . 11pr:raç(JQ


da Oualicimie C11/ltm1/Hiulo,r1lo. lj1Jf: l Jnij1Jf, '.)()()(J .
SILVA Jr., Ivo dél. f:{I/ HW,(.'(J riu /J{f/ /.JJ(J{J( (J() Sol: Nir:ll.',C/J(} e (I culto-
ra alcmO. S; o Pil11lo, ljuf: 1Ji'. ,c:1w;o, IJnljuf, ')007 . (Col. .:1:rirJ,,r, li
Veredas)

Wil•,on /\ntonio Frozz tti Jr.

DARWINISMO (Dnrwlnlsmus)

Ape. Jr d nodermos COrl'. ,ld(!íílí r1lf~Ull'1cl<:nIUíl lO~ lo pCIY,c ll] nt


níctz~chiJno corno scrn<!ltlant <!'.i ,1a1,~ur11 íl ,pecto (Jc t~ori d 1 •v ·
J

luç~o de Charles Darwin ou rn<!.irno <Je outra., teoriíl 1 <N lu loni. ld'1 ,

17

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Dnrwinisrno

"lec '.) 1105 textos nictzscr1ionos s· o éls crílica~, contrr1 r


O (lUC ~I Vn . , . . ,·e . JrJ,r
· ·.
wI nisrno. Ess"s
º crfti·cas incrdern sobre os pnnc1pa1.1 conccitcy <J·
1r11
•, . l rta pela existência, seleção natural, seleção sexual ~cJ,,• .
lllclllOS. L . . d •- ~ IJ1
volvirnenlo da moral O parlir do 1nsllnlo e.compa1xao (sympath,
Não liá certeza de que Nietzsche tenha lido as obras capitai· ~J,:
Darwin (n,e origin of species e The d~scen~ of.man); .parece Que f:'~
conlleceu as ideias darwinianas por le1Luras indiretas, incluindoaqu~~
las que as criticavam: Friedrich Lan~e.' Karl Zoellner, Carl Naeg~n.
Ludwig Rütimeyer, Wilhelm Roux . W1ll1~m Rolph, en,tre outros. Es~
situação levou a propostas que ev1denc1~ram os eq~1vocos das leit
ras nietzschianas, como por exemplo: Nietzsche sena darwinista ~r
saber; as críticas seriam, na verdade, dirigidas à HerbertSpencerou
à filosofia da natureza (Naturphi/osophie). No entanto, o que POde-
mos constatar é que há um antagonismo radical entre os dois pen-
sadores, entre as concepções de vida nietzschiana e darwiniana.
Ou, ao menos, um antagonismo entre Nietzsche e o que ele enten-
dia serem as teorias de Darwin.
Nietzsche, de modo geral, vê o darwinismo incorporado não só
pela ciência, mas também pela filosofia, como um caso específico da
decadência que caracteriza o século XIX, sendo também uma modali-
dade do cristianismo. Suas críticas contra a luta pela existência econ-
tra a seleção natural têm como alvo principal a conservação transfor-
mada em ideal ou objetivo supremo da humanidade; são protest s
contra uma natureza fundamentada na persistência da vida em face:
da escassez de recursos e no encobrimento de que a vida é um pro-
cesso contínuo de autossuperação, que envolve dominação e ri,1-
ção. Enquanto em Darwin a luta se dá pela sobreviv nciíl, p l:i prú-
pria manutenção, em Nietzsche a luta se dá por do111i11t1 1 . p r 1u-
mento de potência. Para o filósofo alemão, a céJract )rístic, 111,1isgtrl11
da vida não é a penúria, rnc1s o rnais cxlremo d sp 1 nHci . d 1r li\lr
curso à própria p0Lêncic1 , criar. A conscrvaç<~o ú clpL)llilS l lllltl CL1f1Sr-
quência indireta elo processo (j I élUL0SSIIPCrílÇél0. A llll,l li,11\\'ifliJlkl
ocorre funcJamcnlalrncnw cnlrn orf~anis111os imlividudiS: llll l'lll,111t •
naréJ Níctzsct1c. cln ocorr' cmIoclas ;1s instemt 1s ci,, PXiSll111 'i-1: L'lllll'
os : res inorpfü1i os, entr(~c1i; nwnor s prn t 'S dos 01u,111b1lll'S, i,t"
1

ea >rncsrn ocntrc povo,) (! ult111 a~i.O 111ovl111(111to lo ir" ~l'l ~'d-'


enquanto lut;i por clornimH., o.

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Darwinismo

A seleção natural de Darwin preserva as variações orgânicas e


comportamentais que são 'favoráveis ou úteis ao organismo na luta
pela existência: aquelas que são desfavoráveis ou nocivas não são
preservadas. Toda modificação selecionada na natureza deve estar
relacionada a alguma vantagem na luta pelos recursos vitais, por
menor que seja e mesmo que seja aplicada em um único momento
do ciclo vital do organismo. O acúmulo de pequenas variações pro-
duz novas espécies. Nietzsche utiliza-se de vários argumentos contra
esta noção darwiniana, algumas semelhantes às críticas que Darwin
sofria de outros biólogos. O filósofo alemão entende a postulação da
importância da vantagem como uma teleologia e acusa o darwinis-
mo de ser um finalismo, de ser uma metafísica que busca uma fina-
lidade. A vida é algo que sempre deve superar a si mesmo, e, por-
tanto, não busca a utilidade de uma estrutura para a persistência na
existência. Não haveria seleção das características vantajosas para
a conservação do indivíduo: o acaso, na luta pela vida, auxilia tan-
to os fortes como os fracos, pois a astúcia substitui frequentemente
com vantagem a força e, além disso, os fracos são mais numerosos.
Assim, não haveria uma maior transmissão para a geração posterior
das características vantajosas, mas sim daquelas características mais
frequentes, o que concorre para a manutenção de um tipo já esta-
belecido. Ao desprezar a seleção natural, Nietzsche propõe, tanto
para os seres vivos quanto para a cultura, um processo semelhante
à adaptação funcional do biólogo alemão Wilhelm Roux, capaz de
superar a hereditariedade e de criar novas formas.
O esgotamento das forças criativas da cultura europeia faz com
que atuem estratégias de conservação: o darwinismo, por postular
a luta pela sobrevivência, serve àqueles que, por não conseguirem
superar sua própria situação, inventam conceitos metafísicos. O pen-
samento de uma evolução em direção ao ser perfeito e ao "homem
bom" foi produzido por aqueles que necessitam de conservação: o
progresso tende para o dia no qual não haja nada a temer. Assim, o
desenvolvimento darwiniano da moral é também expressão de deca-
dência e história apenas da moral dos escravos: seleção natural de
instintos sociais (compaixão, altrufsmo, fidelidade etc.) que se trans-
formam, ao sofrerem a ação do intelecto humano e do hábito, na
noção de dever, automaticamente obedecida para não produzir
mal-estar no indivfduo.

177

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1 D H WlíllSnl

e ntra" 1 Jo xual (n luta dos machos pela Posse d r .


rn ris a disputc1 díls fêrn t1s pela t1trc1ç~o dos machos), Nietisch va1
apontrir qu o in tinto sexLml não é direcionado, pois. como impulso
sempre busca expr111sào má ima e não limitação. Qualquer finalidad ·
ou justificativa parJ o sexo é apenas urna ilusão do intelecto.
Pod mos encontrar um sentido mais específico de darwinismo
em algumas críticas nietzscl1ianas: o Darwinismus. movimento de
viés materialista que. na Alemant1a. a partir de meados da década de
1860, uniu as ideias de Darwin a questões científicas, políticas e reli-
giosas propriamente alemãs. Seus principais propagadores: os biól(}.
gos Ernst Haeckel e Wilhelm Preyer. Haeckel. a quem Nietzsche dirigiu
duras críticas, acreditava que o progresso, por ser uma lei natural liga.
da à seleção natural. ocorria tanto nas espécies quanto na sociedade.
Para o biólogo alemão, a unificação alemã foi resultado da evolução
do Phy/um (grupo superior com integridade racial) germânico.

Sobre DARWINISMO, consultar Co.Ext. 1§ 7-§ 9; GC § 349 e§ 357; BM § 253;


GM "Prefácio" § 7; CI "Incursões de um extemporâneo"§ 14; EH .,Porque
escrevo livros tão bons"§ 1; FP 11 [177] da primavera/outono de 1881; FP
24 [25] do inverno de 1883/1884; FP 34 [73) de abril/junho de 1885; FP7 [251
do fim de 1886/primavera de 1887; FP 10 [7] do outono de 1887; FP 14(123]
e [133] da primavera de 1888.

Ver também COMPAIXÃO, CRISTIANISMO, DESENVOLVIMENTO, FORTE.


HEREDITARIEDADE, IMPULSO, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRA·
VOS, NATUREZA, ORGANISMO, PROGRESSO, SELEÇÃO, VIDA.

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Nietzsche contra Darwin. 2ª ed. amplia-


da e revista. São Paulo: Loyola, 2014. (Col. Sendas & Veredas)
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. A construção da oposição entre Lamarck
e Darwin e a vinculação de Nietzsche ao eugenismo. Scientiae Stu-
dia, v. 9, n. 4. p. 791 -820. 2011.
SALA~SKI_ S, Emmanuel. Moralistes darwiniens: les psychologies évolu·
tionrnstes de Nietzsche et Paul Rée. Nietzsche-Studien, v. 42. n. 1,
p. 44-66, 2013.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

178

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DÉCADENCE (Décadence)

e m e, ceção de uma aparição isolada em um rragmento póstumo


de final 1876-verão 1877. Nietzsche passa a utilizar a palavra fran-
cesa décadence a partir de O Caso Wagner, sendo que ela aparece
também de modo importante nos outros textos escritos nesse ano:
Crepúsculo dos Ido/os, O Anticristo e Ecce Homo, além dos fragmen-
tos póstumos após o verão de 1887. O filósofo alemão traz o ter-
mo de sua leitura de Essais de psychologie contemporaine ( 1883)
do escritor francês Paul Bourget. Em toda sua produção filosófica.
lietzsche utilizou a palavra Entartung para designar degeneração, e
ela aparece também com muita frequência nos textos e nos últimos
fragmentos póstumos acima citados.
Para Nietzsche, décadence é a desagregação dos instintos (/n-
stinkte), tanto do indivíduo quanto da cultura, os quais não podem
mais encontrar condições que propiciem o crescimento de potên-
cia, pois perderam toda capacidade de seleção, supondo que tudo
se equivale, tudo é nivelado, não há um estilo próprio, e podem até
mesmo aceitar o que é prejudicial ou ruim [schlecht), ou seja, o que
impede o crescimento de potência. A configuração de impulsos se
desfaz por falta de um ou mais impulsos dominantes que mantenham
a hierarquização. A decadência está estreitamente ligada à doutrina
da vontade de potência: não é um estado, mas um processo mórbi-
do. Ela é o processo de esgotamento ou de degeneração de toda or-
ganização potente e hierarquizada, já que esta não pode durar inde-
finidamente. Todo organismo, todo arranjo de impulsos em luta por
mais potência, seja a parte de algo, um indivíduo ou uma cultura, tem
um processo de surgimento, desenvolvimento (Entwicklung), déca-
dence e dissolução [Auflôsung).
A história da civilização europeia é, segundo Nietzsche, um mo-
vimento de décadence. A filosofia metafísica, o socratismo. o plato-
nismo, o cristianismo, a moral e a arte são sintomas da desagregação
dos instintos. O niilismo ou a vontade de nada e o ideal ascético tam-
bém são expressões de decadência fisiológica, da dinâmica impulsio-
nai. Todos eles são artifícios ou máscaras para dissimular a náusea em
relação ao mundo, a negação da vida enquanto um fluxo contínuo de

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Democracia

mudança. para tentar manter o que está se desagregando, evitar a


dissolução derradeira. Os remédios são ilusórios: não se Pode parar
o processo, porém pode-se mudar sua expressão.
Sobre DÉCADENCE, consultar CI "O problema de Sócrates"§ 4 e§ 11, •1n.
cursões de um extemporâneo" § 35 e§ 43; CW § 4, § 5, § 7 8 "Segundo Pós.
escrito"; AC§ 6, § 7, § 11, § 17, § 19 e§ 24; EH "Por que sou tão sábio"§ 1; FP
14 (86) da primavera de 1888; FP 17 (8) de maio/junho de 1888.

Ver também CIVILIZAÇÃO, CRISTIANISMO, CULTURA, DESENVOLVI-


MENTO, ESTILO, HIERARQUIA, INSTINTO, METAFISICA, NIILISMO, SE-
LEÇÃO, VIDA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

BARROS, Fernando R. de Moraes. A Maldição Transvalorada: O Pro-


blema da Civilização em O Anticristo de Nietzsche. São Paulo, ljuí:
Discurso, Unijuí, 2002. (Col. Sendas & Veredas)
FREZZATIi Jr., Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: A Superação
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.
MARTON, Scarlett. Modernidade e Décadence: Wagner e a cultura filis-
teia. ln: MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João Mayer; CONS-
TÂNCIO, João (orgs.). Sujeito, Décadence e Arte: Nietzsche e a Mo-
dernidade. Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 199-225.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

DEMOCRACIA (Demokratie)

Pensador do ~eu tempo, Nietzsche sempre foi um ferrenho crítico da


democracia. E, no entanto, o contexto político e econômico da segun-
da metade do século XIX que traz os elementos necessários para com-
preender suas críticas. A guerra franco-prussiana, de 1870-187 1,
com a vitória dos alemães sobre os franceses, foi um passo importan-
te pa~a dotar a Alemanha de ferramentas no campo ideológico. tendo
em ~,sta_ destravar a economia. Elemento central para a política eco-
nô~ica liberal, a democracia contribuía para ruir as estruturas tlieror-
qu,zadas tributárias de um forte ranço medieval ainda pr sente íl1

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, , ._1, ,rnJ . 1• mud in Qu ' lt ram f 1
~ tJint ,. nf , m unrn profund r ore nil ç:l :v u <> in· 1 1 ...
\'JLI I Jlll '. lllu ~ ira muito s gmentos d soei d d i, m rú-
uJr do mais cultivados. assentados num ·Estado culturar.
T mando a defesa de certa concepção de cultura. que se viabi-
11 a a nas com a manutenção de uma organização social de cunho
an tocrático, ietzsche encontra no recurso à democracia um dos
fJtores responsáveis pela movimentação social do mundo em que
\'ive. Daí a necessidade implacável de sua crítica à democracia. os
seus primeiros escritos, "Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos
de Ensino" e "Cinco Prefácios para cinco Livros não escritos-, Nietz-
sche aponta o seu distanciamento tácito da democracia. No entanto,
somente após a vitória alemã na guerra contra a França, que colocou
fimàs esperanças de uma renovação cultural por uma via que reto-
maria aspectos do mundo grego, o filósofo passa a abordar explici-
tamente a questão democrática, partindo agora de uma perspectiva
iluminista. Se toma para si uma via esclarecida, não deixa, no entan-
to, de estar mais próximo de Voltaire que de Rousseau , haja vista
aquele ser partidário de um esclarecimento de fortes traços hierár-
quicos. Éassim que, na mesma linha de uma primeira tradição libe-
ral, que menosprezava a democracia, Nietzsche considera que o es-
clarecimento à multidão quanto às questões de cunho religioso não
deve ocorrer, devendo estar circunscrito a um segmento preciso da
sociedade, pois, caso contrário, o risco de a democracia se instaurar
é grande. Assim, no ver do filósofo, ao suprimir a distância entre os
governantes e a multidão, fazendo que os superiores se vejam a ser-
viço da vontade da multidão, os governantes passam a se submeter
à multidão e vice-versa . Dada a proximidade entre governantes e
multidão, as luzes podem chegar a esta, eliminando o ofuscamento
religioso, fundamental para a manutenção do Estado. Daí ser impe-
rativo para Nietzsche, já em Humano. demasiado Humano, comba-
ter a democracia por meio de um iluminismo seletivo.
Contudo, a crítica ganha novos contornos em sua obra madu-
ra com a abordagem genealógica, que se constitui a partir da abor-
dagem histórica e das investigações de caráter psicológico da poca
"iluminista " de Humano. demasiado Humano. Encarando a demo-
cracia a partir de um novo prisma, Nietzsche continua a P rs guir

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t1m rnc,

! 1 11. mt 1nto d, renovação cultural, mas él :,orél om on<J1 !í lrr11


t1 pJrJ e, ') r no rcstJbclecimenlo de posições tl.icrMqu,c I nr:n1,r1,1~
0 111 J nova configurações políticas e econômica d 1\lernrlnh,1 A
1ili tir d ') ntão. o íilósofo submete a democracia ao cs rutinp0 ,11,
urnJ iHlJli e de cunho genealógico que, feitas as devida P s l ins
JCJIJJ por aproximar a democracia do cristianismo. Mai t11nd 1• ,;
u rno racia passa a ser entendida como a face moderna do cri~t,.1•
111 mo. ontribuindo, ao modo cristão, para o predomínio de urn h0-
rn 111 fr aco. temeroso diante dos desafios da vida. que procurc1 do-
111l11ar o forte não a partir de suas forças ativas, mas com o recurso
a c~tratagernas reativos. Eliminando as diferenças constitutivasdos
111d1víduos, a democracia suprime por decorrência os estados hierJr.
qui os, que são os únicos que, da perspectiva de Nietzsche. podem
lornccer urn direcionamento adequado aos indivíduos.
Dessa maneira, ao proceder genealogicamente. Nietzsche des-
lorn a questão democrática do campo político para o moral, pois
Jcredlta que uma nova forma de organização social e política nJo
onduz a criação de uma nova humanidade, ou seja, não contribui
para a erandeza do homem. Afasta-se assim daqueles pensadores
que acreditavam que as mudanças viriam a partir das instituições
políll élS, cor no é o caso de Rousseau, que considera que os homens
[10 11atural111ente bons, mas corrompidos pelas instituições, e de
l lq~cl, que acredita que o Estado é o alvo supremo da humanidade.
l:11tc11cJ tarnbém que a llierarquia que supostamente deve existir
_l

u 1tr e o llorncns parece não ter lugar num meio que preza a igual-
cJíJcJ lornral entre todos os membros de um grupo; compreende
J

íllr1cfa que a relação entre mando e obediência pode alterar-se por


ornpl lo, pois deixam de existir aqueles que têm a preeminência
1

110 111a11cJo, já que possuem uma autoridade que não é posta em


qtJe~,t;10 e n5o precisa ser respaldada por nada, justificando-se por
1,l 111 " 111;1. Ern sunié.l , ao deslocar o seu ponto de análise, criticando
o~ Vdlor 111orais vigentes, Nietzsclle encontra uma via para restau·
1
-

r,u d lli1!r.J1qula . Tral>a ll1a11do gencéllogicamente, sua posição ten-


d,, P,H.J u111 aristooatis1110, que, a seu ver, se coloca corno a úniCJ
111,,11elr .1 (Ili(! pode elevar a cultura, ou, de modo mais preci o. que
pc de! 01111 ilJUlr par.1 a elev~1ção do llomern . Long , d . s po i 1orkir
1olltlLt1llH,11tp ;10 rait!I a sua crít ica da cJcmocraci<1, Nietzsct1e tt:rll

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Desenvolvimento

alvo de longo alcance, embora tenha também como objetivo


~;:diato a "pequena política" praticada em sua época.

Sobre DEMOCRACIA, consultar Co.Ext. 1§ 12; HH 1§ 472; AS§ 230, § 275,


§ , § 292 e§ 293; BM § 245; GM 1§ 5 e 111 § 25; CI "Incursões de um ex-
281
temporâneo" § 2.

Ver também ANARQUISMO, BURGUESIA, CRISTIANISMO, CULTURA,


ESTADO, FORTE, GENEALOGIA, HIERARQUIA, HUMANIDADE, IGUAL-
DADE, LIBERALISMO, SOCIALISMO.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Nietzsche e a crítica da democracia. Dissertatio, v.
33, p. 17-33, 2011.

Ivo da Silva Jr.

DESENVOLVIMENTO {Entwicklung)

Nietzsche utiliza o termo Entwicklung em toda a sua obra, referin-


do-se à arte, à moral, à cultura, ao indivíduo enquanto unidade, às
criações humanas (ciência, filosofia etc.), aos organismos vivos, à
consciência, aos instintos ou impulsos, à vontade de potência, entre
outros. Embora, por vezes, possamos traduzir o termo por evolu-
ção ao invés de desenvolvimento, principalmente quando o seu uso
está ligado ao refinamento estético ou à perspectiva evolucionista a
que se contrapõe, o filósofo alemão, ao menos desde 1875, critica
o sentido de progresso associado à palavra "evolução": a decadên-
cia segue-se a todo grande acontecimento; além disso, o desenvol-
vimento pode se dar tanto no sentido ascendente como no sentido
descendente da potência de algo. Não há necessidade das caracte-
rísticas se desenvolverem. O desenvolvimento pode ser considera-
do O próprio vir-a-ser: tornar-se algo e definhar e assim sucessiva-
mente. O ser humano, como todo ser vivo, não tem uma meta, mas
tem desenvolvimento, ou seja, sua pretensa finalidade, seu pretenso
Ponto final, não é mais importante que qualquer ponto de sua traje-

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Dt'"C'n 1 1111 nt

nJ d d _} )nvol 11n 1 nt . EI e; ' da s 'rn r,11,i o o 1 t ler., 1I: íll'.'.r 11


d f mia anld8 111 tJ, r Cfí' 1vJ u c1r uli1r 'íTI tom cJr! 1rn rit;rr,,
:l

O d ~sem· lv, rn rHo d, um re 1 . ud ' P •cic1l 1Lr 1ç:,o, or r:1"rnrk,


tarnb rn ,rnpl,c rn rd . Ver o cl S ri v lv1rn 'nto (O m< ,~ <.A ~,i ,
1 1

ou pr re o é produto d umit rd oloe1éJ cJarwirw;ta ( t1 irlw) [ 1r1,'ri .


1

Herbert Spence r, entre outro ·J. qu ' urna ' nren> ·,o cJo muJ0 ,1,
e, isténc,a cnstão dominante e decadente n Eurorr cJr < lo' 1
pode-se. por e emplo. mostrar que. n 'SS ' conlin •nt '. nJo t1 ,:· r,
lução, mas decadência.
os últimos textos. no contexlO do conceito d von ·1<J'! cJ ! vf
I

tência, Nietzsche afasta definitivamente os •ntJdo progr !!,St o do<k


senvolvimento. Sua investigação psicolór,ica , sua fisiop.,icolor,,a. rJ: ,_
ne-se como "morfologia e doutrina do desenvolvimento (Ent ·, hn-
gslehreJ da vontade de potência" . Proa,csso e evoluç~o hum n~ ~j
conceitos considerados ilusórios pelo pensamento nicu_c;ch,ano: u-r
degeneração pode até mesmo ser um estímulo à sup !raçao d . f.
cu Idades. O filósofo alemão discorda do progresso das csp •c1 s: as
espécies não crescem em perfeição e os mais fraco sotJrepuj mcs
mais fortes por meio da superioridade numérica. i tzsd1e r jc1 o
progresso da espécie, mas não o surgimento de forma mais cl s
no seio da espécie. Portanto, desenvolvimento de alco. para ,\ -
sche, não é o progresso em direção a um fim : a sequênci de proces-
sos é aleatória e resultante de conflitos por dominação n luta do 1 -
pulsos por mais potência, de resistências aplicada:i a cada CL con a
a subordinação, de tentativas de domínio bem -sucedidas m !suce-
didas. Em outras palavras, não há um sentido subjaccnt sue ~
histórica, seja de um órgão, seja de uma instituição humana. N o r;j,
na filosofia nietzschiana, nenhum tipo ideal a ser atineicJo: o f1 ló:JÜf
alemão não acredita no progresso da humanidade como urn todo. A
elevação de certos homens e de certas culturas con titui- por r o
de ~m processo dinâmico (a luta por mais potência) - um d s n-
v~lvimento - e não por meio de um ideal a ser atinei o 1 ·
çao humana. O mundo, para ietzsche, é um imenso I r, tóno '
vivências ou experiências, no qual certa coi s têm sue s o. ou r )
fracassam, e falta uma ordem ou uma lógic ntf'í 1 • 'Jo t un J
0rd
cnação visa nd0 ª um fim , à perfeição tiurnan ou do rmtrt o

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D pr nr, Ou

p , ,z , no âmbito da cultura e me mo d fílCY.i fi , 1 ,. h


llttl aO uso a rado d~ ~~o de desenvolvimento, quando, por e m-
. afirma que o alemao nao ~ nada, está sempre se tomando algo,
d sen oi endo. O uso paralisante do desenvolvimento, juntamen e
~ ma cerveja e com a música de Wagner, germanizaram, segundo 0
filósofo, a Europa, aprofundando seu processo de decadência.
Sobre DESENVOLVIMENTO, consultar GC § 354 e § 357; BM § 23, § 199 e
§ 244; GM 11 § 12; FP 7 [25) do final de 1870/abril 1871; FP 5 [146] da pri-
mavera/verão de 1875; FP 6 [15), [59), [61) e [225) do outono de 1880; FP
10 1B37) da primavera de 1880 até primavera de 1881; FP 4 [177) de no-
vembro de 1882/fevereiro de 1883; FP 34 [194) de abril/junho de 1885; FP
35 ISO] de maio/julho de 1885; FP 1 [57) do outono de 1885/primavera de
1886; FP 7 [25) do final de 1886/primavera de 1887.

Ver também DARWINISMO, DÉCADENCE, FINALIDADE, FISIOPSICOLO-


GIA, FORTE, IMPULSO, NECESSIDADE, PROGRESSO, TIPO, VIR-A-SER,
VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Nietzsche contra Darwin. 2ª ed. amplia-
da e revista. São Paulo: Loyola, 2014. (Col. Sendas & Veredas)
FREZZATTl Jr., Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: A Superação
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

DESPRAZER (Unlust)

Ver PRAZER (Lust)

DEUS (Gott)

Aanálise nietzschiana do conceito de deus possui uma dupla verten-


te: ª genealogia do conceito de deus e a valorização de divir1dades

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7

D us

artísticas. a primeira. encontramos urna crítica radical a t0<J,3j a~


formas de divindades transcendentes, principalmente do Deus mo.
noteísta judaico-cristão; na segunda vertente, deparamo-nos corn a
posição estética de Apolo e Dioniso, que culmina na afirmação do
mundo dionisíaco. Sobressai, contudo, a investigação crítica do con.
ceito de Deus, dos artigos de fé inventados pelas religiões, principal-
mente da crença na alma.
'ietzsche pretende ir ao extremo do ateísmo moderno, ao Cri-
ticar as formas religiosas e seculares de crença em deus. Ao anu _
ciar a morte de Deus. ele constata a ruína dos valores morais pro-
vindos da tradição cristã, que davam um sentido ao mundo. ãose
trata de um enunciado especulativo sobre a não existência de Deus,
mas da crítica de que Deus é a Verdade e a Verdade é o valor su-
premo. Consequência do afastamento da fonte divina da Verdade, 0
niilismo é a constatação de que os valores supremos se desvaloriza-
ram . Criticar o deus moral implica em abolir a distinção entre mun-
do verdadeiro e mundo aparente e em mostrar que a "alma· é uma
interpretação falsa, fundada nessa distinção. O Deus cristão, nesse
sentido, é uma objeção à existência, à medida que o centro de gra-
vidade é colocado fora da vida.
A natureza da religião é investigada em Humano, demasiado
Humano a partir da fragilidade do homem primitivo no mundo. As
religiões surgem como invenções humanas para eliminar as causas
e reinterpretar os efeitos dos males. A paixão e as crenças religiosas
deveriam ser vistas corno coisas do passado, de urna época emque
predominava o medo do mal, a saber. das incertezas e ameaças. Se
o medo foi o pai das religiões e da moral, com o aumento do poder
atingido pelo homem, o conceito do deus moral e transce ndente te-
ria de ser abandonado. A investigação histórico-psicológica sobre a
origem do culto religioso e sobre a natureza dos homens religiosos
é importante para mostrar a força das "falsas interpretações· dos
sacer,dotes e dos santos para a afirmação de form as de vida ascét1-
c_ as. E_assirn que em Para além de Bem e Mal, o genealogista enfa-
tiza a importância da religião e da invenção de deuses para o incre-
mento da vontade humana de vencer resistências e aumentar seu
poder. O DeusJaweh, na história primitiva do povo judeu, expressoua
força desse povo na luta por se afirmar fêJce aos inimigos externo •A

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Dou

eldade religiosa, nessa perspectiva genealógica, é muito elucida-


c_~ nos seus graus distintos de manifestação: no sacrifício de seres
~~~anos a deus; no sacrifício dos instintos mais fortes e, por fim, no
sacrifício de deus ao nada. Compreende-se, assim, que o triunfo do
ateísmo científico é uma condição par~ novos experimentos daque-
les que querem ir além de si mesmos. E nesse sentido que Nietzsche
insere o anúncio de Zaratustra, o sem-Deus, vencedor de Deus e do
Nada: após a morte de todos os deuses, o além-do-homem é a nova
tarefa de criação. Há, no entanto, um longo caminho a percorrer na
história da moral. A moral se autodestrói, de modo que o velho Deus
cristão é negado como uma longa mentira pelo próprio ideal de ve-
racidade que a moral engendrou. Com isso, seria possível libertar-se
do pecado e da culpa, ao recusar o Deus criador, juiz e inquisidor. É
necessário também libertar-se das seduções da gramática, da crença
solidificada em opostos.
O instinto religioso, configurador de deuses, no entanto, pode-
ria ainda florescer no interior do mundo. Em contraposição ao Deus
da décadence, ao paradoxo do Deus na cruz, Dioniso simboliza a
afirmação superior da existência. Para o filósofo que experimentou
e pensou as "contradições" de uma natureza religiosa, o deus grego
da embriaguez possui uma importância decisiva. Para o jovem Nietz-
sche, Dioniso é visto como deus do êxtase, de cujos mitos e sabedo-
ria popular, no Oriente e na Grécia, ele trata esteticamente. O deus-
artista assume na tragédia grega a condição de afirmar o mundo in-
condicionalmente , com todas as suas dores e contentamentos; mas
é também visto como a Vontade, único sujeito verdadeiramente exis-
tente. Entretanto, o Nietzsche tardio critica essa relação entre a tota-
lidade da vida e a fugacidade do indivíduo. Dioniso aparece, então,
como udeus-tentador", como gênio do coração, e até mesmo como
filósofo, sem ser separado do mundo dos fenômenos, dos indivíduos.
Essa é a questão proposta, enfim, se é possível pensar e afirmar um
udeus" para além de bem e mal. O desafio proposto por Nietzsche é
0 de compatibilizar a desdivinização da natureza, com a proposição

de udeus" como momento culminante da potência criadora humana.


No mundo dionisíaco do criar e destruir a si mesmo, nos inúmeros
movimentos ascendentes e decadentes, a existência poderia ser vista
na alternância de divinizações e desdivinizações.

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Dion,slnco

Sobre DEUS, consultar NT § 6; HH 1§ 108, § 109, § 113 o§ 133; OC l 12u


§ 344; ZA 1"De virtuda que dé" § 3, li "Nos Ilho& bom-ovonturn<101" ~
01
"Dos renegados"; BM § 46 e§ 66; AC§ 68; FP 6 171 l 30 4· 10 do lunti0 dfl
1887; FP 12 (1) do Inicio de 1888.

Ver também ALÉM-DO-HOMEM, APOLINEO, ASCETISMO, ATEISMo


CRIAÇÃO, CRISTIANISMO, CULPA, DIONISIACO, GENEALOGIA, N11us:
MO, RELIGIÃO, VERDADE.

Bibliografia
ARALDI, Clademir Luís. Nietzsche e Heidegger: Sobre o Niilismo. ln : AZE-
REDO, Vânia Outra de (org.). Caminhos percorridos e Terras incóg.
nitas-Encontros Nietzsche. ljuí: Unijuí, 2004, p. 119- 138.
MARTON, Scarlett. A morte de Deus e a transvaloração dos valores
ln:--. Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietz-
sche. 3ª ed. São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 69-84. (Cal. Sendas
& Veredas)
MARTON, Scarlett. Só acreditaria num deus que soubesse dançar. ln:
FEITOSA, Charles; BARRENECHEA, Miguel Angel (orgs.J. Assim
falou Nietzsche li. Memória, Tragédia e Cultura . Rio de Janeiro: Re-
lume Dumará, 2000, p. 143-154.

Clademir Araldi

DIONISÍACO (Dionysisch)

Em O Nascimento da Tragédia, ao apolíneo Nietzsche contrapõe o


dionisíaco. Apolo, o deus da bela forma e da individuação, permite
a Dioniso que se manifeste. Dioniso, o deus da embriaguez e do dila-
ceramento, possibilita a Apolo que se exprima. Um assegura pon-
deração e domínio de si; o outro envolve pelo excesso e vertigem.
Conjugados na tragédia ática, esses princípios são manifestações
de duas pulsões cósmicas; na análise da arte grega, ambos mos-
tram-se imprescindíveis.
Presente nos primeiros escritos de Nietzsche, a noção de dioni-
síaco desaparece durante o chamado período intermediário para res·
surgir ainda com maior vigor nos textos posteriores a Assim falava

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I . • 17. 1 J , 1 l Vt rtél . f'tl . . 1g rl , N 'l/ eh ' e ' Clrl urn (li Í')ll
'- ,,• ••n'- . ,
l . 1 l(lclcl d d Stru1-
11LO. Olll I O, 1 'I llldlCél il ll C
j , 1ni 1,111 a. v1r-r1- r: r clJlllél o proc o rrnéln nt , cJ r1niciui-
JI 1 1 ena J . ria rr ne concc r a du s crt nt •. c1 ~ u
nl . J fac c rro iva da crítica do valor s él fac con tru-
- 1 l ia. c mo compartimento e tanqu s. nil irnprocc-
e e 1 1 n er ua dupla neces idade. a de élniquilJr e a d cnar,
e atitude independentes. Destruir e construir constituem mo-
e de um mesmo desenrolar. movimentos de um mesmo pro-
es o. o evocar o nome de Dioniso para autodefinir-se, 1 tzsct1
re lama que se leve em conta a relação intrínseca entre eles.
ssim como a doutrina do eterno retorno do mesmo e a concep-
ão de vida enquanto vontade de potência, Dioniso con erte-se cm
martelo para demolir as ideias modernas, em critério para questioná-
las. Diante do seu tribunal, que por certo não é o tribunal da razão,
de\·em passar a moral, a política, a religião, a ciência, a arte, a filoso-
fia. Se o eterno retorno do mesmo se apresenta enquanto tese cos-
mológica e princípio seletivo e aprimorador. se a vontade de pot" nci
aparece enquanto elemento constitutivo do que existe e parâmetro
no procedimento genealógico, Dioniso surge para designar uma no a
concepção do mundo e impor-se como juiz para avaliar a modernidé.l-
de. Eterno retorno do mesmo, vontade de potência e princípio dio-
nisíaco operam num duplo registro no quadro do pensamento ni tz-
schiano: são de fundamental importância para a vertente corrosi d
crítica dos valores e para a vertente construtiva da cosmologia.
A Dioniso. porém, cabe o privilégio de dar nome a uma nova for-
ma de pensar, a uma nova maneira de filosofar. Negando a oposi ão
entre ego e fatum, Nietzsche acredita que o llomem partill1 t1 o d tino
de todas as coisas. Limitado pela perspectiva llumana, ó a pJr1ir
dela que o ser humano fala do mundo. Mas, se a vida a p ri n iJ
humanas não constituem a totalidade. dela tampouco act1tlm d -
ligadas; se não abarcam o mundo, dele lélmpouco ·10 ind p nd n-
tes. Fornecem, pois, ao l1omem a oportunidade de aprender a ont1 -
cer o curso do mundo e com ele identificar- e. Dond 1 · 'gue (lll'
0 que se passa no homem e no mundo não pode r irr 1dutív 1 1. Ao
opor Dioniso ao Crucificado numa anotação pó tumc cJc prirn v r~1 1

d) 1888, Nietz che quer mo trar qu , 1 o rnuncio nJo um, 111 ·, o

1U

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mr) 01 ' 1 Otllíll,1: f 1 ' ',NT ~ltl l l~,l (l·~ Í 11, l
l n nl ,1 tf rn 'fll ' rTlllf
ac lO l t1 ,., «1 m,, 1d 1 •l
L ~( ~ Ju' J u~ o rnu rf tl rn ' 1 1). Pr' t•n ,, rlo, t, 1
r (O 1 J 1 lllJ lcl da Sll ) l\'I ,1 H. l ' {ler ' 1 ,l Llt.. o t1o m 1 ,...

de I arco'oca - , como um su; '' o ír 'n 1"1 ·.-,


nJr-s c1r1 .. dor 1u11 o. 1\ 0 concc 'r su,1 fl lo of1,1 co o or,~
n s s us ultimo sento . :111 en ela a umtl s m r crv ; o',
, 1. q ac I c1 que le aíirrn a r \ s do t1om m. Em St r ) • •
r ,s,aca a fJlosoha que es ell1a o mundo. u trt1 z " 1
Sobre OIONISIACO, consultar NT § 7; VO; BM § 295; CI • rncursõ s d u
extemporâneo ·§ 49, ·o
que devo aos antigos · § S; EH • Prólogo·§ 2, •Pu,
que sou um destino· § 2; FP 17 (69) do outono do 1883; FP 26 [2981. 27 [ OI
e (82) do verão/outono de 1884; FP 34 (191 ) de abril/junho d 1885; FP 4
(7) de agosto/setembro de 1885; FP 14 [89) da primavera d 1888; FP 1
(32) da primavera/verão de 1888.

Ver também APOLINEO, CRITICA, DEUS, DITIRAMBO, ETERNO RETOR-


NO DO MESMO, GENEALOGIA, MODERNIDADE.TRÁGICO, VALOR, VIDA.
VIR-A-SER, VONTADE DE POT~NCIA.

Bibliografia

MARTO , Scarletr . Lo noissanc de la troged1f!: u dép ssement d1. ,


con traires à la ph1losopl1ie des antagonismes. ln· DE ' T, C lrne.
WOTLING, Patrick (orgs.). 'ietzsclle. Les pr ,mers tr tl sur L 1

Crecs. Reims: Épure. 2016. p. 171-186 .


MARTO . Scarlett . Do dilaceramento do sujeito à plen1tu d1on,·)1 · 1
Cadernos ietzsclle. v. 25. p. 53-82. 2009.

Scarlett MJrt n

DITIRAMBO (Dithyrambus)

mo

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D,tirambo

enta em Ecce Homo. Em ambos os casos, sendo Dioniso O alvo


sust . . d'f d
elogio entus1ást1co, a I erença e grau entre os dois enunciados
~~tá no modo como o filósofo pensa o fenômeno do dionisíaco em
sua juventude~ co~o ~ com~reende em sua maturidade.
Em seu pnme1ro livro, Nietzsche defende que a tragédia grega
tem sua origem no canto que os seg~idores de Dioniso, os sátiros,
ntoam em honra de seu deus, ou seJa, no canto coral religioso que
: 0 ditirambo. O coro satírico do ditirambo, assim, é o que permitiria
compreender como os mitos gregos que Homero registrou na poe-
sia da cultura olímpica ganharam uma nova configuração na poesia
trágica, voltando a ter força sobre o modo de vida dos helenos. Por
certo, Aristóteles havia deixado indicado na Poética que a tragédia
surgiu de modo improvisado a partir do ditirambo, mas tomara outro
rumo para compreender o papel do coro nas obras de seus conterrâ-
neos. Conhecendo a tradição de interpretações sobre o coro trágico,
0 jovem Nietzsche desenvolve uma reflexão sobre os impulsos (Trie-
be) apolíneos e dionisíacos e argumenta que o impulso dionisíaco,
por ser aquele que permite a dissolução da individuação possui so-
berania na natureza. Para ele, então, os ditirambos teriam fornecido
o único herói presente nas tragédias gregas até .Ésquilo e Sófocles:
Dioniso. Tal elemento explicaria que a destruição dos protagonistas
das tragédias, dentre os quais Prometeu e Édipo, seria vista pelo
coro como uma destruição das aparências, uma espécie de retirada
do véu de Maia, buscando uma reconexão mais profunda com a to-
talidade da natureza. Em outras palavras, o coro ditirâmbico vê os
sofrimentos que Dioniso padece por causa da individuação, entoa hi-
nos em sua homenagem e, ao invés de sucumbir diante dos horrores
da existência, rejubila-se ao perceber que todo o aniquilamento dos
heróis míticos dá-se apenas no domínio da "individuação", posto que
Dioniso ressurge eternamente a partir da destruição - o que levaria
auma intensificação da vontade de viver por meio da arte trágica. De
outra parte Eurípedes, por não compreender o sentido do ditirambo,
teria alterado o papel do coro trágico, sendo outra a "divindade" tida
como o "herói" de suas tragédias: a racionalidade socrática - algo
~ue elucidaria o desaparecimento da cultura trágica. Em sua obra
inaugural, o jovem Nietzsche buscava não somente mostrar o papel
importante que a arte tinha para os gregos, mas pensar que a obra

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,e • ~ J se 1 lJ J r u ll1J rtl ÚSIC IOíllSÍ C,l , ai/> l_,r: (1:,
5h ~ JO e a_Clíl't>íll d e: ,motrc: ICO . •r

'1 . 5iã\. d d, m íl, ue uco com arece nas a O , 1F,


es~ r ~ "'S ue \ et:5 - e a rttr de 18 72. retomad em Ecce H,;~•
v a::·~ e-. --a oaO , ' s II cntodo T':1g~io.o hl6S()odz,:
=- V--. "e... ,. . . a' e,~-era
, U '- 1.. _.._
a de um futuro d1orns1aco para a ·. , · ~ ~

rrc 5t a e se e ,. o em sua JU en ude ao considerar\ a~-c::


c◊, u art,: ta dit, âm ico. Tendo em vis a a elaboração de •. ~
,'a!c O za o s o. seria mais justo considerar a si mesmo CO"i ) ~
·ooe a- e 5e e ·press u na linguagem dos ditirambos. Der a "~
c ar e s a é ·a e ra fil sófi a e ntém o germe do nasci, er::
ce • a e a tfág;ca. i\;etzsche afirma, ao comentar o seuZora ''J.
é a imenção sua. Tese que parece parad Xdl. ~e.
0 q e s di ·ra s exis iram na antiguidade grega, ela re reSê :a
a , ar.ce sico!ógica do filós fo: ao reconhecer no pre ác ta· :
a O ,\ascime o da Tragédia que em sua juventude tinha arrL 2 .,
h:pó eses sobre o com pie. o fenômeno do dionisíaco entre osg e5:s
\ ;etzsc ,e si:encia scbre a conexã entre os ditiram se as trag~as
gregas e i siste q e já em sua ju,·entude ele era um ªdis íp ! • ...e
pe sava sob a i spiração de ~um deus desconl1e ido·.
Aba do a do o aparato metafísico que utilizara e sua
juve t de para compreender o fen 'meno do di nisíaco. o fi! 'se
bém se j !ga tardiamente o aut r d s ditiramb s ruma se0 r.J--
zão: a língua a!e ã, a partir de seu Zomtustm. teria sido e ev aa1..:--
patamar a é então não atingido r seus e nterràne s. j s
porque Zaratus ra fala por meio de uma li1\,ua 0 em di nisía a. O .~-
rambo. então. ganha uma nova c nfi 0 ura ã : ele n- é r a·se 1u '
por um coro. mas é a linguagem que um ser di ni ia utili a ns~'
em sua solidão. t'\es e ponto, é precis ter em nsi era 1
flexão tardia de i'.!'etzscl e s re Di ni e rLJdJ a pJr1ir J t
das forças, do conceito de , nta e e p t~n iíl e pen:Jr et '
eterno retomo do mesmo. O pr · p1i mun eri:1 urn s li
nisíaco em seu eternamente criar- e e e · .
A reflexão sobre o ditiram e f -
f.
· ni 1

mite entender porque no Cr p · ui • li Ni 1e


,
dera não como discípulo de u111 "d u .. , lllJ d -r,1 , • ...

que o leva a autodenominar- e im --int r füu rn e 1 1p

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D n . D m 1,c

,nr zaratustra d Dioniso: b~m _como porque vi a a r digir um 1,vro


11
proj to da transvaloraçào mt,tulado "Dioniso: filo ofia do t rno
:' tomo". A noção d~ ditirambo adquire no pensador alemão um
especificidade própria e serve para evocar o nascimento de uma
,ova era trágica - o que talvez explique que o último livro que pre-
~arou para publicação se intitule Ditirambos de Dioniso.
Sobre OITIRAMBO, consultar NT "Ensaio de autocritica~ § 2, § 4, § 5, § 7,
§ , § 17 e§ 19; EH "Por que sou tão sábio" § 8, "Por que escrevo livros tão
9
bons"§ 2 e§ 4, "O Nascimento da Tragédia" § 4, e "Assim falava Zaratus-
tra" § 6, § 7 e § 8; DO; FP 3 [ 1] do inverno 1869-1870/primavera de 1870; ST;
VD; FP7 [130), [131 ], (132] e [139] do fim de 1870/abril de 1871; FP 9 (57) de
l871; FP (18) do verão de 1871/primavera de 1872; FP 6 [16) do verão 1875;
FP 2 [114) do outono 1885/outono 1886; FP 38 [12] junho/julho de 1886.

Ver também APARÊNCIA, APOLINEO, ARTE, OIONISIACO, ETERNO RE-


TORNO 00 MESMO, FILOLOGIA, IMPULSO, METAFISICA, MÚSICA,
PERSPECTIVISMO,TRÁGICO, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
LIMA, Márcio José Silveira. As Máscaras de Dioniso: Filosofia e Tra-
gédia em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2006. (Col.
Sendas & Veredas).
MARTON, Scarlett. Por uma filosofia dionisíaca. ln:--. Nietzsche.
seus Leitores e suas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O, p.
143-156.
RUBIRA, Luís. A afirmação trágica do eterno retorno nos Ditirambos de
Dioniso. Cadernos Nietzsche, v. 30, p. 183-219, 2012 .

Luís Rubira

DOENÇA (Krankheit)
Ver SAÚDE (Gesundheit)

DOMESTICAÇÃO (Ziihmung)
Ver CIVILIZAÇÃO (Clvllisation) e DÉCADENCE (Décadence)

193

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EDUCAÇÃO (Eni hung)

. . · : ,.1, _N "$ t _ bre a educação começa antes mesmo da


N 1s ir t,--11to da Tragédia. no ponto de encontro en.
, i1 i'- díl d utrina schopenhaueriana do caráter les.

0
~ni J uma interrogação sobre o íuturo do ensino
. fil l ~j a na Alemanha.
E · s ·srumas do final da década de 1860, o jovern
\ ·..:i:::$.C e mite, mo Schopenhauer, a invariabilidade fundamentai
''" ::1 er ir ivi uai. Segundo Nietzsche, não existe nenhuma liber-
-'" 2 J , . 1 a e ou dos pensamentos que permitiria transformar sua
ij en i _ e em profundidade. Isso coloca em questão a possibilidade
e I an e da educação. num sentido afetivo e não simplesmente in-
ele-- uai. De fato, alguns textos de 1870 concebem o processo edu-
a i,· como um desenvolvimento necessário do que somos, no qual
a infl uencia do educador é limitada. Em particular, a educação não
e dar gênio a um indivíduo que não pertença à "aristocracia ina-
ta do espírito" . Essa concepção de um fatum individual permanecerá
presente nas obras da maturidade, embora com um estatuto relativi-
zado pelo pensamento da hereditariedade: o§ 231 de Para além de
Bem e Mal ainda sugere que existe em nós um "granito de fatum es-
piritual " que se recusa a aprender, e o §264 acrescenta que a melhor
educação só pode dissimular uma hereditariedade inferior ou ple-
beia. A máxima pindárica de "tornar-se o que se é", subtítulo de Ecce
Homo, também pode ser entendida à luz dessas considerações.
Apesar dos limites principais da educação, o jovem Nietzsche
não deixa, no plano prático, de tomar posição sobre as questões
educativas de seu tempo. Isso se explica, em parte, pela convicção
de que a aristocracia natural do espírito precisa, também ela. de uma
educação adequada. Além disso. Nietzsche é levado a refletir sobre
sua experiência pedagógica enquanto professor de filologia na Uni-
versidade de Basileia, para pronunciar-se sobre a pretensão educa-
tiva tradicional da filologia. Nesse sentido, as conferências de 1872
intituladas Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos de Ensino de-
fendem uma concepção de formação (Bildung} que atribui um papel
fundamental ao conceito de disciplina (Zucht}. contra as orientações
científicas e pedagógicas dominantes que Nietzsche percebe no sis-

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ucativo alemão: o mestre n, o cJ !Ve nmn lw r UrriéJ rri ,, 1
1r, 1
tt:ílltl d ,
,ênclr1 teórica, nem pressupor urna ·11vrc per onallcJacJ ,. cJ ,JltJn<J
cJpJZ de e prlmlr-se lndepen~enlemcnle de qualquer otJ1~cJi n la rJ
utoridade. Pelo contrário, é preclco dl lpllnar ( •verarn •nt • 0

llíl a 1
gosto de cada um, atr~vés de exercício pratico que tornam por rnu~
delos os autores clássicos gregos, latinos e alernae,. A!,slrn, <J valo-
nzação do génio natural pelo jovem Nietzsche nao Implica nenhum
ideal dolaisser-aller, ou seja, do abandono ao natural. Is~ pode apa-
recer como uma tensão fecunda do pensamento nletzschiano.
os escritos posteriores a Assim falava Zaratustra, e~sa ten ão
é resolvida pela noção de cultivo (lüchtung), que articula a educa-
ção com a hereditariedade, embora num escala temporal supra-indi-
vidual. A expressão "disciplina e cultivo" (lucht und Züchlung). que
é empregada duas vezes em Para além de Bem e Mal nos § 188 e
§203, mostra que um aspecto do cultivo nietzschiano consiste numa
disciplina rigorosa dos impulsos. Contudo, trata-se de uma disciplina
mantida durante séculos e através das gerações, conforme o princípio
lamarckiano de hereditariedade das modificações adquiridas. DesY.!
ponto de vista , Nietzsche pode afirmar, ao mesmo tempo, que a me-
lhor educação não pode dar tudo para o indivíduo, mas pode dar bas-
tante para as linhagens, nas quais as conquistas espirituais dos an-
tepassados tendem a ser transmitidas aos descendentes. Em última
análise, a educação deve ser repensada como cultivo, ou criação da
"planta homem", no âmbito do projeto cultural nietzschiano.

Sobre EDUCAÇÃO, consultar EE; Co.Ext.11 § 8 e§ 10; Co.Ext.11I § 2; HH 1§ 224


e§ 242; A§ 195; BM § 264; CI "O que falta aos alemães" § 5; FP 5 l 106I de se-
tembro de 1870/janeiro de 1871; FP6 l3) do final de 1870; FP7 l121) do final
de 1870/abril de 1871; FP 14111) da primavera de 1871/iníclo de 1872.

Ver também ARISTOCRACIA, CIÊNCIA, CULTIVO, CULTURA, FILOLOGIA,


G~NIO, HEREDITARIEDADE, IMPULSO.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Claustros vão se fazer outra vez necessários. ln: - -


Nleusche. seus Leitores e suas Leituras . São Paulo: Barcarolla,
2010, p, 107-124.

195

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Eoo "'l'TlO

/\SSER, ErJuardo. O d slino do gênio e o eênio enquanto d


probl ~ma do r,énio no jovem Nietzsche. Cadernos NieUU.hei ) ',
, V. ~J
p. 287-302, 2012 . ·
SALA SKIS, Emmanuel. Nietzsche. Paris: Les Belles Lettres, 20 1S.

Emmanuel Salans~13

EGOÍSMO (Egoismus, Selbstsucht, Eigennutz)

As análises de Nietzsche sobre o egoísmo como um fenômeno d


âmbito da reflexão moral têm início com Humano, demasiado Hu-
mano, momento marcado pelo rompimento explícito com a meti3n-
s,ca e a introdução de um projeto de pesquisa histórico e naturalista
de perscrutar as origens dos conceitos e sentimentos morais. Suas
ideias a respeito das ações egoístas envolvem um debate direto com
as posições defendidas por Paul Rée, na época seu companheiro
nesse projeto de análise da moralidade. Ao recorrer a uma análise
naturalista, fortemente ancorada nas teorias da evolução lamarckia-
na e darwiniana, Rée postula a existência de dois impulsos básicos
nas ações humanas, o egoísta e o altruísta, nos quais se poderia en-
contrar a explicação da,s motivações morais. Nietzsche criticará esse
dualismo de Rée, considerando toda ação tida por altruísta como
urna forma de egoísmo "sublimada". Para Nietzsche, se se procurar
a~motivações das ações humanas, mesmo aquelas consideradas al-
truístas, o que se encontrará, em alguma medida, é alguma forma
cJc interesse próprio envolvido. Desse modo, não haveria oposição
cJc natureza entre egoísmo e altruísmo, mas apenas gradações entre
duas formas de egoísmo. A oposição absoluta entre os dois conceitos
revela apenas a tendência metafísica de raciocinar por meio dedico-
tomia~ e, nurn nível mais profundo, os próprios termos altruísmo e
CEOÍ1 mo revelam uma linguagem já contaminada pela moralidade \i·
ecnte, que, segundo Nietzsche, Rée também esposa. Nietzsche per·
rnane crá com essas mesmas concepções em obras posteriores, ao
íJ !>\O iar e.> él valorizaçào das ações ditas altruístas a urna influenciJ
cJ,1rnomlicJadc crislà, compartilhada por Rée e os estudiosos d~ mo-
ríJlidade lnglc a, como Darwin, Herbert Spencer e Stuart Mill.

100

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Egor mo

Elll ua derradeira filosofia, a critica da moral cristã ao egoísmo


:1 ciada a um processo de decadência e identificada como obra
l unia configuração fisiológica degradada. É considerada uma va-

i ração originada dos fracos e impotentes, que privilegiam os senti-


nentos dos oprimidos, como o auxílio mútuo e a compaixão. Como
conclusão, Nietzsche afirmará que o ódio ressentido ao egoísmo, vis-
to por ele como uma vingança contra os fortes, é também uma forma
de egoísmo, já que uma forma de vida decadente e fisiologicamen-
te desfavorecida é sustentada e justificada por meio da defesa do al-
truísmo. Para Nietzsche, assim, há uma hierarquia entre egoísmos:
seu valor depende do valor do egoísta. O egoísmo dos fortes, que ex-
pressa um fomento à vida, deve ser cultivado; o egoísmo dos fracos,
rravestido de uma religião dos oprimidos, deve ser combatido.

Sobre EGOISMO, consultar HH 1§ 1 e§ 92; GC § 55 e § 373; BM § 2; CI "In-


cursões de um extemporâneo" § 33; FP 23 [96] do final de 1876/verão de
1877; FP 6 [74] do outono de 1880, FP 14 [29] da primavera de 1888.

Ver também COMPAIXÃO, CRISTIANISMO, DARWINISMO, DÉCADENCE,


FORTE, MORAL, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, NATURE-
ZA, SENTIDO HISTÓRICO, VINGANÇA.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. As paixões transmutadas em virtudes. Acerca


de um dilema no pensamento ético de Nietzsche. Dissertatio, v.
33, p. 227-244, 2011.
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. A pia fraus (mentira piedosa) sob a pers-
pectiva da Genealogia da moral: vontade de potência e mito. ln:
PASCHOAL. Antonio Edmilson; FREZZATTI Jr., Wilson Antonio (orgs.).
l 20 anos de Para a Genealogia da Moral. ljuí: Unijuí, 2008.
ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche e Paul Rée: o projeto de naturali-
zação da moral em Humano, demasiado humano. Dissertatio, v. 38,
p, 57-77, 2013.

André Luís Mota ltaparica

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Err

ERRO (lrrthum)

Oue à erdade se conferiu tradicionalmente mais valor do q ~ .,r,


erro. eis uma constatação que Nietzsche não cessa .de retomar d,j.
rante toda a sua obra. Em O Nascimento do Tragédia, subl!n a ,J~
Sócrates, protótipo do homem teórico, considerava o erro o mal ,.,
si· em Poro além de Bem e Mal, alveja o socratismo que se en cr.
tr~ na moral de Platão, segundo o qual um homem mau só é a;;
por conta de um erro, de sorte que a supressão de tal erro o farár .
cessariamente bom.
Semelhante depreciação do erro, cuja contrapartida é a s pe:--
valorização da verdade, repousa, todavia, em um preconceito mora
e por isso figura como objeto de uma crítica insistente por pa e e
ietzsche, que vê no erro ou na inverdade uma condição de e is êr-
cia . Embora procure com frequência restituir ao erro o valor que1,e
sonegado, não se trata , porém, de empreender uma simples inversão
apreciativa, atribuindo conotação positiva ao que se costuma perce--
ber de maneira negativa e vice-versa. É, antes, a própria oposição-
metafísica - entre verdade e erro que o filósofo ataca ao aArmar. rc
Livro Ili de A gaia Ciência, que as verdades do homem são seus erros
irrefutáveis. Há, com efeito, erros e erros: se os erros que não cons-
tituem condições vitais são vistos como refutáveis, aqueles dos qua.s
depende uma determinada existência, por sua vez, denominam-se
"verdades ". Como se nota, ainda que tenham sido profundamente
incorporadas e tenham contribuído de algum modo para a conser-
vação de uma determinada espécie de vida, não se alçam por esse
motivo ao estatuto de verdades, sem aspas, suposições tais como a
existência de coisas iguais ou simplesmente de coisas, matéri . cor·
pos, causas e efeitos, liberdade da vontade e assim por diante. Send0
condição de toda existência que conhece e percebe, o erro se enc r ·
tra na base até mesmo daquilo que se chama conhecimento.
Em~ora questione a tradicional supervalorizaçào da verdJ ê
em rel~çao ~o erro e chegue a propor o fim de tal oposição. '1etz
sche nao deixa de examinar, de modo polêmico tc1nto o qu l 't'!
tabelece como verdadeiro e falso como tamb n; J prov 111 in kl L l
semelhante partilha. Se polemiza e, nc cont xto, t u , ,,e ,1ili·

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r"º
do que se deve entender como verdad iro , f,tl!Jo, . JX>r iw•,
' ra alguns erros tenham concorrido para ons •rvar urn d1·1N
. do modo de vr.da e por .rsso ten ham sr"do tomado om J verei 1
enibO
n,,na .b ,
eles nem sempre contrr u1ram para promover o modo u v,<J,
· por N.1e tzse he, sen do- Ihe mesmo nocivo·
deS, •derado superior · m
cons1 . . ·
Genealogia da Moral, o autor assevera que, vrndo a frio ofar, , von-
de de contradição e de contranatureza do ideal ascético pro um-
r; 0
erro onde o instinto de vida, por seu turno, coloca a verdade cJ;J
~aneira mais incondicional possível; em O Anticristo, afirma que o
conceitos de "verdadeiro" e "falso", tal como os concebem os t •6
logos, encontram-se invertidos, pois aí se denomina "verdadeiro" o
que, aos olhos do autor. prejudica a vida e "falso" o que a eleva; cm
crepúsculo dos Ídolos, o filósofo explicita que compreende de outro
modo o problema do erro e da aparência: se antes a mudança e o
vir-a-ser eram considerados provas de aparência e indícios de erro.
hoje se deu conta de que os erros residem nos preconceitos da ra-
zão, que se traduzem em noções como unidade, identidade. coisida-
de, causalidade. substância e ser, entre outras.
Éassim que Nietzsche busca , em toda a sua trajetória, lan-
çar luz sobre diversas espécies de erros, ainda que manifestamente
confira a alguns deles maior relevância, como indicam o próprio tí-
tulo do capítulo "Os quatro grandes erros " do Crepúsculo dos Ido/os
ea referência, no prefácio de Para além de Bem e Mal, ao pior de
todos os erros, o erro dogmático de Platão, que inventou o espírito
puro e o bem em si.

Sobre ERRO, consultar NT § 15; HH 1§ 1 e§ 16; GC § 107, § 110, § 121 e§ 265;


BM "Prefácio;§ 2, § 4, § 34 e§ 190; GM Ili§ 12; CI "A 'razão' na filosofia"§ 5,
"Os quatro grandes erros"; AC§ 9; FP 38 [4] de junho/julho de 1885.

VertambémAPARÊNCIA, CAUSALIDADE, CONHECIMENTO, FILOSOFIA,


METAFÍSICA, MORAL, RAZÃO, SOCRATISMO, SUBSTÂNCIA, VALOR,
VERDADE, VIDA.

Bibliografia

LIMA, ~árcio José Silveira. Funções regulativas em Kant e Nictzsctic.


Knterion, v. 54, p. 367-382, 2013.

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e pm,(:)

ESPAÇO (Raum)

A concepção niclzsd1iana du uspüÇO 6 rnéJrCãdéJ (J()( urnr1 f,1 'f: 'f;'


dência anlirrcalist.a. Podu-su dizer que, ao contriirío do lf_;"'íl), r~:
houve, em Nielzsd1e, uma evidente guinacfo reéJlíSt;J (IUEJflrJrJf, ~:
sunto é o espaço, salvo no conlexlo rnuílo pé:Htículõr cJ;, O<:rr,0 ,:· ~~
ção cosmológica do eterno retorno do mesmo.
As primeiras considerações mais diretas de ÍE;ll../..hr; r~/,?; r;
espaço estão loca lizadas num conlexlo de reflexões epí tÉm:'/.:. J
mole que guia essas reflexões é a interdependéncía entre : :;:"j:
sujeito. Dois são os direcionamentos que podem ser ídentr ca1~-=,_
idealista e o empirista. Entende-se , por um lado, o espaço e q.ó::.::
uma intuição pura, a priori, que condiciona a experíéncía, emcv~-:-
nância com a tradição do idealismo transcendenral; por outro ;:is".:
espaço é encarado, desde um ponto de visra similar àquele d s::;·
piristas britânicos, enquanto uma construção a posteriori. 'o q,J~ 2
respeito ao primeiro caso, Nietzsche oscila entre um idealismo S'...C_7
tivista e objetivista, sendo o espaço ora uma intuição pura do i ·e.~:::
humano, ora do intelecto primordial, ou o intelecto do ser. No se5 .._
do caso, o espaço é um produto que resulta de uma operaçã i . -.:-
va: trata-se de uma sensação oriunda da sensação de tempo.
Esse último tratamento, desenvolvido de modo lacônico em 7_.
praticamente define a concepção nietzschiana de espaço: o es, \ •
ao menos o espaço euclidiano, é uma derivação do tempo su je; ·
Esse modelo será somente adaptado ao horizonte da teoria e
e do realismo do vir-a-ser, princípios ordenadores da filos fi, 1 · r:-
schiana madura.
A única realidade é a do vir-a-ser, de modo ciue o e
existe. Aquilo que chamamos espaço não ptls a de urna nstn ·,

200

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E p ço

. ária• não passa de um erro criado para maximizar as chan•


in1ag1n , . . E
d vivente sobreviver no vir-a-ser. ssa construção conhece dois
ces ºentos. Primeiramente, ergue-se a crença num espaço bidímen-
n~orn1 através do toque. Ao distinguir intensidades na pressão táctil,
s1ona
wque suscita a sensaçao . eontudo, o mundo para
- d~ superfíc1e.
0
0
olhar, 0 mundo de formas e imagens, deve ser dado de modo tri-
dimensional, o ~~e requer um_a nova passa~em. Essa p~ssagem se
fará pela impos1çao d~ sucess~o sobre os obJeto~ estáveis. A suces-
-0 não deve ser aqui entendida como um movimento das superfí-
~es ou do sujeito percipiente: as superfícies são conectadas umas
CI . . d d
após as outras pelo su_1e1to, e mo o que, m~smo ~móveis, os obje-
tos possuem temporalidade, sendo essa a art1culaçao que capacita o
surgimento da terceira dimensão do espaço.
Mas o espaço tridimensional, euclidiano, não deve ser visto
como uma conditio sine qua non do vivente. O espaço euclidiano é
uma idiossincrasia de certos animais, estando muito longe de ser uma
certeza a priori. Trata-se somente da condição de certos tipos de
viventes, o que não significa que em outros viventes, ou em outros
tempos, essa condição seja a mesma. Assim, pode-se assumir que
outros seres possuam outro tipo de espacialidade, como um espaço
com quatro dimensões.
Para Nietzsche, portanto, o espaço carece de realidade. Quan-
do se evoca o termo espaço efetivo ou espaço real, comumente ele
é usado como sinônimo de forças que, enquanto essencialmente
temporais, termina criando um quadro paradoxal que inviabiliza um
tratamento verdadeiramente espacial da efetividade. Esse quadro
só será alterado no contexto da demonstração cosmológica do eter-
no retorno do mesmo. Apresenta-se, nesse momento, a hipótese de
um espaço finito e curvo no qual as forças estão inseridas. Será de-
vido aessa forma peculiar do espaço que o vir-a-ser será um estado
persistente: seria preciso um outro tipo de espaço para o universo
atingir um estado de equilíbrio.

Sobre ESPAÇO, consultar NT § 18; FP 5 [79) de setembro de 1870/janeiro


de 1871; FP 19 [210) e [217) do verão de 1872/início de 1873; FP 6 [413) e
14201do outono de 1880; FP 11 [155) da primavera/outono de 1881; FP 1
131 de julho/agosto de 1882; FP 25 (307) da primavera de 1884; FP 26 [384)
81431 1do verão/outono de 1884· FP 35 (54) de maio/julho de 1885; FP 14
11521 '
da Primavera de 1888; Carta para Peter Gast (23/07/1885).

201

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Espírito do poso

Ver também ERRO, ETERNO RETORNO DO MESMO, FORÇA, IDEALISMO


MATERIALISMO, NATUREZA, REALIDADE, SENSAÇÃO, SUJEITO,TEMpo'
VIR-A-SER, VONTADE DE POTÊNCIA. ,

Bibliografia
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)

Eduardo Nasser

ESPÍRITO DE PESO (Geist der Schwere}

Nietzsche introduz a figura do espírito de peso em Assim falava la-


ratustra e dela trata sobretudo nesse livro. Na primeira parte do livro,
o espírito de peso vem personificar os que julgam que a vida é um
fardo pesado demais para se suportar; para combatê-lo, Zaratustra
lança mão do riso. Na segunda parte, para lutar contra seu principal
adversário, o protagonista recorre à dança, sua fiel companheira. Na
terceira parte, na seção intitulada "Da visão e enigma", Zaratustra en-
tabula um diálogo com seu arqui-inimigo acerca do eterno retorno do
mesmo; entre eles se trava uma luta de vida ou morte, em que ven-
cerá aquele que tiver a coragem de aceitar em todas as suas conse-
quências o pensamento de que tudo retorna um número infinito deve-
zes. Na seção que leva o título "Do espírito de peso", enquanto este
apregoa a ideia de que a vida sempre foi, é e será um pesado fardo,
Zaratustra a ele opõe seus ensinamentos e, dentre eles, o de que não
se deve furtar-se a fazer experimentos com o pensar.
Nestas duas últimas seções, Nietzsche esclarece com maior
precisão o significado do espírito de peso. Figura da heteronomia, ele
sofre de paralisia da vontade. Incapaz de amar a si mesmo, abdica
até do querer. Subserviente ao que lhe é exterior, julga que existem
leis universais. Submetendo-se ao que lhe é imposto, acredita que
há regras de conduta válidas para todos. Estabelecendo normas e
coerções, zela pelos valores instituídos. Mostrando-se sério e solene,
está atento ao fiel e estrito cumprimento do dever. Moralista. ft1c·
cioso, intolerante, tacanho, encarna a opressão. Afrontando o pí·

202

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. qu fil cair todas as coisa . Zaratu tra p 1 mp
4

lll d
n alta e baila. Contrapondo-se à maneira de proc •
us par s. que se deixam contaminar pelo espírito de peso,
11 concebe a atividade filosófica como uma reflexão dotada
ria e 1 ,eza, como um gai saber.

Sobre ESPIRITO DE PESO, consultar ZA I "Do ler e escrever~ li "O canto da


dança~ 111 •Da visão e enigma" § 2, Ili "Do espírito de peso~ Ili "De velhas
8
novas tábuas" § 2, IV "O despertar" § 1.

Ver também ETERNO RETORNO DO MESMO, EXPERIMENTO, FILOSOFIA,


VALOR, VIDA, VONTADE.

Bibliografia
\ARTO , Scarlett. Ainsi parlait Zarathoustra: l'oeuvre à la fois consacrée
et reniée. ln: CAMPIONI, G.; CIAMARRA, L.; SEGALA, M. (orgs.) .
Goethe, Schopenhauer. Nietzsche. Pisa: ETS, 2011, p. 481 -498.

Scarlett Marton

ESPÍRITO LIVRE (freier Geist)

Ao contrário do espírito aprisionado à tradição e às crenças, um espí-


rito se torna livre justamente ao liberar-se do que é tradicional: sendo
exceção, ele pensa de maneira diferente do que se poderia esperar
considerando sua proveniência e situação. Decorrente da força de au-
todeterminação e da instauração própria de valores, semelhante libe-
ração conduz o espírito livre a questionar os valores de seu tempo e a
desprender-se de crenças, em especial da crença na verdade. Se aso-
lidão se apresenta como consequência inevitável, a independência e a
ousadia o estimulam a lançar-se a aventuras e experimentos: adepto
do nomadismo espiritual, ele opõe-se aos espíritos aprisionados e fir-
memente arraigados, que não aspiram senão fixidez e certezas.
. Éexatamente por isso que o autêntico espírito livre se distingue,
insiste Nietzsche, dos chamados "livres-pensadores" e dos que se
autoproclamam "espíritos livres" - aqui, o recurso às aspas indica o

203

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-,

Esquecimento

teor crítico e a conotação pejorativa do tratamento que o filósofo d.--


pensa a estes últimos. Por mais que se vejam como ateus, como lit"t:!-
rados e adversários do ideal ascético, os pretensos "espíritos livres~
ainda representam o ideário que pensam combater, sobretudo p0 _
que continuam presos à crença na verdade, divinizando-a. Deres .
os supostos "livres-pensadores" são porta-vozes de ideias às quais
se contrapõem os espíritos livres propriamente ditos, tais como de-
mocracia, igualdade de direitos, simpatia pelos sofredores, extinção
do sofrimento e do perigo, felicidade do rebanho e assim por dia _
te. Antípodas do ideal ascético e das "ideias modernas", os espíritos
livres, entre os quais Nietzsche faz questão de se incluir por vezes
de maneira expressa, tomam como seu o problema da hierarquia e
perguntam pela possibilidade de inversão dos valores: eles figuram
assim como precursores dos filósofos do futuro.

Sobre ESPÍRITO LIVRE, consultar HH ! "Prefácio" e§ 225; OS§ 211;A § 132·,


GC § 180 e§ 347; BM § 44; GM 1§ 9 e Ili§ 24.

Ver também ASCETISMO, ATEÍSMO, CRÍTICA, DEMOCRACIA, EXPERI-


MENTO, FILÓSOFOS DO FUTURO, HIERARQUIA, IGUALDADE, MODER-
NIDADE, SOLIDÃO, VALOR, VERDADE.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. Niilismo, Criação, Aniquilamento: Nietzscheea


Filosofia dos Extremos. São Paulo, ljuí: Discurso Editorial. Editora
Unijuí. 2004. (Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche: a Transvaloração dos Valores. 5ª ed. São
Paulo: Moderna. 2006.

Eder Corbanezi

ESQUECIMENTO ( Vergessen)

Em boa parte de sua ob N'


ra, retzsche defende a tese de que o esque-
1
ii;~~ti ~cerca da gênese histórica e linguística dos conceitos produ-
,p s ases metafísicas. Em outras palavras, o afastamento tem·
204

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crn 1 1 J ao m m nto d
1 11
l,·u e ntínu na linnu m, l n I ado o ró ,
, ,, m d qu foram engendrados. or I s me mo..
~ ,1c,mmJd0 momento da história_. Esse e~uecirnento t r :
, 1 uzido a crença de que tais conceitos seriam pnncí ;os r•
• 1111 utáveis, absolutos e, por vezes, transcendentes. 1 'esse n-
1
1 •• 0 e,quecimenlo seria a causa de uma espécie de ·equí oco ,n-
ciente" dos filósofos metafísicos. Isso por que, ao elegerem con-
e 11 5 como "se(, ·causa primeira". "bem em si~ , "belo em si· como
•ncípios fundamentais da realidade, da moral e da estética. eles co-
etem o erro de tomar como fundamento algo que é derivado de um
1
go desenvolvimento histórico e linguístico.
1 a fase final de sua obra, Nietzsche também apresenta ou ra

concepção de esquecimento. Agora, ele o entende como uma força


orgânica que possui o papel de promover uma espécie de assepsia
psíquica nos seres vivos. O esquecimento teria, portanto, um papel
profilático, pois evitaria o acúmulo excessivo de lembranças desne-
cessárias que prejudicariam o normal funcionamento do organismo.
oato de esquecer seria, nesse sentido, sinônimo de saúde e\ ·talida-
de. o caso específico do homem algo de diferente teria, contudo,
acontecido. Neste animal, uma faculdade oposta teria sido desem 1-
vida, a saber, a memória. Esta capacidade de reter lembranças, que
teria sido forjada por meio de castigos infligidos ao homem durante
seu processo de socialização, teria o poder de suspender momenta-
neamente o esquecimento. Em suma, enquanto o esquecimento c n-
sistiria numa força orgânica espontânea, a memória seria um fenôme-
no posterior produzido pelo sofrimento.
Nietzsche vê ainda uma relação entre esquecimento e ressenti-
mento. Ao contrário do homem ressentido, o nobre não guarda res-
sentimentos ou mágoas pelos insultos e agressões sofridas. Ou ele
reage imediatamente ao ataque ou simplesmente esquece o o orri-
do. Portanto, o nobre se caracteriza por sua capacidade de esque i-
mento, pelo excesso daquela força regeneradora que purifica a me-
mória da intoxicação do ressentimento.

Sobre ESQUECIMENTO, consultar FT § 9-13; VM § 1; HH 1 § 9; GM 1 § 10, li


11 ·3; CI "A 'razão' na filosofia" § 4, "Incursões de um extemporâneo• § 5
8119; EH "Por que sou tão sábio" § 6.

20:>

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Ver também: ARISTOCRACIA. CASTIGO, CONCEITO, CAIAÇAO, LINGUA.
GEM, MEMÓRIA, METAFISICA. ORGANISMO, RESSENTIMENTO, SAúOE
SENTIDO HISTÓRICO. ,

Bibliografia

AZE EDO. ánia Outra de. Nietzsche e o Dissolução do Moro/. 23 ed.


São Paulo. ljuí: Discurso Editorial. Editora Unijuí. 2003. (Col. Sen-
das & Veredas)
, E o 1ETO. João E angelista Tude de. Invertendo o poema parmení-
dico: sobre a crítica do jovem ietzsche ao pensamento de Parmê-
ides. Cadernos ietzsche. v. 34. p. 189-213. 2014.

João Evangelista Tude de Melo Neto

ESTADO (Staat}

Encontra-se em Assim falava Zaratustra. na seção "Do novo ídolo".


a crítica mais ácida ao Estado que Nietzsche realiza. No entanto. esse
tema percorre os escritos do filósofo desde a sua juventude. imanta-
dos pelo otimismo com o advento do li Reich. recebendo em "O esta-
do grego". texto de 1872, uma de suas primeiras abordagens. qual
seja, o Estado como peça fundamental para o aparecimento do gênio
e para a unificação do povo por meio da tragédia.
A partir de Humano, demasiado Humano. essa posição se alte-
ra. Nietzsche considera que o Estado não tem mais o papel de resga-
tar a unidade ética perdida, como chegou a crer nos seus primeiros
escritos. não sendo mais. por essa razão. como acreditava. central
para o florescimento da cultura. Mais ainda: o filósofo considera que
o Estado deixa de ter efetivamente as condições para assegurar uma
visão de mundo pautada pela cultura. O sinal de alerta dessa mudan-
ça foram os primeiros passos que Guilherme I deu. em 1881. para
a construção de um Estado social. visando a estabelecer uma conci-
liação entre o mundo do trabalho e o capitalismo que se esboçava.
Nietzsche reaje de forma feroz. seguindo, pontualmente neste caso.
vozes de sua época, liberais e conservadoras, contra uma presen d

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f I t nn forn1, de um ·stado-províd nci , t n que fJfd ~ •
t: ~1,1tJI t • nurn Estado mínimo. Nao con idem, portanto, qu , éJ
11c11,1111za twrnana
n . d' ~ d b . /i. •
requeira con 1çoes e so revivt.:ncia, como · úd".!,
nJWI t ção moradia etc., ou de segurança, como proteção p ra
1
ali!ll ~:geis: no caso a massa. mas sim que deseja simpl mente o
n,JiS \ue se daria com a ampliação do Estado. Considera, por cx-
pod:r. acompanhando a posição de outros de sua época, que cabe
tensao. sivamente à Igreja todo tipo . de can'dade e ass1stenc1a
. . 1ismo.
·
1
e euÉnessa direção que, a partir de Assim falava Zorolustra, Nietz-
he radicaliza as suas críticas ao Estado. Ciente de que não se pode
5
\is esperar por via estatal um governo de traços nitidamente aris-
:cráticos, haja vista o Estado colocar-se a serviço daquele projeto
,nrorioso no confronto franco-prussiano, o filósofo volta a compreen-
der O Estado como antagonista da cultura e a ter a democracia como
alvode crítica, pois, como se verifica em Crepúsculo dos Ido/os, seria
0 pensamento democrático o responsável pela decadência do próprio
Estado. Não é à toa que, rechaçando todas as modalidades políticas
modernas, socialistas e liberais, ele vá apostar naquilo que denomina
a ·grande política". Reagindo à sua época, a sua concepção de polí-
tica, que se coaduna com uma teoria da dominação, cujo suporte é
o conceito de vontade de potência, radicaliza-se ao máximo com a
chegada ao poder de Guilherme li, que, no ver do filósofo, tinha uma
visão do Estado excessivamente socializante.
Sobre ESTADO, consultar CP "O estado grego"; HH 1§ 472; ZA 1"Do novo
ídolo~II "Dos grandes acontecimentos"; GM Ili§ 17; CI "O que falta aos
alemães" § 4 e "Incursões de um extemporâneo" § 39.

Ver também ANARQUISMO, ARISTOCRACIA, BURGUESIA, CULTURA,


DÉCADENCE, DEMOCRACIA, GÊNIO, GRANDE POLITICA, LIBERALISMO,
SOCIALISMO, TRÁGICO, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

SILVAJr., Ivo da. Nacionalismo e cultura: pólos antagônicos. ln: - -. Em


Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultura alemã. São Paulo,
ljuí: Discurso, Unijuí, 2007, p. 99-118. (Col. Sendas & Veredas)

Ivo da Silva Jr.

207

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ESTILO (Stifl

i\a losofla de Nietzsche, a questão de como ele ex · sua cor11:eµ-


çê€s não é rifénca. Do mesmo modo. a diversidade de estilos ~
ele ado não é acidental. Em sua escrita , ele recorre a um uso a e
to das figuras de retórica, e piora a polissemia das palavras e e· r.P. 1_
menta diversas formas de e pressão. Essa atenção ao estilo de e-~
a diversos fatores. Em primeiro lugar. sua concepção de estilo resu'-
ta de sua con icção de que pensamento e forma de expressão estBo
intimamente ligados. A forma da escrita , para ietzsche, expressa
as próprias características do pensamento do autor: um texto claro
reflete um pensamento claro e o cuidado com o estilo reflete o cu•-
dado com o pensamento. Em segundo lugar, sua concepção de es -
lo baseia-se em suas próprias considerações sobre a linguagem. E
sua filosofia da linguagem. ele descarta qualquer tipo de proprieda-
de metafísica da linguagem: a linguagem não expressa uma pretensa
estrutura essencial do mundo; ela antes é uma forma pela qual o ho-
mem estrutura o mundo. O estilo de Nietzsche, assim, não pretende
ser o espelho de uma realidade metafísica que seria alcançada pela
linguagem. mas antes uma forma de criação determinada pelos valo-
res do autor. Em terceiro lugar, o estilo representa para ele a possibi-
lidade de expressar vivências íntimas de um autor, que só poderá ser
compreendido por aqueles que possuem vivências semelhantes. Em
quarto e último lugar, tendo em conta o efeito que procura provocar
por meio de suas obras, Nietzsche recorrerá ao aspecto retórico, par-
ticularmente em seus aspectos emotivos, a fim de afetar o leitor, seja
positiva, seja negativamente, em relação aos seus escritos. As obras
de Nietzsche, assim, pretendem persuadir seus leitores, provocar a
adesão a suas ideias ou mesmo a repulsa delas, tendo em vista os fins
práticos de sua filosofia, que envolvem o estabelecimento de valores
que se opõem às concepções e ao gosto da época moderna.
, . Para realizar esses fins, Nietzsct1e utiliza diversos gêneros lite-
ranos, escolhidos a partir da temática e dos resultados esperado de
suas obras. Encontramos, assim, escritos dissertativos e ensaístico
(O Nasci~~nto da Tragédia e as Considerações Extemporâneas!. 11·
v:os afonst,cos (Humano, demasiado Humano, Auroro, A gaia Cit;,,_
c,a, partes de Crepúsculo dos Ido/os e de Para além d a m e Mal) ,
escritos polêmicos (Genealogia do Moral e O Anticri to), é.l pt1~ i..1 ti·

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r a (,As.sim ratava Zarotustro), a pretensa autobiografia (Ecce Homo)
bé,cm de poemas (Ditirambos de Dioniso). '
ª 0 aforismo f01· amp1amen t e ut11zado
1
·1· por Nietzsche. Por isso,
uitos chegam a considerar que essa seria a forma estilística privi-
:giada por ele, _mesmo nos livros não explicitamente aforísticas. A
sse respeito, é importante lembrar que o termo aforismo possui um
~ntido bastante específico em sua obra. Não se trata de uma sen-
tença curta com um deter~inado ~onteúdo ~oral, embora ele pos-
sua aforismos nesse sentido restrito. O aforismo é entendido por
Nietzsche como uma breve exposição de um pensamento que pro-
cura unir concisão e reflexão. O aforismo, para ele, ao contrário do
que sua forma breve aparenta, é resultado de um longo processo de
reflexão. Nele se condensa todo um pensamento longamente con-
cebido e amadurecido. Além disso, não só a difícil tarefa de elaborar
aforismos é resultado de um aprendizado, mas também sua própria
leitura. Assim como a elaboração de aforismos é uma tarefa laboriosa
e parcimoniosa, sua leitura deve ser lenta, cuidadosa, participativa.
o sentido de um aforismo depende da participação ativa do leitor,
que saberá dele extrair todas as suas consequências. Um exemplo de
interpretação de um aforismo é apresentado por Nietzsche na tercei-
ra dissertação de Genealogia da Moral.
Na filosofia da maturidade, as reflexões de Nietzsche sobre o es-
tilo concentram-se na questão da possibilidade de comunicação. Para
ele, acomunicação só é possível se houver entre o autor e o leitor um
compartilhamento de vivências. Trata-se, a partir daí, de estabele-
cer uma relação entre vivências, que têm sua manifestação no texto,
como forma de expressão fisiológica, e no estilo, particularmente no
que diz respeito ao ritmo dos escritos. Diante disso, o filósofo passa a
ver suas obras como uma espécie de linguagem cifrada, que só pode-
ria ser entendida por aqueles que tivessem vivências similares às dele.
Nesse sentido, procura escolher os leitores que compartilham suas
vivências e valores. Em sua opinião, pela capacidade que possuiria de
trocar de perspectivas, e assim ser capaz das mais diversas vivências,
ele foi capaz de escrever em uma multiplicidade de estilos.

Sobre ESTILO, consultar HH 1§ 35 e§ 188; OS§ 127, § 128 e§ 168; AS§ 131
8
§ l48; 2A l "Do ler e escrever"; BM § 28 e§ 268; CI "Incursões de um ex-
temporâneo" § 26; EH "Por que escrevo tão bons livros" § 4; FP 201 31do

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Est I ismo

inverno de 1876-1877; FP 1 (109) de Julho/ago 5t0 do 1882: FP J4 l861c1


abril/junho de 1885; FP 1 (182) do outono de 1885/inlclo do 1880.

Ver também CRIAÇÃO, FISIOPSICOLOGIA, LINGUAGEM, METAFISICA.,


PENSAMENTO, PERSPECTIVISMO, REALIDADE, VALOR, VIV~NCIA.

Bibliografia
BARROS, Fernando R. de Moraes. A letra viva de Nietzsche. Coctrm<Y>
Nietzsche. v. 8, p. 89-104, 2000.
ITAPARICA. André Luís Mota. Nietzsche: Estilo e Moral. SJo Paulo, 11ur
Discurso Editorial. Editora Unijuí, 2002. (Col. Sendas ó. Ver <las)
MARTON, Scarlett. Novas liras para novas canções. ln : - - . , t,.
sche, seus Leitores e suas Leituras. São Paulo: Barcarolla. 201 o.
p. 125-142.

André Luís Mota ltaparica

ESTOICISMO (Stoizismus)

ietzsche entra em contato com o pensamento estoico no u pri·


meiro trabalho filológico sobre as fontes de Diógenes Laércio. em
1867, quando questiona as fontes doxográficas de Vicia, Dout,inoe
Sentenças dos Filósofos Ilustres. Contudo, somente cm 1878 cl ' '
volta de modo vigoroso para o tema . O fi lósofo abandorw él polt1rid 1·
de entre o homem trágico e o homem socrático. que lwviri tílbel 1•
cido em O Nascimento da Tragédia, em favor. na époc;1d , I lw11(u10.
demasiado Humano, da oposição entre o helenismo o ri ti<111i 111 •
entre a razão e a ilusão. Nesse contexto, ele passa a 0 11 ·ict 11(1r Ll fl
losofia da Stoa modelo para guiar a existência rJcionéll, pílril ftll 'í 1
homem um ser moralmente autónomo, distanciando, p<1rn t<1nto. o
estoicismo do cristianismo. Para sustentar uma µosição , ili a ,11 r 1

lação ao cristianismo, o fi lósofo, à sua maneira. pro urél s 'CUir o tr,1•


ços estoicos no que tange ao estreito laço entre a ti a tl fí ict1. n°
contexto desse entrelaçamenlo que Nictzscl1c trc'.l il c'.l linll I g 'r,11•
do que ele vem a denominar amor fali a partir d , 1878 , do (llll' , 'fll
a nomear. ainda que e111 lint1Js gerais, a doutrina lfo 'l '1110 r 't 111

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Et rno r torno dom rn

a partir de 1881 . Noutras palavras, o filósofo esboça ne -


dornesrn 0 ·1 1 ·á ·
sesdois momentos aqui ~ quée ~ e vN1r a considerar como a expres,.
• • ·ma de seu imperativo t1co. o entanto, nessa época, Nietz-
sao u1t1 . . ,. .
- começa a fazer as primeiras criticas aos estoicos. Críticas essas
sclie partir de 1886, com Para além de Bem e Mal, se intensificam
que,ªaanálise da máx1ma · estrnca,
· quando afi rma que viver segundo
com tureza não deixaria de ser viver conforme a vida já efetivamente
a na á . . .
. tente. Em outras pa Iavras, a m x1ma estoica pareceria absurda
ex1s .d . t , . .
ao opor natureza e v1 a e s~ria auto1og1ca se ignorasse a oposição.
Dando ainda outro pass?, N1etzsc~~ procur~ desmascarar os pressu-
ostos da máxima estoica que critica. Assim, se num primeiro mo-
~ento faz uma crítica de cunho lógico, num segundo realiza outra de
cunho axiológico. Mantendo a distinção entre natureza e vida, Nietz-
sche desnuda a inversão que os estoicos estabeleceram: eles fazem
anatureza à sua imagem, tiranizam-na como se tiranizam e, assim
procedendo, dizem estar de acordo com ela.
Sobre ESTOICISMO, consultar A§ 546; BM § 9; FP 7 [71) de fim de 1880; FP
12 [141] do outono de 1881.

Ver também AMOR FATI, CRISTIANISMO, ETERNO RETORNO DOMES-


MO, ÉTICA, ILUSÃO, MORAL, NATUREZA, RAZÃO, SOCRATISMO, TRÁ-
GICO, VIDA.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou


imperativo ético? ln: - -. Extravagâncias. Ensaios sobre a Fi-
losofia de Nietzsche. 3ª ed. São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 85-
118. (Col. Sendas & Veredas]

Ivo da Silva Jr.

ETERNO RETORNO DO MESMO


(ew· ·
ige Wiederkunft des G/eichen)

Nietzsche compreende o pensamento do eterno retorno do mesmo


como O Mnovo peso", ou seja, a nova medida de valor para todos os

211

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\' ~ lll • l rn llc1 JnOtélÇ~~ de I flH 1' í!l,J í{,lr t 1',
t lir t a 1 ent no '• l de A gmo Cténoo int1tul~UJ<)r, •r ' j

•. ~ =1ra . em egu,da. ser a conccpçJo funrJ1 , .,


- 0 tu tro. Trata-se, como o fIló~ofo e.<pl e, ,1,J •
E l' a utrir a (die Lehre) da atJsolutrJ e 1ní1nir;i ,,~,1 ! ,~
, '
1 rlJr t as as coisas. de um pensamento que e a rna,,Je',;·,d 1
1
1 t1 e afirma ã que pode ser alcançada .
Er ra c nhecesse a concepção do eterno retorno <J0'1r, ,. , -;
an i0 s. és mente o debate entre termodinâmica, co mol JP, ~ ~
1 s fia estabelecido no século XIX que leva ietzsche a intere~'.;v ,1
pela repetição cíclica de todos os acontecimentos. Em particular, 1_r;
em r de que todo o processo cíclico do cosmos, que impltcana n.:i r.
petição eterna e infinita da existência humana, ocorra sempre m m:-;
ma ordem e sequência , tal como Nietzsche o encontra nas refl , _-;
de autores como Hartmann, Dühring e Caspari, que o le a a d 1 1 r ~J
eterno retorno do mesmo o pensamento afirmati o por exce1· nc,a
ietzsche jamais abandona a reflexão sobre o eterno retomo
mesmo enquanto hipótese científica entre os anos de 1881 e 1888
Já em paralelo à publicação de A gaia Ciência, ele chega a inform.Jr,
em carta de agosto de 1882, que tem várias anotações guarda a)
para a elaboração de um "tratado científico " sobre o eterno reto, o
realizadas entre a primavera e o outono de 1881 . as quais serdOre-
tomadas em 1888. Mas é, sobretudo, o caráter axiológico, o de fio
implicado na aceitação do pensamento do eterno retorno do rnes
mo que, desde 1881, ocupa o centro das atenções de Nietzsch . fJI
como já delineara na terceira parte de Assim falava Zoratustra. em
MO convalescente", o maior desafio para a aceitação plena do ctern,)
retorno do mesmo consiste na aceitação da possibilidad der P1
tição eterna do próprio niilismo, algo que explica porqu . ern Ecce
Homo, o filósofo vincula o pensamento do eterno retorno do mesmo
ao amor fati. Considerando-se, no Crepúsculo cio !dolo . corno o
mestre do eterno retorno do mesmo e o último di cípulo do •f1ló oro·
Dioniso, aquele capaz de um dionisíaco dizer-sim tio munclo tJI e niu
ele é, Nietzsche ainda projetava escrever, no ont ) t da tdr )fd d. 1
transvaloração de todos os valores, um livro intitulado w DIor11s · lil(}
sotia do eterno retorno do mesmo". Em últir11t1 élrl 1 lis , d r 'P 'l1 lD

212

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~ \/,li( l('S l' o ílVd llÇO cio nilll mo.
l 1l (1 .

t,r El EnNO ílETOílNO DO MESMO, consultor GC § 109 e§ 341; ZA 111


So
• vi O O onlgmo " ,'2, "O convo Ioscon to" e "Cançao . do s·1m 8 Amém~
0
IV •A c11 nç~o hõbodn "; BM § 66 o§ 203; EH "O Nascimento da Tragédia"
•A lm folovn Zorotustro" § 1; FP 11 (143], (148] e 1203) da primava-
13
, /outono do 1881; FP 2417) do Inverno de 1883/1884; FP 261259), (284)
12901 0 271801 do varão/outono de 1884; FP 341191] de abril/junho de
1885; f P 2 l 100I do vorão de 1886; FP 6171] 6 de junho de 1887; FP 14 (188)
da primnvoro do 1888; FP 22114) de setembro/outubro de 1888.

V rtambém AMOR FATI, DIONISIACO, ESPIRITO DE PESO, EXPERIMEN-


TO, FORÇA, NIILISMO,TEMPO,TRANSVALORAÇÃO DETODOS OS VALO-
RES, VALOR, VIR-A-SER, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
MRTON, Scarlett. L'éternel retour du même, le temps et l'histoire. ln:
BINOCHE, Bertrand; SOROSINA, Arnaud (orgs.). Les historicités de
Nietzsche. Paris: Publications de la Sorbonne, 2016, p. 105-125.
MARTON, Scarlell. O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou
imperativo ético? ln : - - . Extravagâncias. Ensaios sobre a Fi-
losofl·a de Nietzsche. 3ª ed. São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 85-
118. (Cal. Sendas & Veredas)
RUBIRA, Luís. Nietzsche: do eterno Retorno do mesmo à Transvalora-
çóo de lodos os Valores . São Paulo: Barcarolla, Discurso, 201 O.
(Cal. Sendas & Veredas)

Luís Rubira

ÉTICA (Ethik)

Otermo ética cm Nietzsche requer que se compreenda uma constru-


ç~o explicativa para o agir que ultrapasse as elaboradas na tradição
do Pen amento ocidental. Pode-se relacionar a expressão amor fali
corno lermo ética enquanto perspectiva da necessidade e da afirma-

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Ética

_ 'dade corno interpretação que expressa urna dad


çao dessa necess1 d • .
._ . .1•t a noção de natureza ou e const1tuiçJo h
cond1çao de vida e re1e a , r · u
mana. As avaliações manifestas atraves de u~a inguagern concep
essidade. Embora nao se tenha acesso à
tual expressam urna nec . - ~
. _ cessam aquém da cornurncaçao, elas têm u
avaliaçoes que se pro . rn
. t O ·imporem um modo de avaliar segundo a co
papel deterrn1nan e a _ n-
. _ ,. . expressando a relaçao entre o quantum de PO-
figuraçao organica, . . ,
,.. . ar que se ocupa nessa h1erarqu1a. Eesse quantum d
tenc1a com o 1ug . _ e
potência, legislando em silêncio, q~e situa a aç~o humana. Com0
r. t · filósofo retorna O conceito de necessidade corno destino
amor ,a 1, o .d H
já presente em Aurora e H~mano, demas,a o umano. ~essas
e relaciona O conhecimento da natureza e da necessidade à
obras, el . . h .
inocência e à irresponsabilidade, atnbuindo ao con ec1rnento a con-
dição de criação de um homem ino~ente, enqu_anto consc~ente da pró-
pria inocência ao invés da culpa. E o conhe~1~ento ~ via ~e acesso
que desvincula a ação humana da responsab1l1dade, a medida que lê
na natureza a inocência proveniente da própria necessidade. Ao es-
tabelecer esse tipo de relação, Nietzsche atribuiria à natureza a ne-
cessidade, conforme a visão estoica. Convém mencionar que, nesse
momento, Nietzsche contrapõe a moralidade antiga, na figura de
Epicteto, à moral da compaixão. Em Humano, demasiado Humano
os alvos, mais do que a moral, são a religião, o cristianismo, a arte,
Wagner, e a filosofia de Schopenhauer. Em Aurora, as questões mo-
rais passam a ser o centro da investigação do filósofo, entretanto, a
via de perscrutação não são os valores com relação aos seus condi-
cionantes de criação, a moral é tratada em termos de preconceitos,
sentimentos ou conceitos morais. Por isso, a presença de uma ética
no pensamento nietzschiano está relacionada com a teoria das forças,
a vontade de potência e ao tratamento das questões morais em ter-
mos de valores e é apresentada por ele como amor fati: querer amar,
doravante, o que é necessário aparece como única atitude compatível
com a competência humana diante do agir. Assim, a primeira carac-
terística de uma ética nietzschiana é o reconhecimento de que o agir
carece de fundamento. Daí, ele prescrever o amor ao {atum enquanto
sentimento de aceitação da necessidade que independe de justificati-
vas. O homem é posto por Nietzsche no mundo desde o desconlieci-
mento de um fundamento. Ao afirmar a vida sem julgá-la, o t10rner11

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Ética

ssa a manifestar uma aquiescência profunda diante do que foi, do


pa é e do que será,. convertendo a assimilação da vida em um pro-
que
fundo amor ao ~estmo. ~ma segunda ca:acterística de uma ética em
Nietzsche, relacionada diret_ame_nte à primeira, é O reconhecimento
da presença de uma determ1~açao profunda do agir como imposição
de perspectivas. Há um "gr~nito de fatum" por trás das avaliações co-
nhecidas enquant~ seus efetivos regentes. Encontra-se um conceito de
dever que se relaciona, também, com a necessidade q~e vige em pro-
fundidade e liga fatum e formação. A ética, em Nietzsche, retoma os
traços de caráter na determinação do agir em outra dimensão, uma
vez que remete à profundidade como determinadora das avaliações
einterpretações. Ea luta entre as vontades de potência processadas
aquém da comunicação que prescreve aquilo que vem a ser como
sentido e valor. Há a retomada do sentido de ethos como a base da
praxis, isto é, o ethos nietzschiano corresponde às lutas entre as von-
tades de potência que se processam em profundidade. Édo ethos,
enquanto traços de caráter remetidos à vontade de potência, que
emanam os atos singulares do homem, em Nietzsche, enquanto inter-
pretação. A ética é a ética do modo de ser do humano lançado no
mundo sem sentidos prévios, em que o caráter do homem manifesta
aluta entre vontades de potência que impõem uma perspectiva. Éao
granito de fatum que Nietzsche remete sentido, valor, hábito, costume.
Surge, assim, uma nova relação do homem com o bem e o mal, a par-
tir da retomada, em outra dimensão, dos pressupostos éticos da li-
gação social, desde a introdução de determinações não conscientes
esingulares no agir enquanto imposição de perspectivas. Outras duas
questões são prerrogativas para uma ética em Nietzsche: a com-
preensão de que não há uma igualdade constitutiva do homem e a
admissão da presença da hierarquia, tanto entre os impulsos quanto
entre os homens. A multiplicidade organizada em um corpo não pode
ser encontrada em outro, nem o conceito de igualdade se encontra
na efetividade. Ao partir da singularidade do homem, essa ética con-
fere-lhe uma nova dignidade ao lhe atribuir a possibilidade de dotar
ªexistência de sentido e de valor desde uma perspectiva singular.
Na necessidade da luta e na perspectiva necessária como resultado
da disputa encontra-se a possibilidade de interpretar o agir humano

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Eticidade do costume

enqu;rnto necessidade e prescre er-lhe o amor como aceitação do


seu vir-a-se como fatum .
Sobro ÉTICA, consultar GC § 114 e 335; ZA l "Das alegrias e das paixões;u
·Das tarântulas• e •Dos virtuosos"; BM § 10, § 32, § 158, § 188 e§ 272; EH
·Assim falava Zaratustra" § 8 e ·Por que sou tão esperto" § 10 e§ 16; FP
15 (20) do outono de 1881; FP 25 (437) da primavera de 1884; FP 26 (721 e
(414) do verão/outono de 1884; FP 34 (53) e (124) de abril/junho de 1885;
f P 10 (46] e (47] do outono de 1887; FP 14 (185] da primavera de 1888; FP
16 (32) da primavera/verão de 1888; FP 25 (7) de dezembro de 1888/início
de janeiro de 1889.

Ver também AFIRMAÇÃO, AMOR FATI, AVALIAÇÃO, ESTOICISMO, IN-


TERPRETAÇÃO, LUTA, MORAL, NECESSIDADE, PERSPECTIVISMO, VA-
LOR, VIDA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
AZEREDO, ània Dutra de. ietzsche e a Aurora de uma nova Ética .
São Paulo. ljuí: Humanitas. Fapesp, Unijuí, 2008.
t\ 1ARTO . Scarlett. O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou
imperati o ético? l n : - -. Extravagâncias. Ensaios sobre a Fi-
losofia de I ietzsche. 3ª ed. São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 85-
118. (Cal. Sendas & Veredas)

Vânia Outra de Azeredo

ETICIDADE DO COSTUME (Sittlichkeit der Sitte)

A eticidade do costume em Nietzsche mantém sempre presente o


sentido de costume referido à eticidade, no sentido de resgate do
ethos em grego e do mos em latim que a expressão alemã mantém.
Somente partindo dessa referência ao grego e ao latim pode-se com-
preender o sentido da expressão eticidade do costume em Nietzsche.
enquanto cumpriu fixar no querer, inclusive como ação desse querer
mesmo, alguns "quero" e alguns "não quero". Isso fica evidenciado
pela descrição do comportamento humano diante do costume en-
quanto poder ordenador que determinava o que se deveria fazer e o

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IJ

·Jn ,ii J na r r ito. , ietzsche itua a ticidad d co-- um •


1
tll'1u11u, re-hí tória da moralidade,
cr .
íorneccndo um plano aroum
t:i
n--
, qu li a moral, cultura e impulsos em uma teia construtora d
!J t1\ -
umJno. o filósoro alemao descre~e o processo de assimilação do
1
co t1Jnie pelo homem. o desenvolvimento do hábito de ter hábitos,
n,o uma tarefa que, apesar de fundamental, representa o princí-
c -
ioda formação do homem e nao o do homem como algo acabado.
A pro\eniência da resp?~sabilidade, em Nietzsche, está diretamen-
te relacionada com a et1c1dade do costume, pois a ela coube criar as
condições necessárias para o desenvolvimento da responsabilidade
no homem. Requerendo, todavia, fazer dele, primeiramente confiá-
vel e igual entre os iguais. ao impor formas de agir inquestionáveis, a
comunidade atua sobre o indivíduo, formando o homem, em termos
de responsabilidade, tornando-o confiável. À consciência esquecedo-
ra dá-se uma memória, moldando-a para impedir o esquecimento.
Nelaencontramos a possibilidade da passagem da natureza à cultura
mediante a assimilação do costume enquanto incondicionalidade da
obediência. A eticidade do costume é percebida como a capacidade
ou mesmo a condição do humano de obedecer a leis, cujo referen -
cial regulador se encontra em uma superioridade imanente expressa
na figura da tradição. Os homens teriam, assim, desde suas origens
mais primitivas no sentido da própria constituição do humano pela
ação da cultura, desenvolvido a atitude de obedecer a leis. O movi-
mento da cultura é denominado por Nietzsche eticidade do costume,
cuja ação precípua está determinada pelo adestramento, pelo ato de
impor a obediência aos próprios costumes enquanto ato fundador da
civilidade do homem. Convém observar que nessa dimensão formati-
va, os próprios costumes, enquanto maneira de agir e apreciar pres-
crita para a comunidade exigiam o cumprimento. Por isso, tudo o que
se referia a eles, desde questões de higiene, saúde, relações entre os
membros da comunidade etc., estavam sob o jugo da eticidade. Os
indivíduos teriam necessariamente de se guiar pelos costumes exis-
tentes, de forma que a perspectiva propriamente individual se dirime
n~ observância da tradição. Isso ocorre porque, nessa acepção, a tra-
dição se apresenta como um poder superior. cuja forma de ord n .-
rnento está envolta em respeito e medo. Aquele que não obed e o

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E ,e,

cos ume e, rtJnlo. enfrenta o poder da tradição. dev íld o n,1,,


um legislador. um criador de costumes. Tal prática, todavia. co ,J , ,
se como ngosa. haja vista o poder ordenador que envol e o í1'6
pno cos ume e a conotação imoral daquele que o enfren a. Épre~,"J)
o se 'ar que ine iste uma compreensão individual. Por rsso, o pr;-li:r
da tradição sempre se estendia à comunidade. fesmo a ação I cJ, ~-
dual s uía uma conotação comum relativa à totalidade dos me .
bros da comunidade. 'essa perspectiva. o fundam ental não es á 0
que é prescrito. mas na prescrição e na submissão a ela. Pode-se,
assim. compreender melhor a importância exacerbada do cos um~
e. inclusive, a impossibilidade de sua não existência. Em alguns ca-
sos fica patente que o costume. enquanto modo de agir em determi-
nadas circunstâncias. não importa tanto quanto assimilar a ordena-
ção referida a ele, já que é sobre essa base que se origina a próp
civilização. Seguindo essa linha interpretativa, pode-se tomar como
exemplo da dimensão comum dessa eticidade a extensão punit1 a à
ação individual, que era sempre compreendida como punição para a
comunidade, devido ao relaxamento dos costumes. A preeminênoa
da individualidade como princípio de responsabilidade era toma a
necessariamente como não-ética. Em vista disso, a ação indi idual
possuir uma dimensão comum e a falta ser assimilada como algo que
se estende aos domínios de toda com unidade.

Sobre ETICIDADE DO COSTUME, consultar A§ 9, § 16 e§ 18; BM § 229;


GM li § 2-8 e § 13.

Ver também CASTIGO, CIVILIZAÇÃO, CULTIVO, CULTURA, ÉTICA, HUMA-


NIDADE, IMPULSO, LEGISLADOR, MORAL.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2 ed.


São Paulo. ljuí: Discurso Editorial. Editora Unijuí, 2003. (Col. en·
das & Veredas}
AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova tliCO
São Paulo. ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008 _

Vânia Dutrl do Az r liJ

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__./
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111

EU (/eh)

,\r... cnt1 J d, 1 tl ·c11c s noções de eu denunciam que estas estão


1

;iicl,,s J d (:,lllJ pr conceitos me,l~ físicos, epistêmicos e, sobre-


1
ló ico . Urn ernplo dessa critica está na análise que faz do
111 ,
º . ,
• LI 11 0 • cJr1 s1ano, no paragrafo 16 de Para além de Bem e Mal.
1
1
m disso. ietzsche identifica dois momentos decisivos para a for-
niulJ Jo da concepção de eu. Primeiramente, a crença de que O pen-
53n,ento deve ter uma causa, o que leva à suposição de um eu que
seJél ssa causa e, em segundo lugar, a estrutura gramatical da qual
0 próprio pensamento não consegue escapar, o que impulsiona essa
cr nça e a torna possível. Com efeito, a estrutura gramatical é deci-
si apara que a lógica se torne dependente da noção de eu. A crença
na sua existência advém do processo de abreviação e simplificação
comque a linguagem formula o conceito, ou seja, opera uma redu-
ção da multiplicidade à unidade. Toda multiplicidade que caracteriza
0 arranjo dos impulsos e sensações no corpo é reduzida a uma unida-
de, sintetizada pela palavra eu. Mas esse eu não passa de ficção, uma
simplificação da linguagem que não corresponde à efetividade dos
processos interiores. A lógica não pode escapar a esse falseamento
da realidade efetiva quando toma para si a crença de que o sujeito eu
é acondição para o predicado penso. Nietzsche denuncia essa cren-
ça porque a ligação entre sujeito e predicado procede da suposição
de que toda atividade requer um agente, donde se conclui que esse
agente é o eu. Isso, no entanto, é apenas uma interpretação do pro-
cesso baseada numa simplificação. A pletora de conceitos metafísi-
cos, como substância, causalidade, sujeito, objeto, movimento, pro-
vém dessa interpretação de nossas experiências psíquicas. A filosofia
ésubjugada por essa mitologia gramatical, preconceito que se enra-
fza desde os primórdios do pensamento filosófico, pois os conceitos
atávicos de ser e de átomo provêm dessa busca de uma unidade in-
ferida do suposto caráter unificador do eu.

:>°bro EU consultar NT § 5; BM "Prólogo"§ 16, § 17, § 54, § 230 e§ 231; CI "A


razão' na filosofia"§ 5 e "Os quatro grandes erros"§ 3;AC § 15; FP 91631, 1891,
191 8
1 l98J do outono de 1887; FP 14179) da primavera de 1888.

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Exper,n,ento

Ver também CAUSALIDADE, CERTEZA IMEDIATA, CONCEITO, CORPQ


FISIOPSICOLOGIA, IMPULSO, INTERPRETAÇÃO, LINGUAGEM, LÔG .
SUBSTÂNCIA, SUJEITO, VERDADE.

Bibliografia
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Consciência e inconsciente no d;scu )0
·oos desprezadores do corpo" de Assim falava Zaratustro: rra
perspectiva psicofisiológica da crítica nietzschiana ao suj~i•o. Ir;:
MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João Mayer; CO" STA. C' .
João (orgs.). Sujeito, Décadence e Arte: Nietzsche e a Modem.'da-
de. Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 61-97.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: consciência e inconsciente. ln: - -
Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed. ~
Paulo: Barcarolla, 2009, p. 167-182. (Col. Sendas & Veredas)
NASSER, Eduardo. A crítica da concepção de substância em 'ietzsdie.
ln: Cadernos Nietzsche, v. 24, p. 87-102, 2008.

Márcio José Silveira Lima

EXPERIMENTO ( Versuch}

Éem tom de exortação e até mesmo de exigência que Nietzsche afir-


ma que em questões de ciência e conhecimento se deve proceder de
modo experimental, isto é, investigar o que quer que seja a partir de
múltiplos pontos de vista; também no registro moral, na determina-
ção de novos valores, prescreve o filósofo a experimentação: bem
mais, são a vida mesma e a humanidade como um todo que devem
ser tomadas como experimentos.
Se não há domínio em que não se tenha de experimentar, por
outro lado, apenas a um grupo seleto reserva Nietzsche o epíteto de
experimentador: é uma nova espécie de filósofos, os filósofos do fu-
turo, que batiza com os nomes de experimentador e tentador: são
º.s espíritos livres, precursores daqueles, que têm a prerrogativa de
viver para o ensaio e de experimentar novas formas de vida; é Dioniso
0 ~eus tentador; é, por fim, sua própria filosofia, tal como a vive. qut?
Nietzsche designa como experimental.

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(11 qu J aplicaçã_o de tal qualif1ca t1 os r tnniJ a pou-
. t \ lica-se em boa medida pelo modo como Nietz eh com-

. 0 x ri mentar. a saber, em um sentido novo e em contra-


, J ao gosto e aos va lores do tempo. Para ser um experimenta-
- tal qual o filósofo o concebe, é necessário, com coragem e ou-
;a, desprender-se de crenças e do desejo de certezas e fixidez,
re ,spor-se a tomar as coisas provisoriamente, arriscar-se sem re-
a a errância e o erro, a aventura e o perigo, lançar-se à conquis-
ce .d
ta do desconhecido e sempre cons1 erar as próprias vivências como
e;,.,perimentos; é preciso, acima de tudo, questionar os valores tradi-
cionais e não temer flertar com o que vale como proibido, pequeno
edesprezível e goza de má reputação: o experimentador é um ex-
temporâneo. Por isso, seus ensaios exigem força: apenas espíritos
mais fortes e uma época mais forte poderiam empreender a tentati-
vade associar à má consciência todos os ideais idolatrados até ago-
ra, que são, porém, hostis à vida e caluniadores do mundo. Quem
assim concebe o experimentar é, por conseguinte, reputado mau e
não pode enfrentar senão solidão e deserto. Ora, ao determinar de
tal modo o experimentar, não é de surpreender que Nietzsche desti-
ne a tão poucos o próprio epíteto de experimentador.
O filósofo emprega o conceito, por fim, para precisar o estatuto
de sua própria interpretação do mundo como vontade de potência:
ao caracterizá-la como um ensaio, um experimento, uma tentativa,
sublinha sua pretensão antidogmática.
Sobre EXPERIMENTO, consultar HH ! "Prefácio"§ 3 e§ 4; A§ 187, § 432, § 453,
§501 e§547;GC § 51, §319e § 324; BM §36, §42, §205, §210e §295; GM li §24
e 111 § 27; FP 1 [38] do início de 1880; FP 39 [1] de agosto/setembro de 1885.

Ver também CIÊNCIA, CONHECIMENTO, ESPÍRITO LIVRE, EXTEMPORÂ-


NEO, FILOSOFIA, FILÓSOFOS DO FUTURO, INTERPRETAÇÃO, SOLIDÃO,
VALOR, VIDA, VIVÊNCIA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-


nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo VI.

Eder Corbanezi

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E temporõn o

EXTEMPORÂNEO (Unzeitgemãss)

Figurando no título de uma série de Considerações


. .
Extemporónea,,
1
_ tanto das publicadas como de proJetos inconc usos-, 0 terrr
10
deste verbete ainda se fará notar expressamente em outro título, des-
ta ez de um capítulo, "Incursões de um extemporâneo", de um dos
últimos escritos de Nietzsche, Crepúsculo dos Ido/os.
Ao justificar o epíteto na segunda de suas Considerações Ex-
temporâneas, que se intitula Da Utilidade e Desvantagem da História
para a Vida, o autor indica igualmente o que entende por extempora-
neidade em geral. O caráter extemporâneo dessa obra em particular
se deve ao fato de que nela o autor, segundo ele mesmo explica no
prefácio, compreende como um defeito de sua época algo de quea
própria época, entretanto, se orgulha, a saber, sua formação histórica.
É como pupilo de tempos mais antigos, em especial dos gregos, que
Nietzsche, enquanto filho de seu tempo, alcança experiências extem-
porâneas. Com efeito, conclui ele, a filologia clássica só encontra sen-
tido em seu tempo ao agir extemporaneamente, isto é, contra seu
tempo, sobre seu tempo e em benefício de um tempo vindouro.
Em outro prefácio, agora por ocasião de O Caso Wagner, é en-
quanto exigência do filósofo a si próprio que a extemporaneidade será
apresentada . Não se trata, com isso, de prescrever-lhe, ao filósofo, a
busca por algo eterno, mas antes, já que ele deve ser a má consciência
de seu tempo, de incitá-lo a combater e a superar em si mesmo o que
é filho do próprio tempo, ou seja, o que se encontra em conformidade
com os valores da época: assim, é contra a decadência e toda a "hu-
manidade" moderna, em suma, que se volta Nietzsche.
Ao caracterizar com maior precisão a "nós, os sem-pátria", o
autor do Livro V de A gaia Ciência evidencia por que são eles extem-
porâneos, não podendo se sentir em casa no seu hoje, quer dizer, em
uma época que se pretende a mais humana, clemente e justa. Sua e ·
temporaneidade decorre do fato de não serem "liberais" nem "huma·
nitários", de tampouco se empenharem na promoção de ideaiscomo.
entre outros, "progresso", "direitos iguais", "sociedade livre", "ine is·
tência de senhores e escravos", reino da justiça e da concórdia, que
equivaleria à mediocrização, e "religião da compaixão" . Sernelt1éHl·
tes ideais são apenas, aos olhos dos sem-pátria, que não conccbenl

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Fatalismo

h ,t,,lt' it11t' 11to ~ n elevação do tipo "homem" dissociados de um


) l ) cl<' e. crnvizaçào, a expressão de uma profunda fraqueza
Ih \ 11 1
, nitx·u1t1 ddOtnnr-se com belas palavras. Denominados igualmen-
~llt t . . _ .
lt' 1, ~ t't1ll>/ us. tn1s sem-pátna n~o s~ consideram "alemães", no
, ntid1 ent,)o corrente do termo, pois nao compactuam com a men-
;1~,~.l ,u,1cx1clmirt1çào racial que se exibe como signo da mentalidade
llt'fll,1 11e111 com a pequena política que desola o espírito alemão. São,
~ r fi lll. íl\ essosao nacionalismo e ao ódio racial, em razão dos quais
. t' i~ 1,1 cnclc1 povo da Europa contemporânea de Nietzsche.

Sobro EXTEMPORÂNEO, consultar Co.Ext. li "Prefácio"; Co.Ext. 111 § 3; CG


§ J77; CW "Prefácio':

Ver também BOM EUROPEU, COMPAIXÃO, DÉCADENCE, FILOLOGIA,


HUMANIDADE, JUSTIÇA, MÁ CONSCIÊNCIA, MODERNIDADE, NACIO-
NALISMO, PROGRESSO, RELIGIÃO,TIPO.

Bibliografia
AZEREDO. Vânia Outra de. Nietzsche e a Condição pós-moderna: a Extem-
pomneidade de um Discurso. São Paulo: Humanitas, Fapesp, 2013.
MARTON, Scarlett. Considerações Extemporâneas. Distância e combate:
a (in)atualidade do filósofo. l n : - -. Nietzsche e a Arte de deci-
fturEnigmas. São Paulo: Ed. Loyola, 2014, p. 33-52 . (Cal. Sendas
& Veredas)
~1ARTON, Scarlett. Por que sou um extemporâneo. ln: - -. Extra-
11agâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed. São Paulo:
Barcarolla, 2009, p. 19-49. (Cal. Sendas & Veredas)
SILVA Jr., Ivo da. A História como influxo. Cadernos Nietzsche. v. 26,
p. 97- 106, 201 O.

Eder Corbanezi

FATALISMO (Fata/ismus)

Umamaneira corrente de se compreender o fatalismo é pensá-lo como


ªdoutrina que ensina a necessidade inevitável do cumprimento do
223

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fn l (e li d, ·t,no). N . lll td . Ícll,llL mo r rn t",',,Ht,1 q j1• 1,. '•
ac ntecim nto já sU10. d ant lll cl . ,rr ·m ' lrt1 '1"1 ·n , 1( 1
dos qu is o conduz forços:-irn nt e~ r alll<l cl 1 1 ,n . , , ,
contexto, a ação l1umana. apesar d ap r c )r · m 11rncl ' e , e
força de oposição ao destino. sempre v nc1d(_ r 1 1ln11 11 1
Enfim. as ações humanas seriam irnpotent s fr nl c1 f,l
tudo já estaria determinado independentern nt d qu;-il u •r 11:o
Essa noção de fatalismo não é. todavia . corroboradc or 1 '1 tz. ·r,,
Ao contrário, é corno alvo de críticas que ela, geralrn nt . c1 l , ~
em seus textos. Por vezes, esse tipo de fatal ismo ct1amc1 o. ,
filósofo, de ·ratalismo turco ".
'ªverdade. Nietzsche defende que a relação entr o f o
ação humana não consiste numa dicotomia em que o primeiro 0
anula o segundo. Ao invés disso, ação humana e fado são e n e
como polos necessariamente complementares e interd en e ·
Isso porque o destino cumprir-se-ia por meio de uma sén ne SJ J -
mente encadeada de acontecimentos, em que também e an rr in-
cluídas as ações humanas. Logo, a ação humana se apre entanJ e
uma das condições necessárias à efetivação do próprio fado. N • )
sentido, o porvir não seria determinado de antemão por al0 a J J
da ação humana: ao contrário, todo o futuro dependeria. ne e · mJ-
mente, dos atos de cada homem. Essa relação de nece si ~ e en
a "ação de cada homem" e o "fado" é nomeada por I ietzsct1e e t _
fatum, isto é, a ideia de que o "fado" e as "ações do eu· e·tdriJm 1 -
bricados, de tal forma que não poderíamos falar da prim zid de u111 . L'-
bre o outro. Aqui, "ação" e "fado" não podem ser enten id u 1r r
daquela velha dicotomia em que o "fado" determin a ·o ti •. En n.
a "ação de cada homem" seria parcela do "fado" e, p ri s , tt1m l(ll
determinante na maneira de ser desse mesmo · rr1ctoN.
Conforme as hipóteses cosmológicas que apzire rn n · fr 1b-
mentos póstumos de Nietzsche, o cosmo seria um t m 111 \ ir11crltL'
circular de repetidos ciclos cósmicos. Em cada ci 1 , m mzi: ·l n 1-
gurações cósmicas deveriam retornar exatament d 111 ~niJ rn-1111: 11~1
como já se apresentaram. Além disso, a e nfigurél · • e t rn-1rn
encadeadas e, por isso, se apresenLari m, n, ) rir1rn ntc, 11-.1 1111.. 1

ma cquência. Portanto, cacja e tado do o m i,1-1f' u


cionaria obrigatoriamente o r)torno qu n ir1I ,te t o · rlll'. 11 \

224

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Fatalismo

d todos os outros ciclos cósmicos. Nesse sentido, qualquer


estados r:sente, além de condicionar todos os estados "passados" e
e:i' tado P~ cot1dicionana. a s1. mesmo. Ora, essa maneira
. de pensar co-
·wrurosxeque. dois pares de dua1·d d d
I a es o pensamento ocidental. São
IOCª em 50 eefeito e determinação versus liberdade. Num tempo eter-
eJes: c_ a~ular não poderíamos falar em anterioridade de uma causa em
no e c1~ . - h, . 'd d
- a um efeito visto que, se nao a antenon a e nem posterio-
relaçao · . . .
ridade, mas apenas um encadeament~ repetido e circular. o efeito se-
. fo •causa" de sua causa quanto o inverso. Logo, essas categorias
nad~cionais perderiam seu sentido usual, dando lugar a uma noção de
tr:cessidade circular que Nietzsche denomina de fatalismo. Seguindo
nsse mesmo raciocínio, a dicotomia determinação versus liberdade
~ambém se dissolveria. Se, na cosmovisão do eterno retorno domes-
mo. cada homem é compreendido como parte integrante da totalida-
de cíclica, então as ações de cada homem também "determinariam"
0 eterno retorno de todas as coisas. Enfim, se, por um lado, a ação
humana seria resultante das configurações cósmicas, por outro lado,
essa mesma ação seria também geradora das mesmas configurações
que vieram a possibilitá-la. Teríamos, portanto, um fatalismo circular
sem início nem fim. no qual seria impossível apontar o que é exclusiva-
mente determinante e o que é exclusivamente determinado.
Há ainda uma última acepção nietzschiana de fatalismo, a saber,
ado "fatalismo russo". Num determinado sentido, o fatalismo russo
é compreendido por Nietzsche como uma "coragem para a morte"
que conduz o décadent, em situações inexequíveis para vida, ao au-
toaniquilamento. Por outro lado, esta noção também pode significar
uma espécie de defesa fisiológica do décadent que, para reduzir o
gasto de energia vital, diminui o metabolismo de seu organismo e evita
determinadas descargas afetivas - sobretudo a descarga afetiva do
ressentimento. Nietzsche afirma ter aprendido acerca dessa forma
de fatalismo por meio da sua própria vivência na décadence.

Sobre FATALISMO, consultar FH; AS§ 61; CI "Moral como contranatureza"


§G e "Os quatro grandes erros"§ a· EH "Porque sou tão sábio"§ 6; FP 25
11581 da Primavera
· '
de 1884; FP 14 [188) da primavera de 1888.

~~também CAUSALIDADE, DÉCADENCE, ETERNO RETORNO DO MESMO,


'HUMANIDADE, NECESSIDADE, RESSENTIMENTO.

225

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111st u cfa ltltur a

Bibliogrnfin

~ \ T 1 • ,Hlett. 'I 'íllO retomo do mesmo: tes co'"nioióg1ca


perJtl\ .
11 . n: - -. E
. 1 ' . E11s010
-xtrovaga11c1as. · sobre ar,~
~,,
fi d, Nic · h . 3,l d. São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 8:r
18
1. ~nd;i ~ V 'r díls)
R 1 \, Luí . 'ict ~che: cio ct mo Retorno do mesmo ó Trans .0 ,
cio d, t t · o \lo/ores. São Poulo: Barcarolla, Discurso, 20 1o.~ -
endr1 ~ Vercdt1s)

João Evangelista Tude de Melo Ne 0

FILISTEU DA CULTURA
(Bildungsphilister, Philister der Bildung)

ietzscl1e élfirnw t r sido responsável pela criação do termo fil1s eu


da culturél ou. éJO menos, por tê-lo firmado na língua alemã. Embora
o seu significado possa ser encontrado em toda sua obra. o usodo
termo [Pllilister) concentra-se nas três primeiras Considerações E.
temporâneas, especialmente na primeira, David Strauss. o De\oto e
o Escritor, e nos fragmentos póstumos até meados de 1875.
O filisteu da cultura é o antípoda do genuíno homem de cultura.
do artista. Acredita que é um valoroso representante da cultura, que
sua formação [Bildung) é a completa expressão da autêntica cultura
alemã, porém é um ómousos, totalmente estranho às musas. O fil,s·
teu sente-se como um gênio, mas não é um criador, e sim um imi-
tador de pretensas obras de arte. Considera clássicos a di ersjoeo
entretenimento proporcionados pelas salas de concerto e pelos teJ·
tros em troca de pagamento. O filisteu é um comerciante da cultura
e da formação, cuja divisa é "não se deve mais buscar", pois acre-
dita já ter posse de tudo e poder comercializá-lo. As obras, pJrJ se-
rem vendidas, devem ser de fácil entendimento e adaptadas ao mo-
mento atual. Para Nietzsche, os verdadeiros artistas e intelectuiliS ,.l

caracterizam por uma busca corajosa e insaciável. não são erudito


como o filisteu. A experimentação e o trágico s~o rejeitados pelo n·
listeu em favor de uma arte que produz tranquilidad e conforto; ele
entende mal a arte e a antiguidade. A ciência e a ftl osofi~. e rne 1110

226

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r ,lt 1tH1"" 11llur

_)ri :i m ll tl ll. f )l flltl í tl llltur,1, tm rM rtHll ·.,t' !,Oh ,l


•.. )•' ·i._1 1di i lirrn llist ricns qu ' Jnrt1hStHn todo rnovi -
, j •j ' li ~ l trJI~ _P l lda ~or lllll )nt im 'Ili () (I' ( li. Ítl ,io
5 t 111. O hhst u J níllur'<J m, is ·;1tisfeit,1(lu, 11:i: ·n-
,l: d IW lv fc_~l~l o e J.)ÍIito lk l lll ' rnt proporç,io c m
riam e m mund . hll t u t1 L1111 nt~ ua píl rvoí , 111 rn ~ •
, -e · em ue nt 111- stor. A íilo oíia íilist ia 6 n l potco-
1

·•.::3 11bar mum. a racionalização d toda õs esrcra, dn vidc1 e 0


· . .::I I ent de t as as coi as. O filisteu é naciormli ltl, nlusi,ist,1
' Es a . mas destrói a língua pátria. vulgarizando-a. A cultura íi-
rs\:ia, a 1;b r. não é uma cultura. pois é uma mistura caóticcJ d e •
-, ,.,5_Ela acredita-se saudável, mas é doente e sintornél de frnqu •za.
Parafraseando o fragmento 83 de Heráclito. que diz que o tiomcrn é
1 símio diante da divindade, Nietzscl1e afirma que o mais sábio fi-
rs~eué um símio diante do gênio.
oprotótipo do filisteu da cultura é o teólogo alemão David Fried-
·,. Strauss. autor que cl1amou atenção com o livro A velha e a nova
fé (1 872), no contexto da vitória da guerra france-prussiana. Nesse
r ro. Strauss propõe a substituição do cristianismo por um materialis-
mocientífico baseado no darwinismo. Arte, filosofia, política e ciência
também deveriam se fundar em premissas darwinistas.
Sobre FILISTEU DA CULTURA, consultar Co.Ext. 1§ 2, § 3 e § 8; Co.Ext. li
§ l;Co.Ext.111 § 3 e§ 6; HH li "Prefácio" § 1; EH "As extemporâneas" § 2; FP
3165] de março de 1875; FP 5 [109] e 1145] da primavera/verão de 1875; FP
301166] do verão de 1878.

Ver também ARTE, CULTURA, ESTADO, ESTILO, EXPERIMENTO, HISTÓ·


RIA, SINTOMA, TRÁGICO.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís . Nietzsche, a educação e a crítica da cultura. ln:


AZEREDO, Vânia Dutra de (org.) . Nietzsche: Filosofia e Educação.
ljuí: Unijuí, 2008, p. 83-99.
FREZZATTI Jr.. Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: A Supemção
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.
MARTON, Scarlett. Modernidade e Décadence: Wagner e a cultura filis-
teia. ln: MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João Mayer; CONS·

227

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\ CIO.Jocio(or s.). u1c1to. Décod nccc Art, 1. 1 ', r,rt,,, ,,v;
dr d d . Lrsbo : TintadaCl1ina.201 11, p. 19 - )? l

Wrlson Antonio Frozza I J

FILOLOGIA (Philologie)

O termo filologia pode ser compreendido em ietzsct1e de duc,s form.11


en uanto ciência da antiguidade e enquanto um conceito cunt1r1do ro
con e.xto da crítica à metafísica para se preseNar a dimensão dos ra os
A primeira acepção se faz presente no período do Jovem 1 ' , 2
sche. abrangendo a sua produção enquanto estudante univers,tánoem
Bonn e Leipzig, até a época do professorado na Basileia: ela alCéln (1 0
seu amadurecimento conceituai mediante um embate critico com J or-
todoxia dos estudos clássicos. Nesse sentido, a filologia clássica d~\ ,
ser entendida enquanto filosofia. Isso requer um tipo de filolog1J qui
preze grandes questões, afastando-se, assim, da tendênci dom1mn e
à mera erudição e historicismo.
O primeiro pressuposto filosófico que a filologia clássiCél de\ l

acolher é a classicidade da antiguidade. Trata-se do pressupo to ern


que o clássico não é outra coisa senão uma ideia ou imagem p t1 J
produzida pelo homem moderno encarnado na figura do f1lólo ,o
Para implementar esse pressuposto, é preciso que o filólogo s ree-
duque metodologicamente, aceitando que as suas aspiraçõ 01e-
tivistas ou positivistas, que se fazem presentes nos método rnt1co e
hermenêutico, nunca poderão ser levadas a bom termo. E. i tem1.10
menos três motivos que sustentam essa posição. Primeirarn )nte. o
filólogo sagaz reconhece que o método crítico prescreve cetiCt m0.
o que deve ser traduzido como uma atitude de desconfiança p •r,rn
te os consensos produzidos em torno de documento trJn 111it1d0
pela tradição. Em segundo lugar, o fi lólogo familiarizacJo com tóµ1co
da filosofia idealista, principalmente o criticismo kélntizino, d Vt.' 1n1·
1

bir suas inclinações realistas. Por fim, o filólogo com con c11n 1.1 d1
caráter intransponível de sua vivência, desenvolv 1 urna 1r1 1011111 11'
~purada para reconhecer que o passado só pode . 1 r a 1 • KI ,1 p,H
trr do presente, o que leva a uma situação for ço ·J 111 1 1H, l111t11I 111 1"

228

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,
,'- , l 11111
a hlolog1a 1(1 . 1ec1. c1 11)( ,r 1: \i ir1 r et,!W,,i'>
. t 11 qul'
.
. ,, . cn 111 ·1d ,1t1t. nao o d1 ~nsr1r c1 i1r e, qu ! é urn 10 ,, •i:w,
·., ,ci lt. n I J 1tut1vo - o que guram nt • n·10 qu ·r <lllcr <IU'!
: ~ t lll . L ,1ll1 . e re o antigo seja redutiv •I él iuí, ) e<, é 1 0 ,,.
~.·: 1 ·itt 11~. um1r, ore empio, que existiu um autor <J ! 11/ío 1, e

1
•••
1
ndcl que aquele que chamamos Homero n5o pai.s: <l •
• ,11


,, 1 1 \.
11 t,11eluc1dc1ção não se faz somente no

',
sível re hcrlf(rl
"
-
(1
· :, , . ,
11 e :1t1v1sta infiltrada nos estudos clássico~. ma u • éJbr.
,

, ~, 1 11 1 ,1111111110 profícuo para que o filólogo tome con ciên 1 a


··, : , 1
1 rnt llomem moderno. O efeito desse autoesclarecimcnto
t , 1 • t n horizonte educacional. pois é reconhecendo-se como

1. t 1 ue o filólogo assume a sua incumbência pedagógica me-


t 1 r m ção de uma cultura que preze o mito em detrimen o
, 1 111ante cultura alexandrina, analítica e historicista, inspirada
., ra i I alismo socrático. Além disso, o filólogo, que se identifica
," ·a o ao seu presente, enxergando que a antiguidade clássica
11 I r a medida um espelho da modernidade, fornece elementos
n e se possa realizar uma hermenêutica do homem moderno.
e: r11 1d os desejos e inquietações que o caracterizam.
A fll I gia clássica fornece, portanto, importantes contribuições
aantropologia filosófica. Eesse traço será ainda mais acentuado
ci·, ias naturais, o outro elemento constitutivo da filologia. ao
la o a estética e da l1istória . As ciências naturais. bem entendidas
en uan o estudo da linguagem , alcançam o humano em geral. Isso
.e az p ssí el graças à linguística comparada que. ao descobrir a lín-
g anatural, encontra uma via de acesso para desvendar a essência
do 1 mem, sendo essa a sua maior conquista filosófica .
lteriormente. ietzscl1e praticamente cessa suas reflexões so-
ea arefa da filologia enquanto ciência da antiguidade, lançando
1ão da fllologia como um conceito próprio de sua filosofia. Retendo
um aspecto peculiar ao método dos filólogos. Nietzsche passa a iden-
ti Kar a filologia com o método crítico que se torna. então. um pod -
roso instrumento contra o pensamento metafísico e sobr tudo contra
ocris ianismo. Da mesma fom1a que o filólogo cl, ssico emp~ ga o rll -
t Ocrítico para desvendar interpolações que adulteraram o do u-
rn
1
ntos ong1n 1 . 1etz che faz da filologia um 111 Glfli m qu ct 'V
~r U'xido ontr o 11 bito do m tafí ico d oulit rt1r texto 1111 r1 •

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F,losof,

terpretações. Texto deve ser entendido aqui em analogia com foco.


tendo uma aplicação manifestamente mais ampla do que a comum: a
noção de texto abrange desde livros e notícias de jornal até destinos.
dados meteorológicos, eventos históricos, enfim, todo e qualquer ~DO
de acontecimento. Portanto, a filologia, enquanto a arte de ler bem
um texto é a arte de colocar em evidência os ratos.
'
Sobre FILOLOGIA, consultar HF; EF; Co.Ext. 1 § 6; HH 1§ 270; AC§ 52; FP 56
(6) do outono de 1867/primavera de 1868; FP 57 (4) e 58 (52) do outono de
1867/primavera de 1868; FP 61 (3) do inverno de 1867-1868/primavera de
1869; FP 3 (62) de março de 1875; FP 15 [82) e [90) da primavera de 1888.

Ver também CRITICA, CULTURA, EDUCAÇÃO, FILOSOFIA, HISTÓRIA, IN-


TERPRETAÇÃO, LINGUAGEM, METAFISICA, MODERNIDADE, OBJETIVI-
DADE, PROBIDADE, VIVÊNCIA.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. La philologie: l'astuce du philosophe généalogiste.


ln: BALAUDÉ, Jean-François; WOTLING, Patrick [orgs.). ·cart de
bien !ire": Nietzsche et la philologie. Paris: Libra ire Philosophique
J. Vrin. 2012, p. 153-163.
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a reforma metodológica da filologia:
o problema da científicidade no contexto dos estudos clássicos.
Hypnos, v. 34, p. 79-104, 2015.
NASSER, Eduardo. Sul cristianesimo dei giovane Nietzsche. ln: BUSEL·
LATO, Stefano [org.). Nietzsche dai Brasile. Contributi ai/a Ricerca
contemporanea. Trad. Giancarlo Micheli, Federico Nacci, Stefano
Busellato. Pisa: Edizioni ETS, 2014, p. 147-164.
SILVA Jr .. Ivo da. Nietzsche, entre a arte de ler bem e seus leitores. Ca·
demos Nietzsche, v. 35, p. 17-31, 2014 .

Eduardo Nasser

FILOSOFIA (Philosophle)

Desde seus primeiros escritos, Nietzsche defende uma conccp Jo


bastante peculiar da razão de ser e da tarefa da filosofi . P~ra l:l,

230

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~o ) 17 duz J uma disciplina particular ntr utra n ·m
' i..1 n dA . S
• : tipJÇJO pura~ entc aca t:m1ca. ua con_ ccpção d , filo ofl
11 1
,111 dera primordial a formulação de doutrinas, mas sobr tu-
r
c 111
t,vo de uma forma de vida.
a"aniento e o cu 1· . F1losoria
. e vida,
0 r1 J . ( A . fi
são indissociáveis. orno consequt;nc,a, sua losofia buscará
1 1
•1 • - fornias de exposição que deem conta dos própositos que
ase
, rocura alcançar.
eiePAfilosofia de Nietzsche apresenta um profundo ceticismo quan-
~ ·deia de que a filosofia independa das vicissitudes de seu autor.
t ,'preender urna filosofia é, desse modo, compreender os fins prá-
con
. ou mesmo os deseJos . inconsc1en
. . tes que mob·1 , ·,zaram sua ela-
cos '
ooração. Toda filosofia, para Nietzsche, é uma espécie de memórias
involuntárias do seu autor, e não é à toa que ele considerou como
umaetapa importante para a sua filosofia a escrita de sua autobio-
grafia, Ecce Homo, como apresentação de sua proposta de transva-
loração de todos os valores. Nessa e em outras obras suas, o filósofo
procura expressar sobretudo suas vivências, em busca de consonân-
ciacom as vivências dos leitores. Por isso, além dos problemas clás-
sicosda história da filosofia , encontramos em Nietzsche uma série
de temas muitas vezes desconsiderados como propriamente filosó-
ficos, como alimentação, clima, tipos de lazer e saúde. Essas ques-
tões são para ele não apenas filosóficas, mas fundamentais para a
realização dos seus ideais.
Abusca do leitor ideal e da comunicação de vivências passa tam-
bém pela forma de expressão. Com seu caráter assistemático, com
seu estilo variado e retórico, Nietzsche reserva à sua filosofia o espaço
da experimentação de diversos pontos de vista, da admissão estraté-
gicaepontual de hipóteses, da provocação (o filósofo como má cons-
ciência de seu tempo) e do chamado para a adoção de valores que
expressam uma forma de vida que ele considerava superior. Procu-
r~nd0 um efeito retórico sobre o leitor, a escrita de Nietzsche procura
~ao apenas convencer, mas também seduzir ou mesmo afastar certos
Up0s de leitores. Seu experimentalismo consiste na consideração de
~m mesmo tema a partir de diversas perspectivas, tendo em vista os
elsultados estratégicos a que ele espera chegar e os adversários que
ee temem · ·
vista. O que muitas vezes é considerado contrad1ç:'lo em

23 1

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,lo ofln

uas obras é na realidade resultado das diferentes análises que essa


nµ'- cidade de trocar perspectivas permite formular.
A rilosofi a para Nietzsche, enfim, é tarefa e missão. Por isso, 0
lilósofo, em sua concepção, assume dois papéis primordiais: é o mé-
di o da ultura e o legislador da cultura. Como médico, sua tarefa
on iste em observar os sintomas de uma cultura, realizar um diag.
nóslico e apresentar seu remédio; como legislador, sua tarefa consís-
t .1 m estabelecer as normas da cultura e do futuro da humanidade
.1 tabelecendo novos valores e definindo os destinos da política. Há

mpre, na obra do filósofo, um ponto de vista crítico, negativo, no


qual ele desmonta os argumentos da tradição; há outro, contudo, tão
importante quanto o primeiro, que é sua faceta positiva, afirmativa,
no qual ele apresenta suas propostas para a superação dos proble-
mas por ele apontados.
O definitivo reconhecimento de Nietzsche no cânone da filoso-
fia e a percepção de sua importância fundamental numa concepção
contemporânea da filosofia deveram-se ao descrédito dos sistemas
metafísicos e ao fracasso dos projetos fundacionistas. A filosofia de
Nietzsche encontra hoje ressonância e diálogo na filosofia contem-
porânea justamente pelo caráter assistemático, antidoutrinário e
experimental que foram aqui ressaltados.
Sobre FILOSOFIA, consultar: Co.Ext. li § 5; BM "Prefácio" § 6, § 204 e§ 211;
EH "Prefácio"; FP 16 [32] do início ao verão de 1888.

Ver também AFETO, CONHECIMENTO, ESTILO, EXPERIMENTO, FILÓSOFOS


DO FUTURO, LEGISLADOR, METAFÍSICA, RAZÃO,TRANSVALOAAÇÃO DE
TODOS OS VALORES, VALOR, VERDADE, VIDA.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Nietzsche e a Arte de decifrar Enigmas. São Paulo:


Edições Loyola, 2014. (Cal. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O.
SILVA Jr., Ivo da. Nietzsche, entre a arte de ler bem e seus leitores. Ca·
demos Nietzsche, v. 35, p. 17-31, 2014.

André Luís Mota ltaparica

232

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ôSOfOS DO FUTURO
fil h~n d~r Zukunft)
,,,,,;1osoP
. , 5 do futuro são tipos que pertencem ao período tardio da
- , , etzsche e podem ser associados ao espírito livre, expressão
rJ e 1"
l eia a segunda seção de Para além de Bem e Mal, sendo aí
tados nos parágrafos 43 e 44. O livro Humano, demasiado
ª se Oforadedicado aos espíritos livres e, no prefácio acrescentado
J, eri rmente à obra, Nietzsche entende que esse tipo nunca existiu

- a época, mas teve de ser pensado como uma estratégia para


5
ee entamento das questões que tinha diante de si. Essa conside-
ação faz transparecer um problema central que está ligado aos dois
t:pos. ou seja, à crítica à modernidade e aos valores contemporâneos
ao filósofo. Porque ao espírito livre se liga um tipo cujos caracteres
i exis em na época moderna, é preciso que uma filosofia para além
de bem e mal seja obra de um tipo vindouro. Eis por que Nietzsche de
antemão recusa a identificação dos filósofos do futuro com os livres
pensadores. pois estes são ainda legítimos representantes dos valo-
resque ele combate. Nietzsche concentra sua crítica especialmente
aosideais político-morais desses livres pensadores e da defesa que
fazemde uma "felicidade geral para todos" . Isso porque considera a
periculosidade e as condições adversas o solo fecundo que faz cres-
cer aplanta homem; ademais, a universalidade da fórmula também é
negada, na medida em que significa a defesa de valores denunciados
pelagenealogia como estratégia do rebanho para dominar os fortes.
Isso explica por que um aspecto central da caracterização dos filóso-
fos do futuro é sua recusa em ser dogmático, ou seja, eles amarão
suas verdades, mas elas não devem e, mais importante ainda, não
podemser compartilhadas por todos. De acordo com a condição fi-
s,opsicológica, não se pode exigir do fraco que aja como forte, o que
signinca que as perspectivas não são comensuráveis. Portanto, as
erd ades dos filósofos do futuro não podem ser para todos.

~bre FILÓSOFOS DO FUTURO, consultar GC § 377; BM § 42-§ 44, § 203,


º:• § 21 0 8 § 211; FP 26 [426), [427) e [428) do verão/outono de 1884; FP
34 18 84
1~ 1 1do outono de 1884/outono de 1885; FP 2 [32) do outono de
5/outono de 1886.

233

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1 Fina' dade

Ver também ANIMAL OE REBANHO, ESPIRITO LIVRE, FILOSOFIA, FISIOPSi.


COLOGIA. FORTE, GENEALOGIA, MOOEANIOAOE,TIPO, VALOR, VERDADE.

Bibliografia
1ARTO, . Scarlett. Para além de Bem e Mal. Pensamentos da tarde:
critica do dogmatismo da escrita filosófica. ln: MARTON. Scarlett.
Nietzsche e a Arte de decifrar Enigmas. São Paulo: Ed. Loyola,
2014. p. 135-156. (Col. Sendas & Veredas)

Márcio José Silveira Lima

FINALIDADE (Zweckmãssigkeit)

Se com frequência nos parece que a natureza procede tendo em


vista a realização de seus fins, daí não se pode concluir que de fato
assim seja. E, com efeito, desde cedo Nietzsche sustenta que fina-
lidade não é mais do que um conceito com o qual o homem, que
acredita orientar suas ações pela representação prévia de um pro-
pósito - tal como um artesão produz um objeto a partir de uma
ideia precedente-, procura, em analogia com o seu próprio modo
de proceder, explicar a natureza. De acordo com o filósofo, porém.
nela não há uma finalidade objetiva , assim como, de resto, o ho-
mem não figura como propósito do mundo e tampouco sua história
persegue a realização de uma meta existente por si própria.
Mesmo a crença a partir da qual o homem supõe, por transpo-
sição, a existência de uma finalidade na natureza, isto é. a convicção
de que age conforme a representação de um propósito, já aparece.
sob diversos aspectos, como objeto da crítica de Nietzsche. de cuja
amplitude dá testemunho, entre outros, o fragmento póstumo 7 [ 11
do final de 1886/primavera de 1887. Basta considerar o caráter su-
perficial e grosseiro da consciência, que só capta uma ínfima parte da
vida, para questionar a possibilidade de que a representação prévia e
consciente de uma finalidade seja de fato a causa do agir. Muito pelo
contrário, a determinação da finalidade é tão somente um fenôme-
no secundário e posterior, que se deve ao recorte de certos aspectos

234

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Flnolld e.lo

da ação ede seus resul~dos às custas ~e outros, negligenciados. Há,


. um abismo entre a imagem consciente da ação e O processo efe•
pais.
. que ésimph'fi ca do e mesmo ,ar 1 'fi d
sI ca o, de modo que a represen-
uvo, . - d t· . .
ão da finalidade nao po e cons 1tuIr a causa do agir. Antes, confor-
~; defende Nietzsche no ~ivro V de A gaia Ci~ncia, a causa da ação,
sua força propul~ora, consiste em um q~antum d~ ~orça represada. A
. or porém, o filósofo dá um passo adiante e re1eIta a pretensa dis-
ng , á.
tinção, que encontra na gram tIca sua advogada mais eloquente, en-
tre agente e ação, aqu~le t?mado como suposta causa desta.
considerar uma finalidade qualquer, surgida posteriormente,
como a causa da origem de algo - a visão, por exemplo, como a
razão do surgimento do olho: aí está um equívoco essencial de toda
teleologia. Contra tal erro, em sua Genealogia da Moral Nietzsche
prescreve, como princípio metodológico para toda espécie de histó-
ria, a separação entre, de um lado, a causa do surgimento de algo
e, de outro, as finalidades que lhe são atribuídas: identificar uma
determinada finalidade ou utilidade não equivale, portanto, a com-
preender a história da gênese de algo. Ademais, a história de uma
coisa (um órgão, uma instituição, um costume social ou o que quer
que seja) não traduz um progresso em direção a uma meta, mas
uma multiplicidade de finalidades e sentidos. Ou melhor: o que se
julga tratar-se de finalidades e sentidos nada mais é do que sinais
de processos de subjugação em que vontades de potência superio-
res se assenhoreiam de potências inferiores e, interpretativamente,
lhes impõem novos propósitos, funções e utilidades, obscurecendo
ou mesmo extinguindo os anteriores.
A desilusão a respeito de uma suposta finalidade orientando
omundo encontra-se entre as causas do niilismo, isto é, a desvalo-
rização dos valores considerados supremos. Tal descrença, porém,
não inviabiliza necessariamente a instituição de novas finalidades.
Com efeito, anota Nietzsche em um fragmento póstumo de 1887,
se aquele desengano resultar não só na desconfiança em relação a
todas as finalidades estabelecidas até então como também na inca-
pacidade de instaurar novas metas, tratar-se-á assim de um niilismo
Passivo, sinal de declínio de potência; se, porém, aquele desaponta-
mento não minar a força para criar novas finalidades, ter-se-á então
um niilismo ativo, sinal de intensificação de potência.

235

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Sobre FINALIDADE, consultar HH 11 2 e 130; AS 1 14; A 1 122 e 1130; GC I 1
§ 109 8 1360; GM 11112 8 113; CI ·os quatro grandes erros· 18; FP 7 lll ~
final de 1886/primavera de 1887; FP 9 (35) do outono de 1887; FP ll 19'Ji de
novembro de 1887/março de 1888.

Ver também CAUSALIDADE, CONCEITO, CONSCIÊNCIA, CAIAÇÃO, CRf.


TICA, FORÇA, HISTÓRIA, NATUREZA, NIILISMO, PROGRESSO, VIDA
VONTADE OE POTÊNCIA. .

Bibliografia
ARALDI. Clademir Luís. Nülismo. Criação. Aniquilamento: ietzscheeo
Filosofia dos Extremos. São Paulo. ljuí: Discurso Editorial. Ed1ora
Unijuí. 2004 . (Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG.201 O.

Eder Corbanez,

FISIOLOGIA (Physiologie}

Ver FISIOPSICOLOGIA (Physio-Psychologie)

FISIOPSICOLOGIA (Physio-Psychologie}

A fisiopsicologia nietzschiana é a base da avaliação das produções hu-


manas. isto é. dos sintomas das configurações fisiológicas. Em Paro
além de Bem e Mal. Nietzsche define a fisiopsicologia como morfolo-
gia e doutrina do desenvolvimento [Entwick/ungslehre) da vontade de
potência. Se o conjunto de impulsos for bem hierarquizado ou poten-
te. ele é saudável; se for desorganizado ou anárquico e despotenci~li-
zado. ele é mórbido. Dessa forma. Nietzsche pode avaliar. por exem-
plo. Richard Wagner e Sócrates como doentes e decadentes por meio
de sua arte e sua filosofia respectivamente. A concepção de fisiopsi-
cologia foi construída com apoio de suas leituras científicas. sendo
que os temas fisiológicos e afins receberam bastante atenção; ietz-
sche possuía em sua biblioteca ou provavelmente leu fisiolog1 tc1 •

236

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, 110 J •.1n 1Mtin har o . <tav l h~O<J r r ~eh ~r, ~ n m,1

1
Helrnllolll. W1II lm Wundt, e~tr rnuí O' ou ,0 ,,.
Ni tzscl1 ut1hz a P lavra hs1olog1 m Y.!n ; o~ d, 1rcn eJ , _
e.~ 011 ur,1m m ua obra. Por ize~. quer rc(crir•se à c1~ ia a fy~,r>-
Í J, d,sc, 11na que. cm sua época, sofre um grandP desenvolvimen-
.... c,alm nte na Alemanha e na França. A fisiologia aparece tãm-
to,in-como a constituição S?m~tica d?5 se~és viv~ _, isto é. as runç~s_
- nicas ou o afct1 o no sentJdo de 1med1ato corp6rEl.o, as are çç,es·
1 uma. 1iológico é o relativo ao corpo ou à unidade orgânica,. É
ne se senudo que. por vezes, coincidem as palavras ·biológico· e ·n-
iológico· . ietzsche, em alguns momentos, enfatiza aspectos cor-
raise fisiológicos humanos para se antagonizar com o desprezo do
corpo e dos aspectos terrenos estabelecido pela metafísica.
Há um uso da palavra "fisiologia" que é propriamente nietz-
schianõéocorre no contexto da doutrina da vontadê de RO énéiã:eTe.
está rõrteniente ligado à noção de fisiopsicologia: processos fisioló-
gicÕS enquanto luta de quanta de potência (impulsos ou forças) po·r
crescimento. Assim, Nietzsche passa a considerar fisiológico não apé-
nascorpos vivos, mas também o âmbito inorgânico e o âmbito das
prÕdÜções humanas, tais como Estado, religião, arte, filosofia. ciência.
7siÕÍÕgia, nesse sentido, ultrapassa o âmbito biológico, mas ainda se
refere a um organismo ou a uma organização, ou seja, a um cÕnjuntà
ªeforças ou impulsos ou, ainda, a uma configuração fisiotôgrca.
Junto com os conceitos de vontade de potência e de luta dos im-
pulsos~acõncepçãõ ae corpo, no sentido nietzschiano de fisiÕlogia. faz
parte a tentativa ae superação da metafísica . A noção aE:_~mpuísõ,
_eQI_ser a efetivação de uma tendência a crescimento de potência, s~-
pera adualidade corpo/alma; ele não é nem res extensa nem res cogi-
lons. A abordagem nietzschiana revela que a fisiologia e a psicologia
~e suá épÕc·â-também são tributárias das dualidades metafísicas. Em
consequêriêiã,"" ietzsche pode mais propriamente falar de uma·fisio-
psicologia, não enquanto um reducionismo do psicológico ao fisioló-
gico, mas como um novo pensamento que prescinde das dualidades
metafísicas, queentende o mundo como um processo contínuo de au-
tossuperação e que não separa radicalmente o homem do mundo. ·

Sobre FISIOPSICOLOGIA, consultar HH 1§ 10; BM § 15 e § 23; GM 1§ 4 e


11 1111
7, 8; CW § 6 o§ 7; CI ulncursões de um extemporâneo• § 47; EH •Por

237

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Forço

quo sou têo séblo" §6, "Porque sou tão inteligente"§ 1 e§ 2, "Por qu881 .
cravo livros tão bons"§ 3; FP 19 (50) do verão de 1872/início de 1873; FP 27
(81 do verão/inverno de 1884; FP 37 (4) de junho/julho de 1885; FP 40 (2ll
de agosto/setembro de 1885; FP 2 [761 outono de 1885/outono de 1886; FP
7 [6] e (71 finei de 1886/primevera de 1887.

Ver também CIÊNCIA, CORPO, DESENVOLVIMENTO, FORÇA, HIERAR.


OUIA, IMPULSO, LUTA, ORGANISMO, PSICOLOGIA, SINTOMA, VONTADE
DE POTÊNCIA.

Bibliografia
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Consciência e inconsciente no discurso
"Dos desprezadores do corpo" de Assim falava Zaratustra: uma
perspectiva psicofisiológica da crítica nietzschiana ao sujeito. ln:
MARTON, Scarlett: BRANCO, Maria João Mayer; CONSTÂNCIO,
João (orgs.). Sujeito. Décadence e Arte: Nietzsche e a Modernida-
de. Lisboa: Tinta da China. 2014, p. 61-97.
FREZZATTI Jr.. Wilson Antonio. "O problema de Sócrates": um exemplo
da fisiopsicologia de Nietzsche. Revista de Filosofia Aurora, v. 20,
11. 27, p. 303-320, 2008.
FREZZATTI Jr.. Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: A Superação
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuf, 2006.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

FORÇA (Kraft)

Poucos são os textos em que Nietzsche fala explicitamente a respei-


to da força e, por vezes, emprega força (Kraft) e potência (Macht)
como termos intercambiáveis. Dada a impossibilidade de distinguir
a força e suas manifestações, parece não poder defini-la. A força só
existe no plural; não é em si mas em relação a. não é algÓmas üm
agir sobre. Não se pode dizer que ela produz efeitos nem q~e se de-
sencadeia a partir de algo que a impulsiona; isso implicaria distin-
gui-la de suas manifestações e enquadrá-la nos parâmetros da cau-
salidade. Tampouco se pode dizer que a ela seria facultado não se

238

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Força

. ,·mportaria atribuir-lhe intencionalidade e enredá-la nas


er- isso . .
e•erc ·do antropomorfismo. A força SJmel_~ s~~~ se ~íE:_tiva, _m~:
5
rnalh~ da, é um efet_ iy~r-~e. _ .
~ p ç ã o tradu~ op.~~o que_~1e_tzsc_~~~z peJ_a en~rgética .
.~ ~mecarnc1smo, ele substrtur a hipótese da ma-
pos.,c,onanda força. A partir. dar,, ataca nao
- ó
s o
.
atomismo moderno
P;:
téna
O
1
Leucipo e Demócrito. Os antigos atomistas acrescentaram à
mas e se efetiva partículas de matéria, que constituiriam seu lugar
forç~ q~- com isso incorreram no erro de atribuir aos átomos uma plu-
eonge · só a força comporta. N-ao basta e11mrnar
.d de que · · a maténa;· é pre-
a suprimir. os preconce1·tos que deIa se nutrem. P~é-Juizos
ral.1 ainda . , me-
c,:icos, superstições religiosas, grosseria da linguagem, limites do
tanso comum, as ideias de substrato e sujeito são examinadas ejulga-
:as apartir de diferentes perspectivas na obra nietzschiana. Mas, as-
sociadas à ideia de força, antes de mais nada tornam flagrante um
equívoco: o de não se compreender a força enquanto efetivar-se.
Em momento algum, Nietzsche acredita haver uma única for-
ça, a fora.criâgõra~~e tudo õ 9~e exisf~- õcãráter pluralista de sua
losofia está presente também ao nível das preoc~pações cosmoló-
gicâs:õuando- trata do mundo, ele sempre postula a existência
. .
de
uma pluralidade de forças presentes em toda parte, agindo e resis-
tm oumas em relação às outras. O caráter essencialmente dinâmico
, àãforça 1mpede que ela não se exerça; seu querer-vir-a-ser-mais-
forte impede que cesse o combate. O mundo apresenta-se, então,
~ leno vir-a-ser: a cada mudança se segue úmã-outra~a cada
estado atingido se sucede um outro. Se nada é senão vir-a-ser, en-
tão omundo não teve início nem terá fim . Supor que tenha sido cria- •
do implica tomá-lo como resultado do efetivar-se da força ou, então,
implica vê-lo como produto de um poder transcendente que o fez
surgir ex nihilo. Neste caso, lança-se mão da teologia; naquele, ape-
la-se para a explicação mecanicista. Contra ambas, Nietzsche con-
~~be Omundo como eterno. Totalidade permanentemente geradàra
ede5truidora de si mesmâ, o mundo nãÓ constitui, porém~um sistê -
~a~ uralidade de forças, tampouco se apresenta como meia mul-
tiplic1dad o - ·· -- ·
esfáve. e.:. mundo é _antes um processo - e não u~a es:r~_ur~
~os elementos em causa, interrelações- e não substancias,
ornas· mônad as. Totalrdade · interconectada de quanta d'rnam1cos
" ·

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Fornrnç"º· Forte

u. s se quiser. de campos de força instáveis em permanente tcn.


s..10. o mundo não é governado por leis. não cumpre finalidade . nJo
~ acllJ submetido a um poder transcendente - e mais: sua coesão
não garantida por substância alguma. Se permanece uno, é por-
qu as forças, múltiplas. estão todas interrelacionadas.
Sobre FORÇA, consultar BM § 17; GM 1§ 13; FP 36 [15) de junho/julho de
1885; FP 2 (159) do outono de 1885/outono de 1886; FP (250) 10 (1381 dÕ
outono de 1887; FP (308) 11 (29) de novembro de 1887/março de 1888; FP
14 (79), (81), (121) e (188) da primavera de 1888.

Ver também CAUSALIDADE, ETERNO RETORNO DO MESMO, FINALIDA-


DE, FORTE, LINGUAGEM, MATERIALISMO, METAFISICA, SUBSTÂNCIA,
VIR-A-SER, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
~ IARTON. Scarlett. "La nuova concezione dei mondo" : volontà di po-
tenza. pluralità di forze, eterno ritorno dell'identico. ln: BUSELLATO.
Stefano (org.). Nietzsche dai Brasile: Contributi ai/a Ricerca con-
tempomnea. Trad . Giancarlo Micheli, Federico Nacci, Stefano Bu-
sellato. Pisa: ETS. 2014, p. 21 -39.
rv1ARTON. Scarlett. Deleuze, leitor de Nietzsche. ln:--. Nietzsche,
s us Leitores e suas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O, p. 37-48.
MARTON. Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3J ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.

Scarlett Marton .

FORMAÇÃO (Bildung)

Ver CULTURA (Bildung, Kultur)

FORTE (stark)

Nietzsche é levado .ª. refletir sobre a oposição entre organismos for-


~es e ~racos para cnt,car a teoria darwinista do progresso no que diz
espe1to à humanidade, como se pode ver no fragmento 12 1221 do

240

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,,,,

•tcnil ,o (J< 1O/!,. ti , t1l,1d,, •t/ t,H• o tlfJr 111,-,rvJ"


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1
· ,- e ,t !ti d, 111d1víduo mm fracos. Para qu rn conh'!Ct! - ~ ry;;1•
11
' s'ult , 1101 , d 1•tz cll •, é notável ler sob sua pena umJ apc l()(~J ·
· 1110 cm dcgu, fi céncia, cu1a contnbuIçllo para a h1j 6rla
r.: n 111
ena ,do ubcstimada pelos dan•,i,msta . O§ 221, de Numa•
un1..1 ílJ l
>.1. cn ,ado Humano desenvolve essa conccpçJo de nobr c,m n o
d gen ração. segundo a qual o progresso cultural, enquanto ino-
60 do novo. dependeria de um enfraquecimento da estab11idad_
e unitJna. De modo simétrico. Nietzsche chama a atenção para um
0 de estabilização estupidificante nas comunidades fortes que o
n adas sobre um sentimento coletivo vigoroso.
A oposição forte/fraco é depois ressignihcada na época de Aurora.
com efeito. no âmbito de sua critica aos preconceitos morais. Ietz-
sche chega a duvidar que a adaptação estável de um indivíduo à sua
comunidade seja um sinal de força. Quando tal adaptação procede
de uma moral altruísta à la Spencer, transforma os indivíduos em en~
grenagens sociais, o que tende a enfraquecê•los e a provocar o de~
clínio da humanidade. conforme o fragmento I O (D60J da prima era
de 1880/primavera de 1881 . Pode-se relacionar essa ressignificação
da oposição forte/fraco com uma tese paradoxal do último ietzsche
no Crepúsculo dos Ido/os ("Incursões de um extemporâneo·§ 14) e
no fragmento 14 ( 123) da primavera de 1888. A luta pela existência
darwiniana teria por resultado a vitória dos fracos sobre os fortes. de
modo que se teria sempre que "armar os fortes contra os fracos- . Aqui
se vê que Nietzsche reinterpreta a força e a fraqueza nos termos de
sua própria axiologia. que não coincidem com o critério evolucionista
d~ fitn~s: dai o paradoxo. que não é uma contradição e confirma que
ietzsche quer falar sua própria linguagem contra o dan\'inismo.
O uso nietzschiano das noções de força e fraqueza é tipológico e,
~ rconseguinte, não é relativo. Tal uso pode surpreenderem rei çào
~ doutrina da vontade de potência, que parece implicar uma rei ti i-
aae dos graus de potência. Mas isso se explica se se con id ra qu

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' . 1

~ ,, ~ 1 J f r (_l -QUJliddde individual (no sentido do alemJo


, n,1 - - 111 u111a JCL1111ulc1çào. mas também como uma
l't~, 1 i:, -) dJ i r J-energia (no sentido do alemão Kran1. A
, 1 : '-., • i, ;, i uJI e 111ais do que um complexo de Potência su-
:-i , 1 \ \ _ , Ll Jµacidade de suspender sua reação a uma de-
t n 1;, 11. ~ itJ d . egundo o fragmento 11t 11021 da primavera de
~~~h . A 0ss 1 '-peito. ietzsche permanece próximo ao ideal platô--
, ; \ _ ,t • 1 11 , si: ele não compartilha o elogio da potência intem-
Jli les e não deseja um retomo à barbárie das origens.
\ r tr 1 '- , m Genealogia do Moral, a crítica psicológica à fraque-
:, me! 1, se ns quências pulsionais da impotência que são o ressen-
111 1 1 t t u1 J inteligência condicionada por afetos reativos. Nesse
~--'t t i<._ , s iiJ a fracos que se deveria atribuir o desenvolvimento
i1t· li , '1 ia, que confottaria sua superioridade paradoxal na luta
e, , t,~, · f, ttes. ilustrada genealogicamente pelo triunfo da moral ju-
Jk''" •1istJ e ja ultura democrática sobre os valores aristocráticos da
At il_~ ii ..k . Assim. atra és da oposição tipológica do forte e do fra-
, i.:: o coração dos valores da modernidade. com o obje-
e pr mo er uma espécie de homem temível.

' 1:J1, F RTE, consultar HH 1§ 224; GM 1§ 7, § 10 e§ 13; CI "Incursões de


um ,~temporâ neo" § 14; FP 12 (22) do verão/final de setembro de 1875;
F 1 (D601 d3 primavera de 1880/primavera de 1881; FP 14 [102) e [123)
la i rima ern de 1888.

\'> r t.1mb~m AFETO, CIVILIZAÇÃO, CULTURA, DARWINISMO, FORÇA,


E EALOGIA, G~NIO, HEREDITARIEDADE, HIERARQUIA, MODERNIDA-
, TI O, ONTAOE OE POTÊNCIA.

Bibliografia

F · Tíl Jr., Wil 0 11 Antonio. Nietzsche contra O011-vin . 2ª ed. amplia-


J revi ta. SJo Paulo: Loyola, 2014. Capítulo li. (Col. Sendas &
V r -1 )
~ A ar1ett . Nict clw. das Forças cósmicas aos Valores humo·
1
,, -. • ed. B lo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.

Emmanuel Salanskis

---'
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f1tAC0 (schwach)

RTE (start)
\ ' f()
OGIA (Genealogie)
GENEAL
oia consiste no estudo e no conhecimento da criação e das
gem~a 1og .
. . de criação dos valores. enquanto procedimento que colo-
1d1çoes -
róprios valores em questao quando pergunta pelo valor deles.
ca ~strodp uzir na filosofia os conceitos de sentido e de valor. Nietzsche
AOlíl A • • d .
e a exclusão de fenomenos morais e intra uz uma interpre-
promo - . , "
. moral dos fenômenos. Ora, se nao existem ,enomenos morais
ra~o ,. _
simuma interpretação moral dos fenomenos, então deve haver al-
e émque interpreta e avalia. A interpretação, assim, deve constituir-
: como postulação de uma avaliação, como estabelecimento de um
valor. Analisar a procedência desse valor remete necessariamente
às suas condições de criação, por isso a pergunta "quem?" aparece
como fundamental em Nietzsche, mostrando a genealogia como pro-
cedimento norteador, que permite desvendar as perspectivas impli-
cadas nas avaliações e. estabelecer o valor dos próprios valores. Os
valores, de um lado, norteiam uma avaliação e, de outro, procedem
de uma avaliação. Se o problema crítico é problema da criação, en-
tão aquestão central seria: de onde procede esta avaliação? A per-
gunta feita é "quem?" Esse tipo de questionamento aponta para o
procedimento genealógico enquanto caminho para uma análise nas
profundezas, já que a crítica, referida aos valores, não se contentaria
em perguntar que valor está por trás dessa avaliação, mas que ava-
liação determina o valor desse valor. A partir da genealogia, o fi ló-
sofo entende que os valores decorrem do nobre e do vil, e esses são
os elementos que determinam a proveniência da avaliação, por ex-
pressarem o modo de ser daqueles que avaliam. Por isso, não são
Propriamente valores, mas constituem o elemento diferencial do qual
decorre o vaIor dos valores morais. . Os valores, enquanto refendas .
ªº
is seu nasomento,· podem provir tanto do nobre quanto do vil. Por
eso, encontram-se avaliações divergentes com relação à moralidade
aosseus vai ores, por decorrerem de modos distintos • • · A
de avalwr.

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. eneal oia vai buscar a gênese de determinado ~alor ª ª . '~ 1.. ··,
º. · 'O • te poder analisar asco •r1.r_
d1stanc1an ento dele para 1ustamen . _ '"v.: . ~
sua criação como provenientes de uma avallaçao nobre _v,l. O r,ír.,.
· rt to em saber o que mo e uma determ1 ada ó ;,
blema esta, po an . _,_
- ~ , ponto que determina seu valor. Em suma a e~ 0
11açao e qua 1 e o . · o- . -
. , d-
ai g1a e um proce 1men to proposto por 1etzsche para n.o p::
/J'- - '.r.: í
4.

os sucessos ou fracassos fisiológicos, que s~ e~pressam nos va:c.-7-.


Por isso, detém-se no conhecimento da c~a~ao e das condiç&2s "s
criação dos valores. perguntand? pelo propno valor deles~ o \a'c ,
para a genealogia. apresenta dois asp~ctos: por ~m lado. ~ o pc t
de partida para a avaliação: por o~tr~. e_estabelec1d? a_part:Jr de •3
dada a aliação. A questão da aval1açao e o pont? p~n~1pal para O es-
tabelecimento do valor de um valor em sua referenoa a promoç.ã
à obstrução da vida. Toda e qualquer atividade humana se apre:ena
como avaliação. mas essa avaliação é desde sempre o introduzir di:
uma interpretação. Quem interpreta não é um existente movido pe!:;
cognição. mas as lutas entre os diversos impulsos. Há uma corres-
pondência entre nossos impulsos e nossas avaliações. uma ez q -~
estas últimas decorrem de um crescer ou de um declinar. que se ex-
pressa em estimativas de valor. Em vista disso, o genealogista e:i.a-
belece uma tipologia. já que o caráter agonística presente no ins · ;
do valor remete a perspectivas divergentes que. em termos de suas
manifestações no homem, remontam a tipos disjuntivos denomina-
dos. pelo filósofo, senhor/nobre e escravo/vil. Remetem a cons -tuj-
ções díspares que, no limite. expressam a condição de uma vida. s
seus sucessos ou fracassos fisiológicos. Em vista disso, Nietzsche es-
tabelece uma estratificação que. tendo por pano de fundo a quesLà
fisiológica aplicada ao organismo. estabelece a disjunção forte,fra .
Assim, à genealogia cumpre papel decisivo, pois, ao identificar o d -
pio aspecto do valor, refere-o ao tipo que o institui; ao determinar o
tipo, remete-o à sua condição de vida; e, ao conferir à vida seu cará-
ter agonística a compreende enquanto jogo permanente de nossos
impulsos. cujo resultado. obtido em termos de fracasso ou êxito na
aquisição de mais potência, constitui a própria interpretação.

Sobre GENEALOGIA, consultar ZA li "Da superação de si"; BM § 3, § 186,


§ 211 e § 224, § 260; GM Prefácio § 1, § 6 e § 7, 1 § 2-5, § 7 e § 16, li § 12; FP 38
(l2] de junho/julho de 1885.

244

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GOnio 1

Ver também AVALIAÇAO, CRIAÇAO, FISIOPSICOLOGIA, IMPULSO, IN•


TERPRETAÇÃO, LUTA, MORAL, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRA-
VOS, PEASPECTIVISMO,TIPO, VALOR, VIDA.

Bibliografia
AZEREDO. Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética.
São Paulo. ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008.
AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
São Paulo. ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. ~ n-
das & Veredas)

Vânia Outra de Azeredo

GÊNIO (Genie)

Para Nietzsche, o gênio é o homem de exceção destacado da massa.


Dois são os encaminhamentos dados ao tema em sua filosofia: me-
tafísico e naturalista.
Em seus textos de juventude, Nietzsche elabora a concepção de
gênio a serviço de sua metafísica. O Uno primordial, sendo dor eter-
na, requer a aparência, pois somente a aparência gera o prazer que
apazigua o sofrimento. Para que isso ocorra, é preciso o gênio; ele é
o meio pelo qual o Uno primordial pode contemplar a face exterior
da vontade enquanto aparência, gerando o deleite estético. Assim,
o gênio é uma figura fragmentada, contraditória, tal como o próprio
ser. Pois, desde uma perspectiva humana, temporal, ele não passa
de mais um homem dentre outros, enquanto, desde uma perspectiva
metafísica, eterna, ele é instrumento do Uno primordial.
A centralidade do gênio para a metafísica fará com que o pen-
samento político e educacional do jovem Nietzsche gravite em tor-
no dessa figura. O estado e os estabelecimentos de formação devem
se submeter aos desígnios da natureza, criando condições favoráveis
Para que os gênios sejam apartados dos não-gênios. A finalidade
dessa empresa seria a de instituir uma república dos gênios, cuja ta-

245

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r 1 fo guiJr t1 l111mélnldade. Nesse sentido, é preciso se rcs ,Jltar 0
p t ncial crítico, antimoderno, que move esse projeto. Pois a tarcra
metaíísirn que se coloca para as instituições humanas é concorrente
a um aft1stélrnento dos direcionamentos dominantes na modcrnicJa.
ci . ciue requerem, ao invés do gênio, o douto, personagem que lcg,.
tima as idiossincrasias decadentes dessa época, como massificação.
specializaçào e utilitarismo.
Posteriormente, a concepção de gênio é reformulada por Nietz.
sclie em antagonismo ao culto do herói, perdendo sua conotação
metafísica. A premissa agora possui em viés naturalista e presume
que O gênio vem a ser. Nesse sentido, Nietzsche oscila entre duas
posições: uma mais propensa à teoria do meio e outra mais próxima
da teoria da hereditariedade. De um lado, o gênio surge mediante
a reunião de circunstâncias favoráveis, como formação privilegiada,
dieta e clima ideais. Por outro lado, sobretudo em 1888, o gênio é
visto enquanto momento mais agudo de um acúmulo das gerações
precedentes, não dependendo de seu meio ou de seu tempo.
Sob essa ótica naturalista, Nietzsche recupera seu projeto cultu-
ralista de juventude - agora com o nome de grande polftica - em
que o estado deve servir a cultura, isto é, deve estar comprometido
com o cultivo de gênios. A existência dos direcionamentos listados
acima faz com que as incumbências do estado também variem. O es-
tado, por um lado, deveria promover medidas educacionais, cujo en-
foque é fisiológico; mas também medidas seletivas, coercitivas, que
almejam impedir a mistura entre os tipos plebeus e nobres. Nesse
sentido, almeja-se cultivar dois tipos fundamentais de gênios: os que
fecundam e os que são fecundados. Com essas metáforas, Nietzsche
delineia a dupla tarefa dos grandes homens: criar novas tábuas de
valores e implementar novas ordens de vida, sobrepujando a tradi-
ção. Ante sua época, os gênios são extemporâneos e, no limite, imo-
ralistas. Mas em virtude de uma maior quantidade de forças reunidas,
herdadas de culturas mais antigas, e da aptidão em controlar essas
forças, os gênios exercem domínio sobre seu tempo.

Sobr_e GÊNIO, consultar EE; Co.Ext. 11§9 8 § 10; HH 1§162 8 § 164; CI "ln·
cursoes de um extemporâneo"§ 44; EH "Humano, demasiado Humano"
§ 1; AC § 4 ; FP 2 [20) do Inverno de 1869-1870/primavera de 1870; FP 7

246

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Orond pollrl 11

fim do 1870/obrll do 1871; FP 81681 do lnvorno do 1870-1871/ou,


11671 d:1872; FP 1011) do Inicio do 1871; FP 19 (101 do vorâo do 1872/lníclo
tono d . FP 29 1621 do vorAo/outono do 1873,
do 1873,
n,bóm AL~M-DO-HOMEM, ARISTOCRACIA, CULTIVO, CULTURA,
ver ·~AÇÃO, ESPIRITO LIVRE, ESTADO, HEREDITARIEDADE, HOMEM
eoU RIOR LEGISLADOR, NATUREZA, SELEÇÃO.
sUPE '

Bibliografia
REZZATTI Jr.. Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche. A Superação
F da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Editora Unijuí, 2006.
NASSER, Eduardo. O destino do gênio e o gênio enquanto destino: o
problema do gênio no jovem Nietzsche. ln: Cadernos Nietzsche, v.
30, p. 287-302, 2012.

Eduardo Nasser

GRANDE POLÍTICA (grasse Politik)

Política de dominação da terra, indissociável da tarefa de transvalo-


ração de todos os valores, a grande política tem por base a fisiologia,
ahierarquia e a criação para a elevação da humanidade. Para Nietz-
sche, toda a pequena política da modernidade tem seu fundamento
na noção de igualdade, herança da interpretação moral cristã dos va-
lores que fazem avançar o niilismo. Crítico dos ideais democráticos
do século XVIII e do socialismo nascente do século XIX, ele avalia que
adivisão da Europa em diversos estados é o sintoma de um enfraque-
cimento da vontade, que os grandes conflitos viriam de um perigoso
acúmulo de forças presentes na Alemanha e na Rússia e que somen-
te o combate à raiz dos valores de decadência possibilita a criação de
novos valores, os quais, por sua vez, constituiriam a base política de
governos do futuro.
A noção de grande política começa a desenvolver-se em Huma-
n~, demasiado Humano, quando no capítulo "Um olhar ao Estado"
Nietzsche faz a crítica aos nacionalismos e busca pensar a unificação

247

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,1 e 1

da na e )uro ,IJ oi.> um único comJndo olít1co. Del,n1; 1 J .,


' 11 Jo. _ u 111t nto de colocar o Estado J s rv1ço d cultur . P ·rr .
ndo que coníl1to entre potênciJS estão em via d PIIYJr r..,
larga escala de ido éJO <1ct·1mulo de ni1lina (Nihilin). o fllósofo rc úrn,1
sué1s ref le ões sobre o tema nas anotações de 1885 e Jul0 a. en ,~
outras coisas. que raltam os princípios que de em reger a grandeVr
l1 tica. Em Para além de Bem e Mal. obra na qual defende que os er-
dadeiros hlósofos são homens que comandam e legislam. N1e cb~
ataca o inculo entre o cristianismo e o movimento democrá ico. co-
loca-se ao lado dos ·bons europeus~, aqueles que estão para a'é
do patriotismo de cada estado, bem como move esforços na d1reçà~
de pensar a necessidade de formação de uma casta dominan e a
Europa. Conforme a Genealogia da Moral, o que o filósofo visa. e 1
última análise, é combater a grande política da vingança por meio dd
qual foi realizada a inversão dos valores nobres da antiguidade.
A partir do início de setembro de 1888, momento no qual a
tarefa de transvaloração de todos os valores assume o primeiro p'a-
no em sua filosofia, a noção de grande política adquire um foco es-
pecial em seu pensamento. Ao contrário de anotações esparsas e
abordagens rápidas em suas obras realizadas anteriormente. 1" 1etz-
sche dedica páginas de notas para tratar especificamente do tema.
Équando, então, deixa claro que a grande política deve ser feita por
meio de uma grande guerra, não uma guerra entre povos, etnias e
classe sociais, mas uma guerra espiritual, entre tipos humanos q e
façam um combate entre ascensão ou declínio, entre querer vi\er
ou vingar-se da vida, entre uma fisiologia que é sintoma de uma
contranatureza dos instintos e outra que toma partido pela ida.
Tais reflexões. que inviabilizam qualquer tentativa de pensar ietz-
sche como filósofo do nazismo, estarão presentes no Crepú cu/o
dos Ido/os, em O Anticristo e mais especificamente na abertura do
capítulo final da obra que serviria de introdução à tarefa de trans-
valoração de todos os valores: Ecce Homo . Em última análise, por-
tanto, a compreensão do significado do tema da grande polit1C<:1 no
~en~amcnto nietzscl1iano envolve não somente o conjunto de uJ~
análises sobre todas as formas políticas existent s Jlé o é ulo .'I ',
rr1a 5 dcpcnrJe, sot)r tudo, das obras produzida r1 p rtir d l H88,

7'10

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Grondo ooúdo

bem como de uma análise cuidadosa do conjunto d


realizadas até o início de janeiro de 1889. os anotações

Sobre GRANDE POLITICA, consultor HH 1§ 481; A § 189; BM § •


208
§ 8• EH "Por que sou um destino"§ 1; FP 41247) do ve A d , GM 1
, ruo o 1880· FP 32
1181 do inverno de 1884; FP 35145) e I47I de mo lo/julho de 1885. FP ~
' b 11211
dooutono de 1887; FP 12 121 do Inicio de 1888·1 FP 19 111de setem ro do
1888; FP 25I1I e I6I de dezembro de 1888/lnlclo de janeiro de 1889,

Ver também ARISTOCRACIA, BOM EUROPEU, DÉCADENCE, DEMOCRA-


CIA. ES!ADO, IGUALDADE, ~ODERNIDADE, NACIONALISMO, NIILISMO,
SELEÇAO,TRANSVALORAÇAO DETODOS OS VALORES,

Bibliografia

SILVA Jr., Ivo da. Tropeços nacionalistas. Lutero na berlinda. Cadernos


Nietzsche, v. 24, p. 43-57, 2008.
SILVA Jr., Ivo da. Em Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultu-
ra alemã. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2007. (Col. Sendas &
Veredas)

Luís Rubira

GRANDE SAÚDE (grasse Gesundheit)

Oconceito de "grande saúde" é definido no§ 382 do Livro V de A


gaia Ciência. Essa grande saúde é a que Nietzsche reivindica como
sua e apresenta como a condição fisiológica do tipo de Zaratustra
em Ecce Homo, no§ 2 do capítulo acerca de Assim falava Zaratus-
tra. Conforme a definição de A gaia Ciência, trata-se de uma saú-
de que não se pode simplesmente possuir, mas que sempre tem de
ser conquistada e reconquistada, na medida em que é necessário
abrir mão dela uma vez adquirida. Isso relativiza a oposição entre
saúde e doença admitida pelo senso comum. Nietzsche sustenta
Que uma saúde capaz de expor-se à experiência da doença é mais
Valiosa e mais forte. Pode-se entender essa tese em relação à dou-
trina da vontade de potência. Dado que toda intensificação do sen-

249

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~ 1 ,,, 1 ud,

b l rt la , ncCC" iHI, m ·n r:
1 lllt' lll ( <lt' pol ri 11 , lr~o 'l lJW fiJr r '
d1••,,1w,ut. vt'I , íl vo1H,Idn cl , pot n I a< pira ao~ ofrim cnto, q ':
llt(' per1111t1, Lo , N, orno tlllrrnn o frnemcnto 26 127 1 do ve-
ltll /t lll OIIO d 1UlVt. N •~.
1 1
•nlldo, o p, pcl cJa doença na grana~
~.1(1de 11i 'll -I1lt111, pocl ria cr, ' Ili part , aquele de uma rcc:1stên-
1,, , , ~ l'r uµ 11,1d1 ,
, intudo, íJ p,nnde ·núde LJmt)ém tem uma runção na hlo:of,a
cto ultirno Ni it, · 11 ': 1 liJ lll o ) simplesmente um fim em si, embora o
111 • oi (o11f ,..s ', 110 § ,, do preíócio de Humano, demasiado Huma-
no, qrn' ~11,1 L>rtt t 111111uilO J ver com uma "vontade de saúde". Nos
1

1, pr io · t 1 11110s cJ , A galo Cí~ncia, a grande saúde aparece como


um novu 111 ·íu I nro um novo fim . Com efeito, Nietzsche se orgulha
d , trdtar 11a ·~1(11 ~ e, sobretudo, sua doença como instrumentos de
L', 1 •1 i111 1 11111 , o lilosófiG1. Sugere, logo no§ 120 de A gaia Ciência,
qu , ,1 ,, 1 ,, i n la da doença bem poderia ser indispensável ao ho-
I11 1 111 d , 0 1111, irn )nlo. Isso se torna uma afirmação na ed. de 1887,
n l,1tt;1111 _)nte no pr 1 f6cio, onde Nietzsche exprime sua gratidão para
- 111 :_1 d ,ln n; ao féJzer t1parecer a vida como um problema, susci-
to11 o _)xp ~rirncntêJlisrno permitindo atravessar estados psicológicos
v.ir iJc1o ( 3). Or , o § 382 acrescenta que a experiência direta de
u111L div :1 1 idJde de perspectivas é necessária a um filósofo perspec-
livi LJ, , p lcialmente se ele procurar estabelecer uma hierarquia. Em
utrJ pJI vras, a grande saúde é um meio a serviço do projeto axio-
lógico d Nietzsche. Isso é confirmado pela caracterização da -gran-
de saúde" como necessária para a "redenção dessa realidade ", no
§ 21+ da cgunda dissertação de Genealogia da Moral.
preciso sublinhar que o conceito de grande saúde não suprime
inteiram ntc a oposição entre saúde e doença. Com efeito, a capaci-
dade de curar-se depois de ter enfrentado a doença supõe um -ex-
cedente de forças 1. .. J regeneradoras" que Nietzsche descreve como
um privilégio no § '+ do prefácio de Humano, demasiado Humano.
Desse modo, a grande saúde aparece como o exato contrário do que
Nietzsche chama de decadência. Pois o decadente não se expõe ape-
nas às doenças que ele pode superar; pelo contrário, ele fica pre 0
sua doença, uma vez que escolhe instintivamente os remédio qu:i
Ih O prejudiciai . E antinomia é clara em Ecce Homo, no§ 2 do

260

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Horod,tari d do

. ·por que sou tão sábio", e sugere que a grande saúde per-
GJ ,w1ºuma maneira de . ser saa·10 no ,undamento".
,.
n1 nece
GRANDE SAÚDE, consultar GC "Prefácio" §3, § 120 e§ 382; HH 1
50breá . ,, § 4. EH "Por que sou tão sábio" § 2 e" Assim falava Zaratustra"
,pref CIO •
§l; FP 26127 5) do verão/outono de 1884.

bém OÉCADENCE, EXPERIMENTO, FISIOPSICOLOGIA, HIERAR-


Ver ta m - ,
QUIA. PEASPECTIVISMO, PSICOLOGIA, REDENÇAO, SAUDE, VIDA, VON-
TADE OE portNCIA.

Bibliografia
MARTON. Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.
MARTON, Scarlett. Décadence, um diagnóstico sem terapêutica: Sobre
a interpretação de Wolfgang Müller-Lauter. Cadernos Nietzsche,
V. 6, p. 3-9, 1999.

Emmanuel Salanskis

HEREDITARIEDADE ( Vererbung)

O interesse de Nietzsche pela questão da hereditariedade resulta,


ao mesmo tempo, da problemática cultural que orienta sua filosofia
desde O Nascimento da Tragédia e da "virada histórica" que ocor-
re em 1878 com a publicação de Humano. demasiado Humano.
Antes dessa virada, Nietzsche menciona a hereditariedade em al-
guns textos, mas não a trata como um assunto central para o ques-
tionamento filosófico. É no contexto de uma ruptura filosófica com
Schopenhauer que a questão ganha importância. Nietzsche chega
ªdenunciara insuficiência das explicações a partir de uma "Vonta-
de" metafísica, que não levam em conta nem a complexidade nem
ªhistoricidade dos nossos impulsos. Segundo o§ 2 de Humano. de-
masiado Humano, convém praticar uma filosofia histórica que re-
conhece que "tudo veio a ser" inclusive o homem, sua capacidade
cognitiva e seus instintos. Nes~e sentido, é preciso escrever a histó~

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Hereditariedade

ria das heranças e das hereditariedades "humanas.? ma 11


manas" que constituem a nossa psicologia at~a~. a fim d n r , r
perspectivas de libertação (embora parcial e limitada).
Observa-se, nesse contexto, que herança e hereditari dad \
duas noções muito próximas na reflexão de Nietzsc~e. ~om ef 1 ,
Nietzsche adota um conceito lamarckiano de hered1taned 1de q ,'.l

permite a transmissão hereditária das modificações adquiridas. 1


explica que a palavra hereditariedade (Vererbung) seja frequ nt -
mente ambígua em seus escritos, de um ponto de vista conten
râneo. No § 16 de Humano, demasiado Humano, a "força de há i-
tos antiquíssimos de sensação" é apresentada como uma heredi-
tariedade, o que remete a uma teoria da inscrição hereditária pro-
gressiva; um hábito mantido por muito tempo se toma um instin
hereditário. Concebida como uma memória orgônica, a hereditarie-
dade significa que cada ser vivo é herdeiro de todo o passado orgà-
nico. Nietzsche até sugerirá que essas linhas de vida são mais reais
do que os indivíduos, de modo que não há transmissão hereditária
propriamente dita: trata-se apenas de uma facilidade terminológica.
Por isso, um filósofo que quer cultivar a "planta homem " tem que se
considerar a si mesmo, em certo sentido, como responsável por toda
a história da vida e da humanidade.
A partir de Assim falava Zaratustra, Nietzsche insiste sobre a
importância da hereditariedade fisiopsicológica no âmbito de sua
axiologia aristocrática. A finalidade do casamento é, segundo Zara-
tustra, gerar um corpo superior àquele dos genitores, suscetível de
dar sentido à união parental; conforme um jogo de palavras dificil-
mente traduzível, não se trata de se re-produzir (sich fort-pflanzen),
no mesmo plano de valores, mas sim de pro-criar (sich hinauf-pflan-
zen J, o que denotaria um avanço ou uma elevação. Embora o aris-
tocratismo nietzschiano tenha em vista o futuro mais do que as ori-
gens, ele inclui a ideia tipicamente nobiliárquica de que as qualida-
des e preferências dos antepassados continuam a viver no corpo de
cada _indivíduo. Mas, em Ecce Homo, Nietzsche completa essa con-
c_epçao com uma teoria do atavismo. Os indivíduos superiores se-
na~, P~radoxalmente, muito menos aparentados com os seus pais,
pois tenam sua origem numa linhagem particularmente antiga, que
acumulou forças através das gerações.

252

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Hierarquia

ietz cti n o reduz ~ his_tória d?cultura a uma questão de he-


. dad . A genealogia nietzsch1ana leva em consideraç~o ou-
rcd11élne . • 1
•os de tran m1 ao, por e emp o no caso do sacerdote as-
tros rn ~u l nd a nêío s r produzir, em virtude do seu ideal hostil
e 1.1co, Ni· tz eh tamb m chama a atençdo para a e istência de li-
à v1dc1. - . •
ns espinllJJI , como aqu la que o Incula a Platao ou Goethe.
nl1J •
onto d Ista, na cessIvo ta ar o autor de Paro at m de
[)eSS P
m Mal d 11 r d1tan mo.
1

8
b O HEREDITARIEDADE, con ultar HH 1116, 118, 134, 143, 145, t 107 8
' ômo
sor . ZA 1•00 filho do m ntnm '· •, 111•0n nnt,g' s o d s novas tábuas•
1 24
: 2.8M 1224, 1251, 1262 t 264; GM 111 1 11 ; CI • tncur óo do um o><tom-
~rÁnoo· t 33 147; Et~ · Po r qu · u t o bio '" 1 J; FP 12 (521 do outono
de 1881; rP 91451do ut n d 1 7.

Vertaml> m ARISTOCRACIA CORPO, CULTIVO, CULTURA, FISIOPSICO-


LOGIA, GEN ALO GIA, IMPUL O, P ICOLOGIA, SENTIDO HISTÓRICO,
VALOR, VIDA.

Bibliogrnf i
F \TTlJr . l :. e , t n Domm
1, . amplia-
, .a.,.. L , . O1, (Cal n s Veredas)
The Dato oi Ethics: une
íl(I l~ e ,) nc r. ,ts et savoirs, n.
1
1 - 't
1
1
Emmanuel Salanskis

HIERARQUIA (Rangordnung)

·oProblema da h1 rarquIa• (das Problem der Rangordnung) é evoca-


do no final do prefácio acrescentado em 1886 ao primeiro volume de
Humano. demasiado Humano. De um ponto de vista retrospectivo,
esse problema aparece a 'ietzsche como aquele que o orientou des-
delonga data enquanto espírito livre. Isso denota uma reinterpretação
Derspectivista da noção de espírito livre, inicialmente ligada àquela de
verdade. Com efeito, em 1878, o espírito livre não era apenas aquele

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H,ororqum

que pensa de forma diferente do que se espe ra dele, por ter-se lit'~r-
tado de sua proveniência. de seu meio ambiente ou das opiniõe tra.
dicionais (§225) . Ele também era suscetível a "ter razão" ou "con ~-
cera verdade". Em 1886. a formulação do problema da hierarquia
visa a conciliar a libertação do espfrito com a manutenção de uma e~
cala de valores sem postulara existência de uma verdade objetiva. Eis
porque Nietzsche lembra no prefácio as grandes linhas do seu Ders.
pectivismo: esse implica que toda avaliação provém de uma perspec.
tiva em certa medida injusta. que pertence a um determinado tipo de
vida . Isso posto. trata-se de entender como é possível hierarquizar as
avaliações num âmbito perspectivístico, para evitar cair num relativis-
mo axiológico. Tal problemática diferencia a filosofia nietzschiana de
qualquer ceticismo ordinário, como sugerem o fragmento 35 [43] de
maio/julho de 1885 e o§ 208 de Para além de Bem e Mal.
A resposta nietzschiana ao problema da hierarquia envolve uma
concepção de justiça psicológica, que repousa na doutrina da vonta-
de de potência. No§ 7 do prefácio de Humano, demasiado Huma-
no, Nietzsche sublinha que experimentou pessoalmente numerosas
avaliações e perspectivas humanas. o que lhe permite medi-las e
compará-las. Isso supõe um critério de medida, que o§ 6 identiA-
ca, conjuntamente, com a potência e a envergadura de perspectiva:
uma riqueza perspectiva maior corresponde a um grau de potência
superior. Desse modo, Nietzsche pode hierarquizar as perspectivas
das quais fez a experiência em função de sua potência interpretativa.
Porém, na medida em que as perspectivas e avaliações estão asso-
ciadas a impulsos, tal comparação exige dominar a parcialidade de
cada impulso, pois cada um se esforça para prevalecer sobre os ou-
tros de modo injusto. Em outras palavras, o problema da hierarquia
remete a uma justiça psicológica, que também se poderia chamar de
domínio sobre si, uma vez que requer um "poder sobre [seus] próse
contras". o que é a verdadeira liberdade de espírito.
Dois outros aspectos do problema da hierarquia, respectivamen-
te genealógico e político, são explicitados no§ 257 de Para além de
B~m e ~~I. Nietzsche observa que. de modo geral, são as sociedades
ª: 1stocraticas _que promoveram o pensamento hierárquico, por acre-
dit~re~ em ~1ferenças de valor entre os homens. Assim. toda t1ierar-
quia axiológica parece genealogicamente vinculada a uma hierarqui-

254

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próprios homens. Não é surpreendente, desse ponto de
zaçáodosO fragmento 35 [51 de maio/julho de 1885 defina a moral
. ta que . . d h "
,,s ·• doutrina da hierarquia os omens . Ora, isso tem implica-
como ª 0 pensamento político de Nietzsche. Pode-se duvidar que
,~s ~~aª defender um aristocratismo meramente espiritual. De fato,
eleque1r .
ão de uma h1erarqu1a . lóg1co-ax1ol
. ps1co . . ógica pressuporia

ª;nstau~05 inicialmente, um contexto de desigualdades
.
sociais marca-
·
ao ~:;se é Oponto que Nietzsche ressalta ao introduzir o conceito de
dashOS da distância. Nesse sentido, a "grande política " nietzschiana
pat poderia ser uma política hierárquica, visando a refundar castas
beITT . . . h
sociais para melhor d1f:renc1a: tipos u~anos: o§ 57 de O Anticristo
é um dos textos que vem apoiar essa leitura.
Sobre HIERARQUIA, consultar HH ! "Prefácio"§ 6 e§ 7; BM § 257;AC § 57;
FP 35 [5J e 35 [43] de maio/julho de 1885; FP 1 [2381 do outono de 1885/
primavera de 1886; FP 15 [1201 da primavera de 1888.

Ver também ARISTOCRACIA, ESPÍRITO LIVRE, EXPERIMENTO, GENEA-


LOGIA, GRANDE POLÍTICA, JUSTIÇA, MORAL, PATHOS DA DISTÂNCIA,
PERSPECTIVISMO, TIPO, VALOR, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.
SALANSKIS, Emmanuel. Nietzsche. Paris: Les Belles Lettres, 2015. Ca-
pítulo 2.

Emmanuel Salanskis

HISTÓRIA (Geschichte, Historie)

~a Segunda Consideração Extemporânea, Nietzsche introduz uma


discussão acerca do sentido da história a partir da descrição de três
f~rmas de estudo: a história monumental, a história antiquária e a
histona
' · crítica, enquanto fornecem a chave de acesso ao passado
sem · .
nscos de estagnação, porque asseguram o culto dele para rn-

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11..' rt ,ri tir O r 1 ·~ ·nre. N "•,:, .i cpçfio, ,1tw,1 ór1,1 r,rivrr1,, "'' ,1 ., h,,
111,lll • t Ir , I ·r :,1 ('(.(IVd', : (!ll(llldrllO é :ilivo (: r,m, ,l' ,(Jlr,J~ t; :·,. u.
Qll,1111 0 1 ll' Cl\ltl ( l!rlCl,1 e Cl1(11ld rll0 ,JO 'iOfrcr prc I' ,1 'l: l1t1:rr,ir, /•
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Ili 1 11, 111 lllllll 'lll,1I 1 pr 1!1')Í I ,1 IJtJ'1 i l ttmpo l(J(J <J<: rnr/J'!lr/, ':
lll' tr ) llci 'li 11lrt1CIO!, 110 pr '!, 'rlW, lJj;i IJlllÍ(JíJcJe rrl íll(J( f;',r,í 1; r,
~t 'r qu, l 1 grl1nc1 ,,a, 0111rora cxi• rente, for PO' '1 Ívtl urna w:.,.
~ l , • 0 1,1 S<1Clo I de'· ri LO e w i,imilíJ<lO orno <J1w10 <fo 1rn1-:i-
) r 1pr d11çl . MJs e r, t1islória, na vi.>áo de Nic115 t1c. •n0,:r~.
) , um tip d I t10111ern ülivo e grvncJio!,O que t,uc,cJ na h1J ón-1
m d ,1 111, tr e para inspirJ-lo na r uü éJluélçllo no presente. A
l1is1 r'iíl Jrlliquária carncteriza-sc por urna espécie de piedade q ~
f,r 111 qu ) o oltiar e volte para LrJs com ficJclicJade pela sua pró-
priJ prnveni ncia. Éo cuidado com tudo que existe de antigo, v,san-
d J pr;, ervação para os vindouros. A característica precípua da h1s-
t riJ r111tiqu ria está cm promover a preservação e a veneração a
servi o da vida. De modo inverso, ela degenera. A história crítica.
enquanto terceiro modo positivo de o homem considerar o passado
e nsiste em ter a força para implodir o próprio passado. De tempos
m t mpos, preciso colocá-lo sub judice, isto é, necessita-se sub-
metê-lo a um rigoroso tribunal que possa passar da inquirição ao
c ndenamento como condição de poder viver. Trata-se de aniquilar
pa do para promover o presente. pois no julgamento do preté-
rito o presente ganha força e vigor e, com isso, serve à vida . No pen-
samento nietzschiano, a única forma de a história ser vista de rorma
afirmativa é estando a serviço da vida, seja em sua forma monumen-
tal, antiquária ou crítica. Nietzsche relaciona o histórico, enquanto a
serviço da vida, ao a-histórico, isto é, a história, quando promove a
vida , está justamente expressando um poder a-histórico. Ern vista
disso, a história não poder se constituir autonomamente como urna
ciência, uma vez que abandonaria justamente seu poder a-t1istónco
em busca de um histórico que levaria a vida e a própria t1istória à de-
generação. Em Humano, demasiado Humano, ao aproximar-se do
positivismo Nietzsche empreende uma crítica contundente da meta-
física e vale-se da história para recl1açar a compreensão metafísica
do mundo. Nesse momento, conferir carMer ternporal aos aconteci·
mcntos permite recusar a pcrcnidélde que o sustento no discurso me·
tafísico. Vendo na noção de processo lrt1zida pela t1istória i1 ct1 1Vt1

250

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dissol er o suprassensível, o filósofo alemão a considera rund •
p.iratal para uma filosofia que se queira científica ao invés de metafí-
nn .1 .
. fazendo, espec1a mente nesse texto, um elogio do sentido histó-
ca. d·ç_
-. Há de se observar, na 11erença entre a crítica e o elogio à história
~c~~tinção entre Historie, ~isciplina acadêmica, e Geschichte. Éa se~
nda que Nietzsche considera fundamental por reconhecer no hu-
guano a dimensão mutável e temporal, condizente com a efemerida-
~: dele. Ao longo ~a obr~, Nietz~ch~ r,,eje~ta_a noção de história do
historiografismo 01toncet1sta, cuJa v1genc1a interpretativa levaria à
estagnação, notadamente a crença de que o conteúdo da história é
eminentemente racional e que, inclusive, existe uma vontade divina
como regente, de tal modo que a própria providência divina gover-
naria O mundo e garantiria a racionalidade da história. A partir do
momento em que Nietzsche coloca a questão moral em termos de
valores, compreende a história com oscilação das relações de po-
tência. de modo que recorrer à história requer a elucidação do imen-
so texto hieroglífico do passado humano em que se encontram as
lutas entre os tipos forte e fraco, senhor e escravo, na determinação
dos valores. A história efetiva é a das interpretações inscritas no de-
curso do tempo como resultado das disputas entre os tipos em ter-
mos de avaliações que expressam uma determinada condição de
vida em crescimento ou em declínio.
Sobre HISTÓRIA, consultar Co.Ext. li; HH 1§ 2 e § 45; HH li Prefácio; OS
§ 17; BM § 186 e§ 224; GM Prefácio 1§ 2 e li§ 1 e§ 3; CW e Prefácio§ 1; CI
"A 'razão' na filosofia" § 1 e "Incursões de um extemporâneo" § 50; EH
"As extemporâneas" § 1.

Ver também AFIRMAÇÃO, CIÊNCIA, FORÇA, FORTE, INTERPRETAÇÃO,


METAFÍSICA, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, SENTIDO HIS-
TÓRICO, TIPO, VALOR, VIDA, VIR-A-SER.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Das Vantagens e Desvantagens da Histó-


ria da Filosofia para o Ensino da Filosofia. ln: - - (org.). Nietz-
sche: Filosofia e Educação. ljuí: Unijuí, 2008, p. 67-82 .
ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche e o sentido histórico. Cadernos
Nietzsche, v. 19, p. 79-100, 2005.

257

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Hom m sup rior

~ 1ARTON. Scar1ett. o eterno retorno do mcs~ o: tese ~osmológ,ca 011


imperati O ético? ln: - - . Extrovogônoos. Ensaios sobreO Fi'o-
sofia de Nietzsche. 3.1 ed. São Paulo: Barcarolla, 2009. p. as.. 118
(Col. Sendas & Veredas)

Vânia Outra de Azeredo

HOMEM SUPERIOR (hoherer Mensch)

o contexto da filosofia do espírito livre, o conceito de homem su-


perior tem o sentido de ser exceção, com poder de contradizer e de
opor-se à tradição e ao que é tido por sagrado na cultura e na socie-
dade. Em contraposição ao homem inferior, o homem superior dis-
tingue-se pela quantidade de estímulos e vivências. assim como pela
profusão de formas de prazer e desprazer, que estão organizados
por uma arte de "redenção" e "cuidado" de si. Na época de A gaia
Ciência, Nietzsche caracteriza-o como uma "natureza contemplati-
va"; à diferença dos homens de ação, ele é o artista de sua própria
vida, distante dos ideais comuns dos homens do rebanho. Entretan-
to, ao elaborar uma nova concepção de "espírito livre", na época de
Para além de Bem e Mal, Nietzsche desenvolve o traço básico afir-
mativo do homem superior, qual seja, sua força criadora de novas
perspectivas e estimativas de valor. Nesse sentido, o homem supe-
rior está imbuído do ideal aristocrático.
A crítica ao homem superior é elaborada principalmente na quar-
t.a parte de Assim falava Zaratustra. Através de Zaratustra, Nietzsche
expressa sua busca pelo homem superior, assim como sua frustração
por não poder encontrá-lo. Os homens superiores, dentre os quaises-
tão o adivinho, o mais feio dos homens, o feiticeiro e a própria sombra
de Zaratustra, clamam por Zaratustra, buscando fugir do desespero
niilist.a. Entretanto, os homens mais poderosos, criadores, prenhes de
futuro ainda estão porvir. Somente em relação aos "últimos homens·,
os que sobem à montanha de Zaratustra seriam .. homens superio-
res". Ao reunir todos os seus gritos de socorro, Nietzsche conclui que
mesmo os mais elevados entre os homens que se 1t1e apresenwrn,
são ainda decadentes, sem grandeza e dignidade criativa.

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Homem su r

10s e
scritos tardios, Nietzsche
. d
elabora
, a oposição entre homens
. res e iníeriores a partir o metodo genealógico. o palhas da
.t
)pe no h d . .
. dos grandes omens evena guiar para a elevação do po
d1 rJncIa Entretanto, o homem é o animal . .
ainda não fixado. Por isso
11 mem. d d .
msuperior tem de escer a elevação de seu gosto superior
o110me . t d - .
me m do conhecImen o, e exceçao, e entrar com interesse
deh0 ,
·gativo no mundo do homem do rebanho, mesmo que sinta
,nvestl , i: •
. por ele. Para essa tare,a, o homem supenor recorre à ajuda do
rastio
.. mo grosseiro ou ·1. Enquan to fi sIO
sutI . , logo da moral ele const.at.a
(11115 . . '
cínicos a honestidade de reconhecer em s, mesmos a vulgarida-
nos á. D .
de do animal greg n~.·- o~n~1a ~· ao mesm? t~mpo, promissora. é a
oexistência de uma intelIgenc1a de exceçao em uma constituição
~siopsicológica vulgar. Com cinismo e ironia, Nietzsche critica t.am-
bém aidiossincrasia típica dos psicólogos ingleses da moral. no seu
modo de valorar o homem superior. Essa oscilação entre o pathos
da distância e a imersão no estudo do homem do rebanho constitui a
própria ambiguidade do homem superior; ele é tanto monstro quan-
to além-do-homem; ele é besta e mais que homem. Esse é o proble-
ma para aconstrução de um tipo superior de homem; toda elevação
do homem ocorre simultaneamente com o aumento do que há nele
de mais profundo e de mais terrível. Hierarquizar uma profusão de
impulsos conflitantes é condição para atingir o homem superior. Ele
poderia assumir, assim, a prerrogativa de legislar, com base no do-
mínio de si mesmo por ele alcançado.
Sobre HOMEM SUPERIOR, consultar HH 1§ 72; GC § 297 e§ 301; ZA IV •Do
homem superior"; BM § 26; GM 1§ 2; FP 9 [154) do outono de 1887.

Ver também AFIRMAÇÃO, ALÉM-DO-HOMEM, ARISTOCRACIA, ESPÍRITO


LIVRE, FISIOPSICOLOGIA, GENEALOGIA, HIERARQUIA, LEGISLADOR,
NIILISMO, PATHOSDA DISTÂNCIA, ÚLTIMO HOMEM, VIVÊNCIA.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. Niilismo, Criação, Aniquilamento: Nietzsche e a


Filosofia dos Extremos. São Paulo, ljuf: Discurso Editorial, Editora
Unijuf, 2004. Capítulo IV. (Cal. Sendas & Veredas)

Clademir Araldi

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i til , lht,l, 1

HUMANIDADE (M n1cltht1/t)

1,,\t'lll Ntt'I ::\ · l1t' h' '.1t'll\'tll\l' 11111i1 rt'fl' ,)o ~ot>rc <1 íir1,1l1cJ 1J,!<1 1
t' \ 1:-l t l h' l.l l.1 llllll),ll)lcl.ldl' logo 1)() lrlÍ( 10 cl,l cJ ( tida cJ ' 1n/O f:.s ,.}
1t'llt'\ \ h'lll 1()I' ,)111llltO lllll,l (IOlllllll,l cio H'rllO <J 1nsp1r(1 ,)o SC
~ nll.H1t'11, 11 1.1 lllL' L ,1p1t'!'l •111,1d,1. no1,1clt1111entc. 'm Scho n 'rr
1

· , / 1, · 1 1 , . : 1.\~t111tlo ""'S. ,1 clo111rrn,1. a t1umJn idéld n,)o (' 1~


1 11,1 .. , 11 \l\:.llld \ t,lfllbélll llt)O cl "'V pro urar Ué) JU SllhCêlÇ,)O o r .
; l'l.111 111 (ll1t' . L'r
1 nc l)idJ como o "cngcndrJmento contínuo
, 't' Ili( .. . ,nf 11111 ,1 'xpre ~o do fragmento póstumo I O 111 do 1 • 0
it' 1fl 1. ict • cl1 , élbandonará a metafísica do genio a p;irt1r d I{.
, 11 • t,·mn iaclo Humano, mas a axiologia subjacente continu,1
t-,1 rimir-. , rn sua concepção da relação entre a humanida e os
in 1iví iuo uperiores. De fato, a segunda dissertação de Ce, '
<I 1\ 1 mi d fende a ideia provocadora de um sacrifício da tluma ni -
ic • 'nquanto massa" ao florescimento de "uma única espéc,e, i
flJ/ t de l1omem" (§ 12) . E, um ano mais tarde, OAnticn" tocon~
qu, o último Nietzsche quer criar/cultivar (züchten) um t1 u
de l10rnens. inclusive em detrimento do resto da humanidade (-
esse sentido, embora o filósofo não acredite na ele açà d t1ur J ·
nidade como um todo, isso não o impede de definir uma · rJn
lítica .. que concerne à humanidade inteira e supõe um ~ 6 vem J
terra", como mostram os fragmentos 3514 71 de maio,jultl e 1
e 25 111 de dezembro de 1888/início de janeiro de 1889.
ietzsche não pressupõe, em sua análise, que a t1un1-1rniJ1.c
seja realmente algo bem definido. Quando Para além d B 111 e1\ a'
caracteriza o homem como "o animal ainda não fi.,ad • ( ). trJ·
ta-se de uma definição aberta e negativa. De fato, iet - IP ,1 j"
tou precocemente um âmbito de reflexão e olucionista que t rr ,1 ,1
questão sobre essa definição irrelevante: admitiu, lob ern t ,.
dade e Desvantagem da História para a \lida, a "falta de t J 11t\-
rença cardeal entre homem e animal" (§9) . tas o fil ' s r t 1111l 1lll
recusa as tentativas para constituir a história da hum :111i -1 ic' m11 1
todo orientado, governado por uma lei de progre s ; e e . upt:
to progresso bem poderia conduzir à mediocrização d · t'1 lt1111 1Ih.'·
mem ", segundo o§ 49 de Aurora e o prefácio de \ -~i111 ~1I n I cl·
rotustra. Pelo contrário, apesar de certas ambiguidudc , p,1rt' ·t1 qlll'

200

.......
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Idealismo

. rso zaratustriano sobre o além-do-homem não tem em vista


Od1SCU ,. .
olução global e homogenea, mas sim a autossuperação de in-
u~adevos superiores. Pois Nietzsche já havia criticado no fragmento
diVÍ u da primavera de 1880 o urnversa
. 1· · · ·
ismo do cnst1anismo e da
81
3 19 cracia, por ter procurado uniformizar os seres humanos. Éem
demo . . d"' .d
oposição aessa filantropia m 1,e~en:1a a que o autor de A gaia Ciên-
cia declara, em 1887, que e1e nao e um p_ensador humanitário e não
aa humanidade enquanto tal. O que importa aos seus olhos é a
~~estão da hierarquia dos indivíduos e dos tipos humanos.
Sobre HUMANIDADE, consultar Co.Ext. li § 9; Co.Ext. 111 § 5; A§ 49; ZA
•prólogon; BM §62; GC §377; GM li§ 12;AC §3; FP7 [100) do final de 1870/
abril de 1871; FP 10 [1] do início de 1871; FP 3 [98) da primavera de 1880;
FP35 [47) de maio/julho de 1885; FP 25 [1] de dezembro de 1888/início de
janeiro de 1889.

Ver também ALÉM-DO-HOMEM, CRISTIANISMO, CULTIVO, DEMOCRA-


CIA, FORTE, GÊNIO, GRANDE POLiTICA, HIERARQUIA, HOMEM SUPE-
RIOR, PROGRESSO,TIPO, ÚLTIMO HOMEM.

Bibliografia
SALANSKIS, Emmanuel. Sobre o eugenismo e sua justificação maquiave-
liana em Nietzsche. Cadernos Nietzsche, v. 32, p. 167-201, 2013.
SALANSKIS, Em manuel. Nietzsche. Paris: Les Belles Lettres, 2015. Ca-
pítulo 2.

Emmanuel Salanskis

IDEALISMO (/dealismus)

Nietzsche não faz, no decorrer de sua obra, uma utilização exaustiva


da noção de idealismo, embora se possa identificar em seus escritos
u~ extenso e ambíguo diálogo com a tradição idealista. Nos seus
Primeiros textos, Nietzsche segue em grande medida o idealismo de
Schopenhauer nas obras publicadas e um ceticismo epistemológico
nos escritos não publicados. A partir de Humano, demasiado Humano,
esse ceticismo será desenvolvido, o que faz Nietzsche aproximar-se

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Idealismo

de posições idealistas. ao reduzir o mundo a representações. Assim,


não há mais o conhecimento de um mundo independente das facul-
dades humanas. Retomando elementos presentes nas suas primei-
ras considerações sobre a retórica. vai-se tornando cada vez mais
claro para Nietzsche que entre linguagem e lógica há uma imbrica-
ção insuperável e que portanto lógica. verdade e realidade possuem
uma raiz comum, e esta pode ser localizada a partir de uma histó-
ria genética do pensamento. Para ele, a discussão entre realidade e
aparência se deveu a uma confiança desmedida na linguagem. de
modo que o mundo real passou a ser considerado aquele que é pro-
duto da lógica. Como ele considera a lógica enquanto produto de
falsificação. então a própria noção de realidade se mostra como um
erro, como representação, mas sua posição é agnóstica em relação
a uma realidade exterior à representação.
Na filosofia tardia, Nietzsche tentará romper a distinção entre
realidade e aparência. o que, para ele, significará o fim de qualquer
compromisso com o idealismo. Em Crepúsculo dos Ídolos , na seção
intitulada, "Como o 'verdadeiro mundo' acabou por se tornar em
fábula", Nietzsche pretende provar que os termos realidade {metafí-
sica) e aparência (representação) são termos correlatos, que só ad-
quirem significado um em referência ao outro. Questionar as pres-
suposições metafísicas que sustentam a ideia de um mundo verda-
deiro será para Nietzsche a refutação de um mundo aparente que se
opõe aos padrões metafísicos de estabilidade e unicidade. Por isso,
idealismo significará para Nietzsche, na maior parte das ocorrências
do termo em sua obra, uma negação do mundo efetivo do vir-a-ser,
que resta então como único mundo existente. Permanece contro-
verso, contudo, se o perspectivismo não é uma forma de idealismo
transcendental em Nietzsche.

Sobre IDEALISMO, consultarVM; GC § 54; BM § 10, § 15 e§ 36; CI ucomo


0'~er_d~deiro mundo' acabou por se tornar em fábula"; FP 25 [195) e (3101
do rn1c10 de 1884; FP 40 [53) de agosto/setembro de 1885; FP 9 [106) do
outono de 1887; FP 14 (93) e [184) do início de 1888.

Ver também APARÊNCIA, ERRO, LINGUAGEM, LÓGICA, METAFISICA,


PERSPECTIVISMO, REALIDADE, REALISMO, VERDADE VIR-A-SER, VON·
TADE DE POTÊNCIA. '

262

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lgu ld d

Bibliografia
ARlc.A. André Luís Mota. Nietzsche ea Tradição filosófica: poro além
d Idealismo e Realismo. Tese de doutoramento. São Paulo: USP,
2003.
U~IA. Márcio José Silveira. Funções regulativas em Kant e Nietzsche. Kri-
terion, v. 54, p. 367-382, 2013.
NASSER. Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)

André Luís Mota ltaparica

IGUALDADE (Gleichheit)

Igualdade é um dos termos da divisa da Revolução Francesa que Nietz-


sche tem como alvo de ataque. Se tomado a partir do lema uliber-
dade, igualdade, fraternidade", esse conceito será revestido necessa-
riamente de uma acepção política. Embora o filósofo não o apresente
desta maneira, a abordagem que realiza, no contexto de sua filosofia,
caminha nesta direção. Tanto que o viés epistemológico em que este
conceito se insere nas mais diversas abordagens que o filósofo rea-
liza subsume-se, feitas todas as mediações, ao registro político.
Chamando a atenção para o fato de que o homem, o fraco mais
precisamente, necessita da gregariedade, da coletividade, para pro-
mover a manutenção de sua vida, pois isoladamente sucumbiria
frente ao mais potente, Nietzsche entende que o fraco lance mão do
recurso à igualdade como meio de proteção. Necessitando estabele-
cer os devidos termos de acordo para a vida gregária, coletiva, o ho-
mem cuja fraqueza lhe é inerente recorre ao estabelecimento de di-
reitos, com os quais poderá intermediar suas relações com seus pa-
res, sejam eles fortes (como meio de inibir a força) ou fracos (como
maneira de arquitetar os ardis para a sua preservação) . A noção de
direito, nesse caso, traz implicitamente a ideia de igualdade de di-
reitos (Cleichheit der Rechte) para todos e os respectivos deveres de
cada um, ou seja, o direito de um sobre o outro.
Por entender, no entanto, que há uma desigualdade intrínse-
ca aosseres humanos em termos biológicos e fisiológicos, Nietzscl1e

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1lu•

b 'm rno!.itra que o fraco escamoteia essa desigualdade íazendo acor-


do• de prolcçao sem base efetiva, ao consubstancializar a igualdade
cjc direitos num plano suprassensfvel que lhe forneceria um cará ~r
Inequívoco. A ieualdade perante a lei teria como sinônimo a igual-
dade perante Deus.
Assim, entendendo o direito como um privilégio que os fracos
'e atribuem, Nietzsche observa que a igualdade de direitos supri-
me os direitos efetivos dos fortes. O filósoío compreende, porta to'
que o direito pode existir somente como diferença não uni ersalizá-
vel, pois, apenas neste caso, as singularidades podem ser preserva-
da . Indo na contracorrente da concepção habitual de igualdade, é
numa situação de desigualdade de direitos, no entender de ietz-
sct1e, que direitos podem revindicados.
Sobre IGUALDADE, consultar A§ 112; AC§ 57; CI "Incursões de um extem-
porâneo"§ 48; ZA IV "Do homem superior"; BM § 212.

Ver também ANIMAL DE REBANHO, DEMOCRACIA, FORTE, JUSTIÇA,


SOCIALISMO, VIDA.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Nietzsche e a Revolução Francesa. ln: - -. Ex-
travagóncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed. São
Paulo: Barcarolla, 2009, p. 183-198. (Cal. Sendas & Veredas)
SILVAJr., Ivo da. Nietzsche: a igualdade e seu avesso. ln: BARRE lECHEA,
Miguel Angel de et alii (orgs.) . Nietzsche e as Ciências. Rio de Ja-
neiro: 7 Letras, 2011 , p. 281 -295.

Ivo da Silva Jr.

ILUSÃO (/1/usion, Tiiuschung)

Ao longo de sua obra, as considerações de Nietzsche sobre a ilusão


são marcadas pelos argumentos que ele apresenta em o Nascimen~
to da Tragédia , no que ele chamou de metafísica de artista. Mesmo
~fastando-se da perspectiva filosófica que o orientou no seu primeiro
livro, ele não abandonará o sentido geral que nele conferiu ao vocá-

264

___......
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1
1

1 1Õ1 1

.. sâJ; vai ape as d1_ssoc_íá-lo dos pressupostos metaffsiw.;. Aaf..


·.: a'à n su í ulo ,d_o livro Já_r~rnece uma chave para a cornprecn-
• ~ J ·e o; o esp1~to da musica que antes aparecia associado ao
,.:;- -re to da tragédia cederá lugar ao par helenismo e pessimismo.
C ,, sso, o filóso o passa~ ~es~car o papel central quti o prob!ema
e d perigos da ex1stenoa teve para os gregos. tal como sua
,,. _ ~etação dB cultura trágica defendeu.
,.._F ~ ,,,
A concepção metafísica
0 ~ la que, em sua essenc1a, o mundo se cria e se destrói
çei1 ,~ ~n emente, e a visão desse aspecto terrível de uma natureza
-.-,"<a:a p o oca nos seres uma busca por consolo, por uma trans-
~; ,.açâo q e não os deixem sucumbir. Os gregos teriam sido insu-
J1 e:s nessa transfiguração, pois sua sensibilídBde para captar os
a~pec s em'veis da existência legou uma cultura trágica singular.
G... e ei o, ao mesmo tempo em que revela os aspectos cruéis e os
"''T es do existir, essa cultura também dá testemunho de uma su-
rre, aafirmação da vida. Segundo ietzsche, a ilusão tem um papel
" 1tral esse jogo entre uma visão pessimista sobre o mundo e sua

a~. ação incondicional. A mitologia grega seria o melhor exemplo.


S· a co cepção naturalista ecoa os aspectos terríveis da natureza e
e,'é8 se s perigos para a vida do homem, com os heróis diante de
·nios diversos. Apesar disso. não há traço na mitologia grega
:; ma negação da vida, ascetismo ou resignação. O Olimpo é uma
i. 6.áo q e o grego ergue entre ele e a realidade efetiva para trans-
,g-J ar a dor e a contradição. Essa é uma perspectiva sobre a vida e
; necessidade de crença que 'ietzsche vai adotar ao longo de sua
obra, pois. segundo afirma, a vida precisa de ilusão; ainda mais. ela
;,e de ilusão. Esse não seria, porém, um tipo de concepção que es-
ta ·ares rita ao mundo da arte, como se ela fosse a única forma de
i'.1J~o com que o homem supera os obstáculos da existência. Além
d:sS'J, como afirma em Para além de Bem e Mal, não seria uma ilu-
~o no sentido de Berkeley ou de Schopenhauer. termo correlato a
aparéncia, visto de uma perspectiva metafísica, ou seja. como uma
contraposição à essência. ietzsche também resiste a conceber a ilu-
~opelo viés meramente do conhecimento, como resultado do enga-
no dos sentidos. Absorve e amplia, com isso, o sentido que a ilusão
tF:m para Kant, como erros dos quais não podemos nos livrar, mes-
rno dr;poisde descoberta sua origem. Seria. para ele. uma espécie de
11
~o ótira, o que será retomado por Nietzsche quando trata certas

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Imoralista

crenças como ilusões-óticas da moral. De acordo com esses prcssu.


postos. como necessária à vida, a ilusão tem um significado amplo no
pensamento nietzschiano. Haveria muitas crenças e óticas de pers-
pectiva com as quais o homem infunde confiança em si: não apenas
supera os obstáculos da existência, como também pode exercer 0
domínio por causa dessas crenças. Muitas formas de interpretar a
efetividade seriam ilusões que têm valor para a vida ; além da arte
ietzsche cita amiúde a ciência e a moral. A única diferença é que~
vontade de ilusão, na arte, tem a boa consciência. Se a ilusão é uma
forma como a vontade de potência se afirma e busca manter-se na
vida e crescer, a arte é a única interpretação da efetividade que não
nega a ilusão como n~cessária a todo aquele que vive.

Sobre ILUSÃO, consultar NT"Ensaio de autocrítica"§ 5, § 3, § 4, § 7, § 8, § 18


'
§21, §24e §25;VM § 1 e §2;HH ! "Prefácio"§ 1 e §251; BM §2e §36;GM
Ili§ 12 e§ 25; CI "A 'razão' na filosofia" § 6; FP 26 [38] e [334] do verão/outo-
no de 1884; FP 40 [39] de agosto/setembro de 1885; FP 2 [91] do outono de
1885/outono de 1886; FP 7 [54] do final de 1886/primavera de 1887; FP 14
[18], [24) e [103] da primavera de 1888; FP 17 [3] de maio/junho de 1888.

Ver também AFIRMAÇÃO, APARÊNCIA, ARTE, ASCETISMO, CIÊNCIA,


CULTURA, ERRO, MORAL, PERSPECTIVISMO, TRÁGICO, VIDA, VONTADE
DE POTÊNCIA.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. EI Nacimento de la Tragedia en Nietzsche.


Utopía y Praxis Latinoamericana, v. 14, n. 47, p. 115-126, 2009.
LIMA. Márcio José Silveira. As Móscaras de Dioniso: Filosofia e Tragé-
dia em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso. Unijuí, 2006. (Col. Sen-
das & Veredas)

Márcio José Silveira Lima

IMORALISTA (lmmoralist)

O imoralista é o crítico radical da moral, aquele que realiza a sua des-


truição ativa pela necessidade de criação de novos valores. Termo cria-

266

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lmoralt ta

'odO de Humano, demasiado Humano, seu sentido inicial in-


do no pen filiação quanto a diferença de grau de Nietzsche em relaçao
ranto a f. d . , .
d,ca recederam na cr tIca os JuIzos morais. Conceito que vai
saue o P . d .
JO . d uma importância ca a vez maior em sua reflexão, ele tem
ssumIn o . -
a destaque nos proJetos da transvaloraçao de todos os valores
rd
1uga ~ um significado central para o filósofo em Ecce Homo.
eadquire . . .
Se ensadores anteriores agiram como anatomistas que inves-
. ~ tecido moral para mostrar o entrelaçamento entre os vícios
ogaram .
virtudes humanas, o Imora 1·Ista consI'dera-se o pente
. que disseca
ea~ rofundamente a moral para mostrar que sua constituição é for-
maisdaPpor impulsos vItaIs
. . de deca dencIa.
,. . Por essa razao,-
o própno
.
massimismo alemão, que nega ra d.Ica 1men te ova Ior da ex1stenc1a
· " · hu-
:na, nada mais representa do que o sintoma de um tipo determi-
nado de vida. Nietzsche, assim, na qualidade de herdeiro e executor
da íntima vontade dos impulsos autodestrutivos do pessimismo ale-
mão, utiliza a potência moral de negação não contra a vida, mas con-
tra a própria destruição dos juízos de valor "bem" e "mal". Filósofo
que se considera como aquele no qual se consumou a autossupres-
são da moral, ele também deixa claro no prefácio de Aurora que a
partir de então estava aberta a possibilidade para a construção de
um novo âmbito de valores.
Estendendo o conceito de imoralista a todos aqueles que ao
longo da história colocaram-se como advogados da vida (die Für-
sprecherdes Lebens), Nietzsche considera, na Genealogia da Moral,
que muitos deles ainda eram idealistas do conhecimento e que, ten-
tando encontrar meios para "melhorar" a humanidade, foram víti-
mas do ideal ascético. Considerando-se o primeiro imoralista da his-
tória, o filósofo, por sua vez, não visa a melhorar a humanidade, mas
obedece a sua natureza dionisíaca e criou Zaratustra para refutar a
"ord em moral do mundo".

~obre IMORALISTA, consultar AS § 19; A "Prefácio"; BM § 32 e§ 226; EH


§:o~que sou um destino"§ 3 e§ 6; CI "Moral como contranatureza" § 3 e
8
M~ Os quatro grandes erros"§ 7, "Incursões de um extemporâneo"§ 32
Que devo aos antigos"§ 3· FP 1 [168) e 2 (185) do outono/primavera
de 1885· FP 10 [ ,
de n ' 94), (108), (112) e (117) do outono de 1887; FP 11 (54) e (416)
ovembro de 1887/março de 1888; FP 15 (44) e [52) da primavera de

267

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7

Imperativo

1888; FP 19 (8] e (9] de setembro de 1888; FP 22 (14] e (25] de setembro/


outubro de 1888; FP 23 (3], (4], (5] e (12) de outubro de 1888.

Ver também AMOR FATI, ASCETISMO, AVALIAÇÃO, DIONISIACO, ETERNO


RETORNO DO MESMO, IMPULSO, INSTINTO, MORAL, NECESSIDADE,
PERSPECTIVISMO, TRANSVALORAÇÃO DE TODOS OS VALORES, VON.
TADE DE POT~NCIA.

Bibliografia
AZEREDO. Vânia Dutra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
São Paulo, ljuf: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche. das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.

Luís Rubira

IMPERATIVO {lmperativ)

Encontra-se. em Nietzsche, um conceito de dever distinto de uma no-


ção abstrata que prescreveria aquilo que "deve ser" como uma obri-
gação moral. O conceito nietzschiano de dever remete ao conceito
de obediência incondicional. É por entender que há uma série de "tu
deves" regulando as relações entre as múltiplas vontades de potência
que o filósofo percebe na natureza, entendida como campo de bata-
lha da luta entre os impulsos, um imperativo que prescreve a obediên-
cia enquanto condição de plenitude orgânica, mandando obedecer a
firn de que não se pereça; esse imperativo é destinado ao inteiro bicho
homem. isto é, não apenas à consciência, mas ao organismo hierar-
qui2;1do corno um Lodo, contrapondo-se, assim, à abstração imposta
pelo imperativo categórico kantiano que se dirige ao indivíduo en-
quanto consciente de si. O imperativo nietzschiano não é categórico.
mJs condicional em diversos sentidos. Primeiro, prescreve a obediên-
cií1 a algo enquanto condição de plenitude e não como necessidade
de todo e qualquer homem existente. Segundo, não se dirige à ação
individual, no indivíduo enquanto consciência moral. mas ao homem

268

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, , 1, r o m conJunto. Terceiro. rm1
t j ca os em que se rece e se rd0 a d •rr •
_,. p r hm. e ' ressa o introduzir d uma 1n erpretJ-
, 1,te a ur a dada condição de vida ao in és de reme er a

1 J ã da natureza llumana. A pcrs ctiva me hiana


cessidade que emerge da relação agonís ·ca de ,m-
i a s inviabiliza a postulação de qualquer impera ,vo
•. - v • a . ao introduzir interpretações que se manifestam na
:~ ..t ~ \., •
e . reconhece no imperati o condicional a poss,bi-
.,'..3 e
a in erpretação acerca do agir. pois não se trata do e~
~~.. e o de uma verdade. A obediência incondicional resguar-
~ asI as en re as vontades de potências que. entendidas desde as
,, 3( s e mando, compõem tanto o llomem quanto as formações
2
• , -s: as :erarquias corporais são transpostas aos vínculos sociais.
0
~a-se de pensar que o mesmo tipo de relação hierárquica en re
a da e quem obedece em um corpo é a base para o estabele-
.-e ,to de uma hierarquia em um corpo entendido socialmente. Por
~- . aobediência não se dirige ao indivíduo. especialmente enquanto
uOasi mesmo a possibilidade ou não de obedecer a uma determi-
r.aoaprescrição. mas engloba os povos e o homem a partir do ·de\es
oeoecer" que o forma de tal ou qual modo. Ou a obediência conduz
a . a ;erarquia que confere plenitude orgânica ou, em sua ausên-
a. a adesagregação completa dos impulsos. Todavia, é condição
ep:e i de a presença da hierarquia. tanto entre os órgãos quanto
e11 eos homens. assentada no conceito de obediência incondicional.
ão importa ao que se obedece desde que se obedeça.

Sobre IMPERATIVO, consultar HH 1§ 107; GC § 335 e 360; ZA li "Das tarân-


tulas•; BM § 3, § 9, § 23, § 158, § 188, § 257, § 260 e§ 272; CI "Moral como
COntranatureza" § 4; EH "Assim falava Zaratustra" § 8 e "Por que sou tão
esperto·§ 10; FP 6 (120] do outono de 1880; FP 15 (55] do verão/outono de
l88J; f P26 (92] e 27 (34] do verão/outono de 1884; f P 34 (134] de abriVju-
nhode 1885; FP 38 (1 J do junhofJulho de 1885; f P 41 (11 J de agosto/setem -
bro de 1885; FP 11 (96) de novembro de 1887/março de 1888.

~:também CONSCl~NCIA MORAL, HIERARQUIA, IMPULSO, INTEAPAE·


r\rÇAo, MORAL, NATUREZA, ORGANISMO, VERDADE, VIDA, VONTADE
ucPOTtNCIA

269

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Impulso

Bibliografia

AZEREDO. Vânia outra de. Nietzsche e o Auroro de uma nova ttica.


São Paulo. ljuí: Humanitas. Fapesp, Unijuf, 2008.
MARTON. Scar1ett. L'étemel retour du même: thêse cosmologique ou
impératif éthique? Nietzsche-Studien. v. 25. p. 42-63, 1996.

Vânia Outra de Azeredo

IMPULSO ( Trieb)

Nietzsche nunca apresentou uma exposição sistemática do conceito de


impulso. o que podemos extrair de sua obra é a preocupação em cons-
tituir uma teoria dos impulsos de caráter fisiopsicológico, como parte
da doutrina mais ampla da vontade de potência, a partir da qual ele
procura entender a relação entre o inorgânico e o orgânico. Para Nietz-
sche, os impulsos humanos são uma ramificação orgâriica da_vo_ntade
de potência, que teria também seus correlatos psicológico~.
Assumindo, por economia, um reducionismo das funções orgâni-
cas aos impulsos humanos. o corpo humano passa a ser considerado um
conjunto desses apetites, que se apresentam psicologicamente como
motivos conscientes, mas que são inconscientemente determinados,
não tendo como tendência um princípio de conservação, mas a efetiva-
ção e o incremento da força . Admitindo a origem comum do orgânico e
do inorgânico, seria possível, assim, reconhecendo o impulso fundamen-
tal de nossas ações, reconhecer na natureza o seu equivalente: o con-
ceito de força enquanto expressão desse ímpeto por mais potência.
A vontade de potência se manifesta tanto no âmbito do inor-
gânico, como força, quanto no orgânico. como impulsos fisiológicos.
Estes, por sua vez, terão uma expressão psicológica, mas em um re-
gistro em que se desenvolve em direção a uma fisiopsicologia. Os as-
sim chamados estados mentais nada mais seriam que expressão da
relação entre esses impulsos. Embora pareça assim flertar como um
~educionismo fisicalista, Nietzsche não abraça uma versão materia-
lista e eliminativista da filosofia da mente, pois, assim como em Freud.
seu conceito de impulso situa-se como um limite entre o íísico e 0

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1,_ ~~itiment 1 lll Ccncnlogia c~a Affora/. ln ft11o qu Ni lz eh .
•nthl l d fl'n r d ) um pr J 'lo rmturali ta. qu 1 r rnct nossr1
~. \:. nt,1 mcntai íl es fundo íisiolóeico.
im~ ,1- . a. im. 1c111to um fenóm 110 fisiológico quanto psi o-
,. . e ,~ t1Jda m is . do que um compl o de impulsos emcom-
L\lt - ~ ri tr1nte ntr si, o que pode significar uma constituição bem ar- J
~, ia u umíl emdest1g1 gaçào. Maso psicológico tambémé produto
_:,es im uJsos, que se apresentam ná fom,a de sentimentos, pensa- ,
1 ent se aret9s. A própria vor!tade. tal como Nietzsche a entende, é
j stáme~te um con1plexo de sentimentos, pensamentos e afetos. /
,
Sobre IMPULSO, consultar BM § 12, § 13, § 36 e§ 230; GM 1§ 13 e 111 § 7; FP
25 460) do inicio de 1884; FP 27 (59) do verão/outono de 1884; FP 36 (31)
do junho/julho de 1885; FP 39 (6) e 40 (37) de agosto/setembro de 1885~

Ver também AFETO, CONSCIÊNCIA, CORPO, FINALIDADE, FISIOPSICO-


LOGIA. FORÇA, INSTINTO, ORGANISMO, PSICOLOGIA, RESSENTIMENTO,
VONTADE, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

ITAPARICA, André Luís Mota. Notas sobre a naturalização da moral. ln:


PASCHOAL, Antonio Edmilson; FREZZATTI Jr., Wilson Antonio (orgs.}.
I20 Anos dePara a Cenrologia da Moral. ljuf: Unijuí, 2008, p. 29-46.
ITAPARICA, André Luís Mota. Sobre a gênese da consciência moral em
Nietzsche e Freud. Cadernos Nietzsche. v. 30, p. 13-32, 201 2.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.

André Luís Mota ltaparica

INSTINTO (lnstlnkt)

Ouso do termo instinto é mais rrequente nos textos ni tz hinn


Pé3rtir dePara além de Bem e Mal, mas ele sempre élssurniu O pJpel

271

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ln tinto

d nntJ(.,Olli u1 •m relação à razão ou à racionalidade e. porvei, . r ,.


pr , ·nt ou O inconsciente ~m opos!ç~o à consciência ou ainda Ocorpo
1 ,n oposição à alma e ao llvre-arbrtno.

'
1
No contexto da doutrina da vontade de potência. a noção de ín
• , tinto tem O mesmo sentido das noções de ímpul5? (Trieb). areto Wfekt)
/ e força (Kron-), ou seja, instinto pode ser entendido como quantum de
_potência que vem a ser enquanto tendência a aumento de potência.
Desse modo, o instinto não é algo fixo, um elemento primeiro. material
ou espiritual, ou ainda algum tipo de mónada, mas um processo, um
movimento contínuo de tendência de crescimento de potência ou de
autossuperação. Ele declina ou ascende em potência e luta contra ou--
tros instintos por dominação e expressão. Écomum o termo aparecer
na obra nietzschiana nos excertos em que o âmbito humano. indivi-
dual ou cultural. ou o âmbito animal está em foco.
Cada instinto expressa certa necessidade (Bedürfniss) de do-
minação. formada em meio a determinadas circunstâncias ou ~~n-
dições de existência. a qual. estabelecida e inconsciente. avali~ sob
determinada perspectiva o que impede ou o que propicia a elevaçáo
de potência. Os instintos. portanto. não representam uma natureza
ou uma essência humana. sendo que novos podem ser formados é
1
antigos podem ser suprimídos. As etapas de formação de um instin-•

to são as seguintes: obrigação (Zwang). hábito (CewdhnungL neces-


sidade e tendência (Hong) inconsciente. Ao instinto está associada
uma perspectiva. que também expressa uma certa necessidade de
dominação: a perspectiva está a serviço do crescimento de potência
e tende a se impor às outras perspectivas.
A expressão do instinto pode ser sintoma de um organismo
(arranjo de impulsos) saudável (potente e hierarquizado}.otLdoente
(impotente e decadente). Sócrates. por exemplo. necessitou da me-
tafísíca, isto é, de conceitos abstratos absolutos e imutáveis como
medicamento para sua anarquia dos instintos. o instinto ou impulso
à verdade absoluta é mórbido. A própria consciência tem sua origem
nos processos instintuais. e acreditar na sua superioridade indica de-
cadência e domesticação (Zdhmung) dos instintos. Os instintossau·
d~veis são a mais inteligente das espécies de inteligência que surgi·
rarn até agora. Nesse caso, todo instinto é bom (gutJ : leve. nece_ J·

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______.
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,1H' h rl' P l1 1l ~ , t' 1,11Hl11 J\q111ln q111• ,, 1111111 I'" l1I,· 1,11" .11111 ri,
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SO, NECESSIOAOI , oi ,GANIUMO, !llN IOMA, VON IAllf nt f'Ol rN .IA

Bibliogrnfiu
F , L \11 1Jr .. Wll~.011 Âlll<mlo . Cc>11:,c l~11cl,11: 111 011' ,c 1t·11t1• 110 cli'. 111 ·.11
"Dos d(!sp1<•1;1tlort•~ cio< or po" (h' 1\ 1, 1,lrr, fuln u l wut11·.t1t1 11r11,1
p ,, 1 ctiv;1p~,icoli~lo161',I< ;, cio rrftiu , 11if't11 li t111d o1 ·,1111•11 u ln
AI~ 1 N. Cill 1 1l: 1il~i\N . ' M,li lt1 Jo, () Milyl'r: )N 11 rA ( 1
1
1

Jojo (ores.). uJC'ito. U<'x (1( /rn<.<' <· 11, I<·: Nif't1•. 1,,, ,, n r-. 1, 11.,,,, tc1//1 •.
Li boa: li11léJclt1 l1i11;:i, 10111, p. (i l ~J/ .
FREZZATTI Jr.. Wilson ÂIII011io. /\ / i!,/()/(J(J/(I (/(• Ni li',( Ili' A , li/ ,,f(/ ,t (I
da Ouolirlmlc C11//1110/lliolo{liU . lj11í: lJ11lj11f. 00 J .
MARTON. S ;1r1 ,11 . 0 /\ntinisto . rii,tla11b 110: cl, 111 r,1 101 i1t1 , rn1111p
ç5o dos i11sti1110~;. 111 : . NiC'l1 · Ju, r: o /\1tc rlt• <lt~ if,,,,
r,,,,,
mas. S.io Pa1 1lo: Edic;O(!ij I oyol,1, , O11,. p. ')') 7- 1,1, . 1 < 1. 11 11•,
& Vercdíls)

Wil on Ant ni r, ui1t11 Jr.

INTERPRETAÇÃO (Auslogung, /ntorprotnt/011)

Introduzir a interpr CLaçl o nos (lo111í11i cio 111umlc l, P 11111 <it' ur11d
interprctaç5o foi o excr ·r io lilo.,óíi o d 1 Niet7ii li 1 , orl'il'1llfl 1> ,t 1ll
empenl10 :> rn aniquilar a~ r1 0<; '. (J fi1to , (le lun<ldrrl 'rito. 1r lld·
1

se de mo trar qu por detr,i~; cJnquilo que< pnr(• P <'11qu.1r1t > int 11


1,

Pr taçao, n, o llá um l1J11dr1111e n1 0 o ulto a q11 i e P) '1d rt'lllt'l •r ' 1


ner J)Cctiva. ' íllílS QIJ I S, o il., pr6prirl.>p ,, .,, ' tiVd~ (Ili(' llldlllll' ldlll
quilo que vern t1 cr corno , quilo qu ' . E 1~t •111 l, 0 · HIH'lllt' 111

Digita lizado com CamScanner


l '1 'I l\1~ ,~ ,h 11,11~ ~t' · llh'n' um,, í,Klth1l1d..1de que Já sena re-
1

~ 11,11 t' UI ,l lll l'q 1\.11,l \ll . lll <10 C lllL) tJet é designado
, • 1 1 l ,h \ t':,,,~t' l JCI l SL llli r r lsult,rnte. A questão
1 1

~ l' · , , 1,1 ·,1 L u ílêll ta J , mas do inst, -


1· .. 11 lt'ri11~l.1 ·,1 , 1 ~l'j..1 h pr cs o ,111t~n r que institui e re -
1

i, 1.•. i ' : , ~'t;r . sig1111 \llllt~ e sit,nific,Jdo. E isso que permites,-


t ,11 .. •l..l ·J illll'r 11 t0,111t~r µr~t.1 j em uma dimensão ong1nána
i1 · 1tuinl 1 , jJ 1uc s termos env lvidos são sempre pro-
1t 'S , 1..i 1..1, r , r · 11st\c,tti11te, pre isão de início ou término
b~ , · "I t I J int 1 1 tJ ,1 um ir .1 ·L1bJ111e11to e uma infinitude que
tr ,11 ~ , 1 ,Jr J ,ri,J lil 1s liL1, J lentardes,endaro processo que
i tr , 1;: 1 si1.: r ifi dÇJ . Tr~H,1-se e µr esso, p rque é o termo que
1 li " · i11ct111is111 r ·ente nas e nfigurações expres-
~I\ ,1:3 . 1 ist 1i m nte, se jetiVJrJlll em sistemas semânticos.
E~~·~ sist I kl . 1ll I i 11.1 1eílet m fJt s. mas expressam avalia-
-~,'~. 1111 ,~ 11irll 1 1ltJ ·, ls e , J elJs que constituem a efeti ida-
si~n . 111uJ11t unidcl e bJ ·icd de um sistema de significa-
·:i, f 11 •i 11 ,1 ,r 1 u111 estcJ ilizc1d r, u seja, algo que concentra a
1lur,11id..tlie 111 u1 11apc11 1 111 u11idc1de de sentido, donde decorre a
~ 1..1 ss1L1II lten11i11c_1 i de 11111 significado como o significa-
i . D ·s it i(l11 e de ·uas e rresp ndentes con enções de
um st Hul in,Vi 11 sentid de íunda nte, visto já se apresen-
l1.ll' · ~111 u111 , sullad : i6 11 jJ . pres 3 uma interpretação. Sua
, 1111: ssJ J ulr jgn 1 ar lme -SJ ) utra interµretação e assim su-
cessi, ,1111ente. i\ la a .. lu J µ.:Jra o questi namente acerca da in-
terpr t,1 ·Jo ern 'iel ~ l1e requ )r que e ddentre 110 âmbito da fisio-
k~gi._1, p0L l fil · r 111µre 'lld l o pr esso significativo a partir da
di111e11s.i 1r,·J11i a. i t , a r élrtir do fei, e de impulsos em luta nos
t: , istent . J J )xi t )nte e comp · de uma 111ultiplicidélde de im-
puls - que ~e di ladia 111 p rma11e11temente, pois cadr1 organismo.
-L1dJ r, ~ me 111 . t 111 ua feli idJde J pdrt ir da altemâ11ci,1 entre
d minJ J e ubju J à qu) µ1 pria111e11te o mantém. O impulso
d ), e .. er· - mpreendid mo u111 despotismo que, J pJrtir de suJ
pe1·p li\'J, intr u urna interpretJçJo qu) e. pressJ Jscens.1O ou
declfni . A interpr 1 taçJ e, p rtanto. a imposiçjo de umJ perspec-
tivJ, cujJ b, e e d da J.P IJ coníigurdçõ)s de domfnio manifestJS
P r nos impul o que, e111 J.Prp 5tuu mutc1ç,1O, constituem J iull

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1
, ,l~ 1' n1t,t~1!llOjo mesma

1,
11omern. ~o nossos impulsos que Interpretam ma->,,
_ . •
nao se deixa veicular pelas rormas usua·,s d
1
11ntt?ll ' . . a
" " 111 que. 1a de regra, traduzem o vir-a-ser em ser e a muit·-
11\lk' b . . _ 1
, _
1
acte ern unidade. Desse modo, a marnfestaçao de um sintoma
, ser compreendida como um sinal, um indício, de acréscimo ou
\ . . .
decréscimo. em termos rnstrntua1s. Este é o sentido de um sinto-
1 ~ na hlosoíia de Nietzsche: expressão de sucessos ou fracassos fi-

i"! gicos. enquanto resultantes das lutas que, interagindo ao mes-


tempo, compõem o organismo e impõem sua interpretação, sua
perspectiva. Um signo nã~ dif~r~ ~uito de um sintoma e pode ser
,·isto a partir de urna relaçao sinonima com o mesmo, pois se apre-
sentaigualmente como um sinal, um indício de plenitude ou não dos
i pulsos. Em vista disso é que sua filosofia pode ser entendida como
uniasintomatologia, uma semiologia, pois, em cada caso, são sinto-
mas esignos que expressam os sucessos ou fracassos fisiológicos e,
portanto, formas de manifestação de nossos impulsos. O intérprete
não se opõe nem difere da interpretação, pois, na rede instintual que
compõe os existentes, agir é interpretar e o resultado da ação é sem-
preinterpretação; daí a necessária convergência expressa na noção
de processo interpretativo. De um lado, os signos, antes mesmo de
poderem ser oferecidos como elementos para uma interpretação,
são eles mesmos já interpretação. De outro, os intérpretes não po-
dem estabelecer vínculos ou associações que não sejam previamente
resultantes. Assim, há um inacabamento constitutivo da interpreta-
ção que se assenta no dado de que não há algo a ser interpretado,
poisque tudo é sempre interpretação. Por isso, não há um estado
terminal a ser atingido. Destituem-se, assim, os lugares fixos do in-
térprete edo interpretado, do signo, do significado e do significante,
que passam a ser intercambiáveis, dos quais se exclui a passividade
epassa-se a atribuir a violência, o inacabamento e a infinitude.

Sobre INTERPRETAÇÃO, consultar ZA li "Da superação de si"; BM § 14•


!228 § 177; GM Prefácio§ 8 e Ili§ 12; FP 35 (35) de maio/julho de 188S; FP
111718 1148) do outono de 1885/outono de 1886; FP 1 (120) do outono de
;B85/primavera de 1886; FP 7 (60) do final de 1886/primavera de 1887; FP 9
381 do outono de 1887· FP 11 (73) e (113) de novembro de 1887/março de
1888· F '
' P 14 [82] e (186) da primavera de 1888.

275

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Jovialidade

. A"'ALIAÇÃO
Vertambém.v. •
FISIOPSICOLOGIA, IMPULSO, LINGUAGEM' ll.JT.A,
ORGANISMO, PERSPECTIVISMO, REALIDADE, SINTOMA, VIR-A-SER.

Bibliografia
AZEREOO. Vânia outra de. Nietzsche e a Condição pós-m°:1erna: 0 Ex-
temporaneidade de um Discurso. São Paulo: Humanitas, Fapesp,
2013.
AZEREOO. Vânia outra de. Nietzsche e a interpretação: do mundo ao
texto. ln: AZEREOO. Vânia Outra de; SILVA Jr.. Ivo da (orgs.). Nietz-
sche e a Interpretação. Curitiba. São Paulo: CRV. Humanitas. 2012.
p. 169-184. .
AZEREOO. Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Etica . São
Paulo. ljuí: Humanitas. Fapesp, Unijuí, 2008.
SILVAJr., Ivo da. Nietzsche. entre a arte de ler bem e seus leitores. Ca-
dernos Nietzsche. v. 35, p. 17-31 , 2014.

Vânia Outra de Azeredo

JOVIALIDADE (Heiterkeit)

Tributário dos primeiros escritos de Nietzsche, o termo jovialidade de-


signa, num primeiro momento e em linhas gerais, o contramovimento
empreendido pelos antigos gregos face à condição sombriamente so-
frível e aleatória da existência, no sentido de que estes últimos teriam
conquistado. mediante a tragédia ática. uma espiritualidade bela-
mente transfigurada. decorrente da sublimação artístico-apolínea de
impulsos dionisiacamente telúricos e desgarrados. Porque teria leva-
do tal fenômeno ao ápice de seu alcance, Édipo em Colono. de Sófo-
cles. é então trazido à baila, pelo autor de o Nascimento da Tragédia .
como exemplo lapidar do conceito de "jovialidade grega". Passada.
porém. a fase atinente ao dito pessimismo romântico do filosofar
nietzschiano. a jovialidade acaba por adquirir um sentido ligado a uma
~rspectiva de avaliação antropológico-cultural que leva em conta.
nao apenas a acepção metafísicamente instituída do termo mas as
condições de vida que o estabeleceram, razão pela qual a e~pressão

276

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Jov1 lt<.fo J

, lt :,1ttI1.1r um ~1 rn-c:>W,,- vi1lomlivamente idôneo. Assim~


1\ ,l l ll '
1
l:
,, ll 1111 1ulll\11 1ItI < ' r llO ncctivo, o filósofo alemao tratará de
1l _' ;1 " '· " ,1Jlwi,,lld,Hlt! tio ll mcm 1,~órico, cujo socratismo e otimis-
111 •
t ,, , -11111 i,~
l 1
~111 t ('11_
1, _
P r r·'.'.n,_corno vitória~
· declinantes e desfi-
11 1
, ,,.11,,, 11., ,111un;1 ~eI '111t1'Hie tr t,e,ca. Nem porisso, todavia, 0 termo
~, t ~ i:d,, 11u111,1 IIJ \t! nccJtiva ~u disrupt_iva no interior da obra. Ao
. 1111 , 11 , tttl e nd 'li,\ e'\ lk O deixará de íigurar também, a partir de
, '- ,. , c1111 , 'ti d,1 j vialidade, como a gratificação exultante e pra-
1 11
·ntcu,1. •. ,1li. ~. 1J · 1 rllranl1as de uma ciência ualegre e jovial" que
·, iw tt:11 1) f11. ,,. j rrar, para além das hipóteses extramundanas de
~
i lll'' 1 ltJ j , u111<, ~ ·tura afirmativa face à perda da força eficiente
1
s511 I\llll ~ juí d valor, os quais até então davam alento ao
Lkllll,l dJ m 11 d s frimento. Nesse sentido, a jovialidade como
qt ) 1 p,1r1.1 , 1::;senura a atitude serena exigida pelo filósofo alemão
dkllll) dJ · 111 11 d D li ". Implicando independência de espírito e
1,i,'<1 'I d) pI :i I1C ito morais, essa derradeira acepção de joviali-
) 1enuk1drl p líl perança mesma de um novo e livre horizonte
intt: 111 t:itiv , t1pt a nsejar uma conformação diversa de nossos
• 111 le~ 1 impul o , , por conseguinte, uma tábua valorativa efe-
ti,·1111 1Illl! dií I nt . Não por acaso, em seus últimos escritos. o filó-
~ ,11 m~ tPllar d associar o tenno jovialidade ao pensamento de
RJII 11 \\hld E111e1 0 11, autor que sempre lhe foi caro e tipifica. ~m
111-_ ,i1 m m dida, a ua própria extemporaneidade.

Sobro JOVIALIDADE, consultar NT § 9; GC § 343; GM "Prólogo"§ 7; CI "Incur-


sõesde urn extemporâneo" § 13; FP 7 (162) do final de 1870/abril de 1871.

Ver tambémAFIRMAÇÃO, AMOR FATI, APOLINEO, ARTE, DIONISIACO, EX·


TEMPORÁNEO, IMPULSO, PESSIMISMO, ROMANTISMO, SOCRATISMO,
TRÁGICO, VIDA.

Bibliografia

U 1A, t--1 reio José Silveira. As Móscoros de Dioniso: Filosofia e Tragédia


cm Nictzscll . São Paulo, ljuí: Discurso. Unijuí. 2006. (Col. Sendas
& Veredas)

Fernando R. de Moraes Barros

277

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1 Judaísmo

JUDAÍSMO (Judentum)

No contexto do pensamento nietzschiano, o judaísmo é entendido,


na maioria das vezes, como uma religião do ressentimento. Sabe-se
que uma parte considerável da história da tradição judaica se de-
senvolveu num contexto caracterizado pela escravidão. No enten-
der de Nietzsche, esse dado histórico é de fundamental importância
para compreender o judaísmo, pois o ambiente de tensão entre povo
opressor e povo oprimido teria constituído um solo fértil, a partir do
qual brotaram alguns dos principais elementos formadores da cultura
judaica. Esse contexto teria propiciado, por exemplo, o surgimento
dos principais valores morais do judaísmo. Isso porque os valores em
questão teriam sido engendrados pela classe sacerdotal dos judeus
com a função de promover uma espécie de revolta moral contra os
opressores. Conforme os valores dessa nova moral judaica, os opres-
sores dos judeus, os senhores, passaram a ser estigmatizados como
sendo os maus e os judeus, os escravos, foram identificados como
sendo os bons. Portanto, através desse artifício, a força e o poder dos
senhores foram identificados a vícios e, por outro lado, a resignação
impotente dos escravos frente à opressão se tornou uma virtude. Em
outras palavras, a tradição judaica passou a ser norteada por uma
moral constituída por valores que negaram as qualidades dos senho-
res e afirmaram os atributos dos escravos. Para dar legitimidade a
essa moral, os sacerdotes tiveram de se apoiar na ideia da vingança
divina. Isto é, a moral judaica teria sido sustentada pela promessa de
que, num momento vindouro, Deus libertaria os escravos e vingaria
todo sofrimento aturado por eles até então. Essa esperança de des-
forra teria majorado o sentimento de resignação nos judeus, pois a
expectativa de, um dia, inverter o papel em relação aos seus opres-
sores deu a eles um alento para suportar pacientemente suas dores.
Ora, é justamente nesse desejo de vingança que o filósofo entende
ter encontrado o elemento que caracteriza a moral judaica como urna
moral ressentida. Dito de outra maneira, a invídia e o ódio reprimi-
do seriam os sentimentos a partir dos quais brotou a moral judaica.
N~etz~che constata, todavia, que os valores ressentidos do judaísmo
na? ficaram restritos à comunidade dos judeus. Ao contrário, eles
tenam passado a constituir o paradigma moral de quase toda civili-

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da'

- ental; a disseminação desse ressentimento t - .


-~ . · fi ena sido efe-
, ~ • CiiS arnsmo. En m. através da ·artimanha mo • d .
• 31 ..- • . ra 1 av1n-
.:--~i;;a ra. os ~~de~s ten~~.sub~uga~o os senhores e se tomado
=__,.t;eranos esp1ntua1s da ov1l1zaçao oc1~ental; eles teriam realizado
_~ ·aJoração dos valores dos ressentidos.
d 1.: <> p r ,_ e~e~. Nietzsc~e vai utilizar ?,termo Judeia como uma es-
rÉ ·e e 5 oonimo de decadence. O filosofo pensa a história da mo-
..;. e O um desenrolar de uma longa guerra travada entre a grande
• e e a décaden~e. A~ longo do d~sdobramento dessa luta. essa
52
('. _:ção entre a afinnaçao e a negaçao da vida teria se manifestado
~ me:o de diferentes pares de opostos. São eles, por exemplo, cul-
ra homérica versus socratismo-platonismo; Heráclito versus Anaxi-
a ro; pré-socráticos versus idealismo platônico; Roma versus Ju-
,e;a e Renascimento versus Reforma. Por vezes, no entanto, Nietz-
:r.:h.. utiliza a oposição "Roma versus Judeia" para se referir de ma-
t iragenérica a toda fonna de disputa entre a décadence e a grande
sa 'de. Nesse contexto, portanto. o filósofo entende, "Judeia" como
mtermo intercambiável ao termo décadence.
'ietzsche também entende o judaísmo como expressão de vi-
talidade. Na verdade, a crítica do filósofo ao judaísmo é, sobretudo,
cultural e não racial, pois o alvo principal são os valores da tradição
j daica e não, exatamente, os caracteres físicos hereditários desse
IX) o. Além disso, é necessário assinalar que o filósofo não entende
os judeuscomo um grupo uniforme em que todos os elementos com-
partilhariam uma espécie de natureza comum. Inclusive, em algumas
passagens, o filósofo chega mesmo a elogiar alguns judeus, como
Cristo e Espinosa. Também vale ressaltar que a análise de Nietzsche
não deixa de levar em conta as alterações históricas ocorridas ao lon-
go do desenvolvimento da tradição judaica. Prova disso é que o filó-
sofo identifica na história do judaísmo momentos de elevada nobre-
za cultural como a época gloriosa da realeza de Israel. Os reis Davi e
Salomão, por exemplo, seriam homens de elevada vitalidade, saúde
eexuberáncia. Também é digno de nota que, por vezes, Nietzsche se
refira de maneira elogiosa ao antigo testamento.

~bre JUDAISMO, consultar HH 1§ 475; GC § 348; BM § 52 8 § 195; GM I


7-§ lO 8 § 16; AC § 25-§ 27.

279

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Ju t,

Vor tambóm AFIRMAÇAO, ANTISSEMITISMO, CRISTIANISMO, Dlc,..


DENCE, GRANDE SAÚDE, MORAL, MORAL DOS SENHORES E Dos Es.
CRAVOS, RESSENTIMENTO, SOCRATISMO, TRANSVALOAAÇÃO DETQ.
DOS OS VALORES, VALOR, VINGANÇA.

Bibliografia
AZEREDO. Vánia Outra de. Nietzsche e o Dissolução da Moral. 2~ed.
sao Paulo. ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
das & Veredas)
BARROS. Fernando R. de Moraes. A Maldição Transvaloroda: O Pro-
blema da Civilização em O Anticristo de Nietzsche. São Paulo, IJuí:
Discurso, Unijuí, 2002 . (Col. Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.

João Evangelista Tude de Melo Neto

JUSTIÇA ( Gerechtigkeit)

EmHumano, demasiado Humano, Nietzsche lança os alicerces de uma


teoria da origem da justiça que será depois desenvolvida no âmbito da
doutrina da vontade de potência e do método genealógico. Essa con~
cepção tem um aspecto propriamente jurídico (dentro do qual se pode
distinguir uma justiça intercomunitária e uma justiça intracomunitária)
e um aspecto psicológico-pulsional. Mas a lógica subjacente é sem-
pre a da vontade de potência, que se opõe às interpretações morais
da justiça. É preciso sublinhar que a justiça pode ser valorizada nessa
perspectiva, enquanto permite formar complexos de potência supe-
riores, contrariamente ao que poderia sugerir uma associação fácil.
mas superficial, entre Nietzsche e o Cálicles de Platão.
No plano dajustiça intercomunitória, a análise nietzsct1iana, ini-
cia?ª no §92 de Humano. demasiado Humano, repousa num prin·
cfpi~ formulado por Tucídides no famoso diálogo entre os enviado
at nien es e mélios: a questão da justiça se coloca apenas qut1 11c10"

280

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llL
m re ença são mais. ou menos iguais. essa situação d
, da forças. um conflito aberto provocaria graves danos
1
t 0 que le a as partes a buscar um acordo. Assim se ve que a
·,itua,~tercornunitária nã~ é na_da mais, inicialmente, que urna troca
,.,.., tências comparáveis. Nao por acaso, Nietzsche ressalta esse
E uma seção dedicada à "história dos sentimentos morais-. o
,t O quer produzir uma interpretação amoral da justiça, que não
a• ~ntifica com o b~m e está atenta às suas condições de produção
e'e vas. Nesse sentido, pode-~e _falar de uma pré-genealogia, que
rá prolongada no quadro da log1ca da vontade de potência a partir
~ segunda dissertação de Genealogia da Moral. Com efeito, o§ J J
trata da questão da justiça intracomunitária. Toma por alvo o clichê
l sófico segundo o qual a justiça penal teria sua origem num senti-
mento de indignação frente à injustiça: longe de ser o pai da justiça,
0 ressentimento contradiz a instauração de uma lei penal, na medi-
da em que leva diretamente à vingança. Pelo contrário, é sempre
umapotência superior (diferente da vítima do dano) que impõe um
sistema de compensação aos indivíduos ou grupos subordinados. a
fimde assegurar a ordem pública. Eis porque a justiça pode apare-
cer como um valor nietzschiano, embora ela não deva ser absolutiza-
da, como se se pudesse conceber um mundo inteiramente legalizado
edesprovido de violência.
Desvenda-se o mesmo tipo de valorização da justiça quando
ietzsche procura pensar uma justiça psicológico-pulsional no qua-
dro do seu perspectivismo. Essa outra forma de justiça, que se exerce
notadamente no conhecimento, é examinada no § 333 de A gaia
Ciéncia. Écerto que uma justiça perspectivística não pode mais rei-
vindicar um fundamento na verdade objetiva. Mas permanece com-
patível com uma hierarquização das perspectivas em função de sua
potência interpretativa. Aqui, o modelo conceituai é o da justiça in-
tercomunitária: Nietzsche concebe o espírito como uma espécie de
campo de batalha pulsional, no qual as perspectivas que não conse-
guem subjugar suas concorrentes têm de negociar com elas. Desse
conflito entre parcialidades opostas, mais ou menos equivalentes
ern lermos de potência, resulta eventualmente uma interpretação
que se Pode caracterizar como objetiva, certamente não no sentido
deuma adequação com realidade em si, mas sim enquanto integra-

281 1

I
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Leg,slaçao, Legislador

ção de uma diversidade de perspectivas num ponto de vista mais


rico e mais forte, que "dá a cada um o seu", segundo a antiga defi.
nição latina da justiça. Sobre esse ponto, remetemos ao§ 12 da ter-
ceira dissertação de Genealogia da Moral.
Sobre JUSTIÇA, consultar HH 1§ 69, § 81, § 92, § 105, § 452 e§ 636;AS §26;
A§ 84, § 112 e§ 168; GC § 333; GM li§ 11 e Ili§ 12; CI "Incursões de um ex-
temporâneo" § 48; FP 23 (133) final 1876/verão 1877; FP 26 (149I verão/
outono 1884.

Ver também CRUELDADE, GENEALOGIA, HIERARQUIA, IMPULSO, IN-


TERPRETAÇÃO, OBJETIVIDADE, PERSPECTIVISMO, PSICOLOGIA, RES-
SENTIMENTO, VERDADE, VINGANÇA, VONTADE DE POT~NCIA.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.

Emmanuel Salanskis

LEGISLAÇÃO ( Gesetzgebung)

Ver LEGISLADOR (Gesetzgeber)

LEGISLADOR ( Gesetzgeber)

A obra de Nietzsche possui no aspecto crítico e contestador seu maior


relevo e por isso seu maior reconhecimento. Nietzsche é identificado
sobretudo como o crítico da moral cristã e dos valores modernos. No
entanto, a obra de Nietzsche possui também uma faceta positiva, que
se encontra representada particularmente na doutrina do eterno re-
torno do mesmo e na noção de amor fati. Nesse contexto, é impor-
tante ressaltar que sua filosofia, ao investigar a gênese da moral, não
se reduz à crítica, mas também comporta um aspecto normativo. Para
Nietzsche, o papel fundamental do filósofo na cultura é o de legislar,
ou seja, criar valores, estabelecendo a hierarquia de valores. Nesse

282

.............
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Lrboralismo

. Nictz,!,ctic cJifcrcncia o tra~alhacJore filosófícos, aqueles que


, nt1d<~, , i·u!Jtifícam o~ valores vigentes, dos verdadeiros filósofos
1wrn e . ,. '\ 1 . ,
comP !Írnrn valores, e por isso :>aO eg1sladores. Nietzsche com-
que cJctcrruréJ r'1
-1050 r;a como a anlcssala de filósofos do futuro cui·a ta-
ndc c . '
prcc .· ti·r1••11·ustarncnte na determinação de novos valores
, l()íl'I~ ' • · . '
rcfJ Ncs~c éJsr,ecto, a co~cepçao do flló~ofo legislador possuí tam-
ri conotaç~o política, que aproxima o pensamento político
tirNn .~rllr:-crie cJo cJe Platão. Os filósofos legisladores devem trans-
clc ic ,.:, . - . h
. r 05 vJlorcs cristãos e ensinar ao ornem do futuro sua gran-
va1ori1 ·
Paraesse fim, enquanto governantes e comandantes, eles pro-
d t.íJ.,riéJríl urn vcrdacJc1ro · . da espéc1e
cult1vo . humana. Se, para Nietz-
rnovc . h f .f
" wuD clcVéição do llpo ornem 01 ruto de uma sociedade arísto-
t
i l1, , é l. d
aJlica, e O que ele espera o cu t1vo e uma nova casta que venha
aconduzir a Europa, então seu filósofo do futuro guarda semelhan-
Çíl) wrn J fíeura plat?níca de um filósofo governante, responsável
pelo~destinos da polis.
Sobro LEGISLADOR, consultar BM § 211; FP 26 [4071 e [4251 do verão/ou-
tono 1884; FP 38 [131 cJe junho/julho de 1885.

Vortambóm AMOR FATI, ARISTOCRACIA, CRÍTICA, CULTIVO, CULTURA,


ETERNO RETORNO DO MESMO, FILOSOFIA, FILÓSOFOS DO FUTURO,
HIERARQUIA, MODERNIDADE, MORAL, VALOR.

Bibliografia

MAfITON, Scarletl. Nietzsche e a crítica da democracia. Díssertatío, v. 33,


p, 17-33, 20 11.
SILVA Jr., Ivo da. Em Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultura alemã.
São Pnulo, ljuí: Discurso, Uníjuí, 2007. (Cal. Sendas & Veredas)

André Luís Mota ltaparica

LIBERALISMO (Liberalismus)

~ (1if?rcnça uoque prescreve o pensamento econômico, na filosofia


eNietzsche, a noção de liberalismo é apenas a outra face da noção

283

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Liberalismo

de socialismo. Tanto uma como outra são criticadas pelo fato de se-
rem formadas a partir de certas "ideias modernas". quais sejam, ali-
berdade e a igualdade. No caso da noção de socialismo, a ideia Que
predomina é a de igualdade; no caso da noção do liberalismo, há a
predominância da ideia de liberdade. Não por acaso, Nietzsche tra-
balha no parágrafo 38, intitulado "O meu conceito de liberdade", do
capítulo "Incursões de um extemporâneo" do livro Crepúsculo dos
Ido/os. a noção de liberalismo. Longe das duas concepções que se
desenvolveram na Alemanha, que preconizavam, de um lado, um
governo constitucional e um estado mínimo, e, de outro, visavam a
um Estado forte e à unidade nacional, Nietzsche afirma de modo sur-
preendente no referido parágrafo ser o liberalismo uma "animaliza-
ção em rebanho". Ainda mais: assevera que foi na luta para se atin-
gir uma situação liberal que uma efetiva liberdade teria sido fo~ada.
Afirma igualmente que as instituições liberais deixam de ser liberais
tão logo são alcançadas. Nessas considerações, Nietzsche trabalha
evidentemente com duas concepções de liberdade. De um lado, ele
pressupõe a noção de liberdade que teria procedência nas "ideias
modernas" e, portanto, teria uma forte conotação metafísica, haja
vista ter parâmetros de natureza suprassensível; de outro, elabora
a sua própria concepção: liberdade como a prevalência dos instintos
viris sobre outros. Definindo a liberdade a partir de uma base instin-
tual, Nietzsche compreende essa noção como plena e incondicional
afirmação de certos instintos sobre outros; ainda mais, entende que
ela enseja a luta ininterruptamente. Pensa, por extensão, que é jus-
tamente o predomínio dos instintos viris que permite o advento do
liberalismo. No entanto, passado esse momento de instauração do
liberalismo, o embate que animava a busca pela conquista se inter-
rompe. No lugar do embate, um estado de apaziguamento acaba
por se produzir. Com a supressão da luta, Nietzsche julga que passa
a vigorar aquela "ideia moderna" de liberdade, que justamente faz
com que o liberalismo seja compreendido como uma "animalização
em rebanho", com a erradição total da beligerância. Nietzsche enten-
de que essa noção de liberdade, nuclear para o liberalismo, tal como
aparece no pensamento econômico de sua época, encontra então o
~eu lugar, interditando aquela liberdade que, na sua acepção, teria
Justamente dado luz ao liberalismo. Não por outra razão, o íilósofo

284

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1 11.1 ri

. ,,.1' 1,1 cw, ll,l ,1 ll. d ' .mm ~ 'ílH?- P;}íc) íl ~ua onO!í>';,io dr~"
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• ,.11
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i 111.1, •
111 1dad • IJ rn sma1 suprimida. •
Conclui ntIJo qu , 1 ,. _
n
, . 0 do liberal! mo em soo alemao é a derrota cJo-- instinto v ,,.
ll J , tl . . líl .
• JJ " z. contra o l1beral1smo, ele procura investir num aristocr _
r l1 • l . .b .
ue podena contn u1r para que a sua concepção de liberd dP
,. no, Q . .
, c,e J imperar. Ele entende, portanto, que o liberalismo impede 0
\ ~- . .
Jd, ento da liberdade: soment~ com a anstocrac1a, a liberdade. a seu
1

tel11 lugar. Em suma, partindo de sua apreciação do liberalismo


~:·tzsclie contrapõe ao individualismo liberal, um outro, qual seja:
~n, individualismo aristocrático; ele opõe a uma visão humanística.
que ressalta o caráter sacr~ssa~to da vi~a. excluindo uma luta per-
manente, comum entre os liberais, uma visão anti-humanista, pauta-
da pelaexpressão da atividade instintual bem lograda. que bem pode
ter como proveniência a sua concepção de liberdade; ele valoriza ain-
da osvalores guerreiros e uma moral nobre, contra uma política sen-
timental e uma ética baseada em princípios liberais.

Sobre LIBERALISMO, consultar CI "Incursões de um extemporâneo·§ 38


e §39.

VertambémAFIRMAÇÃO,ANIMAL DE REBANHO,ARISTOCRACIA, BUR-


GUESIA, DEMOCRACIA, IGUALDADE, INSTINTO, LIVAE-ARBITAIO, LUTA,
METAFISICA, SOCIALISMO, VIDA

Bibliografia
SILVAJr., Ivo da. Nietzsche: a liberdade e seu avesso. ln: PAIVA. Rita (org.J.
Filosofemos. São Paulo: Editora da UNIFESP, 201 O. p. 103-120.

Ivo da Silva Jr.

LINGUAGEM (Sprache)

As considerações de Nietzsche sobre a linguagem nào formam um


1111
~ rpusn~mse acham agrupadas em textos específicos. Dispe~s
.us escritos, são também variadas. Tratam de questõc rei tiv 0

285

Digitalizad o com CamScanner


Linguagem

estilo em geral e problemas da língua alemã, sublinham a impreciSão


das formas linguísticas e ressaltam as preferências literárias do autor.
Ainda que se apresentem à primeira vista como marginais, desem.
penham papel central no pensamento de Nietzsche, aparecendo de
forma recorrente no curso de sua elaboração. Se não chegam a cons-
tituir uma teoria da linguagem, nem por isso deixam de ser determi-
nantes para o seu projeto filosófico. Na vertente crítica de sua obra,
quando ataca a metafísica e a religião cristã, Nietzsche retoma duas
proposições consignadas em seus escritos filológicos: a tese de que
a linguagem é indispensável ao processo de elaboração dos conhe-
cimentos filosóficos e a de que o pensamento só se torna consciente
graças à linguagem. Na vertente construtiva de sua filosofia, quando
exprime as próprias concepções, sublinha a necessidade de dispor de
meios que não se limitem a representar o mundo.
No ensaio Sobre Verdade e Mentira no Sentido extramora/, Nietz-
sche pensa a linguagem enquanto relação. Faz ver que nela se aloja a
crença de que se pode apreender as coisas tal como são. Partindo da
distinção kantiana entre fenômeno e noumenon, quer mostrar que,
na medida em que não se tem acesso à coisa-em-si, as palavras não
correspondem às próprias coisas, mas apenas às relações que o indi-
víduo tem com elas. Em Humano, demasiado Humano, ele retoma os
ataques à linguagem enquanto expressão adequada da realidade.
Abandonando o referencial kantiano, abraça então a crítica positi-
vista à metafísica . É nesse contexto que denuncia os preconceitos
que se instalam na linguagem. Com as palavras e os conceitos, não
nos limitamos a designar as coisas, mas acreditamos através deles
apreender a verdade. Nietzsche sublinha também, pela primeira vez
na obra publicada, o caráter simplificador da linguagem: ela abriga-
ria a crença numa verdade inscrita no mundo, numa verdade que só
poderia ser expressa em palavras. Acolhendo mitos, constituiria um
obstáculo para o indivíduo em sua relação com o que o rodeia e, por
isso, representaria um perigo para a liberdade do espírito. Uma das
tarefas da filosofia deveria consistir em trazer à luz os problemas en-
gendrados pelas palavras e pelos conceitos, denunciando as ilusões
infundadas que deles provêm. Uma vez que a linguagem prepara,
de algum modo, o conhecimento, ela se vê dotada de um poder de-
miúrgico. Mas, em vez de se reconhecer sua capacidade criadora,

286

Digit alizado com CamScanner


1 ,, " '" 1
, 1• 1 tt ntào a conLnbuir para qu _con 1,v _(] m, .-
1
e,. 1, 1~,J "urna mitologia filosófica· n l1nguag m. la. d_
· e d cidadania as noções de sujeito e objeto. a rei çJo
1 1
~ :â eia e acidente. o juízo atributivo. a ideia de causalid de.

cr! _u tzsclie ai mostrar no Crepúsculo dos Ido/os. Filólogo, ele


1
t , ~ nmeiro a aproximar a tarefa filosóHca de uma reflexão ra-
s· o -
·e a linguagem. Essa reflexao desemboca necessariamen e
0 • 5. a da teoria referencial do significado, no rechaço de que para

a , 1,á um referente que o convalide. ~essalt~ndo o caráter ar-


5
rári da relação entre as palavras e as coisas, Nietzsche chega a
r · ar e mO nominalismo.
' e A ideia de que a linguagem é um meio de expressão grossei-
a ra, essa toda a obra de Nietzsche. Em Aurora, por exemplo. ele
a nta O obstáculo criado pela linguagem no aprofundamento dos
,~ ·menos internos. Por só existirem palavras que convêm a estados
IC:
extremos, como ódio e amor, alegria e dor. torna-se difícil a obser-
\'ação de outros estados. Em Para além de Bem e Mal, mostra que,
aocontrário do que a linguagem leva a crer, vontade de saber e von-
a ede não saber não constituem antíteses. A ciência é apenas uma
e pressão mais refinada da ignorância. Nesse mesmo livro. procura
el cidar as razões do caráter grosseiro da linguagem, mostrando que
estaria longe de ser contingente. Uma vez que os indivíduos recor-
rem a signos similares para exprimir necessidades similares, as vi-
1éncias que partilham são as mais básicas e gerais. as mais comuns.
Além disso, na medida em que as palavras fixam e petrificam, não
hácomo servir-se delas para exprimir o que se transforma sem ces-
sar, para falar deste mundo sempre em processo.
'ietzsche sublinha de modo recorrente as dificuldades para fazer-
se entender. Julgando que não é da ordem do gregário o que tem a
dizer, busca de forma obstinada novas formas de expressão. Mas não
Procura livrar-se por completo da antiga linguagem para inventar
outr~ inteiramente nova. Não se dispõe, tal como um deus. a fazê-la
rg,r ~ nihilo. Levando às últimas consequências sua crítica à lingua-
gem. Procura transformá-la desde dentro. Mais do que um pensador
~uc se debate nas redes da linguagem, Nietzsche é o filósofo qu a ft1z
oltar-se contra s,· mesma - para criar uma nova linguagem.

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L1v10 01 011110

Sob,o LINGUAGEM, consultnrVM § 1; HH 1§ 11 o§ 39; A§ 47 o§ 11S; GC


§ 58; nM ~ 4, § 24 0 § 208; CI "A 'rnzâo' no fllosoflo" § 5 o "Incursões de um
0 tmnporflnoo" § 20; EH "Por quo oscrovo livros tão bons" § 4; FP 351 371
do mo lo/julho do 1885; FP 111731 do novoml>ro do 1887/março de 1888; FP
1411 221do prlmovorn do 1888.

Vor tombóm ANIMAL DE REBANHO, CONCEITO, CONHECIMENTO, CONs.


CIÊNCIA, ESTILO, FILOLOGIA, FILOSOFIA, METAFISICA, METÁFORA,
PENSAMENTO, RELIGIÃO, VERDADE.

Bibliografia
r-..1ARTON, Scélrlett. Nietzscl1e e o problema da linguagem : a crítica en-
quélnto criaçAo. 111 : LIMA. Márcio José Silveira: ITAPARICA, André
Luís Mota (orgs. ). v'. rdnde e Linguagem em Nietzsche. Salvador:
Edufbél, 20 l lt, p. 15-41 .
MARTON, Srnrl tt. Novas liras para novas canções. ln:--. Nietz-
scllr. seus Leitores e suas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O,
p. 125- 1'12.
SILVA Jr .. Ivo dél. Linguagem e moral em Nietzsche. ln: LIMA. Márcio
José Silveirn: ITAPARICA, André Luís Mota (orgs.). Verdadeelin-
gung ,,, em Nietzscl1e. Salvador: Edufba, 2014, p. 93-104.

Scarlett Marton

LIVRE-ARBfTRIO (freier Wille,


Freiheit des Wil/ens, Willensfreiheit)

Nietzscl1 e permaneceu um crítico agudo da concepção de livre-arbf-


trio, que, pc1ra ele, constitui um dos grandes erros metafísicos base-
ado num conceito equivocado de causalidade. O livre-arbítrio pres-
suporia a ideia de um sujeito corno causa da ação, capaz de deter-
minélr suas escoll1as. Mas, para Nietzsche, as noções correlatas de
sujeito, espírito e vontade resultélrn de urna interpretação equivoca-
da dos processos no organismo. Ao realizar uma análise dos elemen-
tos envolvidos numa ação humana, Nietzscl1e mostra que a ideia da
liberdade da vontade nada mais é que urn epifenôrneno resultante

288

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Lrvr · rbftr,n

de de ontades, impulsos fisiopsicológicos qu , con,;-


1 nw 1 IJCI dJem· eu é prod uto de uma consc,cnc,a
." . postcnor
· cJor
0
: :JL 1 o 1,om ·
denadores · · dores, que se ·d
e hIerarquIza ·r·
I ent, Icam com a
•sosor . .
1
f" ganizada dos Impu 1sos, que assim se tomam como uma
,, ade or d . .
;[:J A ideia de que o eu eterm,na conscientemente a vontade .
. ade. para realizar uma ação, é apenas uma ilusão metafísica.
./
mente. . d 1· b' . r
' e rrnosmorais. o conceito e Ivre-ar ,tno teve a unção de incu-
te em por obra dos sacerdotes, o sentimento de culpa, o de
. onom . . d . - P N.
" bilidade e o deseJo e purnçao. ara ,etzsche, ao contrá-
rt:po~samem não é responsável por suas ações, pois elas são deter-
r .· ºda~ por seus diversos impulsos, que conformam uma série de
,na fisiológicos e psicológicos que encerram um determinado tipo.
traços - ' 1· d . ,. . . é
defesa dessa concepçao ,ata ,sta a exIstencIa, assim, um tema
Anstante na obra de Nietzsche, ganhando grande relevo em sua fi-
:sofía madura. particularmente com a noção de amor lati.
A defesa de um fatalismo dos tipos parece entrar em um para-
doxocom a faceta positiva e normativa da filosofia de Nietzsche. Se já
somos fat.almente determinados por uma constituição fisiopsicológica
esituados em circuns~ncias dadas, parece não haver espaço para a
deliberação, para a escolha ou mesmo para a própria mudança. Dian-
te disso. a questão que se coloca é como compreender o imperativo
de ietzsche para que atuemos sobre nós mesmos, a fim de que pos-
samos nos cultivar e nos recriar dentro dos ideais superiores.
Em dois textos de juventude, "Fado e História" e "Liberdade da
Vontade e Fado", Nietzsche já procurava resolver a questão da re-
lação entre liberdade e necessidade, encontrando uma solução que.
posteriormente, será retomada em outra chave. Nesses textos. ao
~ompreender fado e livre-arbítrio como duas abstrações que na rea-
lidade não são opostas, mas relacionadas uma com outra, Nietzsche
co~clui que o livre-arbítrio é a mais alta potência do fado. O agente,
ass,m, pode ser responsabilizado tanto por suas ações conscientes
~uanto por suas ações inconscientes, sem para isso se ter de recorrer
uma concepção metafísica de livre-arbítrio.
~ .Em sua filosofia madura, Nietzsche considera que as circuns-
nc,as aptidoe - d. , . d.
VÍd · se Isposições que constituem o cara ter de um ,n 1-
1 uo não - .
'J-r sao frutos de escolha ou decisão. Por isso, ninguém pode
• f(;~POnsá 1 •
· ve pelo que é: é-se um pedaço de fatalidade. E-se pJrtc

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l' \llll,\ ll l l h cl 1e (lll ' 1111111 t Qll ' 11<) . r ' 11 l p r n nhurn)
I

f 11 ,\ de hll,lh 1,l 1•. 1c. ' llll ''\l , ll, Ulll,l 1· ltl O r , ipr cl ,n
ln.' 1 11 t'lll ' llllll l 1 . t1 11\ 'Ili 'rnunct · ' tl Í 'lcl lll r' 1Pí0Ct"Hll ,ntr..
,\ 1.l lllll 1.\l l · \ ct' lllllíl i Ht 'lll l1f1Ctl t d · F, 7Cndo parte d for:
,\Sl'lll illll'll •I \ ,) • ll 111 '11\ lilllll>Clll ,r lllíl muclnnçcl no tOdo. As-
:im, ;1 , , · nll, l'í él 11 • l' i tr1d' qu imp •rt1 ol>r toda a co, ~
ll · nll , ·e ~t' t,Hlll ' Ili a in ,fi 1,Cit cl todo imp rativo qu proponh~
111 n1 tui ,1 e h•:s , 111 00 nceu o fado. 1 norílr todo esse procc~so e
1

n:i ll'I ,1r-. , e 1110 um li unitário. dotado de uma vontade que de-
ll'I min u 11: i •nt , , m1tonornamente a ua própria ação. e como
111~ 1 ~11i . que ct 'li iní io a llíllrl série causal independente de qual-
qut'r ctfller mina , o. sim pi mente um erro de interpretação. ietz.
_ 1 e qul'. ti nn o onc •ito cie livre-arbítrio enquanto produto de uma
v ntn te. n p:1rtir díl qual determinaríamos conscientemente nossas
11 • • __a no ,)o ct , livr -arbítrio e a concepção de eu a ela vincula-
c11 1,'I •mpr , r cusudas por Nietzscl1e. Mas isso não significa que
i ' l s 11 , j •it " t1 e pontaneidade da ação; baseado na já mencio-
11,1ctn <Hl li · cta vontade. ele conclui que os processos envolvidos em
um a Jo ·,o mais complexos do que costumamos acreditar.
Sobre LIVRE-ARBITRIO, consultar FH; LF; HH 1§ 18 e§ 39; BM § 19 e§ 21:CI
"Os quatro grande erros" § 8 e "Moral como contra natureza"§ 6.

Ver também AMOR FATI, CAUSALIDADE, CULPA, EU, FATALISMO, FINALI-


DADE, IMPERATIVO, IMPULSO, METAFISICA, NECESSIDADE, SUJEITO,
VONTADE.

Bibliografia

SILVAJr., Ivo da. Nietzsche: a liberdade e seu avesso. ln: PAIVA. Rita (org.).
Filosofemos. São Paulo: Editora da UNIFESP, 201 O. p. 103-120.

André Luls Mota ltaparica

LÓGICA (Logik)

É sob a ótica naturalista que Nietzsche pondera acerca da lógica, de


sorte que esta última, qual uma incorporação útil à sobrevivênciLl ou

290

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, 11i1nônlo adquirido a partir de condições básicas d .
111111,1 {' orno urna antiquíssima ficção heurística tr'1b tá~ ex, tên-
1 111 . . u na da lon-
11 • olidílÇí o de comp 1exos de impulsos contraditór'
,~1 on. . , É . 10s e, nessas
/, J' 5 ''ilógicos . por isso que, a partir da visão d .
011(
1 ' , á . . . e COílJUnto
xtos d'.) Nietzsche, h que se d1stingu1r a lógica formal d
10 t , . e uma
l antropológico-cultural do pensamento lógico qu
(,e ,µ (O . , e ecoa ao
, nwsde modo fundamentalmente regulativo O uso cate .
10118 , . . . . • gona 1
tico dns regras 1nferenc1a1s. A lógica formal, enquanto do
cr r .. á. utnna
.
d inferênciéls anal1t1camente v lidas, não tem por destinação pri-
inária, nem secundár_ia, dizer algo sobre o mundo e O modo como
constiLUfmos a partir de nossa experiência . Visando a determinar
i, al;strato a validade e as condições de verdade dos enunciados
aque se aplica, a lógica, nesse sentido, não conta asserir nada no
domfnio das presunções e apreciações valorativas a partir das quais
suas conclusões são postas à prova. Numa outra chave, a lógica di-
ria respeito, de maneira diversa, às estruturas sob aégide das quais
os objetos de nossa experiência adquirem "objetividade" na medi-
da em que participamos de sua conformação ao subsumi-los à nos-
sa própria sensorialidade. Porque assimila essa definição de lógica
ao seu perspectivismo e à ideia mesma de interpretação, o filósofo
alemão termina então por criticar a lógica enquanto pura atividade
de simbolização enunciativa, no intuito de remetê-la a um horizonte
hermenêutico mais amplo e de teor marcadamente prático. conce-
bendo-a como um meio útil de organização. Se fosse levada à risca
em termos de sua efetividade empírica , a ideia de que todas as pro-
posições verdadeiras são equivalentes - no sentido de que pode-
riam ser todas reduzidas ao princípio de identidade ("A=A") - se-
ria, para Nietzsche. algo nocivo à sobrevivência da espécie humana.
O"lógico", em realidade, consistiria numa tentativa, mediante pro-
cessos eestratégias por nós estabelecidos, de compreender o mun-
do efetivo, tornando-o mais confiável. Localizar-se e conservar-se
no mundo a partir nexos causais de relação implica relacionar-se de
forma projetiva com os acontecimentos, prever, mediante esque-
masde abreviação e antecipação, elementos consequente~ e ~nte-
cedentes da calculabilidade relacional. de modo a introduzirª ima-
nência em estruturas de manipulação. Mas, dizer que O ser tiumano

291

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luta

atribui uma certa regularidade à efetividade para, aí então, fixarcoi•


sas. é também confessar que, sem o rigor e a constância atinentes
ao pensar lógico, o fluxo polimorfo do vir-a-ser se lhe tornaria insu-
portável. As funções lógicas de ordenação são então compreendi-
das como atribuições de autoconservação, surgindo como condiç~o
fisiológica de existência de uma espécie que se perpetua mediante
uma inventiva e estabilizadora memória identitária.
Sobre LÓGICA, consultar NT § 13, § 14 e§ 15;VM; HH § 18;A § 247 e§ 544;
GC § 111; FP 9 [97) do outono de 1887.

Ver também CERTEZA IMEDIATA, CONHECIMENTO, FISIOPSICOLOGIA,


IMPULSO, INTERPRETAÇÃO, MEMÓRIA, OBJETIVIDADE, PERSPECTIVIS-
MO, SENSAÇÃO, VALOR, VERDADE.

Bibliografia

LIMA. Márcio José Silveira. Lógica e retórica no jovem Nietzsche. ln: LIMA,
Márcio José Silveira; ITAPARICA, André Luís Mota (orgs.). Verdadee
Linguagem em Nietzsche. Salvador: Edutba, 2014, p. 121 - 134.

Fernando R. de Moraes Barros

LUTA (Kampf)

A noção de luta tem uma posição privilegiada na filosofia de Nietz-


sche, desde A Justa de Homero e O Nascimento da Tragédia até
Assim falava Zaratustra e as obras que se seguiram . Presente em
todos os momentos do discurso de Nietzsche, expressa sempre o
movimento, embora com acréscimos e contornos diferenciados ao
longo da elaboração da obra do filósofo. Em A Justa de Homero.
a luta aparece como disputa, resgatando o sentido do agon grego
que aparece na Ilíada quando do combate entre os heróis helenos.
Trata-se da disputa que, vista como qualidade, atua estimulando os
home~s à ação sem hostilidade e sem buscar aniquilação. Ass!m,
essa disputa é determinada por uma boa Éris e não por uma má Eris
que, segundo Hesfodo, conduz a uma luta aniquiladora. Em O Nas-

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Luta

Tragédia, a luta aparece desde a açao cJc dois impul-


·otodônicos,
1 ª 0 apol íneo e o di on isaco,
í respectivamente, que se
1 intélg 1. t d A luta aparece, por con-

1110 desenvo v1men o a arte.
111festa11 . d - d 1 . -
n,1 . . conduzindo à pro uçao e a go, à cnaçao propriamente
,ntllllfe,
e~ . mque os opostos se reconc1·,·1am para o surgimento da
1rt1st1ca e . t . ê
édia ática; a luta é incessa~ e, mas 1nterv m períodos de recon-
tr~g . Quando da elaboraçao de Humano, demasiado Humano,
cil1açao. t 1 .
etorna, mas, nesse momen o, reaciona-se com a vida en-
aluta r . d . t d - d .
anto prazer. A partir a 1n ro uçao o conceito de vontade de
qu, eia, a luta passa a ter um caráter mais abrangente enquanto
pote~dida corno traço da vida . Todo o existente é visto como um
ente ode batalha, de fi ni'd o, assim,
· desde a 1uta, de modo que esse
~m P d .
conceito se estende a to o vir-a-ser enquanto relações de forças,
enquanto luta constante . Mas há a retomada no conceito de vonta-
de de potência do agon grego, conforme A Justa de Homero, pois
aluta entre impulsos, forças, vontades de potência expressa um
jogo, uma disputa que jamais visa ao aniquilamento do adversário,
mas à continuidade da luta. Em termos fisiológicos, a luta aparece
em cada existente que se compõe desde uma multiplicidade de im-
pulsos que se digladiam permanentemente, pois cada organismo,
cada órgão mesmo, tem sua efetividade a partir da alternância entre
dominação e subjugação que propriamente o mantém. Estende-se
à totalidade dos organismos o fluxo do vir-a-ser expresso no jogo
de alternância de dominação e subjugação que, de fato, o consti-
tui. Oimpulso deve ser compreendido como um despotismo que a
partir de sua perspectiva, introduz uma interpretação que expressa
ascensão ou declínio. Assim, a luta, como conceito fundamental em
Nietzsche, está presente nas relações entre os impulsos em cada
homem e nas relações de disputa entre os homens, que lutam para
estabelecer a hegemonia de valores e impor uma interpretação,
mas nunca visando à destruição ou ao aniquilamento do adversário
que, no limite, enquanto forte, é temido e venerado.

Sobre LUTA, consultar NT § 1; CP "A Justa de Homero"; HH 1§ 104; 2A li "Da


:uperação de si"; BM § 19 e§ 259; GM 1 § 13 e li§ 11; CI "Incursões de um ex·
emporâneo" §4; FP 11 [128) e [132) da primavera/outono de 1881; FP7 [86 1
19llda primavera/verão de 1883· FP 26 [276) e [277) e 27 [27) do verão/ou-
ª~~d
81 884; FP 34 [123] e [208] de
I
abril/junho de 1885; FP 40[211 e [55) de

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M con e, nc,o

ogosto/sotombro de 1885; FP 7 (25) do flnol do 1886/prlmnvorn do 1807; FP


9 (91) do outono de 1887; FP 14 (123) do primavero do 1888.

Ver também FISIOPSICOLOGIA, FORÇA, IMPULSO, INTERPAETAÇAo,


ORGANISMO, PERSPECTIVISMO, PRAZER, TRÁGICO, VALOR, VIDA, VIA.
A-SER, VONTADE OE POTÊNCIA.

Bibliografia
AZEREOO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Condição pós-moderna: o E .
temporaneidade de um Discurso. São Paulo: Humanitas. Fapesp,
2013.
AZEREOO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova ttica .
São Paulo, ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí. 2008.
AZEREOO, Vânia Dutra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2~ed.
São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
das & Veredas)

Vânia Outra de Azeredo

MÁ CONSCIÊNCIA (schlechtes Gewissen)

A má consciência aparece. em Nietzsche, como uma doença, como


um sintoma de que a vitalidade humana está malsã. O seu surgi-
mento tem por base um rompimento, um salto. uma adaptação in-
voluntária que se processa quando o animal homem precisa desli-
gar-se propriamente do que há de animal em si . isto é, frear os seus
impulsos para viver em sociedade. Isso mostra haver uma mudan-
ça de condição mesma que é a passagem da condição animal parn
a cultural/social. A explicação da má consciência pressupõe duas
questões concernentes ao estatuto da mudança enquanto cisão ra-
dical. Primeiramente, a impossibilidade de sua associação a um pro-
cesso gradativo de evolução, apresentando-se, pois, como rupturíl .
Em segundo lugar, que uma ação violenta foi exercida sobre unw
população livre a fim de submetê-la a normas. Ao animal t10111en1
foi dada uma forma, através de uma ação violenta que llle estJbele·
ceu novas condições de existência. A mudança se deve à impo içtiO

294

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e ., ,u,•., , ,e, f JO ,1,,
011111, • ,1111 11,l popul,lÇ, o que vivia ~e 111 clt.1 •, , atri1v/"
1
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11 u .,
1
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, tlt' conq11ii,I, (Jorc~ u ~.ent1or 'f, - rw lnt •rJ>retx "to rilPll-
\1111 f\ll 1' 0 ' ,, . .
(lll,11 ,1, 1 uli~tns, por tolll, rc111 urnil matéria lnform , corno a1,, ,0 ,
<•tJ<',
' . er tréll>íll_
• rt' i.<' lwdo e lm11sforrm.1 tlo, propr lürncrite forrr1<JCJo _
~uc. ,~cu.til de v1olên~lél , se d_ omc tlcou e se deu forrna ao animal
nicrn . o 110111c m d~1xou ~e llberJr seu~. lmpul oJ: todo O !,CU Pél',-
11
ic1o de guerras e alnbulaçoes, em que via no perico urn herrHJ~l;ir
~\iapaz urn perigo, _ teve de ser de~xado nara l~ás. Esse tiornem, ou-
trora. se deixava guiar p~los seus 1mp~lsos_ e llnht1 neles O eula cr-
teiro de sua ação. Todavia, ao serem inseridos no ~mbito dél ~,ocic-
dade e da paz, os homens foram obrigados a desenvolver as habi-
lidades do espfrito, foram reduzidos à sua consciênciü, considcrnda
pelo filósofo a.lemão_como ~rgão mais falível e fraco_. Não havia pos-
sibilidade de llberaçao dos impulsos, mas eles conllnuaram a existir
e, mais ainda, permaneceram como algo latente que necessita ex-
travasar. Devido aos obstáculos colocados pelas imposições sociais,
esses impulsos foram interiorizados. Processa-se, nesse momento,
ainteriorização do homem, desenvolvendo-se, a partir disso, aquilo
que se denomina alma. Quanto mais os impulsos foram sendo obri-
gados a se retrair, maior foi o desenvolvimento da interiorização hu-
mana. À medida que o mundo interior vai se desenvolvendo, que o
homem livre e selvagem percebe os obstáculos aos seus impulsos,
esses se voltam contra o homem interior. O mesmo homem selva-
gem, cuja força tentam domesticar, passa a se perseguir e a se de-
vorar. Não tendo inimigos exteriores se viu forçado a maltratar-se,
inventando, então, a má consciência. Veio, assim, ao mundo a pior
dasdoenças, que caracteriza o homem como doente dele mesmo.
Aquele que outrora era livre e selvagem tornou-se domesticado e,
desde então, começou a se desprezar e a se entediar, tornando-se,
elemesmo, sua doença. A violência e a crueldade, que lhe são como
que inerentes, não se extinguiram, apenas mudaram de direção, de
modo que a impossibilidade de dirigi-las para fora fez com que fos-
sem inversamente dirigidas para dentro. Compreende-se, assim, a
dimensão e a extensão da má consciência, já que o homem passa a
exercer a violência e a crueldade contra si mesmo. Convém mencio-
nar que os conquistadores e senhores, os intérpretes e avaliadores,
os artistas propriamente que deram forma, organizaram as forças e

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Moter1olismo

estabeleceram a t,ierarquia, jamais desenvolv~ram a má cansei 1n.


eia, isto é, neles, ela não cresceu como um pólipo aprofundando-~
continuamente em todas as direções e, sem eles, ela não teria sur.
gido enquanto interiorização dos impulsos. As transformações Pos-
teriores, em termos de extensão maior dessa doença, deveram-se
à ação do sacerdote cristão, que ao tornar irresgatável a dívida hu-
mana, promoveu a interiorização da dor e o apogeu da sublimação
da crueldade expressa no culto ao Deus cristão, que se manifesta
notadamente, nas nostalgias da cruz. Assim, em um primeiro mo~
mento, a má consciência produz dor pela interiorização dos impul-
sos, em um segundo, ela interioriza a dor ao assimilar a noção de
culpa. O homem passa a ser responsável pela própria dor porque é
culpado; por isso, a má consciência se transforma propriamente em
consciência da culpa, passando a desenvolvê-la.
Sobre MÁ CONSCIÊNCIA, consultar A§ 16 e § 18; GC § 11 e§ 354; BM
§ 229; GM li§ 1-5, § 7-13, § 16-21 e§ 23.

Ver também ALMA, ASCETISMO, CONSCIÊNCIA, CRISTIANISMO, CRUEL-


DADE, CULPA, CULTURA, FORÇA, HIERARQUIA, IMPULSO, MORAL DOS
SENHORES E DOS ESCRAVOS, SAÚDE.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética .


São Paulo, ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008.
AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. [Col. Sen-
das & Veredas)

Vânia Outra de Azeredo

MATERIALISMO (Materialismus)

O debate de Nietzsche com o materialismo, em sua última filosofia.


está diretamente relacionado com sua leitura da História do Mate-
rialismo, de Friedrich A. Lange, e da filosofia natural de Ruggero
Boscovich. A tese central do livro de Lange é que o materialismo não

296

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Maror,nlt mo

se justificar a partir de seus próprios pressupostos. Por


,ipJ1 d Lange.
1 0 materialismo tem um uso meramente metodo-
1 1
1. , • P. r~ tzsclie assumirá esse ponto de vista, ao considerar a ideia
11
k'IG1co. ~everia assumir metodologicamente um sensualismo, mas
Qlle se quanto princípio regulativo ou heurístico. Mas, ao mesmo
,,penJS ~etzsche assumirá a crítica ao materialismo atomista, utili-
1eniP0· ra isso a obra de Ruggero Boscovich.
za nd ~::do tido conhecimento do nome de Boscovich ainda na dé-
da de 1860, é, contudo, apena~ na déc~da de 1880 que Nietz-
ca ssará a utilizar suas reflexoes, particularmente na elabora-
sche pa d d ,. . E .
• do conceito de vonta e e p~tenc1a. m muitos d~sses..textos,
0
ça é elogiado, junto com Copérnico como um dos maiores adver-
ele da evidência
sários · ", por ter demons tra do "ma temat1camente
. "a
.~ xistência da matéria ao "ter pensado a teoria atômica até o fim",.
como ele afirma em carta a Peter Gast de 20 de março de 1882. E
justamente nesse contexto, de uma crítica ao atomismo materialis-
ta, que Boscovich aparece em Para além de Bem e Mal.
Boscovich, de fato, é reconhecido como um dos maiores ad-
versários da concepção corpuscular da matéria por defender uma
noção dinâmica de força. Boscovich possui uma teoria dinâmica dos
fenômenos, ao compreender o mundo como o conjunto de pontos
de força inextensos. Por se contrapor ao materialismo, Nietzsche
adotará, também apoiado em Boscovich, uma concepção dinâmi-
ca da realidade, de tal sorte que o mundo concebido como vontade
de potência será um mundo que não está baseado na concepção
de matéria, mas na de força. Para Nietzsche, a vontade de potência
pode ser compreendida como pontos de força inextensos que for-
mam complexos momentâneos que são percebidos por nossos ór-
gãos dos sentidos como corpos materiais. Isso é aliás uma das mar-
cas da filosofia de Nietzsche, e se mostra muito coerente com seu
todo: não optar pelo materialismo significa, para Nietzsche, afirmar
0
caráter dinâmico - e portanto processual - do mundo.

~obre MATERIALISMO, consultar GC § 109; BM § 12, § 15 e§ 17; FP 26


321 do verão/outono de 1884.

~~~mbém FORÇA, IDEALISMO, REALIDADE, REALISMO, VIR-A-SER,


ADE DE POT~NCIA.

297

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Me óra

Bibliografia
• 11 ,· • 1aec'. el e Nietzsche: aspectos da ·L•
F EZZArn .. lMisc 4
ao meczra: ·s ,o s.éc , , . s :e ·ae S ia. . 1. n. . P. 5-
46 , 2003. . .
1TAPARlCA. é L 's , 1 ta. a ge e la lett~ra- nretzsch1ana di Ka
110 sta O de' cosa in sé e de:'a · i n a d1potenza nella h s
di :etz5Che. ln: B SE O. S efa o (ed.). 'ietzsche dai Bros. ,.
Contributi o/la Í<J·cerco co te poro eo. Trad. Giancarto licheli. Fe--
de ·co 1 'acci. s_efa iO B sella o. Pisa: ETS. 2014. p. 75-92.
ASSER. Eduardo. , •:etz5L .e e a re 'is a , ind: o filósofo da vida an e
05 no 0 5 rumos da I sofia acadêmica. Estudos lietzsche. v. 6_
p. 11 6- 136. 20 6.

André Luís Mota ltaparica

MEMÓRIA (Gedãchtnis)

Encontram-s.e em 1 'ietzsc e dois sentidos para o conceito de me-


mória. uma vez que o ermo se refere, ao mesmo tempo, ao traço
indelf vE:I e à memória da vontade. No primeiro caso, trata-se da
fo:ação de toda lembra ça em um plano não consciente. Nele de-
veriam fícar guardados os raços mnêmicos. Nietzsche refere-se à
necessidade de as marcas indeléveis não serem impressas na cons-
ciéncia sob pena de tornar a lembrança uma chaga, característica
do ressentimento. que se dá justamente quando a memória invade
a consciÉ:ncia e impede a recepção de novos estímulos. A memória
da palavra, de modo diverso. é a da consciência que se efetiva me-
diante o desenvolvimento no homem da capacidade de prometer. É
uma memória da vontade que efetiva a fixação da promessa como
não apenas o não poder deixar de cumprir, mas o não querer não
cumprir; a hxação passa necessariamente pelo sim diante do pro-
metido. A memória da vontade exige que o querer mesmo queira
a memória. isto é, que a própria vontade se imponha o prometido.
Há uma peculiaridade nessa imposição, pois ela advém de um im-
pulso interno que fixa para si uma regulamentação, estabelecendo
uma constância de regularidade entre um primeiro querer e a sua

298

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M ,môri

ntinuidade. Éesse querer o Já queri~o que NICtLsctH: <fenomina


e~ "ontade ativa ~or manifestar a co.nt1nuldndc cfo querer pela pa -
~vra, de modo diferente da memória dos traços (lue pro<Ju1. rctl -
1õeS devido ao que se encontra impresso no pl;rno nê'\ o consciente
~o indivfduo. Apesar ~e hav~r uma relação direta entre oquerer e ;i
continuidade, se mterpoem, entre o quero Inicial e o alo que 0
sua ·va, diversos proce d'1men tos e c1rcunst
. ânc1us
. que tornaram isso
eef ti . . â .
p0ssfvel. ora, tendo em v1_sta a 1mpo~t nc1a do esquecimento para
definição e a manutençao da plenitude da força no homem, foi
ªreciso introduzir procedimentos que possibilitassem a sua suspcn-
~o temporária, mormente nos momentos em que se faz necessário
cumprir a promessa feita . O homem precisou tornar-se responsável.
ÉO trabalho de moldagem da consciência que se efetiva, pois, ao
seu caráter fugidio, definido pelo esquecimento, contrapõe-se uma
consistência mediante a introdução da memória. Para introduzir a
responsabilidade foi preciso suspender a exclusividade dos afetos
como guia da ação. A responsabilidade aparece, assim, como poder
do homem sobre si mesmo, como domínio de si, domínio dos afetos.
Daí aafirmação nietzschiana de que a consciência dessa responsabi-
lidade tornou-se impulso, cuja denominação precisa para o homem
seria sua consciência. Percebendo o desenvolvimento da consciência
como produto de um longo processo de violência e crueldade, Nietz-
sche investiga os diversos mecanismos criados para que o esqueci-
mento cedesse espaço para uma memória da vontade, de modo que
no porvir o homem pudesse responder por si. Fazer no animal ho-
mem uma memória, cuja ação estava determinada exclusivamente
pelos afetos, requereu o auxílio de meios dolorosos, pois a propo-
sição norteadora da mais antiga e ao mesmo tempo mais duradou-
ra psicologia que houve foi aquela que viu na dor o melhor recurso
da mnemônica. A imposição da dor é inversamente proporcional à
memória, pois quanto mais o esquecimento impede a fixação da or-
dem, mais se torna imprescindível a introdução de práticas doloro-
sas. Isso fica patente na observação dos diversos sacrifícios que fo-
ram introduzidos ao longo da história da humanidade como meios
Proibitivos e impositivos do dever. Através de sacrifícios e práticas
eminentemente cruéis promove-se no homem, por ele e através
dele, um domínio sobre os impulsos e, como resultado disso, ob-

299

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1 Mont1ra

t ve-se o convívio social. Tornar o homem capaz de prometer f01 o


trabalho realizado pela eticidade do costume.
Sobre MEMÓRIA, consultar Co.Ext. li; A§ 9, § 16 e§ 18; BM § 229; GM 11
§2-8e§13.

Ver também AFETO, CONSCIÊNCIA, CONSCIÊNCIA MORAL, CRUELDADE,


ESQUECIMENTO, ETICIDADE DO COSTUME, IMPULSO, PSICOLOGIA,
RESSENTIMENTO, VONTADE.

Bibliografia
AZEREDO. Vánia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética.
São Paulo, ljuí: Humanitas. Fapesp, Unijuí, 2008.
AZEREDO. Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
das & Veredas)

Vânia Outra de Azeredo

MENTIRA (Lüge)

Mentira é um vocábulo cujas ocorrências não se limitam à esfera mo-


ral. embora tenha nela sua principal fonte. Assim como a verdade, a
palavra mentira tem um caráter polissêmico, na medida em que
Nietzsche amplia sua acepção para os âmbitos do conhecimento e
do real, por exemplo. Em Sobre Verdade e Mentira no Sentido extra-
moral, há uma descrição do desenvolvimento das faculdades cogni-
tivas. o intelecto humano sendo visto como um órgão necessário
para a manutenção da vida; por isso. ele constituiu-se primeiramente
por sua capacidade de dissimulação. O convívio social inflige uma
transformaç~o nessa propensão natural ao engano, porque isso re-
nrescnla um mecanismo perigoso para a sociedade. Aí reside o pri-
meiro passo cm direção ao estabelecimento da noção de verdade.
Corno a c..li ssimulação precisa ser suprimida em prol do empenho à
palavra dada, a linguagem rornece os recursos necessários para atin-
gir e_se objetivo. porquanto nela é possível criar designações válidas
e uniformes para a multiplicidade de ações e de coisas. O estabele-

300

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Ili d umJ 11caçJo entre moral e linguagem Lorna aqu I que
c1 ,1 f b' á .
rli\ 111111 1,1, porque az ~soar 1tr no das convenções, um Indivíduo
nr,o o. surgindo assim o contras~e entre a verdade e a mentira.
1
, r, tjr,10, a crença na verdade Já se tornou imprescindível para
~1 ·di'I
1
m ocicdade, e por isso é um valor que se impõe ao tempo
• ; 1que nega a dissimula~ão. Há u~a vitória do impulso à verda•
de otJre o impulso à mentira. Todavia, Nietzsche deíende que a
rn nt,ra não é algo da qual o homem possa desvencilhar-se, afir-
rnando que ela está incrustada nos procedimentos cognitivos. A ne-
l ~sidade pragmática de simplificação faz os sentidos reproduzirem
0 que é mais costumeiro e ao qual estão adaptados. o olho não ob-
s rva o que há de estranho e novo quando olha para algo, assim
corno os ouvidos estão habituados sempre à mesma melodia. Quan-
do se ouve uma língua estrangeira, tenta-se adaptar os sons aos
mais familiares que se conhece. Assim, os sentidos tendem justa-
mente a desconsiderar os componentes da efetividade caso eles se-
iam estranhos; por isso, estamos desde o começo habituados a
mentir. na medida em que se desprezam muitos elementos consti-
tuintes da realidade, falsificando-os. Além de falsificar as coisas pela
desconsideração de suas tantas outras perspectivas e relações, há
outra forma de mentira que consiste em modificar a realidade por
meio de sua negação e invenção de categorias para avaliá-la . Em
Crepúsculo dos Ido/os, Nietzsche argumenta que essa simplificação
provémde uma negação dos sentidos em busca pelo conhecimento
do ser. Negando a transformação e o vir-a-ser, os filósofos conde-
nam os sentidos por eles revelarem a mudança; isolam aspectos da
pluralidade do mundo efetivo e introduzem a noção de unidade, ma-
terialidade, substância etc. Todos esses conceitos não passam de
rncntira. Todavia, impulsionados pela vontade de verdade, os filóso-
fo$ identificam-nos com o mundo verdadeiro, justamente porque
e~tc estaria livre da mudança. Também a lógica seria dependente
d~ssas unidades fictícias e oriundas do impulso à mentira. Daí a con-
tlu ão de Nietzsche de que em todos os tempos chamou-se à men-
tira verdade. Nesse sentido amplo que a mentira assume, é preciso
reconhecer que ela, assim como a verdade. é um recurso não raro em
lavor da vida. Precisando ter confiança na vida diante de um mundo
r,erieoc o, a religião, a ciência e a metafísica criam formas de infundir
é~<,,1 c:onfiança. Nietzsche considera que a moral cristã está baseada

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Metafísico

em mentiras. pois elíl de preza 11 'H, íl r~Jlic1 Kte. tornn11do• e a


mais maligna forma d vontíld c1c 111cntir,1 (~Nillu 111r I iJye). Ta 111 •
bém a élrte adota esse mesmo proc '<timcnto. A ctift:rt'11ç11, ix>r \111. é
que esta última não precis~ lnnçar m, o ela crença nn Vt!r<líHle p.ir,1
que suas mentiras possam infundir confinnçíl níl vidil. r ,11 V('l cl, 10 .
mar mentiras por verdad . c1 art snb que s~10 ih1s es.
Sobre MENTIRA consultarVM § 1 o§ 2; GC § 344; GM li § 24, Ili § 19 o§ 24·,
CI "A 'razão' na filosofia" § 1 e § 2, "Os 'rnolhorndoros' ctn humonldodo"
§ 5; AC§ 43, § 46, § 47, § 52 e§ 55; EH "Porquo sou urn dostlno" § 1 o§ 7; FP
19 (97], 1103], (180] e (228] do verão do 1872/inlclo cio 1873; FP 2511011 ctn
primavera de 1884; FP 26 (372] do vorno/outono do 1884; FP 11 (41 61do
novembro de 1887/março de 1888; FP 15 (42) cfo prlmnvorn do 1888; FP 17
13] maio/junho de 1888.

Ver também ARTE, CONCEITO, ILUSÃO, LINGUAGEM, LÓGICA, MORAL,


PERSPECTIVISMO, REALIDADE, VERDADE, VIDA, VIR-A-SER, VONTADE
DE VERDADE.

Bibliografia

ITAPARICA. André Luís Mota. Nietzscl1c e a "11cc ssicitHi 11, O· ííl io-
nal". ln : AZEREDO, Vânia Dutra de (orf~. ). Fnlnndo etc> Nict1s li'.
ljuf: Unijuf, 2005, p. 131-1 ,,6.
LIMA. Márcio José Silveira. Lógica e relóriGl 110 jovem Nict7 h 1, ln:
LIMA, Márcio José Silveira; ITAPARICA, Amir Lufs Motn (org .).
Verdade e Linguagem em Nietzsche. íllvc cior: E<iufbél, 201,,, p.
12 1- 134 .

Márcio José Silveirn Limo

METAFISICA (Metaphysik)

Ao atacar de modo veemente a rnctélfísiGl ern vc"irios 1110111 'ntos ele


sua obra, Nietzsche está antes de mais nudél J combater o chwlisrno
de mundos e él criticar toda e qualquer concepção que csl jn com·
prometida de algum modo com o plano transcendente. ·m l /11111m10.
demasiado rlumano, ele aponta corno oriccrn de tod~ 111 •tafísicn o
momento em que, nos primórdios da civilizr1ção, o s 'r lnun~no élcrC-

302

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M t t11,c:i

t nr 110 011110 um eundo mundo r ai. Tnbur<1rio do ;1u.


,, • 11 <-1r rnetafí ico se aprox,mé'lria da crença n r 1,r,,Jo.
1

11
:s··•:, • 1110 1,vro. ietzscl1e afirma que, tanto na história da hu•
1
\ t'. ·t' : u:into na do indivíduo. verificam-se diferentes rases: pri-
.._,r J 1; iosa. depois a metafísica e, por fim , a científica. A f1lo-
r•t' ª re tanto atender às necessidades, antes satisfeitas pela rei,-
• _"J : contribuir para suprimi-las. No primeiro caso, o homem.
1
f Jt · enÃndo-se com as verdades últimas e definitivas, está fazendo
nrt\. Ur- d _
~ . •ca· 110 último, mostran o que as representaçoes do mundo
r•e a ,sr '
. tão fo~adas não passam de erros da razão, já se acha na fase
~.ee; ca. Abraçando a crítica positivista da metafísica, Nietzsche
, €,tenta que só a ciência poderá combatê-la, por mostrar que seus
·:;ssupostos são infundados. Ao tratar das relações entre religião.
etaffsica, arte e ciência, acaba sempre por privilegiar esta última.
E, ende que o ser humano concebeu o mundo erroneamente, enca-
rando-o com pretensões religiosas. metafísicas ou morais. mas. com
conhecimento científico, delas virá a libertar-se.
'os textos da maturidade, Nietzsche retoma a partir de ou-
traperspectiva as investidas contra a metafísica. No quinto livro de
Agoia Ciência, ele diagnostica, na base da ciência, a incondicional
vontade de verdade, que, além de moralizá-la, irá torná-la cúmplice
da metafísica. Esquecendo-se que a falsidade também faz parte de
distintas condições de existência. opõe-se o saber à vida; na senda
platônica. cria-se. em contrapartida deste mundo. um outro para
abrigar a verdade. No Crepúsculo dos Ídolos. Nietzsche faz ver que
metafísica e linguagem se acham intimamente ligadas. As convic-
ções metafísicas contribuem para legitimar a crença na identidade
entresere discurso; as palavras e os conceitos apreenderiam a reali-
dade tal como ela é. Os conceitos e as palavras. por sua vez. concor-
rem para propagar as convicções metafísicas; induzem a pensar que
correspondem a algo no mundo verdadeiro. Assim é que as wcerte-
zas" metafísicas constituem o prolongamento da crença na gramática
enada mais fazem do que justificar, de maneira retroativa. a confiança
nas e5truturas gramaticais.
No combate à metafísica Nietzsche ataca a distinção que ela
<:Slabelece entre mundo sensív~I e inteligível. Se a metafísica postul
aex,sté .
ncra de um mundo verdadeiro. é por desprezar o que ocorre

303

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aqui e agora; se opõe aparência e realidade, é por ignorar qu jta
nada mais é do que um fei e de perspectivas. Na tenta tiva de n .
gar este mundo em que nos achamos, a metafísica procurou foqar
a e istência de outro; durante séculos, fez dele a sede e a origem
dos valores. Perniciosa. ela postulou um mundo essencial, imutável
eterno. Para tentar justificar a existência o ser humano se valeu de;
se meio. Incapaz de tolerar a visão do sofrimento imposta pela mor-
te, o preço que teve de pagar foi a negação do mundo, a condena-
ção da vida. Ao camuflar a dor, hostilizou a vida; ao escamotear 0
sofrimento, tratou o mundo como um erro a refutar.
Sobre METAFISICA, consultar NT § 7; HH 1§ 5, § 9, § 17, § 18 e§ 272; GC
§ 344 e§ 354; CI "A 'razão' na filosofia" § 5 e "Como o 'verdadeiro mundo'
acabou por se tornar em fábula':

Ver também APARÊNCIA, CIÊNCIA, CONHECIMENTO, LINGUAGEM, REA-


LIDADE, RELIGIÃO, VIDA, VONTADE DE VERDADE.

Bibliografia
ITAPARICA, André Luís Mota. Nietzsche: crítica à metafísica como crí-
tica à linguagem . ln LIMA, Márcio José Silveira; ITAPARICA, André
Luís Mota (orgs.) . Verdade e Linguagem em Nietzsche. Salvador:
Edufba, 2014, p. 105- 119.
MARTON, Scarlett. Contra modernos e pós-modernos. Nietzsche e as
filosofias de fachada . ln: MARTINS, André; SANTIAGO, Homero;
OLIVA, Luís Cesar (orgs.). As Ilusões do Eu. Nietzsche e Spinoza.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 183-201 .
MARTON, Scarlett. Nietzsche, Kant et la métaphysique dogmatique.
Nietzsche-Studien, v. 40, p. 106-129, 2011.

Scarlett Marton

METÁFORA (Metaphen

Nos s~us primeiros textos, Nietzsche preocupou-se bastante com as


questoes concernentes à linguagem; neles a metáfora desempenhou
um papel decisivo. Se suas reflexões como professor de filologia ine-

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MotMor

·1te o levaram a ocupar-se com essa figura da linnuacºm <


1111er . t ál' - b \:; , J
1,tJ\ bre O qual proJe a suas an ,ses nao está apenasc·r
. nte so . 1 cun •
i , retórica e à poética, campos do saber a que tradicionalmente

nr_.: ametáfora. Texto central p~ra a compreensão da retórica em


se fil 1 Sobre verdade e Mentira no Sentido extramora/ conté
. tzsche, 1 . h . m
N1e ewdo reflexões reativas ~o con ec,mento. Nietzsche apropria-
s bí d finição clássica de Aristóteles de metáfora como transposi-
d!~ a~plia seu ,sentido e alcance. No ~urso de Retórica, quando
çao a da metafora de um ponto de vista da análise dos trapos
eocUP d . . . ,
s_ ue não pense apenas a perspectiva retórica, Nietzsche defi-
a1nda q d . t t 'J ' .
ne-a no âmb~to do lega o ans o e ico, ou se1a'. el~ _é a figura ~m q~e
_ h, criaçao de nomes mas mudança do significado dos Já exis-
nao ª - ••
S
Todavia, a concepçao mais importante é aquela que não se
tente • . . . ,.
restringe à ling~age~, tal como oco'.r~ na filosofi~ aristotellca. Nesse
tido, a metafora e uma transpos1çao que se da na própria fisiolo-
sen ·i: t _ .
iahumana, sendo sua man11es açao na 11nguagem uma expressão
~essa transposição que se inscreve na própria condição fisiológica.
Há, assim , um processo de transposições. A primeira metáfora é a
transposição de um estímulo nervoso numa imagem e a segunda, a
transposição de uma imagem num som . Vista dessa forma, a metá-
fora revela a amplitude crítica com que Nietzsche concebe a lingua-
gem, pois não se trata mais de julgar que apenas do ponto de vista
poético e retórico haveria nomes impróprios, revelando que em al-
guns casos só existiriam termos impróprios para designação das coi-
sas, sendo necessário, por isso mesmo, apelar a uma transposição
que desloca a palavra de sua significação original. Como transposi-
ções de estímulo nervoso em imagem e desta em som, Nietzsche ar-
gumenta que a linguagem, resultado desse processo, só pode lidar
com fenômenos corporais; não seria possível haver uma adequação
entre um estímulo nervoso, que está na ascendência da palavra, e
acoisa que esta nomeia . Como o principal alvo de Nietzsche é reve-
lar que a verdade tem uma procedência moral, e não pertence ori-
ginalmente ao reino da lógica e do conhecimento, essa concepção
metafórica da linguagem é sua concepção principal no desmascara-
mento da verdade. Daí a definição de verdade como sendo um bata-
Ih- ,
.,ao movei de metáforas, o que representa compreender a verdade
Ja como uma metáfora, destituindo-a de um caráter eterno e imóvel

305

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li n ct ·l,1 erno orrt',p rn l n ld (.c;rn o r, •.,1''"
dt.'~lllt , 11,mlto
m c1 , ( mo ell s . o. f d,l lingu, ni~rn orn qu,~ '1~ f.nunr,.1
aluo ob, . . t1s coLJ . ó nod, trc1b.1ll1t r orn e~,.,· oncJ,ç,10 rn,;t,iVi
rica. r tivadc1 obI trJn po. iç ' que ~ d o. prim 'lram,!n '!, nr;
corp . por cons '(lU ncin. nn prónria lincuacern . Com ,Y hr,1• cJ.1
maturidrtd , quc1ndo mudil o roco no combate tJ v •rdacJc , 1t::tL'",,:r .
amplia sua oncepçé1o da llnguar,cm por meio de que tõcs l1n,. rJ 'j d
semiótica. à cmantica. bem como ao perspeclivismo e à interpr 'ta•
ção. Aí a metárora. tal como ocorria nos primeiros textos, deixa r•
ser central. Todavia, em sua crílica ao cristianismo, ele denunciarâ
que os principais conceitos cristãos não têm nenhum contato com
a eíetividade: são todos íicções. Em sua própria linguagem. Jesus
se teria apropriado dos termos do velho testamento e lhes dado um
novo significado por meio de metároras. A moral cristã baseia-se em
valores que são ficções criadas a partir das metáforas enunciadas por
Jesus. O problema, nesse caso, não é o fundo metafórico dos enun-
ciados, mas a crença de que eles seriam a verdade.

Sobre METÁFORA, consultar NT § 8; VM § 1 e§ 2; CR § 1-§ 7; CP "Sobre


o pathos da verdade"; FT § 4 e § 11; OS § 5; BM § 22; AC § 32 e § 34; FP 19
(174), (1781, (192), (209], (210], (217] e (227)-(229) do verão de 1872/início
de 1873; FP 29 (8) do verão/outono de 1873; FP 9 (1) do verão de 1875; FP
3 (108] da primavera de 1880.

Ver tam~ém CONCEITO, CONHECIMENTO, CORPO, FILOLOGIA, INTER·


PRETAÇAO, LINGUAGEM, LÓGICA, MORAL, PERSPECTIVISMO, PSICO·
FISIOLOGIA, REALIDADE, VERDADE.

Bibliografia

LIMA, Márcio José Silveira. Lógica e retórica no jovem Nietzsche. ln:


LIMA, Márcio José Silveira; ITAPARICA, André Luís Mota [orgs.J.
Verdade e Linguagem em Nietzsche. Salvador: Edufba. 201 4, p.
121 - 134 .
SILVA Jr., Ivo da. La función de la metáfora en la aproximación de 1etz-
sche a las cuestiones políticas. Estudios Nietzsche, v. 12, p. 85·
94, 2012.

Márcio José Silv ir LimJ


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NIDADE (Modemltlit)
"'ºpER
cntica a modernidade ao longo de sua obra, desde O seus
11
\ K?tzSC ·uventude, como ocorre com O Nascimento da Tragédia.
nto de J ,1. t t
ewdo nos seus u trmos ex os. em grande medida a partir
ass.obràschamadas "'d . modemas ,. , rsto
, eras . é, das ideias progres-
dacnuca . ldade etc., que, no contexto não ape-
dejustiça. liberdad~. rgua
5
sisl.ô pensamento de Nietzsche, uma vez que a expressão era cor-
nasdo t .á
. naprosa alemã. sempre en re aspas, J remetem ao anacronis-
rented t'ls ideias muito antes da farmação do Império Alemão.
(110 esw
Mesmo podendo parecer deslocado, dado que o referente íme-
d LO para sua crítica é o seu tempo, o filósofo estima que a moder-
i~ade não se inicia com Descartes. Apesar de considerar o pensa-
:or francês ~ o pai do racionalismo" e, portanto, "o avô da revolução ..
francesa. ele advoga a ideia de que a modernidade teve seus inícios
com Sócrates na antiguidade clássica. Noutros termos, acredita que
amodernidade começa com o desmonte da aristocracia, guerreira e
de espírito, por meio da introdução realizada por Sócrates do pensa-
mento dialético, que teria contribuído para a desorganização e para
oesfacelamento do mundo grego, outrora hierarquicamente organi-
zado. Pensa que com a dialética socrática passa a imperar a maneira
de pensar que, de um lado, dispensa toda autoridade e, de outro, se
mantém graças a razões e justificações, ao operar com o dualismo
entre o mundo sensível e o mundo inteligível e, por extensão, com
todo tipo de dicotomias. Nietzsche julga, portanto, encontrar entre
os gregos o início da fraqueza fisiológica: tudo o que estava de acor-
do com os instintos passou a ser depreciado graças ao estratagema
dialético, que permite que o indivíduo fraco e vil. o escravo, suplante
0 forte enobre, o senhor. Sem nenhuma incoerência, o filósofo afir-

ma então que o homem moderno se situa na via do platonismo e do


cri5tianismo. Nos tempos modernos, aponta Richard Wagner como
ªfigura que encarna a decadência fisiológica. Ele mesmo se vê na
trilha wa · mas. ao contráno . do que se passa com o com-
. gnenana,
POsitor, conforme afirma em Ecce Homo utiliza os remédios mais
i (Jequados contra essa decadência. Perq~irindo-se, procura encan-
ar r.rn si os meios para reverter a situação milenar que se iniciou

307

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od rnic1 d

Ih) dllll 'Uidtld l w Htl: l nwnrto d 1' vencJrir ()', Wilf,H,IW;m,1·, <l,i rl,,1
1 t,c , p ~rmil qu s llJ IGdo udáv I pr •domine e fornr:~rJ ,1• rr;r,r1

der1cJdJs 11 cc ria para a m nutcnção de sua t11 ~rcrqu,a 1w, ,nr 11,11
Aliás. con idera que a situação da Europa hodicrn , de mu, ar r!n·.,;,~
e de esgotamento vital. favorece essa tarefa, qual s i , a d ultrr1
passar a época moderna. tributária dos ardis da dialética so rá , ,3 _
Dito de outro modo, Niellsche acredita que a modernidade a inge ()
ponto máximo da exigência pela igualdade. democracia. l1berdad~
etc., não podendo mais dar respostas às suas demandas e questio-
namentos. A expressão "vontade de verdade " demonstra bem essa
ideia, qual seja, a de que a exigência cada vez maior de verdade ter-
mina por implodir a noção mesma de verdade na medida em que
exaure a busca pelo veraz e explicita o que o move: uma vontade de
supremacia e de dominação que se traveste de valores metafísicos.
religiosos ou científicos. Tal estado permite ao filósofo vislumbrar o
ultrapassamento da modernidade inaugurada na antiguidade clássi-
ca. Não temendo adotar um ponto de vista anacrônico, ele volta-se
para o passado em busca de um modelo de mundo bem constituído,
o mundo grego, pois considera que a magnificência da arte grega
pode proporcionar um melhoramento dos valores morais e políticos.
Não vê , portanto. nenhum anacronismo em ter de recorrer a uma vi-
são de mundo que se refere, ou credita sua constituição, a condições
radicalmente diferentes daquelas do século XIX europeu .
Se assim considera, é em razão de sua visão de mundo, expressa
pelo conceito de vontade de potência, que está em pleno acordo com
as linhas mestras do que ele julga encontrar no mundo grego, mais
precisamente, no pré-socrático. Trata-se para ele de recuperar a ma-
neira de pensar. agir e sentir presente no mundo pré-socrático que foi
suplantado pela dialética introduzida por Sócrates; trata-se de se co-
locar para além de bem e mal e instaurar uma filosofia do futuro.

Sobre MODERNIDADE, consultar BM § 252 e§ 253; CI "Incursões de um


extemporâneo"§ 39; EH "Para além de Bem e Mal"§ 2.

Ver também ARISTOCRACIA, CRISTIANISMO, DÉCADENCE, DEMOCAA·


CIA, FORTE, HIERARQUIA, IGUALDADE, PROGRESSO, SOCAATISMO,
VERDADE, VONTADE DE POTÊNCIA, VONTADE DE VERDADE.

308

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1
• r,\ .
111
1 ,ct1ccl1 . ln: IARTO , Scarl tt : BRA CO. ,1n,1Jr1 •,,,
1' 1'_ CON rÁ 'CIO. Jo:to (org .). Sujc,to, Dccodén ,a ltrtf' N, t/·
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11ero , \
o~. Jil ti. Contra modernos e pós-modernos. 1 t/')(hr. P, rl í
'1
1110 Ofi , de facl1 ada. ln: MARTI S, André: SANTIAGO, Homr.ro
(J _ • , '

UVA. Luís e sar (orgs.). As llusof5 do Eu. Met.zsche e Sp,nom. R,o


~ Jan ,ro: Ci ilização Brasileira, 2011, p. 183-20 l .
Ivo da Silva Jr.

MORAL (Moran

0 termo moral, nos textos de Nietzsche, aplica-se, ao mesmo t rn -


po, ao âmbito fisiológico e social, à regulamentação vigente entre
infimaspartes que compõem o organismo e à hierarquia estab leci-
da entre os homens. Enquanto se destina à regulação entre os im-
pulsos, o filósofo confere-lhe a significação de moral como urna es-
péciede elemento que regularia o comportamento dos impulsos en-
tre eles. As morais seriam, assim, do ponto de vista fisiológico, tão
somente formas de expressar a hierarquia presente entre os impul-
sos, as interpretações que se dão nas profundezas. Os estados mo-
raissão entendidos, nesse sentido, como estados de perspectivas fi -
siológicas. Sob outro aspecto, a moral aparece, na ótica do filósofo,
como a forma a partir da qual os homens se hierarquizam. As hie-
rarquias entre os homens e a avaliação de tudo o que concerne ao
humano são remetidas à moral enquanto uma doutrina referente (
tudo Oque concerne ao humano. Nesse caso, as interpretaçõe con -
ceptualizadas expressam as avaliações que se processélrn em pro-
lundidad · - •
e como est1maçoes para o que faz alusao ao t1urnano. Op -
rando
· aparentemente, em um duplo registro, Nietzsctle entcncl nJ,
r.,or urn lado, a moral como a regularncntaç~o que se proc 1
- (

JO

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M mi

~ rofundidílde enquanto ordenação fisiológica entre os impul'.h , rJ ,


p r outro. como regulação das valorações humanas no ámb1to ~..x:,1I.
Contudo. da compreensão das condições fisiológicas dos impulsct
no 110mem. emerge, para o filósofo, o entendimento de seu munr:Jo
vt1lorêltivo enquanto promoção ou obstrução da vida. Efetivament~.
n ~o há uma oposição entre as dimensões fisiológica e social da mo-
ral, porque a moral conceptualizada expressa a hierarquia entre os
múltiplos impulsos e a tentativa de manter ou ultrapassar essa hie-
rarquia, desde uma condição moral enquanto imposição de pers-
pectiva. Convém mencionar, que ao propor uma metafísica de artis-
ta em o Nascimento da Tragédia, Nietzsche termina por elaborar,
pela primeira vez, uma contravaloração, que afirma a vida e nega a
vigência da moral. uma contradoutrina artística e anticristã. Percebe
haver, de um lado, a interpretação moral da existência que consiste
na negação da vida, e. de outro, a afirmação que ele introduz como
visão artística denominada dionisíaca que ultrapassa a moral. É pre-
ciso ainda estabelecer a distinção entre o que ele denomina eticidade
do costume e moral judaico-cristã A primeira é percebida como a ca-
pacidade ou mesmo a condição do humano de obedecer a leis, cujo
referencial regulador se encontra em uma superioridade imanente
expressa na figura da tradição que ao invés de mandar fazer o que
é útil. simplesmente, manda. De outra parte e de forma completa-
mente diferente, a moral judaico-cristã elabora uma explicação que
suplanta o domínio comum e afirma a pessoalidade como dimensão
imperante. introduzindo uma nova dimensão do agir. A individuali-
dade e o interesse pessoal, relativos às questões morais, passam a
vigorar a partir da interpretação socrática e constituem-se como ex-
ceção que conflita com o sentido anterior de moralidade. Assim, há
uma cisão radical entre, de um lado, um ordenamento, adestramen-
to, obediência à tradição e, de outro, uma ação proveniente da refle-
xão sobre a possibilidade da felicidade vinculada à escolha da ação
pessoal. Com isso. inicia-se o processo que fixa o dever como consti-
tutivo do ser; primeiro, tomando o interesse pessoal como móvel da
avaliação moral em termos de benefícios e prejuízos ligados ao agen-
te; segundo, através da defesa da autonomia da vontade como fun-
damento da moralidade. A moral judaico-cristã constitui o objeto da

310

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Moral dos senhores O d
os escravo

ietzsche à moral, bem como da proposta de seu ult


ade . d r . rapas-
nu ento desde oNascimento
.
a , ragéd1a. Em que pese ess , .
a cnt,ca
_n ,.'.lr os textos do filósofo como um todo, Genealogia da M
raveS:,u . . . ora1
at . . 0 ensaio em que ele se dedica a dissolver a moral J·ud •
nstitu' . . a,co-
c . d sde O estudo da proveniência dos valores morais
crista e .
ORAL, consultar HH 1§ 107; A "Prefácio"§ 3 e§ 9, § 16, § 18 §
131
bre M
SO139 ZA 1"D 1 • ' '
e§ 546; GC § 114; ~s ~. egrias o das paixões" e li "Dos virtuo-
1 '·BM § 19 8 §272; GM 1§ 10, CI Moral como contranatureza" § 4; FP 15
s;;I do outono de 1881; FP 19 [1) da primavera de 1882; FP 15 1551do ve-
~ãoJoutono de 1883; FP 25 [127) e [437) da primavera de 1884; FP 3411241
de abril/junho de 1885; FP 1 [239) do outono de 1885/primavera de 1886;
FP 111961de novembro de 1887/março de 1888.

Ver também AVALIAÇÃO, CRISTIANISMO, DIONISIACO, ETICIDADE DO


COSTUME, FISIOPSICOLOGIA, HIERARQUIA, IMPULSO, INTERPRETA-
ÇÃO, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, PERSPECTIVISMO,
VALOR, VIDA.

Bibliografia
AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética. São
Paulo, ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008.
AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sendas
& Veredas)
SILVAJr., Ivo da. "Zeichensprache der Affekte": le langage et la moralechez
Nietzsche. ln: DENAT, Céline; WOTLING, Patrick (orgs.). Nietzsche.
Un art nouveau du discours. Reims: Épure, 2013, p. 159-173.

Vânia Outra de Azeredo

MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS


IHerren-Moral und Sklaven-Moran

Dentre as diversas morais analisadas, Nietzsche encontrou certos


traços comuns que lhe permitiram distinguir dois tipos básicos: ª
moral dos senhores e a moral dos escravos. Há diferenças marcantes

311

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LI ' • 'I li tllll l l mor,li (1 . • ' "' 10, d,1 morti I dortf~';(r,1 '1 A Pll r Ir
', r ·- . a ma1. unporltllll' istJ1. r, 1«JC1onJ . d< orn d ,1rirmr1~,j0rJ1 .,111
Í"r "n tl . Enqunnto, morJI cio nh?rc tem c~mo nto cJ,:: P.1 cJ,1
nllm 'lnto d di t~ncia e upenondadc para intr0du1ir e vahr1rt, ,,
J moral dos sera o raz da igualdade e da fraqueza o mó• ·_ ;·
Com i o. obri i um antagonismo que separa quase cornpl . ,1 .
111 me e morais e que, de um lado, reíerenda a d1 tinção dar VJ-
lia ões e, de outro, explica a relação entre senhores e escravos. o o-
bre torna O escravo por desprezível, unicamente pela sua incapacidd-
d de ascender ao senhor; o escravo. ao contrário, olha desconfiacto
para O nobre e o vê depreciativamente. As propriedades que rm,.
tem resguardar os fracos e oprimidos são tidas como valorosas par
a moral dos escravos que elege aquilo que é útil para a manutençáo
deles, avaliando em função da utilidade. O escravo é tido como pre-
cursor de uma moral de rebanho, pois a supressão da diferença im-
plica necessariamente a preservação do populacho. O medo fun
essa moral. uma vez que o fraco teme aqueles que são potentes edi-
ferentes dele. Como a possibilidade de existência de tipos diferentes
o assusta ele cria uma moral em defesa da coletividade, uma mor 1
de rebanho que se configura enquanto autodefesa. Avalia como bom
o que favorece a coletividade e como mau aquilo que a ameaça. 'a
avaliação dos senhores, os impulsos mais potentes, como a astúcia,
o vigor, a temeridade, são estimulados por elevarem o tipo homem
colocando-o acima dos demais, enquanto o escravo considera pen-
gosos esses impulsos por ameaçarem a coletividade, chegando inclu-
sive a classificar todas as manifestações potentes como imorais. Em
termos genealógicos, a expansão de uma moral de escravos remon-
ta à própria distinção entre uma aristocracia sacerdotal e uma guer-
reira . A diferença entre elas pode ser evidenciada pelo uso distintivo
de termos; no caso da aristocracia sacerdotal, a preferência se dá,
via de regra, por expressões que remetam à função sacerdotal. Por
isso, utilizam "puro" ("rein") e "impuro" ("unrein") como elementos
de diferenciação de estamento, dos quais posteriormente passarão a
desenvolver-se "bom" e "mau''. Nietzsche procede a um estudo dJ
proveniência do juízo bom através da etimologia e constata qu ern
todas as línguas a palavra "bom " deriva de uma mesma trnn forrn-.1·
ção conceptual. Encontra a palavra "nobre" (vo111ehrn). no cnt1 o 1!

312

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Moral dos !lonhoro O do~ or,cravo,

iJI. como conceito-chave, através do qual se chega a ideia


,,nsoe . ·1 . d
l t utJ, no sentido de _pnv1 eg1~ ~ quanto à alma e, em paralelo,
1
[g as transformaçoes das IdeIas de vulgar (gemein). plebeu
en vetI,o fl) , baixo (me. dng
contra .) d
como se esenvolvendo até a ideia de
. . ..
t,techl) . Nesse momento, ruim tem apenas a significação de
,,,,m(secomum, d1,eren
,.,
., t d h A N.1etzsche importa
e o sen or.
· observar
n,pleS, , . .fi
través das palavras e raIzes que sIgrn cavam "bom" transpa-
queª matiz principal pelo qual os nobres se afirmavam como uma
rece o d. . - b .
superior. Há uma Istinçao entre om e ruim (gut/schlecht) e
(lasse .. ) A . . d . _ ,
bOme mau (gut/bose . pnmeIra es1gnaçao e determinada pelo
do de valorar do senhor, que entende nobre/desprezível como
: ~ /ruim. Na segunda, Nietzsche f~z alusão ao fato de haver outra
roveniência para bom e mau, refenda ao homem vil, que promove
~ma inversão no modo de valorar nobre-aristocrático. Surgem pro-
priamente os juízos de \alor bom_e mau (gut/bose), não mais signi-
ficando nobre e desprez1vel, mas Justamente deslocando a avaliação
do modo de ser para a ação. Em vista disso, a referência nietzschiana
quanto à aplicação das designações morais primeiro ao homem e só
posteriormente às ações. O modo de ser da aristocracia sacerdotal,
com seus hábitos de domínios hostis à ação, fornece indicativos para
arespectiva cisão que ocorre entre as aristocracias no modo de va-
lorar. Inclusive seus hábitos não deixam de revelar traços doentios,
inerentes aos sacerdotes. Inicialmente, houve uma espécie de luta
travada entre a aristocracia guerreira e a sacerdotal em termos da
primazia de suas avaliações e, consequentemente, da afirmação das
respectivas morais. Pode-se dizer que ambas as morais eram oriun-
dasde um mesmo segmento dominador, mas, embora tendo sua
proveniência em um mesmo estamento - não era exatamente o
mesmo, já que houve um declínio da nobreza guerreira ao qual se se-
guiuaascensão da aristocracia sacerdotal - , se diferenciavam pela
adesão aprincípios opostos. A primeira utilizava o princípio da força,
enquanto a segunda, o da impotência. A moral sacerdotal desenvol-
veu-se em sentido contrário ao da moral aristocrática e verificou-se
um grande conflito quanto à disputa hegemônica de seus valores,
uma vez que os juízos de uma e de outra são totalmente antagôni-
cos. Namoral aristocrática se desenvolve a musculatura, a saúde, a
aventura e quase todas as potências do vigor e da energia. A moral

313

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Si;C 1 ,owl,ao e ntrMio, clc~),~,1volve ,1 cl ! .11<l~n<:l,1 ,1 ri 1ni1 ir, I, ~,
raz justam nt corn que ~urja urn 6dlo m<ll ili com r 111,,, o, r, 1,r,,,
anstocrát1C1.. A invc tínr1çêo do Nlt!II', .llt! proc11rr1 mo M,1, q11,, 11,t,"
ricamente houve um esforço do!, r1nc:r,rcf >ln!;, rnovl<lo·. p !lo .ri11 firliq
ao nobre, cmagrcgM rraco!-l r. :iOír 'fJorw," ílm <Jc: lmn•.rr111t,1r ,1rn 1
ral de senhores cm moral de 1~) íilVO!i .

Sobre MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVO'3, r.on ultnr Wt 1140;


ZA l "Dos mil O um alvos" o li "Do oupornçflo do oi"; 0M ~ 3, ~ ~01,, • ,no,
GMl§2,§5-7e§13olll§14o§16;EH"Porquo ooutflon"hlo", o. '

Ver também ANIMAL DE REBANHO, ARISTOCRACIA, AVALIAÇÃO, ot.


CADENCE, FISIOPSICOLOGIA, FORTE, GENEALOGIA, LUTA, MOnAL, PA,
THOS DA DISTANCIA, TIPO, VALOR.

Bibliografia
AZEREDO. Vánia Outra de. Nielzsche e a i\urom rJr. uma nov<1 tt,
(1.
São Paulo. ljuí: Humanilas, Fane.,r,, Unijuí, 2000.
AZEREDO, Vânia Outra de. Niel1sche e o Di<-i';o/11 ,ao (lo Mor 1/, •d, ,,i
São Paulo. ljuí: Discurso Editorial, cJítora Unijuí, 200,.. 1 • 1. •n•
das & Veredas)

Vênío Outro do Azorodo

MORTE(Toc/J

Sobre a concepção nictzschiana cJc morte, deve- cJc:w ·1r I ii, t1


Pos de tratamento do tema: o nrimciro, IT: / o ou ·o·,,,o/ó{JI o, qu •
procura suh~tíLuir a conccnção cJc rnatérir1p I< on on o (1 1 rorçtt: o
v::eundo, exii;tenciol, que se ocupará om wna orr 1çl o (h ir1t 1rpr
lrlção hurnana da morte enquanto um ng(mlü qu routn d vid~1.
Dewe o início cJe I H70, Niet1.~.ct1e e:,,tirr w oulrn111isrno er1llkHI
nretação cJa realícJacJc. 1so lnz corn que s ja pr ·iso r 1i1l11,ir
to in1J1r_
uroa remterpretoção da morle, unia wrera que se i111põ I p,Htl Ni 1tL·
!Zríú wbretwJo né.i década dr, 1BBO. J 01 1· , ante 1; do rmmcJo lnorc, 111
~!r <:quípar~vel à matéria, a urna exWmit o t1orno1~.ru! 1, 1,11 v JI. '111

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1 11 ) . l l '- 1 ,dutívcl a força , O QU ignifir'\
\.O
QU ' n r,r-;,C
hori•
i.1 ' rn a mudança e a ação.
:' l'p;e a•se. portanto, urn tipo de_hilozofsmo como fio condu or
interpretação da morte: ao invés da matéria morta, a for•
~1rJ a re ·d
J atuantes. 'esse_sent1 o, apr~senta•se co_mo um recurso vantajo-
irnaginar a maténa em an~1og1a com um vivente dotado de sensa-
•ê)eS. 0 nome dessas sensaçoes pode ser vonlo~e ~u. no limite. uma
articular de vontade: a vontade de potencia. Contudo não
classe P . ·
,·ernos assumir que Nietzsche pretenda somente alargar os limites
d~ universo orgânico. Uma transposi~ão irrefletida do orgânico para
inorgânico faria com que fosse preciso supor que, tal qual os orga-
0
ismos. as forças nascem, crescem e perecem, um desfecho que trai
eternidade da atividade; o paradigma da vida orgânico não defi•
~e. assim. a vida enquanto tal. Com efeito, o que ocorre é o inverso:
é O mundo orgânico que deve ser elucidado pelo inorgânico, de tal
modo que o vivente nada mais é do que uma variação do morto. Se
existe uma diferença entre orgânico e inorgânico, ela se localiza no
plano da percepção. uma vez que enquanto o vivente depende do
erro. no nível inorgânico prevalece a percepção exata.
Porém, esse hilozoísmo não é uma visão acessível a todos os ho-
mens. Ohomem que experimenta a morte covarde, ou não livre, rece-
be amorte como um ladrão que lhe rouba a vida, como um acaso que
chega do exterior. Esse homem é, portanto, vitimado por uma ilusão,
oquedesencadeará um pessimismo radical: o desejo de morrer por•
quese morre. Será somente o homem que vivencia a liberdade para
amorte que se livra desse estado de morbidez, recuperando uma ex·
periência da morte mais legítima. em concordância com a natureza.
Trata-se da morte que se dá porque eu quero. Esse desejo pela morte
deve ser entendido como o assentimento àquilo que é próprio do ho-
mem; àquilo que não lhe é extrínseco, mas intrínseco.

Sobre MORTE, consultar GC § 109 e§ 278; ZA I "Dos pregadores da morte"


8
Moa morte voluntária"; CI "Incursões de um extemporâneo" § 36; FP 11
7
l 0J, l201] e (210) da primavera/outono de 1881; FP 25 (356) da primavera de
1
884; FP35 (53) e (59) de maio/julho de 1885.

Ver também ERRO, ESPAÇO, FORÇA, MATERIALISMO, ORGANISMO, REA·


UDAOE, SENSAÇAO,TEMPO, VIDA, VONTADE, VONTADE DE POT~NCIA

31 5

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Bibliografia

0 1'. a l Umaqu sãoclc 'daournortc. filO'l)f1 cJ,~ '''! l'Jt,


e o o l 111 d utanásia. ln: lfyµno . v. . p. 120-1' ',. )00
E . E 1J o. "e cl1e a 1d tlle Transformation of D h. ln: L 1

\la e s (o g.). ietzsche and lhe B oming of Life. Yorl--: Forrl ·


1
·,

ha l U111, rsi Press, 2014, p. 231 -244 .

Eduardo Nasser

MÚSICA (Musík)

O e a música constitui um tema fundamental nos escritos de 1etz-


sche, cruzando-os de fio a pavio, eis algo que salta aos olhos de quem
entra em contato com sua obra. Implicando adentrar nos te tos d
juventude, a música remete às primeiras incursões especulativas do
fi lósofo alemão, prestando-se, desde o início, a usos heterogêneos.
Da ndo ensejo a diferentes inflexões a partir de Humano. demasiado
Humano, a ponderação estético-musical também permite just1f1car
contramovimentos especulativamente importantes. Levando-nos a
estreitar o vínculo entre vivência e reflexão em sua filosofia madur .
a arte dos sons termina ainda por dar a medida da compreensão qu
o pensador tem de si mesmo.
Para resumir bastante. pode-se dizer que a compr ens" o ini -
cial de Nietzsche acerca do estatuto teórico-especulativo da rte do
sons resulta, em linhas gerais, de uma apropriação particul r do
pensamento de Schopenhauer. Segundo este último, músic, en
facultado articular aquilo que não é dado à linguagem discur iv ~l1r-
mar, de sorte que, exprimindo as sensações de prazer d proz1r in
abstrato, a arte dos sons operaria com intensirJadc. n5o-figurtitiva .
passando a preterir o próprio significado à base cJa pak vr(, . . nlr '
outras coisas, tal cisão implicará de isõcs anlípódi a. sobr ' pr lJI' ·
mas de partilha entre o que seria propriarnent, "rnu ietil" ou 111 'rl1•
mente "dramático". aproximando a rcflcx, o niet7 llitHWd <l 1t :il'
estético-musicais historicamcnt mais Jrnplo ·. No 1 ntanto. · 11 u
ma da a fase inicial de O No im :1nto (ln Trng se/ia, Ni t,. ·ti' p 1 ,,
a esperar das artes n o mais o a cc o privil 13iíHlo a tm1,1 ' ~P, ll' ll'

310

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,1 i,el da reali~ade, masª.operosidade de um fazer artfs-
0 no·, cujo sentido ~e ach~ ligado~ ~m universo antroPoló-
ral. e não a uma d1mensao metafis1camente determinada
;-
• L u - 'I d é
ra-ideal ele nao e eva o, por m, por si só, mas median-
.
f ~,_ e alismo musical afirmado por Eduard Hanslick, célebre au-
:~, e00 belo musico~. Sob a ó~ica deste últim~, não há uma relação
~-:e sária ent_re o obJeto estético, a ~:ça musical'. e os condiciona-
r· subjetivos que, durante a fru1çao, podem impor-se ao espí-

....= ' ou,rinte. Seguindo esse trilho, também Nietzsche permane-


~;,d t esso à ideia de :eduzir a mú,s'.ca à condição de linguagem dos
,er l· ientos. Mas, de1x~r a meta'.1s1ca d~ belo_para aferrar-se, uni-

.a:eralmente. ao formalismo musical equ1valena, no limite, a trocar


artigo de fé por outro. Se. por um lado, a sobriedade defendida
: 11 Humano, demasiado Humano concorre para evitar a adoção de
niões supersticiosamente acalentadas, por outro, ela bem que
poderiaincitar o ouvinte a portar-se de sorte a pressupor a existên-
ciadeapreciações valorativas autônomas, fundadas em si próprias
eencerradas no plano da descrição. Para o abandono deste último.
oi\'ietzsche da maturidade tratará então de afirmar pontos que sus-
,entemuma estética da criação, levando em conta, em especial, a
economia instintual que comanda e tipifica, a seu ver, as diferentes
~roduções musicais. Não por acaso, a ideia de um processo inventi-
'ºde conformação da energia instintual será determinante, na filo-
sofiatardia de Nietzsche, para a elaboração do conceito de "grande
estilo". acontracorrente da moderna harmonia musical romântica,
onlósofo alemão tratará de buscar refúgio num idioma sonoro estru-
uralmente melódico e bem delimitado em termos de sua efetividade
rítmica. Daí, ele evocar, por vezes, a tradição de ritmos binários das
marchas e danças mediterrâneas, cuja organização artística decor-
reria, aseu ver, não de um exaurimento acintoso das correntes telú-
ricas da energia instintual, mas da sublimação refinada dos estados
internos de tensão dos impulsos.
ão por acaso, Carmen, de Georges Bizet, termina por se tornar
urna espécie de arma de derrubada face à "moralina" da qual. segun-
drJ_ofilósofo alemão, a voga artística de sua época se achava eivada.
Oimpulso à organização de Carmen mostrar-se-ia já na abertura da
Gpi_ra, cuja intensidade se deve não à completa imprevisibilidade das

317

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Mu ,ca

inflexões rítmicas, mas à afirmação insistente e bem marcad


. A . - a de
uma sólida estrutura me lód Ica. peça sena, entao, para Nietzs h
. ce
rica e popular justamente porque B1zet se mostra um melodista ·
ciso, construtivo e concludente. Mas a dimensão rítmico-melói:e-
também é uma instanc1a,. · de cu lt·1vo nou t ro senti'd o, o da econo ica.
instintual do próprio filósofo alemão. Assim como cabe moldar c:ª
elemento particular, cada "frase", sem ignorar.º todo da peça musi~
cal, cumpre igualmente acolher um afeto dominante como se foss
o elemento mais precioso, mas sem deixar que a imposição de su!
perspectiva, perdurando ditatorialmente, coloque em risco a econo-
mia instintual em sua totalidade. Ao realizar essa tarefa mediante
suas próprias composições musicais, em complemento ao aspecto
existencial de seu pensamento, Nietzsche acabaria por associar mú-
sica e afirmação de si. Ao relegar sua filosofia e seu passado ao co-
nhecido Hino à Vida, o filósofo compositor acabaria por fazer de sua
"memorável" peça musical o símbolo mesmo de sua autossuperação.
Como signo desta última, a música também se acha, em Nietzsche,
indissoluvelmente ligada a uma concepção dionisíaca da existência
'
a qual, concebendo o mundo como um processo em constante
transformação, não permite se trancafiar num sistema estático e es-
tável de configuração. Expressando um vínculo visceral entre criação
e aniquilação, a música seria dionisíca, também nesse sentido, um
símbolo especial do vir-a-ser.

Sobre MÚSICA, consultar NT § 1, § 2, § 5, § 12, § 19, § 20 e§ 21; HH 1§ 215;


OS§ 134, § 144, § 169, § 171, § 175 e§ 213;AS § 149-152, § 163, § 168 e§ 169;
A§ 114, § 142, § 207, § 239 e§ 557; GC § 63, § 80, § 84, § 87, § 103, § 104, § 106,
§ 183, § 234, § 295, § 317, § 334, § 366, § 369, § 370 e§ 383; GM Ili§ 5; CW § 1;
FP 12 [1] da primavera de 1871.

Ver também AFETO, AFIRMAÇÃO, ARTE, CAIAÇÃO, CULTURA, DIONISlA-


CO, ESTILO, INSTINTO, ROMANTISMO,TAÁGICO, VIA-A-SER, VIVÊNCIA.

Bibliografia

BARROS, Fernando R. de Moraes. o Pensamento musical de Nietzsche.


São Paulo: Perspectiva, 2007.

Fernando R. de Moraes Barros

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NALISMO (Nntlonnll mui)
NACIO
·) )(1(' 11,1(10rldll ,f1H) pl!IC 0 111! ,J ol>rd (j(~ N1rJfl'/.tl'!, tJft /Jr: ((, 'l!IJ',
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f,V XVIII t'lll olo éllcr11;10. Apoia íl g1wrrí1U>rllr:J íl Átr>lfl:J , rt, f/J·
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· r1t1niento cstra1ég1cos < e 1:,rrr;ir . , ·u o otJJelrvo r: ra urwJ:Jt:JrJ
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1
e111o11,,,., 1da AlernJnl1c1 : narticlpa <J • WUPO', litJcrai p1ja an,~1.;ir;jo
1

1 1 ,
ru ,ana da Saxónia_e sustenta D.J PO!,iÇc''><!.!1 cJo hi~,tori:Jdor n:JCron.:J-
i,5ta Heinrich von Trertschk~: ~orna parte allvarncntrJ ,w, q,jr,6,~J 1
15
para O Reichslag constrlU1nte cJa ConfederaçDo da Alernanha do
~orte. aliando-se aos liberais nacionalistas. Pa sa , no entanto, a r .
1
udiar a polftica partidária depois do íracasso do Partido Liberal a-
~ional no pleito há pouco referido, f)Ois julea que os valore clássicos
unham sido deíormados 11elo nacionalismo e que a cultura tinha sido
transformada pelo filisteísrno.
Abandonando a defesa do nacionalismo a partir da Primeira
consideração Extemporânea, Nietzsche 11assa a defender a unidade
da Europa. Ele considera então que a unidade de uma nação, que
possibilitaria a identidade alemã, é nociva. Essa mudança de posição
está, no entanto, estreitamente ligadJ à sua concepção de cultura.
O filósofo atenta para o falo de que, com o nacionalismo, o capital
se organizava mais facilmente e, 11or ex tensão, colocava a cultura
em perigo. Modificando o seu 11onlo de vista, acredita que a unida-
deeuropeia seria mais útil para a cultura. Essa mudança de posiÇdO
em relação ao nacionalismo não acarreta, contudo, o abandono da
tradição em que ele eslava inserido, qual seja, aquela que encontra
na Grécia antiga a chave para os males modernos. E isto porque o
universo grego propiciava ntlo apenas elementos àquele que procu-
ravam construir urna nüção, que desejavam ter urna "alma alemã" .
mas também, e talvez paradoxalmente. elementos éldequado ao
cosmopolitismo. Ao se autodenominar espírito livre, Nictzsctie itua-
~e nesta perspectiva cJos "cosmopolitas do espfrito" . Eos grego sJo
paradigmáticos desse cosrnonolilisrno, rnalerado c1 di tância com que
urn erego se põe crn relação a urn bárbaro por on iderar-s sup •

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Nacionalismo

rior a ele. Se os gregos tinham certa consideraçao pelo outro, irto ~1


deve ao fato de saberem-se devedores de culturas alheias. Mesmo
Nietzsche não ignorava esse débito quando chamava os gregos, no
§238 de Paro além de Bem e Mal, de "~elhores herdeiros e alunoJ
da Ásia" . somente num Estado não-nacional, ou melhor, suprana-
cional, a cultura pode, no ver do filósofo, florescer. E, para tanto, ele
não vacila em defender uma aristocracia cultural que julga ser neces-
sária. Não hesita, portanto, em vangloriar nomes que, por se alçarem
a uma glória eterna, são supranacionais. Diferente foi em seu períOdo
nacionalista, quando, a seu ver, a nação deveria glorificar nomes de
artistas, filósofos, guerreiros, a fim de que uma identificação ocorres-
se, uma identidade se formasse. Momento em que nomes nacionais
eram de extrema importância para a política, pois podiam demons-
trar a superioridade cultural que se tinha sobre o inimigo, no caso
a França. Wagner, Schopenhauer, mas também Kleist e Hõlderlin,
eram os nomes que Nietzsche então prezava. Doravante são em par-
te outros os nomes que o filósofo apresenta como sendo aqueles que
podem embasar a ideia de uma Europa una: Napoleão, Goethe, Bee-
thoven, Stendhal, Heine, além de, por outras razões, Schopenhauer e
Wagner também. Nietzsche entende que a Europa vive um momento
em que a aversão ao nacional chega ao seu ponto máximo. Eesses
nomes teriam preparado o caminho para a síntese europeia. Napo-
leão é o único que destoa dessa lista em que constam escritores e
músicos. Para além do seu aspecto belicoso, cuja máquina de guerra
sempre visou a uma "síntese" da Europa, Nietzsche o considera um
tipo de primeira grandeza, pois seria sem ressentimentos. Mas não
só: o filósofo julga nele encontrar a figura que se contrapõe verdadei-
ramente ao mundo que começa a se delinear com a vitória de 1871
na guerra franco-prussiana. Recorrendo a Napoleão, o filósofo pode
contrapor-se a um dos eixos fundamentais que a política econômica,
de cunho liberal, encontra para se desenvolver, qual seja, o da defesa
do fortalecimento da ideia de uma nação homogênea.
A contrapelo de seus posicionamentos contra o nacionalismo,
Nietzsche vive numa Alemanha que ganhava com rapidez contornos
nacionais. Aliás, tal tarefa, a constituição de um Estado-nação, na
Alemanha, e seu desdobramento lógico, a unificação nacional, cou·
be a "um estadista", Bismarck. Para tanto, esse "estadista " fez corn

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J , 1asse. po meio de seus intelectuais q
· uc o Es ado

0
inal num processo de e olução, como 'ietz h ra
. d 8 se e afirma n
, de poro além e em e Mal. ão só. ,0 seu o
.:, 0 . k . entender como
, , 0 § 241 . B1smarc aguilhoou paixões adorm •d ·
,.. J v .. • .. . ec, as. trazen-
\ a O gosto pelo nacional . Assim O nacional·
o 0 • ismo passou a
a-chave para o bom desenrolar das atividades , .
.. Ç _ . econom1cas
•• 5 r meio dele_o Estado-naçao podia criar-se. ,0 entanto. ietz~
scre pensa que nao é a~enas na Aleman_ha que a nação está sendo
r,,e ada. mas alhures igualmente. Ao identificar essa •reb re ner-
:,,.) nacionalista " no§ 251 de .Para além de Bem e Mal . ao a1er-
()
:Bí para as "horas de ferv_ or nacional", "de palpitações patrióticas·
naEuropa no§ 241, que impele para a invenção de "nações- euro-
r,eias. ietz_ sche :stá con_trapondo-.se _às ideias ligadas ao ·princípio
oe nacionalidade , que C1rculam pnnc,palmente entre os economis-
tas alemães, no período de 1830 a 1880. Está opondo-se às mu-
danças político-econômicas que estão sendo sustentadas por meio
dessa"névrose nationale da qual adoece a Europa", como ele diz no
§2 docapítulo "O Caso Wagner" de Ecce Homo. Em suma. trata-se
para o filósofo de trabalhar para destruir as nações, a fim de que 0
processo de formação de uma "raça europeia". mista e superior. que
começa a surgir, no seu ver, se acelere.

Sobre NACIONALISMO, consultar HH 1§ 475; GC § 377; BM § 238, § 240,


§241 e§ 251; EH Caso Wagner§ 2; FP 11 [188) da primavera/outono de
1881; FP 42 [21 de agosto/setembro de 1885; FP 2 [127) de outono de 1885/
outono de 1886; FP 7 [261 de fim de 1886/primavera de 1887; FP 10 (31) do ou-
tono de 1887; FP 16 (341 da primavera/verão de 1888.

Ver também ARISTOCRACIA, BURGUESIA, CULTURA, ESPIRITO LIVRE,


ESTADO, FILISTEU DA CULTURA, LIBERALISMO, SOCIALISMO.

Bibliografia

SILVA Jr., Ivo da. La función de la metáfora en la aproximación de Nietz-


sche a las cuestiones políticas. Estudios Nietzsche, v. 12, p. 85·
94,2012 .
SILVA Jr., Ivo da. Nietzsche e o conservadorismo romântico. ln: MARTI _5·
André; SANTIAGO, Homero; OLIVA. Luís César (orgs.). As 1/usocs

321

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lur ,•

do Eu: i lzsche e pinoza. Rio de J n iro: Civ1l1l o Bra~,l';ira.


2011, p. 63-76.
SILVA Jr., 1 0 da. Tropeços nacionalistas. Lutero na berlinda. Codernrr,
i tzsche. v. 24. p. 43-57, 2008.
SILVA Jr., Ivo da. Nacionalismo e cultura: pólos antagônicos. ln: - -.
Em B~a de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultura alemã. São Pau'o.
ljuí: Discurso. Unijuí, 2007, p. 99-118. (Col. Sendas & Veredas)

Ivo da SilvaJr.

NATUREZA (Natur)

Nietzsche propõe a desdivinização da natureza como condição para


a naluralização do-homem. Entretanto, o jovem Nietzsche propu-
nha uma concepção sui generis de natureza divinizada. por meio
de Dioniso. A divindade Dioniso mostra-se como "impulso" e como
"fundo" artístico da própria natureza, cujos poderes titânicos so-
bressaíam nas festas dionisíacas e nos mitos gregos. Nos gregos, o
sátiro configurava a verdade, o núcleo mais íntimo da natureza, em
contraposição à mentira da civilização. Nesse sentido, há ainda uma
concepção teleológica de natureza: equiparada à Vontade, a natu-
reza una se serve de ilusões do indivíduo para atingir seus alvos. En-
tretanto. além da crueldade e do retorno ao fundo primordial, atra-
vés da arte da bela aparência seria possível afirmar a natureza na
multiplicidade de seus fenômenos.
Em A gaia Ciência, no entanto, Nietzsche compreende a natu-
reza como ausência de finalidade. Chaos sive natura: com essa e, -
pressão ele indica que o caos é o caráter do mundo natural, que não
há diferença qualitativa entre natureza viva e natureza morta. Con-
junto de forças e impulsos, a natureza é compreendida como um
reino de necessidades irracionais. É nesse contexto que é proposta
a naturalização do homem: as paixões, os instintos e os sentimento
são propensões naturais humanas, que possuem o mesmo cart ter
e~pansivo, violento e dominador de todo impulso natural. Éprcci 0
distinguir, no entanto, entre primeira e segunda natureza. N ·n ·

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Naturoza

1u1tu1t1I", no· bói bt ros, por exemplo, é a natureza primária,


1111 t1/, \
ciii ,1, cl<~ l1npulsos que so oníigura em múltiplas formas. A segun-
11111111t11( 1/ , fo11nnctn o pnrllr da natureza inflexível e terrível dos
(f \lllll s, uni p1 o es o Liplcamenle humano, no qual as paixões
1

, , 0 , plrllLh limdas, subllmadüs. Em contrapartida, a moral é com-


pi e11tllcln ·0 1110 anllnaLureza , porque nega o traço básico dos ins-
1

111110, cln vitla. sun vonlade de potência. Nietzsche propõe "traduzir


o 110111 )Ili cl ' volla à natureza ", no sentido de triunfar sobre as más
i111 1pr ln )se fnlsificaçoes antropomórficas da natureza, como a
do stoi o ctos românlicos. Com o "imperativo categórico da na-
1u1 1n''. co111 o "i111peralivo do instinto", ele propõe uma nova inter-
pretnç o da ní.llurew como vontade de potência, a partir das rela-
ço s d 111ando e de obediência. No texto básico, terrível e eterno
1101110 nalllra, natureza e homem ainda estão unidos de um modo
ílntroponiórfico, como lexlo. Nem o tipo de homem mais elevado
poderia viver na nalureza completamente desumanizada. As forças
criaciorns, inlerprelalivas, avaliadoras e artísticas humanas são ain-
dn compreendidas como forças da natureza. Mas o Nietzsche tardio
não separc1 a nalurezü pura da natureza plural e dinâmica dos im-
pulsos. As ciências da natureza, como a física e a biologia, são ne-
cessárias para a desumanização da natureza e para realizar a histó-
ria natural da moral. Mas a tarefa de afirmar os instintos básicos da
vida tem de ser assumida pelo filósofo, através da criação de novos
valores naturalistas. Nesse sentido, Nietzsche compreende Goethe
corno um "aconlecimento europeu", como retorno à natureza, à "na-
turalidade da Renascença", con traposto à adoração romântica da
natureza de Rousseau. Todas as tentativas morais de negar a natu-
reza são por ela absorvidas. O ascetismo torna-se, assim, natureza.
que impediria o perecimento desse tipo hostil à vida . Os pendores
"sublimes" dos homens do conhecimento e da ciência são uma for-
ma cruel de voltar-se contra o homem. Poder-se-ia constatar uma
tendência ao excesso na natureza, tanto na embriaguez da arte dio-
nisfaca quanto nas ciências naturais, na hybris da violentação da na-
tureza pelo homem moderno. A fisiopsicologia do Nietzsche tardio
Procura aliar a vontade de conhecimento e domínio científico do
mundo natural com os pendores artísticos do espírito. Naturalizar o

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11 n, m . u ) d1 ophn,1. u Ç<o, o i incI,1, ,111 orJrJrnirw1 .

e nh ura Jo do ó 10,. 1mp I O~, m e é Uld ,) O <J,~ CI 1nhrl ,lrl 1,


ICO QU St Ili v, 1,rn . m I zar. ransf1gur,1r, cnr1rn, "r1:rJirnir
d o ·o~ a,atu za.
Sobre NATUREZA consultar NT § 7; GC § 59 e § 109; BM § 230; GM 111 ~ 9·
CI "Incursões do u:n extemporâneo" § 48 o§ 49; FP 11 11971 primavor lou'.
tono de 1881;FP9(179jdooutonodo 1887.

Ver também CIVILIZAÇÃO, DIONISIACO, ESTOICISMO, HUMANIDADE,


IMPERATIVO, IMPULSO, INTERPRETAÇÃO, MORAL, ROMANTISMO, VA-
LOR, VIDA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
ARALDI. Clademir Luís. A vontade de potência e a naturalização d moral.
Cadernos Nietzsche, v. 30. p. 1O1- 120. 201 2.
MARTO . Scar1ett. Apuntes para una ética dei media ambiente. Fnednch
ietzsche ysu concepción dei hombre ydei mundo. Yachay, v. 32/33.
p. 265-275, 2001 .

Clademir Araldi

NECESSIDADE (Notwendigkeit)

Nos seus primórdios, a concepção nietzschiana de necessidade é conce-


bida de uma maneira mais convencional, como um tipo de determinis-
mo. Contudo, ulteriormente irrompe uma visão mais original de necessi-
dade; trata-se da concepção de necessidade que acomoda o acaso.
Pensamentos sobre o problema da necessidade estão presen-
tes nos escritos nietzschianos desde bem cedo. Excetuadas conside-
rações de teor religioso. quando Nietzsche parece aceitar um tipo de
providencialismo, o tema é abordado de forma mais explícita e filo-
sófica em 1862. Nesse momento, entende-se por necessidade o con -
trangimento imposto pela hereditariedade. sobretudo de ordem bio-
lógica. Deve-se compreender a necessidade em relação de tcn 1-10
com a vontade livre.

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etos, odlíl • rro, a tradrçao. O pro; to qu se rm • nr- se-
1 • • _ ' se J de acoll era arte como_ um consolo peran e a n es-
1 O
,,., ir ~ rso agensdos dramas trágicos. que enfrentam de form
0

, -·; necessidade, possuem uma serventia ed1fican e, semeando


-.\1
· . 0 do 11ornem. . _ .
?eie ª rde 1878, emerge uma posrçao maisdecidida em d f~sa
1

pa dade o amadurecimento dessa posição está d1retamen


J necess1 . . d . 1 ,.
r,. do ao desenvolvimento e uma viru enta cnt,ca à vontade 11-

,e,a..0' nagumento nuclear é que as ações não são vistas como neces-
1"'€ ar ..
· o~que se supõe su1eItos portadores da facuidade da von a e
53 r;asP . .
Contudo, a vontade livre nao passa de uma concepção simpl,-
/ \ra sendo, assim, errônea a crença de que os acontecimentos
;~ mo ·idos por motivos e por agentes responsáveis. Logo, tudo
e,ese dar por necessidade.
Porém, não se deve confundir necessidade com determinismo.
\ f tzSche vê anecessidade determinista como uma necessidade apa-
rente, sendo forçoso, portanto, desfazer a antinomia livre-arbítrio -
cativoarbítrio. Existem ao menos três problemas que se impõem.
Pnmeiro, a necessidade determinista pressupõe uma vontade cons-
trangida; porém, não há vontade, nem livre e nem não livre. Segun-
do. odeterminismo é obtido graças à causalidade, que também não
passa de uma ficção. Por fim, a causalidade não se opõe à vontade
livre, poisé da crença em fatos interiores, nomeadamente no ato da
1
ontade como causa, seguida da consciência e do sujeito como cau-
sas, que surge a projeção de esquemas causais.
Conforme o elo entre necessidade e causalidade é desfeito, de-
vo/ e-se oacaso, ou a inocência, aos acontecimentos. Dessa forma.
0
uni erso grego da moira e ananxe é revivido, o universo regido por
uma concepção muito singular de necessidade: a necessidade como
oque se dá arbitrariamente, como um jogo de dados. O essencial
Queseráretido por Nietzsche é que as causas não contêm seus efe1-
os. las não se deve assumir que estamos diante de urn quéldro pJ~
'ªª 0 1
ª na medida em que a concepção de acaso não PJ t1 cl l um l
35

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rn 1< epç, o 11,~1l• 1t iv.:I, cf 'nvolviclcJ rn oposição convicção cJe qu,.:
1r
1

(', l',l!!lll propó• ito~.

~011111 NI ,E'i~IOAOE, r.on ullor FH; Co.Exl. Ili § 4; HH 1§ 18, § 102, § 107 e
\ 111; 0:J • 33; A~~ 01; A§ 130; GC § 109; BM § 18, § 19 8 § 21; CI "Os qua.
tro urnmh urro " ~ o; r-P 11 I20I do vorão de 1875; FP 4 (288I do verão de
11JUO; 11' 'n I1I do vorõo/oulono do 1884.

Vur tn111hó111 AMOfl FATI, CAUSALIDADE, CONSCIÊNCIA, FATALISMO, Ff.


NALIOADE, HEIU:DITARIEDADE, HISTÓRIA, LIVAE-ARBITRIO, SUJEITO,
·1nAGICO, VONTADE.

BI blloo ru fiu
N/\S· ·R EduéJrdo. "Como tornar-se o que se é": si mesmidade e fata-
li:ano em Nietzsche. Dissertatio, v. 33, p. 189-226, 2011.

Eduardo Nasser

NIILISMO (Nihilismus)

O conceito nielzschiano de niilismo é elaborado no contexto da crí-


l iG1 clJ moral, devendo ser compreendido na dinâmica dos esforços
crflicos e criJlivos dos anos 1880. Enquanto consequência da desva-
lori1c1ção dos valores morais da tradição, o niilismo teria uma raiz co-
mum, qual seja, a interpretação moral do mundo. O movimento do
niilismo eslá intimamente ligado à história das morais, principalmente
íl uma forma de moral que triunfou no Ocidente, a moral dos escra-
vos. Os valores morais niilistas desenvolvem-se também no âmbito
da polílica, da cultura, da religião, da ciência e da arte. Nesse senti-
do, o pensamento do eterno retorno do mesmo pode ser um critério
parJ distinguir as farmas de vida afirmativas das niilistas. Para o tipo
de homem fraco, niilista, pensar que tudo retorna eternamente, é a
"forma mais extrema do niilismo". Para o tipo de l1omem forte, afir-
mativo, o eterno retorno do mesmo seria, ao contrário, a forma su-
prema de afirmação da existência.
O niilismo é considerado por Nietzsche, principalmente nos frag-
mentos póstumos a partir do outono de 1885, como uma doença da

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1
1
r1111,1,rir)

1 111mh111i1, qu \ urc na vnlieuicJad '. Da P r'"nccr,va ,,~1016-


, ) :,' t , n,1rnn
::i rcfcrc-se à anarquia e ao cmpobr crmento
, 1,c,1, 11 1 .
11
1 l 111110 v,tais, que ecram valores morars neeadorcs da natureza.
,1-. n. cm r encontradas três formas principaic de marnfe _
e,,~, ~- ;11111 1110 na obra tardia de Nietzsche: o niilismo incompleto.
~,·, Ddo completo e o niilismo extremo. O niilismo incompleto cons-
r'l il1qllO
, ~
.d I . é
período que vai o Patonrsmo at a crise dos valores mer
0
r,'V'
'
o10n . .. é d N
tãos ·supenores na poca mo ema. esse contexto, o pessi-
i1,
' cn sc110penl1auenano.
· com suava 1oraçao • ·
negat,va da vida. seria
,, n10 . . t tá Id f .
ntativa derradeira e Insus en ve e re ug,ar-se em consolos
J ,a te , . bá . d
,co-niorais. CaractenstIca sIca a vontade humana, o horror
a·~c 1 (horror vacw). é uma ,orma
' de n11.. 1.ismo pouco elaborada por
ao va 210 . _
, ,etzsche. à medida que ele nao desenvolve o tema do grande vazio
ue envolvia o homem antes do triunfo da moral cristã.
Q o cristianismo é visto como o grande movimento niilista da an-
tiguidade, determinante na "história do niilismo europeu·. Como
•consequência lógica da décadence", o niilismo é compreendido
como uni modo próprio de declínio das forças e dos instintos vitais.
no interior da história dos valores morais. A moral cristã. com suas
noções de Deus e de verdade transcendentes, desencadeia o pro-
cesso niilista. A morte de Deus é um evento necessário no processo
de moralização do mundo, expressão da derrocada de uma inter-
pretação moral, que tinha a pretensão de ser a única válida. ietz-
sche critica assim o caráter absoluto e universal dos valores morais.
Ao criticar a verdade como valor absoluto ele propõe um novo modo
para avaliar o valor dos valores, a partir da intensificação de potên-
cia. No mundo único das vontades de potência, a tarefa do filósofo
está em fomentar os valores afirmativos da potência da vida.
Ocritico da moral diagnostica outra forma de niilismo, ao analisar
aruína efetiva do mundo dos valores morais no século XIX. Trata-se do
niilismo completo, que se manifesta de dois modos: o niilismopassivo.
que expressa o esgotamento da potência que o espírito atingiu, atra-
vés da predominância dos sentimentos de compaixão e de desprezo.
On!ilismo ativo, por sua vez, significa a intensificação da potência do
éspirito humano, nos seus aspectos destrutivos, enquanto Mbudismo
uropeu da ação" . A intensificação dos impulsos de destruição e au-

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1tl1 lf\O

lodestruição, da vontade de nada, conduz ao niilismo extremo. e mrJ0


também condição para ir além do mundo esvaziado de valore--.
ietzsche raz o experimento de articular o transcurso his ón 0
do niilismo. desde o platonismo, passando pelo cristianismo a é a
modernidade, com a caracterização de suas formas de manifestação.
Esse transcurso histórico teria no Ocidente um sentido único. distin-
to de outras formas, como o niilismo budista. Por fim, Nietzsche, 0
·primeiro niilista completo da Europa ", prognostico as formas mais
extremas desse movimento. A radicalização do niilismo ocorreria a
partir das próprias tendências autodestrutivas da história da moral.
Mas são os filósofos do futuro, criadores de novos valores. de cará-
ter naturalista, que poderão superar o niilismo, revertendo-o na for-
ma mais suprema de afirmação. É como herdeiro da "mais longa e
mais corajosa .. autossuperação da Europa moralizada que Nietzsche
compreende a tarefa de superar o niilismo.
Sobre NIILISMO, consultar NT "Ensaio de autocrítica" § 7; GC § 346 e§ 347;
GM "Prefácio"§ 5, 1§ 12, li§ 12, §21 e§ 24, Ili§ 14, § 24, §27 e §28;AC §6, § 11
e§ 20; FP 12 [57] do outono de 1881; FP 27 (23] do verão/outono de 1884;
FP 2 [100] do outono de 1886; FP 5 [71] do outono de 1887; FP 11 [150] no-
vembro de 1887/março de 1888; FP 18 (17] agosto de 1888.

VertambémASCETISMO, BUDISMO, CRISTIANISMO, DÉCADENCE, DEUS,


ETERNO RETORNO DO MESMO, EXPERIMENTO, MORAL, PESSIMISMO,
SAÚDE, VALOR, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. Para uma caracterização do niilismo na obra tar-


dia de Nietzsche. Cadernos Nietzsche, v. 5, p. 75-94, 1998.
MARTON, Scarlett. Niilismos sísmicos. A compulsiva exaltação do pre-
sente. ln: PECORARO, Rossano; ENGELMANN, Jaqueline (orgs.).
Filosofia contemporânea. Niilismo, Política, Estética. Rio de Janeiro,
São Paulo: Editora PUC-Rio, Edições Loyola, 2008, p. 17-38.
SILVA Jr., Ivo da. Em Busca de um Lugar ao Sol: Nietzsche e a cultura
alemã. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2007. (Col. Sendas & Ve-
redas). Capítulo 1.

Clademir Araldi

328

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Nobroza, Obj IMdnd

EZA (Aden
NOSR
OCRACIA (Aristokrstle)
, rARIST

osJETIVIDADE (Objektivitãt)

à atitude daquele que conta ver as ._


nad.IC ionalmente_associada
,. I b' . . COI
·corno el~s sao , a pa av~a o Jet1v1dade ad~uire, em Nietzsche,
535
entido diferente do partilhado pelas doutrinas objetivistas de
unis . . f I d . ,
do com as quais sena acu ta o ao intelecto descerrar e conhe-
acor dd . .
urna realidade a a, existente em s1 e por si mesma. Afastando-
ce~essa orientação, o filósofo alemão irá inserir o termo, desta feita,
~:ado a u~a i~terpretação perspe~tivista da existência, num regis-
tro herrneneut1co segundo o qual o intelecto do ser humano não está
apto aver ao seu redor a não ser a partir de suas respectivas formas
de enxergar o mundo. Isso, porém, não deve nos induzir ao aceite
de que Nietzsche, às avessas, espera defender alguma espécie de
subjetivismo. Ao contrário, desde os seus primeiros textos, interes-
sava-lhe sobretudo desatrelar as apreciações acerca da efetividade
-nesse caso específico, no âmbito da estética - de estados indi-
viduais de consciência. Mas, com o advento da teoria dos afetos, na
sua filosofia da maturidade, a noção de objetividade será apetrecha-
da, em complemento ao perspectivismo nietzschiano, com um cará-
ter derradeiramente interpretativo, uma vez que a própria noção de
·eu" passa a adquirir um significado associado a uma economia ins-
tintual pluralista e multifária, implicando asserir a subjetividade num
contexto onde o sujeito não passa de uma confluência dinâmica e
fugaz de complexos de impulsos em constante interação. Doravante,
não por acaso, passa a vigorar uma concepção segundo a qual a ob-
jetividade do conhecimento científico é tanto mais consistente quanto
mais ela se revelar assimilável às múltiplas perspectivas e interpreta-
ções afetivas à base da economia pulsional humana.
Sobre OBJETIVIDADE, consultar NT § 5; Co.Ext. li § 4-8; BM § 207 8 § 20B;
GM Ili§ 12,

VertambémAFETO, CIÊNCIA, CONHECIMENTO, EU, IMPULSO, INTEAPAE·


TAÇAo, PEASPECTIVISMO, REALIDADE, REALISMO, SUJEITO, VERDADE.

329

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Bibliogrofio
E EDO :1rn, Dutrt1 d . '1 tz eh 'ª m rnicJ
Codc~,10 ,, usche. . 27. p. 1,,3-68. 201 O.

Fernando R. de Morae Bar


s

ORGANISMO (Organismus)

liellsche inicia uma reflexão sobre a teleologia orgânica n maSére


de anotações póstumas de 1868. no âmbito de um proje o de d)_
torado inacabado sobre "O conceito de orgânico desde Kan •. . 5
anotações de trabalho já revelam uma orientação fundamentol da _
losofia nietzschiana: trata-se de repensar o mundo orgânico a re,e,-
tar O otimismo teleológico que caracterizava a filosofia da na =-za
(Noturphilosophie) alemã. Nessa direção. o jovem ietzsche ega
que um organismo constitua um "fim da natureza". no sentidodeu
todo do qual todas as partes seriam fim e reciprocamente me;o_ Se
tiver uma finalidade orgânica, ela é muito mais limitada . pois é .~
cessário conciliá-la com o papel do acaso e da seleção no ·mé 0
da natureza". Desse ponto de vista, o jovem Nietzsche já relati\ aa
ideia de uma especificidade dos seres vivos em relação ao reino i r-
gânico. Mas as anotações de 1868 parecem globalmente aporé icas
e não defendem uma teoria positiva do organismo.
Nietzsche aprofunda essa reflexão no início de década de 1880.
quando elabora sua doutrina da vontade de potência a fim de es-
clarecer a organização do corpo vivo. Nesse sentido, os fragmen-
tos póstumos de 188 1 propõem reler todos os processos orgânicos
como relações pulsionais entre os seres vivos que constituem um
organismo complexo. Esses seres seriam ávidos. na medida emq e
tenderiam a apropriar-se da comida e do espaço dentro do orga·
nismo. E seriam também capazes de ódio e de crueldade, a hm e
subjugar seus concorrentes ao reduzi-los ao estado de fun õe or-
gânicas. Desse modo, toda a fisiologia poderia ser reinterpreta J J
luz da doutrina da vontade de potência, como ugere c1 pa c1g1?lll
obre a "autossuperaçào" da vida na segunda p rt de im 0'<1 °
330

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7
[ _ J cone Jo 1mpl1ca qu o orearns . e q ~ 1 0 r) •
'•I 1 (/ / f{ • ' · é
. •' )o d, ontade de potencia, ) cstru urado rela ,Ge-., '!
11
, ·, • d O ed1ênc1a. Mas não assis imos stricto s'!n)u a re-
' ~- ~ ~il teleologia criticada__ na~ anotações de 1868. Em a a -
1

,l , ,a da vonta de de potencia se oponha ao mecanicismo. ela


· rn pluraliza as finalidades. de modo a excluir qualqu1:r el0 o-
J
,~g1 él íu:icional ' linear e progressiva,
.
inclusive aquelas que pos ulam
steorias da evoluçao. De fato, segundo o§ 12 da segunda d1s-
ce a . d M I . .
,ertação de Cenealog,~ a ~ra . a emer~enc1a de um órgão não
~ e plica por sua funçao ul~enor no o~garnsmo. Pois não são ape-
sas estruturas, mas tambem as funçoes que evoluem, em virtude
na • .
de relações de potencia sempre novas, que impedem de linearizar
0
desenvolvimento orgânico.
A partir de Para além de Bem e Mal. a interpretação do orga-
nismo em termos de vontade de potência se torna um modelo para
elucidar o conjunto da realidade: o§ 36 sugere que o mundo mecâ-
nico talvez possa ser concebido como "uma pré-forma da vida·. Por
isso, se o vitalismo for definido como uma doutrina da ªforça vital·
irredutível à matéria, então Nietzsche não é vitalista propriamente
falando. Existe uma continuidade entre a vida e as forças mecânicas,
o organismo pode ser caracterizado como uma diferenciação e as-
sociação de funções inorgânicas pré-existentes. Por outro lado, os
escritos de 1888 também assimilam as sociedades humanas a orga-
nismos. Isso transparece, notadamente, quando Nietzsct1e procura
justificar uma biopolítica impiedosa, ao apresentar-se como um fisio-
logista da sociedade . Com efeito, lemos no§ 2 do capítulo acerca de
Aurora em Ecce Homo. que toda parte em degenerescência do corpo
social deve ser amputada, se se quiser evitar que o todo degenere.
Esse organicismo levanta questões axiológicas difíceis. Contudo, de-
ve-se observar que ele é reversível, pois Nietzsche também concebe
oorganismo como uma sociedade mais ou menos hierarquizada e,
por conseguinte, mais ou menos sã . Pode ser uma maneira de su-
gerir que não é possível interpretar o nosso organismo independen-
temente dos nossos valores e preferências sociais.

Sobre ORGANISMO, consultar GC § 11 e§ 109; ZA li "Da superação de si ";


BM § 36; GM 11 § 12; EH "Aurora"§ 2; FP 62 (3) e seguintes de abril/maio de

331

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Pathos d d1 tênc,a

1868; FP 11 (1341 da primavera/outono de 1881; FP 711741 da prirnaverat


verão de 1883; 14 (1741 da primavera de 1888.

Ver também CORPO, FINALl~ADE, FISIOPSICOLOGIA, HIERARQUIA, NA.


TUREZA, PROGRESSO, SAUDE, SELEÇÃO, VALOR, VIDA, VONTADE DE
POTÊNCIA.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. Organismo e arte na filosofia de Nietzsche. Phí-


losophica, v. 29, p. 35-47, 2007.
NASSER, Eduardo. Nietzsche and the Transformation of Death. ln: LEMM,
Vanessa (org.). Nietzsche and the Becoming ofUfe. New York: Ford-
ham University Press, 2014, p. 231-244.
SALANSKIS, Emmanuel. Nietzsche. Paris: Les Belles Lettres, 2015. Ca-
pítulo 2.

Emmanuel Salanskis

PATHOS DA DISTÂNCIA (Pathos der Distanz)

Empregado a partir de Para além de Bem e Mal, o conceito de pathos


da distância, ou sentimento de distância, indica uma característica de
todo Upo de homem e de toda época forte e superior, que não apenas
veem e est.abelecem hierarquia por toda parte como também se sen-
tem e se colocam a si mesmos na posição mais elevada. E, de fato, o
próprio instinto para a diferenciação hierárquica constitui, no enten-
der de Nietzsche, um sinal de superioridade característico de um tipo
nobre de homem, que se distingue a si mesmo de um tipo de homem
sentido como inferior, medíocre, comum, vulgar, plebeu.
O sentimento de distância - isto é, a defesa da hierarquia e da
diferenciação de valor, bem como do estabelecimento de relações de
domínio e subordinação entre os homens - revela-se uma qualidade
indissociável das sociedades aristocráticas. E tanto o pathos da dis-
tância quanto o aristocratismo constituem, por sua vez, um pressu-
posto de toda elevação do homem e da cultura.

332

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Pathos da distancia

, d forma de anseio por igualdade e nivelamento, ao con-


Ja to a d' . d' .
. do sentimento que lí1s~andc1a e i_st1ngue, não passa de uma ex-
1rán0_0 de fraqueza e dec mo e um tipo de ho~em, de_uma cultura
pressa rna época. Exemplo notável de tal anseio é a exigência polí-
~u de udireitoS iguais, que - como sustentará Nietzsche em oAnti-
uca de -0 faz mais do que ressoar uma mentira religiosa, profes-
·to-na .,.
cns I cristianismo, a saber, o engodo da igualdade das almas",
sada pde·dºa em que todas e cada uma seriam imortais.
ame i d d' ,. . d
n conceito de pat~os _a 1stanc1~ _esempenha, por fim, um
O
ntrai nas invest1gaçoes genealog1cas a que Nietzsche sub-
pape 1ee . b . ,
diversas morais so re as quais se debruça. E bem verdade
mete aS .
ele chega a afirmar, no fragmento póstumo 1 (1OJ do outono
qu~ 885;primavera de 1886, que o pathos da distância constitui o
de damento de toda moral. Em geral, porém, sua ênfase recai sobre
fun . ,. .
morais de senhor: estas, sim, tem sua ongem em um autêntico
ª:ntimento de distinção hierárquica. Típico de toda criação de valo-
:es por parte dos nobres e poderosos é o fato de que eles, sentindo-
se em posição mais elevada e percebendo a si próprios e a seus atos
como bons, primeiramente se afirmam a si mesmos, para só depois,
de maneira secundária, se colocarem em oposição ao que conside-
ram inferior. Já as morais escravas têm por ato fundador não uma
afirmação de si, mas antes a negação de um outro.
Sobre PATHOS DA DISTÂNCIA, consultar BM § 257 e § 263; GM 1§ 2; CI "In-
cursões de um extemporâneo" § 37; AC § 43 e § 57; EH "O Caso Wagner"
§4; FP 1[10J do outono de 1885/primavera de 1886.

Ver também AFIRMAÇÃO, ARISTOCRACIA, CULTURA, FORTE, HIERAR-


QUIA, HOMEM SUPERIOR, IGUALDADE, INSTINTO, MORAL DOS SENHO-
RES EDOS ESCRAVOS, TIPO, VALOR.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.


São Paulo, ljuf: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Cal. Sen-
das & Veredas)

Eder Corbanezi

333

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PENSAMENTO (Gedanke)

a, a , das ezes. 1 Ietzsc e en ende o pensamrin o dP f0 ma


ass, é ca: trata-se. de um lado. de uma de atividade organizaa a,
, s , , a e 1nconsc1ente e. de outro. de um epifen6meno conscIe e
0 Sº az ssí el graças aos signos.
Des e suas pnmeIras investidas hlosóficas. , ietzsche procu a
e fazer o paradigma do pensamento puro. Em 1869. apresenta a
hi · ese de que antes do pensamento ser conceitua i, etéreo, ele é
li uístico. de tal modo que aquilo que chamamos de juízos e catego-
0

as depen e da gramática. A linguagem, cuja origem é inconsciente


e mstinti 'ª· determina o pensamento consciente.
'os anos que se seguem, iet1sche continua explorando o laço
e e pensamento e linguagem, bem como a resistência a um caráter
o d pensamento. Em 1870, o pensamento, enquanto uma pro-
;2çã do intelecto primordial, é definido pela articulação de signos lin-
g ;s · os. Por\'olta de 1872, o pensamento é posicionado numa esfera
i sciente, sendo concebido como uma atividade descentralizada de
se'.eção de imagens; o pensamento não está sediado num centro, como
cé e ro, pois o cérebro mesmo é já pensamento. Trata-se da atividade
·· e · r à rodução de imagens decorrente da recepção de excitações:
a ca e a do pensamento é selecionar as imagens semelhantes e maisvi-
6 r sas. Desse modo. antes de ser conceituai, o pensamento é estético.
O rocesso de abstração, a formação de conceitos, só se dá num último
.e ,e to. quando as pala ras, os equivalentes sonoros das imagens,
passa a aler para uma grande quantidade de casos.
artir de 1880, a apreciação do pensamento fragmentado em
or-:sd mínios distintos é consolidada. Em primeiro lugar, apresenta-se
pe sarnento consciente como uma construção social. Tão logo pas-
sa a i 'er em sociedade, o 1·1omem vê-se obrigado a se comunicar para
ct izàrsuas chances de sobrevivência, gerando, assim, a consciência.
A co sciéncia, bem entendida como uma rede de comunirnção, passa
ã se confundir com a linguagem, de modo que o pensamento cons-
ci e de e ser entendido como aquele que ocorre em palavras.
O pensamento consciente, contudo, não esgota o pensr1111e11to
enquan o tal. Com efeito, o pen amento consciente algo d ine -

1 334

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oal no homem, ~ n u í ;rn r;n _um ,~-~'rJ , ~ na d;món-:2
se;isrica do pensamen o ín,.t;Jl-3_Ja n dr; íníJ dr i r) o :·':! -· E:'l:!
onscíente é, r veres, a~r x1m,3? d<J wrrY), a~ rnrYJ J q ~ q 2 _
°
do se fala nu~ p€~samen in 0n::c11;ntA, <J<..1 -Y:: en :F.:ndr;r um µ1:; -
menta dos orga s.
s.a A dimensão ínconscíi;nte u corpórea do pens.amento é uma d.
mensão ilógíG:l. Ao contrário daquilo qua a redít3m os 11gícos, nãc, há
0
r:;€nsamento en~u.anto u~a fa uld_a p ísolada queSI! orr-.e aos ímp i-
sos e paixões. A log1ca supre quai som nte pensamentos G:lusem pen-
samentos quando, na verdade, não existe o pensamento como algo
simples. Pensar é complexo: há unicamente um pensar-sentir-querer.
Nessa tríade, cabe ao p€nsamento realízar a assímílação, a operação
judicativa que obedece à vontade de ver casos idéntícos. Trat.a-se da
operação que seleciona o que deve ser assimilado e excluído das ex-
citações recebidas. Será sobre esse procedimento assimilador. execu-
tado pelo pensamento originário, que se faz possível a lógica.
Cumpre, enfim, notar que o pensamento não é uma capacida-
de exclusiva dos homens e dos animais. Há também pensamento no
nível inorgânico, domínio em que o pensamento se define enquanto
composição de formas, como no caso dos críst.ais.
Sobre PENSAMENTO, consultarOL; NT § 15;VM § 1;A § 125; GC §333 e §354;
BM § 16, § 19 e§ 36; FP 11 (330] da primavera/outono de 1881; FP 19 (78] e
(107] do verão de 1872/início de 1873; FP 34 (46] de abril/junho de 1885; FP 38
[1] e [2] de junho/julho de 1885; FP 41 (11] de agosto/setembro de 1885.

Ver também CERTEZA IMEDIATA, CONCEITO, CONSCIÊNCIA, CORPO, FI-


SIOPSICOLOGIA, INSTINTO, LINGUAGEM, LÓGICA, PSICOLOGIA, RAZÃO,
TEORIA DO CONHECIMENTO, VONTADE.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. Nietzsche: Consciência e inconsciente. ln: - -


Extravagâncias. Ensaios sobre a Filosofia de Nietzsche. 3ª ed. São
Paulo: Barcarolla. 2009, p. 167- 182. (Col. Sendas & Veredas)
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a busca pelo seu leitor ideal. Cadernos
Nietzsche, v. 35, p. 33-55, 2014.

Eduardo Nasser

335

.....__

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PERSPECTIVISMO (Per pektlvl1mu1)

1 1 tz~ l1 t1h2 uquís{im s v zes em suJ obra o t ·rmo ~r ,v.i:. 1


v1 rno. 1u1tos comentador s não h sitaram, ontudo, m f!nco irM
em sua hlosofia. ou em extrair dela, algo que convenc1on ram e ,3 .
mar de ·perspectivismo·, embora conferindo-lhe as mais vanad,:r
fonnulações. Semelhante atitude, longe de ser sem razão. jus 1f1 a- _
ao menos em virtude da frequente presença, sobretudo no escn os
da década de 1880, de palavras morfologicamente aparentadas ao
ocábulo "perspectivismo". tais como o substantivo "perspectiva· e0
adjeti o ·perspectivístico" - este aparecendo também em sua forma
substantivada, Mo perspectivístico", o que reforça seu caráter concei-
tuai. Aquela empresa dos comentadores explica -se ainda na medi-
da em que, não raro, Nietzsche lança mão de outras palavras com
teor semântico próximo ou até mesmo idêntico ao de ·perspecti a·,
como é o caso de Mótica", além de uma miríade de imagens que bem
poderiam aludir ao assim denominado perspectivismo.
A depender dos diferentes contextos em que aparecem, os ter-
mos perspectiva e ótica possuem significados diversos e cumprem
funções não menos variadas. Em reflexões epistemológicas, eles de-
sempenham um papel relevante na crítica aos ideais de conheci-
mento e verdade em si. O que se denomina Mconhecimento· . lemos
em Genealogia da Moral, é sempre condicionado por uma determi-
nada perspectiva. Éo homem - ou melhor, seus impulsos e afetos
- que, de sua própria ótica, introduz interpretativamente no mun-
do aquilo que nele acredita simplesmente encontrar. Por isso, ano-
ta Nietzsche em um fragmento póstumo de 1885, o caráter pers-
pectivístico do mundo vai tão longe quanto nosso Mentendimento·
a respeito dele, não sendo mais do que formas perspectivísticas as
noções com que operam físicos e metafísicos, entre as quais se en-
contram causa e efeito, tempo e espaço, meio e fim, ativo e passi-
vo, sujeito e objeto, além de átomo, número, substância. indivíduo,
alma e faculdades da alma. Inevitavelmente construído a partir de
uma determinada perspectiva, o que se chama "mundo" consisteem
simplificação, falsificação, erro, ilusão, ficção, aparência. Mas é pre i-
samente de um mundo perspectivístico que depende nossr1 con cr·

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f\ r pn' IIVI 1110

mele em todo caso, perccoríílmo Do.1011


áO'se 1
q111 1 0p1 1•1
"ªçcuv1s
' : t'CO
' • ,, '

1 , corno diz. IF1p1dnrrn 'lllC.o I rpf, lo ílt' p 1m ,1',1/, 111 rI,1 I 11 1,n
pe onstitui condição d tocta v1ctíl.
eMaf,c fI í)
cumpre observar que, , í1 em llííl IH11ll,lnt1, Nlt'IA< 111 , 11110
. de, por outro lado. enfilt11élr e omplt'Xl(l'lclP 'l'tt',•111 1,. , , (l1,111·
deixa
a expressão teo geral. Délnclo, er o ,lr,1lt'r llltlltll do,·
sob urn . f'ló f . ll
ceitodeperspect1va,o 1 sooot1 . 1i r1r1 s " s onc,1 110,,, 11 ,li,,
eimpulso corno tamb m o. d v r1t,1 lti clt) pot II lil <' fnt~il, 110
10
rnesrno ternpo e~ QU o(: inrula lc 11 1 ) 1~1 ~lljt)IIO, dllllt'HIO 11
ticada. ora, e o 1d c1I d conl1 . 1111 1 1110 t 1111 !-l i !)l' rt~Vt'lil 111,~1u,<1n 0
1
se Nietzscti cone élP llclS 11111 conlH' lllll'lll p •r. pti .IIVL II o, ldl
corno asse ra 111 Cen '(I/OfJIO ( /(1 t\ f< 1(1/, l'lll. l jll',lillll(!flle d (IIVl)I
sidade da p )1. 1 Cl l\',L (' (1íl llll 'I pr 'lcl l '~ cios i1ft!I )\ (lllt' ~,(l(lt Ví!
usar 111 b 1i1l1 10 (Jc co11l1tc1111 1 1110 d,1i, 1111 ve, tlí' 11111 ,1 "lt!orl.i <lo
conl1 cilll >rll •. ( hlc. l) 1 '11 li, t'Hll lHIO lllll Íld(\lll 11110 p()•,turno
de 18B7, lll UI li! "e; tn 11 < h I ., I (I os (/(l'; Ofl.'IO .•. 1: ti1111l l<'l r11
ne e 1nt1 1ll 1 , t 1r 1G111 1/c /,a ela I te ai, o i1utor 1nc11·i1 o qtH!, ;1
seu ,er. e 1rt1111 1 ·e l / 1 1<1,Hh•· < t• c1lno 1 1111 do rnntr, rio ele con-
figurar u1n • n 1 111~ 1,1 , ) e t'. 1111 ~ ''l 1cl,1•. tl •ot>J 1 t1V1cl,1cle", em
ua n ,·a;1 e~ >• . 0 ,1 11111. eo 1p!1 1 .111,1111 •clld,1ern q11 , 11wls ílfe
10 Unrc 11 •r . t' 1/ 111 m p, 1 • 111 t 'l
Em refie · ~ _ 1 1 : ,,e 1~. , 1
11 1
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per li\' e I tl ,l l t 11 1(. l tl I h~t,l cJ I V,llOr • ( tJi:01u10 (léKIO~ 1

e uni\' . 1 • o- 11 t: •• , 1 , 1<1 o, uto 110 pr 1 f,1cro d l /111110110, e/ •


ma iodo H mano. ~o. 11 1 co 1 , ui o por I tirn, tiva J r ·, ' -
tiví t1ca . qu tr 1z m a con I o s d con rYílÇ< o int n líi él·
I

çào de determina as c1c d I a. Como 11 urnl pluralitl ele de


modos de v, a. múlt1 la ão tam · m s p r p 1ctiv . s. Por L o, o
filósofo critica com veem· nc1 , corno I v 1 rifrc m urna PJ sae m
de OAnticristo a re peito dos t ólogos. tod· ótica que reivindique a
exclusividade e a universalidade d s us valor tarnbérn se refe-
re, agora em Ecce Homo. à própria transw.1loração do valores corno
urna t_ransposição de perspectivas.
Epreciso sublinhar finalmente que. revelando-s condiç~o de
toda vida, o perspectivístico não se restringe, porém, ao domínio or-
gânico, mas se inscreve em toda a existência. O conceito de pers-
pectiva diz respeito. no limite, ao exercer-se de vontades de pot~n-

337

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,rn, rno

1J forçJ . qu . onform,, •íl •rtJlll fr ,,mcnt '> pó',lurno •<


Jt I íl 1fj ,
mpr on·tr 'm ~u 111u11do a JXHtlr d ' ·u ponto ti 'vbta. (. ,l'/,1rn
que a int n ifi ação d, polô11cla, por xcmplo. onduL abtrtura d,
nova per p clivas, já que e ta não ,<o fix ·.
Sobro PEASPECTIVISMO, consultor NT "Ensaio do autocrltíca" § 5; HH
"Profácio" § 6; GC § 354 e§ 374; BM "Prefácio" e§ 34; GM Ili§ 12; AC§ 9;
EH "Por quo sou tão sábio"§ 1; FP 40 (391 de agosto/setembro de 1885;
FP 211081 o (1491 do outono de 1885/outono de 1886; FP 7 (601 do final de
1886/primavera de 1887; FP 9181 do outono de 1887; FP 14 (1841 e 11861 da
primavera do 1888.

Ver também AFETO, APARÊNCIA, CONHECIMENTO, ERRO, ILUSÃO, IM-


PULSO, INTERPRETAÇÃO, OBJETIVIDADE, VALOR, VERDADE, VIDA, VON-
TADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética .
São Paulo, ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008.
ITAPARICA, André Luís Mota. O novo "infinito" : perspectivismo e inter-
pretação. ln: AZEREDO, Vânia Outra de (org.). Caminhos percorri-
dos e Terras incógnitas - Encontros Nietzsche. ljuí: Unijuí. 2004,
p. 97-118.
MARTON, Scarlett. Le perspectivisme: d'une question gnoséologique à
une thêse cosmologique. ln: D'IORIO, Paolo; FORNARI. Maria Cris-
tina; LUPO, Luca; PIAZZESI, Chiara (orgs.). Prospettive. Omaggio
a Ciuliano Campioni. Pisa: ETS, 2015, p. 273-278.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: Das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed . Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo VI.

Eder Corbanezi

PESSIMISMO (Pessimismus)

Nietzsche elabora sua concepção própria de pessimismo a partir do


confronto com o pessimismo schopenhaueriano e romântico. O jovem
Nietzsche distingue o pessimismo prático, enquanto aspiração abso-

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Pessimismo

_ ser, do pessimismo teórico, visto como conheci me t d


or,ao- . . d. 'd I N no a
11 aª. d da existência 1n 1v1 ua . os gregos, o conheci me t d
oda e d d "d . .. no o
g~ dioriisíaco do mun o e as ores da 1nd1v1duação" foi transfi-
n ~ através da arte.
gura ~etzsche prop?e-se a p~nsar ~ ~essimismo em sua profundi-
desde suas raIzes morais e rel1g1osas antigas até O seu recru-
dad~, rito moderno. Para ele, os românticos alemães já teriam per-
desc1me ,. . i: , .
. perigo das consequencIas ne,astas do espinto de negação do
ceb1dO 0 1 - d fi . .
rnundo. Em v~z d~ ~rocurar um~ so uç~o e rnt1va, .el~s.se detiveram
luções ilusonas, passageiras, tais como o m1st1cismo, 0 idea-
~rn soou a fuga na religião cristã. Entre os modernos, Schopenhauer
~mo .
. s·icto O pensador que mais se preocupou em compreender 0
reM . .
simismo em sua profundidade. O modo de vIncul_ ar o pessimismo
pes - N. h
comaarte, no entanto, opoe . 1etzsc e a Schopenhauer. se para
Schopenhauer a arte pode ser vista como uma ponte para a negação
da vontade de viver, para Nietzsche ela é uma força humana elevada,
aforma mais completa de justificação e afirmação do mundo. Para 0
jovem Nietzsche, o pessimismo teórico seria transfigurado na afir-
mação estética da existência, ligada à metafísica de artista. Para o
Nietzsche tardio, a radicalização do pessimismo será desenvolvida a
partir da crítica da moral, de uma nova compreensão dinâmica e
imanente do mundo, da arte e da cultura.
Anoção de pessimismo teórico é desenvolvida no pensamento
nietzschiano para superar a estreiteza da versão pessimista de Scho-
penhauer, para quem a soma das dores ultrapassa em muito a soma
dosprazeres no indivíduo. O pessimista do intelecto critica a estrei-
teza moral do pessimismo de Schopenhauer, de Leopardi, Pascal,
Dostoiévski, por seu parentesco com as duas grandes religiões pes-
simistas, o budismo e o cristianismo. O conflito entre arte e conheci-
mento, na época de Humano, demasiado Humano, é assumido pela
disposição de ânimo jovial e científica do espírito livre, sem a justifi-
caçãoestética da existência. Nietzsche propõe, com isso, o desen-
volvimento do pessimismo em suas formas mais radicais, para além
doserros da moral e das religiões.
Nos escritos dos anos 1880, a distinção mais relevante é en-
O
~re Pessimismo da foliça e o da fraqueza que é elaborada com 0
intu· ' · ·
,to de superar a decadência moral, no contexto das inve stiga-

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Possimismo

çôes acerca do niilismo. O conc~i~o de pessimismo, enquanto forma


'Jrt\tia do niilismo, articula as vanas. formas
,_ h. modernas
d de enfraq ue.
cimento, assim como os ensaios rnetzsc 1~nos e sua superação
um instinto de negar a vida que se manifesta nas várias forrn ·
do P . imismo da fraqueza: pessimismo d~ ~ensibilidade. pessirn~~
mo díl vonlélde não livre, pessimismo da duvida, pessimismo moral
p, imismo metafisico, pessimismo ~l~sófico. ~es_ simismo social d~
,llltH{luist s, pessimismo da compa1xao. pess1m1smo russo, pessi-
mi 1110 dé1 1 oria do conl1ecirnento e pessimismo da cultura. o Dessi-
1111 mo parisien e das g raçõ s de 1830 e de 1850 torna-se a nova
pt1i ;10 elo )_pfl ito: le , contudo, sintoma da doença da época, do
ct1n. t1 0 cir umJ rl, t1 e p1ntualm nt r finada e tardia. O pessirnis-
1110 ronh 11t1c eur )u, 111nci1c1 lm nt o d Schopenhauer e O de
w,1nr1l'r, um gr,1nc1, t1 ont c1111 ' lll O dJ ultura europeia, um ápice
11o 111ov11m1 11to d1. t 1 11clc11C1íl. 111t1lt1í,1c tJdél d negação. Nietzsche
o,,
,1 . ~llllH' t' dP. L)ll\ oi, t' ·c.,mismo do for a, no intuito de triunfar
~ brt' l 111i1 1s ter'" l' I . olrlllll'rllo. . orr 1m lr\lo daquele que conhece,
~l'lllL' e ''" t' t que 11,1 IL' , 1.11s I ol1l ' 111,· t1co na e istência e no mun-
d ). EIL' L' t,1111l L'lll l1-1111,1do d' 1 : s,1111 1110 clá ico ou dionisfaco,
111P l11L)l,l dl' u111l1 , rll ,1dl t1 11flrn11 r J ,,, a. m todos os seus as-
pc ·t : , e , , l . l: . 1111wn to. ' JI 'g11él ncadeados.
) t) ·t'1 (' dt' ~, __ ,, 11. 11., 1111 comoo de niilismo.expressam
t \fl L) , _ , 1 , 11 wntc.- l1. L'lllient , C] Lk nto os decadentes. A supera-
. ·1 l ~'\' •. 11 11: 1 ll ( ,1 l1 UL' ._1, l e__ e mo o, inclui o ato de negação
1ll: iur hl e ecadência. Com o pessimis-
' · \ ,t e : p o~· destruir ativamente. pois essa
t' ,l · 1 , •l)l) t l1 111 1-1 , c111 J e a 1r mt1 ora de s1. no Jogo de forças do

1 111 l , \11 ,1 ,1: ' t 1 l = :111 0 1 tJ pa olob1cos mo ernos.

IMISMO, consultar NT "Ensai o de autocrítica" § 4, § 15; HH 1


5; HH 11 "Prefacio" § 1, § 2 e§ 4; A "Prefácio" § 1 e§ 3, § 114e
57 e§ 370; BM § 56 e§ 59; CI "O que devo aos antigos• §5; FP
ut n de 1869; FP 27 ISO] primaver verão de 1878; FP 38 151
e 1 5.

\ P he 1AFIR \AÇÃO. ARTE, BUDISMO, CRISTIANISMO, DÉCADENCE.


NI IACO, ESPIRITO LIVRE, FORÇA, FORTE, NIILISMO, ROMANTIS-
, VI A.

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e,bllografia
01 ClacJ •rnír Luí • Niílí',rno, (ríor,Oo, /\n!r1ull1Jmr:r1/1J: //ír://'/,/Jrt f! rJ
1

,RALFil; ofío do extremo·,. ~ 1:,ui J, ljuí: Uí'/.Ur'/J I ,J, r1rí:J/, Ji I a


Unijuí, 200'1. Capílul 2. ( ,<JI. ~fltJ:t, IJ 1/t;r,1J:J',)

PRAZER (Lust)

as diversas análises níetzschíana elo. con cítJf de prazr:;r r: rJer


prazer, sobressaíª, co~síde_ra~ão elo prazer corno a ínt.ew ífíc~ção rJ J
sentimento de potencia, pnnc1palrnente na autodetermínaçã e cría-
ção artística de si. O prazer prímordíal (Urlust) do díoní íaco era ví to
como jogo artístico da Vontade consigo mesma, À diferença do pra-
zer apolíneo na bela aparéncía, o prazer dionisíaco é afirmação in -
cente e inconsciente tanto no criar quanto no destruir. A art tráoíca
grega, no entanto, propicíaría um prazer mais elevado que a volúpia
[Wol/ust) das festas díonísíacas bárbaras.
Em Humano, demasíado Humano, ao analisar os exercícios mo-
rais ascéticos do passado humano, Nietzsche ressalta a volúpia do ser
humano em violentar a si mesmo. Entretanto, é em relação à história
dos sentimentos morais que o prazer e o desprazer são considerados.
Ao considerar como traço básico da vontade e das ações humanas
a busca do prazer e o afastamento da dor, o autor de Humano evi-
dencia sua aproximação às abordagens utilitaristas da moral, muito
valorizadas também por Paul Rée. A história dos sentimentos morais
"bom" e "mau", nesse sentido, é a história do erro da liberdade in-
teligível. Nesse necessitarismo, ligado à força dos motivos. prazer e
desprazer são equiparados ao útil e ao prejudicial, ao bom e ao mau.
Assim é compreendido o prazer no costume, como uma forma de unir
0 útil ao agradável. Com seus "instintos sociais", o ser humano desen-

volveria a empatia, a saber, as sensações prazerosas no convívio com


os outros. Épor evitar O desprazer que os seres humanos se subme-
teriam às coerções morais. A longa prática de hábitos, contudo, tor-
nar-se-ia prazerosa para o indivíduo.

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Prazer

Em Aurora e A gaia Clt!ncia, Nietzsche de!icnvolve urna con-.,


deração do prazer que se distancia aos poucos do utilit,1ri~rno: o in<,.
tinto social provém do prazer sentido pelo indivíduo ao part ilhar com
outros alegrias e dores semelhantes. O prazer no rebanho, nesse sen-
tido, é mais antigo que o prazer no indivíduo. O caráter artístico c1o
prazer mostra-se na empatia pelos outros, assim como na ótica sim -
plificadora, interpretativa e falsificadora de cada ser humano. Éassim
que a ciência pode servir para fomentar o prazer e diminuir os despra-
zeres. Entretanto, o prazer raro e sutil do conhecimento pode ocasio-
nar o máximo de desprazer. O avanço consiste na compreensão de
que a intensificação das sensações de prazer e desprazer decorre da
luta por potência que seria própria de todos os seres vivos. A oposi-
ção prazer-desprazer torna-se, na obra tardia de Nietzsche, um ins-
trumento para diagnosticar manifestações ascendentes e decadentes
da vida humana. Ocorre desprazer quando um centro de forças se
desorganiza, e vice-versa. Em contraposição ao hedonismo e ao pes-
simismo, Nietzsche considera que prazer e desprazer não são medi-
das das coisas, mas modos de exercer a potência, fazendo "bem" ou
"mal' às pessoas, ou seja, são fenômenos resultantes do extravasa-
mento dos instintos. Em Assim falava Zaratustra, Nietzsche afirma,
nessa direção, que o prazer é "mais profundo" que a dor e o sofrimen-
to, pois quer a perenidade de tudo. A renúncia de si no asceta, fisio-
logicamente considerada , é uma tentativa de combater o ímpeto das
paixões e o desprazer que o domina através da auto-hipnose. Tam-
bém o asceta, contudo, extravasa o sentimento de prazer no êxtase,
na loucura e na violentação de si mesmo. Em contrapartida, o prazer
dionisíaco na destruição é um momento ativo no eterno prazer do vir-
a-ser. Esse prazer de vencer resistências é expressão afirmativa do Si
mesmo [Selbst) , que tem de destruir, pois sente e pensa que a vida,
apesar de todas as dores, é permeada por um prazer superior. Assim,
ão se rata de afastamento da dor, mas de afirmar as dores que são
co .dição ara formas mais elevadas e sublimes de prazer.

Sobre PRAZER, consultarVD § 4; NT "Ensaio de autocrítica"§ 4, § 5; Co.Ext.


li § 1; AS§ 12; GC § 3, § 12, § 127 e§ 301; EH "Por que escrevo livros tão
bons·§ 5; FP 3 (19) inverno 1869-1870/primavera de 1870; FP 3 (64) prima-
vera de 1880; FP 10 (137) do outono de 1887.

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,,l)c 1,, t LINl O, ( íllAÇAO, DIONISIACO, fOA\J\
\
1
l,1~ ~o LU11\ 1 Rst TIVI M TRA 1
1
' IMPUL IN. º·
. '\.'\ NH\ 't O· t 01 ~N IA. ' :1 CO, llTtLITAAISMO, VIR-

,\

1 d mir Arnldi

PROBIDADE (Redlichkeit)

E, b0-, :'I r, ii,l;ll i , ,, r ict t1 ', rll ~ncii it, 1110 v )racidíld ou
0ne. tiJ.l t~. rUittn u111 irnp 'rllliv m mi i'llltiquíssimo, ribor 0
se , c1i fi LI 11 111 r1i 1 \ 'C' • • d 'f nd ) 1 i tzs h , sua completíl
~ s·, cir1 11 rc1ti ri lêi . 11r1 fil ofia llíl rcligiio, mi po-
1.nc:1 r mr1 é r1 tro êJlll . 111 qu pr domine íl ciis imulaçào.
A a:i é. rn f it . um \'irtude 1110 só r e nt como r7irís-
~ a:~ ;i , irtu Zaratu tra. píri tos livr s, "nos êl virtude·,
escre,e enfim aut r Po~ ai ·111 d B 111 1\lfal. las não têm
es, si6 nifica a pr bidad como e, ig ncia moral e ri probi-
ade er uant , irtu d s espíritos livres, que. ao contrário, e ige
a r fun a ríti a da moral. 'esse caso, como em outros tantos,
~ie - he altera sentido do conceito, fazendo-o voltar-se contra o
tra ici nal de que brota: é a e igência moral de probidade que
zà nega ão da própria moral.
O e se seja probo em relação a si mesmo. aos outros e ao efe-
, u rea l. eis o que exige reiteradamente ietzsche. Onde quer
eprocure probidade. porém, não a encontra. Ela sempre se mos-
tra alheia, p r e em pio, aos fundadores e propagadores de religiões,
Q ealimentam uma fé cega em si mesmos e, como sele no Livro IV
de A gaia Ciência. nunca e, aminam com rigor suas próprias vivên-
cjas. procurando afastar o engano dos sentidos e a fantasia em_geral.
mas antes, pouco e igentes, mostram-se propensos a se sat1 sfaz~-
rem com considerações contrárias à razão, como milagres, renasc,-

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Pro ade

men se v zes de a j s. Pa se ta
entre as virtu es s · as e e e - . d \ ::.._ • r
- ~

em Auroro. basta o ·ar · ,J \ ·, ud.3 e r,


3
i)
beatitude ou ain a e~
curar o rei de Deus: se se el a es J
ram apresenta as c m \ e a es. elas
quer e idências e transcen em e e hi J e
A ausência de pr i a ,e se revel. .
cegueira. e um nã querer \-er. e se Cíl
que transforma bserva ~s le\riar as em rer
como inquesti ná\'eis. On e fa lta i a e.
meras fantasias p r \ erda es ir ntes á\'ei-.
É certo que muit s e ntinuam en ser el ,
racidade· e ue a r i a e, e nsisti em m \i r . ,e ai a e
pleno vir-a-ser, e ver-se f menta a u s ruí a. :-. . cri ia ;s-
mo encon ra Nietzs he. m e>: licita em Au, ro . um ex r :
rad igmático e c m nà e u ar sentid ara a i a e. Se s
eruditos apresentam e nje turas m d 1a . que reter e º'
sustentar e m interpretaç6ês desa, erg nh damente arbitrárias a
Bíblia, e os púlpit s pr testantes fêre em asi- para o exerci i
da impro i ade e de uma arte ruim e leitu~ . Diante de tal cenári .
resta ao fil , log . já que a fil I gia é justamente r1 pr , tica
de na leitura, ermanecer entre a ira e ris .
Como, entã . edu ar o senti para r1 pr bida ? Cultivan
rigor, a exigência, e\ame atento e a interT O 1 e ntínur1. em , ei
da de oção cega, de s rte que nã _e t mem explica( s br ssei-
ras por erdades indubitá, eis. É p ris que a pr bictade, tol corno
a compreende Nietzsche, c ndu a questi nílmento profundo das
estimati as de valor morais. Cultivada, a exigéncia moral d pr i-
dade e erdade termina por revelar que a própria moral repousa em
preconceitos e mentiras: assim, exemplifica o autor no Livro V de A
gaia Ciência, entendido de maneira cada vez mr1is rigorosa, o c n-
ceito de eracidade, central na moralidade cristã, proíbe por fim a
mentira da crença em Deus. Desmascaradas as fanta ias sobr as
quais se sustenta a moral, esvai-se também sua obrig toriedade: r1
autoaniquilaçào da moral se apresenta, pois. como a última conse-
quência das próprias e igências morais de probidade e er cidad .

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Pro~ress

. . che pretender desvincular a "nossa prob:da e·_ e


oal ~ie~sda moral. conforme já fazia explicitamente ao fi ai Li-
ed1Z .,. •
el de Agaia c,enoa. .
II
,·ro por um lado, conduz ao questionamento de exp1·caçõe-
se. que são muita.vez tomadas como verdades i e
. orosas
n~ xigência de probidade faz ver finalmente que a inve
,eis ae ·1 - fi
' ' d cidade ou o erro e a I usao guram como algo incon
n,en a
ªpara toda existência que,. conhece
. .
e sente. Para alguns. tal p
, . I'\ ,
uziria consequenc1as insuportaveis. 1vlas a "nossa p
de prod . . . .
• ontrapõe-se Nietzsche, sublinhando a plunvooda e ct te,
de, e d .d .
·ia-se a um contrapo er que aJu a a evitar semelhan es e
asso C
ências, a saber. a arte enquanto boa vontade e boa e s ·ê ~;a
qu relação à aparência, que torna suportável a existência t a a
em ,.
como fenômeno estet1co.
Sobre PROBIDADE, consultar OS §318;A § 84, § 164, §370e §456; GC § 107.
§ 110, § 319, § 329 e§ 357; BM § 5, § 227 e§ 230; FP 6 [240} do outono de 1880:
FP 1 [421 de julho/agosto de 1882; FP 12 [5] do verão de 1883; FP 5 [58 d·
verão de 1886/outono de 1887; FP 10 [45) do outono de 1887.

Ver também CRISTIANISMO, CRITICA, ESPÍRITO LIVRE. FlLOLOGLA. ILU-


SÃO, INTERPRETAÇÃO, MENTIRA, MORAL, RELIGIÃO, VALOR. VERD . -
DE, VIRTUDE.

Bibliografia

MARTON, Scarlett. O Anticnsto. Cristianismo: da má fit '. g·.. à m ?-


ção dos instintos. ln : - -. Nietzsche ea Med .. ta. '{ ,--E :~ -
mas. São Paulo: Edições Loyola.2014. p. 227-24
& Veredas)

PROGRESSO (Fortschritt}

Embora ietzsche considere o mun o com


mudanças, ou seja, de luta entre forças p

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Progresso

vimento não estabelece um progresso. já que é aleatório e sem M-


ias. A ideia de progresso, para o filósofo alemão em suas obras da
maturidade, faz parte das noções decadentes associadas à civiliza-
ção e à cultura. É no século XVIII, o "Século das Luzes" . que as no-
ções de cultura e civilização passam a ser associadas com o progres-
so. A cultura enquanto soma dos saberes acumulados e transmiti-
dos pela humanidade como um todo passa a integrar o ideário do
Iluminismo, associada às ideias de progresso. evolução, educação,
razão e humanidade; o progresso só ocorre com a instrução ou for-
mação, em outras palavras, com a cultura. A fisiocracia. movimen-
to francês de reforma econômica e social. também no século XVIII .
pretende uma administração racional que oriente os processos so-
ciais consoante as leis da natureza: deve-se tentar evitar a corrup-
ção da civilização, a qual passa a ter um sentido de um progresso
reformista que melhora as instituições. as leis e a educação. Écon-
tra essa perspectiva da civilização como p\ogresso ou como melho-
ramento do homem ou ainda como fé no futuro que a investigação
nietzschiana vai lançar suas suspeitas.
O progresso, como a civilização. é associado ao melhoramento
[Verbesserung) do homem. Porém. para Nietzsche, ele é antagônico
ao fortalecimento [Verstdrkung) , pois. ao domesticar o homem. ao
enfraquecê-lo, impede a expansão de seus impulsos. Esse melhora-
mento é um ideal que tenta produzir uma estabilidade. ou seja, uma
interpretação que apresente uma noção de mundo baseada em con-
ceitos eternos e absolutos: daí a possibilidade de poder encaminhar-
se em direção a algo, no caso. o progresso do homem, a civilização.
A moral, especialmente a moral cristã. não melhora o homem. enfra-
quece-o. A ideologia do progresso é a comédia humana: os homens
imaginam que, através da moral. ascendem desde o animal até uma
posição privilegiada entre os seres. O progresso faz parte do que o
filósofo chama de "ideias modernas": a igualdade de direitos. a hu-
manidade, a compaixão, a democracia , a tolerância, a emancipação
feminina. a formação popular. entre outras. Ideias que o século XIX
considerava como avanços da civilização. Esse pretenso progresso
não passa de um obstáculo à elevação do homem e da cultura: ele
impede a seleção, condição de todo crescimento; impede a possibili·

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Progresso

redução de condiçõ~~ que ~ermit~m o surgimento de ror-


dade da ~d superiores. As cnt1cas rnetzsch1anas contra a noção de
de v1 a . d t . .
0,as ão inseparáveis o an agornsmo que o filósofo estabelece
,.,aresso 5 . ·1· -
prVf, a elevada e c1v11zaçao.
cultur .
entre . che não acredita em nenhuma forma de progresso do ho-
N1etzs .
. no progresso da humarndade como um todo seja na evo-
m seJa _ , '
n,e · spécie humana. O século XIX nao e um progresso em re-
ãO da e _
iuÇ_ século XVIII e o homem nao é um progresso em relação ao
1açao ao ,. , .
. oessa forma, a sua cnt1ca ao progresso está estreitamente 1i-
an1rnaà1.rejeição do darw1rnsmo,
.. ou me Ihor, do que N'1etzsche entende
gada . ,. t . _
darwinismo, pois e1e ove como uma eona que propoe o progres-
~~as espécies e o progresso do homem até a moralidade. O filósofo
sofi aver O contrário do que Darwin vê ou quer ver; o que Nietzsche
a rm , . h
nstata não é o progresso da espec1e umana, mas a prosperidade
~~ mediocridade, isto é, a decadência, o enfraquecimento dos instin-
tos humanos. O progresso é uma "ideologia darwinista".
opensamento de uma evolução em direção ao ser perfeito e
ao "homem bom" foi produzido por aqueles que necessitam de con-
servação: o progresso tende para o dia no qual não haja nada a te-
mer. Como outras ideias modernas, ele é uma ilusão: "evoluir" não
significa intensificar a potência. Pensar no progresso da humani-
dade é inserir-se no contexto conceituai e fisiológico da civilização,
isto é, da domesticação do homem. A evolução ou o melhoramento
do homem que seus contemporâneos tanto prezam é uma doença,
uma regressão fisiológica. O sentimento de progresso do europeu
do século XIX é um fortalecimento artificial: da mesma maneira que
os estimulantes químicos, a representação ilusória do progresso faz
oeuropeu sentir-se forte.

Sobre PROGRESSO, consultar GC § 377; BM § 201, § 242 e§ 260; GM li§ 12;


CI ulncursões de um extemporâneo" § 37 e§ 48; AC§ 4 e§ 17; FP 11 (26] e
IS6]da primavera/outono de 1881; FP 14 (123] e (133], 15 [8], (13], (59] e (60]
da primavera de 1888; FP 16 (29] e (82] da primavera/verão de 1888.

Ver também CIVILIZAÇÃO, COMPAIXÃO, CRISTIANISMO, DARWINISMO,


~ÉCADENCE, DEMOCRACIA, HUMANIDADE, IGUALDADE, ILUSÃO, IM-
ULSO, MORAL, SELEÇÃO.

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llll>llournflo
1[ · \ 171 Jr., \r ri'> 11 1\nt 11i . A rc11ç,1no proerc{ ~o. 1 ilrLr1~:,(J '~rJ,1r-
\\ll1bll1 0 1110 sinlülll«l cl , cJ, nd'incrJ. ln: MARTI S, Andr(~. S :.
11,\ . 11 IIH'r : UVA, Lu f'., e \e-ar (ores.). As llusõ~ do Eu Sp,-
lle. r~io d, Ja11 iro: Civili1Jção Braslleir . 201 1, P.

Wilson Antonio Frezzatt, Jr.

PSICOLOGIA (Psychologie)

rn Numano. demasiado Humano. Nietzsche critica a concepção


tradicional de psicologia como estudo dos fenômenos intelectuais e
morais. que se impôs graças ao trabalho de Christian Wol ff ( 1679-
1754]. Testemunha e cúmplice do processo geral de naturalização
que se iniciava, Wolff dedicou-se a mostrar que a psicologia estava
mais distante das questões sobre a origem do universo que dos pro-
blemas acerca da interação do homem com o que o rodeava. Se te e
o mérito de ser um dos primeiros a considerá-la uma disciplina espe-
cífica, não abandonou os princípios transcendentes. Partindo da no-
ção leibniziana de alma, entendida como uma substância simples e
incorpórea capaz de representar o mundo, Wolff sustentou que suas
representações podiam ser perfeitas, se fossem plenamente adequa-
das, ou imperfeitas. se não o fossem. Sendo claramente conhecidas,
as ideias de perfeição e imperfeição, por sua vez, engendravam as de
bem e mal. Assim concebida, a psicologia constituía a base, por as-
sim dizer, dos juízos de realidade e dos juízos de valor. Intimamente
ligada à lógica e à moral, ela se fundava na metafísica. Ao tratar da
psicologia em Humano. demasiado Humano, Nietzsche insiste na ne-
cessidade de romper com o pensar metafísico. Em vez de deduzir de
princípios gerais os fenômenos morais, a psicologia deve inscrevê-los
num quadro histórico, inserindo-os num tempo e num espaço. ão
se fundando na noção de alma humana, os fenômenos morais dei-
xam de remeter a essências; eles surgem. modificam-se e, por ezes,
desaparecem. Acham-se relacionados com a organização socir1I do

348

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1

dt' 1.11( ,1111.1 lllt' t'lll cf1ft'lt'lllt' . ~( 1( 1(1,l(I ", (' 1r,trr1i1rn <11
l ' li l,t' li. lll t . l' ,l t'll cll c)I d psi OIOl(l1l orn p,,rtr. cJ,)
1
·: 1' ·:i· ,1•1,l;, ;~11'1,'~ "llt' cl 11 l'I ! <:lll i(•ncia (Ili I iri eStl(l,I rl Ofl ·
• ., ' .1 I· t s Íl'lll llll'll S lll l1ll~.
, 1' i5 t 1,l • ,
t·: . ~' . t ~ ·nlt s il' 1mm, 1('1/ . 11(' ('lll ('~ l,H'( C'r (Jll él p<;1COIORll,
· 1 . 1·d '. 11.,) . t' e 11fu11ct' omJ ot . rv,1ç,)o d, 1m mo
::· ,· (. ' 1.1 1 1111111d . J oncto-. i'l divi. 1. ocr,itica. nJo acJm1t
. 'I , :- ,lll 1 . .
1' 1 c,i inlcri1i1 J s.•1 1,lr ci1rnt111c pilr,1 íl aç,)o. • por i somes-
, 1l L • · .
J,, ' , 1 ll' elll vill lllílr l1lO . Ir f'l11am nt e) p ICOlogia à história.
11
,. \ 1 • .
·' •
_impl 1 íl u11111 1 de dél do . n,,o
" aceita. que os fatos
, , ~ s. illll li )1111r íl O11ci11ti1 llum;ina. Nem a introspecção
\ • 1 ji,~ d mundo b:t tarn p:irr1 foni cer o critério moral. A estrei-

11"1 à entre l1 ist rit1 ) psicologia transmuta-se então em outra:


t~ t> geneal bia e l1i:tória . Nie_tzscl1e coloca a questão do valor d_ os
1
res·bem" e "mal e, ao faz -lo, levanta a pergunta pela sua ena-
,~a . Éapoiando-se nos e 'empios fornecidos pela história que conclui
erem sido instituídos por duas maneiras radicalmente distintas de
a\'aliar. a dos nobres e a dos ressentidos.
Ao introduzir a noção de valor, Nietzsche passa a identificar. nos
te.\toS posteriores a Assim falava Zaratustra, a psicologia ao proce-
dimento genealógico. Ao psicólogo tocaria questionar o valor dos
\'a lores morais, examinando as condições e circunstâncias de seu
surgimento, desenvolvimento e modificações. A ele caberia relacio-
nar os valores com as avaliações de que procedem e investigar de
que valor estas partiram para criá-los. Em suma, ao psicólogo Nietz-
sche atribui atarefa de avaliar as avaliações. Éprecisamente à critica
dos valores que Nietzscl7e dedica a maior parte de seus escritos. Não
é por acaso que, nos escritos da maturidade, ele insiste ern autode-
nominar-se psicólogo.

Sobre PSICOLOGIA, consultar HH 1§ 37; BM § 23; GM Ili§ 19 e§ 20; CI "San•


tenças e setas"§ 1 e "Incursões de um extemporâneo"§ 7; EH "Por que es•
cravo livros tão bons" § 5 e "Por que sou um destino" § 6· FP 14 (28I e (127I
da primavera de 1888. '

~~~também ALMA, ARISTOCRACIA, AVALIAÇÃO, CIÊNCIA, FISIOPSICO·


TO VIA, GENEALOGIA, HISTÓRIA, METAFISICA, MORAL, AESSENTIMEN•
, ALOR,

349

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R ça

Bibliografia
MARTON, Scar1ett. Nietzsche, Kant et la métaphysique dogmatique. Nietz-
sche-Studien. V. 40, p. 106-129, 201 1.
MARTON, Scar1ett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.

Scarlett Marton

RAÇA (Rasse)

O conceito de raça desempenha um papel significativo no pensa-


mento nietzschiano a partir de Humano, demasiado Humano, quan-
do Nietzsche chega a definir seu projeto filosófico na perspectiva da
evolução e da história. Durante a década de 1880, a palavra raça é
frequentemente associada a um termo sociocultural, tal como cultu-
ra, povo ou comunidade. Mas isso não implica que a raça deva ser
reduzida a um grupo social. Com efeito, duas palavras podem coin-
cidir em extensão sem possuir o mesmo significado. O §272 de Au-
rora afirma que as misturas de raças são sempre, ao mesmo tempo,
misturas de culturas e de moralidades. Isso sugere que existe con-
juntamente uma diferença semântica e uma correlação de fato entre
raça e cultura em Nietzsche. Pode-se explicar essa correlação pela
concepção nietzschiana de hereditariedade, que admite a possibili-
dade de uma transmissão hereditária das modificações adquiridas
(isto é, o lamarckismo). Nesse sentido, Nietzsche pode conceber as
raças humanas como tipos culturais hereditários, que se constituí-
ram para responder às exigências de um meio ou de um modo de
vida particular. Tal processo de incorporação exige uma longa du-
ração e condições de existência mais ou menos constantes. Desse
modo, o conceito nietzschiano de raça não é nem meramente bioló-
gico nem simplesmente cultural. Isso não provém de uma impreci-
são da definição, mas sim de uma reflexão sobre as transformações
históricas do·corpo pelas culturas.
No§ 264 de Para além de Bem e Mal, Nietzsche levanta o "pro-
blema da raça", ao afirmar que as qualidades e preferências dos as-

350

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i t nrl1nll'',, or11t111 1,1111 ,l VM~r no< <Hpo cl1: l,1d;, incJ1vícJun. A'/>1rn, o
1
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ffl<i', 11 ,1 t·'.< ,11.i I1 •111porí1I de 11111;i v1cJ;1 :,illHUli.lr. NiJo por Jcaso. e _
1
1• 1,, «in•,id1 •1,H, >(''i f1(\11r,1rr1ntm1;11_, / 10 cJ •cJi ada : 1 questão de saber
1

.0 qu, (· 1101>11' ?" . poii, Nh:t1'1 I~ ' julga tipi arnente pi tJeia a cren;a
il<' q,,, o 111d1vf(hH) cornu,i1 on~reo mesmo, ab tréJçào feita de qual-
q1J •r lfl er,ç;,o 11 ·rcclilMia e t1i. tórica. O conceito nietzschiano de raça
1
1./.' op(>r "<:~~;1cr ·nçí1 po ui urna dimensão genealógica. uma vez
qlll' ,r,111tt' ;1vi1liar proveniências a fim de estabelecer hierarquias: há
r,,ç 1 ~ nol>re!> rí1Çrl!> !>ubrnctidas, raças mais fortes, mais puras ou até
1

[n,)o) 1110 ól1céls. VJICsublinhar. de modo correlativo, que O ·proble-


rnil d<1 rJça" não é uma mera questão taxonómica. Ao insistir sobre 0
valor cJíl linhJgcm, o pensamento racial de Nietzsche participa de sua
críuca aristocrática à modernidade.
Todavia, não se pode encontrar em Nietzsche um determinis-
mo racial comparável ao do conde Arthur de Gobineau. A raça cer-
tamente não é a alavanca original da história, como sustentava o
Ensaiosobre a Desigualdade das Raças (Essai sur /'inégalité des ro-
ces) . Pelo contrário, procede de uma longa incorporação cultural so-
bre aqual sempre permanece possível influir; um projeto de criação/
cultivo (Züchtung) da "planta homem", tal como o apresenta Para
além de Bem e Mal, não teria sentido se a raça fosse um determi-
nante rígido e unilateral dos negócios humanos. Também é preciso
observar que Nietzsche não subscreve a mesma escala de valores ra-
ciaisque os seus contemporâneos nacionalistas e antissemitas. Duas
divergências essenciais merecem ser sublinhadas aqui. Em primeiro
lugar, ietzsche não rejeita as misturas raciais; ele as valoriza. em
todo caso numa primeira etapa, enquanto condição de possibilidade
deuma unidade mais forte e mais bela. Conforme o§ 272 de Auro-
ra. a melhor ilustração desse processo de "purificação" a partir de
mestiçagens iniciais seria o povo grego. Em segundo lugar, Nietz-
sche inverte a retórica dos antissemitas alemães, ao defender que a
raça judia é a mais forte e a mais pura da Europa do século XIX. Es-
sas observações sugerem que não é pertinente tachar Nietzsct1c de
racismo num sentido convencional do termo.

351

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n ull rAl272; UMl2 , 1111, \ 1. ,
00, , O . , ~I. \ ,J
u '"·, 10 § 11 , 111117;C1•0 •m lhmndor ,t hum n1<t ,1 ..
13 , · t, ur d um •Impor n ," §"1; r.tt • Porq11 ,, ·bo
13; FP 25 ( 21 dn primov rn d 18011.

r 1amb m ANTlSSEMITISMO, COfWO, CULllV , CUUUHA, G[N ALO-


GIA. HIERARQUIA, HISTÔfllA, MOOEl1NIOAO[, MOHAL, NACIONAL! M
TlPO, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
i\ 1IS. Emmanuel. ietzsclle. P ns: L O,11 L 'l r 'S, 20 l S e,1_
ítu lo 3.
SALANS IS. Emmanuel. Sobre o eugenismo e sua just,flC çJo m <h _
liana em iet2Scl1e. Cadernos ietzschc. v. 32. p. 167-20 1. 201

Emmanuel Salans 1s

RAZÃO ( Vemunft)

As considerações críticas de Nietzsche sobre o conceito de razào a r -


vessam toda a sua obra. Muitas vezes. é possível entender essa crí-
tica num sentido ampliado, estando associada à visão sobre o racio-
nalismo [Rationalismus] e a racionalidade (Vemünftigkeit) . Os três
termos podem ser associados, em O Nascimento da Tragédia, na
caracterização de Sócrates, e que será retomada nas obras tardias.
A partir de Humano. demasiado Humano, mesmo afastando-se de
seus posicionamentos iniciais, e depositando uma confiança na ciên-
cia como sendo o melhor guia a conduzir o homem a um no oca-
minho. Nietzsche não cessa de denunciar os dogmas a que a tradi-
ção filosófica está presa, sobretudo a confiança cega na razão e no
dogmas a ela associados. Nietzsche denuncia nos filósofos urn de-
feito hereditário, que é o de tomar as coisas como são atualmente
e concluir por seu caráter atemporal. Em Crepúsculo dos Ídolos , de-
nominará esse ímpeto de falta de sentido tlistórico. Os filósofo ne-
gam o mundo do vir-a-ser e culpam os sentidos porque mostram íl
mudança e a transformação, louvando a razão corno su antíp dJ

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íl /, ') 1

_ ,ntl no t 11 dio que Nietz che fará a o Nascimento ,1 r


l l f ~ · u0 tf0 •
, .. . _ ntramos a re erencia razão e à racionalida''e
• 1. u l
; 1 u como um
._ l r J central dessa ~bra e uma de
~uas novidades decisivas. Há,
1 _' _ 1 ,tura retrospecl1va, uma tenlat1va de dar coesão às suas di-

.-. , isões sobre o problema. O cerne da crftica de Nietzsch


,- 2r, e . .d • . ea
_ . tesconsiste em cons1 erar a atuaçao do filósofo grego diante
\.ra " d d ..
: se 5 contemporaneos como sen_ º. ec1s1va para a dissolução da
~ ·ura I elênica: para tanto, ele tena instaurado uma cisão, até en-
~: [desconhecida dos gregos, entre razão e instinto. Na concepçào
~..,_.,, etzsche de devolver o homem de volta à natureza, um dos ele-
ve, 05 centrais seria o de suprimir essa cisão que teria sido predo-

cante em quase todos os filósofos. O racionalismo socrático está


1. -

baseado numa separaçao entre corpo e alma, instinto e razão. uma


separação que parte de uma i~terpretação dos fenômenos fisiológi-
os, em que um grupo determinado de sensações é elevado à cate-
gorialógico-racional. Essa ideia de razão provém de uma negação do
corpo enquanto um complexo fisiopsicológico. o que representa uma
tentativa de negação da própria vida. Em Assim falava Zaratustra,
há umacontraposição entre a grande e a pequena razão. Consoante,
portanto, à sua fisiopsicologia, Nietzsche concebe o corpo como uma
grande razão e a concepção de razão que a tradição forjou será por
e!enomeada de pequena razão, uma parte que integra essa plurali-
dade mais ampla que é o corpo. Em Para além de Bem e Mal Nietz-
sche considera a razão sob outra ótica, afirmando que, no final das
contas, Sócrates percebeu que padecia da mesma incapacidade dos
nobres atenienses em expor a razão de seu agir, o que teria levado
ofilósofo grego a reconhecer que todo juízo moral tem um quê de
irracional, sendo razão e instinto dois caminhos para atingir a mes-
mameta: o bem. Essa outra concepção socrática teria influenciado a
teologia cristã no que ela tem de negação da razão. Nesse aspecto,
Nietzsche afirma que talvez o primeiro filósofo a não conceder um
lugar aos instintos teria sido Descartes, denominado por ele o pai do
racionalismo. Mas considerar apenas a razão em detrimento dos ins-
tintos é cometer um reducionismo, pois a razão é apenas um instru-
mento daquela multiplicidade maior, que é o corpo.
Sobre RAZAo, consultar NT "Ensaio de autocrítica" § 4, § 15 e§ 16; FT § lO,
' 11 • § l3 o§ 15;VM § 1 e§ 2; ZA l "Dos desprezadores do corpo#; GC § 76 8

353

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fü ,1d do

§ 54; BM § 191 o§ 201; GM 1113, 1113 e 111112; CI ·o problema do Sócra-


t lS • § 4, § 10 o 111, "A 'rezão' na filosofia" 11-6, "Como o verdadeiro mun.
do ncabou por tornar-se uma fábula" 11-6 e "os quatro grandes erros"§ 1;
FP 21931 do outono de 1885/outono de 1886; FP 7141 do final de 1886/prl-
movere de 1887; FP 9 [631 e (98) do outono de 1887; FP 141105) e 1152) da
primavera de 1888.

Ver t3mbém AFElO, ALMA, CIÊNCIA. CORPO, FISIOPSICOLOGIA, IMPULSO,


INSTINTO, LÓGICA, NATUREZA. SENTIDO HISTÓRICO, SOCRATISMO, VIDA.

Bibliografia
FRE ZATTI Jr .. Wilson Antonio. Consciência e inconsciente no discurso
·o s desprezadores do corpo· de Assim falava Zaratustra: uma
perspectiva psicofisiológica da crítica nietzschiana ao sujeito. ln:
r,., 1ARTO . Scarlett; BRANCO. Maria João Mayer; CONSTÂNCIO,
J ão (orgs.}. Sujeito, Décadence e Arte: Nietzsche e a Modernida-
d . Lisboa: Tinta da China. 2014, p. 61-97.
ITAPARICA. André Luís i'..1ota. Nietzsche e a "superficialidade· de Des-
cartes. Cademos ietzsche, v. 9. p. 67-77. 2000.
LI 1 . r-.. 1 reio José Silveira. Funções regulativas em Kant e Nietzsche.
Krit n"on. v. 54. p. 367-382. 2013.

Márcio José Silveira Lima

REALIDADE (Rea/itat)

1011 5 0 de seu percurso filosófico, Nietzsche tece diferentes consi-


d ra · obre o conceito de realidade, invariavelmente confrontan-
d - ~ m o conceitos de fenómeno e aparência .
E a im que o jovem Nietzsche caracterizará o Uno primordial
11qL1t111to realidade. O objeti o aqui estaria em se desfazer de um tra-
tumento d ficiente do problema. Enquanto o homem comum vê so-
ment fen ' menos como o real, ele deixa de reconhecer um outro
lr1do. 111 taIT ic . da realidade. Com essa correção, não se exige uma
adequ ção ao f rrnato con encional da metafísica, pois sendo o Uno
primordir1I ontradiçào. tanto seu caráter essencial. quanto fenomê-

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1
do de realidade. De qualquer modo, é preciso se re •
.1 dOlc1 f A •

111 . u ,e .
115c1,e. com alguma
,. .
requenc,a, tende a caracterizar a
• , 1.1r Q d mundo das aparencras como menos real ou, na melhor
O
c.1'' ade como um outro tipo de realidade.
pÓ teses,
J 111 !ta de 1872, Nietzsche passa a tomar a realidade em con-
p0rvo _ . ..
. minclinaçoes fortemente antropom6rficas e relat1v1stas.
' noa co -
• na ão há outro mundo senao aquele das sensações, ergue-se
oado que nconcepção de realidade, aquela construída pelo homem.
manovante no mesmo penodo,
u .
, .
contudo, surge um outro tipo de tra-
0ra carne . .
r ,, do problema, antrantropormórfico, quando se assegura que
ramento _
rdade do tempo ou das mudanças nao pode ser negada.
ªrea ~ma nova etapa se inicia ao final da década de 1870, sobretudo
década de 1880, quando Nietzsche enfrent.a de maneira corrosiva a
naeraffsica. Nesse momento, entende-se por realidade o assim chama-
: mundo das aparências em detrimento do mundo met.afísico, que
passa, então, a ser tratado como ilusório. Atorment.ados pelo sofrimen-
to com O mundo concreto, real, e dele desejando escapar, os metafí-
sicosforam capturados por uma aberração lógica - se A existe, deve
então existir B, o seu oposto -, alienando-se da única realidade.
A eleição do concreto como o único real não deve ser confundi-
da, contudo, com um assentimento a uma visão cientificista ou ma-
terialista de mundo. Pois a caracterização da realidade como consti-
tuída por átomos, matéria, espaço etc., não é a realidade mesma; a
única realidade é a do vir-a-ser. Essa revelação traz um impasse cog-
nitivo, pois nada no real corresponderia às categorias do conhecimen-
to. Nietzsche procurará contornar essa dificuldade evocando catego-
rias da física dinâmica, sobretudo a concepção de força, na esperança
de oferecer uma melhor interpretação da realidade. Nessa direção,
deve-se entender a concepção de vontade de potência como uma
tentativa de alargar essa interpretação dinamista do real.
. . Por vezes Nietzsche parece mais propenso a adotar o termo efe-
tw,dade (Wirx!ichxeitJ , ao invés de realidade (RealitéitJ, como o mais
~propriado para designar o mundo do vir-a-ser. Em 1873 o filósofo
1ªaprova a distinção realizada por Schopenhauer entre efetividade e
realidade· E',et·1v1dade
· . da
expressa com maior exatidão o caráter ativo
matéria po· lé . .
· isa m de serdot.ada de caráterespacral. substancral, a ma-

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J lílm rn e t m ral, constituída por relaç • r au$w,, rJ r , r~ ',,p
'
rnfica que suas qualidades estão em constante mudança. Em 1887. r}
e nceito de realidade passa a ser problematizado por er uma ~ran ,a
d e nc ito de sujeito. A realidade compreende, nesse caro,
do simplificado e voltado para fins práticos, o mundo esquema ·zarJo
sobre erros que falsifica a efetividade. Contudo, é preciso not3r º
ietzsche nem sempre é fiel a essa distinção, sendo bastante co r
se encontrar realidade e efetividade como termos equivalentes.

Sobre REALIDADE, consultar FT § 5 e § 15; GC § 57; BM § 36; AC§ 10 e§ 15,


FP 7I174I e 1201) do fim de 1870/abril de 1871; 19 (165) do verão de 1872/
inicio de 1873; FP 34 (249) de abril/junho de 1885; FP 40 (53) de agosto/se-
tembro de 1885; FP 9 (621, 198), (106) e (144) do outono de 1887; FP 11 (991
de novembro de 1887/março de 1888; FP 14 (81) da primavera de 1888.

Ver também APARÊNCIA, FORÇA, ILUSÃO, LÓGICA, MATERIALISMO,


METAFÍSICA, NATUREZA, OBJETIVIDADE, REALISMO,TEMPO, VIR-A-SER,
VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

ITAPARICA. André Luís Mota. Nietzsche e Boscovich : Dinamismo e


Vontade de Potência. ln: AZEREDO, Vânia Outra de (org.]. En-
contros Nietzsche. ljuí: Editora Unijuí, 2003, p. 9-191 .
MARTON, Scarlett. "La nuova concezione dei mondo": volontà di poten-
za, pluralità di forze, eterno ritorno dell'identico. ln: BUSELLATO,
Stefano (org.]. Nietzsche dai Brasile: Contributi ai/a Ricerca con-
temporanea. Trad. Giancarlo Micheli, Federico Nacci, Stefano Bu-
sellato. Pisa: ETS, 2014, p. 21-39.
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)
SILVA Jr., Ivo da. Lo svelamento della realtà: note sulla teoria della co-
noscenza in Nietzsche. ln: BUSELLATO, Stefano (org.). Nietzsche
dai Brasile: Contributi ai/a Ricerca contemporanea . Trad. Gian-
carlo Micheli, Federico Nacci, Stefano Busellato. Pisa: ETS, 2014,
p. 41 -55.

Eduardo Nasser

356

--
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sMO (Reslismus)
~fALl
e 1110 ocorre com o idealismo, Nietzsche nào f
~-1' .. - . az, no decorrer
bra uma ut111zaçao exaustiva desse termo e bo
5u1 · . , rn ra se pos-
. ,tificar em seus escntos um extenso diálogo co
e1 . _ m a temática
• 1 ta De um lado, Nietzsche se opoe resolutamente .
eJ,1S · . ao realismo
e afisico, segundo . . o qual
. existe urna realidade independen te das
l"\Âcidades cogrnt1vas, interesses e valores humanos N'ietz h
r- . . .. · se e en-
ntra nessa doutnna realista uma dificuldade: a legitimação d ._
e . fi _ os cn
tériOSque sustenta~1a~ _ª a rmaça? de que a realidade possui uma
detenninada const1tu1çao. Para Nietzsche, ao contrário, toda afü-
n,ação sobre o mundo já é determinada pelas faculdades cognitivas,
interesses e valores humanos. De outro lado, em sua polêmica com
0 idealismo, Nietzsche defende posições realistas. Segundo esse se-
gundo ponto de vista, a realidade deve ser compreendida como vir-a-
ser: amudança, a instabilidade e a multiplicidade não são as marcas
de um mundo aparente, ao qual se oporia uma realidade metafisica
caracterizada pela permanência, estabilidade e unidade. Com isso.
'ietzsche, no entanto, enquanto um realista do vir-a-ser, tem de en-
frentar amesma dificuldade que ele aponta em qualquer doutrina re-
alista. Se o perspectivismo interdita a possibilidade de um ponto de
vista exterior a todas as perspectivas, Nietzsche parece também não
estar autorizado a considerar a realidade como um vir-a-ser nem a
privilegiar as propriedades dessa forma de realidade.
Em Nietzsche, e isso desde os seus primeiros escritos, a noção
de realismo está relacionada à admissão da coisa-em-si, que para ele
constituiria um resíduo dogmático da filosofia de Kant. Assim, o de-
bate de Nietzsche com o realismo e os problemas enfrentados por
suas próprias afirmações realistas se desenvolverão tendo como pano
de fundo a filosofia kantiana. A questão é que a crítica nietzschiam,
da coisa-em-si é mais eficiente no campo da moral, em que é defen-
sável a afirmação de que Kant separaria um mundo inteligível e um
mundo empírico; ela não se aplica de forma inteiramente juSlificéldt1,
contudo, ao campo da filosofia teórica, em que coisa-em-si pode ser
entendida em sentido negativo, como conceito-limite, corno um e'.i.te
meramente pensado como abstraído das condições transcenctentt1i ·

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~. 't: 11, d lt 11{! ' l l. l'lll ',ll,l í1 I I UÍl.l ll liH hlld , qlH o pr ,'iptln (()(1(1 11)
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d . ft 1111,11111 11lll', ,1 e 11 • 'pç,)o tlt: u111i1 li. i1 (•111 ~1.
111,11 --i, )11 , 1 .1 t1 1,11,1 t•ss" i1po11i1 c1i1 r110:,or1i1 cl<' , •11•1111 1
' r ·ur11r · mpr ) nd -IL orno d 'Íl'llSOf cl ' 11111 i111trrr1•i1l1. rno, qu :
1 1

i , )r rr ·111111 lo 11 , rt ird, 111cot1 ·pl' tos: /\ 1cll'1 ,1<Ir 11111,1 rei1l1cl11cJ:


ind' Clld 1 1ll cl l p ,, 1 Cll\/cl 011 int ,,pr eld Ú('~ 111)0 ~ s1n11,r, clttV,l,
1. pr, ·up ~ um ponto d, visléJ " t rior i111possivel c1r 'r 1 ll111r.1<lo:
1. . n·, ienifi él rnir ern um r )l.:itivis1110 qti 011. id 'ra t cl,1s p r ·p .e
ti c1 01110 qui alcnt l , poi lk interpr 'tclÇÕ ' sup '' ior) , 'gundo
nit rio praern tico : /\ verdod 1 11~10 e corr ponch1 icl, poi lél urn
pro od criaçào:Todélper p 1 ctivõ u111r' ort clilr t1lidt1d : A
realidud '. a irn. resultado de uma relaÇclO entr~ p r p l(tivc1 .
Entendida d sse modo, a afinnaç~o d ' Ni tzscl1 d 'que c1 rcc1-
lidacie o ir-a- er pode não ser vist a corno u11 w po i ;10 dog111ct1c<1,
poi elJ não pretende er independente de detcr111i11ado vulor ,
que no cJso de Nietzsc l1e são considercJdos superiores él Pclr lir de
crit rios prá ticos: a forma de vida qu eles promovem.

Sobro REALISMO, consultor GC § 109; BM § 36; FP 401371 de agosto/setem•


bro do 1885; FP 1411031 do início do 1888; FP 2511951 do início de 1884.

Ver também APARÊNCIA, CRIAÇÃO, IDEALISMO, INTERPRETAÇÃO, ME-


TAFISICA, MORAL, PERSPECTIVISMO, REALIDADE, VALOR, VERDADE,
VIR-A-SER, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

CORBANEZI, Eder. Sobre é) concepçé)o relélCiOlléll d li11g11c1g 'rll em Nietz-


sche. Cadernos Niel1sc/Je, v. 34, p. 167- 187, 201 11.
ITAPARICA, André Luís Mota. La11ge e la lctturél 11ietz cliiclllil cli f í!lll.
Sullo statuto deila cosa in sé e della volontà di potc11zJ 11cll t1 filosofia
di Nietzsche. ln: BUSELLATO, Stefano (org.). Nictrclwctol lJmsile.
Contri!Juti ai/a Ricerca contemporanca . Tréld. Giílll t1rlo Miei, •11.
Fedcrico Nacci, Stefano Busellato. Pisa: ETS, 20 11,, p. 7 -92 .

358

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1 l n·

lot,1. i t eh car d
Rrol,smo. T m ' 00 fll r.óf,co I rc,
ele ílOUI Oíclíll nto ,1 r
• r ,H1lo

André Luís Mota ltapm,co

REDENÇÃO (Erlósung)

n 5 seus primeiros escritos. Nietzsche trata de retirar O 1enno r -


JJ . .
e ão do seu ~on~exto re 11g1oso tradici?nal, afastando-o, sobretudo,
3 ideia de ex~,a~ao dos pecados med_ 1ante gratuita e bondosa gra-
adivina. o 1nfc10 da obra, o termo, igualmente deslocado de 5
ndo semântic~ h~~itual. adquire um sentido ligado à definição d~
gênio musical d1onis1aco. o qual, esquecendo-se de si mesmo e re-
nunciando à própria subjetividade, tomar-se-ia um com a natureza
de sorte apromover, qual um vetor artístico, o livramento da "dor d~
mundo". Com a sua filosofia da maturidade, Nietzsche passa a espe-
rar da redenção não mais uma justificativa artístico-metafisica para a
e,<istência, mas uma espécie de operador capaz de tomar e equível
seu acalentado projeto de "transvaloração de todos os valores-. mo-
uopelo qual o termo acaba por se investir de um duplo significado.
'uma chave disruptiva. designa, no entender do autor de Genealogia
da Moral, a estratégia de que se valeu a cristandade, de cunho pau-
líneo, em especial, para desvirtuar e falsificar a morte de Cristo, no
sentido de que esta viesse à luz como o assentimento ao sacriflcio de
alguémcujo único objetivo era redimir a culpa dos outros. O sectário
cristão, transformado em eterno devedor, faria então, sob tal ótica, a
experimentação de se fechar num infinito ciclo culpabilizante em que
ocastigo jamais poderá se equivaler à culpa. Instrumento de suplício,
aredenção é vista , nesse sentido moral-religioso. como uma perspec-
tiva deavaliação que responde à pergunta pelo sentido do sofrimento
humano, mas que, ao mesmo tempo, tem como preço a depredação
eacondenação, nor meio do ressentimento, de um tipo de liornem
instin!ualmcntc mais pródigo e culturalmente menos "pec~dor"._.
Ea partir daí que se torna possível entrever a acepçao p~s,tiva
da nalavra redenção. Pois, a mais radical inversão e suspensao da
novjo lracJicional do vocábulo não poderia deixar de figurar. léHll -
359

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l lll, lllO lllll ontrJfllOVlrtl \ll lO tlíirnwtivo ílllllO (1 llllld ~>ll J)Orr1.,io
1.1 Íl rç,1m )l'lll qu 1 rltZü on 'lllul o pro 1.:i o lvlll1, tóri (flH! ,,0
illlp s ll 'HClllOlliC,llll nte no Ocidente. N . 5 1 registro, p,Hd r. O, r
)s t\11~i11.Hm'11tos d, z rntustra, cél 'br 'oll r qo rio íiló. oro ,1lern, o,

tr ,\lJ-s , obr tudo d, pureõr-sc da Ideia me mo cJe urn dlVílcJor.


D 1,\\\ l1lll!, il ictciíl cte redençtio dirá rc peito, ante. cJ nwis flíldn,,
n.'rni. . 1o 1., v 11wc1c rl c, no pnssar do tempo. S part onsi(Jcrt1-
vd ct . ofr im 'llto IHunnno, s guindo o trilho do assim ctwmauo fe.
11 ' men ct't "m( onsci ncin", decorre das escolhas supo lnrnentc
livr , l 'vad s íl Cílbo p lo nnimal llornern tornado responsável, élnuir e
elebrar in lusiv ns scol~ws que "não se quis" - transíorrnnndo-as,
p r 1 'criílçl\o volitiva, num "assim eu quis" - equivaleria a redimir a
nfliç~o díl(luilo que jé'l passou. Donde a estreita ligação entre voma-
ct rindorn e r dençào.
Sobro REDENÇÃO, consultar NT § 5; ZA li "Da redenção"; GM li§ 21; FP 9
1361 de maio/junho de 1883.

Ver também AFIRMAÇÃO, AMOR FATI, CRIAÇÃO, CRISTIANISMO, CULPA,


EXPERIMENTO, GÊNIO, MÁ CONSCIÊNCIA, RESSENTIMENTO,TRÁGICO,
TRANSVALORAÇÃO DETODOS OS VALORES, VINGANÇA.

Bibliografia
BARROS, Fernando R. de Moraes. O drama da redenção: a crítica de Nietz-
sche ao Parsifal de Wagner. Artefi/osofia, v. 3, p. 102-11 O, 2007.

Fernando R. de Moraes Barros

RELATIVISMO (Relativismus)

O termo deste verbete aparece raríssimas vezes, e sempre de modo


muito breve e alusivo, na obra de Nietzsche, quer se considere o
emprego do próprio vocábulo Relativismus, quer se trate de expres-
sões como "posições relativistas" e "sistema relativista".
É diverso, porém, o teor de tais menções. Em um fragmento
póstumo de 1873-1874, Nietzsche anota que um "sistema relativis-
ta", aproximadamente como o que concebe o homem enquanto me-

360

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Rei t, mo

das as coisas, constitui um solo infrutífero para a hlosofia:


d , dC t? consideração Extemporâneo. Schopenhauer como Edu-
rrrce1n0 1 ..
JlJ autor refere-se ao re at1v1smo, ao lado do ceticismo. como
O
codof, efeito. de caráter popular, provocado pela filosoha de Kant
un1certo 1 . . é
t riza semelhante re at1v1smo, tamb m neste caso negat1 a-
carac e •
e como algo que se reve 1a corrosivo e desmoronador; em Hu-
rnente, demasiado Humano , num con texto em que analisa . critica-
mono. as convicções, o fil oso,o
, ' menciona
. o mal-estar produzido por
rnente ,. d •
. õeS relativistas e cet1cas em assuntos e conhecimento em épo-
cp0siç
asnas quais se c?stuma acred·tI ar em ve~dades mcond1_c1onadas;
. ·· em
fragmento postumo de 1885, por fim, escreve Nietzsche que.
um houvesse saber imediato, não seria permitido falar. como faz
casO .. 1 . . d b ..
John Stuart Mill. em re at1v1smo o sa er .
Nessas breves passagens, como se nota, o termo relativismo apli-
ca-se areferentes diversos. Nas duas primeiras. carrega uma conota-
ção manifestamente n~~ativa. E~~ em Hum_ano. demasiado Humano.
por seu turno, as pos1çoes relat1v1stas. assim como as de Nietzsche,
têm por alvo a crença em verdades incondicionadas. tal coincidência
de alvos. por assim dizer. não parece suficiente para autorizar um
passo adiante concluindo daí que o autor do livro considere. ele pró-
prio, seu pensamento como uma posição relativista.
Sobre RELATIVISMO, consultar Co.Ext.I11 § 3; HH 1§ 631; FP 31 (6) do outono
de 1873/inverno de 1873-1874; FP 40 (41] de agosto/setembro de 1885.

Ver também CONHECIMENTO, FILOSOFIA, PERSPECTIVISMO, REALI-


DADE, REALISMO, VERDADE.

Bibliografia

ITAPARICA, André Luís Mota. Relativismo e circularidade: a ontade de


potência como interpretação. Cadernos Nietzsche, v. 27, p. 239-
255, 201 O.
MARTON, Scar1ett. Contra modernos e pós-modernos. Nietzsche e as filo-
sofias de fachada. ln: MARTINS, André; SANTIAGO, Homero: OLIVA
Luís Cesar (orgs. ). As Ilusões do Eu. Nietzsche eSpinoza. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira. 2011. p. 183-201.

Eder Corbanezi

361

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RELIGIÃO (Religion)

': ' _ ~h 0 em1Ine seu 1111-rJno In l" ClU I CO WcJ


O,' ,cn_ o, a uma lu Y.?m r ' u con rc.1 o cns ,· nismo ~ ,t '),
e,s 1gJ ue ã deve ~r Int rpr ta o como um 1nr1 •o él"' r.tar
ou s1 ai 1: um Im _n en e cola so mental. J m 1862, Q o a
e'a - a ão do e saio de j ventude Fado e Histón·a. e-se er
1 ':1a sen , o que o fi lósofo alemão irá dar ao termo ·r li g1• o·.
C si 1:ra o os sen imentos religiosos de um pon o de vista a o-
. gI o-e I u ai, ele sustentará que questões relativas à e is ê ,
': De s. bem como argumentos ontológicos mobilizados com vistas
a prova dasta úl ima. perderam sua força eficiente. sendo-lhe ma,s
o ei oso. e honesto. refazer a história por meio da qual se tornou
possível surgir a crença religiosa. Atuando como consolo diante do
drama da morte e do sofrimento, a religião nasceu e cresceu, sob a
ó ica nietzschiana, como consolidação de uma determinada espécie
de vida e hábitos. Sublimações coletivas e divinizadas de determina-
das forças vitais, as tábuas de valor à base das religiões serviriam de
critério para valorar o mundo, mas também decorreriam, elas mes-
mas, de certas apreciações valorativas, cuja procedência deitaria raí-
zes em condições de existências distintas. Como imagem-sentido da
vontade de potência coletiva de cada povo, a religião seria então um
tipo curioso de figuração comunitária dos triunfos de uma dada con-
creção social sobre si mesma e sobre seu meio, jactando-se numa ex-
pressão positiva do trabalho de autopromoção a partir de sucessi as
superações. Pessoa sintética e coletivamente alienada de cada po o.
todo deus acumularia, sob tal perspectiva, o inteiro processo de con-
formação dos impulsos e forças afetivas das quais se seguiriam , quais
sintomas, os valores religiosamente instituídos e esposados por cada
povo. O problema ocorreria quando, de simples perspectiva coletiva
da avaliação, uma dada religião passa a querer-se a si mesma corno
o único sentido da história e da natureza, arvorando-se em núcleo
ontoteológico da moral. E tanto pior, no entender do filósofo ttlem 10,
quando isso se dá ao preço do exaurimento do cabedal instintual J
partir do qual a própria religiosidade opera suas formas culturt1i d
rno<Jelagem - rebaixamento que, segundo a sintomatologia nietz·
i,chiana, tipificaria a religiào cristã; embora forneça JI nto ~ condi jo

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p, t

, J ,,lm n e tr g1ca d nossa hnitude e ,._ u·i


, 1 • w 1m;i r,u d() 0
· 0 dei, ana de perverter. por meio da culp d . J
, -r. ~ • . C Or S' n 1-
•,,,.,.,... •aeco om1a afetiva

que cruza e constJLui a animal1d J -
. . ace huma-
r. a o-se em. rmu 1a ~6sm1co-universal. tal estratagema ten
las maos da cnstandade estatutária um
, JJ O·
r
. _ • .Y.,;n t·d
(L> -
I o ain a
~' r ente. Com sua globallzaçao, tornou-se possível
_- rt d C . , segun o
__ h . deshgurar a mo e e nsto, no sentido de que esta
\ ~- . 'f' . viesse
.; e OO assentimento ao sacn 1c10 de alguém cujo único ob;e vo
ea 1r a culpa dos out~os. o_ sectário cristão. agora transforma-

, e eterno devedor, fana então, sob tal ótica, a experimentaçd


~º ~ echar num infinito ciclo culpabilizante em que O castigo i·a .º
;. - , . . . mais
,. erá equivale~ a ~ulpa. ~ mais inst1~ante é o fato de que, segundo
aJ~o de oAnt1cnsto, tal 1nterpretaçao teria ido antipodicamente de
er ro a tudo aquilo que o Jesus histórico- tipo uorigina1·. ·estra-
10 à realidade" e espontaneamente "anarquista" - havia sentido e
regado. sendo esse um dos principais e mais ricos achados da inter-
Petação nietzschiana do tipo psicológico do Redentor; isto é, a ideia
,esmade que o Evangelho teria sido falsificado pela Igreja justamen-
te paraque a ortodoxia e a teologia pudessem imperar.
Entende-se. a partir daí. o elogio feito a outras religiões. Tal
como ocorre. por exemplo, com o budismo. Concebendo este último
como uma dietética profilática e cuidadosa dos impulsos. ietzsche
afirma que sua diferenciação tipológica estaria justamente no fato de
q e. nesse caso. os complexos instintuais e afetos telúricos do ani-
mal homem não seriam exauridos ou vampirizados em nome de um
ideal divino e inefável. Isso porque. sendo uma religião sem pecado.
ao menos nos limites de um ciclo autoculpabilizante contínuo e inso-
1· el, o budismo. ainda que niilista, tomaria sobre si uma perspectiva
menos rancorosa da existência. Afirmada numa economia profilática
das pulsões. sua doutrina não induziria aquele que sofre a uma tórrida
descarga dos afetos sobre si mesmo. Eprecisamente porque se inte-
ressa pela religião como uma força ético-moral à base dos empreen-
dimentos civilizatórios, e não apenas como comunidade caracterizada
P€1ocumprimento de fórmulas e valores absolutos. Nietzsche permi-
lP.-se ainda interpretar a moderna probidade científica corno uma vi-
lGria laicizada e não sacralizada da crença cristã. Idealizada como um
i aradoxal impulso à verdade, esta última se proíbe. por tionestidade

363

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' 11 " nt11 nto

morí)l, J a \it,1ç10 de qualqu r artigo de fé. Radícall,ada. a própria ve-


r cicfodc, pr '80.1dil pclJ morali<IJde cristã. dissolvida em con ciência
l

c.,entllirn, por f11n se lntcrdiW a ~mentira " de crer em Deus.


Sobro RELIGIÃO, consultor: A§ 95; GC § 344, § 357 e§ 353; AC§ 16, § 23
o~ 39.

Ver também ASCETISMO, BUDISMO, CRISTIANISMO, CULPA, DEUS,


FORÇA, MORAL, NIILISMO, PSICOLOGIA, AEDENÇAO, TIPO, VONTADE
DE POT~NCIA.

Bibliografia
BARROS. Fernando R. de Moraes. A Maldição Tronsvoloroda: O Pro-
blema da Civilização em O Anticristo de Nietzsche. São Paulo. ljuí:
Discurso. Unijuí, 2002. (Col. Sendas & Veredas)

Fernando R. de Moraes Barros

RESSENTIMENTO (Ressentiment)

O ressentimenlo caracteriza um estado patológico; é uma forma de


doença entendida desde uma "mudança de lugar". em que há um
deslocamento das próprias forças. em termos do papel da memória
e da consciência. Essa última deveria estar sempre receptiva às exci-
tações presenles, mas jamais fixá-las de modo indelével. Porém, é
justamente isso o que ocorre quando a memória invade a consciên-
cia, fazendo, assim, da lembrança uma chaga. A consciência e a me-
mória passam por uma disfunção que vai caracterizar o ressentimen-
to como doença. Há um problema entre dois sistemas: a consciência
e o não consciente. O não consciente é definido pelos traços mnêmi-
cos. Éum sistema que imprime tudo aquilo que recebe. A função das
forçasem relação ao não consciente seria a de imprimir os traços nes-
se inconsciente. Existe o outro sistema, a consciência, no qual a fun-
ção das forçasé propiciar uma reação à excitação presente. Nietzsct1e
refere-se tanto à fixação de marcas indeléveis. quanto à receptivid a-
de ao novo, às percepções dos estados, ações etc., permitindo admi-
tir dois sistemas que, respectivamente. são responsáveis por urna e

304

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Aossont1mento

função. No caso, o n~o consciente e a consciência. Os traços


~t~ pressas no não consciente e a consciência permanece recepti-
c.:10 irn - t N- h . . ..
• , excitaçoes presen es. ao avena poss1b1lldade de aceitar a
,ia as
ória dos traços e a recep t·1v1·dade à excitação presente sem essa
mern . . t d .
distinção. Tais sistemas, pr~sen es em to os os tipos, para funciona-
mde modo normal. precisam atuar separadamente, pois os traços
re "micos não podem se encontrar com a consciência. A presença do
mne . d . - d .,. .
esquecimento 1mpe e a rnvasao a consc1enc1a pela memória, fazen-
com que os traços permaneçam no não consciente como algo in-
do . d
ensível. No ressentimento, e modo completamente diferente, a
~onsciência é invadida pela memória, o que faz com que sua reação
deixe de ser acionada e passe a ser sentida. Como resultado disso,
não mais reage: só sente, e sente tudo de uma maneira rancorosa e
ressentida. Seja qual for o estímulo recebido, o ressentido sempre o
sente como agressão. Em virtude de não ter mais a sua reação acio-
nada, revolta-se contra tudo com que se depara e sente necessidade
de vingar-se dos outros, enquanto derivação direta de sua incapaci-
dade de agir e reagir à excitação, de forma que passa a conceber o
mundo como a razão do seu ressentimento. Toda excitação o fere, o
agride e, por isso, ele se volta contra a natureza e contra todos, diri-
gindo-lhes seu ódio. Como a impotência do ressentido o impede de
realizar qualquer atividade, ele espera que os outros a realizem por
ele. No momento em que isso não acontece, procura alguém para
culpar por não ter conseguido o que desejava, principalmente pela
sua dor e sofrimento. A frustração consequente, porém, lhe desagra-
da e, por conseguinte, ele projeta a infelicidade como responsabilida-
de de outrem, tendo, como pano de fundo, a necessidade de se sen-
tir bom. O tipo ressentido manifesta uma vida sintomática de sua
condição negadora e, como não consegue agir ou criar, atribui à ne-
gação essa possibilidade. Diz que o outro é mau para, a partir dane-
gação do outro, sentir-se bom, ainda que de forma aparente. Con-
vém mencionar que em Nietzsche o ressentimento é a doença carac-
terística do tipo fraco/escravo que se define a partir dessa condição
Patológica. No tipo senhor, a faculdade do esquecimento atua nor-
malmente impedindo que a memória invada a consciência, tornando-
se algo sensível e, por isso, ele não desenvolve o ressentimento. A
anomalia, no escravo, é referida à impossibilidade de funcionamento

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R rn nt, mo

do quecimento e ao desenvolvimento cxaccr do d rn rnón . ;


ação propriamente dita não caracteriza o homem do ress nt,m n o,
cuja forma correspondente seria a vingança imaginária. O ress nt,-
mento forma um tipo que para se deíinir precisa da existênci d ou-
tro e da negação desse outro, equiparando. em vista disso. negar e
criar. Com isso, compreende-se, de um lado, a sua incapacidade de
reagir e, de outro, o estabelecimento do ódio como promotor do a a-
liar. Ver o outro como responsável pela própria dor permite deslocar a
compreensão do estado doente para o outro/senhor/forte que é visto
como mau e réprobo até o fim enquanto o escravo/fraco/ressentido
percebe-se, a partir disso, e somente desse modo, como bom.
Sobro RESSENTIMENTO, consultar GC § 354; BM § 3 e § 260; GM 1§ 7, § 10,
§ 13, § 16 o § 17, li § 1 e § 23 e Ili § 16; EH "Por que sou tão sábio'" § 6.

Vor tambóm AVALIAÇÃO, CONSCIÊNCIA, CRIAÇÃO, ESQUECIMENTO,


FORÇA, MEMÓRIA, MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, SAÚ-
DE, SINTOMA,TIPO, VIDA, VINGANÇA.

Bibliografia

AZ R DO, Vânia Dutra de. Nietzsche e a Aurora de uma nova Ética .


Sao Paulo, ljuí: Humanitas, Fapesp, Unijuí, 2008.
AZ REDO, Vânia Dutra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.
S5o Pilulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
das & Veredas}
SILVA Jr., Ivo da. Tropeços nacionalistas. Lutero na berlinda. Cadernos
Nietzsche, v. 24, p. 43-57, 2008.

Vânia Outra de Azeredo

ROMANTISMO (Romantlk)

As perspectivas desde as quais Nietzsche compreende e critica oro-


mílntismo são bem delimitadas. No romantismo alemão e francês
cst.Jrinm, segundo ele, as formas mais significativas deste movimen-
to multifacetado, cujos representantes mais proeminentes seriam

300

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florn ~r,11 mfJ

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'SI •' 1 I t' j\Hdl, I\VIOll (' bllel.,011, 11,10 ~1o on lcl 1r,1cJo rom~n~
1
, ' •1i.,l. ,n 1 ,, t , Ih I ít i .i., f{e11r.rali1,1<li1s < o romantismo alem~o.
11
:,,," 1 11 q 111 , 1 11111~1101i1,Hl,1 r.ntre o pré-romantismo (Sturm
pll1,l · li (r '}/
· 1 , l ( 11 ,mt'irn 101ll1lll s1110 ,.r, 1romant1k) e o romantismo
.
l 1d • , ,
, 1 , · Wl 111 111t1k). .01110 um 111ovuncn10 de negação da vida,
1
1.1' , 1 1• ,, ,1111111 (' • • i111is1110 ctn frnqucza. O romantismo francês,
1'1 ''' lt .,d. t í'.,litllc1Cfo por Nlctzscllc como entusiasmo pela ·ror-
\
111 1• • • ' • '

1 11 w . f' . 1110. cl cxr. t '11Clc1, no centro cultural mais espiri-
1
, ·' : ,1innd > cltl E11ropil cio século XIX. As análises e críticas são di-
t 11t 1\ ;'\ ' (f' " S 1
· , 1111,i. ,1 >. "r lllé1nl1 o. lélf 10s e 1openhauer e Wagner.
1 1
1
l' ·~ntrt'!tllllO. a 111 tílf~slrn ele artistél do ~ovem Nietzsche é român-

11 11 1
,ri11 11;1r o rc11élscm1 nto da trngéd1a desde a ·profundidade
\,1. 1 1 ,1 1 ,me' iclél" no spírito alemão. O romantismo de Nietz-
1 li. 1 l

10 p;'\µll' . • il· ,ri pr ocupílçào com o nascimento do génio apo-


j,; l ) li nis ílCO crn sue ·porn. Atrnvés da subjetividade criadora do
11{'nio. _ti1ié1 i o siv I pr 'ponderar sobre as tendências temporais de

\. lu 1io, por 111 io d·1criélçfio de novos mitos e símbolos, cujo pro-


l'-- d ninçiio iriél éll m do tempo l1istórico.
o fo o ci 11r1s crítirns ao romantismo está em que este movi-
1nento µlurfvo o 'riél cxpres ão de uma doença, da nostalgia da mor-
l(l, qu 1 1cric1 co1110 a11 élS o profundo cansaço da vida e o envelheci-
rne11to dc1s rornwçõcs culturais. O pessimismo parisiense de l 8't0 em
diante oalcoolismo cr scente nél Europa seriam manifestações dessa
doença. A m1c ro111c111tica do século de Niellsche expressaria, atra-
, sd cu entusinsrno crialivo, de sua teatralidade e do abandono das
regras ílrtfslicas, o malogro desse tipo de llomem doente. O român-
tico, ne e sentido, o artista que tornou criativo o grande desgosto
de i 111e mo. Nesse cntido, Wagner e o romantismo francês tardio, de
Delacroix, principalment , seriam aparentados na ênfase exagerada
nos ei ilose no que llá de exótico e mais descomunal no homem.
Nosescritos tílrdios, portanto, Nietzsche procura compreender
0
ronia,11ismo a Pílr tir de suas expressões artísticas. Partindo da afir-
niaçào de que toda vida que cresce pressupõe sempre sofrimento e
sorredorcs, os românticos são vistos como aqueles que sofrem d
ernpobrec·11 ncn10 d vida, · que procuram através de sua arte um meio ·

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Romantismo

de cura. o repouso e a redenção. Em oposição ao artista dionisíaco


que sofre de plenitude de vida, no romântico é a fome, a insuficiên-
cia no vir-a-ser que se torna criativa. A vontade de criar e de destruir
manifestou-se artisticamente tanto nos clássicos (Goethe, por exem-
plo) quanto nos românticos, sendo expressão, contudo, de impulsos
contrários. Nestes últimos, a vontade de eternizar brota de sua grave
doença, que quer propagar seu sofrimento a todos e a tudo. O desejo
de destruição no romântico é "o ódio do malogrado", que "tem de~
destruir, porque para ele todo existente é insuportável.
É na música que o filósofo vê a expressão mais significativa e
madura do romantismo, mais precisamente na música de Wagner,
em sua relação com a metafísica da música de Schopenhauer. Assim,
ele tem em vista as últimas aflorações filosófico-artísticas do roman-
tismo tardio, em sua conotação pessimista. Em Wagner e nas ten-
dências contrárias ao Iluminismo, ele critica a fixação a ruínas dopas-
sado e o refúgio em "absurdos morais e religiosos" do cristianismo.
Apesar de ser o último 'grande acontecimento' na cultura ocidental,
Nietzsche pretende superar o romantismo por meio de uma imbrica-
ção singular entre o dionisíaco e o pessimismo. O anseio dos gregos
à feiura, ao pessimismo, ao mito trágico, brota do prazer e da força
transbordante. Já o anseio de beleza, de festas, de novos cultos teria
brotado da carência, da privação, da melancolia e do sofrimento dos
gregos. A criação de cunho artístico seria a única força superior con-
traposta às tendências de negação da vida e seduções da moral; ela
permitiria ir além do romantismo pessimista de Schopenhauer.

Sobre ROMANTISMO, consultar NT "Ensaio de autocrítica" § 6 e§ 7; HH 1


"Prefácio" § 1, § 110; HH li "Prefácio" § 2 e§ 3; A§ 130; GC § 370; BM § 209,
§ 245 e § 256; FP 9 (71] outono de 1869/outono de 1872; FP 11 (25) verão de
1875; FP 2 (113) outono de 1886; FP 15 (14) primavera de 1888.

Ver também ARTE, DÉCADENCE, DIONISIACO, FORÇA, GÊNIO, METAFI-


SICA, MÚSICA, PESSIMISMO, RELIGIÃO, SAÚDE,TRÁGICO, VIDA.

Bibliografia

ARALDI, Clademir Luís. Nietzsche e o Romantismo alemão. Dissertatio,


V. 19-20, p. 235-254, 2004.

368

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Saúdo

Nierzsche e o conservadorismo romântico. ln: MARTINS,


LVAJr.. lv~;NTIAGO, H~mero; ~LIVA. Luí~ Cés~r_(?rgs.}. As Ilusões
André, N. tzsche e Spmoza. Rio de Janeiro: Civ1lrzação Brasileira,
do fu: ,e
63-76.
201 1, P·
Clademir Araldi

,DE (Gesundheit}
sAU
- da saúde e da doença desempenha um papel relevante na
uestao _ _ .
. Q fi de Nietzsche, em sua conexao com as relaçoes entre vida e
A
:ar
filoso isso, uma reflexão sobre os conceitos filosóficos de saúde
eobra.
de doença deve, nesse caso, ~er prece d'd d 'd -
I a . e co~s1 era_çoes so-
tuto da relação entre vida e obra na filosofia de Nietzsche.
bre oesta _ .
T ta-se, na realidade, de uma questao bastante complexa, Já que
n;~ se pode nem dar um relevo excessivo à biografia de Nietzsche,
oque poderia produzir uma falácia genética, uma "patologização"
da própria obra ou a apresentação de argumentos ad hominem, nem
lhe dar um peso demasiado pequeno, já que Nietzsche efetivamente
refletiu sobre a questão da relação entre saúde e doença a partir de
sua própria experiência. A solução para que se evite cometer as duas
formas de equívocos é compreender a questão da biografia em ter-
mos estritamente filosóficos. como uma tematização conceituai de
Nietzsche. Assim, em vez de dar demasiada importância ao quadro
clínico de Nietzsche, com sua saúde precária, como uma espécie de
inspiração para sua obra filosófica, mais importante é sua reflexão
sobre sua condição, que não se restringe ao seu estado de saúde
Particular. mas a uma reflexão filosófica sobre a saúde e a doença
qu_e transcende a redução somática da doença no âmbito médico.
Afinal. para Nietzsche, a doença não é compreendida estritamen-
t~ e,~q_uanto um fenômeno somático (do corpo reduzido à fisiologia

b og,ca o 'd·
ad ume 1ca}. Ele adota um ponto de vista mais amplo sobre
.oe~ça, em que o corpo já é compreendido como um complexo
fisiops,col' · • .
texto og,~o. no interior de sua teoria dos impulsos. Nesse con-
pu•am' Para Nietzsche. apesar de sua condição enferma (em termos
,, ente m, d.
e icos), ele se considera fundamentalmente saudável.

369

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s

Portanto, essa saúde ·rundamentai- que ele encontra em sr o ,_r:


mesmo à mera consideração somática redutora.
A questão da saúde e da doença em ietzsche, enquanto o-
blema filosófico, deve ser entendida assim no contexto da doutrina
da vontade de potência, em sua relação com a décodence enquan-
to desagregação fisiológica. O corpo, para ietzsche, é um comp' -
xo de vontades de potência que se organizam hierarquicamente. a
doença, o que encontramos é a desagregação, a incapacidade de um
corpo organizar e impor uma direção à multiplicidade que o constitui.
Saúde, para Nietzsche, significa portanto a organização dos comple-
xos de impulsos fisiopsicológicos, forma orgânica da vontade de po-
tência, em uma hierarquia, enquanto na doença encontramos a desor-
ganização pulsional que conduz à desagregação fisiológica, nesse sen-
tido amplo e certamente não exclusivamente fisicalista de corpo.
Para Nietzsche, pode-se ser gravemente doente em termos pu-
ramente somáticos, mas fundamentalmente sadio em seus termos,
já que a saúde significa a posse de traços psicológicos que conduzam
à afirmação da existência em todas suas vicissitudes; a doença pura-
mente somática serve de oportunidade, para o sadio no fundamento.
de ver a vida através de um ponto de vista superior. Isso tudo reme-
te mais uma vez à fisiopsicologia de Nietzsche. em um aspecto bas-
tante particular, a sua teoria dos tipos: cada indivíduo possui certos
traços físicos e psicológicos e por isso pode ser tipificado como fraco/
doente/escravo ou forte/sadio/nobre. Contudo, o grande problema
da teoria dos tipos e de uma possível terapêutica nietzschiana - com
sua filosofia afirmativa - consiste no seu caráter determinista, o que
impossibilitaria alguém de efetivamente se curar, caso fosse do tipo
escravo, doente no fundamento, enquanto seria também algo deter-
minado o fato de alguém ser fundamentalmente saudável.

Sobre SAÚDE, consultar GC "Prefácio" § 2 e§ 3, § 382; EH" Por que sou tão
sábio" § 1 e§ 2; FP 2 [97] do outono de 1885/outono de 1886; FP 14 (65] do
início de 1888; FP 22 [18] de setembro/outubro de 1888; FP 6 [26] do verão
de 1886/inlcio de 1887.

Ver também CORPO, DÉCADENCE, FISIOPSICOLOGIA, GRANDE SAÚDE,


HIERARQUIA, IMPULSO, ORGANISMO, PSICOLOGIA, TIPO, VIDA, VIVÊN·
CIA, VONTADE DE POT~NCIA.

370

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Soloção

Sibliografia
EZZATTI Jr.. Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzs h .
FR da ouolidode Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2ooi. e. a Superação
TON scarlett. Uma questão de vida ou morte· a filos fi d .
iAR · . · o a eNietz-
sche eO problema da eutanásia. ~ypnos, v. 9, p. 120_134 , .
2002
1ARTON, Scarlett. Décadence, um diagnóstico sem terapêut· . So
~1 - d W lf M" ica. bre
a interpretaçao e o gang uller-Lauter. Cadernos Nietzsche
V. 6, p. 3-9, 1999. '

André Luís Mota ltaparica

SELEÇÃO (Se/ektion)

No contexto nietzschiano, seleção pode ser entendida como autoani-


quilação dosdécadentes. Nietzsche afirma que as grandes instituições
ascéticas do Ocidente evitaram o que ele chama de "niilismo suicida"
'
isto é, a autoaniquilação repentina do décadent. O cristianismo, por
exemplo, teria promovido, por meio da noção de ressurreição, o con-
solo resignado dos décadents e, assim, impedindo a autodestruição
destes. Contudo, ao substituir o ato de niilismo radical por um lento
definhar, o cristianismo teria ajudado a erigir uma civilização caracte-
rizada pela décadence, uma vez que teria conservado e aumentado,
durante séculos, o contingente dos malogrados. Ora, a implementa-
ção do projeto nietzschiano de transvaloração passa pela substituição
dessa civilização décadente por uma cultura de afirmação da vida.
Logo, estimular o niilismo suicida é promover uma seleção dos entes
que de fato deveriam compor essa nova cultura afirmativa. Como es-
timulá-lo? Através da doutrina do eterno retorno do mesmo. Se atra-
vés de seus preceitos os sacerdotes ascéticos conseguiram, até hoje,
conservar uma forma de vida doente, a doutrina do eterno retorno
do mesmo, em sentido contrário, serviria como um catalisador que
iria acelerar o processo de décadence. Se a esperança de vida eterna
no além serve de anestésico imaginário para o sofrimento na vida do
mundo terreno, o eterno retorno do mesmo dá ao sofrimento terreno
0 peso da eternidade. Portanto, para os negadores da vida terren.a, ?

eterno retorno do mesmo assumiria o peso de sofrimentos infernais. E

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s I O

justamen e nesse sen ·do que esta do ae m,


to de seleção nas mãos de ietzsc e. Isso q e'a se 1 :a --a se-
lecionar a permanecerem na vida apenas a e'es a ,_
ver com o pensamento do eterno retomo de todas as e ·sas. u se .
se por um lado, a doutrina pode servir e o ' · o para a
de vida afirmativa. por outro lado, ela é m e eri pa a as as d:>
vida décadentes. O décadent irremediável que i e asse a e
na do eterno retomo do mesmo "rangeria os dentes". ·s a alta
perspectiva de consolo através de uma redenção n o ro o.
somada à proposição da eternidade desse mundo, le a ·a o décaa
a se Mlançar ao chão" em desespero. Ele preferiria a mo e ráp.da a
ter de enfrentar, por toda a eternidade. o "martírio" da ida terrena.
Enfim, a doutrina do eterno retomo do mesmo arderia como um fogo
eterno na consciência dos décadentes.
A seleção do eterno retomo do mesmo não deve ser, contudo. con-
fundida com uma espécie de política eugenista, pois a vontade de pere-
cer ou permanecer emanaria da própria constituição fisiopsicológica de
cada vida que acolhesse a doutrina como verdade. Ou seja. o eterno re-
torno do mesmo funcionaria como uma espécie de autodesafio mortal
que é lançado a cada homem que tomasse essa doutrina para si.
Sobre SELEÇÃO, consultar GC § 341; GM Ili § 13 e§ 28; AC§ 2; FP 11 (160) e
[338) do outono de 1881, FP 2 (4) do verão/outono de 1882; FP 35 (82) de maio/
julho de 1885; FP 9 (8) do outono de 1887; FP 14 (9) da primavera de 1888.

Ver também AFIRMAÇÃO, CIVILIZAÇÃO, CRISTIANISMO, CULTURA, DARWI-


NISMO, DtCADENCE, ETERNO RETORNO DO MESMO, FISIOPSICOLOGIA,
NIILISMO, SAÚDE, TRANSVALORAÇÃO DETODOS OS VALORES, VIDA

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: a Superação


da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.
MARTON, Scarlett. O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou
imperativo ético? ln: -- . Extravagâncias. Ensaios sobre a fi-
losofia de Nietzsche. 3ª ed. São Paulo: Barcarolla, 2009, p. 85-
118. (Col. Sendas & Veredas)
MELO NETO, João Evangelista Tude de. O eterno retorno do diferente?
Sobre a interpretação de Deleuze acerca da doutrina nietzschiana

372

-
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Sensação

wrno do mesmo. Perspectiva Filosofica, v. 1, p. 95-


dO eterno re
2012. ,
116• N. tz5che: do eterno Retorno do mesmo a Transva/oração
n/J. LUÍS. te - ·
oUBIIV'• Valores. Sao Paulo: Barcarolla, Discurso, 201 O. (Col.
I' etodOS OS
~ndas &. veredas)
João Evangelista Tude de Melo Neto

SENSAÇÃO {Empfindung}

•meiro momento, Nietzsche entende por sensação o estado


I
Nu~ P~ginário das representações, por vezes equiparada a prazer e
mais on , fil , ç -
er Ulteriormente, porem, o oso,o trata as sensaçoes segun-
despraz • _ . _ .
mesquema de gradaçoes: existem as sensaçoes conscientes,
do. ucaráter representativo
· resu 1ta de uma eIaboraçao- se1et·1va ocorn-.
cuJoinconscientemente, e as sensaçoes
da - em estado bru to, a expenenc,a." .
direta dos estímulos emitidos pela realidade do vir-a-ser. .
No contexto de sua metafísica de juventude, Nietzsche enten-
de as sensações enquanto a alternância de prazer e desprazer que
acompanham a vontade, a forma mais geral de representação. Desse
modo, as sensações só podem ser conhecidas como representações
enão como essência. Trata-se de um fenômeno originário que não
pode ser explicado por uma outra coisa que se encontre no nível da
aparência [a sensação não é o resultado de uma célula, mas a célula
é ela mesma sensação). O mundo, definindo-se pelo esforço contí-
nuo para curar o sofrimento pela intuição que gera prazer pode, nes-
se sentido, ser compreendido como um evento sensorial.
Por volta de 1872. surge um novo tipo de abordagem do pro-
blema quando Nietzsche passa a explorar a possibilidade de existir
um escalonamento de sensações, uma linha de tratamento do as-
sunto que, a partir de então, não será abandonada.
Em Primeiro lugar, Nietzsche adota nessa época uma teoria da
;~n~~ão que cauciona as suas inclinações antiespeculativas e anti-
dad
s1t1v1stas · Entende as sensaçoes
- como alterações psIquIcas
, . que sao -
sen~s ~ome_nte enquanto efeitos sobre os órgãos dos sentidos; as
çoes sao modificações dos órgãos dos sentidos que produzem

373

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Sonsoçõo

imagens. um proce o qu, ,nco11t1.J d 'Lhl .__111i1lr Hid 111i1i: concr 1ll111<1
campo içàode imngens provoc.Jdlt · porvilJ1,lÇ > 'S~tll10111 · solm1 plct·
GlS cobe1téls com areia (o "', pe1ir11 11lo · d' ·111s1 lll.1l111I). 1:. o ,,~-
1

nifica que dJ sensaç5o l k o ~ pod, trill1i1r o p 'lrlll !iO i11~ l1s St111 · Cclll·
sas. A ensnção é um rcnôrn 110 pr i11101dli1I, 11Jo s 'l1<1o lícito pcnSJr o
1

que não ensnçào. Ounlqu 't' l1ipótes-1 qu vlslu111ln ' '-1 possibillc1cl·
1

de de tratnr as sens lÇôes e mo Jconl ir11 1 11!0 c'-1u ··ido · por cois.1s,
:'l

pelos órgãos dos sentidos, t1cornelida p li, ·011lrl1dlç,io - c 1r11 l1


todo o percurso int lectunl de Ni tz cl1 d . . (]LP os or pos s<iO 'les
1
-

mesmos déldos orno s 11 JÇO . Tal t:1orit1 di:l -111 açJo forn :'lc . 11-
fim. um irnport< 111 -,porte pílrél o antropo11101fi 1110. o r lativismo do
homem mediâa. enquanto unw po içê pist :1111ict1 basilar.
Contucjo, 'SS 1111tropomorfisnio n o i11transp llÍ\P I. P is nes-
sa rnesmél µom. µrov,w 1111 11t estirnul·1do p I u 11alismo do
vir-<1- er que. nu,o, irrornµ . Ni t cl1 011 id n a p s ·ibilidad de
umn c1ce11ttiaç,10 cios sc11tid s com rip i i -1xp-1ri111e11l · forneci-
dos por linl1íls progr'ssist, s dos i 11 ia dr111;1lu1 _} ~- Es · experi-
mentos, poptllílrirndos por I ílrl Em t v 11 Ba ::ir, i11v ti 1a111 a 1:)l'l ão
entre a vclociciacic cias p;;,T:lp 6:l ;; íl p-1rc p i d r alid ad;;. O es-
querrlél que se i111pól' o s~gui11t ): qt1t1nt lllílis I rada per ep-
çao. r11aior íl ilus:10 <io p '1rna11e11te. qt1 1110 111íli d J el rada , mai r
é-l p \rrcpçLio clíls IIHK1c 11ç<1s. Esse L ·litim , s dev :ir ll1id 111
urn aperi içoél11H~11to cio, píl1'L'll10 p )rceplivo: nel ;; 111 ·tra que 111
sc11 rnrc t 'I p1i111itivo ;1s sensílçôes dcs 111l1e em pr priedad s espa-
iais. rn1110 a justclposiç1·10 L1 ,1 si1nultil11eici,1 1 . T nn- plausivel a -
"l

su111ir. él si,11, que' d p 'ln 'pçjo 'X1tl1. e111 detri111e11l i um I lativis-


1110 í1bsoltl!o. t' 11111;-i possil>ilici.1dl) l'l'tll.
:S. l' ci11í1ciro é l'Slill)Plccicio de fo1111c1 mcii :isq11 ;;111.: li J , liv1 l
ele éll11l)iCllitli1(1l'S, 11,1 lilosorid l,ll'tiid (i(• Niet llt'. E:-.:i l 111 d j ll Í-
v )i (lél. SCIISilÇOCS . lllcliS s11pe1fi ·ittl t? · t<) •itlk d lltl 11 · f l i) 'ª·
A se11SilÇOl'S qtll' dli st1rc '111 s110 ·ens-1 óe~ de s n-íl · Por de-
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E~~ ialrnente ~ v1sao e o tato, qu -1 orroborc1111 int ,, µr "'taç , 'QUi•


, adas da realidade, como aqu ln d )nvolvic1a pelo m 'Glnici mo
e ntudo. é preciso estar tamb 111 r1t 1110 JO ataque niet chiJn ·
desferidos contra o idealismo devido à sun r -cusa in , rl\ f\l cl ,
partir dos sentidos. Com efeito, o que o platoni mo ort do. oi 11 r,1
é que muito embora o nível conscient d en oçõ n 10 jil dinn
de confiança, há um outro nív 1. mais profundo. primitiv , v rrta-
deiro, de sensações. Esse outro nível é acessível él organi mo 111t1i
complexos cujo aparell10 sensorial é apto a perceber coi as fnfimíl e
efêmeras. Com aquilo que Nietzsclle cl1ama de, finam nto do ,,,_
tidos torna-se possível atestar que o mundo perspeclivístico. cone -
bido para os olhos e tato, é falso, estando em contradição com um
outro mundo dado aos sentidos, o outro mundo fenomenal do cao
de sensações. Nessa direção, é preciso aceitar o postuléldo de que os
sentidos não mentem ao revelarem a realidade do vir-a-ser, de qu'
toda evidência da verdade provém dos sentidos - os sentidos só en-
ganam após serem constrangidos pelos erros do intelecto. Ncs PJ· :1

tamar, aposição platônica deve ser substituída, enfim, poroutrtt 111,1i


condescendente com as ciências empíricas.
Essa formulação do problema não está, de qurilqu r 1110<10. livr '
de impasses. Pois se é certo que Nietzsclle explora a po sibilidr1cJ' d
um refinamento dos sentidos, que abriria as sensaçõesc111 seue t,i 1 ?
bruto, efêmero, ele também não deixa de reconl1eccr que O co,_ 111 'CI·

menta, nesse caso, seria inviável: e isso porque ltá urna di p.,r,cli1d
entre conhecimento e vir-a-ser. Logo, não se pode di7 r, 111 rnlÃt·
1

37t>

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1 S n ço

raços, que o refinamento dos sentidos coincide com um conhedmen ()


da realidade. Como lembra ietzsche em alguma dPsuas a taç~:;.
um refinamento demasiadamente excessivo dos sentidos co duz r r-
çosamente o vivente ao perecimento. A rigor. a ideia de uma percep-
ção exata é uma prerrogativa exclusiva do mundo inorgânico.
Essa apresentação do problema também parece estar em anta-
gonismo com os momentos em que Nietzsche adota o monismo sen-
sualista como uma estratégia para evitar a contradição em que sen-
sações são causadas por órgãos dos sentidos. Essa teoria. ao pregar
um monismo das sensações. seria um expediente útil na medida em
que dispensa a interrogação pelas causas das sensações. Deve-se no-
tar. contudo, que essa é uma hipótese regulativa, provisória, que visa
a corrigir o hábito errôneo de buscar a causa das sensações em cor-
pos. Tão logo se aceite o realismo do vir-a-ser. subtraído de corpos, a
questão pela causalidade das sensações volta a ser pertinente.
Por fim, cumpre destacar que, apesar do tema da sensação ser
abordado na maior parte das vezes num horizonte epistémico. Jjetz-
sche também assume. nos seus momentos mais especulativos no início
da década de 1870, que a matéria deve ser dotada de sensações. Essa
conexão entre matéria e sensação fornecerá elementos para que se
desenvolva uma interpretação hilozoísta do mundo inorgânico.
Sobre SENSAÇÃO, consultar FP § 10; VM § 1; A § 117; BM § 14, § 15, § 134 e
§ 192; Cl "A 'razão' na filosofia" § 2 e § 3; FP 12 [ 1] da primavera de 1871; FP
19184), [159) e 1161) do verão de 1872/início de 1873; FP 26 [11) e [12) da pri-
mavera de 1873; FP 27137] e [77) da primavera/outono de 1873; FP 22 [113)
da primavera/verão de 1877; FP 25 [505) da primavera de 1884; FP 34 (30),
[55) e [60) de abril/junho de 1885.

Ver também AFETO, CONHECIMENTO, CONSCIÊNCIA, ERRO, IDEALISMO,


MORTE, PERSPECTIVISMO, PRAZER, REALIDADE, REALISMO, UTILITA-
RISMO, VALOR.

Bibliografia

NASSER. Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-


ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)

Eduardo Nasser

376

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HISTÓRICO (hlstorlscher Slnn)
seNflºº
, J culLUril l11 tórica, qu s' coloc como rcprcrrn -
11 (( ,nO 11\ 0
l • ' • J •

o wndo 1110d rno. 1ctlsche, Já no s us nrimc,ros cr,-


1 dO 11 . , ó. .
:.-1, • A, rJor nt1do 111st nco a concepçao mod rn ue histó-
cnt llll '
:e.· ci ncia objetiva dos fatos passados a s r aplicada a todo e
( (110 .
.1. r objeto passível de conhecimento. Ele critica essa concep-
11
a,J<11 er11í de o No cimento do Tragédia. dando uma ênfase maior
·' a J ,da con ,'deroçao - Exl empofiónea, Da Ut,·11uade
·r1 e Desvan-
1 L llf . .
n. ~, ; da História para o Vida, ao considerar que, apesar de certo
tJgl it, da presença dos fatos passados, a inteligibilidade total
O 0
Gau
fa tos interdita o presente e o futuro, exc 1u,n . do a contingenc,a
mo fato intrínseco à vida. Entende que a utilidade da história para
a,,da ocorre em três variantes, a monumental que realiza atos. a an-
tiquáriaque preserva o passado e a crítica que promo e a libertação,
desde que a intenção daquele que recorre a esta ou aquela seja a de
agir. como modo de contra balancear os excessos da história. o filó-
sofoaposta no a-histórico e no suprahistórico. Sem nunca renegar a
história, mas apenas um aspecto dela, a seu ver. noci o, ietzsche
alerta, a partir de Humano. demasiado Humano. para a necessidade
dosentido histórico; posições essas, aliás. já começam a se delinear
naTerceira Consideração Extemporânea. Schopenhauer como Edu-
cador. Se o alvo do filósofo continua o mesmo. qual seja. a crítica à
modernidade , a maneira de proceder a essa crítica se altera. Consi-
derando ineficazes as análises precedentes, o filósofo começa a de-
linear um novo aparato conceituai que, doravante, terá como um
daspeças chaves a história. Ao pregar o filosofar histórico, pretende
ter elementos para trabalhar a noção de sentimentos morais. qu . a
partir de Humano, demasiado Humano passa a desernpenllar fun-
çãoestratégica na sua crítica ao apontar para as falsas eternid:1des.
'esse momento da obra, o filósofo aproxima a l1istóriíl da l1i tóriíl da
natureza, conferindo a ela um novo sentido. mais adequéldo, ali ,
ao emprego que realiza da noção, como. por e emplo, inve tigar il
hi5tória dos sentimentos morais. O filósofo ncaba assim me mo por
aumentar o alcance do fazer llistórico, que n~o lllíli e re uminíl ílO
1
tos da vida política, mas se e tendcriíl aos cntim nto que ndu•

377 1
1

1
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1n1 rn

lll ,1 lnt cim 1nto d ordem política. No U últimor l (O' , 1

1 'li che continua operando com a noção de sentido histórico como

urn in tnun nto de combate à dogmatização: apresenta. no ntan-


to. já a partir de A gaia Ci~ncia. a dupla race dessa noção: virtud e
doença. Ele considera então que o desafio agora é operar com essa
noçJo. sem a desmedida que o excesso de história pode trazer. algo
extremamente nocivo, como havia alertado num primeiro momento
de seu pensamento. para então contribuir de modo eíetivo para o
ultrapassamento da modernidade.

Sobre SENTIDO HISTÓRICO consultar HH 1§ 2 e § 37; GC § 7 e § 337; BM


§ 186 e §224,

Ver também ETERNO RETORNO DO MESMO, FILOSOFIA, GENEALOGIA,


HISTÓRIA, METAFISICA, MODERNIDADE, MORAL, NATUREZA, SAÚDE,
VIDA, VIRTUDE.

Bibliografia
ITAPARICA. André Luís Mota. Nietzsche e o sentido histórico. Cadernos
Nietzsche, v. 19, p. 79-100, 2005.
LIMA, Márcio José Silveira. Nietzsche e a história: o problema da obje-
tividade e do sentido histórico. Cadernos Nietzche, v. 30, p. 159-
181, 2012.
SILVA Jr., Ivo da. A História como influxo. Cadernos Nietzsche, v. 26,
p. 97- 106, 201 O.

Ivo da Silva Jr.

SINTOMA (Symptom)

Sintomas são sinais (Zeichen) de algo mais profundo do que está apa-
rente ou do que se consegue ou se quer considerar. O termo ocorre
corn mais frequência nos últimos textos de Nietzsche, ligado aos con-
ceitos de vontade de potência e de fisiologia enquanto dinâmica pul-
ionJI. A fisiopsicologia nielzschiana, enquanto morfologia e doutrina
do desenvolvimento (Enlwicklungslehre) da vontade de potência, e o

378

zrd
Digitalizado com CamScanner
, JI i r )t n em ln\ st, ar d
u f rça r meio de seu . ,a nos IC,)r c0nfJ.
. s1n om s ,s o é
:1u . Essa produção estt1belec · . · r
. e uma rei ao co
e ta o cnténo para decidir sobre a sa ·d m
. . .. u e ou a morb,da
ga1ismo. um Ind1 1duo ou uma cultura ~ . ·
•,· - , . a11rma a da en-
.,. :.-: ~sso continuo de autossuperação, ele é po ente. alta-
• .era u1zado e. portanto. saudável· se nega é •
··::'" • . · . 1mpo en e
: ; ~i • rtanto. doente. Assim . emos a moral a fil ~ ·
. 4 . . . . . • oso11a meta-
; -.• a :e 1a, o cnst1anismo etc., como sintomas de doe d
-• · . d I' . nça. eca-
c2 .. : 3 . egeneraçao, ec 1rn~ de potência ou fadiga fisiológica. Os
:~=-., sa\'anços da m~dem'.dade (humanização, direitos iguais en-
72 '"'' 1e se mul~eres. Jornalismo, educação pública etc.). que. se-
~-',. ~ ~1·~o~o. nt elam_o ho~em._também são sintomas de configu-
s ~;):S fis1o!ogIcas doentias. Filosofias como as do próprio lietzsche,
J~ taigne e de Heráclito são vistas como sintomas de saúde.
A sintomatologia é um sistema de sinais ou uma linguagem, im-
. aido uma determinada interpretação; por exemplo, a ciência e a
1 ral típicas do século XIX. Não existem, segundo ietzsche, fatos
1 rais: a moral cristã é uma sintomatologia ou uma interpretação de

eterminados fenômenos. ou um determinado modo de vida. que é


ex ressão [Ausdruck) de uma determinada condição fisiológica. ou
se;a. de uma determinada configuração dinâmica de impulsos.
Nesse contexto, pode-se entender que a filosofia e aciênciatradi-
·a ais, muitasvezes. tomam os sinais como verdade ou como o único
r,; el a ser investigado. desconsiderando os processos. muitas ezes
;nconscientes, que são responsáveis pela produção desses sinais. Os
s: ornas tomam-se, portanto, máscaras. tartufaria, hipocrisia ou mal-
e endidos. Por exemplo, toma-se o "eu" ou o sujeito como uma uni-
dade fixa e absoluta, enquanto ele é sintoma ou sinal da resultante de
umaconfiguração dinâmica de impulsos em luta por mais potência.

Sobre SINTOMA, consultar NT "Ensaio de autocrítica" § 1 e§ 4; GC § 357 e


§370; BM § 21, § 23, § 32 e§ 202; GM "Prefácio"§ 5 e§ 6; CI uMoral como con-
tranatureza" § 2 e§ 5, "Os 'melhoradores' da humanidade"§ 1 e "Incursões
de um extemporâneo" § 4; EH "Por que escrevo livros tão bon s" § l; FP 4
156] e 1214] de novembro de 1882/fevereiro de 1883; FP 1 (72] do outono de
1885/primavera de 1886; FP 2 (69] do outono de 1885/outono de 1886·

379

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1J. 111l1smo

Ver também DESENVOLVIMENTO, FISIOPSICOLOGIA, GENEALOGIA ~


RAROUIA, IMPULSO, INTERPRETAÇÃO, LINGUAGEM, ORGANISMO ~~I~.
DE, VIDA, VONTADE DE POT~NCIA. ' U.

Bibliografia

FREZZATTI Jr.. Wilson Antonio. "O problema de Sócrates~: um exemplo


da fisiopsicologia de Nietzsche. Revista de Filosofia Aurora, v. 20
n. 27, p. 303-320, 2008. '
FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. A Fisiologia de Nietzsche: A Superação
da Dualidade Cultura/Biologia. ljuí: Unijuí, 2006.

Wilson Antonio Frezzatti Jr.

SINTOMATOLOGIA (Symptomatologie)

Ver SINTOMA (Symptom)

SOCIALISMO (Sozialismus)

Embora não receba um trato conceituai, o socialismo e suas teorias


são de conhecimento de Nietzsche, graças, muitas vezes, a seus ami-
gos próximos, que o incentivam a atentar para os perigos que podem
advir do movimento socialista. Tanto que, já nos escritos de juventu-
de do filósofo, de modo indireto, o socialismo é um dos grandes alvos
de ataque. Ao remeter a dor, a felicidade e a culpa ao Uno originário,
ietzsche, em O Nascimento da Tragédia. procura suprimir, a par-
tir de uma visão trágica do mundo, a possibilidade de encontrar em
questões de ordem social os motivos do sofrimento e da infelicidade
dos indivíduos. Entende então que homens livres e escravos estariam
subsumidos à tragicidade comum a todos. Com essa perspectiva me-
tafísica, visa assim. de um lado, a barrar ou enfraquecer o socialimo
ascendente em sua época e, de outro, a possibilitar o advento de uma
civilização que se paute pela realização da beleza e da arte.
A partir de Humano, demasiado Humano, em que fica patente a
falta de eficiência da solução anterior, o socialismo recebe outras inves-

380

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f ló )oro ao !, 1 r c111encJl<lo ;1gom corno urrw cJoulrlri·i t •
su ' . r J i , )d'AuJr1
1J ,idcid rous•eau sw <a >on(JacJe natural, lr,to r>or n · ,
n Jll J · 1 rr.p, r ,1
1,,.11 •
li JO (1(1,, nropri 1
cJ;1c e
• pnvac
Ili a, crn nome do 'iCrlllrrwnto
•• • • dl(. 1•íl(1(1
cJ(• v·
,1t~ o! ,n0. r>ondo crn ns o iJ ,crcJiJcJe lmJlvidual, epor ,1u,•r<1 , . .r C<mlro,•
ec J vidJ do indi~íduo. . _E~lc~) alaq uc~_; Wrn grande rnc~cfüJa wrno
1
~r defundo políll ascsWLalslnlcrvenc1onlstas na economia 1,1vad;J<i
~no 05 por Guilherme 1, no laslro das C:ilralégié.1s de f3í rnarck nara
J 1err11 . J • •. ,,
pério consrcJcrac as, por sua vez, sooa 11stas nor Nietzsche
0 lnl corn, ainstauração do proccdlmcmo gcneé.llógico, n~ cnta.nto,
0
·smo.
l1 juntamente com a sua outra face, com a qual tem estrei-
SOC'ªlaços, •
qual seJa, o 1·b 1·
I era ismo, apresenta-se como uma ameaça
105
trocinada pela moral dos e~cravos a uma organização vital ascen-
:nte. concretizando-~e ~od1ern_amente ao filósofo no desenvolvi-
nto econômico de viés 1ndustnal, que subsume inclusive a cultura
memo uma mercadoria dentre outras. Calcado nas "ideias moder-
co d . ld d . .
nas·, em particular na e 1gua a ~ e Justiça entre os homens, 0 so-
cialismo visa, portanto, no ver do filósofo, à promoção material; in-
terdita por extensão toda e qualquer possibilidade de se vislumbrar
grandes metas para a humanidade, nas quais o trabalhador, enten-
dido aqui como escravo, poderia encontrar um efetivo sentido para
avida ao se subordinar a um nobre, moralmente elevado, que, por
ter condições de atribuir organicidade e direção ao todo, tornaria a
vida menos penosa que a submissão àqueles cujo intento último é o
poder advindo do moderno sistema produtor de mercadorias.
Sobro SOCIALISMO, consultar NT § 1, A§ 206; HH 1§ 473; AS § 285 o§ 292;
GC § 40; BM § 202, § 203 e § 256.

VcrtambómANAROUISMO, BURGUESIA, CULTURA, DEMOCRACIA, ES-


TADO, GENEALOGIA, IGUALDADE, JUSTIÇA, LIBERALISMO, MORAL
DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, TRÁGICO, VIDA.

Bibliografin

SILVAJr., Ivo da. NoLJs sobre a recepção de Nietzscl1 e no 13rasil. LctJrun


e os operadores teóricos. Cadernos Niel1Sclle, v. 30, p. 121-13'•.
2012.

Ivo da Silva Jr.

381

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SOCRATISMO (Sokr• tl1mu1)

O t rmo rc1t c;rno ocorr •qtJ,1 ! ,1r •1i1 , , tt' IO', 1 :, J r, ,1O ' ✓1 -
,, ntodaTm xto, mtx (1o c•u scnt1CJOp< tlll,l .1. cJr~,l' {tllllfíl( Jo,
em tooa a o ra n tlSC llkl .1. o !)()Cí tl l l' rllO (' 11 C,lf,)( ('(Í(, l(,l ((' r) rc11(1)
ct I ura cx:rát1CJ ou t ónc, , n,1qual pr do 11111.1o nr,1/('í <f coo :e, r .
a Ilusão de poder cur,ir por e ) as cfo,es dc1 •x1st •nc,c1. A~ <'.r1r d : • .<.1
ilusão estimular o homem av, •r, lt prodtu urn,l buS<.t1 1nt n<x .m
hm pelo conhec,mcnw. nao ~ ncJo capaz de d,Jr s,enit1C, do suf 1c e
à e 1stênc1c1 tiumana. O !>OCrJt15rno é rcsponsá cl pele_ dcstru, ,,o da
tragédia clássica, mas n~o !>C situa cxcluJ1v rnentc n< Gréc1 Jn ,r,a,
estando ao lado de todo o pcnS<Jrnento rncwfísico e sendo tam me, •
racterística imporwntc ua<Jccadência europeia do século XIX.
Eurípedcs, sob a influência cJc Sócratc cm ua cornpos1çJo a •
tística, destrói a especial unitlo entre os irnpuLo apolíneo d1onisiaco
na tragédia quando transforma o coro cm mai uma personagem. O
diálogo não representa mais a música: ele põe •m cena o cot1d1ano e
não o mito. O princípio do socratismo estético, ·tudo de e ser inteligí-
vel para ser belo", corrcsr>ondc à máxima , ocrática -~ó o conhecedor é
virtuoso". Para Sócrates. só o que é racional e consciente é bom e belo.
Dessa forma. o socratismo tem um caráter anlidioni~íaco e contráno
ao trágico, produzindo urna cultura que não tem um mito original, que
se guia por abstrações teóricas e está condenada a r uma mistura
de outras culturas. Embora seja antic.Jionísíaco. el não é apolíneo: o
socratismo nega todo e qué.llqucr valor estético. le m is antigo qu
Sócrates. pois a tendência de sur>rimir a música já existia nas tragédias
de Sófocles, responsável pela intrcxJuçào do deuteragonista.
A rejeição do dionisíaco é a rejeição dor instintos, da v rdadeira
arte, da vida, o que indica que o socratisrno é produto de uni processo
de degeneração (Enlartung) . Nesse contexto, a docnca de Sócrates é 1

uma inversão do que ocorre no r,ree,o saudável: ele aee por meio da
razão e pondera com seus instintos [o daimon ). Sócrates via .,tarrecido
seus contemporâneos agirem por instinto.,, e, por isso. lançou rn ~o do
racionalismo. Hj um otimismo teórico que acredita na lógica e n~ e is-
tência de coisas fixas que podem ser conl1ccidas. Pos->ui uma seriedJ·

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,. r 1, mo

til aarte, cuja forma de expressão é a dialética r~,e


' 1L' "\/1( tl ' 110 . , e r ,
. 1 111 estilo e obnga o interlocutor a usar a lógica. o im ulso l6-
it' 1),1 . . .
1
l _ liipertrofiou em detrimento dos instintos. Ao prefenr antes a
~ 1 / que O mito trágico, pref~riu.-se ª.ntes o Estado que a cultura.
t,
0 socratismo também é rnd1ssoc1ável de uma visão moral que
. r, ura O cristianismo. Contrário à ética da aristocracia grega de sua
P~~. SóC@ tes quer corrigir a existência, e não apenas conhecê-la. o
edoniínio do rac1onal1smo socrático sobre o mundo trágico é a vitória
~ modo de pensar judaico-.cri.stã_o. Em muitos aspectos, socratismo e
cristianismo coincidem: o ~nst1arnsmo é o plat~nis~o para O povo.
Nocontexto do conceito de vontade de potencia, o socratismo tam-
bém é expressão de um pr~cesso de degeneração, de décadence, de
um forte declínio fisiológico. E um grande mal-entendido sobre avida e a
arte. sintoma de cansaço e de anarquia dos instintos. A racionalidade a
qualquer custo é uma ilusão: imagina-se que a razão consegue opor-se
aosinstintos e controlá-los, mas a própria racionalidade é expressão de
instintos decadentes. Nietzsche acredita que o próprio Sócrates sabia
disso, o que é demonstrado por seu pedido a Críton ao tomar a cicuta:
sacrificar um galo a Asclépio, ato que os gregos faziam ao serem curados
de uma doença. Só a morte curou o filósofo grego decadente.

Sobre SOCRATISMO, consultar ST § 1; NT "Ensaio de autocrítica•§ 1,


§ 12-§ 15 e§ 23; BM § 190; CI "O problema de Sócrates"; EH "O Nascimen-
to da Tragédia"§ 1; FP 1 [7], [8] e [25] do outono de 1869; FP 3 (6], 173], (861
e 188) do inverno de 1869-1870/primavera de 1870; FP 5 (24], (26] e (113)
de setembro de 1870/janeiro de 1871; FP 7 [81] e (125] de fim de 1870/abril
1871; FP 8 120] de inverno de 1870-1871 /outono 1872; FP 9 (58] de 1871; FP
6 (4) verão? 1875.

Ver também APOLINEO, ARTE, CRISTIANISMO, DÉCADENCE, DIONISIA-


CO, INSTINTO, MORAL, MÚSICA, RAZÃO,TRÁGICO, VIDA, VONTADE DE
POTÊNCIA.

Bibliografia

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. "O problema de Sócrates· : um e ernplo


da fisiopsicologia de Nietzsche. Revista de Filosofia Aurora, v. 20,
n. 27 , P. 303-320, 2008.

383

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s' o

reio Jo 1, ira. As fó~oros d LJ,om~. l 1/tYLJl rJ T~ f/ 1,'l fJ


he. São Paulo. t1uí: o·~urr...o. 1111 f. 20 . ( 1. < .nrJ.,,,
r as)

Wilson Antonio Frezza , Jr.

SOLIDÃO (Einsamkeiti

Em ários textos, ietzsche relaciona pensamento e solidão. aAurora.


ele critica a educação de seu tempo por não ensinar a suportar a~
lidão; estabelece com clareza a diferença entre retirar-se do mundo,
como fazem os religiosos. e assumir uma atitude solitária. como de-
eriam fazer os filósofos; mostra que é graças à solidão que o pensa-
dor conquista a distância do meio circundante, que é necessária para
lograr pensar por si próprio. Em Para além de Bem e Mal, ietzsche
faz ver a importância da solidão para os espíritos livres; afirmando
que todo filósofo sempre foi antes um ermitão, dá a entender que ela
é imprescindível para questionar os valores vigentes.
Mas é no Ecce Homo e em Assim falava Zaratustra que a solidão
ocupa lugar de destaque na obra nietzschiana. No primeiro livro, ela
aparece numa estreita relação com o autor; no último, com o protago-
nista. Tida por inevitável, a solidão se põe como condição necessária
para o pensar. Éna solidão que Nietzsche se entrega às suas reflexões
filosóficas; é nela que Zaratustra vê encher-se a sua taça de sabedo-
ria. Determinante nas vivências de ambos, a solidão se impõe como
restauradora. É na solidão que autor e protagonista se revigoram e
se reencontram a si mesmos; é nela que se restabelecem do convívio
com os homens. Imprescindível para evitar o contágio dos ideais for-
jados pela metafísica e pela religião, indispensável para não se deixar
contaminar pela estupidez da plebe, a solidão assume caráter profilá-
tico. Éela que vem assegurar a Nietzsche a limpidez do olhar com que
investiga os seus contemporâneos; é ela que garante a Zaratustra a
lisura do tato com que os examina. No Ecce Homo, o autor faz da so-
lidão parte integrante da maneira pela qual concebe a filosofia; consi-
dera-a determinante em sua tarefa, decisiva em sua obra. Em Assim
falava Zarotustra, a personagem converte a solidão em peça-chave
de sua jornada: por duas vezes. ao despedir-se de seus discípulos e

384

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Sub tênc,a
·xr1r a cidade que amava, volta a ela ern s
l 1,' eu percurs N
, ~ssimcomo espera acercar-se de inLerl o. o Eccc
10, e d ocutores es rr..:
1
conta apartar-se e outros. Julgando que ,Pec 11cos, 0
1ut \ àqueles a quem se dirigem acredita ler seu~ escntos se ante-
i~ íl1 falava Zaratustra, não é pa~a a multidão nascido Pósturno. Em
o .. , que não tem o .d
aas suas palavras, que se d1nge O protagonista· t uv1 os
pardiscípulos, que estão a caminho de si mesmos ' anfipouco é para
s Z - , que ala Aoeleg
mais seletos, aratustra poe-se em busca dos q : .er
\ Na filosofia nietzschiana da maturidade à mude.dseiarn de seu
fe1 0. . r ·ct 1·ct- , e i a que ganha
contornos mais n t1 os, a so I ao acaba por radicalizar-se.
A § 440, § 443, § 485 e § 491 . 2A "P
Sobre SOLIDÃO, consultar
d "l"D · '
. ,,
refác10 §11
•oas moscas do merca o, a virtude que dá"§ 3 li "O . ,
lho~ll "Da gentalha" e Ili "A volta ao lar"; BM § 44 ~ § 289~EeHn'.~Po com~ es-
pe - · b' ,, § ,, , rólogo § 3
e§4/Por que sou tao sa 10 8 e Por que escrevo livros tão bons"§ 1.

Ver também ESPIRITO L~VRE, EXTEMPORÂNEO, FILOSOFIA, METAFIS


PENSAMENTO, RELIGIAO, VALOR, VIVÊNCIA. ICA,

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Silêncio, solidão. ln:--. Nietzsche, seus Leitores
esuas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O. p. 65-85.

Scarlett Marton

SUBSTÂNCIA (Substanz)

Nietzsche se ocupa com o problema da substância em sua filosofia


tardia devido ao estabelecimento, nessa época, de sua concepção de
realidade enquanto vir-a-ser. Entende-se por substância o que per-
manece, uma categoria que, muito antes de gozar de existência real,
é uma construção imaginária.
Ao contrário do que assumem os metafísicos, a substância deve
ser abordada à luz do dinamismo: trata-se de uma categoria que veio
ªser: trata-se de uma herança provinda dos organismos inferiores
qu_enecessitam acreditar que o mundo é imóvel. A crença no erro de
coisas iguais foi benéfica para a conservação, pois seres que perce-
bem tudo em fluxo possuem menos chances de sobreviver.

385

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A substância é um dos erros mais primitivos dos seres vivos, con-
dicionando outros erros como corpos, átomos, matéria, linhas e formas.
E sa categoria corresponde a um primeiro nível lógico, sendo anterior à
causalidade. Contudo. não se deve tomar a substância como o erro para-
digmático. Pois antes da substancia há o sujeito, o erro primordial.
O vivente, para maximizar a sobrevivência, deforma a experiência
através de uma combinação entre as atividades de assimilação e me-
mória: a primeira busca por semelhanças nas excitações recebidas, en-
quanto a segunda retém as semelhanças e se esquece das diferenças.
Dessa associação se seguem os juízos, sendo o primeiro caso o sujei-
to psicológico. Trata-se da sensação interior de permanência que será
projetada para fora, criando o mundo exterior constituído por substân-
cias. Assim, o mundo de coisas possui uma raiz psicológica, sendo to-
dos os entes, no limite, mimetizações de agentes intencionais.
Mas mesmo sendo a substância essencial ao vivente, Nietzsche
julga que não é uma categoria eterna e mesmo indispensável. A subs-
t.ância é não uma categoria a priori, mas uma construção que remonta
a organismo inferiores, sendo, assim, lícito imaginar que em organis-
mos mais complexos, superiores, essa necessidade já não se colo-
que da mesma forma.
Sobre SUBSTÂNCIA, consultar HH 1 § 18; GC § 109 e§ 111; CI "A 'razão' na
filosofia" § 2 e § 5; FP 11 [151] e [270) da primavera/outono de 1881; FP 35
[35) e [51] de maio/julho de 1885; FP 38 [14] de junho/julho de 1885; FP 40
[12] de agosto/setembro de 1885; FP 1 [28] do outono de 1885/primavera
de 1886; FP 9 [98] do outono de 1887; FP 10 [19] do outono de 1887.

Ver também CAUSALIDADE, CONHECIMENTO, CORPO, ERRO, EU, MATE·


RIALISMO, MEMÓRIA, METAFISICA, REALIDADE, SUJEITO, VIR-A-SER.

Bibliografia

NASSER. Eduardo. A crítica da concepção de substância em Nietzsche.


Cadernos Nietzsche, v. 24, p. 87-102, 2008.
NASSER, Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)

Eduardo Nasser

386

Digit alizado com CamScanner


5UJEITO (Sub/ekt)

11 1 11 ão nietzschiana sobre o "sujeito" (o


\ 01 _ _ • uso de aspas ind,-
11 nao se trata da concepçao metafisica) ocorre .
rJ Q , . · a partir de di
ntes momentos e nive,s de reflexão: ( 1) No fluxo d . -
· ê · d . o vir-a-ser a
,dição de ex1st nc,a os organismos depende de u ·
co1 _ . _ m processo de
estabilizaç~o de dete'.m~nadas percepçoe~ que sirvam para fins de
conservaçao; (3) A c~açao d~ uma d~terminada verdade que permi-
teaconservaçao é reintr?~uz,~a no v'.r-a-ser como uma estabilidade:
[3) Este pr?cesso de fals1ficaçao do v1~-a-ser cria a impressão de que
existem co1s~s que parecem ter duraçao em si: (4) A falsa percepção
de ser é, mais pro_fundamente, resultado da interpretação dos impul-
sosem sua luta nao somente pela conservação, mas por mais potên-
cia: (5) Por não existir substância, o "sujeito" é uma ficção reguladora
que resulta dos impulsos que se revezam e estabelecem hierarquias
de dominação; (6) Esta dominação temporária de regimes de po-
tência causa a impressão de existir uma unidade no organismo, um
sujeito que produz a ação. Reflexões que em sua maior parte estào
presentes em suas anotações realizadas a partir de 1881, elas ser-
vem de base para as obras publicadas a partir de 1886.
Já no prefácio de Para além de Bem e Mal, Nietzsche busca des-
contruir o conceito metafísico de sujeito. Defende, então, que há ra-
zões para pensar que talvez tenha sido a superstição do sujeito e do
eu, da qual teria derivado a superstição da alma, que erigiu o con-
ceito de verdade, pedra fundamental de todo o edifício filosófico. Do
mesmo modo levanta a hipótese de que talvez o conceito de verdade
tenha sido originado em uma determinada linguagem e gramática,
amesma que permitiu a Platão cometer o maior dos erros, a inven-
ção do puro espírito e do bem em si. Apresentando seus argumentos
ao longo do capítulo Dos preconceitos dos filósofos, Nietzsche busca
também mostrar que o conceito de sujeito se desenvolveu nas lín-
guas de ramificação Indo-europeias e muçulmanas, mas que é pouco
importante nas linguagens do tronco Uralo-altaico (ural-altaische~)
- 0 que permite a construção de outras visões de mundo que nao
envolvem as noções de substância e sujeito. Trata-se, ass!m, deu~,
preconceito da filosofia, interligado à linguagem, à gramática e, mais

387

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1
,e,.1A,r, rr r, pr-J•,. ç_.• • - ~✓- _. r ~ ~':: ,a~ q,; 'rnl')rjQ,'/-r
- ~ .., J _,,,._; - - .., J - ... " V-- - - V -"'
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rJ-- · r; rr; rJr; ;, t:..a u:.al da1i; fa ;:;3· o c.ap' u '0 ·0s r ' a 0 g él ..-t::
r: r/ ·~• ~'= Crt:pú:cu/o d½ Ída/if, .
S'/ Jf0 q ':: a pa ·r da comprf:ens,30 sobre as f0rç;;5 e a ••·_.,
l.hrJ r; dC; f/.i ~nc1a h Y..a inaugurar um racicdnío onwióg;co de: µ Cr
• rJr1 <Jr; rnr;f.í3 fí: ír.;;,, r:lt; abandona a suposição de um su/:ito , r,·co '-=
,jr;;,I a c0m a hipóte~e de uma pluralidade de ·sujeitos-. e ·a cc r,-
t)1n~~r1 rj r0 k:.Gria e Juta p':rmanente constituem o próprio ·ru da-
rnr:n o· <Jo:; pensarn~ntor P. da conscifncia humana.
Sobro SUJEITO,consultar: BM "Prefácio~§4, § 12, § 16, § 17, § 19, §20, §34,
~ 36" ~ 54; CI "Oo quatro grandes erros"§ 3; FP 11 [140), [268), [270), [321)
'J (330] da prímavera/outono de 1881; FP 36 [26), [36) e [38) de junho/julho
do 1885; FP 39 (13J o 40 [6), [111, [16J, [20), [21 ), [23), (31) e (42) de agosto/
1Jl'lmbro do 1885; FP 7 [601 do fim de 1886/primavera de 1887; FP 9 [791,
(891, [91), (981, [106J, [108J, [144) e [169) e 10 [19) do outono de 1887; FP 11
(113J o (120J do novembro de 1887/março de 18881; FP 12 [1) do início de
1888; FP 14 [79J, [981, (122J e (186J; FP 15 (53) da Primavera de 1888; FP22
(221 do rmtombro/outubro de 1888.

Vor tamb6m ALMA, CAUSALIDADE, ERRO, EU, HIERARQUIA, IMPULSO,


INTEílPRETAÇÃO, LINGUAGEM, METAFISICA, ORGANISMO, SUBSTÂN-
CIA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bihliogrnfia

11<171/A 111 Jr., Wíl'10ri Anl onio. Consciência e inconsciente no discurso


"IJ<Y, <J<:',pr<11iJ<Jorw; do c:orpo" de Assim falava Zaratustra : uma
f)(:r',fH:r,liva p•,i oli'.,iol6girn da crítica nictzschiana ao sujeito. ln:
MAR ION, . wrlr!ll; BRANCO, Maria João Maycr; CONSTÂNCIO,
Jo, o (orff, .). . ,4eito, Uécudcncec llrle: Niel1 c/Jeea Modernidade.
1i•ilx):J: 1irtlílClíl l1ina, )0 111, J).61 -97 .
'w l i'A 111 Jr., Wil•)on Anlonio. NiCIL )cllc e RilJot: MultiJ)licidadc e íiloso-
1Íil <l:J <,1Jl)jelivicJiJ(l(). Plli/ó<O{)IJO , v. 18, n. J, J). 263-29 1, 2013.

300

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, I r hr', rfo, I 01 r.0 1, r t>', nir o, r rr, Voi,1 ., htl! 1
10 lo 11011 r•· Uí 'v . )() 1O ,Jpít,Jlr, V

í R b1rn

TEMPO (Zeit)

. d. Lempo dev s::>r ra arJ~ rn rJ,Ji"i rnr)


eorce ção nieLzscl1iana
r·cr os disuntos. um pnme1ro momento, que corre rx,nrJr; a fYJ'ji~rx.:-1
5
émicas do jovem ielzsche até 1872, o Lernpo e~l.á cJellrni rJ 0
~rum honzonle antirrealista, sendo indissociável do su1e1 o. Pos enor-
mente. apresenta-se uma concepção de Lempo fragmentada: de um
lado. há o tempo dos viventes e, de outro, o Lempo da efet1v1dad,;. o
cnténo que irá justificar essa distinção é a concepção de vir-a-ser: en-
quanto o tempo do vivente se define por sua oposição ao vir-a-ser. o
tempo efetivo é, ele mesmo, vir-a-ser.
As primeiras considerações mais diretas de Nietzsche sobre o
tempo estão localizadas num contexto de reflexões epistémicas. O
mote que guia essas reflexões é o vínculo entre tempo e sujeito. Dois
são os direcionamentos que podem ser identificados: idealista e em-
pirista. Entende-se. por um lado, o tempo enquanto uma intuição
pura, a priori, que condiciona a experiência. em consonância com a
tradição do idealismo transcendental; por outro lado, o tempo é en-
carado desde um ponto de vista similar àquele dos empiristas bntárn-
cos. isto é, enquanto uma construção a posteriori. No que diz respeito
ao primeiro caso. Nietzsche oscila entre um idealismo subjetivista e
obJetivista, sendo o tempo ora uma intuição pura do intelecto huma-
no, ora do intelecto primordial ou o intelecto do ser. Sobre o segundo
caso, o tempo é um produto que resulta de uma operação indutiva; ele
é uma sensação provocada pela sensação de causalidade que. por sua
vez, também é oblida indutivamente.
Conforme Nietzsche confere assentimento, a partir de 1872- 1873.
ªuma visão realista do tempo, iniciam-se novos desdobramentos. Me-
diante uma investigação da experiência interna e externa, mostr -s
que a realidade do Lempo não pode ser negada.

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1
n o r al. o t m
1 1, rn smo vir•J·" ~r. Tal r l,1 1
1 , om
íi ular a qu v,c ra1r s op
cia,s que comumente st.Jo pr n s no tratam n o do t mpo. Tr -
ta-se do esforço em 11 rtar o tempo efetivo de ins antes a em r l':i.
bem como da hipótese do tempo enquanto rec,pien e das mud n(,ac.
O vir-a-ser. diferenciando-se do movimento. que implica coisas e 1 -
gares. denota a inexistência de qualquer tipo de permanência, sendo,
assim. hostil à cognição. Será com o propósito de minimizar essa de-
fasagem entre conhecimento e vir-a-ser que ietzsche recorre a ca-
tegorias da física dinamista, sobretudo o conceito de força, que será
definido como sendo, em sua essência, tempo e mudança.
Ainda sobre o tempo efetivo, é preciso notar que quando formu-
la as suas provas cosmológicas do eterno retorno do mesmo, 1etz-
sche parece operar com uma concepção de tempo mais próxima de
modelos mecanicistas. Nesse caso. as forças estariam inseridas no
tempo infinito, o que cria uma tensão com a definição em que o tem-
po é parte constitutiva das forças. De qualquer modo. trata-se de
um aspecto obscuro. A informação mais evidente que temos acerca
dessa concepção de tempo é que ela será obtida através de uma po-
lêmica acerca do problema da infinitude do passado: a infinitude do
tempo vale não somente para o futuro, mas também para o passa-
do, uma vez que é plausível o pensamento em que, desde um pre-
sente dado, se conte para trás ao infinito.
Posta a existência do tempo efetivo, objetivo. é preciso agora
evidenciar que dele se distingue o tempo subjetivo. Muito embora o
tempo subjetivo dependa do tempo absoluto, há uma manifesta di-
ferença qualitativa, uma vez que o tempo subjetivo conquista o seu
significado à custa da rejeição do vir-a-ser.
Os seres orgâni~os possuem como traço distintivo a incapaci-
dade de sobreviver no vir-a-ser, obrigando-os a falsificar a efetividade
com erros. Os erros mais indispensáveis aos viventes são o sujeito, a
substância, o ser e a causalidade . Será obedecendo à necessidade de
sobrevivência, e sobre esses erros mais elementares, que se elabora
o tempo subjetivo; trata-se do tempo constituído paradoxalmente
por propriedades atemporais.
Contudo, dado que as sucessões assim estabelecidas não es-
tão submetidas a leis, então é preciso admitir que o tempo do vivent 1

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Tompo

, , 1ii,h ~'I : n~o 11, orciem ou irreversibilidade das sucessões, de modo


l1111 '< HH _. r r perc~be
O temp~ s_~bjetivo de modo perspectívístico.
·\li li., 1. . 1111, ex pior ando a poss1b1hdade de um refinamento dos senti-
1 , , Nietzs l1e julga ser plausfvel a hipótese de percepções de tempo

ni.li: ver fmeis do que outras.


brc o llomem, é preciso notar que sua experiência do tempo
t' 11 tíldc1mente peculiar, apesar de ainda estar imerso na história na-
tllnl. \o contrário dos outros animais, o homem toma consciência
ir . llíl própria temporalidade. A causa para tanto está no refrea-
lllt'lll da força do esquecimento. Enquanto os demais viventes se
f'J)uecem, o que os deixam imersos no instante, o homem se lembra
ri i os.sim. Essa idiossincrasia principia o afastamento do homem
p'1ra com os outros animais; mas também inicia sua relação negado-
rc1 .om a existência. Pois ao se lembrar do foi assim, o homem logo
nstata que o momento que passou não pode ser recuperado, que
r1s 21ções cometidas no passado não podem ser refeitas, uma expe-
riência radical da finitude que o leva a nutrir ódio pelo tempo e, no
limite, por toda a existência.
SobreTEMPO, consultar NT § 18; FT § 15; Co.Ext.11 § 1; GC § 112 e§ 374; ZA
"Da redenção"; FP 5 [79] de setembro de 1870/janeiro de 1871; FP 19 [140],
1161) e 1210) do verão de 1872/início de 1873; FP 26 [12] da primavera de
1873; FP 11 [1501, [184) e [281] do primavera/outono de 1881; FP 35 [55I de
maio/julho de 1885; FP 2 [139] e [142] do outono de 1885/outono de 1886;
FP 14 [188) da primavera de 1888.

Ver também CAUSALIDADE, ERRO, ESQUECIMENTO, ETERNO RETOR-


NO DO MESMO, FORÇA, HISTÓRIA, MEMÓRIA, REALIDADE, REDENÇÃO,
SENTIDO HISTÓRICO, VINGANÇA, VIR-A-SER.

Bibliografia
1 SSER, Eduardo. Nietzsche and the Transformation of Death. ln: LEMM,
Vanessa (org.). Nietzsche and the Becoming of Life. New York: Ford-
liam University Press, 2014, p. 231-244.
ASSER. Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola. 2015. (Col. Sendas & Veredas)

Eduardo Nasser

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li orio do conh cimento

TEORIA DO CONHECIMENTO
(Erkenntnistheorie)

Na maior parte das vezes Nietzsche entende por teoria do conhe-


cimento o programa filosófico reformador que tem como propósito
realizar uma crítica do aparelho cognitivo. O filósofo costuma com-
preender esse programa como um fenômeno recente que encontra
as suas raízes em Kant. Contudo, apresenta-se também a hipótese
de a teoria do conhecimento possuir uma história mais longínqua,
sendo possível detectar o seu germe nos eleatas.
Sinais de adesão a esse programa se fazem presentes no jovem
Nietzsche. O aspecto que lhe parecerá mais atraente será aquele em
que o campo do conhecimento está restrito ao nível da experiência e
que a mente condiciona o conhecimento empírico. Esse expediente
será especialmente mobilizado contra as acepções ingênuas, teóricas,
de metafísica, bem como contra o positivismo.
Porém, mesmo nesse momento, essa adesão não foi total. Nietz-
sche também nutre um visível interesse pela filosofia da linguagem,
o que termina criando uma tensa coexistência. A ideia que será ex-
plorada é a de que o pensamento não é um dado puro, mas algo
possível graças à linguagem; os juízos e categorias nada seriam se-
não variações gramaticais. De qualquer modo, não se pode aceitar
que tudo passe a ser somente linguagem. Apontamentos de 1872 to-
mam as palavras enquanto modelações sonoras para imagens pre-
viamente produzidas.
O traço crítico, que se faz presente de forma implícita nos escritos
nietzschianos de juventude, passa a prevalecer na segunda metade da
década de 1880. O projeto que move os teóricos do conhecimento de
investigar as leis do pensamento, fazendo, assim, com que a filosofia
se restrinja ao mundo interior, é falível na medida em que a interiori-
dade, assim como a exterioridade, não passa de aparência; aquilo que
se chama de fatos da consciência são, na verdade, estágios terminais
de processos interpretativos subsumidos às exigências comunicativas
da vida em sociedade. Além disso, o objeto dos teóricos do conheci-
mento, o pensamento, só pode ser isolado mediante uma abstração
- há unicamente um pensar-sentir-querer. O pensamento não está

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T\or,a do cont, , e1rn rito

rnpul os e pai ões. ~ vida, de modo que n"'




1
'
1 1
l t t ó·
. , 11 as puramen e e ricos,
ªº
puros problemasd0 5e Püdc. falar
·· · N' tz h - conhec1mcn.
t E re razao que_ i~ se e pro~ substituir a teoriado conhe-
. e t r uma dou~nno os P:rspect,vas dos afetos.
l·acomo for. 1etzsche
-
nao entende a teoria do conh .
. . ec1mento
ente em sua acepçao fundooonallsta, isto é, como um .
_ 1 . d d . . _ . proJeto
s ·camente loca 11za o e _ insp1raçao kantiana cujo propósito é for-
r cerobjeti idade ao conhecimento e~pírico. A expressão também é
e regado de uma forma menos res~nta e técnica, indicando unica-
ntea maneira como se conhece. E nessa direção que se entend
e 1· f e
aerialismo. sensua ismo e enomenalismo como teorias do conhe-
i ento; também de~e ser nessa dir~ção que Nietzsche assegura
ser ele mesmo possuidor de uma teona do conhecimento.
Sobre TEORIA DO CONHECIMENTO, consultar OL; FP § 11;VM § 1; FT § 11 .
GC§354; BM § 204; FP 3 (57] do início de 1880; FP 1 (60) do outono de 1885;
primavera de 1886; FP 9 (8) e (62] do outono de 1887; FP 11 (113) de novem-
bro de 1887/março de 1888; Carta a Carl von Gersdorff (final agosto 1866);
Carta a Franz Overbeck (07/04/1884).

Ver também CERTEZA IMEDIATA, CIÊNCIA, CONHECIMENTO, CONSCIÊN•


CIA, ERRO, FISIOPSICOLOGIA, LINGUAGEM, LÓGICA, PENSAMENTO,
PERSPECTIVISMO, PSICOLOGIA, RAZÃO.

Bibliografia

ASSER, Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-


ções Loyola, 2015. (Col. Sendas & Veredas)
SILVA Jr., Ivo da. Conhecimento e relações de domínio em Nietzsche. ln:
MARTON, Scarlett; BRANCO, Maria João Mayer; CONSTÂNCIO,
João (orgs.). Sujeito, Décadence eArte: Nietzsche e a Modernidade.
Lisboa: Tinta da China, 2014, p. 143-158.
SILVA Jr., Ivo da. Lo svelamento dela realtà: note sulla teoria dela co-
noscenza in Nietzsche. ln: BUSELLATO, Stefano [org.). Nietzsche
dai Brasile. Contributi alfa Ricerca contemporanea. Trad. Giancarlo
Micheli. Federico Nacci, Stefano Busellato. Pisa: Edizioni ETS,
2014, p. 41 -57 .

Eduardo Nasser

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Tipo

TIPO ( Typus)

O tem10 tipo é empregado de vários modos ao loneo da obra de ·etz-


sche, evidenciando preocupações diversas de configuração do homem.
Em sentido estético positivo, aparecem nos escritos juveni os tipos de
artista apolíneo e dionisíaco, nos quais estão condensados dois impul-
sos artísticos básicos, que brotam, respectivamente, da bela aparên-
cia e da embriaguez. Tipo funciona aqui como um modo de apreensão
e sinal de reconhecimento de fenômenos diversos e antagônicos do
mundo. Essa forma de isolar impulsos no interior do mundo é aplicada
também ao filósofo, visto como Ntipo supremo de grandeza"; do me~
mo modo, o artista trágico compõe o conceito de um tipo superior de
homem. Em conjunto com o tipo do santo, Nietzsche propõe o tipo do
"gênio filosófico" que, apesar da diversidade de impulsos, sintetiza-
ria e fixaria traços típicos de uma inaudita forma de vida. Os cínicos,
os estoicos e os céticos, por sua vez, são tipos filosóficos marcantes
da antiguidade. O tipo do alemão ou o tipo do polonês, em outro sen-
tido, expressa traços e idiossincrasias de um povo ou raça.
No contexto de discussão com as teorias da evolução do século
XIX, Nietzsche relaciona a noção de espécie com a de tipo. A partir de
Humano, demasiado Humano, ele se confronta com o darwinismo e
especialmente com o evolucionismo de Herbert Spencer, propondo o
Nmelhoramento do tipo", não só no plano da biologia, mas sobretudo
no plano da psicologia, da cultura e da história. É nesse sentido que
ocorreria a formação de um "tipo superior de homem"; é um lento pro-
cesso, que ocorre tanto ao nível individual quanto ao nível genérico. O
tipo do espírito livre busca amadurecer e preparar novas condições e
formas de vida, no curso de sua existência singular, mas ele não logra
atingir nesse curto espaço de tempo uma configuração mais estável e
fixa do homem. Com Assim falava laratustra, ocorre o experimento
de construção de uma tipologia do além-do-homem, cuja característica
básica é a superação de si através de novas criações de valores.
A partir da época de elaboração de Para além de Bem e Mal,
Nietzsche trata da lenta formação do tipo, que pressupõe experimen-
tos, disciplina e cultivo por muitas gerações. Entretanto, o fortaleci-
mento do "tipo homem" ocorreu no interior das sociedades aristo-
cráticas, com a fixação de poucos e fortes traços, na luta contra con-

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T,p

. desfavorá eis. Desse modo, na filosofia da maturidade, ão


'dos dois tipos de homem: um tipo inferior, que se refere ao
n rru1 . .
e_ da n,oral dos e~cravos, e um t1~0 supenor, do tipo da moral dos

ti res A tipologia refere-se, assim, a formas humanas de vida e


c;ent10 · . . . - h ".
~ oral que cnstallzaram ava11açoes uma nas. O tipo homem" não

~~:ni en~i ainda uma configuração definitiva, de modo que dois caminhos
possíveis: a degeneração do homem ou o seu fortalecimento
se;evação. por meio da disciplina, do acúmulo e da intensificação de
e rças. Esse é o caráter fl~ido d_a "trans~utação", da incessante "au-
rossuperação do homem . O tipo superior de homem, as naturezas
mais elevadas e fortes, no entanto, logram uma síntese de traços de
duração relativa, na forma de uma hierarquização de impulsos por
meio de sua marca própria, dos traços típicos de seu caráter. Em con-
traposição, o tipo da décadence apresenta uma multiplicidade de im-
pulsos contraditórios, nos quais já não há mais um impulso ordena-
dor. o tipo do sacerdote ascético ainda é forte o bastante para domi-
nar os homens doentes, e submetê-los a um ideal e a uma vontade de
nada. Com o declínio das sociedades e culturas aristocráticas ocorre a
profusão e a dissolução dos tipos. O tipo Jesus possui um caráter pró-
prio. no modo como Nietzsche vê nele a mistura de sublime, doentio
einfantil, semelhante ao idiota de Dostoievski. No tipo psicológico do
salvador, expressa-se a décadence; no cristianismo fo~ado por Paulo,
entretanto, triunfa o tipo de moral de animal do rebanho, tido como o
maior impedimento para atingir a elevação do homem.
Tanto o sábio quanto o que há de animal no homem são neces-
sários para o engendramento de um novo tipo. O tipo de animal de
rapina, desse modo, não seria negado, mas fortalecido e elevado no
tipo superior de homem. Com o termo tipo Nietzsche expressa não
só a constituição fisiopsicológica de um indivíduo ou de um grupo
de indivíduos, mas também o longo e complexo processo de forma-
ção e fixação das características da espécie humana, nos processos
culturais, históricos, com hábitos herdados de nossos antecessores
e,com a interiorização dos impulsos. À diferença dos conceitos imu-
tavei5, o tipo pode transformar-se, tanto no sentido de seu fortaleci-
mento, quanto no sentido de seu enfraquecimento. O tipo superior
de homem não constitui o exemplar de uma nova espécie biológica,
mas é a organização hierárquica de uma grande complexidíld d

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i ,_ - o;nã · os. Por isso, s a desagregação é ine ·tá el. como
oc rre emce ·o se · no tipo do crimi oso. O anto mais s lime
ee exo ·po. por e, emp'.o. o gênjo, mais frágil ele será.
de od ção fi! só ca, N·etzsc e ressaltou a po1arida-
e e e os· · •. nota amen e entre Dioniso e o Crucificado. en-
tre o ·po c:: peri e o· ·1·mo homem·. O tipo superior não tem de
1 tar ape asco tra as res·s ências externas e contra a decadência.
mas em de tri far a I ta por h·erarquizar seus impulsos.
SobreTIPO, consultar NT § 5 e § 15; HH 1•Prefácio• § 3, § 224, § 234 e § 261;
A§ 425; GC § m; BM § 257, § 260 e§ 262; GM Ili§ 13 e§ 14; CI ·incursões
de um extemporâneo·§ 38 e§ 45;AC § 31, § 41 e§ 55; EH •Porque escrevo
livros tão bons• § 1 e •Por que sou um destino· § 4; FP 19 [195) verão de
1872/início de 1873; FP 12 [22) verão/final de setembro de 1875; FP 11 [226)
novembro de 1887/março de 1888.

Ver também ALÉM-DO-HOMEM, ANIMAL DE REBANHO, ARISTOCRACIA.


ASCETISMO, CRIAÇÃO, CULTIVO, DARVVINISMO, ESPÍRITO LNRE, GÊNIO,
MORAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, PSICOLOGIA. SELEÇÃO.

Bibliografia
F =ZZATTI Jr. . í s n Ano io. ,\ 'ietzsche contra Danrin. 2ª ed. amplia-
da e re ista. São Paulo: Lo ola. 2014. (Col. Sendas & eredas)

Clademir Araldi

TIPOLOGIA ( Typologie)

Ver TIPO ( Typus)

TRÁGICO (das Tragische)

O jo 'em Nietzsche propõe que a tragédia grega é o resultado da con-


ciliação de dois impulsos artísticos da natureza. a saber. o apolíneo
- impulso plasmador responsá el pela a individuação dos entes - e
o dionisíaco- impulso que provoca a perda da individualidade e leva
todos os entes a tenderem a uma espécie de unidade primordial. 1a

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Trágico

rdilde Nietische defende que a tragédia deriva de um coro primiti-


: que. origi~almente, ~eprese~tav~ o cortejo dionisíaco dos sátiros.
Nessa espécie de estágio pré-h1stónco da tragédia, haveria apenas 0
canto extático e unfss_ on~ em homenagem a Dioniso. A tragédia pro-
namente dita só tena sido engendrada quando esse elemento dio-
~isfaco primitivo passa a ser transposto em formas apolíneas. Isto é,
no momento em que o culto a Dioniso também toma a forma de per-
sonagens e de diálogos. A tragédia seria, portanto, constituída pela
união de elementos característicos das artes dionisíacas e apolíneas:
amúsica, a dança e o canto uníssono do coro seriam os elementos
dionisíacos, enquanto que o diálogo e a individualização do persona-
gem representariam o que há de apolíneo na tragédia.
Levando em conta o que dissemos acima, a tragédia seria, por-
tanto, o impulso dionisíaco do êxtase e da desmedida traduzido em
belas imagens plasmadas pelo impulso apolíneo. Nesse sentido, é
preciso ter em mente que, quando Nietzsche fala sobre a tragédia
grega, ele não visa simplesmente desenvolver uma analise restrita ao
campo da especulação estética. A tragédia seria uma espécie expres-
são metafísica dos impulsos primários que constituem a própria na-
tureza. Em outros termos, a tragédia seria o meio através do qual o
homem poderia contemplar o desvelamento da efetividade e experi-
mentar um sentimento de união cósmica com ela, isto é, osentimento
trágico. Acompanhemos o raciocínio.
Influenciado pelo pensamento de Schopenhauer, o jovem Nietz-
sche desenvolve sua reflexão acerca do trágico a partir de uma espé-
cie de dualismo metafísico. De um lado, haveria um "âmbito ilusório",
fenomênico, destrutível e mutável, caracterizado pelo surgimento e
perecimento dos seres individuais. De outro lado, haveria um âmbito
"mais profundo", verdadeiro, indestrutível e permanente, caracteriza-
do pela vida eterna do "ser primordial". Tomando essa tese como pre-
missa, Nietzsche defende que a tragédia grega teria o poder de pro-
duzir um êxtase que levaria o espectador a escapar momentaneamen-
te do "âmbito ilusório" e fundir-se, por instantes, no "ser primordial" •
Essa união produziria, por sua vez, uma alegria dionisíaca que serviria
como um "consolo metafísico" frente à visão do perecer fenomênico.
Em outros termos, o êxtase proporcionado pela tragédia mostraria
que, por detrás de todo perecer dos seres individuais, haveria um eter-

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, Tr o

no ser\ · ente com O qual O homem poderia alegremente se consol r.


O jo em ietzsche entende, portanto. o trágico como uma espécie
de efeito tonificante gerado pela tragédia ática. Um efeito que levaria
o homem grego a afirmar a vida apesar de todo sorrimento e pere-
cimento que é mostrado pelos sentidos. Enfim, o sentimento trágico
permitiria ao homem grego acolher a dor e a morte que permeiam o
mundo aparente, pois apesar do aniquilamento dos casos individuais,
ele saberia que a vida do ser eterno continuaria intocada.
a filosofia do jovem Nietzsche, é, portanto, o dualismo meta-
físico que permite compreender o trágico como consolo frente à fini-
tude. Ou seja, seria por poder desvelar a existência de um âmbito
indestrutível por trás do fenômeno, que a tragédia produz o efeito
trágico. Contudo, na fase final de sua obra, o filósofo abandona essa
metafísica e passa a conceber a totalidade cósmica como um único
e eterno fluxo orgânico. Um perpétuo fluir uno-múltiplo em que to-
dos os entes individuais são entendidos como partes necessárias da
totalidade. Nesse contexto, a vida do todo só se mantém eterna-
mente viva através da vida e da morte dos casos particulares, pois
temos um fluxo que se nutre da dor e da morte de suas próprias par-
tes e que, apesar disso, e por isso, se mantém vivo em sua totalida-
de. Dioniso é, aqui, assumido como símbolo dessa nova cosmovisão.
Agora , o deus não é mais um polo de uma dualidade, pois passa a
figurar como a totalidade que eternamente morre e renasce em suas
partes. Morte, vida, dor e gozo seriam mutuamente condicionados
e condicionantes da totalidade dionisíaca. Levando em conta esse
novo contexto, o trágico se distancia da noção de consolo metafisico
e passa a ser entendido como afirmação desse único mundo dionisí-
aco. Em outras palavras, não é mais um âmbito transcendente que
dá sentido ao sofrimento e possibilita a afirmação da vida. Éa noção
de uma eternidade imanente, em que todas as dores estariam ne-
cessariamente encadeadas a todos os gozos, que promoveria o sim
dionisíaco à vida. Portanto, quem de fato amasse a vida teria de afir-
mar todos os momentos dolorosos, porque estes se constituiriam
corno necessários à própria vida. Seria justamente na afirmação da
dor que também se afirmaria o prazer, pois a dor e o prazer estariam
indissoluvelmente interligados. Nesse sentido, o trágico agora con-
siste na afirmação amorosa do fado que permeia a totalidade.

398

-
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Transvaloraçao do tOdo"
J os va 1oro

por fi m, podemos
. . dizer que
. aquele que
. afirma ,·ncond·1c1onal-
.
existência tena a capacidade de dizer sim ao eterno ret
ente a . fi . orno
1 esmo. ou seJa, a a r:maça~ presente na doutrina do eterno re-
dO rn do mesmo é uma afirmaçao trágica.
torT1°
TRÁGICO, consultar: NT § 7, § 8, § 16 e § 17; GC § 276 8 § 34 l · 2A IV NA
50br~ be"bada" § 10; CI "O que devo aos antigos"§ 5 "A 'razão' n' a f'I
nÇSO • ' 1OSO·
ca • 6e "Incursões de um extemporaneo" § 24; EH "O Nascimento da Tra-
fia. .§• § "Por que sou t ao· ·in t e1,gente
• " §
10; FP 7 (38) do final de 18861
1 20
9~ ª era de 1887; FP 17 [3] de maio/junho de 1888.
pnrnav

Ver também AFIRMAÇÃO, AMOR FATI, APOLINEO, DIONISIACO, ETER-


NO RETORNO DO MESMO, FATALISMO, METAFISICA, MORTE, MÚSICA,
NATUREZA, PRAZER, VIDA.

Bibliografia
UMA. Márcio José Silveira. As Máscaras de Dioniso: Filosofia e Tragédia
em Nietzsche. São Paulo, ljuí: Discurso, Unijuí, 2006. (Col. Sendas
& Veredas)
MARTON, Scarlett. O Nascimento da Tragédia. Da superação dos opos-
tos à filosofia dos antagonismos. ln: - - . Nietzsche e a Arte de
decifrar Enigmas. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 17-32. [Col.
Sendas & Veredas)
MARTON, Scarlett. Por uma filosofia dionisíaca. ln: - - . Nietzsche. seus
Leitores esuas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 201 O, p. 143-156.
MELO NETO, João Evangelista Tude de. O eterno retorno do diferente?
Sobre a interpretação de Deleuze acerca da doutrina nietzschiana
do eterno retorno do mesmo. Perspectiva Filosofica, v. 1, p. 95-
116, 2012.

João Evangelista Tude de Melo Neto

TRANSVALORAÇÃO DE TODOS OS VALORES


(Umwerthung allerWerthe)

A transvaloração é compreendida por Nietzsche como uma tarefa


que visa à destruição do valor a partir do qual todos os valores fo-

399

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Tronsvolorncno <.Jo texto o vnlow

ramengendrados, íl fórmula "f)vus rwCru/, qtJú (/Jr,1J1111u h rJi;~,'I,>


lorização de todos os valom. , ao nlíliuno. ·~,r,,,
<.h rr1(;ffi:fl':,ij VI/:
ser verificada em tr~s momento' de <cu p<:ri~:,m •r1r,: (1JI m f fJ{Yt,
quando cria o termo transvéJlomç~o ,Jf)(t., con luír ,J v:ru:1m ,,:, : rJi:
Assim falava Zaraluslra, recislrnndo emW éJ<, vn< ,t;;t//:', (Jl)I: r, !;'/: ..
no retorno do mesmo é o pensarncnLO quú r;ct/,íbíliUJ um:; if:fl Jl ~
va (Versuch) de transvaloração cJc todos O' volor(l; ÍL) "'"' f f;~~r,,
quando utiliza o termo no§ 203 de Paro alémde Bem e/,Ai1!, /'►
preendendo a transvaloração corno tarefa dos fí16~,0f<l, d1 fu 1Jrr,;
(3) Em 1888, quando assume, em Ecce Homo, qu,., a t;Jr(;f:; V'; ' ;;
filosofia se desdobra em duas partes: uma afírmatíva (a tõr · ó q',,':
diz Sim, a doutrina do eterno retorno do mesmo, pre.~nw em A':Jm
falava Zaratustra) e a outra negatíva (a rarefa que díz I Eo (;; q, ': r-L
o Não, a transvaloração de todos os valores exístentf;S, tarefêJ 1 ':,
tornando-se operatória a partir de Para além de Bem e lvfal, g;;r1r" -
rá aprofundamento em O Anticristo).
Embora, inicialmente no verão de 1884 e depoís a par ·r ~
agosto de 1888, Nietzsche vincule sua tentativa de transvalori::0r â j
pensamento do eterno retorno do mesmo, entre esses doí-- mom'-n-
tos ele associa a transvaloração à vontade de poténcia ílâS anotaçé..6
do verão de 1886. Tal mudança em relação ao núcleo axíolórico da
transvaloração ganha força no pensamento do filósofo, levand0-0 a
anunciar na terceira dissertação da Genealogia da Moral em 1887,
que estava preparando uma obra intitulada A Vontade de Potência.
Ensaio de uma Transvaloração de todos os Valores - obra em c >
terceiro capítulo trataria com radicalidade da história do niílís no e -
ropeu. Todavia, no final de agosto de 1888, em Sils-María, no es-
mo lugar onde em 1881 tivera o pensamento do eterno re o o 0
mesmo, o filósofo retoma seu ponto de vista inicial e realiza o p a ~ 1

definitivo de uma obra com o títuloA Transvaloraçõo de todos os a-


/ores, na qual estava prevista a elaboração de três livros crí icos (a e ·
tica do cristianismo, da filosofia e da moral) e a redação de um q ar
livro chamado Dioniso: Filosofia do eterno retorno.
Em Ecce Homo, obra em que busca dizer como tornar-se o . e
se é, o filósofo afirma que em breve apresentará à humani ·a O a!g
que considera como a mais difícil exigência: pensa então a tra s a,_
loração como o machado que servirá para cortar pela raiz a necess·

400

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. . .

17
, oriundos do cnst1an1 rno, .º plt1lonismo pJrl1 0 po o, d,l filo
_oflJ, e rnpr end1dél ern eu coniunto corno rnovim nto nilli ri1 . m,1
de todOS o \lolor l1Urnanos,_posto qu ietzscll vi à cl stru, c)o
J ultra passamento do própno fenômeno que sempre s mJnif '. tou
eni todas as épocas, pov~s e _lug~res: a moral - razJo pela quêll 1
ecompreende como o pnme,ro 1morotista da história. ou s jn, como
aquele que, simulla~eamente ªº.ato da destruição, também propô
urna nova perspectiva para a criação de valores a partir do pensa-
mento do eterno retorno do mesmo.
A transvaloração de todos os valores é a tarefa central da filoso-
fia de Nietzsche. Sua com preensão requer não apenas a reconstru.
ção conceituai da parte afirmativa de sua filosofia contida em ; im
falava Zaratustra, mas também da parte negativa presente nas obras
finais. Esta última oferece desafios, pois, dos quatro livros penSéldos
para o projeto, somente o primeiro foi levado a termo: O Anticn'sto,
finalizado em 30 de setembro de 1888. Considerado pelo próprio
filósofo, durante certo período, como a obra que representa a tow-
lidade da transvaloração, seu título chegou a ser concebido como O
Anticristo: lransvaloração de todos os valores . Tal subtítulo, toda i ,
é substituído pouco tempo depois por maldição ao cristianismo. lu-
danças finais que sinalizam a complexidade do tema da transvalora-
ção de todos os valores no pensamento nietzschiano.

SobreTRANSVALORAÇÃO DE TODOS OS VALORES, consultar NT "En-


saio de autocrltica"; BM § 46 e§ 203; GM li§ 24 e Ili§ 27; CI "Prefácio7 "O
que devo aos antigos" § 5; EH "Prefácio': "Para além de Bem e Mal "§ 1,
"Genealogia da Moral" e "Crepúsculo dos ldolos" § 3; AC§ 61 e§ 62; FP
261259] do verão/outono de 1884; FP 211001 do verão de 1886; FP 51711
6 de 10 de junho 1887; FP 16I51 l 10 da primavera/verão de 1888; FP 19 IBI
de setembro de 1888.

Ver também: AVALIAÇÃO, CRISTIANISMO, DIONISIACO, ETERNO RE-


TORNO DO MESMO, FILÓSOFOS DO FUTURO, GRANDE POLITICA, ME-
TAFISICA, MORAL, NIILISMO, VALOR, VONTADE DE POT~NCIA.

401 1

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Bibliografia

RTO, '. Scarlett. Ni tzsche e o Trons oloroçõo dos Valores . 5 ed.


São Paulo: Editora I odema. 2006.
RTO, . Scar1ett. A morte de Deus e a transvaloração dos valores.
ln: - -. Extra ogóncias. Ensaios sobre o Filosofia de ietz-
sche. 3ª ed. São Paulo: Barcarolla. 2009. p. 69-84 . (Col. Sendas
& Veredas)
R BIRA. Luís. ietzsche: do etemo Retomo do mesmo à Tronsvolora-
ção de todos os Valores. São Paulo: Barcarolla, Discurso. 20 1O.
(Col. Sendas & Veredas)

Luís Rubira

ÚLTIMO HOMEM (letzter Mensch)

Consequência do esgotamento de valores do homem moral , o último


homem é o ser que busca, tão somente, conservar-se na existência.
Metáfora empregada no prefácio de Assim falava Zaratustra. ela ga-
nha em significado num discurso em que o protagonista apresenta
a vontade de potência . O último homem é definido em uma anota-
ção de 1882 como o contrário do além-do-homem . a imagem do
último homem surge para o filósofo no contexto de suas reflexões
sobre avaliação e valor.
Para ietzsche. seu Zaratustra é aquele que percorreu muitos
países e povos tendo encontrado, em todos eles. as palavras bem e
mal como expressão das valorações realizadas por cada agrupamen-
to humano para conservar e aumentar a sua potência. Fenômeno que
o faz compreender o homem como aquele que avalia e que explica
porque cada povo tem a sua própria tábua de valores. no discurso
Dos mil e Um alvos. o protagonista defende que a própria humani-
dade somente passará a existir quando todos tiverem apenas "um
alvo". Zaratustra. portanto, defende a necessidade de ultrapassar o
homem moral, mas por não ser compreendido sobre o além-do-ho-
mem, decide falar sobre o perigo do tipo que lhe é antagônico.
O último homem é então definido como o homem desprezível.
aquele que nem a si mesmo consegue desprezar. Tendo se espa-

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t J a t rra, ele não acr dita m is n:-1 reri I ,
· · . , u dÜ rn ()((10
1

, JI t mas (razao. 1rtude. 1ust1ça. amor e )


. . .. . . . 1nv n ou m
1•
e er fehz: nao se interessa mais la po1 1 ·t·,ca [ J
n o qu r nem
,, ,en ar. nem obedecer). pelos bens econômicos (não quer ser
1 rn obre). nem pela religião
.
(não tem mais pastor bon m
. em ra
, a em rebanllo l . Toman do a igualdade como valor maior se _
'
1
á. 1
. • us va
1 -e são greg nos; e e nao entra mais em nenhum tipo de confron-
t e 111 os outros porque tudo o molesta: mesmo quando discute
aibum tema menor logo _ busca a reconciliação. Concebe O trabalho
mo forma de ~ntrete_rnmento, tem seus pequenos prazeres para
diae para a noite. Cuidando da saúde por meio de muita medica-
ão. é com a ajuda também de medicação que encontra uma morte
ranquila. O último homem é. por conseguinte, o homem que repre-
senta o niilismo passivo.

Sobre ÚLTIMO HOMEM, consultar ZA "Prefácio"§ 5; FP 4 [1621, [1711 e


[2041 e 5 (32) de novembro/fevereiro de 1883.

Ver também ALÉM-DO-HOMEM, ANIMAL DE REBANHO, AVALIAÇÃO,


IGUALDADE, MORAL, NIILISMO, VALOR, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Em busca do discípulo tão amado. ln: - -. ietz-
sche, seus Leitores e suas Leituras. São Paulo: Barcarolla, 20 l O, p.
87- 106.

Luís Rubira

UTILITARISMO (Utilitarismus)

A despeito de, com ressalvas mais ou menos significativas, ter lan-


çado mão de expedientes utilitaristas no exame de determinados as-
suntos, como se observa, por exemplo. em Humano, demasiado Hu-
mano e O Andarilho e sua Sombra, é em tom cada vez mais pejora-
tivo e crítico que Nietzsche se refere ao utilitarismo.
Apoiado em sua própria concepção de mundo como v~~ta~e
de potência, o filósofo põe em questão ideias centrais do utlhtans-

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u

n . t L11 e 1 o u 1h 1, ' m o •q
1o 1 m t ri or natur z rocur r o r.
Par 1 1 tzsc e. razer e desprazer não con itu m o mo i O'" d ,.
1

a • s. sendo a nas fenômenos ecundAnos. decorren e dos n-


timentos de aumento e redução de potencia. Ademais. procurar
todo custo eliminar a infelicidade, o desprazer e o sofrimento confi-
gura um sinal de fraqueza e impotência. Aqueles estados são d se-
já eis e mesmo necessários para a elevação do homem. ao menos
de um tipo superior de homem: ou melhor. eles mostram-se, a rigor.
insuprimí eis. na medida em que acompanham até mesmo os pro-
cessos de intensificação de potência. que se dão apenas por meio da
superação de resistências.
Em Genealogia da Moral, Nietzsche critica os utilitaristas preci-
samente enquanto genealogistas. Procurando determinar a origem
do valor "bom", eles sustentam que as ações não egoístas foram
consideradas boas por aqueles a quem apareceram como úteis. Se-
gundo Nietzsche, porém, os utilitaristas se enganam a respeito da
efetiva criação do valor "bom". que não provém daqueles a quem se
destina a ação, mas sim dos que agem, isto é, dos nobres. poderosos
e superiores, que denominam bons os seus próprios atos. Iludem-se
ainda os utilitaristas ao associarem o valor "bom· aos aspectos de
utilidade e não egoísmo, que não são levados em conta pelos nobres
e poderosos ao instaurarem seus valores. Ignorando que. embora
por vezes homônimos, os valores têm proveniências, modos de ins-
tituição e significados distintos, aqueles genealogistas se limitam a
descrever o modo de estimar valores dos fracos, regido por um ins-
tinto de rebanho que estabelece a equivalência entre "bom·, "não
egoísta" e "útil"; bem diferente é. no entanto, a maneira de estimar
valores típica dos nobres e poderosos.
O próprio princípio de ação moral instituído pelos utilitaristas,
que visa à utilidade e à felicidade para o maior número, desconside-
ra a desigualdade dos agentes. É, ao contrário, o seu nivelamento
que fundamenta a ideia segundo a qual o que é justo e útil para um
indivíduo o será igualmente para todos os outros, assim como a con-
cepção de que se deve evitar infligir aos outros o que não se quer
para si próprio. Contudo. como não há, de acordo com ietz cll ,

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1ld 1dC' lo!, nn !til '!, ll 111 1Jl1licJ Hle 1Tl q <111
1
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.x.;CUlíl C, rn 1ím()
n' 1clt'frlllclO él ílÇ .
, oi) O il P Clo d Ul1licJacJe n
e _, , o n ga-
inur que q11c apar ' ) orno útil em um caso esp ci·r .- r:
11 • . 1co seia nr'-
Ct'~~111élrncnl ) ut1I ' lll geral. -
Ao isé)r à utilidade e à felicidade para O rna·ior n,
. umero e ao
rc up r a 1cualdadc dos _agentes, o prindpio moral dos utilitaris-
tJS apélrcce aos 0ll1os de Nietzsche como um produto do instint d
. l . o e
ic anilo. _cond1zen e com um l1po medíocre de homem; não é por
acaso. pois, que encontrou tamanha acolhida no gosto mediano dos
europeus de seu tempo. Com efeito, os utilitaristas, maus genealo-
e,istas. não se libertaram da crença nos valores cuja origem se pro-
punham a investigar.
Épreciso levar em conta, por outro lado. que o próprio ietz-
schc faz um certo uso do conceito de utilidade, que não se pretende,
cntrct.anlo, associado ao utilitarismo. Emprega-o, por exemplo. para
criticar a ideia de que o conhecimento constituiria um fim em si mes-
mo eseria pautado por questões puramente teóricas, completamente
desvinculadas de interesses práticos. Julgando funesta a própria dis-
tinção entre teoria e prática, o filósofo defende que o assim chamado
conhecimento consiste apenas em um meio útil para a conservação e
o aumento de potência de uma determinada espécie de vida.
Daí não se segue, porém, que Nietzsche faça da utilidade um
critério absoluto. Como não temos nenhum órgão para conhecer a
verdade, aquilo que, consciente ou inconscientemente, se considera
útil não é mais do que uma crença, que pode, por fim , conduzir até
mesmo ao perecimento. Além do mais, dado que não existe uma
utilidade em si, algo só aparece como útil em relação a uma deter-
minada espécie de vida, não necessariamente estimada como su-
perior por Nietzsche.
Sobre UTILITARISMO consultar HH 1§ 92; AS § 40; A§ 37, § 132, § 23o8
§ 360; GC § 84 e§ 110; ~M § 190, § 225, § 228 e§ 253; GM 1 § 2 e§ 3; CI MMá-
ximas e setas"§ 12· FP 27 (151 do verão/outono de 1884; FP 9 (381 e 171 1
do outono de 1887; ~p 11 (731.I111 I e 11271 de novembro de 1887/março ~e
1888; FP 14 (1221 e 1142] da primavera de 1888; FP 22 (11 de setembro/o ·
tubro de 1888.

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flr ta . m ~ 1 tAl OE REBANHO, ARISTOCRACrA, co 4HECIMEtlTO,
e:?Oi$ 10, tGUALOAOE. 10RAL, PRAZER, VALOR, VERDADE, VIDA, VO 4.
TACECEFOT'Êl OA

Bibf íografia
.:-::".. _-r'F.t:. Niqz;-chq: Das Forças ct5smir:as aos 1/alare; humr;-
TI. ~• 1:ct_ &: o 11Jriz'Jnt':: F1AG. 201 .

Eder Corbanezi

VALOR l Werth)

-2í~I r.o f:j1:ris1 11:n .rJ d': 1 íi::tzsch1::, a noção de 1/alor está preSP.n-
-== ~e '. Grg0 ..1: x pi::rrur50. Assim é que, em Humano, demasíado
' mar.o, tratand0 dF. i 11~s ·g;jr n0 que consistem os 1alores morais,
'J ;";iés:fo ãt 1a s:r p0ssí iel tra,;ar uma dupla pré-história de bem e
r.ê1: ~ní primF.íro lug-:ir, "ni:í alm,1 das ra as e clas5€s dominantes" e,
~r.; S:gi ri<:10. "na almã d0s aprímirj0s, dos impotentes". Da perspPC-
~17;. ... 0 iíTi r:t1.;n r., m.:;u é quF.m causa temor e bom deve ser aquele
CE .. ,...e I tã0 á nãda ã .ffnF.r; numa palavra, mau é o forte e bom o
-:-~cs . Da pF.rsp1:di·1a daqui:IE que: domina, bom é quem quer a lura
': r ... i I q 1..1:m n~0 é dign0 d': participar dela; numa palavra. bom é o
csr...= ': IJ; , ~ o fraco .
.' .í1:tz.sch1:: r1::t0mará es::as reflexões em Assím falava Zarotus-
TrJ , Para a/4m dq 8qm e Mal e, ainda com maior clareza, na Ceneo-
/0gíGda tl!0ral. Entã0, a0 e,.r.iminar a dupla proveníéncia dos valores
rr,r;ra:s. 1:!1:: faz 111:r qu': bF.m e mal foram postos pelos fortes e pelos
~rar:r;s de n aneíra rarJícalmi:nte distinta. O fraco concebe primeiro a
/Jea de " au" (b0:e], com que dEsigna os nobres, os corajo o . o<;
r.a:s f0rte~ r:10 q '= eli:; - e entA , a partir des.,a ideia, chega corno
;;i 1:':f;_f: a C()nr:1:pção de -hom" (gut}. que se atribuí a i mesmo.

r; .::. por ua vez, concebe espontaneamente o príncínio "bom"


(gu ã pa ·rdt: si mesmo e só dep ís cria a ideia de "ruim" (schlechtl
cm0 - na pálida imagem-contraste". Para o forte, "ruim" é apena
, r - cria~ão secundária; para o fraco, "mau" é a criação primeira, o
a':O f ndad0r da sua moral. O fraco só con.,egue afirmar- n .g, ndo

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l 11 11 , (j
1
quem não pode _igualar-se. Negaçao e oposiç.1o: ' - 'ti,1 .
,cadn moral do re_ssent,mento. Aqui, força e maldacJc confun 1'rl'I ·
r, . Radicalmente _d1fere~te, a moral dos nobres surge da níirnld ,io
e. mais. da ~utoahrmaçao. Con~eber a existência como um du ,101 i.il
condição inerente ao fort;: nao se pode guerrear quando d , .
eza e não há por que faze-lo quando se domina. Dessa perspc ti·
va,r •ruim" designa os desprezíveis, os indignos de serem inimigo· . MA
partir daí. seguem-se algumas conclusões. Em primeiro lugor, 0 Vd·
lor "bom" da moral dos senhores deve ser diferente do valor "bom·
da moral dos escravos. Enquanto os valores "bom" e "ruim" foram
criados por um ponto de vista nobre de apreciação, "bom" e "mau·
foram engendrados a partir da perspectiva avaliadora dos escravos.
Ao valor "bom" da moral dos nobres não se atribui, pois, o mesmo
valor que ao "bom" da moral dos escravos. Uma vez que o primeiro
surge de um movimento de autoafirmação e o último, de negação e
oposição, eles não podem ser equivalentes. Em segundo lugar, ova-
lor "bom" de uma moral corresponde exatamente ao valor "mau~da
outra. Enquanto os fortes afirmam: "nós nobres, nós bons, nós be-
los, nós felizes", os fracos dizem: "se eles são maus, então nós somos
bons". Portanto, "mau" no sentido da moral dos escravos é precisa-
mente o nobre, o corajoso, o mais forte, é o "bom" da moral dos se-
nhores. Em terceiro lugar, a moral dos escravos surge de uma inver-
são dos valores; seu ato inaugural não passa de reação. Na medida
em que o valor "mau" da moral dos escravos corresponde ao valor
"bom" da outra moral, os fracos não criam propriamente valores: li-
mitam-se a inverter os que foram postos pelos nobres.
Embora presente em escritos anteriores a Assim falava Zara-
tustra, é a partir dessa obra que a noção nietzschiana de valor passa
aoperar uma subversão crítica. Então, ela põe de imediato a ques-
tão do valor dos valores e esta, ao ser colocada, levanta a pergunta
pela criação dos valores. Se o valor dos valores "bem" e "mal" n5o
chegou a ser posto em questão, é porque eles foram vistos corno
existindo desde sempre: instituídos num além, encontravam legiti-
midade num mundo suprassensível. Se nunca se hesitou em atribuir
ao homem "bom" um valor superior ao do "mau", é porque os valo~
res foram considerados essenciais, imutáveis, eternos. No entanto,
uma vez questionados, eles revelam-se apenas "humanos, dema-
siado humanos"; surgiram em algum momento e em algum lugar e,

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1 ,1 mo. po 1 m urn,J r 1 m nc, urn,J t11, ón 1. Art11 m,
, JI r d · vai t :lm r lJJ Jo corn J r tiV) ,Wdli,1 Jíd )
I

n,rdJ qual anilaram ) i t nci .


Sobre VALOR, consultar HH 145 e 196; AS 133; BM § 260; GM •Prefácio•
12, 13, 16, 1110, 111 8 § 17 nota; CI •o problema do Sócrate • 12 e• Moral
como contranatureza 1 6.

Ver também AFIRMAÇAO, AVALIAÇAO, FORTE, LUTA, METAFISICA, MO·


RAL DOS SENHORES E DOS ESCRAVOS, RESSENTIMENTO, TRANSVA-
LORAÇAO DE TODOS OS VALORES.

Bibliografia

\ARTON, Scar1ett. À la recherche d'un critêre d'évaluation des évalua-


ti ns. Les notions de vie et de valeur chez Nietzsche. ln: DENAT, Céline;
\ OTLI 1G, Patrick (orgs.). Les hétérodoxies de Nietzsche. Lectures
du Crépuscule des idoles. Reims: Épure, 2014, p. 321-342.
1ARTO . Scar1ett. Nietzsche. das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo li.
1ARTON, Scarlett. A morte de Deus e a transvaloração dos valores. ln:
- -. Extra agâncias. Ensaios sobre a Filosona de Nietzsche. 3ª ed.
São Paulo: Barcarolla. 2009, p. 69-84. (Col. Sendas & Veredas)
~ARTO . Scarlett. Nietzsche e a Transvaloração dos Valores . 5ª ed.
São Paulo: Editora Moderna. 2006.

Scarlett Marton

VERDADE ( Wahrheit)

Ao longo de sua obra, ietzsche identifica o problema da verdade


como sendo primeiramente da esfera da moral e dos alores. As in-
vestigações l1istóricas e genealógicas revelam que só tardiamente a
verdade começa a pertencer ao reino da lógica, do conhecimento e
do real. Sobre rdad A1entira no Sentido -..:tramara/ contém a
primeira e mais ampla tentativa de ietzs he em le ar sua tese sobre
a procedência moral da verdade até as últimas consequências, mos-
trando a impossibili ade de ua fundamentação. Essa meta, porém.

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Vord cJ

. (1 11111iwdn à própria concepção de verdade que o texto traz·


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N ietl sdie opera, e um lado, com uma concepção dogm~t·
- · O l(a
de , erdade. uma noçao proveniente do período anterior à crítica
kantiana e. por outro, desenvolv: u~a ~oncepção retórica da lingua-
geni. A verdade co_mo adequaçao nao e possível porque as faculda-
descognitivas e a l_in~ua~e~ como me~ium entre O pensar e as coi-
sasrevelam uma llm1taçao intranspornvel, cujo ponto de apoio é a
definição de Nietzsc~e segundo a qual a verdade é um batalhão mó-
,el de metáforas. Nietzsche faz um uso sui generis da noção aristo-
télica de transposição, conceito central para a compreensão da me-
táfora. Nesse sentido, não se trata de uma transposição que ocorre
apenas na linguagem, mas num deslocamento que se dá na própria
estrutura cognitiva. A palavra já é o coroamento de um processo em
que primeiramente um estímulo nervoso se converte numa imagem
eesta, numa nova conversão, se transforma num som. Acreditar em
adequação é julgar que um estímulo nervoso, ancestral da palavra.
possa corresponder a coisas; além disso, inicialmente, a palavra
guarda uma referência às coisas empíricas que nomeia. O conceito é
apetrificação desse processo, quando o homem já se esqueceu des-
sa ascendência e o considera a expressão adequada das coisas no
mundo. O desenvolvimento da linguagem e a petrificação do concei-
to, que acaba por igualar o não-igual, uma vez que se refere a muitas
coisas do mundo da efetividade, ainda não contém toda a explicação
para a crença na verdade. Nietzsche explica que a moralidade se
apropria do modus operandi da linguagem para introduzir a crença
na verdade como elemento social importante. Dizer a verdade e
acreditar na sua existência torna-se um componente essencial para
que o tecido social não se decomponha. Essa necessidade de crer na
verdade Nietzsche denominará pathos da verdade. Mesmo diante
das evidências da impossibilidade de alcançar a verdade, esse pa-
thos impulsiona o homem a acreditar em sua existência. Nas obras
posteriores a 1873. o problema da verdade, embora ainda seja re-
metido ao campo da moral e dos valores, ganha novos contornos
com o perspectivismo, a genealogia e a doutrina da vontade de po-
tência. A filologia, como disciplina integradora da genealogia, é um
dos alicerces para a tese de que não há fatos, mas apenas interpre-

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e ruim. Daí 1 !ietz eh e nce r a
com rta muitas interpretaç- s. o qu n
vismo. 'esse conte to, o fllósoro redimens· a u s a li
verdade por meio da crítica à vontade d \ rdade. C o f
e pressão da \Ontade de potência, a vontade de \ rda e u
instrumentos por meio dos quais a própria ·da b sca
ção e crescimento. Acreditar na existência da verdade é um meQ ;s-
mo poderoso para a manutenção da espécie humana. Isso e. 1:ca
por que o homem necessita continuar acreditando na e is é ia da
verdade e por que no âmbito moral ela funcionou como elemento es-
sencial à manutenção de um certo tipo de \rjda. Em Para além de
Bem eMal, Nietzsche define a filosofia dogmática pela crença de q e
nada é mais necessário do que a verdade e passa a combater o dog-
matismo e a vontade de verdade de onde ele retira sua força. Assim.
da perspectiva da efetividade, vai denunciar Platão pela in enção de
um mundo verdadeiro; da perspectiva do conhecimento. seu alvo
central é Descartes. por tentar fundar a verdade na subjeti ·dade. ter
mando o eu penso como a primeira verdade; da perspecti a lógica.
continua desacreditando a possibilidade de adequação entre os juí-
zos lógicos e a coisas. No primeiro caso, a invenção milenar de Platão
do mundo verdadeiro se teria tornado uma fábula com a crítica kan-
tiana e o positivismo; no segundo, a crença cartesiana está fundada
numa precipitação, tomando o eu penso como evidente sem antes
analisar os processos internos; no terceiro, a interpretação e o pers-
pectivismo sustentam que quanto mais olhos tivermos para uma coi-
sa, tanto maior será sua objetividade, o que é afim à tese de que o
mundo se torna outra vez infinito, na medida em que não podemos
negar que ele comporta infinitas interpretações. A lógica trabalha
com conceitos fictícios que não guardam nenhuma correspondência
com um mundo tal como ele é. O princípio de não-contradição reve-
la apenas a insuficiência psicológica e cognitiva de pensar as contra-
dições características de todo processo efetivo e de todo acontecer e
atuar da vontade de potência. Devido ao caráter instrumental e útil
da crença na verdade, e dada a sua importância para a própria vida.

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I

J 1 md) conl1ecer o s u caráter ftetício e utilitário.

5obroVERDADE con_sultarVM § 1 e~; GC "Profâcio" § 4, § ll0, § J44, § 354


11
e§ 373; ZA "Dos sábios famosos e Da superação de si"; BM •Prefácio•
§ 1_§ 3, § 11, § 16, § 25, § ~4,_ § 39, § 43, § 44, § 59 e§ 210; GM 111 § 12, § 23, §
24
§ 27 ; FP 35 (37) de maio/Julho de 1885; FP 38 (4) de junho/julho de 1885;
8
FP 40 (13) e (53) de agosto/setembro de 1885; FP 712) do final de lB86/pri-
rnavera de 1887; FP 91911 e 197) do outono de 1887; FP 1411531 8 (1681 815
1461da primavera de 1888; FP 17 (3) de maio/junho de 1888.

Ver também CONCEITO, GENEALOGIA, INTERPRETAÇÃO, LINGUAGEM,


LÓGICA, METÁFORA, MORAL, OBJETIVIDADE, PERSPECTIVISMO, VIDA,
VONTADE DE POTÊNCIA, VONTADE DE VERDADE.

Bibliografia

UMA, Márcio José Silveira; ITAPARICA. André Luís Mota (orgs.). Verdade
eLinguagem em Nietzsche. Salvador: Edufba, 2014.
MARTON, Scarlett. Nietzsche, Filósofo da Suspeita . Rio de Janeiro: Casa
da Palavra, 201 O.
MARTON, Scarlett. Por uma genealogia da verdade. Discurso, . 9, p.
63-80, 1979.
SILVA Jr., Ivo da. Lo svelamento dela realtà: note sulla teoria dela co-
noscenza in Nietzsche. ln: BUSELLATO, Stefano (org.). ietzsche
dai Brasile. Contributi a/la Ricerca contemporanea. Trad. Giancarlo
Micheli, Federico Nacci, Stefano Busellato. Pisa: Edizioni ETS, 2014,
p. 41 -57.

Márcio José Silveira Lima

VIDA (Leben)

No decorrer de sua obra Nietzsche encara a noção de idíl a pJrtir d'


diferentes perspectivas. Seus primeiros escrito a innlílrn a e. i tên i..1

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'' u 1e 1fl o d Clm n o. mSo r ! trdr1rl .! f! f, n•
1

t,ro n <l cr r 1 , r <Y., f I O' ílP,rlílr1rJ rr.:,

1 '"' Cº· Q , 0 n ~I ,ar Oco ec,m n aca º· r d~""preZrJr


J ' . E ão. su n qu o 11tel e o n a m 1s é do q e um m~10
a a co serva ão dos ind1 íduos mar fraco e o conhecrmen o não
passa de uma invenção para m1itJr que se conservem. Seria pre 1-
so co ocar o rr te ecto a se iço da vida. Éprecisamente essa ideia que
i\ietzsc e defende nas Considerações Extemporóneos. A segunda.
Da Utilidade e Desvantagem da História poro o Vida . abre-se com
uma advertência: precisamos cultivar a história em função dos fins da
,ida; a terceira. Schopenhauer como Educador. sublinha que nas uni-
versidades nunca se ensinou o único método critico que se pode apli-
car a uma filosofia: saber se se pode vi er segundo seus princípios.
'os dois casos. quer se trate de dedicar-se à história ou de ensinar
filosofia. é sempre à vida que se deve visar. las ietzsche ainda não
fornece nenhuma indicação do que entende por vida.
1 os dois volumes de Humano. demasiado Humano. o confli o
entre conhecimento e vida continua presente. mas de forma atenua-
da. Em Aurora. desloca-se para o interior do próprio homem e ma-
nifesta-se na luta entre seus diversos impulsos; em A gaia Ciência.
essa ideia ganha terreno. A vida passa a ser vista como possibilidade
de "experimentação de conhecimento"; a luta entre os di ersos im-
pulsos do ser humano manifesta-se até mesmo no pensamento. Co-
meça a delinear-se agora uma concepção mais consistente de ida.
na qual a luta se impõe como seu traço fundamental. Pensamentos.
sentimentos, impulsos estão em franco combate. mas também cé-
lulas. tecidos. órgãos. Nesse momento. ietzsche sustenta que tan-
to na vida social quanto na individual, tanto na vida mental quanto
na fisiológica. há uma única e mesma maneira de ser da vida : a luta.
Traço fundamental da vida. a luta é necessária: simplesmente não
pode deixar de existir. Não visa a objetivos nem cumpre finalidades;
não admite trégua nem prevê termo. Sempre presente nos seres or-
gánicos. exerce-se antes de mais nada contra a morte. neles e têllll -
bém fora deles. Com a luta. estabelecem-se hierarquias: a cad:1 mo-
mento. determinam-se vencedores e vencidos. senl1ores e escravo .
os que mandam e os que obedecem.

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Vi Ir,

,im fofo 'O omt11 ·tra. 1 i tl ct\c idcnt·,f,c d


. a ;i v1 ,1 ,~ ve1n

1'1 ctil. ~nquantovontacte
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de pot~nci il •, , .,,
. ( lva t: mandr1r e
~ er· ortanto lutar. A partir daí a noção de v d ·
"t1L • . ' 1 a aparecer,1
:, ,etttrn nte ligada à de valor e ocupará um lugar central
l• ló . P r . dos valores nã nobpro--
ce d1 nento genea g1co. ara
.,, . , azer a crítica
. . , o asta
qti stiot ar sua prove_ rn,e~c,a; e preoso ainda avaliá-la. Para tanto, é
ciso adotar um cnteno de avaliação que, por sua vez não
,. h . . . possa
ser avaliado; caso contrano, avena circulo vicioso. No Crepúsculo
do ídolos, o tilósofo deixa claro que o único critério que se impõe por
si mesmo é a vida.
Nos textos da maturidade, Nietzsche relaciona vida e vontade
de potência de duas maneiras distintas: ora, ele as identifica, ora.
roma a vida como caso particular da vontade de potência. Esse fato
pode ser objeto de dupla interpretação. Por um lado, quando trata
de fenômenos biológicos e naturais, o que permite ao filósofo proce-
der à passagem de uma formulação à outra é a elaboração da teoria
das forças. Por outro, quando lida com acontecimentos psicológicos
esociais, o que o obriga a manter-se fiel à primeira delas é a introdu-
ção da noção de valor. No âmbito cosmológico, ele postula aexistên-
cia de forças dotadas de um querer interno. que se exercem em toda
parte. de sorte que a vida é apenas um caso particular da vontade de
potência. No âmbito genealógico, é a vida, enquanto vontade de po-
tência, que adota como critério de avaliação das avaliações.

Sobre VIDA, consultarVM § 1; Co.Ext.11 "Prefácio"; Co.Ext.11I § 8; HH 1§ 34


e§ 240; OS§ 339; AS§ 1 e§ 308; A§ 109, § 119 e§ 129; GC § 26, § 110, § 111,
§ 118, § 121 e§ 324; ZA li "Da superação de si"; BM § 13 e§ 259; CI "O pro•
blema de Sócrates" § 2 e "Moral como contranatureza" § 5; FP 2 (1901 do
outono de 1885/outono de 1886; FP 14 (121) da primavera de 1888.

Ver também AVALIAÇÃO, CONHECIMENTO, CRITICA, FILOSOFIA, FORÇA,


HIERARQUIA, HISTÓRIA, IMPULSO, MORTE, ORGANISMO, VALOR, VON•
TADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia

MARTON, Scar1ett. À la recherche d'un critêre d'évaluation des é ,a1ua-


tions. Les notions de vie et de valeur chez NietzSChe. ln: DENAT, Céline;

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\! OTU G, PJtnck (or .). U h I rrx I cl 1 )i · l ur >
1
duú 1~ ul d ., , ' . R ·m : É ur •, 20 1 ,. p. 52 1-3',2.
tJ\RTO, . Scarl tt. n cu stión d dn o mu rt . La r,1osori d 1ctz·
sch" y I pro ' ma de la cutan,ísi . ln: RAFFI . rcclo; PODEST .
Bcatnz (orgs.). Probl mas y o boi de ta Tradición y la Actuali-
dad d la filosofia Pollt1ca. San Juan: Uni ersidad acional de San
Juan Ar ntina, 20 12, p. 19-33.
ARTO , Scar1ett. ,eusche. das Forças cósmicos aos Valores hvmo-
nos. ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.

Scarlett Marton

VINGANÇA (Rache)

Mais do que a legítima defesa praticada a qualquer custo ou a reposi-


ção cega da justiça denegada, o termo vingança adquire, em ietz-
sche, um sentido ligado à relação que um determinado tipo cultural de
homem estabelece com o tempo, ou, mais precisamente, com o irre-
cuperável passar do tempo. Ineficaz face ao fluxo polimórfico da tran-
sitoriedade, àquilo que, ao vir-a-ser, não se deixa mais capturar ou fi-
xar, o universo volitivo humano tenderia. em geral, a tomar sobre si a
perspectiva de um padrão reativo, relacionando-se de um modo dis-
ruptivo com o passado. Sob tal ótica, a vingança consistiria. antes de
mais nada, numa forma específica de repulsa contra a existência já vi-
vida e transcorrida. Jactando-se em aversão, a vontade se tomaria
vingativa desde a raiz, enaltecendo e trazendo ao primeiro plano a ne-
gatividade que caracteriza o próprio sentimento de rancor ou ódio
pelo passado; demitindo-se da tarefa de interpretar este último. para,
aí então, afirmar o que já passou sob a égide da própria finitude, a
vontade se comprazeria em sua própria impotência. Com isso. aproxi-
mamo-nos da acepção, por assim dizer, mais "técnica" de vingança
em Nietzsche desenvolvida e exposta, em especial, nos primeiros pa-
rágrafos da segunda dissertação de Genealogia da Moral. Introduzida,
então, num registro que visa a refazer heuristicamente o tornar-se t1u-
mano do animal homem, a noção de vingança passa a assumir um sig-
nificado ligado ao fenômeno da má consciência. Remontando à elabo-

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. e incorporação psíquica desta última, a ponderação crítica íllP tz-
~,1 a0 'd . -
·ana tratará de cons1 erar a vingança como uma das hguras decor-
sclli é h' , . -
rentes do trabalho pr ~ 1stonco de forma?º da memória, opondo-se,
nesse caso, ao esquec1_mento como capacidade ativa de impedir pos-
. ieisassédios do sentimento de culpa. Fruto do cruel e doloroso cul-
s,tivo
, de uma "memono ' . do vontod.e" , processo também descrito como
formação de uma mnemotécrnca por parte de um animal capaz de
tzer promessas, a ideia de retaliação deixa-se incorporar, num pri-
meiro momento, à relação contratual entre credor e devedor; depois,
num segundo momento, a noção ganha um relevo vinculado ao ho-
mem do ressentimento propriamente dito, ou, mais precisamente, à
sua atávica incapacidade de se esquecer e, por conseguinte, de per-
doar. Mas, no terreno reativo atinente à segunda dissertação da obra
suprarnencionada, a vingança vem ainda à baila sob o manto de uma
teoria da justiça, cujo cumprimento resulta, fundamentalmente, num
nivelamento das diferenças e numa padronização acintosa dos com-
plexos disjuntivos de poder que cruzam e constituem a coletividade
em geral. Fiando-se na parcialidade e no pathos reativo da vingança,
ajustiça assume-se então como fiel depositária da igualdade de direi-
tos, pregando que toda vontade tem de levar em conta toda outra
vontade como algo que lhe é essencialmente igual.
Sobre VINGANÇA, consultar A § 202, § 205, § 228 e § 323; GC § 49, § 69,
§ 127, § 290 e§ 359; ZA li "Da Redenção" e "Das tarântulas"; GM li§ 11.

Ver também CASTIGO, CRUELDADE, CULPA, ESQUECIMENTO, IGUALDA-


DE, JUSTIÇA, MÁ CONSCIÊNCIA, MEMÓRIA, RESSENTIMENTO,TEMPO,
TIPO, VIR-A-SER, VONTADE.

Bibliografia

AZEREDO, Vânia Outra de. Nietzsche e a Dissolução da Moral. 2ª ed.


São Paulo, ljuí: Discurso Editorial, Editora Unijuí, 2003. (Col. Sen-
das & Veredas)
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O.

Fernando R. de Moraes Barros

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1f -sor

VIR-A-SER ( Werden)

Em momentos distintos de sua produção filosófica, Nietzsche elaborou


acepções de vir-a-ser que se diferenciam pela relação mais ou menos
indulgente com a concepção de movimento. Essas diferenças também
se dão segundo os graus de realidade referidos ao vir-a-ser.
Desde os seus primeiros anos produtivos, Nietzsche dá sinais de
cultivar um apreço pelas teorias do puro processo ou vir-a-ser. Essa
admiração é mediada por sua aprovação de algum tipo de evolucionis-
mo. Contudo, é somente em anotações redigidas em 1870 que Nietz-
sche se volta de forma mais direta ao tema, tomando o vir-a-ser como
indissociável da concepção de aparência; o vir-a-ser é, ele mesmo,
aparência. O vir-a-ser, ou a aparência, se dá graças à individuação. A
individuação é um produto do intelecto primordial; trata-se do resulta-
do de suas intuições de espaço, tempo e causalidade. A elaboração do
vir-a-ser passa, então, a cumprir um papel essencial para a metafísica
do Uno primordial. Pois sendo aparência, o vir-a-ser é a fonte para que
o Uno primordial, que é dor eterna, encontre prazer.
Posteriormente, Nietzsche passa a entender o vir-a-ser como aqui-
lo que define a efetividade, um resultado de sua polêmica com os propo-
nentes do idealismo temporal; tanto uma investigação do sentido interno,
quanto do sentido externo, corrobora a tese de que a realidade do tem-
po, ou do vir-a-ser, não pode ser refutada. O vir-a-ser também passa a
ser um fio condutor para aontologia,_tratando-se do único ser que nos é
dado; enquanto o único real, o vir-a-ser ganha estatuto de ser, o que tor-
na a perenidade uma mera aparência. Essa preponderância do vir-a-ser
define o objeto da nova filosofia - a nova filosofia, a filosofia histórica,
deve ter como o seu objeto primacial o vir-a-ser-, bem como alimenta
o projeto transvalorativo e a sua terapêutica da tradição. Os metafisicas,
carentes de sentido histórico, atribuem ao vir-a-ser valor de aparência,
perdendo de vista que os seus conceitos mais estimados vieram a ser e
que a sua vontade de verdade não passa de uma vontade de nada.
O vir-a-ser, bem entendido enquanto mudança, ignora qualquer
resquício de permanência, o que também expõe o seu caráter subtraído
de logos . Para enfatizar esse traço, Nietzsche predica por vezes o vir-
a-ser, ou o fluxo, de absoluto, denominação que pode ser entendida

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Vir 1 r

in(\nllno eler.ao. . Com is o, é demarcada uma •inc .. .


\ 11H · . , 1 , • ompat1b1lidaA
,P vihl· er e ,1 concepção de movimento· enquant
h' t llt · O , o o mov,-.
t 11111 nele lnnaç~o para o mundo dos olhos aquele q
1rn 111( . , . , ue pressu-
~ oi. t , R,ncJo sobre : ºIsas, o vir-a-ser absoluto exibe a completa
1
·t,nciíl ci entes e rclaçoes causais.
,111s .
E.. e ilfa tarncnto entre vir-a-ser e movimento contribuirá
·1 ·ct d d . para
llC _(' xi lllél íl cu 1pa b
. 11 a e_ o vir-a-ser, um grande problema para
Nictz. 1,c ctcsc!e escritos de Juventude. A culpabilização do vir-a-ser
tcin llíl. ur1 raiz a suposição de que as mudanças são cometidas por su-
j('il . ouanc!o se submete a _mudança a categorias psicológicas. tudo
0 qu é1Contece passa a ser visto como uma ação intencional de sujei-
to livr s: o paradigma que rege tanto o mundo exterior, quanto Ointe-
1; r. é ode sujeitos responsáveis por suas ações. Sendo assim, aculpa
P<1s r1 a ser um elemento constitutivo do vir-a-ser. Porém, quando se
mostra que essa é uma interpretação errônea do vir-a-ser, quando
se rnostra que não existem entes ou sujeitos agentes, abre-se o ca-
minllo para que se triunfe sobre esse estado de alienação, resgatan-
do-se. enfim, a inocência do vir-a-ser.
Sobre VIR-A-SER, consultar FP § 10; FT § 5, § 6, § 7, § 8 e § 15; HH 1§ 1 e§ 2; CI
#A'razão' na filosofia"§ 1 e §2, "Os quatro grandes erros" §7 e§8; FP7 (168)
do fim de 1870/abril de 1871; FP 26 [12) da primavera de 1873; FP 11 (330) da
primavera/outono de 1881; FP 26 [58) do verão/outono de 1885; FP 35 (51)
de maio/julho de 1885; FP 36 [27) de junho/julho de 1885; FP 11 (98) e (99]
de novembro de 1887/março de 1888; FP 14 [79) da primavera de 1888.

Ver também APARÊNCIA, CAUSALIDADE, CULPA, DESENVOLVIMENTO,


HISTÓRIA, IDEALISMO, METAFISICA, PROGRESSO, REALIDADE, SENTI-
DO HISTÓRICO, SUJEITO,TEMPO.

Bi bl iog rafi a

FREZZATTI Jr., Wilson Antonio. Nietzsche contra Darwin . 2ª ed. am-


pliada e revista. São Paulo: Edições Loyola, 2014. (Cal. Sendas
& Veredas)
NASSER. Eduardo. Nietzsche e a Ontologia do Vir-a-ser. São Paulo: Edi-
ções Loyola, 201 5. (Cal. Sendas & Veredas)

Eduardo Nasser

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V,rtud

VIRTUDE ( Tugenc/J

A construção de um conceito não moral de virtude é umíl pr ocup;içl,0


precípua no pensamento de Nietzsche. O cmprcco dél noçno de virt1i
no estilo da Renascença tem em vista uma nova conccpçõo de virtude,
livre de ·moralina". As virtudes do grande homem s~o Glpílcidndcs,
habilidades e qualidades de caráter, que expressam o aumento de po..
tência, o máximo de força próprio dos indivíduos e da cultura superior,
aristocrática. O tipo de homem nobre é quem poderia transmutar im-
pulsos em novas virtudes, em valores qualitativamente superiores. As
virtudes tipicamente morais, ao contrário, expressam a décadence, ;i
desagregação fisiológica e o esgotamento do homem gregário.
Consideradas genealogicamente, as virtudes são o resultado de um
longo processo de coerção, da obediência e da submissão dolorosa do
espírito. Para a humanidade antiga, o sofrimento, a crueldade e a vingan-
ça valiam como virtudes. As características básicas da humanidade foram
fixadas no longo período da eticidade do costume, no qual a coerção da
autoridade superior se transformou em costume. Por ser vantajoso aos
indivíduos submeterem-se a leis e valores da comunidade, Nietzsche de-
lineia em Humano, demasiado Humano e em Aurora a importância dos
costumes na formação do homem. A virtude nasceria do prazer no cos-
tume e no exercício do poder, constituindo uma espécie de "segunda na-
tureza", que transfiguraria a natureza primária dos impulsos.
Virtude é entendida no pensamento tardio como força e como po-
tência, sentidas e avaliadas como boas. As assim cl1amadas virtudes
são símbolos para as elevações do corpo, estando por isso ligadas à es-
piritualização das paixões. Na ordenação fisiológica proposta, as virtu-
des são consequência do acúmulo, do esbanjamento de forças do t10-
mem bem logrado. Nos gregos antigos, a virtude denota a distinção
pessoal, a coragem e o valor do nobre, do herói. Ao mesmo tempo, vir-
tudes são condição para a afirmação de formas de vida distintas. A cau-
tela, a astúcia, a dissimulação e o autodomínio são necessários para o
aumento da potência do espírito, ou seja, do corpo vitorioso no jogo de
forças. No sacerdote ascético, por sua vez, a pobreza, a humildade e a
castidade não seriam virtudes morais de valor superior, mas condições
para afirmação de sua existência, negadora da vida ascendente.

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\s .• es surá as, r' 1 ularem a el1 ida e ao Sd ·vir


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º egtS odadécodence.Asv, jes 1 r,d 31~
~~ e 11 : 0 a arJas. co ? a modera ão e a j s · a, fX)Ss em um ca-
ve
,., ..,r e samt;n e ai. E 0 sse S';íl ido qu~ são críf adas também
as\ dt:S do l,s . q ~ b s a o meio termo da virtude aris otél:ca a
r: .) :;:n adi; do desi:jar, tendendo assim à estup:dez. Mas foi O cris ·a-
'; trans rmou o servilismo e o sentimento de culpa em virtu-
:;::S. ., as ·rtudes cristãs triunfaria o movimento de mediocriz.ação do
r .:-:-::, 1, r: q ai os impulsos e paixões são degradados em virtudes mo-
6 :. crrr a ca ·dade, a compaiY.âo e a humildade. As virtudes do ho-

r;:: 1m:.d::mo, como a doença histórica, o trabalho, o espírito científico


~ a yj~ · são e/4igéncias de sua fraqueza. 10 cristianismo, contudo,
• 1::::zY-J1'; elogia a virtude da veracidade, que, por fim, se volta contra
, ~ 6µri0s id::ais cristãos. A honestidade é uma característica valoriza-
o-1 r r )m::ns modernos e nos espíritos livres. A coragem, a perspicá-
·-:.:i . as lid~0 e a simpatia são condições necessárias para o espírito que

,.,i; litf:rtar-s::; elas são virtudes, à medida que o detentor delas se as-
J: n ,0reia para fi,.ar seus novos modos de existir e valorar. São neces-
s/2 i1' muit;:,s gerações para a aquisição, o cultivo e a incorporação das
· í Jd~ do filó:ofo do futuro. Éassim que o grau de potência se torna
u 11 W/ta irtude, como qualidade dos valores do homem bem logrado.
uo5 virtud::s, no entanto, são consequência de sua felicidade, de sua
c.ap;,cídad1:: de descarregar criativamente sua tensão de forças.
Sobre VIRTUDE, consultar NT § 14; Co.Ext. l § 8; HH 1§ 99; OS§ 91;A § 18, § 29
e§ 3a; ZA l "Da virtude dadivosa"; BM § 227, § 228 e§ 284; GM Ili§ 9; CI "O pro•
blema de Sócrates" § 4 e 10; AC§ 2, § 11 e§ 44; FP 10 [50) outono de 1887.

Ver também: CRISTIANISMO, ESPIRITO LIVRE, ETICIDADE DO COSTUME,


FORTE, GENEALOGIA, HIERARQUIA, HOMEM SUPERIOR, IMPULSO, MO·
DERtJIDADE, MORAL, VALOR, VINGANÇA.

Bibliografia

/ RALDI, Clademir Luís. As paixões transmutadas em virtudes. Acerca de


um <Jil{;rna no pensamento ético de Nietzsche. Oissertatio, v. 33, p.
227-21,,,, 20 11 .

Clademir Araldi

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VIV~NCIA (Erlebnis)

C ntral n pen Jm nt nictz chia no. a noç~o de viv :incia passa a rc-
ce ruma ab rd 1 m hlosófica a partir de Aurora. Então. Nietzsche
ustenta qu as vivências têm inscrição no corpo; é ele que. segundo
as circunstJncias, as digere bem ou mal. A maneira pela qual o indiví-
duo encara o que lhe acontece depende de sua configuração pulsio-
nal. de sua condição de vida. Por isso mesmo, as vivências não podem
ter caráter universal: elas são sempre singulares. Em A gaia Ci~ncia,
ietzsche introduz novo elemento: enquanto os rundadores de reli-
gião não têm ciência das vivências que lhes são próprias, os verdadei-
ros filósofos perscrutam a fundo as suas. Experimentadores no mais
alto grau. eles querem converter-se em cobaias e experimentos.
A partir de 1886, Nietzsche amplia a abrangência da noção de
vivência. No preíácio ao segundo volume de Humano. demasiado
Humano, deixa claro que, embora singulares, suas vivências não são
individuais. Ao relacioná-las com a história de uma doença e de uma
cura, entende que elas não são apenas suas, mas se acham intima-
mente ligadas à maneira pela qual ele vive o seu tempo. Em O Caso
Wagner, convencido de que é preciso ir fundo na própria época para
superá-la, acredita que o filósofo, enquanto médico da civilização,
tem de ser a má consciência de seu tempo. Em Para além de Bem
e Mal, estabelece ainda uma estreita relação entre vivência e lingua-
gem. Faz ver que, para comunicar, é preciso partir de um solo co-
mum. Não basta ter as mesmas ideias, abraçar as mesmas concep-
ções. Tampouco basta atribuir às palavras o mesmo sentido ou recor-
rer aos mesmos procedimentos lógicos. Épreciso bem mais; é preciso
partilhar vivências. No limite. todo comunicar é tornar-comum.
Mas é sobretudo em Assim falava Zaratustra e em Ecce Homo
que a noção de vivência será tematizada. Em seu livro mais dileto,
Nietzsche jamais lança mão da linguagem conceituai. As posições
que Zaratustra avança não se baseiam em argumentos ou razões;
assentam-se em vivências. No decorrer de sua obra. o autor não ces-
sa de buscar quem é do seu feitio; de igual modo, o protagonista ao
longo do livro. Nietzsche sublinha a ideia de que só se pode ter vi-
vências de si mesmo: Zaratustra ressalta que somente a quem do

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Vontadn

itio ocon m vivências similares às uas Éoutr-·'


i • _ , ..
.r.
u1' • • º a re1açélo quf'
autor e O protagonista .contam estabelecer com eu 1n •t
erIo u o J

. Buscam quem experimenta tensões de impulsos dispo ·c;,(I, d


1 · . ál à , 1,0 e
afetos, que seJa~ an. ogas s s_ uas. Anseiam por quem siga o pró~
prio caminho, cumphc~ ?º ~am1_nho que eles mesmos seguem . Em
fcce Homo, em suas v1venc1as singulares, Nietzsche percebe os im-
ulsos que dele se apossam, os afetos que dele se apoderam; nota
~s estimativas de valor que com estes impulsos se expressam e se dá
contactas ideias que com estes afetos se manifestam. Sintoma de
impulsos, afetos e estimativas de valor, julga que todo escrito traz
à luz a configuração pulsional do autor num determinado momen-
to. Expressão de vivências, entende que a reflexão filosófica revela
acondição de vida de quem a faz. Desta perspectiva, não há como
dissociar vida e obra, vivência e reflexão filosófica.

Sobre VIVÊNCIA, consultar HH li "Prefácio"§ 6;A § 119; GC § 319; ZA li "Dos


poetas': Ili "O Andarilho" e "Dos renegados" § 1; BM § 89 e§ 268; CI "Incur-
sões de um extemporâneo" § 26; CW "Prefácio"; EH "Por que escrevo li-
vros tão bons" § 1.

Ver também EXPERIMENTO, FILOSOFIA, IMPULSO, LINGUAGEM, SAÚDE,


SINTOMA, VIDA.

Bibliografia
MARTON, Scarlett. Nietzsche e a Arte de decifrar Enigmas. São Paulo:
Edições Loyola, 2014 . (Col. Sendas & Veredas]. Capítulo 12.
MARTON, Scarlett. Nietzsche, reflexão filosófica e vivência. ln: DIAS,
Rosa; VANDERLEI, Sabina; BARROS, Tiago (orgs.). Leituras de Za-
ratustra. Rio de Janeiro: Mauad, 2011, p. 273-282.

Scarlett Marton

VONTADE (Wi//e)

Em vários textos Nietzsche critica a concepção tradicional de von-


tade que a considera uma faculdade do homem, ao lado de outr"

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\ nt1th

mo( lnHI( lnnçi10, o entendimento ou n rnz~o. Ao ser hurnélno n, 0


e r. ultt1<Jo ex r cr ou 111 o a vontade; ela n o apresenta caráter ln.
tcn ion I algum. Só é pertinente rolar em "liberdade da von tade",
qunndo e eh 8a a cncnrá-lo enquanto aíeto de mando; a vontade é
livr , nAo porque pode escolher, mas porque implica um sentimento
de upcrloridade.
Este é o ponto de partida dos ataques de Nietzsche a duas con-
cepções distintas da vontade: a psicológica e a metafísica. No seu
entender, a Nteoria psicológica" compreende o ato como consequên-
cia necessária da vontade, pois basta querer para agir. Com isso, é
levada a postular um sujeito por trás da ação: a ele caberia exercer
ou não a vontade e, por conseguinte, realizar ou não o ato. Ao con-
trário do que supõe a "teoria psicológica", o sujeito não é o executor
da ação e sim o seu "efeito". A vontade, atuando em todo o orga-
nismo, ganha adeptos e esbarra em opositores, depara solicitações
que lhe são conformes e outras antagônicas, conjuga-se com os ele-
mentos de disposição concordante e vence os que lhe opõem resis-
tências, predomina, enfim, graças ao concerto de uma pluralidade
de impulsos. Pensar o agir como decorrente do querer e postular um
sujeito por trás da ação só é possível quando se despreza o processo
que leva uma vontade a tornar-se vencedora, fazer-se predominan-
te. Do sucesso da vontade, da vontade bem-sucedida, então se in-
fere uma causa: o sujeito a quem seria facultado exercê-la. A "teoria
psicológica" negligencia o fato de a vontade agir no homem e no ser
vivo em geral ou, mais precisamente, nos numerosos seres vivos mi-
croscópicos que constituem o organismo.
Nietzsche combate também a concepção metafísica da vonta-
de. No seu entender, não é possível conceber a vontade como o "em
si das coisas"; pressuporia negligenciar a luta que se trava entre os
vários elementos quando neles se efetivam vontades. Já em A gaia
Ciência, Nietzsche ataca Schopenhauer por sustentar que os fenôme-
nos não passam de uma cega vontade de viver e que esta. absurda.
sem razão ou finalidade, constituía a essência do mundo. Ele aproxi-
ma, então, a concepção schopenhaueriana da vontade e a noção que
dela teria o homem do senso comum, que crê na existência de forças
atuando magicamente. Para criticá-la, adota como referencial teó-
rico a crítica positivista à metafísica. Não se pode encarar a vontade,

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Vontod d pot nc,

,1 1J S 11 enhauer. enquanto um "querer vive( total e ind,vi-


5 r ,anifesta em todos os seres, mas deve-se vê-la como um
isr 1o passível de ser analisado cientificamente. Em Assim /ala-
stra. 1 ietzsche volt~ a criticar Schopenhauer, mas O que 0
1
,e. ag ra. é menos a adoçao de teses positivistas que seu conceito
2, ade de potência. Concebendo-a como vontade orgânica, en-
e, eque não pode comungar com qualquer transcendência; e este
é dospontos essenciais em que se distancia do antigo mestre. Ao
') ráriodo "querer viver" schopenhaueriano, vida evontade de po-
e ianão são princípios transcendentes; avida não se acha além dos
~e ·menos, a vontade de potência não existe fora do ser vivo.
Sobre VONTADE, consultar GC § 127; ZA li "Da superação de si"; BM § 19;
AC§ 14; FP 25 (436] da primavera de 1884; FP 35 (151 de maio/julho de
1885; FP 40 (37] e (42] de agosto/setembro de 1885; FP 1 (581 do outono
de 1885/primavera de 1886; FP 14 (121] e (219) da primavera de 1888; FP
(331) 11 (73] de novembro de 1887/março de 1888.

Ver também CAUSALIDADE, IMPULSO, METAFÍSICA, ORGANISMO, PSI-


COLOGIA, SUJEITO, VIDA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
~ 1ARTO , Scarlett. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
nos. 3ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.

Scarlett Marton

VONTADE DE POTÊNCIA ( Wille zur Macht)

EmAssim falava Zaratustra, Nietzsche apresenta, pela primeira z


N sse mo-
na obra publicada, seu conceito de vontade de potencia. e _
• A •

mento, é com ela que passa a identificar a vida . Con_ce?e e~tao .ª


vontade de potência como vontade organica; ela é propna nao uni-
A •

· ·s ainda· exerce-se nos


camente do homem, mas de todo ser vivo, mai · .
, _ . , res vivos microscópicos
orgaos tecidos e celulas nos numerosos se,·
· · d elemento encontra
que constituem o organismo, Atuando em ca a ·
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nl d <J po1õnc1

rnp , ilho n qu o rodclnm, ma;) 1 ntil ~ut>rn l 1r o~.que a •l;i,. ~


01 ' lll olocá-lo a ,>cu crvlço. Épor encontrar r I t ncia qu •, ,
x r ' : é por cxcr cr- e que tornn a lutil Inevitável. Efclivanuo .l! , íl
v nwd d pot ncia íal com que n célula e. burrc cm outrasque aele
r istcm: 0 obstáculo, porém, con lltul um e tfrnulo. Com o cornbiltc,
umíl élula pa sa a obedecer a outrn mais forte, urn tcclcJo uhrnctc-
a outro que predomina, uma parte do organismo torna-.,e íunç~o
d outra que vence - durante alcurn tempo. A luta cJcscncadeia-.,c
d , teI forma que n~o t1á pausa ou fim possíveis; mais ainda, ela pro-
picia que se estabeleçam hierarquias - jamais deíinilivas.
Na tentativa de resolver um dos problemas candentes da ciên-
ia da época, Nietzsche se dedica a examinar como se dá a passa-
gem da matéria inerte à vida. Em escritos posteriores aAssim falava
Zoroluslra, ele elabora a teoria das forças. Com ela, é levado a am-
pliar o âmbito de atuaçào do conceito de vontade de potência: quan-
do foi introduzido, ele operava apenas no domfnio orgânico: a partir
de agora, passa a atuar em relação a Ludo o que existe. A vontade
de potência aparece então como força eficiente. Ouerendo-vir-a-ser-
mais-forte, a força esbarra em outras que a ela resistem: é inevitável
a luta - por mais potência. A cada momento, as forças relacionam-
se de modo diferente, dispõem-se de outra maneira: él todo instante.
a vontade de potência, vencendo resistências, se autossupera e, nes•
sa superação de si, faz surgir novas formas. Enquanto força eficien-
te, é pois força plástica, criadora. Éo que revela a própria expressjo
vontade de potência (W///e zur Mac/Jl): o Lermo Wille entendido en-
quanto disposição, tendência, impulso e Macl1t associado ao verbo
machen, fazer, produzir, farmar, efetuar, criar. A vontade de potên-
cia é o impulso de toda força a efetivar-se e, com isso, criar novas
configurações cm sua relação com as demais. Ela não impõe, porém.
uma lei; instigando as transformações, não poderia coé'lgir as forçc1 n
se relacionarem seguindo sempre o mesmo padrão. Téunpouco tefll
uma finalidade: superando-se a si rnesma, nco podcrié1 ter em visltl
nenhuma configurnção especííica das forças.
Nos trabalt1os científicos de sua épocél, Nietzsct1e bu cou ub·
sfdios para elaborar o conceito de vontade de potência e, té1111bérn,
para construir a teoria das forças. De posse da noção de força. ele
poderia muito bem abrir mão do conceito de vontélde de pot~ncin.

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r rt irri . 1 v ,rrpJ(• , lf f f'<l1 1;1qu<'. () írl ('( HII( , •
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,, , 0 cr~1 r n1ell h1·1n de vontJde cJ , potência on titu, um do:
r, rr1 r1-1 1:, pr n r ~, cJ ' rupturJ •rn rei ç o tradição lilo-:iófica.
! t,,c VOflf/\DE DE POTÊNCIA, consultor ZA li "Do superação do si·· BM
, n e , 30; f ~ 30131 I o 381121 do Junho/julho de 1885; FP 21761 do ou;ono
c1 H;U!J/outono do 1000; FP 36_116) do molo/julho de 1885; FP 37141 de ju-
riho(iulho do lUOG; FP '101211 o f42J _
do ooosto/setombro de 1885; FP ( 104)
f.1 I1!.,1I do outono do 1887; FP f4 179) do primavera de 1888.

V r tornbórn FORÇA, HIERARQUIA, METAFISICA, SUBSTÂNCIA, SUJEl-


10, VIDA.

Bíblioyrofia
1
'1 /ofríOt J, Scz,rlctt. "La nuova concezione dei mondo·: olontà d1po-
t:nza. plurvlità cJi forze, eterno ritorno dell'identico. ln: BUSELLATO.
J efano (org.). Nietzsche dai Brasile: Contributi ai/a Ricerca con-
tr.:mporanr:o. Trvd. Gíancarlo Míchelí, Federico Nacci. Stcrano Bu-
Y..:llatu. Pisa: ETS, 2014, p. 21 -39.
'li/•f?TGt . Sc.arlétt. Nietzsche, das Forças cósmicas aos Valores huma-
no' . 3:, erJ. Belo Horizonte: UFMG, 201 O. Capítulo 1.

Scarlett Marton

VONTADE DE VERDADE (Wil/e zurWahrheit)

~ ;r; <;ritr..: rirJcr de Nietz ...che, a civilização ocidental teve corno un~do
0
'./; .,, el~rnc.:nto'.> formadores uma "educação para a verdJ~c· · ~
'..:',,'/J r..:1pres~o. o f116 ofo tem em mente urn tipo de doutrina rno_ ra
1J1: C Aípr;rn platónico-cristã que adotou a verdade como urn VJlor _in-
,, · cício de Url k 11(11·
q,;'. :', 1r;n~ 1el e que. por esse motivo. ensinou o excr )

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d_ J rol>1dadc intelcctua!. Na ót!ca do filósofo, cc a "ccJu él(,..- o · fun.
oonou como uma espécie de axioma para o exercício da filo'.°lofi
ciência. Isso porque essas disciplinas assumiram, irrefletidamente d;i
retidão intelectual como conduta inflexível e elegeram como me~ ª
conquista da verdade a qualquer preço. Essa busca sem limites P ª
. ea1
verdade é, justamente, o que N1etzsche chama de vontade de verda-
de. Esse irrefreável desejo de exame racional esconderia, contudo, um
pressuposto moral impensado: a crença na verdade como um bem
absoluto. A probidade científica do Ocidente, que exige uma crítica
racional de todos os preconceitos, não teria, portanto, se dado conta
de que ela mesma repousa sobre um último preconceito moral.
No contexto do perspectivismo nietzschiano, o mundo que nos
"aparece" é invariavelmente um resultado de interpretações. Ao sus-
tentar essa tese, o filósofo não está, contudo, preocupado em de-
nunciar que somos incapazes de conhecer o verdadeiro mundo que
estaria por trás dessas aparências interpretativas. Ao contrário, para
Nietzsche, não haveria uma realidade última, mas apenas uma efe-
tividade que sempre se mostra como interpretação perspectivista.
Portanto, nesse contexto, não há sentido em buscar uma verdade
universal que consistiria numa espécie de perfeita correspondência
entre juízos precisos e o derradeiro ser da realidade. Ora, nesse sen-
tido, aspirar a todo custo a uma verdade absoluta é querer algo que
não existe; é querer o nada. Enfim, a vontade de verdade seria um
desejo ascético por algo que está além do mundo e da vida e, por
isso, ela expressaria um sintoma de vontade de morte.
O ideal científico que caracteriza a vontade de verdade consisti-
ria, portanto, numa nova forma de ideal ascético. Isso porque a von-
tade de verdade expressaria o mesmo desejo inflexível de elevação e
afastamento do mundo terreno que caracteriza o ideal ascético tradi-
cional. Nesse sentido, Nietzsche defende que o solo a partir do qual
brotou o anseio filosófico/científico de verdade a todo custo é o mes-
mo solo que também engendrou as outras manifestações dos ideias
ascéticos, isto é, o solo da vontade de nada. Em outros termos, a
vontade de verdade provém daquele mesmo pathos décadent o qual
deu origem aos ideais ascéticos que norteiam as práticas religiosas
que visam alcançar uma elevação espiritual por meio da mortificação
do corpo. Portanto, ao contrário do que se poderia pensar, a camp -

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VontfHlo do vord dfJ

•,a do ideal científico contra o mito a suner tiç O e<) J ..


n1 . .. ' '' · < ' <O{~rna rc1,,,,o.
SO
não consistiria
.
num combate radical ao ldcr11 'lsc/, li'c '\ A
.
'
e ' · ~! C,. f)flff!rllr:
agonista do ideal ascético, a vontade de verdade lut,.. ,. f
ant . rJ ue orrna ,ll ·
1

perficial contra ele, pois ela coaduna no que há de mais funcJ;imentfll


com esse ideal, a saber, na busca incondicional pelo nada.
Por fim, devemos ressaltar que, apesar de caracterizar a von-
tade de verdade de maneira negativa, Nietzsche confere a e. sano-
ção um papel fundamental na história da mentalidade religiosa da
civilização ocidental. Isso porque o filósofo defende a seguinte rela-
ção lógica entre vontade de verdade e ateísmo: o ideal de probicJade
intelectual que constitui a vontade de verdade conduziria necessa-
riamente à negação da "mais longa mentira" do Ocidente, isto é, a
mentira da existência de Deus.

Sobre VONTADE DE VERDADE, consulta: BM § 1 e § 64; GM 111 § 24, § 25


e§ 27; GC § 344 e § 357; FP 1 [74] de julho/agosto de 1882; FP 34 (2531 de
abril/junho de 1885; FP 9 [38] (28) do outono de 1887; FP 14 (1531 da pri-
mavera de 1888.

Ver também ASCETISMO, ATEÍSMO, CIÊNCIA, CRISTIANISMO, FILOSO-


FIA, INTERPRETAÇÃO, PERSPECTIVISMO, PROBIDADE, REALIDADE, VER-
DADE, VIDA, VONTADE DE POTÊNCIA.

Bibliografia
LIMA. Márcio José Silveira; ITAPARICA, André Luís Mota (orgs. ). V r-
dade e Linguagem em Nietzsche. Salvador: Edufba, 201 11. .
MARTON, Scarlett. Afternoon Thoughts. Nietzsche and the Dogrnat1 111
of Philosophical Writing. ln: CONSTÂNCIO, João; BRANCO, M~ria
João Mayer (orgs.) . Nietzsche, on lnstinct and Language. B rlirn :
De Gruyter, 2011 , p. 167-185.

João Evangelista Tude de Melo Noto

11 7

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Índice remissivo

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f to: lm ' Avali çJo, Casti O, d 1 '. Li 'r ,1l1srn , Lin ~u 1ílt•m, t 1, 'r
' 11 'Ll lm k1lil, Corpo, F1I soí1il, ni J . t\ 1 rJI, M r,11 lo nti rt r
r, ,opsicolo ia, Força, Fort , Impulso, d E ermo_, R\111 rr , R \ ntir n1
Instinto. ~, mória, Moral, Música, Ob- Tipo, Últim H rn m, Ut11it 1ri m .
l ,11 idade, Perspecti ismo. Psicologia. Antissemitismo: Aí1mw Jo, r1 t, 1•
R zão. Seleção, Sensnçjo, Sintoma, nisrno. Fort , Jud r rno. Morui. M rui
Vontade de Potência. dosSent1ore edo E crav , R1 u.R .
Aflnnação: Amor Fati, Antissemitis- ligião. Tipo.
mo, Corpo, Criação. Cultura, Décadence, Aparência: Apolíneo, Arte, Cau c1l1d1 -
Espírito de Peso. Ética, História, Ho- de, Certeza Imediata, Dionisíc1co, Dit,-
mem Superior, Ilusão, Interpretação, rambo, Erro, Idealismo, llu~ o. MetaIT-
Jovialidade, Judaísmo, Liberalismo, Mú- sica, Perspectivisrno, Realidade, Realis-
sica, Niilismo. Pathos da Distância, Pes- mo, Redenção, Trágico, Verdade. VidJ.
simismo, Redenção, Seleção, Trágico, Vir-a-Ser, Vontade de Potência, Vontade
Transvaloração de Todos os Valores, de Verdade.
Vida, Vivência. Apolfneo: Aparência, Arte, Deus, Dio-
Além-do-homem: Décadence, Deus, nisíaco, Ditirambo, Ética, Impulso, Jo-
Dionisíaco, Eterno Retorno do Mesmo, vialidade, Prazer, Socratismo, Trágico.
Fisiopsicologia, Gênio, Homem Superior, Aristocracia: Anarquismo, Animal de
Humanidade, Imoralista, Niilismo, Tipo, Rebanho, Burguesia, Criação, Cultivo,
Transvaloração de Todos os Valores, Educação, Esquecimento, Estado, For-
Último Homem, Vontade de Potência. te, Gênio, Grande Política, Hereditarie-
Alma: Afeto, Ascetismo, Ciência, Concei- dade, Hierarquia, Homem Superior, Le-
to, Corpo, Cultura, Fisiopsicologia, Força, gislador, Libera lismo, Modernidade,
Impulso, Interpretação, Linguagem, Má Moral, Moral dos Senhores e dos Escra-
Consciência, Metáfora, Modernidade, vos, Nacionalismo, Pathos da Distância,
Psicologia, Razão, Sujeito, Vida. Psicologia, Tipo, Utilitarismo, Valor, Von-
Amorfati: Afirmação, Avaliação, Estoi- tade de Potência.
cismo, Eterno Retorno do Mesmo, Ética, Arte: Aparência, Apolfneo, Ciência, Cria-
Força, Idealismo, Imoralista, Jovialidade, ção, Cultura, Dionisíaco, Ditirambo, Fi-
Legislador, Livre-Arbítrio, Moral, Neces- listeu da Cultura, Filosofia, Ilusão, Jovia-
sidade, Niilismo, Realidade, Redenção, lidade, Linguagem, Mentira, Música,
Tempo, Trágico, Transvaloração de To- Pessimismo, Razão, Romantismo, So-
dos os Valores, Vontade de Potência. cratismo, Trágico, Transvaloração de
Anarquismo: Aristocracia, Décadence, Todos os Valores, Vida.
Democracia, Estado, Fisiopsicologia, Hie- Ascetismo: Alma, Budismo, Castigo,
rarquia, Instinto, Organismo, Socialismo, Compaixão, Consciência Moral, Corpo,
Socratismo, Vontade de Potência. Cristianismo, Culpa, Décadence, Deus,
Animal de Rebanho: Aristocracia, Espírito Livre, Ilusão, Imoralista , Má
Compaixão, Cristianismo. Crítica, Cul- Consciência, Niilismo, Religião, Ressen-
tivo, Democracia, Filósofos do Futuro, timento, Seleção, Socratismo, Tipo, Von-
Forte, Hierarquia, Humanidade, Igual- tade de Verdade.

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A sn,o: '1 1:-\1,1 ' 111\ 1, 1 l' 1..
llll' tll t , í't' l!-l't' lt\'1\IIH\, fp 1,l (1 O
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Li, re. E.\ crnr0ràne . File'. s f s d Fu- Sele ão, Sintoma.
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llcn iua e. 1\ 1 ral. Na ionalismo. Nii- cetismo, Cristianismo. Crueldade. Dar-
1;s J. Vai r. winismo, Drrad nce, Egofsrno. Ex em-
Budismo: Ascetism . Cristianismo. porâneo, Forte, Genealogia, M ral. Pra-
CulP<J. Cultura. Impulso. Instinto. Nii- zer, Progresso, Ressentimento. Saúde.
lismo. Pessimismo. Religião. Ressen- Vida, Vingançn.
imento. Conceito: Alma, Causalidade, Cont1e-
Burguesia: Aristocracia. Cultura. De- cimento, Esquecimento, Eu. Finalidade.
ocracia. Estado. Filisteu da Cultura, Genealogia, Ilusão, Linguagem. Ló0 ica,
Liberalismo. 1\ lodernidade. Moral dos Mentira, Metáfora, Moral, Pensamento.
Senhores e dos Escravos. Nacionalis- Realidade, Sensação, Verdade.
mo. Socialismo. Conhecimento: Certeza Imediata.
Ciência, Conceito, Consciência. Erro. Ex-
Castigo: Afeto. Ascetismo. Consciência perimento, Filosofia. Ilusão, Impulso.
1oral. Cristianismo. Crueldade, Culpa, Interpretação, Linguagem, Lógica, Me-
Esquecimento. Eticidade do Costume, tafísica, Metáforn, Objetividade. Pers-
Genealogia. Impulso, Instinto, Má Cons- pectivismo, Relativismo, Sensação. Sa-
ciência. Memória. Prazer, Vingança. cra tismo, Substância, Teoria do Co-
Causalidade: Aparência. Certeza Ime- nl1ecirnento, Utiliwrismo, Valor, Vida.
diata. Conceito. Erro, Eu. Fatalismo, Fi- Vontade de Potência.
nalidade. Força. Linguagem. Livre-Ar- Consciência: Avaliação, Cont1ecirnen-
bítrio. Lógica. Metáfora, Necessidade, to, Consciênciil Moral, Finnlidad , Im-
Pensamento, Realidade, Substância, pulso, Instinto, Linguagem. Má Cons-
Sujeito. Tempo, Vir-a-Ser, Vontade. ciência, Memória. Metafísica, N e s i-
Certeza Imediata: Afeto, Aparência, dnde, Organismo. Pensar11ento. Rel1giJo.
Avaliação. Causalidade, Conhecimento, Ressentimento, Sensaç~o. T ori do
Eu. Lógica . Metafísica. Moral. Pensa- conl1ecimento, Valor.

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, 111 ria, M r.il, R ssentirnento. Castigo, Consciência Moral, Cristianis-
Corpo: ,\! to, Ahrrmç.ão. Alma, Asce- mo, Crueldade, Deus, Genealogia, Ju-
ti mo, ult1vo. Cultura. Eu. Fisiopsico· daísmo.Livre-Arbítrio, Má Consciência,
1 g,a, F rtc, Hereditariedade, Impulso, Moral, Redenção, Religião, Vingança,
ln tinto, Metáfora, Natureza, Organis- Vir-a-Ser.
mo. P nsamento, Psicologia, Raça, Ra- Cultivo: Animal de Rebanho, Aristo-
zl\o, ~1lJd . Subswncia, Vida, Vontade cracia, Civilização, Corpo, Cristianismo.
d Pot ·ncia. Crueldade, Cultura. Darwinismo, Edu-
Criaçio: Afinnaçào, Aristocracia, Arte, cação, Eticidade do Costume. Forte,
Crítica, Deus. Dionisíaco, Esquecimen- Gênio, Hereditariedade, Humanidade,
to, Estilo, Experimento, Finalidade, Forte, Instinto, Legislador, Moral, Raça, Se-
Genealogia, Gênio, Hierarquia, Inter- leção, Tipo.
pretação, Mentira, Música, Prazer, Rea- Cultura:Afirmação, Alma. Arte, Budis-
lismo. Redenção, Ressentimento, Tipo, mo, Burguesia, Civilização, Corpo, Cultivo.
Valor, Vontade de Potência. Décadence, Democracia, Educação, Es-
Cristianismo: Animal de Rebanho, tado, Estilo, Eticidade do Costume, Fi-
Antissemitismo, Ascetismo, Ateísmo, listeu da Cultura. Filologia, Forte, Gênio,
Bom Europeu, Budismo. Castigo, Civi- Hereditariedade, Hierarquia, Ilusão,
lização, Compaixão, Consciência Moral, Impulso. Interpretação, Legislador. Má
Culpa, Cultivo, Darwinismo, Décadence, Consciência, Moral, Música, Nacionalis-
Democracia, Deus, Egoísmo, Estoicis- mo, Pathos da Distância. Raça. Seleção,
mo, Humanidade, Judaísmo, Má Cons- Socialismo, Valor, Vontade de Potência.
ciência, Metafísica, Modernidade, Mo-
ral, Moral dos Senhores e dos Escravos, Darwinismo: Compaixão, Cristianis-
Niilismo, Pessimismo, Probidade, Pro- mo, Cultivo, Desenvolvimento, Egoísmo,
gresso, Redenção, Religião, Ressenti- Forte, Hereditariedade, Impulso, Mo-
mento, Seleção, Socratismo, Transva- ral dos Senhores e dos Escravos, Natu-
loração de Todos os Valores, Vingança, reza. Organismo, Progresso, Seleção,
Virtude, Vontade de Verdade. Tipo, Vida.
Critica: Animal de Rebanho, Avaliação, Décadence: Afirmação, Além-do-Ho-
Criação, Dionisíaco, Espírito Livre, Fi- mem, Anarquismo, Ascetismo, Civiliza-
lologia, Filosofia, Filósofos do Futuro, ção, Compaixão, Cristianismo, Cultura,
Finalidade, Genealogia, Impulso, Legis- Desenvolvimento, Egoísmo, Estado,
lador, Metafísica, Moral, Pessimismo, Estilo, Extemporâneo, Fatalismo, Gran-
Probidade, Valor, Verdade, Vida. de Política, Grande Saúde, Hierarquia,
Crueldade: Castigo, Civilização, Com- Instinto, Judaísmo, Metafisica, Moder-
paixão, Consciência Moral, Culpa, Cul- nidade, Moral dos Senhores e do Es-
tjvo, EticidadcdoCostume, Genealogia, cravos, Niilismo, Pessimismo, Progres o,

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R0rna 1111 111 . Natureza, Sentido Histórico, U 111carí-;~
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mento, Espaço, Filosofia, Idealismo. llu~
a Espírito Livre, Estado, Forte. Ge- são, Metaffsica. Moral, Morte, Perspec-
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alogia. Grande Po 1t1ca, 1erarqu1a, tivismo, Razão, Sensação, Socratismo.
neumanidade. Igualdade, L'ibera 1·ismo,
H Substância, Sujeito, Tempo, Teoria do
~odernidade, Progresso, Socialismo. Conhecimento, Valor, Verdade, Vida.
Desenvolvimento: Civilização, Darwi- Espaço: Erro, Eterno Retorno do Mes-
nismo. Décodence. Finalidade, Fisiopsi- mo, Força, Idealismo. Materialismo,
cologia, Forte, Impulso, Necessidade, Morte, Natureza, Realidade, Sensação.
Progresso. Sintoma, Tipo, Vir-a-Ser. Von- Sujeito, Tempo, Vir-a-Ser, Vontade de
tade de Potência. Potência.
Desprazer: Ver Prazer. Espírito de Peso: Afirmação, Eterno
Deus: Além-do-Homem, Apolíneo, As- Retorno do Mesmo. Experimento. Fi-
cetismo, Ateísmo, Criação, Cristianismo, losofia, Valor, Vida. Vontade.
Culpa, Dionisíaco, Genealogia, Niilismo, Espírito Livre: Ascetismo. Ateísmo,
Religião. Verdade. Bom Europeu, Ciência, Critica, Demer
Dionisíaco: Além-do-Homem, Apa- cracia, Experimento, Filósofos do Futu-
rência, Apolíneo, Arte, Criação, Crítica, ro, Gênio, Hierarquia, Homem Superior.
Deus, Ditirambo, Eterno Retorno do Igualdade, Modernidade. Nacionalismo.
Mesmo. Genealogia, Imoralista, Jovia- Pessimismo, Probidade. Solidão, Tipo,
lidade, Modernidade, Moral, Música, Valor, Verdade, Virtude.
Natureza, Pessimismo, Prazer, Roman- Esquecimento: Aristocracia. castigo,
tismo, Socratismo, Trágico, Transvalo- Conceito, Criação, Linguagem. Memó-
ração de Todos os Valores, Valor, Vida, ria, Metafísica, Organismo. Ressenti-
Vir-a-Ser, Vontade de Potência. mento, Saúde, Sentido Histórico. Tem-
Ditirambo: Aparência, Apolíneo, Arte, po, Vingança.
Dionisíaco, Eterno Retorno do Mesmo, Estado: Anarquismo, Aristocracia. Bur-
Filologia, Impulso, Metafísica, Música, guesia, Cultura, Décadence. Democracia.
Perspectivismo, Trágico, Vontade de Filisteu da Cultura, Gênio, Grande Políti-
Potência. ca. Liberalismo, Nacionalismo, Socialis-
Doença: Ver Saúde. mo, Trágico. Vontade de Potência.
Domesticação: Ver Civilização e Dé- Estilo: Criação, Cultura. Décadence,
cadence. Filisteu da Cultura, Filosofia, Fisiopsi-
cologia, Linguagem. Metafísica, Músi-
Educação: Aristocracia, Ciência, Civi- ca, Pensamento, Perspectivismo, Rea-
lização, Cultivo, Cultura, Filologia, Gê- lidade, Valor, Vivência.
nio, Hereditariedade, Impulso. Estoicismo: Amor Foti, Cristianismo,
Egoísmo: Compaixão, Cristianismo, Eterno Retorno do Mesmo, Ética. Ilu-
Darwinismo, Décodence, Forte, Moral, são, Moral, Natureza. Razão. Socratis-
Moral dos Senhores e dos Escravos, mo, Trágico, Vida.

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V,r--a- r. Vontade de Pot ncia. jetividade, Probidade. V1vênc1a.
ttica: Afirma Jo. Amor Fali, Apolíneo. FIiosofia: Afeto. Arte. Conhe ímen o.
Avaliação. Estoicismo. Eticidade do Crítica, Erro. Espírito de Peso, Es lo. Ex-
Costume. Interpretação, Luta. Moral, perimento. Filologia. Filósofos do F _
'eces ·dade. Perspectivismo, Valor, Vi- turo, Legislador, Linguagem. Metafísi-
da. ontade de Potência. ca , Razão, Relativismo. Sentido H,s ó-
Eticidede do Costume: Castigo, Civi- rico, Solidão. Transvaloraçãode Todos
lização. Consciência Moral, Crueldade, os Valores. Valor, Verdade. Vida. Vi-
Cultivo. Cultura. Ética. Humanidade, vência. Vontade de Verdade.
Impulso, Legislador, Memória, Moral, Filósofos do Futuro: Animal de Reba-
Valor, Virtude. nho. Bom Europeu, Crítica. Espírito U-
Eu: Causalidade. Certeza Imediata, vre, Experimento, Filosofia, Fisiopsico-
Conceito, Corpo, Fatalismo, Fisiopsico- logia. Forte. Genealogia. Legislador.
logia, Impulso. Interpretação. Lingua- Modernidade, Tipo, Transvaloraçãode
gem. Livre-Arbítrio. Lógica. Objetivi- Todos os Valores. Valor, Verdade.
dade. Substância, Sujeito, Verdade. Finalidade: Causalidade. Conceito,
Experimento: Ciência, Conhecimento. Consciência. Criação. Crítica. Desenvol-
Criação. Espírito de Peso, Espírito Livre, vimento. Força, História. Impulso. Livre-
Eterno Retorno do Mesmo. Extempo- Arbítrio. Natureza, Necessidade. Niilis-
râneo. Filisteu da Cultura. Filosofia, Fi- mo. Organismo. Progresso, Vida. Von-
lósofos do Futuro. Grande Saúde. Hie- tade de Potência.
rarquia, Interpretação, Niilismo. Re- Fisiologia: Ver Fisiopsicologie.
denção, Solidão. Valor. Vida. Vivência, Fisiopsicologia: Afeto, Além-do-Ho-
Vontade de Potência. mem. Alma. Anarquismo. Ciência. Corpo.
Extemporâneo: Bom Europeu, Com- Desenvolvimento. Estilo. Eu. Filóso os do
paixão. Décadence. Experimento. Fi- Futuro, Força. Genealogia. Grande Sa · ·
lologia, Humanidade, Jovialidade. Jus- de, Hereditariedade. Hierarquia. Homem
tiça, Má Consciência. Modernidade, Superior, Impulso. Interpretação. Lógi-
acíonalismo, Progresso, Religião, So- ca. Luta. Moral, Moral dos Senhores e
lidão. Tipo. dos Escravos. Organismo. Pensamento.
Psicologia. Razão. Saúde. Seleção. Sn-
Fatalismo: Causalidade, Décadence, toma. Teoria do Conhecimento. Valor.
Eterno Retorno do Mesmo, Eu, Huma- Vontade de Potência.
nidade, Livre-Arbítrio, Necessidade. Força: Afeto. Alma. Amor Fati. Av hJ·
Ressentimento. Trágico. ção. Causalidade, Espaço. Eterno Re·

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e ·ura. Darwinismo. Democracia. De- nio, Impulso. Necessidade. Psicologia.
se v 1,1mento. Egoísmo, Filósofos do Sentido Histórico. Valor. Vida.
F uro. Força. Genealogia, Gênio, He- Hierarquia: Anarquismo. Animal de
redita ·edade. Hierarquia, História. Hu- Rebanho. Aristocracia. Criação. Cultura,
anidade, Igualdade, Modernidade, Décadence. Democracia, Espírito Livre,
Moral dosSenhores e dos Escravos. Pa- Experimento, Fisiopsicologia. Forte.
thos da Distância, Pessimismo, Tipo, Genealogia, Grande Política. Grande
Virtude, Vontade de Potência. Saúde. Homem Superior, Humanidade,
Fraco: Ver Forte. Imperativo. Instinto. Justiça. Legislador.
Má Consciência. Modernidade. Moral,
Genealogia: Avaliação, Castigo, Ciên- Organismo. Pathos da Distância. Pers-
cia, Compaixão, Conceito, Criação, Crí- pectivismo, Raça, Saúde, Sintoma. Su-
tica, Crueldade. Culpa, Democracia. jeito. Tipo, Valor. Vida. Virtude. Vontade
Deus. Dionisíaco. Filósofos do Futuro, de Potência.
Fisiopsicologia, Forte, Hereditariedade. História: Afirmação, Ciência, Filisteu da
Hierarquia, Homem Superior. Impulso, Cultura. Filologia, Finalidade, Força. For-
Interpretação. Justiça, Luta. Moral, Mo- te, Interpretação, Metafísica. Moral dos
ral dos Senhores e dos Escravos. Pers- Senhores edos Escravos. Necessidade.
pectivismo, Psicologia, Raça, Sentido Psicologia. Raça. Sentido Histórico,
Histórico, Sintoma, Socialismo, Tipo. Tempo, Tipo. Valor. Vida. Vir-a-Ser.
Valor. Verdade, Vida, Virtude . Homem Superior: Afirmação. Além-
Gênio: Além-do-Homem, Aristocracia, do-Homem. Aristocracia. Espírito Livre.
Criação, Cultivo, Cultura. Educação, Es- Fisiopsicologia, Genealogia, Gênio. Hie-
pírito Livre, Estado, Forte, Hereditarie- rarquia, Humanidade, Legis!ador. Nii-
dade, Homem Superior, Humanidade. lismo, Pathos da Distância, Ultimo Ho-
Legislador. Natureza, Redenção, Ro- mem. Virtude. Vivência.
mantismo. Seleção. Tipo. Humanidade: Além-do-Homem. Ani-
Grande Política: Aristocracia , Bom mal de Rebanho. Cristianismo. Culti o.
Europeu, Décadence. Democracia, Es- Democracia. Eticidade do Costum .
tado, Hierarquia, Humanidade. lgualda- Extemporâneo. Fatalismo. Forte. Gên.o.

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Gklll P l1t ic , Hi rnrquia, Hom m P r I tlvlrrn , Príllcr, Pr ,r ·?1>, J ·.,
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Espaço, Linguagem, Lógica, Materia- Castigo, Clviliz.a~o. Consciôncia, Corrxi:
lismo. Metafísica, Perspectivismo, Rea- Cultivo, Décadence, Força, Hierarquia,
lidade, Realismo, Sensação, Verdade, Imoralista, Impulso, Liberalismo, Músi-
Vir-a-Ser, Vontade de Potência. ca, Necessidade, Organismo, Pothos da
Igualdade: Animal de Rebanho, De- Distância, Pensamento, Razão, Sintoma,
mocracia, Espírito Livre, Forte, Grande Socratismo, Vontade de Potência.
Política, Justiça, Liberalismo, Moder- Interpretação: Afi rmação, Alma, Ava-
nidade, Pathos da Distância, Progresso, liação, Conhecimento, Criação, Cultura.
Socialismo, Último Homem, Utilitaris- Ética, Eu, Experimento, Filologia, Fisio-
1 psicologia, Genealogia, História, Impe-
mo, Vida, Vingança.
Ilusão: Afirmação, Aparência, Arte, rativo, Impulso, Justiça, Linguagem,
Ascetismo, Ciência, Conceito, Conheci- Lógica, Luta, Metáfora, Moral, Nature-
mento, Cultura, Erro. Estoicismo, Men- za, Objetividade, Organismo, Perspec-
tira, Moral, Perspectivismo, Probidade, tivismo, Prazer, Probidade, Realidade,
Progresso, Realidade, Trágico, Vida, Realismo, Sintoma, Sujeito, Verdade,
Vontade de Potência. Vir-a-Ser, Vontade de Verdade.
Imoralista: Além-do-Homem, Amor
Fati, Ascetismo, Avaliação, Dionisíaco, Jovialidade: Afirmação, Amor Fati,
Eterno Retomo do Mesmo, Grande Políti- Apolíneo, Arte, Dionisíaco, Extempo-
ca, Impulso, Instinto, Moral, Necessidade, râneo, Impulso, Pessimismo, Roman-
Perspectivismo, Transvaloração de Todos tismo, Socratismo, Trágico, Vida.
os Valores, Vontade de Potência. Judaísmo: Afirmação, Antissemitis-
Imperativo: Consciência Moral. Hie- mo, Cristianismo, Culpa, Décadence.
rarquia, Impulso, Interpretação, Livre- Grande Saúde, Moral , Moral dos Se-
Arbítrio, Moral, Natureza, Organismo, nhores e dos Escravos, Ressentimento.
Verdade, Vida, Vontade de Potência. Socratismo, Transvaloração de Todos
Impulso: Afeto, Alma, Apolíneo, Ava- os Valores, Valor, Vingança.
liação, Budismo, Castigo, Civilização, Justiço: Crueldade, Extemporâneo,
Conhecimento, Consciência, Consciên- Genealogia, Hierarquia, Igualdade, Im-
cia Moral, Corpo, Crítica , Cultura, Dar- pulso, Interpretação, Objetividade, Pers-
winismo, Desenvolvimento, Ditirambo, pectivismo, Psicologia, Ressentimento.
Educação, Eticidade do Costume, Eu, Socialismo, Verdade. Vingança. Vonta·
Finalidade, Fisiopsicologia, Força, Ge- rJe de Potõncia.
nealogia, Hereditariedade, Imoralista,
Imperativo, Instinto, lnterprctaç~o. Jo- Legislação: Ver Legislador.
vialidade, Justiça, Livre-Arbítrio, Lógic:a, Legislador: Amor Fati, Aristocracia.
Luta, Má Consciência, Memória, Moral, Bom Europeu, Crítica , Cultivo, Cultura,
Natureza, Objetividade, Organismo, Eterno Retorno do Mesmo, Eticid d

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Liberalismo: Ahrn~ílÇoO, 1111~0 e L oic( , P ic I i , Hr. ri tim nt , ut) 1
Rel\111I . Ari r ra 1a, Buruue 'ª·.D,_ tfüici, , T'mpo, Vmílt1rtç( , Vont,1 1 •
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nJlislll . cia lismo. Vida. vismo, Probidade, R•Jli<JDde, VcrdJcl i,
Linguagem: Alma, A11irnal_deReoonl1~, Vida, Vir-a-Ser, Vonrnclc d, Verei 1,.
Arte. causalidade. Conceito, Conhec1- Metafisica: Apar~nci , Cefl 'l i.J lm di<l·
mento. consciência, Esquecimento, Es- ta, Ciência, Conhecimento, Conscl n iJ,
·io. Eu, Filologia, Filosofia, Força, Idea- Cristianismo, Crítica, Dá:odencc, Ditl•
lismo. Interpretação. Mentira, Metarí- rambo, Erro, Esquecimento, Estilo, Filo-
sica, Metáfora. Pensamento, Religião, logia, Filosofia, Força, História, Idealismo,
Sintoma. Sujeito, Teoria do Conheci- Liberalismo, Linguagem, Livre-Arbítrio,
mento. Verdade, Vivência. Psicologia, Realidade, Realismo. Religi o,
Livre-Arbítrio: Amor Fati, Causalidade, Romantismo, Sentido Histórico, Solidão,
Culpa, Eu. Fatalismo, Finalidade, Impe- Subs~ncia, Sujeito, Trágico, Transvalo-
rativo, Impulso, Liberalismo, Metafísica, ração de Todos os Valores, Vida, Vir-a-
Necessidade, Sujeito, Vontade. Ser, Vontade, Vontade de Potência.
Lógica: Causalidade, Certeza Imediata, Metáfora: Alma, Causalidade, Concei-
Conceito, Conhecimento, Eu, Fisiopsi- to, Conhecimento, Corpo, Filologia, In-
cologia, Idealismo, Impulso, Interpreta- terpretação, Linguagem, Lógica, Moral,
ção, Memória, Mentira, Metáfora, Obje- Perspectivismo, Psicofisiologia, Reali -
tividade, Pensamento, Perspectivismo, dade, Verdade.
Razão, Realidade, Sensação, Teoria do Modernidade: Alma, Animal de Re-
Conhecimento, Valor, Verdade. banho, Aristocracia, Bom Europeu, Bur-
Luta: Ética, Fisiopsicologia, Força, Ge- guesia, Civilização, Cristianismo, Déca-
nealogia, Impulso, Interpretação, Libe- dence, Democracia, Dionisíaco, Espírito
ralismo, Moral dos Senhores e dos Es- Livre, Extemporâneo, Filologia, Filóso-
cravos, Organismo, Perspectivismo, fos do Futuro, Forte, Grande Política,
Prazer, Trágico, Valor, Vida, Vir-a-Ser, Hierarquia, Igualdade, Legislador, Pro-
Vontade de Potência. gresso, Raça, Sentido Histórico, Socra-
tismo, Verdade, Virtude, Vontade de
Má Consciência: Alma, Ascetismo, Potência, Vontade de Verdade.
Castigo, Consciência, Consciência Mo- Moral: Afeto, Amor Fati, Animal de Re-
ral, Cristianismo, Crueldade, Culpa, Cul- banho, Antissemitismo, Aristocracia,
tura, Extemporâneo, Força, Hierarquia, Ateísmo, Avaliação, Bom Europeu, Cer-
Impulso, Moral dos Senhores e dos Es- teza Imediata, Civilização, Compalx[lo,
cravos, Redenção, Saúde, Vingança. Conceito, Consciência Moral, Cristianis-
~aterlalismo: Espaço, Força, Idea- mo, Crítica, Crueldade, Culpa, Cultivo,
lismo, Morte, Realidade, Realismo, Subs- Cultura, Dionisíaco, Egoísmo, Erro, Es-
tância, Vir-a-Ser, Vontade de Potência. toicismo, Ética, Eticidadc do Costume,

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i ai e Rebanho. Antissemitismo. Nobreza: Ver Aristocracia.
Aristocra ia. Avaliação. Burguesia. Cris-
·; 1;smo. Darv,inismo. Décodence. Egoís- Objetividade: Afeto. Oé eia, Cor. e.
mo. Fisiopsicología. Forte. Genealogia, cimento, Eu, Rlologia, lmp 'so, lrit~ e-
História. Judaísmo. Luta. Má Consciên- tação, Jus ·ça, Lógica. Perspec · is
cia. Moral. Pathos da Distáncia. Res- Realidade. Realismo. Sujeito. Verdade.
sentimento. Socialismo. Tipo, Valor. Organismo:Anarquismo. Conscié da,
Morte: Erro. Espaço. Força. Materia- Corpo, Darwinismo. Esquecimento. A-
lismo, Organismo, Realidade, Sensa- nalidade, Fisiopsicologia. Hierarquia.
ção. Tempo, Trágico, Vida, Vontade, Imperativo. Impulso. Instinto, Interpre-
Vontade de Potência. tação. Luta, Morte. Natureza. Progresso,
Música: Afeto, Afirmação, Arte, Cria- Saúde, Seleção. Sintoma. Sujeito. Valor.
ção, Cultura, Dionisíaco. Ditirambo. Vida, Vontade. Vontade de Potência.
Estilo. Instinto. Romantismo. Socratis-
mo, Trágico, Vir-a-Ser, Vivência. Pathosda Distância: Afirmação, Aris-
tocracia, Cultura. Forte, Hierarquia. Ho-
Nacionalismo: Aristocracia, Bom Eu- mem Superior, Igualdade, Instinto.
ropeu, Burguesia, Cultura, Espírito Li- Moral dos Senhores e dos Escravos.
vre, Estado, Extemporâneo, Filisteu da Tipo, Valor.
Cultura, Grande Política, Liberalismo, Pensamento: Causalidade, Certeza
Raça, Socialismo. Imediata, Conceito. Consciência, Corpo,
Natureza: Civiliz.ação, Corpo, Darwinis- Estilo, Fisiopsicologia. Instinto. Lingua-
mo, Dionisíaco, Egoísmo, Espaço, Estoi- gem, Lógica. Psicologia, Razão. Solidão.
cismo, Finalidade, Gênio, Humanidade, Teoria do Conhecimento. Vontade.
Imperativo, Impulso, Interpretação, Mo- Perspectivismo: Afeto, Aparência.
ral, Organismo. Razão, Realidade, Ro- Avaliação, Certeza Imediata. Conheci-
mantismo, Sentido Histórico, Trágico. mento, Ditirambo, Erro, Estilo. Ética,
Valor, Vida, Vontade de Potência. Genealogia, Grande Saúde, Hierarquia.
Necessidade:Amor Fati. Causalidade, Idealismo, Ilusão. Imoralista. Impulso.
Consciência, Desenvolvimento, Ética, Interpretação, Justiça, Lógica. Luta, Men-
Fatalismo, Finalidade, Hereditariedade, tira, Metáfora. Moral, Objetividade. Pra-

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t v r ad . ca, Materialismo, Mentira, M afh r .
pessimismo: Afirmação, Arte, Avalia- MetMora, Morte, N tureza, ObJ~ ivi-
~o. Budismo. Cristianismo, Crítica, dade, Realismo. R la tivismo, Sensar~o.
().."cod nce. Dionisíaco. Espírito Livre, Substância, Tempo, Vir-a-Ser, Vontade
For a. Forte. Jovialidade, Niilismo, Ro- de Potência, Vontade de Verdade.
mantismo. Vida . Realismo: Animal de Rebanho, Apa~
prazer: Apolíneo, Castigo, Compaixão, rência, Criação, Idealismo. Interpretação,
Cria ão. Crueldade, Dionisíaco, Força, Materialismo, Metafísica, Moral, Obje-
impulso, Interpretação, Luta, Perspec- tividade, Perspectivismo, Realidade, Re-
ti ·smo. Sensação, Trágico, Utilitarismo, lativismo, Sensação, Valor, Verdade, Vir-
v,r-a-Ser. Vontade de Potência. a-Ser, Vontade de Potência.
Probidade: Ateísmo, Cristianismo, Crí- Redenção: Afirmação, Amor Foti, Apa-
tica. Espírito Livre. Filologia, Ilusão, Inter- rência, Criação, Cristianismo, Culpa, Ex-
pretação, Mentira, Moral, Religião, Valor, perimento, Gênio, Grande Saúde. Má
Verdade. Virtude, Vontade de Verdade. Consciência, Religião, Ressentimen o,
Progresso: Civilização, Compaixão, Cris- Tempo, Trágico, Transvaloraçàode l o-
tianismo, Darwinismo, Décadence, De- dos os Valores, Vingança.
mocracia, Desenvolvimento, Extempo- Relativismo: Conhecimento, Filosofia.
râneo, Finalidade, Humanidade, Igual- Perspectivismo. Realidade, Realismo,
dade, Ilusão, Impulso, Modernidade, Verdade.
Moral, Organismo, Seleção, Vir-a-Ser. Religião: Antissemitismo, Ascetismo.
Psicologia: Afeto, Alma, Aristocracia, Budismo, Consciência, Cristianismo, Cul-
Avaliação, Ciência, Corpo, Crueldade, Fi- pa, Deus, Extemporâneo. Força, Lingua-
siopsicologia, Genealogia, Grande Saú- gem, Metafísica, Moral, Niilismo. Probi-
de, Hereditariedade, História, Impulso, dade, Psicologia, Redenção. Romantis-
Justiça, Memória, Metafísica, Moral, mo, Solidão, Tipo, Vontade de Potência.
Pensamento, Religião, Ressentimento, Ressentimento: Animal de Rebanho,
Saúde, Teoria do Conhecimento, Tipo, Ascetismo, Avaliação, Budismo, Com-
Valor, Vontade. paixão, Consciência, Consciência Mo-
ral , Criação, Cristianismo, Crueldade,
Raça: Antissemitismo, Corpo, Cultivo, Esquecimento, Fatalismo, Força , Impul-
Cultura, Genealogia, Hierarquia, Histó- so, Judaísmo, Justiça, Memória, Moral
ria, Modernidade, Moral, Nacionalismo, dos Senhores e dos Escravos. Psicolo-
Tipo, Vontade de Potência. gia, Redenção, Saúde, Sintam . Tipo,
Razão: Afeto, Alma, Arte, Ciência, Cor- Vida, Vingança.
íX), Erro, Estoicismo, Filosofia, Fisiopsico- Romantismo: Arte, Décodence, Dio-
log,a, Impulso, Instinto, Lógica, Natureza, nisíaco, Força, Gênio, Jovi lidJd , Me--
Pensamento, Sentido Histórico, Socra- taíísica, Música. N tureza, P' imi mo,
usrno, T oria do Conh cimento. Vida. Religião. Saúde, Trágico, V1

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R••. rn 11n nto. Romantismo. Seleção. Extcmporjn o. Filo'-ior1íl, Mí!t,ir,,, 1" ·
• ·1111 o H1 tórico. Sintoma, Tipo, Vida, Pensamento. Rcl1giJo. V;ilor, V1v nr1,1
V1, cnc1r1. Vontade de Potência. Substância: Caur.alirJadc, Conti,, 1
Seleção: Af to. Afirmação, Ascetismo, menta. Corpo, Erro. Eu. Forç,1, MrHen. 1.
C1vil1zação. Cristianismo. Cultivo. Cul- lismo, Memória. Metarr ica, R(' l1<J,irJe.
tura. Darwinismo. Décadence. Eterno Sujeito, Vir-a-Ser. Vontade de Pott.n 1.1.
Retorno do Mesmo, Fisiopsicologia, Sujeito: Alma. Causalidade. Erro. ,,.
G'nio. Grande Política, Niilismo, Orga- paço, Eu. Força. Hierarquia, lmpul'o,
nismo. Progresso, Saúde, Tipo, Trans- Interpretação. Linguagem, Livre-Arbi no.
valoração de Todos os Valores, Vida. Metafísica. Necessidade. Objet1vi ad .
Sensação: Afeto, Conceito, Conheci- Organismo, Substância. Vir-a-Ser. Von•
mento. Consciência, Erro, Espaço. Idea- tade, Vontade de Potência.
lismo. Lógica. Morte, Perspectivismo,
Prazer, Rea lidade, Realismo. Utilitaris- Tempo: Amor Fati. Causalidade, Erro.
mo. Valor. Espaço, Esquecimento. Eterno Retorno
Sentido Histórico: Egoísmo. Esque- do Mesmo. Força, História. Memória.
cimento. Eterno Retorno do Mesmo, Morte. Realidade. Redenção. Sentido
Filosofia, Genealogia, Hereditariedade. Histórico. Vingança, Vir-a-Ser.
História, Metafísica, Modernidade, Mo- Teoria do Conhecimento: Certeza Ime-
ral. Natureza. Razão, Saúde, Tempo, diata, Ciência. Conhecimento. Consciên-
Vida, Vir-a-Ser. Virtude. cia. Erro. Fisiopsicologia. Linguagem.
Sintoma: Afeto. Civilização, Desenvol- Lógica , Pensamento. Perspectivismo.
vimento, Filisteu da Cultura, Fisiopsico- Psicologia, Razão.
logia, Genealogia, Hierarqu ia, Impulso. Tipo: Além-do-Homem, Animal de Re-
Instinto. Interpretação, Linguagem, Or- banho, Antissemitismo. Aristocracia. As·
ganismo. Ressentimento. Saúde, Vida, cetismo. Criação, Cultivo. Darwinismo.
Vivência, Vontade de Potência. Desenvolvimento, Espírito Livre. Ex-
Sintomatologia: Ver Sintoma. temporâneo. Filósofos do Futuro. Forte.
Socialismo: Anarquismo, Burguesia, Genealogia, Gênio, Hierarquia. Histón .
Cultura. Democracia, Estado, Genea- Humanidade. Moral dos Senhore do
logia, Igualdade, Justiça, Liberalismo. Escravos. Pathos da Distânci . P ico-
Moral dos Senhores e dos Escravos. Na- logia, Raça, Religião. Rcs ntimento,
cionalismo. Trágico. Vida . Saúde. Seleção. Vinganç .
Socratismo: Anarquismo, Apolíneo, Tipologia: Ver Tipo.
Arte, Ascetismo. Ciência. Conhecimen- Trágico: Afirn1 ção. Amor Fati. ApJ ·
to. Cristianismo. Décadence, Dionisíaco. rência. Apolíneo. Arte. Dionisí co. D1ti·
Erro. Estoicismo. Instinto, Jovialidade, rambo. Estado. Estoici rno. tem Rt'-

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r,{ ·,1. 1L te. r-.1ú_ica. atureza. Neces- lm ratJvo. ln r r ~Jo. J , ,ç, . Lin
,· .Prc1zer. R e ão. Romantismo, guagem, Lóg1ca, M n ,, . ~ ~ 0,
·i li.n . ratismo. Vida. Modernidade, Moral. ObJr. ,virJa1rJ:
Transvaloração de Todos os Valores: Perspectivismo, Probidade, R ak:.mo.
rma ão. Além-do-Homem. Amor Relativismo, Utilitarismo, Vida, Vo arJ~
Foti. Arte. Avaliação. Cristianismo, Dio- de Potência , Vontade de Verdade.
1isíaco, Eterno Retomo do Mesmo, Fi- Vida: Afirmação, Alma, Aparênoa, Arte,
1 5 ·a. Filósofos do Futuro, Grande Po- Avaliação, Certeza Imediata. Ciência,
lítica. Imoralista. Judaísmo, Metafísica , Compaixão, Conhecimento. CorpJ, Criti-
Moral. Niilismo, Redenção, Seleção, Va- ca, Darwinismo, Décodence, D:onisíaco,
lor. vontade de Potência. Erro, Espírito de Peso, Estoicismo. É ca.
Experimento, Rlosofia, Finalidade, Força.
último Homem: Além-do-Homem, Genealogia, Grande Saúde, Hereditarie-
Animal de Rebanho, Avaliação, Homem dade, Hierarquia. História, Igualdade,
Superior. Humanidade, Igualdade, Moral, Ilusão, Imperativo, Impulso, Jovialidade.
Niilismo, Valor, Vontade de Potência. Liberalismo. Luta, Mentira. Metafisica.
Utilitarismo: Animal de Rebanho, Aris- Moral, Morte, Natureza, Organismo,
tocracia, Conhecimento, Egoísmo, Igual- Perspectivismo, Pessimismo, Raz.ão. Res-
dade, Moral. Prazer, Sensação, Valor. sentimento, Romantismo, Saúde. Seleçao.
Verdade, Vida, Vontade de Potência. Sentido Histórico, Sintoma, Socialismo,
Socratismo, Trágico, Utilitarismo, Valor.
Valor: Afirmação, Aristocracia, Avalia- Verdade, Vivência, Vontade, Vontade de
ção, Bom Europeu, Conhecimento, Cons- Potência, Vontade de Verdade.
ciência, Criação, Crítica, Cultura, Dioni- Vingança: Castigo, Compaixão, Cris-
síaco, Erro, Espírito de Peso, Espírito tianismo. Crueldade, Culpa, Egoísmo.
Livre. Estilo. Eterno Retorno do Mesmo, Esquecimento, Igualdade, Judaísmo.
Ética. Experimento, Filosofia, Filósofos Justiça, Má Consciência, Memória, Re-
doFuturo, Forte, Genealogia, Heredita- denção, Ressentimento. Tempo, Tipo,
riedade, Hierarquia, História, Judaísmo, Vir-a-Ser, Virtude, Vontade.
Legislador. Lógica, Luta, Metafísica, Vir-a-Ser: Aparência. Causalidade, Cul-
Moral, Moral Dos Senhores e dos Es- pa, Desenvolvimento. Dionisíaco. Espa-
cravos, Natureza, Niilismo, Organismo, ço, Eterno Retorno do Mesmo, Força,
Pothos da Distância, Perspectivismo, História, Idealismo, lnterpret ão. Lut .
Probidade, Psicologia. Realismo, Res- Materialismo, Mentira, Metafísica, Mú~
sentimento, Sensação, Solidão, Trans- sica, Prazer, Progresso. Realid de, Re -
valoração de Todos os Valores, Último !ismo, Sentido Histórico, Sub t nci .
Homem, Utilitarismo, Vida, Virtude. Sujeito. Tempo, Vingan a,
Verdade: Aparência, Certeza Imediata, Virtude: Cristianismo. E pírito Livr .
Conceito, Conhecimento, Crítica, Deus. Eticidade do Co tume. Fone. Gen JJlo-

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Scnt Ido l li~tórlco. Valor. Vineança. Forte, Grande Saude, Hierarquia, ldea.
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pcrirn ·nto, F1lolocla, F1lo~otia, Homem Impulso, Instinto, Justiça, Luta, Mate~
Sur1!rior. lrnnul1,0, Llncuaeem, Música, rialismo, Metafísica, Modernidade, Mor-
StlúcJ\ 1ntorn:i, SolicJ~o. Vida. te, Natureza, Niilismo, Organismo, Pers-
Vontade: C;iu ,,1lldadc, Certeza Ime- pectivismo, Prazer, Raça, Realidade
di< ui, r'ipfrito cJc Pe o, Impulso, Llvre- Realismo, Religião, Saúde, Sintoma, So~
Art)ftrio, Memória, Metafísica, Morte, cratismo, Substância, Sujeito, Transva-
rJ e·r,~icJacJe. Orr~anisrno, Pensamen- loração de Todos os Valores, Último Ho-
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1
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rôn i,1, Ari' tocr ciJ, Avaliaçao, Ciência, Filosofia, Interpretação, Mentira, Me-
Conh c.irnento, Corpo, CriaCfio, Cultura, LJffsica, Modernidade, Perspectivismo,
DécoU)fie 1, D •~envolvimento. Dionisf- Probidade, Realidade, Verdade, Vida,
J o. Ditlrnrnbo. ·spaço, fat,1do, Eterno Vontade de Potência.

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Os autores

ndré Luís_Mota ltaparica. Doutor em Filosofia pela Universi-


A dade de Sao Paulo (USP). Desde 2006 é professor de filosofia
na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). É membro
do Grupo de Trabalho Nietzsche da Associação Nacional de Pós-Gra-
duação em Filosofia (ANPOF) e autor de vários artigos e capítulos de
livros sobre a filosofia de Nietzsche. Publicou o livro Nietzsche: Esti-
lo e moral (2001) e organizou, juntamente com Márcio José Silveira
Lima, Verdade e linguagem em Nietzsche (2014).

Clademir Araldi. Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo


(2002). Éprofessor associado do Departamento de Filosofia e mem-
bro permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Uni-
versidade Federal de Pelotas. Realizou estágios de pesquisa na Univer-
sidade Técnica de Berlim, desde 2001 . Bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq desde 2013. Éautor dos livros Niilismo. Criação.
Aniquilamento: Nietzsche e a filosofia dos extremos (Discurso Edito-
rial/Ed . UNIJUÍ, 2004) e Nietzsche: Do niilismo ao naturalismo na
moral (NEPFIL, 201 3) . Publicou vários capítulos de livros e artigos em
revistas nacionais e internacionais de filosofia.

Eder Corbanezi. Doutorando em Filosofia na Universidade de São


Paulo, publicou artigos sobre Nietzsche em livros e revistas especiali-
zadas no Brasil e no exterior. É membro do GIRN (Groupe lnternatio-
nal de Recherches sur Nietzsche) .

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Edunrdo Nn ser. D ui< r crn filo ofiil p 'líl Univ r idndc d 5ao Paulo
(LJ PJ. )1 (1 "ll 1(1 f do Grupo d" Estuctos NiCI/ ct1c (GEN - USP) C
membr d GrouJ , 1111 'llKltioníll de R 'cllcrcllcs sur Nietzsche (GIRN).
ELu,t , d livr Nict ·cll • 1 0 ontologia do vir-a-ser (Sc~o Paulo: Loyola,
o11·• ((oi. 11dn & Ver 'dns). bc111 como de artieos publicados em
, p i<1li1Jdos no 13rn il e no exterior.

Emmnnuol Solenskls. Doutor em filosofia pela Universidade de Reims,


pcsquis.ldor 110 lílborJtório SPHERE do CNRS e diretor de programa no
11\' , 1111 mationtJI de Pl1ilosopllie. também é membro do Groupe ln-
tcllhlti rh Ide Recl1ercl1es sur Nietzsche (GIRN). Éautor do livro Nietz-
11 , (1 Jr is: L s Belles Lettres, 201 5). bem como de vários artigos so-
l>r 'Ni 'llscl1e 110s Nietzsclle-Studien e nos Cadernos Nietzsche.

Fomnndo R. de Moraes Barros. Bacharel, Licenciado, Mestre e Dou-


tor 1 111 Filosofia pelo Departamento de Filosofia da Universidade de
~ o Pc-1ulo [USP), é membro do GT Nietzsche da ANPOF. tradutor e
11111b 111 tecni o em música . Professor de Filosofia na Universidade
F ti 'lf'tll do Ceará- UFC, desenvolveu, como Pesquisador Convidado.
t1jgio d') Pós-doutorado na Universidade de Freiburg (Alemanha).
Liedicc111do-se, sobretudo, à pesquisa em estética musical.

Ivo da Silva Jr. Professor da Universidade Federal de São Paulo


(UNIFESP), membro do GIRN (Groupe lnternational de Recherches
ur Ni tzscl1e), diretor do CENBRA (Centro de Estudos Nietzsche: a
recepção no Brasil) e coeditor dos Cadernos Nietzsche. Publicou ar-
ti os sobre Nietzsd1e em revistas especializadas e em livros no Brasil
e no exterior. entre eles. "Lo svelamento dela realtà : note sulla teo-
rit1 dela conoscenza in Nietzsche" (ln: BUSELLATO. S. (org.). Nietz-
cll dai Brasile. Pisa: Esizioni ETS. 2014). "Conhecimento e relações
de domínio em Nietzsche" (ln: MARTON, S., MAYER BRANCO, M..
CONSTÂNCIO. J. (orgs.). Sujeito. décadence e arte. Nietzsche e a
mod midade. Lisboa: Tinta da China, 2014). "Zeichenspraclle der
Af{j kte": le langage et la morale chez Nietzsche (ln: WOTLING. P..
DENAT. C. (orgs.). Nietzshe. Un art nouveau du discours. Reims: Épure,
2013). "Notas sobre a recepção de Nietzsche no Brasil. Lebrun e os
operadores teóricos" (ln: Cadernos Nietzsche, v. 30, 2012) . Éautor

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Os outor

de Em busca de um lugar a~ sol. ~ietzsche e a cultura alem() (Col.


sendas & Veredas! e organizou Filosofia e cultura. Festschrift para
scorlett Marton (São Paulo: Barcarolla, 20 J I J, dentre outros.

João Evangelista Tude de Melo Neto. Professor da Universidade


católica de Pernambuco. Doutorou-se em Filosofia pela USP, com estáA
gio na Universidade de Reims (França). Évinculado ao GIRN (Groupe
lnternational de Recherches sur Nietzsche). Publicou artigos e tradu-
ções em edições como: Cadernos Nietzsche e Perspectiva filosófica. Já
apresentou trabalhos em eventos como: Ve VII Congressos do GIRN.

Luís Rubira. Professor do Departamento e do Programa de Pós-Gra-


duação em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas. Realizou
Doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2009) e
Pós-Doutorado na Université de Reims Champagne-Ardenne (2014-
2015). Membro do Groupe lnternational de Recherches sur Nietz-
sche (GIRN) e do GT-Nietzsche da ANPOF, é autor de Nietzsche: do
eterno retorno do mesmo à transvaloração de todos os valores (São
Paulo: Discurso Editorial/Editora Barcarolla, 201 O).

Márcio José Silveira Lima. Professor da Universidade Federal do


Sul da Bahia (UFSB). Formou-se em filosofia pela Universidade de
São Paulo, onde também fez mestrado e doutorado. É membro do
GT-Nietzsche e Editor Responsável dos Cadernos Nietzsche. Publicou
o livro As máscaras de Dioniso, filosofia e tragédia em Nietzsche e
co-organizou o volume Verdade e linguagem em Nietzsche. Tem ar-
tigos publicados sobre Nietzsche no Brasil e no exterior.

Scarlett Marton. Professora titular de Filosofia Contemporânea da


USP. Éautora de Nietzsche e a arte de decifrar enigmas. Treze con-
ferências europeias (201 4); Nietzsche, das forças cósmicas aos valo-
res humanos (3ª ed., 201 O; 1ª ed. , 1990); Nietzsche, filósofo da sus-
peita (201 O); Nietzsche, seus leitores e suas leituras (201 O); Extra-
vagâncias. Ensaios sobre a filosofia de Nietzsche (3ª ed., 2009; 1ª
ed., 2000); Nietzsche. A transvaloração dos valores (5ª ed., 2006:
1ª ed., 1993); A irrecusável busca de sentido. Autobiograhó inte-
lectual (2004); Nietzsche, uma filosofia a marteladas (5ª ed .. 1991 ;

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I ' 1.. I< B)), C, 11l1'
1 1trOS. ÜfH<líll/OUM 'l/S h 'Crrl llo r! llr4xín1u,
(., Ol' ): ,,·t clle, um 'f1C111c ' 1ntre Irona es (2009): Mr.trich,!
I '/1 ( mcd1tr11ôn XJ. A, (l)ÇÔOitaliOIIO (20071 : Niel/Scheobo, ()
oo Equart r(200G) :NicUSch ' IIOAI manha (2005):Niell5chehoíe?
Co!c u,o dt, Ccn !J ( 198 ). Publicou ainda ensaios cm livros e revi tas
. c1JltzJdJ na AI )manha. Au tria, França, Itália, Portugal, Espanha,
Colôm ,a. V nezuela, Bolívia, Chile, Argentina e Brasil. Fundou o
GE, m 1996, cnou os Cadernos NielLSche. idealizou a Coleção Sen-
da & reda , implementou o GT Nietzsche na ANPOF. Atualmente,
d1n .,e o GIR - Groupe lnternational de Recherches sur Nietzsche
com Patnck Wotling, Giuliano Campioni e Werner Stegmaier.

Vânia Outra de Azeredo. Pós-doutorado em Ética na Universida-


de de Caxias do Sul. É membro do GIRN - Groupe lnternational de
Recherches sur Nietzsche e do GT Nietzsche da ANPOF. Publicou
ietzsche e a dissolução da moral (2000: 2003) : Nietzsche e a au-
rora de uma nova ética (2008) e Nietzsche e a condição pós-mo-
derna (2013). Organizou Nietzsche: Filosofia e Educação (2008):
Falando de Nietzsche (2005): Caminhos Percorridos e Terras incóg-
nitas (2004): e Encontros Nietzsche (2003). Coordena a Coleção
ietzsche em Perspectiva (Humanitas-USP) .

Wilson Antonio Frezzatti Jr. Doutor em Filosofia pela Universidade


de São Paulo (USP) (2004) . Atualmente é Professor Associado da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) : cursos de
graduação e mestrado/doutorado em Filosofia. Professor colabora-
dor do mestrado em Filosofia da Universidade Estadual de Maringá
(UEM) . Publicou os livros: Nietzsche contra Darwin (2001, 1ª ed.:
2014. 2ª ed.) e A Fisiologia de Nietzsche: a Superação da Dualidade
Cultura/Biologia (2006) . Membro do Groupe lnternational de Re-
cherches sur Nietzsche (GIRN) e do Grupo de Pesquisa "Filosofia,
Ciência e Natureza na Alemanha do século XIX" da UNIOESTE. Coor-
dena o GT-Nietzsche (ANPOF). Desenvolveu pesquisas pós-doutorais:
na França (Université de Reims). com o Prof. Patrick Wotling (2009-
2010) : e na UFSC. com o Prof. Gustavo Caponi (2014-2015) .

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ndas & Veredas
. - - - - - ---,.______s~ª- ~

e ri~da n~ ano 200~, com o in:uito de fazer avançar os estudos


nietzsch1anos no pais, a Coleçao Sendas & Veredas pro · se a
atuar em três frentes distintas: trazer ao público brasileiro obras sig-
nificativas sobre a filosofia de Nietzsche, apresentar trabalhos de re-
cepção de suas ideias e editar textos de pensadores com quem ele
mesmo dialogou. Acolhendo diferentes linhas interpretativas do pen-
samento nietzschiano, "sem desconto, exceção ou seleção", a Cole-
ção Sendas & Veredas quer ensejar novas possibilidades de leitura.
Éprecisamente a diversidade que constitui a sua maior riqueza.

Editora-responsável: Scarlett Marton

Conselho editorial: António Marques (Universidade ova de Lis-


boa. Portugal). Diego Sánchez Meca (Universidade de Madri, Espa-
nha). Ernildo Stein (PUC-RS, Brasil). Germán Meléndez [Uni ersida e
Nacional da Colombia), Giuliano Campioni (Universidade de Pisa,
Itália). Günther Abel (Universidade de Berlim, Alemanha). José Jara
[Universidade de Valparaíso, Chile). Luís Enrique de Santiago Guer-
vós (Universidade de Málaga, Espanha). Mônica B. Cragnolini [ ni-
versidade de Buenos Aires, Argentina). Paulo Eduardo Arantes (USP,
Brasil). Patrick Wotling (Universidade de Reims, França). Rubens Ro-
drigues Torres Filho (USP, Brasil). Werner Stegmaier (Uni ersicla
de Grcifswald, Alemanha) .
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1 D1c1onár10 N1etische

Série Ensaios

E.xtravagáncias:
ensaios sobre a filosofia de Nietzsehe (3ª eo.)
Scar1ett Marton

Nietzsche e a dissolução da moral (2ª ed.)


Vánia Outra de Azeredo

Conhecer é criar:
Um ensaio a partir de F. Nietzsche (2ª ed.)
Gilvan Fogel

O Crepúsculo do sujeito em Nietzsche


ou como abrir-se ao filosofar sem metafísica
Alberto Marcos Onate

Nietzsche: estilo e moral


André Luís Mota ltaparica

A maldição transvalorada:
O problema da civilização em O Anticristo de Nietzsche
Fernando de Moraes Barros

A filosofia perspectivista de Nietzsche


António Marques

Niilismo, criação, aniquilamento:


Nietzsche e a filosofia dos extremos
Clademir Luís Araldi

Sobre o suposto autor da autobiografia de Nietzsche:


Reflexões sobre Ecce Homo
Sandro Kobol Fornazari

Nietzsche e a música
Rosa Maria Dias

As móscaras de Dioniso:
Filosofia e tragédia em Nietzsche
Márcio José Silveira Lima

Em busca de um lugar ao sol:


Nietzsche e a cultura alemã
Ivo da Silva Júnior

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1\ 'if.' -- hc:
rn retorno do mesmo
e
' tronsl'Oloroçôo de lodos os valores
Luís Rubira

'iEtzsche e o problema da civilização


Patrick Wotling

Nietzsche contra Darwin (2ª ed. ampliada e revista)


Wilson Antonio Frezzatti Jr.

lietzsche e a arte de decifrar enigmas.


Treze conferências europeias
Scar1ett Marton

lietzsche e a ontologia do vir-a-ser


Eduardo Nasser

Nietzsche e o espírito latino


Giuliano Campioni

Série Recepção

Nietzsche na Alemanha
Scarlett Marton (org.)

Nietzsche abaixo do Equador:


A recepção na América do Sul
Scarlett Marton (org.)

Nietzsche pensador Mediterrâneo:


A recepção italiana
Scarlett Marton (org. 1

Nietzsche, um "francês" entre os franceses


Scarlett Marton (org.]

Nietzsche em chave hispânica


Scarlett Marton (org.)

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